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PEJA Rio Claro como

espaço de formação
mARiA RosA RodRiguEs mARtins dE CAmARgo
fEliPE fERREiRA JoAquim
(oRgAnizAdoREs)

PEJA Rio ClARo Como EsPAço dE foRmAção:


nossAs PRátiCAs, nossAs históRiAs

são PAulo
2012
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Karina.Mayara.Leite.Vieira

Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação – UNESP – campus de Marília
P379 PEJA Rio Claro como espaço de formação : nossas práticas, nossas his-
tórias / Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo, Felipe Ferreira
Joaquim (organizadores). – São Paulo : Proex ; São Paulo : Cultura
Acadêmica ; 2012.
170 p. ; 23 cm
Inclui bibliografia.
ISBN

1. Educação continuada de pessoas adultas 2. Formação de educadores


3. Extensão universitária. 4. Práticas interdisciplinares. 5. Universidade
Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (Campus de Rio Claro). I.
Camargo, Maria Rosa Rodrigues Martins de. II. Joaquim, Felipe
Ferreira
CDD...374...
Editora afiliada:
Sumário

Prefácio
Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo.............................................. 7

Apresentação
José Carlos Miguel................................................................................... 9

Palavra e imagem como pontes para a escrita de si e do mundo


Eliane Aparecida Bacocina; Silvio Ricardo Munari Machado;
Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo.............................................. 13

Compartilhações no Peja: aprendizados e emoções...


Márcia Prado Nunes . ............................................................................. 29

Experiências de vida de educandos (jovens e adultos) e educadores no


planejamento de um Programa de Atividades
Vagner de Araujo Gabriel......................................................................... 37

Registros do Projeto de Educação de Jovens e Adultos – Peja-Rio Claro: por


entre memórias e histórias
Mariana Bortolazzo................................................................................. 47

(Re)visitando “Minha Unesp”


Felipe Ferreira Joaquim; Antonio Roberto Achel;
Arthur Bernardo Cruz Bernardes.............................................................. 61

Um percurso entre realidades: passeando pela 29ª Bienal de Artes


de São Paulo
Luiza Teixeira Bussius.............................................................................. 71

O Peja em imagens e poesia


Rafael Caetano do Nascimento; Felipe Ferreira Joaquim............................. 75

“Vou para A Unesp” e outros escritos


Dirce Tomitan Perinotto........................................................................... 89

Poemas na Eja: da leitura à escrita


Priscila Regina Lourenço ......................................................................... 95

A relevância das palavras geradoras para as aulas do Peja


Maria Carolina Aguilera Maccagnini....................................................... 101
Práticas educativas no Peja: diálogo entre saberes
Flávia Priscila Ventura............................................................................. 109

Leituras do lugar – leituras do mundo: notas sobre a construção de


conhecimentos com educandos adultos nas atividades do PejA
Fábio Pereira Nunes................................................................................. 119

Importa que eu ame


Márcia Marques...................................................................................... 127

PEJA: a construção de um percurso de pesquisa


Thais Surian............................................................................................ 131

Cartas inconclusas e desconformes sobre encontros e travessias no Peja


Marcelo Dante Pereira; Silvio Ricardo Munari Machado........................... 141

Sobre os autores...................................................................................... 163


Prefácio

P refaciar um livro elaborado pelo Programa de Educação de Jovens


e Adultos – PEJA do Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro é uma
satisfação, por representar um trabalho científico de grande importância para a
área de educação e que acompanha a política da Extensão Universitária atual na
UNESP, de materializar os trabalhos executados, permitindo que experiências de
sucesso possam ser divulgadas e que seus executores recebam na Universidade seu
merecido valor.
O livro resume experiências vivenciadas pelo grupo de docentes, alunos
e pela comunidade, com oportunos comentários e com apresentação de textos
elaborados por alunos do PEJA, expressando o sentimento real que eles têm pelo
programa.
A coletânea de artigos de docentes e alunos de graduação ou pós-
graduação mostra a preocupação em integrar o conhecimento científico com
a aplicação prática na sociedade. Apesar do rigor cientifico da publicação, ela
permite ao leitor, em vários momentos, conhecer uma realidade social onde as
dificuldades, medos e anseios expressam-se em simples e pequenos textos que
exemplificam o contexto em que vivem os alunos do PEJA.
Parabenizo os docentes que orientam todo o trabalho realizado e os
alunos de graduação e pós-graduação que elaboraram este livro e que realizam
atividades dignificantes voltadas para a melhoria da educação de nossa população,
reconhecendo as dificuldades existentes e sempre criando alternativas, nem sempre
fáceis, para contornar as carências e obstáculos inerentes à carreira escolhida.

Maria Amélia Maximo de Araújo


Pró-Reitora de Extensão Universitária

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

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Apresentação

É sempre honroso um convite para redigir a apresentação de um


livro. Mas essa tarefa se reveste de maior responsabilidade quando se refere a
trabalho científico que, para além da importância acadêmica, se coloca num
contexto de atuação de abnegados professores e graduandos que têm se dedicado
incansavelmente à causa da democratização do ensino, em dimensão da educação
básica ainda pouco reconhecida: a Educação de Jovens e Adultos.
Nesse contexto, o desenvolvimento social exige dos agentes educacionais
capacidade para descobrir e potencializar conhecimentos e aprendizagens de
natureza global e permanente, fatores essenciais para a transformação educacional
imposta pelas transformações globais. Mais do que perseguir os objetivos de
escolarização formal de jovens e adultos, investindo na formação de educadores
e buscando apontar subsídios para o encaminhamento de políticas públicas para
essa área do conhecimento, uma proposta de Educação de Jovens e Adultos –
EJA – no contexto da universidade deve se voltar para o estabelecimento de
vínculos mais estreitos com a população que a subsidia.
Se a universalização do ensino fundamental para as crianças a partir do
seis anos de idade é quase um fato concreto no contexto nacional, não podemos,
infelizmente, dizer o mesmo com relação aos jovens e adultos que não tiveram
a possibilidade de estudar em época apropriada. Consolidar o processo de
ampliação da oferta educacional em todos os níveis de ensino é um dos desafios
que se coloca para consolidarmos a democracia brasileira que, embora já tenha
avançado muito e apresente indícios históricos de amadurecimento, depende,
ainda, de reformas sociais e políticas multiestruturais para sua plena configuração.
O trabalho desses companheiros no interior do estado de São Paulo,
que pude acompanhar por diversos momentos no desenvolvimento do Programa
UNESP de Educação de Jovens e Adultos – PEJA, em eventos científicos e fóruns
de educação popular, merece ter uma obra como “PEJA Rio Claro como espaço
de formação: nossas práticas, nossas histórias” enquanto um momento marcante
dessa trajetória. Insisto, trajetória de lutas, de enfrentamento e de práticas

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

transformadoras com vistas à consolidação do processo de ampliação da oferta


de ensino aos jovens e adultos, quesito fundamental para o desenvolvimento
do país e para a sustentação da formação inicial e contínua de profissionais, em
especial, de educadores comprometidos com a perspectiva da educação como
ação transformadora.
Sem embargo, a EJA deve se constituir como espaço de reflexão que
ultrapassa o âmbito da alfabetização. À medida que se coloca como objeto de
pesquisa reforça um movimento cuja pauta envolve processos formativos que
constituem amplo arco de relações, envolvendo a qualificação profissional,
o desenvolvimento comunitário, a formação política e conscientizadora e as
práticas multiculturais. Essas demandas impregnam a profissionalização docente,
reorientando o papel do educador de EJA e a dimensão do trabalho na escola
com base no conhecimento do aluno como sujeito pensante, no conhecimento
das teorias de educação e de metodologias de ensino, no exercício da prática
escolar e na capacitação como investigador, gerando as suas representações.
Deve-se constituir em processo formativo plural que não pode abdicar da busca
de ruptura com práticas pedagógicas e políticas públicas inadequadas. Essa
busca passa pelo rompimento com a lógica da produtividade do mercado, que
determina o aligeiramento da formação, impondo terminalidade e formas de
organização curricular. Mais do que oferecer saber instrumental, é preciso educar.
Cumpre destacar que os textos apresentados refletem concepções e
trajetórias de pesquisa em Educação de Jovens e Adultos cujas leituras devem
mobilizar interesse e predisposição para a aprendizagem sobre o trabalho
investigativo nessa área do conhecimento. Nota-se, praticamente em todo o
conjunto da obra, a preocupação com a relação entre teoria e prática, bem como
a riqueza dos processos de articulação entre ensino, pesquisa e extensão.
Envolvendo trabalhos científicos desenvolvidos no contexto da
Graduação e da Pós-graduação a obra é um convite para a reflexão e disseminação
de práticas de pesquisa que progressivamente se incorporam ao ideário da pesquisa
na Educação de Jovens e Adultos, qual seja, a acentuada preocupação com o
cotidiano das salas de aula, com os dramas e as tramas que envolvem o ato de
ensinar e de aprender, de forma geral, mas principalmente no que tange ao aprender
a pesquisar sobre tão nobre prática pedagógica. Retrata, então, a experiência de
professores universitários e de professores em formação, preocupados com a EJA
quando o binômio pesquisar-teorizar se faz presente, mas, acima de tudo, aflora
de sua organicidade a preocupação com o compromisso social inerente ao ato de
pesquisar.

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

O texto, rigorosamente acadêmico no seu conjunto, permite ampla


reflexão e diversas interpretações posto que articula as experiências pesquisadoras,
científicas e docentes dos autores, permitindo ao leitor a compreensão sobre como
se faz pesquisa em Educação de Jovens e Adultos. Se a epistemologia, até bem
pouco tempo, valia-se de critérios meramente lógicos e formais para demarcar os
limites entre ciência e não ciência, hoje enfatiza a dinâmica social da pesquisa,
isto é, o processo pelo qual se constitui o conhecimento aceito como socialmente
relevante.
Seria ingenuidade pensar que a pesquisa, sobretudo no contexto das
ditas Ciências Humanas, é apenas um processo técnico. Mais do que isso,
nesse contexto a pesquisa é uma questão política que envolve a função social
da universidade. De fato, o valor de uma teoria se revela no exato momento em
que se transforma em prática. Nesse sentido, a responsabilidade dos educadores
da atualidade é enorme. Uma educação adaptada ao nosso tempo exige de nós,
educadores, vocação e competência profissionais; simultaneamente, exige a
compreensão desse tempo e a disposição para devotar-lhe tudo o que podemos, a
partir do posto de combate que nos foi designado. O posto de combate é a escola,
aberta aos ares, ruídos, dúvidas e temores de fora.
Por fim, pensar a pesquisa em Educação significa pensar a escola capaz
de realizar, na prática, a dialética entre qualidade e quantidade. Se o processo de
democratização do ensino, enquanto sinônimo de oferta de vagas, está aos poucos
se consolidando, distante se mostra a possibilidade de garantia do acesso e da
permanência com êxito de todos os alunos na escola. Isso exige muita pesquisa,
técnica e política. Trata-se de missão inadiável que se coloca sobre os ombros
dos educadores comprometidos com o processo de humanização, daqueles que
abominam toda forma de domesticação do homem pelo próprio homem.
Por fim, reconheço que talvez essa não seja a melhor forma de forma
de ler a obra desses valiosos companheiros. Mas é a minha forma. Que ela será
objeto de reflexão para estudantes de graduação e de pós-graduação e para todos
os que se preocupam com a realidade da escola e, em especial, da Educação de
Jovens e Adultos, não tenho dúvidas. Boa leitura a todos!

Dr. José Carlos Miguel


Departamento de Didática
– FFC – UNESP – Campus de Marília

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

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Palavra e imagem como pontes para
a escrita de si e do mundo1

Eliane Aparecida Bacocina


Silvio Ricardo Munari Machado
Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo

Neste texto, a partir de pesquisas desenvolvidas no PEJA – Projeto de


Educação de Jovens e Adultos, da Unesp-Rio Claro, nos aventuramos a pensar
o processo de construção da leitura e da escrita de educandos que frequentam
programas de educação de jovens e adultos. Paralelamente buscamos acompanhar
a discussão e contribuir para a reflexão sobre a formação do educador nessa
travessia.
Nossa discussão se iniciou num processo que até hoje nos atravessa: a
narrativa de uma ponte. Construir essa narrativa e pensar sobre ela, desde o início,
tem gerado profundos diálogos entre nós, autores. Falaremos mais sobre essa
construção no decorrer do texto. No momento, compartilhamos essa narrativa
com você, leitor, a quem convidamos a caminhar conosco.

Parte I – Uma travessia


Numa floresta, o sujeito caminha. Nesse caminhar atravessa muitas
paisagens, contemplando as belezas do caminho e enfrentando grandes obstáculos
e perigos, como chuvas fortes, tempestades, emboscadas, labirintos, monstros e
fantasmas. Após muitas jornadas, chega a um local diferente, nunca antes visto.
Sem saber muito bem onde está, finalmente vai tomando consciência. Bem
1
Este texto é uma versão ampliada da comunicação oral apresentada no III Colóquio Franco-Brasileiro de Filosofia da
Educação – Foucault 80 anos, ocorrido de 09 a 11 de outubro de 2006 na UFRJ.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

à sua frente, existe uma ponte. Uma ponte, a seu ver, estreita e assustadora,
que representa para ele algo novo, uma experiência diferente de tudo o que já
viveu. Isso gera expectativa, e ao mesmo tempo, resistência, medo. “E se eu me
desequilibrar, cair da ponte? E se a ponte cair?” – assim pensa o sujeito dessa
experiência que, embora simples para alguns que já a atravessaram, para ele
representa uma grande aventura. Seus medos vão dos mais simples: desequilibrar-
se e cair da ponte, aos mais improváveis, como a possibilidade de a ponte quebrar
e cair. Como atravessar a ponte? Atravessar ou não a ponte? Reflete um instante,
e decide: “Sim, apesar do medo e da insegurança, vou aceitar o desafio!”
Palavras, tantas... imagens, infinitas... a ponte, talvez, seja a matéria
concreta.
O início do exercício de caminhar sobre um lugar tão novo, que ele
enxerga estreito, instável e perigoso, é o mais difícil. O caminhante, porém, vence
o medo, e consegue dar o primeiro passo. Esse primeiro passo, assim como os
que logo o sucedem, são apoiados na experiência já existente. O sujeito que está
a caminhar utiliza-se dos pontos de apoio que foi adquirindo ao longo de suas
vivências anteriores, ao recordar de momentos vividos, momentos em que teve
de pisar nas pedras, e sobre elas, momentos em que teve de aprender a subir nas
árvores para vencer os perigos... ao recordar também de momentos de alegria em
que, após dias caminhando debaixo do sol quente, encontrou riachos com água
fresca e cristalina para molhar os pés, ou que caminhou cantarolando debaixo
de árvores frondosas. Enfim, ao chegar à ponte, o sujeito traz consigo desejos,
anseios, temores, angústias, enfim, tudo o que viveu por entre os tantos caminhos
que atravessou. E é essa a bagagem de experiência que vai lhe dar sustentação
para esse novo desafio.
Porém, a experiência que agora se impõe, difere em alguns sentidos
das demais já vividas. Fazia-se necessário ser cuidadoso, como nunca fora antes.
Fazia-se necessário também aprender a lidar com a vertigem. Mas aos poucos,
o caminhante vai deixando de lado o medo. Olha para os lados, e percebe
outros que, como ele, também têm o mesmo desafio de atravessar pontes. E fica
surpreso. Como estava tão preocupado, tão ansioso com seu caminho, com a
ponte tão extensa à sua frente, ele não havia se dado conta das outras pontes ao
seu lado, e de tantos outros que caminham ao seu lado. Tantas veredas possíveis...
E pensa: “Como é ampla essa ponte! Não é tão estreita como eu pensava quando
cheguei aqui.” Percebe também que as pontes se cruzam, e que não existe um
único caminho a seguir, mas possibilidades múltiplas de se locomover ali.
Esse cruzamento de pontes faz com que se cruzem, também, os sujeitos sobre

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

elas, que vão, aos poucos, se aproximando, de forma que novas relações vão se
estabelecendo. Surgem espaços para pequenas conversas, e esses caminhantes,
que vão e vêm sobre diferentes pontes, vão se transformando em companheiros
de jornada. Compartilham-se olhares de incentivo, palavras de encorajamento,
relatos de experiências – tais como batalhas travadas contra monstros, ou a visão de
belíssimas paisagens encontradas depois de fortes tempestades. Compartilham-se
também formas diferentes de ver a ponte. Alguns contam que no início a acharam
tenebrosa, por ser ampla, diante da dificuldade de reconhecer tantas coisas ao
mesmo tempo, e escolher o caminho a seguir; para outros, ela é assustadora
porque eles a sentem estreita tal como uma corda bamba sem ter certeza de sua
possibilidade equilibrista. Ao ouvir essas diferentes versões sobre o lugar em que
caminha, nosso sujeito fica confuso, porém, segue sua travessia.
Diversos encontros vão surgindo, cada um acrescentando algo diferente
à sua gama de experiências, aumentando ou diminuindo sua potência de vida.
Um dos caminhantes se torna um grande amigo. Assim como ele, julga-se incapaz
de atravessar a ponte. Outro, desiste, fala até em pular... e repensa... pois um pulo
da ponte também acaba levando ao desconhecido... Outro, totalmente tomado
pela vertigem, atira-se ponte abaixo. É um momento marcante, que impregna
todo o campo com forças despotencializadoras. Muitos passam a pensar se não
valeria a pena encurtar a travessia e... pular também.
Mas há ainda os que contam que já atravessaram muitas pontes,
encorajando os demais. Um deles relata que não há melhor sensação que chegar ao
outro lado. Outro, viciado em atravessar pontes, conta como foi a primeira vez em
que passou por tal situação. Diz ele que continuou caminhando e nem percebeu
que a ponte chegara ao fim; só depois de muito tempo percebeu onde estava,
quando a paisagem mudou completamente. Outros apenas caminham entre eles,
ouvindo as histórias de cada um e transmitindo apoio. Um outro, com jeito de
conselheiro, conta um segredo, sugere uma estratégia: não olhar para baixo.
De repente, o amigo, também receoso, tem uma ideia:
– Por que não caminhamos de mãos dadas?
E assim se fazem, ambos, amigos. O medo diminui. E a ponte? Essa já
não é mais o foco da atenção dos caminhantes. Eles riem, conversam, admiram
a paisagem, contam piadas, enfim, vivem a experiência de olhar o mundo com
outros olhos, com olhos de viajantes que veem as coisas pela primeira vez. Após
um tempo, eles decidem soltar as mãos, e percebem que, finalmente, o medo
sumiu. Cheio de alegria, um deles, aquele do início da história, abre os braços,

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

e experimenta uma sensação de liberdade tão grande que sua vontade naquele
momento é sair correndo, assim, de braços abertos, até o final da ponte. E não
hesita mais. Despede-se do amigo que o acompanhou por tanto tempo, mas
escolhe seguir por outro caminho.
Correndo, de braços abertos, sentindo o vento bater em seu rosto, o
caminhante, antes temeroso e assustado, agora se sente livre, tão livre que nem
percebe o tempo passar. Quando se dá conta, já está ao final da ponte.
Agora, a paisagem é outra. Novas florestas continuam a surgir à sua
frente, entretanto, menos tenebrosas. Os monstros, menos assustadores. Sente-se
pronto para novos desafios, novas aventuras, novas pontes...
De repente, nosso amigo viajante lembra-se do companheiro que,
fracassado, jogou-se da ponte. E olha para baixo na esperança de poder vê-lo,
e quem sabe, tirá-lo dali. Mas o que vê são cobras, jacarés, e monstros muito
piores que os já conhecidos. Bem que o conselheiro avisou. O ideal é não olhar
para baixo. E nesse momento tem certeza. Não valeria a pena desistir. Após esse
momento de melancolia, prossegue. Lembra-se também do grande amigo. Onde
estará? Terá encontrado seu caminho? Acelerou o passo? Continuou no mesmo
ritmo? Encontrar-se-ão, quem sabe, em uma próxima ponte?
Poucos passos à frente, surge um novo personagem, cantarolando e
vestindo um uniforme diferente de tudo o que já viu.
– Quem é você? – pergunta a ele, se aproximando e, tendo, talvez, a
impressão de já o conhecer de algum lugar.
– Sou um construtor. Minha função é construir pontes que possam
auxiliar os caminhantes a atravessarem aquele trecho perigoso ali embaixo.
– Mas é difícil atravessar a ponte. Exige coragem, determinação e
persistência.
– Sim, compreendo isso, caro caminhante. E confesso que também,
como você, já atravessei várias pontes. A cada nova ponte, enfrento muitos medos
e inseguranças, inclusive, em meu trabalho de construção.
– Medo? O construtor também tem medo? Mas por quê? – pergunta
surpreso o caminhante.
– Bem, não sei se é medo. É uma preocupação. Muito me inquieta
a estrutura da ponte que construo. Ela não pode ser frouxa, com grandes
espaços, senão os caminhantes cairão. Também não pode ser dura demais, de

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

forma que os caminhantes não suportem pisá-la, pois lhe doerão os pés. Por isso
nós, construtores de pontes, estudamos muito, reunimo-nos com frequência,
conversamos com construtores mais experientes, refletimos, para que nossas
pontes se tornem cada vez mais firmes, seguras e agradáveis.
– Mas, mesmo assim, alguns desistem e caem.
– Infelizmente, pois não podemos caminhar por vocês. Apenas ajudá-
los a caminhar. E isso aumenta nossa responsabilidade.
– Ei, espere! – lembra o caminhante – me lembro de ter visto você. Foi
quando estava iniciando minha travessia na ponte. Você chegou a meu lado, me
ouviu e me encorajou a continuar.
– Sim, amigo, uma de nossas preocupações é justamente essa. A de
auxiliar os caminhantes, e, principalmente, ouvi-los.
– Sua ajuda foi essencial para mim naquele momento. Mas, sabe de
uma coisa que me deixou bastante intrigado? Para mim, a ponte, no início, era
estreita, e aos poucos foi se ampliando. Para outros, ela era enorme. Ouvi alguns
colegas contando que não sabiam para onde ir. Afinal, como é essa ponte?
– Esse é exatamente o mistério da ponte que criamos. Cada um a vê de
uma forma diferente, cada um tem sensações e objetivos diferentes ao chegar a
ela. Cada um tem a sua forma de caminhar sobre ela. E nossa missão é, além de
construí-la, caminhar por ela, inventar modos de sobre ela caminhar, ouvindo os
caminhantes e, mais do que isso, auxiliá-los, desafiá-los a viver a experiência de
passar por ela da forma mais marcante possível.
– E qual é a melhor forma? Há muitas possibilidades, muitos
cruzamentos e muitos caminhos. Mas, afinal, qual é o melhor caminho?
– O melhor caminho não existe. O que existe é a forma que cada um
cria, inventa, ao caminhar.
Saíram, cada um para um lado diferente. Levaram a experiência
desse encontro. O caminhante não compreendeu totalmente o que explicou o
construtor. Compreendeu apenas que muitas milhas ainda tinha a caminhar. O
construtor, também, despediu-se do caminhante. Estava satisfeito com sua etapa
vencida, mas sabia que tinha ainda muitos caminhantes a ouvir, a encorajar, e
em seu trabalho de construção, ainda havia muito a pesquisar, a descobrir e a
inventar.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Parte II – Uma tentativa de teorizar a “ponte”


Assim são os sujeitos, mais adultos que jovens, que chegam às salas de
aula, após passarem tanto tempo à margem do processo de escolarização. Têm
entre 35 e 70 anos de idade. Estão todos a trilhar caminhos diversos, com suas
experiências únicas, singulares. Ao chegar à sala de aula, cada um traz suas leituras
de mundo, suas histórias, seus medos, seus desejos, suas singularidades. Alguns
chegam medrosos, assustados.
– Eu não consigo ler nada.
– Eu não sei ler nada do que tá aqui.
– Eu só consigo soletrar as letras, não sei juntá.
– A professora deu uma história muito comprida, eu só consigo ler
palavras pequenas.
– Acompanhar como? Eu não sei ler...
Alguns, infelizmente, desistem. Outros, porém, fazem a escolha
de persistir. Aos poucos, começam a se abrir, revelando seus sentimentos e
dificuldades que já enfrentaram ao longo de seu caminhar pela floresta da vida:
– Na minha casa todo mundo sabe ler e escrever. Não continuei de
preguiça mesmo.
– Eu não estudei, meu pai não deixou. Filha mulher não podia estudar.
– Eu tinha que trabalhar na roça, não dava pra estudar.
– Eu também. O serviço era pesado.
– Mas quando a gente não sabe ler a gente não enxerga mesmo...
– É mesmo, a gente olha pras letra, mas não consegue vê nada...
Ao chegar, cada sujeito traz sua “leitura de mundo”, que precede a leitura
da palavra, concretiza-se pela leitura da palavra escrita, e retorna ampliada pelas
possibilidades que a leitura desta abre para aprofundar a compreensão de mundo
e de si mesmo nas relações que estabelece com o mundo (FREIRE, 1993).
Caminhando, vão percebendo que a ponte é ampla, e que oferece
possibilidades de crescimento.
– Sabe, professora, de um tempo pra cá eu estou conhecendo mais as
letras. Eu achei que eu nunca ia aprender... Eu mudei bastante de um tempo pra
cá, antes eu vivia em depressão.

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

– Antes a gente via uma placa assim, a gente nem ligava... Agora a
gente fica tentando ler... É tão bom a gente aprender a ler. Você não tem mais
vergonha, você não é mais uma pessoa tímida...
Tomando de Larrosa (2002) o termo experiência, como “o modo como
nos colocamos diante de nós mesmos, diante dos outros e diante do mundo em
que vivemos. E o modo como agimos em relação a tudo isso” (p. 21), podemos
situar esses adultos num espaço intervalar – como se estivessem entre os saberes
construídos ao longo de toda uma vida e os saberes sistematizados, próprios da
educação formal.
Após concretizarem muitas vivências de interlocução, de contato
com conhecimentos, oportunidades, nos dão como retorno uma escrita de si,
revelando e desvelando o que ficou das experiências que lhe tocaram, do que lhe
aconteceu, e como respondem, ou responderam, a situações que viveram.
– Eu tinha medo de não conseguir aprender.
– Eu nem sei se era medo. Era vergonha. Me sentia muito humilhada.
– Eu tinha medo até de ir no supermercado, de pegar ônibus.
– Era difícil mesmo. Tinha que soletrar.
– E quando tinha que perguntar pros outros então? Uma vez eu perguntei
pra uma moça pra onde ia aquele ônibus. Ela olhou pra mim toda sem educação
e falou: “Olha lá, lê!”
– É verdade. Eu já passei muita coisa ruim na minha vida porque não
tinha estudo. Agora que eu estou aprendendo a ler, eu não vejo só as letras de
outro jeito, eu vejo a minha vida também diferente.
– Ah, eu também vejo assim. Parece que antes eu era cego em muita
coisa. Agora eu vejo muita coisa diferente.
– Eu também. Agora eu me sinto menos humilhada. Posso enfrentar o
mundo de cabeça erguida.
– Trouxe um coração pra vocês, porque depois de tudo o que já passei
na vida, a minha vida melhorou muito. Agora a minha vida é cheia de amor e
felicidade.
– Quem escreveu foi o meu marido que, depois de muito tempo, está
me apoiando na escola. Eu fui falando e ele escreveu pra mim. Eu fiz a escola,
porque a escola mudou a minha vida.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Em seus relatos, essas pessoas, adultas, não somente perdem os medos,


as inseguranças, ou elaboram as desconfianças, mas nos mostram uma outra
face, um outro lado da ponte que se apresenta com mais leveza; vão, a cada dia,
nos ensinando, com suas formas de pensar. Alguns de seus dizeres constituem
verdadeiras lições de vida:
– Olha só. A gente vem todo dia aqui, na escola. Por que a gente vem
aqui? Não é pra mudar a nossa vida, pra ter uma vida melhor?
– E ter educação não é só ter estudo. Acho que a gente que tá vindo na
escola agora tem mais educação que muito patrão engravatado por aí.
– Cada dia que começa é uma luta. E cada dia que termina é uma
batalha vencida.
É objetivo de nossa pesquisa acompanhar a discussão e contribuir
para a reflexão sobre a formação do educador, nesse processo, nessa travessia.
Entendemos que, construir estratégias para que essa travessia aconteça deveria
ser o trabalho daqueles que se posicionam como educadores e que atuam em
programas, como tantos em atividade por esse Brasil afora.
De nossa parte, entendemos a necessidade de construção de estratégias
para que a travessia das pontes ocorra, embrenhando-nos por modos às vezes
conhecidos, muitas vezes desconhecidos, para compor tais estratégias, arriscando-
nos e nos entregando a acontecimentos que possam reverter em experiências, em
experimentações. Aqui, referimo-nos ao nosso espaço de atuação, que é o Projeto
de Educação de Jovens e Adultos: Práticas e Desafios, em atividade, na Unesp de Rio
Claro, desde 2001. Por essa ponte, muita água tem corrido e muitos caminhantes
têm passado.
Entretanto, as pontes são diferentes. Apenas diferentes. Mas todos
atravessamos muitas delas ao longo de nossas vidas. Inclusive nós, educadores.
Quantas pontes já atravessamos? Quantas ainda temos a atravessar? E cada um
tem um caminho diferente a percorrer. Nossa responsabilidade é grande. Não
queremos que ninguém desista no meio do caminho, nem que se jogue de
encontro aos monstros. Daí a importância da estrutura que daremos à ponte.
Eis aqui o caminho que propomos para que essas diversas pontes não
se tornem obstáculos, e dentre elas as que se dispõem na travessia da leitura e da
escrita de educandos de EJA: construir estratégias do mesmo modo como são
construídas pontes. E, nesse processo de engenharia, tentar incluir elementos que,
ao invés de buscar unificar os diferentes saberes presentes no processo educativo,

20
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

sejam capazes de potencializar as diferenças. Proceder de modo a ativar processos


de singularização.
De que modo essa proposição pode ser realizada? De que modo se
concretiza?
Uma possibilidade é dar destaque ao trabalho de escrita. Entretanto,
neste tipo de trabalho, a escrita é considerada para além da transmissão de
técnicas exigidas para a redação de um código, deve permitir aos educandos
adultos, e também aos educadores em formação, investir suas forças na invenção
de si mesmos. A escrita de si que vai sendo construída, no contexto da educação
de jovens e adultos, amplia as possibilidades de escrita do mundo e abre espaço
para pensar também a questão da formação de educadores.
Aqui, a produção textual passa a ser um momento privilegiado e o texto
considerado como tudo aquilo que seja capaz de aumentar os fluxos e intensidades
de seu produtor, transformando seu corpo, e tudo o que se movimenta através dele,
em catalisadores desse trabalho. Nessa engenharia, palavra e imagem assumem
lugar de destaque, pois são elas os elementos mais relevantes da composição da
matéria-prima das pontes.
Como educadores, não podemos nos acomodar em apenas caminhar
pelas pontes, mas sim construí-las, e construí-las junto com os educandos de
modo a proporcionar-lhes o contato com diferentes situações que valorizem suas
leituras de mundo e que possam ampliá-las, visando à possibilidade de realização
deste tipo especial de escrita que Michel Foucault (2006) chamou de a escrita de
si. Para o autor
O papel da escrita é constituir com tudo o que a leitura constituiu, um
“corpo”[...]. E é preciso compreender esse corpo não como um corpo de
doutrina, mas sim – segundo a metáfora da digestão, tão freqüentemente
evocada – como o próprio corpo daquele que, transcrevendo suas leituras,
delas se apropriou e fez sua a verdade delas: a escrita transforma a coisa vista
e ouvida “em forças e em sangue” [...]. Ela se torna no próprio escritor um
princípio de ação racional (p. 152).

Os processos de investigação, que têm pautado nosso caminhar, ao


longo do PEJA–Rio Claro, têm nos apontado que, para acompanhar esse público
com características determinadas, arraigadas e socialmente determinantes, que
é o público dos programas de educação de jovens e adultos, faz-se necessário
ampliar o referencial para uma escrita que se estenda à própria escrita do mundo,

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

num constante movimento de afirmação e produção das potências de criação e


resistência de cada um dos envolvidos, educandos e educadores.
É sua própria alma que é preciso criar no que se escreve; porém, assim como um
homem traz em seu rosto a semelhança natural com seus ancestrais, também é
bom que se possa perceber no que ele escreve a filiação dos pensamentos que
se gravaram em sua alma (FOUCAULT, 2006, p. 152).

Palavra e imagem constituem nossa ponte, representando as linguagens


que utilizamos para lançar os sujeitos do aprendizado para as aventuras do
caminho. Que caminho é esse? Segundo Nietzsche, “o caminho não existe”. Que
fazer então, enquanto educadores? Resta-nos, talvez, fazer o que Jorge Larrosa
(2004) chama de “estimular para a viagem”, guiando cada aluno a, de forma
arriscada, “chegar a ser o que se é”:
Chegar a ser o que és! Talvez a arte da educação não seja outra senão a arte de
fazer com que cada um torne-se a si mesmo, até sua própria altura, até o melhor
de suas possibilidades. Algo, naturalmente, que não se pode fazer de modo
técnico nem de modo massificado. Algo que requer adivinhar e despertar, as
duas qualidades do gênio do coração, do mestre que “adivinha o tesouro oculto
e esquecido, a gota de bondade e de doce espiritualidade escondida sob o gelo
grosso e opaco e é uma varinha mágica para todo o grão de ouro que ficou longo
tempo sepultado na prisão de muito lodo e areia”. Algo para o qual não há um
método que sirva para todos, porque o caminho não existe. Se ler é como viajar,
e se o processo da formação pode ser tomado também como uma viagem na
qual cada um venha a ser o que é, o mestre da leitura é um estimulador para a
viagem. Mas a uma viagem tortuosa e arriscada, sempre singular, que cada um
deve traçar e percorrer por si mesmo. (p. 45-46).

Assim também, acreditamos, venha a ser o mestre da escrita.

Parte III – Uma nova proposta: novas travessias – reviver a ponte


A tessitura deste texto teve início em 2006, no âmbito das reuniões
do PEJA, quando os três autores, aqui citados, estivemos presentes por diversas
vezes na mesma sala, em reuniões com o grupo, discutindo questões referentes à
dinâmica da aprendizagem de jovens e adultos em situações desafiadoras. Foram
muitas as vezes em que nossos “alunos”, se é que podemos chamá-los assim
(quantas coisas com eles aprendemos), se referiam a “monstros”, “fantasmas” ou
a algo parecido.

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Este texto se constitui um momento privilegiado de produção coletiva.


Tínhamos a tarefa de elaborar uma oficina para educadores e, diante do desafio,
nossa professora, coordenadora do grupo, propôs o tema e uma das integrantes
do grupo iniciou o texto e encaminhou por e-mail, ao que um dos colegas
prosseguiu, com questionamentos e propostas de alteração.
Mais de cinco anos depois, aqui estamos em retomada, após cada um de
nós seguir diferentes caminhos, atravessar diferentes pontes. Como continuá-lo?
Como o lemos hoje? Considerando que cada um de nós, nesse intervalo de tempo,
percorreu sua própria ponte, seguem as diferentes impressões do texto. Impressões
estas que não possuem como finalidade concluir ou encerrar as reflexões, mas abrir
novas/outras possibilidades para se pensar a experiência vivida.

***

Queridos amigos de jornada (e leitores deste texto),


Uma ponte misteriosa – às vezes larga demais, às vezes muito estreita...
Qual é essa ponte? Onde ela se localiza? O que possibilita esse movimento? Que
palavras e que imagens passam por ela? Que fazer diante das pedras do caminho?
Há uma forma de impedir que se desvie dele? Ou que se desista de caminhar?
O tempo passa... a ponte continua se movendo. A busca por respostas
não tem fim. O transitar pela travessia me acompanha, mesmo após o texto
escrito ser dado como pronto. Releio o texto. Não, não está pronto. O que falta
para terminar? Concluiremos? Talvez, um dia, quem sabe... Talvez não.
Para mim, a ponte seguiu mais ou menos assim: após o término do
Mestrado em 2007, novos desafios foram surgindo. Atualmente, transito por
entre duas regiões diferentes do Estado de São Paulo (interior e litoral), por uma
rodovia cheia de curvas e desvios, para atuar como professora universitária em
cursos de Licenciatura. É um deslocamento não apenas físico, mas que também
envolve cultura, intelecto e emoções. Viajo de ônibus, o que me permite um
movimento não apenas do corpo, como também mental. Aliás, em tanto tempo
sentada, a mente e as ideias são as que mais se movem. Movimento descontínuo,
não linear.
Reler esse texto, alguns anos após sua produção, significou para mim
um olhar para o passado, para os momentos que marcaram minha trajetória

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

durante da escrita e para as experiências vividas nos anos de Mestrado e, ao


mesmo tempo, um olhar para o presente, enquanto formadora de educadores
em cursos de Pedagogia e Licenciaturas. Em alguns momentos da leitura, eu me
via passando pela travessia da ponte, enfrentando monstros, tais como o sujeito
fictício que criamos. Reencontrando nela os colegas do PEJA, os “alunos” que
fizeram parte de minha pesquisa (e minha vida). Foi possível ver e sentir, à minha
frente e ao redor, cada ponte pela qual o ônibus e a mente passam semanalmente.
Em outros momentos, me encontro construindo a ponte para que os sujeitos
(educandos e futuros educadores) possam por ela atravessar. A responsabilidade
é ainda maior – Como formar construtores de pontes? Parece ser necessário, em
primeiro lugar, que os sujeitos queiram atravessar esse caminho e se abram para
a experiência de por ele transitar, que se permitam pensar e imaginar: que tipo
de ponte pretendo proporcionar? De que forma? Palavras... ditas ou escritas,
digitadas ou manuscritas... Imagens... em preto e branco, coloridas, nítidas ou
apenas esboçadas. Leituras e escritas – de si e do mundo.
É preciso, enfim, estimular para a viagem, tal como defende Larrosa.
Viagens cada vez diferentes, mas sempre arriscadas. Às vezes rápidas, outras
demoradas. Viagens às vezes muito bem planejadas, mas que podem resultar em
descaminhos e projetos não pensados. Viagens repletas de curvas. Viagens cujo
corpo se desloca do espaço, como propõe Foucault, e com ele compõe um texto.
Leituras (e escritas) de mundo que se fazem nos caminhos e descaminhos pelos
quais se permite passar. Lendo e relendo o texto iniciado em 2006, vejo que
ainda não é possível concluí-lo. Me pego pensando: que ponte é essa, senão a vida
em movimento? E é possível concluir a vida?

Abraços!
Eliane

***

Ler estas palavras depois destes anos me deixou com desejo de escrever
um novo texto a respeito dos educadores, dos educandos e das pontes. Mas desta
vez escrever a respeito de outro tipo de construção das pontes: um mutirão.
Penso que esse desejo tem relação com uma das linhas que constituem
o texto e que representa quão diferentes são os educandos com que tínhamos
contato na época em que o redigimos.

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Ao mesmo tempo, tive uma forte sensação de que quisemos representar


o educador de jovens e adultos como alguém que se coloca ao lado dos educandos
na busca pelo conhecimento, mas não como alguém que detém o conhecimento.
Minha ânsia é por radicalizar esse processo: se todos temos diferentes
saberes e vivenciamos diferentes experiências, por que a construção da ponte e da
experiência pedagógica não pode ser vivenciada coletivamente?
Há um longo parágrafo de Maurice Blanchot (2010) a respeito do
diálogo que sempre me inquieta:
É que o diálogo é fundado na reciprocidade das palavras e na igualdade dos
falantes; somente dois “Eus” podem estabelecer uma relação dialogal; cada um
reconhece ao segundo o mesmo poder de falar que a si próprio, cada um se
diz igual ao outro e não vê nele nada mais do que um outro “Eu”. É o paraíso
do idealismo conveniente. Mas, por um lado, sabemos que não existe quase
nenhuma espécie de igualdade em nossas sociedades (p. 140).

E Blanchot segue pensando no que seria o diálogo entre um homem


supostamente inocente e o magistrado que o interroga e nos leva a pensar sobre
o que seria essa suposta igualdade de palavras:
ora, a todo instante, cada um de nós é um juiz ou se encontra na
presença de um juiz; toda palavra é comando, terror, sedução,
ressentimento, adulação, empreendimento; toda palavra é violência – e
querer ignorá-lo pretendendo dialogar é somar a hipocrisia liberal ao
otimismo dialético, para o qual a guerra é apenas uma forma de diálogo
(Ibid., p. 140).

Penso que no caso de nosso texto e no caso da educação de jovens


e adultos em geral trata-se mais de problematização do que de impedimento,
já que o diálogo dá a impressão e deixa o conforto de que “somos iguais na
diferença”. E qual é o risco? De que comecemos o processo todos diferentes e
terminemos todos iguais. Redução da diferença ao idêntico.
Por isso o desafio: não qualificar os educadores de jovens e adultos a
construírem boas pontes e serem pacientes condutores da travessia, mas investir
numa espécie de desorganização radical do saber pedagógico que permita que a
própria ponte e a própria travessia sejam processos de fazer o múltiplo.

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E talvez haja aqui alguma bizarra ressonância com Deleuze: “Gritar


‘viva o múltiplo’ ainda não é fazê-lo, é preciso fazer o múltiplo” (DELEUZE;
PARNET, 1998, p. 24).

Silvio i

***

É isso! Estar no PEJA é estar na (des)sintonia das coisas. Espaço fértil,.


múltiplo, de invenção; de pensamentos, olhares e caminhos, trilhas,.
veredas, derivas... a ponte, ou indefinidas pontes, uma ou tantas....
Talvez aí estejam as possibilidades ao infinito que deslumbramos num texto.
coletivamente elaborado, em pensamentos que se enredam a cada nova versão.
[do texto?] que me chega, na potência de cada um e uma que se envolve.
nesse novelo, de tão emaranhado não consigo mais perceber a ponta do fio.
da meada e menos ainda o final...
As possibilidades ao infinito que, não mais deslumbro, mas que acolho
e defendo em uma educação de pessoas jovens e adultas – potência do humano.
Adorei estar nessa ponte.

Maria Rosa

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Referências
BLANCHOT, M. A conversa infinita. Tradução Aurélio Guerra Neto. São Paulo: Escuta, 2010.
DELEUZE, G.; PARNET, C.. Diálogos. Tradução de Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Escuta,
1998.
______. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 2005.
FOUCAULT, M. A escrita de si. In: ______. Ditos e escritos: estratégia, poder-saber. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2006. Págs.: 144-162. (vol.V)
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 28 ed. São Paulo:
Cortez, 1993.
LARROSA, J. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Tradução de João Wanderlei
Geraldi. Revista Brasileira de Educação. ANPED, jan-abr, n. 19, 2002. p. 20-28.
______. Nietzsche e a educação. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
______. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Belo Horizonte:
Autêntica, 2003.
ROLNIK, S. Geopolítica da cafetinagem. Texto mimeografado.

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Compartilhações no Peja:
aprendizados e emoções...

Márcia Prado Nunes

Apresento neste capítulo as experiências que vivi no PEJA e na EJA.


São lembranças de uma época repleta de atividades, educadoras que conheci e
que deixaram saudades, novidades no aprendizado e muitas emoções.
Deixo aqui um pouco das compartilhações: escritos do meu diário,
redações e um depoimento que fiz.

Redações
16/03/2011
A mudança na minha vida após os estudos
Há mais ou menos uns dois anos atrás, a minha vida mudou, depois que
eu conheci o PEJA. Jamais imaginei que fosse ter esse percurso, estou escrevendo
e lendo bem, minha letra melhorou bastante e estou a um passo de terminar os
estudos.
Graças ao PEJA, voltei a estudar na escola durante à noite, comecei na
quinta série, fiz as provas de classificação e passei para a sexta série.

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Neste ano, estou na sétima e vou concluir a oitava, para pegar o meu
diploma.
No ano passado, participei de concursos de redações, sendo que em
um eu fiquei em terceiro lugar com direito a fotos no jornal, um coquetel e tudo
mais.
Fiz vários passeios entre os quais eu visitei o Museu de Ciência que
para mim foi uma experiência incrível, visitei a Bienal que foi ótimo, conheci
várias obras de arte de artistas nacionais e estrangeiros, artes fáceis de entender e
também as complexas.
No caminho que eu pretendo seguir, espero conquistar todos os meus
objetivos e realizar um dos meus sonhos que é fazer um curso de inglês, e trabalhar
com esse idioma, se for possível na área de turismo.

28/11/2011
Os direitos humanos e a escravidão
A igualdade para todos
Os direitos humanos foram criados para manter-se a paz, a harmonia e
a igualdade entre as pessoas, sem importar com a sua raça, cor, religião, cultura
ou nacionalidade, mas na realidade não é isso que acontece, e esses direitos são
válidos no papel, porque em prática, eles são esquecidos e desrespeitados.
Mas esse fato vem ocorrendo desde o início da humanidade, e passa de
geração em geração, e a cada ano, década que passa, vem aumentando a violência,
a desigualdade e a exclusão social.
Para que então foram inventados os direitos humanos, se eles não
são cumpridos e respeitados pela própria lei? Se muitas vezes os poderosos têm
partilhado de muitas ilegalidades: a escravidão, a guerra, a época da ditadura que
se era proibido o direito de se expressar e opinar sobre vários assuntos e a livre
escolha de ser quem você é, de ser você verdadeiramente, de ter seus próprios
gostos e crer naquilo que achar melhor para si mesmo, era proibido. Poder ser
você mesmo é um dos maiores privilégios de sermos humanos.

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Diário de anotações e recordações mais importantes da minha vida

08/12/11
Voltando à infância
Querido diário, segunda-feira dia 05 de dezembro de 2011, eu fui
ao Lago Azul, um lugar maravilhoso com pessoal do PEJA. Chegando lá, nos
reunimos, a turma do Bonsucesso e da Unesp.
Foi uma tarde muito gostosa e inesquecível, pois todos nós voltamos à
infância e fizemos várias atividades de criança e isso me fez lembrar de como era
bom ser criança, viver na inocência , pureza e esperança que somente as crianças
têm.
Antes de irmos embora, saboreamos um delicioso piquenique com doces
e salgados diversos, eu fiz uma homenagem aos professores do PEJA, um mural
com um texto, uma música, um acróstico, e uma foto com toda a turma.
A Patrícia ficou muito emocionada e chorou ao ver a homenagem e os
presentes que eu levei para cada um. Sei que eu emocionei a todos, fui abraçada
por eles e me agradeceram muito pelo imenso carinho que tenho por eles.

03/12/2011
Homenagem
O PEJA fazendo parte de nossas vidas
Mais um ano que se acaba e outro que se inicia, e com ele também fica
na memória os bons momentos com os nossos verdadeiros amigos, conselheiros
e que consideramos como se fossem membros da nossa família.
Uma das coisas que aconteceram, que mudou completamente, a minha
vida, foi ter conhecido e participado do PEJA.
O PEJA para mim foi muito importante, porque mudou a minha
maneira de pensar, de agir e aprender sempre a conviver adquirindo cada vez
mais conhecimento e o aprendizado.
Os educadores são muito atenciosos, carinhosos e estão sempre nos
incentivando a lutarmos para realizar os nossos sonhos e nunca desistir dos
nossos objetivos.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

No PEJA não existe somente educadores e alunos, mas existe troca,


alunos viram educadores e educadores viram alunos, e assim cada um troca
experiências e aprendemos sempre com o outro.
Quando se aproxima segunda e quinta, não vejo a hora em que chega
de nos encontrarmos para ter sempre uma aula especial, com novidades a cada
nosso novo encontro. É com muito orgulho, honra e gratidão que eu escrevo esse
texto homenageando os meus amigos, educadores, pois essa é a única maneira de
me expressar e dizer o que eu sinto.
Muito obrigada e desejo um Feliz Natal e um Ano Novo repleto de
ótimas surpresas para vocês do PEJA.
Márcia

06/12/2011
Para sempre...
Querido diário, ontem dia 07 de dezembro de 2011, fomos ao passeio,
na fazenda de São Carlos, Santa Maria do Monjolinho.
Chegando ao destino, a turma do PEJA, da Unesp e do Bonsucesso,
conhecemos a senzala, a praça e entramos na belíssima fazenda ao lado de um
agente de turismo simpático.
Quando entramos, fiquei admirada ao ver tanta beleza e eu imaginei
estar no século XVIII. Foi uma viagem e tanto, porque eu vi diversos objetos
daquela época, que hoje é algo muito raro de se ver.
Mas o que me chamou a atenção foi uma vitrola que eu vi numa das
salas da fazenda. Foi fascinante, pois eu só tinha visto uma vitrola em filmes e
novelas.
Depois disso, fizemos um piquenique na praça da fazenda e conversamos
sobre o que tínhamos visto e a emoção que sentimos.
Tirei várias fotos da fazenda e do pessoal, e fiz amizade com uma pessoa
parecida comigo, inclusive o seu primeiro nome é igual ao meu, temos os mesmos
gostos, pensamos parecido e trocamos telefone e endereço e com certeza eu irei
visitá-la em sua casa.

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Fomos embora e dentro do ônibus mais emoção, a Luiza e a Patrícia


fizeram uma homenagem para a gente e todos ganharam presentes. Foi uma tarde
maravilhosa e inesquecível, algo que vai ficar para sempre na minha memória.
Neste mesmo dia, cheguei atrasada na premiação de redação. A cada
etapa eu ia ficando mais ansiosa e nervosa. Quando chegou na categoria E, o
coração começou a bater acelerado, foi chamando o terceiro lugar, o segundo
lugar, e para a minha surpresa eu fiquei em primeiro lugar, foi muito emocionante
porque eu realizei o sonho do meu filho de ganhar um vídeo game Xbox, e a
escola ganhou um troféu como reconhecimento da educação.
Cheguei em casa com o presente e ele ficou muito feliz, pois ele não
acreditou no que seus olhos viram, e eu também estou até agora sem acreditar
que eu ganhei um prêmio.
Para mim este foi um dos dias melhores da minha vida, porque eu realizei
o grande sonho do meu filho, vê-lo feliz para mim é uma enorme satisfação e
participar de um evento importante como esse, e ter ficado no primeiro lugar, foi
uma honra para mim.
Fiz um texto bem bonito e vou entregá-lo à Josiane, que é minha
professora na EJA, e espero que ela goste muito, porque eu fiz com muito carinho
e amor para ela, pois ela é maravilhosa e sempre esteve ao meu lado, nas horas
alegres e tristes. É por ela que progredi muito e participei de vários concursos de
redações, entre eles fiquei três vezes em primeiro lugar, uma vez no segundo lugar
e uma no terceiro lugar.

11/12/2011
A formatura... quando escrevo...
Querido diário, quinta-feira dia 08/12/2011, tivemos o ensaio para a
formatura.
Foi muito bom, a direção da escola e os professores fizeram uma festinha
surpresa para todos nós da 8ª série, com direito a tortas, salgados e um pavê que
estava deliciosíssimo, pela primeira vez, eu pude ver e experimentar o pavê que
eu tinha ouvido falar, rolou músicas da década de 80 e 90, que eu curto bastante.
Na sexta dia 09/12/2011, aconteceu finalmente a esperada formatura.
Todos ficaram muito emocionados desde os professores até os alunos.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Teve a entrega dos diplomas, depois ocorreu a leitura dos textos que eu
produzi, a Graça leu o texto “A homenagem aos professores”, e eu li o texto “O
dom de viver a vida”.
Quando eu fui chamada para ler o texto, fiquei muito nervosa, abaixei
a minha cabeça e li o texto sem olhar para os lados e não olhei para ninguém.
Quando terminei de ler tive uma surpresa, eu vi as pessoas chorando de
emoção e então percebi que as redações que eu escrevo, frases e poemas tocam
profundamente as pessoas, porque quando escrevo, eu passo todos os sentimentos
emoções no papel, tiro do meu coração o mais puro sentimento e daí que as
coisas acontecem e consigo obter um resultado bom com isso.
Fizemos a homenagem a Luciana e a Josiane. Tirei muitas fotos, fiz mais
um texto bem bonito, coloquei os meus mais sinceros sentimentos, coloquei
num cartão vermelho que eu mesma fiz e entreguei para a Josiane.
Ela ficou bem feliz e me deu um longo abraço. Também havia lhe levado
um vasinho com uma rosa dentro que eu achei a coisa mais linda e entreguei-o a
ela, mas por acidente o vasinho caiu e quebrou. O que ela não sabe é que nesta
semana estarei levando outro vasinho igual e entregarei para ela.
A formatura, o cenário, as músicas, enfim, tudo ficou muito lindo,
fui prestigiada por todos os professores, pelo meu 1º lugar na redação jornal
Cidade, o Vitor ganhou do professor Vinícius um lindo caminhão cegonheira de
presente, e ficou todo feliz.
Esse dia vai ficar para sempre na minha memória, como muitos dias
maravilhosos que eu vivi nesta semana, e este dia foi muito especial para mim.

07/06/12
Os contos de Cordel e cada uma das pessoas que tem o espaço reservado no
meu coração

Querido diário, meu maior amigo e confidente, no dia 21 do mês


passado, eu fui para Bauru com o pessoal do PEJA, ficando lá por três dias.
Participei de várias oficinas, porém a que eu mais gostei foi a dos contos de cordel
e de tirar fotos e gravar vídeos, fiquei hospedada em um quarto sozinha, pequei
um forte resfriado e só me curei dias depois.
Conheci gente nova, participei de uma festa, onde todos se reuniam
numa espécie de luau e antes dessa festa, eles homenagearam uma professora bem

34
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

simpática e eu achei muito bonita essa homenagem que fizeram para ela, gostei
muito da festa porque eles tocaram músicas que eu gosto e que fazem parte do
meu estilo.
No começo dessa semana eu escrevi duas cartas, uma para a Maria
Carolina e a outra para a Patrícia, e ontem escrevi mais uma carta para a Luiza, e
espero que elas possam receber logo e que me mandem as suas correspondências.
Gostei muito da ideia da Flávia de escrever essas cartas para elas, porque
são pessoas que eu gosto muito e cada uma tem o espaço reservado no meu
coração.
Na segunda feira da semana passada, eu fiz duas entrevistas com a
Flávia, uma sobre a migração e outra sobre o passeio a Bauru, fiquei tímida,
nervosa e meio sem jeito por expor as minhas sensações e desejos e sentimentos,
porque sou uma pessoa bastante reservada, não gosto de falar muito dos meus
sentimentos, me sinto melhor em colocá-los numa folha de papel como escrita
que é o meu forte, mas tudo saiu bem afinal.

05/06/2012
... No PEJA o que eu mais gostei de aprender foi inglês, que é uma
matéria que eu gosto bastante e utilizo no meu dia a dia pelas músicas que escuto
e, em breve, pretendo utilizar na profissão que vou exercer.

06/06/2012
Depoimento
Já faz quatro anos que eu estou no PEJA. Durante esse período, a
minha vida mudou e progrediu bastante, porque voltei a estudar e terminei o
ensino fundamental, participei de vários concursos de redações, conheci museus
e fiz diversos passeios, dos quais eu gostei muito, e fiz amizades com muitos
professores do PEJA e EJA, e tenho boas lembranças de tudo que vivi, porque
eu considero esses profissionais como amigos e mais do que isso, para mim eles
fazem parte da minha família, porque são amigos e companheiros e muitas vezes
confidentes, porque nos dão conselhos para resolvermos os nossos problemas.

35
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Também têm aqueles que nos conquistam com seu carisma, e com o
tempo vão embora, e nos deixam muita saudade e nos emocionam com a sua
partida.
O que eu quero dizer é que eu agradeço por esses quatro anos que
conheci o PEJA, que vocês continuem sempre a estimular as pessoas a não
desistirem de seus objetivos e ideais e que dessa forma como eu fui tratada eu só
presenciei aqui com vocês educadores do PEJA.
Agradeço também à educadora Flávia Priscila Ventura por passar para
o computador as palavras do meu diário, redações e o depoimento presentes
nesse capítulo, e à Maria Rosa e ao Felipe, que organizaram este livro, pela
oportunidade.

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Experiências de vida de educandos (Jovens e Adultos)
e eeducadores no planejamento de
um programa de atividades

Vagner de Araujo Gabriel

Introdução

“Práticas e Desafios” – é assim que o Projeto de Educação de Jovens


e Adultos (PEJA) da Unesp de Rio Claro está intitulado, e nada melhor que
essas duas palavras para nos mostrar de forma clara e direta o que é, de fato, a
educação nesse contexto. Não há receitas, fórmulas ou métodos mais apropriados.
Simplesmente, há trocas. Troca de inquietações, troca de conhecimentos, troca de
vivências... Enfim, troca das experiências de vida entre educandos e educadores1,
em uma atmosfera de aprendizagem e cumplicidade. Tais experiências de vida
evidenciam-se e tornam-se peças-chave no planejamento de atividades educativas.
É importante considerar que aqueles que já passaram pela adolescência
estão inseridos no mundo diferente daquele da criança e do adolescente.
Trazem consigo uma história mais longa e, provavelmente mais complexa, das
experiências, dos conhecimentos acumulados e das reflexões sobre o mundo
exterior, sobre si mesmo e as outras pessoas. Isso faz com que os adultos detenham
diferentes habilidades e dificuldades, quando os comparamos com crianças ou
adolescentes, e maior capacidade de reflexão sobre o conhecimento e sobre seus
próprios processos de aprendizagem (OLIVEIRA, 1999). Logo, não faz sentido

1
Os professores do PEJA são alunos de cursos de licenciatura da Unesp, coordenados por um docente do campus. Há
aqueles que recebem bolsa da Pró-Reitoria de Extensão da Unesp, enquanto que outros são voluntários.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

trabalhar “a ferro e fogo” com os conteúdos destinados a crianças e adolescentes.


Ainda, uma sala composta por adultos é homogênea por não se tratarem de
crianças nem de adolescentes, sendo simplesmente adultos já formados, mas, por
outro lado, é heterogênea, quanto às histórias de vida, habilidades e vivências
(OLIVEIRA, 1999).
Considerando, portanto, a heterogeneidade da sala de jovens e adultos,
absorvemos o que Rodrigues (2001) coloca sobre uma das responsabilidades a
serem atribuídas ao educador: preparar os educandos para que se capacitem,
intelectual e materialmente, para acionar, julgar e usufruir seu complexo de
experiências com o mundo da vida. Assim, entendemos que a educação de
jovens e adultos coopera para estender a aptidão do homem para olhar, perceber
e compreender as coisas, para distinguir as semelhanças e diferenças entre si e o
mundo das coisas, entre si e outros sujeitos.
Dentro deste contexto, define-se a educação de jovens e adultos como
aquela que compreende a educação formal e permanente, a educação não formal
e toda a gama de oportunidades de educação informal e ocasional existentes em
uma sociedade educativa e multicultural, na qual se reconhecem os enfoques
teóricos baseados na prática (Art. 3º da Declaração de Hamburgo sobre Educação
de Jovens e Adultos, 1997).
Neste trabalho apresento uma atividade, que pode ser considerada
clássica para o primeiro encontro de professores com alunos do PEJA de Rio
Claro: a “atividade dos objetos”. Posteriormente, essa atividade desdobra-se em
outras mais, a partir de reuniões entre os professores, ao resgatar os fatos ocorridos
durante a mesma. Logo, um esboço geral de um programa de atividades, que
permeia várias áreas do conhecimento (humanas, exatas e biológicas) pode ser
construído. Digo um esboço porque é um programa que tem vida, ou seja, ele se
altera conforme outras atividades são desenvolvidas. Para tanto, são necessários:
(1) a participação efetiva dos professores na atividade, não como mediadores da
informação, mas também como alunos; (2) o registro das ocorrências durante as
atividades; (3) o encontro semanal de professores para discutirem aspectos teóricos
da educação, realizarem seus registros e, assim, prepararem novas atividades.
Visto que a proposta da aprendizagem é embasada na confluência de
professores e alunos e nos registros dos fatos ocorridos, o PEJA de Rio Claro
tem trabalhado, no mínimo, com dois professores por atividade. A presença
de dois professores tem possibilitado maior rigor nos registros das ocorrências,

38
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

minimizando perdas, o que permite maior aproveitamento destes como material


de pesquisa e de apoio a futuras atividades.

A atividade dos objetos


A atividade dos objetos consiste em espalhar sobre uma mesa ou no
chão diversos objetos quaisquer que sejam, independentemente de serem de uso
escolar ou não. Todos, educandos e educadores, se posicionam ao redor destes,
quando um educador explica a atividade. A ideia é que, no primeiro momento,
todos se aproximem dos objetos e peguem apenas um. Em seguida, cada pessoa
se apresenta e explica o porquê de ter pegado determinado objeto. Prosseguindo,
indagamos à turma qual objeto não pegaria ou se gostaria de trocar com alguém.
Outras perguntas podem surgir. É nesse momento que algumas das experiências
de vida de cada um são reveladas, o educador vai conhecendo sua turma, as pessoas
vão interagindo. Além disso, como os educadores também participam, mantendo-
se entre os educandos, os blocos “professores” e “alunos” ficam confusos. Enfim,
a aproximação entre as pessoas da turma começa a ser formada, tornando-se cada
vez mais sólida com desenrolar das atividades seguintes. Procuramos deixar os
educandos livres para questionamentos e colocações no momento em que eles
quiserem e ou acharem necessário (imagem abaixo).

Atividade dos objetos em uma sala de Educação de Jovens e Adultos do PEJA de Rio Claro.

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Pedagogia freiriana: pilar fundamental


Aplicando a atividade dos objetos, exercitamos a peça fundamental na
educação de jovens e adultos: a aproximação dos educadores com a realidade dos
educandos, observando meios de como desenvolver as atividades consecutivas,
concordando com o que Paulo Freire coloca. Essa atividade assemelha-se a uma
colcha de retalhos em que cada pedaço seria uma pequena parte da história de
cada pessoa envolvida (educandos e educadores), tornando palpável e visível a
heterogeneidade de uma turma de jovens e adultos.
A pedagogia proposta por Freire (2002) envolve o processo de
dialogicidade entre os polos formados por educadores e educandos de tal modo
que um inexiste sem o outro, porque há um influxo que permeia essa relação como
se uma força os atraísse e os repelisse ao mesmo tempo, razão pela qual nenhum
deles se basta, fazendo com que se movam pela complementaridade. E dessa
forma, os educandos, por sua vez, se aproximam da realidade dos educadores.
Freire (2002) coloca que o educador de jovens e adultos precisa
compreender que a cultura dos grupos populares é tão importante quanto
a sua própria, e que a compreensão que eles têm sobre o mundo provém de
uma construção empírica (senso-comum). Embora essa construção não tenha
os padrões de cientificidade que a norma culta exige, produz um conhecimento
que é relevante para a sobrevivência do grupo social, e que, portanto, deve ser
respeitado, valorizado e aprendido. Vejamos o exemplo abaixo, fato ocorrido
durante uma atividade de que eu participava:
Educando: – Eu pescava pitu no rio.
Educador: – Ah! Um tipo de camarão. Vocês sabem o que é um camarão?
Educando: – É um peixe.
Educador: – E o que é um peixe?
Educando: – É aquele que vive na água.
Educador: – Então camarão é peixe, né? Faz sentido... Mas como é um peixe?

Assim, o planejamento das aulas para jovens e adultos consiste em


trabalhar com a realidade dos educandos, buscando contemplar a dimensão social,
cultural, histórica e política na apresentação dos conteúdos, de tal forma que ao
apresentá-los, os elementos constitutivos se configurem numa problematização,
que os motive a refletir, discutir o assunto no coletivo, a solucionar problemas a
partir da realidade que vivenciam. As palavras e assuntos das atividades devem
vir carregados da significação da experiência existencial dos educandos e não da
experiência do educador (FREIRE, 1993).

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Registro das ocorrências: uma importante ferramenta


Inserido na proposta de trabalho interdisciplinar adotada pelo PEJA de
Rio Claro, todas as atividades desenvolvidas nas turmas são registradas, atentando
não apenas para os assuntos em debate, mas também para detalhes de fala, ações e
expressões tanto de educandos quanto de educadores. Eventualmente, fotografias
e gravações também são utilizadas como forma de registro.
Vejamos abaixo um exemplo de um registro feito por um educador do
PEJA de Rio Claro, quando trabalhava junto a outro educador e educandos. Por
razão ética, foram adotados pseudônimos para a transcrição do registro.
-Bernadete (educanda): – Ricardo, a guerra acabou? Eu nem sei mais (referia-se
ao conflito que estava ocorrendo no Iraque e questões ligadas a Sadan Hussein,
que haviam surgidos na aula anterior, quando era discutido sobre férias e
lugares do mundo).
-Ricardo (educador): – Geralmente se faz um acordo para declarar o fim da
guerra.
-João (educando): – Nem tem mais o que destruir.
-Ricardo: – Ele morreu? E se aparecer? Algum país pode ter acolhido.
-Rosa (educanda): – Mas os Estados Unidos não podem interferir nos países. E se
ele estiver embaixo de algum escombro?
-Bernadete: – O povo não quer os Estados Unidos, e sim alguém do próprio Iraque.
-Ricardo: – Os países do Oriente Médio se reuniram e concordaram que os Estados
Unidos não devem mandar no petróleo.
-Ricardo: – Os Estados Unidos reestruturariam o Iraque com a ONU e depois um
iraquiano vai representar o povo. Como será escolhida essa pessoa?
-João: – A gente escolhe uma pessoa governante e esquecemos. Depois ninguém faz
nada.
-Rosa: – É difícil entender político falar.
-João, Rosa, Bernadete e Alcídes (educandos) falaram que o povo está
melhorando, no que se trata da política.
-Heitor (educador) puxou a discussão para a questão do petróleo.
-Ricardo escreveu na lousa uma tabela que tratava de exemplos de recursos
naturais renováveis e não renováveis, citando-se exemplos. Sendo não
renováveis: petróleo, carvão vegetal e minérios, e renováveis: água, animais
(leite, carne, couro, etc.), plantas (alimento, madeira, sementes, etc.) e metano.
-Também foi escrito na lousa os termos recurso cultural e recurso paisagístico.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

-Ricardo: – Qual é o mais importante: renovável ou não renovável? Ou os dois?


-João: – Os não renováveis, pois pode acabar.
-Rosa e Bernadete falaram que os renováveis eram mais importantes.
-Rosa: – Eu não vivo sem água. Mas posso andar.
-Joana (educanda): - Eu não uso petróleo. Na falta de gás, uso lenha.
-João: – E as máquinas na lavoura?
-Alcíades: – Aí você pegou pesado.
-Heitor: – Mas você pode fazer... uma horta...
-Ricardo: – Para isto acontecer precisa haver uma tamanha revolução. O petróleo
é muito utilizado. Rodovias, aviões.
(...)

Os registros, conforme Fazenda (1994), permitem encontrar-nos em


um movimento dialético, isto é, de rever aquilo já experimentado, trazendo-
nos à luz de novas re(descobertas). Na análise dos registros, o professor torna-
se pesquisador. E, assim, a leitura dos registros, no sentido de retirar deles
os fundamentos para a compreensão da prática educativa, leva-nos a dois
caminhos: o acompanhamento das atividades com propostas de outras novas e
ao desenvolvimento de pesquisa (GABRIEL; CAMARGO, 2003).
Os registros das ocorrências, caracterizados como um documento,
constituem uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências
que fundamentem afirmações e declarações do educador. Os registros não se
tratam apenas de uma fonte de informação contextualizada, mas surgem num
determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo contexto
(LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Além disso, seu uso requer apenas investimento de
tempo e atenção por parte do educador para selecionar e analisar as ocorrências
mais relevantes.
Através do resgate das ocorrências em sala de aula é possível traçar
planos para as atividades seguintes, não se referindo ao conteúdo, mas também à
atividade em si, ou seja, como será conduzida, atentando-se aos anseios e vivências
de cada educando. Assim, devemos falar em percepção e sensibilidade. Percepção
na capacidade do educador perceber como cada educando se comporta conforme
os assuntos são tratados, no que se refere às suas habilidades. Sensibilidade na
capacidade do educador em detectar os sentimentos de cada educando diante

42
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

dos assuntos discutidos: se os motiva ou não, se os deixam eufóricos ou não, se


os alegram ou não, se os causam desconforto ou não, se os desapontam ou não.

Reuniões pedagógicas
Inseridas na proposta de um programa de atividades dinâmico para
jovens e adultos estão as reuniões entre professores e coordenador do PEJA,
ocorrendo semanalmente. Nesses encontros são realizados estudos sobre pontos
teóricos da educação, resgate e análise dos registros e, finalmente, a proposta das
atividades seguintes.
Quanto aos pontos teóricos, discute-se Paulo Freire; o estudo experimental
do desenvolvimento dos conceitos de Vigotski; a interdisciplinaridade como
matéria de ensino, desfragmentando as áreas do conhecimento; a obtenção do
certificado do ensino fundamental e médio, propósito de muitos educandos,
mas não de todos; entre outros assuntos que permeiam a Educação de Jovens e
Adultos.
O resgate e análise dos registros são realizados pela leitura dos registros
feitos por todos ou por alguns educadores, sendo comentados conforme a
narrativa acontece. E, finalmente, durante os comentários, em um movimento
dialético, resgatando-se inclusive registros de atividades passadas, propostas de
atividades são criadas. Posteriormente, os educadores planejam as próximas aulas.
Uma característica sublime dessas reuniões são os depoimentos dos
educadores, que são ouvidos por todos os presentes. É um momento de reflexão
sobre os fatos ocorridos em aula. Tais depoimentos, certamente, estão associados
à percepção e à sensibilidade de cada educador. É quando os sucessos e os
pontos de tensão percebidos e ou sentidos durante a realização das atividades são
colocados; casos particulares de cada educando são pontuados e observados com
diligência. Destaca-se que na educação de jovens e adultos um ponto fundamental
é o respeito às dificuldades do educando. Cada pessoa tem um ritmo próprio de
aprendizagem que deve ser levado em consideração na elaboração das atividades.

Considerações finais
Feita a explanação da proposta de como conduzir um programa de
atividades em educação de jovens e adultos, é possível resumi-lo em uma única
palavra: a arte. A arte no sentido da criação, do inesperado, do surpreendente...
da flexibilidade, da mobilidade, da mutação..., isto é, o programa de atividades

43
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

tem “vida própria”, não é engessado. Este é embasado no dia a dia, estando em
constante transformação. Vale-se da sensibilidade dos educandos e educadores.
“O método de educar deve basear-se na arte” (COMÉNIO, 1985).
Assim, fugimos da visão de que o currículo é uma lista de conteúdos a serem
aprendidos em determinados períodos de tempo. Para expressar a importância de
um currículo que contemple essa dimensão, Valdo Barcelos apresenta o cotidiano
escolar a partir dos próprios sujeitos que nele aprendemensinam (FORTUNATO,
2010). Valdo defende um currículo que é constituído na própria relação que
educadores e educando estabelecem no cotidiano escolar.
E, dessa forma, a aprendizagem se mostra como um processo
transformador da experiência da vida dos educandos e educadores no decorrer
do qual se dá a construção do saber. E, dentro da proposta adotada pelo PEJA
de Rio Claro, seu sucesso está vinculado aos eixos ora discutidos neste trabalho:
atividades educativas em que se valorizam as trocas entre educandos e educadores,
o registro das ocorrências, as análises dos fatos ocorridos em aula embasados em
discussões teóricas e o planejamento de atividades com resgate das vivências dos
educandos.

Agradecimentos
Agradeço a Fábio Pereira Nunes, pelas discussões que moveram o
presente capítulo e por trabalhar ao meu lado como educador do PEJA de Rio
Claro. Também sou grato a Débora Aparecida Machi Gabriel e Karina Mayara
Leite Vieira pela revisão deste texto. Agradeço a outros ex-bolsistas do PEJA de Rio
Claro, que trabalharam comigo nos primeiros anos do Projeto, por contribuírem
com discussões, registros de ocorrências e planejamento, entre os quais gostaria de
mencionar: Aline di Thommazzo, Andreza Barboza e Denis Eduardo Bianconi.
Sou grato também à profa. Dra. Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo,
pelo convite para participar deste livro e orientação, enquanto coordenadora do
PEJA de Rio Claro. E, finalmente, aos educandos do PEJA de Rio Claro com os
quais tenho aprendido sobre a Educação de Jovens e Adultos.

44
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Referências
COMÉNIO, J. A. Didáctica Magna: Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. 3 ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.
CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE A EDUCAÇÃO DE ADULTOS (1997).
– Agenda para o Futuro. Brasília: SESI/UNESCO,1999. 67p.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 28 ed. Coleção
Questões da Nossa Época, v. 13, São Paulo: Cortez, 1993.
______. Pedagogia do Oprimido. 32.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
FAZENDA, I. C. Interdisciplinaridade: História, teoria e pesquisa. Coleção Magistério:
Formação e trabalho Pedagógico. Campinas: Papirus, 1994.
FORTUNATO, I. Educação de Jovens e Adultos. Revista de Estudos Universitários, Sorocaba,
v. 36, n. 3, p. 281-284, dez. 2010.
GABRIEL, V. A.; CAMARGO, M. R. R. M. Indagações, Comentários e Saberes dos Educandos
– Jovens e Adultos – na Construção do Conhecimento Científico: contribuições da Biologia.
Educação: Teoria e Prática, Rio Claro, v. 11, n. 20-21, jan-jun/jul-dez. p. 23-28, 2003.
LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo:
EPU, 1986.
OLIVEIRA, M. K. Jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e aprendizagem. Revista
Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 12, p. 59-73, set/out/nov/dez. 1999.
RODRIGUES, N. Educação: da formação humana à construção do sujeito ético. Educação &
Sociedade, São Paulo, n. 76, p. 232-257, out, 2001.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

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Registros do Projeto de Educação de Jovens e Adultos –
Peja-Rio Claro: por entre memórias e histórias

Mariana Bortolazzo

Acta sunt verba volant (as ações permanecem, as palavras voam), costuma-se
dizer. Mas não é certo. São as ações, em muitos casos, que voam. (...) Uma
jornada de trabalho em que enfrentamos muitas exigências (...) passa em
um piscar de olhos. As pegadas que deixa são muito fracas (...) dali a pouco,
tudo desaparece, e as lembranças e imagens que restam são demasiadamente
vagas e imprecisas para conceder-lhe atenção. As palavras, em troca, podem
permanecer. Principalmente se estão escritas. Se fizermos esse pequeno esforço
suplementar de usar alguns minutos no final do dia para reconstruí-lo e narrá-
lo, as palavras do diário se tornam “reservatório” da experiência, em garantia
de sua conservação. E poderemos voltar sobre elas quantas vezes queiramos
para relê-las e nos reler (ZABALZA, 2004, p. 136-7).

Escrever qualquer coisa sobre o PEJA representa, sempre, uma


tentativa de traduzir em palavras vários sentimentos, emoções e aprendizados, que
parecem ser simplesmente impossíveis de relatar, devido à proporção alcançada
por ele. O PEJA – Projeto de Educação de Jovens e Adultos: Práticas e Desafios,
presente na Unesp-Rio Claro desde 2001, é um espaço de diálogo e interlocução
entre comunidade acadêmica e sociedade, entre estudantes de licenciatura de

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

uma universidade pública e jovens e adultos com pouco ou nenhum tempo


de escolaridade, alguns até considerados “analfabetos”. O PEJA é, sim, local
de aprendizagens e de ensinamentos, mas é também espaço de compartilhar
experiências, diversão, alegrias e, em alguns momentos, dificuldades e superações.
Partindo da iniciativa e esforços de alguns professores de diferentes
campi da Universidade Estadual Paulista – Unesp e posteriormente com auxílio
institucional, o PEJA teve seu início em 2001, e atualmente conta com a
participação de sete campi da Universidade, em diferentes cidades, cada um com
suas particularidades e formas de trabalhar. No caso de Rio Claro-SP, turmas
de pessoas jovens e adultas se encontram semanalmente nas dependências da
Universidade ou em outros espaços, como centros comunitários, instituições
beneficentes, entre outros, nos quais haja pessoas interessadas em participar.
Dessa forma, alunos de diferentes cursos de licenciaturas ou Programas de
Pós-graduação são convidados a atuar na condição de educadores, além de
participarem de grupos de estudos e pesquisas que têm a Educação de Jovens e
Adultos (EJA) como tema central dos diálogos e discussões.
Entre os objetivos do Projeto, acredito que um se destaca: identificar,
registrar e propor práticas educativas que contribuam para a participação social
mais efetiva de jovens e adultos que ficaram à margem da escolarização regular.
Dessa forma, os educandos chegam até o PEJA com alguma disposição para se
prepararem para as provas de certificação1, mas, sobretudo, com disposição para
entender seu trânsito e seu lugar em uma sociedade letrada. Já os educadores,
buscam, por meio do trabalho com os educandos, experiências formativas que
contribuam para sua posterior atuação no ensino público.
A concepção de sujeito – jovens e adultos plenos de história, autoestima,
necessidades, expectativas, afetividades, memórias e saberes – constitui uma das
bases primordiais do PEJA. O caráter interdisciplinar – que se consolida nos
aportes das atitudes interdisciplinares e no fazer cotidiano, também representa
um eixo norteador dos trabalhos realizados, além da preocupação com a formação
de educadores – pensada no entrelaçamento entre a atuação, reflexão e produção
de conhecimentos.

1
O Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) tem como objetivo avaliar as
habilidades e competências básicas de jovens e adultos que não tiveram oportunidade de acesso à escolaridade regular na
idade apropriada. O participante se submete a uma prova e, alcançando o mínimo de pontos exigido, obtém a certificação
de conclusão daquela etapa educacional. O exame é aplicado anualmente e a adesão das redes de ensino é opcional. Fonte:
www.mec.gov.br.

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Somos, no PEJA, educadores e educandos, norteados principalmente


pelas ideias e estudos de Paulo Freire. Vamos, ao mesmo tempo, formando e nos
formando, nos convencendo de que “ensinar não é transferir conhecimento” e
que, “embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e
quem é formado forma-se e forma ao ser formado (...). Não há docência sem
discência”. (FREIRE, 1999, p. 25).
Em meio a tantos acontecimentos cotidianos, uma das características
presentes desde o início das atividades do PEJA-Rio Claro é o permanente
esforço de produzir registros que contribuam para a escrita da história deste
Projeto, construindo-se assim um reservatório de memórias, material possível de
ser utilizado em pesquisas; ainda, que os próprios registros – realizados tanto por
educandos quanto por educadores – sirvam como instâncias formativas, a partir
da reflexão possível de ser realizada na leitura de escritos próprios, defendida por
diversos autores que se dedicam a compreender a formação de professores. Além
disso, é possível olhar para tais registros como documentos oficiais de um projeto
institucional com mais de dez anos de existência, que podem oferecer elementos
para análises e reflexões sobre a condição da Educação de Jovens e Adultos no país.

Os Registros do PEJA-Rio Claro: baú de arquivos e memórias


Durante minha atuação como colaboradora e bolsista do PEJA – de
2007 a 2010 – contribuí principalmente no campo da Língua Portuguesa,
em uma disciplina que denominamos “Linguagens e Práticas Culturais”; tal
denominação é decorrente da concepção do processo de aprendizagem da língua
materna, que tem como base as práticas de leitura e escrita – práticas culturais,
cotidianas, históricas (CHARTIER, 1990) –, e que considera a linguagem em
suas diferentes modalidades, ultrapassando as formalidades e funcionalidades da
língua escrita. O interesse pelas questões da leitura e da escrita foi sendo cada vez
mais recorrente, principalmente por perceber que jovens e adultos em processo
de alfabetização ou em níveis iniciais de escolaridade – apesar do empenho com
que se propunham a ler e escrever – encontravam dificuldade para solucionar
obstáculos concernentes às normas da linguagem escrita.
Na tentativa de localizar nos arquivos do PEJA materiais de leitura e
escrita produzidos pelos educandos, entrei em contato com um grande número de
documentos de diferentes gêneros: fotografias, registros audiovisuais, atas de reuniões
e, em maior número, os cadernos de registros, materiais marcantes do Projeto.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Há um número considerável de cadernos de registros2 – desde 2001


–, já que grande parte dos educadores e educandos, quando deixam o Projeto,
doam seus materiais para arquivos e pesquisas. Esse acervo tão completo merece
ainda um estudo mais refinado e aprofundado, dado a diversidade e riqueza de
relatos que vão além da funcionalidade – que é fundamental – do registro.
O contato com tais materiais do PEJA revelou outras possibilidades
de registro: há alguns cadernos coletivos, nos quais educandos e educadores
faziam relatos das aulas; há cadernos de anotações somente de educadores que
compartilhavam o mesmo espaço para anotações de aulas e reuniões de estudo,
assim como cadernos compartilhados somente pelos educandos; há também os
cadernos individuais, que embora não sejam diários íntimos, compreendem, em
muitos casos, uma escrita pessoal que tinha a intenção de documentar fatos,
acontecimentos, emoções e aprendizagens que ocorriam nos encontros.
A partir das análises destes cadernos, é possível traçar, com base em
alguns registros mais particulares e outros coletivos, alguns fatos da história
do PEJA, que pode ser contada por seus próprios protagonistas, através de
seus escritos. Neste texto, procuro tecer breves comentários sobre cadernos de
registros de educandos e educadores participantes do PEJA e sobre a importância
desse material, tanto para a formação de ambos quanto para o próprio Projeto,
apresentando trechos bastante representativos do conjunto maior.

Registros dos educadores: o que é importante relatar e guardar?


Os registros das aulas feitos por professores, que também podem ser
chamados de diários, são materiais que apresentam um repertório de relatos de
experiências, revelando dificuldades, avanços, entre outros. Os próprios diários
de classe dos docentes – utilizados mais efetivamente na instituição escolar –,
segundo Alves (2003), também podem ser considerados um tipo de “diário de
campo” (p. 68), pois ainda que apresentem “um caráter oficial”, com normas e
regras, também deixam espaço para que alguns professores consigam dar a tal
documento um caráter mais pessoal (p. 68). Os diários de classe são considerados
por Alves (2003) como um espaço de diversidade que, mesmo seguindo um
padrão, possibilita que tal escrita apresente particularidades ou, como cita a
autora, “diferenças notáveis” (p. 70).
2
Os cadernos de registros de educandos e educadores referidos neste texto foram doados pelos autores ao PEJA e
constituem, dessa forma, o acervo de documentos oficiais do Projeto, estando disponíveis para estudos e pesquisas. Os
nomes dos autores serão preservados na transcrição de alguns trechos e a escrita será reproduzida da maneira como se
apresenta nos cadernos.

50
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Já os Diários de Aula, estudados por Zabalza (2004), não contemplam


um acordo geral sobre sua denominação: podem ser chamados de diários de aula,
histórias de aula, registro de incidentes, observação de aula, entre outros, mas
todos os casos apresentam características similares. A definição de Zabalza (2004)
para os diários de aula que utiliza em suas pesquisas é de que são “documentos
em que professores anotam suas impressões sobre o que vai acontecendo em suas
aulas.” (p. 13). Dentre outras, duas variáveis básicas presentes nos diários podem
ser destacadas: a riqueza informativa que o diário apresenta e a sistematicidade
das observações recolhidas (p. 15-16), além de apresentar um aspecto histórico, o
que faz com que os diários se apresentem como um documento pessoal diferente
de outros, como cartas e documentos sobre momentos específicos. O autor coloca
os diários de professores na posição de instrumentos de pesquisa, pois faz uso de
tais documentos para chegar ao pensamento do professor, e os caracteriza como
“instrumentos úteis e eficazes nos processos de formação de professores” (p. 14).
Os estudos realizados por Zabalza (2004) com diários de aula remetem
diretamente aos cadernos de registro do PEJA. Esses “diários” representam um
marco na formação dos educadores que passam pelo Projeto, já que cada um
produz seu caderno de registros – ou diários de aula, diários de campo, ou
como queiramos chamá-los – ao mesmo tempo em que produz outros registros
coletivos, como atas de reuniões e de grupos de estudos. Por meio desses registros,
aprendemos a olhar para nós mesmos, ao mesmo tempo em que aprendemos a
olhar para o outro, por meio de nossas escritas. Estamos, ali, registrados, relatados,
comentados, questionados.
Dentre os “diários de aula” produzidos no PEJA, há variadas formas de
escrita. Seleciono para este texto alguns trechos de cadernos de registros que considero
marcantes, seja pelo conteúdo da própria escrita, a forma, a possibilidade da escrita
que foge do esperado, práticas de ensino interessantes, entre outros. Ao mesmo
tempo, no entanto, a tentativa de selecionar alguns trechos não é fácil: à medida
que vamos nos aproximando das leituras desses materiais, percebemos que todas as
escritas são marcantes e que deixam transparecer características de seu autor.
Em um trecho do caderno individual da educadora C., no ano de 2004,
podemos perceber a preocupação em registrar a atividade que vinha sendo feita
pelas educandas naquele momento. A autora do registro cita o nome de três alunas,
descrevendo como cada uma escrevia seu texto e como ela dava outras orientações:
A Dona I. escreveu um texto sobre o dia dela, em apenas 3 linhas, eu fiz as
correções das palavras e pedi que ela acrescentasse algumas coisas, como a
hora que ela acordou. A Dona H. escrevia um texto longo, enquanto antes

51
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

dela escrever, falou que só tinha sentido dor. A Dona A. escrevia devagar. Fui
fazendo as correções, pedindo que elas imaginassem um outro jeito de escrever
a palavra (Registros do PEJA. Caderno de C., 2004).

Em outro registro, a mesma educadora escreve:


O D. [um outro educador que participava da aula] começou a resolver a
continha da aula passada (325x4). A Dona N. falou que o mundo não acaba,
o povo que acaba. Elas começaram a ajudar umas às outras a resolver as
continhas. O D. resolveu a multiplicação. Elas [as educandas] começaram a
falar que a galinha comia areia para triturar o alimento, e a gente conversou
que era pelo fato da galinha não possuir dente. A A. falou que no nordeste tão
usando esterco de cavalo para gerar energia, falaram que esterco de vaca para
acender fogo. Começamos a falar de banheiro, picada de pernilongo, doença
de chagas. O D. voltou para o problema que ele estava passando. Usamos o
atlas geográfico (Registros do PEJA. Caderno de C., 16/03/2004).

O segundo trecho apresentado nos permite perceber a variedade de


assuntos conversados e estudados durante as aulas. Qualquer tema do cotidiano
trazido pelos educandos e educandas torna-se uma possibilidade de diálogo, uma
possibilidade de estudo, de experiência, de conhecimento. Nesse mesmo trecho,
podemos também observar o trabalho coletivo das educandas, ao se ajudarem na
resolução das contas sugeridas pelo educador. Nesta aula, ao que nos parece, tudo
começou com a resolução de uma conta de multiplicação, passando a contemplar
diversos outros assuntos, como a possibilidade de acabar o mundo, a alimentação
da galinha, a utilização de esterco para gerar energia e “acender fogo”, picada de
insetos, doença de chagas – até voltar para o assunto inicial, que era a multiplicação,
terminando possivelmente na visualização do atlas geográfico. Se este registro fosse
resumido ao “conteúdo” da aula propriamente dito – contas de multiplicação – os
outros temas abordados seriam esquecidos. Desta forma, os educadores não teriam
a possibilidade de retomá-los, de pensar sobre o que poderiam fazer para trabalhá-
los melhor, de talvez repensar as aulas, de observar a complexidade e a riqueza de
um encontro como este, entre educandos e educadores.
Ambos os trechos da educadora C. apresentados ajudam-nos a perceber
os conteúdos que foram discutidos e estudados em cada encontro, mas também
nos remetem ao trabalho dessa educadora, até mesmo à relação de carinho e
diálogo constantemente alimentado que permeava suas aulas.
O diálogo, para Paulo Freire (2006), é condição importante para uma
relação entre educandos e educadores, por ser uma relação horizontal, que nasce

52
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

de uma matriz crítica e gera criticidade. Segundo o autor, o diálogo nutre-se do


amor, da humanidade, da esperança, da fé, da confiança:
Por isso, só o dialogo comunica, E quando os dois pólos do diálogo se ligam
assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na
busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há
comunicação (p. 115).

Em uma relação vertical, não há possibilidade de estabelecer o diálogo,


mas sim um antidiálogo, que é o oposto do diálogo: desamoroso, acrítico, que não
gera criticidade, que não é humilde, mas desesperançoso, arrogante. O antidiálogo
não comunica, mas sim faz comunicados (FREIRE, 2006, p. 116). Dessa forma,
procura-se estabelecer em todos os encontros do Projeto uma relação dialógica, que
não tem como ponto central a figura detentora do saber do professor, mas sim os
dois polos que se ligam e se comunicam dinamicamente: educandos e educadores.
Os registros nos mostram que o diálogo é possível e valioso.
Abaixo, em outro trecho da educadora C., podemos observar a riqueza
dos encontros do PEJA, permeados de ensinamentos, aprendizados, emoções e
sentimentos, que impulsionam reflexões, conhecimentos, experiências...
Levei um texto resumo do livro Vidas Secas do Graciliano Ramos. O P.
[educando] viu que no texto tinha a data de nascimento dele, e ele ficou
bastante entusiasmado. O P. falou que estava triste com o filho dele, e que
não teve muita “sorte” com a família, e falou sobre o T., neto dele. Falou sobre
assombração, que não aparece para qualquer um e que o T. é muito medroso.
O D. [outro educador que participava do encontro] perguntou sobre o dia que
coletamos as plantas. Falamos da Sapucaia e lembramos o dia que pegamos as
castanhas da sapucaia (Registros do PEJA. Caderno de C., 04/12/2003).

Estes registros, quando retomados, lidos, repensados, são instrumentos


de reflexão da própria prática, das próprias atividades realizadas, permitindo rever
conceitos, atitudes, decisões, comportamentos. Possibilitam ainda, um olhar para
o que tratamos geralmente como dicotomia: teoria e prática. Para Freire (1999),
“a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática
sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo” (p. 24).
Daí a importância dos registros diários e a retomada posterior como forma de
análise e reflexão. Continuando, para Freire (1999), o momento fundamental
na formação permanente dos professores “é o da reflexão crítica sobre a prática.

53
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a


próxima prática” (p. 44).
Na perspectiva reflexiva da formação de professores, os cadernos de
registros mostram-se – ao menos no que se refere aos registros realizados no
PEJA – instrumentos eficazes de reflexão sobre a ação; além de abarcarem tudo
aquilo que ultrapassa as funcionalidades e exigências de uma “situação de ensino
e aprendizagem”, possibilitam uma escrita mais particular, mais sensível, talvez
prazerosa.
Em suma, a elaboração de diários – ou cadernos de registros – contribui
para que os educadores se transformem em investigadores de si próprios, primeiro
narrando e posteriormente analisando os registros que elaboraram.

Registros dos educandos e educandas: o que, para que e para quem escrever?
São múltiplos os suportes de escrita utilizados pelos educandos do
PEJA: há os cadernos de registros de atividades das aulas – que também não
deixam de ter registros mais pessoais – os papéis avulsos de atividades, textos,
poesias, além de cartas e um livro de um educando falando sobre sua trajetória
como funcionário da Unesp e aluno do PEJA, entre outros.
Os mais representativos e mais numerosos são os cadernos de registros
individuais ou coletivos, que geralmente são produzidos em momentos das
aulas ou, como acontece em muitos casos, em outros espaços e tempos, sempre
que a pessoa sente-se instigada a escrever. Um registro bastante interessante é
o da educanda M. Ap., que nessa ocasião não utilizou seu caderno de registros
individual para acomodar sua escrita:
Hoje foi falado sobre o modo de falar. Porinxemplo, na letra da música asa
branca está escrito óios enves de olhos. A C. [nome da professora] também
disse que ouvir ou escutar são a mesma coisa. Eu hoje acordei as cinco horas
da manhã arrumei a marmita, depois lavei roupas e fiz almoço e depois, limpei
minha casa, e depois vim para a escola. A M.J [nome de uma outra aluna]
disse que lá no norte se diz tomar uma pinga é tomar um ‘mé’. Toda a vez
que terminar um asuto e for começar outro, temos que deixar o paráfrafo
[parágrafo] para que o texto fica correto. A N. e a Dona O. leu no jornar que
o arroz está gustando R$9,49 centavos a marca do arroz e prato fino p. de
5k. Dona O. disse que o arroz colhido no mesmo ano, é mais ruim para fazer
porque ele vira papá o arroz para ficar soltinho tem que ficar na tulha, de um
ano para outro. Também foi falado sobre os onibus que si agente não tiver,

54
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

cinco centavos para pagar a passage nos não entramos no onibus mas eles pode
ficar com os nossos trôcos (Registros do PEJA. Caderno de C., 2004. Registro
feito pela educanda M. Ap. 25/11/2004).

O trecho acima foi retirado do caderno de registros de uma educadora


que solicitou que a educanda M. Ap. se encarregasse de fazer o registro daquela
aula. A educadora registra a data da aula, o nome das pessoas presentes, e em
seguida escreve: Pedi que Dona M. Ap. fizesse o meu caderno.
O compartilhar do mesmo caderno, do mesmo espaço de escrita
acontece também em outros casos. A educadora utilizava esse espaço para relatar
as atividades, acontecimentos de cada aula e os pontos importantes das reuniões
de estudo com os demais educadores e a coordenadora do Projeto. Em alguns
casos, percebemos a presença de diferentes letras em suas páginas. Há, por
vezes, relatos das educandas, compartilhando o mesmo local, tecendo narrativas
conjuntas, compondo histórias...
Na leitura deste registro, a educadora pôde observar os erros ortográficos
deixados pela educanda – ela circulou as palavras que deveriam ser revistas.
Mas mais que isso: pôde perceber como a escrita foi permeada e composta por
elementos diversos: acontecimentos do cotidiano daquela educanda – Eu hoje
acordei as cinco horas da manhã arrumei a marmita, depois lavei roupas e fiz almoço
e depois, limpei minha casa, e depois vim para a escola – , acontecimentos da aula
daquele dia, como falas de outras educandas – por exemplo: A M.J disse que lá no
norte se diz tomar uma pinga é tomar um ‘mé’ – e alguns conceitos mais funcionais
aprendidos na aula – Toda a vez que terminar um asuto e for começar outro, temos
que deixar o paráfrafo para que o texto fica correto.
Abaixo, segue a fotografia de duas páginas do caderno da educanda A.,
de 2004:

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Figura 1 – Registros do PEJA. Caderno da educanda A. 28/04/2004.


Acima da ilustração, na primeira página, está escrito: Rio Claro, 28 de
abril de 2004.
– Fernão Gaivota voando, As andorinhas fazendo verão, fisso uma pausa!
E gravei no coração: isto é maravilha e faze parte do nosso sertão.
Abaixo da ilustração, ainda na primeira página, está escrito: Fernão
Capelo Gaivota. Richard Bach. Fotografias Russel munson.
Na segunda página do caderno de registro de A., podemos ler: Rio
Claro, 28 de Abril, 2004.
Fernão! Só querem voarem, não emporta, que é só. Pena é osso. Ele quer
mesmo é apremder voar que, quer dizer voar:
– mais voar, ne um BOM... centido voando! E aprendendo.
– todos noz deveriam ser como Fernão capelo gaivota, e fechar o olho e
comcentrar e apremder e comhecer.
Em seguida, a educadora escreve para a educanda, estabelecendo um
diálogo sobre a própria história, estimulando A. a escrever e refletir um pouco
mais: Dona A., que bom que a senhora está escrevendo sobre a história do Fernão
Capelo3. A senhora acha que o Fernão Capelo vai conseguir voar algum dia?

3
Livro: Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach. Publicado em 1970.

56
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Logo abaixo, A. responde: Sim, porque ele tem vontade e é inteligente. Mais
adiante, ela comenta um pouco mais sobre a persistência e inteligência de Fernão
Capelo, virtudes que, para ela, poderiam ajudá-lo a conseguir voar um dia.
O caderno da educanda A., do qual foi tirada esta fotografia, tem apenas
dezoito páginas escritas, e todas sobre a história de Fernão Capelo Gaivota. Ao
que nos parece, essa senhora se afeiçoou muito à história, pois sempre se refere
a ela com entusiasmo e admiração, além de dedicar um tempo considerável
para escrever suas impressões sobre a história lida. Mais do que isso: ao ler todas
as escritas dessa educanda sobre Fernão Capelo Gaivota, me parece que ela se
identifica com o personagem, afinal, se trata de uma história de superação de
limites, de passar a ser capaz de fazer algo que até então achava impossível ser
feito – e que todos diziam ser mesmo impossível. Ao que parece, mesmo sem
perceber, ela também se acha um pouco Fernão Capelo ao enfrentar a difícil
tarefa de aprender a ler e a escrever depois de adulta. Fernão Capelo queria
aprender a voar cada vez mais alto e para ela, esse desafio é dominar a leitura e a
escrita... um voo e tanto!
Na imagem acima, podemos observar o trabalho realizado na tentativa
de registrar da melhor forma possível a história de Fernão Capelo Gaivota, livro
que provavelmente estava sendo utilizado nas aulas daquele período. A ilustração
parece ter sido produzida como forma de complementar o texto escrito.
O trabalho do educador é complexo, já que deve olhar para registros
singulares, considerando a complexidade das pessoas que produziram cada
um deles: quem são, a cultura que trazem consigo, as crenças que carregam.
Os indícios mais singulares referentes às práticas de leitura e escrita individual,
que permeiam a escrita de cada pessoa, podem representar marcos importantes
para o processo de aprendizagem. Estimular a mesclar a escrita técnica, mais
ligada ao registro de fatos objetivos, com uma escrita mais pessoal e prazerosa,
pode contribuir para que o processo de aquisição da escrita seja mais efetivo.
Condizente com Freire (1993),
O processo de aprendizagem na alfabetização de adultos está envolvido na
prática de ler, de interpretar o que lêem, de escrever, de contar, de aumentar
os conhecimentos que já têm e de conhecer o que ainda não conhecem, para
melhor interpretar o que acontece na nossa realidade (p. 48).

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Memórias e histórias: registros do PEJA


Em muitos casos, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) ainda é
compreendida como uma modalidade de ensino compensatória, voltada para as
pessoas que não puderam frequentar a escola em idade regular, ou para “repor”
a escolaridade perdida, limitando-se à alfabetização e ao exercício das práticas de
leitura e escrita no sentido de codificação/decodificação. Essa concepção acarreta
dificuldades aos jovens e adultos para conseguir formas dignas de trabalho, além
de produzir prejuízos manifestos no sentimento de incapacidade na participação
nos âmbitos formativos escolares e de participação cultural e política (DI
PIERRO et al., 2009, p. 13). No entanto, alguns estudos mais recentes vêm
apontando que o processo educativo começa, idealmente, na infância e termina
somente na velhice, o que faz com que a EJA tenha que ser pensada em uma
perspectiva mais ampla, dentro do conceito de educação e aprendizagem que
ocorre ao longo da vida. Dessa forma, a alfabetização é uma parte fundamental
no processo educativo, mas não deve ser a única (IRELAND, 2009, p. 1).
Os registros do PEJA, exemplificados sinteticamente neste texto,
oferecem elementos para que o conceito de ensino compensatório na EJA seja
superado. As escritas produzidas pelos educandos demonstram as inúmeras
possibilidades comunicativas e enunciativas que devem estar ao alcance de
todos os jovens e adultos que buscam novos conhecimentos. Os registros dos
educadores, por sua vez, confirmam que a EJA pode ser (re)pensada enquanto
um espaço formativo que estimule ensinamentos e aprendizados mútuos, muito
além da alfabetização como técnica – na perspectiva mais restrita, de codificação
e decodificação da língua escrita – por si só.
Além de representarem um baú de registros e memórias, estes
documentos são fontes materiais de pesquisa para estudantes interessados em
investigações na área da educação, com diferentes possibilidades de estudo e
enfoque, como por exemplo, a educação de jovens e adultos como um todo,
práticas de leitura e escrita, a produção e utilização de cadernos de registro como
prática formativa, formação de professores para a EJA, entre outros.
Os cadernos de registro representam documentos importantes enquanto
fontes de informação sobre o contexto de dado período histórico sobre a educação
de jovens e adultos no Brasil. É possível constatar – mesmo que em um projeto
institucional e não na rede regular de ensino – características marcantes desta
modalidade de ensino, como os índices de evasão, dificuldades, expectativas,
preparação para as provas de certificação, entre outras.

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Como a escrita nos cadernos de registro pode ser produzida sem a


preocupação da divulgação ou da publicação, ela se torna mais livre – e prazerosa,
talvez – uma vez que o autor não precisa assumir a responsabilidade por uma
organização minuciosa das ideias, a escolha de determinado gênero, formatação
e nem com uma revisão específica do texto. Essa “liberdade” talvez proporcione à
escrita cotidiana dos cadernos de registro uma nova possibilidade de escrita, mais
confortável e importante em cada particularidade.
Os cadernos de registro contam e recontam para os leitores a história
de um Projeto com mais de dez anos de existência, embasam discussões sobre
a Educação de Jovens e Adultos a partir da escrita de pessoas comuns, entre
educandos e educadores, que passaram pelo PEJA e, em seus cadernos, deixaram
um pouco de si para que essa história possa sempre ser recontada e rememorada.

Referências
ALVES, N. Diário de classe, espaço de diversidade. In: MIGNOT, A. C. V.; CUNHA, M. T. S.
(org). Práticas de Memória Docente. Série Cultura, Memória e Currículo. São Paulo: Cortez,
2003. v 3.
CHARTIER, R. A história cultural. Entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.
DI PIERRO, M. C.; JOIA, O; RIBEIRO, V. M. Visões da Educação de Jovens e Adultos no
Brasil. Cadernos Cedes. Ano XXI. n. 25. nov 2001.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez,
1993.
_______, P. Pedagogia da Autonomia. 12.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
_______, P. Educação como prática da liberdade. 29.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.
IRELAND, T. A EJA tem agora objetivos maiores que a alfabetização. Revista Nova Escola.
Edição 223. jun 2009.
ZABALZA, Miguel. Diários de Aula: um instrumento de pesquisa e desenvolvimento
profissional. Tradução: Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2004.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

60
(Re)visitando “minha Unesp”

Felipe Ferreira Joaquim


Antonio Roberto Achel
Arthur Bernardo Cruz Bernardes

Caminhar...
Caminhando, o encontro
Encontrando, a experiência
Experimentando, o aprendizado
Aprendendo, o questionamento
Questionando, a busca
Buscando... o caminho.

Introdução

O ser humano contemporâneo comunica-se principalmente pelo


sentido da visão. O cinema, a televisão e a internet refletem, bruscamente, no
modus operandi do cotidiano. A linguagem visual, assaz dinâmica e encantadora,
vem operando mudanças profundas na sociedade. Ao alcance do controle
remoto ou de alguns cliques, ela diminui distâncias e aproxima realidades, mas
também estabelece critérios de identidades que orientam o senso estético e ético.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Modificou para sempre o curso histórico-cultural de todas as nações do planeta.


O mundo, pelos olhos das lentes, passa a ver e a ser visto.
Para Benjamin (1992), a imagem colabora no processo de construção
de linhas de pensamento. Associada à palavra, a imagem é o elo de interpretação
e compreensão do mundo. O homem não só vive imerso em imagens, como
também pensa com imagens. Já na perspectiva de Maturana (2001), sobre
a composição dialógica entre pessoa e mundo, caminha-se sobre o fio da
navalha: de um lado, pela ausência de “mecanismos informantes” num mundo
supostamente composto por objetos, a impossibilidade de compreensão dos
fenômenos cognitivos, e de outra parte, o caos e a arbitrariedade da ausência do
mundo objetivo.
A imagem é a essência do cinema: imagem essa diferente do que até então
a pintura e outras formas de manifestações artísticas davam conta. A capacidade
de criar representações animadas da realidade fascina espectadores, concentra as
suas atenções por longos espaços de tempo, muito superior a qualquer outra
manifestação estática. Efeitos especiais desenvolvem-se rapidamente, e cenas
que extrapolam a fertilidade imaginária de anos passados já são reproduzidas.
Conclui-se que, nesse meandro, tudo parece ser possível.
Sem ainda prever tais questionamentos e universos de possibilidades
de reflexão, até porque os mesmos somente surgem após a experiência, mas
desejosos por instar algo que difundisse o fazer artístico, munimos a todos,
educandos e educadores do PEJA de Rio Claro, com câmeras e circulamos pelas
dependências da universidade. Saímos a capturar lugares e memórias, os sentidos
que as distintas trajetórias ousassem manifestar, íntima ou coletivamente, mas
com entusiasmo. Passamos por jardins, biblioteca e viveiros. E nesse construir,
fazendo juntos, também passou diante dos nossos olhos outros conhecimentos,
vislumbrados no ardor da centelha de cada um. Fomos, durante as filmagens,
espontaneamente, protagonistas e produtores do filme.
Posteriormente, no movimento que é deparar-se com a reprodução do
vídeo, a si mesmo e aos seus próximos na tela, novos rastros são demarcados,
oportunidades para outro caminhar. E desses, a abertura para a (re)significação
das experiências: como num espelho animado, cuja imagem que se reflete, e é
encarada, depende de quem sou eu, agora.
Assim, pouco mais de três anos se passaram desde a primeira exibição. Nós,
os editores do vídeo, nesse meio tempo, exploramos trilhas distintas, adquirimos
rugas, aprendizados e experiências. E nos juntamos, novamente, para escrever

62
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

sobre o que foi participar de todo o processo criativo de Minha Unesp. Por opção
consensual, aliviaremos a formalidade deste ponto em diante. É difícil manter a
sobriedade face às recordações de acontecimentos tão repletos de significados.

O caminhar
Peripatéticos. Assim queremos começar. Como os discípulos de
Aristóteles que, ao ar livre, saíam a caminhar. De forma ambulante, confluente,
itinerante: passear, aprender e ensinar. Temos uma missão, um percurso pela
frente. O que vislumbramos: recordar certas trajetórias, revisitar imagens e
processos, reler. Caminhantes no presente, pelas trilhas da obra Minha Unesp,
entrever, no registro, a memória.
Pelo filme. Que pós-feito é visto e revisto. A obra ainda em aberto.
Os sujeitos em construção. A estrada experimental do audiovisual, trilhada em
consonante ação entre educandos e educadores do PEJA em 2008, continua
habitada. Momento outro, novos olhares, permanente dinâmica. Educandores e
obra reencontram-se. Confluência. O filme segue.
Em cena, educadores e educandos a caminhar. A registrar os caminhos.
A tocar nas folhas. E a vivenciar os espaços da educação de jovens e adultos.
Refletindo sobre esses espaços e sobre si, engendram a gravação do vídeo.
Imagens e ações em conjunto seguem no filme. Segue o fazer. Através dos momentos,
variadas mãos seguram o olhar pela câmera. A ela, olhares outros se dirigem; e as
palavras vibram pelas cenas: significâncias de um grupo em experimentação.
Novos quadros sucedem. A aventura dos caminhos educativos suscita
criatividade nos sujeitos que se envolvem. E vice-versa. O enredo espontâneo se
desenha enquanto é vivido, registrado, pulsante.
Essas aventuras narradas, que ao mesmo tempo produzem geografias de ações
e derivam para os lugares comuns de uma ordem, não constituem somente
“um” suplemento aos enunciados pedestres e às retóricas caminhatórias. Não
se contentam em deslocá-los e transpô-los para o campo da linguagem. De
fato, organizam as caminhadas. Fazem a viagem, antes ou enquanto os pés a
executam (CERTEAU, 1994, p. 200).

Então, o que nos resta, nada mais é do que, simplesmente, acolher:


Sejam bem-vindos... a mais uma aula do PEJA 2008!!! (Minha Unesp, 02:45)1

1
Convencionamos que as citações literais extraídas do filme serão acompanhadas dos momentos (mm:ss) nos quais as
falas se iniciam.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

O lugar, os espaços
Eu gostei muito de vir para esse curso, porque eu nem sabia que ele existia. Estou
aprendendo, relembrando aquilo que aprendi há cinquenta anos atrás. (Minha
Unesp, 03:18).
Não conhecia nem onde é que era a Unesp; nem sabia que existia a Unesp. (Minha
Unesp, 03:34).
A Unesp era um lugar, assim, somente para os estudantes, muito reservado.
E agora não, abriu as portas para as pessoas de bom senso. (Minha Unesp, 04:03).

Estradão. São as pessoas em movimento; pelos lugares dos saberes, pelos


espaços do fazer.
Um lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos
nas relações de coexistência (...) Implica uma indicação de estabilidade (...) O
espaço é um cruzamento de móveis. É de certo modo animado pelo conjunto
dos movimentos que aí se desdobram (...) Em suma, o espaço é um lugar
praticado (CERTEAU, 1994, p. 201-202, grifos do autor).

O texto escrito, este sendo lido, traz ao presente o processo de composição


da obra, do filme. Composição situada no contexto da extensão universitária em
educação de jovens e adultos, por processos ocasionados pelas práticas educativas
no âmbito do PEJA-Rio Claro, que se fundamenta nos fazeres e reflexões dos
participantes. O Projeto integra ações de educandos e educadores pelos variados
espaços e lugares da universidade. Aquele mesmo lugar que, pela fala da educanda,
antes era restrito, agora é familiar, experimentado. “O lugar não é um fragmento,
é a própria totalidade em movimento que, através do evento, se afirma e se nega,
modelando um subespaço do espaço global” (SILVEIRA, 2002, p. 204-205).
A memória olha para o passado. A nova consciência olha para o futuro. O
espaço é um dado fundamental nessa descoberta. Ele é o teatro dessa inovação
por ser, ao mesmo tempo, futuro imediato e passado imediato, um presente
ao mesmo tempo concluído e inconcluso, num processo sempre renovado.
Quanto mais instável e surpreendedor for o espaço, tanto mais surpreendido
será o indivíduo, e tanto mais eficaz a operação da descoberta. A consciência
pelo lugar se superpõe à consciência no lugar. A noção de espaço desconhecido
perde a conotação negativa e ganha um acento positivo, que vem do seu papel
na produção da nova história (SANTOS, 2006, p. 224).

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Neste nosso exercício audiovisual, registraram-se os olhares sobre


os espaços de vivências, permeado pelos dizeres e fazeres da prática educativa,
captados em sons e imagens. Combinaram-se os quadros em sequência revelando
uma totalidade. A totalidade é a obra; filme que retrata inclusive dinâmicas em que
se compõem totalidades mais, tal quando educandos e educadores manuseiam e
combinam peças do Tangran e da Torre de Hanoi.
As partes que formam a Totalidade não bastam para explicá-la. Ao contrário, é
a Totalidade que explica as partes (...). É a realidade do todo o que buscamos
apreender. Mas a totalidade é uma realidade fugaz, que está sempre se
desfazendo para voltar a se fazer. O todo é algo que está sempre buscando
renovar-se, para se tornar, de novo, um outro todo (SANTOS, 2006, p. 74).

Assim, os relatos enredam-se pelos caminhos em construção, aventuram-


se pelo escrever em imagens e sons. Documentam em arte a ciência dos sujeitos,
os quais aprendem caminhos pela aventura e comunicam fazeres e dizeres.
Educandos e educadores, jovens e adultos, afirmam o potencial comunicativo na
diversificação dos registros.

Práticas educativas, linguagens, experiências


Quando Foucault (1999) analisa a pintura Las Meninas de Velásquez
fica evidente a rede de olhares que se forma entre os elementos do quadro e os
seus possíveis observadores. Essa fluidez entre os elementos demonstra a riqueza
de possibilidades que a arte pode dar à vida das pessoas.
O livre pensar não significa que a prática educativa está à deriva, afinal,
essa é uma das funções do educador: conduzir o grupo a uma prática proveitosa e
reflexiva. O caminhar espontâneo da prática pode levar a possibilidades infinitas.
Os funcionários e o jacarezário. A Turma da Comunidade e a Torre de
Hanoi. Interlúdios numa sala de informática. O Tangran. A música instrumental
guiando as imagens.
O Projeto ganha vida nas nuances da experiência. Entre uma pergunta
e outra. Um comentário tecido pela contemplação, um momento resgatado da
memória. Os saberes afloram na medida em que a experiência nos arrebata. O
grupo Quinteto Armorial dá o tom dessa dinâmica intensa e profunda; sua música
mescla o erudito ao popular, a música nordestina com elementos medievais.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

A caminhada envolve os participantes como numa dança, onde as


conversas são a melodia e o ritmo é ditado pelos elementos que compõem a
experiência. Os saberes dos educandos se alinham ao conhecimento científico
da mesma forma que na música o popular e o erudito caminham lado a lado.
Entretanto, ainda estamos no primeiro movimento, que é o contato. O processo
educativo se dá em duas etapas, assim como no filme. Primeiro o encontro, o
acontecimento, e em seguida a reflexão sobre o ocorrido.

Os aprendizados, os ensinamentos
Em O mestre ignorante, Jacques Rancière (2002) nos conta a história de
um excêntrico professor, Joseph Jacotot, que ensinou o que ignorava. Partindo
de uma inusitada experiência com estudantes holandeses, a de ensinar francês
desconhecendo o idioma local, Jacotot tornou-se o fundador do método do
Ensino Universal, pautado na igualdade das inteligências humanas. Assim, e
pelos variados percursos que se seguiram desde então, o professor abdicou de
suas explicações e fez-se mestre ignorante.
Que tal aproximar dois legados, os ensinamentos de Jacotot com as
experiências de Minha Unesp, e entrever o que ambos têm a comunicar para o
outro?
Ah, eu não sei. Eu achava que iria ser complicado. Que eu não iria acompanhar.
Que vocês iam exigir da gente o que eu não sabia. Eu falei – ‘como que eu vou, eu
parei na oitava...’– entendeu? (Minha Unesp, 15:35).
Não digas que não podes. Tu sabes ver, tu sabes falar, tu sabes mostrar, tu
podes te lembrar. O que mais é preciso? Uma atenção absoluta, para ver e
rever, dizer e redizer. Não procures me enganar e te enganar. Foi bem isso que
viste? O que pensas disso? Não és um ser pensante? Ou acreditas ser apenas
corpo? (RANCIÈRE, 2002, p. 34, grifos do autor).

Em geral, o adulto que não pôde estudar quando criança teve sua vida
atrelada, ainda muito jovem, ao trabalho; ou seja, tinha participação efetiva,
direta ou indiretamente, na geração da renda familiar. Mas, sem dúvida, ainda
que não tenham passado por um processo formal de educação, esses sujeitos
formaram-se, constituíram o seu caráter e aprenderam a interpretar o mundo que
habitam, segundo as suas próprias experiências de vida.
Entretanto, tendo em vista as demandas da atual “sociedade da
informação”, essas pessoas podem se deparar com situações que exigem certos

66
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

elementos que estão relacionados com outras formas de conhecimento, as quais


não tiveram acesso, e daí para a marginalização, somente um passo. Alguns
sujeitos esmorecem e desistem, para outros basta o que se têm. “Os excluídos do
mundo da inteligência subscrevem, eles próprios, o veredicto de sua exclusão”
(RANCIÈRE, 2002, p. 28). Quando saímos de casa em casa divulgando o
Projeto é muito comum ouvirmos: “Não tenho mais idade para essas coisas,
voltar para a escola...”.
Mas existem aqueles que prosseguem, guerreiros e guerreiras na batalha
da vida, que ainda se reconhecem aprendizes:
O ser humano sabe que ele ainda não aprendeu tudo (...) até o fim da vida, a
pessoa, né? (...) não sabe tudo, morre aprendendo (...). Ninguém nasce sabendo e
morre aprendendo. É o que eu penso – não tem tempo exato de se aprender nada.
(Minha Unesp, 15:52).
O que pode, essencialmente, um emancipado é ser emancipador: fornecer,
não a chave do saber, mas a consciência daquilo que pode uma inteligência,
quando ela se considera como igual a qualquer outra e considera qualquer
outra como igual à sua (RANCIÈRE, 2002, p. 50).

As salas de aula do PEJA são compostas por pessoas em diferentes


graus de aprendizado. Têm aqueles que gostam de escrever poesia, outros
prosa, e têm aqueles que estão circunscrevendo as primeiras letras, as primeiras
palavras. A beleza do Projeto reside na harmonia que é o encontro dessas distintas
inteligências, e o esforço que parte de cada um para colaborar no processo de
aprendizagem do colega.
Aqui eu aprendi... escrever, e até mesmo falar. (Minha Unesp,16:46).
Ele saberá que pode aprender porque a mesma inteligência está em ação em
todas as produções humanas, que um homem sempre pode compreender a
palavra de um outro homem (RANCIÈRE, 2002, p. 30).

Nossa filosofia no PEJA de Rio Claro é trabalharmos, seja qual for o


tema da aula, com o cotidiano dos nossos educandos. Acreditamos que desse
modo o processo de construção do conhecimento é melhor aproveitado. São
raros os encontros em que gastamos mais de meia hora numa aula expositiva,
onde quem fala é o professor. Aos educadores, em geral, cabe a condução do
assunto, como que orientando o rumo da prosa. A aula se desenrola com fluidez
na fala dos educandos, que compartilham com entusiasmo suas experiências...

67
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Aprende-se a partir da vivência do outro, do que foi visto nos noticiários,


revistas ou jornais, ou mesmo numa conversa com o vizinho. Aprende-se também
com os livros: não os perdemos de vista.
Em liberdade, aprende-se a ouvir e a falar, respeitando-se a si e ao outro:
visamos à emancipação dos participantes. De todos eles: educadores e educandos.
Liberdade... Ninguém gostaria de viver preso. (Minha Unesp, 18:53).
Quem ensina sem emancipar, embrutece. E quem emancipa não tem que se
preocupar com aquilo que o emancipado deve aprender. Ele aprenderá o que
quiser, nada, talvez. (RANCIÈRE, 2002, p. 30).

Apresentado dessa forma, é natural que surjam indagações, críticas e


questionamentos. O PEJA não faz parte do que é considerado ensino formal.
Mas, tampouco, é uma reunião despretensiosa de jovens e adultos. Alguns veem
nos outros a alegria, a generosidade e a cumplicidade de parentes que gostariam
em sua família. Sim, é isso, família! Consideramo-nos uma. Somente aqueles
que participam, ou já participaram, conseguem expressar o que é fazer parte do
Projeto... ainda que com palavras custe alcançar tais sentidos...
Mas não percamos nossa linha de raciocínio. Falamos sobre um Projeto
de Educação de Jovens e Adultos. Então, o que lá se aprende?
Aprendem-se frases e, ainda, frases; descobrem-se fatos, isto é, relações
entre coisas e, ainda, outras relações, que são da mesma natureza; aprende-
se a combinar letras, palavras, frases, ideias... Não se dirá que adquirimos a
ciência, que conhecemos a verdade, ou que nos tornamos gênios. Saberemos,
contudo, que, na ordem intelectual, podemos tudo o que pode um homem
(RANCIÈRE, 2002, p. 37).
- Falô, mestre! Foi muito legal, viu! Parabéns! (Minha Unesp, 19:36).

Somos nós quem os e as congratulamos! É a partir do exemplo de vocês,


da vontade de saber mais e mais, da garra que é enfrentar sol e chuva para se
deslocar até a universidade, de por vezes deixar entes queridos, marido e mulher,
filhos e netos em casa, de deixar de lado, por momentos, as próprias atribuições
domésticas e tantas outras ocupações, para, conosco, aprendermos juntos.
São as suas histórias, os seus conhecimentos, as suas experiências,
os seus saberes que nos formam enquanto educadores. É a partir dessa nossa
convivência coletiva que chegamos às nossas casas, às nossas repúblicas estudantis,
e disparamos a conversar com os amigos sobre os rumos da educação. É desses

68
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

nossos encontros que ficamos instigados a ler Paulo Freire, Milton Santos,
Jacques Rancière e tantos outros. Que refletimos sobre as nossas práticas, que
nos indagamos sobre o nosso posicionamento no mundo; é por onde se aflora
o desejo, a ânsia, a coragem para sairmos à luta por um mundo ético e com
oportunidades para todos.
Somos jovens e ignorantes. Mestres? Não sabemos. Nossa incumbência
é despertar o interesse e viabilizar o acesso ao conhecimento. Como?
O que o mestre ignorante deve exigir de seu aluno é que ele prove que estudou
com atenção. É pouco? (RANCIÈRE, 2002, p. 42).

Certamente que não. Algum desavisado pode enxergar pedaços de papel


dispersos sobre a mesa. Outro, mais atento, estudando e agindo, perceberá que
essas partes, unidas, formam um todo comum. Uma imagem inteira; como os
pensamentos, que ligados pelo raciocínio, sincretizam-se num entendimento. O
trabalho de pesquisa é a própria matriz do conhecimento.
– Consegui?
– Conseguiu.
– CONSEGUI! (Minha Unesp, 19:47).
– O que é preciso, para organizar a instrução que o governo deve ao povo e
que pretende fornecer segundo os melhores métodos? – Nada, respondeu o
Fundador, o governo não deve instrução ao povo, pela simples razão de que
não se deve às pessoas aquilo que elas podem conquistar por si próprias. Ora,
a instrução é como a liberdade: não se concede, conquista-se (RANCIÈRE,
2002, p. 112).

E então? Nós, o PEJA. Os educadores, os educandos. Os educandores.


Conseguimos? Conquistamos? Acreditamos que sim: caminhando, prosseguimos.
Tchau, pessoal! Até o ano que vem! (Minha Unesp, 19:58).
O Fundador havia predito que o Ensino Universal não vingaria. É bem verdade
que havia acrescentado, também, que ele jamais morreria (RANCIÈRE, 2002,
p. 143).

***

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

E antes de irmos junto com o filme, um último sopro.


Depois de um processo de edição que beirou a exaustão, tínhamos
a incumbência de apresentar a obra que nascia para os próprios educandos e
educandas – sem direito à noite de sono (na verdade, mal tínhamos tempo para
um banho rápido).
E quis a Providência que as coisas se arranjassem de maneira satisfatória.
Minha Unesp foi exibido, a sala cheia, os nossos ânimos à flor da pele. Acomodamo-
nos de forma que pudéssemos contemplar os sujeitos que se percebiam, que se
entreviam, na tela grande.
E ao final, após os aplausos, a um dos educandos foi perguntado: “-
Paulinho, o que você mais gostou no filme?” “- Ahh! Eu gostei quando apareceu
o meu nome na lousa!”

Referências
BENJAMIN, W. Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem humana. Lisboa: Relógio
D’água, 1992.
CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
FOUCAULT, M. Las meninas. In: ______. As palavras e as coisas: a arqueologia das ciências
humanas. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 3-21.
MATURANA, H. R. VARELA, F. J. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da
compreensão humana - São Paulo: Palas Athena, 2001.
Minha Unesp. Direção: Antonio Roberto Achel, Arthur Bernardo Cruz Bernardes, Felipe Ferreira
Joaquim - Rio Claro: UNESP-IB, 2011.
RANCIÈRE, J. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo
Horizonte; Autêntica, 2002.
SANTOS, M. A natureza do espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
SILVEIRA, M. L. Totalidade e Fragmentação: o Espaço Global, o Lugar e a Questão Metodológica,
um Exemplo Argentino. In: SANTOS, M et al. (Orgs.). O Novo Mapa do Mundo. São Paulo:
Hucitec/Anpur, 2002. p. 201-209.

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Um percurso entre realidades:
passeando pela 29ª Bienal de Artes de São Paulo

Luiza Teixeira Bussius

Assim como o ar que respiramos é compartilhado com todos


indiscriminadamente, o mesmo pode acontecer com a produção
artística (Stela Barbieri).

O percurso pela 29ª Bienal de São Paulo foi idealizado por integrantes
do PEJA-Rio Claro (Projeto de Educação de Jovens e Adultos) e realizou-se
como fechamento das atividades educativas do ano de 2011. Encontro entre
educadores e educandos. Entre as diferentes turmas que compõem o Projeto.
Entre saber científico e saber popular. Entre cidades. Salientando a criatividade
possível na educação e a importância de percorrer diferentes espaços para ampliar
os horizontes das práticas educativas e aprendizados.
Saímos numa sexta-feira chuvosa pela manhã, bem cedo. O destino
era São Paulo. A exposição reuniu cerca de 850 obras de artistas do mundo.
Situada no pavilhão Ciccillo Matarazzo no Parque do Ibirapuera, a Bienal de Artes
preocupou-se com uma atuação significativa no campo educativo, realizando ao
longo do ano formações e encontros de educadores interessados em aproximar-se
e aprofundar-se no universo da arte contemporânea.
O tema central da Bienal 2011 foi a impossibilidade de separar arte
e política. Nesse sentido o título dado à exposição é um verso do poeta Jorge

71
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

de Lima, de sua obra Invenção de Orfeu: “Há sempre um copo de mar para um
homem navegar” (FARIAS; ANJOS, 2010).
O percurso possibilitou algumas reflexões sobre a prática educativa,
como a questão da troca de realidades, ou seja, a oportunidade de, através da
educação, experienciar realidades diferentes das que os sujeitos educandos e
educadores estão imersos cotidianamente, que carregadas de práticas, relações e
paisagens repetitivas, moldam nossas rotinas e consequentemente nossas vidas,
muitas vezes, impedindo-nos de enxergar outras perspectivas de existência e
atuação. O contato, o percurso, a troca de realidades pode proporcionar novas
relações entre saber, experiência, contextos socioeconômicos, culturas e etc.
Visitar a Bienal. Aprender a palavra Bienal. Pois esse vocábulo era
inexistente na vida dos educandos, e talvez ainda seja na vida de grande parte
da população brasileira. Linguagens, paisagens, sentimentos, memórias que não
fazem parte do universo diário de cada um de nós. O contato com aspectos,
conceitos, palavras e formas novas e diferentes reafirma a importância de
percorrer, adentrar, explorar, sentir, trocar experiências inusitadas e possíveis de
serem revolucionárias, ou talvez, inovadoras, por realidades distintas das que
estamos habituados.
Percorrer cidades. De Rio Claro a São Paulo, muita observação pode
ser feita. Observar paisagens, sentir cheiros, passar calor, suar. Viver. Conhecer o
além. Além-mar. Lembrança de que há sempre um copo cheio de mar para cada
um de nós.
Mares internos. Mares externos. Ondas nos assolam. Trazem-nos
esperanças e levam-nas outra vez. A prática educativa é repleta de angústias,
cabe a nós ter criatividade para contornar essas dificuldades e possibilitar novos
olhares. Adentrar em novas categorias. Produzir vanguarda.
A importância do ampliar horizontes para educação, para vida (por
que não?). O mundo amplia-se a cada passo que damos. A cada quilômetro
percorrido. Estradas. Cidades. Regiões. Fronteiras. Climas. Culturas. Realidades.
E a arte nisso tudo? A arte esconde-se e flutua por cada palavra. Ela
está lá, fechada na Bienal. Aberta ao público. Esperando para ser vista. Servindo
para refletirmos sobre o que somos. Onde estamos. Quais as possibilidades
temos e ao mesmo tempo negamos tudo isso. Subvertendo as ordens. Causando
estranhamentos. Construindo indagações. Sensações que estão adormecidas pelo
cotidiano. Pela moral. Pela dureza da vida.

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Há arte em tudo? Na arte contemporânea o conceito passa a ter


destaque fundamental. Mais do que a materialidade em si, está a reflexão, a
discussão teórica que levou àquele concreto. E as questões que se ampliam frente
ao contato com a obra.
Acredito que arte, assim como os “conceitos” de liberdade, foge de
definições estanques, pois sua beleza e sentido estão justamente na impossibilidade
de fechá-las. De torná-las algo palpável e finalizado. Fogem. Escapam. Escorrem
pelos dedos cada vez que tentamos conceituá-las. E é isso que as torna tão
simbólicas.
A Bienal é um espaço educativo. Contribui para as reflexões, para a
compreensão do que vem a ser arte contemporânea, para adentrar em novas
realidades. Para fundamentar práticas educativas que valorizem o compartilhar e
a participação.

Referências
FARIAS, A.; ANJOS. M. Há sempre um copo de mar para um homem navegar. In: Catálogo
da 29ª Bienal de São Paulo: Há sempre um copo de mar para um homem navegar. Curadores
Agnaldo Farias, Moacir dos Anjos. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2010.
BARBIERI, S. Lugar de respirar. In: Há sempre um copo de mar para um homem navegar. In:
Catálogo da 29ª Bienal de São Paulo: Há sempre um copo de mar para um homem navegar.
Curadores Agnaldo Farias, Moacir dos Anjos. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2010.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

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O Peja em imagens e poesia

Rafael Caetano do Nascimento


Felipe Ferreira Joaquim

Há no encontro, seja com um lugar ou com uma pessoa (mesmo que


somente de passagem) outros encontros possíveis: dos olhares humanos com o
mundo. Olhar humano que toca e é tocado, forma e é formado, transforma e é
transformado pelas experiências vividas e compartilhadas.
A humanização acontece. Seu acontecimento e seus desdobramentos
não são lineares e, tampouco, facilmente determinados. Em cada história,
diferentes trajetórias – morada das potencialidades.
As possibilidades da educação são muitas; os discursos, os mais variados.
Escolher? Experimentar... Inventar, tentar. Ao trilhar esses caminhos, buscamos
conhecer quem está do outro lado; a postura do educador que transfere, deposita
no “outro, tomado como paciente de seu pensar, a inteligibilidade das coisas, dos
fatos, dos conceitos” (FREIRE, 1996, p. 38) se dissolve.
Experiência da (tentativa de) abertura que nos move e nos coloca
perante o desconhecido e o inacabado. Como lembra Paulo Freire (1996,): “Seria
impossível saber-se inacabado e não se abrir ao mundo e aos outros à procura de
explicação, de respostas a múltiplas perguntas” (p. 136).
Assim aparece também o desafio de fazer das experiências e dos saberes
dos sujeitos/educandos/as a força propulsora de nossas práticas, na tentativa de
construir uma educação emancipadora para educadores/as e educandos/as. Mas
como encarar esse desafio?

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Através das fotos que apresentamos neste capítulo, intencionamos


suscitar algumas reflexões acerca das experiências que educadores/as e
educandos/as do Projeto de Educação de Jovens e Adultos (PEJA) da Unesp-Rio
Claro vivenciaram juntos. Dessa forma, ao trazer as imagens acerca de alguns
acontecimentos do Projeto, propomos também mostrar como se desenrola a
exploração desse desafio.
E quanto mais remo mais rezo
Pra nunca mais se acabar
Essa viagem que faz
O mar entorno do mar
Meu velho um dia falou
Com seu jeito de avisar:
– Olha, o mar não tem cabelos
Que a gente possa agarrar (VIOLA, 2007).

Educanda da Turma do Bonsucesso, que acontece no Núcleo ArteVida, na periferia de Rio Claro.
Navega pela escrita ao trabalhar com as atividades do material da Bienal de Artes de 2010.

A escrita não é precisa


e o copo vai transbordar.

Navegar, por estas águas, tampouco é preciso.


São muitos os rumos possíveis
E os instrumentos, papel e lápis
não direcionam,

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

expandem os horizontes.
O lápis até pode furar a folha,
mas ela não reclama; aguarda
a escrita de uma vida repleta de esperança.

Uma lista de compras. Lápis, borracha, o cotidiano e a leveza do olhar.


Educanda da Turma do Bonsucesso.

Lista de compras

Para um prato de arroz e feijão


o alfabeto, mesmo que incerto.
Sal e pimenta a gosto
condimentam as palavras
Com óleo e cebola,
refogam-se as sentenças.
Com molho de tomate e macarrão
criamos uma oração!
Cozinhe lentamente,
o aprendizado requer atenção!
Aqui a panela é funda,
servimos um batalhão!

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Trabalho proposto a partir do eixo temático ‘Florestas’: diferentes trajetórias pelo Horto
Florestal de Rio Claro; trocas de experiências; tinta, cartolina e pincel. Educanda da Turma da
Comunidade – que acontece nas dependências da Universidade –
pinta suas impressões dos encontros.

Entre a tinta e o pincel,


As possibilidades do pensamento
E os últimos instantes do papel ainda branco

Nos trajetos incertos


O fulgor da caminhada
Tinta, cartolina e pincel
Pra ilustrar esta toada

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Deixa, por um instante, seu material de trabalho (cortador de grama, pá, enxada...); pega o seu
violão e vai se apresentar no anfiteatro da universidade em um evento do Projeto.
Educando da Turma dos Funcionários da Unesp.

Aquilo sim que era vida


Aquilo sim, que vidão
Com uma viola no peito
Tirava uma canção
Com o acorde na batida
Solto o meu vozeirão
Canto bonito
Porque vem do coração
Plantava milho, arroz e feijão
Pescava de linha lá no ribeirão
Domingo saia no meu alazão
No ritmo do Gonzagão
Encontro a rima pra Educação
E sigo nesta apresentação!

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Paulinho, Maria Lúcia e Rafael. Bienal de Artes, São Paulo. Numa cidade de aço e concreto,
pequena parada para observar a linda paisagem no Parque Ibirapuera.
(Maria Lúcia, educanda da Turma da Comunidade).

Enfim, chegamos!
Renovam-se os ânimos
Ao observar a paisagem
Após uma longa viagem.

A entrada requer paciência...


... momentos de espera...
Mas que na amizade compartilhada
Torna-se sabedoria eternizada.

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Olhares que tocam, sujeitos que dialogam e se movem; a experiência


de educandas e educadoras da Turma do Bonsucesso.

Olhares que se encontram com ternura


Peles que, gentilmente, se tocam
Confiança que acalenta, amizade que encoraja.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Encontro de educadores/as e educandos/as. Dinâmica do barbante:


fios que conectam o PEJA.

A caminhada já vem sendo feita


A história, escrita a cada passo
Os caminhos são diferentes e variados.
Mas há muito que viver!

Palavras que cruzam e descruzam


Singularidades em contato
Encontros que entrecruzam as pegadas

Educação tem disso...


Esse coletivo que tece significados.

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Aula no jardim da biblioteca da universidade. Educando da Turma dos


Funcionários praticando sua escrita.

Ler e escrever.
Que mistério há nisso?
Buscamos uma escrita consciente
Sem erros ortográficos e atraente
Que mostre o desenvolvimento do raciocínio
E que, portanto, seja coerente.
Então que tal
Um tema legal?
Em que o contexto
Se misture no próprio texto
...
Mas espera aí,
Por que e pra quem se escreve mesmo?

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Educanda do PEJA no momento em que o próprio RG se tornou


material de pesquisa e estudo

Qual é o seu nome?


Meu nome é eu.
Eu? Nunca vi ninguém com esse nome.
Ué, olhe pra você, pois seu nome
Também é um eu.

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Atividade que propôs a construção de um cartaz na tentativa de aproximar


a fala, a escrita e os diferentes saberes das educandas e dos educandos.

- Dia!
- Dia! Cê tá sabendo que ele bateu o carro?
- Tamem né, o pão tá gamado na moça.
- Sei não, acho que ele só quer perder a cabacinha.
- Será? Tem é que tomar cuidado pra moça não ficar embuchada.
...
- Chega de falar da vida dos outros. Comprei uma bengala, tá na cozinha.
- Vamo comer porque daqui a pouco é hora da jardineira...

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

A proposta era reconstruir a casa da infância. A maquete foi o meio de fazê-lo. Os cenários
foram vários. Esta é uma delas. Maquete ou infância?

A rua da minha casa tem histórias


De aventuras da juventude
Dos encontros com as paixões
Do cuidado com as folhas para não sujar o passeio
Do atravessar a rua para levar um presente ao vizinho
Das belezas e malícias das crianças
Do perigo que está ali na esquina
Do movimento que aumenta a cada dia...
A rua da minha casa
Tem o tempo
Que não é passado, presente ou futuro
Mas que simplesmente está vivo.

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

A botânica de uma educanda: saberes que cultivam plantas medicinais.

Das plantas é preciso aprender seus nomes.


Com os nomes pode-se conhecer seus segredos.
Com os segredos saber de seus mistérios.
Ser botânico e compartilhar de suas descobertas
tem seus labirintos e suas travessias.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Referências
Acervo de fotos do Projeto de Educação de Jovens e Adultos (PEJA).
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 41.ed. São Paulo:
Paz e Terra, 1996.
VIOLA, P. Acústico MTV. Sony/BMG, 2007.

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“Vou para a Unesp” e utros escritos
Dirce Tomitan Perinotto

Infância, saudade tamanha!


Infância só traz lembranças
que tempo bom era aquele,
pena que não pode voltar!

Porém, nos faz recordar:


ia à escola, fazia compras
com sacolas.

A caminho de casa passava na faculdade


para ver os bichos empalhados
e os outros na liberdade!

Que saudade da minha mãe,


quando pedia sua benção
e ganhava um abração!

Brincava tão alegremente


quando ganhava presente
ficava muito contente!

Andava na enxurrada
mesmo ficando encharcada,
da cabeça até os pés.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Era tanta a alegria,


eu nem percebia
que machucava os pés.

Minha mãe cuidava com carinho,
mas meu pai ficava bravinho,
que doía mais o meu pezinho.

Por causa da força d´água,


formava um espumão,
eu tinha muito medo do sapão.

Contava as estrelas,
caçava borboletas.

Andava com a lua cheia,


brincava na areia.

Colhia maravilhas
e rezava a Ave-Maria!

O menino químico
Era uma vez um menino chamado Hélio, ele era um menino Estanho.
De vez em quando jogava bola com seus amigos, Túlio, Germânio,
Arsênio, Lawrêncio e Irídio.
Seu pai Einstêncio Berquélio gostava de ouvir Rádio, para saber se o
Ouro e a Prata estavam em alta.
Para aguentar o tranco comia uma banana todo dia por causa do
Potássio, e tomava um copo de leite, rico em Cálcio.
Ele era um garoto muito Césio e ao mesmo tempo muito peralta; se
machucava com sua espingarda de Chumbo. Sua mãe, dona Platina cuidava dos
ferimentos com Mercúrio e Iodo.
Sua brincadeira favorita era brincar de Índio, e ontem mesmo caiu de
um Gálio, mas nem reclamou.
Eita, o menino parece de Ferro!

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Mulheres em todos os tempos!


Viva!Nasceu, é mulher!
Menina, com sua meiguice
brinca tão alegremente com sua inocência,
tudo parece tão angelical.

Moça atraente de beleza sem igual,


na união da mulher e homem
é que acontece uma nova geração.

Mãe tem muito amor e carinho para dar


Majestade, és a rainha do lar.
És a flor mais linda que enfeita o meu jardim
sua bondade é sem fim.

Alegria é o que dá prazer para viver.


Na tristeza sabe se defender
o que precisa fazer é orar sem cessar.

Numa roda entre amigas, sempre tem o que falar.


Em todos os acontecimentos
haja o que houver, sempre está presente
a pessoa da mulher!

O tempo
O tempo passa.
Para mim já se passaram cinquenta e quatro anos.
Nasci, cresci, vivi, aprendi, mas ainda encontrei tempo para aprender o
que ainda não aprendi.
Já pensou que maravilhoso seria o tempo para as pessoas que dizem que
não têm tempo?
O tempo para mim está sendo o agora, e estou feliz por ter essa
oportunidade nesse tempo de duas horas de aprendizado, que jamais pensei em
tê-lo. Está muito bem aproveitado esse tempo.
Também agradeço a Deus o tempo não só meu, mas o tempo dos
professores que ensinam, discutem e aprendem a todo tempo.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Precisamos aproveitar: horas, minutos e segundos. Só assim iremos ter


responsabilidade ao caminhar para o futuro do progresso.
E que o PEJA continue a ensinar a todo tempo.

Vou para Unesp


Vou passar a tarde na Unesp,
para aprender e estudar.
Fico com colegas atentos
observando os movimentos,
escrevendo, lendo e aprendendo,
nem percebo o tempo passar:
já dá o horário para casa voltar.
Volto para casa depressa
para os afazeres do lar.
Passa rápido o tempo,
já é hora de descansar.
Vejo o luar e começo a rezar.
Logo durmo e descanso
para no outro dia acordar.
Sem perceber já é hora
de para a Unesp voltar.

Visita à Bienal
No dia 3 de dezembro de 2010, nos reunimos em frente à portaria da
Unesp com a professora Maria Rosa, educadores e colegas do PEJA e partimos
para São Paulo.
Foi uma viagem gostosa com os jovens muito animados.
Alegria total em estar fazendo piquenique no ônibus.
Chegamos ao parque às 13hs e 40m.
Esse evento acontece a cada dois anos na cidade de São Paulo, por ser
um local de grande população.
As obras de artes que estão expostas lá refletem a vida das pessoas no
seu dia a dia.
Eu pude perceber isso, pois os artistas usaram na criação das obras
materiais comuns como: terra, semente, jornais, madeira, arame, tecido, colchão,

92
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

metais, televisores e temperos. A mistura disso tudo resultou em várias esculturas


coloridas, que nos tocaram dando boas sensações ou não, podendo causar
sentimentos diversos ou nenhum. Mas, a que eu mais gostei foi a da lousa.
Na minha opinião, o artista quis com essa grande arte que não tenham
mais pessoas sem saber escrever e ler.

Cinthia Marcelle, “Sobre Este Mesmo Mundo”, 29ª Bienal de São Paulo

93
94
Poemas na Eja: da leitura à escrita

Priscila Regina Lourenço

Impossível escrever em poucas páginas o quanto o Projeto de Educação


de Jovens e Adultos – PEJA acrescentou em minha vida particular, profissional
e na minha formação como ser humano, porém tentarei escrever um pouco do
que foi participar do Projeto enquanto estudante de pedagogia. Desse percurso,
guardo sempre comigo lembranças dos encontros com os educandos, pois eles
que fazem tudo ter sentido e nos levam a perceber o quanto vale a pena ter se
dedicado.
De todos os encontros, o que mais me marcou foi quando estávamos
estudando poesia e líamos diversos poemas de temáticas variadas e de diferenciados
autores, sem ter um traçado preciso, para que fosse possível proporcionar aos
educandos o contato com o gênero de forma ampla, abordando-o em toda a sua
riqueza e diversidade.
Em meio aos poemas lidos, em um dos encontros foi possível abrir
espaço para a escrita, momento em que uma das educandas1 escreveu um poema
que me chamou e ainda chama a atenção até hoje: “Vou embora pra Unesp”,
cujo conteúdo está fortemente relacionado com o trabalho desenvolvido pelo
PEJA, no qual, nós, educadores, procuramos através da memória e experiência
de vida construir com os educandos os conhecimentos, e não apenas transmitir

1
Por questões éticas o nome dos educandos é mantido em sigilo, e refiro-me a eles como educandos ou educandas
somente.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

conteúdos. Conhecimentos esses que os educandos trazem à tona em suas


produções textuais, poéticas, dentre outras produções realizadas durante o ano.
O poema não tem uma escrita comum, objetiva, isto é, caracteriza-se por
versos, estrofes, também não é um gênero textual tão conhecido, por isso queria
apresentá-los aos educandos para que conhecessem o gênero, suas características,
e também para propiciar que cada um interpretasse a obra literária, partilhando,
confrontando com os demais sua visão.
Temos de respeitar os níveis de compreensão que os educandos – não importa
quem sejam – estão tendo de sua própria realidade. Impor a eles a nossa
compreensão em nome da sua libertação é aceitar soluções autoritárias como
caminhos de liberdade (FREIRE, 2009, p. 27).

Desse modo, não podemos descartar nenhuma interpretação, já que


no ato de interpretar estão envolvidos diversos fatores, como o contexto social,
a experiência de vida adquirida, a subjetividade, e é por meio das diferentes
interpretações, da troca de experiências que cada educando enriquece a sua
compreensão.
O objecto de estudo consiste, exactamente, no modo como as diferentes
pessoas envolvidas entendem e experimentam os objectivos. São as realidades
múltiplas e não uma realidade única que interessam ao investigador qualitativo
(BOGDAN; BIKLEN,1994, p. 62).

Assim, buscando poemas diversificados e pesquisando autores,


encontrei um poema que tive muita dificuldade em entender, e buscando uma
compreensão diferente da minha quis apresentá-lo às educandas.
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada


Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente

96
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Vem a ser contraparente


Da nora que eu nunca tive

E como farei ginástica


Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo


É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste


Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Manuel Bandeira

“Vou-me embora pra Pasárgada”, de Manuel Bandeira (1986), foi o


poema apresentado, e este foi de escolha proposital, pois quando estava no ensino
médio uma professora solicitou uma tarefa na qual deveríamos ler e entender o
poema, destrinchá-lo e compartilhar com o restante da sala.
Tive muita dificuldade para entender esse poema, mas porque não
compartilhá-lo com as educandas?
No dia em que levei o poema, infelizmente havia somente duas alunas,
porém mesmo assim não deixei para outro dia a atividade. Após entregar uma

97
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

cópia do poema para as alunas, fizemos uma leitura coletiva, e depois individual
e silenciosa, e uma das educandas comentou:
Ahh então Pasárgada é o paraíso pra ele! Mas será mesmo que é paraíso ou
ele pensa que é?
Continuando a leitura silenciosa, ela completou:
Hum, agora entendi, é o lugar onde ele morava quando era criança!
E essa educanda acrescentou ainda que quando era criança o lugar onde
ela morava também era o paraíso.
O poema remeteu às educandas lembranças boas do passado, de quando
ainda havia muitas árvores, muitas folhagens, muito verde nas cidades que eram
pouco industrializadas e ainda havia muita vida no campo.
Movida por essas lembranças, memórias das educandas, fiz um pedido
inusitado, solicitei que fizessem um poema, isto é, não uma reprodução, mas sim
que escrevessem algo ligado com a temática que o poema de Manuel Bandeira
nos evoca.
Uma das educandas que realizou a proposta sempre gostou de poemas,
e já havia escrito alguns espontaneamente. Ela, porém, me surpreendeu muito,
pois utilizou de cenas presentes na sua memória para compor a poesia. Vale
destacar que essa aluna gosta muito da escrita [e leitura] poética, por isso procurei
incentivá-la mais, propondo sempre reescritas de poemas, ou então sugerindo
temáticas que pudessem despertar esse prazer.
Lembrando que a escrita e a leitura andam juntas, sendo que uma
complementa a “função” da outra, pois quando lemos aprendemos a escrever
melhor, Larrosa (1998) constata que ensinar e aprender implicam relações
adversas que envolvem diferentes sujeitos.
Ensinar a ler é produzir esse deixar escrever, a possibilidade de novas palavras,
de palavras não pré-escritas. Porque deixar escrever não é apenas permitir
escrever, dar permissão para escrever, mas entender e alargar o que pode ser
escrito, prolongar o escrevível (p. 183).

Exatamente o que Larrosa (1998) especifica no excerto é que se pode


observar no poema escrito pela educanda, como podemos perceber a seguir:

98
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

É perceptível que a educanda gosta de estudar, de ler e escrever, e coloca


no papel uma escrita única, e como todo texto poético, o sentimento que o
acompanha.
A Unesp na visão dela é o “paraíso”, um lugar de aprendizado e
conhecimento, onde eu mesma, como educadora, me coloco como parte desse
“paraíso”. A leitura e a escrita, que para muitas pessoas são refúgios, para essa
educanda é o meio que ela encontrou para expressar seus sentimentos, angústias,
vontades, memórias, dentre vários outros motivos que a levam a escrever. E assim,
relembro-me de Larrosa (2002) que ao discorrer sobre experiência remete-me às
recordações da vida das educandas.
(...) saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo, contingente,
pessoal. Se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas
pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma
experiência (p. 27).

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Podemos ainda dialogar com Larrosa (2002) no excerto acima, pois


quando lemos “Vou embora para Unesp” percebemos a experiência que acontece
com a educanda que escreveu o texto, suas interpretações e percepções. Já outra
educanda, que participou da mesma atividade, acabou por escrever um poema
muito parecido com o de Manuel Bandeira, utilizando, muitas vezes, algumas
palavras do próprio autor com as quais ela se identificou, o que nos mostra que a
experiência é única para cada indivíduo.
Percebemos assim que cada um tem suas memórias, experiências,
desejos e modo de ver e entender a vida e o mundo que o cerca. Sem descartar
nenhuma possibilidade, nenhuma memória, nenhuma fala, pois cada uma tem
seu significado.
Larrosa (2002) coloca que hoje vivemos em uma “sociedade da
informação” e que a experiência vem sendo confundida com informação.
Infelizmente é uma realidade, pois hoje a experiência, aquilo que nos passa, que
nos toca, segundo o autor, vem sendo destituída de sua importância e perdendo
lugar para a efemeridade da gama de informações que circulam na sociedade.
Nesse sentido, a troca de experiências que acontece entre educadores e
educandos é muito válida e necessária num mundo cercado de informações por todos
os lados. Nesse processo, ambos aprendem e se transformam. Promover a leitura e
a escrita para os educandos no contexto do PEJA foi para mim algo surpreendente,
desafiador e muito prazeroso, pois nessa troca aprendi e me transformei.

Referências
BANDEIRA, M. Bandeira a Vida Inteira. Rio de Janeiro: Editora Alumbramento, 1986, p. 90.
LARROSA, J. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Tradução de João Wanderlei
Geraldi. Revista Brasileira de Educação. ANPED, jan-abr, n. 19, 2002. p. 20-28.
______. Sobre a lição. In: Pedagogia Profana: Danças, piruetas e mascaradas. P.A.: Contrabando,
1998.
BOGDAN, R.C.; BIKLEN, S.K. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à
teoria e aos métodos. Tradutores: Maria João Alvarez [et.al.]. Porto: Porto Editora, 1994. Cap. I,
II e IV, p. 47-62 e p. 169-180.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 50ª ed. – São Paulo:
Editora Cortez, 2009.
LOURENÇO. P. R. Percepções de uma educadora aprendiz em busca da compreensão
da escrita significativa na EJA. 2011. 82 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Licenciatura Plena em Pedagogia). Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio
Claro, 2011.

100
A relevância das palavras geradoras
para as aulas do Peja

Maria Carolina Aguilera Maccagnini

Introdução

O presente trabalho representa uma experiência de resgate e


valorização de memórias no espaço de atuação do PEJA – Projeto de Educação
de Jovens e Adultos, um programa de extensão institucional presente em sete
campi da Unesp. Este estudo refere-se mais precisamente ao projeto desenvolvido
no campus de Rio Claro, que atende uma de suas turmas no bairro Bonsucesso,
onde o Projeto ocorre em parceria com a ONG Núcleo ArteVida. No período
ao qual este texto remete (ano de 2010), o bairro contava com três educadoras,
todas do curso de Geografia da Unesp-Rio Claro, sendo uma bolsista e duas
colaboradoras. O número de alunos dessa turma era variável. No primeiro
semestre de 2010, havia nove alunos regulares, sendo que alguns procuravam
a alfabetização, enquanto outros a prova do ENCCEJA (Exame Nacional para
Certificação de Competências de Jovens e Adultos).
Este estudo tem como objetivo principal levantar questões e contribuir
para a reflexão do processo de construção de uma proposta de atividade, que
tem como princípio a utilização das palavras geradoras na turma do PEJA acima
referida e sua posterior execução e análise dos resultados.

101
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

O trabalho utilizou-se das palavras geradoras, partindo dos estudos


da proposta político-pedagógica de Paulo Freire, divulgada na década de 1950,
descrita em etapas enumeradas por Brandão (1981). Tal proposta faz referência
às experiências e pesquisas do educador brasileiro, que tinha por objetivo atentar
para o cotidiano do grupo de educandos, fazendo um levantamento do universo
vocabular, com aquelas palavras que o grupo utiliza para expressar sua realidade.
Após o levantamento, foi feito um apanhado daquelas palavras que mais
demonstrassem os diversos padrões silábicos da língua, utilizando essas palavras
como estudo da escrita, leitura e realidade.
Repetindo então a proposta de Freire, por meio das palavras levantadas
com a turma do Bonsucesso, foi possível interpretar muitas histórias das mulheres
que participam desse Projeto, com as situações mais significativas, carregadas
de sinais de sofrimento, luta, esperança, atentando para um trabalho coletivo
voltado às verdadeiras necessidades dessas pessoas, ou seja, a pesquisa dos termos
mais usados pelo grupo não servia apenas como um material para a alfabetização,
mas também para criar um momento comum de descoberta.
Alguns temas, nesse processo de alfabetização, como cultura, trabalho,
arte, religião, diferentes padrões de comportamento e sociabilidade são utilizados,
visando demonstrar ao educando que ele é o sujeito da aprendizagem, buscando
sempre atingir alternativas de soluções a algumas questões.
Pretende-se considerar aqui que a prática da produção de textos traz um
significado à função social no ensino do PEJA, uma vez que estão ali expostas as
experiências de vida do educando, suas relações com o mundo e suas construções
em grupo, preservadas pela memória.
Dessa forma, procurou-se analisar o material produzido dando
um enfoque às leituras individuais de mundo, refletindo sobre como se faz
importante a exploração de possibilidades reais dos alunos, ou seja, existenciais
e experienciadas, mostrando um trabalho de valorização da cultura, da educação
e da liberdade.

O processo de construção da proposta


Paulo Freire, através de investigações da possibilidade de trabalho para
alfabetização de adultos, buscou um novo valor e poder às práticas de ensino, com
a ideia da educação popular, privilegiando, sempre, o diálogo entre o educador e

102
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

educando, através de práticas de investigação, pesquisa e descobrimento de tudo


o que está implícito no universo de cada cultura local.
Dessa forma, seguindo algumas ideias do autor, buscou-se, no tempo
de trabalho nesta comunidade, uma atenção maior às falas, conversas, frases e
discussões, capazes de trazer um significado às questões cotidianas das educandas,
servindo de critério para a escolha das palavras geradoras utilizadas, tais como:
filhos, casa, roça, saudade, medo. Posteriormente, os temas foram desmembrados
e assim surgiu diferentes tipo de trabalho.
A ideia do autor cria um espaço propício à compreensão do meio trabalhado,
possibilitando que esta pesquisa fosse feita com a turma do PEJA Bonsucesso, de início
com as práticas básicas, como apresentação do grupo, a rotina aluno/professor, com
relações mais próximas, trocas de experiências, temáticas abordando situações do dia
a dia. Em seguida, algumas discussões sobre problemáticas locais, mais aprofundadas,
principalmente a questão da pobreza e a violência do bairro, provocando uma
aproximação do educador com o mundo do educando.
Nota-se que esse tipo de pesquisa deve privilegiar a situação do
educando, observando seu mundo para que assim possa perguntar-lhe sobre sua
vida, os acontecimentos do seu cotidiano, seu modo de ver e entender o que
acontece ao seu redor, criando todo um cenário, um momento gerador, que deve
ser registrado e guardado como uma situação de descoberta e mais ainda, como
um passo para tirar os olhos apenas de um horizonte e olhar para essas memórias
como uma ampliação do conhecimento de vida.
Não eram difíceis, durante os primeiros contatos com as alunas, ocasiões
em que surpresas apareciam tocando profundamente todos os envolvidos, como
se não existissem momentos como aqueles em qualquer canto: aquele era um
acontecimento único e inseparável das vidas de todos que dali participavam,
era um instante para ser re(criado), re(lembrado), re(escrito), e de certa forma,
insubstituível.
Toda descoberta gera ao homem certo entusiasmo e a ânsia de que
mais precisa ser desvendado, é como um ciclo vicioso, a cada aula toma-se de
assalto com vários passos dados, com lições de vida, desafios, é necessário sempre
acreditar na grandeza da troca de experiências proporcionada por encontros
como estes no âmbito do PEJA.
Com a proposta em andamento, em vários momentos ocorreram
situações difíceis. O trabalho da escrita muitas vezes surge como um desafio às

103
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

alunas, é como se o livro que existe dentro delas não pudesse ser lido a qualquer
momento e ser transcrito em palavras imediatas, e todo o contexto se resume,
muitas vezes, em uma única linha.
Cada aula desenvolvida permite a criação de uma imagem da educação a
partir das palavras geradoras, desencadeando um trabalho que complete a etapa de
aquisição da escrita não só por meio do conteúdo pragmático, mas também com
uma leitura da realidade, representando um processo essencial da alfabetização.

As palavras geradoras
Primeiramente é válido ressaltar que a educação não deve ser imposta,
deve haver uma contínua troca entre o educando e o educador, conduzindo a
pesquisa, dessa forma, a uma redução da diferença entre os dois.
O que está prestes a ser descoberto não são simplesmente palavras,
nestas falas estão sentimentos, realidades, experiências de mundo contidas no
sujeito. Segundo Brandão (1981), “o vivido e o pensado que existem vivos na
fala de todos, todo ele é importante: palavras, frases, ditos, provérbios, modos
peculiares de dizer, de versejar ou de cantar o mundo e traduzir a vida” (p. 26).
As palavras geradoras abrem espaço para a criação de procedimentos
de trabalho adaptados aos mais variados contextos culturais, preservando seus
valores no tempo presente, e dando um objetivo a ser atingido naquele processo
de aprendizagem.
Segundo Paulo Freire, as palavras devem servir para dois focos de leitura,
a leitura da língua e a releitura coletiva da realidade social onde a língua está
inserida, seguindo a três critérios de escolha: aquela que apresenta uma riqueza
fonêmica, uma semântica e uma pragmática (FREIRE apud BRANDÃO, 1981).
As fonêmicas devem incluir todas as dificuldades de pronúncia e escrita,
mas deve carregar também uma carga afetiva, assim como as demais devem conter
esse caráter existencial explícito.
No caso das alunas do Bonsucesso, as palavras seguiram à risca aquilo
que permeia suas vidas e as trajetórias percorridas, palavras como dificuldade,
vontade, medo, coragem, são algumas daquelas palavras que nortearam o trabalho,
talvez pelas semelhanças encontradas entre algumas delas no que se diz respeito aos
relacionamentos pessoais, a questão de ser migrante, o trabalho, entre outros.

104
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

A construção das histórias


Depois do levantamento das palavras, decidiu-se realizar um debate
sobre cada um dos temas. Posteriormente, com mais informações e experiências
trocadas, cada aluna elaborou uma trajetória em cima de um tema, ou mesmo,
um apanhado geral das palavras com um texto mais aprofundado.
As educandas transcreveram em folhas distribuídas todas as palavras que
se lembravam sobre o tema. Por exemplo, no tema expresso pela palavra medo
alguns alunos elaboraram melhor seus textos, com histórias cheias de palavras
e emoções. Outros resumiram em apenas uma palavra tudo aquilo que o tema
transmitia para eles.
Na mesma folha, foi sugerido que colocassem sugestões de novos
exercícios, temas, ou mesmo uma crítica às aulas. Quase todas as alunas sugeriram
outras propostas parecidas ou mesmo iguais, que levassem à sala de aula discussões
em grupo, e exercícios coletivos com um material feito das palavras geradoras.
Com esses registros, percebe-se a importância da escrita de textos, através
da utilização dessas palavras, buscando um resgate da experiência de cada educando.
Segundo Freire (1983) “(...) a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura
do mundo, mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, que dizer,
de transformá-lo através de nossa prática consciente” (p. 22).
A memória escrita e a memória oral presentes nesta comunidade de Rio
Claro constituem a fonte de uma memória coletiva, estruturada por hierarquias
e classificações, capazes de definir o comum ao grupo e também o diferenciando
de outros grupos, fundamentando e reforçando o sentimento de pertencimento
nas fronteiras socioculturais que caracterizam o Brasil.

Os resultados do trabalho
As atividades de leitura e escrita mostraram sensibilidade para a escolha
das palavras geradoras que estivessem no referencial das alunas, como foi o caso
do assunto relacionado à família. A atividade solicitou a participação de todas,
respeitando as regras e estimulando a consciência invadida de símbolos. Ficam
notáveis as marcas características de cada pessoa, elaboradas na maneira de pensar,
transmitir e constituir seus textos, e esse processo de apreensão e compreensão
da memória viva consegue determinar com exatidão o espaço ao qual pertence
aquela pessoa, suas relações com o mundo e o desenvolvimento do espírito crítico
por meio das discussões e trocas de experiência.

105
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Os textos articulam a leitura do mundo e a leitura da palavra, na


perspectiva de uma cultura entendida como a relação do homem com o seu
entorno (linguagem-realidade), com a palavra “dita” fluindo do mundo carregado
de significação existencial (FREIRE apud GARCIA, 2001).
O processo de alfabetização, nessa perspectiva, possibilita um
desenvolvimento do educando do ponto de partida da construção do
conhecimento do mundo, levando-os a refletir sobre as razões e os sentidos que
se tem, já que esse conhecimento permitirá melhorar sua aprendizagem e dotá-la
de significatividade.
É possível notar uma liberdade sendo criada com a palavra, capaz de abrir
caminhos para uma escrita mais ampliada, com novos fatos, e com princípios e
conceitos de maior profundidade, como é o caso de um texto produzido com um
tema criado por uma problemática local, onde a aluna demonstrou um anseio
por vencer o desafio de “terminar os meus estudos para eu ser alguém que nunca
pude ser e dar ao meu filho o que eu não tive, ainda.” (Redação com a temática
trabalho, de uma aluna do bairro, 17/06/10).
As palavras determinam o modo como se colocam as diversas formas de
entender o mundo para cada um, assim, estabelece-se uma dialógica, que não é
apenas um instrumento, antes ela é vivente do e para o homem. Segundo Larrosa
(2002), “(...) pensar não é somente “raciocinar” ou “argumentar”, como nos tem
sido ensinado algumas vezes, mas é, sobretudo, dar sentido ao que somos e ao que
nos acontece” (p. 21). As palavras tomadas pela aluna tornam-se uma evidência
da reflexão e da experiência dotada de sentido.
Alguns outros trabalhos mostraram, com profunda emoção, a indicação
de que escrever através da leitura de mundo ultrapassa as barreiras da compreensão
convencional de ver o mundo, mostrando o particular, aquele mundo que se
move em meio a temores, superações, difíceis até mesmo de serem transparecidas,
mas que, de certa forma, contribuem para o entendimento do que realmente seja
a experiência.

Considerações Finais
Ao finalizar este texto, pode-se afirmar que o trabalho com as palavras
geradoras, estimulando um estudo da memória e da experiência, permite uma
visão de uma educação que amplia o diálogo, favorece a leitura crítica da realidade

106
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

social e uma leitura reflexiva da língua, demonstrando um trabalho cheio de


expectativas para o campo da EJA.
As marcas inscritas nas memórias das alunas transformam-se em histórias
de luta, de sonhos, de resistências, ajudando a demonstrar que essas são as histórias
de todos aqueles educadores capazes de acreditar na utopia desses momentos com
a esperança desta se tornar a construção de um mundo mais humano.
Estar com estas pessoas levando a educação popular alimenta uma
expectativa de superação de muitas das dificuldades que por eles possam
passar, fazendo, mesmo que escrevendo um texto, com que haja um aumento
na capacidade de percepção deste mundo vivido tão opressor, libertando-se de
métodos e regras exageradas, que o capitalismo insiste em ditar.
Paulo Freire, ao indicar as experiências de alfabetização dentro do círculo
de cultura, consegue levar um diálogo entre todos os homens, fazendo o educador
entrar em sintonia com a maneira de pensar local, aprendendo mais, e tendo uma
conscientização de que é preciso pensar o mundo do ponto de vista da prática de
classe social em que se está inserido, com um trabalho de luta sendo construído.
As memórias, os dizeres, as falas de cada aluno do Bonsucesso seguem
guardadas em cadernos, em papéis, em momentos, mas eles estão mais do que
estampados em forma de letras, constituem representações transformadoras
de mundo, leituras valorizadas por um grupo, ainda pequeno, de educadores
comprometidos em melhorar a educação do país.
O trabalho apresentou pistas de resgate da possibilidade de aprendizagem
numa formação inclusiva, com uma valorização espacial, cultural, estética, afetiva,
política, de lugares e tempos vividos na vida destas pessoas.
Portanto, uma ação educativa visando à comunicação como elemento
fundamental, como experimentou Paulo Freire, consegue estabelecer um processo
de comunicação que é de reciprocidade, onde as possibilidades do aprender e
ensinar são infinitas, buscando sempre valorizar os diversos saberes e as culturas
populares.

107
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

O trabalho da escrita no Bonsucesso. Fonte: Bussius, L.

Enquanto, na concepção ‘bancária’ [...] o educador vai ‘enchendo’ os educandos


de falso saber, que são os conteúdos impostos, na prática problematizadora,
vão os educandos desenvolvendo o seu poder de captação e compreensão
do mundo que lhes aparece, em suas relações com ele, não mais como uma
realidade estática, mas como uma realidade em transformação, em processo. A
tendência, então, do educador-educando é estabelecerem uma forma autêntica
de pensar e atuar. Pensar-se a si mesmos e ao mundo, simultaneamente, sem
dicotomizar essa ação. A educação problematizadora se faz, assim, um esforço
permanente através do qual os homens vão se percebendo, criticamente, como
estão sendo no mundo com que e em que se acham (FREIRE, 1987, p. 41).

Referências
BRANDÃO, C. R. O que é método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1984, 113p.
EINSTEIN, A. Como vejo o mundo. Tradução de H. P. Andrade. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1981.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores
Associados, Cortez, 1983.
______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Guerra e Paz, 1987.
GARCIA, R. L (org). Novos olhares sobre a alfabetização. São Paulo: Cortez, 2001.
LARROSA, J. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Tradução de João Wanderlei
Geraldi. Revista Brasileira de Educação. ANPED, jan-abr, n. 19, 2002. p. 20-28.

108
Práticas educativas no Peja:
diálogo entre saberes

Flávia Priscila Ventura

Introdução

Este artigo busca apresentar um pouco das reflexões originadas a


partir da participação no Projeto de Educação de Jovens e Adultos (PEJA), da
Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquista Filho” (Unesp), campus
de Rio Claro. O Projeto integra um programa de extensão e está presente em
vários campi da Unesp. A extensão universitária, um dos pilares da universidade,
foi definida no I Encontro Nacional de Pró-Reitores de Extensão como:
“processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de
forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre Universidade e
Sociedade” (BRASIL, 2000/ 2001, p. 4). O PEJA, como extensão universitária,
comprometido com essa transformação é uma proposta desafiadora e instigante
para o exercício da prática docente, sendo esta entendida como espaço do novo,
aberto a criações e descobertas. Na prática, no contato com o real, com os
saberes, histórias de vida, no diálogo com os educandos, na via de mão dupla do
conhecimento, que vamos nos formando educadores.
Paulo Freire (1980) questiona o termo extensão empregado no fazer
pedagógico de agrônomos junto a comunidades camponesas, apresentando

109
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

o caráter antidialógico do termo do ponto de vista semântico e gnosiológico.


Porém, sem discutirmos aqui o termo extensão, consideramos que:
(...) o conhecimento não se estende do que se julga sabedor até aquêles que se
julga não saberem; o conhecimento se constitui nas relações homem-mundo,
relações de transformação, e se aperfeiçoa na problematização crítica destas
relações (FREIRE, 1980, p. 36).

Assim, com esse olhar sobre educação e extensão universitária, é que


são conduzidas as atividades do PEJA. É no compromisso com a educação que
emancipa o homem, na qual o diálogo é a exigência epistemológica para tal, que
nascem novas possibilidades e diferentes práticas pedagógicas.
Partimos, portanto, da experiência como educadora, das atividades
desenvolvidas com os educandos, dos desafios e aprendizados vivenciados da
participação ao longo de três anos nas atividades do Projeto1. Este texto é uma
tentativa de apresentar um pouco das contribuições do PEJA para a minha
formação acadêmica, cultural e pessoal, não me esquecendo de dar voz aos nossos
educandos.

Primeiros encontros: rompendo com a “educação bancária?”


Os primeiros encontros com o grupo de educandas de uma das turmas
do Projeto, a turma do bairro Bonsucesso na cidade de Rio Claro, foram marcados
pelo desafio de possibilitar um ambiente onde de fato o diálogo ocorresse, pois
“o diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o
‘pronunciam’, isto é, o transformam, e, transformando-o, o humanizam para a
humanização de todos” (FREIRE, 1980, p. 43).
Ouvi-las, conhecer seus objetivos, expectativas, interesses e respeitar seus
saberes, ampara-se na tentativa de romper com a educação bancária. Conforme
apresentado por Freire (2005), nessa educação os educandos são meros depósitos
de conhecimentos, em que o “saber é uma doação dos que se julgam sábios aos
que julgam nada saber”.
Constitui-se, portanto, como desafio à prática educativa, que
enquanto educador me faça educando e reconheça o educando como educador
e principalmente, que o educando se reconheça também como educador. Em
inúmeros encontros as frases: “Eu não sei nada, vim aqui para aprender, vocês que
1
Anos: 2009/2010/2011.

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

são os professores, vocês que sabem mais que a gente” foram ditas por educandas.
Diante disso, buscamos, pela prática, construir um ambiente que permitisse às
educandas se reconhecerem como “educandas-educadoras”.
O diálogo e a problematização não adormecem a ninguém. Conscientizam.
Na dialogicidade, na problematização, educador-educando e educando-
educador vão ambos desenvolvendo uma postura crítica da qual resulta a
percepção de que este conjunto de saber se encontra em interação. Saber que
reflete o mundo e os homens, no mundo e com êle, explicando o mundo, mas
sobretudo, tendo de justificar-se na sua transformação (FREIRE, 1980, p. 55).

Ainda segundo Paulo Freire, é do preconceito entre um conhecimento


e outro, das desvalorizações de saberes, que se impede a interpretação do real.
Aceitar o conhecimento do outro não é assistencialismo, é entender que o
conhecimento do outro é importante. É na mediação dada pela tensão de visões
de mundo que se constrói outras visões, que se transforma e se é transformado.
Assim, o fazer pedagógico é com e não pelo outro.
Nesses anos de atuação, após o término dos encontros, refletia se de
fato estava me fazendo educadora-educanda. Se partia da fome dos educandos.
Levando a compreender outros tipos de fome e não daquilo que me parecia
necessário ao outro. Assim, a práxis pedagógica (a ação, reflexão, ação) era
perseguida no fazer educativo diário.

Experiências migratórias e os encontros com o mundo da escrita: ‘vidas


secas’ e histórias das secas

Na turma do bairro Bonsucesso, o fator gênero e migração é massivamente


expressivo, pois composta por mulheres de diversas regiões do Brasil, essa turma
tem em suas educandas diversas histórias dos locais de origem, das migrações
campo-cidade e inter-regionais. Nela as manifestações culturais, os saberes da
experiência da vida no campo; o período das cheias e secas da região, as colheitas
e plantios, emergem nos encontros. Como todas as educandas têm em comum
a experiência migratória, a partir da sugestão de um bolsista2 do Projeto, com
o qual desenvolvi conjuntamente as atividades nessa turma, realizamos durante
quatro encontros uma leitura coletiva do primeiro capítulo do livro Vidas Secas de
Graciliano Ramos. Nessa atividade, além dos conhecimentos da leitura e escrita,

2
Bolsista durante o ano de 2011: Rafael Caetano do Nascimento.

111
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

os saberes e as interpretações suscitam históricas de vida que dialogam com a do


livro. E assim, como afirma Certeau (1999), não há a passividade na leitura:
(...) a atividade leitora apresenta, ao contrário, todos os traços de uma produção
silenciosa: flutuação através da página, metamorfose do texto pelo olho que
viaja, improvisação e expectação de significados induzidos de certas palavras,
intersecções de espaços escritos, dança efêmera (p. 49).

Com a visualização de imagens da paisagem da caatinga descrita pelo


autor e conhecida por algumas educandas, os conhecimentos biológicos e
geográficos se somaram ao trabalho. Assim o texto literário associado a outras
linguagens, como a fotografia, possibilitou um processo de ensino-aprendizagem
que despertou nas educandas o interesse pela leitura, permitindo que a partir
de uma história que guarda similitudes com suas próprias histórias de vida e de
seus familiares, um diálogo sobre o que é a seca, por que ocorre, onde ocorre,
qual a paisagem é observada, além das questões sociais da população residente no
semi-árido brasileiro. A descrição paisagística do livro somou-se à descrição das
educandas:
“A catinga estendia-se de um vermelho indeciso salpicado de manchas
brancas que eram ossadas” (RAMOS, 2006, p. 10).
“Em minas as áreas secas a gente chamava de caatinga. Quando penso
em caatinga penso no nordeste... parece que tudo que é norte é ruim”. (educanda,
proveniente do norte de Minas Gerais, região de Montes Claros).
É necessário destacar que a fala da educanda pode revelar uma ideia
construída a partir da vivência marcada pelo trabalho na lavoura e pela escassez de água
na região de origem. Essa fala significativa nos permitiu dialogar, problematizando
essa questão: “por que parece que tudo que é norte é ruim?”. Assim, mitos que
naturalizam as desigualdades sociais, no qual as mazelas do nordeste são muitas
vezes justificadas por fatores climáticos, puderam ser dialogados. A partir disso
é possível a construção de novas concepções sobre a organização da sociedade e
das desigualdades sociais e regionais, desconstruindo visões fatalistas. Portanto, o
trabalho com os educandos nos leva a transitar por diferentes escalas geográficas,
por identidades culturais e pelas relações de pertencimento ou não a determinado
local. Cabem aqui as palavras de Freire (1995):
Quanto mais enraizado na minha localidade, tanto mais possibilidades tenho
de me espraiar, me mundializar. Ninguém se torna local a partir do universal.
O caminho existencial é inverso. Eu não sou antes brasileiro para depois

112
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

ser recifense. Sou primeiro recifense, pernambucano, nordestino. Depois,


brasileiro, latino-americano, gente do mundo (p. 25).

O lugar é, portanto, o espaço do cotidiano. Na turma, os lugares


de origem, os saberes de vários “cantos” do Brasil são os alicerces para o
desenvolvimento das atividades, os encontros os unem; cada qual com seu sotaque
e sua cultura regional. Como criação humana a cultura penetra o homem; está
em sua maneira de ser e ver o mundo. Os elementos da cultura, como as músicas
regionais, as “modas de viola” têm sido presentes nessa turma, valorizando a
riqueza cultural e a diversidade dos saberes dessas educandas. Sujeitos que por
meio de suas falas se dão a conhecer:
A oralidade constitui também o espaço essencial da comunidade. Numa
sociedade não existe comunicação sem oralidade, mesmo quando esta
sociedade dá grande espaço à escrita para a memorização da tradição ou
para a circulação do saber. O intercâmbio ou comunicação social exige uma
correlação de gestos e de corpos, uma presença das vozes e dos acentos,
marcados pela inspiração e pelas paixões, toda uma hierarquia de informações
complementares, necessárias para interpretar uma mensagem além do simples
enunciado – rituais de mensagem e de saudação, registros de expressão
escolhidos, nuanças acrescentadas pela entonação e pelos movimentos do rosto
(CERTEAU; GIARD; MAYOL, 1996, p. 336).

Assim as trajetórias pessoais dessas educandas, sua cultura e a oralidade


vêm sendo integradas às práticas de letramento.

Os eixos temáticos e suas potencialidades


No fazer pedagógico do Projeto, temos trabalhado por eixos temáticos,
que surgem a partir de falas significativas de nossos educandos. Com vistas
ao desenvolvimento interdisciplinar que, como apresentou Fazenda em uma
entrevista a Educar 2001, resume-se em “tentar formar alguém a partir de tudo
que você já estudou em sua vida”, e ainda complementa que a interdisciplinaridade
serve para “dar visibilidade e movimento ao talento escondido que existe em cada
um de nós”. Um dos eixos trabalhados foi o eixo temático direitos humanos,
cujos desdobramentos resultaram em estudos sobre a formação étnico-cultural
brasileira, com destaque para a matriz negra. Do ponto de vista histórico, a
escravidão do negro no Brasil e a escravidão na atualidade, como fator de ausência
de direitos humanos, foram elementos significativos para problematizarmos a
organização social. Abordamos as diversas contribuições da cultura negra, além

113
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

do racismo e preconceito. O trabalho em sala uniu imagens, vídeos sobre a


história dos escravos no Brasil e na cidade de Rio Claro. E finalizamos nosso
ano de atividades com uma visita a uma antiga fazenda de café, Santa Maria
do Monjolinho, no município de São Carlos, onde visitamos a senzala e a casa
grande e as lembranças da infância dos educandos vieram à tona, os objetos
materiais da fazenda permitiram um regresso no tempo, passando pela história
do café, dos moradores da fazenda e dos escravos.
As imagens, carregadas de sentido, registram momentos da história
e associá-las à dimensão pedagógica é reconhecer as potencialidades dessas na
subjetivação, no pensamento. Em nosso trabalho no eixo temático, as imagens
contribuíram para elucidar alguns termos desconhecidos pelas educandas, como
quilombo, cujo significado marca a história de resistência dos negros.
A percepção, que passa de uma descrição física da imagem para uma
interpretação subjetiva, é apresentada a seguir no texto de uma das educandas:

Imagem: Habitação de Negros, Johann Moritz Rugendas,1822-1825.

114
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Escrever sobre a própria vida, sobre as memórias do trabalho na lavoura,


sobre dores e alguns momentos de sofrimento estão presente no texto que se
segue, em que a educanda a partir da imagem traça uma comparação de alguns
momentos de sua vida com a dos escravos.

Imagem: Café, Candido Portinari, 1935.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Sair da delimitação da sala de aula, como fazer uma saída a campo,


permite aos educandos observar e conhecer um pouco mais da história, da cultura,
do ambiente, de sua região ou cidade. No campo, nesse caso a visita à fazenda
Santa Maria do Monjolinho, foi possível também que os educandos das diferentes
turmas do Projeto se conhecessem, criando um encontro agradável entre os grupos,
que com seus educadores partiram rumo ao encontro com o novo.
Na fazenda, muitos educandos relataram lembrarem momentos da
infância, da vida como morador em fazenda, se emocionando com as recordações,
assim, esses fragmentos da memória, foram refeitos e repensados, conforme
apresenta Bosi (1994):
Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir,
repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado. A memória
não é sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado,
“tal como foi”, e que se daria no inconsciente de cada sujeito. A lembrança é
uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, no
conjunto de representações que povoam nossa consciência atual (p. 55).

Anteriormente à visita, realizamos algumas atividades que envolviam


textos sobre o local, o que despertou muita curiosidade nos educandos. No
seguinte texto de uma educanda, ela compara a vida na cidade e no campo,
fala da dificuldade de acesso à escola quando residia em uma fazenda, apresenta
também a satisfação em retornar ao meio rural, concluindo que nele, além dos
fatos históricos, está sua própria origem, ou seja, há um pouco de sua própria
história, de suas lembranças.

116
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Como educadora ressalto a importância das atividades de campo para


a construção de conhecimentos de educadores e educandos, que juntos podem
observar, sentir e refletir. E se unindo numa saída que busca ser interdisciplinar,
também compartilham suas histórias e saberes.

Considerações finais
O fazer pedagógico no PEJA não é estanque, a criatividade, a cooperação
e o trabalho em grupo, o encontro entre educadores e educandos teve e tem
singular contribuição para minha formação como educadora.
Os desafios gerados do contato com os educandos suscitam reflexões e
práticas, algumas aqui apresentadas e outras tantas que já surgiram e continuarão
a surgir. Pensar sobre elas, agir com compromisso como uma educação que liberta,
que transforma, tem sido o objetivo a ser seguido e perseguido no fazer diário.

117
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

A extensão universitária PEJA possibilita encontro de saberes, nele se


aprende ensinando. É nas conquistas de nossos educandos, seja em escrever pela
primeira vez uma frase, um bilhete, em ouvir e ser ouvido é que se fazem as
pequenas grandes alegrias. Não posso deixar de destacar a maravilhosa experiência
que tive em fazer parte desse grupo, que me possibilitou um espaço amplo de
formação acadêmica e pessoal.

Referências
BOSI, E. Memória e sociedade: Lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
BRASIL. Plano Nacional de Extensão Universitária Edição Atualizada. Fórum
de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras e SESu/MEC.
2000/2001.
CASIMIRO, V. Interdisciplinaridade de A a Z <http://www.educacional.com.br/reportagens/
educar2001/texto04.asp.> Acesso em 28/02/2012.
CERTEAU, M de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2001.
CERTEAU, M. de; GIARD, L.; MAYOL, P. A Invenção do cotidiano: 2. Morar, cozinhar.
Petrópolis, Ed. Vozes, 1996.
FREIRE, P. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho D’ Água, 1995.
______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
______. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
RAMOS, G. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Record, 2006.

118
Leituras do lugar–leituras do mundo:
notas sobre a construção de conhecimentos com
educandos adultos nas atividades do PejA

Fábio Pereira Nunes

O meu compromisso político-amoroso com a Educação de Jovens


e Adultos (EJA) se iniciou em 2001, no segundo ano de minha graduação em
Geografia, no contexto do Projeto de Educação de Jovens e Adultos (PEJA),
vinculado à Pró-Reitoria de Extensão Universitária da Universidade Estadual
Paulista – Unesp, campus de Rio Claro-SP. Meu encanto e o meu envolvimento
com a educação e, especificamente, com essa modalidade de ensino me levaram
a buscar aproximações com a Geografia (graduação que cursava e que concluí no
ano de 2004).
Em companhia daqueles que construíam/constroem o PEJA, me
descobri compartilhando um processo dialógico de construção de saberes
(FREIRE, 2006). Com os companheiros (educandos e educadores) vivenciei
uma importante experiência de construção de conhecimento. As atividades
desenvolvidas em sala de aula e a participação dos educandos, muito mais por suas
posturas em relação ao conteúdo estudado que propriamente por orientações dos
educadores, geraram um compromisso e um vínculo com o processo de aprender
e de ensinar.
De modos distintos, cada um encontrava espaço em sala de aula para
apresentar as suas dúvidas e os seus saberes sobre o lugar-mundo. A postura de

119
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

curiosidade em relação ao mundo não se limitava a questionar o lugar de vivência


dos educandos, pois as notícias veiculadas pela televisão muitas vezes (re)construía
o planejamento e os objetivos das atividades. Por conta das situações de conflito
entre nações no mundo, insistentemente veiculadas nos meios de comunicação
e em especial na TV, surgem muitas dúvidas e interesse em saber a localização
dos países envolvidos no conflito, como também o motivo dos conflitos. Nesse
sentido, tais questões passam a fazer parte de seu cotidiano e, de certa forma,
passam a participar do seu lugar.
No universo de saberes produzidos no PEJA, retomo alguns diálogos
traçados entre mim, Débora (educadora), “Paulinho” e Ezequiel no percurso do
ano de 2004. Num tempo em que trabalhávamos com a “Turma da Biblioteca”,
denominação dada ao grupo que realizava as suas atividades no interior da
biblioteca do campus da Unesp. Entre as diversas atividades desenvolvidas, os
diálogos e os conhecimentos compartilhados por aquele grupo, destaco o registro
de uma situação em que o texto revelava uma profunda relação com o lugar,
através da letra de uma música.
Em 22 de abril de 2004, conforme registro em caderno de campo que
ainda guardo arquivado, já no final da atividade daquela tarde, Ezequiel pediu que
observássemos a letra de música que ele tinha escrito em seu caderno1 (figuras 1, 2
e 3). Disse que a música retratava um acontecimento muito antigo de Rio Claro.
Ao mostrar o seu caderno, disse que tinha escrito muita coisa errada, ainda assim,
nos permitiu ler. A letra revelava um assassinato ocorrido em Rio Claro há algumas
décadas, nas margens do Ribeirão Claro, com detalhes sobre as pessoas envolvidas
e a sequência de acontecimentos. O educando nos trazia o relato de um fato com
elementos suficientes para marcar a história de um povo, de um lugar.
Essa situação nos leva a pensar...
Quantas “leituras” existem sobre um lugar, um texto ou acontecimento?
Qual a potencialidade de um texto que descreve um fato ou o próprio lugar
na mobilização de conhecimentos? Uma reflexão possível neste momento é
pensar o quanto a letra dessa música permite realizar a leitura deste lugar (o
ribeirão, a cidade de Rio Claro ou outro). Entendo que o texto-música possui a
potencialidade de ser um disparador de pensamentos, de reflexões.
As pessoas não apenas vivem no lugar; elas também o produzem
na medida em que o modificam edificando residências, praças, jardins,
1
Após esta atividade, os educadores solicitaram ao educando a permissão para copiar a letra da música, pensando em
compartilhar com os outros integrantes do PEJA aquele texto. Uma das cópias guardo até o presente momento.

120
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

pensamentos... Na medida em que o ser humano se envolve com ele e constrói


relações afetivas, repulsivas, entre outras. Uma praça pode ser um ambiente
agradável para alguém e, assim, se constituir num espaço de lazer, para caminhar
ou apenas para descansar. Pode também se configurar como um ambiente de
medo, de incômodo ou de insegurança para pessoas que porventura se sintam
inseguras com os frequentadores noturnos que povoam os seus bancos e caminhos
encobertos por árvores (NUNES, 2009).
Estas notas, elaboradas, têm a pretensão de abordar alguma potencialidade
desse texto na construção de saberes de modo amplo e especificamente sobre
o lugar, uma vez que a localidade é evidente nele. Assim, trarei pensamentos
sobre uma discussão que não surgiu na atividade, ao menos não consta em meus
registros. Daí surge a proposta de refletir sobre a categoria espacial lugar, sobre
o texto/letra de música e sobre possibilidades de construir conhecimentos com
educandos adultos. As atividades do PEJA são tomadas como inspiração para
pensar acerca destes pontos.
O que este texto/letra de música revela sobre o lugar? Ele traz referências
locacionais interessantes, como se lê: “Na beira do Ribeirão Claro dois malvados
foi encontrar sem nada ele merecer sem sua vida ele foi ficar”. Revendo os
registros do caderno de campo, já um pouco envelhecido pelo tempo, não há
nenhuma referência ao lugar (Ribeirão Claro) como um local de perigo, sobre a
existência de mato alto, se este era um lugar frequentado pelas pessoas ou alguma
outra descrição que indicasse uma característica do Ribeirão. Ao menos em tese,
esse texto criou inúmeras possibilidades, abriu caminho para trazer o olhar das
pessoas sobre o lugar. Os registros apontam, contudo, que a atividade tratou
de questões vinculadas à própria escrita das palavras e à estrutura da música
(existência de rimas, o que é poesia e poema). É importante insistir, contudo, que
o lugar permeava aquele momento de estudo.
Muitas vezes o lugar parece se misturar aos próprios sujeitos.
Reconhecemos a Itabira (MG) de Drummond em sua “Confidência do Itabirano”:
“noventa por cento de ferro nas calçadas. Oitenta por cento de ferro nas almas”
(ANDRADE, 2008, p. 11) e a vivência profunda do mineiro interiorano no
Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa (1986). Há similaridades entre a
sensibilidade do poeta e das pessoas no trânsito cotidiano. O potencial de criação
do espaço-lugar se materializa no percurso realizado nos diferentes momentos
da vida. A diversidade de situações e lugares que criam afeições e relações
e demonstram um saber espacial é tão vasta que captá-la torna-se uma tarefa
complicada (NUNES, 2009).

121
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Em sua vida, o ser humano aprende a ler a dinâmica do tempo, os


costumes das pessoas, aprende a analisar e a opinar sobre a disposição dos
objetos organizados espacialmente (a carência ou distância de postos de saúde,
sobre o percurso percorrido pelo transporte coletivo, sobre o perigo de passar
por determinada rua ou praça). E na observação cotidiana passageira e distraída
(?) nas palavras de Clarice Lispector: “O que salva então é ler distraidamente”,
certamente se constroem saberes acerca do lugar. Chamo a atenção para os saberes
construídos diariamente pelas pessoas em seu contato com o mundo. Tais saberes
seriam fruto de observações passageiras e/ou distraídas? Que tipo de informação
pode transformar a leitura que se realiza de um lugar? Uma música ou uma
informação veiculada pela TV pode mobilizar outras leituras?
Independentemente do processo de elaboração desses saberes,
a sua potencialidade está no ser humano, no modo como os indivíduos e os
grupos sociais (família, bairro, igreja, entidades) pensam e se relacionam com
as coisas que constituem o lugar e com o lugar em que residem, trabalham,
estudam, protegem, descansam, evitam, que nunca frequentam... Cada forma
de envolvimento com o cotidiano possibilita a construção de um saber, de uma
explicação para os problemas sociais, ambientais ou estruturais de um lugar, bem
como desperta o surgimento de muitas dúvidas, inquietações, incompreensões.
Cada envolvimento com o mundo resulta em múltiplas leituras do lugar.
O lugar é uma categoria geográfica em constante transformação,
exigindo, portanto, uma reflexão sobre o seu processo de construção e de
entendimento, o qual é constantemente refeito.
Um lugar não nos chega pronto, não tem existência por si mesmo, mas vamos
construindo nossas imagens e nossas idéias acerca desse lugar e é com ele que
nós o pensamos e nele agimos. É, em grande medida, a partir das idéias e
imagens que temos dos diversos lugares que construímos o conceito de lugar
(OLIVEIRA JUNIOR, 2004, p. 2).

A experiência vivida no espaço torna-se essencial para a compreensão


do lugar, pois por meio das vivências as pessoas constroem entendimentos acerca
dele, a partir dos significados e dos valores que são mobilizados. O lugar é aquele
espaço que nos afeta, que deixa marca(s) nos viventes ou nos passantes, sejam
marcas de afeição (carinho, gostar, tranquilidade), de repulsa ou de qualquer
outra natureza.

122
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Exploradores, escritores e as pessoas em seu cotidiano expressam


conhecimentos geográficos e têm experiências espaciais que formam as Terrae
incognitae individuais, sendo chamados de conhecimento informal ou não-
científico. No cotidiano, as Terrae incognitae têm a chance de se converter em
cognitae, no momento em que as pessoas imaginam, expressam, modificam o seu
mundo. Observando o lugar (a sua estrutura e seus objetos), o indivíduo imagina
outras formas para ele (uma localidade diferente para a construção de algo, a
proximidade, o distanciamento ou a existência de um serviço, de um modo de
vida) (WRIGHT, 1947).
O texto/letra de música traz em si, portanto, a potência de aproximar o
sujeito ao lugar. Entendo, com base em Freire (1993), que a leitura desse texto, o
qual remete a um lugar, permite uma leitura com construção de significados para
o sujeito. Através do texto, o educando pode se encontrar tanto no texto quanto
no lugar, realizando com isso leituras de seu mundo. As leituras, portanto, não
estarão presas ao que o texto diz, mas àquilo que cada pessoa pode pensar, refletir
e criar de conhecimentos a partir de pensamentos que o texto mobiliza.
A qual Rio Claro a música dá existência? O lugar é construído pelas
pessoas em sua interação com o espaço. Os pensamentos, gestos, gostos e ações
que as pessoas desenvolvem no lugar representam saberes ricos em significados, os
quais resultam das interações sociais e dos valores compartilhados pela sociedade.
É interessante notar que o texto da música, o seu contexto histórico,
parece não se refletir na leitura que os educandos fazem sobre o lugar. Naquela
ocasião a letra foi analisada pelos educandos enquanto um objeto histórico
e também como um gênero textual, uma vez que as suas rimas chamaram a
atenção. Durante a atividade, os educandos se atentaram para o uso das rimas ao
comparar o texto da música com o texto do jornal.
Entretanto, isso não nos impede de pensar, de refletir sobre as
possibilidades que a letra da música coloca para a produção de conhecimento
sobre o lugar. Retomando os registros do caderno de campo, encontram-se
vestígios da aproximação com o lugar.
Fábio: “Onde ocorreu isso?” (refere-se ao assassinato contado na música).
Ezequiel: “Na beira do Ribeirão Claro (pausa). Foi perto do horto”.
Paulinho: “Eu tinha um aninho”.
Ezequiel: “Nesse tempo eu trabalhava de marmiteiro para a cadeia. Agora
lá é o fórum” (ele entregava marmitas com o almoço para os presos).

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

No contexto, surge uma referência de algo vivido no lugar, provocando


a memória. O espaço é pensado por um sujeito que se encontra nele, que também
atua na construção desse espaço. A história de quem narra o acontecimento é a
base para pensar sobre o lugar – seja o ribeirão, o bairro, a casa, o município... –
em distintas escalas, produzindo conhecimento.
Por se constituir de um centro de significados espaciais pessoais ou
intersubjetivos o lugar não possui escala definida (HOLZER, 1999). O espaço
e, de modo específico, o lugar expressa as experiências, os desejos e a imaginação
das pessoas. Está em constante transformação e é permeado por muitas versões,
as quais estão/são vinculadas a práticas vividas.
Quando Ezequiel, no contexto da leitura do texto, traz uma informação
de sua história de vida ou na relação que o Paulinho faz entre a sua idade e a data
do acontecimento contado na música, há um processo de leitura do mundo,
leitura do lugar. O texto impulsiona para outros fatos, produzindo uma análise
que passa pelo texto, indo para além dele.

Cópia da página do caderno do educando Ezequiel, em que ele registrou


a letra da música (primeira parte)

124
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Cópia da página do caderno do educando Ezequiel, em que ele


registrou a letra da música (segunda parte).

Cópia da página do caderno do educando Ezequiel, em que ele registrou a


letra da música (última parte).

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Palavras para um encerramento


A leitura crítica do mundo buscada nas atividades do PEJA associa os
saberes construídos pela sociedade em sua história à subjetividade da pessoa.
O conhecimento, desse modo, está relacionado a todas as dimensões do ser
(racional, emocional, cultural...) não sendo dicotomizado. O saber construído
ao longo da vida não é entendido como apenas subjetivo ou objetivo, ele envolve
todas as dimensões.
Ao trazer o lugar do educando para a sala de aula potencializa-se a
possibilidade de tomar o seu conhecimento como base para o trabalho e permite
um melhor envolvimento do indivíduo ou do grupo que compartilha aquela
realidade. O ato educativo torna-se, então, uma forma de (re)leitura do mundo,
do lugar.
Esse entendimento do trabalho com educandos adultos coaduna-se com
o trabalho do PEJA, uma vez que o educando, ao falar dos saberes cotidianos, vê
o seu saber valorizado podendo se abrir para novos saberes.

Referências
ANDRADE, C. D. de. Confidência do itabirano. In: Sentimento do mundo. Rio de Janeiro:
Mediafashion, 2008, 80 p. (Coleção Folha Grandes escritores brasileiros).
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez,
1993.
______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 34.ed. São Paulo:
Paz e Terra, 2006, 147 p. (Coleção Leitura).
HOLZER, W. O lugar na geografia humanista. Território. Rio de Janeiro, ano IV,
n. 7, p. 67-78, jul./dez. 1999.
NUNES, F. P. Geografias produzidas no lugar: os saberes dos educandos adultos nas atividades
do Projeto Educativo de Integração Social (PEIS). 2009. 130 p. Dissertação (Mestrado em
Educação). Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.
OLIVEIRA JUNIOR, W. M. As fotografias e a instituição do lugar onde se vive. Notas sobre
linguagem fotográfica e Atlas municipais escolares. Encontro de didática e Prática de Ensino.
Conhecimento Local e conhecimento Universal, XIII, 2004. Curitiba [ s.n.] 2004. p. 1-17.
ROSA, J. G. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, 538 p.
WRIGHT, J. K. Terrae Incognitae: the place of the imagination in Geography. Annals of the
Association of American Geographers, v. 37, p. 1-15, 1947.

126
Importa que eu ame

Márcia Marques

Não sei que ventos te trouxe,


Se foi um Tsunami de muitos anos atrás, entre há tantos bilhões de
partículas, quem sabe, uma, antes ou depois da invenção microscópica, eu já te
amava.
Quem sabe em sonhos inexplicáveis no meio de noites mal dormidas,
tempestade, frio ou ondas de calor, eu não sei, só sei o que eu não sabia, e se hoje
eu sei é amor.
No meio há tantas metamorfoses, grandes astros, planetas não
investigados, seres incompletos, ideias incubadas em tubo de ensaio, pra quem
sabe daqui a uma década venha ser,
Aquilo que talvez já foi em outras dimensões, eu não sei, só sei que é
amor.
É tão complexo, não há explicação lógica para o enigmático. Talvez
os melhores cientistas, ou quem sabe os mais exímios matemáticos, consigam
definir as distâncias da linha do tempo que atravessa o meio confuso do abstrato,
que eu não sei, só sei que é amor.
Por quê? Chuvas de meteoritos, não sei, cobriu de pele, nervos, ossos,
músculos, massa, artérias, gás carbônico, oxigênio, viajam dentro de um conjunto
chamado corpo, para devolver ou refazer o chamado vida que eu não sei e se já

127
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

era ou se já foi, dentro deste órgão pulsar chamado coração, eu não sei, só sei que
é amor.
Amor, que faz com que grandes escritores busquem metáforas,
atravessem os oceanos, vão à lua, viajem nas estrelas, ultrapassem todas as regras
da linha da imaginação.
Naveguem em mar de pensamentos, peguem carona com vidas passadas,
busquem dentro das histórias bem resolvidas, ou nos maiores conflitos de dor, eu
não sei, só sei que é amor.
Não importa se sou anônima, sem grandes expressões linguísticas, sem
menor experiência científica, sem diploma, sem nenhum histórico de família
importante, não sei, importa que eu ame.
Pois, pense que o amor é livre, pra mim não importa aquilo que chamam
de regras tradicionais que nunca chegam a um final feliz.
Só se chegam no final pessoas frustradas, limitadas, medrosas e cheias
de crenças, como donos das verdades, solitários e infelizes.
Isso também não sei, só sei que é amor.
Importa que seja livre como o amor é, capaz de atravessar barreiras que
ele sabe, mas não as mede,
Amor, muitos precisam da Consumação mesmo que não encontrem
nenhuma realização de prazer.
Outros, quem sabe, muitos, ou poucos, precisam apenas da ilusão, para
sentir na pele o maior prazer, pelo simples toque de um beijo,
Numa simples saudação.
Importa que eu ame!

Adolespausa
Lá do canto da sala que nem vidraça tinha
Com seus olhos esvermelhados
Da chaminé entupida, a fumaça da cozinha vinha
Ainda assim seus olhares vagueavam
Longe, longe... além da cerca vizinha.

128
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Quantas coisas “ela” pensava


Enquanto no caminho aguardava
Daquele corpo moreno, o dono
Daqueles olhos castanhos que já amava.

Em seus lindos sonhos medonhos


Ele já cantava non ho l’età
Por amar-te, pois tudo lhe era muito estranho
Volta e meia ela acordava
Pra dura realidade:
Varrer o chão, soprar a fumaça,
Desviar o pensamento... já que não tem idade
Não alimenta essa ilusão.

Mas no dia seguinte a história se repete


É dia de fazer compras na cidade
Sua mãe então a veste
De vestidinho branco de organza,
Os sapatinhos combinando,
Os olhares agora estão bem mais perto
Daqueles sonhos,
Coração no peito palpitante
Afinal, hoje é a chance
De rever aquele moço
Dono daqueles olhos castanhos.

A jardineira para, e muda todo o seu semblante.


Será que esse moço sabe
Aquilo que nem eu sei também...?
Picota o bilhete, aconselha a mãe a pegá-la pela mão:
Acomodem-se no banco, porque a estrada é de chão.

Que seria isso que acontecia...


Volta e meia seu olhar
Se perdia buscando imagens,
Contemplava os verdes das matas
Cuja saudade já sentia

129
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

De alguém, mesmo de costas,


Do retrovisor a olhava
Seu rosto lhe produzia.

Passou o tempo...
A mãe a levou pra bem longe
Dos sonhos daquela menininha
Coisas que agora entende
O que outrora não conhecia
Aquelas sensações estranhas
Nas calcinhas de rendinha.

Aquele olhar que ela não esquece


Ainda até hoje lembra
Toda vez que a história
Ao passado lhe remete.

Era o Amor que ela sentia


Sentia e não entendia
Que naquelas viagens de jardineira
Seus hormônios já estariam
Como as uvas na parreira.

Ah! Olhos castanhos daqueles tempos


Eu sempre volto a reencontrar
De vez em quando eles me penetram
Em algum canto, noutro lugar,
E daqueles doces sete anos dourados
Hoje já passam dos quarenta ainda que bem pausados.

Mas, o Amor ainda vive


Pois o coração não envelhece
Dos Amores, dos sonhos nunca se esquece
Porque eles nos levam ao céu
Cujas estrelas ela ainda
Encontra em qualquer canto
Por aí, não em quaisquer olhos cor de mel!

130
PEJA: a construção de um
percurso de pesquisa

Thais Surian

Imagem de parte de um texto da educanda Márcia1 intitulado “A Rede”

1
Márcia é educanda no PEJA – Projeto de Educação de Jovens e Adultos.

131
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

E
ste percurso teve início com uma busca. Estava em processo de
formação, cursando Pedagogia na Universidade Estadual Paulista, campus de Rio
Claro. Contudo, entre as disciplinas cursadas e atividades acadêmicas realizadas
buscava uma atividade complementar, um projeto, que me possibilitasse ter um
outro aprendizado e, por que não dizer, um sentido outro à minha formação.
Nesse momento, conheci através de um amigo o Projeto de Educação
de Jovens e Adultos – PEJA, em 2005. Encantada com a proposta de trabalhar
com adultos, iniciei minha tímida e insegura participação nas aulas juntamente
com outros universitários de vários cursos oferecidos pela Unesp. Conheci os
alunos, os participantes e assisti às aulas ministradas pelos graduandos com o
objetivo de entender melhor a proposta do Projeto baseada em Paulo Freire.
Cito um trecho do livro “A importância do ato de ler”, no qual a ideia
de alfabetização de Paulo Freire se faz compreensível.
A um ponto, porém, referido várias vezes neste texto, gostaria de voltar,
pela significação que tem para a compreensão crítica do ato de ler e,
consequentemente, para a proposta de alfabetização a que me consagrei. Refiro-
me a que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura
desta implica a continuidade da leitura daquele. Na proposta a que me referi
acima, este movimento do mundo à palavra e da palavra ao mundo está sempre
presente. Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo através da
leitura que dele fazemos. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe
e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo
mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de
transformá-lo através de nossa prática consciente (FREIRE, 2008, p. 20).

Ao participar das aulas e desenvolver atividades no PEJA, o envolvimento


com os educandos foi inevitável e, nesse processo, uma educanda em especial
chamou minha atenção: Márcia.
Uma mulher adulta, que dividia seu tempo entre o trabalho, os filhos
e o estudo; era possível perceber, ao conversar com ela, o gosto que tinha em
participar do Projeto e poder estudar novamente. No trecho a seguir, a educanda
escreve sobre o PEJA:
(...) estou contente, porque há tempo eu esperava uma oportunidade de voltar a
estudar, mas não sabia como, pois enfrento impedimento para sair de casa e estudar
numa escola a noite. Sendo assim, estou muito agradecida. (trecho extraído de
um texto da Márcia escrito em 2007)1.

1
Os trechos retirados dos escritos da educanda Márcia mantêm a escrita original da aluna.

132
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

O primeiro contato com Márcia aconteceu quando propusemos


(Miriam, participante do Projeto, e eu) levar às alunas trechos do livro Quarto
de despejo para leitura e discussão do conteúdo apresentado nos trechos e sobre a
autoria dos escritos.
Entre todos os educandos presentes, Márcia foi a que mais se sentiu
incomodada com o texto, ora por indignar-se com a situação posta pela autora,
ora por identificar-se com uma mulher que escreve diante de uma situação que
lhe causa inquietação.
Mas, o que me chamou a atenção foi outro gosto da aluna, ou melhor
dizendo, uma paixão: a escrita. Márcia gostava muito de escrever e a escrita era
uma prática frequente em sua vida.
No decorrer das aulas do Projeto, tive a oportunidade de ler alguns dos
textos escritos por Márcia.
A leitura desses textos me remeteu à leitura realizada do livro Quarto
de despejo, pois ambos os textos foram escritos por mulheres que tiveram pouco
tempo de escolarização. Além disso, essas mulheres traziam em seus textos
aspectos de suas próprias vidas.
Quarto de despejo: o diário de uma favelada foi uma obra publicada
em 1960, escrita por Carolina Maria de Jesus entre os anos de 1950 e 1955.
Carolina, nesse período, vivia na favela do Canindé, em São Paulo, com seus
três filhos e sobrevivia da coleta de materiais do lixo destinados à reciclagem.
Entre os materiais que recolhia do lixo, os cadernos e folhas encontrados eram
reaproveitados para que Carolina pudesse escrever nos intervalos da sua rotina.
Durante cinco anos, ela escreveu em mais de trinta cadernos sua vida como em
um diário, descrevendo suas alegrias, tristezas, indignações, sofrimento... Parte
desse material originou a obra citada acima.
O seguinte trecho do livro de Carolina relata com riqueza a sua prática
da escrita:
Deixei o leito para escrever. Enquanto escrevo vou pensando que resido num
castelo cor de ouro que reluz na luz do sol. Que as janelas são de prata e as
luzes são brilhantes. Que a minha vista circula no jardim e eu contemplo as
flores de todas as qualidades. [...] É preciso criar este ambiente de fantasia,
para esquecer que estou na favela. [...] As horas que sou feliz é quando estou
residindo nos castelos imaginários (JESUS, 2001, p. 52).

133
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

A partir da leitura desses materiais (textos) pude dar início à construção


de um estudo sobre a escrita de mulheres, que originou o trabalho de conclusão
de curso intitulado Mulheres escritoras relatam sua condição de mulher enquanto
escrevem, concluído em 2006.
Nesse trabalho, a obra Quarto de despejo e a sua autora, Carolina Maria
de Jesus, constituíram o material de estudo para pensar a escrita da mulher e de sua
condição na sociedade. Além desse material, a educanda Márcia contribuiu com
uma entrevista na qual relatou sobre a sua prática da escrita.
A contribuição dessas mulheres escritoras permitiu reflexões sobre a
condição feminina presente nos escritos delas, assim como apontamentos sobre a
trajetória feminina relatada na História.
De acordo com os registros históricos, as mulheres não apareciam como
sujeitos da história de um lugar ou de um povo. A História escrita por homens
coloca-os no centro dos acontecimentos, mas as mulheres, quando apareciam,
estavam apenas como figurantes, sem voz e sem presença marcante.
Por isso, Perrot (2007), no início da obra Minha história das
mulheres, afirma que “Escrever a história das mulheres é sair do silêncio em que
elas estavam confinadas.” E questiona: “Mas por que esse silêncio? Ou antes: será
que as mulheres têm uma história?” (p. 16).
A autora, nessa obra, aponta o fato de que as mulheres não faziam parte
da história escrita por historiadores; eram eles, os homens, que produziam os
relatos sobre os fatos. Joan Scott (1992) dialoga com essa ideia e aponta para
a relevância de as mulheres se fazerem presentes nos relatos e de haver um
questionamento das definições de história que foram postas como verdadeiras.
Nesse sentido, Perrot (2007) define história:
A história é o que acontece, a seqüência dos fatos, das mudanças, das revoluções,
das acumulações que tecem o devir das sociedades. Mas é também o relato que
se faz de tudo isso. As mulheres ficaram muito tempo fora desse relato, como
se, destinadas à obscuridade de uma inenarrável reprodução, estivessem fora
do tempo, ou pelo menos, fora do acontecimento (p. 16).

No entanto, a história das mulheres não está registrada somente nos


livros de História. E, tendo em vista essa problemática, que outro estudo teve
início – o desenvolvimento de uma pesquisa de Mestrado.

134
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

A partir do trabalho desenvolvido durante a graduação e do contato com


o PEJA, o objeto de estudo a ser pesquisado no Mestrado foi sendo construído.
Com as reflexões desenvolvidas no trabalho de conclusão de curso,
comecei a pensar que a história da mulher, além de constar nos livros de História,
também pode ser encontrada na literatura ficcional e de pesquisa e em outras
tantas formas de registro, cartas, diários e escritos pessoais como os encontrados
nas práticas de escrita da aluna de EJA2 Márcia e da autora Carolina de Jesus.
A partir do encontro com a educanda Márcia e do conhecimento de
outras duas alunas que participaram do PEJA em anos anteriores (em momentos
diferentes) e que também escreviam, surgiu o questionamento: será possível
encontrar outras mulheres escritoras em salas de Educação de Jovens e Adultos?
A pesquisa desenvolvida no Mestrado intitulada Um estudo das práticas
da escrita de mulheres (escritoras ou não)3 teve como objetivo principal buscar
mulheres, inseridas em salas de EJA, que tivessem uma prática de escrita efetiva
e tentar compreender o que levava essas mulheres a escrever, assim como analisar
os seus escritos.
Para isso, foi elaborado um questionário abrangendo identificação,
trabalho, escola e sobre a leitura e escrita do aluno. Este último aspecto do
questionário possibilitou buscar educandos que tivessem uma prática da escrita.
A aplicação do questionário aconteceu no município de Rio Claro, em
todas as escolas municipais que ofereciam Ensino Fundamental II, da 5ª a 8ª
série, na modalidade EJA.
Da leitura minuciosa dos questionários coletados, cheguei a três alunas
que efetivamente escreviam, elas concordaram em participar do estudo; a quarta
integrante da pesquisa foi a educanda Márcia do PEJA.
Apesar de todas as participantes da pesquisa terem histórias de vida e
escritos muito interessantes, este texto conta apenas a história da educanda Márcia:
(...) na minha família, ninguém estudou, minha irmã mais velha trabalhava
numa casa de família em Marília (...) e todo mundo trabalhava em roça, e eu, era
a irmã mais nova, e ela me via na roça, assim com nove, dez anos, e ela falava:
queria que a Márcia estudasse, fosse inteligente. (Márcia – entrevista).

2
EJA – Educação de Jovens e Adultos.
Pesquisa foi desenvolvida no período de março de 2007 a setembro de 2009 com o apoio da CAPES – Coordenação de
3

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

135
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Márcia estudou pouco tempo durante sua infância, precisou interromper


os estudos para poder trabalhar e desde então, realizou diversas atividades para
sobreviver. Apesar de trabalhar desde muito jovem, manteve, durante a sua vida,
o gosto pela leitura e escrita, encontrando maneiras de praticá-las mesmo não
frequentando a escola.
Sempre gostei de ler e escrever, mas às vezes surge uma ideia, ou eu estou assistindo
televisão surge uma ideia, aí eu pego um lápis, uma caneta e escrevo alguma coisa.
Vou mexendo as coisas, vou armazenando e vou escrevendo em folhas soltas, aonde
dá, no caderno da escola, no trabalho e assim por diante (Márcia – entrevista).

Sua produção escrita é composta de textos pequenos, curtos, como


poesias, romances e textos em prosa que revelam pensamentos. Para ela, todos os
seus escritos têm uma razão especial, como contou em entrevista:
(...) tudo o que eu escrevo tem um motivo especial, ou eu vejo a história de alguém
ou acontece algum fato e, ao invés de eu entristecer com aquele fato, eu prefiro
transformar ele em felicidade, alegria, poesia... (Márcia – entrevista).

A leitura e, principalmente, a escrita é para Márcia seu refúgio e, apesar


das dificuldades encontradas na vida cotidiana, nunca deixou de criar seus textos:
Sobre minha vida e sobre essa escrita é assim, às vezes você passa por um
período ruim na sua vida que faz você escrever ou um período bom (Márcia
– entrevista).

A educanda se dedica à prática da escrita nos intervalos da sua rotina


diária, que acontece geralmente à noite, sozinha, em sua casa.
Eu gosto muito de ficar sozinha para escrever. Eu acho que um pouco de solidão
para mim faz muito bem (Márcia – entrevista).

Entretanto, revelou em uma entrevista que gostaria de se dedicar


somente aos seus escritos.
(...) gostaria de estar vivendo num mundo que (...) pudesse ter tempo só para
dedicar à escrita (Márcia – entrevista).

Esses textos, criados por Márcia, dizem de pessoas que ela conhece,
outras que não, mas que tomou contato com estas de alguma forma, mesmo

136
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

que distante, relatam, também, situações de vida e sentimentos. Dessa forma,


quando ela escreve sobre outras pessoas ou situações, as histórias e as pessoas se
misturam às suas histórias, aos seus sentimentos...

Passo pelas mãos de muita gente


Que me dão valor a todo tempo
Pois sou para elas o sustento
Faço de olhares tristes esperança
Na diversidade das minhas cores
Enquanto elas me tecem
Eu as faço esquecer das dores.
(Márcia, trecho do texto “A Rede”)

Mas, mesmo assim


Muitos ficam com as rosas
Pois são as rosas que surpreendem
Em tão pouco tempo caem no chão
Seus espinhos é que ficam
Duro, duro, como algum coração
No entanto as sempre vivas
Estarão sempre em algum lugar
Esperando o seu destino, o seu tempo
Ainda que seja a sua sorte
Enfeitar a própria morte.
(Márcia – trecho do texto “As flores do jardim”)

Márcia relatou em entrevista como é, na percepção dela, o momento


em que realiza a prática da escrita:
Então quando eu escrevo, eu viajo muito mesmo assim, nossa nem dá assim para
falar com palavras. Mas aí eu imagino que eu estou assim numa casa, num lugar
bem gostoso, onde eu posso estar lá também escrevendo e lendo, esse é meu sonho.
Mas quando eu escrevo, eu estou lá, estou lá com todo o tempo do mundo (Márcia
– entrevista).

A escrita de Márcia é uma prática cultural que ultrapassa o ato mecânico


de escrever, é mais que exercício de pensamento: a escrita, para ela, tem um
sentido de existência. Para Certeau (1994), escrever é: “(...) a atividade concreta
que consiste, sobre um espaço próprio, a página, em construir um texto que tem
poder sobre a exterioridade.” (p. 225).
A prática da escrita, enquanto uma prática cultural está embasada
nos estudos de autores da História Cultural como Roger Chartier e Michel

137
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

de Certeau, os quais entendem a escrita e a leitura enquanto práticas que


são culturais, históricas e cotidianas. Assim, “A história cultural, tal como a
entendemos, tem por principal objecto identificar o modo como em diferentes
lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada,
dada a ler” (CHARTIER, 1990, p. 16).
Nesse sentido, a prática da escrita é uma prática cultural histórica que
carrega a marca de quem escreve; é uma forma de registro que permite ao escritor/
escritora apresentar-se diante das folhas em branco. E, para que aconteça esse
processo da escrita, acreditamos existir um movimento exterior-interior-exterior
que gera tal “necessidade” de escrever, movimento esse desvelado pela/na escrita
da educanda do PEJA.
Este belo trecho que segue, retirado do texto Importa que eu ame, é
expressão do papel que Márcia atribui à escrita para expressar sentimentos, apesar
das limitações nos conhecimentos, limitações essas colocadas por ela.
Amor, que faz com que grandes escritores busquem metáforas, atravessem os
oceanos, vá à lua, viajem nas estrelas, ultrapassem todas as regras da linha da
imaginação. Naveguem em mar de pensamentos, (busquem) peguem carona
com vidas passadas, busquem dentro das histórias bem resolvidas, ou nos maiores
conflitos de dor, eu não sei, só sei que é amor. Não importa se sou anônima, sem
grandes expressões linguísticas, sem menor experiência científica, sem diploma, sem
nenhum histórico de família importante, não sei, importa que eu ame (Márcia,
trecho do texto “Importa que eu ame”).

Portanto, as práticas de leitura e escrita que estão presentes na vida


cotidiana dos sujeitos/alunos (jovens, adultos, homens e mulheres) tomam
formas e modos diversos. Enquanto práticas efetivas, nelas podem ser buscados
modos de ler e/ou escrever que podem configurar outras histórias de leitura e de
escrita tão belas quanto a de Márcia, educanda do PEJA.

Referências
CAMARGO, M. R. R. M. de. Cartas e escrita. 2000. 148 f. Tese (Doutorado em Educação) -
Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000.
CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. v.1.
CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez,
2008.

138
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 8. ed. São Paulo: Ática,
2001.
PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.
COTT, J. História das Mulheres. In: BURKE, Peter. (Org.) A escrita da história: novas
perspectivas. São Paulo: Editora da Unesp, 1992, p. 63-95.
SURIAN, T. Mulheres escritoras relatam sua condição de mulher enquanto escrevem. 2006.
52 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pedagogia) - Instituto de Biociências,
Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2006.
SURIAN, T. Um estudo das práticas da escrita de mulheres (escritoras ou não). 2009. 154 f.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista,
Rio Claro, 2009.

139
140
Cartas inconclusas e desconformes
sobre encontros e travessias no Peja

Marcelo Dante Pereira


Silvio Ricardo Munari Machado

Marcelo Pereira pereira.marcelo07@gmail.com


para Silvio 19 Jan

Caro Silvio,
Inicio a escrita deste e-mail numa manhã fria, mas ensolarada aqui
em Portugal. Aliás, desde que cheguei por essas bandas do hemisfério norte,
descobri que aquele papo que aprendemos na escola sobre o Sol ser uma esfera
incandescente que transmite calor é a maior balela. Prefiro pensar neste astro
como uma bola amarela, pois calor mesmo ele deixa a desejar… E olha que
Portugal nem é tão frio se compararmos com outros países deste continente.
Mas enfim, como combinado, chegou a hora de começar essa escrita
coletiva para o livro do PEJA da Unesp Rio Claro e penso que a forma encontrada
na nossa conversa por telefone de ontem foi realmente muito boa e muito
interessante. Talvez, o leitor que esteja percorrendo o nosso diálogo precise saber
que só decidimos a forma de escrita deste trabalho com menos de um mês para
a entrega do texto final.
Acho que precisamos contar o quanto demorou e quantos e-mails
trocamos nesse tempo para encontrar uma forma de escrever em parceria, que por

141
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

um lado, contemplasse a abordagem meso testemunho meso académica, proposta


pela Maria Rosa e pelo Felipe (Close Up), mas que, por outro lado, não significasse
a elaboração de um consenso das nossas experiências no PEJA, ainda que muitas
daquelas vivências tenham sido compartilhadas naquele saudoso período em que
fazíamos o mesmo curso, morávamos na mesma casa e participávamos do mesmo
projeto de extensão.
Pensando dessa forma, a proposta de escrever este trabalho através de
e-mails trocados “por cima” do Oceano Atlântico permite-nos relembrar com
mais tranquilidade e espontaneidade do PEJA, sem querer comprovar as minhas
experiências de acordo com as vivências que você ainda se recorda e vice-versa.
Escrevemos juntos, mas sem a obrigação de nos misturar!
Assim como sinto neste momento que estou escrevendo para você (Silvio)
e para um outro leitor, que na verdade até poderia ser no plural: outros leitores.
Quando penso nesses leitores estou a pensar num grupo de pessoas interessadas
em acompanhar este nosso diálogo, sejam elas conhecidas ou não, mas para os
fins desta escrita prefiro referir-me ao mesmo como o leitor.
Ah, antes de continuar, digo-te mais duas coisas: a) como gastei cinco
euros no telefonema de ontem, tenho o direito de cobrar-te um almoço durante
o II Congresso do PEJA como pagamento. A previsão da Maria Rosa é que o
evento aconteça em setembro deste ano, mas fique tranquilo por que satisfaço-
me muito bem no bandejão da Unesp; b) conferi que o espaço que nos foi
delimitado ao trabalho é de no mínimo oito e de no máximo doze páginas,
podendo incluir até cinco figuras. Letra Arial, fonte 12 e espaçamento de 1,5, tal
como estou enviando-te agora.
Pensei em pedir para o Felipe colocar o nosso texto no final do livro,
pois assim o leitor do trabalho irá aprender várias coisas sobre o PEJA através dos
textos dos outros participantes do Projeto e quando chegar na nossa escrita não
teremos a necessidade de ficar explicando algumas coisas para o nosso leitor. O
que acha? A Maria Rosa disse nas recomendações aos leitores que o livro seria
composto pela “orquestração de várias vozes em prol da educação”. Então, nada
mais justo do que esperar que o pessoal caracterize e faça o detalhamento de
várias coisas do PEJA por nós.
Fiquei com a ideia de que este formato de escrita por e-mails possibilitará
a coexistência da descontinuidade cronológica de nossas lembranças sobre o
PEJA com a abordagem académica da escrita. Torna-se uma contação de histórias
na qual podemos lidar com mais tranquilidade com os esquecimentos e lacunas

142
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

da memória sem o medo do erro, e ao mesmo tempo, dialogar essas lembranças


com colaborações teóricas de outros autores. Bom, contei tudo isso para registrar
para você e para apresentar para o nosso leitor, a forma como entendi o que
pensamos para a escrita coletiva deste texto.
Como já cansei de ficar floreando, vou colocar-me a prova de escrever
como ingressei no PEJA e sobre as primeiras sensações que tive. Recordo-me
muito bem quando você convidou-me para conhecer o PEJA, ainda nas férias de
fevereiro de 2005, enquanto fazíamos a mudança do meu guarda-roupa da antiga
república de esquina para a Travessia. Pelo que me lembro, disseste naquele dia
que o PEJA era um projeto de educação de jovens e adultos e que você dava aulas
de Língua Portuguesa, e eu logo associei ao supletivo noturno, mas oferecido pela
Unesp durante o dia. Lembro com exatidão que assim que você saiu de casa para
viajar para Pirassununga, coloquei-me a estudar todo o livro de História Geral
utilizado no ano do vestibular. Calculei que em um mês teria tempo suficiente
para reler o livro e chegar bem preparado na reunião do Projeto de Educação
de Jovens e Adultos – PEJA para “garantir” as aulas de História. Esse era o meu
objetivo! Até por que antes de completar o primeiro ano curricular de Pedagogia
eu queria fazer o curso de História para ser professor depois.
Sei que quebrei a cara na reunião, porque a Maria Rosa não me
perguntou nada sobre História Geral e quando fui assistir a uma aula sua e
outra do Douglas, que na época era o “responsável” pela disciplina de História
na turma da comunidade, também não consegui aproveitar nada do que tinha
estudado no livro.
O que mais ficou guardado quando estive na sua aula foi o primeiro
contato com as educandas do PEJA. Elas foram muito participativas e começaram
a recontar as coisas que você mostrava num livro de geografia, mas através da
vivência delas. Foi algo muito impressionante quando vi aquele borbulhar de
experiências das alunas a partir da discussão de imagens de um livro que ninguém
tinha lido, até mesmo você não tinha lido inúmeras partes do livro e precisava
recorrer diversas vezes às legendas do livro para falar alguma coisa.
Ah, foi logo neste dia que conheci a Dona Célia, era o segundo ou
terceiro dia dela no PEJA, e recordo-me bem da seguinte frase: “Eu venho aqui
porque o único que tem paciência para me ensinar é o professor Silvio”. Quando
ela disse aquilo eu desliguei-me por completo de qualquer coisa e imaginei o
que aquela expressão dita por uma educanda poderia significar numa atividade
educacional com pessoas adultas. Só atentei-me à realidade quando você encerrou

143
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

o encontro, pois já começava a escurecer e as alunas precisavam ir para casa


cuidar de outros afazeres.
Com o Douglas foi diferente, ele resolveu explorar com a turma da
comunidade a utilização duma lista telefónica, embora fosse um espaço reservado
para a aula de história e geografia. Eu achei tudo muito estranho naquele dia,
mas foi a partir daquela experiência que compreendi muito do que era o PEJA. E
hoje, quando estudo algumas questões acerca dos espaços da educação, pensando
o que seria um projeto de educação formal e outro de educação não formal,
acabo recordando daquela atividade com o Douglas. Tinha 19 anos, estava no
segundo ano de Pedagogia e antes mesmo de iniciar a minha experiência como
educador já estava conhecendo muitas coisas sobre a educação de adultos que
hoje tento defender na minha dissertação de mestrado, aos 26 anos.
Bom, fico agora com uma enorme curiosidade em saber da sua
devolutiva, pois apesar de ter gostado de escrever essas três páginas não sei ao
certo se perdi-me nas ideias e na narrativa.
Um grande abraço,
Marcelo

Silvio Munari munari.machado@gmail.com


para Marcelo 24 Jan

Caro Marcelo,
Estou em Pirassununga. Ao contrário da manhã fria em que iniciou
a escrita do teu e-mail, aqui os dias e as noites são estupidamente quentes.
Vivemos cercados por desérticos canaviais das tantas usinas de açúcar e álcool.
Sinto que a vida se arrasta, que seu movimento é lento. Necessária uma alquimia
para transformar essa vida em algo mais fluido, mais próxima da velocidade do
nosso Rio Mojiguaçu: intenso, volumoso, veloz. Nestes escritos, quem sabe, a
possibilidade de aproximar-me do fluxo do rio, para além da monotonia das
plantações!
Você descreveu com precisão nosso acordo. Acrescentaria apenas duas
coisas.

144
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Desde o primeiro momento, quando recebi o convite de Maria Rosa e


Close Up, senti uma espécie de faísca nas minhas entranhas, as quais deixaram
claro que eu não tinha escolha: somente poderia contribuir para este livro se nós
dois escrevêssemos em conjunto. Como você mesmo escreveu: fazíamos o mesmo
curso, morávamos na mesma casa e participávamos do mesmo projeto de extensão!
Essa intuição, que me deixou sem escolha, foi confirmada quando
recebi este teu e-mail: cara, ri muito, muito mesmo! Por exemplo, ao saber que
você passou as férias estudando para assumir a cátedra de história no PEJA! Nem
sequer havia me dado conta de quanto o convite havia significado para você,
cara... Também chorei um tanto... Por exemplo, ao ler que você como que foi
para um outro planeta ao ouvir a generosa fala de D. Célia... A respeito da qual,
confesso, nunca meditei – mas que sempre, sempre!, me emociona...
A segunda coisa a ser acrescentada: a Travessia. Constituímos uma
república durante o tempo em que fizemos faculdade. Curso de Pedagogia, Unesp
de Rio Claro, interior de SP. Ano... 2005? O fato é que nessa república havia
material do PEJA em todos os cantos. Tínhamos uma mesa redonda na cozinha
e todos os momentos em que nos sentávamos para almoçar, tomar um café, ou
qualquer coisa do gênero, eram momentos em que falávamos sobre as atividades
do PEJA, sobre uma ou outra fala dxs alunxs, ou mesmo quando tínhamos que
brigar porque alguma coisa havia saído errado. Era como se a Travessia fosse uma
Extensão do próprio Projeto em nossas vidas.
Assim, nossos amigos mais chegados conheciam relativamente bem o
cotidiano do PEJA. Quase todos os moradores da república vincularam-se, uns
mais e outros menos, ao Projeto.
Sabíamos que era uma curta travessia entre o primeiro e o último ano
de nosso curso. E nunca nos cansávamos de dizer que nossa verdadeira formação
estava acontecendo fora das salas de aula da universidade – nossa verdadeira
formação estava acontecendo no PEJA!
Com um abraço, e no anseio de continuarmos esta nova travessia,
Silvio

145
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Marcelo Pereira pereira.marcelo07@gmail.com


para Silvio 30 Jan

Silvio,
Demorei uns quatro dias para conseguir escrever alguma coisa após
a minha leitura do seu último e-mail. Cheguei a escrever vários textos, mas a
verdade é que não gostei de nenhum deles e agora volto mais uma vez ao exercício
de inscrever-me neste trabalho a partir das minhas experiências no PEJA. Gostei
do seu texto, principalmente da referência feita a nossa república, mas devido ao
espaço que temos pré-definido neste livro, vou tentar escrever mais a partir do
seu texto do que sobre o seu texto.
Bom, depois de muito refletir sobre a continuação deste trabalho, resolvi
priorizar neste e-mail uma característica muito forte do PEJA que em nenhum
momento havia passado pela minha cabeça quando propus-me a trabalhar
contigo neste espaço. Aliás, essa característica do PEJA reapareceu nas minhas
memórias graças à leitura do seu e-mail.
Mas para chegar até onde pretendo preciso confessar-lhe uma coisa: a
última linha do seu texto deixou-me com uma enorme enxaqueca nestes dias.
Quando li o seu e-mail, logo na primeira vez, fiquei muito angustiado, pois
depois de enviar o meu primeiro texto fiquei imaginando o que você escreveria
“no seu espaço”. Eu esperava que a partir da minha escrita você fosse contar
sobre o seu início no Projeto, comentando um pouco sobre a nossa participação
na turma do Bonsucesso e por último, deixaria um fio condutor para que eu
retomasse “a minha parte”.
Entretanto, como você não fez nenhuma destas coisas, fiquei um pouco
desesperado e pensando o porquê da sua economia na escrita, além do trabalho
que eu teria para recomeçar a minha parte. Mas hoje, depois desses quatro ou
cinco dias de escritas e reescritas apercebi-me da importância do seu texto para o
meu entendimento de um trabalho coletivo feito com sinceridade!
De certa forma, comecei a pensar no meu segundo texto antes mesmo
de ler o seu e-mail e acredito que esse tipo de indução indireta impeça qualquer
possibilidade de trabalho coletivo, ainda que o discurso pedagógico de uma
escrita coletiva seja, por si só, consensualmente estimável nos textos académicos
mais inovadores.

146
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Quando escrevi pela primeira vez sobre a composição do nosso texto


enquanto uma escrita coletiva, esqueci-me que esse tipo de trabalho até pode
oferecer, numa análise a posteriori, resultados inovadores e criativos. Mas com
toda certeza, nunca soube de um trabalho coletivo feito sem esta angústia, sem
esta incerteza e sem este constante replanejamento de nossas ideias a partir do
contato com as ideias de outra(s) pessoa(s).
Transpondo essa reflexão para o PEJA, recordo-me das suas e das
minhas tensões e crises despertadas durante a nossa participação no Projeto e na
nossa relação com as educandas. Nunca estivemos isentos desse desespero e dessa
angústia que senti ao ler o seu e-mail. Acho que por conta das minhas experiências
no PEJA, nunca me identifiquei com certos textos académicos sobre a educação
de adultos, nos quais os autores apenas afirmam que tudo é uma constante troca
de experiências, cheia de alegria e respeito entre educadores e educandos, e que se
fosse assim na oferta pública do Estado teríamos menos analfabetos no país. (Ok,
fui um pouco radical, mas creio que não fuja muito disso, até porque eu também
já disse a mesma coisa, mas com outras palavras).
Eu seria demasiado injusto com o meu passado se utilizasse este espaço
de escrita das minhas recordações do PEJA para enfatizar um certo saudosismo
e simplesmente esquecesse que também aprendi o que era a educação de adultos
quando formulávamos aquelas “atividades criativas” e algumas alunas reclamavam
que não trabalhávamos os conteúdos da prova de certificação. Seria injusto não
dizer que aprendi muito sobre a educação de adultos quando pensei numa forma
de relacionar a História Social com a História Oficial, através de um diálogo
muito interessante da história de vida das educandas com a história do Brasil,
mas que no final das contas descobri que uma das educandas se ausentara do
Projeto por uma semana, com receio de recordar qualquer coisa relacionada ao
seu passado.
Sempre tento pensar nisso, até onde escutamos as pessoas com quem
trabalhamos e damos sentido ao que elas nos dizem, e até onde imaginamos o
que elas querem dizer e a partir daí classificamos isso como um espaço de troca
numa atividade educacional. Penso nisso quando leio a Pedagogia do Oprimido
e reflito sobre as definições e conceitualizações do Paulo Freire (1987, p. 67-68)
para os temas geradores, oriundos dum processo complexo de investigação com
os educandos; e para os “temas dobradiças”, aqueles que o professor escolhe,
previamente, e insere no trabalho para completar algum vazio ou para estabelecer
alguma ligação técnica entre os temas geradores definidos coletivamente com os
educandos.

147
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Desde a última vez que conversei com a Maria Rosa e ela contou
algumas de suas reflexões acerca da complexidade do pensamento do Paulo Freire,
comecei a ter a sensação de que muitas vezes levamos “os temas dobradiças”
para os educandos, mas quando publicamos os nossos trabalhos em congressos
académicos, apresentamos uma abordagem desenvolvida a partir da investigação
dos “temas geradores” e depois incluímos o Paulo Freire nas referências
bibliográficas do artigo.
Durante a minha formação inicial, eu penso que só experienciei esta
dimensão tão complexa dum trabalho coletivo na educação pelo PEJA, e não
nas inúmeras horas de estágio que fiz no curso de Pedagogia. Foi no PEJA que
despedacei-me por diversas vezes ao longo da minha formação inicial enquanto
educador. Despedacei-me com leituras de autores marginalizados e esquecidos
pelo curso de Pedagogia, como Philippe Ariès, Jorge Larrosa e Paulo Freire;
da mesma forma que despedacei-me durante minha atuação prática e política
nos encontros com as educandas, nas reuniões com a Maria Rosa e nas longas
conversas que tínhamos em nossa casa. E isso sem contar as vezes que tentamos
levar o PEJA para outros bairros de Rio Claro, ou, quando tentei apresentar o
PEJA para vários universitários durante o movimento de greve da Unesp em
2007.
Assim, corroboro de corpo inteiro com a sua expressão: “a nossa
verdadeira formação estava acontecendo fora das salas de aula da universidade –
nossa verdadeira formação estava acontecendo no PEJA!”.
Termino este e-mail com receio de ter extrapolado uma suposta divisão
matemática das nossas páginas, mas penso que podemos editar no final...
Com um abraço, e na esperança de ter causado algum incômodo.
Marcelo 

148
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Silvio Munari munari.machado@gmail.com


para Marcelo 6 Fev

Marcelo,
Você escreveu que tinha dúvidas: até onde escutamos as pessoas com quem
trabalhamos e damos sentido ao que elas nos dizem, e até onde imaginamos o que
elas querem dizer e a partir daí classificamos isso como um espaço de troca numa
atividade educacional.
Essas palavras soaram mais forte que todas as outras. Ainda assim, optei
por responder o e-mail abordando outro assunto. E deixei para escrever, num breve
post scriptum, uma pequena observação relatando que compartilhava teu enigma
e não conseguia parar de pensar em duas falas do filme Clube da Luta (FIGHT...,
1999): As pessoas não ouvem mais. Elas apenas esperam a sua vez de falar.
Pois bem. Já havia escrito minha resposta. Assinado embaixo. Mas depois
de escrever o post scriptum apaguei tudo e recomecei. Não podia negligenciar a
força que tuas palavras tiveram em mim. Fui caminhar, colocar os músculos
para pensar, e pensar mais e mais sobre o assunto. Pouco consegui. Mas, feliz ou
infelizmente, algumas palavras de Nietzsche me atingiram com força total!
Apressei-me em voltar e encontrar o trecho. Saber se realmente tinha
conexão com teu e-mail e com tudo aquilo que havia despertado. E realmente
estava lá! Na seção Por que escrevo tão bons livros, escrevendo sobre a (im)
possibilidade da compreensão de suas obras pelos modernos, Nietzsche (2007)
escreve algo que oferece terríveis elementos para construir uma terrível resposta
para essa dúvida enigmática: não podemos ouvir nada que já não tenhamos
experimentado! Não podemos conhecer outrem, mas apenas refazê-lo à nossa
própria imagem! Eis o trecho:
Em última instância, ninguém pode escutar mais das coisas, livros incluídos,
do que aquilo que já sabe. Não se tem ouvido para aquilo a que não se tem
acesso a partir da experiência. Imaginemos um caso extremo: que um livro
fale de experiências situadas completamente além da possibilidade de uma
vivência frequente ou mesmo rara – que seja a primeira linguagem para uma
nova série de vivências. Neste caso nada se ouvirá, com a ilusão acústica de que
onde nada se ouve, nada existe... Quem acreditou haver compreendido algo de
mim, havia me refeito como algo à sua imagem - não raro o oposto de mim,
um ‘idealista’, por exemplo; quem nada havia compreendido de mim, negou
que eu tivesse que ser considerado (p. 53).

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Li. Mil vezes. Seria impossível escutar? A única possibilidade é esperar


nossa vez de falar? Seria um engodo afirmar que sempre partimos da realidade
dos educandos? Estaríamos nós apenas projetando? Será???
A resposta só poderia estar à altura de uma bifurcação: sim e não! Penso
que vivíamos essa tensão o tempo todo. Mas nossa inocência de viver radicalmente
o fundamento, o pressuposto, ou seja, partir da realidade dos educandos, nos
permitia ir para além de uma política da identidade e caminhar sempre rumo à
realização de uma política da diferença.
Consigo pensar em muitos exemplos para tentar conferir materialidade
a essa afirmação. Tínhamos sempre poucos alunos em cada turma, o que
oportunizava não apenas longas conversas, como também conhecer mais de
perto o cotidiano de cada pessoa. Ao invés de criarmos uma única atividade para
todas as pessoas, muitas e muitas vezes criamos atividades únicas, personalizadas,
para atender pessoas com objetivos muito diversos (ler a bíblia, prestar vestibular,
fazer concursos públicos).
Se por um lado estávamos sempre correndo o risco de colonizar cada
uma daquelas pessoas com nossas idealizações, por outro lado tínhamos nossas
unhas cravadas num materialismo tão radical que sequer conseguíamos produzir
uma grade curricular que atravessasse o semestre. Cada atividade era única e
elaborada a partir de cada encontro – ousaria dizer, a partir de cada educando!
Isso tudo me leva a pensar que não tentávamos encaixar cada uma das
pessoas que estavam em nossas turmas nos perfis definidos pelas pesquisas do
grande campo conhecido como EJA. Não se tratava de tentar reconhecer essas
pessoas, mas conhecê-las e estar com elas na própria novidade que apresentavam.
Do meu ponto de vista, ouvi-las nessa perspectiva é muito mais do que encaixá-
las em nossos esquemas imaginativos. Tratava-se de abrir-se para um risco
permanente de fracassar em nossa tarefa de professores eficientes e eficazes, mas
nunca abrir mão de apostar e alimentar a diferenciação e a singularização.
Penso que vivemos isso uma vez mais: eis aqui nossos capítulos entregues
a uma composição. Optamos por dialogar, sustentar a alteridade, sem a certeza
de um final triunfante, um trabalho eficaz.
Caro amigo: vivemos isso no PEJA e revivemos agora...
Um forte abraço,
Silvio

150
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Marcelo Pereira pereira.marcelo07@gmail.com


Para Silvio 13 Fev

Silvio,
O seu último e-mail apanhou-me numa semana bastante complicada
e somente hoje comecei a escrever qualquer coisa. Algumas ideias estiveram
fermentando neste tempo, mas optei por não utilizá-las. Eu gostaria de aproveitar
um pouco do que já conversamos até agora para abordar o tema da formação
inicial de educadores em EJA, que de certa forma caracteriza institucionalmente o
trabalho desenvolvido pelo PEJA enquanto um projeto de extensão universitária.
A leitura do seu último e-mail foi imprescindível para que os meus
pensamentos chegassem a esse tema da formação de educadores no PEJA. Após
a leitura do seu texto, um acontecimento bastante esquecido da minha memória
ressurgiu com muita vivacidade: recordei-me quando levamos a Tia Dag [Nota ao
leitor: Pedagoga Dagmar Garroux, idealizadora da Casa do Zezinho, uma entidade
não governamental localizada na periferia do município de São Paulo] para conhecer
o nosso trabalho do PEJA no bairro Bonsucesso. Lembro-me que logo depois do
almoço ela me perguntou: “E que metodologia de trabalho vocês utilizam neste
projeto?” Silvio, isso foi arrebatador para mim, pois naquela altura eu já estava há um
ano e meio participando do PEJA e não sabia qual era a nossa metodologia.
Tentei lembrar de alguma coisa que a Maria Rosa tivesse dito em alguma
reunião, mas não me veio nada à cabeça; também pensei em ficar enrolando até a
hora que você aparecesse para me ajudar, o que também não aconteceu; e como
alternativa C, pensei em arriscar no construtivismo, pois seria o jeito mais fácil
de agradar pedagogos e troianos. Mas sei lá por que, ainda que balbuciando em
alguns momentos, expliquei o nosso trabalho de forma muito próxima a sua
descrição feita no seu último texto. Falei com as minhas palavras sobre a sala com
poucos educandos, da proximidade com as pessoas que frequentavam o Projeto
e da questão da diferenciação e da singularização.
Como devolutiva obtive: “Ótimo! Era isso mesmo que eu queria saber,
porque eu não me interessava em conhecer um projeto que vendesse ‘drogas’ para
uma comunidade” (não me recordo com precisão das palavras dela, mas a minha
memória resolveu guardar exatamente desta forma).
Faço agora uma aceleração nesta linha temporal de recordações sobre
o PEJA e estaciono exatamente no dia da minha despedida do Projeto, cerca de

151
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

um ano e meio após o referido encontro com a Dagmar. Recordo-me bem que na
minha última fala durante o encontro anual de educadores e educandos do PEJA
Rio Claro, esse tema da metodologia e da nossa formação enquanto educadores
esteve mais uma vez presente nos meus pensamentos e explanei sobre essa reflexão
mais ou menos assim: “Despeço-me do PEJA sem saber exatamente que tipo
de professor eu sou. Não me considero piagetiano, vygotskiano, construtivista,
tradicionalista, foucaultiano e de qualquer outra corrente que aprendemos no
curso de Pedagogia, mas acho que consegui ajudar de alguma forma no PEJA”.
Escrevi tudo isso porque penso que a partir do momento em que
optávamos por essa metodologia um tanto inclassificável, desvirtuávamos
dos bons princípios da formação inicial de professores. Afinal de contas, que
professor “bem formado” inicialmente demostra-se incapaz “de produzir uma
grade curricular que atravesse o semestre”? Da mesma forma que não tentávamos
encaixar as educandas nos nossos esquemas imaginativos, acabávamos por fugir
de muitos enquadramentos propostos pelo nosso curso académico. E acredito
que a Maria Rosa teve um papel muito importante nisso tudo. Não me recordo
de ter que apresentar para ela a tal grade curricular ou qualquer coisa do gênero.
Vou além, no meu caso em específico, posso dizer que ela esperou uns
seis meses para me conhecer antes de deixar comigo o livro “O tempo da história”
de Philippe Ariès (1992). Aquela leitura sugerida disparou-me para pensar o
PEJA enquanto um espaço de investigação académica, pensar na História de um
outro jeito, pensar na educação de adultos de um outro jeito. E estranhamente,
esse livro orientou todo o meu TCC, ainda que eu só o tenha citado uma vez ao
longo do texto, quase que de propósito, para forçá-lo a aparecer nas referências
bibliográficas como uma forma de retribuição e de justiça.
Mesmo que a formação de professores em EJA se configure como um
dos objetivos do PEJA, eu penso que experimentamos o conteúdo da palavra
formação de maneira diferente da habitual ou da recomendada. Nós não nos
sentíamos prontos quando iniciamos a nossa participação no Projeto e posso
afirmar que quase cinco anos após deixar o PEJA, eu ainda não me sinto pronto.
Penso que foi uma formação feita mais para nos entendermos “inconclusos”
(Freire, 1987) e “desconformes” (Larrosa, 2006) dentro duma ação
permanente, multifacetada, multivariada e híbrida, do que propriamente para
alcançarmos a certeza do sentir-se pronto e preparado.
Finalizo essa reflexão deixando o grande abraço que você merece!
Marcelo

152
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Silvio Munari munari.machado@gmail.com


para Marcelo 26 Fev

Caro amigo Marcelo,


Eis-me aqui escrevendo, outra vez, uma segunda versão para um mesmo
e-mail. Também apaguei, sem deixar rastros, a primeira versão. Gosto de escrever
de primeira e apagar somente os erros gramaticais ou ortográficos. Se preciso ficar
voltando, reescrevendo, copiando daqui e colando ali... Prefiro apagar tudo!
Desde já peço desculpas por ter demorado praticamente duas semanas
para redigir este. Passamos pelo nosso “entrudo”, quando realmente ficamos
contaminados com a mais intensa preguiça que se pode imaginar – Paul Lafargue
olharia de modo curioso para este período! Também estive um pouco doente nos
últimos dois ou três dias... Mas... É vida que segue, sem dramatizar – como diria
um de nossos grandes gurus pedagogos (Salve Medrano!).
Acontece que fiquei muito surpreso com o teu e-mail. Você descreveu
a visita da Tia Dag (Dagmar Garroux) a nossa turma do Bonsucesso, numa
tarde quente e abafada de Rio Claro. E veja você o motivo de minha surpresa: a
primeira versão de meu último e-mail foi toda construída a partir das lembranças
desta visita! Eu havia feito um e-mail a respeito do caráter processual de nossas
atividades no Projeto. E a maneira como escolhi para apresentar esse caráter
processual foi exatamente descrevendo algumas palavras que a Tia Dag disse na
palestra que realizou, horas depois de acompanhar nosso trabalho, na Semana de
Estudos de Pedagogida da Unesp Rio Claro.
Ela disse alguma coisa do tipo: “Visitei hoje o projeto em que esses dois
meninos atuam. Sala de aula? Eles usam o espaço que aparece! Carteira? Eles
usam as mesas que têm! Material didático? Eles usam aqueles que conseguem
levar em suas mochilas. Lousa? Eles usam aquela que tiver na frente. E o método?
O método é aquele que dá certo!”
Assim como você, não posso garantir que ela tenha dito exatamente
dessa maneira... Mas posso garantir que as palavras a respeito do método foram
exatamente essas! Isso ficou cravado em meu ser! Para além disso, ela associou
nosso “método de trabalho” a um conceito que desenvolveu a partir de suas
práticas na Casa do Zezinho: o conceito de pedagodia. A pedagogia utilizada pela
Casa é aquela que funciona a cada dia!

153
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Enfim, posso mesmo estar sendo traído pelas palavras e traindo as


palavras que ela mesma pronunciou naquela noite. Mesmo assim, lembro-me
de que naquele dia sentimos que não estávamos viajando completamente para
fora do universo pedagógico com nosso modo de elaborar e realizar as atividades
enquanto educadores de jovens e adultos.
Penso exatamente como você: não me sentia pronto quando comecei
a participar do Projeto (penso que isso aconteceu em 2004!) e nunca me senti
pronto para nada desde então! E o que é pior (?): todas as vezes em que me senti
pronto... Terminei apenas relembrando deste estado inconcluso e desconforme de
nossa formação pedagógica...
Ainda assim, meu caro amigo, penso que algumas das coisas que
experimentamos no PEJA irão nos acompanhar pelo resto de nossas vidas:
enquanto indivíduos e enquanto profissionais. E eu gostaria de enumerar algumas
delas, como que para garantir que estes nossos e-mails sejam mais do que o
prazer que possuímos por trocar estas palavras entre nós e que tem possibilitado
encontrar estas memórias, pensar retroativamente sobre os desafios que o Projeto
nos apresentava e, por fim, garantir que tenha validade para pessoas que nem
sequer conhecem a nós ou ao Projeto!
1. Rompendo com a ideia de currículo. No PEJA, radicalizávamos a noção
de que era preciso partir da realidade dos educandos. Por isso, havia desde
sempre uma programação mínima para tomar contato com as pessoas que
constituíam as turmas e somente a partir da realização desse mínimo é que
começávamos a preparar as atividades. Via de regra, preparávamos uma
nova atividade somente após o término de outra. Isso certamente nos criava
diversas dificuldades, uma vez que não tínhamos a garantia de abrir um livro
de atividades e “aplicar” uma sequência delas para cada uma das turmas.
Penso que desse modo, não sendo aprisionados por detrás das ditas grades
curriculares, tínhamos a possibilidade de criar atividades que nos aproximavam
cada vez mais da realidade concreta das pessoas que compunham as turmas,
e não do abstrato “sujeito da educação de jovens e adultos”.
2. Atividades ou aulas? Parece-me uma espécie de lugar-comum na educação
de jovens e adultos postular que a relação professor-aluno deve ser horizontal.
Isso era assumido, claro, na própria estruturação do Projeto. Contudo, penso
que afirmávamos esse postulado no modo como organizávamos as atividades
pedagógicas. Literalmente, não ensinávamos. Mesmo por que, qualquer
experiência que nos colocasse no lugar de mestres explicadores estava fadada

154
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

ao fracasso. O aprendizado acontecia enquanto todos estávamos fazendo as


coisas: fossem as redações de textos ou as esculturas em vegetais, a penosa
aventura por meio da aritmética ou as deliciosas aulas de informática. Não que
os ditados e as correções de folhas de exercícios deixassem de atravessar essas
atividades! Quantas vezes aquelas pessoas queriam justamente que fossemos
mestres e, elas, estudantes? Mas a impureza didático-pedagógica reinava e
desafiava, dia após dia, as imagens cristalizadas dos clichês educacionais.
3. O Conteúdo e os conteúdos. Isso também sempre variava. Algumas pessoas
buscavam o Projeto como meio para realizar o exame de certificação realizado
pelo governo de São Paulo. Outras buscavam o PEJA porque tinham o
desejo de aprender a ler, mas nunca conseguiram obter sucesso nas escolas
em que se matricularam. Por isso a tensão permanente entre: orientar todas
as atividades para o tal exame de certificação ou organizar as atividades de
acordo com as muitas outras demandas que constituíam as turmas! Nunca
houve consenso, nem mesmo entre as próprias pessoas que compunham as
turmas. Contudo, a possibilidade de sempre trabalhar com turmas pequenas
(máximo de 15 alunos, se bem me lembro), nos possibilitava criar um eixo
coletivo para quase todas as atividades e, ao mesmo tempo, individualizar esse
eixo para cada um dxs educandxs. Era como se trabalhássemos com grandes
temas (por exemplo, A Independência do Brasil) e pudéssemos recortá-los
em minúsculas atividades (por exemplo, a escrita de uma carta fictícia para
D. Pedro, quando se tratava de alguém que queria unicamente escrever; ou a
resposta de questionários para a pessoa que queria prestar o exame). Ao invés
de um Conteúdo, com letra maiúscula, pequenos e variados conteúdos, com
letra minúscula.
4. Singularizar, para além de conscientizar. Espantava saber que nossos
educandos nunca tinham ouvido falar em ditadura militar. Mesmo que não
fosse uma ação preordenada, não orientávamos as atividades para que todos
formassem uma mesma e única opinião acerca de qualquer um dos temas. Ao
contrário, nosso grande desafio era colocar em jogo as diversas concepções
que circulavam no espaço e tentar garantir que todas tivessem o mesmo valor.
Tarefa árdua, pois a relação poder-saber cristalizada em cada um de nós fazia
com que a opinião dxs professorxs fosse mais valorizada do que a opinião
“do aluno” considerado, pelo próprio grupo, como “mais atrasado”. Talvez
tenhamos sempre utilizado o conceito “singularidade” de modo unicamente
intuitivo, o que o tornava, teoricamente, um conceito fraco para nós.
Contudo, na ação propriamente pedagógica, potencializava nossas atividades

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

e, se não garantia, ao menos criava uma grande barreira para a colonização


de cada uma daquelas pessoas pelo consenso de um único saber escolarizado,
fosse ele crítico ou não.
5. A gentileza como principal característica do educador. Embora
contássemos com especialistas entre o grupo de educadores (geógrafos,
biólogos, matemáticos), nós, pedagogos, não éramos especialistas em
nenhuma disciplina, mas caras esforçados. Olha, Marcelo, pode parecer
ridículo, e talvez desperte o riso em algumas pessoas: mas em tempos em
que os professores costumam dizer que ou se é ríspido ou os alunos não
respeitam, em todas as turmas do PEJA a gentileza figurava como principal
qualidade do educador. Essa atitude de gentileza implicava muitas outras
(paciência, compromisso, humildade, alegria). Eu diria que a atitude de
gentileza era uma maneira de garantir, no âmbito do Projeto, não apenas o
direito à educação, mas também o direito à ternura (Restrepo, 2001).
Não tenho certeza de quanto a gentileza garantia a aprendizagem de cada
pessoa, mas tenho a forte sensação de que ela era anterior a qualquer técnica
didático-pedagógica. Que pena não ter conhecido a vida e a obra do Profeta
Gentileza naquele período!
Desnecessário dizer que essa tentativa de sistematização é totalmente
precária, provisória e necessariamente carente de uma rigorosa crítica. Mas é
[totalmente] necessário dizer que o Projeto deixava de funcionar se cada um desses
cinco elementos não se realizasse. Faltar a uma única atividade, por exemplo, e
não comunicar às pessoas que iriam participar com antecedência, certamente
desmantelaria todo o processo. Comprometer-se a levar uma fotografia ou uma
música e não fazê-lo, certamente implicaria a ausência de todas as pessoas na
próxima atividade. E tantas outras coisas seriam necessárias dizer.
Finalizo aqui. Desculpe, outra vez, pela demora. Principalmente:
desculpe se este e-mail foi diferente dos demais, sendo mais extenso, cansativo
e, de maneira negativa, mais “autoral”. Contudo, penso que nosso método de
trabalho vem afirmando e confirmando a formação que tivemos por meio do
PEJA: é a cada e-mail que se determina o próximo, na radicalidade de uma
composição coletiva. Uma hora precisaremos parar. Talvez... Continuemos em
alto mar, inconclusos e desconformes...
Um grande abraço, ansioso por receber sua resposta!
Silvio

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Marcelo Pereira pereira.marcelo07@gmail.com


para Silvio 07 Mar

Silvio,
“Talvez… continuemos em alto mar, inconclusos e desconformes”.
Fizeste uma bela poesia com um punhado de palavras amarradas numa
frase, meu caro! E o fato de tê-la elaborado no plural despertou-me por completo
para registrar um último tema neste trabalho que vimos construindo até agora:
os educadores do PEJA!
Iniciei a escrita deste quarto e-mail com uma certa sensação de
tranquilidade e com alguma certeza de que este texto deve encerrar a minha
participação no nosso processo de escrita coletiva. Digo isso, pois assim que
terminei a leitura do seu texto senti uma vontade muito maior de reler todos os
e-mails que trocamos neste período do que propriamente em pensar novas ideias
para a continuidade do texto.
É verdade, em algum momento teríamos de parar este trabalho, tal como
você colocou. Assim como também é verdade que nunca esqueci a quantidade de
páginas estipuladas pelo Felipe e pela Maria Rosa. Entretanto, penso que a minha
sensação de tranquilidade pelo término desta travessia a qual nos propusemos
deve-se a outros motivos e a outras reflexões.
Neste exercício de releitura dos e-mails trocados, não só revisitei os
textos selecionados para a composição do trabalho até o momento, como também
recuperei todas as conversas “informais” que tivemos ao longo deste processo,
principalmente aquelas mais antigas, de quando ainda estávamos discutindo a
organização do texto. Gostei tanto dessa proposta de releitura do nosso debate
que peço licença para “colar” neste espaço um depoimento seu, feito quinze dias
antes de começarmos a escrever “oficialmente” o trabalho:
Sinto que estou distante demais daquele tempo. Muitas coisas eu me lembro e sinto
que são lembranças vagas demais.
Novamente, SINTO que estou mais apto a escrever sobre como a experiência
me deu a possibilidade der ser pedagogo fora da sala de aula, no meio dos
excluídos, quase um são francisco de assis freireano - mas sem o humanismo
(Silvio, 5/jan/2012).

Esses dizeres apunhalaram-me de tal forma que antes de começar


o meu primeiro e-mail estive a pensar em como ajudá-lo a resgatar as suas

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

memórias dos tempos do PEJA. Relendo o meu primeiro texto percebi uma certa
maiêutica impregnada em alguns parágrafos e imagino o quanto nos atrapalharia
se você caísse neste pseudo-diálogo socrático (Rancière, 2002). Isso foi
muito importante para minha reflexão sobre a complexidade dum trabalho
verdadeiramente coletivo, seja numa escrita seja numa ação educacional. Por
outras palavras, percebi que eu também precisava de você para lembrar mais do
que os acontecimentos episódicos dos tempos do PEJA, precisava de você para
disparar outras reflexões que até então eu não tinha experienciado de maneira
tão forte. Sinto que essa constatação reduziu até mesmo a minha vontade de
relatar uma série de acontecimentos daquela época para o nosso leitor e optei por
aprofundar-me no diálogo contigo.
Entretanto, aquela sistematização proposta no seu último texto, quando
elaboraste os cinco elementos articulados do PEJA, comprovou-me por completo
que a nossa troca de e-mails não foi apenas uma sobreposição de lembranças dum
passado distante. Por mais que você diga que tudo o que escreveste no último
e-mail seja fruto duma análise aprimorada pelas suas andanças pós-PEJA, eu
afirmo-te com todas as letras que vi no seu último texto um Silvio de seis ou sete
anos atrás, idêntico! Se você não recordou das suas lembranças daquele tempo, eu
recordei dum velho amigo que admirava por vivenciar comigo o mesmo projeto
de maneira tão intensa.
Ao ler o seu último texto, lembrei-me de quando você fazia aquelas
reflexões tão complexas que eu, em silêncio, imaginava-me incapaz de
compreendê-las, e quando muito, dizia em tom de brincadeira: “o senhor está
ficando muito revolucionário Silveirinha”. Admirava-te tanto, que fiquei muito
feliz por continuar no PEJA mesmo depois da sua saída, assim eu não ficaria a
esperar que você resolvesse os imprevistos e os grandes problemas que surgissem.
Dediquei o meu último ano do curso de Pedagogia ao PEJA e coloquei-
me na linha de frente da batalha. Vivi um ano muito intenso com os colegas que
na altura compunham a “nova geração” do Projeto, e quatro estações depois da
sua saída, percebi que já ocupava muito espaço no Projeto e já estava começando
a atrapalhar, já tinha completado a minha travessia.
E nisso eu vejo um diferencial muito forte no grupo de educadores do
PEJA, criávamos uma grande admiração por todas as pessoas que compartilhavam
as suas experiências disparadas pelo Projeto, que respiravam o Projeto. E o mais
interessante é que cada educador do PEJA tinha uma forma bem peculiar de
expressar essa cumplicidade, particularmente sempre me lembro duma frase dita

158
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

pelo Arthur (Atum) numa reunião: “Eu não entendo como o PEJA não é disputado
‘no tapa’ pelos estudantes da Unesp”. E também recordo-me com vivacidade
de quando o Felipe (Close Up) foi até onde eu trabalhava em São Paulo para
mostrar-me o vídeo que eles tinham feito do PEJA após a minha saída do Projeto
e depois confessou ter chorado ao ver a primeira exibição do trabalho final.
Aliás, fiz do meu último dia no PEJA uma novela mexicana, nem tinha
terminado de falar o que tinha programado e comecei chorar. Percebi que Atum
chorou junto, que a Míriam chorou também e depois disso só me lembro de
abraçar o Close Up e o resto do pessoal. Para completar o roteiro dramático,
tudo isso aconteceu bem no encontro de educadores e educandos do final do
ano… Mas sei que saí feliz do PEJA-Rio Claro e cheio de histórias para contar.
Na verdade para contar-te antes de contar para qualquer pessoa, mas até hoje não
consegui encontrá-lo com tempo exclusivamente para isso.
Agora, essas histórias acumularam-se com outras da minha vida pós-
PEJA, que também queria contar, mas acho que já esqueci muitas delas neste
período. Porém, o que me deixa tranquilo após essa troca de e-mails é ter a certeza
de que as nossas memórias do PEJA não se esgotaram e tampouco deixaram de
gerar outras (novas) reflexões, crises e indagações.
(Esse lance de colocar a palavra “outras” seguido pela palavra “novas”
entre parênteses é a marca da Maria Rosa, resolvi fazer uma média para atenuar o
nosso atraso na entrega do texto, veja se bola alguma coisa assim também).
Enfim, já exauri todas as minhas forças de escrita para este período
e espero que você termine o texto, mesmo que eu não te responda mais neste
processo, estarei ansioso para ler o seu texto e para ver os nossos nomes no livro
do PEJA-Rio Claro futuramente.
Um grande abraço,
Marcelo Pereira

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Silvio Munari munari.machado@gmail.com


para Marcelo 22 Mar

Caro amigo Marcelo,


Gostaria que terminar fosse tão fácil ou tão difícil quanto começar.
Contudo, o andamento das coisas vem mostrando que a intensidade de cada um
desses momentos é desproporcionalmente variável. Talvez esta imagem de estar
em alto mar seja mesmo propícia. E, parafraseando o mestre do desassossego:
Navegar é preciso. Viver é impreciso. (Pessoa, em algum lugar).
Ora, pois.
Para mim, o trabalho que realizamos até aqui constitui uma grande
alegria. Se desde o princípio frustramos nossas expectativas do que aconteceria,
foi exatamente porque soubemos nos frustrar tanto quanto fomos capazes de
nos surpreender. Não seguimos um roteiro pré-estabelecido, não fingimos fazer
construção coletiva. Mantivemos nosso trabalho de escrita tão sem precisão
quanto a própria vida tem sido. Tanto quanto o próprio Projeto de Educação de
Jovens e Adultos nos ensinou que seria!
Gostaria de ter escrito mais causos. Contado das vezes em que uma das
educandas mais determinadas tocava a campainha de nossa república para nos
presentar com uma pequena peça de queijo comprada em Minas Gerais. Das
vezes que você, encarnando quixotescamente o educador popular, conversava
nas ruas com os familiares dessa mesma educanda, que não acreditavam que
ela conseguiria aprender. Também gostaria de ter contato das vezes em que
fomos colocados contra a parede por uma educanda dessa mesma turma, que
exigia que os professores dessem tarefas de casa “difíceis de verdade”! Talvez ter
descrito algumas dessas pessoas e quão fantásticas elas sempre foram. Senhoras,
principalmente, já avós, bisavós, segurando um lápis pela primeira vez, utilizando
um computador e a internet pela primeira vez, assim como seus pequenos netos
e bisnetos faziam com tanta facilidade!... E ainda, quem sabe, ter descrito mais
atividades. Atividades de alfabetização realizadas dentro de uma biblioteca repleta
de imensos e indecifráveis volumes acadêmicos. Passeios realizados pelas trilhas
do campus, quando aquelas dezenas de jovens estudantes tinham curiosidade em
saber quem eram aquelas pessoas mais velhas estudando botânica. As vezes em
que dois de nós era um número pequeno demais para manejar uma lousa e, ao
mesmo tempo, impedir a criançada (filhos, netos, bisnetos que acompanhavam
suas mães e avós) de colocar o barracão abaixo.

160
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Ao mesmo tempo, sinto que fizemos tudo o que poderíamos fazer. Fomos
francos em nossos dizeres, radicais em nossa composição. Penso, sinceramente,
que produzimos algo novo e desafiador com essa breve experiência. Lembrando
que a proposta era que todos pudessem falar por meio destes escritos (educadores
e educandos), talvez tenhamos conseguido povoar estas páginas com muitas
vozes.
Enfim, como muitos (talvez milhões de vezes) já escreveram: é impossível
transformar estas experiências em palavras. Talvez seja, inclusive, impossível
teorizá-las! E, talvez, não se trate de uma dificuldade, mas de uma característica...
(aqui vai a minha parte para tentar compensar nosso atraso redigindo uma frase
tantas vezes e em tão variadas circunstâncias ditas pela Maria Rosa!).
Penso que todas essas nossas cartas eletrônicas poderiam ser seladas por
duas palavras: travessia e encontro. Travessia porque nossa república se chamava
travessia, porque a vida em Rio Claro era uma travessia e porque o PEJA foi uma
travessia e uma coisa que nos atravessou e nos transformou... Uma experiência, tal
como o texto do Larrosa (2002), que tantas vezes lemos, consultamos, citamos!
Encontro porque foi nos últimos meses de meu curso que conheci duas aulas de
Deleuze sobre Espinosa, por meio das quais conheci o quanto os encontros podem
ser vitais ou mortais, a depender dos afetos envolvidos. Vivemos, principalmente,
bons encontros, que nos aproximaram ao máximo de nossa potência de viver!
Gostaria, por fim, de agradecer esta última (?) parceria que realizamos
no âmbito do PEJA. Como poderíamos escrever isoladamente a respeito de
uma experiência que foi vivida também por meio de nossa parceria? Agradeço a
oportunidade de escrever estas duas dezenas de páginas contigo!
E que venham novas travessias e novos encontros!
Com ternura,
Silvio Munari

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Referências
ARIÈS, P. O tempo da história. São Paulo: Cortez, 1992.
DELEUZE, G. Aula sobre Espinosa em 24/01/78, disponível em http://www.webdeleuze.com
[acesso em 30/03/2012].
“FIGHT CLUB”. CLUBE DA LUTA. Direção de David Fincher. EUA: Vídeo Lar, 1999. 1
cassete (139 min): son.; 12mm., legendado, VHS NTSC.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
LARROSA, J. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Tradução de João Wanderlei
Geraldi. Revista Brasileira de Educação. ANPED, jan-abr, n. 19, 2002. p. 20-28.
______. Pedagogia Profana. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
NIETZSCHE, F. Ecce Homo: como alguém se torna o que é. 2.ed. Trad. Paulo César de Souza.
São Paulo: Editora Companha das Letras, 2007.
RANCIÈRE, J. O mestre ignorante: cinco lições sobre emancipação intelectual. Belo Horizonte:
Autêntica, 2002.
RESTREPO, L. C. O Direito à Ternura. 2.ed. Trad. Lúcia M. Endlich Orth. Petrópolis: Editora
Vozes, 2000.

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Sobre os autores

Antonio Roberto Achel


Licenciado em Geografia pela Unesp – campus de Rio Claro. Atuante no PEJA como bolsista
(BAE) diretamente nas turmas: Comunidade, Funcionários, Informática e DAAE, além de
participações na turma do Bonsucesso; compartilhou com educandos e educadores a aprendizagem
enquanto caminhar, vivenciando os bons encontros e expandindo juntos as cosmointerpretações
existenciais, com o pé-no-chão socioespacial. Celebrando a amizade e a paz. Afeto.

Arthur Bernardo Cruz Bernardes


Graduado em Ciências Biológicas pela Unesp – campus de Rio Claro. Atuou no PEJA de 2006
a 2009 nas turmas da Comunidade, Bonsucesso e Funcionários com aulas baseadas no tripé:
filosofia, ciência e religião. Visionário e idealista se debruçou nas obras de Humberto Maturana,
Paulo Freire e Carlos Castanẽda para formular suas aulas. Concluiu seu ciclo acadêmico com
Trabalho de Conclusão de Curso baseado na experiência junto ao PEJA. Atualmente se dedica à
permacultura, xamanismo e ao cultivo da Terra em um pequeno sítio em Piracaia-SP.

Dirce Tomitan Perinotto


Nasci numa família de sete irmãos, há 58 anos atrás. Tive uma infância muito gostosa. A primeira
professora foi minha mãe. A segunda foi quem me ensinou a ler e escrever, em 1961, e com as
outras que tive fui aprendendo tudo a seu tempo. Em 2009, comecei a frequentar as minhas
primeiras aulas no PEJA. Com a ajuda dos educadores fui relembrando, em cada encontro, os
meus tempos de primário e também aprendi coisas novas, de Ciências, Português, Geografia,
Matemática, História e outras mais. Foi no PEJA que tive a experiência pela escrita e descobri em
mim o dom de ser poetisa!

Eliane Aparecida Bacocina


Licenciada em Pedagogia, especialização em Alfabetização e Mestrado em Educação na Unesp
– campus de Rio Claro. Fui colaboradora do PEJA entre os anos de 2005 e 2007, período em
que cursei o Mestrado e desenvolvi minha pesquisa intitulada “Leituras de mundo, saberes e
modos de existência de educandos e educadores: contribuição para a invenção de modos de
aprender e ler”. Atualmente, atuo como professora em cursos de Pedagogia e Licenciatura em

163
M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

duas faculdades particulares (FALS/Praia Grande e FAAL/Limeira). Participar do PEJA foi


mais que uma experiência acadêmica, pois me possibilitou grandes “viagens” pelos caminhos
da compreensão dos múltiplos saberes trazidos pelos alunos de EJA. Constantemente, me vejo
refazendo alguns desses caminhos, em meio aos novos desafios.

Fábio Pereira Nunes


Licenciado em Geografia pela Unesp - campus de Rio Claro. Cursei Mestrado em Educação no
programa de Pós Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Unicamp e atualmente
curso Doutorado em Educação na Unicamp (grupo de pesquisa: GEPEJA). Sou docente de
Geografia em escolas pública e privada da educação básica. A atuação no PEJA se deu no período
entre 2001-2004, lugar e momento primorosos para a minha formação humana e docente.
No PEJA, nasceu a inquietação quanto ao inacabamento dos saberes, os quais se (re)criam se
alinhavados com os saberes dos outros, como cada pedaço de tecido de uma enorme colcha de
retalhos.

Felipe Ferreira Joaquim


Graduado em Ciências Biológicas pela Unesp – campus de Rio Claro. Iniciou sua participação
no PEJA em 2005. Só então o fato de cursar uma universidade pública passou-lhe a fazer sentido.
Tem plena ciência sobre o apuro que é caracterizar o PEJA em sua vida. Mas arrisca algumas
palavras: experiência, formação, compartilha. É vaga a definição justamente para poder abarcar
os aspectos mais íntimos e profundos que ela representa. Atualmente, é estudante de Mestrado do
programa de Pós Graduação em Educação da Unesp – campus de Rio Claro.

Flávia Priscila Ventura


Licenciada em Geografia pela Unesp - campus de Rio Claro (ano de 2011) e atualmente curso o
bacharelado em Geografia na mesma instituição. Conheci o PEJA em 2009, tendo atuado como
colaboradora durante os anos 2009 e 2010, bolsista no ano 2011 e novamente colaboradora. São
quatro anos de envolvimento no Projeto. Frente à prática pedagógica desafiadora e reflexiva que
essa atuação tem me proporcionado, não poderia deixar de desenvolver minha monografia de
conclusão de curso no âmbito do PEJA, e pesquisa Iniciação Científica no campo da Educação
de Jovens e Adultos, intitulada “Experiências Migrantes: um estudo a partir das práticas de leitura
e escrita entre pessoas migrantes em turmas de EJA”, financiada pela FAPESP. O PEJA é reflexão
de si e do mundo, é experiência que transforma, é encontro de saberes.

Luiza Teixeira Bussius


Graduada em Geografia pela Unesp – campus de Rio Claro. Falar em PEJA, para mim, é falar de
formação. Formação acadêmica? Profissional? Educacional? Eu diria: formação humana. Aprender
e multiplicar. Escutar, olhar, compartilhar, sentir que, o que nos une como seres humanos é,
principalmente, a nossa infinita capacidade de aprender. Com qualquer um. Com poucos ou
com muitos. De perto e de longe. No PEJA aflorei minha sensibilidade para o fantástico e muitas
vezes doloroso universo da educação e desde então não pude mais sair. Hoje trabalho numa
ONG que desenvolve projetos de capacitação profissional para jovens de um bairro popular de

164
PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

Camaçari, região metropolitana de Salvador, Bahia. Atuo em sala de aula, como professora de
ciências humanas e na coordenação de um projeto sobre a temática ambiental.

Marcelo Dante Pereira


Graduado em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Unesp, campus Rio Claro (2008) e Mestre
em Ciências da Educação – área de especialização em educação de adultos – pela Universidade
do Minho, Portugal (2012). Atuou no PEJA/Rio Claro como colaborador no ano 2005 e como
bolsista PROEX nos anos de 2006 e de 2007. A partir de sua participação como educador no
PEJA, veio a desenvolver o seu trabalho de conclusão de curso e a sua dissertação de Mestrado na
área da Educação de Adultos, envolvendo educandas e coordenadores do PEJA nas componentes
empíricas de suas pesquisas. Atualmente aprofunda-se no estudo das formas de intervenção/
participação da instituição universitária na educação de adultos em países lusófonos.

Márcia Marques
Nasci aos nove de fevereiro de 1961, na Fazenda Santa Lucília, onde estudava em escolas
rurais. Vim para Rio Claro em 1979 e tive que parar de estudar para trabalhar, entre outras
circunstâncias. E foi em 2005, por uma amiga, que conheci o PEJA; então voltei ao meu sonho,
agora minha realidade. Porque o PEJA é uma porta aberta, pois nos dá a liberdade de expressar
nossas opiniões. Somos tratados com respeito e carinho. Isso fez com que eu retomasse a escrita,
que sempre fez parte da minha vida. “Sem estudo não há Conhecimento, e sem Conhecimento
não há Vida”.

Márcia Prado Nunes


O PEJA foi o que me motivou a volta aos estudos. Tinha parado de estudar na quinta série
quando criança e, junto com a participação no projeto, depois de um tempo me matriculei na
EJA. Fiz uma prova e comecei a 6ª série. Durante um ano de estudos conquistei muitas coisas,
como prêmios por redações que fiz. Me formei na 8ª serie e fui a autora da frase escrita na
camiseta dos formandos: “O conhecimento é a principal estrutura para a realização dos nossos
sonhos”. E também escrevi os textos lidos na formatura. Graças ao PEJA aprendi muito em
pouco tempo e isso me motiva a sempre continuar nesse caminho de estudos.

Maria Carolina Aguilera Maccagnini


Graduada em Geografia pela Unesp – campus de Rio Claro. Iniciei minha participação no PEJA
em 2010. Duas vezes por semana ia ao bairro Bonsucesso lecionar àquela turma e também
comecei a me dedicar ao grupo da informática dentro do campus da Unesp. As aulas tomavam
rumos que eu não esperava, as surpresas só aumentavam a riqueza daqueles encontros; além
de ensinar, aprendia tudo o que o grupo tinha pra contar, todas as experiências de vida, as
dificuldades, a cultura de suas terras, histórias de vida que mexiam comigo e ainda mexem, como
se tudo o que se passou ali ficasse marcado para sempre, um elo que separou o que eu sabia do
mundo até então e o mundo que eu haveria de descobrir. Hoje a EJA faz parte dos meus planos
futuros, e estudando mais sei que poderei atuar com mais qualidade junto a esse público pelo
qual tanto me apaixono.

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

Mariana Bortolazzo
Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Unesp – campus de Rio Claro, onde
atuou como bolsista do PEJA nos anos de 2007 e 2008 e como colaboradora até 2010. No
PEJA, desenvolveu atividades de secretária do projeto e educadora de turmas de jovens e adultos
dentro da Universidade e em parceria com a ONG Núcleo Artevida, no mesmo município,
atuando principalmente na área de Linguagens e Práticas Culturais. Atualmente cursa Mestrado
em Educação na Faculdade de Educação da Unicamp, onde também é membro do grupo de
pesquisas ALLE – Alfabetização, Leitura e Escrita, desenvolvendo pesquisas sobre práticas de
escrita.

Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo


Professora na UNESP, pesquisadora, coordenadora do PEJA desde finais do ano 2000 até os dias
atuais, ano 2012. O convite-convocação inicial foi para acompanhar a alfabetização de adultos.
Muita água já rolou e continua a rolar, muitos dias já se passaram, algumas pegadas pegam ficam
e marcam. Entre as pegadas que ficam está a doce surpresa de cada material que recebo para
este livro. Não faz sentido mais falar que eu aprendo mais do que ensino. Estar no PEJA é um
constante sem sentido aberto à invenção de mim mesma.

Priscila Regina Lourenço


Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Unesp – campus de Rio Claro, pós-
graduanda em Educação Especial e Inclusiva pela Faculdade Anhanguera de Limeira. Atuei no
PEJA de março de 2009 a dezembro de 2010. Hoje trabalho na Prefeitura de Cordeirópolis,
como professora de Artes do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental I. O tempo em que
atuei no PEJA com certeza foi essencial para meu crescimento profissional e pessoal. Tanto que,
até hoje, mesmo de longe, colho os frutos plantados durante minha passagem. Frutos estes que
levarei comigo em qualquer etapa da minha vida seja ela acadêmica ou não.

Rafael Caetano do Nascimento


Graduado em Ciências Biológicas pela Unesp – campus de Rio Claro. No ano de 2010, decidi
conhecer de perto os trabalhos do PEJA. Passei, então, a integrar e desenvolver conjuntamente
com os demais bolsistas e colaboradores, as atividades do Projeto. No início de 2012, graduado
e licenciado em Ciências Biológicas, assumi o cargo de Professor de Educação Básica II em
Ciências na EJA de duas escolas municipais de Rio Claro. Estar no PEJA durante dois anos foi
fundamental para minha formação como educador; foi onde ampliei meus olhares a respeito dos
sujeitos e suas relações com o outro e o mundo.

Silvio Ricardo Munari


Graduado em Pedagogia pela Unesp – campus Rio Claro, tendo obtido o título de Pedagogo no
ano de 2006. Costuma dizer que as aulas foram muito importantes para este processo, mas que o
pouco que sabe de pedagogia aprendeu no PEJA, onde atuou como educador entre os anos 2004

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PEJA Rio Claro como espaço de formação:
nossas práticas, nossas histórias

e 2006. Atualmente é mestrando em Educação pelo PPGE-UFSCar, dedicando-se a estudar os


modos de vida daqueles considerados ingovernáveis pela educação e pela assistência social.

Thais Surian
Formada em Pedagogia e Mestre em Educação pela Unesp – campus de Rio Claro. Iniciei no
PEJA em 2005, quando realizou atividades de ensino em conjunto com outros graduandos.
Do contato e da experiência com/no PEJA, desenvolvi o Trabalho de Conclusão de Curso de
Graduação “Mulheres escritoras relatam sua condição de mulher enquanto escrevem” (2006) e
a dissertação de Mestrado “Um estudo das práticas da escrita de mulheres (escritoras ou não)”
(2009). Atuo como professora, no Ensino Fundamental I, na rede pública de ensino no município
de Rio Claro. O PEJA me mostrou caminhos possíveis e diferentes para a educação, na prática de
ensinar e aprender, no fazer-se professor diante de alunos tão sábios e experientes.

Vagner de Araujo Gabriel


Graduou-se em Ciências Biológicas pela Unesp, campus de Rio Claro, onde, posteriormente,
desenvolveu seus trabalhos de Mestrado e Doutorado sobre ecologia e comunidade de aves.
Concomitantemente às suas pesquisas ornitológicas, foi membro do PEJA no período de 2001
a 2005. Atuou em diversas atividades de aula com jovens e adultos, sempre com o olhar para
as experiências de vida dos educandos, em uma mútua relação de ensino e aprendizagem.
Desenvolveu estudos sobre EJA, participando de eventos científicos no campo da Educação.
Atualmente trabalha como Coordenador de Publicações e Especialista em Avifauna na empresa
de assessoria ambiental Casa da Floresta, em Piracicaba-SP.

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Sobre o livro

Formato 16X23cm

Tipologia Adobe Garamond Pro

Papel Polén soft 85g/m2 (miolo)


Cartão Supremo 250g/m2 (capa)

Acabamento Grampeado e colado

Tiragem 300

Catalogação Telma Jaqueline Dias Silveira



Normalização Karina Mayara Leite Vieira

Capa Jonathan T. Braga


Edevaldo D. Santos

Diagramação Edevaldo D. Santos



Produção gráfica

2012

Impressão e acabamento

Bless Gráfica e Editora Ltda.


Pompéia - SP

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M ar i a R o s a R. M. C a m ar g o & Felipe Ferreira Joaquim (Org.)

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