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Paulo Freire
em Ação
Diálogos Freirianos em Tempos de (Pós) Pandemia
Organizadoras
Maria Tereza Goudard Tavares
ValÉria Oliveira de Vasconcelos
Dedicamos este livro à querida Dulce Whitaker e ao
querido Carlos Rodrigues Brandão, educadora e educador
incansáveis na tarefa de esperançar e na luta por tornar o
mundo um lugar onde caibam todas as pessoas.
Que suas travessias sigam servindo de sendeiro em nossa
perene caminhada, de mãos dadas, na busca por Ser Mais.
Com sincero amor e especial admiração,
Coordenação editorial
Simone Rodrigues
Conselho editorial
Alessandro Bandeira Duarte (UFRRJ)
Claudia Saldanha (Paço Imperial)
Eduardo Ponte Brandão (UCAM)
Francisco Portugal (UFRJ)
Ivana Stolze Lima (Casa de Rui Barbosa)
Marcelo S. Norberto (CCE / PUC-Rio)
Maria Cristina Louro Berbara (UERJ)
Pedro Hussak (UFRRJ)
Roberta Barros (UCAM)
Vladimir Menezes Vieira (UFF)
O Pensamento de Paulo Freire em ação: Diálogos freirianos em tempos de (Pós) pandemia / Or-
ganizadoras: Maria Tereza Goudard Tavares e Valéria Oliveira de Vasconcelos; Prefácio de Sandro
de Castro Pitano. - 1. ed. - Rio de Janeiro, RJ : NAU Editora, 2023.
226 p.; il.; fotografias.
E-Book: 1 Mb; PDF.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-8128-110-0.
CDD 370.71
CDU 377.8
_________________________________________________________________________
1a. edição • 2023
Sumário
Apresentação ................................................................................. 7
Maria Tereza Goudard Tavares, Valéria Oliveira de Vasconcelos
Prefácio ........................................................................................ 11
Prof. Dr. Sandro de Castro Pitano
Por que Estudar Paulo Freire Hoje? as esperanças do
pensamento de Paulo Freire ....................................................... 14
Dulce Consuelo Andreatta Whitaker
Por que Estudar Paulo Freire Hoje? transcendendo o
pensamento de Paulo Freire........................................................ 21
Carlos Rodrigues Brandão
Experiências de Educação Popular e Práticas Integrativas
e Complementares em Saúde no enfrentamento à
pandemia da Covid-19 na atenção primária............................... 34
Pedro Cruz, Laís Maria Silva de Carvalho, Felipe Marques
da Silva, Ingrid Gabriele de Souza, Pedro Nascimento
Araújo Brito, Pedro José Santos Carneiro Cruz, Ana Claudia
Cavalcanti Peixoto de Vasconcelos
O Teatro Revolucionário no Centro Popular de Cultura:
algumas questões sobre o Teatro do Oprimido e a
Educação Popular ....................................................................... 49
Maria Tereza Goudard Tavares, Caroline Silva Barbosa
Entre Situações-Limite e Inéditos Viáveis: rotas feitas de
luta e esperança............................................................................ 69
Ricardo Bragança Pinheiro Tammela, Fabiana Eckhardt
Ideias-força do Pensamento de Paulo Freire e da
Educação Popular na práxis do movimento social de
prostitutas no Brasil................................................................... 84
Fabiana Rodrigues de Sousa, Fernanda Priscila Alves da Silva
A Formação Continuada com Professores/as Formadores/as
em Tempos de Pandemia................................................................ 99
João Vitor Gomes Alves, Tiago Zanquêta de Souza,
Gercina Santana Novais
Caminhos de Esperança: Paulo Freire em espaços de
privação de liberdade.................................................................115
Raylene Barbosa Moreira, Amanda Motta Castro
À Procura de um Caminho Libertador: o ensino de
literatura e a prática da biblioterapia a partir do
pensamento freiriano................................................................. 130
Beatris Barbosa Moreira, Camila Citadin Milaneze,
Janine Moreira
O Legado de Paulo Freire como Inspiração às Ações
Educativas Escolares e não Escolares .................................... 142
Orlandil de Lima Moreira, Ana Célia Silva Menezes,
Maria Margareth de Lima
O Papel de Paulo Freire na Luta Por uma Educação
Libertadora: uma contribuição para a emancipação dos
povos............................................................................................ 157
Florentino Maria Lourenço, Adrielle Karolyne da Silva Lisboa
Jovens em Situação de Acolhimento Institucional:
tematizando com Paulo Freire ................................................ 169
Vanessa Aguiar Cruz, Valéria Oliveira de Vasconcelos
Educação Popular na Perspectiva do Bem Viver..................... 189
Reinaldo Matias Fleuri
Educação Popular e Agroecologia: diálogos à sombra de
copaíbas, jatobás, ipês e manacás “y otras más”....................... 203
Valéria Oliveira de Vasconcelos, Renata Evangelista de Oliveira
Sobre as/os Autoras/es .............................................................. 219
Apresentação
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Apresentação
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
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Apresentação
Boa Leitura!
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Prefácio
Foi com grande prazer que recebi o convite para prefaciar a obra O pensa-
mento de Paulo Freire em ação: diálogos freirianos em tempos de (Pós) Pande-
mia. Ela é fruto do “Conversatórios”, uma atividade de abrangência con-
tinental (América Latina) promovida e executada em meio à sindemia da
Covid-19, sob a coordenação de Maria Tereza Goudard Tavares e Valéria
Oliveira de Vasconcelos, então coordenadoras do GT6 – Educação Popu-
lar da ANPEd. Igualmente organizada por Tereza e Valéria, a obra reúne e
expressa algumas das principais características da educação popular como
uma prática social genuinamente latino-americana. Dentre elas, destacarei
três, refletindo os afetos provocados pela leitura.
A primeira, que se acha estampada no título, consiste na centrali-
dade atribuída ao pensamento de Paulo Freire, um dos mais importantes
nomes da área da Educação em geral, e da Educação Popular, em especial.
Na perspectiva da ação diante de conjunturas históricas distintas, o livro se
coloca no desafio de reinvenção, lançado por Freire sobre o seu pensamento.
Refletir sobre problemas contemporâneos exige de quem o faz o exercício
desse reinventar, em consonância com a substantividade de suas ideias. Uma
substantividade afirmada e descrita por Freire em Pedagogia do compromisso
(2021), com ênfase no respeito pelo outro, na compreensão da história como
possibilidade, rejeitando qualquer compreensão fatalista ou determinista da
historicidade que nos constitui; no amor incondicional pela liberdade e pela
convicção da possibilidade de virmos a nos tornarmos seres transformativos
e dialógicos, com capacidade para tomar decisões e promover rupturas.
Em Freire, a ação educativa se situa na cultura dos educandos. Por quê?
Como essa compreensão nos auxilia no necessário esforço analítico sobre o
presente, desafiados a reinventar? Freire se mostrava preocupado com a pro-
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prefácio
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
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Por que Estudar Paulo Freire Hoje?
As Esperanças do Pensamento de Paulo Freire
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
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Por Que Estudar Paulo Freire Hoje? As Esperanças do Pensamento de Paulo Freire
E agora eu dou um salto para os anos 1960, quando Paulo Freire emer-
ge como o maior pensador brasileiro, quiçá do mundo naquele momento. Os
anos 1960 foram, talvez, na minha visão sociológica, o momento de maior
iluminação da História do Ocidente. Para quem conhece um pouco de his-
tória cultural – os Beatles; a minissaia; a libertação sexual; Paris gritando “é
proibido proibir”, os movimentos estudantis pelo mundo todo; círculos de
cultura; lutas de movimentos feministas; movimentos negros; conflitos sociais
raciais dos Estados Unidos; a descolonização da África! É uma época real-
mente em que o mundo parecia querer se transformar! O que veio no Brasil?
Paulo Freire surge com seu pensamento de que é possível a conscientização.
Essa palavra magnífica está um tanto esquecida. O que é a conscientização
para Paulo Freire? É pensar sobre a própria consciência. É tomar consciên-
cia da própria consciência. Então, aqueles que têm uma consciência ingênua,
que está obscurecida pela ideologia, eles não percebem os véus da ideologia
obscurecendo as possibilidades de futuro. Futuro não existe, mas ele tem po-
tência. A consciência ingênua não percebe isso. A conscientização é uma coisa
bastante complicada, mas eu penso que dá para resumir: é a transformação da
consciência ingênua em consciência crítica. A isso Paulo Freire dá o nome de
conscientização, que ele diz que tomou de dois filósofos importantes na época
do Brasil nos anos 1950: Álvaro Vieira Pinto e Guerreiro Ramos.
Fazendo um parêntese: nos anos 1950, no pós-Guerra, houve um fenô-
meno mundial chamado de “o grande despertar dos países subdesenvolvidos”,
que foi quando os países pobres, explorados, começaram a tomar consciência
de que precisavam vencer a opressão. No Brasil nós temos pensadores como
Paulo Freire que ilustra o ápice, o clímax desse momento de descortinar as
possibilidades do futuro. Então, esse pequeno grande livro, Conscientização,
me parece que está muito, muito atual, porque ele fala em Utopia e essas pa-
lavras, “Utopia”, “Consciência”, “Conscientização”, foram muito desprezadas,
até por nós sociólogos, porque é mais chique ser pessimista e achar que tudo
vai mal... Mas temos que procurar nesse momento de hoje, como Paulo Freire
procurou, todas as possibilidades da libertação.
Ele pega a ideia dialógica – não é simplesmente: “vamos tomar
consciência” –, mas contemplar o concreto, aquilo que está obscurecido,
que eu chamaria de sincrético, porque é um concreto confuso, é tomar
esse concreto e colocar em posição de admiração. O que é admiração? É
descodificar e ver que lugar ocupa no mundo esse objeto concreto. Por
exemplo: a fome. A fome não é simplesmente o fenômeno biológico de
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
quem está sem comida. A fome tem uma explicação dialética em todo o
sistema capitalista. E agora chegamos no fabricante dos véus ideológicos
que é o capitalismo. O capitalismo é uma máquina mortífera. Quando
você coloca um objeto em admiração, percebe uma totalidade histórica
que está provocando esse problema, a crise desse objeto está rompendo
com aquilo que Paulo chama de uma situação-limite, que é aquela que nos
parece impossível de vencer. Vejam o momento em que estamos vivendo:
estamos vivendo uma situação-limite – um vírus infernal auxiliado por um
governo de extrema direita assassinando parte do povo brasileiro. Então, o
pensamento de situação-limite é absolutamente atual.
Mas vou tentar um procedimento analítico: por um lado, nós temos
a Utopia, contemplando o futuro e pensando na esperança (isso está muito
claro para Paulo Freire de que é possível um mundo melhor se as pessoas
forem capazes de adquirir a consciência crítica). Por outro lado, nós temos
uma resposta da extrema direita que afoga esse momento, fecha essas portas
e cria a impossibilidade desse mundo melhor. Isso aconteceu em todos os
momentos históricos que eu citei aqui – é a Comuna de Paris afogada em
sangue; é o socialismo caminhando na Alemanha (aliás, na Europa toda) que
provoca o nazismo, Hitler e Mussolini massacrando e matando; e agora esse
é o modelo do nosso presidente (nosso não, o presidente aí deles, é o modelo
de caricatura); é Franco que ficou 40 anos na Espanha; é Salazar; e até no
Brasil temos a ditadura Vargas, o Estado Novo a partir de 1937.
Todos esses movimentos de reação da extrema direita são expressões
daquilo que Paulo Freire, na Pedagogia do Oprimido, lá pelo terceiro capí-
tulo, vai chamar de necrofilia, que é o amor à morte, que é o instinto da
morte atuando. E isso está nos filósofos atuais, está muito claro. Há um
filósofo africano do qual vocês já devem ter ouvido falar, Achille Mbembe,
que fala em necropolítica, quer dizer, o que nós estamos vendo no Brasil.
Agora, o que nós temos que aproveitar do pensamento de Paulo Freire para
explicar a atualidade?
Nós temos que aproveitar aquela esperança que está no livro Conscien-
tização, que fala em descodificar a situação-limite, o que torna possível rom-
pê-la, para que nós possamos – e agora chegamos no terreno da educação,
já que estamos falando entre professores – criar nossas crianças percebendo
situações-limite, discutindo com elas! E não me digam que criança não tem
possibilidade de entender. Eu dei aula muito tempo para adolescentes e eles,
às vezes, tinham mais consciência do que eu. Quando eu falava sobre um
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Por Que Estudar Paulo Freire Hoje? As Esperanças do Pensamento de Paulo Freire
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
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Por Que Estudar Paulo Freire Hoje? As Esperanças do Pensamento de Paulo Freire
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Por que Estudar Paulo Freire Hoje?
Transcendendo o Pensamento de Paulo Freire1
1 Este texto traz a transcrição, corrigida e revisada, da fala do professor Carlos Brandão
na abertura dos Conversatórios “O pensamento de Paulo Freire em ação: diálogos
freirianos em tempos de (pós) pandemia”.
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Por que Estudar Paulo Freire Hoje? Transcendendo o pensamento de Paulo Freire
carinho e nem sei quem tirou – estamos nós, Paulo Freire no centro, de barba
branca, abraçado com um homem e uma mulher. Nós somos um grupo de jo-
vens, numa ponta está Carlos Calvo, equatoriano, que foi meu aluno, na outra,
quase ao fim, Oscar Jara, Paulo Freire, tem uma loura mais alta, Vera Gianot-
ten, uma holandesa que durante anos militou com Educação Popular no Peru;
aqui, ao lado de Paulo Freire tem um outro homem, mais alto com cara de
holandês, também, Tom De Wit, marido da Vera Gianotten. Essa foto mos-
tra uma pequena parte de uma geração de jovens, alguns ainda universitários,
outros recém-professores, outros professores e militantes da Educação Popular,
que implantaram, que instauraram a Educação Popular na América Latina.
Eu sempre gosto de lembrar, entre as muitas peculiaridades, uma que
parece extremamente estranha que é a seguinte: Paulo Freire não usava a ex-
pressão Educação Popular. Se vocês forem consultar todos os livros dele não
vão encontrar: educação emancipadora, problematizadora, questionadora,
conscientizadora... E as pedagogias do Oprimido, da Esperança, da Autono-
mia, da Indignação, mas nunca Educação Popular.
Em 1964, Paulo vai para o exílio, primeiro no Chile, depois na Europa.
E é essa geração, essa gente, esses jovens, que começam a se congregar primei-
ro no Brasil, e depois na Argentina, no Chile e no Uruguai, o que nos fazem
pensar em algo extremamente sugestivo.
Nunca desejamos ditaduras, no entanto esses anos de ditadura no Cone
Sul foram uma demonstração para a História e para a memória de como nós,
essa geração dessa foto, e muitas outras pessoas, fomos capazes de, entre com-
panheiros e companheiras presos, torturados, exilados, mortos, criar, semear e
espalhar, da ponta da Argentina a Monte Rey, na Ponta do México (e eu estive
nessas duas pontas), o que veio a ser a Educação Popular. Na foto, entre os
sentados tem um ali de cabeça baixa, não sei se ele está orando, meditando,
olhando alguma formiga no chão. Esse aí sou eu, no meio da turma sentado.
Dulce Whitaker acabou de nos dar o que eu chamaria uma aula magna
pedagógica a respeito das ideias de Paulo Freire. Excelente que ela tenha falado
antes porque eu vou falar agora e não vou falar como educador popular, eu
vou falar como antropólogo.
Eu sou antropólogo. Aliás, tenho uma tríplice personalidade em termos
de ação: sou educador popular – comemorando 60 anos nesse ano de 2021.
Cem anos do Paulo e 60 de Brandão na Educação Popular –, mas eu sou
profissionalmente um antropólogo, meus trabalhos de pesquisa em grande
parte das dissertações e teses são todos no campo da antropologia. E o antro-
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
pólogo tem o que para nós é uma enorme virtude: nós somos profissionais do
estranhamento. Talvez porque tenhamos começado a própria Antropologia
na pesquisa da cultura dos outros; a Sociologia é uma ciência social do “si
mesmo”. A antropologia é uma ciência social do outro, do outro oceano, do
outro lado do mundo, da floresta amazônica, do deserto. Os grandes livros
de Antropologia são todos eles junto a comunidades que vão de indígenas a
esquimós, de camponeses a quilombolas, e para compreender esses outros nós
precisamos praticar o que nós chamamos “o estranhamento antropológico”.
Ou seja, nada do que parece ser ou do que sempre foi assim é assim ou sempre
foi assim – tudo é estranhável, tudo é perguntável.
Então, enquanto uma socióloga como Dulce e sua aula magna nos diz
“isto é a Educação Popular”, vem um antropólogo e pergunta o seguinte: es-
cuta, por que Educação Popular? Por quê? A Educação Popular durante muito
tempo não existiu, e o mundo não acabou por isso. E mais ainda, em que
contextos, em que cenários ela existiu – porque é isso que interessa para usar
uma expressão querida de Miguel Arroyo –, e em que território de disputa
se encontra isso que nós chamamos de Educação Popular? Um conjunto de
pessoas, entre muitas outras que não usam essa expressão, são contra ela ou até
desconhecem a Educação Popular.
Eu gostaria de dar uma continuidade a isso fazendo outro estranha-
mento e não se espantem com o que eu vou dizer e nem é a primeira vez: eu
penso que a pior maneira de pensar Paulo Freire é pensar só Paulo Freire; a
pior maneira de estudar Paulo Freire é ler e estudar só Paulo Freire... Se ele
encontrasse alguém fazendo isso, certamente diria: “escuta, eu procurei abrir
tanto a sua cabeça e você a está fechando, e ainda por cima em cima de mim?
”. A melhor maneira de compreender Paulo Freire é compreendê-lo com, com-
preendê-lo em. Paulo gostava de se chamar o “menino conectivo”, um alguém
junto à. Claro, ele escreveu sozinho, escrever é um ato solitário, mas em Paulo
tudo o que escreveu e pôs no papel, desde a Educação como prática da liber-
dade, Pedagogia do Oprimido e outros livros, foi produto de trabalhos com
equipes e de uma sensibilidade enorme de escuta das pessoas com quem ele
estava, inclusive as pessoas do povo.
Isso não só está escrito nos livros dele, mas ele nos contava em seguidos
momentos. Eu tive a felicidade de partilhar anos da intimidade, inclusive de
mesa de bar, com Paulo Freire. Aliás, outra teoria antropológica minha é que
o Círculo de Cultura Freiriano nasceu em mesas de bar, um dos preferidos
lugares dele. Paulo sempre foi esse homem inserido em equipes. Vocês que-
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Por que Estudar Paulo Freire Hoje? Transcendendo o pensamento de Paulo Freire
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
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Por que Estudar Paulo Freire Hoje? Transcendendo o pensamento de Paulo Freire
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
coud (Farmacêutica). Além disso, tinha uma assistente social (que inclusive me
coordenava, porque entrei no setor de Animação Popular): Aldair Brasil. Está-
vamos na equipe eu, psicólogo, Luiz Eduardo Wanderley (sociólogo), um cien-
tista político, um antropólogo, um filósofo, duas psicólogas e duas pedagogas.
O movimento tinha esse leque aberto de pessoas para pensarem, através
das suas diferenças e convergências, a alfabetização de adultos através de esco-
las radiofônicas. Esse foi o cenário constitutivo da Educação Popular.
No mundo da educação como um todo, e da Educação Popular de
uma maneira muito específica, existe uma convergência muito interessante.
Reparem uma coisa curiosa agora, por exemplo, em tempos de pandemia:
quando se fala cientificamente de pandemia, quem fala são médicos – e não
todos os médicos –, são epidemiologistas, são especialistas em epidemias, em
pandemias, e assim por diante. São eles que têm a palavra competente para fa-
lar. Pode ser que haja pessoas falando desde a problemática política, econômi-
ca, pedagógica, mas a centralidade está nesse especialista. Se eu, antropólogo,
quiser explicar as cepas da Covid19, provavelmente vão dizer que não tenho
competência para tal.
No campo da pedagogia – e especialmente da Educação Popular – o
que se chama de competência é uma área aberta, justamente criada por meio
de uma convergência entre não pedagogos de carreira: Osmar Fávero (mate-
mático), Vanilda Paiva (historiadora), Paulo Freire (advogado especialista em
Gramática da língua portuguesa), Marcos Arruda (geólogo), Eymard Vascon-
celos (médico), ou seja, pessoas de várias áreas. Eu, mais tarde, antropólogo,
companheiros da psicologia, do direito, e pessoas da área de pedagogia, que
inclusive chegaram depois. Então havia todo um grupo de profissionais que
entrava no território do que vem a ser Educação Popular, vindo de fora, e
trazendo, no seu conjunto, olhares da antropologia, da sociologia, da filosofia,
da geologia, da paleontologia, da psicologia... E pessoas que ordenavam esse
campo polissêmico vindas da pedagogia.
Nessa linha, queria trazer para vocês um outro elemento extremamente
significativo. Apesar de a centralidade do trabalho assentar-se na educação e
possuir uma feição pedagógica, Paulo Freire não era um pedagogo, nunca se
apresentou como pedagogo e tem mais um detalhe: não lia livros de peda-
gogia. Isso não só ele nos contava como eu posso mostrar a vocês: peguem
o Pedagogia do Oprimido (que escreveu todo ele à mão, no exílio, e agora foi
publicada a versão manuscrita). Paulo dedica seu Pedagogia do Oprimido aos
esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem, e assim, descobrindo-se
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Por que Estudar Paulo Freire Hoje? Transcendendo o pensamento de Paulo Freire
com eles, sofrem, mas, sobretudo com eles, lutam. Paulo não escreve um livro
de pedagogia, não está ensinando como praticar a Pedagogia do Oprimido.
Paulo escreve um livro sobre a problemática do ser humano. E nisso ele vai se
basear muito mais em Frantz Fanon e Alfredo Memmi, vai recorrer a Lenin, a
Che Guevara e a Fidel Castro. Ao longo do Pedagogia do Oprimido, está preo-
cupado com a condição humana, com um humanismo crítico, que se dispõe
a, em nome dos esfarrapados do mundo, transformar o mundo. Paulo ainda
tem uma perspectiva de libertação que, ao mesmo tempo que insurgente e
emancipatória, é profundamente conciliadora, razão pela qual muitas pessoas
mais radicais não fecham com a Pedagogia do Oprimido. Ele vai dizer uma
coisa que parece Jesus Cristo, que parece Mahatma Gandhi, que parece Nelson
Mandela, ele vai dizer o seguinte: é tarefa do oprimido libertar-se da sua con-
dição de oprimido transformando, através de uma ação revolucionária, uma
sociedade de opressão em uma sociedade de comunhão, de igualdade, e a ta-
refa do oprimido é libertar-se da opressão e libertar o opressor de ser opressor.
Nas versões escritas não aparece, mas no manuscrito original, ele faz
dois esquemas: um esquema é a teoria da ação opressora e outro, a teoria da
ação revolucionária, que inclusive ele vai detalhar. Assim, eu retomo a propos-
ta: Por que estudar com Paulo Freire? Aliás, tenho certeza de que ele também
diria isso: Não me estudem e não fiquem em me estudar. Me estudem para,
através de mim, estudarem aqueles a quem eu estudei, e outros mais que eu
não consegui alcançar, porque não foram do meu tempo, e outras razões.
No percurso que eu fiz, ao ler os originais em que não consta a biblio-
grafia, Paulo Freire trabalha com Erich Fromm (esse psicanalista alemão mar-
xista é o autor mais citado), trabalha com Marx e com Engels, com Simone
de Beauvoir (por sinal, a única mulher presente), com Sartre, com Alfredo
Memmi (que vai ser, repito, fundamental na constituição da oposição opres-
sor/ oprimido), com Frantz Fanon, com Edmund Husserl, com Che Guevara,
com Pierre Further, com Mao Tsé-Tung. Ele cita Álvaro Vieira Pinto, que
entre os brasileiros é quem talvez mais tenha influência sobre ele, Karel Kosík,
João Guimarães Rosa, Lucién Goldman, José Maria Fiori (o filósofo de Paulo
Freire), Lenin, Fidel Castro, Francisco Weffort, Getúlio Vargas, Martin Buber
(um filósofo judeu alemão que também me influencia muito).
Vejam vocês, nessa polissemia de autores, o que explica a Pedagogia do
Oprimido? Eu penso, embora seja uma abordagem legítima fazer uma pesqui-
sa puramente pedagógica de Paulo Freire, que isso deixa uma lacuna aberta,
porque Paulo não cita sequer, pelo menos para esse livro, um pedagogo nem
28
O Pensamento de Paulo Freire em Ação
grandes pedagogos do passado e de sua era. Ele vai ser influenciado por um
poeta (Thiago de Mello), por um teatrólogo (Augusto Boal), pelo filósofo Er-
nani Maria Fiori, pelo sociólogo Francisco Weffort, por tantos outros, e é essa
polissemia que se encontra em Paulo Freire. E essa é a grande contribuição de
Paulo, juntando tudo isso em seu pensamento. A grande porta de entrada à
Pedagogia do Oprimido reside não em movimentos pedagógicos de Educação
Popular, que iria nascer ainda, mas na área de educação dos movimentos de
cultura popular. Paulo Freire aprende a pensar a educação como cultura.
Aliás, o movimento de Educação Popular se antecipa à própria An-
tropologia, estabelecendo que medicina, teatro, circo, carpintaria, pedagogia,
odontologia, direito, engenharia... são dimensões diferenciais e convergentes
da cultura, sendo cultura não só aquilo que nós chamamos de alta cultura.
A cultura letrada inclusive, a cultura de quem lê Pedagogia do Oprimido, de
quem participa das tertúlias e dos congressos, desde aquele tempo até hoje em
dia. Cultura é aquilo que todo ser humano cria e é todo o contexto em que
qualquer comunidade humana se insere. Daí o método Paulo Freire começar
com as fichas de cultura criadas belamente por Francisco Brennand, que fale-
ceu no ano passado.
O famoso artigo de Osmar Fávero, “As fichas de cultura do sistema
Paulo Freire – O ovo de Colombo”, recupera essas belíssimas imagens. Eram
tempos em que se educava com Arte algo que está se perdendo. O MEB, por
exemplo, tinha uma cartilha chamada Mutirão, para as escolas radiofônicas,
toda ela produzida em mutirão e linguagem de cordel do Nordeste. Nós alfa-
betizávamos “cantando e poetando”. Não chegamos a levar para frente porque
logo depois o golpe militar acabou com tudo isso.
Paulo pensa a educação como cultura, por isso, as fichas de cultura, por
isso, o círculo de cultura, e pensa educação como cultura numa viagem seme-
lhante à de Walter Benjamin – de ida e volta na ida. Foi esse o caminho pelo
qual eu me fiz antropólogo, foi por aí: parti em busca do que chamávamos o
Brasil profundo, não apenas o que o povo canta, dança, como se veste, como
é a culinária do Nordeste, o que é a roda de capoeira, coisa para turista ver.
Mas o que que há por debaixo disso? O que numa dança de congo,
numa dança de São Gonçalo, numa marujada, numa roda de capoeira, do
candomblé, o que está sendo dito entre eles e a nós? Que linguagens cifra-
das, que mensagens? Assim como no Rap, no Hip Hop, de hoje em dia, en-
tão, ir ao povo. Eu comecei meu trabalho de MEB inocentemente, sem ne-
nhum traquejo, procurando gravar, procurando compreender no Nordeste,
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Por que Estudar Paulo Freire Hoje? Transcendendo o pensamento de Paulo Freire
30
O Pensamento de Paulo Freire em Ação
mensão de nós mesmos que busca realizar-se como “eu mesmo”. Aquele velho
ideal da cultura grega herdado por Paulo Freire. Nem é direito que a educação
não me transforme apenas numa pessoa politicamente radical inconsequente,
mas que me faça político por me fazer um sujeito na minha inteireza cultural
e espiritual, e não apenas um macaco revolucionário. Essa é a grande diferença
em Paulo Freire. E o ideal da cultura grega é justamente criar uma pessoa que
na sua dimensão idiota seja a obra de arte de si mesmo. Daí por que o ser um
alguém que se educa para ser a excelência de si mesmo, enquanto um idiota,
no sentido grego da palavra, é um alguém cuja realização idiota só se realiza, só
se apresenta, só se corporifica fora de mim, nos meus outros, entre eles e num
projeto, no caso grego, de manutenção da sociedade democrática.
Eu queria dizer que nós estamos tentando levantar, às vezes, farrapos, li-
nhas de esperança frente a esse mundo em que nós estamos vivendo – um Brasil
cheio de idiotas, agora no duplo sentido – no sentido grego do passado e no
sentido carioca do presente. E eu tenho me colocado: eu acho que isso é muito
uma propriedade de octogenários, a Dulce Whitaker é uma, e eu sou outro.
O que eu queria dizer é o seguinte: nós estamos preocupados com o que
o governo, com que esse regime está tentando fazer e, claro, temos que nos
preocupar. Temos que estar com o olhar mais aberto, primeiro com relação
à América Latina. A América Latina está desmoronando, não é só o Brasil.
O que nós estamos vivendo aqui ainda não é o que alguns companheiros de
Equador, de Colômbia, de Argentina estão vivendo em situações talvez muito
piores. Essa semana houve livres passeatas pelo Brasil. Na Colômbia foram 49
mortos. Então, uma atenção para ver que realmente essa cobertura malévola
dos projetos capitalistas é muito mais impositiva e muito mais bem armada
do que nós imaginamos.
Mas temos nós hoje, embora não pareça, porque a pandemia nos reteve
em casa, talvez mais que nunca, até do que nos anos 1960, nós estejamos vi-
vendo um tempo de tantas pessoas fazendo uma nova efervescência fantástica.
Nesse país de agora Daniel Munduruku está sendo indicado à Academia Bra-
sileira de Letras; Aílton Krenak acabou de escrever um livro chamado A Vida
Não É Útil, que provavelmente vai ser um dos livros mais lidos e vendidos no
Brasil de agora para frente, espero! Davi Kopenawa (com quem eu inclusive
compartilhei uma mesa da Universidade de Brasília junto com Ailton Kre-
nak), que, ao lado de um antropólogo francês, publicou um livro também de
mais de 500 páginas, A Queda do Céu, que se tornou, de imediato, um dos
trabalhos antropológicos mais importantes desses tempos.
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Por que Estudar Paulo Freire Hoje? Transcendendo o pensamento de Paulo Freire
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
Paulo Freire:
A esperança da libertação não significa já a liber-
tação. É preciso lutar por ela entre condições his-
toricamente favoráveis. Se estas não existem temos
de lutar de forma esperançada para criá-las. A li-
berdade é uma possibilidade, não é a sorte, nem
o destino, nem a fatalidade. Neste contexto, per-
cebemos a importância da educação, não para a
decisão, para a ruptura, para a escolha, para a ética
e finalmente enquanto eu luto eu sou movido pela
esperança.
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Experiências de Educação Popular e
Práticas Integrativas e Complementares
em Saúde no Enfrentamento à Pandemia
da Covid-19 na Atenção Primária
Pedro Cruz
Laís Maria Silva de Carvalho
Felipe Marques da Silva
Ingrid Gabriele de Souza
Pedro Nascimento Araújo Brito
Pedro José Santos Carneiro Cruz
Ana Claudia Cavalcanti Peixoto de Vasconcelos
Introdução
A implementação de medidas de controle e prevenção, decorrente da pan-
demia da Covid-19, impactou não só a saúde, mas a política, a cultura, a
economia e a dinâmica social (SOHRABI et al., 2020; HARAPAN et al.,
2020). O grande poderio de propagação da doença vem implicando agudos
e profundos desafios humanos, sociais e políticos de forma que, nessa nova
realidade, variadas estratégias vêm sendo aplicadas na Atenção Primária à Saú-
de (APS) (MENDONÇA et al., 2020; BEZERRA et al., 2020; SILVA et al.,
2020; CABRAL et al., 2020).
Nesse sentido, duas importantes metodologias vêm se destacando no
enfrentamento à pandemia da Covid-19, por potencializarem a possibilida-
de de mobilização comunitária, do apoio social e da formação permanente
das pessoas e dos profissionais frente a essa nova realidade: tratam-se da Edu-
cação Popular em Saúde (EPS) e das Práticas Integrativas e Complementa-
res em Saúde (PICS), sendo ambas abordagens de baixo custo e de baixa
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Considerações finais
Frente aos desafios impostos pela Covid-19, considera-se que a EPS e as PICS
demonstraram ser estratégias importantes no que tange à organização dos ser-
viços de saúde e dos processos de cuidado na APS. Compreendemos que a
experiência revelou como principais aprendizados:
1) As PICS podem potencializar a possibilidade de protagonismo co-
munitário no cuidado integral, ampliando e difundindo espaços e experiên-
cias locais de cuidado;
2) O desvelar de experiências de PICS pela EPS traz aprendizados e
aponta estratégias e perspectivas que necessitam de registro, de socialização e
de publicação, de maneira que seus aprendizados, caminhos, potencialidades
e criatividades estejam disponíveis para um público cada vez maior, inspiran-
do-o para o desvelamento de saídas aos desafios localmente sentidos em cada
contexto;
3) Ao experienciar encontros pautados não na doença, mas no aco-
lhimento, na presença, no ouvir e no apoio social, possibilitamos a muitas
pessoas da comunidade, mesmo a distância, a oportunidade de perceber o
cuidado integral não apenas como curativo e reabilitativo, mas como um pro-
jeto de vida, uma possibilidade de bem-estar e de melhoria em suas condições
de ser e estar em saúde.
Entretanto, algumas limitações foram encontradas durante o processo,
por exemplo, destacam-se dificuldades no manejo até na adaptação de parte
das pessoas com as tecnologias da comunicação, bem como limitações de aces-
so à conexão de internet por alguns participantes, o que levou a um número
de participantes menor do que o esperado e almejado. Além disso, foi desafia-
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Experiências de Educação Popular e Práticas Integrativas e Complementares em saúde
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Experiências de Educação Popular e Práticas Integrativas e Complementares em saúde
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O Teatro Revolucionário
no Centro Popular de Cultura:
Algumas Questões Sobre o Teatro
do Oprimido e a Educação Popular
Introdução
Este artigo busca discutir o papel do teatro compreendido como “arte revo-
lucionária” e a Educação Popular no interior das ações do Centro Popular
de Cultura (CPC) no período de 1961 a 1964, quando este foi extinto em
função do golpe empresarial militar no Brasil. Procuraremos apresentar o
papel do CPC, focalizando principalmente a relação entre arte, cultura e
conscientização, a partir das ações do teatro politicamente engajado, dire-
cionado à conscientização popular e formação política no movimento das
reformas de base do governo João Goulart. Buscaremos, também, investigar
nos percursos dos diretores teatrais e pensadores da cultura Oduvaldo Vian-
na Filho e Augusto Boal, as concepções de arte, teatro, cultura e Educação
Popular presentes no CPC, bem como no trabalho de teatro revolucionário
presente nas obras desses dois diretores. Nessa perspectiva, procuraremos
dialogar com Paulo Freire e com seu conceito de cultura popular, ressal-
tando que no início da década de 60 do século passado, Freire, ao assumir
a coordenação do Serviço de Extensão Comunitária na então Universidade
de Recife (1961), já procurava ampliar as bases para a criação de vínculos
políticos e pedagógicos com as classes populares recifenses, objetivando a
maior inserção desses grupos na vida cultural e política de uma sociedade a
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Augusto Boal (2009) lembra que, durante essa experiência, ficava fas-
cinado vendo personagens e pessoas debatendo sobre a cena, intervindo, ar-
gumentando. Explica que naquela ocasião ainda não existia o teatro-fórum,
método do Teatro do Oprimido que iria desenvolver depois, mas que foi um
fórum dentro do teatro.
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
do ela, o marido lhe pedia dinheiro para ajudar a pagar uma casa que ele
estava comprando, mas que nunca a levava para conhecer a casa, apenas
lhe entregava papéis que seriam recibos. Certa vez, a senhora pediu para a
vizinha ler os recibos, visto que era analfabeta, e descobriu que eles eram
bilhetes de amor da amante para o marido. Ao levar à cena esta narrativa,
muitas pessoas da plateia deram diversas soluções. No entanto, chamou a
atenção de Boal uma senhora que dizia repetidamente que a protagonista
devia ter uma “conversa franca” com o marido. Os atores encenavam uma
“conversa franca”, conforme solicitação da mulher na plateia, mas ela se
revoltava e dizia que não era assim. Até que então ela decidiu mostrar no
palco “a conversa franca”:
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O Teatro Revolucionário no Centro Popular de Cultura
O que Augusto Boal busca, então, com o teatro que vai desenvolvendo
ao longo dos anos é a própria ação dessa plateia que era tão importante para os
grupos já citados. É através da ação do espectador, da provocação que coloca
o próprio público em cena, que a ideia da mudança social pode acontecer.
Consideramos fundamental a seguinte explicação do autor sobre seu teatro:
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
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O Teatro Revolucionário no Centro Popular de Cultura
forçar ideologias e, cada vez mais, foi se mostrando necessária a relação entre
as ações no campo e as práticas teatrais (MIRANDA; FRANZONI, 2016).
O encontro entre o teatro e a Educação no Campo também passa
a ser interessante pelo desejo de romper com as produções hegemônicas,
muito conectadas com a indústria cultural e pelo interesse em deter também
os meios artísticos de produção teatral. As pesquisadoras, no entanto, pon-
deram: “nosso esforço não deve ser apenas socializar os meios de produção e
o conhecimento reconhecido, mas também conseguir repensar e diversificar
esse conhecimento à luz da arte e da cultura produzida pelos povos do cam-
po” (MIRANDA; FRANZONI, 2016, p. 213).
Consideramos importante lembrar alguns pontos conflituosos em re-
lação às práticas teatrais desenvolvidas no campo, como traz a pesquisadora
Juliana Bonassa Faria (2016), no livro Arte no Campo: Perspectivas políticas e
desafios, organizado por Márcia Pompeo Nogueira e Tereza Mara Franzoni2.
Segundo a autora, existe um preconceito em relação à arte produzida nos
movimentos sociais, “pois dizem que eles não produzem arte e cultura, ou
que, quando o fazem, é de forma espontânea” (FARIA, 2016, p. 125). Ela
argumenta que, por um lado, é verdade que as artes produzidas nesses espa-
ços têm um caráter espontaneísta. No entanto, não se trata somente disso e é
preciso aprofundar essa questão para analisar a arte que se produz no Movi-
mento dos Trabalhadores Sem Terra, por exemplo. Mostra que a relação com
as artes dentro do MST desenvolve a mesma ligação que os trabalhadores
têm com a ocupação da terra, que é uma relação mediada pelo conflito. Essa
relação tem efeito na própria forma como o Movimento vai dialogar com as
modalidades artísticas.
2 No capítulo “Arte e MST: acúmulo, desafios e projetos”, Faria (2016) expõe algumas
questões relativas à sua prática no campo apresentadas durante uma Conferência no Semi-
nário Arte no Campo na Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC), em 2014.
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
À guisa de (in)conclusões
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O Teatro Revolucionário no Centro Popular de Cultura
Escolhemos o belo poema de Ferreira Gullar (1983, p. 18) para encerrar, mes-
mo que de modo provisório, este artigo, considerando que o mesmo, além
de ser um alerta aos impasses do presente, é um dispositivo que nos anima a
manter viva a chama da luta esperançosa enraizada nos processos coletivos que
historicamente fundamentam as práticas de Educação Popular no seu percur-
so. Manter viva e acesa a luta e afirmar a busca de caminhos que possam cons-
truir por detrás do momento presente “uma viagem clara de encantamento”,
como nos diz Ferreira Gullar, constituem a matéria-prima de nossa “vontade
de potência”, expressa na elaboração do artigo em tela.
No processo de elaboração deste artigo, em seu movimento de constru-
ção, buscamos aos poucos nesse tempo lento de nossas geografias existenciais,
reconstruir alguns movimentos da intensa, e ao nosso olhar, ainda pouco es-
tudada relação entre a Educação Popular e o Teatro do Oprimido, reiterar
a poesia de Ferreira Gullar quando este afirma: “Caminhos não há. Mas as
gramas os inventarão”. Esperamos que as nossas singelas contribuições pos-
sam contribuir para impulsionar o debate coletivo voltado à identificação de
estratégias de enfrentamento da perversa realidade social e educacional bra-
sileira, visando à superação das desigualdades sociais no campo e na cidade.
Desigualdades históricas que, em pleno século XXI, teimosamente se dilatam
e se complexificam, delegando, especialmente ao campo político-epistemoló-
gico da Educação e da Cultura brasileira, desafios novos, complexos, exigindo
não apenas outras estratégias de enfrentamento, mas, sobretudo, outras con-
figurações teóricas e políticas, outros sistemas de pensamento, mais transver-
sais, vigorosos e criativos. Acreditamos que o Teatro do Oprimido, pensado
e trabalhado por Augusto Boal como um dispositivo de afirmação cultural e
pedagogia política junto a homens e mulheres do povo, continua sendo um
inédito viável no sentido freiriano (1987).
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Referências bibliográficas
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Entre Situações-Limite e Inéditos Viáveis:
Rotas Feitas de Luta e Esperança
O que vamos contar neste texto são reflexões tecidas em uma pesquisa de
mestrado em educação, em fase de conclusão, que dialoga com moradores de
um bairro das classes populares em Petrópolis, região serrana do Estado do
Rio de Janeiro. Tem como objeto de estudo um projeto de extensão universi-
tária de uma instituição privada. Neste texto, intencionamos apresentar his-
tórias entrelaçadas deste cotidiano e seus atravessamentos causados por uma
pandemia, que se apresentou para muitos como se fosse uma determinante
histórica, levando a tod@s a fatal e inevitável adaptação a um suposto “novo
normal”. Diferente disso, apoiad@s em Paulo Freire, tomamos para a reflexão
aqui apresentada a pandemia como uma “situação-limite”, que gerou dificul-
dades e aumentou a escassez, mas promoveu “inéditos-viáveis”, mudando o
rumo, criando rotas feitas de luta e esperança.
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Entre Situações-Limite e Inéditos Viáveis
dente do motivo sinalizado, para este texto nos importa a observação de que
a USF não possui o cadastro de tod@s @s morador@s do Vale do Carango-
la, deixando-@s, portanto, sem uma informação mais precisa em relação ao
quantitativo de pessoas que vivem neste bairro.
O Vale do Carangola “nasce” como bairro pelo encontro de pessoas
que migraram dentro da própria cidade. Petrópolis, que é afamada como
“Cidade Imperial”,1 título que parece ser motivo de orgulho de muit@s de
seus/uas morador@s, é também conhecida pelos recorrentes desastres so-
cioambientais. Recentemente, vivemos o que se mostrou o maior de todos
os tempos. No início do ano de 2022, Petrópolis foi atingida por dois de-
sastres sociais provocados por chuvas, um em 15 de fevereiro e outro em 20
de março. Ambos resultaram em quase 300 pessoas mortas e mais de 4.000
desalojadas ou desabrigadas. Ao final da década de 1980, o município foi
igualmente atingido pela chuva que também matou muita gente e produziu
milhares de desabrigad@s. Com o objetivo de solucionar uma parcela desse
problema emergencial, muit@s dest@s pessoas foram levad@s para “Sau-
dades do Sertão”, uma fazenda desapropriada pela Prefeitura, como parte
do pagamento de débitos de impostos e que teve uma fração loteada para
acolher @s desabrigad@s daquele momento.
Localizado no fundo de um vale, cercado por montanhas e mata na-
tiva, o local começou a ser ocupado nos anos 1950, com trabalhador@s que
vinham trabalhar na fazenda que tomava uma área muito maior do que o
que é hoje o Vale do Carangola. De Saudade do Sertão, nome herdado da
fazenda, tornou-se Sertão do Carangola, nome que ficou estigmatizado ao
longo do tempo, como lugar de pobreza e produção de violência, o que
segundo @s morador@s trazia dificuldades quando precisavam falar onde
moravam em uma entrevista de emprego, por exemplo. Assim, em 2010,
para tentar mudar a narrativa de pobreza e produção de violência como o
bairro era conhecido, algumas lideranças comunitárias promoveram um ple-
biscito propondo a alteração do nome de Sertão do Carangola, o conhecido
“Sertão”, para Vale do Carangola.
1 Apesar de assim ser conhecida, é muito questionado tal título, pois essa nomenclatura
era conferida a alguns centros urbanos durante o Império no Brasil, sendo eliminadas
com a Proclamação da República. No caso de Petrópolis, a história desse título é dife-
rente, pois a cidade o recebeu quando ele não mais existia. Em 27 de março de 1981, o
então presidente da República, João Batista de Oliveira Figueiredo, atribuiu à cidade,
pelo Decreto no 85.849, o título de Cidade Imperial.
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
condições para “encontrar com os que estão fora… num tempo presente, de
presença…” (KOHAN, 2019, p. 143). Ao caminhar com ela pelas ruas e ser-
vidões do bairro, fomos em direção ao conhecimento e à ação comprometida
com uma causa, a causa da transformação social. Um compromisso-ação com
as pessoas que encontramos no caminho – as demitidas e demitidos da vida
que Paulo Freire nos fala. Um compromisso com o diálogo, um compromis-
so-ação com “los problemas que observa y el del conocimiento de la teoría y
los conceptos aplicables a esos problemas”4 (FALS BORDA, 2015, p. 244,).
Nesses primeiros encontros, ainda em 2016, começamos a aprender
com Paulo Freire o que o autor vai chamar de teoria da ação dialógica e traba-
lhar em co-laboração, foi nosso primeiro aprendizado.
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reiro. Ela exige luta, compromisso, ousadia” (KOHAN, 2019, p. 134), nas
palavras de Ângela, “a minha comunidade, eu vou sempre defender”.
A dimensão do problema a desafiava e as cestas que ela conseguia não
davam conta da quantidade de pessoas que, dessa vez, batiam em sua porta.
Ângela se encontrava em uma situação-limite e o desafio lhe exigia uma
resposta. Paulo Freire (2020) nos fala que as situações-limite não são em si
mesmas, “geradoras de desesperança” (p. 126). No movimento de pensar
sobre a situação-limite e de como superá-la, “se desenvolve um clima de es-
perança e confiança que leva os homens a se empenharem na superação das
‘situações-limites’” (FREIRE, 2020, p. 126).
Quando Ângela percebe o desafio de ajudar sua gente, como um pro-
blema, e traz para si a tarefa de inventar caminhos para enfrentá-lo, ela rompe
com a cultura imposta pela classe dominante de que as situações-limite são
determinantes históricos e que sempre foi assim e que “Deus assim quer”.
Nesse momento, Ângela compreende o problema, “não mais como uma
fronteira entre o ser e o nada, mas como uma fronteira entre o ser e o mais
ser” (FREIRE, 2020, p. 130). O problema que Ângela enfrenta, sua gente
passando fome, é um problema decorrente de uma política de escassez que faz
com que vivamos em uma sociedade injusta, desigual e controlada por uma
elite branca, machista, eurocentrada e cujo projeto civilizatório é “tacanho,
reducionista e celebrador da barbárie” (SIMAS; RUFINO, 2019, p. 25).
Ângela pode pouco, se for pensar globalmente, e ela sabe disso. Mas
como uma liderança comprometida com sua gente, vai buscar caminhos que
são suas possibilidades e que Paulo Freire vai chamar de inédito viável, como
“algo definido, a cuja concretização se dirigirá sua ação” (FREIRE, 2020, p.
130). Quando Ângela se senta na calçada carregando “inquietude sadia e bo-
niteza arraigada na condição de ser-se mulher” (FREIRE, 2010, p. 263) para
pensar sobre o problema de sua gente, está pensando nas possibilidades da
utopia, na transformação de si pela transformação do mundo. Nas palavras
de Nita Araújo Freire,
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“Quem tem fome tem pressa!” Foi Betinho6 quem disse e foi essa a pa-
lavra surgida das conversas com Ângela. “Palavra verdadeira, que é trabalho,
que é práxis” (FREIRE, 2020, p. 109). Palavra que construía caminhos para
a superação da situação-limite esbarrada por Ângela, ao ver sua gente com
fome. Palavra que trazia uma exigência existencial. Palavra que pronunciava o
inédito viável, os sonhos possíveis de serem realizados.
Esse era o desafio que Ângela partilhava e que com ela nos compro-
metemos e com ela fomos para as ruas e servidões do Vale do Carangola
caminhar para encontrar e dialogar com @s morador@s que encontráva-
mos no percurso.
A frase de Betinho – “quem tem fome tem pressa” – nos suleava, mas
tínhamos clareza dos limites da distribuição de cestas básicas. No primeiro
ano da pandemia, organizamos uma campanha de arrecadação de recursos
financeiros para compra e distribuição de cestas básicas e em paralelo, tra-
balhamos junto com lideranças comunitárias na organização de coletivos de
trabalho que pudessem gerar renda. Conseguimos distribuir junt@s quase
1.000 cestas básicas.
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Últimas palavras
Desde a ligação de Ângela, quando veio a pandemia e ela precisava superar a
situação-limite que a desafiava, foi um caminho longo e nessa açãoreflexãoa-
ção, fomos aprendendo sobre unir para a libertação, sobre organização e sobre
síntese cultural, outras características da teoria da ação dialógica, de Paulo Frei-
re, além da co-laboração, que já sabíamos um pouco dela.
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Como um rio
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Thiago de Mello
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Ideias-força do Pensamento de Paulo
Freire e da Educação Popular
na Práxis do Movimento Social
de Prostitutas no Brasil
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A educação freiriana inspira, pois, a práxis de diferentes grupos e mo-
vimentos populares que, rebelando-se contra a desumanização e a opressão
impostas pelo sistema capitalista, deslocam-se em busca de ser mais.
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Ideias-força do Pensamento de Paulo Freire e da Educação Popular
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mas expressam uma “leitura cultural do contexto, uma sensação de insatisfação entre o
percebido e o desejado” (BARRAGÁN-CORDERO; TORRES-CARRILLO, 2018).
2 Centro de assessoria a grupos e movimentos populares, desde a década de 1970,
com objetivo de promover participação social e garantia de direitos. Foi fundado na
cidade de Campinas/SP, em 1970, e posteriormente transferido para a cidade do Rio
de Janeiro/RJ, em 1979.
3 O primeiro exemplar do jornal Beijo da Rua foi lançado em 1988 e se consagrou du-
rante quase três décadas como importante “porta-voz” do movimento e associações de
prostitutas no Brasil (MORAES, 2020).
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Considerações
As discussões aqui apresentadas buscaram fazer emergir quais têm sido as
ideias-força do pensamento de Paulo Freire e da Educação Popular a partir
da práxis do movimento social de prostitutas. Recordamos que o pensamento
de Paulo Freire e a Educação Popular foram elaborados e tecidos, ao longo da
história, através da relação dialógica entre ação-reflexão-ação. Desse modo,
trata-se de uma teoria que é construída a partir da prática. Os movimentos
de prostitutas, em particular no contexto brasileiro, emergem também neste
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Ideias-força do Pensamento de Paulo Freire e da Educação Popular
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
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98
A Formação Continuada
com Professores/as Formadores/as
em Tempos de Pandemia
Introdução
As adversidades decorrentes da necessidade de conter aglomerações fizeram
com que as escolas fechassem as portas e se inaugurasse repentinamente o
ensino remoto. Destarte, discentes e docentes se viram num ineditismo em
que não lhes restava outra maneira senão a adesão a uma ferramenta de comu-
nicação para exercerem a atividade escolar. Para tanto, conflitos e dilemas se
convergiram nesse espectro, o que desencadeou a necessidade de intervenção,
com o intuito de acolher e continuar a formação com esses docentes para que
a educação pudesse se sustentar e até mesmo se potencializar.
Este trabalho teve por contexto o curso de extensão1 com um grupo de
treze professores/as formadores/as que integram a Casa do Educador Professo-
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
Considerações possíveis
Vislumbra-se que assim como a formação permanente, a educação conti-
nuada tem alicerces para se tornar também inerente à especificidade humana
do/a educador/a. Esse/Essa profissional que aperfeiçoou em si a possibilida-
de da transformação constante de si e do/a outro/a passa, necessariamente,
pelo viés atualizador que a educação continuada carrega em seu bojo.
Para além do comprometimento teórico e prático, o que vimos foi
uma busca incessante pela humanização por meio de uma escuta ainda ini-
cial, mas uma escuta imediata; uma escuta interessada, genuína. A unicidade
do momento sócio-histórico colocou todos/as envolvidos/as em experiências
frente ao novo, o que possibilitou que a empatia se deflagrasse prontamente.
O modelo de educação e seus processos foram alvo de intensos de-
bates, sobressaindo, como resistência, sobretudo a importância da comuni-
cação, do diálogo, do compartilhamento de experiências. Desse modo, este
estudo revelou educadores/as em processo de humanização e comprometi-
dos/as com o ato de educar, do qual sabe ser tal processo o sustentáculo da
experiência humana em sociedade.
Referências bibliográficas
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FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. 3. ed. Tradução de Joice Elias Costa.
São Paulo: Artmed, 2009. (Obra original publicada em 1995).
113
A Formação Continuada com Professores/as Formadores/as em Tempos de Pandemia
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Caminhos de Esperança:
Paulo Freire em Espaços de Privação de Liberdade
1 CASTRO, Amanda Motta; PAZ, Nívia. Ivette Nunes. O masculino não inclui o
feminino! Linguagem inclusiva em debate. In: MACHADO, Rita de Cassia; CAS-
TRO, Amanda Motta (org.). Educação Popular em Debate. São Paulo: PACO, 2017,
v. 1, p. 205-220.
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Caminhos de Esperança: Paulo Freire em Espaços de Privação de Liberdade
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
3 O preso deve ter o prazo de 22 a 30 dias para a leitura de uma obra, apresentando
ao final do período uma resenha a respeito do assunto, que deverá ser avaliada pela
comissão organizadora do projeto. Cada obra lida possibilita a remição de quatro
dias de pena, com o limite de doze obras por ano, ou seja, no máximo, 48 dias de
remição por leitura a cada doze meses.
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Caminhos de Esperança: Paulo Freire em Espaços de Privação de Liberdade
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
4 Pontuamos que o Brasil está atrás dos Estados Unidos, que ocupa a primeira posição,
e da China, que ocupa a segunda.
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Caminhos de Esperança: Paulo Freire em Espaços de Privação de Liberdade
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
com mulheres que são mães, que são ativistas (ou não), falamos com mu-
lheres que lidam todos os dias com a dor do cárcere, que compreendem a
importância de seu trabalho.
As mulheres desta pesquisa são mulheres que falam do seu trabalho
com amor, que transmitem amor. São mulheres que permitem que repen-
semos esse espaço de aprisionamento de vidas, que constroem projetos, que
saem de casa todos os dias, deixam suas famílias e escolhem caminhar a con-
trapelo dos rótulos estabelecidos na sociedade para as pessoas encarceradas.
Elas são identificadas como Mônica, Francine, Beatriz, Marcela e Cláu-
dia. Sua escolha em manter seu próprio nome mostra coragem, força e per-
5
mite que suas próprias vozes ecoem não somente no nosso trabalho, mas no
trabalho revolucionário que elas realizam dentro das limitações e (im)possi-
bilidades. São elas: Mônica, psicóloga; Francine, advogada; Beatriz, assistente
social; Marcela, professora de literatura e Cláudia, advogada, presente nos pro-
jetos como representante do conselho da comunidade.
Essas mulheres têm muito para nos contar, temos muito que conversar
e muito a dizer para as pessoas que acreditam que precisamos construir mais
prisões em vez de escolas, que a prisão é um espaço que não faz parte da so-
ciedade, para todas/os que pensam no encarceramento como uma solução de
combate às drogas, de combate aos crimes. Nesse espaço há luta, há esperança,
há dedicação e há Paulo Freire.
Inicialmente, abordamos o aspecto “voluntário”, quando nos referimos
ao trabalho de algumas mulheres, mas construímos juntas e aprendemos com
elas, e, ao longo das falas de Paulo Freire (1983), reitera-se a perspectiva de
um trabalho revolucionário. Portanto, a partir deste momento é que falamos
de um trabalho revolucionário, compreendendo a complexidade da discussão
a respeito do voluntarismo e suas implicações na sociedade. Aproveitamos esse
espaço para substituir e construir com elas.
hooks (2013) nos alerta para o fato de que, para a construção de uma
pedagogia engajada, uma educação comprometida em lutar contra a injustiça
patriarcal, não existe a possibilidade de considerá-la como um campo neutro.
Não há neutralidade na educação. Acrescenta ainda que “a opção por nadar
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Caminhos de Esperança: Paulo Freire em Espaços de Privação de Liberdade
contra a corrente, por desafiar o status quo, muitas vezes tem consequências
negativas. E é por isso, entre outras coisas, que essa opção não é politicamen-
te neutra” (HOOKS, 2013, p. 267).
O trabalho realizado por essas mulheres é um trabalho comprometido
em lutar contra o encarceramento em massa, um trabalho comprometido
com o diálogo com os diferentes e que, mesmo que de forma inconscien-
te, enfrenta o sistema. Conforme Castro (2017) já salientou, o masculino
não inclui o feminino!6 Assumimos o compromisso de tratar em específico
das mulheres que trabalham nos espaços majoritariamente masculinos. Para
nós, mulheres compromissadas em lutar contra a injustiça patriarcal, falar
de trabalho nesses espaços é, acima de conceitos, falar da objetificação de
nossos corpos. Assim, aproveitamos para agradecer a todas as mulheres que
assumiram esse compromisso antes de nós e fizeram desses espaços, nossos
espaços da pedagogia engajada.
Todos os dias nos (re)construímos enquanto profissionais. Nesse sen-
tido, considerando a complexidade de atuação nos espaços de privação de
liberdade e com o olhar voltado para a Educação de Jovens e Adultos (EJA),
tecemos fios com as falas de Paulo Freire, quando nos mostra, dentro da
Pedagogia do oprimido, os processos para uma educação libertadora. Apro-
veitamos para jogar nessa mistura inconclusiva, e que, de fato, jamais terá
uma receita pronta, sua Pedagogia da esperança. Da opressão à esperança...
6 CASTRO, Amanda Motta; PAZ, Nivia Ivette Nunes. O masculino não inclui o
feminino! Linguagem inclusiva em debate. In: MACHADO, Rita de Cassia; CAS-
TRO, Amanda Motta (org.). Educação Popular em Debate. São Paulo: PACO, 2017,
v. 1, p. 205-220.
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Caminhos de Esperança: Paulo Freire em Espaços de Privação de Liberdade
preciso que nos entreguemos à práxis libertadora. hooks enche nosso coração
de esperança quando nos aponta:
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
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Caminhos de Esperança: Paulo Freire em Espaços de Privação de Liberdade
Ainda sobre a luta, reafirma a esperança que devemos ter nela, não
como seres passivos, mas como problematizadores e significadores do saber.
Ao construir seu legado com fatos, Freire valoriza os diferentes saberes. Sendo
assim, destacamos sobre a nossa esperança que “(...) é necessária, mas não é
suficiente. Ela, só, não ganha a luta, mas sem ela a luta fraqueja e titubeia.
Precisamos da herança crítica, como o peixe necessita da água despoluída”
(FREIRE, 1997, p. 5).
O autor ainda nos faz um alerta. Lembremos:
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
Se é na sutileza,
Que reside a exuberância.
Busco ressonância,
...nos ideais do amor.
Liquidificaram,
As relações da lida.
Não há mais-valia
Há agonia, há temor.
Quem de pé ficará?
Se a luta acomodar
Diga quem nos dirá?
(...)
O Teatro Mágico
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Caminhos de Esperança: Paulo Freire em Espaços de Privação de Liberdade
sonhar e crer que podemos diminuir o abismo social e que podemos romper
as estruturas sociais.
Graças a essas mulheres e projetos que elas vêm realizando, as pessoas
que estão lá dentro podem sonhar, podem ter outras perspectivas, reconhe-
cendo-se enquanto sujeitos de direito. Libertar-se do que foi preestabelecido,
ir contra o que foi estabelecido é um trabalho árduo, é uma tarefa difícil, mas
as profissionais que estão nesse espaço caminham para que as pessoas encarce-
radas possam também pensar dessa forma. Enquanto houver injustiça social,
confiamos que essas mulheres estarão lá, impondo-se na busca da construção
da paz e respeito a todas as pessoas.
A Educação Popular não diz respeito somente às pessoas que estão em
zona periférica, diz respeito ao modelo educacional com que sonhamos, que
respeite a multiculturalidade da nossa sociedade, que respeite quem somos,
nossas histórias e a constante busca por uma vida melhor e mais justa.
O impasse, que, ao mesmo tempo, constitui o desejo de continuar pros-
seguindo com esta pesquisa, primordialmente, é saber que existem mulheres
dentro das grades e fora delas que precisam reconhecer-se como oprimidas
para que possamos nos unir.
128
O Pensamento de Paulo Freire em Ação
Referências bibliográficas
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em EDUCAÇÂO) – Universidade Federal do Rio Grande, 2020.
129
À Procura de um Caminho Libertador:
O Ensino de Literatura e a Prática da Biblioterapia
a Partir do Pensamento Freiriano
O Auto Retrato
Mario Quintana
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
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À Procura de um Caminho Libertador: O Ensino de Literatura e a Prática da Biblioterapia
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
1 Para conhecer mais sobre o conceito de Literatura, indicamos ler as obras: Literatura,
ontem, hoje e amanhã (2018) de Marisa Lajolo e Letramento Literário (2018) de Rildo
Cosson.
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
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À Procura de um Caminho Libertador: O Ensino de Literatura e a Prática da Biblioterapia
caso de o tempo avançar depressa e a teoria não, ler o mundo; buscar nas
suas entrelinhas e no que está escrachado em nossa frente o que precisa ser
mexido, modificado, transformado.
Por isso, é importante – para não se dizer pulsante! – fazer uma
leitura de mundo a partir do lugar em que estamos, mas sem esquecer do
compromisso com o ser, na sua integralidade. Aqui, cabe a inserção da
célebre frase de Freire (2011), que nos diz que a leitura do mundo sempre
vai preceder a leitura da palavra.
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
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À Procura de um Caminho Libertador: O Ensino de Literatura e a Prática da Biblioterapia
Bem... e o resto?
Assim como não saberemos se Capitu traiu ou não traiu Bentinho, também
aqui não encontraremos uma resposta para as angústias da sala de aula. É
curioso pensar que, para além das inúmeras reflexões que a teoria freiriana nos
trouxe, fazendo-nos questionar interminavelmente a nossa prática, ela tam-
bém nos trouxe uma visão: interligamos o que fazemos ao que estudamos,
tratando com respeito o nosso conhecimento e a nossa prática. A Literatura,
que aparece aqui às vezes tímida e às vezes dominante, é um terreno fértil para
ampliar a luta pela apropriação de nossa identidade e da libertação dos nossos
seres. A biblioterapia, ainda jovem e de terreno fértil, entra como um convi-
te para desbravarmos suas potentes práticas, que cunham reflexão, liberdade
criativa e autonomia para quem se permite conhecê-la.
Neste emaranhado de ideias, confissões e angústias, acabaremos por
repetir o que tanto nos assombra: neste artigo, escrito cientemente por estas
autoras, de forma pessoal-coletiva e quase confessional, com um risco de ser
pego na peneira do academicismo (com respeito e com razão), não apontamos
soluções, mas sim provocações e inquietações; inquietações que avistamos re-
verberarem pelos corredores da universidade e, agora, pelos espaços das salas
dos professores e das rodas biblioterapêuticas. Dito isto, presumimos com-
preender, com algum custo, que não há fórmula mágica para as vivências em
sala de aula e de qualquer espaço formativo: há caminhos mais sinceros, críti-
cos, acolhedores e libertadores para um fazer pedagógico que, de mãos dadas
com a Literatura e a libertação, podem salvar um afogado.
140
O Pensamento de Paulo Freire em Ação
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141
O Legado de Paulo Freire como Inspiração
às Ações Educativas Escolares
e não Escolares
Introdução
O pensamento de Paulo Freire tem se estabelecido como um legado importan-
te para a Educação no Brasil, resultado do seu reconhecimento como um dos
pensadores do século XX, homenageado com o título de patrono da Educação.
Seu pensamento ganhou expressão acadêmica em vários países do mundo, ul-
trapassou as fronteiras das disciplinas e das artes para além da América Latina,
sendo referência para estudos em diversas áreas do conhecimento, em parti-
cular no campo da Educação. Assim, constitui-se em orientação para ações
educativas escolares e não escolares referenciadas por uma pedagogia emanci-
patória, que tem como horizonte uma leitura do mundo, crítica e engajada.
Por ocasião do centenário de seu nascimento, em setembro de 2021,
em diversos países do mundo, com destaque para o Brasil, realizaram-se
diversas atividades comemorativas que reavivaram o pensamento freiriano.
No Brasil, ocorreu em um momento em que, por ter um pensamento pe-
dagógico de caráter emancipatório, Paulo Freire sofria ataques por parte de
setores ultraconservadores da sociedade que ganharam visibilidade a partir
do movimento político que eclodiu no Brasil em 2016 e resultou no impea-
chment da presidenta Dilma Rousseff, tendo continuidade com a eleição do
presidente Jair Bolsonaro.
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
143
O Legado de Paulo Freire como Inspiração às Ações Educativas Escolares e não Escolares
do”, traz a reflexão sobre o seu legado como fonte inspiradora para ações
educativas escolares e não escolares. A terceira apresenta o Coletivo da Práxis
Freiriana, descrevendo o contexto, o processo de criação; os atores coletivos
e suas experiências educativas. A quarta parte, intitulada “A atualidade da
pedagogia de Paulo Freire”, expressa uma reflexão sobre os campos de in-
fluência do pensamento de Freire como indicativo de suas vitalidade e atua-
lidade a partir das experiências analisadas. Por fim, as considerações finais,
com síntese e destaques das contribuições (e atualidade) do pensamento de
Paulo Freire para o campo da Educação Popular em espaços acadêmicos e
dos movimentos sociais populares.
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
ADUF/PB
Confederação Nacional de Educação –
CNTE
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalha- Contribuições do Legado Paulo
11
doras em Educação do Estado da Paraí- Freire para as Ações Sindicais
ba – SINTEPB
Sindicato dos Trabalhadores em Educa-
ção do Município-SINTEM
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
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O Legado de Paulo Freire como Inspiração às Ações Educativas Escolares e não Escolares
de Freire em suas pesquisas e extensão: uma visão crítica que pensa os direitos
humanos num diálogo entre teoria e prática e a recusa da invisibilidade de
determinados sujeitos e sua não vivência enquanto sujeitos de direitos na vida
social cotidiana.
Em consonância com a pesquisa, é importante indicar também a ação
extensionista de caráter popular como um campo importante para reflexão e
apropriação do pensamento freiriano, como orientador para a ação educativa e
suas implicações para a produção do conhecimento que venha contribuir para
ampliação do alcance de sua obra em diferentes campos. Nesse sentido, des-
tacamos a ação do EXTELAR/UFPB (Grupo de Pesquisa em Extensão Popu-
lar), do OBS/UFBP (Observatório da Educação Popular), do GEPeeS/UFPB
(Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Etnia e Economia Solidária) e
do GESPAUF/UEPB (Grupo de Estudo Paulo Freire de Campina Grande).
Esses grupos de pesquisa também têm a extensão como um campo de ação
e reflexão, ou seja, a práxis na perspectiva freiriana, que os coloca no desafio
de ter como referência as categorias do pensamento de Freire em diferentes
territórios, sujeitos e temáticas.
No campo dos movimentos sociais, destacamos as experiências da RE-
SAB, uma rede de organizações da sociedade civil que desenvolve ações de
incidência política junto aos sistemas municipais de educação no sentido de
aliar sua proposta de educação ao projeto de Convivência com o semiárido,
proporcionando uma valorização das potencialidades existentes e a convivên-
cia com as características climáticas da região. Trata-se de uma proposta de
Educação Contextualizada que se apropria do pensamento freiriano como
matriz teórica da sua ação.
Nessa mesma perspectiva de atuação, no campo da educação não esco-
lar, destacamos também a ação educativa apresentada pelo SEDUP – Serviço
de Educação Popular, o qual apresentou atividades que se configuram, do
ponto de vista de suas referências, no campo da Educação Popular alinhada
ao pensamento de Freire. É uma experiência educativa que se realiza junto a
organizações populares e movimentos sociais, numa perspectiva de contribuir
para o fortalecimento dos sujeitos coletivos populares no âmbito do processo
de incidência política nas políticas públicas, com destaque para juventudes,
mulheres e agricultores e agricultoras.
Trata-se, portanto, de um conjunto de experiências nos campos de pes-
quisa, extensão e práticas educativas populares que carregam um potencial re-
flexivo e prático. Ou seja, expressa uma práxis que vislumbra a defesa e a reno-
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
Considerações finais
As ideias de Paulo Freire continuam vivas. E precisam, visto que a sociedade
ainda carece de fundamentos e referências para a construção de um outro
mundo possível, com destaque para a dimensão democrática, com a qual pre-
cisamos cada vez mais nos preocupar, tendo em vista as tentativas de destruí-la
no contexto contemporâneo.
Nesse movimento de destruição da democracia e de possibilidade de
utopia, o pensamento de Paulo Freire tem se constituído um dos alvos por
representar um conjunto potente de ideais que dão sustentação a uma concep-
ção pedagógica que problematiza a realidade, favorecendo uma leitura crítica
do mundo. E é, a partir desse movimento de desvelamento da realidade, que
se podem vislumbrar processos sociais e políticos que possibilitem uma mu-
dança do modelo vigente de sociedade, que cada vez mais destrói a democracia
e a cidadania.
Portanto, celebrar o centenário de Paulo Freire não tem apenas o signi-
ficado da comemoração. Representa a construção de um movimento político,
educativo e de produção do conhecimento que lança mão de seu pensamento
para servir de referência e reinventá-lo em consonância com sua perspectiva
política e pedagógica, considerando a necessidade de resistência e (re)existên-
cia que emergem da realidade contemporânea.
A relevância e a atualidade do pensamento de Freire servem de ins-
piração para uma diversidade de experiências educativas, podendo ser evi-
denciado pelas reedições de suas obras e pelas práticas educativas em mo-
vimentos sociais, pesquisas e extensão. A realização da marcha do coletivo
paraibano da práxis freiriana se coloca nesse lugar com o objetivo de visibi-
lizar o seu pensamento e, ao mesmo tempo, contribuir para sua atualidade
e reinvenção, no sentido de fomentar práticas educativas emancipatórias e
fecundar novos pensamentos e projeto de sociedade.
155
O Legado de Paulo Freire como Inspiração às Ações Educativas Escolares e não Escolares
Referências bibliográficas
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156
O Papel de Paulo Freire na Luta
Por uma Educação Libertadora:
uma Contribuição para a Emancipação dos Povos
A educação problematizadora,
que não é fixismo reacionário,
é futuridade revolucionária.
Daí que seja profética e,
como tal, esperançosa.
Introdução
Este texto resulta de experiências vivenciadas e reflexões construídas a partir
de duas pesquisas que são atravessadas pelo pensamento de Paulo Freire e suas
implicações na educação, no Brasil e na África. Considerando a importância
do engajamento político-educacional de Paulo Freire na consolidação das in-
dependências dos países africanos e enquanto instrumento de sua emancipa-
ção, bem como a reverberação desta cultura no Brasil.
Desse modo, como um andarilho da esperança em busca de mudan-
ças na perspectiva educacional, Paulo Freire afeta e é afetado durante a sua
passagem pelos países africanos, esse encontro se dá justamente no período
pós-colonial, um período em que a educação e sobretudo a alfabetização eram
compreendidas como uma segunda libertação dos povos que foram negados
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res libertários, entre os quais Paulo Freire (1999), que visava uma educa-
ção como prática de liberdade e tinha como objetivo a erradicação do anal-
fabetismo, a democratização da escola e a conscientização política do povo
brasileiro (TAVARES, 2017).
O ressurgimento dos movimentos sociais se deu no Brasil logo após a
ditadura militar, período em que ocorreu censura de imprensa, exílio, baixa re-
presentação política e sindical, ausência e retração dos direitos sociais. Diante
desse contexto histórico, houve inúmeras reivindicações por direitos sociais e
liberdade de expressão. A partir desse marco, os movimentos sociais passaram
a se organizar com lutas específicas, como o movimento negro, movimento
feminista, movimentos de mulheres negras, de estudantes e professores(a) pelo
direito à educação de qualidade, de creches, movimentos de jovens e cultura
hip hop, entre outros (LISBOA, 2017).
Portanto, há muito tempo, décadas, a população marginalizada luta co-
letivamente por seus direitos, a fim de ter sua humanidade reconhecida. Toda-
via, a história dos indígenas e dos povos sequestrados no continente africano
e escravizados no Brasil fornece pistas que nos levam a compreender que esses
povos sempre criaram suas táticas de sobrevivência em meio à desumanização.
Entretanto, em uma perspectiva esperançosa, Arroyo (2012) aponta
para transformações relativas à concepção de direitos à educação, além de
enfatizar uma reviravolta no perfil dos coletivos que ingressam nas escolas,
universidades e recusam a posição de destinatários agradecidos, afirmando-
se como sujeitos de direito, compreendendo política e pedagogicamente o
seu direito à educação. O autor acredita que essa consciência de direito seja
um avanço político trazido pelos movimentos sociais, obrigando as políticas
educativas a saírem da lógica verticalizada, movendo-nos a repensar nossas
identidades docentes e discentes, bem como os currículos de educação bási-
ca e de formação (ARROYO, 2012).
A sistematização que fizemos sobre os contributos de Freire, ainda que
repletos de pensamentos inacabados, e de aspectos ainda por serem pesqui-
sados, pode potencializar espaços para o aprofundamento de uma reflexão
crítica e reelaboração de pedagogias descolonizadoras baseadas na diversidade
cultural dos povos brasileiros e africanos. Reiteramos a importância de revisi-
tarmos as experiências de Paulo Freire nas lutas decoloniais africanas, enten-
dendo que a luta contra a subalternização e opressão deve ser atualizada à luz
de seu tempo histórico, mas que a história e a memória das lutas do passado
podem nos fortalecer contra o perigo de adotarmos uma história única, ou
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O papel de Paulo Freire na luta por uma educação libertadora
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O papel de Paulo Freire na luta por uma educação libertadora
Referências bibliográficas
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Mestrado da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília em 1985.
168
Jovens em Situação de
Acolhimento Institucional:
Tematizando com Paulo Freire
Introdução
Na história da humanidade, entre suspeitas e animosidades a grupos, tribos,
raças e religiões, a contraposição entre bem e mal, certo e errado, justo e injus-
to, entre outras, usualmente serviu para que ideologias hegemônicas exerces-
sem sua dominação sobre aqueles a quem queriam explorar e dominar. Essa
dicotomia impediu e impede que a realidade seja vista em sua totalidade e
seja compreendida de maneira sectária, numa lógica em que são os criminosos
que deixam as pessoas inseguras, os forasteiros que trazem o crime, os filhos
do presídio e de lares desestruturados que destroem a paz e a ordem. E baseado
neste discurso surgem os/as que farão com que a lei se cumpra, tanto no morro
como no asfalto.
Entretanto, em geral são os/as forasteiros/as que fazem o trabalho duro
das grandes cidades. Na Europa, a política de controle da migração vem cul-
pabilizando os imigrantes por sua condição, principalmente os africanos e do
Leste Europeu. Nos Estados Unidos, qualquer semelhança ao nariz adunco, à
pele pouco clara, aos latinos, aos muçulmanos, entre outros, leva o indivíduo
ao mundo despótico da intolerância. E tanto lá como aqui são as elites domi-
nantes que representam o “bem”, o “certo”, o “justo”.
Dentre os/as outsiders (BAUMAN, 2011), os/as marginais, os/as excluí-
dos/as, estão jovens em conflitos com a lei e institucionalizados/as, que são re-
classificados/as diante da pobreza. A eles/as se aplica a lei de forma austera e bru-
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Jovens em Situação de Acolhimento Institucional
ta, pois a eles/as são imputados atos criminais e a delinquência. A pobreza passa
a ser criminalizada e, portanto, não existem direitos aos que façam parte dela.
Os/as jovens e crianças que andam pelas ruas já não são invisíveis – ou
seres que caminham sem rumo, noite e dia, em busca de mais uma pedra de
crack –, mas sujeitos sob suspeição que enfeiam as cidades. A eles/as os direitos
não são assegurados e se criam políticas públicas eleitoreiras e passageiras de
forma a retirar a cor cinza dos espaços e territórios.
Mannheim e Stewart (1977) afirmam que as gerações novas ou a ju-
ventude são agentes sociais revitalizadores, pois não estão ainda envolvidos no
status quo da ordem civilizatória e refletem o caos dominante na sociedade. A
juventude faz parte de um recurso latente em qualquer tipo de sociedade cuja
dinâmica depende de sua vitalidade, ou seja, poderá tornar reais os desejos
que os/as idosos/as professam em teoria. Para os autores, “ser jovem”, dentro
do olhar sociológico, é ser marginal e, em muitos aspectos, um/a estranho/a.
Neste trabalho utilizamos o conceito de juventude não só como a tran-
sição entre a infância e a vida adulta, pois no Brasil muitos entram na juven-
tude precocemente por não terem vivido a infância. Não pretendemos homo-
geneizar a categoria juventude, pois ela está atrelada às classes sociais e à forma
como a sociedade enfrenta seus problemas e culpabiliza os que ameaçam a
ordem social (KUSTRIN, 2007).
Consideramos que para entender a juventude e conceituá-la temos que,
necessariamente, passar pelo contexto social em que esse grupo se insere. De-
vemos ter clareza de que um/a jovem urbano/a de classe média ou média alta
difere totalmente do/a jovem da periferia (urbana e social). Que um/a jovem
negro/a sofre diferentes preconceitos, pois é a condição de como vive que defi-
nirá as características da sua juventude, daí a necessidade de focar no referente
demográfico e social. E, consequentemente, uma criança que é encaminhada a
um serviço de acolhimento institucional e passa boa parte da vida neste lugar é
totalmente diferente de uma criança que cresce junto à sua família.
O conceito de juventude envolve não só o local em que o indivíduo
mora, seu espaço demográfico, mas também seu capital cultural e econômico,
o que leva muitos/as a formarem subculturas à medida que são marginaliza-
dos/as. A questão da marginalidade, da exclusão, acaba por definir os gru-
pos pela condição social, ou seja, por políticas públicas que não sabem como
enfrentar as diversas consequências que a própria sociedade desigual produz
(ABRAMOVAY; CASTRO, 2006). Ainda que esta mesma sociedade queira
homogeneizá-los/as, o que podemos observar são as diversas realidades hetero-
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Tematizando a realidade
Para atender aos objetivos propostos pela pesquisa de que emerge este texto,
optamos, em coerência com o pensamento de Paulo Freire em ação, por or-
ganizar as falas dos participantes a partir de Temas Geradores. Como afirma
Freire (1983, p. 50), o que nos interessava investigar não eram os/as jovens
em si, como se fossem “peças anatômicas, mas o seu pensamento-linguagem
referido à realidade, os níveis de sua percepção desta realidade, a sua visão do
mundo, em que se encontram envolvidos seus ‘temas geradores’”.
Os temas geradores que levantamos representaram uma escolha teóri-
ca, um recorte, não significando que eles se encerrem em si. Buscamos nesse
caminho realizar uma reflexão crítica sobre as relações desses/as jovens com o
mundo e entre eles/as mesmos/as.
De acordo com Freire (1983, p. 53), “os temas se encontram, em últi-
ma análise, de um lado, envolvidos, de outro, envolvendo as ‘situações-limite’
(...) que se apresentam aos homens e mulheres como se fossem determinantes
históricas, esmagadoras, em face das quais não lhes cabe outra alternativa,
senão adaptar-se”. Comecemos a discussão de cada um deles.
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Como D2, seu filho também paga a pena de ser pobre, marginalizado,
excluído, destituído da família. E D2 se sente responsável por “descumprir
sua palavra”. O que opera aqui é a marca de uma lógica probabilística: quan-
to maiores forem os fatores de risco, maior a vulnerabilidade da população,
fazendo-se necessária a intervenção sobre o perigo, tornando-a passível de pre-
visão e controle.
A marca do estigma leva os/as jovens a um fatalismo em sua vida, como
poder do destino, segundo Freire (1983), fruto de uma situação histórica e
sociológica. Essa situação não é resultado de escolhas feitas pelos sujeitos, de
caminhos trilhados de forma equivocada, mas sim está impregnada de uma
ideologia em que a pobreza é marginalizada, colonizada e estigmatizada, numa
equação exata:
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Esses/as jovens vivem num cotidiano marcado pelo respeito aos/às edu-
cadores/as e não aos familiares, como uma das características da infância e
juventude em situação de acolhimento. Seu modo de vida se configura sob
o controle das necessidades humanas no coletivo, invisível para as políticas
públicas e para parcela significativa da sociedade.
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Mesmo nas situações mais adversas, as falas dos jovens mostram que
eles encontram solidariedade no cotidiano:
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Considerações finais
A problematização dos temas geradores nos levaram a reflexões acerca desses/
as jovens em situação de acolhimento institucional, revelando vidas em busca
de sonhos, desejos, aspirações dificilmente alcançadas numa realidade em que
seus sentimentos mais íntimos não são levados em consideração para as toma-
das de decisão necessárias.
A política de acolhimento institucional não pode se reduzir a uma op-
ção “atraente” das famílias pobres para criar seus filhos/as. É urgente ampliar
a reflexão sobre essa falsa ideia, que imprime na sociedade o olhar para as
instituições como aquelas que resolvem os problemas das crianças e jovens
de famílias pobres. Além disso: “(...) é fato, constatado mundialmente que o
atendimento institucional é, em geral, ineficaz e caro, custando até seis vezes
mais do que iniciativas que apoiem a família no cuidado dos seus filhos” (RI-
ZZINI; RIZZINI, 2004, p. 78).
Perguntamo-nos: Será que a provisoriedade do serviço está em sintonia
com a construção da autonomia? Uma das prerrogativas da Lei é essa proviso-
riedade. No entanto, o percurso dos/as jovens participantes da pesquisa (entre
tantos/as outros/as) perpassa um caminho trilhado na vida inteira: inicialmen-
te no Abrigo, depois na Casa Lar, em seguida na República e/ou Abrigo de
Adultos, mostrando o oposto do previsto por lei. Nestes últimos, conforme
consta na Tipificação, espera-se que haja organização de vida suficiente para
se manterem independentes, após sua saída do serviço. Para as modalidades
República e Abrigo de Adultos: o objetivo é proporcionar um espaço que pos-
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
Referências bibliográficas
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BERNSTEIN, Peter. Desafio aos deuses: A fascinante história do risco. Rio de Janeiro: 1997.
187
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188
Educação Popular na Perspectiva
do Bem Viver
He yama yo 1
Estamos aquí, en el ahora,
Estamos aquí, en el eterno presente;
Y en todos lados
Somos Uno y somos Todo.
Introdução
Na década de 1990, o Grupo de Trabalho de Educação Popular (GT06) da
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd)
discutiu amplamente a “crise dos movimentos sociais” e o papel da educa-
ção popular no contexto da redemocratização política do Brasil. Mobilizado
particularmente por Victor Valla (1994), que apontava “a dificuldade que os
profissionais e intelectuais têm de compreender o que as classes populares
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Educação Popular na Perspectiva do Bem Viver
estão querendo lhes dizer”, o GT06 estudou os modelos teóricos que foram
utilizados para analisar os problemas e as práticas dos movimentos popula-
res. Constatou a “crise de interpretação e condução da educação popular” das
lideranças e intelectuais emergentes no contexto das mobilizações sociais e
culturais dos anos 1960, ou no contexto da ditadura dos anos 1970, ou então
nos processos massivos de luta pela redemocratização política dos anos 1980.
O que aparecia como crise dos movimentos sociais passou a ser entendido como
crise dos modelos de conhecimento a partir dos quais os intelectuais, profissionais
e militantes têm buscado entender os movimentos sociais.
No doloroso contexto político brasileiro que vivemos hoje – após o gol-
pe jurídico-parlamentar de 2016, ativado por processos de guerra híbrida, que
abriram os caminhos para instaurar uma profunda crise política, econômica,
social que acirra a erosão das instituições democráticas, acelerando a corrida ar-
mamentista e o colapso ambiental em âmbito global – os movimentos popula-
res, particularmente os enraizados nas culturas e histórias ancestrais, vêm resis-
tindo aos genocidas processos de colonização e, principalmente, protagonizam
processos de reexistência decolonial, empoderando a cultura do Bem Viver.
Nesta perspectiva, no campo da educação popular, somos interpelados
– tal como nos convidava Victor Valla – a reformular nossas categorias teóri-
cas para conseguirmos auscultar em profundidade o que “as classes populares
estão querendo nos dizer”.
É essencialmente esta busca que tem motivado e mobilizado nosso pro-
cesso de pesquisa iniciado há cinquenta anos2 e consolidado nos trabalhos da
Rede de Pesquisas “Mover”, particularmente no projeto integrado de pesquisa
que estamos desenvolvendo neste próximo quinquênio (FLEURI, 2022b).
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4 “Quando percebemos a memória como uma instância do coletivo que as pessoas par-
ticulares participam e agenciam, podemos ter elementos para perceber que a ances-
tralidade não é apenas a descendência biológica que uma pessoa tem de uma família
consanguínea, mas, sobretudo, o atravessamento de toda a história na formação dos
sujeitos. Assim, podemos entender a ancestralidade como a história da comunidade,
que nos conforma não apenas através da doação do material biológico, mas também
de seus projetos, seus erros, acertos, expectativas.
As crianças são uma espécie de elo entre essa dimensão histórica do passado e o presen-
te das comunidades. São não o símbolo de seu futuro, mas a expressão de sua continui-
dade no presente. Desse modo, (...) a criança para o pensamento tradicional africano
é a marca da continuidade, uma expressão da ancestralidade. Ela nem é nova e nem
começa. Ela segue. Mas não segue monotonamente. Ela segue em inversões, desloca-
mentos, fissuras. Inclusive da própria temporalidade. (...) A relação, portanto, entre as
crianças e a ancestralidade é de mútua alimentação e mútuo respeito. Muitas vezes, as
crianças são entendidas como a expressão mais plena da ancestralidade” (FLOR DO
NASCIMENTO, 2018, p. 591-592).
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O Pensamento de Paulo Freire em Ação
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201
Educação Popular na Perspectiva do Bem Viver
202
Educação Popular e Agroecologia:
Diálogos À Sombra de Copaíbas, Jatobás,
Ipês e Manacás “Y Otras Más”
Introdução
Sombra e luz, céu zul,
horizonte fundo e amplo
dizem de mim. Sem eles
apenas sobrevivo,
menosque existo
203
Educação Popular e Agroecologia
a AGEA se fundam em uma perspectiva radical, o que significa sua opção pela
criação, pela crítica e pela liberdade. E essa escolha pela libertação implica o
enraizamento das pessoas envolvidas, que as engaja cada vez mais no esforço
de transformação da realidade concreta, objetiva (FREIRE, 1987).
No nosso olhar para a realidade, Agroecologia e Educação Popular
verdejam na luta pela liberdade, dignidade e emancipação populares, pela
segurança alimentar, pela garantia de preservação de áreas naturais, pela re-
introdução das espécies arbóreas nas paisagens e na vida das pessoas, por um
olhar mais amoroso para com a Natureza, e pela potencialização de valores
tradicionais, sociais e culturais.
Partindo dessa perspectiva, e tomando como eixo suleador o pensa-
mento de Paulo Freire em ação, este capítulo foi elaborado, metafórica e con-
cretamente, à sombra não somente de uma mangueira, mas de várias outras
árvores que povoam nossas vidas e memórias: jacarandás, copaíbas, jatobás,
ipês, paineiras e manacás.
Organizamos o texto em cinco partes. Depois dessa breve introdução,
preparamos o solo tomando a luta pela Terra no Brasil como substrato para
o enraizamento da Educação Popular e da Agroecologia. Na terceira e quarta
partes realizamos uma “leitura de mundo” em que abordamos, sucintamente,
alguns elementos constitutivos da EP e da AGEA. Na quinta parte, procura-
mos tematizar algumas de suas bases epistemológicas, à guisa de considerações
provisórias, propondo que suas práxis podem caminhar juntas.
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A agroecologia cor-
responde à práxis
multidimensional;
portanto, abarca o ser
humano em sua práxis
total, daí que, em sín-
tese, sua concepção é
expressa como prática
social, luta e ciência
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Breves considerações
A partir dessas reflexões, gostaríamos de resgatar um trecho de nossos escritos,
no qual, buscando refletir sobre os princípios fundantes da Educação Popular
e da Agroecologia, afirmamos que:
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