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divulgado, distribuído, impresso ou utilizado para qualquer
outra finalidade que não faça parte do objetivo específico do
curso de capacitação. No caso de quebra de sigilo, a Fundação
Getúlio Vargas aplicará todas as medidas legais cabíveis e
desligará do processo a pessoa envolvida.

Alertamos também que o conteúdo pedagógico foi atualizado e


aprimorado. O cursista deve estudar o material de forma
cuidadosa, mesmo que tenha participado do curso de
capacitação de 2020, para que possa assimilar as mudanças e
ampliar seus conhecimentos.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................... 5
2. PRINCIPAIS TIPOS DE COESÃO ............................................................ 8
2.1. Quadro esquemático da coesão referencial e da sequencial .......... 10
2.2. Coesão referencial .......................................................................... 10
2.2.1. Por uso de formas gramaticais ................................................. 10
2.2.2. Por uso de formas lexicais........................................................ 12
2.3. Coesão sequencial .......................................................................... 13
2.3.1. Sequenciação parafrástica ....................................................... 13
2.3.2. Sequenciação frástica .............................................................. 15
2.4. A relevância dos operadores argumentativos na avaliação da
Competência IV ..................................................................................... 17
3. MATRIZ DE REFERÊNCIA PARA A COMPETÊNCIA IV ........................... 21
4. ESPECIFICIDADE DA AVALIAÇÃO DA COMPETÊNCIA IV EM RELAÇÃO ÀS
COMPETÊNCIAS I E III .......................................................................... 21
5. GRADE ESPECÍFICA DA COMPETÊNCIA IV .......................................... 25
6. TERMOS IMPORTANTES PARA A APLICAÇÃO DA GRADE ESPECÍFICA DA
COMPETÊNCIA IV ................................................................................ 26
6.1. Presença de elementos coesivos .................................................... 26
6.2. Coesão intraparágrafo e interparágrafos ........................................ 27
6.3. Repetição ........................................................................................ 36
6.4. Inadequação coesiva....................................................................... 42
6.5. Monobloco ..................................................................................... 45
7. ROTEIRO PARA APLICAÇÃO DA GRADE ESPECÍFICA DA COMPETÊNCIA IV
........................................................................................................... 49
8. DESCRIÇÃO DOS NÍVEIS .................................................................... 50
8.1. Nível 0 (nota 0) ............................................................................... 52
8.2. Nível 1 (nota 40) ............................................................................. 54
8.3. Nível 2 (nota 80) ............................................................................. 57
8.4. Nível 3 (nota 120) ........................................................................... 61
8.5. Nível 4 (nota 160) ........................................................................... 65
8.6. Nível 5 (nota 200) ........................................................................... 69
9. ANÁLISE COMPARATIVA DAS COMPETÊNCIAS III E IV ....................... 72
10. CONCLUSÃO .................................................................................. 75
11. REFERÊNCIAS ................................................................................. 76
ANEXO ................................................................................................ 77
GLOSSÁRIO DA COMPETÊNCIA IV .......................................................... 77
1. INTRODUÇÃO

Este módulo tem como objetivo abordar a avaliação da coesão textual nas
redações do Enem. De acordo com a Matriz de Referência para Redação do Enem,
a Competência IV se destina a avaliar a capacidade de o participante demonstrar
conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da
argumentação. Isso significa que, nesta Competência, analisamos como o
participante se vale dos recursos coesivos para articular os enunciados de seu
texto.
Isso posto, começamos a apresentação dessa temática propondo uma reflexão
sobre as diversas formas de se construir a coesão. Algumas delas podem ser
observadas nos versos de Cora Coralina (1965, p. 22), a seguir:

A vida tem duas faces:


positiva e negativa
o passado foi duro
mas deixou o seu legado
(...)
Aceitar suas limitações
e me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo.
Aprendi a viver.

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Sem nos aprofundarmos nos aspectos poéticos e estéticos desse texto, podemos
utilizá-lo como um exemplo da maneira como as frases (nesse caso, os versos) vão
sendo concatenadas em um todo coerente e coeso. Ao longo da composição, os
elementos coesivos desempenham funções primordiais na construção das
relações semânticas. Observe-se, por exemplo, como o pronome “seu” (verso 4)
constrói uma ligação com o referente “passado” (verso 3), do mesmo modo que
“suas” (verso 5) se refere a “vida” (verso 1) e “delas” (verso 12) se refere a “lições
de vida” (verso 11). Além dessas ligações entre os elementos referenciais do
texto, também podemos observar relações entre argumentos, como o sentido
adversativo expresso pelo termo “mas”, ao articular os versos 3 e 4, permitindo a
interpretação de que, embora o passado desse eu lírico tenha sido duro e sofrido
(o que permite recuperar a ideia de “face negativa” da vida, no início do poema),
deixou um legado de aprendizagens, descritas nos versos seguintes (o que
recupera a ideia de “face positiva” da vida). Esses aspectos, além de outros
fenômenos que interligam as palavras e as frases no poema (como a aliteração e
a assonância que se estabelece ente “limitações”, “contradições” e “lições”), nos
levam a perceber como um texto se desenvolve conectando temas, ideias e
informações por meio da articulação entre as palavras em sua superfície textual.
Veremos, adiante, as várias formas nas quais a coesão se manifesta, a depender
da tipologia dos textos, e, então, destacaremos aquelas que nos interessam nos
textos dissertativo-argumentativos.
Por ora, valemo-nos da linguagem poética para despertar nossa compreensão
sobre aquilo que Abaurre et al (2000, p. 129) chamam de “argamassa textual”,
isto é, certos termos que fazem a ligação entre os elementos de um texto,
garantindo sua progressão e sua articulação.
Desse modo, no que diz respeito ao seu funcionamento, a coesão atua na
superfície textual, ou seja, ela se manifesta por meio de marcas linguísticas que
ajudam a chegar à compreensão profunda do texto:

[...] por coesão se entende a ligação, a relação, os nexos que se estabelecem entre os
elementos que constituem a superfície textual. Ao contrário da coerência, que é subjacente,
a coesão é explicitamente revelada através de marcas linguísticas, índices formais na
estrutura da sequência linguística e superficial do texto, o que lhe dá um caráter linear, uma
vez que se manifesta na organização sequencial do texto (KOCH; TRAVAGLIA, 2013, p. 47).

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A linguista Ingedore Koch (1999, p. 35) acrescenta que “coesão é o modo como os
elementos linguísticos presentes na superfície textual se encontram interligados,
por meio de recursos também linguísticos, formando sequências veiculadoras de
sentido”.
Feitas essas considerações iniciais sobre a coesão textual, relembramos o tipo de
texto proposto pela prova de redação do Enem: dissertativo-argumentativo.
Tendo em vista o espaço relativamente curto de 30 linhas para que se disserte
sobre um tema de relevância social – como é comum nas propostas temáticas do
Enem –, o uso de elementos linguísticos de coesão é essencial, já que eles serão
os responsáveis pela concatenação de ideias, fazendo o texto avançar na
formulação de argumentos. No entanto, não basta a mera presença dessas
palavras. Para que o texto dissertativo-argumentativo seja avaliado nos níveis
mais altos da Competência IV, é necessário que haja uso adequado e diversificado
desses elementos linguísticos:

[...] A adequação do emprego garante que os elos semânticos criados por esses
elementos sejam corretamente estabelecidos. Já sua diversidade garante a
utilização de diferentes estratégias discursivas na formulação de argumentos. Não
se trata, de forma alguma, de tornar o texto rebuscado. O rebuscamento do estilo
serve apenas para desorientar o leitor em relação à direção argumentativa do
texto (PEIXOTO, 2016, p. 159).

No processo de avaliação das redações do Enem, devemos distribuir os diferentes


perfis de textos em faixas de notas. Mais especificamente com relação à
Competência IV, devemos atribuir uma nota entre seis níveis possíveis, que
variam de 0 a 5. Apesar de parecer uma tarefa simples, jamais podemos perder
de vista nosso compromisso com o participante, que é o de categorizar tais notas
seguindo à risca os critérios preestabelecidos pela Grade Específica, ancorada na
Matriz de Referência para Redação do Enem. Dizemos isso para lembrar a todos
que, primeiro, textos com perfis diferentes podem ser enquadrados em uma
mesma faixa de nota; segundo, há inúmeras formas de se realizar a coesão, mas
serão valorizadas aquelas que dizem respeito ao funcionamento do texto de
tipologia dissertativo-argumentativa, notadamente os operadores
argumentativos.

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Desse modo, o enquadramento da redação em um nível específico requer análise
atenta por parte do avaliador – isso porque, por exemplo, um texto pode
apresentar muitos elementos de coesão, tais como os operadores
argumentativos, mas mobilizados de maneira inadequada, não podendo, assim,
ser avaliado no nível máximo.
Outro aspecto que demanda atenção é a repetição dos elementos coesivos. Tendo
em vista a necessidade de se manter dentro do tema proposto, é natural que haja
alguma repetição, principalmente em retomadas referenciais de palavras da frase
temática e de seus sinônimos (por exemplo, “estigma”, “doenças mentais”,
“preconceito” e “depressão”), certos pronomes (“esse”, “essa”, “sua”, “seu”),
bem como é esperada a recorrência de conjunções e preposições que
inevitavelmente aparecem com bastante frequência na língua portuguesa (tais
como “com”, “como”, “para”, “e”, entre outras).
Voltaremos à ideia de repetição mais adiante, mas é extremamente importante
salientar, desde já, que a recorrência de algumas palavras ligadas ao tema e de
alguns operadores linguísticos de coesão, como esses acima explicitados, não
significa a automática classificação da redação nos níveis de notas mais baixos da
Grade Específica – daí a importância do nosso trabalho de análise textual e da
avaliação rigorosa seguindo os critérios preestabelecidos, porque, a depender de
como a coesão é feita ao longo da produção escrita, textos com essas
propriedades podem atingir até faixas mais altas de notas, desde que,
obviamente, cumpram outros requisitos dos descritores de notas desses níveis
mais elevados, conforme veremos detidamente ainda neste Módulo.

2. PRINCIPAIS TIPOS DE COESÃO

À guisa de ilustração, o avaliador encontra, a seguir, um catálogo não exaustivo


dos principais tipos de mecanismos coesivos.
Na perspectiva linguística, conforme já comentado, há muitas formas de construir
e promover as relações coesivas em uma diversidade de textos orais ou escritos.
Neste tópico, não há a intenção de apresentar um compêndio gramatical, com
exemplos de todos os recursos coesivos. O que se pretende é estabelecer uma
base geral dos tipos de relações coesivas, fornecendo algumas indicações de quais

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são menos e quais são mais desejáveis para a articulação dos argumentos, naquilo
que concerne à tipologia dissertativo-argumentativa que caracteriza a redação do
Enem.
Algumas estratégias coesivas, como a repetição do mesmo termo e dos mesmos
recursos fonológicos (produzindo efeitos de rima, eco etc.), fazem sentido na
produção poética, mas, grosso modo, não são valorizadas em textos dissertativo-
argumentativos. Outras, como o paralelismo, a elipse, a coordenação e a
subordinação de orações, são típicas das dissertações, entretanto, em razão de
demandas da prática de avaliação em larga escala, não serão destacadas durante
a análise das redações neste Material.
Tomando as bases teóricas apresentadas do início do capítulo até aqui, destacam-
se dois principais tipos de coesão: a referencial, que retoma elementos já
mencionados em um texto ou introduz aqueles ainda a serem mencionados
(pronomes, por exemplo), e a sequencial, que diz respeito aos procedimentos
linguísticos por meio dos quais se estabelecem diversos tipos de interdependência
semântica e/ ou pragmática entre enunciados, à medida que faz o texto progredir
(KOCH, 1988, p. 75).
A tabela com os principais tipos de coesão é baseada nos estudos expostos em
Koch (2013, p. 29-78).

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2.1. Quadro esquemático da coesão referencial e da sequencial

2.2. Coesão referencial


2.2.1. Por uso de formas gramaticais
A. Substituição por pró-formas (pronomes, advérbios, verbos etc.)
Ex.: Psicólogos, psicanalistas e outros terapeutas estão preocupados com o
aumento do consumo de ansiolíticos e outras medicações causadoras de
dependência química. Eles tentam encontrar tratamentos alternativos para os
transtornos mentais, sem recorrer a medicações.
Observa-se o uso do pronome pessoal “eles”, que retoma “Psicólogos,
psicanalistas e outros terapeutas”.
Ex.: O sanatório de Colônia, em Barbacena, MG, foi o maior hospital psiquiátrico
do Brasil. Lá, aplicavam-se tratamentos desumanos como eletrochoques, torturas
e castigos físicos, que causaram a morte de milhares de pessoas, no que ficou
conhecido como “holocausto brasileiro”.

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Observa-se o uso do advérbio de lugar “lá”, que retoma o sanatório de Colônia,
localizado na cidade de Barbacena, em Minas Gerais.
Ex.: A sociedade costuma se referir aos doentes mentais com grande dose de
preconceito, mas é porque há muito tempo difunde-se a ideia de que eles são
malucos ou alienados.
Observa-se o uso do verbo “ser” para retomar o conteúdo da primeira oração.
Esse caso é mais comum em textos na modalidade oral e não é considerado na
avaliação da Competência IV.

B. Definitivação (artigos definidos e indefinidos)


Ex.: Várias terapias alternativas têm oferecido uma opção bastante produtiva no
tratamento dos transtornos mentais. Uma é a musicoterapia comunitária no
enfrentamento dos desafios cotidianos.
Observa-se o uso do artigo indefinido “uma”, que se refere anaforicamente à
informação antecedente “As terapias alternativas” (que têm oferecido uma opção
bastante produtiva no tratamento dos transtornos mentais)”.
Ex.: O Ministério da Saúde fornece vários remédios para os doentes mentais. Os
remédios são de alto custo e nem todos os doentes podem comprar.
Observa-se o uso do artigo definido “os”, que se refere anaforicamente à
informação precedente, “remédios” (ao mesmo tempo em que “remédios”
mantém uma relação catafórica com o segundo período).

C. Elipse (posição “vazia”)


Ex.: As pessoas que sofrem de depressão geralmente usam medicamentos
fortíssimos, e as Ø que sofrem de ansiedade, Ø medicamentos menos agressivos.
Observa-se o uso das posições vazias, que sinalizam, respectivamente, as elipses
do substantivo “pessoas” e do verbo “usar”.

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D. Numerais (números cardinais, ordinais, fracionais...)
Ex.: Muitas doenças mentais são causadas por antigos traumas aparentemente
esquecidos no passado. Duas são a depressão e a fobia social.
Observa-se que o termo “duas” retoma e especifica “doenças mentais”.
Ex.: A OMS indica que o Brasil é o país que mais tem pessoas com a saúde mental
abalada. 50% desse público é representado por mulheres maiores de idade. 20%
é a parcela formada por homens na mesma faixa etária das mulheres. 30%
correspondem a crianças e adolescentes. Em todos os casos, a internet é apontada
como o principal fator que prejudica a saúde mental dos seus usuários.
Nesse exemplo, as expressões “50%”, “20%” e “30%” retomam, para
pormenorizar, as “pessoas com a saúde mental abalada”, além de funcionarem
como articuladores intraparágrafo, conectando os períodos.

2.2.2. Por uso de formas lexicais


A. Relação de sinonímia
Ex.: O número de pessoas diagnosticadas com algum tipo de doença mental
aumenta a cada dia no Brasil. Entretanto as pessoas que sofrem com um distúrbio
psiquiátrico ainda não estão livres dos estigmas que surgem a partir do
diagnóstico.
Observa-se o uso do termo “distúrbio psiquiátrico” como um sinônimo de
“doença mental”.

B. Relação de hiperonímia-hiponímia
Ex.: As doenças mentais ainda são vistas pela sociedade de forma superficial.
Casos de ansiedade incontrolável e depressão, por exemplo, continuam sem ter
a devida atenção das autoridades responsáveis pela saúde pública.
Observa-se que as formulações “ansiedade incontrolável” e “depressão” são
hipônimos do hiperônimo “doenças mentais”.

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C. Nomes genéricos (palavras que produzem relações de sinonímia; casos comuns
são os termos “fato”, “evento”, “fenômeno”, “crença”, entre outros)
Ex.: No filme “Cisne Negro” uma jovem bailarina é induzida pela mãe a conseguir
o papel principal de qualquer maneira, causando-lhe severos distúrbios
emocionais. O fato foi amplamente discutido na época do lançamento do filme
por retratar uma história real peculiar em relação às doenças mentais.
Observa-se como “fato” retoma a ideia de indução prejudicial da mãe sobre a
filha.

D. Nominalizações (geralmente, nomes deverbais)


Ex.: No início desse ano médicos especialistas em Saúde Mental se pronunciaram
contra a internação para o tratamento de pacientes com transtornos psiquiátricos
moderados. O pronunciamento foi divulgado durante a realização da convenção
anual da Sociedade Brasileira de Psiquiatria.
Observa-se que o substantivo abstrato “pronunciamento”, no segundo período,
retoma o verbo “pronunciar” do primeiro período. O mesmo recurso poderia
acontecer, hipoteticamente, entre “tratar” e “tratamento”.

2.3. Coesão sequencial


2.3.1. Sequenciação parafrástica
A. Recorrência dos mesmos termos (recurso muito comum na poesia)
Ex.: (...) um galo / que apanhe o grito de um galo antes / e o lance a outro; / e
outros galos / que com muitos outros galos se cruzem / os fios de sol de seus gritos
de galo (MELO NETO, 1968).
Nesse excerto, em vez de recorrer, por exemplo, à coesão por sinonímia,
utilizando “ave”, “galináceo” etc., a repetição do mesmo termo é necessária para
a caracterização da dimensão poética do texto. Tal recurso, conforme já
sinalizado, é indesejável em textos dissertativo-argumentativos.

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B. Recorrência da mesma estrutura sintática
Ex.: A voz de minha bisavó / ecoou criança / nos porões do navio.
A voz de minha mãe / ecoou baixinho revolta / no fundo das cozinhas alheias
(EVARISTO, 2008).
Observa-se que a estrutura sintática se repete nas duas “linhas” (há três versos
em cada linha), colaborando para a coesão. Esse recurso, embora seja uma forma
legítima de construir a coesão, opera no nível da sintaxe. Levando em
consideração as demandas da Competência IV na avaliação de textos em larga
escala, tal recurso não é considerado nessa Competência.

C. Recorrência do mesmo conteúdo semântico


Ex.: A proibição da lobotomia, cirurgia extremamente invasiva em que são
cortadas as ligações entre os lobos frontais do cérebro, aconteceu há pouco
tempo em escala histórica, isto é, há 60 anos.
Observa-se que “isto é” articula a informação “há 60 anos” à formulação
precedente, “há pouco tempo em escala histórica”, produzindo um efeito de
especificação ou explicação.

D. Recorrência dos mesmos recursos fonológicos (geralmente relacionados a


fenômenos como assonância e aliteração, muito comuns na poesia)
Ex.: “O livro é o mar onde / Pescamos capacidade, / O anzol é a leitura, / E a isca
é a vontade. / É desse imenso mar / Onde podemos fisgar / Saberes, pluralidade.”
(SENNA, 2012).
Observam-se, nessa setilha (estrofe de sete versos de sete sílabas), do cordelista
Costa Senna, as rimas entre “capacidade”, “vontade” e “pluralidade”, bem como
entre “mar” e “fisgar”, compondo uma sequência rítmica própria da literatura de
cordel. Vale reforçar que, embora esse recurso rítmico esteja muito presente em
textos líricos, ele é incompatível com a tipologia dissertativo-argumentativa,
portanto não é considerado recurso coesivo na Competência IV.

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2.3.2. Sequenciação frástica
A. Manutenção temática (uso de termos do mesmo campo lexical)
Ex.: Portadores de transtornos mentais podem ser plenamente úteis à sociedade,
por exemplo, no campo cultural, como atestam as obras-primas de inúmeros
artistas: as pinturas de Vicent Van Gogh (que sofria de esquizofrenia), os afrescos
de Michelangelo (transtorno obsessivo compulsivo), as esculturas de Yayoi
Kusama (depressão e borderline) e as interpretações de Nina Simone
(bipolaridade), na música.
Nesse exemplo, a coesão temática funciona pela presença dos termos relativos a
doenças mentais, evocados pelo tópico “[Portadores de] transtornos mentais”,
como “esquizofrenia”, “transtorno obsessivo compulsivo”, “depressão”,
“borderline” e “bipolaridade”, bem como as menções às pessoas portadoras
dessas doenças, como “Vicent Van Gogh”, “Michelangelo”, “Yayoi Kusama” e
“Nina Simone”. O mesmo funcionamento coesivo acontece nas referências a
palavras do mesmo campo semântico estabelecido por “campo cultural”
(funcionando também como hiperônimo) e as demais formulações
identificadoras de produções artísticas, como “pinturas”, “afrescos”, “esculturas”
e “música” (funcionando, também, como hipônimos), além dos nomes dos
artistas que, por serem notórios, também se apresentam como referentes típicos
do campo cultural.

B. Encadeamento por justaposição (orações subordinadas, geralmente adverbiais


e adjetivas)
Ex.: O primeiro manicômio instalado no Brasil foi o Hospício Pedro II, instalado na
Praia Vermelha, na cidade de Rio de Janeiro, em 1852, e era conhecido
popularmente como “Palácio dos Loucos”. Fazendo um balanço de todos os
avanços pelos quais passou a psiquiatria, o fim desse tipo de instituição está cada
vez mais comum hoje em dia, devido ao fortalecimento dos movimentos
antimanicomiais.
Nesse exemplo, a oração subordinada, que se inicia com o gerúndio “fazendo”,
funciona como articulador entre a oração principal, que se inicia com “o fim desse
tipo de instituição”, e o período anterior, que fala do primeiro manicômio
brasileiro.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 15
Ressalte-se que, embora a coesão por justaposição seja adequada e muito comum
na tipologia argumentativa, para fins de avaliação em larga escala (levando em
consideração a necessidade de distribuir as redações nos seis níveis de nota da
Competência IV e a dificuldade em sistematizar, distinguir e marcar essa forma
específica de articulação textual), o processo de subordinação/coordenação não
será considerado na avaliação dessa Competência.

C. Encadeamento por conexão (operadores argumentativos)


Ex.: O cantor Roberto Carlos, a atriz Cássia Kiss e o humorista Jô Soares fizeram
questão de tornar pública a luta contra o Transtorno Obsessivo Compulsivo, que
os levava a debilitantes comportamentos repetitivos. Em decorrência disso,
muitas pessoas que padeciam com os mesmos sintomas se motivaram a procurar
ajuda médica e a não esconderem sua doença, passos importantes para o
enfrentamento do problema.
Observa-se que a formulação “em decorrência de” funciona como um articulador
entre um fato (o depoimento de artistas brasileiros que sofriam com um
transtorno mental) e sua consequência (a motivação de pessoas que, por conta
do depoimento, começaram a buscar tratamento médico especializado).
Há várias outras formas por meio das quais os operadores argumentativos se
realizam, mas não basta que estejam abundantemente distribuídos em quase
todas as linhas, denunciando uma tentativa forçada de usar o máximo possível de
elementos coesivos. Trata-se de avaliar em que medida os operadores estão, de
fato, contribuindo para a articulação dos argumentos ao longo de todo o texto.
Considerando a importância desses elementos para a construção da coesão em
textos dissertativos-argumentativos, vale a pena detalhar as diferentes relações
semântico-argumentativas postas em cena por eles, tais como apresentadas a
seguir.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 16
2.4. A relevância dos operadores argumentativos na avaliação
da Competência IV
De acordo com Koch e Elias (2016, p. 76), os operadores argumentativos são
elementos que fazem parte do repertório linguístico e “são responsáveis pelo
encadeamento dos enunciados, estruturando o texto e determinando a
orientação argumentativa”. Isso nos permite concluir que esses elementos
linguísticos devem estar entre os principais componentes da articulação do texto
dissertativo-argumentativo, o que justifica o fato de as notas mais altas exigirem
operadores argumentativos, como se verá na Grade Específica.
Ao mobilizarmos esse conceito linguístico na avaliação em larga escala, uma
ressalva se faz necessária. Assim como já elucidamos no início deste capítulo, há
várias formas legítimas de se construir a coesão, mas as demandas de
seleção/categorização da Matriz nos obrigam a valorizar algumas e a
desconsiderar outras; o mesmo procedimento vale para a aplicação do conceito
de operador argumentativo. Proposta originariamente por Oswald Ducrot (1977,
1987), a ideia de “argumentação na língua” é muito rica e abrangente, incluindo,
por exemplo, advérbios utilizados nas interações verbais mais corriqueiras,
marcadas, às vezes, por termos como “ainda”, “já”, “não”, e até mesmo por certos
verbos como “abandonar” e “deixar”, indicadores de implícitos, pressupostos e
subentendidos (Cf. Ducrot, 1977). Na avaliação da redação do Enem, todavia, não
é desejável, nem possível, considerar a argumentação a partir do estatuto dos
implícitos; portanto, decisões são tomadas no sentido de privilegiar os operadores
mais efetivos na tipologia dissertativo-argumentativa.
Para esclarecer ao máximo essas decisões para os avaliadores, apresentamos, a
seguir, cada um dos tipos de operadores argumentativos considerados na
Competência IV, ilustrando-os com exemplos, além de incluirmos um Glossário
nas páginas finais deste material, com orientações sobre os elementos coesivos,
principalmente operadores argumentativos, em especial os que mais levantam
dúvidas na aplicação da grade.
Classificação dos operadores argumentativos considerados na Competência IV:

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 17
A. Operadores que somam argumentos a favor da mesma conclusão.
Exemplo 1

B. Operadores que indicam o argumento mais forte em uma escala a favor da


mesma conclusão.
Exemplo 2

C. Operadores que deixam subentendida a existência de uma escala com outros


argumentos mais fortes.
Exemplo 3

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 18
D. Operadores que contrapõem argumentos orientados para conclusões
contrárias.
Exemplo 4

E. Operadores que introduzem uma conclusão com relação a argumentos


apresentados em enunciados anteriores.
Exemplo 5

F. Operadores que introduzem uma justificativa ou explicação relativa ao


enunciado anterior.
Exemplo 6

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 19
G. Operadores que estabelecem relações de comparação entre elementos,
visando a uma determinada conclusão.
Exemplo 7

H. Operadores que introduzem argumentos alternativos que levam a uma


determinada conclusão.
Exemplo 8

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 20
3. MATRIZ DE REFERÊNCIA PARA A COMPETÊNCIA IV
COMPETÊNCIA IV

Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos


necessários para a construção da argumentação
0 Não articula as informações.
1 Articula as partes do texto de forma precária.
2 Articula as partes do texto de forma insuficiente, com muitas inadequações, e
apresenta repertório limitado de recursos coesivos.
3 Articula as partes do texto de forma mediana, com inadequações, e apresenta
repertório pouco diversificado de recursos coesivos.
4 Articula as partes do texto, com poucas inadequações, e apresenta repertório
diversificado de recursos coesivos.
5 Articula bem as partes do texto e apresenta repertório diversificado de recursos
coesivos.

Com o intuito de facilitar a aplicação da Matriz de Referência para Redação do


Enem no processo efetivo de avaliação, elaborou-se uma Grade Específica (tópico
5) para tornar mais clara a gradação entre os diferentes níveis. A intenção é
estabelecer limites entre os níveis, para que a aplicação dos critérios de avaliação
seja a mais objetiva e justa, visando contemplar a grande variedade de textos que
chegam às mãos dos avaliadores. É essa Grade Específica, disponível no tópico 5,
que deve ser utilizada no momento da avaliação.

4. ESPECIFICIDADE DA AVALIAÇÃO DA COMPETÊNCIA


IV EM RELAÇÃO ÀS COMPETÊNCIAS I E III
Os aspectos da Competência IV estudados ao longo deste capítulo, por atuarem
no texto de modo a influenciar e evidenciar a organização textual, podem, em
alguns casos, dar ao avaliador a impressão de que eles são indissociáveis dos
aspectos avaliados nas Competências I e III, já consideradas em Módulos
anteriores.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 21
Todavia, cada Competência deve ser avaliada de forma autônoma, considerando
sempre que os participantes não podem ser penalizados duas ou mais vezes pelo
mesmo motivo e em competências diferentes.
Por essa razão, vale a pena explicitar a diferença entre essas competências,
começando pela especificidade das Competências III e IV, pois, ainda que,
segundo a Matriz de Referência para Redação do Enem, ambas considerem a
construção da argumentação, elas avaliam aspectos diferentes do texto.
Assim sendo, na Competência III, analisa-se a capacidade do participante de
selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e
argumentos em defesa de um ponto de vista, ou seja, trata-se da avaliação da
estrutura mais profunda do texto, a qual depende de informações semântico-
argumentativas complexas, que subjazem à superfície textual.
Na Competência IV, por sua vez, em linhas gerais, devemos avaliar se o repertório
de recursos coesivos é diversificado (isto é, se há variedade de elementos
coesivos, em diferentes graus de presença desses elementos, e se há repetições
de alguns desses conectores) e se esses recursos são utilizados adequadamente.
Conforme já explicado, os elementos coesivos são marcadores explícitos que, se
presentes nos textos, são facilmente identificáveis e, quando empregados de
forma precisa, devem contribuir para a organização e compreensão das ideias
apresentadas. A diferença entre as duas competências está evidenciada também
no item 9, a partir da análise de uma mesma redação sob a perspectiva de cada
uma das duas competências.
Além dessa possível confusão entre as Competências III e IV, pode haver também
dúvidas sobre a relação entre a Competência IV e a Competência I, esta última
responsável por avaliar o domínio da modalidade escrita formal da Língua
Portuguesa, que também se encontra na superfície textual (por exemplo, a
presença de desvios gramaticais, de convenções da escrita, de escolha de registro,
de escolha vocabular, além de problemas relacionados à construção sintática).
Uma das questões mais relevantes no que tange à relação entre essas duas
competências diz respeito ao uso da pontuação: deve-se analisar a pontuação na
Competência I ou na IV? Ainda que uma falha dessa ordem possa afetar a coesão
do texto, foi deliberado que a pontuação será cobrada na Competência I. Essa
decisão deve-se ao fato de que o uso da pontuação está relacionado a dois fatores
principais:

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 22
• As regras de pontuação são convencionadas pelas gramáticas (exemplo: não
se pode separar sujeito e predicado por vírgula), fazendo parte, de maneira mais
próxima, das convenções que integram a prática analítica da Competência I;
• A falta ou o excesso de pontuação pode trazer problemas relacionados à
construção sintática, que também é avaliada na Competência I.
Outro aspecto que diferencia a avaliação das Competências I e IV é a grafia: a
Competência I avalia o cumprimento das normas ortográficas na grafia de
palavras que funcionam como conectivos, enquanto a Competência IV examina o
funcionamento semântico-argumentativo desses elementos coesivos, ou seja, as
relações de coesão propriamente ditas. Selecionamos as ocorrências a seguir para
ilustrar essa distinção:

Exemplo 9

No Exemplo 9, em vez de escrever “Entretanto”, o participante escreve


“Entretando” (linha 9), incorrendo em um desvio de grafia, mas não em um
problema de coesão, já que esse conector estabelece, de maneira adequada, uma
relação adversativa entre a informação (negativa) de que há muitas pessoas
sofrendo com doenças mentais no Brasil e a informação (positiva) de que existem
formas de amenizar esse sofrimento. Por isso, como o funcionamento da coesão
está preservado, esse tipo de desvio na escrita da palavra é computado na
Competência I, e não na Competência IV. O mesmo problema ocorre no Exemplo
10:

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 23
Exemplo 10

No Exemplo 10, há um problema de segmentação visível na grafia de “o que”,


escrito “oque” (linha 17): unidades lexicais que deveriam aparecer separadas
estão unidas graficamente, em uma ocorrência que também deve ser observada
na Competência I, não na Competência IV, uma vez que representa um desvio das
regras ortográficas, e não um problema relacionado à coesão – poderiam ser
desvios gramaticais de outra ordem, é claro, como problemas de regência, por
exemplo, a diferença entre “o qual” e “do qual” etc., que também não é
penalizada na Competência IV.
As diferenças entre as Competências I, III e IV são resumidas a seguir:

COMPETÊNCIA IV COMPETÊNCIA III

X
SUPERFÍCIE DO TEXTO ESTRUTURA PROFUNDA DO TEXTO

COMPETÊNCIA IV COMPETÊNCIA I

SUPERFÍCIE DO TEXTO
X SUPERFÍCIE DO TEXTO
RECURSOS COESIVOS MODALIDADE

Ao mobilizar essas breves definições do que é cobrado em cada Competência,


bem como sistematizar um método que simplifique e objetive a avaliação da
Competência IV, nossa intenção é sempre facilitar o entendimento da Matriz de
Referência para Redação do Enem, unificando esse processo, que é grande e
desafiador, de uma forma que possamos todos aplicar os critérios de correção da
mesma forma, com objetividade.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 24
Uma vez que estamos tratando da coesão neste Módulo, podemos assumir que
um dos objetivos do Curso de Capacitação é tornar coeso o Brasil inteiro: milhares
de avaliadores lendo milhões de redações, aplicando os mesmos critérios de
correção. Esse é um bom exemplo do que poderíamos chamar de coesão humana:
se buscarmos uma unidade na aplicação dos critérios, resultando na diminuição
das discrepâncias, certamente nosso trabalho final se mostrará coeso.

5. GRADE ESPECÍFICA DA COMPETÊNCIA IV


Apresentamos, a seguir, a Grade Específica com a qual deverá ser feita a avaliação
efetiva da Competência IV.

COMPETÊNCIA IV

Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos


necessários para a construção da argumentação
Ausência de articulação: palavras e/ou períodos desconexos ao longo de todo
0 o texto.
Presença rara de elementos coesivos inter e/ou intraparágrafo E/OU excessivas
1 repetições E/OU excessivas inadequações.
Presença pontual de elementos coesivos inter e/ Textos em forma de
2 ou intraparágrafo E/OU muitas repetições E/OU monobloco não devem
muitas inadequações. ultrapassar este nível.
Presença regular de elementos coesivos inter E/OU intraparágrafo E/OU
3 algumas repetições E/OU algumas inadequações.
Presença constante de elementos coesivos inter* e intraparágrafo E/OU
poucas repetições E/OU poucas inadequações.
4
*De tipo “operador argumentativo”, entre parágrafos em, pelo menos, 01 momento do
texto.

Presença expressiva de elementos coesivos inter** e intraparágrafo** E raras


ou ausentes repetições E sem inadequação.
5
**De tipo “operador argumentativo”, entre parágrafos em, pelo menos, 02 momentos do
texto e, pelo menos, 01 elemento coesivo de qualquer tipo dentro de todos os parágrafos.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 25
6. TERMOS IMPORTANTES PARA A APLICAÇÃO DA
GRADE ESPECÍFICA DA COMPETÊNCIA IV
Com o objetivo de facilitar a observação, nas redações, dos conceitos abordados
na Competência IV, iremos utilizar algumas marcações nas imagens, considerando
a legenda a seguir:

repetição de elementos coesivos

elementos coesivos inadequados

elementos coesivos adequados

6.1. Presença de elementos coesivos


O conceito de presença de elementos coesivos corresponde ao repertório
coesivo com o qual o participante constrói a articulação entre palavras, frases e
parágrafos no texto. Essa presença deve ser compreendida como o conjunto de
recursos coesivos observados em um texto, considerando-se, especificamente no
caso do Enem, a produção textual de tipo dissertativo-argumentativo. Dessa
forma, para examinar a presença de elementos coesivos na redação, o avaliador
deve direcionar seu olhar para a qualidade do emprego de elementos linguísticos
responsáveis pela coesão, verificando se eles estão colaborando para a
articulação da argumentação do texto.
A qualidade do emprego desse conjunto coesivo em um texto dissertativo-
argumentativo é verificada, primeiramente, pela presença concreta de elementos
coesivos dentro dos parágrafos e entre estes; em um segundo momento, se tais
elementos se repetem ou não; e, em seguida, se estão mobilizados de maneira
adequada ou não. Esses aspectos abrangem a observação da coesão intra e
interparágrafos, as repetições e as inadequações, conforme veremos nos
próximos tópicos.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 26
6.2. Coesão intraparágrafo e interparágrafos
Ao mencionar coesão intraparágrafo, a terminologia da Grade se refere à
presença de elementos coesivos, adequadamente mobilizados, dentro do
parágrafo (Quadro 1, vocábulos em azul). Por sua vez, a coesão interparágrafos
é a presença de elementos coesivos, adequadamente mobilizados, entre os
parágrafos (Quadro 1, vocábulos em laranja). Esses elementos localizam-se,
geralmente, no início das alíneas, mas também podem aparecer ao longo do
primeiro período do parágrafo, de forma deslocada, como se observa na
ocorrência de “portanto”, no último parágrafo do texto ilustrativo no Quadro 1.
Eles funcionam relacionando tanto ideias mais gerais entre parágrafos quanto
períodos ou trechos específicos de ideias.

Quadro 1

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 27
Mais adiante, na seção 6.4, veremos que não basta identificarmos a presença
desses elementos coesivos; também é preciso verificar se eles estão
adequadamente empregados no texto, promovendo o funcionamento de suas
relações semânticas.
Como apontado na Grade Específica, para um texto atingir os níveis 4 e 5 na
Competência IV, ele precisará, necessariamente, ter a presença de alguns
elementos coesivos específicos (os chamados operadores argumentativos)
interparágrafos, além de outras formas de coesão. Assim, é importantíssimo, para
fazer a distinção entre os níveis mais altos, identificar se a relação de um elemento
coesivo localizado no início de um parágrafo se dá entre ele e o conteúdo do
parágrafo anterior (relação interparágrafos) ou entre conteúdos “internos” do
próprio parágrafo (relação intraparágrafo). Os Exemplos 11 e 12 ilustram
ocorrências de coesão intra e interparágrafos que podem, eventualmente,
confundir, se não houver atenção na leitura:

Exemplo 11

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 28
Exemplo 12

O texto do Exemplo 11 mostra um caso em que a expressão coesiva “Tendo em


vista” (linha 21) se articula argumentativamente com o parágrafo anterior,
construindo uma relação de implicação ao retomar o conteúdo já apresentado
por meio da expressão sequencial “Tendo em vista” somada à expressão
referencial “o supracitado”, o que obriga o leitor a recuperar informações do
parágrafo anterior para entender de que se trata “o supracitado”, a saber, o fato
de as pessoas, em geral, não entenderem a gravidade das doenças mentais.
Assim, ao iniciar um novo parágrafo, a argumentação é organizada pelo operador
argumentativo, permitindo que o texto avance de forma articulada, ou seja, não
se acrescenta uma nova informação genérica, mas uma nova informação
especificamente relacionada com o conteúdo do parágrafo anterior – tendo em
vista um problema específico, a ignorância das pessoas sobre as doenças mentais,
o governo federal deve conscientizar a população a esse respeito etc. Essa relação
fica evidente para o leitor por meio da expressão coesiva adequadamente
empregada, configurando, desse modo, a relação de coesão interparágrafos.
O texto no Exemplo 12, por outro lado, evidencia um caso em que há um operador
argumentativo no início do parágrafo, a mesma expressão “Tendo em vista” (linha
18), mas que não está funcionando de maneira interparágrafos, isto é, não articula
explicitamente o(s) argumento(s) do parágrafo em que se encontra com o(s)
argumento(s) do anterior. Apesar de ser um operador argumentativo e de estar

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 29
localizado entre dois parágrafos, esse item coesivo opera de maneira “local”, ou
seja, ele é um elemento coesivo intraparágrafo, pois o leitor não precisa recorrer
ao parágrafo anterior para saber o que se deve “ter em vista”. A informação está
disponível dentro deste mesmo parágrafo, nas linhas 18 e 19: tendo em vista o
estigma associado às doenças mentais no Brasil, pode-se propor as intervenções
apresentadas a partir da linha 20, abrangendo ações do Ministério da Saúde e da
Educação.

Se, por hipótese, a redação do Exemplo 12 estivesse dependendo apenas desse


operador argumentativo para chegar ao nível 4, ela teria que ficar restrita ao nível
3, pois, conforme acabamos de dizer, a coesão exemplificada é feita visando
articular conteúdos “dentro” do mesmo parágrafo (intraparágrafo); assim, a
redação não cumpre todos os requisitos do nível 4 na Grade Específica.

Vejamos mais alguns exemplos de coesão intra/interparágrafos, no intuito de


prever situações desse tipo, bastante comuns na avaliação da Competência IV.
Cada caso é seguido de uma breve explicação sobre o tipo de articulação (se é
intra/interparágrafos) e o tipo de elemento coesivo (se é operador argumentativo
ou apenas uma retomada referencial).

Exemplo 13

“Essa realidade” (linha 19): A coesão é interparágrafos, mas não é um operador


argumentativo. Trata-se de coesão referencial, com a função de retomar a ideia
apresentada no parágrafo anterior, sobretudo em seu trecho final (está em curso
um processo que torna o mundo “acelerado” e faz as pessoas deixarem de comer,
de dormir, de descansar, alegando não terem tempo).

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 30
Exemplo 14

“Por outro lado” (linha 12): A coesão é interparágrafos, realizada por um


operador argumentativo com função indicativa de contraste ou de outra faceta
do mesmo problema. A partir dele, retoma-se o argumento apresentado no
parágrafo anterior (a pandemia de covid-19 abalou a economia e as relações
interpessoais, o que afetou a saúde mental das pessoas) para, na sequência,
desenvolver uma reflexão sobre o assunto para além do período de pandemia,
um outro lado da mesma questão (problemas de saúde mental já existiam antes,
como a depressão, embora muitas pessoas não reconhecessem a gravidade
desses distúrbios).

Exemplo 15

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 31
“A fim de” (linha 21): A coesão é intraparágrafo, realizada por um operador
argumentativo com função de indicar “finalidade”. No caso, apresentam-se tanto
o objetivo de uma ação (garantir o cuidado com a saúde mental dos brasileiros),
quanto a própria ação (investir em campanhas e tratamento para transtornos
mentais) dentro de um mesmo parágrafo.

Exemplo 16

“Ademais” (linha 16): A coesão é interparágrafos, realizada por um operador


argumentativo com função aditiva. No parágrafo das linhas 7 a 15, afirma-se que
o Brasil não trata adequadamente os casos de doenças mentais em sua
população. No parágrafo seguinte, o operador indica a adição de outra
informação sobre a mesma temática: o fato de haver agravantes no quadro de
transtornos mentais, como as cobranças no trabalho e questões pessoais, entre
outros problemas.
Após esses exemplos, ainda sobre a avaliação da coesão interparágrafos,
gostaríamos de estabelecer uma diretriz para os casos frequentes de “em
primeiro lugar/ plano/ análise/ instância” e “em segundo lugar/ plano/ análise/
instância”.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 32
Exemplo 17

Na redação do Exemplo 17, no que diz respeito ao uso de elementos coesivos


interparágrafos, destacamos a existência das expressões “Em segunda análise”
(linha 18) e “Dessarte” (linha 23), funcionando como operadores argumentativos.
A expressão “Em primeira análise” é considerada, nessa avaliação, apenas
elemento coesivo referencial, pois está apenas apresentando a primeira
informação (ou iniciando uma breve análise, no caso), segundo a qual há um
“enorme tabu automaticamente relacionado a qualquer assunto em que saúde
mental se encontra como tópico principal” e, aparentemente, seria essa a razão
que impede a sociedade de falar abertamente sobre as doenças mentais, o que
MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 33
levaria ao número alarmante de casos de depressão, eventualmente rotulados
como “frescura ou algo momentâneo” (lembramos que o processo de seleção e
de hierarquização das informações e argumentos na tentativa de compor um
projeto de texto é avaliado na Competência III; na avaliação da coesão, basta que
as relações semânticas entre termos, sintagmas e orações estejam funcionando
adequadamente). Sendo assim, além de seu caráter referencial (não é operador
argumentativo), “Em primeira análise” aponta para um conteúdo no interior do
parágrafo em que ocorre (é intraparágrafo) e, por isso, não é considerado válido
como elemento de coesão interparágrafos.
Quanto à formulação “Em segunda análise”, ela também tem esse caráter
referencial, uma vez que cumpre a função de apresentar mais uma
informação/argumento, no caso, uma segunda breve análise das possíveis causas
do problema levantado, a grande incidência de doenças mentais na população.
De acordo com o parágrafo da linha 18, vivermos em uma sociedade pautada pelo
ideal de felicidade e pelo idealismo de um mundo perfeito, potencializados nas
redes sociais, contribuiria para a existência de doenças mentais como a
depressão. Todavia, por já haver uma primeira análise anteriormente marcada
como tal, a expressão “Em segunda análise” estabelece uma relação
argumentativa sequencial explícita com o parágrafo anterior, à semelhança de
elementos como “além disso”, “em acréscimo” e “dessarte”, também aceitos
como operadores argumentativos. É por essa razão que devemos aceitar “Em
segunda análise/ lugar/ instância” como operador argumentativo interparágrafos,
mas não “em primeira análise/ lugar/ instância”, que é considerado apenas como
um item de coesão referencial intraparágrafo.
Em textos com esse perfil, a redação geralmente continua contando com os dois
operadores argumentativos interparágrafos exigidos para o nível 5, pois, além do
“Em segunda análise/lugar”, os textos bem articulados apresentam um elemento
coesivo com função “conclusiva”, como é o caso de “Dessarte” (linha 23) e seus
semelhantes “Portanto”, “Enfim”, “Em suma”, “Concluindo”, “À guisa de
conclusão” etc.
Neste ponto, um avaliador poderia se perguntar: “E se a expressão ‘Em primeiro
lugar’ retomar explicitamente um conteúdo do parágrafo anterior ao que ela
aparece?”. Pois bem, mesmo que uma introdução seja bastante explícita quanto
aos conteúdos que serão apresentados no primeiro e no segundo lugares, a
interpretação apresentada há pouco permanece a mesma. Vejamos esse
questionamento em maiores detalhes.
MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 34
Suponhamos que, na introdução, o participante escreva que é necessário abordar
o tema considerando dois aspectos, X e Y. Daí, o segundo parágrafo do texto
(primeiro do desenvolvimento) inicia com “Primeiramente (ou ‘Em primeiro
lugar’), o aspecto X...” e o terceiro parágrafo (segundo do desenvolvimento)
começa com “Segundamente (ou ‘Em segundo lugar’), devemos observar o
aspecto Y...”. Nesse caso, haveria, de fato, coesão interparágrafos entre o
primeiro parágrafo do desenvolvimento e a introdução, todavia, e aqui reside a
principal diferença, essa relação coesiva é referencial – da mesma forma como
também é referencial a ligação do conteúdo do segundo parágrafo do
desenvolvimento (“Segundamente... o aspecto Y”...” ) com a referente “aspecto
Y” que está na introdução, muito embora, nesse segundo caso, a expressão
funcione simultaneamente como operador argumentativo, enquanto no primeiro
caso a relação seja somente referencial. Em suma: “Primeiramente, o aspecto X...”
apenas apresenta (referencialmente) a si mesmo, sem se relacionar
(argumentativamente) com algo que viria antes dele, uma vez que ele próprio se
assume enquanto primeiro ponto/análise/instância. Já o termo “Segundamente”
se encaixa numa espécie de cadeia argumentativa sequencial justamente porque
existe o primeiro ponto/aspecto enunciado antes, tornando-se, então, um
operador argumentativo.
Uma evidência de que essa interpretação funciona bem na prática de avaliação
das redações é que ela é aplicável até em textos que apresentam apenas o
“Primeiro lugar” (ou “Primeiramente”), sem o “Segundo lugar” (ou
“Segundamente”), bem como nos textos em que o “Segundo lugar” aparece sem
a ocorrência explícita da expressão “Em primeiro lugar”. No primeiro caso, o
“Primeiro lugar” sozinho continua sendo apenas referencial. Já no segundo caso,
mesmo sem a presença inequívoca de seu “par”, a expressão “Em segundo lugar”
continua funcionando como um elemento coesivo referencial e sequencial
(considerada operador argumentativo), pois recupera, ainda que de forma vaga,
a temática/situação/problema mencionada no(s) parágrafo(s) anterior(es);
portanto, repetimos, “Em segundo lugar” continua sendo considerado operador
argumentativo interparágrafos.
A explicação pode parecer complexa, mas sua aplicabilidade foi e tem sido
comprovada na prática de avaliação em larga escala.
Para compreender as diretrizes avaliativas nesta e nas demais competências, o
avaliador deve entender que essas interpretações não são explicações que
pretendem descrever os fenômenos semânticos à semelhança do que fazem os
MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 35
linguistas no campo científico, como se fossem explicações acadêmicas definitivas
ou exaustivas sobre a questão. Os autores deste material, embasados nos teóricos
do campo acadêmico e em sua própria formação na área, aliada à experiência em
avaliações em larga escala, tentam traduzir a complexidade do conhecimento
científico em critérios os mais objetivos possíveis, da forma mais operacional
possível, em uma grade de correção. Esse é o motivo que nos leva a tomar certas
decisões, confiantes de tornar um mesmo critério igualmente aplicável em
diferentes textos, por milhares de avaliadores diferentes. Nisso reside a
importância de seguir as diretrizes – cientes de que casos atípicos devem ser
encaminhados como dúvida para os supervisores – e, com efeito, a justiça de um
processo de avaliação gigantesco como o do Enem.

6.3. Repetição
A recorrência dos mesmos elementos coesivos em uma determinada redação
deve ser avaliada, assim como os demais critérios, com muito cuidado. Acima de
tudo, porque é impossível contabilizar a repetição de forma absoluta, impondo
um padrão quantitativo aplicável a todo e qualquer texto. Não se trata de contar
as palavras repetidas; é necessário, sempre, considerar a repetição em relação
àquilo que o participante apresentou, concretamente, em sua produção escrita,
verificando em que medida essa repetição prejudica (ou não) a articulação dos
argumentos dentro de um dado conjunto textual.
Conforme já mencionado, trata-se de um recurso legítimo na construção da
coesão. Aquino (2016, p. 195) afirma que, “como a redação do Enem é um texto
curto, qualquer repetição se torna mais saliente, o que não significa que seja
necessariamente problemática”. Nesse sentido, de acordo com a autora, “o
avaliador deverá distinguir a repetição promotora de coesão daquela que torna o
texto cansativo, sem nuances” (2016, p. 195), além de avaliar o emprego de outras
formas coesivas operando conjuntamente para a articulação das ideias ao longo
do texto dissertativo-argumentativo.
Nesse contexto, as repetições são problemáticas quando fazem rarear a
diversidade do repertório coesivo, ou seja, quando o participante não se vale de
recursos variados ao longo do texto. A variedade no repertório traz maior fluidez
à construção dos sentidos da produção textual. Reforçamos que a recorrência de
palavras do campo semântico da frase temática (no caso da proposta de 2020,
“doenças mentais”, “estigma”, “saúde mental”...) e seus sinônimos é esperada, e,

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 36
quando aliada a outras estratégias coesivas, pode até ser eficiente na construção
da coesão. Por essa razão, a avaliação da repetição deve incidir, prioritariamente,
sobre a coesão sequencial representada, na grande maioria das vezes, pelos
operadores argumentativos.
O exemplo a seguir traz o excerto de uma redação que ilustra o tipo de repetição
que deve ser penalizada na Competência IV. As ocorrências de “depressão” foram
destacadas porque, embora se refiram a um elemento da frase temática,
aparecem com uma frequência muito grande no trecho em questão e, somadas à
repetição de outros vocábulos, contribuem para prejudicar a articulação do texto,
não sendo contadas no repertório de elementos coesivos adequadamente
mobilizados. As marcações tracejadas identificam a repetição.

Exemplo 18

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 37
O Exemplo 18 apresenta apenas um trecho de redação, pois não nos interessa, no
momento, avaliar o nível do texto na Competência IV, mas apenas demonstrar
como a repetição aparece empiricamente. O primeiro aspecto a se observar é o
fato de a repetição prejudicar a articulação do texto quando as ocorrências do
mesmo vocábulo acontecem de maneira muito próxima entre si. Tal fenômeno se
manifesta, por exemplo, nas ocorrências de “isso” e de “tá” (verbo “estar”) nas
linhas 14 a 19 e 26 a 29, nas quais se lê: “... isso, querendo ou não afeta muito o
jovem pode acabar vendo coisas que não deve na internet e isso meche com o
psicológico da pessoa esse problema ou surto de depressão tem que acabar isso
tá matando muita gente tá ficando comum depressão isso é alarmante e pior que
tá morrendo muita gente”, bem como nas ocorrências de “depressão” em várias
partes do texto, do qual destacamos as linhas 24 a 29: “...mais de 300 pessoas
estão com depressão no mundo. Depressão está acabando com a vida de muita
gente isso é horrível tá cada vez mais comum um jovem morre de depressão isso
tem que acabar é muito sério e tem pessoas que ainda acha que depressão é
frescura que acha isso...” (além de casos adicionais de “isso” e de outros termos
repetidos).
Como já o dissemos, ainda que “depressão” remeta à frase temática e integre o
conjunto lexical que deve ser avaliado com flexibilidade, pode haver casos em que
a recorrência desse termo manifeste a falta de coesão no texto e funcione como
um indício, chamando a atenção do avaliador para a repetição de outros termos.
A repetição pode incidir sobre um mesmo termo, mas, muitas vezes, aparece de
forma generalizada. No caso de “jovens”, as ocorrências não tratam sempre do
mesmo referente, mas marcamos o termo nesse fragmento com o intuito didático
de ilustrar como a pouca habilidade em recorrer a sinônimos é outro indício de
coesão prejudicada pela repetição – o participante poderia ter utilizado
“adolescentes”, “menores de idade”, “estudantes” ou “crianças”, por exemplo.
Esse aspecto se intensifica de maneira significativa quando incide sobre um
operador argumentativo (veremos casos assim nos exemplos à frente), pois
prejudica sobremaneira a articulação dos argumentos, uma vez que repete
sempre a mesma relação semântica, a cada reprodução do mesmo elemento
coesivo, e revela o pouco domínio dessa Competência, tendo em vista que, se o
participante repete o vocábulo, ele o faz porque desconhece outras formas de
produzir coesão.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 38
Embora seja mais comum em substantivos e em operadores
argumentativos, a repetição também pode incidir em verbos, como é o caso
do já mencionado verbo “estar”, empregado sucessivas vezes no texto como
“tá”, “está” e “estão” e em adjetivos ou advérbios, como o caso de
“muito/s”, por exemplo, o que só confirma a escassez articulatória do texto.
Ressaltamos que ainda não estamos falando sobre a atribuição de um nível
específico às redações, porque o objetivo, neste momento, é compreender
o funcionamento da repetição, visando à identificação dos momentos em
que ela deve ser penalizada ou que pode ser tolerada. A partir do tópico 8,
apresentaremos redações completas, avaliadas integralmente em cada um
dos níveis da Competência em estudo, inclusive com outros casos de
repetição.
Na redação do Exemplo 19, veremos, agora, como o participante emprega
alguns termos reiteradas vezes, mas sem caracterizar repetição em seu
texto, muito embora palavras da frase temática e outros referentes
apareçam várias vezes ao longo da redação. O intuito é demonstrar que a
coesão pode ser construída de maneira eficiente, intercalando a recorrência
de uma mesma palavra com sinônimos, hipônimos, pronomes etc. Para
tanto, selecionamos três referentes, destacados em cores diferentes:
“Constituição de 1988” (colorido de rosa), “cidadãos” (colorido de azul) e
“doenças mentais” (amarelo), observando como eles vão sendo citados ao
longo da produção textual.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 39
Exemplo 19

No Exemplo 19, o primeiro referente, “Constituição de 1988”, abre o texto e é


retomado logo em seguida pelo sinônimo “norma de maior hierarquia [no sistema
jurídico brasileiro]” (linha 1), pelo hipônimo “artigo 6” (linha 2, que, de certa
forma, também funciona como metonímia, pois menciona-se uma parte para
qualificar o todo) e por outro sinônimo, acrescido de um pronome, “dessa Lei”
(linha 4). Também no início do texto aparece o segundo referente selecionado,
“cidadãos” (linha 2), que é retomado depois como “população” (linha 4 e 25),
“sociedade” (linha 7), “grupo” (linha 11), “vidas brasileiras” (linha 12), “vítimas”
(linha 14), “jovens e adolescentes” (linha 15), “esses” (linha 15), “sociedade”
MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 40
(linha 18), “indivíduos” (linha 26) e termina com o mesmo termo com o qual
iniciou: “cidadãos” (linha 27), em um caso exemplar de como é possível construir
uma cadeia de retomadas referenciais sem repetir o mesmo termo.1
O terceiro exemplo de recorrência de um mesmo referente sem repetições pode
ser observado em “doenças mentais”, retomada subsequentemente como o
hiperônimo “qualquer assunto em que saúde mental se encontra como tópico
principal” (linha 9), “depressão” (linha 13), “um dos maiores vilões” (linha 14),
“doença” (linha 16), “sentimento de tristeza” (linha 19), “gatilho” (linha 20, em
que fica elíptico tratar-se de um “gatilho [para as doenças mentais]”), “doenças
mentais” (linha 22), “o assunto” (linha 25) e “doenças relacionadas à saúde
mental” (linha 27).
Há outros elementos coesivos referenciais no texto, mas os exemplos
selecionados são suficientes para demonstrar que o participante recorre a
diferentes estratégias coesivas evitando incorrer em repetição. Vale ressaltar que
não é necessário avaliar cada uma das cadeias referenciais em um texto, nem
isolar a coesão referencial da sequencial, essas distinções técnicas (acadêmicas)
não são feitas durante o trabalho de avaliação. Se recorremos a questões
linguísticas um pouco mais aprofundadas no curso de capacitação, é para ajudar
os avaliadores a entenderem a lógica e as justificativas por trás de algumas
decisões na concepção da Grade Específica e no que se espera desse importante
trabalho de avaliação. Neste Material de Leitura, permitimo-nos analisar
detidamente os textos, para que, durante a prática avaliativa, estejamos todos
mais seguros no desempenho de nossos papéis.
Um apontamento final da avaliação da repetição é que, de modo geral, a
recorrência de pronomes como “seu”, “sua”, “esse” “essa”, “que” e de

1
No campo acadêmico, uma pesquisa linguística poderia defender a existência de referentes diferentes na
mesma cadeia de retomadas, por exemplo, quando se particulariza “cidadão” em “jovens e adolescentes”.
Entretanto, para a avaliação de redações em larga escala, especialmente no que diz respeito à influência da
repetição na construção da coesão, basta que o avaliador identifique a rede tecida entre os referentes (e entre
os argumentos) na superfície textual e se essa rede é costurada sempre com o mesmo ponto (o mesmo termo),
compondo um “bordado” de padrão repetitivo ou com nós e laços diferentes, como acontece nos textos
avaliados nos níveis mais altos, bordando um desenho rico em formas e nuances, que conduz o leitor a visualizar
o projeto argumentativo daquele texto. Por outro lado, em defesa da interpretação de que se trata da mesma
cadeia referencial, pode-se constatar que o participante poderia, por exemplo, ter utilizado “cidadãos” em
todas as ocorrências pintadas de azul, e o sentido permaneceria o mesmo, porque o referente é o mesmo,
embora, é claro, o texto incorresse em repetições penalizáveis e perdesse os contornos de seu “desenho”, o
que o manteria em um nível mais baixo na Competência IV.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 41
preposições e conjunções como “por”, “com” e “e” deve ser vista com parcimônia,
de acordo com o conjunto textual produzido pelo participante, e raramente será
motivo para baixar o nível de um texto. Alguns desses vocábulos (como “por”,
“com”, “e”, “que”) sequer são observados, a não ser na avaliação do nível zero.

6.4. Inadequação coesiva


Além da repetição, outro termo que aparece na Grade Específica é inadequação,
cujo conceito diz respeito ao uso equivocado do elemento coesivo que, embora
esteja presente no texto, não consegue construir as relações de conexão
esperadas em um texto dissertativo-argumentativo (relações concessivas,
adversativas, aditivas, referenciais etc.). Desse modo, ao analisar a adequação ou
inadequação de determinado elemento coesivo em uma redação, os avaliadores
devem verificar se ele contribui para o encadeamento dos enunciados de forma a
estruturar uma orientação argumentativa com relações de sentido pertinentes
àquilo que o participante se propõe a defender, a justificar, a expor etc.
Para ilustrar os casos mais típicos de inadequação, seguem alguns exemplos:

Exemplo 20

Nesse caso, percebe-se a presença do elemento coesivo “Apesar de” mobilizado


com uma função diferente da que lhe é própria. Esse operador argumentativo
geralmente expressa uma relação adversativa (bem como concessiva), ou seja,
articula ideias/informações contrárias. Entretanto, no excerto em questão, ele
relaciona informações sinônimas: “as doenças mentais são comuns” e “as
doenças mentais são banais”, o que invalida o sentido de “Apesar de”, tornando-
o inadequado nesse contexto.
Outro caso de inadequação é o que segue:

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 42
Exemplo 21

No Exemplo 21, o operador argumentativo “Entretanto” abre o primeiro


parágrafo do texto, destituído de sua função adversativa (talvez o participante o
tenha empregado no lugar de “Primeiramente”...). Como não há um parágrafo
anterior à introdução, a presença desse elemento coesivo se torna inadequada,
pois não consegue relacionar o conteúdo do parágrafo em que ocorre (o
questionamento “o que é preciso levar em conta para ter saúde mental e um
estilo de vida saudável?”) com outra informação, tornando-se uma inadequação.
Vejamos mais um caso:
Exemplo 22

Nessa construção, a inadequação se dá pelo uso equivocado do pronome relativo


“onde” sem função locativa, que deveria se referir a um “lugar” concreto e não
corresponde à ideia de “ano muito complicado (...) ano de pandemia” veiculada
no texto, incorrendo em inadequação no uso desse conectivo. Vale ressaltar que,
nesses casos, a ocorrência é considerada uma inadequação na Competência IV, e
não um desvio na Competência I.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 43
ATENÇÃO
O Exemplo 23 NÃO se enquadra no conceito de inadequação, pois, nele observa-
se um tipo de ocorrência que é avaliada na Competência I como desvio de grafia
e avaliada como emprego adequado na Competência IV.
Exemplo 23

No Exemplo 23, o advérbio “mais” está no lugar do elemento coesivo “mas”, com
função adversativa nos trechos em que aparece (linhas 10 e 12). Isso ilustra uma
ocorrência em que verificamos o uso correto de um conectivo – nesse caso, com
função de operador argumentativo –, que, no entanto, se apresenta com um
desvio de grafia. Casos desse tipo, conforme visto no Módulo 3, são penalizados
na Competência I.

Sem querer apresentar uma lista de exceções – justamente porque muitas delas
são bastante polêmicas no âmbito dos estudos gramaticais –, decidimos assumir
alguns usos não canônicos, que serão aceitos na Competência IV sem penalizar
suas ocorrências como inadequação. São eles: “através de” (fora de contextos
literais), “o mesmo” (usualmente mobilizado em retomadas referenciais) e
“onde” especificamente relacionado à “sociedade” ou à ideia de “lugar virtual”
(site, blog, link...). A troca entre esse/este, isso/isto etc. também não será
penalizada. Os usos de “dessa forma”, “dessa maneira” e “assim”, em geral,
também devem ser avaliados em benefício do participante. No entanto, há
situações específicas em que o uso de “dessa forma” é flagrantemente
inadequado e deve ser penalizado, como ocorre no exemplo a seguir:
Exemplo 24

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 44
Em casos como o Exemplo 24, o conectivo “dessa forma” está inadequado e
deverá ser penalizado na nota atribuída, a depender da quantidade de
ocorrências desse conectivo e de outros também inadequados ao longo do texto,
caracterizando, assim, excessivas, muitas, algumas ou poucas inadequações. A
relação semântica entre as duas orações que ele articula é de oposição ou
contrariedade, o que demanda o emprego de um item coesivo adversativo, como
“porém” ou “entretanto”.
Por essas razões, uma vez identificada a presença de elementos coesivos, eles
devem ser sempre avaliados quanto à adequação no texto. Essa observação é
coerente com a ideia central na prática avaliativa da Competência IV, que valoriza
o funcionamento das relações semânticas (de oposição, de enumeração, de
causa-consequência etc.) na articulação de ideias e argumentos.
A relevância desse aspecto se dá, principalmente, na atribuição dos níveis 4 e 5.
Caso haja uma inadequação de qualquer tipo, o texto não poderá chegar ao nível
5, pois o descritor dessa nota na Competência IV não permite qualquer
inadequação coesiva. Além disso, caso se observe uma inadequação no único
momento em que o participante tentou fazer a coesão interparágrafos, esse
elemento coesivo não contará como válido, e esse texto não poderá ser avaliado
no nível 4, dado que seu descritor exige elemento coesivo interparágrafos em,
pelo menos, um momento da produção textual.

6.5. Monobloco
Por fim, abordaremos um último termo que figura na Grade Específica da
Competência IV: o monobloco.

A redação monobloco é constituída por um único parágrafo, configurando um


bloco maciço de períodos sem qualquer organização paragráfica identificável.

As redações escritas em forma de monobloco tornam explícito o


desconhecimento sobre a paragrafação do texto, o que pode afetar diretamente
a coesão. Em razão disso, aos textos nos quais não se consegue visualizar
quaisquer indícios de paragrafação, deve ser atribuído no máximo o nível 2 – ou
seja, nesses casos de monobloco, a nota do texto apenas poderá ser 0, 1 ou 2. O

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 45
espaçamento no início e/ou no final de algumas linhas é um indício importante
para identificar se um texto foi escrito ou não em forma de monobloco – mas nem
sempre é o suficiente. Quando se identificam espaços no início e/ou no fim das
linhas, é necessário confirmar se há de fato um novo parágrafo, recorrendo a
evidências como estrutura sintática indicativa de início de um novo período e/ ou
letra maiúscula e/ou pontuação no fim da linha. A seguir, pode-se observar dois
exemplos de monobloco:

Exemplo 25

No Exemplo 25, observa-se um único recuo na primeira linha (há textos em que
nem esse primeiro espaçamento é observado), sem qualquer outro indício de
parágrafo até a última linha do texto. Embora haja breves espaços no fim das
linhas 10 e 16, a sintaxe, bem como a continuação da frase com letra minúscula
nas linhas subsequentes, comprovam que não há outros parágrafos nessa
composição textual.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 46
Exemplo 26

Na redação do Exemplo 26 temos uma situação similar à do exemplo anterior:


nota-se um único recuo na primeira linha do corpo do texto (linha 3, logo após o
título), sem qualquer outro aspecto indicativo de parágrafo até a última linha. Há
espaços bem evidentes no fim de algumas linhas (3, 5, 8, 10 a 13 e 15 a 19), mas
a estrutura sintática e a ausência de pontuação, assim como a continuação da
frase com letra minúscula nas linhas subsequentes, comprovam a ausência de
outros parágrafos nessa produção textual além daquele presente na linha 3.
Ainda em relação às marcas de paragrafação, tenhamos em mente que elas
podem aparecer de forma sutil em um ou mais espaços no final das linhas e, por
isso, merecem uma atenção especial. Vejamos o Exemplo 27.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 47
Exemplo 27

A redação do Exemplo 27 corresponde a um caso peculiar, mas nem por isso


incomum: não há recuos indicativos de parágrafo do lado esquerdo da redação,
mas sim do lado direito, após o ponto, no final dos períodos nas linhas 4, 11 e 15,
diferenciando este texto do exemplo anterior. Nota-se, ainda, que nas linhas 5, 12
e 16 os períodos se iniciam com letras maiúsculas e com estruturas sintáticas
compatíveis com o início de novos parágrafos. Essas circunstâncias evidenciam
que o texto não é categorizado monobloco e pode ser avaliado normalmente na
Competência IV.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 48
Em relação aos textos que se apresentam em forma de monobloco, algumas
considerações se fazem necessárias:

MONOBLOCO
Uma redação pode ser monobloco e, ainda assim, apresentar as três partes
do texto dissertativo-argumentativo (introdução, desenvolvimento e
conclusão). O monobloco diz respeito à falta de paragrafação, tratando-se,
pois, de um conceito espacial, a ser penalizado na Competência IV. Como
A estudado no Módulo 4, sua única interferência na Competência II ocorre
quando o corpo do texto de uma redação monobloco apresenta até 8
linhas, pois, nesse caso, apesar de não ser possível identificar as partes, há
ao menos uma delas embrionária.

Se o texto começa com um espaçamento no início do primeiro parágrafo,


B mas segue até a conclusão sem quaisquer outros parágrafos identificáveis,
ele continua sendo avaliado como monobloco (caso dos exemplos 25 e 26).

A identificação de uma redação monobloco requer a leitura e a observação


também dos espaços no final das linhas. Pode acontecer de o participante
fazer um parágrafo sem recuo na margem esquerda do texto, mas a
C existência dele ser visível pelo espaço disponível no final do período, no
lado direito do texto, como no Exemplo 27. Nesse caso específico, ele não
será categorizado como monobloco.

7. ROTEIRO PARA APLICAÇÃO DA GRADE ESPECÍFICA


DA COMPETÊNCIA IV

No intuito de tornar ainda mais prática a aplicação da Grade Específica,


orientando o olhar do avaliador para a presença e a qualidade dos elementos
coesivos mobilizados no texto, propomos um roteiro de perguntas sucessivas a
serem feitas na avaliação de cada uma das redações na Competência IV.
A última pergunta desse roteiro metodológico diz respeito a uma regra também
seguida nas Competências I e III, a saber: quando um texto apresenta uma
característica de um nível e outra de um nível inferior, a nota a ser atribuída
deve corresponder sempre ao nível mais baixo.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 49
Em termos simples, pode-se dizer que isso acontece porque, para um texto ser
avaliado em um nível específico, ele tem que cumprir todos os requisitos (todos
os itens dos descritores na Grade Específica) desse nível. Se ele não satisfez esses
requisitos, então deve regredir até o nível que lhe cabe. Por exemplo: se um texto
hipotético apresenta “Presença expressiva de elementos coesivos inter e
intraparágrafo E raras ou ausentes repetições” (que é parte do descritor do nível
5 da Competência IV), mas também apresenta poucas inadequações (que é uma
característica do nível 4 da Competência IV), então ele deve ser enquadrado no
nível mais baixo – nesse caso, o nível 4 –, tendo em vista que o descritor do nível
5 exige que a redação não tenha inadequação alguma.

ROTEIRO DE AVALIAÇÃO DA COMPETÊNCIA IV

A É monobloco? Se sim, o nível seria 0, 1 ou 2?

B Há presença de elementos coesivos intra e interparágrafos ao longo de todo o texto?

C Há repetição de palavras ao longo do texto?

O uso de elementos coesivos é adequado, ou seja, ele contribui para a articulação de


D argumentos?

E Há características de níveis de nota diferentes? Se sim, avaliar no nível mais baixo.

8. DESCRIÇÃO DOS NÍVEIS

Na Grade Específica, há alguns termos que se repetem e, a depender do nível do


descritor, o que muda são os especificadores que acompanham cada um deles,
como a gradação caracterizada por “excessivas”, “muitas”, “algumas”, “poucas” e
“raras”.
A quantificação que corresponde a esses termos nunca é dada a priori, mas
estabelecida caso a caso, a depender da configuração dos textos. Há muitos
aspectos da escrita cursiva sobre os quais é praticamente impossível estabelecer
MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 50
critérios avaliativos precisos. Alguns desses são o tamanho da letra do
participante, a extensão da alínea e das demais linhas, a quantidade de parágrafos
(há, inclusive, participantes que pulam uma linha entre os parágrafos), o fato de
não escreverem até o final da linha etc. Suponha o mesmo número de repetições
em um texto com oito linhas e em um texto de 30 linhas. Essas mesmas repetições
podem parecer “muitas” no texto curto e “poucas” no texto longo. Portanto, a
tarefa (nada trivial) do avaliador é, justamente, usar seus conhecimentos
teóricos/técnicos para classificar o texto nos níveis contemplados na Grade, com
o cuidado de “encaixar” produções aparentemente diferentes em critérios
comuns a todos os exemplares que lhe chegarem às mãos. Uma boa maneira de
educar esse olhar técnico é se basear nos exemplos que são apresentados aqui no
material escrito e na capacitação que antecede a avaliação efetiva das redações,
no Caderno de Redações Comentadas.
Para compreender, então, a classificação que fazemos em níveis dentro da Grade
Específica, é preciso ter uma compreensão bastante clara daquilo que
consideramos repertório coesivo, em três principais aspectos:
i. a constatação da presença de elementos coesivos intra e interparágrafos,
que pode ser ausente, rara, pontual, regular, constante ou expressiva, a
depender dos níveis desta Competência;
ii. a avaliação da repetição, que pode ser mais prejudicial à articulação em
alguns textos e menos em outros — por exemplo, afeta mais quando incide
sobre os operadores argumentativos e menos quando ocorre em palavras
da frase temática;
iii. a adequação dos elementos coesivos, ou seja, se estão sendo empregados
com o sentido que lhes cabe. Lembramos que esses três aspectos essenciais
da Competência IV foram definidos no tópico 6 deste material.
Nos próximos tópicos, analisaremos as redações, considerando os diferentes
níveis. Apresentaremos o descritor de cada nível, seguido pela redação e pela
justificativa da nota. Selecionamos exemplos prototípicos com a intenção de
ilustrar cada nível, mas é preciso saber que as redações podem se enquadrar em
um nível específico por diferentes motivos. Essa variação dentro do mesmo nível
está indicada na Grade por meio dos conectivos “e/ou”.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 51
8.1. Nível 0 (nota 0)

0 Ausência de articulação: palavras e/ou períodos desconexos ao longo de todo o texto.

Exemplo 28

No Exemplo 28, observa-se um caso de ausência de articulação, caracterizada por


palavras e períodos desconexos ao longo de todo o texto. Os raros termos que
poderiam servir como elemento conectivo, como “porque” (linha 6), “como”
(linha 7) e “para” (linhas 13 e 18) e, estão inertes quanto às funções semântico-

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 52
argumentativas que lhes caberiam. Nesse sentido, é importante lembrar que
ausência de articulação não significa ausência de elementos coesivos. Como
acabamos de notar, é possível encontrar redações em que se visualize a presença
até mesmo de operadores argumentativos como “porque”, que vemos nesse
exemplo, ou “mas” e “portanto”, espalhados pelo texto. Entretanto, a avaliação
qualitativa revela que eles estão inadequados ou simplesmente inertes na
produção escrita, portanto, não são considerados no repertório de coesivos
adequadamente mobilizados.

Além disso, ainda que algumas ocorrências do verbo “estar” fossem, na verdade,
o pronome “esta”, esse pronome também seria uma inadequação, pois não foi
empregado com seu sentido típico, não é possível recuperar qual referente ele
estaria retomando.

Outro traço identificador da ausência de coesão é o fato de nem mesmo a


repetição de palavras (que é uma forma muito básica de se produzir coesão,
comum em textos dos níveis 1 e 2) ser capaz de articular os fragmentos de texto,
retomando o mesmo referente para acrescentar-lhe algum aspecto ou para
contextualizá-lo em diferentes momentos da produção textual. No Exemplo 28,
há ocorrências do substantivo “doença” (linhas 10 e 12), mas o texto não é capaz
sequer de constituí-lo enquanto referente a partir do qual se articularia a
argumentação. A falta de coesão, aqui caracterizada por palavras e períodos
desconexos, geralmente corresponde à ausência de estrutura sintática avaliada
na Competência I, embora não seja uma regra. Por essas características, o texto é
avaliado no nível 0.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 53
8.2. Nível 1 (nota 40)

Presença rara de elementos coesivos inter e/ou intraparágrafo E/OU excessivas repetições
1
E/OU excessivas inadequações.

Exemplo 29

Os textos dos níveis 0 e 1 geralmente correspondem às produções escritas de


participantes com problemas de alfabetização, portanto, é difícil recuperar a
grafia das letras e a estrutura sintática, em alguns casos.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 54
No caso do Exemplo 29, independentemente de existirem parágrafos (na linha 7,
por exemplo, parece haver um parágrafo), ele foi avaliado no nível 1 pela presença
rara de elementos coesivos, compostos, principalmente, por coesão elementar,
tal como se observa no emprego de “e” (linhas 5 e 11), “que” (linhas 4, 5 e 18) e
“seu melhor” (linha 15). Na avaliação desse texto, dois fatos merecem atenção:
conforme já mencionado, termos como “e” e “que” são casos de coesão
elementar, só considerada para distinguir os níveis 0 e 1; problemas na
concordância, como em “as maior partes das doenças”, são avaliados na
Competência I e não na IV.
Não há “excessivas repetições” e “excessivas inadequações”, outro aspecto
considerado no descritor do nível 1, embora se observe uma inadequação no
emprego de “A maior parte das [doenças mentais]” (linha 1), que não se liga, nem
mesmo cataforicamente, a qualquer elemento desse primeiro parágrafo
(poderíamos nos perguntar: A maior parte das doenças mentais o quê?). Mesmo
sem cumprir todo o descritor do nível 1, a presença rara de elementos coesivos é
determinante para que este texto seja avaliado, então, no nível 1 da Competência
IV.
Vejamos, a seguir, um perfil de texto bastante diferente, mas que também se
encaixa no nível 1.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 55
Exemplo 30

O Exemplo 30 se caracteriza pela presença rara de elementos coesivos,


observados no emprego adequado de “suas vidas” (linha 6) e “para” (linhas 11,
12 e 21, com sentido de “a fim de”), funcionando de modo bastante localizado.
Não há inadequações, mas se identificam excessivas repetições ao longo de todo
o texto, conforme sinalizado pelas marcações tracejadas, nas ocorrências de
“pessoas”, “médico” e dos verbos “procurar”, “ter” e “ajudar” (todas as linhas
escritas). Não é avaliado no nível 2 porque a presença de elementos coesivos é
menos que pontual e suas repetições excedem a ideia de muitas, pois são
excessivas. Por outro lado, não poderia ser avaliado no nível 0 porque, embora a
coesão seja precária, ela está presente em raros momentos, como “a pessoas não
poder, acabra com a sua vidas” (linhas 5 e 6), o que permite a avaliação no nível
1.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 56
8.3. Nível 2 (nota 80)
Presença pontual de elementos coesivos inter e/ou Textos em forma de
2 intraparágrafo E/OU muitas repetições E/OU muitas monobloco não devem
inadequações. ultrapassar este nível.

Exemplo 31

O Exemplo 31 ilustra um texto que se caracteriza pela “presença pontual de


elementos coesivos”, observada no emprego de “A maior parte das” (linha 1),
“Esse” (linha 13) e “também” (linha 15). A propósito desse texto, lembramos que
a avaliação do repertório coesivo não é quantitativa, mas sim qualitativa.
Numericamente, ele parece ter menos conectores do que o texto anterior,
exemplo de nível 1, entretanto, avaliamos a articulação do texto como um todo e
não apenas a quantidade de elementos coesivos encontrados. Nesse sentido,
sabendo que a coesão também é feita por estratégias coesivas mais elementares,

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 57
com recursos que não são destacados além do nível 1, não foram marcadas todas
as retomadas e cadeias referenciais (evitando poluir o texto e desviar a atenção
dos operadores argumentativos), porém é possível constatar que o texto do
Exemplo 31 é visivelmente mais articulado do que o do Exemplo 30, de nível 1.

Para efeito de ilustração, há retomadas referenciais de “pessoas” (linha 1) como


“próximo” (linha 9), “jovens” (linha 10) e “pessoas de bem” (linha 12), além dos já
mencionados conectores elementares “e” (linha 8, entre outros) e “que” (linha
11, entre outros). Ainda que estejam nos “bastidores”, todos os elementos
compõem o repertório coesivo, que não pode ser avaliado no nível 1 por ter
apenas três elementos “destacáveis”, e também por não apresentar excessivas
repetições e/ou inadequações.

Por outro lado, ainda que não haja repetições nem inadequações no texto
analisado, que é uma característica de níveis mais altos, ele não pode ser avaliado,
por exemplo, no nível 3 porque a presença de elementos coesivos não se
enquadra na ideia de presença regular, mantendo-se um pouco aquém disso, na
presença pontual de elementos coesivos, confirmando o nível 2.

A redação no Exemplo 32, a seguir, representa outro perfil de texto bastante


comum no nível 2: aquele que se caracteriza pelas “muitas repetições” de
elementos coesivos.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 58
Exemplo 32

Em termos de repertório coesivo, o texto do Exemplo 32 também é avaliado como


“presença pontual de elementos coesivos”, embora, quantitativamente, ele
disponha de maior número de conectores do que o texto anterior.
Ocorre que, conforme já comentado, a avaliação deve ser sempre qualitativa e
individualizada, levando em conta o conjunto textual específico em questão.
Conforme explicado no tópico sobre repetição, um determinado número de
repetições afeta mais os textos curtos do que os textos com 30 linhas; prejudica
mais um texto com pouca variedade de recursos coesivos (principalmente aqueles
em que predomina a coesão referencial) e menos um texto com presença
MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 59
expressiva de elementos coesivos de variados tipos; tem um peso maior quando
incide sobre operadores argumentativos e menor quando incide sobre palavras
da frase temática; atrapalha mais a coesão quando um termo repetido aparece
muito próximo de outro e menos quando ocorre uma vez no começo, uma vez no
meio e outra vez no fim de um texto de 30 linhas. Todos esses aspectos,
relembramos, estão implicados na avaliação qualitativa da repetição.
Dito isso, apesar de haver mais conectores no Exemplo 32 do que no Exemplo 31,
a coesão efetivamente construída na redação em análise continua abaixo da
média na Competência IV, principalmente pelas muitas repetições do verbo “ter”
(linhas 1 duas vezes, 5, 6 duas vezes, 7, 9, 10, 12, 13, 14, 16, 19 duas vezes, 20 e
22 duas vezes), o que prejudica a articulação do texto como um todo, além das
repetições de “pessoas” (linhas 1, 3, 8, 9, 11, 15, 20 e 22). Os termos considerados
na presença pontual são predominantemente referenciais. Observa-se o uso
adequado de “sua saúde” (linha 1), “elas” (linha 4), “para” (linha 5, com sentido
de “a fim de”), “mas” (linha 9, grafado “mais”), “isso” (linha 13), “Essas pessoas”
(linha 17), “porque” (linha 18), “nesse modelo” (linha 26), “os demonstra” (linha
27) e “o que” (linha 28). Há apenas uma inadequação no uso do “mas” (linha 1,
grafado “mais”), sem função adversativa ou outras com as quais empregado, e,
no que diz respeito à repetição, ele se enquadra no critério de “muitas
repetições”, conforme já anunciado, cabendo-lhe o nível 2.
Selecionamos esse texto justamente para mostrar que redações muito diferentes
podem, eventualmente, ser enquadradas no mesmo nível, o que salienta a
importância de compreendermos a aplicação das diretrizes avaliativas,
materializadas nos critérios da Grade Específica.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 60
8.4. Nível 3 (nota 120)

Presença regular de elementos coesivos inter E/OU intraparágrafo E/OU algumas


3
repetições E/OU algumas inadequações.

Exemplo 33

No Exemplo 33, configura-se a presença regular de elementos coesivos, conforme


se verifica no emprego de “tão ... quanto” (linhas 4 e 5), “mas” (linhas 7 e 11),
“pois” (linha 7), “a maioria das” (linha 8), “eles” (linha 15, que retoma “motivos”,

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 61
na linha 15), “Para” (linha 20, com sentido de “a fim de”), “esse preconceito”
(linha 20), “essa conscientização” (linha 23), “através de” (linha 25).
Observe-se que a expressão “Para que esse preconceito” (linha 20, junção do
operador argumentativo “para” com o elemento referencial “esse preconceito”)
funciona, nesse caso, como um recurso coesivo interparágrafos, por retomar a
questão do preconceito, apresentada nas linhas 1 a 6, e oferecer, na sequência,
uma possível resolução para essa situação. Esse caso é ilustrativo do uso de
muitos operadores argumentativos, como “além de”, “de acordo com”, “tendo
em vista o”, em que apenas o contexto específico de emprego pode determinar
se são intra ou interparágrafos.
Não há inadequações no uso dos itens coesivos; todos estão devidamente
empregados e contribuem para a articulação do texto. Não há, igualmente,
repetições no conjunto textual. O fator determinante na avaliação desse texto é
a “presença regular de elementos coesivos”, condição suficiente para enquadrá-
lo no nível 3 da Competência IV. Vale destacar também que o fato de o texto
apresentar um elemento coesivo do tipo “operador argumentativo” entre os
parágrafos, descritor do nível 4, poderia conduzir o avaliador a atribuir
equivocadamente ao texto uma nota mais alta. Entretanto, a presença regular de
elementos coesivos (característica do nível 3) impede que o texto alcance o nível
4, cujo descritor exige, além de pelo menos um elemento coesivo do tipo
“operador argumentativo” entre os parágrafos, a presença constante de recursos
coesivos intraparágrafo, aspecto não identificado na redação sob análise.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 62
Exemplo 34

Na redação do Exemplo 34 , nota-se a presença regular de elementos coesivos,


conforme se observa nos empregos de “essas doenças” (linhas 2, 6 e 8, retomando
“doenças mentais” na linha 1), “suas famílias” (linha 5, referindo-se a “os
escravos” na linha 4), “pois” (linhas 7 e 20), “ou” (linha 8), “também” (linhas 9 e
28), “mais... do que” (linha 12), “porém” (linha 13), “Uma dessas doenças” (linha
15, expressão usada para destacar “a depressão”, na linha 16, como uma das
doenças mentais comuns atualmente), “tanto ... quanto” (linhas 16 e 17), “esses
problemas” (linha 20, para retomar, genericamente, “doenças mentais”, na linha
1, assim como os problemas decorrentes delas), “ao invés de” (linha 27), “eles”

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 63
(linha 30, retomando “projetos sociais” e “famílias”, nas linhas 28 e 29,
respectivamente).
Não há inadequações no que se refere ao uso dos itens coesivos, e, no que diz
respeito à repetição, observam-se as ocorrências do operador argumentativo
“para” (linhas 15, 18, 23, 26 e 29, com o sentido de “a fim de”), situação que se
enquadra no critério de “algumas repetições”, outra característica do nível 3, o
que também impede a avaliação do texto nos níveis mais altos.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 64
8.5. Nível 4 (nota 160)

Presença constante de elementos coesivos inter* e intraparágrafo E/OU poucas


4 repetições E/OU poucas inadequações.
*De tipo “operador argumentativo” entre parágrafos em, pelo menos, 01 momento do texto

Exemplo 35

No Exemplo 35, observa-se a presença constante de elementos coesivos


adequadamente mobilizados, conforme os usos de “uma boa parte” (linha 1),
“desde” (linha 3), “até mesmo” (linhas 3 e 6), “isso” (linha 4, referindo-se à
informação de que “uma boa parte da população brasileira tem algum tipo de
doença mental” nas linhas 1 a 3), “devido a” (linha 4), “seja ela” e “ou” (linha 5),
“mas” (linhas 8 e 15), “o principal” (linha 8, retomando “problemas” na linha 7),
“segundo” (linha 8), “1 em cada 20” (linha 10, referindo-se a “pessoas hoje no
Brasil”), “sendo assim” (linha 11), “este problema” (linha 13, retomando

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 65
“depressão” na linha 11), “também” (linha 15), “dele” (linha 15, referindo-se a
“indivíduo” na linha 14), “visto que” (linha 15), “ou” (linha 19), “para” (linha 20,
com sentido de “a fim de”), “isso” (linha 21, retomando a informação de que
“doenças mentais não são brincadeira ou algo que deva ser visto como frescura”
nas linhas 18 a 20), “recolocá-los” (linha 22), “como consequência” (linha 22).
Além disso, há operador argumentativo interparágrafos em um momento do
texto (“Portanto” – linha 18), não há repetições nem inadequações, mas, de
qualquer forma, o texto não poderia chegar à nota máxima porque, além de a
presença de elementos coesivos não chegar a ser expressiva, ele não apresenta
operadores argumentativos interparágrafos em, pelo menos, dois momentos do
texto. Por isso, é avaliado no nível 4.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 66
Exemplo 36

Na redação do Exemplo 36, observa-se a presença constante de elementos


coesivos adequadamente mobilizados, conforme os usos de “alguns deles” (linha
3, retomando “problemas na linha 2), “principalmente” (linha 3), “por exemplo”
(linha 4), “A partir de” (linha 5), “eles” (linha 10, retomando “brasileiros” na linha
8), “para” (linhas 10 e 25, com sentido de “a fim de”), “elas” (linha 11, referindo-
se a “frases” na linha 9), “Entretanto” (linha 12), “essas pessoas” (linha 12,
referindo-se a “brasileiros” na linha 8), “disso” (linha 13, retomando a informação,
na linha 11, sobre o uso de determinadas frases), “pois” (linha 13), “Isso” (linha
19, referindo-se à informação de que “a depressão é a doença mais incapacitante
MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 67
do mundo” nas linhas 18 e 19), “consequentemente” (linha 20), “este estigma”
(linha 23, referindo-se ao preconceito contra os doentes mentais mencionado,
entre outros momentos, no segundo parágrafo), “Uma delas” (linha 24, numa
referência à informação sobre as “formas para resolver este estigma” nas linhas
22 e 23), “também” (linha 27), “esse mal” (linha 28, retomando “transtornos na
cabeça” na linha 26), além de haver operador argumentativo interparágrafos em
um momento do texto (“Em suma”, linha 22). Não há repetições nem
inadequações, mas, de qualquer forma, o texto não poderia chegar à nota máxima
porque, além de a presença de elementos coesivos ser constante, porém não
expressiva, ele não apresenta operadores argumentativos interparágrafos em,
pelo menos, dois momentos do texto. Assim, é avaliado no nível 4.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 68
8.6. Nível 5 (nota 200)

Presença expressiva de elementos coesivos inter** e intraparágrafo** E raras ou


ausentes repetições E sem inadequação.
5
**De tipo “operador argumentativo” entre parágrafos em, pelo menos, 02 momentos do texto e,
pelo menos, 01 elemento coesivo de qualquer tipo dentro de todos os parágrafos.

Exemplo 37

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 69
A redação do Exemplo 37 apresenta repertório com presença expressiva de
elementos coesivos. O conceito de expressividade do repertório coesivo não diz
respeito à presença de termos pouco usuais, supostamente considerados um
indício de erudição ou sofisticação, como “adrede”, “debalde” e “a priori”. A ideia
subjetiva de “linguagem sofisticada” não é avaliada na Competência IV. Antes, ao
considerarmos a presença expressiva de elementos coesivos, observamos o uso
estratégico no emprego desses elementos, isto é, o texto se destaca pela
mobilização estratégica de conectivos, uma vez que estes provam-se significativos
para a concatenação dos períodos tanto intraparágrafo (dentro dos parágrafos)
quanto interparágrafos (entre os parágrafos), potencializando a argumentação
nos trechos em que funcionam como partícula coesiva.
No que concerne ao uso de elementos coesivos interparágrafos no texto em
análise, nota-se, em dois momentos diferentes, o emprego de operadores
argumentativos: em “Ademais” (linha 18) e em “Logo” (linha 25).
Vale lembrar que, para a atribuição do nível 5, segundo o descritor da Grade
Específica, há duas ressalvas indicadas por asteriscos: a necessidade de haver, na
redação, ao menos dois operadores argumentativos interparágrafos em
momentos diferentes do texto, requisito cumprido pela produção em questão,
além de haver pelo menos um elemento coesivo, que pode ser de qualquer tipo,
dentro de todos os parágrafos, o que também se observa na redação sob análise.
No que diz respeito ao uso de elementos coesivos intraparágrafo (a segunda parte
da ressalva na Grade Específica), constata-se que o texto apresenta, em todos os
parágrafos, emprego de variados tipos de coesão referencial e sequencial, dentre
os quais assinalamos os seguintes exemplos: no primeiro parágrafo, “Apesar de”
(linha 1), “seu artigo” (linha 1, referindo-se à “Constituição Federal”, também na
linha 1), “ainda” (linha 3), “relacionadas às” (linha 3, retomando “doenças
mentais”, na mesma linha 3), “Esse cenário” (linha 3, referindo-se ao contexto
explicitado no período anterior), “principalmente” (linha 4), “acerca de/essas
enfermidades” (linha 5, retomando “doenças mentais”, na linha 3), “bem como”
(linha 5), “para” (linha 5, com sentido de “a fim de”), “o que” (linha 6), “Por isso”
(linha 7), “no sentido de” (linha 8) e “esses estigmas” (linha 8, retomando os
aspectos negativos pertinentes às doenças mentais apresentados ao longo do
primeiro parágrafo).
No segundo parágrafo, “essa mentalidade” (linha 9, retomando a ideia de
preconceito em relação às doenças mentais descrita no parágrafo anterior), “por

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 70
exemplo” (linha 11), “a qual” (linha 11, para se referir a “essa mentalidade”, na
linha 9), “Tal panorama” (linha 11, retomando o conteúdo apresentado no
período anterior), “acerca de/essas doenças” (linhas 12 e 22, referindo-se a
“doenças psicológicas” na linha 10 e em outros momentos do texto), “ao passo
que” (linha 13), “suas reais” (linha 13, para se referir ao desconhecimento sobre
a existência das doenças), “grande parte da” (linha 13), “Com isso” (linha 14),
“parcela significativa dos” (linha 15, para se referir às pessoas afetadas por
doenças mentais), “ou” (linha 15) e “em decorrência do” (linha 16).
No terceiro parágrafo, “no tocante à” (linha 18), “Essa situação” (linha 19,
retomando o conteúdo do período anterior), “no qual” (linha 20, referindo-se ao
“jogo ‘Outlast’” na mesma linha), “sua ida” (linha 20, retomada de “jovem
repórter”), “o lugar” (linha 21, para se referir a “manicômio” na linha 20), “cuja”
(linha 22), “acerca de” (linha 22), “Assim” (linha 23), “com o objetivo de” (linha
23) e “Dessa forma” (linha 24).
No quarto e último parágrafo, “acerca de” (linha 25), “mediante” e “por exemplo”
(linha 26), “essa disseminação” (linha 27, retomando “divulgação” na linha 25),
“com o intuito de”, (linha 27), “dessas enfermidades” (linha 28, retomada de
“doenças mentais” na linha 26), “Além disso” (linha 28), “por meio de” (linha 29),
“a fim de” (linha 30) e “dessa maneira” (linha 30).
Desse modo, ele cumpre plenamente a segunda ressalva indicada pelos dois
asteriscos – haver elementos coesivos de qualquer tipo dentro de todos os
parágrafos. Em acréscimo, conforme preconiza nossa Grade Específica, devemos
verificar se, no texto em questão, todos os elementos coesivos foram empregados
corretamente, ou seja, se não há inadequações no uso do repertório coesivo. De
fato, no Exemplo 29, podemos observar que todos esses elementos cumprem
corretamente suas funções no texto, estabelecendo relações válidas de sentido
entre seus enunciados. Além disso, o texto não apresenta repetições, lembrando
que o nível 5 admite até “raras repetições”. Portanto, a redação deve ser avaliada
no nível 5 da Competência IV, já que há presença expressiva de elementos
coesivos inter e intraparágrafo e não apresenta repetições nem inadequações.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 71
9. ANÁLISE COMPARATIVA DAS
COMPETÊNCIAS III E IV
Antes de finalizarmos o Módulo, gostaríamos de retornar à questão levantada no
tópico 4 sobre a diferenciação entre as Competências III e IV. Para ilustrar a
independência na avaliação dessas duas competências em um mesmo texto,
analisaremos a redação a seguir.

Exemplo 38

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 72
Considerando a Competência IV, o texto do Exemplo 38 é avaliado no nível 5,
porque se observa presença expressiva de elementos coesivos, com uso de
operadores argumentativos interparágrafos (entre os parágrafos) em, pelo
menos, dois momentos do texto: “Além disso” (linha 16) e “Portanto” (linha 25),
bem como o uso de elementos coesivos intraparágrafo (dentro dos parágrafos)
em todos os parágrafos: “sua população” (linha 2, referindo-se ao “nível
nacional”, na mesma linha, que, por sua vez, se refere ao Brasil, país representado
pela “Constituição Federal de 1998”, na linha 1), “Todavia” (linha 2), “tal fato”
(linha 3), “onde” (linha 3), “assim como” (linha 4), “Outrossim” (linha 4), “parte
da” (linha 6 e 13), “sociedade brasileira” (linha 6, que retoma “população” e
“Brasil”, já citados nesta enumeração), “a exemplo da” (linha 7), “quadro clínico”
(linha 8), “Tal quadro clínico” (linha 9), “diante de” (linha 9 e 13), “Ademais” (linha
11), “a doença” (linha 12), “devido ao fato de” (linha 12), “tal problema” (linha
13), “dessas pessoas” (linha 14), “assim” (linha 15), “bem como” (linha 15), “seus
efeitos” (linha 15), “de acordo com” (linha 16), “mais de 5%” (linha 17),
“população brasileira” (linha 17, retomando “sociedade brasileira” e outros
sinônimos já mencionados nesta enumeração), “o que” (linha 17), “Tal índice”
(linha 19), “nesse quadro” (linha 20), “uma vez que” (linha 20), “nesse sentido”
(linha 21), “com a qual” (linha 22), “de forma a” (linha 23), “intensificando-os”
(linha 24), “os tornando” (linha 24), “para” (linha 26, com sentido de “a fim de”),
“pessoas acometidas” (linha 27), “estas” (linha 27, referindo-se à “doenças
mentais”, na linha anterior), “paralelamente a” (linha 27), “essas medidas” (linha
28), “no que se refere a” (linha 29) e “a fim de” (linha 30).
Nesse conjunto textual, vale a pena ressaltar as substituições referenciais de
“depressão” (linha 3): “todo o âmbito referente à saúde mental” (linha 4, que
abrange como um hiperônimo, o hipônimo “depressão”), “os conceitos de saúde
mental, doença mental e depressão” (linha 5), “as doenças mentais” (linha 7),
“depressão” (linhas 8, 17, 19 [“pessoas com depressão], linha 21, 22, que não
caracterizam repetição por estarem relacionadas à frase temática e, sobretudo,
por aparecerem em conjunto com sinônimos, hiperônimos etc.), “quadro clínico
que requer tratamento psíquico” (linha 8), “falsa sensação de [...]” (linha 10), “a
doença” (linha 12 e 23), “tal problema” (linha 13), “fruto da imaginação” (linha
14), “a real dimensão da doença” (linha 15), “seus efeitos” (linha 15), “quadros
ainda mais delicados e prejudiciais” (linha 24), “doenças mentais” (linha 26),
“doenças mentais / depressão” (linha 30).

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 73
Todo esse repertório coesivo confirma a excelente articulação do texto, sem
repetições nem inadequações, o que justifica sua avaliação no nível 5 da
Competência IV.
Considerando a avaliação da Competência III, o mesmo texto foi avaliado no nível
3, porque se caracteriza pela abordagem completa do tema (o elemento “doenças
mentais” [“depressão”] aparece na linha 3 e “estigma” na linha 5) e apresenta um
projeto de texto com algumas falhas E desenvolvimento de informações, fatos e
opiniões com algumas lacunas.
Com relação às falhas no projeto de texto, observa-se que o participante anuncia,
logo na introdução, que discutirá o fato de que a depressão é negligenciada pelos
órgãos competentes e que há um estigma generalizado na sociedade contra as
doenças mentais em geral. No entanto, ao longo do texto, ele privilegia discutir o
quanto a depressão é um quadro clínico sério (1º parágrafo) e o quanto ela tem
crescido na sociedade brasileira, bem como os efeitos da doença (2º parágrafo).
Ou seja, praticamente não trata do problema da negligência governamental e
discute apenas de passagem o estigma social no final do primeiro parágrafo. Do
mesmo modo, na conclusão, ele dá centralidade ao papel que o Ministério da
Saúde e o governo como um todo teriam em promover políticas de
"conscientização", mas, ao longo do texto, não discutiu o quanto faltam políticas
de discussão com a sociedade. Desse modo, o participante revela uma dificuldade
de selecionar as informações adequadas para a defesa do seu ponto de vista, bem
como de relacionar os argumentos apresentados à tese anunciada logo na
introdução.
Já em relação ao desenvolvimento, há algumas lacunas, como no segundo
parágrafo, em que se afirma que a depressão influencia no comportamento das
pessoas e prejudica as relações interpessoais, mas não se explica como isso se dá
concretamente; do mesmo modo, na conclusão, o participante afirma de modo
genérico que o Ministério da Saúde deve ter uma atenção direcionada para essa
problemática, mas não especifica que tipo de atenção deveria ser dada - cabendo
ao leitor, nos dois casos, preencher as lacunas deixadas pelo participante.
A partir da avaliação dessa redação, evidencia-se a independência entre as
Competências III e IV. Enquanto a Competência IV avalia as relações construídas
na superfície textual a partir da presença e do uso adequado dos recursos
coesivos, a Competência III observa relações de sentido mais profundas,
analisando se a escolha e a organização de argumentos foram estratégicas para a

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 74
defesa de um ponto de vista e se esses argumentos foram suficientemente
desenvolvidos para que sua interpretação não fique a cargo do leitor.
Com essa análise comparativa, esperamos ter contribuído para a especificação
dessas duas competências no momento da avaliação dos textos, auxiliando os
avaliadores na importante – e sempre complexa – tarefa de aplicar os critérios da
Grade Específica na avaliação das redações do Enem.

10. CONCLUSÃO

Recuperando o que defende a professora Irandé Antunes (2005, p. 38),


relembramos que elaborar um texto escrito é tarefa cujo sucesso não se
completa, simplesmente, pela codificação de ideias ou informações, por meio de
palavras e frases, mas “supõe etapas de idas e vindas interdependentes e
intercomplementares”.
Essas etapas acontecem desde o momento em que o participante faz a leitura da
proposta de redação, planeja seu texto, escreve o esboço ou o rascunho, e chega
até o instante em que ele redige a versão final, que será efetivamente avaliada.
No texto contemplado com a nota máxima, essas etapas devem estar evidentes
nos diferentes aspectos da produção textual, assim como no uso da coesão.
Estamos cientes de que todo texto manifesta, em alguma medida, certa
singularidade que vem de seus autores. Entretanto, em avaliações de larga escala,
é preciso elencar critérios que permitam ao avaliador classificar com equidade
textos materialmente diferentes.
Para tanto, nosso apoio é a Matriz de Referência para Redação do Enem,
desdobrada na forma de Grade Específica. Nesse sentido, esperamos ter
contribuído para a compreensão e a aplicação da Competência IV no processo de
avaliação das redações.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 75
11. REFERÊNCIAS
ABAURRE, Maria Luiza; et al. Português: língua, literatura, produção de texto. São
Paulo: Moderna, 2000.
ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola, 2005.
AQUINO, Maria de Fátima de Souza. A coesão na tessitura textual: a avaliação do
emprego dos recursos coesivos. In: GARCEZ, Lucília Helena do Carmo; CORRÊA, Vilma
Reche. (org.) Textos dissertativo-argumentativos: subsídios para qualificação de
avaliadores. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira, 2017.
CORALINA, Cora. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. São Paulo: José Olympio,
1965.
CUNHA, Celso e CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio
de Janeiro: Lexikon, 2014.
DUCROT, Oswald. Dizer e não dizer: princípios de semântica linguística. São Paulo:
Cultrix, 1977.
DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Campinas: Pontes, 1987.
EVARISTO, Conceição. Poemas da recordação e outros movimentos. Belo Horizonte:
Nandyala, 2008.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Principais mecanismos de Coesão Textual em
Português. Campinas: Cadernos de Estudos Linguísticos/UNICAMP. v. 15, pp. 7380,
1988.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 1999.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. São
Paulo: Contexto, 2013.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça; ELIAS, Wanda Maria. Escrever e argumentar. São
Paulo: Contexto, 2016.
PEIXOTO, Jacqueline dos Santos. A avaliação do emprego de operadores e conectivos
argumentativos. IN: GARCEZ, Lucília Helena do Carmo; CORRÊA, Vilma Reche. (org.)
Textos dissertativo-argumentativos: subsídios para qualificação de avaliadores.
Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2017.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 76
ANEXO
GLOSSÁRIO DA COMPETÊNCIA IV

Observação: este miniglossário tem como objetivo compartilhar algumas decisões


tomadas pela banca coordenadora, baseando-se em casos que frequentemente geram
dúvidas, no intuito de tornar ainda mais operacional a avaliação da Competência IV na
redação do Enem. As acepções baseiam-se em definições dicionarizadas. Alguns termos, a
despeito de não serem sinônimos, foram apresentados no mesmo verbete por
funcionarem semelhantemente ou por se submeterem à mesma regra interpretativa. O
fato de alguns termos informados neste glossário não serem aceitos como elemento
coesivo não significa que a presença deles no texto seja entendida como inadequação.
Conforme exposto no Material de Leitura, a inadequação se caracteriza pelo uso de um
conectivo com uma função semântica que não lhe cabe. Casos não citados aqui devem ser
encaminhados como dúvida ao supervisor.

Casos NÃO aceitos como elemento coesivo

Termos Definição e exemplos

1. Intencionalmente, de propósito.

Adrede 2. Previamente.

Ex.: A indústria farmacológica, de adrede, privilegia a


comercialização de remédios para ansiedade e depressão, sem se
preocupar com a dependência química que podem causar.

Ex.: Adrede, o eletrochoque era um tratamento comum para


transtornos mentais.

1. Outrora; em épocas passadas; há muito tempo. / 1. Na época


atual, nos dias de hoje.

Antigamente / Ex.: Antigamente, as crianças faziam brincadeiras nas ruas, como


Atualmente... amarelinha, cabra-cega, passa-anel, taco e bets. Essa socialização
evitava casos de fobias e compulsões.

Atualmente, o entretenimento dos jovens consiste em ficar


trancado em casa assistindo a séries ou jogando videogame,

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 77
enclausurando-se em um mundo de solidão e de comportamentos
compulsivos.

O emprego de expressões como “antigamente” e “atualmente” é


considerado meramente dêitico, articulando o texto mais com sua
exterioridade (geográfica/temporal) e menos com os argumentos
no interior do próprio texto. Portanto, para fins de avaliação, tais
expressões não são aceitas como operadores argumentativos ou
como outra forma de coesão. Entende-se que o participante
demonstra maior domínio da construção da coesão ao empregar,
por exemplo, “Antigamente, as crianças faziam brincadeiras...” e,
no parágrafo seguinte, retomar o primeiro articulando-o
argumentativamente com “Por outro lado, atualmente, o
entretenimento dos jovens...” ou, ainda, “De modo semelhante,
atualmente, o entretenimento...”. Nesses dois últimos casos, a
presença de um operador argumentativo (“por outro lado”, “De
modo semelhante”) torna explícita a articulação interparágrafos.

Obs.: outros exemplos de expressões semelhantes que também


não são avaliadas como elementos coesivos: “Na Grécia Antiga /
Na revolução Industrial / Hoje em dia ...”.

A priori (loc. adj.) (ant. a posteriori)

1. afirmado ou estabelecido sem verificação; pressuposto.

2. relativo a ou que resulta de raciocínio cujas definições foram


A priori / posteriori
dadas inicialmente.

Ex.: O acesso à saúde é um direito a priori.

Ex.: Certos sintomas psicopatológicos não são fáceis de


compreender a priori. Podemos dizer que são mais bem
diagnosticados a posteriori.

(loc. adv.)

3. por dedução, a partir de elementos prévios.

4. independentemente da experiência; intuitivamente.

Ex.: A priori, acredito que posso realizar o trabalho, mesmo sob


pressão e sofrendo stress emocional.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 78
Obs.: por desempenharem ora função adverbial, ora função
adjetival, ambas incidindo de modo localizado em relação ao
termo/à expressão que predicam, não desempenham o papel de
elemento coesivo tal como se espera na construção da coesão.
Portanto, quando empregadas, respectivamente, no lugar de “em
primeiro lugar”/“em segundo lugar” ou
“primeiramente”/“posteriormente”, não serão aceitas como
elemento coesivo, nem consideradas inadequação.

1. Crescentemente (pode ser substituído, para efeito de


comparação, pelo advérbio “muito”).
Cada vez mais / Cada
vez menos
Ex.: Conhecer uma pessoa emocionalmente estável, com quem se
pode construir um relacionamento equilibrado, está cada vez mais
Muito / Pouco difícil.

Ex.: Conhecer pessoas emocionalmente estáveis para começar um


relacionamento está muito difícil.

Obs.: não serão aceitos como elemento coesivo, tendo em vista


sua função como modalizador de um referente ou ação, e não
como um articulador.

1. Realmente, verdadeiramente, que existe, que é efetivo.

De fato
Ex.: A eliminação do estigma contra doentes mentais está, de fato,
longe de ser conquistada no Brasil.

Ex.: A eliminação do estigma contra doentes mentais está,


realmente, longe de ser conquistada no Brasil.

Obs.: não será aceito como elemento coesivo porque sua função é
mais predicar o referente do que retomá-lo.

1. Sem resultado; inutilmente, em vão.

Debalde
Ex.: Debalde, alguns políticos tentam implementar medidas mais
inclusivas para portadores de transtornos mentais no mercado de
trabalho.

1. Exprimem duração ou permanência de algo num tempo


determinado; em um momento em curso.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 79
Desde... até...

Durante a... Ex.: Desde a primeiro caso de esquizofrenia descrito por Sigmund
Freud, a psiquiatria evoluiu bastante.

Ex.: Até a data de 17 de maio de 1990, a homossexualidade era


considerada um transtorno mental, o que levava alguns pais a
imporem tratamentos psiquiátricos para seus filhos homossexuais,
tal como retrata a história de uma jovem lésbica no filme O mau
exemplo de Cameron Post.

Ex.: Desde as mudanças sociais na década de 1990 até o


legalização do casamento civil homoafetivo no Brasil, um longo
caminho de conquistas afastou a homossexualidade do campo das
doenças mentais.

1. Expressão formada pela conjunção “e” ou pela preposição “entre”


junto de um pronome ou referente.
... entre outros.
Ex. As doenças mentais podem se devolver a partir de perdas
... e outros. familiares, fracassos no trabalho, desilusões amorosas, entre
outros. // ...entre outros fatores.

Obs. Geralmente, ocorrem no fim de um período, apresentando


um novo referente ou deixando-o subentendido, sem retomar o
que os precede, como no exemplo acima.

Ex. Pseudocientistas europeus, influenciados por ideologias


racistas, afirmavam que o formato do crânio determinava
propensões para violência e para casos de psicopatia e, com isso,
causaram a segregação de grupos étnicos inteiros, por exemplo,
...e ...com ...como
dos afrodescendentes, com essa falsa teoria, que ficou conhecida
...por ...pela/o como frenologia.
...que
O emprego de conectores como os destacados acima (por
exemplo, a conjunção “e”, frequentemente utilizada para indicar
uma relação de adição entre elementos da oração) é legítimo e
ATENÇÃO! participa da construção da coesão textual. Todavia, conforme
comentamos em alguns momentos do Material do Módulo 6,
certas preposições, conjunções e outros termos, ainda que sejam
típicos da dissertação, fazem parte de um conjunto de recursos
coesivos muito elementar, no que diz respeito à articulação do
texto dissertativo-argumentativo esperada no Enem, portanto,
não são considerados na avaliação da Competência IV, exceto para
diferenciar os níveis 0 e 1, conforme também já dito no Material
de Leitura.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 80
Casos aceitos como elemento coesivo e como operador argumentativo
(podem ser empregados intra ou interparágrafos)

Termos Definição e exemplos

1. Além disso; também.


Ainda
Ex.: Ainda, convém destacar a relação de projetos inovadores para
a inclusão social dos alunos autistas nas escolas públicas.
Ex.: Ressalte-se, ainda, mais um problema social envolvendo o
preconceito contra os portadores de doenças mentais...

OBS.: não será aceito como elemento coesivo no sentido abaixo:


Exceção 2. Até este momento; até agora.

Ex.: A cura definitiva para a ansiedade ainda não foi encontrada.

Além disso: 1. Também.


Além disso
Ex.: A cafeteria Chefs Especiais Café, localizada na rua Augusta, em
São Paulo, emprega funcionários portadores de Síndrome de Down
e, além disso, é gerenciada por quatro empreendedores com a
Isso posto mesma síndrome, com cardápios e instalações acessíveis a
variados portadores de necessidades especiais. Com isso, o
Dito isso
estabelecimento se torna o primeiro café 100% inclusivo no Brasil.
Com isso

Assim: 1. Usado para ligar duas orações coordenadas, indicando


Assim conclusão; logo; portanto; assim sendo.

Dessa forma Ex.: O estigma contra doentes mentais acontecerá quando essas
pessoas forem capacitadas e tiverem a oportunidade de trabalhar
Desse modo
tanto em funções operacionais quanto nas áreas de gestão e de
supervisão. Assim, a sociedade passará a vê-las com naturalidade
e o preconceito diminuirá continuamente.

Com efeito:

1. Sem dúvida (confirmando consequência verdadeira de fato ou


Com efeito ideia anterior).

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 81
2. Então; portanto; (sentido conclusivo, quando apresenta a
finalização/conclusão de uma ideia anterior).

Ex.: A verdadeira inclusão dos deficientes mentais, com efeito, está


longe de ser implementada no Brasil.
Ex.: Com efeito, a inclusão efetiva de portadores de doenças
mentais está longe de ser implementada no Brasil.

Consequentemente: 1. Por conseguinte.

Ex.: A maioria dos projetos voltados tanto à inclusão social quanto


Consequentemente
ao tratamento pessoal e familiar de pessoas com problemas
Concomitantemente
mentais é feita por centros de pesquisa e atendimento vinculados
Simultaneamente a cursos de psiquiatria e psicologia em centros universitários.
Paralelamente Consequentemente, a falta de incentivo financeiro do Governo
Federal nas universidades públicas tem causado uma acentuada
queda na rede de apoio e de atendimento a portadores de
transtornos mentais.

1. Embora; se bem que; não obstante.

Conquanto Introduz uma oração subordinada que contém a afirmação de um


fato contrário ao da afirmação contida na oração principal, mas
que não é suficiente para anular este último.

Ex.: Algumas pessoas ainda acreditam que doenças mentais são


causadas por demônios ou outras influências do mundo espiritual,
conquanto inúmeras pesquisas apontem as causas biológicas
dessas doenças, inclusive com melhora do quadro após iniciar o
tratamento médico específico para cada caso.

1. Assim; desta maneira; dessarte.


Dessarte
Ex.: É papel do Ministério da Saúde a regulação e a orientação de
Destarte
tratamentos adequados para os doentes psiquiátricos. Destarte,
ele deve fortalecer os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), em
parceria com os municípios brasileiros.

1. Apesar de.
Ex.: Foi trabalhar, não obstante o ambiente deletério à saúde
mental em que desenvolvia suas atividades.
Não obstante
2. Contudo, apesar disso (do que foi antes mencionado).

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 82
Ex.: O chefe era um sociopata e assediava moralmente alguns
funcionários, não obstante, alguns relutavam em confrontá-lo.

1. Igualmente, do mesmo modo.


Outrossim
Ex.: A prática regular de esportes é uma forma de aliviar crises de
ansiedade e até mesmo depressão. Outrossim, o contato com a
natureza, como banhos de cachoeira, ajuda a diminuir o stress
cotidiano, prevenindo futuros problemas mentais.

1. A fim de; com o objetivo de.


Para...
Ex.: Para garantir o acesso integral aos tratamentos de saúde no
Brasil, cabe aos gestores públicos incluírem os portadores de
doenças mentais no rol de pessoas no programa Saúde da Família.

Ex. Os gestores públicos devem incluir os portadores de doenças


mentais entre os usuários do programa Saúde da Família, para que
esses doentes também tenham acesso o tratamento integral de
saúde.

Dica: Geralmente precede um verbo no infinitivo. Podem ser


aceitos inclusive como operador argumentativo interparágrafos
nos casos em que o parágrafo precedente apresenta, por exemplo,
a necessidade de melhorar o acesso à saúde de pessoas com
problemas mentais, seguido por um parágrafo como este:

Ex. Para solucionar esse problema, os gestores públicos devem


incluir os portadores de doenças mentais no programa...

Nesse caso, a junção de “para” + “esse problema” (operador


argumentativo + coesivo referencial) retoma o problema
apresentado no parágrafo anterior e acrescenta a solução
proposta, tal como o Exemplo 33, no Material de Leitura da
Competência IV, o que faz com que este uso do “para” o torne um
operador argumentativo interparágrafos.

* * * * * * * *

Exceção: Os demais empregos dessa preposição são legítimos e


Exceção participam da construção da coesão, mas NÃO são operadores
argumentativos, nem mesmo considerados no repertório de
recursos coesivos, exceto para diferenciar os níveis 0 e 1 (à
semelhança de outros termos como “e”, “por”, “pelo”, “como”,
“com”).

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 83
ATENÇÃO: este uso de “para” não é aceito como operador
argumentativo:
Ex.: “A diminuição do preconceito é importante para a sociedade”.
Ex.: “Essa música é excelente para relaxar, muito útil para quem é
ansioso”.

Dica: geralmente, é possível reconhecer esse uso mais elementar


como um funcionamento mais adverbial. Reformulando os
mesmos exemplos acima, teríamos os seguintes resultados, com
sentidos diferentes do “para” operador argumentativo:

Ex.: “A diminuição do preconceito é importante socialmente”.


Ex.: “Essa música é relaxante, muito útil aos ansiosos”.

1. Liga orações ou períodos que apresentam as mesmas


propriedades sintáticas; introduz o segmento que, basicamente,
denota uma justificação, explicação para o que foi dito
Porquanto anteriormente: porque; visto que, já que.

Ex.: As populações de cidades do interior do Brasil não têm acesso


a bons psicólogos e psiquiatras, porquanto a maioria desses
profissionais prefere trabalhar em grandes centros urbanos,
conforme atestam os dados do último censo.

1. Embora; ainda que; se bem que; apesar de.

Ex.: Posto que existam políticas de inclusão para portadores de


Posto que Síndrome de Down, esse grupo ainda sofre com falta de vagas de
trabalho devido ao preconceito.

2. Expressão que indica a razão, a causa, o motivo de; dado que;


visto que; pois; porque.

Ex.: Os empresários deveriam perceber a importância de prevenir


doenças mentais como depressão e crises de ansiedade em seus
funcionários, posto que trabalhadores satisfeitos e equilibrados
produzem mais e têm menos afastamentos médicos – se os
gestores não se preocupam com a saúde de seus colaboradores,
pelo menos o interesse por manter os lucros pode ser uma
motivação em prol de planos de saúde gratuitos aos funcionários.

MÓDULO 06 | COMPETÊNCIA IV 84
EQUIPE TÉCNICA
Ana Laura Gonçalves Nakazoni
Cristiane Borges de Oliveira
Deni Yuzo Kasama
Giovana Dragone Rosseto Antonio
Hélio de Oliveira
Isabel Cristina Domingues Aguiar
Jully Liebl
Larissa Satico Ribeiro Higa
Mahara Hebling
Mariana Masotti Cesari
Natália Alexandrino Rocha
Rafael José Masotti
Regina Claudia Garcia Oliveira de Sousa
Rodrigo Alves do Nascimento
Sidnei Francisco Soprano

COORDENAÇÃO ACADÊMICA
Tânia Cristina Arantes Macedo de Azevedo

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