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T E OL OGIA BÍBL ICA DO AN T I GO T E STA ME N TO

A mensagem das Escrituras hebraicas


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Aula I

A LEI
DE ISRAEL
(PARTE I)

TEOLOGIA BÍBLICA
Ao longo dessa disciplina estudaremos o que é chamado de Teologia
Bíblica do Antigo Testamento. Mas, afinal, o que é teologia bíblica? James
Hamilton Jr. nos auxilia com sua definição:

“Em suma, com a frase teologia bíblica quero dizer a perspectiva


interpretativa refletida no modo como os autores bíblicos
apresentaram sua compreensão de Escrituras anteriores, da
história redentiva, e dos eventos que eles descrevem, relatam,
celebram, ou tratam nas narrativas, poemas, provérbios,
cartas e apocalipses.”¹

Ou seja, teologia bíblica está ligada à ação de aprender com a própria


Bíblia - como lê-la e interpretá-la, a partir do processo de compreender a
perspectiva dos autores bíblicos - a qual é divinamente inspirada. Dessa
forma, poderemos “ler o mundo da perspectiva bíblica, ao invés de ler a
Bíblia da perspectiva do mundo”², como diz James Hamilton.

1 HAMILTON, James M.. “O que é Teologia Bíblia? Um guia para a história, o simbolismo e os modelos da Bíblia”. São José dos Campos, SP: Fiel,
2016.
2 HAMILTON, James M.. “O que é Teologia Bíblia? Um guia para a história, o simbolismo e os modelos da Bíblia”. São José dos Campos, SP: Fiel,
2016.

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A mensagem das Escrituras hebraicas

Para o nosso estudo, vale a pena refletirmos essencialmente sobre a


teologia bíblica do Antigo Testamento. Muitos teólogos cometem o erro
de trabalhar a teologia veterotestamentária deixando de fora um dos seus
personagens principais - Israel. Tendo em vista o fato de que a Bíblia foi
escrita por judeus, para o povo de Israel e acerca dele, como seria possível
interpretá-la de maneira correta excluindo essa ênfase do plano de Deus?
Dessa forma, em nosso estudo, teremos como objeto central o povo de
Israel e nos atentaremos a toda narrativa que o envolve, nos atendo a três
principais conceitos que permeiam todo o texto bíblico, os quais veremos
adiante.

O CONCEITO DA TRIANGULAÇÃO
- AS BASES DA TEOLOGIA DE ISRAEL
Ao longo dessa disciplina olharemos para o Antigo Testamento na ordem
básica que seus livros estão organizados: Lei (Pentateuco), Narrativa,
Poesia e Profecia. Essa dinâmica facilitará nosso estudo, para que
durante todo o processo seja possível abarcar ao máximo toda a estrutura
veterotestamentária.
Existem muitas linhas utilizadas por diversos teólogos no estudo da
teologia bíblica do Antigo Testamento. Muitos abordam a partir de
um único centro, de uma única linha que se desenvolve de Gênesis a
Apocalipse, ou de Gênesis a Malaquias, mas nossa abordagem será a partir
de três conceitos que estão presentes e funcionam como uma espécie de
fundamento para toda a teologia veterotestamentária, que são: Palavra,
Sacerdócio e Consumação
• Palavra: A palavra de Deus, em muitos momentos, funciona
como uma força propulsora no desenvolvimento da
narrativa canônica. Ou seja, muito dos decretos divinos,
bençãos, maldições e promessas guiam a história bíblica e
provocam diversos eventos.
• Sacerdócio: O sacerdócio de Israel é sua vocação para administrar a
palavra propulsora de Deus (oikonomia) até que todas as nações

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cheguem ao alvo do propósito eterno, que é a consumação.


• Consumação: Propósito escatológico de final apocalíptico. Ou seja, a
consumação se dará com uma revelação (física) de Jesus rasgando
o véu dos céus e descendo para uma intervenção cataclísmica na
história.
Chamamos a isso triangulação. Observe:

Tanak
Como já vimos, o Antigo Testamento em nossas Bíblias está organizado
em quatro seções básicas: primeiro temos a Lei, também chamada de
Pentateuco. Em seguida os livros históricos, e após eles, os poéticos. Por
fim temos os profetas. Todavia, essa disposição só foi desenvolvida depois
de Jesus e dos apóstolos.
Na antiga tradição judaica esses trabalhos estavam todos em rolos
separados e foram concebidos como uma coleção unificada de três partes
chamada TaNaK. Essa palavra, na verdade, é um acrônimo hebraico, com
os seguintes significados:

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Torah (Lei)
A
Neviim (Profetas)
A
Ketuvim (Escritos)
O Tanak tem os mesmos livros que o Antigo Testamento protestante,
mas organizados de forma distinta. A Torá corresponde ao Pentateuco,
mas os profetas, por sua vez, consistem em quatro livros narrativos
históricos, além de outros quinze livros proféticos específicos. Os Escritos são
compostos de diversos livros poéticos e narrativos.
Essa disposição dos escritos veterotestamentários levou um longo período
para ser finalizada, e alguns dos seus organizadores são nomes bastante
conhecidos, como Moisés e Davi. Mas a maioria dos autores permanece
anônima, e na Bíblia são chamados apenas de “escribas” ou “profetas”.
Não se sabe com precisão quando o Tanak foi finalizado, mas tem-se o
conhecimento de que foi entre os últimos séculos antes da primeira
vinda de Cristo. Em sua forma final, o TaNaK oferece uma interpretação
profética da história de Israel.
Veja a disposição de todos os livros do Antigo Testamento segundo
TaNaK:

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A LEI DE ISRAEL
O Pentateuco é formado pelos cinco primeiros livros do Antigo
Testamento: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. A
palavra “pentateuco” deriva do grego pentateuchos “[livro em] cinco
volumes”. Os judeus chamam esses livros de Torá (i.e., “instrução”), que
em geral se traduz por Lei (Mt 5.17, Lc 16.17, At 7.53, 1 Co 9.8).

Deute
Gênesis - Êxodo - Levítico - Números -
ronômio -
Origem Redenção Santidade Jornada
Graça
Cap 1-25:
Cap 1-11: Cap 1-18: Cap 1-15: morte da Cap 1-4:
problema obras justificação geração passado
do deserto

Cap 26-36:
Cap 12-50: Cap 19-40: Cap 16: Cap 5-22:
nova
solução palavras expiação presente
geração
pronta para
entrar na
terra

Cap 17-27: Cap 27-34:


santificação futuro

Monte Sinai
Em nossa abordagem, analisaremos Gênesis e todo o Pentateuco a partir
de um evento muito importante da história do povo de Israel - o encontro
do povo com Deus no monte Sinai. Essa narrativa se encontra em Êxodo

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19 e 20 e foi a primeira porção da Bíblia escrita por Moisés.


De fato, muitos pensam que Moisés começou a escrever a Torá em Gênesis
1, mas a realidade é que tudo se iniciou no monte Sinai. É essencial nos
lembrar que até aquele ponto da história, Israel ainda não era um povo
organizado. Eles eram apenas uma família que passou a morar no Egito
por causa da grande fome que a terra enfrentava naquele período, na época
de José, e que ao se multiplicarem grandemente foram feitos escravos anos
depois por um governante que nada sabia sobre sua história. Ao serem
libertos do Egito, sob a liderança de Moisés, foram para o deserto e lá
tiveram um encontro marcante com Deus, o todo-poderoso.
Ao receberem a lei e todas as instruções de como deveriam viver,
finalmente o povo de Israel nasceu. Moisés começou a escrever a lei, e com
o propósito de discipular o povo em todo o plano de Deus ele escreveu
tudo o que lemos antes de Êxodo 19 e tudo o que lemos depois. Alguns
dos escritos de Gênesis apenas foram organizados, editados e compilados
por Moisés, pois muitos faziam parte das poesias antigas ou de outros
materiais já existentes.
Dessa forma, o objetivo de Moisés com Gênesis era que a história de Adão
e de todos os seus descendentes, até chegar nos patriarcas, iluminasse a
realidade presente do povo e pudesse moldar a sua cosmovisão segundo os
padrões divinos. Logo, ao conhecerem a história de seus pais, conheceriam
também o caráter de Deus e seu plano para eles como povo.
Em Êxodo 19, vemos que o Senhor fala algo significativo ao povo, veja:

“Moisés subiu até Deus, e o SENHOR o chamou do monte,


dizendo: Assim falarás à casa de Jacó e anunciarás aos israelitas:
Vistes o que fiz aos egípcios e como vos carreguei sobre asas de
águias e vos trouxe a mim. Agora, portanto, se ouvirdes
atentamente a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis
minha propriedade exclusiva dentre todos os povos, porque toda a
terra é minha; mas vós sereis para mim reino de sacerdotes e nação
santa. Essas são as palavras que falarás aos israelitas.”
(Êx 19.3-6)

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Nessa passagem Deus chama Israel dentre todas as outras nações para
uma vocação sacerdotal. Esse é um ponto crucial na história do povo, pois
seu chamado era distinto de qualquer outro. Eles tinham a vocação de
serem um instrumento de bênção para todas as outras etnias da terra.
Além disso, ainda em Êxodo, é possível notar alguns dos sinais que
ocorreram no monte Sinai, que são uma sombra para o fim dos tempos.
Observe:

“No terceiro dia, ao amanhecer, houve trovões, relâmpagos e uma


nuvem espessa sobre o monte; e ouviu-se um soar de trombeta muito
forte, a ponto de fazer estremecer todo o povo que estava no
acampamento. Então Moisés levou o povo para fora do
acampamento ao encontro de Deus; e eles ficaram na base do monte.
Todo o monte Sinai fumegava, pois o SENHOR havia descido
sobre ele em fogo. A fumaça subia como fumaça de uma fornalha, e
todo o monte tremia muito. Enquanto o som da trombeta
aumentava cada vez mais, Moisés falava, e Deus lhe respondia por
meio de um trovão.” (Êx 19.16-19)

Todos esses elementos do Sinai - trombetas, trovões, relâmpagos, fogo,


fumaça - compõem a narrativa apocalíptica da Bíblia e remetem ao Dia
do Senhor. Sendo assim, Israel no Sinai recebe um chamado sacerdotal
ao mesmo tempo em que recebe uma grande manifestação da presença do
Senhor que aponta para o Dia do Senhor. Nesse mesmo contexto, Deus faz
uma aliança com eles e lhes entrega sua lei. E é por isso que esse evento é
tão significativo na história do povo, e é no Sinai que de fato Israel se torna
uma nação. Tudo o que lemos no Pentateuco antes do Sinai e depois são
escritos para discipular o povo como uma nação santa e sacerdotal.

Gênesis - o fundamento da lei de Israel

Gênesis 1 a 11 Problema

Gênesis 12 a 50 Solução

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O CONTEXTO PARA ISRAEL (1-11)


CAP 1 e 2 - O ÉDEN COMO PROTÓTIPO PARA ISRAEL
CAP 3 - O SANTUÁRIO CONTAMINADO /
A PROMESSA MESSIÂNICA
CAP 4 e 5 - O CONFLITO INICIAL DA SEMENTE
CAP 6 a 9 - RECOMEÇO EM NOÉ
CAP 10 e 11 - NAÇÕES

AS RAÍZES DE ISRAEL (12-50)


CAP 12 a 25 - ABRAÃO
CAP 25.12-18 - ISMAEL
CAP 25.19-35 - ISAQUE
CAP 36 e 37.1 - ESAÚ
CAP 37.2 ao 50 - JACÓ³

• Palavra
Da mesma forma que o povo de Israel foi criado e formado no Sinai a
partir da entrega da Torá, a palavra de Deus, todas as coisas também
foram criadas no início a partir da palavra de Deus. A Bíblia nos traz a
expressão “disse Deus” oito vezes ao longo do capítulo 1 de Gênesis,
observe:

Expressão: “disse Deus” em Gênesis 1

1 “Disse Deus: Haja luz. E houve luz.” - Gn 1.3


2 “E disse Deus: Haja um firmamento no meio das águas, que faça separação entre águas e
águas.” - Gn 1.6
3 “E disse Deus: Ajuntem-se num só lugar as águas que estão debaixo do céu, e apareça o
continente. E assim foi.” - Gn 1.9

3 Gênesis, introdução e comentário, Edições vida nova.

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4 “E disse Deus: Produza a terra os vegetais: plantas que deem semente e árvores frutíferas
que, segundo suas espécies, dêem fruto que contenha a sua semente sobre a terra. E assim
foi.” - Gn 1.11
5 "E disse Deus: Haja luminares no firmamento celeste, para fazerem separação entre o dia e
a noite; sirvam eles de sinais tanto das estações como dos dias e dos anos." - Gn 1.14
6 "E disse Deus: Produzam as águas cardumes de seres vivos; e voem as aves sobre a terra,
abaixo do firmamento do céu.” - Gn 1.20
7 “E disse Deus: Produza a terra seres vivos segundo suas espécies: gado, animais que raste-
jam e animais selvagens, segundo suas espécies. E assim foi.” - Gn 1.24
8 “E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme nossa semelhança; domine*
ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre o gado, sobre os animais selvagens
e sobre todo animal rastejante que se arrasta sobre a terra.” - Gn 1.26

Moisés, portanto, ao escrever Gênesis, está mostrando ao povo de Israel


que, assim como toda a criação foi estruturada a partir da palavra, da
mesma forma Israel precisa ser estruturado e organizado sob a mesma
palavra divina.
Além disso, se nos atentarmos a todas essas repetições da expressão
“disse Deus” em Gênesis 1, veremos que as primeiras sete vezes estão
relacionadas com a criação do cosmos, e o número 7 na Bíblia nos fala de
um ciclo completo. Na oitava vez que a expressão aparece, temos a criação
do homem, que ocorre de forma distinta, não pela palavra do Senhor, mas
pelas suas mãos. É uma nova fase, um novo ciclo se iniciando.
Deus assim o fez pois o homem carregaria uma vocação especial dentre
todos os seres criados, de gerir, administrar e dominar sobre toda a
criação. Adão foi criado à imagem de Deus para refletir a glória e o ser do
Criador na terra, e esse processo ocorreria a partir de uma bênção liberada
pelo Senhor:

“Então Deus os abençoou e lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos;


enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre
as aves do céu e sobre todos os animais que rastejam sobre a terra."
(Gn 1.28)

A palavra criadora de Deus, então, se torna uma palavra abençoadora; ao


proclamá-la sobre o homem e sobre toda a criação, o Senhor está injetando

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neles o potencial para que alcancem seu destino. Essa bênção se refere ao
olhar favorável de Deus sobre alguém e boas palavras sendo proferidas,
e o objetivo de ambos é a autorização para prosperar no alcance de seu
destino.
Sendo assim, ao abençoar Adão, o Senhor está liberando uma palavra
propulsora que o levará a cumprir sua vocação e seu destino, e guiará toda
a sua descendência ao longo da narrativa canônica a alcançar o propósito
final de Deus.
Todavia, em Gênesis 3, temos o evento da queda do homem, e a palavra de
Deus é questionada por Satanás. O elemento central da missão do homem,
da força que levaria a criação a alcançar seu destino e do funcionamento
do tabernáculo é colocado em dúvida pela serpente, e Adão se sujeita a
esse questionamento. Logo, com a palavra de Deus em cheque, todos os
elementos perdem o sentido. Tanto o sacerdócio quanto a consumação de
todas as coisas perdem seu fundamento, e é por isso, então, que a maldição
é liberada.
A maldição não é simplesmente uma consequência natural do pecado, mas
sim um decreto divino. Ela é uma nova palavra liberada sobre a criação e
sobre o homem que restringe o poder da palavra inicial, limitando também
o potencial que a criação carregava para chegar ao seu alvo. Tudo isso
ocorreu porque Adão não protegeu a santidade do santuário de Deus.
Porém, nesse mesmo contexto da queda do homem, Deus libera sua
primeira promessa, que é uma espécie de prefácio da solução, observe:

“E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a


sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.”
(Gn 3.15 - ACF)

Essa promessa traz esperança ao homem, pois viria um descendente, um


novo Adão, que cumpriria todo o propósito de Deus, e pela sua justiça e
sacrifício restauraria toda a criação. Sendo assim, a palavra de Deus, nos
primeiros capítulos de Gênesis, se manifesta de várias formas - primeiro
como uma palavra criadora. Logo após, observamos que ela se manifesta
como uma palavra abençoadora. Com a queda houve a palavra de maldição,

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mas em seguida o Senhor liberou uma palavra de esperança.


• Sacerdócio
Como já vimos, Adão recebeu o encargo especial do Senhor de cultivar
e guardar o jardim, e de dominar sobre toda a criação. Isso, porém, nada
se refere a uma simples atividade agrícola, mas a um serviço sacerdotal.
Inclusive, muitos teólogos entendem que a maneira como Deus criou o
cosmos é muito semelhante à criação de um santuário, e Adão foi colocado
nesse lugar com a função de um sumo sacerdote.
Além disso, a incumbência de administrar e dominar sobre algo se refere
a um cargo de liderança. Logo, Adão foi colocado por Deus como um
rei no jardim. Todavia, ele não governaria nos padrões pecaminosos que
conhecemos, mas sua liderança ocorreria por meio de servir o cosmos
a partir da palavra de bênção que ele havia recebido do Senhor, com o
objetivo de levá-lo ao alvo sonhado por Deus, no qual toda a criação
refletiria a glória do Criador. Ou seja, sua liderança ocorreria por meio do
sacerdócio.
Sendo assim, a função sacerdotal de Adão era a de administrar a palavra
propulsora de Deus diante da criação para que tudo caminhasse para o
objetivo final de Deus - a consumação.
Vimos, em Gênesis 3, que houve a queda do homem e a palavra de Deus foi
desprezada. Sem a palavra o sacerdócio também foi abalado; em Gênesis 6
vemos claramente isso ocorrendo.

“Naqueles dias os nefilins estavam na terra, e também depois,


quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos homens, as quais
lhes deram filhos. Esses nefilins eram os valentes, os homens de
renome da antiguidade.” (Gn 6.4)

Os nefilins eram de certa forma governadores e líderes sobre aquela


geração, e governavam por meio da valentia e da fama, como a Bíblia
descreve. Muito distante da forma como Deus pretendia que o domínio
ocorresse, através de cultivar e guardar, ou seja, por meio do sacerdócio.
Em Gênesis 4 também temos uma situação na qual é possível notar
claramente o elemento do sacerdócio operando. Caim e Abel, ambos

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descendentes de Adão e Eva, vão oferecer uma oferta ao Senhor. Veja o


que acontece:

“Tempos depois, Caim trouxe do fruto da terra uma oferta ao


SENHOR. Abel também trouxe da gordura das primeiras crias
de suas ovelhas. E o SENHOR acolheu bem Abel e sua oferta, mas
não acolheu Caim e sua oferta. Por isso, Caim ficou furioso, e ficou
com o semblante abatido.” (Gn 4.3-5)

Deus se agrada da oferta de Abel, mas não acolhe a de Caim. Há um


motivo claro para isso: Abel era o escolhido para carregar a semente de
Eva, e por isso ele conhecia a vontade de Deus e exerceu seu sacerdócio
de acordo com os padrões divinos. Caim, por sua vez, estava carregando a
linhagem da serpente, que se desenvolvia juntamente com a linhagem de
Eva. João escreveu sobre isso:

“Porque a mensagem que ouvistes desde o princípio é esta: que nos


amemos uns aos outros, não como Caim, que era do Maligno e
matou seu irmão. E por que o matou? Porque suas obras eram más,
e as de seu irmão eram justas.” (1 Jo 3.11,12)

Sendo assim, em toda a Bíblia e em toda a história humana ambas as


sementes se desenvolverão, e a linhagem da serpente sempre perseguirá
a linhagem de Eva, até que a promessa de Gênesis 3.15 seja plenamente
cumprida.
Ao final de Gênesis 5 lemos pela primeira vez acerca de Noé, que nasceu
com o chamado de trazer descanso à terra que o Senhor havia
amaldiçoado:

“Lameque viveu cento e oitenta e dois anos; e gerou um filho,a


quem chamou Noé, dizendo: Este nos consolará de nossas obras e
do trabalho de nossas mãos, que provêm da terra que o SENHOR
amaldiçoou.” (Gn 5.28,29)

Noé, portanto, está carregando a semente da mulher, e é usado por Deus

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durante o dilúvio, construindo uma arca e preservando a raça humana e


muitos animais. Todavia, o ponto central para nós será o primeiro ato de
Noé ao sair da arca, após o dilúvio, que foi oferecer um sacrifício ao Senhor:

“Então Noé saiu, e com ele seus filhos, sua mulher e as mulheres
de seus filhos, e todo animal grande, todo animal rastejante e toda
ave. Tudo o que se move sobre a terra, segundo suas famílias, saiu
da arca. Então Noé edificou um altar ao SENHOR, tomou de
todo animal limpo e de toda ave limpa e ofereceu holocaustos sobre
o altar.” (Gn 8.18-20)

Ou seja, o primeiro ato de Noé na recriação de Deus foi sacerdotal, pois


o princípio divino de administração da bênção, e aqui estamos falando da
bênção dessa recriação, após o dilúvio, é o sacerdócio. E logo após Noé
construir o altar, temos novamente a palavra de Deus:

“O SENHOR sentiu o aroma suave e disse em seu coração: Não


tornarei a amaldiçoar a terra por causa do homem, pois a
imaginação do seu coração é má desde a infância; nem tornarei a
ferir de morte todo ser vivo, como acabo de fazer. Enquanto a terra
durar, não deixará de haver plantio e colheita, frio e calor, verão e
inverno, dia e noite.” (Gn 8 21,22)

Deus fez novamente uma aliança com o homem e com a criação de que
continuará os impulsionando para que cheguem ao seu destino.
• Consumação
Como já vimos em Gênesis, Adão é criado à imagem de Deus e assim foi
feito para que o homem refletisse como um espelho a glória do Senhor
diante da criação, e que toda a sua descendência andasse sobre a terra da
mesma forma, cumprindo o propósito de Deus:

“Pois, assim como as águas cobrem o mar, a terra se encherá do


conhecimento da glória do SENHOR.” (Hc 2.14)

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Todavia, sabemos que esse não foi o desfecho da história de Adão, pois o
pecado entrou no mundo em Gênesis 3. Mas em meio ao caos da queda,
vimos que o Senhor libera sua palavra e promete uma esperança - a semen-
te da mulher que pisaria a cabeça da serpente.

“E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a


sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.”
(Gn 3.15 - ACF)

Nesse texto a palavra semente pode carregar dois significados: apenas


um homem, ou descendência, geração. Além disso, a expressão: “ferirá a
cabeça” tem um sentido de esmagar, pisar. Isso era muito utilizado no meio
militar, pois os generais dos exércitos antigos, ao vencerem uma guerra,
costumavam pisar na cabeça dos líderes opositores como um sinal de
vitória e triunfo.
Isso nos fala sobre o descendente prometido. Ele será o novo Adão, que
não cairá diante da tentação da serpente, e segundo Gênesis 3.15 virá
como um guerreiro para destruir Satanás. Além disso, como o novo Adão, a
semente da mulher será um rei, governando sobre toda a terra, e um sumo
sacerdote. Esse é Cristo, a semente prometida, que restaurará todas as
coisas e fará da terra um lugar santo novamente, que possa mais uma vez
receber a presença do Senhor repousando sobre ela à semelhança do que
ocorreu ao fim da criação - Deus viu que tudo era bom e descansou da obra
que fizera.

“Assim foram concluídos os céus e a terra, com todos os seus


elementos. No sétimo dia, Deus já havia completado a obra que
fizera; nesse dia ele descansou de toda a sua obra. E Deu
s abençoou e santificou o sétimo dia, porque nele descansou de toda
a obra que havia criado e feito.” (Gn 2.1-3)

Sendo assim, o retorno de Cristo, como o Rei, o sumo sacerdote e o grande


guerreiro, será, de fato, o pleno cumprimento de Gênesis 3.15. Seu
sacerdócio cumprirá o propósito de administrar os oráculos de Deus como
uma palavra propulsora, levando toda a criação a atingir seu destino em

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Deus. Dessa forma, a consumação é um retorno ao Éden, mas agora com


o novo Adão, o único homem justo e perfeito que governará para sempre.

CONCLUSÃO
Nessa aula vimos como a história da Bíblia se inicia no monte Sinai e como
Moisés discipulou o povo de Israel através do restante dos escritos do
Pentateuco, para que compreendessem todo o plano e propósito de Deus
para eles como nação.
Nossa jornada iniciou em Gênesis. Em seus primeiros capítulos
observamos a atuação de três elementos que permeiam a história de Deus
com sua criação e seus servos: a palavra divina, que se manifesta de forma
criadora, organizadora, e como uma força propulsora para toda a
narrativa canônica; o chamado sacerdotal, que administra os oráculos de
Deus para que toda a criação chegue ao seu destino; e a consumação de
todas as coisas.
Nosso estudo continuará analisando esses três elementos que permeiam
a história do povo de Israel, tanto no restante do Pentateuco, como nos
livros históricos, poéticos e proféticos.

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