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Variáveis Aleatórias Contı́nuas

1 Introdução

Definição 1. Uma variável aleatória é discreta se sua imagem (ou conjunto


de valores que ela assume) for um conjunto finito ou enumerável. Se a
imagem for um conjunto não enumerável dizemos que a variável aleatória é
contı́nua. Em nosso curso, ao dizermos que uma variável assume valores em
um conjunto não enumerável, queremos dizer que ela assume valores num
intervalo de números reais.

Os valores de uma variável aleatória contı́nua são definidos a partir do


espaço amostral de um experimento aleatório. Sendo assim, é natural o
interesse na probabilidade de obtenção de diferentes valores dessa variável.
Iremos associar probabilidades a intervalos de valores de uma variável alea-
tória. O cálculo dessas probabilidades envolverá a área abaixo da curva de
uma função especial chamada de função densidade de probabilidade.

Lembre-se que o comportamento probabilı́stico de uma variável aleatória


discreta é dado pela função de probabilidade. Já o comportamento proba-
bilı́stico de uma variável aleatória contı́nua será descrito pela sua função
densidade de probabilidade.

Definição 2. Uma função densidade de probabilidade é uma função f (x) que


satisfaz as seguintes propriedades:

• f (x) ≥ 0 para todo valor de x.

• A área total sob o gráfico de f (x) é igual a 1, isto é, em termos ma-
temáticos estamos dizendo que
Z ∞
f (x)dx = 1.
−∞

Dada uma função f (x) satisfazendo as propriedades acima, então f (x)


representa alguma variável aleatória contı́nua X, de modo que P (a ≤ X ≤ b)
é a área sob a curva limitada pelos pontos a e b, isto é,
Z b
P (a ≤ X ≤ b) = f (x)dx.
a

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Exercı́cio 1. Arqueólogos estudaram uma certa região e estabeleceram um
modelo teórico para a variável X que representa o comprimento de fósseis da
região em centı́metros. Suponha que X seja uma variável aleatória contı́nua
com a seguinte função densidade de probabilidade:
 1 x 
40 10 + 1 , 0 ≤ x ≤ 20,
f (x) =
0, caso contrário.

(a) Prove que f é uma função densidade.

(b) Calcule P (X ≤ 8).

Da mesma forma que a função de probabilidade de uma variável aleató-


ria discreta, a função densidade de probabilidade nos dá toda a informação
sobre a variável aleatória contı́nua X, ou seja, a partir da função densi-
dade de probabilidade, podemos calcular qualquer probabilidade associada
à variável aleatória X. Também como no caso discreto, podemos calcular
probabilidades associadas a uma variável aleatória contı́nua X a partir da
função de distribuição acumulada (também denominada simplesmente fun-
ção de distribuição).

Definição 3. Dada uma variável aleatória X, a função de distribuição de X


é definida por
FX (x) = P (X ≤ x), ∀x ∈ R.

Observe que se X é uma variável aleatória contı́nua com função densidade


dada por f (x), então a função de distribuição de X poderá ser escrita como:
Z b
F (b) = P (X ≤ b) = f (x)dx.
−∞

Exercı́cio 2. Determine a função de distribuição da variável aleatória contı́-


nua do Exercı́cio 1.

Definição 4. Seja X uma variável aleatória contı́nua com função densidade


de probabilidade fX . A esperança de X é definida como
Z ∞
E[X] = xfX (x)dx.
−∞

Definição 5. Seja X uma variável aleatória contı́nua com função de densi-


dade de probabilidade fX . A variância de X é definida como
Z ∞
V ar[X] = (x − E[X])2 fX (x)dx.
−∞

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Observação: é comum denotar a esperança por µ e a variância por σ 2 ,
isto é, E[X] = µ e V ar[X] = σ 2 . A variância de uma variável aleatória
qualquer pode ser escrita como:

V ar[X] = E[X 2 ] − (E[X])2 . (1)

Suponha que X seja uma variável aleatória contı́nua. Logo, temos que:
Z ∞
E[X] = xfX (x)dx,
−∞
Z ∞
2
E[X ] = x2 fX (x)dx.
−∞

Portanto, substituindo as duas relações acima na Equação (1), temos que:


Z ∞ Z ∞ 2
2
V ar[X] = x fX (x)dx − xfX (x)dx .
−∞ −∞

Exercı́cio 3. Calcule a esperança e a variância da variável X do Exercı́cio


(1).

2 O modelo Uniforme Contı́nuo e o modelo Normal

Apresentamos, nesta seção, três importantes modelos para variáveis aleató-


rias contı́nuas.

2.1 Modelo Uniforme Contı́nuo

Definição 6. Uma variável aleatória X tem distribuição Uniforme Contı́nua


no intervalo [a, b], a < b, se sua função densidade de probabilidade for dada
por:  1
b−a , a ≤ x ≤ b,
f (x) =
0, caso contrário.

Usaremos a notação X ∼ U [a, b] para indicar que X segue o modelo uniforme


Contı́nuo no intervalo considerado.

O modelo Uniforme pressupõe que os valores possı́veis para a variável alea-


tória possuem todos a mema probabilidade de ocorrência. Sua esperança e

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sua variância são obtidas através do cálculo de integrais, de tal forma que:
b
1 x2 b b2 − a2
Z
1 a+b
µ = x
dx = = = ;
a b−a b − a 2 a 2(b − a) 2
Z b
2 2 1 1 x3 b b3 − a3 b2 + ab + a2
E[X ] = x dx = = = ;
a b−a b − a 3 a 3(b − a) 3
logo,
b2 + ab + a2 a + b 2 (b − a)2
 
2 2 2
σ = E[X ] − µ = − = .
3 2 12

Exemplo 1. Latas de coca-cola são enchidas num processo automático se-


gundo uma distribuição uniforme no intervalo (em ml) [345,355].

(a) Qual é a probabilidade de uma lata conter mais de 353 ml?

(b) Qual é a probabilidade de uma lata conter menos de 346 ml?

(c) Qual a probabilidade de uma lata conter menos do que 347 ml ou mais
do que 353ml?

Exemplo 2. Considere a função f representada na Figura 2.1.

(a) Encontre o valor de k para que f seja uma função densidade de proba-
bilidade de uma variável aleatória X.

(b) Determine a equação que define fX .

(c) Calcule P (2 ≤ X ≤ 3).

(d) Calcule a esperança e a variância de X.

(e) Determine o valor de a tal que P (X ≤ a) = 0, 6.

(f ) Encontre a função de distribuição de X.

Figura 2.1: Densidade para o Exemplo 2.

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2.2 Modelo Exponencial

Definição 7. Uma variável aleatória X tem distribuição Exponencial de pa-


râmetro λ > 0 se sua função densidade de probabilidade for dada:

λe−λx , x ≥ 0,

f (x) =
0, caso contrário.

Teorema 1. Seja X uma variável aleatória com distribuição Exponencial(λ).


Então,
1 1
E[x] = e V ar[X] = 2 .
λ λ

A distribuição Exponencial tem sido amplamente utilizada nas áreas de


fı́sica, engenharia, computação e biologia, entre outras. Variáveis como a
vida útil de equipamentos , tempos de falha e tempos de sobrevivência de
espécies são algumas quantidades que têm sido modeladas com bons resul-
tados pela Exponencial.
Exemplo 3. Quando se diz que uma lâmpada incandescente de uma deter-
minada marca tem vida média de 1.000 horas, isso quer dizer que seu tempo
1

de vida T satisfaz T ∼ Exponencial 1000 . Assim, a probabilidade de que
esta lâmpada dure mais do que 1000 horas é
Z ∞
1 − x
P (T > 1000) = e 1000 dx
1000 1000
 ∞
1 x
− 1000
= − 1000e = e−1 = 0, 3678.
1000 1000

2.3 Modelo Normal

Observamos o peso, em kg, de 1500 pessoas adultas selecionadas ao acaso


em uma população. O histograma por densidade é o seguinte:

A análise do histograma indica que:

• a distribuição dos valores é aproximadamente simétrica em torno de


70kg;

• a maioria dos valores (88%) encontra-se no intervalo (55; 85);

• existe uma pequena proporção de valores abaixo de 48kg (1,2%) e


acima de 92kg (1%).

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Figura 2.2: Histograma por densidade.

Vamos definir a variável aleatória X que representará o peso, em kg, de


uma pessoa adulta escolhida ao acaso da população. Como se distribuem os
valores da variável aleatória X, isto é, qual a distribuição de probabilidade
de X?

A curva contı́nua em vermelho da Figura 2.3 acima é chamada de curva


Normal. A distribuição Normal é uma das mais importantes distribuições
contı́nuas de probabilidade pois:

• Muitos fenômenos aleatórios comportam-se de forma próxima a essa


distribuição. Exemplos:

1. altura;
2. pressão sangüı́nea;

• Pode ser utilizada para calcular, de forma aproximada, probabilida-


des para outras distribuições, como por exemplo, para a distribuição
Binomial.

Definição 8. Dizemos que uma variável aleatória contı́nua X tem distribui-


ção Normal com parâmetros µ e σ 2 , se sua função densidade é dada por:

1 (x−µ)2
f (x) = √ e− 2σ2 para − ∞ < x < ∞.
σ 2π

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Figura 2.3: Histograma por densidade.

Usaremos a notação X ∼ N (µ, σ 2 ), para indicar que X tem distribuição


Normal com parâmetros µ e σ 2 . O gráfico da densidade de uma distribuição
Normal está representada na Figura 2.4.

Algumas propriedades da densidade Normal podem ser, facilmente, obser-


vadas de seu gráfico:

(i) a função f (x) é simétrica em torno de µ;

(ii) a função f (x) tende a zero quando x tende a +∞;

(iii) a função f (x) tende a zero quando x tende a −∞;

(iv) o valor máximo de f (x) se dá quando x = µ;

(v) A área total sob a curva é igual a 1, portanto, pela simetria, cada
metade da curva tem 0,5 da área total.

(vi) E[X] = µ e V ar[X] = σ 2 .

No cálculo de probabilidades para variáveis contı́nuas, devemos resolver a


integral da função densidade no intervalo de interesse, isto é:
Z b
1 (x−µ)2
P (a ≤ X ≤ b) = √ e− 2σ2 dx.
a σ 2π

Entretanto a integral acima só pode ser resolvida de modo aproximado e por
métodos numéricos. Por essa razão as probabilidades para o modelo Normal

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Figura 2.4: Densidade do Modelo Normal.

são calculadas com o auxı́lio de tabelas. Para se evitar a multiplicação


desnecessária de tabelas para cada par de valores (µ, σ 2 ), utiliza-se uma
transformacão que conduz sempre ao cálculo de probabilidades com uma
variavel de parâmetros (0, 1), isto é, média 0 e variância 1.

Considere X ∼ N (µ, σ 2 ) e defina a seguinte variável aleatória Z:


X −µ
Z= .
σ
É possı́vel provar que Z ∼ N (0, 1). Esta variável será chamada de Normal
Padrão e será utilizada para calcular a probabilidade de X pertencer ao
intervalo [a, b] da seguinte maneira:
P (a ≤ X ≤ b) = P (a − µ ≤ X − µ ≤ b − µ)
a−µ X −µ b−µ
= P( ≤ ≤ )
σ σ σ
a−µ b−µ
= P( ≤Z≤ ),
σ σ
e, portanto, quaisquer que sejam os valores de µ e σ, utilizamos a Normal
Padrão para obter probabilidades com a distribuição Normal.
Exemplo 4. Seja X ∼ N (2, 9). Queremos calcular P (2 < X < 5). Pro-
cederemos como acima, ou seja, manipulando a relação 2 < X < 5 para
obtermos a Normal Padrão, isto é:
P (2 < X < 5) = P (2 − 2 < X − 2 < 5 − 2)
2−2 X −2 5−2
= P( √ < √ < √ )
9 9 9
= P (0 < Z < 1) = 0, 3415.

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A probabilidade acima corresponde a área sombreada da figura abaixo:

Figura 2.5: A parte sombreada representa P (0 < Z < 1).

Para obter P (0 ≤ X < 2), usamos a simetria da Normal (ver Figura 2.6):
0−2 2−2
P (0 ≤ X < 2) = P ( <Z< ) = P (−2/3 < Z < 0)
3 3
= P (0 < Z < 2/3) = 0, 2486.

Podemos ainda calcular as probabilidades de intervalos com extremos nega-


tivos, utilizando os correspondentes intervalos na parte positiva. Um outro
recurso importante no uso da tabela é a utlização do complementar. Veja:
 
X −2 3−2
P (X > 3) = P > = P (Z > 1/3)
3 3
 
1
= 0, 5 − P 0 ≤ Z < = 0, 5 − 0, 1293 = 0, 3707.
3
A tabela também pode ser utilizada no sentido inverso, isto é, dada uma
certa probabilidade, desejamos obter o valor que a originou. Por exemplo:
qual o valor de c para que tenhamos P (0 < Z < c) = 0, 4? Procurando no
interior na tabela, é possı́vel mostrar que deve ser c = 1, 28.

Suponha, agora, que desejamos encontrar d tal que P (Z > d) = 0, 8. Antes


de determinarmos este valor, observe que, como do lado direito de zero
a área abaixo da densidade da Normal Padrão vale 0, 5, então d tem que
ser necessariamente um número negativo. Dessa forma, −d é positivo e
P (0 < Z < −d) = 0, 3. Pela tabela, concluı́mos que −d = 0, 84, isto é,
d = −0, 84.

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Figura 2.6: A parte sombreada representa P (−2/3 < Z < 0). Lembre-se
que, por simetria, esta probabilidade é igual a P (0 < Z < 2/3)

Exercı́cio 4. Doentes, sofrendo de certa moléstia, são submetidos a um tra-


tamento intensivo cujo tempo de cura foi modelado por uma distribuição
normal, com média 15 e desvio padrão 2 (em dias).

(a) Que proporção desses pacientes demora mais de 17 dias para se recupe-
rar?

(b) Qual a probabilidade de um paciente, escolhido ao acaso, apresentar


tempo de cura inferior a 20 dias?

(c) Qual o tempo máximo necessário necessário para a recuperação recupe-


ração de 25% dos pacientes?

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