Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Edição electrónica
URL: https://journals.openedition.org/terrabrasilis/9410
DOI: 10.4000/terrabrasilis.9410
ISSN: 2316-7793
Editora
Rede Brasileira de História da Geografia e Geografia Histórica
Refêrencia eletrónica
Leticia Parente Ribeiro e Maria Isabel de Jesus Chrysostomo, «Espaços balneários em questão», Terra
Brasilis [Online], 16 | 2021, posto online no dia 31 dezembro 2021, consultado o 05 dezembro 2022.
URL: http://journals.openedition.org/terrabrasilis/9410 ; DOI: https://doi.org/10.4000/terrabrasilis.
9410
Agradecemos aos professores Laurent Vidal e Paulo Cesar da Costa Gomes — ambos
coordenadores do projeto A produção do espaço balneário nas cidades litorâneas: circulação de
modelos e experiências (CAPES/COFECUB) — por terem intermediado nosso contato,
respectivamente, com as equipes francesa e brasileira do projeto que contribuíram para tornar
possível a publicação do presente dossiê.
1 Durante os primeiros meses da pandemia da COVID-19, imagens de praias “desertas” ao
redor do mundo proliferaram nos meios de comunicação. Esses espaços, marcados por
grandes, conquanto sazonais, aglomerações de banhistas, veranistas e turistas, tiveram
seus usos associados a comportamentos de risco e se viram, de forma abrupta,
esvaziados de seus ocupantes humanos. Quando contemplamos tais imagens, temos a
impressão de estarmos diante do cenário de uma ficção pós-apocalíptica (Figuras 1 e 2).
Fonte: ©Dhavid Normando/Futura Press via Estadão Conteúdo, reproduzido por G1 Rio (13/04/2020).
Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/04/13/witzel-prorroga-medidas-de-
combate-a-covid-19-ate-30-de-abril.ghtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=share-bar-
desktop&utm_campaign=materias
com a disposição do leitor em nos acompanhar em tal metáfora. Qual é, por exemplo, o
sentido de percorrer tal itinerário de transformações do Jardim Guanabara baseando-se
em imagens? Ao analisar uma série de documentos, sobretudo anúncios de divulgação e
comercialização de lotes, nossos guias identificaram que, ao apresentar o recém-criado
Jardim Guanabara, a referida companhia imobiliária produziu uma série de discursos
visuais sobre a cidade. Tais discursos — frequentemente publicados na imprensa em
combinações de textos e imagens, podemos acrescentar — foram reconhecidos pelos
autores a partir da consideração de algumas variáveis: os elementos figurados (o que se
vê), os pontos de vista (de onde se vê) e a composição (posições relativas dos elementos
figurados).2
25 Voltemos, agora, ao continente. As fotografias também fazem parte do conjunto
documental no qual se baseia o artigo de Lohanne Ferreira. Nele, a autora observa as
praias da cidade do Rio de Janeiro a partir das imagens veiculadas nas páginas da
revista ilustrada O Cruzeiro. Trata-se do primeiro periódico do gênero a ter uma
circulação nacional, e também o de maior vendagem no país até a década de 1950.
Integradas às capas, colunas e fotorreportagens da revista, as imagens analisadas
registram o deslocamento do locus do lazer balneário, já a partir das primeiras décadas
do século XX, do mar para as faixas de areia das praias.
26 A hipótese central do artigo é de que, além de exercer uma função documental, as
fotografias e ilustrações de O Cruzeiro atuam na consolidação de um “imaginário
espacial balneário” associado à cidade do Rio de Janeiro. A autora descreve, então, o
conjunto de elementos que compõem a “estrutura mínima” desse imaginário, tal como
ele se apresenta nas páginas da revista: os corpos “saudáveis” das mulheres das classes
abastadas, trajados em maiôs e biquínis, desfrutando o lazer nas areias das praias
oceânicas da zona sul da cidade. Trata-se, portanto, de uma associação entre a
apresentação do corpo feminino, o hedonismo e as paisagens litorâneas de certos
bairros que funciona como indicador e vetor de distinção social.
27 É sobre as páginas de um outro periódico, neste caso, a revista das praias balneárias sul-
rio-grandenses A Gaivota, que Joana Schossler se debruça em seu artigo Sonhar a casa de
férias. A partir do material publicitário ali contido, a autora analisa as transformações
nos repertórios arquitetônicos que inspiraram a produção de casas de veraneio no
litoral meridional do país, entre 1930 e 1950.
28 As mudanças nos materiais, estilos e tipologias dos imóveis evidenciam as dinâmicas de
especialização e de concorrência do setor imobiliário, bem como a diversidade de
públicos consumidores e o papel das novas exigências da legislação urbana. Mas a casa
de veraneio também atendia a múltiplas e emergentes aspirações sociais: o reencontro
com a natureza selvagem, a experimentação de uma outra temporalidade, o consumo
de novos objetos e a exibição do corpo. Nesse sentido, “o sonho da casa de férias”
sinaliza não apenas a emergência de uma nova modalidade de mercado de terras
urbanas, mas também de novos devaneios sociais, os quais associam o espaço doméstico
com o ritual do tempo livre.
29 Já o artigo de Antoine Huerta, L’humour et les femmes, nos convida a aprofundar a
reflexão acerca da construção do “imaginário balneário” a partir de um estudo
comparado de obras literárias. O autor propõe uma leitura das comédias de costumes
(moeurs) francesas e brasileiras, publicadas no final do século XIX. É nesse período que
os “banhos de mar” passam a estar associados mais às atividades de lazer do que às
práticas terapêuticas.
NOTAS
1. Nos anos de 2018 e 2019, o projeto promoveu intercâmbios fecundos entre pesquisadores
brasileiros e franceses por meio de missões de trabalho e estudo, encontros científicos e
trabalhos de campo. O projeto sofreu uma interrupção brusca durante os anos de 2020 e 2021, em
virtude da pandemia de COVID-19, porém, no início de 2022, obteve uma prorrogação de um ano.
2. Gomes, Paulo (2013). O Lugar do Olhar: Elementos para uma geografia da visibilidade. 1. ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil.
AUTORES
LETICIA PARENTE RIBEIRO
Mestre em Geografia, Professora Assistente do Departamento de Geografia/UFRJ. E-mail:
leticiapr@igeo.ufrj.br