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Tom Cunningham
Hazelden Foundation
Editora JCB Publicações Ltda
Copyright © 2014, Tom Cunnigham
Rei Bebê
CDD-717.1 07-7211
ii
Nota dos Editores à Tradução Brasileira:
Uma adicção consiste no uso habitual de substâncias alteradoras
do humor (medicamentos, álcool, drogas) ou de comportamentos
(excesso de trabalho, jogos, abuso de comida, internet, falar
demais, sexo, mania de limpeza, consumismo) que é caracterizado
pela tolerância à substância ou comportamento (sendo que um
crescente e contínuo uso à substância ou comportamento se
tornam necessários para obter o mesmo efeito) e pela perda de
controle (o uso continuado apesar de suas consequências
negativas).
A dependência química consiste na adicção ao álcool e/ou
outras drogas. É uma doença progressiva e, se não for tratada,
mortal.
Sobre o autor:
Tom Cunningham trabalha no campo da dependência química
há dez anos. Tem uma licenciatura obtida na Universidade de
Minnesota e trabalha atualmente com aconselhamento de jovens e
adolescentes dependentes de substâncias tóxicas.
iii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................... 7
QUEM É O REI BEBÊ ............................................................................. 9
CARACTERÍSTICAS DO REI BEBÊ ......................................................... 10
A CRIANÇA ASSUSTADA E O REI BEBÊ .............................................. 13
O MITO DO REI BEBÊ .......................................................................... 16
O CÍRCULO VICIOSO ............................................................................. 23
A COMBINAÇÃO FATAL ....................................................................... 24
O CATALISADOR ................................................................................... 25
CANSADO DE ESTAR FARTO ............................................................... 26
ADMITIR A DERROTA, ENCARAR A REALIDADE ............................. 27
CURAR A NOSSA CRIANCINHA ASSUSTADA ................................... 28
OS CUIDADOS DENTRO DE A.A/N.A ................................................. 29
AMAR A SI MESMO ............................................................................. 30
AMAR E SER AMADO .......................................................................... 31
LIBERDADE ........................................................................................... 32
RENDIÇÃO ........................................................................................... 33
PERDÃO ................................................................................................. 34
HUMILDADE ........................................................................................ 35
CULPA ................................................................................................... 36
USANDO NOSSA PERSONALIDADE COMPULSIVA .......................... 37
RELACIONAMENTO COM NOSSO PODER SUPERIOR ..................... 38
DÉCIMO PASSO ................................................................................... 39
RELACIONAMENTOS COM O SEXO OPOSTO ................................... 40
ELIMINANDO VELHOS PADRÕES DE COMPORTAMENTO ............ 41
A ATITUDE A TER É DE GRATIDÃO ................................................... 45
O PEDIDO E A RESPOSTA ..................................................................... 45
v
INTRODUÇÃO
Página | 8
QUEM É O REI BEBÊ
Página | 9
CARACTERÍSTICAS DO REI BEBÊ
Página | 12
A CRIANÇA ASSUSTADA E O REI BEBÊ
Página | 13
que cheguem para a criança assustada que existe em
nós.
Considerando tudo isto como uma fraqueza, a parte
de nós que corresponde ao Rei Bebê tentará destruir,
atacar e por de lado a nossa criancinha assustada. Ao
negar estes sentimentos, o Rei Bebê encobre, em última
análise o fato de a criancinha assustada existir.
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A luta interior
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O problema
Página | 16
O MITO DO REI BEBÊ
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O Popular
O Tirano/Ditador
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O Conquistador
O Atraente
Página | 19
O Carismático
O Perfeccionista
Página | 20
O Simpático
O Rebelde
Página | 21
O Auto piedoso
O Rejeitado
Página | 23
A COMBINAÇÃO FATAL
Página | 24
O CATALISADOR
Página | 25
CANSADO DE ESTAR FARTO
Página | 26
ADMITIR A DERROTA, ENCARAR A REALIDADE
Página | 27
CURAR A NOSSA CRIANCINHA ASSUSTADA
Página | 28
OS CUIDADOS DENTRO DE A.A./N.A
Página | 29
AMAR A SI MESMO
Página | 30
AMAR E SER AMADO
Página | 31
LIBERDADE
Página | 32
RENDIÇÃO
Página | 33
PERDÃO
Página | 34
HUMILDADE
Página | 35
CULPA
Página | 36
USANDO NOSSA PERSONALIDADE COMPULSIVA
Página | 37
RELACIONAMENTO COM NOSSO PODER SUPERIOR
Página | 38
DÉCIMO PASSO
Página | 39
RELACIONAMENTOS COM O SEXO OPOSTO
Página | 40
ELIMINANDO VELHOS PADRÕES DE COMPORTAMENTO
1 - “Stinking Thinking”.
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Comparação de pensamentos negativos do Rei Bebê
em relação a Slogans dos A.A./N.A.
5 - “Keep a simple”.
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Compare os sintomas da recaída do Rei Bebê
com os princípios de A.A./N.A.
Desonestidade Honestidade
Dúvida Esperança
Procrastinação Ação
Medo Coragem
Facilitação Integridade
Complacência Boa vontade
Arrogância Humildade
Auto piedade Amor fraterno
Libertinagem Autodisciplina
Negligência Perseverança
Ingratidão Consciência espiritual
Onipotência Serviço
Página | 44
A ATITUDE A TER É DE GRATIDÃO
Página | 45
O PEDIDO E A RESPOSTA
(Oração Universal de Ação de Graças)
Página | 46
PARA
Cecil C.
Hazelden Foundation
Editora JCB Publicações Ltda
Copyright © 2014, Cecil C.
Grandiosidade
CDD-717.2 07-7210
ii
Nota dos Editores à Tradução Brasileira:
Uma adicção consiste no uso habitual de substâncias alteradoras
do humor (medicamentos, álcool, drogas) ou de comportamentos
(excesso de trabalho, jogos, abuso de comida, internet, falar
demais, sexo, mania de limpeza, consumismo) que é caracterizado
pela tolerância à substância ou comportamento (sendo que um
crescente e contínuo uso à substância ou comportamento se
tornam necessários para obter o mesmo efeito) e pela perda de
controle (o uso continuado apesar de suas consequências
negativas).
A dependência química consiste na adicção ao álcool e/ou
outras drogas. É uma doença progressiva e, se não for tratada,
mortal.
iii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................... 7
CARACTERÍSTICAS DA GRANDIOSIDADE ........................................ 9
DEFEITOS DE CARÁTER E SENTIMENTOS NEGATIVOS .................. 12
SUBMISSÃO COMPARADA À RENDIÇÃO ........................................ 16
CONHECENDO A SI MESMO ............................................................... 19
v
INTRODUÇÃO
Página | 8
CARACTERÍSTICAS DA GRANDIOSIDADE
Página | 11
DEFEITOS DE CARÁTER E SENTIMENTOS NEGATIVOS
Página | 14
A maioria destas emoções destrutivas leva ao
pensamento negativo. Para o compulsivo arrogante,
todas as pessoas estão erradas e não tem nunca o
direito de estarem certas. Um adicto como este sabe
que não há dois lados numa discussão com a esposa, o
patrão, o pastor, ou até com o policial e com o juiz.
Um fator dominante na personalidade grandiosa é a
teimosia. Em qualquer conflito, a maneira de ser do
adicto nunca é uma questão de opinião, mas sim um
fato e uma realidade. Apesar dos outros saberem que
ele muitas vezes está errado, o adicto nunca põe em
dúvida seu ponto de vista.
Página | 15
SUBMISSÃO COMPARADA À RENDIÇÃO
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Ao ser submisso, o adicto pode conscientemente
sentir a necessidade de ajuda, mas estas meias medidas,
normalmente levam o adicto à recaída e nunca mais o
deixam tentar a abstinência necessária para permanecer
em sobriedade. Este engano pode desencorajar amigos
cuidadosos e família, mas a grandiosidade leva o adicto
a pensar: “Boa jogada esta de tirar estes pesos das
costas”. O fato de haver um constante conflito na mente
do adicto entre o consciente e o inconsciente é o que
mantém a esperança de que a grandiosidade pode ser
eliminada com sucesso.
Visto que a grandiosidade blinda a mente e inflama a
intolerância que tem das outras pessoas, assim como de
suas ideias e opiniões, qualquer indecisão da parte do
adicto arrogante é um progresso. É um passo na direção
da realidade se o adicto grandioso começar a dar como
resposta, “Eu não sei”, “Eu não percebo”, ou “Estou
mudando minha maneira de pensar”.
Um sinal de crescimento em termos de tolerância
mostra-se muitas vezes em expressões de culpa por
comportamento compulsivo. Se tal culpa pode ser
sentida, a consciência de responsabilidades pode
começar a agir. Este avanço pode levar aqueles que tem
egos doentios a pensar que cometer erros não é
catastrófico, desde que ele admita a responsabilidade
pelo ato e esteja disposto a fazer reparações, assim
como eliminar esses padrões de comportamento que
podem resultar numa repetição dos mesmos erros.
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CONHECENDO A SI MESMO
Melody Beattie
Hazelden Foundation
Editora JCB Publicações Ltda
Copyright © 2014 Melody Beattie
Negação
CDD-717.4 07-7208
ii
Nota dos Editores à Tradução Brasileira:
Uma adicção consiste no uso habitual de substâncias alteradoras
do humor (medicamentos, álcool, drogas) ou de comportamentos
(excesso de trabalho, jogos, abuso de comida, internet, falar
demais, sexo, mania de limpeza, consumismo) que é caracterizado
pela tolerância à substância ou comportamento (sendo que um
crescente e contínuo uso à substância ou comportamento se
tornam necessários para obter o mesmo efeito) e pela perda de
controle (o uso continuado apesar de suas consequências
negativas).
A dependência química consiste na adicção ao álcool e/ou
outras drogas. É uma doença progressiva e, se não for tratada,
mortal.
Sobre a autora:
Melody Beattie é uma das mais competentes autoras de
autoajuda dos Estados Unidos, é conselheira e um nome familiar
nos círculos de recuperação a compulsões e vícios. Apresentou ao
mundo o termo “codependência”.
iii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................... 7
FERRAMENTA OU ARMA? .................................................................. 8
É PARTE DE UM PROCESSO ............................................................... 10
DETECTANDO OS GATILHOS DA NEGAÇÃO ...................................... 16
TRABALHANDO A NEGAÇÃO ............................................................ 21
v
INTRODUÇÃO
Página | 7
FERRAMENTA OU ARMA?
Página | 8
perder coisas importantes para elas. Mas que os outros
dificilmente veem como perdas.
Quando os adictos negam sua doença, continuam a
usar até a morte ou loucura. Os codependentes negam
que foram afetados pela doença e continuam sofrendo e
fazendo os outros sofrerem enquanto estiverem em
Negação.
As pessoas que negam a realidade não estão
admitindo nem resolvendo o problema, estão
eliminando a possibilidade de mudanças.
Nós usamos a negação para lidar com a dor ou
problemas, mas não lidar com eles não seria uma
aceitação melhor? A aceitação, assim como a
intervenção quando usada de forma correta e com
carinho são excelentes Ferramentas Terapêuticas. A
Negação pode ser o primeiro passo para a Aceitação.
Página | 9
É PARTE DE UM PROCESSO
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Temos que facilitar reuniões visando o
desenvolvimento do paciente. Assim não haverá
confusão, a equipe pode se preparar antes de cada uma
e sempre iniciar um programa de recuperação
estimulando a necessidade de conscientização com a
Negação e Luto seguidas das reuniões de TRE.
O novo residente antes de qualquer coisa tem que
ver essas reuniões de conscientização para colocar a
mente dentro do lugar onde está, pois por pelo menos
um mês a cabeça dele vai, com certeza, se focar na rua,
pensando no que os companheiros estão fazendo,
lembrando aventuras, etc.
Estas reuniões vão trazer a mente do residente para
onde estão. Fazendo com que se interessem pelo
programa de recuperação. Tomam a consciência de que
a rua está na rua. Eles estão em outro lugar com os pés
no chão.
Podemos sofrer sempre que esperamos uma
mudança mesmo desejada. Para qualquer mudança
temos que deixar algo para traz de modo a abrir espaço
para o novo. Não tem regra que determine quanto
tempo vai ficar em cada uma das cinco fases e nem
quanto tempo leva todo processo.
Depende da natureza da perda e a que ponto está
preparado para lidar com ela, do tempo do Poder
Superior de cada um começar a agir. Porém, dura o
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tempo necessário para atravessar o processo. Ajudar as
pessoas a crescerem é mais complicado do que fazer o
mesmo com jardins e hortas.
Apesar de poder colocar todas as fases no papel, a
nossa passagem por elas talvez não siga a mesma
sequência. Podemos viver várias ao mesmo tempo,
podemos voltar a fases antigas ou pular algumas, estar
em diferentes fases ao mesmo tempo. A aceitação
permanente pode ser necessária. Este é o jeito que nosso
Poder Superior trabalha em nós.
Página | 12
2. Raiva: esta fase é caracterizada pela inveja, por
transferir a culpa para outros, por ressentimentos
e muitas vezes por fúria. Esta raiva pode ser
especifica ou pode ser geral, pode ser racional ou
irracional, justificada ou injustificada, sensata ou
sem sentido. Podemos chutar o cachorro, gritar
com as crianças e lá dentro não estar com raiva de
nenhum deles. Estamos com raiva por causa da
nossa perda. Temos inveja daqueles que podem
tomar uma bebida antes do jantar sem terminar
recaído à meia noite. Da mesma modo que
precisamos da Negação, agora precisamos da
Raiva. Ela é combustível se não for trabalhada,
mesmo assim, precisamos saber lidar com ela.
Página | 13
primeira vez: “Isto não pode ser verdade”, fomos
levados para este momento. É a essência da dor,
estar realmente de Luto. A dor emocional na sua
forma mais pura. Choramos pelo que perdemos, e
também pelo que vamos perder. Este estado de
tristeza pode levar horas, dias, semanas ou até
meses. Quando nos rendemos, este processo
começa. E a Depressão só passará quando o
processo for todo ultrapassado.
Página | 14
precisamos é nos permitir e aos outros, a
liberdade de lutar, sentir e falar sobre este
processo quando quisermos. Entender o processo
não vai tirar a necessidade de atravessá-lo, mas
vai ajudar a relaxar, ter menos medo e lidar com
ele, em vez de lutar contra ele. E entendendo este
processo podemos ser uma boa ajuda para os
outros.
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DETECTANDO OS GATILHOS DA NEGAÇÃO
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3. Negamos qualquer sentimento de perda: isto é a
repressão emocional. Podemos demonstrar e
agir como se não fosse importante. Aparentando
estar emocionalmente vazios.
4. Fuga mental: evitamos os acontecimentos,
mentalmente de várias maneiras. Dormir demais
para escapar. Ficar hiperativos, impulsivos,
obsessivos e compulsivos, ou focar em televisão,
rádio, jornais.
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3. Responde às situações de forma inadequada.
Alegria quando momento é de tristeza,
infelicidade ou raiva quando outro sentimento
seria mais apropriado.
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doente, mental ou fisicamente. Pode ter dores de
cabeça, dores no estômago, dores nas costas etc.
Pode diminuir a imunidade e ficar doente mais
vezes que o normal.
4. Não me importo.
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9. Nós fizemos, porque era sensato. (racionalização)
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TRABALHANDO A NEGAÇÃO
Página | 21
onde estão no seu processo de crescimento. Estas
autorizações dão força, energia e são de muita ajuda.
Porque a negação faz entrar em curto circuito os
padrões de comportamento e os processos de
pensamento e as emoções de uma pessoa, dar uma
ajuda deste tipo pode encorajar a maquina a recomeçar
a trabalhar.
Dar às pessoas a autorização para serem quem são
passageiros imperfeitos numa viagem - pode reduzir a
sua necessidade de usarem a negação. Não há problema
em ter problemas. Não há problema em resolver
problemas também. Uma autorização contrária que eu
dou às pessoas - especialmente a crianças que precisam
aprender e a pessoas que tem tendências destrutivas é:
“Não é aceitável magoar-se ou aos outros”. Isto pode ser
claro para nós, mas não o ser para eles.
Ouça se quiser. Deixe as pessoas saberem que está
disponível se elas quiserem falar. Falar ajuda as pessoas,
tiram coisas da cabeça e a arejam. É saudável ser ouvido,
cria aceitação.
Lembre-se que ajuda ouvir com seu coração assim como
com seus ouvidos. O que está ouvindo pode ser outra
forma de dizer: “tenho medo”, ”estou sofrendo”, “estou
confuso”.
Fale de você, das suas emoções e das suas
experiências: Falar dos seus sentimentos é sempre uma
Página | 22
boa maneira de lidar com eles. Vai ajudá-lo. E, partilhar
honestamente as suas emoções e experiências pode
ajudar outras pessoas também. Pode dar-lhes coragem
de fazer o mesmo, as suas vitórias podem dar-lhes
esperança. Se sentir que tem que falar de outra pessoa
seja gentil. As pessoas que estão sofrendo reagem bem
à gentileza: “Soa como se estivesse com problemas
apenas”. Melhor ainda, encontre algo de bom nesta
pessoa – uma qualidade, algo que esta pessoa tenha e
que você gosta e aprecia – e ofereça este elogio. Isto
pode ajudar mais do que imagina e você desenvolve um
bom traço de caráter.
Ofereça informação, literatura e referências: Isto
quer dizer pergunte à pessoa se ela quer ler um livro, um
folheto, uma apostila ou um artigo. Se a resposta for
não, então não insista. Lembre-se que há uma grande
diferença entre informação e conselho.
Não dê nem ofereça conselhos. Não ajuda e só serve
para deixar as pessoas furiosas. Mesmo que lhe seja
pedido não os dê. Uma boa resposta seria: “O que você
acha que deveria fazer?” Isto ajuda e ninguém leva a
mal.
Leia o livro azul de A.A. ou de N.A. e outras literaturas
do programa de Doze Passos: Contém muita sabedoria
que pode ajudar na identificação da pessoa que está
ajudando.
Página | 23
Demonstre empatia. Esta é uma palavra bonita que
significa se colocar no lugar do outro. Não quer dizer
auto piedade, quer dizer lembrar-se o que significa sofrer
uma perda tão grande que precise negá-la.
Se não consegue se lembrar de ter sofrido ou negado,
e se não consegue ter empatia, se ainda assim não
consegue lembrar-se, talvez você não seja a pessoa certa
para lidar com a pessoa que está sofrendo. Empatia
ajuda, e pode ajudar muito a reduzir a necessidade de
negar.
Evite julgar. As pessoas têm problemas, não são o
problema. Dizer ou acreditar que uma pessoa é má,
inferior, sem esperança, horrível ou orgulhosa não vai
ajudar. Mesmo que sinta isso em seu coração, se não o
disser não vai ser ouvido (mas não esqueça que o corpo
fala, então procure não demonstrar, ao invés disso
procure perceber se não existe alguma identificação
entre você e a pessoa que está tentando ajudar).
Especialistas acreditam que o medo, a culpa e a
vergonha são algumas das maiores barreiras que as
pessoas enfrentam para parar de negar.
Se juntarmos à culpa e a vergonha de uma pessoa –
se lhe dissermos que os seus piores receios são verdade –
isso não vai ajudar. Pode é aumentar a necessidade de
usar a negação.
Página | 24
Não discuta. Raramente isso ajuda uma pessoa a
parar de negar. Desvia a atenção e faz perder tempo e
energia. Você não pode apoiar ou concordar com a
negação, mas também não deve forçar uma pessoa a ver
a realidade. Às vezes ajuda dizer: “Está bem, pode ser
que tenha razão”. E deixar ir. Isto tira a pressão de você
e a coloca na outra pessoa de uma maneira positiva, e
que ajuda.
Deixe as pessoas lutarem com elas mesmas e
decidirem se tem razão. Sua batalha com a verdade e a
realidade é muito mais dura de vencer que uma batalha
com você mesmo. E quando esta batalha acabar vão ter
ganhado algo. Isto não quer dizer que não possa ter
raiva de quem está em negação. Você tem direito aos
seus sentimentos, e precisa senti-los e, às vezes,
comunicá-los. Mas gritar não é normalmente a melhor
maneira de fazê-lo.
Respeite as pessoas. Isto inclui acreditar que elas são
boas pessoas (mesmo que tenham problemas). Elas
podem pensar e podem resolver seus problemas. Isto
quer dizer que permitimos que façam essas coisas por si
mesmas. Pergunte-lhes o que elas creem que o
problema seja. Pergunte como querem resolvê-los. Não
temos que curar fazê-los ficarem melhor, controlar ou
salvar. Não temos que lhes dar conselhos, nem fazer
com que seus sentimentos desapareçam.
Página | 25
Não temos e não devemos nos envolver com suas crises
e consequências. Tais consequências são uma das
maneiras em que a realidade fala alto para aqueles que
estão em negação. Pare de salvá-los! Vai lhes fazer um
grande favor e a si mesmo.
Respeite-se. Ponha limites. Para sua saúde e bem
estar. Não faça coisas pelos outros que realmente não
quer fazer, que não sejam boas para você ou que não
sejam boas para eles. Procure ser assertivo.
Não deixe que uma pessoa que está em negação lhe
faça coisas que te façam mal. Isto não quer dizer para
dar ultimatos ou fazer jogos de poder (fazer algo para
obrigar uma pessoa a ter um comportamento qualquer
ou para “mostrar quem manda”). Isto quer dizer que
calmamente deve descobrir o que precisa fazer para
tomar conta de você e fazê-lo. Marque os limites.
Confronte com cuidado. Isto não é um trabalho de
confronto ou intervenção. Ambas são boas ferramentas,
quando usadas de forma conveniente. Ambas podem
igualmente ser perigosas – para nós e para as pessoas
que confrontamos. Despir uma pessoa de ilusões não é
um projeto casual. Se o assunto que está sendo negado é
sério a pessoa pode parar com a negação após ser
confrontada. Mas lembre-se – esta pessoa não vai
provavelmente evoluir calmamente para a aceitação.
Pode avançar para a segunda fase do processo, a raiva.
Página | 26
Podem surgir atos violentos quando situações como
essas acontecem.
Tenha cuidado, John Powell explica porque em seu
livro “Porque tenho medo de lhe dizer quem sou?” “A
vocação de endireitar pessoas, de lhes tirar as máscaras,
de forçá-los a enfrentar a verdade reprimida é uma
chamada extremamente perigosa e destrutiva. Ele não
pode viver com algo que realizou. De uma maneira ou de
outra, ele mantém-se psicologicamente intacto através
de uma forma de ilusão. Se essa ilusão for desmontada,
quem a vai reconstruir e por o ser humano de pé outra
vez?” Procure ajuda profissional se pensa que você, ou
alguém perto de você está tendo problemas com a
negação, ou se está considerando confrontar ou intervir
um caso difícil.
Desligue-se do comportamento difícil que está
tentando ajudar. Não leve as pessoas pessoalmente nem
os problemas delas com você. Não somos responsáveis
por outros adultos – não assuma responsabilidades por
eles ou por seus problemas. Em último caso e com toda
certeza cada pessoa é responsável pela sua negação. O
seu processo de negação é sua responsabilidade. Ocupe-
se das suas responsabilidades – de você e do seu
processo de aceitação.
Se não podemos controlar os outros, o que
aparentemente não podemos, então ao menos devemos
Página | 27
tentar controlar a nós próprios. Se lhe está sendo difícil
afastar-se de uma pessoa ou de um problema, pode
querer considerar o grupo de apoio. Peça ajuda.
Confie em você, no seu processo de aceitação e no
seu Poder Superior. Não existem regras absolutas para
lidar com a negação ou com as pessoas. Cada situação e
cada pessoa são únicas. Mas você pode pensar e
perceber como lidar com as situações que surgirem.
Você quer ajudar a alguém? Pergunte ao seu Poder
Superior. Peça que o use e lhe mostre o que fazer.
Empenhe-se em ser gentil, pensar claramente e em ter
amor nos seus encontros com pessoas. Esqueça-se da
perfeição.
Você nem sempre tem de fazer algo. As pessoas
reestruturam-se “caindo aos pedaços” – e o processo
muitas vezes começa pela negação. É assim que Deus
trabalha conosco. Abra mão do controle e deixe que
Deus o faça por você.
Página | 28
PARA
Peter C. McDonald
Hazelden Foundation
Editora JCB Publicações Ltda
Copyright © 2014, Peter C. McDonald
CDD-717.3 07-7209
ii
Nota dos Editores à Tradução Brasileira:
Uma adicção consiste no uso habitual de substâncias alteradoras
do humor (medicamentos, álcool, drogas) ou de comportamentos
(excesso de trabalho, jogos, abuso de comida, internet, falar
demais, sexo, mania de limpeza, consumismo) que é caracterizado
pela tolerância à substância ou comportamento (sendo que um
crescente e contínuo uso à substância ou comportamento se
tornam necessários para obter o mesmo efeito) e pela perda de
controle (o uso continuado apesar de suas consequências
negativas).
A dependência química consiste na adicção ao álcool e/ou
outras drogas. É uma doença progressiva e, se não for tratada,
mortal.
Sobre o autor:
O Rev. Peter C. McDonald é membro de uma equipe
multidisciplinar, que presta serviços a pacientes terminais e às suas
famílias. Ele realiza terapias espirituais e é facilitador em grupos de
apoio ao luto como um serviço à comunidade.
iii
Agradecimentos
v
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................... 9
PERDAS ASSOCIADAS AO LUTO ......................................................... 10
O PROCESSO DO LUTO ....................................................................... 14
OS CINCO ESTÁGIOS DO LUTO ......................................................... 15
CONCLUSÃO ........................................................................................ 21
vii
INTRODUÇÃO
Página | 9
AS PERDAS ASSOCIADAS AO LUTO
Página | 10
controlar o comportamento do adicto ou de
outras pessoas e perdem o controle do próprio
comportamento) poderão continuar com estas
atividades ou optar em deixá-las por algum
tempo, se isto for ajudar o adicto em sua
recuperação.
Página | 11
não era esse o caso. Verificamos que não se tinha
o controle sobre a adicção ou às situações. Se
conscientizar disso constitui um terrível golpe
para a maioria e destrói a autoestima e as ilusões
a seu respeito.
Página | 12
obriga a se transformar em qualquer coisa nova –
adulto, responsável, independente. Isso pode se
tornar assustador.
Página | 13
O PROCESSO DO LUTO
Página | 14
OS CINCO ESTÁGIOS DO LUTO
Página | 15
determinada altura torna-se decisivo encarar a
realidade e parar de negar a impotência, fazer o
Primeiro Passo, e admitir – mesmo que não se
aceite – a impotência.
Página | 16
beber ou a usar drogas. O problema com a raiva é
que ela pode se tornar destrutiva se não for
expressa de forma saudável. Pode se transformar
num ressentimento amargo e levar a beber ou se
drogar cada vez mais para fugir desse sentimento.
Sutil e invasiva, ela pode recair sobre os membros
da família ou manifestar-se no trabalho, e o
comportamento fica fora de controle. Pode
conduzir à violência. Pode transformar-se em
depressão (raiva de si mesmo) e levar ao
desespero ou até ao suicídio. Por isso é vital
admitir que a sente e partilhar este sentimento.
Página | 18
4. Negociação: É a tentativa desesperada para
manter o controle, para conseguir que as coisas
ocorram como se quer. Tentar controlar o uso é
negociar: “Se eu beber só uma ou duas latas
provo que me controlo, e portanto que não sou
impotente”. “Se eu beber só nos fins de semana,
isso significa que não sou impotente. Portanto
posso beber”. Ou uma esposa pode dizer: “Bem, o
convenci a não tomar outro copo, isso quer dizer
que tenho alguma influência sobre ele quanto ao
seu uso”. Negociar impede de enfrentar a
realidade e assim é uma forma de negação
também. Até certo ponto é bom pois ajuda a
realmente descobrir se controla ou não alguma
coisa. Mas também se torna destrutivo se lhe for
permitido permanecer nele por muito tempo pois
separa a realidade da perda. Deixa uma ilusão de
que ainda se tem o controle e impede de alcançar
a fase final do processo do luto.
Página | 19
seguir sua vida, o que é precisamente aquilo que
os Doze Passos querem dizer. Encontra-se a paz e
a serenidade, chega-se a um acordo com a
realidade. Não precisa de fé para admitir que é
impotente, mas precisa dela para aceitar a
impotência. A fé é o antídoto do medo, se tiver fé,
aconteça o que acontecer, tudo acabará ficando
bem, não se tem nada a temer. Pode-se aceitar o
estado de impotência sabendo que alguém ou
alguma coisa cuida de você, é aqui que entra o
Segundo Passo. “Viemos a acreditar que um Poder
superior a nós mesmos poderia devolver-nos à
sanidade”, tornando-nos assim capazes de aceitar
a nossa impotência. Podemos então decidir fazer
o Terceiro Passo e pedir ajuda. Tudo está
interligado.
Página | 20
CONCLUSÃO
Página | 21
PARA
Gayle Rosellini
PENSAMENTO
DESTRUTIVO
Gayle Rosellini
Hazelden Foundation
Editora JCB Publicações Ltda
Copyright © 2014, Gayle Rosellini
Pensamento Destrutivo
CDD-717.6 07-7206
iv
Nota dos Editores à Tradução Brasileira:
Uma adicção consiste no uso habitual de substâncias alteradoras
do humor (medicamentos, álcool, drogas) ou de comportamentos
(excesso de trabalho, jogos, abuso de comida, internet, falar
demais, sexo, mania de limpeza, consumismo) que é caracterizado
pela tolerância à substância ou comportamento (sendo que um
crescente e contínuo uso à substância ou comportamento se
tornam necessários para obter o mesmo efeito) e pela perda de
controle (o uso continuado apesar de suas consequências
negativas).
A dependência química consiste na adicção ao álcool e/ou
outras drogas. É uma doença progressiva e, se não for tratada,
mortal.
Sobre a autora:
Gayle Rosellini é uma escritora independente cujos trabalhos
sobre a dependência química e outros tópicos sobre saúde e
desenvolvimento pessoal aparecem em Alcoholism/The National
Magazine, U.S. Journal e outros periódicos. É também coautora do
livro Of Course You’re Angry, publicado pela Hazelden Educational
Materials.
v
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................... 9
ATITUDE CERTA CONTRA OS PENSAMENTOS DESTRUTIVOS ....... 11
ATITUDES COMUNS EM PENSAMENTOS DESTRUTIVOS ............... 13
Manipulação ........................................................................................ 14
Grandiosidade ..................................................................................... 17
Facilitação ........................................................................................... 19
O caso de Fábio Augusto .................................................................. 20
Rebeldia .............................................................................................. 23
DESAFIANDO OS PENSAMENTOS DESTRUTIVOS .......................... 27
Consciência ........................................................................................... 29
Compromisso ..................................................................................... 29
Ação ...................................................................................................... 30
Transformação ..................................................................................... 31
MUDANDO OS PENSAMENTOS DESTRUTIVOS ............................. 35
CONCLUSÃO ........................................................................................ 37
vii
INTRODUÇÃO
*Estimativa mundial.
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Um doutorado em física nuclear não garante uma
sobriedade feliz. Nem tão pouco ganhar na loteria ou
ficar em primeiro lugar num concurso de beleza. Não é a
inteligência, a sorte ou beleza que nos mantém sóbrios!
A atitude faz a diferença na recuperação.
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ATITUDE CERTA CONTRA OS
PENSAMENTOS DESTRUTIVOS
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Todos nós sofremos disso uma vez ou outra e não
dura mais que os primeiros 30 dias de tratamento. Até
nos pode torturar, mesmo quando sóbrios, destruindo a
nossa recuperação.
Os 40%* que escorregam para um círculo de recaídas
são pensadores destrutivos por excelência.
Cada um de nós deve examinar o próprio
pensamento. Será que nossa atitude está sendo positiva
e construtiva ou praticamos pensamentos destrutivos?
Andamos fazendo reverência à recaída com atitudes
negativas? Estamos firmando a sobriedade com os
dentes fechados e uma infelicidade violenta?
Para conseguir uma recuperação bem sucedida para
nos sentir bem mental e fisicamente, precisamos ter a
cabeça no lugar com um pensamento claro e racional.
Para conseguir isso temos que reconhecer nossos
padrões de pensamentos destrutivos e aprender formas
de mudar esses padrões negativos em atitudes positivas.
*Estimativa mundial.
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ATITUDES COMUNS EM PENSAMENTOS DESTRUTIVOS
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Mas promessas não valem nada. A recuperação exige
ação! Mudança! Compromisso! Trabalho!
A manipulação põe em risco a sobriedade, porque
somos ingênuos para acreditar que ao repetir as
palavras e os slogans certos podemos adequadamente
substituir o trabalho, tantas vezes doloroso e difícil, de
olhar para dentro de nós próprios e mudar as crenças e
comportamentos errados que tornaram nossas vidas
desgovernadas.
A manipulação não dá resultados positivos. Podemos
ser capazes de enganar nosso terapeuta, nossa esposa,
patrão, e amigos com nossas fluentes palavras, mas a
menos que tornemos essas palavras em ações sinceras,
teremos que encarar a possibilidade mais que provável
da recaída!
Certas frases feitas são características da
manipulação:
Eu prometo não fazer de novo.
Desta vez aprendi a lição.
Eu acho os A.A./N.A. maravilhosos, mas não é pra mim.
Eu juro que ter sido apanhado dirigindo bêbado foi a
melhor coisa que me aconteceu.
Sei que nunca mais usarei.
Eu vou deixar de (beber, usar drogas, comer porcarias,
dirigir sem habilitação, perder a cabeça) assim que...
Eu farei tudo o que quiser desde que não me interne em
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uma clínica.
Lembre-se, normalmente acreditamos na nossa
própria manipulação. Continuidade é o que distingue a
falsidade da manipulação e a sinceridade do verdadeiro
compromisso com a recuperação.
Não é o que dizemos que conta. Mas sim aquilo que
fazemos.
Devemos fazer as seguintes perguntas:
Será que estou priorizando as coisas que devo fazer ou
maneiras de melhorar e, no entanto, estou falhando
na forma de agir a estas coisas?
Será que realmente acredito que, embora outros
adictos precisem seguir os passos de um programa de
tratamento para se recuperarem isto, também, não se
aplica a mim?
Será que, às vezes, estou repetindo frases e slogans
sobre minha recuperação na esperança de ganhar a
aprovação das pessoas que me odeiam?
Será que faço promessas para melhorar o meu
comportamento e essas promessas nunca se
realizam?
Se a resposta é sim mesmo que seja só a uma destas
perguntas, estamos prejudicando nossa recuperação ao
entrarmos na manipulação.
O que é que nos leva a sabotar desta maneira? Por
uma única razão, porque tendemos a agradar aos
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outros. Queremos ganhar a aprovação de nosso
terapeuta, esposa e família, dizendo-lhes aquilo que
pensamos que eles querem ouvir. Tornando-os
satisfeitos e fazendo com que nos tratem bem, e isso
nos faz felizes, pelo menos por pouco tempo.
Há outra razão mais egoísta para usarmos a
manipulação. É um processo eficaz para que as outras
pessoas deixem de nos aborrecer. Se dissermos o slogan
certo, podemos acalmar o terapeuta, ou a esposa que
continuam desconfiando de nossas atitudes.
A chave para sair da manipulação é a insinceridade.
Enganamos os outros várias vezes. E isso nos conduz a
outro de nossos problemas de atitude:
Grandiosidade
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bares sem ser tentado a beber.
Grandiosidade é acreditar que podemos continuar a
andar por aí com os antigos amigos do “uso” sem ser
apanhado outra vez pela adicção.
Grandiosidade é acreditar que há outras pessoas que
podem precisar da muleta dos A.A./N.A., mas que nós
não precisamos de nenhum desses grupos de
espiritualidade.
Grandiosidade é acreditar que uma cerveja ou um
“pega” não nos vai fazer perder o controle.
Grandiosidade é acreditar que somos melhores, mais
espertos ou dignos que os outros.
Grandiosidade é acreditar que as regras são para os
outros e não para nós.
Grandiosidade é a crença falsa de que, de uma
maneira ou de outra, podemos por magica superar as
probabilidades de poder continuar preguiçosos e
exigentes, sem arriscar a recaída.
Grandiosidade é pensamento destrutivo.
Devemos nos perguntar o seguinte:
Será que posso frequentar bares porque sei que sou
forte o suficiente para não ser tentado a beber ou usar
drogas outra vez?
Será que provavelmente vou poder voltar a beber em
socialmente ou usar drogas moderadamente se eu
quiser?
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Será que só eu penso que todas essas reuniões de
Doze Passos e as sessões de acompanhamento com
meu terapeuta são um tempo perdido?
Será que estar rodeado de todos esses adictos em
A.A./N.A. me prejudica?
Se respondermos sim a pelo menos uma destas
perguntas, estamos prejudicando nossa recuperação
com uma grandiosidade irreal.
É uma incoerência, mas os adictos podem ser
grandiosos mesmo sofrendo de um complexo de
inferioridade. Dependendo de como nos sentimos e da
situação, ficamos entre o falso orgulho e um ego
inchado de grandiosidade e uma depressão destruidora
e baixa autoestima.
Isto porque o que distingue tanto a baixa autoestima
como a grandiosidade é o desprezo.
Com baixa autoestima o desprezo volta para dentro
de nós. Com grandiosidade, nós visamos o exterior, as
outras pessoas e as regras da sociedade e da natureza.
Quando começamos a pensar que as regras não são para
nós, desenvolvemos outro problema de atitude.
Facilitação
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culto com a esposa e filhos na Igreja Adventista do
Sétimo Dia? Será que aconteceu alguma coisa de mal
por não termos ido ao culto na semana passada? Além
disso, em um dia como o de hoje, é provavelmente mais
saudável estar ao ar livre tomando sol, do que ficar
enfiados numa sala. Quero dizer, qual é a importância
desta coisa de culto a Deus?
A importância é que o sucesso de nossa recuperação
depende muito do empenho em continuar “ativo” ao
compromisso com nosso Poder Superior. Quando
começamos a faltar ao que está marcado, a fugir dos
cultos ou arrumar desculpas, quando nos tornamos
menos cuidadosos em nosso empenho na recuperação,
começamos a facilitar.
Facilitar é uma forma de enganar. Começa devagar,
mas pode rapidamente se tornar em uma recaída.
Vejamos um exemplo de alguém que facilitou.
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ajudar outras pessoas. Decidiu fazer um curso de
monitoria e coordenação, com duração de dez dias, na
FEBRACT, em Campinas, SP.
As exigências do emprego em uma comunidade
terapêutica não lhe deixavam com muito tempo para a
família e para se dedicar a sua própria recuperação.
Alguma coisa tinha que ceder. Pensando que podia ser
um marido e pai presente somente nos finais de semana,
Fábio Augusto passou a negligenciar sua própria
recuperação. Depois deixou de ir completamente, as
reuniões de N.A., mas mesmo assim tentou ler o seu
“texto básico”, uma vez por semana. Cerca de um mês
depois, a sua esposa começou a postar comentários no
facebook lamentando do pouco tempo que passavam
juntos e, então, Fábio Augusto a surpreendeu quando se
demitiu do serviço que prestava no centro terapêutico e
a levou ao melhor restaurante de comida oriental da
cidade.
De fato, Fábio Augusto sentia-se culpado por passar
tantos dias fora de casa, e assim esperava que aquele
jantar espetacular pusesse fim às queixas de sua esposa.
Ele estava revendo antigos amigos, e indo a bares e
lugares que sempre frequentou. Ele tinha certeza
absoluta de que sua esposa estava desconfiada, mas
também não pensava que estivesse fazendo nada de tão
errado, afinal, uma pessoa tem esse direito, não tem? E
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ele conseguia estar quase totalmente limpo e bem na
maioria do tempo. Ele podia ter fumado crack todas as
noites que quisesse, mas recusou sempre de todas as
vezes que lhe ofereceram. O máximo que fez foi dar uns
“pegas”. Nem chegou a ficar “louco”, a droga era de
uma qualidade péssima. Que mal poderia fazer?
Em três semanas, Fábio Augusto estava totalmente
recaído. Facilitar pequenas mentiras o levou a completa
recaída.
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Deixei de fazer o Décimo Passo ou evitei ter uma ação
positiva para corrigir minhas atitudes e desvios de
comportamento?
Respondendo sim a uma das perguntas estamos
prejudicando nossa recuperação por facilitarmos.
A chave para deixar a facilitação é se desculpar.
Podemos nos tornar peritos em combinar
manipulação, grandiosidade e facilitação para formar
uma péssima atitude que pode prejudicar nossa
recuperação. Um exemplo de nosso pensamento
negativo pode soar assim:
“Ah, penso que N.A. são formidáveis (manipulação),
mas não sou do tipo que precisa de todo esse apoio do
grupo para permanecer sóbrio (grandiosidade)”. Além
disso, eu preciso de todo o meu tempo disponível para
estar com minha família de modo a compensá-los pela
minha ausência quando me drogava (facilitação).
No curso normal dos acontecimentos, a família e os
amigos começarão a notar a atitude de facilitação.
Ficarão preocupados. E começarão a nos censurar, o
que fará aparecer nossa rebeldia.
Rebeldia
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começa a dar ordens, mesmo quando estão certos e seja
para o seu bem, ficam hostis.
Para nós, a rebeldia é tão normal como respirar.
Parece que temos uma tendência nata para resistir e
opor à autoridade. E para nós, a autoridade pode ser
qualquer um, mulher, filhos, pais, terapeutas, padrinhos.
É qualquer pessoa que tenha influencia em nosso
comportamento.
Talvez nossa rebeldia venha, em parte, de nossa
grandiosidade. Nós queremos ter sempre razão. A nossa
grandiosidade nos engana, fazendo acreditar que temos
todas as respostas, que tudo correrá bem, se todos
fizerem as coisas como queremos.
Claro que nem sempre mostramos abertamente a
nossa rebeldia. Podemos nos mostrar agradáveis e
alegres por fora, mas por dentro estamos fazendo
planos de virar a situação e fazer o que quiser.
Por causa de nossa rebeldia e grandiosidade, não
somos muito bons em receber conselhos de nossos
terapeutas e de outras pessoas em recuperação que
conhecem o “esquema”, e que poderiam nos ajudar, se
lhes déssemos ouvidos em vez de filtrar tudo através
dos nossos egos inchados.
Deveríamos nos perguntar:
Me sinto como se outras pessoas estivessem sempre
tentando governar minha vida?
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Faço promessas de melhorar meu comportamento,
quando na verdade não tenho intenção alguma de
mudar?
Será que às vezes penso que meu terapeuta ou
padrinho é doido ou pior que eu?
Se respondermos afirmativamente a uma destas
perguntas, estamos prejudicando nossa recuperação
com rebeldia.
O que nos prende à rebeldia é a imaturidade. Em
muitos aspectos somos como crianças grandes, Reis
Bebês. Queremos ser o centro das atenções e que todas
as nossas necessidades sejam imediatamente satisfeitas.
Ficamos zangados e ressentidos quando as pessoas que
nos odeiam não procedem como nós queremos.
Começamos a culpá-las por todos os nossos
problemas e gastamos tempo e energia tentando mudá-
las; para fazer tudo como queremos, para ficarmos
felizes. Isto é o que torna a rebeldia tão perigosa para a
nossa recuperação. Estamos tão ocupados tentando
controlar e mudar os outros de um modo tão arrogante,
que não temos a energia ou a visão necessárias para
mudarmos nós mesmos e nosso pensamento destrutivo.
Uma boa atitude é a resposta. A recuperação floresce
quando encaminhamos sem medo os nossos
pensamentos e ações, quando nos dedicamos a
reconhecer e a eliminar os hábitos destrutivos da
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manipulação, da grandiosidade, da facilitação e da
rebeldia.
Estas quatro atitudes de comportamento promovem
crenças destrutivas que podem tornar nossas vidas
desgovernadas e infelizes mesmo quando estamos
sóbrios.
Mas podemos mudar! Podemos desafiar nosso
pensamento destrutivo e aprender novas e saudáveis
respostas para a vida. Podemos endireitar nosso
pensamento, pondo-o em seu lugar.
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DESAFIANDO OS PENSAMENTO DESTRUTIVO
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Consciência
Compromisso
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recuperação.
Devemos examinar nossos planos para melhorar.
Estaremos facilitando? Tentando encontrar um caminho
mais fácil? A mudança não acontece facilmente, mas o
esforço não valerá a pena? O compromisso sincero é
vital para a nossa recuperação!
Ação
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e crescer é agora a hora de agir.
Transformação
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SINTOMAS DE RECAIDA SINAIS DE RECUPERAÇÃO
MANIPULAÇÃO COMPROMISSO
Chave: Falsidade Chave: Sinceridade
Falso Genuíno
Enganador Honesto
Crítico Tolerante
Fingido Sério
Exagerado Ponderado
Mentiroso Sincero
Falador Ativo
Inconstante Dedicado
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SINTOMAS DE RECAIDA SINAIS DE RECUPERAÇÃO
FACILITAÇÃO VIGILANCIA
Chave: Manipulador Chave: Confiável
Irresponsável Responsável
Preguiçoso Enérgico
Suspeito Verdadeiro
Complacente Escrupuloso
Impulsivo Controlado
Descompromissado Pontual
Tortuoso Coerente
Passivo Ativo
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Agora, olhemos para nós mesmos, o mais honesto
possível para nossos mais íntimos pensamentos e
sentimentos. Qual a lista de característica de
personalidade que melhor descreve o que gostaríamos
de ser? Qual a lista que melhor descreve como fomos e
como somos agora? Somos falsos, egoístas, suspeitos e
exigentes? Somos enganadores, arrogantes,
irresponsáveis, argumentativos e egocêntricos? Será que
o nosso pensamento é claro e racional ou estamos
afundados no pântano do pensamento destrutivo?
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MUDANDO OS PENSAMENTOS DESTRUTIVOS
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necessidades dos outros e sem se darem conta do
impacto de seu comportamento naqueles de quem mais
gostam. Buscando um pensamento claro aceitam a
responsabilidade pela sua recuperação. E se persistirem
com um pensamento destrutivo, culpam os outros pelos
seus problemas. O pensamento claro mantem a mente
aberta. Pensamentos destrutivos blindam a mente,
mantendo a pessoa assustada e na defensiva.
Qual o nosso pensamento?
Temos um pensamento claro ou um pensamento
destrutivo?
Sou arrogante na em falar sobre assuntos delicados e
difíceis?
A terapia para mim falhou porque descobri que era
mais esperto que o meu terapeuta?
Não preciso de um grupo de apoio para permanecer
limpo, porque aprendi tudo o que precisava e assim
posso detectar qualquer sinal de problema que
apareça.
Metade dos meus problemas se resolveria se me
deixassem em paz e me tratassem melhor.
Poderíamos concordar com apenas uma destas
afirmações? Poderíamos reconhecer os sintomas de
falsidade, arrogância, racionalização e egocentrismo
implícito nestas afirmações?
Página | 36
CONCLUSÃO
Página | 37
PARA
Paul E. Bjorklund
Hazelden Foundation
Editora JCB Publicações Ltda
Copyright © 2014, Paul E. Bjorklund
O que é Espiritualidade?
CDD-717.5 07-7207
ii
Nota dos Editores à Tradução Brasileira:
Uma adicção consiste no uso habitual de substâncias alteradoras
do humor (medicamentos, álcool, drogas) ou de comportamentos
(excesso de trabalho, jogos, abuso de comida, internet, falar
demais, sexo, mania de limpeza, consumismo) que é caracterizado
pela tolerância à substância ou comportamento (sendo que um
crescente e contínuo uso à substância ou comportamento se
tornam necessários para obter o mesmo efeito) e pela perda de
controle (o uso continuado apesar de suas consequências
negativas).
A dependência química consiste na adicção ao álcool e/ou
outras drogas. É uma doença progressiva e, se não for tratada,
mortal.
Sobre o autor:
Paul Edward Bjorklund é um clérigo e faz parte dos profissionais
da Hazelden Pioneer House, um centro de reabilitação para jovens
adultos em Plymouth, Minnesota. O Sr. Bjorklund recebeu o seu
treino da Hazelden no “Clergy Training Program”.
iii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................... 7
DESPERTAR ESPIRITUAL ..................................................................... 8
RELAÇÕES ESPIRITUAIS DESTRUTIVAS .............................................. 12
O FOCO ESPIRITUAL ............................................................................. 18
CONCLUSÃO ........................................................................................ 23
v
INTRODUÇÃO
Página | 7
DESPERTAR ESPIRITUAL
Página | 8
alguma coisa que seja prioritária em nossa vida. O que
quer seja mais “importante”, define o principal foco da
nossa “espiritualidade”.
Podemos dizer que a espiritualidade faz parte da
condição humana. Assim como todos nós temos um lado
físico e um lado emocional também temos um lado
espiritual. Reconhecermos que somos pessoas com um
lado espiritual abre a possibilidade de descobrirmos o
quanto este lado nos afeta. É um erro pensarmos que
não temos um lado espiritual por não acreditarmos em
Deus. Deus é apenas um dos muitos focos espirituais
possíveis. Podemos vir a descobrir na nossa vida alguns
focos e efeitos espirituais surpreendentes, se tivermos a
coragem de explorar essa parte do nosso ser.
Uma vez que está relacionado com o que ou quem é
importante para nós, a espiritualidade está intimamente
ligada a valores, prioridades, objetivos e preocupações.
Tem que ver com o que está no centro da nossa vida.
Gastamos muito do nosso tempo e energia pensando e
entregando-nos ao nosso foco ou centro espiritual.
Porque a espiritualidade tem que ver com relações, e
está intimamente ligada a sentimentos como amor,
confiança e compromisso. Um resultado espiritual pode
ser qualquer coisa que torne a nossa relação com os
outros mais amorosa e dedicada. Como foi dito, há
muitos focos espirituais possíveis. O foco da nossa
Página | 9
espiritualidade podia ser o álcool ou as drogas. Quando
a droga é o foco da nossa espiritualidade temos
tendência para descrever a drogadição como uma
doença espiritual. Assim a drogadição poderia ser
descrita como uma expressão destrutiva da
espiritualidade. Assim, uma maneira de descrever o
problema com drogas é que se tornou muito
importante. Muito tempo e energia são gastos no
processo de usar, que se torna um fardo destrutivo. Esta
qualidade destrutiva cresce, e à medida que cresce,
destrói o adicto.
A adicção é descrita como uma doença progressiva.
Nos termos da definição de espiritualidade isto implica
que a droga vai se tornando mais importante à medida
que a doença progride. Na nossa definição de
espiritualidade, quando alguma coisa aumenta sua
importância, as outras coisas diminuem de importância
e ficam para trás. A família, por exemplo, passa a ser
negligenciada.
O trabalho será afetado. Em vez de se dedicar tempo
e energia ao trabalho o adicto é capaz de beber ou usar
outras drogas durante o trabalho. Talvez o fato de beber
na noite anterior comprometerá a capacidade de ser
pontual. Se for um estudante, as festas se tornarão mais
importantes que o estudo. As horas de aulas podem
tornar-se uma oportunidade para planejar festas, beber
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ou usar outras drogas, ou até vendê-las para ser
financeiramente possível continuar o uso. Estas são
apenas algumas das áreas da vida afetadas, à medida
que o álcool e as drogas se tornam cada vez mais
importantes. À medida que a adicção se torna crônica,
relacionamentos de toda espécie serão alteradas na vida
do adicto. Sabemos que a doença progride sem ser
reconhecida, causando perdas enormes, talvez a da
própria vida.
Os membros da família tornam-se vítimas de uma
mudança da sua própria espiritualidade. Os valores,
objetivos e relacionamentos são afetados à medida que
a doença progride. Enquanto o adicto se torna menos
responsável, a família desprende cada vez mais energia
para “endireita-lo”. Um adicto perturba o equilíbrio
numa família, e encontrar a solução para este problema
demanda uma grande perda de tempo e energia.
Enquanto se preocupam com o adicto, outros aspectos
de suas vidas começam a sofrer com isso, desviando a
família de uma vida normal. A “coisa mais importante”
na vida da família de um adicto se transforma num
doloroso foco espiritual. Organizações de apoio ajudam
os membros da família a recuperar o equilíbrio e a
serenidade.
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RELAÇÕES ESPIRITUAIS DESTRUTIVAS
Página | 12
outros adictos esta relação pode crescer lenta e
gradualmente até que, anos depois se dê conta desta
necessidade permanente de usar. O entusiasmo e
espírito permanecem mesmo quando o relacionamento
com o álcool se tornou destrutivo; beber torna-se a
coisa mais importante de sua vida, mesmo já não dando
prazer, apenas ajudando a se sentir-se bem em um
determinado momento. Neste ponto a pessoa esta
literalmente “agarrada” à bebida; agarrada pela
impotência, dependente da própria causa da sua
destruição.
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nem todo mundo desenvolve o mesmo tipo de
relacionamento. Quando uma pessoa liga-se ao álcool
pode ser por aquilo que ele viu ou ouviu da experiência
dos outros; os amigos podem encorajar a beber...
Eventualmente existiu o momento em que a pessoa
bebeu pela primeira vez, e dependendo dessa
experiência, pode desenvolver ou não um padrão de uso
abusivo. Se a experiência for muito negativa, a pessoa
pode nunca mais beber. Se o interesse aumenta, é
porque, de alguma maneira, o álcool vai de encontro a
uma necessidade. O etilismo foi descrito por Carl Jung
ao fundador dos A.A. Bill W., como uma “doença
espiritual que tem na sua base um impulso para a
plenitude...”. Sentir-se pleno e completo é uma
necessidade humana básica.
A maneira como o álcool vai de encontro à nossa
necessidade de nos sentirmos satisfeitos não é difícil de
compreender. Para uma pessoa naturalmente tímida, o
álcool pode ajudá-la a ser mais desinibida e ousada. Se
uma pessoa esta com raiva e ressentimento, o álcool
pode ajudá-la a encontrar alguma paz. Se estiver
deprimida pode ir a um bar e “esquecer tudo”. Uma
pessoa pode beber porque gosta da imagem de uma
pessoa que bebe. À medida que o etilismo progride
beber torna-se necessário para viver e sentir-se
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“normal”. Todos estes comportamentos são uma
tentativa para encontrar ou manter a “plenitude”.
Outra necessidade humana básica é o
relacionamento com os outros. Beber é uma atividade
social. O álcool ou as drogas tendem a unir as pessoas.
Olhando de outro foco, podemos ver esses amigos
apenas como “amigos do uso” ou “dos copos”, mais pelo
menos há uma espécie de se ”estar juntos”, de
“camaradagem”. Beber era uma maneira de ter um
contato social.
O álcool ou as drogas enganam as pessoas por irem
de encontro, até certo ponto, com as necessidades
humanas. Mas a longo prazo não o fazem da melhor
maneira para o etilista. A busca espiritual que acaba no
alcoolismo pode ter começado como uma tentativa de
ser saudável e feliz, e isso nos ajuda a evitar alguns
julgamentos e críticas que possamos usar com outros
adictos em recuperação.
Um olhar mais atento para algumas das palavras que
são usadas para definir espiritualidade ajudam a
compreender melhor a definição desta palavra. Definir
espiritualidade como qualquer coisa que tem que ver
com o mais importante em nossa vida. Se alguma coisa é
importante para nós, isso significa que a damos valor e
importância. O processo de dar valor a qualquer coisa
chama-se veneração ou adoração. Quando veneramos
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alguma coisa estamos falando de uma relação com o
objeto da adoração, do tipo da adoração que temos com
Deus. Por vezes no programa, ouvimos alguém dizer que
“o álcool tinha se tornado meu Deus”. Muitas vezes isso
é uma afirmação de um relacionamento que nunca
havíamos pensado. Conforme o etilismo progride,
podemos dizer que o relacionamento com o álcool é um
relacionamento com um deus que esquece o individuo.
Este relacionamento já não é a solução perfeita, porque
já não vai de encontro às necessidades da pessoa.
Mesmo em insistir que não se quer um
relacionamento com Deus, assim como é impossível
evitar a espiritualidade como um fato na nossa vida,
também é impossível evitar relacionamentos do tipo que
se tem com um deus. Quer os reconheçamos claramente
ou não, eles fazem parte de nossa vida e nos afetam.
Uma relação do tipo que temos com Deus tem que
ver com a palavra “entusiasmo”, palavra essa que já
ligamos à espiritualidade. A palavra entusiasmo vem do
grego “em-theus” que pode significar ”em Deus”. Outra
maneira de vermos as coisas pelas quais temos um
grande entusiasmo e dizermos que elas refletem na
nossa compreensão e relação com o nosso Deus. Para o
etilista que está se destruindo, o desafio da recuperação
é encontrar uma nova relação com Deus, um novo foco
para a sua espiritualidade, um novo norte de orientação.
Página | 16
Alguma coisa tem que substituir o álcool ou drogas
como um centro de interesse na vida de uma pessoa.
Esta é a razão pela qual a recuperação não consiste em
apenas parar de beber. Por a rolha na garrafa não quer
dizer necessariamente que outra coisa se tornou o centro
de interesse da vida de uma pessoa. Somente parar de
beber sem outro crescimento e mudança apenas
frustrará uma pessoa que não aprendeu outro modo de
ir ao encontro das necessidades humanas básicas.
Com a ajuda de adictos em recuperação de A.A., nas
reuniões, em novos relacionamentos com uma pessoa
sóbria, um adicto em recuperação começa a entregar-se
a um novo centro de interesse espiritual. A pessoa em
recuperação procura ir de encontro às suas
necessidades humanas de uma maneira completamente
nova à medida que descobre o modo de vida de A.A.
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O FOCO ESPIRITUAL
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Haverá outros que acreditam nisto. Também ligar-se por
outros caminhos, tais como a oração e a leitura
devotada nos mostra como o Passo Três permitem
variedades e flexibilidade na maneira como nos
relacionamos com um Poder Superior.
Quando as pessoas olham pela primeira vez para os
Passos Dois e Três, muitas vezes tomam atitudes
extremas; ou se rebelam e dizem que o programa não é
para elas (“Não quero ser um fanático religioso” ou “Não
acredito nesta historia de Deus”) ou passaram
rapidamente por estes passos dizendo a si mesmo:
“Sempre acreditei em Deus”! Nenhum destes extremos
ajudará muito; a espiritualidade é uma área em que
precisamos descobrir muito sobre nós mesmo. Não se
pede a ninguém que acredite em algo que não pode
acreditar. Acreditar não é algo que se pode forçar.
Acreditamos naquilo que acreditamos. Normalmente
aquilo em que acreditamos resulta das nossas
experiências, do que sabemos das experiências dos
outros, e do que elas nos ensinaram.
O segredo da mudança do foco espiritual é ter um
espírito aberto, experimentar algo diferente, fazer uma
experiência com a nossa vida espiritual. A maneira que
temos de experimentar algo diferente na nossa vida
espiritual provém da ajuda que pessoas em recuperação
oferecem umas ás outras. Em A.A., construímos
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relacionamentos com outras pessoas; não estamos sós.
Estamos com pessoas que trabalham em sua
recuperação e que dá uma informação prática e preciosa
sobre o que precisamos fazer para se ter uma vida feliz e
sóbria. Dizem-nos coisas como: “Viva um dia de cada
vez”. Não se apresse nem se preocupe com as coisas do
amanhã. Outra maneira que as pessoas têm na
irmandade de se ajudarem é confrontarem mutuamente
com a realidade. Muitas vezes não conseguimos ver
claramente como magoamos a nós mesmos com as
nossas atitudes emocionais e com a maneira como
pensamos nas coisas. Outras pessoas podem ajudar-nos
a resolver problemas e a esclarecer a nossa situação.
Outra maneira simples de encontrar a nossa
plenitude está na capacidade de falar com outra pessoa
sobre como nos sentimos. Partilhar tem o efeito de
“dividir o nosso fardo” e “duplicar as nossas alegrias”.
Na partilha podemos encontrar alivio dos sentimentos
negativos de desanimo, medo e raiva.
As pessoas no programa, quase sem exceção, farão
igualmente parte da espiritualidade que descobrimos à
medida que recuperamos. O que aprendemos com elas
e o apoio emocional que nos podem dar são quase
impossíveis de atingir numa experiência solitária. Um
slogan popular no programa é: “Eu preciso das pessoas”.
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Vamos olhar para a espiritualidade com relação à
religião. Há muita confusão no que diz respeito a essa
relação. Para complicar as coisas, as pessoas usam as
palavras, às vezes, com o mesmo significado. Melhor
que tentar definir o que é religioso o e que é espiritual, é
lembrar a nossa definição de espiritualidade. Quando
dizemos “espiritualidade tem que ver com a qualidade
da nossa relação com o que é mais importante na nossa
vida”, não excluímos nada nem ninguém associado à
religião como sendo um foco espiritual. Por exemplo, é
muito possível ter como as coisas mais importantes na
nossa vida um relacionamento com Deus como numa
tradição religiosa. A nossa definição de espiritualidade
não inclui ou exclui necessariamente tudo aquilo que na
nossa mente esta associada à religião.
Um exemplo pode ajudar a ver a diferença entre ser
aparentemente ”religioso” e estar espiritualmente
concentrado em outra coisa. Imagine um jovem de 15
anos que se vê envolvido pelo desejo e insistência dos
pais, de frequentar a catequese da igreja local. Ele abusa
de álcool ou drogas. Durante o intervalo das aulas da
catequese, sai da igreja para usar. Nesse caso, qual será
o foco espiritual deste jovem neste momento?
Provavelmente muito mais os químicos do que sua
instrução religiosa.
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Outro exemplo. Uma jovem que trabalha e é devota à
sua igreja. Vai regularmente aos cultos, participa de um
grupo na igreja e reza todos os dias. Ela tem vários bons
amigos na igreja. Suponha que esta mulher está nos
primeiros passos do etilismo e é uma adicta em álcool na
sua casa, sem ninguém saber. Que podemos dizer da sua
espiritualidade?
Podemos dizer, no mínimo, que esta mulher está
espiritualmente dividida, e também podemos prever
que ela ira cada vez mais para o foco espiritual do álcool
à medida que a doença progride. A conclusão que
podemos tirar de uma pessoa que é aparentemente
religiosa e espiritualmente se concentra em outra coisa,
pode ser descrita como hipocrisia. Aquilo que a pessoa
diz que acredita e o que o seu comportamento revela
não condiz. Há falta de integridade. Muitas vezes aquilo
que as pessoas detestam nas organizações da igreja é a
visível hipocrisia de alguns membros. Aquilo a que
reagimos tão fortemente é a falta de espiritualidade
autêntica.
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CONCLUSÃO
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RAIVA
Por que nos preocupamos com a raiva? No fim das contas, não é verdade que todos nós
sentimos raiva? De fato, a raiva é um sentimento humano que todos experimentamos de vez
em quando. O principal problema está nas consequências, o que acontece quando você fica com
raiva? Se não acontece nada quando você fica com raiva, então a sua raiva não é razão para
preocupação, porque as consequências são limitadas. No entanto, se tiver atitudes derrotistas
em relação a si ou se fizer mal aos outros, e se a sua raiva tiver consequências dolorosas ou
prejudiciais, então talvez tenha razão para se preocupar com ela.
Por exemplo: você está guiando por uma autoestrada, atrás de uma pessoa que conduz
a 50 km, quando a velocidade permitida é de 80 km, e se atrasa para um encontro. Começa a
sentir‐se muito irritado por causa disso, ultrapassa impudentemente o outro carro. Põe a sua
própria vida e a dos outros em risco por causa da sua condução imprudente, ou seja,
potencialmente uma consequência muito perigosa da sua raiva.
Outro exemplo das consequências nocivas da sua raiva poderia ser o seguinte:
‐ Já é tarde, você quer ir embora do trabalho mais cedo, para jogar futebol. Começa a trabalhar
mais cedo e também trabalha na hora do almoço, para compensar o fato de sair mais cedo. No
meio da tarde, aparece o seu patrão e lhe dá uma nova tarefa, e quer que seja feita antes de
você ir embora. Você obedece, mas só acaba a tarefa muito tarde, quando já não dá mais para
jogar futebol. Enquanto o tempo vai passando, mais você se sente furioso. Quando sai do
trabalho, para num bar a caminho de casa, para aliviar um pouco da sua raiva. Acaba bebendo
demais, chega a sua casa muito tarde e tem uma discussão com a sua mulher, a quem não se
preocupou em telefonar para avisar que chegaria mais tarde.
Ou , em vez de parar num bar, pode ir diretamente para casa depois do trabalho, de
muito mau humor. Tropeça nos brinquedos das crianças, espalhados pela sala, onde os seus
filhos estiveram brincando, esperando você chegar. Despeja a sua raiva contra as crianças, as
mandando arrumarem a sala; ao ver que elas demoram a arrumar os brinquedos, você
finalmente, num ataque de fúria, ordena que elas vão para cama. Depois, senta‐se para jantar
com a sua mulher e a acusa violentamente por ser uma péssima mãe.
Para alguns de nós, as consequências dolorosas ou prejudiciais da raiva, resultam em
expressarmos abertamente contra as outras pessoas. Exemplos extremos dessas consequências
são as formas de violência doméstica e de brutalidade contra as crianças. Por outro lado, alguns
de nós podemos negar os sentir dificuldade em aceitar e falar abertamente sobre os
sentimentos de raiva, contra as outras pessoas. Podemos esconder a nossa raiva, guardando ela
para nós mesmos, engolindo ela dentro de nós. Podemos ter medo de que os outros não gostem,
se a manifestarmos francamente.
Nós reprimimos a nossa raiva, qualquer que seja a razão, fazíamos o uso de drogas para
amenizar o sentimento de raiva, ou seja, reprimíamos nossos sentimentos. Enquanto usávamos,
podemos ter nos tornado pessoas fisicamente hostis.
Outros de nós podem ter escondido os seus sentimentos de raiva, mas depois
descontam essa raiva contra pessoas que o amam.
APRENDER A COMPREENDER A RAIVA E AS SUAS CAUSAS
Aprender a lidar com a raiva de forma saudável, sem fazer mal a nós próprios ou aos
outros, é uma parte importante de nossa vida. Embora seja importante para todos nós, sermos
capazes de enfrentar de forma eficaz a nossa raiva, para alguns, isso se torna especialmente
importante.
Se estivermos em recuperação das drogas e do álcool ou de problemas emocionais,
podemos correr o risco de uma recorrência desses problemas se não aprendermos a controlar
a nossa raiva.
“Irrita‐me tanto”.
A maior parte de nós pensa que são as outras pessoas ou situações que nos fazem ficar
irritados. Achamos que o que as outras pessoas fazem ou o que nos acontece que isso é o que
causa a nossa raiva. Atiramos para cima dos outros a responsabilidade da nossa raiva “eles me
deixam loucos”. Ou achamos que temos um gênio ruim, como se fôssemos sempre desse jeito
e não poderíamos mudar. Achamos que não podemos mudar esses sentimentos perturbados
sem que as “causas” (pressões exteriores ou outras pessoas) mudem. Acusar nos permite
racionalizar a nossa raiva. Arranjamos desculpas para os nossos sentimentos de raiva, colocamos
a culpa nos outros e nos recusamos a mudar o nosso jeito.
Para alguns de nós, culpar outras pessoas ou situações pela nossa raiva nos fornece uma
desculpa para usar álcool ou drogas. Para outros, essa acusação constitui uma justificação para
a nossa raiva, e por isso não a largamos.
Contrariamente à crença comum sobre a raiva (de que os casos ou as situações é que
nos fazem ficar irritados) o que realmente nos faz sentir e pensar com raiva sobre as coisas que
nos acontecem. Aquilo que pensamos ou que contamos a nós mesmos sobre um acontecimento
é que nos faz sentir raiva, e não o acontecimento em si mesmo.
Normalmente, quando julgamos ou avaliamos qualquer coisa de forma negativa ficamos
perturbados. Se julgarmos ou avaliarmos uma coisa de forma menos negativa ou mais
positivamente, nos sentimos de forma geral, melhor.
Basicamente, não são os acontecimentos que nos perturbam, mas sim a nossa forma de
pensar sobre esses acontecimentos. Por outras palavras, sentimos como pensamos.
UM EXEMPLO
Uma mãe leva o filho de 1 ano para visitar uma amiga. A criança engatinha pelo chão
enquanto as duas mulheres conversam. Certa hora, a criança se estica até a mesinha onde estão
algumas revistas e então começa a jogar as mesmas no chão.
A mãe afasta a criança da mesa, coloca as revistas na mesa e continua a conversar com
a amiga. A criança volta a engatinhar até a mesinha, se estica, e começa de novo a jogar as
revistas no chão. A mãe observa a situação e pensa consigo mesma: “‐Ele não devia fazer isto...”
“Não devia ser tão irritante...” “Não devia interromper a minha conversa...” “Não devia me
aborrecer...” A mãe grita e bate na criança, e a criança a chorar.
A amiga também observou a criança jogando as revistas no chão e pensa com ela: “É
próprio de uma criança de 1 ano mexer nas coisas” “Teria sido melhor se eu tivesse preparado
a sala para poder receber uma criança antes de chegarem” “A criança precisa se distrair.” A
amiga diz então: “Vamos ver se encontramos outras atividades que interessam ao seu filho.”
Este exemplo demonstra como sentimos da forma como pensamos.
Com base na forma como encararam a situação, uma das mulheres ficou irritada e a
outra não. Aquilo que pensaram ou disseram a si próprias, a forma como avaliaram as
circunstância determinou o que sentiram.
Então, o que estamos dizendo realmente é que o nosso pensamento a respeito de uma
situação é que causa a nossa raiva, e não a situação em si. A maneira de pensar que provoca em
nós sentimentos de raiva tem a ver com a nossa necessidade de controle e a nossa exigência de
que tudo seja feito da nossa maneira. A sequência começa quando queremos que as coisas
corram segundo a nossa vontade, o que é um exemplo normal do egocentrismo que todos nós
temos. Quando esse desejo não se realiza e não conseguimos aquilo que queremos, podemos
ficar com raiva.
No entanto, o que acontece com a nossa raiva, é que a nossa forma de pensar muda ou
se desvia quando queremos que tudo seja exatamente do nosso jeito (tem que ser como eu
quero!). Quanto mais sentimos raiva, mais exigimos que as coisas sejam do nosso jeito, mas não
conseguimos.
EGOCENTRISMO: A necessidade de controlar “Conseguir o que quero”.
FLEXÍVEL RÍGIDO
Querer que as coisas corram como eu quero Exigir que as coisas corram como eu quero e
e não conseguir. Eu quero, desejo ou prefiro não conseguir. Devia ter, tenho que ter uma
uma coisa e não obtenho: consequência – coisa e não consigo: consequência – ira, ódio,
raiva (sentimento de perturbação normal). rancor (sentimentos de perturbação intensa).
CONSEQUÊNCIAS DA NOSSA RAIVA
As consequências da nossa raiva movida por ressentimentos ou crenças errôneas, serão
sempre tentando conseguir o que queremos sendo agressivos, verbal ou fisicamente (gritando,
berrando ou batendo). O que acontece com a nossa relação com os outros, se usarmos a raiva
para conseguir o que queremos? Como é que os outros nos veem? Evitam‐nos? Ignoram‐nos? E
como é que isto nos atinge sobre a aceitação que temos de nós próprios?
UM EXEMPLO:
É sábado de manhã e você faz questão de arrumar uma cadeira de madeira do pátio,
que se partiu. Desce até a sua oficina no porão, abre a porta e descobre que seu filho de dez
anos deixou todas as suas ferramentas espalhadas pelo porão. Observa a cena e pensa “O que
é que se passa com aquele rapaz?” “Ele deveria saber que não pode deixar as minhas jogadas
no chão”. “Ele tem que se lembrar do que eu disse sobre arrumar as coisas”. “Não devia ter feito
isso”. “As minhas ferramentas tem de ficar arrumadas como deve ser”. “Vai ver o que vai
acontecer quando chegar em casa”. Em consequência disto, você sente raiva. Procura então o
martelo e não consegue encontrá‐lo e pensa: ”Não devia perder meu tempo procurando o
martelo” e cada vez se sente mais furioso. Finalmente encontra o martelo e os pregos, e começa
a arrumar a cadeira. Com a irritação, acaba entortando um dos pregos e pensa novamente “Isto
não deveria acontecer” e fica cada vez mais furioso. Ao tentar endireitar o prego, bate com o
martelo em seu polegar e grita “Não posso aguentar isto!” Enche‐se então de raiva (fica irado e
irritado) e joga o martelo longe, que acaba batendo no banco que estava contra a janela,
quebrando o banco e a janela. Arrasta‐se pesadamente pelas escadas. Tendo por costume usar
álcool ou drogas para aliviar a sua raiva, pode ser que se dirija para uma destas saídas. Abre a
geladeira, pega uma cerveja e vai para a sala beber enquanto assiste Palmeiras x Corinthians na
TV, pelo resto da tarde. Depois se torna implicante e critica os outros membros da família até o
fim do dia. Ou, se não for dependente químico, pode talvez subir as escadas, sentar‐se numa
cadeira cozinhando a sua irritação até que seu filho de dez anos chegue em casa. Então grita
com ele dizendo‐lhe que é “um irresponsável, que não presta para nada, e que não pode confiar
nele para nada”. Depois, o manda para o quarto e o deixa de castigo por todo o fim de semana.
Nesse exemplo, foram as exigências do pai de que o filho não devia ter deixado as suas
ferramentas jogadas pelo chão e que deveria fazer as coisas do seu jeito e isso acabou o
irritando. Se ele tivesse alterado as suas exigências para as preferências, não teria ficado como
raiva. O diálogo interior poderia ter sido estruturado dessa forma:
“Teria sido melhor se ele tivesse arrumado as ferramentas quando acabou.”
“Era melhor se ele deixasse as coisas arrumadas como eu deixo.”
Com estas preferências mais realistas, o pai poderia então ter conversado com o filho a respeito
do assunto, e explicado sobre as vantagens da ordem e do respeito pelas coisas dos outros. Há
outro aspecto a considerar no desenrolar dos sentimentos de raiva. Quando ficamos com raiva
por causa daquilo que pensamos, essa raiva pode distorcer os nossos pensamentos ou
percepções sobre a situação, tal como se víssemos as coisas através de “óculos da raiva”. É difícil
observar uma situação positivamente ou com realismo quando estamos com raiva, é provável
que agir segundo estas percepções distorcidas, torne a situação ainda pior ou agrave perante as
suas consequências negativas. A maior parte de nós poderá recordar situações em que a raiva
nos impediu de observarmos e compreendermos claramente o que se estava a passar.
APRENDER A CONTROLAR NOSSA RAIVA
Como poderemos então controlar os nossos sentimentos de raiva? Se for a nossa maneia irada
de pensar que causa a nossa raiva, terá de trabalhar para modificar ou substituir os nossos
pensamentos irados de forma a reduzirmos ou controlarmos essa raiva. Podemos alternar as
exigências que estão na base dos nossos pensamentos irados (não deveria discordar de mim, eu
não devia cometer erros, tem de ser pontual) e nos esforçarmos para deixar de controlar tudo
ao nosso redor. Isto poderá parecer simples e evidente, mas como é que se aprende a modificar
a nossa forma irada de pensar? Para começar, podemos fazer um “inventário pessoal”. Fazer
um inventário pessoal sobre a nossa raiva, nos ajuda a desenvolver uma maior consciência e
compreensão quanto a sua origem, quanto às suas consequências de ficarmos amarrados a
essas situações e quanto ao que nossos sentimentos e a tomar consciência da nossa necessidade
de controle. Pode usar o esquema “ABC” para ajudar a compreender a “anatomia” da raiva.
A = Situação
O problema que nos desperta certos sentimentos que perturbam ou enraivecem.
B = Convicções
O que pensa ou o que diz a si mesmo (as suas exigências) a respeito da situação.
C = Sentimentos e ações
Como se sente (perturbado ou enraivecido) a propósito da situação por causa do que pensa, e
como se comporta ou atua por causa do que sente: as consequências derrotistas ou dolorosas.
UM EXEMPLO
A = Situação
Vou para a cozinha esperando que o meu almoço esteja pronto, antes de ir trabalhar. Encontro
minha mulher ajudando nossa filha com os deveres da escola. Sendo assim, meu almoço ainda
não está pronto.
B = Convicções
Acho que minha mulher poderia ter feito meu almoço e que minha filha deveria fazer os deveres
da escola sozinha.
C = Sentimentos e ações
Sinto‐me cheio de raiva. Grito com ela. Digo que meu trabalho é mais importante do que os
deveres da escola de uma criança e saio violentamente de casa. Chego ao trabalho muito
irritado.
Se eu tivesse analisado essa situação de forma objetiva ou realista, teria compreendido que a
minha mulher já tinha feito uma opção ao ajudar a nossa filha nos deveres da escola. As coisas
do meu jeito apenas refletiam as minhas exigências egocêntricas, e geraram a raiva que tive em
casa e levei comigo ao trabalho.
FAZER UM “DIÁRIO DE BORDO”
Como parte do processo de aprendizagem para fazer um inventário pessoal sobre a sua raiva, é
muito útil fazer um “diário de bordo”. Para começar, tome nota de acontecimentos ou situações
passadas ou recentes em que sentiu raiva. Ao descrever essa experiência, use o esquema "ABC”.
A B C
Situação Convicções Sentimentos e ações
Depois de ter alguma prática na descrição de manifestações da sua raiva, passadas ou recentes,
pode considerar útil trazer consigo um pequeno bloco para fazer um registro diário das suas
manifestações de raiva. Ao longo do dia, pode usar o esquema “ABC” para tomar nota de
exemplos dos seus sentimentos de raiva. Fazer um diário, o ajuda a desenvolver uma maior
consciência da sua raiva, das causas e consequências. Fazer um diário o ajuda também a ter
contato com os seus sentimentos.
USAR O PROCESSO “ABC” – ABRANDAR A “FERRADURA”
A primeira parte do processo ABC para o controle dos sentimentos de raiva pode ser
comparado à analogia entre a chaleira e a raiva. Podemos imaginar a nossa raiva como sendo a
água dentro de uma chaleira sobre o fogão. Se a água continuar a aquecer, sairá pela chaleira
em forma de vapor.
Com a nossa raiva acontece o mesmo (quanto mais sentimos raiva, mais provável que
ela se exteriorize abertamente). Algumas pessoas acreditam que a melhor forma de lidar com a
raiva é ficarem aliviadas, será como a chaleira.
No entanto, se apagar o fogo debaixo da chaleira não terá o jato de vapor. Aquilo que o
processo ABO nos mostra é que se “diminuirmos a chama” dos pensamentos irados que estão
“fervendo” da nossa raiva, não haverá necessidade de expelir essa raiva. Mantendo‐nos alerta
para detectar os primeiros sinais de raiva e nos dirigindo uma mensagem de auto ajuda, não
ficaremos tão “enfurecidos” que tenhamos que “despejar o vapor”.
USAR O D – PÔR EM QUESTÃO A NOSSA FORMA DE PENSAR
O passo seguinte na aprendizagem do controle da raiva consiste em acrescentar um D
ao esquema ABC, a fim de provocar uma mudança. É aqui que começamos a modificar os nossos
sentimentos de raiva ao questionarmos os nossos pensamentos irados (as nossas exigências).
Praticando o inventário pessoal ABC aprendemos a identificar os pensamentos perturbados,
exigentes e negativos que nos fazem sentir raiva. Em seguida, vamos por os seguintes tipos de
questões: Quem disse isso? Por quê? Que provas eu tenho? Haverá outra forma que me possa
ser mais útil na análise da situação? Por fim, respondemos as nossas perguntas... Voltemos
agora ao exemplo da condução previamente citado, e o colocamos em formato ABC.
UM EXEMPLO
A = Situação
Estou seguindo em uma estrada atrás de um carro que vai a 50Km tendo a estrada o
limite de 80Km e estou atrasado para um compromisso.
B = Convicções
Esta pessoa devia dirigir de acordo com o limite de velocidade. Não devia me atrasar.
Tenho que chegar a tempo para o meu compromisso.
C = Sentimento
Raiva.
D = Discussão
Quem é que disse que ele devia andar a 80Km? (fui eu). Porque ele não pode ir à minha
frente? Não há razão para que eu tenha sempre de fazer a minha vontade. Porque eu deveria
chegar na hora certa? Não vai ser nenhuma desgraça se eu chegar atrasado; iriam me
compreender. Deixe de controlar tudo a sua maneira. Talvez a pessoa esteja dirigindo o mais
rápido que é capaz. Era melhor eu esperar e ultrapassar quando seguro.
No passo D do esquema ABC, iniciamos o processo de enviar a nós mesmos algumas
mensagens novas para afastarem ou tomarem o lugar dos nossos pensamentos egocêntricos e
exigentes. Este “gênero” de mensagens novas que nos dirigimos e que nos prestam auxílio são
mais realistas e menos perturbados, e podem nos ajudar a reduzir a nossa necessidade de
controle.
RESOLVER OS PROBLEMAS – ACRESCENTAR E, F e G
Usar o esquema ABC como inventário pessoal nos ajuda a ter uma visão mais clara dos
fatores que contribuem para sentirmos raiva e saber como começar o processo de mudança.
Compreender isto nos leva a seguir os passos (E, F e G) do esquema ABC. Mantendo um
simples diário sobre a nossa raiva, podemos desenvolver uma maior consciência a seu respeito
e a respeito das suas consequências. Podemos então começar a modificar a nossa forma de
pensar irada e exigente, nos fazendo perguntas que ajudem a reduzir a raiva que sentimos.
Descobriremos que determinadas situações provavelmente nos perturbarão ou enraivecerão
menos, se colocarmos em questão a nossa forma de pensar.
Quando estivermos menos perturbados, poderemos analisar o problema claramente e
decidir como fazer para que a situação se desenrole, criando objetivos realistas para nós
mesmos (E). Podemos nos perguntar: “O que eu posso mudar nesta situação e o que eu tenho
que aceitar?” Isto se aplica na Oração da Serenidade: “Concedei‐me Senhor a serenidade
necessária, para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que
eu posso e sabedoria para distinguir uma das outras.”
Tendo decidido aquilo que quer que aconteça, pode perguntar a si mesmo: O que eu
posso fazer de útil para obter aquilo que quero? Como consequência começa a perceber quais
são as opções construtivas (F) para alcançar os seus objetivos. Seleciona então uma opção e põe
ela em prática (G).
A = Situação
A situação problemática que está causando alguns sentimentos que o perturbam ou
enraivecem.
B = Convicções
O que pensa a respeito da situação ou o que diz dela a si mesmo (as suas exigências).
C = Sentimentos e Ações
O que sente (perturbação ou raiva) a respeito da situação por causa do que pensa, e
como age por causa do que sente (as consequências derrotistas ou dolorosas).
D = Discussão
Questionar e desafiar os pensamentos que o perturbam ou enraivecem as suas
exigências. Quem disse isso? Por quê? Haverá uma maneira mais eficaz de encarar a situação?
E = Objetivos realistas
Novos objetivos realistas em relação a situação. O que gostaria de ver acontecer? O que
quer?
F = Opções construtivas
O que poderá fazer de útil para obter o que deseja?
G = Coloque a sua opção em prática
Selecione uma opção e a coloque em prática. Ação construtiva!
UM EXEMPLO:
A = Situação
Fim de tarde. Você está na cozinha seguindo com todo o cuidado uma complicada
receita de bolo e pesando os ingredientes. De repente, os seus filhos entram na cozinha
correndo, gritando e pedindo bolachas. Eles se esticam por cima da bancada para chegar à lata
de bolachas; fazendo isso derrubam a tigela com os ingredientes que você estava pesando.
B = Convicções
Pensa consigo mesmo: “O que essas crianças têm?” “Não são capazes de ver que estou
ocupado e não posso ser interrompido?” “Não deviam entrar correndo desta maneira.” “Deviam
ter mais consideração por mim.” “Não suporto que me interrompam assim.”
C = Sentimentos e Ações
Se sente cheio de raiva. Grita com os seus filhos. Os chama de “egoístas e estourados”.
Não os deixa comer. Manda‐os para o quarto e diz a eles que não poderiam sair de lá antes que
os chame.
D = Discussão
Começa a questionar as suas exigências: Quem é que disse que eu não poderia ser
interrompido? Fui eu quem disse. As interrupções acontecem. Se eu tivesse olhado para o
relógio tinha visto que as crianças estavam chegando Por que é que não iriam correndo para
cozinha comer? Eu sei que o dia de escola é muito comprido para elas e que esperam lanchar
quando chegam a casa. Seria melhor se mostrassem mais consideração pelas minhas
necessidades, mas eu também tenho de mostrar consideração pelas necessidades delas. Era
melhor se não me interrompessem quando estou na cozinha, mas posso aguentar as
interrupções! Se sente agora desapontado e frustrado, mas não com raiva.
E = Objetivos realistas
No futuro, gostaria de poder acabar de cozinhar sem ser interrompido, mas gostaria
também de evitar ter discussões com os meus filhos quando chegam da escola.
F = Opções construtivas
Podia preparar a comida para uma ocasião em que as probabilidades de ser
interrompido fossem menores. Quando for possível, planejarei o trabalho de forma que esteja
pronto quando os meus filhos chegarem a casa. Terei alguma coisa preparada para comerem
quando chegarem.
G = Colocar as opções em prática
A próxima vez que fizer um bolo, o farei de manhã, depois do almoço talvez. Durante
esta semana, pelo menos três tardes, deixarei em lanche para quando as crianças chegarem.
Também deixarei em tempo livre para quando as crianças voltam da escola e mostrar interesse
pelas atividades que tiveram durante o dia.
Controlar a raiva que sente através do processo ABC, você terá que praticar muito até
conseguir alguns resultados. É por isso que muitos de nós nos tornamos “especialistas” em ficar
com raiva. A raiva se torna a forma habitual de lidar com situações problemáticas, quando as
coisas não acontecem como gostaríamos. O que isto significa, é que iria precisar de muita prática
para aprender a controlar a raiva através do processo ABC, e “desaprender” os seus velhos
hábitos.
MAIS SOBRE O PROCESSO ABC
Pode usar o processo ABC quando começar a sentir raiva. Começa treinando a perceber
os sinais iniciais dos seus sentimentos de raiva, e os utiliza como sinais de “STOP”. Foca‐se ao
entrar em contato com os seus sentimentos de raiva no momento exato em que começar a se
sentir perturbado. É mais fácil fazer qualquer coisa para controlar e transformar esses
sentimentos de frustração e desapontamento, quando está começando a se sentir perturbado,
do que quando já está furioso ou com um acesso de fúria.
Controlar os nossos sentimentos é como controlar um carro. É mais fácil controlar a
velocidade de um carro que vai a 20Km por hora do que daquele que vai a 80Km. Da mesma
forma, é mais fácil acalmar os nossos sentimentos antes que eles comecem realmente a se
tornar incontroláveis.
O que isto significa é que cada um de nós tem de desenvolver uma maior consciência
dos sinais ou indicações da nossa raiva, igual como cerramos os dentes e passamos mal do
estômago. As formas como cada um exterioriza a sua raiva são diferentes. Uma das primeiras
tarefas para aprendermos a controlar a raiva é aprendermos a identificar as suas manifestações
de forma que podemos usar como avisos para pararmos. Então, enviando mensagens mais
realistas, podemos nos sentir frustrados e desapontados com o comportamento das pessoas,
mas não teremos raiva nem jogaremos pragas nelas.
USAR MENSAGENS ÚTEIS
O passo seguinte no processo ABC consiste em utilizar estas pistas como sinal inicial para
sua raiva, para poder controlar este sentimento. Para fazer isto, poderá enviar uma mensagem
eficaz, que se oponham as habituais mensagens, exigentes e prejudiciais, que provocam os
sentimentos de raiva.
Uma mensagem que poderá achar particularmente eficaz é: “Devagar se vai ao longe,
não se irrite”.
De início poderá achar necessário endereçar mensagens mais longas a fim de suspender
as velhas mensagens, negativas e exigentes. Provavelmente praticou tanto a forma de pensar
com raiva que poderá ser necessário, a princípio, conversar mais consigo mesmo para conseguir
“largar” ou modificar essa forma de pensar.
Mensagens suplementares que ajudarão a melhorar a situação são aquelas que o
colocam em contato com o seu egocentrismo e necessidade de controle. Pare de ser tão
exigente. Por que é que tem que ser sempre como eu quero? Por que é que os outros não fazem
o que eu quero? Continuará a sentir alguma perturbação (querer usar a TRE não faz calar os seus
sentimentos), mas vai se sentir frustrado ao invés de sentir raiva.
Inicialmente, aprender a controlar os seus sentimentos poderá ser difícil em relação a
certas situações que o perturbaram no passado igual aqueles que envolveram problemas com o
seu parceiro (a), os seus filhos ou no seu trabalho.
Devido aos seus sentimentos de raiva, geralmente intensos no decorrer das situações,
terá que recorrer a um pequeno intervalo. Afastar‐se da situação para que isso o ajude a alterar
esse sentimento. Como parte desse intervalo, pode praticar exercícios de respiração profunda
para ajudar a descontrair ou pode querer utilizar a técnica da imagem. Poderá por exemplo,
imaginar que está num local onde se sinta em paz e com tranquilidade. A descontração e a
técnica da imagem podem ajudar a aprender a reduzir a sua agitação em situações associadas à
raiva intensa.
RESUMINDO
Depois de termos reduzido ou modificado os nossos sentimentos de raiva aplicando a
primeira parte do processo ABC, estamos agora em melhor posição para observar a situação de
forma mais realista do que através dos óculos da raiva. Podemos reavaliar ou redefinir a
situação. O que se passa realmente nessa situação? O passo seguinte dentro do processo ABC
será fazermos a nós mesmos a grande pergunta: “O que posso fazer de eficaz nessas
circunstâncias?”
É aqui que a Oração da Serenidade pode ser aplicada como um guia que nos auxilia:
“Terei eu nessa situação que me esforçar para aceitar?” “Será o comportamento das outras
pessoas?” “O que eu poderei fazer para modificar esta situação?” “Geralmente é só o meu
comportamento.” Decidi o que poderia fazer de útil, em seguida terei que analisar as opções
construtivas que irei escolher para realizar os objetivos da Oração da Serenidade. Finalmente
fazer uma opção e coloca‐la em prática.
CONTROLAR A NOSSA RAIVA – SETE BREVES PASSOS
Exige tempo e prática para aprender esse processo ABC de controle dos seus
sentimentos de raiva, ao mesmo tempo em que “desaprende” os seus velhos comportamentos
irados. A princípio irá achar que é útil trazer junto com você uma breve descrição do processo,
como aquela que se segue. Com o tempo, aprenderá por intuição a ir de um passo para outro.
Comece pelos sentimentos que o perturbam. Os identifique. Use‐os como sinais de
“STOP”. Os sentimentos que o perturbam são sinais de que está dizendo a si coisas
perturbadoras. Você poderá se tornar um melhor observador dos seus sentimentos. Isto
equivale a entrar em contato com os seus sentimentos.
Neutralize os sentimentos que o perturbam endereçando a eles uma mensagem
positiva. Coloque uma trava nos seus sentimentos. Diga para si mesmo: “Acalme‐se, simplifique.
Não fique tão nervoso.”
Identifique os pensamentos irritantes dentro da situação que estão te provocando raiva.
O que você está exigindo? O que é que está tentando controlar? Examine os pensamentos que
o perturbam. Pergunte a si mesmo: “Por que é que tem que ser como eu quero? Por que é que
o outro tem que fazer o que eu quero?” E depois responda as perguntas.
Torne a situação clara para si próprio. Pergunte‐se: “O que realmente me deixa com
raiva? Em que consistem os fatos e quais são as minhas opiniões sobre eles? Haverá uma forma
mais eficaz de encarar a situação? Pode então ficar desapontado com a situação, mas não com
raiva contra as pessoas que a criaram.
Em seguida, estabeleça para si objetivos mais realistas em relação às circunstâncias que
levantaram o problema. Pergunte a si próprio. O que posso fazer que seja eficaz a respeito desta
situação? Seja específico e concreto. Aplique a Oração da Serenidade. O que posso mudar (o
meu comportamento) e o que terei de aceitar (o comportamento dos outros) nesta situação?
Faça uma lista das opções construtivas por meio das quais pode alcançar os seus
objetivos. Pergunte‐se: “Que ações construtivas pode empreender para atingir os meus
objetivos?” Escolha uma opção construtiva para alcançar o seu objetivo e atue de acordo com
ela. O resultado final do processo ABC é uma ação positiva da sua parte.
UM EXEMPLO
A situação consiste numa conversa com a minha mulher sobre as nossas finanças.
Começamos na discordar e, depois, começamos a discutir.
Começo a detectar os primeiros sinais de raiva: estou a serrar os dentes.
Digo a mim mesmo,: “Acalme‐se, não complique. Não fique tão zangado.”
Depois digo‐me: “O que estou pensando? Ela não devia perguntar quanto é que eu
ganho. Ela não devia brigar por causa das contas. Trabalho muito – devia poder gastar o dinheiro
como bem entendesse. Ela não devia estar sempre contestando a forma como eu gasto o meu
dinheiro. Tendo identificado alguns dos pensamentos que me perturbam, começo então a
analisá‐los: Por que é que ela não se preocuparia com o dinheiro? É ela quem paga as contas.
Ela também trabalha e traz dinheiro para casa. Por que é que eu teria que gastar dinheiro só
comigo mesmo? O restante da família também quer coisas. Pare de exigir que ela faça tudo
como você quer. Pare de tentar controla‐la.
Não gosto de algumas idéias da minha mulher, nem do seu tom de voz, mas estando
mais calmo, consigo reexaminar a situação. Parece‐me que temos mesmo alguns problemas
com as nossas finanças. As contas parecem realmente estar aumentando. A minha mulher tem,
de fato, algumas preocupações legítimas com as nossas finanças. Temos ambos, as
responsabilidades neste ponto.
Pergunto então a mim mesmo: “Perante esta situação o que é que eu posso fazer que
seja eficaz? O que posso mudar para que nos tornemos mais capazes de governar as nossas
finanças de uma forma agradável para ambos?”
Faço uma lista de algumas opções que tenho:
‐ Combinar uma ocasião habitual durante a semana para falar sobre as nossas finanças.
‐ Estabelecer em conjunto algumas prioridades na forma de gastar o dinheiro.
‐ Combinar um novo orçamento familiar com a minha mulher.
‐ Rever regularmente esse orçamento e modificá‐lo quando necessário.
Para começar, a minha mulher e eu acordamos numa ocasião regular todas as semanas.,
quando não estivermos cansados e não for provável sermos incomodados, para discutir os
problemas do nosso orçamento.
USAR UM INVENTÁRIO PESSOAL PARA BATER OS RESULTADOS POSITIVOS
Controlar os sentimentos de raiva através do esquema ABC pode ser considerado como
um inventário pessoal. No início, este inventário pessoal exigirá de si muito tempo e esforço.
Começa com a utilização de um diário a fim de desenvolver uma maior conscientização das suas
causas e consequências.
A partir deste diário, poderá aprender a identificar os sentimentos que o perturbam e
estão na base da sua raiva.
Pode então prosseguir, praticando o processo ABC como meio de modificar os seus
sentimentos de raiva ao modificar também a sua forma irada de pensar.
Segue‐se a resolução dos problemas que fazem parte daquelas situações difíceis que o
perturbam.
Com a prática continuada deste processo, chegará muito provavelmente à conclusão de
que os seus esforços estão gradualmente a ser recompensados. Será mais capaz de controlar ou
de modificar a sua raiva do que a sua raiva de controlar a si.
Com a prática continuada do controle dos seus sentimentos de raiva pelo processo ABC,
poderá eventualmente, reduzi‐lo a um esquema mais simples de quatro passos.
Use os primeiros sinais de raiva como sinais de STOP.
Diga a si mesmo, acalme‐se, simplifique. Não se zangue.
Pergunte‐se: O que poderei fazer nestas circunstâncias, que seja útil?
Depois atue de acordo com as suas opções construtivas.
O processo ABC pode ser instrumento muito útil no processo de recuperação de
problemas emocionais ou de problemas relacionados com o abuso do álcool ou outras drogas.
O processo representa uma forma valiosa de enfrentar a perturbação emotiva que se encontra
muitas vezes associada aos problemas ligados ao abuso do álcool e outras drogas ou com
problemas emocionais. Se não aprender a lidar construtivamente com as perturbações
emocionais, poderá estar em risco de uma recaída, já que as situações que envolvem problemas
fazem parte inevitável da vida.
O processo ABC nos proporciona, pelo fato de não termos as nossas percepções
obscurecidas pela desordem das emoções, uma maneira diferente de ver as coisas. O nosso
sentimento a respeito das coisas modifica‐se à medida que a nossa maneira de pensar a respeito
delas se modifica – Sentimos como pensamos!
O QUE É ESPIRITUALIDADE?
Em relação aos Alcoólicos Anônimos ouvimos com frequência que “o nosso programa é
um programa espiritual”. Mas o que significa “espiritual”?
Será uma palavra que se refere só a Deus, ou talvez a religião ou tenha um significado
mais abrangente?
Muitas pessoas, ao se darem conta de que o Programa de Recuperação dos 12 Passos
dos Alcoólicos Anônimos é um programa espiritual desanimam. Interrogam‐se: “Será que tenho
que me tornar religioso para poder me recuperar?” Este capítulo destina‐se a ajudar as pessoas
em recuperação a compreenderem o que significa a palavra “espiritual” e “espiritualidade”.
Também se destina a ajudar os leitores a verem que a “espiritualidade” já faz parte das nossas
vidas sem nos darmos conta disso.
No programa dos 12 Passos de AA a palavra “espiritual” aparece ligada à palavra
“despertar”. Isto é o que acontece depois de termos feito o nosso caminho ao longo de todos
os passos tivemos um despertar espiritual, o primeiro problema que aparece no Primeiro Passo:
“Admitimos que somos impotentes perante nossa adicção e que tínhamos perdido o domínio
sobre nossas vidas”.
Apesar de a primeira vista não parecer uma constatação de um problema espiritual, mas
é na realidade!
Para podermos ver isso claramente, precisamos começar a desenvolver uma definição
de espiritualidade com a qual trabalhar. Uma das maneiras de definí‐la é constatando todas as
áreas de vida as quais a espiritualidade se liga, assim espiritualidade é: A qualidade do nosso
relacionamento com quem quer que seja de mais importante na nossa vida.
Esta simples definição pode nos ajudar a perceber como a espiritualidade faz parte da
vida de qualquer pessoa. Consideramos o seguinte raciocínio. Todos nós temos pessoas ou
coisas que são importantes para nós. Uma vez que temos estas relações importantes para
nossas vidas alguma deve ser “a mais importante”. Que este “algo” seja maneira, ou pessoa ou
grupo de pessoas, tem que existir alguma coisa que seja prioritária na nossa vida. O “quem”
quer que seja ou o que quer que seja “mais importante” define o principal foco da nossa
espiritualidade.
Podemos dizer que a espiritualidade faz parte da condição humana. Assim como todos
nós temos um lado físico e um lado emocional também temos um lado espiritual.
Reconhecemos que somos pessoas com um lado espiritual. Abre‐nos a possibilidade de
descobrirmos o quanto este lado da nossa vida nos afeta. É um erro pensarmos que não temos
um lado espiritual se não acreditarmos em Deus. Deus é apenas um dos muitos focos espirituais
possíveis. Podemos vir a descobrir na nossa vida alguns focos e efeitos espirituais muito
surpreendentes, se tivermos a coragem de explorar essa parte do nosso ser.
Uma vez que está relacionada com que (ou quem) é importante para nós; a
espiritualidade está intimamente ligada a valores, prioridades, objetivos e preocupações. Tem a
ver com o que quer que seja que está no centro da nossa vida. Gastamos muito do nosso tempo,
energia, pensamentos e nos entregamos ao nosso foco ou centro espiritual, porque a
espiritualidade tem a ver com relações que estão intimamente ligadas a coisas como amor,
confiança e compromisso. Um resultado espiritual pode ser qualquer coisa que toque a nossa
relação com os outros mais ou menos amorosos e desvelados.
Como se disse: há muitos focos espirituais possíveis. O foco da nossa espiritualidade
podia ser o álcool ou outros químicos. Quando o álcool é o foco da nossa espiritualidade tem
tendência para descrever o alcoolismo como uma doença espiritual. O alcoolismo pode ser
descrito como uma expressão destrutiva da espiritualidade. Assim, uma maneira de descrever o
problema do alcoólico, será dizer, “o álcool tornou‐se demasiado importante”. Demasiado
tempo e energia são absorvidos para beber. A relação tornou‐se um fardo tremendamente
destrutivo. Esta qualidade destrutiva cresce, e à medida que cresce, destrói o alcoólico.
O alcoolismo é descrito como uma doença progressiva. Nos termos da definição da
espiritualidade isto implica que o álcool se torna mais importante à medida que a doença
progride, e este crescimento tem muitas repercussões. Na nossa definição de espiritualidade,
quando alguma coisa aumenta na sua importância, as outras coisas têm necessariamente que
diminuir e ficar para trás. À medida que o álcool se torna mais importante, a nossa família, por
exemplo, é necessariamente negligenciada por causa desta nova e poderosa relação. A família
é apenas uma das muitas relações que é afetada pela importância crescente do álcool.
O trabalho será afetado. Ao invés de se devotar com energia e tempo inteiro ao trabalho,
o alcoolismo é capaz de viver ou utilizar outras drogas durante o trabalho. Talvez, o fato de beber
na noite anterior comece por afetar a sua capacidade de ser pontual e estar desperto durante o
trabalho. Se o alcoólico for estudante, as festas, beber ou usar outras drogas, ou até vendê‐las
para ser financeiramente possível continuar a usá‐las. Estas são apenas algumas das áreas da
vida afetadas, à medida que o álcool se torna cada vez mais importante. À medida que o
alcoolismo se torna crônico, cada vez mais relações de toda a espécie serão alteradas na vida do
alcoólico. Sabemos que se a doença progride sem ser reconhecida, causará eventualmente
enormes perdas em todas as áreas da vida e até a perda da própria vida.
Os membros da família do alcoólico podem facilmente se tornar vítimas de uma
mudança da sua própria espiritualidade. Os valores, os objetivos e as relações dos membros da
família são fatalmente afetados à medida que a doença do alcoolismo progride. À medida que
o alcoólico se torna menos responsável, os membros da família podem focar cada vez mais
energia na tentativa de o “endireitar” e fazer funcionar melhor. A sua mulher pode despejar as
garrafas na tentativa de parar o excesso de bebida; os pais podem de um momento para o outro
começar a discutir com a filha adolescente numa tentativa para que pare de usar; um adicto
numa família perturba o equilíbrio familiar. Encontrar uma solução para este problema pode
levar a uma grande perda de tempo e energia. À medida que os membros da família começam
a se preocupar com o adicto, há outros aspectos das suas vidas que começam a sofrer com isso.
Tentar lidar com o comportamento do adicto pode desviar a família de uma vida normal. A coisa
mais importante na vida da família de um adicto pode tornar‐se uma tentativa desesperada de
controlar seu uso e comportamentos decorrentes disso. Essa preocupação em “endireitar” e
controlar o adicto pode transformar‐se num doloroso foco espiritual. Uma organização de apoio
como os Programas de Familiares (Al‐anon e Nar‐anon) pode ser necessária para ajudar os
membros da família a recuperar o equilíbrio e a serenidade.
A palavra espiritualidade tem na sua raiz a palavra “espírito”. Outra maneira de pensar
em espiritualidade é nos perguntar onde se foca o espírito de cada um. “Espírito”, neste sentido,
não fará nenhuma diferença, se o considerarmos como, por exemplo, o espírito de equipe num
jogo de futebol. Um grupo de jogadores e expectadores poderá estar muito entusiasmado com
a vitória de um jogo. Um craque pode incitar de modo a criar mais entusiasmo e espírito no
grupo. O foco espiritual é energicamente dirigido para “ganhar o grande jogo”. Em outras áreas
da espiritualidade encontramos espírito e entusiasmo como sendo o reflexo exato onde se
centra a espiritualidade dessa pessoa. As coisas que na vida nos fazem brilhar os olhos e mexer
por dentro estão intimamente ligadas à espiritualidade. Espiritualidade tem a ver com as coisas
que são os grandes “amores” da nossa vida. Descobriremos que o nosso coração está
fortemente ligado às áreas espirituais da vida.
O espírito e entusiasmo pela bebida é, as vezes, óbvio na vida de um alcoólico. O
alcoolismo, quando começa, pode ser como um namoro. Para um alcoólico talvez nada se
compare ao ato de beber às escondidas ou do adicto a usar. Pode ter passado a última hora de
aula desejando ansiosamente a oportunidade de beber. Para outros alcoólicos esta relação pode
ir crescendo muito lenta e gradualmente até que, só anos depois possa dar conta desta
necessidade permanente de beber. O entusiasmo e espírito persistem muitas vezes mesmo
quando, o relacionamento com o álcool se tornou destrutivo e a energia e o entusiasmo da
pessoa em outras áreas da vida foram seriamente afetadas. No meu próprio trabalho com
pessoas em recuperação lembro‐me de inúmeros indivíduos dizendo, “Beber tornou‐se a coisa
mais importante da minha vida e isso aconteceu de tal maneira que nem me percebi. Chegou
ao ponto de já não me dar nenhum prazer, apenas me ajudar a sentir bem neste momento, mas
tinha que beber”. É este o ponto difícil em que uma pessoa está na verdade “agarrada” à bebida,
mesmo, quando ele ou ela possam dar‐se conta que beber já não funciona da mesma maneira.
Contudo, está agarrada pela impotência, dependente da própria causa da sua destruição.
Mas, como é que começam a se desenvolver essas relações espirituais destrutivas tão
poderosas? Como é que alguém pode se envolver numa relação como a acima descrita, que
pode levar à morte, suicídio ou à loucura se não tiver ajuda?
As relações espirituais evoluem da maneira como uma pessoa vive a vida e como ela
consegue lidar com as situações da sua própria vida. A nossa espiritualidade pode ter um foco
consideravelmente diferente se tivermos tido um conjunto variado de experiências de vida. Ter
o álcool e a droga como foco espiritual destrutivo na nossa vida, é o resultado da nossa
experiência com o álcool e da capacidade com que ele tem de ir ao encontro de algumas das
necessidades básicas humanas. Nem todas as pessoas reagem ao álcool e à droga da mesma
maneira, e por isso nem todos desenvolvem o mesmo tipo de relação com ele. Quando uma
pessoa começa a ligar‐se ao álcool pode ser por aquilo que ele ou ela viram ou ouviram da
experiência dos outros. Os amigos podem nos ter encorajado a beber. Eventualmente existe o
momento em que a pessoa bebe pela primeira vez e essa foi a sua primeira experiência com o
álcool. Dependendo dessa primeira experiência uma pessoa pode desenvolver um padrão de
abuso do álcool e drogas, ou beber moderadamente com pouco entusiasmo. Se a experiência
for muito negativa a pessoa pode nunca mais tornar a beber; se o interesse da pessoa pelo álcool
aumenta é porque efetivamente, ele vai ao encontro de alguma necessidade. O famoso
psicólogo Carl Jung descreveu uma vez o alcoolismo do fundador dos AA, Bill W., como uma
“doença espiritual que tem na sua base o impulso para plenitude...” Sentir‐se meio e completo
é uma necessidade humana básica.
A maneira como o álcool vai ao encontro da nossa necessidade de nos sentirmos
satisfeitos não é difícil de compreender. Se uma pessoa é naturalmente acanhada o álcool pode
ajuda‐la a tornar‐se mais ousada e desinibida. Se uma pessoa está cheia de raiva e
ressentimentos, o álcool pode ajuda‐la a acalmar‐se e encontrar alguma paz. Se uma pessoa está
sem alento, deprimida, pode ir a um bar e “esquecer de tudo”. Uma pessoa pode beber porque
gosta da imagem de quem bebe ou usa. À medida que a doença da adicção progride beber ou
usar torna‐se necessário para que se possa viver e sentir “normal”. Todos estes
comportamentos são uma tentativa para encontrar ou manter a “plenitude”.
Outra necessidade básica humana é o relacionamento com os outros. Beber é uma
atividade social. O álcool e outras drogas tendem a juntar pessoas. Olhando para trás podemos
ver os amigos apenas como “amigos do uso” ou “amigo dos copos”, mas pelo menos havia uma
espécie de “estarmos juntos”, de camaradagem. Beber era uma maneira de ter um contato
pessoal e “passar um bom bocado” ao fazê‐lo.
O álcool e as drogas enganam as pessoas porque, até certo ponto, vão de encontro de
necessidades humanas. Mas em longo prazo não o fazem da melhor maneira para o adicto. A
busca espiritual que acaba na adicção pode ter começado por um simples desejo de ser feliz.
Talvez ajude a entender a adicção como uma tentativa legítima de ser saudável e feliz. Ajuda‐
nos a evitar alguns julgamentos e críticas que possamos ter à tentação de usar contra nós ou
outros adictos em recuperação.
Um olhar mais atento para algumas das palavras que são usadas para espiritualidade
podem ajudar a aprofundar a compreensão desta palavra. Definir espiritualidade como qualquer
coisa que tem a ver com o mais importante na nossa vida. Se alguma coisa é importante para
nós isso significa que lhe damos valor e importância. O processo de dar valor a qualquer coisa
chama‐se valorização ou veneração. Quando veneramos alguma coisa estamos a falar de uma
relação com o objetivo da adoração, do tipo da que temos com Deus. Por vezes no programa
podemos ouvir alguém dizer “o álcool e as drogas tinham‐se tornado meu deus”. Muitas vezes
isto é uma constatação exata mesmo que nunca tenhamos pensado assim nesta relação. À
medida que a doença do alcoolismo progride, podemos dizer que a relação com um deus que
esquece o indivíduo. Esta relação já não é a solução perfeita porque já não vai de encontro às
necessidades da pessoa.
Mesmo que insistamos que não queremos uma relação com Deus (com um D grande),
assim como é impossível evitar a espiritualidade como um fato na nossa vida, também é
impossível evitar relacionamentos do tipo do que se tem com (um) deus. Quer os reconhecemos
claramente ou não, eles fazem parte da nossa vida. Afetam‐nos.
Uma relação do tipo da que se tem com deus, tem uma relação interessante com a
palavra “entusiasmo”, palavra essa que está ligada a espiritualidade. A palavra “entusiasmo”
vem do grego “em‐theos” que significa “em deus”. Outra maneira de vermos as coisas pelas
quais temos um grande entusiasmo é dizermos que elas refletem a nossa compreensão e relação
com o nosso deus.
Para o alcoólico cuja vida está sendo destruída. O desafio da recuperação é encontrar
uma nova relação da do tipo que se tem com deus, um novo foco para a sua espiritualidade, um
novo centro. Alguma coisa tem que substituir o álcool e as drogas como principal centro de
interesse na vida de uma pessoa. Esta é a razão pela qual a recuperação não consiste apenas em
não beber. Por a rolha na garrafa não quer dizer necessariamente que outra coisa qualquer se
tornou nosso centro de interesse da vida de uma pessoa. Somente parar de beber sem outro
crescimento e mudanças apenas frustrará uma pessoa que não aprendeu outro modo de ir ao
encontro das necessidades humanas básicas.
A irmandade de AA encara o desafio de ajudar os alcoólicos a encontrarem um novo
centro de interesse espiritual. A sua missão é muito parecida com a de ajudar alguém a saltar
de um barco que se afunda para outro barco. Pode ser muito traiçoeiro. A missão envolve o
conseguir ganhar a confiança e eventualmente o coração da pessoa. De algum modo, com a
ajuda dos Doze Passos dos AA, com a irmandade das reuniões e, nas novas relações com gente
sóbria, um alcoólico ou adicto em recuperação começará a entregar‐se a um novo centro de
interesse espiritual. A pessoa em recuperação procura ir de encontro às suas necessidades
humanas de uma maneira completamente nova à medida que descobre o modo de vida de AA.
O foco espiritual dos que estão em Anônimos, tem muito a ver com um “Poder
Superior”; “Deus, como nós o compreendemos”, e as pessoas da irmandade. Os passos Dois e
Três dos AA começam esta nova relação e iniciam o novo foco espiritual. Para o que quer que
entreguemos a nossa vontade e a nossa vida, isso tem que necessariamente ser muito
importante para nós. O Passo Três foi sabiamente deixado tão aberto quanto possível para que
ninguém seja excluído. Embora a palavra Deus esteja escrita com D maiúsculo, no Passo Três,
temos que entender que há alternativas de como este Passo pode ser abordado. Para aqueles
que não compreendem a idéia de Deus no sentido tradicional, o Terceiro Passo, pode, por
exemplo, ligar‐se ao grupo básico de AA. Um grupo de pessoas é um poder maior do que nós
mesmos, e podemos dar‐lhe o poder divino de nos mostrar o que precisamos fazer. Poderemos
ver que aceitarmos ser guiados pelas pessoas do programa pode ser melhor do que continuar o
caminho que sabemos, que acabará na destruição. Outros recém‐chegados ao programa podem
falar de Deus atuando através do grupo. Podem dizer que Deus é um espírito de amor que se
exprime pelo amparo, carinho e orientação que o grupo tem para oferecer. Haverá outros que
acreditam nisso e também ligar‐se a Deus por outros caminhos, tais como a oração e a leitura
devotada. O Passo Três permite variedade e flexibilidade na maioria como os relacionamentos
com um Poder Superior.
Quando as pessoas olham pela primeira vez para os passos Dois e Três, muitas vezes
tomam uma de duas posições extremas. A primeira é rebelarem‐se e dizerem que tal programa
não é para elas. Os seus sentimentos podem ser traduzidos por este sentimento “não quero ser
um fanático religioso! Não acredito nesta história de Deus”. A outra reação é ultrapassar
rapidamente estes passos e dizer para si próprio: “Sempre acreditaram em deus. E depois?”
Nenhum destes dois extremos ajudará muito. A espiritualidade é uma área da vida em
que precisamos descobrir muito sobre nós próprios. Não se pede a ninguém que acredite em
alguma coisa em que não pode acreditar. Acreditar não é algo que se possa forçar. Acreditamos
naquilo que acreditamos. Normalmente aquilo em que acreditamos resulta da nossa
experiência. Do que sabemos da experiência dos outros e do que nos ensinaram. O segredo da
mudança do foco espiritual é ter um espírito aberto, e nos permitir experimentar algo diferente
– muito como fazer uma experiência com a nossa vida espiritual.
A maneira que temos de experimentar algo diferente na nossa vida espiritual provém
da ajuda que as pessoas em recuperação oferecem. Não estamos sós, estamos com outras
pessoas que trabalham na sua recuperação e que podem tornar‐se amigos de verdade. A
experiência de recuperação das pessoas na irmandade dá uma informação prática, preciosa
sobre o que precisamos fazer de modo a vivermos uma vida sóbria e feliz. Dirão coisas como
“vive um dia de cada vez”. Em outras palavras não queira ultrapassar e não se preocupe hoje
com as coisas do amanhã. A força de hoje é a que precisa para os problemas de hoje, outra
maneira que as pessoas na irmandade têm de se ajudar e confrontarem‐se mutuamente com a
realidade. Muitas vezes não conseguimos ver claramente como nos magoamos a nós mesmos
com as nossas atitudes emocionais e com a maneira como pensamos nas coisas. Outras pessoas
podem nos ajudar a resolver problemas e a esclarecer a nossa situação. Outra maneira simples
de encontrar plenitude está na capacidade de falar com outra pessoa sobre como nos sentimos.
Partilhar tem o efeito de “dividir o nosso fardo” e “duplicar as nossas alegrias”. Na partilha
podemos encontrar alívio dos sentimentos negativos de desânimo, medo e raiva.
As pessoas no programa, quase sem exceção, farão igualmente parte da espiritualidade
que descobrimos à medida que recuperamos. O que aprendemos com elas e o apoio emocional
que nos podem dar são quase impossíveis de atingir numa experiência, qualquer, solitária. Um
“slogan” popular no programa é “Eu preciso das pessoas como Eu”.
Vamos olhar agora para espiritualidade x religião.
Há muita confusão no que diz respeito a relação da espiritualidade e religião. Para
complicar as coisas, as pessoas usam indiferentemente as palavras e, às vezes, com o mesmo
significado.
Melhor do que tentar definir o que é religião e o que é espiritual precisamos nos lembrar
da nossa definição de espiritualidade. Quando dizemos “espiritualidade tem a ver com a
qualidade da nossa relação com o que é mais importante na nossa vida”, não excluímos nada
nem ninguém associado à religião como sendo um foco espiritual. Por exemplo, é muito possível
ter como a coisa mais importante da nossa vida uma relação com Deus como numa tradição
religiosa. A nossa definição de espiritualidade não inclui ou exclui necessariamente tudo aquilo
que na nossa mente está associado à “religião”.
Um exemplo pode ajudar a clarificar a diferença entre ser aparentemente “religioso” e
estar espiritualmente concentrado em outra coisa.
Imagine um jovem de 15 anos que se vê envolvido, sem o desejar e por insistência dos
pais, na catequese da igreja local.
Ele abusa quer do álcool, quer da maconha. Durante o intervalo das aulas, sai da igreja
para “usar”. Neste caso, o que acha que será o foco espiritual deste jovem neste momento?
Provavelmente são muito mais os químicos do que a sua instrução religiosa.
Como outro exemplo, imagine uma mulher jovem que trabalha e é muito devotada à
sua igreja. Assiste regularmente aos serviços religiosos, participa de um grupo de senhoras
ligado à igreja e reza todos os dias. Tem vários bons amigos na igreja com quem discute muitos
aspectos da sua vida. Suponha que esta mulher está dando os primeiros passos no alcoolismo e
é uma adicta ao álcool na sua casa, sem ninguém saber. O que podemos dizer da sua
espiritualidade? Este exemplo não é tão direto quanto o primeiro. Pelo menos podemos
suspeitar que esta mulher esteja com a espiritualidade dividida, mas também podemos prever
que ela será arrastada cada vez mais para o foco espiritual que é o álcool, à medida que a doença
progride.
A conclusão que podemos tirar de uma pessoa que aparentemente é religiosa e
espiritualmente se concentra em outra coisa, pode muitas vezes ser descrita como hipocrisia.
Aquilo em que a pessoa diz que acredita e aquilo que é revelado pelo seu comportamento não
combina. Há falta de integridade. Muitas vezes aquilo que as pessoas detestam nas igrejas é
exatamente a hipocrisia de alguns de seus membros. Aquilo que criticamos tão fortemente é a
falta de espiritualidade autêntica.
Espiritualidade é uma palavra convidativa quando é bem compreendida. Convida‐nos a
descobrir nosso mundo de valores e aquilo em que acreditamos. Ao avaliar os nossos focos
espirituais e ao vermos como nos ajudou a ir ao encontro de nossas necessidades, isso pode nos
ajudar a abandonar relações espirituais destrutivas e a procurar relações em que um honesto e
saudável ser, pode ser encontrado. À medida que mudamos o nosso foco espiritual, iremos
necessariamente desenvolver um estilo de vida diferente porque o que é importante para nós
mudou. Talvez pessoas e interesses que antes eram importantes deixem de o ser porque a
relação destrutiva com o álcool terminou. Uma espiritualidade renovada conduzirá a uma
sanidade restaurada. Além disso, a espiritualidade renovada mudará os princípios das nossas
vidas porque fornece uma nova base para todas as decisões e relações. A espiritualidade tendo
a ver com a qualidade da nossa relação com quem ou o que é mais importante nas nossas vidas
– toma o seu lugar nos aspectos físicos e emocionais de um programa de recuperação como
sendo o alicerce necessário para a construção de um novo modo de vida.
A VERGONHA
Compreender os nossos sentimentos não é tarefa fácil. A maioria de nós já sentiu o peso
da vergonha a determinada altura, alguns de nós fomos desonestos em relação aos nossos
sentimentos – para conosco e com os outros – por medo de sermos descobertos ou de que os
outros ficassem sabendo demasiadamente sobre nós. Em recuperação, o sentimento doloroso
vem frequentemente à superfície, e nos deixa assim se sentindo mal. Palavras como infelicidade
ou tristeza podem dar uma boa descrição desses sentimentos. Por vezes nos sentimos maus,
sem sermos de fato tão maus assim. Horas nos sentimos magoados como se algo de errado
tivesse chegado ao mais profundo de nosso ser. Sendo assim percebemos que há mais a ser
descoberto do que apenas o que o uso de drogas ou álcool pode ter feito conosco. Sentimos
que nos falta algo, que somos inadequados e vazios.
Esse sentimento crônico que nos invade muitas vezes é a vergonha. O vazio aumenta
com o derrotismo e com a necessidade constante de preenchimento. O vazio da vergonha é uma
armadilha em recuperação, que nos impede de nos sentir satisfeitos e que faz com que o fato
de não usarmos drogas, álcool, comida ou outros comportamentos compulsivos, pareça
impossível.
DE ONDE VEM A VERGONHA
Para a maioria de nós vergonha tem suas raízes na nossa infância. Há famílias que tem
problemas de adicção e emocionais, por isso muitos de nós fomos criados em famílias
disfuncionais que não sabiam corresponder às nossas necessidades emocionais e muitas vezes
físicas. Quando os pais são cronicamente depressivos ou se debatem com um problema de
alcoolismo ou de adicção, são muitas vezes incapazes de estar à altura das necessidades
emocionais de seus filhos. Quando as crianças não veem suas necessidades afetivas satisfeitas,
sentem muitas vezes, vergonha.
Uma família saudável satisfaz naturalmente as necessidades afetivas de cada um dos
seus membros. Os filhos são aceitos tal como são; são amados e valorizados. A individualidade
dos membros da família é mantida. Os pais são livres para serem adultos e os filhos, livres para
serem crianças, assim formando indivíduos que possam se tornar Pessoas.
A vergonha cresce quando a criança ou o adolescente se sente abandonado ou
desprezado, quando não recebe o carinho necessário para crescer, se desenvolver e olhar para
si mesmo como uma Pessoa. Estas crianças ou adolescentes, acabam muitas vezes por ter uma
inversão na compreensão de estados de humor e sentimentos, o que pode levar à inadequação
e sentir certa inutilidade ficando assim profundamente enraizados.
A educação inadequada durante a infância pode ter diversas formas. Para alguns de nós
era de maneira evidente, como por exemplo:
Bater em nós ou nos empurrar.
Obrigar a ter comportamentos sexuais.
Abandonar‐nos por vários dias.
Para alguns de nós era sutil e manipulativa:
Comparação com os nossos irmãos que tinham conseguido tanto.
Sujeitando a ouvir comentários depreciativos sobre a nossa masculinidade ou feminilidade.
Críticas sobre a nossa capacidade de ultrapassar ou de conseguir as coisas sozinhos.
Críticas sobre nosso aspecto ou peso.
Lembrar‐nos constantemente dos nossos erros.
Ameaçar de que nos tornaremos iguais ao nosso “pai ou mãe bêbados ou nóias e assim maus”.
As pessoas criadas inadequadamente aprendem em grande parte a estar vigilantes
quando perto dos outros, para que ninguém descubra seus sentimentos de inadequação.
Manter segredos torna‐se importante para nós, assim como resistir às descobertas, para evitar
erros.
Errar é visto como a maior evidência de inutilidade. Um erro não é visto como um
acontecimento isolado, mas sempre generalizado como uma descrição total de si mesmo “Eu
sou um erro. A minha vergonha significa que não me sinto mal em determinado momento, mas
acredito que não presto! Que sou inadequado e inútil”.
Este gênero de raciocínio promove um ciclo vicioso, em que as crianças que não são
valorizadas tornam‐se adultos que acreditam não ter valor. Duvida e nega suas emoções e deixa
de exprimir os sentimentos, de demonstrar afeto, e se tornam desconfortáveis em relação à sua
sexualidade; uma tristeza crônica, assim como apatia e medo de serem descobertos, toma o
lugar dos sentimentos de confiança e partilha.
A VERGONHA E A DEPENDÊNCIA QUÍMICA (ADICÇÃO)
A vergonha pode também começar a aparecer mais tarde. Aqueles de nós que se
debatem com uma adicção à drogas, podem sentir‐se desesperados com os problemas
emocionais a medida que o ciclo da adicção vai aumentando, e as nossas tentativas de levarmos
uma vida saudável e produtiva vão sendo derrotadas. Com a perda da esperança, este ciclo
autodestrutivo vai salientar os nossos problemas de comportamento e exagerar os sentimentos
de inutilidade.
COMPORTAMENTO AUTODESTRUTIVO
EXEMPLO: Helena está há seis meses sem usar álcool ou drogas e, no entanto sente‐se
completamente dominada por um sentimento de vazio ou dúvida. Sente‐se paralisada e não
consegue identificar ou falar sobre os seus sentimentos. Teme que a falta de confiança em si
própria seja completamente óbvia. Deixou de ter os comprimidos e o álcool para preencher o
vazio. Para se proteger, ela conta com um mecanismo de defesa rígido e, promete a si mesma
que ninguém irá saber de seus sentimentos de inutilidade e de vergonha; ninguém saberá seu
segredo. Em vez disso esforça‐se para se tornar “perfeita”.
A confiança de Helena no perfeccionismo é uma defesa constantemente usada contra a
vergonha. Na verdade, trata‐se de um sistema de crença extremamente rígido, uma espécie de
“juiz dentro de nós”, que controla, avalia e critica o nosso comportamento, pensamentos e
sentimentos. Esse juiz interior exige perfeição. Errar é desastroso! Acreditamos que para
valermos alguma coisa temos de ser bem sucedidos em todas as áreas da nossa vida.
Convencemos‐nos que somente um desempenho perfeito compensará os nossos sentimentos
mais íntimos de vergonha.
Helena está entalada entre exigências irrealistas: o enorme esforço torna impossível
para conseguir um comportamento perfeito e a sua insistência em manter secretos os seus
sentimentos de vergonha. Encontra‐se na situação do perdedor. Embora tenha deixado de usar
comprimidos, a vergonha continua a motivar comportamentos perfeccionistas que limitam a
sua capacidade de pedir a ajuda de que necessita desesperadamente.
Fábio é perseguido por sentimentos de inadequação. Exteriormente projeta a imagem
da autoconfiança. No entanto, interiormente sente‐se incompleto. Toma secretamente uma
bebida atrás da outra, esforçando inutilmente para vencer a sua adicção, preencher os
persistentes sentimentos de vazio e acalmar os sentimentos de vergonha. Quanto mais tenta
calar os seus sentimentos, mais vazio sente.
O comportamento autodestrutivo alivia a dor e nos ajuda a nos sentir temporariamente
bem, mas não resolve nenhum dos nossos problemas.
A adicção de Fábio parece, pelo menos temporariamente, preencher o vazio da
vergonha, mas tal como Helena, que conta com o perfeccionismo para disfarçar a vergonha, ao
beber Fábio não faz mais do que aumentar os seus sentimentos de inutilidade. O seu alcoolismo
engana a sua percepção da vergonha. Ambas as reações são contraproducentes. O seu
alcoolismo alivia a dor que a vergonha traz, mas apenas por um curto espaço de tempo. Helena
procura evitar os sentimentos de vergonha e afasta o propósito de procurar ajuda para seu caos
emocional, mantendo uma fachada rígida de perfeccionismo.
VERGONHA E AS SUAS CONSEQUENCIAS AUTODESTRUTIVAS
A vergonha é um problema emocional. As emoções tornam‐se um problema quando nos
impedem de alcançar alguns dos nossos objetivos mais básicos. Para muitos de nós, construir
um estilo de vida saudável implica o desenvolvimento de relações que nos preenchem ao
deixarmos de ser vulneráveis e imperfeitos com aqueles em quem confiamos ao mesmo tempo
em que aceitamos a vulnerabilidade e imperfeição dos outros. Ser humano é ser falível e menos
que perfeito. Recuperação também significa participar ativamente no mundo do trabalho, tirar
prazer em viver o dia a dia e, é claro, manter‐se abstinente. Quando um sentimento como a
vergonha nos impede de realizarmos qualquer uma destas tarefas básicas então temos um
problema emocional.
A vergonha é, portanto, um obstáculo à aprendizagem das tarefas básicas da vida.
Sensações crônicas de vazio podem minar os esforços para nos sentirmos felizes e podem
fornecer uma desculpa para uma recaída. A vergonha os mantém isolados e separados dos
outros, sabotando assim as nossas necessidades de intimidade e relações com significado,
interfere na nossa capacidade de nos relacionar com os outros como pessoas reais e imperfeitas.
A vergonha é um problema especial para as pessoas em recuperação da adicção e de
problemas emocionais. Se tivermos sentimentos não identificados de vergonha com os quais
não lidamos, estamos em risco de recair. De fato, o modo como nos comportamos ao sentirmos
vergonha é frequentemente oposto ao modo como nos comportamos em recuperação.
Recuperação é o processo que nos devolve à uma vida mais realizada, o que envolve
frequentemente menos sofrimento emocional e liberdade do comportamento adictivo.
CARACTERÍSTICAS DA VERGONHA CARACTERÍSTICAS DE RECUPERAÇÃO
Procura isolamento social e distanciamento Participa no processo social de recuperação.
emocional.
Falta de confiança em si próprio. Confia nas suas opiniões e sentimentos.
Sente a espontaneidade reprimida. Sente alegria.
Reflete os mesmos erros. Aprende com a experiência.
Baseia‐se em comportamentos rígidos Aborda os problemas com flexibilidade
Como a vergonha nos faz sentir mal e tem como resultado o nosso comportamento
autodestrutivo, é importante identificar e reduzir a vergonha como parte do nosso processo de
recuperação.
VERGONHA x CULPA
A vergonha é diferente da culpa. A culpa é um sentimento de reação contra um mau
comportamento ou uma omissão de um comportamento esperado. Por exemplo, um
adolescente pode sentir culpa por ter magoado outras pessoas, ou um pai pode sentir‐se
culpado por ter negligenciado seu filho. A culpa está geralmente limitada a um acontecimento
específico, não envolve uma avaliação do nosso valor como pessoa. Na verdade, os sentimentos
de culpa são muitas vezes saudáveis. Podem ser um sinal de que falhamos em alguma coisa ou
que precisamos olhar melhor para o nosso comportamento. Podemos aprender a olhar para a
culpa e não a temer. Ajuda a nos lembrar que somos seres humanos imperfeitos e que temos
valor, podendo aprender com os nossos erros e nos tornar pessoas que funcionam em plenitude.
Por outro lado, os sentimentos de vergonha envolvem geralmente a nossa valorização
como pessoas.
A vergonha não é uma simples reação a um acontecimento específico; mas antes uma
resposta emocional adquirida que permanece seja qual for a qualidade da nossa atuação.
Quando nos sentimos com vergonha, temos mais chances de nos isolar e de nos
distanciarmos emocionalmente, nos tornamos menos espontâneos e mais infelizes. Os
comportamentos derrotistas da vergonha reforçam os nossos sentimentos implacáveis de
angústia, vazio e inutilidade.
BOAS NOTÍCIAS
Podemos mudar os sentimentos da vergonha! Assim como a vergonha se aprende,
também pode ser “desaprendida” e substituída por atitudes, comportamentos e sentimentos
mais positivos. Podemos reduzir os sentimentos da vergonha compreendendo as suas raízes,
reconhecendo que temos vergonha e alterando conscientemente os comportamentos
relacionados com ela.
As convicções em relação a nós próprios, quer tenham sido adquiridas na infância quer
mais tarde, tendem a persistir mesmo quando a nossa adicção parou.
Quando ainda crianças, temos tendência a acreditar naquilo que os adultos nos
ensinam, especialmente quando confiamos nesses adultos, tal como nós pais, padres ou
professores. Como adolescentes, modificamos as nossas atitudes baseando‐nos nas nossas
experiências. Assim, se formos confrontados com fracassos constantes, críticas e com os nossos
novos comportamentos de adictos, aprendemos depressa a desvalorizar aquilo que somos. As
crianças e os adolescentes, pela natureza da sua juventude, tem falta da capacidade, do
conhecimento e da estabilidade emocional para compreender a complexidade das suas atitudes
e sentimentos. Como consequências disto, não são responsáveis pelo modo como fomos
tratados no passado nem como aprendemos muito cedo a nos sentir. Essencialmente não somos
responsáveis pela nossa infância. Ela é, por natureza, caracterizada pela impotência.
O mesmo se aplica à adicção e aos comportamentos compulsivos. Alguns de nós
passamos por obsessões e comportamentos compulsivos que invadiram toda a nossa
personalidade: outros passam pela experiência do descontrole em relação a certos
comportamentos tais como a bebida, drogas ou o jogo. Todos nós enfrentamos e sentimos a
destruição que vem da nossa incapacidade para modificar o nosso comportamento. Por si são,
as resoluções firmes e a força de vontade só nos levaram a tristes insucessos. Embora
quiséssemos que a dor resultante do nosso comportamento derrotista parasse, éramos
impotentes. Tal como as crianças, impotentes em relação às nossas tentativas para controlar as
complexidades das nossas atitudes, sentimentos e comportamento adictivo.
Só quando aceitamos a nossa impotência enquanto adultos e que podemos recuperar.
Em recuperação, ficamos mais conscientes dos nossos sentimentos e podemos tomar decisões
conscientes em relação ao modo como nos comportamos e sentimos. A vergonha perpetua‐se
nas nossas convicções. Não importa quando, como e onde as aprendemos, estas atitudes
baseadas na vergonha fazem agora parte de nós. O juiz interior que representa as nossas
tentativas perfeccionistas de controle pode agora ser enfrentando, diminuindo e,
eventualmente destronado. As leis do juiz não são absolutas e podem ser vencidas com uma
oposição persistente baseada na lógica e na razão.
PRINCÍPIOS DA T.E.R.
Apesar da vergonha ter as suas raízes no passado precisou lidar com ela no presente.
Um dos métodos para atacar as atitudes baseadas na vergonha é utilizar uma abordagem
baseada na autoajuda: Terapia Racional Emotiva (TER). A TER baseia‐se na premissa que os
pensamentos provocam sentimentos. Muitos de nós pensamos que os nossos sentimentos são
reações automáticas a acontecimentos isolados. Falamos muitas vezes dos sentimentos
desagradáveis como se alguém ou algo fosse responsável por eles: “Ela me deixou furiosa”.
Muitos de nós acreditamos que os acontecimentos em A causam as emoções de B.
No entanto, os sentimentos não são automáticos nem necessariamente similares ou
compatíveis com a resposta a acontecimentos semelhantes. Por exemplo, um acontecimento
(A), tal como receber um conselho em grupo pode resultar em inúmeros sentimentos diferentes
(B), que podem ir desde sentir raiva a sentir tristeza. Portanto, os sentimentos variam de
indivíduo para indivíduo e não estão automaticamente relacionados com os acontecimentos.
Como tal, as emoções não são diretamente causadas por acontecimentos. A TER nos diz que
podemos escolher o modo como interpretamos ou o que pensamos de um acontecimento em
B, que por sua vez causam um sentimento em C.
HISTÓRIA DE HELENA
Apesar de estar limpa há seis meses, Helena tem sido martirizada por pesadelos
constantes, noites sem dormir e problemas com relações. Procurou apoio num grupo
terapêutico de mulheres. Se por um lado teve a coragem de pedir ajuda, por outro lado sentiu‐
se muda e incapaz de partilhar os seus sentimentos. Helena confia a tanto tempo no seu
perfeccionismo defensivo, mantendo as pessoas à distância, que se torna agora difícil deixa‐las
se aproximarem.
Ao rever acontecimentos da sua infância, Helena lembra a história, há muito tempo
reprimida, pela sua família, história essa que envolve sentimentos dolorosos e abuso físico.
Ambos os pais de Helena foram alcoólicos. Helena está cheia de vergonha e, consequentemente,
tem o pavor de contar a sua história. Ao pensar no seu passado, Helena diz para ela própria:
“Devia ter sido capaz de parar com o abuso. Não devia ter aguentado tanto tempo. Que criança
tão antipática que eu devo ter sido para merecer este tratamento. Em que adulto horrível fui
me tornar. Ninguém pode saber.”
A ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ B ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ C ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐
Acontecimento Pensamentos Sentimentos Consequências no
comportamento
Contar a história Devia ter impedido o Vergonha
abuso
Não devia ter Isolada dos
aguentado tanto companheiros evita
tempo contarem a sua
história
Devia ter sido uma
criança muito
antipática
Em que adulto
horrível fui me
tornar
Ninguém pode saber
Em consequência da sua vergonha, Helena tenta isolar‐se do grupo. O seu
comportamento é autodestrutivo, já que elimina o potencial apoio de que necessita para
enfrentar o seu segredo. O conjunto de valores de Helena em B caracteriza‐se por exigências
irrealistas combinadas com uma tendência para denegrir a sua pessoa. Os “devo” e os “tenho
que” de Helena, traduzem as suas exigências irrealistas de que deveria ter tido mais poder ou
controle.
Deprecia o seu valor culpando‐se a si própria e menosprezando‐se como pessoa. Ellen
interpreta os acontecimentos do seu passado através de um sistema de convicções que
produzem sentimentos de vergonha. O seu juiz interior formula esperanças rígidas em relação
a sua atuação e envergonha‐a quando ela se torna incapaz de alcançar esses objetivos
inatingíveis.
Felizmente para Helena, dois dos seus companheiros ajudaram‐na a abrir‐se ao
partilharem as suas próprias histórias com o grupo. Na verdade, Helena aprendeu a combater a
sua lógica baseada na vergonha (D), ao levantar questões tais como: Quem? O que? E Por quê?
A ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ B ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ C ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐
Pensamentos Sentimentos Crítica
Devia ter parado com o Vergonha Quem diz que eu deveria ter
abuso parado com o abuso? Eu era
uma criança, não tinha mais
poder sobre os meus pais, do
que eles tinham sobre a
bebida.
Não devia ter alterado Vergonha Que escolhas é que eu tinha?
Não somos todos impotentes
quando crianças? Não sou
responsável pelo
comportamento dos meus
pais. Pare de fazer exigências
irreais!
Que criança antipática devo Vergonha Que provas tenho de que fui
ter sido uma criança antipática? Não
são todas as crianças
simpáticas e merecedoras?
Não são todas merecedoras
de amor e carinho?
Em que adulto terrível fui Vergonha Só porque fui criticada no
me tornar passado, não é razão para me
criticar agora. Claro que não
sou perfeita, mas que é? Não
somos todos seres humanos
falíveis e merecedores?
Ninguém pode tê‐lo Vergonha Por que? Não sou
responsável pela minha
infância. Não são os meus
pais os responsáveis pelo
comportamento? Por terem
abusado de mim no passado,
não prova que agora seja um
adulto sem valor.
ESTABELECER OBJETIVOS
À medida que a lógica de Ellen muda, fica livre para identificar os seus objetivos. Apesar
do vazio e da vergonha não desaparecerem de um dia para o outro, sente‐se cada vez mais bem
disposta e menos preocupada.
Estabeleceu o objetivo de viver uma vida produtiva, saudável, com o menos possível de
vergonha. Para ajudar a alcançar esses objetivos, Helena continua a participar no grupo
terapêutico de mulheres, e começou uma terapia individual. Entretanto, Ellen renova a sua
emergente atitude de respeito por si própria com uma afirmação: “Sou Helena, uma pessoa
falível e com valor, merecedora de respeito por mim própria e aos outros. Hoje vou me
considerar uma pessoa com valor e merecedora”.
Como o juiz interior de Helena não é facilmente combatido, elaborou um plano
concreto para ajudar a colocar em prática a sua nova afirmação. Como forma de se lembrar,
liga a sua afirmação a uma atividade diária frequente. Como bebe quatro refrescos por dia,
decidiu usar seu primeiro gole como sinal de que está na hora de repetir a sua firmação
positiva. Uma vez terminada a sua afirmação, bebe o restante do refresco como “recompensa”
pela sua nova atitude.
Mais tarde, Helena fez uma lista de atividades para atacar a vergonha com a ajuda do
seu terapeuta de grupo. Se por um lado ela compreende algumas das suas atitudes baseadas na
vergonha, também compreende que os seus sentimentos crônicos de vazio podem facilmente
colocá‐la em risco de cair de novo nos seus velhos comportamentos autodestrutivos. Embora se
sinta cada vez melhor, sabe que os problemas relacionados com a vergonha não estão
completamente resolvidos.
Helena também decidiu continuar a sua aprendizagem sobre a vergonha. Decidiu fazer
um plano especial de leitura e encontrou um terapeuta especializado em adicção e abuso
infantil. Planeja continuar o seu trabalho diário de autoafirmação. Como pretende continuar a
frequentar o grupo de terapia de mulheres, decidiu fazer pelo menos mais dois trabalhos
relacionados com a TER, a fim de ser capaz de discutir os seus problemas relacionados com a
vergonha com o resto do grupo.
É óbvio que a vergonha de Helena tem origem nas experiências da infância e as suas
atitudes exageradas sem relação a essas experiências e a si própria poderiam ter impedido o seu
progresso. Mas, ao contestar a sua lógica, Helena tornou‐se capaz de proceder às mudanças
necessárias.
A HISTÓRIA DE WILSON
Em contraste, a vergonha de Wilson não tem origem na sua infância, mas está antes,
diretamente relacionada com as consequências autodestrutivas da adicção. Quanto mais bebe,
menos se valoriza. Embora se esforce por controlar o que bebe, os esforços resultam sempre
em fracassos. Segundo Wilson, deveria ser capaz de controlar o que bebe. Wilson acredita
firmemente que é mau e que não tem qualquer valor porque não consegue parar ou reduzir a
bebida.
Jim não pode prever quando vai haver intervalos de abstinência ou intoxicações.
Começa a se ver como um degenerado moral. Pensa que se tivesse qualquer valor ou dignidade
não se degradaria a ponto de se encontrar permanentemente intoxicado e de sofrer
humilhações públicas. À medida que a sua vergonha aumenta vai se afastando cada vez mais da
família e dos amigos. Isolado, bebe ainda mais.
A convicção de Wilson de que não presta, baseia‐se na exigência que faz a si próprio de
que deveria ser capaz de controlar a bebida. O seu juiz interior exige força de vontade,
autodomínio e condena o seu valor quando Wilson se torna incapaz de controlar o seu
comportamento. A vergonha e o isolamento de Wilson são obstáculos à sua recuperação. –
afastam de si próprio todos os que poderiam ajudar.
A ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ B ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ C ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐
Acontecimento Pensamentos Sentimentos Consequências no
comportamento
Beber Deveria ser capaz de Vergonha Isolamento social,
continuamente controlar a bebida. beber continuamente
É horrível não
conseguir aguentar
uma bebida.
Não passo de uma
pessoa má.
A família e os amigos de Wilson não desistiram. Através do seu apoio e compreensão,
Jim finalmente decidiu entrar em tratamento. No entanto, o juiz interior continuava a exigir o
controle total. Jim agarrava‐se à exigência irrealista de que deveria ser capaz de controlar a
bebida. Através dos esforços dos seus companheiros e da aprendizagem relacionada com o
alcoolismo, Jim começou a questionar sua lógica em (D).
B ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ C ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ D ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐
Pensamentos Sentimentos Discussão
Deveria ser absolutamente Vergonha Quem diz que deveria ser
capaz de controlar o que capaz de controlar a bebida?
bebo Não é verdade que o
alcoolismo é uma doença? A
doença não tem a ver com a
força de vontade.
É horrível não ser capaz de Vergonha Claro que não consigo
aguentar uma bebida aguentar nenhuma bebida.
Para mim não se trata de
controle voluntário. Uma
vez que beba um copo só
paro quando acabar a
garrafa.
Não passo de uma pessoa má Vergonha Tenho que parar de
“exagerar”! Tenho uma
doença mas não sou uma
pessoa má.
À medida que as suas convicções em relação ao alcoolismo foi mudando, ele foi se
tornando mais consciente das exigências irrealistas que colocava à si próprio. Ao aceitar a sua
impotência perante o álcool, Wilson passou também a aceitar a sua condição humana com tudo
o que ela implica de capacidades e limitações.
A vergonha de Wilson tem origem na convicção de que precisa controlar o que é
incontrolável. Para Wilson, reconhecer as suas limitações como ser humano é uma tarefa em
curso, já não luta para ser perfeito.
COMEÇAR A AGIR
À medida que Wilson ia progredindo, o seu consultor lhe deu uma série de
recomendações úteis. A fim de reduzir a sua vergonha, Wilson precisava se tornar mais flexível
em relação às expectativas que tinha dele próprio e dos outros. Desde que Jim passou a se
aceitar como um ser humano digno e falível deixou de haver razão para continuar a dar ouvido
ao seu juiz interior. A sua falta de controle ou a impotência deixaram de ser ameaças ao seu
valor como pessoa e passaram simplesmente a fazer parte das características de um ser
humano. Quaisquer esforços para controlar o incontrolável o levariam ao fracasso, e muitas
vezes a auto recriminação e a vergonha. Tendo isto em mente, Wilson concordou em participar
das seguintes atividades:
‐ Encontrar um grupo de apoio. Wilson descobriu a necessidade de frequentar um grupo de
apoio que o ajudasse a identificar parte do seu pensamento baseado na vergonha, bem como o
seu comportamento derrotista. Chegou à conclusão que as suas atitudes continham muitas
vezes uma necessidade de controlar que minavam a aceitação do seu alcoolismo. Ele concordou
frequentar pelo menos dois grupos diferentes: AA e um grupo de terapia para homens.
‐ Fazer um trabalho da TER. Antes de completar o seu tratamento, Wilson fez um trabalho
suplementar de TER, para desafiar a sua mania de exigência, aquilo a que o seu consultor se
referia como dizer “devo” demais. Jim aprendeu que palavras como “devo” e “tenho”,
representam muitas vezes exigências irreais, e são palavras chaves que precisam ser
questionadas ao mudar as suas atitudes. Com isto em mente, Wilson começou a fazer o seu
trabalho de TER sobre sentimentos de vergonha relacionados com o seu casamento. Wilson
escreveu a palavra “vergonha” como um problema emocional em “C” (sentimentos). Wilson
sabia que os seus sentimentos de vergonha estavam intimamente ligados com o isolamento
social e a bebida. Por baixo de “A” (acontecimento), identificou um acontecimento recente que
o tornou consciente dos seus sentimentos de vergonha – lembrou‐se que o último encontro com
a sua mulher, o tinha levado a sentir uma forte vergonha. Wilson refletiu sobre os pensamentos
que teve durante o encontro com a sua mulher e os escreveu embaixo de “B” (pensamentos):
Devia ser capaz de alterar os sentimentos da minha mulher.
É horrível vê‐la chorar.
Não devia ter me tornado um alcoólico.
Sou uma pessoa horrível.
Ao compreender as ferramentas básicas da TER, Wilson questionou a sua lógica ao
escrever uma crítica ao seu pensamento embaixo de “D” (discussão).
Quem diz que eu devia ser capaz de alterar os sentimentos da minha mulher? Não posso
controlar as emoções dela.
É desagradável vê‐la chorar e gostaria que ela não tivesse que passar por isto. Talvez as lágrimas
lhe tragam algum alívio emocional.
O alcoolismo é uma doença, não é uma questão de força de vontade. “Para de dizer “devo” o
tempo todo”.
Sou um ser humano falível e digno. Tenho lutado contra esta doença horrível. Não sou uma
pessoa má.
Ao questionar o seu próprio pensamento, Wilson formulou um objetivo que o ajudasse
a guiar o seu comportamento (E). Wilson reconheceu a sua necessidade de dar apoio emocional
a mulher ao mesmo tempo em que tentava reduzir a sua vergonha. Assim, fez uma lista das
seguintes ações construtivas que deveria efetuar para alcançar o seu objetivo:
Falar sobre as minhas preocupações e apoio com a minha mulher.
Convidá‐la para participar de um “workshop” de comunicação entre casais.
Apoiar o envolvimento da minha mulher num grupo de ajuda.
Fazer mais dois trabalhos da TER para identificar problemas específicos relacionados com a
vergonha.
Wilson aprendeu depressa que, ao desafiar conscientemente as suas convicções e ao
modificar os seus comportamentos, tornava‐se capaz de reduzir os sentimentos de vergonha,
ao mesmo tempo em que oferecia apoio emocional à sua mulher. Ao aceitar a sua impotência
sobre o álcool, também reconheceu as suas outras limitações. Era com certeza uma pessoa
falível, mas não era certamente uma pessoa “má” ou “horrível”. Wilson passou a acreditar que
é humano cometer erros, ter um controle limitado sobre a sua vida e ter uma doença como o
alcoolismo. Ao aceitar a sua humanidade, Wilson deu um primeiro passo, fundamental para os
alicerces da sua recuperação, ao mesmo tempo em que começava a se libertar da auto
recriminação, das exigências irreais e dos sentimentos de vergonha.
RESUMINDO...
Seguem‐se seis coisas importantes para nos lembrarmos sobre a vergonha;
* A vergonha é um sentimento penetrante de inutilidade. A vergonha é diferente da
culpa; é uma simples reação ao nosso mau comportamento. A vergonha é, muitas vezes um
sentimento crônico de inadequação, de vazio e de dúvida em relação à nós próprios.
* A vergonha tem muitas vezes origem na infância e na adolescência, vinda de um
sistema familiar doentio. A criança ou o adolescente acreditam que as críticas que a família lhes
faz são plenamente justificadas e cresce acreditando que eles não têm nenhum valor ou
utilidade. Somos impotentes em relação àquilo que aprendemos quando crianças.
* A vergonha pode também ser uma consequência da adicção. A incapacidade de parar
ou de controlar um comportamento adictivo nos leva frequentemente a desvalorização pessoal.
* Os sentimentos intensos de vergonha resultam em comportamentos derrotistas tais
como: afastamento social, isolamento e em comportamentos adictivos, tais como não parar de
comer, jogar compulsivamente ou beber excessivamente. Portanto, a vergonha representa um
fator de risco para a recaída.
* A vergonha envolve geralmente um juiz interior que nos exige um comportamento
rígido e que nos envergonha quando não conseguimos cumprir essas exigências. A vergonha
balança muitas vezes entre as expectativas perfeccionistas e a autocondenação. O “juiz interior”
representa de fato o nosso conjunto de crenças.
* Já que a vergonha é inventada e aprendida, também pode ser “destruída” e
“desaparecida”. Usando os recursos ao nosso dispor, que incluem as ferramentas básicas da
TER, podemos reduzir com sucesso os nossos sentimentos de vergonha – isto é, sentir vergonha
menos intensamente e com menos frequência.
UM TRABALHO DA TRE (Exercício)
Agora é a sua vez! Tal como qualquer comportamento novo, você precisa praticar a
redução dos seus sentimentos de vergonha. A sua tarefa é acabar um trabalho da TER e, para
isso, talvez precise de um bloco de notas. Eis algumas sugestões a considerar quando fizer o seu
trabalho:
* Identifique a vergonha. Comece primeiro por identificar o sentimento de vergonha que o
preocupa; observe os comportamentos derrotistas geralmente relacionados com a vergonha,
seja específico; pense num exemplo retirado da sua experiência.
* Identifique o acontecimento. Em seguida identifique o acontecimento motivador. Pense numa
ocasião em que uma ação específica tenha provocado um sentimento intenso de vergonha.
Pode ter sido informação (feedback) que lhe deram durante uma terapia de grupo ou um
comentário feito pelo seu parceiro. Em qualquer dos casos, seja o mais objetivo, concreto e
específico possível, ao identificar o acontecimento (A).
* Identifique os seus pensamentos e sentimentos. A próxima tarefa é identificar os seus
pensamentos (B). Reveja os exemplos de Helena e Wilson. Geralmente, os sentimentos de
vergonha (C) são iniciados por exigências irreais, tendência para exagerar o lado negativo e
desvalorização pessoal.
Critique o seu pensamento. Questione a sua lógica (D). Aqui, critique os seus
pensamentos, conteste a sua lógica e desenvolva uma alternativa mais racional. Estabeleça
objetivos. Pense em quais são os seus objetivos menos vezes e menos intensamente. É melhor
sentir pena e remorso do que vergonha e incerteza. Reduzir a vergonha é sem dúvida um
objetivo importante para se atingir uma verdadeira recuperação. Frequentemente, este objetivo
ajuda a orientar a nossa ação construtiva.
Comece a agir.
Faça uma lista de todas as ações construtivas que pode tomar para alcançar o seu
objetivo (E). Seja o mais específico e concreto possível. Numere a lista e mantenha‐a simples, se
concentrando na ação.
Agora que acabou em exercício escrito de TER a sua próxima tarefa é partilhar este
trabalho com outros. Procure mais ajuda e opiniões em relação ao seu pensamento (B).
Pergunte aos seus companheiros se falhou alguma coisa. Talvez tenham algumas idéias que o
ajudem a questionar a sua lógica (D). Talvez algum deles tenha alguma ação a acrescentar à lista
que você fez em “E”. Use o seu trabalho de TER como catalisador para discutir os seus
sentimentos, as suas atitudes baseadas na vergonha e as suas idéias alternativas. Quanto mais
envolver outras pessoas no processo, mais rapidamente aprenderá maneiras de reduzir os seus
sentimentos de vergonha.
Não se esqueça de utilizar outros métodos de autoajuda para atacar os sentimentos de
vergonha. Lembre‐se que Helena usava afirmações para reforçar as suas atitudes de respeito
por si própria. Wilson, por exemplo, identificava as situações em que detinha o controle, e que
bloqueavam a aceitação de sua adicção e humanidade. Ambos se deram ao trabalho de informar
os respectivos padrinhos de que a vergonha era um fator de risco para recair.
Não desista facilmente. Provavelmente há muitos anos de prática de comportamentos
baseados na vergonha. Terá por isso, que praticar bastante para encontrar novos
comportamentos que o ajudem a superá‐los. Há uma série de recursos que podem ajudar:
grupos de autoajuda, terapia individual e de grupo, aconselhamento em longo prazo e grupos
de prevenção à recaída. Alterando as suas atitudes e modificando os seus comportamentos,
pode reduzir os sentimentos de vergonha, diminuir o risco de recaída e viver as alegrias de uma
vida feliz e saudável.
RAIVA
Por que nos preocupamos com a raiva? No fim das contas, não é verdade que todos nós
sentimos raiva? De fato, a raiva é um sentimento humano que todos experimentamos de vez
em quando. O principal problema está nas consequências, o que acontece quando você fica com
raiva? Se não acontece nada quando você fica com raiva, então a sua raiva não é razão para
preocupação, porque as consequências são limitadas. No entanto, se tiver atitudes derrotistas
em relação a si ou se fizer mal aos outros, e se a sua raiva tiver consequências dolorosas ou
prejudiciais, então talvez tenha razão para se preocupar com ela.
Por exemplo: você está guiando por uma autoestrada, atrás de uma pessoa que conduz
a 50 km, quando a velocidade permitida é de 80 km, e se atrasa para um encontro. Começa a
sentir‐se muito irritado por causa disso, ultrapassa impudentemente o outro carro. Põe a sua
própria vida e a dos outros em risco por causa da sua condução imprudente, ou seja,
potencialmente uma consequência muito perigosa da sua raiva.
Outro exemplo das consequências nocivas da sua raiva poderia ser o seguinte:
‐ Já é tarde, você quer ir embora do trabalho mais cedo, para jogar futebol. Começa a trabalhar
mais cedo e também trabalha na hora do almoço, para compensar o fato de sair mais cedo. No
meio da tarde, aparece o seu patrão e lhe dá uma nova tarefa, e quer que seja feita antes de
você ir embora. Você obedece, mas só acaba a tarefa muito tarde, quando já não dá mais para
jogar futebol. Enquanto o tempo vai passando, mais você se sente furioso. Quando sai do
trabalho, para num bar a caminho de casa, para aliviar um pouco da sua raiva. Acaba bebendo
demais, chega a sua casa muito tarde e tem uma discussão com a sua mulher, a quem não se
preocupou em telefonar para avisar que chegaria mais tarde.
Ou , em vez de parar num bar, pode ir diretamente para casa depois do trabalho, de
muito mau humor. Tropeça nos brinquedos das crianças, espalhados pela sala, onde os seus
filhos estiveram brincando, esperando você chegar. Despeja a sua raiva contra as crianças, as
mandando arrumarem a sala; ao ver que elas demoram a arrumar os brinquedos, você
finalmente, num ataque de fúria, ordena que elas vão para cama. Depois, senta‐se para jantar
com a sua mulher e a acusa violentamente por ser uma péssima mãe.
Para alguns de nós, as consequências dolorosas ou prejudiciais da raiva, resultam em
expressarmos abertamente contra as outras pessoas. Exemplos extremos dessas consequências
são as formas de violência doméstica e de brutalidade contra as crianças. Por outro lado, alguns
de nós podemos negar os sentir dificuldade em aceitar e falar abertamente sobre os
sentimentos de raiva, contra as outras pessoas. Podemos esconder a nossa raiva, guardando ela
para nós mesmos, engolindo ela dentro de nós. Podemos ter medo de que os outros não gostem,
se a manifestarmos francamente.
Nós reprimimos a nossa raiva, qualquer que seja a razão, fazíamos o uso de drogas para
amenizar o sentimento de raiva, ou seja, reprimíamos nossos sentimentos. Enquanto usávamos,
podemos ter nos tornado pessoas fisicamente hostis.
Outros de nós podem ter escondido os seus sentimentos de raiva, mas depois
descontam essa raiva contra pessoas que o amam.
APRENDER A COMPREENDER A RAIVA E AS SUAS CAUSAS
Aprender a lidar com a raiva de forma saudável, sem fazer mal a nós próprios ou aos
outros, é uma parte importante de nossa vida. Embora seja importante para todos nós, sermos
capazes de enfrentar de forma eficaz a nossa raiva, para alguns, isso se torna especialmente
importante.
Se estivermos em recuperação das drogas e do álcool ou de problemas emocionais,
podemos correr o risco de uma recorrência desses problemas se não aprendermos a controlar
a nossa raiva.
“Irrita‐me tanto”.
A maior parte de nós pensa que são as outras pessoas ou situações que nos fazem ficar
irritados. Achamos que o que as outras pessoas fazem ou o que nos acontece que isso é o que
causa a nossa raiva. Atiramos para cima dos outros a responsabilidade da nossa raiva “eles me
deixam loucos”. Ou achamos que temos um gênio ruim, como se fôssemos sempre desse jeito
e não poderíamos mudar. Achamos que não podemos mudar esses sentimentos perturbados
sem que as “causas” (pressões exteriores ou outras pessoas) mudem. Acusar nos permite
racionalizar a nossa raiva. Arranjamos desculpas para os nossos sentimentos de raiva, colocamos
a culpa nos outros e nos recusamos a mudar o nosso jeito.
Para alguns de nós, culpar outras pessoas ou situações pela nossa raiva nos fornece uma
desculpa para usar álcool ou drogas. Para outros, essa acusação constitui uma justificação para
a nossa raiva, e por isso não a largamos.
Contrariamente à crença comum sobre a raiva (de que os casos ou as situações é que
nos fazem ficar irritados) o que realmente nos faz sentir e pensar com raiva sobre as coisas que
nos acontecem. Aquilo que pensamos ou que contamos a nós mesmos sobre um acontecimento
é que nos faz sentir raiva, e não o acontecimento em si mesmo.
Normalmente, quando julgamos ou avaliamos qualquer coisa de forma negativa ficamos
perturbados. Se julgarmos ou avaliarmos uma coisa de forma menos negativa ou mais
positivamente, nos sentimos de forma geral, melhor.
Basicamente, não são os acontecimentos que nos perturbam, mas sim a nossa forma de
pensar sobre esses acontecimentos. Por outras palavras, sentimos como pensamos.
UM EXEMPLO
Uma mãe leva o filho de 1 ano para visitar uma amiga. A criança engatinha pelo chão
enquanto as duas mulheres conversam. Certa hora, a criança se estica até a mesinha onde estão
algumas revistas e então começa a jogar as mesmas no chão.
A mãe afasta a criança da mesa, coloca as revistas na mesa e continua a conversar com
a amiga. A criança volta a engatinhar até a mesinha, se estica, e começa de novo a jogar as
revistas no chão. A mãe observa a situação e pensa consigo mesma: “‐Ele não devia fazer isto...”
“Não devia ser tão irritante...” “Não devia interromper a minha conversa...” “Não devia me
aborrecer...” A mãe grita e bate na criança, e a criança a chorar.
A amiga também observou a criança jogando as revistas no chão e pensa com ela: “É
próprio de uma criança de 1 ano mexer nas coisas” “Teria sido melhor se eu tivesse preparado
a sala para poder receber uma criança antes de chegarem” “A criança precisa se distrair.” A
amiga diz então: “Vamos ver se encontramos outras atividades que interessam ao seu filho.”
Este exemplo demonstra como sentimos da forma como pensamos.
Com base na forma como encararam a situação, uma das mulheres ficou irritada e a
outra não. Aquilo que pensaram ou disseram a si próprias, a forma como avaliaram as
circunstância determinou o que sentiram.
Então, o que estamos dizendo realmente é que o nosso pensamento a respeito de uma
situação é que causa a nossa raiva, e não a situação em si. A maneira de pensar que provoca em
nós sentimentos de raiva tem a ver com a nossa necessidade de controle e a nossa exigência de
que tudo seja feito da nossa maneira. A sequência começa quando queremos que as coisas
corram segundo a nossa vontade, o que é um exemplo normal do egocentrismo que todos nós
temos. Quando esse desejo não se realiza e não conseguimos aquilo que queremos, podemos
ficar com raiva.
No entanto, o que acontece com a nossa raiva, é que a nossa forma de pensar muda ou
se desvia quando queremos que tudo seja exatamente do nosso jeito (tem que ser como eu
quero!). Quanto mais sentimos raiva, mais exigimos que as coisas sejam do nosso jeito, mas não
conseguimos.
EGOCENTRISMO: A necessidade de controlar “Conseguir o que quero”.
FLEXÍVEL RÍGIDO
Querer que as coisas corram como eu quero Exigir que as coisas corram como eu quero e
e não conseguir. Eu quero, desejo ou prefiro não conseguir. Devia ter, tenho que ter uma
uma coisa e não obtenho: consequência – coisa e não consigo: consequência – ira, ódio,
raiva (sentimento de perturbação normal). rancor (sentimentos de perturbação intensa).
CONSEQUÊNCIAS DA NOSSA RAIVA
As consequências da nossa raiva movida por ressentimentos ou crenças errôneas, serão
sempre tentando conseguir o que queremos sendo agressivos, verbal ou fisicamente (gritando,
berrando ou batendo). O que acontece com a nossa relação com os outros, se usarmos a raiva
para conseguir o que queremos? Como é que os outros nos veem? Evitam‐nos? Ignoram‐nos? E
como é que isto nos atinge sobre a aceitação que temos de nós próprios?
UM EXEMPLO:
É sábado de manhã e você faz questão de arrumar uma cadeira de madeira do pátio,
que se partiu. Desce até a sua oficina no porão, abre a porta e descobre que seu filho de dez
anos deixou todas as suas ferramentas espalhadas pelo porão. Observa a cena e pensa “O que
é que se passa com aquele rapaz?” “Ele deveria saber que não pode deixar as minhas jogadas
no chão”. “Ele tem que se lembrar do que eu disse sobre arrumar as coisas”. “Não devia ter feito
isso”. “As minhas ferramentas tem de ficar arrumadas como deve ser”. “Vai ver o que vai
acontecer quando chegar em casa”. Em consequência disto, você sente raiva. Procura então o
martelo e não consegue encontrá‐lo e pensa: ”Não devia perder meu tempo procurando o
martelo” e cada vez se sente mais furioso. Finalmente encontra o martelo e os pregos, e começa
a arrumar a cadeira. Com a irritação, acaba entortando um dos pregos e pensa novamente “Isto
não deveria acontecer” e fica cada vez mais furioso. Ao tentar endireitar o prego, bate com o
martelo em seu polegar e grita “Não posso aguentar isto!” Enche‐se então de raiva (fica irado e
irritado) e joga o martelo longe, que acaba batendo no banco que estava contra a janela,
quebrando o banco e a janela. Arrasta‐se pesadamente pelas escadas. Tendo por costume usar
álcool ou drogas para aliviar a sua raiva, pode ser que se dirija para uma destas saídas. Abre a
geladeira, pega uma cerveja e vai para a sala beber enquanto assiste Palmeiras x Corinthians na
TV, pelo resto da tarde. Depois se torna implicante e critica os outros membros da família até o
fim do dia. Ou, se não for dependente químico, pode talvez subir as escadas, sentar‐se numa
cadeira cozinhando a sua irritação até que seu filho de dez anos chegue em casa. Então grita
com ele dizendo‐lhe que é “um irresponsável, que não presta para nada, e que não pode confiar
nele para nada”. Depois, o manda para o quarto e o deixa de castigo por todo o fim de semana.
Nesse exemplo, foram as exigências do pai de que o filho não devia ter deixado as suas
ferramentas jogadas pelo chão e que deveria fazer as coisas do seu jeito e isso acabou o
irritando. Se ele tivesse alterado as suas exigências para as preferências, não teria ficado como
raiva. O diálogo interior poderia ter sido estruturado dessa forma:
“Teria sido melhor se ele tivesse arrumado as ferramentas quando acabou.”
“Era melhor se ele deixasse as coisas arrumadas como eu deixo.”
Com estas preferências mais realistas, o pai poderia então ter conversado com o filho a respeito
do assunto, e explicado sobre as vantagens da ordem e do respeito pelas coisas dos outros. Há
outro aspecto a considerar no desenrolar dos sentimentos de raiva. Quando ficamos com raiva
por causa daquilo que pensamos, essa raiva pode distorcer os nossos pensamentos ou
percepções sobre a situação, tal como se víssemos as coisas através de “óculos da raiva”. É difícil
observar uma situação positivamente ou com realismo quando estamos com raiva, é provável
que agir segundo estas percepções distorcidas, torne a situação ainda pior ou agrave perante as
suas consequências negativas. A maior parte de nós poderá recordar situações em que a raiva
nos impediu de observarmos e compreendermos claramente o que se estava a passar.
APRENDER A CONTROLAR NOSSA RAIVA
Como poderemos então controlar os nossos sentimentos de raiva? Se for a nossa maneia irada
de pensar que causa a nossa raiva, terá de trabalhar para modificar ou substituir os nossos
pensamentos irados de forma a reduzirmos ou controlarmos essa raiva. Podemos alternar as
exigências que estão na base dos nossos pensamentos irados (não deveria discordar de mim, eu
não devia cometer erros, tem de ser pontual) e nos esforçarmos para deixar de controlar tudo
ao nosso redor. Isto poderá parecer simples e evidente, mas como é que se aprende a modificar
a nossa forma irada de pensar? Para começar, podemos fazer um “inventário pessoal”. Fazer
um inventário pessoal sobre a nossa raiva, nos ajuda a desenvolver uma maior consciência e
compreensão quanto a sua origem, quanto às suas consequências de ficarmos amarrados a
essas situações e quanto ao que nossos sentimentos e a tomar consciência da nossa necessidade
de controle. Pode usar o esquema “ABC” para ajudar a compreender a “anatomia” da raiva.
A = Situação
O problema que nos desperta certos sentimentos que perturbam ou enraivecem.
B = Convicções
O que pensa ou o que diz a si mesmo (as suas exigências) a respeito da situação.
C = Sentimentos e ações
Como se sente (perturbado ou enraivecido) a propósito da situação por causa do que pensa, e
como se comporta ou atua por causa do que sente: as consequências derrotistas ou dolorosas.
UM EXEMPLO
A = Situação
Vou para a cozinha esperando que o meu almoço esteja pronto, antes de ir trabalhar. Encontro
minha mulher ajudando nossa filha com os deveres da escola. Sendo assim, meu almoço ainda
não está pronto.
B = Convicções
Acho que minha mulher poderia ter feito meu almoço e que minha filha deveria fazer os deveres
da escola sozinha.
C = Sentimentos e ações
Sinto‐me cheio de raiva. Grito com ela. Digo que meu trabalho é mais importante do que os
deveres da escola de uma criança e saio violentamente de casa. Chego ao trabalho muito
irritado.
Se eu tivesse analisado essa situação de forma objetiva ou realista, teria compreendido que a
minha mulher já tinha feito uma opção ao ajudar a nossa filha nos deveres da escola. As coisas
do meu jeito apenas refletiam as minhas exigências egocêntricas, e geraram a raiva que tive em
casa e levei comigo ao trabalho.
FAZER UM “DIÁRIO DE BORDO”
Como parte do processo de aprendizagem para fazer um inventário pessoal sobre a sua raiva, é
muito útil fazer um “diário de bordo”. Para começar, tome nota de acontecimentos ou situações
passadas ou recentes em que sentiu raiva. Ao descrever essa experiência, use o esquema "ABC”.
A B C
Situação Convicções Sentimentos e ações
Depois de ter alguma prática na descrição de manifestações da sua raiva, passadas ou recentes,
pode considerar útil trazer consigo um pequeno bloco para fazer um registro diário das suas
manifestações de raiva. Ao longo do dia, pode usar o esquema “ABC” para tomar nota de
exemplos dos seus sentimentos de raiva. Fazer um diário, o ajuda a desenvolver uma maior
consciência da sua raiva, das causas e consequências. Fazer um diário o ajuda também a ter
contato com os seus sentimentos.
USAR O PROCESSO “ABC” – ABRANDAR A “FERRADURA”
A primeira parte do processo ABC para o controle dos sentimentos de raiva pode ser
comparado à analogia entre a chaleira e a raiva. Podemos imaginar a nossa raiva como sendo a
água dentro de uma chaleira sobre o fogão. Se a água continuar a aquecer, sairá pela chaleira
em forma de vapor.
Com a nossa raiva acontece o mesmo (quanto mais sentimos raiva, mais provável que
ela se exteriorize abertamente). Algumas pessoas acreditam que a melhor forma de lidar com a
raiva é ficarem aliviadas, será como a chaleira.
No entanto, se apagar o fogo debaixo da chaleira não terá o jato de vapor. Aquilo que o
processo ABO nos mostra é que se “diminuirmos a chama” dos pensamentos irados que estão
“fervendo” da nossa raiva, não haverá necessidade de expelir essa raiva. Mantendo‐nos alerta
para detectar os primeiros sinais de raiva e nos dirigindo uma mensagem de auto ajuda, não
ficaremos tão “enfurecidos” que tenhamos que “despejar o vapor”.
USAR O D – PÔR EM QUESTÃO A NOSSA FORMA DE PENSAR
O passo seguinte na aprendizagem do controle da raiva consiste em acrescentar um D
ao esquema ABC, a fim de provocar uma mudança. É aqui que começamos a modificar os nossos
sentimentos de raiva ao questionarmos os nossos pensamentos irados (as nossas exigências).
Praticando o inventário pessoal ABC aprendemos a identificar os pensamentos perturbados,
exigentes e negativos que nos fazem sentir raiva. Em seguida, vamos por os seguintes tipos de
questões: Quem disse isso? Por quê? Que provas eu tenho? Haverá outra forma que me possa
ser mais útil na análise da situação? Por fim, respondemos as nossas perguntas... Voltemos
agora ao exemplo da condução previamente citado, e o colocamos em formato ABC.
UM EXEMPLO
A = Situação
Estou seguindo em uma estrada atrás de um carro que vai a 50Km tendo a estrada o
limite de 80Km e estou atrasado para um compromisso.
B = Convicções
Esta pessoa devia dirigir de acordo com o limite de velocidade. Não devia me atrasar.
Tenho que chegar a tempo para o meu compromisso.
C = Sentimento
Raiva.
D = Discussão
Quem é que disse que ele devia andar a 80Km? (fui eu). Porque ele não pode ir à minha
frente? Não há razão para que eu tenha sempre de fazer a minha vontade. Porque eu deveria
chegar na hora certa? Não vai ser nenhuma desgraça se eu chegar atrasado; iriam me
compreender. Deixe de controlar tudo a sua maneira. Talvez a pessoa esteja dirigindo o mais
rápido que é capaz. Era melhor eu esperar e ultrapassar quando seguro.
No passo D do esquema ABC, iniciamos o processo de enviar a nós mesmos algumas
mensagens novas para afastarem ou tomarem o lugar dos nossos pensamentos egocêntricos e
exigentes. Este “gênero” de mensagens novas que nos dirigimos e que nos prestam auxílio são
mais realistas e menos perturbados, e podem nos ajudar a reduzir a nossa necessidade de
controle.
RESOLVER OS PROBLEMAS – ACRESCENTAR E, F e G
Usar o esquema ABC como inventário pessoal nos ajuda a ter uma visão mais clara dos
fatores que contribuem para sentirmos raiva e saber como começar o processo de mudança.
Compreender isto nos leva a seguir os passos (E, F e G) do esquema ABC. Mantendo um
simples diário sobre a nossa raiva, podemos desenvolver uma maior consciência a seu respeito
e a respeito das suas consequências. Podemos então começar a modificar a nossa forma de
pensar irada e exigente, nos fazendo perguntas que ajudem a reduzir a raiva que sentimos.
Descobriremos que determinadas situações provavelmente nos perturbarão ou enraivecerão
menos, se colocarmos em questão a nossa forma de pensar.
Quando estivermos menos perturbados, poderemos analisar o problema claramente e
decidir como fazer para que a situação se desenrole, criando objetivos realistas para nós
mesmos (E). Podemos nos perguntar: “O que eu posso mudar nesta situação e o que eu tenho
que aceitar?” Isto se aplica na Oração da Serenidade: “Concedei‐me Senhor a serenidade
necessária, para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que
eu posso e sabedoria para distinguir uma das outras.”
Tendo decidido aquilo que quer que aconteça, pode perguntar a si mesmo: O que eu
posso fazer de útil para obter aquilo que quero? Como consequência começa a perceber quais
são as opções construtivas (F) para alcançar os seus objetivos. Seleciona então uma opção e põe
ela em prática (G).
A = Situação
A situação problemática que está causando alguns sentimentos que o perturbam ou
enraivecem.
B = Convicções
O que pensa a respeito da situação ou o que diz dela a si mesmo (as suas exigências).
C = Sentimentos e Ações
O que sente (perturbação ou raiva) a respeito da situação por causa do que pensa, e
como age por causa do que sente (as consequências derrotistas ou dolorosas).
D = Discussão
Questionar e desafiar os pensamentos que o perturbam ou enraivecem as suas
exigências. Quem disse isso? Por quê? Haverá uma maneira mais eficaz de encarar a situação?
E = Objetivos realistas
Novos objetivos realistas em relação a situação. O que gostaria de ver acontecer? O que
quer?
F = Opções construtivas
O que poderá fazer de útil para obter o que deseja?
G = Coloque a sua opção em prática
Selecione uma opção e a coloque em prática. Ação construtiva!
UM EXEMPLO:
A = Situação
Fim de tarde. Você está na cozinha seguindo com todo o cuidado uma complicada
receita de bolo e pesando os ingredientes. De repente, os seus filhos entram na cozinha
correndo, gritando e pedindo bolachas. Eles se esticam por cima da bancada para chegar à lata
de bolachas; fazendo isso derrubam a tigela com os ingredientes que você estava pesando.
B = Convicções
Pensa consigo mesmo: “O que essas crianças têm?” “Não são capazes de ver que estou
ocupado e não posso ser interrompido?” “Não deviam entrar correndo desta maneira.” “Deviam
ter mais consideração por mim.” “Não suporto que me interrompam assim.”
C = Sentimentos e Ações
Se sente cheio de raiva. Grita com os seus filhos. Os chama de “egoístas e estourados”.
Não os deixa comer. Manda‐os para o quarto e diz a eles que não poderiam sair de lá antes que
os chame.
D = Discussão
Começa a questionar as suas exigências: Quem é que disse que eu não poderia ser
interrompido? Fui eu quem disse. As interrupções acontecem. Se eu tivesse olhado para o
relógio tinha visto que as crianças estavam chegando Por que é que não iriam correndo para
cozinha comer? Eu sei que o dia de escola é muito comprido para elas e que esperam lanchar
quando chegam a casa. Seria melhor se mostrassem mais consideração pelas minhas
necessidades, mas eu também tenho de mostrar consideração pelas necessidades delas. Era
melhor se não me interrompessem quando estou na cozinha, mas posso aguentar as
interrupções! Se sente agora desapontado e frustrado, mas não com raiva.
E = Objetivos realistas
No futuro, gostaria de poder acabar de cozinhar sem ser interrompido, mas gostaria
também de evitar ter discussões com os meus filhos quando chegam da escola.
F = Opções construtivas
Podia preparar a comida para uma ocasião em que as probabilidades de ser
interrompido fossem menores. Quando for possível, planejarei o trabalho de forma que esteja
pronto quando os meus filhos chegarem a casa. Terei alguma coisa preparada para comerem
quando chegarem.
G = Colocar as opções em prática
A próxima vez que fizer um bolo, o farei de manhã, depois do almoço talvez. Durante
esta semana, pelo menos três tardes, deixarei em lanche para quando as crianças chegarem.
Também deixarei em tempo livre para quando as crianças voltam da escola e mostrar interesse
pelas atividades que tiveram durante o dia.
Controlar a raiva que sente através do processo ABC, você terá que praticar muito até
conseguir alguns resultados. É por isso que muitos de nós nos tornamos “especialistas” em ficar
com raiva. A raiva se torna a forma habitual de lidar com situações problemáticas, quando as
coisas não acontecem como gostaríamos. O que isto significa, é que iria precisar de muita prática
para aprender a controlar a raiva através do processo ABC, e “desaprender” os seus velhos
hábitos.
MAIS SOBRE O PROCESSO ABC
Pode usar o processo ABC quando começar a sentir raiva. Começa treinando a perceber
os sinais iniciais dos seus sentimentos de raiva, e os utiliza como sinais de “STOP”. Foca‐se ao
entrar em contato com os seus sentimentos de raiva no momento exato em que começar a se
sentir perturbado. É mais fácil fazer qualquer coisa para controlar e transformar esses
sentimentos de frustração e desapontamento, quando está começando a se sentir perturbado,
do que quando já está furioso ou com um acesso de fúria.
Controlar os nossos sentimentos é como controlar um carro. É mais fácil controlar a
velocidade de um carro que vai a 20Km por hora do que daquele que vai a 80Km. Da mesma
forma, é mais fácil acalmar os nossos sentimentos antes que eles comecem realmente a se
tornar incontroláveis.
O que isto significa é que cada um de nós tem de desenvolver uma maior consciência
dos sinais ou indicações da nossa raiva, igual como cerramos os dentes e passamos mal do
estômago. As formas como cada um exterioriza a sua raiva são diferentes. Uma das primeiras
tarefas para aprendermos a controlar a raiva é aprendermos a identificar as suas manifestações
de forma que podemos usar como avisos para pararmos. Então, enviando mensagens mais
realistas, podemos nos sentir frustrados e desapontados com o comportamento das pessoas,
mas não teremos raiva nem jogaremos pragas nelas.
USAR MENSAGENS ÚTEIS
O passo seguinte no processo ABC consiste em utilizar estas pistas como sinal inicial para
sua raiva, para poder controlar este sentimento. Para fazer isto, poderá enviar uma mensagem
eficaz, que se oponham as habituais mensagens, exigentes e prejudiciais, que provocam os
sentimentos de raiva.
Uma mensagem que poderá achar particularmente eficaz é: “Devagar se vai ao longe,
não se irrite”.
De início poderá achar necessário endereçar mensagens mais longas a fim de suspender
as velhas mensagens, negativas e exigentes. Provavelmente praticou tanto a forma de pensar
com raiva que poderá ser necessário, a princípio, conversar mais consigo mesmo para conseguir
“largar” ou modificar essa forma de pensar.
Mensagens suplementares que ajudarão a melhorar a situação são aquelas que o
colocam em contato com o seu egocentrismo e necessidade de controle. Pare de ser tão
exigente. Por que é que tem que ser sempre como eu quero? Por que é que os outros não fazem
o que eu quero? Continuará a sentir alguma perturbação (querer usar a TRE não faz calar os seus
sentimentos), mas vai se sentir frustrado ao invés de sentir raiva.
Inicialmente, aprender a controlar os seus sentimentos poderá ser difícil em relação a
certas situações que o perturbaram no passado igual aqueles que envolveram problemas com o
seu parceiro (a), os seus filhos ou no seu trabalho.
Devido aos seus sentimentos de raiva, geralmente intensos no decorrer das situações,
terá que recorrer a um pequeno intervalo. Afastar‐se da situação para que isso o ajude a alterar
esse sentimento. Como parte desse intervalo, pode praticar exercícios de respiração profunda
para ajudar a descontrair ou pode querer utilizar a técnica da imagem. Poderá por exemplo,
imaginar que está num local onde se sinta em paz e com tranquilidade. A descontração e a
técnica da imagem podem ajudar a aprender a reduzir a sua agitação em situações associadas à
raiva intensa.
RESUMINDO
Depois de termos reduzido ou modificado os nossos sentimentos de raiva aplicando a
primeira parte do processo ABC, estamos agora em melhor posição para observar a situação de
forma mais realista do que através dos óculos da raiva. Podemos reavaliar ou redefinir a
situação. O que se passa realmente nessa situação? O passo seguinte dentro do processo ABC
será fazermos a nós mesmos a grande pergunta: “O que posso fazer de eficaz nessas
circunstâncias?”
É aqui que a Oração da Serenidade pode ser aplicada como um guia que nos auxilia:
“Terei eu nessa situação que me esforçar para aceitar?” “Será o comportamento das outras
pessoas?” “O que eu poderei fazer para modificar esta situação?” “Geralmente é só o meu
comportamento.” Decidi o que poderia fazer de útil, em seguida terei que analisar as opções
construtivas que irei escolher para realizar os objetivos da Oração da Serenidade. Finalmente
fazer uma opção e coloca‐la em prática.
CONTROLAR A NOSSA RAIVA – SETE BREVES PASSOS
Exige tempo e prática para aprender esse processo ABC de controle dos seus
sentimentos de raiva, ao mesmo tempo em que “desaprende” os seus velhos comportamentos
irados. A princípio irá achar que é útil trazer junto com você uma breve descrição do processo,
como aquela que se segue. Com o tempo, aprenderá por intuição a ir de um passo para outro.
Comece pelos sentimentos que o perturbam. Os identifique. Use‐os como sinais de
“STOP”. Os sentimentos que o perturbam são sinais de que está dizendo a si coisas
perturbadoras. Você poderá se tornar um melhor observador dos seus sentimentos. Isto
equivale a entrar em contato com os seus sentimentos.
Neutralize os sentimentos que o perturbam endereçando a eles uma mensagem
positiva. Coloque uma trava nos seus sentimentos. Diga para si mesmo: “Acalme‐se, simplifique.
Não fique tão nervoso.”
Identifique os pensamentos irritantes dentro da situação que estão te provocando raiva.
O que você está exigindo? O que é que está tentando controlar? Examine os pensamentos que
o perturbam. Pergunte a si mesmo: “Por que é que tem que ser como eu quero? Por que é que
o outro tem que fazer o que eu quero?” E depois responda as perguntas.
Torne a situação clara para si próprio. Pergunte‐se: “O que realmente me deixa com
raiva? Em que consistem os fatos e quais são as minhas opiniões sobre eles? Haverá uma forma
mais eficaz de encarar a situação? Pode então ficar desapontado com a situação, mas não com
raiva contra as pessoas que a criaram.
Em seguida, estabeleça para si objetivos mais realistas em relação às circunstâncias que
levantaram o problema. Pergunte a si próprio. O que posso fazer que seja eficaz a respeito desta
situação? Seja específico e concreto. Aplique a Oração da Serenidade. O que posso mudar (o
meu comportamento) e o que terei de aceitar (o comportamento dos outros) nesta situação?
Faça uma lista das opções construtivas por meio das quais pode alcançar os seus
objetivos. Pergunte‐se: “Que ações construtivas pode empreender para atingir os meus
objetivos?” Escolha uma opção construtiva para alcançar o seu objetivo e atue de acordo com
ela. O resultado final do processo ABC é uma ação positiva da sua parte.
UM EXEMPLO
A situação consiste numa conversa com a minha mulher sobre as nossas finanças.
Começamos na discordar e, depois, começamos a discutir.
Começo a detectar os primeiros sinais de raiva: estou a serrar os dentes.
Digo a mim mesmo,: “Acalme‐se, não complique. Não fique tão zangado.”
Depois digo‐me: “O que estou pensando? Ela não devia perguntar quanto é que eu
ganho. Ela não devia brigar por causa das contas. Trabalho muito – devia poder gastar o dinheiro
como bem entendesse. Ela não devia estar sempre contestando a forma como eu gasto o meu
dinheiro. Tendo identificado alguns dos pensamentos que me perturbam, começo então a
analisá‐los: Por que é que ela não se preocuparia com o dinheiro? É ela quem paga as contas.
Ela também trabalha e traz dinheiro para casa. Por que é que eu teria que gastar dinheiro só
comigo mesmo? O restante da família também quer coisas. Pare de exigir que ela faça tudo
como você quer. Pare de tentar controla‐la.
Não gosto de algumas idéias da minha mulher, nem do seu tom de voz, mas estando
mais calmo, consigo reexaminar a situação. Parece‐me que temos mesmo alguns problemas
com as nossas finanças. As contas parecem realmente estar aumentando. A minha mulher tem,
de fato, algumas preocupações legítimas com as nossas finanças. Temos ambos, as
responsabilidades neste ponto.
Pergunto então a mim mesmo: “Perante esta situação o que é que eu posso fazer que
seja eficaz? O que posso mudar para que nos tornemos mais capazes de governar as nossas
finanças de uma forma agradável para ambos?”
Faço uma lista de algumas opções que tenho:
‐ Combinar uma ocasião habitual durante a semana para falar sobre as nossas finanças.
‐ Estabelecer em conjunto algumas prioridades na forma de gastar o dinheiro.
‐ Combinar um novo orçamento familiar com a minha mulher.
‐ Rever regularmente esse orçamento e modificá‐lo quando necessário.
Para começar, a minha mulher e eu acordamos numa ocasião regular todas as semanas.,
quando não estivermos cansados e não for provável sermos incomodados, para discutir os
problemas do nosso orçamento.
USAR UM INVENTÁRIO PESSOAL PARA BATER OS RESULTADOS POSITIVOS
Controlar os sentimentos de raiva através do esquema ABC pode ser considerado como
um inventário pessoal. No início, este inventário pessoal exigirá de si muito tempo e esforço.
Começa com a utilização de um diário a fim de desenvolver uma maior conscientização das suas
causas e consequências.
A partir deste diário, poderá aprender a identificar os sentimentos que o perturbam e
estão na base da sua raiva.
Pode então prosseguir, praticando o processo ABC como meio de modificar os seus
sentimentos de raiva ao modificar também a sua forma irada de pensar.
Segue‐se a resolução dos problemas que fazem parte daquelas situações difíceis que o
perturbam.
Com a prática continuada deste processo, chegará muito provavelmente à conclusão de
que os seus esforços estão gradualmente a ser recompensados. Será mais capaz de controlar ou
de modificar a sua raiva do que a sua raiva de controlar a si.
Com a prática continuada do controle dos seus sentimentos de raiva pelo processo ABC,
poderá eventualmente, reduzi‐lo a um esquema mais simples de quatro passos.
Use os primeiros sinais de raiva como sinais de STOP.
Diga a si mesmo, acalme‐se, simplifique. Não se zangue.
Pergunte‐se: O que poderei fazer nestas circunstâncias, que seja útil?
Depois atue de acordo com as suas opções construtivas.
O processo ABC pode ser instrumento muito útil no processo de recuperação de
problemas emocionais ou de problemas relacionados com o abuso do álcool ou outras drogas.
O processo representa uma forma valiosa de enfrentar a perturbação emotiva que se encontra
muitas vezes associada aos problemas ligados ao abuso do álcool e outras drogas ou com
problemas emocionais. Se não aprender a lidar construtivamente com as perturbações
emocionais, poderá estar em risco de uma recaída, já que as situações que envolvem problemas
fazem parte inevitável da vida.
O processo ABC nos proporciona, pelo fato de não termos as nossas percepções
obscurecidas pela desordem das emoções, uma maneira diferente de ver as coisas. O nosso
sentimento a respeito das coisas modifica‐se à medida que a nossa maneira de pensar a respeito
delas se modifica – Sentimos como pensamos!
O QUE É ESPIRITUALIDADE?
Em relação aos Alcoólicos Anônimos ouvimos com frequência que “o nosso programa é
um programa espiritual”. Mas o que significa “espiritual”?
Será uma palavra que se refere só a Deus, ou talvez a religião ou tenha um significado
mais abrangente?
Muitas pessoas, ao se darem conta de que o Programa de Recuperação dos 12 Passos
dos Alcoólicos Anônimos é um programa espiritual desanimam. Interrogam‐se: “Será que tenho
que me tornar religioso para poder me recuperar?” Este capítulo destina‐se a ajudar as pessoas
em recuperação a compreenderem o que significa a palavra “espiritual” e “espiritualidade”.
Também se destina a ajudar os leitores a verem que a “espiritualidade” já faz parte das nossas
vidas sem nos darmos conta disso.
No programa dos 12 Passos de AA a palavra “espiritual” aparece ligada à palavra
“despertar”. Isto é o que acontece depois de termos feito o nosso caminho ao longo de todos
os passos tivemos um despertar espiritual, o primeiro problema que aparece no Primeiro Passo:
“Admitimos que somos impotentes perante nossa adicção e que tínhamos perdido o domínio
sobre nossas vidas”.
Apesar de a primeira vista não parecer uma constatação de um problema espiritual, mas
é na realidade!
Para podermos ver isso claramente, precisamos começar a desenvolver uma definição
de espiritualidade com a qual trabalhar. Uma das maneiras de definí‐la é constatando todas as
áreas de vida as quais a espiritualidade se liga, assim espiritualidade é: A qualidade do nosso
relacionamento com quem quer que seja de mais importante na nossa vida.
Esta simples definição pode nos ajudar a perceber como a espiritualidade faz parte da
vida de qualquer pessoa. Consideramos o seguinte raciocínio. Todos nós temos pessoas ou
coisas que são importantes para nós. Uma vez que temos estas relações importantes para
nossas vidas alguma deve ser “a mais importante”. Que este “algo” seja maneira, ou pessoa ou
grupo de pessoas, tem que existir alguma coisa que seja prioritária na nossa vida. O “quem”
quer que seja ou o que quer que seja “mais importante” define o principal foco da nossa
espiritualidade.
Podemos dizer que a espiritualidade faz parte da condição humana. Assim como todos
nós temos um lado físico e um lado emocional também temos um lado espiritual.
Reconhecemos que somos pessoas com um lado espiritual. Abre‐nos a possibilidade de
descobrirmos o quanto este lado da nossa vida nos afeta. É um erro pensarmos que não temos
um lado espiritual se não acreditarmos em Deus. Deus é apenas um dos muitos focos espirituais
possíveis. Podemos vir a descobrir na nossa vida alguns focos e efeitos espirituais muito
surpreendentes, se tivermos a coragem de explorar essa parte do nosso ser.
Uma vez que está relacionada com que (ou quem) é importante para nós; a
espiritualidade está intimamente ligada a valores, prioridades, objetivos e preocupações. Tem a
ver com o que quer que seja que está no centro da nossa vida. Gastamos muito do nosso tempo,
energia, pensamentos e nos entregamos ao nosso foco ou centro espiritual, porque a
espiritualidade tem a ver com relações que estão intimamente ligadas a coisas como amor,
confiança e compromisso. Um resultado espiritual pode ser qualquer coisa que toque a nossa
relação com os outros mais ou menos amorosos e desvelados.
Como se disse: há muitos focos espirituais possíveis. O foco da nossa espiritualidade
podia ser o álcool ou outros químicos. Quando o álcool é o foco da nossa espiritualidade tem
tendência para descrever o alcoolismo como uma doença espiritual. O alcoolismo pode ser
descrito como uma expressão destrutiva da espiritualidade. Assim, uma maneira de descrever o
problema do alcoólico, será dizer, “o álcool tornou‐se demasiado importante”. Demasiado
tempo e energia são absorvidos para beber. A relação tornou‐se um fardo tremendamente
destrutivo. Esta qualidade destrutiva cresce, e à medida que cresce, destrói o alcoólico.
O alcoolismo é descrito como uma doença progressiva. Nos termos da definição da
espiritualidade isto implica que o álcool se torna mais importante à medida que a doença
progride, e este crescimento tem muitas repercussões. Na nossa definição de espiritualidade,
quando alguma coisa aumenta na sua importância, as outras coisas têm necessariamente que
diminuir e ficar para trás. À medida que o álcool se torna mais importante, a nossa família, por
exemplo, é necessariamente negligenciada por causa desta nova e poderosa relação. A família
é apenas uma das muitas relações que é afetada pela importância crescente do álcool.
O trabalho será afetado. Ao invés de se devotar com energia e tempo inteiro ao trabalho,
o alcoolismo é capaz de viver ou utilizar outras drogas durante o trabalho. Talvez, o fato de beber
na noite anterior comece por afetar a sua capacidade de ser pontual e estar desperto durante o
trabalho. Se o alcoólico for estudante, as festas, beber ou usar outras drogas, ou até vendê‐las
para ser financeiramente possível continuar a usá‐las. Estas são apenas algumas das áreas da
vida afetadas, à medida que o álcool se torna cada vez mais importante. À medida que o
alcoolismo se torna crônico, cada vez mais relações de toda a espécie serão alteradas na vida do
alcoólico. Sabemos que se a doença progride sem ser reconhecida, causará eventualmente
enormes perdas em todas as áreas da vida e até a perda da própria vida.
Os membros da família do alcoólico podem facilmente se tornar vítimas de uma
mudança da sua própria espiritualidade. Os valores, os objetivos e as relações dos membros da
família são fatalmente afetados à medida que a doença do alcoolismo progride. À medida que
o alcoólico se torna menos responsável, os membros da família podem focar cada vez mais
energia na tentativa de o “endireitar” e fazer funcionar melhor. A sua mulher pode despejar as
garrafas na tentativa de parar o excesso de bebida; os pais podem de um momento para o outro
começar a discutir com a filha adolescente numa tentativa para que pare de usar; um adicto
numa família perturba o equilíbrio familiar. Encontrar uma solução para este problema pode
levar a uma grande perda de tempo e energia. À medida que os membros da família começam
a se preocupar com o adicto, há outros aspectos das suas vidas que começam a sofrer com isso.
Tentar lidar com o comportamento do adicto pode desviar a família de uma vida normal. A coisa
mais importante na vida da família de um adicto pode tornar‐se uma tentativa desesperada de
controlar seu uso e comportamentos decorrentes disso. Essa preocupação em “endireitar” e
controlar o adicto pode transformar‐se num doloroso foco espiritual. Uma organização de apoio
como os Programas de Familiares (Al‐anon e Nar‐anon) pode ser necessária para ajudar os
membros da família a recuperar o equilíbrio e a serenidade.
A palavra espiritualidade tem na sua raiz a palavra “espírito”. Outra maneira de pensar
em espiritualidade é nos perguntar onde se foca o espírito de cada um. “Espírito”, neste sentido,
não fará nenhuma diferença, se o considerarmos como, por exemplo, o espírito de equipe num
jogo de futebol. Um grupo de jogadores e expectadores poderá estar muito entusiasmado com
a vitória de um jogo. Um craque pode incitar de modo a criar mais entusiasmo e espírito no
grupo. O foco espiritual é energicamente dirigido para “ganhar o grande jogo”. Em outras áreas
da espiritualidade encontramos espírito e entusiasmo como sendo o reflexo exato onde se
centra a espiritualidade dessa pessoa. As coisas que na vida nos fazem brilhar os olhos e mexer
por dentro estão intimamente ligadas à espiritualidade. Espiritualidade tem a ver com as coisas
que são os grandes “amores” da nossa vida. Descobriremos que o nosso coração está
fortemente ligado às áreas espirituais da vida.
O espírito e entusiasmo pela bebida é, as vezes, óbvio na vida de um alcoólico. O
alcoolismo, quando começa, pode ser como um namoro. Para um alcoólico talvez nada se
compare ao ato de beber às escondidas ou do adicto a usar. Pode ter passado a última hora de
aula desejando ansiosamente a oportunidade de beber. Para outros alcoólicos esta relação pode
ir crescendo muito lenta e gradualmente até que, só anos depois possa dar conta desta
necessidade permanente de beber. O entusiasmo e espírito persistem muitas vezes mesmo
quando, o relacionamento com o álcool se tornou destrutivo e a energia e o entusiasmo da
pessoa em outras áreas da vida foram seriamente afetadas. No meu próprio trabalho com
pessoas em recuperação lembro‐me de inúmeros indivíduos dizendo, “Beber tornou‐se a coisa
mais importante da minha vida e isso aconteceu de tal maneira que nem me percebi. Chegou
ao ponto de já não me dar nenhum prazer, apenas me ajudar a sentir bem neste momento, mas
tinha que beber”. É este o ponto difícil em que uma pessoa está na verdade “agarrada” à bebida,
mesmo, quando ele ou ela possam dar‐se conta que beber já não funciona da mesma maneira.
Contudo, está agarrada pela impotência, dependente da própria causa da sua destruição.
Mas, como é que começam a se desenvolver essas relações espirituais destrutivas tão
poderosas? Como é que alguém pode se envolver numa relação como a acima descrita, que
pode levar à morte, suicídio ou à loucura se não tiver ajuda?
As relações espirituais evoluem da maneira como uma pessoa vive a vida e como ela
consegue lidar com as situações da sua própria vida. A nossa espiritualidade pode ter um foco
consideravelmente diferente se tivermos tido um conjunto variado de experiências de vida. Ter
o álcool e a droga como foco espiritual destrutivo na nossa vida, é o resultado da nossa
experiência com o álcool e da capacidade com que ele tem de ir ao encontro de algumas das
necessidades básicas humanas. Nem todas as pessoas reagem ao álcool e à droga da mesma
maneira, e por isso nem todos desenvolvem o mesmo tipo de relação com ele. Quando uma
pessoa começa a ligar‐se ao álcool pode ser por aquilo que ele ou ela viram ou ouviram da
experiência dos outros. Os amigos podem nos ter encorajado a beber. Eventualmente existe o
momento em que a pessoa bebe pela primeira vez e essa foi a sua primeira experiência com o
álcool. Dependendo dessa primeira experiência uma pessoa pode desenvolver um padrão de
abuso do álcool e drogas, ou beber moderadamente com pouco entusiasmo. Se a experiência
for muito negativa a pessoa pode nunca mais tornar a beber; se o interesse da pessoa pelo álcool
aumenta é porque efetivamente, ele vai ao encontro de alguma necessidade. O famoso
psicólogo Carl Jung descreveu uma vez o alcoolismo do fundador dos AA, Bill W., como uma
“doença espiritual que tem na sua base o impulso para plenitude...” Sentir‐se meio e completo
é uma necessidade humana básica.
A maneira como o álcool vai ao encontro da nossa necessidade de nos sentirmos
satisfeitos não é difícil de compreender. Se uma pessoa é naturalmente acanhada o álcool pode
ajuda‐la a tornar‐se mais ousada e desinibida. Se uma pessoa está cheia de raiva e
ressentimentos, o álcool pode ajuda‐la a acalmar‐se e encontrar alguma paz. Se uma pessoa está
sem alento, deprimida, pode ir a um bar e “esquecer de tudo”. Uma pessoa pode beber porque
gosta da imagem de quem bebe ou usa. À medida que a doença da adicção progride beber ou
usar torna‐se necessário para que se possa viver e sentir “normal”. Todos estes
comportamentos são uma tentativa para encontrar ou manter a “plenitude”.
Outra necessidade básica humana é o relacionamento com os outros. Beber é uma
atividade social. O álcool e outras drogas tendem a juntar pessoas. Olhando para trás podemos
ver os amigos apenas como “amigos do uso” ou “amigo dos copos”, mas pelo menos havia uma
espécie de “estarmos juntos”, de camaradagem. Beber era uma maneira de ter um contato
pessoal e “passar um bom bocado” ao fazê‐lo.
O álcool e as drogas enganam as pessoas porque, até certo ponto, vão de encontro de
necessidades humanas. Mas em longo prazo não o fazem da melhor maneira para o adicto. A
busca espiritual que acaba na adicção pode ter começado por um simples desejo de ser feliz.
Talvez ajude a entender a adicção como uma tentativa legítima de ser saudável e feliz. Ajuda‐
nos a evitar alguns julgamentos e críticas que possamos ter à tentação de usar contra nós ou
outros adictos em recuperação.
Um olhar mais atento para algumas das palavras que são usadas para espiritualidade
podem ajudar a aprofundar a compreensão desta palavra. Definir espiritualidade como qualquer
coisa que tem a ver com o mais importante na nossa vida. Se alguma coisa é importante para
nós isso significa que lhe damos valor e importância. O processo de dar valor a qualquer coisa
chama‐se valorização ou veneração. Quando veneramos alguma coisa estamos a falar de uma
relação com o objetivo da adoração, do tipo da que temos com Deus. Por vezes no programa
podemos ouvir alguém dizer “o álcool e as drogas tinham‐se tornado meu deus”. Muitas vezes
isto é uma constatação exata mesmo que nunca tenhamos pensado assim nesta relação. À
medida que a doença do alcoolismo progride, podemos dizer que a relação com um deus que
esquece o indivíduo. Esta relação já não é a solução perfeita porque já não vai de encontro às
necessidades da pessoa.
Mesmo que insistamos que não queremos uma relação com Deus (com um D grande),
assim como é impossível evitar a espiritualidade como um fato na nossa vida, também é
impossível evitar relacionamentos do tipo do que se tem com (um) deus. Quer os reconhecemos
claramente ou não, eles fazem parte da nossa vida. Afetam‐nos.
Uma relação do tipo da que se tem com deus, tem uma relação interessante com a
palavra “entusiasmo”, palavra essa que está ligada a espiritualidade. A palavra “entusiasmo”
vem do grego “em‐theos” que significa “em deus”. Outra maneira de vermos as coisas pelas
quais temos um grande entusiasmo é dizermos que elas refletem a nossa compreensão e relação
com o nosso deus.
Para o alcoólico cuja vida está sendo destruída. O desafio da recuperação é encontrar
uma nova relação da do tipo que se tem com deus, um novo foco para a sua espiritualidade, um
novo centro. Alguma coisa tem que substituir o álcool e as drogas como principal centro de
interesse na vida de uma pessoa. Esta é a razão pela qual a recuperação não consiste apenas em
não beber. Por a rolha na garrafa não quer dizer necessariamente que outra coisa qualquer se
tornou nosso centro de interesse da vida de uma pessoa. Somente parar de beber sem outro
crescimento e mudanças apenas frustrará uma pessoa que não aprendeu outro modo de ir ao
encontro das necessidades humanas básicas.
A irmandade de AA encara o desafio de ajudar os alcoólicos a encontrarem um novo
centro de interesse espiritual. A sua missão é muito parecida com a de ajudar alguém a saltar
de um barco que se afunda para outro barco. Pode ser muito traiçoeiro. A missão envolve o
conseguir ganhar a confiança e eventualmente o coração da pessoa. De algum modo, com a
ajuda dos Doze Passos dos AA, com a irmandade das reuniões e, nas novas relações com gente
sóbria, um alcoólico ou adicto em recuperação começará a entregar‐se a um novo centro de
interesse espiritual. A pessoa em recuperação procura ir de encontro às suas necessidades
humanas de uma maneira completamente nova à medida que descobre o modo de vida de AA.
O foco espiritual dos que estão em Anônimos, tem muito a ver com um “Poder
Superior”; “Deus, como nós o compreendemos”, e as pessoas da irmandade. Os passos Dois e
Três dos AA começam esta nova relação e iniciam o novo foco espiritual. Para o que quer que
entreguemos a nossa vontade e a nossa vida, isso tem que necessariamente ser muito
importante para nós. O Passo Três foi sabiamente deixado tão aberto quanto possível para que
ninguém seja excluído. Embora a palavra Deus esteja escrita com D maiúsculo, no Passo Três,
temos que entender que há alternativas de como este Passo pode ser abordado. Para aqueles
que não compreendem a idéia de Deus no sentido tradicional, o Terceiro Passo, pode, por
exemplo, ligar‐se ao grupo básico de AA. Um grupo de pessoas é um poder maior do que nós
mesmos, e podemos dar‐lhe o poder divino de nos mostrar o que precisamos fazer. Poderemos
ver que aceitarmos ser guiados pelas pessoas do programa pode ser melhor do que continuar o
caminho que sabemos, que acabará na destruição. Outros recém‐chegados ao programa podem
falar de Deus atuando através do grupo. Podem dizer que Deus é um espírito de amor que se
exprime pelo amparo, carinho e orientação que o grupo tem para oferecer. Haverá outros que
acreditam nisso e também ligar‐se a Deus por outros caminhos, tais como a oração e a leitura
devotada. O Passo Três permite variedade e flexibilidade na maioria como os relacionamentos
com um Poder Superior.
Quando as pessoas olham pela primeira vez para os passos Dois e Três, muitas vezes
tomam uma de duas posições extremas. A primeira é rebelarem‐se e dizerem que tal programa
não é para elas. Os seus sentimentos podem ser traduzidos por este sentimento “não quero ser
um fanático religioso! Não acredito nesta história de Deus”. A outra reação é ultrapassar
rapidamente estes passos e dizer para si próprio: “Sempre acreditaram em deus. E depois?”
Nenhum destes dois extremos ajudará muito. A espiritualidade é uma área da vida em
que precisamos descobrir muito sobre nós próprios. Não se pede a ninguém que acredite em
alguma coisa em que não pode acreditar. Acreditar não é algo que se possa forçar. Acreditamos
naquilo que acreditamos. Normalmente aquilo em que acreditamos resulta da nossa
experiência. Do que sabemos da experiência dos outros e do que nos ensinaram. O segredo da
mudança do foco espiritual é ter um espírito aberto, e nos permitir experimentar algo diferente
– muito como fazer uma experiência com a nossa vida espiritual.
A maneira que temos de experimentar algo diferente na nossa vida espiritual provém
da ajuda que as pessoas em recuperação oferecem. Não estamos sós, estamos com outras
pessoas que trabalham na sua recuperação e que podem tornar‐se amigos de verdade. A
experiência de recuperação das pessoas na irmandade dá uma informação prática, preciosa
sobre o que precisamos fazer de modo a vivermos uma vida sóbria e feliz. Dirão coisas como
“vive um dia de cada vez”. Em outras palavras não queira ultrapassar e não se preocupe hoje
com as coisas do amanhã. A força de hoje é a que precisa para os problemas de hoje, outra
maneira que as pessoas na irmandade têm de se ajudar e confrontarem‐se mutuamente com a
realidade. Muitas vezes não conseguimos ver claramente como nos magoamos a nós mesmos
com as nossas atitudes emocionais e com a maneira como pensamos nas coisas. Outras pessoas
podem nos ajudar a resolver problemas e a esclarecer a nossa situação. Outra maneira simples
de encontrar plenitude está na capacidade de falar com outra pessoa sobre como nos sentimos.
Partilhar tem o efeito de “dividir o nosso fardo” e “duplicar as nossas alegrias”. Na partilha
podemos encontrar alívio dos sentimentos negativos de desânimo, medo e raiva.
As pessoas no programa, quase sem exceção, farão igualmente parte da espiritualidade
que descobrimos à medida que recuperamos. O que aprendemos com elas e o apoio emocional
que nos podem dar são quase impossíveis de atingir numa experiência, qualquer, solitária. Um
“slogan” popular no programa é “Eu preciso das pessoas como Eu”.
Vamos olhar agora para espiritualidade x religião.
Há muita confusão no que diz respeito a relação da espiritualidade e religião. Para
complicar as coisas, as pessoas usam indiferentemente as palavras e, às vezes, com o mesmo
significado.
Melhor do que tentar definir o que é religião e o que é espiritual precisamos nos lembrar
da nossa definição de espiritualidade. Quando dizemos “espiritualidade tem a ver com a
qualidade da nossa relação com o que é mais importante na nossa vida”, não excluímos nada
nem ninguém associado à religião como sendo um foco espiritual. Por exemplo, é muito possível
ter como a coisa mais importante da nossa vida uma relação com Deus como numa tradição
religiosa. A nossa definição de espiritualidade não inclui ou exclui necessariamente tudo aquilo
que na nossa mente está associado à “religião”.
Um exemplo pode ajudar a clarificar a diferença entre ser aparentemente “religioso” e
estar espiritualmente concentrado em outra coisa.
PERFECCIONISMO
Uma das fábulas de ESOPO conta a história de um homem, do seu filho e do burro deles. Ao
caminharem pela estrada, um andarilho critica o pai por fazer o filho ir a pé quando poderia cavalgar no
burro. Portanto o pai montou seu filho no burro. A seguir, outro andarilho critica o filho por ser
preguiçoso e obrigar o pai a ir a pé. O pai então sobe no burro a frente se seu filho. Em seguida, um
terceiro andarilho lamenta e acha cruel que o burro tenha que carregar os dois. Por isso tira o filho de
cima do burro e constrói uma padiola com cordas. Ele e o filho conseguem por o burro em cima da
padiola e começam a arrastar o burro, mas o burro escapa e cai num lago e afoga- se.
Embora só tivesse oito ou nove anos quando li pela primeira vez esta fábula, percebi que a
história tinha alguma coisa a ver com uma tentativa de agradar aos outros. Não compreendi que já estava
firmando os meus próprios hábitos de tentar obter a aprovação dos outros.
É normal querermos sentir que temos valor e querermos que as outras pessoas nos considerem
como pessoas de valor. É a maneira como satisfazemos este desejo que pode ser ao nosso favor ou voltar-
se contra nós.
O amor verdadeiramente é incondicional e raro. Provavelmente, a maior parte de nós nasceu
numa família em que o amor era, de certa maneira, condicional. Em crianças, podemos ter tentado pelo
nosso comportamento ganhar a atenção e o afeto dos nossos pais. Podemos ter tentado ser perfeitos
para eles. Se crescermos numa família em que a dependência dos químicos era um problema, teremos
provavelmente recordações de uma afeição que se manifestava de forma pouco regular. Um dia
despejavam- nos amor em cima da cabeça, no dia seguinte, podíamos ser alvo de maus tratos. Não
sabemos com o que contar, nem quando contar com o que, causava- nos mau- estar. Então, para evitar
nos sentirmos inquietos, podemos ter tentado ser sempre perfeitos. Fazer as coisas ‘’na perfeição’’ nos
dava um sentimento de controle com relação a nossa vida e nos ajudar a dominar a inquietação causada
pela irregularidade das manifestações de afeto. Mas, se somos dependentes dos químicos, o uso tinha
tendência para diminuir a nossa autoestima e para aumentar os nossos sentimentos de inadequação e a
nossa necessidade de parecermos perfeitos.
Exigirmos de nós a perfeição pode ser destrutivo. Pode introduzir tensões na nossa vida, fazer
baixar a nossa autoestima e afetar as nossas relações. Um dos meios que podemos utilizar para
ultrapassar o nosso perfeccionismo é a Terapia Racional Emotiva de Albert Ellis. Esta brochura nos mostra
como ela nos pode ajudar a identificar e mudar a nossa forma perfeccionista de pensar.
O QUE É O PERFECCIONISMO?
Perfeccionismo indica um significado com a pretensão de ser impecável? Será a tentativa de não
se cometer erros? O perfeccionismo nem sempre é assim tão definido. Vamos observar alguns episódios
da vida de três pessoas: Catarina, David e Maria.
CATARINA
Nervosa por estar quase na hora da reunião do grupo de pacientes ambulatórios, Catarina revê-
se ao espelho pela quarta vez, encolhe os ombros e dirigi- se para a porta. O telefone toca. Irritada,
levanta o fone.
‘’Catarina! Podemos falar?’’
‘’Falar, falar, falar’’ resmunga Catarina antes de se forçar a um tom de voz mais agradável. ‘’Claro,
Cartola...’’
Meia hora mais tarde, Catarina sai de casa e mete a chave na ignição com rancor, cheia de
ressentimento pelo contratempo que permitiu a Cartola causar- lhe. Agora, vai provavelmente chegar
atrasada a terapia do grupo. ‘’Porque é que as pessoas descarregam sempre os problemas pra cima de
mim? ‘’ pergunta a si mesma.
Conduz o carro ao longo da avenida orlada de árvores, as folhas de Outono vivamente coloridas
brilham ao sol.
‘’ Tal e qual como a minha vida’’, lamenta- se ela. ‘’Estou sempre a meio, com a glória e a beleza
de cada lado de mim, mas fora do meu alcance. ’’
Avança para o primeiro espaço vazio no parque de estacionamento da clinica. Depois recua, e
avança outra vez de maneira a que o carro exatamente paralelo aos carros que estão ao lado. Não quer
incomodar ninguém pela forma como estaciona. Correndo, Catarina consegue sentar- se exatamente
antes do grupo começar. Dá um suspiro de alivio. Detesta chegar atrasada.
DAVID
Embora puxe o cachecol para proteger a cara da violência da neve, David hoje não se importa
realmente com o vento e o frio. Ao menos o tempo lhe oferece alguma coisa de concreto contra a qual
lutar. Tem sentido ansiedade desde que, há seis meses mudou. Quase ri da ironia. Trabalhou aquelas
semanas de sessenta, setenta, oitenta horas para um dia poder mudar e sossegar e agora não consegue
descontrair-se. David se recorda do dia, há uns trinta anos, em que ele e o pai observavam a cidade do
alto da penthouse no condomínio de David. Lembra-se de ter dito: “Pai, realizei tanta coisa, mas foi o pai
que apostou no meu êxito. Tenho orgulho de ser seu filho”. A vida tinha tanto significado a essa altura.
Sabe que vai precisar de qualquer coisa que o faça atravessar os longos dias de inverno.
MARIA
Em frente da Estátua da Liberdade e olhando para o porto que a rodeia, Maria está
momentaneamente desapontada. O letreiro na porta diz: “Não há visitas. Fechado para obras”.
Mas o desapontamento desaparece rapidamente com a excitação de se encontrar em Nova York,
recompensa de ter sido votada a Professora do Ano. Deu muito às suas alunas ao longo dos anos – longas
horas e uma energia quase infinita. Às vezes pedia demais a si própria, ultrapassando os seus próprios
limites, mas sentia-se orgulhosa quando os pais louvaram os seus esforços. Como é emocionante agora
ver o monumento, a senhora de pé com o braço levantado, de facho na mão, e ler a inscrição, “Tragam-
me o vosso povo, cansado, pobre, esmagado, ansiando por respirar livremente...” Os olhos de Maria
enchem-se de lágrimas à medida que vai lendo as palavras. Por que de repente se sentira tão cansada?
Observa outra vez a estátua. Identifica-se perfeitamente com a necessidade que a senhora tem de ser
restaurada.
Catarina, David e Maria têm todos os traços de perfeccionismo, embora não exprimam
necessariamente o seu perfeccionismo da mesma forma. Catarina pode ser descrita como uma pessoa
que “quer endireitar tudo a sua volta”. David baseia o seu poder próprio na realização profissional. O seu
perfeccionismo pode não parecer óbvio como o de Catarina porque a nossa sociedade encoraja a ambição
e nos ensinou a encarar o êxito em termos de posição social e riqueza. Maria, obrigando-se a ultrapassar
os seus próprios limites para agradar aos outros, mostra-nos outra faceta do perfeccionismo.
É comum os adictos serem perfeccionistas. Entre nós há quem seja como Maria, outros como
David e, outros como Catarina.
As mulheres têm sido, tradicionalmente, ensinadas a desempenhar um papel de serviço em
relação aos outros, elas são altamente vulneráveis, a forma de pensar perfeccionista, que diz que devem
estar sempre prontas a ajudar e a serem amáveis.
Apesar dos recentes progressos realizados pelos movimentos feministas, a percepção que a
mulher tem de si mesma é influenciada pelo que aprendeu quando criança e pela maneira como a
sociedade encara as mulheres. A dependência química complica ainda este problema. Uma mulher com
dependência química que acredita segundo certas mensagens da sociedade, que as mulheres são
inferiores, se sente ainda mais incapaz e inútil por causa da bebida. Apenas se pode sentir segura de ser
amada quando tenta ser a companheira “perfeita” e a mãe “perfeita”. Se eu for perfeita ninguém notará
como me sinto inútil e envergonhada.
Também os homens sentem o peso das noções antiquadas e limitadas a propósito daquilo que
um homem deve ser. Podem achar que tem de parecer forte em todas as ocasiões e quem chorar ou
deixar que os outros os ajudem, possam parecer fracos. Podem crer que tem de ser o pai perfeito ou o
marido ideal para terem algum valor.
Ao lerem isto, podem estar dizendo: “Então, sou perfeccionista. Para ser totalmente sincero,
pensei que isso fosse uma das minhas vantagens. Aprecio quando as pessoas comentam como faço as
coisas bem feitas”. É verdade que, em curto prazo, o perfeccionismo pode produzir alguns resultados
positivos. Mas, em longo prazo, é derrotista. Iremos analisar esta idéia mais adiante, servindo-nos da
Terapia Racional-Emotiva.
A TER pode ajudar-nos em relação ao nosso perfeccionismo, ajudando-nos a mudar a forma como
pensamos sobre certas situações da nossa vida. Alguns centros de tratamento das dependências químicas
e algumas clínicas de saúde mental têm grupos de TER para ajudarem as pessoas a identificarem e
alterarem os pensamentos e comportamentos derrotistas. Catarina, David e Maria estão num destes
centros de tratamento. Vamos acompanha-los ao seu grupo de TER para explorarem formas de alterar a
sua maneira de pensar perfeccionista.
“O mais importante não é o êxito, desde que façam sempre o melhor que podem. Quantos de
vocês já ouviram isto antes?” perguntou Mariana, responsável pelo grupo. “Gostaria de falar mais sobre
esta forma de pensar e de como elas pode nos afetar. É impossível conseguir sempre o máximo, e tenta-lo
apenas levará à frustração e a pouca estima por nós próprios”.
“O tema de hoje é o perfeccionismo”, continuou Mariana.
“Mas antes de entramos no assunto, vamos rever os princípios da TER para os recém-chegados. Depois,
tentaremos identificar algumas das suas próprias características perfeccionistas, observar como é que
elas podem voltar-se contra nós em vez de jogarem a nosso favor e, em seguida, descobrir formas mais
construtivas, que venham ao encontro das nossas necessidades.
A TER diz que a forma como pensamos afeta a forma como sentimos e como sentimos, afeta a forma
como agimos. Ficamos muitas vezes desnecessariamente perturbados devido à maneira como pensamos.
Na verdade, temos realmente certo controle sobre as nossas emoções. É importante saber isto porque
algumas emoções podem colocar obstáculos ao crescimento em recuperação. Este diagrama mostra
como isso pode acontecer. Mariana apontou para o quadro.
Sentimento desagradável I
Furioso I
------------------------------- Mau I
Triste V
Com medo
Consequências negativas, Comportamento derrotista, o
incapacidade de dominar a uso de químicos que modificam
situação que produziu o -------------------------------- o humor, se alimentarem de
sentimento desagradável e forma exagerada,
desenvolvimento de um padrão comportamento agressivo.
de comportamento derrotista.
“A nossa forma de pensar é por vezes racional, outras vezes irracional”, continuou Mariana. “Por
exemplo, se eu achar que preciso ser perfeito para ser aceito por outra pessoa, introduzo tensões na
minha vida. Mas elimino essas tensões da minha vida e pratico a TER se alterar os meus pensamentos
para: “é aceitável cometer um erro embora prefira não o fazer”, ou “posso sentir-me bem comigo mesmo
sem ter a aprovação de todos”, ou ainda “os erros podem ser como uma forma de aprender”.
Por outras palavras, a TER é um processo através do qual examino a minha forma de pensar a fim
de descobrir quais são os pensamentos irracionais que me perturbam desnecessariamente. Depois, posso
debater esses pensamentos e mudar a minha maneira de pensar. “Isso me ajuda a reduzir os
pensamentos que me perturbam e fará com que esteja menos sujeito a cair em comportamentos
autodestrutivos, tais como usar drogas, cometer excessos com a comida ou isolar-me dos amigos e da
família”.
No programa da TER, usamos o processo ABCD para mudarmos a nossa maneira de pensar.
Mariana apontou para outro diagrama no quadro.
A ---------------- B ---------------- C ----------------- D
Acontecimento Convicções e Sentimentos Debater
pensamentos Convicções irracionais
Comecemos por observar algumas características perfeccionistas vulgares. Mariana escreveu uma
lista no quadro e leu alto cada uma delas.
CARACTERÍSTICAS PERFECCIONISTAS
PERFECCIONISMO x CONTROLE
PERFECCIONISMO x ANSIEDADE
“Mariana, disse David, às vezes penso que a razão porque comecei a beber foi para controlar essa
sensação desagradável de que acabou de mencionar. Sei do que está falando”. Várias pessoas assentiram
com a cabeça. David se sentou aliviado. Estava satisfeito por saber que não era a única pessoa que se
sentia assim.
“Por falar em se sentir pouco a vontade, fico uma pilha de nervos só de pensar que tenho de falar
num grupo”, disse Carla, um novo membro do grupo, que falava pela primeira vez.
“Tenho pena que esteja ansiosa. Carla gostaria que o grupo a ajudasse usando um pouco a TRE?”
perguntou Mariana.
“Gostaria. Há dois dias que tenho o estômago colado às costas. Não funciona bem em grupo. Nem
acredito que estou falando agora!”
Mariana foi ao quadro e escreveu: “Falar em frente de um grupo” por baixo de A
(Acontecimento).
-“Carla, o que é que diz a si mesma que a faz ficar tão ansiosa?” perguntou Mariana.
-“Tenho medo de desmaiar ou de gaguejar. E, cometer um erro...?”
Mariana começou a escrever, registrando estas afirmações por baixo de B (Convicções e
pensamentos). Wilson, membro do grupo há bastante tempo interveio: “Li um artigo sobre
perfeccionismo e descobri certas coisas que me ajudaram. Compreendi que não era obrigado a
corresponder às esperanças de ninguém a meu respeito e que não era grave se cometesse alguns erros.
Acho que pensava que tinha de ser melhor do que os outros.”
“Você pode falar um pouco mais sobre isso, Wilson?” pediu Mariana. “Há coisas interessantes no
que disse que podem ajudar Carla a questionar sobre sua forma de pensar.”
“Disse para comigo: ninguém é perfeito e eu também não”.
Mariana escreveu as observações de Wilson por baixo de D (Debater as convicções irracionais) à
medida que ele falava.
“Percebi que cometer um erro não era uma desgraça. Percebi também que estamos todos no
mesmo barco. Precisamos da ajuda uns dos outros. Não precisamos entrar em competição uns com os
outros. O mais difícil de aceitar para mim foi a terceira coisa: disse para comigo que não tinha importância
se não tivesse a aprovação de algumas pessoas do grupo. Ainda continuo a batalhar neste aspecto.”
PERFECCIONISMO x CRÍTICA
Wilson parecia incomodado. Não estava habituado a falar sobre os seus sentimentos. “Quando fui
embora ontem, me senti magoado porque alguém me criticou por falar demais, é muito difícil suportar
críticas. Acho que se estivesse realmente convencido que não tenho que ser perfeito, aguentaria muito
melhor as críticas.”
“As pessoas oscilam muitas vezes entre os oito e os oitenta” respondeu Mariana. “Ou somos
perfeitos ou somos falhos. É difícil dizermos: “Sei que tenho cinco qualidades e cinco defeitos”. Mas, ou
somos como se deve ser, ou não prestamos para nada. É fácil também contarmo-nos apenas nos nossos
fracassos.”
“Faço muito isso” suspirou Juliana. “Há vários anos, ganhei o prêmio de “Professora do Ano” e me
senti muito orgulhosa. Há muito que o cobiçava. Mas depois de ganha-lo, comecei a pensar se conseguiria
manter o mesmo ritmo. Tinha medo que as pessoas descobrissem que afinal não era assim tão boa
professora, e assim estava eu, Professora do Ano, perguntando a mim mesma se deveria continuar
arriscando a me colocar numa situação em que poderia falhar. É este o gênero de pensamentos em que
caio.”
“Também faço isso”, reconheceu Catarina. “Tentei ser a mãe perfeita, a esposa perfeita, a amiga
perfeita. Quero fazer as coisas melhor do que os outros ajudá-los quando precisam e tirá-los de
dificuldades. Convenço-me de que sou impecável e, depois, quando as outras pessoas pedem a minha
ajuda, fico ressentida e acho que querem se aproveitar de mim.”
PERFECCIONISMO x ADIAMENTO
“Reparei que tenho adiamentos na lista, disse David. Quando trabalhava, estava muito com
outras pessoas. Desde que me divorciei e me reformei, me tornei bastante solitário. Tomei várias vezes a
resolução de tornar a ver pessoas, mas continuo adiando. No entanto não sei bem o que é que isto tem a
ver com perfeccionismo”
Maria tomou a palavra. “Suponho que pode ter a ver com não querer correr o risco de um
fracasso, talvez por causa do seu divórcio. Se parece com a dúvida que tenho se devo voltar a ensinar”.
“Sentada aqui ouvindo as suas contribuições, disse Mariana, estou espantada com alguns dos
pontos de vista que apresentam. Estava quase chamando de “o grupo perfeito”, mas é capaz de não ser a
melhor terminologia tendo em conta o nosso tema de hoje. Antes prefiro dizer que mostraram ser um
notável desafio a forma de pensar perfeccionista”.
Mariana começou a distribuir folhas para a prática da TER. “Preencham estas folhas e tragam para
a próxima reunião de grupo. Vamos usá-las para colocarmos alguns dos seus pontos de vista a seu favor.”
Poderão ver agora, nas páginas seguintes como Maria, David e Catarina colocam em prática o que
aprenderam no grupo.
Saber que uma coisa é derrotista e mudar a nossa forma de pensar e o nosso comportamento são
duas coisas diferentes. Os hábitos levam tempo e formar-se exige tempo e prática.