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PARA

PROBLEMAS COM BEBIDA


Em Center City, Minnesota

“Hazelden” conta com seis anos de experiência em recuperação


de homens com problemas com bebida. Seus diretores foram "ao olho
do furacão" de si mesmos e desenvolveram um programa baseado em
leitura, meditação, educação audiovisual, consultas e discussões, que
possibilitam aos hóspedes residentes entenderem os “porquês” deste
problema, e como paralisar esta doença.
Uma atenção especial é dada, servindo refeições apetitosas,
visando o bem-estar físico, que é reconhecido como um dos mais
importantes passos ao longo da caminhada para a recuperação.
Descanso e meditação também são importantes, e os visitantes
estarão autorizados apenas a pedido do hóspede residente.
Pesca, canoagem, piscina são algumas das possíveis diversões.
Médicos e enfermeiros disponíveis 24 horas por dia, e consultas
psiquiátricas serão agendadas mediante solicitação.

Preços razoáveis... para mais informações escreva para

341 North Dale Street Saint Paul 3, Minn.


(or) Center City, Minnesota
Uma organização sem fins lucrativos
REI BEBÊ

Tom Cunningham

Hazelden Foundation
Editora JCB Publicações Ltda
Copyright © 2014, Tom Cunnigham

Rei Bebê

Título em Inglês: KING BABY


Publicado originalmente por: Hazelden
Foundation
Todos os direitos de tradução e
publicação para o território brasileiro
reservados por Editora JCB Publicações
Ltda
PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU
PARCIAL POR QUAISQUER MEIOS, SEM
PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DA EDITORA
IMPRESSO NO BRASIL
Printed in Brazil
1ª Edição Brasileira
Maio de 2014
Coordenação Editorial: AMMB Syncro
Infinite Loop Avenue,#304 Projeto Gráfico: MFMB Ilustra
California Place Edição de texto: AMMB Syncro
Patos de Minas, MG CEP 38700-000 Diagramação: JCB Desing
Telefax: (34) 6963-4958 Revisão: JCB Desing
URL: www.jcbpublicacoes.com.br Adaptação da Capa: JCB Desing
E-mail: editora@jcbpublicacoes.com Ilustração: MFMB Ilustra

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Cunnigham, Tom
Rei Bebê / Tom Cunningham; / Tradução AMMB Syncro/.
– 1ª. Ed. – Minas Gerais: Editora JCB Publicações Ltda.,
2014. – (Dependência química)

Título original: King Baby.


Bibliografia.
ISBN 972-8272-04-9
1. Dependência Química. 2. Compulsão. 3. Tratamento
I. Título II. Série

CDD-717.1 07-7211
ii
Nota dos Editores à Tradução Brasileira:
Uma adicção consiste no uso habitual de substâncias alteradoras
do humor (medicamentos, álcool, drogas) ou de comportamentos
(excesso de trabalho, jogos, abuso de comida, internet, falar
demais, sexo, mania de limpeza, consumismo) que é caracterizado
pela tolerância à substância ou comportamento (sendo que um
crescente e contínuo uso à substância ou comportamento se
tornam necessários para obter o mesmo efeito) e pela perda de
controle (o uso continuado apesar de suas consequências
negativas).
A dependência química consiste na adicção ao álcool e/ou
outras drogas. É uma doença progressiva e, se não for tratada,
mortal.

Sobre a Fundação Hazelden:


Os “Materiais Educacionais da Hazelden”, editados no
Brasil pela Editora JCB Publicações Ltda., oferecem uma grande
variedade de informação sobre a dependência química e as áreas
com ela relacionadas. As nossas publicações não representam
necessariamente os programas da Fundação Hazelden, nem se
pronunciam oficialmente por nenhuma organização dos Doze
Passos.

Sobre este livro:


Este livro detalha a personalidade do Rei Bebê – os traços
infantis visíveis nas pessoas que atingiram a idade adulta sem
adquirir maturidade emocional. Estes traços devem ser rendidos
antes que se possa suspender inteiramente a dependência química
– a presença desta personalidade de Rei Bebê pode acelerar a
adicção ou conduzir à recaída.

Sobre o autor:
Tom Cunningham trabalha no campo da dependência química
há dez anos. Tem uma licenciatura obtida na Universidade de
Minnesota e trabalha atualmente com aconselhamento de jovens e
adolescentes dependentes de substâncias tóxicas.

iii
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................... 7
QUEM É O REI BEBÊ ............................................................................. 9
CARACTERÍSTICAS DO REI BEBÊ ......................................................... 10
A CRIANÇA ASSUSTADA E O REI BEBÊ .............................................. 13
O MITO DO REI BEBÊ .......................................................................... 16
O CÍRCULO VICIOSO ............................................................................. 23
A COMBINAÇÃO FATAL ....................................................................... 24
O CATALISADOR ................................................................................... 25
CANSADO DE ESTAR FARTO ............................................................... 26
ADMITIR A DERROTA, ENCARAR A REALIDADE ............................. 27
CURAR A NOSSA CRIANCINHA ASSUSTADA ................................... 28
OS CUIDADOS DENTRO DE A.A/N.A ................................................. 29
AMAR A SI MESMO ............................................................................. 30
AMAR E SER AMADO .......................................................................... 31
LIBERDADE ........................................................................................... 32
RENDIÇÃO ........................................................................................... 33
PERDÃO ................................................................................................. 34
HUMILDADE ........................................................................................ 35
CULPA ................................................................................................... 36
USANDO NOSSA PERSONALIDADE COMPULSIVA .......................... 37
RELACIONAMENTO COM NOSSO PODER SUPERIOR ..................... 38
DÉCIMO PASSO ................................................................................... 39
RELACIONAMENTOS COM O SEXO OPOSTO ................................... 40
ELIMINANDO VELHOS PADRÕES DE COMPORTAMENTO ............ 41
A ATITUDE A TER É DE GRATIDÃO ................................................... 45
O PEDIDO E A RESPOSTA ..................................................................... 45

v
INTRODUÇÃO

O Dr. Harry Tiebout utilizou as palavras “Sua


Majestade o Bebê”, do psicanalista Sigmund Freud, para
descrever uma atitude inata. O termo Rei Bebê poderia
ser de uma forma igualmente adequada Rainha Bebê
também, porque, provavelmente, todos nós temos este
ego infantil no nosso inconsciente.
Os adictos têm de estar particularmente conscientes
das características do Rei Bebê, pois essas atitudes e
comportamentos podem interferir na sua recuperação.
Nos programas de Doze Passos, sentimos
frequentemente a necessidade da rendição e tentamos
praticá-la, na forma de orientar nossa vida e vontades
para Deus. Temos “slogans” que realçam a necessidade
do Terceiro Passo e suas recompensas: Se entregue,
renda-se a Deus1, Entregar resulta2.
O reconhecimento da impotência é a base da
rendição, mas o ato da rendição surge com a aceitação
total dessa impotência. Muitos de nós, que sentem
dificuldades com o Primeiro Passo, são capazes de
reconhecer a sua impotência, mas não estão dispostos a
aceitá-la. Em outras palavras, somos capazes de vê-la e
compreendê-la, mas a nossa necessidade de controle
nos impede de comprometermos com este ato de
rendição que é tão necessário. Os egos interferem. A
nossa mentalidade de Reis Bebês insiste em que
guiemos nossa vida e controlemos as nossas vontades.

1 – Let Go and Let God.


2 – What’s Turned Over Turns Out.
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Ao proceder assim, o Rei Bebê dentro de nós impede
a nossa recuperação.
Neste livro aprenderemos a identificar o eu infantil
do Rei Bebê que existe dentro de nós. Temos de
renunciar aos traços infantis de nossa personalidade
antes que nossa doença possa ser totalmente dominada.
A personalidade compulsiva do Rei Bebê pode
acelerar a adicção ou conduzir à recaída. Temos de nos
manter conscientes deste impulso ao trabalhar o
programa de recuperação de Doze Passos, nos
Alcoólicos Anônimos ou nos Narcóticos Anônimos.

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QUEM É O REI BEBÊ

Para compreender o Rei Bebê, vamos imaginar que


estamos voltando ao ventre de nossa mãe. Lá sentimos
calor, segurança, conforto, liberdade e poder. Todas as
necessidades são satisfeitas. Somos o centro do nosso
universo. Cuidam de nós só pelo fato de existirmos e
isso nos satisfaz completamente.
A infância também encoraja as nossas atitudes de
Reis Bebês. Nossas exigências ruidosas por alimento,
atenção e carinho são imediatamente atendidas. Somos,
de novo, o centro de um vasto reino; os nossos desejos
são da máxima importância. Através dos processos
naturais de maturação da infância e do estado adulto, a
maior parte da mentalidade de Rei Bebê é abandonada
e substituída por atributos que permitem uma
capacidade de adaptação.
Alguns de nós, no entanto, avançam através dos
estágios do desenvolvimento físico sem nos desprender
desta criatura imatura – o Rei Bebê. Para nós, o Rei Bebê
nunca esquece a aconchegante e maravilhosa segurança
da vida pré-natal e infantil e tentará constantemente
voltar a experimentá-la. O Rei Bebê luta para
reconquistar a felicidade total que advém de todas as
necessidades serem satisfeitas.

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CARACTERÍSTICAS DO REI BEBÊ

Ao tentar recuperar a segurança da infância, os Reis


Bebês continuam funcionando com base nos mesmos
padrões antigos de sentimentos que, muito tempo atrás,
os recompensaram. Tiebout1 afirma que “quando os
traços infantis se mantêm na idade adulta, diz-se que
esta pessoa é imatura”. E esta imaturidade está ligada
aos traços de sentimentos de onipotência, incapacidade
de aceitar frustrações, e imediatismo.
Os Reis Bebês partilham uma grande variedade de
traços de personalidade. Nenhum de nós possui todos
estes traços, mas descobriremos provavelmente muitos
que nos descrevem. Os Reis Bebês podem apresentar as
seguintes características:
1. Ficam muitas vazes irritados com as pessoas que
representam autoridade ou com receio delas, e
tentam colocá-las umas contra as outras de
modo a conseguirem o que pretendem.
2. Procuram aprovação e frequentemente perdem a
sua própria identidade no decorrer do processo.
3. São capazes de causar uma boa primeira
impressão, mas incapazes de manter.
4. Tem dificuldades de aceitar críticas pessoais e
sentem-se ameaçados e irados quando são
criticados.

1 - Harry M. Tiebout, M.D. The Ego Factors in Surrender in


Alcoholism (Center City, MN, Material Educativo Hazelden), pág. 6,
catálogo 1270.
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5. Tem personalidades compulsivas e deixam-se
levar a extremos.
6. Não se aceitam ou alienam-se.
7. Ficam muitas vezes imobilizados pela ira e
frustação e raramente estão satisfeitos.
8. Sentem-se geralmente sozinhos, mesmo quando
rodeados de pessoas.
9. Estão sempre se queixando e culpam os outros
pelo que lhes acontece de mal na vida.
10. Sentem que não são apreciados e que não
pertencem ao grupo onde estão.
11. Veem o mundo como uma selva cheia de pessoas
egoístas que não estão disponíveis para eles.
12. Encaram tudo como catástrofe, como uma
situação de vida ou morte.
13. Julgam a vida em termos absolutos; preto ou
branco, certo ou errado, não aceitando o meio
termo.
14. Vivem no passado, ao mesmo tempo em que
receiam o futuro, e não vivem o presente de
forma adequada.
15. Tem fortes sentimentos de dependência e um
medo exagerado de abandono.
16. Tem medo do fracasso e da rejeição e não
tentam fazer coisas novas em que possam vir a
falhar.
17. Tem obsessão por dinheiro e coisas materiais.
18. Sonham com metas e planos grandiosos e tem
pouca capacidade de fazer com que eles
aconteçam.
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19. Não toleram a doença neles ou nas outras
pessoas.
20. Preferem agradar aos superiores e intimidar os
subordinados.
21. Acham que as regras e as leis são para os outros
e não para eles próprios.
22. Tornam-se frequentemente compulsivos por
estímulos de excitação e de uma vida frenética.
23. Guardam para si as emoções dolorosas e perdem
o contato com os seus sentimentos.

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A CRIANÇA ASSUSTADA E O REI BEBÊ

Muitos adictos tem dentro de si um jovem assustado,


solitário e envergonhado que murmura contra si mesmo
pensamentos derrotistas de autocrítica, baseados numa
vida inteira de mensagens negativas. Constantemente se
comparam aos outros e sentem que não estão à altura
deles.
Estes sentimentos de falta de valor próprio, de
culpabilidade, e de não pertencer a um grupo, tornam-
se o núcleo central de nossas personalidades. O Rei
Bebê – um ser egoísta e exigente – surge como reação a
estes sentimentos de vergonha e de inadequação.
Ao lutar de forma infantil para ser aceitos e agradar
aos outros, começamos a procurar coisas exteriores para
nos sentir melhor por dentro. Roupas de marcas da
moda, carros esportivos, namoradas ou namorados
sexys, celular do momento, drogas e a excitação de uma
vida frenética ajudam a acalmar o nosso sofrimento.
Criamos uma aparência atrativa, magnética,
encantadora para conseguir o que queremos. Usamos
nosso tempo para a procura desenfreada de prazer, a
procura de poder, a procura da satisfação e a procura de
atenção para preencher o vazio dentro de nós, mas o
vazio se mantém. Não há amor, lei, dinheiro ou status

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que cheguem para a criança assustada que existe em
nós.
Considerando tudo isto como uma fraqueza, a parte
de nós que corresponde ao Rei Bebê tentará destruir,
atacar e por de lado a nossa criancinha assustada. Ao
negar estes sentimentos, o Rei Bebê encobre, em última
análise o fato de a criancinha assustada existir.

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A luta interior

Compreender o Rei Bebê é difícil, pois as coisas nunca


são aquilo que parecem ser. Existem dois fatores
principais de motivação: em primeiro lugar, a criança
assustada, solitária, que não quer ser mais magoada e,
em segundo lugar, o Rei Bebê que nunca está satisfeito.
Quando a criança receosa que existe em nós ouve a
palavra não, uma mensagem interior preconcebida nos
diz que somos maus. Só nos sentimos amados quando
recebemos carinho, e nos sentimos não amados quando
nos corrigem ou nos disciplinam. Quando somos
criticados, a nossa imaturidade insiste no direito de fazer
o que ela acredita ser o melhor com base nos padrões
antigos de comportamento e argumenta que, se somos
amados, os outros devem nos deixar fazer o que
queremos. Muitas vezes, as nossas manipulações nos
permite ganhar.
Ambas estas facetas – a criança medrosa e o Rei Bebê
exigente – ficam temporariamente satisfeitas se
criarmos em nós a pessoa que pensamos que os outros
querem que sejamos. No entanto, a base para uma
recuperação duradoura está em ajudar a criança
assustada a readquirir o sentimento de valor próprio e
aprender a controlar os comportamentos de Rei Bebê.

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O problema

As pessoas em recuperação tem geralmente


consciência das muitas ameaças a que está sujeita a sua
sobriedade. Os programas de Doze Passos são criados
para nos ajudar a enfrentar e ultrapassar os nossos
defeitos de caráter. A imaturidade, que constitui um
problema para muitos de nós, é um reduto do Rei Bebê
em cada um de nós. Poderá ser necessário reconhecer
este defeito e removê-lo se quisermos continuar com
nossa recuperação.
O Rei Bebê em nós, nos diz que temos razão – os
outros é que estão errados. Muitos de nós defende a
nossa razão em todo lugar e em qualquer situação onde
nos sentirmos ameaçados. Os Reis Bebês atuam muitas
vezes como se fossem o nosso próprio Poder Superior,
tomando decisões baseadas nos juízos preconcebidos
em relação a si mesmo e aos outros. O Rei Bebê que
existe em nós, nos diz que deveríamos ser capazes de
ser bem sucedidos em tudo o que empreendermos.
Existe em nós o sentimento de sermos destinados à
grandeza.

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O MITO DO REI BEBÊ

A mentalidade de Rei Bebê é comandada por três


motivações – poder, atenção e prazer. Tentamos
arranjar amigos sendo excessivamente simpáticos e
amáveis. Com isto nos agarramos às pessoas.
Tentamos frequentemente controlar ou dominar.
Impomos condições em quase tudo o que fazemos, o
que cria situações de dívida para nós mesmos.
Receamos que o nosso verdadeiro eu seja rejeitado,
por isso apresentamos ao mundo uma pessoa falsa e
inventada. Isto nos protege de ser magoados. Cada
uma das personalidades ou jogos que inventamos tem
por base uma falsa promessa ou um mito.

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O Popular

Mito: Se eu for simpático, atrativo, magnético


e for a pessoa que anima festas, todos
irão querer ser meus amigos.
Verdade: Querendo ser tudo para todos,
perdemos o nosso verdadeiro eu no
processo.
Fim do jogo: O jogo acaba quando os outros
compreendem que não existe nada por
trás dos falsos sorrisos.

O Tirano/Ditador

Mito: Se me obedecer e ficar sob meu


controle total, eu o protejo do caos.
Verdade: Se pensar que nascemos chefes,
capazes de dominar qualquer crise,
esperamos que os outros se ponham
confiantemente em nossas mãos.
Mestres no sarcasmo, mantemos os
nossos súditos em seus lugares com
comentários cruéis.
Fim do jogo: O fim do jogo se dá quando os “súditos”
se recusam a obedecer.

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O Conquistador

Mito: Sou irresistível para o sexo oposto.


Parte da minha capacidade de atração
vem da minha falta de respeito pelos
outros. Espero amor, atenção, riqueza e
poder em troca do privilégio da minha
companhia.
Verdade: Estamos metidos numa competição
feroz para ocupar o centro do palco e
somos incapazes de nos comprometer
num relacionamento.
Fim do jogo: O jogo acaba quando os outros tomam
consciência da frivolidade do
conquistador.

O Atraente

Mito: Juventude, um corpo sarado e um rosto


atraente são as qualidades essenciais
para eu ser amado e aceito.
Verdade: Tentamos ser aceitos apenas à custa
das aparências.
Fim do jogo: O jogo acaba quando os outros se
cansam da constante exigência que a
criança dentro de nós faz de sua
capacidade de atração

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O Carismático

Mito: Se eu conseguir entreter com a minha


música, o meu espírito carismático ou
qualquer outro talento, todos irão me
admirar e me adorar.
Verdade: Só nos sentimos aceitos se os outros
ficarem entusiasmados com nossos
talentos e procurarem nossa companhia
para se distrair.
Fim do jogo: O jogo acaba quando os outros se
cansam de ter estado sempre na
posição de admiradores ou quando
percebem que não temos qualidades
humanas e afetivas que contribuam
para um relacionamento.

O Perfeccionista

Mito: Eu não tenho valor se não conseguir ser


o melhor no que faço.
Verdade: Ninguém é sempre o melhor ou mais
bem sucedido, mas tentamos nos
valorizar buscando fazer algumas coisas
bem feitas.
Fim do jogo: O fim do jogo chega quando tomamos
consciência da futilidade de ter altas
expectativas ou quando os outros se
cansam da nossa competitividade.

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O Simpático

Mito: Se eu for simpático e amável com todas


as pessoas, elas gostarão de mim.
Verdade: Nosso medo de rejeição nos leva a
procurar a aprovação constante de
todos.
Fim do jogo: O fim do jogo acontece quando vemos
que não podemos agradar a todos ou
quando os outros se cansam da
fraqueza das nossas atitudes.

O Rebelde

Mito: Tenho de fazer as coisas do meu jeito,


senão... As regras são para as outras
pessoas. Se me disser para não fazer
uma coisa, é como se agitasse uma
bandeira na minha cara e me desafiasse
a fazê-la.
Verdade: Nós os rebeldes, geralmente assumimos
as consequências ou o castigo que
pedimos ou merecemos.
Fim do jogo: O fim do jogo vem quando nos
cansamos de pagar o preço que o fora
da lei tem de pagar e abandonamos
este comportamento.

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O Auto piedoso

Mito: Mereço sofrer. Eu não significo nada.


Ninguém me compreende. Pobre de
mim. Considero sua compaixão como
uma expressão de amor.
Verdade: Confundimos amor com piedade e
pensamos que se nos sacrificarmos,
estaremos nos protegendo do
abandono.
Fim do jogo: O jogo acaba quando cansamos de
sofrer e compreendemos realmente o
que merecemos.

O Rejeitado

Mito: Se não jogar o mesmo jogo que eu, eu


me recuso a jogar.
Verdade: Paralisados pelo medo do fracasso e da
rejeição, não empreendemos nada e
sentimos que o mundo tem uma dívida
para conosco. Temos tão pouca
coragem e tanto pessimismo que
desistimos antes mesmo de começar.
Fim do jogo: O fim do jogo se dá quando os outros se
cansam de não receber nada em
troca1,2.
1 - John Powell, S.J. Why am I afraid to tell you who I am? (Allen, TX;
Argus Communications, 1969).
2 - Janet Geringer Woititz. The Struggle for Intimacy (Deerfield
Beach, FL; Health Communications, Inc., 1985).
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O CÍRCULO VICIOSO

Todos estes jogos começaram com alguma esperança


de sucesso, mas escorregam para a frustração e o
fracasso. Uma vida de Rei Bebê acaba por tornar-se
numa situação extrema de altos e baixos. Os recomeços
são sempre seguidos de desfechos dolorosos. Estes
Bebês tornam-se compulsivos da emoção que o sucesso
traz e, mais importante ainda, compulsivos também pela
dor do fracasso.
Os Reis Bebês não podem suportar o aborrecimento
que vem das coisas correrem bem demais e criam
situações de crise ou confusão. Uma vida de agitação
disfarça os problemas e diminui a sua responsabilidade
pelos fracassos.
O caos impede os mesmos de observar como sua
autoestima está em constante diminuição. O fato de se
ter acabado a graça destes jogos termina na total
ausência de quaisquer sentimentos. É previsível que a
personalidade do Rei Bebê se tornará dependente de
qualquer coisa. É só uma questão de tempo.

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A COMBINAÇÃO FATAL

Agarrada a uma vida de excessos e sujeita a


sentimentos de pouca autoestima e de autocrítica
negativa, uma pessoa imatura tem uma vida frustrante e
pouco compensadora, mas não necessariamente
péssima. Mas qualquer coisa pode acontecer a um
adicto quando o estilo de vida de Rei Bebê e a pouca
autoestima se combinam com a experiência de dor. Este
“qualquer coisa” pode ser uma combinação fatal.
Aqueles sentimentos calorosos, agradáveis e
confiantes da infância – aquilo que procuramos por toda
a nossa vida – é de novo alcançado. O efeito
reconfortante e anulador do medo que o uso habitual de
substâncias alteradoras do humor (medicamentos,
álcool, drogas) ou de comportamentos (jogos, abuso de
comida, internet, falar demais, sexo, mania de limpeza,
consumismo) oferece, corresponde exatamente àquilo
que os nossos egos de Reis Bebês tem procurado.
Quando a relação de amor com a dor toma conta de
nós, todos os aspectos da nossa vida modificam
progressivamente para um comportamento mais
excessivo e imaturo.

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O CATALISADOR

O sistema de defesa do Rei Bebê, quase negando


qualquer problema, já se encontra bem definido e
acelera a queda do adicto para o fundo do poço. O
inimigo está dentro de nós, e o uso da droga e/ou
comportamento liberta as nossas frustrações, raivas,
ressentimentos, medos e dúvidas reprimidos, como um
foguete que decola para a lua. A sensação maravilhosa
do útero, retorna, e o Bebê anda radiante por dentro e
por fora, estimulado e confiante com a descoberta desta
euforia.
O ego torna-se auto piedoso e furioso, exigindo ser
constantemente alimentado por uma série de diversões
e estímulos que nos levam em alta velocidade para o
aumento progressivo da adicção. Rapidamente nos
tornamos compulsivos e atingimos o fundo do poço em
metade do tempo que levou as recaídas anteriores.
Cego pela maravilhosa sensação desta euforia
perfeita, o Bebê que existe dentro de nós põe de lado
aquilo que resta de sua consciência e sistemas de
valores. Dispondo de todo um sistema incorporado de
persianas, tampões para os ouvidos e visão estreita,
unidos ao serviço de um sistema de engano e negação,
somos capazes de nos manter completamente
ignorantes a respeito do estado em que chegamos.

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CANSADO DE ESTAR FARTO

Exausto devido a um estilo de vida que exige tudo no


mesmo instante, buscando sempre ganhar, tentando
sempre levar a melhor, temendo as consequências e
pensando sempre em nós mesmos, o Bebê que existe
em nós acaba fazendo uma manobra brusca.
Quando o enjoo e o pânico provocados pela sensação
de nó no estômago se tornam um medo devastador e
nos consome totalmente, vamos ao fundo do poço. O
Bebê não pode imaginar a vida sem álcool, drogas ou
comportamentos destrutivos e tem medo de continuar
indefinidamente nesta corrida feroz que nunca mais
acaba. Preso aos padrões antigos de comportamentos
que se repetem e não tentando nada diferente. O Rei
Bebê fica paralisado pelo medo de enfrentar o dia
seguinte. A recuperação pode ser adiada pelo ego
imaturo que continua a insistir que tem a razão – “Posso
fazer seja o que for. Não preciso de ajuda”. O “tempo
certo” é muito importante, pois o Bebê se encontra
vulnerável e pode ser ajudado.

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ADMITIR A DERROTA, ENCARAR A REALIDADE

Admitindo que do nosso jeito não funcionou e


enfrentando o fracasso, abriremos as portas de um
mundo de sofrimento. No mesmo instante, o nosso Rei
Bebê passará da necessidade de ajuda, ao sentimento
de desespero, de pensar que não podemos mudar.
Ficaremos atolados no pântano do desespero,
esperando ser salvos, enquanto exigimos um certificado
de garantia para o sucesso antes de enfrentar nossos
medos. Nesta altura, podemos aceitar ajuda de A.A. e
N.A. , vindos ao nosso encontro através de outro Rei
Bebê alcoolista, drogativo ou compulsivo, que nos
assegura que os Doze Passos funcionam. Antes de fazer
o Primeiro Passo, o Rei Bebê precisa confiar que “Se
outros são capazes, eu também sou”.
A forma de escapar da ratoeira que o Rei Bebê usa, é
te induzir ao pensamento: “Eu não sou capaz, nós somos
capazes”. Rendendo se ao estilo de vida dos Doze
Passos, o poder do Rei Bebê pode ser dominado e isto
pode nos ajudar a encontrar um Poder Superior que
trabalhe para nós.
Podemos aprender o verdadeiro sentido do perdão,
da humildade e da gratidão. Podemos aprender a evitar
as armadilhas do Rei Bebê e a sintonizar nossos
sentimentos com os Doze Passos.
Podemos aprender a nos divertirmos outra vez, ao
mesmo tempo em que adquirimos uma compreensão
nova e mais profunda da vida.

Página | 27
CURAR A NOSSA CRIANCINHA ASSUSTADA

Servindo-nos de todo amor e apoio de nosso grupo


de Doze Passos, teremos de empreender uma viagem
interior para encontrar aquela parte de nós – o “mau”
rapazinho assustado ou a “má” garotinha assustada, que
tanto tempo ignoramos. Podemos nos imaginar
entrando no quarto dele ou dela e vendo a criança
encolhida chorando num canto.
Podemos nos tornar pais amáveis e carinhosos dessa
criança que existe dentro de cada um de nós. Como
qualquer pai faria, encorajamos a criança a se
aproximar, sentar-se perto de nós e explicar o que está
acontecendo de errado. Então, pegamos esta criança e
dizemos: “Está tudo bem”, e ao limpar cuidadosamente
suas lágrimas, fazemos com que ela saiba que é amada,
que é um belo ser humano e que está em segurança.

Página | 28
OS CUIDADOS DENTRO DE A.A./N.A

Existe dentro dos grupos de Doze Passos em


sentimento de ternura, calor e segurança, que vai ao
encontro dos recém-chegados com a mensagem: “Você
é a pessoa mais importante que existe, e eu vou gostar
de você antes mesmo de você se tornar merecedor de ser
amado”. Esta é a promessa de A.A./N.A.
Amor incondicional. A única coisa que se espera é um
desejo sincero de parar de beber ou de usar. Isto
corresponde ao ventre acolhedor e aconchegado que o
Bebê tem procurado sempre. A família carinhosa e
atenta dos Doze Passos é genuína e está em nítido
contraste com a falsa segurança do álcool e de outras
drogas.

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AMAR A SI MESMO

Lentamente, o Bebê em recuperação começa a


adquirir o respeito por si próprio através dos Doze
Passos. É um trabalho difícil mudar completamente a
vida de uma pessoa, mas as instituições de A.A./N.A.,
estão sempre presentes como guias.
Através destes programas, começa a surgir à
consciência da dignidade pessoal. Surge através da
descoberta, disciplina, perdão e aceitação de si mesmo
como realmente se é. Gradualmente, a criancinha
medrosa aproveita a oportunidade de desenvolver o
amor próprio.

Página | 30
AMAR E SER AMADO

Não faz mal se as pessoas no nosso grupo dos Doze


Passos gostarem de nós antes de nós gostarmos de nós
mesmos. O que importa é que agora gostamos mais de
nós. Gradualmente, exploraremos e descobriremos
todas as qualidades maravilhosas que possuímos.
Para um padrinho é muito gratificante observar o
afilhado descobrir os seus talentos maravilhosos e
únicos. Cada um aprende com o outro, enquanto
atravessam as provas do começo da sobriedade. Os
padrinhos fazem isto para conseguir ficar sóbrios; e, ao
fazerem isto, reforçam tudo quanto aprenderam.
Observar o recém-chegado a regressar à vida é uma
emoção que constitui recompensa suficiente.

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LIBERDADE

Voltar à vida com sentimento de dignidade e ficar


ligado a um padrinho, nos prepara para a próxima fase.
A nossa imaturidade nos obrigou a passar a vida
captando poder exterior para nos sentirmos bem por
dentro. Vendermo-nos por um prazer momentâneo era
escravidão. O bem estar não vem de ouras pessoas,
lugares ou coisas, mas de dentro de nós.
Recuperar o poder pessoal passa por admitir primeiro
a nossa impotência em relação aos outros. Todos nós
precisamos assumir a responsabilidade pelo nosso
próprio valor e dignidade. O nosso valor próprio não
depende do que os outros dizem ou fazem, mas antes,
de como reagimos a isto. Existem escolhas quanto à
forma de como reagir. Reagir com medo, raiva ou
ressentimento leva a pessoa a fazer uma autocrítica
negativa e sentir que não tem valor. Aceitar o fato de
que nem todos estarão de acordo com o que pensamos
e talvez nem mesmo gostar de nós, deve ser feito, pois é
a realidade.

Página | 32
RENDIÇÃO

É um grande alívio já não sentir obrigados a tentar


governar todo o universo. Na rendição, devolvemos essa
tarefa a um Poder Superior que, por sua vez, enche as
nossas almas com o calor, o conforto e a serenidade que
há tanto tempo procurávamos.

Antes da Rendição Depois da Rendição


Frustrado Em segurança
Zangado Protegido
Tenso Descontraído
Nervoso Grato
Sem saída Aberto
Em pânico Capaz de ser ensinado
Com medo Com boa vontade
Culpado Honesto
Envergonhado Esperançoso
Com dúvidas Em paz
Derrotado Sereno
Ressentido Tolerante
Vazio Realizado

Página | 33
PERDÃO

Deus não faz coisas mal feitas. Cada um de nós é uma


pessoa única – um alguém, não um ninguém. Em todo o
mundo não há mais ninguém igual a nós. Temos de nos
fascinar por nós mesmos e ter consciência de como
podemos ser fortes. O Rei Bebê que existe dentro de nós
desenvolveu uma larga variedade de energias associadas
aos talentos que Deus nos deu, e devemos aprender a
apreciar essas energias. Podemos aprender com o
passado e entrega-lo. Podemos deixar de ser o juiz, o júri
e o promotor que nos condena. Sabemos que o nosso
Poder Superior nos perdoa. Agora é hora de darmos
espaço. Temos de parar de nos julgar e sair do Seu
caminho.

Página | 34
HUMILDADE

“Meu Deus, como é difícil ser humilde quando se é


perfeito em tudo”. Quando Max Davis cantou esta
canção, por toda parte os Reis Bebês coraram, sabendo
que ele estava se referindo a eles. Já sabemos agora que
o orgulho constitui grande parte do problema do Rei
Bebê. O que precisamos aprender é que o orgulho pode
ser positivo. A humildade é uma aceitação de ser igual –
nem melhor, nem pior. Ser igual é também ser honesto
aberto e vulnerável. O que é difícil, mas possível agora.
Sentimo-nos livres de sermos nós, podemos enfrentar a
realidade. A humildade nos ensina a capacidade de
aprender e de ser flexíveis. Para continuar a crescer e
evitar as recaídas, a humildade tem de ser
constantemente mantida.

Página | 35
CULPA

A máquina da culpa, ou seja, a consciência do Rei


Bebê está avariada. Os Reis Bebês “mascaram” os seus
comportamentos e perdem os seus sistemas de valor
durante o processo. Tendo consciência disto, reagem
exageradamente e se castigam constantemente por
serem humanos. Até que o Rei Bebê que existe em nós
encontre o equilíbrio e um novo conjunto de valores, um
novo padrão de comportamento. Teremos de contar
muitíssimo com os nossos padrinhos. Uma boa regra de
conduta se nos sentirmos culpados, será não
procedermos assim. Temos de descobrir em que
acreditamos e viver de acordo com isso.

Página | 36
USANDO NOSSA PERSONALIDADE COMPULSIVA

Sabemos que temos personalidades compulsivas.


Porque não tentamos ser dependentes em relação a
qualquer coisa que seja positiva para nós? Podemos
escolher algumas metas a curto prazo ou coisas que
possamos fazer todos os dias. Podemos criar uma
divertida, positiva e até apaixonada ligação amorosa
com determinado programa de exercícios. Se quisermos
podemos voltar a estudar.

Página | 37
RELACIONAMENTO COM NOSSO PODER SUPERIOR

Devíamos perguntar qual Poder Superior temos e


como nos conectamos com Ele ao lermos as nossas
meditações diárias. Podemos escolher um tema segundo
o qual viver o dia a dia, lembrando que uma atitude
positiva não é automática, mas vem com a prática e um
trabalho árduo. Quanto mais as nossas expectativas
diminuírem mais a nossa serenidade aumenta. Podemos
praticar a aceitação em relação a nós mesmos e aos
outros.

Página | 38
DÉCIMO PASSO

Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando


estávamos errados, nós o admitíamos prontamente.

Assim, pois, aquele que pensa estar de pé tome cuidado


para não cair. (1Co. 10:12).

O Décimo Passo pode ser feito como um inventário


de nossa vida, admitindo o que encontramos. Dispondo
a aceitar que Deus nos mude e, então, humildemente
lhe pedimos que elimine nossas imperfeições. Tomamos
nota das reparações necessárias e as fazemos. O ponto
mais importante é o inventário periódico. Precisamos
reservar ocasiões regulares para o inventário pessoal.
Cada noite devemos registrar as coisas positivas que
fizemos e as coisas boas que nos aconteceram. Isto
evidencia que devemos a nós mesmos algum crédito por
aquilo que realizamos. Podemos rever calmamente os
nossos erros e admitir prontamente aquilo em que
erramos.

Página | 39
RELACIONAMENTOS COM O SEXO OPOSTO

Nossa recuperação é seriamente posta em pauta ao


começarmos um relacionamento cedo demais. Ao
experimentar o sofrimento que a recuperação causa, o
Rei Bebê em nós procura muitas vezes novos
relacionamentos para aliviar a dor do amadurecimento.
Permitindo que isto aconteça é semelhante a um inseto
que se deixa atrair pela luz. E o Rei Bebê, por várias
vezes, cria uma relação de dependência e usa esse
relacionamento como se fosse uma droga para ficar
eufórico. Isto põe nossa recuperação em risco, ou ainda
pior, pode provocar a recaída. A nossa imaturidade
pode nos ter impedido de saber o que é ou como ter um
relacionamento saudável. Tudo o que sabemos é
possuir, invadir, atacar e conquistar. Adoramos a lua de
mel, mas incapazes de aguentar os altos e baixos de um
relacionamento. As emoções intensas de um
relacionamento novo poderiam causar a perda de nossa
sobriedade recém-encontrada.

Página | 40
ELIMINANDO VELHOS PADRÕES DE COMPORTAMENTO

Imagine por um instante uns fones de ouvido


permanentes, fixados em você, com os quais num
ouvido você escuta o Rei Bebê e no outro você escuta os
A.A./N.A. Os nossos códigos de chamada serão R.B.B.
(para Rádio Rei Bebê) e A.A./N.A. (para Rádio Alcoólicos
Anônimos/Narcóticos Anônimos). Temos a escolha de
sintonizar a frequência que queremos ouvir, R.B.B. ou
A.A./N.A.
R.B.B. representa a rádio com os pensamentos
negativos1, ou seja, os pensamentos e velhos padrões de
comportamentos que nos levam à recaída, enquanto
que A.A./N.A. representam a com os sentimentos de
recuperação e os pensamentos que nos levam a pedir
ajuda.
Se desafiarmos a forma de pensar do R.B.B. e
sintonizarmos somente em A.A./N.A., podemos começar
a eliminar nossos velhos padrões de comportamento.

1 - “Stinking Thinking”.
Página | 41
Comparação de pensamentos negativos do Rei Bebê
em relação a Slogans dos A.A./N.A.

Pensamentos negativos Slogans dos A.A./N.A.


do Rei Bebê

Viva no passado e Um dia de cada vez


preocupe com o futuro
Continue fugindo dos Devagar se vai
medos e apreensões sempre2

Tente fazer as coisas do Se entregue, renda-se


seu jeito a Deus3

Reaja exageradamente Viva só por hoje


quando as coisas não
acontecem como pensa
que deveriam acontecer

Tente reescrever o Livro Não permita o que


Azul, os Passos e as está para acontecer4
Tradições, escolhendo as
partes em que quer
trabalhar e abandone o
resto

2 - “Easy does it”.


3 - “Let Go and Let God”.
4 - “Il it works, don’t do it”.
Página | 42
Esqueça que se manter Primeiro as primeiras
sóbrio e A.A./N.A. são coisas
suas prioridades n°1

Complique as coisas Mantenha as coisas


até o ponto da “análise simples5
paralisante”

Faça o inventário dos Faça seu próprio


outros, salientando inventário
quando estão errados

As pequenas mentiras É um programa honesto


não tem importância

Justifique os rancores e Não guarde


se agarre a eles ressentimentos.
Fale o que está sentindo

5 - “Keep a simple”.
Página | 43
Compare os sintomas da recaída do Rei Bebê
com os princípios de A.A./N.A.

Sintomas de recaída Princípios

Desonestidade Honestidade
Dúvida Esperança
Procrastinação Ação
Medo Coragem
Facilitação Integridade
Complacência Boa vontade
Arrogância Humildade
Auto piedade Amor fraterno
Libertinagem Autodisciplina
Negligência Perseverança
Ingratidão Consciência espiritual
Onipotência Serviço

Página | 44
A ATITUDE A TER É DE GRATIDÃO

Aprendemos finalmente a nos alimentar, apoiar e a


acariciar a nossa criancinha receosa. Decretamos trégua
com o nosso lado Rei Bebê e nos tornamos capazes de
controlar o que se passa dentro de nós. Nunca ocorreu
ao Rei Bebê que uma pessoa pudesse ser
autodisciplinada e viver uma vida normal e, apesar disso,
estar realmente “de boa” e ter vida. Podemos agora
desenvolver uma serenidade interior que o Rei Bebê
nunca pensou ser possível existir.
Existe um poema lindo, chamado “O Pedido e a
Resposta”, que descreve os sentimentos que o Rei Bebê
tem quando toma consciência que através de todo
sofrimento, recebeu grandes bênçãos.

Página | 45
O PEDIDO E A RESPOSTA
(Oração Universal de Ação de Graças)

Pedi a Deus que me desse força para poder realizar,


Nasci fraco, de forma a ser capaz de aprender a
obedecer humildemente.

Pedi saúde de forma a poder atingir coisas maiores,


Recebi enfermidades para conseguir fazer coisas
melhores.

Pedi riquezas para poder ser feliz,


Recebi pobreza para poder ser sensato.

Pedi poder, de forma a receber os louvores dos homens,


Recebi fraqueza de forma a sentir a necessidade de
Deus.

Pedi toda a espécie de coisas para poder gozar a vida,


Recebi a vida de forma a poder gozar todas as coisas.

Não recebi nada do que tinha pedido,


Mas tudo o que necessitava,

Quase que contra a minha vontade,


As orações que não pronunciei foram ouvidas,

Sou, entre todos os homens,


Profundamente abençoado.

Página | 46
PARA

PROBLEMAS COM BEBIDA


Em Center City, Minnesota

“Hazelden” conta com seis anos de experiência em recuperação


de homens com problemas com bebida. Seus diretores foram "ao olho
do furacão" de si mesmos e desenvolveram um programa baseado em
leitura, meditação, educação audiovisual, consultas e discussões, que
possibilitam aos hóspedes residentes entenderem os “porquês” deste
problema, e como paralisar esta doença.
Uma atenção especial é dada, servindo refeições apetitosas,
visando o bem-estar físico, que é reconhecido como um dos mais
importantes passos ao longo da caminhada para a recuperação.
Descanso e meditação também são importantes, e os visitantes
estarão autorizados apenas a pedido do hóspede residente.
Pesca, canoagem, piscina são algumas das possíveis diversões.
Médicos e enfermeiros disponíveis 24 horas por dia, e consultas
psiquiátricas serão agendadas mediante solicitação.

Preços razoáveis... para mais informações escreva para

341 North Dale Street Saint Paul 3, Minn.


(or) Center City, Minnesota
Uma organização sem fins lucrativos
GRANDIOSIDADE

Cecil C.

Hazelden Foundation
Editora JCB Publicações Ltda
Copyright © 2014, Cecil C.

Grandiosidade

Título em Inglês: GRANDIOSITY


Publicado originalmente por: Hazelden
Foundation
Todos os direitos de tradução e
publicação para o território brasileiro
reservados por Editora JCB Publicações
Ltda
PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU
PARCIAL POR QUAISQUER MEIOS, SEM
PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DA EDITORA
IMPRESSO NO BRASIL
Printed in Brazil
1ª Edição Brasileira
Maio de 2014
Coordenação Editorial: AMMB Syncro
Infinite Loop Avenue,#304 Projeto Gráfico: MFMB Ilustra
California Place Edição de texto: AMMB Syncro
Patos de Minas, MG CEP 38700-000 Diagramação: JCB Desing
Telefax: (34) 6963-4958 Revisão: JCB Desing
URL: www.jcbpublicacoes.com.br Adaptação da Capa: JCB Desing
E-mail: editora@jcbpublicacoes.com Ilustração: MFMB Ilustra

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
C., Cecil
Grandiosidade/Cecil C. / Tradução AMMB Syncro/. – 1ª. Ed.
– Minas Gerais: Editora JCB Publicações Ltda., 2014.
– (Dependência química)

Título original: Grandiosity.


Bibliografia.
ISBN 972-8272-18-9
1. Dependência Química. 2. Compulsão. 3. Tratamento
I. Título II. Série

CDD-717.2 07-7210
ii
Nota dos Editores à Tradução Brasileira:
Uma adicção consiste no uso habitual de substâncias alteradoras
do humor (medicamentos, álcool, drogas) ou de comportamentos
(excesso de trabalho, jogos, abuso de comida, internet, falar
demais, sexo, mania de limpeza, consumismo) que é caracterizado
pela tolerância à substância ou comportamento (sendo que um
crescente e contínuo uso à substância ou comportamento se
tornam necessários para obter o mesmo efeito) e pela perda de
controle (o uso continuado apesar de suas consequências
negativas).
A dependência química consiste na adicção ao álcool e/ou
outras drogas. É uma doença progressiva e, se não for tratada,
mortal.

Sobre a Fundação Hazelden:


Os “Materiais Educacionais da Hazelden”, editados no
Brasil pela Editora JCB Publicações Ltda., oferecem uma grande
variedade de informação sobre a dependência química e as áreas
com ela relacionadas. As nossas publicações não representam
necessariamente os programas da Fundação Hazelden, nem se
pronunciam oficialmente por nenhuma organização dos Doze
Passos.

Sobre este livro:


A grandiosidade é uma característica presente na maioria das
pessoas com problemas de dependência química. Este livro debate
a natureza da grandiosidade, as suas causas, outros efeitos no
caráter e sentimentos negativos associados a ela, assim como
maneiras de ajudar a pessoa grandiosa a obter uma personalidade
equilibrada.

iii
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................... 7
CARACTERÍSTICAS DA GRANDIOSIDADE ........................................ 9
DEFEITOS DE CARÁTER E SENTIMENTOS NEGATIVOS .................. 12
SUBMISSÃO COMPARADA À RENDIÇÃO ........................................ 16
CONHECENDO A SI MESMO ............................................................... 19

v
INTRODUÇÃO

A grandiosidade é um estado de espírito exaltado


comum ao homem ou mulher compulsivos. Este estado
tem de ser inibido antes de se render à realidade que é
necessária para a sobriedade. Este grande ego pode ficar
submerso, mas nunca será completamente destruído.
Por baixo da mente consciente de cada pessoa
dependente química, durante a sobriedade, assim como
em períodos de intoxicação, a grandiosidade espera
pacientemente o momento de descuido ou de
complacência que motive o retorno àquele primeiro
gole ou dose de outra droga que leva a cada recaída.
A grandiosidade é mais do que uma palavra grande e
bonita sobre emoções puras e simples que são
aumentadas para proporções gigantes. Como uma
palavra que serve para descrever um ego arrogante e
voltado para si mesmo. Grandiosidade pertence a uma
lista extensa que inclui autoridade, supremacia,
excelência, grandeza, magnificência, ou qualquer outra
que combinação que implique superioridade. A sua
presença é óbvia para os outros. Os seus efeitos são
descritos como orgulho, impaciência, determinação,
dominação, teimosia, egoísmo, agressividade e
desconsideração.
Todas estas palavras descrevem a aparência exterior
causada pelo sentimento de onipotência criado dentro
da pessoa grandiosa. Mais importante é o brilho interior
que toma conta dos homens e mulheres compulsivos e
Página | 7
perverte seus pensamentos. As pessoas grandiosas não
percebem que estão tentando fazer o impossível – se
passar por Deus.
Alguns dependentes químicos em recuperação
acreditam que a grandiosidade é um assunto
demasiadamente intelectual para ser discutido. Eles
preferem trocar ideias sobre assuntos simples como:
“Um dia de cada vez”, e outras frases vitais para a
sobriedade. No entanto um sentimento de onipotência
não se mostra mais evidente do que temas como
gratidão e humildade. Pode se pensar que se a
grandiosidade for chamada de chatice, complexo de
mandão, teimoso como uma mula, se obteria maior
atenção. A grandiosidade pode ser uma grande ameaça
à recuperação do que a raiva ou o ressentimento.
As ideias grandiosas são muito fáceis de adquirir. Os
homens e mulheres dependentes químicos vivem num
mundo onde se dão prêmios para as pessoas espertas.
As revistas, jornais e ilusões dão muito tempo e espaço à
teoria de que as pessoas espertas merecem o melhor da
vida. Boas roupas, viagens exóticas, carros esportivos,
joias com brilhantes e jantares luxuosos ficam assim tão
facilmente acessíveis como bebidas alcoólicas ou outras
drogas. Para o grandioso, tudo isto fica ao alcance da
mão, através das fantasias oferecidas pela ingestão de
drogas ou comportamentos compulsivos como excesso
de trabalho, jogos, abuso de comida, internet, falar
demais, sexo, mania de limpeza, consumismo.

Página | 8
CARACTERÍSTICAS DA GRANDIOSIDADE

A principal origem da grandiosidade é a imaturidade:


a incapacidade de crescer, e a recusa de se esquecer das
alegrias da infância. Uma das expressões favoritas dos
alcoolistas em recuperação é: “os primeiros 35 anos da
minha infância quase me mataram”. O termo “Sua
Majestade, o Bebê”, foi introduzida pela primeira vez
por Sigmund Freud. Ele descreveu a criança como um
monarca em três áreas:
1. Ele sabe que pode adquirir o que quer através de
ser barulhento.
2. Tem baixa resistência à frustração e portanto se
recusa a submeter-se a ordens.
3. Faz a ajuda correr.
Estes traços conduzem naturalmente a
comportamentos compulsivos e excessivos pela vida
afora. Sentimentos grandiosos não deixam o bebê
esquecer-se dos tempos tirânicos da infância, mas
exigem uma recusa teimosa e arrogante à admissão de
infantilidade.
A grandiosidade é baseada muito no egocentrismo.
Os seus desejos e prazeres vem primeiro para o
compulsivo grandioso e tendo sucesso, aumenta este
egoísmo.
Pode alguma coisa fazer aumentar mais o egoísmo e
a autossuficiência na pessoa adicta do que descobrir
maneiras engenhosas para impedir que os outros
descubram garrafas escondidas e os truques para
impedir que eles descubram as quantidades de álcool
Página | 9
que se vai beber? Cada alcoolista arrogante sabe o
quanto esperto ele é e se gaba desse conhecimento.
Mesmo o sentimento de estar sendo observado serve
para aumentar o ego; é a prova para os adictos da sua
importância para os outros. Quando os outros começam
a “estimular” ou a serem “abusivos” em relação ao
consumismo, a grandiosidade diz ao adicto que eles são
“falsos amigos” com cuja falta de carinho eles podem
viver sem. “Quem precisa do afeto deles? Não preciso de
mais ninguém e estou bem assim”. Quando a família e os
amigos, até médicos e terapeutas, desistem com
desgosto e consideram a pessoa dependente uma causa
perdida, o compulsivo grandioso sabe que a sua
superioridade foi aprovada.
É óbvio que a grandiosidade vai dar uma ênfase ao
sentimento de ser a única coisa que consome os
compulsivos. Uma compulsão em conjunto com uma
obsessão compele os que bebem a se considerarem
diferentes. Eles muitas vezes sentem pena de todos os
outros que levam vidas chatas e sem graça por não
beberem ou se drogarem. “Eu, ficar sóbrio e ser uma
cópia de todos essas pessoas tristes”?
A grandiosidade é a principal causa da racionalização.
Ela impõem respostas a cada pedido para deixar de usar
drogas. O pensamento grandioso tem desculpas já feitas,
álibis, explicações, buracos e negações como resposta.
Este modo de pensar limitado é a marca da
grandiosidade. O compulsivo grandioso recusa-se a
aceitar a ideia de que não consegue controlar o seu uso
de drogas.
Página | 10
As resposta deste pensador onipotente aos doze
passos é típica. Eles não aceitam a ideia de serem
impotentes sobre sua adicção e de terem a sua vida
descontrolada. Como eles podem acreditar na ideia
estar com pensamentos insanos, ou que sua vida devia
ser entregue aos cuidados de um Deus amoroso?
A grandiosidade não promove normalmente uma
reação violenta e de raiva em rebeldia a sugestões de
que o adicto deva desistir de se drogar. Bater com os
punhos na mesa e exclamações profanas normalmente
dão lugar a uma calma, mas firme rebeldia a ouvir
conselhos. Para alcoolista na ativa que se considera
superior aos que o querem ajudar, a grandiosidade os
influencia a pensar que são meros ignorantes bem
intencionados, inexperientes e mal encaminhados. A
música “My Way” poderia ter sido escrita para
alcoolistas grandiosos.
A atitude superior do adicto o faz dizer: “Estou bem,
tem outros muito pior do que eu. Se eu algum dia
começar a beber como eles...”. A grandiosidade é
enganosa, habilidosa, poderosa e, mais ainda, é
ciumenta e paciente. A grandiosidade também auxilia
outros desvios de comportamentos, atitudes negativas e
emoções destrutivas a aparecerem.

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DEFEITOS DE CARÁTER E SENTIMENTOS NEGATIVOS

Um ego muito grande sempre relembra a pessoa


compulsiva o preconceito que a sociedade impõe sobre
adictos confessos. Uma grande parte da sociedade,
ainda ignorante dos fatos verdadeiros sobre esta
doença, é culpada por marcar o adicto como escória. A
grandiosidade não só promove a negação como a arma
principal do adicto contra qualquer hipótese de se
render, sendo chamada o sintoma número um da
adicção.
O adicto grandioso acredita em todas estas negações
de forma que ele confronta os sinais dos outros para
parar de beber ou se drogar perguntando: “Porque eles
estão mentindo sobre mim? Quem lhes está dando esta
falsa informação”?
A sutileza da grandiosidade é habilidosamente
descrita pela citação: “A adicção é a única doença que
diz às suas vítimas que eles não a tem”.
O adiamento ao tratamento é uma arma poderosa
deste grande ego.
A grandiosidade facilmente consegue um adiamento
que lhe evite render-se, murmurando: “Não tenha
pressa”. Os adictos lembram frases dos tempos da
escola: “Devagar se vai longe”. “Não tire conclusões
precipitadas”.
A desconfiança é uma espada afiada plantada na
cabeça do compulsivo grandioso. Ela ajuda ao adicto a
concluir que aqueles que insistem na sobriedade “estão
tentando me enganar; sou muito esperto para cair na
Página | 12
conversa deles”. Ele reage a uma advertência interior
para ser humilde com “essa conversa mole”!
Em relação à gratidão, a resposta surge é: “Grato
pelo que tenho? A verdade é que mereço muito mais do
que me foi dado”.
A inveja é facilmente promovida pela grandiosidade
porque a pessoa com problemas de adicção é sempre
excessiva em tudo aquilo que ele acredita ser necessário
para ele viver. O adicto grandioso sempre cobiça tudo
dos outros e se acha melhor em tudo.
São pessoas extremistas e é natural que os seus
sentimentos de onipotência não tenham problemas em
produzir sentimento de ganância. Se ao Grande Ego do
adicto são negadas as melhores coisas da vida, ele não
vai aceitar as segundas melhores, mas vai dizer: “Sou um
líder natural, e não um membro do bando. Ou tenho isto
à minha maneira ou não vou jogar este jogo de sucesso
idiota”.
A raiva surge da inveja e da ganância do adicto
grandioso que viu os outros terem aquilo que tanto
queria. Os adictos arrogantes raramente “soltam vapor”,
mas levam as rejeições muito a sério. A resposta é a de
beber ou se drogar por tudo e por todos. A raiva do
adicto grandioso é um luxo. É uma raiva que fecha o
assunto e deixa o adicto afastar-se de todas as
controvérsias.
Os adictos temem não ter a quantidade de drogas ou
álcool necessário disponível em todas as horas, mas não
temem as drogas e a bebida em si mesma, porque esta
provou ser um servo fiel.
Página | 13
Eles, também, temem as pessoas bem intencionadas
porque elas podem cortar o seu suprimento através de
algum truque.
A solidão e a depressão são mantidas pela
grandiosidade como exemplos de coisas horríveis que
pode acontecer a quem tenta parar de beber ou se
drogar. Tais sentimentos são vistos como os falsos
presentes que os “intrometidos” bem intencionados
podem prometer se ele deixar a adicção.
A grandiosidade prega que tudo aquilo que merece
ser feito deve ser feito em excesso. O excesso leva o
adicto grandioso a ir até o fim das suas compulsões,
obsessões, impaciência, ciúme, impulsividade, pressão,
stress, quebra de regras e a emoções como ódio,
ressentimento e medo.
O orgulho do compulsivo onipotente é todo voltado
para si mesmo. Ele entra em parafuso com atitudes e
pontos de vista. O adicto super orgulhoso não se
preocupa ou partilha com os outros. Seu orgulho
doentio o deixa intolerante, incapaz de ouvir críticas e
conselhos, não concordando com eles e os achando
desagradáveis.
Os compulsivos grandiosos não lidam bem com o
ressentimento. Eles estão numa bolha onde a ajuda
nunca pode chegar, preocupados com os constantes
ensaios das artimanhas que estão planejando. Eles
culpam qualquer dor resultante de seus ressentimentos
pelos outros. A sua determinação em se vingar de todos
os condiciona a beber ou se drogar cada vez mais.

Página | 14
A maioria destas emoções destrutivas leva ao
pensamento negativo. Para o compulsivo arrogante,
todas as pessoas estão erradas e não tem nunca o
direito de estarem certas. Um adicto como este sabe
que não há dois lados numa discussão com a esposa, o
patrão, o pastor, ou até com o policial e com o juiz.
Um fator dominante na personalidade grandiosa é a
teimosia. Em qualquer conflito, a maneira de ser do
adicto nunca é uma questão de opinião, mas sim um
fato e uma realidade. Apesar dos outros saberem que
ele muitas vezes está errado, o adicto nunca põe em
dúvida seu ponto de vista.

Página | 15
SUBMISSÃO COMPARADA À RENDIÇÃO

Os compulsivos desafiadores tem toda confiança do


mundo no que diz respeito à sua capacidade de resistir a
todos os esforços que os queira forçar a para de beber
ou usar drogas. Em recuperação, muitos adictos se
referem a esta atitude como sendo uma “armadura”.
Esta os faz sentir-se invencíveis. Eles acreditam que,
enquanto recusarem a deixar de beber ou se drogar,
nada de importante pode ser retirado.
Independentemente desta atitude infantil verbalizada
pelos adictos grandiosos que lhes confirma a sua
onipotência, as suas mentes estão sempre tropeçando
num conflito entre o seu consciente e seu inconsciente.
O inconsciente é alimentador da grandiosidade. O
consciente – é o único refúgio para a realidade – pode
por muitas vezes admitir o horror das recaídas1. Não se
pode negar a dor sentida e as alucinações que causam
dúvidas sobre controlar a adicção.
Mas os períodos mais calmos que antecedem estas
recaídas (e nenhum adicto consegue estar bêbado ou
drogado o tempo todo), a grandiosidade do adicto toma
controle assegurando que a dor foi resultado de um
pequeno erro no modo como o adicto se embebedou ou
se drogou: “Um pouco de azar; um erro compreensível.
Da próxima vez vou ter um pouco mais de cuidado”.

1 – N.T. “Binge” no original corresponde a uma fase aguda de consumo.


Página | 16
A grandiosidade é aquela autoridade máxima, que
requer uma “segunda opinião” para todos os adictos na
ativa. Existe uma “inversão da decisão” para muitos
adictos que pedem ajuda no ápice de agonia e
desespero. Os amigos interpretam esta ação como
entrega, mas os adictos são famosos por terem plano B
e memória eufórica. A grandiosidade obscurece as
memórias da dor da recaída, libertando a “alegria” do
uso. O Grande Ego avisa contra ser “fraco de vontade” e
deixar que esses alarmistas possuam o adicto. “Esses
puritanos proibiram todos as diversões do mundo”, diz a
grandiosidade.
Uma rápida mudança de atitude é comum a todos
que estão em recuperação. Muitos dos alcoolistas a
caminho da sua primeira reunião de Alcoólicos
Anônimos, repentinamente alternaram entre: “Eu
preciso de ajuda” e “Tenho sinto muito, mas não vou
prosseguir com isso”.
A principal razão pela qual os adictos desistem
temporariamente da recuperação e podem se desiludir,
parecendo aparentemente entregues, é porque a
grandiosidade permite apenas um ato de submissão e
não de rendição.
Ao ser submisso, o adicto usa este disfarce como uma
mascara a aceitação. Não é sequer um sentimento de
resignação a um cruel destino. Toma lugar apenas na
superfície da consciência e não passa de uma forma
mais fácil e mais sutil. Está entre os atos descritos como
viver apenas à superfície da pele.

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Ao ser submisso, o adicto pode conscientemente
sentir a necessidade de ajuda, mas estas meias medidas,
normalmente levam o adicto à recaída e nunca mais o
deixam tentar a abstinência necessária para permanecer
em sobriedade. Este engano pode desencorajar amigos
cuidadosos e família, mas a grandiosidade leva o adicto
a pensar: “Boa jogada esta de tirar estes pesos das
costas”. O fato de haver um constante conflito na mente
do adicto entre o consciente e o inconsciente é o que
mantém a esperança de que a grandiosidade pode ser
eliminada com sucesso.
Visto que a grandiosidade blinda a mente e inflama a
intolerância que tem das outras pessoas, assim como de
suas ideias e opiniões, qualquer indecisão da parte do
adicto arrogante é um progresso. É um passo na direção
da realidade se o adicto grandioso começar a dar como
resposta, “Eu não sei”, “Eu não percebo”, ou “Estou
mudando minha maneira de pensar”.
Um sinal de crescimento em termos de tolerância
mostra-se muitas vezes em expressões de culpa por
comportamento compulsivo. Se tal culpa pode ser
sentida, a consciência de responsabilidades pode
começar a agir. Este avanço pode levar aqueles que tem
egos doentios a pensar que cometer erros não é
catastrófico, desde que ele admita a responsabilidade
pelo ato e esteja disposto a fazer reparações, assim
como eliminar esses padrões de comportamento que
podem resultar numa repetição dos mesmos erros.

Página | 18
CONHECENDO A SI MESMO

Diminuir o sentimento de que o adicto é diferente


pode ajudar que ele se identifique com outros adictos
em recuperação. Uma palavra deve ser enfatizada
constantemente como resposta aos comentários de “Eu
nunca fiz isso”. Essa palavra é ainda. “Ainda não fez, mas
se continuar a beber ou se drogar, vai”, essa palavra
ajuda a eliminar a grandiosidade.
Qualquer passo que aumente o desejo e a capacidade
de “ouvir o que é necessário ouvir quando é falado”
pode fazer com que o adicto onipotente conheça a si
mesmo. O progresso em ouvir e em identificar os
sentimentos envolvidos, leva a um conhecimento que o
adicto voltado para si mesmo não tinha há anos –
vontade de partilhar. Isto faz com que a alegria de sentir
carinho, de se dar o presente que é exercitar boas
emoções.
Aqueles que convivem com um adicto onipotente
podem se sentir impacientes com o tempo que este leva
para ter um desejo de entrega. Temos que lembrar que
a diminuição da grandiosidade só funciona quando
chegamos à base da onipotência – o inconsciente. A
rendição – dizem a maioria dos terapeutas – não pode
ser recomendada de uma vez.
É necessário uma conversão verdadeira, que está
além da convicção. Sem conversão não há recuperação.
Deve ser um ato de conversão espontânea. A verdadeira
entrega é a aceitação positiva e ativa da realidade, algo
que a grandiosidade não permitiu que a mente do adicto
Página | 19
acreditasse que poderia ajudar. A entrega é para se ter
uma vida de amor, gratidão, serenidade e humildade em
abundância.
O adicto decide mudar, e começa a viver uma jornada
espiritual que não tem fim.
A grandiosidade sofre uma quebra quando o adicto
para de tentar resolver seus problemas sozinho e
alegremente aceita ajuda de outros para fazer sua
recuperação funcionar. Em vez de lutar para escapar da
adicção, ele busca forças em Deus para formar uma
nova vida. Volta à autoconfiança. Mas não é segredo
que a entrega não dura para sempre em adictos em
recuperação. Rapidamente, o adicto que está tentando
se manter em sobriedade pode voltar para os velhos
padrões de comportamentos destrutivos que existiam
antes da rendição. É aqui que ser guiado e estar vigilante
podem ser essenciais para prevenir uma recaída. A
grandiosidade nunca se deita e morre.
A natureza compulsiva e excessiva dos adictos em
recuperação os mantém tensos. Durante a sobriedade,
isto pode fazer com que um adicto se torne impaciente
por experimentar um teste que determine se ele perdeu
o controle sobre o álcool ou drogas. A grandiosidade,
viva e em boa forma, apesar de suprimida do estado
consciente, dispara a memória eufórica, que é tão
familiar aos membros de A.A./N.A. Os “recaídos” em
geral são facilmente identificáveis. Visto que ao se
submeterem a uma tentativa de abstinência, mais do
que se renderam a grandiosidade, eles favoreceram o
pensamento negativo, evitaram fazer seu inventário e
Página | 20
reparações, não se esforçam em buscar um Poder
Superior, evitam orar, negligenciam o apadrinhamento,
sentem que leituras do Livro Azul1 em repetidas
reuniões são uma prática extenuante e se frustram na
maioria das reuniões.
Uma pessoa assim se tornou um adicto seco, não
uma pessoa sóbria. Outros membros, muitas vezes
notam a incapacidade destes novos membros de ouvir,
partilhar, ou de se envolver. Frequentemente, tentativas
de interferir para evitar uma recaída são ressentidas
pelo adicto grandioso que, enquanto sóbrio, ainda sente
que tem reservas.
Contudo, o que vimos é que a grandiosidade é um
ego inchado. Pode ser desinchado, mas facilmente,
voltar a se inflar.

1 – “Big Book” – Alcoólicos Anônimos.


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PARA

PROBLEMAS COM BEBIDA


Em Center City, Minnesota

“Hazelden” conta com seis anos de experiência em recuperação


de homens com problemas com bebida. Seus diretores foram "ao olho
do furacão" de si mesmos e desenvolveram um programa baseado em
leitura, meditação, educação audiovisual, consultas e discussões, que
possibilitam aos hóspedes residentes entenderem os “porquês” deste
problema, e como paralisar esta doença.
Uma atenção especial é dada, servindo refeições apetitosas,
visando o bem-estar físico, que é reconhecido como um dos mais
importantes passos ao longo da caminhada para a recuperação.
Descanso e meditação também são importantes, e os visitantes
estarão autorizados apenas a pedido do hóspede residente.
Pesca, canoagem, piscina são algumas das possíveis diversões.
Médicos e enfermeiros disponíveis 24 horas por dia, e consultas
psiquiátricas serão agendadas mediante solicitação.

Preços razoáveis... para mais informações escreva para

341 North Dale Street Saint Paul 3, Minn.


(or) Center City, Minnesota
Uma organização sem fins lucrativos
NEGAÇÃO

Melody Beattie

Hazelden Foundation
Editora JCB Publicações Ltda
Copyright © 2014 Melody Beattie

Negação

Título em Inglês: DENIAL


Publicado originalmente por: Hazelden
Foundation
Todos os direitos de tradução e
publicação para o território brasileiro
reservados por Editora JCB Publicações
Ltda
PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU
PARCIAL POR QUAISQUER MEIOS, SEM
PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DA EDITORA
IMPRESSO NO BRASIL
Printed in Brazil
1ª Edição Brasileira
Maio de 2014
Coordenação Editorial: AMMB Syncro
Infinite Loop Avenue,#304 Projeto Gráfico: MFMB Ilustra
California Place Edição de texto: AMMB Syncro
Patos de Minas, MG CEP 38700-000 Diagramação: JCB Desing
Telefax: (34) 6963-4958 Revisão: JCB Desing
URL: www.jcbpublicacoes.com.br Adaptação da Capa: JCB Desing
E-mail: editora@jcbpublicacoes.com Ilustração: MFMB Ilustra

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Beattie., Melody
Negação/Melody Beattie/ Tradução AMMB Syncro/.
– 1ª. Ed. – Minas Gerais: Editora JCB Publicações
Ltda., 2014. – (Dependência química)

Título original: Denial.


Bibliografia.
ISBN 972-8272-06-5
1. Dependência Química. 2. Compulsão. 3. Tratamento
I. Título II. Série

CDD-717.4 07-7208
ii
Nota dos Editores à Tradução Brasileira:
Uma adicção consiste no uso habitual de substâncias alteradoras
do humor (medicamentos, álcool, drogas) ou de comportamentos
(excesso de trabalho, jogos, abuso de comida, internet, falar
demais, sexo, mania de limpeza, consumismo) que é caracterizado
pela tolerância à substância ou comportamento (sendo que um
crescente e contínuo uso à substância ou comportamento se
tornam necessários para obter o mesmo efeito) e pela perda de
controle (o uso continuado apesar de suas consequências
negativas).
A dependência química consiste na adicção ao álcool e/ou
outras drogas. É uma doença progressiva e, se não for tratada,
mortal.

Sobre a Fundação Hazelden:


Os “Materiais Educacionais da Hazelden”, editados no
Brasil pela Editora JCB Publicações Ltda., oferecem uma grande
variedade de informação sobre a dependência química e as áreas
com ela relacionadas. As nossas publicações não representam
necessariamente os programas da Fundação Hazelden, nem se
pronunciam oficialmente por nenhuma organização dos Doze
Passos.

Sobre este livro:


Este livro mostra a opinião de uma pessoa que lutou
regularmente com a negação. Conta, também com citações de
especialistas, incidentes e exemplos de como outras pessoas
lidaram ou resolveram problemas específicos. Tais incidentes são
verdadeiros, mas os nomes foram substituídos por fictícios para
proteger o anonimato de pacientes e amigos. Espero que seja útil.

Sobre a autora:
Melody Beattie é uma das mais competentes autoras de
autoajuda dos Estados Unidos, é conselheira e um nome familiar
nos círculos de recuperação a compulsões e vícios. Apresentou ao
mundo o termo “codependência”.

iii
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................... 7
FERRAMENTA OU ARMA? .................................................................. 8
É PARTE DE UM PROCESSO ............................................................... 10
DETECTANDO OS GATILHOS DA NEGAÇÃO ...................................... 16
TRABALHANDO A NEGAÇÃO ............................................................ 21

v
INTRODUÇÃO

Você descobre que alguém da família é um adicto e


que você está com problemas com seu próprio
comportamento compulsivo e codependente. Está
novamente sendo afetado pela adicção só que de modo
diferente. A consciência veio de repente. Você passa os
meses deprimido, com raiva e cansado. “Não posso
acreditar que levei anos para perceber. Sabia tudo sobre
adicção. Como pude Negar por tanto tempo? Recuso-me
a aceitar esta realidade”.
Seja você ou alguém próximo sendo afetado pela
negação. Isto pode trazer confusão e frustração, você
pode interpretar isto como estupidez, absurdo ou
insanidade. Ela é simplesmente um mecanismo para
lidar com a perda e a dor.
Precisa perceber e aceitar a Negação como uma
ferramenta legítima do processo de Aceitação e Luto.
Veremos não como eliminar a negação e sim como
encontrar formas que nos ajudem na necessidade de
usá-las. Não estamos falando da mesma Negação do
Adicto que diz que está limpo.

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FERRAMENTA OU ARMA?

O que é essa sombra que abafa as pessoas apaga sua


sensibilidade as deixando cegas para a realidade? Que
Mudanças acontecem que mudam as pessoas racionais
para irracionais? Como podem dizer: “Isso não é assim”.
Quando na verdade é. Esta sombra é chamada de
Negação.
Os Psicólogos dizem que ela é uma defesa consciente
ou inconsciente que usamos para evitar, reduzir ou
prevenir a ansiedade quando somos ameaçados.
Quem está em Negação pode estar mentindo,
negando em Admitir a verdade sobre algo. Mas ela não
está fazendo isso só para os outros, está fazendo a si
mesmo também.
A negação trabalha a nível profundo. Dizemos
mensagens a nós mesmos quando alguma coisa ameaça
nos machucar. Ela nos engana, fazendo acreditar que
“Não é verdade”.
Podemos negar sentimentos, pensamentos,
acontecimentos, mudanças, situações, problemas,
doenças e até mesmo a morte. Mas o que normalmente
negamos são as perdas.
As pessoas perdem amor, pessoas amadas,
autoestima, fé em Deus, confiança, sonhos, trabalho,
saúde, dinheiro, posses, independência, etc. Podem

Página | 8
perder coisas importantes para elas. Mas que os outros
dificilmente veem como perdas.
Quando os adictos negam sua doença, continuam a
usar até a morte ou loucura. Os codependentes negam
que foram afetados pela doença e continuam sofrendo e
fazendo os outros sofrerem enquanto estiverem em
Negação.
As pessoas que negam a realidade não estão
admitindo nem resolvendo o problema, estão
eliminando a possibilidade de mudanças.
Nós usamos a negação para lidar com a dor ou
problemas, mas não lidar com eles não seria uma
aceitação melhor? A aceitação, assim como a
intervenção quando usada de forma correta e com
carinho são excelentes Ferramentas Terapêuticas. A
Negação pode ser o primeiro passo para a Aceitação.

Página | 9
É PARTE DE UM PROCESSO

Aceitação não é fácil, não reagimos imediatamente


com serenidade à dor ou aos problemas. Precisamos
lutar contra aquilo em que acreditamos ou contra o que
se sente antes de poder aceitar uma perda ou doença.
Temos que atravessar um processo.
Elisabeth Kubler Ross observou e documentou pela
primeira vez o processo de cinco fases do Luto em seu
trabalho dentro de hospitais com doentes terminais. Ela
identificou a maneira como maioria dos pacientes
terminais reage à aceitação de sua morte prevista.
Alguns Centros de Tratamento creem que esse
processo de Luto está intimamente ligado ao tratamento
e recuperação de doenças compulsivas como a adicção.
Visto que esta doença traz tantas perdas.
Infelizmente não são todas que trabalham assim e
mantém um cronograma arcaico que já não funciona
mais, está ultrapassado. Usam apenas os Doze Passos,
alguns textos em comum que todos os centros têm e
usam em reuniões de sentimentos de onde o interno sai
pior do que entrou, pois os facilitadores que dirigem as
reuniões muitas vezes não sabem lidar com o
sentimento dos outros. Tais clínicas acabam se tornando
depósitos de pessoas, um grupo de apoio internado sem
capacidade de recuperação.

Página | 10
Temos que facilitar reuniões visando o
desenvolvimento do paciente. Assim não haverá
confusão, a equipe pode se preparar antes de cada uma
e sempre iniciar um programa de recuperação
estimulando a necessidade de conscientização com a
Negação e Luto seguidas das reuniões de TRE.
O novo residente antes de qualquer coisa tem que
ver essas reuniões de conscientização para colocar a
mente dentro do lugar onde está, pois por pelo menos
um mês a cabeça dele vai, com certeza, se focar na rua,
pensando no que os companheiros estão fazendo,
lembrando aventuras, etc.
Estas reuniões vão trazer a mente do residente para
onde estão. Fazendo com que se interessem pelo
programa de recuperação. Tomam a consciência de que
a rua está na rua. Eles estão em outro lugar com os pés
no chão.
Podemos sofrer sempre que esperamos uma
mudança mesmo desejada. Para qualquer mudança
temos que deixar algo para traz de modo a abrir espaço
para o novo. Não tem regra que determine quanto
tempo vai ficar em cada uma das cinco fases e nem
quanto tempo leva todo processo.
Depende da natureza da perda e a que ponto está
preparado para lidar com ela, do tempo do Poder
Superior de cada um começar a agir. Porém, dura o

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tempo necessário para atravessar o processo. Ajudar as
pessoas a crescerem é mais complicado do que fazer o
mesmo com jardins e hortas.
Apesar de poder colocar todas as fases no papel, a
nossa passagem por elas talvez não siga a mesma
sequência. Podemos viver várias ao mesmo tempo,
podemos voltar a fases antigas ou pular algumas, estar
em diferentes fases ao mesmo tempo. A aceitação
permanente pode ser necessária. Este é o jeito que nosso
Poder Superior trabalha em nós.

1. Negação: é a primeira reação à perda. Do mesmo


jeito que a dor física pode por nossos corpos em
choque, a dor emocional ou mental pode causar
uma reação parecida em nossos sentimentos,
pensamentos e até em nosso corpo. Alguns
chamam de bloqueio. Parte de nós suspeita da
verdade, mas ainda não estamos prontos para
lidar com ela. Lembrando que não há um tempo
determinado para a duração da Negação. Cada ser
e situação são únicos e negam até se sentirem
seguras para lidar com a perda de outra forma.
Tendo ultrapassado a Negação, ainda não é hora
de chegar à Aceitação.

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2. Raiva: esta fase é caracterizada pela inveja, por
transferir a culpa para outros, por ressentimentos
e muitas vezes por fúria. Esta raiva pode ser
especifica ou pode ser geral, pode ser racional ou
irracional, justificada ou injustificada, sensata ou
sem sentido. Podemos chutar o cachorro, gritar
com as crianças e lá dentro não estar com raiva de
nenhum deles. Estamos com raiva por causa da
nossa perda. Temos inveja daqueles que podem
tomar uma bebida antes do jantar sem terminar
recaído à meia noite. Da mesma modo que
precisamos da Negação, agora precisamos da
Raiva. Ela é combustível se não for trabalhada,
mesmo assim, precisamos saber lidar com ela.

3. Negociação: depois que passar a ira, podemos


tentar negociar uma forma de evitar ou adiar a
perda. Algumas vezes nossos acordos são
construtivos, realistas e tem o resultado esperado.
Mas, na maioria das vezes, eles não são realistas.
O alcoólico vai tentar um acordo em que pelo
menos ele beba uma só cerveja ou um final de
semana por mês.

4. Depressão: nesta fase, avançamos para um


período de tristeza. Quando dissemos pela

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primeira vez: “Isto não pode ser verdade”, fomos
levados para este momento. É a essência da dor,
estar realmente de Luto. A dor emocional na sua
forma mais pura. Choramos pelo que perdemos, e
também pelo que vamos perder. Este estado de
tristeza pode levar horas, dias, semanas ou até
meses. Quando nos rendemos, este processo
começa. E a Depressão só passará quando o
processo for todo ultrapassado.

5. Aceitação: no momento em que não precisamos


mais bloquear a raiva, fazer acordos e depois de
ter lidado com a tristeza, chegamos à fase da
Aceitação. Ela não deve ser confundida com uma
fase feliz. É vazia de sentimentos, é como se a dor
tivesse ido embora. Estamos em paz e livremente
admitimos a nossa impotência perante adicção.
Deus nos deu a serenidade para aceitar o que não
podemos modificar. Depois desta aceitação, nós
crescemos. Podemos aceitar a perda e crescer,
mas o caminho não é fácil. Precisamos nos agarrar
à esperança, em todas as fases ela é uma linha de
segurança. É importante entender e assinar um
compromisso com este processo. É positivo
entender o Luto e a Negação. As pessoas que
sofrem estão vivendo este processo. O que

Página | 14
precisamos é nos permitir e aos outros, a
liberdade de lutar, sentir e falar sobre este
processo quando quisermos. Entender o processo
não vai tirar a necessidade de atravessá-lo, mas
vai ajudar a relaxar, ter menos medo e lidar com
ele, em vez de lutar contra ele. E entendendo este
processo podemos ser uma boa ajuda para os
outros.

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DETECTANDO OS GATILHOS DA NEGAÇÃO

Apesar da dificuldade em reconhecer a negação,


podemos aprender a ficar sensíveis à sua presença. Cada
um é um ser único, e cada sistema de negação vai ser
único. Porém, podemos observar certos padrões
emocionais, comportamentais e mentais que são
comuns.

Como vemos esses gatilhos

Os quatro principais sistemas de negação que as


pessoas usam são:

1. Recusar em aceitar a realidade, caracterizada por


frases como, “não acredito", "não pode ser
verdade", “isto não está acontecendo”. Então
começamos a ter comportamentos como se o
acontecimento, perda ou problema não
estivessem acontecendo.

2. Negar ou minimizar a importância da perda,


admitindo a realidade do que passou, mas
insistindo que não é importante como dizem.
Não consideramos o problema importante.

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3. Negamos qualquer sentimento de perda: isto é a
repressão emocional. Podemos demonstrar e
agir como se não fosse importante. Aparentando
estar emocionalmente vazios.
4. Fuga mental: evitamos os acontecimentos,
mentalmente de várias maneiras. Dormir demais
para escapar. Ficar hiperativos, impulsivos,
obsessivos e compulsivos, ou focar em televisão,
rádio, jornais.

Quem está evitando a realidade podem ir longe para


contornar situações que confrontam seu sistema de
negação. Tendo muito trabalho para evitar a verdade.
Os adictos são conhecidos por levarem suas vidas de
forma que seja um suporte para a negação.

Como sentimos esses gatilhos

1. Pode se sentir desesperado, sozinho, pouco à


vontade, confuso, assustado, ansioso, culpado,
vulnerável ou até fora de controle.

2. Ao contrário pode não sentir nada. As emoções


estão blindadas, frias ou reprimidas.

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3. Responde às situações de forma inadequada.
Alegria quando momento é de tristeza,
infelicidade ou raiva quando outro sentimento
seria mais apropriado.

4. Sentimo-nos cansados por causa da fuga no sono.


Quem nega pode sentir um cansaço fora do
comum por causa da negação, pois o processo é
cansativo. Evitar a realidade é como manter uma
bola grande debaixo d’água. Pode ser feito, mas
exige energia.

5. Sentimo-nos, às vezes, defensivos sobre o que


estamos negando. As pessoas podem sentir isso,
tendo sido verbalizado ou não, mas é melhor não
falar nisso. O problema não é discutido por medo
de outra cena.

6. Um sentimento como o de estar desconectado ou


fora contato de consigo mesmo, é na maioria das
vezes, um sinal de negação. Podemos estar
desligados de nós mesmos e da nossa capacidade
de sentir e pensar.

7. Negação por muito tempo pode fazer com que


uma pessoa se sinta doente e até pode ficar

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doente, mental ou fisicamente. Pode ter dores de
cabeça, dores no estômago, dores nas costas etc.
Pode diminuir a imunidade e ficar doente mais
vezes que o normal.

Como realmente são esses gatilhos

Quem está em negação pode dizer a elas mesmas e


aos outros que:

1. Não é tão ruim assim. (minimização)

2. Não tem importância.

3. Não é assim, não pode ser.

4. Não me importo.

5. Estou muito ocupado para pensar nisso.

6. Amanhã vai ficar tudo bem.

7. Não sou tão ruim como ele. (comparação)

8. Foi muito divertido. (memória eufórica)

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9. Nós fizemos, porque era sensato. (racionalização)

10. Eu fiz, porque era o certo a fazer. (justificação)

11. Eu não tenho esse problema, mas um monte de


gente que conheço tem. (projeção)

12. Eu não poderia ser assim porque sempre agi de


forma contrária. (compensação)

Esta lista não é completa, é apenas para dar uma


ideia da comunicação que acompanha a negação.

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TRABALHANDO A NEGAÇÃO

Examine seus motivos. Quer realmente ajudar a


pessoa ou está tentando interferir ou controlar? Está
com raiva, medo ou ressentido? Pensa que é melhor que
esta pessoa? Estão em contato com seus sentimentos,
crenças e poder superior? Está negando alguma coisa?
Tem alguma necessidade de negar o que a outra pessoa
está negando? Precisa ou espera que a outra pessoa
negue algo pelas suas próprias razões?
Se assim for a outra pessoa pode sentir isso e não vai
cooperar. Se o seu coração não está na sintonia certa
em relação a esta pessoa, ela vai sentir isso e sua ajuda
vai tornar-se inoperante.
Mantenha-se saudável. Saúde gera saúde, e doença
gera doença. Se em algum momento perceber que
precisa de A.A., N.A., Alanon, Nafta, Amor Exigente ou
qualquer outro programa de Doze Passos, vá às reuniões
regularmente e trabalhe seu programa.
Se você teve uma doença terminal, crônica e
incurável o ano passado ou há dez anos, você ainda a
tem. Tratá-la vai minimizar a sua necessidade de usar a
negação e o programa de Doze Passos vai ajudá-lo a
lidar com as outras pessoas.
Ofereça ajudas saudáveis: Permita-se a si e aos outros
pensar, sentir, resolver problemas, ser quem são e estar

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onde estão no seu processo de crescimento. Estas
autorizações dão força, energia e são de muita ajuda.
Porque a negação faz entrar em curto circuito os
padrões de comportamento e os processos de
pensamento e as emoções de uma pessoa, dar uma
ajuda deste tipo pode encorajar a maquina a recomeçar
a trabalhar.
Dar às pessoas a autorização para serem quem são
passageiros imperfeitos numa viagem - pode reduzir a
sua necessidade de usarem a negação. Não há problema
em ter problemas. Não há problema em resolver
problemas também. Uma autorização contrária que eu
dou às pessoas - especialmente a crianças que precisam
aprender e a pessoas que tem tendências destrutivas é:
“Não é aceitável magoar-se ou aos outros”. Isto pode ser
claro para nós, mas não o ser para eles.
Ouça se quiser. Deixe as pessoas saberem que está
disponível se elas quiserem falar. Falar ajuda as pessoas,
tiram coisas da cabeça e a arejam. É saudável ser ouvido,
cria aceitação.
Lembre-se que ajuda ouvir com seu coração assim como
com seus ouvidos. O que está ouvindo pode ser outra
forma de dizer: “tenho medo”, ”estou sofrendo”, “estou
confuso”.
Fale de você, das suas emoções e das suas
experiências: Falar dos seus sentimentos é sempre uma

Página | 22
boa maneira de lidar com eles. Vai ajudá-lo. E, partilhar
honestamente as suas emoções e experiências pode
ajudar outras pessoas também. Pode dar-lhes coragem
de fazer o mesmo, as suas vitórias podem dar-lhes
esperança. Se sentir que tem que falar de outra pessoa
seja gentil. As pessoas que estão sofrendo reagem bem
à gentileza: “Soa como se estivesse com problemas
apenas”. Melhor ainda, encontre algo de bom nesta
pessoa – uma qualidade, algo que esta pessoa tenha e
que você gosta e aprecia – e ofereça este elogio. Isto
pode ajudar mais do que imagina e você desenvolve um
bom traço de caráter.
Ofereça informação, literatura e referências: Isto
quer dizer pergunte à pessoa se ela quer ler um livro, um
folheto, uma apostila ou um artigo. Se a resposta for
não, então não insista. Lembre-se que há uma grande
diferença entre informação e conselho.
Não dê nem ofereça conselhos. Não ajuda e só serve
para deixar as pessoas furiosas. Mesmo que lhe seja
pedido não os dê. Uma boa resposta seria: “O que você
acha que deveria fazer?” Isto ajuda e ninguém leva a
mal.
Leia o livro azul de A.A. ou de N.A. e outras literaturas
do programa de Doze Passos: Contém muita sabedoria
que pode ajudar na identificação da pessoa que está
ajudando.

Página | 23
Demonstre empatia. Esta é uma palavra bonita que
significa se colocar no lugar do outro. Não quer dizer
auto piedade, quer dizer lembrar-se o que significa sofrer
uma perda tão grande que precise negá-la.
Se não consegue se lembrar de ter sofrido ou negado,
e se não consegue ter empatia, se ainda assim não
consegue lembrar-se, talvez você não seja a pessoa certa
para lidar com a pessoa que está sofrendo. Empatia
ajuda, e pode ajudar muito a reduzir a necessidade de
negar.
Evite julgar. As pessoas têm problemas, não são o
problema. Dizer ou acreditar que uma pessoa é má,
inferior, sem esperança, horrível ou orgulhosa não vai
ajudar. Mesmo que sinta isso em seu coração, se não o
disser não vai ser ouvido (mas não esqueça que o corpo
fala, então procure não demonstrar, ao invés disso
procure perceber se não existe alguma identificação
entre você e a pessoa que está tentando ajudar).
Especialistas acreditam que o medo, a culpa e a
vergonha são algumas das maiores barreiras que as
pessoas enfrentam para parar de negar.
Se juntarmos à culpa e a vergonha de uma pessoa –
se lhe dissermos que os seus piores receios são verdade –
isso não vai ajudar. Pode é aumentar a necessidade de
usar a negação.

Página | 24
Não discuta. Raramente isso ajuda uma pessoa a
parar de negar. Desvia a atenção e faz perder tempo e
energia. Você não pode apoiar ou concordar com a
negação, mas também não deve forçar uma pessoa a ver
a realidade. Às vezes ajuda dizer: “Está bem, pode ser
que tenha razão”. E deixar ir. Isto tira a pressão de você
e a coloca na outra pessoa de uma maneira positiva, e
que ajuda.
Deixe as pessoas lutarem com elas mesmas e
decidirem se tem razão. Sua batalha com a verdade e a
realidade é muito mais dura de vencer que uma batalha
com você mesmo. E quando esta batalha acabar vão ter
ganhado algo. Isto não quer dizer que não possa ter
raiva de quem está em negação. Você tem direito aos
seus sentimentos, e precisa senti-los e, às vezes,
comunicá-los. Mas gritar não é normalmente a melhor
maneira de fazê-lo.
Respeite as pessoas. Isto inclui acreditar que elas são
boas pessoas (mesmo que tenham problemas). Elas
podem pensar e podem resolver seus problemas. Isto
quer dizer que permitimos que façam essas coisas por si
mesmas. Pergunte-lhes o que elas creem que o
problema seja. Pergunte como querem resolvê-los. Não
temos que curar fazê-los ficarem melhor, controlar ou
salvar. Não temos que lhes dar conselhos, nem fazer
com que seus sentimentos desapareçam.

Página | 25
Não temos e não devemos nos envolver com suas crises
e consequências. Tais consequências são uma das
maneiras em que a realidade fala alto para aqueles que
estão em negação. Pare de salvá-los! Vai lhes fazer um
grande favor e a si mesmo.
Respeite-se. Ponha limites. Para sua saúde e bem
estar. Não faça coisas pelos outros que realmente não
quer fazer, que não sejam boas para você ou que não
sejam boas para eles. Procure ser assertivo.
Não deixe que uma pessoa que está em negação lhe
faça coisas que te façam mal. Isto não quer dizer para
dar ultimatos ou fazer jogos de poder (fazer algo para
obrigar uma pessoa a ter um comportamento qualquer
ou para “mostrar quem manda”). Isto quer dizer que
calmamente deve descobrir o que precisa fazer para
tomar conta de você e fazê-lo. Marque os limites.
Confronte com cuidado. Isto não é um trabalho de
confronto ou intervenção. Ambas são boas ferramentas,
quando usadas de forma conveniente. Ambas podem
igualmente ser perigosas – para nós e para as pessoas
que confrontamos. Despir uma pessoa de ilusões não é
um projeto casual. Se o assunto que está sendo negado é
sério a pessoa pode parar com a negação após ser
confrontada. Mas lembre-se – esta pessoa não vai
provavelmente evoluir calmamente para a aceitação.
Pode avançar para a segunda fase do processo, a raiva.

Página | 26
Podem surgir atos violentos quando situações como
essas acontecem.
Tenha cuidado, John Powell explica porque em seu
livro “Porque tenho medo de lhe dizer quem sou?” “A
vocação de endireitar pessoas, de lhes tirar as máscaras,
de forçá-los a enfrentar a verdade reprimida é uma
chamada extremamente perigosa e destrutiva. Ele não
pode viver com algo que realizou. De uma maneira ou de
outra, ele mantém-se psicologicamente intacto através
de uma forma de ilusão. Se essa ilusão for desmontada,
quem a vai reconstruir e por o ser humano de pé outra
vez?” Procure ajuda profissional se pensa que você, ou
alguém perto de você está tendo problemas com a
negação, ou se está considerando confrontar ou intervir
um caso difícil.
Desligue-se do comportamento difícil que está
tentando ajudar. Não leve as pessoas pessoalmente nem
os problemas delas com você. Não somos responsáveis
por outros adultos – não assuma responsabilidades por
eles ou por seus problemas. Em último caso e com toda
certeza cada pessoa é responsável pela sua negação. O
seu processo de negação é sua responsabilidade. Ocupe-
se das suas responsabilidades – de você e do seu
processo de aceitação.
Se não podemos controlar os outros, o que
aparentemente não podemos, então ao menos devemos

Página | 27
tentar controlar a nós próprios. Se lhe está sendo difícil
afastar-se de uma pessoa ou de um problema, pode
querer considerar o grupo de apoio. Peça ajuda.
Confie em você, no seu processo de aceitação e no
seu Poder Superior. Não existem regras absolutas para
lidar com a negação ou com as pessoas. Cada situação e
cada pessoa são únicas. Mas você pode pensar e
perceber como lidar com as situações que surgirem.
Você quer ajudar a alguém? Pergunte ao seu Poder
Superior. Peça que o use e lhe mostre o que fazer.
Empenhe-se em ser gentil, pensar claramente e em ter
amor nos seus encontros com pessoas. Esqueça-se da
perfeição.
Você nem sempre tem de fazer algo. As pessoas
reestruturam-se “caindo aos pedaços” – e o processo
muitas vezes começa pela negação. É assim que Deus
trabalha conosco. Abra mão do controle e deixe que
Deus o faça por você.

Página | 28
PARA

PROBLEMA S COM BEBIDA


Em Center City, Minnesota

“Hazelden” conta com seis anos de experiência em recuperação


de homens com problemas com bebida. Seus diretores foram "ao olho
do furacão" de si mesmos e desenvolveram um programa baseado em
leitura, meditação, educação audiovisual, consultas e discussões, que
possibilitam aos hóspedes residentes entenderem os “porquês” deste
problema, e como paralisar esta doença.
Uma atenção especial é dada, servindo refeições apetitosas,
visando o bem-estar físico, que é reconhecido como um dos mais
importantes passos ao longo da caminhada para a recuperação.
Descanso e meditação também são importantes, e os visitantes
estarão autorizados apenas a pedido do hóspede residente.
Pesca, canoagem, piscina são algumas das possíveis diversões.
Médicos e enfermeiros disponíveis 24 horas por dia, e consultas
psiquiátricas serão agendadas mediante solicitação.

Preços razoáveis... para mais informações escreva para

341 North Dale Street Saint Paul 3, Minn.


(or) Center City, Minnesota
Uma organização sem fins lucrativos
O LUTO
UM PROCESSO DE CURA

Peter C. McDonald

Hazelden Foundation
Editora JCB Publicações Ltda
Copyright © 2014, Peter C. McDonald

O Luto - Um processo de cura

Título em Inglês: GRIEVING – A HEALING


PROCESS
Publicado originalmente por: Hazelden
Foundation
Todos os direitos de tradução e
publicação para o território Brasileiro
reservados por Editora JCB Publicações
Ltda
PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU
PARCIAL POR QUAISQUER MEIOS, SEM
PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DA EDITORA
IMPRESSO NO BRASIL
Printed in Brazil
1ª Edição Brasileira
Maio de 2014
Coordenação Editorial: AMMB Syncro
Infinite Loop Avenue,#304 Projeto Gráfico: MFMB Ilustra
California Place Edição de texto: AMMB Syncro
Patos de Minas, MG CEP 38700-000 Diagramação: JCB Desing
Telefax: (34) 6963-4958 Revisão: JCB Desing
URL: www.jcbpublicacoes.com.br Adaptação da Capa: JCB Desing
E-mail: editora@jcbpublicacoes.com Ilustração: MFMB Ilustra

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
McDonald, Peter C.
O Luto – Um processo de cura / Peter C. McDonald; /
Tradução: AMMB Syncro /. – 1ª. Ed. – Minas Gerais:
Editora JCB Publicações Ltda., 2014. – (Dependência
química)

Título original: Grieving – A Healing Process.


Bibliografia.
ISBN 972-8272-03-6
1. Dependência Química. 2. Compulsão. 3. Tratamento
I. Título II. Série

CDD-717.3 07-7209
ii
Nota dos Editores à Tradução Brasileira:
Uma adicção consiste no uso habitual de substâncias alteradoras
do humor (medicamentos, álcool, drogas) ou de comportamentos
(excesso de trabalho, jogos, abuso de comida, internet, falar
demais, sexo, mania de limpeza, consumismo) que é caracterizado
pela tolerância à substância ou comportamento (sendo que um
crescente e contínuo uso à substância ou comportamento se
tornam necessários para obter o mesmo efeito) e pela perda de
controle (o uso continuado apesar de suas consequências
negativas).
A dependência química consiste na adicção ao álcool e/ou
outras drogas. É uma doença progressiva e, se não for tratada,
mortal.

Sobre a Fundação Hazelden:


Os “Materiais Educacionais da Hazelden”, editados no
Brasil pela Editora JCB Publicações Ltda., oferecem uma grande
variedade de informação sobre a dependência química e as áreas
com ela relacionadas. As nossas publicações não representam
necessariamente os programas da Fundação Hazelden, nem se
pronunciam oficialmente por nenhuma organização dos Doze
Passos.

Sobre este livro:


Este livro mostra o luto como uma coisa que todos enfrentam ao
longo da vida. A perda e o luto subsequente fazem parte da vida e
não há como fugir deste fato. O Décimo Segundo Passo diz que
“temos que praticar estes princípios em todas as nossas atividades”.
Estas atividades podem ser às vezes as perdas que se tem que
enfrentar.

Sobre o autor:
O Rev. Peter C. McDonald é membro de uma equipe
multidisciplinar, que presta serviços a pacientes terminais e às suas
famílias. Ele realiza terapias espirituais e é facilitador em grupos de
apoio ao luto como um serviço à comunidade.

iii
Agradecimentos

Gostaria de agradecer ao Rev. Benonis, capelão e


Tenente coronel do Exército dos Estados Unidos da
América por ter feito a ligação entre o processo do luto
e o Primeiro Passo dos A.A. Limitei-me a transcrever
para o papel o que ele descobriu através de seu trabalho
em Hazelden e durante nossos cursos residenciais de
Educação Clínica Pastoral. Aprendi muito com ele e tive,
também, o prazer de ter partilhado de sua amizade
nessa época de minha vida. Desejo ainda à Rev. Priscilla
W. Braun, senhora de grande sabedoria e amor. Este
livro é dedicado a eles.

v
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................... 9
PERDAS ASSOCIADAS AO LUTO ......................................................... 10
O PROCESSO DO LUTO ....................................................................... 14
OS CINCO ESTÁGIOS DO LUTO ......................................................... 15
CONCLUSÃO ........................................................................................ 21

vii
INTRODUÇÃO

Quando se inicia verdadeiramente o Primeiro Passo


“Admitimos que somos impotentes perante nossa
adicção e que perdemos o controle de nossas vidas”,
percebe-se que ele trata simplesmente da aceitação da
perda. Isto pode parecer assustador, mas não precisa ser
assim, basta admitir que a impotência, é a aceitação da
perda de poder sobre si mesmo e sobre o mundo.
Talvez seja útil saber que em qualquer tipo de perda
se seguirá, inevitavelmente, o luto. Ele acompanha a
perda seja ela grande ou pequena. É bom saber que o
luto passa por várias fases e que quase sempre termina
pela aceitação da perda. Isto é outra forma de dizer que
o Primeiro Passo faz parte do processo de luto. Assim,
todos que admitem sua impotência no Primeiro Passo,
passaram pelo processo do luto, como um critério para
continuar o programa dos Doze Passos.

Página | 9
AS PERDAS ASSOCIADAS AO LUTO

Consideremos algumas das perdas que sofremos ao


deixar a nossa dependência:

1. A própria substância: seja a droga, o álcool, ou


outras compulsões, a garrafa (ou o que seja), é
uma velha amiga de quem muitas vezes se
depende para afastar o “sofrimento”, para ajudar
a sentir que se controla a situação e ter melhor
opinião sobre si mesmo. Quando deixamos esta
“muleta” de lado, ocorre o pensamento de que
teremos que aguentar tudo sozinho sem qualquer
tipo de ajuda.

2. Os amigos: quando paramos de beber ou de se


drogar, simultaneamente deixamos de lado um
velho círculo de amigos. Podem ser vizinhos ou
colegas de trabalho, ou até mesmo membros da
família que continuam bebendo ou se drogando.
Do mesmo modo, se a bebida ou as drogas
acompanhavam os esportes ou outras atividades
sociais, poderá ser necessário deixar estas
atividades de lado durante algum tempo, caso
continuar com elas cause risco a sua recuperação.
Os familiares codependentes (aqueles que tentam

Página | 10
controlar o comportamento do adicto ou de
outras pessoas e perdem o controle do próprio
comportamento) poderão continuar com estas
atividades ou optar em deixá-las por algum
tempo, se isto for ajudar o adicto em sua
recuperação.

3. Um relacionamento: caso esteja terminando um,


com frequência, se perde não só esta pessoa, mas
todo um grupo de amigos e conhecidos, incluindo
os membros da família que se deixa de ver e os
lugares que costumavam frequentar. Deixar
amigos e atividades cria um grande espaço de
tempo ocioso durante o qual pode se sentir,
normalmente, isolado e deprimido e que se não
for sabiamente ocupado, poderá ser um gatilho
que dispara uma recaída.

4. A autoimagem e a autoestima: sob a influência


do álcool ou do químico, o adicto acreditava que
cuidava bem de sua família, que era uma pessoa
responsável e carinhosa, pensava que controlava
as situações que surgiam, e que sua compulsão
por bebidas ou drogas não os prejudicava ou as
pessoas que estavam ao seu redor. Mas quando
se decide parar, começa a se conscientizar de que

Página | 11
não era esse o caso. Verificamos que não se tinha
o controle sobre a adicção ou às situações. Se
conscientizar disso constitui um terrível golpe
para a maioria e destrói a autoestima e as ilusões
a seu respeito.

5. Emprego: muitas vezes a drogadição ou o uso


abusivo de álcool foi a causa da perda de um
emprego (ou mesmo de uma série de empregos).
Isto pode ser uma perda realmente difícil se o
sentimento de identidade do indivíduo dependia
deste emprego. Para muitos, uma grande parte
da autoimagem está associada ao que se faz para
ganhar a vida.

6. A família: Em outros casos, muitos como


consequência de beber ou se drogar, perdem
alguém através de uma separação ou de um
divórcio. A presença da esposa, marido, pai, mãe
é importante para todos e dá sentido às vidas de
todas as pessoas. Às vezes, as pessoas mais novas
perdem os pais por causa de sua própria
dependência ou da dependência de um dos pais,
o que pode, de qualquer maneira, ser uma perda
enorme. Desempenhar o papel de criança
proporciona segurança, e perder este papel os

Página | 12
obriga a se transformar em qualquer coisa nova –
adulto, responsável, independente. Isso pode se
tornar assustador.

7. Foco: Finalmente e talvez o mais importante, é


perder a razão de viver, se tiver vivido para beber
ou se drogar, para ser pais ou para contribuir de
alguma forma através do trabalho (quer seja em
relação à família, à empresa ou à sociedade), e
perder qualquer destas coisas devido a doença.
Perde-se então a razão de viver e se não existir
uma razão para viver, morremos.

Página | 13
O PROCESSO DO LUTO

O luto é uma resposta saudável a uma situação difícil


de perda. Não importa o que se perde, pode ser um ente
querido ou o controle sobre o álcool ou as drogas.
O foco de problema é a impotência sobre o álcool, as
drogas, a vida, a morte, os sentimentos de outra pessoa,
seu comportamento.
Qualquer perda leva ao luto, e para aceitar
completamente essa perda, devemos fazer seu luto.
Somente pelo processo de luto é que chegaremos a um
estado de espírito de paz e serenidade.
A Dra. Elisabeth Kubler-Ross, estudou o processo do
luto em um trabalho e descreveu várias fases que
observou nos doentes e em suas famílias.
Embora as situações possam ser diferentes, o
processo é o mesmo para quem quer que experimente
uma perda. É por isso que os estágios por ela descritos
se aplicam igualmente ao alcoolismo ou a outras formas
de dependência.

Página | 14
OS CINCO ESTÁGIOS DO LUTO

Cada fase do processo do luto é natural e saudável,


porém é fácil se prender em uma dessas fases e este
processo serve tanto para a negação quanto para
qualquer uma das outras fases. As fases podem surgir
isoladas, ou juntas, pode-se verificar a ocorrência
repetidas vezes de algumas delas ou de todas, pode-se
regredir, o que não consiste em um problema, enquanto
nos lembrarmos do objetivo do luto: aceitação da perda.

1. Negação: Ela é um amortecedor psicológico que


protege contra os pensamentos ou sentimentos
aos quais ainda não se está mental, emocional ou
espiritualmente preparado para lidar. Todos
negam aquilo que não estão preparados para
aceitar. Lembre-se de quando soube que alguém
morreu e disse: “Não acredito”! Isto é negação e
pode durar instantes ou anos, até que se consiga
dizer: “Pronto, aconteceu. É real. E agora, como é
que me sinto? O que vou fazer agora”? Devemos
barganhar com nossos sentimentos nesta fase.
Existe uma relação entre a importância da pessoa
ou da coisa que se perdeu e o grau da negação.
Quanto maior era a dependência daquilo que se
perdeu maior será a negação. Por isso a

Página | 15
determinada altura torna-se decisivo encarar a
realidade e parar de negar a impotência, fazer o
Primeiro Passo, e admitir – mesmo que não se
aceite – a impotência.

2. Raiva: Alguma vez aconteceu de ficar com raiva


quando perdeu alguma coisa e não conseguiu
encontrar? Isso faz parte do luto. Parecemos
impotentes quanto a nossa capacidade de
localizar o objeto perdido ou aceitar a morte de
alguém próximo a nós. É uma resposta natural a
uma perda dolorosa. Ocorre exatamente o
mesmo com a dependência química. As pessoas
adictas ficam simplesmente furiosas com o fato
de perderem controle do próprio comportamento
dos próprios sentimentos ou dos sentimentos dos
outros. Costumávamos dizer: ”Só uma dose antes
de voltar para casa”, e quatro horas depois
estavam embriagados como um boné velho na
cabeça ao chegar em casa, isto quando voltamos
pra casa. No outro dia, sentimos raiva por sermos
tão fracos e de tal forma impotentes perante a
droga ou ao álcool. E os codependentes –
cônjuges e filhos – que estavam em casa nos
esperando, ficam furiosos porque, o que quer que
se faça, por mais que os amemos, continuamos a

Página | 16
beber ou a usar drogas. O problema com a raiva é
que ela pode se tornar destrutiva se não for
expressa de forma saudável. Pode se transformar
num ressentimento amargo e levar a beber ou se
drogar cada vez mais para fugir desse sentimento.
Sutil e invasiva, ela pode recair sobre os membros
da família ou manifestar-se no trabalho, e o
comportamento fica fora de controle. Pode
conduzir à violência. Pode transformar-se em
depressão (raiva de si mesmo) e levar ao
desespero ou até ao suicídio. Por isso é vital
admitir que a sente e partilhar este sentimento.

3. Dor/desespero/depressão: Representam situações


seguras que se cria ocasiões em que se permite
estar triste. Ajuda a expressar os sentimentos
profundos que se tem a respeito da perda. Muitos
adictos em recuperação falam de sua droga de
preferencia como um antigo amigo: “O meu maior
amigo era a garrafa”. É uma afirmação que se
ouve com frequência, quando se perde esse
amigo se sente triste. Com a dor vem também o
desespero, é assustador perder alguém ou
alguma coisa de que se tornou dependente, como
por exemplo a esposa. Acaba se desiludindo da
própria vida e ocorre pensamentos de desistir,
Página | 17
desejando a morte. É um sentimento de grande
solidão e desesperança. Um dos problemas com a
dor é que tal como a raiva, pode se tornar
destrutiva. Pode-se facilmente cair numa
armadilha e começar a sentir pena de si mesmo,
se tornando auto piedoso. Muitas vezes a auto
piedade, a menos que se faça qualquer coisa para
resolvê-la, conduzirá diretamente a bebida ou a
droga. Ou pode fazer voltar a um padrão de
comportamento destrutivo do qual estava se
libertando. A dor pode também levar à depressão
que pode imobilizar e o nos faz sentir
completamente desamparados. A um ponto de
nem querer sair da cama pela manhã, não
consegue dormir ou então dorme o dia todo. A
dor pode levar, também, a pensamentos ou ações
suicidas. Chorar é saudável e é uma boa forma de
expressar a dor. É uma forma de tratamento e de
limpeza. No entanto, para certas pessoas chorar
pode ser difícil. Mas chorar representa o
reconhecimento e a crescente aceitação da
impotência, e portanto, da humildade. Chorar é
saudável.

Página | 18
4. Negociação: É a tentativa desesperada para
manter o controle, para conseguir que as coisas
ocorram como se quer. Tentar controlar o uso é
negociar: “Se eu beber só uma ou duas latas
provo que me controlo, e portanto que não sou
impotente”. “Se eu beber só nos fins de semana,
isso significa que não sou impotente. Portanto
posso beber”. Ou uma esposa pode dizer: “Bem, o
convenci a não tomar outro copo, isso quer dizer
que tenho alguma influência sobre ele quanto ao
seu uso”. Negociar impede de enfrentar a
realidade e assim é uma forma de negação
também. Até certo ponto é bom pois ajuda a
realmente descobrir se controla ou não alguma
coisa. Mas também se torna destrutivo se lhe for
permitido permanecer nele por muito tempo pois
separa a realidade da perda. Deixa uma ilusão de
que ainda se tem o controle e impede de alcançar
a fase final do processo do luto.

5. Aceitação: Esta é a fase final do processo, o


objetivo do luto. Tendo passado pela negação,
raiva, tristeza e negociação, chega-se à aceitação
da perda que ocorreu. Se aceita que é impotente
e que não é a pessoa que pensava ser. Tendo
feito o luto, pode aceitar a perda do poder, e

Página | 19
seguir sua vida, o que é precisamente aquilo que
os Doze Passos querem dizer. Encontra-se a paz e
a serenidade, chega-se a um acordo com a
realidade. Não precisa de fé para admitir que é
impotente, mas precisa dela para aceitar a
impotência. A fé é o antídoto do medo, se tiver fé,
aconteça o que acontecer, tudo acabará ficando
bem, não se tem nada a temer. Pode-se aceitar o
estado de impotência sabendo que alguém ou
alguma coisa cuida de você, é aqui que entra o
Segundo Passo. “Viemos a acreditar que um Poder
superior a nós mesmos poderia devolver-nos à
sanidade”, tornando-nos assim capazes de aceitar
a nossa impotência. Podemos então decidir fazer
o Terceiro Passo e pedir ajuda. Tudo está
interligado.

Página | 20
CONCLUSÃO

Quer se esteja apenas começando a se recuperar da


adicção ou de outro tipo de dependência ou mesmo que
se encontre a vários anos num Programa de Doze
Passos, o luto é uma coisa que todos enfrentam ao
longo da vida. A perda e o luto subsequente fazem parte
da vida e não há como fugir deste fato.
O Décimo Segundo Passo diz que “Tendo
experimentado um despertar espiritual graças a estes
passos, procuramos transmitir esta mensagem a outros
adictos e praticar estes princípios em todas as nossas
atividades”. Estas atividades podem ser às vezes as
perdas que se tem que enfrentar. Quer seja a morte de
um dos pais, o fim de um relacionamento e, senão a
mais importante, o fim da dependência química, que
muitos lutam tanto para conquistar.
Seja tão honesto quanto puder ao se observar e ao
fazê-lo, saiba que se encontra entre os poucos seres
humanos que estiveram frente às suas perdas e à sua
dependência e as superaram.

Página | 21
PARA

PROBLEMAS COM BEBIDA


Em Center City, Minnesota

“Hazelden” conta com seis anos de experiência em recuperação


de homens com problemas com bebida. Seus diretores foram "ao olho
do furacão" de si mesmos e desenvolveram um programa baseado em
leitura, meditação, educação audiovisual, consultas e discussões, que
possibilitam aos hóspedes residentes entenderem os “porquês” deste
problema, e como paralisar esta doença.
Uma atenção especial é dada, servindo refeições apetitosas,
visando o bem-estar físico, que é reconhecido como um dos mais
importantes passos ao longo da caminhada para a recuperação.
Descanso e meditação também são importantes, e os visitantes
estarão autorizados apenas a pedido do hóspede residente.
Pesca, canoagem, piscina são algumas das possíveis diversões.
Médicos e enfermeiros disponíveis 24 horas por dia, e consultas
psiquiátricas serão agendadas mediante solicitação.

Preços razoáveis... para mais informações escreva para

341 North Dale Street Saint Paul 3, Minn.


(or) Center City, Minnesota
Uma organização sem fins lucrativos
PENSAMENTO
DESTRUTIVO

Gayle Rosellini
PENSAMENTO
DESTRUTIVO

Gayle Rosellini

Hazelden Foundation
Editora JCB Publicações Ltda
Copyright © 2014, Gayle Rosellini

Pensamento Destrutivo

Título em Inglês: STINKING THINKING


Publicado originalmente por: Hazelden
Foundation
Todos os direitos de tradução e
publicação para o território brasileiro
reservados por Editora JCB Publicações
Ltda
PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU
PARCIAL POR QUAISQUER MEIOS, SEM
PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DA EDITORA
IMPRESSO NO BRASIL
Printed in Brazil
1ª Edição Brasileira
Junho de 2014
Coordenação Editorial: AMMB Syncro
Infinite Loop Avenue,#304 Projeto Gráfico: MFMB Ilustra
California Place Edição de texto: AMMB Syncro
Patos de Minas, MG CEP 38700-000 Diagramação: JCB Desing
Telefax: (34) 6963-4958 Revisão: JCB Desing
URL: www.jcbpublicacoes.com.br Adaptação da Capa: JCB Desing
E-mail: editora@jcbpublicacoes.com Ilustração: MFMB Ilustra

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Rosellini, Gayle
Pensamento Destrutivo/Gayle Rosellini / Tradução
AMMB Syncro/. – 1ª. Ed. – Minas Gerais: Editora
JCB Publicações Ltda., 2014. – (Dependência química)

Título original: Stinking Thinking


Bibliografia.
ISBN 972-8272-13-3
1. Dependência Química. 2. Espiritualidade. 3. Tratamento
I. Título II. Série

CDD-717.6 07-7206
iv
Nota dos Editores à Tradução Brasileira:
Uma adicção consiste no uso habitual de substâncias alteradoras
do humor (medicamentos, álcool, drogas) ou de comportamentos
(excesso de trabalho, jogos, abuso de comida, internet, falar
demais, sexo, mania de limpeza, consumismo) que é caracterizado
pela tolerância à substância ou comportamento (sendo que um
crescente e contínuo uso à substância ou comportamento se
tornam necessários para obter o mesmo efeito) e pela perda de
controle (o uso continuado apesar de suas consequências
negativas).
A dependência química consiste na adicção ao álcool e/ou
outras drogas. É uma doença progressiva e, se não for tratada,
mortal.

Sobre a Fundação Hazelden:


Os “Materiais Educacionais da Hazelden”, editados no Brasil pela
Editora JCB Publicações Ltda., oferecem uma grande variedade de
informação sobre a dependência química e as áreas com ela
relacionadas. As nossas publicações não representam
necessariamente os programas da Fundação Hazelden, nem se
pronunciam oficialmente por nenhuma organização dos Doze
Passos.

Sobre este livro:


Este livro refere-se ao pensamento característico que
normalmente conduz uma pessoa em recuperação ao caminho da
recaída. Algumas atitudes específicas são descritas a fim de auxiliar
a uma avaliação de suas próprias tendências em relação a estas
atitudes e, soluções práticas e funcionais são sugeridas.

Sobre a autora:
Gayle Rosellini é uma escritora independente cujos trabalhos
sobre a dependência química e outros tópicos sobre saúde e
desenvolvimento pessoal aparecem em Alcoholism/The National
Magazine, U.S. Journal e outros periódicos. É também coautora do
livro Of Course You’re Angry, publicado pela Hazelden Educational
Materials.
v
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................... 9
ATITUDE CERTA CONTRA OS PENSAMENTOS DESTRUTIVOS ....... 11
ATITUDES COMUNS EM PENSAMENTOS DESTRUTIVOS ............... 13
Manipulação ........................................................................................ 14
Grandiosidade ..................................................................................... 17
Facilitação ........................................................................................... 19
O caso de Fábio Augusto .................................................................. 20
Rebeldia .............................................................................................. 23
DESAFIANDO OS PENSAMENTOS DESTRUTIVOS .......................... 27
Consciência ........................................................................................... 29
Compromisso ..................................................................................... 29
Ação ...................................................................................................... 30
Transformação ..................................................................................... 31
MUDANDO OS PENSAMENTOS DESTRUTIVOS ............................. 35
CONCLUSÃO ........................................................................................ 37

vii
INTRODUÇÃO

Nós podemos conseguir manter e desfrutar uma


sobriedade duradoura. Temos dentro de nós o potencial
para crescer e amadurecer em nossa recuperação, para
conseguir uma vida abundante e plena. Podemos nos
tornar pessoas de autoestima elevada e de perspectivas
positivas. Podemos nos tornar vencedores.
Quantos se recuperam? Quantos conseguem manter-
se sóbrios e bem, depois da sua primeira experiência
com um tratamento? Quantos recaem mergulhando
outra vez na doença e no desespero da dependência
química? De fato, a dependência química é uma doença
caracterizada pela recaída. Entre aqueles que realmente
tentam manter-se sóbrios e bem através de
aconselhamento profissional e de grupos como
A.A./N.A., cerca de 40%* não conseguem e escorregam
sem esperança para uma dependência crônica do álcool
ou outras drogas.
O que acontece com eles? Será que lhes falta
inteligência?
É pouco provável. Veja que uma recuperação
duradoura não depende da inteligência. O mundo está
cheio de etilistas e adictos inteligentes.

*Estimativa mundial.
Página | 9
Um doutorado em física nuclear não garante uma
sobriedade feliz. Nem tão pouco ganhar na loteria ou
ficar em primeiro lugar num concurso de beleza. Não é a
inteligência, a sorte ou beleza que nos mantém sóbrios!
A atitude faz a diferença na recuperação.

Página | 10
ATITUDE CERTA CONTRA OS
PENSAMENTOS DESTRUTIVOS

As atitudes são tanto um caminho para recuperação


saudável e feliz como o caminho para a recaída. Simples
assim. Isto não é de maneira nenhuma, uma ideia nova.
Norman Vincent Peale mudou as vidas de milhares de
pessoas sugerindo o poder do pensamento positivo. Earl
Nightingale disse: "Nós nos tornamos, literalmente,
aquilo o que pensamos na maior parte do tempo".
Infelizmente aqueles que estão se recuperando da
dependência química, com frequência sofrem do que os
membros de A.A./N.A. chamam de Pensamento
Destrutivo. O Pensamento Destrutivo é uma má atitude.
É ser negativo, se culpar e ficar insatisfeito. É uma
atitude traiçoeira.
As nossas más atitudes podem prejudicar muitos ao
nosso redor, mas a arrogância e o falso orgulho nos
levam a acreditar que nossos pensamentos e ações
destrutivas são tão doces quanto as flores da primavera.
É com certeza o outro que está errado! Este é o outro
elemento do pensamento destrutivo.
Somos peritos em prejudicar o próximo enquanto
permanecemos cegos aos nossos próprios defeitos. O
pensamento destrutivo é um dos maiores sintomas da
dependência química.

Página | 11
Todos nós sofremos disso uma vez ou outra e não
dura mais que os primeiros 30 dias de tratamento. Até
nos pode torturar, mesmo quando sóbrios, destruindo a
nossa recuperação.
Os 40%* que escorregam para um círculo de recaídas
são pensadores destrutivos por excelência.
Cada um de nós deve examinar o próprio
pensamento. Será que nossa atitude está sendo positiva
e construtiva ou praticamos pensamentos destrutivos?
Andamos fazendo reverência à recaída com atitudes
negativas? Estamos firmando a sobriedade com os
dentes fechados e uma infelicidade violenta?
Para conseguir uma recuperação bem sucedida para
nos sentir bem mental e fisicamente, precisamos ter a
cabeça no lugar com um pensamento claro e racional.
Para conseguir isso temos que reconhecer nossos
padrões de pensamentos destrutivos e aprender formas
de mudar esses padrões negativos em atitudes positivas.

*Estimativa mundial.
Página | 12
ATITUDES COMUNS EM PENSAMENTOS DESTRUTIVOS

Existem quatro denominadores comuns que parecem


caracterizar as pessoas que voltam a recair para a
adicção de bebida ou outra dependência química. Estas
quatro atitudes específicas podem aparecer durante
qualquer período do processo de recuperação, mesmo
depois de vários anos de sobriedade bem sucedida.
Contudo tem um papel primordial durante os primeiros
meses críticos de sobriedade.
Essas atitudes são muitas vezes a causa da recaída
que ocorre durante o primeiro ano depois de
tratamento. Uma pessoa pode terminar um programa
de tratamento com êxito e mesmo assim continuar a ser
um pensador destrutivo! Porque, semanas de
tratamento intensivo são apenas o começo da
recuperação. A recuperação é um processo. Leva tempo
e esforço.
A recuperação segue após o tratamento, à medida
que trabalhamos para desenvolver atitudes positivas no
mundo que nos rodeia, assim como melhoramos os
relacionamentos e recuperamos saúde. A recuperação é
dinâmica, é um processo de mudança, crescimento e
amadurecimento. Para nós, a recuperação é a vida.
Portanto vamos olhar mais de perto para essas
atitudes negativas que podem impedir a recuperação de
seguir o seu caminho.
Página | 13
Manipulação

Fyodor Dostoyevsky, escritor russo disse uma vez


que: “Fingir tão facilmente coexiste com sentimento
sincero”.
As suas palavras descrevem habilmente um
fenômeno comum entre as pessoas que estão em
tratamento da dependência química. O fenômeno
chama-se Manipulação e é um exemplo de gatilho de
disparo do pensamento destrutivo. A manipulação é
fazer afirmações que não são sinceras. É dizer aos outro
aquilo que eles querem ouvir. É condescendência
superficial, uma máscara para sermos bem vistos.
Manipulação é diferente da mentira. Quando
mentimos, estamos cometendo uma fraude total.
Sabemos que estamos faltando com a verdade e
esperamos não ser apanhados. A manipulação parece
mais com um pensamento daquilo que se deseja: No
mínimo, só acreditamos em metade daquilo que
estamos dizendo. Algumas vezes somos totalmente
sinceros, pelo menos no início, mas depois não damos
sequência a esta sinceridade. São só promessas e
nenhuma ação. E isso é o que torna perigosa a
manipulação para as pessoas em recuperação.
Sentamos, mexemos os lábios, desejando que as nossas
palavras se tornem verdade.

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Mas promessas não valem nada. A recuperação exige
ação! Mudança! Compromisso! Trabalho!
A manipulação põe em risco a sobriedade, porque
somos ingênuos para acreditar que ao repetir as
palavras e os slogans certos podemos adequadamente
substituir o trabalho, tantas vezes doloroso e difícil, de
olhar para dentro de nós próprios e mudar as crenças e
comportamentos errados que tornaram nossas vidas
desgovernadas.
A manipulação não dá resultados positivos. Podemos
ser capazes de enganar nosso terapeuta, nossa esposa,
patrão, e amigos com nossas fluentes palavras, mas a
menos que tornemos essas palavras em ações sinceras,
teremos que encarar a possibilidade mais que provável
da recaída!
Certas frases feitas são características da
manipulação:
Eu prometo não fazer de novo.
Desta vez aprendi a lição.
Eu acho os A.A./N.A. maravilhosos, mas não é pra mim.
Eu juro que ter sido apanhado dirigindo bêbado foi a
melhor coisa que me aconteceu.
Sei que nunca mais usarei.
Eu vou deixar de (beber, usar drogas, comer porcarias,
dirigir sem habilitação, perder a cabeça) assim que...
Eu farei tudo o que quiser desde que não me interne em

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uma clínica.
Lembre-se, normalmente acreditamos na nossa
própria manipulação. Continuidade é o que distingue a
falsidade da manipulação e a sinceridade do verdadeiro
compromisso com a recuperação.
Não é o que dizemos que conta. Mas sim aquilo que
fazemos.
Devemos fazer as seguintes perguntas:
Será que estou priorizando as coisas que devo fazer ou
maneiras de melhorar e, no entanto, estou falhando
na forma de agir a estas coisas?
Será que realmente acredito que, embora outros
adictos precisem seguir os passos de um programa de
tratamento para se recuperarem isto, também, não se
aplica a mim?
Será que, às vezes, estou repetindo frases e slogans
sobre minha recuperação na esperança de ganhar a
aprovação das pessoas que me odeiam?
Será que faço promessas para melhorar o meu
comportamento e essas promessas nunca se
realizam?
Se a resposta é sim mesmo que seja só a uma destas
perguntas, estamos prejudicando nossa recuperação ao
entrarmos na manipulação.
O que é que nos leva a sabotar desta maneira? Por
uma única razão, porque tendemos a agradar aos

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outros. Queremos ganhar a aprovação de nosso
terapeuta, esposa e família, dizendo-lhes aquilo que
pensamos que eles querem ouvir. Tornando-os
satisfeitos e fazendo com que nos tratem bem, e isso
nos faz felizes, pelo menos por pouco tempo.
Há outra razão mais egoísta para usarmos a
manipulação. É um processo eficaz para que as outras
pessoas deixem de nos aborrecer. Se dissermos o slogan
certo, podemos acalmar o terapeuta, ou a esposa que
continuam desconfiando de nossas atitudes.
A chave para sair da manipulação é a insinceridade.
Enganamos os outros várias vezes. E isso nos conduz a
outro de nossos problemas de atitude:

Grandiosidade

A grandiosidade é outro lado da baixa autoestima. É


caracterizado por um sentido exagerado do “eu”, e
aqueles que de entre nós sofrem disso possuem um
sentido irrealista de sua importância, talentos e
habilidades. Comportam como se fossem imunes às leis
da natureza. Acham-se diferentes.
É a crença grandiosa de que as outras pessoas são
muito estúpidas para reconhecerem nossa falsidade que
nos leva a continuar com o jogo da manipulação.
Grandiosidade é acreditar que podemos frequentar

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bares sem ser tentado a beber.
Grandiosidade é acreditar que podemos continuar a
andar por aí com os antigos amigos do “uso” sem ser
apanhado outra vez pela adicção.
Grandiosidade é acreditar que há outras pessoas que
podem precisar da muleta dos A.A./N.A., mas que nós
não precisamos de nenhum desses grupos de
espiritualidade.
Grandiosidade é acreditar que uma cerveja ou um
“pega” não nos vai fazer perder o controle.
Grandiosidade é acreditar que somos melhores, mais
espertos ou dignos que os outros.
Grandiosidade é acreditar que as regras são para os
outros e não para nós.
Grandiosidade é a crença falsa de que, de uma
maneira ou de outra, podemos por magica superar as
probabilidades de poder continuar preguiçosos e
exigentes, sem arriscar a recaída.
Grandiosidade é pensamento destrutivo.
Devemos nos perguntar o seguinte:
Será que posso frequentar bares porque sei que sou
forte o suficiente para não ser tentado a beber ou usar
drogas outra vez?
Será que provavelmente vou poder voltar a beber em
socialmente ou usar drogas moderadamente se eu
quiser?

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Será que só eu penso que todas essas reuniões de
Doze Passos e as sessões de acompanhamento com
meu terapeuta são um tempo perdido?
Será que estar rodeado de todos esses adictos em
A.A./N.A. me prejudica?
Se respondermos sim a pelo menos uma destas
perguntas, estamos prejudicando nossa recuperação
com uma grandiosidade irreal.
É uma incoerência, mas os adictos podem ser
grandiosos mesmo sofrendo de um complexo de
inferioridade. Dependendo de como nos sentimos e da
situação, ficamos entre o falso orgulho e um ego
inchado de grandiosidade e uma depressão destruidora
e baixa autoestima.
Isto porque o que distingue tanto a baixa autoestima
como a grandiosidade é o desprezo.
Com baixa autoestima o desprezo volta para dentro
de nós. Com grandiosidade, nós visamos o exterior, as
outras pessoas e as regras da sociedade e da natureza.
Quando começamos a pensar que as regras não são para
nós, desenvolvemos outro problema de atitude.

Facilitação

É sábado de manhã, o sol brilha, os pássaros cantam,


está um lindo dia. Então que mal poderá fazer não ir ao

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culto com a esposa e filhos na Igreja Adventista do
Sétimo Dia? Será que aconteceu alguma coisa de mal
por não termos ido ao culto na semana passada? Além
disso, em um dia como o de hoje, é provavelmente mais
saudável estar ao ar livre tomando sol, do que ficar
enfiados numa sala. Quero dizer, qual é a importância
desta coisa de culto a Deus?
A importância é que o sucesso de nossa recuperação
depende muito do empenho em continuar “ativo” ao
compromisso com nosso Poder Superior. Quando
começamos a faltar ao que está marcado, a fugir dos
cultos ou arrumar desculpas, quando nos tornamos
menos cuidadosos em nosso empenho na recuperação,
começamos a facilitar.
Facilitar é uma forma de enganar. Começa devagar,
mas pode rapidamente se tornar em uma recaída.
Vejamos um exemplo de alguém que facilitou.

O caso de Fábio Augusto

Fábio Augusto entrou num programa de tratamento


porque sua vida estava desfeita devido ao crack e outras
drogas. Ele saiu do tratamento como um homem novo,
cheio de entusiasmo e desejando um estilo de vida
sóbrio. Estava tão estimulado com a sobriedade que
desejava ser terapeuta um dia, de modo que pudesse

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ajudar outras pessoas. Decidiu fazer um curso de
monitoria e coordenação, com duração de dez dias, na
FEBRACT, em Campinas, SP.
As exigências do emprego em uma comunidade
terapêutica não lhe deixavam com muito tempo para a
família e para se dedicar a sua própria recuperação.
Alguma coisa tinha que ceder. Pensando que podia ser
um marido e pai presente somente nos finais de semana,
Fábio Augusto passou a negligenciar sua própria
recuperação. Depois deixou de ir completamente, as
reuniões de N.A., mas mesmo assim tentou ler o seu
“texto básico”, uma vez por semana. Cerca de um mês
depois, a sua esposa começou a postar comentários no
facebook lamentando do pouco tempo que passavam
juntos e, então, Fábio Augusto a surpreendeu quando se
demitiu do serviço que prestava no centro terapêutico e
a levou ao melhor restaurante de comida oriental da
cidade.
De fato, Fábio Augusto sentia-se culpado por passar
tantos dias fora de casa, e assim esperava que aquele
jantar espetacular pusesse fim às queixas de sua esposa.
Ele estava revendo antigos amigos, e indo a bares e
lugares que sempre frequentou. Ele tinha certeza
absoluta de que sua esposa estava desconfiada, mas
também não pensava que estivesse fazendo nada de tão
errado, afinal, uma pessoa tem esse direito, não tem? E

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ele conseguia estar quase totalmente limpo e bem na
maioria do tempo. Ele podia ter fumado crack todas as
noites que quisesse, mas recusou sempre de todas as
vezes que lhe ofereceram. O máximo que fez foi dar uns
“pegas”. Nem chegou a ficar “louco”, a droga era de
uma qualidade péssima. Que mal poderia fazer?
Em três semanas, Fábio Augusto estava totalmente
recaído. Facilitar pequenas mentiras o levou a completa
recaída.

Facilitar é traiçoeiro. As primeiras mentiras parecem


pequenas e inocentes, de modo algum causam
preocupação. E nós sempre temos uma boa desculpa
para justificar nossos desvios de comportamento. A
menos que reconheçamos a facilitação como um
pensamento destrutivo, inevitavelmente ela nos conduz
ao desastre.
Devemos nos questionar:
Deixei de ir a um culto na igreja, a uma sessão de
terapia ou a uma reunião de N.A., porque estava
muito cansado, ocupado ou porque achei que estava
bem e não precisava?
Bebi uma dose ou dei só um “pega”?
Ignoro as instruções de meu médico, terapeuta e
pastor que dizem sobre dieta, exercícios ou outra coisa
qualquer porque dão muito trabalho para cumprir?

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Deixei de fazer o Décimo Passo ou evitei ter uma ação
positiva para corrigir minhas atitudes e desvios de
comportamento?
Respondendo sim a uma das perguntas estamos
prejudicando nossa recuperação por facilitarmos.
A chave para deixar a facilitação é se desculpar.
Podemos nos tornar peritos em combinar
manipulação, grandiosidade e facilitação para formar
uma péssima atitude que pode prejudicar nossa
recuperação. Um exemplo de nosso pensamento
negativo pode soar assim:
“Ah, penso que N.A. são formidáveis (manipulação),
mas não sou do tipo que precisa de todo esse apoio do
grupo para permanecer sóbrio (grandiosidade)”. Além
disso, eu preciso de todo o meu tempo disponível para
estar com minha família de modo a compensá-los pela
minha ausência quando me drogava (facilitação).
No curso normal dos acontecimentos, a família e os
amigos começarão a notar a atitude de facilitação.
Ficarão preocupados. E começarão a nos censurar, o
que fará aparecer nossa rebeldia.

Rebeldia

Adictos são pessoas rebeldes. Não suportam que


digam o que tem de fazer. No momento em que alguém

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começa a dar ordens, mesmo quando estão certos e seja
para o seu bem, ficam hostis.
Para nós, a rebeldia é tão normal como respirar.
Parece que temos uma tendência nata para resistir e
opor à autoridade. E para nós, a autoridade pode ser
qualquer um, mulher, filhos, pais, terapeutas, padrinhos.
É qualquer pessoa que tenha influencia em nosso
comportamento.
Talvez nossa rebeldia venha, em parte, de nossa
grandiosidade. Nós queremos ter sempre razão. A nossa
grandiosidade nos engana, fazendo acreditar que temos
todas as respostas, que tudo correrá bem, se todos
fizerem as coisas como queremos.
Claro que nem sempre mostramos abertamente a
nossa rebeldia. Podemos nos mostrar agradáveis e
alegres por fora, mas por dentro estamos fazendo
planos de virar a situação e fazer o que quiser.
Por causa de nossa rebeldia e grandiosidade, não
somos muito bons em receber conselhos de nossos
terapeutas e de outras pessoas em recuperação que
conhecem o “esquema”, e que poderiam nos ajudar, se
lhes déssemos ouvidos em vez de filtrar tudo através
dos nossos egos inchados.
Deveríamos nos perguntar:
Me sinto como se outras pessoas estivessem sempre
tentando governar minha vida?

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Faço promessas de melhorar meu comportamento,
quando na verdade não tenho intenção alguma de
mudar?
Será que às vezes penso que meu terapeuta ou
padrinho é doido ou pior que eu?
Se respondermos afirmativamente a uma destas
perguntas, estamos prejudicando nossa recuperação
com rebeldia.
O que nos prende à rebeldia é a imaturidade. Em
muitos aspectos somos como crianças grandes, Reis
Bebês. Queremos ser o centro das atenções e que todas
as nossas necessidades sejam imediatamente satisfeitas.
Ficamos zangados e ressentidos quando as pessoas que
nos odeiam não procedem como nós queremos.
Começamos a culpá-las por todos os nossos
problemas e gastamos tempo e energia tentando mudá-
las; para fazer tudo como queremos, para ficarmos
felizes. Isto é o que torna a rebeldia tão perigosa para a
nossa recuperação. Estamos tão ocupados tentando
controlar e mudar os outros de um modo tão arrogante,
que não temos a energia ou a visão necessárias para
mudarmos nós mesmos e nosso pensamento destrutivo.
Uma boa atitude é a resposta. A recuperação floresce
quando encaminhamos sem medo os nossos
pensamentos e ações, quando nos dedicamos a
reconhecer e a eliminar os hábitos destrutivos da

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manipulação, da grandiosidade, da facilitação e da
rebeldia.
Estas quatro atitudes de comportamento promovem
crenças destrutivas que podem tornar nossas vidas
desgovernadas e infelizes mesmo quando estamos
sóbrios.
Mas podemos mudar! Podemos desafiar nosso
pensamento destrutivo e aprender novas e saudáveis
respostas para a vida. Podemos endireitar nosso
pensamento, pondo-o em seu lugar.

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DESAFIANDO OS PENSAMENTO DESTRUTIVO

Por que ficamos tanto tempo nos permitindo ter


padrões mentais e emocionais que criam tensões
desnecessárias em nossa vida? A resposta é simples,
pensamos que isso ajuda!
Muitas pessoas vivem em um estado de preocupação
constante. A fim de consumar esse estado, costumam
focalizar e se fixar no pior roteiro possível. Por que
fazem isso? Porque acreditam que tal atitude os levará a
procurar uma resposta.
Mas a verdade é que a preocupação geralmente
deixa a pessoa num estado emocional de extremo
medo. Sem contar que pensamentos emocionalmente
carregados de medo do que pode vir a acontecer de
ruim tendem a nos deixar sufocados pela frustração, e
assim não conseguimos nos focar naquilo que realmente
é importante no momento.
O que fazer então? Devemos lembrar que dispomos
de diversas estratégias para mudar este estado.
Precisamos atuar no problema diretamente. Utilize
questionamentos que o ajudarão a entender melhor a
situação e assim focar nas medidas necessárias mais
diretamente, sem que precise ficar remoendo muito a
questão.
Algumas perguntas úteis são:
O que eu poderia aprender com isso?
O que eu posso fazer para mudar esta situação?
Para criar uma mudança positiva devemos
interromper o antigo padrão como costumamos resolver
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os problemas e tentar estratégias diferentes. Devemos
mudar nosso foco de pensamento no momento.
Utilize uma das técnicas a seguir:
Quando pegar-se pensando em algo ruim, pare e
mude o que estiver fazendo com a intenção de mudar
seu pensamento.
Se estiver na mesa de trabalho fazendo algo e os
pensamentos continuam vindo à sua mente, nesta
hora dê uma parada e decida que vai pensar em outra
coisa, você precisa dar um novo comando à sua
mente.
Uma boa estratégia é visualizar na sua frente um
semáforo com a cor mudando de vermelho, que são os
pensamentos destrutivos, para o verde.
Tudo o que se passa em sua mente é sempre sua
criação, e você deve dar um comando para mudar seu
próprio pensamento. Frases como “Pare, Fabio
Augusto!” ou “Fábio Augusto, já deu!” servem para
alertar a si mesmo que nesta hora está escolhendo
outro pensamento.
Com o tempo nos acostumamos a fazer estas
mudanças e cada vez mais nossa vida vai ficando mais
fácil, pois assim conseguimos focar nossas forças naquilo
que realmente somos capazes de fazer.
São necessárias pelo menos três coisas para
conseguir forças e desafiar o pensamento destrutivo.

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Consciência

Não podemos mudar uma má atitude se não a


aceitarmos como sendo, e enquanto enterrarmos nossa
cabeça na areia da grandiosidade e da rebeldia, nunca
reconheceremos nossos próprios desvios de
comportamento. O Quarto Passo é um modo excelente
para aumentar a nossa consciência de como estão
nossos comportamentos.
A consciência pode ser dolorosa. Temos uma
tendência natural para negar nossas imperfeições,
proteger nosso ego, fugir da verdade de nossos erros.
Mas sem estarmos conscientes nunca poderemos
crescer ou melhorar.
Então, vamos fazer, sem medo, um inventário moral!
Uma vez passada a dor inicial da busca dentro de nós,
podemos até achar maravilhosamente libertadora a
consciência de nós mesmos.

Compromisso

Agora já não é tempo de conversa fiada superficial. A


mudança positiva requer trabalho duro e prática.
Devemos procurar conselhos sensato com um terapeuta
competente, com um padrinho digno de confiança em
uma irmandade que se preocupa com nossa

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recuperação.
Devemos examinar nossos planos para melhorar.
Estaremos facilitando? Tentando encontrar um caminho
mais fácil? A mudança não acontece facilmente, mas o
esforço não valerá a pena? O compromisso sincero é
vital para a nossa recuperação!

Ação

A consciência não tem significado a menos que se


tome uma ação positiva e construtiva para melhorar
nossas fraquezas e defender nossa sobriedade.
Possuímos uma habilidade notável de adaptação,
contudo a visão que temos de nós mesmos é muitas
vezes seguida de inatividade. Por quê?
O medo nos impede do desconhecido, de nos
enfrentarmos. “É doloroso”. E esta dor nos faz dizer. “A
mudança me apavora”. A preguiça é um grande
bloqueio. “Para que incomodar?”. Então perguntamos.
“Até aqui eu vivi sem ter que mudar”. E a grandiosidade,
juntamente com a baixa autoestima, nos mantém presos
à nossa rotina. “Eu não preciso mudar”. Insistimos com
medo de admitir nossa fraqueza. “Não há nada de
errado comigo”.
A ação é o ponto de diferença entre o sucesso e o
fracasso. Se estamos prontos para mudar, para melhorar

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e crescer é agora a hora de agir.

Transformação

O ponto mais importante sobre o nosso pensamento


destrutivo é: Podemos mudar nossas atitudes!
Podemos ser ranzinzas ou positivos. A escolha é
nossa! Ao eliminar o pensamento destrutivo, estaremos
pensando claramente e nos comprometendo em se
recuperar.
Já aprendemos quais as chaves da recaída: falsidade,
desprezo, desculpas e imaturidade.
Estas características de personalidade são obstáculos
à nossa procura pela felicidade e maturidade. Mas
estando alerta, empenhados, e agindo, podemos
transformar estes obstáculos em alicerces para a
recuperação. Podemos equilibrar estes aspectos
negativos de nossa personalidade esforçando
ativamente na direção dos pensamentos positivos
destas características.
Vejamos os pensamentos positivos opostos que
podem intensificar nossa recuperação. De um lado estão
as atitudes negativas que conduzem à recaída, do outro
lado vemos os opostos positivos, os traços de
personalidade que assinalam uma atitude vencedora e
uma recuperação saudável.

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SINTOMAS DE RECAIDA SINAIS DE RECUPERAÇÃO
MANIPULAÇÃO COMPROMISSO
Chave: Falsidade Chave: Sinceridade
Falso Genuíno
Enganador Honesto
Crítico Tolerante
Fingido Sério
Exagerado Ponderado
Mentiroso Sincero
Falador Ativo
Inconstante Dedicado

SINTOMAS DE RECAIDA SINAIS DE RECUPERAÇÃO


GRANDIOSIDADE AUTOCONFIANÇA
Chave: Desprezo Chave: Respeito
Perturbador Prudente
Esbanjador Humilde
Acusador Compreensivo
Egoísta Caridoso
Ignorante Sábio
Autocrítico Amor próprio
Arrogante Compreensivo
Fantasioso Realista

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SINTOMAS DE RECAIDA SINAIS DE RECUPERAÇÃO
FACILITAÇÃO VIGILANCIA
Chave: Manipulador Chave: Confiável
Irresponsável Responsável
Preguiçoso Enérgico
Suspeito Verdadeiro
Complacente Escrupuloso
Impulsivo Controlado
Descompromissado Pontual
Tortuoso Coerente
Passivo Ativo

SINTOMAS DE RECAIDA SINAIS DE RECUPERAÇÃO


REBELDIA ACEITAÇÃO
Chave: Imaturidade Chave: Maturidade
Exigente Generoso
Antissocial Receptivo
Egocêntrico Preocupado
Zangado Calmo
Amedrontado Confiante
Argumentativo Esclarecedor
Blindado Aberto
Invulnerável Flexível

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Agora, olhemos para nós mesmos, o mais honesto
possível para nossos mais íntimos pensamentos e
sentimentos. Qual a lista de característica de
personalidade que melhor descreve o que gostaríamos
de ser? Qual a lista que melhor descreve como fomos e
como somos agora? Somos falsos, egoístas, suspeitos e
exigentes? Somos enganadores, arrogantes,
irresponsáveis, argumentativos e egocêntricos? Será que
o nosso pensamento é claro e racional ou estamos
afundados no pântano do pensamento destrutivo?

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MUDANDO OS PENSAMENTOS DESTRUTIVOS

Um pensamento claro é um sinal de recuperação. O


pensamento destrutivo assinala a recaída.
As pessoas que tem o pensamento claro estão
sempre alerta. Admitem prontamente que suas
percepções e comportamentos estão corrompidos pela
sua doença adictiva. Não tem medo ou vergonha em
admitir suas falhas e fraquezas, porque sabem que
possuem o potencial de transformar estas falhas em
padrões positivos de comportamento que podem
potencializar sua recuperação.
Mantendo o pensamento claro, são honestos, e não,
apenas com os outros, mas consigo mesmos. Sendo
honestos quanto a sua doença e quanto ao tempo de
esforço que a recuperação positiva requer, fazem o
máximo esforço para se manterem assim. Sabem que
não têm todas as respostas e aceitam que não podem
estar sempre certos. Tendo o pensamento claro estão
ansiosos por aprender, especialmente sobre a
capacidade de seu potencial para recuperação e poder
levar uma vida saudável e feliz.
As pessoas que têm o pensamento destrutivo não
estão alerta. Sentem-se como vítimas, negando o papel
que o seu comportamento tem em seus problemas.
Estão, cheios de egoísmo, com as costas voltadas para as

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necessidades dos outros e sem se darem conta do
impacto de seu comportamento naqueles de quem mais
gostam. Buscando um pensamento claro aceitam a
responsabilidade pela sua recuperação. E se persistirem
com um pensamento destrutivo, culpam os outros pelos
seus problemas. O pensamento claro mantem a mente
aberta. Pensamentos destrutivos blindam a mente,
mantendo a pessoa assustada e na defensiva.
Qual o nosso pensamento?
Temos um pensamento claro ou um pensamento
destrutivo?
Sou arrogante na em falar sobre assuntos delicados e
difíceis?
A terapia para mim falhou porque descobri que era
mais esperto que o meu terapeuta?
Não preciso de um grupo de apoio para permanecer
limpo, porque aprendi tudo o que precisava e assim
posso detectar qualquer sinal de problema que
apareça.
Metade dos meus problemas se resolveria se me
deixassem em paz e me tratassem melhor.
Poderíamos concordar com apenas uma destas
afirmações? Poderíamos reconhecer os sintomas de
falsidade, arrogância, racionalização e egocentrismo
implícito nestas afirmações?

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CONCLUSÃO

O primeiro e mais importante passo para um


pensamento claro é estar consciente. Em recuperação,
procuramos e andamos sempre alerta, buscando novas
experiências práticas saudáveis de como lidar com os
problemas da vida. Não corremos nem nos escondemos,
não mentimos, nem esbanjamos.
Humildemente aceitamos a responsabilidade pelo
nosso próprio bem estar, vigilantemente examinando o
nosso comportamento diário à procura de sinais de
desvios no comportamento, pensamentos destrutivos e
propensão à recaída.
Tudo que realmente precisamos fazer para ter um
pensamento claro é aprender a colocar questões para
nós mesmos:
Estou sendo honesto?
Estou sendo realista?
Estou sendo responsável pelas minhas ações, ou estou
transferindo esta responsabilidade para os outros?
Minha mente está blindada ou aberta a censuras e
conselhos?
Estas questões desafiam o pensamento destrutivo. Se
puder responder assertivamente, teremos o caminho
sólido de que precisamos para a recuperação. Podemos
nos transformar a cada dia.

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PARA

PROBLEMAS COM BEBIDA


Em Center City, Minnesota

“Hazelden” conta com seis anos de experiência em recuperação


de homens com problemas com bebida. Seus diretores foram "ao olho
do furacão" de si mesmos e desenvolveram um programa baseado em
leitura, meditação, educação audiovisual, consultas e discussões, que
possibilitam aos hóspedes residentes entenderem os “porquês” deste
problema, e como paralisar esta doença.
Uma atenção especial é dada, servindo refeições apetitosas,
visando o bem-estar físico, que é reconhecido como um dos mais
importantes passos ao longo da caminhada para a recuperação.
Descanso e meditação também são importantes, e os visitantes
estarão autorizados apenas a pedido do hóspede residente.
Pesca, canoagem, piscina são algumas das possíveis diversões.
Médicos e enfermeiros disponíveis 24 horas por dia, e consultas
psiquiátricas serão agendadas mediante solicitação.

Preços razoáveis... para mais informações escreva para

341 North Dale Street Saint Paul 3, Minn.


(or) Center City, Minnesota
Uma organização sem fins lucrativos
O QUE É
ESPIRITUALIDADE?

Paul E. Bjorklund

Hazelden Foundation
Editora JCB Publicações Ltda
Copyright © 2014, Paul E. Bjorklund

O que é Espiritualidade?

Título em Inglês: WHAT IS SPIRITUALITY?


Publicado originalmente por: Hazelden
Foundation
Todos os direitos de tradução e
publicação para o território brasileiro
reservados por Editora JCB Publicações
Ltda
PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU
PARCIAL POR QUAISQUER MEIOS, SEM
PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DA EDITORA
IMPRESSO NO BRASIL
Printed in Brazil
1ª Edição Brasileira
Junho de 2014
Coordenação Editorial: AMMB Syncro
Infinite Loop Avenue,#304 Projeto Gráfico: MFMB Ilustra
California Place Edição de texto: AMMB Syncro
Patos de Minas, MG CEP 38700-000 Diagramação: JCB Desing
Telefax: (34) 6963-4958 Revisão: JCB Desing
URL: www.jcbpublicacoes.com.br Adaptação da Capa: JCB Desing
E-mail: editora@jcbpublicacoes.com Ilustração: MFMB Ilustra

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Bjorklund, Paul E.
O que é Espiritualidade?/Paul E. Bjorklund / Tradução
AMMB Syncro/. – 1ª. Ed. – Minas Gerais: Editora
JCB Publicações Ltda., 2014. – (Dependência química)

Título original: What is Spirituality?


Bibliografia.
ISBN 972-8272-15-7
1. Dependência Química. 2. Espiritualidade. 3. Tratamento
I. Título II. Série

CDD-717.5 07-7207
ii
Nota dos Editores à Tradução Brasileira:
Uma adicção consiste no uso habitual de substâncias alteradoras
do humor (medicamentos, álcool, drogas) ou de comportamentos
(excesso de trabalho, jogos, abuso de comida, internet, falar
demais, sexo, mania de limpeza, consumismo) que é caracterizado
pela tolerância à substância ou comportamento (sendo que um
crescente e contínuo uso à substância ou comportamento se
tornam necessários para obter o mesmo efeito) e pela perda de
controle (o uso continuado apesar de suas consequências
negativas).
A dependência química consiste na adicção ao álcool e/ou
outras drogas. É uma doença progressiva e, se não for tratada,
mortal.

Sobre a Fundação Hazelden:


Os “Materiais Educacionais da Hazelden”, editados no
Brasil pela Editora JCB Publicações Ltda., oferecem uma grande
variedade de informação sobre a dependência química e as áreas
com ela relacionadas. As nossas publicações não representam
necessariamente os programas da Fundação Hazelden, nem se
pronunciam oficialmente por nenhuma organização dos Doze
Passos.

Sobre este livro:


Será que a espiritualidade se refere somente a Deus e à religião,
ou terá um significado maior? Será a dependência química uma
expressão destrutiva da nossa natureza espiritual? Este livro explora
as relações com pessoas e situações, e analisa a diferença entre
religião e espiritualidade no Programa de A.A.

Sobre o autor:
Paul Edward Bjorklund é um clérigo e faz parte dos profissionais
da Hazelden Pioneer House, um centro de reabilitação para jovens
adultos em Plymouth, Minnesota. O Sr. Bjorklund recebeu o seu
treino da Hazelden no “Clergy Training Program”.

iii
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................... 7
DESPERTAR ESPIRITUAL ..................................................................... 8
RELAÇÕES ESPIRITUAIS DESTRUTIVAS .............................................. 12
O FOCO ESPIRITUAL ............................................................................. 18
CONCLUSÃO ........................................................................................ 23

v
INTRODUÇÃO

Em relação a programas de Doze Passos ouvimos com


frequência que “o nosso programa é programa
espiritual”, mas, o que significa “espiritual”? Será uma
palavra que se refere só a Deus, ou talvez à religião, ou
terá um significado mais abrangente? Muitas pessoas,
ao saberem que o programa de Doze Passos de A.A. é
espiritual, desanimam e ficam pensando: “Será que
tenho que tornar-me religioso para poder me
recuperar?” É preciso que as pessoas em recuperação
compreendam o que significa a palavra “espiritual” e
“espiritualidade”, e que percebam que a espiritualidade
já faz parte das nossas vidas mesmo sem percebemos
isto.

Página | 7
DESPERTAR ESPIRITUAL

No programa de Doze Passos de A.A., a palavra


“espiritual” aparece ligada a palavra “despertar”. Isto
ocorre depois de fazer o nosso caminho ao longo dos
passos, e experimentarmos um despertar espiritual. Se a
maneira de lidar com o problema que aparece no Passo
Um deve ter um caráter espiritual e seu enunciado diz
que “admitimos que éramos impotentes perante a nossa
adicção, e que nossas vidas tinham se tornado
incontroláveis”. Apesar de não parecer um problema
espiritual, na verdade é. Para podermos ver isso
claramente, precisamos começar a desenvolver uma
definição de espiritualidade com a qual iremos
trabalhar. Uma das maneiras de definir espiritualidade é
constatando as áreas da vida com as quais ela se liga.
Espiritualidade tem que ver com a qualidade do nosso
relacionamento seja lá com quem for, ou o que quer que
seja mais importante na nossa vida.
Esta definição simples pode ajudar a perceber como a
espiritualidade faz parte de qualquer pessoa.
Consideramos o seguinte raciocínio. Todos nós temos
pessoas ou coisas importantes para nós. Uma vez que
temos estas relações importantes nas nossas vidas,
alguma deve ser “a mais importante”. Seja um objeto,
uma pessoa ou um grupo de pessoas, tem que existir

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alguma coisa que seja prioritária em nossa vida. O que
quer seja mais “importante”, define o principal foco da
nossa “espiritualidade”.
Podemos dizer que a espiritualidade faz parte da
condição humana. Assim como todos nós temos um lado
físico e um lado emocional também temos um lado
espiritual. Reconhecermos que somos pessoas com um
lado espiritual abre a possibilidade de descobrirmos o
quanto este lado nos afeta. É um erro pensarmos que
não temos um lado espiritual por não acreditarmos em
Deus. Deus é apenas um dos muitos focos espirituais
possíveis. Podemos vir a descobrir na nossa vida alguns
focos e efeitos espirituais surpreendentes, se tivermos a
coragem de explorar essa parte do nosso ser.
Uma vez que está relacionado com o que ou quem é
importante para nós, a espiritualidade está intimamente
ligada a valores, prioridades, objetivos e preocupações.
Tem que ver com o que está no centro da nossa vida.
Gastamos muito do nosso tempo e energia pensando e
entregando-nos ao nosso foco ou centro espiritual.
Porque a espiritualidade tem que ver com relações, e
está intimamente ligada a sentimentos como amor,
confiança e compromisso. Um resultado espiritual pode
ser qualquer coisa que torne a nossa relação com os
outros mais amorosa e dedicada. Como foi dito, há
muitos focos espirituais possíveis. O foco da nossa

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espiritualidade podia ser o álcool ou as drogas. Quando
a droga é o foco da nossa espiritualidade temos
tendência para descrever a drogadição como uma
doença espiritual. Assim a drogadição poderia ser
descrita como uma expressão destrutiva da
espiritualidade. Assim, uma maneira de descrever o
problema com drogas é que se tornou muito
importante. Muito tempo e energia são gastos no
processo de usar, que se torna um fardo destrutivo. Esta
qualidade destrutiva cresce, e à medida que cresce,
destrói o adicto.
A adicção é descrita como uma doença progressiva.
Nos termos da definição de espiritualidade isto implica
que a droga vai se tornando mais importante à medida
que a doença progride. Na nossa definição de
espiritualidade, quando alguma coisa aumenta sua
importância, as outras coisas diminuem de importância
e ficam para trás. A família, por exemplo, passa a ser
negligenciada.
O trabalho será afetado. Em vez de se dedicar tempo
e energia ao trabalho o adicto é capaz de beber ou usar
outras drogas durante o trabalho. Talvez o fato de beber
na noite anterior comprometerá a capacidade de ser
pontual. Se for um estudante, as festas se tornarão mais
importantes que o estudo. As horas de aulas podem
tornar-se uma oportunidade para planejar festas, beber

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ou usar outras drogas, ou até vendê-las para ser
financeiramente possível continuar o uso. Estas são
apenas algumas das áreas da vida afetadas, à medida
que o álcool e as drogas se tornam cada vez mais
importantes. À medida que a adicção se torna crônica,
relacionamentos de toda espécie serão alteradas na vida
do adicto. Sabemos que a doença progride sem ser
reconhecida, causando perdas enormes, talvez a da
própria vida.
Os membros da família tornam-se vítimas de uma
mudança da sua própria espiritualidade. Os valores,
objetivos e relacionamentos são afetados à medida que
a doença progride. Enquanto o adicto se torna menos
responsável, a família desprende cada vez mais energia
para “endireita-lo”. Um adicto perturba o equilíbrio
numa família, e encontrar a solução para este problema
demanda uma grande perda de tempo e energia.
Enquanto se preocupam com o adicto, outros aspectos
de suas vidas começam a sofrer com isso, desviando a
família de uma vida normal. A “coisa mais importante”
na vida da família de um adicto se transforma num
doloroso foco espiritual. Organizações de apoio ajudam
os membros da família a recuperar o equilíbrio e a
serenidade.

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RELAÇÕES ESPIRITUAIS DESTRUTIVAS

A palavra “espiritualidade” tem na sua raiz a palavra


“espírito”. Outra maneira de pensar em espiritualidade é
perguntar a nós mesmos onde se foca o espírito de cada
um, neste sentido não fará nenhuma diferença se o
considerarmos, por exemplo, como o espírito de equipe
num jogo de futebol. Um grupo de jogadores e
torcedores poderá estar muito entusiasmado com a
vitória de um jogo, a torcida pode dar mais entusiasmo e
espírito. O foco espiritual é energicamente dirigido para
“ganhar o jogo”. Em outras áreas da espiritualidade
encontraremos espírito e entusiasmo como sendo o
reflexo de onde se centra a espiritualidade desta pessoa.
As coisas que na vida fazem nossos olhos brilharem está
intimamente ligadas à espiritualidade. Espiritualidade
tem que ver com as coisas que são grandes “amores” da
nossa vida. Descobriremos que o nosso coração, esta
fortemente ligado às áreas espirituais da vida.
O espírito e entusiasmo pela bebida ou outra droga
são, às vezes, óbvio na vida de um adicto. A adicção,
quando começa, pode ser comparado a um namoro.
Para o adicto, nada mais se compara ao ato de usar. Um
estudante pode sentir um alívio da ansiedade quando
usa; pode ter passado o último horário de aula
desejando ansiosamente a oportunidade de usar. Para

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outros adictos esta relação pode crescer lenta e
gradualmente até que, anos depois se dê conta desta
necessidade permanente de usar. O entusiasmo e
espírito permanecem mesmo quando o relacionamento
com o álcool se tornou destrutivo; beber torna-se a
coisa mais importante de sua vida, mesmo já não dando
prazer, apenas ajudando a se sentir-se bem em um
determinado momento. Neste ponto a pessoa esta
literalmente “agarrada” à bebida; agarrada pela
impotência, dependente da própria causa da sua
destruição.

Como se desenvolvem essas relações


espirituais destrutivas tão poderosas?

Como alguém se envolve num relacionamento como


esse, que pode levar a morte, suicídio ou loucura se não
tiver ajuda?
Os relacionamentos espirituais evoluem conforme a
pessoa vive e lida com as situações em sua vida, e a
espiritualidade pode ter um foco diferente, de acordo
com as experiências de vida. Ter o álcool como foco
espiritual é o resultado da nossa experiência com o
álcool e a capacidade que ele tem de ir ao encontro de
algumas das necessidades básicas humanas. Nem todo
mundo reage ao álcool da mesma maneira, e por isso

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nem todo mundo desenvolve o mesmo tipo de
relacionamento. Quando uma pessoa liga-se ao álcool
pode ser por aquilo que ele viu ou ouviu da experiência
dos outros; os amigos podem encorajar a beber...
Eventualmente existiu o momento em que a pessoa
bebeu pela primeira vez, e dependendo dessa
experiência, pode desenvolver ou não um padrão de uso
abusivo. Se a experiência for muito negativa, a pessoa
pode nunca mais beber. Se o interesse aumenta, é
porque, de alguma maneira, o álcool vai de encontro a
uma necessidade. O etilismo foi descrito por Carl Jung
ao fundador dos A.A. Bill W., como uma “doença
espiritual que tem na sua base um impulso para a
plenitude...”. Sentir-se pleno e completo é uma
necessidade humana básica.
A maneira como o álcool vai de encontro à nossa
necessidade de nos sentirmos satisfeitos não é difícil de
compreender. Para uma pessoa naturalmente tímida, o
álcool pode ajudá-la a ser mais desinibida e ousada. Se
uma pessoa esta com raiva e ressentimento, o álcool
pode ajudá-la a encontrar alguma paz. Se estiver
deprimida pode ir a um bar e “esquecer tudo”. Uma
pessoa pode beber porque gosta da imagem de uma
pessoa que bebe. À medida que o etilismo progride
beber torna-se necessário para viver e sentir-se

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“normal”. Todos estes comportamentos são uma
tentativa para encontrar ou manter a “plenitude”.
Outra necessidade humana básica é o
relacionamento com os outros. Beber é uma atividade
social. O álcool ou as drogas tendem a unir as pessoas.
Olhando de outro foco, podemos ver esses amigos
apenas como “amigos do uso” ou “dos copos”, mais pelo
menos há uma espécie de se ”estar juntos”, de
“camaradagem”. Beber era uma maneira de ter um
contato social.
O álcool ou as drogas enganam as pessoas por irem
de encontro, até certo ponto, com as necessidades
humanas. Mas a longo prazo não o fazem da melhor
maneira para o etilista. A busca espiritual que acaba no
alcoolismo pode ter começado como uma tentativa de
ser saudável e feliz, e isso nos ajuda a evitar alguns
julgamentos e críticas que possamos usar com outros
adictos em recuperação.
Um olhar mais atento para algumas das palavras que
são usadas para definir espiritualidade ajudam a
compreender melhor a definição desta palavra. Definir
espiritualidade como qualquer coisa que tem que ver
com o mais importante em nossa vida. Se alguma coisa é
importante para nós, isso significa que a damos valor e
importância. O processo de dar valor a qualquer coisa
chama-se veneração ou adoração. Quando veneramos

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alguma coisa estamos falando de uma relação com o
objeto da adoração, do tipo da adoração que temos com
Deus. Por vezes no programa, ouvimos alguém dizer que
“o álcool tinha se tornado meu Deus”. Muitas vezes isso
é uma afirmação de um relacionamento que nunca
havíamos pensado. Conforme o etilismo progride,
podemos dizer que o relacionamento com o álcool é um
relacionamento com um deus que esquece o individuo.
Este relacionamento já não é a solução perfeita, porque
já não vai de encontro às necessidades da pessoa.
Mesmo em insistir que não se quer um
relacionamento com Deus, assim como é impossível
evitar a espiritualidade como um fato na nossa vida,
também é impossível evitar relacionamentos do tipo que
se tem com um deus. Quer os reconheçamos claramente
ou não, eles fazem parte de nossa vida e nos afetam.
Uma relação do tipo que temos com Deus tem que
ver com a palavra “entusiasmo”, palavra essa que já
ligamos à espiritualidade. A palavra entusiasmo vem do
grego “em-theus” que pode significar ”em Deus”. Outra
maneira de vermos as coisas pelas quais temos um
grande entusiasmo e dizermos que elas refletem na
nossa compreensão e relação com o nosso Deus. Para o
etilista que está se destruindo, o desafio da recuperação
é encontrar uma nova relação com Deus, um novo foco
para a sua espiritualidade, um novo norte de orientação.

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Alguma coisa tem que substituir o álcool ou drogas
como um centro de interesse na vida de uma pessoa.
Esta é a razão pela qual a recuperação não consiste em
apenas parar de beber. Por a rolha na garrafa não quer
dizer necessariamente que outra coisa se tornou o centro
de interesse da vida de uma pessoa. Somente parar de
beber sem outro crescimento e mudança apenas
frustrará uma pessoa que não aprendeu outro modo de
ir ao encontro das necessidades humanas básicas.
Com a ajuda de adictos em recuperação de A.A., nas
reuniões, em novos relacionamentos com uma pessoa
sóbria, um adicto em recuperação começa a entregar-se
a um novo centro de interesse espiritual. A pessoa em
recuperação procura ir de encontro às suas
necessidades humanas de uma maneira completamente
nova à medida que descobre o modo de vida de A.A.

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O FOCO ESPIRITUAL

O foco espiritual das pessoas em recuperação que


estão em A.A./N.A. tem muito que ver com um “Poder
Superior”, “Deus como nós o compreendemos”, e as
pessoas da irmandade. O Passo Dois de A.A. Começa
este novo relacionamento e inicia o foco espiritual. Para
o que quer que entreguemos nossas vontades e nossa
vida, isto tem que ser necessariamente importante para
nós. O Passo Três foi sabiamente deixado tão aberto
quanto possível para que ninguém seja excluído. Embora
a palavra Deus esteja escrita com letra maiúscula no
Passo Três, temos que entender que há alternativas para
este passo ser abordado.
Para aqueles que não compreendem Deus no sentido
tradicional, o Passo Três pode, por exemplo, ligar-se ao
grupo básico de A.A. Um grupo de pessoas é um poder
maior do que nós mesmos, e podemos dar-lhe o poder
de nos mostrar o que precisamos fazer. Podemos ver
que se aceitarmos ser guiados pelas pessoas do
programa pode ser melhor do que continuando no
caminho que levará a destruição. Outros recém-
chegados ao programa podem falar de Deus como
atuando através do seu grupo. Podem dizer que Deus é
um Espírito de amor que se mostra pelo amparo,
carinho e orientação que o grupo tem para oferecer.

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Haverá outros que acreditam nisto. Também ligar-se por
outros caminhos, tais como a oração e a leitura
devotada nos mostra como o Passo Três permitem
variedades e flexibilidade na maneira como nos
relacionamos com um Poder Superior.
Quando as pessoas olham pela primeira vez para os
Passos Dois e Três, muitas vezes tomam atitudes
extremas; ou se rebelam e dizem que o programa não é
para elas (“Não quero ser um fanático religioso” ou “Não
acredito nesta historia de Deus”) ou passaram
rapidamente por estes passos dizendo a si mesmo:
“Sempre acreditei em Deus”! Nenhum destes extremos
ajudará muito; a espiritualidade é uma área em que
precisamos descobrir muito sobre nós mesmo. Não se
pede a ninguém que acredite em algo que não pode
acreditar. Acreditar não é algo que se pode forçar.
Acreditamos naquilo que acreditamos. Normalmente
aquilo em que acreditamos resulta das nossas
experiências, do que sabemos das experiências dos
outros, e do que elas nos ensinaram.
O segredo da mudança do foco espiritual é ter um
espírito aberto, experimentar algo diferente, fazer uma
experiência com a nossa vida espiritual. A maneira que
temos de experimentar algo diferente na nossa vida
espiritual provém da ajuda que pessoas em recuperação
oferecem umas ás outras. Em A.A., construímos

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relacionamentos com outras pessoas; não estamos sós.
Estamos com pessoas que trabalham em sua
recuperação e que dá uma informação prática e preciosa
sobre o que precisamos fazer para se ter uma vida feliz e
sóbria. Dizem-nos coisas como: “Viva um dia de cada
vez”. Não se apresse nem se preocupe com as coisas do
amanhã. Outra maneira que as pessoas têm na
irmandade de se ajudarem é confrontarem mutuamente
com a realidade. Muitas vezes não conseguimos ver
claramente como magoamos a nós mesmos com as
nossas atitudes emocionais e com a maneira como
pensamos nas coisas. Outras pessoas podem ajudar-nos
a resolver problemas e a esclarecer a nossa situação.
Outra maneira simples de encontrar a nossa
plenitude está na capacidade de falar com outra pessoa
sobre como nos sentimos. Partilhar tem o efeito de
“dividir o nosso fardo” e “duplicar as nossas alegrias”.
Na partilha podemos encontrar alivio dos sentimentos
negativos de desanimo, medo e raiva.
As pessoas no programa, quase sem exceção, farão
igualmente parte da espiritualidade que descobrimos à
medida que recuperamos. O que aprendemos com elas
e o apoio emocional que nos podem dar são quase
impossíveis de atingir numa experiência solitária. Um
slogan popular no programa é: “Eu preciso das pessoas”.

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Vamos olhar para a espiritualidade com relação à
religião. Há muita confusão no que diz respeito a essa
relação. Para complicar as coisas, as pessoas usam as
palavras, às vezes, com o mesmo significado. Melhor
que tentar definir o que é religioso o e que é espiritual, é
lembrar a nossa definição de espiritualidade. Quando
dizemos “espiritualidade tem que ver com a qualidade
da nossa relação com o que é mais importante na nossa
vida”, não excluímos nada nem ninguém associado à
religião como sendo um foco espiritual. Por exemplo, é
muito possível ter como as coisas mais importantes na
nossa vida um relacionamento com Deus como numa
tradição religiosa. A nossa definição de espiritualidade
não inclui ou exclui necessariamente tudo aquilo que na
nossa mente esta associada à religião.
Um exemplo pode ajudar a ver a diferença entre ser
aparentemente ”religioso” e estar espiritualmente
concentrado em outra coisa. Imagine um jovem de 15
anos que se vê envolvido pelo desejo e insistência dos
pais, de frequentar a catequese da igreja local. Ele abusa
de álcool ou drogas. Durante o intervalo das aulas da
catequese, sai da igreja para usar. Nesse caso, qual será
o foco espiritual deste jovem neste momento?
Provavelmente muito mais os químicos do que sua
instrução religiosa.

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Outro exemplo. Uma jovem que trabalha e é devota à
sua igreja. Vai regularmente aos cultos, participa de um
grupo na igreja e reza todos os dias. Ela tem vários bons
amigos na igreja. Suponha que esta mulher está nos
primeiros passos do etilismo e é uma adicta em álcool na
sua casa, sem ninguém saber. Que podemos dizer da sua
espiritualidade?
Podemos dizer, no mínimo, que esta mulher está
espiritualmente dividida, e também podemos prever
que ela ira cada vez mais para o foco espiritual do álcool
à medida que a doença progride. A conclusão que
podemos tirar de uma pessoa que é aparentemente
religiosa e espiritualmente se concentra em outra coisa,
pode ser descrita como hipocrisia. Aquilo que a pessoa
diz que acredita e o que o seu comportamento revela
não condiz. Há falta de integridade. Muitas vezes aquilo
que as pessoas detestam nas organizações da igreja é a
visível hipocrisia de alguns membros. Aquilo a que
reagimos tão fortemente é a falta de espiritualidade
autêntica.

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CONCLUSÃO

Espiritualidade é uma palavra convidativa quando é


compreendida. Convida-nos a descobrir o nosso mundo
de valores e coisas em que acreditamos para avaliar
nossos focos espirituais e vemos como eles nos ajudam
a ir de encontro das nossas necessidades. Isto pode
levar-nos a abandonar relacionamentos espirituais
destrutivos e procurar novos relacionamentos que sejam
honestos e saudáveis.
À medida que mudamos nosso foco espiritual,
desenvolvemos um estilo de vida diferente, porque o
que é importante para nós mudou. Pessoas e interesses
que eram importantes no relacionamento destrutivo
com o álcool ou drogas terminou. Uma espiritualidade
renovada conduz a uma sanidade restaurada. Além
disso, a espiritualidade renovada muda os princípios de
nossa vida por que fornece uma nova base para todas as
decisões e relações.
A espiritualidade com a qualidade da nosso
relacionamento com o que ou quem é mais importante
em nossa vida toma o seu lugar nos aspectos físicos e
emocionais do programa de recuperação como sendo o
alicerce necessário para a construção de um novo modo
de vida.

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RAIVA 
 

Por que nos preocupamos com a raiva? No fim das contas, não é verdade que todos nós 
sentimos raiva? De fato, a raiva é um sentimento humano que todos experimentamos de vez 
em quando. O principal problema está nas consequências, o que acontece quando você fica com 
raiva? Se não acontece nada quando você fica com raiva, então a sua raiva não é razão para 
preocupação, porque as consequências são limitadas. No entanto, se tiver atitudes derrotistas 
em relação a si ou se fizer mal aos outros, e se a sua raiva tiver consequências dolorosas ou 
prejudiciais, então talvez tenha razão para se preocupar com ela. 
Por exemplo: você está guiando por uma autoestrada, atrás de uma pessoa que conduz 
a 50 km, quando a velocidade permitida é de 80 km, e se atrasa para um encontro. Começa a 
sentir‐se muito irritado por causa disso, ultrapassa impudentemente o outro carro. Põe a sua 
própria  vida  e  a  dos  outros  em  risco  por  causa  da  sua  condução  imprudente,  ou  seja, 
potencialmente uma consequência muito perigosa da sua raiva. 
Outro exemplo das consequências nocivas da sua raiva poderia ser o seguinte:     
‐ Já é tarde, você quer ir embora do trabalho mais cedo, para jogar futebol. Começa a trabalhar 
mais cedo e também trabalha na hora do almoço, para compensar o fato de sair mais cedo. No 
meio da tarde, aparece o seu patrão e lhe dá uma nova tarefa, e quer que seja feita antes de 
você ir embora. Você obedece, mas só acaba a tarefa muito tarde, quando já não dá mais para 
jogar  futebol.  Enquanto  o  tempo  vai  passando,  mais  você  se  sente  furioso.  Quando  sai  do 
trabalho, para num bar a caminho de casa, para aliviar um pouco da sua raiva. Acaba bebendo 
demais, chega a sua casa muito tarde e tem uma discussão com a sua mulher, a quem não se 
preocupou em telefonar para avisar que chegaria mais tarde. 
  Ou , em vez de parar num bar, pode ir diretamente para casa depois do trabalho, de 
muito mau humor.  Tropeça nos  brinquedos das  crianças, espalhados pela sala, onde os seus 
filhos estiveram brincando, esperando você chegar. Despeja a sua raiva contra as crianças, as 
mandando  arrumarem  a  sala;  ao  ver  que  elas  demoram  a  arrumar  os  brinquedos,  você 
finalmente, num ataque de fúria, ordena que elas vão para cama. Depois, senta‐se para jantar 
com a sua mulher e a acusa violentamente por ser uma péssima mãe. 
  Para alguns de nós, as consequências dolorosas ou prejudiciais da raiva, resultam em 
expressarmos abertamente contra as outras pessoas. Exemplos extremos dessas consequências 
são as formas de violência doméstica e de brutalidade contra as crianças. Por outro lado, alguns 
de  nós  podemos  negar  os  sentir  dificuldade  em  aceitar  e  falar  abertamente  sobre  os 
sentimentos de raiva, contra as outras pessoas. Podemos esconder a nossa raiva, guardando ela 
para nós mesmos, engolindo ela dentro de nós. Podemos ter medo de que os outros não gostem, 
se a manifestarmos francamente. 
  Nós reprimimos a nossa raiva, qualquer que seja a razão, fazíamos o uso de drogas para 
amenizar o sentimento de raiva, ou seja, reprimíamos nossos sentimentos. Enquanto usávamos, 
podemos ter nos tornado pessoas fisicamente hostis. 
  Outros  de  nós  podem  ter  escondido  os  seus  sentimentos  de  raiva,  mas  depois 
descontam essa raiva contra pessoas que o amam. 
 
 
 
 
 
 
 
 
   

APRENDER A COMPREENDER A RAIVA E AS SUAS CAUSAS 
 
  Aprender a lidar com a raiva de forma saudável, sem fazer mal a nós próprios ou aos 
outros, é uma parte importante de nossa vida. Embora seja importante para todos nós, sermos 
capazes de enfrentar de forma eficaz a nossa raiva, para alguns, isso se torna especialmente 
importante. 
  Se  estivermos  em  recuperação  das  drogas  e  do  álcool  ou  de  problemas  emocionais, 
podemos correr o risco de uma recorrência desses problemas se não aprendermos a controlar 
a nossa raiva. 
  “Irrita‐me tanto”. 
  A maior parte de nós pensa que são as outras pessoas ou situações que nos fazem ficar 
irritados. Achamos que o que as outras pessoas fazem ou o que nos acontece que isso é o que 
causa a nossa raiva. Atiramos para cima dos outros a responsabilidade da nossa raiva “eles me 
deixam loucos”. Ou achamos que temos um gênio ruim, como se fôssemos sempre desse jeito 
e não poderíamos mudar. Achamos que não podemos mudar esses sentimentos perturbados 
sem  que  as  “causas”  (pressões  exteriores  ou  outras  pessoas)  mudem.  Acusar  nos  permite 
racionalizar a nossa raiva. Arranjamos desculpas para os nossos sentimentos de raiva, colocamos 
a culpa nos outros e nos recusamos a mudar o nosso jeito. 
  Para alguns de nós, culpar outras pessoas ou situações pela nossa raiva nos fornece uma 
desculpa para usar álcool ou drogas. Para outros, essa acusação constitui uma justificação para 
a nossa raiva, e por isso não a largamos. 
  Contrariamente à crença comum sobre a raiva (de que os casos ou as situações é que 
nos fazem ficar irritados) o que realmente nos faz sentir e pensar com raiva sobre as coisas que 
nos acontecem. Aquilo que pensamos ou que contamos a nós mesmos sobre um acontecimento 
é que nos faz sentir raiva, e não o acontecimento em si mesmo. 
  Normalmente, quando julgamos ou avaliamos qualquer coisa de forma negativa ficamos 
perturbados.  Se  julgarmos  ou  avaliarmos  uma  coisa  de  forma  menos  negativa  ou  mais 
positivamente, nos sentimos de forma geral, melhor. 
  Basicamente, não são os acontecimentos que nos perturbam, mas sim a nossa forma de 
pensar sobre esses acontecimentos. Por outras palavras, sentimos como pensamos. 
 
UM EXEMPLO 
 
  Uma mãe leva o filho de 1 ano para visitar uma amiga. A criança engatinha pelo chão 
enquanto as duas mulheres conversam. Certa hora, a criança se estica até a mesinha onde estão 
algumas revistas e então começa a jogar as mesmas no chão. 
  A mãe afasta a criança da mesa, coloca as revistas na mesa e continua a conversar com 
a  amiga.  A  criança  volta  a  engatinhar  até  a  mesinha,  se  estica,  e  começa  de  novo  a  jogar  as 
revistas no chão. A mãe observa a situação e pensa consigo mesma: “‐Ele não devia fazer isto...” 
“Não  devia  ser  tão  irritante...”  “Não  devia  interromper  a  minha  conversa...”  “Não  devia  me 
aborrecer...” A mãe grita e bate na criança, e a criança a chorar. 
  A amiga também observou a criança jogando as revistas no chão e pensa com ela: “É 
próprio de uma criança de 1 ano mexer nas coisas” “Teria sido melhor se eu tivesse preparado 
a  sala  para  poder  receber  uma  criança  antes  de  chegarem”  “A  criança  precisa  se  distrair.”  A 
amiga diz então: “Vamos ver se encontramos outras atividades que interessam ao seu filho.” 
Este exemplo demonstra como sentimos da forma como pensamos. 
  Com base na forma como encararam a situação, uma das mulheres ficou irritada e a 
outra  não.  Aquilo  que  pensaram  ou  disseram  a  si  próprias,  a  forma  como  avaliaram  as 
circunstância determinou o que sentiram. 
  Então, o que estamos dizendo realmente é que o nosso pensamento a respeito de uma 
situação é que causa a nossa raiva, e não a situação em si. A maneira de pensar que provoca em 
nós sentimentos de raiva tem a ver com a nossa necessidade de controle e a nossa exigência de 
   

que  tudo  seja  feito  da  nossa  maneira.  A  sequência  começa  quando  queremos  que  as  coisas 
corram segundo a nossa vontade, o que é um exemplo normal do egocentrismo que todos nós 
temos. Quando esse desejo não se realiza e não conseguimos aquilo que queremos, podemos 
ficar com raiva. 
  No entanto, o que acontece com a nossa raiva, é que a nossa forma de pensar muda ou 
se desvia quando queremos que tudo seja exatamente do nosso jeito (tem que ser como eu 
quero!). Quanto mais sentimos raiva, mais exigimos que as coisas sejam do nosso jeito, mas não 
conseguimos. 
 
EGOCENTRISMO: A necessidade de controlar “Conseguir o que quero”. 
 
FLEXÍVEL  RÍGIDO 
Querer que as coisas corram como eu quero  Exigir que as coisas corram como eu quero e 
e não conseguir. Eu quero, desejo ou prefiro  não conseguir. Devia ter, tenho que ter uma 
uma  coisa  e  não  obtenho:  consequência  –  coisa e não consigo: consequência – ira, ódio, 
raiva (sentimento de perturbação normal).  rancor (sentimentos de perturbação intensa). 
CONSEQUÊNCIAS DA NOSSA RAIVA 
 
  As consequências da nossa raiva movida por ressentimentos ou crenças errôneas, serão 
sempre tentando conseguir o que queremos sendo agressivos, verbal ou fisicamente (gritando, 
berrando ou batendo). O que acontece com a nossa relação com os outros, se usarmos a raiva 
para conseguir o que queremos? Como é que os outros nos veem? Evitam‐nos? Ignoram‐nos? E 
como é que isto nos atinge sobre a aceitação que temos de nós próprios? 
 
UM EXEMPLO: 
 
  É sábado de manhã e você faz questão de arrumar uma cadeira de madeira do pátio, 
que se partiu. Desce até a sua oficina no porão, abre a porta e descobre que seu filho de dez 
anos deixou todas as suas ferramentas espalhadas pelo porão. Observa a cena e pensa “O que 
é que se passa com aquele rapaz?” “Ele deveria saber que não pode deixar as minhas jogadas 
no chão”. “Ele tem que se lembrar do que eu disse sobre arrumar as coisas”. “Não devia ter feito 
isso”.  “As  minhas  ferramentas  tem  de  ficar  arrumadas  como  deve  ser”.  “Vai  ver  o  que  vai 
acontecer quando chegar em casa”. Em consequência disto, você sente raiva. Procura então o 
martelo  e  não  consegue  encontrá‐lo  e  pensa:  ”Não  devia  perder  meu  tempo  procurando  o 
martelo” e cada vez se sente mais furioso. Finalmente encontra o martelo e os pregos, e começa 
a arrumar a cadeira. Com a irritação, acaba entortando um dos pregos e pensa novamente “Isto 
não deveria acontecer” e fica cada vez mais furioso. Ao tentar endireitar o prego, bate com o 
martelo em seu polegar e grita “Não posso aguentar isto!” Enche‐se então de raiva (fica irado e 
irritado)  e  joga  o  martelo  longe,  que  acaba  batendo  no  banco  que  estava  contra  a  janela, 
quebrando o banco e a janela. Arrasta‐se pesadamente pelas escadas. Tendo por costume usar 
álcool ou drogas para aliviar a sua raiva, pode ser que se dirija para uma destas saídas. Abre a 
geladeira, pega uma cerveja e vai para a sala beber enquanto assiste Palmeiras x Corinthians na 
TV, pelo resto da tarde. Depois se torna implicante e critica os outros membros da família até o 
fim do dia. Ou, se não for dependente químico, pode talvez subir as escadas, sentar‐se numa 
cadeira cozinhando a sua irritação até que seu filho de dez anos chegue em casa. Então grita 
com ele dizendo‐lhe que é “um irresponsável, que não presta para nada, e que não pode confiar 
nele para nada”. Depois, o manda para o quarto e o deixa de castigo por todo o fim de semana. 
Nesse  exemplo,  foram  as  exigências  do  pai  de  que  o  filho  não  devia  ter  deixado  as  suas 
ferramentas  jogadas  pelo  chão  e  que  deveria  fazer  as  coisas  do  seu  jeito  e  isso  acabou  o 
irritando. Se ele tivesse alterado as suas exigências para as preferências, não teria ficado como 
raiva. O diálogo interior poderia ter sido estruturado dessa forma: 
“Teria sido melhor se ele tivesse arrumado as ferramentas quando acabou.” 
   

“Era melhor se ele deixasse as coisas arrumadas como eu deixo.” 
Com estas preferências mais realistas, o pai poderia então ter conversado com o filho a respeito 
do assunto, e explicado sobre as vantagens da ordem e do respeito pelas coisas dos outros. Há 
outro aspecto a considerar no desenrolar dos sentimentos de raiva. Quando ficamos com raiva 
por  causa  daquilo  que  pensamos,  essa  raiva  pode  distorcer  os  nossos  pensamentos  ou 
percepções sobre a situação, tal como se víssemos as coisas através de “óculos da raiva”. É difícil 
observar uma situação positivamente ou com realismo quando estamos com raiva, é provável 
que agir segundo estas percepções distorcidas, torne a situação ainda pior ou agrave perante as 
suas consequências negativas. A maior parte de nós poderá recordar situações em que a raiva 
nos impediu de observarmos e compreendermos claramente o que se estava a passar.  
 
APRENDER A CONTROLAR NOSSA RAIVA 
Como poderemos então controlar os nossos sentimentos de raiva? Se for a nossa maneia irada 
de  pensar  que  causa  a  nossa  raiva,  terá  de  trabalhar  para  modificar  ou  substituir  os  nossos 
pensamentos irados de forma a reduzirmos ou controlarmos essa raiva. Podemos alternar as 
exigências que estão na base dos nossos pensamentos irados (não deveria discordar de mim, eu 
não devia cometer erros, tem de ser pontual) e nos esforçarmos para deixar de controlar tudo 
ao nosso redor. Isto poderá parecer simples e evidente, mas como é que se aprende a modificar 
a nossa forma irada de pensar? Para começar, podemos fazer um “inventário pessoal”. Fazer 
um inventário pessoal sobre a nossa raiva, nos ajuda a desenvolver uma maior consciência e 
compreensão  quanto  a  sua  origem,  quanto  às  suas  consequências  de  ficarmos  amarrados  a 
essas situações e quanto ao que nossos sentimentos e a tomar consciência da nossa necessidade 
de controle. Pode usar o esquema “ABC” para ajudar a compreender a “anatomia” da raiva. 
 
A = Situação 
O problema que nos desperta certos sentimentos que perturbam ou enraivecem.  
 
B = Convicções 
O que pensa ou o que diz a si mesmo (as suas exigências) a respeito da situação. 
 
C = Sentimentos e ações 
Como se sente (perturbado ou enraivecido) a propósito da situação por causa do que pensa, e 
como se comporta ou atua por causa do que sente: as consequências derrotistas ou dolorosas. 
 
UM EXEMPLO 
 
A = Situação 
Vou para a cozinha esperando que o meu almoço esteja pronto, antes de ir trabalhar. Encontro 
minha mulher ajudando nossa filha com os deveres da escola. Sendo assim, meu almoço ainda 
não está pronto. 
 
B = Convicções 
Acho que minha mulher poderia ter feito meu almoço e que minha filha deveria fazer os deveres 
da escola sozinha. 
 
C = Sentimentos e ações 
Sinto‐me cheio de raiva. Grito com ela. Digo que meu trabalho é mais importante do que os 
deveres  da  escola  de  uma  criança  e  saio  violentamente  de  casa.  Chego  ao  trabalho  muito 
irritado. 
 
Se eu tivesse analisado essa situação de forma objetiva ou realista, teria compreendido que a 
minha mulher já tinha feito uma opção ao ajudar a nossa filha nos deveres da escola. As coisas 
   

do meu jeito apenas refletiam as minhas exigências egocêntricas, e geraram a raiva que tive em 
casa e levei comigo ao trabalho. 
 
FAZER UM “DIÁRIO DE BORDO” 
Como parte do processo de aprendizagem para fazer um inventário pessoal sobre a sua raiva, é 
muito útil fazer um “diário de bordo”. Para começar, tome nota de acontecimentos ou situações 
passadas ou recentes em que sentiu raiva. Ao descrever essa experiência, use o esquema "ABC”. 
 
 A    B    C  
Situação  Convicções  Sentimentos e ações 
 
Depois de ter alguma prática na descrição de manifestações da sua raiva, passadas ou recentes, 
pode considerar útil trazer consigo um pequeno bloco para fazer um registro diário das suas 
manifestações  de  raiva.  Ao  longo  do  dia,  pode  usar  o  esquema  “ABC”  para  tomar  nota  de 
exemplos  dos  seus  sentimentos  de  raiva.  Fazer  um  diário,  o  ajuda  a  desenvolver  uma  maior 
consciência da sua raiva, das causas e consequências. Fazer um  diário o ajuda também a  ter 
contato com os seus sentimentos.  
 
USAR O PROCESSO “ABC” – ABRANDAR A “FERRADURA” 
 
  A primeira parte do processo ABC para o controle dos sentimentos de raiva pode ser 
comparado à analogia entre a chaleira e a raiva. Podemos imaginar a nossa raiva como sendo a 
água dentro de uma chaleira sobre o fogão. Se a água continuar a aquecer, sairá pela chaleira 
em forma de vapor. 
  Com a nossa raiva acontece o mesmo (quanto mais sentimos raiva, mais provável que 
ela se exteriorize abertamente). Algumas pessoas acreditam que a melhor forma de lidar com a 
raiva é ficarem aliviadas, será como a chaleira. 
  No entanto, se apagar o fogo debaixo da chaleira não terá o jato de vapor. Aquilo que o 
processo ABO nos mostra é que se “diminuirmos a chama” dos pensamentos irados que estão 
“fervendo” da nossa raiva, não haverá necessidade de expelir essa raiva. Mantendo‐nos alerta 
para detectar os primeiros sinais de raiva e nos dirigindo uma mensagem de auto ajuda, não 
ficaremos tão “enfurecidos” que tenhamos que “despejar o vapor”. 
 
USAR O D – PÔR EM QUESTÃO A NOSSA FORMA DE PENSAR 
 
  O passo seguinte na aprendizagem do controle da raiva consiste em acrescentar um D 
ao esquema ABC, a fim de provocar uma mudança. É aqui que começamos a modificar os nossos 
sentimentos de raiva ao questionarmos os nossos pensamentos irados (as nossas exigências). 
Praticando  o  inventário  pessoal  ABC  aprendemos  a  identificar  os  pensamentos  perturbados, 
exigentes e negativos que nos fazem sentir raiva. Em seguida, vamos por os seguintes tipos de 
questões: Quem disse isso? Por quê? Que provas eu tenho? Haverá outra forma  que me possa 
ser  mais  útil  na  análise  da  situação?  Por  fim,  respondemos  as  nossas  perguntas...  Voltemos 
agora ao exemplo da condução previamente citado, e o colocamos em formato ABC. 
 
UM EXEMPLO 
A = Situação 
  Estou seguindo em uma estrada atrás de um carro que vai a 50Km tendo a estrada o 
limite de 80Km e estou atrasado para um compromisso. 
 
B = Convicções 
  Esta pessoa devia dirigir de acordo com o limite de velocidade. Não devia me atrasar. 
Tenho que chegar a tempo para o meu compromisso. 
   

 
C = Sentimento 
  Raiva. 
 
D = Discussão 
  Quem é que disse que ele devia andar a 80Km? (fui eu). Porque ele não pode ir à minha 
frente? Não há razão para que eu tenha sempre de fazer a minha vontade. Porque eu deveria 
chegar  na  hora  certa?  Não  vai  ser  nenhuma  desgraça  se  eu  chegar  atrasado;  iriam  me 
compreender. Deixe de controlar tudo a sua maneira. Talvez a pessoa esteja dirigindo o mais 
rápido que é capaz. Era melhor eu esperar e ultrapassar quando seguro. 
 
  No passo D do esquema ABC, iniciamos o processo de enviar a nós mesmos algumas 
mensagens novas para afastarem ou tomarem o lugar dos nossos pensamentos egocêntricos e 
exigentes. Este “gênero” de mensagens novas que nos dirigimos e que nos prestam auxílio são 
mais  realistas  e  menos  perturbados,  e  podem  nos  ajudar  a  reduzir  a  nossa  necessidade  de 
controle. 
 
RESOLVER OS PROBLEMAS – ACRESCENTAR E, F e G 
 
  Usar o esquema ABC como inventário pessoal nos ajuda a ter uma visão mais clara dos 
fatores que contribuem para sentirmos raiva e saber como começar o processo de mudança. 
  Compreender isto nos leva a seguir os passos (E, F e G) do esquema ABC. Mantendo um 
simples diário sobre a nossa raiva, podemos desenvolver uma maior consciência a seu respeito 
e  a  respeito  das  suas  consequências.  Podemos  então  começar  a  modificar  a  nossa  forma  de 
pensar  irada  e  exigente,  nos  fazendo  perguntas  que  ajudem  a  reduzir  a  raiva  que  sentimos. 
Descobriremos  que  determinadas  situações  provavelmente  nos  perturbarão  ou  enraivecerão 
menos, se colocarmos em questão a nossa forma de pensar. 
  Quando estivermos menos perturbados, poderemos analisar o problema claramente e 
decidir  como  fazer  para  que  a  situação  se  desenrole,  criando  objetivos  realistas  para  nós 
mesmos (E). Podemos nos perguntar: “O que eu posso mudar nesta situação e o que eu tenho 
que  aceitar?”  Isto  se  aplica  na  Oração  da  Serenidade:  “Concedei‐me  Senhor  a  serenidade 
necessária, para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que 
eu posso e sabedoria para distinguir uma das outras.” 
  Tendo decidido aquilo que quer que aconteça, pode perguntar a si mesmo: O que eu 
posso fazer de útil para obter aquilo que quero? Como consequência começa a perceber quais 
são as opções construtivas (F) para alcançar os seus objetivos. Seleciona então uma opção e põe 
ela em prática (G). 
 
 
A = Situação 
  A  situação  problemática  que  está  causando  alguns  sentimentos  que  o  perturbam  ou 
enraivecem. 
 
B = Convicções 
  O que pensa a respeito da situação ou o que diz dela a si mesmo (as suas exigências). 
 
C = Sentimentos e Ações 
  O que sente (perturbação ou raiva) a respeito da situação por causa do que pensa, e 
como age por causa do que sente (as consequências derrotistas ou dolorosas). 
 
D = Discussão 
   

  Questionar  e  desafiar  os  pensamentos  que  o  perturbam  ou  enraivecem  as  suas 
exigências. Quem disse isso? Por quê? Haverá uma maneira mais eficaz de encarar a situação? 
 
E = Objetivos realistas 
  Novos objetivos realistas em relação a situação. O que gostaria de ver acontecer? O que 
quer? 
 
F = Opções construtivas 
  O que poderá fazer de útil para obter o que deseja? 
 
G = Coloque a sua opção em prática 
  Selecione uma opção e a coloque em prática. Ação construtiva! 
 
UM EXEMPLO: 
A = Situação 
  Fim  de  tarde.  Você  está  na  cozinha  seguindo  com  todo  o  cuidado  uma  complicada 
receita  de  bolo  e  pesando  os  ingredientes.  De  repente,  os  seus  filhos  entram  na  cozinha 
correndo, gritando e pedindo bolachas. Eles se esticam por cima da bancada para chegar à lata 
de bolachas; fazendo isso derrubam a tigela com os ingredientes que você estava pesando. 
 
B = Convicções 
  Pensa consigo mesmo: “O que essas crianças têm?” “Não são capazes de ver que estou 
ocupado e não posso ser interrompido?” “Não deviam entrar correndo desta maneira.” “Deviam 
ter mais consideração por mim.” “Não suporto que me interrompam assim.” 
 
C = Sentimentos e Ações 
  Se sente cheio de raiva. Grita com os seus filhos. Os chama de “egoístas e estourados”. 
Não os deixa comer. Manda‐os para o quarto e diz a eles que não poderiam sair de lá antes que 
os chame. 
 
D = Discussão 
  Começa  a  questionar  as  suas  exigências:  Quem  é  que  disse  que  eu  não  poderia  ser 
interrompido?  Fui  eu  quem  disse.  As  interrupções  acontecem.  Se  eu  tivesse  olhado  para  o 
relógio tinha visto que as crianças estavam chegando Por que é que não iriam correndo para 
cozinha comer? Eu sei que o dia de escola é muito comprido para elas e que esperam lanchar 
quando  chegam  a  casa.  Seria  melhor  se  mostrassem  mais  consideração  pelas  minhas 
necessidades,  mas  eu  também  tenho  de  mostrar  consideração  pelas  necessidades  delas.  Era 
melhor  se  não  me  interrompessem  quando  estou  na  cozinha,  mas  posso  aguentar  as 
interrupções! Se sente agora desapontado e frustrado, mas não com raiva. 
 
E = Objetivos realistas 
  No  futuro,  gostaria  de  poder  acabar  de  cozinhar  sem  ser  interrompido,  mas  gostaria 
também de evitar ter discussões com os meus filhos quando chegam da escola. 
 
F = Opções construtivas 
  Podia  preparar  a  comida  para  uma  ocasião  em  que  as  probabilidades  de  ser 
interrompido fossem menores. Quando for possível, planejarei o trabalho de forma que esteja 
pronto quando os meus filhos chegarem a casa. Terei alguma coisa preparada para comerem 
quando chegarem. 
 
G = Colocar as opções em prática 
   

  A próxima vez que fizer um bolo, o farei de manhã, depois do almoço talvez. Durante 
esta semana, pelo menos três tardes, deixarei em lanche para quando as crianças chegarem. 
Também deixarei em tempo livre para quando as crianças voltam da escola e mostrar interesse 
pelas atividades que tiveram durante o dia. 
Controlar a raiva que sente através do processo ABC, você terá que praticar muito até 
conseguir alguns resultados. É por isso que muitos de nós nos tornamos “especialistas” em ficar 
com raiva. A raiva se torna a forma habitual de lidar com situações problemáticas, quando as 
coisas não acontecem como gostaríamos. O que isto significa, é que iria precisar de muita prática 
para  aprender  a  controlar  a  raiva  através  do  processo  ABC,  e  “desaprender”  os  seus  velhos 
hábitos. 
 
MAIS SOBRE O PROCESSO ABC 
 
  Pode usar o processo ABC quando começar a sentir raiva. Começa treinando a perceber 
os sinais iniciais dos seus sentimentos de raiva, e os utiliza como sinais de “STOP”. Foca‐se ao 
entrar em contato com os seus sentimentos de raiva no momento exato em que começar a se 
sentir  perturbado.  É  mais  fácil  fazer  qualquer  coisa  para  controlar  e  transformar  esses 
sentimentos de frustração e desapontamento, quando está começando a se sentir perturbado, 
do que quando já está furioso ou com um acesso de fúria. 
  Controlar  os  nossos  sentimentos  é  como  controlar  um  carro.  É  mais  fácil  controlar  a 
velocidade de um carro que vai a 20Km por hora do que daquele que vai a 80Km. Da mesma 
forma,  é  mais  fácil  acalmar  os  nossos  sentimentos  antes  que  eles  comecem  realmente  a  se 
tornar incontroláveis. 
  O que isto significa é que cada um de nós tem de desenvolver uma maior consciência 
dos  sinais  ou  indicações  da  nossa  raiva,  igual  como  cerramos  os  dentes  e  passamos  mal  do 
estômago. As formas como cada um exterioriza a sua raiva são diferentes. Uma das primeiras 
tarefas para aprendermos a controlar a raiva é aprendermos a identificar as suas manifestações 
de  forma  que  podemos  usar  como  avisos  para  pararmos.  Então,  enviando  mensagens  mais 
realistas, podemos nos sentir frustrados e desapontados com o comportamento das pessoas, 
mas não teremos raiva nem jogaremos pragas nelas. 
 
USAR MENSAGENS ÚTEIS 
 
  O passo seguinte no processo ABC consiste em utilizar estas pistas como sinal inicial para 
sua raiva, para poder controlar este sentimento. Para fazer isto, poderá enviar uma mensagem 
eficaz,  que  se  oponham  as  habituais  mensagens,  exigentes  e  prejudiciais,  que  provocam  os 
sentimentos de raiva. 
  Uma mensagem que poderá achar particularmente eficaz é: “Devagar se vai ao longe, 
não se irrite”. 
  De início poderá achar necessário endereçar mensagens mais longas a fim de suspender 
as velhas mensagens, negativas e exigentes. Provavelmente praticou tanto a forma de pensar 
com raiva que poderá ser necessário, a princípio, conversar mais consigo mesmo para conseguir 
“largar” ou modificar essa forma de pensar. 
  Mensagens  suplementares  que  ajudarão  a  melhorar  a  situação  são  aquelas  que  o 
colocam  em  contato  com  o  seu  egocentrismo  e  necessidade  de  controle.  Pare  de  ser  tão 
exigente. Por que é que tem que ser sempre como eu quero? Por que é que os outros não fazem 
o que eu quero? Continuará a sentir alguma perturbação (querer usar a TRE não faz calar os seus 
sentimentos), mas vai se sentir frustrado ao invés de sentir raiva. 
  Inicialmente, aprender a controlar os seus sentimentos poderá ser difícil  em relação a 
certas situações que o perturbaram no passado igual aqueles que envolveram problemas com o 
seu parceiro (a), os seus filhos ou no seu trabalho. 
   

  Devido aos seus sentimentos de raiva, geralmente intensos no decorrer das situações, 
terá que recorrer a um pequeno intervalo. Afastar‐se da situação para que isso o ajude a alterar 
esse sentimento. Como parte desse intervalo, pode praticar exercícios de respiração profunda 
para ajudar a descontrair ou pode querer utilizar a técnica da imagem. Poderá por exemplo, 
imaginar  que  está  num  local  onde  se  sinta  em  paz  e  com  tranquilidade.  A  descontração  e  a 
técnica da imagem podem ajudar a aprender a reduzir a sua agitação em situações associadas à 
raiva intensa. 
 
RESUMINDO 
 
  Depois de termos reduzido ou modificado os nossos sentimentos de raiva aplicando a 
primeira parte do processo ABC, estamos agora em melhor posição para observar a situação de 
forma  mais  realista  do  que  através  dos  óculos  da  raiva.  Podemos  reavaliar  ou  redefinir  a 
situação. O que se passa realmente nessa situação? O passo seguinte dentro do processo ABC 
será  fazermos  a  nós  mesmos  a  grande  pergunta:  “O  que  posso  fazer  de  eficaz  nessas 
circunstâncias?” 
  É aqui que a Oração da Serenidade pode ser aplicada como um guia que nos auxilia: 
“Terei  eu  nessa  situação  que  me  esforçar  para  aceitar?”  “Será  o  comportamento  das  outras 
pessoas?”  “O  que  eu  poderei  fazer  para  modificar  esta  situação?”  “Geralmente  é  só  o  meu 
comportamento.” Decidi o que poderia fazer de útil, em seguida terei que analisar as opções 
construtivas que irei escolher para realizar os objetivos da Oração da Serenidade. Finalmente 
fazer uma opção e coloca‐la em prática. 
 
CONTROLAR A NOSSA RAIVA – SETE BREVES PASSOS 
 
  Exige  tempo  e  prática  para  aprender  esse  processo  ABC  de  controle  dos  seus 
sentimentos de raiva, ao mesmo tempo em que “desaprende” os seus velhos comportamentos 
irados. A princípio irá achar que é útil trazer junto com você uma breve descrição do processo, 
como aquela que se segue. Com o tempo, aprenderá por intuição a ir de um passo para outro. 
  Comece  pelos  sentimentos  que  o  perturbam.  Os  identifique.  Use‐os  como  sinais  de 
“STOP”.  Os  sentimentos  que  o  perturbam  são  sinais  de  que  está  dizendo  a  si  coisas 
perturbadoras.  Você  poderá  se  tornar  um  melhor  observador  dos  seus  sentimentos.  Isto 
equivale a entrar em contato com os seus sentimentos. 
  Neutralize  os  sentimentos  que  o  perturbam  endereçando  a  eles  uma  mensagem 
positiva. Coloque uma trava nos seus sentimentos. Diga para si mesmo: “Acalme‐se, simplifique. 
Não fique tão nervoso.” 
  Identifique os pensamentos irritantes dentro da situação que estão te provocando raiva. 
O que você está exigindo? O que é que está tentando controlar? Examine os pensamentos que 
o perturbam. Pergunte a si mesmo: “Por que é que tem que ser como eu quero?  Por que é que 
o outro tem que fazer o que eu quero?” E depois responda as perguntas. 
  Torne  a  situação  clara  para  si  próprio.  Pergunte‐se:  “O  que  realmente  me  deixa  com 
raiva? Em que consistem os fatos e quais são as minhas opiniões sobre eles? Haverá uma forma 
mais eficaz de encarar a situação? Pode então ficar desapontado com a situação, mas não com 
raiva contra as pessoas que a criaram. 
  Em seguida, estabeleça para si objetivos mais realistas em relação às circunstâncias que 
levantaram o problema. Pergunte a si próprio. O que posso fazer que seja eficaz a respeito desta 
situação? Seja específico e concreto.  Aplique a Oração da Serenidade. O que posso mudar (o 
meu comportamento) e o que terei de aceitar (o comportamento dos outros) nesta situação? 
  Faça  uma  lista  das  opções  construtivas  por  meio  das  quais  pode  alcançar  os  seus 
objetivos.  Pergunte‐se:  “Que  ações  construtivas  pode  empreender  para  atingir  os  meus 
objetivos?” Escolha uma opção construtiva para alcançar o seu objetivo e atue de acordo com 
ela. O resultado final do processo ABC é uma ação positiva da sua parte. 
   

 
UM EXEMPLO 
 
  A  situação  consiste  numa  conversa  com  a  minha  mulher  sobre  as  nossas  finanças. 
Começamos na discordar e, depois, começamos a discutir. 
Começo a detectar os primeiros sinais de raiva: estou a serrar os dentes. 
  Digo a mim mesmo,: “Acalme‐se, não complique. Não fique tão zangado.” 
  Depois  digo‐me:  “O  que  estou  pensando?  Ela  não  devia  perguntar  quanto  é  que  eu 
ganho. Ela não devia brigar por causa das contas. Trabalho muito – devia poder gastar o dinheiro 
como bem entendesse. Ela não devia estar sempre contestando a forma como eu gasto o meu 
dinheiro.  Tendo  identificado  alguns  dos  pensamentos  que  me  perturbam,  começo  então  a 
analisá‐los: Por que é que ela não se preocuparia com o dinheiro? É ela quem paga as contas. 
Ela também trabalha e traz dinheiro para casa. Por que é que eu teria que gastar dinheiro só 
comigo  mesmo?  O  restante  da  família  também  quer  coisas.  Pare  de  exigir  que  ela  faça  tudo 
como você quer. Pare de tentar controla‐la. 
  Não gosto de algumas idéias da minha mulher, nem do seu tom de voz, mas estando 
mais  calmo,  consigo  reexaminar  a  situação.  Parece‐me  que  temos  mesmo  alguns  problemas 
com as nossas finanças. As contas parecem realmente estar aumentando. A minha mulher tem, 
de  fato,  algumas  preocupações  legítimas  com  as  nossas  finanças.  Temos  ambos,  as 
responsabilidades neste ponto. 
  Pergunto então a mim mesmo: “Perante esta situação o que é que eu posso fazer que 
seja eficaz?  O  que posso  mudar para  que nos  tornemos mais capazes de  governar as nossas 
finanças de uma forma agradável para ambos?” 
  Faço uma lista de algumas opções que tenho: 
‐ Combinar uma ocasião habitual durante a semana para falar sobre as nossas finanças. 
‐ Estabelecer em conjunto algumas prioridades na forma de gastar o dinheiro. 
‐ Combinar um novo orçamento familiar com a minha mulher. 
‐ Rever regularmente esse orçamento e modificá‐lo quando necessário. 
  Para começar, a minha mulher e eu acordamos numa ocasião regular todas as semanas., 
quando  não  estivermos  cansados  e  não  for  provável  sermos  incomodados,  para  discutir  os 
problemas do nosso orçamento. 
 
USAR UM INVENTÁRIO PESSOAL PARA BATER OS RESULTADOS POSITIVOS 
 
  Controlar os sentimentos de raiva através do esquema ABC pode ser considerado como  
um inventário pessoal. No início, este inventário pessoal exigirá de si muito tempo e esforço. 
Começa com a utilização de um diário a fim de desenvolver uma maior conscientização das suas 
causas e consequências. 
  A partir deste diário, poderá aprender a identificar os sentimentos que o perturbam e 
estão na base da sua raiva. 
  Pode  então  prosseguir,  praticando  o  processo  ABC  como  meio  de  modificar  os  seus 
sentimentos de raiva ao modificar também a sua forma irada de pensar. 
  Segue‐se a resolução dos problemas que fazem parte daquelas situações difíceis que o 
perturbam. 
  Com a prática continuada deste processo, chegará muito provavelmente à conclusão de 
que os seus esforços estão gradualmente a ser recompensados. Será mais capaz de controlar ou 
de modificar a sua raiva do que a sua raiva de controlar a si. 
  Com a prática continuada do controle dos seus sentimentos de raiva pelo processo ABC, 
poderá eventualmente, reduzi‐lo a um esquema mais simples de quatro passos. 
 
  Use os primeiros sinais de raiva como sinais de STOP. 
  Diga a si mesmo, acalme‐se, simplifique. Não se zangue. 
   

  Pergunte‐se: O que poderei fazer nestas circunstâncias, que seja útil? 
  Depois atue de acordo com as suas opções construtivas. 
 
  O  processo  ABC  pode  ser  instrumento  muito  útil  no  processo  de  recuperação  de 
problemas emocionais  ou de problemas relacionados com o abuso do álcool ou outras drogas. 
O processo representa uma forma valiosa de enfrentar a perturbação emotiva que se encontra 
muitas  vezes  associada  aos  problemas  ligados  ao  abuso  do  álcool  e  outras  drogas  ou  com 
problemas  emocionais.  Se  não  aprender  a  lidar  construtivamente  com  as  perturbações 
emocionais, poderá estar em risco de uma recaída, já que as situações que envolvem problemas 
fazem parte inevitável da vida. 
O  processo  ABC  nos  proporciona,  pelo  fato  de  não  termos  as  nossas  percepções 
obscurecidas  pela  desordem  das  emoções,  uma  maneira  diferente  de  ver  as  coisas.  O  nosso 
sentimento a respeito das coisas modifica‐se à medida que a nossa maneira de pensar a respeito 
delas se modifica – Sentimos como pensamos! 
 
O QUE É ESPIRITUALIDADE? 
 
  Em relação aos Alcoólicos Anônimos ouvimos com frequência que “o nosso programa é 
um programa espiritual”. Mas o que significa “espiritual”? 
  Será uma palavra que se refere só a Deus, ou talvez a religião ou tenha um significado 
mais abrangente? 
  Muitas pessoas, ao se darem conta de que o Programa de Recuperação dos 12 Passos 
dos Alcoólicos Anônimos é um programa espiritual desanimam. Interrogam‐se: “Será que tenho 
que me tornar religioso para poder me recuperar?” Este capítulo destina‐se a ajudar as pessoas 
em  recuperação  a  compreenderem  o  que  significa  a  palavra  “espiritual”  e  “espiritualidade”. 
Também se destina a ajudar os leitores a verem que a “espiritualidade” já faz parte das nossas 
vidas sem nos darmos conta disso. 
  No  programa  dos  12  Passos  de  AA  a  palavra  “espiritual”  aparece  ligada  à  palavra 
“despertar”. Isto é o que acontece depois de termos feito o nosso caminho ao longo de todos 
os passos tivemos um despertar espiritual, o primeiro problema que aparece no Primeiro Passo: 
“Admitimos que somos impotentes perante nossa adicção e que tínhamos perdido o domínio 
sobre nossas vidas”. 
  Apesar de a primeira vista não parecer uma constatação de um problema espiritual, mas 
é na realidade! 
  Para podermos ver isso claramente, precisamos começar a desenvolver uma definição 
de espiritualidade com a qual trabalhar. Uma das maneiras de definí‐la é constatando todas as 
áreas de vida as quais a espiritualidade se liga, assim espiritualidade é: A qualidade do nosso 
relacionamento com quem quer que seja de mais importante na nossa vida. 
  Esta simples definição pode nos ajudar a perceber como a espiritualidade faz parte da 
vida  de  qualquer  pessoa.  Consideramos  o  seguinte  raciocínio.  Todos  nós  temos  pessoas  ou 
coisas  que  são  importantes  para  nós.  Uma  vez  que  temos  estas  relações  importantes  para 
nossas vidas alguma deve ser “a mais importante”. Que este “algo” seja maneira, ou pessoa ou 
grupo de pessoas, tem que existir alguma coisa que seja prioritária na nossa vida. O “quem” 
quer  que  seja  ou  o  que  quer  que  seja  “mais  importante”  define  o  principal  foco  da  nossa 
espiritualidade. 
  Podemos dizer que a espiritualidade faz parte da condição humana. Assim como todos 
nós  temos  um  lado  físico  e  um  lado  emocional  também  temos  um  lado  espiritual. 
Reconhecemos  que  somos  pessoas  com  um  lado  espiritual.  Abre‐nos  a  possibilidade  de 
descobrirmos o quanto este lado da nossa vida nos afeta. É um erro pensarmos que não temos 
um lado espiritual se não acreditarmos em Deus. Deus é apenas um dos muitos focos espirituais 
possíveis.  Podemos  vir  a  descobrir  na  nossa  vida  alguns  focos  e  efeitos  espirituais  muito 
surpreendentes, se tivermos a coragem de explorar essa parte do nosso ser.   
   

 
 
Uma  vez  que  está  relacionada  com  que  (ou  quem)  é  importante  para  nós;  a 
espiritualidade está intimamente ligada a valores, prioridades, objetivos e preocupações. Tem a 
ver com o que quer que seja que está no centro da nossa vida. Gastamos muito do nosso tempo, 
energia,  pensamentos  e  nos  entregamos  ao  nosso  foco  ou  centro  espiritual,  porque  a 
espiritualidade  tem  a  ver  com  relações  que  estão  intimamente  ligadas  a  coisas  como  amor, 
confiança e compromisso. Um resultado espiritual pode ser qualquer coisa que toque a nossa 
relação com os outros mais ou menos amorosos e desvelados. 
  Como  se  disse:  há  muitos  focos  espirituais  possíveis.  O  foco  da  nossa  espiritualidade 
podia ser o álcool ou outros químicos. Quando o álcool é o foco da nossa espiritualidade tem 
tendência  para  descrever  o  alcoolismo  como  uma  doença  espiritual.  O  alcoolismo  pode  ser 
descrito como uma expressão destrutiva da espiritualidade. Assim, uma maneira de descrever o 
problema  do  alcoólico,  será  dizer,  “o  álcool  tornou‐se  demasiado  importante”.  Demasiado 
tempo  e  energia  são  absorvidos  para  beber.  A  relação  tornou‐se  um  fardo  tremendamente 
destrutivo. Esta qualidade destrutiva cresce, e à medida que cresce, destrói o alcoólico. 
  O  alcoolismo  é  descrito  como  uma  doença  progressiva.  Nos  termos  da  definição  da 
espiritualidade  isto  implica  que  o  álcool  se  torna  mais  importante  à  medida  que  a  doença 
progride, e este crescimento tem muitas repercussões. Na nossa definição de espiritualidade, 
quando alguma coisa aumenta na sua importância, as outras coisas têm necessariamente que 
diminuir e ficar para trás. À medida que o álcool se torna mais importante, a nossa família, por 
exemplo, é necessariamente negligenciada por causa desta nova e poderosa relação. A família 
é apenas uma das muitas relações que é afetada pela importância crescente do álcool.  
O trabalho será afetado. Ao invés de se devotar com energia e tempo inteiro ao trabalho, 
o alcoolismo é capaz de viver ou utilizar outras drogas durante o trabalho. Talvez, o fato de beber 
na noite anterior comece por afetar a sua capacidade de ser pontual e estar desperto durante o 
trabalho. Se o alcoólico for estudante, as festas, beber ou usar outras drogas, ou até vendê‐las 
para ser financeiramente possível continuar a usá‐las. Estas são apenas algumas das áreas da 
vida  afetadas,  à  medida  que  o  álcool  se  torna  cada  vez  mais  importante.  À  medida  que  o 
alcoolismo se torna crônico, cada vez mais relações de toda a espécie serão alteradas na vida do 
alcoólico.  Sabemos  que  se  a  doença  progride  sem  ser  reconhecida,  causará  eventualmente 
enormes perdas em todas as áreas da vida e até a perda da própria vida. 
Os  membros  da  família  do  alcoólico  podem  facilmente  se  tornar  vítimas  de  uma 
mudança da sua própria espiritualidade. Os valores, os objetivos e as relações dos membros da 
família são fatalmente afetados à medida que a doença do alcoolismo progride. À medida que 
o  alcoólico  se  torna  menos  responsável,  os  membros  da  família  podem  focar  cada  vez  mais 
energia na tentativa de o “endireitar” e fazer funcionar melhor. A sua mulher pode despejar as 
garrafas na tentativa de parar o excesso de bebida; os pais podem de um momento para o outro 
começar a discutir com a filha adolescente numa tentativa para que pare de usar; um adicto 
numa família perturba o equilíbrio familiar. Encontrar uma solução para este problema pode 
levar a uma grande perda de tempo e energia. À medida que os membros da família começam 
a se preocupar com o adicto, há outros aspectos das suas vidas que começam a sofrer com isso. 
Tentar lidar com o comportamento do adicto pode desviar a família de uma vida normal. A coisa 
mais importante na vida da família de um adicto pode tornar‐se uma tentativa desesperada de 
controlar  seu  uso  e  comportamentos  decorrentes  disso.  Essa  preocupação  em  “endireitar”  e 
controlar o adicto pode transformar‐se num doloroso foco espiritual. Uma organização de apoio 
como  os  Programas  de  Familiares  (Al‐anon  e  Nar‐anon)  pode  ser  necessária  para  ajudar  os 
membros da família a recuperar o equilíbrio e a serenidade. 
A palavra espiritualidade tem na sua raiz a palavra “espírito”. Outra maneira de pensar 
em espiritualidade é nos perguntar onde se foca o espírito de cada um. “Espírito”, neste sentido, 
não fará nenhuma diferença, se o considerarmos como, por exemplo, o espírito de equipe num 
jogo de futebol. Um grupo de jogadores e expectadores poderá estar muito entusiasmado com 
   

a vitória de um jogo. Um craque pode incitar de modo a criar mais entusiasmo e espírito no 
grupo. O foco espiritual é energicamente dirigido para “ganhar o grande jogo”. Em outras áreas 
da  espiritualidade  encontramos  espírito  e  entusiasmo  como  sendo  o  reflexo  exato  onde  se 
centra a espiritualidade dessa pessoa. As coisas que na vida nos fazem brilhar os olhos e mexer 
por dentro estão intimamente ligadas à espiritualidade. Espiritualidade tem a ver com as coisas 
que  são  os  grandes  “amores”  da  nossa  vida.  Descobriremos  que  o  nosso  coração  está 
fortemente ligado às áreas espirituais da vida. 
  O  espírito  e  entusiasmo  pela  bebida  é,  as  vezes,  óbvio  na  vida  de  um  alcoólico.  O 
alcoolismo,  quando  começa,  pode  ser  como  um  namoro.  Para  um  alcoólico  talvez  nada  se 
compare ao ato de beber às escondidas ou do adicto a usar. Pode ter passado a última hora de 
aula desejando ansiosamente a oportunidade de beber. Para outros alcoólicos esta relação pode 
ir  crescendo  muito  lenta  e  gradualmente  até  que,  só  anos  depois  possa  dar  conta  desta 
necessidade  permanente  de  beber.  O  entusiasmo  e  espírito  persistem  muitas  vezes  mesmo 
quando,  o  relacionamento  com  o  álcool  se  tornou  destrutivo  e  a  energia  e  o  entusiasmo  da 
pessoa  em  outras  áreas  da  vida  foram  seriamente  afetadas.  No  meu  próprio  trabalho  com 
pessoas em recuperação lembro‐me de inúmeros indivíduos dizendo, “Beber tornou‐se a coisa 
mais importante da minha vida e isso aconteceu de tal maneira que nem me percebi. Chegou 
ao ponto de já não me dar nenhum prazer, apenas me ajudar a sentir bem neste momento, mas 
tinha que beber”. É este o ponto difícil em que uma pessoa está na verdade “agarrada” à bebida, 
mesmo, quando ele ou ela possam dar‐se conta que beber já não funciona da mesma maneira. 
Contudo, está agarrada pela impotência, dependente da própria causa da sua destruição. 
  Mas, como é que começam a se desenvolver essas relações espirituais destrutivas tão 
poderosas? Como é que alguém pode se envolver  numa relação  como a acima descrita, que 
pode levar à morte, suicídio ou à loucura se não tiver ajuda? 
   As relações espirituais evoluem da maneira como uma pessoa vive a vida e como ela 
consegue lidar com as situações da sua própria vida. A nossa espiritualidade pode ter um foco 
consideravelmente diferente se tivermos tido um conjunto variado de experiências de vida. Ter 
o  álcool  e  a  droga  como  foco  espiritual  destrutivo  na  nossa  vida,  é  o  resultado  da  nossa 
experiência com o álcool e da capacidade com que ele tem de ir ao encontro de algumas das 
necessidades básicas humanas. Nem todas as pessoas reagem ao álcool e à droga da mesma 
maneira, e por isso nem todos desenvolvem o mesmo tipo de relação com ele. Quando uma 
pessoa  começa  a  ligar‐se  ao  álcool  pode  ser  por  aquilo  que  ele  ou  ela  viram  ou  ouviram  da 
experiência dos outros. Os amigos podem nos ter encorajado a beber. Eventualmente existe o 
momento em que a pessoa bebe pela primeira vez e essa foi a sua primeira experiência com o 
álcool. Dependendo dessa primeira experiência uma pessoa pode desenvolver um padrão de 
abuso do álcool e drogas, ou beber moderadamente com pouco entusiasmo. Se a experiência 
for muito negativa a pessoa pode nunca mais tornar a beber; se o interesse da pessoa pelo álcool 
aumenta  é  porque  efetivamente,  ele  vai  ao  encontro  de  alguma  necessidade.  O  famoso 
psicólogo Carl Jung descreveu uma vez o alcoolismo do fundador dos AA, Bill W., como uma 
“doença espiritual que tem na sua base o impulso para plenitude...” Sentir‐se meio e completo 
é uma necessidade humana básica. 
  A  maneira  como  o  álcool  vai  ao  encontro  da  nossa  necessidade  de  nos  sentirmos 
satisfeitos não é difícil de compreender. Se uma pessoa é naturalmente acanhada o álcool pode 
ajuda‐la  a  tornar‐se  mais  ousada  e  desinibida.  Se  uma  pessoa  está  cheia  de  raiva  e 
ressentimentos, o álcool pode ajuda‐la a acalmar‐se e encontrar alguma paz. Se uma pessoa está 
sem alento, deprimida, pode ir a um bar e “esquecer de tudo”. Uma pessoa pode beber porque 
gosta da imagem de quem bebe ou usa. À medida que a doença da adicção progride beber ou 
usar  torna‐se  necessário  para  que  se  possa  viver  e  sentir  “normal”.  Todos  estes 
comportamentos são uma tentativa para encontrar ou manter a “plenitude”. 
  Outra  necessidade  básica  humana  é  o  relacionamento  com  os  outros.  Beber  é  uma 
atividade social. O álcool e outras drogas tendem a juntar pessoas. Olhando para trás podemos 
ver os amigos apenas como “amigos do uso” ou “amigo dos copos”, mas pelo menos havia uma 
   

espécie  de  “estarmos  juntos”,  de  camaradagem.  Beber  era  uma  maneira  de  ter  um  contato 
pessoal e “passar um bom bocado” ao fazê‐lo. 
O álcool e as drogas enganam as pessoas porque, até certo ponto, vão de encontro de 
necessidades humanas. Mas em longo prazo não o fazem da melhor maneira para o adicto. A 
busca espiritual que acaba na adicção pode ter começado por um simples desejo de ser feliz. 
Talvez ajude a entender a adicção como uma tentativa legítima de ser saudável e feliz. Ajuda‐
nos a evitar alguns julgamentos e críticas que possamos ter à tentação de usar contra nós ou 
outros adictos em recuperação. 
  Um olhar mais atento para algumas das palavras que são usadas para espiritualidade 
podem ajudar a aprofundar a compreensão desta palavra. Definir espiritualidade como qualquer 
coisa que tem a ver com o mais importante na nossa vida. Se alguma coisa é importante para 
nós isso significa que lhe damos valor e importância. O processo de dar valor a qualquer coisa 
chama‐se valorização ou veneração. Quando veneramos alguma coisa estamos a falar de uma 
relação com o objetivo da adoração, do tipo da que temos com Deus. Por vezes no programa 
podemos ouvir alguém dizer “o álcool e as drogas tinham‐se tornado meu deus”. Muitas vezes 
isto  é  uma  constatação  exata  mesmo  que  nunca  tenhamos  pensado  assim  nesta  relação.  À 
medida que a doença do alcoolismo progride, podemos dizer que a relação com um deus que 
esquece o indivíduo. Esta relação já não é a solução perfeita porque já não vai de encontro às 
necessidades da pessoa. 
  Mesmo que insistamos que não queremos uma relação com Deus (com um D grande), 
assim  como  é  impossível  evitar  a  espiritualidade  como  um  fato  na  nossa  vida,  também  é 
impossível evitar relacionamentos do tipo do que se tem com (um) deus. Quer os reconhecemos 
claramente ou não, eles fazem parte da nossa vida. Afetam‐nos. 
  Uma  relação  do  tipo  da  que  se  tem  com  deus,  tem  uma  relação  interessante  com  a 
palavra “entusiasmo”, palavra essa que está  ligada a espiritualidade. A palavra “entusiasmo” 
vem do grego “em‐theos” que significa “em deus”. Outra maneira de vermos as coisas pelas 
quais temos um grande entusiasmo é dizermos que elas refletem a nossa compreensão e relação 
com o nosso deus. 
  Para o alcoólico cuja vida está sendo destruída. O desafio da recuperação é encontrar 
uma nova relação da do tipo que se tem com deus, um novo foco para a sua espiritualidade, um 
novo  centro.  Alguma  coisa  tem  que  substituir  o  álcool  e  as  drogas  como  principal  centro  de 
interesse na vida de uma pessoa. Esta é a razão pela qual a recuperação não consiste apenas em 
não beber. Por a rolha na garrafa não quer dizer necessariamente que outra coisa qualquer se 
tornou nosso centro de interesse da vida de uma pessoa. Somente parar de beber sem outro 
crescimento e mudanças apenas frustrará uma pessoa que não aprendeu outro modo de ir ao 
encontro das necessidades humanas básicas. 
  A irmandade de AA encara o desafio de ajudar os alcoólicos a encontrarem um novo 
centro de interesse espiritual. A sua missão é muito parecida com a de ajudar alguém a saltar 
de um barco que se afunda para outro barco. Pode ser muito traiçoeiro. A missão envolve o 
conseguir  ganhar a confiança e  eventualmente o coração da pessoa. De algum modo, com a 
ajuda dos Doze Passos dos AA, com a irmandade das reuniões e, nas novas relações com gente 
sóbria, um alcoólico ou adicto em recuperação começará a entregar‐se a um novo centro de 
interesse  espiritual.  A  pessoa  em  recuperação  procura  ir  de  encontro  às  suas  necessidades 
humanas de uma maneira completamente nova à medida que descobre o modo de vida de AA. 
  O  foco  espiritual  dos  que  estão  em  Anônimos,  tem  muito  a  ver  com  um  “Poder 
Superior”; “Deus, como nós o compreendemos”, e as pessoas da irmandade. Os passos Dois e 
Três dos AA começam esta nova relação e iniciam o novo foco espiritual. Para o que quer que 
entreguemos  a  nossa  vontade  e  a  nossa  vida,  isso  tem  que  necessariamente  ser  muito 
importante para nós. O Passo Três foi sabiamente deixado tão aberto quanto possível para que 
ninguém seja excluído. Embora a palavra Deus esteja escrita com D maiúsculo, no Passo Três, 
temos que entender que há alternativas de como este Passo pode ser abordado. Para aqueles 
que  não  compreendem  a  idéia  de  Deus  no  sentido  tradicional,  o  Terceiro  Passo,  pode,  por 
   

exemplo, ligar‐se ao grupo básico de AA. Um grupo de pessoas é um poder maior do que nós 
mesmos, e podemos dar‐lhe o poder divino de nos mostrar o que precisamos fazer. Poderemos 
ver que aceitarmos ser guiados pelas pessoas do programa pode ser melhor do que continuar o 
caminho que sabemos, que acabará na destruição. Outros recém‐chegados ao programa podem 
falar de Deus atuando através do grupo. Podem dizer que Deus é um espírito de amor que se 
exprime pelo amparo, carinho e orientação que o grupo tem para oferecer. Haverá outros que 
acreditam nisso e também ligar‐se a Deus por outros caminhos, tais como a oração e a leitura 
devotada. O Passo Três permite variedade e flexibilidade na maioria como os relacionamentos 
com um Poder Superior. 
  Quando as pessoas olham pela primeira vez para os passos Dois e Três, muitas vezes 
tomam uma de duas posições extremas. A primeira é rebelarem‐se e dizerem que tal programa 
não é para elas. Os seus sentimentos podem ser traduzidos por este sentimento “não quero ser 
um  fanático  religioso!  Não  acredito  nesta  história  de  Deus”.  A  outra  reação  é  ultrapassar 
rapidamente estes passos e dizer para si próprio: “Sempre acreditaram em deus. E depois?” 
  Nenhum destes dois extremos ajudará muito. A espiritualidade é uma área da vida em 
que precisamos descobrir muito sobre nós próprios. Não se pede a ninguém que acredite em 
alguma coisa em que não pode acreditar. Acreditar não é algo que se possa forçar. Acreditamos 
naquilo  que  acreditamos.  Normalmente  aquilo  em  que  acreditamos  resulta  da  nossa 
experiência. Do que sabemos da experiência dos outros e do que nos ensinaram. O segredo da 
mudança do foco espiritual é ter um  espírito aberto, e nos permitir experimentar algo diferente 
– muito como fazer uma experiência com a nossa vida espiritual. 
  A maneira que temos de experimentar algo diferente na nossa vida espiritual provém 
da  ajuda  que  as  pessoas  em  recuperação  oferecem.  Não  estamos  sós,  estamos  com  outras 
pessoas  que  trabalham  na  sua  recuperação  e  que  podem  tornar‐se  amigos  de  verdade.  A 
experiência  de  recuperação  das  pessoas  na  irmandade  dá  uma  informação  prática,  preciosa 
sobre o que precisamos fazer de modo a vivermos uma vida sóbria e feliz. Dirão coisas como 
“vive um dia de cada vez”. Em outras palavras não queira ultrapassar e não se preocupe hoje 
com as coisas do amanhã. A força de hoje é a que precisa para os problemas de hoje, outra 
maneira que as pessoas na irmandade têm de se ajudar e confrontarem‐se mutuamente com a 
realidade. Muitas vezes não conseguimos ver claramente como nos magoamos a nós mesmos 
com as nossas atitudes emocionais e com a maneira como pensamos nas coisas. Outras pessoas 
podem nos ajudar a resolver problemas e a esclarecer a nossa situação. Outra maneira simples 
de encontrar plenitude está na capacidade de falar com outra pessoa sobre como nos sentimos. 
Partilhar  tem  o  efeito  de  “dividir  o  nosso  fardo”  e  “duplicar  as  nossas  alegrias”.  Na  partilha 
podemos encontrar alívio dos sentimentos negativos de desânimo, medo e raiva. 
  As pessoas no programa, quase sem exceção, farão igualmente parte da espiritualidade 
que descobrimos à medida que recuperamos. O que aprendemos com elas e o apoio emocional 
que nos podem dar são quase impossíveis de atingir numa experiência, qualquer, solitária. Um 
“slogan” popular no programa é “Eu preciso das pessoas como Eu”. 
  Vamos olhar agora para espiritualidade x religião.  
  Há  muita  confusão  no  que  diz  respeito  a  relação  da  espiritualidade  e  religião.  Para 
complicar as coisas, as pessoas usam indiferentemente as palavras e, às vezes, com o mesmo 
significado. 
  Melhor do que tentar definir o que é religião e o que é espiritual precisamos nos lembrar 
da  nossa  definição  de  espiritualidade.  Quando  dizemos  “espiritualidade  tem  a  ver  com  a 
qualidade da nossa relação com o que é mais importante na nossa vida”, não excluímos nada 
nem ninguém associado à religião como sendo um foco espiritual. Por exemplo, é muito possível 
ter como a coisa mais importante da nossa vida uma relação com Deus como numa tradição 
religiosa. A nossa definição de espiritualidade não inclui ou exclui necessariamente tudo aquilo 
que na nossa mente está associado à “religião”. 
  Um exemplo pode ajudar a clarificar a diferença entre ser aparentemente “religioso” e 
estar espiritualmente concentrado em outra coisa. 
   

  Imagine um jovem de 15 anos que se vê envolvido, sem o desejar e por insistência dos 
pais, na catequese da igreja local. 
Ele abusa quer do álcool, quer da maconha. Durante o intervalo das aulas, sai da igreja 
para “usar”. Neste caso, o que acha que será o foco espiritual deste jovem neste momento? 
Provavelmente são muito mais os químicos do que a sua instrução religiosa. 
  Como outro exemplo, imagine uma mulher jovem que trabalha e é muito devotada à 
sua  igreja.  Assiste  regularmente  aos  serviços  religiosos,  participa  de  um  grupo  de  senhoras 
ligado à igreja e reza todos os dias. Tem vários bons amigos na igreja com quem discute muitos 
aspectos da sua vida. Suponha que esta mulher está dando os primeiros passos no alcoolismo e 
é  uma  adicta  ao  álcool  na  sua  casa,  sem  ninguém  saber.  O  que  podemos  dizer  da  sua 
espiritualidade?  Este  exemplo  não  é  tão  direto  quanto  o  primeiro.  Pelo  menos  podemos 
suspeitar que esta mulher esteja com a espiritualidade dividida, mas também podemos prever 
que ela será arrastada cada vez mais para o foco espiritual que é o álcool, à medida que a doença 
progride. 
  A  conclusão  que  podemos  tirar  de  uma  pessoa  que  aparentemente  é  religiosa  e 
espiritualmente se concentra em outra coisa, pode muitas vezes ser descrita como hipocrisia. 
Aquilo em que a pessoa diz que acredita e aquilo que é revelado pelo seu comportamento não 
combina. Há falta de integridade. Muitas vezes aquilo que as pessoas detestam nas igrejas é 
exatamente a hipocrisia de alguns de seus membros. Aquilo que criticamos tão fortemente é a 
falta de espiritualidade autêntica. 
 
  Espiritualidade é uma palavra convidativa quando é bem compreendida. Convida‐nos a 
descobrir  nosso  mundo  de  valores  e  aquilo  em  que  acreditamos.  Ao  avaliar  os  nossos  focos 
espirituais e ao vermos como nos ajudou a ir ao encontro de nossas necessidades, isso pode nos 
ajudar a abandonar relações espirituais destrutivas e a procurar relações em que um honesto e 
saudável  ser,  pode  ser  encontrado.  À  medida  que  mudamos  o  nosso  foco  espiritual,  iremos 
necessariamente desenvolver um estilo de vida diferente porque o que é importante para nós 
mudou.  Talvez  pessoas  e  interesses  que  antes  eram  importantes  deixem  de  o  ser  porque  a 
relação  destrutiva  com  o  álcool  terminou.  Uma  espiritualidade  renovada  conduzirá  a  uma 
sanidade restaurada. Além disso, a espiritualidade renovada mudará os princípios das nossas 
vidas porque fornece uma nova base para todas as decisões e relações. A espiritualidade tendo 
a ver com a qualidade da nossa relação com quem ou o que é mais importante nas nossas vidas 
– toma o seu lugar nos aspectos físicos e emocionais de um programa de recuperação como 
sendo o alicerce necessário para a construção de um novo modo de vida. 
 
 
 
   

A VERGONHA  
 
 
 
Compreender os nossos sentimentos não é tarefa fácil. A maioria de nós já sentiu o peso 
da  vergonha  a  determinada  altura,  alguns  de  nós  fomos  desonestos  em  relação  aos  nossos 
sentimentos – para conosco e com os outros – por medo de sermos descobertos ou de que os 
outros ficassem sabendo demasiadamente sobre nós. Em recuperação, o sentimento doloroso 
vem frequentemente à superfície, e nos deixa assim se sentindo mal. Palavras como infelicidade 
ou tristeza podem dar uma boa descrição desses sentimentos. Por vezes nos sentimos maus, 
sem  sermos  de  fato  tão  maus  assim.  Horas  nos  sentimos  magoados  como  se  algo  de  errado 
tivesse chegado ao mais profundo de nosso ser. Sendo assim percebemos que há mais a ser 
descoberto do que apenas o que o uso de drogas ou álcool pode ter feito conosco. Sentimos 
que nos falta algo, que somos inadequados e vazios. 
  Esse sentimento crônico que nos invade muitas vezes é a vergonha. O vazio aumenta 
com o derrotismo e com a necessidade constante de preenchimento. O vazio da vergonha é uma 
armadilha em recuperação, que nos impede de nos sentir satisfeitos e que faz com que o fato 
de  não  usarmos  drogas,  álcool,  comida  ou  outros  comportamentos  compulsivos,  pareça 
impossível. 
   
DE ONDE VEM A VERGONHA 
 
  Para a maioria de nós vergonha tem suas raízes na nossa infância. Há famílias que tem 
problemas  de  adicção  e  emocionais,  por  isso  muitos  de  nós  fomos  criados  em  famílias 
disfuncionais que não sabiam corresponder às nossas necessidades emocionais e muitas vezes 
físicas.  Quando  os  pais  são  cronicamente  depressivos  ou  se  debatem  com  um  problema  de 
alcoolismo  ou  de  adicção,  são  muitas  vezes  incapazes  de  estar  à  altura  das  necessidades 
emocionais de seus filhos. Quando as crianças não veem suas necessidades afetivas satisfeitas, 
sentem muitas vezes, vergonha. 
  Uma família saudável satisfaz naturalmente as necessidades afetivas de cada um dos 
seus membros. Os filhos são aceitos tal como são; são amados e valorizados. A individualidade 
dos membros da família é mantida. Os pais são livres para serem adultos e os filhos, livres para 
serem crianças, assim formando indivíduos que possam se tornar Pessoas. 
  A  vergonha  cresce  quando  a  criança  ou  o  adolescente  se  sente  abandonado  ou 
desprezado, quando não recebe o carinho necessário para crescer, se desenvolver e olhar para 
si mesmo como uma Pessoa. Estas crianças ou adolescentes, acabam muitas vezes por ter uma 
inversão na compreensão de estados de humor e sentimentos, o que pode levar à inadequação 
e sentir certa inutilidade ficando assim profundamente enraizados. 
  A educação inadequada durante a infância pode ter diversas formas. Para alguns de nós 
era de maneira evidente, como por exemplo: 
 
Bater em nós ou nos empurrar. 
Obrigar a ter comportamentos sexuais. 
Abandonar‐nos por vários dias. 
 
Para alguns de nós era sutil e manipulativa: 
 
Comparação com os nossos irmãos que tinham conseguido tanto. 
Sujeitando a ouvir comentários depreciativos  sobre a nossa masculinidade ou feminilidade. 
Críticas sobre a nossa capacidade de ultrapassar ou de conseguir as coisas sozinhos. 
   

Críticas sobre nosso aspecto ou peso. 
Lembrar‐nos constantemente dos nossos erros. 
Ameaçar de que nos tornaremos iguais ao nosso “pai ou mãe bêbados ou nóias e assim maus”. 
As  pessoas  criadas  inadequadamente  aprendem  em  grande  parte  a  estar  vigilantes 
quando  perto  dos  outros,  para  que  ninguém  descubra  seus  sentimentos  de  inadequação. 
Manter segredos torna‐se importante para nós, assim como resistir às descobertas, para evitar 
erros. 
Errar  é  visto  como  a  maior  evidência  de  inutilidade.  Um  erro  não  é  visto  como  um 
acontecimento isolado, mas sempre generalizado como uma descrição total de si mesmo “Eu 
sou um erro. A minha vergonha significa que não me sinto mal em determinado momento, mas 
acredito que não presto! Que sou inadequado e inútil”. 
Este  gênero  de raciocínio promove um ciclo vicioso, em que as crianças que não são 
valorizadas tornam‐se adultos que acreditam não ter valor. Duvida e nega suas emoções e deixa 
de exprimir os sentimentos, de demonstrar afeto, e se tornam desconfortáveis em relação à sua 
sexualidade; uma tristeza crônica, assim como apatia e medo de serem descobertos, toma o 
lugar dos sentimentos de confiança e partilha. 
 
A VERGONHA E A DEPENDÊNCIA QUÍMICA (ADICÇÃO) 
 
  A  vergonha  pode  também  começar  a  aparecer  mais  tarde.  Aqueles  de  nós  que  se 
debatem  com  uma  adicção  à  drogas,  podem  sentir‐se  desesperados  com  os  problemas 
emocionais a medida que o ciclo da adicção vai aumentando, e as nossas tentativas de levarmos 
uma  vida  saudável  e  produtiva  vão  sendo  derrotadas.  Com  a  perda  da  esperança,  este  ciclo 
autodestrutivo vai salientar os nossos problemas de comportamento e exagerar os sentimentos 
de inutilidade. 
 
COMPORTAMENTO AUTODESTRUTIVO 
 
  EXEMPLO: Helena está há seis meses sem usar álcool ou drogas e, no entanto sente‐se 
completamente dominada por um sentimento de vazio ou dúvida. Sente‐se paralisada e não 
consegue identificar ou falar sobre os seus sentimentos. Teme que a falta de confiança em si 
própria seja completamente óbvia. Deixou de ter os comprimidos e o álcool para preencher o 
vazio. Para se proteger, ela conta com um mecanismo de defesa rígido e, promete a si mesma 
que ninguém irá saber de seus sentimentos de inutilidade e de vergonha; ninguém saberá seu 
segredo. Em vez disso esforça‐se para se tornar “perfeita”. 
  A confiança de Helena no perfeccionismo é uma defesa constantemente usada contra a 
vergonha. Na verdade, trata‐se de um sistema de crença extremamente rígido, uma espécie de 
“juiz  dentro  de  nós”,  que  controla,  avalia  e  critica  o  nosso  comportamento,  pensamentos  e 
sentimentos.  Esse  juiz  interior  exige  perfeição.  Errar  é  desastroso!  Acreditamos  que  para 
valermos  alguma  coisa  temos  de  ser  bem  sucedidos  em  todas  as  áreas  da  nossa  vida. 
Convencemos‐nos que somente um desempenho perfeito compensará os nossos sentimentos 
mais íntimos de vergonha. 
  Helena  está  entalada  entre  exigências  irrealistas:  o  enorme  esforço  torna  impossível 
para  conseguir  um  comportamento  perfeito  e  a  sua  insistência  em  manter  secretos  os  seus 
sentimentos de vergonha. Encontra‐se na situação do perdedor. Embora tenha deixado de usar 
comprimidos, a vergonha  continua a motivar comportamentos perfeccionistas que limitam a 
sua capacidade de pedir a ajuda de que necessita desesperadamente. 
  Fábio é perseguido por sentimentos de inadequação. Exteriormente projeta a imagem 
da autoconfiança.   No entanto, interiormente sente‐se incompleto. Toma secretamente  uma 
bebida  atrás  da  outra,  esforçando  inutilmente  para  vencer  a  sua  adicção,  preencher  os 
persistentes sentimentos de vazio e acalmar os sentimentos de vergonha. Quanto mais tenta 
calar os seus sentimentos, mais vazio sente. 
   

  O comportamento autodestrutivo alivia a dor e nos ajuda a nos sentir temporariamente 
bem, mas não resolve nenhum dos nossos problemas. 
  A  adicção  de  Fábio  parece,  pelo  menos  temporariamente,  preencher  o  vazio  da 
vergonha, mas tal como Helena, que conta com o perfeccionismo para disfarçar a vergonha, ao 
beber Fábio não faz mais do que aumentar os seus sentimentos de inutilidade. O seu alcoolismo 
engana  a  sua  percepção  da  vergonha.  Ambas  as  reações  são  contraproducentes.  O  seu 
alcoolismo alivia a dor que a vergonha traz, mas apenas por um curto espaço de tempo. Helena 
procura evitar os sentimentos de vergonha e afasta o propósito de procurar ajuda para seu caos 
emocional, mantendo uma fachada rígida de perfeccionismo. 
VERGONHA E AS SUAS CONSEQUENCIAS AUTODESTRUTIVAS 
 
  A vergonha é um problema emocional. As emoções tornam‐se um problema quando nos 
impedem de alcançar alguns dos nossos objetivos mais básicos. Para muitos de nós, construir 
um  estilo  de  vida  saudável  implica  o  desenvolvimento  de  relações  que  nos  preenchem  ao 
deixarmos de ser vulneráveis e imperfeitos com aqueles em quem confiamos ao mesmo tempo 
em que aceitamos a vulnerabilidade e imperfeição dos outros. Ser humano é ser falível e menos 
que perfeito. Recuperação também significa participar ativamente no mundo do trabalho, tirar 
prazer em viver o dia a dia e, é claro, manter‐se abstinente. Quando um sentimento como a 
vergonha  nos  impede  de  realizarmos  qualquer  uma  destas  tarefas  básicas  então  temos  um 
problema emocional. 
  A  vergonha  é,  portanto,  um  obstáculo  à  aprendizagem  das  tarefas  básicas  da  vida. 
Sensações  crônicas  de  vazio  podem  minar  os  esforços  para  nos  sentirmos  felizes  e  podem 
fornecer  uma  desculpa  para  uma  recaída.  A  vergonha  os  mantém  isolados  e  separados  dos 
outros,  sabotando  assim  as  nossas  necessidades  de  intimidade  e  relações  com  significado, 
interfere na nossa capacidade de nos relacionar com os outros como pessoas reais e imperfeitas. 
  A vergonha é um problema especial para as pessoas em recuperação da adicção e de 
problemas emocionais. Se tivermos sentimentos não identificados de vergonha com os quais 
não lidamos, estamos em risco de recair. De fato, o modo como nos comportamos ao sentirmos 
vergonha  é  frequentemente  oposto  ao  modo  como  nos  comportamos  em  recuperação. 
Recuperação  é  o  processo  que  nos  devolve  à  uma  vida  mais  realizada,  o  que  envolve 
frequentemente menos sofrimento emocional e liberdade do comportamento adictivo. 
 
CARACTERÍSTICAS DA VERGONHA  CARACTERÍSTICAS DE RECUPERAÇÃO 
Procura  isolamento  social  e  distanciamento  Participa no processo social de recuperação. 
emocional. 
Falta de confiança em si próprio.  Confia nas suas opiniões e sentimentos. 
Sente a espontaneidade reprimida.  Sente alegria. 
Reflete os mesmos erros.  Aprende com a experiência. 
Baseia‐se em comportamentos rígidos  Aborda os problemas com flexibilidade 
 
Como  a  vergonha  nos  faz  sentir  mal  e  tem  como  resultado  o  nosso  comportamento 
autodestrutivo, é importante identificar e reduzir a vergonha como parte do nosso processo de 
recuperação. 
 
VERGONHA x CULPA 
 
  A vergonha é diferente da culpa. A culpa é um sentimento de reação contra um mau 
comportamento  ou  uma  omissão  de  um  comportamento  esperado.  Por  exemplo,  um 
adolescente  pode  sentir  culpa  por  ter  magoado  outras  pessoas,  ou  um  pai  pode  sentir‐se 
culpado por ter negligenciado seu filho. A culpa está geralmente limitada a um acontecimento 
específico, não envolve uma avaliação do nosso valor como pessoa. Na verdade, os sentimentos 
   

de culpa são muitas vezes saudáveis. Podem ser um sinal de que falhamos em alguma coisa ou 
que precisamos olhar melhor para o nosso comportamento. Podemos aprender a olhar para a 
culpa e não a temer. Ajuda a nos lembrar que somos seres humanos imperfeitos e que temos 
valor, podendo aprender com os nossos erros e nos tornar pessoas que funcionam em plenitude. 
  Por outro lado, os sentimentos de vergonha envolvem geralmente a nossa valorização 
como pessoas. 
A vergonha não é uma simples reação a um acontecimento específico; mas antes uma 
resposta emocional adquirida que permanece seja qual for a qualidade da nossa atuação. 
  Quando  nos  sentimos  com  vergonha,  temos  mais  chances  de  nos  isolar  e  de  nos 
distanciarmos  emocionalmente,  nos  tornamos  menos  espontâneos  e  mais  infelizes.  Os 
comportamentos  derrotistas  da  vergonha  reforçam  os  nossos  sentimentos  implacáveis  de 
angústia, vazio e inutilidade. 
BOAS NOTÍCIAS 
 
  Podemos  mudar  os  sentimentos  da  vergonha!  Assim  como  a  vergonha  se  aprende, 
também pode ser “desaprendida” e substituída por atitudes, comportamentos e sentimentos 
mais positivos. Podemos reduzir os sentimentos da vergonha compreendendo as suas raízes, 
reconhecendo  que  temos  vergonha  e  alterando  conscientemente  os  comportamentos 
relacionados com ela. 
  As convicções em relação a nós próprios, quer tenham sido adquiridas na infância quer 
mais tarde, tendem a persistir mesmo quando a nossa adicção parou. 
  Quando  ainda  crianças,  temos  tendência  a  acreditar  naquilo  que  os  adultos  nos 
ensinam,  especialmente  quando  confiamos  nesses  adultos,  tal  como  nós  pais,  padres  ou 
professores.  Como  adolescentes,  modificamos  as  nossas  atitudes  baseando‐nos  nas  nossas 
experiências. Assim, se formos confrontados com fracassos constantes, críticas e com os nossos 
novos comportamentos de adictos, aprendemos depressa a desvalorizar aquilo que somos. As 
crianças  e  os  adolescentes,  pela  natureza  da  sua  juventude,  tem  falta  da  capacidade,  do 
conhecimento e da estabilidade emocional para compreender a complexidade das suas atitudes 
e  sentimentos.  Como  consequências  disto,  não  são  responsáveis  pelo  modo  como  fomos 
tratados no passado nem como aprendemos muito cedo a nos sentir. Essencialmente não somos 
responsáveis pela nossa infância. Ela é, por natureza, caracterizada pela impotência. 
  O  mesmo  se  aplica  à  adicção  e  aos  comportamentos  compulsivos.  Alguns  de  nós 
passamos  por  obsessões  e  comportamentos  compulsivos  que  invadiram  toda  a  nossa 
personalidade:  outros  passam  pela  experiência  do  descontrole  em  relação  a  certos 
comportamentos tais como a bebida, drogas ou o jogo. Todos nós enfrentamos e sentimos a 
destruição que vem da nossa incapacidade para modificar o nosso comportamento. Por si são, 
as  resoluções  firmes  e  a  força  de  vontade  só  nos  levaram  a  tristes  insucessos.  Embora 
quiséssemos  que  a  dor  resultante  do  nosso  comportamento  derrotista  parasse,  éramos 
impotentes. Tal como as crianças, impotentes em relação às nossas tentativas para controlar as 
complexidades das nossas atitudes, sentimentos e comportamento adictivo. 
  Só quando aceitamos a nossa impotência enquanto adultos e que podemos recuperar. 
Em recuperação, ficamos mais conscientes dos nossos sentimentos e podemos tomar decisões 
conscientes em relação ao modo como nos comportamos e sentimos. A vergonha perpetua‐se 
nas  nossas  convicções.    Não  importa  quando,  como  e  onde  as  aprendemos,  estas  atitudes 
baseadas  na  vergonha  fazem  agora  parte  de  nós.  O  juiz  interior  que  representa  as  nossas 
tentativas  perfeccionistas  de  controle  pode  agora  ser  enfrentando,  diminuindo  e, 
eventualmente destronado. As leis do juiz não são absolutas e podem ser vencidas com uma 
oposição persistente baseada na lógica e na razão. 
 
 
 
 
   

PRINCÍPIOS DA T.E.R. 
 
  Apesar da vergonha ter as suas raízes no passado precisou lidar com ela no presente. 
Um  dos  métodos  para  atacar  as  atitudes  baseadas  na  vergonha  é  utilizar  uma  abordagem 
baseada  na  autoajuda:  Terapia  Racional  Emotiva  (TER).  A  TER  baseia‐se  na  premissa  que  os 
pensamentos provocam sentimentos. Muitos de nós pensamos que os nossos sentimentos são 
reações  automáticas  a  acontecimentos  isolados.  Falamos  muitas  vezes  dos  sentimentos 
desagradáveis  como  se  alguém  ou  algo  fosse  responsável  por  eles:  “Ela  me  deixou  furiosa”. 
Muitos de nós acreditamos que os acontecimentos em A causam as emoções de B. 
No  entanto,  os  sentimentos  não  são  automáticos  nem  necessariamente  similares  ou 
compatíveis com a resposta a acontecimentos semelhantes. Por exemplo, um acontecimento 
(A), tal como receber um conselho em grupo pode resultar em inúmeros sentimentos diferentes 
(B),  que  podem  ir  desde  sentir  raiva  a  sentir  tristeza.  Portanto,  os  sentimentos  variam  de 
indivíduo para indivíduo e não estão automaticamente relacionados com os acontecimentos. 
Como tal, as emoções não são diretamente causadas por acontecimentos. A TER nos diz que 
podemos escolher o modo como interpretamos ou o que pensamos de um acontecimento em 
B, que por sua vez causam um sentimento em C. 
 
HISTÓRIA DE HELENA 
 
  Apesar  de  estar  limpa  há  seis  meses,  Helena  tem  sido  martirizada  por  pesadelos 
constantes,  noites  sem  dormir  e  problemas  com  relações.  Procurou  apoio  num  grupo 
terapêutico de mulheres. Se por um lado teve a coragem de pedir ajuda, por outro lado sentiu‐
se  muda  e  incapaz  de  partilhar  os  seus  sentimentos.  Helena  confia  a  tanto  tempo  no  seu 
perfeccionismo defensivo, mantendo as pessoas à distância, que se torna agora difícil deixa‐las 
se aproximarem. 
  Ao  rever  acontecimentos  da  sua  infância,  Helena  lembra  a  história,  há  muito  tempo 
reprimida,  pela  sua  família,  história  essa  que  envolve  sentimentos  dolorosos  e  abuso  físico. 
Ambos os pais de Helena foram alcoólicos. Helena está cheia de vergonha e, consequentemente, 
tem o pavor de contar a sua história. Ao pensar no seu passado, Helena diz para ela própria: 
“Devia ter sido capaz de parar com o abuso. Não devia ter aguentado tanto tempo. Que criança 
tão antipática que eu devo ter sido para merecer este tratamento. Em que adulto horrível fui 
me tornar. Ninguém pode saber.” 
 
A ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐  B ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐  C ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐   
Acontecimento  Pensamentos  Sentimentos  Consequências no 
comportamento 
Contar a história  Devia ter impedido o  Vergonha   
abuso 
  Não devia ter    Isolada dos 
aguentado tanto  companheiros evita 
tempo  contarem a sua 
história 
  Devia ter sido uma     
criança muito 
antipática 
  Em que adulto     
horrível fui me 
tornar 
  Ninguém pode saber     
 
   

Em  consequência  da  sua  vergonha,  Helena  tenta  isolar‐se  do  grupo.  O  seu 
comportamento  é  autodestrutivo,  já  que  elimina  o  potencial  apoio  de  que  necessita  para 
enfrentar o seu segredo. O conjunto de valores de Helena em B caracteriza‐se por exigências 
irrealistas combinadas com uma tendência para denegrir a sua pessoa. Os “devo” e os “tenho 
que” de Helena, traduzem as suas exigências irrealistas de que deveria ter tido mais poder ou 
controle. 
Deprecia o seu valor culpando‐se a si própria e menosprezando‐se como pessoa. Ellen 
interpreta  os  acontecimentos  do  seu  passado  através  de  um  sistema  de  convicções  que 
produzem sentimentos de vergonha. O seu juiz interior formula esperanças rígidas em relação 
a  sua  atuação  e  envergonha‐a  quando  ela  se  torna  incapaz  de  alcançar  esses  objetivos 
inatingíveis. 
Felizmente  para  Helena,  dois  dos  seus  companheiros  ajudaram‐na  a  abrir‐se  ao 
partilharem as suas próprias histórias com o grupo. Na verdade, Helena aprendeu a combater a 
sua lógica baseada na vergonha (D), ao levantar questões tais como: Quem? O que? E Por quê? 
 
 
A ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐  B ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐  C ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ 
Pensamentos  Sentimentos  Crítica 
Devia ter parado com o  Vergonha  Quem diz que eu deveria ter 
abuso  parado com o abuso? Eu era 
uma criança, não tinha mais 
poder sobre os meus pais, do 
que eles tinham sobre a 
bebida. 
Não devia ter alterado  Vergonha  Que escolhas é que eu tinha? 
Não somos todos impotentes 
quando crianças? Não sou 
responsável pelo 
comportamento dos meus 
pais. Pare de fazer exigências 
irreais! 
Que criança antipática devo  Vergonha  Que provas tenho de que fui 
ter sido  uma criança antipática? Não 
são todas as crianças 
simpáticas e merecedoras? 
Não são todas merecedoras 
de amor e carinho? 
Em que adulto terrível fui  Vergonha  Só porque fui criticada no 
me tornar  passado, não é razão para me 
criticar agora. Claro que não 
sou perfeita, mas que é? Não 
somos todos seres humanos 
falíveis e merecedores? 
Ninguém pode tê‐lo  Vergonha  Por que? Não sou 
responsável pela minha 
infância. Não são os meus 
pais os responsáveis pelo 
comportamento? Por terem 
abusado de mim no passado, 
não prova que agora seja um 
adulto sem valor. 
   

ESTABELECER OBJETIVOS 
 
  À medida que a lógica de Ellen muda, fica livre para identificar os seus objetivos. Apesar 
do vazio e da vergonha não desaparecerem de um dia para o outro, sente‐se cada vez mais bem 
disposta e menos preocupada. 
  Estabeleceu o objetivo de viver uma vida produtiva, saudável, com o menos possível de 
vergonha.  Para  ajudar  a  alcançar  esses  objetivos,  Helena  continua  a  participar  no  grupo 
terapêutico  de  mulheres,  e  começou  uma  terapia  individual.  Entretanto,  Ellen  renova  a  sua 
emergente  atitude  de  respeito  por  si  própria  com  uma  afirmação:  “Sou  Helena,  uma  pessoa 
falível  e  com  valor,  merecedora  de  respeito  por  mim  própria  e  aos  outros.  Hoje  vou  me 
considerar uma pessoa com valor e merecedora”. 
  Como o juiz interior de Helena não é facilmente combatido, elaborou um plano 
concreto para ajudar a colocar em prática a sua nova afirmação. Como forma de se lembrar, 
liga a sua afirmação a uma atividade diária frequente. Como bebe quatro refrescos por dia, 
decidiu usar seu primeiro gole como sinal de que está na hora de repetir a sua firmação 
positiva. Uma vez terminada a sua afirmação, bebe o restante do refresco como “recompensa” 
pela sua nova atitude. 
Mais tarde, Helena fez uma lista de atividades para atacar a vergonha com a ajuda do 
seu terapeuta de grupo. Se por um lado ela compreende algumas das suas atitudes baseadas na 
vergonha, também compreende que os seus sentimentos crônicos de vazio podem facilmente 
colocá‐la em risco de cair de novo nos seus velhos comportamentos autodestrutivos. Embora se 
sinta  cada  vez  melhor,  sabe  que  os  problemas  relacionados  com  a  vergonha  não  estão 
completamente resolvidos. 
Helena também decidiu continuar a sua aprendizagem sobre a vergonha. Decidiu fazer 
um  plano  especial  de  leitura  e  encontrou  um  terapeuta  especializado  em  adicção  e  abuso 
infantil. Planeja continuar o seu trabalho diário de autoafirmação.  Como pretende continuar a 
frequentar  o  grupo  de  terapia  de  mulheres,  decidiu  fazer  pelo  menos  mais  dois  trabalhos 
relacionados com a TER, a fim de ser capaz de discutir os seus problemas relacionados com a 
vergonha com o resto do grupo. 
É óbvio que a vergonha de Helena tem origem nas experiências da infância e as suas 
atitudes exageradas sem relação a essas experiências e a si própria poderiam ter impedido o seu 
progresso. Mas, ao contestar a sua lógica, Helena tornou‐se capaz de proceder às mudanças 
necessárias. 
 
A HISTÓRIA DE WILSON 
 
  Em contraste, a vergonha de Wilson não tem origem na sua infância, mas está antes, 
diretamente relacionada com as consequências autodestrutivas da adicção. Quanto mais bebe, 
menos se valoriza. Embora se esforce por controlar o que bebe, os esforços resultam sempre 
em  fracassos.  Segundo  Wilson,  deveria  ser  capaz  de  controlar  o  que  bebe.  Wilson  acredita 
firmemente que é mau e que não tem qualquer valor porque não consegue parar ou reduzir a 
bebida. 
  Jim  não  pode  prever  quando  vai  haver  intervalos  de  abstinência  ou  intoxicações. 
Começa a se ver como um degenerado moral. Pensa que se tivesse qualquer valor ou dignidade 
não  se  degradaria  a  ponto  de  se  encontrar  permanentemente  intoxicado  e  de  sofrer 
humilhações públicas. À medida que a sua vergonha aumenta vai se afastando cada vez mais da 
família e dos amigos. Isolado, bebe ainda mais. 
  A convicção de Wilson de que não presta, baseia‐se na exigência que faz a si próprio de 
que  deveria  ser  capaz  de  controlar  a  bebida.  O  seu  juiz  interior  exige  força  de  vontade, 
autodomínio  e  condena  o  seu  valor  quando  Wilson  se  torna  incapaz  de  controlar  o  seu 
comportamento.  A  vergonha  e  o  isolamento  de  Wilson  são  obstáculos  à  sua  recuperação.  – 
afastam de si próprio todos os que poderiam ajudar. 
   

 
A ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐  B ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐  C ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐   
Acontecimento  Pensamentos  Sentimentos  Consequências no 
comportamento 
Beber  Deveria ser capaz de  Vergonha  Isolamento social, 
continuamente  controlar a bebida.  beber continuamente 
  É horrível não     
conseguir aguentar 
uma bebida. 
  Não passo de uma     
pessoa má. 
 
A família e os amigos de Wilson não desistiram. Através do seu apoio e compreensão, 
Jim finalmente decidiu entrar em tratamento. No entanto, o juiz interior continuava a exigir o 
controle  total.  Jim  agarrava‐se  à  exigência  irrealista  de  que  deveria  ser  capaz  de  controlar  a 
bebida.  Através  dos  esforços  dos  seus  companheiros  e  da  aprendizagem  relacionada  com  o 
alcoolismo, Jim começou a questionar sua lógica em (D). 
 
 
 
B ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐  C ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐  D ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ 
Pensamentos  Sentimentos  Discussão 
Deveria ser absolutamente  Vergonha  Quem diz que deveria ser 
capaz de controlar o que  capaz de controlar a bebida? 
bebo  Não é verdade que o 
alcoolismo é uma doença? A 
doença não tem a ver com a 
força de vontade. 
É horrível não ser capaz de  Vergonha  Claro que não consigo 
aguentar uma bebida  aguentar nenhuma bebida. 
Para mim não se trata de 
controle voluntário. Uma 
vez que beba um copo só 
paro quando acabar a 
garrafa. 
Não passo de uma pessoa má  Vergonha  Tenho que parar de 
“exagerar”! Tenho uma 
doença mas não sou uma 
pessoa má. 
 
  À  medida  que  as  suas  convicções  em  relação  ao  alcoolismo  foi  mudando,  ele  foi  se 
tornando mais consciente das exigências irrealistas que colocava à si próprio. Ao aceitar a sua 
impotência perante o álcool, Wilson passou também a aceitar a sua condição humana com tudo 
o que ela implica de capacidades e limitações. 
  A  vergonha  de  Wilson  tem  origem  na  convicção  de  que  precisa  controlar  o  que  é 
incontrolável. Para Wilson, reconhecer as suas limitações como ser humano é uma tarefa em 
curso, já não luta para ser perfeito. 
 
 
 
 
   

COMEÇAR A AGIR 
 
  À  medida  que  Wilson  ia  progredindo,  o  seu  consultor  lhe  deu  uma  série  de 
recomendações úteis. A fim de reduzir a sua vergonha, Wilson precisava se tornar mais flexível 
em  relação  às  expectativas  que  tinha  dele  próprio  e  dos  outros.  Desde  que  Jim  passou  a  se 
aceitar como um ser humano digno e falível  deixou de haver razão para continuar a dar ouvido 
ao seu juiz interior. A sua falta de controle ou a impotência deixaram de ser ameaças ao seu 
valor  como  pessoa  e  passaram  simplesmente  a  fazer  parte  das  características  de  um  ser 
humano.  Quaisquer  esforços  para  controlar  o  incontrolável  o  levariam  ao  fracasso,  e  muitas 
vezes a auto recriminação e a vergonha. Tendo isto em mente, Wilson concordou em participar 
das seguintes atividades: 
‐  Encontrar  um  grupo  de  apoio.  Wilson  descobriu  a  necessidade  de  frequentar  um  grupo  de 
apoio que o ajudasse a identificar parte do seu pensamento baseado na vergonha, bem como o 
seu  comportamento  derrotista.  Chegou  à  conclusão  que  as  suas  atitudes  continham  muitas 
vezes uma necessidade de controlar que minavam a aceitação do seu alcoolismo. Ele concordou 
frequentar pelo menos dois grupos diferentes: AA e um grupo de terapia para homens. 
‐  Fazer  um  trabalho  da  TER.  Antes  de  completar  o  seu  tratamento,  Wilson  fez  um  trabalho 
suplementar de TER, para desafiar a sua mania de exigência, aquilo a que o seu consultor se 
referia  como  dizer  “devo”  demais.  Jim  aprendeu  que  palavras  como  “devo”  e  “tenho”, 
representam  muitas  vezes  exigências  irreais,  e  são  palavras  chaves  que  precisam  ser 
questionadas ao mudar as suas atitudes. Com isto em mente, Wilson começou a fazer o seu 
trabalho  de  TER  sobre  sentimentos  de  vergonha  relacionados  com  o  seu  casamento.  Wilson 
escreveu  a  palavra  “vergonha”  como  um  problema  emocional  em  “C”  (sentimentos).  Wilson 
sabia  que  os  seus  sentimentos  de  vergonha  estavam  intimamente  ligados  com  o  isolamento 
social e a bebida. Por baixo de “A” (acontecimento), identificou um acontecimento recente que 
o tornou consciente dos seus sentimentos de vergonha – lembrou‐se que o último encontro com 
a sua mulher, o tinha levado a sentir uma forte vergonha. Wilson refletiu sobre os pensamentos 
que teve durante o encontro com a sua mulher e os escreveu embaixo de “B” (pensamentos): 
 
 
Devia ser capaz de alterar os sentimentos da minha mulher. 
É horrível vê‐la chorar. 
Não devia ter me tornado um alcoólico. 
Sou uma pessoa horrível. 
 
  Ao  compreender  as  ferramentas  básicas  da  TER,  Wilson  questionou  a  sua  lógica  ao 
escrever uma crítica ao seu pensamento embaixo de “D” (discussão). 
 
Quem  diz  que  eu  devia  ser  capaz  de  alterar  os  sentimentos  da  minha  mulher?  Não  posso 
controlar as emoções dela. 
É desagradável vê‐la chorar e gostaria que ela não tivesse que passar por isto. Talvez as lágrimas 
lhe tragam algum alívio emocional. 
O alcoolismo é uma doença, não é uma questão de força de vontade. “Para de dizer “devo” o 
tempo todo”. 
Sou  um  ser  humano  falível  e  digno.  Tenho  lutado  contra  esta  doença  horrível.  Não  sou  uma 
pessoa má. 
 
  Ao questionar o seu próprio pensamento, Wilson formulou um objetivo que o ajudasse 
a guiar o seu comportamento (E). Wilson reconheceu a sua necessidade de dar apoio emocional 
a mulher ao mesmo tempo em que tentava reduzir a sua vergonha. Assim, fez uma lista das 
seguintes ações construtivas que deveria efetuar para alcançar o seu objetivo: 
 
   

Falar sobre as minhas preocupações e apoio com a minha mulher. 
Convidá‐la para participar de um “workshop” de comunicação entre casais. 
Apoiar o envolvimento da minha mulher num grupo de ajuda. 
Fazer  mais  dois  trabalhos  da  TER  para  identificar  problemas  específicos  relacionados  com  a 
vergonha. 
 
  Wilson aprendeu depressa que, ao desafiar conscientemente as suas convicções e ao 
modificar os seus comportamentos, tornava‐se capaz de reduzir os sentimentos de vergonha, 
ao mesmo tempo em que oferecia apoio emocional à sua mulher. Ao aceitar a sua impotência 
sobre  o  álcool,  também  reconheceu  as  suas  outras  limitações.  Era  com  certeza  uma  pessoa 
falível, mas não era certamente uma pessoa “má” ou “horrível”. Wilson passou a acreditar que 
é humano cometer erros, ter um controle limitado sobre a sua vida e ter uma doença como o 
alcoolismo. Ao aceitar a sua humanidade, Wilson deu um primeiro passo, fundamental para os 
alicerces  da  sua  recuperação,  ao  mesmo  tempo  em  que  começava  a  se  libertar  da  auto 
recriminação, das exigências irreais e dos sentimentos de vergonha. 
 
RESUMINDO... 
 
  Seguem‐se seis coisas importantes para nos lembrarmos sobre a vergonha; 
 
* A vergonha é um sentimento penetrante  de inutilidade. A vergonha é diferente da 
culpa; é  uma simples reação ao nosso mau  comportamento. A vergonha é, muitas vezes um 
sentimento crônico de inadequação, de vazio e de dúvida em relação à nós próprios. 
  *  A  vergonha  tem  muitas  vezes  origem  na  infância  e  na  adolescência,  vinda  de  um 
sistema familiar doentio. A criança ou o adolescente acreditam que as críticas que a família lhes 
faz  são  plenamente  justificadas  e  cresce  acreditando  que  eles  não  têm  nenhum  valor  ou 
utilidade. Somos impotentes em relação àquilo que aprendemos quando crianças. 
  * A vergonha pode também ser uma consequência da adicção. A incapacidade de parar 
ou de controlar um comportamento adictivo nos leva frequentemente a desvalorização pessoal. 
  * Os sentimentos intensos de vergonha resultam em comportamentos derrotistas tais 
como: afastamento social, isolamento e em comportamentos adictivos, tais como não parar de 
comer, jogar compulsivamente ou beber excessivamente. Portanto, a vergonha representa um 
fator de risco para a recaída. 
  * A vergonha envolve geralmente um juiz interior que nos exige um comportamento 
rígido e que nos envergonha quando não conseguimos cumprir essas exigências. A vergonha 
balança muitas vezes entre as expectativas perfeccionistas e a autocondenação. O “juiz interior” 
representa de fato o nosso conjunto de crenças. 
  *  Já  que  a  vergonha  é  inventada  e  aprendida,  também  pode  ser  “destruída”  e 
“desaparecida”.  Usando  os  recursos  ao  nosso  dispor,  que  incluem  as  ferramentas  básicas  da 
TER, podemos reduzir com sucesso os nossos sentimentos de vergonha – isto é, sentir vergonha 
menos intensamente e com menos frequência. 
 
UM TRABALHO DA TRE (Exercício) 
 
  Agora  é  a  sua  vez!  Tal  como  qualquer  comportamento  novo,  você  precisa  praticar  a 
redução dos seus sentimentos de vergonha. A sua tarefa é acabar um trabalho da TER e, para 
isso, talvez precise de um bloco de notas. Eis algumas sugestões a considerar quando fizer o seu 
trabalho: 
*  Identifique  a  vergonha.  Comece  primeiro  por  identificar  o  sentimento  de  vergonha  que  o 
preocupa; observe os comportamentos derrotistas geralmente relacionados com a vergonha, 
seja específico; pense num exemplo retirado da sua experiência. 
   

* Identifique o acontecimento. Em seguida identifique o acontecimento motivador. Pense numa 
ocasião  em  que  uma  ação  específica  tenha  provocado  um  sentimento  intenso  de  vergonha. 
Pode  ter  sido  informação  (feedback)  que  lhe  deram  durante  uma  terapia  de  grupo  ou  um 
comentário  feito  pelo  seu  parceiro.  Em  qualquer  dos  casos,  seja  o  mais  objetivo,  concreto  e 
específico possível, ao identificar o acontecimento (A). 
*  Identifique  os  seus  pensamentos  e  sentimentos.  A  próxima  tarefa  é  identificar  os  seus 
pensamentos  (B).  Reveja  os  exemplos  de  Helena  e  Wilson.  Geralmente,  os  sentimentos  de 
vergonha  (C)  são  iniciados  por  exigências  irreais,  tendência  para  exagerar  o  lado  negativo  e 
desvalorização pessoal. 
Critique  o  seu  pensamento.  Questione  a  sua  lógica  (D).  Aqui,  critique  os  seus  
pensamentos,  conteste  a  sua  lógica  e  desenvolva  uma  alternativa  mais  racional.  Estabeleça 
objetivos. Pense em quais são os seus objetivos menos vezes e menos intensamente. É melhor 
sentir  pena  e  remorso  do  que  vergonha  e  incerteza.  Reduzir  a  vergonha  é  sem  dúvida  um 
objetivo importante para se atingir uma verdadeira recuperação. Frequentemente, este objetivo 
ajuda a orientar a nossa ação construtiva. 
Comece a agir. 
Faça  uma  lista  de  todas  as  ações  construtivas  que  pode  tomar  para  alcançar  o  seu 
objetivo (E). Seja o mais específico e concreto possível. Numere a lista e mantenha‐a simples, se 
concentrando na ação. 
Agora  que  acabou  em  exercício  escrito  de  TER  a  sua  próxima  tarefa  é  partilhar  este 
trabalho  com  outros.  Procure  mais  ajuda  e  opiniões  em  relação  ao  seu  pensamento  (B). 
Pergunte aos seus companheiros se falhou alguma coisa. Talvez tenham algumas idéias que o 
ajudem a questionar a sua lógica (D). Talvez algum deles tenha alguma ação a acrescentar à lista 
que  você  fez  em  “E”.  Use  o  seu  trabalho  de  TER  como  catalisador  para  discutir  os  seus 
sentimentos, as suas atitudes baseadas na vergonha e as suas idéias alternativas. Quanto mais 
envolver outras pessoas no processo, mais rapidamente aprenderá maneiras de reduzir os seus 
sentimentos de vergonha. 
Não se esqueça de utilizar outros métodos de autoajuda para atacar os sentimentos de 
vergonha. Lembre‐se que Helena usava afirmações para reforçar as suas atitudes de respeito 
por si própria. Wilson, por exemplo, identificava as situações em que detinha o controle, e que 
bloqueavam a aceitação de sua adicção e humanidade. Ambos se deram ao trabalho de informar 
os respectivos padrinhos de que a vergonha era um fator de risco para recair. 
Não desista facilmente. Provavelmente há muitos anos de prática de comportamentos 
baseados  na  vergonha.  Terá  por  isso,  que  praticar  bastante  para  encontrar  novos 
comportamentos  que  o  ajudem  a  superá‐los.  Há  uma  série  de  recursos  que  podem  ajudar: 
grupos de autoajuda, terapia individual e de grupo, aconselhamento em longo prazo e grupos 
de  prevenção  à  recaída.  Alterando  as  suas  atitudes  e  modificando  os  seus  comportamentos, 
pode reduzir os sentimentos de vergonha, diminuir o risco de recaída e viver as alegrias de uma 
vida feliz e saudável. 

 
 
 
 
 
   

RAIVA 
 

Por que nos preocupamos com a raiva? No fim das contas, não é verdade que todos nós 
sentimos raiva? De fato, a raiva é um sentimento humano que todos experimentamos de vez 
em quando. O principal problema está nas consequências, o que acontece quando você fica com 
raiva? Se não acontece nada quando você fica com raiva, então a sua raiva não é razão para 
preocupação, porque as consequências são limitadas. No entanto, se tiver atitudes derrotistas 
em relação a si ou se fizer mal aos outros, e se a sua raiva tiver consequências dolorosas ou 
prejudiciais, então talvez tenha razão para se preocupar com ela. 
Por exemplo: você está guiando por uma autoestrada, atrás de uma pessoa que conduz 
a 50 km, quando a velocidade permitida é de 80 km, e se atrasa para um encontro. Começa a 
sentir‐se muito irritado por causa disso, ultrapassa impudentemente o outro carro. Põe a sua 
própria  vida  e  a  dos  outros  em  risco  por  causa  da  sua  condução  imprudente,  ou  seja, 
potencialmente uma consequência muito perigosa da sua raiva. 
Outro exemplo das consequências nocivas da sua raiva poderia ser o seguinte:     
‐ Já é tarde, você quer ir embora do trabalho mais cedo, para jogar futebol. Começa a trabalhar 
mais cedo e também trabalha na hora do almoço, para compensar o fato de sair mais cedo. No 
meio da tarde, aparece o seu patrão e lhe dá uma nova tarefa, e quer que seja feita antes de 
você ir embora. Você obedece, mas só acaba a tarefa muito tarde, quando já não dá mais para 
jogar  futebol.  Enquanto  o  tempo  vai  passando,  mais  você  se  sente  furioso.  Quando  sai  do 
trabalho, para num bar a caminho de casa, para aliviar um pouco da sua raiva. Acaba bebendo 
demais, chega a sua casa muito tarde e tem uma discussão com a sua mulher, a quem não se 
preocupou em telefonar para avisar que chegaria mais tarde. 
  Ou , em vez de parar num bar, pode ir diretamente para casa depois do trabalho, de 
muito mau humor.  Tropeça nos  brinquedos das  crianças, espalhados pela sala, onde os seus 
filhos estiveram brincando, esperando você chegar. Despeja a sua raiva contra as crianças, as 
mandando  arrumarem  a  sala;  ao  ver  que  elas  demoram  a  arrumar  os  brinquedos,  você 
finalmente, num ataque de fúria, ordena que elas vão para cama. Depois, senta‐se para jantar 
com a sua mulher e a acusa violentamente por ser uma péssima mãe. 
  Para alguns de nós, as consequências dolorosas ou prejudiciais da raiva, resultam em 
expressarmos abertamente contra as outras pessoas. Exemplos extremos dessas consequências 
são as formas de violência doméstica e de brutalidade contra as crianças. Por outro lado, alguns 
de  nós  podemos  negar  os  sentir  dificuldade  em  aceitar  e  falar  abertamente  sobre  os 
sentimentos de raiva, contra as outras pessoas. Podemos esconder a nossa raiva, guardando ela 
para nós mesmos, engolindo ela dentro de nós. Podemos ter medo de que os outros não gostem, 
se a manifestarmos francamente. 
  Nós reprimimos a nossa raiva, qualquer que seja a razão, fazíamos o uso de drogas para 
amenizar o sentimento de raiva, ou seja, reprimíamos nossos sentimentos. Enquanto usávamos, 
podemos ter nos tornado pessoas fisicamente hostis. 
  Outros  de  nós  podem  ter  escondido  os  seus  sentimentos  de  raiva,  mas  depois 
descontam essa raiva contra pessoas que o amam. 
 
 
 
 
 
 
 
 
   

APRENDER A COMPREENDER A RAIVA E AS SUAS CAUSAS 
 
  Aprender a lidar com a raiva de forma saudável, sem fazer mal a nós próprios ou aos 
outros, é uma parte importante de nossa vida. Embora seja importante para todos nós, sermos 
capazes de enfrentar de forma eficaz a nossa raiva, para alguns, isso se torna especialmente 
importante. 
  Se  estivermos  em  recuperação  das  drogas  e  do  álcool  ou  de  problemas  emocionais, 
podemos correr o risco de uma recorrência desses problemas se não aprendermos a controlar 
a nossa raiva. 
  “Irrita‐me tanto”. 
  A maior parte de nós pensa que são as outras pessoas ou situações que nos fazem ficar 
irritados. Achamos que o que as outras pessoas fazem ou o que nos acontece que isso é o que 
causa a nossa raiva. Atiramos para cima dos outros a responsabilidade da nossa raiva “eles me 
deixam loucos”. Ou achamos que temos um gênio ruim, como se fôssemos sempre desse jeito 
e não poderíamos mudar. Achamos que não podemos mudar esses sentimentos perturbados 
sem  que  as  “causas”  (pressões  exteriores  ou  outras  pessoas)  mudem.  Acusar  nos  permite 
racionalizar a nossa raiva. Arranjamos desculpas para os nossos sentimentos de raiva, colocamos 
a culpa nos outros e nos recusamos a mudar o nosso jeito. 
  Para alguns de nós, culpar outras pessoas ou situações pela nossa raiva nos fornece uma 
desculpa para usar álcool ou drogas. Para outros, essa acusação constitui uma justificação para 
a nossa raiva, e por isso não a largamos. 
  Contrariamente à crença comum sobre a raiva (de que os casos ou as situações é que 
nos fazem ficar irritados) o que realmente nos faz sentir e pensar com raiva sobre as coisas que 
nos acontecem. Aquilo que pensamos ou que contamos a nós mesmos sobre um acontecimento 
é que nos faz sentir raiva, e não o acontecimento em si mesmo. 
  Normalmente, quando julgamos ou avaliamos qualquer coisa de forma negativa ficamos 
perturbados.  Se  julgarmos  ou  avaliarmos  uma  coisa  de  forma  menos  negativa  ou  mais 
positivamente, nos sentimos de forma geral, melhor. 
  Basicamente, não são os acontecimentos que nos perturbam, mas sim a nossa forma de 
pensar sobre esses acontecimentos. Por outras palavras, sentimos como pensamos. 
 
UM EXEMPLO 
 
  Uma mãe leva o filho de 1 ano para visitar uma amiga. A criança engatinha pelo chão 
enquanto as duas mulheres conversam. Certa hora, a criança se estica até a mesinha onde estão 
algumas revistas e então começa a jogar as mesmas no chão. 
  A mãe afasta a criança da mesa, coloca as revistas na mesa e continua a conversar com 
a  amiga.  A  criança  volta  a  engatinhar  até  a  mesinha,  se  estica,  e  começa  de  novo  a  jogar  as 
revistas no chão. A mãe observa a situação e pensa consigo mesma: “‐Ele não devia fazer isto...” 
“Não  devia  ser  tão  irritante...”  “Não  devia  interromper  a  minha  conversa...”  “Não  devia  me 
aborrecer...” A mãe grita e bate na criança, e a criança a chorar. 
  A amiga também observou a criança jogando as revistas no chão e pensa com ela: “É 
próprio de uma criança de 1 ano mexer nas coisas” “Teria sido melhor se eu tivesse preparado 
a  sala  para  poder  receber  uma  criança  antes  de  chegarem”  “A  criança  precisa  se  distrair.”  A 
amiga diz então: “Vamos ver se encontramos outras atividades que interessam ao seu filho.” 
Este exemplo demonstra como sentimos da forma como pensamos. 
  Com base na forma como encararam a situação, uma das mulheres ficou irritada e a 
outra  não.  Aquilo  que  pensaram  ou  disseram  a  si  próprias,  a  forma  como  avaliaram  as 
circunstância determinou o que sentiram. 
  Então, o que estamos dizendo realmente é que o nosso pensamento a respeito de uma 
situação é que causa a nossa raiva, e não a situação em si. A maneira de pensar que provoca em 
nós sentimentos de raiva tem a ver com a nossa necessidade de controle e a nossa exigência de 
   

que  tudo  seja  feito  da  nossa  maneira.  A  sequência  começa  quando  queremos  que  as  coisas 
corram segundo a nossa vontade, o que é um exemplo normal do egocentrismo que todos nós 
temos. Quando esse desejo não se realiza e não conseguimos aquilo que queremos, podemos 
ficar com raiva. 
  No entanto, o que acontece com a nossa raiva, é que a nossa forma de pensar muda ou 
se desvia quando queremos que tudo seja exatamente do nosso jeito (tem que ser como eu 
quero!). Quanto mais sentimos raiva, mais exigimos que as coisas sejam do nosso jeito, mas não 
conseguimos. 
 
EGOCENTRISMO: A necessidade de controlar “Conseguir o que quero”. 
 
FLEXÍVEL  RÍGIDO 
Querer que as coisas corram como eu quero  Exigir que as coisas corram como eu quero e 
e não conseguir. Eu quero, desejo ou prefiro  não conseguir. Devia ter, tenho que ter uma 
uma  coisa  e  não  obtenho:  consequência  –  coisa e não consigo: consequência – ira, ódio, 
raiva (sentimento de perturbação normal).  rancor (sentimentos de perturbação intensa). 
CONSEQUÊNCIAS DA NOSSA RAIVA 
 
  As consequências da nossa raiva movida por ressentimentos ou crenças errôneas, serão 
sempre tentando conseguir o que queremos sendo agressivos, verbal ou fisicamente (gritando, 
berrando ou batendo). O que acontece com a nossa relação com os outros, se usarmos a raiva 
para conseguir o que queremos? Como é que os outros nos veem? Evitam‐nos? Ignoram‐nos? E 
como é que isto nos atinge sobre a aceitação que temos de nós próprios? 
 
UM EXEMPLO: 
 
  É sábado de manhã e você faz questão de arrumar uma cadeira de madeira do pátio, 
que se partiu. Desce até a sua oficina no porão, abre a porta e descobre que seu filho de dez 
anos deixou todas as suas ferramentas espalhadas pelo porão. Observa a cena e pensa “O que 
é que se passa com aquele rapaz?” “Ele deveria saber que não pode deixar as minhas jogadas 
no chão”. “Ele tem que se lembrar do que eu disse sobre arrumar as coisas”. “Não devia ter feito 
isso”.  “As  minhas  ferramentas  tem  de  ficar  arrumadas  como  deve  ser”.  “Vai  ver  o  que  vai 
acontecer quando chegar em casa”. Em consequência disto, você sente raiva. Procura então o 
martelo  e  não  consegue  encontrá‐lo  e  pensa:  ”Não  devia  perder  meu  tempo  procurando  o 
martelo” e cada vez se sente mais furioso. Finalmente encontra o martelo e os pregos, e começa 
a arrumar a cadeira. Com a irritação, acaba entortando um dos pregos e pensa novamente “Isto 
não deveria acontecer” e fica cada vez mais furioso. Ao tentar endireitar o prego, bate com o 
martelo em seu polegar e grita “Não posso aguentar isto!” Enche‐se então de raiva (fica irado e 
irritado)  e  joga  o  martelo  longe,  que  acaba  batendo  no  banco  que  estava  contra  a  janela, 
quebrando o banco e a janela. Arrasta‐se pesadamente pelas escadas. Tendo por costume usar 
álcool ou drogas para aliviar a sua raiva, pode ser que se dirija para uma destas saídas. Abre a 
geladeira, pega uma cerveja e vai para a sala beber enquanto assiste Palmeiras x Corinthians na 
TV, pelo resto da tarde. Depois se torna implicante e critica os outros membros da família até o 
fim do dia. Ou, se não for dependente químico, pode talvez subir as escadas, sentar‐se numa 
cadeira cozinhando a sua irritação até que seu filho de dez anos chegue em casa. Então grita 
com ele dizendo‐lhe que é “um irresponsável, que não presta para nada, e que não pode confiar 
nele para nada”. Depois, o manda para o quarto e o deixa de castigo por todo o fim de semana. 
Nesse  exemplo,  foram  as  exigências  do  pai  de  que  o  filho  não  devia  ter  deixado  as  suas 
ferramentas  jogadas  pelo  chão  e  que  deveria  fazer  as  coisas  do  seu  jeito  e  isso  acabou  o 
irritando. Se ele tivesse alterado as suas exigências para as preferências, não teria ficado como 
raiva. O diálogo interior poderia ter sido estruturado dessa forma: 
“Teria sido melhor se ele tivesse arrumado as ferramentas quando acabou.” 
   

“Era melhor se ele deixasse as coisas arrumadas como eu deixo.” 
Com estas preferências mais realistas, o pai poderia então ter conversado com o filho a respeito 
do assunto, e explicado sobre as vantagens da ordem e do respeito pelas coisas dos outros. Há 
outro aspecto a considerar no desenrolar dos sentimentos de raiva. Quando ficamos com raiva 
por  causa  daquilo  que  pensamos,  essa  raiva  pode  distorcer  os  nossos  pensamentos  ou 
percepções sobre a situação, tal como se víssemos as coisas através de “óculos da raiva”. É difícil 
observar uma situação positivamente ou com realismo quando estamos com raiva, é provável 
que agir segundo estas percepções distorcidas, torne a situação ainda pior ou agrave perante as 
suas consequências negativas. A maior parte de nós poderá recordar situações em que a raiva 
nos impediu de observarmos e compreendermos claramente o que se estava a passar.  
 
APRENDER A CONTROLAR NOSSA RAIVA 
Como poderemos então controlar os nossos sentimentos de raiva? Se for a nossa maneia irada 
de  pensar  que  causa  a  nossa  raiva,  terá  de  trabalhar  para  modificar  ou  substituir  os  nossos 
pensamentos irados de forma a reduzirmos ou controlarmos essa raiva. Podemos alternar as 
exigências que estão na base dos nossos pensamentos irados (não deveria discordar de mim, eu 
não devia cometer erros, tem de ser pontual) e nos esforçarmos para deixar de controlar tudo 
ao nosso redor. Isto poderá parecer simples e evidente, mas como é que se aprende a modificar 
a nossa forma irada de pensar? Para começar, podemos fazer um “inventário pessoal”. Fazer 
um inventário pessoal sobre a nossa raiva, nos ajuda a desenvolver uma maior consciência e 
compreensão  quanto  a  sua  origem,  quanto  às  suas  consequências  de  ficarmos  amarrados  a 
essas situações e quanto ao que nossos sentimentos e a tomar consciência da nossa necessidade 
de controle. Pode usar o esquema “ABC” para ajudar a compreender a “anatomia” da raiva. 
 
A = Situação 
O problema que nos desperta certos sentimentos que perturbam ou enraivecem.  
 
B = Convicções 
O que pensa ou o que diz a si mesmo (as suas exigências) a respeito da situação. 
 
C = Sentimentos e ações 
Como se sente (perturbado ou enraivecido) a propósito da situação por causa do que pensa, e 
como se comporta ou atua por causa do que sente: as consequências derrotistas ou dolorosas. 
 
UM EXEMPLO 
 
A = Situação 
Vou para a cozinha esperando que o meu almoço esteja pronto, antes de ir trabalhar. Encontro 
minha mulher ajudando nossa filha com os deveres da escola. Sendo assim, meu almoço ainda 
não está pronto. 
 
B = Convicções 
Acho que minha mulher poderia ter feito meu almoço e que minha filha deveria fazer os deveres 
da escola sozinha. 
 
C = Sentimentos e ações 
Sinto‐me cheio de raiva. Grito com ela. Digo que meu trabalho é mais importante do que os 
deveres  da  escola  de  uma  criança  e  saio  violentamente  de  casa.  Chego  ao  trabalho  muito 
irritado. 
 
Se eu tivesse analisado essa situação de forma objetiva ou realista, teria compreendido que a 
minha mulher já tinha feito uma opção ao ajudar a nossa filha nos deveres da escola. As coisas 
   

do meu jeito apenas refletiam as minhas exigências egocêntricas, e geraram a raiva que tive em 
casa e levei comigo ao trabalho. 
 
FAZER UM “DIÁRIO DE BORDO” 
Como parte do processo de aprendizagem para fazer um inventário pessoal sobre a sua raiva, é 
muito útil fazer um “diário de bordo”. Para começar, tome nota de acontecimentos ou situações 
passadas ou recentes em que sentiu raiva. Ao descrever essa experiência, use o esquema "ABC”. 
 
 A    B    C  
Situação  Convicções  Sentimentos e ações 
 
Depois de ter alguma prática na descrição de manifestações da sua raiva, passadas ou recentes, 
pode considerar útil trazer consigo um pequeno bloco para fazer um registro diário das suas 
manifestações  de  raiva.  Ao  longo  do  dia,  pode  usar  o  esquema  “ABC”  para  tomar  nota  de 
exemplos  dos  seus  sentimentos  de  raiva.  Fazer  um  diário,  o  ajuda  a  desenvolver  uma  maior 
consciência da sua raiva, das causas e consequências. Fazer um  diário o ajuda também a  ter 
contato com os seus sentimentos.  
 
USAR O PROCESSO “ABC” – ABRANDAR A “FERRADURA” 
 
  A primeira parte do processo ABC para o controle dos sentimentos de raiva pode ser 
comparado à analogia entre a chaleira e a raiva. Podemos imaginar a nossa raiva como sendo a 
água dentro de uma chaleira sobre o fogão. Se a água continuar a aquecer, sairá pela chaleira 
em forma de vapor. 
  Com a nossa raiva acontece o mesmo (quanto mais sentimos raiva, mais provável que 
ela se exteriorize abertamente). Algumas pessoas acreditam que a melhor forma de lidar com a 
raiva é ficarem aliviadas, será como a chaleira. 
  No entanto, se apagar o fogo debaixo da chaleira não terá o jato de vapor. Aquilo que o 
processo ABO nos mostra é que se “diminuirmos a chama” dos pensamentos irados que estão 
“fervendo” da nossa raiva, não haverá necessidade de expelir essa raiva. Mantendo‐nos alerta 
para detectar os primeiros sinais de raiva e nos dirigindo uma mensagem de auto ajuda, não 
ficaremos tão “enfurecidos” que tenhamos que “despejar o vapor”. 
 
USAR O D – PÔR EM QUESTÃO A NOSSA FORMA DE PENSAR 
 
  O passo seguinte na aprendizagem do controle da raiva consiste em acrescentar um D 
ao esquema ABC, a fim de provocar uma mudança. É aqui que começamos a modificar os nossos 
sentimentos de raiva ao questionarmos os nossos pensamentos irados (as nossas exigências). 
Praticando  o  inventário  pessoal  ABC  aprendemos  a  identificar  os  pensamentos  perturbados, 
exigentes e negativos que nos fazem sentir raiva. Em seguida, vamos por os seguintes tipos de 
questões: Quem disse isso? Por quê? Que provas eu tenho? Haverá outra forma  que me possa 
ser  mais  útil  na  análise  da  situação?  Por  fim,  respondemos  as  nossas  perguntas...  Voltemos 
agora ao exemplo da condução previamente citado, e o colocamos em formato ABC. 
 
UM EXEMPLO 
A = Situação 
  Estou seguindo em uma estrada atrás de um carro que vai a 50Km tendo a estrada o 
limite de 80Km e estou atrasado para um compromisso. 
 
B = Convicções 
  Esta pessoa devia dirigir de acordo com o limite de velocidade. Não devia me atrasar. 
Tenho que chegar a tempo para o meu compromisso. 
   

 
C = Sentimento 
  Raiva. 
 
D = Discussão 
  Quem é que disse que ele devia andar a 80Km? (fui eu). Porque ele não pode ir à minha 
frente? Não há razão para que eu tenha sempre de fazer a minha vontade. Porque eu deveria 
chegar  na  hora  certa?  Não  vai  ser  nenhuma  desgraça  se  eu  chegar  atrasado;  iriam  me 
compreender. Deixe de controlar tudo a sua maneira. Talvez a pessoa esteja dirigindo o mais 
rápido que é capaz. Era melhor eu esperar e ultrapassar quando seguro. 
 
  No passo D do esquema ABC, iniciamos o processo de enviar a nós mesmos algumas 
mensagens novas para afastarem ou tomarem o lugar dos nossos pensamentos egocêntricos e 
exigentes. Este “gênero” de mensagens novas que nos dirigimos e que nos prestam auxílio são 
mais  realistas  e  menos  perturbados,  e  podem  nos  ajudar  a  reduzir  a  nossa  necessidade  de 
controle. 
 
RESOLVER OS PROBLEMAS – ACRESCENTAR E, F e G 
 
  Usar o esquema ABC como inventário pessoal nos ajuda a ter uma visão mais clara dos 
fatores que contribuem para sentirmos raiva e saber como começar o processo de mudança. 
  Compreender isto nos leva a seguir os passos (E, F e G) do esquema ABC. Mantendo um 
simples diário sobre a nossa raiva, podemos desenvolver uma maior consciência a seu respeito 
e  a  respeito  das  suas  consequências.  Podemos  então  começar  a  modificar  a  nossa  forma  de 
pensar  irada  e  exigente,  nos  fazendo  perguntas  que  ajudem  a  reduzir  a  raiva  que  sentimos. 
Descobriremos  que  determinadas  situações  provavelmente  nos  perturbarão  ou  enraivecerão 
menos, se colocarmos em questão a nossa forma de pensar. 
  Quando estivermos menos perturbados, poderemos analisar o problema claramente e 
decidir  como  fazer  para  que  a  situação  se  desenrole,  criando  objetivos  realistas  para  nós 
mesmos (E). Podemos nos perguntar: “O que eu posso mudar nesta situação e o que eu tenho 
que  aceitar?”  Isto  se  aplica  na  Oração  da  Serenidade:  “Concedei‐me  Senhor  a  serenidade 
necessária, para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que 
eu posso e sabedoria para distinguir uma das outras.” 
  Tendo decidido aquilo que quer que aconteça, pode perguntar a si mesmo: O que eu 
posso fazer de útil para obter aquilo que quero? Como consequência começa a perceber quais 
são as opções construtivas (F) para alcançar os seus objetivos. Seleciona então uma opção e põe 
ela em prática (G). 
 
 
A = Situação 
  A  situação  problemática  que  está  causando  alguns  sentimentos  que  o  perturbam  ou 
enraivecem. 
 
B = Convicções 
  O que pensa a respeito da situação ou o que diz dela a si mesmo (as suas exigências). 
 
C = Sentimentos e Ações 
  O que sente (perturbação ou raiva) a respeito da situação por causa do que pensa, e 
como age por causa do que sente (as consequências derrotistas ou dolorosas). 
 
D = Discussão 
   

  Questionar  e  desafiar  os  pensamentos  que  o  perturbam  ou  enraivecem  as  suas 
exigências. Quem disse isso? Por quê? Haverá uma maneira mais eficaz de encarar a situação? 
 
E = Objetivos realistas 
  Novos objetivos realistas em relação a situação. O que gostaria de ver acontecer? O que 
quer? 
 
F = Opções construtivas 
  O que poderá fazer de útil para obter o que deseja? 
 
G = Coloque a sua opção em prática 
  Selecione uma opção e a coloque em prática. Ação construtiva! 
 
UM EXEMPLO: 
A = Situação 
  Fim  de  tarde.  Você  está  na  cozinha  seguindo  com  todo  o  cuidado  uma  complicada 
receita  de  bolo  e  pesando  os  ingredientes.  De  repente,  os  seus  filhos  entram  na  cozinha 
correndo, gritando e pedindo bolachas. Eles se esticam por cima da bancada para chegar à lata 
de bolachas; fazendo isso derrubam a tigela com os ingredientes que você estava pesando. 
 
B = Convicções 
  Pensa consigo mesmo: “O que essas crianças têm?” “Não são capazes de ver que estou 
ocupado e não posso ser interrompido?” “Não deviam entrar correndo desta maneira.” “Deviam 
ter mais consideração por mim.” “Não suporto que me interrompam assim.” 
 
C = Sentimentos e Ações 
  Se sente cheio de raiva. Grita com os seus filhos. Os chama de “egoístas e estourados”. 
Não os deixa comer. Manda‐os para o quarto e diz a eles que não poderiam sair de lá antes que 
os chame. 
 
D = Discussão 
  Começa  a  questionar  as  suas  exigências:  Quem  é  que  disse  que  eu  não  poderia  ser 
interrompido?  Fui  eu  quem  disse.  As  interrupções  acontecem.  Se  eu  tivesse  olhado  para  o 
relógio tinha visto que as crianças estavam chegando Por que é que não iriam correndo para 
cozinha comer? Eu sei que o dia de escola é muito comprido para elas e que esperam lanchar 
quando  chegam  a  casa.  Seria  melhor  se  mostrassem  mais  consideração  pelas  minhas 
necessidades,  mas  eu  também  tenho  de  mostrar  consideração  pelas  necessidades  delas.  Era 
melhor  se  não  me  interrompessem  quando  estou  na  cozinha,  mas  posso  aguentar  as 
interrupções! Se sente agora desapontado e frustrado, mas não com raiva. 
 
E = Objetivos realistas 
  No  futuro,  gostaria  de  poder  acabar  de  cozinhar  sem  ser  interrompido,  mas  gostaria 
também de evitar ter discussões com os meus filhos quando chegam da escola. 
 
F = Opções construtivas 
  Podia  preparar  a  comida  para  uma  ocasião  em  que  as  probabilidades  de  ser 
interrompido fossem menores. Quando for possível, planejarei o trabalho de forma que esteja 
pronto quando os meus filhos chegarem a casa. Terei alguma coisa preparada para comerem 
quando chegarem. 
 
G = Colocar as opções em prática 
   

  A próxima vez que fizer um bolo, o farei de manhã, depois do almoço talvez. Durante 
esta semana, pelo menos três tardes, deixarei em lanche para quando as crianças chegarem. 
Também deixarei em tempo livre para quando as crianças voltam da escola e mostrar interesse 
pelas atividades que tiveram durante o dia. 
Controlar a raiva que sente através do processo ABC, você terá que praticar muito até 
conseguir alguns resultados. É por isso que muitos de nós nos tornamos “especialistas” em ficar 
com raiva. A raiva se torna a forma habitual de lidar com situações problemáticas, quando as 
coisas não acontecem como gostaríamos. O que isto significa, é que iria precisar de muita prática 
para  aprender  a  controlar  a  raiva  através  do  processo  ABC,  e  “desaprender”  os  seus  velhos 
hábitos. 
 
MAIS SOBRE O PROCESSO ABC 
 
  Pode usar o processo ABC quando começar a sentir raiva. Começa treinando a perceber 
os sinais iniciais dos seus sentimentos de raiva, e os utiliza como sinais de “STOP”. Foca‐se ao 
entrar em contato com os seus sentimentos de raiva no momento exato em que começar a se 
sentir  perturbado.  É  mais  fácil  fazer  qualquer  coisa  para  controlar  e  transformar  esses 
sentimentos de frustração e desapontamento, quando está começando a se sentir perturbado, 
do que quando já está furioso ou com um acesso de fúria. 
  Controlar  os  nossos  sentimentos  é  como  controlar  um  carro.  É  mais  fácil  controlar  a 
velocidade de um carro que vai a 20Km por hora do que daquele que vai a 80Km. Da mesma 
forma,  é  mais  fácil  acalmar  os  nossos  sentimentos  antes  que  eles  comecem  realmente  a  se 
tornar incontroláveis. 
  O que isto significa é que cada um de nós tem de desenvolver uma maior consciência 
dos  sinais  ou  indicações  da  nossa  raiva,  igual  como  cerramos  os  dentes  e  passamos  mal  do 
estômago. As formas como cada um exterioriza a sua raiva são diferentes. Uma das primeiras 
tarefas para aprendermos a controlar a raiva é aprendermos a identificar as suas manifestações 
de  forma  que  podemos  usar  como  avisos  para  pararmos.  Então,  enviando  mensagens  mais 
realistas, podemos nos sentir frustrados e desapontados com o comportamento das pessoas, 
mas não teremos raiva nem jogaremos pragas nelas. 
 
USAR MENSAGENS ÚTEIS 
 
  O passo seguinte no processo ABC consiste em utilizar estas pistas como sinal inicial para 
sua raiva, para poder controlar este sentimento. Para fazer isto, poderá enviar uma mensagem 
eficaz,  que  se  oponham  as  habituais  mensagens,  exigentes  e  prejudiciais,  que  provocam  os 
sentimentos de raiva. 
  Uma mensagem que poderá achar particularmente eficaz é: “Devagar se vai ao longe, 
não se irrite”. 
  De início poderá achar necessário endereçar mensagens mais longas a fim de suspender 
as velhas mensagens, negativas e exigentes. Provavelmente praticou tanto a forma de pensar 
com raiva que poderá ser necessário, a princípio, conversar mais consigo mesmo para conseguir 
“largar” ou modificar essa forma de pensar. 
  Mensagens  suplementares  que  ajudarão  a  melhorar  a  situação  são  aquelas  que  o 
colocam  em  contato  com  o  seu  egocentrismo  e  necessidade  de  controle.  Pare  de  ser  tão 
exigente. Por que é que tem que ser sempre como eu quero? Por que é que os outros não fazem 
o que eu quero? Continuará a sentir alguma perturbação (querer usar a TRE não faz calar os seus 
sentimentos), mas vai se sentir frustrado ao invés de sentir raiva. 
  Inicialmente, aprender a controlar os seus sentimentos poderá ser difícil  em relação a 
certas situações que o perturbaram no passado igual aqueles que envolveram problemas com o 
seu parceiro (a), os seus filhos ou no seu trabalho. 
   

  Devido aos seus sentimentos de raiva, geralmente intensos no decorrer das situações, 
terá que recorrer a um pequeno intervalo. Afastar‐se da situação para que isso o ajude a alterar 
esse sentimento. Como parte desse intervalo, pode praticar exercícios de respiração profunda 
para ajudar a descontrair ou pode querer utilizar a técnica da imagem. Poderá por exemplo, 
imaginar  que  está  num  local  onde  se  sinta  em  paz  e  com  tranquilidade.  A  descontração  e  a 
técnica da imagem podem ajudar a aprender a reduzir a sua agitação em situações associadas à 
raiva intensa. 
 
RESUMINDO 
 
  Depois de termos reduzido ou modificado os nossos sentimentos de raiva aplicando a 
primeira parte do processo ABC, estamos agora em melhor posição para observar a situação de 
forma  mais  realista  do  que  através  dos  óculos  da  raiva.  Podemos  reavaliar  ou  redefinir  a 
situação. O que se passa realmente nessa situação? O passo seguinte dentro do processo ABC 
será  fazermos  a  nós  mesmos  a  grande  pergunta:  “O  que  posso  fazer  de  eficaz  nessas 
circunstâncias?” 
  É aqui que a Oração da Serenidade pode ser aplicada como um guia que nos auxilia: 
“Terei  eu  nessa  situação  que  me  esforçar  para  aceitar?”  “Será  o  comportamento  das  outras 
pessoas?”  “O  que  eu  poderei  fazer  para  modificar  esta  situação?”  “Geralmente  é  só  o  meu 
comportamento.” Decidi o que poderia fazer de útil, em seguida terei que analisar as opções 
construtivas que irei escolher para realizar os objetivos da Oração da Serenidade. Finalmente 
fazer uma opção e coloca‐la em prática. 
 
CONTROLAR A NOSSA RAIVA – SETE BREVES PASSOS 
 
  Exige  tempo  e  prática  para  aprender  esse  processo  ABC  de  controle  dos  seus 
sentimentos de raiva, ao mesmo tempo em que “desaprende” os seus velhos comportamentos 
irados. A princípio irá achar que é útil trazer junto com você uma breve descrição do processo, 
como aquela que se segue. Com o tempo, aprenderá por intuição a ir de um passo para outro. 
  Comece  pelos  sentimentos  que  o  perturbam.  Os  identifique.  Use‐os  como  sinais  de 
“STOP”.  Os  sentimentos  que  o  perturbam  são  sinais  de  que  está  dizendo  a  si  coisas 
perturbadoras.  Você  poderá  se  tornar  um  melhor  observador  dos  seus  sentimentos.  Isto 
equivale a entrar em contato com os seus sentimentos. 
  Neutralize  os  sentimentos  que  o  perturbam  endereçando  a  eles  uma  mensagem 
positiva. Coloque uma trava nos seus sentimentos. Diga para si mesmo: “Acalme‐se, simplifique. 
Não fique tão nervoso.” 
  Identifique os pensamentos irritantes dentro da situação que estão te provocando raiva. 
O que você está exigindo? O que é que está tentando controlar? Examine os pensamentos que 
o perturbam. Pergunte a si mesmo: “Por que é que tem que ser como eu quero?  Por que é que 
o outro tem que fazer o que eu quero?” E depois responda as perguntas. 
  Torne  a  situação  clara  para  si  próprio.  Pergunte‐se:  “O  que  realmente  me  deixa  com 
raiva? Em que consistem os fatos e quais são as minhas opiniões sobre eles? Haverá uma forma 
mais eficaz de encarar a situação? Pode então ficar desapontado com a situação, mas não com 
raiva contra as pessoas que a criaram. 
  Em seguida, estabeleça para si objetivos mais realistas em relação às circunstâncias que 
levantaram o problema. Pergunte a si próprio. O que posso fazer que seja eficaz a respeito desta 
situação? Seja específico e concreto.  Aplique a Oração da Serenidade. O que posso mudar (o 
meu comportamento) e o que terei de aceitar (o comportamento dos outros) nesta situação? 
  Faça  uma  lista  das  opções  construtivas  por  meio  das  quais  pode  alcançar  os  seus 
objetivos.  Pergunte‐se:  “Que  ações  construtivas  pode  empreender  para  atingir  os  meus 
objetivos?” Escolha uma opção construtiva para alcançar o seu objetivo e atue de acordo com 
ela. O resultado final do processo ABC é uma ação positiva da sua parte. 
   

 
UM EXEMPLO 
 
  A  situação  consiste  numa  conversa  com  a  minha  mulher  sobre  as  nossas  finanças. 
Começamos na discordar e, depois, começamos a discutir. 
Começo a detectar os primeiros sinais de raiva: estou a serrar os dentes. 
  Digo a mim mesmo,: “Acalme‐se, não complique. Não fique tão zangado.” 
  Depois  digo‐me:  “O  que  estou  pensando?  Ela  não  devia  perguntar  quanto  é  que  eu 
ganho. Ela não devia brigar por causa das contas. Trabalho muito – devia poder gastar o dinheiro 
como bem entendesse. Ela não devia estar sempre contestando a forma como eu gasto o meu 
dinheiro.  Tendo  identificado  alguns  dos  pensamentos  que  me  perturbam,  começo  então  a 
analisá‐los: Por que é que ela não se preocuparia com o dinheiro? É ela quem paga as contas. 
Ela também trabalha e traz dinheiro para casa. Por que é que eu teria que gastar dinheiro só 
comigo  mesmo?  O  restante  da  família  também  quer  coisas.  Pare  de  exigir  que  ela  faça  tudo 
como você quer. Pare de tentar controla‐la. 
  Não gosto de algumas idéias da minha mulher, nem do seu tom de voz, mas estando 
mais  calmo,  consigo  reexaminar  a  situação.  Parece‐me  que  temos  mesmo  alguns  problemas 
com as nossas finanças. As contas parecem realmente estar aumentando. A minha mulher tem, 
de  fato,  algumas  preocupações  legítimas  com  as  nossas  finanças.  Temos  ambos,  as 
responsabilidades neste ponto. 
  Pergunto então a mim mesmo: “Perante esta situação o que é que eu posso fazer que 
seja eficaz?  O  que posso  mudar para  que nos  tornemos mais capazes de  governar as nossas 
finanças de uma forma agradável para ambos?” 
  Faço uma lista de algumas opções que tenho: 
‐ Combinar uma ocasião habitual durante a semana para falar sobre as nossas finanças. 
‐ Estabelecer em conjunto algumas prioridades na forma de gastar o dinheiro. 
‐ Combinar um novo orçamento familiar com a minha mulher. 
‐ Rever regularmente esse orçamento e modificá‐lo quando necessário. 
  Para começar, a minha mulher e eu acordamos numa ocasião regular todas as semanas., 
quando  não  estivermos  cansados  e  não  for  provável  sermos  incomodados,  para  discutir  os 
problemas do nosso orçamento. 
 
USAR UM INVENTÁRIO PESSOAL PARA BATER OS RESULTADOS POSITIVOS 
 
  Controlar os sentimentos de raiva através do esquema ABC pode ser considerado como  
um inventário pessoal. No início, este inventário pessoal exigirá de si muito tempo e esforço. 
Começa com a utilização de um diário a fim de desenvolver uma maior conscientização das suas 
causas e consequências. 
  A partir deste diário, poderá aprender a identificar os sentimentos que o perturbam e 
estão na base da sua raiva. 
  Pode  então  prosseguir,  praticando  o  processo  ABC  como  meio  de  modificar  os  seus 
sentimentos de raiva ao modificar também a sua forma irada de pensar. 
  Segue‐se a resolução dos problemas que fazem parte daquelas situações difíceis que o 
perturbam. 
  Com a prática continuada deste processo, chegará muito provavelmente à conclusão de 
que os seus esforços estão gradualmente a ser recompensados. Será mais capaz de controlar ou 
de modificar a sua raiva do que a sua raiva de controlar a si. 
  Com a prática continuada do controle dos seus sentimentos de raiva pelo processo ABC, 
poderá eventualmente, reduzi‐lo a um esquema mais simples de quatro passos. 
 
  Use os primeiros sinais de raiva como sinais de STOP. 
  Diga a si mesmo, acalme‐se, simplifique. Não se zangue. 
   

  Pergunte‐se: O que poderei fazer nestas circunstâncias, que seja útil? 
  Depois atue de acordo com as suas opções construtivas. 
 
  O  processo  ABC  pode  ser  instrumento  muito  útil  no  processo  de  recuperação  de 
problemas emocionais  ou de problemas relacionados com o abuso do álcool ou outras drogas. 
O processo representa uma forma valiosa de enfrentar a perturbação emotiva que se encontra 
muitas  vezes  associada  aos  problemas  ligados  ao  abuso  do  álcool  e  outras  drogas  ou  com 
problemas  emocionais.  Se  não  aprender  a  lidar  construtivamente  com  as  perturbações 
emocionais, poderá estar em risco de uma recaída, já que as situações que envolvem problemas 
fazem parte inevitável da vida. 
O  processo  ABC  nos  proporciona,  pelo  fato  de  não  termos  as  nossas  percepções 
obscurecidas  pela  desordem  das  emoções,  uma  maneira  diferente  de  ver  as  coisas.  O  nosso 
sentimento a respeito das coisas modifica‐se à medida que a nossa maneira de pensar a respeito 
delas se modifica – Sentimos como pensamos! 
 
O QUE É ESPIRITUALIDADE? 
 
  Em relação aos Alcoólicos Anônimos ouvimos com frequência que “o nosso programa é 
um programa espiritual”. Mas o que significa “espiritual”? 
  Será uma palavra que se refere só a Deus, ou talvez a religião ou tenha um significado 
mais abrangente? 
  Muitas pessoas, ao se darem conta de que o Programa de Recuperação dos 12 Passos 
dos Alcoólicos Anônimos é um programa espiritual desanimam. Interrogam‐se: “Será que tenho 
que me tornar religioso para poder me recuperar?” Este capítulo destina‐se a ajudar as pessoas 
em  recuperação  a  compreenderem  o  que  significa  a  palavra  “espiritual”  e  “espiritualidade”. 
Também se destina a ajudar os leitores a verem que a “espiritualidade” já faz parte das nossas 
vidas sem nos darmos conta disso. 
  No  programa  dos  12  Passos  de  AA  a  palavra  “espiritual”  aparece  ligada  à  palavra 
“despertar”. Isto é o que acontece depois de termos feito o nosso caminho ao longo de todos 
os passos tivemos um despertar espiritual, o primeiro problema que aparece no Primeiro Passo: 
“Admitimos que somos impotentes perante nossa adicção e que tínhamos perdido o domínio 
sobre nossas vidas”. 
  Apesar de a primeira vista não parecer uma constatação de um problema espiritual, mas 
é na realidade! 
  Para podermos ver isso claramente, precisamos começar a desenvolver uma definição 
de espiritualidade com a qual trabalhar. Uma das maneiras de definí‐la é constatando todas as 
áreas de vida as quais a espiritualidade se liga, assim espiritualidade é: A qualidade do nosso 
relacionamento com quem quer que seja de mais importante na nossa vida. 
  Esta simples definição pode nos ajudar a perceber como a espiritualidade faz parte da 
vida  de  qualquer  pessoa.  Consideramos  o  seguinte  raciocínio.  Todos  nós  temos  pessoas  ou 
coisas  que  são  importantes  para  nós.  Uma  vez  que  temos  estas  relações  importantes  para 
nossas vidas alguma deve ser “a mais importante”. Que este “algo” seja maneira, ou pessoa ou 
grupo de pessoas, tem que existir alguma coisa que seja prioritária na nossa vida. O “quem” 
quer  que  seja  ou  o  que  quer  que  seja  “mais  importante”  define  o  principal  foco  da  nossa 
espiritualidade. 
  Podemos dizer que a espiritualidade faz parte da condição humana. Assim como todos 
nós  temos  um  lado  físico  e  um  lado  emocional  também  temos  um  lado  espiritual. 
Reconhecemos  que  somos  pessoas  com  um  lado  espiritual.  Abre‐nos  a  possibilidade  de 
descobrirmos o quanto este lado da nossa vida nos afeta. É um erro pensarmos que não temos 
um lado espiritual se não acreditarmos em Deus. Deus é apenas um dos muitos focos espirituais 
possíveis.  Podemos  vir  a  descobrir  na  nossa  vida  alguns  focos  e  efeitos  espirituais  muito 
surpreendentes, se tivermos a coragem de explorar essa parte do nosso ser.   
   

 
 
Uma  vez  que  está  relacionada  com  que  (ou  quem)  é  importante  para  nós;  a 
espiritualidade está intimamente ligada a valores, prioridades, objetivos e preocupações. Tem a 
ver com o que quer que seja que está no centro da nossa vida. Gastamos muito do nosso tempo, 
energia,  pensamentos  e  nos  entregamos  ao  nosso  foco  ou  centro  espiritual,  porque  a 
espiritualidade  tem  a  ver  com  relações  que  estão  intimamente  ligadas  a  coisas  como  amor, 
confiança e compromisso. Um resultado espiritual pode ser qualquer coisa que toque a nossa 
relação com os outros mais ou menos amorosos e desvelados. 
  Como  se  disse:  há  muitos  focos  espirituais  possíveis.  O  foco  da  nossa  espiritualidade 
podia ser o álcool ou outros químicos. Quando o álcool é o foco da nossa espiritualidade tem 
tendência  para  descrever  o  alcoolismo  como  uma  doença  espiritual.  O  alcoolismo  pode  ser 
descrito como uma expressão destrutiva da espiritualidade. Assim, uma maneira de descrever o 
problema  do  alcoólico,  será  dizer,  “o  álcool  tornou‐se  demasiado  importante”.  Demasiado 
tempo  e  energia  são  absorvidos  para  beber.  A  relação  tornou‐se  um  fardo  tremendamente 
destrutivo. Esta qualidade destrutiva cresce, e à medida que cresce, destrói o alcoólico. 
  O  alcoolismo  é  descrito  como  uma  doença  progressiva.  Nos  termos  da  definição  da 
espiritualidade  isto  implica  que  o  álcool  se  torna  mais  importante  à  medida  que  a  doença 
progride, e este crescimento tem muitas repercussões. Na nossa definição de espiritualidade, 
quando alguma coisa aumenta na sua importância, as outras coisas têm necessariamente que 
diminuir e ficar para trás. À medida que o álcool se torna mais importante, a nossa família, por 
exemplo, é necessariamente negligenciada por causa desta nova e poderosa relação. A família 
é apenas uma das muitas relações que é afetada pela importância crescente do álcool.  
O trabalho será afetado. Ao invés de se devotar com energia e tempo inteiro ao trabalho, 
o alcoolismo é capaz de viver ou utilizar outras drogas durante o trabalho. Talvez, o fato de beber 
na noite anterior comece por afetar a sua capacidade de ser pontual e estar desperto durante o 
trabalho. Se o alcoólico for estudante, as festas, beber ou usar outras drogas, ou até vendê‐las 
para ser financeiramente possível continuar a usá‐las. Estas são apenas algumas das áreas da 
vida  afetadas,  à  medida  que  o  álcool  se  torna  cada  vez  mais  importante.  À  medida  que  o 
alcoolismo se torna crônico, cada vez mais relações de toda a espécie serão alteradas na vida do 
alcoólico.  Sabemos  que  se  a  doença  progride  sem  ser  reconhecida,  causará  eventualmente 
enormes perdas em todas as áreas da vida e até a perda da própria vida. 
Os  membros  da  família  do  alcoólico  podem  facilmente  se  tornar  vítimas  de  uma 
mudança da sua própria espiritualidade. Os valores, os objetivos e as relações dos membros da 
família são fatalmente afetados à medida que a doença do alcoolismo progride. À medida que 
o  alcoólico  se  torna  menos  responsável,  os  membros  da  família  podem  focar  cada  vez  mais 
energia na tentativa de o “endireitar” e fazer funcionar melhor. A sua mulher pode despejar as 
garrafas na tentativa de parar o excesso de bebida; os pais podem de um momento para o outro 
começar a discutir com a filha adolescente numa tentativa para que pare de usar; um adicto 
numa família perturba o equilíbrio familiar. Encontrar uma solução para este problema pode 
levar a uma grande perda de tempo e energia. À medida que os membros da família começam 
a se preocupar com o adicto, há outros aspectos das suas vidas que começam a sofrer com isso. 
Tentar lidar com o comportamento do adicto pode desviar a família de uma vida normal. A coisa 
mais importante na vida da família de um adicto pode tornar‐se uma tentativa desesperada de 
controlar  seu  uso  e  comportamentos  decorrentes  disso.  Essa  preocupação  em  “endireitar”  e 
controlar o adicto pode transformar‐se num doloroso foco espiritual. Uma organização de apoio 
como  os  Programas  de  Familiares  (Al‐anon  e  Nar‐anon)  pode  ser  necessária  para  ajudar  os 
membros da família a recuperar o equilíbrio e a serenidade. 
A palavra espiritualidade tem na sua raiz a palavra “espírito”. Outra maneira de pensar 
em espiritualidade é nos perguntar onde se foca o espírito de cada um. “Espírito”, neste sentido, 
não fará nenhuma diferença, se o considerarmos como, por exemplo, o espírito de equipe num 
jogo de futebol. Um grupo de jogadores e expectadores poderá estar muito entusiasmado com 
   

a vitória de um jogo. Um craque pode incitar de modo a criar mais entusiasmo e espírito no 
grupo. O foco espiritual é energicamente dirigido para “ganhar o grande jogo”. Em outras áreas 
da  espiritualidade  encontramos  espírito  e  entusiasmo  como  sendo  o  reflexo  exato  onde  se 
centra a espiritualidade dessa pessoa. As coisas que na vida nos fazem brilhar os olhos e mexer 
por dentro estão intimamente ligadas à espiritualidade. Espiritualidade tem a ver com as coisas 
que  são  os  grandes  “amores”  da  nossa  vida.  Descobriremos  que  o  nosso  coração  está 
fortemente ligado às áreas espirituais da vida. 
  O  espírito  e  entusiasmo  pela  bebida  é,  as  vezes,  óbvio  na  vida  de  um  alcoólico.  O 
alcoolismo,  quando  começa,  pode  ser  como  um  namoro.  Para  um  alcoólico  talvez  nada  se 
compare ao ato de beber às escondidas ou do adicto a usar. Pode ter passado a última hora de 
aula desejando ansiosamente a oportunidade de beber. Para outros alcoólicos esta relação pode 
ir  crescendo  muito  lenta  e  gradualmente  até  que,  só  anos  depois  possa  dar  conta  desta 
necessidade  permanente  de  beber.  O  entusiasmo  e  espírito  persistem  muitas  vezes  mesmo 
quando,  o  relacionamento  com  o  álcool  se  tornou  destrutivo  e  a  energia  e  o  entusiasmo  da 
pessoa  em  outras  áreas  da  vida  foram  seriamente  afetadas.  No  meu  próprio  trabalho  com 
pessoas em recuperação lembro‐me de inúmeros indivíduos dizendo, “Beber tornou‐se a coisa 
mais importante da minha vida e isso aconteceu de tal maneira que nem me percebi. Chegou 
ao ponto de já não me dar nenhum prazer, apenas me ajudar a sentir bem neste momento, mas 
tinha que beber”. É este o ponto difícil em que uma pessoa está na verdade “agarrada” à bebida, 
mesmo, quando ele ou ela possam dar‐se conta que beber já não funciona da mesma maneira. 
Contudo, está agarrada pela impotência, dependente da própria causa da sua destruição. 
  Mas, como é que começam a se desenvolver essas relações espirituais destrutivas tão 
poderosas? Como é que alguém pode se envolver  numa relação  como a acima descrita, que 
pode levar à morte, suicídio ou à loucura se não tiver ajuda? 
   As relações espirituais evoluem da maneira como uma pessoa vive a vida e como ela 
consegue lidar com as situações da sua própria vida. A nossa espiritualidade pode ter um foco 
consideravelmente diferente se tivermos tido um conjunto variado de experiências de vida. Ter 
o  álcool  e  a  droga  como  foco  espiritual  destrutivo  na  nossa  vida,  é  o  resultado  da  nossa 
experiência com o álcool e da capacidade com que ele tem de ir ao encontro de algumas das 
necessidades básicas humanas. Nem todas as pessoas reagem ao álcool e à droga da mesma 
maneira, e por isso nem todos desenvolvem o mesmo tipo de relação com ele. Quando uma 
pessoa  começa  a  ligar‐se  ao  álcool  pode  ser  por  aquilo  que  ele  ou  ela  viram  ou  ouviram  da 
experiência dos outros. Os amigos podem nos ter encorajado a beber. Eventualmente existe o 
momento em que a pessoa bebe pela primeira vez e essa foi a sua primeira experiência com o 
álcool. Dependendo dessa primeira experiência uma pessoa pode desenvolver um padrão de 
abuso do álcool e drogas, ou beber moderadamente com pouco entusiasmo. Se a experiência 
for muito negativa a pessoa pode nunca mais tornar a beber; se o interesse da pessoa pelo álcool 
aumenta  é  porque  efetivamente,  ele  vai  ao  encontro  de  alguma  necessidade.  O  famoso 
psicólogo Carl Jung descreveu uma vez o alcoolismo do fundador dos AA, Bill W., como uma 
“doença espiritual que tem na sua base o impulso para plenitude...” Sentir‐se meio e completo 
é uma necessidade humana básica. 
  A  maneira  como  o  álcool  vai  ao  encontro  da  nossa  necessidade  de  nos  sentirmos 
satisfeitos não é difícil de compreender. Se uma pessoa é naturalmente acanhada o álcool pode 
ajuda‐la  a  tornar‐se  mais  ousada  e  desinibida.  Se  uma  pessoa  está  cheia  de  raiva  e 
ressentimentos, o álcool pode ajuda‐la a acalmar‐se e encontrar alguma paz. Se uma pessoa está 
sem alento, deprimida, pode ir a um bar e “esquecer de tudo”. Uma pessoa pode beber porque 
gosta da imagem de quem bebe ou usa. À medida que a doença da adicção progride beber ou 
usar  torna‐se  necessário  para  que  se  possa  viver  e  sentir  “normal”.  Todos  estes 
comportamentos são uma tentativa para encontrar ou manter a “plenitude”. 
  Outra  necessidade  básica  humana  é  o  relacionamento  com  os  outros.  Beber  é  uma 
atividade social. O álcool e outras drogas tendem a juntar pessoas. Olhando para trás podemos 
ver os amigos apenas como “amigos do uso” ou “amigo dos copos”, mas pelo menos havia uma 
   

espécie  de  “estarmos  juntos”,  de  camaradagem.  Beber  era  uma  maneira  de  ter  um  contato 
pessoal e “passar um bom bocado” ao fazê‐lo. 
O álcool e as drogas enganam as pessoas porque, até certo ponto, vão de encontro de 
necessidades humanas. Mas em longo prazo não o fazem da melhor maneira para o adicto. A 
busca espiritual que acaba na adicção pode ter começado por um simples desejo de ser feliz. 
Talvez ajude a entender a adicção como uma tentativa legítima de ser saudável e feliz. Ajuda‐
nos a evitar alguns julgamentos e críticas que possamos ter à tentação de usar contra nós ou 
outros adictos em recuperação. 
  Um olhar mais atento para algumas das palavras que são usadas para espiritualidade 
podem ajudar a aprofundar a compreensão desta palavra. Definir espiritualidade como qualquer 
coisa que tem a ver com o mais importante na nossa vida. Se alguma coisa é importante para 
nós isso significa que lhe damos valor e importância. O processo de dar valor a qualquer coisa 
chama‐se valorização ou veneração. Quando veneramos alguma coisa estamos a falar de uma 
relação com o objetivo da adoração, do tipo da que temos com Deus. Por vezes no programa 
podemos ouvir alguém dizer “o álcool e as drogas tinham‐se tornado meu deus”. Muitas vezes 
isto  é  uma  constatação  exata  mesmo  que  nunca  tenhamos  pensado  assim  nesta  relação.  À 
medida que a doença do alcoolismo progride, podemos dizer que a relação com um deus que 
esquece o indivíduo. Esta relação já não é a solução perfeita porque já não vai de encontro às 
necessidades da pessoa. 
  Mesmo que insistamos que não queremos uma relação com Deus (com um D grande), 
assim  como  é  impossível  evitar  a  espiritualidade  como  um  fato  na  nossa  vida,  também  é 
impossível evitar relacionamentos do tipo do que se tem com (um) deus. Quer os reconhecemos 
claramente ou não, eles fazem parte da nossa vida. Afetam‐nos. 
  Uma  relação  do  tipo  da  que  se  tem  com  deus,  tem  uma  relação  interessante  com  a 
palavra “entusiasmo”, palavra essa que está  ligada a espiritualidade. A palavra “entusiasmo” 
vem do grego “em‐theos” que significa “em deus”. Outra maneira de vermos as coisas pelas 
quais temos um grande entusiasmo é dizermos que elas refletem a nossa compreensão e relação 
com o nosso deus. 
  Para o alcoólico cuja vida está sendo destruída. O desafio da recuperação é encontrar 
uma nova relação da do tipo que se tem com deus, um novo foco para a sua espiritualidade, um 
novo  centro.  Alguma  coisa  tem  que  substituir  o  álcool  e  as  drogas  como  principal  centro  de 
interesse na vida de uma pessoa. Esta é a razão pela qual a recuperação não consiste apenas em 
não beber. Por a rolha na garrafa não quer dizer necessariamente que outra coisa qualquer se 
tornou nosso centro de interesse da vida de uma pessoa. Somente parar de beber sem outro 
crescimento e mudanças apenas frustrará uma pessoa que não aprendeu outro modo de ir ao 
encontro das necessidades humanas básicas. 
  A irmandade de AA encara o desafio de ajudar os alcoólicos a encontrarem um novo 
centro de interesse espiritual. A sua missão é muito parecida com a de ajudar alguém a saltar 
de um barco que se afunda para outro barco. Pode ser muito traiçoeiro. A missão envolve o 
conseguir  ganhar a confiança e  eventualmente o coração da pessoa. De algum modo, com a 
ajuda dos Doze Passos dos AA, com a irmandade das reuniões e, nas novas relações com gente 
sóbria, um alcoólico ou adicto em recuperação começará a entregar‐se a um novo centro de 
interesse  espiritual.  A  pessoa  em  recuperação  procura  ir  de  encontro  às  suas  necessidades 
humanas de uma maneira completamente nova à medida que descobre o modo de vida de AA. 
  O  foco  espiritual  dos  que  estão  em  Anônimos,  tem  muito  a  ver  com  um  “Poder 
Superior”; “Deus, como nós o compreendemos”, e as pessoas da irmandade. Os passos Dois e 
Três dos AA começam esta nova relação e iniciam o novo foco espiritual. Para o que quer que 
entreguemos  a  nossa  vontade  e  a  nossa  vida,  isso  tem  que  necessariamente  ser  muito 
importante para nós. O Passo Três foi sabiamente deixado tão aberto quanto possível para que 
ninguém seja excluído. Embora a palavra Deus esteja escrita com D maiúsculo, no Passo Três, 
temos que entender que há alternativas de como este Passo pode ser abordado. Para aqueles 
que  não  compreendem  a  idéia  de  Deus  no  sentido  tradicional,  o  Terceiro  Passo,  pode,  por 
   

exemplo, ligar‐se ao grupo básico de AA. Um grupo de pessoas é um poder maior do que nós 
mesmos, e podemos dar‐lhe o poder divino de nos mostrar o que precisamos fazer. Poderemos 
ver que aceitarmos ser guiados pelas pessoas do programa pode ser melhor do que continuar o 
caminho que sabemos, que acabará na destruição. Outros recém‐chegados ao programa podem 
falar de Deus atuando através do grupo. Podem dizer que Deus é um espírito de amor que se 
exprime pelo amparo, carinho e orientação que o grupo tem para oferecer. Haverá outros que 
acreditam nisso e também ligar‐se a Deus por outros caminhos, tais como a oração e a leitura 
devotada. O Passo Três permite variedade e flexibilidade na maioria como os relacionamentos 
com um Poder Superior. 
  Quando as pessoas olham pela primeira vez para os passos Dois e Três, muitas vezes 
tomam uma de duas posições extremas. A primeira é rebelarem‐se e dizerem que tal programa 
não é para elas. Os seus sentimentos podem ser traduzidos por este sentimento “não quero ser 
um  fanático  religioso!  Não  acredito  nesta  história  de  Deus”.  A  outra  reação  é  ultrapassar 
rapidamente estes passos e dizer para si próprio: “Sempre acreditaram em deus. E depois?” 
  Nenhum destes dois extremos ajudará muito. A espiritualidade é uma área da vida em 
que precisamos descobrir muito sobre nós próprios. Não se pede a ninguém que acredite em 
alguma coisa em que não pode acreditar. Acreditar não é algo que se possa forçar. Acreditamos 
naquilo  que  acreditamos.  Normalmente  aquilo  em  que  acreditamos  resulta  da  nossa 
experiência. Do que sabemos da experiência dos outros e do que nos ensinaram. O segredo da 
mudança do foco espiritual é ter um  espírito aberto, e nos permitir experimentar algo diferente 
– muito como fazer uma experiência com a nossa vida espiritual. 
  A maneira que temos de experimentar algo diferente na nossa vida espiritual provém 
da  ajuda  que  as  pessoas  em  recuperação  oferecem.  Não  estamos  sós,  estamos  com  outras 
pessoas  que  trabalham  na  sua  recuperação  e  que  podem  tornar‐se  amigos  de  verdade.  A 
experiência  de  recuperação  das  pessoas  na  irmandade  dá  uma  informação  prática,  preciosa 
sobre o que precisamos fazer de modo a vivermos uma vida sóbria e feliz. Dirão coisas como 
“vive um dia de cada vez”. Em outras palavras não queira ultrapassar e não se preocupe hoje 
com as coisas do amanhã. A força de hoje é a que precisa para os problemas de hoje, outra 
maneira que as pessoas na irmandade têm de se ajudar e confrontarem‐se mutuamente com a 
realidade. Muitas vezes não conseguimos ver claramente como nos magoamos a nós mesmos 
com as nossas atitudes emocionais e com a maneira como pensamos nas coisas. Outras pessoas 
podem nos ajudar a resolver problemas e a esclarecer a nossa situação. Outra maneira simples 
de encontrar plenitude está na capacidade de falar com outra pessoa sobre como nos sentimos. 
Partilhar  tem  o  efeito  de  “dividir  o  nosso  fardo”  e  “duplicar  as  nossas  alegrias”.  Na  partilha 
podemos encontrar alívio dos sentimentos negativos de desânimo, medo e raiva. 
  As pessoas no programa, quase sem exceção, farão igualmente parte da espiritualidade 
que descobrimos à medida que recuperamos. O que aprendemos com elas e o apoio emocional 
que nos podem dar são quase impossíveis de atingir numa experiência, qualquer, solitária. Um 
“slogan” popular no programa é “Eu preciso das pessoas como Eu”. 
  Vamos olhar agora para espiritualidade x religião.  
  Há  muita  confusão  no  que  diz  respeito  a  relação  da  espiritualidade  e  religião.  Para 
complicar as coisas, as pessoas usam indiferentemente as palavras e, às vezes, com o mesmo 
significado. 
  Melhor do que tentar definir o que é religião e o que é espiritual precisamos nos lembrar 
da  nossa  definição  de  espiritualidade.  Quando  dizemos  “espiritualidade  tem  a  ver  com  a 
qualidade da nossa relação com o que é mais importante na nossa vida”, não excluímos nada 
nem ninguém associado à religião como sendo um foco espiritual. Por exemplo, é muito possível 
ter como a coisa mais importante da nossa vida uma relação com Deus como numa tradição 
religiosa. A nossa definição de espiritualidade não inclui ou exclui necessariamente tudo aquilo 
que na nossa mente está associado à “religião”. 
  Um exemplo pode ajudar a clarificar a diferença entre ser aparentemente “religioso” e 
estar espiritualmente concentrado em outra coisa. 
PERFECCIONISMO

Uma das fábulas de ESOPO conta a história de um homem, do seu filho e do burro deles. Ao
caminharem pela estrada, um andarilho critica o pai por fazer o filho ir a pé quando poderia cavalgar no
burro. Portanto o pai montou seu filho no burro. A seguir, outro andarilho critica o filho por ser
preguiçoso e obrigar o pai a ir a pé. O pai então sobe no burro a frente se seu filho. Em seguida, um
terceiro andarilho lamenta e acha cruel que o burro tenha que carregar os dois. Por isso tira o filho de
cima do burro e constrói uma padiola com cordas. Ele e o filho conseguem por o burro em cima da
padiola e começam a arrastar o burro, mas o burro escapa e cai num lago e afoga- se.

PORQUE PENSAMOS QUE PRECISÁVAMOS PARECER PERFEITOS

Embora só tivesse oito ou nove anos quando li pela primeira vez esta fábula, percebi que a
história tinha alguma coisa a ver com uma tentativa de agradar aos outros. Não compreendi que já estava
firmando os meus próprios hábitos de tentar obter a aprovação dos outros.
É normal querermos sentir que temos valor e querermos que as outras pessoas nos considerem
como pessoas de valor. É a maneira como satisfazemos este desejo que pode ser ao nosso favor ou voltar-
se contra nós.
O amor verdadeiramente é incondicional e raro. Provavelmente, a maior parte de nós nasceu
numa família em que o amor era, de certa maneira, condicional. Em crianças, podemos ter tentado pelo
nosso comportamento ganhar a atenção e o afeto dos nossos pais. Podemos ter tentado ser perfeitos
para eles. Se crescermos numa família em que a dependência dos químicos era um problema, teremos
provavelmente recordações de uma afeição que se manifestava de forma pouco regular. Um dia
despejavam- nos amor em cima da cabeça, no dia seguinte, podíamos ser alvo de maus tratos. Não
sabemos com o que contar, nem quando contar com o que, causava- nos mau- estar. Então, para evitar
nos sentirmos inquietos, podemos ter tentado ser sempre perfeitos. Fazer as coisas ‘’na perfeição’’ nos
dava um sentimento de controle com relação a nossa vida e nos ajudar a dominar a inquietação causada
pela irregularidade das manifestações de afeto. Mas, se somos dependentes dos químicos, o uso tinha
tendência para diminuir a nossa autoestima e para aumentar os nossos sentimentos de inadequação e a
nossa necessidade de parecermos perfeitos.
Exigirmos de nós a perfeição pode ser destrutivo. Pode introduzir tensões na nossa vida, fazer
baixar a nossa autoestima e afetar as nossas relações. Um dos meios que podemos utilizar para
ultrapassar o nosso perfeccionismo é a Terapia Racional Emotiva de Albert Ellis. Esta brochura nos mostra
como ela nos pode ajudar a identificar e mudar a nossa forma perfeccionista de pensar.

O QUE É O PERFECCIONISMO?

Perfeccionismo indica um significado com a pretensão de ser impecável? Será a tentativa de não
se cometer erros? O perfeccionismo nem sempre é assim tão definido. Vamos observar alguns episódios
da vida de três pessoas: Catarina, David e Maria.

CATARINA

Nervosa por estar quase na hora da reunião do grupo de pacientes ambulatórios, Catarina revê-
se ao espelho pela quarta vez, encolhe os ombros e dirigi- se para a porta. O telefone toca. Irritada,
levanta o fone.
‘’Catarina! Podemos falar?’’
‘’Falar, falar, falar’’ resmunga Catarina antes de se forçar a um tom de voz mais agradável. ‘’Claro,
Cartola...’’
Meia hora mais tarde, Catarina sai de casa e mete a chave na ignição com rancor, cheia de
ressentimento pelo contratempo que permitiu a Cartola causar- lhe. Agora, vai provavelmente chegar
atrasada a terapia do grupo. ‘’Porque é que as pessoas descarregam sempre os problemas pra cima de
mim? ‘’ pergunta a si mesma.
Conduz o carro ao longo da avenida orlada de árvores, as folhas de Outono vivamente coloridas
brilham ao sol.
‘’ Tal e qual como a minha vida’’, lamenta- se ela. ‘’Estou sempre a meio, com a glória e a beleza
de cada lado de mim, mas fora do meu alcance. ’’
Avança para o primeiro espaço vazio no parque de estacionamento da clinica. Depois recua, e
avança outra vez de maneira a que o carro exatamente paralelo aos carros que estão ao lado. Não quer
incomodar ninguém pela forma como estaciona. Correndo, Catarina consegue sentar- se exatamente
antes do grupo começar. Dá um suspiro de alivio. Detesta chegar atrasada.

DAVID

Embora puxe o cachecol para proteger a cara da violência da neve, David hoje não se importa
realmente com o vento e o frio. Ao menos o tempo lhe oferece alguma coisa de concreto contra a qual
lutar. Tem sentido ansiedade desde que, há seis meses mudou. Quase ri da ironia. Trabalhou aquelas
semanas de sessenta, setenta, oitenta horas para um dia poder mudar e sossegar e agora não consegue
descontrair-se. David se recorda do dia, há uns trinta anos, em que ele e o pai observavam a cidade do
alto da penthouse no condomínio de David. Lembra-se de ter dito: “Pai, realizei tanta coisa, mas foi o pai
que apostou no meu êxito. Tenho orgulho de ser seu filho”. A vida tinha tanto significado a essa altura.
Sabe que vai precisar de qualquer coisa que o faça atravessar os longos dias de inverno.

MARIA

Em frente da Estátua da Liberdade e olhando para o porto que a rodeia, Maria está
momentaneamente desapontada. O letreiro na porta diz: “Não há visitas. Fechado para obras”.
Mas o desapontamento desaparece rapidamente com a excitação de se encontrar em Nova York,
recompensa de ter sido votada a Professora do Ano. Deu muito às suas alunas ao longo dos anos – longas
horas e uma energia quase infinita. Às vezes pedia demais a si própria, ultrapassando os seus próprios
limites, mas sentia-se orgulhosa quando os pais louvaram os seus esforços. Como é emocionante agora
ver o monumento, a senhora de pé com o braço levantado, de facho na mão, e ler a inscrição, “Tragam-
me o vosso povo, cansado, pobre, esmagado, ansiando por respirar livremente...” Os olhos de Maria
enchem-se de lágrimas à medida que vai lendo as palavras. Por que de repente se sentira tão cansada?
Observa outra vez a estátua. Identifica-se perfeitamente com a necessidade que a senhora tem de ser
restaurada.
Catarina, David e Maria têm todos os traços de perfeccionismo, embora não exprimam
necessariamente o seu perfeccionismo da mesma forma. Catarina pode ser descrita como uma pessoa
que “quer endireitar tudo a sua volta”. David baseia o seu poder próprio na realização profissional. O seu
perfeccionismo pode não parecer óbvio como o de Catarina porque a nossa sociedade encoraja a ambição
e nos ensinou a encarar o êxito em termos de posição social e riqueza. Maria, obrigando-se a ultrapassar
os seus próprios limites para agradar aos outros, mostra-nos outra faceta do perfeccionismo.

PERFECCIONISMO E DEPENDÊNCIA DOS QUÍMICOS

É comum os adictos serem perfeccionistas. Entre nós há quem seja como Maria, outros como
David e, outros como Catarina.
As mulheres têm sido, tradicionalmente, ensinadas a desempenhar um papel de serviço em
relação aos outros, elas são altamente vulneráveis, a forma de pensar perfeccionista, que diz que devem
estar sempre prontas a ajudar e a serem amáveis.
Apesar dos recentes progressos realizados pelos movimentos feministas, a percepção que a
mulher tem de si mesma é influenciada pelo que aprendeu quando criança e pela maneira como a
sociedade encara as mulheres. A dependência química complica ainda este problema. Uma mulher com
dependência química que acredita segundo certas mensagens da sociedade, que as mulheres são
inferiores, se sente ainda mais incapaz e inútil por causa da bebida. Apenas se pode sentir segura de ser
amada quando tenta ser a companheira “perfeita” e a mãe “perfeita”. Se eu for perfeita ninguém notará
como me sinto inútil e envergonhada.
Também os homens sentem o peso das noções antiquadas e limitadas a propósito daquilo que
um homem deve ser. Podem achar que tem de parecer forte em todas as ocasiões e quem chorar ou
deixar que os outros os ajudem, possam parecer fracos. Podem crer que tem de ser o pai perfeito ou o
marido ideal para terem algum valor.
Ao lerem isto, podem estar dizendo: “Então, sou perfeccionista. Para ser totalmente sincero,
pensei que isso fosse uma das minhas vantagens. Aprecio quando as pessoas comentam como faço as
coisas bem feitas”. É verdade que, em curto prazo, o perfeccionismo pode produzir alguns resultados
positivos. Mas, em longo prazo, é derrotista. Iremos analisar esta idéia mais adiante, servindo-nos da
Terapia Racional-Emotiva.
A TER pode ajudar-nos em relação ao nosso perfeccionismo, ajudando-nos a mudar a forma como
pensamos sobre certas situações da nossa vida. Alguns centros de tratamento das dependências químicas
e algumas clínicas de saúde mental têm grupos de TER para ajudarem as pessoas a identificarem e
alterarem os pensamentos e comportamentos derrotistas. Catarina, David e Maria estão num destes
centros de tratamento. Vamos acompanha-los ao seu grupo de TER para explorarem formas de alterar a
sua maneira de pensar perfeccionista.

A REUNIÃO DO GRUPO DE TER

“O mais importante não é o êxito, desde que façam sempre o melhor que podem. Quantos de
vocês já ouviram isto antes?” perguntou Mariana, responsável pelo grupo. “Gostaria de falar mais sobre
esta forma de pensar e de como elas pode nos afetar. É impossível conseguir sempre o máximo, e tenta-lo
apenas levará à frustração e a pouca estima por nós próprios”.
“O tema de hoje é o perfeccionismo”, continuou Mariana.
“Mas antes de entramos no assunto, vamos rever os princípios da TER para os recém-chegados. Depois,
tentaremos identificar algumas das suas próprias características perfeccionistas, observar como é que
elas podem voltar-se contra nós em vez de jogarem a nosso favor e, em seguida, descobrir formas mais
construtivas, que venham ao encontro das nossas necessidades.
A TER diz que a forma como pensamos afeta a forma como sentimos e como sentimos, afeta a forma
como agimos. Ficamos muitas vezes desnecessariamente perturbados devido à maneira como pensamos.
Na verdade, temos realmente certo controle sobre as nossas emoções. É importante saber isto porque
algumas emoções podem colocar obstáculos ao crescimento em recuperação. Este diagrama mostra
como isso pode acontecer. Mariana apontou para o quadro.

Sentimento desagradável I
Furioso I
------------------------------- Mau I
Triste V
Com medo
Consequências negativas, Comportamento derrotista, o
incapacidade de dominar a uso de químicos que modificam
situação que produziu o -------------------------------- o humor, se alimentarem de
sentimento desagradável e forma exagerada,
desenvolvimento de um padrão comportamento agressivo.
de comportamento derrotista.
“A nossa forma de pensar é por vezes racional, outras vezes irracional”, continuou Mariana. “Por
exemplo, se eu achar que preciso ser perfeito para ser aceito por outra pessoa, introduzo tensões na
minha vida. Mas elimino essas tensões da minha vida e pratico a TER se alterar os meus pensamentos
para: “é aceitável cometer um erro embora prefira não o fazer”, ou “posso sentir-me bem comigo mesmo
sem ter a aprovação de todos”, ou ainda “os erros podem ser como uma forma de aprender”.
Por outras palavras, a TER é um processo através do qual examino a minha forma de pensar a fim
de descobrir quais são os pensamentos irracionais que me perturbam desnecessariamente. Depois, posso
debater esses pensamentos e mudar a minha maneira de pensar. “Isso me ajuda a reduzir os
pensamentos que me perturbam e fará com que esteja menos sujeito a cair em comportamentos
autodestrutivos, tais como usar drogas, cometer excessos com a comida ou isolar-me dos amigos e da
família”.
No programa da TER, usamos o processo ABCD para mudarmos a nossa maneira de pensar.
Mariana apontou para outro diagrama no quadro.
A ---------------- B ---------------- C ----------------- D
Acontecimento Convicções e Sentimentos Debater
pensamentos Convicções irracionais
Comecemos por observar algumas características perfeccionistas vulgares. Mariana escreveu uma
lista no quadro e leu alto cada uma delas.

CARACTERÍSTICAS PERFECCIONISTAS

1 - Tem uma sede insaciável de reabilitação.


2 - Precisa se sentir indispensável.
3 - Não dá oportunidade para que se verifiquem erros.
4 - Deposita-nos outras esperanças irreais.
5 - Sente necessidade da aprovação de todos.
6 - Concentra-se nos insucessos.
7 - Estabelece para si mesmo normas impossíveis de atingir.
8 - É extremamente competitivo em relação aos outros.
9 - Receia correr riscos.
10 - Adia.
11 - Tem dificuldade a aceitar críticas.
“Vamos usar o número nove – “receia correr riscos” – para descrever como pode funcionar o
processo ABCD. Vou usar um exemplo da minha própria vida”, disse Mariana ao começar a escrever no
quadro.
A ----------------- B ---------------- C --------------- D
Acontecimento Convicções e Sentimentos Debater
pensamentos Convicções irracionais
Convidam-me para Não me sinto em Ansiedade É apenas um café, não
tomar café. condições de ter uma Medo é uma proposta de
relação séria. casamento.
Não sei o que ele quer Ansiedade Não faz mal correr um
Medo risco... É uma forma de
crescer.
Posso não gostar dele, Ansiedade Provavelmente vai
ou ele pode não gostar Medo gostar de mim. Se não
de mim. gostar, isso não
significa que eu não
seja como devo ser.
Mariana acabou de escrever, apontou para B (Convicções e pensamentos) e sublinhou-o “O meu
conselho é que se detenham em B. Escutem os seus pensamentos e alterem-nos se estiverem
perturbando desnecessariamente”, disse ela.
“Agora vamos ver se há algumas interações por aí... Porque é que cada um não escolhe um
sentimento que tenha tido hoje e não tenta ligá-lo a um acontecimento recente. Por exemplo, poderá
sentir-se ansioso a propósito de qualquer coisa que uma pessoa de família lhe contou numa conversa
telefônica. Depois de descrever o acontecimento e o sentimento, tentaremos identificar as idéias
perfeccionistas e, em seguida, explorar formas alternativas de pensar a respeito do acontecimento”.

PERFECCIONISMO x CONTROLE

Catarina falou em primeiro lugar.


-“Tenho me sentido irritada hoje, desde que o grupo começou. Quantas vezes temos falado sobre
começar a horas e o Tiago entra atrasado!”
Tiago corou e falou com voz irritada: “Desculpa, mas não foi por minha culpa. O encontro com a
enfermeira foi interrompido por uma emergência”.
Catarina enfiou-se pela cadeira abaixo e disse: “Desculpa Tiago” e depois disse Mariana:
”Estava com medo de arriscar dizer aquilo. Tenho a certeza de que é capaz de encontrar escondidas,
idéias perfeccionistas”.
Mariana fez sinal para o grupo: “Comentários?”
“Ontem falamos de desvios no grupo”, atreveu-se David e continuou: “Reparei que um dos traços
perfeccionistas da lista é “Deposita esperanças irreais nos grupos”. Catarina, você está tendo esperanças
irreais em Tiago se pensa que ele devia, ou tem que, estar sempre aqui há horas. Acho que ficou zangada
porque ele não fez o que você queria e que havia decidido com você mesmo que ele devia fazer. Não
pode controla-lo.” E depois, disse Mariana: “Compreendo que encontramos aqui uma esperança que não
é realista, mas por que é que o perfeccionismo e as esperanças irrealistas que depositamos outros andam
juntos?”
“Acho que nós, os perfeccionistas, somos os nossos juízes mais severos”, respondeu Mariana. “E
isso extravasa afetando as pessoas próximas. É verdade, somos severos conosco, mas somos também
severos com os outros. Tentamos muitas vezes controlar as outras pessoas. David acabava de dizer certas
coisas à Catarina a respeito de controle. Pensa que controle e perfeccionismo se acompanham?”
“Bem, se eu tentar colocar em você esperanças irrealistas, me parece que estou insistindo em te
controlar”, disse David.
“Concordo com isso, continuou Mariana. Sei que, ao crescer, me sentia muito incomodada por
causa da minha mãe beber. Eu era sempre o alvo da raiva dela quando estava bêbada. Durante dez anos,
tentei fazer tudo o que podia para conseguir que ela parasse. Pensava que se eu fosse perfeita, ela
deixaria de beber. Nada deu resultado. Quando cheguei aos dezoito anos, fui embora de casa. Mas a essa
altura, já havia formado alguns hábitos muito fortes de perfeccionismo”.

PERFECCIONISMO x ANSIEDADE

“Mariana, disse David, às vezes penso que a razão porque comecei a beber foi para controlar essa
sensação desagradável de que acabou de mencionar. Sei do que está falando”. Várias pessoas assentiram
com a cabeça. David se sentou aliviado. Estava satisfeito por saber que não era a única pessoa que se
sentia assim.
“Por falar em se sentir pouco a vontade, fico uma pilha de nervos só de pensar que tenho de falar
num grupo”, disse Carla, um novo membro do grupo, que falava pela primeira vez.
“Tenho pena que esteja ansiosa. Carla gostaria que o grupo a ajudasse usando um pouco a TRE?”
perguntou Mariana.
“Gostaria. Há dois dias que tenho o estômago colado às costas. Não funciona bem em grupo. Nem
acredito que estou falando agora!”
Mariana foi ao quadro e escreveu: “Falar em frente de um grupo” por baixo de A
(Acontecimento).
-“Carla, o que é que diz a si mesma que a faz ficar tão ansiosa?” perguntou Mariana.
-“Tenho medo de desmaiar ou de gaguejar. E, cometer um erro...?”
Mariana começou a escrever, registrando estas afirmações por baixo de B (Convicções e
pensamentos). Wilson, membro do grupo há bastante tempo interveio: “Li um artigo sobre
perfeccionismo e descobri certas coisas que me ajudaram. Compreendi que não era obrigado a
corresponder às esperanças de ninguém a meu respeito e que não era grave se cometesse alguns erros.
Acho que pensava que tinha de ser melhor do que os outros.”
“Você pode falar um pouco mais sobre isso, Wilson?” pediu Mariana. “Há coisas interessantes no
que disse que podem ajudar Carla a questionar sobre sua forma de pensar.”
“Disse para comigo: ninguém é perfeito e eu também não”.
Mariana escreveu as observações de Wilson por baixo de D (Debater as convicções irracionais) à
medida que ele falava.
“Percebi que cometer um erro não era uma desgraça. Percebi também que estamos todos no
mesmo barco. Precisamos da ajuda uns dos outros. Não precisamos entrar em competição uns com os
outros. O mais difícil de aceitar para mim foi a terceira coisa: disse para comigo que não tinha importância
se não tivesse a aprovação de algumas pessoas do grupo. Ainda continuo a batalhar neste aspecto.”

PERFECCIONISMO x CRÍTICA

Wilson parecia incomodado. Não estava habituado a falar sobre os seus sentimentos. “Quando fui
embora ontem, me senti magoado porque alguém me criticou por falar demais, é muito difícil suportar
críticas. Acho que se estivesse realmente convencido que não tenho que ser perfeito, aguentaria muito
melhor as críticas.”
“As pessoas oscilam muitas vezes entre os oito e os oitenta” respondeu Mariana. “Ou somos
perfeitos ou somos falhos. É difícil dizermos: “Sei que tenho cinco qualidades e cinco defeitos”. Mas, ou
somos como se deve ser, ou não prestamos para nada. É fácil também contarmo-nos apenas nos nossos
fracassos.”
“Faço muito isso” suspirou Juliana. “Há vários anos, ganhei o prêmio de “Professora do Ano” e me
senti muito orgulhosa. Há muito que o cobiçava. Mas depois de ganha-lo, comecei a pensar se conseguiria
manter o mesmo ritmo. Tinha medo que as pessoas descobrissem que afinal não era assim tão boa
professora, e assim estava eu, Professora do Ano, perguntando a mim mesma se deveria continuar
arriscando a me colocar numa situação em que poderia falhar. É este o gênero de pensamentos em que
caio.”
“Também faço isso”, reconheceu Catarina. “Tentei ser a mãe perfeita, a esposa perfeita, a amiga
perfeita. Quero fazer as coisas melhor do que os outros ajudá-los quando precisam e tirá-los de
dificuldades. Convenço-me de que sou impecável e, depois, quando as outras pessoas pedem a minha
ajuda, fico ressentida e acho que querem se aproveitar de mim.”

PERFECCIONISMO x ADIAMENTO

“Reparei que tenho adiamentos na lista, disse David. Quando trabalhava, estava muito com
outras pessoas. Desde que me divorciei e me reformei, me tornei bastante solitário. Tomei várias vezes a
resolução de tornar a ver pessoas, mas continuo adiando. No entanto não sei bem o que é que isto tem a
ver com perfeccionismo”
Maria tomou a palavra. “Suponho que pode ter a ver com não querer correr o risco de um
fracasso, talvez por causa do seu divórcio. Se parece com a dúvida que tenho se devo voltar a ensinar”.
“Sentada aqui ouvindo as suas contribuições, disse Mariana, estou espantada com alguns dos
pontos de vista que apresentam. Estava quase chamando de “o grupo perfeito”, mas é capaz de não ser a
melhor terminologia tendo em conta o nosso tema de hoje. Antes prefiro dizer que mostraram ser um
notável desafio a forma de pensar perfeccionista”.
Mariana começou a distribuir folhas para a prática da TER. “Preencham estas folhas e tragam para
a próxima reunião de grupo. Vamos usá-las para colocarmos alguns dos seus pontos de vista a seu favor.”
Poderão ver agora, nas páginas seguintes como Maria, David e Catarina colocam em prática o que
aprenderam no grupo.

FOLHA DE PRÁTICA DE MARIA


A ---------------- B --------------- C ---------------- D
Acontecimento Convicções e Sentimentos Debater Convicções
pensamentos irracionais
Pediram-me para Não sei representar. E Medo de falhar. Isto não é cinema.
tomar parte numa se fazem piada de Estamos apenas
representação. mim? tentando ajudar
alguém a superar um
sentimento.
Em vez de ter medo
vou me esforçar por
ajudar essa pessoa.
Todos sabem que não
sou uma atriz
profissional.
Fico satisfeita por
amenizar.
FOLHA DE PRÁTICA DE DAVID
A --------------- B --------------- C ---------------- D
Acontecimento Convicções e Sentimentos Debater Convicções
pensamentos irracionais
Ser criticado em grupo Não presto. As pessoas Magoado Quem é que diz que
por falar demais. não gostam de mim Deprimido não presto? Só porque
quando deixo que veja alguém me critica não
quem, na verdade eu quer dizer que não
sou. presto.
As pessoas só gostavam Magoado Tenho me sentido
de mim antigamente Deprimido melhor comigo mesmo
porque tinha êxito e desde que comecei a
era rico. falar em grupo.
Não consigo aguentar Deprimido Se uma pessoa não
se todas as pessoas do gostar do que eu digo,
grupo estiverem contra não quer dizer que
mim. todos estejam contra
mim.
Talvez eu aprendesse
mais se falasse menos e
escutasse mais.
FOLHA PRÁTICA DE CATARINA

A --------------- B -------------- C ---------------- D


Acontecimento Convicções e Sentimentos Debater convicções
pensamentos irracionais.
Uma amiga telefonou Tenho um grande Culpa Tenho o direito de
para pedir para tomar sentimento de culpa Raiva estabelecer limites
conta das duas crianças quando recuso. Sentimento mesmo com os amigos.
dela.
Devia ser capaz de Culpa Por que é que irei fazer
fazer isto por uma Raiva isto se não quero fazer?
amiga íntima. Sentimento Sei que não preciso ser
a miga “perfeita”.
Por que é que as Culpa Quando pensar que
pessoas se aproveitam Raiva alguém está se
de mim? Sentimento aproveitando de mim,
passarei a admitir essa
idéia como um sinal
para estabelecer
limites.

NÃO EXISTE UMA SOLUÇÃO MÁGICA

Saber que uma coisa é derrotista e mudar a nossa forma de pensar e o nosso comportamento são
duas coisas diferentes. Os hábitos levam tempo e formar-se exige tempo e prática.

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