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ONDE SE FALA PORTUGUÊS

Eleição em Angola 20 anos após


fim da guerra tenta tirar
democracia da geladeira
Oposição busca alternância de poder em país africano
governado pelo mesmo partido desde 1975

20.ago.2022 às 23h15

EDIÇÃO IMPRESSA

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Mayara Paixão

SÃO PAULO Angola vai às urnas na quarta (24) em um


cenário cheio de simbolismos: a quinta eleição
multipartidária da história do país ocorre 20 anos
após o fim de uma guerra civil de quase três
décadas e pouco mais de um mês depois da morte
de José Eduardo dos Santos, controverso líder que
ficou 38 anos no poder.

Em um país onde o Estado muitas vezes se


confunde com o partido governista —o MPLA
domina a política local desde a independência, em
1975—, a surpresa para acadêmicos e para a
sociedade civil é a articulação inédita da oposição
angolana.

João Lourenço, presidente de Angola, durante entrevista


coletiva na sede da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa, em Lisboa - Carlos Costa - 29.jun.22/AFP

O movimento cria uma janela de oportunidade


para Angola tirar a democracia da geladeira, ainda
que movimentos sociais aleguem não confiar na
lisura do processo eleitoral, durante o qual
pesquisas de intenção de voto, por exemplo, foram
proibidas —sondagens extraoficiais têm baixíssima
credibilidade.

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"Angola é uma transição democrática que ficou


parada no tempo", diz Jonuel Gonçalves,
pesquisador da Universidade Federal Fluminense
(UFF) e do Instituto Universitário de Lisboa. "Não
se trata de um regime totalitário, mas o partido
tem o mesmo poder que o Estado, de modo que o
país não anda nem para frente nem para trás."

china, terra do meio


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Cerca de 14,4 milhões de pessoas —metade do país


— estão aptas a votar. Nas urnas, elas vão eleger
uma nova Assembleia Nacional, composta por 220
membros. O presidente e o vice, como determina
uma contestada alteração na Constituição, feita em
2010, serão, respectivamente, o primeiro e o
segundo da lista do partido mais votado.

Em ato raro, a Unita, maior sigla da oposição, viu


sua lista de candidatos virar guarda-chuva para
nomes que não integram as fileiras partidárias,
mas compõem a Frente Patriótica Unida, um
movimento maior que pleiteia enfim retirar o
MPLA do governo do país africano.

Angola tenta tirar democracia da geladeira

+ 6 fotos

Gonçalves avalia que o grande desafio da legenda


será conquistar votos novos em vez de aglutinar o
apoio antes destinado a partidos menores de
oposição, que poderiam "pagar a fatura da subida
da Unita". Pesa o fato de que estas serão as
primeiras eleições nas quais a geração que nasceu
no pós-guerra irá às urnas —apenas maiores de 18
anos podem votar.

Para essa fatia, o principal capital simbólico do


MPLA, o de ter construído Angola após o conflito
—José Eduardo dos Santos chegou a ser apelidado
de "o arquiteto da paz"—, tem menos peso. "Para a
maioria, a guerra é uma imagem muito longínqua,
mesmo porque, na fase final, o conflito estava
longe das grandes cidades."

População por faixa etária

Em %
52
52
52
52
52
46
46
46
46
46

33
33
33
33
33

22222

0 a 14 10 a 24 15 52
a 64 Mais de 65
52
46
46
Fontes: Banco Mundial, Transparência Internacional, Economist
Intelligence Unit e ONU
33
33

Também está em jogo, claro, a avaliação do


governo de João Lourenço (ou JLo), herdeiro
político de Dos Santos alçado à Presidência em
2017. Resumida, sua agenda de promessas 2
2
priorizava o combate à corrupção entranhada nas
elites e a diversificação na economia, desafios que
caminharam juntos após o boom do petróleo nos
anos 2000.

No primeiro quesito, JLo avançou, "mas com uma


abordagem inconsistente, mantendo próximas a
ele figuras com reputações nada exemplares", diz
Marisa Lourenço, analista da consultoria Control
Risks para a África Austral. Como exemplo exitoso,
menciona as reformas por mais transparência no
setor de extração de diamantes.

O índice da Transparência Internacional que mede


a percepção da corrupção na administração
pública mostrava Angola com 19 pontos quando
JLo assumiu o governo. A cifra subiu para 29 no
último ano —quanto mais perto de zero, pior.
Angola está na 136ª posição em um ranking com
180 nações; o Brasil é o 96º.

Índice de percepção da corrupção no setor público

Quanto mais perto de 0, pior; país está em 136º em classificação


com 180 nações
29
29
29
29
29
27
27
27
27
27
26
26
26
26
26
23
23
23
23
23
22
22
22
22
22
20
19
19
19
19
19 19
19
19
19
19 19
19
19
19
19
18
18
18
18
18
15
15
15
15
15

10
2012

2013

2014

2015

2016

2017

2018

2019

2020

2021

29
29
27
26 27
26
Banco23
Fontes: 22 23Mundial, Transparência Internacional, Economist
22
Intelligence Unit e ONU
19
19 18 1919 19 19
18
15
15
Na economia, o avanço foi comedido. Mais de 85%
das exportações ainda giram em torno do petróleo.
O agravante, diz a analista, está no fato de que o
governo nunca investiu na capacidade de refino.

"Isso aumenta o custo de vida, porque Angola está


ainda mais exposta aos preços dos combustíveis à
medida que não consegue cuidar de sua própria
demanda doméstica pelo produto."

Mais de 85% das exportações estão ligadas ao


petróleo

Tipo de exportações, em %

Bens
intermediários 
Bens
de
3,7 capital
Bens
5,4 de
consumo
Matérias-
primas
89,9

Fontes: Banco Mundial, Transparência Internacional, Economist


Intelligence Unit e ONU

A pandemia de coronavírus agravou o cenário, e o


futuro presidente herdará um país com índices
elevados de insegurança alimentar e um PIB (US$
72,5 bilhões) que representa metade do de 2014.

"Há uma nova ética no país, mas a situação da


população, que já vinha se degradando com a
recessão, não melhorou", resume Gonçalves.

PIB de Angola

Em bilhões de dólares

100

50
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
2014
2016
2018
2020

Fontes: Banco Mundial, Transparência Internacional, Economist


Intelligence Unit e ONU

Índice de Segurança Alimentar

Quanto mais perto de 100, melhor; país está em 98º em


classificação com 113 nações
41,7
41,7 41,1
41,7 41,1
41,1
40 40,1 40,90
40,1
40,1
40,1
40,1 40,90
40,90
40,90
40,90 40,2
40,2
40,2 39,1
39,1
40,6
40,6
40,6
40,6
40,6 41,1
41,1
38,5
38,5
38,5
38,5
38,5 38,40
38,40
38,40 38,1
38,40 38,1
38,1 39,1
39,1

30

20

10
2012

2013

2014

2015

2016

2017

2018

2019

2020

2021

40,90 40,6 41,7 41,1


40,1
40,1 40,90 38,5 40,2
40,2 38,40 38,1 39,1 40,6 41,7 41,1
38,5 38,40 38,1 39,1
Fontes: Banco Mundial, Transparência Internacional, Economist
Intelligence Unit e ONU

Índice de Desenvolvimento Humano

Quando mais perto de 1, melhor

0,57
0,57
0,57 0,58
0,58
0,58
0,58
0,58
0,57
0,57
0,51
0,51
0,51
0,51
0,51
0,46
0,46
0,46
0,46
0,46
0,4
0,4
0,4
0,4
0,4

2000 2005 2010 2015


0,57 0,58
2019
0,57 0,58
0,51
0,51
0,46
Fontes: Banco Mundial,
0,46 Transparência Internacional, Economist
Intelligence
0,4 Unit e ONU
0,4

Em campanhas descentralizadas, grupos da


sociedade civil, como o Movimento Cívico Mudei,
que congrega várias organizações, alertam para a
possibilidade de que haja fraude na contagem dos
votos.

Criticam, por exemplo, a revisão da lei eleitoral,


capitaneada pelo MPLA, que retirou a apuração
dos municípios, centralizando-a em nível nacional.
Eles temem que, assim, haja menos transparência.

Raio-X de Angola

Rep. Dem.
do Congo
Luanda

Angola
Zâmbia

Namíbia
250 km

População 33,9 milhões (soma das


de Minas Gerais e Bahia)
 
Área 1.246.700 km²
(semelhante à do Pará)

O professor Jonuel Gonçalves diz ver baixa


possibilidade de fraude após a votação. O
problema, para ele, está na etapa anterior. "O
governo claramente utiliza a máquina
administrativa, de modo que a mensagem da
oposição não chega tão longe quanto a do
governo."

Lourenço, da Control Risks, faz análise semelhante.


"A polícia, os tribunais e a mídia são parciais com o
MPLA, que consistentemente enfraquece
instituições democráticas para se manter no
poder."

A alternância de poder bate à porta de Angola, país


africano que divide com o Brasil idioma, capítulos
da história e considerável fluxo migratório. Mas
ainda não sabe se terá chances de ingressar.

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ANNA AMÉLIA Há 2 horas

Em termos de democracia, Moçambique está à frente de


Angola. Esperemos que haja mudança.

RESPONDA 0 DENUNCIE

ANDRÉ SILVA DE OLIVEIRA Há 3 horas

Se "o partido (MPLA) tem o mesmo poder que o Estado",


então é, sim, um Estado totalitário ou tem sido. Com esta
eleição, busca cobrir-se adereços democráticos para obter
legitimidade internacional, mas, como a própria matéria
revela, o tratamento entre os competidores é
completamente assimétrico.

RESPONDA 1 DENUNCIE

MARCOS ANTÔNIO Há 3 horas

Mãe África chora lágrimas de sangue !

RESPONDA 1 DENUNCIE

TODOS OS COMENTÁRIOS (3)

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