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Notas de Aula

de Hidrologia

Profa Rutinéia Tassi


Fundação Universidade Federal do Rio Grande
Departamento de Física – Setor de Hidráulica e Saneamento
Av. Itália km 8/SN
rutineia@gmail.com

Prof Walter Collischonn


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Isntituto de Pesquisas Hidráulicas
Av. Bento Gonçalves, 9500
collischonn@uol.com.br
Índice
1. Introdução à Hidrologia ..........................................................................................................1
1.1 Definição .........................................................................................................................1
1.2 O que é a água? ...............................................................................................................1
1.3 Domínio da hidrologia ....................................................................................................1
1.4 A hidrologia na Engenharia.............................................................................................2
2. Ciclo Hidrológico....................................................................................................................3
3. Bacia Hidrográfica ..................................................................................................................5
3.1 O que é uma bacia hidrográfica?.....................................................................................5
3.2 Características físicas de uma bacia hidrográfica ...........................................................6
3.3 Balanço hídrico em uma bacia hidrográfica..................................................................13
4. Precipitação ...........................................................................................................................15
4.1 Definição .......................................................................................................................15
4.2 Qual a importância da precipitação? .............................................................................15
4.3 Formação da precipitação..............................................................................................15
4.4 Tipos de precipitação ....................................................................................................16
4.5 Aquisição de dados de precipitação ..............................................................................17
4.5.1 Pluviômetros..........................................................................................................18
4.5.2 Pluviógrafos ..........................................................................................................19
4.5.3 Radar .....................................................................................................................19
4.5.4 Satélite...................................................................................................................20
4.6 Características gerais da precipitação ...........................................................................20
4.6.1 Variação Espacial da Precipitação ........................................................................22
4.6.2 Variabilidade Sazonal da Precipitação..................................................................22
4.6.3 Variabilidade da Precipitação com a Altitude.......................................................23
4.6.4 Variabilidade da Precipitação com a Área ............................................................24
4.7 Precipitação Média em uma Área .................................................................................24
4.7.1 Método da média aritmética..................................................................................25
4.7.2 Método dos Polígonos de Thiessen.......................................................................25
4.7.3 Método das Isoietas...............................................................................................27
4.8 Tratamento dos Dados Pluviométricos .........................................................................29
4.8.1 Identificação de erros grosseiros ...........................................................................29
4.8.2 Preenchimento de falhas........................................................................................29
4.8.3 Análise de consistência das séries pluviométricas ................................................31
4.9 Análise de Séries de Mensais e Anuais de Precipitação....................................................35
4.10 Precipitações intensas....................................................................................................43
4.11 Distribuição temporal da precipitação...........................................................................46
5. Interceptação .........................................................................................................................47
6. Evapotranspiração .................................................................................................................48
6.1 Formação da evaporação...............................................................................................49
6.2 Fatores que afetam a evaporação ..................................................................................50
6.3 Medição de evaporação.................................................................................................52
6.4 Fatores que afetam a transpiração .................................................................................53
6.5 Medição da evapotranspiração ......................................................................................53
6.6 Estimativa da evapotranspiração através de equações ..................................................54
6.6.1 Balanço hídrico .....................................................................................................54
6.6.2 Método de Thorntwaith.........................................................................................55
6.6.3 Método de Blaney-Criddle ....................................................................................56
6.6.4 Equações de Penman-Monteith.............................................................................56
7. Infiltração ..............................................................................................................................61
7.1 Movimento da água no solo ..........................................................................................61
7.2 Infiltração ......................................................................................................................63
7.2.1 Capacidade de infiltração e taxa de infiltração .....................................................64
7.3 Estimativa da Infiltração ...............................................................................................65
7.3.1 Medição direta – Infiltrômetro ..............................................................................65
7.3.2 Equação de Horton ................................................................................................66
7.3.3 Equação de Phillip.................................................................................................68

Método do Índice φ ...............................................................................................71


7.3.4 Método do SCS .....................................................................................................68
7.3.5
8. Análise do hidrograma ..........................................................................................................73
8.1 O hidrograma.................................................................................................................73
8.2 Fatores que influenciam a forma de um hidrograma.....................................................74
8.3 Analisando o hidrograma ..............................................................................................77
8.4 Separação do escoamento..............................................................................................78
9. Escoamento Superficial.........................................................................................................80
9.1 Método Racional ...........................................................................................................80
9.2 O Hidrograma Unitário (HU)........................................................................................82
9.2.1 Dedução do Hidrograma Unitário .........................................................................85
9.3 Hidrograma Unitário Sintético (HUS) ..........................................................................86
9.3.1 Hidrograma Unitário Sintético do Snyder.............................................................86
9.3.2 Hidrograma Unitário Sintético do SCS.................................................................88
9.4 Aplicação dos métodos do HU e HUS ..........................................................................89
10. Propagação de Vazões.......................................................................................................90
10.1 Propagação do escoamento em rios e canais - Muskingum ..........................................90
10.1.1 Ajuste dos parâmetros X e K.................................................................................92
10.2 Propagação de escoamento em reservatórios ................................................................93
Apostila de Hidrologia

1.Introdução à Hidrologia
1.1 Definição
A Hidrologia é a ciência da água. Trata da quantificação dos volumes de água que, em
diversas formas, encontram-se distribuídos pela superfície terrestre e são suscetíveis de
aproveitamento pelo homem. Ocupa-se, também, da movimentação dessas massas de água que,
num fluxo contínuo, deslocam-se de um lugar a outro facilitando seu uso, mas causando também,
às vezes, grandes dificuldades e prejuízos à atividade humana.
Diversas especialidades têm surgido dentro das ciências hídricas relacionadas com os
diferentes usos da água, e por isso aspectos como a hidrologia de águas subterrâneas e a
qualidade das águas não estão aqui incluídas, tendo-se abordado apenas de forma preliminar a
ocorrência das águas subterrâneas, constituídas hoje numa ciência especializada que poderá ser
melhor consultada em textos próprios.

1.2 O que é a água?


A água é uma substância com características incomuns. É a substância mais presente na
superfície do planeta Terra, cobrindo mais de 70% do globo. O corpo humano é composto por
água mais ou menos na mesma proporção. Já um tomate é composto por mais de 90 % de água,
assim como muitos outros alimentos. Todas as formas de vida necessitam da água para
sobreviver. A água é a única substância na Terra naturalmente presente nas formas líquida,
sólida e gasosa. A mesma quantidade de água está presente na Terra atualmente como no tempo
em que os dinossauros habitavam o planeta, a milhões de anos atrás. A busca de vida em outros
planetas está fortemente relacionada a busca de indícios da presença de água.
A estrutura molecular da água (H2O) é responsável por uma característica fundamental
da água que é a sua grande inércia térmica, isto é, a temperatura da água varia de forma lenta. O
sol aquece as superfícies de terra e de água do planeta com a mesma energia, entretanto as
variações de temperatura são muito menores na água. Em função deste aquecimento diferenciado
e do papel regularizador dos oceanos, o clima da Terra tem as características que conhecemos.
Comparada com outros líquidos a água também apresenta uma tensão superficial relativamente
alta. Esta tensão superficial é responsável pela organização da chuva na forma de gotas e pela
ascensão capilar da água nos solos.
Os recursos de água têm determinado o destino de muitas civilizações ao longo da
história. Povos entraram em conflito e guerras foram iniciadas em torno de problemas
relacionados ao acesso à água. O crescimento da população mundial ao longo do último século
tornou criticamente necessária a racionalização do uso da água.
No Brasil a geração de energia elétrica é apenas um dos usos da água, mas sua importância é
muito grande, chegando a influenciar fortemente as estimativas do valor associado á água.

1.3 Domínio da hidrologia


Tendo como objeto o estudo da água, podem-se dar várias sub-divisões dentro da Hidrologia.
Hidrometeorologia é o estudo dos problemas intermediários, ou que afetam os campos da
hidrologia e meteorologia. Limnologia é o estudo dos lagos. Criologia o estudo dos assuntos
relacionados com neve e gelo. Potamologia é o estudo das correntes superficiais e Geohidrologia
o estudo das águas subterrâneas.

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A maioria dos problemas reais envolve várias dessas especialidades, porquanto muitos dos
fenômenos são interdependentes. A Hidrologia, por seu caráter abrangente, utiliza como suporte
outras ciências específicas como a geologia, geografia, hidromecânica, estatística, computação e
outras, fora das básicas de física e matemática (Gray, 1973).
Linsley et Al. (1949) reconhecem três grandes temas a serem tratados na Hidrologia: a
medição, registro e publicação de informações básicas, a análise dessa informação para
desenvolver e expandir as teorias fundamentais, e a aplicação dessas teorias e dados na solução
de problemas reais.

1.4 A hidrologia na Engenharia


Visto que o recurso água nem sempre se encontra no local oportuno e no momento
oportuno, é necessária muitas vezes, a construção de obras hidráulicas. Em caso de secas, ou
locais onde a água seja escassa, o objetivo das obras hidráulicas é aproximar o recurso do
usuário, no mesmo momento que seja necessário, criando barragens, canais, aquedutos, redes de
distribuição de água, sistema de irrigação. Nos casos de locais que sofrem com inundações, as
obras hidráulicas devem proteger o homem dos efeitos devastadores das ondas de cheia, através
da delimitação da planície de inundação e criando obras de defesa e drenagem, tanto urbana,
como rural.
De forma mais ampla, o engenheiro deve responder a questões como: Qual é a vazão
máxima que se pode esperar num vertedor de barragem ou num bueiro de rodovia ou no sistema
pluvial de uma cidade? Qual é o volume de água necessário para garantir o fornecimento para
irrigação durante uma seca? Quais serão os efeitos dos reservatórios e diques de controle sobre
as ondas de cheia de um rio? Qual a possibilidade de abastecer uma população com água
subterrânea?
O engenheiro também é responsável pelo fornecimento de informações (níveis, velocidade,
sedimentos, etc.) para obras de melhoramento das condições de navegabilidade de um rio,
dragagem de trechos, fechamento de braços e projeto de espigões. Na construção de portos
fluviais, diques de proteção e aterros, os estudos estatísticos de variação de níveis podem atribuir
períodos de recorrência a esses valores, introduzindo o conceito de probabilidade e risco de
ocorrência de eventos. A irrigação, a proteção contra erosão de solos agrícolas, a recuperação de
terras, o estudo da poluição dos cursos d’água por defensivos agrícolas, tem na hidrologia o seu
elemento básico.

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2.Ciclo Hidrológico
Ciclo hidrológico é o termo que se usa para descrever a circulação geral da água, desde o
oceano até a atmosfera, até o sub-solo, e novamente até o oceano, conforme apresentado na
Figura 2. 1.

Figura 2. 1- Representação esquemática do ciclo hidrológico

Pode-se dizer que o ciclo hidrológico não tem princípio e nem fim. A principal força motriz
desse sistema é a energia solar, que provoca o aquecimento do ar, do solo e da água superficial.
Como resultado desse aquecimento, temos a circulação de massas de ar e a evaporação. Esse
vapor se condensa por meio de vários processos e è devolvida à terra em forma de precipitação,
impulsionado pelas forças gravitacionais. Uma porção da água precipitada é retida
temporariamente em depressões superficiais, vegetação e outros “objetos” (interceptação) e
retorna à atmosfera por meio da evaporação e transpiração. O restante da água pode infiltrar no
solo ou escoar sobre uma superfície até atingir um rio, lago ou mar, sendo que essa água também
está igualmente sujeita à evaporação e transpiração durante todo o seu trajeto. A água infiltrada
pode percolar até zonas mais profundas ao ser armazenada como água subterrânea, que pode
mais tarde fluir como manancial ou incorporar-se a rios, lagos ou mar. Dessa maneira, o ciclo
hidrológico sofre vários processos: precipitação, interceptação, transpiração, evaporação,
infiltração, percolação, armazenamento e escoamento.
Essa é uma descrição do ciclo hidrológico sumamente simplificada. Na realidade, todas
as fases do ciclo hidrológico ocorrem simultaneamente. À escala global, a quantidade de água
contida em cada uma das fases do ciclo é constante, porém, visto em termos de uma área
limitada, como, por exemplo, uma bacia hidrográfica, a quantidade de água contida em cada
parte do ciclo varia muito. Por exemplo, a água precipitada que está escoando em um rio pode
evaporar, condensar e novamente precipitar antes de retornar ao oceano. A água também sofre
alterações de qualidade ao longo das diferentes fases do ciclo hidrológico. A água salgada do
mar é transformada em água doce pelo processo de evaporação.
Estima-se que 1,4 km3 de água seja mundialmente disponível. Cerca de 97 % da água do
mundo está nos oceanos, e dos 3% restantes, a metade (1,5% do total) está armazenada na forma
de geleiras ou bancadas de gelo nas calotas polares (). A água doce de rios, lagos e aqüíferos
(reservatórios de água no subsolo) corresponde a menos de 1% do total. Em valores totais, a

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água doce existente na Terra e a água que atinge a superfície dos continentes na forma de chuva
é suficiente para atender todas as necessidades humanas. Entretanto, grandes problemas surgem
com a grande variabilidade temporal e espacial da disponibilidade de água. A América do Sul é,
de longe, o continente com a maior disponibilidade de água, porém a precipitação que atinge
nosso continente é altamente variável, apresentando na Amazônia altíssimas taxas de
precipitação enquanto o deserto de Atacama é conhecido como o lugar mais seco do mundo.

Tabela 2. 1 – Água disponível na terra (Gleick, 2000)


Percentual água do planeta Percentual da água doce
(%) (%)
Oceanos/água salgada 97
Gelo permanente 1,7 69
Água subterrânea 0,76 30
Lagos 0,007 0,26
Umidade do solo 0,001 0,05
Água atmosférica 0,001 0,04
Banhados 0,0008 0,03
Rios 0,0002 0,006
Biota 0,0001 0,003

No Brasil a disponibilidade de água é grande, porém existem regiões em que há


crescentes conflitos em função da quantidade de água, como na região semi-árida do Nordeste.
Mesmo no Rio Grande do Sul ocorrem anos secos em que a disponibilidade de água de alguns
rios não é suficiente para atender as demandas para abastecimento da população e para irrigação.
Algumas alterações produzidas pelo homem sobre o ecossistema podem alterar parte do
ciclo hidrológico. Em nível global, a emissão de gases para a atmosfera produz aumento do
efeito estufa, alterando as condições climáticas. A nível local, as obras hidráulicas que atuam
sobre os rios, lagos e oceanos, além dos desmatamentos, atuam sobre o comportamento da bacia
hidrográfica, e a urbanização também produz alterações localizadas nos processos do ciclo
hidrológico terrestre.

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3. Bacia Hidrográfica
3.1 O que é uma bacia hidrográfica?
O ciclo hidrológico é normalmente estudado com maior interesse na fase terrestre, onde o
elemento fundamental da análise é a bacia hidrográfica (Figura 3. 1). Por definição, a bacia
hidrográfica é a área de captação natural dos fluxos de água, originados a partir da precipitação,
que faz convergir os escoamentos para um único ponto de saída, seu exutório.

Figura 3. 1 – Bacia hidrográfica

A bacia hidrográfica pode ser considerada como um sistema físico sujeito a entradas de
água (eventos de precipitação) que gera saídas de água (escoamento e evapotranspiração). A
bacia hidrográfica transforma uma entrada concentrada no tempo (precipitação) em uma saída
relativamente distribuída na tempo (escoamento).
Para definir uma bacia hidrográfica, é necessário definir uma seção ou ponto de
referência em um curso d’água selecionado, além de informações topográficas (relevo) do local.
Uma bacia hidrográfica, por sua vez, pode ser dividida em sub-bacias e cada uma das sub-bacias
pode ser considerada uma bacia hidrográfica.
Na são apresentadas as bacias hidrográficas brasileiras, com a rede de drenagem
disponibilizada pela Agência Nacional de Águas (ANA, 2005). No site da ANA
(www.ana.gov.br) podem ser encontradas informações sobre as bacias hidrográficas brasileiras
(Figura 3. 2), e para as sub-bacias também. Na Figura 3. 3 é apresentada a bacia do arroio
Dilúvio, e a divisão em sub-bacias.

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Bacia do rio Amazonas

Bacia Atlântico trecho


Norte/Nordeste

Bacia do rio São


Francisco

Bacia do rio
Tocantins Bacia Atlântico
trecho Leste

Bacia do rio
Paraná

Bacia do
rio Uruguai
Bacia Atlântico
trecho Sudeste

Figura 3. 2 – Bacias hidrográficas brasileiras

Figura 3. 3 – Bacia hidrográfica do Arroio Dilúvio

3.2 Características físicas de uma bacia hidrográfica


As principais características físicas da bacia hidrográfica são a área, comprimento do rio
principal, declividade do rio e bacia e cobertura do solo. A seguir são descritas algumas
características físicas das bacias hidrográficas.

Área de drenagem
A área de drenagem (A) é a superfície em projeção horizontal, delimitada pelo divisor de
águas. O divisor de águas é uma linha imaginária, que passa pelos pontos de maior nível
topográfico, e separa a bacia hidrográfica em estudo de outras bacias hidrográficas vizinhas
(Figura 3. 4). Deve-se considerar que essa linha não é, em geral, o contorno real da bacia

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hidrográfica, já que a influência da geologia pode fazer com que o contorno de aportes de
águas subterrâneas e superficiais seja diferente. Em geral, a área de uma bacia hidrográfica
é estimada a partir da delimitação dos divisores da bacia em um mapa topográfico. A área
da bacia hidrográfica é um dado fundamental para definir a potencialidade hídrica de uma
bacia, uma vez que é a região de captação da água da chuva. Assim, a área da bacia
multiplicada pela lâmina precipitada ao longo de um intervalo de tempo define o volume de
água recebido pela bacia hidrográfica.

Divisor topográfico

Figura 3. 4 – Determinação da área de drenagem de uma bacia hidrográfica

Comprimento do rio principal


Define-se o rio principal de uma bacia hidrográfica como aquele que drena a maior área no
interior da bacia. O comprimento da drenagem principal é uma característica fundamental
da bacia hidrográfica porque está relacionado ao tempo de viagem da água ao longo de
todo o sistema. O tempo de viagem da gota de água da chuva que atinge a região mais
remota da bacia até o momento em que atinge o exutório é chamado de tempo de
concentração da bacia, conforme será explicado a seguir.

Declividade da bacia hidrográfica e do rio


A declividade média da bacia hidrográfica e do curso d’água principal também são
características que afetam diretamente o tempo de viagem da água ao longo do sistema,
além de ter relação com os processos de infiltração. A declividade do curso d’água pode ser
determinada, por exemplo, através do cálculo da declividade média ou média ponderada. A
declividade média é a relação entre a diferença de cotas (cota máxima menos a cota
mínima) e o comprimento do mesmo. Em geral, recomenda-se usar o método da média
ponderada, dividindo o rio em vários sub-trechos (Figura 3. 5) e ponderar as declividades
parciais com os comprimentos de cada trecho. Definir a declividade da bacia é mais
complicado, já que se trata de uma superfície curva com várias inclinações. Um dos
métodos mais usados sub-divide a bacia em faixas de altitude e pondera a declividade
individual de cada faixa com a área da mesma, conforme se indica na Figura 3. 6.

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250
225
200
175

Altitude (m)
150
125
100
75
50
25
0
0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000

Comprimento (m)
Figura 3. 5 - Perfil do fundo do arroio do Moinho em Porto Alegre (IPH, 1979)

Figura 3. 6 - Esquema para a determinação da declividade média na bacia hidrográfica

Tipo e uso do solo


O tipo predominante de solo na bacia controla a infiltração generalizada e daí sua
importância nas bacias naturais; a permeabilidade dos terrenos é um fator decisivo na taxa
de infiltração permitida pelo solo e a constituição geológica será a responsável pela
percolação das águas e sua circulação através do subsolo, para mais tarde vir a alimentar os
rios durante as épocas de estiagem. Assim como o tipo de solo, o uso do solo tem grande
influência nos processos que ocorrem na bacia hidrográfica. Pode-se citar, por exemplo, o
caso das bacias hidrográficas submetidas a processos de urbanização, a superfície natural
da bacia é substituída por superfícies quase impermeáveis, impedindo a penetração da água
no solo. Isso acarreta a ocorrência de picos de cheia muito altos e volumes de escoamento
superficial grandes, concentrados em tempos curtos, condições estas as mais críticas para o
comportamento hidrológico da bacia.

Além dessas características principais, também são características físicas de uma bacia
hidrográfica:

Forma da bacia hidrográfica


Duas bacias hidrográficas que tenham a mesma área poderão ter respostas hidrológicas
completamente diferentes em função de sua forma, já que esta condicionará o tempo de

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concentração. Entre os parâmetros utilizados para medir a forma de uma bacia hidrográfica
encontram-se os índices de Greavelius ou coeficiente de compacidade (Kc) e o fator de
forma (Kf).
O Índice de compacidade ou de Gravelius é a relação entre o perímetro P da bacia
hidrográfica e o perímetro de uma bacia circular da mesma área A. Este índice compara,
portanto, a bacia com um círculo da mesma área; uma bacia compacta apresenta um índice
de compacidade baixo (próximo de um).
Kc = = 0.28
P P
(2π A ) / π
(3.1)
A

Caso não existam fatores que interfiram, os menores valores de Kc indicam maior
potencialidade de produção de picos de enchentes elevados.
O fator de forma é definido como a relação existente entre a área da bacia e o quadrado do
comprimento axial da mesma, medido ao longo do curso principal até a cabeceira mais
distante da foz, no divisor de águas:

Kf = A / L2 (3.2)
Esse fator dá alguma indicação sobre a tendência da bacia a produzir enchentes ou
inundações, pois um fator de forma baixo (grande comprimento axial) reflete uma menor
probabilidade de ocorrer na bacia uma chuva intensa que atinja toda sua extensão,
comparada com outra bacia da mesma área e menor comprimento axial (maior índice de
forma).

Características do relevo
Além da determinação das declividades médias da bacia hidrográfica e do curso d’água,
podem ser obtidas outras informações sobre o relevo da bacia hidrográfica, como por
exemplo, a curva hipsométrica. A curva hipsométrica é uma representação gráfica do
relevo de uma bacia hidrográfica. É uma curva que indica a porcentagem da área da bacia
hidrográfica que existe acima de uma determinada cota (Figura 3. 7). Uma curva
hipsométrica pode dar algumas informações sobre a fisiografia da bacia hidrográfica. Por
exemplo, uma curva hipsométrica com concavidade para cima indica uma bacia com vales
extensos, e o contrário, indica uma bacia com vales profundos. A curva hipsométrica torna-
se interessante à medida que a maior parte dos fatores hidrometeorológicos (precipitação,
temperatura, ventos, etc.) apresenta variação com a altitude.

325
300
275
250
225
Altitude (m)

200
175
150
125
100
75
50
25
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

% da área
Figura 3. 7 – Curva hipsométrica da bacia hidrográfica do arroio Moinho (IPH, 1979)
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Índices de drenagem – A rede de drenagem da bacia hidrográfica joga papel importante na


geração de cheias. Em uma bacia eficientemente drenada, o escoamento concentra-se
rapidamente na saída, causando vazões de pico elevadas e baixos valores de vazões mínimas.
Um dos índices utilizados é a densidade de drenagem (DD), definida como o comprimento
total (L) dos canais que formam a rede de drenagem, por unidade de área (A) da bacia da
bacia hidrográfica. Outro índice utilizado é o de ordenamento dos canais da rede de
drenagem da bacia hidrográfica. Destacam-se o sistema de Horton (1945) e Strahler (1957).
No sistema de Horton os canais de primeira ordem são aqueles que não possuem tributários;
os canais de segunda ordem têm apenas afluentes de primeira ordem; os canais de terceira
ordem recebem afluência de canais de segunda ordem, podendo também receber diretamente
canais de primeira ordem; sucessivamente, um canal de ordem u pode ter tributários de
ordem u-1 até 1. Isto implica atribuir a maior ordem ao rio principal, valendo esta
designação em todo o seu comprimento, desde o exutório da bacia até sua nascente. No
sistema de Strahler é evitada a subjetividade de classificação das nascentes. Para Strahler,
todos os canais sem tributários são de primeira ordem, mesmo que sejam nascentes dos rios
principais e afluentes; os canais de segunda ordem são os que se originam da confluência de
dois canais de primeira ordem, podendo ter afluentes também de primeira ordem; os canais
de terceira ordem originam se da confluência de dois canais de segunda ordem, podendo
receber afluentes de segunda e primeira ordens; sucessivamente, um canal de ordem u é
formado pela união de dois canais de ordem u-1, podendo receber afluência de canais com
qualquer ordem inferior. Portanto, no sistema de Strahler, o rio principal e afluentes não
mantêm o número de ordem na totalidade de suas extensões, como acontece no sistema de
Horton que tem problemas práticos de numeração (Figura 3. 8). A densidade de drenagem é
uma característica que pode ser profundamente alterada pela construção de estruturas de
drenagem. Por exemplo, a construção de galerias de drenagem das águas pluviais em áreas
urbanas representa um aumento significativo na densidade de drenagem. A determinação dos
índices de drenagem está relacionada com a qualidade (escala) da informação disponível,
sendo que hoje em dia esses índices não têm merecido grande destaque dentro da hidrologia.

Figura 3. 8 – Sistema de ordenamento

Pode-se mencionar ainda o tempo de concentração da bacia hidrográfica, que não é


propriamente uma característica física da bacia hidrográfica, mas sim um parâmetro que está
profundamente relacionado com as características físicas da mesma.

Tempo de concentração – Conceitualmente, o tempo de concentração é o tempo que uma


gota de chuva, que atinge a região mais remota da bacia hidrográfica, leva para atingir o
exutório. Para entender o tempo de concentração, considere o ponto P1 da bacia hidrográfica

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da Figura 3. 9. Se nesse ponto precipitar uma gota de água, e houver condições para geração
de escoamento, essa gota d’água escoará por regiões de maior declividade até atingir o curso
d’água principal (P2). Quando a água atinge o rio principal, o escoamento passa a se
desenvolver em um canal, até o exutório da bacia hidrográfica. O procedimento para o
cálculo do tempo de concentração, com base na Figura 3. 9 é calcular o comprimento dos
percursos (L1 – entre P1 e P2 e L2 – entre P2 e o exutório) e estimar as velocidades da água
correspondente (V1 e V2). Posteriormente se calcula o tempo de viagem T1 e T2, sendo que
o tempo de concentração total da bacia hidrográfica, nesse caso, seria T1+T2. Pode-se traçar,
a partir de interpolação, para toda a bacia hidrográfica, isolinhas de tempo de deslocamento
ou isócronas. As isócronas representam linhas de mesmo tempo de deslocamento na bacia
hidrográfica. Por exemplo, na Figura 3. 10 ao observar a isócrona de 3h, tem-se uma
estimativa do tempo de viagem de uma gota de água que atinge essa região.

Figura 3. 9 – Tempo de concentração em uma bacia hidrográfica

Figura 3. 10 – Esquema das isócronas em uma bacia hidrográfica

A maneira mais adequada de determinação do tempo de concentração é a partir de dados


observados de precipitação e vazão. No entanto, são raras as bacias hidrográficas que
dispõem desse tipo de informação. Para contornar esses problemas, são apresentadas na
literatura algumas formulações empíricas para a determinação do tempo de concentração,
como as apresentadas a seguir, na Tabela 3. 1. Recomenda-se, no entanto, muito cuidado na
utilização dessas equações, visto que as mesmas foram desenvolvidas para bacias
hidrográficas com determinadas características e em condições específicas. Deve-se,
portanto, observar as condições para as quais as formulações foram desenvolvidas, e
identificar a mais adequada para a bacia hidrográfica em questão.

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Apostila de Hidrologia

Tabela 3. 1 – Equações para o cálculo do tempo de concentração


Equação Observações
Kirpich (1940) Desenvolvida com dados de sete pequenas bacias
rurais do Tenessee com declividades variando de 3 a
10% e áreas de, no máximo, 0,5 km2. Embora o tipo
de informação que a fórmula necessite (L e S) seja
tc = 3,989 ⋅ L0,77 ⋅ S −0,385
uma indicação de que ela reflete o escoamento em
canais, o fato de ter sido desenvolvida para bacias tão
pequenas é uma indicação de que os parâmetros
devem representar o escoamento em superfícies.
Quando o valor de L é superior a 10 km, a fórmula
parece subestimar o valor de tc.
Federal Aviation Agency (1970) Desenvolvida para drenagem de aeroportos, é válida,

tc = 22,73 ⋅ (1,1 − C ) ⋅ L0,50 ⋅ S −0,33


provavelmente, para casos em que predomine o
escoamento em superfícies, ou seja, em bacias muito
pequenas.
Onda cinemática (1963) Deduzida a partir da teoria da onda cinemática,

tc = 447 ⋅ (n ⋅ L )
aplicada a superfícies a partir das hipóteses de
⋅ S −0,3 ⋅ I −0, 4
0,6 escoamento turbulento e chuva de intensidade
constante. O comprimento das superfícies variou de
15 a 30 metros. É adequada para bacias muito
pequenas, em que o escoamento em superfícies seja
predominante.
SCS - "Lag formula" (1975) A fórmula do SCS foi desenvolvida em bacias rurais
com áreas de drenagem de atá 8 km2 e reflete,

tc = 3,42 ⋅ L0,8 ⋅ [(1000 / CN ) − 9]


fundamentalmente, o escoamento em superfícies. Para

⋅ S −0,5
0, 7
a aplicação em bacias urbanas, o SCS sugere
procedimentos para ajuste em função da área
impermeabilizada e da parcela dos canais que
sofreram modificações. Essa fórmula superestima o
valor de tc em comparação com as expressões de
Kirpich e Dooge.
SCS - Método Cinemático (1975) A fórmula diz que o tempo de concentração é a
somatória dos tempos de trânsito dos diversos trechos

⋅∑
que compõem o comprimento do talvegue. Na parte

tc =
superior das bacias, em que predomina o escoamento
1000 L em superfícies, ou em canais mal definidos, a
60 V velocidade pode ser determinada por meio de
fórmulas como a 6.3. Em canais bem definidos e
galerias deve ser usada a fórmula de Manning.
Dooge (1956) Foi determinada com dados de dez bacias rurais da

tc = 21,188 ⋅ A 0, 41 ⋅ S −0,17
Irlanda, com áreas na faixa de 140 a 930 km2. Seus
parâmetros refletem o comportamento de bacias
médias e escoamento predominante em canais.
Em todas as fórmulas, o significado dos termos é o seguinte:
tc = tempo de concentração em minutos
A = área da bacia em km2
S = declividade do talvegue em m/m
H = diferença entre as cotas da seção de saída e o ponto mais a montante da bacia em m
C = coeficiente de escoamento superficial do Método Racional
n = rugosidade de Manning
I = intensidade da chuva em mm/h
CN = número da curva (método do SCS)
V = velocidade média no trecho em m/s
L= comprimento do curso d’água principal em km.

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3.3 Balanço hídrico em uma bacia hidrográfica


À relação entre as entradas e saídas de água em uma bacia hidrográfica, dá-se o nome de
balanço hídrico. A principal entrada de água de uma bacia hidrográfica é a precipitação,
enquanto a evapotranspiração e o escoamento, constituem-se as formas de saída. De forma geral,

∆V
o balanço hídrico de uma bacia exige que seja satisfeita a equação:
= P−E−Q
∆t
(3.3)
onde: ∆V é a variação do volume de água armazenado na bacia (m3); ∆t é o intervalo de tempo
considerado (s); P é a precipitação (m3.s-1); E é a evapotranspiração (m3.s-1); e Q é o escoamento
(m3.s-1).
Em intervalos de tempo longos, como um ano ou mais, a variação de armazenamento
pode ser desprezada na maior parte das bacias, e a equação pode ser reescrita em unidades de
mm.ano-1, o que é feito dividindo os volumes pela área da bacia.
P = E+Q (3.4)
-1 -1
onde: P é a precipitação em mm.ano ; E é a evapotranspiração em mm.ano e Q é o escoamento
em mm.ano-1.
As unidades de mm, ou lâmina de chuva, são mais usuais para a precipitação e para a
evapotranspiração. Uma lâmina de 1 mm de chuva corresponde a um litro de água distribuído
sobre uma área de 1 m2. O percentual da chuva que se transforma em escoamento é chamado
coeficiente de escoamento e é dado por:
C=
Q
(3.5)
P
O coeficiente de escoamento tem, teoricamente, valores entre 0 e 1. Na prática os valores
vão de 0,05 a 0,5 para a maioria das bacias.
A Tabela 3. 2 apresenta dados de balanço hídrico para as grandes bacias brasileiras, de
acordo com dados da Agência Nacional da Água (ANA). A região do Rio Grande do Sul está
contida nas bacias do rio Uruguai e na bacia do Atlântico Sul, onde a precipitação média é de
1699 e 1481 mm por ano, respectivamente. Na bacia do rio Uruguai o escoamento é de 716 mm
por ano, o que corresponde a 4040 m3.s-1 de vazão média. Na bacia do Atlântico Sul, em que está
inserida a bacia do rio Guaíba, o escoamento é de 643 mm por ano, enquanto a
evapotranspiração, que completa o balanço, é de 838 mm por ano. O coeficiente de escoamento
nas duas bacias é um pouco superior a 40%, o que significa que cerca de 40% da chuva é
transformada em vazão, enquanto 60% retorna à atmosfera pelo processo de evapotranspiração.

Tabela 3. 2 – Balanço hídrico para algumas bacias hidrográficas brasileiras


Área Chuva Vazão Evapotr. Chuva Vazão Evapotr. Coef. Esc.
Região
(km2) (m3/s) (m3/s) (m3/s) (mm) (mm) (mm) (%)
Amazonas - Total 6112000 493491 202000 291491 2546 1042 1504 41
Amazonas - Brasil 3884191 277000 128900 139640 2249 1047 1134 47
Tocantins 757000 42387 11300 31087 1766 471 1295 27
Atlântico Norte 242000 16388 6000 10388 2136 782 1354 37
Atlântico Nordeste 787000 27981 3130 24851 1121 125 996 11
São Francisco 634000 19829 3040 16789 986 151 835 15
Atlântico Leste (1) 242000 7784 670 7114 1014 87 927 9
Atlântico Leste (2) 303000 11791 3710 8081 1227 386 841 31
Paraná 877000 39935 11200 28735 1436 403 1033 28
Paraguai 368000 16326 1340 14986 1399 115 1284 8
Uruguai 178000 9589 4040 5549 1699 716 983 42
Atlântico Sul 224000 10519 4570 5949 1481 643 838 43
Brasil - Amazonas 10724000 696020 251000 445020 2047 738 1309 36
Total
Brasil - Amazonas 8496191 479529 177900 293169 1780 660 1088 37
Parcial

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Apostila de Hidrologia

A tabela mostra que a evapotranspiração tende a ser maior nas bacias mais próximas do
Equador. Observa-se também que a disponibilidade de água é menor na bacia do rio São
Francisco e na bacia Atlântico Leste (1) que inclui as regiões mais secas da região Nordeste do
Brasil.

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4. Precipitação
4.1 Definição
A água da atmosfera, que atinge a superfície da terra, na forma de chuva, granizo, neve,
orvalho, neblina ou geada é denominada precipitação. No Brasil a chuva é a forma mais
importante de precipitação, embora grandes prejuízos possam advir da ocorrência de
precipitação na forma de granizo e em alguns locais possa eventualmente nevar.
Em engenharia a forma de precipitação mais comum, e que tem maior interesse é a
chuva. A chuva é a principal causa dos processos hidrológicos, e sua quantificação correta é um
dos desafios que o hidrólogo ou o engenheiro enfrentam.

4.2 Qual a importância da precipitação?


Conforme mencionado quando abordado o assunto balanço hídrico, a precipitação é a
única forma de entrada de água em uma bacia hidrográfica. Assim sendo, ela fornece subsídios
para a quantificação do abastecimento de água, irrigação, controle de inundações, erosão do solo,
etc., e é fundamental para o adequado dimensionamento de obras hidráulicas, entre outros.

4.3 Formação da precipitação


Para que ocorra uma precipitação, a condição básica é a presença de vapor de água na
atmosfera. A quantidade de vapor que o ar pode conter é limitada. A quantidade máxima de
vapor que pode ser contida no ar sem condensar é a concentração de saturação (o ar a 20º C pode
conter uma quantidade máxima de vapor de, aproximadamente, 20 gramas por metro cúbico –
quantidades de vapor superiores a este limite acabam condensando). Uma característica muito
importante da concentração de saturação é que ela aumenta com o aumento da temperatura do ar.
Assim, o ar mais quente pode conter mais vapor do que ar frio. A Figura 4. 1 apresenta a
variação da concentração de saturação de vapor no ar com a temperatura. Observa-se que o ar a
10º C pode conter duas vezes mais vapor do que o ar a 0º C.
O ar úmido, mais leve, eleva-se e atinge camadas mais frias da atmosfera. Ao se resfriar,
pode chegar ao ponto de saturação, transformando o vapor de água em pequenas gotículas
líquidas espalhadas no ar livre em forma de aerosol, constituindo nuvens. A formação das
nuvens está ligada ao aumento do volume das gotículas, que flutuam graças às turbulências
atmosféricas. O processo de aumento crescimento é possibilitado pela absorção de uma gotícula
por outra, por choque entre elas ou pela condensação do vapor de água sobre as próprias
gotículas, facilitada pela presença de núcleos de condensação (cristais de gelo, partículas de
cloreto de sódio, poeira, resíduos, etc.) que normalmente flutuam no ar. Porém, em certas
condições, as gotas das nuvens crescem, atingindo (entre 0,5 e 2 mm)e peso suficiente para
vencer as correntes de ar que as sustentam. Nestas condições, a água das nuvens se precipita para
a superfície da Terra, na forma de chuva.
Embora os volumes das gotas de chuva são de 105 a 106 vezes maiores que os das
gotículas, a condensação de toda a água da nuvem geraria uma chuva imperceptível. É
necessário admitir então uma constante alimentação de vapor de água de fora da nuvem por
correntes de ar ascendente que conduzem ar quente e úmido e refazem constantemente a nuvem
enquanto dura a precipitação.

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Figura 4. 1 – Relação entre a temperatura e o conteúdo de vapor de água no ar na condição de


saturação

4.4 Tipos de precipitação


De acordo com as características de localização, intensidade e abrangência, o ar úmido
eleva-se sob diferentes condições, e dá origem a três tipos básicos de precipitação:

Convectiva: quando há pouca circulação de massas de ar, o ar próximo ao solo é aquecido


pela radiação emitida e refletida pela superfície terrestre. Esse ar quente, menos denso que o
ar circundante, eleva-se na forma de células de conveção. Esse ar se esfria adiabaticamente,
até atingir o nível de condensação, gerando nuvens de tipo cúmulos ou cúmulo-nimbus
(Figura 4. 2). Esse tipo de precipitação é típico de zonas equatoriais, onde, o movimento do
ar é essencialmente vertical. Nas zonas temperadas ocorrem nos períodos quentes, na forma
de tormentas de verão, localizadas e violentas (na região sul esse tipo de precipitação
também é conhecida como “chuva de verão”). As características principais de uma chuva
convectiva são a sua pequena duração, intensidade elevada, atingindo áreas reduzidas; é
também esse tipo de precipitação que gera o granizo. Problemas de inundação em áreas
urbanas estão, muitas vezes, relacionados às chuvas convectivas

Figura 4. 2 – Esquema de formação da precipitação convectiva

Orográfica: quando os ventos carregados de umidade, soprando normalmente do oceano


para o continente, encontram uma barreira montanhosa (por exemplo, a serra do Mar), as
massas de ar úmido elevam-se para transpor o obstáculo, resultando num resfriamento que
pode alimentar a formação de nuvens e desencadear precipitações (Figura 4. 3). São
localizadas nas encostas montanhosas que olham para o mar e quando os ventos conseguem
ultrapassar a barreira montanhosa, do lado oposto projeta-se a sombra pluviométrica, dando
lugar a zonas secas ou semi-áridas, causadas pelo ar seco, já que a umidade foi descarregada
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na encosta oposta. Esse tipo de precipitação geralmente tem ocorrência localizada, podendo
atingir grande intensidade.

Vento seco

Vento
úmido

Cadeia montanhosa

Figura 4. 3 – Esquema de formação de precipitação orográfica

Frontal: quando se encontram duas grandes massas de ar, de diferente temperatura e


umidade, o ar mais quente (mais leve e, normalmente, mais úmido) é empurrado para cima,
onde atinge temperaturas mais baixas, resultando na condensação do vapor (Figura 4. 4). As
massas de ar que formam as chuvas frontais têm centenas de quilômetros de extensão e
movimentam se de forma relativamente lenta, conseqüentemente as chuvas frontais
caracterizam-se pela longa duração e por atingirem grandes extensões. No Brasil as chuvas
frontais são muito freqüentes na região Sul, atingindo também as regiões Sudeste, Centro
Oeste e, por vezes, o Nordeste.

Ar quente

Ar frio
Avanço da frente

Figura 4. 4 – Esquema de formação da precipitação frontal

4.5 Aquisição de dados de precipitação


No Brasil a precipitação é convencionalmente medida por meio de aparelhos chamados
de pluviômetros ou pluviógrafos. Existe ainda a possibilidade de se medir a precipitação por
meio de radar (radares meteorológicos) ou imagens de satélite, mas os erros associados a esses
métodos ainda são relativamente grandes. No entanto, pelo fato de apresentarem medidas em um
contínuo espacial são excelentes ferramentas, que permitem a análise da distribuição espacial da
chuva, ao contrário dos pluviômetros e pluviógrafos, que têm medição de caráter pontual.

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4.5.1 Pluviômetros

O pluviômetro é um aparelho dotado de uma superfície de captação horizontal,


delimitada por um anel metálico e de um reservatório para acumular a água recolhida, ligado a
essa área de captação. É um aparelho que fornece o total de água acumulado durante um
intervalo de tempo.
Em função dos detalhes construtivos, há vários modelos de pluviômetros em uso no
mundo. No Brasil é bastante difundido o tipo “Vile de Paris” (Figura 4. 5). Esse pluviômetro tem
uma forma cilíndrica com uma área superior de captação da chuva de 400 cm2, de modo que um
volume de 40 ml de água acumulado no pluviômetro corresponda a 1 mm de chuva.
A quantidade de chuva que entra no pluviômetro depende da exposição ao vento, da
altura do instrumento e da altura dos objetos vizinhos ao aparelho. O efeito do vento altera as
trajetórias do ar no espaço circundante ao pluviômetro e causa turbulência nas bordas do
instrumento, produzindo erros na observação da chuva. A distância mínima dos obstáculos
próximos (prédios, árvores, morros, etc.) deve ser igual a quatro vezes a altura desse obstáculo,
devendo o local de instalação estar protegido do impacto direto do vento. O pluviômetro deve ser
instalado a uma altura padrão de 1,50 m do solo (Figura 4. 5).

Figura 4. 5 – Pluviômetro “Ville de Paris”

Nos pluviômetros da rede de observação mantida pela Agência Nacional da Água (ANA)
a medição da chuva é realizada uma vez por dia, sempre às 7:00 da manhã, por um observador
que anota o valor lido em uma caderneta.
Durante o processo de monitoramento e operação do instrumento podem ocorrer alguns
erros que devem ser minimizados:

perdas por evaporação da água contida no coletor;


contagem incorreta do número de provetas resultantes, no caso de chuvas importantes;
água derramada durante a transferência do coletor para a proveta;
graduação da proveta não correspondente à área da boca do pluviômetro;
leitura defeituosa da escala da proveta;
anotação incorreta na caderneta do observador.
A ANA tem uma rede de 2473 estações pluviométricas distribuídos em todo o Brasil.
Além da ANA existem outras instituições e empresas que mantém pluviômetros, como o
Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), empresas de geração de energia hidrelétrica e
empresas de pesquisa agropecuária. No banco de dados da ANA (www.hidroweb.ana.gov.br)
estão cadastradas 14189 estações pluviométricas de diversas entidades, mas apenas 8760 estão
em atividade atualmente.

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4.5.2 Pluviógrafos

Quando é necessária informação mais detalhada da precipitação, como sua distribuição


temporal ou a variação das intensidades, usa-se o pluviógrafo (Figura 4. 6). Esse tipo de
instrumento permite um monitoramento contínuo, sendo que originalmente eram mecânicos,
utilizavam uma balança para quantificar a água e um papel para registrar o total precipitado. Os
pluviógrafos antigos com registro em papel foram substituídos, nos últimos anos, por
pluviógrafos eletrônicos com memória (data-logger).
O pluviógrafo mais comum atualmente é o de cubas basculantes, em que a água recolhida
é dirigida para um conjunto de duas cubas articuladas por um eixo central. A água é dirigida
inicialmente para uma das cubas e quando esta cuba recebe uma quantidade de água equivalente
a 20 g, aproximadamente, o conjunto báscula em torno do eixo, a cuba cheia esvazia e a cuba
vazia começa a receber água. Cada movimento das cubas basculantes equivale a uma lâmina
precipitada (por exemplo 0,25 mm), e o aparelho registra o número de movimentos e o tempo em
que ocorre cada movimento.

Figura 4. 6 – Esquema de pluviógrafo de báscula

4.5.3 Radar

A chuva também pode ser estimada utilizando radares meteorológicos. A medição de


chuva por radar está baseada na emissão de pulsos de radiação eletromagnética que são refletidos
pelas partículas de chuva na atmosfera, e na medição do da intensidade do sinal refletido (Figura
4. 7). A relação entre a intensidade do sinal enviado e recebido, denominada refletividade, é
correlacionada à intensidade de chuva que está caindo em uma região. A principal vantagem do
radar é a possibilidade de fazer estimativas de taxas de precipitação em uma grande região no
entorno da antena emissora e receptora, embora existam erros consideráveis quando as
estimativas são comparadas com dados de pluviógrafos.

No Brasil são poucos os radares para uso meteorológico, com a exceção do Estado de São
Paulo em que existem alguns em operação. Em alguns países, como os EUA, a Inglaterra e a
Alemanha, já existe uma cobertura completa com sensores de radar para estimativa de chuva.

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Figura 4. 7 – Estimativa de chuva utilizando radar

4.5.4 Satélite

Também é possível fazer estimativas da precipitação a partir de imagens obtidas por


sensores instalados em satélites (Figura 4. 8). A temperatura do topo das nuvens, que pode ser
estimada a partir de satélites, tem uma boa correlação com a precipitação (quanto mais quente a
nuvem, mais água ela contém). Além disso, existem experimentos de radares a bordo de satélites
que permitem aprimorar a estimativa baseada em dados de temperatura de topo de nuvem.

Figura 4. 8 – Estimativa de chuva através de imagem de satélite

4.6 Características gerais da precipitação


Do ponto de vista da engenharia, são necessários três parâmetros para definir completamente
uma precipitação: sua altura pluviométrica, sua duração e sua freqüência de ocorrência ou
probabilidade.

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Altura Pluviométrica (P): corresponde à espessura média da lâmina da água precipitada,


que recobriria a região atingida pela precipitação, admitindo-se que esta água não se
infiltrasse, não evaporasse nem escoasse para fora dos limites da bacia. A unidade de
medição é o mm de chuva, definido como a quantidade de precipitação correspondente a um
volume de 1 litro por metro quadrado de superfície. A altura pluviométrica total multiplicada
pela área da bacia fornece o volume médio. A quantidade total de chuva (lâmina de água),
dividida pela duração, indica a intensidade média dessa precipitação. Conceitualmente
define-se como a quantidade de chuva por unidade de tempo (mm/h), ou taxa de
transferência de água da atmosfera para o solo. A intensidade varia de um instante para outro
dentro da mesma precipitação.

Duração: é o tempo transcorrido entre o início e o fim da chuva, expresso em horas ou


minutos.

Freqüência de ocorrência: é a quantidade de ocorrências de eventos iguais ou superiores ao


evento de chuva considerado. Chuvas muito intensas tem freqüência baixa, isto é, ocorrem
raramente. Chuvas pouco intensas são mais comuns. A Tabela 4. 1 apresenta a análise de
freqüência de ocorrência de chuvas diárias de diferentes intensidades ao longo de um período
de 23 anos em uma estação pluviométrica no interior do Paraná. Observa-se que ocorreram
5597 dias sem chuva (P = zero) no período total de 8279 dias, isto é, em 67% dos dias do
período não ocorreu chuva. Em pouco mais de 17% dos dias do período ocorreram chuvas
com intensidade baixa (menos do que 10 mm). A medida em que aumenta a intensidade da
chuva diminui a freqüência de ocorrência.

Tabela 4. 1: Freqüência de ocorrência de chuvas diárias de diferentes alturas em um posto


pluviométrico no interior do Paraná ao longo de um período de, aproximadamente, 23 anos
Bloco Freqüência
P = zero 5597
P < 10 mm 1464
10 < P < 20 mm 459
20 < P < 30 mm 289
30 < P < 40 mm 177
40 < P < 50 mm 111
50 < P < 60 mm 66
60 < P < 70 mm 38
70 < P < 80 mm 28
80 < P < 90 mm 20
90 < P < 100 mm 8
100 < P < 110 mm 7
110 < P < 120 mm 2
120 < P < 130 mm 5
130 < P < 140 mm 2
140 < P < 150 mm 1
150 < P < 160 mm 1
160 < P < 170 mm 1
170 < P < 180 mm 2
180 < P < 190 mm 1
190 < P < 200 mm 0
P > 200 mm 0
Total 8279

A variável utilizada na hidrologia para avaliar eventos extremos como chuvas muito
intensas é o tempo de retorno (TR), dado em anos. O tempo de retorno é uma estimativa do
tempo em que um evento é igualado ou superado, em média. Por exemplo, uma chuva com
intensidade equivalente ao tempo de retorno de 10 anos é igualada ou superada somente uma vez

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a cada dez anos, em média. Esta última ressalva “em média” implica que podem, eventualmente,
ocorrer duas chuvas de TR 10 anos em dois anos subseqüentes.
O tempo de retorno pode, também, ser definido como o inverso da probabilidade de
ocorrência de um determinado evento em um ano qualquer. Por exemplo, se a chuva de 130 mm
em um dia é igualada ou superada apenas 1 vez a cada 10 anos diz-se que seu Tempo de Retorno
é de 10 anos, e que a probabilidade de acontecer um dia com chuva igual ou superior a 130 mm
em um ano qualquer é de 10%, ou seja

TR =
1
(4.1)
Pr obabilidade

A precipitação é uma variável hidrológica com grande aleatoriedade, tanto temporalmente


quanto espacialmente. Podemos exemplificar a variabilidade espacial da chuva observando que,
em algumas cidades é registrada a ocorrência de precipitação em uma região, enquanto em
outras, a poucos quilômetros de distância, não se observa o evento chuvoso. Justamente pela
dificuldade da correta definição da variabilidade temporal e espacial, a precipitação é uma das
variáveis hidrológicas mais difíceis de ser avaliada.

4.6.1 Variação Espacial da Precipitação

Como já foi mencionado, uma das características da precipitação é sua extrema


variabilidade espacial, existindo gradientes pluviométricos tanto horizontais como verticais. Os
dados de chuva dos pluviômetros e pluviógrafos referem-se a medições executadas em áreas
muito restritas (400 cm2), quase pontuais, não conseguindo, portanto, representar a variabilidade
espacial da precipitação. Assim, durante um evento de chuva um pluviômetro pode ter registrado
60 mm de chuva enquanto um outro pluviômetro, a 30 km de distância registrou apenas 40 mm
para o mesmo evento. Isto ocorre porque a chuva apresenta uma grande variabilidade espacial,
principalmente se é originada por um processo convectivo.
Uma forma de visualizar essa variação são os mapas de isoietas, isso é, linhas que unem
pontos de igual precipitação durante um certo período de tempo (dia, mês, ano). As isoietas são
obtidas por interpolação dos dados de pluviômetros ou pluviógrafos, e podem ser traçadas de
forma manual ou automática. A Figura 4. 9 apresenta um mapa de isoietas de chuva média anual
do Estado de São Paulo, com base em dados de 1943 a 1988. Observa-se que a chuva média
anual sobre a maior parte do Estado é da ordem de 1300 a 1500 mm por ano, mas há uma região
próxima ao litoral com chuvas anuais de mais de 3000 mm por ano. As regiões onde as isoietas
ficam muito próximas entre si é caracterizada por uma grande variabilidade espacial.

4.6.2 Variabilidade Sazonal da Precipitação

Um dos aspectos mais importantes do clima e da hidrologia de uma região é a época de


ocorrência das chuvas. Existem regiões com grande variabilidade sazonal da chuva, com
estações do ano muito secas ou muito úmidas. Na maior parte do Brasil o verão é o período das
maiores chuvas. No Rio Grande do Sul, entretanto, a chuva é relativamente bem distribuída ao
longo de todo o ano (em média). Isto não impede, entretanto, que em alguns anos ocorram
invernos ou verões extremamente secos ou extremamente úmidos.
A variabilidade sazonal da chuva é representada por gráficos com a chuva média mensal,
como o apresentado na Figura 4. 10 para Porto Alegre e Cuiabá. Observa-se que no Sul do Brasil
existe uma distribuição mais homogênea das chuvas ao longo do ano, enquanto no Centro-Oeste
ocorrem verões muito úmidos e invernos muito secos.

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Apostila de Hidrologia

Figura 4. 9 – Mapa de isoietas do Estado de São Paulo

Figura 4. 10- Variabilidade sazonal da precipitação

4.6.3 Variabilidade da Precipitação com a Altitude

As observações indicam que, em geral, o volume de chuva precipitado aumenta com a altitude
até atingir um máximo, a partir do qual decresce; isso permite elaborar perfis pluviomêtricos de
grandes bacias ou áreas extensas.
No estudo de grandes bacias com relevo acidentado, essa característica não pode ser
ignorada nas estimativas dos volumes precipitados; no traçado de isoietas, como consequência
desse fato, as isolinhas em princípio devem ser paralelas às curvas de nível e isso deve ser levado
em conta ao confeccionar os mapas referidos.

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Apostila de Hidrologia

4.6.4 Variabilidade da Precipitação com a Área

A chuva não é homogênea numa dada extensão de terreno, mas se apresenta na forma de
células mais intensas que se movimentam de acordo com os ventos. Imaginando uma rede fixa
de pluviômetros amostrando as chuvas que passam sobre eles, podem-se traçar curvas como as
da Figura 4. 11 (Tucci, C.;1993), que deixam ver variações para cada região.

Figura 4. 11 – Curva relacionando o abatimento da precipitação em relação à área

4.7 Precipitação Média em uma Área


Os dados de chuva dos pluviômetros e pluviógrafos referem-se a uma área de coleta de 400
cm2, ou seja, quase pontual. Porém, o maior interesse na hidrologia é por chuvas médias que
atingem uma região, como a bacia hidrográfica. A precipitação média é considerada como uma
lâmina de água, de altura uniforme sobre toda a área considerada (Figura 4. 12 a), dentro de um
certo período de tempo (horas, dias, meses, anos) de tal forma que o volume precipitado assim
gerado seja igual ao real.
Ao se fazer essa consideração, é feita uma abstração da condição real da distribuição
espacial da precipitação. No entanto, a única forma de se conhecer essa distribuição real seria
com a instalação de um grande número de pluviômetros na bacia hidrográfica. Como a
manutenção e operação dos postos pluviométricos demandam dinheiro, normalmente contamos
com um pequeno número de postos nas bacias hidrográficas, e é a partir dessa pequena amostra
que devemos retirar o máximo de informações.

Figura 4. 12 – Precipitação média sobre uma bacia hidrográfica

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Apostila de Hidrologia

O cálculo da chuva média em uma bacia pode ser realizado utilizando o método da média
aritmética; das Isoietas; dos polígonos de Thiessen ou através de interpolação em Sistemas de
Informação Geográfica (SIGs).

4.7.1 Método da média aritmética

É a forma mais simples de estimar a precipitação média em uma bacia hidrográfica. Como o
próprio nome do método sugere, a precipitação média é calculada como a média aritmética dos
valores médios de precipitação. Ao fazer esse processo, todos os postos pluviométricos têm a
mesma importância.
Por exemplo, a precipitação média da bacia hidrográfica apresentada na
Figura 4. 13 é dada por:

Figura 4. 13 – Bacia hidrográfica para o cálculo da precipitação média usando média aritmética

(66 + 50 + 44 + 40)
Pm = = 50mm
4
O método ignora as variações geográficas da precipitação e portanto é aplicável apenas em
regiões onde isso possa ser feito sem incorrer em grandes erros, ou seja, em regiões planas com
variação gradual e suave do gradiente pluviométrico e com cobertura de postos de medição
bastante densa.

4.7.2 Método dos Polígonos de Thiessen

O método dos polígonos de Thiessen, também conhecido como método do vizinho mais
próximo, é um dos mais utilizados. Nesse método é definida a área de influência de cada posto
pluviométrico dentro da bacia hidrográfica. Por exemplo, vamos determinar a precipitação média
na bacia hidrográfica apresentada na Figura 4. 14.
Utilizando o método dos polígonos de Thiessen o primeiro passo é traçar linhas que unem
os postos pluviométricos mais próximos. A seguir é determinado o ponto médio em cada uma
destas linhas e, a partir desse ponto é traçada uma linha perpendicular. A interceptação das linhas
médias entre si e com os limites da bacia irão definir a área de influência de cada um dos postos.

Área total = 100 km2


A seqüência é apresentada na Figura 4. 15.

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Figura 4. 14 – Bacia hidrográfica para determinação da precipitação média pelo método de


Thiessen

Traçar linhas que unem


os postos pluviométricos
mais próximos entre si.

Traçar linhas médias


perpendiculares às linhas
que unem os postos
pluviométricos.

Definir a região de
influência de cada posto
pluviométrico e medir a
sua área.

Figura 4. 15 – Determinação da precipitação média pelo método de Thiessen

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Área sob influência do posto com 120 mm = 15 km2


Área sob influência do posto com 70 mm = 40 km2
Área sob influência do posto com 50 mm = 30 km2
Área sob influência do posto com 75 mm = 5 km2
Área sob influência do posto com 82 mm = 10 km2

Pm = 120.0,15 + 70.0,40 + 50.0,30 + 75.0,05 + 82.0,10 = 73mm


Precipitação média na bacia:

Se fosse utilizado o método da média aritmética haveria apenas dois postos no interior da
bacia, com uma média de 60 mm. Se fosse calculada uma média incluindo os postos que estão
fora da bacia chegaríamos a 79,5 mm.

4.7.3 Método das Isoietas

Como já mencionado, as isoietas são linhas que unem pontos de igual precipitação.
Depois de escrever os valores de chuva em cada posto se unem estes com linhas retas nas quais
se interpolam linearmente os valores para os quais se pretende traçar as isolinhas.
A título de exemplo, vamos considerar a mesma Figura 4. 15, e o procedimento
apresentado na Figura 4. 16.
Uma vez determinadas as isolinhas, determina-se a precipitação média na bacia
hidrográfica. Calcula-se a área Ai, delimitada por duas isoietas e essa área é utilizada como

∑ Pi.Ai
ponderador, segundo a equação:
n

Pm = i =1

∑ Ai
n
(4.2)

i =1

Na Figura 4. 17 é apresentado o procedimento para obter os elementos necessários para


determinação da precipitação média.
Esse método não é puramente mecânico como os anteriores e tem um certo grau de
dependência do julgamento do usuário, permitindo introduzir no traçado do mapa todo o
conhecimento que se tenha da região, incluída a topografia, regime dos ventos, etc.

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Traçar linhas que unem


os postos pluviométricos
mais próximos entre si.

Dividir as linhas
escrevendo os valores da
precipitação interpolados
linearmente

Proceder com o traçado


das isolinhas.

Figura 4. 16 – Determinação da precipitação média utilizando isoietas

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Elemento de
área Ai

Figura 4. 17 – Procedimento para determinação da precipitação média utilizando o método das


isoietas

4.8 Tratamento dos Dados Pluviométricos


O objetivo de um posto de medição de chuvas é o de obter uma série ininterrupta de
precipitações ao longo dos anos (ou o estudo da variação das intensidades de chuva ao longo das
tormentas). Em qualquer caso pode ocorrer a existência de períodos sem informações ou com
falhas nas observações, devido a problemas com os aparelhos de registro e/ou com o operador do
posto.
A seguir são descritos os processos empregados na consistência dos dados.

4.8.1 Identificação de erros grosseiros

As causas mais comuns de erros grosseiros nas observações são:


a) preenchimento errado do valor na caderneta de campo;
b) soma errada do número de provetas, quando a precipitação é alta;
c) valor estimado pelo observador, por não se encontrar no local no dia da amostragem;
d) crescimento de vegetação ou outra obstrução próxima ao posto de observação;
e) danificação do aparelho;
f) problemas mecânicos no registrador gráfico.
Após esta análise as séries poderão apresentar falhas, que devem ser preenchidas por
alguns dos métodos indicados a seguir.

4.8.2 Preenchimento de falhas

Conforme mencionado, quando se trabalha com precipitação deseja-se uma série ininterrupta
e mais longa possível de dados. No entanto, podem ocorrer dias, ou períodos maiores em que a o
dado de precipitação não foi obtido, caracterizando assim uma falha. Para o preenchimento
dessas falhas podem ser utilizados alguns métodos, apresentados a seguir.

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Método de ponderação regional

É um método simplificado, de fácil aplicação, e normalmente utilizado para o


preenchimento de séries mensais ou anuais de precipitações.
Para exemplificar o método, considere um posto Y, que apresenta as falhas a serem
preenchidas. É necessário selecionar pelo menos três postos da vizinhança que possuam no
mínimo dez anos de dados (X1, X2 e X3). Para preencher as falhas do posto Y, adota-se a
equação

⎛ PY ⎞1
PY = ⎜⎜ .PX 1 + .PX 2 + .PX 3 ⎟⎟.
PY PY
⎝ PX 1 ⎠3
(4.3)
PX 2 PX 3

onde: PY é a precipitação do posto Y a ser estimada; PX1, PX2 e PX3 são as precipitações
correspondentes ao mês (ou ano) que se deseja preencher, observadas nas três estações vizinhas;
PY é a precipitação média do posto Y; PX 1 , PX 2 e PX 3 são as precipitações médias nas três
estações circunvizinhas.
Os postos vizinhos escolhidos devem estar numa região climatológica semelhante ao
posto a ser preenchido. Por exemplo, quando um posto se encontra próximo a um divisor
importante como a Serra do Mar, mesmo havendo outro posto geograficamente próximo do
outro lado do divisor, este não deve ser escolhido, pois provavelmente os mesmos terão
comportamentos distintos devido à precipitação orográfica.
O preenchimento efetuado por esta metodologia é simples e apresenta algumas
limitações, quando cada valor é visto isoladamente. Para o preenchimento de valores diários de
precipitação não se deve utilizar esta metodologia, pois os resultados podem ser muito ruins.
Normalmente valores diários são de difícil preenchimento devido a grande variação espacial e
temporal da precipitação para os eventos de freqüências médias e pequenas.

Método da regressão linear

Um método mais aprimorado de preenchimento de falhas consiste em utilizar regressão


linear simples ou múltipla. Na regressão linear simples, as precipitações do posto com falhas (Y)
e de um posto vizinho (X) são correlacionadas. As estimativas dos dois parâmetros da equação
podem ser obtidas graficamente ou através do critério de mínimos quadrados.
Para o ajuste da regressão linear simples, correlaciona-se o posto com falhas (Y) com
outro vizinho (X). A correlação produz uma equação analítica, cujos parâmetros podem ser
estimados por métodos como o de mínimos quadrados, ou graficamente através da plotagem
cartesiana dos pares de valores (X, Y), traçando-se a reta de maior aderência que passa pelos
pontos médios de X e Y. Uma vez definida a equação do tipo

Y = a + b. X (4.4)

as falhas podem ser preenchidas.


Por exemplo, considerando as duas séries de precipitação dos postos P1-3252006 e P2-
3252008 (ambos localizados próximos à Estação Ecológica do Taim/RS), apresentadas na
Tabela 4. 2. O preenchimento das falhas dos meses de Abril e Maio de P1 pode ser feito com
base na regressão linear simples. A equação obtida é apresentada no gráfico da Figura 4. 18.
Assim, as precipitações dos meses de Abril e Maio seriam 108,7 e 112,1 mm, respectivamente.

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Apostila de Hidrologia

Tabela 4. 2 – Preenchimento de falhas de precipitação mensal para o ano de 2001


Precipitação mensal (mm)
Mês/Ano
Posto 3252006 Posto 3252008
1/2001 211.1 106.5
2/2001 58.9 75.2
3/2001 178.1 256.3
4/2001 Falha 109.6
5/2001 113.1
6/2001 183.6 161.0
7/2001 164.1 180.8
8/2001 27.6 24.8
9/2001 209.0 139.4
10/2001 144.4 161.7
11/2001 135.8 116.0
12/2001 127.9 142.6

Na regressão linear múltipla as informações pluviométricas do posto Y são


correlacionadas com as correspondentes observações de vários postos vizinhos (X1, X2, X3,...)
através de equações como

Y = a + b. X 1 + c. X 2 + d . X 3 + e. X 4 + ... (4.5)

onde: a, b, c, d, e,... são os coeficientes a serem estimados a partir dos dados.

P2xP1 P1 = 0.9706.P2 + 2.2754


250

200

150
P1

100

50

0
0 50 100 150 200 250
P2

Figura 4. 18 – Determinação da equação de regressão para preenchimento de falhas

4.8.3 Análise de consistência das séries pluviométricas

Um dos métodos mais conhecidos para a análise de consistência dos dados de


precipitação é o Método da Dupla Massa, desenvolvido pelo Geological Survey (USA). A
principal finalidade da aplicação do método é identificar se ocorreram mudanças no
comportamento da precipitação ao longo do tempo, ou mesmo no local de observação.
O Método da Dupla Massa é baseado no princípio que o gráfico de uma quantidade
acumulada, plotada contra outra quantidade acumulada, durante o mesmo período, deve ser uma
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Apostila de Hidrologia

linha reta, sempre que as quantidades sejam proporcionais. A declividade da reta ajustada nesse
processo representa então, a constante de proporcionalidade.
Especificamente, devem ser selecionados os postos de uma região, acumular para cada
um deles os valores mensais (se for o caso), e plotar num gráfico cartesiano os valores
acumulados correspondentes ao posto a consistir (nas ordenadas) e de um outro posto confiável
adotado como base de comparação (nas abscissas). Pode-se também modificar o método,
considerando valores médios das precipitações mensais acumuladas em vários postos da região,
e plotar esses valores no eixo das abscissas.
Na Figura 4. 19 é apresentada a análise de Dupla Massa para os postos 3252006 e
3252008, para um período de 37 anos de dados de precipitação mensal, onde pode-se observar que não
ocorreram inconsistências. Quando não se observa o alinhamento dos dados segundo uma única
reta, podem ter ocorrido as seguintes situações:

60000

50000
Acumulados - 3252008

40000

30000

20000

10000

0
0 10000 20000 30000 40000 50000
Acumulados - 3252006

Figura 4. 19 – Análise de Dupla Massa – Sem inconsistências

Mudança na declividade da reta (Figura 4. 20(a))

Esse tipo de inconsistência pode ser oriundo de causas como: alterações de condições
climáticas ou condições físicas do local, mudança de observador, ou ainda devido a erros
sistemáticos.

120000 60000 60000


Acumulados posto em análise
Acumulados posto em análise

100000 50000 50000

80000 40000 40000

60000 30000 30000

40000 20000 20000

20000 10000 10000

0 0
0
0 20000 40000 0 20000 40000
0 20000 40000
Acumulados posto confiável Acumulados posto confiável Acumulados posto confiável

a) com mudança de tendência b) diferentes regimes c) erros de transcrição


Figura 4. 20 – Análise de Dupla Massa – Postos com inconsistências
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Apostila de Hidrologia

Para se considerar a existência de mudança na declividade, é prática comum exigir a


ocorrência de pelo menos cinco pontos sucessivos alinhados segundo a nova tendência. Para
corrigir os valores correspondentes ao posto sob análise, existem duas possibilidades: corrigir os
valores mais antigos para a situação atual ou corrigir os valores mais recentes para a condição
antiga. A escolha da alternativa de correção depende das causas que provocaram a mudança da
declividade. Por exemplo, se foram detectados erros no período mais recente, a correção deverá
ser realizada no sentido de preservar a tendência antiga. Os valores deverão ser acumulados a
partir do período para o qual se deseja manter a tendência da reta, e os valores inconsistentes
podem ser corrigidos de acordo com a equação

Pcorr = Pacum'+ .∆Po


Ma
(4.6)
Mo

onde: Pcorr é a precipitação acumulada após o ajuste à tendência desejada; Pacum’ é o valor da
ordenada correspondente à interseção das duas tendências; Ma é o coeficiente angular da
tendência desejada; Mo é coeficiente angular da tendência a corrigir; e ∆Po representa a
diferença Po-Pa, onde sendo Po é o valor acumulado a ser corrigido, e Pa é o valor acumulado
da tendência desejada. Deve-se lembrar que o método de Dupla Massa não deve ser usado para
valores diários de precipitação.

Tabela 4. 3 – Análise de Dupla Massa


Postos Confiáveis Posto a ser consistido

Ano Apiuna Blumenau Ibirama Indaial

1945 1208.1 1352.4 1111.4 1319.5


1946 1770.8 1829 1645 2002.3
1947 1502.3 1516.7 1461.4 1976.1
1948 1409.9 1493.8 1471.8 1510.2
1949 1258.8 1301.2 1145.4 1432.9
1950 1358 1403.9 1443.9 1548
1951 1044.7 1230.2 1197.7 1295.4
1952 1159.1 1322.1 1243.8 1330.9
1953 1255.6 1289.4 1249 1356.8
1954 1851.3 1652.3 1673.3 1692.2
1955 1240 1289.8 1474.3 1274.4
1956 1237 1266.5 1402.8 1246.6
1957 1854.7 1941.1 1928.6 2036.6
1958 1758 1844.6 1404.5 1893.5
1959 1204 1564.6 1025.1 1287.5
1960 1318.9 1882.5 1224.9 1583.7
1961 1751.9 1808.3 1410.6 1712.1
1962 1219.5 1274.5 1178.2 1144.1
19d63 1530.9 1630 1392.4 1649

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Apostila de Hidrologia

Por exemplo, considerando os dados dos postos apresentados na Tabela 4. 3, fazer a


consistência dos dados do posto de Indaial. Na Tabela 4. 4 é mostrado o procedimento para o
traçado da Dupla Massa, e na Figura 4. 21 a análise é apresentada de forma gráfica
(representação em forma gráfica da terceira e quarta coluna da Tabela 4. 4), ressaltado a
mudança de tendência, bem como os coeficientes angulares. Para a análise de consistência
considerou-se a manutenção do comportamento da série para o período antigo, portanto, os
dados são acumulados a partir de 1945. Os valores ressaltados na coluna 5 da Tabela 4. 4 foram
obtidos a partir da aplicação da equação 4.6. Os valores de precipitação apresentados na última
coluna são obtidos a partir da desagregação dos dados da coluna 5.

Tabela 4. 4 – Correção dos valores de precipitação do Posto Indaial a partir da análise de Dupla
Massa
Precipitação Precipitação Precipitação Precipitação
Precipitação
acumulada acumulado acumulada Indaial
Ano média da região
média da região Indaial corrigida Indaial Corrigida
(mm)
(mm) (mm) (mm) (mm)
1945 1224.0 1224.0 1319.5 1319.5 1319.5
1946 1748.3 2972.2 3321.8 3321.8 2002.3
1947 1493.5 4465.7 5297.9 5297.9 1976.1
1948 1458.5 5924.2 6808.1 6808.1 1510.2
1949 1235.1 7159.3 8241.0 8241.0 1432.9
1950 1401.9 8561.3 9789.0 9789.0 1548.0
1951 1157.5 9718.8 11084.4 11084.4 1295.4
1952 1241.7 10960.5 12415.3 12415.3 1330.9
1953 1264.7 12225.1 13772.1 13772.1 1356.8
1954 1725.6 13950.8 15464.3 15508.9 1736.8
1955 1334.7 15285.5 16738.7 16905.9 1396.9
1956 1302.1 16587.6 17985.3 18272.3 1366.5
1957 1908.1 18495.7 20021.9 20504.8 2232.4
1958 1669.0 20164.7 21915.4 22580.3 2075.6
1959 1264.6 21429.3 23202.9 23991.6 1411.3
1960 1475.4 22904.7 24786.6 25727.6 1736.0
1961 1656.9 24561.7 26498.7 27604.3 1876.7
1962 1224.1 25785.7 27642.8 28858.5 1254.1
1963 1517.8 27303.5 29291.8 30666.0 1807.6

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Apostila de Hidrologia

30000

Precipitação Acumulada do Posto Indaial (mm)


25000 α = M o = 1,0 4

Po - Pacum'
β = M a = 1,14

20000

Pacum'
15000
Ponto de
interseção
10000

5000

0
0 5000 10000 15000 20000 25000 30000
Precipitação Média Acumulada na Região (mm) - Postos de Apiuna, Blumenau e Ibirama

Figura 4. 21 – Análise de Dupla Massa

Alinhamento dos pontos em retas paralelas (Figura 4. 20 (c))

Esse tipo de inconsistência ocorre quando existem erros na transcrição de um ou mais


dados de precipitação, ou ainda pela ocorrência de eventos extremos de chuva dentro de um ano.
Quando essa situação for identificada, pode-se estar fazendo a comparação de postos com
diferentes regimes pluviométricos, portanto, sendo que nesse caso é necessário refazer a análise,
buscando outros postos.

Distribuição errática dos pontos (Figura 4. 20 (b))

Esse tipo de inconsistência ocorre normalmente quando são comparados postos com
diferentes regimes pluviométricos. Nesse caso devem ser buscados outros postos para fins de
comparação.

4.9 Análise de Séries de Mensais e Anuais de Precipitação


A precipitação é um processo aleatório, condicionando sua previsão a poucos dias de
antecedência. Dada essa dificuldade, a previsão da precipitação é normalmente realizada em
função de registros antigos de eventos, associando a freqüência de ocorrência de uma
precipitação com dada magnitude a uma probabilidade teórica de ocorrência da mesma.
Em hidrologia freqüentemente são utilizadas séries de precipitação mensal e/ou
anuais. Uma série de precipitação total mensal é obtida acumulando-se o volume de chuva diário
ocorrido no mês correspondente (adição de precipitação diária de cada mês). Uma série de
precipitação total anual é obtida pela adição dos totais mensais, ou ainda através da soma das
precipitações diárias de cada ano. Na Tabela 4. 5 é apresentada uma série de precipitação total
mensal e conjuntamente o total anual do posto Granja Santa Marta em Rio Grande, para o
período compreendido entre 1960 e 1970.

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Apostila de Hidrologia

Tabela 4. 5 – Série de precipitação total mensal e anual do posto Granja Santa Marta em Rio
Grande
Precipitação Total Mensal (mm) Total Anual
Ano
Jan. Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez. (mm)
1960 99 29 238 103 6 146 272 149 164 89 81 51 1427
1961 111 87 110 39 19 215 110 107 266 113 73 54 1304
1962 65 83 181 65 29 32 100 80 148 98 36 37 954
1963 137 85 159 65 78 79 134 174 215 125 176,2 119,4 1546,6
1964 70 87,2 86,9 23,4 70,6 51,5 63,5 104,9 50,6 147 25,6 26,4 807,6
1965 8,1 35,1 181,9 114 40 52 33 217 234 79 58 66 1118,1
1966 84,9 27,7 143,5 65,8 14,1 78 200 45,4 61 63 23,2 83 889,6
1967 40,6 65,2 39,5 24,6 165,7 207,9 142 147,7 60,2 129 50,4 26,6 1099,4
1968 65,5 106,9 116,4 51,9 27,3 28,4 59,5 26,6 102,9 68,7 101,1 110,7 865,9
1969 43,1 48,4 30,5 18,7 223,7 134,4 52,7 69,2 96,7 29,2 62,3 17,3 826,2
1970 130,6 59,2 42 43,3 124,4 122,8 86,6 86,3 28,3 41,5 46,2 150 961,2

Quando usado o termo precipitação média anual, significa que foi obtida uma média a
partir dos totais anuais. Por exemplo, para a série apresentada na Tabela 4. 5, o precipitação
média anual seria 1072,7 mm. É evidente que a série apresentada para esse exemplo é curta, e
esse é um dos cuidados que deve ser tomado durante a determinação de dados médios da região;
essa observação não é válida somente para dados de precipitação, ela diz respeito também a
outros dados hidrológicos como a vazão, conforme trataremos posteriormente. Nesse processo a
série utilizada deve ser representativa de um período que contemple períodos secos e chuvosos,
para evitar qualquer tendenciosidade no ajuste. Por exemplo, uma série de precipitação de 2 anos
é muito curta em termos de representatividade temporal, visto que a mesma pode possuir
unicamente registros de chuva em anos de el niño, o que levaria a uma super-estimativa da
precipitação.
Para exemplificar, na região de Porto Alegre, por exemplo, chove aproximadamente 1300
mm por ano, em média. Em muitas regiões da Amazônia chove mais do que 2000 mm por ano,
enquanto na região do Semi-Árido do Nordeste há áreas com menos de 600 mm de chuva por
ano. O clima, entretanto, não é constante, e ocorrem variações importantes em torno da média da
precipitação anual. Nesse caso, o uso de um histograma de freqüências de uma amostra de uma
variável aleatória permite conhecer a freqüência com que esta variável assumiu valores dentro de
um dado intervalo, durante as observações realizadas para a formação da amostra. A Figura 4. 22
apresenta um histograma de freqüências de chuvas anuais de um posto localizado no interior de
Minas Gerais, no período de 1942 a 2001. A chuva média neste período é de 1433 mm, mas
observa-se que ocorreu um ano com chuva inferior a 700 mm, e um ano com chuva superior a
2300 mm.
Como normalmente estamos interessados em saber o que acontecerá no futuro em termos
de precipitação (situações de projeto), um tratamento estatístico deve ser dado ao registro de
precipitação, de forma a permitir a estimativa da precipitação em outro cenário. É claro que ao
utilizar uma amostra obtida no passado para prever uma situação no futuro, admite-se
probabilisticamente que não ocorrerão mudanças substanciais no processo de formação das
chuvas no local. Isto deve ser entendido como: embora não seja possível prever as chuvas
máximas que ocorrerão no futuro, pode-se afirmar que as freqüências de ocorrência observadas
no passado serão válidas para descrever as probabilidades de ocorrência no futuro. (Tucci, C.,
1993).

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Apostila de Hidrologia

Figura 4. 22 – Histograma de freqüência de chuvas anuais posto 02045005, no município de


Lamounier (MG).

Observa-se no histograma da Figura 4. 22 que a distribuição de freqüência segue


aproximadamente a Distribuição de Gauss (distribuição Normal). A partir dessa observação,
verifica-se que um ajuste de distribuição de probabilidade Normal pode ser utilizado para
representar a ocorrência de um evento que ainda não foi observado.
Lembrando, que segundo a teoria da distribuição Normal, uma variável aleatória X tem
uma distribuição Normal se sua função densidade de probabilidade segue a expressão
⎡ x−µ ⎤
( −0 , 5 ⎢
f ( x) =
⎥ )
2

1 ⎣ σ ⎦

σ 2π
.e (4.7)

onde: f(x) é a função densidade de probabilidade; µ é a média; e σ é o desvio padrão da


amostra. Pode-se ver que para cada par de valores dos parâmetros média e desvio padrão existe
uma curva diferente (Figura 4. 23).

Figura 4. 23 – Representação das funções de densidade de probabilidade da distribuição Normal

Entre as propriedades da distribuição Normal, temos que:


i) a curva é simétrica em torno da média, e a área total sob a curva é definida como 100%, e cada
metade da curva tem 50% da área total;
ii) a probabilidade de que a variável aleatória X esteja dentro do intervalo (a,b), P(a≤X≤b), é
dada pela área sob a curva entre esses dois intervalos.

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A grande vantagem da distribuição Normal é que com o conhecimento da média e do desvio


padrão é possível calcular qualquer valor de probabilidade. No entanto, como existe uma
distribuição Normal diferente para cada par de valores dos parâmetros média e desvio padrão, a
obtenção dos resultados se torna muito trabalhosa. O cálculo do valor da probabilidade
acumulada desde menos infinito até o valor de a, denominada como probabilidade acumulada até
a, P(-∞≤X≤a), sendo conhecidos os valores da média e do desvio padrão, exige que seja
integrada a expressão f(x). Assim, para facilitar os cálculos foi desenvolvido um procedimento
com uma única curva de distribuição. Denominada como distribuição normal padronizada, sendo

X −µ
aplicado o desvio padrão normalizado Z como operador de transformação.
Z=
σ
(4.8)

Assim a função de densidade da distribuição normal padronizada tem segue a função

f (Z ) =
(−
Z2
1

)
2
.e (4.9)

com as seguintes propriedades:


i) média zero e desvio padrão igual a 1;
ii) f(Z) tende a zero, quando Z tende a ± infinito;
iii) a curva é simétrica em torno da média, e a área total sob a curva é definida como 100%, e
cada metade da curva tem 50% da área total;
iv) a probabilidade de que a variável aleatória Z esteja dentro do intervalo (z1,z2), P(z1≤X≤
z2), é dada pela área sob a curva entre esses dois intervalos.

Os cálculos da distribuição normal padronizada podem ser realizados a partir de uma


tabela de probabilidades. O aplicativo Excel também pode ser utilizado para esse fim, através da
função NORMDIST. Na Tabela 4. 6 é apresentada a curva de distribuição de Z, P(Z≤Z’), onde
Z’é o resultado da equação 4.8.

Por exemplo, o desvio padrão da chuva anual no posto pluviométrico da Figura 4. 22 é de


298,8 mm e a média de 1433 mm. Deseja-se estimar qual o valor de precipitação anual que é
igualado ou superado apenas 5 vezes a cada 200 anos. Esse exemplo remete aos conceitos de
freqüência de ocorrência e tempo de retorno apresentados no item 4.6 Características gerais da
precipitação.
Nesse exemplo teríamos um tempo de retorno do evento de 40 anos (200/5), ou seja, a cada
40 anos em média esse evento se repetiria. Lembrando que o inverso do tempo de retorno (TR)
fornece a probabilidade de ocorrência do evento, teríamos:

Pr ob. = = = 0,025 ou 2,5%


1 1
TR 40

como essa é a probabilidade do evento ser igualado ou superado, temos que a probabilidade da
variável reduzida Z ser menor ou igual, é 100%-2,5%=97,5%=0,975, que nesse caso resulta em
um valor de variável reduzida de 1,96.

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P(Z≤Z’)
Tabela 4. 6 – Distribuição de Z - P(Z≤Z’)
Z’

Z 0 0.01 0.02 0.03 0.04 0.05 0.06 0.07 0.08 0.09


0.0 0.5000 0.5040 0.5080 0.5120 0.5160 0.5199 0.5239 0.5279 0.5319 0.5359
0.1 0.5398 0.5438 0.5478 0.5517 0.5557 0.5596 0.5636 0.5675 0.5714 0.5753
0.2 0.5793 0.5832 0.5871 0.5910 0.5948 0.5987 0.6026 0.6064 0.6103 0.6141
0.3 0.6179 0.6217 0.6255 0.6293 0.6331 0.6368 0.6406 0.6443 0.6480 0.6517
0.4 0.6554 0.6591 0.6628 0.6664 0.6700 0.6736 0.6772 0.6808 0.6844 0.6879
0.5 0.6915 0.6950 0.6985 0.7019 0.7054 0.7088 0.7123 0.7157 0.7190 0.7224
0.6 0.7257 0.7291 0.7324 0.7357 0.7389 0.7422 0.7454 0.7486 0.7517 0.7549
0.7 0.7580 0.7611 0.7642 0.7673 0.7704 0.7734 0.7764 0.7794 0.7823 0.7852
0.8 0.7881 0.7910 0.7939 0.7967 0.7995 0.8023 0.8051 0.8078 0.8106 0.8133
0.9 0.8159 0.8186 0.8212 0.8238 0.8264 0.8289 0.8315 0.8340 0.8365 0.8389
1.0 0.8413 0.8438 0.8461 0.8485 0.8508 0.8531 0.8554 0.8577 0.8599 0.8621
1.1 0.8643 0.8665 0.8686 0.8708 0.8729 0.8749 0.8770 0.8790 0.8810 0.8830
1.2 0.8849 0.8869 0.8888 0.8907 0.8925 0.8944 0.8962 0.8980 0.8997 0.9015
1.3 0.9032 0.9049 0.9066 0.9082 0.9099 0.9115 0.9131 0.9147 0.9162 0.9177
1.4 0.9192 0.9207 0.9222 0.9236 0.9251 0.9265 0.9279 0.9292 0.9306 0.9319
1.5 0.9332 0.9345 0.9357 0.9370 0.9382 0.9394 0.9406 0.9418 0.9429 0.9441
1.6 0.9452 0.9463 0.9474 0.9484 0.9495 0.9505 0.9515 0.9525 0.9535 0.9545
1.7 0.9554 0.9564 0.9573 0.9582 0.9591 0.9599 0.9608 0.9616 0.9625 0.9633
1.8 0.9641 0.9649 0.9656 0.9664 0.9671 0.9678 0.9686 0.9693 0.9699 0.9706
1.9 0.9713 0.9719 0.9726 0.9732 0.9738 0.9744 0.9750 0.9756 0.9761 0.9767
2.0 0.9772 0.9778 0.9783 0.9788 0.9793 0.9798 0.9803 0.9808 0.9812 0.9817
2.1 0.9821 0.9826 0.9830 0.9834 0.9838 0.9842 0.9846 0.9850 0.9854 0.9857
2.2 0.9861 0.9864 0.9868 0.9871 0.9875 0.9878 0.9881 0.9884 0.9887 0.9890
2.3 0.9893 0.9896 0.9898 0.9901 0.9904 0.9906 0.9909 0.9911 0.9913 0.9916
2.4 0.9918 0.9920 0.9922 0.9925 0.9927 0.9929 0.9931 0.9932 0.9934 0.9936
2.5 0.9938 0.9940 0.9941 0.9943 0.9945 0.9946 0.9948 0.9949 0.9951 0.9952
2.6 0.9953 0.9955 0.9956 0.9957 0.9959 0.9960 0.9961 0.9962 0.9963 0.9964
2.7 0.9965 0.9966 0.9967 0.9968 0.9969 0.9970 0.9971 0.9972 0.9973 0.9974
2.8 0.9974 0.9975 0.9976 0.9977 0.9977 0.9978 0.9979 0.9979 0.9980 0.9981
2.9 0.9981 0.9982 0.9982 0.9983 0.9984 0.9984 0.9985 0.9985 0.9986 0.9986
3.0 0.9987 0.9987 0.9987 0.9988 0.9988 0.9989 0.9989 0.9989 0.9990 0.9990
3.1 0.9990 0.9991 0.9991 0.9991 0.9992 0.9992 0.9992 0.9992 0.9993 0.9993
3.2 0.9993 0.9993 0.9994 0.9994 0.9994 0.9994 0.9994 0.9995 0.9995 0.9995
3.3 0.9995 0.9995 0.9995 0.9996 0.9996 0.9996 0.9996 0.9996 0.9996 0.9997
3.4 0.9997 0.9997 0.9997 0.9997 0.9997 0.9997 0.9997 0.9997 0.9997 0.9998
3.5 0.9998 0.9998 0.9998 0.9998 0.9998 0.9998 0.9998 0.9998 0.9998 0.9998
3.6 0.9998 0.9998 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999
3.7 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999
3.8 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999
3.9 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000
4.0 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000

X−µ X − 1433
Z= = 1,96 = = 2018,6mm
σ 298,8

- A probabilidade de uma precipitação de valor P + σ ser igualada ou superada é 15,9%


Outra propriedade interessante de uma distribuição Normal é:

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- A probabilidade de uma precipitação de valor P − σ ser igualada ou superada é 84,2 %


onde: P é a precipitação média e σ é o desvio padrão.

Caso o ajuste teórico da distribuição Normal não se ajuste bem aos valores empíricos,
recomenda-se testar o ajuste de outra distribuição.
O ajuste de uma distribuição Normal aos dados permite que seja feita a extrapolação do ajuste,
para valores de precipitação que ainda não foram registrados. Contrariamente, para os valores
observados, normalmente são utilizadas equações empíricas de posição de plotagem dos dados
de precipitação. Uma das equações empíricas mais utilizadas para o tratamento de dados de
precipitação anual e mensal é a equação de Weibull
P=
i
n +1
(4.10)
onde: P é a probabilidade de excedência de um evento; i é o número de ordem do valor da chuva
numa série ordenada (no sentido do evento mais raro para o menos raro); n é o tamanho da
amostra (número de anos de dados). Na literatura especializada também são apresentadas outras
equações empíricas de posição de plotagem.

Tabela 4. 7 – Série de precipitação anual do posto Hospital em Arroio Grande


ANO P total anual (mm)
1954 1673,3
1955 1474,3
1956 1402,8
1957 1928,6
1958 1404,5
1959 1025,1
1960 1224.9
1961 1410,6
1962 1178,2
1963 1392,4
1964 918,5
1965 1383,7
1966 1633
1967 1223,7
1968 851,2
1969 1530,4
1970 1493,8
1971 1433,3
1972 1472
1973 1519,3
1974 1191,9
1975 1549,5
1976 1374
1977 1374,8
1978 1272,2
1979 1430,1
1980 1807,1
1981 1151,2
1982 1408,6
1983 2160,7
1984 1825,7

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Por exemplo, deseja-se determinar o tempo de retorno da precipitação anual de 1408,6 mm,
registrada no posto Hospital de Arroio Grande. A série de totais anuais é apresentada na Tabela
4. 7. A equação empírica de posição de plotagem de Weibull é utilizada (Tabela 4. 8),
posteriormente é determinado o tempo de retorno de cada precipitação (TR=1/P). Para a
precipitação em interesse o tempo de retorno seria de 2 anos, ou seja, essa precipitação anual
acontece em média a cada 2 anos.

Tabela 4. 8 – Ajuste da equação empírica de Weibull à série de precipitação


Precipitação Ordenada Probabilidade de excedência do
Ordem (mm) evento (%) Tempo de retorno (anos)
1 2160.7 3.13 32.00
2 1928.6 6.25 16.00
3 1825.7 9.38 10.67
4 1807.1 12.50 8.00
5 1673.3 15.63 6.40
6 1633.0 18.75 5.33
7 1549.5 21.88 4.57
8 1530.4 25.00 4.00
9 1519.3 28.13 3.56
10 1493.8 31.25 3.20
11 1474.3 34.38 2.91
12 1472.0 37.50 2.67
13 1433.3 40.63 2.46
14 1430.1 43.75 2.29
15 1410.6 46.88 2.13
16 1408.6 50.00 2.00
17 1404.5 53.13 1.88
18 1402.8 56.25 1.78
19 1392.4 59.38 1.68
20 1383.7 62.50 1.60
21 1374.8 65.63 1.52
22 1374.0 68.75 1.45
23 1272.2 71.88 1.39
24 1224.9 75.00 1.33
25 1223.7 78.13 1.28
26 1191.9 81.25 1.23
27 1178.2 84.38 1.19
28 1151.2 87.50 1.14
29 1025.1 90.63 1.10
30 918.5 93.75 1.07
31 851.2 96.88 1.03

Suponhamos agora que haja interesse em determinar uma precipitação total anual cujo tempo
de retorno seja de 50 anos. Nesse caso a distribuição empírica não fornece essa informação,
sendo necessário, portanto, fazer uso de uma distribuição teórica de probabilidades para, a partir
da estatística amostral, estimarmos o valor da precipitação desejada.
A partir da amostra são determinadas as estatísticas da série, de forma a utilizarmos uma
distribuição Normal para a extrapolação do ajuste. Para a série de precipitação apresentada na
Tabela 4. 7 a média é 1423,2 mm e o desvio padrão é 276,91 mm. Uma vez determinadas essas
estatísticas, é possível ajustar uma distribuição normal a todos os dados (Tabela 4. 9), o que pode
ser facilmente realizado em uma planilha do tipo Excel. Finalizado esse processo, devem ser
plotados os ajustes teóricos e empíricos conjuntamente, de forma a verificar a validade da

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escolha da metodologia para a distribuição de probabilidade teórica (Figura 4. 24). A plotagem


também pode ser realizada utilizando o aplicativo Excel, colocando no eixo das abscissas o
tempo de retorno (em escala logarítmica) e nas ordenadas a precipitação. Outra alternativa para a
plotagem é a utilização de um papel mono-logarítmico.
A partir do gráfico a precipitação com 50 anos de tempo de retorno pode ser estimada em
função do ajuste teórico de probabilidades. Observa-se no mesmo gráfico que houve uma boa
aderência entre os ajustes teórico e empírico para baixos valores de precipitação, entretanto, isso
não é observado para valores maiores de precipitação. Nesse caso, pode-se verificar que a partir
do ajuste teórico a precipitação com 50 anos de tempo de retorno seria de aproximadamente
2000 mm, enquanto a partir do ajuste empírico essa precipitação corresponde e um TR de
aproximadamente 20 anos. O recomendado nessa situação seria a busca de uma nova
distribuição de probabilidade teórica, que conseguisse produzir um bom ajuste tanto aos valores
maiores, quanto menores de precipitação.

Tabela 4. 9 – Ajuste de distribuição Normal aos dados de precipitação do Posto Hospital


Observado Probabilidade TR
decrescente Z dados Acumulada (%) teórico(anos)
2160.7 2.663 0.39 258.49
1928.6 1.825 3.40 29.42
1825.7 1.454 7.30 13.69
1807.1 1.386 8.28 12.07
1673.3 0.903 18.32 5.46
1633.0 0.758 22.43 4.46
1549.5 0.456 32.42 3.08
1530.4 0.387 34.93 2.86
1519.3 0.347 36.43 2.75
1493.8 0.255 39.94 2.50
1474.3 0.185 42.68 2.34
1472.0 0.176 43.01 2.33
1433.3 0.036 48.55 2.06
1430.1 0.025 49.01 2.04
1410.6 -0.046 51.82 1.93
1408.6 -0.053 52.10 1.92
1404.5 -0.068 52.69 1.90
1402.8 -0.074 52.94 1.89
1392.4 -0.111 54.43 1.84
1383.7 -0.143 55.67 1.80
1374.8 -0.175 56.94 1.76
1374.0 -0.178 57.05 1.75
1272.2 -0.545 70.72 1.41
1224.9 -0.716 76.31 1.31
1223.7 -0.720 76.44 1.31
1191.9 -0.835 79.82 1.25
1178.2 -0.885 81.19 1.23
1151.2 -0.982 83.70 1.19
1025.1 -1.438 92.47 1.08
918.5 -1.823 96.58 1.04
851.2 -2.066 98.06 1.02

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2500

2000

Precipitação (mm)
1500

1000

500
TR - empírico
TR - teórico
0
50
1 10 TR (anos) 100 1000

Figura 4. 24 – Ajuste de distribuição Normal aos dados de precipitação da


Tabela 4. 7

4.10 Precipitações intensas


As precipitações intensas são as principais causas de cheias e prejuízos, por isso merecem
destaque especial em hidrologia. Normalmente o transbordamento de rios, problemas de
drenagem, alagamento de ruas, inundação de residências, escolas, entre outros é um processo
decorrente de uma chuva intensa. Assim, é lógico que no dimensionamento de obras de
drenagem (pontes, bueiros, vertedores, etc.) deve-se analisar o comportamento das chuvas
intensas em uma região, de forma a dimensionar estruturas que tragam segurança à população.
Dentro do conceito de chuva intensa, deve ser lembrado que quanto mais curta a duração
de uma precipitação, maior a chance de que ela tenha sido muito intensa, e que quanto mais
freqüente uma chuva maior é a probabilidade de sua ocorrência. Assim, na análise de um chuva
intensa, deve ser considerada a inter-relação entre essas variáveis: Intensidade – Duração –
Freqüência. Esse processo é possível através da utilização das chamadas curvas IDF.
A curva IDF é obtida a partir da análise estatística de séries longas de dados de um
pluviógrafo (mais de 15 anos, pelo menos). A metodologia de desenvolvimento da curva IDF
baseia-se na seleção das maiores chuvas de uma duração escolhida (por exemplo 15 minutos) em
cada ano da série de dados. Com base nesta série de tamanho N (número de anos) é ajustada uma
distribuição de freqüências que melhor represente a distribuição dos valores observados. Ao
utilizar o registro de chuvas intensas utiliza-se uma distribuição assimétrica, como Gumbel e
Log-Person III, para a realização do ajuste, O procedimento é repetido para diferentes durações
de chuva (5 minutos; 10 minutos; 1 hora; 12 horas; 24 horas; 2 dias; 5 dias) e os resultados são
resumidos na forma de um gráfico, ou equação, com a relação das três variáveis: Intensidade,
Duração e Freqüência (ou tempo de retorno).
A Figura 4. 25 apresenta uma curva IDF obtida a partir da análise dos dados de um
pluviógrafo que esteve localizado no Instituto de Pesquisas Hidráulicas em Porto Alegre. Cada
uma das linhas representa um Tempo de Retorno; no eixo horizontal estão as durações e no eixo
vertical estão as intensidades. Observa-se que quanto menor a duração maior a intensidade da

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chuva. Da mesma forma, quanto maior o Tempo de Retorno, maior a intensidade da chuva. Por
exemplo, a chuva de 1 hora de duração com tempo de retorno de 100 anos tem uma intensidade
de 60 mm.hora-1.
200

180 TR 2 anos
TR 5 anos
160
TR 10 anos
140 TR 25 anos
Intensidade (mm/h)

TR 50 anos
120
TR 100 anos
100

80

60

40

20

0
0 20 40 60 80 100 120 140
Duração (minutos)

Figura 4. 25 – Curva IDF de Porto Alegre obtida a partir do posto IPH

Evidentemente as curvas IDF são diferentes em diferentes locais. Assim, a curva IDF de
Porto Alegre vale para a região próxima a esta cidade. Infelizmente não existem séries de dados
de pluviógrafos longas em todas as cidades, assim, muitas vezes, é necessário considerar que a
curva IDF de um local é válida para uma grande região do entorno. No Brasil existem estudos de
chuvas intensas com curvas IDF para a maioria das capitais dos Estados e para algumas cidades
do interior, apenas.
De maneira geral as equações IDF são expressas através de uma expressão com a
seguinte forma
I=
a TR b
(t + c)d
(4.11)

onde: a, b, c e d são parâmetros característicos da IDF de cada local; TR é o tempo de retorno em


anos; t é a duração da precipitação em minutos. Por exemplo, a equação IDF que representa as
curvas da Figura 4. 25 tem os parâmetros: a=509,86; b=0,196; c=10; d=0,72.
Em termos práticos, para a utilização de uma IDF, uma vez conhecidos os parâmetros que
caracterizam a IDF de um dado local, é necessário informar o tempo de retorno de projeto e a
duração da chuva. O tempo de retorno a ser utilizado é um critério relacionado com o tipo de
obra de engenharia. Por exemplo, no projeto de um sistema de drenagem pluvial urbano as
bocas-de-lobo são em geral dimensionadas para chuvas de 3 a 5 anos de período de retorno,
enquanto que o vertedor de uma barragem como Itaipú no rio Paraná, é dimensionado para uma
vazão de 100.000 anos de período de retorno. Com relação à duração da chuva, normalmente
adota-se o critério de utilização da duração da chuva igual ao tempo de concentração da bacia
hidrográfica para a qual será desenvolvido o estudo. Em alguns casos especiais, a duração da

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chuva também pode seguir um critério pré-estabelecido, como por exemplo, a duração máxima
de 10 minutos é utilizada para o dimensionamento de redes de micro-drenagem em Porto Alegre.
Uma equação IDF também pode ser utilizada para obter a precipitação discretizada
temporalmente. Por exemplo, deseja-se obter a precipitação com 20 minutos de duração e 2 anos
de tempo de retorno da cidade de Porto Alegre, utilizando uma discretização temporal de 5
minutos. Na Tabela 4. 11 é apresentado esse processo a partir do uso dos parâmetros
apresentados anteriormente para a IDF. Nessa tabela é apresentado na primeira coluna a duração
respectiva de cada precipitação até os 20 minutos; na segunda coluna é apresentada a intensidade
da precipitação correspondente a cada duração; na terceira coluna é apresentada a lâmina de água
acumulada de chuva (=I*Tempo/60); e na última coluna é apresentada a precipitação de forma
desacumulada (Pacumt-Pacumt-1).

Tabela 4. 10 – Determinação da precipitação a partir de uma IDF


Tempo (min) I (mm/h) Pacum (mm) P (mm)
5 83,11 6,93 6,93
10 67,56 11,26 4,33
15 57,54 14,38 3,12
20 50,46 16,82 2,44

O procedimento apresentado na Tabela 4. 10 é particularmente importante, visto que em


algumas metodologias para a determinação da vazão deve ser informada a precipitação em
intensidade, enquanto em outras, deve ser informada a precipitação em forma de lâmina,
conforme será visto posteriormente.
É interessante observar também que na última coluna da Tabela 4. 10 a precipitação
encontra-se desagregada, no entanto, distribui-se do maior para o menor valor, como se houvesse
ocorrido uma “pancada” de chuva no início do tempo, e gradativamente a mesma foi
diminuindo. Esse fato é decorrente do fato como é elaborada a IDF, e pode não representar o
comportamento real de uma chuva. Assim, existem alguns procedimentos para fazer a
redistribuição temporal da chuva gerada a partir de uma IDF, conforme apresentado no item 4.11
Distribuição temporal da precipitação.
É interessante comparar as intensidades de chuva da curva IDF da Figura 4. 25 com as
chuvas da Tabela 4. 11, que apresenta as chuvas mais intensas já registradas no mundo, para
diferentes durações. Observa-se que existem regiões da China em que já ocorreu em 10 horas a
chuva de 1400 mm, que é equivalente ao total anual médio de precipitação em Porto Alegre.

Tabela 4. 11 – Chuvas mais intensas já registradas no mundo (adaptado de Ward e Trimble,


2003).
Duração Precipitação Local e Data
(mm)
1 minuto 38 Barot, Guadeloupe 26/11/1970
15 minutos 198 Plumb Point, Jamaica 12/05/1916
30 minutos 280 Sikeshugou, Hebei, China 03/07/1974
60 minutos 401 Shangdi, Mongólia, China 03/07/1975
10 horas 1400 Muduocaidang, Mongólia, China
01/08/1977
24 horas 1825 Foc Foc, Ilhas Reunião 07 e 08/01/1966
12 meses 26461 Cherrapunji, Índia Ago. de 1860 a Jul. de
1861

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4.11 Distribuição temporal da precipitação


Conforme mencionado anteriormente, o resultado da obtenção da precipitação a partir de
uma equação IDF é uma série de precipitação que não apresenta distribuição temporal. Assim,
antes do uso da informação de precipitação é importante fazer a distribuição temporal da chuva,
de tal forma que a mesma tente representar o comportamento da chuva da região.
No caso de haver informação disponível de pluviógrafo, é possível fazer um estudo sobre
o comportamento da distribuição temporal da chuva na região, e a partir dessa análise proceder
com a organização da chuva determinada a partir da IDF no tempo. No entanto, o caso mais
comum é a adoção de um critério pré-definido para a distribuição temporal da chuva. Entre esses
critérios, o mais usado dada sua simplicidade é o Método dos Blocos Alternados.
Uma vez determinada a precipitação (equivalente à última coluna da Tabela 4. 10), o
procedimento para a utilização do Método dos Blocos Alternados consiste em re-organizar a
precipitação da seguinte forma: o maior volume de chuva é colocado na metade (50%) da
duração total da chuva (ou de acordo com outros critérios (25, 75%, etc.); os demais volumes de
chuva são dispostos em ordem alternada, um abaixo desse valor, outro acima, e assim até o final
do processo, conforme apresentado na Tabela 4. 12 . À última coluna dessa tabela é dado o nome
de hietograma de projeto, e o mesmo pode ser apresentado em forma de um diagrama de barras,
como na Figura 4. 26.

Tabela 4. 12 – Distribuição temporal da chuva usando o Método dos Blocos Alternados


Tempo (min) I (mm/h) Pacum (mm) P (mm) P(mm) Ordenada –
Blocos Alternados
5 83,11 6,93 6,93 3,12
10 67,56 11,26 4,33 6,93
15 57,54 14,38 3,12 4,33
20 50,46 16,82 2,44 2,44

6
Precipitação (mm)

0
5 10 15 20
Tempo (minutos)

Figura 4. 26 – Hietograma de projeto

Além do Método dos Blocos Alternados, na literatura especializada em hidrologia são


apresentados outros métodos como o de Huff e de Chicago.

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5. Interceptação
A interceptação é um fenômeno mal conhecido e difícil de estudar. A interceptação é
produzida pela cobertura vegetal e armazenamento em depressões. Seus efeitos são de retenção
de um certo volume de água da precipitação, que logo se transforma em evaporação, ou acaba
infiltrando, no caso de obstruções.

Interceptação vegetal

No caso da cobertura vegetal, a capacidade de interceptação depende das características


da precipitação (intensidade, duração, volume), das características da própria cobertura vegetal
(vegetação de folhas maiores possuem maior capacidade de interceptação), das condições
climáticas (quando há muito vento a capacidade de interceptação é diminuída), da época do ano
(por exemplo, no outono a capacidade de interceptação é praticamente nula em árvores de folhas
caducas), entre outros.
Alguns valores estimados para perdas por interceptação são: prados, de 5 a 10% da
precipitação anual; em bosques espessos, cerca de 25% da precipitação anual. Pode-se dizer
também que se a chuva é menor que 1 mm ela será interceptada em sua totalidade, e se é maior
que 1 mm, a interceptação vegetal pode variar entre 10 e 40%.
A quantificação de perdas devido à interceptação vegetal pode deve ser feita através do
monitoramento do dado de precipitação em uma região sem cobertura de vegetação, e o
monitoramento da precipitação que atravessa a vegetação (além de monitorar a água que escoa
pelo tronco das árvores). A diferença do volume total precipitado e volume de água que
atravessa a vegetação (considerando o volume escoado pelos troncos) fornece uma estimativa da
interceptação do local.

Armazenamento em depressões

O volume armazenado nas depressões do terreno constitui-se perdas, já que esse volume
evapora se a depressão é impermeável, ou também infiltra, caso contrário.
Em áreas urbanas estima-se que o volume de água perdido por armazenamento em
depressões seja da ordem de 5 a 8% da precipitação total.
A literatura apresenta algumas equações empíricas para estimativa do armazenamento,
como a de Linsley.

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6. Evapotranspiração

O retorno da água precipitada para a atmosfera, fechando o ciclo hidrológico, ocorre


através do processo da evapotranspiração. A importância do processo de evapotranspiração
permaneceu mal-compreendido até o início do século 18, quando Edmond Halley provou que a
água que evaporava da terra era suficiente para abastecer os rios, posteriormente, em forma de
precipitação.
Dá-se o nome de evapotranspiração ao conjunto de dois processos: evaporação e
transpiração.

Evaporação

A evaporação é o processo de transferência de água líquida para vapor do ar diretamente


de superfícies líquidas, como lagos, rios, reservatórios, poças, e gotas de orvalho. A água que
umedece o solo, que está em estado líquido, também pode ser transferida para a atmosfera
diretamente por evaporação.

Transpiração

É a transferência da água presente no solo para a atmosfera através do processo de


transpiração vegetal. A transpiração envolve a retirada da água do solo pelas raízes das plantas, o
transporte da água através da planta até as folhas e a passagem da água para a atmosfera através
dos estômatos da folha. Na Figura 6. 1 é apresentado o processo conjunto de evaporação (E) da
água do solo e transpiração vegetal (T), dando origem ao processo de evapotranspiração.

Figura 6. 1 – Processo de evapotranspiração

Do ponto de vista do profissional envolvido com obras para armazenamento de água, a


evapotranspiração tem um interesse muito específico nas perdas de água que ocorrem nos
reservatórios. No caso de reservatórios, temos uma grande superfície líquida sujeita à
evaporação. Além disso, a evapotranspiração é um processo que influencia fortemente a
quantidade de água precipitada que é transformada em vazão em uma bacia hidrográfica.

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6.1 Formação da evaporação


A evaporação ocorre quando o estado líquido da água é transformado de líquido para
gasoso. As moléculas de água estão em constante movimento, tanto no estado líquido como
gasoso. Algumas moléculas da água líquida têm energia suficiente para romper a barreira da
superfície, entrando na atmosfera, enquanto algumas moléculas de água na forma de vapor do ar
retornam ao líquido, fazendo o caminho inverso. Quando a quantidade de moléculas que deixam
a superfície é maior do que a que retorna está ocorrendo a evaporação.
As moléculas de água no estado líquido estão relativamente unidas por forças de atração
intermolecular. No vapor, as moléculas estão muito mais afastadas do que na água líquida, e a
força intermolecular é muito inferior. Durante o processo de evaporação a separação média entre
as moléculas aumenta muito, o que significa que é realizado trabalho em sentido contrário ao da
força intermolecular, exigindo grande quantidade de energia. A quantidade de energia que uma
molécula de água líquida precisa para romper a superfície e evaporar é chamada calor latente de
evaporação. O calor latente de evaporação pode ser dado por unidade de massa de água, como na
equação 6.1

λ = 2,501 − 0,002361 ⋅ Ts (6.1)

onde: λ é o calor latente em MJ.kg-1 e Ts é a temperatura da superfície da água em oC.


Portanto o processo de evaporação exige um fornecimento de energia, que, na natureza, é
provido pela radiação solar.
O ar atmosférico é uma mistura de gases entre os quais está o vapor de água. A
quantidade de vapor de água que o ar pode conter é limitada, e é denominada concentração de
saturação (ou pressão de saturação). A concentração de saturação de vapor de água no ar varia de
acordo com a temperatura do ar, como mostra a Figura 6. 2. Quando o ar acima de um corpo
d’água está saturado de vapor o fluxo de evaporação se encerra, mesmo que a radiação solar
esteja fornecendo a energia do calor latente de evaporação.

Figura 6. 2 - Relação entre o conteúdo de água no ar no ponto de saturação e a temperatura do ar.

Assim, para ocorrer a evaporação são necessárias duas condições:

I) que a água líquida esteja recebendo energia para prover o calor latente de evaporação;

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II) que o ar acima da superfície líquida não esteja saturado de vapor de água.
Além disso, quanto maior a energia recebida pela água líquida, tanto maior é a taxa de
evaporação. Da mesma forma, quanto mais baixa a concentração de vapor no ar acima da
superfície, maior a taxa de evaporação.
A umidade relativa é a medida do conteúdo de vapor de água do ar em relação ao
conteúdo de vapor que o ar teria se estivesse saturado (equação 6.2). Assim, ar com umidade
relativa de 100% está saturado de vapor, e ar com umidade relativa de 0% está completamente
isento de vapor.
UR = 100 ⋅
w
(6.2)
ws

onde UR é a umidade relativa em %; w é a massa de vapor pela massa de ar e ws é a massa de


vapor por massa de ar no ponto de saturação.
A umidade relativa também pode ser expressa em termos de pressão parcial de vapor. De
acordo com lei de Dalton cada gás que compõe uma mistura exerce uma pressão parcial,
independente da pressão dos outros gases, igual à pressão que exerceria se fosse o único gás a
ocupar o volume. No ponto de saturação a pressão parcial do vapor corresponde à pressão de
saturação do vapor no ar, e a equação 6.2 pode ser reescrita como:
UR = 100 ⋅
e
(6.3)
es

onde UR é a umidade relativa em %; e é a pressão parcial de vapor no ar e es é pressão de saturação.

6.2 Fatores que afetam a evaporação


Os principais fatores que afetam a evaporação são a temperatura, a umidade do ar, a
velocidade do vento e a radiação solar.

Radiação solar

A quantidade de energia solar que atinge a Terra no topo da atmosfera está na faixa das
ondas curtas. Na atmosfera e na superfície terrestre a radiação solar é refletida e sofre
transformações, de acordo com a Figura 6. 3.
Parte da energia incidente é refletida pelo ar e pelas nuvens (26%) e parte é absorvida
pela poeira, pelo ar e pelas nuvens (19%). Parte da energia que chega a superfície é refletida de
volta para o espaço ainda sob a forma de ondas curtas (4% do total de energia incidente no topo
da atmosfera).
A energia absorvida pela terra e pelos oceanos contribui para o aquecimento destas
superfícies que emitem radiação de ondas longas. Além disso, o aquecimento das superfícies
contribuem para o aquecimento do ar que está em contato, gerando o fluxo de calor sensível (ar
quente), e o fluxo de calor latente (evaporação).
Finalmente, a energia absorvida pelo ar, pelas nuvens e a energia dos fluxos de calor
latente e sensível retorna ao espaço na forma de radiação de onda longa, fechando o balanço de
energia.
O processo de fluxo de calor sensível é onde ocorre a evaporação. A intensidade desta
evaporação depende da disponibilidade de energia. Os valores apresentados na Figura 6. 3
referem-se às médias globais, o que significa que a energia utilizada para evaporação pode ser
maior ou menor, dependendo principalmente da latitude e da época do ano. Regiões mais

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próximas ao Equador recebem maior radiação solar, e apresentam maiores taxas de


evapotranspiração.

ondas ondas

incidente
Radiação Solar
curtas longas
Espaço

100
6 20 4 6 38 26

Atmosfera

l o da
Emitida pelas

pe fleti
ar
nuvens

re

ns
ve
pe letida
nu
Absorvida pelo Emitida pelo

las
ar e poeira 16 ref vapor de H2O
e CO2
e
rfíci
upe s

Absorvida pelas Absorvida pelo


pela

nuvens vapor de H2O


Fluxo de calor
tida

e CO2
latente
refle

3 15

Fluxo de calor
sensível
Absorvida na
Emitida pela
superfície
superfície

51 21 7 23
Superfície (Terra + Oceanos)

Figura 6. 3 - Média global de fluxos de energia na atmosfera da Terra.

Temperatura

A quantidade de vapor de água que o ar pode conter varia com a temperatura. Ar mais
quente pode conter mais vapor, portanto o ar mais quente favorece a evaporação.

Umidade do ar

Quanto menor a umidade do ar, mais fácil é o fluxo de vapor da superfície que está
evaporando. O efeito é semelhante ao da temperatura. Se o ar da atmosfera próxima à superfície
estiver com umidade relativa próxima a 100% a evaporação diminui porque o ar já está
praticamente saturado de vapor.

Velocidade do vento

O vento é uma variável importante no processo de evaporação porque remove o ar úmido


diretamente do contato da superfície que está evaporando ou transpirando. O processo de fluxo
de vapor na atmosfera próxima à superfície ocorre por difusão, isto é, de uma região de alta
concentração (umidade relativa) próxima à superfície para uma região de baixa concentração
afastada da superfície. Este processo pode ocorrer pela própria ascensão do ar quente como pela
turbulência causada pelo vento.

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6.3 Medição de evaporação


A evaporação é medida de forma semelhante à precipitação, utilizando unidades de mm
para caracterizar a lâmina evaporada ao longo de um determinado intervalo de tempo. As formas
mais comuns de medir a evaporação são o Tanque Classe A e o Evaporímetro de Piche.
O tanque Classe A (Figura 6. 4) é um recipiente metálico que tem forma circular com um
diâmetro de 121 cm e profundidade de 25,5 cm. Construído em aço ou ferro galvanizado, deve
ser pintado na cor alumínio e instalado numa plataforma de madeira a 15 cm da superfície do
solo. Deve permanecer com água variando entre 5,0 e 7,5 cm da borda superior.
A medição de evaporação no Tanque Classe A é realizada diariamente diretamente em
uma régua, ou ponta linimétrica, instalada dentro do tanque, sendo que são compensados os
valores da precipitação do dia. Por esta razão o Tanque Classe A é instalado em estações
meteorológicas em conjunto com um pluviômetro.

Figura 6. 4 - Tanque Classe A para medição de evaporação.


As medições de tanques Classe A são particularmente importantes quando se deseja
determinar a evaporação de superfícies líquidas, como por exemplo, lagos, açudes e
reservatórios. É necessário, no entanto, aplicar um coeficiente de redução aos dados de
evaporação medidos no tanque. Isso ocorre porque a água do reservatório normalmente está mais
fria do que a água do tanque, que tem um volume pequeno e está completamente exposta à
radiação solar.
Assim, para estimar a evaporação em reservatórios e lagos costuma-se considerar que
esta tem um valor de aproximadamente 60 a 80% da evaporação medida em Tanque Classe A, na
mesma região, isto é:
Elago = Etanque . Ft (6.4)
onde Ft tem valores entre 0,6 e 0,8.

Para exemplificar a importância da quantificação da evaporação, é citado o exemplo do


reservatório de Sobradinho, um dos mais importantes do rio São Francisco, tem uma área
superficial de 4.214 km2, constituindo-se no maior lago artificial do mundo. Esse lago está em
uma das regiões mais secas do Brasil, e em conseqüência disso, a evaporação direta deste
reservatório é estimada em 200 m3.s-1, o que corresponde a 10% da vazão regularizada do rio
São Francisco. Esta perda de água por evaporação é superior à vazão prevista para o projeto de
transposição do rio São Francisco, idealizado pelo governo federal.

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O evaporímetro de Piche (Figura 6. 5) é constituído por


um tubo cilíndrico, de vidro, de aproximadamente 30 cm de
comprimento e um centímetro de diâmetro, fechado na parte
superior e aberto na inferior. A extremidade inferior é tapada,
depois do tubo estar cheio com água destilada, com um disco de
papel de feltro, de 3 cm de diâmetro, que deve ser previamente
molhado com água. Este disco é fixo depois com uma mola. A
seguir, o tubo é preso por intermédio de uma argola a um
gancho situado no interior de um abrigo meteorológico padrão.
Tanto o Tanque Classe A, quanto o evaporímetro de
Piche fornecem valores de evapotranspiração potencial. No
entanto, os dados de evaporação do Tanque Classe A são
consideradas mais confiáveis do que as do evaporímetro de
Piche.

Figura 6. 5 – Evaporímetro de Piché

6.4 Fatores que afetam a transpiração


A transpiração é influenciada também pela radiação solar, pela temperatura, pela umidade
relativa do ar e pela velocidade do vento. Além disso, intervém outras variáveis, como o tipo de
vegetação e o tipo de solo.
Como o processo de transpiração é a transferência da água do solo, uma das variáveis
mais importantes é a umidade do solo. Quando o solo está úmido as plantas transpiram
livremente, e a taxa de transpiração é controlada pelas variáveis atmosféricas. Porém, quando o
solo começa a secar o fluxo de transpiração começa a diminuir. As próprias plantas têm um certo
controle ativo sobre a transpiração ao fechar ou abrir os estômatos, que são as aberturas na
superfície das folhas por onde ocorre a passagem do vapor para a atmosfera.
Para um determinado tipo de cobertura vegetal a taxa de evapotranspiração que ocorre em
condições ideais de umidade do solo é chamada a Evapotranspiração Potencial, enquanto a taxa
que ocorre para condições reais de umidade do solo é a Evapotranspiração Real. A
evapotranspiração real é sempre igual ou inferior à evapotranspiração potencial.

6.5 Medição da evapotranspiração


A medição da evapotranspiração é relativamente mais complicada do que a medição da
evaporação. Existem dois métodos principais de medição de evapotranspiração: os lisímetros e
as medições micrometeorológicas.
Os lisímetros são depósitos ou tanques enterrados, abertos na parte superior, os quais são
preenchidos com o solo e a vegetação característicos dos quais se deseja medir a
evapotranspiração (Figura 6. 6). O solo recebe a precipitação, e é drenado para o fundo do
aparelho onde a água é coletada e medida. O depósito é pesado diariamente, assim como a chuva
e os volumes escoados de forma superficial e que saem por orifícios no fundo do lisímetro. A

equação 6.5, onde ∆V é a variação de volume de água (medida pelo peso); P é a chuva (medida
evapotranspiração é calculada por balanço hídrico entre dois dias subseqüentes de acordo com a

num pluviômetro); E é a evapotranspiração; Qs é o escoamento superficial (medido) e Qb é o


escoamento subterrâneo (medido no fundo do tanque).

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E = P - Qs – Qb - ∆V (6.5)

Figura 6. 6 - Lisímetros para medição de evapotranspiração

Os lisímetros fornecem dados de evapotranspiração real, e um lisímetro sem vegetação


pode ser utilizado para medir a evaporação real.
A medição de evapotranspiração por métodos micrometeorológicos envolve a medição
das variáveis velocidade do vento e umidade relativa do ar em alta freqüência. Próximo à
superfície, a velocidade do vento é paralela à mesma, o que significa que o movimento médio na
vertical é zero. Entretanto, a turbulência do ar em movimento causa flutuações na velocidade
vertical, que na média permanece zero, mas apresenta momentos de fluxo ascendente e
descendente alternados. Na média estes fluxos são iguais a zero, entretanto num instante
qualquer a velocidade ascendente pode ser dada por w’.
A umidade do ar também tem um valor médio (q) e uma flutuação em torno deste valor
médio (q’). O valor de q’ positivo significa ar com umidade ligeiramente superior à média q,
enquanto o valor q’ negativo significa umidade ligeiramente inferior à média. Se num instante
qualquer tanto w’ como q’ são positivos então ar mais úmido do que a média está sendo afastado
da superfície, e se w’ e q’ são, ao mesmo tempo, negativos, então ar mais seco do que o normal
está sendo trazido para próximo da superfície.
De fato, esta correlação entre as variáveis umidade e velocidade vertical ocorre e pode ser
medida para estimar a evapotranspiração. São necessários para isto sensores de resposta muito
rápida para a velocidade do ar e para sua umidade, e um processador capaz de integrar os fluxos
w’.q’ ao longo do tempo.

6.6 Estimativa da evapotranspiração através de equações


6.6.1 Balanço hídrico

A evapotranspiração real pode ser estimada, também, pela medição das outras variáveis
que intervém no balanço hídrico de uma bacia hidrográfica. De forma semelhante ao apresentado
na equação 6.4, para um lisímetro, pode ser realizado o balanço hídrico de uma bacia para
estimar a evapotranspiração. Neste caso, entretanto, as estimativas não podem ser feitas
considerando o intervalo de tempo diário, mas apenas o anual, ou maior. Isto ocorre porque,
dependendo do tamanho da bacia, a água da chuva pode permanecer vários dias ou meses no
interior da bacia antes de sair escoando pelo exutório.
Para estimar a evapotranspiração real por balanço hídrico de uma bacia é necessário
considerar valores médios de escoamento e precipitação de um período relativamente longo,
idealmente superior a um ano. A partir daí é possível considerar que a variação de

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Apostila de Hidrologia

armazenamento na bacia pode ser desprezada, e a equação de balanço hídrico se reduz à equação
6.6.

E TR = P – Q (6.6)

Por exemplo, uma bacia de 800 km2 recebe anualmente 1600 mm de chuva, e a vazão média
corresponde a 700 mm. A evapotranspiração anual pode ser calculada por balanço hídrico da bacia
desprezando a variação do armazenamento na bacia, ou seja, E = 1600 – 700 = 900 mm.

6.6.2 Método de Thorntwaith

Equação empírica do Método de Thorntwaith foi desenvolvida com base em dados de


precipitação e escoamento, de várias bacias hidrográficas localizadas nas regiões central e leste
dos Estados Unidos (clima temperado com verões secos e invernos úmidos).
O método correlaciona estas informações com a variável temperatura e possibilita a
estimativa da evapotranspiração potencial. Por tratar-se de um método baseado unicamente na
temperatura, o método de Thorntwaite ainda é muito utilizado, visto que a temperatura é um
dado normalmente coletado em estações meteorológicas. No entanto, por basear-se apenas na
temperatura, pode levar a resultados errôneos, pois a temperatura não é um bom indicador da
energia disponível para a evapotranspiração.
Outras limitações do método são: não considera a influência do vento, nem da advecção
do ar frio ou quente, não permite estimar a ETP para períodos diários. Seu uso é mais adequado
para regiões úmidas. Neste método, a ETP pode ser estimada pela equação abaixo:
⎛ 10 ⋅ T ⎞
ETP = f ⋅16 ⋅ ⎜ ⎟
a

⎝ I ⎠
(6.7)

⎡ ti ⎤
I =∑⎢ ⎥
onde: 1,514
12

i =1 ⎣ 5 ⎦
(6.8)

onde:
ETP é a evapotranspiração potencial para meses de 30 dias e dia com 12 horas diárias de
insolação (mm/mês)
T é a temperatura média do ar (ºC)
f é o fator de correção em função da latitude e mês do ano (ver Tabela 6. 1)
ti é a temperatura do mês analisado (ºC)

O valor de a é dado pela função cúbica do índice de calor anual:

a = 67,5 . 10-8 . I3 – 7,71 . 10–6 . I2 + 0,01791 . I + 0,492 (6.9)

Os valores obtidos pela fórmula de Thornthwaite são válidos para meses de 30 dias com
12 horas de luz por dia. Como o número de horas de luz por dia muda com a latitude e também
porque há meses com 28 e 31 dias, torna-se necessário proceder correções. O fator de correção
(f) é obtido da seguinte forma:

f = ⋅
h n
(6.10)
12 30
onde: h é número de horas de luz na latitude considerada; n é número de dias do mês em estudo.

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Tabela 6. 1 -Fator de correção f do método de Thornthwaite (UNESCO, 1982)


Latitude Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
10 N 0,98 0,91 1,03 1,03 1,08 1,06 1,08 1,07 1,02 1,02 0,98 0,99
5N 1,00 0,93 1,03 1,02 1,06 1,03 1,06 1,05 1,01 1,03 0,99 1,02
0 1,02 0,94 1,04 1,01 1,01 1,01 1,04 1,04 1,01 1,04 1,01 1,04
5S 1,04 0,95 1,04 1,00 1,02 0,99 1,02 1,03 1,00 1,05 1,03 1,06
10 S 1,08 0,97 1,05 0,99 1,01 0,96 1,00 1,01 1,00 1,06 1,05 1,10
15 S 1,12 0,98 1,05 0,98 0,98 0,94 0,97 1,00 1,00 1,07 1,07 1,12
20 S 1,14 1,00 1,05 0,97 0,96 0,91 0,95 0,99 1,00 1,08 1,09 1,15
25 S 1,17 1,01 1,05 0,96 0,94 0,88 0,93 0,98 1,00 1,10 1,11 1,18
30 S 1,20 1,03 1,06 0,95 0,92 0,85 0,90 0,96 1,00 1,12 1,14 1,21
35 S 1,23 1,04 1,06 0,94 0,89 0,82 0,87 0,94 1,00 1,13 1,17 1,25
40 S 1,27 1,06 1,07 0,93 0,86 0,78 0,84 0,92 1,00 1,15 1,20 1,29

6.6.3 Método de Blaney-Criddle

Esse método foi desenvolvido na região oeste dos Estados Unidos, nos anos 50.
Originalmente o método era utilizado para estimativas de uso consuntivo. Dadas as característica
da região para a qual o método foi desenvolvido, o método é mais indicado para zonas áridas e
semi-áridas, e consiste na aplicação da seguinte equação empírica para avaliar a
evapotranspiração potencial:
ETP = (0,457.T + 8,13). p .24 (6.11)
onde:
ETP é a evapotranspiração potencial (mm/mês);
T é a temperatura média mensal do ar em ºC;
p é a porcentagem diária de horas de luz (Tabela 6. 2)

Tabela 6. 2 - Proporção média diária (p) de horas de luz para diferentes latitudes
Latitude Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
0S 0,27 0,27 0,27 0,27 0,27 0,27 0,277 0,27 0,27 0,27 0,27 0,27
05 S 0,28 0,28 0,28 0,27 0,27 0,27 0,27 0,27 0,27 0,28 0,28 0,28
10 S 0,29 0,28 0,28 0,27 0,26 0,26 0,26 0,27 0,27 0,28 0,28 0,29
15 S 0,29 0,28 0,28 0,27 0,26 0,25 0,26 0,26 0,27 0,28 0,29 0,29
20 S 0,30 0,29 0,28 0,26 0,25 0,25 0,25 0,26 0,27 0,28 0,29 0,30
25 S 0,31 0,29 0,28 0,26 0,25 0,24 0,24 0,26 0,27 0,29 0,30 0,31
30 S 0,31 0,30 0,28 0,26 0,24 0,23 0,24 0,25 0,27 0,29 0,31 0,32
35 S 0,32 0,30 0,28 0,25 0,23 0,22 0,23 0,25 0,27 0,29 0,31 0,32
40 S 0,33 0,31 0,28 0,25 0,22 0,21 0,22 0,24 0,27 0,30 0,32 0,34
46 S 0,34 0,32 0,28 0,24 0,21 0,20 0,20 0,23 0,27 0,30 0,34 0,35
50 S 0,35 0,32 0,28 0,24 0,20 0,18 0,19 0,23 0,27 0,31 0,34 0,36

6.6.4 Equações de Penman-Monteith

A principal equação de evapotranspiração de base física é a equação de Penman-Monteith

⎜ ∆ ⋅ (R − G ) + ρ ⋅ c ⋅ (e s − e d ) ⎟
(6.12).
⎛ ⎞
⎜ ⎟
E=⎜ ⎟⋅
L A p
ra 1
⎜ ⎛ r ⎞ ⎟ λ ⋅ ρW
(6.12)
∆ + γ ⋅ ⎜⎜1 + s ⎟⎟
⎜ ⎟
⎝ ⎝ ra ⎠ ⎠

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onde:
E é a taxa de evaporação da água (m.s-1);
λ é o calor latente de vaporização (MJ.kg-1);
∆ é a taxa de variação da pressão de saturação do vapor com a temperatura do ar (kPa.ºC-1);
RL é a radiação líquida que incide na superfície (MJ.m-2.s-1);
G é o fluxo de energia para o solo (MJ.m-2.s-1);
ρA é a massa específica do ar (kg.m-3);
ρW é a massa específica da água (kg.m-3);
cp é o calor específico do ar úmido (cp = 1,013.10-3 MJ.kg-1.ºC-1);
es é a pressão de saturação do vapor (kPa);
ed é a pressão real de vapor de água no ar (kPa);
γ é a constante psicrométrica (γ = 0,66) (kPa.ºC-1);
rs é a resistência superficial da vegetação (s.m-1);
ra é a resistência aerodinâmica (s.m-1).

Os valores das variáveis podem ser obtidos pelas seguintes equações:

λ = (2,501 − 0,002361 ⋅ T ) (6.13)


ρ A = 3,486 ⋅
PA
275 + T
4098 ⋅ e s
(6.14)
∆=
(237,3 + T )2
⎛ 17,27 ⋅ T ⎞
(6.15)
e s = 0,6108 ⋅ exp⎜ ⎟
⎝ 237,3 + T ⎠ (6.16)
ed = es ⋅
UR
100 (6.17)
γ = 0,0016286 ⋅
PA
λ (6.18)

onde: UR é a umidade relativa do ar (%); PA é a pressão atmosférica (kPa); T é a temperatura do


ar a 2 m da superfície (ºC).
Há uma analogia de parte da equação 6.12 com um circuito elétrico, em que o fluxo
evaporativo é a corrente, a diferença de potencial é o déficit de pressão de vapor no ar (pressão
de saturação do vapor menos pressão parcial real: es-ed) e a resistência é uma combinação de
resistência superficial e resistência aerodinâmica. A resistência superficial é a combinação, para
o conjunto da vegetação, da resistência estomática das folhas. Mudanças na temperatura do ar e
velocidade do vento vão afetar a resistência aerodinâmica. Mudanças na umidade do solo são
enfrentadas pelas plantas com mudanças na transpiração, que afetam a resistência estomática ou
superficial.
O valor de E, calculado pela equação 6.12, é convertido para as unidades de lâmina diária

E a = E ⋅ fc
pela equação a seguir.
(6.19)
onde: Ea é a lâmina de evapotranspiração (mm.dia-1); E é a taxa de evaporação da água (mm.dia-
1
); fc é um fator de conversão de unidades (fc = 8,64.107) (mm.s.dia-1.m-1).
A energia disponível para a evapotranspiração depende da energia irradiada pelo sol, da
energia que é refletida ou bloqueada pela atmosfera, da energia que é refletida pela superfície

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terrestre, da energia que é irradiada pela superfície terrestre e da energia que é transmitida ao
solo.
Normalmente, as estações climatológicas dispõe de dados de radiação que atinge a
superfície terrestre (SSUP), medida com radiômetros, ou do número de horas de insolação (n),
medidas com o heliógrafo, ou mesmo da fração de cobertura de nuvens (n/N), estimada por um
observador. A estimativa da radiação líquida disponível para evapotranspiração depende do tipo
de dados disponível.
A situação de estimativa mais simples ocorre quando existem dados de radiação medidos,
dados normalmente em MJ.m-2.dia-1, ou cal.cm-2.dia-1. Neste caso, o termo RL da equação de
Penman-Monteith pode ser obtido da equação a seguir, que desconta a parte da radiação

R L = SSUP ⋅ (1 − α )
refletida.
(6.20)
onde: RL é a radiação líquida na superfície (MJ.m-2.s-1); SSUP é a radiação que atinge a superfície
(valor medido) (MJ.m-2.s-1); α é o albedo, que é a parcela da radiação incidente que é refletida
(parâmetro que depende da cobertura vegetal e uso do solo) adimensional.
Quando existem apenas dados de horas de insolação, ou da fração de cobertura de
nuvens, a radiação que atinge a superfície terrestre pode ser obtida considerando-a como uma
fração da máxima energia, de acordo com a época do ano, a latitude da região, e o tipo de
cobertura vegetal ou uso do solo.
A insolação máxima em um determinado ponto do planeta, considerando que o céu está
sem nuvens, é dada pela equação abaixo.
N= ⋅ ωs
24
π (6.21)

onde: N é a insolação máxima (horas); ωs é o ângulo do sol ao nascer (depende da latitude e da

ωs = arccos(− tan ϕ ⋅ tan δ )


época do ano) (radianos), e é dado por:
(6.22)

onde: φ é a latitude (positiva no hemisfério norte e negativa no hemisfério sul) (graus); ωs é o

⎛ 2⋅π ⎞
ângulo do sol ao nascer (radianos); é a declinação solar (radianos), dada por:
δ = 0,4093 ⋅ sin ⎜ ⋅ J − 1,405 ⎟
⎝ 365 ⎠ (6.23)

onde: é a declinação solar (radianos); J é o dia no calendário Juliano (contado a partir de 1˚ de


janeiro) adimensional.
A radiação que atinge o topo da atmosfera também depende da latitude e da época do

⋅ d r ⋅ (ωs ⋅ sen ϕ ⋅ sen δ + cos ϕ ⋅ cos δ ⋅ sen ωs )


ρ ⋅λ
ano:
S TOP = 15,392 ⋅ W
1000 (6.24)

onde: λ é o calor latente de vaporização (MJ.kg-1); STOP é a radiação no topo da atmosfera


(MJ.m-2.dia-1); ρW é a massa específica da água (kg.m-3); é a declinação solar (radianos); φ é a
latitude (graus); ωs é o ângulo do sol ao nascer (radianos); e dr é a distância relativa da terra ao

⎛ 2⋅π ⎞
sol (adimensional), dada por:
d r = 1 + 0,033 ⋅ cos⎜ ⋅ J⎟
⎝ 365 ⎠ (6.25)
onde J é o dia do calendário Juliano.

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A radiação que atinge o topo da atmosfera é parcialmente refletida pela própria


atmosfera, não atingindo a superfície terrestre. As nuvens são as principais responsáveis pela
reflexão, e a estimativa da radiação que atinge a superfície terrestre depende da fração de

⎛ n⎞
cobertura de nuvens, conforme a abaixo:
SSUP = ⎜ a s + b s ⋅ ⎟ ⋅ S TOP
⎝ N⎠ (6.26)

onde: N é a insolação máxima possível numa latitude em certa época do ano (horas); n é a
insolação medida (horas); STOP é a radiação no topo da atmosfera (MJ.m-2.dia-1); SSUP é a
radiação na superfície terrestre (MJ.m-2.dia-1); as é a fração da radiação que atinge a superfície
em dias encobertos (quando n=0) adimensional; e as + bs é a fração da radiação que atinge a
superfície em dias sem nuvens (n=N) adimensional.
Quando não existem dados locais medidos que permitam estimativas mais precisas, são
recomendados os valores de 0,25 e 0,50, respectivamente, para os parâmetros as e bs
(Shuttleworth, 1993).
Quando a estação meteorológica dispõe de dados de insolação, a equação acima é
utilizada com n medido e N estimado pela equação 6.21. Quando a estação dispõe de dados de
fração de cobertura, utiliza-se o valor de n/N diretamente.

descrito. A maior parte da energia irradiada pelo sol está na faixa de ondas curtas, de 0,3 a 3 µm.
Uma parte da radiação que atinge a superfície terrestre (SSUP) é refletida, conforme já

de 3 a 100 µm.
O balanço de energia, porém, também inclui uma pequena parcela de radiação de ondas longas,

O balanço de radiação de ondas longas na superfície terrestre depende, basicamente, de


quanta energia é emitida pela superfície terrestre e pela atmosfera. Normalmente, a superfície
terrestre é mais quente do que a atmosfera, resultando em um balanço negativo, isto é, há perda
de energia na faixa de ondas longas. A equação a seguir descreve a radiação líquida de ondas

L n = f ⋅ ε ⋅ σ ⋅ (T + 273,2)
longas que deixa a superfície terrestre.
4
(6.27)

onde: Ln é a radiação líquida de ondas longas que deixa a superfície (MJ.m-2.dia-1); f é um fator
de correção devido à cobertura de nuvens (adimensional); T é a temperatura média do ar a 2 m
do solo (ºC); é a emissividade da superfície (adimensional); σ é uma constante (σ=4,903.10-9
MJ.m-2.ºK-4.dia-1).

ε = 0,34 − 0,14 ⋅ (e d )
A emissividade da superfície pode ser estimada pela equação abaixo.
(6.28)
onde ed é a pressão parcial de vapor de água no ar (kPa).
O fator de correção da radiação de ondas longas devido à cobertura de nuvens (f) pode
ser estimado com base na equação a seguir:
f = 0,1 + 0,9 ⋅
n
N (6.29)
Por simplicidade, o fluxo de calor para o solo - termo G na equação de Penman-Monteith
– pode ser considerado nulo, principalmente quando o intervalo de tempo é relativamente grande
(1 dia).
Na analogia da evapotranspiração com um circuito elétrico, existem duas resistências que
a “corrente” (fluxo evaporativo) tem de enfrentar: resistência superficial e resistência
aerodinâmica. A resistência aerodinâmica representa a dificuldade com que a umidade, que deixa
a superfície das folhas e do solo, é dispersada pelo meio. Na proximidade da vegetação o ar
tende a ficar mais úmido, dificultando o fluxo de evaporação. A velocidade do vento e a
turbulência contribuem para reduzir a resistência aerodinâmica, trocando o ar úmido próximo à

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superfície que está fornecendo vapor, como as folhas das plantas ou as superfícies líquidas, pelo
ar seco de níveis mais elevados da atmosfera.
A resistência aerodinâmica é inversamente proporcional à altura dos obstáculos
enfrentados pelo vento, porque são estes que geram a turbulência.
⎛ ⎛ 10 ⎞ ⎞
ra = ⋅ ⎜⎜ ln⎜⎜ ⎟⎟ ⎟⎟
2
6,25
u m ,10 ⎝ ⎝ z 0 ⎠ ⎠ para h < 10 metros (6.30)
ra =
94
u m ,10
para h > 10 metros

onde: ra é a resistência aerodinâmica (s.m-1); um,10 é a velocidade do vento a 10 m de altura


(m.s-1); z0 é a rugosidade da superfície (m); h é altura média da cobertura vegetal (m).
A rugosidade da superfície é considerada igual a um décimo da altura média da
vegetação.
As estações climatológicas normalmente dispõe de dados de velocidade do vento medidas
a 2 m de altura. Para converter estes dados a uma altura de referência de 10 m é utilizada a
equação a seguir (Bremicker, 1998).

⎛ ⎛ 10 ⎞ ⎞
⎜ ln⎜ ⎟ ⎟
⎜ ⎜⎝ z 0 ⎟⎠ ⎟
= u m,2 ⋅ ⎜ ⎟
⎜ ln⎛⎜ 2 ⎞⎟ ⎟
u m ,10

⎜ ⎜z ⎟⎟
⎝ ⎝ 0 ⎠⎠ (6.31)

onde: um,10 é a velocidade do vento a 10 m de altura (m.s-1); um,2 é a velocidade do vento a 2


m de altura (m.s-1); z0 é a rugosidade da superfície (m).
A resistência superficial é a combinação, para o conjunto da vegetação, da resistência
estomática das folhas. A resistência superficial representa a resistência ao fluxo de umidade do
solo, através das plantas, até a atmosfera. Esta resistência é diferente para os diversos tipos de
plantas e depende de variáveis ambientais como a umidade do solo, a temperatura do ar e a
radiação recebida pela planta. A maior parte das plantas exerce um certo controle sobre a
resistência dos estômatos e, portanto, pode controlar a resistência superficial.
A resistência estomática das folhas depende da disponibilidade de água no solo. Em
condições favoráveis, os valores de resistência estomática e, em conseqüência, os de resistência
superficial são mínimos.
A resistência superficial em boas condições de umidade é um parâmetro que pode ser
estimado com base em experimentos cuidadosos em lisímetros. A grama utilizada para cálculos
de evapotranspiração de referência tem uma resistência superficial de 69 s.m-1 quando o solo
apresenta boas condições de umidade. Florestas tem resistências superficiais da ordem de 100
s.m-1 em boas condições de umidade do solo.
Durante períodos de estiagem mais longos, a umidade do solo vai sendo retirada por
evapotranspiração e, à medida que o solo vai perdendo umidade, a evapotranspiração diminui. A
redução da evapotranspiração não ocorre imediatamente. Para valores de umidade do solo entre a
capacidade de campo e um limite, que vai de 50 a 80 % da capacidade de campo, a
evapotranspiração não é afetada pela umidade do solo. A partir deste limite a evapotranspiração
é diminuída, atingindo o mínimo – normalmente zero – no ponto de murcha permanente. Neste
ponto a resistência superficial atinge valores altíssimos (teoricamente deve tender ao infinito).

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7. Infiltração
7.1 Movimento da água no solo
Os processos que se desenvolvem abaixo da superfície da terra são a infiltração, o fluxo
sub-superficial e o fluxo subterrâneo (Figura 7. 1). A infiltração é o fenômeno de penetração da
água nas camadas do solo próximas à superfície do terreno. O fluxo sub-superficial é o que se
produz como resultado do fluxo da água no meio não saturado através do solo. O fluxo
subterrâneo é o que se produz como resultado do fluxo saturado através dos estratos do solo ou
rocha. O fluxo sub-superficial e o subterrâneo, sob certas condições, podem sair para a
superfície, transformando-se em escoamento (vertente ou ainda fluir diretamente a um rio).

Figura 7. 1 – Zona de água sub-superficial e processos que se desenvolvem nela

Os estratos de solo e rocha, que permitem a circulação do fluxo através de si,


denominam-se de meio poroso. O fluxo é não saturado quando o meio poroso tem seus vazios
ocupados por ar, e é saturado quando os vazios estão completamente ocupados por água. O nível
freático é a superfície onde a água no meio poroso saturado se encontra a pressão atmosférica.
Abaixo do nível freático, a água está a uma pressão maior que a atmosférica. Acima do nível
freático, as forças capilares podem saturar o meio poroso em uma espessura não muito grande do
solo, chamada de franja capilar. Acima desta camada, o meio poroso normalmente não está
saturado, exceto imediatamente depois de uma chuva, quando se produz condição de saturação.
Se considerarmos uma porção do meio poroso não saturado, como a da Figura 7. 2,
vemos que uma porção está ocupada por partículas sólidas e o resto com vazios. A porosidade
se define como a relação que há entre o volume de vazios e o volume total.

Vv + Vw
η= (7.1)
Vt

onde: Vv é o volume de vazios; Vw é o volume de água; Vt é o volume total. Em geral, η varia


entre 0,25 e 0,75, em função da textura do solo.

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Vazios cheios de ar

Partículas sólidas

Água
Superfície de
controle

Figura 7. 2 – Seção transversal do meio poroso não saturado

Tabela 7. 1 - Porosidade para materiais típicos (Urbonas e Stahre, 1993)


Material Porosidade (%)
Rocha dinamitada – Brita grossa 30
Cascalho de granulometria uniforme 40
Brita graduado (≤ ¼ polegadas) 30
Argila 40-70
Areia 25-50
Cascalho de jazida – Seixo rolado 15 – 25

Se define como conteúdo de umidade do solo, a relação entre o volume de água e o


volume total:
θ= (7.2)
Vw
Vt
A variação de θ é desde 0 a η. Quando o solo está saturado, η=θs.

O movimento da água em um meio poroso, como é o solo, obedece a Lei de Darcy, que

q = K.S f
se define como:
(7.3)
onde: q é o fluxo de Darcy (Q/A); K é a condutividade hidráulica; Sf é a perda e carga por
unidade de comprimento do meio poroso. Se h é a altura de carga total e consideramos a direção

∂h
z, então
Sf = −
∂z
(7.4)

∂h
Assim, a Lei de Darcy pode ser expressa como:
q = − K.
∂z
(7.5)

Esta lei se aplica a uma seção transversal de meio poroso sempre quando esta seção seja
grande, comparada com a seção deixada pelos poros e grãos individuais no meio. As forças que
intervém no fluxo saturado não confinado são a gravidade e a fricção. Em um fluxo não saturado
intervêm essas duas forças, mais a força de sucção. A força de sucção é a força que une a água
com as partículas de solo através da tensão superficial.
O efeito da força de sucção pode ser avaliado colocando uma coluna de solo seco em
forma vertical sobre uma lâmina de água. A água se elevará dentro da coluna de solo até que a
força de gravidade iguale a força sucção. A parte da altura de carga devido a força de sucção se

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Apostila de Hidrologia

chama de altura de sucção (ψ) e pode ser desde uns poucos milímetros (areias grossas) até vários
metros (argilas).
Tanto a força de sucção, como a condutividade hidráulica, variam com o conteúdo de
umidade no solo. Em um meio poroso não saturado, a altura da carga total, h, pode ser
considerada igual a altura de sucção (ψ) mais a altura de gravidade z.

h=ψ+z (7.6)

∂ (Ψ + z) ∂Ψ ∂θ ∂θ
Substituindo na Lei de Darcy,
q = − K. = (− K. . + K ) = −(D. + K )
∂z ∂θ ∂z ∂z
(7.7)

∂Ψ
onde: D é a difusividade da água, que se define como
D = K.(
∂θ
) (7.8)
A equação de continuidade para fluxo unidimensional não saturado e não permanente em

∂θ ∂q
um meio poroso é dado por
+ =0
∂t ∂z
(7.9)
que pode ser expressa em função da difusividade e da condutividade como:

∂θ ∂ ∂θ
= (D. + K )
∂t ∂z ∂z
(7.10)
que é a equação de Richards unidimensional, apresentada pela primeira vez em 1931.

7.2 Infiltração
A infiltração também pode ser definida como o fenômeno de penetração da água nas
camadas de solo próximas à superfície do terreno, movendo-se para baixo, através de vazios, sob
a ação da gravidade, até atingir uma camada suporte que a retém, formando então a água do solo.
É um fenômeno que depende da água disponível para infiltrar, da natureza do solo, do estado da
superfície, da vegetação e das quantidades de água e ar, inicialmente presentes no seu interior. À
medida que água infiltra pela superfície, as camadas superiores do solo vão se umedecendo de
cima para baixo, alterando gradativamente o perfil de um umidade.
Enquanto há aporte de água, o perfil de umidade tende à saturação em toda a
profundidade, sendo a superfície, naturalmente, o primeiro nível a saturar. Quando o aporte de
água à superfície cessa, isto é, deixa de haver infiltração, a umidade no interior do solo se
redistribui, evoluindo para um perfil de umidade inverso, com menor teor de umidade próximo à
superfície e maior nas camadas mais profundas. Na Figura 7. 3 pode-se visualizar a evolução do
perfil de umidade em um solo. Nem toda a umidade é drenada para as camadas mais profundas
do solo, já que parte é transferida para a atmosfera por evapotranspiração.
Na Figura 7. 3 podem ser distinguidas 4 zonas:
- Zona de saturação: próxima da superfície;
- Zona de transmissão: de fluxo saturado e conteúdo de umidade aproximadamente uniforme;
- Zona de umidade: a umidade decresce com a profundidade;
- Frente úmida: a mudança do conteúdo de umidade com a profundidade é tão grande que tem a
aparência de uma descontinuidade aguda entre o solo molhado acima e o solo seco abaixo.

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Apostila de Hidrologia

Figura 7. 3 – Perfil de umidade no solo

7.2.1 Capacidade de infiltração e taxa de infiltração

O conceito de capacidade de infiltração é aplicado no estudo da infiltração para


diferenciar o potencial que o solo tem de absorver água pela sua superfície, em termos de lâmina
de água por tempo, da taxa real de infiltração que acontece quando há disponibilidade de água
para penetrar no solo. Uma curva de taxas reais de infiltração no tempo somente coincide com a
curva das capacidades de infiltração de um solo, quando o aporte superficial de água tem
intensidade superior ou igual à capacidade de infiltração. Normalmente representa-se a taxa de
infiltração como f(mm/hora). A maior parte das equações de infiltração descrevem a taxa de
infiltração potencial.
Quando cessa a infiltração, parte da água no interior do solo propaga-se para camadas
mais profundas no solo e parte é transferida para a atmosfera por evaporação direta ou por
transpiração dos vegetais. Esse processo faz com que o solo vá recuperando sua capacidade de
infiltração, tendendo a um limite superior à medida que as camadas superiores do solo vão se
tornando mais secas.
Se uma precipitação atinge o solo com a uma intensidade menor que a capacidade de
infiltração toda a água penetra no solo, provocando uma progressiva diminuição da própria
capacidade de infiltração, já que o solo está se umedecendo. Se a precipitação continuar, pode
ocorrer um momento em que a capacidade de infiltração diminui tanto que sua intensidade se
iguala à da precipitação. A partir deste momento, continuando a precipitação, a infiltração real se
processa nas mesmas taxas da curva da capacidade de infiltração, que passa a de crescer
exponencialmente no tempo tendendo a um valor mínimo de infiltração. A parcela não infiltrada
escoa superficialmente.
Quando a precipitação cessa a taxa de infiltração real anula-se rapidamente e a
capacidade de infiltração volta a crescer, porque o solo continua a perder a umidade para as
camadas mais profundas.
A infiltração acumulada F é definida como o volume acumulado de água infiltrada,
dentro de um período de tempo dado, e é igual a integral da taxa de infiltração nesse período.

F = ∫ f (τ)dτ
t
(7.11)
0
A taxa de infiltração por sua vez, é a derivada temporal da infiltração acumulada.

f (t ) =
dF( t )
(7.12)
dt

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7.3 Estimativa da Infiltração


7.3.1 Medição direta – Infiltrômetro

Os aparelhos utilizados para medir a infiltração são chamados de infiltrômetro, e são


basicamente de dois tipos:

• Infiltrômetro com aplicação de água por inundação:


São constituídos de dois anéis concêntricos de chapa metálica (Figura 7. 4), com
diâmetros variando entre 16 e 40 cm, que são cravados verticalmente no solo de modo a restar
uma pequena altura livre sobre este. Aplica-se água em ambos os cilindros mantendo uma lâmina
líquida de 1 a 5 cm, sendo que no cilindro interno mede-se o volume aplicado a intervalos fixos
de tempo. A finalidade do cilindro externo é manter verticalmente o fluxo de água do cilindro
interno, onde é feita a medição da capacidade de campo.

Figura 7. 4 – Infiltrômetro por inundação

• Infiltrômetro com aplicação de água por aspersão ou simulador de chuva:


São aparelhos nos quais a água é aplicada por aspersão (Figura 7. 5), com taxa uniforme,
superior à capacidade de infiltração no solo, exceto para um curto período de tempo inicial.
Delimitam-se áreas de aplicação de água, com forma retangular ou quadrada, de 0,10 a 40 m2 de
superfície; medem-se a quantidade de água adicionada e o escoamento superficial resultante,
deduzindo-se a capacidade de infiltração do solo.

Figura 7. 5 – Simulador de chuva

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7.3.2 Equação de Horton

A partir de experimentos de campo Horton estabeleceu, para o caso de um solo


submetido a uma precipitação com intensidade sempre superior a capacidade de infiltração, uma
relação empírica para representar o decaimento da infiltração com o tempo, que pode ser
representado da seguinte forma:

f ( t ) = f b + (f i − f b ) ⋅ e − k∆t (7.13)

onde: t representa o tempo (hora) contado a partir do momento em que houve saturação
superficial do solo; f(t) representa a taxa de infiltração (mm/h) no tempo t; fi é a taxa de
infiltração inicial (mm/h) ou seja, quando t=0; fb é a taxa de infiltração mínima (mm/h); k é uma
constante de decaimento (hora-1) .
Para a utilização da equação de Horton, é necessário determinar os parâmetros a partir
dos dados observados em ensaios de campo. O parâmetro fb representa a condutividade
hidráulica saturada aparente do solo. O parâmetro fi é a taxa de infiltração inicial, isto é, a taxa
de infiltração no momento em que é atingida a saturação superficial e começa a haver
escoamento. O parâmetro k é obtido através do ajuste da equação aos pontos f x t medidos em
campo.
Por exemplo, considere um ensaio de infiltração realizado (Tabela 7. 2), com alimentação
de água suficiente para suprir a capacidade de infiltração. Determinar os parâmetros do método
de Horton.
Na Figura 7. 6 o ensaio de infiltração foi graficado, de forma a facilitar a identificação do
parâmetro fb. Nesse caso, o valor de fb é de 5,9 mm/h (valor assintótico). Para determinar o
valor de k, utiliza-se a equação 7.13, onde são conhecidos fb (5,9 mm/h), fi (27 mm/h) e os
intervalos de tempo ∆t. O valor de k é encontrado através de tentativas, e corresponde ao valor
que produz a menor diferença entre o f(t) calculado e observado. Na Tabela 7. 3 são apresentadas
algumas tentativas de ajuste de k para o ensaio de infiltração desse exemplo, e na são
apresentados os ajustes. Nesse caso, o valor mais adequado de k seria 0,55, que produziu um
melhor ajuste.
Tabela 7. 2 – Ensaio de infiltração
t (hora) f (mm/h)
1 27
2 19
3 15
4 10
5 9
6 8
7 7
8 6
9 5,9

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30

25

20

f (mm/h)
15

10

0
0 2 4 6 8 10
Tempo (hora)

Figura 7. 6 – Resultado do ensaio de infiltração

Tabela 7. 3 – Ajuste do parâmetro k do método de Horton


f (mm/h) f (mm/h) calc. f (mm/h) calc. f (mm/h) calc.
t(hora)
ensaio k=0,2 k=0,55 k=0,80
1 27 27.00 27.00 27
2 19 23.18 18.07 15.38
3 15 20.04 12.92 10.16
4 10 17.48 9.95 7.81
5 9 15.38 8.24 6.76
6 8 13.66 7.25 6.29
7 7 12.26 6.68 6.07
8 6 11.10 6.35 5.98
9 5.9 10.16 6.16 5.94

30
f obs.
f calc k=0,2
25
f calc k=0,55
f calc k=0,80
20
f (mm/h)

15

10

0
0 2 4 6 8 10
Tempo (horas)

Figura 7. 7 – Ajuste dos parâmetros de Horton ao ensaio de infiltração

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Apostila de Hidrologia

Integrando-se a equação 7.13, chega-se à equação que representa a infiltração acumulada,


ou potencial de infiltração, dada por:

fi − fb
F = f b .t + ( ) ⋅ (1 − e − k∆t ) (7.14)
k

onde F é a quantidade infiltrada (ou a quantidade que iria infiltrar se houvesse água disponível),
em mm.

7.3.3 Equação de Phillip

poderiam variar com o conteúdo de umidade no solo θ.


Phillip em 1957 resolveu numericamente a equação de Richards suponde que K e D

F( t ) = St 0,5 + Kt (7.15)

onde S é a adsorção, que é uma função do potencial de sucção do solo e K é a condutividade


hidráulica. Diferenciando encontra-se a taxa de infiltração
f ( t ) = 0,5.St −0,5 + K (7.16)
Da equação, à medida que t tende ao ∞, f(t) tendo a K. O primeiro termo da equação
representa a altura de sucção e o segundo a altura de gravidade. Para uma coluna de solo, a
equação de Phillip se reduz a
F( t ) = St 0,5 (7.17)

Essa equação pode ser aproveitada para calcular S em uma coluna horizontal de solo, e
utilizar esse valor para calcular a infiltração acumulada na coluna vertical.

7.3.4 Método do SCS

O Soil Conservation Service (SCS, 1957) propôs uma formulação para determinar o
volume máximo de precipitação que pode ser infiltrado.
Para a aplicação do método, considera-se que existe uma capacidade máxima de
armazenamento de água no solo, denominada S (mm). O valor de S depende do parâmetro CN
(Curve Number) do método do SCS. O parâmetro CN, por sua vez, é determinado em função do
tipo de solo, uso do solo, e condição de umidade antecedente.
S= − 254
25400
(7.18)
CN
Assim, para determinar a parcela de água precipitada que não é infiltrada (precipitação
efetiva - Pef), utiliza-se a equação 7.19
(P − 0,2S) 2
Pef =
P + 0,8S
(7.19)

onde: P é a precipitação acumulada (mm); Pef é a precipitação efetiva (mm).


Como o próprio SCS verificou, as perdas iniciais representam em média 20% da
capacidade máxima de armazenamento (S). Assim, a equação 7.19 só é válida se a precipitação
P>0,2.S. No caso de P<0,2.S, toda precipitação infiltra e Pef é igual a zero.
O valor de CN pode ser obtido diretamente de tabelas desenvolvidas pelo próprio SCS,
conforme apresentado a seguir. Para a utilização da tabela deve ser observada a classificação
hidrológica dos solos, desenvolvida pelo próprio SCS.

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Apostila de Hidrologia

Tabela 7. 4 - Valores do parâmetro CN para bacias rurais


Uso do solo Superfície A B C D
Solo lavrado com sulcos retilíneos 77 86 91 94
em fileiras retas 70 80 87 90

Plantações em curvas de nível 67 77 83 87


regulares terraceado em nível 64 76 84 88
Em fileiras retas 64 76 84 88

Plantações de Em curvas de nível 62 74 82 85


cereais terraceado em nível 60 71 79 82
Em fileiras retas 62 75 83 87

Plantações de Em curvas de nível 60 72 81 84


legumes ou Terraceado em nível 57 70 78 89
cultivados Pobres 68 79 86 89
Normais 49 69 79 94
Boas 39 61 74 80

Pastagens Pobres, em curvas de nível 47 67 81 88


Normais, em curvas de nível 25 59 75 83
Boas, em curvas de nível 6 35 70 79

Campos Normais 30 58 71 78
permanentes Esparsas, de baixa transpiração 45 66 77 83
Normais 36 60 73 79
Densas, de alta transpiração 25 55 70 77

Chácaras Normais 56 75 86 91
Estradas de Más 72 82 87 89
terra de superfície dura 74 84 90 92

Florestas muito esparsas, baixa transpiração 56 75 86 91


esparsas 46 68 78 84
densas, alta transpiração 26 52 62 69
normais 36 60 70 76

O SCS distingue em seu método 4 grupos hidrológicos de solos.


Grupo A – Solos arenosos com baixo teor de argila total, inferior a 8 %.
Grupo B – Solos arenosos menos profundos que os do Grupo A e com menor teor de argila
total, porém ainda inferior a 15 %.
Grupo C – Solos barrentos com teor total de argila de 20 a 30 % mas sem camadas argilosas
impermeáveis ou contendo pedras até profundidades de 1,2 m.
Grupo D – Solos argilosos (30 – 40 % de argila total) e ainda com camada densificada a uns 50
cm de profundidade.

O método do SCS distingue 3 condições de umidade antecedente do solo:


CONDIÇÃO I – solos secos – as chuvas nos últimos 5 dias não ultrapassam 15 mm.
CONDIÇÃO II – situação média na época das cheias – as chuvas nos últimos 5 dias totalizaram
entre 15 e 40 mm.
CONDIÇÃO III – solo úmido (próximo da saturação) – as chuvas nos últimos 5 dias foram
superiores a 40 mm e as condições meteorológicas forma desfavoráveis a altas taxas de
evaporação.

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Apostila de Hidrologia

Os valores das constantes na Tabela 7. 4 e Tabela 7. 5 referem se a condições médias de


umidade antecedente (Condição II). Os autores apresentaram correções aos valores tabelados
para situações diferentes da média. As condições consideradas encontram-se na Tabela 7. 6.

Tabela 7. 5 – Valores do parâmetro CN para bacias urbanas


Utilização ou cobertura do solo A B C D
Zonas cultivadas: sem conservação do solo 72 81 88 91
com conservação do solo 62 71 78 81
Pastagens ou terrenos em más condições 68 79 86 89

Baldios boas condições 39 61 74 80

Prado em boas condições 30 58 71 78

Bosques ou zonas cobertura ruim 45 66 77 83


Florestais: cobertura boa 25 55 70 77

Espaços abertos, relvados, parques, campos


de golf, cemitérios, boas condições
com relva em mais de 75% da área 39 61 74 80
com relva de 50 a 75% da área 49 69 79 84

Zonas comerciais e de escritórios 89 92 94 95

Zonas industriais 81 88 91 93

Zonas residênciais
lotes de (m2) % média impermeável
<500 65 77 85 90 92
1000 38 61 75 83 87
1300 30 57 72 81 86
2000 25 54 70 80 85
4000 20 51 68 79 84

Parques de estacionamentos, telhados, viadutos, etc 98 98 98 98

Arruamentos e estradas
asfaltadas e com drenagem de águas pluviais 98 98 98 98
Paralelepípedos 76 85 89 91
Terra 72 82 87 89

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Apostila de Hidrologia

Tabela 7. 6 - Correção de CN para outras condições iniciais de umidade.


VALORES VALORES CORRIGIDOS VALORES CORRIGIDOS
MÉDIOS Condição I Condição III
100 100 100
95 87 98
90 78 96
85 70 94
80 63 91
75 57 88
70 51 85
65 45 82
60 40 78
55 35 74
50 31 70
45 26 65
40 22 60
35 18 55
30 15 50
25 12 43
20 9 37
15 6 30
10 4 22
5 2 13

7.3.5 Método do Índice φ

Esse método considera que existe uma infiltração constante ao longo do tempo, sendo
assim um método muito simplificado.
Para a aplicação do método, define-se inicialmente um volume correspondente à
capacidade de armazenamento de água no solo, além de outras perdas.

corresponde ao índice φ. A precipitação que não infiltra é obtida da a partir da subtração do


Divide-se esse valor pelo número total de intervalos de tempo com chuva, e esse valor

índice φ e da precipitação total. Quando o valor de φ for maior que a precipitação (P), deve-se
distribuir a diferença entre os demais intervalos.
No caso da existência de um hidrograma observado, pode-se proceder com a separação

conhecido o volume superficial escoado, também é conhecida a precipitação efetiva. E o índice φ


do escoamento superficial e subterrâneo, conforme será apresentado mais adiante. Uma vez

pode ser determinado a partir desse resultado.


Por exemplo, considere que em um determinado evento, o volume escoado
superficialmente foi estimado em 13 mm e o volume total precipitado foi de 32,5 mm, conforme

perdas foi de 19,5 mm. Assim, o índice φ resulta em 1,50 mm/∆t (19,5 mm / 13 intervalos de
apresentado no hietograma da Figura 7. 8. A partir desse resultado, pode-se inferir que o total de

Na Figura 7. 9 é apresentado o hietograma com a separação através do índice φ. Nessa


tempo de 30 minutos).

precipitado que encontra-se abaixo da linha do índice φ) estimadas superaram a precipitação (30,
figura é possível observar que existem alguns intervalos de tempo onde as perdas (volume

60 e 360 minutos). Nesse caso deve ser feita uma redistribuição temporal de perdas, como pro
exemplo o critério apresentado na. Figura 7. 10, onde assumiu-se que durante os 3 primeiros e

correção do índice φ, a precipitação efetiva deve permanecer em 13 mm.


nos 2 últimos intervalos de tempo, toda a precipitação infiltrou. Deve-se observar que com a

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Apostila de Hidrologia

Precipitação (mm)
4

0
30 60 90 120 150 180 210 240 270 300 330 360 390
Tempo (minutos)

Figura 7. 8 – Hietograma para determinação da precipitação efetiva através do índice φ

Precipitação (mm)
6
indice FI

5
Precipitação (mm)

0
30 60 90 120 150 180 210 240 270 300 330 360 390
Tempo (minutos)

Figura 7. 9 – Hietograma após determinação do índice φ

7
Precipitação (mm)
6 indice f
P efetiva - corrigida

5
Precipitação (mm)

0
0 30 60 90 120 150 180 210 240 270 300 330 360
Tempo (minutos)

Figura 7. 10 – Hietograma de precipitação efetiva após a separação do escoamento

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Apostila de Hidrologia

8. Análise do hidrograma
8.1 O hidrograma
O hidrograma é a representação gráfica da variação da vazão (Q) ao longo do tempo
(minutos, horas, dias). Costuma-se representar um hidrograma em escala gráfica, colocando no
eixo das abscissas o tempo, e no eixo das ordenadas o valor correspondente de vazão (Figura 8.
1).

20

18

16

14

12
Vazão (m3/s)

10

0
01-jan-65 24-jun-70 15-dez-75 06-jun-81 27-nov-86 19-mai-92 09-nov-97 02-mai-03

Figura 8. 1 – Hidrograma do arroio Fragata (01/01/1965 a 31/12/2002)

Da análise do hidrograma computa-se volume total, distribuição sazonal de vazão, fluxo


diário, fluxo de pico, fluxo mínimo e a freqüência de vários fluxos críticos.
Entre as grandezas que estão relacionadas com o hidrograma, podem ser mencionadas, a
vazão, a velocidade do escoamento, a vazão específica e o coeficiente de escoamento.

Vazão (Q): volume de água escoado na unidade de tempo em uma determinada seção
do rio. Normalmente é expressa em m3/s ou l/s.
Velocidade (V): relação entre o espaço percorrido pela água e o tempo gasto. É
geralmente expressa em m/s.
Vazão específica (q): relação entre a vazão e a área de drenagem da bacia. Expressa em
l/s.km2.
q=
Q
(8.1)
A
Coeficiente de escoamento é a relação entre o volume de água que atinge uma seção do
curso d’água e o volume precipitado. Na Tabela 8. 1 são apresentados os coeficientes de
escoamento para algumas regiões brasileiras.

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Apostila de Hidrologia

Tabela 8. 1 – Coeficiente de escoamento para algumas regiões brasileiras


Área Chuva Vazão Evapotr. Coef. Esc.
Região
(km2) (mm) (mm) (mm)
Amazonas - Total 6112000 2546 1042 1504 0,41
Amazonas - Brasil 3884191 2249 1047 1134 0,47
Tocantins 757000 1766 471 1295 0,27
Atlântico Norte 242000 2136 782 1354 0,37
Atlântico Nordeste 787000 1121 125 996 0,11
São Francisco 634000 986 151 835 0,15
Atlântico Leste (1) 242000 1014 87 927 0,09
Atlântico Leste (2) 303000 1227 386 841 0,31
Paraná 877000 1436 403 1033 0,28
Paraguai 368000 1399 115 1284 0,08
Uruguai 178000 1699 716 983 0,42
Atlântico Sul 224000 1481 643 838 0,43
Brasil - Amazonas Total 10724000 2047 738 1309 0,36
Brasil - Amazonas Parcial 8496191 1780 660 1088 0,37

8.2 Fatores que influenciam a forma de um hidrograma


Entre os fatores que influenciam na formação e característica de um hidrograma, podem
ser citados:
Área da bacia hidrográfica:
A área da bacia hidrográfica define a potencialidade hídrica da mesma. Bacias hidrográficas
maiores, normalmente apresentam hidrogramas com vazões maiores que bacias hidrográficas
menores, para um mesmo evento de chuva. Na Figura 8. 2 é apresentado um exemplo,
comparando os hidrogramas de duas bacias hidrográficas, uma com área de 75 km2 e outra de 25
km2.
40 0
P

35 Qs - Bacia 75 km2
Qs - Bacia 25 km2 5

30

10
Precipitação (mm)

25
Vazão (m3/s)

20 15

15
20

10

25
5

0 30
0 4 8 12 16 20 24 28 32 36 40 44 48 52 56
Tempo (minutos)

Figura 8. 2 – Hidrogramas em duas bacias hidrográficas

Relevo, densidade de drenagem, declividade do rio/bacia hidrográfica e forma:


Bacias hidrográfica íngremes e com boa drenagem têm hidrogramas mais “rápidos”,
geralmente com pouco escoamento de base. Bacias hidrográficas muito planas, com grandes
áreas de extravasamento, tendem a regularizar o escoamento e reduzindo o pico das vazões.
Quanto à forma, pode-se dizer que bacias hidrográficas com forma aproximadamente circular
antecipam o pico das cheias e, normalmente, as vazões de pico são maiores que em bacias de
forma alongadas (Figura 8. 3).

Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -74-


Apostila de Hidrologia

40

35 Bacia alongada
Bacia radial
30

Vazão (m3/s)
25

20

15

10

0
0 5 10 15 20 25 30 35 40
Tempo (minutos)

Figura 8. 3 – Influência da forma da bacia hidrográfica no hidrograma

Condições de superfície do solo e constituição geológica do sub-solo:


Em geral a cobertura vegetal tende a retardar o escoamento e aumentar as perdas por
evaporação. A substituição da cobertura vegetal por superfícies impermeáveis diminui
consideravelmente a infiltração no solo, podendo agravar os problemas com cheias; assim um
evento de chuva que antes da impermeabilizada não provocava inundações, pode vir a causar
sérios problemas (Figura 8. 4). A redução da água infiltrada no solo também pode provocar uma
mudança, em longo prazo, no regime de vazões, uma vez que a recarga sub-superficial e
subterrânea pode ser consideravelmente reduzida.
A constituição geológica da bacia hidrográfica influencia na quantidade de precipitação que é
transformada em escoamento superficial direto e a quantidade de água que é infiltrada. Assim,
em regiões em que o solo é pouco profundo, existe uma baixa capacidade de armazenamento de
água no solo e os hidrogramas apresentam picos rápidos e vazões mais elevadas, que em regiões
onde a constituição geológica permite armazenar grande quantidade de água no solo.
140

120 P ermeável
Impermeável
100

80

60

40

20

0
0 10 20 30 40
Tempo (minuto s)

Figura 8. 4 – Hidrograma em para bacia hidrográfica permeável e impermeável

Modificações artificiais no rio:


Quando são realizadas obras de canalização, como por exemplo, para aproveitamento de
água (irrigação, abastecimento), para retificação de um rio, ou mesmo para a drenagem de águas
pluviais, geralmente o pico das vazões e a velocidade de escoamento é aumentada.

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Apostila de Hidrologia

No caso da construção de reservatórios para a regularização de vazões, amortecimento de


ondas de cheias, entre outros fins, o pico das vazões é amortecido, e a velocidade do escoamento
é reduzida (Figura 8. 5).

18

16
Com reservat ório

14 Sem reservat ório

12

10

0
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000
Tempo (segundos)

Figura 8. 5 – Impacto da implantação de um reservatório em uma bacia hidrográfica

Característica da precipitação
Em geral, chuvas que deslocam-se de jusante para montante geram hidrogramas com
picos menores, e em alguns casos com dois picos.
As chuvas convectivas, de grande intensidade e distribuídas numa pequena área, podem
provocar as grandes enchentes em pequenas bacias, não sendo tão importantes no caso de
grandes bacias hidrográficas. No caso de grandes bacias, as chuvas frontais são as mais
importantes.
Quando a precipitação é constante, e a capacidade de armazenamento de água no solo, e
o tempo de concentração da bacia são atingidos, há uma estabilização do valor da vazão de pico
(Figura 8. 6). Quando cessa a precipitação, o hidrograma entra em período de recessão.
0
1400
50
P
1200 100
Q
150
1000
Precipitação

200
Vazão

800
250

600 300

350
400

400
200
450

0 500
0 10 20
Tempo
30 40 50 60

Figura 8. 6 – Efeito da precipitação no hidrograma

Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -76-


Apostila de Hidrologia

8.3 Analisando o hidrograma


O comportamento do hidrograma típico de uma bacia hidrográfica, após a ocorrência de
uma precipitação é apresentado na Figura 8. 7. Verifica se que após o início da chuva, existe um
intervalo de tempo em que o nível começa a elevar se. Este tempo retardado de resposta deve se
às perdas iniciais por interceptação vegetal e depressões do solo, além do próprio retardo de
resposta da bacia devido ao tempo de deslocamento da água na mesma.
O hidrograma atinge o máximo (pico), de acordo com a distribuição de precipitação, e
apresenta a seguir a recessão onde se observa normalmente, um ponto de inflexão (I). A elevação
da vazão até o pico ocorre normalmente em menor tempo que o tempo de recessão. O
escoamento superficial é o processo predominante neste período. O ponto de inflexão caracteriza
o fim do escoamento superficial e a predominância do escoamento subterrâneo.

Vazão (m3/s)
2.5

CGP tc
tr
tp

2.0

tm
1.5

1.0 CGH
tl I

tb

0.5

0.0
1/1/1961 3/1/1961 5/1/1961 7/1/1961 9/1/1961 11/1/1961 13/1/1961 15/1/1961 17/1/1961 19/1/1961 21/1/1961 23/1/1961 25/1/1961 27/1/1961 29/1/1961 31/1/1961

Figura 8. 7 – Componentes do hidrograma


O tempo transcorrido entre o final da precipitação e o momento que caracteriza o fim do
escoamento superficial (I) é o tempo de concentração (tc) da bacia hidrográfica. O tempo de pico
é contabilizado a partir da diferença entre o centro de massa da precipitação (CM) e o momento
onde ocorre o pico de vazão.
O tempo de retardo (tl) do hidrograma, com relação à precipitação, é obtido a partir da
diferença entre os centros de massa. O tempo de ascensão do hidrograma (tm) é o tempo
transcorrido entre o início da precipitação e a ocorrência do pico no hidrograma; assim, o tempo
de recessão é o tempo necessário para a vazão diminuir até o momento em que é cessado o
escoamento superficial (tr). O tempo de base (tb) é o tempo transcorrido entre o início da
precipitação e aquele em que a precipitação ocorrida já escoou através da seção principal, ou que
o rio volta às condições anteriores a da ocorrência da precipitação.

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Apostila de Hidrologia

8.4 Separação do escoamento


Em alguns casos (por exemplo, determinação da precipitação efetiva), é interessante fazer
a separação do escoamento de um hidrograma, na parcela de escoamento superficial, sub-
superficial e subterrâneo. Como normalmente as parcelas de escoamento superficial e
subterrâneo representam a maior parte do escoamento, a parcela correspondente ao escoamento
sub-superficial acaba é incluída em uma dessas duas parcelas.
Na verdade, o processo de separação do escoamento é um tanto subjetivo, sendo
necessário determinar, primeiramente, os tempos de início da geração de escoamento superficial
(início da ascensão do hidrograma) e de fim do mesmo (ponto de inflexão). A identificação do
ponto que define o início da ascensão normalmente é mais simples que a definição do ponto de
inflexão, sendo que normalmente a inspeção visual do hidrograma permite essa identificação. Na
literatura especializada são apresentados alguns métodos para a determinação do ponto de
inflexão: utilização da equação de Linsley et al. (1975); determinação do tempo de concentração;
e inspeção visual.
Segundo o método apresentado por Linsley et al. (1975), o ponto de inflexão pode ser
determinado a partir da equação
D = 0 ,827.A0 ,2 (8.1)
onde: D corresponde ao número de dias transcorridos entre o pico do hidrograma e o tempo que
defini o ponto de inflexão, e A é a área da bacia hidrográfica em km2. Como se pode observar,
esse método é um tanto simplificado, já que para uma mesma bacia hidrográfica esse valor
permanece constante, não considerando a variabilidade dos eventos de cheia.
A partir da análise gráfica anteriormente realizada, onde o tempo de concentração foi
identificado como o tempo transcorrido entre o final da precipitação e o ponto de inflexão do
hidrograma, verifica-se que podem ser utilizadas equações empíricas para a determinação do
valor de tc. Uma vez definido esse valor é possível identificar o ponto de inflexão. No entanto,
esse método é também muito simplificado, pois dependendo da equação utilizada na
determinação, podem não estar sendo considerados importantes processos na bacia hidrográfica.

70 100

60

50
Vazão (m3/s)
Vazão (m3/s)

40 I
10

30

20 A

10

1
0
0.0 2.0 4.0 6.0 8.0 10.0 12.0
0.0 2.0 4.0 6.0 8.0 10.0 12.0 Tempo (min)
Tempo (min)

(a) Evento observado (b) Separação do escoamento

Figura 8. 8 – Separação do escoamento segundo o método da inspeção visual

Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -78-


Apostila de Hidrologia

O método da inspeção visual é um dos procedimentos mais simples, e consiste na


plotagem do hidrograma em escala mono-logarítmica com o tempo em escala linear (Pilgrim e
Cordery, 1992). Esse procedimento permite uma melhor visualização dos menores valores que
vazão, que realmente têm importância nesse processo de separação do escoamento. Assim, para
o evento (exemplo Figura 8. 8(a)) se define o ponto de início do escoamento superficial e o
ponto que define o fim do escoamento superficial (ponto de inflexão, é aquele a partir do qual a
recessão se torna uma linha reta – Figura 8. 8(b)). Em alguns casos pode ocorrer que mais de
uma mudança de inclinação da reta seja identificada, o que pode caracterizar também o
escoamento sub-superficial, retardos de diferentes partes da bacia ou o efeito de diferentes
camadas dos aqüíferos. Uma vez definidos esses dois pontos, une-se os mesmos por uma reta,
que caracteriza a separação entre o escoamento superficial e de base.
Por exemplo, sobre uma bacia hidrográfica de 150 km2 ocorreu um evento de chuva, com
total precipitado de 91 mm, que durou aproximadamente 2 horas. O evento foi registrado e é
apresentado na Tabela 8. 2 . Foi realizada a separação do escoamento, apresentado na mesma
tabela, em na Figura 8. 9 é apresentada a separação do escoamento no hidrograma. A partir da
análise desse evento de precipitação e vazão, poderia ser obtido o coeficiente de escoamento e
uma estimativa das perdas. O coeficiente de escoamento desse evento resultou em 0,15 (volume
escoado superficialmente/volume precipitado) e o total de perdas da precipitação correspondeu a
77,5 mm (91 mm descontando a precipitação efetiva que é 0,15*91).
70

Qobs.
60
Qbase

50

40

30

20

10

0
5 10 15 20 25 30 35
Tempo (ho ras)

Figura 8. 9 – Separação do escoamento no hidrograma observado

Tabela 8. 2 – Hidrograma observado e separação do escoamento


Tempo Qobs. Qbase Qsup.
(h) (m3/s) (m3/s) (m3/s)
10 0.7 0.7 0
12 13 0.9 12.1
14 43.9 1.5 42.4
16 62 2 60
18 57.5 2.1 55.4
20 46 2.5 43.5
22 33.9 2.9 31
24 22.9 3.2 19.7
26 14.5 3.6 10.9
28 9.3 4 5.3
30 4.6 4.3 0.3
32 1.8 1.8 0

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Apostila de Hidrologia

9. Escoamento Superficial
Uma vez que a precipitação de projeto, associada a um determinado tempo de retorno já
tenha sido analisada, e as perdas já tenham sido estimadas (através de alguma das metodologias
disponíveis), de tal maneira a determinar a precipitação efetiva, o passo seguinte é transformar
essa chuva efetiva em escoamento, ou vazão.
Essa transformação pode ser realizada mediante diferentes métodos, que podem ser
identificados de acordo com a informação necessária. O método mais simples de aplicação, e
baseado unicamente em dados de precipitação é o Método Racional; esse método, no entanto,
fornece apenas a vazão máxima para projeto. Um segundo método baseado na precipitação e
algumas características da bacia hidrográfica são os chamados Hidrogramas Unitários Sintéticos.
Quando se dispõe de dados de precipitação e vazão para um mesmo evento, é possível utilizar
um Hidrograma Unitário.
A seguir são apresentadas essas metodologias mencionadas.

9.1 Método Racional


O método Racional é freqüentemente utilizado para o dimensionamento das redes de
drenagem urbana dada sua simplicidade, visto que engloba todos os processos em apenas um
coeficiente “Coeficiente de escoamento (C)”. No entanto, o mesmo não deve ser empregado em
bacias com área superior a 2 km2. Os princípios desta metodologia são:
• Considera a duração da precipitação intensa de projeto igual ao tempo de concentração
da bacia. Ao considerar esta igualdade admite-se que a bacia é suficientemente pequena para que
esta situação ocorra, pois a duração é inversamente proporcional à intensidade. Em bacias
pequenas, as condições mais críticas ocorrem devido às precipitações convectivas que possuem
pequena duração e grande intensidade.
• Adota um coeficiente único de perdas (coeficiente de escoamento), estimado com base
nas características da bacia.
• Não avalia o volume de cheia e a distribuição temporal das vazões.

A equação do método racional é a seguinte:

Q = 0 ,27.C .I .A (9.1)
onde:
Q: vazão máxima (m3/s);
C: coeficiente de escoamento;
I: intensidade da precipitação (mm/h);
A: área da bacia (km2).

• Equação IDF característica da região.


A intensidade da precipitação depende dos seguintes fatores:

• Tempo de concentração: para a estimativa da intensidade da precipitação, é necessário


conhecer o tempo de concentração da bacia, já que o mesmo é considerado igual à duração da

• Tempo de retorno (TR): o TR utilizado para o dimensionamento de obras de microdrenagem


precipitação máxima.

varia de dois a dez anos. Para dimensionamento de redes de macrodrenagem costuma-se


utilizar tempos de retorno de 10 anos ou mais.

Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -80-


Apostila de Hidrologia

O coeficiente de escoamento utilizado no método racional depende das seguintes


características:
- solo;
- cobertura;
- tipo de ocupação;
- tempo de retorno;
- intensidade da precipitação.

Os coeficientes de escoamento recomendado para as superfícies urbanas estão


apresentados em várias tabelas (Tabela 9. 1).

Tabela 9. 1 – Coeficientes de escoamento


Descrição da área C
Área Comercial/Edificação muito densa:
Partes centrais, densamente construídas, em cidade com ruas e calçadas
0,70 - 0,95
pavimentadas
Área Comercial/Edificação não muito densa:
Partes adjacentes ao centro, de menor densidade de habitações, mas com
0,60 - 0,70
ruas e calçadas pavimentadas
Área Residencial:
residências isoladas; com muita superfície livre 0,35 - 0,50
unidades múltiplas (separadas); partes residenciais com ruas 0,50 - 0,60
macadamizas ou pavimentadas
unidades múltiplas (conjugadas) 0,60 - 0,75
lotes com > 2.000 m2 0,30 - 0,45
áreas com apartamentos 0,50 - 0,70
Área industrial:
indústrias leves 0,50 - 0,80
indústrias pesadas 0,60 - 0,90
Outros:
Matas, parques e campos de esporte, partes rurais, áreas verdes, 0,05 – 0,20
superfícies arborizadas e parques ajardinados
parques, cemitérios; subúrbio com pequena densidade de construção 0,10 - 0,25
Playgrounds 0,20 - 0,35
pátios ferroviários 0,20 - 0,40
áreas sem melhoramentos 0,10 - 0,30
Pavimento:
Asfalto 0,70 – 0,95
Concreto 0,80 – 0,95
Calçadas 0,75 – 0,85
Telhado 0,75 – 0,95
Cobertura: grama/areia
plano (declividade 2%) 0,05 – 0,10
médio (declividade de 2 a 7%) 0,10 – 0,15
alta (declividade 7%) 0,15 – 0,20
Grama, solo pesado:
plano (declividade 2%) 0,13 – 0,17
médio (declividade de 2 a 7%) 0,18 – 0,22
alta (declividade 7%) 0,25 – 0,35

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Apostila de Hidrologia

9.2 O Hidrograma Unitário (HU)


O mais popular dos métodos é o hidrograma unitário, introduzido por Sherman nos anos
30. O método do HU considera a área da bacia hidrográfica e a intensidade da chuva, assim
como o Método Racional. A declividade e características fisiográficas da bacia hidrográfica em
estudo também são consideradas, embora não seja explicitado.
Conceitualmente o HU é o hidrograma do escoamento direto, causado por uma chuva
efetiva unitária (por exemplo, uma chuva de 1mm ou 1 cm), por isso o método é chamado de
Hidrograma Unitário. O método considera que a precipitação efetiva e unitária tem intensidade
constante ao longo de sua duração e distribui-se uniformemente sobre toda a área de drenagem
(Sherman, 1932).
Os princípios do método são:

A resposta da bacia hidrográfica diante do processo de escoamento tem um


comportamento linear. Isso significa que podem ser aplicados os princípios da
proporcionalidade e superposição.
Não considera a variabilidade temporal das características da bacia hidrográfica, de
maneira que a mesma chuva efetiva produz sempre o mesmo hidrograma de escoamento
superficial.

Em virtude dessas hipóteses, devem ser cumpridas algumas condições:

A chuva efetiva tem uma intensidade constante dentro da duração efetiva. Essa condição
exige que as chuvas sejam de curta duração, já que a taxa de chuva efetiva seria maior e
aproximadamente constante no tempo, produzindo um hidrograma melhor definido, com
pico único e tempo de base curto.
A chuva efetiva está uniformemente distribuída através de toda a área de drenagem. Em
virtude dessa condição, a área de drenagem não deverá ser muito grande. Caso seja
necessário trabalhar em bacias hidrográficas grandes, a mesma deverá ser sub-dividida
em sub-bacias de modo que se cumpra essa suposição. Marínez Marin (1994) recomenda
o limite superior de 400 km2.
O tempo de base do hidrograma de escoamento superficial, resultante de uma chuva
efetiva, de uma dada duração, é constante. Para que o comportamento da bacia
hidrográfica seja considerado linear, é necessário assumir que os hidrogramas de
escoamento superficial gerados por chuvas efetivas de igual duração têm o mesmo tempo
de base, independentemente da intensidade das chuvas efetivas. Esta consideração se
estende também ao tempo de pico. A informação hidrológica real não é completamente
linear, porém os resultados obtidos através da suposição linear são suficientemente
aproximados para fins práticos.
O HU de uma duração determinada é único para uma bacia hidrográfica e não varia no
tempo. As características do rio não devem ter mudanças e a bacia hidrográfica não deve
possuir armazenamentos apreciáveis (sem reservatórios).

Principio de proporcionalidade
Para uma chuva efetiva de uma dada duração, o volume de chuva, que é igual ao volume
escoado superficialmente, é proporcional à intensidade dessa chuva. Como os hidrogramas de
escoamento superficial correspondem a chuvas efetivas de mesma duração, têm o mesmo tempo
de base, considera-se que as ordenadas dos hidrogramas serão proporcionais à intensidade da
chuva efetiva. Ou seja

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Apostila de Hidrologia

= 1 =k
P1 Q
(9.2)
P2 Q 2
onde:
P: volume de chuva efetiva;
Q: vazão do escoamento superficial.
25
P2
20
P1
Q2=f (P2)
Vazão (l/s)

15 Q1=f (P1)
10

0
0 0.05 0.1 0.15 0.2 0.25
Tempo (horas)

Figura 9. 1 - Princípio da proporcionalidade

Principio de superposição
As vazões de um hidrograma de escoamento superficial, produzidas por chuvas efetivas
sucessivas, podem ser encontradas somando as vazões dos hidrogramas de escoamento
superficial correspondentes às chuvas efetivas individuais.
25
P1 P2
20 Q1=f (P1)
Q2=f (P2)
Vazão (l/s)

15 Q total

10

0
0 0.05 0.1 0.15 0.2 0.25
Tempo (horas)

Figura 9. 2 - Princípio da superposição


A aplicação dos princípios de proporcionalidade e superposição levam à definição da
chamada equação de convolução discreta.

Q t = ∑ Pef i ht −i +1
t
para t < k
i =1
(9.3)
Qt = ∑ Pef i ht −i +1 para t ≥ k
t

i =t − k +1
onde:
Qt: vazão do escoamento superficial no intervalo de tempo t;
h: vazão por unidade de chuva efetiva do HU;

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Apostila de Hidrologia

Pef: precipitação efetiva do bloco i;


k: número de ordenadas do hidrograma unitário, que pode ser obtido por k = n – m +1, onde m é
o número de pulsos de precipitação e n é o número de valores de vazões do hidrograma.
120
P1 P2 P8
P3 P4 P5 P6 P7
Precipitação
Q1=f (P1)
100
Q2=f (P2)
Q3=f (P3)
Q4=f (P4)
80
Q5=f (P5)
Vazão (l/s)

Q6=f (P6)
60
Q7=f (P7)
Q8=f (P8)
Q total
40

20

0
0 0.05 0.1 0.15 0.2 0.25 0.3 0.35
Tempo (horas)

Figura 9. 3 - Convolução dos hidrogramas

Anteriormente foi visto que a equação 9.3 representa a convolução discreta do HU. Assim,
uma vez conhecida a precipitação efetiva (Pef) e o hidrograma (Q) de escoamento superficial da
bacia hidrográfica, podem ser deduzidas as ordenadas (h) do HU mediante o processo chamado
de deconvolução.
Se existirem m pulsos de precipitação efetiva e n pulsos de escoamento superficial,
podem ser escritas n equações para Qt, n=1,2,...n, em função de n-m+1 valores desconhecidos do
HU.
Por exemplo, se o hietograma de precipitação efetiva é formado por 3 blocos e o
hidrograma de escoamento superficial é formado por 11 valores, significa dizer que m=3 e n=11.
Resultando em n-m+1= 9 ordenadas (h) do HU. As equações de convolução resultantes seriam,
onde neste caso as variáveis desconhecidas são os valores de h.

Q1 = Pef1.h1
Q2 = Pef2.h1+ Pef1.h2
Q3 = Pef3.h1 +Pef2.h2+ Pef1.h3
Q4 = Pef3.h2+ Pef2.h3+Pef1.h4
Q5 = Pef3.h3+Pef2.h4+Pef1.h5
Q6 = Pef3.h4+Pef2.h5+Pef1.h6
Q7 = Pef3.h5+Pef2.h6+Pef1.h7 (9.4)
Q8 = Pef3.h6+Pef2.h7+Pef1.h8
Q9 = Pef3.h7+Pef2.h8+Pef1.h9
Q10 = Pef3.h8+Pef2.h9
Q11= Pef3.h9

Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -84-


Apostila de Hidrologia

Pode-se observar que esse sistema de equações está sobredimensionado, já que temos
mais equações que incógnitas. Essas equações podem ser resolvidas por eliminação gaussiana,
isolando cada uma das variáveis desconhecidas e resolvendo sucessivamente. Neste caso a
resolução poderia começar de baixo para cima, ou de cima para baixo.

9.2.1 Dedução do Hidrograma Unitário

Para determinar o HU em uma bacia hidrográfica, é necessário dispor de registros de


vazão e precipitação simultâneos. Recomenda-se procurar no histórico, eventos causados por
chuvas que tenham uma duração entre 1/3 a 1/5 do tempo de concentração. A seguir é
apresentado um roteiro de cálculo.

1) Calcular o volume de água precipitado sobre uma bacia hidrográfica, que é dado por
Vtot = Ptot . A (9.5)
onde:
Vtot: volume total precipitado sobre a bacia;
Ptot: precipitação total;
A: área de drenagem da bacia.

2) Fazer a separação do escoamento superficial, onde para cada instante t, a vazão que escoa
superficialmente é a diferença entre a vazão observada e a vazão de base
Qe = Qobs – Qb (9.6)
onde:
Qe: vazão que escoa superficialmente;
Qobs: vazão observada no posto fluviométrico;
Qb: vazão base, extraída do gráfico.

3) Determinar o volume escoado superficialmente, calculando a área do hidrograma superficial,


que pode ser obtida conforme
Ve = Σ Qei . ∆t (9.7)
onde:
Ve: volume escoado superficialmente;

∆t: intervalo de tempo dos dados.


Qei: vazão que escoa superficialmente;

4) Determina-se o coeficiente de escoamento

C=
Ve
(9.8)
V tot
onde:
Ve: volume escoado superficialmente;
Vtot: volume total precipitado sobre a bacia hidrográfica.

5) Determinar a chuva efetiva, multiplicando-se a chuva total pelo coeficiente de escoamento


Pef = C . Ptot (9.9)
onde:
Pef: chuva efetiva;
C: coeficiente de escoamento
Ptot: precipitação total.

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Apostila de Hidrologia

6) Determinar as ordenadas do HU

Qu = × Qe
Pu
Pef
(9.10)
onde:
Qu: ordenada do hidrograma unitário;
Pu: chuva unitária (10 mm, 1 mm);
Pef: precipitação efetiva;
Qe: ordenada do hidrograma de escoamento superficial.

9.3 Hidrograma Unitário Sintético (HUS)


A situação mais freqüente, na prática, é o da inexistência de dados históricos. Os
hidrogramas unitários sintéticos foram estabelecidos com base em dados de algumas bacias e são
utilizados quando não existem dados que permitam estabelecer o HU, conforme apresentado no
item a seguri. Os métodos de determinação do HU baseiam-se na determinação do valor de
algumas características do hidrograma.

9.3.1 Hidrograma Unitário Sintético do Snyder

Os hidrogramas unitários sintéticos baseiam-se nas características físicas das bacias que
podem influenciar claramente a produção de vazão, como a área, declividade, forma da bacia,
densidade de drenagem, parâmetros hidráulicos e redes de drenagem, etc. Um dos mais
conhecidos é o hidrograma sintético de Snyder (1973), desenvolvido para bacias com área entre
10 e 10.000 milhas quadradas, o hidrograma sintético é construído utilizando os seguintes
parâmetros:

tp

tr

qp
Q
L75
L50

Tb t

Figura 9. 4 – Hidrograma Unitário Sintético de Snyder


Onde:
Qp: vazão de pico;

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Apostila de Hidrologia

tr: duração da chuva efetiva;


L75: largura do hidrograma a uma vazão 0,75q;
L50: largura do hidrograma a uma vazão 0,50q;
Tb: tempo de base.

As relações entre os parâmetros descritos acima e as características físicas da bacia foram


feitas através de estudos de regressão múltipla e resultaram nas seguintes equações:
Equação do tempo de retardo:
tR =
Ct
( L * LC G ) 0,3 (9.11)
1,33
onde :
tR: tempo de retardo em horas;
L: comprimento do curso d’água principal (km);
LCG: distância desde a saída da bacia até o ponto do leito principal mais próximo do centróide
da bacia (km);
Ct: coeficiente característico da bacia.
O valor LCG tem sua representação na Figura 9. 5, abaixo:

* Centro de gravidade da bacia


Lc

Figura 9. 5 – Representação do valor de LCG

Equação do tempo de duração da precipitação:


tr =
tR
(9.12)
5,5
A vazão máxima do HU, para uma chuva de 1 cm, em m3/s.cm, é dada por:

qp = 2 ,76
Cp .A
(9.13)
tR
onde:
Cp: coeficiente característico da bacia.
A: área da bacia em km2.
Para fazer o ajuste do hidrograma a valores de duração da chuva diferentes de tr, dado
pela equação 9.12, deve-se substituir o valor de tR calculado anteriormente pelo obtido segundo
a seguinte:
t’R = tR + 0,25*( tRadotado – tr ) (9.14)

onde:
tp: tempo de pico original.
tr: que gerou o hidrograma unitário;
tRadotado: duração de interesse.
O tempo de base do hidrograma em dias:

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Apostila de Hidrologia

Tb = 3 + tR/8 (9.15)

sendo tR dado em horas. O valor estimado de Tb não pode ser considerado no caso da bacia ser
muito pequena. O tempo de pico deve ser estimado por
tp = 0,5.tr + tR’ (9.16)

A partir destes pontos calculados procede-se ao desenho do hidrograma, que terá forma
triangular e área igual a 1.

9.3.2 Hidrograma Unitário Sintético do SCS

O hidrograma formado com o uso deste método foi desenvolvido a partir de bacias
agrícolas dos Estados Unidos e tem forma triangular, conforme a Figura 9. 6.

Q, P

ttR
p

∆t/2 tc

∆t
Qp

tp
tm tr
tr

Figura 9. 6 - Hidrograma unitário triangular do SCS

Para a determinação do hidrograma unitário, deve-se inicialmente determinar alguns


parâmetros, conforme roteiro a seguir:
1) Determinar o tempo de concentração (tc) da bacia hidrográfica.
2) Determinar o parâmetro tp (horas),
∆t
tp = + 0,6.tc (9.17)
2
onde:
∆t: intervalo de tempo de simulação, obtido a partir da precipitação (horas);
tc : tempo de concentração da bacia (horas).
3) Determinar o tempo de pico do hidrograma tR (horas),
tR = 0,6.tc (9.18)
4) Determinar o tempo de recessão do hidrograma tr (horas),

tr = 1,67.tp (9.19)

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5) Determinar o tempo de base do hidrograma tb (horas),


tb = tp + tr (9.20)
6) Determinar a vazão máxima utilizando a equação 9.15, válida para precipitação de 1 mm.
Qp =
0,208. A
(9.21)
tp
onde:
Qp : vazão máxima do hidrograma triangular em m3/s;
A: área da bacia em km2.

∆t=tR/5. Para o caso dos hidrogramas unitários sintéticos, o procedimento para a convolução da
O intervalo de tempo é definido em unidades de tp. Recomenda-se a utilização de

chuva é o mesmo apresentado para o caso com dados, conforme apresentado adiante.

9.4 Aplicação dos métodos do HU e HUS


Uma vez que já se conheça o HU correspondente a uma duração de chuva efetiva
determinada, a aplicação do método do HU para encontrar o hidrograma de escoamento
superficial pode se resumir nos seguintes passos.

1) Selecionar a precipitação de projeto;


2) Determinar o hietograma da chuva efetiva através da estimativa de perdas;
3) Ajustar a duração do hidrograma unitário, se necessário, através da curva S (ver descrição a
seguir), visto que o intervalo de tempo utilizado para definir as ordenadas do hietograma de
precipitação efetiva deve ser o mesmo que o especificado para o HU;
4) Calcular o hidrograma de escoamento superficial através da equação discreta de convolução.

Os hidrogramas unitários, desenvolvidos com a metodologia exposta apresentam o


escoamento superficial resultante de uma chuva unitária ocorrida durante um intervalo de tempo
especificado. Se a chuva de projeto disponível é de uma duração diferente (ou está discretizada
em intervalos de tempo diferente), é necessário definir um HU adequado, isso é, causado por
uma chuva de duração que interessa.
O método do retardamento é uma possibilidade. Se existe um HU de 1 hora (entende-se
causado por uma chuva de 1 hora), é possível achar o HU resultante de uma chuva unitária de 2
h, plotando dois HUs de 1 hora, deslocados de 1 hora e extraindo a média aritmética das
ordenadas.
Assim, por exemplo, os 10 mm de chuva iniciais, contido na duração original de 1 hora,
têm se espalhado ao longo de duas horas. Outras combinações são possíveis, compondo-se HUs
da mesma duração; não é possível, no entanto, compor HUs devido a chuvas de durações
diferentes. Nesses casos recorre-se ao uso de um hidrograma unitário chamado de curva S. A
curva S pode ser definida como o hidrograma unitário causado por uma chuva (unitária) de
duração infinita.
Para obter a curva S a partir de um HU conhecido, basta acumular progressivamente as
ordenadas do HU original para se obter as respectivas ordenadas da curva S. A grande utilidade
da curva S é que ela permite o cálculo de HUs de qualquer duração; para isso se desloca a curva
S um intervalo de tempo t, igual à duração do HU desejado. As ordenadas desse HU procurado
são calculadas pela diferença entre as duas curvas S, corrigidas pela relação D/t (onde D é a
duração da chuva que originou a curva S e t é o tempo do novo HU).

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10. Propagação de Vazões


Denomina-se de propagação de vazões o procedimento através do qual se pode
determinar o hidrograma em um ponto do curso de água, utilizando um hidrograma conhecido
em um ponto mais a montante. Existem vários métodos apresentados na literatura para tal
finalidade. No entanto, aqui são abordados o modelo de Muskingum para propagação do
escoamento em rios, e o modelo de Puls, para escoamento em reservatórios.
Esses dois modelos são do tipo armazenamento, e foram desenvolvidos a partir da
equação da continuidade, onde é realizado um balanço de volumes de entrada (I) e saída (Q) para
cada intervalos de tempo.
= I ( t ) − Q( t )
dS
(10.1)
dt

Conhecendo I(t), não é possível obter Q(t) se não é conhecida uma segunda relação,
chamada de função de armazenamento. A forma da equação de armazenamento depende da
natureza do sistema analisado. Existem vários métodos que são diferentes, conforme a maneira
como é considerada a função de armazenamento.
O efeito do armazenamento sobre o hidrograma de saída é, por um lado, o de modificar a
forma do hidrograma, atrasando o tempo ao pico, aumentando o tempo de base e diminuindo a
vazão de pico, e por outro lado, o de atrasar o começo do hidrograma, especialmente quando se
trata de canais muito longos, onde a onda de cheia deve viajar uma distância considerável.

10.1 Propagação do escoamento em rios e canais - Muskingum


O método de Muskingum foi apresentado por McCarthy (1938). Este método modela o
armazenamento em um rio ou canal, mediante a combinação de dois tipos de armazenamentos,
tal como se mostra na Figura 10. 1.
Durante o avanço da onda de cheia, a vazão de entrada é maior que a vazão de saída,
formando um armazenamento em forma de cunha. Durante a recessão, a vazão de saída é maior
que de entrada, resultando em uma cunha negativa. Adicionalmente, existe um armazenamento
por prisma, que está formado por um volume de seção transversal constante ao longo de todo o
comprimento do canal prismático (Chow, 1959).

Figura 10. 1 - Armazenamento por cunha e prisma em um rio

O volume de armazenamento prismático é proporcional a vazão de saída, já que se supõe


que a vazão de saída é proporcional à área da seção do rio.

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S p = K .Q (10.2)

O valor de K é considerado igual ao tempo de deslocamento da onda de cheia através do


trecho de rio. O volume de armazenamento por cunha é proporcional à diferença entre as
entradas e saídas.

S c = K .X .( I − Q ) (10.3)
onde X é um fator de ponderação, podendo asumir valores entre 0 e 0,5, em função da
forma de armazenamento em cunha. Quando X = 0, não existe cunha de armazenamento, e não
há curva de remanso no rio, e o escoamento será do tipo reservatório, onde S = K.Q. Nesse caso
se produz a máxima atenuação possível. Quando X=0,5; diz-se que a cunha está completamente
desenvolvida e não existe atenuação alguma do pico. Em rios naturais, de vazões elevadas e de
baixa declividade, X é muito próximo de 0, e será mais próximo de 0,5 quanto maior a
declividade do rio, e menor for a vazão do mesmo.
O armazenamento total no trecho de rio considerado seria então:

S = K .Q + K .X .( I − Q ) (10.4)
que pode ser reordenado como:

S = K [ XI + ( 1 − X )Q ] (10.5)

Esta equação representa o modelo linear de armazenamento para a propagação de ondas


de cheia em rios, através do método de Muskingum. Se analisamos o volume de armazenamento
em dois instantes, 1 e 2, no início e ao final de um intervalo de tempo ∆t, esses podem ser
escritos como:

S 1 = K [ XI 1 + ( I − X )Q1 ] (10.6)

S 2 = K [ XI 2 + ( I − X )Q2 ] (10.7)

A variação do armazenamento através do rio seria a diferença entre ambos


armazenamentos.

S 2 − S 1 = K .{ [ XI 2 + ( I − X )Q2 ] − [XI 1 + ( 1 − X )Q1 ] } (10.8)

Utilizando a equação da continuidade, a variação no armazenamento é igual a:

I1 + I 2 Q + Q2
S 2 − S1 = .∆t − 1 .∆t (10.9)
2 2

Combinando as equações 10.8 e 10.9

I1 + I 2 Q + Q2
K [ X .( I 2 − I 1 ) + ( 1 − X ).( Q2 − Q1 )] = .∆t − 1 .∆t (10.10)
2 2

isolando Q2, resulta:

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Apostila de Hidrologia

∆t ∆t ∆t
K .X + − K .X + K .( 1 − X ) −
Q2 = .I 1 + .I 2 +
∆t ∆t ∆t
2 2 2 .Q (10.11)
K .( 1 − X ) + K .( 1 − X ) + K .( 1 − X ) +
1

2 2 2
ou então:
Q 2 = C 1 I 1 + C 2 I 2 + C 3 Q1 (10.12)
onde:
KX + ∆t / 2
C1 =
K ( 1 − X ) + ∆t / 2

− KX + ∆t / 2
C2 =
K ( 1 − X ) + ∆t / 2
(10.13)

K ( 1 − X ) − ∆t / 2
C3 =
K ( 1 − X ) + ∆t / 2

Para checar se os valores de C1, C2, C3 estão corretamente calculados temos:


C1 + C 2 + C 3 = 1 (10.14)

10.1.1 Ajuste dos parâmetros X e K

Se estão disponíveis os hidrogramas de entrada e saída observados para um trecho do rio,


podem ser determinados os valores de K e X, utilizando a seguinte metodologia:
1) Adotam-se vários valores de X
2) Utilizando a informação das vazões de entrada e de saída, calculam-se os valores do
numerador e do denominador da seguinte expressão de K, deduzida da equação 10.10:

.[(I 2 + I1 ) − (Q2 + Q1 )]
∆t
K=
X .(I 2 − I 1 ) + (1 − X )(. Q2 − Q1 )
2 (10.15)

3) Os valores calculados do numerador e denominador devem ser acumulados e plotados em um


gráfico como ordenadas e abscissas, respectivamente, produzindo uma curva em forma de laço.
O valor de X que produz um laço mais parecido possível com uma reta única deve ser utilizado
para calcular o valor de K, que é a declividade da reta.

O parâmetro X deve ser maior que zero para evitar a possibilidade de vazões negativos, e
por razões de estabilidade numérica da solução deve ser ademais menor que 0.5, portanto

0 < X < 0,5


teremos:
(10.16

O parâmetro K tem unidade de tempo e representa o tempo médio de deslocamento da


onda entre montante e jusante do trecho. O parametro C2 é sempre positivo e, considerando que
os parâmetros C1 e C3 devem ser positivos também, para que não exista a possibilidade de vazão

C1 ≥ 0
negativa, resulta,
(10.17
Assim,
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Apostila de Hidrologia
− KX + ∆t / 2 > 0 => ∆t / 2 > KX (10.18)

Analogamente para C3:


C3 ≥ 0 (10.19

− ∆t / 2 > − K ( 1 − X ) => ∆t / 2 > K ( 1 − X ) (10.20)


Sendo assim,
2 X ≤ ∆t / K ≤ 2( 1 − X ) (10.21)

A região de variação dos parâmetros fica definida, e como conseqüência é possível


estabelecer a discretização temporal. (conforme Figura 10. 2)

t/ K
C3<0
2

X<0 1 Região Região


Válida Instável

C1 <0

-0.5 0 0.5 1.0 X


Figura 10. 2 – Região de variação dos parâmetros

Quando os parâmetros tendem a romper o limite inferior da equação (10.21), o trecho


necessita ser discretizado em sub-trechos para efeito de cálculo. Quando tendem a romper o
limite superior o intervalo de tempo é alto e precisa ser reduzido.

10.2 Propagação de escoamento em reservatórios


Um dos métodos utilizados para a propagação das vazões em reservatório é o de Puls, por
ser um dos mais conhecidos. O método utiliza a equação de continuidade concentrada, sem
contribuição lateral e a relação entre o armazenamento e a vazão é obtida considerando a linha
de água do reservatório horizontal. Discretizando a equação da continuidade resulta

S t +1 − S t I t + I t+1 Q t + Q t +1
= − (10.22)
∆t 2 2

onde:
I t e I t +1 : vazões de entrada no reservatório em t e t+1;
Qt e Qt +1 : vazões de saída do reservatório em t e t+1;
St e St+1 : armazenamento do reservatório nos tempos referidos.
As duas incógnitas do problema são Q e S no tempo t+1. Reorganizando a equação
anterior, com as variáveis conhecidas de um lado e as desconhecidas de outro, resulta

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Apostila de Hidrologia

Q t +1 + = I t + I t+1 − Q t + t
2S t + 1 2S
(10.23)
∆t ∆t

Como existe uma equação e duas incógnitas, a equação adicional é a relação Q = f(S),
relacionando a vazão de saída do reservatório com o estado de armazenamento do mesmo. A
obtenção dessa função é descrita posteriormente nesse texto. Utilizando esta função, é possível
construir uma segunda função auxiliar, para a determinação de Qt+1

Q = f1(Q + 2S/∆S) (10.24)

Normalmente essa função é conhecida de forma tabular, onde para cada ordenada haverá
um valor de S, dividido pelo intervalo de tempo de cálculo e somado a vazão define a nova
abscissa, gerando a função f1.
Com base nas equações 10.23 e 10.24 é possível simular o escoamento através do
reservatório através da seguinte seqüência:

a) Para o início do cálculo é necessário definir o volume inicial do reservatório (So).


Esse volume depende dos critérios do estudo em análise ou do valor observado conhecido, no
caso de reprodução de um evento. Conhecido So é calculado Qo através da função entre as duas
variáveis (Q = f(S));

b) Para o intervalo de tempo seguinte deve-se determinar os termos da direita da


equação 10.23, já que todos os termos do lado esquerdo da equação são conhecidos (hidrograma
de entrada deve ser previamente conhecido);

c) O termo da direita é igual à abcissa da função f1. Portanto entrando com esse valor
na função obtém-se a vazão Qt +1 ;

d) Conhecido Qt + 1 determina-se St +1 através da função que relaciona essas variáveis.

Os passos de b até d se repetem para todos os intervalos de tempo.

Determinação da relação entre S e Q:

Esta relação é estabelecida com base nas seguintes relações:

- cota e o armazenamento no reservatório;


- cota e vazão de saída do reservatório.

A curva cota x armazenamento é obtida pela cubagem do reservatório (Figura 10. 3).
Essa relação é apresentada na forma de tabela, gráfico ou é ajustada uma equação. Devido às
características normalmente encontrada nos reservatórios essa função pode ser ajustada a uma
função do tipo seguinte

Z = aS b (10.25)

onde a e b são coeficientes ajustados aos dados e Z a cota. Existem outras expressões
matemáticas utilizadas para o ajuste.

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Apostila de Hidrologia

Figura 10. 3 - Relação entre cota e armazenamento

A função entre cota e a vazão de saída depende do tipo de estrutura de saída que está
sendo utilizada. Essa função é fornecida pelo projetista ou estabelecida através de modelo
reduzido. Os reservatórios podem possuir dois tipos de extravasores: vertedor e descarregador de
fundo (Figura 10. 4). Tanto um como o outro pode ter comportas.

Figura 10. 4 – Estruturas de descargas dos reservatórios

Para evitar que haja alteração destas equações, e possível comprometimento do


funcionamento do reservatório, recomenda-se que as estruturas de descarga não operem
afogadas. Quando se deseja esvaziamento completo do reservatório, o descarregador deve ser
posicionado junto ao fundo do reservatório.
Combinando a função Z = f2(S) com a função Q = f3(Z) é possível determinar Q = f(S)
(conforme Figura 10. 5 ). Utilizando um valor de Zi da primeira função, determina-se Si. Para o
mesmo valor de Zi, na função f3 determina-se Qi. Com esse pontos e outros obtidos da mesma
forma pode-se construir a relação mencionada (Figura 10. 6).

Figura 10. 5 - Cálculo do amortecimento em reservatório: funções de armazenamento

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Apostila de Hidrologia
Quando o reservatório possui comportas, a curva de descarga muda para cada manobra
de comporta. A função f3 é alterada, o que necessita um novo cálculo de Q = f(S). A regra
operacional é transferida para a simulação através da função f3.
A aplicação do método de Puls, ou o uso somente da relação biunívoca entre
armazenamento e vazão, implica em admitir que a linha de água no reservatório é
aproximadamente horizontal. Quando a declividade da linha de água é importante, e os processos
dinâmicos afetam o escoamento de saída e mesmo ao longo do reservatório, esse tipo de método
não deve ser utilizado. Para esta situação deve-se procurar utilizar um modelo hidrodinâmico
baseado na solução das equações completas de Saint Venant ou outro modelo de escoamento que
trata o trecho do reservatório como um rio.

Figura 10. 6 - Função vazão x armazenamento

Exemplo 10.1
Deseja-se propagar em um reservatório o hidrograma da Figura 10. 7 (cujos dados são
apresentados na Coluna 1 da planilha 10.2). O reservatório estudado possuirá um descarregador
de fundo circular (φ=1,40m) e um vertedor de emergência com 10 m de comprimento, cuja cota
é 55,2 m. A cota de fundo do reservatório é 53,2 m (o mesmo tem 2m de altura) e está
inicialmente vazio. O intervalo de tempo do hidrograma de entrada é de 120 s. A curva Cota x
Armazenamento do lago é fornecida na Tabela 10. 1. O coeficiente de descarga do vertedor é
0,86 e do descarregador de fundo 0,50.

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Apostila de Hidrologia

22

20

18

16

14
Vazão (m3/s)

12

10

0
0 5 10 15 20 25 30
Tempo (min)

Figura 10. 7 – Hidrograma a ser propagado

Tabela 10. 1– Curva Cota x Armazenamento


Prof Z = zo +prof S
(m) (m) (m3)
0.0 53.20 0.0
0.1 53.30 560.0
0.2 53.40 1120.0
0.3 53.50 1680.0
0.4 53.60 2240.0
0.5 53.70 2800.0
0.6 53.80 3360.0
0.7 53.90 3920.0
0.8 54.00 4480.0
0.9 54.10 5040.0
1.0 54.20 5600.0
1.1 54.30 6160.0
1.2 54.40 6720.0
1.3 54.50 7280.0
1.4 54.60 7840.0
1.5 54.70 8400.0
1.6 54.80 8960.0
1.7 54.90 9520.0
1.8 55.00 10080.0
1.9 55.10 10640.0
2.0 55.20 11200.0
1.9 55.10 10640.0
2.0 55.20 11200.0
2.1 55.30 11760.0
2.5 55.70 14000.0

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Apostila de Hidrologia

O primeiro passo é a construção da curva da função conhecida f1 ( Q = f1(Q + 2S/∆S) ). Neste


exemplo esta função existirá para o descarregador de fundo e vertedor. A planilha 10.1 mostra o
procedimento de cálculo para este fim.
Onde:
Col. 1: é a altura do reservatório, discretizada em intervalos de cotas. Neste exemplo a altura do
reservatório foi discretizada em intervalos de 10 cm.
Col. 2: Armazenamento no reservatório correspondente a cada cota.
Col. 3: Corresponde à cota referenciada que é atingida dentro do reservatório. Z = Zo + Altura
(altura é a Col. 1).
Col. 4: Vazão vertida pelo vertedor. Calculada a partir da equação:
Qv = .Cv .Lv . 2 .g .(Z − Z w )1,5
2
3
onde: g é a aceleração da gravidade m/s2; Cv e Lv são o coeficiente de descarga do
vertedor e largura do vertedor respectivamente. Substituindo as colunas da planilha P10.1
na equação, resulta:
Qv = .Cv .Lv . 2 .g .(Col 3 )1,5
2
3
Col. 5: Vazão drenada pelo descarregador de fundo. Calculada a partir da equação:
Q=Cd ⋅ Ac⋅ 2 ⋅ g ⋅ h
onde: g é a aceleração da gravidade m/ s2; Cd é o coeficiente de descarga do descarregador
de fundo e Ac é a área da seção transversal do desarregador de fundo. Substituindo as
colunas da planilha P10.1 na equação, resulta:
Q = Cd ⋅ Ac ⋅ 2 ⋅ g ⋅ Col1

Col. 6: Armazenamento no reservatório em intervalos de tempo de cálculo do hidrograma de


entrada. (2.S/∆t) = (2.Col.2)/∆t.
Col. 7: Col. 4 + Col. 5 + Col. 6
Col. 8: Col. 4 + Col. 5 (vazão de saída)

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Apostila de Hidrologia

Planilha 10.1

Col1 Col2 Col3 Col4 Col5 Col6 Col7 Col8


Altura Armazenamento Z Q vertedor Q descarregador (2S/dt) (2S/dt) + Qdesc + Q vert Q saída
(m) (m3) (m) (m3/s) (m3/s) (m3/s) (m3/s) (m3/s)
0.0 0.0 53.20 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00
0.1 560.0 53.30 0.00 1.18 9.33 10.42 1.18
0.2 1120.0 53.40 0.00 1.67 18.67 20.21 1.67
0.3 1680.0 53.50 0.00 2.04 28.00 29.89 2.04
0.4 2240.0 53.60 0.00 2.36 37.33 39.52 2.36
0.5 2800.0 53.70 0.00 2.64 46.67 49.11 2.64
0.6 3360.0 53.80 0.00 2.89 56.00 58.67 2.89
0.7 3920.0 53.90 0.00 3.12 65.33 68.22 3.12
0.8 4480.0 54.00 0.00 3.33 74.67 77.75 3.33
0.9 5040.0 54.10 0.00 3.54 84.00 87.27 3.54
1.0 5600.0 54.20 0.00 3.73 93.33 96.78 3.73
1.1 6160.0 54.30 0.00 3.91 102.67 106.29 3.91
1.2 6720.0 54.40 0.00 4.08 112.00 115.78 4.08
1.3 7280.0 54.50 0.00 4.25 121.33 125.27 4.25
1.4 7840.0 54.60 0.00 4.41 130.67 134.75 4.41
1.5 8400.0 54.70 0.00 4.56 140.00 144.23 4.56
1.6 8960.0 54.80 0.00 4.71 149.33 153.70 4.71
1.7 9520.0 54.90 0.00 4.86 158.67 163.17 4.86
1.8 10080.0 55.00 0.00 5.00 168.00 172.63 5.00
1.9 10640.0 55.10 0.00 5.14 177.33 182.09 5.94
2.0 11200.0 55.20 0.00 5.27 186.67 191.55 7.54
2.1 11760.0 55.30 0.80 5.40 196.00 201.80 6.40
2.5 14000.0 55.70 8.98 5.46 233.33 247.77 11.95

Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -99-


Apostila de Hidrologia

14000

12000

10000
Armazenamento (m3)

8000

6000

4000

2000

0
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5
Altura (m)

Figura 10. 8 – Curva de armazenamento reservatório (Col. 1 x Col. 2 - Planilha P10.1)

6.00

5.00 Q descarregador

4.00
Vazão (m3/s)

3.00

2.00

1.00

0.00
0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5
Altura (m)

Figura 10. 9 – Curva de vazão do descarregador de fundo (Col. 1 x Col. 5 – Planilha P10.1)

A partir dos cálculos, a propagação do hidrograma está apresentada na planilha P10.2.

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Apostila de Hidrologia

Planilha P10.2
Col. 1 Col. 2 Col. 3 Col. 4 Col. 5 Col. 6
t (s) I entrada It + It+1 - Ot + 2S/dt h (m) (2S/t ) Q saída (m3/s)
(m3/s) (m3/s) (m3/s)
0 0.00 - 0.00 0.00 0.00
120 0.03 0.03 0.00 0.03 0.00
240 2.14 2.20 0.02 1.97 0.23
360 7.04 10.92 0.11 9.81 1.11
480 14.16 29.90 0.30 28.01 1.89
600 19.44 59.72 0.61 57.03 2.70
720 21.27 95.04 0.98 91.62 3.42
840 19.07 128.54 1.33 124.56 3.99
960 13.83 153.47 1.60 149.11 4.36
1080 7.59 166.16 1.73 161.62 4.54
1200 3.45 168.12 1.75 163.55 4.57
1320 1.04 163.48 1.70 158.97 4.50
1440 0.00 155.51 1.62 151.12 4.39
1560 146.73 1.53 142.46 4.26
1680 138.20 1.44 134.07 4.13
1800 129.93 1.35 125.93 4.01
1920 121.92 1.26 118.04 3.88
2040 114.16 1.18 110.41 3.75
2160 106.65 1.10 103.03 3.62
2280 99.40 1.03 95.91 3.50
2400 92.41 0.95 89.04 3.37
2520 85.67 0.88 82.43 3.24
2640 79.19 0.82 76.07 3.11
2760 72.96 0.75 69.97 2.99
2880 66.99 0.69 64.13 2.86
2892 61.27 0.63 58.54 2.73
3012 55.81 0.57 53.20 2.60
3132 50.60 0.52 48.12 2.48
3252 45.65 0.46 43.30 2.35
3372 40.95 0.42 38.73 2.22
3492 36.51 0.37 34.42 2.09
3612 32.33 0.33 30.37 1.96
3732 28.40 0.28 26.57 1.84
3852 24.73 0.25 23.02 1.70
3972 21.32 0.21 19.74 1.58
4092 18.15 0.18 16.71 1.45
4212 15.26 0.15 13.94 1.31
4332 12.63 0.12 11.44 1.19
4452 10.24 0.10 9.17 1.07
4572 8.10 0.08 7.25 0.85
4692 6.40 0.06 5.73 0.67
4812 5.06 0.05 4.53 0.53
4932 4.00 0.04 3.58 0.42
5052 3.17 0.03 2.83 0.33
5172 2.50 0.02 2.24 0.26
5292 1.98 0.02 1.77 0.21
5412 1.56 0.02 1.40 0.16
5532 1.24 0.01 1.11 0.13
5652 0.98 0.01 0.88 0.10
: : : : :
: : : : :
7452 0.05 0.00 0.04 0.00

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Apostila de Hidrologia

Onde:
Col. 1: intervalo de tempo de propagação (segundos). Informação depende do dado de
entrada.
Col. 2: hidrograma de a ser propagado no reservatório. O hidrograma de entrada foi
fornecido.
Col. 3: Esta coluna representa o termo da direita da equação “Qt+1 + 2.St+1/∆t = It + It+1 -
Qt + 2.St/∆t”
Para o primeiro intervalo de tempo, o armazenamento inicial é conhecido (So=0), o
armazenamento é nulo e a Q saída é nula. Conhecido o valor do termo da direita da equação,
calcula-se a cota atingida no reservatório (h) , consultando as colunas 7 e 3 da Planilha P10.1.
Determina-se (2.St/∆t) consultando as colunas 6 e 7 da Planilha P10.1, na mesma planilha,
determina-se Qt consultando as colunas 7 e 8. O mesmo procedimento é feito para todos os
intervalos de tempo seguinte, até haver a completa propagação no reservatório.
Col. 4: cota atingida no interior do reservatório. Calculada conforme apresentado acima.
Col. 5: armazenamento/∆t no interior do reservatório. Calculada conforme apresentado
acima.
Col. 6: vazão de saída do reservatório. Calculada conforme apresentado acima.

Os hidrogramas de entrada e saída do reservatório podem ser vistos na Figura 10. 10.

25.00

Q entrada

Q saída
20.00

15.00
Vazão (m3/s)

10.00

5.00

0.00
0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000
Tempo (minutos)

Figura 10. 10 – Hidrogramas de entrada e saída do reservatório.

Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -102-

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