Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
GRADUAÇÃO
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS:
DA DIVERSIDADE DE GÊNERO À FAIXA GERACIONAL
1
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
Pedagogia - EaD
CDU:
2
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
APRESENTAÇÃO
Prezado(a) Acadêmico(a),
Bom estudo!
Reitoria UDC On-line
3
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ...................................................................................................... 3
UNIDADE I –CONCEITOS ANTROPOLÓGICOS ...................................................... 5
1.1 ANTROPOLOGIA: UM OLHAR PARA O OUTRO ................................................ 6
1.2 A ALTERIDADE COMO UM CONCEITO ANTROPOLÓGICO ........................... 14
1.3 ETNOCENTRISMO E RELATIVIZAÇÃO ............................................................ 15
1.4 CULTURA E IDENTIDADE ................................................................................. 21
UNIDADE II – GÊNERO E RELAÇÕES SOCIAIS.................................................... 28
2.1. FEMINISMO E MOVIMENTOS FEMINISTAS .................................................... 30
2.2. DIVERSIDADE DE GÊNERO E A SUPERAÇÃO DOS PRECONCEITOS ........ 33
UNIDADE III - FAIXA GERACIONAL E A SUPERAÇÃO DOS PRECONCEITOS .. 35
UNIDADE IV- EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE .......................................................... 43
4.1. O PAPEL DA EDUCAÇÃO NO COMBATE À VIOLÊNCIA DE GÊNERO .......... 43
4.2. A EDUCAÇÃO COMO ENFRENTAMENTO DOS CONFLITOS ÉTNICO
RACIAIS .................................................................................................................... 47
SUGESTÃO DE VÍDEO: BRO MC'S - EJU ORENDIVE ........................................... 48
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 53
4
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
5
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
6
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
7
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
8
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
Apesar de serem tão escrupulosos no cuidado bucal, este rito envolve uma prática que
choca o estrangeiro não iniciado, que só pode considerá-lo revoltante. Foi-me relatado que o
ritual consiste na inserção de um pequeno feixe de cerdas de porco na boca juntamente
com certos pós mágicos, e em movimentá-lo então numa série de gestos altamente
formalizados.
Além do ritual bucal privado, as pessoas procuram o mencionado sacerdote-da-boca
uma ou duas vezes ao ano. Estes profissionais têm uma impressionante coleção de
instrumentos, consistindo de brocas, furadores, sondas e aguilhões. O uso destes objetos
no exorcismo dos demônios bucais envolve, para o cliente, uma tortura ritual quase
inacreditável. O sacerdote-da-boca abre a boca do cliente e, usando os instrumentos acima
citados, alarga todas as cavidades que a degeneração possa ter produzido nos dentes.
Nestas cavidades são colocadas substâncias mágicas. Caso não existam cavidades
naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais dentes são extirpadas para que a
substância natural possa ser aplicada.
Do ponto de vista do cliente, o propósito destas aplicações é tolher a degeneração e
atrair amigos. O caráter extremamente sagrado e tradicional do rito evidencia-se pelo fato de
os nativos voltarem ao sacerdote-da-boca ano após ano, não obstante o fato de seus dentes
continuarem a degenerar. Esperemos que quando for realizado um estudo completo dos
Nacirema haja um inquérito cuidadoso sobre a estrutura da personalidade destas pessoas,
basta observar o fulgor nos olhos de um sacerdote-da- boca, quando ele enfia um furador
num nervo exposto, para se suspeitar que este rito envolve certa dose de sadismo. Se isto
puder ser provado, teremos um modelo muito interessante, pois a maioria da população
demonstra tendências masoquistas bem definidas.
Foi a estas tendências que o Prof. Linton (1936) se referiu na discussão de uma
parte específica dos ritos corporais que é desempenhada apenas por homens. Esta parte do
rito envolve raspar e lacerar a superfície da face com um instrumento afiado. Ritos
especificamente femininos têm lugar apenas quatro vezes durante cada mês lunar, mas o
que lhes falta em frequência é compensado em barbaridade. Como parte desta cerimônia,
as mulheres usam colocar suas cabeças em pequenos fornos por cerca de uma hora.
O aspecto teoricamente interessante é que um povo que parece ser
preponderantemente masoquista tenha desenvolvido especialistas sádicos. Os médico-
feiticeiros têm um templo imponente, ou latipsoh, em cada comunidade de certo porte. As
cerimônias mais elaboradas, necessárias para tratar de pacientes muito doentes, só podem
ser executadas neste templo. Estas cerimônias envolvem não apenas o taumaturgo, mas
9
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
10
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
11
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
quando são encarados sob o ângulo relevado por Malinowski, quando escreveu:
Olhando de cima e de longe, dos lugares seguros e elevados da civilização
desenvolvida, é fácil ver toda a rudeza e a irrelevância da magia. Mas, sem este poder e
este guia, o homem primitivo não poderia ter dominado as dificuldades práticas como fez,
nem poderia o homem ter avançado até os mais altos estágios de civilização.
FONTE: Horace Miner In: A.K. Rooney e P.L. de Vore (orgs) YOU AND T HE OTHERS -
Readings in Introductory Anthropology (Cambridge, Erlich, 1976). Acesso em 27/01/2021
O texto acima é difícil e precisa ser lido mais de uma vez, mas é essencial
para entender o conceito de Antropologia. Precisamos nos fazer algumas perguntas
em relação a ele:
• Quem são os Nacirema?
• Por que os rituais deles são tão exóticos?
• A minha sociedade pratica algo parecido?
Se você não conseguiu responder a estas perguntas, releia o texto anotando
todas as palavras que você desconhece. Depois, procure no dicionário o significado
delas. Todas as palavras que você não encontrar no dicionário, leia de trás para
frente. Descobriu quem são os Nacirema?
NACIREMA AMERICAN
É isso mesmo, os Nacirema são um povo mais conhecido do que parece à
primeira vista. O texto descreve os rituais dos americans, ou seja, dos
estadunidenses. Ainda te parece estranho? Vamos retomar alguns trechos:
“Trata-se de um grupo norte-americano que vive no território entre os Cree
do Canadá, os Yaqui e os Tarahumare do México, e os Carib e Arawak das
Antilhas”. Que país norte-americano você conhece que fica entre o Canadá, o
México, o Caribe e as Antilhas?
“Um herói cultural, Notgnihsaw, deu origem à sua nação”. Leia Notgnihsaw
de trás para frente e temos, Washington, o herói fundador da nação estadunidense.
Certo, mas os estadunidenses não praticam estranhos rituais. Será? Pense
12
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
sem preconceitos nos santuários que servem para guardar medicamentos e fazer
rituais matutinos e teremos o indispensável banheiro. Pense nas relações que temos
com nosso corpo, boca e mente, que facilmente você perceberá que “médico-
feiticeiros”, “ervatários”, "sagrados-homens-da-boca" e doutor-bruxo" se referem
respectivamente a médicos, farmacêuticos, dentistas e psicólogos. Pense nos
nossos rituais dentro dos hospitais, nossa estética (“lacerar a superfície da face com
um instrumento afiado” e “colocar suas cabeças em pequenos fornos por cerca de
uma hora”1), e nossas relações com o sexo e a concepção e analise se não estamos
cercados de rituais.
É isso mesmo, nós, tal qual os estadunidenses, com os quais temos muitas
1
semelhanças culturais, praticamos rituais a todos
O texto foi escrito na década de
1970. Nesta época, este era o os momentos da nossa vida. Desta afirmação
secador de cabelo mais utilizado: surgem duas perguntas essenciais:
• Por que foi tão difícil identificar que nós
mesmos praticamos estes rituais?
• O que isto tem a ver com a Antropologia?
Comecemos com a primeira questão. Observe
que você teve que procurar diversas palavras no
dicionário. Mesmo as que você conhece, não
fazem parte do seu vocabulário usual. “Ritos”,
“exóticos”, “tribo”, “cerimoniais”, “santuário”,
“mágico”, são palavras que nos trazem
estranhamento.
O estranhamento é exatamente aquilo
que sentimos quando nos deparamos com aquilo
que nos é diferente, não é familiar. Apesar de ser um sentimento, a linguagem tem o
poder de nos causar isso. A maior prova disso é que lemos a descrição de hábitos
que nos são familiares, como ir ao médico ou dentista, escovar os dentes e se
barbear e ainda assim, num primeiro momento imaginamos estar lendo sobre
hábitos absolutamente distantes.
E onde a Antropologia entra nessa história? Como dissemos anteriormente,
13
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
14
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
Indicação de Livro:
15
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
16
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
mundo a partir da sua própria ótica. Isto é etnocêntrico, e talvez você nem tenha
percebido por ter se acostumado com essas narrativas, nunca ter ouvido a voz do
outro. Mas e quando você é a vítima do etnocentrismo?
Voltemos aos filmes. Não é impossível que você já tenha visto alguma
produção estadunidense que fale sobre o Brasil. E que Brasil é mostrado? Muitas
vezes uma mistura de violência, pobreza, sexualização das mulheres e muita
natureza nativa. Nós brasileiros normalmente não nos identificamos com isso. Muitos
moramos em cidades modernas e urbanizadas, muitos tivemos pouco contato com a
violência urbana, com a pobreza. Mas a narrativa que é passada ao mundo é a visão
do estadunidense.
Mas essas posições de poder e de fala não são fixas, e muitas vezes se
invertem. Se por um lado somos vítimas de etnocentrismo por parte do
estadunidense, muitas vezes o cometemos em relação a outros grupos que não tem
17
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
sua fala escutada. No livro “O que é etnocentrismo” do autor Everardo Rocha, esta
questão é bem explorada em relação aos índios. Basicamente narramos os índios
como bem entendemos e o autor demonstra isso através da análise dos livros
didáticos.
A própria palavra “índio” é carregada de etnocentrismo pelo fato de ser uma
designação genérica para todos os povos que habitavam as Américas (do Norte,
Central e do Sul) antes da colonização europeia. Tratava-se de centenas de povos
com culturas bem distintas, mas usualmente os narramos como se fosse uma coisa
só. Normalmente, no dia do índio, comemorado no Brasil em 19 de abril,
caracterizamos nossas crianças com uma mistura de estereótipos que fomos
acumulando sobre esses diversos povos. Misturamos elementos dos nativos da
América do Norte, com os Guaranis sul-americanos por exemplo.
Os próprios livros didáticos, demonstra Rocha, apresentam diferentes
imagens sobre os índios. Isso é perigoso, já que estes livros são carregados de
autoridade, por representarem o saber oficial, científico. Você deve se lembrar de ter
estudado na escola alguns argumentos que justificaram o fato dos portugueses e
espanhóis irem até o continente africano sequestrar pessoas para constituição de
mão de obra escrava na América. O que costuma aparecer é que os índios não se
adaptaram ao trabalho pesado por serem naturalmente preguiçosos. Lemos isso
quando crianças e dificilmente problematizamos esta narrativa. Afinal, não se deixar
ser escravizado é sinônimo de preguiça? Se os africanos pudessem, também não
teriam impedido a escravidão? Perceba como essa narrativa é pura e simplesmente
o ponto de vista do colonizador tentando justificar suas ações.
Há muitos outros exemplos dessa narrativa sobre o índio. A própria ideia de
que o índio vive nu é uma construção a partir de uma perspectiva muito específica.
Afinal, o que é nudez? Será que uma senhora do século XIX não teria a percepção
de que as meninas do século XXI frequentam a escola nuas? Será que os índios se
veem nus? Da mesma forma que usamos determinadas roupas, maquiagem,
penteado para dadas situações sociais, os índios os fazem, de acordo com sua
cultura (pinturas, adornos etc.).
Rocha deixa claro que essas narrativas que aparecem sobre os índios são
18
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
19
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
assim é algo que faz parte do nosso cotidiano. Todos os grupos apresentam alguma
forma de etnocentrismo. O que fazer diante disso? Se conformar que somos
etnocêntricos e seguir assim? Não. Há um caminho de enfrentamento ao
etnocentrismo: a relativização.
Relativizar é seguir o caminho oposto ao do etnocentrismo. Se no
etnocentrismo acreditamos que nosso grupo é detentor da verdadeira forma de
viver, dos verdadeiros pensamentos, da verdadeira religião e da verdadeira visão de
mundo, relativizar é perceber que a verdade é uma questão de ponto de vista.
Ou seja, o que é verdadeiro em um dado contexto, pode não o ser em outro.
Se eu acredito que Jesus Cristo rege o universo e consequentemente a minha vida,
isso é verdade, mas não é verdade absoluta, é verdade para mim e para meu grupo.
Os Azande, que são um povo que habita o norte da África, regulam suas vidas
através da bruxaria, e isso também é verdade, do ponto de vista deles.
A relativização tem consequências práticas. A partir do momento que
entendemos que a verdade é relativa, ou seja, não existe uma única verdade, logo
não somos detentores dela, conseguimos lidar de outra forma com as diferenças.
Assim, relativizar não é apagar as diferenças, ao contrário, é valorizá-las. No
momento que entendemos que somos diferentes e não existe certo e errado,
conseguimos não transformar a diferença em hierarquia, em superiores e inferiores
ou em bem e mal, mas vê-la na sua dimensão de riqueza por ser diferença.
Esta não é uma tarefa fácil, e não há fórmula para isso. O importante é que
sempre tentemos fazer este exercício de valorizar as diferenças, e não deixar que
elas sejam motivo para segregação, exclusão e extermínio, principalmente na
prática educativa, onde necessariamente nos depararemos com diferentes
concepções de mundo.
A própria Antropologia nasceu etnocêntrica. Como dissemos, sua origem é
exatamente o ponto de vista do colonizador. Foi criada para entender os povos
distantes e melhor dominar. Assim, sua função era descrever esses povos, muitas
vezes ressaltando o quanto são “exóticos”, em oposição ao europeu civilizado. Ou
seja, a ciência ajudava a justificar o domínio.
Por isso, a própria Antropologia precisou percorrer o árduo caminho da
20
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
21
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
fatores dos quais eles não têm controle. Uma formiga localizada uma cidade
pequena tem praticamente as mesmas características de outra formiga da mesma
espécie que está em uma cidade grande, ou seja, se mantidas as condições
naturais, essas formigas não se modificam e não tem escolha sobre isso.
Com os seres humanos é diferente. Apesar de pertencerem a mesma
espécie, muitas vezes se diferem tanto que mudam seu próprio organismo. Por isso,
para nós, é muito difícil definir até que ponto o que fazemos é natural ou cultural.
Os animais comem, bebem, dormem, se reproduzem e se locomovem. Nós
também. Mas os animais fazem isso de acordo com sua natureza, escolhem seu
alimento de acordo com aquilo que seu organismo é capaz de digerir e de acordo
com aquilo que está ao seu alcance. Nós não. Apesar da necessidade de se
alimentar ser natural, nós comemos de forma cultural. Escolhemos os alimentos de
acordo com os costumes e tradições da nossa sociedade, proibimos alguns. Não
nos limitamos ao que está ao nosso alcance, buscamos onde for necessário. Assim,
se as formigas de uma cidade comem praticamente as mesmas coisas e da mesma
forma, as pessoas de uma cidade vão comer coisas muito diferentes, com diferentes
formas de preparo e diferentes significados. Isso ocorre em todos os aspectos
aparentemente naturais da nossa vida. Fazemos tudo de forma cultural.
Desta reflexão, podemos concluir o conceito de cultura. Primeiro, devemos
pensar que cultura é algo essencialmente humano. Apenas os seres humanos
possuem cultura. Cultura é todo o conjunto de coisas que fazemos para além da
nossa natureza, ou seja, fazemos de acordo com as escolhas do nosso grupo e
transmitimos pelas gerações. É a cultura que diferencia os grupos humanos no
tempo e no espaço. Biologicamente, ou seja, naturalmente, somos iguais a todos os
outros seres humanos que habitam a Terra. Mas quando dizemos que somos
“brasileiros”, “paranaenses” ou “latinos” estamos falando do que nos diferencia dos
não-brasileiros, não-paranaenses e não-latinos, ou seja, estamos falando de cultura.
22
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
Se cultura é aquilo que nos caracteriza enquanto sociedade, por que muitas
vezes escutamos que alguém é desprovido de cultura? O antropólogo Roberto
Damatta elucida está questão com um famoso texto:
Outro dia ouvi uma pessoa dizer que “Maria não tinha cultura”, era “ignorante dos
fatos básicos da política, economia e literatura”. Depois, conversava com alunos sobre “a
cultura dos índios Apinayé de Goiás”, que havia estudado de 1962 até 1976, quando
publiquei um livro sobre eles (Um mundo dividido). Refletindo sobre os dois usos de uma
mesma palavra, decidi que esta seria a melhor forma de discutir a ideia ou o conceito de
cultura tal como nós, estudantes da sociedade a concebemos. Ou, apresentar algumas
noções sobre a cultura e o que ela quer dizer, não como uma simples palavra, mas como
uma categoria intelectual, um conceito que pode nos ajudar a compreender melhor o que
acontece no mundo em nossa volta.
Retomemos os exemplos porque eles encerram os dois sentidos comuns da
palavra. No primeiro, usa-se cultura como sinônimo de sofisticação, sabedoria, educação no
sentido restrito. Quer dizer, quando falamos “Maria não tem cultura”, e “João é culto”,
estamos nos referindo a um certo estado educacional destas pessoas, querendo indicar com
isto sua capacidade de compreender ou organizar certos dados e situações. Cultura aqui é
23
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
24
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
para a interpretação da vida social. ''Cultura" não é simplesmente um referente que marca
uma hierarquia de “civilização”, mas a maneira de viver de um grupo, sociedade, país ou
pessoa.
Cultura é, em Sociologia, um mapa, um receituário, um código através do qual as
pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si
mesmas. É justamente porque compartilham de parcelas importantes deste código (a
cultura) que um conjunto de indivíduos com interesses e capacidades distintas e até mesmo
opostas, transformam-se num grupo e podem viver juntos sentindo-se parte de uma mesma
totalidade.
Podem, assim, desenvolver relações entre si porque a cultura lhes forneceu normas
que dizem respeito aos modos, mais (ou menos) apropriados de comportamento diante de
certas situações. Por outro lado, a cultura não é um código que se escolhe simplesmente. É
algo que está dentro e fora de cada um de nós, como as regras de um jogo de futebol, que
permitem o entendimento do jogo e, também, a ação de cada jogador, juiz, bandeirinha e
torcida. Quer dizer, as regras que formam a cultura (ou a cultura como regra) é algo que
permite relacionar indivíduos entre si e o próprio grupo com o ambiente onde vivem. Em
geral, pensamos a cultura como algo individual que as pessoas inventam, modificam e
acrescentam na medida de sua criatividade e poder. Daí falarmos que Fulano é mais culto
que Sicrano e distinguirmos formas de "cultura" supostamente mais avançadas ou preferidas
que outrasFalamos então em "alta cultura'' e "baixa cultura" ou “cultura popular", preferindo
naturalmente as formas sofisticadas que se confundem com a própria ideia de cultura.
Assim, teríamos a cultura e culturas particulares e adjetivadas (popular, indígena,
nordestina, de classe baixa, etc.) como formas secundárias, incompletas e inferiores de vida
social. Mas a verdade é que todas as formas culturais ou todas as "subculturas” de uma
sociedade são equivalentes e, em geral, aprofundam algum aspecto importante que não
pode ser esgotado completamente por uma outra "subcultura". Existem gêneros de cultura
que são equivalentes a diferentes modos de sentir, celebrar, pensar e atuar sobre o mundo
e esses gêneros podem estar associados a certos segmentos sociais. O problema é que
sempre que nos aproximamos de alguma forma de comportamento e de pensamento
diferente, tendemos a classificar a diferença hierarquicamente, que é uma forma de excluí-
la.
Um outro modo de perceber e enfrentar a diferença cultural é tomar a diferença
como um desvio, deixando de buscar seu papel numa totalidade. Desta forma, podemos ver
o carnaval como algo desviante de uma festa religiosa, sem nos darmos conta de que as
25
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
26
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
natureza é muito pobre, mas existe uma enorme sabedoria relativa ao equilíbrio entre os
homens e os grupos de interesses divergentes. O respeito pela vida que as sociedades
indígenas nos apresentam, de modo tão vivo (os animais são seres incluídos na formação e
discussão de sua moralidade e sistema político) se constitui não em exemplo de ignorância
e indigência lógica, mas em verdadeira lição, pois respeitar a vida deve certamente incluir
toda a vida e não apenas a vida humana.
Hoje estamos mais conscientes do preço que pagamos pela exploração
desenfreada do mundo natural sem a necessária moralidade que nos liga inevitavelmente às
plantas, aos animais, aos rios e aos mares. Realmente, pela escala destas sociedades
tribais, somos uma sociedade de bárbaros, incapazes de compreender o significado
profundo dos elos que nos ligam com todo o mundo em escala global. Pois é assim que
pensam os índios e por isso que as suas histórias são povoadas de animais que falam e
homens que se transformam em animais. Conosco, são as máquinas que tomam esse lugar.
O conceito de cultura, ou, a cultura como conceito, então, permite uma perspectiva
mais consciente de nós mesmos. Precisamente porque diz que não há homens sem cultura
e permite comparar culturas e configurações culturais como entidades iguais, deixando de
estabelecer hierarquias em que inevitavelmente existiriam sociedades superiores e
inferiores. Mesmo diante de formas culturais aparentemente irracionais, cruéis ou
pervertidas, existe o homem a entendê-las – ainda que seja para evitá-las, como fazemos
com o crime - é uma tarefa inevitável que faz parte da condição de ser humano e viver num
universo marcado e demarcado pela cultura.
Em outras palavras, a cultura permite traduzir melhor a diferença entre nós e os
outros e, assim fazendo, resgatar a nossa humanidade no outro e a do outro em nós
mesmos. Num mundo como o nosso, tão pequeno pela comunicação em escala planetária,
isso me parece muito importante. Porque já não se trata somente de fabricar mais e mais
automóveis, conforme pensávamos em 1950, mas desenvolver nossa capacidade para
enxergar melhores caminhos para os pobres, os marginais e os oprimidos.
Isso só se faz com uma atitude aberta para as configurações sociais que, como
revela o conceito de cultura, estão dentro e fora de nós. Num país como o nosso, onde as
formas hierarquizantes de classificação cultural sempre foram dominantes, onde a elite
sempre esteve disposta a autoflagelar-se dizendo que não temos uma cultura, nada mais
saudável do que esse exercício de descobrir que esse dizer que não temos cultura é,
paradoxalmente, um modo de agir cultural que deve ser visto, pesado e talvez substituído
por uma fórmula mais confiante no nosso futuro e nas nossas potencialidades.
27
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
28
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
reprodutor masculino era homem e quem possuía o feminino era mulher, e diante
dessa constatação, sempre se atribuiu diferentes papeis para o feminino e o
masculino. Esta diferenciação chamamos de sexo.
Porém, com o passar do tempo, e a partir de algumas lutas sociais que
falaremos adiante, percebeu-se que esta definição baseada no critério natural era
pobre, já que a maioria das coisas que fazem alguém ser homem ou mulher não se
relaciona com seu aparelho reprodutor e sim com crenças e costumes de dada
sociedade. Por isso, acrescentou-se uma nova forma de pensar o feminino e o
masculino: a ideia de gênero.
Assim, sexo se refere ao que define homens e mulheres do ponto de vista
biológico e gênero se refere ao que os define do ponto de vista cultural. Diferenciar
estes conceitos é, como veremos a seguir, um passo importantíssimo para aprender
a respeitar as pessoas e aceitar a diversidade, porque quando nossas explicações
de mundo eram todas baseadas na natureza, tínhamos pouquíssimo controle sobre
as coisas, não podíamos transformar o mundo. Pensadores importantíssimos como
Aristóteles, por exemplo, definiam que a mulher era um ser inferior por conta das
forças da natureza. Se é natural, não pode ser mudado. Restava a elas se
conformarem com esta inferioridade. É só a partir da percepção de que grande parte
destas distinções nada tem de naturais, que elas começam a ser enfrentadas, pois
se essa inferioridade foi criada pelo pensamento humano, pode ser destruída pelo
pensamento humano. Mas esse processo foi muito longo, e acontece principalmente
por conta do feminismo.
29
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
30
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
sistematizada até o século XVIII. Foi apenas após a Revolução Francesa que surge
um movimento mais sistematizado de mulheres no combate ao machismo: o
feminismo. No senso comum há a concepção de que o feminismo é o contrário de
machismo quando na verdade ele prega a igualdade entre homens e mulheres e não
o privilégio de um gênero sobre o outro, já que o machismo coloca o sexo masculino
como superior ao sexo feminino.
Olympe de Gouges escreveu em 1791 a “Declaração do Direito das
Mulheres” acusando a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” (principal
documento resultante da Revolução Francesa, importante precursor da ideia de
Direitos Humanos) de excluir as mulheres de todas as partes da vida política do
Cidadão. Apesar da Assembleia Nacional ter recusado o manifesto, este documento
se caracteriza como o pontapé inicial para o movimento feminista, que toma outro
fôlego mais de um século e meio depois, no pós Segunda Guerra Mundial.
A Segunda Guerra Mundial, foi a Guerra mais impactante da História da
Humanidade, por seu poder destrutivo, por inaugurar inúmeras tecnologias, e por
alterar profundamente alguns aspectos da vida cultural e social. Como milhões de
homens participaram diretamente da Guerra ou foram dizimados por mecanismos
indiretos, e como grande parte da produção industrial do período se concentrou na
produção bélica, esta foi uma época em que as mulheres foram introduzidas no
mercado de trabalho.
Dentre as prerrogativas clássicas de gênero, existe a concepção de que o
espaço público é habitado pelo masculino, e cabe às mulheres o confinamento nos
espaços privados, principalmente o lar, onde elas devem cuidar da prole. Assim, a
inserção massiva das mulheres no mercado de trabalho representa uma inversão
nessa lógica, fazendo com que elas ocupem novos espaços e questionem estas
prerrogativas.
Por isso, a segunda metade do século XX é uma fase de muitas conquistas
para o movimento feminista. A própria introdução da ideia de gênero é uma
conquista desse período. Como vimos, ao provar que as atribuições ao feminino têm
bases culturais e não naturais, é possível exigir mudanças nessas atribuições.
31
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
32
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
Como você deve ter percebido, essas definições se referem a algo muito
natural dos seres humanos e de outros animais que é a atração sexual. Portanto,
elas não representam uma escolha de um indivíduo, e sim sua condição. Já
a diversidade de gênero consiste no gênero com o qual a pessoa se identifica,
independentemente do sexo biológico. São identidades de gênero:
33
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
34
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
Ao longo de todo este texto abordamos a questão dos conflitos entre grupos
sociais, a exclusão de alguns grupos e a conquista por direitos. Falamos sobre
gênero e orientação sexual, porém agora cabe discutir uma outra forma de
separação entre grupos: a separação entre as gerações.
O Brasil e o Mundo têm sofrido profundas transformações demográficas.
Discutir a velhice é um tema relativamente novo porque há algum tempo a
expectativa de vida era tão baixa que a maioria das pessoas não chegavam a esta
fase. Porém com as melhoras nas condições gerais de vida e a implementação de
tecnologias que estendem a vida por muito mais tempo, o que temos hoje é um
grande número de idosos.
Em contraposição a isso, também há uma diminuição no número de jovens,
ocasionada pelos novos métodos de controle de natalidade e pela inserção das
mulheres no mercado de trabalho.
Porém, quando pensamos neste assunto como um problema, a primeira
coisa que vem à mente é a questão econômica. De fato, políticos e economistas
estão se debatendo tentando pensar em uma forma de garantir renda para tantas
pessoas que já não produzem renda (ou produzem menos) ao mesmo tempo que os
jovens em idade economicamente ativa estão cada vez mais escassos.
Mas a questão da velhice é algo muito mais profundo que isso, e está
diretamente ligada à educação. As ideias de infância, juventude, maturidade e
velhice são construídas socialmente e variam em cada sociedade. Porém, em quase
todas elas temos algum tipo de divisão de tarefas, papeis, e prestígio social entre as
gerações. Então o primeiro ponto que precisamos enfrentar é: o que é infância e o
que é velhice na minha sociedade? Você pode estar tentando responder a partir de
um critério biológico, tentando determinar uma certa idade.
Isso faz sentido, já que uma das grandes diferenças entre ser idoso e ser
criança é o comportamento do organismo. Mas seu desafio é maior do que pensar
em como funciona o corpo de cada uma dessas pessoas.
35
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
36
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
Introdução
2
Alguns trechos do texto foram retirados por questão de concisão para tratar o assunto em foco. O
texto completo está disponível em : www.portaldoenvelhecimento.com/revista-nova
37
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
O quarto episódio da Era do Gelo, tem início com a chegada da família do Sid ao
bando para uma visita inesperada e tendenciosa ao filho que por eles, há muito já havia sido
abandonado. Eles chegam no veículo da família, no qual a vovó é conduzida "amarrada" em
um tronco de árvore, e chamando por Preciosa. Ao ouvi-la, seu neto (irmão do Sid) comenta
com os familiares que a "velha" está chamando a mascote morta novamente. Na sequência,
subitamente, a vovó é lançada para fora do carro sem que seus familiares dessem conta, e
em meio a uma grande confusão chegam ao destino onde a vovó é "despejada". Esta cena
pode ser traduzida na fala de Goldfarb e Lopes quando menciona: “A identificação da
velhice com as ideias de passividade, doença e morte, faz que se sequestre a autonomia
dos idosos e se promovam condutas e atitudes que acabam sendo incapacitantes. Assim,
os preconceitos atuam como verdadeiras barreiras, impedindo a circulação afetiva com
38
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
39
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
40
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
abandono era o fato dos familiares acreditarem que ambos eram desastrados, que não
fazem nada direito.
Ao tentar se livrarem dos inimigos, o bando distribui tarefas a cada um de seus
membros, inclusive a vovó, que desempenha suas atribuições corretamente ao lado do neto,
até o momento que se distrai, assim como ocorre com o Sid. (...)
Finalmente o bando consegue fugir do cativeiro, e em fuga, a vovó revela estar
consciente da realidade, apesar da cena anterior fica a impressão equivocada dos fatos.
Dirige-se ao vilão como inimigo, reconhece que estão em fuga e que tomaram posse do
navio do adversário.
Nesta cena o filme rompe com os estereótipos, a princípio mostra uma idosa
divertida que sugere aos amigos empurrar Sid do navio e dizer que foi acidente, e se anima
com a ilusão de um bicho preguiça "saradão". Na sequência, a vovó aparece jogando frutas
para sua amiga "Imaginária" (Preciosa) e chamando por ela, novamente Sid e seus amigos
julgam se tratar de mais uma fantasia da idosa e é neste momento que o filme revela a
astúcia da idosa, sua artimanha para enfrentar os percalços da vida, especialmente os que
lhe sobrevém na velhice. A vovó dirige sua fala à Preciosa dizendo: "Preciosa, ignore eles, é
assim que eu faço, ignoro". (...)
Enquanto isto, os amigos do Sid debatem sobre as dificuldades em cuidar da idosa.
Mene: - “Não dá para tirar os olhos da vovó um minuto”. Diego – “É como ter filhos, só que
sem as alegrias". Essas são questões que se assemelham as que ouvimos dos cuidadores
e que traz angústia e ansiedade frente ao desafio de lidar com o desconhecido, questões
estas que neste estudo não nos cabe aprofundar. Enquanto se distraíam falando a respeito
da vovó, se desapercebendo do rumo do navio, ela aparece alerta chamando a atenção do
bando para um provável acidente e, em seguida, se compadece com a dor do amigo Mene
ao imaginar que perdera sua família na tempestade. A tristeza momentânea do bando
termina ao certificar-se que a filha do Mene estava viva, mas refém do bando do pirata que
os perseguiam.
O confronto entre os bandos é retomado e o bando do Sid fica em apuros, a vovó
não vê outra saída a não ser chamar por uma amiga. Neste momento, surpreendentemente,
surge uma baleia gigante atendendo ao chamado da vovó para salvar seus amigos, era a
Preciosa. Finalmente, o filme revela que preciosa não era uma fantasia da vovó, mas uma
realidade que só pertencia a ela, agora, compartilhada com o bando. Surpreso com o
aparecimento da Preciosa, Sid diz: "Vai ver que a coroa não é tão maluca assim",
descontruindo o imaginário das cenas anteriores que apontavam para uma vovó
41
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
"esclerosada". Uma nova representação da vovó entra em cena, agora a idosa tinha o
controle da situação, dirigia a baleia sob seus comandos para a missão de salvar os amigos.
Neste cenário ela declara: "Quem falou que coroas não podem dirigir?” O bando do Sid
enfim sai vitorioso da batalha contra o inimigo, e ele e sua avó são festejados pelos amigos
que reconhecem suas qualidades e a contribuição de ambos ao grupo.
Vovó faz piadas com os amigos, se despede da baleia Preciosa demonstrando
grande afeto pela amiga. Por fim, ela faz uma revelação ao neto Sid que reforça o dito por
Goldfarb e Lopes (2006, p.8): “Ao mesmo tempo em que assistimos à desintegração de um
ideal de família sustentado durante 200 anos, observamos o aparecimento de outras
formações sociais baseadas em laços de afinidade e não de parentesco”.
Encontramos também um provérbio que atesta esta possibilidade de relação
familiar não consanguínea: "Há amigo mais chegado do que um irmão”. O filme encerra com
a declaração da Vovó ao Sid: "Você arrumou uma boa família aqui, família de verdade",
família esta que agora ela também faz parte.
Considerações Finais
O tema Família permeia toda a narração do filme através da relação conflitante
entre Amora (a filha adolescente) e Mene (o pai), entre a família não consanguínea formada
pelos amigos e seus agregados e a que nos trouxe a reflexão, a família do Sid. Ao retratar o
conflito entre pai e filha, o filme nos leva a pensar nas relações cotidianas que se
estabelecem no seio da família, um pai ávido por proteger sua cria e a adolescente ansiosa
pela conquista da autonomia. (...)
Ao remeter-se a família composta pelos amigos, a história nos leva a pensar nos
atuais modelos de família que não dependem de vínculos consanguíneos para
desenvolverem laços afetivos e solidariedade recíproca. “A mensagem sempre foi muito
bonita, que é a família é a coisa mais importante. E não importa se é sua família biológica ou
não. É o que você faz da família que conta. Se todos nós ficarmos juntos,
independentemente de onde viemos, podemos fazer deste planeta um lugar melhor e salvá-
lo” (LEGUIZAMO, L, 2012, s/p ).(...).
42
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
43
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
44
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
45
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
46
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
Além das mulheres, dos homossexuais e dos idosos temos outros grupos
que são discriminados e violentados por conta de sua condição. Isso ocorre, entre
outros motivos por conta do nosso violento sistema de colonização.
Como já foi dito, os colonizadores europeus dizimaram os povos nativos no
Brasil, como forma de justificar a invasão. Os que restaram, enfrentam inúmeros
processos de subjugação nos séculos que se seguiram. Além dos nativos, temos os
povos africanos que foram sequestrados de seu continente por séculos e
escravizados no país.
Atualmente, estes processos são considerados inadmissíveis, tanto pelas
legislações locais, como a Constituição de 1988, como pelos organismos
internacionais, como a ONU. Porém, estas novas concepções não conseguem
simplesmente apagar as marcas de séculos de opressão.
Os indígenas vivem e produzem de uma forma muito diferente dos padrões
capitalistas. Sua produção exige grandes áreas naturais, nas quais eles operam com
uma lógica muito diferente do agronegócio. Para proteger estas pessoas, foram
criadas as reservas. Ou seja, os “proprietários” originais de todo o continente foram
confinados a alguns espaços delimitados pelos descendentes dos colonizadores que
hoje ocupam importantes espaços na política.
Mesmo estes pequenos espaços (em relação ao que tinham originalmente)
são muito contestados pela lógica do capital que presume uma expansão infinita de
recursos a serem explorados. Então, ainda que a lei não permita, a realidade que
temos hoje é de verdadeiros conflitos entre indígenas e outras pessoas que querem
fazer diferentes usos da terra em questão.
47
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
https://www.youtube.com/watch?v=oLbhGYfDmQg&feature=youtu.be
Banda formada por índios guaranis, canta Rap em que denuncia suas condições
sociais.
Outro triste episódio de nossa história foi os 400 anos de escravidão. Desde
o início das colonizações, os europeus sequestraram pessoas no continente africano
para explorar sua mão de obra com o regime de escravidão. Esta prática foi muito
difundida no Brasil e marcou profundamente a nossa cultura. Apesar de ser, na
época, um país extremamente religioso (predominantemente católico), a prática da
escravidão era socialmente aceita praticamente em todas as camadas sociais.
No século XIX todo mundo que possuía o mínimo de condições tinha pelo
menos um escravo. Há registros de escravos que tinham escravos. Algo tão
culturalmente arraigado não poderia mudar de repente.
A abolição da escravidão ocorreu principalmente por pressões externas. É
48
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
claro que internamente havia movimentos e lutas nesse sentido, tanto entre
escravos e ex-escravos, quanto na elite intelectual e política. Mas, como dissemos, a
prática era tão aceita, que estes movimentos não conseguiriam a abolição sozinhos.
Então, como outros momentos importantes da nossa história, a abolição foi
um acordo, quase passivo, entre o capital inglês (que necessitava de trabalho livre
em todo o mundo para desenvolver ainda mais seu capitalismo) e as elites políticas.
Ainda assim, alegava-se que o fim da escravidão seria a ruína econômica do país,
pois não haveria quem trabalhasse no lugar destas pessoas, e fornecer-lhes
trabalho livre, eliminaria todo o lucro e a economia entraria em colapso.
Então o primeiro ponto a pensar nessa história: a escravidão não acabou por
conta de uma mudança cultural entre os brasileiros, ou porque eles refletiram sobre
direitos humanos ou igualdade. Ou seja, o sistema é proibido, mas a cultura
escravocrata permanece.
O segundo ponto a ser discutido é o mecanismo ideológico para que essa
cultura se mantivesse por tanto tempo. Dissemos que o Brasil era na época
profundamente católico. Sabemos que o cristianismo em geral prega a igualdade e a
fraternidade entre as pessoas. Então qual o sentido de até os padres escravizarem
pessoas?
Não as ver como pessoas. Pelo menos não no mesmo sentido que se via os
homens livres. O sistema eurocêntrico difundiu no mundo inteiro um ideal de que as
pessoas que não se parecem com europeus são naturalmente inferiores. Essas
pessoas trazidas da África, são bem diferentes dos europeus. A diferença aparece à
primeira vista: diferentes cores de pele. Então, monta-se o raciocínio que foi
perpetrado durante estes séculos: os negros são inferiores portanto podem ser
escravizados.
Esse raciocínio inculcado durante tanto tempo, passado de geração a
geração, inclusive inconscientemente, não desaparece no dia seguinte à abolição da
escravatura. Ele perdura. Assim, na ocasião da abolição, ao invés de contratar estas
pessoas para prosseguirem o trabalho, ao invés de inseri-las na política, na
cidadania, na educação, simplesmente as cuspiram para fora de seus postos de
trabalho. O negro servia para trabalho escravo, já que agora o trabalho vai ser
49
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
50
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
dos nossos preconceitos. Cabe aos educadores mostrar aos educandos que estes
conflitos, esta segregação, tem origens antigas e complexas, e para combatê-la
precisamos conhecer a história e refletir sobre ela.
Um último ponto a ser discutido na questão dos conflitos étnico raciais é a
atual situação dos migrantes e refugiados no Brasil e no mundo.
A história do mundo foi construída sobre as migrações. Pessoas sempre se
deslocaram fugindo de problemas em seu local ou simplesmente buscando
melhores condições de vida. Em algumas situações isso foi bem visto, por exemplo
quando migrantes italianos vieram ao Brasil ocupar o déficit de mão de obra deixado
pelo fim da escravidão.
Porem, com sucessivas crises econômicas, ambientais, esgotamento de
recursos e aumento das populações, além da introdução de tecnologias que
dispensam mão de obra não qualificada, cada vez mais o migrante tem sido visto
como um usurpador, alguém cuja função é tomar o lugar e os recursos pertencentes
aos nativos.
Porém a Antropologia nos coloca um desafio nesse sentido: se a História foi
constituída pela incorporação de povos e culturas (violenta ou não), como definir
quem é nativo? Como caracterizar quem tem o direito legítimo a determinado
território, por exemplo?
Esta questão é complexa e tem permeado o mundo há algum tempo. Ela
fundamenta a questão dos judeus no mundo, por exemplo. Mas na verdade ela se
refere a quase todos nós. Porque se pensarmos em nossa história e na história de
nossos antepassados, todos são de alguma forma “migrantes”. Por isso não
traremos respostas, apenas provocamos a reflexão sobre estas questões.
Falamos então de diversas formas de opressão e exclusão, conflitos e
segregação dos grupos para concluir que a resposta a estes fenômenos só pode ser
encontrada a partir da complexidade que a Educação nos traz.
Como educadores, respeitando nossas legislações, cabe a nós garantir ao
máximo possível a diversidade e o respeito entre os povos, para um futuro mais
sustentável em um mundo mais justo e igualitário.
51
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
Uma escritora branca abala o status do Mississipi dos anos de 1960 ao entrevistar
empregadas domésticas negras e divulgar suas histórias.
52
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: Sovereign power and bare life. Stanford
University Press, 1998.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. São Paulo: Difusão
europeia do livro, v. 2, 1967.
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX. Editora Companhia das
Letras, 1995.
MINER, Horace. Ritos corporais entre os Nacirema. You and the others-Readings
in Introductory Anthropology. (Cambridge: Erlich, 1976.
53
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL
54