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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA

DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL

GRADUAÇÃO
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS:
DA DIVERSIDADE DE GÊNERO À FAIXA GERACIONAL

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL

CENTRO UNIVERSITÁRIO DINÂMICA DAS CATARATAS Núcleo de Educação a Distância

ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA DIVERSIDADE DE GÊNERO À


FAIXA GERACIONAL

Professora: Natalia Carolina Redígolo

Foz do Iguaçu - PR 2015.


54 p.

Pedagogia - EaD

CDU:

NEAD – Núcleo de Educação a Distância


Av. Bartolomeu de Gusmão, 1324 - Centro – CEP: 85.852-130
Foz do Iguaçu – Paraná / ead.udc.br / 3574-6900

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APRESENTAÇÃO

Prezado(a) Acadêmico(a),

Bem-vindo(a) à Graduação na modalidade a distância, ofertado pelo Centro


Universitário Dinâmica das Cataratas – UDC. Sabemos que o seu percurso de
aprendizagem necessita ser acompanhado e orientado, para que você obtenha
sucesso nos estudos e construa um conhecimento relevante à sua formação
profissional e acadêmica.
Preparamos este material didático, possibilitando, assim, guiá-lo no auto
estudo da disciplina e na realização das atividades. Além disso, você conta com o
ambiente virtual de aprendizagem como espaço de estudo e de participação ativa no
curso. Nele você encontra as orientações para realizar atividades e avaliações on-
line, além de recursos que vão enriquecer a proposta deste material didático, tais
como links para sites da Internet, vídeos gravados pelo professor e outros por ele
sugeridos, textos, animações, ilustrações, dentre outras mídias.
Lembre-se, no entanto, de que você deve se organizar para criar sua própria
autonomia de estudo. Isso inclui o planejamento do seu tempo de dedicação ao
estudo individual e de participação colaborativa no ambiente virtual.
Este material é o seu livro-texto e apoio importante no percurso de
aprendizagem!

Bom estudo!
Reitoria UDC On-line

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ...................................................................................................... 3
UNIDADE I –CONCEITOS ANTROPOLÓGICOS ...................................................... 5
1.1 ANTROPOLOGIA: UM OLHAR PARA O OUTRO ................................................ 6
1.2 A ALTERIDADE COMO UM CONCEITO ANTROPOLÓGICO ........................... 14
1.3 ETNOCENTRISMO E RELATIVIZAÇÃO ............................................................ 15
1.4 CULTURA E IDENTIDADE ................................................................................. 21
UNIDADE II – GÊNERO E RELAÇÕES SOCIAIS.................................................... 28
2.1. FEMINISMO E MOVIMENTOS FEMINISTAS .................................................... 30
2.2. DIVERSIDADE DE GÊNERO E A SUPERAÇÃO DOS PRECONCEITOS ........ 33
UNIDADE III - FAIXA GERACIONAL E A SUPERAÇÃO DOS PRECONCEITOS .. 35
UNIDADE IV- EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE .......................................................... 43
4.1. O PAPEL DA EDUCAÇÃO NO COMBATE À VIOLÊNCIA DE GÊNERO .......... 43
4.2. A EDUCAÇÃO COMO ENFRENTAMENTO DOS CONFLITOS ÉTNICO
RACIAIS .................................................................................................................... 47
SUGESTÃO DE VÍDEO: BRO MC'S - EJU ORENDIVE ........................................... 48
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 53

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UNIDADE I –CONCEITOS ANTROPOLÓGICOS

Estamos tão acostumados com a linguagem e o pensar cotidiano que as


vezes nos assustamos ao nos deparar com determinados conceitos científicos.
Tendemos a pensar uma separação entre as ciências, que estão enclausuradas nos
bancos escolares e nas bibliotecas, e a nossa vida cotidiana.
Esta percepção traz um grande desafio às Ciências Sociais, provavelmente
você foi ouvir falar de termodinâmica, mecânica quântica ou matrizes lineares
apenas quando ingressou na escola e em disciplinas muito específicas. Por outro
lado, você ouviu a vida inteira sobre política, casamento, religião e crime e quando
falamos nas Ciências Naturais, como a Física, a Química entre outras, parece
natural entender que elas têm um campo específico de estudo, que só
conseguiremos discutir ao nos entregarmos à ciência.
Com as Ciências Sociais é diferente. O objeto da Antropologia, Sociologia,
Filosofia, História, Geografia etc. se encontra nas nossas relações cotidianas, de
forma que o mesmo fenômeno que a Antropologia estuda pode aparecer na novela,
na mesa do bar ou na ceia de Natal. Diante disso, fica a indagação: para que
estudar cientificamente assuntos que nos são quase intuitivos, que conhecemos
desde crianças?
A resposta é simples: porque precisamos da complexidade. Não precisamos
da complexidade o tempo todo, já que os conhecimentos adquiridos pelo senso
comum são muito úteis na maioria das tarefas que executamos cotidianamente. Mas
precisamos da complexidade para educar aos outros e para transformar o mundo.
Basicamente o que ocorre é o seguinte: nossa vida vai ser muito mais
prática e vamos otimizar nosso tempo se escovarmos os dentes porque todos da
nossa sociedade assim o fazem e cozinharmos de acordo com os ensinamentos da
nossa avó. Para uma boa refeição, não importa muito o fato de não entendermos
muito bem qual reação química ocorre no processo de cozimento. Então, na maioria
das vezes, é bom incorporarmos o conjunto de conhecimentos que nossos
antepassados e contemporâneos nos transmitem sem problematização.

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O mesmo não ocorre quando precisamos educar alguém. Para ensinar,


precisamos conhecer profundamente as relações entre os fenômenos, precisamos
entrar na complexidade, precisamos entender que as coisas não são simplesmente
o que são porque sempre foi assim.
E aí entra um segundo ponto: a educação tem a função de transformar a
sociedade. Não é que tudo que existe precisa ser destruído. Mas sabemos que
existem muitos problemas no mundo, e que só a partir da educação eles podem ser
gradualmente minimizados. Grande parte do que estamos chamando de “problemas
do mundo” são questões muito complexas, que envolvem tradições, ideologias e
relações entre os diferentes povos. Se estas questões são complexas, só podem ser
resolvidas ou amenizadas se tratadas em sua complexidade.
Ou seja, precisamos olhar para além das aparências, além do imediato, e
perceber que a realidade vai muito além do que nossos olhos podem ver e que
nossas tradições nos ensinam. As ciências sociais fazem isso.
Como esta disciplina se propõe a pensar políticas para a equidade,
sexualidade, diversidade sexual e gênero numa perspectiva de qualidade da
aprendizagem; políticas públicas de diversidade sob a ótica social e a superação dos
preconceitos, lançaremos mão de alguns princípios antropológicos, já que a
Antropologia é a ciência mais adequada para tratar essas questões em sua
complexidade. Mas afinal, o que é Antropologia?

1.1 ANTROPOLOGIA: UM OLHAR PARA O OUTRO

Antes de trazer uma definição pronta do que é a Antropologia, reproduzimos


aqui um texto construído aos moldes dos textos que os antropólogos produziam na
ocasião do nascimento da ciência, no século XVIII.

TEXTO: RITOS CORPORAIS ENTRE OS NACIREMA

O antropólogo está tão familiarizado com a diversidade das formas de


comportamento que diferentes povos apresentam em situações semelhantes, que é incapaz
de surpreender-se mesmo em face dos costumes mais exóticos. De fato, se nem todas as

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combinações logicamente possíveis de comportamento foram ainda descobertas, o


antropólogo bem pode conjeturar que elas devam existir em alguma tribo ainda não descrita.
Deste ponto de vista, as crenças e práticas mágicas dos Nacirema apresentam
aspectos tão inusitados que parece apropriado descrevê-los como exemplo dos extremos a
que pode chegar o comportamento humano. Foi o Professor Linton, em 1936, o primeiro a
chamar a atenção dos antropólogos para os rituais dos Nacirema, mas a cultura desse povo
permanece insuficientemente compreendida ainda hoje.
Trata-se de um grupo norte-americano que vive no território entre os Cree do
Canadá, os Yaqui e os Tarahumare do México, e os Carib e Arawak das Antilhas. Pouco se
sabe sobre sua origem, embora a tradição relate que vieram do Leste. Conforme a mitologia
dos Nacirema, um herói cultural, Notgnihsaw, deu origem à sua nação.
A cultura Nacirema caracteriza-se por uma economia de mercado altamente
desenvolvida, que evolui em um rico habitat. Apesar do povo dedicar muito do seu tempo às
atividades econômicas, uma grande parte dos frutos deste trabalho e uma considerável
porção do dia são dispensados em atividades rituais. O foco destas atividades é o corpo
humano, cuja aparência e saúde surgem como o interesse dominante no ethos deste povo.
Embora tal tipo de interesse não seja, por certo, raro, seus aspectos cerimoniais e a filosofia
a eles associadas são singulares.
A crença fundamental subjacente a todo o sistema parece ser a de que o corpo
humano é repugnante e que sua tendência natural é para a debilidade e a doença.
Encarcerado em tal corpo, a única esperança do homem é desviar estas características
através do uso das poderosas influências do ritual e do cerimonial. Cada moradia tem um ou
mais santuários devotados a este propósito. Os indivíduos mais poderosos desta sociedade
têm muitos santuários em suas casas e, de fato, a alusão à opulência de uma casa, muito
frequentemente, é feita em termos do número de tais centros rituais que possua.
Muitas casas são construções de madeira, toscamente pintadas, mas as câmeras de
culto das mais ricas têm paredes de pedra. As famílias mais pobres imitam as ricas,
aplicando placas de cerâmica às paredes de seu santuário. Embora cada família tenha pelo
menos um de tais santuários, os rituais a eles associados não são cerimônias familiares,
mas sim cerimônias privadas e secretas. Os ritos, normalmente, são discutidos apenas com
as crianças e, neste caso, somente durante o período em que estão sendo iniciadas em
seus mistérios.
Eu pude, contudo, estabelecer contato suficiente com os nativos para examinar estes
santuários e obter descrições dos rituais. O ponto focal do santuário é uma caixa ou cofre

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embutido na parede. Neste cofre são guardados os inúmeros encantamentos e poções


mágicas sem os quais nenhum nativo acredita que poderia viver. Tais preparados são
conseguidos através de uma série de profissionais especializados, os mais poderosos dos
quais são os médico-feiticeiros, cujo auxílio deve ser recompensado com dádivas
substanciais.
Contudo, os médico-feiticeiros não fornecem a seus clientes as poções de cura;
somente decidem quais devem ser seus ingredientes e então os escrevem em sua
linguagem antiga e secreta. Esta escrita é entendida apenas pelos médico-feiticeiros e pelos
ervatários, os quais, em troca de outra dádiva, providenciam o encantamento necessário.
Os Nacirema não se desfazem do encantamento após seu uso, mas os colocam na
caixa de encantamento do santuário doméstico. Como tais substâncias mágicas são
especificas para certas doenças e as doenças do povo, reais ou imaginárias, são muitas, a
caixa de encantamentos está geralmente a ponto de transbordar. Os pacotes mágicos são
tão numerosos que as pessoas esquecem quais são suas finalidades e temem usá-los de
novo. Embora os nativos sejam muito vagos quanto a este aspecto, só podemos concluir
que aquilo que os leva a conservar todas as velhas substâncias é a ideia de que sua
presença na caixa de encantamentos, em frente à qual são efetuados os ritos corporais, irá,
de alguma forma, proteger o adorador.
Abaixo da caixa-de-encantamentos existe uma pequena pia batismal. Todos os dias
cada membro da família, um após o outro, entra no santuário, inclina sua fronte ante a
caixa-de-encantamentos, mistura diferentes tipos de águas sagradas na pia batismal e
procede a um breve rito de ablução.
As águas sagradas vêm do Templo da Água da comunidade, onde os sacerdotes
executam elaboradas cerimônias para tornar o líquido ritualmente puro. Na hierarquia dos
mágicos profissionais, logo abaixo dos médico-feiticeiros no que diz respeito ao prestígio,
estão os especialistas cuja designação pode ser traduzida por "sagrados-homens-da-boca".
Os Nacirema têm um horror quase que patológico, e ao mesmo tempo fascinação,
pela cavidade bucal, cujo estado acreditam ter uma influência sobre todas as relações
sociais. Acreditam que, se não fosse pelos rituais bucais seus dentes cairiam, seus amigos
os abandonariam e seus namorados os rejeitariam.
Acreditam também na existência de uma forte relação entre as características orais e
as morais: Existe, por exemplo, uma ablução ritual da boca para as crianças que se supõe
aprimorar sua fibra moral.
O ritual do corpo executado diariamente por cada Nacirema inclui um rito bucal.

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Apesar de serem tão escrupulosos no cuidado bucal, este rito envolve uma prática que
choca o estrangeiro não iniciado, que só pode considerá-lo revoltante. Foi-me relatado que o
ritual consiste na inserção de um pequeno feixe de cerdas de porco na boca juntamente
com certos pós mágicos, e em movimentá-lo então numa série de gestos altamente
formalizados.
Além do ritual bucal privado, as pessoas procuram o mencionado sacerdote-da-boca
uma ou duas vezes ao ano. Estes profissionais têm uma impressionante coleção de
instrumentos, consistindo de brocas, furadores, sondas e aguilhões. O uso destes objetos
no exorcismo dos demônios bucais envolve, para o cliente, uma tortura ritual quase
inacreditável. O sacerdote-da-boca abre a boca do cliente e, usando os instrumentos acima
citados, alarga todas as cavidades que a degeneração possa ter produzido nos dentes.
Nestas cavidades são colocadas substâncias mágicas. Caso não existam cavidades
naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais dentes são extirpadas para que a
substância natural possa ser aplicada.
Do ponto de vista do cliente, o propósito destas aplicações é tolher a degeneração e
atrair amigos. O caráter extremamente sagrado e tradicional do rito evidencia-se pelo fato de
os nativos voltarem ao sacerdote-da-boca ano após ano, não obstante o fato de seus dentes
continuarem a degenerar. Esperemos que quando for realizado um estudo completo dos
Nacirema haja um inquérito cuidadoso sobre a estrutura da personalidade destas pessoas,
basta observar o fulgor nos olhos de um sacerdote-da- boca, quando ele enfia um furador
num nervo exposto, para se suspeitar que este rito envolve certa dose de sadismo. Se isto
puder ser provado, teremos um modelo muito interessante, pois a maioria da população
demonstra tendências masoquistas bem definidas.
Foi a estas tendências que o Prof. Linton (1936) se referiu na discussão de uma
parte específica dos ritos corporais que é desempenhada apenas por homens. Esta parte do
rito envolve raspar e lacerar a superfície da face com um instrumento afiado. Ritos
especificamente femininos têm lugar apenas quatro vezes durante cada mês lunar, mas o
que lhes falta em frequência é compensado em barbaridade. Como parte desta cerimônia,
as mulheres usam colocar suas cabeças em pequenos fornos por cerca de uma hora.
O aspecto teoricamente interessante é que um povo que parece ser
preponderantemente masoquista tenha desenvolvido especialistas sádicos. Os médico-
feiticeiros têm um templo imponente, ou latipsoh, em cada comunidade de certo porte. As
cerimônias mais elaboradas, necessárias para tratar de pacientes muito doentes, só podem
ser executadas neste templo. Estas cerimônias envolvem não apenas o taumaturgo, mas

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um grupo permanente de vestais que, com roupas e toucados específicos, movimentam-se


serenamente pelas câmaras do templo.
As cerimonias latipsoh são tão cruéis que é de surpreender que uma boa proporção
de nativos realmente doentes que entram no templo se recupere. Sabe-se que as crianças
pequenas, cuja doutrinação ainda é incompleta, resistem às tentativas de levá-las ao
templo, porque "é lá que se vai para morrer".
Apesar disto, adultos doentes não apenas querem, mas anseiam por sofrer os
prolongados rituais de purificação, quando possuem recursos para tanto. Não importa quão
doente esteja o suplicante ou quão grave seja a emergência, os guardiões de muitos
templos não admitirão um cliente se ele não puder dar uma dádiva valiosa para a
administração.
Mesmo depois de ter-se conseguido a admissão, e sobrevivido às cerimônias, os
guardiães não permitirão ao neófito abandonar o local se ele não fizer outra doação.
O suplicante que entra no templo é primeiramente despido de todas as suas roupas.
Na vida cotidiana o Nacirema evita a exposição de seu corpo e de suas funções naturais. As
atividades excretoras e o banho, enquanto parte dos ritos corporais, são realizados apenas
no segredo do santuário doméstico. Da perda súbita do segredo do corpo quando da
entrada no latipsoh, podem resultar traumas psicológicos.
Um homem, cuja própria esposa nunca o viu em um ato excretor, acha-se
subitamente nu e auxiliado por uma vestal, enquanto executa suas funções naturais num
recipiente sagrado. Este tipo de tratamento cerimonial é necessário porque os excreta são
usados por um adivinho para averiguar o curso e a natureza da enfermidade do cliente.
Clientes do sexo feminino, por sua vez, têm seus corpos nus submetidos ao escrutínio,
manipulação e aguilhadas dos médico-feiticeiros.
Poucos suplicantes no templo estão suficientemente bons para fazer qualquer coisa
além de jazer em duros leitos. As cerimônias diárias, como os ritos do sacerdote-da-boca,
envolvem desconforto e tortura. Com precisão ritual as vestais despertam seus miseráveis
fardos a cada madrugada e os rolam em seus leitos de dor enquanto executam abluções,
com os movimentos formais nos quais estas virgens são altamente treinadas.
Em outras horas, elas inserem bastões mágicos na boca do suplicante ou o forçam a
engolir substâncias que se supõe serem curativas. De tempos em tempos o médico-feiticeiro
vem ver seus clientes e espeta agulhas magicamente tratadas em sua carne. O fato de que
estas cerimônias do templo possam não curar, e possam mesmo matar o neófito, não
diminui de modo algum a fé das pessoas no médico feiticeiro.

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Resta ainda um outro tipo de profissional, conhecido como um "ouvinte". Este


"doutor-bruxo" tem o poder de exorcizar os demônios que se alojam nas cabeças das
pessoas enfeitiçadas. Os Nacirema acreditam que os pais enfeitiçam seus próprios filhos;
particularmente, teme-se que as mães lancem uma maldição sobre as crianças enquanto
lhes ensinam os ritos corporais secretos. A contra magia do doutor bruxo é inusitada por sua
carência de ritual. O paciente simplesmente conta ao "ouvinte" todos os seus problemas e
temores, principalmente pelas dificuldades iniciais que consegue rememorar.
A memória demonstrada pelos Nacirema nestas sessões de exorcismo é
verdadeiramente notável. Não é incomum um paciente deplorar a rejeição que sentiu,
quando bebê, ao ser desmamado, e uns poucos indivíduos reportam a origem de seus
problemas aos feitos traumáticos de seu próprio nascimento.
Como conclusão, deve-se fazer referência a certas práticas que têm suas bases na
estética nativa, mas que decorrem da aversão profunda ao corpo natural e suas funções.
Existem jejuns rituais para tornar magras pessoas gordas, e banquetes cerimoniais para
tornar gordas pessoas magras.
Outros ritos são usados para tornar maiores os seios das mulheres que os têm
pequenos e torná-los menores quando são grandes. A insatisfação geral com o tamanho do
seio é simbolizada no fato de a forma ideal estar virtualmente além da escala de variação
humana. Umas poucas mulheres, dotadas de um desenvolvimento hipermamário quase
inumano, são tão idolatradas que podem levar uma boa vida simplesmente indo de cidade
em cidade e permitindo aos embasbacados nativos, em troca de uma taxa, contemplarem-
nos.
Já fizemos referência ao fato de que as funções excretoras são ritualizadas,
rotinizadas e relegadas ao segredo. As funções naturais de reprodução são, da mesma
forma, distorcidas. O intercurso sexual é tabu enquanto assunto, e é programado enquanto
ato. São feitos esforços para evitar a gravidez, pelo uso de substâncias mágicas ou pela
limitação do intercurso sexual a certas fases da lua. A concepção é na realidade, pouco
frequente.
Quando grávidas as mulheres vestem-se de modo a esconder o estado. O parto tem
lugar em segredo, sem amigos ou parentes para ajudar, e a maioria das mulheres não
amamenta seus rebentos. Nossa análise da vida ritual dos Nacirema certamente
demonstrou ser este povo dominado pela crença na magia. É difícil compreender como tal
povo conseguiu sobreviver por tão longo tempo sob a carga que impôs sobre si mesmo.
Mas até costumes tão exóticos quanto estes aqui descritos ganham seu real significado

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quando são encarados sob o ângulo relevado por Malinowski, quando escreveu:
Olhando de cima e de longe, dos lugares seguros e elevados da civilização
desenvolvida, é fácil ver toda a rudeza e a irrelevância da magia. Mas, sem este poder e
este guia, o homem primitivo não poderia ter dominado as dificuldades práticas como fez,
nem poderia o homem ter avançado até os mais altos estágios de civilização.

FONTE: Horace Miner In: A.K. Rooney e P.L. de Vore (orgs) YOU AND T HE OTHERS -
Readings in Introductory Anthropology (Cambridge, Erlich, 1976). Acesso em 27/01/2021

O texto acima é difícil e precisa ser lido mais de uma vez, mas é essencial
para entender o conceito de Antropologia. Precisamos nos fazer algumas perguntas
em relação a ele:
• Quem são os Nacirema?
• Por que os rituais deles são tão exóticos?
• A minha sociedade pratica algo parecido?
Se você não conseguiu responder a estas perguntas, releia o texto anotando
todas as palavras que você desconhece. Depois, procure no dicionário o significado
delas. Todas as palavras que você não encontrar no dicionário, leia de trás para
frente. Descobriu quem são os Nacirema?

NACIREMA AMERICAN
É isso mesmo, os Nacirema são um povo mais conhecido do que parece à
primeira vista. O texto descreve os rituais dos americans, ou seja, dos
estadunidenses. Ainda te parece estranho? Vamos retomar alguns trechos:
“Trata-se de um grupo norte-americano que vive no território entre os Cree
do Canadá, os Yaqui e os Tarahumare do México, e os Carib e Arawak das
Antilhas”. Que país norte-americano você conhece que fica entre o Canadá, o
México, o Caribe e as Antilhas?
“Um herói cultural, Notgnihsaw, deu origem à sua nação”. Leia Notgnihsaw
de trás para frente e temos, Washington, o herói fundador da nação estadunidense.
Certo, mas os estadunidenses não praticam estranhos rituais. Será? Pense

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sem preconceitos nos santuários que servem para guardar medicamentos e fazer
rituais matutinos e teremos o indispensável banheiro. Pense nas relações que temos
com nosso corpo, boca e mente, que facilmente você perceberá que “médico-
feiticeiros”, “ervatários”, "sagrados-homens-da-boca" e doutor-bruxo" se referem
respectivamente a médicos, farmacêuticos, dentistas e psicólogos. Pense nos
nossos rituais dentro dos hospitais, nossa estética (“lacerar a superfície da face com
um instrumento afiado” e “colocar suas cabeças em pequenos fornos por cerca de
uma hora”1), e nossas relações com o sexo e a concepção e analise se não estamos
cercados de rituais.
É isso mesmo, nós, tal qual os estadunidenses, com os quais temos muitas

1
semelhanças culturais, praticamos rituais a todos
O texto foi escrito na década de
1970. Nesta época, este era o os momentos da nossa vida. Desta afirmação
secador de cabelo mais utilizado: surgem duas perguntas essenciais:
• Por que foi tão difícil identificar que nós
mesmos praticamos estes rituais?
• O que isto tem a ver com a Antropologia?
Comecemos com a primeira questão. Observe
que você teve que procurar diversas palavras no
dicionário. Mesmo as que você conhece, não
fazem parte do seu vocabulário usual. “Ritos”,
“exóticos”, “tribo”, “cerimoniais”, “santuário”,
“mágico”, são palavras que nos trazem
estranhamento.
O estranhamento é exatamente aquilo
que sentimos quando nos deparamos com aquilo
que nos é diferente, não é familiar. Apesar de ser um sentimento, a linguagem tem o
poder de nos causar isso. A maior prova disso é que lemos a descrição de hábitos
que nos são familiares, como ir ao médico ou dentista, escovar os dentes e se
barbear e ainda assim, num primeiro momento imaginamos estar lendo sobre
hábitos absolutamente distantes.
E onde a Antropologia entra nessa história? Como dissemos anteriormente,

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este relato se parece com um “típico” relato antropológico em seus primórdios. Na


verdade, o autor deste texto quis que refletíssemos, entre outras coisas, sobre a
própria linguagem que a Antropologia historicamente lançou mão para descrever os
povos. Mas por que a Antropologia usava este tipo de linguagem? Antes de nos
aprofundarmos nisso, convém discutir um outro conceito: a alteridade.

1.2 A ALTERIDADE COMO UM CONCEITO ANTROPOLÓGICO

Alteridade é natureza ou condição do que é outro, do que é distinto. Quando


falamos em “outro” ou “distinto” tomamos como referência um “eu” ou “igual”. Dentre
todas as definições possíveis para a Antropologia, podemos dizer que ela
essencialmente é a ciência do outro. É claro que você deve conhecer a etimologia
da palavra e saber que “antropo” se refere a Homem e “logia” se refere a ciência,
conhecimento. Mas dizer que a Antropologia é a ciência do Homem é algo
extremamente vago. Afinal, homem em que sentido?
Apesar de já ter buscado conexões biológicas, o sentido de Homem que a
Antropologia traz não é de forma alguma o natural. A Antropologia surge exatamente
da necessidade de estudar o Homem no seu sentido menos natural: a partir de seus
aspectos culturais. Ou seja, o ponto de partida da ciência é a percepção de que os
Homens, e os grupos humanos diferem entre si, não só por características físicas,
mas principalmente pela forma como escolhem viver suas vidas, pelo que acreditam
e praticam, pelas coisas materiais e imateriais que produzem.
Então, a Antropologia só poderia surgir de um encontro. Ou seja, da
percepção de um “eu” em relação a um “outro”. É uma ciência moderna, pois foi
apenas a partir da modernidade que grandes encontros aconteceram. O mundo
medieval era fragmentado e os povos viviam relativamente isolados. O mundo
antigo, apesar dos intensos intercâmbios culturais, vide expansão das tradições
gregas e romanas, ainda se restringia a uma determinada parte do globo, já que os
povos dos diferentes continentes ainda não se conheciam.
Por isso, a modernidade, que revoluciona diversos campos do pensamento e
da ciência é que propicia uma “ciência do homem” nesse sentido da ciência que

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busca entender os outros homens do ponto de vista cultural.


Mas essa história não é bonita. Afinal, o que a modernidade trouxe de tão
surpreendente para que os povos se “encontrassem”? As colonizações. E agora é
hora de mudar o vocabulário. O que romanticamente está sendo chamado de
“encontro” na verdade é uma história brutal de opressão, genocídio, escravidão e
guerra.
A Antropologia, como as outras ciências modernas foi uma criação do
homem europeu colonizador que precisava entender melhor o mundo que tentava
dominar. Ou seja, o “eu”, o primeiro ponto de vista, é o do europeu. O “outro” a ser
descoberto é o colonizado, os nativos americanos que foram praticamente
dizimados, os africanos que foram sequestrados de seu continente e posteriormente
escravizados, os “exóticos” aborígenes das ilhas paradisíacas da Oceania.
Assim respondemos o porquê a Antropologia utilizou a linguagem do
estranhamento. O Homem moderno é o homem europeu. Branco, civilizado,
cientista, capitalista. Este padrão, se não era o “normal”, pelo menos aparecia como
um ideal a ser seguido. Assim, é claro que o outro vai aparecer como estranho,
mesmo para o mais bem-intencionado cientista. Como pode alguém não querer
propriedade privada? Como pode alguém guiar sua vida por crenças (o europeu já
proclamava à laicidade) ou pelo menos por crenças não cristãs? Que tipo de vida é
esta?
Todo cientista é movido por perguntas, mas estas primeiras indagações
antropológicas estão carregadas de algo que posteriormente a Antropologia terá que
enfrentar: o etnocentrismo.

Indicação de Livro:

TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do


outro. São Paulo: Martins Fontes, 1983.

1.3 ETNOCENTRISMO E RELATIVIZAÇÃO

Etnocentrismo é uma forma de ver o mundo em que um “eu” (o nosso grupo)

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se coloca no centro de tudo, pensando e sentindo os outros a partir dos nossos


parâmetros. Ele resulta de uma dificuldade em pensar as diferenças entre os grupos,
pois tendemos a acreditar que todos seguem, ou devem seguir nossas concepções
de mundo. Trata-se de representações que fazemos da vida daqueles que são
diferentes de nós.
O etnocentrismo é ao mesmo tempo uma narrativa e um sentimento, pois ao
nos depararmos com a diferença, muitas vezes sentimos estranheza, medo e
hostilidade. Estes sentimentos aparecem quando nos deparamos com a cultura do
outro, principalmente quando ela se difere muito da nossa. Ou seja, o etnocentrismo
aparece justamente quando o outro faz e gosta de coisas diferentes das nossas,
muitas vezes tão diferentes que nos parece absurdo ou impossível.
Pode-se dizer que o choque não se encontra tanto no fato do outro grupo
agir diferente como no fato de dar certo da mesma forma. Ou seja, ao nos
depararmos com a diferença, nos perguntamos como o mundo do outro pode
funcionar? Como ele pode gostar de viver assim?
A diferença é ameaçadora porque fere nossa identidade. É natural que
acreditemos que nossa forma de viver é a melhor possível, a mais normal e diante
disso vemos os outro como absurdo ou anormal.
Esta questão se agrava na relação entre grupos que tem poderes de fala
desiguais. Quer dizer, alguns grupos detém o poder dos meios de comunicação, por
exemplo. Estes grupos têm mais facilidade de narrar o seu modo de vida como o
correto e o dos outros como absurdo.
A maioria de nós assiste filmes estadunidenses, por exemplo. Observe, que
nestes filmes, normalmente os costumes deste povo são narrados como os naturais,
e a própria visão de universo se volta para este povo. Se o filme tem algum enredo
apocalíptico, provavelmente o drama sobre o fim do mundo se desenrolará em
alguma grande cidade estadunidense. Ou seja, nesta narrativa, eles são “o mundo”.
E quem ameaça o mundo? O outro. Normalmente nestes filmes, quem vem para
destruir o mundo, ou são alienígenas, ou são povos distantes, como os árabes.
Bom, como os estadunidenses são detentores da narrativa, eles podem falar
o que quiserem dos outros. Podem associar o árabe ao terrorismo. Podem definir o

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL

mundo a partir da sua própria ótica. Isto é etnocêntrico, e talvez você nem tenha
percebido por ter se acostumado com essas narrativas, nunca ter ouvido a voz do
outro. Mas e quando você é a vítima do etnocentrismo?
Voltemos aos filmes. Não é impossível que você já tenha visto alguma
produção estadunidense que fale sobre o Brasil. E que Brasil é mostrado? Muitas
vezes uma mistura de violência, pobreza, sexualização das mulheres e muita
natureza nativa. Nós brasileiros normalmente não nos identificamos com isso. Muitos
moramos em cidades modernas e urbanizadas, muitos tivemos pouco contato com a
violência urbana, com a pobreza. Mas a narrativa que é passada ao mundo é a visão
do estadunidense.

Cena do filme Velozes e Furiosos 5. No momento em que um policial


estadunidense tenta prender o protagonista, dezenas de pessoas sacam
armas contra o policial e o protagonista diz “Aqui é o Brasil”.

Mas essas posições de poder e de fala não são fixas, e muitas vezes se
invertem. Se por um lado somos vítimas de etnocentrismo por parte do
estadunidense, muitas vezes o cometemos em relação a outros grupos que não tem

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL

sua fala escutada. No livro “O que é etnocentrismo” do autor Everardo Rocha, esta
questão é bem explorada em relação aos índios. Basicamente narramos os índios
como bem entendemos e o autor demonstra isso através da análise dos livros
didáticos.
A própria palavra “índio” é carregada de etnocentrismo pelo fato de ser uma
designação genérica para todos os povos que habitavam as Américas (do Norte,
Central e do Sul) antes da colonização europeia. Tratava-se de centenas de povos
com culturas bem distintas, mas usualmente os narramos como se fosse uma coisa
só. Normalmente, no dia do índio, comemorado no Brasil em 19 de abril,
caracterizamos nossas crianças com uma mistura de estereótipos que fomos
acumulando sobre esses diversos povos. Misturamos elementos dos nativos da
América do Norte, com os Guaranis sul-americanos por exemplo.
Os próprios livros didáticos, demonstra Rocha, apresentam diferentes
imagens sobre os índios. Isso é perigoso, já que estes livros são carregados de
autoridade, por representarem o saber oficial, científico. Você deve se lembrar de ter
estudado na escola alguns argumentos que justificaram o fato dos portugueses e
espanhóis irem até o continente africano sequestrar pessoas para constituição de
mão de obra escrava na América. O que costuma aparecer é que os índios não se
adaptaram ao trabalho pesado por serem naturalmente preguiçosos. Lemos isso
quando crianças e dificilmente problematizamos esta narrativa. Afinal, não se deixar
ser escravizado é sinônimo de preguiça? Se os africanos pudessem, também não
teriam impedido a escravidão? Perceba como essa narrativa é pura e simplesmente
o ponto de vista do colonizador tentando justificar suas ações.
Há muitos outros exemplos dessa narrativa sobre o índio. A própria ideia de
que o índio vive nu é uma construção a partir de uma perspectiva muito específica.
Afinal, o que é nudez? Será que uma senhora do século XIX não teria a percepção
de que as meninas do século XXI frequentam a escola nuas? Será que os índios se
veem nus? Da mesma forma que usamos determinadas roupas, maquiagem,
penteado para dadas situações sociais, os índios os fazem, de acordo com sua
cultura (pinturas, adornos etc.).
Rocha deixa claro que essas narrativas que aparecem sobre os índios são

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
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discursos de legitimação do poder ao mostrar que nesses livros aparecem diferentes


narrativas. Quando se fala do descobrimento, o índio é descrito como “selvagem”,
“primitivo”, “pré-histórico”, “antropófago”, em uma tentativa de justificar este
“descobrimento”, já que ao supor esse índio como um sujeito pleno e completo, não
faz sentido “descobrir” a terra que já é por eles habitada. Em um segundo momento,
o da catequese, a narrativa é que ele é “criança”, “inocente”, “infantil”, “almas-
virgens” etc., dando assim a justificativa perfeita para a “proteção” da religião. Por
fim, há o período que se constrói o discurso de que o Brasil é formado pela mistura
dos povos, principalmente entre índios, brancos e negros, e neste momento ele
aparece retratado como “corajoso”, “altivo”, cheio de “amor à liberdade”.

Capa do livro “O Guarani” de José de Alencar escrito em 1857. Nele, o autor


busca valorizar o que é tipicamente brasileiro, transformando o índio em
uma espécie de herói aos moldes medievais (valente, corajoso, idealizado).
Assim, o etnocentrismo que é uma narrativa que se faz do outro tem
consequências nocivas no plano prático, já que no decorrer na história ele serviu
para justificar e legitimar explorações, escravidões, violência e repressão. E mesmo

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
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FAIXA GERACIONAL

assim é algo que faz parte do nosso cotidiano. Todos os grupos apresentam alguma
forma de etnocentrismo. O que fazer diante disso? Se conformar que somos
etnocêntricos e seguir assim? Não. Há um caminho de enfrentamento ao
etnocentrismo: a relativização.
Relativizar é seguir o caminho oposto ao do etnocentrismo. Se no
etnocentrismo acreditamos que nosso grupo é detentor da verdadeira forma de
viver, dos verdadeiros pensamentos, da verdadeira religião e da verdadeira visão de
mundo, relativizar é perceber que a verdade é uma questão de ponto de vista.
Ou seja, o que é verdadeiro em um dado contexto, pode não o ser em outro.
Se eu acredito que Jesus Cristo rege o universo e consequentemente a minha vida,
isso é verdade, mas não é verdade absoluta, é verdade para mim e para meu grupo.
Os Azande, que são um povo que habita o norte da África, regulam suas vidas
através da bruxaria, e isso também é verdade, do ponto de vista deles.
A relativização tem consequências práticas. A partir do momento que
entendemos que a verdade é relativa, ou seja, não existe uma única verdade, logo
não somos detentores dela, conseguimos lidar de outra forma com as diferenças.
Assim, relativizar não é apagar as diferenças, ao contrário, é valorizá-las. No
momento que entendemos que somos diferentes e não existe certo e errado,
conseguimos não transformar a diferença em hierarquia, em superiores e inferiores
ou em bem e mal, mas vê-la na sua dimensão de riqueza por ser diferença.
Esta não é uma tarefa fácil, e não há fórmula para isso. O importante é que
sempre tentemos fazer este exercício de valorizar as diferenças, e não deixar que
elas sejam motivo para segregação, exclusão e extermínio, principalmente na
prática educativa, onde necessariamente nos depararemos com diferentes
concepções de mundo.
A própria Antropologia nasceu etnocêntrica. Como dissemos, sua origem é
exatamente o ponto de vista do colonizador. Foi criada para entender os povos
distantes e melhor dominar. Assim, sua função era descrever esses povos, muitas
vezes ressaltando o quanto são “exóticos”, em oposição ao europeu civilizado. Ou
seja, a ciência ajudava a justificar o domínio.
Por isso, a própria Antropologia precisou percorrer o árduo caminho da

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relativização. Um dos métodos antropológicos mais utilizados atualmente é a


etnografia. Na etnografia, o pesquisador se insere no grupo a ser estudado e tenta
conhecê-lo em todos os seus aspectos, inclusive tentando desvendar o ponto de
vista dele. Por conta disso, pouco a pouco, o antropólogo foi percebendo que tudo é
relativo, tudo é uma questão de ponto de vista e não existe cultura melhor ou pior,
hábito certo ou errado.
Voltando ao exemplo dos índios. Você já deve ter ouvido muitas vezes que
eles praticam uma cultura de subsistência ou vivem em condições miseráveis.
Porém, raramente paramos para relativizar este raciocínio. Ou seja, raramente
paramos para refletir que “subsistência” e “miséria” são conceitos relativos. Nós que
vivemos em uma sociedade capitalista gostamos de acumular, e consideramos uma
vida sem acumulação miserável, mas talvez, do ponto de vista dele, acumular não
faça sentido, talvez faça muito mais sentido trabalhar o mínimo e ter muito tempo
livre.
Todas estas diferenças ocorrem porque apesar de pertencermos todos a
mesma espécie, a espécie humana, diferimos em algo fundamental: na cultura.
Mas, afinal, o que é cultura? Veremos no próximo tópico.

1.4 CULTURA E IDENTIDADE

Pensar antropologicamente no conceito de cultura presume pensar em um


outro conceito, o de natureza. Aparentemente todos temos muita clareza do que é
natureza, ou do que é natural, mas quando pensamos em sua oposição com a ideia
de cultura, muitas vezes fica muito difícil definir os limites entre um e outro.
Quando alguém pergunta o que é natureza logo vem à mente os objetos de
origem vegetal ou animal e as paisagens. Ou seja, pensamos em árvores, rios,
montanhas, pássaros etc. Raramente pensamos nos seres humanos. Colocar-nos
como parte da natureza exige uma certa reflexão.
Isso acontece, porque apesar dos nossos aspectos naturais, a maioria dos
aspectos que nos identifica são de caráter cultural. As paisagens, as plantas e os
animais têm características mais ou menos fixas, já que suas mudanças ocorrem por

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
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fatores dos quais eles não têm controle. Uma formiga localizada uma cidade
pequena tem praticamente as mesmas características de outra formiga da mesma
espécie que está em uma cidade grande, ou seja, se mantidas as condições
naturais, essas formigas não se modificam e não tem escolha sobre isso.
Com os seres humanos é diferente. Apesar de pertencerem a mesma
espécie, muitas vezes se diferem tanto que mudam seu próprio organismo. Por isso,
para nós, é muito difícil definir até que ponto o que fazemos é natural ou cultural.
Os animais comem, bebem, dormem, se reproduzem e se locomovem. Nós
também. Mas os animais fazem isso de acordo com sua natureza, escolhem seu
alimento de acordo com aquilo que seu organismo é capaz de digerir e de acordo
com aquilo que está ao seu alcance. Nós não. Apesar da necessidade de se
alimentar ser natural, nós comemos de forma cultural. Escolhemos os alimentos de
acordo com os costumes e tradições da nossa sociedade, proibimos alguns. Não
nos limitamos ao que está ao nosso alcance, buscamos onde for necessário. Assim,
se as formigas de uma cidade comem praticamente as mesmas coisas e da mesma
forma, as pessoas de uma cidade vão comer coisas muito diferentes, com diferentes
formas de preparo e diferentes significados. Isso ocorre em todos os aspectos
aparentemente naturais da nossa vida. Fazemos tudo de forma cultural.
Desta reflexão, podemos concluir o conceito de cultura. Primeiro, devemos
pensar que cultura é algo essencialmente humano. Apenas os seres humanos
possuem cultura. Cultura é todo o conjunto de coisas que fazemos para além da
nossa natureza, ou seja, fazemos de acordo com as escolhas do nosso grupo e
transmitimos pelas gerações. É a cultura que diferencia os grupos humanos no
tempo e no espaço. Biologicamente, ou seja, naturalmente, somos iguais a todos os
outros seres humanos que habitam a Terra. Mas quando dizemos que somos
“brasileiros”, “paranaenses” ou “latinos” estamos falando do que nos diferencia dos
não-brasileiros, não-paranaenses e não-latinos, ou seja, estamos falando de cultura.

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Sugestão de Filme: Babies (2010)


Diretor: Thomas Balmès.
País: França

O Documentário retrata o primeiro ano


de vida de quatro pessoas, em quatro
países diferentes: Mongólia, Namíbia,
EUA e Japão.
É um instrumento para pensar a relação
entre natureza e cultura, já que por um lado,
os bebês são cercados de diferentes
aspectos culturais desde antes de sua
concepção, e por outro, os quatro acabam
desenvolvendo suas habilidades naturais
igualmente.

Se cultura é aquilo que nos caracteriza enquanto sociedade, por que muitas
vezes escutamos que alguém é desprovido de cultura? O antropólogo Roberto
Damatta elucida está questão com um famoso texto:

Você tem cultura? Roberto Damatta

Outro dia ouvi uma pessoa dizer que “Maria não tinha cultura”, era “ignorante dos
fatos básicos da política, economia e literatura”. Depois, conversava com alunos sobre “a
cultura dos índios Apinayé de Goiás”, que havia estudado de 1962 até 1976, quando
publiquei um livro sobre eles (Um mundo dividido). Refletindo sobre os dois usos de uma
mesma palavra, decidi que esta seria a melhor forma de discutir a ideia ou o conceito de
cultura tal como nós, estudantes da sociedade a concebemos. Ou, apresentar algumas
noções sobre a cultura e o que ela quer dizer, não como uma simples palavra, mas como
uma categoria intelectual, um conceito que pode nos ajudar a compreender melhor o que
acontece no mundo em nossa volta.
Retomemos os exemplos porque eles encerram os dois sentidos comuns da
palavra. No primeiro, usa-se cultura como sinônimo de sofisticação, sabedoria, educação no
sentido restrito. Quer dizer, quando falamos “Maria não tem cultura”, e “João é culto”,
estamos nos referindo a um certo estado educacional destas pessoas, querendo indicar com
isto sua capacidade de compreender ou organizar certos dados e situações. Cultura aqui é

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equivalente a volume de leituras, a controle de informações, a títulos universitários e chega


até a ser confundido com inteligência, como se a habilidade para realizar certas operações
mentais e lógicas (que definem a inteligência), fosse algo a ser medido pelo número de
livros que uma pessoa leu, as línguas que pode falar, ou aos quadros e pintores que pode,
de memória, enumerar.
Como uma espécie de prova desta associação, temos o velho ditado informando
que “cultura não traz discernimento” ou inteligência. Neste sentidocultura é uma palavra
usada para classificar as pessoas e, às vezes, grupos sociais, servindo como uma arma
discriminatória contra algum sexo, idade (“as gerações mais novas são incultas”), etnia (“os
pretos não tem cultura”) ou mesmo sociedades inteiras, quando se diz que “os franceses
são cultos e civilizados” em oposição aos americanos que são “ignorantes e grosseiros”.
Do mesmo modo é comum ouvir-se referências à humanidade, cujos valores
seguem tradições diferentes e desconhecidas, como a dos índios, como sendo sociedades
que estão “na Idade da Pedra” e se encontram em “estágio cultural muito atrasado”. A
palavra cultura, enquanto categoria do senso-comum, ocupa um importante lugar no nosso
acervo conceitual, ficando lado-a-lado de outras, cujo uso na vida cotidiana é também muito
comum.
A palavra “personalidade” que, tal como ocorre com a palavra “cultura”, penetra o
nosso vocabulário com dois sentidos bem diferenciados. No campo da Psicologia,
personalidade define o conjunto dos traços que caracterizam todos os seres humanos. É
aquilo que singulariza todos e cada um de nós como uma pessoa diferente, com interesses,
capacidades e emoções particulares. Mas na vida diária, personalidade é usada como um
marco para algo desejável e invejável de uma pessoa. Assim, certas pessoas teriam
“personalidade" outras não! É comum se dizer que "João tem personalidade” quando de fato
se quer indicar que "João tem magnetismo", sendo uma pessoa de "presença". Do mesmo
modo, dizer que "João não tem personalidade", quer apenas dizer que ele não é uma
pessoa atraente ou inteligente.
No fundo, todos temos personalidade, embora nem todos possamos ser pessoas
belas ou magnetizadoras como um artista da Novela das 8. Mesmo uma pessoa "sem
personalidade" tem, paradoxalmente, personalidade na medida em que ocupa um espaço
social e físico e tem desejos e necessidades.
Pode ser uma pessoa apagada, mas ser assim é precisamente o traço de sua
personalidade. No caso do conceito de cultura ocorre o mesmo, embora nem todos saibam
disso. Quando um antropólogo fala em "cultura", usa a palavra como um conceito chave

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para a interpretação da vida social. ''Cultura" não é simplesmente um referente que marca
uma hierarquia de “civilização”, mas a maneira de viver de um grupo, sociedade, país ou
pessoa.
Cultura é, em Sociologia, um mapa, um receituário, um código através do qual as
pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si
mesmas. É justamente porque compartilham de parcelas importantes deste código (a
cultura) que um conjunto de indivíduos com interesses e capacidades distintas e até mesmo
opostas, transformam-se num grupo e podem viver juntos sentindo-se parte de uma mesma
totalidade.
Podem, assim, desenvolver relações entre si porque a cultura lhes forneceu normas
que dizem respeito aos modos, mais (ou menos) apropriados de comportamento diante de
certas situações. Por outro lado, a cultura não é um código que se escolhe simplesmente. É
algo que está dentro e fora de cada um de nós, como as regras de um jogo de futebol, que
permitem o entendimento do jogo e, também, a ação de cada jogador, juiz, bandeirinha e
torcida. Quer dizer, as regras que formam a cultura (ou a cultura como regra) é algo que
permite relacionar indivíduos entre si e o próprio grupo com o ambiente onde vivem. Em
geral, pensamos a cultura como algo individual que as pessoas inventam, modificam e
acrescentam na medida de sua criatividade e poder. Daí falarmos que Fulano é mais culto
que Sicrano e distinguirmos formas de "cultura" supostamente mais avançadas ou preferidas
que outrasFalamos então em "alta cultura'' e "baixa cultura" ou “cultura popular", preferindo
naturalmente as formas sofisticadas que se confundem com a própria ideia de cultura.
Assim, teríamos a cultura e culturas particulares e adjetivadas (popular, indígena,
nordestina, de classe baixa, etc.) como formas secundárias, incompletas e inferiores de vida
social. Mas a verdade é que todas as formas culturais ou todas as "subculturas” de uma
sociedade são equivalentes e, em geral, aprofundam algum aspecto importante que não
pode ser esgotado completamente por uma outra "subcultura". Existem gêneros de cultura
que são equivalentes a diferentes modos de sentir, celebrar, pensar e atuar sobre o mundo
e esses gêneros podem estar associados a certos segmentos sociais. O problema é que
sempre que nos aproximamos de alguma forma de comportamento e de pensamento
diferente, tendemos a classificar a diferença hierarquicamente, que é uma forma de excluí-
la.
Um outro modo de perceber e enfrentar a diferença cultural é tomar a diferença
como um desvio, deixando de buscar seu papel numa totalidade. Desta forma, podemos ver
o carnaval como algo desviante de uma festa religiosa, sem nos darmos conta de que as

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festas religiosas e o carnaval guardam uma profunda relação de complementaridade.


Realmente, se no terreno da festa religiosa somos marcados pelo mais profundo
comedimento e respeito pelo foco no "outro mundo” é porque no carnaval podemos nos
apresentar realizando o justo oposto.
Assim, o carnavalesco e o religioso não podem ser classificados em termos de
superior ou inferior ou como articulados a uma "cultura autêntica" e superior, mas devem ser
vistos nas suas relações que são complementares. O que significa dizer que tanto há cultura
no carnaval quanto na procissão e nas festas cívicas, pois que cada uma delas é um código
capaz de permitir um julgamento e uma atuação sobre o mundo social no Brasil.
Essas festas revelam leituras da sociedade brasileira por nós mesmos e é nesta
direção que discutimos o conteúdo e a forma de cada cultura ou subcultura. No sentido
antropológico, a cultura é um conjunto de regras que nos diz como o mundo pode e deve ser
classificado. Ela, como os textos teatrais, não pode prever completamente como nos
sentiremos em cada papel que devemos necessariamente desempenhar, mas indica
maneiras gerais e exemplos de como pessoas que viveram antes de nós os
desempenharam.
Isso não impede, conforme sabemos, emoções. Do mesmo modo que um jogo de
futebol com suas regras fixas não impede renovadas emoções em cada jogo. É que as
regras apenas indicam os limites. O seu funcionamento e, sobretudo, o modo pelo qual elas
engendram novas combinações em situações concretas é algo que só a realidade pode
dizer. Embora cada cultura contenha um conjunto finito de regras, suas possibilidades de
expressão e reação em situações concretas, são infinitas. Apresentada assim, a cultura
parece ser um bom instrumento para compreender as diferenças entre os homens e as
sociedades. Elas não seriam dadas, de uma vez por todas, por meio de um meio geográfico
ou de uma raça, como diziam os estudiosos do passado, mas em diferentes configurações
ou relações que cada sociedade estabelece.
É importante acentuar que a base destas configurações, é sempre um repertório
comum de potencialidades. Algumas sociedades desenvolveram algumas dessas
potencialidades mais e melhor do que outras, mas isso não significa que elas sejam mais
pervertidas ou mais adiantadas. O que isso parece indicar é, antes de mais nada, o enorme
potencial que cada cultura encerra, como elemento plástico, capaz de receber as variações
e motivações dos seus membros, bem como os desafios externos.
Nosso sistema caminhou na direção de um poderoso controle sobre a natureza,
mas isso é apenas um traço entre outros. Há sociedades na Amazônia onde o controle da

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natureza é muito pobre, mas existe uma enorme sabedoria relativa ao equilíbrio entre os
homens e os grupos de interesses divergentes. O respeito pela vida que as sociedades
indígenas nos apresentam, de modo tão vivo (os animais são seres incluídos na formação e
discussão de sua moralidade e sistema político) se constitui não em exemplo de ignorância
e indigência lógica, mas em verdadeira lição, pois respeitar a vida deve certamente incluir
toda a vida e não apenas a vida humana.
Hoje estamos mais conscientes do preço que pagamos pela exploração
desenfreada do mundo natural sem a necessária moralidade que nos liga inevitavelmente às
plantas, aos animais, aos rios e aos mares. Realmente, pela escala destas sociedades
tribais, somos uma sociedade de bárbaros, incapazes de compreender o significado
profundo dos elos que nos ligam com todo o mundo em escala global. Pois é assim que
pensam os índios e por isso que as suas histórias são povoadas de animais que falam e
homens que se transformam em animais. Conosco, são as máquinas que tomam esse lugar.
O conceito de cultura, ou, a cultura como conceito, então, permite uma perspectiva
mais consciente de nós mesmos. Precisamente porque diz que não há homens sem cultura
e permite comparar culturas e configurações culturais como entidades iguais, deixando de
estabelecer hierarquias em que inevitavelmente existiriam sociedades superiores e
inferiores. Mesmo diante de formas culturais aparentemente irracionais, cruéis ou
pervertidas, existe o homem a entendê-las – ainda que seja para evitá-las, como fazemos
com o crime - é uma tarefa inevitável que faz parte da condição de ser humano e viver num
universo marcado e demarcado pela cultura.
Em outras palavras, a cultura permite traduzir melhor a diferença entre nós e os
outros e, assim fazendo, resgatar a nossa humanidade no outro e a do outro em nós
mesmos. Num mundo como o nosso, tão pequeno pela comunicação em escala planetária,
isso me parece muito importante. Porque já não se trata somente de fabricar mais e mais
automóveis, conforme pensávamos em 1950, mas desenvolver nossa capacidade para
enxergar melhores caminhos para os pobres, os marginais e os oprimidos.
Isso só se faz com uma atitude aberta para as configurações sociais que, como
revela o conceito de cultura, estão dentro e fora de nós. Num país como o nosso, onde as
formas hierarquizantes de classificação cultural sempre foram dominantes, onde a elite
sempre esteve disposta a autoflagelar-se dizendo que não temos uma cultura, nada mais
saudável do que esse exercício de descobrir que esse dizer que não temos cultura é,
paradoxalmente, um modo de agir cultural que deve ser visto, pesado e talvez substituído
por uma fórmula mais confiante no nosso futuro e nas nossas potencialidades.

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UNIDADE II – GÊNERO E RELAÇÕES SOCIAIS

Na unidade anterior falamos sobre a distinção entre natureza e cultura. As


ciências modernas, dentre elas a Antropologia, utilizam estas distinções para
repensar as relações sociais. Antes da modernidade, o mundo, ou pelo menos a
parte do mundo que temos registros históricos, era dominado pelo pensamento
teológico. Isso significa que quase tudo era explicado a partir da ideia de um Deus
que tudo criou e que tudo rege. Neste sentido, os homens não se diferiam tanto dos
animais, já que faziam parte da criação e tinham que igualmente se submeter às leis
implacáveis da natureza (e de Deus).
Uma das grandes novidades trazidas pela modernidade foi justamente a
mudança neste pensamento. Segundo o pensamento moderno, o Homem se difere
dos outros animais, é autônomo e criador. Na ciência essa mudança incide trazendo
a perspectiva cultural para as explicações de mundo, de forma que agora nada é
explicado unicamente pela natureza.
Tomemos como exemplo a morte. Antes, se alguém parasse de respirar, ou
se o coração parasse de bater, esta pessoa era considerada morta, e por vontade
divina. Era a natureza atuando, e isso acontecia igualmente em todas as
sociedades. Porém, com essa nova visão de Homem, a ciência avançou ao ponto de
os homens conseguirem intervirem diretamente na vida e na morte, e a própria
concepção de morte teve que mudar. Com a descoberta e o uso da técnica de
transplante de órgãos, por exemplo, ou com as tecnologias que estendem a vida de
uma pessoa em coma por anos, o estar vivo ou estar morto não é mais um dado
puramente natural, e sim uma concepção construída socialmente. Quem está em
coma, está vivo ou morto? A pessoa que perde seus sinais vitais, mas não tem
morte cerebral, está viva ou morta? Depende de uma interpretação que é cultural.
Diante disso, temos um outro dado que sempre nos pareceu natural, mas
que cada vez mais estamos descobrindo que é construído socialmente: a ideia de
feminino e masculino.
Historicamente, assim como outros conceitos, a ideia sobre ser homem ou
ser mulher se baseava na natureza. Entendia-se que quem possui o aparelho

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reprodutor masculino era homem e quem possuía o feminino era mulher, e diante
dessa constatação, sempre se atribuiu diferentes papeis para o feminino e o
masculino. Esta diferenciação chamamos de sexo.
Porém, com o passar do tempo, e a partir de algumas lutas sociais que
falaremos adiante, percebeu-se que esta definição baseada no critério natural era
pobre, já que a maioria das coisas que fazem alguém ser homem ou mulher não se
relaciona com seu aparelho reprodutor e sim com crenças e costumes de dada
sociedade. Por isso, acrescentou-se uma nova forma de pensar o feminino e o
masculino: a ideia de gênero.
Assim, sexo se refere ao que define homens e mulheres do ponto de vista
biológico e gênero se refere ao que os define do ponto de vista cultural. Diferenciar
estes conceitos é, como veremos a seguir, um passo importantíssimo para aprender
a respeitar as pessoas e aceitar a diversidade, porque quando nossas explicações
de mundo eram todas baseadas na natureza, tínhamos pouquíssimo controle sobre
as coisas, não podíamos transformar o mundo. Pensadores importantíssimos como
Aristóteles, por exemplo, definiam que a mulher era um ser inferior por conta das
forças da natureza. Se é natural, não pode ser mudado. Restava a elas se
conformarem com esta inferioridade. É só a partir da percepção de que grande parte
destas distinções nada tem de naturais, que elas começam a ser enfrentadas, pois
se essa inferioridade foi criada pelo pensamento humano, pode ser destruída pelo
pensamento humano. Mas esse processo foi muito longo, e acontece principalmente
por conta do feminismo.

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Filme: Eu não sou um homem fácil (2018)


Direção: Éléonore Pourriat

Um machista inveterado prova de seu próprio veneno ao acordar em um mundo


dominado por mulheres, onde entra em conflito com uma poderosa escritora.

2.1. FEMINISMO E MOVIMENTOS FEMINISTAS

Em grande parte das sociedades, se não na maioria delas, a distinção entre


os sexos não é simplesmente a constatação de diferentes aparelhos reprodutores, e
consequentemente as atribuições culturais a estes sexos (gênero), e sim uma
divisão desigual de funções sociais.
O que acontece com esta divisão, na maioria dos casos é uma
hierarquização, na qual o feminino sempre foi subalternizado. Os homens sempre
ocuparam papeis importantíssimos, foram detentores de prestígio, sempre foi
atribuído a eles as melhores qualidades, e para as mulheres sempre restaram as
funções inferiores, de menor prestígio e menos valorizadas socialmente. Esta
divisão também reforça a ideia de que o homem pode controlar os corpos femininos,
inclusive com o uso da violência.
Esta divisão desequilibrada entre os gêneros, na qual o masculino
subalterniza o feminino é o que chamamos de machismo.
É claro que de alguma forma, em todas as sociedades existiram pessoas
que perceberam este fenômeno e lutaram contra ele. Mas esta luta não era

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sistematizada até o século XVIII. Foi apenas após a Revolução Francesa que surge
um movimento mais sistematizado de mulheres no combate ao machismo: o
feminismo. No senso comum há a concepção de que o feminismo é o contrário de
machismo quando na verdade ele prega a igualdade entre homens e mulheres e não
o privilégio de um gênero sobre o outro, já que o machismo coloca o sexo masculino
como superior ao sexo feminino.
Olympe de Gouges escreveu em 1791 a “Declaração do Direito das
Mulheres” acusando a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” (principal
documento resultante da Revolução Francesa, importante precursor da ideia de
Direitos Humanos) de excluir as mulheres de todas as partes da vida política do
Cidadão. Apesar da Assembleia Nacional ter recusado o manifesto, este documento
se caracteriza como o pontapé inicial para o movimento feminista, que toma outro
fôlego mais de um século e meio depois, no pós Segunda Guerra Mundial.
A Segunda Guerra Mundial, foi a Guerra mais impactante da História da
Humanidade, por seu poder destrutivo, por inaugurar inúmeras tecnologias, e por
alterar profundamente alguns aspectos da vida cultural e social. Como milhões de
homens participaram diretamente da Guerra ou foram dizimados por mecanismos
indiretos, e como grande parte da produção industrial do período se concentrou na
produção bélica, esta foi uma época em que as mulheres foram introduzidas no
mercado de trabalho.
Dentre as prerrogativas clássicas de gênero, existe a concepção de que o
espaço público é habitado pelo masculino, e cabe às mulheres o confinamento nos
espaços privados, principalmente o lar, onde elas devem cuidar da prole. Assim, a
inserção massiva das mulheres no mercado de trabalho representa uma inversão
nessa lógica, fazendo com que elas ocupem novos espaços e questionem estas
prerrogativas.
Por isso, a segunda metade do século XX é uma fase de muitas conquistas
para o movimento feminista. A própria introdução da ideia de gênero é uma
conquista desse período. Como vimos, ao provar que as atribuições ao feminino têm
bases culturais e não naturais, é possível exigir mudanças nessas atribuições.

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL

Outro marco foi a descoberta das


Você já ouviu falar em
técnicas modernas de contracepção, que nome social?
proporcionaram às mulheres um controle maior Nome social é o nome pelo
qual pessoas transexuais, ou
sobre suas vidas, seu planejamento familiar, de qualquer outro gênero
preferem ser chamadas em
uma inserção mais eficaz no mercado de contraste com o nome
oficialmente registrado.
trabalho e uma maior liberdade sexual.
Muitos órgãos e entidades
Mas ainda existiam lacunas nesses têm adotado o nome social
por entender que é uma
movimentos. O feminismo que vai do fim do forma de respeitar a
século XIX até meados do século XX é uma luta identidade de gênero das
pessoas. O Decreto nº
encabeçada pelas mulheres europeias por 8.727, da Presidência da
República normatizou o uso
igualdade política (principalmente o direito ao do nome social pelos órgãos
e entidades da administração
voto). O da segunda metade do século XX, pública federal direta,
autárquica e fundacional.
também liderado por europeias e
Estas medidas são
estadunidenses é uma luta pelo direito ao corpo importantes para o
reconhecimento dos direitos
e o direito a ocupar igualitariamente os espaços das pessoas. Pessoas trans
públicos, principalmente o mercado de trabalho. no Brasil são muito
discriminadas, ao ponto de
Apesar de importantíssimos, estes movimentos sua expectativa de vida ser
de 35 anos, por conta dos
não conseguiam representar a todas as homicídios perpetrados
contra estas pessoas.
mulheres. Há no mundo, mulheres com
Por mais difícil que seja
problemas muito diferentes destes. Como entendermos estas
questões, uma forma de
pensar em igualdade salarial em contextos em respeitar as pessoas é
perguntar:
que a mutilação genital feminina é permitida?
Como você gostaria de ser
Como discutir aborto em contextos em que é chamado (a)?

legitimo o casamento com crianças, vários tipos


de violência sexual, tráfico de mulheres?
Por conta destas questões, atualmente temos outras abordagens feministas
que não excluem as expostas. O chamado feminismo de colonial seria um
movimento feminista que tenta representar as mulheres que vivem nos países
historicamente colonizados, e, portanto, apresentam problemas diferentes a serem
superados. Não se trata de um movimento único, e sim de várias correntes que
buscam a representação das mulheres negras, indígenas, lésbicas e muitas outras

32
ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL

que não se viam totalmente representadas nos movimentos anteriores.


Assim, nas próximas unidades falaremos um pouco mais sobre pessoas que
precisam ainda lutar para garantir seus direitos na sociedade, seja por sua cor,
condição socio econômica, gênero ou orientação sexual.

2.2. DIVERSIDADE DE GÊNERO E A SUPERAÇÃO DOS PRECONCEITOS

Quando falamos sobre o conceito de gênero, pensamos no masculino e


feminino e como isso é atribuído socialmente. Porém, este conceito se expandiu,
trazendo novas intersecções além da que já discutimos (masculino e feminino em
sentido biológico e em sentido cultural). Estas concepções não necessariamente vão
coincidir com um outro conceito que usamos para pensar estes papeis: o de
orientação sexual. A orientação sexual se refere à atração sexual que uma pessoa
sente pela outra. Como exemplos de orientações sexuais temos:

• Heterossexualidade: atração pelo sexo oposto;


• Homossexualidade1: atração pelo mesmo sexo;
• Bissexualidade: atração por ambos os sexos (em igual ou diferente
proporção);
• Assexualidade: ausência de desejo sexual;
• Pansexualidade: indivíduo que aprecia todos os gêneros sexuais.

Como você deve ter percebido, essas definições se referem a algo muito
natural dos seres humanos e de outros animais que é a atração sexual. Portanto,
elas não representam uma escolha de um indivíduo, e sim sua condição. Já
a diversidade de gênero consiste no gênero com o qual a pessoa se identifica,
independentemente do sexo biológico. São identidades de gênero:

• Cisgênero: é a pessoa que se identifica com seu sexo biológico.


• Transgênero: é a pessoa que tem uma identidade diferente do seu sexo
biológico, ou seja, alguém que possui pênis e se enxerga como mulher ou

1Antigamente, na linguagem cotidiana usava-se a expressão homossexualismo. Hoje, este termo é


considerado incorreto e preconceituoso porque o sufixo ISMO se refere a doenças ou ideologias, e a
homossexualidade não é nenhuma das duas.

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL

alguém que possui vagina e se enxerga como homem. O transgênero procura


assumir definitivamente o corpo com o qual se identifica e, em muitos casos,
passa por procedimentos de redesignação sexual ou terapias hormonais.
• Não binário: é a pessoa que transita entre masculino e feminino, podendo
por exemplo se identificar com um gênero diferente do seu corpo, mas não
realizar procedimentos de readequação física, assumindo apenas os
comportamentos condizentes com seu gênero.
Conforme as lutas por reconhecimento das diversidades foram avançando,
surgiram inúmeras nomenclaturas na tentativa de dar conta destas diversidades.
Mesmo que não consigamos dar conta de todas elas, o importante aqui é sabermos
que:
a) Gênero e orientação sexual são coisas diferentes e nem sempre irão coincidir
com o que consideramos “normal”.
b) Em uma sociedade democrática todas as pessoas têm o direito de serem
respeitadas tanto em sua condição quanto em suas escolhas.

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL

UNIDADE III - FAIXA GERACIONAL E A SUPERAÇÃO DOS


PRECONCEITOS

Ao longo de todo este texto abordamos a questão dos conflitos entre grupos
sociais, a exclusão de alguns grupos e a conquista por direitos. Falamos sobre
gênero e orientação sexual, porém agora cabe discutir uma outra forma de
separação entre grupos: a separação entre as gerações.
O Brasil e o Mundo têm sofrido profundas transformações demográficas.
Discutir a velhice é um tema relativamente novo porque há algum tempo a
expectativa de vida era tão baixa que a maioria das pessoas não chegavam a esta
fase. Porém com as melhoras nas condições gerais de vida e a implementação de
tecnologias que estendem a vida por muito mais tempo, o que temos hoje é um
grande número de idosos.
Em contraposição a isso, também há uma diminuição no número de jovens,
ocasionada pelos novos métodos de controle de natalidade e pela inserção das
mulheres no mercado de trabalho.
Porém, quando pensamos neste assunto como um problema, a primeira
coisa que vem à mente é a questão econômica. De fato, políticos e economistas
estão se debatendo tentando pensar em uma forma de garantir renda para tantas
pessoas que já não produzem renda (ou produzem menos) ao mesmo tempo que os
jovens em idade economicamente ativa estão cada vez mais escassos.
Mas a questão da velhice é algo muito mais profundo que isso, e está
diretamente ligada à educação. As ideias de infância, juventude, maturidade e
velhice são construídas socialmente e variam em cada sociedade. Porém, em quase
todas elas temos algum tipo de divisão de tarefas, papeis, e prestígio social entre as
gerações. Então o primeiro ponto que precisamos enfrentar é: o que é infância e o
que é velhice na minha sociedade? Você pode estar tentando responder a partir de
um critério biológico, tentando determinar uma certa idade.
Isso faz sentido, já que uma das grandes diferenças entre ser idoso e ser
criança é o comportamento do organismo. Mas seu desafio é maior do que pensar
em como funciona o corpo de cada uma dessas pessoas.

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL

Ao atingir determinada idade, não é só o corpo que muda, mas os papeis


sociais também. Como o idoso é visto? Como ele é tratado?
Além disso, precisamos pensar uma outra perspectiva. Com o avanço
vertiginoso das tecnologias, o abismo cultural entre as gerações está aumentando.
Um jovem de 30 anos, formado há cerca de uma década já tem a impressão que a
educação está diferente, acontece de uma forma “errada”. Este jovem,
provavelmente teve acesso aos computadores na época da faculdade, mas ele não
tinha smartphone. Então a maior parte dos seus estudos foi realizada através de
livros físicos ou fotocópias destes livros.
Se em dez anos temos uma discrepância tão grande entre como se
considera a melhor forma de aprender, imagine os grupos que possuem 50, 60 anos
de diferença entre si. Ou seja, temos uma enorme divergência de visões de mundo
entre as gerações atualmente.
É claro que estes conflitos não foram enfrentados de forma passiva. Tal
como os grupos anteriormente citados, os idosos também empreenderam lutas por
direitos e políticas públicas. Há a Política Nacional do Idoso (Lei nº 8.842/1994) e o
Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), por exemplo, que asseguram direitos
fundamentais para estas pessoas.
Porém, tão importante quanto essas leis, é educar as novas gerações para o
respeito à estas pessoas. Por mais que pareça que se trate de mundos diferentes, a
educação se faz justamente através da troca de saberes, e nesse sentido o contato
e o respeito entre crianças, jovens, adultos e idosos é fundamental.
Portanto, o educador não tem que pensar apenas nas questões da infância.
Todos nós, inclusive as crianças, precisamos refletir sobre como o nosso grupo, e a
sociedade em geral está preparando as pessoas para a velhice e como as trata.
Essas pessoas têm acesso pleno aos espaços públicos? Elas conseguem continuar
desenvolvendo suas habilidades? Conseguem transmitir seus conhecimentos?
No começo deste texto, falamos do conceito de relativização. Apesar de ter
sido criado para pensar as diferenças entre os grupos étnicos, este conceito ajuda a
pensar a relação entre as gerações também. Como eu estou narrando o outro? Será
que não estou impondo o meu conceito de verdade? Tentando fazer com que ele

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL

veja o mundo a partir dos meus parâmetros?


São perguntas para cada um fazer a si mesmo, mas principalmente ensinar
as futuras gerações de que a diferença é sempre enriquecedora e transformadora.
Diferentes gerações podem conviver e trazer trocas de experiencias, garantindo a
cidadania de todos.

Texto Complementar: Quebrando o preconceito da velhice: Estereótipos, mitos


e preconceitos no envelhecimento (adaptado2)

Regislaine Leoncio Pereira e Ruth G. C. Lopes


REVISTA PORTAL de Divulgação, n.52, Ano VII Abr/ Mai/ Jun. 2017. ISSN 2178-3454.

Introdução

Um dos meus passatempos preferidos em família é acompanhar meus filhos ao


cinema para assistir filmes de animação. Foi dessa maneira que fui apresentada à série do
filme "A Era do Gelo", uma das preferidas deles e, agora, também minha. Entretanto, o
quarto filme da série (2012) me despertou especial interesse. Além de dar continuidade à
história da divisão dos continentes de modo lúdico no personagem do esquilo Scrat e a
amizade entre Mene (Mamute), Diego (Tigre) e Sid, o filme "A Era do Gelo 4" retrata ainda o
conflito de gerações, na relação entre os mamutes Amora (a filha adolescente), e Mene (o
pai); e completa a obra com a chegada da excêntrica família do Sid ao bando em suas
peripécias para se livrarem da vovó preguiça.
Neste artigo, destacarei o lugar da personagem "Vovó" na relação familiar e os
estereótipos atribuídos à velhice. Através de itens por mim denominados Cenas, procuro
relatar esta animação em subdivisões que serão refletidas a partir do texto "Avosidade: a
família e a transmissão psíquica entre gerações" de Goldfarb e Lopes (2006).
Nota-se que no filme, o personagem do Sid (neto) é representado por um bicho
preguiça desastrado, distraído, bem-humorado, sonhador, ingênuo e otimista, estereótipos
que geralmente se atribui à adolescência. Já a personagem da vovó é marcada por uma
preguiça confusa, corcunda, desdentada, desaforada e que faz uso de bengala, reforçando

2
Alguns trechos do texto foram retirados por questão de concisão para tratar o assunto em foco. O
texto completo está disponível em : www.portaldoenvelhecimento.com/revista-nova

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL

estereótipos frequentemente presentes no imaginário popular, que pensa a velhice como


sinônimo de decrepitude.
Percebemos que às representações que o filme atribuí a velhice (vovó) e a
juventude (Sid) não são distantes das que encontramos no cotidiano. Veja o que dizem
Goldfarb e Lopes (2006, p.10): “Na imagem social dominante há uma homologação entre
limitações e incapacidades, propiciadora de preconceitos nos quais a família se apoia para
marginalizar o velho, ainda que com as melhores intenções. Preconceitos e contradições
são gerados dentro da família, desde a infância”.
Cena 1 - "A Vovó é um peso morto"

O quarto episódio da Era do Gelo, tem início com a chegada da família do Sid ao
bando para uma visita inesperada e tendenciosa ao filho que por eles, há muito já havia sido
abandonado. Eles chegam no veículo da família, no qual a vovó é conduzida "amarrada" em
um tronco de árvore, e chamando por Preciosa. Ao ouvi-la, seu neto (irmão do Sid) comenta
com os familiares que a "velha" está chamando a mascote morta novamente. Na sequência,
subitamente, a vovó é lançada para fora do carro sem que seus familiares dessem conta, e
em meio a uma grande confusão chegam ao destino onde a vovó é "despejada". Esta cena
pode ser traduzida na fala de Goldfarb e Lopes quando menciona: “A identificação da
velhice com as ideias de passividade, doença e morte, faz que se sequestre a autonomia
dos idosos e se promovam condutas e atitudes que acabam sendo incapacitantes. Assim,
os preconceitos atuam como verdadeiras barreiras, impedindo a circulação afetiva com

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL

liberdade e reciprocidade, acabando por dificultar a comunicação”. (GOLDFARB e LOPES,


2006, p.10)
Ao encontrar Sid e seus amigos, seus familiares justificam a visita com o pretexto
de ver o filho e trazer a vovó para que tivesse a oportunidade de estar com ela antes dela
falecer, e reforçam o pretexto dizendo que a vovó estava "louca" para reencontrá-lo. Diante
deste pronunciamento, a vovó contesta dizendo que ainda irá enterrá-los e dançará sobre
suas covas. Na tentativa de livrar-se da idosa, o pai do Sid o convence a levar a vovó para
uma "sonequinha" em seus aposentos. Empolgado com o reencontro, Sid acolhe a vovó e
se dispõe a compartilhar com ela suas vivências durante o tempo que não estiveram juntos.
Em resposta a intenção do neto, a vovó preguiça diz que "não está nem aí" para o que ele
tem a dizer, parecendo não corresponder aos sentimentos do neto. Fica evidente em cena a
figura de uma avó rude e de um neto afetuoso.
Os estereótipos que se apresentam até aqui referente à vovó, correspondem aos
de uma idosa demente, birrenta, rude, e que não tem outra coisa para fazer senão dormir.
Percebe-se que seus parentes a consideram um fardo e estão ansiosos para se livrar dela.
A este respeito nos apoiamos em Goldfarb e Lopes quando citam Mata (2003, p.13): “A
propósito deste tema, Mata (2003) cita várias barreiras a serem vencidas para conseguir
uma "comunicação efetiva". A primeira é constituída pelas "ideias preconcebidas" sobre
velhice e envelhecimento, especialmente as que dizem respeito à rigidez e à teimosia. Outra
é a "culpa” baseada em conflitos antigos, podendo ser reativada sob a forma de
superproteção que não raramente, encobre uma agressividade latente. A "falta de liberdade
para expressar emoções" que vamos ganhando com os anos, já desde a vida adulta,
constitui também barreira que limita as inter-relações possíveis no seio de uma família”.
Enquanto Sid se retira com a vovó, seus familiares se apressam para "dar o fora”
comemorando o fato de terem se livrado da "coroa maluca" e afirmando que a idosa era "um
peso morto". Em sua despedida alertam os amigos de Sid para o fato de que a vovó gosta
de "sunguinhas", referindo-se à libido da idosa. Esta perda de lugar que a idosa experimenta
na família, encontro eco na afirmação de Goldfarb e Lopes (2006) de que perda dos
referenciais apoiados nos antepassados transforma o valor das gerações. Os mais velhos
"já não servem mais para nada" e para os mais jovens sobra toda a responsabilidade pelo
futuro.
Ao retornar para o encontro com seus familiares, Sid se dá conta de que fora
enganado, ele e seus amigos compreendem que a visita tinha uma única intenção, se livrar
da vovó assim como se livraram dele. Sid se questiona: "Que tipo de família abandonaria

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL

sua idosa?" E conclui com pesar: "Esta é a minha família" (...).


Com a partida dos familiares, a vovó preguiça passou a ser cuidada pelo neto
sendo integrada ao bando. Nota-se que o papel do Sid como cuidador de sua avó é uma
tendência crescente na contemporaneidade (...). Mas Sid não ficou só nesta tarefa, recebeu
o apoio dos amigos para cuidar de sua avó, rapidamente Mene e Diego se adaptaram a
dividir a responsabilidade do cuidado com o amigo. É interessante pensar que neste arranjo,
a vovó preguiça foi inserida em um novo modelo de família. Neste sentido, Goldfarb e Lopes
(2006, p.18) diz: “Devemos também considerar que, em vista dos múltiplos novos arranjos
possíveis na contemporaneidade, a família cuidadora não é sempre a consanguínea”.
Sid e seus amigos enfrentam um desastre natural que coloca a existência do bando
em risco. Em meio a esta catástrofe, a vovó aparece dormindo, o que causa espanto em
Mene. Quando a tempestade acalma, a vovó se joga ao mar e agradece ao neto por
preparar-lhe o banho. A vovó descrita nesta cena aparece totalmente alheia à realidade, diz
aos amigos que não toma banho há décadas, reproduzindo o imaginário de que o velho não
gosta de tomar banho. Enquanto a vovó desfruta do banho ao mar, o neto se desespera
com a possibilidade da avó se afogar e os amigos se depararem com as dificuldades em
lidar com a idosa, e passam a arrazoar sobre a longevidade das preguiças e concluem
dizendo que as preguiças resmungonas vivem mais; demonstrando a preocupação com o
tempo que ainda teriam pela frente com os desafios em conviver com a idosa (...).
Em alto mar, a vovó continua a chamar pela Preciosa. Você deve estar se
perguntando: Quem é Preciosa? Foi exatamente com este suspense que o filme conduziu a
incógnita e que mais adiante será revelada neste estudo. Os amigos também acreditam
tratar-se de uma alucinação ou doidice, mas em nenhum momento procuraram entender
quem era a Preciosa e o porquê desta evocação inflexível. Para eles talvez fosse mais
ajuizado ceder ao mito que na velhice é comum este estado de insanidade. Geralmente os
desvarios são considerados como fenômeno natural da velhice (...).
Ao ser capturado por um navio de piratas, o bando se amedronta, mas a vovó
demonstra não reconhecer o conflito e os riscos que estava exposta nas mãos do bando
inimigo, pelo contrário, se diverte ao ver com simpatia o vilão e entende a captura como um
período de férias maravilhoso. Apesar da ênfase que o filme atribui aos desvarios da vovó,
não deixa de mostrar algumas situações que identifica seu estado de perfeita lucidez,
oferecendo ao público que o assiste, a dúvida quanto a real condição cognitiva da idosa. No
diálogo entre avó e o neto, Sid questiona a idosa o porquê de ambos terem sido
abandonados por sua família. A vovó responde com absoluta lucidez, que o motivo do

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
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abandono era o fato dos familiares acreditarem que ambos eram desastrados, que não
fazem nada direito.
Ao tentar se livrarem dos inimigos, o bando distribui tarefas a cada um de seus
membros, inclusive a vovó, que desempenha suas atribuições corretamente ao lado do neto,
até o momento que se distrai, assim como ocorre com o Sid. (...)
Finalmente o bando consegue fugir do cativeiro, e em fuga, a vovó revela estar
consciente da realidade, apesar da cena anterior fica a impressão equivocada dos fatos.
Dirige-se ao vilão como inimigo, reconhece que estão em fuga e que tomaram posse do
navio do adversário.
Nesta cena o filme rompe com os estereótipos, a princípio mostra uma idosa
divertida que sugere aos amigos empurrar Sid do navio e dizer que foi acidente, e se anima
com a ilusão de um bicho preguiça "saradão". Na sequência, a vovó aparece jogando frutas
para sua amiga "Imaginária" (Preciosa) e chamando por ela, novamente Sid e seus amigos
julgam se tratar de mais uma fantasia da idosa e é neste momento que o filme revela a
astúcia da idosa, sua artimanha para enfrentar os percalços da vida, especialmente os que
lhe sobrevém na velhice. A vovó dirige sua fala à Preciosa dizendo: "Preciosa, ignore eles, é
assim que eu faço, ignoro". (...)
Enquanto isto, os amigos do Sid debatem sobre as dificuldades em cuidar da idosa.
Mene: - “Não dá para tirar os olhos da vovó um minuto”. Diego – “É como ter filhos, só que
sem as alegrias". Essas são questões que se assemelham as que ouvimos dos cuidadores
e que traz angústia e ansiedade frente ao desafio de lidar com o desconhecido, questões
estas que neste estudo não nos cabe aprofundar. Enquanto se distraíam falando a respeito
da vovó, se desapercebendo do rumo do navio, ela aparece alerta chamando a atenção do
bando para um provável acidente e, em seguida, se compadece com a dor do amigo Mene
ao imaginar que perdera sua família na tempestade. A tristeza momentânea do bando
termina ao certificar-se que a filha do Mene estava viva, mas refém do bando do pirata que
os perseguiam.
O confronto entre os bandos é retomado e o bando do Sid fica em apuros, a vovó
não vê outra saída a não ser chamar por uma amiga. Neste momento, surpreendentemente,
surge uma baleia gigante atendendo ao chamado da vovó para salvar seus amigos, era a
Preciosa. Finalmente, o filme revela que preciosa não era uma fantasia da vovó, mas uma
realidade que só pertencia a ela, agora, compartilhada com o bando. Surpreso com o
aparecimento da Preciosa, Sid diz: "Vai ver que a coroa não é tão maluca assim",
descontruindo o imaginário das cenas anteriores que apontavam para uma vovó

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL

"esclerosada". Uma nova representação da vovó entra em cena, agora a idosa tinha o
controle da situação, dirigia a baleia sob seus comandos para a missão de salvar os amigos.
Neste cenário ela declara: "Quem falou que coroas não podem dirigir?” O bando do Sid
enfim sai vitorioso da batalha contra o inimigo, e ele e sua avó são festejados pelos amigos
que reconhecem suas qualidades e a contribuição de ambos ao grupo.
Vovó faz piadas com os amigos, se despede da baleia Preciosa demonstrando
grande afeto pela amiga. Por fim, ela faz uma revelação ao neto Sid que reforça o dito por
Goldfarb e Lopes (2006, p.8): “Ao mesmo tempo em que assistimos à desintegração de um
ideal de família sustentado durante 200 anos, observamos o aparecimento de outras
formações sociais baseadas em laços de afinidade e não de parentesco”.
Encontramos também um provérbio que atesta esta possibilidade de relação
familiar não consanguínea: "Há amigo mais chegado do que um irmão”. O filme encerra com
a declaração da Vovó ao Sid: "Você arrumou uma boa família aqui, família de verdade",
família esta que agora ela também faz parte.

Considerações Finais
O tema Família permeia toda a narração do filme através da relação conflitante
entre Amora (a filha adolescente) e Mene (o pai), entre a família não consanguínea formada
pelos amigos e seus agregados e a que nos trouxe a reflexão, a família do Sid. Ao retratar o
conflito entre pai e filha, o filme nos leva a pensar nas relações cotidianas que se
estabelecem no seio da família, um pai ávido por proteger sua cria e a adolescente ansiosa
pela conquista da autonomia. (...)
Ao remeter-se a família composta pelos amigos, a história nos leva a pensar nos
atuais modelos de família que não dependem de vínculos consanguíneos para
desenvolverem laços afetivos e solidariedade recíproca. “A mensagem sempre foi muito
bonita, que é a família é a coisa mais importante. E não importa se é sua família biológica ou
não. É o que você faz da família que conta. Se todos nós ficarmos juntos,
independentemente de onde viemos, podemos fazer deste planeta um lugar melhor e salvá-
lo” (LEGUIZAMO, L, 2012, s/p ).(...).

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
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UNIDADE IV- EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE

Esta apostila, sob o viés antropológico, tratou sobretudo a respeito da


questão da diversidade. Falamos de grupos, preconceito e exclusão. Mas você
deve estar se perguntando qual a relação destas questões com a prática
pedagógica.
Podemos dizer que é impossível desvincular estas questões. A educação
tem uma função: fazer com que a sociedade funcione melhor. Assim, inclusive
respeitando as legislações brasileiras, como nossa Carta Magna- Constituição
federal de 1988, e a Lei de Diretrizes e Bases de 1996, a educação tem como
função formar cidadãos, diminuir as desigualdades e consequentemente, respeitar
as diversidades.
Assim, nesta última unidade faremos alguns apontamentos de como a
educação pode contribuir para estas questões.

4.1. O PAPEL DA EDUCAÇÃO NO COMBATE À VIOLÊNCIA DE GÊNERO

Na Unidade II discutimos o conceito de gênero, porém, não nos


aprofundamos nas consequências deste conceito. Dissemos que na nossa
sociedade, culturalmente, se atribui diferentes papeis para homens e mulheres. Esse
fato, em si, não é ruim, afinal, toda sociedade é formada por diferentes atribuições e
papéis. O problema é que em nossa sociedade esses papeis são distribuídos de
forma hierárquica, ou seja, o que é atribuído ao gênero masculino, geralmente é
melhor do que as atribuições ao gênero feminino.
E existe algo pior nessa história. Historicamente, essa divisão não se refere
apenas a atribuições, mas também a um certo domínio do masculino sobre o
feminino. Este domínio está tão arraigado em nossas tradições que muitas vezes
não percebemos, ou pelo menos não percebíamos em um passado bem próximo.

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL

Você já deve ter ouvido algo como “em


briga de marido em mulher não se mete a colher”,
Lei Maria da Penha
“fulana pediu para ser estuprada, afinal (...)”,
Sancionada em 2006,
“segure suas cabras pois meu bode está solto”, e a Lei 11.340 (Lei Maria
por aí vai. Bom, qual é o problema dessas frases? da Penha) prevê penas
em crimes praticados
Vamos analisá-las separadamente: contra qualquer
pessoa que se
a) “em briga de marido em mulher não se mete identifique do sexo
a colher”. feminino em situação
de vulnerabilidade.
Aparentemente essa frase se remete à um
Maria da Penha é uma
preceito de boa educação em nossa sociedade,
mulher que lutou para
que presume a não interferência na vida alheia. que a violência que
sofreu durante 23
Isto seria verdade se esta “briga” fosse algo anos, a deixando
casual, igualitário e não tivesse conexão com as paraplégica, não
ficasse impune.
relações sociais. Ou seja, se essa briga
Com a Lei, a violência
acontecesse independente do gênero dos doméstica foi tipificada
participantes, se a chance de ser vítima de como violação aos
direitos humanos.
violência nesta briga fosse equivalente entre os
Promulgada em 2015,
dois gêneros, se isso acontecesse raramente e se a Lei n° 13.104 (Lei do
não tivesse conexão com atribuições sociais. Feminicídio) trata do
assassinato de
Nada disso se encaixa em nossa mulheres por razões
da condição de sexo
realidade. Nosso país tem índices alarmantes de
feminino.
violência doméstica contra as mulheres, e esta
violência é historicamente legitimada.
Quando dizemos que a violência é historicamente legitimada não estamos
dizendo que os homens são seres malvados e as mulheres seres passivos. Na
verdade, estamos dizendo o contrário disso. Esta violência não é uma escolha
consciente, e muitas vezes a vítima nem percebe, pois ela está arraigada nos
costumes sociais.
A legislação brasileira do século passado, por exemplo, tinha uma
prerrogativa de absolvição do homem que assassinava sua esposa em casos de
“legítima defesa da honra”, ou seja, quando homens agrediam ou matavam quando

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ANTROPOLOGIA E OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS: DA
DIVERSIDADE DE GÊNERO À
FAIXA GERACIONAL

diziam-se ofendidos pela traição da mulher. Também é uma dificuldade enorme


ainda hoje de se entender o conceito de estupro dentro do casamento, pois ainda
hoje muitas pessoas entendem que quando casadas as mulheres têm obrigação de
contrair relações sexuais com seus maridos. Por isso, vamos analisar a segunda
frase:
b) “fulana pediu para ser estuprada, afinal (...)”
As reticências no final da frase se referem ao fato de aparecer no discurso
inúmeras razões para uma mulher ser estuprada. A quem diga que a causa do
estupro é a roupa, o lugar, a profissão. Isto reflete bem a questão das atribuições
femininas discutidas anteriormente. Historicamente, a mulher deveria ficar confinada
ao lar, ter um único parceiro sexual durante toda sua vida, cobrir seu corpo. Como
estes padrões hoje são totalmente questionados, atribui-se esta quebra de padrões
à uma condição de risco.
Os dados contradizem este raciocínio de que a mulher se coloca em risco
por tomar determinadas atitudes. A imensa maioria dos estupros no Brasil é
cometida por pessoas muito próximas da vítima, normalmente familiares ou vizinhos.
Temos entre as vítimas bebês de até dois meses, mulheres muito idosas, freiras. Ou
seja, o estupro é um ato de violência baseado na concepção cultural de que o corpo
feminino é um objeto suscetível à violação. Portanto, suas causas não são
encontradas nas atitudes das vítimas, e sim na cultura da sociedade.
Analisemos novamente nossa legislação do século passado: seduzir mulher
honesta, menor de 18 anos, era crime previsto no artigo 217 do Código Penal e dava
cadeia. Era preciso, todavia, provar que a jovem “era honesta e sem experiência”.
Esta legislação pode nos soar absurda agora, mas ela segue o mesmo raciocínio
discutido anteriormente. Aqui, analisa-se o crime a partir da conduta da vítima, e não
do ato em si.
A mudança na cultura do estupro presume entender que todas as pessoas,
homens e mulheres, tem direitos sobre seus corpos e sobre suas relações sexuais.
Isso significa que qualquer relação sexual só pode acontecer com o consentimento
de ambas as partes, independente das ações de cada uma delas. Assim, esposas
podem se recusar a ter relações sexuais, prostitutas podem se recusar a ter

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relações sexuais, tal como qualquer pessoa pode.


Vamos analisar a terceira frase:
c) “segure suas cabras pois meu bode está solto”
Esta frase mostra como o machismo é algo que não oprime apenas às
mulheres, oprime aos homens também. A analogia induz que as mulheres devem
ficar presas, pois os homens são “predadores”. Para as mulheres, temos novamente
a prerrogativa clássica de confinamento. Para os homens, uma atribuição cruel, ser
um predador. Muitos homens não são assim, não querem ser. Mas desde que
nascem carregam este fardo de que cabe a eles a agressão, a violência, o perigo.
Isto traz sentimentos muito confusos para os meninos que não tem essa
personalidade, é de certa forma violento com eles também.
Dessas três frases deduzimos então nosso tema: a violência de gênero.
Afinal, o que é violência de gênero? Podemos definir como violência de gênero,
qualquer ato violento, inclusive simbólico, que ocorre por conta dos papeis de
gênero atribuídos em nossa sociedade. Ou seja, a mulher violentada pelo fato de ser
mulher, a travesti violentada pelo fato de ser travesti etc.
Dissemos tudo isso para mostrar que a violência de gênero não é algo óbvio,
ela é sutil, simbólica e exige uma certa reflexão para ser percebida e combatida. É
neste ponto que entramos. Quem pode fornecer aos cidadãos os subsídios para
alcançar esta reflexão? Somente a educação.
Sistemas punitivos podem ser muito úteis para o controle de diversas formas
de violência, mas como estamos falando de algo que precisa ser mudado
culturalmente, apenas através da educação podemos combater essa violência. É
através dela que desnaturalizamos estas relações e propomos um mundo melhor,
mais igualitário e menos violento.
Além de contribuir com a mudança nessa cultura da desigualdade e da
violência, na escola podemos aprender e ensinar como reconhecer a violência e que
mecanismos legais temos para nos proteger e proteger nossos entes queridos. E
não é só nas questões de gênero que a educação pode e deve contribuir, existem
outros conflitos de origem cultural em nossa sociedade, como veremos a seguir.

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4.2. A EDUCAÇÃO COMO ENFRENTAMENTO DOS CONFLITOS ÉTNICO


RACIAIS

Além das mulheres, dos homossexuais e dos idosos temos outros grupos
que são discriminados e violentados por conta de sua condição. Isso ocorre, entre
outros motivos por conta do nosso violento sistema de colonização.
Como já foi dito, os colonizadores europeus dizimaram os povos nativos no
Brasil, como forma de justificar a invasão. Os que restaram, enfrentam inúmeros
processos de subjugação nos séculos que se seguiram. Além dos nativos, temos os
povos africanos que foram sequestrados de seu continente por séculos e
escravizados no país.
Atualmente, estes processos são considerados inadmissíveis, tanto pelas
legislações locais, como a Constituição de 1988, como pelos organismos
internacionais, como a ONU. Porém, estas novas concepções não conseguem
simplesmente apagar as marcas de séculos de opressão.
Os indígenas vivem e produzem de uma forma muito diferente dos padrões
capitalistas. Sua produção exige grandes áreas naturais, nas quais eles operam com
uma lógica muito diferente do agronegócio. Para proteger estas pessoas, foram
criadas as reservas. Ou seja, os “proprietários” originais de todo o continente foram
confinados a alguns espaços delimitados pelos descendentes dos colonizadores que
hoje ocupam importantes espaços na política.
Mesmo estes pequenos espaços (em relação ao que tinham originalmente)
são muito contestados pela lógica do capital que presume uma expansão infinita de
recursos a serem explorados. Então, ainda que a lei não permita, a realidade que
temos hoje é de verdadeiros conflitos entre indígenas e outras pessoas que querem
fazer diferentes usos da terra em questão.

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Assim, temos a situação de exclusão e extermínio destes povos até os dias


de hoje. É claro que isso não acontece sem disputas. Muitas foram as disputas não
só pela terra, mas pelo direito de inserção na sociedade ampla, onde se possa
usufruir da cidadania e das políticas públicas. Medidas como as cotas nas
universidades para indígenas representam isso. Estas pessoas tentam conquistar
seus espaços e seus direitos se apropriando dos saberes coletivos. Também há
movimentos de inserção dos indígenas na política e na mídia locais.

Sugestão de vídeo: Bro Mc's - Eju Orendive

https://www.youtube.com/watch?v=oLbhGYfDmQg&feature=youtu.be
Banda formada por índios guaranis, canta Rap em que denuncia suas condições
sociais.

Outro triste episódio de nossa história foi os 400 anos de escravidão. Desde
o início das colonizações, os europeus sequestraram pessoas no continente africano
para explorar sua mão de obra com o regime de escravidão. Esta prática foi muito
difundida no Brasil e marcou profundamente a nossa cultura. Apesar de ser, na
época, um país extremamente religioso (predominantemente católico), a prática da
escravidão era socialmente aceita praticamente em todas as camadas sociais.
No século XIX todo mundo que possuía o mínimo de condições tinha pelo
menos um escravo. Há registros de escravos que tinham escravos. Algo tão
culturalmente arraigado não poderia mudar de repente.
A abolição da escravidão ocorreu principalmente por pressões externas. É

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claro que internamente havia movimentos e lutas nesse sentido, tanto entre
escravos e ex-escravos, quanto na elite intelectual e política. Mas, como dissemos, a
prática era tão aceita, que estes movimentos não conseguiriam a abolição sozinhos.
Então, como outros momentos importantes da nossa história, a abolição foi
um acordo, quase passivo, entre o capital inglês (que necessitava de trabalho livre
em todo o mundo para desenvolver ainda mais seu capitalismo) e as elites políticas.
Ainda assim, alegava-se que o fim da escravidão seria a ruína econômica do país,
pois não haveria quem trabalhasse no lugar destas pessoas, e fornecer-lhes
trabalho livre, eliminaria todo o lucro e a economia entraria em colapso.
Então o primeiro ponto a pensar nessa história: a escravidão não acabou por
conta de uma mudança cultural entre os brasileiros, ou porque eles refletiram sobre
direitos humanos ou igualdade. Ou seja, o sistema é proibido, mas a cultura
escravocrata permanece.
O segundo ponto a ser discutido é o mecanismo ideológico para que essa
cultura se mantivesse por tanto tempo. Dissemos que o Brasil era na época
profundamente católico. Sabemos que o cristianismo em geral prega a igualdade e a
fraternidade entre as pessoas. Então qual o sentido de até os padres escravizarem
pessoas?
Não as ver como pessoas. Pelo menos não no mesmo sentido que se via os
homens livres. O sistema eurocêntrico difundiu no mundo inteiro um ideal de que as
pessoas que não se parecem com europeus são naturalmente inferiores. Essas
pessoas trazidas da África, são bem diferentes dos europeus. A diferença aparece à
primeira vista: diferentes cores de pele. Então, monta-se o raciocínio que foi
perpetrado durante estes séculos: os negros são inferiores portanto podem ser
escravizados.
Esse raciocínio inculcado durante tanto tempo, passado de geração a
geração, inclusive inconscientemente, não desaparece no dia seguinte à abolição da
escravatura. Ele perdura. Assim, na ocasião da abolição, ao invés de contratar estas
pessoas para prosseguirem o trabalho, ao invés de inseri-las na política, na
cidadania, na educação, simplesmente as cuspiram para fora de seus postos de
trabalho. O negro servia para trabalho escravo, já que agora o trabalho vai ser

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remunerado, procura-se brancos vindos da Europa.


Este processo tem consequências práticas. Estas pessoas, que nunca
tiveram acesso à educação, à cidadania e a empregos dignos não tem como criar
suas condições de vida repentinamente. Além do mais, o raciocínio da inferioridade
racial continua presente.
Muitos países passaram por processos parecidos, em que estas pessoas
negras se viram “livres”, mas sem nenhuma condição de buscar a igualdade. Mas a
separação entre as pessoas aconteceu de formas diferentes.
Países como África do Sul e alguns estados dos E.U.A. criaram sistemas de
segregação das pessoas negras garantidos pela lei. No apartheid sul-africano, a
legislação previa diferentes espaços para moradia, trabalho e educação entre
brancos e negros. Nos EUA, houve diversas legislações segregacionistas, como as
que separavam os assentos nos transportes públicos e os bebedouros de brancos e
negros.
Já no Brasil, assim que acabou a escravidão difundiu-se a ideologia de
democracia racial. Esta ideologia prevê que vivemos em harmonia e em igualdade
de condições independente da nossa cor de pele.
Você deve estar pensando que então o sistema brasileiro é bem melhor e
mais justo que o estadunidense, por exemplo. Em partes. Como o sistema
estadunidense ou sul-africano era garantido por lei, não podia ser negado. Todos
sabiam o que estava acontecendo e mais cedo ou mais tarde teriam que assumir a
culpa por isso. Então, esse sistema, se por um lado é escandalosamente cruel, por
outro facilitou as lutas sociais, pois era muito claro para os negros que eles
precisavam lutar para modificar essas situações.
No caso do Brasil, a segregação sempre foi velada. Brancos e negros são
iguais perante a lei, mas negros são a maioria entre os mais pobres, entre os
desempregados, entre as vítimas de todo tipo de violência, entre os presos
condenados etc., ao passo que os brancos são a maioria entre os mais ricos, nas
grandes empresas, nas universidades, na mídia etc.
O que temos a ver com tudo isso? Mais uma vez precisamos voltar para a
complexidade que só a educação pode nos fornecer. Precisamos pensar para além

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dos nossos preconceitos. Cabe aos educadores mostrar aos educandos que estes
conflitos, esta segregação, tem origens antigas e complexas, e para combatê-la
precisamos conhecer a história e refletir sobre ela.
Um último ponto a ser discutido na questão dos conflitos étnico raciais é a
atual situação dos migrantes e refugiados no Brasil e no mundo.
A história do mundo foi construída sobre as migrações. Pessoas sempre se
deslocaram fugindo de problemas em seu local ou simplesmente buscando
melhores condições de vida. Em algumas situações isso foi bem visto, por exemplo
quando migrantes italianos vieram ao Brasil ocupar o déficit de mão de obra deixado
pelo fim da escravidão.
Porem, com sucessivas crises econômicas, ambientais, esgotamento de
recursos e aumento das populações, além da introdução de tecnologias que
dispensam mão de obra não qualificada, cada vez mais o migrante tem sido visto
como um usurpador, alguém cuja função é tomar o lugar e os recursos pertencentes
aos nativos.
Porém a Antropologia nos coloca um desafio nesse sentido: se a História foi
constituída pela incorporação de povos e culturas (violenta ou não), como definir
quem é nativo? Como caracterizar quem tem o direito legítimo a determinado
território, por exemplo?
Esta questão é complexa e tem permeado o mundo há algum tempo. Ela
fundamenta a questão dos judeus no mundo, por exemplo. Mas na verdade ela se
refere a quase todos nós. Porque se pensarmos em nossa história e na história de
nossos antepassados, todos são de alguma forma “migrantes”. Por isso não
traremos respostas, apenas provocamos a reflexão sobre estas questões.
Falamos então de diversas formas de opressão e exclusão, conflitos e
segregação dos grupos para concluir que a resposta a estes fenômenos só pode ser
encontrada a partir da complexidade que a Educação nos traz.
Como educadores, respeitando nossas legislações, cabe a nós garantir ao
máximo possível a diversidade e o respeito entre os povos, para um futuro mais
sustentável em um mundo mais justo e igualitário.

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Filme: Histórias Cruzadas (2012)

Uma escritora branca abala o status do Mississipi dos anos de 1960 ao entrevistar
empregadas domésticas negras e divulgar suas histórias.

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gelo da velhice: estereótipos, mitos, e preconceitos no envelhecimento. Revista
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