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° \__realidades da historia urbana africana: efectivamente grande meioria As cidades pré-coloniais! Tentativa,; . /~ de definigao e periodizagao* ~‘ 7% Por Catherine Coquery-Vidrovitch |, .Abrdaremos aqui nfo apenas a hstra das cies, mas também a historia da urbanizag0, que implica um processo simultancamenteres=? Re Be nnasceu da necessidade de uma reflexio apro- fundada sobre a origem das cidades africanas. Dai a exploragao de uma ‘| iteratura abundante e rica de ideas, sobretudo mas ndo apenas anglo- “ -americana, no dominio da historia e sociologia urbanas. Muitas das {deias aqui apresentadas nao parecerdo particularmente originais aos es pecialistas: algumas ja deram ocasid a dsperas discussdes. O meu objec- \y | tivo & sobretudo por alguns dos consstos assim elaborados,& prova das JY das pesquisas incide sobre as cidades ¢ o urbanismo ocidental — da An- tiguidade as metrOpoles industriais, passando pelas cidades medievais ¢ (0 centros modernos do capitalismo comercial. Env contrapartiday oS > trabalnos da historia urbanistica africana sto ainda raros © muitas vezes * Comunicastoapresentada durante as jomadas de estudos iaternacionais sobre «0 Proceso da utbaniragd e as components socais da cidade em Alea», que teve gar no Laboratoire Tire Monde Afrique, Université Paris VIL. O conjunto das eomunia (bes srk publicado peas Editions I'Harmattan (Paris) juntamente com outro volume pare, dedicado as cidedeslusofonas. 265 ispersos. Face & historiografiageral também nfo hé muito a espera fo lado de trabalhos excelentes sobre a historia das cidades edo urbanis- imo, encontramnos também uma boa quantidade de lugares-comuns e, convém salentar, alguns disparates, porque, por vezes muito conscien- ‘temente (em alguns casos o preconceito é perfeitamente legitimo) mas, e ‘o que é mais perigoso, outras vezes de forma inconsciente mas nao me- rios implicita, esti o pressuposto de que o tinico modelo urbano «perfei- ton € 0 modelo de referéncia ocidental. = I — Tentativa de definigao A primeira exigencia 6, evidentemente, definir aquilo de que estamos ‘a falar; definir o que entendemos por urbanismo dévia, ao mesmo tem- po, ajudar a responder & questo seguinte, muito naturalmente posta pe- los historiadores: desde quando existe 0 fentomeno urbano em Africa’e sob que forma? Pode haver duas manciras de abordar 0 fendmeno urbano — ou ‘\)\_atraves de uma definigdo lata, que permita incluir modalidades concre- tas muito diversas, ou por referéncia a uma série de critérios descritivos precisos, entendendo-se que a presenca de varios pelo menos, sentio de todos, em diferentes graus, justifica que se fale em cidade. ‘Uma definigdo lata encontrei-a no trabalho do gebgrafo Akim Ma- bogunje, 0 primeira a colocar efectivamente a questdo em relagdo a ‘itica, abordando o caso da Nigtria (Urbanization in Nigeria, Nova Torque, 1968, p. 33). ~ Trata-se, dz ele, do «processo pelo qual os homens se aglomeram, ‘em nfimero relativamente importante, num espa¢o relativamente restri- to»; & de maneira deliberada que cle opta por esta definicfo muito geral, porque o processo de urbaniza¢lo variou infinitamente segundo os luga- res € as épocas. ‘A definigto & a meu ver, pelo menos unidimensional. Bla refere-se cstritamente ao espago. Acrescentarei uma outra dimensto, que releva e «modernizago»e desde lo- 20, sem forgar muito, «modernizaglon e«industrializagdo» Ness €as0, privilegia-se 0 modelo ocidental do séc. XIX industrializante como mo- ‘elo universal; esta «modernizagdo» implica que, qualquer que seja 0 ‘pais considerado, 0 mesmo tipo de evolugao desencadcia uma conver- s8ncia de formas as formas dominantes no modelo de desenvolvimento pés-revolucao industrial. Ora, esta tltima proposta é discutivel; nao € evidente que 0 modelo de urbanizagéo do terceiro-mundo africano no desenrolar do séc. XX seja necessariamente andlogo ao saido da Inglater- 1a industrial do séc. x. Se se considerarem os modos e processos de urbanizacdo da Arica pré-industral, epocasecivilizagbes diferentes produiram fenbmenos de urbanizacao diferentes; € certo que se encontram sempre semelhangas gentrcas: densidade populacional, divesficago acrescida pela diviso do trabalho, et., mas as variantes so numerosas: uma defini lata do fendmeno tem precismente a vantagem de considerar 0 processo de ur- tanizagto ao longo do tempo; a cidade industrial aparece como uma ¥a- riante — maior, 6 certo — mas no necessariamente de natuteza diferen- tedda cidade pre-industrial Esta € uma tes largamente iscutida por cr- "Richard Hull, «Urban Design and Architecture in Preclonial Attica, Journal of Urban History, vol. 2, n.° 4, 1976, p. 3 Cars tos autores que querem, pelo contririo, opor radicalmente duas entida- ddes perfetamente estranhas uma & outra: a cidade pré-industrial de um lado e a cidade contempordnea do outro? Dito isto, uma definigfo tao geral do fenémeno urbano arrisca-se a niio ter eficicia operatoria, ¢ & necessario completar a abordagem com tuma definicdo de criterios de urbanizasa0. Estabeleyamos, em primeiro lugar, aquilo que as cidades no preci- sam de ser? — Como acontece na Europa, o critério nem sempre é a dimensio. Pode aver cidades de 1000 ou 2000 habitantes,e aldei 50 000, 4 se disse a mesma coisa sobre a Europe, Verifica-se no sul de Italia no sée. XX e também em Africa antes e depois da co- lonizagao, Grandes aldeias, muito compactas, puderam consti- “fuir-se e ser eapazes de se defenderem eficazmente em caso de ataque: aldeias fortficadas, aldeias-ithas; o «Pais dos Rios» no ‘Congo, numa zona anfibia alagada por todos os lados, foi assim ‘povoado por grandes aldeas de pescadores — os primeiros obser- vadores, no fim do ste. x0X, atribuiram-Ihes 5000, 10 000, por vyeze5 20 000 habitantes'. Apesar do intenso comtrcio regional de trocas que praticavam com os navegadores de pirogas e com os agricultores do Alto-Alima, que thes forneciam a mandioca ne- cesstri xvam no grande rio, ponto de trénsito entre a parte de cima do tio, que fornecia a madeira para os pigmentos das tintas, marfim ¢ sobretudo escravos, ea parte de baixo donde vinham os produtos do comércio europeu, a vida nao se hierarquizou. ‘Todos os habitantes viviam da sua propria actividade (pesea, tecelagem, cestariae olaria); as comunidades de reagrupamento ram exclusivas: a admissio assentava no parentesco ou na escr vatura e reequilibrios constantes eram produzidos entre Forgas ® I. Bryan J. L. Berry, The Human Consequences of Urbanization Divergent Pat. {terns inthe Urban Experience of the 20%. Century 1973, Nova lorque. Ademola T. Se u, «The Urban Process in African. African Urban Studies. 4 199.0. 27 Enda: Gi- ‘dcon Sjoberg, The Pre-Industral Gy: Past and Present, Glencoe, 1960. 2 Gf. Lewis Mumford, The Ciy in History, Nova Torque, 1961, p. 93, franclia, La Cité a Travers Histoire, Le Sil, 1964. Cr. Giles Sauter, Une Geographie du sou peuplement, Pass, 1966, p. 209-278, ¢ . Coquery-Vidrovteh, Braza et la prise de Possession du Congo, Pats, 1966, p. 93+ 112 to 768 de 300u | centrfagasexcitadas peas disputas de grupos rvase forgas cen- tripetas fits de coeso cultural inguistia «étnica>) de grupo, fundada sobre os principios simples do parentesco residencial ¢ de agrupamentos culturais sais de uma coerénciaetria. Embora pouco se saiba desses agregados (que desapareceram com 0 do século numa vintena de anos, dizimados pela denga do sono) além do que foi ito pelos prnseirs explorado- res (Stanley, Brazza e seus companhiros), podemos crer que se tratava s6 de aldeias. = -~ Da mesma forma, Morton-Williams* dao exemplo da aldeia de Umor, no’ sudeste nigeriano, que, embora,consituida por mais de 10 000 habitantes, nunca deixou de ser uma aldeia habi- \ ta por agricultore. Observando algumas cidades da Aftica Central (Mbanza,/ca- pital do Congo, visitada pelo primeiro portugues em 1491, Mu-" sumba, apital do Império Lunda — Shaba Ocidental — descri mais tarde pelo primeiro europeu em 1847, ¢ Zimbabwe; capital do império medieval com o mesmo nome, abandonada por volta S| de 1450), W. G. L. Randles? propbe quatro podemos ja elimina 0 primeiro: 0 plano; emi contrapartida, a densidade, em compara¢ao com o campo circundante, €um crite- rio sent absoluto, pelo menos extremamente frequente. Os seus ‘outros critéios so mais convincentes: — A arquitectura dos edificios principals — mesmo quando as casas normals se limitam a reproduir 0 modelo rural: caso tanto mais frequente quanto os materiais duros eram raros (ainda ba uma quinzena de anos Poto-Poto, em Brazzaville, tinha a aparéncia ‘de uma grande aldeia, antes do uso generalizado do cimento)..Es- te critério da arquitectura monumental 6 provavelmente univer- sal, sendo a cidade o centro dos poderes, simbolizados pelo seu urbanismo. ‘A maneira como os habitantes desse aglomerado se alimentam: ‘erse-k efectivamente que nfo se pode escapar a esse crtério. 7 R, Morion-Wiliams, «Some Factors im the Location, Growin and Survival of ‘Towns in West Afi, Man, Setlement and Urbanism, G. Duckworth, Maryland, 1972, p. 284 © C.D. Forde, Yakd Studies, Londres, 1964 7 sPrecolonial Urbanization in Area South of the Equator», Man, Selene ond Urbanism, op. et 269 _— Finalmente, a existéncia de um artesanato especializido, associa- ‘do mais a0 local de residéncia do que ao parentesco. Efectiva- mente, na cidade nfo se pode escapar & divisto e espesializacio do trabalho. (Os especialstas da urbanizacio ocidental pré-industral revelaran-se muito mais exigentes: V. Gordon Childe! estabelece dez crtérios,e insis- te na adopetio da eserita (que permite transcrever e transmitirinforma- (to) e da ciéncia aritmética, indispensivel d medida do peso, do tempo € do espago (como se os eamponeses da era pré-cientifica nAo tivessem sa- bbido medir nada disso). Identifica wcidaden e eivilizagdon, e define esta ‘como «o agregado de grandes populardes nas cidades». Quanto a F, Braudel, ele privilegia o crtério do sistema monetério'. Estes historiadores tém com certeza em mente o miodelo medlterrAi-/ co ocidental. Com efeito, um s6 critério me parece verdadeiramente es- sential facto de que na cidade, nemtodaa gentve da agra ‘que, em contrapartida, era excepefonal no miund@ Fural antigo, mesmo no arisoerético). Pode-se exprimir a mesma ideia de uma maneira mais ‘centrada nas trocas, insistindo no ertério de acesibilidade®: uma verda) deira sociedade urbana uma cools spew eter, oe pe te e implica comércio, mercados e troca de uma produgdo nao agricola {artesanal) pelos alimentos necessérios & populagdo. Mais do que crtérios, convém falar de(condigdes necessérias & urba- nizagdo, isto é, a essa especializago de fungdes. Devem considerar-se pelo menos rés: — A possbilidade de um aumento da produsao agricola susceptivel de alimentar os especialistas no agricolas. — A utilzagao desse aumento pelos no produtivos, implicando a presenga de uma clase de dirgentes que, por um lado, assegura {uma situardo relativamente estavel, favoravel & produsfo e, por outro lado, exercendo 0 poder, é capaz de impor a circulacao de alimentos. Gordon Childe, Social Evotution, Londres, 1951, p. 161. Ver também do mesmo autor, «The Urban Revolution», Town Panning Review, Liverpool, 21, p. 3-17; «Ciili- {ation Citiss, Towns», Antiquity, 31, p-36-38., Sjoberg, op. ci €ainda mas exigen te sobre os cities. Braudel Les structures dhe Quoidion, 1979, p. 0. 10 sotveo erro da no-autonbsisténcia como € comum a todas as cidades de J- rich ¢ Mégsloptis: A. Toynbee, Le vier dans Histoire, 0.U.P., 1970, tad. franc. Payot, 1972 p19. Sobre 0 conceit de acesbilidade: Morton-Williams, op. ci 270 — Bstas trocas implicam uma classe de comerciantes ou negocian- tes: 0 comércio faz parte da cidade" ‘A dimensio econdmica & portanto essencial para chegarmos & defini ‘slo de cidade. Resumindo: — A cidade ¢ um centro de concentrago (humana) ¢ de difusdo Gultural), — As condigoes da sua existéncia so condipées simultaneamente ‘econdmicas ¢ politicas de organizacdo da producao e das trocas. Acrescento aqui, no entanto, a posigto de Paul Bairoch: a cidade eaistiu desde os prneipios da agricultura — a revolugdo neoitica —; de Senvolveu-se paralelamente & agricultura: cidadese campos sto indiso- tives desde como; certamente pode have campo Sem cidade, mas fo pode havereidade bein campo, incluindo nest caso as «idades-es- tadon que, apesar de tudo, vivem também da respetivaregito, por mui- to pequena que ela seja, e de que as cidades haus sfo um bom exemplo!: a agricultura € a condi¢ao necéssaria & cidade mas pode-se também perguntar em que medida a cidade, centro da organizacao ¢ da produsdo, nfo se torna rapidamente uma condigBo sent da agricultura pelo menos dos seus progressos: seo surgimento das cidades parece por vezes hesitante em Africa, & porque a «revolucao neolitica» foi ai menos nitida — mais difusa e mais lenta — do que em outros lugares: a agricul- ura estendeu-se progressivamente a todo 0 continente, mas 0 proceso, ‘parte dos primeros milnios A.C., prsseguiu pelo menos até ao stot Jo Xe, em certos casos pontuais, mesmo até mas tarde ‘Uma iim observacto: esa definigdo vai ao encontro de uma outra definigdo clisica, tanto dos historiadores como de outros especalistas das céncinssocais: estou a pensar na Histoire de la France Urbaine, di tipida por Georges Duby, ou ainda em Henri Lefebvre citando Max Weber's; a cidade antiga ¢ medieval seria um/centro politico ¢ reli 71050) em oposicao & cidade econbmica qe surgiu na aurora dos tempos mo- dernos eA metrépole industrial nascida no Ocidente no século XIX. 7) Mabogunje, op. ef cap 12 Vues et Economie dans Histoire, Le Sel, 1985, 600. 1 R. Guifeth, «The Hausa City Sats from 1480 to 1804, The City States in Five CCuitures, R- Gritetn € Cato! G. Thoms eds, 1981, Clio Press, Oxford, p. U9 180 ‘La Révolution urbaine, Pass, 1970, . I-26. 18 The Ciy, 192, tad. franc, La Vile, Aubler Montagne, 1982, 220, am [A cidade antiga seria caracterizada pela presenca justaposta des grandes poderes: politico (opalcio,religiso (0 templo, a mesquita, « {reja)¢ militar (o acantonamento). “Este esquema foi retomado frequentemente, sob uma forma s6cio~ -antropolbgica, a propésito da seariaeet a ‘dade ‘ctradicional» seria muito mais um cent i080 e politico, sede dali- nhagem domifante, da familia reinante que agrupava a sua volta uma dite protegida e privilegiada, do que um centro econdmico. Certamente fa dimensto urbana da componente politica ¢ forte. Podem dar-se dois xemplos disso: nos reinos interlacustres a arstocracia era eonstituida por pastoresmigrantes que, chegados do norte, mara o poder em de- trmento dos agrcultores due Ki viviam (ima nos con | fins do Ruanda ¢ do Uganda Setentrional; mais tarde, a partir dos sécu- Jos XVEXVINL, 0s tutsi do Ruanda e do Burundi submeteram os campo- neses hutu; formagdes de Ankolé, do Buganda, etc.): acidade capital i+ ‘ha tendéncia a confundir- e com o palacio real, éempre no [aicentro;o caricterurbano era to instavel que cada novo soberano t- nha que construir uma nova capital num novo lugar: ratava-se mals de uum campo fortificado do que de uma cidade. ” ut excl ta: o d Fubar ds Hanon, ae Claude Tardits se refere para mostrar até que ponto 0 povoamento € © ‘urbanismo em circulos de linhagem concéntricos (designando o cireulo tnais préximo do palicio as familias mais estreitamenteligadas a0 sobe- ano) se distribuiam segundo a imagem do poder real Mas se a componente politica se mostra tio forteé porque ela se con- funde com 6 poder econémico: &0 soberano que tem o privilégio das ac- tisidades «abertao» — as trocis longinquas, os artesios (escravos ou membros de castas) do palicio depensdem estrcitamente dele. A cidade € portanto sobretudo, mas nem sempre, a cidade-capital. Porém & sempre lima cidade mercado. preciso ser claro: pode haver — ¢0 caso fol fre- quente em Africa — mereados sem cidade, mas nlo pode haver cidades sem mercado. A cidade implica, pela sua propria existéncia, uma fungi” ‘econémicay Sem se ser um especialista da Antiguidade pode afirmar-se ‘que Atenas ou Roma eram grandes metrépoles (religiosas © politicas) porque eram também, ao mesmo tempo, grandes centros econdmices (riesme que se tratasse de uma economia mercantil, porque a cidade We Royaume Bamoum, Fa. da Sorbonne, 1980. m Certamente no tempo da Alta Idade Média ocidental, ou na Africa pré-colonial e pré-islamizada, as cidades eram raras € as trocas urbanas permaneciam limitadas: mas isso porque a: cidade e a concentragao urba- na sio a expressio do nivel socio-econdmico: circundante. Uma econo- B que a cidade é a expresso do complexo econdmico no seu conjun- “— Um tipo de produgiio ¢ de trocas Compreende-se desde logo o sentido € 0s limites do conccito de aft ccanos «Strangers in the Cityn!®, Os africanos so se sentem estranhos na ‘cidade na medida em que esta for concebida segundo um modelo econd- ico — 0 modelo colonial, o modelo ocidental — que nio é 0 seu, ou rmelior ainda, que nfo era seu. Em contrapartda, tudo leva a penste ie nos tempos pré-coloniais, independentemente do tipo € do tempo lurbanos, os africanos nao se sentiam ai mais estranhos do que se sentiam ‘0s camponeses franceses na sua cidade capital. II — Proposta de periodizagao 'A partic destas constatagdes, pode efectivamente ser proposta wma tipologia/periodizagio da urbanizasdo africana, Contentemo-nos adh Alaia de conclusdio, a0 mesmo tempo que de abertura a outras investiga 1M. J Daunton; «Towns and Economic Growth in 18h c. England EA. Wri ley, «Paras or Stimulus The Town in a Pre-ndustial Beonamy>, Towns in Soci Fen Ph, Abrams €E. A. Wrigley eds, Cambridge University Pres, 1978, p. 245-278 © 295300 HT, Pltnivov, Strangers to the City: Urban man in Jos, Nigeria, University of iusbuse Press, 1961, 320 . 23 oh ‘goes futuras, com expor o nosso esquema, que implica, bem entendido, Tongas fases intermediias de transig&o/interpenetracao entre os dife- rentes modelos referidos, cujas designagdes parecerdio forgosamente es- ‘queméticas ou mesmo simplistas no seu laconismo: 1) As cidades antigas, cujo aparecimento corresponde & expansio. ‘agricola, O catalizador foi muitas veres 0 recontro ¢ 0 choque en- ‘ge modos de vida simultaneamente antagénicos e complementa- res, entre 0s némadas criadores de gado do deserto e do Sahel eos agvicultores sedentarios, controlados e dominados pelos primei- ros. A-metalurgia do ferro, fonte de intensificacto da produsao, ddesempenhou um papel de acelerador, tal como a progressiva ex- pansio das novas plantas oriundas da Asia e da América. Os exemplos vio da mais antiga, e arqueologicamente conhecida, ‘Fenne, nos principios da nossa era, até as cidades fortficadas da zona interacustre (por volta do sé. xi), pdssando pelo exemplo fascinante das cidades de pedra da fea cultural shona, de famosa ¢0 Grande Zimbabwe, desaparecida por volta de 1450. 2) As eidades nascidas do contacto com 0 Hsiao € 0 mundo arabe do ccomércio longinquo parecem jf mais cléssicas e familiares, tanto ‘20 longo da costa oriental como no Sudaio saheliano ocidental: A ‘ua fungi de intermedifrio comercial ¢ cultural tomna-se eviden- te. Mas isso mesmo se passa jé em todas as fases egraus de transi- Go entre as primeiras e as segundas, muitas vezes por contactos directos e, 0 mais das vezes, por difuslo indirecta. 3) Bento que tem lugar, na segunda metade do sée. Xt, introdu- ‘¢lo do modelo portugués, logo a seguir, mais genericamente, do ceuropeu: € portanto muito cedo que € preciso situar a origem do” ‘modelo ocidentale no apenas na época colonial: Por outro lado, ‘poe-se o problema de todas as interferéncias com os modelos pre- cedentes, tanto «antigos» como aistamizados», e mesmo os dois, simultaneamente, num contexto (e este facto nio"pode ser negli sgenciado) onde a maior parte das cidades (salvo no caso excepcio- ‘al duma colonizago portuguesa precoce) se desenvolveram de ‘uma manera ainda autéctone, quer dizer, sem dependéncia poll- ticd-juridica directa do Ocidente, como aconteceu na época colo- nial = 4) Acoerydo colonial impde naturalmente uma ruptura: Mas ea nfo ‘destr6i necessariamente as redes urbanas anteriores. Utliza-as, 214 ‘completa-as ¢ concorre com elas vitoriosamente. Opera também ‘uma seleceo decisiva para as cidades futuras, que no recuperam todo um passado por vezes muito longinquo (0 caso de Ubadan, por exemplo). Falta ainda também, naturalmente, distinguir den- tro da época colonial (tal como nas fases precedentes) varias eta- Pas, que vo da coersio militar e administrativa & metrdpole eco: némicae portuaria, 5) Dai a imensa complexidade da questao urbana na época contem- ‘pordnea das independéncias, / I — A titulo de conclusto: da cidade pré-cotonial cidade actual Em sintese, é toda uma série de pistas a explorar, no que diz espei {o simultaneamente as continuidades e as rupturas, entre cidades pré-co- loniais ¢ cidade coloniais, e entre as cidades coloniais eas actus. Trata -se dum confronto melindroso mas aliciante onde deve ter lugar a liga- Ao entre as pesquisas de cardcter «historico» e as pesquisas actuais de dominante «urbanisticay..Neste momento sao sem davida mais as per- iguntas que se levantam do que as que foram resolvidas, mesmo se a par~ ticipagio do historiador no conhecimento dos processos de urbanizaga0 aparece como uma componente fundamental: Mas trata-se também de doterminar as interrelages num dominio muito aberto, em comparagao” ‘com toda uma série de trabalhos paralelos efectuados por outras disci= plinas, como a economia, a sociologi ¢a geografia: Torns-se aq pat- ticularmente oportuno estabelecer € conservar a ligacdo através do tra- balho de equipas multdi Estas pesquisas a longo prazo deveriam permitir esclarecer todo win cenério da reflexdo urbana: — A questiio da passagem da situapao pré-colonial a colonial e de- pois & contemporanea no que respeita ao direito predial: trata-se de um processo infinitamente mais complexo do que a simples passagem do «tradicional» para o «modernon. O «costumeiro» 6, de facto, recomposto, fixado, manipulado, recriado e diverso. Da mesma forma, as leis prediais dos Estados independentes si0 reutilizadas e manipuladas pelo costume, sendo tudo isto insepa- rvel de uma série de transformagdes sociais profundas. 25 — Asinvestigagdes em historia social urbana permitem fazer a liga- Gao entre a historia social, a historia sindial ¢ a tuta dos traba Thadores no contexto das sociedades urbanas; a historia vivida permite também compreender até que ponto a historia do espaco ‘esegrezadon € as transformagdes da segregagto do espaco estZ0 estreitamente ligadas as lutas sociais urbanas. — O conceito de esparo urbano deve, ele mesmo, ser posto em cat sa: O que é produzir um espaco? Nao haverd uma continuidade Tantéstica nessa necessidade, nessa vontade (do poder, do Esta ddo, das autoridades municipais) de querer sempre produzir um espaco para uma populago, como se a populasto nao produzis: fe, ela mesma, 0 seu espago (dai os problemas de segregarto, fie)? lmpae-se também a necessidade de ter em conta um certo ‘nmero de conceitos, de nos interrogarmos com precisto sobre as Tefinigdes que nos permitem saber de Facto de que & que estamos ‘ falar. A modernidade, por exemplo: a qué chamamos moderai- dade? Ela cobre muitas coisas diferentes: qual é 0 lugar da tradi- G20? qual 0 lugar do sector informal? A propésito deste jilkimo, ‘Eevidente que a partir do momento em que 40 ou $0% da popu opto de uma cidade pertence ao sector informal, este deixa de ser informal; €, pelo contrario, muito organizado, hierarquizado; 0 termo, portanto, nfo é bom: utlizamo-1o normalmente para de- signar tudo aquilo que no conseguimos classifiar através dos snossos conceitos habituais. 3 dade africana contemporinea dominada pela mudanga, ts mutagOes, ou pela continuidade, permanéncia? Os histor Jones procuram remontar 0 mais posivel no passado, para compreender Gal a evoluglo que nos permitin chegar a situagdo actuals mas ¢ tame tem necesirio conhecer bem as estruturas da situaglo actual, em si mesma, trabalhar portanto em simbiose estrelta, em particular com os fegrafos, mas também com os economists, 0s politlogos te. con. Junto pemiteafimar que paral de permanéncias aparentes, 2 urbani- arto, om primeiro Inpar, uma dindmica. Existem quando muito, c0- eevtublinha Fernand Braudel, estruturas de longa duraglo. Algumas vergiam hi muito tempo e esto ainda subjacentes: mas essas«perma- ncias» sio apenas movimentos muuito longos ¢ fentos (os costumes nao existe enguanto permanéncias iméveis, eles evoluem). Quanto &s Thutagdes, as mais bruseas no S40 necessariamente as mas significat- ‘Uma acumulagio de mudangas miltiplas que demore um certo tem- po, pelo menos 0 tempo da conjuntura, do médio prazo, pode ocorrer; ssa acumulago pode, de repente, assumir uma importancia tal que se produza entao um salto, uma mutagdo brusca, Mas esta mutasio brusca pode ser também vista como uma acumulagao de permanéncias, quer di zer, de mutagdes mais lentas. Bi por isso que, nao sb em relago as reali- dades africanas como também as realidades de qualquer outra parte do ‘mundo, no se podem opor entre si permanéncia ¢ mutagdes. ‘Trata-se de mais um desses dualismo redutores (tradigao/moderni- dade, permanéncia/mutaclo, continuidade/ruptura) que deformam a realidade: na historia urbana, como na historia em geral, ¢ importante ‘no esquematizar, estar permanentemente atento ao complexo social, ‘em que cada umn dos elementos ndo cessa de actuar sobre 0s outros, para fazer do conjunto estudado (espacial, arquitectural ¢ social) um organis- ‘mo vivo em constante evolugio. RECOLHA BIBLIOGRAFICA EM HISTORIA URBANA AFRICANA, 1 Gent ‘Baikocit, Paul, De Jericho é Mexica Vile et Economie dans I'Histire, Gallimard, Pa is, 198s. ‘cooren, Fred (ed), Struggle forthe City: Migrant Labor, Capital and the State in Ur- ‘bon Africa, Sage, Londres, 1984. ‘Bast. 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