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BIBLIOTECA DA MULHER

PAULO COMBES

O Livro da Espôsa
REVISTO E ANOTADO POR JOSÉ AGOSTINHO

4.• EDIÇAO

Emprêsa EDUCAÇÃO NACIONAL

Rua das Oliveiras, 75 - Pôrto

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Propriedade da Emprêsa Educação Nacional
Rua das Oliveiras, 75-Põrto

DIR EITOS RESERVADOS

E•ecutado na• Oficlnaa Gráfica•


do Sociedade de Papelaria. L.da
Ruo do Bo..uto. 321-P&rto. 1934.

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BIBLIOTECA DA MULHER

Cada volume em brochura 10$00

O Livro da Espôsa, por Paulo Combes.


O Livro da Don a de Casa, por Paulo Combes.
O Livro da Mãi, por Paulo Combes.
O Livro da Educadora, por Paulo Combes.
A Mulher na Famflia, pela Baron(!za Sta{f.
Os Meus Segredos, pela Baroneza Sta{f.
Cartas a Luisa, por Maria A mdlia Vaz de Carvalho-.
Mulheres e Crianças, por Maria Amdlla Faz de
Carvalho.
A Mulher em Portugal, por Victor de Moigénie.

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PREFÁCIO E PLANO GERAL
DA

BIBLIOTECA DA MULHER

A mulher possue no seio da família e na


sociedade, naturalmente e pela fôrça das cir­
cunstâncias, uma importante e muito complexa
Influência. Em todos os tempos os teólogos, os
filósofos, os m oralistas, os escritores - prosa­
dores e poetas - têm tido a noção da impor­
tflncia social da mulher e, portanto, a noção
também da necessidade de se orientar a com­
panheira do homem como seu auxiliar na mis­
são a cumprir.
Tão l egitim a preocupação dá origem a uma
verdadeira literatura, muito abundante, muito
complexa, mas bastante desigual, c ontendo
alguns bons livros disseminados entre mon­
tfles de obras sem valor.
1\. maior parte dos c conselheiros da mulhep
trilha um caminho falso, porque se dirigem a
um ser idealizado, que não existe na realidade.
quási todos seguem um caprichoso processo,
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VI

tão freqüente nos moralistas filósofos, e que


consiste em considerar abstractamente a mu­
lher em sr� despojada de todos os atributos da
vida. A mulher, que têm em vista, nenhuma
semelhança apresenta com qualquer das mu­
lheres que conhecemos, não foi moldada com
a mesma argila e não descende, certamente,
de Eva.
Dêste modo, quando um daqueles livros cai
sob os olhos das espôsas, das mãis - numa
palavra, de mulh eres com existência e activi­
dade real - elas invariàvelm ente, no fim da
leitura, depõem o volume, pensando:
- Isto não foi escrito para mim !
É que o valor dum livro é proporcional à
exactidão, à clara evidência com que repre­
senta as realidades concretas da existência.
A medida da sua influência é a impressão que
produz nos espíritos, a maneira como desen­
volve em cada um dos que o lêem c o que já
estava dentro dêles, mais ou menos obscura­
mente , - como notara Ballanche.
Porque é bem verdade que não se encontra
nos livros senão o que já temos no espírito e
no coração, e que tôda a frase será uma voz
extinta, se não despertar um eco na alma do
leitor.
Realmente, não se escreve para as mulhe­
res, quando se tomam abstractamente as suas
particularidades individuais, quando os escritos
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VII

se referem a um tipo fantasiado, criado, ele­


mento por elemento, em virtude de uma con­
cepç ão puramente filosófica.
Escreve-se, sim, para as mulheres, quando
as consideramos ta is quais elas são, com a s
suas qualidades e defeitos ; quando se lhes
fala uma linguagem que esteja não só à altura
da sua inteligência como do seu sentimento,
prin cipalmente.
As mulheres têm uma fina sensibilidade e
é por meio da sua sensibilidade que mais segu­
ramente se poderá tocar-lhes o espírito. Im­
porta, antes de mais nada, conquistar a sua
confiança; e isso valerá mais do que cem
boas razões, pretendendo empolgar-l h e s a
convicção.
Ora as mulheres desconfiam- e não têm
elas suficientes razões para isso ? - dos con­
selhos que lhes dão os livros, especialmente
n o que diz respeito aos seus sentimentos mais
íntimos de espôsas e mãis : assim consid e­
ram-nos ou como inaplicáveis à sua situação
particular ou como tendo intentos reservados ;
e é bem verdade que esta opinião desfavorá­
vel é demasiadamente justificada pelos livros
que lhes têm sido consagrados.
Contudo, as mulheres sentem a necessi­
dade- fora dos ensinamentos da religião e d a
direcção espiritual d a sua alma - dum guia
seguro, dum conselheiro, tão elucidante como
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VIII

sincero, para as mil circunstâncias da vida


prática de todos os dias.
i Mas, como se há-de alcançar êste guia
tão útil, êste conselheiro tão precioso ? Os
livros que leram deram-lhes apenas desilusões
por não encontrarem nelas as noções de que
mais carecem. Tais livros foram escritos para
a mulher em geral, não para cada uma das
mulheres em particular ; contêm excelentes
coisas para ocasiões que talvez nunca apare­
çam, mas nada encerram do que seria útil na
existência quotidiana.
E, estranha verdade: os mais ocos dêsses
livros são os que foram escritos por mulheres.
Nenhuma delas quis revelar o que sentia e
pensava real mente .
O guia e conselheiro da mulher casada­
êsse manual que ainda não existe, pelo menos
tal qual o concebemos e acabamos de esboçar
- é o que empreendemos escrever: Os livros
da mulher; e chamamo-los assim, porque divi­
diremos em Vários volumes as diversas ordens
de considerações referentes à mulher casada
nos seus quatro aspectos de espôsa, de dona
de casa, de mãi e de educadora.
i Como poderemos, porém, justificar êste
empreendimento ? Simplesmente, apresentando
o plano pormenorizado dêsses «Livros».
Pelo exame que fizerem dêste plano, as
mulheres, a quem tais livros são destinados,
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IX

verão suficientemente que nêles encontram


tudo que baldadamente procuraram noutros, e
que os podem ler com inteira confiança, por­
que não se dirigem a um fantasma feminino
sem consistê9cia real . . .
Foram de-veras, escritos para elas.

I -O Livro da Espôsa

INTRODUÇÃO- A principal preocupação da


mulher, considerada unicamente como espôsa,
i sto é, como companheira do homem, deve
ser: amar seu espôso ; torná-lo feliz ; fazer-se
amar por êl e ; e nisto encontra a sua própria
felicidade. Ê ste livro é o desenvolvimento da
tese que fica exposta e a indicação dos meios
próprios para realizar o que tem em vista.
CAPfruw 1- A espôsa deve conhecer per­
feitamente seu marido para harmonizar o s eu
próprio carácter com o dêle. Para isso, deve
estudá-lo, com uma afectuosa curiosidade, de­
pois do casamento, se antes o não pôde fazer.
Deve aprender a ler, nas suas maneiras, n a
s u a atitude, n o s seus olhares, d e forma a adi­
vinhar-lhe todos os pensam entos, tôdas as suas
a legrias ou inquietações.
CAPÍTULO n- Como deve a espôsa amar
seu marido: Como ao companheiro de tôda a
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X

a sua vida, como a um am igo que para ela deve


ser tudo. A afeição conjugal é uma espécie de
condensação muito íntim a de todos os outros
afectos.
CAPÍTULO JII- Como a espôsa torna seu
marido feliz: fazendo o mais possível por lhe
proporcionar al egria, evitando- lhe desgostos,
comparti lhando os desgostos e alegrias que êle
tiver.
CAPfTULO I V- Como a espôsa consegue fa­
zer-se amar de seu marido : tornando-se-lhe
sempre agradável pelos seus encantos naturais,
usando duma certa garridice e galantaria na
afeição conjugal .
CAPÍTULO v- Qualidades práticas-. da es­
pôsa : fazer tudo quanto seja útil à prosperidade
do lar ; mostrar-se boa dona de casa, econó­
m ica, trabalhadora, previdente.
CAPÍTULO VI-Qualidades morais da espôsa:
igualdade de carácter, bom humor, compl acên­
cia, bondade, dedicação, paciência.
CAPÍTULO vn - Qualidades intelectuais da
espôsa: a mulher deve apresentar a seu ma­
rido todos os atractivos dum espírito ilustrado,
mostrando-se capaz de sustentar uma conversa.
Faça leituras em comum, passeios, visitas a
museus, viagens.
CAPÍTULO vm- Cultura estética da mulher:
a arte no lar. Na boa disposição da sua casa,
no bom gôsto e disposição do interior, a mu-

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XI

lher deve ter em vista atrair, quanto possível.


seu espôso.
CAPÍTULO IX- Como a espôsa conserva a
fidelidade do marido: como o defende de tôdas
as tentações que o podem afastar dela.
CAPÍTULO x- Como a espôsa salvaguarda
a sua própria fidelidade: maneira de se de­
fender de tudo que a possa desviar dos seus
deveres.
CAPITULO XI- Conjunto de condições para
felicidade dos dois esposos.
CoNCLUSÃO- A felicidade conjugal neces­
sita do seu natural complemento : a felicidade
maternal .

11 -- O Livro da Dona de Casa

PRIMEIRA PARTE

Organização Moral do Lar Doméstico

CAPfTULO I -Importância de uma o rgan i­


zação moral do lar doméstico. - É indispen­
sável uma regra de vida. Inconvenientes d e
não haver u m regime regular. Divisão d o
tempo.
CAPfTULO n - O lar doméstico, centro de
atracção irresistível para todos os membros
da família.- O lar confortável e encantado r.
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XII

Atracção material, moral, intelectual e esté­


tica. A verdadeira arte da mulher é a estética
doméstica.
CAPÍTULO m - Relações exteriores- Paren­
tesco, amizade, delicadeza, negócios. Obras
de beneficência.
CAPfruLO IV- Organização da educação­
na família, no exterior.
CAPÍTULO v- Tarefas ocasionais que po­
dem vir a caber à dona de casa.

SEGUNDA PARTE

Organização Material do Lar Doméstico

CAPITULO I-Problema geral da organiza­


ção do lar doméstico. -Relação proporcional
entre as despesas e as receitas; aplicação do
dinheiro às necessidades, de forma que permita
uma maior ou menor economia com que se
constitua um mealheiro.
CAPfruLo n - Condições de uma boa admi­
nistração doméstica. - Espírito de ordem e
economia ; as contas domésticas ; cuidados nas
despesas ; importância das pequenas econo­
mias ; inconvenientes das compras aos poucos.
CAPfTULO m- A quisição e escolha da habi­
tação e mobiliário- sob o ponto de vista da
economia, do bom gôsto e da higiene.
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Xlll

CAFfruLO IV- A alimentação e as refeições


- sob o po nto de vista da economia, do pala­
dar e da higiene.
CAPITULO v- Vestuário e higiene do corpo.
-Sob o ponto de \lista da economia, do bom
gôsto e da higiene.
CAPITULO VI- Diversas.- Aquecimento­
Luz-Particular cuidado com as despesas miú­
das, que devem ser bem conferidas.
CoNCLUSÃO- São de tal ordem as atribu"i­
ções da dona de casa, que lhe bastam para
todo o emprêgo do seu tempo.

111 - O Livro da Mãi

INTRODUÇÃo- Alegrias e deveres da mater­


nidade.
CAPÍTULO 1- Preparação para a materni­
dade. - Necessidade que a mulher tem de s e
preparar para b e m cumprir as várias obrigações
que a maternidade lhe impõe.
CAPÍTULO n- Como a mãi deve amar os
seus filhos - Mãis egoístas que só amam o s
filhos por amor próprio. Mãis ignorantes que
não sabem amar verdadeiramente os filhos.­
D eve-se ter amor aos filhos, tendo sempre e m
\lista o seu futuro.
CAPITULO m- Obrigações materiais da
mãi. - O desenvolvimento físico e a saúde das
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XIV

crianças. - Os primeiros cuidados que se de­


vem dedicar às crianças - mesmo tendo em
vista o futuro e o bom desenvolvimento da
a l m a -são procurar fazer de cada uma delas um
c animal> perfeito e forte.
CArfruLO IV- Obrigações intelectuais da
mãi. - Desenvolvimento da actlvidade, dos
sentidos e da inteligência das crianças.
CAPÍTULO v- Obrigações morais da mãi.
- Os fi lhos são, durante tôda a sua vida, o
que dêles fizeram as mãis.
CAPfTULO VI- Disciplina moral da mãi e
das crianças. - As mãis respeitarão austera­
mente a mesma disciplina m oral a que sujei­
tarem os seus filhos. Influência do exemplo.
CAPÍTULO vn - Formação intelectual e mo­
ral da criança. - Partido que as mãis podem
tirar dos brinquedos e da curiosidade natural
das crianças.
CAPÍTULO vm - A melhor forma do amor
materno- a vigilância.- A mãi é o visível
anjo da guarda dos filhos. Deve exercer uma
constante vigilância sôbre tudo que possa su­
�estionar, intelectualmente ou moralmente, a
alma da criança ; as relações, os amigos, os
companheiros de estudo, os brinquedos, as
l eituras.
CArfruLo IX- A mãi amiga e confidente
dos filhos. - A mãi conserva a afeição d os
filhos e continua a exercer vigilância sôbre

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XV

êles, mesmo quando crescidos, se ela se dedi­


car cuidadosamente a ser sempre sua amiga,
confidente das suas a legrias ou inquietações,
e conselhei ra sempre respeitada.
CArfruLO x-Papel das mãis e avós para
com as crianças.
CoNCLUSÃO - A missão da mãi.

IV- O Livro da Educadora

INTRODUÇÃO- O « Livro da Educad o ra» não


pode confundir-se com o « Livro da Mãi», como
o « Livro da Dona de Casa, se não pode con­
fundir com o a:Livro da Espôsa , -O «LiVro
da Espôsa» e o c Livro da Mãi , têm essencial­
mente por objecto a feição afectiva, íntima do
papel da espôsa e da mãi ; os outros dois
tratam do seu papel positivo, activo, prático­
da exteriorização do seu afecto.
CAPfTULO 1- Começo da educação materna
- A missão da educadora começa logo que a
criança nasce. É preciso desde princípio incli­
ná-la para bons hábitos que constituam uma
c segunda natureza'·

CArfruLO H-Primeiras noções do esfôrço.


- O esfôrço, necessidade absoluta de tôda a
existência, será a primeira coisa a que a mãi
deve habituar a criança. As primeiras palavras

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XVI

da criança : importância da boa pronúncia.


Disciplina das qualidades naturais - a disci­
plina por lições de coisas.
CAPITULO m- A s preguntas da criança.­
A educadora deve brincar e conversar com a
criança. - Não deve deixar sem resposta ne­
nhuma das preguntas que ela fizer. Como deve
responder.
CAPÍTULO IV- Desenho, escrita, leitura. -
A história da humanidade, a experiência e a
l ógica demonstram que a criança deve come­
çar por aprender a desenhar, aprendendo de­
pois a escrever e a ler ao mesmo tempo. - Os
melhores métodos de desenho, escrita e lei­
tura. O que a criança deve desenhar, escrever
e l er.
CAPfruLO v- Educação familiar. - A fa­
mília é o meio natural da educação, mas não
é suficiente e ninguém se deve restringir exclu­
sivam ente a êle. A educação familiar e a edu­
cação extra-familiar.
CAPITULO VI - Educação e.rtra-familiar. -
A missão da mãi educadora não é por forma
alguma deprimida pela educação que a criança
recebe fora da família. Pelo contrário, conti­
nua a ser preponderante.
CAPITULO vn - Educação dos jovens antes
de entrarem na vida activa. -Vigilância da
educadora sôbre todos os actos da vida de
seus filhos já crescidos. Como ela se exerce ;
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XVII

fim que tem em vista. Como a educadora pre­


para os filhos para entrar na vida.
CAPITULO viii-Educação dos filhos quando
já na vida activa.- A mãi continua a guiar o s
filhos e m tôdas a s circunstâncias da vida.
CArfruLO IX- A mãi fica sempre educa­
dora dos filhos. - O seu papel até à sua
morte.
CAPíTuLO x - A mulher educadora social.
- O papel educador da mulher pode exer­
cer-se em tôda a parte, tanto na família, como
fora da família.
CoNCLUSÃO.- A missão de educadora é das
mais importantes que a mulher pode ter. Se
lhe proporciona m enos al egrias íntimas do que
as missões de espôsa e de mãi, dá-lh e, e m
compensação, mais grandeza e uma felicidade
de ordem mais dignificante, atingindo as puras
glórias da dedicação e do sacrifício.

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O LIVRO DA ESPÔSA

INTRO DUÇÃO

As leis gerais da natureza - confirmadas


pelas leis divinas, por meio da Revelação, e
pelas leis huma n as -assinalam à mulher a
missão de companheira do homem.
«Não é bom que o homem seja só. (Pala­
vras de Deus, Génesis, c. n, vers. 18). Crie­
mos-lhe uma companheira semel hante a êfe ,.
E, logo que a mulher foi criada, o Génesis
(c.n, vers. 24) insiste nesta idea : cO h omem
deixará pai e m ãi, para se ligar a sua espôsa:
e os dois serão um só,,
Salomão, o rei sábio, no Ecclesiastes (c. IV,
vers. 8 e 9) exprime o mesmo pensamento: É
melhor serem dois . . . Infeliz do que é só !
Porque, se cair em falta, não terá ninguém
que o socorra ,,
Emfim, quando N. S. Jesus Cristo, depois
de recordar a s palavras do Génesis que aca-
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20 0 liV�O DA ESPÔSA

bamos de citar (c. 11, vers. 24), i nstituiu o sacra­


mento do casamento, acrescentando : «Não
queira o homem separar o que Deus juntou ,, ( 1)
quis consagrar na união do homem e da mu­
lher a perpetuidade, que constitue o cardcter
essencial dessa união.
União por tôda a vida ! . .Tal é a fórmula
.

dominante da i nstituição do casamento, insti­


tuição que ao mesmo tempo é divina, n atural
e social.
A significação desta fórmula encerra quatro
sentidos.
União por tôda a vida quer dizer, primei­
ramente, união que dura emquanto vivem o s
esposos; e dêste primeiro sentido logicamente
se derivam os outros três.
União por tôda a vida, é, com efeito, ne­
cessàriamente, sinónimo de afeição inalterável?
fundada na simpatia, na estima, na confiança
absoluta. União por tôda a vida significa tam­
bém entendimento entre os dois cônjuges para,.
da melhor fórma possível, fazerem juntos a di­
fícil viagem que é a vida. Uniilo por tôda a
vida quer dizer por fim, e sobretudo, aliança
ofensiva e defensiva na luta pela existência,.
c o m p a rtilh a m e nto constante - sem egoísmo,

( 1) S. Mateus, cap. XIX, vers. 5 e 6- S. Marcos,.


cap. x, vers. 7, 8, 9.

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INTRODUÇÃO 21

sem recriminações, sem desfalecimentos - das


alegrias e amarguras, das esperanças e inquie­
tações, dos dias luminosos e dos dias sombrios,
até ao fim . . . embora seja preciso, para o
cumprimento deste dever, suportar as maiores
dores e levar a dedicação até ao sacrifício
da vida.
Tal é o ideal da união por tôda a vida do
homem e da mulher no casamento. E, como
quadro típico da felicidade humana, ainda não
apresentaram filósofos e moralistas modêlo
melhor para a admiração e i mitação de todos,
do que essa união de dois sêres intimamente
ligados pela concordância dos seus afectos,
dos seus pensamentos e dos seus esforços,
pela conquista duma vida tranqüila neste mundo
e na eternidade.
Na prática todos pretendem realizar, o me­
lhor possível, êste ideal. Sendo a obra cola­
borada por duas personalidades - m arido e
mulhe r - e para que a sua realização sej a
aproximada d o modêlo sonhado, será neces­
sário que o homem e a mulher de há muito
pensem maduramente na eventualidade do seu
casamento e que para êle se tenham prepa­
rado por constantes reflexões, e até por estu­
dos apropriados, por uma verdadeira educação
especial, visto tratar-se afinal dum dos actos
mais importantes da existência. t Pois não é
do casamento que depende a felicidade de
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22 0 LIVRO DA ESPÔSA

tôda a Vida, não só para os esposos como para


os filh os que nascerem da sua união ?
Ora, de facto, contra tôdas as razões da
lógica, o casamento é dentre os actos da vida
humana, aquele para o qual menos se prepa­
ram tanto o homem como a mulher, e aquele
em que os pais mais desprezam o seu papel
educativo.
Pela maneira como as coisas se passam
o rd i n à r i a m e n t e , o c a s a m e n t o parece uma
s i m p l e s form a l i d a d e , s e m g r a n d e i m p o r­
tância e sem influência alguma na felicidade
humana.
Foi da habitual falta de educação prepara­
tória para o casamento que proveio a frase :
c O casamento é uma loteria"·

Esta frase, justa, afinal, é a mais severa


critica que se pode fazer da nossa atrasada
maneira de pensar, como m embros da socie­
dade e da família, sob o ponto de vista espe­
cial do casamento, vendo na união do homem
e da mulher uma loteria, uma simples partida
'
de jôgo, da qual dependem as existências dos
esposos e as dos seus filhos.
Mas. esta aberração extraordinária é tão
demasiadamente geral, que não podia deixar
de ter uma causa profunda a explicá-la, embora
não a justificando. Essa causa é a observação
que se tem feito e que é, de resto, uma obser­
vação superficial - de que, m esmo quando
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INTRODUÇÃO 25

o casamento é uma loteria, uma sorte do acaso,


os seus resultados são, a-pesar-de tudo, acei­
táveis.
E isto provém da noção de que a natureza,
com o seu poder inesgotável de adaptação,
consegue atenuar as funestas conseqüências
dos nossos actos irreflectidos, proporcionando­
-nos, com o andar do tempo, mesmo numa
união primitivamente defeituosa, mais satisfa­
ções do que m ereciamos.
Resulta isto também da vida do casamento
- independentemente das disposições i ndivi­
duais dos casados - porque exerce por si pró­
pria uma acção benéfica, uma influência salu­
tar, tanto sob o ponto de vista físico, como
intelectual e m oral.
A evidenciar o que fica dito, há os números
exactos das estatísticas feitas especialmente
para esclarecer a questão. Factos contra factos,
as estatísticas provam que a mortalidade, a
alienação m ental, os suicídios, atingem u m a
totalidade de casos muito mais elevada entre
celibatários e viúvos dos dois sexos, do que
e ntre casados. O casamento favorece, pois, a
longevidade, e, ao mesmo tempo, equilibra a s
faculdades m orais e intelectuais.
Eis o que se torna evidente, o que se veri­
fica, e eis também a razão de não se c organi­
zar» o casamento, pois que, mesmo realizado

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24 0 LiVRO DA ESPÔSA

por a caso, não dá m aus resultados com dema­


siada freqüência.
Mas - já o dissemos e repetimos - tal cren­
ça é efeito duma observação muito superfícial.
Não se faz rigorosa idea do grande número de
desilusões, surprezas e infortúnios, até origi­
nados por tanta i rreflexão. Não se calcula
com precisão quantas torturas íntimas custam
os resultados aparentemente suportáveis dos
casamentos por acaso.
E, por outro lado, será razoável contar que,
a despeito da nossa imprevidência, a benéfica
natureza tomará sempre à sua conta o realizar
sozinha, oferecendo-as, as felizes ou aceitáveis
eventualidades dum casamento contraído levia­
namente ?
Não será preferivel o assegurar-nos a nós
as probabilidades d a felicidade, trabalhando
directamente por as alcançar, o u por meio
dúma educação preparatória, destinada ao ·fim
em vista, ou seguindo uma educação conse­
cutil'a, que nos permita valorizar, o m elhor
possível, uma situação em que n ão podemos
voltar atrás ?
Esta educação para o casamento, prepara­
tória, ou consecutiva, é tão indispensável ao
homem como à mulher. No presente livro,
porém, temos em vista simplesmente a educa­
ção m atrimonial da mulher; Neste primeiro
volume considerá-la-emas na sua missão de
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INTRODUÇÃO 25

espôsa, isto é, unicamente como companheira


do homem na sua união por tôda a vida.

II

No seu m agnífico c Discurso sôbre a edu­


cação das mulheres», a sr.a Bernier diz :
« Devemos incutir constantemente nos espí­
ritos das donzelas que o seu destino é fazerem
a felicidade dum homem. Tôda a educação
que receberem deve fazer-lhes conhecer os
m eios para realização dêsse fim e despertar­
-lhes o gôsto pela sua missão, ligando a esta
a sua glória.�
Sim, é bem verdade que, considerada a
mulher unicamente como espôsa, a sua princi­
pal preocupação deverá ser consolidar a feli­
cidade de seu marido, e assim a dela própria.
Tal obrigação deriva da própria natureza
do casamento, que é uma união por tôda a
vida, tendo com o principal objectivo a felici­
dade dos d ois, felicidade que só se pode
fundamentar n a constante h armonia de pensa­
m entos e esforços, animados pela mútua con­
fiança e afeição.
Por isso é que a missão essencial da espôsa
c onsiste em : amar seu marido ; torná-lo feliz;
fazer-se amar por êle ; e encerrar nisto tôda a
sua felicidade.
O livro que aqui apresentamos é o desen-
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26 0 LiVR.O DA ESPÔSA

volvimento desta afirmação e a exposição dos


meios necessários para pôr em prática o fim
desej ado.

O nosso primeiro esfôrço tenderá a des­


truir os erros, sonhos e ilusões que, de tempo
remotíssimo, predominam no espírito das m eni­
nas e senhoras novas, acêrca das suas rela­
ções com o homem, quanto ao amor e a o
casamento.
É tarefa bastante escabrosa, mas torna-se
indispensável a o ponderar-se o deplorável sis­
tema de educação a que, rotineiramente, con­
tinuam submetidas as meninas.
As m ãis parece que nada aprenderam e
tudo esqueceram, de tal forma elas procedem
detestàvelmente, não procurando afastar de
suas filhas as dolorosas provações por que
passaram. Contràriamente ao seu dever, a s
mãis cultivam no espírito das filhas os m esmos
erros que noutro tempo as fizeram sofrer a
elas, preparando-lhes assim as mesmas decep­
ções e desilusões que tiveram.
Enchem-lhes o espírito, diz Almé Martin, ( 1)
não com a idea do m arido, mas do casa­
mento, donde resulta que a m aior parte das

(I) Aimé Martin. Education des Meres de famille,


t. 1 pág. 77, 5.0 ed. 1850.

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INTRODUÇÃO 27

donzelas desejam casar, sem pensar bastante


no marido que hão-de ter . . .
Esta última frase de A. Martin contém um
êrro capital. Ao contrário do que êle diz, as
donzelas sonham muito no seu espôso futuro.
/
Mas, se êle não lhes aparece, na sua fantasia�
como um (Príncipe Encantado , dos contos de
fadas, j ovem, belo, rico, cheio de espírito e
amor, provido de todos os dons, possuindo
tôdas as qualidades - é contudo um ente ideal
muito superior ao que na realidade podem ser
os melhores mancebos casadoiros.
Cada uma delas construe na imaginação,
membro a m embro, um marido a seu gôsto, e
reveste-o com inconsciente egoísmo, das qua­
lidades que julga capazes de lhe darem a feli­
cidade apetecida. Sem dúvida, a êsse marido
tão ideal, a essa preciosidade, ela amá-lo-ia
muito - julgando que assim o tornaria feliz - ;
mas pela m ente dessa jovem não perpass a a
idea de que para dar felicidade a seu marido
terá de fazer quaisquer esforços e sacrificar
b a s ta n t e s d a s s u a s c o n v e n i ê n c i a s p ar­
ticulares.
Os exemplos que as jovens têm à vista,
que constantemente as rodeiam. que estão nas
suas próprias famílias, não bastam para lhes
chamar a atenção, não exercem sôbre elas
nenhuma i nfluência educativa ; porque, em vez
de lhes ensinarem como a vida é, têm parti-
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28 0 LiVRO DA ESPÔSA

cular interêsse em lha ocultar e em conservá­


-tas inexperientes nos devaneios da fantasia.
E, nestas condições, �onde podem elas ir
buscar os elementos com que o seu cérelJro,
vibrátil de curiosidade, fabricou aquele ideal ?
Aos romances, às conversas com amigas tão
inexperientes como elas em questões da vida
real, a uma falsa interpretação de tudo que
v êem ou que se passa com elas.
Por falta duma educação positiva, são fatal­
mente impelidas para o êrro.
Se a escolha do marido depender apenas
da donzela casadoira, que critério seguirá ela ?
Deixar-se-á levar pelas qualidades superficiais,
as que mais lhe agradam no h omem : a boa
apresentação, a elegância no vestir, o luxo, as
pal avrinhas l indas. Nem um só instante a don­
zela se deterá a averiguar o que se oculta em
tão sedutoras exterioridades.
� E porque não há-de ser assim ? �Houve,
por ventura, alguma pessoa que se lembrasse
de lhe dizer o que é na realidade o casa­
m ento ? Alguém, em qualquer ocasião, lhe fêz
compreender que o casamento é uma união,
uma associação de duas pessoas por tôda a
vida, e com exigências muito sérias de verda­
deiro bom critério, tanto na mulher como no
homem ?
Absolutamente ninguém se encarregou de
1al. Dêste modo, também a única coisa que a
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INTRODUÇÃO 29

maior parte das donzelas vêem no casamento


é uma agradável mudança de situação, que.
entre outras vantagens, lhes dá mais indepen­
dência do que a casa dos pais. É êste o pri­
meiro resultado imediato do casamento que
elas vêem acima de tudo, compreendendo só
mais tarde quanto lhes custa como regalia.
Nisto reside o êrro fundamental, causa de tan­
tas uniões infelizes. A sua principal origem é
a ignorância da mulher sôbre o que é, n a ver­
dade, o casamento, a missão que vai desem­
penhar e, principalmente, quem é seu marido.
A mulher ignora tudo que diz respeito a
seu espôso, não só antes como depois d e
casar. Nada sabe d o seu campanheiro d e vida
de todos os instantes, e como i rredutível con­
seqüência dessa ignorância, não sabe também
como deve comportar-se com êle, procedendo
quási sempre tão desastradamente, que nada
pode contribuir para a felicidade dos dois.
É indispensável que a espôsa conheça seu
marido e, para o conhecer, cumpre-lhe estu­
dá-lo. c!. Como deve fazer tal estudo ? Vam o s
dizê-lo no capítulo I.
É exactamente pela razão de que a espôsa
não conhece suficientemente o marido, que
não sabe como deve amá-lo. Dedica-lhe u m
afecto sem orientação o u c o m u m a espécie d e
h ipocrisia inconsciente, aprendida e m roman­
c es, de cuja perigosa influência permanece
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30 0 LiVRO DA ESPÔSA

numa sentimentalidade de que a mulher se


-deveria defender. É nossa obrigação tornar a
espôsa consciente da maneira como deve amar
seu marido - ( capítulo 11 ).

Ser-nos-á fácil demonstrar como é Vã e


frágil a concepção egoísta da felicidade dos
dois e como, ao contrário, a felicidade da es­
pôsa é profunda e duradoira quando se funda­
menta na felicidade que ela se esforça por
proporcionar a o marido.
Habitualmente a mulher faz êste raciocínio :
- Se eu fôr feliz, hei-de ter tanto amor a
meu marido, que êle será feliz por isso.
Esta maneira de pensar egoísta deve ser
substituída pela inversa :
- Tão feliz hei-de fazer meu marido, que
me terá muito amor e eu serei feliz.
Será esta a verdade que explanamos (cap.
m). Sucessivamente, demonstraremos como é
que a espôsa conquista e conserva a afeição
profunda e duradoira do m arido, pelos seus
encantos físicos (cap. IV) ; pelas suas qualidades
práticas (cap. v); pelas suas qualidades morais
(cap. VI) ; pelas suas qualidades intelectuais
(cap. VII) e pela sua cultura estética (cap. vm).
Como tudo deve ser previsto, encontrará a
espôsa, no capítulo IX, indicada a maneira de
conservar a felicidade de seu marido e, no ca­
pítul o x, como deverá salvaguardar a própria
fidelidade conjugal.
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INTRODUÇÃO 51

O capítulo XI e a conclusão do livro são,


respectiva mente, o resumo das condições para
n felicidade do casal e a demonstração de que
essa felicidade conjugal tem necessidade de
ser completada pela felicidade maternal.
Êste livro é, pois, dedicado tanto às donze­
las como às espôsas.
Para as donzelas, será um elemento da edu­
cação preparatória do casamento, e que, sendo
tão necessária , tão desprezada é. Para as espô­
sas, um auxiliar da educação consecutiva d o
casamento, educação sempre possível e que
permite tirar partido de situações definitivas e
inalteráveis. A tôdas, espôsas e j ovens casadoi­
ras, detemos sugerir esta idea animadora :
Em circunstância alguma se deve desespe­
rar. A natureza humana, sejam quais forem as
suas fraquezas, é essencialmente susceptível
de ser educada, porque o Criador a dotou
duma admirável plasticidade física e moral.
O casamento, até pela sua natureza, é
uma \lerdadeira escola. No casamento apren­
de-se, dia a dia, a conhecermo-nos melhor a
nós próprios, ao nosso companheiro de lar e
de destino, e os nossos deveres para com a
família e a sociedade.
Aprende-se, sobretudo, a pôr de parte as
nossas ilusões e egoísmo.
A vida, na união dos dois esposos, é a o
principio m a i s um choque d o que u m a verda-
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52 0 LiVRO DA ESPÔSA

deira união de caracteres. Ê ste choque pode


ser, nos primeiros tempos, muito violento, mas
atenua-se depois e vai-se desvanecendo com o
h ábito. Pouco a pouco as arestas vão-se po­
lindo, e, por meio de mútuas concessões, os
esposos adaptam-se um ao outro.
Seria melhor que esta lenta operação s e
fizesse, antes d o casamento, por uma boa e
ponderada escolha. Depois do casamento faz-se
também, mas só no fim dum período, maior ou
menor, de vários mal-entendidos.
Ê ste livro tem principalmente em vista es­
tudar, em resumo, êsse período, crise de todos
os casamentos, procurando encontrar o meio
de auxiliar o progressivo entendimento dos
dois esposos e portanto a sua felicidade.

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CAPÍTULO PRIMEIRO

A espôsa deve conhecer bem seu marido

Para tôdas as coisas da vida se faz habi­


tualmente uma indispensável aprendizagem ; o
casamento, porém, forma uma excepção a esta
regra. Dir-se-ia que aquele acto, de importân­
cia tal que implica com a existência Inteira, s e
pode real izar sem nenhuma d a s precauções
ordinàriamente adoptadas nos actos mais sim­
ples.
A causa disto é a crença geral enraizada
nos costumes e nos actos secularmente trans­
mitidos de geração para geração, de que
aquela ap r endizagem se faz .. . depois !
. . . .

Ah ! E bem preciso é aprender depois, custe


o que custar, quantas vezes à custa das expe­
riências mais crueis, já que na m aior parte dos
casos se não pôde aprender antes, mas se não
pode desfazer o que está feito.
Dizemos na m aior parte dos casos, porque,
felizmente, ainda há algumas boas excepções.
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54 0 LiVRO DA ESPÔSA

Tôda a gente poderá citar exemplos de ca­


samento entre pessoas que \li\leram juntas,
conhecendo-se bem na infância, que cresceram
juntas e que, portanto, tiveram muito tempo
para se estudarem.
Quando uma mútua afeição existe durante
êsse longo período, em que os dois tão bem
se puderam conhecer, e tem como resultado o
casamento, pode ter-se como certo que os dois
esposos foram, na verdade, talhados um para
o outro e que viverão felizes juntos, porque a
sua união repoisa sôbre bases sólidas, cimen­
tadas pelo tempo : simpatia, estima, semelhança
de gostos, ideas e caracteres, os melhores pe­
nhores de boa harmonia.
Outro tanto se não poderá dizer dêstes amo­
res súbitos, que ardem como feixes de palha,
destas fascinações romanescas nascidas da
fantasia e da paixão, sentimentos efémeros que
se desvanecem mais ràpidamente ainda do que
apareceram, deixando de si apenas desilusões
e a marguras.
Em regra, quanto mais prolongado é o pe­
ríodo durante o qual os dois esposos têm oca­
sião de se estudarem e conhecerem, antes do
casamento, mais probabilidades há de que a
sua união será feliz desde princípio, porque
a s s i m se reduz m u i t o a d u r a ç ã o d a q u e l a
fase crítica e difícil que se segue a o s pri­
meiros tempos da vida em comum, e que é
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A ESPÔSA DEVE CONHECE� BEM SEU MA�IDO 55

o período em que os esposos começam a


conhecer-se.
Esta regra geral não é, contudo, absoluta.
A não ser que os futuros esposos vivam já em
comum, lado a lado, podendo encontrar-se a
cada momento, dificilmente se conhecerão um
ao outro antes do casamento, e isto por uma
razão muito simpl es :
É que êles não se mostram um ao outro
como são na realidade.
E note-se bem que - salvo em casos per­
feitamente excepcionais - êles não adaptam
êste procedimento para armarem uma cilada.
Não. O motivo inconsciente da sua duplici­
dade é de resto muito natural e desculpável.
O que êles pretendem, em primeiro lugar,
é agradar - agradar um ao outro.
Ora, que fazem para isso ? Dissimulam os
seus defeitos, as suas pequenas fraquezas.
Evitam mostrar egoísmos impacientes . . . que
sei eu ! Por outro lado, precisam de ostentar
boas qualidades, principalmente qualidades
práticas, apreciadas nas pessoas casadas :
c omplacência, bom humor, igualdade de ca­
rácter, etc.
Tais estratagemas não somente não são
repreensíveis - como até são louváveis. Tenha­
mos ainda em v ista que com tal procedimento
as pessoas estão sempre de sobreaviso contra
as suas más tendências - o seu inimigo - e
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56 0 LIV�O DA ESPÓSA

que o esfôrço para as vencer, nunca se faz em


vão, seja qual fôr o motivo que o determinar
Desta forma, as pessoas procurando agra­
dar, tornam-se de facto mais capazes e mais
dignas de agradar. O desejo de agradar faz.
milagres. O desejo de agradar ! . . . Assim o
tivéssemos nós sempre, e tornar-nos-íamos
perfeitos !
Infelizmente não dura sempre, e daí um
grande mal, porque a sua persistência cons­
tituiria um dos mais eficazes elementos da
felicidade conjugal, como adiante veremos
(cap. Iv).
Antes do casamento, o desejo de agradar,
ainda que legítimo, torna-se mais prejudicial do
que útil para o exacto conhecimento que um
do outro teriam os esposos, se tal manifesta·
ção exterior não viesse influir na demonstração
das suas qualidades e defeitos.
Desta maneira - a não ser nos casos já
citados de quando as relações vêm de longa
data - será muito difícil à mulher, antes do
casamento, poder estudar o seu futuro marido
de modci a conhêce-lo convenientemente !
Vamos mais longe ainda. Mesmo quando
de há muito os futuros esposos têm relações
constantes, não pode a mulher conhecer o
espôso que lhe está destinado tão perfeita­
m ente como depois do casamento: A vida em
comum cria uma nov a situação, n a qual certas
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A I!SPÔSA DEVE CONHECER BEM SEU MARIDO 57

asperezas de carácter, que até ali, em vida


menos íntima, passaram despercebidas, se re­
velam dolorosamente, como também 'Verda­
deiros tesouros de bondade e dedicação, igual­
mente ignorados, depois desabrocham e con­
fortam o coração.
Por isso, quaisquer que sejam as circuns­
tâncias que antecederam o casamento, a es­
pôsa de-ve continuar a estudar o se1,1 marido,
para o conhecer bem, pois que só depois disso
poderá trabalhar eficazmente para a felicidade
de ambos.

§ 2.0

Quando uma donzela pensa no seu casa­


mento e no futuro espôso, trabalha efectiva­
mente muito mais do que geralmente se ima­
gina, como já dissemos na Introdução.
Infelizmente, todo êsse trabalho mental fun­
da-se em dados imperfeitos e enganadores,
que nn sua maioria são principalmente influen­
ciados pelos romances, por con-versas com
amigas, por coisas da imaginação, numa pala­
-vra. Só em muito pouco o seu espírito se 'Vai
orientar pela observação, petas leituras pro­
- v eitosas, peta boa razão.
Daqui resulta que a m aior parte das don­
zelas imaginam o casamento e o marido atra-
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58 0 LlV�O DA ESPÔSA

vés dum ideal absolutamente falso, embora


sempre maravilhoso.

Quando mais tarde o sonhado marido lhes


aparece na pessoa real do noivo, logo elas lhe
dão certos atributos do ideal que formaram.
Tanto mais será revestido dêsses atributos
quanto a noiva menos o conhecer ; porque à
fa lta de conhecimento verdadeiro, a j ovem v ê
nêle, com desvanecimento, tôdas a s qualidades
que sonhara para o futuro espôso, dando assim
uma aparência de realidade ao seu sonho.
Ao passo, porém, que ela o vai conhecendo
m elhor, começa a desaparecer a. auréola do
espôso, mas ainda assim- como êle quere agra­
dar - conserva ainda um certo prestígio, e a
noiva feliz continua a ver nêle uma espécie de
c: herói de romance ,, até ao casamento, algu­

m as vezes até ao fim dêsse período, ao qual


de maneira tão justa e poética se deu o nome
de lua de mel.
A lua de mel é a fase do casamento du­
rante a qual, como no tempo de namorados,
os esposos ainda desejam agradar.
É uma fase mais curta ou mais duradoira
conforme os casamentos, e em alguns casos
dura tôda a vida.
Na maior parte do tempo de casado e prin­
cipalmente por culpa da mulher, como no capí­
tulo IV o demonstraremos, o marido, m esmo
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A ESPÔSA DEVE CONHECER. BEM SEU MAR.IDO 59

conservando a sua afeição e o respeito aos


deveres de espôso, desleixa-se e esquece o
desejo de agradar.
Pouco a pouco, começa a mostrar-se tal
qual é, e dentro da média habitual das suas
qualidades e defeitos.

A máscara caiu: de rosto descoberto


O homem fica, e assim se desvanece o herói.

Mas a culpa não é do marido !. . Faça-se­


.

-lhe a justiça de não esquecer que êle, durante


um período maior ou m enor, domou as suas
tendências habituais para agradar à espôsa .
Durante muito mais tempo seguiria esta
boa regra de vida, se sua mulher não fôsse a
primeira a dar o exemplo de desleixo, a es­
quecer-se do desejo de agradar. (V. cap. rv).
Em todo o caso, não é justo censurá-lo por
não ter continuado a desempenhar u m papel
que desde então seria s incero.

Afugente o natural• . •

E êle volta num relâmpago!

Sinceramente, vosso marido, com o fim d e


vos agradar, dissimulou o seu natural. Em vir­
tude desta sua sinceridade, torna-se natural·
E tanto melhor, porque então podeis estudá-l o
pela certa.
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40 0 LIVRO DA EsPOSA

Também não é culpa da esposa se ela, ao


cabo dalgum tempo de casada, sofre desilusões.
Nunca é de mais insistir neste ponto. Nin­
guém se esforçou por lhe dar, quando solteira,
uma preparação para o casamento, e especial­
m ente, ninguém a aconselhou sôbre a maneira
como se devia comportar com o futuro espôso.
Á falta duma noção clara do que era um
estado tão importante, como o casamento, ela
formou a concepção do seu futuro por si mesma,
com informações irróneas e suficientes e ainda
com a sua imaginação que, como faz sempre
a todos os sonhos, lhe m ostra tudo sempre
m a is belo do que a realidade.
Com uma espécie de devoção, reveste o
marido ideal de tôdas as qu alidades e perfei­
ções sonhadas, e é para ela um golpe terrível
reconhecer que o seu noivo, primeiramente, e
depois seu marido, não é rigorosamente o
mcdêlo imaginado, modêlo que não é possível
encontrar na humanidade.
Todavia, se o herói se desvaneceu . . . ficou
o homem ! E é isto o essencial, minhas senho­
ras, para dar um m arido, um bom marido até.
A perfeição não existe no h omem, como,
da mesma forma, não existe na mulher.
t Com que justiça se exigirá mais perfeições
ao marido do que se deve exigir à espôsa ?
t Será por acaso a leitora uma criatura per­
feita ? Não lhe será preciso um l ongo exame
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A ESPÔSA DEVE CONHECE� BEM SEU MA�IDO 41

de consciênci a - por muito pouco sincera que


seja para consigo própria- para se convencer
de que, se possue, na verdade, qualidades
Incontestáveis, não é contudo, isenta de de­
feitos.
Se olhar em volta de si, verá que o mesmo
acontece com tôdas a s mulheres. Pois bem !
Igualmente o mesmo se dá com os h omens.
Quem quer que seja o vosso marido, não pode
ser uma criatura perfeita, pela simples razão
de que faz parte da humanidade.
Há-de ter defeitos que vos hão-de desagra­
dar, e serão êsses defeitos o que primeiro vos
impressionará. Mas êle também há-de ter qua­
lidades, e essas qualidades só pouco a pouco
lhas reconhecereis, estudando-o.
É esta mistura de qualidades e defeitos que
constitue a individualidade de cada um de nós.
As qualidades podem dominar os defeitos :
pode suceder o contrário conforme num indi­
víduo as qualidades se manifestam mais vezes
ou menos vezes que os defeitos ; - é desta
variedade que resulta a divergência dos génios .
Em todo o caso, um �ornem pode ter mais
ou m enos defeitos e, a-pesar-de tudo, ser um
bom marido, capaz de dar felicidade a sua
espôsa. Se só um homem sem defeitos pudesse
ser bom m arido - nunca, desde que a humani­
dade existe, teria h avido uma espôsa feliz,
v isto que é irreal uma fénix assim.
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Ü LlVR.O DA ESPÔSA

Todos os homens têm qualidades e defeitos.


Tôdas as mulheres, igualmente, têm quali­
dades e defeitos.
Ora, tanto homens como mulheres, são
quási ( 1 ) todos capazes de se tornarem bons
maridos e boas espôsas.
Eis como as coisas se passam geralmente.
Depois daquele período em que os dois
esposos vivem dominados pelo desej o de agra­
dar - e que, como dissemos, pode durar tôda
a vida - dá-se ordinàriamente uma crise muito
difícil de atravessar.
Os dois temperamentos, não se tendo sua­
vizado, adaptado um ao outro, pelo desejo de
agradar, mostram, inesperadamente, os seus
defeitos, que causam tanto mais surprêsa e
impressão quanto menos os esposos suspeita­
vam que êles existissem, num e noutro. Os
primeiros choques são dolorosos e às vezes
violentos, dando em resultado questões, cen­
suras e .até rompimentos. É esta a ocasião em
que os j ovens esposos mais lágrimas derramam
e vão confiar às mãis o s seus desgostos e
desilusões.

( 1) Êste quási todos é, por uma desgraça, restri­


ção que é necessário fazer, visto que há indivíduos,
tanto homens como mulheres, que parecem absoluta.
mente refractários aos bons s entimentos familiares,
sociais e simplesmente humanos. (N. do A.)

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A ESPÔSA DEVE CONHECER BEM SEU MARIDO 45

- Ah ! não era isto o que eu tinha sonhado!


Sem dúvida ; mas foi mau que vos deixas­
sem sonhar uma coisa diferente disto ; foi
multo mau que não vos dessem do casamento
uma noção verdadeira e que não vos prepa­
rassem para estes primeiros dissabores. À s
vossas queixas, as mãis, quando são mulheres
nvlsadas, podem responder :
·Minha filha ! O que te acontece já se deu
comigo. Tive as mesmas ilusões. Sofri as
mesmas decepções. Chorei as mesmas lágri ­
mas. Fui confiar a minha mãi os mesmos des­
gostos, e minha mãi disse-me o que eu te
estou dizendo. Isso passa. Até agora, tu e teu
marido, não vos conheceis bem. Vêdes-vos u m
a o outro, através dum prisma d e ilusões. Mas
haveis de conhecer-vos melhor um ao outro,
com o tempo. Teu marido verá que não é s
uma pequenina m aravilha. Tu, por tua parte,
convence-te de que teu m arido não foi feito de
encomenda para ti. Maridos feitos d e enco­
menda é coisa que não existe !
•Vós ambos, a-pesar-de tudo, das irregula­
ridades de gênio, das exqulsitlces, sois capazes
de viver felizes juntos. Tu vês como eu m e
dou coin teu pai. �Quem diria agora que eu,
depois do primeiro ano de casada, já chorei e
me arrependi de ter casado com êle ? E que
sucedeu ? Cada qual cedeu do seu lado ; estu­
dámo-nos um ao outro e chegámos à conclusão
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44 0 LIVRO DA ESPÔSA

de que os defeitos que cada um de nós tinha


podiam juntos fazer uma boa união. Agora não
me ofendo com uma pala\lra áspera ou mais
a l ta que êle m e diga, porque bem sei que ela
sai da bôca, mas não sai do coração. Por seu
l a do, teu pai afez-se aos meus gostos e até às
m i nhas manias . . . A-pesar-de tudo, tens \listo
como \li\lemos felizes !
« A s arestas d o s n o s s o s temperamentos
foram-se p ol i ndo pela fôrça irres i s tí\lel do
hábito e por concessões de parte a parte . . .

O mesmo há-de acontecer em \lossa casa,


dentro de pouco, se tornardes isso a peito.»
Assim falaria uma mãi prudente. Mas muito
mais a\lisada seria ainda, se tivesse dito tudo
isso a sua filh a antes do casamento , logo que
esta esti\lesse em idade de compreender a
importância dum acto que une marido e mulher
para tôda a \lida.
A m ãi de\leria esforçar-se por incutir no
espírito de sua filha, repetindo-o constante­
m ente, demonstrando-o com o próprio exemplo
e com outros conhecidos, êste princípio essen­
cial d o casamento :
cA vida de dois esposos é um compromisso
entre pessoas que não são perfeitas, nem uma
nem outra, e cuj os temperamentos se não
podem harmonizar, nem os seus espíritos e os
corações bater de acôrdo, senão quando cada
uma dessas pessoas esteja disposta a sacri-
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A ESPÔSA DEVE CONHECER. BEM SEU MAIUDO 45

ficar à harmonia de ambos uma parte do seu


t�Rofsmo, dos seus gostos, das suas inclinações.
Tal compromisso é tanto mais realizável
quanto os dois esposos melhor s e conhecem,
t � por conseqüência, melhor se compree ndem.
E eis porque a espôsa deve estudar o
marido.

Pela própria m issão da espôsa se justifica o


estudo que ela deve fazer do seu companheiro.
O que ela pretende é atenuar, ou evitar a
crise que muitos casais sentem quando chega
a ocasião de se adaptarem os dois caracteres
um ao outro, a-pesar-dos seus defeitos eviden­
ciados.
O que ela pretende é tornar feliz a união
por tôda a vida, celebrada com o marido, a
quem ama apesar dos defeitos que lhe reco­
nhece, pois ela bem sabe que também possue
defeitos - e por isso é necessário que pr�­
ceda de maneira que estabeleça a h armonia
entre os dois caracteres.
Ela está, afinal, completamente disposta a
fazer todos os esforços para pôr de acôrdo o
s eu temperamento com o do espôso, e não
duvida de que êle, tomando em conta êste
sacrifício, por seu lado fará tudo para que lhe
facilite essa tarefa.
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46 0 liVR.O DA ESPÔSA

Tais disposições da espôsa não são somente


louváveis ; são também as mais hábeis e práti­
cas para colhêr tôda a felicidade que o casa­
mento pode dar. Assim, estabelece no lar o
acôrdo entre os dois, tão desejado e procurado
por ela e que é a mais segura caução da feli­
cidade na união matrimonial.
Nestas circunstâncias, � quem poderá cen­
surar a mulher que se apl ique a estudar o
carácter do marido, e de forma a conhecê-lo
tão bem, que lhe seja possível adivinhar todos
os pensamentos e sentimentos ?
Não se trata aqui duma simples curiosi­
dade, dum desejo indiscreto de penetrar numa
alma que quere conservar-se impenetrável.
Não. O marido para ela é um livro aberto,
onde poderá ler com afectuosa solicitude.
t Não se habituou ela já a reconhecer de
longe, entre muitos outros, o ruido dos passos,
a voz, o porte, os gestos, as maneiras de seu
espôso ?
Breve ela saberá tudo que significa a entoa­
ção dessa voz ; nela poderá ler, com certeza, a
serenidade de espírito ou a preocupação, a ale­
�ria ou o desgôsto, a impaciência, a distracção,
a censura mais velada.
N o olhar, no sorriso, na menor contracção
do rosto, em qualquer dessas mudanças de
aspecto que ninguém sabe o que podem signi­
ficar, a espôsa é capaz de decifrar pensa-
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A ESPÔSA DEVE CONHECER BEM SEU MARIDO 47

m entos, alegres ou amargurados. Vê clara­


mente, na expressão de seu marido, passar
nuvens ou claridades.
Para e la, um simples gesto é uma revelação.
O próprio silêncio diz-lhe coisas que só ela
compreenderá.
Emfim, a mulher poderá conhecer o m arido
melhor que o m a i s experim entado p i a n i s t a
conhece o teclado d o piano. No teclado da
alma do espôso, pode saber quais as notas
que deve ferir para lhe atenuar as amarguras
ou fazer cantar a alegria.
Ora, diante duma solicitude semelhante,
nenhum homem poderia ficar insensível e dei­
xaria de procura r dar a sua espôsa satisfações
iguais às que ela se esforça por lhe dar.
Mesmo uma pessoa má seria obrigada a
abrandar os maus instintos e a prestar home­
nagem a esta dedicação conjugal.
Não h á uma só mulher que, procedendo
desta maneira, não torne o. lar venturoso, por­
que a grande maioria dos maridos felizmente
não é de homens perversos.
Mesmo aqueles que mais deixam a desejar,
como carácter, têm inteligê�cia bastante para
.calcular o valor duma espôsa cuja preocupação
constante é estudar a maneira de assegurar a
boa harmonia conjugal.
É como a água que, caindo gota a gota,
chega a perfurar a pedra : a paciência afec-
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48 0 L!VR.O DA ESPÔSA

tuosa e vigilante da espôsa consegue impres­


s ionar o coração mais duro.

§ 4.0

As palavras que ficam ditas não serão com­


preendidas, infelizmente, pelas mulheres que
pretendam tratar com o marido como de ignal
para igual, e que desejam até dominá-lo.
Tais mulheres não quererão sujeitar-se a
êste papel de dedicação, afecto e conciliação,
que consiste em ser ela a dar os primeiros
passos para estabelecer a paz no presente, e
a felicidade de todo o futuro.
� Não será por acaso esta a mais hábil e
mesmo a mais gloriosa m issão da mulher :
quando se manifesta no lar a crise que põe
em perigo - umas vezes momentâneamente,
outras vezes para sempre - a felicidade con­
jugal, sair-lhe à frente, afugentá-la com a sua
paciência e com o seu procedimento ; quebrar
o gêlo, e impedir que haja mesmo um arrefe­
cimento no afecto do marido ?
As mulheres, que não compreendem isto,.
fazem uma idea muito falsa da verdadeira m is­
são que devem desempenhar na vida conjugal.
Essa m issão é sàmente de pacificação, de ter­
nura e confiança.
A espôsa, - a despeito do que pretende
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A f.SPÔSA Df.Vf. CONHf.Cf.R Bf.M Sf.U MARIDO 49

um feminismo insano, assente em erros funda­


m entai s de princípios, - não é um émulo d o
marido : é a s u a companheira. Deus, criando
a mulher, não quis fazer dela uma rival do
h o m e m , m a s , p e l o c o n tr á r i o, uma auxi liar,
cheia de amabilidade e benevolência, porque
não é bom que o homem seja só.
As mulheres que querem desempenhar outro
papel vão contra tôdas as disposições da natu­
reza, e perdem de vista a nobre missão a que
foram destinadas.

Segue errado caminho, igualmente, aquela


que exigindo de seu marido todos os cuidados,
nada faz, por s i, para a felicidade conjugal.
Vive sem se mostrar disposta a lembrar-se
dum dever fundamental que tem a cumprir :
o dever de ser para seu espôso uma compa­
nheira agradável, útil, digna de estima, e não
uma criatura sem importância, um objecto de
luxo.
O resultado i nevitável dessa forma de pro­
ceder não se faz esperar. O marido afasta-se
a pouco e pouco dessa mulher que, vivendo
ao lado dêle, não é realmente a companheira
de que necessitava para ser feliz.
A e x i s tê n c i a e m c o m u m t o r n a - s e u m a
u n i ã o fri a , p r e te n s i o s a , sem expansão, sem
c o n f i a n ç a , e da qual foi banida a felicidade
conjugal.
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50 0 LIVRO DA ESPÔSA

Então a espôsa, - que não quis desempe­


nh ar a missão qu e lhe cumpria, - proclama-se
uma .: mulher incompreendida.,
Quantas mulheres soltam esta expressão :
cmul her incompreendida:., Sf'm lhe terem ave­
riguado a verdadeira significação, e usando
dela como para desculpa de terem esquecido
os seus deveres !
A .: mulher I ncompreendida , é aquela que
não compreendeu a sua verdadeira missão no
casamento, ou que, tendo-a compreendido, não
se lhe quis sujeitar.
A .: mulher incompreendida , é a mulher
frívola, cujo espfrito, cheio de fantasias r oma­
nescas, nunca se deteve a considerar as ale­
grias reais, sólidas, duraddras, que se encon­
tram no lar conjugal.
A .: mulher incompreendida , é também pro­
duto desta educação ultra-m oderna que não
tem em vista fazer espôsas e mãis - como se
tal destino não fôsse o mais natur� l e o mais
belo que podem ter as nossas filhas - mas
que transforma as mulheres em cidadãs, em
sdbias, em doutoras !. . Vão lá pedir a esta
.

escola intelectual do sexo fraco, que cons­


titua um lar, que faça a felicidade do ma­
rido, que dirija a casa e eduque os filhos !
O s s e u s sup e r i o r e s espíritos pairam muito
a c i ma d a s b a n a li d a d e s da vida doméstica.
Gravitam nas regiões etéreas aonde não sobe
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A ESPÔSA DEVE CONHECE� BEM SI!U MA�IDO 51

o c h e i ro d a p a n e l a ao lume, onde se não


encontra poeira nos bercinhos e babeiros das
crianças.
A c mulher incompreendida , é, emfim, aquela
que nada compreenderd dêste livro - porque
êste livro fal a a linguagem da razão e do cora­
ção, e essa linguagem não a quere ela entender.

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C A P Í T U L O II

Como a espôsa deve amar o marido

O casamento é uma união para tôda a


vida - uma união fundada n a mútua estima e
amizade dos esposos ; e dessa m aneira, sendo
a estima e a amizade a razão de ser do casa­
mento, devem, como êle, durar até à m orte.
Ser duradouro : eis o essencial carácter
do amor conjugal . Da mesma forma que a
especial importância da união de homem e
mulher deriva da perpetuidade do casamento,
a feição p articular que tem o amor entre espo­
sos é o resultado ainda da sua perpetuidade.
Mas, infelizmente, parece que a êste facto
se não tem l igado a importância devida.
Nada há mais falso, nada há mais incoe­
rente do que as ideas em voga acêrca do
amor conjugal.
Tudo, numa questão de tamanho vulto como
esta, concorre p ara nos dar uma noção errada :
é a educação recebida n o seio da família, o
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54 0 LIVRO DA ESPÔSA

ensino das escolas de todos os graus, as lei­


turas, as conversas, as relações de sociedade,
todo o meio em que vivemos e até a nossa
maneira de ser.
Formam-se e desenvolvem-se os espíritos
alimentados pelas i deas completamente falsas
que se adquirem no trato comum e por ilusões
pessoais.
Chega-se a imaginar que o amor é um sen­
timento misterioso que nasce, cresce e morre
sem obedecer nunca à menor regra, e de bom
grado se dirá, sem reflectir, como a Carmen :

O amor é um menino boémio,


O amor não tem lei que o domine • . •

E que profundo êrro !


Não há nada, tanto no mundo físico como
no mundo moral, que não esteja sujeito a l ei s
exactas e providenciais, e nada h á que lhes
possa escapar.
O amor, seja qual fôr a m aneira por que s e
manifeste nos corações, é sempre uma das
formas da simpatia, apenas.
Ora a simpatia é urna atracção, um m ovi­
mento p ara o que nos agrada.
É esta a razão porque, para despertar o
amor, é preciso agradar, provocar a simpatia.
As leis que regulam a simpatia são as m es­
mas a que obedecem todos os sentimentos
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COMO A ESPÔSA DEVE AMAR O MARIDO 55

humanos : e assim há simpatias e antip à tias


provenientes unicamente da reflexão ; outras
nascidas de impressões inconscientes, duma
daquelas comoções impulsivas de que fala
Pascal, dizendo : c O coração tem razões que
a razão não conhece. ) À s vezes ainda, refor­
çadas por uma ex� ltação dos sentidos, toma m
o carácter de pai:rões. E as paixÕ es s ã o senti­
m entos desordenados, não obedecendo à refle­
xão, nem mesmo àquelas razões que o pensa­
m ento não conhece, deixando- se levar pela
com oção, pelo impulso físico, como no entu­
siasmo, na cólera, no mêdo, no ciúme.
A essas leis todos os homens estão sujeitos
e nunca poderão totalmente deixar de lhes
sentir a influência, visto que elas são condi­
ções e atributos da natureza humana.
É em virtude de uma l ei natural, que, n a
simpatia mútua d o homem e d a mulher, trans­
formada depois em amor de esposos, se produ­
zem as comoções passageiras do amor apai­
xonado. Todos que atravessam êsse período
sentimental do afecto, s entem as muito conta­
das e verdadeiras doçuras e mágoas do amor :
gôsto de ver a pessoa querida, pena de a dei­
xar, encanto num sorriso. numa palavra, em
pequeninos nadas dessa pessoa.
Tôdas estas manifestações de senti mento,
na verdade, são atributos do amor ; contudo,
não são a sua própria essência, pois, mesmo
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56 0 LIVRO DA ESPÔSA

sem que o amor se tenha alterado em nada,


p o d e m d i m i nu i r ou d e s ap a r e ce r completa­
mente.
O grande êrro dos romanci stas e poetas é
terem tomado estas manifestações sensitivas
do amor pelo amor propriamente dito, dando­
-lhes uma exa�erada importância. Re1Jestiram-
-nas de tantas flores e tantas grinaldas, que a
essência do 1Jerdadeiro sentimento que os ins­
pira - o amor - desaparece sepultado debaixo
daqueles ornamentos.
A pai.rão, que é a série de tôdas essas
comoções que dominam os sentimentos 1Jerda­
deiros, tem sido moti1Jo de apreciações mais
arbitrárias ainda.
Certos pensadores, como Vau1Jernages, tão
lúcido quási sempre, chegaram a afirmar que
s6 os fortes são apai.ronados.
Não podia afirmar coisa menos razoá\lei . . .
A alma apaixonada - fàcilmente o poderemos
observar - é a alma em desordem, inconsis­
tente, como 'Úm barco sem leme e sem \leia,
vogando à mercê dos temporais, por não a
poderem dirigir e orientar os ditames da razão.
'
Em 1Jez de ser uma manifestação de fôrça
moral, a paixão é um deplorá1Jel sinal de fra­
queza.
Nenhuma confiança m erece a simpatia,
quando se torna uma paixão, porque nas­
ceu dum impulso irreflectido, pelo menos n a
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COMO A ESPÔSA DEVE AMAR O MARIDO 57

veemência com que se manifesta, e fàcilmente


poderá desaparecer dum m omento para o
outro.
Ora o amor conjugal não pode estar su­
jeito à contingência de se extinguir assim,
visto que deve durar tôda a vida.
Eis o motivo que nos l eva a ·indicar, como
de m ais seguros resultados, os casamentos
entre pessoas que, conhecendo-se durante
longo tempo, tiveram ocasião de se estudar
mutuamente ; dêste modo, a sua união está
assente num afecto esclarecido e que não
deixa h aver enganos sôbre o futuro.

O verdadeiro amor é independente dos


arroubos sentimentais dos enamorados. Ins­
p ira-os, passageiramente ; porém, quando êles
desaparecem, fica inalterado no coração.
Tôdas as comoções dos sentimentos - ale­
grias ou dores - se vão desvanecendo pouco
a pouco, com o tempo.
E como até nisto é admiráVel a Providência
a nossos olhos, se nos l embrarmos de certas
provações crudelíssimas, para as quais só há
um bálsamo consolador n a acção do tempo !
l Que importa que sejam efémeros os pra­
zeres, se é essa uma das condições da nossa
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58 0 LIVRO DA ESPÔSA

existência, e condição indispensável para que,


com igual facilidade, se dissipem as dores ?
O que n ão desaparece é o sentimento pro­
fundo, que, segundo as circunstâncias da v ida,
desperta na nossa alma os prazeres e as amar­
guras.
Assim deve ser a amizade conjugal.
Não se enganem as joven s espôsas acêrca
do verdadeiro car ácter dêste sentimento ! Sai­
bam aproveitar tôdas as alegrias do cora ção
que tal sentimento lhes fornece, mas não ima­
ginem que as passageiras comoções do amor
são a essência do afecto.
O amor, com as suas tão singelas e puras
alegrias, é uma linda flor do coração que o
bom Deus faz desabrochar na primavera do
sentimento, para nos atrair, para nos dar mais
poderoso alento, e para preparar também o
nosso espírito para o confôrto profundo e dura­
doiro da amizade conjugal.
Schopenhauer, no seu amargo pessimismo,
teve a intuição dêstes desígnios da Providên­
cia, - embora os não tivesse compreendido
claramente, - quando exclamou :
«A natureza engana-nos ! Seduz-nos com os
encantos do amor, somente para con seguir os
seus fins.•
E, na verdade, são as efémeras m iragens do
amor que nos conduzem, por uma vontade su­
perior, à felicidade duradoira do casamento .
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COMO A ESPÔSA DEVE AMAR. O MAR.IDO 59

O grande êrro é crer que, contra tôdas as


leis naturais que regem a humanidade, o amor
sentimental dura eternamente.
Contra esta ilusão deviam estar prevenidas
as recém-casadas, porque as suas primeiras
decepções no casamento provêm ,sempre da
errada noção de que a vida de namorada não
acaba nunca. Deviam ter fortemente gravada
no espírito esta convicção ; o verdadeiro amor,
inabalável, profundo, pode durar eternamente,
logo que seja baseado na estima e simpatia de
parte a parte ; a maneira pela qual se manifesta
não é, porém, sempre a m esma.
A lua de mel é deliciosa, e por isso as noi­
vas não podem acreditar que ela termine, e
muito desejariam que durasse imenso tempo,
sempre. D e p e n d e êsse sonho doirado, em
grande parte, das espôsas, como se verá no
capítulo IV.
A passagem do amor sentimental para a
doce e carinhosa amizade dos esposos pode,
e até sem a cham ada crise - êsse período de
m al-entendidos entre os dois conjuges-fazer-se
por meio de uma l enta e insensível adaptação.
Ora, para que tal suceda, é necessário que
a espôsa adquira a compreensão do que deverá
ser o seu amor pelo marido - o que só lhe é
possível, tendo uma noção exacta do que é o
casamento- união perpétua, solidarização para
arrostarem os dois com as contingências da vida.
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60 0 LIVR.O DA ESPÔSA

Tenha a espôsa essa noção exacta e saberá


perfeitamente quais as suas obrigações para
bem se desempenhar da missão de compa­
nheira do homem e qual deve ser o amor
c onjugal.
Ela deve amar o marido como ao compa­
nheiro de tôda a sua vida f
E êste amor não é apenas a primavera do
sentimento, com o seu cortejo de passageiras
comoções, desvanecidas por um capricho do
a caso. É, sim, um afecto inalterável que, com
o andar dos tempos, mais penetra no coração
e mais dedicado se torna.
A espôsa poderá dizer ao seu comp a nheiro :
c Eu e tu, meu espôso, empreendemos uma
viagem. O que nos há-de acontecer só Deus o
sabe. Mas, pelo que estiver em nossa mão,
faremos todo o possfvel por tornar feliz a vida
n este mundo.
c Eu amparo-me contigo. Tu amparas-te
comigo. Caminharemos juntos, auxiliando-nos
um ao outro, nos bons e nos m aus lances.
cSe os dias nos forem favoráveis, mais feli­
zes os havemos de tornar, dando expansão a o
n osso amor, comunicando e compartilhando um
e outro tôdas as boas impressões, pensamentos
e alegrias que tivermos.
c Se a adversidade nos perseguir, prome­
to-te ter coragem e incutir-te ânimo, para que,
c om o esfôrço de ambos, possamos vencer
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COMO A ESPÔSA DEVE AMAR O MARIDO IH

todos os obstáculos. Se tivermos de sofrer


desgostos e privações, sentiremos ambos o
mal como sentimos ambos as alegrias, até que
m elh ores tempos venham.
c Suceda o que suceder, até ao fim da nossa

exi stência na terra, estarei a o teu lado, como


companheira solícita, pronta a ajudar-te em
tudo que empreenderes, e tu podes contar
comigo, com a mesma confiança absoluta que
eu tenho em ti. ,
Tal é o conjunto d e sentimentos que desde
princípio devem concorrer para determinar o
v erdadeiro amor conjugal.
Não se trata de viver para amar, como nos
rom ances e poesias - mas de amar para viver.

O que aqui vamos indicando às espôsas é,


afinal, o que a experiência da vida no lar lhes
h á-de fazer ver, mais tarde ou m ais cedo.
As nossas indicações são o resultado da
observação aplicada aos ensinamentos da vida
conjugal, e é neste ponto exactamente que
elas têm a virtude das coisas práticas.
Não pretendemos que a mulher procure
obter, repentinamente, pelo raciocínio e por
esfôrço de vontade, o resultado a que fatal­
m ente há-de chegar pel a fôrça das circuns-
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62 0 LiVR.O DA ESPÔSA

tâncias : desejamos, sim que o obtenha depois


de certa experiência mais ou menos amarga.
As amarguras da experiência é que podem,
entretanto, ser evitadas pof uma boa reflexão
e pela previsão dos factos que as provoquem.
Dissémos já que o tempo e o hábito des­
vanecem tudo, alegrias e mágoas, as primeiras
comoções do amor e as crises que surgem
quando os temperamentos comuns principiam
a adaptar-se.
A pouco e pouco, os dois esposos come­
çam a habituar-se um ao outro : começam,
portanto, a sentir menos as sentimentalidades
do amor bem como as lutas dos seus génios
diferentes.
A quantas espôsas se ouve dizer, falando
de qualquer questiúncula com o marido :
Antigamente, consumia-me com estas coi­
sas. Mas agora fá estou habituada.
i Como nos devemos dar por felizes, veri­
ficando o benéfico poder do hábito ! i Quantos
sofrimentos curados, quantos golpes atenuados,
quanta conformação devemos ao hábito nas
adversidades da sorte !
A personalidade humana foi sàbiamente
constituída pela Providência para arrostar com
tôdas as inclemências da vida, dispondo das
faculdades essenciais de se a daptar, de se
acostumar e habituar.
O hábito não é apenas uma segunda nata-
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COMO A ESPÔSA DEVE AMAR O MARIDO 65

reza, como se costuma dizer - é a própria


natureza do indivíduo, dócil, flexivel, disposta
sempre a cingir-se, às circunstâncias.
Alguns cépticos ou pessimistas julgaram
proferir uma frase de espírito, dizendo do
casamento :
- A gente acaba por se habituar a viver
em comum, e o hábito substitue o amor.
Esta frase não é mais do que uma obser­
vação superficial.
Não há dúvida em que a gente se h abitua
a viver em comum : porque o hábito é uma con­
seqüência dessa vida comum ; mas é falso que
o hábito possa substituir o amor.
Dá-se perfeitamente o contrário. N inguém
se pode habituar àquilo que detesta ; é o amor
regularizado, a simpatia pelo que nos agrada
e dá bom acolhimento, a causa dos nossos
hábitos.
Muito recatado no coração, muito sereno,
o nosso sentimento de amor dá-nos consola­
ções tão suaves que as sentimos quási sem as
notar ; mas não é preciso aprofundarmos muito
o estudo da nossa alma para se ver que
aquele sentimento tem verdadeiros encantos.
Ama-se sem se dar por isso, de tal m aneira
o amor se tornou habitual e natural, e só
quando a ausência, momentaneamente, ou a
morte, nos vem privar para sempre daquilo
a que grosseiramente se chama hábitos, só

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64 0 LiVRO DA ESPÔSA

então, e rudemente, poderemos sentir quanto


éramos dedicados ao companheiro da nossa
vida, e como êle nos enchia a existência, e
como deixou irremediàvelmente vazio o seu
lugar !
É que para a espôsa o amor do marido vale
por todos os outros afectos.
Não são palavras sem sentido as daquele
versículo da Escritura :
«Ü homem deixará pai e mãi para se juntar
à espôsa ; e ambos serão um só. , (I)
Aplicando estas palavras à mulher, consti­
tuem elas ainda uma verdade. A mulher igual­
m ente deixará tudo, porque o espôso, para ela,
vale tudo.
No amor do marido há o amor de pai,
grave, tutelar, continuando a exercer sôbre a
espôsa a protecç.ão e a vigilância paterna.
Há o amor de mãi, desculpando os peque­
n os defeitos e fraquezas, cheio de bondade e
de cuidados.
Há ainda o afecto de irmão, familiar, bené­
volo, cheio de confiança e cordialidade.
Emfim, o marido é também um amigo dedi­
cado, com quem se pode contar em tôdas a s
circunstâncias, um agradável companheiro de
jornada e de alegrias.

(1) Oen. Cap. n vers, 24.

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COMO A ESPÕSA DEVE AMAR O MARIDO 65

Tudo isto encontra a espôsa no marido, se


assim o quiser e souber compreender.
E não lhe é dificil : basta dizer-lhe sincera­
mente :
- Quero em ti encontrar todos os afectos.
Tu, por ti só, és uma nova família. E assim,
de coração nas mãos, h ei-de falar-te como
falava a meu pai, a minha mãi, a meus irmãos
e irmãs.
cAinda mais. Falar-te-ei ainda com mais
liberdade e sinceridade, porque tu és meu
espôso, e nós ambos somos um só 1�
O amor conjugal, como êle deve ser, é uma
reUnião de todos os afectos.
É uma união perfeita de dois sêres cujos
e s p í r i t o s e c o ra ç õ e s se n t e m da m e s m a
forma.
Mas não se vá imaginar que neste amor
vive qualquer coisa de h eróico e extraordiná­
rio, capaz de tentar a inspiração dos poetas,
como o amor de Romeu e julieta . . .
Nada disso. Êste amor conjugal vive muito
bem na existência mais prosaica, no meio de
todos os vulgares acidentes da vida. O m arido
e a espôsa podem, sem deixar de se amar,
nem sempre estar de acôrdo, discutir, ter
zangas, questiona�
Tudo isso, porém, não tem importância.
Há no fundo da alma de cada um uma
amizade profunda que não pode ser alterada
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66 0 LIVRO DA ESPÔSA

por insignificantes desinteligênci as. Ê sse afecto


é o anjo da guarda do lar.
Seria um êrro pensar que o amor conjugal
é uma primavera perpétua.
Nada há perpétuo n esta vida.
O que há de mais duradoiro são os senti­
mentos íntimos e profundos da nossa alma, e
·
por isso aconselhamos as espôsas assim :
- Não coloqueis as esperanças da vossa
felicidade no amor sentimental. Amai vosso
marido, não como uma figura de romance,
mas como ao vosso companheiro de tôda a
vida. Amai-o com os defeitos que tem, sem
.vos esquecerdes de que também tendes de­
feitos.
«Não há casamentos que dêem a felicidade
perfeita, porque nada nesta vida é perfeito ;
mas há casam entos felizes, porque a vida de
casado é a melhor condição para se obter fe­
licidade na existência.
c Ora a felicidade dos espôsos depende de

Vós próprias, como vereis nos capítulos se­


guintes.»

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CAPÍT U L O 1 1 1

Como a espôsa consegue dar fel icidade


ao marid o

Não tem cabimento neste trabalho uma


1onga discussão sôbre qual seja a verdadeira
natureza da felicidade. Com o devido desen­
volvimento, tratamos êste assunto, importante
d e-veras, num outro livro, cuja leitura bastante
poderia ajudar as espôsas a melhor compreen­
derem o que vamos dizer.
Por agora, lembramos somente que a felici­
dade possível n a terra não é feita de alegrias
e prazeres extraordinários. A vida habitual d e
todos o s dias, e m tôdas as condições, pode ser
feliz, se nos soubermos adaptar às suas exi­
gênci as, e se tivermos a h abilidade de colhêr
dela os inúmeros elementos de satisfação que
contém, até nas coisas de menos vulto.
No casamento, pois, como noutras situa­
ções, podemos encontrar as regras da felici­
d ade na vida.
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68 0 LIVRO DA ESPÔSA

Mostramos já como a vida conjugal contém


pelo $eU próprio carácter, condições especiais
de felicidade. Não é porque nos dê sensações
fortes ; mas, pelo contrário, porque exerce. nos
espíritos, nos corações e nos temperamentos,.
uma influência docilizante e m oderadora, que
nos orienta os pensamentos, os sentimentos
e as acções.
Se c não é bom que o homem seja só , é
porque, para ser feliz, precisa duma compa­
nhia, porque a vida em comum lhe dá satisfa­
ções ou consôlo, e um conjunto de hábitos que
lhe tornam melhor a existência.
Talvez o padre Lacordaire não pensasse
rigorosamente em referir-se ao casamento,
quando escreveu :
c A vida na intimidade com pessoas do·
nosso agrado é o que há de mais suave, mais
perfeito e mais semelhante à v ida celestial. ..
Ê ste pensamento é, todavia, perfeitamente·
aplicável à vida conjugal. E, n a verdade, a
absoluta intimidade entre duas pessoas que s e
escolheram como esposos é uma das melhores
doçuras dêste mundo.
O casamento é, pois, por êste motivo e
pela sua essência, um primacial e importante
elemento de felicidade.
Mas, para isso, deve a espôsa ir até ao
sacrifício no empenho de conseguir o bem­
-estar do marido e nunca se tornar o elemento
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COMO A ESP. CONSEGUE DAR. f'ELICIDADE AO MARIDO 69

de discórdia, visto que principalmente da es­


pôsa depende a felicidade do l ar.
É por meio da mulher que a mão de Deus
escreve no coração do homem a signa dos
seus destinos.
A primeira condição da felicidade conjugal,
.a que m ais contribue para a realização d a
obra, é ter a espôsa verdadeiro amor a seu
.marido.
já no capítulo n definimos o carácter do
amor conjugal. Não é, por forma alguma, um
sentimento incompatível com o amor sentimen­
-tal, mas pode existir mesmo sem êle.
É uma simpatia profunda, serena, duradoira,
baseada na estima e na confiança.
Se quisermos comparar os dois sentimentos
nas suas man ifestações exteriores, veremos
que o amor sentimental inspira, sobretudo, o
desejo de agradar ; o amor conjugal inspira o
desejo de dar prazer.
Desta forma, o amor sentimental aparece­
-nos com o efectivamente é : egoísta.
É por causa de nós próprios que procura­
mos as sensações que êle nos dá, ao passo que
a simpatia nos leva a tornar felizes os outros.
Vê-se ainda que o amor sentimental é ape­
nas um fenómeno superficial e passageiro da
simpatia, e não o verdadeiro sentimento de
afectividade.
O verdadeiro amor não nos deixa pensar
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70 0 LIVRO DA ESPÔSA

no bem que possamos colhêr : faz-nos pensar


apenas na felicidade da pessoa querida.
O amor faz-nos sair de nós m esmos, amplia
a nossa alma de m aneira que envolva a pes­
soa que amamos e cuja felicidade sentimos
como se fôsse nossa.
Schiller tem no D. Carlos uma passagem
na qual põe em relêvo esta observação psico­
l ógica, e dá-lhe tão grande v igõr de expressãor
torna-a tão clara e grava-a tão profundamente
no coração e no espírito, que merece ser
assinalada :
c A n tigam ente tinhas uma alma grande.
ardente, vasta ; tôda a esfera do universo cabia
no teu coração . . . Mas agora, Carlos, como
ficaste pequeno e miserável, desde que te
amas a ti mesmo só e a mais ninguém , ,
N a v ida prática e n o casamento e m espe­
cial, quer isto dizer que o amor não deve ser
egoísta.
Um amor egoísta, que tudo faz para satis­
fação própria, .não é amor verdadeiro e não
conseguirá dar felicidade nem à pessoa que­
rida nem a quem ama de· tal forma.
A espôsa não deve, pois, amar o m arido
sàmente pelo prazer que daí pode tirar, mas.
sobretudo, pela felicidade que deve dar ao
espôso.
Trabalhar pela felicidade do vosso marido
é trabalhar pela vossa felicidade !

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COMO A ESP. CONSEGUE DAR. fELICIDADE AO MAR.IDO 71

§ 2.0

c! Onde está a felicidade do marido ?


É êste um assunto melindroso que não
convém desvirtuar. Não imaginem as espôsas
que a felicidade do marido, como a sua, está
nas delícias do amor sentimental.
Essas alegrias, - como tôdas que se podem
ter neste mundo, - é bom tê-las sentido.
Exactamente porque são alegrias, contri­
buem, mais ou menos, para a nossa felicidade.
A-pesar-de serem tão efémeras, deram-nos,
durante os fugitivos momentos em que as goza­
mos, um .agradabilíssimo bem-estar que só dá
doçuras à vida.
Apenas, porém, dissipadas tão suaves im­
pressões, o sentimento de simpatia, que era o
fundamento delas, continua a alimentar o nosso
coração, e delas é que tem de brotar a fonte
do bem-estar futuro.
A felicidade do casamento funda-se unica­
m ente nesta simpàtia e nas suas habituais
m anifestações. N ela não intervêm, como já
dissemos, paixões excessivas nem acções
heróicas.
A verdadeira felicidade - como só a expe­
riência no-la pode mostrar-não se dá com o s
sentimentos exagerados nem com o s grandes
gestos, a vida ordinária nada tem de teatral.
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72 0 liVRO DA EsPÕSA

E, a-pesar-disso, como é boa e consoladora


essa vida quotidiana, decorrendo pacificamente
na intimidade conjugal, sem perturbações que
a venham alterar !
O h omem não nasceu para viver no meio
das agitações e das paixões. Nada é m elhor
para êle do que o confôrto do lar ; e, se por­
ventura o abandona, é por que, contra o que
esperava, não encontrou lá a paz, a consolação
e os atractivos que h avia sonhado.
É esta a melhor prova de que só da espôsa
depend e a felicidade ou infelicidade do m arido
- e a dela portanto.
Ora a felicidade conjugal não é difícil de
realizar. Todos os dias há mil ocasiões de tra­
balhar para ela.
A felicidade é feita de pequeninas coisas,
de incidentes e de acções insignificantes à
primeira vista, mas que se podem tornar agra­
dáveis ou desagradáveis. São essas pequeninas
coisas que nos trazem constantemente contra­
riados ou satisfeitos.
E' conforme andamos habitualmente com
impressões desgastantes, ou com as de bem­
-estar, que o nosso carácter se torna irritável
e sombrio, ou bondoso e sereno.
E' cl aro que não é só um dêsses incidentes
o que nos pode fazer felizes ou infelizes. Quando
êles se repetem , porém, quando incessante·
m ente ocupam a nossa existência, decidem fatal-
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COMO A ESP. CONSEOUE DAI{ FELIC IDADE AO MAI{IDO 75

mente do carácter do indivíduo, são ou a delí­


cia ou a amargura da nossa vida.
Citemos alguns exemplos.
Diz-se geralmente das pessoas que desde
manhã andam irritadas e sombrias, que acor·
dam de mau humor. Esta expressão tem muita
razão de ser.
A maneira como uma pessoa acorda, exerce
uma grande influência na disposição do espírito
e do carácter.
Certo disto, o pai de Montaigne queria
todos os dias despertar de uma maneira agra­
dável seu filho e, por isso, o fazia acordar ao
som de músicas suaves. (1)
A acção de acordar, embora se lhe não dê
habitualmente a importância que merece, é
como que uma renovação de todo o indivíduo,
pondo em movimento tôdas as qualidades físi­
cas, intelectuais e morais, que estavam inertes
desde a véspera.
E nem sempre se acorda da mesma maneira.
A's vezes desperta-se cansado e a custo ; outras
vezes, bem disposto e alegre.

( 1 ) Nos estudos críticos sôbre Montaigne, tem-se


esquecido citar a influência que na sua formação inte·
lectual t ev e o pai do escritor. O pai não escreveu os
Ensaios, mas foi talvez o verdadeiro inspirador das
ideas que aquele livro exprime. (N. do A .)

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0 LiVRO DA ESPÔSA

'
Não é, pois, de admirar que a forma como
as pessoas acordam, exerçam influência n a sua
disposição, durante as prim eiras horas do dia.
A êste facto, tão insignificante aparente­
mente, mas de muita importância na realidade,
deve a espôsa prestar tôda a atenção, esfor­
çando-se por nunca impressionar desagradà­
velrnente o marido, quando acorda, e nunca lhe
provocar o mau humor.
Ainda ·a esta circunstância se deve atender,
quando se escolhe o aposento destinado a
quarto de dormir. Escolha-se sempre aquele
que estiver mais recatado e aonde chegue
menos o barulho que se faz dentro de casa ou
na rua, para assim se repoisar em sossêgo e
se despertar pl àcidamente. Se mesmo desta
forma se não puderem ainda evitar os ruídos,
adoptetn-se todos os meios para se atenuarem,
fechando bem as janelas, as portas, pondo;lhes
reposteiros, etc.
Nada há mais reconfortante do que um bom
sono. Nada dispõe tão bem para todo o dia
como acordar sossegadamente, sem sobressal­
tos, sentindo os órgãos, os sentidos, as facul­
dades, no recomêço da sua actividade com tôda
a calma e muito naturalmente.
Depois da sensação de acordar bem dis­
posto, o que melhor impressiona é encontrar
à mão, nos seus lugares, tôdas as roupas e
objectos necessários para os primeiros arranjos.
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COMO A ESP. CONSEGUE DAR. FELICIDADE AO MAR.IDO 75

Nada disto deve esquecer à espôsa que se


preza de estimar o marido. Estas pequenas
cousas valem, para a felicidade doméstica, mais
do que as grandes expansões. Para isso, só
deve contar consigo própria, não se fiando nos
criadps que, .por mais zelosos que sejam, nunca
têm os carinhosos cuidados duma espôsa.
Demais, a ela basta-lhe uma vista de olhos
para verificar, de relance, se tudo está ou não
nos seus lugares, por forma que o marido, ao
levantar�se, não tenha sequer o incómodo de
pedir qualquer coisa precisa.
E o almoço ? A espôsa, boa dona de casa,
sabe perfeitam ente quais são os gostos do
marido, porque os estudou para em tudo lhe
ser a g radáve l. S abe muito bem qua i s a s
c o m i d a s que ê l e prefere e como as quer
arranjadas.
A espôsa sabe tudo : o lugar em que o
marido gosta mais de estar, a cadeira esco­
lhida, o descariço para pôr os p é s ; sabe até
que distribuição se deve dar à luz na sala, para
êle comodamente ·ler os jornais. Quando o
marido lê, não o interrompe nem deixa n in­
guém perturbá-lo, sem motivo.
Mas, se êle lhe fala do que a leitura l h e
sugere, a espôsa mostra-se interessada - ou
procura interessar-se pelo assunto - porque
em tudo quer ser agradável ao marido, e isso
agrada-lhe sem dúvida.
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76 0 LIVRO DA ESPÔSA

E idênticamente deve proceder em tôdas as


c ircunstâncias, durante a vida.
Tudo isto são pequeninos nadas. Pois são
estes pequeninos nadas o que tem maior impor­
tância na existência.
É, que, realmente, na vida prática, não hd
pequeninas coisas.
Eis uma verdade fundamental que devemos
recordar sempre. Há coisas mais ou menos
importantes - não há, porém, uma só absolu­
tamente sem valor, porque nem uma só deixa
d e t e r s ô b r e n ó s a l gum a i n fluê n c i a , b o a
o u má.
D izemos mais. São exactamente as coisas
que parecem mais insignificantes as que têm
na vida comum maior influência, porque são
as que se repetem freqüentemente.
Durante o dia, a espôsa tem ocasião de falar
muitas vezes com o marido e de olhar para êle.
Pois bem ! Estas coisas tão naturais e tão fre­
qüentes, devia a espôsa aproveitá-las com
empenho, esforçando-se, sem nenhuma afecta­
ção, tão naturalmente como respira, por que seu
m arido se habituasse a ler-lhe na v oz e no
olhar não as emoções do amor sentimental,
mas a profunda amizade, o sereno amor con­
jugal que ela lhe tem.

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COMO A ESP. CONSEGUE DAR fELICIDADE AO MARIDO 77

Estamos a adivinhar o que dirão as mulhe­


res ao ler o que acima fica exposto.
- Pois quê ? Aqui só se trata dos cuidados
que as mulheres devem ter com os maridos ;
1 quanto aos que êles devem ter com as espô­
sas, nada se preceitua !
i O m arido está como quere ! A mulher não
sabe que mais há-de fazer para lhe dar todos
os mimos. l Que é, no fim de contas, que ela
aproveita com êste livro ?
Daremos às senhoras uma dupla resposta
à sua muito justa obj ecção.
Em primeiro lugar, é justo ver que êste
livro se chama : O Livro da Espôsa. É, por­
tanto, consagrado exclusivamente aos deveres
da mulher para com o marido, da m esma forma
que seria consagrado aos deveres do homem
no lar conjugal o 'livro que intitulássemos :
Livro do Marido.
Estamos, portanto, dentro do programa tra­
çado, falando neste capítulo somente da m a­
neira como deve proceder, a espôsa para tornar
feliz seu marido. Se expuséssemos como é que
o marido deve corresponder à boa vontade da
espôsa, realmente, exorbitaríamos do nosso
propósito.
Não quer isto, contudo, dizer que damos
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78 Ü L!VR.O DA ESPÔSA

ao marido o privilégio de gozar todos os cari­


nhos e solicitudes da espôsa, sem que deva
retribuir-lhos da mesma forma.
Em segundo lugar, não se esqueça a es­
pôsa de que a nossa tese é a seguinte :
Trabalhando pela felicidade do marido, a
espôsa trabalha pela sua própria felici dade.
Dem onstrar esta afirmação não é difíci l .
A mulher, consagrando ao espôso todos os
seus cuidados, de modo que êle só tenha que
l ouvar a vida conjugal, terá, como resultado
imediato da sua (;ledicação, o possuir ao seu
lado um companheiro alegre, agradável e satis­
feito com a espôsa que Deus lhe deu. já esta re­
compensa não é para desprezar. Mas há mais.
� Haverá algum marido que não aprecie a
solícita e constante preocupação da espôsa,
inteiramente empenhada em lhe evitar os espi­
nhos no caminho da vida, que ela vai cobrindo
de rosas ?
� Qual o h omem que não desej a correspon­
der a uma tão profunda amizade, cheia de
desinterêsse, e, afinal, previdente de tôdas as
necessidades que condicionam o bem-estar ?
Nenhum, certamentfi.
Desta maneira, a espôsa colhe os frutos da
sua dedicação, porque possue, no h omem, um
companheiro agradável, um m arido afectuoso
e reconhecido, sempre disposto a fazer-lhe a
v ontade. Não é isto verdade ?
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COMO A ESP. CONSEGUI:: DA� fEL ICIDADE AO MA�IDO 79

Finalmente, não devemos admitir a exis­


l�ncia de h omens tão egoístas, que recebam,
�rosseiramente, todos os afectuosos ·cuidados
tia espôsa como h omenagem à qual ela é
obrigada, e que nem· sequer pensem na retri­
buição, com igual vontade, de tantos carinhos.
Esses indivíduos seriam verdadeiras mons­
truosidades morais, que não são o tipo comum
da humanidade. Ora nós não temos em vista
tratar de excepções.
Geralmente, uma simpatia desperta uma
simpatia recíproca. Nenhuma demonstração de
bondade é desprezada, e todos os sacrifícios e
atenções recebem a paga em alegria, em reco­
nhecimento e em felicidade.
Nunca se tenta debalde alcançar a felici­
dade do amor conjugal, mostrando dedicação,
facultando alegrias . Os bons maridos fazem as
boas espôsas ; as bôas espôsas fazem os bons
maridos.

Pelo que fica dito, pode ver-se quanto é


fácil à mulher conseguir a felicidade do ma­
rido, felicidade constituída pelas pequenas
coisas que caracterizam a vida quotidiana,
pelas satisfações que a boa espôsa propor­
dona, evitando, quanto possível, tôdas as con­
trariedades ao seu companheiro.
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80 0 LIVRO DA ESPÔSA

Fácil lhe é também a\leriguar se efecti\la­


m ente cumpre a sua missão. Para isso, basta
não se esquecer de que deve aproveitar todos
os momentos para observar com verdade o
génio e os gostos do marido.
Conhecer bem ó marido é-lhe de grande
utilidade, primeiramente para saber o que l h e
agrada e o que l h e desagrada. Depois de o
conh ecer completamente, é que pode certifi­
car-se sôbre os resultados, positivos ou nega­
ti\los, dos seus esforços, é que pode ver se
proporcionou alegrias e evitou descontenta­
mentos.

Mas não se limita a isto apenas a missão


da espôsa. Para mais alguma coisa foi desti­
nada, além do papel de guarda vigilante da
felicidade do marido sem pensar na felicidade
própria - e aqui está mais uma resposta à
objecção feita no parágrafo anterior.
O marido será tanto mais feliz, quanto me­
lhor fôr partilhada a sua felicidade pela espôsa
·
também. Por isso se torna quási um dever da
mulher o tomar parte com ardor nas alegrias
e satisfações que êle tem.
Nem sempre poderá, nos primeiros tempos
principalmente, achar gôsto às inclinações in­
telectuais, artísticas ou desportivas, do marido,
e às quais não poderá dar l ogo aprêço bas­
tante. Mas tem obrigação de se afazer.
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COMO A ESP. CONSEOUE DAR I'ELICIDADE AO MARIDO 81

A mulher deve habituar-se a encontrar


agrado no que é da predilecção do marido.
Se o não conseguir imediatamente, de-certo o
virá a alcançar um dia, dispondo de boa von­
tade e de atenção.
Para se apreciar perfeitamente qualquer
coisa, é preciso uma preparação. E, muitas
vezes, o que a princípio menos interessava a
mulher, vem com o tempo a atraí-la cada vez
ma is, ao passo que lhe vai descobrindo encan­
tos inesperados.
Até nesta educação encontra ela meio de
ser agradável ao espôso, pedindo-lhe que lhe
ensine, como a uma boa discípula, o que mais
o interessa e qual a razão por que o interes­
sam tais assuntos.
O h o m e m , s e n t i n d o- s e l i s o n j e a d o nos
seus gostos, aceita de bom grado o papel
de i n i c i a d o r, porque lhe fornece um novo
prazer.
O c marido educadoP sente-se figado à
espôsa por uma nova simpatia, a simpatia in­
telectual.
Mas, com mais vagar, versaremos estas in­
teressantes particularidades psicológicas nos
capítulos vi e vn. .
Temos falado até aqui apenas dos prazeres
que marido e espôsa devem sentir, comparti·
lhando-os igualmente.
Falaremos agora das dores, porque não há
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82 0 LIVRO DA ESPÔSA

vida humana que decorra sem maus dias amar­


gurantes.
Mas também nestas circunstâncias o papel
da espôsa é o m esmo.
Quando alguém sofre, a maior consolação
que pode experimentar é ver que uma pessoa
amiga sofre também as suas mágoas.
Nestas ocasiões, as palavras repassadas de
grandeza, os grandes gestos, nada valem e
nenhum confôrto podem dar.
A verdadeira amizade manifesta-se mais
por acções do que pelas palavras.
Em caso de doença, lá está ela, cheia de
cuidados rigorosos, e tanto mais dedicada,
quanto m ais silenciosa.
Nos maus lances da sorte, incute coragem,
serenidade, aponta o caminh o a seguir e ajuda
a empregar tôdas as fôrças na luta contra
a adversidade. Quando m orre um ente caro
ao seu amigo, sabe manifestar respeito pela
sua dor, e não procura dar-lhe consolações
que mais o pungiriam do que dariam con­
fôrto. É que não se co nsola uma pessoa que
sofre m oralmente, porque o sofrimento não
raciocina nem é compatível com ponderações.
O mesmo sucede com o amor, efervescência
de sentimentos que só o tempo é capaz de
atenuar e dissipar.
Em tôdas as circunstâncias da vida, a ami­
zade verdadeira sabe, por meio de cuidados
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COMO A fSP. CONSEGUE DAR fELICIDADE AO MARIDO 85

constantes, fazer esquecer as provações e pre­


fere as palavras que consolam.
Assim fará a espôsa, a boa companheira
do homem, sempre pronta para desempenhar
de-veras a missão para que foi criada.
Não é bom que o h omem seja só ! É a
espôsa quem o salva da infelicidade da solidão.
julgamos desnecessário Insistir mais na
demonstração de que a espôsa, quando tenta
alcançar a felicidade do marido, trabalha sem­
pre para a sua própria felicidade.
Esta idea deriva imediatamente da simples
noção do casamento - união para tôda a vida
em que os dois esposos formam um só.
É a conseqüência do próprio carácter do
amor conjugal, reünião de tôdas as simpatias
que tornam espôsa e m arido por tal forma
solidários, que nenhum dêles poderá ter um
prazer ou uma dor sem que o outro o sinta.
É isto também assim em virtude da natu­
reza da felicidade conjugal, constituída por
tudo que a c o m p a n h a a vida dos esposos .
t Como seria possível admitir uma união e m
que s ó u m dos cônjuges fôsse feliz ? l Como,
por exemplo, poderia o marido viver sempre
bem disposto, de bom humor, contente, v ivendo
a espôsa triste e mortificada ? l E, andando o
marido contente, poderia a espôsa não se
importar com isso e continuar triste ?
Nos sentimentos e disposições dos esposos
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84 0 LIVRO DA ESPÓSA

há uma estreita identidade, uma relação ine­


vitável.
É impossível que marido ou mulher sejam
fel izes ou infelizes, independentemente um do
outro, porque as suas existências estão ligadas
por tal forma, que os sentimentos de um hão-de
por fôrça despertar os sentimentos do outro.
e porque entre dois indivíduos há uma permuta
constante, embora insensível, de qualidades.
de maneiras de sentir.
Ê ste facto não é uma simples criação do
raciocínio. É um facto verdadeiro e, çomo
todos os outros que aqui versamos, observado
constantemente na vida real.
Geralmente se nota que dois esposos têm
impressões idênti cas, as m esmas ideas e dizem
até as mesmas palavras sôbre qualquer assunto
a respeito do qual não concertaram antes a
opi nião.
É um caso freqüentíssimo.
E nada melhor do que isto demonstra a
harmonia dos pensamentos e sentimentos que
entre os dois estabelecem uma dilatada vida
em comum, a amizade, e um conjunto de hápi­
tos e influência s várias que tendem a torná-los
o mais semelhantes possível, formando, de
dois sêres, um só .

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CAP ÍT U L O I V

Como a espôsa consegue atrair o


amor do marido

A- base fundamental do casamento e da


felicidade conjugal é a simpatia.
Sem a simpatia, o casamento deixa de ser
a precisa e inquebrantável união do h omem e
mulher, para juntos atravessarem as dificul­
dades da vida. Sem ela, nunca pode existir
felicidade conjugal.
I nfelizmente, nem todos os casamentos se
r ea l iz a m p o r s i m p a ti a entre os cônjuges.
F a z e m- s e c a s a m e n t o s t e n d o e m m i r a o
dinheiro. - São os chamados casamentos por
conveniência e que, a-pesar-do nome, em muita
pequena conta têm tôdas as conveniências
dos esposos. Há os casamentos por inclinação
aparente dos gostos. Mas nu n s e noutros, a
não ser que relações prolongadas tenham esta­
belecido entre os noivos um conhecimento
perfeito dos seus caracteres, a simpatia não
está suficientemente radicada, porque nasceu
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86 0 L!VR.O DA ESPÔSA

mais de impressões exteriores e superficiais


do que dum mútuo conhecimento íntimo.
Contudo, o casamento é o ponto de: partida
de uma boa harmonia e até da felicidade con­
jugal, como já vimos.
A amizade e a simpatia, ainda mal desper­
tadas nos primeiros tempos, vão-se desenvol­
vendo e vão unindo cada vez mais os esposos,
paralelam ente ao conhecimento que um d o
outro adquirem e graças aos hábitos d a vida
em comum . Com o tempo e com a experiência,
avaliados profundamente os defeitos e quali­
dades que um no outro encontram, pondo de
parte i lusórios preconceitos, chegam à conclu­
são de que as satisfações e contrariedades da
vida conjugal tornam a existência em comum,
não só tolerável, mais cheia de encantos e de
vantagens no futuro.
Além disso, marido e espôsa, pel os ensina­
mentos que lhe fornece a vida do lar, vão
adquirindo novas maneiras de ver, aprendem
coisas que ignoravam e assim formam do casa­
mento juízos muito mais acertados.
Não lhes será precisa uma longa experiên­
cia para se çertificarem de que há muitos
outros esposos que, não sendo criaturas de
privilegiada perfeição, vivem juntos em bom
acôrdo. Estabelecem-se então comparações ;
o marido, observando como procedem as outras
mulheres casadas, vê que não está mal acom-
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(OMO A ESP. CONSEGUE ATR.AIR. O AMOR. DO MAR.IDO 87

panhado : a espôsa, por seu lado, nota quanto


seu marido é superior a muitos outros.
A pouco e pouco, os esposos descobrem
um no outro qualidades novas, qualidades que
a vida conjugal fêz brotar ou desenvolveu.
Dessa verificação, às vezes feita sem que se
dê por isso, nasce insensivelmente, docemente,
a poderosa e dominadora simpatia conjugal.
Ê s te sentimento, resultante do perfeito
conh ecimento íntimo, que entre si adquirem os
esposos, raras vezes existe nos primeiros tem­
pos de casamento com o suave característico
da amizade - a não ser quando os noivos se
conhecem de há muito.
Nos casamentos por amor, e algumas vezes
nos casamentos por conveniência, a simpatia
manifesta-se a princípio como amor sentimen­
tal , e exteri oriza-se pelo desejo de agradar,
que encobre os defeitos e faz realçar as quali­
dades.
A noiva, em v irtude da má educação que
recebeu e que não lhe deu nenhuma noção
verdadeira do que é o casamento e do que é
um m arido, só conhece do seu espôso as boas
qualidades físicas e o lado bom do carácter :
bom humor, delicad�za, etc. E, como pretende
agradar, por seu lado, somente deixa transpa­
recer as suas virtudes, e não esquece nada que
possa chamar a atenção para a sua formosura
e para tôdas as bondades que lhe adornam a alma.
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88 0 LIVRO DA ESPÔSA

Por estas garridices se deixa seduzir o


homem ; porque o domina o amor sentimental
e porque o lisonjeia \ler todo aquele empe n h o
d a mulher e m lhe agradar.
Assim \!em o casamento e \!em a lua de mel,
doce temporada que durará emquanto os espo­
sos procurarem agradar um ao outro, o que
sucede só quando um e outro estão sob a
influência do amor sentimental.
Mas o amor sentimental, como tôdas as
exaltações dos sentimentos humanos, não é
duradoiro. A pouco e pouco, mas infallvelmente,
\!ai- se des\la necendo, e, se ao m esmo tempo
não começar a amizade conjugal a ocupar nos
corações o lugar \lazio do amor, dá-se então a
crise de que falamos, um choque de tempera­
mentos que de-repente se encontram um diante
do outro, muito diferentes do que se \liam
até ali.
É êste o momento crítico de as recém-casa­
das caírem nos braços de suas mãis, dizendo
entre soluços :
- i Meu marido é um monstro !
Inútil seria preguntar-lhes a razão por que
dizem esta coisa h orrí\lel : não encontrariam
um moti\lo capaz de justificar o seu desespêro.
Geralmente aquele monstro é um belo e
excelente rapaz que praticou o tremendo crime
de não continuar ajoelhado, em adoração
eterna, diante de sua espôsa, e que ousou
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COMO A ESP. CONSEGUE ATRAIR O AMOR. DO MARIDO 89

mesmo contradizê-Ia - sim contradizê-Ia, a o


fim dum o u dois meses d e casado, n a impor­
tante questão da côr dum vestido, da forma
dum penteado ou de coisa parecida.
Teve a imprudênci a de dizer-lhe :
- Isso é conforme es gostos.
Como se êle pudesse ter outros gostos que
não fôssem os da espôsa, a quem o pérfido,
antes do casamento, cem vezes repetiu :
- i Os teus gostos serão os meus !
Num lance dêstes, se a m ãi, a quem a noiva
faz as suas queixas, é uma mulher sensata e
prudente, desej osa da fe licidade de sua filha,
não intervém, na vida dos esposos, momentâ­
neamente indispostos um com o outro, e diz à
filha, pouco mais ou menos, as palavras de bom
conselho que ficam no § 2.0 do capítulo I.
Se ela é, porém, uma mãi egoísta, autoritá­
ria e sem critério, julgando efectivamente sua
filh a infeliz, então, em vez de lhe acalmar o
nervosismo, sobreexcita-o e intervém n a vida
do genro, transformando às vezes uma coisa
i ns � nificante, que por si própria se dissiparia,
numa catástrofe conjugal.
A péssima fama que têm geralmente a s
sogras nem sempre é justa, m a s deriva, sem
dúvida, da sua desastrada intervenção na vida
conjugal das filhas.
Os conflitos entre esposos serenam muito
m ais fàcilmente quando os dois se encontram
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90 0 LiVRO DA ESPÔSA

a sós um com o outro, do que quando alguém


se mete de permeio.
Estas crises são manifestações da sensibi­
lidade, que nem as mais experi mentadas mãis
podem compreender, e muito menos debelar,
porque as circunstâncias não se repetem nunca,
nem os temperamentos são todos os mesmos.
Só os interessados sabem o que lhes per­
turba a serenidade, e só êles são capazes de
conseguir o meio de estabelecer a harmonia.
E eis por que, em casos dêstes, qual quer inter­
venção, por muito hábil que sej a, é sempre
desastrada.
Devemos acrescentar que em tais conflitos
há quási sempre uma questão melindrosa de
delicadeza ressentida e ligada com o que de
mais secr eto e m isterioso tem a nossa alma.
A maior parte das vezes, nem o marido nem
a espôsa saberiam explicar o que sentem. Tam­
bém não há subtileza que possa toc a r estas
fibras do coração. Melhor é deixar ao tempo
e à amizade a sua obra de equilíbrio e de paz.

Tôdas estas tempestades que revolvem o


lar, não extinguem, porém, a simpatia abrigada
na alma dos esposos. Não foi em vão que os
dois sentiram um pelo outro as indeléveis como -
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COMO A ESP. CONSEGUE ATRAIR O AMOR DO MARIDO 91

ções do amor sentimental, no tempo de namo­


rados, e depois, quando noivos.
O amor leva a cabo a obra divina que
Schopenhauer classifica de embuste da natu­
reza. Com as suas primeiras impressões sen­
sitivas, foi semeando no coração a fecunda
semente da amizade, a qual não tarda a cres­
cer, a ir ocupar na alma o lugar que o amor
vai deixando de vago.
E, nesse mom ento, quando o amor começa
a enfraquecer, depois de perdidas as ilusões,
se a amizade não se desenvolve, por ser pre­
judicada petas divergências de caracteres con­
trários, a culpa n a maior parte é da espôsa .
Vamos tentar dem onstrar esta afirmação,
que é uma verdade digna de ser ponderada,
indicando, ao mesmo tempo, por que meio
deve a mulher evitar cair em tal falta, que é
de conseqüências deploráveis.
Essa falta, o pouco esfôrço empregado pela
espôsa para que, terminado o período poético
do amor, continue a boa harmonia do lar por
meio da simpatia conjugal, êsse erro, mais uma
vez o repetimos, é o resultado da péssima e
falsa educação que a mulher recebe em sol­
teira, e que em nada a prepara para o casa­
mento.
À s raparigas ensina-se, geralmente, o que
elas nenhuma dificuldade têm em aprender,
o que era quási desnecessário ensinar-lhes :
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92 0 L!VR.O DA ESPÔSA

quanto é útil agradar ao noivo antes do casa­


mento. Mas o que ninguém lhes ensina sufi­
cientemente é o mais Importante : a maneira
de agradar ao espôso, depois de casada f
Instintivamente, a mulher, nos primeiros
tempos de casada, continua a mostrar-se agra­
dável ao marido, exactamente como no tempo
de solteira. Dura isto emquanto dura alguma
coisa do amor de namorados. Mas, pouco a
pouco, a espôsa vai-se desleixando, não pro­
cura agradar ao marido, e é esta falta capital
o maior êrro que a mulher pode cometer.
Da mesma forma, o homem, mais cedo ou
mais tarde, segue i gual caminho, esquecendo
as delicadezas e cuidados dos primeiros tem­
p os . E, dando-se isto, extingue-se em ambos o
d esej o de serem agradáveis.
Mas não tratamos aqui do marido : é à
espôsa que nos dirigimos.
A missão da mulher no casamento é, na
verdade, mais importante do que a do h omem,
no que diz respeito à transformação dos sen­
timentos afectivos dos espôsos.
O marido, geralmente, em virtude da edu­
cação vulgar nos hom ens, não liga mais que
uma importância secundária a certas coisas,
como o cui dado de vestir bem, e é por isto
que êle começa a mostrar desprendimento.
Ê ste facto não teria, de resto, importância, se
n ão fôsse um exemplo dado à espôsa, a qual
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COMO A ESP. CONSEGUE ATRAIR O AMOR DO MARIDO 95

por sua vez, poderá também deslefxar-se na


maneira de se vestir, o que seria um facto
grave.
Na verdade, se o homem não é natural­
mente inclinado a vestir-se e a apresentar-se
com garridice, não há dúvida em que o im­
pressionam bem, e até o encantam, a beleza.
a graça e a elegância feminina. Uma apresen­
tação esmerada, um lindo penteado, um ves­
tuário, irrepreensivelmente elegante, embora
simples, tem sempre o condão de encantar e
de agradar, principalmente se quem os usa é
uma pessoa querida, principalmente se essa
pessoa é a nossa espôsa.
Esta última afirmação poderá parecer arro­
jada de mais àqueles que se empenham em
difamar tudo que diz respeito ao amor conju­
gal ; mas, ainda que lhes pese, esta observa­
ção fá-la a simples experiência quotidiana.
Nenhuma mulher agrada mais ao m arido
do que a sua própria espôsa, quando está bem
arranjada.
� Como pode, pois, a mulher pôr de parte.
levianamente e por negligência, a melhor arma
que tem para conquistar o amor de seu m arido.
como o é a de agradar-lhe sempre, zelando
cui dadosamente a elegância e garridice no
lar ?
Contudo, insensata e desastradamente o fa­
zem a maior parte das espôsas, desleixando-se
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94 0 LIVR.O DA ESPÔSA

no seu arranj o e asseio, esquecendo a melhor


forma de agradar ao marido.
Ê le muitas vezes não repara de mais em
tal negligência, ou não lhe avalia directamente
os efeitos ; mas êsses efeitos manifestam-se
clara e fatalmente, porque o marido deixa de
se sentir encantado e atraído como quando a
espôsa andava graciosamente adornada.
Falando da garridice da mulher, não quere­
mos referir-nos ao vaidoso sentimento de que­
rer agradar a todos, e que se torna muitas
-vezes um grande defeito.
Tal vaidade, não perdem as mulheres oca­
sião de as mostrar e, quando aparecem em
público, muitas delas mostram-se galantes para
tôda a gente - excepto para os maridos.
A galantaria conjugal, ao contrário destou­
tra, é a que leva a mulher a mostrar-se em
tudo agradável a seu espôso, mas a êle so­
mente.
Tanto a galantaria, filh a da vaidade, que
as mulheres ostentam diante de todos, e não
somente diante do marido, é condenável, como
é digna de louvor, como é benéfica, a galanta­
ria conjugal que tão preciosos resultados de
simpatia e fel icidade origina.
Há mais de sessenta anos, escreveu M.m•
Girardin :
• Ser galante e )Joa ·dona d e casa, eis duas

<IUalidades indispensáveis a uma mulher. ,


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COMO A ESP. CONSEGUE ATRAI� O AMO� DO MA�IDO 95

Ora é desta forma que se deve compreen­


der a galantaria conjugal, indispensável a tôdas
as mulheres.

A natureza humana é assim, e o mais belo


adôrno do seu diadema, o que de maneira irre­
refutável atesta a origem divina que teve, é a
sua característica de aspirar sempre ao ideal
e à perfeição. Todos os nossos sentimentos,
por nossa vontade ou involuntàriamente, giram
e movem-se em tôrno dêstes dois pólos ; e
tudo que é vulgar e banal nos enche de tédio
e aborrecimento, ao passo que somos exalta­
dos, nas aspirações, por tudo que encerra h ar­
monia e beleza.
A esta lei não formam excepção as simpa­
tias. Elas dirigem-se apenas para o que a
nossos olhos é elevado. N ão há excepções.
O nosso ideal pode estar em coisas diversas,
pode ser de maior ou menor grandeza, mas h á
sempre u m ideal.
É esta a razão por que tudo que desperta
simpatia é o que nós aspiramos alcançar, é o
que nos agrada a o espírito ou ao coração.
A simpatia penetra na nossa alma irresistL
velmente, e desenvolve-se tanto mais quanto
melhor a pessoa com quem simpatizamos rea­
lizar o nosso ideal.
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96 0 LIVRO DA ESPÔS A

As meninas solteiras adivinham tudo isto


naturalmente, ou alguém lho ensina, porque
tôdas elas sabem como hão-de encarar, isto ét
como conseguem despertar a simpatia.
t E que fazem para tal fim ? Fazem realçar
todos os seus encantos físicos e qualidades
morais, e escondem o mais possível os seus
defeitos.
Ora, t que estranha aberração lhes trans­
torna depois o espírito, a ponto de, pouco
tempo depois de casadas, não sentirem já a
necessidade de agradar ao marido ? j É, na
verdade, uma singular concepção de amor
conjugal !
Mas tal é o resultado funesto da ignorância
em que se conservam as raparigas a respeito
do casamento.
Ao contrário do que elas pensam, é exacta­
mente depois de casadas que as mulheres mais
necessidade têm de agradar ao espôso. Exac­
tamente quando o amor sentimental se vai
extinguindo, é que elas mais precisam de se
aproveitar do prestígio dos seus encantos físi­
cos e m orais para transformar a simpatia sen­
timental em simpatia conjugal.
Evidentemente, a mulher não sabe isto, por­
que nunca ninguém lho disse. E é por isso que
no presente livro o estamos dizendo com insis­
tência e chamando a atenção da leitora para
êste ponto, especialmente.
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COMO A ESP. CONSEGUE ATRAIR O AMOR DO MARIDO 97

Espôsas, conservai sempre aos olhos dos


vossos maridos o que em vós de princípio os
seduziu e lhes despertou o amor. Com todo o
cuidado sabieis evitar, quando solteiras, pela
vossa apresentação, pelas maneiras, pelas pala­
vras e pelas acções, todo o desconcêrto que
pudesse deprimir o prestígio que tínheis n o
espírito dêles.
Pois bem ! � Como deixais agora perder a
lisonjeira consideração com que antigamente
êles vos distinguiam ? Como é que, por vossa
vontàde, desceis do pedestal que o amor d e
v ossos esposos v o s havia erguido, c o m o s e
fôsseis deusas, e assim v o s tornais diante
dêles mulheres vulgares, mulheres como tôdas
as outras, como tôdas aquelas que não se
importam de parecer bem, e se vestem sem
gôsto, e se penteiam mal.
Que não cuideis de parecer bem à outra
gente, é justo ; mas é indispensdvel que vos
m ostreis sempre graciosas e galantes a vossos
maridos, porque é preciso que êles vos achem
sempre cada vez mais encantadoras.
Tende o cui dado de nunca lhes aparecer­
des antes de arranjadas com correcção.
Vestir bem não quer dizer que andeis luxuo­
sas, cheias de enfeites extraordinários. Não.
Os vestidos mais simples, que trazeis habi­
tualmente, mas usados com gôsto, com elegân­
cia e cuidado, é o que convém a uma espôsa
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98 0 LiVR.O DA ESPÔSA

que deseja agradar. Não s e calcula de-veras


quanto valem pequeninas coisas, quanto o m a­
rido pode encantar-se, por exemplo, com uma
fita que puserdes à volta do pescoço, com uma
flor graciosamente metida no cabelo, com uma
blusa de cingir bem, a fazer realçar, as formas
do busto.
Todo o segrêdo do agrado se resume nes­
tas pequenas coisas. Agradar sempre : deve
ser esta a principal preocupação da espôsa, e
a isto se limita a galantaria conjugal.
Esta galantaria conjugal não resulta apenas
dos dotes de beleza física, que nem tôdas as
mulheres possuem, e que, afinal, mesmo nas
mais formosas, s e extinguem com os anos.
É que a mulher pode sempre, seja ou não for­
m osa, seja ou não j ovem, conservar uma certa
distinção e um cuidado de apresentação e de
vestuário que a tornem agradável ao marido.
Por outro l ado, tanto se obtém encantar
pelos dotes m orais e i ntelectuais como pela
beleza física, e ainda nisso a mulher pode tirar
partido, impondo-se pela graça e pela delica­
deza de espírito à simpatia do homem, seu
espôso. Mais pormenorizadamente falaremos
dêste assunto nos capítulos VI e vn.
É galantari a conjugal ainda o cuidado que
a espôsa tem na boa disposição do i nterior
doméstico, tornando-o agradável ao marido,
para nêle encontrar o confôrto e os atractivos
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COMO A ESP, CONSEGUE ATRAIR O AMOR DO MARIDO 99

<jue só o bom gôsto da espôsa soube dar


à casa.
Como se vê, esta graciosidade da espôsa
pode largamente desenvolver-se, porque se
mostra em tudo que possa agradar ao marido.
É esta a chave do enigma do amor e da
felicidade conjugal.
Vós, espôsas de há pouco ainda, já sabeis
que os enlevos do amor sentimental cessam o
seu papel consolador, quando êsse amor desa­
parece, mas também sabeis já que os podeis
substituir pelas a legrias profundas e duradoi­
ras da amizade conjugal.
Para chegardes a esta mudança sem crise
dolorosa, basta que para isso vos tenhais pre ­
parado, pensando de-veras no assunto - certi­
ficando-vos com profundidade de que tôda a
união conjugal pode ser feliz por muito dife­
rentes e imperfeitos que sejam os caracteres
dos esposos, se ambos se empénharem na
harmonia do lar, sabendo sacrificar alguma
coisa da sua v ontade.
Pois bem. Começai por serdes vós as pri·
meiras a sacrificar alguns caprichos_ Para
obrigar os maridos a terem-vos amor, deveis
em tudo ser-lhes agradáveis.
Cuidai da vossa beleza, da elegância de
vestir, das m aneiras, da linguagem. Que o
marido nunca vos encontre desprevenidas na
vossa tarefa de serdes encantadoras, e de
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1 00 0 LIVRO D A ESPÔSA

m erecerdes uma boa opinião sôbre as vossas


qualidades.
Cuidai, principalmente, das v ossas qualida­
des morais. Dissimulai o mais possível as
asperezas de carácter, e vereis que, com esta
vigil ância constante, ficareis com a alma mais
suave. Estudando o temperamento e os hábi­
tos do marido, reparai especialmente no que
lhe agrada e no que lhe desagrada, para assim
vos esforçardes por lhe dar só alegria e nunca
o mal-estar.
Procedei assim desde os primeiros tempos
de casadas, e durante tôda a vida.
Quando se quer agradar, agrada-se. Con­
seguindo-se agradar, consegue-se o amor.
Ficai convencidas de que não há outro
meio. E aqui têm, minhas senhoras, o que lhes
aconselhamos para serem bem amadas por
seus maridos.
A vida donjugal, todavia, apresenta outros ·

aspectos além do amor.


Dissemos já : é preciso amar para viver.
Mas, além disso, é preciso, para viver�
atender às necessidades m ateriais da existên­
cia, às necessidades morais, intelectuais, artís­
ticas, às eventualidades passionais, etc.
É o que v a m o s estudar nos capítu l o s
seguintes.

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v

Qualidades práticas da espôsa

Recordemos ainda a frase do M.m• Girardin,


por nós citada no capítulo anterior :
c Ser galante e boa dona de casa, eis duas

<JUalidades i ndispensáveis à mulher. ,


Como se vê, na opinião da notável escri­
tora, a qualidade mais indispensável e impor­
tante da mulher é a garridice conjugal) isto é,
o desejo de agradar ao marido. A outra quali­
dade é ser boa dona de casa, o que sem difi­
culdade se compreende, porque esta segunda
<JUalidade completa necessàriamente a primeira.
i Como poderia, na verdade, agradar a o
marido a mulher que n ã o fôsse boa dona de
ca�a. se é duma boa dona de casa que depende
tôda a prosperidade do lar conjugal ?
Não venceremos a tentação de reproduzir
aqui o perfeito retrato duma dona de casa
apresentado por E. Legouvé, com magistral
beleza, na sua c História moral das mulheres , .
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1 02 0 LIVRO D A ESPÔSA

Diz o eminente escritor e também observador


profundo :
«Da dona de casa dependem a prosperidade
do lar, a saúde dos filhos, o bem-estar do
marido. Brotam das suas mãos o belo e o útil.
porque a disposição de tôdas as coisas em sua
casa atinge o valor duma obra de arte, por ela
realizada e todos os dias retocada. Uma boa
dona de casa precisa ter tôdas as virtudes
fem ininas : ordem, delicadeza, bondade, perspi­
cácia, doçura. Restaura as fortunas arruinadas,
sabe transformar a abastança em abundância.
a vida dentro do estritamente necessário em
v ida desafogada. Governa, emfim, n a mais
ampla acepção do têrmo : governa para salvar,
e o seu domínio é mais concreto do que o dos
ministros e o dos reis.
cO rei mais sagaz poderá livrar das intem­
péries do céu aquilo a que chamam o seu reino ?
t Poderá impedir que a chuva, a saraiva, a
guerra assolem as suas estradas e sear à s ?
i Um rei terá alguma autoridade sôbre as almas ?
l Poderá ordenar aos súbditos que falem ou que
se cale m ? O seu m ando vê fugir-lh e a obediên­
cia de tudo : dos sêres e das coisas.
cA dona de casa, pelo contrário, tem segu­
ros, por assim dizer, nas mãos todos os h abi­
tantes e todos os objectos que constituem o
seu império. Varre do ambiente doméstico a s
palavras grosseiras, o s actos violentos ; vela
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QUALIDADES PRÁTICAS DA ESPÔSA 1 05

tanto pelo bem dos criados como pelo dos


filho, não havendo em sua casa um só sofri­
m ento que ela não possa m i n orar.
•É ela que conserva os m óveis sempre
limpos, a roupa branca sempre muito lavada.
O seu espírito enche toda a casa, organiza-a
a seu gôsto, não faltando nada nesta adminis­
tração doméstica, nem mesmo um ideal encanto.
c t Quem há que, ao passar, à tardinha, n a

aldeia, por urna casita rústica e vendo pela


janela o fogão aceso, a louça posta sôbre a
toalha grossa, mas alvíssima, e o caldo a fume­
gar na mesa, não sente encher-se-lhe a alma
duma inefável ternura, que classificarei de poé­
tica, e não pensa no pobre trabalhador, o qua l
não deve demorar-se muito, e que, depois d e
lidar u m dia inteiro a remover caboucos e sai­
breiras, a tremer á chuva, vai recolher à sua
choupana tão asseada, repousando os olhos e
o coração, fatigados por trabalhos tão ásperos?
c É natural que o campónio sinta êsse bem­

-estar sem verdadeira consciência, mas é posi­


tivo que o aprecia.
c t O próprio intelectual, ao cabo de longas

e áridas meditações, não acha também uma


espécie de repouso, o que tanto idealiza, a o
v e r o s trabalhos caseiros ?
c A leitaria onde a manteiga se acumula em

massas reluzentes, rodada de gotas de água,


a grand e selha da barrela, os tachos com fru-
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1 04 0 LIVRO DA ESPÔSA

tos mergulhados no açucar em ponto, são coisas


que dulcificam o espírito, que até nos enterne­
cem com a doçura característica de tudo que
pertence à família ou à natureza, como ao \ler­
mos o quadro s imples duma \laca pastando, ou
dum campo onde se m oireja na ceifa.
c O s antigos sentiram e exprimiram admi­
rà\lelmente esta poesia doméstica. Nada, quanto
a nós, tem maior encanto na Odisseia, do que
as passagens que nos impõem, nas figuras de
Nausica e Penélope, a princesa e a mulher
caseira ; Xenofonte não escreveu nada com
mais delicadeza do que o quadro das alegrias
da jovem mãi de família.»
Depois de lermos estas verdades de Legouvé,
não podemos deixar de ponderar com amargura
quão deficiente é a moderna educação das don­
zelas ao prepará-las para a tão simpática e
importante missão de donas de casa, de boas
donas de casa.
� Quantas donzelas se poderiam orgulhar,
ao casarem, de ter recebido a orientação prá­
tica que as deve tornar capazes de cumprir a
preceito todos os encargos de dona de casa ?
É nêsse dia que a maior parte delas \lai come­
çar aquel a aprendizagem difícil e pesada quási
sempre, porque só se consegue depois de mui­
tas e laboriosas lutas. E, � com que olhos há-de
o marido ver a espôsa começar a aprender
depois de casada, quando devia ir habilitada
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QUALIDADES PR.ÁTICAS DA ESPÔSA 105

para empregar com competência os seus conhe­


cimentos de govêrno doméstic� ?
Não pode, evidentemente, esta ignorância
da mulher contribuir para a boa h armonia con­
jugal. Com justa razão, o marido contava com
o auxílio duma companheira experimentada, e,
afinal, deparou-se-lhe uma criatura que só
agora se começava a preparar como uma prin­
cipiante de escola.
Realmente, é preciso que o homem seja
dotado de uma grande benevolência para não
deixar transparecer a sua decepção, e seria
injustiça censurar-lhe o mau humor, porque o
verdadeiro culpado não é evidentemente êle.
Os culpados são os pais da espôsa, porq u e,
não querendo atender ao futuro prático das
filhas, as abarrotam de noções supérfluas ou
de prendas vistosas, com prejuízo das qual ida­
des indispensáveis para o desenvolvimento das
virtudes que tornam úteis e felizes as espôsas.
N estas condições, a espôsa tem de remediar
com uma educação atabalhoada no lar conju­
gal a preparação devida que lhe falta.
Ora o organismo material e moral do lar
doméstico é complexo como no mundo.
No segundo dos «Quatro L ivros da MulheP
O L ivro da dona de casa, destinado nitida­
mente a guiar a espôsa na organização m ate­
rial e moral do l ar, poderá ver-se a verdade
do nosso asserto.
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106 0 L!V�O DA ESPÔSA

Nêste livro a espôsa encontra muitas indi­


cações úteis, muitos preceitos de procedi­
m ento, que a ensinarão a evitar as hesitações
e confusões ; mas deve procurar principalmente
na v ida prática o estudo e a posse da expe­
riência orientadora do espírito em tôdas a s
necessidades quotidianas que se lhe forem
deparando.
E, se está carecida de bastante educação,
preparatória antes do casamento, esforce-se a
recém-casada por mostrar uma perfeita boa­
-vontade, um sincero desejo de aprender a
governar bem a casa, conquistando assim a
estima e a benevolência do marido.
Se êle se mostrar agastado com certas fal­
tas de jeito, inevitáveis em quem começa um
género de vida completamente novo, a espôsa
deve desculpar-se sinceramente e sem ressen­
timento, convencendo o m arido de que a sua
educação prática foi até agora muito desam­
parada, mas que ela a vai conquistar e com
tanto zêlo, que, dentro em pouco, não parecerá
a ignorante que é.
Não h averá marido tão falto de critério,
que não verifique os verdadeiros motivos, in­
dependentes da vontade da espôsa, determi­
nantes da sua desastrada inexperiência. Não
há marido que não fique esperançado e satis­
feito ao ver a companh eira de tôda a sua v ida
tomar daí em diante a sério a sua missão e
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QUALIDADES PRÁTICAS DA ESPÔSA 107

envidar todos os esforços para a desempenhar


com a dignidade devida.
O marido, desta maneira, tenderá a ser be­
névolo, terá paciência, e a boa harmonia im­
perará no lar.

A frase govêrno doméstico, entre os seus


diversos significados, todos, aliás, conducentes
à mesma idea, é principalmente sinónimo de
boa ordem, de organização.
Uma boa dona de casa é uma boa organi­
zadora do lar conjugal.
Na organização do lar se baseia a melhor
caução da felicidade material e moral da família
A ordem é a melhor das seguranças da
organização material : - a regularidade dos
costumes - ordem, também, sob outro aspecto
- é a melhor das seguranças da organização
m oral.
E é da espôsa, da influência da sua disci­
plina e do seu exemplo, que depende esta
ordem moral e m aterial.
É ainda êsse um dos meios ao alcance da
espôsa para agradar a o m arido, fazendo-se
amar por êle com profunda amizade conjugal
que, se não tem os transportes apaixonados
d o amor sentimental, nem por isso deixa de
s er afectuosa e mais duradoira.
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1 08 0 LlVR.O DA EsPOSA

Nada poderá impressionar pior o m arido


do que a casa em desalinho, embora êle sej a
homem pouco arranjado. A cada passo s e v ê
mesmo que o indivíduo descuidado é exigente,
e até, mais do que qualquer outro, aprecia as
qualidades duma mulher que tem tudo em per­
feita ordem, em lugares certos, permitindo-lhe
ter à mão coisas que nunca acharia, se fôsse só.
Geralmente, porém, o marido acaba por
adoptar gostosamente o bom método da es­
p ôsa, porque a regularidade, tanto nas coisas
como nos pensamentos e hábitos, contém em
s i, além de muitas e consideradas vantagens
práticas, uma verdadeira e empolgante sedução
que se não perde sem desgôsto, depois de ex­
perimentada.
O m arido que encontra constantemente na
sua casa o mesmo confôrto, os mesmos cuida­
dos e atenções, sem imprevistos que pertur­
bem a tranqüilidade corrente duma vida calma
e feliz, identifica-se, ;por fim, tanto com êsses
hábitos de bem-estar, que por nada do mundo
os abandona depois.
É nisso que consiste o triunfo material e
m oral da boa dona de casa, como se poderá
ver, e mais desenvolvidamente demonstrado,
no << Livro da dona de casa > .
Estes hábitos de ordem, tão úteis à espôsa,
podem ter sido cultivados pela sua educação
de donzela, seguindo os exemplos da família.
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QUALIDADES PRÁTICAS DA ESPÔSA 1 09

Se não sucedeu assim, tem de os adquirir,


mantendo para consigo, sob êste ponto de
vista conjugal, uma austera disciplina.
É tão considerável a importância desta vir­
tude para a paz e felicidade do lar, que nunca
a espôsa se sacrificará demais, esforçando-se
por a alcançar, não um pouco mas no maior
grau possível.
Muitas espôsas há que perdem o am or dos
m a ridos, só por não terem a casa em ordem ;
outras, muito pelo contrário, conseguem a con­
tinuação do afecto dêles, ou o reconquistam,
sabendo apenas tornar-lhes agradável o inte­
rior doméstico, insinuando-lhes hábitos regu­
lares de bem - estar, dos quais os maridos
depois não podem prescindir.

Sôbre tôdas as questões da organização do


l ar avulta uma : a despesa.
A êste respeito, é indispensável que a dona
de casa saiba fazer contas, mas é talvez isto
o que menos lhe ens inaram em s olteira.
Organizar e arranjar uma casa com profi­
ciência não é coisa difícil, se a receita não fôr
tão reduzida, que imponha o severo equilíbrio
das despesas com os recursos. l Mas é o que
sempre acontece ?
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1 10 0 LIVR.O DA ESPÔSA

Os lares mais abastados verificam, pela


própria lição dos factos, que cumpre regular as
despesas pelos rendimentos. Ora, com muito
mais razão, os mais modestos têm que atender
ao m esmo preceito.
E é nêste caso que se impõe à espôsa a
utilidade indispensável de estudar o m eio de
hàbilmente, e com uma quantia limitada, con­
seguir o maior número possível de vantagens
materiais para a vida quotidiana do lar.
Infelizmente, muitas espôsas não podem
conseguir êste resultado, porque, devido à sua
imperfeita educação, não têm a virtude funda­
m ental de conhecer precisamente o que é um
orçamento doméstico.
Grande número de espôsas, não sabendo
fazer contas, não podem calcular o valor do
dinheiro, n em avaliar os m eios, - i e que dolo­
rosos de esforço, às vezes ! - por que êle é
ganho. O que sabem é gastar. E, como o gas­
·
tam com a maior facilidade, julgam que com a
inesma facilidade é ganho.
É por isto freqüente v erem-se muitas a
i nquietarem constantemente os maridos com
exigências de dinheiro, como se essas exigên­
cias fôssem a coisa mais natural do mundo, e
como se o homem, para ter dinheiro, preci­
sasse apenas de o procurar no chão. O pobre
marido, que sabe perfeitamente quanto é difícil
ganhar a vida, ama tanto a espôsa, que o seu
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QUALIDADES P�ÁTICAS DA ESPÔSA 111

maior desejo seria fazer-lh e a vontade ; mas,


ao mesmo tempo, conhece quanto são mingua­
dos os recursos de que dispõe, e que o que
fôr despendido com uma coisa faz falta para a
aquisição doutra, visto que o dinheiro não é
Inesgotável, e, chegado ao fim, está irrem edià­
velmente acabado, evaporou-se.
O formidável argumento da mulher pouco
razoável é êste :
- Isto não é muito caro ! Tu bem podias
comprar isto !
Há um grande m al : é o dela repetir êsse
mesmo argumento diante de dez, vinte objec­
tos, todos sempre baratos, mas que, somados
todos, exigem uma despesa considerável.
Finalmente, abundam as espôsas, aliás muito
ajuizadas noutros sentidos, que não sabem pon­
derar quanto são prejudiciais essas pequenas
despesas.
Ora são essas p equenas despesas as que
arru'inam os lare.s ou que os crivam de priva­
ções e desiquilíbrios.
A boa dona de casa deve ser, por i sso,
também uma mulher económica, sabendo fazer
contas, tendo uma noção perfeita dos rendi­
mentos, das despesas possíveis e das que deve
pôr de parte com todo o rigor.
A sua grande h abilidade é dar ao lar domés­
tico o máximo de bem-estar e atractivos, fa­
zendo sempre a despesa mínima.
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112 0 LIVR.O D A ESPÔSA

Dá tanta satisfação ao marido uma mulher


económfca, quantas preocupações lhe causa a
mulher que não sabe regular as suas contas.
Tal espôsa é uma criatura que, em vez de
pôr em prática as coisas possíveis, fantasia
constantemente projectos mais ou menos dis­
pendiosos, conjugando, todo o dia, o verbo
comprar. Ora é exactamente êste verbo a pa­
lavra que os maridos, - ah ! como são cruei s
as circunstâncias ! - mais odeiam, p o r sabe­
rem que é um constante atentado contra a sua
bôlsa, e que a sua bôlsa não é poço sem
fundo.
Muitas contrariedades, muitas desavenças
se poderiam evitar, se as mulheres fôssem
suficientemente sensatas em não disporem
adiantadamente do que os maridos h ão-de
ganhar.
Todo o homem se desalenta ao ter de em­
pregar todo o seu tempo e todo o seu espi­
nhoso trabalho na exclusiva tarefa de adquirir
uma quantia que sabe já estar há muito apli­
cada em espírito pela mulher a uma determi­
nada despesa.
A espôsa deve saber usar de muita mode­
ração nas sempre irritantes questões de di­
nheiro. Nunca deve manifestar exigências de­
masiadas.
Pelo contrário, deve notar, dentro da cons­
ciência, que os seus pedidos de dinheiro, além
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QUALIDADES PI{ÂTICAS DA ESPÔSA 115

de desgostarem o marido, não acrescentam um


ceftil aos recursos domésticos. É que, além
de tudo, muitos h om ens, aborrecidos e desani­
mados com as excessivas despesas feitas pela
mulher, acabam por não trabalhar, ou entregam
em casa apenas o indispensável para o sus­
tento doméstico.

§ 4.o

Nas próprias famílias ricas,_ nunca é bom


que a dona de casa se desinteresse dos traba­
lhos caseiros, entregando a administração do
lar ao cuidado de servos, por mais que êles
m ereçam uma absoluta confiança.
A dona de casa prejudica-se, desdenhando
dos pequenos interêsses da administração do
seu lar.
A abstenção nestes casos, por indolência
ou por enraizado amor das distracções munda­
nas ou doutras ocupações, seja p e io que fôr, é
sempre censurável, porque é nociva.
O marido deve ter na sua espôsa um outro
eu, a quem entregue confiadamente a vigilân­
cia dos interêsses do l ar. Quando a espôsa s e
esquiva a desempenhar esta missão d e con­
fiança, falta a um dever essencial e desgosta,
inevitàvelmente, o marido.
Em tôdas as famílias é indispensável a in-
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114 0 LIVRO DA ESPÔSA

tervenção mais ou menos constante da senhora


da casa. Quando não trabalhe manualmente no
arranj o doméstico, deve, pelo menos vigiá-lo e
dirigi-lo, instruir os criados de forma que cum­
pram o seu dever, segundo os bons hábitos
es tabelecidos.
A espôsa, numa palavra, deve ser traba­
lhadeira, ou em lida manual, ou dirigindo os
trabalhos com espírito prático, porque só assim
poderá conseguir aquela ordem, que, como
vim os, é uma das condições basilares da feli­
cidade doméstica.
O marido dedica-lhe então a mais profunda
estima, porque nela vê tôda a alma do bom fun­
cionamento, do l ar. Reconhece isto profunda­
mente, e assim se consolidará tanto a amizade
que dedica à sua companheira, quanto essa
amizade se basear em duradoiras qualidades.
Mas, inversamente, o marido atentará tam­
bém com facilidade na falta de espírito ca­
seiro da mulher que s e desinteresse da sua
casa, preferindo a vida indolente ou o esbanja­
mento aos cuidados p ráticos da vida doméstica.
Sente naturalmente uma impressão de des­
gôsto, sempre prejudicial à simpatia que deve
unir os dois esposos.
Finalmente, uma das mais inestimáveis qua­
lidades práticas da boa dona de casa é a pre­
vidência.
Muitas mulheres há que, por deficiente edu-
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QUALIDADES PRÁTICAS DA ESPÔSA 1 15

cação positiva, governam a sua casa com todo


o zêlo, na verdade, mas atendendo apenas às
necessidades do dia presente, sem se preocu­
parem com o dia seguinte. É uma prejudicial
disposição de espírito, porque favorece as des­
pesas e põe de lado as economias.
A mulher previdente não esquece nunca as
necessidades presentes e futuras, e assim toma
sàl idamente as suas resoluções.
Não desconhece que numa casa há, além
de objectos duradoiros, outros que se estragam
e que é preciso, de tempos · a tempos, renovar,
como são as roupas brancas, os fatos, o cal­
çado, etc.
Também não ignora que a renovação dês­
ses utensílios se pode retardar, tendo com êles
cuidados constantes, consertando-os e com­
pondo-os a tempo.
Uma mulher assim previdente vale um te­
sofro numa casa, porque é ela quem adia as
despesas a fazer, e quem as reduz ao mínimo.
t Como admirarmo-nos, pois, de que um ma­
rido sensato e i nteligente dê especial valor a
uma mulher possuidora de tôdas estas virtudes
práticas da boa dona de casa, e por ela sinta
simpatia ?
� Poderia êle acalentar a mesma simpatia por
uma espôsa que nunca s e tivesse esforçado por
lhe dar uma agradável vida doméstica, bem admi­
nistrada, com o mínimo de despesa ?
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CAP ÍTULO VI

Qualidades morais da espôsa

Alguns escritores, mal orientados, que ao


estudo da psicologia feminina têm consagrado
as suas lucubrações, descobriram, com compla­
c ência sua, no carácter da mulher um defeito
capital : a falta de equilíbrio nas qualidades
morais, a carência de ponderação.
Dizem êles : às vezes, a mulher revela uma
fina sensibilidade, uma penetrante compreen­
são de tôdas as coisas, uma doce afectividade
cheia de delicadeza e de atenções.
De-repente, sem que n enhuma causa apa­
rente o explique, a mesma mulher, manifesta a
mais Inexorável aspereza, uma espêssa mura­
lha de obstinação lhe embarga a inteligência,
parecendo que todos os sentimentos afectivos
se ausentaram por completo do seu coração.
Esses psicólogos só chegam a estas conclu­
sões absolutas, por generalizarem, com dema­
siada irreflexão, alguns casos particulares.
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1 18 0 LiVR.O DA ESPÔSA

A instabilidade do carácter não é uma


fraqueza que se deva atribuir só à mulher.
i Quantos h omens, pelo contrário, são mulheres
nesse sentido !
Por outro lado, nem tôdas as mulheres.
sem excepção, p ecam por êsse defeito. Tôda
a gente conhece bastante que, sob êste ponto
de vista, são inacessíveis à crítica.
Que a mulher é mais susceptível do que. o
homem de se perturbar sob a influência de
certas causas, no equilíbrio moral, é um facto
inegável. É até essa uma das condições da
sua maneira de ser.
Mas basearmo-nos nesta particularidade
para, por completo, se contestar à mulher a
capacidade de ponderar os sentimentos e a s
ideas, é u m exagêro tão insensato, como in­
justo e desastrado.
É insensato, por se firmar num certo número
de casos particulares, insuficientes para se
formular uma tese geral.
É injusto, porque só encara os factos que
podem fortalecer a tese, e põe de parte os
factos que a contestam.
É emfim desastrado, porque, amarrando a
mulher à sua natural franqueza de carácter.
despoja-a não só de tôda esperança de ven­
cer a sua irremediável inferioridade, como do
desejo de tentar aperfeiçoar-se.
Nada mais maléfico do que a influência
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QUALIDADES MORAIS DA ESPÔSA 119

exercida sôbre o espíríto feminino pelas teses


absolutas dos psicólogos de limitada visão
que, com as suas fantasias, escurentam a
real idade dos factos reais, mal observados
por êles.
A verdade é muito mais simples. A mulher,
çomo o homem, tem imperfeições, mas, tanto
como o homem, é essencialmente capaz d e
aperfeiçoar-se.
Pelo exercício, pela repetição dos actos da
vontade, pode alcançar um fim digno, subjugar
as suas tendências mais arreigadas - e igualar,
na energia e na luta contra si mesma, o h omem
de maior fôrça de carácter.
E não se julgue isto uma ilusão psicológica ;
tôda a gente pode observar a verdade desta
observação, logo que atenda a factos que
todos os dias se nos deparam.
Por i sso, podemos logicamente dizer às
espôsas :
c Nunca vos entregueis ao desalento, por
mais fracas e faltas de vontade que vos jul­
gueis dentro da vossa consciência, ao defron­
tarem-se-vos as obrigações morais que vos
pertencem.
É uma mentira que a mulher seja necessà­
riamente, fatalmente, um ser fraco, um ser
como que irresponsável, incapaz de aspirar ao
aperfeiçoamento.
Os que propagandizam essas ideas são fal-
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120 0 LIVRO DA ESPÔSA

sos pensadores, lunáticos que não têm cons­


ciência do mal que a sua obra causa.
A mulher pode aspirar a tôdas as �irtudes
necessárias a tôda a sua missão na terra.
Bastar-lhe-á empregar uma vontade tenaz e
fazer uso dos meios indispensáveis.
Vós, portanto, já que casastes, esforçai-vos
desde já, se ainda o não fizestes, por adquirir,
no maior grau possslvel, as qualidades morais
da espôsa. :.
As reflexões acima deixadas nada têm de
supérfluo.
Realmente, i quantas mulheres, influencia­
das pela organizadora educação moderna, não
m ostram resignar-se excessivamente com quais­
quer disposições morais que l evem para o seu
lar, dizendo lá para consigo, por demais irre­
flectidas :
- Não tem que ver, eu não sou uma cria­
tura perfeita . . . Mas o m eu m arido há-de acei­
tar-me tal qual sou, e nã"o terá outro remédio
senão contentar-se !
i Mas quem vos assegura que êle se con­
tentará ? Melhor seria dizer que chegará a re­
signar-se ; mostrará cara alegre no melo do des­
gôsto ; mas não tem, com certeza, o mesmo con­
tentamento que sentiria, se a mulher dissesse :
- Ah ! Não sou perfeita, mas vou-me esfor­
çar pelo meu aperfeiçoamento, e de tal maneira,
que meu marido fique todo satisfeito comigo.
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QUALIDADES MO�AlS DA ESPÔSA 121

Ê ste devia ser o raciocínio de tôda a mulher


que, convictamente, pretende seguir os dois
preceitos fundamentais da boa espôsa : 1 .0 tudo
quanto a mulher faz pela felicidade do marido,
contribue para a feli c i d a d e dela própria ;
2.0 que, para dar felicidade ao m arido, é pre­
ciso sacrificar a espôsa, muito do seu egoísmo.
já vimos quanto as qualidades práticas da
espôsa concorrem, com eficácia, para a pros­
peridade do lar e, por conseguinte, para a
felicidade conjugal. As qualidades morais, as
virtudes de carácter e coração, não têm impor­
tância menor.
O que se chama carácter é quási tôda a
personalidade. Se o carácter é bom, a pessoa
é agradável ; se é mau, a p essoa será intra­
tável, irritante.
D iz-se todavia, geralm ente, que mais vale
ter um mau carácter do que não ter nenhum.
É um modo de flagelar a volubilidade, a
inconsistência do carácter, tão atribuída à
mulher, mas sob um ponto de vista exagera­
damente genérico, segundo v imos já.
Não pode contestar-se que a mulher é mais
i nclinada do que o homem à desigualdade de
carácter. Pois bem. É esta mais uma razão
para que ela com mais cuidado pense nesta
tendência, e ardentemente se esforce por cor­
rigir tal defeito, muito grave, principalmente
no que pode lesar a felicidade conjugal.
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1 22 0 L!V�O DA ESPÔSA

Nada mais embaraçoso e até mais irritante


para um marido, do que as veleidades duma
espôsa, que nunca sabe o que quer, que todos
os dias muda de humores, inutilizando os
melhores esforços conciliatórios, emfim, uma
mulher que - para nos servirmos duma frase
popular, muito expressiva - nem se entende
pelos pés nem pela cabeça.
Bem sabemos qua nto, na '\lerdade, é difícil
às pessoas de temperamento impulsivo o domi­
narem-se, e o manifestarem o que lhe vai na
alma ou por palavras, ou por meio de silêncio,
ou por censuras e mostras de despeito. Mas
não é impossível isso.
Experimentem as mulheres êsse esfôrço !
Ponham a o serviço da sua razão a vontade
firme que, com bom êxito, têm empregado
para conseguir coisas muito m enos importantes.
Tomem como voluntário tema reprimir com
energia as i m p a c i ê n ci a s , os caprichos, os
amuos ostensivos, às vezes tão i nfantis e i nsen­
satos.
Verão como, pouco a pouco, se habituam· a
vencer-se a si próprias. O hábito tudo facilita,
até o que se nos afigura mais difícil de reali­
zar-se. E a espôsa, assim fortificada no cará­
cter, verá um dia, ao fazer o seu exame de
consciência, com sincero assombro, que decor­
reu uma semana inteira sem ter dito a seu
m arido uma só palavra que o pudesse desgostar.
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QUALIDADES MORAIS DA ESPÔSA 1 25

É que basta querer, para surdirem tôdas a s


felicidades n o cumprimento do dever.

§ 2,o

As mulheres não ponderam bastante a s


coisas. Não se entregam bastante à consulta
da sua razão. E não é porque lhes faltem
dotes naturais, pois têm, como os homens,
tôdas as faculdades para reflectir e raciocinar.
Mas não querem, ou talvez porque nunca
se lhes fêz notar b astante quanto é prejudicial
proceder ao acaso, não calculando bem as
conseqüências das acções m enos importantes.
antes de as praticarem.
Se a espôsa quiser sujeitar-se a meditar
quanto a sua conduta sensatam ente moderada
há-de ser vantaj osa para a felicidade conjugal.
não levará muito tempo a compenetrar-se d a
urgência i rresistível de educar quanto possí­
vel o temperamento, e deitará mãos à obra d e
todo o coração.
De-pressa alcancará a desejada igualdade
de carácter, a firmeza das ideas, dos senti­
m entos, e a sua exteriorização, em vez da an­
tiga i ncoerência.
Nunca mais o marido terá de viver com
uma mulher esquisita e incompreensível, mu­
dando de parecer de minuto a minuto, mu-
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1 24 0 L!V�O DA ESPÕSA

dando tanto e por tal forma, que nunca se


pode calcular para onde dará o seu humor.
Vive, sim, com uma espôsa serena, sempre
na mesma disposição de agradar e de ver o
m arido s atisfeito. S e alguma coisa a desgosta,
e deseja dizer ao marido a causa do seu des­
-gôsto, dl-la sem lamentações e sem gri tarias,
sem exageros, mas como o deve fazer tôda a
pessoa criteriosa, sensatamente, ponderada­
m ente.
A igualdade do carácter da espôsa dá como
resultado imediato a mesma regularidade de
{:arácter por parte do marido.
c! Como é que o homem há-de mostrar-se
{:Om o m enor m au humor, se, no lar conjugal,
nada vê que o contrarie, e antes tudo o cerca
de afecto, de solicitude e de bem-estar ?
Ainda que venha mal disposto de fora, desva­
n ece-se-lh e naturalmente o m au humor naquele
conforto, naquela felicidade que deve à espôsa.
A mulher inteligente, se n otar alguma nu­
\lem a entenebrecer o olhar do marido, com
mais razão redobra de cuidados para a dissi­
p ar, e com tanta h abilidade o fará, que acaba
por ver o seu desgôsto dissipado pelo pene­
trante calor da simpatia conjugal, desapare­
cendo, por fim, tôda a sua tristeza.
A mulher de Sócrates, a imortal Xantippa,
tinha igualdade de carácter, mas porque estava
sempre enfurecida.
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QUALIDADES MOR.AIS DA ESPÓSA 125

Nós, porém, não compreendemos assim a


igualdade de carácter : no nosso entender, é o
bom humor, constante.
Há, sem dúvida, na v ida muitas circunstân­
cias que não são de molde a despertar-no s
alegria. Contudo, podemos, d e certo modo,.
não deixar transparecer a mágoa intima, mos­
trando apenas bom humor.
O bom humor tem uma grande importância
na felicidade conjugal. Encanta e desperta
p rofunda satisfação no marido o encontrar sua
mulher de aspecto calmo e sorridente, sempre
j ovial, vendo a vida pelo lado m elhor, não se
perturbando com pequenas contrariedades.
O bom humor é contagioso. Medra, comu­
nica-se, ateia-se como uma benéfica chama,
fazendo cintilar o sorriso nos olhos e pulsar a
alegria nos corações.
O tempo é suave, decorre n do ràpidamente,
quando vivem dois esposos, criaturas alegres
um e outro, sentindo as suas almas em h armo­
nia perfeita, impressionadas somente por agra­
déveis ideas, e por sentimentos afectuosos.
Não são necessárias, nêste caso, satisfações
extraordinária s : basta a alegria serena que a
boa disposição de carácter c ontém.
A felicidade, a verdadeira e única felici­
dade, consiste nesta alegria íntima que tão
fácil é criar, desenvolver e conservar no lar
conjugal.
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1 26 0 LlV�O DA ESPÔSA

Eis o que a espôsa devia saber e ter sem ­


pre presente no espfrito.
� É , porventura, muito difícil à mulher ser
afectuosa e meiga, e tão senhora dos senti­
m entos próprios, que, por sua causa, nunca a
felicidade conjugal seja perturbada ?
� Não lhe deve dar até prazer a fácil tarefa
de dar todo o encanto das sensações afectuo­
sas, a placidez dum constante bom humor,
cheio de benevolência, à sua vida doméstica ?
� Não tem ela, finalmente, tudo a lucrar,
sob o ponto de vista na felicidade pessoal e
d o próprio prestígio, com fazer a sua obra,
dentro da vida comum, e obra, que é cheia de
abonançamento, alegria e afecto ?
Verdades estas das que basta exprimirem­
-se para se impôr tôda a sua importância.
� Que mais será preciso dizer para que as
espôsas conheçam a multiplididade das razões
que devem estimulá-las a basear a felici dade
conjugal na igualdade do carácter e no bom
humor ?
Outra virtude da espôsa, que tanto com<? o
bom humor, muito cativa o m arido : é a com­
placência.
Esta preciosa qualidade é uma das formas
do desejo de agradar que, como vimos, dá à
mulher um dos melhores elementos para asse­
gurar tanto a felicidade do marido como a sua.
Sendo na essência uma disposição espe-
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QUALIDADES MOR.AIS DA ESPÔSA 1 27

ela! para tornar os outros satisfeitos, a com­


placência auxilia a transigir sem custo com
certas coisas que mais ou menos nos desagra­
dam. É, emfim, outra condição fundamental da
b oa harmonia no viver dos esposos.
Dois esposos, de carácteres pouco afins,
que dificilmente estão de acôrdo, logo a prin­
cípio chegam a h armonizar-se por completo,
devido unicamente a uma recíproca compla­
cência. Um e outro transigem e assim é sempre
a vida. Cada um por seu lado, cede um pouco
de egoísmo, um pouco de orgulho, de teimo­
sia, das suas conveniências pessoais, e vê-se,
por fim, que, semeando a complacência, se
colhe a felicidade.
Em tôdas as pequeninas coisas da vida
quotidiana se pode exercer constantemente a
complacência. i Quantas e quantas vezes ne­
nhuma vontade temos de fazer isto ou aquilo,
e o fazemos, contudo, só para complacência
com alguém !
Mas tem sempre dois proveitos 'êste sacri­
fício.
·
Em primeiro lugar, nunca é inútil uma prova
de atenção. Nenhum marido pode ficar indife­
rente ante as atenciosas mostras de boa von­
tade da espôsa, e nenhum deixará de sentir o
desejo de lhes retribuir com outras iguais, e
de lhe pagar, em afecto e em alegrias, o que
ela fêz só para lhe ser agradável.
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12B 0 LIVRO DA ESPÔSA

Depois, a complacência é uma excelente


escola de moral. Quem se habituar a ser com­
placente, consegue com segurança suavizar -as
asperezas de carácter que por ventura tenha�
regulariza o bom humor e a condescendência,
qualidades que tanto contribuem para a felici­
dade conjugal.
Tais hábitos tornam cada vez menos penoso
o que antigamente se nos afigurava talvez um
sacrifício. Constituem uma qualidade perfeita­
mente natural, e que, desde logo, nos recom­
pensa copiosamente em felicidade.

A complacência é uma qualidade mora l que


nos impele a satisfazer, de boa vontade, os
desejos que os outros nos exprimem.
A bondade é uma \lirtude que nos conduz a
fazer o bem, sem que no-lo tenham solicitado.
A bondade é, pois, de certo modo, uma
complacência previdente que não espera sequer­
p el a manifestação de um desejo.
A espôsa complacente dirá :
- � Queres que te ajude a tirar os sapato s
molhados e que te traga a s pantufas ? Da
melhor vontade o faço.
A espôsa bondosa viu logo que, num dia
tão chuvoso, o m arido chegaria a casa com o,
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QUALIDADES MOaAIS DA ESPÔSA 1 29

calçado molhado e os pés frios. Por isso, l ogo


que êle chega, j á as pantufas estão quentes e
preparadas para lhe reconfortar os pés.
A complacência manifesta-se pela satisfa­
ção imediata dos desejos que nos exprimem.
Mas a bondade distingue-se pelo cuidado
n a previsão de todos os desejos.

Ah ! não se imagina de-veras a extraordiná­


ria e deliciosa influência que tem sôbre o m a­
rido a bondade da espôsa, prevendo os desejos
que êle tem, prevendo até satisfações d o que
êle se não lembrava de pedir, pelo que mais
reconhecido fica à espôsa.
i Se as espôsas soubessem que poder e fôrça
conquistam pela complacência e pela bondade !
O marido, enleado por tão doces, tão gratos
atractivos, entrega-se completamente à vontade
da espôsa.
Com efeito, t de que nos serviria irmos,
lev ados por p al avras, atrás dos psicólogos, pelo
mundo ideal em que êles devaneiam ?
Todos nós, h omens e mulheres, vivemos
sob a influência do melo que nos cerca, e nã·o
podemos de forma alguma deixar de a sentir.
É da nossa constitui'ção natural estarmos
numa perfeita dependência dêsse meio a que
nos ligam as nossas sensações, doces ou
amargas.
Por isso, a espôsa, que, pela superior!�
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150 0 LIVRO DA ESPÔSA

dade das suas virtudes, conseguir encher de


atractivos o lar, de m aneira que o marido ali
se sinta bem, se sinta detido por todos os en­
cantos do bem-estar material, de amizade e de
bondade, essa espôsa, dizíamos, é a senhora
absoluta do seu companheiro de existência.
A felicidade que a espôsa lhe procura é
uma cadeia doirada que os prende um ao
outro e os faz fruir juntos a mesma doçura
de viver.
Ora a complacência, como tôdas as quali­
dades humanas, adquirem-se pelo hábito, pela
repetição de actos que a manifestem, e o mesmo
se poderá dizer da bondade.
Nem todos os dias da existência são dias
felizes. A doença, o infortúnio, podem assolar
a casa dos esposos.
Pois é exactamente nestas ocasiões que
melhor se põe em evidência a firmeza das suas
virtudes. l Qual deverá ser o seu procedimento,
nas ocasiões más, para com o marido e na
presença dos acontecimentos?
Eis a pedra de toque que ao m arido e a tôda
a gente permite formular sôbre ela um juízo
s eguro. É então que a espôsa carece duma vir­
tude superior, que deve m anifestar com brilho,
e que faltando-lhe, desde logo a condena :
a dedicação.
Há mulheres, embora poucas, felizmente,
afectuosíssimas quando a vida é próspera, mas
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QUALIDADES MOR.AIS DA ESPÔSA 151

que, de súbito, ao chegar a adversidade, não


acompanham o m arido no infortúnio.
São mulheres que não compreendem a natu­
reza essencial do casamento. Nunca compreen­
deram que essa união obriga a espôsa à fide­
lidade, tanto n as desventuras como nos dias
prósperos. Apenas a adversidade ruge ao l onge,
como uma tempestade, ei-las pensando só em
si, esquecendo-se de que o seu papel é justa­
m ente impedir que o homem fique só, e se
e ntregue ao desalento. Fogem covardemente
do seu pôsto de h onra e deixam o m arido
desesperado com o seu desamparo, a resolver
sàzinho as suas dificuldades . . . se tanto lhe é
possível !
Mas a vida ordinária oferece quadros mais
consoladores.
A grande maioria das mulheres, mesmo as
que a princípio não tinham p erfeita noção dos
deveres impostos pelo casamento, sabem con­
servar-se à altura da sua m issão. Comparti­
lham abnegadamente a má fortuna do marido,
e assim se mostram dignas da sua afeição.
A dedicação da mulher é uma das mais
belas páginas da história humana. Daria uma
grande obra, que h avia de ficar como o melhor
ensinamento das virtudes conjugais, a de quem
a historiasse num livro repassado de frases
i ndeléveis.
A muitos rasgos da dedicação das espôsas
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1 52 0 LIVRO DA EsPOSA

devem numerosos lares a ressurreição da feli­


cidade que as divergências de génios e as
disputas h aviam perturbado.

Emfim, ainda uma outra qualidade que a


espôsa precisa ter, em inúmeras circunstâncias,.
é a paciência.
Não há maridos sem defeitos. Nenhuma
mulher tenha a ilusão de que com ela se há-de
dar um caso particular, e de que lhe está reser­
vada uma sorte excepcional.
Não. O vosso marido, como todos os mari­
dos, será dotado de virtudes e também de
defeitos, em quaisquer proporções, variáveis.,
de indivíduo para indivíduo.
Se as virtudes predominam, é fácil a v ossa
tarefa.
Se predominam os defeitos, então a vossa·
missão será mais esf)inhosa, mas nem por isso­
ficais com o direito de vos desinteressardes.
dela.
Aceitai-a, pois, sem vacilações, resoluta-·
mente.
A personalidade de um homem não é uma
entidade definitiva e imutável.
O homem, como tudo, está sujeito a o impé­
rio das circunstâncias, dos acontecimentos, e
obedece-lhes, quer queira, quer não.
Ora as circunstâncias da vida conjugal estão
na mão da mulher ; é da mulher que dependem.
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QUALIDADES MOJ{AIS DA ESPÔSA 155

Da mulher depende, portanto, modificar o


carácter do espôso, da maneira mais conve­
niente à felicidade dos dois.
A tarefa não será fácil, mas que importa !
O essencial é tentar cumpri-la, aplicar-se a
ela sem desalento, empregar todos os meios a o
s e u alcance para atingir o fi m desejado.
A condição essencial do exito é a paciência.
Com o tempo e a paciência tudo se con­
segue !
Há um antigo adágio que diz :
A felicidade conjugal vem do bom senso
do marido e da paciência da mulher.
Pois bem ! Podemos acrescentar que até
quando o marido não é sensato, basta em tudo
a paciência da espôsa.

l Quereis ser felizes e fazer felizes vossos


maridos ? A tôdas as qualidades da espôsa
juntai as duma amiga.
Mercier mostrou a delicadíssima intuição
do que é a amizade duma mulher, mesmo por
um homem que não é seu espôso, ao escrever
i sto :
c A amizade das mulheres tem um encanto
mais doce do que a amizade dos h omens ; é
um afecto activo, v igilante ; é tenaz, virtuoso e,
sobretudo, duradoiro.
c Uma mulher, aos trinta anos, é uma exce-
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154 0 LiVR.O DA ESPÔSA

lente amiga, dedica-se a um homem. a quem


estima, presta-lhe mil serviços, dá-lhe e obtém
dê te tôda a confiança ; ama a glória do seu
marido, defende-o, indulgencla-lhe as fraque­
zas, em tudo repara e tudo que sabe conta-lho ;
serve-o eficazmente nas horas oportunas, não
se poupa nem a trabalhos nem a lides ; e o
infeliz, quando ferido pela desfortuna e des­
denhado pelos poderosos, reencontra tudo que
perdeu na amizade de uma mulher" .
Seja, pois, a espôsa uma amiga de seu ma­
rido, como a que fica retratada nêste quadro
psicológico. Multiplique, quanto possível, os
laços de simpatia que unem os esposos.
Realize aquele ideal de amor conjugal á
por nós definido, conforme no-lo ensina a
observação e experiência, como que conglo­
bando tôdas as afeições.

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CAP ÍTULO VII

Qualidades i ntelectuais da espôsa

Vimos nos p r e c e d e n t e s capítulos com o


pouco e pouco se patenteiam as condições da
felicidade dos dois esposos.
É tanto mais sólida, tanto mais completa
essa felicidade, quanto melhor se multiplica­
rem as simpatias entre marido e mulher.
Assim podemos agora afirmar, como natu­
ral conseqüência daquela observação, que a s
simpatias intelectuais são também um impor­
tante elemento do afecto e da felicidade con­
jugal.
Por desfortuna, os m odernos sistemas de
educação cavam um abismo entre o espírito
do h omem e da mulher.
A inteligência dos mancebos é cultivada
com uma orientação que, com mais ou menos
l ógica, só procura obter uma carreira. As don­
zelas recebem l argamente noções i ntelectuais
análogas às que aprendem os rapazes, mas
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1 56 0 LIVRO D A ESPÔSA

sem aquela orientação prática, sem considera­


ção alguma pela utilidade que mais tarde po­
dem ter.
Parece que isto assim deveria estabelecer
entre as benefi ci adas, ou antes, entre as víti­
mas de tais métodos de ensino, uma certa
semelhança de tendências, de pontos de con­
tacto intelectuais.
Pois sucede exactamente o contrário, e
Anatole France, espírito penetrantfssimo em
muitas questões, encontrou a perfeita explica­
ção dêste facto, quando escreveu :
·As mulheres, estão como nós, integradas
na natureza.
•Como nós, têm necessidade de uma par­
cela de todos os conhecimentos.
•Mas, pela forma por que se entendeu ins­
trui -las, separam-nas e como que as cindiram
da natureza em vez de multiplicarem as suas
relações com o universo. Ensinaram-lhes pala­
vras e não coisas, e encheram-lhes o cérebro
de longas nomenclaturas de história, de geo­
grafia e de zoologia, que não têm, por si pró·
prias, nenhuma significação.
c Sorri-me com tristeza, ao lembrar-me dês­
ses pedagogos que ensinam às crianças os
vocábulos de uma língua que elas nunca hão­
-de ouvir nem falar. Darão a isto como resposta
que, daquela forma, ensinam os elementos das
ciências e proporcionam às donzelas luzes de
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QUALIDADES INTELECTUAIS DA ESPÔSA 157

tudo. l Mas será difícil de ver que só lhes dão


trevas de tudo e que, para i ncutir i deas naque­
las j ovens cabeças seria preferível empregar
um m étodo por completo diferente ?,
Com esta pedagogia mecânica, irreflectida,
sem veadade e sem alcance, formam-se nas
nossas donzelas, e também nos nossos mance­
bos, mentalidades artificiais, como admiràvel­
mente as descreve Leon Daudet no seu l ivro
Os primdrios.
c Os c primários ,, diz êle, são os filhos do
manual e da noção, os que substituem a
complexidade dos factos pela puerilidade das
fórmulas, os que crêem ter a verdade m etida
na cabeça, num livrinho ou na algibeira, gene­
ralizando-as sem reflectir e dogmatizando sem
classificar, .
Mas nem s ó o ensino elementar produz
dêsses espíritos limitados, justamente qualifi­
cados de cprimários , ; também o secundário,
e mesmo o ensino superior os produzem.
Todos os espíritos, formados assim, são
bébés raquíticos do livro, êsse mau blberão
Intelectual que dá uma alimentação artificial
em vez da amamentação sádia e gener osa das
·

real idades da v ida.


Vêem tudo excl usiv a m e n te pelos livros,
como se a palavra escrita valesse mais do que
o e�sino verbal, como se o livro não fôsse um
auxiliar do pensamento e não o seu substituto.
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1158 0 LIVRO DA ESPÔSA

Ora, um livro só tem valor, quando nos faz


-ver tudo com mais clareza dentro de nós mes­
mos e ao redor de nós. Um l i-vro não é mais
do que um instrumento de óptica intelectual,
mais ou menos rigoroso, de maior ou menor
alcance, por meio do qual estudamos a vida
real.
Mas não o entende assim a pedagogia
moderna, e faz do livro um alimento intelectual,
semelhante àquelas condensadas pílulas ali­
mentares sonhadas pela química. Queiram ou
não, as crianças são obrigadas a engulir c pas­
tllhas condensadas > de história, de geografia,
de química, de física, etc. e assim ficam os
pobres pequenos convencidos de que sabem
realmente história, geografia e o mais.
Há c alimentos condensados > de tudo e para
tudo : de educação cívica para fazer bons cida­
dãos e principalmente bons eleitores ; de eco­
nomia doméstica para faz e r donas de casa, e
Deus sabe que mais.
Nas suas canseiras, lá os -vereis munidos
dêste simples 'Viático.
Por isso, quando dois j o-vens do n osso
tempo se casam, faz-se o casamento, a rigor,
mas sob o ponto de vista intelectual, de dois
m anuais esco l ares.
Se os manuais são do mesmo autor, os noi­
-vos estão sempre de acôrdo. Mas, se a obra
adaptada no liceu dos rapazes não está auto-
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QUALIDADES INTELECTUAIS DA ESPÔSA 159

rizada no liceu feminino, as conversações con­


jugais podem ocasionar intermináveis contro­
Vérsias.

Entrando na vida prática, os homens de­


·pressa se desembaraçam das tiranias do livro,
porque não lhes é difícil nem demorado con­
vencerem-se de que nas árduas tarefas da luta
pela existência de muito pouco lhes serve o
manual escolar.
As donzelas recebem mais profundamente
a influência do ensino c livresco ,, porque a
pequena actividade da sua vida não lhes per­
mite verificar fàcilmente o pequeno valor real
da instrução recebida.
Seja como fôr, não é nas noções especiais�
colhidas na educação colegial ou liceal, que a
espôsa pode achar afinidades intelectuais com
o marido e, portanto, novas simpatias.
Só pela cultura geral do espírito poderá
conseguir manter conversações inteligentes e
cheias de atractivos para o espôso, desenvol­
vendo então n a gerência domésti.ca os conhe­
cimentos úteis que tiver.
Por outras palavras : pouco importa que a
mulher saiba n a ponta da língua a cronologia
dos Faraós do Egipto, ou as fórmulas dos
compostos oxigenados de carbono, porque não
é de supor-se que numa conversa se vá tratar
nunca de tais assuntos.
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140 0 LiVRO DA ESPÕSA

Seria, contudo, muito para lamentar que a


mulher não soubesse responder, ou respon­
dêsse sem critério, quando o m arido emitisse
a sua opinião sôbre qualquer acontecimento,
ou lhe pedisse a opinião a propósito dum acon­
tecimento vulgar.
A nossa tese é, pois, esta : os conhecimen­
tos eruditos são noções de luxo, que só em
circunstâncias muito restritas se podem utili­
zar ; pelo contrário, os conhecimentos que s e
-rel acionam c o m a vida ordinária aplicam-se a
cada passo.
Não fica mesmo bem a uma mulher fazer
ostentação da sua ciência, aproveitando todos
os ensejos para recitar fórmulas e sentenças
que lhe ficaram guardadas n a memória.
É difícil, nestes casos, não mostrar afec­
tação, e mais difícil ainda evitar o pedantismo,
que é, com o egoísmo, o que há de m ais
odioso.
Em vez de deleitar o marido com tais
demonstrações de saber, arrisca-se a irritá-lo.
Não, minhas senhoras, nunca devem deixar
de ter naturalidade.
Se no decorrer duma conversa tiverem de
exprimir a sua opinião ou de desfazer um êrro,
façam-no sem tomar atitudes doutorais, perigo
em que é fácil cair quando se tem consciência
de saber multo.
A melhor maneira de se não resvalar em
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QUALIDADES INTELECTUAIS DA ESPÕSA 141

tal perigo, é usar um subterfúgio - que eu não


receio recomendar, pois, por experiência pró­
pria, sei que dá bom resultado - na forma
dubitiva, dizendo por exemplo :
- Olha, eu estava convencida de que isso
não era assim, e antes assim . . . Ou :
- Sôbre êste mesmo assunto ouvi dizer . . .
P or êste modo, dirão o que pretendiam
dizer, mostrarão que conhecem a questão per­
feitamente, e tudo i sto será feito com o encanto
da modéstia.
É cem vezes melhor para uma espôsa igno­
rar, ou m ostrar que i gnora, pedindo um escla­
recimento, do que teimar, e afectar atitudes de
sabichona.
Para o marido é agradabilíssimo responder
a uma pregunta i nteligentemente feita pela
espôsa, mostrando quanto se interessa pelo
que êle diz, a boa vontade de saber e como
confia no bom critério dêle p ara se orientar.
Uma espôsa sensata i nteressa-se sempre
pelo que diz o marido, faz por compreendê-lo,
e pedirá expl icações sõbre o que não entender
bem. É assim, e n ão ostentando erudição de
compêndio, que entre os esposos se estabe­
lece a simpatia i ntelectual já referida, que é
mais um laço de simpatia.

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1 42 0 LiVRO DA ESPÔSA

Se é, na verdade, um êrro capital e funes­


tíssimo julgar que tôda a sabedoria humana
está nos livros e que os livros podem substi­
tuir a experiência e o raciocínio, mais grossei­
ramente funesto ainda seria pensar que a
l eitura é coisa absolutamente dispensável.
Todo o excesso é um êrro. Peça-se aos
livros só o que êles podem dar ; mas aprovei­
te-se só o que êles dão ao nosso espírito, isto
é, um ensinamento colhido em experiência do
presente.
Os livros também são repositórios das opi­
n iões e sentimentos humanos, sôbre todos os
assuntos, desde os tempos mais remotos.
Os livros encerraram ainda as obras primas
das literaturas de todos os séculos, são o resul­
tado dos esforços de homens de extraordinário
génio para erguer o seu espírito e o pensa­
mento de tôda a humanidade, acima das mes­
quinhas preocupações vulgares, até às regiões
transcendentes do sentimento, da beleza e do
i deal.
Com tantos méritos, ninguém lhes deve
negar acolhimento no lar doméstico, onde são
indispensáveis companheiros que nos ensinam,
distraem e dão i ndeléveis prazeres estéticos.
A espôsa zelosa que vela pela felicidade do
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QUALIDADES INTELECTUAIS DA ESPÔSA 145

marido e o quer prender ao lar por invencíveis


laços de encantos e de simpatias, não deve
desconhecer a delici osa influência da leitura.
Seguindo as tendências intelectuais do
espôso, retinirá uma colecção de livros escolhi­
dos segundo o gôsto dêle, livros que, às noites
e nos dias de descanso, hão-de encher de espi­
ritual atractivo e satisfação as horas que pas­
sarem juntos. Pode cada um afeiçoar-se mais
a um livro ; mas tem maior encanto que ambos,
perto um do outro, s igam em certas ocasiões
a mesma leitura - mentalmente, ou em voz
alta.
Há nesta maneira de ler, usada em muitos
lares, inúmeras vantagens.
Primeiro que tudo, o interêsse da leitura
em comum torna-se maior. Marido e mulher
embebem-se a o mesmo tempo nos mesmos
pensamentos e trocam impressões, comunicam
por assim dizer, intelectualmente.
Depois, é a o m esmo tempo que se vão edu­
cando os espíriios nesta comunidade de pensa­
mentos : e isto é um elo que m ais os aproxima,
mais os harmoniza. juntos, cultivam a sua ins­
trução, elevam o seu nível mental e m oral,
identificam-se.
i E que inesgotáveis motivos de conversa
se não encontram nessas leituras, conhecidas
por ambos em todos os seus episódios, em
tôdas as suas delicadezas !
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1 44 0 L IVRO DA ESPÔSA

Assim se multiplicam as sensaÇões comuns,


e assim se estabelece a íntima harmonia d e
sentimentos que constitue essencialmente a
simpatia.

Nas outras coisas proceda-se como na lei­


tura. Nenhum dos esposos deve procurar dis­
tracções gozando-as um sem o outro. Da mesma
forma que ocupações e prazeres em comum os
aproximam cordialmente, as ocupações e os
prazeres que cada um procura em separado
tendem a afastá-los.
Insistimos, por isso, em mostrar à espôsa a
necessidade que tem de se interessar por que
a sua vida comum seja o mais possível comum
em tudo, sem excepção : hábitos, leituras, pra­
zeres, etc.
Escrevemos a palavra prazeres.
O maior de todos os prazeres que podem
sentir os esposos unidos pela profunda simpa­
tia conjugal, de que tanto temos falado, simpa­
tia fundada na estima, na confiança, na c onfor­
m idade de ideas e sentimentos, o maior prazer
é viver em comum, seja qual fôr a maneira d e
se ocupar o tempo.
As mais simples distracções, como a leitura,
são grande prazer para os esposos, exacta­
mente pela razão de que se distraem juntos.
Essa comunidade de satisfação é que aumenta
o seu prazer.
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QUALIDADES INTELECTUAIS DA ESPÔSA 145

E em tudo sucede o mesmo.


Assim i que encantador não é um passeio
em comum, para dois esposos i dentificados
em todos os seus gostos !
Um passeio em comum é como uma leitura
feita no grande livro da vida ou da natureza,
onde se podem encontrar mil s atisfações.
O campo é já de si cheio de encantos, e
mais encantos lhe encontrarão ainda dois bon s
companheiros de existência, habituados a terem
as mesmas impressões e al egrias.
O campo exerce também uma profundís­
sima influência moral. Remoça-nos, transporta­
·nos às sensações doutrora, faz-nos encontrar
dentro de nós mesmos um eco da mocidade.
Desperta mil saUdades consoladoras, v ivifica­
-nos o sentimento e a alegria.
O interêsse do passeio poderá aumentar-se,
não caminhando ao acaso, mas antes seguindo
um destino, deliberadam ente, como, por exem­
plo, visitar um monumento histórico, um tre­
cho pitoresco da natureza, ir propositadamente
procurar plantas para um herbário, ou caçar
bo�boletas e outros insectos para uma colecção.
É bom que a espôsa se i nteresse pelas pre­
dilecções do m arido, se é coleccionador, e, s e
ê l e as n ã o tiver naturalmente, que a s procure
criar. Quanto mais fizer por multiplicar as dis­
tracções em comum, tanto mais trabalhará pela
felicidade conjugal.
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1 46 0 LIVRO DA ESPÔSA

É bom ainda, de \lez em quando, j antar no


campo ; dá \lariedade à existência, e faz lem­
brar a satisfação dos jantares arranjados em
casa, num ambiente cheio de confôrto.
Nas épocas em que o campo está despido
de belezas pelo in\lerno, ou quando o tempo
não é fa\lorá\lel aos passeios campestres, pode
a m ulher lembrar ao marido as \lisitas aos
m onumentos, aos museus, onde há muito que
aprender e muito que gozar.
Mas não pretenda nunca impor a sua \lon­
tade e os seus gostos : - limite-se a sugeri-los
persuasivamente.
A persuasão é sempre a m elhor e a mais
eficaz maneira de fazer \laler as nossas ideas.
Também mais \late que a espôsa se adapte
aos gostos do marido do que tente habituá-lo
aos dela ; daquela forma apro\leita uma cor­
rente já definida, o que lhe é mais fácil do que
lutar contra ela, ou querer criar no\la corrente.
Na \lida doméstica, a habilidade mais apre­
ciá\lel está em usar dos m eios mais simples e
mais práticos, não complicando a existência
com esforços inúteis.

Quando as ocupações e os recursos permi­


tem realizá-las, as \liagens em comum, sem
ser preciso que sejam longas ou para \lisitar
pontos mara\lilhosos, são excelentes distrac­
ções, belas origens de prazer.
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QUALIDADES INTELECTUAIS DA ESPÔSA 147

A viagem, pelo imprevisto que a todo o


instante se nos depara, desperta no espírito
curiosidades, copi osas ideas, obriga-nos à pers­
picácia, estimula-nos, numa palavra, tôda a
individualidade, aviva tôdas as nossas facul­
dades.
Então a espôsa tem necessidade de redo­
brar de previdência e de atenção, para não
confiar ao acaso nada do que seja da sua com­
petência na organização da viagem. Em tôdas
as circunstâncias deve esforçar-se por prestar
auxílio ao marido, com utilidade, de forma que
se torne um companheiro bom e prestável e
não uma sobrecarga, como são, em viagem,
muitas mulheres, incapazes de nada resolverem
por si próprias.
Duma viagem feita sem dificuldades tra­
zem-se sempre boas recordações que é dul­
císsimo recordar, quando de regresso, no bem­
-estar da nossa casa própria, retomamos os
hábitos queridos.

julgamos inútil demonstrar com mais exem­


plos qual o valor da tarefa da mulher como
companheira intelectual do marido.
Insistimos, principalmente, como fica dito,
em que a espôsa tem menos necessidade de
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148 0 LIVRO DA ESPÔSA

ilustração do que de inteligência. Especial­


mente lhe é proveitoso o senso prático de tudo
que convenha a seu marido, para poder tratar­
da melhor maneira de lhe ser agradável inte­
lectualmente.
O m arido não pretende que a espôsa tenha
a capacidade de professor versado em todos
os assuntos, mais ou menos atraentes ou úteis.
O que lhe importa é que a mulher possua
um espírito vivo, tendo assim com quem falart
ao encontrar-se só com ela.
� De que lhe há-de falar ? Nem de história,.
nem de geografia, nem de física, certamente.
Ê le próprio, a não ser um profissional, já
não dá aprêço à ci ência ou está esquecido de
assuntos científicos.
De tudo que se aprende nas escolas, geral­
mente conservam-se no espírito apenas os ele­
mentos que mais se usam na prática.
O resto esquece, ou fica diluído em ideas.
vagas.
Mas não é tudo. Até um professor de his­
tória, que durante h oras esteve explicando aos
seus a lunos as astutas subtilezas do tratado­
de Westfália, por exemplo, sentirá verdadeira
felicidade se, ao cabo da prelecção, puder pen­
sar noutras coisas, e conversar com sua espôsa
sôbre assuntos mais amenos.
Essencialmente, portfl nto, o que anima as.
conversas dos esposos não é a ciência dos.
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QUALIDADES INTELECTUAIS DA ESPÔSA 149

compêndios das aulas. Erraria gravemente a


e spôsa que em sua casa expusesse o que
aprendeu no colégio, e de que ninguém mais
lhe falará, a não ser se, por profissão, se tor­
n a r pedagoga.
A não ser nesse caso, deixe os manuais
em paz.
t Mas de que há-de ela falar, afinal, ao seu
marido ?
Do que possa I nteressá-lo. Todos os homens
têm especialidades que os interessem : as artes,
as operações bancárias, os desportos, a polí­
tica, etc. Pois bem : é disso mesmo que deve
falar a espôsa.
Nos primeiros tempos, sem dúvida, não
dirá coisas acertadas, mas isso não a preju­
dica.
O principal é interessar-se ou mostrar
interêsse pelo que mais atrai o espírito do ma­
rido.
A princípio, talvez só consiga c parecer •
que se interessa. Mas depois, pouco a pouco,
\!em a interessar-se a valer.
É próprio de todos nós acabarmos por en­
contrar atractivos nas coisas de que tratamos.
«Como ! dirá a l eitora. Até na política ? As
mulheres nada sabem da política.•
c Oh ! minha senhora . . .V. Ex.a julga que
os homens sabem mais da política do que as
mulheres ? ! Note V. Ex.a dois operários, numa
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1 50 0 LlVR.O D A ESPÔSA

taberna, discutindo sôbre liberdade de cons­


cumcia ; com tanto ardor o fazem, que termi­
nam a discussão, injuriando-se, deitando as
mãos ao pescoço, esmurrando-se ferozmente
um ao outro.
c julga V. Ex.a que sabem o que é liberdade
de consciência ? Ab�olutamente nada sabem
disso. Contudo bateram-se por ela.
c V. Ex.a nunca há-de chegar de-certo a
estes extremos nas conversas com o seu m a­
rido, até falando-lhe de política.
• Fale-lhe, pois, de política, visto que isso o
interessa. O que V. Ex . a não compreender, ê l e
lho explicará, pelo m enos conforme a sua opi­
nião, a qual muito bem pode não ser a opinião
de tôda a gente.
c Porque a política é principalmente isto :
ter ou não ter opinião igual à dos outros sôbre
certo assunto.
Não é difícil, como claramente Vê ! ,
A mulher torna-se agradável ao m arido,
falando-lhe de coisas que o interessam, mas
nem por isso é obrigada a ter sempre a opi­
nião dêle.
Demasiada condescendência em apoiar tudo
quanto êle pensa, poderia l evá-lo a dizer como
Luiz xm ao seu excessivamente passi vo favo­
rito Alberto de Luynes :
- Contradize-me, ao menos, de tempos a
tempos, para eu saber que eu e tu somos dois.
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QUALIDADES INTELECTUAIS DA ESPÔSA 151

É um tanto conveniente que a espôsa con­


serve a sua manei ra de pensar e não abdique
da personalidade própria em proveito da do
marido.
Agradar-lhe, está bem ; deixar-se absorver
completamente, é demasiado.
Demais, como tão bem dizia o desventurado
monarca que foi Luiz xm, em vão se pretende
ser como um só, porque há verdadeira satisfa­
ção em ver q u e, para ser como um só, se jun­
tam dois.
Para compreenderem que os dois são como
um só, necessário se torna que ambos conser­
vem perfeitamente níti dos a sua individuali­
dade, as suas maneiras de ver características,
sentimentos e gostos.
A espôsa agradará mais ao marido, dizen­
do-lhe francamente o que pensa, do que se­
guindo incondicionalmente ; com suprema abne­
gação, as ideas dêle.
Aconselhando à espôsa que se esforce
por agradar ao marido, por forma alguma pre­
tendemos insinuar que deve sacrificar-lhe a
própria i ndividualidade.
Deve evitar, sim, a contradição rabugenh
v isivelmente h ostil.
Sem cair neste defeito, porém, nenhum in­
conveniente pode encontrar, emitindo a sua
opinião sôbre o que a amigável conversação
com o marido vai sugerindo.
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152 0 LIVRO DA EsPOSA

Pelo contrário, se estiver sempre de acôrdo,


faz perder parte do interêsse à conversa, a
qual Qão terá assim o estimulante Intelectual
das opiniões defendidas por cada um dêles. E
esta discussão animada terminará de-certo,
como as outras, sempre amigàvelmente, por­
que se trata apenas de ideas para animar mo­
mentàneamente um ameno passatempo, mas
que não podem levar marido e espôsa a arra­
n harem a cara um ao outro, no calor da dis­
cussão.

Pela última vez insistimos neste ponto.


A' espôsa, querendo agradar ao m arido, deve
não só aceitar-lhe as maneiras de ver, mas
ainda instigá-lo a apresentar ideas, fazendo-lhe
objecções.
Para isso tem muitos recursos lícitos, mui­
tas armas de que admiràvelmente se pode ser­
vir, porque são as da delicadeza e da bondade.
Espôsas, conquistai o coração de vossos
maridos, fazendo-os felizes. Tal fim desculpa
todos os meios empregados para o conseguir­
des, até o enganoso estratagema de o conven­
cerdes de que vos interessais pelo que o inte­
ressa, a ponto de discutirdes assuntos que vos
são, todavia, indiferentes.
E não duvideis, antes de o terdes experi­
mentado, de que tudo isso vos pode tornar
felizes.
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CAPÍTULO VIII

Cultura estética d a espôsa

Não há talvez uma só pessoa no mundo


completamente insensível aos encantos das
coisas belas e de tudo que reveste um carácter
estético.
Sendo o sentimento estético o que talvez
mais fortemente impressiona a nossa alma, e
o mais duradoiro, não pode esquecê-lo, por­
tanto, a mulher, que de todos os sentimentos
humanos sabe valer-se para insinuar no espôso
dedicação e simpatia.
É inegável que o meio em que vivemos
hab i tualmente, os obj ectos que nos cercam, nos
fornecem constantemente impressôes, agradá­
veis ou desgastantes. A grande arte da mulher,
anjo-da-guarda do lar, deve, pois, consistir em
fazer desaparecer o mais possível os motivos
de impressões más e proporcionar o maior
número de sensações gratas.
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1 54 0 LiVRO D A ESPÔSA

joel de Lyris di-lo admiràveln1ente nesta


passagem duma das suas espl ênd idas obras : C)
c Emfim, aprende a mulher a grande arte de

tornar o ·interior de sua casa tão agradável ao


marido, aos filhos e a si própria, que tôdas as
pessoas da família se encontram melhor no lar
doméstico do que noutra parte qualquer.
« Para isso, estude, adquira uma delicada
compreensão do que constitue o bem estar,
tanto para os seus, como para si.
<< Preste largas e cuidadosas atenções ao
sentimento estético : a sEtisfação dêsse senti­
mento pode dar um dos maiores encantos do lar.
«Um interior que encanta e alegra a vista,
atrai irresistivelmente quem nêle vive.
•É esta a razão porque insistimos na utili­
dade de desenvolver, nas donzelas, o senti­
mento estético, sob o ponto de vista da deco­
ração do lar doméstico.
«A jovem deve habituar-se a cultivar a arte
de sua casa, para si e para os seus.
« Não se trata da grande arte, de-certo, mas
da a rtística habilidade de dar às pequenas coi­
sas da vida doméstica, aos m oveis, cortinados,
vasos, lâmpadas, etc., um tom de bom gôsto,
que atrai e deleita o olhar.

(1) joel de Lyris - Le Choix d'une Bibliotheque


(Guia de leitura) Bibl. Aubanel Freres, Avignon.

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CULTURA ESTÉTICA DA ESPÔSA 1 55-

«Tentai ! Ao almôço, colocai bem à vista


debaixo dum raio de sol, uma linda rosa numa
jarra de cristal.
.: Cem vezes todos os olhos irão procurar�
sem fadiga, sempre deleitados, êsse belo con­
junto de três bel as coisas, que se val orizam
umas às outras : o raio de luz doirada, a púr­
pura da flor, as cintilações do cristal.
«É uma insignificância ! Mas esta insigni­
ficância teve o condão de alegrar os cora­
ções, de despertar alegria e serenidade nas
ide as.
« t Que é a felicidade senão a repetição
sucessiva de boas impressões como esta ?
c Poucos autores de mérito têm tratado
dêste assunto especial, que nós consideramos,
todavia, de máxima importância para a felici­
dade dom éstica.
c Quási não conhecemos, de algum valor,
senão uma série de artigos sôbre «Ü amor do
belo n a vida particular » , que publicámos no
Magasin Pittoresque, em 1 849, e o livro mais
recente de E. Cardon : «A arte no lar domés­
tico, decoração dos aposentos •. (1)
«Mas uma acurada cultura de gôsto- estudo
de estética na natureza e na arte - poderá
preencher esta lamentável l a cun a deixada

(1) Obra ilustrada. Edit H. Laurens .

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1 56 0 LIVRO D A ESPÔSA

pelos livros úteis, agora que há tantos l ivros


inúteis e prejudiciais.
«A donzela só pode colher proveitos em
todo o sentido, ao cultivar êste dedicado senti­
mento do belo, que lhe dará deliciosas sensa­
ções pessoais, e a habilitará a transmiti-las às
pessoas que ama.
« Reservemos, pois, um Jogar, e um lugar de
h onra, nas bibliotecas das donzelas, aos livros
que possam desenvolver-lhes o bom gôsto em
todos os ramos da estética , . (1)

A sensibilidade humana é muito mais in­


fluenciada por impressões múltiplas do mundo
exterior, do que geralmente se imagina.
Estamos a cada passo debaixo dessas nu­
m erosíssimas influências, que se exercem no
nosso espírito, sem o notarmos.
A sua acção, ainda que nem sempre dela
tenhamos consciência, é, todavia, muito verda­
deira, e continuamente lhe estamos a notar os
e feitos.

(1) Sôbre êste assunto há uteis indicações no li"ro


Le Goute en Littérature, de joel de Lyris. Bibl. Aubone
Freres.

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CULTURA ESTÉTICA DA ESPÔSA 1 57

À s vezes ficamos subitamente tristes, m e­


lancólicos, sem sabermos a causa dêsse estado
de espírito.
Da mesma maneira, de-repente, passa por
nós uma onda de alegria, e também não po­
demos averiguar a origem de tal disposição�
Ora, como não há efeitos sem causa, m uito
embora não esteja em nossas fôrças assistir
à formação de tais impressões, essa formação,
tem origens, que, a-pesar-de misteriosas para
nós, existem na realidàde.
S o m os e s s e n c i a l m e n t e impressionáveis.
Atribuímos significação, sentido simbólico, a,
tudo que nos provoca sensações.
Até as coisas inertes nos aparecem com
uma fisionomia sua. Há casas que achamos
com ar alegre ; a outras vemo-las tristonhas.
Porque ? Seria muito difícil dizer porque, visto
que a nossa m aneira de ver é o resultado não
de uma idea raciocinada, mas de uma impres-­
são dos sentidos ou da imaginação.
Quanto mais vivemos, tanto mais nos con­
vencemos de que na vida as impressões têm a
primazia sôbre as razões.
E é por isso que, a rigor, devemos atender
a tudo que nos pode causar impressões. Ora
elas derivam principalmente do meio em que
vivemos.
Eis-nos, pois, chegados, ao observar a natu­
reza humana, não como a arquitectam os filá-
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1 58 0 LlV�O DA ESPÔSA

sofos, mas cama ela é na realidade, ao nosso


ponto de partida, que é o seguinte :
Ao nosso alcance estão muitas satisfações,
muitas sensações agradáveis que poderemos
procurar, organizando com gôsto o interior da
casa em que vivemos.
É êste o principal encargo da espôsa.
Muitas vezes insistimos já neste preceito
capital : a felicidade do marido e, por conse­
qüência, a da espôsa, depende do cuidado que
e sta tiver em cercar o seu companheir{) da
e xistência de um bem-estar, de seduções, de
atractivos tais, que mais nada possa ter para
êle mais encantos do que o lar conjugal.
No amor conjugal, feire de simpatias, disse­
m os também qual a importância de cada um
dêstes elementos : o conhecimento que a es­
pôsa tem do carácter do marido ; a amizade
séria, sensata que lhe dedica ; o cuidado em·
lhe proporcionar prazer e evitar descontenta­
mentos ; as qualidades práticas da espôsa,
úteis à prosperidade do lar ; as qualidades in­
telectuais e morais da mulher.
Falta-nos agora destacar a importância que
têm para o amor e para a felicidade conjugal
as impressões agraddveis transmitidas, incons­
cientemente às vezes, pelo bom gôsto estético
do lar.
Não vamos fazer considerações filosóficas
e psicológicas ; seguiremos a regra que tem

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CULTURA ESTÉTICA DA ESPÔSA 1 59

guiado todos os nossos escritos, que é, como


se de\le ter notado, a observação prática dos
factos \lulgares na vida quotidiana.
São, pois, como sempre, conselhos suscep­
tíveis de imediata aplicação os que vamos diri­
gir às espôsas.

§ 5.o

Algumas linhas acima, dissemos :


- Para todos nós, criaturas que \11\lemos
de impressões, as próprias casas têm uma fi­
sionomia agradá\lel ou triste.
� Quem há que não tenha sentido impres­
sões destas ?
l E que se conclue desta obser\lação que
tôda a gente pode fazer ? Naturalmente con­
clue-se que a escolha de uma casa para habi­
tação não é coisa diferente e sem importância.
A casa de habitação é o meio em que \li\le­
m o s, em que passamos a maior parte do tempo,
da nossa existência.
Ora sabemos já que essa h abitação, pelo
conjunto de impressões que nos causa, tem de
exercer uma influência, salutar ou funesta, nas
nossas disposições, em tôda a nossa felicidade
Torna-se, pois, de grande importância, an­
tes de nos resolvermos à escolha de uma
casa, certificarmo-nos de que ela nos agrada
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160 0 LIVRO DA EsPOSA

pl enamente pela sua situação, pelos panorama s


que das janelas se avistam, p e l a disposição
dos aposentos e pelas suas condições de como­
didade, de luz, de exposição, relativamente
aos quatro pontos cardiais, etc.
Se a primeira impressão é má, não se pense
mais ficar na casa. Exactamente porque essa
primeira impressão foi instantânea e irreflec­
tida, é que deve ser tomada em conta. Poderia
não se desvanecer, e, indefinida e indecisa.
continuar a influenciar-nos desagradàvelmente
nas disposições quotidianas.
À mulher cabe, pois, ter o máximo cuidado
em escolher um domicilio que satisfaça o mais
possível os seus gostos e os do marido.
À s vezes, a primeira impressão foi boa ;
mas, depois de algum tempo de habitação,
vê-se que a casa tem inconvenientes que a
principio se não notavam, de modo que as boas
condições não compensam os defeitos encon­
trados. Nestas circunstâncias, não há que
hesitar : mude-se de casa.
Não é a mudança mais prejudicial ao bem­
-estar da famíl ia do que continuar a viver numa
casa em que não se está bem. Sem que se
note muito, aquele meio desagradável causa
uma funesta influência sôbre o génio e as dis­
posições das pessoas, que, pouco a pouco, se
\lão deixando vencer por uma melancolia Inex­
plicável, pelo desabrimento, às vezes.
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CUL TUaA ESTÉTICA DA ESPÔSA 161

Deve evitar-se ficar sujeito a essas doen­


tias impressões ; fuja-se-lhes quanto possível.
Tantas são as circunstâncias ordinárias da
vida conjugal, que não podemos apontar aqui
as regras fixas para a escolha acertada de
uma casa.
A única regra geral que a todos serv e é
esta : ter grande cuidado em escolher um in­
terior que nos agrade.

É dificílimo encontrar uma casa absoluta­


mente sem defeitos.
Mas, a-pesar-de isso, não deve, pelo facto
de nunca uma habitação ser completamente a
nosso gôsto, cair no exagêro contrário, o de
não fixarmos residência demoradamente em
parte alguma.
No mundo, quando não podemos conseguir
o que é bom, contentemo-nos com o melhor
que está ao nosso alcance, com o suportável,
ao m enos. Quanto à habitação, daremos a pre­
ferência à que oferecer mais vantagens e me­
nos inconvenientes.
A espôsa, examinando os defeitos de uma
casa, deve saber distinguir inteligentemente os
defeitos que podem remediar-se dos que são
de todo irremediáveis.
Assim , fàci!mente verá quais as habitações
que lhe não podem servir - as que tiverem
defeitos desta última categoria - e nas habita-
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162 0 LIVRO DA ESPÔSA

ções escolhidas fará desaparecer, tanto quanto


possível, os inconvenientes.
E, na verdade, uma mulher activa e enge­
nhosa pode transformar o a specto de um inte­
rior m edíocre, fazendo dêle uma linda habi­
tação.
Dentro de pouco tempo, a espôsa fica conhe­
cendo todos os defeitos de uma .casa, defeitos
que logo deve remediar.
Para isso, tem ela largos recursos de que
pode valer-se e aos quais pormenorizada mente
nos referiremos no trabalho especial sôbre o
assunto : o Livro da dona de casa.

O que acima dizemos a cêrca da influência


que sôbre nós tem a casa de h abitação, pode
aplicar-se da mesma forma ao mobiliário.
Os m óveis são objectos familiares com os
quais vivemos constantemente, e que têm tam­
bém uma « fisionomia > agradável . ou severa.
Os móveis das casas de família têm mesmo
uma importância maior do que a do seu aspecto :
a êles anda ligado um pouco do nosso afecto,
em virtude das recordações do passado que
êles representam.
j. Petit Sem exteriorizou fielmente as im­
pressões que despertam os velhos m óveis.
Diz êle :
«Tenho a ornamentar o meu quarto objec­
tos artísticos ; quadros de bons pintores guar-
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CULTU�A ESTÉTICA DA ESPÔSA 165

necem-lhe as paredes ; e, contudo, não são


êsses objectos nem os quadros o que mais
vezes me seduz e atrai o olhar : são os m óveis
de outras épocas que sucessivas heranças de
antepassados fizeram chegar até m im e que,
n o contemplá-los, me parecem espalhar em
tôrno perfumes de mocida de, recordações de
família, que me são igualmente queridos.
«No meu destino projectam uma luminosi­
dade de inocência e de candura, lembrando- me
os dias risonhos da minha feliz meninice ; de
tão preciosas relíquias me apodero na imagi­
nação para reconstruir o suave, o vélho ninho
da minha família desaparecida.
c São belas chávenas de porcelana, de finos

contornos azulados, onde julgo, ao chegá-las


aos lábios, beijar os meus avoengos mais re­
motos ; o grande relógio de pêndula que bateu
a hora do meu nascimento e a hora da morte
dos meus maiores ; a escrevaninha de uma boa
tia, sôbre a qual a sua pena me escreveu deli­
ciosas palavras de amizade ;- um espelho com
moldura gótica, onde se retrataram a união e
a paz que no lar paterno imperavam ; uma
grande mesa de nogueira, j unto da qual, agora,
sàzinho, suspiro com saiidade, ao lembrar-me
de que outrora a cercava tôda a minha família ;
uma antiga cómoda, onde minha avó, guardava,
numa gaveta, a caixinha de doces que não
abria sem causar uma comoção fàcilmente
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1 64 0 LIVR.O D A ESPÓSA

explicável ; são retratos com fis ionomias tão­


doces, tão boas que me julgo sob a protecção
dos que ali estão e até me parece serem capa­
zes de descer dos painéis para me defende­
rem ; são os óculos venerandos a que minha
mãi chamava : « OS meus olhos• . Ah ! e quando
ponho nos meus as suas lentes, parece-me que
vejo melhor o caminho do céu . . .
c Consola-me, neste fim da viagem pelo
mundo, que as amarguras tornaram tão triste,.
contemplar enternecidamente essas mudas tes­
temunhas de um passado feliz.
c Sim, quando a minha alma recorda os be­
los céus de outrora, empanados pelas nuvens
espêssas dos desgosto s e sofrimentos, vai bus­
car um refúgio amigo junto dêsses vélhos mó­
veis, preciosos e derradeiros escombros da
felicidade onde se erguia o seu paraíso•.
Se os móveis da família têm um tamanho
poder de sedução nas almas dolorosamente
experimentadas pelas agruras da vida, i como
devem gratamente impressionar-nos, dispostos
num interior que a espôsa se esforçou por
encher da felicidade mais suave !
À espôsa pertence fazer-lhes realçar o va­
lor, colocá-los nos sítios mais condignos da sua
fisionomia e da simpatia que despertam nos
corações.
Igual esmêro terá para com todo o m obilá­
rio, que deve obedecer à condição essencial :
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CULTURA ESTÉTICA DA ESPÔSA 165

.agradar. Ora o mobilário torna-se menos


agra dável pela riqueza do que por um artís­
tico bom gôsto, aliado à solidez e ao confôrto.
Agrada tanto pela elegante disposição em que
fôr colocado, como pela sua beleza e boa
<JUa l i dade.
Não deve ainda esquecer-se a espôsa de que
a beleza do mobilário depende dos cuidados
.com que fôr tratado : só pode encantar a vista,
estando em bom estado, sem defeitos, em
,completo asseio.
A m enor falta na ordem e arranjo quoti­
diano de um interior salta logo à vista m enos
atenta.
Im ediatamente o aspecto dum aposento muda
p o r completo ; de cl aro, airoso, risonho, torna-se
sombrio, embaciado, como que carrancudo.
É esta mais uma observação que tôda a
.gente pode fazer todos os dias.
A mulher, de-veras sensata, sabe também
que o cuidadoso arranjo da casa é metade do
-encanto estético que ela deve ter.
A outra metade está no bom gôsto e na
habilidade decorativa.
Recordemos t a m b é m que ornamentação
artística não é a mesma cousa que ornamenta­
ção luxuosa. Há ricos cortinados sem o menor
t raço de bom gôsto. Pelo contrário, uma espôsa
i nteligente e habilidosa, sabendo aproveitar o
-tempo, o seu trabalho e a sua habilidade, com
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166 0 liVRO DA ESPÔSA

pequeno dispêndio consegue adornar a sua


casa encantadoramente.
Ninguém lhe pede maravilhas de assom­
brar. O essencial no adôrno doméstico é arran­
jar um aspecto de conjunto harmonioso e agra­
dável à vista ; e êste resultado obtém-se, pondo
em prática os meios mais simples. Acumular
ornamentos, móveis, pequenos objectos -de
adôrno por todos os lados, sem plano, não
pode dar beleza estética ao interior e é falta
de bom gôsto.
E só o bom gôsto da mulher sabe o que
convém para tornar agradável os diversos apo­
sentos conforme a sua utilização.
Assim, um cuidado especial deve h aver na
disposição da sala de jantar. A vantagem que
há nisso, diàriamente se pode observar.
A sala de jantar é, de tôda a casa, o ponto
de reünião mais intimo, onde mais vezes nos
encontramos em família ou com amigos. Tudo,.
no seu aspecto, deve contribuir para dar bom
humor e alegria aos convivas, despertar-lhes
expressões de simpatia.
Além de estabelecer a cordialidade, há
neste preceito uma medida higiênica, porque o
bom humor é uma disposição indispensável
para se comer bem.
A alegria estimula o apetite, facilita a diges­
tão, exactamente como a tristeza comprime o
estômago. Nada é melhor, emfim, para a afec-
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CULTURA ESTÉTICA DA ESPÔSA 167

tuosa benevolência do que as refeições toma­


das numa boa disposição, no meio de compa­
nheiros agradáveis.
Poderá pa recer que há nestes pormenores
demasiada materialidade ; m a s não nos esque­
çamos de que destas coisas banais é feita tôda
a nossa vida.
Ê ste capítul o não foi dedicado à estética
transcendente, mas à estética doméstica, à que
dá imediatam ente palpáveis resultados práti­
cos, como são : a alegria , a cordialidade, a
simpatia, e, por último ainda, bom apetite e
excelente digestão.
Tudo isto faz parte da vida quotidiana : é o
verdadeiro tecido da nossa existência, e daf
vem a importância dêstes assuntos.
Levaremos mais longe as nossas afirmações.
Nem só a decoração apropriada da sala de
jantar deverá preocupar a dona de casa ; deve
preocupá-la mais ainda o adôrno, o atractivo
da mesa.
Nada aviva mais o bom humor do que êsse
agradável aspecto da mesa, com a toalha alvís­
sima, os copos brilhantes, as claras porcela­
n as, os talheres refulgentes, e tudo muito
asseado, garrido, impecável.
O luxo é inútil ; o bom gôsto basta.
Para a verdadeira estética e para encanto
dos olhos, agrada mais um açafate cheio de
flores e verdura do que um rico centro de mesa.
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168 O LIVR.o DA EsPÕSA

De resto, geralmente as mulheres gostam


de fl ores e de plantas decorativas, e sabem
utilizá-las com muita arte na ornamentação da
casa. Ora a ornamentação de flores é exacta­
m ente a menos dispendiosa e a mais agradá­
-vel à vista.

A estética do vestuário está intimamente


ligada à galantaria conjugal, que aconselhamos
s empre à espôsa.
A espôsa que pretende c agradar ao marido,
e csó ao marido , pode dar l argas à galantaria
conjugal pelo bom gôsto estético dos vestidos
que traz por casa. Não tem necessidade de
seguir as exigências da moda, para ser ele­
gante com tais vestidos.
Veste-se para agradar ao marido, para que
êle a encontre sempre bem posta, sempre
l inda sob todos os aspectos quem tem c em
casa)).
Quando não tem de sair nem espera visi­
tas, pode dar aos seus roupões da manhã, aos
penteadores, aos toucados, as formas que qui­
ser dar-lhes, desde que sejam estéticas.
Os vestidos de usar por casa não precisam
ser luxuosos, logo que tenham garridice, ele­
gância e tornem a mulher agradável ao m arido.
'
Esta estética do vestuário domé stico, desti­
n ada a agradar ao marido, é absolutamente
indispensável às espôsas.
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CULTURA ESTÉTICA DA ESPÔSA 169

Pormenorizadamente falámos já no capí­


tulo IV do péssimo efeito �ausado pela negli­
gência da mulher na sua apresentação no
interior doméstico, expusemos as funestas con­
seqüências de tal negligência para a amizade
c onjugal . Voltaremos ao assunto no capítulo
seguinte.
Em resumo : a todos os atractivos que a
espôsa precisa manter n o interior doméstico,
usando das qualidades que nos capítulos ante­
riores citamos, devemos, para os completar e
abranger todos, acrescentar o encanto estético.
Com todos estes meios de sedução, a mu­
lher consegue organizar um interior em que
ela e o marido se encontram tão bem juntos,
que sbmente ali sentem verdadeira felicidade.
No encanto estético, principalmente, achará
a magia de impressionar muito bem a todos,
de exercer essa benéfica influência que tanto
cativa, pelo bom gôsto, os sentidos, a imagi­
nação e os sentimentos.
Depois de experimentada esta elevada m a­
n eira de viver, que nas menores coisas, em
tudo que com�tltue o lar doméstico, nos faz
e ntrever a presença de uma alma, não só não
mais a podemos dispensar, como, dia a dia,
h avemos de sentir elevarem-se o nosso nível
moral e a nobreza das nossas sensações.
Não é só a vida afectiva que sentimos ele­
var-se : é a vida cercada de beleza f
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170 0 LIVR.O DA ESPÔSA

Ora a vida doméstica, com esta preocu­


pação de bom gôsto, está ao alcance de todos.
Os mais modestos lares podem, com os seus
poucos recursos, possuir�Ihe os encantos, por­
que para os ter não necessitam de esplendor,
mas de bom gôsto apenas, de claridade e
asseio.

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CAPÍT U L O I X

A fidelidade conjugal

fidelidade do marido

O homem é um ser racional - e, portanto�


capaz - logo que as paixões não lhe obscure­
çam o espírito - de conhecer as conveniências
m orais da honestidade e da justiça, de ponde­
rar a vida, de prever as conseqüências de
acções irreflectidas, co nseqliências funestas
que lhe aconselham, no seu exemplo, a fideli­
dade conjugal.
O marido sabe, pois, muito bem que, em
tese, pratica uma acção, uma acção deshonesta�
um verdadeiro abuso de confiança, quando­
falta à lealdade prometida a sua espôsa.
Igualmente sabe que falta a um contracto, o­
contracto da união para tôda a vida, em virtude
do qual homem e mulher não são mais do que
cuma só :. existência.
Sabe, emfim, que, se os espíritos levianos
ou desorientados são indulgentes com tais
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1 72 0 LlVR.O DA ESPÔSA

faltas, a maioria d a sociedade e, especialmente,


os \lerdadeira m e n te h o n estos, os de-veras
grandes pela inteligência e pelo coração, as
reprovam. É uma falsidade dizer-se que se liga
pouca ou nenhuma importância à fidelidade do
marido.
O homem conhecido como mau cumpridor
dos seus deveres de marido leal perde a es­
tima de todos, mesmo dos que são maus espo­
sos como êle. Todos têm, com efeito, a cons­
ciência de que, sendo desleais à espôsa, faltam
a um juramento que solenemente fizeram, fal­
tam à sua palavra de honra, solenemente dada,
exautoram a sua própria assinatura e, acima
de tudo, manifestam falta de seriedade.
O homem que peca por infidelida de, dá
aos olhos de tôda a gente prova de fraqueza
de carácter, não teve ponderação, nem fôrça
de vontade para resistir a uma paixão, e todos
estão autorizados a preguntar, dentro duma
Incontestável lógica, se uma paixão ( como
aquela ou como qualquer outra ) não o obriga­
ria a praticar outras traições, outras fraquezas
além da infidelidade conjugal .
Tal homem fica, portanto, «desqualificado»
no conceito de todos que lhe conhecerem a
falta. É um indivíduo suspeito. Não pode ins­
pirar a mesma confiança que inspira o homem
escrupuloso, perfeitamente cumpridor dos seus
deveres, e que não deixa nunca de os cumprir.
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A fiDELIDADE CONJUGAL 175>

Finalmente, o marido sabe muito bem, se·


fôr homem dotado de boa razão, que a sua
infidel idade pode ter conseqüências gravíssi­
mas, por não ser um passo que se dê sem
obrigar a reflectir.
Na verdade, com tal procedimento, não só­
falta a um juramento, rasga um contracto e
perde a estima dos seus concidadãos, como
ainda se expõe a todos os perigos que lhe
podem resultar do legítimo ressentimento da
espôsa ultrajada. Só pode esperar a extinção
da amizade, a desharmonia, o lar desfeito, o
escândalo, e a destruição completa da felici­
dade das famílias dos dois esposos.
O marido sabe tudo isso ; contudo, muitos
m aridos deixam-se arrastar pela tentação.
Ah ! É que, se o homem é um ser pensante,
é também uma criatura passional.
Ora, é próprio de tôda a personalidade hu­
mana não ter a razão e a sensibilidade igual­
mente equilibradas.
Além disso, o h omem mais sensato não é
em tôdas as circunstâncias o mais razoável.
A razão e a sensibilidade, como tôdas as
faculdades humanas, estão sujeitas às influên­
cias do meio e, portanto, a contínuas osci­
lações.
Um indivíduo que sempre se conservou nos
limites da prudência, que sempre obedeceu a
uma ponderada razão durante longos anos,.
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1 74 0 LIVRO DA ESPÔSA

pode, por um motivo imprevisto, esquecer tôda


a sua recta conduta e sucumbir à paixão.
Numa palavra : «O homem é um ser falível , !
Geralmente, a sensibilidade é dominada
pela razão, ao passo que as impressões que
sentimos não vão além de certos limites. Esta
observação torna-se claramente visível nas
d isposições da sensibilidade, que, em grau mo­
derado, chamamos irritações e que, sob a
· acção desregrada de paixões, se transforma
em cólera.
Tôda a gente sabe o que se passa em tais
lances. Dêmos um exemplo : Um trabalhador,
por qualquer motivo, está sendo ridiculizado
pelos m otejos de um seu companheiro. A prin­
cípio, de-certo, toma o caso a rir. Mas o outro
persiste. O homem escarnecido já não ri, e
convida o mofador a calar-se. Êste não se
importa e continua. Então a sensibilidade des­
perta : nota-se isso na atitude, na expressão do
rosto, nos olhares do indivíduo de quem se
escarnece. Uma v iva comoção começa a do­
miná-lo, e aumentará, pouco e pouco, se não
terminar a zombaria. Ê ste estado da sensibili­
dade é ainda apenas a irritação, isto é, um
sentimento mais ou menos moderado, dominado
pela razão e pela vontade, que ainda permite
ao trabalhador, mesmo exaltado, retrucar ao
companheiro. Subitamente, porém, excitado por
uma injúria mais violenta do que as outras,
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A FIDELIDADE CONJUOAL 1 75

vêde o que se dá. O homem insultado avança


furioso : a sua irritação transformou-se em có­
lera. cA razão já não tem nenhum poder sobre
êle ; não lhe ocorre que pode cometer um
crime, nem o que dêle se vai pensar, nem as
conseqüências da a cção que pratica ,. Arranca
da navalha e mata.
Os sentimentos afectivos desenvolvem-se
d a m esma forma, ainda que com menos apa­
rências de nitidez.
Um homem - um marido - vê uma mulher
cuja beleza o encanta. Não há nisto perigo
algum : pode-se admirar a beleza de uma mu­
lher como a de uma estátua, sem ter por ela
o menor sentimento afectivo. Esta admiração
pela graça fem inina é um estado de espírito
em que não estão excitadas as qualidades
afectivas, semelhantemente à irritação do tra­
balhador quando s e ria das zombarias do outro.
Mas o marido vê mais algumas vezes a
mesma mulher. Gosta de olhar para ela, e na­
turalmente, em certos momentos pensa nela ;
quando a não vê, tem desej os de a tornar a
ver, procura talvez ocasião de a encontrar.
Isto já não é pura estética. já não é a brin­
cadeira que faz rir. Nesse momento, contudo,
se um amigo daquele homem, sabendo o que
se passava, o advertisse de que se estava en­
v olvendo numa aventura perigosa, êle rir-se-ia
sinceramente, porque nenhum perigo, na ver-
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176 0 LIVRO DA ESPÔSA

dade, \lia diante de si. É exactamente o que


sucederia se alguém pedisse moderação ao
trabalhador, quando êle pedia ao companheiro
que se calasse, matando-o, afi nal, momentos
depois, com uma na\lalha. E, realmente, se
o zombeteiro terminasse a tempo os seus
motejos, tudo ficaria por ali. O mesmo sucede­
ria se o marido não tornasse a encontrar
aquela mulher no caminho e não mais pen­
sasse nela.
Mas deixou-se chegar ao ponto crítico em
que ignora o sentimento que o i n\lade e que
moti\la os seus pensamentos e acções. Gosta
de encontrar, procura mesmo \ler mais \lezes
essa mulher, porque lhe agrada o rosto dela.
mas não percebeu ainda que esta c complacên­
cia» é rigorosamente o começo de um senti­
mento afecti\lo.
Tal inconsciência do perigo, que se aproxi­
ma, é lamentá\lel, porque, se o marido o \lisse.
saberia deter-se. Quando o descobre, efecti\la­
mente, se n�o é um homem de carácter escru­
puloso e de \lontade firme, é já muito tarde
p ara recuar.
Efecti\lamente, se, ao encontrar a tal mu­
lher, sente uma impressão tão agradá\lel, que
p rocura repeti-la, encontrando-se com ela, e se
nenhum obstáculo se opõe ao desen\lol\ler de
um sentimento ainda ignorado, que começa a
dominá-lo, não demora muito o período em
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A flDI!LIDADI! CONJUOAL 1 77

que o homem hd-de ter necessidade de ver


aquela mulher.
E então o sentimento desmacara-se : ama-a;
quer dizer, sente uma flagrante simpatia por
aquela criatura, que não é sua espôsa. Esta
simpatia não tem, contudo, nada de comum
com a sincera e inabalável amizade que tem a
sua mulher.
Fêz-se com razão um axioma dêste lugar
comum :
- Não se podem amar duas pessoas ao
mesmo tempo !
Sim, não se podem amar duas pessoas ao
mesmo tempo, da mesma maneira ; mas po­
dem-se amar de maneiras diferentes, e é êste
o nosso caso.
O marido continua a ter por sua mulher a
mesma amizade p rofunda, séria, fundada na
razão e na estima, tal qual largamente a des­
crevemos já. Pela c outra , sente uma atracção
sensitiva, mas que lhe não penetra no mais
íntimo da alma, uma inclinação que, note-se
bem, é principalmente flsica.
É por isso também que as aspirações car­
nais dominam êsse afecto. Se tais aspirações
forem repelidas, grandes probabilidades há de
que o marido ainda oiça a voz da razão e
renuncie ao novo s entimento.
Não se pode afirmar que em tôdas as cir­
cunstâncias a resistência excite a paixão. Isto
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178 0 LIVRO DA ESPÕSA

acontece apenas quando a paixão está já de­


senca deada e procura saciar-se.
Ainda aqui serve o exemplo da cólera.
Assim, se alguém surgisse ao pé do trabalha­
dor, quando já armado da navalha, interpon­
do-se entre êle e a vítima, de-certo com a sua
intervenção mais enfureceria o desvairado,
porque a sua cólera o tinha arrebatado já até
ao crime. O mesmo não se daria se alguém
interviesse antes de a cólera o dominar.
Também, se o m arido fôr animado nas suas
aspirações pela mulher que ama, será excitado
até à paixão, e essa paixão não será impedida
por nenhum obstáculo.
Depois, por uma evolução lógica, tornará a
dominar a razão, quando as apaixonadas aspi­
rações forem satisfeitas, e o h omem conven­
cer-se-á então de que praticou, ao mesmo
tempo, uma má acção e uma loucura.
Ainda nestas circunstâncias, poderá julgar­
-se feliz, se a espôsa não teve conhecimento
da sua aventura, que, ferindo-a na dignidade e
no afecto, pode provocar conseqüências irre­
paráveis. •

O caso ficará com êle próprio e com a sua


consciência, e talvez que a experiência lhe
evite futuras quedas.

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A fiDELIDADE CONJUGAL 1 79

Ê ste quadro exacto das circunstâncias gerais


em que o marido se encontra, no que respeita
à fidelidade conjugal, indica à espôsa qual é,
nos mesmos casos, o seu dever.
Não tem um anjo por um espôso, mas um
homem. E êsse homem pode errar.
Porém, não foi destinado c fatalmente ,, c ne·
cessàriamente , , a errar.
O seu procedimento depende das circuns·
tâncias ambientes, sob a influência das quais
funcionam a sua razão e a sua sensib_ilidade.
Ora, essas circunstâncias ambientes de­
pendem da espôsa.
Todo êste livro foi escrito para mostrar à
mulher o poder de que dispõe para trabalhar
pela fel icidade do marido e pela sua própria
felicidade, se quiser e souber usar das suas
faculdades.
Começamos por lhe mostrar que deve es­
tudar o marido, conhecê-lo bem, conseguindo
assim adivinhar-lhe os pensamentos e senti·
mentos.
Dêste conhecimento deve servir-se para
cercar o homem do afecto que precisa, e que
é mais conforme às suas aspirações, m ais
adaptável à sua personalidade, à sua razão e
sentimentos.
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180 0 liVRO D A ESPÔSA

Tal afecto deve manifestar-se pelo cuidado


da espôsa em proporcionar ao marido satisfa­
ções e evitar-lhe desgostos.
Finalmente, chegamos ao ponto mais impor­
tante, no que diz respeito à fidelidade conjugal :
a esp6sa deve agradar ao marido por todos os
meios ao seu alcance. Deve agradar-lhe fisi­
camente pela c galantaria conjuga l , e, sobre­
tudo, pelas suas qualidades práticas, morais�
i ntelectuais, estéticas, por um conjunto dos
atractivos que podem encantar, seduzir, atrair
o homem para o lar doméstico.
A gradar f Eis tudo f
É o que lhe agrada que, de maneira irre­
sistível, atrai a simpatia do homem. Porque
aquela mulher, que passava, lhe agradou, 'Vosso­
marido olhou para ela, primeiramente, por sim­
ples gosto estético, pois a \lista de uma l inda
mulher seduz o olhar do bom homem, semprep
mesmo que essa mulher não lhe impressione o
coração.
As circunstâncias reno\laram depois essa
Impressão estética, e transformaram-na, pouco
a pouco, em impressão afectiva, porque o
objecto dessa impressão agradava cada vez
mais.
Isto indica às espôsas a conduta que têm
de m anter.
Quando elas de\liam empenhar-se o mais
possível por agradar ao marido mais do que
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A fiD!LIDADI! CONJUOAL 181

qualquer outra mulher - em geral não procu­


ram sequer agradar-lhe mais a êle do que a
qualquer outro homem.
É esta, dissemo-lo já e repetimo-lo, uma
falta capital, ·que não desculpa, mas explica, a
infidelidade de muitos maridos.
Porque emquanto a espôsa se contenta com
o cumprimento dos seus deveres de dona de
casa, sem muito a preocupar a idea de agra­
dar ao marido, outras mulheres têm essa preo­
cupação.
Esta c circunstância,, capaz de Impressionar
muito o marido, é realmente deplorável, mas
existe, e ninguém tem o poder de a extinguir.
Há sempre mulheres vaidosamente galantes
que procuram agradar aos •maridos das outras• .
O que da espôsa depende é não deixar
campo livre a essas tentativas, não deixar o
marido abandonado a essas tentações. E isso
é-lhe tanto mais fácil quanto, como espôsa,
d i s p õ e d o s í n ti m o s e n c a n t o s da v i d a e m
comum.
Há um axioma jurídico que diz em latim :
Melior est conditio possidentis ; quere dizer :
quando é disputada a propriedade de qualquer
coisa, aquele que já tinha posse dela está em
melhores condições do que o pretendente.
São exactamente assim as condições vanta­
josas em que se encontra a espôsa para defen­
der o marido das tentações_ de outras mulheres.
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182 0 LIVRO DA EsPÔSA

Mas é preciso que saiba tirar proveito dessas


vantagens.
Tem em seu poder tôdas as condições para
o conseguir. Se proceder conforme aconselha­
mos e estudou o carácter do marido, conhece-o
bem, sabe quais são os seus gostos de tôdas
as espécies, enfim, sabe o que lhe agrada.
Nada, pois, lhe é mais fácil do que agradar­
-lhe, satisfazendo-lhe tôdas as aspirações.
t O marido é particularmente sensível aos
e ncantos físicos ? Faça o possível por lhe agra­
dar fisicamente pela «galantaria conjugal:..
Não mostre negligência n a apresentação,
na maneira de vestir, no porte. Com elegância
tenha a delicada preocupação de variar o pen­
teado, a disposição do vestuário, mil pequeni­
nos nadas que a tornam aos olhos do marido
sempre insinuante, sempre diferente, sempre
s edutora.
Ter estes cuidados para agradar ao m arido
não é só prova de simpatia e d e boa amizade,
mas ainda a garantia da felicidade conjugal,
uma posi tiva virtude da espôsa.
Não é êsse, contudo, senão um dos nume­
rosos meios de agradar e atrair o m arido.
Expusemos já largamente quais os recursos
que ela tem para cercar o seu companheiro d e
existência de tanto bem-estar, tantos prazeres
morais, intelectuais, estéticos, que nenhuma
tentação pode dominá-lo.
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A fiDELIDADE CONJUGAL 185

Contudo, a melhor maneira de pôr o homem


ao abrigo das tentações é evitar-lhas quanto
possível. E ainda aqui a sedução do interior
doméstico d e s em p enh a um grande papel.
Quanto mais um marido fôr afeiçoado ao lar,
menos está exposto a encontrar fora de casa
distracções que o possam levar a esquecer o s
seus deveres.
Por isso, a espôsa sabe ler na expressão',
nas maneiras do marido, o que lhe vai lá por
dentro : e. se êle tiver uma preocupação estra­
nha ao lar conjugal, logo ela a pressentirá.
E então, se quiser ser bemfazeja e proceder
de maneira eficaz, não se deixe levar por ca­
minho errado.
Muitas mulh eres de temperamento impul­
sivo, quando suspeitam de que os maridos lhes
são desleais, ou para isso mostram tendências,
tomam atitudes cujos resultados são contrário s
exactamente a o que desejavam.
Importunam o homem com perguntas, cen­
suras ; mostram susceptibilidades tão exagera­
das e tanto o perseguem com espionagens, que
o irritam a ponto de sentir mudada em antipa­
tia a simpatia que ainda tinha pela espôsa.
As mulheres que procedem insensatamente
assim, usam dum processo completamente
oposto ao que deveriam adoptar para recon­
quistar os maridos. Com êsses processos, esti­
mulam a infidelidade que tanto receiam.
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184 0 LIVR.O DA ESPOSA

A espôsa sensata, que no m arido julga \ler


mostras de preocupações suspeitas, não faz
imediatamente juízos temerários.
Se pergunta ao m arido no que pensa, fá-lo
n aturalmente, não denunciando as suas des­
confianças, fala-lhe no mesmo tom em que lhe
falaria ao notar-lhe outras preocupações.
E, se a resposta é uma e\lasi\la, não insiste.
Tem o máximo cuidado em não re\lelar ao
m arido, le\lemente que seja, o que receia.
Em compensação, e como nunca, as suas
atenções e pro\las de afecto p ara com o espôso
são assíduas ; como nunca, faz tudo quanto lhe
é possí\lel para agradar-lhe.
Raras \lezes estes cuidados afectuosos da
mulher deixam de dar o resultado pretendido.
O homem impressiona-se sempre com as pro­
\las dum afecto de que não pode du\lidar.
E, a não ser que a paixão o tenha des\lai­
rado, não tardará a ponderar as circunstân­
cias, e a \ler quanto é diferente a acti\la
simpatia da espôsa, tão fecunda em alegrias
sempre \lariadas, da sedução da outra mulher
que apenas lhe impressiona os sentidos, fisi­
camente, e o que de menos profundo tem na
sua alma.
Então renuncia ao êrro. Redobra de afecto
pela espôsa e, se não receasse magoá-la, êle
próprio, cheio de remorso, confessar-lhe-ia
como este\le prestes a despenhar-se num abismo
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A fiDI!LIDADE CONJUOAL 185

e como o salvou a tempo, por melo da pene­


trante simpatia dela, o amor conjugal.

Se, porém, a-pesar-de todos os esforços


empregados para agradar ao marido, p ara o
deter n o caminho funesto aonde a paixão o
arrasta, o homem s e deixar cair em culpa ­
� qual deverá ser a conduta da espôsa ?
Se êle cometeu apenas uma falta p assa­
geira, e porque essa falta foi uma fraqueza, a
espôsa deve perdoar e até esquecer, e nunca
mais lhe tornará a falar nisso.
Dissemos j á qual o carácter dessas sedu­
ç ões, que as circunstâncias originam, seduções
que o h omem a princípio não receia, pois des­
conhece-lhes o perigo, mas em que vem a des­
penhar-se por saber dominar a tempo a sensi­
bilidade.
Emfim, c errar é próprio do homem > .
Mas fizemos também p o r notar que essa
inclinação afectiva é muito diferente do amor
que o marido conserva para com a espôsa,
porque é essencialmente «física>.
É muito certo que esta particularidade
última é exactamente a que mais impressiona
a espôsa ; porque ela, também, considera- a
mais segundo a sua sensibilidade emotiva do
que à luz do raciocínio.
Muito mais fàcilmente p erdoaria ao marido
um amor platónico por outra mulher, uma
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186 0 LIVRO DA ESPÔSA

adm iração pura m e nt e intelectual, moral e


estética.
E, contudo, essa admiração espiritual neces­
sitaria uma muito mais profunda simpatia do
que o amor físico.
Mas é assim a nossa fraqueza humana : a
sensibilidade ferida faz calar a razão.
A espôsa não considera que o marido,
mesmo na sua infidelidade, lhe deixou a
c melhor parte , : o coração e a estima ; e que a

<< outra» só possue dêle a expansão apaixonada


e momentânea da sensibilidade emotiva.
Seria preciso que a espôsa, nêstes casos,
tivesse fôrça para reflectir, e julgasse o proce­
dimento do marido, não com a sensibilidade
afectiva, ainda dolorosamente perturbada, mas
com o puro raciocínio.
Assim compreenderia que a fraqueza de um
mom ento não é o bastante para condenar para
sempre um homem que, possuindo as melho­
res qualidades conjugais, foi v itima de uma
exaltação dos sentidos que em certo instante
o dominou. Então, sepultaria no esquecimento
e no silêncio a sua mágoa , e nunca mais lan­
çaria em rôsto ao marido a falta passageira.
l Poder-se-á desejar mais da espôsa ?
Vem a propósito preguntar se há graus na
virtude, na simpatia e na piedade das espôsas.
Há evidentemente ; e o que nem a tôdas as mu­
lheres se pode exigir, consegue-se de algumas.
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A FIDELIDADE CONJUGAL 187

A essas dir-lhes-emos :
Para \losso marido, sujeito a cair, não s ó
numa falta, m a s e m fraquezas, sêde muito
compassivas.
Ê le é um ser imperfeito, incompleto, inca­
paz de dominar as exaltações apaix_o nadas que
o empolguem . É digno da vossa piedade. Anda
procurando a felicidade num caminho em que
nunca a encontrará. A vós pertence reencami­
nhá-lo para onde seja feliz.
Como ? Sobretudo, usando de paciência . . .
Nã� deixeis transparecer diante do marido
nenhum outro sentimento que não seja a tris­
teza, sempre afectuosa, que vos causa a sua
conduta. Não deixeis esmorecer nada da \lossa
simpatia e dedicação, do \losso cuidado em o
cercar de bem-estar e alegrias no interior
doméstico.
Procedei por tal forma que êle se \leja,
p o u c o a p o u c o , o b r i g a d o a c o m p a r a r as
doçuras, sem preço, que tem junto de vós,
com os prazeres que baldadamente procura
alcançar.
É êste o único meio que a espôsa tem d e
triunfar pela piedade conjugal. E , embora não
triunfe imediatamente, não deve nunca desa­
nimar deixando de empregar cada \lez mais
esforços.
Afaste de si, como tentação funesta, a idea
de abandonar o marido à sua desventurada
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188 0 LIVI{O DA ESPÔSA

sorte. Dir-lhes-emos, a propósito, as palavras


{fe jean-Paul Faber :
cUm_ mau pensamento nascido unicamente
do amor próprio - tenhamo-lo sempre em vista
- pode assaltar os m elhores e m ais generosos
corações : é a idea de abandonar à sua sorte
as pessoas que, por uma estúpida teimosia,
recusam seguir os conselhos ditados pela pru­
dência, e que as podem deter na ladeira da
sua ruína.
c Se é um dever guiar por direito caminho

os 1Jiandantes transviados, t não o será também


o de nunca abandonar, e antes acompanhar
sempre, quanto possível, os que seguem des­
vairadamente um mau carinho, tendo-se em
vista atenuar, segundo a fôrça das circunstân­
cias, os perigos a que êsses desvairados volun­
tàrlamente se expõem ? Oh ! é difícil dar a
felicidade, mesmo aos nossos parentes e ami­
gos, sem o risco de vermos ingratamente paga
a nossa dedicação ! Mas se fôsse de outra
forma, l onde estaria a virtude da bondade ?:.

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CAPITU LO X

A fidelidade conjugal

fidelidade da espôsa

Exactamente como o h omem, a mulher pos­


sue razão e sensibilidade, mas a sua sensibili­
dade é geralmente desenvolvida em mais alto
grau do que a do h omem.
Esta circunstância, porém, não lhe preju­
dica a agudeza da razão, como o pretendem
alguns psicólogos que estudam a personalidade
feminina, mas muito mais nos livros do que n a
realidade. A o contrário d o que êles pensam, a
sensibilidade auxilia, mais do que desvaira, a
razão, porque lhe dá as suas noções próprias.
Por- isso é que as mulheres compreendem
ou adivinham, quási misteriosamente, muitas
coisas que o espírito do homem não penetra.
Quanto à fidelidade conjugal, a s ensibili­
dade feminina, em "Vez de prejudicar a refle­
xão, fortalece o raciocínio na visão dos factos.
A espôsa não vê apenas, como o h omem,_
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1 90 0 L!V�O DA ESPÔSA

quanto é deshonesta, injusta, insensata e peri­


gosa a infidelidade conjugal ; sente também
como seria cruel e dolorosa para o marido
uma tal acção da mulher.
Em muitas circunstâncias, a sensibilidade,
mais do que a razão, livra a espôsa de cair
numa fraqueza.
E, com efeito, se a mulher é também um
ser dalíveh, a-pesar-da qualificação dada ao
sexo fraco, é menos susceptível do que o
homem de ceder à fraqueza que termina na
infidelidade.
Ajudam - na a resistir à tentação funesta,
não só a razão e a sensibilidade, como ainda
a educação, o pudor, êsse conjunto de condi­
ções sociais que obrigam a mulher a ser em
tudo mais recatada do que o homem ; e, emfim,
detém-na ainda o facto de ela saber que o
mundo não tem pelos erros da espôsa a mesma
indulgência •aparente» que mostra para com
os do m arido.

Não obstante, a mulher está mais sujeita à


tentação, do que o homem, a-pesar-da vida
social ordinária oferecer ao homem mil oca­
siões de cair em falta e de as tornar muito
mais raras para a espôsa, distraída pelas obri­
gações domésticas.
Parece mesmo que é o homem quem sus­
cita as próprias tentações, v isto que, em nome
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A PIDELIDADE CONJUGAL •
191

da galantaria, tem quási o dever mundano de


prestar homenagens, mais ou menos sinceras,
às mulheres.
A mulher, pelo contrário, recebe as h om e­
nagens.
Espera que lhas dediquem, e só as provoca
pela vaidade e garridice n atural, que a l eva
a tornar�se agradável e, por conseqüência, a
adornar-se de encantos físicos e de encantos
morais e intelectuais.
Essas homenagens, que rodeiam a mulher
e a incitam a multiplicar as seduções para
atrair as nuvens incensadoras do galanteio,
cheias de tão delicioso perfume, ocultam os
perigos da tentação.
Porque, se a mulher tenta agradar, pode
provocar com isso o facto de que alguém lhe
agrade igualmente. Uma amabilidade florida,
dita com graça, por um homem de aspecto
insinuante, pode ferir-lhe mais fundo o cora­
ção do que desejava ou receava a princípio.
Êsse homem há-de agradar-lhe, naturalmente ;
isto é : a mulher terá prazer em Vê- lo, em pen­
sar n êle, mesmo sem suspeitar que estas pri­
meiras simpatias, amigáveis e inocentes em­
bora, trazem latente o perigo.
Esta impressão amorosa exercerá na espôsa
a mesma acção funesta que desenvolveu no
marido, pela forma que vimos n o capítulo ante­
rior, porque a m archa dos sentimentos é a
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1 92 o LlVR.O DA ESPÔSA

mesma exactamente no coração do h omem e


no coração da mulher.
D esponta a princípio numa sensação de
a grado estético ou de vaidade satisfeita ; de­
pois, insensivelmente, nasce a simpatia, desen­
volve-se gradualmente, torna-se perturbação dos
s entidos, comoção afectiva, podendo mesmo de­
generar em paixão.
já dissemos que a espôsa tem a defendê-la
contra estes excessos de sensibilidade as suas
qualidades femininas.
Mas, em compensação, está exposta a um
perigo : o que pode resultar das homenagens
mais assíduas de um homem, que talvez tenha
notado a simpatia que despertava naquela mu­
lher, ou que, m esmo antes de a despertar, ou
sem a notar, obedece ao impulso do seu cora­
ção.
Então, de duas coisas, se dá uma : No pri­
m eiro casoj a espôsa, inconsciente do perigo,
continua cbrincando com o fogo , e queima-se.
Quere isto dizer que só muito tarde reconhece
verdadeiramente de que natureza são os senti­
m entos afectivos que a dominam, e está assim
n a contingência arriscada de cometer faltas irre­
paráveis.
Ou, no segundo caso, vendo claro no seu
coração, e lendo os intuitos reais das homena­
gens que lhe prestam, sabe imediatamente ata­
lhar o mal.
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A f'IDI!LIDADE CONJUGAL 195

Não precisa, para êste fim, confessar a o


marido o que sente por outro homem, nem os
galanteios de que é alvo, a n ão ser que, para
s e ver l ivre dêles, se veja obrigada a pedir a
protecção do espôso . Basta-lhe ter firmeza de
resolução, ponderação e serenidade. Pondera­
ção, sobretudo. Embora nada haja ainda que
ofenda, é fácil notar que tôda a homenagem,
ultrapassadora dos limites de uma polida delica­
deza, é um tzltraje para a mulher que o recebe.
O homem que sai fora de si a ponto de
manifestar a uma mulher casada sentimentos
que não tem direito a exprimir-lhe, nem ela o
direito de os escutar, parece dizer-lhe :
- Bem sei que está ligada a outro h omem.
Mas espero que, por minha causa, calque aos
pés todos os deveres e ponha de parte o pudor.
Evidentemente, essa conclusão que se colhe
dos galanteios, não passa com nitidez pelo
espírito do homem subjugado pela simpatia
p assional, nem pelo espirito da mulher que o
escuta ; mas é rigorosamente assim, sem per­
mitir equívocos.
Em vista disso, o que tem a fazer uma mu­
l her, alvo desta homenagem ultrajante, está
naturalmente indi�ado. Não é da indignação,
nem da cólera, que tem de usar ; pelo contrário,
usará da dignidade e da calma.
Deverá responder isto, pouco mais ou me­
nos, conforme as circunstâncias :
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194 Ü LIV�O DA fSPÔSA

- O senhor de-certo não pensou bem no


quanto para mim é deprimente o que acaba de
dizer-me, e por isso lhe perdôo. Mas saiba que
fêz de mim uma má idea e que eu sou incapaz
de faltar a nenhum dos meus deveres de espôsa.
Queira evitar-me o desgôsto de, para outra vez,
lhe repetir estas palavras.
Uma declaração dêste género, feita catego­
ricamente e com decisão, tem, geralmente, o
resultado de cortar pela raiz qualquer outra
tentativa. Se essa tentativa, porém, se reno­
vasse, e a espôsa se visse incapaz de afastar
por si só, com os seus protestos, o importuno,
só então, esgotados emfim todos os recursos,
deveria avisar o marido para com éle resolver
sem escândalo inútil, o que havia a fazer para
pôr têrmo àquela obsessão.

Mas é preciso ainda, para proceder assim,


que a espôsa esteja firmemente resolvida a
resistir à tentação e que não se tenha deixado
dominar por uma criminosa simpatia.
Se, por desgraça, experimentar a menor
emoção sensfvel, é preferível evitar, por meio
da fuga, tôdas as ocasiões de conviver com o
homem que a impressiona. Contra a sensibili­
dade só se Iuta · por meio da fuga, por meio da
ausência, pela separação. Não é a razão, é só
o tempo, quem pode conseguir a destruição ou
o sopitamento dos desejos humanos.
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A PIDELIDADE CONJUOAL 1 95

§ 2.o

Não se perca, " porém, da idea que a melhor


forma da espôsa resistir às tentações é seguir
a vida conjugal, como a temos descrito no de­
correr dêste livro.
Uma mulher, absorvida completamente nos
seus cuidados pelo marido e pela casa, não
tem mesmo tempo de pensar noutra coisa. As
suas preocupações tôdas estão no lar e nem
se lembra de que há um mundo exterior, se
não quando em tal a obrigam a pensar as rela­
ções sociais.
Dedicando-se unicamente a agradar ao ma­
rido, só para êle quere ser galante, e as h ome­
nagens mundanas deixam-na indiferente, ou,
quando muito, levemente a lisonjeiam na sua
natural vaidadezinha feminina, qualidade que
talvez nenhuma mulher possa pôr de parte,
em absoluto.
Mas, nestes casos, as h omenagens dirigi­
das a uma dona de casa são sempre discretas.
A respeitosa estima que cerca a espôsa li\lra-a
das solicitudes audaciosas dos que mais a
admiram. A admiração dêstes, embora afec­
tiva, nunca se torna apaixonada, ou nunca
assim se manifesta, pois que os que a sentem
sabem antecipadamente, e muito bem, que as
suas confissões seriam acolhi das, não como
galanterias, mas como ofensas.
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1 96 0 LlV�O DA ESPÔSA

É assim que a mulher, entregue aos cuida­


dos do lar, afugenta, pelo próprio prestigio das
suas virtudes de espôsa, as tentações a que
estão sujeitas as criaturas mundanas. Por isso)"
também as mulheres mundanas, andando m ais
expostas ao perigo, têm, geralmente, reputa­
ção de não lhe fugir; e antes de o procurar
até. Neste conceito, julgamos haver uma opi­
nião t e m erári a a que a v i d a m u n d a n a dá
e n s ej o , m a s que se n ão j us ti f i c a absoluta.
m en te.
Sem dúvida, a mulher que vive no meio
dos prazeres d a sociedade, e que, em vez de
ficar em sua casa, freqUenta reUniões, saraus�
festas, bailes, etc., atrai mais os galanteios,
porque se pensa, muito naturalm ente, que êles
não lhe desagradam. Disto, contudo, não se
pode concluir que tais homenagens sejam para
ela tentações irresistíveis.
Num meio perigoso, constitue-se, pouco a
pouco, uma atmosfera moral que conjura (}
perigo, uma vez que os flirts das reUniões ele­
gantes não degenerem fatalmente em falta.
A mulher elegante, com efeito, h abitua-se
de-pressa a êsse meio artificial, todo de apa­
rências e mentiras ; e habitua-se também a
discernir o verdadeiro valor das homenagens
dos homens e dos seus postiços sentimentos
de simpatia.
Perfeitamente, sabe como são frágeis essas
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A FIDELIDADE CONJUOAL 1 97

simpatias « Carnais,, e às vezes pior ainda, dn­


·teresseira s , . Longe de U i e causarem tentações
funestas, despertam-lhe apenas desdém e amar­
·gura.
i Mas que s ituação terrível a de uma espôsa
n o meio de uma luta contínua contra a s inves­
tidas , pondo em perigo constante o que tem
mais caro : a sua virtude, a sua honra, o seu
amor conjugal, a sua dignidade de mulher !
.t Como terá a certeza de poder resistir sem­
pre, e de que nunca um amor funesto lhe avas­
salará traiçoeiram ente o coração ?
Por isso é que consideramos a vida mun­
dana perniciosa para o amor conjugal, para a
felicidade doméstica e, especialmente, para
.a fidelidade da espôsa,
A exaltação dos sentimentos amorosos é
11ma embriaguez passageira que, quando s e
-dissipa, d á à reflexão u m papel d o qual nunca
deveria ter sido esbulhada.
Vimos já como no casamento tal afecto
apaixonado se transforma, passadas as crises
-da adaptação de caracteres, em simpatia con­
jugal, que é o único verdadeiro afecto.
Quando, porém, essa impressão amorosa
1em como resultado a i nfidelidade conjugal,
deixa um sentimento de profunda amargura e
desalento.
A espôsa que, num minuto de desvaira­
mento, esqueceu os seus deveres, sente inva-
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1 98 0 LIVRO DA ESPÔSA

d ida a alma, quando a reflexão volta, por uma


angústia indefinida mas muito compreensíveL
A infeliz, alucinada, quebrou com as suas
mãos o laço conjugal que a prendia não só ao
m arido, mas a tôda a família do marido, à sua
própria família, a todos que a conhecem, à
sociedade inteira, às leis humanas e às l eis
divinas. Então, de tudo fica desligada, até do
h omem, por quem, de olhos fechados, tudo
calcou aos pés.
É uma criatura abandonada, não tendo de
que lançar mão para seguir o caminho da vida,
c ompletamente sacrificada com uma l eviandade
suprema.
Há mulheres que, por causa da sua infide­
lidade, morrem.

i Se a falta ficou de todos ignorada, a mu­


lher pode c expiá-la» !
Tem, para isso, um só caminho a seguir :
regressar absolutamente, completamente, defi­
nitivamente, ao amor conjugal.
Será o marido, de quem ela, a-pesar-de
culpad�, conserva ainda a confiança, o instru­
m énto da sua penitente rehabilitação. Só uma
dedicação cega por êle, l evada até ao sacrifí­
cio, se necessário fôr, poderá resgatar- lhe a
culpa.
Se, n a verdade, consegue dar felicidade ao
m arido, se tem a certeza de que por êle faz
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A FIDELIDADE CONJUOAL 199

tudo que pode fazer, pouco a pouco sentirá


desvanecer-se-lhe no coração o remorso da
falta cometida, sentirá que alguma coisa supe­
rior a ampara - a virtude e o dever.
E eis tudo . . .
Boileau deixou-se arrastar por um exagêro
poéti co, incutindo nocivamente a desesperança,
quando disse :

A honra é como a escarpa nua sôbre o mar . . .


Quem do seu alto cai não a torna a escalar.

Esta máxima seria das de conseqüências


m orais mais funestas, se fôsse tomada à letra
e cumprida exactamente.
Não, neste vale de lágrimas em que vive­
mos não há portas de irre p aráveis infernos em
que se possam gravar as palavras fatais de
Dante :

Lasciate ogni speranza, ooi ch 'intrate !


Perdei tôda a esperança, 6 vós que entrais !

As portas do perdão de\lem sempre abrir-se


ao arrependimento e à remissão das culpas.
Todos nós somos falíveis, e por i sso o pró­
prio Jesus Cristo, na sua alta clarividência da
nossa fragilidade humana, disse, um dia, fa­
lando da mulher adúltera, aquelas palavras
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200 0 LIVR.O DA ESPÔSA

memoráveis que deveríamos ter sempre no


coração, quando somos tentados a condenar
sem piedade :
- O que entre vós estiver sem mancha,
atire-lhe a primeira pedra.
Estas palavras não defendem o adultério ;
muito longe disso. Mas são o ensinamento da
piedade e do perdão, tirado da fraqueza hu­
m ana.
A espôsa de-veras convencida da grandeza
da sua missão, e a rigor consciente da muita
felicidade que o amor conjugal lhe pode dar,
ficará fielmente ligada ao interior doméstico
que ela organizou, e não precisará nunca de
piedade nem de perdão.

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CAP ÍTULO XI

Condições da fel icidade dos esposos

De Sénancour disse, a propósito da ami­


zade :
c Quando dois h omens estão unidos pela
amizade, as necessidades dos dois, em certas
circunstâncias, não são maiores do que seriam
as de um só, e as suas fôrças são superiores
às fôrças de cada um em separado. A união
faz mais : quando é perfeita, satisfaz os desejos,
simplifica as necessidades, previne o que a
imaginação ambiciona, vale por todos os bens ;
é um asilo sempre aberto e uma fortuna cons­
tante,.
� Não é certo que a união conjugal possui,
em maior grau ainda que a amizade, as condi­
ções da felicidade humana ?
Realmente, como dem ostramos já, a simpa­
tia conjugal reúne em si não só os sentimentos
de amizade como todos os afectos, de maneira
que a espôsa encontra n o marido, além da
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202 0 LIVRO DA ESPÔSA

dedicação conjugal, a benevolência de um pai,


o carinho de uma mãi, a cordialidade de i rmãs,
de tôda uma família amiga e dedicada. Tem
ainda no marido um companheiro da existên­
cia, sempre disposto a repartir com ela as suas
alegrias e a socorrê-la nos sofrimentos ; um
educador solícito em lhe ensinar o que ela
ignora e o que precisa saber, tanto sôbre a
conduta na vida, como na satisfação da curio­
sidade.
A verdadeira simpatia conjugal é, pois, de­
-veras amizade, mas a amizade mais elevada
que pode imaginar-se.
Funda-se na confi ança absoluta, na dedica:­
ção sem limites, e tem como característica
juntar os e sposo.s como ,se fôssem uma só
creatura.
A mizade de ordem superior, cheia de deli­
cadeza, obtém, poderosamente, todos os resul ­
tados que o referido escritor enumerava.
As necessidades dos dois esposos não são
maiores do que as de um só, mas são até
menores, visto que a sua união satisfaz muito
as privações afectivas que não poderiam desen­
v olver-se, a não viverem em comum.
t Trata-se de necessidades materiais ?
Mas, neste caso ainda, a colaboração de
marido e mulher simplifica as dificuldades da
vida. Como dona de casa, a espôsa, com o seu
espírito de ordem, económico, previdente, reduz
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CONDIÇÕES DA fELICIDADE DOS ESPOSOS 205

as necessidades domésticas ao m ínimo, ou con­


segue satisfazê-las com o menor dispêndio.
l Torna-se necessário, em virtude de cir­
cunstâncias adversas, fazer sacrifícios, sofrer
privações ? i Como se suportam fàcilmente
essas agruras, quando são dois a suportá- las e
cada um emprega todos os esforços possíveis
para as tornarem menos rigorosas ao seu com­
panheiro de existência !
julgamos desnecessário i nsistir muito na
dem onstração de que, se as necessidades dos
esposos são menores, as suas fôrças são, toda­
v ia, superiores.
A união é já de si uma fôrça.
Porque, diz o Ecl esiastes : c Desgraçado
daquele que é só , . E logo se explicou :
c Porque, se desfalecer, ninguém lhe valeráf,

Quando há uma companhia, principalmente,


quando homem e mulher estão unidos pelo
casamento, não só há alguém junto daquele
que desfalece, como não h á até razão de des­
falecer, v isto que não está só !
Aquele que se deixaria vencer pelo que­
branto físico ou pela dor m oral, por não ter
quem lhe valesse, suporta a dor e o quebranto
quando a seu lado está alguém para lhe dar
confôrto e incutir esperança.
Sendo dois, sentem menos amarga a adver­
sidade, e a felicidade, pelo contrário, é mais
completa.
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204 0 L!VR.O DA ESPÔSA

Sendo dois, percorrem com mais ânimo a


estrada da vida, ainda que lhes perturbem a
m archa algumas dificuldades.
Terão mais coragem, menos receios a em­
bargar-lhes o esfôrço e a perseverança, mais
ambição, pois que, nesse caso, cada qual não
trabalha. para si apenas mas cpara os dois».
Sendo dois, têm amor a uma casa que seria
fria, triste, lôbrega, sem encantos, para quem
ali estivesse isolado. Fundam um lar : cuidam
de o m obilar, adornar, encher de atractivos, só·
porque êsse lar será o ninho dêles ambos.
Sendo dois, conquistam qualidades práticas.
A vida conjugal é uma escola, ensina a ter
previsão. É preciso pensar no dia de amanhã.
Cada qual não pensa em si só, visto que ali
vivem dois.
Sendo dois, melhora cada um dos seus sen­
timentos. O isolamento, que engrandece as
almas superiores, como as dos santos, é nefasto
para os outros m ortais. Aperta o coração, ali­
m enta e desenvolve o egoísmo, torna o carác­
ter insaciável, áspero, irritável.
Pode dizer-se que, especialmente sob o
ponto de vista m oral, não é bom que o homem
esteja só.
A \lida em comum é, porém, a melhor escola
d e perfeição, quer procure cada um agradar,
quer adaptem o s caracteres, \listo não poderem
desmanchar o que está feito.
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CONDIÇÕES DA FELICIDADE DOS ESPOSOS 205

O encontro continuado dos temperamentos


atenua-lhes, dentro em pouco, as asperezas,
quebra-lhes as arestas. O egoísmo diminue,
ou dissimula-se - o que contribue para o di­
minuir - a simpatia, naturalmente nascida da
vida em comum, que põe em evidência as qua­
lidades dos esposos, vem substituí-lo, e, daí
em diante, domina todos os actos da vida
conjugal.
Esta transformação não é também insignifi­
cante quanto às relações exteriores.
Tudo que constitue o carácter dos esposos
sofre, pelo casamento, modificações que o tor­
nam m elhor.
A vida em comum produz transformações
no espírito como no carácter. As coisas vêem-se
por aspecto diferente do que o que tinham ; o
que outrora nos interessava perde o interêsse ;
e outros gôstos, originados n a vida em comum,
vêm substituir aqueles. O espírito, como o
carácter, toma c novos hábitos , ,
Sendo dois, desenvolvem mais a inteligên­
cia, visto que, sendo os espíritos diferentes�
tentam compreender-se e harmonizar-se.
Os prazeres intelectuais são, então, m ais
vivos, as leituras mais saboreadas e melhor
compreendidas, os passeios mais agradáveis,
as v iagens mais interessantes.
Sendo dois, sentem melhor o encanto de
tudo que é belo n a natureza e na arte, porque
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0 liVRO DA ESPÔSA

a impressão recebida é reforçada pela que


sentiu o companheiro.
Sendo dois, têm, finalmente, mais fôrça para
resistir a funestas tentações, a arrebatamentos
irreflectidos, às faltas, ligeiras ou graves, que
podem transtornar a fel icidade da vida.

O que ao casamento dá tão evidente pode­


rio sôbre todos os nossos pensamentos, e sen­
timentos e acções, sôbre o conjunto de condi­
ções da felicidade, é o seu carácter essencial
de união para tôda a vida.
O homem não encontra o repoiso do espí­
rito nem do coração em coisas passageiras.
Os prazeres efêmeros podem seduzi-lo por
instantes, mas nenhuma satisfação verdadeira
lhe fornecem.
Na vida terrena, nenhuma alegria, nada pode
satisfazer a sêde ardente de felicidade, a aspi­
ração constante do coração do homem, ânsia
que só uma outra vida superior saciará.
Mas, se há na terra uma felicidade que,
a-pesar-de ser limitada, como tôdas as coisas
do mundo, nos dá em miniatura o ante-gôsto
das venturas da vida celeste, e que de tôdas as
outras da nossa existência se distingue pela
sua duração, é essa a felicidade conjugal.
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CONDIÇÕES DA l'ELICIDADE DOS ESPOSOS 207

Repetimo-lo, pois : é a sua característica de


união perpétua « para tôda a Vida , a causa dessa
benéfica influência do casamento na felicidade
do marido e da espôsa. É essa circunstância
que a um e outro permite trabalhar com espe­
rança na felicidade comum, confiados na i ndis­
solubilidade da sua união.
É essa a causa de que o seu primeiro afecto
àmoroso, transitório, se tr�nsforme, a-pesar-das
lutas de caracteres, em duradoira simpatia.
É isso que lhes dá a liberdade de um ao outro
falarem confiadamente, de coração nas m ãos,
de nada esconderem dos seus sentimentos um
ao outro, de revelarem mutuamente os seus
mais íntimos segrêdos, sem receios, porque,
então, ambos formam um só.
É a união para tôda a vida que leva marido
e mulher a construírem um lar, o recanto do
mundo onde todo o seu afecto se abriga, aonde
os chamam todos os atractivos capazes de lhes
darem as alegrias m ais íntimas, mais serena­
mente doces e mais puras. É quem incute à
espôsa a idea de agradar exclusivamente ao
seu companheiro de existência, de o atrair a
s i por todos os meios.
c! Como poderia ser a mulher cuidadosa,
v igilante, económica, trabalhadeira, previdente,
se o lar, que pouco a pouco foi constituindo
carinhosamente com as suas mãos, não fôsse

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208 0 LlVR.O DA ESPÔSA

o asilo perpétuo, definitivo, dos seus afectos e


alegrias ?
l Como poderia constantemente tentar com­
preender a rigor, nos menores actos, o marido,
e satisfazer-lhe os gostos e corrigir-lhe discre­
tamente os defeitos, se não soubesse que
estava trabalhando por todo o seu futuro ?
É a união para tôda a vida que desenvolve
as simpatias m orais, intelectuais, os gostos
estéticos, a indulgência, a benevolência, a
cordialidade.
Os esposos construem um melo para tôda a
sua vida, e por isso cuidadosamente tratam de
o revestir material, moral, intelectual e esteti­
camente, de tudo que o possa tornar agradável.

É inútil procurar outra razão nas condições


da felicidade dos esposos.
A nossa existência na terra é apenas uma
viagem que h·á-de acabar.
Essa viagem, somos inclinados, pela nossa
n atureza humana, a torná-la o m elhor possível,
e tal desejo não é ilegítimo.
Ora, uma rudimentar sabedoria de todos os
tempos reconheceu que a união de homem e
mulher por tôda a v ida é a m elhor forma de
fazer essa viagem com o menor número possí­
vel de agruras e sofrimentos.
O casamento é o melhor m eio de nos con­
duzirmos nas j ornadas da vida.
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CONDIÇÕES DA FELICIDADE DOS ESPOSOS 209

Não quer isto dizer que o casamento seja


absolutamente perfeito na felicidade que nos
concede ; mas as suas imperfeições provêm
menos da sua essência do que da maneira
como, por culpa nossa, vivemos nêle.
O que é particularmente imperfeito é a
natureza humana. O casamento vale o que
valem o marido e a espôsa.
Eis porque um e outro devem esforçar-se
por se melhorar a si próprios, porque o casa­
m ento só lhes dá benefícios.
Neste livro, especia l m e n te dedicado à
espôsa, a ela nos dirigimos. Não seria, contudo,
inconveniente que o marido, por sua vez, o
lesse, pois dos conselhos dados à espôsa fàcil­
mente se deduziriam os do homem, se preten­
dêssemos indicar qual a sua missão no casa­
mento.
Mais uma vez repetimos, no entanto, que
especialmente da espôsa depende a harmonia
e, conseguintemente, a felicidade do lar. Por
isso, neste livro principalmente, tentamo s indi­
car à espôsa os m eios de conseguir, no inte­
rior doméstico, tal harmonia e tal felicidade.
Com o maior escrúpulo, evitamos cair no
êrro de alguns psicólogos e moralistas, tra­
çando quadros ideais, sem relação alguma com
a realidade.
Não ocultamos à espôsa que, no cumpri­
mento da sua missão, encontrará obstáculos
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210 0 LIVR.O D A ESPÔSA

de condições diversas. Só nos romances e nos


contos de fadas os acontecimentos se desen­
rolam a contento de todos.
A vida não é um romance, nem um conto
de fadas . . . é muito mais e melhor : é uma
realidade . É uma escola de esfôrço, de luta,
em que nem sempre há a vitória, e nem sem­
pre há as desilusões.
Nós somos os artífices da nossa felicidade.
O bem não nos chega em sonho, deitando-nos
a dormir ! É um falso provérbio, porque é iló­
gico. � Como admitir que o preguiçoso, de
b ra ç o s cruzados, consiga mais fàc i l mente
desempenhar-se duma missão, do que o traba­
lhador, alerta desde o nascer do sol ?
Pode suceder que os resultados não sejam
proporcionais ao trabalho dispendido ; mas isto
sucede devido a que, nas nossas relações com
o meio exterior, há duas coisas a considerar :
de uma parte a nossa actividade pessoal ; da
outra, as c circunstâncias ,.
Ora as circunstâncias podem favorecer mais
ou m enos os esforços da nossa actividade
pessoal.
E é por isso mesmo que a vida não é um
conto de fadas, e que os acontecimentos não
dependem absolutamente dos nossos desej os,
nem dos nossos esforços até.
Dependem, contudo, �em parte », dêsses es­
forços, e i sso basta para sôbre êles empregar-
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CONDIÇÕES DA PELICIDADE DOS ESPOSOS 211

m os as nossas acções e não os abandonarmos


a si próprios s omente.
Pelo que fica dito, não nos arreceamos de
repetir ainda e sempre às espôsas :
c- Trabalhai sem descanso pela felicidade
do marido e pela vossa.
Trabalhai sem descanso por corrigirdes as
imperfeições do vosso carácter, e por melho­
rardes, discretamente, o do vosso marido.
Trabalhai sem descanso por vos instruírdes
sôbre tudo que seja necessário ao bom cum­
primento de todos os vossos deveres.
Trabalhai sem descanso por organizardes,
conservardes e tornardes belo o lar doméstico,
que é como um santuário da felicidade con­
jugal.
Pode ser que nem todos os vossos desejos
sejam coroados pela boa fortuna, t mas ter-se­
·iam realizado melhor, se por acaso não tivés­
seis trabalhado sem descanso ?
Tereis, ao menos, a satisfação de ter feito
todo o possivel para conseguir a felicidade
conjugal, e essa satisfação compensa de-veras
a espôsa, cumpridora dos seus deveres, em
muitas das suas desilusões.
Mas, em regra, colhe-se o que se semeou,
e não há nenhum esfôrço que, por qualquer
forma, tarde ou cedo não venha a ser com­
pensado. ,

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Concl usão

Muito de propósito, em nenhum ponto dêste


l i\lro, consagra do ao estudo da missão da es­
pôsa na união conjugal, nos referimos às ale­
grias da maternidade.
A tal assunto, a tudo que se relaciona com
a m issão da mãi de família, dedicamos espe­
cialmente as considerações de todo o terceiro
volume dos Quatro Livros da Mulher : c O · Li­
wo da mãi >.
O quadro da felicidade conjugal e das con­
dições da sua existência, que nas precedentes
· páginas traçámos, não ficaria, contudo, com­
pleto, se não mencionássemos a influência que
na felicidade do lar exerce o facto de ha\ler
um ou muitos filhos.
É tão considerável essa influência, que
muitos pensadores afirmam sem receio não
poder existir um lar feliz, sem filhos. Os poe­
tas, sempre inclinados a exaltar os sentimentos
humanos até aos extremos limites, disseram
que, não havendo filhos num lar, reinaria uma
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214 0 LiVRO DA ESPÔSA

desgraça tamanha, uma tal calamidade, que a


não desejariam aos seus próprios inimigos.
'
Vitor Hugo, por exemplo, nesta ordem de
i deias, escreveu esta célebre estrofe :

Préservez-moi, Seigneur, préservez ceux que j'aime :


Freres, parents, amis et mes ennemis même
. • .

Dans le mal triomphants,


De voir jamais, Seigneur, l'été sans fleurs vermeilles,
La cage sans oiseaux, la ruche sans abeilles,
La maison sans enfants !

Preservai-me Senhor, preservai todos a quem amo :


irmãos, todos os meus, os amigos . . . e até os meus
inimigos, que estão vendo triunfar o mal que m e fazem,
preservai-os a todos, Senhor, da desgraça de ver já­
m ai s o estio sem flores vermelhas, a gaiola sem aves,
sem abelhas os cortiços, e a casa sem crianças !

Os versos são h armoniosos, as imagens es­


plendidas, mas lógica ( como acontece com os
poetas geralmente, e particularmente com Vitor
Hugo ) não existe.
Na estrofe, há apenas i magens poéticas,
mas nenhuma comparação razoável pode h aver
entre essas quatro desgraças que Vitor Hugo
pede ao Senhor n ão deixe cair sôbre os seus
próprios inimigos.

« estio sem flores vermelhas, a gaiola sem aves,


• • •

cortiço sem abelhas.


« Casa sem filhos• .

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CONCLUSÃO 215

Com os m eus próprios olhos tenho visto


gaiolas sem aves e cortiços sem abelhas : por
muitas vezes n a minha vida assisti à passagem
de estios m ortiços em que raras eram as flores
vermelhas desabrochadas, m as nunca consi­
derei essas coisas desgraças tamanhas, que
tivesse de rogar a Deus delas livrasse os meus
amigos e inimigos.
A casa sem filhos é já outra coisa, mas,
ainda assim, é preciso que sôbre isso nos en­
tendamos.
Quando numa família h ouve filhos e a m orte,
os estudos, as necessidades da vida, o casa­
m ento, os impeliram para fora da casa paterna,
sem dúvida, nos primeiros tempos, sente-se
uma dolorosa impressão de vácuo, que pode
tomar as proporções de uma verdadeira des­
graça.
Era de-certo esta a impressão que Vitor
Hugo queria despertar, e que seria mais fla­
grante, se o poeta a salientasse melhor, em
vez de comparar a falta de filhos numa casa à
ausência de abelhas, de aves e flores, o que
não passa de uma linda imagem sem alcance.
Se eu tivesse inimigos, sem dúvida, como o
poeta, suplicaria a Deus : «Senhor, preservai-os
de perderem os fi lhos !» .
Mas • O lar s e m filhos , pode ser também o
d o s r e c é m - c a s a d o s que ainda não tiveram
filhos, e nestas circunstâncias, tal idea não dá
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216 0 liVRO DA ESPÓSA

nenhuma impressão de desgraça : tal casa seria


a gaiola nova que ainda não teve dentro aves,
o cortiço que não acolheu ainda nenhum enxame.
Muitos casais largo tempo esperam o nas­
cimento de filhos. Outros não os têm nunca, a
despeito dos seus desejos. Isto pode ser mo­
tivo de um desgôsto maior ou m enor, mas não
é uma desgraça idêntica à da famflia a quem
a morte roubou os filhos.
A c casa sem filhos» pode ser ainda o vélho
lar paterno donde todos êles, chegados à idade
própria, saíram para constituir por sua vez os
seus lares conjugais. Nos primeiros tempos, a
sua ausência poderá custar aos que ficam ;
mas êsses filhos não partiram para sempre, e
regularmente aí vêm abrigar-se debaixo do
teto paternal, como as andorinhas na prima­
vera, e já rodeados pela sua pequenada.
Tôdas estas considerações, que estamos
fazendo, têm por fim tornar claras as ideas que
geralmente somos Inclinados a exagerar.
Queremos pôr em evidência que um làr
pode ser feliz mesmo com a ausência de filhos.
Sustentar o contrário seria negar felicidade
conjugal aos numerosíssimos lares em que
ainda não os há, a outros em que já não há
mais filhos, e àqueles que os não terão nunca.
Ora a experiência mostra que nestes lares
pode encontrar-se um tão verdadeiro amor con­
jugal, uma tão verdadeira felicidade como nos
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CONCLUSÃO 217

que possuem filhos. Seria um êrro afirmar-se


que essa felicidade é de essência diversa da
dos lares fecundos. Nos que primeiro citamos,
à falta de alegrias m aternais e paternais, há o
amor conjugal que absorve e satisfaz o coração
dos esposos. Tanto a afectuosidade os prende
um ao outro, que são como se fôssem um só,
obtêm uma espécie de egoísmo a envolver os
dois.
Esta felicidade dos esposos é mais serena,
m ais tranqüila, do que a das famílias em que
há cri anças. Os filhos, não obstante as incon­
testáveis alegrias que trazem ao lar, são m oti­
vos de constantes preocupações e receios.
Sobrecarregam a econom i a doméstica, aumen­
tam a s inquietações da espôsa, são um ele­
mento de perturbação na ordem interior. Em­
fim, complicam a existência.
Não considerem os as crianças, como os
poetas as imaginam, avezinhas cantando numa
gaiola, abelhas zumbindo em tôrno do cortiço.
São muito mais pesadas e incomodativas para
a família. É preciso considerá-las como na rea­
lidade são, com os intermináveis cuidados que
exigem, as suas doenças, choros, berrarias,
perrices, vontadezinhas teim osas, difíceis de
educar, as suas manias de m exer em tudo, a
vigilância constante que é necessário ter sôbre
elas.
E, no entanto, a-pesar-de tudo isto, ou tal-
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218 0 LNR.O DA ESPÔSA

vez por isto mesmo, são desejadas, queridas,


idolatradas, porque, a despeito de todos os
incómodos que nos causam, devemos-lhe ainda
alguma felicidade.
É o que vamos demonstrar.

§ 2.0

É um grande êrro afirmar-se, como prová­


mos já, que não pode h aver felicidade conjugal
onde não houver filhos.
Para ser verdadeiro aquele preceito, neces­
sitava de uma correcção, que seria a seguinte :
sem filhos não há felicidade conjugal completa.
Com esta restrição fica transformada uma
máxima exagerada numa verdade que constan­
temente se pode observar.
Não, a felicidade conjugal não será com­
pleta, seja qual fôr o amor que ligar os esposos,
se dêsse amor não n ascer um fi lho que, na sua
pessoa, constitua a « Síntese das v idas dos pais :t .
É no filho que pai e mãi formam n a reali­
dade um só. Nêle se encontra a garantia da
i ndissolubilidade completa, absoluta, do casa­
mento, pela fusão das duas vidas numa só v ida.
Não é isto uma imagem literária, um sím­
bolo : é uma realidade.
Na maternidade, pois, se encontra consa­
grada, absolutamente, a união i ndissolúvel d o
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CONCLUSÃO 219

homem e da mulher. Quando se diz que o filho


é m a is um laço que prende os esposos, não se
empregam pal avras em sentido figurado : expri­
me-se uma verdade flagrante, porque naquele
pequenino ser está realizada a unidade das
du as v idas.
Reflectindo nestas coisas, não podemos
deixar de reconhecer como as nossas ideas e
s entimentos se harmonizam com o conjunto de
fenómenos da natureza e da vida. O casamento
e a maternidade são fatais conseqüências da
evolução universal, e as impressões que nos
inspiram, e as leis humanas que os consagram,
d ão evidentes sinais desta realidade.
É estranha a cegueira dos que só vêm n o
casamento e n a família m eras c convenções
sociais , !
l ncomparàvelmente melhor inspirado foi
Schopenhauer que, verificando esta harmonia
incontestável dos factos, disse : c A natureza
ilude-nos e inspira-nos sentimentos, como o
amor conjugal e o amor maternal, em concor­
dância com os fins que pretende atingir».
Shopenhauer está, contudo, em êrro, atri­
buindo tal embuste a uma n atureza cega. Não
é a natureza que nos ilude ; é a ordem provi­
dencial que se cumpre.
Por esta razão apenas, sempre existiram na
humanidade, revestindo embora formas diver­
sas, o casamento e a família ; e também por-
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'220 0 LIVRO DA ESPÔSA

esta razão, são inúteis todos os esforços para


destruir essas duas •convenções sociais • : o
casamento e a família ficam indestrutíveis.
Instituições naturais e divinas, poderão
m udar de forma, consoante os costumes e os
tempos, mas não podem desaparecer.

Porque a maternidade completa o casa­


mento, o amor m aterno completa a simpatia
conjugal, e a felicidade maternal completa a
felicidade conjugal.
Não tratamos aqui m iUdamente da m issão
da m ãi, porque êsse estudo é o assunto dou­
tro l ivro especial.
O que, todavia, queremos fazer notar é
quanto a maternidade é complemento da felici­
-dade conjugal.
Para a espôsa, o marido não será, desde
então, somente o companheiro da sua \lida, é
o pai do seu filho ; o marldo vê na espôsa a
mãi. Dêste facto resulta necessàriamente, natu­
ralmente, um novo sentimento afectivo, tanto
mais intenso e activo quanto é constantemente
despertado pela presença do filho.
É ainda mais um laço de simpatia que se
junta aos outros. A criança é um ser amado
pelos pais, tão profundamente por um como
pelo outro, e um e outro sabem que o seu com­
panheiro de existência ama o filho com um
amor ardente, ilimitado, igual ao seu.
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CONCLUSÃO 221

Amam-se, pois, os esposos mutuamente


com tanto mais afecto, quanto mais amarem o
filho.
A amizade pelo filho não fica sendo apenas
um sentimento comum : é uma ocupação comum.
Ambos os esposos porfiam em rodear de cui­
dados a criancinha, e estes contínuos disvelos
comuns mais os aproximam intimamente, mais
solidificam a sua mútua simpatia.
Depois, um e outro fazem projectos sôbre o
futuro do pequenino, que há tão pouco vê o
mund o : a mãi fala extasiada ; o pai, com prazer
e comoção.
Vai crescendo o filhinho, e conforme se l h e
desenvolvem os sentidos, assim nova activi­
dade, novas faculdades, novas alegrias animam
o lar. Começa a palrar, a fazer as primeiras
tentativas de linguagem, e ambos os pais cari­
nhosamente acodem a querer ensinar-lhe novas
palavras, disputando-lhe as meiguices e os
sorrisos.
Alegrias destas só as compreendem os que
as sentem com afecto de pais. N ão é raro ver
m ãis assombradas por não lhes admirarem os
filhinhos. i Mas admiram elas os filhos dou­
tros ? Não. Cada mãi admira os seus e mais
nenhum.
Em vista disto, as espôsas só poderão ter
os sentimentos que descrevemos, quando forem
mãis. Então, sentirão tais alegrias, e muitas
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222 0 LIVRO DA ESPÔSA

outras que só elas poderiam revelar, porque


Deus unge de ternura e admiração ilimitada
pelos filhinhos a alma das mãis.
Ora um coração cheio de ternura está cheio
também de felicidade ; e assim se intensifica,
emfim, a felicidade conjugal.

A presença do filho não é somente a felici­


dade que entra no lar doméstico : é também
uma salvaguarda do marido e da espôsa.
Um marido pode cair em falta : uma espôsa
pode esquecer os seus deveres.
Um pai, uma mãi, estão menos sujeitos a
resvalar nesse perigo, porque a lembrança do
filho e o amor que lhe têm são um obstáculo
mais poderoso do que a razão, contra qualquer
desvairamento afectivo.
Há, sem dúvida, faltas conjugais praticadas
por mãis e pais de família, mas são raras
excepções.
A existência dos filhos é, pois, não só um
elemento de felicidade, como ainda moraliza­
dora de todos os actos que constituem a vida
doméstica. Os pais sabem muito bem que in­
fluência exercem nos filhos, e por isso se esfor­
çam por lhes darem apenas bons exemplos.
A casa mantém-se com melhor arranjo, menos
descuido, do que os lares onde não há filhos.
E i sto é ainda um bem.
E são estas as razões que nos levam a
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CONCLUSÃO 225

afirmar que, se a existência de filhos não é


absolutamente indispensável à felicidade con­
jugal, é, no entanto, um precioso elemento
dessa felicidade.
Leitoras do L ivro da Espôsa : lêde, pois,
também o Livro da Mãi f

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N O T;A s D O R EV I S O R
D E S T A T R A D U Ç ÃO

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N otas do revisor d esta trad ução

Pág. VIII
- E, estranha verdade : os mais ocos
dêsses livros são os que foram escritos por mulheres.
Nenhuma delas quis revelar o que sentia e pensava
realmente.
Paulo Combes diz, muito aproximadamente, uma
verdade. As mulheres escrevem, de ordinário, com bas­
tante superficialidade e dissimulação, sôbre a Mulher.
Há, porém - confessemo-lo, de �beça pendida- quem
lhes não fique muito inferior : são quási todos os
homens, porque, ao escreverem determinadamente sô­
h re o Homem, ou o vêm apenas pelos fulgores condi­
gnos do Rei da Criação, ou, dentro duma psicospia
preciosa, pelas bizarrias imponentes de Hamlet . . .
Se, n ão falando dos pedagogos propriamente ditos
- q uási todos os fantasistas no essenciai- Cervantes
deu D. Quixote, um tipo e admirável, e Daudet, o Tar­
tarin . . . e Balzac, aqueles homens, cruelmente vivos
().e sempre, etc., etc., n otemos, sempre de cabeça pen­
dida, que a Mulher não dissimula, muito mais do que
o Homem, os seus defeitos mais íntimos. A prova está
em que os Livros do Homem ainda não foram feitos.
Estamos à espera de que a Mulher seja boa Espôsa,
boa Dona de Casa, boa Mãi e boa Educadora . . . para
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228 0 LIVRO DA ESPÔSA

nós, os homens, serm os depois o que não temos sido,


o que não somos . . . até na franqueza de nos darmos­
como réus confessos de Vários delitos fundamentais�
Não regateamos aplausos a P. Combes. A Mulher
é tudo na Família. Sem a verdadeira Mulher, a Família
continua a ser escrava do Estado. Mas, s e a Mulher
não é o que deve ser por culpa dela em não dizer o
. • .

que pensa e o que sente nos livros que a si própria


tem dedicado, parece que o Homem, impondo-lhe
há séculos a educação que nós sabemos, e dando-­
-lhe o exemplo de muito semelhante dissimulação, s6o
é menos ôco no que escreve s ôbre a Mulher . . . porque
fala dum sexo que não é o seu. Maravilha seria, se
falasse em geral tão francamente de si próprio .
E não nos tomem como neo-cavaleiro andante�
É que pensamos na exterminável raça de MachiaveUo ..•

A nosso ver, já pulava u m pouco n a ingenu'idacle de


Adão.

Pág. 26 : As mâi6 parece que nada aprenderam


e tudo esqueceram . . . Aqui está mais uma verdade.
Mas ocorrem, implacàvelmente, as restrições. Essas
m ãis, no que aprenderam, não foram auxiliadas demais
pelos homens.
O homem, com a vestidura do Estado, deprime a
Mulher. Vejam os códigos, verdadeiros monopólios de
direitos em proveito do sexo forte. Ora a Mulher, por­
que é deprimida, não pode aprender realmente : habi­
tua-se, como todos os deprimidos, ao que pode conse­
guir do seu meio, que a hostilize, que lhe furta o
terreno, debaixo dos pés. O Homem, entretanto, como
civilizado, homenageia a Mulher hipocritamente no
salão, nos versos, nas diversões, e em casa amesqui­
nha-a . . . porque tôdas as homenagens, afinal, foram
para fazer dela objecto, instrumento, elemento de

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NOTAS DO REVISOR DESTA TRADUÇÃO 229

€goísmo, vaidade, prazer, o q ue é o mesmo que negar­


-lhe con sciência perfeita.
O resultado ? É lógico : a Mulher é educada n a
hipocrisia pelo próprio Homem. Ilude-se, quando pode,
sôbre a sua aparente realeza, e vinga-se, quando pode,
do embuste em que a obrigam a viver.
Isto já é mau para que ela, aprendendo, ensine o
-qu e aprendeu às filhas bem amadas. Há como que
u m a predisposição para o desalento e para o cepti­
cismo - direi mais - para uma i ndiferen ç a pelo racio­
cínio metódico e profundo. As taras, entretanto, são
implacáveis. O que s e aprendeu n ão pode tomar fàcil­
m ente corpo de regra. Se a rotina foi desmentida ­
tudo o insinua, e a péssima tibieza na educação reli­
�iosa dos homens o avolume - , foi . . . por acaso. O
mais positivo é deixar correr, porque os maus resulta­
dos dos erros - quem esclareceu n a Mulher o efeito
da experiênci a ? - não mostram claramente outra causa
que não seja o tinha de ser.
É que, para cúmulo, o homem contemporâneo, até
às vezes o mais religioso, é fatalista, rotineiro m esmo,
1l. O trabalhar pelo progresso. Êsse fatalismo o impõe

êle n o lar em tudo, porque, afinal é útil isso ao seu


egoísmo, aos seus desvarios, às suas prepotências
familiares. É o m e sm o tirano que palpita nos códigos.
Não toma o seu papel legítimo de Poder, dando à
espôsa e mãi o de A utoridade, ou, quando m uito, vice­
-versa ; êle é tudo, para poder fazer tudo, o que leva a
Mulher ou a fingir que é nada, procedendo às vezes,
muito fora do que lhe cumpre, ou a resignar-se com o
zero que lhe atribuem, ficando em tudo um autómato ...
Sim, ou a bas-bleu, a dama masculina de monóculo e
-colarinho, palrante, anarquista, a palpitar, insofrida
numa fingida grata obediência, q uando não vai mais
longe, ou a mulher-rodilha, criada-maior, e sem salário,
{)ue nem sabe fazer contas,. nem sentir qualquer i nte-

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250 0 l iVRO DA ESPÔSA

rêsse profundo, nem sonhar que há ideas, m étodo,


ordem . . . que não venham do seu senhor, linha a linha,
parágrafo a parágrafo. Ama as filha s ? Muito. Quem as
dirige realmente? O espôso.
Ora - não nos esqueçamos ! - o homem quere ser
tudo . . . menos exemplo harmónico, valorizador do
dever pregado e imposto. Êle, mais ensinado pela
experiência, mais livre de utopias, também não s e im­
porta demais com o efeito nocivo da rotina, que o
sacrificou a êle, sôbre o futuro dos filhos. t Não cola­
b ora, pois, essencialmente no absurdo rotinismo da
espôsa e Mãi ? Colabora.
Conclusão : digamos à mulher tôdas as belas ver­
dades de P. Combes, mas lamentemos que o ilustre
pen sador e escritor as não acompanhe de iguais ver­
dades ditas ao Homem. Assim - opinião nossa, muito
m odesta - os Quatro Livros da Mulher deveriam ser
antes os Quatro Livros da Família : Os Esposos, os
Donos-de-casa, os Pais, os Educadores. E, segundo o
estado da actual soci edade, o Homem teria mais que
ouvir do que a Mulher . . . Vejam até o que êle prega
sôbre a sua própria vida prática, continuando a ser
quási tôda a Europa o eterno romântico . . .só realista
na pornografia e na incredulidade vangloriosa . E tal
êle é, que s ó o cristianismo puro o pode salvar. Por
isso a Igreja tem hoje uma missão justamente sobe­
rana : espiritual e prática.

Pág. 29 : É' e.xactamente pela razão de que a espôsa


não conhece suficientemente o marido, que não sabe
como deve amá-lo. Dedica-lhe um afecto sem orienta­
ção, ou com uma espécie de hipocrisia inconsciente,
aprendida nos romances . . É sempre profunda e justa
.

a visão do autor. Na verdade, a espôsa, de ordinário,


não conhece bastante o marido. Ninguém lhe ensinou,

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NOTAS DO �EVISO� DESTA T�ADUÇÃO 25 1

porém, a estudar, mas a decorar coisas, o que acon.


tece também ao homem. O ensino da "ida é feito, con.
temporâneamente, pelas aparências. Realidades s ó
e n sinam, quando muito, as torpes e nocivas. Está cer·
tíssimo.
Mas, s e o está, o ambiente moderno é todo de
incoercí"el e frustre idealismo, a-pesar-de carimbado
d e ambições realistas, e assim a Mulher, m ãi e educa.
dora, por melhor que seja, tem suficiente desculpa n a
sua indiferença pela orientação que de"e dar à s filhas.
S e a experiência lhe ensinou o perigo de j ulgar pelas
aparências, a sociedade é que se esqueceu de i luminar
e libertar sensatamente a experiência, permitindo assim
a "isão com que seguramente s e aparta o aparente do
real. l Que é que a Mulher possuía de profundo e
de-veras consciente para poder metodizar os frutos d a
experiênci a ? A mais inteligente não tinha ao lado o
pai, o irmão, o m arido, também crédulos nas aparên­
cias, e muito beneficiados nas suas liberdades pela
predominância das exterioridades "istosas ? Ora "amos.
O homem faz ainda a mulher.
Mas - Paulo Combes o nota com "erdade -.lá
temos hipocrisia inconsciente, aprendida nos roman­
ces. Essa hipocrisia não se aprende mais nos romances
feitos por senhoras do que nos que são feitos por
homens. Becker, Stowe, George Sand, etc., não "en·
cem, fàcilmente, nessa detestá"el cultura, os grandes
romancistas e m voga. Entretanto, não nos esquecere.
mos nunca de que o Home m - principalmente o do
sexo m asculino - é, para todos os efeitos, o Rei d a
Criação. Assim é , por bondade l!i"ina. O pior é estar
ainde tão longe da missão sublime q ue lhe foi confiada.

Pág. 48: A espôsa - a despeito do que pretende um


feminismo insano, assente em erros fundamentais de

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252 0 LIVRO DA ESPÓSA

princtptos - não é um émulo do marido : é a sua


com panheira. justo. O feminismo contemporâneo tem
aquele defeito mórbido : o de pregar igualdades incoer­
civamente vãs. O papel da mulher, fisiológica e psico­
l ogicamente, é complementar do papel que compete ao
homem. Mas, por isso mesmo, o homem, desde o código
ao lar, devia perder o absurdo monopólio dos direitos,
arrogando-se antes todos os deveres puros e nobres
para com a mulher. O feminismo é, portanto, uma
natural explosão de protesto, embora mórbida.
Se o homem respeitasse melhor os seus deveres, a
m ulher nunca pensaria ridiculamente e m esbulhá-lo de
todos os seus direitos. Além disso, o feminismo tam­
bém é, em parte, uma armadilha lançada pelo homem
corrupto. É ver o que da vitória do feminismo esperam
vários apóstolos do amor livre . Nada menos do que
. .

o fim da Moral se:rual, como a proclama o dr. António


Wilm, aquele oriental . de Paris.
• .

Pág. 109 : A êste respeito, é indispensável que a


dona-de-casa saiba fazer co ntas Pedimos licen ç a
. • .

para acrescentar : E que o marido saiba tomar-lhas.


A nosso ver, o marido devia desposar só quem sou­
besse governar-lhe a casa, visto que o amor sentimen­
tal passa de-pressa, embora procurando de preferência
quem, com tal saber, tivesse tôdas as possíveis virtu­
des psíquicas e belezas físicas, emfim, o dom de lhe
atrair uma sincera simpatia.
Sendo assim, o marido daria à mulher tôda a auto­
ridade, e n unca, portanto, deveria fiscalizar-lhe humi­
lhantemente os actos governativos. Confiança abso­
luta. Esta confiança, sendo em tudo justa, seria um
e stímulo fecundo.
Mas o m arido escolhe, a cada passo, só pelas apa­
rências, como a mulher. E, das duas, uma : ou n ão lhe

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NOTAS DO REVISOR. DESTA TRADUÇÃO 255

pede contas, e se arrisca, tendo feito má escolhe, e


viver em perpétuo naufrágio, ou pede contas com tal
m inúcia, impertinência e grosseria, que, em vez de
educar e mulher, e irrite, e torne sua inimiga e até
devoriste por gôsto. Vejamos isto devagar.
Primeiro, c porque é o homem, em geral, de meu
senso na sua escolha de mulhe r ? c Porque, a-pesar-de
mais completamente ensinado pela experiência do que
e mulher, cede, contudo, à paixão física, que muito
e scurece a razão ?
Aceitemo-lo, tanto para êle como para ela, notando
apenas a singularidade de s e der isso ainda mais no
sexo forte - m uito superiormente experimentado pelo
maior contacto que tem com a vida prática - do que
n o sexo fraco, que parece auxiliado por uma espécie
de instintiva defesa. Incontestàvelmente, o Homem tem
s empre muito do Adão que perde u tudo por falta de
f ôrça contra pérfidos encantos . • ,

Mas, admitindo igualdade de circunstâncias, acei­


tando até que só a m ulher é mais fàcilmente i gnorante
da vida prática, devemos confessar que os homens
práticos do nosso tem po, os mais práticos, n ão chega­
ram ainda, na sua maioria, à elementar perfeição de
saberem fazer contas . . .pelo menos, em Portugal.
Case o snr. X. Homem prático, videira. Muito
agenciador e económico. Chega a usar colarinhos d e
borracha. Finório. Trabalho que todos fazem p o r cin­
c oente escudos, fá-lo êle por cincoenta e cinco. Tem
dinheiro no Banco, no Montepio. Traz as unhas n egras
pare não gastar sabão. Mas saberá fazer contas ?
Seb e ; por alto, que o mesmo é ligar importância dema­
siada ao farelo e não ver onde está e farinha.
Usa os colarinhos de borracha, e ande mal humo­
redo, por isso, porque é anti-higiénica tal economia.
Ore o mau humor, n o s próprios avarentos, é uma fonte
d e despesas. Extorque mais cinco escudos por um tra-
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254 0 LIVRO DA ESPÔSA

balho que só vale cincoenta. Outro desastre. Falta-lhe


o trabalho fàcilmente, o que n ão parece resultado de
b oas contas.
Mas tem dinheiro no Banco. Boa previsão. Reserva
que dá juros, que ensina a fazer contas. Contudo, é
uma fôrça negativa, se n ão é apoiada por uma sólida
visão económica e m tudo o mais. O depósito n o Banco
anima o videiro a insi stir nas suas contas ridículas.
Não se lava. Naturalmente não se sabe alimentar.
É positivo que nem pensa na exposição da sua casa,
n o ar que respira, na luz que recebe, na qualidade do
seu vestuário. A sua preocupação soberba é o dinheiro
pelo dinheiro. é E sabe, a rigor, fazer contas ?
Pois o nosso homem prático é vulgarmente assim.
é Como há-de ser a nossa mulher prática, orientada,
afinal, por êle. • . pelo menos neste doce Portugal ?
Económica como êle : amealhe, em prejuízo do essen­
cial e indispensável, da saúde, da distracção honesta,
do confôrto, coisas que, menos prezadas, impõem as
maiores despesas, daquelas que a rotina fatalista cos­
tuma lançar no rol das calamidades, dos desastres,
dos flagelos . . .
Contudo, admitiremos tudo pelo m elhor. A mulher
é a única responsável n o lance, e o homem, digno, mas
ingênuo, dela confia o govêrno da casa.
Por fatalidade, ela n �o sabe fazer contas. Ignora-o
o homem ? Se o n ão ignora, cumpre-lhe ensinar a mu·
Iher. Com o ? Tomando-lhe contas ? Melhor : sabendo
tome.r-Ihas.
Para i sso, não lhas exige, pede-lhe que o aceite
como auxiliar numa tarefa que apr_e senta como exces­
siva. Mais nada. Nem ralhos, nem i m precações, por­
que o culpado maior é êle, pela escolha que fêz, 'e
pelos despotismos do sexo forte na educação acanhada
que dá à Mulher.
Colabora com ela suavemente, e é assim que ela

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NOTAS DO REVISOR DESTA TRADUÇÃO 255

aprende a fazer e a dar contas sem se humilhar. Pro­


cede assim todo o homem que de-véras sabe fazer
contas • . . porque o bom senso e a delicadeza d a edu­
cação para com os que nos rodeiam também faz parte
da ciência das contas.
Quando o marido se dá ares d e senhor q ue exige
contas, a mulher não só não aprende contabilidade e
economia, como tem vontade de esb anjar, de contra­
dizer. . .
Mas, por desventura, na maior parte dos casos,
os homens encontram-se um dia arru'inados pelo des­
g ovêrno das mulheres, embora n otando a (alta de con­
tas, pela simples razão de que, práticos na aparência,
e bons trabalhadores, sabem tudo, as quatro opera­
ções, as regras de juros, a exploração comercial e
i ndustrial mais desaforada e, afinal, não sabem de­
·Véras fazer as suas contas . . •c Como hão-de êles
sabê-Ias tom ar ?
P o rtanto, sim, é i n dispensável que a mulher saiba
fazer contas. Mas, se o marido n ão souber tomar-lhas,
é certo, na maior parte dos casos, que a mulher ou
perde aquela ciência ou Ih.e dá aplicações que, positi­
vam ente, n ada dignificam a aritmética doméstica • . .

Pág. 1 1 9 : É uma mentira que a mulher seja neces­


sàriamente, fata l m ente, um ser fraco, um ser como
que irresponsável, de aspirar ao aperfeiçoamento.
Paulo Combes tem de-véras razão. Injusto é que o
homem veja a m ulher tanto por aquele prisma horrífico
que i nspirou, por exemplo, a Balzac estas palavras
( Fisiologia do Casamento, 3.a Parte, Meditação
L XXX V) : - A maior parte das mulheres operam
coma a pulga, dão saltos e pulos sem ordem . Balzac,
afinal, n ão quer concluir pela irresponsabilidade a que
alude P. Combes, porque acrescenta : - Escapam-se

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236 0 liVRO DA ESPÔSA

pela altura ou pela profundidade das suas primeiras


ideas, e as interrupç15es dos seus planos favorecem­
-nas • . .etc.
Mas, nesta responsabilidade de ser m órbido, fi ca
o bastante duma como que tara do sexo para que o
terrível prisma, a que aludimos, conduza à injusta con­
vicção de que a m ulher é, pouco mais ou m enos, o ser
falso por natureza, que William Shakespeare define
nas cruentes palavras proferidas pelo trigueiríssimo
Othello . . •

Não. Quando muito, há que discriminar - não po­


demos fazer o mesmo quanto ao homem - segundo o
m esmo Balzac ( Ob. cit. Meditação LXXXVII) : ­
A vida da mulher ou está na cabeça, ou no coração,
o u n a paixão. E fica legítimo assinalar quais dessas,
i maginativas, sentimentais ou sensuais, se aproxima­
rão com mais freqüência da como que fatal fraqueza
que a poesia doente, que a corrupção vestida de desa­
lento, que a própria hipocrisia dos estragados, incapa­
zes de regeneração honesta, ou um pessimismo egoís­
tico e sistemático, proclamam e dogmatizam.
Fatalmente fraco não há ning uém, e muito menos
qualquer dos sexos. A fatalidade é um vocábulo apenas
ao serviço da ignorância das casualidades cientificas.
Isto em geral. Quanto à m ulher, pensa bem Paulo
Combes : revela, sim, bastante tendência para a insta­
bilidade de carácter, mas sem que tal defeito deixe de
ser, muitas vezes, remediável de-Véras. E, como Com­
bes, pensamos que o homem não lhe é muito superior
ness e ponto. Pelo contrário, se atentarmos no m uito
mais que vive a vida exterior, talvez o notemos infe­
rior . . .

Pág. 1 25 : As mulheres não ponderam bastante as


coisas. Não se entregam bastante à consulta da sua

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NOTAS DO REVISOR DESTA TRADUÇÃO 257

razão. E não é porque lhes faltem dotes naturais, pois


têm, como os homens, tôdas as faculdades para re­
flectir e raciocinar.
Mas não querem, ou talvez porque nunca se lhes
fêz notar bastante quanto é prejudicial procederem ao
a caso . . .
Paulo Combes diz tudo n estas palavras : - Talvez
porque nunca se lhes fêz notar . . ,

É nossa fé que a falta de ponderação n a mulher


Vem da deseducação da qual o homem é o principal e
voluntário cUlpado. Diz Combes : Não querem ponde­
rar. . . e Mas como lhes educaram a vontade ? Por tal
forma que, mesmo com belos guias como o autor dos
Quatro Uvros da Mulher, ela pouco progredirá . . . se
o Homem n ão tiver, mas para os viver n a consciência,
os seus Quatro Livros modelares e austeros.
Depois, o Homem ainda chama problema à Mulher,
prova certa d e que a n ão entende . . . porque a não
quer entender, porque lhe convém classificá-la de pro­
blemática, para não ter de a educar tão bem que s e
v i s s e obrigado a educar-se prim eiro a s i próprio, como
tanto conviria.
E os psicólogos imparciais, a darem noções gen é­
ricas, ao menos, do íntimo da Mulher, n ão têm faltado
a quem quiser i naugurar a verdadeira pedagogia femi­
nina, quanto a n ós, ainda banal, falsa e por vezes ridí­
cula, em quási todo o mundo.
Júlio Michelet, poeta em prosa a cada passo, mas
também bom observador, escreveu a páginas 50 do
seu primoroso livro - O A mor :
- A Mulher n ada faz como nós. Pensa, fala,
opera de maneira diversa. Os seus g ostos diferem dos
nossos. O seu sangue não circula como o n osso ; a
espaços, precipita-se como um golpe de temporal.
Não respira como nós. Prevendo a gravidez e a fu­
tura ascenção dos órgãos inferiores, quiz a natureza
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258 0 LIVRO DA ESPÔSA

que ela mais respirasse pelas costelas superiores.


Desta necessidade resulta a maior beleza da mulher,
a doce ondulação do seio que, numa eloqüência
muda, exprime todos os seus sentimentos.
Nem come como nós, nem tanto, nem as mesmas
iguarias. Porque ? Pela razão, principalmente, de não
digerir como nós. A sua digestão é freqüentemente
perturbada por isto : ama do íntimo das suas en tranhas.
A profunda taça de amor (chamada bacia) é um mar
de variáveis emoções contrariadoras da regularidade
das funções nutritivas.
Estas diferenças interiores exteriorizam-se por
meio doutra, mais nítida. A m ulher tem uma lingua­
gem exclusivamente sua.
Os insectos e os peixes são mudos. A ave canta e
desejaria articular. O homem tem a linguagem clara,
n palavra nítida e luminosa, a precisão do verbo. Mas

a mulher, acima do verbo do homem e do canto da


nve, tem uma linguagem essencialmente mágica com
que entrecorta aquele verbo ou aquele canto : é o sus­
piro, o sópro apaixonado.
Poder incalculável. Apenas o sentimos, comove­
_-.se-nos logo o coração. O seio da mulher sobe, desce,
torna a subir : não pode falar, e já estamos convenci­
dos, conquis tados por tudo que ela quer r! Qual a lin­
guagem do homem que valha tanto como o silencio da
mulher ?
E, porque assim viu bem a mulher, cremos que
Michelet foi justo dizendo depois a pág. 96 do mesmo
liVro :
- Resigna-te, meu amigo. De ti vem tudo.
Não é o nosso caso ? r! A instabilidade do carácter
da Mulher não será, principalmente, obra do Homem . . .
afinal, tão instável como êle, a-pesar-de melhor ensi­
nado, e de mais perto, pela Vida prática ?
E, para concluir esta nota - deixando ao arbítrio
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NOTAS DO REVISOR DESTA TRADUÇÃO 259

d o leitor o ponderar tôdas as conseq üências do que


citamos - ainda estas palavras de Michelet (Obr. cit.
pág. 179) :
- A mulher quer, sem dúvida, uma única ciência,
só uma, saber só uma coisa. Qual ? O coração do seu
marido.
Mas isso pode ser imenso. Um coração de homem,
a rigor, poderia conter um mundo.
Visto que ela não deseja outro alimento, pertence­
-te ampliar êsse coração, para conter tudo quanto há
de grande e bom. Sendo assim, aceitará tudo com
imensa avidez.
A senhora de Fayel comeu désse alimento e disse : ­
A chei-o tão saboroso, que n ã o quero comer mais nada.
Enfim, a m ulher faz o homem, quer Paulo Combes.
Mas - acrescentemos - . depois de feita pelo homem,
. .

como o assevera Balzac, como o diz Michelet, como


no-lo prova a observação. Mais uma vez : a Mulher
pode salvar a Família das garras do Estado. Mas só o
H om e m a impedirá de o fazer com solidez e verdade.
Depreende-se até da flagrante culpa do Homem n a ins­
tabilidade do carácter da Mulher.

Pág. 147 : - Insistimos principalmente, como fica


dito, em que a espósa tem menos necessidade de ilus­
tração do que de ioteligêncla . . .
Ninguém pode negar aplausos a opinião tão justi­
ceira. A mulher ilustrada, como contemporâneamente
existe, bem longe está de-certo, em geral, de ser uma
criatura de-veras inteligente. Pode ter prendas, bede­
lhar um tanto na própria política, (orando, foliculária
palrante, que prega a Revolta escrevendo, realejo
escrevente que despeja farrapos de panfleto no cáos
da publicidade) : o que ela não é, notadas as excepções
consoladoras, a rigor, com verdade pura, é inteligente.

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240 0 liVRO DA ESPÔSA

Sendo inteligente, compreenderia que o seu ba­


luarte, domínio e campo de acção é a família. Não se
masculinizaria : tornar-se-ia, firme e triunfalmente,
mulher. Não mendigaria às leis a miséria dissolvente
do divórcio : conquistaria, pela sua boa inteligência,
tal respeito do homem, que tôda a infidelidade conju­
gal, tôdas as incompatibilidades de génio - estas, quási
sempre, um mal-entendido entre dois orgulhos sem a
correcção da paciência cristã - fôssem reduzidas a o
mínimo, e tanto, q u e o Estado perdesse m a i s o desas­
trado ensejo <le oprimir a integridade, a liberdade, a
própria paz da vida familial.
S e a mulher, vulgarmente chamada ilustrada, fôsse
muito mais a mulher inteligente, dignificaria m elhor o
seu sexo, tornando-o base e fôrça da Ordem perfeita,
a q ual tem de fundamentar-se, afinal, na prosperidade
e e stabilidade da família.
Ora tal prosperidade e estabilidade n ão se conse­
guem sem que a mulher, nunca escrava do homem, e
n un ca rebelde ridícula que, sob o pretexto de s e
emancipar, apenas se deprime, t o m e a preceito o seu
l ugar, a sua autoridade, o seu prestígio legítimo, se
torne superiormente única para o seu marido, corno o
ensinam os Quatro Livros da Mulher, com tão bri­
lhante verdade e profundidade.
Mas a mulher, em geral, - e nisso imita demais o
vulgar dos homen s - prefere ser a banal ilustrada a
ser a boa inteligente que Paulo Cornbes com boa crí­
tica aponta.
A ilustrada derrete-se, quando muito, com os para­
doxos nervosos d e Marcelo Prévost. Não deixa de o
aplaudir, embora o não entenda demais, ao dizer-lhe o
romancista - que há uma contradição entre o ideal
latino da mulher e o tipo da Eva nova.
Daqui infere ela - e para s ó citarmos a sugestão
de Prévost- belezas supremas de orientação germanó-

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NOTAS DO �EVISO� DESTA T�ADUÇÃO 241

fila, ou americanófila ou anglófila, se é latina, ou audá­


cias urgentes de mais revoltas estravagantes, se é da
América, da Inglaterra ou da Alemanha.
É que a mulher, e pri ncipalmente a ilustrada, até
q uando guerreia o s figurinos, segue sempre um figu­
rino. O que ela faz, além disso, em geral, é só mascu­
linizar manlacamente o dito figurino . • •se é que não
vai até o máximo de abolir todo o sexo na ânsia da
revoltada exteriorização.
O tipo da Eva nova ! Prévost faz frases. Mas que
importa ? É próprio da mulher ilustrada seguir o para­
doxo. Só a mulher inteligente veria que E'\!a é sempre
a mesma, como é sempre o mesmo Adão, como é sem­
pre o mesmo cada organismo, embora renovando cons­
tantemente as suas células.
Progredir não é extinguir. Quem progride conserva
a sua identidade, e tanto que se aperfeiçoa. A não ser
assim, o progresso seria morte.
� Não pode pensar assim a mulher ilustrada, como
vulgarmente se exibe ? Pois é um grande prejuízo
social, principalmente quando ela é espõsa, quando
i nterfere na vida basilar, na vida de família. c Como
h á-de ela então ser inteligente, isto é, como há-de ver
a pura realidade ? E, não a vendo, c como esperar dela
o melhor ideal de Pátria e de humanidade?
Mas essa m ulher, apenas vistosa, atenta, afinal,
contra si p rópria, visto que apenas se deprime, arrui"­
nando a normalidade da vida familial.
Pode conseguir - suponhamos o melhor - a severa
revisão dos códigos civis, apoiada, por exemplo, e m
reclamações j usticeiras, como a s de Gustavo Lejael
(Le droit de la femme) ; pode revogar tôdas as tiranias
do Código de Napole ão e das suas cópias na Europa ,
e n ão só conqui star um divórcio fácil, e flagelador d o
homem, como, antes disso, possuir tudo que Luís Bri­
del reclamava em Le Droit des femmes et le mariage,

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242 0 LIVRO DA ESPÔSA

etc., etc. ; o que ela, por mais que tudo tenha nas mãos
- desde o direito de votar ao de fumar em públi co ­
não conseguirá, se não for de-veres inteligente, quer
dizer, conhecedora da sua missão humana, do seu papel
fisiológico moral e m ental, é . . . a paciência da Huma­
nidade, a qual não progride à custa de caprichos de
damas ilustradas, mas sim à custa de consciência,
verdade, amor, justiça, ordem e paz, dentro do traba­
lho, do carácter, da inteligência.
E, dizendo isto, somos dos que censuram aos
homens múltiplas e injustíssimas tiranias exercidas
sôbre as mulheres. Há muito que reformar a favor da
mulher, obrigando o homem - como o explanámos na
Mulher em Portugal - a reconhecer fundamentais
direitos femininos, contudo só assegurados pela .. aior
.

austeridade social com que urge ver cumpridos os já


assentes deveres m asculinos.
Reconhecemos, por exemplo, que a mulher é mais
económica do que o homem, e que, por isso, êste não
deve ser o único a ter o direito de administrar os bens
do lar, como o provou, numa brochura notável a con­
dessa Maria de Villermont, e, entre outros trabalhos
a série de petições que ao parlamento b elga tem feito
a Liga das mulheres cristãs e a Liga Feminista.
Emfim, sérias, justíssimas e altas reclamações a
favor da mulher se colhem nos profundos trabalhos de
Eduardo Frister, de Leroy-Beaulieu, nos inquéritos de
senhoras como as Schlesinger, Montessori, Rout­
lelge, etc.
Mas nem por isso aplaudimos que a mulher se
comprometa cada vez mais, abdicando nas vãs exterio­
ridades tudo que ela é legitimamente na essência. Tem
muito a conquistar - o Cristianismo para isso a orienta
- como elemento livre e, contudo, disciplinado, da vida
social. Nada, porém, obterá sem ser na família - base
fundamental - o que há muito, por desgraça, parece
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NOTAS DO REVISOR DESTA TRADUÇÃO 245

não ser, o que era, antes da Revolução Francesa, pois


que s ó o Código de Napoleão - e em nome da liber­
dade - se atreveu a esbulhá-la do direito que hoje
anda reclamando com o clamor - tem muita graça -
d e que se abriga nos imortais princípios • . .que a de­
primiram.
Mas porque é i sto ? Vemos à chamada. Andamos
cheios de mulheres ilustradas, das que repetem tudo
que as brochuras fáceis alinhavam. c Quando predomi­
n arão as inteligentes, as que, conhecendo o seu sexo
a sua missão, o seu direito puro, sabem ler n a História
a verdade pura ? i Como ensinariam a primor o s
homens . . . tão freqüentemente s ó ilustrados !

Pág. 1 57 : A té as coisas inertes nos aparecem com


fisionomia sua . . . Assim é, q uando há verdadeira vida
d e família, quando o l ar é atraente, quando, como o
pretende sensatamente Paulo Combes, todos os m em­
bros da família em parte nenhuma se encontram tão
bem como no lar comum. Cada objecto é então um
elemento de confôrto ou alegria, de agrado ou d e utili­
dade. Os sêres inertes como que se embebem nos
reflexos das almas que os contemplam. Qualquer coisa
d e nós mesmos nêles permanece e tem fisionomia,
pelo menos aos penetrantes olhos do nosso coração.
e Mas onde se nota hoje o amor inteligente dos
sêres inertes do lar í' c Será nos lares substituídos
pelos cafés, pelos clubes, pela rua, e que não passam,
a rigor, de hospedarias mais ou menos confortáveis ?
i Em quantos dêsses lares, por exemplo, as próprias
criancinhas ouviriam com bondade e atenção palavras
de fecundo conselho, como as de Henrique joly (Pour
entrer dans la vie), ao alentar o jovem que, do lar, vai
para a vida exterior ! Respondem dolorosamente os
factos. Os nossos jovens, em geral, vivem com a famí-

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244 0 LIVRO DA ESPÕSA

lia sem viverem em família . e só até que de io d o a


. .

podem trocar pela rua.


Não compreendem êsses futuros cépticos a fisio­
nomia dos sêres inertes, que há nos seus lares, como
não entendem estas palavras tão tocantes, do citado
]oly :
- Chegou o momento de te veres obrigado a tra�
balhar por ti próprio, primeiro para auxiliares teus
pais, e depois para adquirires conhecimentos práticos,
e talentos, se fôr possível, para seres útil à soci edade,
para assegurares (porque já é tempo de pensares
nisso) os meios de plenamente ganhar a vida no dia,
talvez próximo, em que só tiveres de coniar contigo.
c Mas porventura deves pensar já em viver e morar
sozinho, dispondo à vontade de ti, procedendo como
te aprouver ? Não o creias. Nunca conheceste como
hoje a necessidade de bem servir e amar a tua famí­
lia
. • . p

É que, modernamente os lares não atraem motodi­


camente os pais e os filhos. Se nada valem as próprias
pessoas, c que hão de valer os pobres objectos ?
O lar é uma hospedagem temporária, maçadora�
A rua substituíu o lar. Cada vez há menos amor, por­
tanto, aos pequeninos nadas da vida doméstica, a êsses
sêres inertes que têm fisionomia, quando a família é
regida pelo coração e pelas santas tradiç ões. Não
há afecto ao berço em que se foi embalado, porque
de-pressa o substituíram por um leito de quarto de
hotel com a porta da rua perto. c Que admira que os
membros da família sejam surdos a tudo que faz o
encanto e a virtude do lar ? Se alguém prega essas
verdades, ninguém as respeita . . . porque as não ouve.
O pregador está no lar : o ouvinte está no botequim,
a-pesar-de muitas vezes não ter idade para ler, escre�
>'er e contar sem êrros.

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NOTAS DO REVISOR DESTA TRADUÇÃO 245

Pág . 1 90 : Não o bstante, a mulher está mais sujeita


à tentação do que o homem . Está, porquê ? Porque é
mais i mpressionável, mais fraca, mais sensitiva. Admi­
támo-lo. De resto, Paulo Combes explana suficiente­
m ente o assunto.
O que nos acode à mente agora, porém, é dum
\lalor subsidiário apenas, e sugerido pela necessidade
tão flagrante d e em tudo cristianizarmos a nossa tão
decaída vida social.
Assim, como refôrço, e n ão como reparo, transcre­
vemos, sem largo comentário, e na crença d e que a s
tentações q u e a mulher sofre muito abundam nas suas
relações exteriores, quando estas são desorientadas,
ús se�uintes períodos do Quarto Colóquio do livro

..4 mulher na escola de Maria, pelo Abade de Larfeuil.


- Na vida duma mulher obrigada a viver no meio
d o mundo, as visitas ocupam um lugar considerável, e
precisam duma regra para as santificar. Não se pode­
ria propor um modêlo mais perfeito do que Maria n o
mistério d a Visitação. Maria v n i visitar Santa Isabel.
Mas o� seus motivos são naturais. O fim que ela tem
é útil. O objecto do seu procedimento é uma santa
com quem a sua inocência não corre o menor risco.
Uma vez atingido o fim da sua visite, apressa-se a
Voltar pera o seu querido retiro de Nazaret ; eis outras
tantas circunstânci a s que vão dar-nos a ocasião de
falar dos motivos que devem determinar uma mulher
cristã nas suas visitas, do fim. que ela deve ter em
\lista, das pessoas que podem ser o objecto delas, d o
tempo que nisso deve gastar, d a s conversações que aí
deve ter.
1 .° Fim das visitas. Uma mulher cristã não devia
conhecer senão três espécies de visitas : as autoriza­
das pela caridade, necessidade e beneficência. Maria,
j ovem, delicada, amante do retiro e do silêncio, afas­
tada, por altas m ontanhas, da aldeia onde residia Isabel,

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246 0 LiVRO DA ESPÓSA

renuncia aos seus gostos de solidão, arrosta as dificul ·


dades do caminho, e vem oferecer à sua parenta os
cuidados que reclamam a sua idade e o seu estado de
gravidez já adiantado.
Ensina assim às mulheres cristãs a saberem sair
da sua vida tranqüila, a vencerem as repugnâncias da
natureza para aparecer e apresentar-se, quando a c ari­
dade lhes pede êsse sacrifício. O próprio Espírito
Santo coloca as visitas de caridade no número das
boas obras. Non te pigeat visitare infirmum (Ec. VIl, 39).
E ainda : Religio munda haec est visitare viduos et
pupillos in in{irmitate sua.

2." Depois das visitas de caridade, Vêm as Visitas


de n ecessidade. Estas são dum dever mais imperiosO'
do que as primeiras. O bom govêrno duma casa, os
interêsses da família, as atenções que são devidas a
um pai ou a um bemfeitor, a conservação das boas
relações de amizade e de parentesco, tudo isto pode
exigir procedimento e visitas que uma mulher cristã
n ão deve dispensar. E, contudo, estas espécies de 'Visi­
tas .são ordinàriamente aquelas que mais custam e das
quais nós procuramos sôbretudo libertar-nos.

Nosso Senhor Jesus Cristo colocou os cristãos n o.


m e i o do mundo para aí brilharem como chamas lumi­
nosa s pelo resplendor das suas virtudes, sicut lamina­
ria in m undo (Filip. 11, 1 5).
Um afastamento exagerado do mundo n ão podia,
pois, ser louvável. Que os maus se escondam, enten­
de-se bem, o mundo nada perderá por n ão os ver ; mas
as pessoas de bem devem mostrar-se para combater o
contágio dos m aus exemplos com o perfume das suas
virtudes. Demais, é bom que o mundo saiba que a pie­
dade n ão é triste nem austera, mas alegre, doce, fácil

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NOTAS DO REVISOR DESTA TRADUÇÃO �47

e que, longe de ser um obstáculo às relações sociais,


ela autoriza-as, estreita-as, santifica-as.

Laurfeuil mais nos diz ainda sôbre a conversação,


emfim, sôbre a compostura, atitudes e procedimento
da mulher que visita, ou recebe visitas, que cultiva,
honesta e cristãmente, as suas relações. Ler com aten­
ção preceitos tão puros é, de-certo, ver o melhor modo
d e se atenuarem os ensejos das tristes tentações de
que fala Combes. Nas boas salas onde o respeito
m útuo é baseado na pureza dos princípios, a mulher
mais leviana dificilmente encontra uma tenta ç ão. É que,
sendo boa cristã e verdadeiramente· cristão o s e u
convívio, só p o r m órbida anomalia há tentadores e
tentadas.

Pág. 1 99 : Lasciate ogni speranza vai ch'enfrate. . •

O vélho Dante nunca supôs talvez que um dos seus


versos de oiro tanto seria nariz-de-cera das letras, e
no nosso tempo até das tretas dos terríveis corres­
p ondentes da província para os j ornais de tom e fibra.
E, contudo, o formoso episódio da Divina Comédia,
donde o sonoro e solene verso foi arrancado, como
legenda e até rótulo, bem poderia ser citado n a maior
parte dos casos, logo ao princípio, no verso

Noi leggevamo un giorno per diletto

pois - aqui para nós - é o que fazem, ler, apenas


per diletto, muitos dos citadores do dístico tremendo
da dantesca epopeia.
Paulo Combes é dos poucos, porém, que, apro­
Veitando um batidíssimo verso, o aplicam com cons-
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248 0 LIVRO DA ESPÔSA

c1encia. Inferno maior do que o do remorso ( e o


remorso da adúltera é único de acerba pungência )
n ã o o h á n a Terra, e tão d e molde, pois, a que o
culpado julgue perdida tôda a esperança depois de
cometida a culpa.
O próprio Emílio Zole, o brutal fisiologista, o reco­
nheceu na sua Teresa Raquin .
Mas só o Cristianismo pode converter, como o
prova Combes, a legenda sinistra, num hino, dolorido
a princípio, mas, pouco a pouco, vibrante de regene­
ração progressiva, à custa do cumprimento de todos
os de1Jeres puros. E então é o A ve, Spes ! porque
Jesus-Cristo veio ensinar todo o perdão para todo o
arrependimento sincero.

Pág. 208 : A nossa existência na terra é apenas


uma viagem que há-de acabar. Os espíritos 1Jerdadei­
ramente científicos hão-de julgar esta frase uma supér­
flua banalidade. Contudo, ainda é preciso, por desfor­
tuna, repeti-la todos os dias à multidão empolgada
pelo negativismo pitoresco e teimoso que, em tôdas as
alfurjas como em tôdes as salas de burguesia 1Joltai­
riena, m eteu o seu longo, sinuoso, e também cada 1Jez
mais achatado, nariz.
Não é raro ouvir dizer que a imortalidade da alma
é um o vaidade. Quem o diz ?
O pertidario do super-hominismo, 1Jaidade das vai­
dades, e tento que cede super-homem se julga um
deus. Di-lo ainda quem tão vaidoso é, que chega a
chamar-se . . . autor do próprio Deus, como certa filo­
sofia planturosa o afirmou em épocas de crise men­
tal, ao ter-se mêdo de confessar a Ciência do Cristia­
nismo.
Não 1Jale a pena armar contro1Jérsia. A dignidade
n ão é vaidade. Crer n a verdade de que e alma é

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NOTAS DO REVISOR DESTA TRADUÇÃO 249

imortal, é ter ciência e consc1encia, e, portanto, ter


'
humildade, e a melhor, até porque mais se reconhece
o poder de Deus e a lógica dependência em que dêle
está tôda a vida.
Se os bons dos negativistas tivessem razão, até às
conseqüências extremas, pelo menos, devíamos negar
q ue o homem é superior ao gato, à lesma e à pedra em
i nteligência, só porque há quem afirme que o gato,
etc., tem uma elevada inteligência que não podemos
compreender, só porque bichos e pedras ainda nos n ão
ensinaram a sua linguagem . ..: Não somos vaidosos afir­
mando-nos superiores a sêres que n ão entendemos ?
t E n ão seremos infinitamente vaidosos, chamando-nos
Tudo, se estamos à mercê dum raio, dum golpe de
vento, duma queda, do desabamento de três penedos
sobre o caminho da nossa jornada?
A imortalidade da alma é um facto ainda mais
ciêntifico do que a queda dos graves. Esse facto, já o
dissémos, não incha vaidades, valoriza sinceras humil­
dades. Mas, ainda que assi m não fôsse, l porque o con­
testaríamos, se - para quem estuda de-veras - é posi­
tivo a valer ?
Peulo Combes repete, pois, benemeritamente uma
'Jerdade que para todos já de'Jia ser axioma. E, se o
faz, é porque conhece o seu meio e o seu tempo.
Queira perdoar o crítico ingenuo que julgue desneces­
sário repetir o que a êle se afigura indesmentivel.

Pág. 221 : Não é raro oer m ãis assombradas por


n ão lhes admirarem os filhinhos. r! Mas admiram elas
os filhos dos outros ? Graves defeitos assacam geral­
mente às mulheres. Pensam mais do que parece, os
homens como o honest Yago, aquele que, no 4 . 0 acto
do Otelo, dizia ao M ouro com audácia, veneno e ran­
cor : - Meu bom senhor, é preciso ser homem. Lem-
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250 0 LIVRO DA ESPÔSA

brai-vos de que todo aquele que curvou a cerviz à


canga matrimonial, tem sorte igual à vossa. Milhões
de maridos repoisam à noite em prostituídos tálamos,
ousando jurar que são próprios e peculiares seus.
Melhor é o destino que vos coube. Oh ! é o desdém do
inferno, é suprema zombaria do demónio beijar no
leito, cheio de confiança, a impudente consorte, e
tê-la por honrada !
Isto é escabrosamente realista, mas o materialismo
confirmou demais, nas conseqüências das suas pré­
dicas pelo amor-livre, aquelas cruezas em factos d e
todos os dias. Hoje, m a i s do que no tempo d e Shakes­
peare, poderia Otelo, infelizmente, flagelar com razão
bastantes mulheres de tôdas as classes com aqueles
epítetos que lhe& vibrou, ao insultar a pobre Desdé­
mona embora, afinal, para rugir depois, entre contri­
tas lágrimas, diante de Graciano : - i Como agora te
vejo, desgraçada, que tão má estrela tiveste ! Pálida
como a tua camisa ! Quando nos encontrarmos n o dia
d e juizo o teu olhar precipitará do céu a minha alma,
e os demónios lançarão mão dela. Fria, fria, meu
amor ! Tal qual a tua castidade. Oh ! maldito ! maldito
celerado ! -
Contudo, estão urgindo o s . . . Quatro Livros do
Homem. Nêles deve Vir lição bastante para a Mulher,
a-pesar-da corrupção m aterialista deixar o Adão em
l ençóis de pouca bondade.
Mais verdadeiro, a nosso ver, do que a tendência
para o desregramento, é na mulher o defeito que Paulo
Combes aponta : o de s ó ver belo o que é seu, e o
de se i n dignar porque em tudo a n ão acham superior a
todos, principalmente como autora dum filhinho, a sua
obra querida.
Mas n o que toca à maternidade, é um defeito hon­
roso, que Combes evidentemente indulgencia, e do
qual só ri em os destrui"dores da família, os q ue, por

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NOTAS DO REVISOR DESTA TRADUÇÃO 251

sinal, pensam que o Estado pode ser Pai e Mãi e


Escola, ficando a família dispensada de existir, e per�
feitamente lícita• . •a procriação livre.
Perdoemos à mulher êsse i ncontestável defeito e
prefiramo-lo ao tédio com que algumas mãis ilustradas
- portanto, nada inteligentes - encaram os filhos, seu
castigo, enfado e obstáculo, sua impertinente certidão
de idade e sua primeira germinação de detestadas
rugas como causa de que o rosto comece a pintar�se
doidamente à laia de frontaria injuriada pelo tempo.
O santo orgulho materno é uma virtude, pelo m enos,
relativa. Encerra amor, uma espécie de culto pela
Vida, obra divina.
Bem pior será outro orgulho, e êsse geralmente
masculino, e de preferência literário. Vitor Hugo ­
Deus lhe perdo e - por causa das dúvidas, pôs demais
no seu lugar, em conversas altivas, Alfredo de Musset
e Lemartine.
É conhecida a perfídia crítica do sarcástico H.
Heine, extasiado consigo m esmo além do devido, e
até com Listz s everamente i njusto, talvez porque lhe
aprezia nivelar glórias do seu tempo.
Emfim, não é i noportuno lembrar aquele magistral
diálogo de Moliere nas Sabichonas e cujo remate, em­
b ora traduzido pela nossa humilde prosa, não deixa
rem os de pôr diante dos olhos dos que flagelam a s
v ai dades excessivas das mulheres, como mãis. Vejam
até onde chegam muitos homens, vaidosos como pais ...
de versos.
« Trissotin :
- Lembra�te do teu livro e da sua pouca
notoridade. - Vadias : - E tu lembra�te de que levaste
o teu editor à mi séria dum hospital. - Vadius :- Sou
um consagrado. É e m Vão que me róis a glória. ­
Trissotin : - Sim, vai ter com o autor das sátiras. ­
Vadius : - É o que também tenho a dizer-te.- Trissotin :
- Tenho a satisfação de ver que me tratou com mai s

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252 0 liVRO DA ESPÕSA

respeito. Apenas de passagem m e beliscqu, a o passo


que feria muitos autores consagrados na côrte. Mas a
ti n ão te larga n os seus versos, não havendo págin a
e m q u e te não dê uma vergastada. - Trissotin : - Por
isso mesmo é que êle mais me considera. A ti, lan ça-te
à turba, como um miserável, e entende que basta só
um golpe para te aniquilar. Nunca mais te honrou com
uma crítica. Quanto a mim, ataca-me àparte como a
um adversário de valor, contra quem é preciso tôda a
valentia. As suas críticas tão constantes contra mim
em tôda a parte provam que ainda reconhece não me
ter vencido. - Vadius :- Pois a minha pena ensinar-te-à
quanto valho. - Trissotin : - É a minha quem te há-de
esmagar. - Vadius :- Desafio-te em verso, prosa, grego
e latim. - Trissotin : - Pois seja ! Nós nos encontra­
remos cara a cara em casa de Barbin.»
Dificilmente s e bateriam tão ridiculamente pelos
filhos as mãis mais orgulhosas com a beleza física e
m oral dos seus fi lhos. E o pior é que os Trissotin e
Vadius enxameiam hoje como ontem na publicidade
fremente . . . até na política, santo Deus !, o que, afinal
d e contas, é o menos, porque em proscénios desacre­
ditados não faz mal que os actores sejam grotescos.

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f N DICE

Pág.
Prefácio .
v
Introdução. 19
Cap. I - A espôsa deve conhecer bem seu
m�� - M
Cap. 1 1 - Como a espôsa deve amar o marido. 5õ
Cap. III - Como a espôsa consegue dar felici-
dade ao marido • 67
Cap. IV - Como a espôsa consegue atrair o
amor do marido . 85
Cap. V - Qualidades práticas da espôsa . 101
Cap. VI - Qnalidades morais da t-spôsa . 117
Cap. VII - Qualidades intelectuais da espôsa . 155
Cap. Vlll - Cultura estética da espôsa . 1 5õ
Cap. IX - A fidelidade conjugal - Fidelidade
do marido . 171
Cap. X - A fidelidade conjugal - Fidelidade
da espôsa . 189
Cap. XI - Condições da felicidade dos espo-
sos . 201
Conclusão . 215
Notas do revisor desta tradução 225

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