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José Bernardo

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José Bernardo

Índice

Apresentação (p.5)

Enfrentando o desvio (p. 7)

1ª carta: Sobre a qualidade (p. 12)


2ª carta: Sobre a atividade (p. 16)
3ª carta: Sobre o tipo de fé (p. 21)
4ª carta: Sobre a cosmovisão (p.27)
5ª carta: Sobre as amizades (p. 33)

Finalmente (p. 38)

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Não lembro bem o significado que tinha para mim,


enquanto adolescente, ver colegas meus abandona-
rem a Igreja. Penso que o sentimento da falta que
eles faziam era o principal impacto, e havia também
aquela questão espiritual de eles estarem longe de
Deus, separados da fé, vivendo em pecado.

Talvez o primeiro momento em que me senti plena-


mente responsável por um adolescente em processo
de desvio foi no início da juventude, depois do semi-
nário, quando estava estagiando em uma casa de
recuperação para menores infratores.

Sérgio, como vários adolescentes ali, era filho de


uma família evangélica. Com quinze anos e viciado
em jogo, estava experimentando todo tipo de pecado
com muita avidez. A família o internara ali como me-
dida extrema para impedir que coisa pior lhe ocor-
resse. O perigo era iminente;

Os laços que ainda prendiam o Sérgio à igreja eram


mínimos: uma convicção genérica da existência de

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Deus e um pálido senso de temor. Eu me esforcei


muito por fortalecer aqueles indícios e sofri bastante
nesse processo com os descaminhos daquele ado-
lescente apenas cinco anos mais jovem.

A vida do Sérgio declinou ainda mais, e eu percebi


que nada do que eu fizesse poderia mantê-lo na fé e
no Corpo de Cristo. Eventualmente ele superou a
euforia pelo pecado e retornou à igreja ainda que
com alguns prejuízos espirituais e emocionais mar-
cantes. Hoje seus filhos já têm mais idade do que ele
tinha naquela época.

Não creio que eu tivesse maturidade emocional sufi-


ciente para lidar com o fato de que não posso salvar
ninguém, mas devo pregar o Evangelho da forma
mais eficiente possível, para aumentar as chances
de colher os frutos de Deus. Nem sem se já tenho
essa maturidade, na medida em que continuo so-
frendo com tantos sergios, andreias, paulos e an-
dressas que vão e vem, nessa ciranda da fé.

Querendo fazer algo mais pela vida de tantos ado-


lescentes e jovens que perdem a oportunidade de
perseverar em Cristo, tenho desenvolvido com nos-
sos ministérios, AMME Evangelizar e Salva Vida,
pesquisas e programas sobre as principais causas
do desvio.

Esse livrinho com as cinco cartas que escrevi sobre


as causas do desvio, apelando à liderança para en-
frentá-las, é parte desse esforço. Espero sincera-
mente que lhe seja útil.

José Bernardo

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Pesquisas com rigor estatístico mostraram que os


adolescentes são o grupo de idades onde houve
mais conversões nas últimas décadas. Qualquer es-
forço sério pela saúde e desenvolvimento da Igreja
Evangélica deve incluir esse grupo de idades.

Infelizmente a segregação dos adolescentes nos


últimos anos, em ministérios de entretenimento ocu-
pados em apenas armazenar os adolescentes na
igreja até que amadureçam, já está produzindo seus
maus resultados. Entre eles, o aumento intenso do
desvio. Esse fenômeno se tornou tão comum que
originou uma absurda teologia popular que conside-
ra o desvio inevitável e que vê até algum benefício
nele. Não penso assim.

Sei que os adolescentes podem ser verdadeiros


crentes e viver uma vida de santidade e produtivida-
de. Para que isso seja possível, as causas do desvio
devem ser examinadas e soluções devem ser de-
senvolvidas. A inércia coopera com o malígno. Por
isso desenvolvemos a Campanha END.

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José Bernardo

Desvio e retorno
Quando a AMME Evangelizar realizou uma extensa
e cuidadosa pesquisa para saber como a Igreja
Evangélica chegou ao crescimento atual, aparece-
ram os crentes que se converteram durante a infân-
cia, adolescência e juventude, desviaram e depois
retornaram. Esses dados foram registrados no rela-
tório SUPER20, publicado pelo ministério Salva Vi-
das e disponível em formato digital e impresso.

Quanto mais cedo aconteceu a conversão, mais


desvios houve. Os números são altos. Afastaram-se
da fé: 37,93% dos crentes que se converteram ainda
crianças, até 10 anos de idade; 30,95% dos que se
converteram durante a adolescência, entre 11 e 17
anos; 13,8% dos que se converteram durante a ju-
ventude, entre 18 e 24 anos de idade. É importante
notar que os dados do relatório SUPER20 não se
referem ao total de desviados, mas somente àqueles
que retornaram à igreja. A AMME planeja aprofundar
a pesquisa sobre o tema.

Outro dado importante é o histórico religioso desses


crentes que desviaram e depois retornaram. A pes-
quisa mostrou que os filhos dos crentes representa-
ram 55,17% das conversões de crianças, 47,62%
das conversões de adolescentes e 17,24% das con-
versões de jovens. É entre eles que houve o maior
percentual de desviados. Os filhos dos crentes foram
63,6% dos desviados que haviam se convertido na
infância; 53,84% dos desviados que havia se con-
vertido na adolescência; 10% dos desviados que
haviam se convertido na juventude. Veja que nas
faixas onde houve mais conversão dos filhos dos
crentes, também houve mais desvio.

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Nominalismo
Um outro aspecto é o desvio que acontece ainda
dentro da igreja. Há duas ou três décadas, era im-
pensável que um evangélico fosse não praticante e
descomprometido com sua fé. Nominalismo era coi-
sa dos católicos apenas. Os tempos mudaram. Em
julho de 2011 a AMME Evangelizar concluiu e publi-
cou, em inglês, um relatório de pesquisa realizada
com 780 pessoas, em quinze cidades das três regi-
ões mais populosas do país: Total evangelization –
Research for Products Validation. O objetivo do rela-
tório era verificar o resultado de cinco programas do
grupo “Evangelização Total” sobre os hábitos das
pessoas evangelizadas com eles. A pesquisa des-
cobriu mais do que se esperava.

Propondo-se a perguntar a religião dos entrevistados


e se eram praticantes ou não, os pesquisadores en-
contraram muitos evangélicos, e eles também res-
ponderam a essa questão. Então se ouviu 17,11%
dos evangélicos entrevistados declararem-se não
praticantes. Esse número pode ser comparado ao
dos ‘sem vínculo institucional’ no “Novo Mapa das
Religiões” (Neri 2011), publicado dois meses depois
do relatório da AMME. Conforme Marcelo Neri e sua
equipe, os evangélicos ‘sem igreja’ são 14%. Eram
apenas 4% em 2003, há sete anos, portanto aumen-
taram em 350% em tão pouco tempo.

O conceito de ‘não praticante’ se popularizou na au-


todesignação de pessoas que, havendo sido batiza-
das no catolicismo romano, embora mantendo al-
guns traços de crença e culto particular, não são fre-
quentes nas reuniões, nem participam das práticas
comuns, nem se submetem a qualquer liderança

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daquele segmento. Aplicado aos evangélicos, desig-


na os filhos dos crentes, que não formaram vínculo
pessoal com a igreja dos pais e também os adultos
que deixaram seu vínculo, ainda que se considerem,
de alguma forma, identificados com essa fé.

A pesquisa da AMME Evangelizar entrevistou princi-


palmente crianças, adolescentes e jovens, maiores
grupos de conversão para as igrejas evangélicas
nas últimas décadas (SUPER20). O número de
evangélicos em cada faixa foi superior à média pro-
jetada para a região, já que a pesquisa foi realizada
nas periferias pobres das cidades, onde ha maior
concentração de evangélicos. Na faixa de 6 a 8
anos, 12,2% dos evangélicos se declararam não pra-
ticantes, depois o percentual aumentou conforme a
idade. Na faixa de 9 a 11 foi 15,7%; De 12 a 14,
21,6%; De 15 a 17, 22,2%. Acima de 18 anos, inclu-
sive jovens adultos e adultos, 18,8% dos evangéli-
cos se declarou não praticante. Esse último dado,
embora requeira maiores pesquisas, parece confir-
mar que o nominalismo evangélico é um fenômeno
recente, que atinge com maior intensidade os mais
jovens. Um dado que também apareceu na pesquisa
foi a não declaração do comprometimento com a
Igreja, 4,93% na média, com ênfase no grupo de 6 a
8 anos (10%) e no grupo de 12 a 14 (5,4%).

Portanto, o problema existia e, ao que tudo indica,


está se agravando. Portanto é necessário refletir so-
bre as causas desse mal e buscar soluções para o
enfrentamento.

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À Igreja Brasileira, pastores, líderes, pais e adoles-


centes, saudações em Cristo.

Nesta primeira carta que escrevo sobre o grave pro-


blema do desvio de adolescentes e jovens, desejo
refletir com vocês sobre a qualidade da evangeliza-
ção que temos oferecido a esses membros mais jo-
vens. Consideremos isso.

Muitos de vocês sabem que, por causa do entendi-


mento que alcançamos sobre o crescimento da Igre-
ja, através da pesquisa SUPER20, decidi dedicar
dois anos de minha vida e ministério para promover
a inclusão dos adolescentes como alvos e como
agentes da evangelização. Nesse esforço, tenho que
lidar com o desvio de adolescentes, um problema
atual e intenso, que prejudica a vida de muitas pes-
soas e enfraquece a igreja. Como parte desse en-
frentamento, quis escrever cinco cartas a vocês, ca-
da uma apresentando um dos principais motivos de
desvio de adolescentes.

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Nessa primeira carta quero lhes falar sobre a quali-


dade da evangelização que estamos oferecendo aos
adolescentes. A casa que cai é aquela que se cons-
trói sobre a areia. Se a casa espiritual dos adoles-
centes está caindo, é porque sua construção não
está fundamentada na rocha de um cristianismo ver-
dadeiramente bíblico, sua religiosidade não está fir-
mada no entendimento e na prática da Palavra de
Deus. Nós somos responsáveis por oferecer o ali-
cerce espiritual aos adolescentes. Nossas prega-
ções, eventos, nosso exemplo em casa, dão aos
adolescentes a base sobre a qual construirão sua
vida. Se o resultado está sendo o desvio, uma das
coisas que precisamos avaliar é a qualidade do que
temos ensinado a eles.

Na semana passada, voando de São Paulo para Pa-


ris, sentou-se ao meu lado um casal em lua de mel.
Soube que o rapaz é recém-convertido, está se pre-
parando para o batismo, sonha em plantar uma igre-
ja na comunidade protestante onde mora na Região
Sul… uma igreja Romana. Sim, um jovem criado em
uma das maiores igrejas batistas de São Paulo, se
desviou, encantou-se com o liberalismo teológico,
depois com o ateísmo e finalmente, em um momento
de muito desespero, voltou-se para o catolicismo
romano. Agora está preocupado em fazer missões
para converter ao catolicismo os protestantes de ori-
gem alemã.

Uma possível razão? A enorme lacuna entre a pre-


gação e a prática do pai, líder na igreja, que traiu a
esposa e abandonou a família. Conversei com aque-
le jovem, sob os olhares preocupados de sua jovem
esposa de tradição romana, longamente, e insisti em

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que ele se submeta ao Reino de Deus em Cristo,


que sacrifique ao Senhor sua vontade, seu futuro,
suas decisões. É a chance de ele sair de uma arma-
dilha formada por engano, ilusão e desilusão.

As principais tendências teológicas na Igreja, ten-


dências que estão ocupando mais e mais nossos
púlpitos e mentes, são solos arenosos, muito seme-
lhantes entre si e não servem como base para a fé
perseverante. Basicamente sua proposta é nos sen-
tirmos bem e, eventualmente, fazermos os outros se
sentirem bem também.

A doutrina da prosperidade, ou a versão evangélica


da teologia da libertação, ou a teologia misturada à
psicoterapia, ou o triunfalismo da confissão positiva,
todas promovem essa religiosidade temporal, mate-
rialista e que coloca o ser humano, seus desejos e
necessidades, no centro do culto. Isso está distante
do cristianismo bíblico, do Evangelho do Reino. De
Deus, fazem um servo dos homens; da Bíblia, fazem
um livro de histórias; Da Igreja, fazem um meio para
alcançarem seus objetivos. É uma crença deficitária,
sem suporte espiritual; não serve como alicerce para
os adolescentes e é horrível pensar que é apenas
isso que muitos deles estejam ouvindo.

No espiritismo, no budismo, em palestras de autoa-


juda, eles poderiam ouvir a mesma coisa. Se quere-
mos que os adolescentes tenham uma fé fundada na
rocha, precisamos restaurar a fé centralizada em
Cristo, que leva os crentes a se dedicarem a agradar
a Deus e a fazer a vontade dEle. Precisamos restau-
rar a mensagem do Reino: Deus em Cristo gover-
nando o mundo e estabelecendo Sua vontade perfei-

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tamente boa. Precisamos lutar contra uma religião


de trocas e conveniências, de egoísmo e egocen-
trismo, de direita ou de esquerda. Cristo no centro de
tudo e o homem a seu serviço, assim deve ser. Isso
precisa se refletir no testemunho que os adolescen-
tes recebem de nós e na pregação que fazemos a
eles, na orientação pastoral, na instrução familiar e
no discipulado.

Rogo a vocês que se esforcem, como eu também,


para viverem em submissão a Deus e levarem os
adolescentes a submeterem suas vontades, seus
desejos, seus sonhos e planos a Cristo: Que nós e
eles possamos dizer: “Estou crucificado com Cristo;
logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em
mim;” Gl 2:19, 20.

Seu para evangelizarmos todo mundo,

José Bernardo

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José Bernardo

À Igreja Brasileira, pastores, líderes, pais e adoles-


centes, saudações em Cristo.

Nesta segunda carta de cinco que planejo escrever


sobre as causas do desvio de adolescentes e jovens
quero falar sobre a participação deles na Igreja.

No que se refere ao nosso próprio corpo, sabemos


que um membro por muito tempo inativo entra em
processo de estagnação e morte, colocando em ris-
co todo o corpo. A circulação é prejudicada, os ner-
vos se deterioram, a musculatura entra em colapso
até que a situação seja irreversível. Pessoas imobili-
zadas nos hospitais passam por isso com frequência
indesejável. Paulo usou essa ideia para falar da sa-
úde da Igreja: “Dele todo o corpo, ajustado e unido
pelo auxílio de todas as juntas, cresce e edifica-se a
si mesmo em amor, na medida em que cada parte
realiza a sua função.” Ef 4:16.

Para Paulo a Igreja só é sadia, só cresce e se forta-

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lece quando cada parte realiza sua função. Infeliz-


mente, na maior parte das igrejas os adolescentes
não participam do movimento do Corpo (muitos adul-
tos também não) e estão se estagnando. O sangue
de Cristo não circula por eles, os impulsos do Espíri-
to não os movimenta, eles perdem as forças e mor-
rem, causando dano também para o restante da
igreja que se vê privada de membros importantes e
deve arrastar partes necrosadas do corpo.

Não estou falando de qualquer atividade, afinal os


adolescentes fazem acampamentos, praticam espor-
tes, assistem filmes, fazem festas de aniversário,
tem suas reuniões e, em muitas igrejas, participam
de um culto separado, feito ao gosto deles. Mas todo
esse ativismo não impede que estejam virtualmente
separados do Corpo de Cristo. Deixe-me explicar
melhor, apontando para alguns aspectos do que es-
tou chamando de não participação.

Desconexão: Quer porque os adultos não se dis-


põem a se relacionar com eles, quer porque uma
cultura ímpia os afasta dos adultos, os adolescentes
ficam segregados na igreja. A prática de exclusão
mútua faz com que os adultos não se beneficiem dos
dons dos adolescentes e esses não se beneficiem
dos dons dos adultos. Ambos são prejudicados. Es-
se é um dos aspectos da separação que produz es-
tagnação e desvio: marginalizados em seu cultinho,
isolados do pastoreio, invisíveis em seu gueto, os
adolescentes não estão conectados com os outros
membros da igreja. O contato saudável entre adultos
e adolescentes, na oração, no discipulado, em ativi-
dades comuns é essencial para a saúde de todos e
principalmente dos próprios adolescentes.

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José Bernardo

Desorientação: Embora haja muita atividade de ado-


lescentes, já que são tão dinâmicos, tais atividades
não são sempre orientadas para o cumprimento da
missão da Igreja. Em tempos em que muitas igrejas
perderam de vista sua missão bíblica, os adolescen-
tes ficam ainda mais distantes de realizarem ativida-
des com relevância missional. O ativismo espiritual-
mente inútil, mesmo que inclua algumas boas obras
conforme o mundo, não resulta em cooperação com
o Espírito Santo, não produz frutos eternos que
agradem a Deus e justifiquem a permanência na vi-
deira. Sabemos que os ramos que não produzem
frutos são cortados e lançados fora. Porque seria
diferente com os adolescentes? A missão da igreja
é manifestar o Evangelho de tal forma que as pes-
soas se submetam ao governo de Deus em Cristo.
Chamamos isso de evangelização. Essa é a missão
que deve caracterizar as atividades dos adolescen-
tes para que sejam efetivamente parte da Igreja. Sua
juventude não justifica que sejam tratados como
meio crentes ou, como costumo dizer a eles, - Em
Cristo não tem ‘café-com-leite’.

Desconcentração: A Igreja tem aceito o pensamento


mundano de que a adolescência é um tempo de fé-
rias, diversão, folga e distração. Parece que não se
aplica aos adolescentes o chamado do Getsêmani:
“Vigiem e orem para que não caiam em tentação. O
espírito está pronto, mas a carne é fraca.” Mc 14:38.
Por toda parte encontramos líderes de adolescentes
preocupados com que filme vão exibir, como organi-
zar a próxima festa, qual música será mais do gosto
dos adolescentes. Ocupados em maximizar o prazer
sensual/ sensorial dos adolescentes, tais líderes não
percebem que dando muito mais atenção à carne do

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que ao espírito estão levando os adolescentes por


um caminho de separação e morte. É preciso por um
fim ao ‘ministério de entretenimento’ e ensinar aos
adolescentes que não estão em um playground mas
em um battleground (A. W. Tozer), em um campo de
batalha. O ataque do inimigo não será mais ameno
porque eles são adolescentes, eles precisam levar a
sério sua vida espiritual e se concentrar em vencer a
batalha para a qual foram chamados como verdadei-
ros soldados. Se o mundo diz que a santificação é
um fardo pesado demais para os adolescentes, não
o será muito mais a ira de Deus contra o pecado?

Desincumbência: Discute-se novamente a redução


de idade para a maioridade penal. Sempre que essa
discussão é reiniciada, um coro de vozes se levanta
para absolver os adolescentes de qualquer respon-
sabilidade civil. É fato que os adolescentes têm um
cérebro diferenciado, desenhado por Deus para mui-
tas atividades importantes, mas não para avaliar
consequências de longo prazo em suas ações. Po-
rém, isso apenas indica que os adolescentes preci-
sam estar plenamente integrados a adultos em um
grupo, família ou na igreja, para serem. Dar ampla
‘liberdade’ individualista aos adolescentes e tirar-lhe
as responsabilidades é sinal de uma sociedade pro-
fundamente corrompida pelo pecado. Quando desin-
cumbimos os adolescentes de responsabilidades
porque não nos dispomos a manter os vínculos inte-
rativos que os ajudarão a cumprir seu papel social,
nós os estamos condenando ao desvio e à destrui-
ção. Os adolescentes precisam ser responsabiliza-
dos pela Igreja, isso dentro de um contexto de inte-
gração com adultos que os ajudem a avaliar as con-
sequências futuras e a tomar decisões acertadas.

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José Bernardo

Desvalorização: Já vimos bastante desse conceito


de exclusão – você é adolescente então ainda não é
do Corpo. Mas algo que também tem motivado a
separação é a falta de consciência da importância
dos adolescentes como membros funcionais. Os
adolescentes têm dons específicos, peculiares. Tais
dons não amadurecem, são substituídos. Os dons
dos adolescentes já são maduros e urgentemente
necessários na Igreja. Deus os dotou de capacida-
des e eles desenvolvem habilidades importantes pa-
ra a saúde da Igreja. Sem elas o Corpo fica deficien-
te, menos capaz, aleijado. É mau sinal que os cren-
tes não percebam isso e por continuem a excluir os
adolescentes. Tenho que dizer que a igreja não su-
perará o desvio de adolescentes se não perceber
neles a importância que têm para a saúde do Corpo
de Cristo e efetivamente incluí-los.

Peço a vocês, pastores, líderes e pais que atentem


para isso, que os adolescentes estarem sob o mes-
mo teto não significa que estejam participando do
Corpo. Pela compaixão de Cristo, pelo amor de
Deus, incluam os adolescentes como membros ple-
namente funcionais, como alvos e como agentes da
evangelização, missão da Igreja. A vocês, adoles-
centes, peço que não se façam de rogados, não es-
perem ser chamados, sejam verdadeira Igreja agora,
verdadeiros membros. Essa é uma medida prática
para enfrentar o desvio de adolescentes.

Seu para evangelizarmos todo mundo,

José Bernardo

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À Igreja Brasileira, pastores, líderes, pais e adoles-


centes, saudações em Cristo.

Esta é a terceira carta que lhes escrevo sobre as


causas do desvio de adolescentes e jovens. Planejo
escrever cinco cartas, cada uma apresentando uma
causa fundamental que exige sua atenção. Nesta
carta quero falar sobre a transição da fé possível na
infância para uma fé juvenil.

Apoiado em pesquisas que temos feito sobre o as-


sunto, já escrevi mais detalhadamente sobre esse
tema. Aqui desejo me deter sobre ações práticas
que devemos tomar no enfrentamento do desvio a
partir dessa causa. As pesquisas mostram que o
desvio de pessoas que se converteram na infância e
adolescência é grande e os filhos de famílias evan-
gélicas tendem a se desviar mais do que aqueles
criados em outros ambientes religiosos.

A partir destes dados e do conhecimento sobre o

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José Bernardo

funcionamento do cérebro dos adolescentes, nasceu


a hipótese de relação entre o desvio e a transição da
fé infantil para a fé juvenil.

Lembrando que nosso culto é racional ou lógico (Rm


12:1), devemos lembrar que o funcionamento do cé-
rebro das crianças e dos adolescentes é muito dife-
rente. Tanto crianças como adolescentes podem
apresentar-se a Deus, vivos, santos e agradáveis,
mas isso se dará de um modo bem diverso. As cri-
anças têm o que podemos chamar de fé afetiva, ba-
seada na lógica de que, se todas as pessoas que
amam creem de determinada forma, elas também
devem crer assim. O testemunho do Evangelho,
desse modo, tem predominância em levar as crian-
ças a entregarem-se a Cristo, principalmente quando
vem dos pais. Já os adolescentes desenvolvem uma
capacidade verbal e argumentativa bastante ampla
nos primeiros anos a partir da puberdade. Essa ca-
pacidade de discutir sobre tudo é a essência da ex-
pressão “culto racional” onde ‘racional’ significa lite-
ralmente ‘da palavra’. Ser capaz de falar sobre a fé e
testemunhar, discutir aspectos conflitantes até har-
monizá-los, fazer perguntas, dar respostas – isso faz
com que a fé possível para o adolescente, que po-
demos chamar de racional, seja virtualmente diferen-
te da fé da criança.

Com o desenvolvimento da capacidade de abstra-


ção, na medida em que o raciocínio se torna mais
apto e mais veloz, a fé argumentativa se sublima
facilmente, e o diálogo horizontal, que o adolescente
mantém com outras pessoas, vai se tornando mais e
mais um diálogo vertical do adolescente com Deus.
Assim a fé lógica se qualifica e se torna relacional.

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Essa transição do verbal e argumentativo para o re-


lacional tende a ser mais natural quando a transição
anterior foi completa. Contudo, aquela primeira pas-
sagem entre a fé afetiva da infância e a fé argumen-
tativa do adolescente recente parece ser um degrau
muito maior e mais difícil de ultrapassar, principal-
mente para os filhos dos crentes. Isso explicaria a
questão do desvio.

Muitos adolescentes que vêm de contextos não


evangélicos chegam à fé a partir de muita argumen-
tação, questionamento e conciliação mental. Portan-
to, a fé que desenvolvem é genuinamente racional e
atualizada com sua capacidade mental, isso pode
explicar porque os adolescentes vindos de famílias
não evangélicas tendem a se desviar menos. Ainda
assim se desviam, possivelmente porque há tantos
adolescentes não crentes que, atraídos por uma
‘evangelização’ equivocada, vêm para a Igreja em
busca de afetividade, amigos, diversão, namoro,
compreensão para suas dificuldades de ajuste etc.
Esses mais aqueles adolescentes nascidos na igreja
e que não tiveram a oportunidade de avançar para a
fé racional, permanecerão imaturos, com uma fé de-
satualizada e insuficiente para a nova idade.

O grande problema é que, na medida em que o ado-


lescente deixa o ambiente protegido do ensino fun-
damental e enfrenta uma realidade mais exigente no
ensino médio e depois na faculdade, a fé afetiva não
é suficiente para mantê-lo espiritualmente vivo e ati-
vo. Sentir-se aceito, amado e acolhido gera uma fé
que mantém a criança conectada ao Corpo de Cris-
to; adolescentes e jovens precisarão de muito mais
do que isso. Quando os professores do ensino mé-

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José Bernardo

dio e da faculdade, dotados da soberba irrefletida de


quem tem pouca ciência, começam a ridicularizar a
fé dos adolescentes, e a repetir hipóteses propaga-
das pelos céticos como se fossem verdades absolu-
tas, a fé afetiva cai na categoria dos contos de fada.
Essa pressão é muitas vezes aumentada pelos cole-
gas que já não têm uma fé viva e procuram conven-
cer o adolescente evangélico a pecar. O desejo de
inclusão e o apelo dos prazeres sensuais, os peca-
dos da mocidade, farão o restante.

Mas por que a transição da fé afetiva para a fé raci-


onal é tão difícil? Ora, a fé racional se compõe a par-
tir do questionamento. Mas, é um tabu o adolescente
que cresceu na Igreja questionar a fé. De um lado o
adolescente não pergunta de outro lado os adultos
não respondem. Fica a dúvida oculta. Então preci-
samos superar isso, deixar perguntarem e nos dis-
pormos a responder: Ensinar.

No livro “Almost Christian” (Dean, 2010), que trata da


religiosidade inútil que está contaminando a nova
geração de evangélicos nos Estados Unidos, um
pensamento que me fez refletir até em minhas pró-
prias atitudes. A autora disse “Nos não temos depo-
sitado na conta deles: nós ensinamos baseball para
os jovens, mas apenas os expomos à fé. Nós pro-
vemos treinamento e oportunidades para que os jo-
vens desenvolvam e melhorem seus lançamentos
(baseball) e sua pontuação SAT (critério para admis-
são na universidade), mas nós displicentemente as-
sumimos que a identidade religiosa vai acontecer por
osmose, emergindo quando o jovem estiver pronto
(uma confiança que geralmente nos falta quando o
assunto é, digamos, álgebra).”

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Ensinar o Evangelho com a mesma intencionalidade


com que ensinamos matemática, é isso que está
faltando para diminuirmos o desvio por causa da
transição da fé. Na medida em que nossos adoles-
centes entram na puberdade, devemos aproveitar a
tagarelice deles para treiná-los em falar sobre sua fé.
Eles devem ser capazes de discutir os mais variados
temas relacionados ao Evangelho. Devem ter, na
ponta da língua, respostas para porque não fazer
sexo antes do casamento, porque falar sempre a
verdade, porque não usar a violência etc. Precisa-
mos apresentar os temas, exercitá-los no debate,
repetir o quanto for necessário, proporcionar-lhes
experiências, verificar se aprenderam, corrigir, re-
cordar, enfim, precisamos ensiná-los a responder a
quem questionar a fé deles (1Pe 3:15). Jesus não
pensou a Igreja como um parque de diversões, um
local de descanso, mas como uma escola, um centro
de treinamento.

Depois, na medida em que vão avançando adoles-


cência adentro, devemos estar atentos a que apren-
dam a se relacionar com Deus de maneira pessoal e
efetiva. Faremos isso da mesma forma como se es-
tivéssemos ensinando matemática ou gramática.
Novamente explicaremos, apresentaremos exercí-
cios, corrigiremos erros. Levaremos ao extremo o
mandato de fazer discípulos e ensinar-lhes todas as
coisas que Jesus nos ordenou.

Pastores, líderes e pais, rogo que vocês se apliquem


ao ensino da fé. Apliquem-se a isso, porque é man-
dado de Cristo. Apascentem com alimento sólido as
ovelhas mais jovens, os cordeiros, porque essa será
a evidência de seu amor a Cristo. Tenham certeza

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José Bernardo

de que seus adolescentes e jovens cheguem a uma


fé racional, argumentativa e relacional, isso evitará
que milhares deles sejam fisgados, seduzidos e ar-
rastados para o mundo.

Seu para evangelizarmos todo mundo,

José Bernardo
AMME Evangelizar

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À Igreja Brasileira, pastores, líderes, pais e adoles-


centes, saudações em Cristo.

Nessa quarta carta, das cinco que planejo escrever


sobre as causas do desvio de adolescentes e jo-
vens, quero lhes falar do que chamamos de elemen-
tos da cosmovisão, ou seja, o modo de ver o mundo
e sua influência na perseverança da fé.

Há alguns anos, quando eu quis ajudar os crentes a


perseverar na fé sem se deixar vencer pelas lutas e
tentações do dia a dia, lidei com uma característica
comum dos brasileiros: a esperança no ‘padrinho’, a
síndrome de ‘salvador da pátria’. O colonialismo dei-
xou esta marca muito forte em nossa cultura. Mesmo
sendo um povo trabalhador e esforçado, em nosso
subconsciente cultural os resultados estão dissocia-
dos do esforço, o salário separado do empenho, os
efeitos desconectados das ações. Os brasileiros
imaginam depender sempre de algo externo para
terem o que necessitam, seja do padrinho, do vigá-

27
José Bernardo

rio, do coronel, do patrão, do presidente, do bolsa


família, das cotas ou do sorteio na loteria.

Quando chegamos ao âmbito espiritual, até quere-


mos viver uma vida santa, vitoriosa, evangélica, mas
não percebemos que isso está diretamente conecta-
do à disciplina espiritual. Temos dificuldade em en-
tender que a carne não vai deixar milagrosamente
de nos tentar, a vontade pelo pecado não vai desa-
parecer em um acampamento, não nos tornaremos
santos quando uma pessoa especial orar por nós –
não é assim que Deus costuma agir. O Senhor quer
nos fortalecer e equipar para uma luta de todos os
dias até que sejamos arrebatados desse mundo per-
verso. Mas a maioria não está pronta para isso, a
maioria não está pronta para insistir e para perseve-
rar. Como se preparar então?

O texto da Armadura Espiritual na carta de Paulo


aos Efésios oferece a resposta. Foi a partir desse
texto que desenvolvi um programa de discipulado
um-a-um que tem abençoado milhares de irmãos em
todo o país há alguns anos: Nossa Luta. É na aber-
tura daquele programa que falo sobre os quatro
elementos da cosmovisão, todos eles presentes no
contexto da Armadura Espiritual no capítulo seis da
Carta aos Efésios. São quatro elementos que preci-
sam aparecer em nosso modo de ver o mundo ou
não somos capazes de viver com perseverança. Re-
centemente vi que uma socióloga norte americana
encontrou os mesmos quatro elementos, não no tex-
to bíblico, não com os mesmos nomes, mas, ainda
assim, exatamente como são.

Eu sou um soldado – Ter uma clara identidade mis-

28
END: 5CARTAS

sional, a percepção do ser ligada a uma função e


resultado que se deve alcançar, conecta a perseve-
rança à própria razão de existir. O mundo, os fatos,
os sonhos, os planos são profundamente modifica-
dos por esse elemento da visão. ‘É para isso que eu
existo’, quando há essa certeza, ela ajuda a pessoa
a perseverar. No caso dos adolescentes temos duas
condições para a construção desse elemento. A pri-
meira é que o adolescente está definindo sua identi-
dade e depende de ajuda externa para fazer isso.
Os adultos, os colegas, o meio e a própria experiên-
cia dirão ao adolescente quem ele é e qual a sua
missão de vida. Isso determinará sua perseverança
ou desistência. A segunda é que a identidade evan-
gélica tem sido diluída na pós-modernidade brasilei-
ra, basta dizer que nos últimos anos a referência tem
sido sempre negativa: ser evangélico não é isso, não
é aquilo, não é assim... O fato é que muita gente não
sabe mais o que é ser evangélico e isso não coope-
ra para a perseverança. Para ajudar os crentes de
Éfeso e a nós também, o apóstolo Paulo ensinou
que somos soldados, alistados por Cristo para lutar
contra os poderes das trevas que escravizam as
pessoas no mundo. É nossa missão e o adolescente
que sabe disso tem mais chances de perseverar.

Eu tenho uma luta – Entender que não estamos sol-


tos no tempo e no espaço, mas que temos uma his-
tória que começou muito antes de nós e se prolon-
gará por muito tempo ainda é decisivo para a perse-
verança de qualquer crente e dos adolescentes tam-
bém. A ‘grande nuvem’ de testemunhas que nos ob-
serva da eternidade nos faz ver tudo de uma pers-
pectiva diferente. Para perseverar, um adolescente
deve ter muito clara e bem presente a história que

29
José Bernardo

começou lá no Éden e se prolongará até a Cidade


Santa. Um adolescente precisa lembrar-se de tantos
homens e mulheres que vieram antes dele e de seu
exemplo admirável, precisa estar comprometido com
as pessoas que virão depois e com o exemplo que
ele mesmo deve deixar. É muito importante essa
consciência de que nossa luta não é particular, não
é individual. Saber-se parte de uma história conecta,
ancora e enraíza, mas o individualismo desestabiliza
completamente. Infelizmente, a busca desesperada
pelo novo faz com que a história seja desprezada e
reste apenas o indivíduo, incapaz e só.

Eu estou no exército – O senso de pertencimento é


o terceiro elemento da cosmovisão que facilita a per-
severança. O adolescente que se sentir parte impor-
tante da igreja, membro funcional do Corpo de Cris-
to, soldado necessário no exército contra o pecado,
permanecerá mais facilmente na fé. Infelizmente,
quanto mais se desenvolvem os ministérios de entre-
tenimento nas igrejas tanto mais segregados ficam
os adolescentes, ensimesmados em suas atividades
privativas, alheios ao que é a Igreja e quais são as
suas funções. O culto de domingo já não é a expres-
são de uma igreja rica em relacionamentos, em que
os membros estão firmemente ligados pelos vínculos
da paz. Ainda assim, nesse culto principal, os ado-
lescentes costumam ser praticamente invisíveis, ex-
ceto por algumas rodinhas de bate papo e muitas
risadas no final do culto. Limitados a reuniões no
sábado, menos para envolvê-los na missão da Igreja
e mais para competir com atrativos mundanos, eles
são, infelizmente, a improvável ‘igreja do futuro’. Não
preenchendo na Igreja sua necessidade de perten-
cer, não se vinculando fortemente a outros cristãos,

30
END: 5CARTAS

os adolescentes se tornam radicais livres e toda a


sua energia se volta contra o Corpo, oxidando e cor-
roendo as células que os geraram. Então, quando o
adolescente se vincula mais a amigos não cristãos,
passa a ver o mundo, as oportunidades, a ética e até
a própria Igreja pelos olhos dos de fora. É isso que
chamamos de desvio. Não é demais lembrar que os
adolescentes precisam ser a Igreja do presente.

Eu posso vencer – A esperança altera completamen-


te as nossas perspectivas. Quando achamos que
podemos vencer nos esforçamos mais e vencemos.
Quando achamos que vamos ser derrotados desis-
timos intimamente e de fato somos vencidos. O
mundo exerce uma forte pressão contra a esperança
em tudo o que se refere à luta contra o pecado. In-
capaz de vencer os impulsos da carne, o mundo os
justifica, depois valoriza e por fim impõe. Sabe-se
que a masturbação, por exemplo, não é boa, é um
vício que desajusta a pessoa para o relacionamento
sexual. Como o mundo não tem esperança de ven-
cer a masturbação, diz que ela não é errada, depois
diz que ela é boa e por fim diz que é necessária.
Elimina-se assim toda a esperança de viver uma se-
xualidade conforme o plano de Deus. Isso acontece
em todas as outras áreas da vida. A estratégia do
mundo é destruir a esperança da santidade até que
o pecado seja visto como a única opção. Se nossos
adolescentes são expostos a essa destruição da es-
perança, eles desistirão e desviarão. Nosso esforço
deve se concentrar em fortalecer sua esperança pa-
ra que permaneçam. Nesse sentido, ao transmitir
aos adolescentes e jovens as estatísticas que nos
alarmam, por exemplo, deveríamos evitar o ângulo
negativo. Nossa ênfase não deve estar no alto per-

31
José Bernardo

centual dos que fazem sexo enquanto frequentam a


Igreja, mas do percentual ainda maior que mantém
uma vida santa até o casamento. Até mesmo no que
se refere ao desvio, ao falar disso com os adoles-
centes, devemos apontar para esses elementos da
cosmovisão que têm aqueles que perseveram e es-
timulá-los a adquiri-los.

Pastores, líderes e pais, despertem-se para suprir os


adolescentes com esses quatro elementos: missão,
história, pertencimento e esperança. Esses elemen-
tos compõe uma cosmovisão que evita o desvio e
facilita a perseverança.

Seu para evangelizarmos todo mundo,

José Bernardo
AMME Evangelizar

32
END: 5CARTAS

À Igreja Brasileira, pastores, líderes, pais e adoles-


centes, saudações em Cristo.

Nessa quinta e última carta das que planejei escre-


ver sobre as causas do desvio de adolescentes e
jovens falo das amizades dos adolescentes como
impulso para perseverar ou desviar da fé.

Escapa aos adultos a enorme importância da sociali-


zação para os adolescentes. A interação social se
destaca justamente no início da idade escolar e per-
corre todo o caminho através da adolescência. Co-
meça com o grupo transitório que se forma conforme
a oportunidade, torna-se mais formal na pré-
adolescência com o clube dos meninos e o clube
das meninas e chega ao extremo com as quase
gangs de adolescentes. Os pais ficam de lado, sem
entender como seus pré-adolescentes tão falantes,
agora adolescentes, apenas murmuram monossíla-
bos em casa, enquanto passam horas conversando,
rindo e chorando ao telefone com os amigos.

33
José Bernardo

Vários fatores determinam a fome dos adolescentes


pela socialização que, às vezes, toma a forma de
paixões avassaladoras e de experimentação sexual.
Primeiro há o processo de construção da identidade
que tira os adolescentes de casa, onde são infantili-
zados, e os leva para outros coletivos, onde estreiam
com novo status, mais coerente com as mudanças
físicas e emocionais que experimentam. Os pais há
muito sem um cérebro adolescente, incapazes de
mudar seu relacionamento com os filhos na mesma
velocidade em que eles mudam de sua identidade
infantil para adolescentes, não conseguem distinguir
a adolescência como um período da vida distinto,
peculiar. Para eles os filhos são apenas crianças
grandes ou quase adultos. A confusão de identidade
causada pelos ajustes cerebrais às novas propor-
ções do corpo faz com que o adolescente dependa
do reflexo que os oferecem no processo de autoco-
nhecimento. A aceitação ou rejeição do grupo, os
elogios, a admiração, o status – tudo isso é decisivo
para compor a nova identidade.

Outro fator é a fome pelo novo que está ligada à di-


minuição da capacidade de sentir satisfação. Deus
planejou que até metade dos sensores cerebrais de
satisfação dos adolescentes sejam cortados. Se não
fosse isso ninguém se tornaria independente da van-
tajosa relação de casa, comida e roupa lavada ga-
rantida pelos pais; ninguém arranjaria uma profissão,
um emprego, um casamento. Então, essa insatisfa-
ção endógena do adolescente contribui para que ele
avance para novas coisas, novos desafios, em de-
sesperada busca por um pouco de alegria e bem
estar. Novos relacionamentos produzem isso: trazem
a possibilidade de experiências satisfatórias, por isso

34
END: 5CARTAS

são tão necessários em quantidade e variedade. Es-


tar com os amigos, encantá-los, se emocionar com
eles, fazer coisas juntos, correr riscos, tudo isso der-
rama satisfação em um cérebro carente.

Esse quadro é ainda complementado pela acelera-


ção emocional. O cérebro adolescente funciona me-
lhor quando é motivado por emoções primárias. Pai-
xão, ira, nojo, medo, as emoções primárias se de-
senvolvem intensamente desde a puberdade, estão
no âmbito dos relacionamentos e são o recurso que
os adolescentes têm para perceber o mundo e fazer
suas escolhas. O cérebro racional, a porção frontal,
só vai passar pelo processo de aceleração a partir
do último ano da adolescência. Por isso a pessoa
passa esses anos da adolescência sem grande pre-
ocupação com o futuro, ou com o cálculo de conse-
quências de seus atos. Suas decisões são prioritari-
amente emocionais, porque as áreas do cérebro re-
ferentes às emoções estão em franca aceleração.
Por isso os relacionamentos são um ambiente onde
os adolescentes se encontram mais confortáveis.

Vimos várias razões por que os adolescentes procu-


ram tantos relacionamentos fora de casa. Mas como
se explica que os relacionamentos afetem tanto a
vida e a fé dos adolescentes? Um indício disso é
que sempre os ouvimos dizer: ‘Foi ele quem come-
çou’, ‘Todo mundo fez’, ‘Não sei o que me deu na
cabeça’, ‘Não sei por que fiz isso’ – Essas desculpas
que parecem muito esfarrapadas para os adultos,
são a essência da verdade no caso dos adolescen-
tes. A causa está no que hoje se chama de neurô-
nios espelhos, conjuntos de células em nosso cére-
bro especializadas em imitar. Cada vez mais a ciên-

35
José Bernardo

cia descobre a importância da imitação no aprendi-


zado e isso deveria funcionar a favor dos adolescen-
tes que têm tanto a aprender, mas algumas vezes
funciona contra eles. O cérebro adulto foi equipado
com bloqueios à imitação que entram em ação muito
rapidamente, já o cérebro adolescente não está es-
truturado para parar de imitar, pois tem muito que
aprender. É natural que eles imitem os comporta-
mentos ao seu redor e aqui está o problema.

Então veja os seus adolescentes. Quem são os ami-


gos deles? O que eles pensam? Sobre o que con-
versam? O que fazem? Isso define se os seus ado-
lescentes vão perseverar ou desistir da fé, pois cer-
tamente imitarão os comportamentos das pessoas
com quem convivem. O apóstolo Paulo se referiu a
isso dizendo: “Irmãos, sede imitadores meus e ob-
servai os que andam segundo o modelo que tendes
em nós.” Fp 3:17.

Quando os neurônios espelho dos adolescentes são


expostos a comportamentos mundanos, seu cérebro
ensaia esses comportamentos usando os mesmos
recursos para compreendê-los que usaria para fazê-
los. Quanto mais se observa um comportamento,
mais é possível que venha a ser imitado, principal-
mente em um cérebro adolescente sem muitos blo-
queios para a imitação.

Cada vez que veem um comportamento pecamino-


so, se torna ainda mais provável que o reproduzam,
desviando-se da verdade e da fé. Por isso, além de
ensinarmos os adolescentes a evitar as más amiza-
des, precisamos ajudá-los a prover-se de um grupo
de amigos na Igreja que supra suas necessidades

36
END: 5CARTAS

de relacionamento e socialização sem expô-los a


comportamentos indesejáveis. Um grupo onde os
comportamentos desejáveis de serem imitados se-
jam mais populares e mais frequentes.

Pastores, líderes e pais, peço a vocês que não su-


bestimem a importância dos relacionamentos para
os adolescentes e trabalhem para que eles tenham
amigos que os ajudem a perseverar. Cuidem para
que seus adolescentes estejam profundamente liga-
dos ao Corpo de Cristo, vivendo em perfeita comu-
nhão com outros membros, assim eles imitarão o
que é bom e perseverarão na fé.

Seu para evangelizarmos todo mundo,

José Bernardo
AMME Evangelizar

37
José Bernardo

No final de cada carta inclui um parágrafo com al-


gum direcionamento para os leitores, esse direcio-
namento precisa ser traduzido em ações práticas
conforme o contexto de cada igreja.

Estimulo as equipes de liderança dos adolescentes a


lerem esse livreto separadamente, depois também
em conjunto, esclarecendo qualquer passagem que
parecer mais obscura ou difícil.

Depois da leitura de cada carta, o grupo deve fazer


uma avaliação sobre como está a situação de sua
igreja, de seus adolescentes e jovens quanto às ra-
zões apontadas. Finalmente deve estabelecer ações
suficientes para modificar aquela realidade e propor-
cionar mais elementos de perseverança.

Quanto aos nossos ministérios, vamos continuar


pesquisando, desenvolvendo e transferindo recursos
que possam ajudar no enfrentamento do desvio de
jovens e adolescentes. Contem conosco.

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