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Para o robô vermelho que,

disfarçado como um cambuí


caciporeano das torres, nas campinas
de concreto aos pés da torre branca,
me acompanhou na contagem
regressiva de cada badalada do sino
da capela das dores e na “balada do
amor inabalável”.
A Via Láctea é um lugar incrível!
É mesmo uma galáxia das boas!
E a gente pode acreditar, sem medo de ser feliz, que ela existe e é
assim tão bacana, porque a gente vive nela há um bom tempo e
sabe disso bem lá no fundo do coração...
Muitos astros e estrelas compõem a trupe da Via Láctea.
E eles contracenam sem problemas, pois até onde se sabe, um
nunca roubou a cena do outro.

Cada um ocupa seu espaço na imensidão espacial


que é o espaço sideral!
E eles ficam bem certinhos no seu trajeto numa organização quase
matricial.
Numa matriz multidimensional.
E cada astro e estrela foi batizado com um nome.
Nome que lhe foi dado por gente da Terra, assim que cada um
deles foi sendo notado.
E que, muito provavelmente, é bem diferente do nome que as
pessoas de cada um lhes deram.

Junto com o nome, cada planeta da Via Láctea recebeu


também um símbolo.
E cada símbolo é um pedaço das viagens que a gente faz na Terra.
Da viagem que começa cada vez que a gente nasce...
E das que a gente empreende todo dia quando acorda.

Como a viagem aparente


que o Sol faz, que a toda
hora se infiltra na
madrugada de alguém.

E que continua quando planejamos um jeito de ficar mais um


tempinho na cama, adiando tirar o pijama.

Ou quando a gente faz apostas mirabolantes ou simplesmente


resolve um problema que parecia apavorante...
Ou quando se esquece de planejar porque está muito curioso ao
aprender algo novo...
ou porque se envolveu até o pescoço e está entregue num
trabalho minucioso.
Depois, avança mais um pouco no despertar dos sentidos.
Sentir o aconchego de um banho quente, de uma toalha seca e de
um edredom no inverno.
Uma cobertura de marshmellow numa sobremesa gelada no
verão.
A maciez perfumada de um mascote limpinho, muito fofo e louco
por carinhos (em qualquer estação).

E a brisa do mar fresca, úmida e salgada nos cabelos equilibrando


o calor seco quente e áspero da areia que sobe pelo corpo.
Com os sentidos despertados o motor do corpo fica mais
acelerado, como o de quem tomou um Irish Coffee ou “Dinamite
Pangaláctica” no desjejum.

Isso é bom demais e todo mundo precisa, mas que acompanhe o


combustível um certo cuidado... cuidado pra não acelerar com o
freio de mão puxado!

E para agir como os planetas... contracenar sem fazer cenas


Até que o cinturão de asteroides é atravessado.
Então, chega aquela hora quando a gente se sente grande, muito
grande e poderoso...

mas, só para logo em seguida tomar consciência das próprias


limitações e sentir-se amarrado, muito amarrado... e frustrado.
Pesado e apertado, como numa roupa que está encolhendo num
corpo que está crescendo.
Assim vai até a situação da revolta ou reviravolta,
aquela que só brota se a frustração vier regar.
São aquelas vezes durante a viagem, quando acontece do mapa
não fazer mais nenhum sentido até ser revirado e virado de ponta
cabeça...

Antes de ser atirado pela janela do carro.


Que bom!

Depois do stress de ter jogado o mapa fora...

vem um momento sublime da viagem

que apavora.

Um momento sem mapas e com muita neblina, baixa


visibilidade

e quando, talvez, ter mantido o mapa

não fizesse diferença.

Ou só piorasse a situação.
É a hora de atravessar as brumas com muita arte...
pra enxergar nas sombras a sua melhor parte.
Já que nas brumas e sombras nem tudo é o que aparenta ser.
Renascer das cinzas que ninguém suspeitaria encontrar nas
brumas.
Ou criar pele nova porque se ralou muito nas sombras e no
embaçado das brumas quando caiu no poço disfarçado.
Assim, os planetas e os viajantes têm seus símbolos.
Os passageiros com seus passaportes e os planetas com a sua
bagagem simbólica.

Símbolos que nada mais são


do que aquilo que realmente
são, ou seja, símbolos...

Notas de viagem, diários de bordo,


mapas para ajudar quem está viajando

na Via Láctea.

E que ajudam quem está a passeio ou em missão.


Símbolos que a Sereia já viu desenhados em mais de uma

caverna submarina, naquelas que estão abertas para visitação e


cuja renda dos ingressos vai para o fundo de pensão dos imortais.

Isso é necessário porque os imortais, além de aparentemente

não trocarem muito de planeta (nem de país) e de durarem


bastante tempo, são bem cheios de vontade e mordomias.
E a Sereia, que não se

recorda de ter morado em


outros planetas,
viaja por aqui mesmo.

Na sua nave, que bem que podia ser a do Doctor Who, consegue
viajar no tempo e conhecer as vidas das pessoas que habitavam
as suas aulas de história.

Com uma interface de navegação


bem amigável e atraente,
bem facinha de usar,
ela escolhe a época e o fato
que ela quer visitar e a nave a leva
até o lugar onde as coisas estão acontecendo.
Espiar os fiordes com os vikings, atravessar o Canal da Mancha
com os cavaleiros das Cruzadas, seguir as caravelas dos antigos
descobridores, brincar o carnaval medieval nos canais de Veneza,
enquanto Mozart compõe outro sucesso.
Mas, sua maior aventura...
quando ela foi mais longe no tempo, foi assistir muito animada
uma revoada de pterodátilos multicoloridos e igualmente
animados comemorando um réveillon bem antigo...
Um espetáculo e tanto, diga-se de passagem... Imagine só isso!

E desejou ardentemente poder voar com eles que desviavam


com graça e precisão das estrelas cadentes que foram
reservadas para essa ocasião. Uma coreografia meio
improvisada, mas muito bonita...

E ela babava de
boca aberta!

Infelizmente, ela descobriu


logo em seguida que
se tratava mesmo é de uma
chuva de meteoros e não de
estrelas cadentes especialmente convidadas
para fazer as vezes de queima de fogos, já que
naquela época nem haviam
dominado o fogo ainda...
Descobriu isso porque o chão tremeu e se moveu sob seus

pezinhos de Sereia...
Um apuro que ela não divulga assim pra todo mundo...
Afinal, já tem muita gente dizendo que tudo é sempre muito
perigoso sem nunca nem ter ido passear naquela época. Então,
imaginem se soubessem disso.
Por isso, muitas das viagens são silenciosas...
Afinal, ninguém precisa saber de tudo o que a gente faz, né?

Nem das chuvas que a gente toma...


Até que certo dia, visitando uma daquelas cavernas desenhadas

com as coisas da Via Láctea, ela ficou realmente prestando


atenção nos desenhos que já vira muitas vezes, pensando o que
eles simbolizariam.

Aqueles desenhos foram as primeiras estórias em quadrinhos da


humanidade.
E os desenhos se animaram com o interesse dela e lhe contaram
muitas estórias, estórias que ela assistia como num filme que se
desenrolava na cabeça dela.

Então ela começou a enxergar o espaço de um jeito diferente, e


se perguntou como o espaço e tudo o que ele contém poderia
estar assim, ao mesmo tempo, tão longe e tão perto...

Então, resolveu que em vez de ficar


só viajando no tempo, já era tempo de viajar também no
espaço.

No espaço sideral...

Poder visitar planetas que estão na memória do tempo.

Ou que talvez nem estejam

mais lá quando ela chegar.


Não estejam mais lá porque foram retirados... empurrados para
um outro ponto da galáxia pela equipe de elefantes encarregados

de mudar os planetas de lugar na matriz multidimensional da Via

Láctea!
E isso é sempre quando uma transição planetária acontece e
eles são realinhados.
Então, ela pensou e pensou... e ficou com a maior vontade de
visitar outros planetas!
Seria possível que uma nave que viajasse no tempo
viajasse também no espaço... no espaço sideral???

Ela não sabia responder.

Mas é bem possível que isso pudesse ser feito porque,


afinal de contas, ela nem tinha explorado direito a interface de
navegação. No máximo, tinha feito viagens bem curtas no
espaço submarino mesmo (nunca foi até lá onde o Judas perdeu
as botas e nem na casa do chapéu). Só fez algumas bem legais
para os tempos do onça!

Ah, ela usou bastante o CD player, mas foi só isso... Usava a


nave mais para chegar na casa dela, o castelo de coral...

Aquela interface tão adorável e amigável certamente guardava


segredos que ela ainda ia descobrir!
Porque as interfaces são assim como a Via Láctea! São um
conjunto de símbolos que algumas vezes são claros e outras nem
tanto, mas que sempre revelam um mundo novo para quem
explorá-las.
Fuçou e fuçou... falou com alguns amigos, trocou ideias e tirou
muitas dúvidas.

Yes!

Conseguiu inserir um lugar de destino no século XXI! Ainda é na


Terra, mas já é um bom começo! E é um lugar muito legal!

Pra que será que servem tantos botões? Por que uns são
gorduchos, estampados e outros são vazados?

Coisas do designer?
Não está parecendo mais tão amigável assim!

Não importa!!! Ficou um show!


Essa interface está parecendo a Lua Cheia!

Se a gente não presta atenção nela, ela se enche mesmo e vai


embora! Vai minguando até sumir da vista.

Ainda bem que depois ela volta... de mansinho e se mostrando


aos poucos, é verdade, mas volta!
Assim como a interface...

Afinal, assim como a Lua, as interfaces são de Lua, são de fases e


de faces!

As interfaces são sereias... Não são sem pé só com cabeça,

mas são meio extravagantes.


Interessante... Agora já dá até para escolher com mais detalhe!

Foi então que chegou em Londres... Explorar o espaço assim com


uma interface dessas vai ser moleza!
Então ela descobriu que ia poder sim viajar no espaço sideral
mas, para isso, não poderia sair do fundo do mar. Ia ter que
decolar (ou arrancar) de terra firme para não consumir muito
combustível vencendo a resistência toda daquela coluna d’água
antes de escapar da gravidade terrestre.

Foi aí que teve que arrumar um estacionamento …

E até que não foi difícil, já que sua nave preparada para essa
viagem parecia mais um foguete que um disco voador. E um
foguete bem clean até.

Livre de muitos detalhes... branco, comprido e com janelas,


umas retangulares e outras feito escotilha. Bem de nave
foguete, mas com jeito de um prédio.
Encontrou o terreno ideal numa esquina de uma cidade. A nave foi
colocada lá e ninguém nem percebeu!
Tinha árvores em volta e uma escultura vermelha na frente que
era um símbolo (mais um) só que das árvores daquele lugar, mas

que na verdade, na verdade, era o Robô seu companheiro,

disfarçado brincando de estátua enquanto protegia o foguete.

Ele fazia o céu descer e o chão subir e camuflava o foguete.


É que a Sereia, em seu passeio por Londres, conheceu um

Robô irlandês muito interessado em interfaces de navegação.

Ele, como um Robô multifuncional, ficou interessadíssimo em

acompanhar a Sereia numa viagem interplanetária

multidimensional.

E o nome dele é O' Eown... Egon O' Eown, que é um pouco


enrolado de pronunciar.
Então, como ele é todo vermelho e porque se conheceram no

Soho, ela começou a chamá-lo de RED... RED Soho.

Depois de tudo preparado e da interface bem entendida pra evitar

surpresas de última hora, a Sereia e o Robô RED Soho

arrancaram numa madrugada de junho.


E quem viu, achou que se tratava de mais um balão, daqueles que
a gente via muito no mês de junho no Brasil.
Os balões são mesmo muito bonitos!

Pequenas estrelas de fogo envolvido em papel colorido, levinhas,


levadas pelo vento nas noites claras de junho.
Eles trazem o Universo que está tão longe para mais

perto da gente da Terra e ajudam a disfarçar os navegadores de


primeira viagem que preferem viajar incógnitos.

Às vezes os balões caem, é bem verdade...

Eles não dão conta de continuar a subida e espalham sua luz e


calor de forma dramática no chão da Terra.

E isso é porque, muito provavelmente, eles aceleraram com o


freio de mão puxado.
Mas, em outras vezes eles somem de vez engolidos pela noite,
consumidos na própria luz.
É que eles encontram uma porta aberta e a atravessam...

Exatamente como aconteceu com a nave foguete da Sereia e

do Robô RED Soho...


Eles não sabem direito como isso aconteceu...
Aparentemente, depois de uma atualização automática, a
interface passou a oferecer um novo destino que eles não tinham
estudado antes, além de apresentar, também, novos botões que
imploravam para serem apertados.

Eram de todos os tipos e cores... simplesmente irresistíveis!


Pareciam bolhas de sabão.
Então apertaram e...
pelo monitor que recebia imagens da câmera localizada na popa

da nave foguete, a Sereia e o Robô RED Soho viram a


Terra ir diminuindo lá atrás...
enquanto algo totalmente inesperado e surpreendente se
mostrava à sua frente.

É que uma outra dimensão se abria para recebê-los. E se abria


como um mosaico que fora soprado por trás.

Uma dimensão com 333 galáxias.


E cada galáxia com 333 planetas, segundo avaliação rápida do
computador de bordo.
Cuja interface de navegação se alterava, também, como um
mosaico animado representando a transição do cenário lá de fora.
Até que tudo se estabilizou e a interface avisou que era noite lá
fora... e que assim ia ficar até o planeta mais próximo.
Então, eles aproveitaram porque sabiam que a noite sideral, em
qualquer dimensão, é excelente para descansar... ideal para repor
as energias e clarear as ideias, que no agito do dia recebem
interferências das ideias dos outros.

Interferências que se prendem na nossa rede.


Então, pegam no sono felizes porque não resistiram aos encantos
da interface, porque vão aprender como se vive numa outra
dimensão, porque vão organizar os pensamentos e porque sentem
que isso é o que deveria ser feito.

Então, adormecem para despertar num novo começo...


que tanto faz se é na Terra, dentro ou fora da Via Láctea...
se pertence a algum tempo ou se nem é começo, mas continuação
ou se é outra dimensão... mas que certamente não é o

Fim

porque tudo isso é só um estado de espírito.


Sereia em série...

A série da Sereia

“Metade o busto de uma deusa Maia


Metade um grande rabo de baleia”

Paralamas do Sucesso / Gilberto Gil


Sobre a autora

Claudia Schmidt, artista visual, frequentou a pintura clássica


na adolescência, mas profissionalmente trilhou os caminhos
da engenharia eletrônica onde se familiarizou com a criação
de conteúdo via software, explorando a animação de formas
geométricas e a agregação de fotos e cores. Dessa
familiaridade nasceu o impulso de se manifestar
artisticamente por meio dessas ferramentas.

Suas ilustrações iniciais lhe inspiraram reflexões corriqueiras


que, reunidas, deram origem à Sereia e sua série.

https://cschmidt303.wixsite.com/ilustras reúne o seu


trabalho visual e um blog.

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