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Para o menino que cresceu com os pés

machucados de tanto jogar bola descalço


e que, hoje, planta árvores cujas flores
sopradas pelo vento tingem e amaciam
os passos dos andarilhos dessa Terra e
cintilam no céu da Sereia.
Dizem por aí que a curiosidade matou o gato!
Também tem a canção que fala do gato preto

que cruzou a estrada e passou debaixo da escada...


Mas, também contam que o gato tem 7 vidas!

Então, acho que tudo bem ele comprometer uma delas se


aventurando em descobrir ou esclarecer alguma coisa.
Outros dizem que o peixe morre pela boca!

E como ele não fala, só usa a boca pra comer, suponho que tenha
comido alguma coisa enroscada num anzol para morrer assim, pela
boca...
Assim... presa fácil porque mordeu a isca , uma

isca presa num anzol e que também foi presa de alguém.

O fato é que todo mundo fala da morte


ou de suas causas...

Mas, muito poucos sabem realmente sobre ela.


Pra falar bem a verdade,
as pessoas vivem dizendo que estão morrendo a toda hora e das
coisas mais esquisitas de se morrer!
E os que falam sem saber, morrem pela boca também... e nem

precisam ser um peixe ou saber nadar.

Ea Sereia, que não é peixe?

Para alguns ela pode até ser uma gata,

mas, na verdade ninguém diz por aí


que ela tem 7 vidas...

e nem que ela também pode


morrer pela boca.

Mas pode sim, se andar


por aí falando demais!
Todo mundo sabe que a Sereia é formada por (pelo
menos) 2 partes...
E é procurando sua outra parte e com a certeza de encontrá-la,

que a Sereia vai vivendo sua vida!!!!


E, por falar em vida...

vida... é como um filme cheio de situações.


Algumas boas e outras aparentemente nem tanto!

Falar da vida...

é bem mais fácil do que falar da morte.


Porque a vida é um produto sazonal.

Tudo na vida tem seu tempo certo e tem um jeito de acontecer.

Uma tapeçaria onde não tem ponto sem nó.


Um jeito que começa com a gente sonhando e depois
realizando...

para então colher e em seguida se recolher.

Sazonal e cíclico... assim como as coisas do ano e das suas


estações.

Tem coisas, como as estações do ano,


que são bem mais facilmente percebidas por quem
está no mundo da superfície.

Para quem está no fundo do mar elas não são assim tão
evidentes...

É porque o fundo do mar é um mundo à parte...


apartado da superfície por uma coluna d'água.

E uma coluna tão larga e profunda que coloca a


superfície em posição de minoria.
E onde a população da minoria consegue simular gravidade zero!

Mas, só simular!
Mas, a Sereia que não é

peixe e que para alguns é uma

gata,
gosta de estar sempre muito bem informada sobre o que rola lá

na vida do mundo da superfície.


Gosta de saber de quantos quilômetros de congestionamento
escapou hoje... e de imaginar que os congestionamentos seriam
muito mais toleráveis, agradáveis até... se os carros fossem mais
divertidos, como os Trabantes de um vídeo clipe!
Então, arrumou um jeito todo próprio, todo dela, de identificar as
estações do ano.
É bem verdade que não é muito preciso...
Mas, que diferença faz?
Como ela não planta nada (só bananeira!) que precise de cuidados
com o clima, o método dela está muito bom.
E o método consiste em olhar pra cima...

Olhar para o telhado do mar e ver as pétalas que estão boiando


por lá!
Desse jeito, ela sabe que plantas estão floridas, pois suas
pétalas quando caíram foram abraçadas pelo vento do litoral e,
dançando com ele, foram parar lá no telhado do mar.

Então, ela sabe que na superfície está mais ou menos


acontecendo a estação daquela flor.

Um jeito, simples, colorido e impreciso. Melhor, impossível!!!

E ela vê isso contra o Sol...

Então, o que ela enxerga é a


essência da cor porque com o Sol atravessando a pétala e a
coluna d'água filtrando, é a alma da cor que aparece.
Então, ela olha e sabe que são os Ipês Amarelos e que eles estão
anunciando a primavera que está chegando...

E sabe que outras danças e chuvas amarelas ainda vão pintar o


telhado do mar durante algumas semanas.
Sabe também que os Ipês, entre outros amarelos, assistirão a
chegada dos Jacarandás Mimosos.

E assim que suas folhinhas mimosas e flores azuis chegarem no


mar ela vai notar que as coisas estão se alterando e o tempo está
esquentando lá na vida da superfície. Esquentando porque é quase
verão...
E quando o verão se instalar, as florzinhas delicadas dos
Jacarandás Mimosos verão chegar as não menos delicadas
florzinhas dos Flamboyants.
Seguidas muuuuuuuuuuuito de perto pelas das Resedás...

que passeando do branco até um rosa bem forte, saúdam as flores


das Quaresmeiras.
Quaresmeiras que têm esse nome porque é na quaresma que suas
flores aparecem...

E quaresma significa outono chegando... além dos ovos de Páscoa.

E as cores quentes, estressadas, tiram férias.


Porque as quaresmeiras sabem que está na hora delas darem
espaço para os Ipês rosa. Ipês rosa e roxo que darão lugar aos
brancos...

para encher de neve onde não neva no inverno...

uma neve que não derrete e parece pipoca derrubada no chão.

E que vai encontrar, no fim do inverno, os seus primos...

os Ipês amarelos!
E é assim que ela, a Sereia

que não é peixe

e que para alguns é uma gata ,

fica sabendo, de forma

colorida e luminosa,

o que está acontecendo lá


fora, no mundo da
superfície.
E, com isso, ela pensa nas almas das cores...

Pensa, maravilhada, em como elas são assim desprendidas....


Cada uma deixando que todas as outras cores brilhem e se
manifestem.

E elas se manifestam em tons que se renovam em cada estação...


e que surpreendem e encantam quando aparecem.
Seja se repetindo, seja se antecipando...
assim, de forma temporã e atemporal porque foram enganadas
pelo clima.
E esse ritmo é um espetáculo, um musical colorido de entra e

sai, que a gente chama de vida...

Ea Sereia sabe que consegue ver tudo

assim colorido e brilhante porque possui olhos humanos.

É que olhos humanos enxergam tudo o que reflete a luz... a luz


do Sol, por exemplo.

À luz do dia tudo fica mais


visível.

Já no fundo do mar fica bem


mais difícil...
A luz do Sol tem todas as cores... mas as coisas que ele ilumina
normalmente escolhem só uma delas para refletir.
Assim, fica mais fácil saber quem é quem nesse mundo iluminado
de luzes e cores refletidas.

De um modo geral, olhos humanos distinguem tudo o que reflete a


luz e, exceto tenha acontecido alguma coisa diferente quando
algum olho foi fabricado, eles enxergam a mesma cor refletida.
E a Sereia curte demais ficar observando as cores e como elas

se combinam dentro ou fora da coluna d'água.

Além de todo aquele jogo que é um esconde-esconde + pega-pega


entre luz e sombra...
Outra coisa que deixa a Sereia maravilhada é o fato de as coisas

serem, na verdade, esburacadas (além de coloridas), mas a gente


enxergá-las e percebê-las como se fossem completamente
compactas.

Como um morango bem vermelhinho ou uma laranja cor... de


laranja!

E a gente não vê os buracos no meio da cor e do sabor... nem com


uma lupa.
E até o chão onde a Sereia pisa é todo vazado... entretanto, ela

não é engolida por ele porque não passa através de suas


descontinuidades.

Não que ela seja muito grande... é que os espaços vazios é que são
muito pequenos!
E é sempre assim nessa vida que o Sol ilumina... as coisas

recebem sua luz e retribuem com uma cor!

E essas coisas são assim esburacadas por causa de sua estrutura


que é mais energia do que matéria propriamente dita.
Mas os buracos são infinitamente pequenos e isso não deixa que
uma coisa invada a outra, nem que ocupem o mesmo lugar no
espaço sem que a integridade delas seja comprometida!

Daí a ilusão da solidez das coisas.

Além disso, as moléculas não se prendem nem se soltam


facilmente.

Estão em todo lugar mas não deixam pegadas, rastros nem pistas
visíveis do seu contorno... só dá pra vê-las com microscópios
muuuuuuuuuuuito bons.
Mas... e se existir algo que a gente não enxergue porque não
reflete a luz e que tenha uma estrutura com buracos tão grandes
que a gente consegue atravessar sem sentir... nem esbarrar?

Até o planeta ou a galáxia podem passar por seus buracos sem


nem saberem que estão fazendo isso!
E ninguém fala muito sobre isso... Mas, é perfeitamente possível!

O nosso planeta pode ser o miolo de uma flor cujas pétalas não
devolvem a luz que recebem na forma de uma cor que a gente
distinga..

Além disso suas pétalas podem ser tão esburacadas que os


satélites nunca se entalam nelas... pelo menos, até onde se sabe!
Tudo o que é realmente interessante nessa vida é cheio de

mistério... ou já foi, mas investigaram e encontraram respostas.


Respostas que, como as cores, são reflexos da luz que recebemos,
compreendidas com a consciência que alcançamos.

Sentidas com a tapeçaria que tramamos.


Muito melhor falar da vida...
Em vez de ficar morrendo a toda hora e morrer das coisas mais
esquisitas de se morrer...

viver o tempo todo e viver nas coisas mais esquisitas de se viver!


Falar da vida é bem mais fácil do que falar da morte.

E falam tanto sem saber realmente e com certeza, que a morte

é o fim da vida...

que certamente também se pode falar sem saber direito, que a

vida é o fim da morte.


E que a estrutura molecular do fim é tão esburacada que a gente

já pode ter passado por tantos deles e nem ter percebido.


Pra facilitar, a gente também pode encarar a vida como se ela
fosse um livro... afinal, não falam por aí “a minha vida é um livro
aberto”?

Nesse caso, ela pode ser as várias páginas de um cordel,


penduradas no varal da literatura, como as bandeirolas que
decoram as noites frias de junho ao pé da fogueira.
Às vezes a gente tem que voltar um parágrafo, uma página do livro
aberto ou olhar de longe pra conseguir ver tudo na linha do tempo
do varal e se tocar de que um fim já aconteceu...

ou, o que é ainda mais chato, sem nada perceber,

ter que passar muitas vezes e sofrer de novo pelo mesmo

fim.
Sereia em série...

A série da Sereia

“Metade o busto de uma deusa Maia


Metade um grande rabo de baleia”

Paralamas do Sucesso / Gilberto Gil


Sobre a autora

Claudia Schmidt, artista visual, frequentou a pintura clássica


na adolescência, mas profissionalmente trilhou os caminhos
da engenharia eletrônica onde se familiarizou com a criação
de conteúdo via software, explorando a animação de formas
geométricas e a agregação de fotos e cores. Dessa
familiaridade nasceu o impulso de se manifestar
artisticamente por meio dessas ferramentas.

Suas ilustrações iniciais lhe inspiraram reflexões corriqueiras


que, reunidas, deram origem à Sereia e sua série.

https://cschmidt303.wixsite.com/ilustras reúne o seu


trabalho visual e um blog.

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