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(A cara da inocência)
TEATRO FAMILIAR
1
VIOLETA
(A cara da inocência)
TEATRO FAMILIAR
Partilha de personagens:
- Atriz 1
- Atriz 2
- Atriz 3
- Atriz 4
- Atriz 5
- Atriz 6
- Atriz 7
- Atriz 8
- Ator 1
- Ator 2
- Ator 3
- Ator 4
- Rafael
- Isabel, a Assistente Social
- Dona Carmen
- José Manuel
- Técnico de Vídeo
- Carlos
- Romélia
- Laura
- Marian
- Violeta
2
A todos aqueles que tiveram que chegar
a uma outra cara do mundo em busca de
uma dimensão nova, justa, tolerante e possível...
com o desejo mágico de que no fim o encontrem.
ATRIZ 1:
Violeta tem os olhos grandes.
ATRIZ 2:
Violeta tem os olhos negros, imensamente negros.
ATRIZ 3:
A mãe dela diz que são assim porque os roubou à noite, a mesma noite em que ela
nasceu.
ATRIZ 4:
Esse foi precisamente o seu presente de boas-vindas ao mundo.
ATOR 1:
Por isso Violeta olha, olha.
ATRIZ 5:
Com aqueles olhos observa tudo:
ATOR 2:
Casas... Pássaros... Crianças...
3
ATRIZ 6:
As luzes brancas e amarelas das casas…
ATOR 3:
E também, as deslumbrantes luzes de néon...
ATRIZ 7:
Os sorrisos suaves... A lua imensa...
ATOR 4:
As lágrimas vermelhas...
ATRIZ 1:
As palavras quebradas ou redondas...
ATRIZ 2:
Os parques verdes... Os baloiços infinitos...
ATRIZ 3:
As amarguras...
ATRIZ 4:
Os abraços que envolvem e alimentam...
ATOR 1:
Os cometas que, por sorte, nunca se vão embora...
ATRIZ 5:
Violeta, que acaba de fazer onze anos, já sabe muitas coisas.
ATRIZ 6:
Sabe que o norte é a cabeça e que o sul está nos pés.
ATOR 3:
Por isso talvez a sua mamã – que é do Sul - seja tão baixinha e o seu papá - que é do
Norte - não o seja tanto.
ATRIZ 7:
Ela está a meio caminho entre ambos porque nasceu no Norte onde vive…
ATOR 4:
Mas quando olha para a sua mamã, dá-se conta de que pertence mais ao Sul.
ATRIZ 8:
Por esse motivo, não deixa de observar com atenção a sua pele, quase tão morena
como a da mamã e, enquanto isso, compara-a longamente com a do papá, branca, branca…
4
ATRIZ 1:
Embora a cara do papá às vezes fique vermelha, sobretudo, quando se reúne mais
vezes com os amigos e desata a gritar sem razão com a mamã dela.
ATRIZ 2:
Quando isso acontece, os olhos de Violeta parecem dois oceanos escuros que
transbordam…
ATRIZ 3:
E os seus braços, duas pequenas penínsulas que se agarram con força à mamã.
ATRIZ 4:
Os empurrões e palmadas do pai não lhe doem.
ATOR 1:
O que lhe dói realmente é o corpo da sua mãe…
ATRIZ 5:
Um corpo que, por momentos, incha…
ATOR 2:
Arroxeia-se…
ATRIZ 6:
Dilata-se, estende-se…
ATOR 3:
Abre-se ao meio…
ATRIZ 7:
Parte-se...
ATOR 4:
Quando o papá volta a ir-se embora ou se fecha no quarto, a Violeta e a sua mãe
choram muito baixinho porque as paredes do apartamento são finas.
ATRIZ 6:
E assim, quase caladas, embalam e adormecem o desgosto entre as duas.
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QUADRO II: Desde a frente de a Violeta
ATRIZ 1:
A cidade onde vive Violeta é muito ampla, tão ampla como a sua frente.
ATRIZ 2:
A ela tem acudido muita gente de todos os lugares e de todas as cores.
ROMELIA:
(POR DETRÁS DO ECRÃ) Nesta cidade nunca te faltará nada. Aqui há futuro.
(APAGA-SE O ECRÃ)
ATRIZ 5:
Romelia repetiu isto tantas vezes à sua filha Violeta que esta não se deixa de
perguntar o que é o futuro e onde se esconde.
ATRIZ 6:
Com certeza que o FUTURO está na sua escola, a escola do bairro, próxima,
enorme.
ATOR 3:
A escola em que ela aprende que o Mundo é un puzzle de continentes repartidos
caprichosamente sobre a água…
ATRIZ 7:
…E que nós podemos saltar de um para o outro, como no Jogo da Glória.
ATOR 4:
Basta apenas ter um pouco de sorte como teve a mãe dela.
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ATRIZ 8:
Ainda que para se mudar para bem longe tenha tido que limpar milhares de chãos,
escritórios e escadas escuras.
ATRIZ 1:
“Quem sabe, - pensa Violeta -, o FUTURO seja ter roupa nova com frequência ou
estrear sapatos de vez em quando, ou fazer zapping sem parar dos canais de televisão.
ATOR 1:
Mas não, talvez o FUTURO seja outra coisa.
(ACENDE-SE OUTRA VEZ O ECRÃ DE SOMBRAS; VÊ-SE A VIOLETA JUNTO DAS SUAS AMIGAS
LAURA E MARIAN. UMA ESTRELA CADENTE PERCORRE O CÉU.)
VIOLETA:
Laura! Marian! Uma estrela cadente!
LAURA:
Que linda! Que sorte!
MARIAN:
Tu viste-a primeiro! Pede um desejo!
LAURA:
E di-lo em voz alta, que queremos ouvir… somos tuas amigas.
VIOLETA:
Desejo, desejo… que o meu papá deixe o armazém onde trabalha e entre no
escritório da empresa… Assim não trabalhará tanto… Assim deixará de ter feridas nas
mãos por causa dos pesos… (APAGA-SE O ECRÃ ).
ATOR 4:
Isso! isso sim, seria um bom futuro!
ATRIZ 1:
Um futuro livre de feridas e marcas.
ATRIZ 2:
Para Violeta, que sente e vive, para Violeta, generosa e desprendida, isso seria
realmente o melhor.
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QUADRO III: Desde os ouvidos de a Violeta
RAFAEL:
(MOSTRANDO-SE REALMENTE FELIZ) Romelia, a que horas abre o Jardim
Zoológico aos domingos?
ROMELIA:
Às dez; acabo de o ler no jornal.
RAFAEL:
Obrigado. (ASSOBIANDO AGORA, TENTANDO QUE O PÁSSARO SE ANIME A CANTAR)
Sabes, Violeta? Este pássaro que te ofereci pelo teu aniversário não canta.
ROMELIA:
É porque está a mudar as penas.
RAFAEL:
Caramba! Pois oxalá as mude depressa! Não pensem que foi barato este passarinho
das dúzias! Se um pássaro não canta, não vale nada.
VIOLETA:
Freddy, chama-se Freddy. E vale, sim… Para mim é o melhor animal de estimação
do mundo… ainda que não cante.
RAFAEL:
Bem, se tu o dizes… Agora arranja-te bem bonita. Nós vamos ao Zoológico. E comeremos lá.
A mamã vai fazer uns petiscos deliciosos, não vai?
ROMELIA:
Claro que sim!
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VIOLETA:
Que bom! Está bem, vou pôr-me bonita.
(RAFAEL CONTINUA COM A SUA TAREFA ENQUANTO A ROMELIA, TAL COMO A VIOLETA,
SAI DA SALA. DEPRESSA SE OUVE A PEQUENA NO QUARTO A CANTAR ALGUMAS CANÇÕES
NA MODA E, A FALAR PARA FORA COM O SEU PAI.)
RAFAEL:
Puxa! Não sabia que cantavas tão bem?
VIOLETA:
(FORA DO CENÁRIO) A sério? É que muitas vezes, enquanto ajudo a mamã, escuto a
rádio e sonho poder cantar em público, diante de muito público…
RAFAEL:
E não te envergonhavas?
VIOLETA:
Creio que não… além de que isso seria quando fosse crescida… Assim poderia viajar e
conhecer pessoas… (VIOLETA ENTRA EM CENA VESTIDA COM UM SIMPLES MAS ELEGANTE
VESTIDO, IMITANDO OS PASSOS DE UM MODELO.) Então? Estou bonita?
RAFAEL:
Linda, estás linda.
ROMELIA:
O teu pai tem razão; és a menina mais linda do mundo.
VIOLETA:
(AINDA NO ABRAÇO) Mamã, papá… Tenho a certeza que hoje será um dia
maravilhoso… Eu sei. Oxalá não acabe nunca!
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QUADRO IV: Desde as bochechas de a Violeta
ATRIZ 3:
O bairro, como tudo na cidade, abre-se todas as manhãs diante de Violeta, infinito,
infindável.
ATRIZ 7:
Desde muito cedo os ruídos inundam as ruas, praças, recantos e lojas deste bairro
sem fim.
ATOR 3:
Também os seus cheiros.
ATRIZ 6:
Alguns deles envolvem sempre o bairro como marca de identidade.
ATRIZ 5:
Violeta gosta sobretudo de comprar o pão na padaria da D. Carmen.
ATOR 4:
Há ali um cheiro especial como de amanhecer…
ATRIZ 3:
Um cheiro amarelo e terno.
ATRIZ 7:
A cada dia há un novo encontro.
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ATOR 4:
E a cada dia se repete o mesmo encantamento.
DONA CARMEN:
Os teus dois cacetes e os pães para as sandes.
VIOLETA:
Obrigada, minha senhora. Aqui tem.
DONA CARMEN:
Nunca te perguntei porque é que não vem a tua mamã comprar o pão. É demasiado
cedo para uma menina.
VIOLETA:
É que, sabe, ela tem de preparar as sandes do papá, além do pequeno-almoço.
DONA CARMEN:
Sim, claro.
VIOLETA:
Não me importo de madrugar. E ainda menos de vir comprar pão.
DONA CARMEN:
Também gosto de te atender todos os dias. És uma menina muito simpática.
VIOLETA:
Obrigada, D. Carmen. A senhora também o é. Além disso, digo-lhe que adoro o
cheiro do pão, deste pão.
DONA CARMEN:
(ORGULHOSA E FELIZ) Ah, obrigada… Estou de acordo contigo: não há nada que
se compare ao cheiro do pão quente.
VIOLETA:
Até amanhã, D. Carmen.
DONA CARMEN:
Adeus, lindinha. Até amanhã.
ATRIZ 2:
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No percurso da padaria da D. Carmen até casa, Violeta tem tempo de assistir com
todos os seus sentidos ao despertar do bairro.
ATRIZ 1:
Sobretudo, sentir os seus cheiros característicos:
ATRIZ 3:
A agradável aspereza da água de rega sobre o asfalto...
ATRIZ 4:
O cheiro picante do restaurante chinês de Huo – Fong...
ATOR 1:
A humidade metálica da graxa da garagem dos irmãos Gutiérrez...
ATRIZ 5:
A doce embriaguez que o aroma dos pequenos jardins do Convento das Salesas
provoca...
ATRIZ 6:
E também, o cheiro que se desprende das pessoas comuns.
ATOR 2:
Como ela…
ATOR 3:
Pessoas que sofrem, riem, que se levantam, que caem…
ATOR 4:
Um edifício que, como outros, parece não ter fim.
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QUADRO V: Desde o nariz de a Violeta
ATRIZ 1:
Quando Violeta toca à porta não acaba a viagem nem tampouco os cheiros.
ATRIZ 2:
Em casa cheira a tortilha de batata e a filete panado.
ATOR 3:
E, no meio dessa mistura de odores quotidianos, que cheirou já antes muitas vezes,
surge outro cheiro, por desgraça, também conhecido, áspero e brilhante.
ATRIZ 4:
Assim Violeta descobre em seguida que un fiozinho de sangue desliza, livre e
selvagem, do nariz da mamã para o chão.
ATOR 4:
Violeta nota que a mamã, derrotada, não abre os pães que comprou porque o papá
não está.
ATRIZ 1:
Não. Violeta não entende nada.
ATRIZ 2:
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Há tão poucos dias que a Felicidade a tinha escolhido por companheira. Sentia-se
realmente bem.
ATRIZ 3:
Mas, naquela manhã, ao abrir a porta de casa, descobre que ela, a Felicidade, já ali
não está.
ATRIZ 4:
Que a Felicidade não vive ali.
ATOR 1:
Que talvez se tenha partido em mil pedaços – frágil cristal -.
ATRIZ 5:
Violeta não sabe.
ATRIZ 6:
Violeta não entende…
ATOR 3:
Porque é que saltam de novo as agressões…
ATRIZ 7:
Porque é que brota o sangue…
ATOR 4:
Porque é que rolam as lágrimas...
(O ECRÃ AFASTA-SE E A MÃE E A SUA FILHA AINDA ESTÃO FUNDIDAS NUM ABRAÇO.
LENTAMENTE, VIOLETA SEPARA-SE PARA FALAR COM A SUA MÃE, SEM DEIXAR DE OLHAR
PARA OS HEMATOMAS DA SUA CARA. O GRUPO DE ATORES ABANDONOU DEVAGAR E
SILENCIOSAMENTE O CENÁRIO/O PALCO.)
VIOLETA:
(BALBUCIANDO) O que te aconteceu, mamã? O que se passou?
ROMELIA:
Nada, meu amor... não é nada... tropecei.
VIOLETA:
Então, porque é que o papá se foi embora tão depressa? O que é que vai comer
hoje?
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ROMELIA:
(TENTANDO RECOMPOR-SE, APARENTANDO NATURALIDADE SEM O CONSEGUIR)
Sabes, Violeta, o papá começa o trabalho um pouco mais cedo esta manhã.
VIOLETA:
E o pão?
ROMELIA:
Sabes o que se passa? Os colegas dele vão convidá-lo hoje para comer. Como este
domingo é o seu aniversário, eles querem antecipar a celebração... Aqueles amigos gostam
muito do teu papá. Sabes muito bem.
VIOLETA:
E tu, mamã? Gostas dele?
ROMELIA:
Eu, meu amor... também... também.
(A MÃE ABRAÇA COM FORÇA A FILHA; VIOLETA NÃO CESSA DE OLHAR PREOCUPADA O
PEQUENO FIO ENCARNADO QUE JORRA INTERMITENTEMENTE DO NARIZ DA SUA MÃE)
VIOLETA:
E não te importas, hoje ficarei o dia todo contigo. Não faz mal faltar esta manhã à
escola.
ROMELIA:
Não, Violeta. Nunca deves faltar às aulas. Tens que estudar para que o teu futuro
seja melhor do que o meu, para conseguires o que eu nunca terei.
VIOLETA:
O quê, mamã? O que devo conseguir? (SEPARANDO-SE DO ABRAÇO PARA ASSIM
ENCONTRAR AS VELADAS RESPOSTAS NO ROSTO DA SUA MÃE).
ROMELIA:
Tu mesma, minha filha, saberás tudo a seu tempo… se é que não começaste já a
sabê-lo.
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QUADRO VI: Desde as sobrancelhas de a Violeta
(UM NOVO ABRAÇO COINCIDE COM UM BREVÍSSIMO APAGAR DAS LUZES DE CENA. COMO
ANTES, UM GRUPO, MAIS REDUZIDO DE ATRIZES E ATORES, COLOCA-SE NO PROSCÉNIO. O
RESTO COLOCA OS ELEMENTOS PRÓPRIOS DE UMA SALA DE AULA ATRÁS DO ECRÃ. UM
QUADRO DA SALA DE AULA MÓVEL E ALGUMAS CADEIRAS SERÃO OS ELEMENTOS MAIS
SIGNIFICATIVOS DESTA IMPROVISADA AULA).
ATRIZ 7:
Hoje é difícil entender o que se diz na aula.
ATOR 4:
Para Violeta, nos livros de texto, nos dicionários e outros, nas mais ternas leituras,
aparecem desenhados os seus pais e a cor encarnada ocupa tudo:
ATRIZ 1:
Rostos
ATRIZ 2:
Fundos
ATRIZ 3:
Linhas,
ATOR 1:
E margens.
ATOR 4:
A Violeta sente a voz distante da sua professora que parece repreendê-la...
ATRIZ 4:
Mas a Violeta continua sem entender.
ATOR 1:
As suas próprias orlas geográficas, - as físicas, e também a sua mente - estão
limitadas pelos gritos e agressões do papá.
ATOR 4:
Nada há fora disso. Hoje, não. Nem prémios nem castigos.
ATRIZ 1:
Por isso, agora não há mais realidade do que a sua própria.
ATRIZ 7:
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Por isso hoje o toque para o intervalo surpreende-a mais do que em qualquer outro
dia…
ATOR 4:
Um bulício de cadeiras, mesas, livros que se fecham e, sobretudo, as vozes de
Marian e Laura, surpreendem-na e devolvem-na, por instantes, ao mundo e ao seu tempo.
MARIAN:
O que se passa contigo, Violeta? Estás muito estranha!
VIOLETA:
Nada... Não é nada... Coisas minhas...
MARIAN:
Pois, vamos sair para o intervalo e no pátio tu contas-nos, está bem? Nunca tivemos
segredos entre nós, pois não?
LAURA:
Isso, Violeta... conta-nos...
VIOLETA:
É que… Não sei se devo.
LAURA:
E, porque não? Somos amigas, não somos?
VIOLETA:
Claro que vocês são as minhas melhores amigas.
MARIAN:
Claro que somos, vamos rapidamente lá para fora.
LAURA:
Isso! Vamos!
MARIAN:
Vá, conta... Estou impaciente.
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VIOLETA:
A verdade é que não sei se devo…
MARIAN:
Ora essa! Concordámos que somos as melhores amigas do mundo… ou não?
VIOLETA:
Sim, claro que sim.
MARIAN:
Então?
VIOLETA:
Desculpa-me, Marian, desculpem-me as duas; vou contar-vos.
MARIAN:
(AGARRANDO TERNAMENTE A MÃO DA SUA AMIGA) Vamos, não tenhas medo,
Violeta.
VIOLETA:
Sabem, o meu pai, por vezes... irrita-se muito com a mamã...
MARIAN:
(TENTANDO DESDRAMATIZAR A SITUAÇÃO) E o meu! Conta-me novas! Olha,
Violeta, o meu pai está quase sempre irritado. Por isso, creio eu, tem aquela cara tão
enrugada. (VIOLETA BAIXA A CABEÇA) Foi isso que se passou hoje? Houve bronca em
casa? Não te preocupes. Na realidade, os pais fazem isso muitas vezes.
LAURA:
Pois o meu pai fica apenas aborrecido.
MARIAN:
Ótimo! Olha que bom! O teu pai será um santo... Nem todos são iguais!
VIOLETA:
É que o meu não se irrita apenas... Também... também... (ENCHENDO-SE DE
CORAGEM FINALMENTE) também bate na mamã.
LAURA:
Bate… -lhe?
VIOLETA:
Sim, Laura... Bate-lhe e grita com ela. Aconteceu muitas vezes. Esta manhã foi a
última.
MARIAN:
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E, porquê? Porque é que lhe bateu?
VIOLETA:
Creio que às vezes o papá sente-se mais importante do que a mamã... sobretudo
quando bebe.
MARIAN:
(ENQUANTO PERGUNTA, COMEÇA A ACARICIAR OS CABELOS DA VIOLETA, PARA
TENTAR TRANSMITIR-LHE A SUA TERNURA E A SUA FORÇA) O teu pai bebe muito?
VIOLETA:
Sim, Marian... e algumas vezes ao vê-lo dá-me medo porque insulta a mamã.
Chama-lhe às vezes, “negra”, outras, “índia” e assim, bêbedo, entre golpes, grita como um
louco e com uma voz estranha, como de trapos, vezes sem conta: “Porque é que me tive de
casar com uma sudaca piolhosa?”
LAURA:
“Sudaca”?
VIOLETA:
O meu papá refere-se ao lugar de onde vem a minha mãe.
LAURA:
Mas a tua mamã não é do Equador?
VIOLETA:
Sim. Mas, segundo tenho entendido, aqui chamam sudacas a todos os pobres desses
lugares do Sul, ainda que sejam de países diferentes.
MARIAN:
Ora! E o que vais fazer? O que vai fazer a tua mamã?
VIOLETA:
Não sei, Marian, não sei. Ela só se cala; cala-se e abraça-me. Não me diz nada, mas
abraça-me.
LAURA:
Pobre Violeta... Que triste me deixas!
(ASMENINAS DÃO UM ABRAÇO COLETIVO, ENQUANTO A MARIAN NÃO DEIXA NEM POR
UM SÓ INSTANTE DE FAZER, AO MESMO TEMPO, UM NOVELO DE DEDOS E CARÍCIAS NOS
CABELOS DE VIOLETA. APAGAM-SE AS LUZES DE CENA.)
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QUADRO VII: Desde os cabelllos de a Violeta
ATRIZ 2:
Há que reconhecê-lo: não há nada melhor do que os amigos.
ATRIZ 7:
Violeta recebeu uma maravilhosa mensagem de solidariedade e de afeto.
ATOR 3:
Desta forma, encaminha-se para casa segura de que, de novo, a vida vai oferecer
uma doce possibilidade a quantos vivem ao seu redor.
ATRIZ 6:
Que, na realidade, foi tudo um sonho mau.
ATRIZ 5:
Um pesadelo que se repete com certa frequência, mas que acaba, bastando apenas
abrir os olhos e enfrentar sem medo o mundo.
ATOR 1:
Laura e Marian acompanham-na até à sua porta.
ATRIZ 4:
Falaram de coisas muito diferentes das referidas no recreio:
ATRIZ 3:
De expressões idiomáticas,
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ATRIZ 2:
De canções e cantores na moda,
ATRIZ 1:
De horóscopos e concursos,
ATOR 3:
... e do José Manuel. Precisamente, é o José Manuel que acaba de chegar à porta
do prédio.
ATRIZ 7:
José Manuel acabou de fazer doze anos.
ATOR 3:
Não deixa por isso de jogar com os seus amigos.
ATRIZ 2:
Laura e Marian sorriem cúmplices diante de Violeta que, outra vez e de repente,
recuperou uma cor rosada nas bochechas.
ATRIZ 4:
Algum dia tem que saber; algum dia o José Manuel deve saber que há uma menina
perto dele que lhe deu um lugar preferencial nos seus sonhos.
ATOR 1:
Será hoje uma boa ocasião para isso?
ATRIZ 5:
Será bom que Violeta tenha outras coisas mais lindas em que pensar do que o
problema que vive em casa?
ATRIZ 7:
A Marian não sabe responder às suas próprias perguntas mas decide entrar en ação
para bem da sua amiga.
MARIAN:
Olá! Posso falar um instante contigo?
JOSÉ MANUEL:
Claro. Desculpa-me um momento, Carlos. (JÁ COM A MARIAN) Diz lá.
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MARIAN:
Olha, eu sei que nos conheces, ainda que só de vista.
JOSÉ MANUEL:
Claro que vos conheço. Elas são a Laura e a Violeta, e tu chamas-te Marian.
MARIAN:
Sabes, tenho uma amiga, uma boa amiga, na realidade, é a minha melhor amiga...
Ela quer conhecer-te melhor, quer ser também tua amiga... mas é um pouco tímida. Creio
que se tu não deres um passo, não se decidirá a falar contigo nunca na vida...
JOSÉ MANUEL:
(COM ENORME CURIOSIDADE) Quem é?
MARIAN:
Violeta.
JOSÉ MANUEL:
Violeta? A sério? Gosto tanto da Violeta! Bem, eu e muitos do meu grupo: tem algo
de especial, talvez por não ser daqui... não sei...
MARIAN:
Olha, Violeta. O José Manuel quer falar um momento contigo. Deixo-vos, está
bem?
VIOLETA:
Mas, Marian... (VIOLETA NÃO SE ATREVE A OLHAR PARA AQUELE RAPAZ).
JOSÉ MANUEL:
Bem, a tua amiga disse-me... que me queres conhecer melhor, que queres ser minha
amiga... Não é uma brincadeira, pois não?
VIOLETA:
Claro que não.
JOSÉ MANUEL:
Então, se te parecer bem, podemo-nos encontrar amanhã, à porta, por exemplo, às
seis da tarde.
22
VIOLETA:
Está bem.
JOSÉ MANUEL:
Depois vamos, se quiseres, ao Parque de Sotogrande, e assim, conversando um bom
bocado, saberemos mais do dois. Já sabes: de que coisas gostas, de quais não gostas... Os
teus hobbies e tudo isso ... Não sei... Combinado?
VIOLETA:
Sim.
JOSÉ MANUEL:
Adorava que fosse esta tarde mas hoje tenho treino de basquetebol que me ocupará
quase toda a tarde. Mas amanhã, se puderes, seria estupendo. Parece-te bem?
VIOLETA:
Parece! Até amanhã!
JOSÉ MANUEL:
Até amanhã. Ah! Espera, Violeta... (PEGANDO A SUA NOVA AMIGA TERNAMENTE
PELO BRAÇO). As pessoas, quando se conhecem, quando se apresentam, beijam-se duas
vezes. Não te importas, pois não?
VIOLETA:
Tu já me conhecias... Mas não, não me importo.
VIOLETA:
Obrigada, amigas, obrigada!
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QUADRO VIII: Desde a barbilla de a Violeta
(DE NOVO FICA ESCURO. OUTRA VEZ O ECRÃ DE SOMBRAS. QUANDO A CENA SE ILUMINA,
ESTÁ UMA MULHER DE PÉ, JUNTO DA MÃE DA VIOLETA. TOCA A CAMPAINHA VÁRIAS
VEZES. QUANDO ISTO ACONTECE, ROMELIA GUARDA DESAJEITADAMENTE UM LENÇO NO
BOLSO E SAI PARA ABRIR A PORTA. EM SEGUIDA, ENTRA VIOLETA, FELIZ E ESPERANÇADA,
ABRAÇADA À SUA MÃE. VIOLETA, AO VER A MULHER ESTRANHA, SURPREENDE-SE. )
ASSISTENTE SOCIAL:
Olá, tu deves ser a Violeta... A tua mamã falou-me muito da sua pequena, mas vejo
que não és uma menina e sim uma mulher feita.
VIOLETA:
Olá, minha senhora.
ROMELIA:
Ela é a Isabel, uma amiga; anda, querida, espera-me um bocadinho na cozinha, sim?
Já pus a tua comida sobre a mesa. Ainda está quente. Começa a comer sem mim, meu
amor. Daqui a nada irei eu.
ROMELIA:
Dizia-me que não haverá problemas em arranjar trabalho.
ASSISTENTE SOCIAL:
Sem dúvida; a Romelia sabe bem que em todas as cidades, por mais pequenas que
sejam, há sempre necessidade de empregadas de limpeza. Depois, terá uma casa a que se
dedicar exclusivamente ou em “part-time”, se isso lhe for mais cómodo e economicamente
mais rentável.
ROMELIA:
Mas, assegura-me que não haverá problemas de extradição? Não me expulsarão do
país no dia em que já não estiver legalmente casada?
ASSISTENTE SOCIAL:
Asseguro-lhe, Romelia. A filha que teve aqui com o seu marido é o autêntico
passaporte que a vincula definitivamente a este país.
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ROMELIA:
Se a Violeta e eu nos formos embora, o Rafael poderá requerer a sua guarda?
ASSISTENTE SOCIAL:
Pode fazê-lo, mas os maus tratos são definitivos. Bastará a sua denúncia e um
atestado médico que os certifique. A sentença judicial posterior, com certeza, determinará,
isso sim, que o seu marido possa continuar a ver a Violeta periodicamente mas não terá a
sua guarda e custódia. Todos estes casos com as suas correspondentes sentenças definitivas
garantem o que lhe digo.
ROMELIA:
Tudo isto é tão complexo, tão difícil.
ASSISTENTE SOCIAL:
Muitas mulheres com o mesmo problema que o seu deram esse passo. Não deve ter
medo. Para isso existe a nossa associação...
VIOLETA:
Mamã, escutei-vos. Ouvi a conversa que tiveste com essa tua amiga. Perdoa-me
mas tinha que saber, tinha que saber o que é que está a acontecer contigo, o que nos pode
acontecer às duas.
ROMELIA:
Perdoa-me tu a mim, meu amor... Desculpa-me por não te ter falado de tudo isto há
mais tempo. Mas nunca quis que vivesses o meu sofrimento para não te fazer sofrer a ti
também. Agora sabes melhor do que nunca que tu és a única coisa que tenho...
VIOLETA:
E o papá? O que vai acontecer com o papá?
ROMELIA:
Não sei, querida... Vivo cada momento a pensar que em breve tudo se resolverá.
Mas engano-me. Sim, Violeta: engano-me de todas as vezes.
VIOLETA:
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Porquê?
ROMELIA:
Porque o amor que tive um dia, escapa-se sem querer a muitas pessoas, como o ar
que um balão perde quando é picado, vai-se embora pouco a pouco, sem que se possa fazer
nada, e deixa de ser possível recuperá-lo. Eu luto todos os instantes para o capturar. Mas o
papá não o pode fazer ao mesmo ritmo que eu. Entendes-me?
VIOLETA:
Creio que sim.
ROMELIA:
Umas vezes mostra-se carinhoso, mas outras está bastante triste porque as coisas
não são como ele as sonhou. Sabes? É então que o teu papá fica como ferido, grita, parte
coisas, choca com as pessoas que considera culpadas da sua ferida, da sua situação.
Possivelmente, essa culpada serei eu.
VIOLETA:
Mas e o álcool?
ROMELIA:
O álcool serve-lhe para se transformar, para romper com tudo o que o rodeia, para
ser outra pessoa, diferente.
VIOLETA:
Mamã... Não quero deixar o papá...
ROMELIA:
Nem eu, meu amor, nem eu... Mas o que podemos fazer?
VIOLETA:
Esperar... Esperar simplesmente. Quem sabe não volte a acontecer.
ROMELIA:
Oxalá, minha vida, oxalá...
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QUADRO IX: Desde as pálpebras de a Violeta
ATRIZ 7:
Violeta sente-se embalada outra vez, como quando era muito criança e adormecia
nos braços doces e ternos da mamã.
ATOR 3:
E é ali, nesse ninho, onde decide plantar uma semente de esperança.
ATRIZ 6:
Por isso, nessa tarde, Violeta mostra-se mais animada do que de costume.
ATRIZ 5:
Há que limpar bem o pó, e também, há que passar a ferro um pouquinho, embora
seja difícil para a Violeta.
ATRIZ 7:
Mas, que importa, fá-lo na mesma.
ATRIZ 5:
E fá-lo com vontade porque pensa que cada trabalho bem feito pode ser um bom
motivo para que o lar não se desfaça.
ATOR 3:
Mas toca a campainha no final, perfurando lon gamente os sons que Violeta pinta de
esperança.
ATRIZ 7:
Ao som da campainha seguem-se umas vozes…
ATRIZ 6:
E logo a seguir, murros na porta que ecoam ocos nos corações das pessoas que se
encontram dentro de casa.
VIOLETA:
(GRITANDO, ALARMADA) É o papá! De certeza que bebeu!
ROMELIA:
Fecha-te no teu quarto! Depressa!
VIOLETA:
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Mas, mamã... Eu devia tentar...
ROMELIA:
Obedece-me, Violeta... por favor...
ROMELIA:
Tão zangado te foste embora esta manhã que não levaste as chaves.
RAFAEL:
(ENQUANTO ROMELIA TRATA DE DESCULPAR A DEMORA EM ABRIR A PORTA, E
DEPOIS DE SE TER ASSEGURADO DE FECHAR A PORTA DO APARTAMENTO, RAFAEL GRITA
AO MESMO TEMPO QUE ESBOFETEIA ROMELIA COMO CRUEL CUMPRIMENTO.) Justifica
isso, índia do demónio, que me fizeste estar à espera um bom tempo para entrar na minha
própria casa?
ROMELIA:
(LEVANDO AS MÃOS AO ROSTO) Desculpa.
RAFAEL:
Pedes desculpa? Pessoas como tu não podem sentir nada porque não são nada,
ouviste? Nada! Tu também não existes. Quem és? O que tens?
ROMELIA:
(DIGNA) Sou a mãe da tua filha.
RAFAEL:
De certeza? Ela é tão escura como tu. Até os meus colegas o dizem. Não creio
sequer que seja minha filha.
VIOLETA:
(SAINDO DE TRÁS DO ECRÃ NUMA TENTIVA DE TRAVAR, COM UM ABRAÇO AS
DISPARATADAS AFIRMAÇÕES DAQUELE HOMEM) Papá! Não digas isso! Gosto tanto de ti!
RAFAEL:
(BATENDO SECAMENTE EM VIOLETA PARA A FAZER DESISTIR DO ABRAÇO) Fora!
Fora da minha vista as duas! Fora!
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QUADRO X: Desde as pupilas de a Violeta
ATOR 4:
Foi uma noite muito longa.
ATRIZ 7:
Diante dos olhos quase cerrados de Violeta sucederam-se cenas que nunca antes
pressentira:
ATOR 3:
A trepidante ação de um hospital ainda de noite.
ATRIZ 6:
O claustrofóbico ambiente de uma esquadra da polícia.
ATRIZ 5:
As declarações que não acabam.
ATOR 1:
Os olhares profundas como perguntas.
ATRIZ 4:
As perguntas absurdas como silêncios.
ATRIZ 3:
Os silêncios ocos que agridem.
ATRIZ 2:
O matraquear constante das inábeis máquinas de escrever.
ATOR 4:
As difusas pessoas que entram e saem dquelas salas, que não sabem nada de
crianças, de fome, de sono nem de medos...
ATRIZ 1:
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Foi uma noite sem horas.
ATOR 2:
Longa.
ATOR 4:
Mas tudo acaba. Também a noite.
ATRIZ 4:
O amanhecer surpreende Violeta na estação rodoviária.
ATOR 1:
Romelia fala com a mesma senhora que esteve no dia anterior em casa.
ATOR 3:
Reconheceu-a imediatamente, até nesse frenético ambiente de trânsito e viajantes.
ATOR 4:
Violeta abre pouco a pouco os seus olhos. Não sabe que está deitada nos assentos
dessa estação nem quanto tempo dormiu. Parece que se passou um século.
ATOR 1:
Mas a presença daquela senhora devolve-a outra vez à realidade.
ATOR 4:
Há de novo sorrisos para a Violeta. Também ela esboça o seu. Mal consegue
entender o que a sua mãe e aquela mulher estranha falam.
ATOR 3:
Violeta só sabe que está aqui, nesta estação, também estranha.
ATOR 4:
Olha agora, ainda com dificuldade, as pessoas em movimento com malas e sacos.
ATOR 1:
Desconhece para que destinos se encaminham.
ATOR 4:
Mas a ela acontece-lhe o mesmo. Agora já não tem mais referências do que a sua
mãe. E Violeta entende que seguir a sua mãe é seguir o seu destino.
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VIOLETA:
Mamã, o que está a acontecer? Porque é que está aqui a tua amiga?
ROMELIA:
Dorme mais um pouco, Violeta. Descansa. Não tenhas medo. Avisar-te-ei quando
for para nos irmos embora.
ATOR 3:
…E Violeta fecha de novo os olhos sem deixar de perguntar-se para onde irão.
ATOR 1:
Quando a sua mãe a chama, sobem as duas para um autocarro grande como a
dúvida de Violeta.
ATOR 3:
Depressa o veículo se põe em marcha e começa a devorar quilómetros.
ATOR 1:
A paisagem começa a mudar, enquanto continua a entrançar estradas.
ATOR 3:
Violeta e a sua mãe não falam, apenas se entreolham.
ATOR 1:
Entreolham-se abertamente, como se ambas fossem cúmplices de uma fuga que as
conduzirá à liberdade.
ATOR 3:
Por isso, enquanto se enchem de paisagens novas e de olhares da mamã, os olhos da
Violeta tornam-se por momentos grandes, imensos, para receber, deste modo, rajadas de
futuro...
ATOR 1:
O eterno e abstrato conceito de futuro que agora Violeta decidiu, por fim, entender.
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QUADRO XI: E uma carta desde a cara toda da inocência
MARIAN:
Laura! Que alegria! Uma carta da Violeta!
LAURA:
A sério? Trá-la, por favor! Vamos lê-la já!
(LEITURA EM VOZ “OFF” - COM A VOZ DE VIOLETA - , OU LEITURA DA CARTA DIRETA POR
PARTE DE UMA DELAS, AS AMIGAS DE VIOLETA NÃO DEIXAM DE OUVIR, EMOCIONADAS,
CADA UMA DAS FRASES ESCRITAS PELA SUA AMIGA:
Quero começar esta carta pedindo desculpas às duas. Bem, também a José Manuel. Sei que
devía ter-vos escrito antes mas pensei que era melhor que passasse um tempo para assim ter
melhores coisas que contar, coisas agradáveis e muito diferentes das que nos fizeram ir embora, à
mamã e a mim. Sei também que não foi bom ter-me ido embora assim, sem me despedir, mas
garanto-vos que foi tudo tão rápido que ainda não consigo acreditar no que me aconteceu.
Bem, prometi a mim mesma, antes de escrever, não contar coisas tristes e vou tentar. Por
isso digo-vos que a cidade onde vivo é muito mais pequena do que a vossa, mas também é bonita.
Tem grandes parques e os edificios não são tão altos nem há tantos carros. É melhor assim, não
acham?
A mamã e eu estamos num apartamento bastante especial. Não é nosso mas as pessoas que
ali vivem e as amigas da mamã fazem com que nos sintamos realmente bem. Tem o nome de
“Centro de Acolhimento” e nele vivem três famílias, e nenhuma delas tem aqui o seu papá. Agora
até tenho, por um tempo, novas irmãs e irmãos. Quem o havia de dizer! Com o número de vezes
que sonhei ter outro irmão! Comigo, neste apartamento, estão a Carmen, a Luisa, o António, a
Inma e a Isabel. Parece que lhes fez bem. Nós unimo-nos muito. Talvez seja porque temos o
mesmo problema. Não sei. De qualquer forma, sinto tanto a vossa falta! Vocês sim, é que teriam
sido as minhas irmãs ideais!
A mamã começou a trabalhar e está contente por isso. Eu estou num novo colégio e, como
prometi à mamã que estudaria muito para ser alguém importante algum dia, as minhas novas
professoras e professores parecem tê-lo notado e estão contentes comigo.
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Falei nele no início e, reconheço que não me esqueço dele nem por um instante. Que mal se
deve ter sentido o José Manuel por esperar tanto! Esta é uma das coisas que mais me doeram junto
com o facto de perder a vossa companhia. Mas asseguro-vos, minhas amigas, que vos tenho muito
próximas de mim, pois aprendi a fechar os olhos e a sonhar com os três ao mesmo tempo. É assim
sempre que quero. E é estupendo.
Vocês querem ver-me? Tenho a certeza que sim. Eu não sei bem quanto tempo vamos levar
até nos encontrarmos. A Mamã e eu temos que estar aqui, neste apartamento e nesta cidade
bastante tempo, até que haja uma decisão judicial. Depois, provavelmente, verei o papá. Na
melhor das hipótese ele leva-me de férias ou aos fins de semana para a nossa casa, no bairro. Ele
continua a viver ali. De certeza que se sente sozinho.
Sabem? Sería fantástico ter-vos muito próximas, sentir-vos a meu lado, poder abraçar-vos
como naquele dia na escola. Lembram-se? Não se importarão muito que no próximo abraço
incluamos também o José Manuel?
Não quero terminar esta carta sem vos agradecer os encorajamentos que seguramente me
enviaram, ainda que não tenham chegado aquí noticias vossas. Vocês não têm culpa. Não sabiam
o meu endereço. Tampouco quero que contem a alguém onde a mamã e eu nos encontramos. Esse
será o nosso segredo... O maior dos segredos!
E agora, sim; agora quero terminar esta carta quanto antes para que não demore muito a
chegar até às vossas mãos. Nela, e bem dentro do seu sobrescrito, quero enviar para vocês e para
José Manuel uma grande parte dos meus abraços e das minhas caricias, e também outra parte de
tudo quanto vejo e vivo nesta cidade pequenina, dos seus cheiros e das suas cores, de tudo o que
oiço e falo neste sítio, tão longe do vosso e tão próximo, também.
Da vossa amiga,
Violeta
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