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TEATRO FAMILIAR
Personagens:
- Atriz 1
- Atriz 2
- Atriz 3
- Rafael
- Dona Carmen
- José Manuel
- Carlos
- Romélia
- Laura
- Marian
-Ester
- Violeta
ATRIZ 1:
Violeta tem os olhos grandes.
ATRIZ 2:
Violeta tem os olhos negros, imensamente negros.
ATRIZ 3:
A mãe dela diz que são assim porque os roubou à noite, a mesma noite em que ela nasceu.
ATRIZ 1:
Esse foi precisamente o seu presente de boas-vindas ao mundo.
ATOR 2:
Por isso Violeta olha, olha.
ATRIZ 3:
Com aqueles olhos observa tudo:
ATRIZ 1:
Casas... Pássaros... Crianças...
ATRIZ 2:
As luzes brancas e amarelas das casas…
ATOR 3:
E também, as deslumbrantes luzes de néon...
ATRIZ 1:
Os sorrisos suaves... A lua imensa...
ATOR 2:
As lágrimas vermelhas...
ATRIZ 3:
As palavras quebradas ou redondas...
ATRIZ 1:
Os parques verdes... Os balões infinitos...
ATRIZ 2:
As amarguras...
ATRIZ 3:
Os abraços que envolvem e alimentam...
ATOR 1:
Os cometas que, por sorte, nunca se vão embora...
ATRIZ 2:
Violeta, que acaba de fazer onze anos, já sabe muitas coisas.
ATRIZ 3:
Sabe que o norte é a cabeça e que o sul está nos pés.
ATOR 1:
Por isso talvez a sua mamã – que é do Sul - seja tão baixinha e o seu papá - que é do Norte
- não o seja tanto.
ATRIZ 2:
Ela está a meio caminho entre ambos porque nasceu no Norte onde vive…
ATOR 3:
Mas quando olha para a sua mamã, dá-se conta de que pertence mais ao Sul.
ATRIZ 1:
Por esse motivo, não deixa de observar com atenção a sua pele, quase tão morena como
a da mamã e, enquanto isso, compara-a longamente com a do papá, branca, branca…
ATRIZ 2:
E de sua avozinha, que lembra também o seu papá.
ATRIZ 3:
Embora a cara do papá às vezes fique vermelha, sobretudo, quando se reúne mais vezes
com os amigos e desata a gritar sem razão com a mamã dela.
ATRIZ 1:
Quando isso acontece, os olhos de Violeta parecem dois oceanos escuros que
transbordam…
ATRIZ 2:
E os seus braços, duas pequenas penínsulas que se agarram com força à mamã.
ATRIZ 3:
Os empurrões e palmadas do pai não lhe doem.
ATOR 1:
O que lhe dói realmente é o corpo da sua mãe…
(ACENDE-SE O ECRÃ DE SOMBRAS MOSTRANDO A FIGURA DA MÃE DE
VIOLETA,
AGREDIDA, DESVALIDA… VIOLETA, QUE DEIXOU A SUA POSIÇÃO NO
PROSCÉNIO, DIRIGE SE PARA O ECRÃ.)
ATRIZ 2:
E de sua avozinha que fica triste, sem poder fazer nada, absolutamente nada...
ARIZ 3:
Um corpo que, por momentos, incha…
ATRIZ 1:
Arroxeia-se…
ATRIZ 2:
Dilata-se, estende-se…
ATOR 3:
Abre-se ao meio…
ATRIZ 1:
Parte-se...
(VIOLETA JÁ ENTROU NO ESPAÇO DAS SOMBRAS CORPORAIS E INICIA UN
LENTO E
EMOTIVO ABRAÇO À SUA MÃE)
ATOR 2:
Quando o papá volta a ir-se embora ou se fecha no quarto, a Violeta a sua mãe e avó
choram muito baixinho porque as paredes do apartamento são finas.
ATRIZ 3:
E assim, quase caladas, embalam e adormecem o desgosto entre as três..
ESTER:
Vá, conte... Estou impaciente.
VIOLETA:
A verdade é que não sei se devo…
MARIAN:
Ora essa! Concordámos que somos as melhores amigas do mundo… ou não?
VIOLETA:
Sim, claro que sim.
MARIAN:
Então?
VIOLETA:
Desculpa-me, Marian, desculpem-me todas; vou contar-vos.
MARIAN:
(AGARRANDO TERNAMENTE A MÃO DA SUA AMIGA) Vamos, não tenhas medo,
Violeta.
VIOLETA:
Sabem, o meu pai, por vezes... irrita-se muito com a mamã...
MARIAN:
(TENTANDO DESDRAMATIZAR A SITUAÇÃO) E o meu! Conta-me novas! Olha,
Violeta, o meu pai está quase sempre irritado.
ESTER:
Por isso, creio eu, tem aquela cara tão enrugada. (VIOLETA BAIXA A CABEÇA) Foi
isso que se passou hoje? Houve bronca em casa?
MARIAN:
Não te preocupes. Na realidade, os pais fazem isso muitas vezes.
LAURA:
Pois o meu pai fica apenas aborrecido.
MARIAN:
Ótimo! Olha que bom! O teu pai será um santo... Nem todos são iguais!
VIOLETA:
É que o meu não se irrita apenas... Também... também... (ENCHENDO-SE DE
CORAGEM FINALMENTE) também bate na mamã.
LAURA:
Bate… -lhe?
VIOLETA:
Sim, Laura... Bate-lhe e grita com ela. Aconteceu muitas vezes. Esta manhã foi a última.
MARIAN:
E, porquê? Porque é que lhe bateu?
VIOLETA:
Creio que às vezes o papá sente-se mais importante do que a mamã... sobretudo quando
bebe.
ESTER:
(ENQUANTO PERGUNTA, COMEÇA A ACARICIAR OS CABELOS DA VIOLETA,
PARA
TENTAR TRANSMITIR-LHE A SUA TERNURA E A SUA FORÇA) O teu pai bebe
muito?
VIOLETA:
Sim, ... e algumas vezes ao vê-lo dá-me medo porque insulta a mamã.
Chama-lhe às vezes, “negra”, outras, “índia” e assim, bêbedo, entre golpes, grita como
um louco e com uma voz estranha, como de trapos, vezes sem conta: “Porque é que me
tive de casar com uma sudaca piolhosa?”
LAURA:
“Sudaca”?
VIOLETA:
O meu papá refere-se ao lugar de onde vem a minha mãe.
LAURA:
Mas a tua mamã não é do Equador?
VIOLETA:
Sim. Mas, segundo tenho entendido, aqui chamam sudacas a todos os pobres desses
lugares do Sul, ainda que sejam de países diferentes.
ESTER:
Ora! E o que vais fazer? O que vai fazer a tua mamã?
VIOLETA:
Não sei, não sei. Ela só se cala; cala-se e abraça-me. Não me diz nada, mas
abraça-me.
LAURA:
Pobre Violeta... Que triste me deixas!
MARIAN: E a mim. Mas não te deves preocupar. Nunca te deixaremos. Também terás
os nossos abraços sempre que queiras.
(AS MENINAS DÃO UM ABRAÇO COLETIVO, ENQUANTO A MARIAN NÃO
DEIXA NEM POR
UM SÓ INSTANTE DE FAZER, AO MESMO TEMPO, UM NOVELO DE DEDOS E
CARÍCIAS NOS
CABELOS DE VIOLETA. APAGAM-SE AS LUZES DE CENA.)
VIOLETA:
Mamã, o que está a acontecer? Porque é que está aqui a tua amiga?
ROMELIA:
Dorme mais um pouco, Violeta. Descansa. Não tenhas medo. Avisar-te-ei quando for
para nos irmos embora.
Da vossa amiga,
Violeta
(COM A LEITURA DA CARTA E DEPOIS DO ABRAÇO EMOCIONADO DE
LAURA, ESTER E MARIAN, CAI MUITO LENTAMENTE O PANO.)