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1 EXT.

PRAÇA PÚBLICA - DIA

Chega Lara ( jovem mulher) com uma mala a uma parte vazia de uma praça. Senta-se
num banco ao lado de um velho que dá de comer aos pombos. Ao se sentar Lara retira
fotografias da sua mala e encara-as com carinho e mágoa.

VELHO

Sabias que os pombos são capazes de voar até 80 km por hora? Fascinante, não? …

Eles vivem por muito pouco tempo, 3 a 5 anos em cidades, aos seus olhos o mundo mal
se modifica. Tu és daqui?

LARA

Sou.

VELHO

Então deves-te lembrar do que já foi este espaço.

LARA

Eu era criança, mas eu lembro-me.

VELHO

O movimento… famílias, crianças e as suas brincadeiras . Vida pulsava sob essas


pedras. E depois as casas foram-se esvaziando… a relva tomou conta.

LARA

Está calmo demais.

VELHO

Agora temos esses prédios espelhados. (riso sarcástico) A poeira foi varrida.

LARA

É... lembro-me do olhar dos meus pais.

VELHO

Bonita essa tua mala (faz menção de pegá-la)

LARA
(Angustiada afasta a mala para perto de si) Bem, tenho que ir. (levanta-se; pega na
mala) foi um prazer.

2 EXT. FONTAINHAS - DIA

Uma sequência de planos da paisagem local, casas aos pedaços, lixos espalhados pela
relva, o próprio velho e Lara em meio a essas casas, ar onírico. MONTAGEM mais
dinâmica que do início.

LARA(V.O)

Névoas, nebulosas figuras do tempo, às vezes nem parece que me pertencem, as minhas
memórias, flashes coloridos que me orbitam e que me escapam. O que sou eu sem elas?
Como posso viver sem saber o que vivi? Como posso me ancorar se não sei o que é
familiar? Se não sei o que é intrusão, confabulações de mim mesma, ou algo
autêntico…

3 EXT. RUA - DIA

(PROFUNDIDADE DE CAMPO) Lara caminha do fundo da rua até o primeiro plano do


enquadramento onde há um homem jovem apoiado numa parede fazendo alguma espécie de
artesanato.

LARA

Que bonito isso.

ESTRANGEIRO

(Sorri) É só uma brincadeira, me reconforta.

LARA

O que é?

ESTRANGEIRO

É um calango, um lagarto de minha terra.

LARA

Não te faz sentir saudades ?

ESTRANGEIRO

Me faz lembrar da onde vim dos lugares, das pessoas… mas não com pesar, sei que
levo minha casa pra onde for.
LARA

Consegues ver casa num lugar que não é teu?

ESTRANGEIRO

Sim… é muito além do espaço, é um olho que te vê, um braço que te acolhe.

LARA

A mim, só restam lembranças de um espaço que já não existe.

ESTRANGEIRO

O presente não precisa ser refém do passado...

4 EXT. PARQUE -DIA

Lara senta-se em um banco, abre sua mala, retira um cachecol, o cheira com calma ,
retira um brinquedo desgastado.

5 EXT. RUA-DIA

Lara caminha quando repentinamente um homem passa correndo e leva a sua mala. Lara
persegue-o por ruas e vielas até que, muito cansada desiste e senta-se n umas
escadas. Ao olhar para os lados vê inscrito em uma parede o seguinte poema de
Fernando Pessoa:

Eu amo tudo o que foi

tudo que já não é

a dor que já não me dói

a antiga errônea fé

o ontem que a dor deixou

o que deixou alegria

só porque foi e voou

hoje é já outro dia

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