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Coleção

Direito Penal e Criminologia

Direção
Íñigo Ortiz de Urbina
Ramon Ragués
Luís Greco
RESPONSABILIDADE PENAL
DE DIRIGENTES DE EMPRESAS
POR OMISSÃO
Estudo sobre a responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de
sociedades anônimas, limitadas e encarregados de cumprimento por
crimes praticados por membros da empresa
Heloisa estellita

RESPONSABILIDADE PENAL
DE DIRIGENTES DE EMPRESAS
POR OMISSÃO
Estudo sobre a responsabilidade omissiva
imprópria de dirigentes de sociedades anônimas,
limitadas e encarregados de cumprimento por
crimes praticados por membros da empresa

MADRI | BARCELONA | BUENOS AIRES | SãO PAULO


Coleção
Direito Penal e Criminologia
Direção
Íñigo Ortiz de Urbina / Ramon Ragués / Luís Greco
Conselho Cientíico Editorial
Manuel atienza / Carlos Bernal / Mauro Bussani / Jordi Ferrer
José María Serna de la Garza / Luís Greco / Daniel González laGier / Raúl letelier
Judith Martins-costa / Daniel Mitidiero / José Juan Moreso / Juliana neuenscHwander
Jordi nieva / Eduardo oteiza / Ángel Luis Prieto de Paula / Ramón raGués
Claudia roesler / María salvador / José María Rodríguez de santiaGo / Adrian sGarBi
Virgílio Afonso da silva / Carlos Ari sundFeld / Michele taruFFo / Íñigo Ortiz de urBina

Responsabilidade penal de dirigentes de empresas por omissão: estudo sobre a


responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e
encarregados de cumprimento por crimes praticados por membros da empresa
Heloisa Estellita

Capa
Nacho Pons

Produção
Ida Gouveia / HBLIz / Oicina das Letras®

Todos os direitos reservados.


Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo – Lei 9.610/1998.

Cip-Brasil. Catalogação na publicação


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
E83r “(...) considere que o conhecimento que acumulamos
Estellita, Heloisa através dos séculos forme uma ilha. À medida que aprendemos
Responsabilidade penal de dirigentes de empresas por omissão: estudo sobre
a responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, mais sobre o mundo, a ilha cresce. Como toda boa ilha, essa
limitadas e encarregados de cumprimento por crimes praticados por membros também é cercada por um oceano, no caso, o oceano do
da empresa / Heloisa Estellita. - 1. ed. - São Paulo: Marcial Pons, 2017. desconhecido. Entretanto – e aqui vem a surpresa –, quando
Inclui bibliograia a ilha cresce, cresce também o perímetro que a separa do
ISBN 9788566722499 desconhecido. Com isso, ao aprendermos mais sobre o mundo,
acabamos por criar mais ignorância; as novas perguntas que
1. Direito penal - Brasil. 2. Criminologia - Brasil. I. Título. II. Série.
podemos fazer que, antes, não podiam ser antecipadas. Ou seja,
17-45085 CDU: 343.2 o conhecimento gera novos desconhecimentos.”
(Gleiser, Marcelo. A simples beleza do inesperado, p. 29)
© Heloisa Estellita
© MARCIAL PONS EDITORA DO BRASIL LTDA.
Av. Brig. Faria Lima, 1461, Torre Sul, 17/8 Jardim Paulistano CEP 01452-002 São Paulo-SP
( +55 (11) 3192.3733 www.marcialpons.com.br

Impresso no Brasil
Para luís Greco, cuja amizade,
generosidade, genialidade, comprometimento
e dedicação, próprias dos grandes professores,
guiam a mim e a tantos outros rumo às novas
perguntas e aos novos desconhecimentos.
pREfáCio

Mal é possível exagerar a importância do livro de Heloísa Estellita sobre o


tema “Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão”, e isso pelo
menos por três razões. O livro é importante pelo momento em que é publicado;
por seu conteúdo e método; e, por im, pelo papel que lhe incumbe na atual ciência
do direito penal brasileiro.
O momento não poderia ser mais apropriado. O direito penal brasileiro vive
uma salutar reorientação de suas prioridades. Ao lado do tradicional direito penal
de aventureiros e miseráveis (Schünemann), de “sangue e esperma”, ganha espaço
um direito penal que se importa também com ilícitos praticados por aqueles que
historicamente gozavam de certa imunidade diante da persecução penal. Num
mundo em que boa parte das decisões de maior transcendência e, portanto, de
maior potencial lesivo, são tomadas e executadas por grupos estruturados sob a
forma de empresas, é urgente que essas decisões não tenham lugar em um vácuo
de juridicidade. Porque uma ideia fundamental do liberalismo jurídico é a de que
poder implica em responsabilidade, de modo que seria um contrassenso, uma
capitulação do direito se, justamente onde há mais poder, houvesse menos respon-
sabilidade. O momento em que vivemos, com a crescente persecução de delitos
econômicos, iscais, de corrupção e ambientais, vive da correta convicção de que
o direito penal tem de ocupar-se de mais do que aquilo que alguns autores de
forma saudosa (e tendenciosa e historicamente inexata) denominaram de “direito
penal clássico”.
O livro não foi apenas escrito na hora certa. Seu conteúdo e método merecem
louvor. Ao invés de perder-se em divagações ilosóico-sociológico-histórico-
criminológicas sobre a natureza da omissão, Estellita concentra-se sobre os pres-
supostos especíicos da responsabilidade penal omissiva, dos quais terá de cuidar
também o aplicador do direito. O que lhe interessa, principalmente, é determinar o
12 HELOISA ESTELLITA PREFÁCIO 13

conteúdo exato da posição de garantidor e dos deveres a ela correlatos, especiicar Enim, quem conhece Heloísa Estellita, não se surpreende com o presente
quem, dentre os diferentes envolvidos em uma estrutura empresarial – desde o livro. Minha surpresa foi, sim, encontrá-lo a mim dedicado (surpresa, contudo,
diretor de S.A. até os sócios de uma sociedade limitada –, tem obrigações penal- injustiicada, uma vez que, como disse, a generosidade é uma das muitas virtudes
mente relevantes, e de que teor. Estellita se move, assim, num ponto de entrecru- de Heloisa Estellita), o que transforma a alegria de amigo e orientador que sinto
zamento entre direito penal e direito empresarial, especialmente direito societário, ao ver esse livro publicado em um orgulho todo especial.
entre doutrina e jurisprudência, entre doutrina nacional e direito comparado, e Berlim, 7 de outubro de 2017
analisa cada um desses envolvidos de forma cuidadosa e diferenciada.
O livro revela-se, assim, como valioso instrumento de consulta para todos luís Greco
os que se vejam confrontados com a temática, que nele encontrarão respostas
concretas para os problemas que se colocam. Se essas respostas são de todo
corretas, não cumpre discutir no presente prefácio; ainda assim, Estellita expõe
os diferentes pontos de vista relativos a cada controvérsia com a clareza e a
simplicidade que só são alcançáveis por aquele que realmente entendeu aquilo de
que trata. O livro tem a generosidade de colocar o leitor na posição de discordar
daquilo que é defendido; ele não foge à discussão; ele não tem medo de informar,
mas muito menos de posicionar-se. Ele é um convite ao diálogo, convite esse que
o leitor diicilmente conseguirá recusar.
Com o que chego ao terceiro aspecto, que diz respeito ao lugar que o livro
ocupa no panorama cientíico do direito penal brasileiro. Falei, em alguns de meus
outros prefácios, que uma “revolução silenciosa” está, nesse exato momento, a
ocorrer na ciência do direito penal do Brasil. O presente livro assume, automatica-
mente, seu lugar como um dos mais destacados representantes desse movimento,
cujos traços essenciais se deixam descrever por uma série de características até
então diicilmente encontradas em um único trabalho. Boa parte dessas caracte-
rísticas já foi descrita no parágrafo anterior, de modo que não preciso repetir-me.
Limito-me a relevar aquilo que me parece a ideia central: a de que a ciência deve
contribuir para solucionar os problemas reais que o direito coloca para todos os
que com ele lidam. A ciência não pode se ocupar apenas de si própria. O livro que
o leitor tem em mãos serve, a meu ver, como modelo de como deve ser escrita
uma investigação cientíica no direito penal: menos divagações, mais soluções.
Por im, algumas palavras sobre a pessoa de Heloisa Estellita, minha grande
amiga. À primeira vista, pareço ter falado apenas da obra e deixado a pessoa de
lado. Ocorre que, aqui mais do que nunca, é válido o clichê de que pelos frutos
se conhece a árvore, de que na obra se exterioriza a pessoa. Ao falar da obra,
falei da pessoa: porque Heloisa Estellita, como sua obra, não foge ao diálogo.
Heloisa Estellita teria muito para permitir-se uma postura distante e assoberbada:
ela é uma das iguras centrais do direito penal na Escola de Direito da Fundação
Getúlio Vargas de São Paulo; principalmente; ela é bolsista da prestigiosa
Fundação Alexander v. Humboldt. Mas sua escrita permanece despretensiosa
quanto a própria autora; a generosidade com que ela descreve os debates e a
simplicidade com que constrói seus argumentos nada mais são do que a própria
Heloísa Estellita que tão bem conheço.
AGRADECiMENToS

Meu especial agradecimento aos meus orientadores Prof. em. Dr. jur. Dr.
jur. h.c. mult. Bernd scHüneMann e Prof. Dr. luís Greco, LL. M., cujo apoio
e generosidade, desde a candidatura à disputada bolsa de estudos e no decorrer
dos quase três anos de convívio e orientação, mudaram profundamente a minha
formação acadêmica, abriram-me as portas para a literatura jurídica alemã e me
mostraram que a dogmática penal é um foro privilegiado para resolver problemas
concretos. Nas suas pessoas agradeço a generosidade das equipes da ludwiG-Ma-
xiMilians universität de Munique e da universität auGsBurG.

Agradeço à Fundação alexander von HuMBoldt e à caPes, que me agra-


ciaram com uma bolsa de pós-doutorado para pesquisadores experientes, sem a
qual não teria sido possível a realização da pesquisa. Sou-lhes grata pelo apoio
dado ao longo dos quase três anos, durante os quais dividi a moradia entre Brasil
e Alemanha. O serviço que prestam estas duas entidades ao conhecimento cientí-
ico e ao intercâmbio acadêmico é inestimável.
Difícil agradecer com poucas palavras aos meus interlocutores permanentes
de tantos anos, seja no Brasil, seja na Alemanha, adriano teixeira, alaor leite e
auGusto assis. Saibam que cada página deste trabalho é também uma reverência
inspirada na sua dedicação aos estudos, inteligência e disposição para o debate
sem peias. A calorosa acolhida e a companhia constante na Alemanha izeram
com que eu me sentisse em casa no estrangeiro. Muito obrigada.
A sorte de ter um irmão e uma irmã de vida em terras tedescas, com quem
tive o privilégio de viver momentos tão importantes e decisivos, é para poucos.
Obrigada, cláudia scHallenMüller-ens e ricardo Malta. Às irmãs e ao irmão
de vida na terra natal, lud GrocH, Mari tosi e GuilHerMe decaro, sempre tão
presentes, o meu muito obrigada.
Na Alemanha iz novos amigos, pude ter mais tempo com amigos antigos
e ganhei novos e entusiasmados interlocutores: alejandra verde, ana caro-
16 HELOISA ESTELLITA

lina carlos oliveira, BenjaMin roGer, Bettina e Frank ziMMerMann, carlos e


carla werHs, cHristoPHer e catHarina GraMMer, denison caldeiron, eduardo
viana, Fernando cálix, Flávia siqueira, GaBriel Perez BarBerá, GuilHerMe
Goes, izaBelle kasecker, ketevan cHkuaseli, lucas MonteneGro, Marília
Bassetto HeescHe-andersen, Mário jorGe, orlandino Gleizer, Patrícia
rossetto, sylvia steiner, taMara tsanava, tatiana stocco e yuri luz.
Seja lá, seja cá, todo o sonho “Alemanha” não teria sequer começado não
fosse por alBerto silva Franco, Marina coelHo araújo e Helena reGina loBo
da costa.

Interlocução em tempo real e sem hora marcada, ainda que em constante luta ABREViATURAS
contra o fuso-horário, tive o privilégio de manter com Frederico Horta, Pier-
Paolo Bottini e ronan rocHa, os quais, não bastassem minhas intempestivas e
angustiantes elucubrações, leram meu trabalho como se fosse seu, como também
o izeram eduardo viana e Helena reGina loBo da costa. Não tenho como lhes
agradecer.
Recebi apoio incondicional da FGV direito SP e nas pessoas de adriana
AktG Aktiengesetz (lei das sociedades por ações alemã)
ancona de Faria, Mário enGler, oscar vilHena, roBerto dias e tHeo dias
agradeço a todos da Escola. Nela tive e tenho o privilégio de trocar ideias com Art. Artigo
professores soisticadíssimos da área penal e das áreas extrapenais tangenciadas B. Band (tomo)
ou não nesta pesquisa. Se meu trabalho agrega algo em termos de interdisciplina- BGH Bundesgerichtshof (tribunal alemão equivalente ao nosso STJ)
ridade é porque gozo do privilégio de dialogar com professores e pesquisadores
BGHSt Entscheidungen des Bundesgerichtshofes in Strafsachen
como Bruno salaMa, lie ueMa do carMo, Maíra MacHado, Mariana ParGen-
dler, Marta MacHado, renato vilela, tHeo dias, viviane Muller Prado, CCB Código Civil brasileiro
dentre outros. Cf. Conferir
Aos meus amigos FáBio d’ávila e Giovani saavedra agradeço igualmente CFB Constituição Federal brasileira
o incentivo e os conselhos, assim como agradeço o apoio que recebi de davi CPB Código Penal brasileiro
tanGerino e carlos ayres, durante e depois de minha passagem pelo renomado CPPB Código de Processo Penal brasileiro
escritório no qual trabalhamos juntos, ainda que brevemente.
Ibidem No mesmo lugar
Agradeço a jan-MicHel siMon e daniel ariza zaPata pela acolhida no
Idem Mesmo autor e mesma obra
prestigiado Max-Planck-institut Für ausländiscHes und internationales stra-
FrecHt, no qual, uma vez mais, realizei parte importante da pesquisa. LSA Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976)
OwiG Gesetz über Ordnungswidrigkeiten (lei de infrações
Não poderia ter perseverado e sobrevivido a três invernos alemães sem o
administrativas alemã)
contorno emocional da minha família, a genética e a escolhida, tanto a brasileira
como a suíça. Sou-lhes muito grata. PePê e raFa, a alegria de ir recebê-los no Passim Referências, em diversas passagens, sobre determinado assunto
aeroporto de Munique no frio inverno de 2014 e de celebrar Natal e Ano Novo § e nm. Referências a capítulos (§) e números marginais (nm.) utilizadas
na sua companhia, tanto na Alemanha como na Suíça, manterá meu coração para em livros alemães e mantidas ao longo das novas edições
sempre aquecido. STF Supremo Tribunal Federal
Antes de toda esta aventura, durante e depois dela e, espero, ao longo de StGB Strafgesetzbuch (Código Penal alemão)
todas que virão, incondicionalmente ao meu lado, Frank BicHsel, amor genuíno. STJ Superior Tribunal de Justiça
SUMáRio

PREFÁCIO – luís Greco .......................................................................... 11


AGRADECIMENTOS .............................................................................. 15
ABREVIATURAS..................................................................................... 17
INTRODUÇÃO ......................................................................................... 29
A. Sobre a temática deste trabalho ........................................................ 29
B. O grupo de casos que inspirou este trabalho .................................... 30
C. Os problemas e sua delimitação ....................................................... 31
1. Localização sistemática ............................................................... 31
2. Delimitação .................................................................................. 32
D. O ambiente no qual se manifesta o objeto da investigação .............. 34
E. Referências a normas extrapenais e deinição de algumas expressões 34
F. Finalidade .......................................................................................... 36

CAPÍTULO 1
imputação de responsabilidade penal na criminalidade de empresa: um
panorama das diiculdades ..................................................................... 37
A. Imputação de responsabilidade penal na criminalidade de empresa:
as diiculdades .................................................................................. 37
1. As bases da imputação individual ................................................ 37
2. As características da criminalidade de empresa e o impacto nos
critérios de imputação penal individual ....................................... 38
20 HELOISA ESTELLITA SUMÁRIO 21

a) Comportamentos coletivos ..................................................... 39 CAPÍTULO 2


b) Natureza coletiva dos bens jurídicos e a distância entre o A posição de garantidor dos dirigentes de empresa por crimes relativos
agente e a vítima ..................................................................... 41 à atividade econômica da empresa ........................................................ 75
c) Organização, descentralização, coordenação e delegação ...... 42 A. Pressupostos da punibilidade por omissão imprópria ...................... 75
aa) Impactos quanto a aspectos objetivos .............................. 43 1. Introdução .................................................................................... 75
bb) Impactos quanto a aspectos subjetivos ............................ 48 2. Uma visão geral dos pressupostos de punibilidade ..................... 77
B. As estratégias de responsabilização .................................................. 51 B. A posição de garantidor (art. 13, § 2.º, CPB) ................................... 79
1. Formas de abordagem da responsabilidade penal em casos de 1. A alínea “a”: acolhimento da teoria das fontes formais? ............. 81
divisão de tarefas ......................................................................... 52 2. A necessidade da fundamentação material da posição de garan-
a) A visão tradicional .................................................................. 52 tidor .............................................................................................. 84
b) Novo paradigma ...................................................................... 52 3. Um panorama dos critérios materiais da posição de garantidor .. 88
aa) A decisão do BGH no caso Lederspray ........................... 53 a) Domínio ou controle sobre o fundamento do resultado .......... 88
bb) As duas etapas de imputação da responsabilidade .......... 54 b) Competências organizativas e institucionais .......................... 90
cc) Vantagens ........................................................................ 56 c) Balanço e tomada de posição .................................................. 94
dd) Crítica .............................................................................. 56 4. Espécies de garantidores .............................................................. 95
c) Balanço ................................................................................... 58 a) Introdução ............................................................................... 95
2. Ampliação da responsabilidade penal em direção ao topo da b) Garantidores de proteção ........................................................ 96
empresa ........................................................................................ 61 c) Garantidores de vigilância ...................................................... 99
3. Ampliação da responsabilidade em direção à base da empresa... 62 d) Garantidores por assunção ...................................................... 103
4. Responsabilidade da própria empresa.......................................... 63 e) Adoção da divisão funcional neste trabalho ........................... 104
a) Impossibilidade ....................................................................... 63 5. Dever objetivo de cuidado e dever de agir para evitar o resultado
b) Intentos de fundamentação ..................................................... 64 típico ............................................................................................ 105
c) STF, RE 548.181 .................................................................... 67 C. Fundamento material da posição de garantidor dos dirigentes por
d) O Memorando Yates ............................................................... 69 controle sobre a fonte de perigo empresa ......................................... 108
e) O direito sancionador .............................................................. 69 1. Introdução .................................................................................... 108
C. Balanço ............................................................................................. 70 2. Posição de garantidor em virtude do controle sobre o subordi-
D. Resultados parciais ........................................................................... 71 nado .............................................................................................. 109
a) Possibilidade de evitar o resultado em virtude do poder de
dar instruções e da autoridade do superior.............................. 109
b) Dever de agir em virtude do poder diretivo do superior ......... 110
22 HELOISA ESTELLITA SUMÁRIO 23

c) Considerações críticas............................................................. 114 b) Formalização da delegação ..................................................... 148


3. Posição de garantidor em virtude do controle sobre a fonte de c) Admissibilidade da delegação................................................. 149
perigo empresa ............................................................................. 117 d) Objeto e efeitos da delegação ................................................. 149
a) Pessoas e objetos como foco de perigos ................................. 117 aa) Delegação de atividades econômicas e administrativas .. 150
b) Pessoas como foco de perigos................................................. 120 bb) Delegação de deveres de vigilância e controle ................ 150
c) Posição de garantidor em virtude de ingerência ..................... 121 cc) Escopo e limites ............................................................... 151
d) Considerações críticas e tomada de posição ........................... 122 e) O princípio da coniança ......................................................... 151
4. Autorresponsabilidade como barreira ao reconhecimento de con- f) Deveres de vigilância na delegação de atividades econômicas
trole sobre o subordinado? ........................................................... 125 e administrativas ..................................................................... 154
D. Posição de garantidor do dirigente por crimes relativos à atividade aa) Introdução: o caso Wuppertaler-Schwebebahn ............... 154
econômica da empresa: fundamento e pressupostos ........................ 128 bb) Dever de seleção adequada .............................................. 156
1. A empresa como fonte de perigo permitida ................................. 128 cc) Dever de instrução ........................................................... 156
2. Os dirigentes como garantidores originários ............................... 130 dd) Dever de organização ...................................................... 157
a) A atuação da pessoa jurídica por meio das pessoas naturais .. 131 ee) Dever de supervisão......................................................... 157
b) Dirigentes como garantidores originários ............................... 131 ff) Dever de intervenção ....................................................... 158
3. Âmbito de vigilância: infrações penais relativas à atividade eco- h) Deveres remanescentes na delegação de tarefas de vigilância 158
nômica da empresa....................................................................... 134 i) Efeitos da delegação para o delegado ..................................... 160
E. Signiicado de outros dispositivos legais.......................................... 137 3. Estruturas de responsabilidade horizontal ................................... 161
1. Deveres de organização extrapenais ............................................ 137 a) “Departamentalização” ........................................................... 161
2. Normas de direito societário (CCB e LSA) ................................. 139 b) Fundamento e efeitos .............................................................. 162
a) Função indiciária da posição de garantidor e função delimi- G. Resultados parciais ........................................................................... 166
tadora ...................................................................................... 139
b) Relevância penal ..................................................................... 142 CAPÍTULO 3
3. O art. 2.º da Lei 9.605/1998 ......................................................... 144 os dirigentes em sociedades anônimas e limitadas e os encarregados
4. Conclusão intermediária .............................................................. 145 de vigilância ............................................................................................. 173
F. Divisão de funções e delegação de tarefas e seus relexos no âmbito A. Introdução ......................................................................................... 173
de vigilância dos garantidores .......................................................... 145 B. Administradores ............................................................................... 174
1. Introdução .................................................................................... 145 1. Introdução .................................................................................... 174
2. Estruturas de responsabilidade vertical........................................ 147 2. Sociedades anônimas ................................................................... 176
a) Delegação................................................................................ 147 a) Introdução ............................................................................... 176
24 HELOISA ESTELLITA SUMÁRIO 25

b) Diretoria .................................................................................. 177 4. Competência do órgão colegiado e causalidade .......................... 206


aa) Distribuição de funções dentro da diretoria (departamen- 5. Considerações inais .................................................................... 207
talização) .......................................................................... 177 C. Encarregados de deveres de vigilância ............................................. 209
bb) Delegação de tarefas no âmbito das diversas diretorias .. 180 1. Introdução .................................................................................... 209
c) Conselho de Administração .................................................... 180 2. Concentração e delegação de deveres de vigilância: a igura
aa) Administração dual em sociedades por ações ................. 180 do compliance oficer ................................................................... 211
bb) Atribuições e poderes do CA ........................................... 181 a) Introdução ............................................................................... 211
cc) Garantidor de vigilância da diretoria e demais integran- b) As diversas possibilidades de conformação para o desempe-
tes da companhia? ............................................................ 185 nho das atividades de vigilância ............................................. 213
(1) Os membros do CA não têm posição de garantidores c) Posição e atribuições do CO e posição de garantidor ............. 215
de vigilância relativamente a atos dos diretores ou aa) Por expressa disposição legal .......................................... 215
outros membros da companhia .................................. 185
bb) Função exercida por administrador ................................. 217
(2) Os membros do CA têm posição de garantidores de
cc) Função exercida por não-administrador .......................... 217
vigilância sobre a diretoria ou outros membros da
dd) Controle da informação como forma de controle penal-
companhia apenas em casos excepcionais ................. 188
mente relevante ................................................................ 221
(3) Os membros do CA têm posição de garantidores de
vigilância sobre a diretoria ou outros membros da ee) Encarregado de tarefas ligadas ao exercício das ativida-
companhia .................................................................. 188 des de compliance ........................................................... 225
dd) Tomada de posição .......................................................... 192 D. Resultados parciais ........................................................................... 225
ee) Vigilância sobre outros empregados da companhia?....... 196
ff) À guisa de exemplo: vigilância sobre pessoas atribuída CAPÍTULO 4
ao CA ............................................................................... 196 Demais pressupostos da tipicidade: aspectos selecionados ................. 235
gg) Garantidor de proteção?................................................... 197 A. Introdução ......................................................................................... 235
d) Assembleia-geral de acionistas ............................................... 198 B. Situação típica, resultado e o surgimento do dever de agir .............. 236
e) Acionista controlador .............................................................. 199 1. O emprego da expressão resultado no art. 13, § 2.º, CPB ........... 236
3. Sociedades empresárias limitadas ................................................ 200 2. Perigo da ocorrência do resultado: o surgimento do dever con-
a) Considerações gerais............................................................... 200 creto de agir ................................................................................. 239
b) Administração exercida pelos sócios ...................................... 202 C. Omissão da conduta determinada e exigida de evitação do resultado,
c) Administração exercida por administradores não sócios ........ 204 apesar da capacidade físico-real de fazê-lo: o dever concreto de agir
aa) Deveres dos sócios........................................................... 204 em âmbitos regulados ....................................................................... 245
bb) Deveres dos administradores designados ........................ 205 1. Dever de agir ................................................................................ 245
26 HELOISA ESTELLITA RESPONSABILIDADE PENAL DE DIRIGENTES DE EMPRESAS POR OMISSÃO 27

2. Possibilidade jurídica de agir e capacidade físico-real de praticar (5) Aplicação do modelo de solução ............................... 280
a conduta devida .......................................................................... 246 d) Omissões paralelas e sucessivas: a omissão de membros de
a) A diferenciação ....................................................................... 246 órgãos colegiados com intermediação psíquica ...................... 284
b) Sobre a acessoriedade do direito penal relativamente ao direi- E. Dolo e culpa ...................................................................................... 285
to extrapenal ............................................................................ 250 a) Considerações gerais.................................................................... 285
3. O dever concreto de agir é determinado pelo tipo penal concreto 252 b) Algumas particularidades da constelação de casos analisada neste
D. Causalidade e imputação objetiva do resultado ............................... 254 estudo quanto ao tipo subjetivo .................................................. 287
1. Introdução .................................................................................... 254 aa) Fragmentação, segmentação, canalização e iltragem da infor-
2. Causalidade na omissão ............................................................... 255 mação .................................................................................... 287
a) A falta de apoio naturalístico .................................................. 255 bb) Dever de agir e conhecimento da situação de perigo............ 289
b) As duas principais propostas de solução................................. 257 cc) Impactos da divisão de tarefas sobre o conhecimento da si-
3. Omissões simultâneas e sucessivas.............................................. 259 tuação de perigo .................................................................... 291
a) Delimitação dos problemas ..................................................... 259 dd) Sistemas de compliance e elemento subjetivo ...................... 292
b) Omissões simultâneas ou paralelas ......................................... 261 c) Considerações inais ..................................................................... 294
c) Omissões sucessivas ............................................................... 265 F. Resultados parciais ............................................................................ 295
aa) Problemática .................................................................... 265 CONCLUSÃO E SOLUÇÃO DOS CASOS ............................................. 301
bb) Casos que inspiraram os debates recentes ....................... 267 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................... 307
(1) O caso do abcesso ...................................................... 267
(2) O caso do spray de couro (Lederspray) ..................... 268
(3) O caso do sangue contaminado .................................. 268
(4) O caso dos freios ........................................................ 269
(5) O caso do ginásio de esportes .................................... 269
cc) Principais soluções propostas .......................................... 271
dd) Balanço ............................................................................ 275
ee) Imputação do resultado ao compliance oficer segundo o
modelo proposto por Schrott ........................................... 276
(1) Posição de garantidor do CO ..................................... 277
(2) Tarefas do CO ............................................................ 278
(3) Formulação do problema relativo à causalidade ........ 278
(4) Cenários ..................................................................... 279
iNTRoDUÇÃo

A. Sobre a temática deste trabalho


O presente trabalho tem em mente casos nos quais se coloca a questão da
punição dos dirigentes de empresas por crimes praticados por outros membros da
mesma empresa. Trata-se de hipóteses nas quais os dirigentes, apesar de tomarem
conhecimento da iminência ou da continuidade da prática de crimes no âmbito
da empresa, não intervêm para evitar essas práticas. Fazem-se, assim, puníveis
por omissão do dever de agir para evitar o resultado? Qual conduta era deles
esperada?
Embora a literatura nacional ocupe-se cada vez mais do tema, há ainda
muito espaço para a discussão acerca dos fundamentos, pressupostos, limites e
conteúdo dos deveres de agir dos dirigentes de empresas em situações como as
aqui analisadas.
Casos recentes em nosso País evidenciam a importância da resposta à inda-
gação objeto deste estudo, como, apenas para mencionar os mais recentes, as
acusações contra os membros do assim chamado “núcleo inanceiro” na AP 470,
os fatos apurados na Lava-Jato, crimes inanceiros praticados em contextos de
instituições bancárias e, mais recentemente, o rompimento de uma barragem de
contenção de dejetos em Minas Gerais. O tema, contudo, não é novo. A respon-
sabilidade por omissão imprópria passou a ser expressamente regulada na Parte
Geral de nosso Código Penal há mais de trinta anos, com a Reforma de 1984
(art. 13, § 2.º, CP), quando, então, tornou-se induvidosa a possibilidade de sua
aplicação (também) ao âmbito dos crimes praticados por meio das empresas. Por
qual razão, então, retomar um velho assunto neste momento?
Porque, muito embora haja disciplina legal, literatura, alguma jurisprudência
e muitos casos de omissão imprópria em nosso país, as diiculdades que a crimi-
30 HELOISA ESTELLITA INTRODUÇÃO 31

nalidade de empresa tem colocado para essa forma de imputação ainda merecem C. os problemas e sua delimitação
ser examinadas, identiicadas e, dentro do possível, solucionadas dentro do arca-
bouço legal em vigor, pena de se estabelecer, com pretensão de permanência, 1. Localização sistemática
uma ilegal responsabilidade “por posição”, ou pela mera ostentação formal da A nota comum aos casos hipotéticos é que são praticados no contexto do
condição de administrador, que não encontra acolhida em nosso direito positivo. exercício de atividade econômica organizada na forma de sociedade empresária,
A situação que inspirou este trabalho será a seguir condensada em dois casos no âmbito da qual, em virtude da divisão de funções e tarefas, há a contribuição
hipotéticos, o segundo deles com duas variantes, envolvendo uma sociedade por de várias pessoas, comissivas e omissivas. Essa nota comum apresenta vários
ações aberta e uma de responsabilidade limitada. Esses casos evidenciam, de desaios para a airmação de uma responsabilidade penal, calcada que está na
forma clara e didática, os problemas sobre os quais se debruçará a pesquisa. imputação individual e subjetiva de um resultado a um sujeito culpável.
Tomemos como exemplo o Caso 1: nele temos quatro agentes praticando
B. o grupo de casos que inspirou este trabalho condutas comissivas. Os diretores superintendente e inanceiro determinaram a
inserção das informações falsas; o gerente e o encarregado executaram a inserção
Caso 1: Por três vezes consecutivas, a instituição inanceira Banco A apre-
que lhes fora determinada. A divisão de tarefas em práticas comissivas coloca
sentou ao Banco Central do Brasil (Bacen) demonstrativos inanceiros contendo
problemas de determinação da qualidade das contribuições de cada um dos
informações falsas que escondiam sua real situação inanceira. A inserção das
agentes, quando, evidentemente, se partir de um sistema restritivo e diferenciador.
informações falsas foi determinada pelos diretores superintendente e inanceiro,
Se, por exemplo, se adota o critério do domínio do fato, pode-se avaliar que os
e executada, em conjunto, por um gerente de contabilidade e seu encarregado. O
dois primeiros agentes seriam responsáveis por instigação e os dois últimos por
diretor internacional e um dos membros do Conselho de Administração (adiante autoria imediata. Se o encarregado não tivesse ciência da falsidade das infor-
tão-somente CA) tomaram ciência dos fatos, acidentalmente, logo após a primeira mações, a prática do fato poderia ser atribuída aos demais a título de coautoria
prestação de informações falsas, todavia, nada izeram para evitar as ulteriores mediata. Há, porém, dois outros personagens, integrantes da cúpula da empresa, e
práticas, que se ajustam ao tipo de crime descrito no art. 6.º da Lei 7.492/1986. Há que, tomando ciência dos fatos, mantiveram-se inertes: o diretor internacional e o
responsabilidade penal do diretor internacional e do membro do CA? membro do conselho de administração. São estes que nos interessam.
Caso 2: O Gerente Industrial (GI) de uma sociedade limitada MINERA- Inexistente um dever geral penal de que todos evitem todos os resultados
DORA LTDA., por decisão própria, ofereceu e pagou a um funcionário público típicos – um dever que, existente, tornaria a convivência social insuportável, trans-
vantagem indevida para que fosse concedida à empresa uma licença ambiental de formando todos em vigilantes de todos –, é de se questionar se algumas pessoas,
exploração de minérios (corrupção ativa conforme art. 333, CPB). Esse gerente porém, em virtude de uma especial relação com certos bens jurídicos ou certas
atuava em âmbito da empresa supervisionado por um dos sócios administradores. fontes de perigos para bens jurídicos não teriam um dever especial de intervir
A administração da sociedade era exercida também por dois outros sócios, um para proteger esses bens jurídicos. O Código Penal brasileiro é claro ao apontar
incumbido de cuidar do setor inanceiro, outro do setor comercial, havendo, que a imputação do resultado pode ser feita a uma conduta comissiva (ação) ou
ainda, dois sócios de capital, não designados como administradores. Há responsa- omissiva (omissão): “O resultado, de que depende a existência do crime, somente
bilidade penal dos demais sócios, administradores ou não? é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a
Caso 2 – Variante 1: Para a mesma hipótese acima, porém, o GI atuava sob qual o resultado não teria ocorrido” (art. 13, caput, CPB). Em decorrência do prin-
as ordens e supervisão do Administrador Designado (AD), não sócio, que tinha cípio da legalidade, a omissão penalmente relevante também tem de estar descrita
sido investido no cargo regularmente, por aprovação unânime dos sócios, que não na lei penal. Isso pode ser feito por meio da expressa introdução de tipos penais
exerciam a administração da sociedade em virtude da opção por proissionali- omissivos, como o crime de omissão de socorro (art. 135, CPB), ou de omissão
zá-la, investindo AD em tal função. de notiicação de doença (art. 269, CPB), mas também a partir da imputação de
um resultado a um omitente qualiicado (o garantidor), portador de uma relação
Caso 2 – Variante 2: Para a mesma hipótese, considere-se, ainda, que se especial com certos bens jurídicos, que lhe onera com um dever especial de agir
tratava de sociedade limitada com dois sócios administradores, cuja administração para proteger esse bem jurídico. Para estes sujeitos especiais, denominados na
de fato, porém, era exercida por um terceiro, o Administrador de Fato (AF), que dogmática da omissão de garantidores, o resultado será imputado à sua omissão
nem era sócio, nem tinha sido investido no cargo legalmente. desde preenchidos os pressupostos do § 2.º do art. 13, CPB, além dos pressupostos
gerais da omissão.
32 HELOISA ESTELLITA INTRODUÇÃO 33

No Caso 1, portanto, há indubitavelmente dois personagens que não agiram negar a qualidade de garantidores dos dirigentes de empresas, analisando-se o
e, portanto, não praticaram a conduta prevista no art. 6o da Lei 7.492/86, já que impacto da divisão de funções e tarefas tanto na dimensão horizontal como na
não prestaram informação falsa alguma. Todavia, se se puder airmar que eram vertical, sendo esse o ponto central do trabalho.
garantidores de que da atividade do banco não resultassem lesões a bens jurídicos Dizer, porém, que um determinado agente, em determinadas circunstâncias,
de terceiros ou da coletividade, teriam o dever de agir para evitar esse resultado, assume a posição de garantidor com relação às práticas criminosas de outro inte-
o qual, então, preenchidos todos os pressupostos da relevância penal omissão, grante da empresa ainda não diz muito sobre o conteúdo dos seus deveres em
poderia ser imputação à sua omissão a partir da norma de extensão da punibili- estruturas com divisão de funções e de tarefas. O que tem de fazer o garantidor?
dade prevista no § 2.º do art. 13 do CPB. A imputação omissiva imprópria (ou Tem de imiscuir-se na área de atividade do agente ativo e impedir isicamente a
comissiva por omissão) é justamente uma das estratégias propostas para lidar com prática criminosa? Tem de cientiicar outros membros da empresa sobre a ocor-
a diiculdade da responsabilização penal no âmbito da criminalidade de empresa. rência? Tem de reportar o fato às autoridades públicas competentes? Estas são
Com ela se busca imputar o resultado típico causado por prática comissiva de questões centrais, cujas respostas são essenciais para que a norma penal possa
outro membro da empresa aos dirigentes em virtude de sua omissão em agir para cumprir sua função de orientação de comportamentos em prol da proteção do
evitar essas práticas, quando detentores de posição de garantidores. O primeiro bem jurídico. A incerteza quanto aos deveres atrelados à assunção de uma função
passo para isso será, então, determinar se são detentores de uma tal posição e, dentro da empresa pode ter o efeito indesejado de reduzir a proteção ao bem
para isso, tendo em conta que a instituição inanceira é estruturada com divisão jurídico e, ainda, de afastar proissionais qualiicados do exercício desses cargos.
de funções (estruturas horizontais) e delegação de funções (estruturas verticais), Sim, porque, se todos são responsáveis por tudo no âmbito da empresa, o custo
seria necessário estabelecer, por exemplo, se diretores são garantidores uns com pessoal da assunção de uma função pode se tornar inviável economicamente para
relação aos outros, e se os membros do conselho de administração são garanti- a empresa e/ou afastar os proissionais que seriam os mais capacitados para o
dores com relação aos agentes envolvidos. exercício dessas funções. É por isso que no Capítulo 2 procuramos oferecer alguns
critérios para auxiliar na determinação do âmbito dos deveres dos garantidores em
No Caso 2, com uma estrutura de administração mais simples, uma possível
ambientes com divisão de funções e tarefas.
posição de garantidor deveria ser investigada relativamente aos administradores,
sócios ou designado, e aos sócios com função de administração. No Caso 2, Muito embora a existência de uma posição de garantidor do dirigente seja o
Variante 2, inalmente, coloca-se a questão relativamente aos sócios administra- primeiro dentre os pressupostos da responsabilidade omissiva imprópria e seja o
dores, mas que não a exerciam, e ao administrador de fato. objeto deste estudo, ele é apenas um desses pressupostos. Essa responsabilidade
dependerá, ainda, no âmbito da tipicidade, da existência de uma situação típica, da
2. Delimitação omissão de uma conduta determinada e exigida de evitação do resultado apesar da
possibilidade físico-real de agir, do nexo de causalidade e da imputação objetiva,
Este estudo é uma tentativa de oferecer respostas à indagação sobre a e, então, da tipicidade subjetiva, dolosa ou culposa, se esta última for prevista
posição de garantidor dos dirigentes de empresa por crimes praticados por seus em lei. Nos passos ulteriores, será ainda preciso airmar a antijuridicidade e a
integrantes no exercício da atividade econômica. Não formam parte de seu objeto, culpabilidade, e, só então, poder-se-á falar em responsabilidade omissiva impró-
portanto, nem o tema das formas de imputação na criminalidade de empresa diante pria. Cuidar de todos esses pressupostos transbordaria em muito o objeto desta
de condutas comissivas – ou seja, por meio de um agir dos dirigentes – em cuja pesquisa, todavia alguns aspectos merecerão uma abordagem, ainda que tópica,
prática colaboram diversos agentes, nem o da omissão imprópria por ingerência no último capítulo. Tratamos, ali, de alguns aspectos problemáticos dos demais
(art. 13, § 2.º, c, CPB). requisitos, objetivos e subjetivos, da tipicidade, selecionados em virtude de sua
conexão com as diiculdades mais gerais identiicadas no primeiro capítulo e mais
Como o pressuposto essencial para que se possa cogitar de uma responsabili-
especíicas apontadas nos capítulos dois e três. Com isso esperamos conseguir
dade por omissão imprópria é a coniguração de uma posição de garantidor, este é
demonstrar que determinar uma posição de garantidor é apenas um primeiro passo
o foco do estudo. Concluindo-se, nesse passo inaugural, que algum administrador
no árduo caminho da subsunção de uma omissão aos pressupostos da responsabi-
não é garantidor de vigilância, desnecessário investigar seu comportamento, já
lidade omissiva imprópria, especialmente no âmbito da criminalidade de empresa.
que não é titular do dever especial de agir para evitar o resultado, sendo despi-
ciendo e ilógico perquirir sobre sua ciência acerca da prática criminosa de outro
dirigente, uma vez que inviabilizada, de saída, a imputação omissiva imprópria.
Por isso, no Capítulo 2, são discutidos os possíveis fundamentos para airmar ou
34 HELOISA ESTELLITA INTRODUÇÃO 35

D. o ambiente no qual se manifesta o objeto da investigação Para os ins do presente trabalho, interessam sociedades empresárias, isto
é, as que têm por objeto o exercício de atividade própria de empresário (art. 982,
A criminalidade econômica, entendida como fenômeno da prática de crimes CCB), que podem assumir diversas formas (em nome coletivo, em comandita
conectados de alguma forma ao exercício da atividade econômica, pode-se distin- simples, em comandita por ações). Embora predomine no Brasil a atividade
guir entre práticas associadas à atividade econômica organizada em empresa empresarial de cunho individual, colocamos sob análise as sociedades de respon-
(crimes inanceiros, por exemplo) ou práticas alheias a esse contexto (crimes sabilidade limitada e as anônimas (respectivamente, arts. 1.052 e ss. e 1.088 e
tributários praticados pelo contribuinte individual, por exemplo). As primeiras ss., CCB) para testar, no Capítulo 3, as consequências concretas das concepções
são as mais frequentes e podem ainda ser subdivididas em criminalidade na adotadas no Capítulo 2 acerca da posição de garantidor de vigilância e dos efeitos
empresa, criminalidade de empresa e empresa ilícita. A subdivisão serve à melhor da delegação e da departamentalização. A razão dessa escolha é simples. Nas
identiicação das diiculdades para a imputação penal de práticas delitivas em empresas individuais, a gestão da atividade econômica por meio de divisão e
cada um dos âmbitos. delegação de funções é bem mais acanhada do que nas limitadas e anônimas, que
O objeto deste estudo se coloca dentro do tema da criminalidade de empresa, possuem estrutura mais complexa de gestão já por determinação legal. Assim,
com o sentido que lhe foi atribuído por scHüneMann, ou seja, o conjunto dos da análise dos casos mais complexos podem-se extrair lineamentos que servirão
crimes econômicos praticados por pessoas naturais no contexto do exercício da para as estruturas mais simples de gestão. Por esta razão, quando nos referirmos a
atividade econômica da empresa,1 porque é neste âmbito que surgem com maior sociedades empresárias, teremos em mente, prevalentemente, estas últimas duas
frequência as diiculdades de imputação penal acima apontadas. formas societárias.
Tomaremos a liberdade de usar a expressão empresa, no decorrer deste
E. Referências a normas extrapenais e deinição de algumas expressões texto, como uma metonímia da sociedade empresária, assim designando a pessoa
Em função do caráter subsidiário do direito penal e de seu papel secundário jurídica que é titular da empresa. E a im de respeitar a dissociação entre o titular
daí decorrente, há um necessário alinhamento das normas penais com as extra- do fator capital (propriedade) – que pertence à sociedade empresária personii-
penais. Esse alinhamento ou conexão variará em intensidade em conformidade cada (pessoa jurídica) –, e seus sócios e acionistas (cuja personalidade, ainda que
com a existência e densidade da regulação jurídica prévia extrapenal. Inexistirá jurídica, não se confunde com a da sociedade na qual são sócios ou têm ações),
alinhamento ali onde não existam normas jurídicas, e existirá alinhamento intenso os termos sócios e acionistas serão utilizados no sentido das normas jurídicas de
ali onde exista densa regulação jurídica. Os fatos sobre os quais se aplicam as regência.
normas do direito penal econômico são altamente regulados (e autorregulados) A im de atender, ainda, à distinção entre o titular da empresa (que é a pessoa
e, ademais, abarcam institutos que não têm realidade pré-jurídica equivalente, jurídica, sociedade empresária), seus sócios ou acionistas e os titulares da função
do que decorre que a intensidade da acessoriedade do direito penal com relação de controle e gestão, exercida pelos seus administradores, a expressão adminis-
à regulação econômica (dentro dela a societária) é particularmente alta. Daí a tradores será empregada no sentido legalmente designado pelo CCB ou pela LSA,
importância de delimitar, também no âmbito do ramo jurídico de regência, ou ou seja, conselheiros e diretores, para as sociedades anônimas (ou companhias, na
seja, no direito societário, o universo abarcado neste estudo. designação tanto da LSA como do CCB), administradores designados, sócios ou
Sem desconhecer a controvérsia que reina acerca do signiicado do termo não, nas sociedades empresárias limitadas. Tal designação respeita a dissociação
empresa, utilizaremos esta expressão no sentido do art. 966 do CCB, como ativi- entre a titularidade do capital (que pertence à sociedade empresária, limitada ou
dade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços. anônima) e a titularidade da função de gestão ou administração, que tem (também)
Titulares da empresa (como atividade econômica, portanto) podem ser pessoas especial relevância no âmbito dos crimes especiais, ou seja, naquelas iguras
físicas ou pessoa jurídica, constituída legalmente na forma de sociedade limi- típicas que exigem uma qualidade especial do autor, e que, no que nos interessa,
tada ou anônima, principalmente. Sócias e acionistas da sociedade personiicada pode eventualmente se encontrar apenas na pessoa jurídica. O administrador de
(pessoa jurídica) podem ser pessoas naturais e/ou pessoas jurídicas. fato será o agente encarregado e que desempenha as funções dos administradores,
todavia não designado ou investido formalmente nessa função.
Finalmente, o termo dirigente será empregado neste texto para abranger
1. scHüneMann, The Sarbanes-Oxley Act of 2002: A German Perspective, p. 17. O conceito permite
tanto os administradores de fato, como os de direito, designando todos aqueles
apartar esses crimes daqueles cometidos contra a empresa mesma, que conformam a chamada crimina- que têm uma relação juridicamente fundada com a empresa caracterizadora de um
lidade na empresa (idem, p. 18). poder sobre sua organização, total ou parcial. Não vemos prejuízo nesse emprego,
36 HELOISA ESTELLITA

já que o termo não tem deinição legal em nosso direito positivo e, pois, não está
atrelado à designação de um agente ao qual são atribuídos direitos e deveres, o
que nos dá a devida liberdade para deinirmos aqui o seu conteúdo semântico.
Quando necessário precisar exatamente a que tipo de dirigente nos referimos, isso
será feito de forma clara.

f. finalidade
Neste texto não encontrará o leitor uma nova concepção dogmática sobre a
omissão imprópria ou sobre os fundamentos da posição de garantidor, isso já foi
feito pelos autores citados no decorrer do texto. O que pretendemos oferecer são CAPÍTULO 1
as razões para a necessidade de uma fundamentação material da posição de garan-
tidor em nosso direito positivo, um panorama da discussão sobre os fundamentos iMpUTAÇÃo DE RESpoNSABiLiDADE pENAL
da responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de empresas por crimes
cometidos por seus integrantes, seguida da adoção de critérios para sua aplicação, NA CRiMiNALiDADE DE EMpRESA:
o mais concretamente possível, aos dirigentes nas sociedades de responsabilidade UM pANoRAMA DAS DifiCULDADES
limitada e nas sociedades anônimas e, por im, aos, assim chamados, encarregados
de vigilância (compliance oficers). Com relação a estes últimos, a escolha se deu
muito menos em virtude de alguma singularidade de suas atribuições, e muito
mais em virtude da familiaridade adquirida pelos operadores jurídicos com tal
igura, impulsionada pela crescente exigência legal da constituição de tais postos
de trabalho e pela correlata produção literária sobre o tema.2
A. imputação de responsabilidade penal na criminalidade de empresa:
Se novidade há neste estudo, trata-se da tentativa de identiicar, da forma as diiculdades
mais aproximada possível, mas ainda com alguma pretensão de generalidade, os
critérios para a airmação da posição de garantidor dos dirigentes nas sociedades
limitadas e por ações e os critérios para a individualização de seus concretos 1. As bases da imputação individual
deveres de agir,3 sem descuidar do impacto que a fragmentação de funções e A estrutura normativa da responsabilidade penal tem por referência um indi-
tarefas dentro da empresa tem, também, para os demais pressupostos da tipicidade víduo que pratica um comportamento proibido por uma norma penal e cuja prática
da omissão imprópria. poderia evitar.1 Portanto, um agente individual, autorresponsável, que executa
diretamente o comportamento proibido, estando na posse das informações sobre
os elementos da igura típica e que tem, portanto, conhecimento dos riscos por ele
criados. Em suma, da reunião, na pessoa individual, da informação, do poder de
decisão e de um comportamento executivo.2 Esse agente tem, ademais, a capaci-
dade de compreender e se motivar em conformidade com a norma penal, sendo
2. A mesma escolha fez scHrott, Unterlassungszurechnung bei drittvermittelten Rettungsges-
chehen: unter besonderer Berücksichtigung von Compliance-Systemen, para testar seus critérios de
imputação objetiva do resultado em casos de causalidade intermediada, como se pode conferir no 1. Isto vale, ao menos, para sistemas jurídicos estruturados sobre a base da dignidade humana.
Capítulo 4, D, 3, ee). Em nosso país, a estrutura individual da responsabilidade penal no direito positivo decorre não só no
3. Minha contribuição se agrega, pois, aos mais recentes trabalhos monográicos sobre a omissão postulado da dignidade humana (arts. 1.º, III, Constituição Federal), como de uma série de preceitos
imprópria de autoria de Bottini, Do tratamento penal da ingerência; oliveira, A responsabilidade por constitucionais (art. 5.º, XLV e XLVI, CF) e penais (especialmente, arts. 13 a 31, CPB). A discussão é
omissão dos sujeitos sensíveis à lavagem de dinheiro: o dever de informação; PascHoal, Ingerência ampla e vasta e não pode aqui ser devidamente registrada. Remeto o leitor, como ponto de referência,
indevida: os crimes comissivos por omissão e o controle pela punição do não fazer; silveira, Direito para Greco, Lo vivo y lo muerto en la teoria de la pena de Feuerbach, passim, e costa, A dignidade
penal empresarial: a omissão do empresário como crime; tavares, Teoria dos crimes omissivos, os humana: teorias da prevenção geral positiva, passim.
quais, propositadamente, ou não tinham como objeto essa individualização ou sobre ela teceram conside- 2. Cf. silva sáncHez, Fundamentos..., p. 1-2, 287; rotscH, Individuelle Haftung in Großun-
rações sob outros vieses. ternehmen: Plädoyer für den Rückzug des Umweltstrafrechts, p. 71.

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