Você está na página 1de 712

 

 
Título original: Sob a Mira do Mafioso – Livro 1 – Série: “Amor,
Poder e Possessão”.
 
Copyright © 2023 por Bianca Pohndorf.
Preparação de texto: Mari Vieira
Revisão: Mari Vieira
Capa: Designer Tenório
Diagramação: Grazi Fontes
Ilustrador: Carlos Miguel Ilustrações
 
Esta é uma obra de ficção.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer forma
e/ou quaisquer meios existentes sem prévia autorização por escrito
da autora.
Os direitos morais foram assegurados.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº.
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
 
Versão Digital — 2023.
SUMÁRIO
 
NOTA DA AUTORA 6
Sinopse 7
Playlist 8
Capítulo 1 9
Capítulo 2 40
Capítulo 3 61
Capítulo 4 78
Capítulo 5 95
Capítulo 6 129
Capítulo 7 147
Capítulo 8 165
Capítulo 9 187
Capítulo 10 207
Capítulo 11 222
Capítulo 12 240
Capítulo 13 257
Capítulo 14 277
Capítulo 15 300
Capítulo 16 319
Capítulo 17 335
Capítulo 18 355
Capítulo 19 372
Capítulo 20 391
Capítulo 21 410
Capítulo 22 438
Capítulo 23 461
Capítulo 24 478
Capítulo 25 499
Capítulo 26 518
Capítulo 27 537
Capítulo 28 553
Capítulo 29 579
Capítulo 30 603
Capítulo 31 622
Capítulo 32 646
Capítulo 33 680
Capítulo 34 710
Capítulo 35 736
Capítulo 36 760
Capítulo 37 779
Epílogo 806
Avaliações 821
Agradecimentos 823
 
 
Dedico este livro a vocês que se solidarizaram com a minha
situação, que dedicaram um tempinho do dia para me ajudar.
Não há palavras para descrever a minha gratidão.
Autores e leitores, sem vocês, este livro não estaria disponível.
Obrigada!
 
Este livro é um romance de máfia com ação, portanto, haverá
momentos que podem deixar o leitor desconfortável.
Não é um Romance Dark, mas ainda assim carrega o seu
peso.
Aqui, você encontrará: violência física, tortura graficamente
descrita, morte, corrupção, tráfico de drogas e menção ao
tráfico de pessoas.
Esta é uma obra de ficção destinada a maiores de 18 anos.
Este livro não tem a intenção de educar o leitor. Ele é puro e simples
entretenimento.

 
 

Raika Bernardes é uma Agente da Polícia Federal, seu


senso de justiça grita e a faz exercer seu trabalho com firmeza, sem
medir esforços ou temer as consequências dos seus atos.

            Killiam Muccino é o chefe da máfia de Nova York, sua


personalidade controladora e calculista o fizeram ocupar um lugar
almejado por muitos e temido por todos.

Uma operação policial acontece, em guerra com outra máfia, Killiam


se vê forçado a ir ao Brasil pessoalmente controlar suas perdas e
remediar seus danos. Nesse impasse, encontra Raika, uma policial
sagaz e teimosa, esse mafioso descobre que não é apenas os seus
negócios que estão ameaçados, mas que ele pode perder muito
mais que isso. Afinal de contas, entregar seu coração a maior
causadora dos seus problemas não fazia parte do roteiro.

Ela diz odiá-lo;

Ele diz desejá-la;


E a luta deles pelo controle logo se transforma em uma
intensa atração alimentada pelo ódio e o perigo.

Afinal, o que pode acontecer quando a justiça é corrompida


pelo prazer?
Ouça a playlist de “Sob a mira do Mafioso” no Spotify. Para ouvi-la,
basta abrir o leitor de QR Code do seu aparelho e apontar a câmera
para o código abaixo:
Esgueirei-me pelas paredes decrépitas do galpão, onde o
caminhão que rastreávamos entrou há alguns minutos. A caçamba

escura manteve-se coberta por todo o percurso, ocultando a

mercadoria que o veículo carregava.

A brisa gélida soprou contra o meu rosto, enviando alguns fios


de cabelos castanhos em meus olhos, impedindo parcialmente o
meu campo de visão. Com a mão disponível, alisei-os para trás,

piscando para focar a imagem que se sucedia à frente.

O local estava inanimado, desvanecido em escuridão e


silêncio, deixando-nos ainda mais apreensivos para invadi-lo, pois

esta era uma tática muito usada pelos traficantes para se manterem

no escuro, longe do nosso radar.

O luar irradiava uma luz forte, contornando o meu corpo,


desenhando minha sombra no chão.

Pressionei meus dedos com força contra o cano da minha


Glock, aguçando minha audição para qualquer ruído perceptível,

não ouvindo nada além do vento batendo contra as aberturas


tangíveis do velho galpão.

O rádio comunicador preso ao cinto da minha calça soltou um

ruído, seguido pelo sussurro rouco e baixo de Gabriel.

– Não consigo ver muito por causa da pouca iluminação, mas

da posição em que eu me encontro, ouço um burburinho de vozes –

murmurou, antes de desligar a conexão.


Gabriel se esgueirou pelo outro lado, fazendo sua ronda em
uma das janelas basculantes que não possuía vidro algum, dando-

lhe visão e audição privilegiadas. Aquele era o lado mais perigoso

para patrulhar, considerando que qualquer mero ruído causado

pelos seus pés poderia alertar os homens dentro do prédio, mas

depois de muita discussão, Gabriel ganhou o lado obscuro.

Meu rádio chiou outra vez.

– Estou em posição – avisou Arthur.

Inspirei o ar com calma, alimentando os meus pulmões,

acalmando os batimentos erráticos do meu coração. O colete

pesado que cobria o meu peito roçou em minhas roupas,

acompanhando o ritmo fatigante da minha respiração.

Dei um passo silencioso para frente, então outro e outro,


esmagando sob os meus pés a areia que cobria o chão. Fechei os

olhos e comprimi meus lábios em uma linha fina, preparando-me

para o que deveria fazer.

Seria hipócrita se dissesse que toda a adrenalina causada

pelas operações desencadeadas pela polícia não me fazia bem,

porque estaria mentindo. Eu amava a forma como o meu corpo


reagia diante do perigo, anestesiado, alucinado, inebriante. Era,

talvez, a segunda coisa que me alimentava, porque a primeira


sempre foi o senso de justiça, a vontade de fazer jus ao símbolo que

carregava no peito.

Reabri os olhos e tranquei a respiração antes de apertar o

gatilho e disparar um tiro contra as grandes portas duplas. A bala


zumbiu ao atingir o metal, causando um som que fez meus ouvidos
estremecerem, quebrando o silêncio. Em um piscar de olhos, gritos

e tiros foram disparados de dentro do galpão, no momento em que


me esgueirei de volta ao meu esconderijo, esmagando as costas

contra o cimento velho e oco da parede.

– É hora da ação, pessoal! – declarou Arthur, pouco contendo

a animação em seu tom de voz.

Então outra explosão soou no interior do galpão, cessando os


tiros que eram direcionados a mim, ou, no caso, ao lugar onde

minha bala serpenteou.

Corríamos risco todas as vezes em que executávamos este


tipo de operação, às vezes éramos alvejados com tiros que

cessavam durante o nosso embate, pois os criminosos optavam por


fugir, tentando escapar da iminente prisão. Contudo, em outras eles

eram resistentes, atirando até as balas findarem, rendendo-se,


temendo perder a vida. Nunca fomos atingidos ou machucados, mas

isso não significava que nunca fosse acontecer, era um mal


necessário para um bem maior.

Chequei as balas da minha arma, confirmando seu


carregamento. Corri em direção às portas em que eu atirei,
chutando o metal com toda a força do meu corpo, elas crisparam no

ar e então se expandiram, abrindo-se. Liguei a lanterna presa em


minha testa e avancei, pressionando o botão do meu comunicador.

– Estou dentro, em qual área vocês se encontram? –


perguntei, mantendo passos certeiros e a visão aguçada ao redor,

minha voz ecoou pelas paredes vazias, tornando-se mais alta do


que realmente fora proferida.

As paredes descascadas exalavam um odor repugnante de

mofo, limo cobria grande parte do que um dia havia sido branco
revestindo o lugar. O piso cimentado apresentava buracos em
alguns pontos e as telhas moviam-se conforme as rajadas de vento.

O galpão pertencia a uma indústria que produzia sardinhas


enlatadas, mas faliu depois de uma péssima temporada de pesca,
transformando a empresa em nada, restando somente o esqueleto
que estávamos invadindo hoje.

– No interior. Ainda não avistamos o caminhão e há somente

dois homens na minha mira, cuidem-se – respondeu Arthur.

– Estou do lado leste, não vejo nada e nem ninguém – refutou

Gabriel.

Uma goteira pingava constantemente em uma poça profunda,


o excesso de água fez um buraco no chão, aterrando o cimento.

Girei em trezentos e sessenta ao ouvir um ruído, um rato correu ao


meu lado direito, fugindo para o esconderijo que mantinha aqui.

Soltei um suspiro trêmulo, as mãos firmes ao redor da arma, o


peito arfando.

– Vou ver se acho o caminhão – avisei, pressionando o botão


do comunicador.

O principal elemento da operação era, com toda a certeza, o

caminhão que acompanhamos desde que atravessou as fronteiras.


Havia indícios grandes de que continha algo irregular, um deles era
o fato de que foi escondido aqui; outro, a forma como fomos
recebidos ao detectarem a nossa presença.

– Tome cuidado, Raika, eles não estão muito amigáveis hoje –

debochou Arthur, rindo.

Revirei os olhos, um sorriso erguendo os cantos dos meus

lábios.

– Eu só quero acabar com isso e ir comer alguma coisa, estou

morrendo de fome – disse Gabriel, suspirando.

Meu sorriso se ampliou, apertei o botão do comunicador,

aproximando-o dos lábios.

– E não podemos esquecer que, se encontrarmos a

identificação nas drogas, Arthur é quem pagará o jantar – zombei,


recolocando o aparelho de volta no cinto da calça.

Ele apitou um piscar de olhos depois.

– Só não disse onde seria – retrucou.

Desde que interceptamos um caminhão contendo uma grande

quantidade de cocaína há três semanas e todos os tijolos continham


uma identificação, nos levando até uma máfia mundialmente

conhecida, Arthur pensou que não teríamos a mesma sorte outra


vez, então apostamos que se estivéssemos certos, ele nos pagaria

o jantar após a operação. E, embora as chances fossem poucas,

torcia para que desse certo, pois isso nos aproximaria ainda mais de
nosso objetivo.

A Camorra era uma máfia internacional, sediada em vários


países ao redor do mundo. A máfia começou a trabalhar com um

Cartel mexicano fazia três anos, o que intensificou o tráfico de

drogas no Brasil e, automaticamente, o nosso trabalho. Queríamos


combatê-los, ao menos até que cedessem e deixassem o Brasil fora

dos seus negócios. Gabriel, Arthur e eu montamos uma operação,

cavando pistas, farejando o nosso inimigo, mas era difícil, afinal de

contas, somos três contra um império criminoso.

– Cara, com a fome que eu estou, pouco me importa o lugar,

desde que a gente coma alguma coisa – respondeu Gabriel.

Suprimi um sorriso que insistia em se espalhar pelo meu rosto,


situando Gabriel e seu estômago que era um buraco sem fundo.
Arrastei os olhos pelo local, procurando através das entradas

pelo caminhão. Enfiei a cabeça em várias aberturas sem portas,

encontrando salas vazias e fedorentas.

– Sabe quantos eram? – perguntei, olhando através de outra

sala.

Mesas enferrujadas adornavam o lugar, papéis estavam

espalhados pelo chão, corrompidos e, na maior parte, corroídos


pelos ratos que permeavam ao redor.

Um tremor atravessou o meu corpo, a ideia de ter ratos tão

próximos a mim não me parecia nada agradável.

– Não tenho ideia, não consegui rastrear a identificação de

ninguém, exceto que deveriam estar em mais de cinco homens –

afirmou Arthur.

Pela primeira vez desde que invadimos o galpão, meu coração

saltou em meu peito, chacoalhando em um ritmo alienado.

– Você tem somente dois na mira? – crispei, confirmando o

pânico que se infiltrava por minhas veias.

– Sim.
Céus!

Isso não era nem puramente perto de ser algo bom, se as

contas de Arthur estivessem certas, havia mais três homens

escondidos pelo lugar, prontos e dispostos a nos atingir com um tiro


certeiro, o que tornava as coisas ainda piores e mais perigosas.

Meus pés estavam silenciosos pelos movimentos


milimetricamente calculados, o único som que ecoava era o do meu

coração bombeando em meus ouvidos e da respiração ruidosa que

dividia os meus lábios.

Um rugido alto de dor ressoou, atravessando as paredes,


espalhando-se pelo galpão. Sem pensar, comecei a correr em

direção ao som, meus pés bateram com força contra o cimento,

ecoando, delatando minha localização, mas não me importei com

isso, não me importei com nada, só queria chegar aos meus amigos
e garantir que estivessem bem, que não haviam sido atingidos por

um tiro.

Uma oração inconstante retumbou em minha cabeça, as

palavras atropeladas pelo desespero e agonia que assolou todo o

meu ser.
Espalmei as mãos em frente ao rosto e empurrei portas

industriais, as dobradiças antigas grunhiram sob o meu toque

afobado, ruindo através do torpor em que eu me encontrava.

A luz da lanterna presa em minha cabeça refletiu com os

faroletes apagados do caminhão estacionado ao fundo, me

assustando por um segundo. Atravessei o espaço em passos


acelerados, com as mãos empapadas de suor ao redor do cano da

arma. Respirando fundo, contornei o veículo, parando na traseira. A

lona que cobria o material continuava intacta, mostrando que


ninguém havia mexido na mercadoria. Com a mão trêmula, resvalei

nas laterais do tecido duro e o puxei para cima.

Meu coração errou uma batida.

Caixotes revestiam a caçamba, empoleirados e enfileirados,

todos fechados e parafusados, contudo, havia um símbolo redondo

com um triângulo no meio e dentro dele o desenho de duas cobras

que formavam um olho; embaixo, o nome da máfia, evidenciando


que, independentemente do que havia dentro, pertencia ao mesmo

traficante da outra carga que foi apreendida.

A camorra.
Um grito de guerra soou ao meu lado direito, me fazendo girar

em uma velocidade vertiginosa, no momento em que consegui


impedir um soco de atingir o meu rosto. O homem grande e robusto

se curvou, perdendo um pouco do equilíbrio ao ter embutido grande

força em um golpe malsucedido, aproveitei o momento para erguer

o joelho, chutando-o no meio do estômago, arrancando um grunhido


de dor de seus lábios.

– Quem é você? – questionei, agarrando-o pelo colarinho da

camiseta e desferindo outro chute no meio das suas pernas,

jogando-o de costas no chão.

Saliva saltou de sua boca quando urrou de dor e levou as

mãos ao meio das pernas, segurando o pênis com força, uma

coloração vermelha subiu pelo seu pescoço.

– Vadia, desgraçada – xingou, choramingando.

Rolei meus olhos para cima, bufando com o infame insulto. Me

inclinei sobre o corpo que rolava ao chão, franzindo o nariz em


desdém.

– Se me insultar outra vez, vou te chutar de novo e terminar o


trabalho que comecei – ameacei, entredentes.
Eu odiava e adorava lidar com homens como ele em meu
trabalho, a parte ruim era todos os insultos que precisava ouvir; a

parte boa era ouvir os gritos de dor todas as vezes em que eu

esmagava os testículos com uma joelhada certeira, fazendo-os


engolir cada palavra proferida.

Senti o vento em minhas costas antes de ser alvejada nas


costelas com um soco. Cambaleei para frente, exprimindo os olhos

para controlar a ardência, o ar indo embora dos meus pulmões. O

maldito se aproximou, erguendo a mão em punho para acertar o


meu rosto, mas assim que desferiu o golpe, me agachei, desviando

do murro, então estendi a perna, encaixando-a atrás dos seus pés e

girei o corpo, derrubando-o por cima do comparsa. Removi a arma

de choque do bolso dianteiro do meu colete e pressionei contra seu

quadril, ouvindo-o espasmar e gemer com a descarga elétrica.

– Desgraçado, isso vai doer um bocado – reclamei,


espalmando a mão em minha lateral, sentindo as lágrimas rolarem
atrás dos meus olhos pelo golpe baixo – É feio e muito covarde

acertar o inimigo pelas costas.

– Maldita, está mexendo com gente grande... – bradou o

primeiro, ainda com as mãos ao redor do pênis.


– Agora me conta uma novidade, seu idiota – zombei,
esfregando os dedos dormentes e doloridos por ter mantido a arma
por tanto tempo.

– Eles virão atrás de você, está mexendo nos negócios de

quem não deveria, seus dias estão contados, sua puta! – cuspiu, me
obrigando a chutá-lo uma terceira vez pela ofensa proferida.

O homem chorou, lágrimas espalhando-se pelos cantos dos

olhos.

– A cada ofensa, um novo chute – retruquei.

As portas rangeram com a entrada de Arthur e Gabriel no

recinto. Inspecionei-os com os olhos, confirmando que estavam


seguros e sem nenhum dano colateral antes de soltar um suspiro.

– Eu ficaria calado se fosse você, ela realmente vai te chutar


até te castrar se continuar ofendendo-a – revidou Arthur, arqueando

uma sobrancelha e abrindo um sorriso luminoso ao reparar nos dois


homens estatelados no chão. – O que temos aqui? – perguntou,
correndo os olhos de volta para mim.
– Preparado para pagar o jantar? – respondi sua pergunta com
outra, sorrindo em vitória.

Arthur arregalou os olhos verdes, franzindo tanto a testa que

as sobrancelhas escuras quase se colaram com a linha dos cabelos.


Ele era um homem muito bonito, charmoso e extremamente
atraente. Alto e revestido por músculos, Arthur arrancava suspiros

por onde passava.

Gabriel soltou uma gargalhada áspera, comemorando o jantar


grátis. Diferente de Arthur, Gabriel era um pouco mais baixo,

possuía cabelos loiros, olhos verdes e músculos. Mas ainda assim,


não deixava de ser menos atraente.

Cada nova garota que entrava no concurso da PF suspirava

todas as vezes em que os via, parando em suas camas poucas


semanas depois, e, em seguida, com os corações estraçalhados. Ao
menos, eu ganhava muito chocolate de graça com tudo isso.

Eu e Arthur transamos há uns anos atrás, depois de irmos em


uma festa juntos, mas nada mudou conosco. Ele acordou no meu
apartamento no outro dia, juntou as roupas e foi embora. Na

segunda-feira nos encontramos no trabalho e agimos com


naturalidade, seguindo a vida e mantendo a boa relação.
Felizmente, não entrei para a sua lista interminável de corações

partidos, no fundo, nos divertimos e a amizade prevaleceu, nada


além.

– Porra, não acredito! – crispou Arthur, arremangando o suéter

preto até os cotovelos.

Estávamos vestidos todos iguais, roupas pretas da cabeça aos


pés, exceto pelo símbolo dourado da Polícia Federal no canto
esquerdo das nossas blusas. E coturnos altos, emborrachados e

pesados, o que facilitaria a nossa vida caso precisássemos pisar em


sangue.

– Pegaram todos? – perguntei, indo até o caminhão.

– Acredito que sim, Heitor e os outros estão a caminho –


avisou Gabriel.

Heitor era o delegado responsável pelo nosso departamento,

embora evitasse se envolver nas operações, estava sempre


presente em todas as apreensões que eram efetuadas após o êxito
na operação.
Segurei as laterais da caçamba e me impulsionei para cima,

inspecionando as caixas com a iluminação. Na parte de cima não


havia nada, exceto uma tampa muito bem pregada, sem símbolos
ou qualquer identificação.

– Como sabe que pertence a Camorra? – perguntou Arthur,


cruzando os braços em frente ao peito.

Apontei para as laterais.

– Olhe o símbolo, é o mesmo da última apreensão, só ainda


não sabemos qual é o conteúdo. – Inclinei a cabeça em direção aos
homens caídos. – Se eles forem do Cartel, o que tudo indica que

sim, pode ter qualquer coisa aqui dentro.

O Cartel não era conhecido somente pela distribuição de


drogas. Havia também armas, animais silvestres e órgãos humanos,
e estas eram apenas algumas das coisas que estavam na ficha da

lista de apreensões que já foram efetuadas.

Removi a arma do coldre da cintura, me afastei e dei dois tiros


na tampa. Era um movimento arriscado, me fazendo rezar para que

não abrisse nenhum pacote e a cocaína voasse pelo ar.


– Ficou maluca? – grunhiu Gabriel, tampando o nariz, sentindo
o mesmo receio que eu.

Nada estourou, o que havia dentro dos caixotes se manteve


intacto. Com o pé, chutei a tampa quebrada, removendo-a e

inclinando-me para espiar dentro.

Bati palmas no ar, ciciando de felicidade.

Segurei um tijolo de cocaína e joguei-o para Arthur inspecionar.

A droga estava embalada com plástico transparente, sem


identificação, só o pó translúcido.

– Acho que é a nova – murmurou Arthur, obtendo

imediatamente a minha atenção e a de Gabriel. Ele girou o tijolo,


erguendo-o contra a lanterna para ver melhor. – Há pontos
cintilantes azuis, e isso é uma característica da nova cocaína que

vem sendo distribuída.

– Céus, isso seria incrível – sibilei, eufórica.

Arthur arrastou os olhos até os meus.

– E perigoso. Sabemos que a nova droga que está sendo


distribuída no mercado é muito cara, ou seja, seria um prejuízo
enorme para a máfia e para o Cartel, talvez a hora de virem atrás de
nós, considerando que é o segundo caminhão deles que

apreendemos em poucas semanas.

Toda a felicidade que eu sentia esvaiu-se como em um passe


de mágica. Arthur tinha razão, estávamos mexendo em algo
perigoso e além das nossas capacidades, mas agora que havíamos

começado e o limite fora ultrapassado, seria impossível parar.

– Vamos nos preocupar depois, por agora vamos só


comemorar o fato de que talvez tenhamos sido os primeiros agentes

a apreender a nova droga sintética que circula pelo mercado –


insistiu Gabriel, mudando de assunto.

O som de pneus derrapando pelo lado de fora nos deixou em

alerta. Arthur largou o tijolo no caminhão e removeu a arma do


coldre, posicionando-se para atirar. Gabriel fez o mesmo, seguindo

seus movimentos enquanto eu me escondi atrás da lona, desligando


minha lanterna para evitar indicar minha localização.

– Atirem sem hesitar se for qualquer desconhecido que seja,


depois da recepção dos últimos, duvido muito que vão segurar as

balas dentro das armas – sussurrou Arthur, engolindo em seco.


Meu coração retumbou alto em meu peito, enviando doses de
adrenalina através das minhas veias.

Passos soaram ao redor do prédio, circulando-nos.

– Porra, espero que seja Heitor e os caras, não estou a fim de


morrer hoje, não sem antes pelo menos ter jantado – comentou
Gabriel em um murmúrio.

– Cale a porra da boca, ninguém vai morrer... – objetou Arthur,


ponderando por um segundo – pelo menos ninguém de nós, só não

posso garantir os outros.

Apesar das operações constantes que fazíamos para combater


o tráfico internacional de drogas, nenhum de nós chegou a matar ou

acertar um tiro em alguém. Gostávamos de pensar que era sorte, já


que ocasionar qualquer um dos dois daria uma boa e profunda dor
de cabeça com a corregedoria.

O silêncio que se sucedeu se tornou opressor depois de um

tempo, os homens que estavam na rua sabiam da nossa presença,


assim como nós as deles, o que tornou as coisas tensas e
apreensivas.
– Não se esqueça de acrescentar a cerveja na janta que vai

pagar mais tarde – murmurejou Gabriel, o tom de voz delatando o


nervosismo.

Arthur bufou, retesando-se.

– Bebida é por conta de cada um – respondeu, somente.

As juntas dos meus dedos ficaram doloridas ao redor da arma,


pressionando-a com tanta força que os vincos das minhas mãos

começaram a embranquecer.

Minha adoração por essas operações estava se exaurindo, o


cansaço do dia juntamente com o nervosismo e tensão de tudo o
que aconteceu, começou a me deixar incomodada por ainda estar

no local, tornando a minha cama o maior sonho alcançável da noite.

– Se ainda estivermos vivos – gracejou Gabriel, em tom


áspero.

As janelas sem vidros foram derrubadas em um estrondo,

assim como as portas dianteiras pelas quais o caminhão havia


entrado, causando um estardalhaço. Arthur e Gabriel pularam na
caçamba com um só movimento, escondendo-se atrás das caixas
que continha as drogas. Por um segundo, o único som que ecoou foi
o de nossas respirações densas. Pisquei, aliviando a tensão que
consumia os meus olhos. Meu coração martelou em meu peito,

zunindo em meus ouvidos.

– Estamos fodidos – silvou Gabriel, soltando uma densa lufada


de ar.

O barulho de botas batendo contra o chão ecoou antes que um

grupo de homens vestindo preto, com armas apontadas para cima,


estampando a insígnia da Polícia Federal em seus peitos,
entrassem. Eles apontaram as armas com as lanternas ao redor,

procurando por perigo, vasculhando o local. Um dos homens da


frente ergueu um braço momentos antes de Heitor entrar pelas
portas que foram derrubadas.

Soltei um suspiro trêmulo, aliviada, a tensão se esvaindo dos


meus músculos rígidos.

– Vocês demoraram – acusou Arthur, saindo de seu

esconderijo e virando imediatamente alvo dos nossos colegas. Ao


nos reconhecerem, eles abaixaram as armas e removeram as
máscaras que cobriam os rostos. – As coisas ficaram tensas por um
momento – confessou, pulando para o chão.

– O que encontraram? – refutou Heitor, ignorando Arthur.

Gabriel estendeu a mão para mim, ajudando-me a descer da


caçamba do caminhão. Limpei as palmas nas minhas calças,
ansiosa por um longo e relaxante banho.

– Arthur acha que pode ser a nova droga sintética que vem
sendo distribuída – respondi, guardando a arma de volta no coldre.

Heitor ergueu as sobrancelhas grisalhas e esbugalhou os olhos

astutos.

– Vênus? – questionou, aproximando-se.

Acenei com a cabeça.

– Sim, e, além do mais – apontei com o dedo em riste para as


laterais das caixas –, a droga pertence a Camorra, segundo o

símbolo.

Um sorriso se espalhou pelos lábios de Heitor e seus olhos


assumiram um brilho vitorioso.
– Incrível! – Apertou meu ombro, parabenizando-me. – Bom

trabalho, rapazes!

Heitor deveria ter pouco mais do que cinquenta anos, os


cabelos que um dia foram escuros, estavam cobertos por mechas
grisalhas. O rosto era magro, com o maxilar marcado e as maçãs do

rosto saltadas, recheado por marcas de expressão, o acúmulo do


estresse do trabalho e do avanço da idade. Ele era um bom chefe,
embora fosse autoritário e muito rigoroso.

O delegado se afastou, estalando os dedos acima da cabeça.

– Prendam em flagrante delito todos os homens que estiverem


dentro do prédio e encaminhem as drogas para a perícia – ordenou,

girando nos calcanhares e encaminhando-se para fora. – Raika,


Arthur e Gabriel, estão dispensados.

Gabriel desferiu um soco silencioso no ar, comemorando a

dispensa.

– Vamos jantar? – perguntou, alisando a barriga plana por cima


do colete à prova de balas.

Arthur bufou.
– Se eu precisar ouvir outra vez os motivos do porquê seu

estômago sem fundo precisa ser alimentado, vou arrancar meus


olhos com as minhas próprias mãos – zombou, espalmando uma

mão nas costas de Gabriel, empurrando-o em direção à saída. –


Vamos logo, enquanto você só pensa em comida eu só penso na
minha cama.

Um sorriso se espalhou em meu rosto, enquanto os seguia

para fora do galpão decrépito e fedorento. Meu peito se expandiu


em felicidade ao chegar ao fim de mais uma operação com êxito.

Não me importava com o quanto a Camorra era uma máfia

poderosa, estava fazendo o meu trabalho e agindo conforme as leis.


Girei o copo com o líquido âmbar em uma mão, observando o

gelo tilintar no vidro e cerrei a mandíbula com tanta força que o osso

estalou em decorrência da pressão exercida.

– Fale alguma coisa, porra – vociferou Teodoro.

Algumas vezes, achava uma merda ter sido o primeiro filho a

nascer e, por consequência, herdado o cargo de Capo da Camorra.


Se Teodoro tivesse se antecipado por dois anos, era ele quem

estaria ocupando o lugar na cadeira em que eu estava sentado e


não exercendo o cargo de meu subchefe.

Ergui o meu olhar para o seu, meus olhos faiscavam de raiva.

– Eu disse que era para se manter longe de problemas –

sibilei, mal contendo a raiva que escorria por cada poro do meu

corpo.

– Se ele não fosse um babaca, ainda estaria vivo – retrucou,

encolhendo os ombros em desdém.

Espalmei o copo com força na mesa, o líquido expeliu para os

lados, manchando a madeira envernizada. Levei uma mão aos

cabelos, puxando-os com força para trás.

– Porra, essa merda é culpa sua! – acusei, cerrando os punhos


ao lado do corpo, tentando manter o controle para não o socar.

Tínhamos um pacto amigável com a 'Ndrangheta, enquanto

comandávamos nosso território em Nova York, eles assumiam Los

Angeles. Ninguém se metia nos negócios de ninguém e a paz


reinava, isso até o maldito do meu irmão ter assassinado a sangue
frio um dos familiares de Balbino, o Capo da máfia.

Teodoro sempre foi cabeça quente, nunca deu voz à razão,

sempre agindo pela intensidade, impulsionado pelo seu

temperamento incontrolável.

Ele era pior do que Nery, nosso irmão mais novo, o qual

deveria ser o mais inconsequente de todos em decorrência da

diferença de idade. Enquanto Teodoro e eu possuíamos pouco

menos de dois anos de diferença de idade, Nery ainda estava no


auge dos seus vinte e poucos anos.

Teodoro ergueu os braços para cima.

– Ele estaria morto de uma forma ou de outra, o cara estava

em nosso território e desrespeitando as nossas leis – objetou,


comprimindo os lábios.

Observei seus olhos castanhos, assim como os meus, assim

como os de Nery, e assim como eram os do nosso pai. Os cabelos

escuros, outra característica da família paterna, estavam uma

bagunça, desorganizados depois de ter fodido uma das mulheres da

limpeza no corredor antes de ter sido arrastado para o escritório.


Soltei um grunhido raivoso, irritado com as respostas espertas

que sempre tinha na ponta da língua.

– Então que mandasse alguém matá-lo, assim eu resolveria as

coisas matando o homem, não entrando em uma guerra com


Balbino, porra!

Eu estava no limite, prestes a explodir a qualquer momento.


Estava considerando matar algumas pessoas para acalmar os meus
ânimos, mas sabia que morte e sangue não resolveriam as coisas.

– Não podemos mudar o passado, então vamos nos


concentrar em como resolver as coisas – remediou, balançando as
mãos.

Lancei um olhar mordaz em sua direção.

– Já aprendeu como ressuscitar os mortos? – perguntei, ele

negou com a cabeça, unindo as sobrancelhas escuras – Então não


há nada para ser resolvido, Balbino declarou guerra contra a nossa

famiglia e, enquanto sangue não for derramado em algum dos


lados, nada cessará.
A regra era clara, sangue por sangue. Teodoro matou Smith e

precisava pagar por isso, sendo ferido ou morto, não importavam as


consequências, só o pagamento por seu ato imprudente. No

entanto, isso jamais iria acontecer, se algum sangue precisasse ser


derramado, seria o dos nossos inimigos e nunca o do meu irmão.

Teodoro abriu a boca para falar, mas foi impedido com a


entrada abrupta de Nery. Nosso irmão mais novo digitava em seu
celular, deslizando os polegares grossos pela tela, alheio a merda

que estava se desenrolando antes de sua intromissão.

Pigarreei, forçando os olhos de Nery para mim.

– Estamos ocupados, caso não tenha percebido. – Apontei

com a mão aberta para Teodoro e ergui uma sobrancelha.

Nery levou uma palma aos cabelos, esfregando-os,

semicerrando os olhos castanhos em desconfiança.

– O que Teodoro fez agora? – perguntou, puxando a segunda

cadeira vazia de frente para a minha, sentando-se ao lado do irmão


do meio.

Teodoro bufou.
– E o que te faz pensar que a culpa é minha? – questionou,
rolando os olhos para cima.

Nery sorriu em desdém.

– Só você consegue fazer com que a veia no lado direito do


pescoço de Killiam pulse – respondeu, rindo.

Fiquei em silêncio, descansando a cabeça em meu punho,

observando-os falarem de mim como se eu não estivesse presente.

– Isso é a mais pura mentira, a veia de Killiam pulsa todas as

vezes em que ele está furioso com alguma situação – contrapôs


Teodoro.

– E quem tem poder suficiente para deixá-lo assim? – instigou


Nery, mostrando os dentes em um enorme sorriso ao ver o rosto de

Teodoro se fechar. – Exato, ninguém consegue irritá-lo como você.

Soquei a mesa com força, assustando-os, os objetos acima


tilintaram com o baque.

– Calem a porra da boca de vocês! – Soltei um grunhido,


esfregando as têmporas com o indicador e o polegar para aplacar a

pressão ao redor da cabeça. – Não estamos brincando, as porras


das minhas drogas foram apreendidas pela segunda vez em poucas
semanas e isso é inadmissível.

Nery engoliu em seco de maneira audível.

– Outra carga? – suspirou, levando a mão à nuca. – Balbino


está mesmo com sangue nos olhos.

– Não foi uma carga qualquer, foi uma carga de vênus –

esclareci, precisando relaxar imediatamente ou sofrer o risco de

infartar antes da hora.

Nosso acordo com os Los Zetas, o Cartel mexicano de drogas,

nosso aliado, era benéfico para os dois lados. Enquanto eles


distribuíam as drogas para alguns Países específicos, dentre eles o

Brasil, nós comprávamos as drogas apenas deles. Ou seja, eles

lucravam e nós também. Porém, a 'Ndrangheta possuía um acordo


com outro Cartel importante no México, ambos rivais. No passado,

eles nunca se envolveram em um duelo quando os negócios

pertenciam as máfias, mas desde que Teodoro matou o desgraçado,

as coisas se tornaram tumultuosas, mudando o rumo de como os


negócios eram tratados.
– Agora Balbino pegou pesado – murmurou Nery, comprimindo

os lábios.

A vênus era uma nova cocaína produzida, muito mais cara e


com uma duração um pouco maior, apresentada no mercado como

o novo vício mais lucrativo de todos. Teodoro comprou uma tonelada

direcionada ao Brasil, só não contava que ela fosse apreendida pela

polícia.

– Eles foram saqueados? – perguntou Nery.

Fiz um sinal negativo com a cabeça.

– Parece que pela segunda vez a polícia conseguiu abater

outro caminhão dos nossos. – Esfrego o polegar no maxilar,

pensativo. – O que é muito benéfico para Balbino, considerando que


a droga ainda é escassa no mercado e ele, no momento, será o

único traficante dela.

O Brasil era um País que nos rendia um bom custo com o

tráfico de drogas e de armas, por isso mantínhamos terceiros

encarregados em resolver as “burocracias” por nós.


– Acha que os policiais estão na folha de pagamento de

Balbino? – questionou Teodoro.

Desabotoei os três primeiros botões da minha camisa,

afastando a gola do pescoço, antes de respondê-lo.

– Não vejo outra hipótese além dessa – afirmei, virando o

restante do líquido âmbar do copo em cima da mesa. – Com a

apreensão das nossas drogas, Balbino lucra ainda mais. E, para ser
bem sincero, achei a ideia genial, afinal de contas, ele pega as

nossas drogas e ainda coloca a culpa na polícia, tirando o nome

dele da reta.

Precisava confessar que me irritava assumir que Balbino havia

sido mais esperto do que nós, ter o inimigo um passo à frente era
algo perigoso dentro da máfia e poderia custar vidas, além do

dinheiro que já estava sendo perdido.

– E o que pretende fazer? Isso é uma atitude que requer

retaliação – objetou Teodoro, mostrando sinais de irritação pela

primeira vez desde que entrou no escritório.

Nery sacudiu a cabeça em concordância, os cabelos

oscilaram.
– Nós podemos declarar guerra contra Balbino, matar alguns

dos seus homens, intimidá-lo o suficiente para que fique longe dos
nossos negócios – argumentou Teodoro, estendendo o braço e

recolhendo a garrafa de Whisky da minha mesa, visando alguns

goles na boca direto do gargalo. – Acredito que quando ele sentir


nosso poder de força, aprenderá a ficar longe do que nos pertence e

não será mais um problema.

Encarei as horas em meu Rolex e soltei uma respiração

cansada.

– Um dos homens de Balbino foi capturado por Stefano –

avisei, ponderando o fato de que meu Consigliere estaria neste

momento torturando o indivíduo em busca de respostas –, não


podemos ir diretamente à Balbino, não quando não possuímos

provas contra ele.

– E se o homem não der com a língua nos dentes? – Nery

franziu os olhos.

– Nós vamos para o Brasil, vamos acabar com o mal direto

pela fonte – expliquei, erguendo-me da cadeira e abotoando o

blazer –, se Balbino tem policiais trabalhando para ele no Brasil e


eles estão diretamente envolvidos com o nosso prejuízo, estarão

todos mortos até o final do mês.

Os olhos de Nery brilharam em animação.

– Sempre quis conhecer o Brasil, isso vai ser incrível –


comemorou, levantando-se.

– E quanto a Balbino? – questionou Teodoro. – Só matar os

policiais não será o suficiente para lhe enviar uma resposta relativa

aos seus atos.

Meus lábios se curvaram para cima em um sorriso incisivo.

– E é justamente por este motivo que estou indo encontrar

Stefano para ajudá-lo a esquartejar Rômulo e enviá-lo de volta para

o tio... em pedaços – admiti, sorrindo.

Meus irmãos abriram tanto os olhos que pensei que fossem

cair das órbitas.

– Você não fez... – sibilou Teodoro.

Dei-lhes as costas, direcionando-me para a saída do escritório.


– Balbino precisa aprender que não deve mexer com os

Muccino e muito menos disputar poder de força conosco. Se chorou


pela perda do primo, chorará ainda mais pela do sobrinho. E a cada

vez que insistir ainda mais nessa merda, mais perdas ele sofrerá e

mais próximas a ele elas serão.

– Caralho, Killiam, por que não me deixou matá-lo? – bufou

Teodoro às minhas costas.

Lancei-lhe um olhar enviesado.

– Foi você quem começou essa merda, então não tem direito a

diversão alguma enquanto não resolvermos essa bagunça.

Percorremos o longo corredor em passos sincronizados,

direcionando-nos ao galpão dos fundos onde Stefano mantinha o


desgraçado.

– Sabe que não vai conseguir me impedir de brincar um pouco


no Brasil, não é mesmo?

Espalmei uma mão em seu ombro e outra no ombro de Nery


que caminhava em silêncio ao meu lado esquerdo.
– Não espero menos de vocês, irmãos, vamos limpar a
bagunça e retornar para casa com o triunfo.

Nos afastamos da residência principal e atravessamos os

jardins. Invadi o galpão escuro com os dois ao meu lado. O lugar

havia sido criado com o único e exclusivo intuito de torturar os

nossos inimigos. Não havia janelas e nem aberturas, exceto uma


única porta. As paredes foram tingidas com tinta preta para

esconder o sangue que respingava algumas vezes. E o cheiro não

era o melhor de todos, mas também não fedia a morte, já que uma
equipe responsável vinha fazer a higiene depois de uma sessão. A

iluminação também era precária, mas funcionava para o que

precisávamos.

No fundo do local, Rômulo pendia em uma cadeira, os braços


e pernas atadas, os cabelos loiros empapados de suor na cabeça e

a pele branca coberta com concussões recentes. Stefano estava à


sua frente segurando um martelo em uma das mãos, um olhar frio
no rosto.

– Ele falou alguma coisa? – perguntei, removendo o blazer e


estendendo a camisa até os cotovelos.
Stefano me encarou profundamente.

– Nada além de choramingos, está mantendo silêncio –


relatou, cruzando os braços musculosos em frente ao corpo.

– Não por muito tempo... – murmurei.

Stefano estava usando roupas adequadas para o trabalho,


calças jeans escuras, botas altas e uma camiseta preta de mangas
compridas que se moldava bem aos seus músculos. Ele era um

homem alto e bem tonificado, fazia jus ao temor que causava nas
pessoas. Os olhos castanhos sempre foram frios, desde que o
conheci quando ainda era uma criança, e os cabelos castanhos na

altura dos ombros estavam sempre presos em um coque no alto da


cabeça.

Recolhi o martelo da mão do meu melhor amigo e encarei o

maldito na cadeira com nojo. Rômulo ergueu a cabeça, um dos


cantos dos seus lábios subindo em um sorriso fraco.

– Ele ainda consegue sorrir? – Ergui uma sobrancelha


sugestiva.

Stefano deu de ombros ao meu lado.


– Consegue fazê-lo parar? O sorriso dele não é muito atraente
– zombou.

Ergui o martelo e o abaixei em seu joelho, esmagando carne,

músculo e osso. O barulho estalou pelo galpão, ecoando,


misturando-se com o gemido e grito de dor do homem. Sangue
jorrou no chão e salpicou em minhas calças, me fazendo suspirar

em infortúnio.

– Já quer falar ou eu preciso esmagar o outro joelho? –


indaguei, limpando o sangue do martelo em seu próprio rosto. – Tem

outras juntas do corpo que também são agradáveis para esmagar –


ameacei, fazendo-o estremecer.

– Vão para o inferno! – cuspiu, rangendo o maxilar por causa

da dor.

Encarei-o por cinco segundos, dando-lhe uma segunda chance


e a opção de uma morte menos dolorosa. Ele não manifestou nada,

apenas ódio e desdém.

Estava perdendo a paciência com ele, nada me faria parar


quando isso ocorresse, ele imploraria por misericórdia e descobriria
que eu não reconhecia tal sentimento e seria tarde demais para que
se arrependesse. Puxei uma mesa com apetrechos de tortura até a
sua frente e espalmei sua mão direita em cima dela.

– Dizem que as partes mais sensíveis à dor são as pontas dos


dedos e a testa, sempre quis testar essa teoria. – Ergui o martelo
outra vez. –  Diga-me, qual o nível de dor para cada um deles.

– Por favor... – implorou, balançando a cabeça.

Desci o martelo que crispou no ar pela força aplicada,


afundando-o na ponta do seu dedo indicador, esmagando-o contra a

mesa. O barulho de carne sendo esmagada e osso sendo rompido,


estalou. Ele soltou um grito uivante que formigou em meus
tímpanos. O sangue expeliu em todo o local, voando em minhas

roupas e nas de Stefano. A unha se espatifou, quebrando em


minúsculos pedaços, misturando-se com o líquido escarlate que
cobria a mesa.

Me inclinei, analisando a ponta do osso que saltava para fora,


esmagado assim como o restante do que um dia foi um dedo
completo.

– Interessante, acho que acabei de descobrir um método

novo... – murmurei, Stefano me encarou com satisfação. – Você já


está pronto para falar ou eu posso continuar nos nove dedos que

ainda restam?

Lágrimas rolaram pelo rosto de Rômulo, deixando um rastro


em meio a poeira que cobria a pele. Era triste ver um paspalho

chorando como uma criança, sempre fui ensinado, assim como


ensinei aos meus irmãos que, não importava o que fosse feito
conosco, jamais deveríamos chorar na frente dos inimigos, não

importava qual nível de dor fosse empregado.

– Eu não sei de nada... – confessou, a voz rouca pelos gritos. –


Não sei quem são os informantes dele, só sei que tem alguém que
trabalha pra ele no Brasil.

– Hum... essa não era a resposta que eu estava esperando –


Ergui o martelo para Stefano e me virei para os meus irmãos. –

Rapazes, querem testar o novo método de tortura criado por mim?

Teodoro, como um maldito psicopata, pulou primeiro que todos,


animado para torturar os inimigos. Já Nery pareceu pensativo, ele
sempre foi um pouco avesso aos meios usados por nós e nossos

inimigos. Stefano fez fila ao lado de Teodoro, tão animado quanto o


meu irmão do meio.
– Era disso que eu estava precisando – ciciou Teodoro,

recolhendo o martelo e se preparando para fazer o que sempre fez

de melhor: tirar sangue.


Analisei as pilhas em cima da minha mesa com um olhar
afiado, analisando as linhas legíveis da perícia das drogas que

foram apreendidas na semana passada.

Os homens que haviam sido presos não abriram a boca,

nenhuma confissão, nenhum nome, absolutamente nada. Era óbvio


o medo que sentiam, o tremor em seus olhos todas as vezes que
íamos ao presídio em uma falha tentativa de descobrir alguma

coisa.

O Cartel Los Zetas era muito conhecido no México, onde ficava


situado. E com a intensificação da distribuição de drogas no Brasil,

se tornou nosso alvo. Não tínhamos certeza da sua ligação com a

máfia até algumas semanas atrás, quando o primeiro caminhão foi


apreendido.

Arthur arrastou a cadeira giratória até a minha mesa, parando

ao meu lado.

– Encontrou alguma coisa interessante ou está tentando

descobrir superpoderes pra ver se consegue disparar fogo dos olhos


em direção ao papel? – zombou, sorrindo amplamente.

Bufei, organizando a pilha de folhas.

– Suas suspeitas estavam certas, a droga é a Vênus, a nova

cocaína – comentei, guardando os papéis em uma pasta e

colocando-a dentro da primeira gaveta da minha mesa.

As paredes transparentes que dividiam os setores nos

incomodavam algumas vezes, pois a privacidade era pouca, e, por


mais que devêssemos confiar em nossos colegas, as coisas não
funcionavam assim conosco, não quando estávamos falando de um

Cartel de drogas poderoso e de uma máfia mais ainda. Tudo o que

descobríamos, pistas, detalhes, qualquer coisa relevante, ficava

entre nós, dividíamos somente com Heitor. Ao final do expediente,

qualquer coisa relevante era carregada conosco e o resto exaurido

da sala, como se nunca tivesse existido.

Ergui a cabeça e observei nossos colegas movimentando-se


pelos corredores, alguns conversavam enquanto bebiam café,

outros perambulavam, perdidos em pensamentos, a exaustão do

trabalho estampada em suas faces. Não era um serviço fácil, tão

pouco tranquilo, mas era exercido com amor e orgulho, ao menos

por mim.

– Eu sempre estou certo, gata – Arthur me puxou pelo pescoço

e espalmou um beijo casto no topo da minha cabeça –, agora relaxa


que ainda temos muito trabalho pela frente.

Gabriel entrou na sala equilibrando três copos de café nos

braços, aproximando-se, depositou um deles em minha mesa e


outro na mesa de Arthur, encolhendo os ombros diante de nosso

olhar inquisidor.
– As coisas estão meio tensas, pensei que quisessem cafeína

para relaxar – murmurou, sorvendo um gole do seu café.

Sim, estávamos pisando em cacos, os músculos sempre

tensos e os olhos ávidos, desde a apreensão da vênus, mas o café


não seria suficiente para dissipar a preocupação que nos rondava.

– Obrigada, Gabi – agradeci, erguendo o copo.

Gabriel se recostou contra a parede do fundo e cruzou os


braços.

– Qual é o próximo passo? – perguntou, olhando entre mim e


Arthur.

Tamborilei os dedos no encosto da cadeira, pensativa.

Nunca conseguimos uma delação ou uma confissão, todos que


foram pegos optaram por carregar a culpa sozinhos ao revelar o

esquema pelo qual trabalhavam. Nenhum deles nem mesmo


pareceu se interessar pelos benefícios da colaboração premiada,

decidindo-se pelo silêncio e pela pena total dos seus crimes.

Suspirei, esfregando os cabelos para trás.


– Eu não sei... – confessei. – Voltamos à estaca zero outra vez.

Sem um nome para perseguir, a apreensão das drogas se


tornava nada além de outra carga apreendida. As drogas seriam

incineradas, os encarregados seriam culpados e julgados e a


investigação se perderia no meio do caminho, sem que houvesse

um rumo para seguir.

– Acha que teremos sorte de conseguir outro caminhão? –

inquiriu Gabriel – Talvez com mais pessoas presas e o cerco se


fechando, eles comecem a abrir a boca.

Arthur sorriu asperamente.

– Eu acho muito difícil, eles têm muito mais medo do chefe do


que da pena que precisarão cumprir – retrucou, balançando-se na
cadeira. – Preferem ficar pelos próximos anos atrás das grades do

que abrir a boca e depois parar debaixo de uma vala.

Embora fosse uma merda, eu compreendia o pensamento

deles. Não podíamos oferecer segurança ou algo parecido, se eles


contassem qualquer coisa para nós, seria por suas contas em risco.
– Bom... o óbito não seria o pior dos problemas, a máfia e o
cartel não são conhecidos pelas mortes honrosas que dão aos seus
homens – zombou Gabriel, referindo-se ao momento em que

antecedia às mortes deles, aos métodos de tortura que eram


empregados.

Arthur concordou com um balançar de cabeça.

– Talvez eles até contassem algo se isso garantisse uma morte

rápida – afirmou.

Ao longo dos últimos anos, descobrimos alguns métodos...


arcaicos que as máfias, quadrilhas, cartéis e quaisquer grupos

criminosos usavam para castigar homens que fossem contra suas


regras ou inimigos que foram aprisionados em seus territórios. As
fotos dos corpos que foram torturados e chegaram até nós me

aterrorizaram por dias, fazendo meu estômago embrulhar por


semanas.

Estremeci, sorvendo outro gole para dispersar o gelo que


tomou conta das minhas veias com as imagens que atropelaram

minha mente.
– Vamos conseguir alguma coisa, nós sempre conseguimos –
insisti, tentando convencer a eles ou a mim mesma.

– Bom, então vamos ao trabalho, precisamos chegar a uma

nova linha de investigação antes que Heitor nos mande seguir em


frente – exprimiu Gabriel, sentando-se em sua cadeira que oscilou

com o seu peso.

Deus, se Heitor decidisse que a operação não valia mais a


pena, não nos restaria escolha senão arquivá-la, então Gabriel tinha

razão, precisávamos seguir em frente e conseguir algo o mais

rápido possível antes que todo o trabalho dos últimos meses se


transformasse em um nada.

Arthur fez um ruído com a garganta.

– Vamos manter as coisas no sigilo, Heitor não precisa saber


que voltamos à estaca zero, assim teremos mais tempo para

descobrir novas pistas – aconselhou, esfregando o polegar na tela

do celular.

Embora não fosse o certo, era necessário para mantermos a

operação em jogo. Gabriel, Arthur e eu havíamos nos doado muito

nos últimos meses para ver o nosso trabalho descer pelo ralo.
Em um uníssono, Gabriel e eu concordamos.

Era o caso das nossas vidas, o mais importante das nossas

carreiras, não deixaríamos escorregar por entre os nossos dedos


com tanta facilidade, não sem lutar um pouco.

Apertei o botão do elevador do meu prédio que levava ao

andar do meu apartamento e esperei. O rol de entrada estava vazio,

exceto pelo senhor Roberto, o senhorio de cabelos brancos e


sorriso sincero.

Passei o dia inteiro vasculhando arquivos e mais arquivos de


outras drogas que haviam sido apreendidas anteriormente,

procurando, com esperança, alguma ligação com o Cartel, mas

finalizei o dia com as expectativas mais baixas do que havia


começado. O Universo não estava sendo justo conosco.

Entrei no elevador e me escorei contra o vidro da parede do


fundo assim que ele chegou ao primeiro andar. Fechei os olhos e
exalei um suspiro cansado e entristecido. Tentei não me abalar com

o passar das horas, mas ao olhar para Arthur e Gabriel e ver

transparecer em seus olhos o mesmo que continha nos meus, não


pude fazer nada além de deixar o abalo emocional me afetar.

Deixei a caixa metálica assim que parou em meu andar,


cabisbaixa e muito chateada. Mal dei três passos no corredor,

estacando no lugar, atônita, diante de toda a comoção que havia.

Um grupo de homens engravatados fazia a segurança do

apartamento da frente do meu. Ele estava vago há alguns meses,

desde que o casal havia se divorciado. Eles eram bons vizinhos,

muito carismáticos e silenciosos.

Removi as chaves da minha bolsa transversal e comprimi os


lábios, contendo a língua dentro da boca para não fazer perguntas

desnecessárias. Os homens mal me dirigiram um olhar antes de

voltar a postura inicial e fingir que eu não existia.

O prédio sempre foi tranquilo, os vizinhos se davam bem e não

havia brigas ou desavenças, ao menos na maior parte do tempo.


Contudo, também nunca havia visto um vizinho precisar de tantos
seguranças para cobrir sua porta, pois o local não apresentava

perigo para ninguém, ao menos que eu soubesse.

Dei as costas para eles, me posicionando de frente para a

minha porta, mas mantendo minha total atenção atrás da cabeça,


qualquer ruído ou movimento suspeito, um deles estaria no chão

com o cano da minha arma apontada em sua direção.

Ouvi o trinco da porta do vizinho e a senti ser aberta, antes de

um pigarrear ecoar pelo corredor.

– Boa noite, senhorita. – A voz rouca, autoritária e cheia de

comando, me arrepiou por inteira, fazendo os cabelos da minha


nuca se eriçarem.

Com lentidão, virei-me para o indivíduo, forçando pressão em


meus lábios para mantê-los fechados quando meus olhos

encontraram os dele.

Ele era bem mais alto que eu, talvez uns trinta centímetros, um

terno preto revestia o corpo alto e musculoso, a camisa branca

marcava os gominhos do abdômen trincado. Os cabelos castanhos


estavam impecáveis, como se ele não tivesse problemas com o

vento, nem uma mecha fora do lugar. Os olhos castanhos eram


profundos e exalavam uma magnitude única, conversando comigo,

como se quisessem sugar a minha alma. A barba estava aparada,

mas alguns fios pequenos cobriam o maxilar quadrado. O nariz

aristocrático fazia um contraste perfeito com a boca carnuda e bem


desenhada que, no momento, sorria para mim expondo uma fileira

de dentes brancos.

Subi o olhar de volta para o seu, dando fim a minha

investigação... com fins meramente profissionais, afinal, era um

homem novo que estava em frente à minha porta com uma leva de
seguranças ao seu encalce. Bizarro, não?

Ele arqueou uma sobrancelha. Eu corei.

Havia um brilho ferino em seu olhar e seus lábios estavam


repuxados em zombaria.

Talvez eu tenha ficado tempo demais o analisando e toda a


sua aura diabólica e provocante.

– Boa-noite – respondi, mantendo o rosto firme para disfarçar a


voz esganiçada.
Céus, eu nunca havia visto um homem tão maravilhoso como

este, mas tudo nele exalava perigo e fazia a minha veia investigativa
pulsar mais rápido.

Um dos cantos dos seus lábios se ergueu em depreciação.

– Me chamo Killiam, sou o novo vizinho – apresentou-se,

apontando levemente com o queixo em direção ao seu apartamento


–, e você, como se chama?

Cruzei os braços em frente ao peito, me sentindo incomodada

e intrigada com a profundidade com a qual ele me encarava.

– Me chamo Raika – falei, somente, olhando para o rosto de

cada um de seus homens antes de voltar meus olhos para os dele

–, você trabalha com o que?

Killiam deu um passo à frente, os olhos ganharam contornos

de diversão diante da minha pergunta direta.

– Sou um empresário muito importante... – franziu as

sobrancelhas, sorrindo amplamente. – E você?

Nada fazia sentido, empresários importantes não residiam em

prédios intermediários, tampouco em andares que não fossem a


cobertura. O homem exalava poder, puro e absoluto. E cada uma
das suas roupas, assim como o relógio caro que cobria o pulso

esquerdo, me dizia que ele podia cobrir gastos muito mais elevados

do que alugar um apartamento simples em um prédio mediano.

– Sou Policial Federal – avisei, sentindo a língua pesar e um

medo gelar as minhas veias, pela primeira vez na vida, ao anunciar


minha profissão. Dei um passo para trás, mantendo os meus olhos

fixos nos seus, não desviando a minha atenção por nem um

segundo. – Prazer em conhecê-lo – acrescentei, sentindo a madeira


firme contra as minhas costas.

O sorriso sardônico que ele exalou me fez trincar os dentes.

– Prazer em conhecê-la, Raika.

Ele estendeu a mão em cumprimento. Pisquei, desanuviando a


minha mente, meu coração acelerado, prestes a sair pela boca. Um

pouco contida, estendi a minha mão, respondendo ao seu


cumprimento. Assim que nossas palmas se conectaram, uma
sensação arrebatadora dominou meu corpo, deixando meus

músculos dormentes e minha respiração acelerada, me fazendo


puxar o braço imediatamente.
Pigarreei, colocando a língua para fora e lambendo os lábios
ressecados.

– Eu... eu preciso ir.

Killiam me observou com a testa franzida, uma veia pulsando


no pescoço grosso. Ele parecia absorto, como se tivesse sentido o

mesmo que eu.

Sem esperar uma resposta, girei nos calcanhares e abri a

porta do meu apartamento, levando pouco mais do que dois


segundos para destrancar e entrar, desesperada para sair da sua
mira, para aliviar a tensão que me dominava.

Fechei a porta às minhas costas e soltei uma exalação.

– Que porra aconteceu? – sussurrei, espalmando uma mão no


peito.

Tudo nele emanava perigo e controle, mas, ainda assim,

conseguiu fazer a minha mente se liquefazer e meu corpo responder


aos seus comandos.

Ele me fez sentir muitas coisas, desde um calor absurdo a um


frio repentino. O homem era enigmático e fazia meu instinto
investigativo gritar com densidade.

Killiam era, definitivamente, um predador. E eu não sabia que

o trouxera até aqui, muito menos qual era seu intuito ou os seus

motivos. Mas eu tinha certeza de uma coisa, eu não seria a sua

presa.
Um sorriso delineava os meus lábios enquanto as lembranças

da policial invadiam a minha mente. Ela era muito mais bonita do

que as fotos mostravam, as imagens não fizeram jus à verdade.

Raika tinha um olhar perspicaz e cada movimento do seu

corpo fluía de acordo com os seus conceitos. Sem perceber, a

garota já estava na defensiva antes mesmo de me ver abrir a porta.


Ela notou algo estranho, sabia que tinha algo errado, então usou

isso fazendo perguntas diretas, mas não invasivas.

Os olhos castanhos não desviaram dos meus por nem um


momento, exceto para calcular os movimentos dos meus homens, e

eu não precisei testar para saber que qualquer passo que eles

dessem em sua direção, Raika teria uma arma apontada para as


suas cabeças.

Incrível.

Stefano não levou mais do que poucas horas para descobrir os


policiais envolvidos nas apreensões das nossas drogas. Como parte

do plano, viemos para o Brasil e, coincidentemente, o apartamento


vizinho ao da policial estava vago. Minha meta era ficar de olho nela

e em seus colegas, descobrir qual era o envolvimento deles, se

estavam trabalhando para Balbino ou só eram partícipes

involuntários de algo muito maior.

Não era adepto a matar policiais, mas fazia o que era

necessário para manter os negócios da famiglia e conservar a honra

do sobrenome que carregava, independentemente do que tivesse


que fazer para isso.
A Camorra não se ergueu através de dignidade e honestidade,
mas sim de sangue e suor.

Nos relatórios de Raika e dos outros dois policiais, não

constavam indícios que sugeriam que eles trabalhavam para

Balbino, mas não poderia dispensar a teoria. Se estivessem,

pagariam caro pelo prejuízo que sofri.

Quando criança, odiava as aulas de português que precisava

frequentar, embora não tivesse tanta dificuldade que nem eu sentia

com o russo. Havia semelhanças entre o português e o italiano,


minha língua materna, e isso fazia com que fluísse melhor e me

fizesse aprender mais rápido. Hoje, conseguia compreender qual

era o significado de tantas aulas para me tornar poliglota.

– Fiquei sabendo que você já se encontrou com a vizinha – A

voz de Teodoro soou às minhas costas.

Me virei e encontrei meus irmãos e Stefano parados no meio

da pequena e irrelevante sala de estar. Os três pares de olhos

pareciam curiosos e aguçados, enquanto esperavam a minha

resposta.

Encolhi os ombros.
– Ela é definitivamente uma delícia – revelei, erguendo um

sorriso ao lembrar de cada centímetro do corpo esbelto.

Os cabelos castanhos estavam soltos, as mechas lisas

cobriam metade das costas. Os olhos astutos eram perspicazes e a


boca carnuda muito afiada. Raika vestia uma roupa preta, calças,

botinas e camiseta. E, embora fosse simples, realçava cada parte


do corpo, salientando as curvas dos seios empinados, da cintura
fina, das coxas torneadas e da bunda redonda.

Nery arqueou uma sobrancelha.

– Então vamos ter um pouco de diversão nesse tédio de


apartamento em que nos colocou?

Teodoro bufou e socou o ombro do irmão.

– E a sua submissa vai deixar você se divertir por aí? –

zombou, estalando a língua no céu da boca.

Nery revirou os olhos.

– Já disse que meu relacionamento com Emy é complicado... –


murmurou, jogando-se contra o sofá de couro escuro.
Desde que passou a frequentar uma cidade pequena a muitos

anos atrás para ficar de olho em um pequeno grupo que distribuía


nossas drogas, Nery encontrou uma garota em um clube de BDSM

e, desde então, os dois mantiveram um relacionamento que eu não


poderia julgar como algo menos do que atípico. No início, ela não

sabia qual era a verdadeira identidade de Nery, tampouco


reconheceria seu rosto sem a máscara, mas ele resolveu se revelar
para ela nos últimos meses. Emy e Nery estavam envolvidos há

anos, e, por mais que o garoto tentasse esconder os sentimentos,


Teodoro e eu sabíamos que ela era importante para ele e era

justamente por este motivo que ele vinha tentando mantê-la longe
dos negócios da famiglia para protegê-la.

Caminhei até o pequeno bar de canto e servi um copo de


whisky para mim, a bebida tinha o efeito de acalmar os meus nervos
e me fazer pensar com mais coerência.

– Já sabe como irá prosseguir? – perguntou Stefano, mudando


de assunto.

Sorvi um gole, o líquido queimou o meu esôfago, adormecendo

o meu sistema digestivo.


– Eu vou ficar em cima dela durante todo o tempo em que
estivermos aqui, cada passo, cada mísero movimento – expressei,
encarando-os com afinco. – Raika é esperta, logo vai saber quem

sou e o motivo do porquê estou aqui.

Eu nunca quis esconder nada da policial, o objetivo era, de

fato, amedrontá-la, por isso havia deixado meus homens na porta do


apartamento. Se Raika fizesse parte da folha de pagamento de

Balbino, estaria morta em poucos dias, caso contrário, eu veria qual


seria a melhor forma de abordar a garota.

– Então é isso? – inquiriu Teodoro, esfregando os cabelos com

uma mão. – Vamos simplesmente ficar aqui sentados esperando?

– Exato! – confirmei, erguendo os cantos dos meus lábios em


um sorriso incisivo. – Mas não se preocupe, teremos muitas coisas

para ocupar a mente neste meio tempo, quero deixar as coisas em


ordem antes de partirmos outra vez.

O Brasil não era o foco principal dos nossos negócios, mas


não deixava de ser um País lucrativo, e por isso era importante. Eu

esmagaria Balbino com as minhas mãos assim que dizimasse o


grupo que trabalhava para ele. Mas primeiro esperava que pudesse
me divertir um pouco com a policial antes de matá-la, ela era
deliciosa demais para ser descartada, infelizmente.
Os últimos acontecimentos estavam mexendo comigo,

bagunçando os meus pensamentos e me deixando receosa, me


fazendo temer a própria sombra. E isso incluía ter passado horas

investigando o novo vizinho misterioso.

Killiam era muito gostoso, mas não deixava de ser

absurdamente suspeito.

Descobri que a família tinha origem italiana, mas ele residia em

Nova York e que realmente era um empresário bem-sucedido. No

entanto, isso ainda não respondia à pergunta que piscava em minha


mente com letras garrafais: o que ele estava fazendo no meu

prédio?

O problema era que não havia nada suspeito, nada que

colocasse Killiam na minha mira. Ele parecia só mais uma das

inúmeras pessoas que havia sido abençoada por Deus, um dos


seus preferidos: lindo, rico e sem defeitos.
Uma pulseira de tecido rosa foi jogada em cima da minha

mesa, me fazendo saltar para trás com o susto e sair das minhas

divagações.

– Mas que porra... – praguejei baixinho, erguendo o rosto para

encarar Arthur.

Ele simplesmente sorriu.

– Pode me agradecer depois. – Apontou com o queixo para a

pulseira em minha mesa e afastou-se para ir até a sua.

Franzindo a testa, me inclinei e recolhi o objeto, segurando-o

por entre os dedos e lendo as frases escritas em prata.

– Como conseguiu? – perguntei, por fim, ainda analisando o

tecido que envolvia a minha mão.

Era uma pulseira de uma das boates mais badaladas da

cidade, as filas para conseguir uma vaga dentro do local eram


quilométricas e só a alta sociedade frequentava.

– Eu tenho contatos... – gracejou Arthur, soltando uma


gargalhada histérica diante do meu olhar enviesado. – Eu dormi há

alguns dias com a organizadora da festa, então ela me conseguiu


três entradas – confessou, descansando os braços na cadeira e

girando de um lado para o outro. – Pensei que pudéssemos sair


para espairecer, os últimos dias não foram muito fáceis e todos nós

estamos no nosso limite.

Ele tinha razão, o cansaço físico e mental estava estampado

em nossos rostos. Eu não conseguia nem mesmo me alimentar

direito, era como se a minha vida dependesse do êxito da operação.


Me sentia abalada, triste e desanimada. E sabia que Arthur e

Gabriel estavam sofrendo o mesmo que eu.

Abri um sorriso que não chegou aos olhos.

– Não sei se é uma boa ideia...

– Me dê um único motivo do porquê não seria, Raika –


protestou Arthur, arqueando uma sobrancelha.

Dei de ombros.

– A última vez em que fomos em uma festa juntos, você foi

parar no meu apartamento, mais precisamente, na minha cama –


sussurrei tão baixo que não sabia se nem mesmo ele conseguiu

ouvir minhas palavras.


Eu morria de medo de que alguém soubesse o que aconteceu

entre nós, só Gabriel sabia que tínhamos transado e o fizemos

manter isso em segredo guardado a sete chaves. Não era proibido

um relacionamento entre colegas, mas preferíamos manter as


coisas mais profissionais.

Os olhos dele franziram em diversão.

– E não me arrependo nem um pouco, talvez seja a nossa


chance de repetir a questão. – Piscou um olho para mim.

Bufei.

– Você não repete – afirmei.

Ele segurou o lábio inferior entre os dentes, pensativo.

– Mas com você é diferente... – disse, gesticulando com as

mãos.

Girei a cabeça em sua direção, encarando-o com

incredulidade. Meus lábios se dividiram e uma exalação deixou o

meu corpo.
Eu não podia acreditar no descaramento de Arthur, sabia o

quanto ele era cara de pau, só não imaginava as proporções que


chegava.

Por segundos intermináveis, nós nos encaramos sem falar


nada, Arthur com o semblante sério, mantendo suas palavras e eu

descrente demais para falar alguma coisa. Então ele explodiu em

uma gargalhada que ecoou pela sala inteira, fazendo os meus


ouvidos coçarem com o som.

– Você precisava ver a sua cara, Raika, foi impagável, pena


que as câmeras de segurança não pegam dentro da sala –

gorgolejou entre uma gargalhada e outra, limpando as lágrimas que

escorriam pelos cantos dos olhos com o indicador.

Peguei um bloco de notas que estava em cima da minha mesa

e joguei em sua direção, acertando o seu peitoral.

– Idiota! – resmunguei, o que só aumentou suas risadas.

Arthur espalmou a mão na barriga, curvando-se para conter a

onda de risadas incessante. Guardei a pulseira em minha bolsa,

ignorando-o.
Eu não estava levando a sério que realmente estivesse com
vontade de repetir a dose, mas também não sabia dizer o que

estava se passando pela sua cabeça. Por um momento, fiquei com

medo de que as coisas ficassem estranhas entre nós. Arthur era


gato pra caramba, além de ser super carismático e gentil, mas eu

não conseguia vê-lo como algo a mais do que um bom amigo e

colega de trabalho.

Quando transamos, recém havíamos passado no concurso e

éramos dois conhecidos se divertindo. Mas não tinha certeza de que


seria assim se dormíssemos juntos nos dias de hoje. E jamais

arriscaria o nosso bom convívio por uma noite de sexo.

– Eu estava brincando, gata, também não quero misturar as

coisas. – Encarou-me, toda a diversão sumindo do seu semblante. –


Falei sério quando disse que você é diferente e é justamente por

este motivo que não quero estragar nada entre nós. Somos colegas,
mas, acima de tudo, somos amigos, e eu tenho muito respeito por
você.

Estava feliz que Arthur não era displicente com a nossa


amizade, eu realmente gostava dele e ficaria magoada caso fosse.
Minha vida era muito solitária, meus pais morreram em um
acidente de carro quando eu ainda era uma adolescente. Então eu
passei a morar com a minha avó materna, mas ela faleceu assim

que completei dezoito anos, me deixando completamente sozinha


no mundo. Eu não tinha irmãos, família ou qualquer estrutura para
me fixar. Comecei um curso de inglês para que pudesse me tornar

bilíngue. Logo depois, entrei para a faculdade federal, cursei direito,


me formei, passei na OAB e estudei dia e noite para o concurso que
eu tanto queria, consegui passar em uma das primeiras colocações,

e, desde então, tudo o que mais me importava era a minha


profissão.

– Então, vamos? – indagou, ansioso pela minha resposta.

– Não sei... acho que uma festa não vai ajudar a aliviar a

tensão – suspirei.

A cadeira de Arthur oscilou com o seu peso conforme ele se

retesou com a minha negação.

– Vamos Raika, a festa é boa e nós precisamos nos divertir


pelo menos por uma noite, na segunda retornamos para essa
delegacia e voltamos a ficar preocupados com o nosso caso –
insistiu, esfregando a nuca. – Gabriel com certeza vai querer ir, só
falta você concordar.

Ponderei, analisando a situação.

Não tínhamos nada para investigar, nenhum local para

vasculhar. E eu já havia pesquisado sobre a vida do vizinho, então


provavelmente passaria o meu sábado em casa sem fazer nada,
somente existindo. Talvez, ir a uma festa mesmo que sem vontade

não fosse uma ideia tão ruim.

– Tudo bem – concordei, rolando os olhos diante do grito de

animação de Arthur –, vamos nessa festa, eu preciso mesmo beber


alguma coisa.

Entre ficar em casa e ir a festas, eu preferia milhões de vezes a

minha casa, mas não era totalmente contra às festividades, já era


sozinha por si só, não precisava me isolar ainda mais.
Analisei o meu reflexo através do espelho, checando pela
última vez a roupa que estava vestindo antes de sair de casa.

Gabriel e Arthur estariam me esperando na entrada lateral da boate,

e eu já estava atrasada em decorrência do horário que havíamos


marcado.
O vestido vermelho com brilho se apegava às curvas do meu

corpo, circundando-as, os saltos escuros me deixavam bons


centímetros mais alta do que eu realmente era. Na mão direita,

segurava uma bolsa preta onde continha dinheiro, identidade,

distintivo, e claro, uma arma. Meus cabelos estavam como sempre:


soltos e lisos.

Mesmo de folga, não deixava de ser uma policial, portanto, era

obrigada a andar armada, não importava aonde eu fosse.

Eu não era muito boa em me maquiar, mal sabia contornar os

olhos direito, então fiz o que eu conseguia, uma maquiagem bem


leve, mas com uma máscara de cílios pesada e um batom forte

cobrindo a boca.

Desbloqueei o celular para checar as horas, havia inúmeras

mensagens dos meninos, eles já estavam me esperando e pareciam

impacientes com a minha demora.

Lançando um último olhar no espelho, deixei o meu quarto

para trás. Atravessei o apartamento enquanto digitava uma

mensagem para Gabriel, informando que estava saindo de casa.


Estava tão concentrada em meu celular que não reparei na multidão
de pessoas que comprimia o corredor. Ergui os olhos lentamente,
fixando-os nos de Killiam.

– Boa-noite – cumprimentei, assumindo uma postura altiva.

Ao seu lado havia outros três homens, todos eles concentrados

em mim. Eles eram tão altos e intimidadores quanto Killiam, e dois

deles possuíam características muitos semelhantes com o novo

vizinho, o que me deixava ciente de que deveriam ter algum

parentesco.

Killiam abriu um meio-sorriso incrivelmente sexy com traços de

ironia.

– Boa-noite, Raika, como vai? – murmurou, a voz rouca me

fazendo fincar os pés no chão para evitar estremecer.

Eu odiava o fato de que este homem parecia ter um tipo

estranho de feitiço sobre mim, era só ele falar ou se aproximar o


suficiente para que o meu corpo ganhasse vida própria.

Pigarreei.

– Estou bem, e você? – perguntei, mesmo não me importando

nem um pouco com a resposta.


Killiam ampliou o sorriso e os olhos assumiram um brilho

predatório, como se estivesse lendo os meus pensamentos e


soubesse exatamente o meu desapreço em relação ao seu bem-

estar.

Eu não costumava destilar ódio por pessoas aleatórias, mas

não conseguia me conter quando se tratava dele porque, embora


minhas pesquisas soassem o contrário, tudo em mim dizia que
deveria confiar no meu sexto-sentido, e ele gritava fervorosamente

que Killiam parecia suspeito.

– Estou ótimo, obrigado por perguntar. – Virou-se para um dos

homens ao seu lado e espalmou a mão em seu ombro. – Estes são


meus irmãos, Teodoro e Nery, e este é meu amigo mais confiável,

Stefano. – Apresentou cada um deles com certo orgulho.

A semelhança entre eles fez todo o sentido para mim, sabia


que havia um laço familiar, mas não conseguia distinguir qual era.

Os homens sorriram graciosamente, mas nenhum deles se


interessou em estender a mão em cumprimento.

Olhei entre eles, analisando suas roupas e a forma como se

portavam diante de mim. Eles se vestiam impecavelmente, assim


como Killiam, camisa, calças e sapatos caros.

Nery parecia o mais amável de todos, ele me encarava com


certa condescendência, o que me fazia não saber dizer se era bom

ou ruim. Stefano era muito silencioso e sério, o rosto uma máscara


impassível e absolutamente impecável, que me deixava sem poder

ler seus pensamentos. Já Teodoro parecia diferente, como se ele se


destacasse mais diante de todos..., como se fosse... irracional. Ele
não tinha a mesma leveza dos demais, tudo em si exalava conflito.

Dei um passo para trás, aumentando a distância entre nós.

– Bom..., tenham uma boa-noite – exaltei, segurando a minha


bolsa com força.

Saber que havia uma arma em minhas mãos, mesmo que


inacessível por enquanto, me deixava aliviada. No corredor vazio,

com quatro homens de caráter duvidoso, fazia eu me sentir


enjaulada, uma presa no meio de vários predadores.

E eu odiava me sentir assim.

Sabia manejar uma arma, assim como entendia de defesa

pessoal. Eu não era inexperiente ou ingênua. E jamais seria uma


vítima.

Virei-me de costas para eles, controlando o corpo para não


expressar movimentos tensos ou parecer assustada e desconfiada.

Eu não gostava da ideia de dar às costas para suspeitos, mas não


havia nada que eu pudesse fazer neste caso.

Apertei o botão do elevador e aguardei, senti a presença deles


a centímetros de mim, silenciosos e inexpressivos. Meus dedos

resvalavam na base da bolsa, qualquer movimento suspeito, eu


apanharia a minha arma.

– Vai se divertir esta noite? – indagou Killiam, quebrando o

silêncio opressor.

Não o encarei para lhe dar uma resposta, tampouco me virei


em sua direção.

– Sim – eu disse, monossilábica.

O elevador chegou e eu precisei me acalmar ao vê-los entrar

junto comigo. O silêncio se estendeu outra vez, enquanto nós cinco


nos acomodávamos dentro da pequena caixa metálica. Me escorei

levemente contra o corrimão do espelho do fundo, evitando deixá-


los me cercar outra vez. Killiam parou ao meu lado, o braço
musculoso coberto por uma camisa azul roçou no meu, me fazendo
trincar a mandíbula com força.

Senti o cheiro do seu perfume, uma mistura de gengibre com


notas amadeiradas. Minhas narinas dilataram quando inalei o ar

profundamente, apreciando a deliciosa fragrância.

Killiam parecia queimar ao meu lado, a camisa roçando contra


a pele nua do meu braço, enviando arrepios até o meu último fio de

cabelo.

Ele não era quente, ele era abrasador.

Respirar se tornou difícil, como se o ar tivesse se tornado

rarefeito. Engoli em seco, pressionando ainda mais a bolsa contra o

meu corpo.

Eu me sentia tensa, prestes a ter uma síncope nervosa quando

o elevador chegou ao rol de entrada, abrindo as portas e


devolvendo todo o ar para os meus pulmões.

Suprimi um suspiro aliviado.


Killiam deu um passo para frente, mas parou e me lançou um

olhar que poderia me fazer sofrer uma compulsão espontânea,


antes de seguir os irmãos para fora do prédio.

Encarei o local em que ele havia partido por incontáveis

segundos, entorpecida.

Pisquei, saindo do estado de inércia.

– Céus... – sussurrei, trêmula.

Estendi o braço e impedi que as portas se fechassem,


deixando, enfim, o elevador para trás. Agora, mais do que nunca, eu

precisava da bebida e toda a diversão que Arthur havia prometido

ao longo da semana.

A música alta entoava pelo local e fazia meus tímpanos


vibrarem a cada batida. O lugar estava lotado, pessoas circulavam,

outras dançavam na pista de dança, outras bebiam no bar, outras


conversavam nos mezaninos e tantas outras abarrotavam os

camarotes no andar superior.

Gabriel e Arthur estavam impacientes quando eu cheguei bem

atrasada. A nossa entrada por uma porta lateral foi rápida, a garota

com quem Arthur havia conseguido as pulseiras estava nos


esperando, então liberou nosso acesso sem muitas delongas.

A boate era requintada, a decoração contemporânea em tons


de vermelho escuro, prata e preto, entrelaçavam-se entre si. Era um

local agradável para passar um tempo, nos permitindo escolher

entre dançar ou beber para espairecer. Arthur tomou um dos

mezaninos como nosso, ocupando uma das cadeiras de frente para


a pista de dança.

– O que nós vamos beber? – perguntou, apontando a câmera

para a placa em cima da mesa que continha o QRCode com o

cardápio.

O ar-condicionado mantinha o clima agradável e o cheiro de

perfume caro permeava ao redor.

Me acomodei em uma das cadeiras e esperei Arthur finalizar

sua análise do cardápio.


– Acho que vou na cerveja mesmo – respondeu Gabriel,

sentando-se ao meu lado e virando a cabeça para mim –, e você?

Eu era um pouco chata com bebidas, só tomava vinho, drinks e

espumante. Bebidas adocicadas demais não eram meu ponto forte


e nem as muito amargas.

– Quero um Mojito – falei, retirando o cartão que servia como a


minha comanda do meu bolso.

Arthur recolheu e foi até o bar fazer os pedidos. Observei as

pessoas dançando, acostumando-se com o ambiente e com a festa

que estava rolando.

– Relaxa, Raika, você parece alguém que veio até a festa com

o intuito de investigar algo – comentou Gabriel, rindo ruidosamente.

Lancei-lhe um olhar enviesado.

– Só estou olhando ao redor, simples – contra-argumentei na

defensiva.

Ele balançou a cabeça.


– Então pare com isso, vai assustar as garotas com quem

pretendo ficar esta noite se continuar encarando as pessoas como

se esperasse que elas sacassem armas contra você.

Rolei meus olhos.

– Só beba, pegue alguém, e cale a boca – retruquei.

– Mas isso não precisa nem falar duas vezes.

Arthur retornou com as nossas bebidas. Sorvi um gole do meu


drink e soltei um gemido de satisfação.

– Você é gata, mas hoje está deslumbrante – elogiou Arthur,


me encarando da cabeça aos pés.

Eles é quem estavam chamando a atenção, talvez não


percebessem ou simplesmente ignorassem. Arthur vestia uma

camisa preta que se acentuava aos seus músculos, jeans apertados

e botas. Já Gabriel usava uma camisa branca que permitia observar


as tatuagens em suas costas, jeans e tênis casual.

– Realmente, só falta parar de assustar os caras com esse


olhar aguçado – provocou Gabriel, dando um peteleco com a ponta

dos dedos no meu nariz.


Contendo a iminente vontade de revirar os olhos, limitei-me a

sorrir.

Beberiquei o resto da bebida com calma, apreciando o gosto

levemente adocicado com pitadas de hortelã. Em dado momento,


Arthur se enlaçou com uma loira muito bonita e sumiu na pista de

dança. Gabriel e eu conversamos um pouco sobre assuntos triviais,

evitando falar sobre o trabalho ou qualquer coisa sigilosa que era


rotineira para nós, mas proibida para outros.

Eu gostava de ir a festas, embora não me divertisse como a


maioria das pessoas pareciam fazer. Não achava desagradável, até

mesmo apreciava um pouco a música e as companhias, mas

preferia milhões de vezes o sossego do meu apartamento.

Gabriel foi até o bar pegar outro Mojito para mim e voltou não

só com o meu drink, como acompanhado de uma morena. Ele me


entregou a bebida e sumiu na pista de dança, me deixando sozinha.

Removi o celular da bolsa e fiquei mexendo nas minhas redes


sociais enquanto absorvia o álcool da minha bebida. Meus planos

era ir embora um pouco embriagada para poder me jogar na cama e


desmaiar. A semana havia sido exaustiva, eu só precisava do
entorpecimento do álcool, nada mais.

– Seus amigos cometeram um crime... – A voz masculina soou

ao meu lado direito.

Virei a cabeça e encontrei um homem muito atraente, ele se

aproximou da mesa e depositou um copo de whisky em cima,

ocupando a cadeira que pertencia à Gabriel. Seus cabelos eram

loiros-escuros, os olhos verdes me analisavam de maneira profunda


e um sorriso depreciativo decorava os lábios delineados. Ao seu

lado, eu parecia minúscula, diante dos ombros largos e braços

musculosos, envolvidos por um terno evidentemente caro.

– É mesmo? E qual crime seria? – redargui, arqueando uma


sobrancelha.

Me perguntava se eu estava sendo óbvia demais como Gabriel

havia dito, pois não era todo dia que alguém se aproximava de mim
falando sobre crimes e essas coisas, ao menos não um
desconhecido.

– Deixar uma garota tão linda como você sozinha e indefesa...


– ciciou, passando a ponta da língua nos lábios –, assim abre
brechas para homens como eu me aproximar.

Pelo visto, esse homem era um poço sem fundo de amor-


próprio.

Crispei os dedos em desdém.

– Eu sei me cuidar sozinha, não preciso deles para me


defender. – Encarei-o, franzindo o nariz. – Obrigada por se
preocupar com a minha dignidade, senhor...?

Ele riu, divertindo-se com a ironia que eu não conseguia

controlar.

– Joshua – apresentou, recolhendo a minha mão e plantando


um beijo em seu dorso. – E qual seria o nome da garota mais bonita

da festa?

– Raika.

Ele não era um homem desagradável, mas algo nele me


incomodava, talvez o fato de que parecia querer me engolir com o

olhar ou as respostas engraçadinhas e um tanto invasivas.


Terminei a minha bebida, fazendo o canudo roncar ao fundo do
copo. Eu estava começando a me sentir entorpecida pelo álcool, o
estômago vazio e o cansaço iminente da semana auxiliavam nisso.

– Posso pedir outra bebida para você? – perguntou, lançando


um olhar para o meu copo vazio.

Ponderei por um segundo, eu iria de fato pedir outra, mas não


sabia se queria que ele pagasse para mim. Os homens tinham uma

maneira própria de achar que uma bebida valia alguma coisa com
uma mulher.

Joshua lançou os braços para cima em sinal de rendição.

– Sem expectativa de nada, juro – disse, notando a linha de


raciocínio que meu cérebro tomava –, só quero pegar uma bebida

para a mulher mais bonita da festa, sem segundas intenções, nada


demais.

Mordi as bochechas, encarando-o com afinco.

– Tudo bem, mas isso não significa que vai rolar alguma coisa
entre nós, se pensar o contrário, pode deixar que eu mesma pego a

minha própria bebida – expressei, um esgar nos lábios.


Joshua estendeu a mão e tocou com a ponta dos dedos no
meu queixo, um sorriso franzindo a boca para cima.

– Eu gosto de você, Raika, é muito esperta e língua afiada –


articulou, afastando-se em direção ao bar.

Analisei a pista de dança em busca de Gabriel ou Arthur e não


encontrei nenhum dos dois. Eu não precisei desbloquear o meu

celular para ler as notificações que eles enviaram para saber o que
dizia. Eles haviam ido embora com os pares que encontraram esta
noite, me deixando sozinha. Pelo lado positivo, eu tomaria um drink

de graça antes de também ir embora.

Joshua voltou e largou o copo na minha frente, levantando

uma sobrancelha com uma confiança de ego exagerada.

– Aqui está, moça bonita. – Ele ergueu a cabeça, encarando


algo acima de nós. – Quer vir comigo ao meu camarote?

Bufei.

– Eu disse que a bebida não significava nada.

– Mas eu não disse que significava, só perguntei se não quer


conhecer os camarotes comigo, é sempre tão desconfiada?
Engoli a vontade de rir, se ele soubesse qual era o meu

trabalho e os monstros que precisava enfrentar, jamais me acharia


desconfiada, porque, no final das contas, não era desconfiança, mas
sim precaução.

– Vamos, Raika, não é nada demais – insistiu, virando todo o


whisky do copo. – Lá em cima é bem mais confortável que aqui.

Bom..., eu estava sozinha e prestes a ir embora, não me


custava nada conhecer o tão famoso camarote da boate mais

badalada, cara e privilegiada da cidade. Talvez essa fosse minha


única oportunidade.

– Tudo bem.

Joshua me lançou um sorriso brilhante, antes de abrir caminho


pela multidão em direção às escadas que levavam aos camarotes.
Ele cochichou algo para o segurança que fazia a ronda do local,

indicando com a cabeça em minha direção. O homem não se opôs,


ele empurrou a grade que fazia a divisa entre as escadas e o resto
do clube, liberando nossa passagem.

Subi as escadas com calma, os saltos tinindo nos degraus


transparentes. Os camarotes eram tão requintados quanto o
restante. Paredes de vidro dividiam os blocos. Bancos e cadeiras
personalizadas cobriam os cantos, além de mesas centralizadas
com bebidas em cima. As pessoas dançavam enquanto observavam

o primeiro andar, balançando os corpos de acordo com o ritmo da


música. Daqui de cima, o ar-condicionado funcionava melhor,
tornando o ambiente mais gélido.

– Meu camarote é o segundo, venha... – murmurou Joshua por

sobre o ombro.

Ele entrou no pequeno espaço, o lugar estava vazio, não havia


absolutamente ninguém dentro do seu camarote exceto nós dois.

– Esqueceu de convidar seus amigos? – questionei, sorvendo


outro gole da minha bebida.

Ele riu.

– Eles devem estar dançando por aí, acredite, eu estava

acompanhado de mais quatro amigos.

Aproximei-me do parapeito de vidro e observei a parte de


baixo, notando que ao ter uma visão privilegiada de cima, a boate

parecia bem mais cheia do que eu havia percebido. Era um lugar


legal para ficar, talvez eu insistisse para que Arthur conseguisse um
camarote da próxima vez.

– Ei, já volto, vou ver se encontro algum dos meus amigos –

sussurrou próximo do meu ouvido, o hálito quente me fazendo


estremecer.

Fiz um aceno de cabeça, mantendo o rosto firmemente à

minha frente. Se eu me virasse, corria o risco de ele querer roubar


algum beijo, e eu não estava preparada para isso, tampouco sentia
vontade.

Joshua era um cara bonito, mas despertava mais desconfiança


em mim do que atração física.

Minha bebida já estava pela metade, mas seguiria com a

promessa que fiz a mim mesma de que iria embora assim que eu a
finalizasse.

– Se continuarmos nos esbarrando por aí, posso começar a


achar que está me perseguindo. – A voz soou do camarote

esquerdo.
Girei na direção do som, mas já sabia de quem se tratava
antes mesmo de olhar.

– Talvez eu pense o mesmo, afinal, o misterioso que apareceu


do nada foi você – retruquei, arqueando uma sobrancelha sugestiva
para Killiam.

O camarote dele estava um pouco vazio, não havia pessoas

desconhecidas, somente ele, os irmãos e o melhor amigo. Os outros


bebiam e conversavam entre si, enquanto Killiam me encarava com

um fogo diferente nos olhos, ele parecia um pouco furioso, mas


tentava se conter. E, céus, ele estava incrível. Os primeiros botões
da gola estavam abertos, mostrando o início do peito largo e

musculoso e as mangas foram dobradas até os cotovelos, revelando


os antebraços fortes e com veias saltadas.

Killiam era intimidador, mesmo de longe, as luzes da boate

pareciam contrastar com ele, tornando-o ainda mais aterrorizador.

– Companhias agradáveis para passar a noite? – questionou,


inclinando a cabeça.

Ele estava estranho, me fazendo questionar se estava drogado

ou com... ciúmes, mas a segunda suspeita era inadmissível, já que


mal nos conhecíamos.

– Tem algo contra? – Me aproximei, parando a centímetros de


distância.

Killiam me causava muitas sensações, desde medo até


excitação, mas jamais o deixaria me intimidar, ainda mais em uma

festa pública onde eu sequer sabia que ele estava presente.

Seus lábios se repuxaram em um sorriso mordaz, cheio de

promessas e significados que eu não conseguia decifrar.

– É triste quando alguém tão bonita e inteligente como você se


alia ao lado errado – sibilou, dando um último passo, colando o
corpo ao vidro que batia em sua cintura e fazia a divisão dos

camarotes.

Deus, ele estava mesmo drogado?

Isso era algo que me deixava inquieta, mas que precisava


entoar para mim mesma que eu estava em uma festa me divertindo

e que não tinha nada com isso. Não poderia simplesmente remover
meu distintivo da bolsa e prender todo mundo que portava drogas,
embora fosse ilegal e... eu pudesse mesmo fazer isso.
Engoli uma lufada de ar, acalmando os meus instintos.

– Seja lá o que você tenha usado, mantenha longe de mim ou


eu vou te prender – ameacei.

Questionar sua insanidade mental era uma coisa, agora vê-lo

usando drogas na minha frente era outra totalmente diferente, se


isso acontecesse, não conseguiria controlar os meus impulsos e
acabaria com a festa.

Killiam abriu a boca e franziu a testa, semicerrando os olhos.

– Como é? – Soltou uma risada eufórica, zombando de mim.

Isso não era nada bom, eu estava a um passo de sucumbir a


minha vontade de revirar todo o seu camarote em busca das drogas

que teriam usado.

Colei meu corpo ao vidro, ficando a centímetros do seu,


nossas respirações se misturando, seu perfume roçando em meu

nariz.

– Não vou falar uma segunda vez – vociferei, entredentes.


Os olhos castanhos me encaravam com tanta profundidade
que precisei trancar a respiração. Ele me analisava com certa

imoralidade, como se estivesse questionando-se alguma coisa,


então se inclinou, ficando tão próximo que eu podia sentir o calor
que seu corpo emanava.

– Me pergunto se você é louca, imoral ou ambos – sussurrou,

o hálito me fazendo resfolegar.

Me senti tonta, precisei piscar várias vezes para focar a minha


visão e não desmaiar. Minhas mãos estavam dormentes, assim

como as minhas pernas que pareceram ter perdido as forças.

Minhas sobrancelhas se uniram, um vinco profundo surgiu no

centro da minha testa enquanto me perguntava se Killiam tinha o


poder de fazer uma mulher desmaiar.

– Louca, talvez, sim, mas não sou imoral, isso eu posso afirmar
– disse, a voz lenta e trôpega.

Killiam pendeu a cabeça para o lado, os olhos castanhos fixos


nos meus, cheios de perguntas e dúvidas.
– Ainda não sei o que pensar sobre você... – articulou em um

bramido, como se estivesse falando consigo mesmo –, ou o que irei


fazer com você.

Certo, isso havia soado bem estranho.

– O que fazer comigo? – Soltei uma risada enfezada.

Outra onda de tontura me assolou e precisei espalmar as mãos


nos ombros largos de Killiam para me manter no lugar.

Havia algo errado.

Killiam abriu um sorriso convencido.

– Fico feliz com o seu interesse em mim, porque eu sinto a

mesma coisa por você – retrucou, mas havia um tom de zombaria


em sua voz.

Queria mandá-lo calar a boca e tirar o sorrisinho idiota do

rosto, dizer que ele era convencido demais se pensava que eu


estava me insinuando para ele, quando na verdade estava
passando muito mal. Mas não consegui falar nada disso, abri a boca

e a voz não saiu, como se minhas cordas vocais tivessem parado de


funcionar.
Killiam espalmou uma mão em minha nuca, puxando o meu

rosto para o seu.

– Você me deixa intrigado, justiceira, e isso não é algo comum


de acontecer – confessou, lambendo os lábios ressecados. – Eu

consigo ler as pessoas com muita facilidade, mas não você.

Engraçado porque eu sentia o mesmo com ele, tinha minhas


suspeitas e dúvidas com Killiam, mas não conseguia decifrar seu
caráter ou suas intenções.

– Por-por quê? – gaguejei.

Ele franziu o nariz.

– Eu também não sei a resposta.

Antes que eu pudesse pensar ou colocar a cabeça em ordem,

Killiam me puxou para si e colou os nossos lábios em um beijo


arrebatador.

Killiam não me beijava, ele me reivindicava.

A boca explorou a minha, sempre ordenando, nunca pedindo.

Nossas línguas brincaram em uma carícia precisa, a mão que


mantinha a minha nuca se fechou em punho ao redor dos meus
cabelos e o outro braço postulou minha cintura como se fosse sua
propriedade.

A música, o burburinho de vozes e até mesmo o chão que eu


pisava pareceu sumir, como se eu estivesse flutuando em um
mundo onde existia somente nós dois.

Suguei seu lábio inferior com os meus dentes, experimentando


o seu gosto. Ele gemeu, colando-me ainda mais ao vidro que nos

separava.

Parecia errado, mas ao mesmo tempo parecia tão certo.

O mundo começou a girar, meus pelos corporais se eriçaram,


meu corpo parecia anestesiado, trôpego, drogado.

Ele me possuiu e eu retribuí.

Killiam ordenou e eu obedeci.

Esfreguei minhas mãos em seus cabelos, massageando as


madeixas lisas e sedosas, experimentando a textura em meus

dedos. Seus braços grandes e torneados me circundavam, me


tornando pequena e irrelevante no meio deles.
Eu aproveitei cada mísero segundo do beijo mais arrebatador
que eu tinha tido na vida. Embora a consciência gritasse, nada era o
suficiente para me fazer parar.

Excitação molhou a minha calcinha, escorrendo pelo meio das

minhas pernas e me fazendo contrair as coxas uma contra a outra.

Soltei um gemido que Killiam prontamente engoliu, tomando-o


para si.

Meus pulmões gritavam, implorando por ar, mas a sede que eu


sentia de Killiam, a vontade de experimentar cada canto do corpo
que prometia o pecado, era mais arrebatador do que a necessidade

básica de respirar.

Nosso beijo era insano.

Com a falta de ar, o corpo ofegante e excitado, a sensação de


dormência se apossou ainda mais de mim, me deixando tonta ao
ponto de sentir tudo girar, e não de uma forma agradável. Minhas
pernas falharam, mas Killiam me manteve no lugar, segurando-me
com o braço que circundava minha cintura. Precisei me afastar, a

visão estava embaçada, pontos pretos dançavam em frente aos


meus olhos.
– O que está acontecendo? – Ouvi sua voz, mas ela soava tão
longe.

– Eu... eu não sei... – sussurrei, enfraquecida.

Meu estômago embrulhou, uma náusea absurda me fez fechar


os lábios para não vomitar na frente dele. Não sentia meus braços e
pernas.

– Tem alguma coisa errada – anunciei, fazendo esforço


absoluto para falar.

Meus lábios começaram a comichar, pesados.

– Stefano, vem aqui – gritou, mas eu não conseguia discerni-lo


além de uma sombra.

Pisquei, as pálpebras pesadas, lentas.

A sombra se duplicou.

Pisquei outra vez.

A sombra se multiplicou.

E então, o mundo se tornou escuro e silencioso.


Senti meus dedos contra o tecido macio de um lençol e um
colchão firme sobre as minhas costas. Abri os olhos com

dificuldade, tentando me orientar. Sabia que não estava em casa,

minha cama não era tão aconchegante e meus lençóis não eram tão
fofos.
Tentei lembrar o que havia acontecido, mas uma confusão de

imagens assolou minha mente, me deixando tonta mais uma vez.

Lembrava de ter ido até a boate com Arthur e Gabriel, também


lembrava de ter conhecido Joshua e tê-lo acompanhado para o seu

camarote, e o resto se tornava apenas flashes temporários.

Foquei minha visão ao redor e percebi que estava em um

quarto requintado e aconchegante, mas que não pertencia à minha


casa ou a qualquer lugar que eu já estive. Meu coração retumbou

em meu peito, socando minha caixa torácica com força.

Me acalmando, ergui o corpo pelos cotovelos para ver melhor.

Soltei um gemido pelo esforço, uma ânsia de vômito ameaçando


colocar para fora a última coisa que eu comi. Deitei-me outra vez,

controlando a respiração para não vomitar.

Minha garganta arranhava, seca, com a necessidade de água.

– Não deve fazer esforços, só vai piorar o enjoo e a dor de

cabeça. – A voz soou do lado da cama, me fazendo arregalar os

olhos e me mexer em uma velocidade vertiginosa.


– Deus! – engasguei-me, crispando os dedos nos lençóis para
não cair da cama.

Meu corpo inteiro latejava de dor e meu cérebro parecia solto

dentro da cabeça.

Killiam se levantou da poltrona em que estava sentado ao lado

da cama, os sapatos ecoaram contra o piso enquanto ele fazia a

volta e parava ao meu lado. Ele encheu um copo com água e me

ofereceu, seu semblante estava taciturno.

– O que aconteceu? – perguntei, a voz estava rouca como

cascalho.

Fiz um esforço imenso para me sentar e me escorar contra a

cabeceira. Se eu não estivesse sem marcas no corpo, pensaria que

fui atropelada.

– Não lembra de nada? – questionou, forçando o copo para


mim.

Bebi um gole, testando o meu estômago, então sequei toda a

água ao notar que a necessidade de sede era maior do que a de

vomitar.
Balancei a cabeça.

Ele soltou um suspiro e sentou-se na borda da cama, o

colchão afundou com o seu peso. Seus cabelos estavam

bagunçados e havia marcas escuras embaixo dos olhos, ele parecia


cansado e irritado.

– Você foi drogada – avisou, analisando cada reação fugaz do


meu rosto enquanto eu absorvia a notícia.

Uma nova vertigem me atingiu com força, espalmei uma mão

ao lado da cabeça, tentando conter a tontura.

– Que-quem? – Consegui perguntar, a garganta embargada.

Eu não queria acreditar que isso havia acontecido comigo, eu


sempre fui uma pessoa cautelosa, então como eu pude deixar isso
acontecer? Talvez, se não fosse por Killiam, eu poderia ter acordado

em condições deploráveis, ou, pior ainda, poderia estar morta.

– O cara com quem estava quando foi para o camarote, o

nome dele é Joshua Figueira – explicou, recolhendo o copo da


minha mão fria e trêmula. – Você o conhecia de onde?
Lágrimas pinicaram atrás dos meus olhos, mas me forcei a não

chorar. Não queria que Killiam visse como estava me sentindo


vulnerável, embora tudo levasse a crer que ele tinha me salvado,

ainda não confiava totalmente nele.

Balancei a cabeça, comprimindo os lábios para conter o

soluço.

Como se um portal para as lembranças tivesse sido atingido,

os flashes se tornaram mais vívidos, tudo o que aconteceu foi me


assolando aos poucos, me orientando, me deixando a par do que eu
passei.

– Ele drogou a bebida quando se ofereceu para pegar para

mim – anunciei, pensando em voz alta.

O sorriso de Joshua, a forma descontraída e invasiva como

tinha se aproximado de mim, a desconfiança que senti, embora


tentasse insistir que era implicância ou delírio meu.

Estava tudo na frente dos meus olhos, tudo explícito, e ainda


assim preferi não acreditar.
Levei a mão trêmula até a boca, assustada com os
acontecimentos da noite anterior.

E se Joshua possuísse ligação com a Camorra? E se ele

pretendia me sequestrar e me matar para me tirar do caminho?

Tudo fazia sentido.

Arthur disse que com a segunda apreensão provavelmente

entraríamos no radar deles, ainda mais que era a vênus, uma droga
cara.

Eles chegaram. Eles nos encontraram.

– Cadê meu celular? – perguntei, em pânico.

Eu precisava conversar com os meus amigos, precisava


contatar Gabriel e Arthur e garantir que estavam bem, que

chegaram em casa seguros.

Me debati na cama, procurando pela minha bolsa. Killiam

segurou os meus pulsos e me forçou a olhar para ele.

– O que está acontecendo?

Eu não podia contar, era um assunto confidencial.


– Você conhecia Joshua Figueira? – insistiu, semicerrando os
olhos.

– Não, eu nunca tinha encontrado com ele antes, nem sabia

que existia até ontem – afirmei, mordendo as bochechas para conter


a tensão.

Eu iria vomitar, tinha certeza. Não me sentia nem meramente

bem, estava prestes a ter uma síncope nervosa e nem havia ainda
me curado dos efeitos colaterais de ter sido drogada.

– E sabe por que foi vítima dele?

As perguntas de Killiam soavam estranhas no torpor em que


eu me encontrava, mas me contive, apenas neguei com um sinal.

– O que aconteceu depois que desmaiei? – Disfarçadamente,


olhei para baixo e soltei um suspiro aliviado quando notei que ainda

usava as mesmas roupas de ontem.

Killiam soltou uma risada enfadonha e se ergueu, afastando-

se.

– Eu não fiz nada com você, Raika, sou contra transar com

uma mulher que não esteja cem por cento consciente. – Ergueu os
lábios, mostrando os dentes enquanto sibilava cada palavra. –

Quando eu foder você, vai estar muito acordada, quero ouvi-la gritar
até ficar rouca enquanto a faço gozar.

Senhor!

Não tinha certeza se estava quente pela vergonha ou excitada


pelas palavras depreciativas.

Pigarreei, um ardor subia pelas minhas bochechas.

– Me desculpe, eu não quis insinuar... – respondi, abaixando


os olhos para o meu colo.

– Eu sei bem o que quis insinuar – retrucou, abrindo outro


botão da camisa amarrotada, revelando mais pele do peitoral

definido –, sou muitas coisas, já cometi atos que a humanidade

poderia duvidar, mas não sou um estuprador.

Eu estava sendo ridícula e ingrata, Killiam havia me salvado de

algo pior do que a morte. Mas, era um homem que não conhecia e,

infelizmente, eu tinha experiências o suficiente com o crime para


entender a minha desconfiança e o meu temor.
– Obrigada por ontem, se não fosse por você... nem sei o que

teria sido de mim.

Ele apenas balançou a cabeça e voltou a se sentar na mesma

poltrona que estava quando acordei.

– Eu a trouxe para o meu apartamento assim que desmaiou

nos meus braços – afirmou, descansando a cabeça no punho –,

percebi que havia sido drogada só quando apagou.

Fui alvejada por outra onda de lembranças.

Nós nos beijamos.

E foi o melhor beijo que eu já tive na vida.

Encarei Killiam que mantinha os olhos fixos nos meus, me


analisando com minúcia, tentando desvendar os meus

pensamentos.

– Lembrando de algo importante, Raika? – Sorriu

zombeteiramente.

Não precisava me olhar no espelho para saber que um rubor

cobria as minhas bochechas, me entregando. Ainda assim, apenas


balancei as mãos em desdém.

– Não lembro de muita coisa, somente alguns flashes – menti,

desviando os olhos para as minhas mãos em meu colo.

– Se quiser, posso refrescar a sua memória... – murmurou,

inclinando-se na poltrona.

Trinquei a mandíbula e prendi o ar nos pulmões, me

controlando para não parecer óbvia demais para ele.

– Estou um pouco zonza, acho melhor que as lembranças

venham com calma – respondi, mordendo o lábio inferior para


conter um sorriso.

Queria ver a cara de Killiam, mas não sucumbi à vontade,

mantive meus olhos em minhas mãos, evitando-o.

– Tudo bem – suspirou, retirando o celular do bolso da calça –,

tem algo que você queira? Analgésicos, comida, mais água?

Neguei.

– Eu quero ir para casa, preciso colocar meus pensamentos


em ordem e preciso ligar para os meus colegas... – falei, as palavras
saindo rápido demais, antes mesmo que pudesse absorvê-las.

Killiam franziu as sobrancelhas, a mão que mantinha o celular


pousando lentamente sobre a perna.

– Pra quê? – perguntou, desconfiado.

Eu jamais poderia falar a verdade, então precisei contar uma


meia-mentira.

– Tenho que contatar a polícia e contar o que aconteceu,


Joshua precisa pagar pelos seus atos, ele não pode ficar impune –

afirmei, sentindo a raiva inflar em minhas veias –, se ele fez comigo,

pode ser algo que faz com recorrência.

Enquanto não visse Joshua atrás das grades, não sossegaria.

Não tinha certeza se era associado ao meu trabalho das últimas


semanas, ou se eu havia sido uma vítima escolhida ao acaso,

alguém que ele se interessou no meio de tantas pessoas.

Independentemente, eu o faria pagar.

– Não se preocupe com isso, o problema já foi resolvido –

revelou, encolhendo os ombros.

Meu coração errou uma batida.


– Como assim já foi resolvido? – sibilei.

Eu estava sentindo medo de verdade pela primeira vez desde

que acordei, vasculhei o quarto com calma, procurando por minha

bolsa, mas não a encontrei em lugar nenhum.

– Simples, Joshua não irá mais lhe importunar... – divagou,

entediado –, não precisa se preocupar em contatar seus colegas, o


problema já foi resolvido.

Meu Deus!

O que diabos ele tinha feito com o homem? Não importava o


que Killiam falasse, eu não deixaria esse assunto morrer, precisava

descobrir a verdade do que aconteceu, mas, acima de tudo,

precisava descobrir o que diabos era o “resolvido” de Killiam.

Limpei a garganta.

– Será que eu posso ir para casa? – perguntei, a voz

esganiçada pelo crescente medo que tentava controlar.

Killiam riu.
– Não é uma prisioneira, Raika – Levantou-se e caminhou até
mim. – Eu te salvei na noite passada, esqueceu? Pode ir para casa,

só te trouxe para o meu apartamento porque não queria mexer nas

suas coisas.

Era um bom ponto. Se Killiam quisesse me fazer algum mal, já

teria feito, afinal, oportunidades não faltaram.

– Obrigada por isso, Killiam, não sei o que seria de mim se

você não estivesse por lá.

Ele estendeu a mão e eu agarrei sua palma, impulsionando-me


para fora da cama. Minhas pernas ainda estavam fracas demais,

trôpegas, e a tontura pareceu milhões de vezes pior com o

movimento.

– Tem certeza de que está bem? Pode ficar aqui por mais
algumas horas, eu precisarei sair, mas Nery ficará em casa.

Sorvi o ar com calma, apaziguando os sintomas de ter sido

drogada para poder ir para casa de uma vez. Só queria um banho e


minha cama. Queria ficar sozinha para pensar, queria falar com

Gabriel e Arthur.
– Sim, obrigada.

Killiam me ajudou a atravessar o apartamento vazio, minha


bolsa estava em cima do aparador da entrada, parecia intocada, e
meus sapatos estavam do lado da porta. Ele pegou tudo para mim,

sempre me mantendo firme em seus braços, segurando-me com


precisão.

O corredor estava vazio, não havia nem sinal dos homens que

faziam a segurança no dia em que nos conhecemos.

– Está sozinho? – indaguei, destrancando a porta.

– Eu nunca estou sozinho – respondeu, somente.

– Obrigada mais uma vez, serei eternamente grata por tudo –

agradeci, soltando um suspiro ao entrar em casa.

– Não me agradeça, querida, ainda não – respondeu, antes de


girar nos calcanhares e bater à porta na minha cara.

Esse homem era definitivamente bipolar, uma hora parecia se

interessar por mim e na outra desdenhar. Não conseguia dizer se


ele me queria perto ou longe. De qualquer forma, seria sim grata a
ele por ter me livrado das mãos de Joshua.
Tranquei a porta e espalmei uma mão na parede, mantendo-
me no lugar quando outra vertigem me assolou.

Merda!

Como ele sabia o nome completo do desgraçado que me

drogou se ele não havia dito nem para mim?

Não aguentei, mal tive tempo de chegar no banheiro antes de

vomitar tudo o que comi e bebi nas últimas horas.

Minha mente girava, nada fazia sentido, nenhuma peça parecia


se encaixar.

Antes de tudo, precisava de um banho, e então, precisava falar

com Arthur e Gabriel.

Quem era Joshua Figueira?

A pergunta retumbava.

Mas, ainda mais importante.

Quem era Killiam?


Essa pergunta era a que rompia meu cérebro, enfraquecendo

qualquer outra.
Estava preparado para matar meus inimigos quando vim para

o Brasil, mas não para torturá-los, por isso que Stefano teve um

pouco de dificuldade em encontrar um lugar... adequado para que


pudéssemos ter uma conversa civilizada com Joshua.

Meus sapatos ecoavam no galpão abandonado, entoando

minha presença para os meus homens. Ratos corriam pelos


escombros, gritando e chamando nossa atenção.

– Como conseguiu? – perguntei, empurrando portas-duplas.

Stefano encolheu os ombros e fez um barulho de desdém com

a garganta.

– Foi aqui que as drogas foram apreendidas, a polícia não

monitora o prédio, por isso foi tão fácil e rápido.

Era um bom local, ninguém ouviria Joshua caso ele fosse um


idiota que chorasse pedindo por piedade enquanto removíamos

seus membros. Ficava perto do porto, mas longe o suficiente para

ser isolado e silencioso. E fedia a mofo e peixe.

Joshua estava amarrado a uma cadeira, meus homens faziam

a ronda das aberturas, enquanto Teodoro o encarava com raiva

fluindo pelos poros, estalando os dedos, animado com uma das


coisas que mais amava fazer no mundo: torturar pessoas.

Meu irmão mais novo era um filho da mãe psicopata.

– Ele falou alguma coisa? – perguntei, parando ao lado de

Teodoro.
Joshua estava acordado, o rosto impassível, como se não
estivesse se mijando de medo pelo que estava prestes a acontecer.

Ele vestia as mesmas roupas de ontem à noite, quando havia sido

pego saindo da boate logo após Raika desmaiar em meus braços.

Eu poderia ter vindo antes, mas uma parte minha se negava a

deixar a garota sozinha, ainda mais com a quantidade de drogas

que ela havia ingerido.

– Está calado – respondeu Teodoro, soltando um grunhido e

pegando um alicate de cima de uma das cadeiras –, é bom que ele


se acostume, já que nunca mais vai falar depois que eu arrancar a

língua dele.

Teodoro estava prestes a explodir. Deixava-o irritado o fato de


que alguns homens não demonstravam medo, ele adorava infringir

tais sentimentos nas pessoas.

Puxei a cadeira para a frente de Joshua e me sentei, nivelando

nossos rostos.

– Então, vai começar a falar ou já posso começar a me

divertir? – demandei, mas não obtive resposta alguma. – Certo. O

que você queria com Raika?


Esperei exatos três segundos, antes de arrancar o alicate da

mão de Teodoro e esmagar o osso do joelho direito dele,


arrancando um grito de dor.

– Pelo menos sabemos que ele não é mudo – zombou


Stefano.

– Vamos tentar uma segunda vez... Raika trabalha para vocês?


– sondei, analisando sua fisionomia, procurando qualquer traço que
contasse a verdade, mesmo que mantivesse a boca fechada. Não

obtive nada. – Eu vou quebrar cada osso do seu corpo, então vou
distender os seus músculos, até que se torne uma bola de carne

inútil – sibilei, entredentes. – Mas posso tornar a morte muito mais


fácil, se começar a falar o que eu quero.

O maldito manteve o silêncio outra vez.

Ele estava mesmo me irritando, e eu odiava o sentimento.


Espalmei as mãos aos lados da camisa e puxei com força, fazendo

os botões voarem para todos os lados. Levei o alicate até o mamilo


e o apertei, girando-o e puxando-o até a pele romper e o mamilo
pender na ponta do alicate, separado do corpo. Sangue começou a

jorrar do buraco em seu peito, criando um rastro pela barriga plana


em direção ao cós das calças. Conseguia ver as cavidades de

gordura que ficavam abaixo da pele. Não era a coisa mais nojenta
que já tinha visto, mas ainda assim era desagradável o que me fez

franzir o nariz em nojo. Lágrimas saltaram pelos cantos dos olhos


dele, enquanto grunhia e se debatia, o joelho quebrado e deslocado

pendia de um lado para o outro.

– Última chance... – Estalei a língua no céu da boca.

– Não, por favor... – implorou.

Stefano fez um barulho com a garganta.

– Eu disse que ele choraria antes dos cinco minutos, me deve

cem pratas – disse, fazendo Teodoro bufar.

– Serei misericordioso se responder às minhas perguntas,


Joshua... você não precisa morrer em sofrimento – murmurei,

aproximando meu rosto do dele.

– Ela não trabalha para nós... eu nem sabia quem era... –

gorgolejou.

Analisei-o, procurando a verdade em suas palavras.


– Então por que o alvo foi justamente ela? – insisti, não
acreditando na coincidência que ele proferia.

Joshua trabalhava para o Los Matazetas, um nome irônico que

o Cartel de Drogas Jalisco Nova Geração costumava usar. Além de


serem inimigos do Cartel com o qual trabalhávamos, a Jalisco havia

se associado à Balbino e era o responsável pelas suas drogas no


Brasil.

Quando vi Raika com esse desgraçado na boate, pensei que


ela fazia parte da folha de pagamento de Balbino e declarei que
estaria morta até o final da noite. Mas só percebi que as coisas

estavam muito estranhas e que nada fazia sentido quando ela


desmaiou, totalmente drogada por Joshua. Então a levei para casa

e prendi Joshua no galpão, queria entender o que estava


acontecendo e estava ficando impaciente.

– Eles me mandaram buscar a garota, me deram uma foto dela

e ordenaram que eu deveria levá-la até eles.

Hum... estranho e incomum.

Por que acabar com uma policial que estava prejudicando


apenas o inimigo? No caso, eu.
– Por quê?

Joshua ponderou, abrindo e fechando a boca, pensando no


que falar. Sem lhe dar mais chances para pensar, pressionei o

alicate no segundo mamilo e puxei com força, arrancando-o com


mais brutalidade de como havia feito com o primeiro. O cheiro de

cobre impregnou as minhas narinas, me fazendo inalar o ar com


mais força.

– Adoro o cheiro da dor que é causada nos inimigos... e olha

que só estou começando. – Eu sorri maliciosamente diante do

horror explícito em seu rosto. – Por que o interesse em Raika?

Ele balançou a cabeça, a cor esvaindo-se aos poucos do rosto.

– Não sei... juro que não sei – crispou, chorando como um

covarde –, só ordenaram que eu a levasse para eles, nada além


disso.

Levantei-me da cadeira, olhando para meu irmão e meu


consigliere. Nada estava fazendo sentido, precisava de mais

cabeças para me ajudar a raciocinar.


– Raika é uma boa aliada para eles, por que iriam querê-la? –

Pensei alto, batendo o alicate na palma da mão, fazendo Joshua se


encolher a cada batida.

– Eu pensei que ela trabalhasse para eles, mas se não

trabalha, descarta a hipótese de que estava tentando nos prejudicar

e entra a de que ela pode ser só um peão em um jogo que nem

sabe que faz parte – comentou Stefano.

– Ela não trabalha para nós, não que eu saiba, pelo menos,

eles nunca falaram que ela era uma aliada – confessou Joshua.

A dor estava causando um surto de verdade nele, o medo de


ser torturado outra vez era maior do que o pavor de delatar o grupo

que fazia parte. E esse era um erro muito comum nos Cartéis de

drogas, eles não costumavam educar seus homens, então eles não
eram acostumados com tortura e abriam a boca sempre que eram

pegos pelos inimigos, exceto pela polícia, nesse caso, preferiam a

prisão do que a morte iminente de delatar seus bandos.

– Se ela não é aliada, prestava um bom serviço para a Jalisco,

por isso não faz sentido que a queiram fora do radar – afirmou

Teodoro.
Andei de um lado para o outro, pensando, vasculhando em

minha cabeça algo que fizesse uma conexão, ao menos.

– Raika não é corrupta, pelo visto, é só uma policial

manipulável que está tentando fazer o seu trabalho... – murmurei,

arrastando o dedo pela mandíbula – ao menos que ela não esteja só


nos prejudicando como havíamos pensado, mas que também esteja

apreendendo as drogas da Jalisco, então isso explicaria o porquê

querem se livrar dela.

– Sim, isso responderia nossas dúvidas – confirmou Teodoro.

Me aproximei outra vez de Joshua, o alicate queimando em

minha mão,

– A polícia apreendeu drogas de vocês nas últimas semanas?

Joshua balançou a cabeça, os lábios trêmulos, os olhos

brilhando pelas lágrimas. Esperei, mas ele não respondeu, tentando

se esquivar da pergunta.

– Queria mesmo ter sido bonzinho... – suspirei.

Retirei um cortador de dentro da bolsa que Stefano carregava

e segurei a mão esquerda de Joshua, forçando os seus dedos,


enquanto ele tentava fechar a mão em punho, gritando. Estiquei o

indicador e pressionei a ponta, cortando-o fora. O osso estalou e


ecoou pelo galpão vazio antes de quicar no chão. Ele berrou tão alto

que eu estremeci.

– Porra, seu maldito de merda! – urrou, batendo as costas

contra o encosto da cadeira.

Me afastei, abotoando o blazer e encarei Stefano e Teodoro.

– Eu ainda não consegui fazer uma conexão com os últimos

fatos.

Stefano comprimiu os lábios e cruzou os braços em frente ao

corpo.

– Eu também estou tentando entender, mas nada faz sentido,

não neste momento pelo menos – refutou.

– Vamos continuar a tortura, ele vai morrer de qualquer jeito,

agora se prefere ter uma morte lenta e muito dolorosa é com ele –

apontou Teodoro, encarando Joshua com nojo.

– Não, não, por favor... – implorou em um soluço.


Revirei meus olhos e girei o corpo em sua direção.

– Você fica patético enquanto implora por misericórdia, seu


idiota – grunhi, inclinando-me sobre ele. – Pare de implorar, Deus

não tem piedade de homens como nós.

Ele balançou a cabeça, lágrimas deixavam um rastro nas

bochechas.

– Raika não apreendeu nenhuma droga nossa – informou,

optando pela morte rápida e indolor.

Semicerrei os olhos, desconfiado.

– Então me informe por qual porra de motivo queriam ela fora

do radar! – ordenei, agarrando-o pelo colarinho da camisa.

– Eu já disse que eu não sei, eu juro, eles só ordenaram que

eu a levasse para eles.

– Viva? – questionou Stefano.

Joshua confirmou com um sinal.

– Talvez estivessem querendo contato com Raika para tentar


corrompê-la, por isso a queriam – objetou Teodoro.
Era um ponto, mas ainda não fazia sentido. Se quisessem

mesmo contato com Raika para oferecer um acordo, teriam feito


uma abordagem menos invasiva... ah não ser que a garota seja

difícil de se corromper.

Soltei uma respiração ruidosa pelo nariz.

– Temos que investigar, tem alguma coisa que não sabemos


que está acontecendo e não quero e não vou deixar Balbino a um

passo à frente pela segunda vez – afirmei, retirando o celular do

bolso.

– O que você vai fazer? – perguntou Stefano, afiando o olhar


para mim.

– Está na hora do Mamba-negra aparecer e resolver a porra da


situação, são as minhas drogas que ele está distribuindo que estão

sendo desviadas e eu exijo uma explicação.

– E quanto a garota? – questionou Teodoro.

Um dos cantos dos meus lábios se curvou em um meio-sorriso


com a menção de seu nome.

– Se alguém irá corrompê-la, esse alguém sou eu.


– Por quê? – Teodoro esfregou a nuca, confuso.

– Porque eu a quero.

Eu me sentia um pouco obcecado por Raika, não podia negar,

e saber que ela não trabalhava para Balbino aguçou ainda mais
esse sentimento. Gostava do jeito que ela me desafiava, da

esperteza que deixava claro em seus gestos e falas, da

desconfiança que exalava. Raika era um desafio e eu me sentia

motivado quando era desafiado.

A observei durante toda a noite de sono, vendo as feições


harmônicas e serenas enquanto descansava. Ela era deslumbrante

até mesmo enquanto dormia.

Eu a queria e a teria. E faria a pequena justiceira se curvar a

mim.

– Eles não vão parar, eles querem Raika por algum motivo, se
eu não a levar, alguém virá para buscá-la – declarou Joshua.

Removi um lenço do bolso da minha calça e limpei o sangue


respingado na ponta dos meus dedos.
– Por favor, eu posso ser útil, se me soltarem, eu posso me
tornar o informante de vocês... – continuou.

Revirei os olhos, impaciente.

– Acho que está na hora – murmurei.

Joshua sorriu, alívio suavizando a carranca de dor em seu


rosto.

– Na hora do quê? – questionou, erguendo o pescoço.

Ampliei meu sorriso.

– Na hora de você morrer! – disse, retirando a arma do coldre

da cintura e abrindo um buraco no meio da testa dele. Joshua caiu


desfalecido para o lado.

– Porra, você nem me deixou brincar – resmungou Teodoro.

– Ele já estava me irritando, chorando demais. – Guardei a

arma de volta e dei um passo para trás, me afastando do corpo. –


Stefano, entre em contato com o Mamba-negra e mande-o vir ao
Brasil imediatamente.

– E quanto ao corpo? – questionou.


– Deixe-o aqui, vamos enviar uma mensagem para a policial.

Coloquei uma mão no bolso dianteiro da calça e deixei o


galpão pútrido para trás, em passos deliberados.

Tinha novos planos para a minha estadia no Brasil, e estava

ansioso para começá-los.


Encarei a tela do computador me sentindo frustrada ao
extremo, Joshua não tinha antecedentes criminais, nada que o

colocasse no radar da polícia.

Não falei nada para Arthur e Gabriel sobre o que tinha

acontecido, mantive os fatos em silêncio. Depois que descobri que


estavam vivos e que nada de estranho havia acontecido, cheguei à
conclusão de que fui uma vítima ao acaso, que não tinha ligação

nenhuma com a investigação que estávamos procedendo. Também


tinha o fato de que eu fazia questão de culpar Joshua pelo que tinha

feito, mas me sentia ressentida diante das palavras de Killiam.

“O problema já foi resolvido’” Mas no que consistia essa

resolução?

Algo muito estranho estava acontecendo e não saber o que era


me deixava estressada.

Quem era Killiam, afinal? E por que eu o desejava na mesma


medida em que o queria bem longe de mim? Certo, eu tinha vontade

de transar com ele, meu interesse era puramente sexual, mas...


ignorar meus instintos perto dele não me parecia uma boa ideia,

mesmo que ele tenha salvado a minha vida.

– Daqui a pouco vai começar a sair fumaça da sua cabeça se

continuar pensando demais – comentou Arthur, apontando para

cima e fazendo menção da fumaça inexistente.

Bufei, escorando-me contra o encosto estofado da cadeira,

tentando relaxar.
– Entramos na terceira semana e até agora não conseguimos
nada, nosso prazo está prestes a estourar – falei, contando uma

parte do que estava me deixando frustrada.

A investigação foi de um sucesso a um fracasso em questão

de uma semana, em um dia estávamos comemorando as

apreensões; no outro, estávamos frustrados por ter voltado para a

estaca zero.

Gabriel entrou na sala e parou de caminhar, dando um passo

para trás, analisando-nos com a testa franzida.

– O que está acontecendo? – perguntou, se aproximando com

uma lentidão exagerada.

Arthur apontou com a cabeça em minha direção.

– Nossa colega aqui está tendo uma crise existencial –

brincou, batendo uma caneta na ponta da mesa.

Bufei.

– E vocês não estão? Eu ainda não me sinto pronta para


arquivar essa investigação e seguir para outra – confessei.
Embora eu devesse preferir que a investigação não fosse para

frente, assim nos tiraria da mira dos mafiosos e traficantes, eu tinha


um impulso homicida, e estava muito feliz em mexer com gente

grande e poderosa se isso significasse fazer justiça.

– Acho que Heitor vai nos dar uma segunda chance –

argumentou Arthur, gesticulando com as mãos –, se fosse uma


operação menor ou menos importante, já teria nos mandado parar e
seguir para outra.

– Eu acho a mesma coisa – concordou Gabriel, abrindo a


gaveta da mesa e retirando um pacote de salgadinho –, Heitor sabe

que não estamos lidando com gente pequena e que precisamos de


mais tempo para encontrar uma direção e captar novas provas.

Não era uma operação fácil ou pequena, isso era um fato,

disseminar e desmantelar uma quadrilha levava muito tempo,


dedicação e foco. Além do mais, colocava nossas cabeças na reta,

qualquer passo em falso, qualquer ato impensado, poderíamos ser


mortos em um piscar de olhos. Quando começávamos uma
operação dessa magnitude, segurança era a última coisa que

tínhamos durante todo o processo.


– Espero que vocês estejam certos... – falei, escorando a

cabeça no encosto da cadeira e fechando os olhos.

O final de semana que Arthur havia programado para relaxar

tinha funcionado somente para ele e Gabriel, eu continuava tensa


demais, sentia os meus músculos retesados e meus ombros

doloridos. Diferente deles, minha noite tinha sido de completo terror


e não de inteiro prazer.

O cheiro acebolado do salgadinho de Gabriel flutuou até mim,


me deixando um pouco enjoada. Meu estômago não estava
completamente curado desde que acordei drogada, enjoada e com

sede na casa de Killiam.

Eu queria contar para eles o que aconteceu, mas não sabia


como explicar todos os fatos, inclusive o fato de que eu não fazia

ideia de onde Joshua estava ou em qual situação se encontrava.

Precisava de férias, estava nítido diante do cansaço que

sentia, mas não poderia parar, não agora, não diante da


investigação.

Uma batida soou na porta e em seguida Medeiros, um dos


agentes responsável pela parte dos homicídios, colocou a cabeça
para dentro.

– Ei, estão muito ocupados? – disse, os olhos correndo entre


nós três.

– Depende de quem está chamando – respondeu Arthur com


sinceridade.

Medeiros riu.

– Tenho algo que acho que vão querer ver – anunciou,


erguendo as sobrancelhas loiras –, encontramos um corpo, talvez

tenha ligação com a investigação de vocês.

Meu coração errou uma batida, me ergui na cadeira,

arrumando a postura, picos de animação me atingindo com força,


me deixando extasiada.

– E por que você acha isso? – questionou Gabriel.

Medeiros abriu um sorriso incisivo.

– Se vocês me acompanharem, eu conto tudo – falou, antes de


nos dar as costas e fechar a porta.
Medeiros não era muito conhecido por ser um homem
modesto, ele tinha o hábito de ser convencido e um pouco
desdenhoso, por esse motivo não estava na lista de pessoas

favoritas no trabalho de Gabriel e Arthur.

– Idiota – sibilou Gabriel, arrancando risadas minhas e de

Arthur.

– Sim, um idiota, mas um idiota que pode nos trazer uma


direção e algumas respostas – contra-argumentou Arthur,

levantando-se e recolhendo o celular da mesa –, por isso sugiro

irmos atrás dele e descobrir sobre o que se trata a tal ligação que
ele sugeriu.

Balancei a cabeça, concordando com sua afirmação.

– Vamos, estou ansiosa e com muita expectativa pela primeira


vez nos últimos dias – sussurrei, levantando-me.

Gabriel soltou uma exalação.

– Tudo bem, vocês é que mandam.

Se Medeiros tinha uma pista, o seguiríamos aonde quer que

ele fosse nos levar.


Eu não era supersticiosa, mas descobrir que o corpo estava no

mesmo galpão em que apreendemos as drogas na última vez

elevou meus picos de ansiedade e animação. Não tinha como ser

uma coincidência, ao menos esperava que não.

Medeiros tirou um produto de dentro do bolso e estendeu em

nossa direção.

– Vocês não estão acostumados com os odores causados por


um cadáver em decomposição, por isso sugiro que cheirem isso ou

vão desmaiar no meio do caminho. – avisou. – O corpo não parece

estar aqui há tanto tempo, mas o calor fez com que acelerasse o
estado de decomposição do cadáver.

Eu odiava ver gente morta, esse era um dos motivos pelo qual
pedi que fosse incumbida ao tráfico de drogas assim que cheguei na

delegacia. Não tinha problemas com sangue, mas cadáveres em

decomposição faziam parte dos meus pesadelos.


– Por favor... – pedi, estremecendo em antecedência com o

que estávamos prestes a presenciar.

Medeiros me entregou um pano limpo com o produto, espirrei

algumas borrifadas nele, inalando o cheiro agradável de canela que

fluiu. Arthur e Gabriel fizeram o mesmo, não se negando em aceitar


a dica de um homem que já havia visto de tudo.

– Venham, daqui a pouco o corpo será encaminhado para o


IML, não precisamos ficar lá dentro por mais tempo do que o

necessário – expressou, tomando a frente em direção a entrada do

galpão.

Assim que atravessamos as portas, o cheiro pútrido atingiu o

meu olfato, embrulhando o meu estômago e gerando pontos pretos


em frente à minha visão.

Céus, eu era um desastre em homicídios.

Agarrei-me em Gabriel e me direcionei para o local onde o

corpo jazia no chão. Meu colega me lançou um olhar


condescendente antes de segurar minha cintura e me dar forças

para continuar. Tampei o nariz com o pano, inspirando o cheiro de


canela, tentando enganar o cheiro nojento que parecia impregnar

em mim.

Medeiros parou em frente ao corpo e colocou luvas,

agachando-se. Me neguei a fazer o mesmo, não suportava estar tão


perto de um cadáver naquele estado, quem dirá me inclinar sobre

ele.

O homem estava desconfigurado, a pele inchada e arroxeada,

os mamilos foram arrancados, deixando buracos com o sangue

coagulado. Seus olhos estavam abertos, moscas perambulavam


pelas órbitas e ratos caminhavam pela volta, prontos para comer a

carne em decomposição.

– Porra, eu acho que vou vomitar – comentou Arthur, enfiando

o pano no rosto.

As mãos estavam ao lado do corpo e em uma delas faltava a

ponta do dedo indicador e tinha um buraco de bala centralizado em

sua testa.

– Ele foi torturado? – questionou Gabriel, a voz esganiçada.


– Tudo indica que sim – afirmou Medeiros, pegando o braço

direito do homem e puxando a manga da camisa para cima –,

parece que ele sofreu antes de ser morto.

– Será que podemos olhar logo o que quer que seja e sairmos

daqui? – insistiu Gabriel, a cor mudando de seu rosto.

Meu estômago estava revolto, como se tudo o que ingeri

durante o dia tivesse se tornado pedra em meu organismo.

– Olhem bem para isso aqui – anunciou Medeiros, removendo

uma lanterna do bolso e apontando para o antebraço do cadáver –


Essa é a ligação que tem com as drogas de vocês.

Havia uma tatuagem na pele, as letras CJNG estampadas

lateralmente em tinta preta. Substituindo o L, havia uma arma

apontada para cima.

Ofeguei, dando um passo para trás.

Medeiros não precisava explicar mais nada, sabíamos bem o

que significava.

C – Cartel
J – Jalisco

N – Nueva

G – Generación

Um dos maiores distribuidores de drogas do Brasil e inimigo


número um do Cartel ao qual apreendemos drogas nas últimas

semanas.

– Puta merda! – resfolegou Arthur.

– Ele fazia parte da Jalisco – murmurou Medeiros,

expressando o óbvio –, mas pelo jeito em que foi morto, acredito

que alguém do Los Zetas tenha encontrado ele.

– Acha que é só uma briga entre Cartéis ou tem algo a ver com

as drogas que foram apreendidas nas últimas vezes? – objetou

Arthur.

Medeiros comprimiu os lábios, ponderando.

– Eu não sei dizer, mas achei coincidência demais encontrar o

corpo no mesmo lugar em que as drogas foram apreendidas, vocês


não?
Eu iria vomitar a qualquer momento.

Minhas mãos começaram a formigar, me fazendo fechá-las em


punho ao lado do corpo e meus lábios perderam a força, ficando

vagos e enfraquecidos.

– Acha que foi um aviso? – refutou Gabriel.

Medeiros se levantou e removeu as luvas, jogando-as em um

canto qualquer do galpão. Ele retirou um bloco de dentro do bolso

traseiro da calça jeans e passou os olhos pelas linhas escritas.

– Joshua Figueira era membro da Jalisco, o Cartel inimigo ao

qual vocês estão apreendendo as drogas, e foi encontrado morto no

último lugar da apreensão – afirmou, erguendo os olhos para nós –,


não acho que seja coincidência.

Meu coração rompeu em meu peito, zumbindo com tanta


intensidade que me fez perder a audição por um momento. Tentei
me mexer, mas não consegui. O pavor funcionando como um

rompante, me deixando inofensiva.

– Co-como ele se chamava? – Consegui proferir, a voz fraca,


enrouquecida.
Três cabeças giraram em minha direção.

– Joshua Figueira – proferiu Medeiros, semicerrando os olhos


–, você o conhecia de algum lugar?

Tinha certeza de que estava branca feito um papel, a coloração


do meu rosto desbotado pelo desespero entranhado em minhas

veias.

Isso não podia estar acontecendo.

Não conseguia respirar, não conseguia identificar o que

acontecia ao meu redor, era como se o mundo estivesse girando em


sentido contrário, opondo-se a rota normal.

– Raika, está tudo bem? – Gabriel segurou o meu braço

firmemente sentindo que minhas pernas estavam quase cedendo.

Sem condições de lhe dar uma resposta verbal, limitei-me a


acenar.

– Você conhecia esse homem? – insistiu Medeiros,

aproximando-se lentamente, tentando me intimidar de alguma


forma.
Eu precisava reagir, mas não sabia como.

Killiam disse que tinha resolvido o problema, ele só esqueceu


de comunicar que sua resolução era a tortura e morte.

Céus!

Killiam trabalhava para o Los Zetas?

Os seguranças, a forma como se portava, o perigo que


emanava pelos poros. É claro que ele era um criminoso, estava

estampado. Eu já tinha conhecimento o suficiente de homens


psicopatas para conseguir identificar um, e Killiam com certeza era
um deles.

E ele estava me cercando.

Mas então por qual motivo ele me salvou de Joshua?

Eu estava fodida – e não do jeito bom –, meus dias na Terra


estavam prestes a acabar.

Engoli em seco, controlando a respiração, acalmando os meus

nervos.
– Não o conhecia – menti, mantendo meus olhos longe do
cadáver de Joshua para perpetuar a mentira –, estou apenas em

choque com o fato de que estamos na mira dos Cartéis.

Medeiros manteve o olhar fixo no meu, analisando-me,


buscando a verdade em mim. Me mantive firme, sem dar margem

para desconfianças.

Não tinha certeza do porquê eu estava fazendo isso, poderia


facilmente contar para eles que conheci Joshua na boate sábado,
mas daria margem para perguntas e talvez Heitor me tirasse da

operação para a minha segurança. E isso não era nem meramente


uma possibilidade aceita por mim.

– Certo. – Afastou-se, por fim. – Vocês sabem que estão na


mira dos Cartéis, sugiro que tomem cuidado a partir de agora. Se eu
souber de mais alguma coisa, contatarei vocês.

Arthur estendeu a mão e apertou a de Medeiros em


cumprimento.

– Obrigado por nos ajudar, se soubermos de algo relacionado


a este homicídio, também entraremos em contato.
Não esperei para ouvir o restante da conversa, corri para fora

do galpão deliberadamente. Precisava de ar puro ou desmaiaria a


qualquer instante.

Na rua, o sol penetrou a minha pele, enviando um calor

aconchegante, não percebi que estava com frio até o momento.


Inspirei uma profunda lufada de ar, deixando o ar natural se infiltrar
em meus pulmões, apagando o cheiro do cadáver em

decomposição.

Joshua Figueira estava morto. Ele foi morto por Killiam.

Meu Deus, eu tinha beijado um assassino.

E de algum modo muito doentio e psicótico, não me

incomodava com isso. O beijo parecia o menor dos meus problemas


e eu nem mesmo me arrependia dele.

Precisava pensar como proceder, o que faria. Se Killiam era do

Los Zetas como eu achava, tinha que descobrir por qual motivo ele
me salvou e o que diabos ele queria comigo.

Apertei as mãos em punho, as unhas marcaram a pele quando


a raiva cega e crua me ofuscou, tomando o lugar do desespero.
Ninguém iria me intimidar, muito menos Killiam.
Perambulava de um lado para o outro na sala do meu
apartamento, avaliando e colocando os pensamentos em ordem.

Não voltei para a delegacia depois que fomos até o corpo de

Joshua. Fingi estar muito fragilizada com a hipótese de que

estivéssemos com um alvo nas costas e embora isso não fosse bom
para a minha reputação, precisei mentir para que pudesse vir para
casa sem desconfianças, mas não sem antes implorar para que

Arthur e Gabriel não contassem a minha situação para Heitor, pois


não queria ser removida do grupo da investigação.

Nada fazia sentido em minha mente atordoada e o fato de que

eu estava quase tendo uma síncope não ajudava.

Encarei minha arma em cima da mesa, meu coração

retumbava, bombeando sangue com força total.

Seria suicídio o que eu estava pensando em fazer, mas me

parecia uma situação bem viável na minha mente impulsiva.

Trinquei a mandíbula com tanta força que o músculo estalou e

meus dentes rangeram.

Foda-se!

Caminhei até a mesa e recolhi a arma, conferindo se estava

carregada antes de colocá-la no cós dos meus jeans e escondê-la


debaixo da blusa preta da PF que eu vestia.

Parei por um segundo, o juízo duelando com os meus instintos

impulsivos, mas perdendo a disputa vergonhosamente e me

fazendo ceder. Deixei o meu apartamento para trás, o corredor vazio


servindo como uma onda de adrenalina em meu sangue. Toquei a
campainha de Killiam e esperei.

Eu tinha estudado sobre o comportamento humano, sabia que

as pessoas costumavam desviar os olhos nem que fosse por um

segundo quando contavam uma mentira. Assim como sabia

identificar em um depoimento quando alguém se sentia nervoso,

pois todo mundo emitia um comportamento repetitivo em situações

desconfortáveis. O meu era bater o pé no chão, e quando


identifiquei, passei a me policiar para que soubesse disfarçar, como

agora.

Uma agitação nervosa retumbou em meu peito quando ouvi

passos vindo do outro lado da porta. Killiam apareceu segundos

depois.

– Raika, que prazer vê-la aqui – ciciou, abrindo um meio-

sorriso despudorado. – Precisa de alguma coisa?

– Sim, eu preciso falar com você.

Killiam se afastou, puxando a porta para trás e liberando a

passagem. Eu não sabia bem o que iria fazer, só que tentaria


descobrir alguma verdade e que enfiaria a arma em sua cabeça

caso ele me ameaçasse.

Entrei no apartamento calculando os meus movimentos, não

queria parecer agitada ou nervosa, então fiz o possível para parecer


o mais confortável.

– Estou ouvindo – disse, apontando para que eu ocupasse um


lugar no sofá, enquanto se dirigia até o bar –, quer uma bebida?

– Não, obrigada.

Killiam se serviu de uísque puro e retornou, ocupando uma das


poltronas à minha frente.

– O que seria tão importante que me concedeu a honra da sua


presença, policial? – murmurou, bebericando um gole da bebida
âmbar.

Não deixei de notar a forma depreciativa como expressou o


apelido que me deu. Ele estava zombando de mim, como se

soubesse exatamente o que tinha ido fazer em seu apartamento,


como se estivesse esperando pela minha visita.

Deus, eu mataria esse homem antes que a noite caísse.


– O que você quis dizer com “o problema foi resolvido”, no

caso, Joshua? – questionei, fazendo aspas com os dedos.

Killiam se recostou contra a poltrona, o sorrisinho idiota

espalhado pelo rosto, os olhos brilhando.

– Qual é a sua preocupação? – contra-argumentou.

Se ele queria jogar, tudo bem, eu era uma ótima rival.

– Que ele venha atrás de mim outra vez – menti, erguendo o


maxilar.

Ele franziu o nariz, evidenciando que sabia que eu estava


mentindo, mas parecendo apreciar o embalo que a conversa levava.

– Você sabe que isso não é possível... – murmurou,


balançando o copo com a mão, brincando com a bebida que batia

nas laterais do vidro.

– Na verdade, eu não sei, por que te faz ter tanta certeza


disso?

Uma risada rouca separou os seus lábios.

– Você é agradavelmente desafiadora, Raika.


– Eu ainda estou esperando uma resposta – revidei, grunhindo.

Killiam depositou o copo ao lado da mesa e se inclinou para a


frente, cruzando os braços em cima dos joelhos. Em seus olhos

havia vislumbres de desafio e eu sabia que ele estava me


empurrando para fora, descobrindo até onde eu levaria o jogo.

– Eu não preciso responder algo que você já sabe, preciso? –


questionou. – É mais esperta que isso.

Encarei-o, mantendo o seu olhar por segundos intermináveis,

não cederia, nem que minha vida dependesse disso. Killiam era um
desafio que eu superaria, ou terminaria morta, mas, independente,

jamais, sob hipótese alguma, sucumbiria às suas vontades e


ameaças.

– Quem é você? – vociferei, inclinando-me, aproximando-me

dele.

O cano da arma pinicava a pele das minhas costas, uma

lembrança de que estava protegida, que eu sabia como manusear


uma arma e não tinha medo de atirar em alguém para proteger a

minha vida.
– Me surpreende que ainda não saiba a resposta – ciciou,
arrumando a coluna e esfregando o dedo indicador no maxilar,
alisando os pelos crescidos da barba –, talvez eu tenha mesmo te

subestimado.

Deixei minha cabeça pender para o lado e sorri.

– Será? – objetei, sentindo uma felicidade insana ao vê-lo

semicerrar os olhos diante da pergunta retórica.

O silêncio recaiu outra vez, enquanto duelávamos com o olhar


por tempo indeterminado.

– Não me teste, Raika, não sou como os homens que está


acostumada a lidar... – grunhiu, mostrando os primeiros sinais de

irritação.

Ergui uma sobrancelha ao ver a veia pulsando em seu pescoço

e o vinco profundo em sua testa. Killiam estava tentando me ler,

mas não estava conseguindo, então isso estava o irritando


profundamente.

Soltei uma risada enfezada.


– E o que te faz pensar que é melhor do que eles, Killiam? Nós

mal nos conhecemos, não sabe quais são os meus métodos de


trabalho.

No primeiro movimento dele, arrancaria a arma do cós da calça

e apontaria em sua direção, não daria brecha para que pudesse me

dominar.

Killiam me analisou por um momento.

– Está blefando... – assumiu, rindo. – Mas preciso confessar

que isso foi bom, é uma tática infalível, sei que funciona com os

desavisados. Só ainda não decidi se já sabe sobre as condições em


que Joshua se encontra ou se está aqui realmente em busca de

respostas.

Merda!

– Eu já fui comunicada sobre a morte de Joshua... – eu disse,


omitindo o fato de que tinha visto o corpo.

– E está aqui para questionar sobre o suposto crime que eu


cometi?
– Estou aqui porque quero saber quem você é de verdade,

estou tentando encontrar uma solução amigável para resolver os

nossos problemas.

Não conhecia ninguém do Los Zetas, tampouco sabia o nome

do chefe do Cartel. Nenhum capanga deu com a língua nos dentes,


eles se mantiveram calados até agora e eu duvidava que um dia

fossem falar. Em minha linha de raciocínio, pra Killiam ter matado

Joshua, ele não poderia fazer parte da Jalisco, mas sim do Los

Zetas. E estava aqui para me matar ou me intimidar. Sendo a


segunda opção a mais forte delas, já que teve muitas oportunidades

de executar a primeira e não tinha feito nada.

– Você é esperta e sagaz suficiente para descobrir isso

sozinha, Raika – refutou, gesticulando em desdém com uma mão. –

Ao menos foi isso o que sempre achei, portanto, por favor, não me
decepcione.

Meu sangue ferveu como brasa, senti o calor subir pelo

pescoço e alcançar as bochechas. Killiam era um maldito imbecil.

Me levantei do sofá em um pulo, ignorando todo o plano ‘A’ que

eu tinha elaborado e vagando diretamente para o plano ‘B’. Eu iria


remover a verdade da sua boca espertinha, nem que eu precisasse

violar algumas leis no processo.

Ao detectar meu movimento, Killiam se ergueu e segurou o

braço que levei às costas, mas consegui desvencilhar a outra mão


do seu alcance e alcancei a arma, mirando-a em sua direção.

– Eu não tenho medo de uma arma, justiceira, muitos homens


apontaram uma para mim e hoje não estão vivos para contar a

história – sibilou.

Ele segurou a mão que eu mantinha a arma e tentou me forçar

em outra direção, removendo-o da mira. Ergui meu joelho e tentei


acertar suas pernas, mas ele desviou a tempo.

– E eu não tenho medo de você – retorqui.

Killiam circulou a minha cintura com o braço disponível e me

levantou no ar, jogando-nos contra o sofá e se deitando por cima de


mim, me prendendo no local.

– Eu tenho planos bem mais satisfatórios com você do que


uma luta patética – zombou, inspirando o meu cheiro

descaradamente.
Eu me sentia um pouco excitada, mas a raiva ainda prevalecia.

Acertei uma cabeçada no queixo dele, removendo um grunhido


de dor e ódio. Killiam amoleceu o aperto somente um pouco e isso

foi o suficiente para que eu conseguisse acertar uma joelhada na

coxa dele.

– Porra, mulher, eu vou te matar! – bradou, cerrando a

mandíbula.

– Não se preocupe, muitos já tentaram e hoje estão presos

para contar a história – zombei, imitando a mesma frase de efeito


que ele proferiu.

Tentei jogar Killiam para o lado, mas ele era mais pesado do

que eu pensava e mal se moveu. Ele fechou a mão em meu pulso e

o forçou para trás, me causando um rompante de dor tão absurda

que meus dedos enfraqueceram e soltaram a arma


involuntariamente, deixando-a cair no sofá.

– Seu desgraçado! – gritei, balançando o meu corpo, tentando


me livrar do aperto sem êxito.
Ele se aproximou de mim e plantou um beijo na curva do meu

pescoço.

– Ainda estou decidindo se mato ou fodo você.

– Esquece, nenhuma das alternativas será concretizada.

Seu cheiro me inebriou, pisquei para extravasar a névoa de

tesão que me fazia querer sucumbir ao seu toque. Ele era um

criminoso, um assassino e um idiota.

Fiquei quieta, esperando que Killiam relaxasse no aperto, que

baixasse a guarda, então atacaria novamente e me livraria dele.

– Você me surpreendeu, não estava esperando um ataque,

pensei que fosse mais concisa.

Continuei imóvel e calada.

– Qual é o seu jogo agora? Vai tentar me prender para arrancar

respostas? Não sou muito adepto as leis brasileiras, mas imagino


que isso seja ilegal – disse, referindo-se ao fato de que eu o detive

armada, sem mandado e sem provas.

Soltei uma risada enfastiante.


– Mesmo? Então sua defesa por ter cometido tortura e
homicídio é que não conhece o código que nos rege? De qual lugar

arcaico onde isso não é ilegal você veio?

Killiam colocou um joelho no meio das minhas pernas, tocando

em minha boceta por cima da calça. O fato de que eu estava

pulsando de excitação me fazia sentir ainda mais ódio dele.

– Então você viu Joshua? Gostou da minha obra de arte.

Céus.

Abri e fechei a boca, sem saber o que falar, incrédula e atônita

demais. Ele era mesmo um maldito psicopata do caralho.

– Me solta ou eu vou gritar. – Tentei me desvencilhar outra vez,


sem sucesso.

Killiam beijou o meu maxilar, os lábios quentes e macios me


arrepiaram ao roçar em minha pele.

– Ninguém vai te ouvir, entrou na toca do lobo sem estar


preparada.
A raiva que eu sentia por ele no momento estava subindo em
níveis drásticos e estratosféricos. Não conseguia nem mesmo
respirar com tranquilidade, meu peito subia e descia

sucessivamente, ofegante.

– Eu não tenho medo de morrer, Killiam, não tenho


absolutamente nada a perder, se a sua intenção é me ameaçar com
uma promessa de morte, saiba que está perdendo saliva e tempo.

Eu era jovem e gostaria de viver mais, mas saber que deixaria


um legado na polícia, mesmo que pequeno e irrelevante, já me
confortava o suficiente.

Killiam se levantou do sofá, puxando-me com ele.

– Você tinha razão, nós precisamos conversar – disse,


recolhendo a minha arma e me empurrando sentada de volta para o

sofá, afastando-se. – É uma boa arma, fazia tempo que eu não tinha
uma dessas apontada para mim.

Sorri incisivamente.

– Me devolva e eu posso fazer de novo.


Ele estalou a língua no céu da boca e recolheu o copo de
uísque da mesa, engolindo todo o líquido.

– Não vai acontecer, mas valeu a tentativa.

Estava sentada totalmente ereta, pronta para atacá-lo uma

segunda vez caso fosse necessário.

– Fale logo o que você quer e me deixe ir embora, ficar no

mesmo cômodo que um criminoso psicopata me causa repulsa.

Killiam espalmou uma mão no meio do peito e estreitou o olhar


com incessante escárnio.

– A mesma boca que me beijou me acusa com depreciação.

Deus, eu estava prestes a ter um colapso ou um surto psicótico

e atacá-lo uma segunda vez.

Ignorei-o, franzindo a testa e fingindo lembrar vagamente do


beijo, como se não tivesse sido relevante ou marcante.

Killiam se sentou na mesma poltrona de antes, ele abriu um

dos botões do blazer e cruzou as pernas. Ele era lindo e requintado,


mas um babaca e um criminoso de carteirinha. E o único motivo que
me fez não tê-lo entregado para os meus colegas era a fissura que
existia entre ele trabalhar para o Cartel que eu estava apreendendo

as drogas e ter me salvado do Cartel inimigo. Algo estava errado


nessa história, os pontos não se conectavam. Queria respostas, e
não conseguiria sem ele.

– Eu estou esperando... – murmurei, perdendo a paciência.

Ele escorou um braço no encosto da poltrona e sorriu, cheio de


promessas e ameaças ociosas.

– Vamos conversar sobre o fato de que você, coisinha pequena


e insignificante, está se metendo onde não é chamada.

Engoli em seco, sentindo a mudança brusca no ar, a máscara


de Killiam caindo, dando o controle para uma parte sombria dele,

uma parte que eu queria não ter conhecido.

– Co-como? – gaguejei.

Meus ossos começaram a tremer e meu sangue se dissolveu


em gelo puro, o medo me arrepiando por inteira, levantando os

cabelos da minha nuca.

– Quem ordenou que apreendesse as minhas drogas, Raika?


A respiração ficou presa nos meus pulmões com a

constatação de que eu estava definitivamente ferrada.


A cor sumiu do rosto de Raika e os olhos castanhos e

expressivos revelavam um pânico absoluto. Ela mantinha a postura

ereta, mas sabia que estava nervosa pelo subir e descer de seu
peito em uma respiração densa e pesada.

– Que-quem é você? – sussurrou em um fio de voz.


Ela tinha me excitado pra caralho com a ideia idiota de tentar

me intimidar. Quando se levantou e levou a mão ao cós do jeans eu


sabia qual era a sua intenção, então me antecipei, interceptando-a.

Poderia ter chamado algum dos meus homens que ainda estavam à

espreita, mas não via perigo verdadeiro em Raika. Fazia anos que
eu não me sentia tão animado como fiquei enquanto lutávamos.

Meu maxilar estava dolorido da cabeçada e a minha coxa

formigava, mas eu faria tudo de novo se no fim terminasse em sexo,

porque eu tinha necessidade de fodê-la e sabia que ela sentia o


mesmo, embora tentasse esconder e omitir.

– Sou eu quem faço as perguntas – revidei.

Raika empinou levemente o nariz, o ódio e o medo duelando

dentro de si. Sua natureza selvagem mandava revidar, mas seus

instintos a forçavam a ficar calada.

– Eu não entendi a pergunta – disse, por fim.

Franzi as sobrancelhas.

– E qual parte não entendeu?


Ela era muito boa em desviar o assunto, em induzir a falarem o
que queria. Raika era muito mais esperta do que eu tinha suposto

inicialmente.

Stefano, Teodoro e Nery chegariam a qualquer momento, eles

saíram para caminhar, estavam enlouquecendo dentro do

apartamento minúsculo, sem diversão ou liberdade. Eu poderia

mudar de lugar, mas não faria isso, não quando sabia que Raika era

um alvo da Jalisco e eu queria descobrir o motivo.

– Como assim quem ordenou que eu apreendesse as suas


drogas? – bufou, cruzando os braços em frente ao peito. – Não sei

se está ciente, mas aqui no Brasil nós temos leis que regem o País,

e existe códigos e regras que precisam ser seguidas, assim, drogas

estão completamente proibidas de acordo com a Lei 11.343 de

2006. – zombou, pendendo a cabeça para o lado.

Refleti por um breve instante sobre a ironia em suas palavras e

concluí que eu gostava muito do humor de Raika, ela me divertia.

– Responda à pergunta, Raika, não quero ser mais... incisivo

com você. – Olhei para ela com os vincos da boca retesados

enquanto o silêncio se alongava entre nós.


– Ninguém mandou nada, seu idiota, eu só estava fazendo o

meu trabalho, não preciso de ordens para apreender uma carga


ilegal de cocaína – retorquiu, os lábios franzidos para baixo.

Hum... aquilo era interessante.

Então eu estava certo em uma de minhas conclusões, Raika

não era corrompida, só era uma peça em um jogo que nem sabia
que fazia parte. De alguma forma, alguém de dentro do Los Zetas
informava para alguém dentro da Jalisco e então eles informavam o

policial corrupto, e, por conseguinte, a notícia chegava até Raika


que estava tentando fazer o seu trabalho sem saber que era tudo

uma farsa e que só estava sendo usada como um dos meios


necessários para me atingir.

– Nunca se perguntou por que só estavam apreendendo as

drogas do Los Zetas? – questionei, passando a ponta do indicador


na boca.

Ela encolheu os ombros.

– Meu papel é acabar com o tráfico de drogas, não me

interessa a qual quadrilha elas pertencem, se forem pegas, serão


apreendidas.
Me inclinei, arqueando uma sobrancelha.

– Você me causou muitos problemas...

Ela riu, incrédula.

– Eu causei muitos problemas a você? Simples, pare de


traficar no Brasil e eu paro de te incomodar – grunhiu, mostrando os
dentes, cheia de raiva.

Essa garota era mesmo muito ousada.

– Ou eu simplesmente mato você e resolvo essa questão. –

Aumentei meu sorriso.

Ela inclinou ligeiramente a cabeça.

– Está errado, me matar não vai resolver o problema, sempre


haverá outro policial disposto a fazer justiça – debochou, soltando o

ar ruidosamente –, a lista de mortes será extensa, abre vagas para


concurso a cada quatro anos.

Soltei uma risada áspera.

– Sabe que a maioria não se contenta com o salariozinho que


vocês ganham, não é? Quase todos, senão todos, acabam se
corrompendo.

Pela primeira vez desde que iniciamos a conversa, Raika


pareceu realmente ofendida. Ela arregalou os olhos, mirando-os em

mim, parecendo calcular formas sangrentas e dolorosas de me


matar.

– Você é o homem mais doentio e idiota que eu já conheci –


sibilou, fechando as mãos em punho com tanta força que os vincos

começaram a embranquecer. – Sugiro que fale logo a merda que


quer de mim e me deixe ir embora, ou me mate de uma vez e me
livre da sua presença, porque, no momento, até mesmo a morte

parece mais agradável.

Me recostei de volta na poltrona, franzindo o cenho em tristeza


fingida.

– Assim você me ofende, justiceira.

– Por favor... – suplicou, segurando-se para não voar no meu

pescoço.

Sustentei o seu olhar, sabia que ela tinha razão, eu não

poderia controlar a polícia inteira, mas tinha que descobrir quem era
o informante, só assim resolveria o problema.

– Qual é o seu preço? – perguntei.

Raika fez um movimento para se levantar em súbito, mas


conseguiu se controlar no último segundo e manteve-se no sofá.

– Como ousa?

–Todo mundo tem um preço, quero saber qual é o seu, estou

disposto a ser bem caridoso – disse a ela, passando a mão pelos


braços da poltrona.

Raika mostrou os dentes, um ruído baixo, rouco e cheio de

promessas escapou pelos seus lábios.

– Eu não tenho um preço, nunca terei um.

Ela era mais corajosa do que eu imaginava, outra pessoa em


uma situação parecida com a qual ela se encontrava, se venderia

facilmente, ou interessado no dinheiro ou temendo a morte.

Mas não Raika.

Ela preferia morrer a ter o caráter corrompido.


Isso era singular, e por mais que me deixasse admirado,

também me causaria uma dor de cabeça.

Suspirei.

– Tudo bem, então eu serei um pouco mais direto – afirmei,

querendo persuadi-la a ceder –, a cada carga de drogas que forem


apreendidas, eu matarei um policial.

– Já disse que não tenho medo de morrer, babaca – revidou,


interrompendo-me.

Eu ri.

– Eu não disse que seria você a vítima, meu amor. – O apelido


carinhoso deslizou pela minha língua com escárnio.

Raika saltou, os olhos arregalados, os lábios se descolaram


por um segundo, antes dela comprimi-los e engolir em seco.

– Você... você não pode fazer isso! – gritou, esfregando uma


mão nos cabelos – Como ousa me ameaçar assim?

– Eu posso e eu farei, já deixei bem claro quais são as minhas


intenções, se você não colaborar, não me dará uma alternativa
senão atingir àqueles com quem se importa.

– E acha que isso é capaz de parar toda uma operação? Eu


não trabalho sozinha, muito menos trabalho para você! – Fez uma

pausa, a respiração falhando pelo ódio inflado. – Se veio aqui me

ameaçar com o intuito de diminuir os seus prejuízos, apenas volte


para o Cartel de onde saiu, porque as coisas não funcionam assim.

Um sorriso se espalhou pelo meu rosto.

– Acha que eu sou do Cartel? – inquiri, rindo.

Raika franziu as sobrancelhas enquanto a descrença tomava

conta de mim. Era claro que ela estaria pensando que sou do Los
Zetas, afinal de contas, estou cobrando pelas drogas que eles

estavam carregando, mas que me pertenciam.

– Não é? – perguntou, confusa.

Não precisava ler mentes para saber que o cérebro de Raika


estava dando voltas, ela deixava isso explícito no semblante.

– Sou o Capo da Camorra – revelei. Ela arquejou. – E você


está me dando prejuízo e muita dor de cabeça.
Poderia ter omitido meu cargo ou do que faço parte, mas não

tinha medo nenhum de Raika, assim como tinha quase certeza de


que em poucos minutos ela chegaria à resolução certa dos fatos.

– Por isso, Raika, não quer trabalhar para mim ou comigo, tudo
bem, mas vai ter mais cuidado a partir de hoje, se eu continuar

sendo prejudicado por você e seu instinto ridículo de justiça, matarei

um por um dos seus colegas.

Ela me observou, tentando discernir se eu estava blefando ou

não.

– Tudo bem – disse, depois de um momento de silêncio.

Semicerrei os olhos, algo estava muito errado. Raika não era

condizente com o que não concordava, tampouco cedia. Então por


que diabos ela estava concordando?

– Só isso? – questionei, desconfiado.

Fez que sim com a cabeça.

– Disse que vai matar os meus colegas se eu não parar, então

não há nada que eu possa fazer.


Qual era a porra do jogo dessa garota agora?

– Então vai ceder? – Ela não respondeu. Suspirei. – Queria


que as coisas fossem muito mais fáceis entre nós – murmurei com

sinceridade.

Silêncio se estendeu, enquanto eu me sentia revoltado por não

ter conseguido persuadir Raika e ela tentava permanecer

impassível, como se a morte dos colegas não importasse.

– Só não entendo por que não me matar, seria mais fácil para

você – insistiu, tentando encontrar uma solução que fosse mais


agradável para ela.

A garota preferia morrer a ser culpada pela morte de alguém,

era uma atitude muito bonita, embora tola.

– Eu tenho outros planos para você, então sua morte não está

em questão.

Ela se levantou em um movimento ágil.

– Tudo bem, se já estamos conversados, estou indo para casa.


Recolhi a arma dela e estendi a mão, entregando-a. Raika

encarou o objeto por um momento, cogitando pegá-lo ou não, mas


no fim acabou cedendo, escondendo a arma de volta no cós do

jeans.

– Acredito que ainda teremos muito contato – avisei.

– Eu preferia que não, mas já que faz questão... – retrucou.

– Sim, faço questão – disse a ela, fazendo sua mandíbula


endurecer pela raiva.

Ela passou por mim em passos duros, não fazendo questão


nenhuma de esconder seu descontentamento comigo. Pela visão

periférica, observei-a caminhar até a porta e sumir no corredor

quando a madeira estourou ao sair do apartamento.

Isso seria interessante, queria ver até onde Raika iria para

suprir o senso de justiça que carregava consigo, se ele era mais


forte do que as vidas que seriam perdidas.

Eu também tinha outros planos para ela, se Raika trabalhava

de acordo com o que as leis mandavam, ela não poderia ignorar

uma denúncia anônima de outra carga de drogas. Balbino que se


preparasse, porque eu denunciaria cada maldito caminhão que

entrasse no Brasil e estivesse carregando suas mercadorias. Usaria

Raika a meu favor, mesmo que ela não estivesse ciente disso.
Tentava desacreditar nas palavras de Killiam, na ameaça
explícita contra os meus colegas, mas sabia que ele não estava

blefando. Ele era a droga de um mafioso poderoso, e não qualquer

um, o chefe da família.

Killiam era forjado pela guerra, moldado para matar e torturar


sem nem mesmo sentir resquício de piedade das suas vítimas. Ele
não era como os homens que eu estava acostumada a lidar, ele era

muito pior que qualquer um deles.

Porém, ele não me faria parar. Eu disse que não me tornaria


uma presa, nem mesmo cederia ou abaixaria a cabeça, mesmo que

isso significasse viver com as consequências dos meus atos.

Entrei no bar em que Arthur e Gabriel estavam me esperando

e me espremi por entre as pessoas em direção à mesa. Era noite de


sexta-feira, e segundo Gabriel, precisávamos espairecer mais uma

vez ou acabaríamos enlouquecendo dentro da delegacia ao longo

da nova semana.

Eles riam e bebiam taças de chopp em uma mesa de canto, o


Bar era muito badalado nos finais de semana e ficava próximo da

minha casa, o que me fez concordar. Queria comer alguma coisa,

beber um pouco e ir dormir.

Me sentei de frente para eles, colocando a bolsa ao meu lado.

– Então, alguém se lembrou de pedir algo pra mim? –

perguntei, inclinando a cabeça em direção às bebidas.


– Mas é claro, gata – aquiesceu Arthur, erguendo o braço e
chamando garçom –, eu e Gabriel chegamos à conclusão de que

você anda muito tensa nos últimos dias, então concluímos que

precisa transar ou se embebedar.

Ergui a sobrancelha.

– Ah, vocês concluíram isso por mim?

Fez que sim com a cabeça. Gabriel comprimiu os lábios em

completo silêncio.

– E como sabemos que a primeira opção está fora de questão

porque você não parece interessada em ninguém, ainda assim,

ressalto que eu adoraria te ajudar a resolver o problema...

– Deus, vocês são dois imbecis – cortei, contraindo os lábios

em revolta.

– Continuando, como essa opção não está em questão,

resolvemos te presentear com uma maravilhosa embriaguez –


concluiu, rindo.

Um garçom se aproximou com um balde e depositou em cima

da mesa, dentro dele havia uma garrafa de espumante e muito gelo.


– Aqui está – falou Gabriel. E acrescentou: – de nada.

Revirei os olhos e bufei.

– Contesto tudo o que disseram, mas não irei recusar a bebida

– afirmei, retirando a garrafa do gelo e enchendo um copo.

Eles acreditavam fielmente que eu estava estressada e tensa


por causa da dificuldade em encontrar novas provas, não sabiam

que, na verdade, estava tentando encontrar uma saída para salvar a


nossa operação e as nossas vidas.

Killiam estava no Brasil, e ele era a porra de um mafioso


poderoso e perigoso que não estava nem um pouco contente com

as apreensões que fizemos. Contudo, eu era teimosa o suficiente


para insistir em enfrentá-lo.

Tomei um gole da minha bebida, as bolhas fizeram cócegas na

minha língua e céu da boca. Observei ao redor, as pessoas


conversavam e bebiam entre amigos, descontraídos em um

momento de lazer. Uma música eletrônica ressoava, baixinho o


suficiente para não atrapalhar, mas ao mesmo tempo podendo ser

ouvida com lucidez. As luzes amareladas e avermelhadas cobriam


os cantos, depositando o ambiente em um contraste atraente para

os olhos.

– Cara, ela ainda tá na volta? – Ouvi Gabriel perguntar, o que

fez a minha atenção voltar para eles.

– Quem é a vítima da vez? – brinquei, um sorriso se

espalhando pelo meu rosto.

Não precisava perguntar para saber do que estavam falando,


ainda mais diante do histórico de cafajeste que eles faziam questão

de carregar. Tinha certeza de que se Arthur e Gabriel não fossem


obrigados a estampar a insígnia da PF enquanto trabalhavam,
carregariam algum símbolo que os classificassem como os mais

canalhas de todos.

Arthur reclamou baixinho, ininteligível, antes de virar o restante

da cerveja que tinha no copo.

– Amanda, a escrivã nova – confessou, recostando-se

confortavelmente contra o banco.

Arregalei os olhos e apertei os lábios.


– Não acredito que você dormiu com ela também... – Ri,
balançando a cabeça. – Ela começou a quanto tempo? Duas
semanas.

Eu não a culpava por tê-lo feito, no entanto, ele era habilidoso,


mas um canalha descarado, então como diabos as garotas se

envolviam com ele e ainda colocavam o coração pra jogo? Havia


uma regra ao transar com homens como ele, nunca, jamais, em

hipótese alguma, se apaixonar.

– Sim, mas, em minha defesa, eu preciso passar pelo setor


dela todos os dias pra chegar na nossa sala, então eu não fui

exatamente atrás dela logo que começou, as coisas... aconteceram.


– Ele teve o descaramento de fingir inocência.

Arqueei uma sobrancelha. Gabriel soltou uma gargalhada

estrondosa.

– Ele consegue ser pior do que você! – afirmei, apontando um

dedo em riste para Gabriel.

Nós rimos, a tensão incrustada em meus músculos se

dissolvendo aos poucos, conforme os problemas do dia a dia foram


sendo empurrados para um canto oculto e distante da minha mente.
Arthur pediu mais chopp e o garçom trouxe, enchendo os
copos para que nunca ficassem vazios.

– Boa noite – A voz grave soou ao meu lado, enviando

calafrios ao meu corpo.

Engasguei-me com o gole de espumante que estava tomando,

controlando o ataque de tosse para não parecer volúvel. Olhei para

o lado, Killiam estava na minha frente, escrutinando o meu rosto.

Eu o fitei, apática, sem saber como reagir.

Ele vestia uma camisa preta que se moldava a musculatura do

corpo, jeans escuros e sapatos lustrados. Os cabelos estavam


penteados para trás e havia pelos crescidos em sua mandíbula.

Odiava o fato de que era incrivelmente bonito e me causava

sentimentos conflituosos.

– Boa noite – Arthur e Gabriel responderam ao mesmo tempo,

não escondendo a desconfiança no tom de voz.

Eu estava apavorada, prestes a ter um ataque cardíaco. Não

havia motivo algum para que Killiam estivesse aqui, exceto que
tenha me seguido. A operação ainda era um desastre, drogas não

foram aprendidas e não havíamos disparado em direção alguma.

Suspirei, tentando me acalmar.

– Como vai, Killiam? – falei, à guisa de cumprimento.

Estava feliz que minha voz soou calma, talvez o álcool em meu

sangue estivesse ajudando.

– Não vai me apresentar aos seus colegas? – questionou,

arqueando uma sobrancelha escura.

Contraí a mandíbula, segurando a língua dentro da boca. Eu

tinha várias respostas para dar, mas não queria levantar suspeitas
na frente de Arthur e Gabriel, quanto menos eles soubessem de

Killiam, mais seguros se manteriam. E se Killiam os ferisse de

alguma maneira, que Deus tivesse piedade dele, porque eu não

teria nenhuma.

Com o meu silêncio, ele se direcionou para meus colegas.

– Prazer em conhecê-los, sou o novo vizinho de Raika. –

Apresentou-se, estendendo a mão para um cumprimento.


Recolhi o copo de espumante de cima da mesa e sequei,

virando tudo em poucos goles. A situação era um desastre e eu

precisava estar pelo menos bêbada para não surtar.

Os olhos de Gabriel assumiram um brilho diferente e um

sorriso brotou em seus lábios.

– Mas que maravilha..., Raika não disse que tinha um vizinho

novo – murmurou, um vinco se aprofundando na testa. E então,


como se eu não estivesse suficientemente tendo uma síncope,

Gabriel acrescentou. – Sente-se conosco, Raika precisa mesmo de

companhia.

Céus!

Por favor, Deus, não!

Lancei um olhar afiado para Gabriel, mas ele pouco pareceu se

importar. O filho da mãe estava tentando fazer o papel de santa

casamenteira, era isso mesmo que estava acontecendo?

Killiam deslizou ao meu lado e se acomodou a centímetros de

mim, o cheiro do seu perfume flutuou, me fazendo enrijecer ainda


mais.
Os idiotas dos meus amigos nem mesmo perceberam que

Killiam sabia que eles eram meus colegas, que ele os reconhecia?
Puta merda, não era só o meu nome que estava no seu dossiê,

Gabriel e Arthur também tinham estacas apontadas para suas

cabeças.

Estava perdida em torpor, ouvia pouco do murmurar de vozes,

das apresentações que faziam. Gabriel estava muito feliz com a


presença de Killiam, focado em fazer o homem ao meu lado ir parar

em minha cama, já Arthur estava um pouco reticente, desconfiado.

– Quando se conheceram? – perguntou Killiam, acenando um

agradecimento para o garçom que depositou um copo de Whisky

em sua frente.

– Faz alguns anos – confessou Gabriel. – Nós entramos no

mesmo concurso, Raika foi chamada primeiro, Arthur e eu


chegamos um mês depois.

Killiam balançou veemente a cabeça, sorrindo.

Contive a iminente vontade de revirar os olhos diante do


fingimento dele, o idiota deveria saber nossa história de cor, mas

preferia ser dissimulado.


– E vocês dois? – cortou Arthur, apontando com o queixo em

nossa direção.

– No corredor. Raika estava chegando em casa no mesmo

horário que eu – mentiu Killiam, encolhendo os ombros. – Meu

apartamento é na frente do dela. – Se virou para mim. – Raika é

uma vizinha muito... hospitaleira – zombou, referindo-se ao dia em


que eu fui até o seu apartamento com uma arma.

Gabriel se engasgou com uma risada.

– Eu imagino que seja, é bem o feitio de Raika – retrucou,


entrando na brincadeira.

A energia caótica do momento me deixava pasma, um mafioso

e três policiais sentados na mesma mesa de um bar qualquer.

Killiam era a presa que estivemos caçando nos últimos meses, e ele

estava bem aqui, ao nosso alcance, e, ainda assim, não podíamos


fazer nada.

Eles entraram em assuntos triviais, enquanto eu bebia um


copo atrás do outro, tentando parecer indiferente com a presença de

Killiam. Em algum momento, até mesmo Arthur pareceu se render

aos encantos do mafioso, dialogando sobre bebidas.


Eu esvaziei toda a minha garrafa, ficando sem bebida e ainda

por cima frustrada por ter Killiam ao meu lado.

– Eu vou para casa, já estou ficando cansada – disse,

interrompendo a conversa deles.

Os três pararam de falar e correram os olhos em minha

direção.

– Já? Ainda é cedo – objetou Gabriel.

Fiz que sim com a cabeça.

– A semana foi cansativa, obrigada pela bebida, vai me ajudar

a dormir com facilidade.

Eu estava presa entre Killiam e a parede, sentia vontade de

empurrar meu corpo contra o dele até colocá-lo para fora do banco,

mas sabia que não podia fazer isso em público, infelizmente.

– Tudo bem, pelo menos relaxou um pouco – falou Gabriel,


satisfeito.

– E pelo menos veio, então... – declarou Arthur.


– Sim, vocês conseguiram me convencer, portanto, sintam-se
satisfeitos por terem a minha presença pelas últimas horas e agora

me deixem ir pra casa dormir.  – Lancei um olhar mordaz para

Killiam que nos observava de perto. – Com licença.

O idiota estampou um sorriso incisivo no rosto. Ele não

precisou abrir a boca para falar o que queria, conseguia ler em seu
rosto as palavras.

– Pode passar por cima, não me importo... – sussurrou, baixo


para que somente eu pudesse ouvir.

Me inclinei, aproximando-me dele.

– Eu prefiro sair por cima da mesa e fazer um show do que


tocar em você – refutei, sentindo a mentira pinicar em minha língua

e a ignorando com sucesso.

Eu desejava Killiam na mesma medida em que desejava odiá-


lo. Ambos eram sentimentos tumultuosos que se interligavam de

alguma maneira.

– Acredite, amor, quando você se sentar pela primeira vez,


nunca mais vai querer levantar. – As palavras deslizavam pelos
seus lábios de maneira sexy e despudorada.

Esse homem era um poço sem fundo de amor-próprio e


autoconvencimento, o que não me surpreendia muito, já que deveria
ser acostumado a ter o mundo aos seus pés. E era muito,

extremamente, excessivamente atraente.

– Saia da minha frente agora – sibilei, entredentes.

Killiam arqueou a maldita sobrancelha direita, o meio-sorriso

sexy e idiota se espalhou pelo rosto. Me arrependi de imediato de


tê-lo enfrentado, sabia que ele estava prestes a fazer algo que não
me agradaria.

– Vou te acompanhar, também estou de partida – disse ele,


alto o suficiente para fazer Arthur e Gabriel ouvir. Então deslizou
para fora do banco, removeu a carteira do bolso da calça e jogou

uma nota de dinheiro em cima da mesa. – Obrigado pela


companhia, foi um prazer conhecer vocês.

Não podia falar ou fazer nada dentro do bar, mas assim que
colocasse os pés para fora do estabelecimento, faria questão de

afastá-lo, não queria a companhia dele até em casa, muito menos


queria estar com ele.
Me despedi de Arthur e Gabriel, sorrindo e disfarçando. Aos
seus olhos, Killiam era o meu vizinho novo e eu não tinha motivos
para odiá-lo.

Passei por Killiam, abandonando-o, enquanto me direcionava

para fora do bar. Meu coração retumbava forte em meu peito e a

adrenalina corria pelas minhas veias, dissolvendo-se em raiva pura.


O vento bateu em minha pele, balançando meus cabelos para
trás. Sorvi o ar, acalmando-me. A brisa gélida era convidativa,

aliviando o calor do meu corpo.

Avancei pela calçada, sentindo Killiam ao meu encalce e

ignorando-o com sucesso. Pelo horário avançado, poucas pessoas


perambulavam pelas ruas. O som que vinha de dentro do bar foi
diminuindo aos poucos, a cada passo dado, até se tornar um mero

ruído.

– Não vai me esperar? – Ele falou, a voz soando atrás de mim.

– Não quero sua companhia, obrigada, agora pode se afastar –


respondi, mantendo o olhar para a frente e sem diminuir o ritmo dos

passos.

Sua risada ressoou, rouca e sensual.

– Seus colegas são mais simpáticos do que você – zombou.

Parei abruptamente, a respiração errática queimando os

pulmões, fui tomada pelo pânico. Senti o peito de Killiam contra as

minhas costas, os lábios soprando em meus cabelos, a presença se

tornando mais precisa.

– Qual é o problema? – ciciou, beijando o topo da minha

cabeça, a carícia leve ajudou a dissipar um pouco do pavor que eu


sentia.

Fechei os olhos, tentando me acalmar, ao reabri-los, minha

respiração já estava tranquila e meu coração controlado. Girei nos


calcanhares, ficando frente a frente com Killiam, determinação
queimava em mim.

– Se você encostar um dedo neles, juro pra você com todas as

minhas forças que eu gasto o meu réu primário – ameacei.

Eu o mataria sem pensar duas vezes.

Sempre fui movida pela emoção e não pela razão, por isso
tinha certeza do que faria se Killiam machucasse os meus amigos.

Seus lábios se curvaram para cima. Ele estendeu a mão e

tocou em meu maxilar com a ponta dos dedos, acariciando a pele

gelada.

– Parece que eu descobri qual é o seu ponto fraco, no final das

contas. – Aumentou o sorriso, fitando-me. – Mas não se preocupe,

pode manter o seu réu primário, não tenho interesse neles.

Soltei uma exalação.

– Está me seguindo? – perguntei, sentindo meu cenho franzir.

Killiam andava sempre com os irmãos e o melhor amigo, que


ele nem precisava me falar quem era, porque eu sabia muito bem
qual cargo ele deveria exercer na máfia. Então por que diabos

estava sozinho em um bar?

– Queria falar com você.

Mordi a boca, sentindo uma inquietação no peito.

– Então estava me seguindo. – Não era uma pergunta, mas


uma afirmação. – O que você quer de mim?

Os olhos de Killiam brilharam e seus lábios se contraíram.

– Primeiramente, quero foder você – disse, inclinando a

cabeça para o lado, aproximando-se lentamente.

Fiquei muda, sem saber o que falar ou como reagir.

Ele estendeu a mão grande e áspera e a pousou na curva do


meu pescoço, o toque parecia primitivo, possessivo e muito, repito,

muito errado, e, ainda assim, fazia meu corpo reagir por vontade
própria e minha boceta pulsar em seco.

– Isso não vai acontecer – retruquei, encontrando a voz que

havia sumido, enrouquecida.

Killiam abriu um enorme sorriso.


– Está tentando convencer a si mesma ou a mim?

Idiota, prepotente e arrogante! Todos os adjetivos que o


denominavam com perfeição, ecoaram em minha cabeça.

Ele inclinou o pescoço, aproximando os lábios do meu queixo e


depositou um beijo rápido na curva do meu maxilar. Cerrei a

mandíbula, fazendo força para conter o estremecimento que sacudia


os meus músculos. Seu cheiro era como um bálsamo, um aliado

perfeito que ajudava a nublar minha mente.

Espremi meus olhos, relembrando a mim mesma por qual


motivo eu não poderia transar com Killiam, muito embora meu corpo
implorasse que fizesse.

Mafioso.

Policial.

Lados opostos.

Pigarreei.

– Era só isso? Já posso ir embora ou vai continuar aí


vomitando arrogância? – Dei um passo para trás e cruzei os braços
em frente ao peito em uma tentativa de me conter, antes que, por
um relapso, eu o tocasse de volta.

Ele riu e colocou as mãos nos bolsos dianteiros do jeans.

– Sei ser paciente, amor – gracejou, esfregando a língua nos


dentes. – Podemos ir para casa, eu vou falando no caminho –

pontuou.

Sabia que estava tentando me convencer a ir com ele, mas eu


estava mesmo curiosa para saber sobre qual era o assunto. Killiam

não era o tipo de homem que saía por aí seguindo mulheres, por
isso julgava que era algo sério ou importante.

Me afastei dele e voltei a caminhar, mantendo o ritmo dos


meus passos em sincronia com os dele, enquanto percorríamos o
caminho até em casa.

– Pode falar – disse, depois de um tempo de silêncio.

Eu julgava Killiam muito mal pelo que já tinha me dito e pelo

que tinha visto que fez com Joshua, mas algo nele me parecia
diferente, era como se ele não fosse somente o monstro que queria
mostrar. Se Killiam realmente quisesse me fazer mal, já teria feito há
um bom tempo, oportunidades não faltaram.

– Eu tenho uma informação interessante para você.

Estalei a língua no céu da boca, confusa.

– Uma informação?

Ele balançou a cabeça.

Continuei olhando para a calçada vazia à nossa frente. Segurei

a alça da minha bolsa com firmeza, sentindo que talvez a conversa


fosse me desagradar.

– Quando conversamos, você disse que não tinha um preço.

– E eu ainda não tenho um – cortei, grunhindo. – Se veio até

aqui com esse intuito, saiba que perdeu seu tempo.

Killiam jogou os braços para cima, fingindo estar se rendendo.

– Calma aí, eu nem terminei de falar. – Revirei meus olhos. Ele

ignorou e continuou. – Não vou te oferecer nada, só vou te dar uma


informação.
– Então fale logo e pare de enrolar.

Ele riu.

– Você é muito impaciente.

Girei a cabeça em sua direção, lançando-lhe um olhar mortal e

altamente ameaçador.

– Sério, Killiam? – Bufei.

– Disse que não se importava a quem as drogas pertenciam


porque esse é o seu trabalho. – Concordei com um aceno. – Tudo

bem, mas... até o momento, somente eu fui prejudicado.

Um vinco se aprofundou em minha testa diante da minha

hesitação.

– O que quer dizer com isso?

– Como sabe muito bem, a Jalisco é a maior distribuidora de

drogas do País e vocês nunca apreenderam uma carga deles,

então, se não trabalha para a máfia, mas sim para o Brasil, pensei

que talvez quisessem a informação de uma carga que chegará em


breve.
Minhas pernas pararam de se mover, como se tivessem

ganhado vida própria. Killiam me acompanhou, os olhos fixos nos

meus. Meus batimentos cardíacos aceleraram e o suor cobriu


minhas mãos.

– O quê? – perguntei, a voz rouca pela garganta seca.

Sabíamos sobre os dois Cartéis mexicanos que mais

distribuíam drogas no Brasil, contudo, nunca nem mesmo chegamos


perto de uma carga da Jalisco, embora ela fosse a predominante

nas distribuições. Nossas informações dos últimos meses só nos

direcionaram para o Los Zetas.

– Há algum informante na polícia muito espertinho, para ele é

convincente entregar a minha mercadoria enquanto a outra percorre


livremente, por isso só eu saí prejudicado nessa história toda.

Ainda achava um absurdo o quanto ele fazia parecer natural


que traficar drogas e elas serem apreendidas prejudicava os seus

negócios. Céus, não estávamos falando de um objeto inanimado ou

algo que se comprava em um mercado da esquina, estávamos


falando de toneladas e mais toneladas de cocaína.
– E agora, para se vingar, você vai me informar qual a

localização das drogas da Jalisco, é isso? – perguntei, entrelaçando


minhas mãos.

– Exato. – Fez parecer óbvio.

Franzi o nariz em desagrado.

– Eu não trabalho pra você.

– Claro que não. – Retesou-se. – Seria muito mais fácil, no

entanto, mas gosto desse seu senso de justiça, faz parecer ingênua.

A raiva me esquentou por dentro. Travei a mandíbula, sem

acreditar na cara de pau que ele tinha.

– Se continuar me ofendendo, vai ficar falando sozinho e foda-

se as suas informações – vociferei.

Era uma audácia que ele estivesse querendo, em tese, a

minha ajuda e ainda me ofendesse no meio do caminho. Sim, eu


queria muito a informação, tanto que sentia um formigamento no

peito pela ansiedade, mas não trabalhava e nem trabalharia para

Killiam e precisava deixar isso bem claro.


– Não trabalha para mim, mas trabalha para o País, e isso

significa que, em caso de denúncia de crime, precisa verificar a

veracidade. – Sorriu cheio de convencimento.

– Sim, então deve saber que também significa que, caso

alguém denuncie uma carga que pertence a você – apontei um dedo

em riste em sua direção, a unha tocando a pele dura do peito


musculoso. –, é meu dever ir averiguar.

Ele semicerrou os olhos, irritado.

– Nós já tivemos essa discussão.

Acenei.

– Sim, e eu não concordei com absolutamente nada, então,

Killiam, se acha que vai me comprar entregando o seu inimigo,


saiba que está muito enganado.

Sabia que era impossível acabar com o tráfico, mas


poderíamos pelo menos tentar diminuir as transações, conseguir

alguns nomes para acusar... fazer o nosso trabalho.

– Não estou pedindo nada, só disse que eu posso ter uma

informação muito privilegiada – disse, depois de um momento em


silêncio.

– E em troca você quer o quê? – objetei, ciente de que estava

discorrendo com um mafioso muito persuasivo.

– Não quero nada, apenas que faça o seu trabalho.

Observei-o, analisando o rosto bonito em busca de mentiras,

mas não encontrei nada. Era óbvio que Killiam tinha um motivo para

me dar a informação. Um motivo muito pessoal e específico. Ele


queria vingança. Queria se vingar pelos prejuízos que teve, queria

punir seus inimigos por tê-lo feito perder dinheiro. E eu não estava

em desacordo com isso, talvez fizesse o mesmo se estivesse em


seu lugar. De um jeito ou de outro, nós dois nos beneficiaríamos, ele

sentiria o gosto da vitória e eu conseguiria apreender e incinerar

outra carga de drogas, impedindo-a de chegar até a população.

– Tudo bem – concordei, erguendo o maxilar.

Killiam me observou por um segundo.

– Fácil assim? – questionou, vincando as sobrancelhas.

– Sei que tem segundas intenções, mas, sinceramente, não

me importo nem um pouco com elas desde que me dê uma


informação certeira – avisei, afastando-me um passo. – Quero fazer
o meu trabalho, Killiam, por isso não me interesse de quem eu

recebo a informação, desde que eu consiga alcançar meu objetivo.

– Linda e inteligente... – murmurou, esfregando uma mão nos

cabelos –, vou te enviar uma mensagem de um número

desconhecido e não rastreável, amanhã, contendo horário e local.

Cerrei os dentes para conter a alegria que me dominava,

depois de semanas, uma nova pista, uma direção. Toda a frustração


se esvaiu do meu corpo, dissolvendo-se como fumaça. Até mesmo

o sono que eu parecia sentir havia desaparecido.

– Certo – afirmei, controlando a voz para que não saísse

esganiçada.

Voltamos a caminhar lado a lado, em silêncio. Killiam parecia


absorto em pensamentos, enquanto eu tentava ao máximo controlar

a empolgação.

– Não somos inimigos, Raika, por mais que você pense que
sim – murmurou, colocando as mãos nos bolsos e olhando para

frente.
– Como assim?

Ele não respondeu, apenas manteve o ritmo, os lábios


comprimidos.

É claro que éramos inimigos, lutávamos em lados contrários,


enquanto eu trabalhava para colocar as coisas em ordem e

dissolver o caos que a criminalidade causava. Killiam era o próprio


caos. Ele não se importava com as leis ou com o que era certo ou

errado, ele só se preocupava com ele e sua família.

Então, sim, com toda a certeza, estávamos em lados opostos,

assim, inimigos.
 
As sombras esgueiravam-se ao redor do depósito
abandonado, meus sapatos esmagavam grama e areia conforme eu

me aproximava da entrada lateral do lugar. Não havia

movimentação nas proximidades, exceto o vento que sacudia os

pinheiros nos altos, os pássaros noturnos que sobrevoavam nossas

cabeças e o chilrear dos grilos.


– Onde diabos você encontra esses lugares? – sussurrou
Teodoro atrás de mim, direcionando a pergunta para Stefano que

estava ao meu lado.

– Dessa vez foi o próprio Mamba-negra quem marcou a

reunião, eu não tive nada a ver com a localização – confessou

Stefano.

O depósito ficava à beira de uma rodovia pouco movimentada,

vez ou outra, os faroletes de carros iluminavam a estrada

esburacada, mas nenhum parecia ter interesse no prédio decrépito,


seguindo viagem sem maiores problemas.

A porta de correr enferrujada titubeou ao ser arrastada para o

lado por um dos homens do Mamba-negra. Entrei no local com


Stefano e Teodoro ao meu encalce.

O local estava parcialmente iluminado, as paredes

descascadas fediam a mofo e o piso reclinado exalava um cheiro

pútrido de água parada da chuva que entrava pelo telhado

quebrado.

Avancei em silêncio, excetuando o barulho dos meus passos

que ecoavam.
– Killiam Muccino – disse, a voz soando de um canto escuro.

Parei, Stefano e Teodoro imitaram os meus movimentos.

– Que eu me lembre..., você tinha dois irmãos – murmurou,

saindo das sombras e revelando-se.

Mamba-negra era um homem alto, atlético, os cabelos


castanho-escuros estavam sempre impecavelmente penteados, as

roupas escuras eram refinadas. Ele exalava uma autoridade única


por onde passava e conseguia disfarçar bem a personalidade letal

que tinha por baixo da pele.

– Eu tenho dois irmãos – confirmei. Ele arqueou uma

sobrancelha escura. – Meu outro irmão precisou ficar cuidando de


algumas coisas... importantes.

Ainda não sabia por qual motivo a Jalisco queria Raika, então

deixei meus homens fazendo a sua segurança. Ela nunca estava


sozinha, mesmo que não soubesse disso. E como não confiava

cegamente em ninguém, exceto Stefano e meus irmãos, deixei Nery


de olho nela em nossa ausência.
Os lábios de Mamba-negra se curvaram em um sorriso, como

se soubesse exatamente o que Nery ficou fazendo.

– Venha, tenho algo para você – disse ele, apontando com a

cabeça para a nossa esquerda.

Em outra situação, mandaria algum dos meus homens verificar

primeiro do que se tratava, antes de seguir cegamente um aliado,


contudo, eu confiava no chefe do Cartel. Pablo Contreras vulgo

Mamba-negra tinha palavra e era honesto, na medida do possível.


Ele não perdoava traição, assim como bania alguns crimes que
julgava repulsivos.

– Fazia tempo que não nos víamos, Killiam, mas o avanço da

idade está fazendo bem para você – comentou, passando uma mão
na lateral da cabeça e ajeitando uma mecha do cabelo que estava

fora do lugar.

– Digo o mesmo sobre você.

Eu conhecia Mamba-negra há muitos anos, nos conhecemos


quando ele foi até Nova York e gentilmente mostrou as vantagens

financeiras de expandir o tráfico de drogas para a América do Sul,


mas só começamos a investir no Brasil a cerca de três anos. Desde
então, havia dado certo por um longo tempo, sem intercorrências e
sem problemas, pelo menos até Raika e os amiguinhos darem uma
de super-heróis da lei e um desgraçado vender informações de

dentro do Los Zetas.

A polícia sempre esteve em nossa folha de pagamento,

trabalhávamos em conjunto na maioria das vezes. E, mesmo assim,


os policiais evitavam apreender ou interceder em uma carga de

drogas que sabiam que pertencia a máfia, temendo perder a própria


vida por isso. Mas era óbvio que Raika não se enquadraria nesses
padrões.

– Creio que tenha encontrado o informante – comentei,


lançando um olhar enviesado em sua direção.

O acordo era óbvio e simples: eu cuidava de Raika, enquanto

ele tratava do traidor que tinha dentro de casa. Com essa


intercorrência, nós dois estávamos perdendo muito dinheiro e não

aceitaríamos isso facilmente.

– Não descobri quem é, ainda, mas quando o fizer, farei com

que se arrependa de ter nascido – prometeu, a voz assumindo um


tom sombrio.
Pelo que conhecia dele, o pobre traidor suplicaria pela morte
súbita, porque com toda a certeza ele morreria, mas não de um jeito
bonito ou indolor.

Uma outra porta foi aberta e nós entramos em uma sala sem
janelas ou ventilação. Lanternas foram penduradas nos cantos com

o intuito de iluminar o local. No centro, uma cadeira com um homem


amarrado e ao lado uma mesa com apetrechos de tortura alinhados

por tamanhos.

– Esse era o meu presente – crispou, sorrindo amplamente.

Cruzei os braços e arqueei uma sobrancelha.

– Hum... – ciciei.

– Ele é um Jalisco, mas não um membro qualquer, ele faz


parte da família principal e detém informações importantes.

– Ele não deu o nome do seu traidor? – questionei.

Mamba-negra riu.

– Uma informação importante como essa não é repassada

para ninguém, nem mesmo para os membros da família. – Foi até


uma cadeira no canto, arrastou-a a alguns metros do homem

amarrado e se sentou. – É muito incomum e difícil ter um informante


dentro dos Cartéis, a morte não é muito interessante ou atrativa,

então quando se tem um, a informação não é repassada para

absolutamente ninguém, exceto o chefe.

Dei três passos para frente, irritação começando a esquentar

as minhas veias.

– Então qual informação útil ele terá para mim?

Pouco me importava a porra dos problemas dos Cartéis, sabia

da inimizade entre a Jalisco e o Los Zetas e não estava nem aí, já


tinha problemas demais para cuidar e inimigos grandes para vigiar.

– Ora, Killiam, paciência não é uma virtude sua, não é mesmo?


– zombou, movimentando uma mão em desdém.

Encarei-o com um esgar nos lábios.

– E nem sua, pelo que eu me lembre.

Ele olhou para cima, pensativo.


– Ah, isso é um fato – Suspirou, acomodando-se na cadeira e

me encarando com afinco. – Fiquei sabendo que está interessado

em uma policial, também descobri coisas interessantes envolvendo-


a.

– Como o quê?

Ele apontou com a mão em direção ao homem.

– Pergunte a ele, mas seja um pouco incisivo, ele é meio

reticente quanto a abrir a boca.

Olhei para o homem, ele estava sujo e um pouco machucado,

os olhos pareciam impassíveis enquanto tentava esconder o pânico


que corria em suas veias, mas podia ver o brilho do medo piscando

neles.

Me aproximei e observei os objetos em cima da mesa, eu não

seria nada piedoso, não quando ele possivelmente tinha uma

informação sobre Raika, uma informação que eu queria muito.

Mamba-negra sabia sobre o que se tratava, mas era um

maldito psicopata que queria ver o inimigo ser torturado, por isso
não falaria nada, não enquanto o homem estivesse vivo, pelo

menos.

– Tem algo a falar ou eu posso começar? – Me inclinei,

sussurrando para ele.

Seu pomo-de-adão subiu e desceu, enquanto ele engolia em

seco, preparando-se, mas continuou em silêncio, sem me dar uma


resposta.

O homem estava com medo, não sabia o que já tinham feito

com ele, mas pelas lesões, Mamba-negra se divertiu um pouco.

Sabia que ele não duraria muito, mas que me daria a informação de
um jeito ou outro.

Recolhi o parafuso de polegar de cima da mesa, era um


instrumento de tortura muito utilizado na idade-média. Puxei suas

mãos, forçando-o enquanto ele tentava se esquivar e pressionei os

dois polegares no local indicado.

– Qual é a porra da informação que tem sobre Raika?

Esperei, mas não obtive respostas.


Girei o parafuso ao lado, o objeto começou a pressionar os

seus polegares, mas a dor ainda não era absurda.

– Por que a Jalisco a quer?

Outra vez, sem resposta.

Girei mais um pouco, o parafuso agora pressionando as unhas


que começavam a ficar esbranquiçadas. Ele gorgolejou, engolindo o

ar com dificuldade, mas ainda se manteve silencioso.

– Eu não vou perguntar outra vez – sibilei, perdendo a

paciência.

Joshua havia suplicado no primeiro resquício de dor, como um

covarde de merda, mas esse homem, embora fosse muito mais

jovem, era bem mais corajoso, contudo, hoje a coragem não seria
uma dádiva, mas sim o seu castigo.

Pressionei mais, a unha estalou e partiu, sangue começou a


jorrar, manchando os dedos, objeto e mesa. Ele soltou um grunhido

de dor e jogou a cabeça para trás, lágrimas jorraram pelos cantos

dos olhos.
– O próximo passo é esmagar pele e osso, tem certeza de que

não quer falar nada? – insisti, impaciente.

O maldito pressionou os lábios. Praguejei.

– Eu disse que ele era difícil. – Riu Mamba-negra.

– Posso resolver isso rapidinho – murmurou Teodoro, cheio de

raiva na voz.

– Killiam vai perder a paciência a qualquer momento, então ele

mesmo resolverá o problema – acrescentou Stefano.

Esperei dois segundos antes de girar o parafuso outra vez,

fazendo força. A unha caiu, partida em vários pedaços e a pele

sensível cedeu, esguichando sangue por tudo. O maldito gritou, alto


o suficiente para fazer os meus tímpanos arranharem.

– Eu disse que ele conseguiria alguma coisa, ainda não foi a


informação, mas pelo menos o fez abrir a boca – zombou Stefano.

– Última chance, já estou chegando ao osso – informei, vendo

os parafusos enterrados na carne ensanguentada. Acrescentei em

um sussurro. – Você só está sendo um idiota teimoso, já deu a


informação para o Mamba-negra, não há mais nada para esconder,
posso fazer da sua morte rápida ou lenta e dolorosa.

Estava impaciente, exausto e com fome.

– Eles querem traficá-la – sussurrou, cuspindo um pouco de


saliva no queixo pela dor que sentia.

Minha testa franziu.

– O quê?

– A garota vale muito no mercado.

Removi um lenço do bolso e limpei os respingos de sangue

das minhas mãos, afastando-me. Precisava caminhar para

raciocinar melhor.

– E por quê?

Ele gorgolejou uma risada.

– Ela é policial, muitos homens odeiam policiais. Ela também é


bonita e o informante da polícia disse que é ousada e malcriada, e
que não tem ninguém para reclamá-la, é sozinha, sem familiares,
sem ninguém. – Engoliu o ar, cerrando a mandíbula pela dor. – Já
tem uns compradores interessados nela, a garota vale uma nota.

Não tinha visto sentido eles quererem Raika, não até agora.
Óbvio que estavam interessados, iriam usá-la como vingança,

estuprá-la e subjugá-la. Eles queriam prostitui-la, vendê-la no


mercado ilegal de humanos.

Raika era um desafio que eles tinham total interesse. O trunfo

que queriam.

A policial bonita que não tinha medo de ninguém, nem mesmo


da máfia, afinal de contas, ela havia apreendido as drogas sem se

importar com as consequências.

Fiquei cego de ódio, as palavras dele me atingiram, ecoando


em minha cabeça, assim como as imagens de Raika sendo tocada

por outro homem, sendo subjugada, a garota cheia de


personalidade.

Ninguém. Absolutamente ninguém tocaria em Raika.

Eu mataria qualquer um que tentasse. Mataria o policial que

está vendendo as informações, que está entregando a própria


colega. E mataria todos os interessados em comprá-la.

Virei-me para ele, segurei uma faca de cima da mesa e cortei a


sua garganta em um só movimento. Ele arregalou os olhos ao

perceber o que eu tinha feito, o filete de sangue começou a escorrer


e ele se engasgou, o sangue inundando os pulmões e o deixando
sem ar.

– Pensei que a garota não era importante, mas, pelo visto,

estava enganado – comentou Mamba-negra.

Eu não sabia ainda qual era a importância de Raika em minha

vida, sabia que gostava dela e queria fodê-la, nada além disso.
Contudo, enquanto eu não decidisse, ninguém a tocaria.

– Você sabe quem é o informante da polícia? – perguntei por

sobre o ombro, vendo a vida se esvair aos poucos do homem à


minha frente.

– Também não tenho ainda essa informação.

Ao menos, eu sabia agora qual era o motivo do porquê


estavam atrás de Raika, assim como tinha a certeza de que ela
sempre falou a verdade, que não fazia parte da folha de pagamento
de ninguém, que só cumpria o seu trabalho.

Outro fator que já sabia, mas que agora havia ficado explícito
para qualquer um ver, era o de que eu estava obcecado por ela e
não compreendia bem por qual motivo aparente, talvez pelo fato de

que ela era uma das únicas mulheres que eu não poderia ter ou o
jeito como me enfrentava, mesmo sabendo quem eu era e o que
poderia fazer. Não importava, eu a queria e ponto.

– E agora? – perguntou Teodoro.

Uma cadeira foi arrastada, sabia que Mamba-negra havia se


levantado de onde passou o tempo inteiro sentado observando o

show de tortura.

– Eu tenho um compromisso em outro País, sugiro que fiquem


de olho na policial, se estão interessados nela no mercado ilegal,

eles não vão parar até tê-la – avisou. – Continuarei tentando


descobrir quem é o informante, quando descobrirmos, as coisas
ficarão muito melhores e vocês poderão voltar para casa.

Sem informante dentro do Los Zetas, a Jalisco não saberia a

localização das drogas e não estaria mais um passo à frente, assim,


as coisas voltariam para o seu rumo certo.

O homem suspirou uma última vez antes de ficar paralisado,

morto. Joguei a faca ensanguentada de volta na mesa, satisfeito por


tê-lo matado e por ter observado cada exalação do peito, até a

última.

– Espero que o encontre e o faça pagar pela dor de cabeça


causada – afirmei em tom de ameaça.

– Não se preocupe, Killiam, logo estaremos em paz – retrucou,


ignorando minha advertência.

– E quanto a informação da carga deles, está correta?

Senti a palma da sua mão em meu ombro, um aperto leve e


discreto.

– Com certeza está, usaremos a tática que você instruiu, duas


cargas entrando ao mesmo tempo, uma só sendo apreendida.

Confirmei com um aceno, não queria aquele assunto correndo


pelos cantos.
Eu passaria a localização para Raika, assim como tinha dito
que faria, ela só não sabia que, nessa estratégia, eu sairia lucrando
muito mais do que pensava.

Terminei de limpar as mãos sujas no pano e o joguei contra o

corpo do desfalecido.

– Coloquem fogo em tudo, não deixe que sobre nada, nem um


resquício – instruiu Mamba-negra aos seus homens.

– Nos vemos em breve – murmurei, o encarando pela última


vez.

Gesticulou, concordando.

Com as informações importantes que obtivemos, esperava

que as coisas começassem a fluir melhor e que tudo fosse resolvido

o quanto antes, pois precisava voltar para Nova York.


A rua estava cercada, os policiais aguardavam nos arredores,
escondidos atrás dos prédios altos. Segundo a informação do

Killiam, o caminhão passaria por esta rua a qualquer momento da

noite.

Mantinha a arma em punho, preparando-me para a


interceptação. Arthur e Gabriel estavam ao meu lado, ambos
prestando atenção nas ruas, em busca de qualquer movimento.

Já era tarde da noite, não havia fluxo de veículos e nem de

pessoas e era justamente por este motivo que eles escolhiam esse
horário para transportar as drogas, não havia ninguém para

desconfiar de qualquer coisa ou alguma testemunha presente.

Minha frequência cardíaca estava acelerada, meu coração

retumbava em meu peito com força. O colete à prova de balas


pesava, causando um leve desconforto.

– Jonas acabou de falar que um caminhão está passando na


rua dele – avisou Arthur, encarando a tela do celular.

Havia outra equipe à espreita, a cerca de três quadras de

distância, eles estavam incumbidos a nos informar o fluxo dos


veículos. Corríamos o risco de interceptar o errado, já que não

tínhamos nenhuma característica do veículo, mas era melhor do que

não ter nada.

Engatilhei a minha arma.

– Abordagem plácida ou forçada? – perguntei, sorrindo.


Era uma aposta, quem perdesse deveria pagar a próxima
refeição.

Gabriel comprimiu os lábios, pensativo.

– Forçada.

Arthur cruzou os braços e coçou o maxilar.

– Vou com o Gabriel nessa – concordou com o colega.

Eles não sabiam que as drogas pertenciam a Jalisco, eu não


contei essa parte, não tinha como falar de onde consegui a

informação tão acirrada. Portanto, infelizmente, teria que concordar

com eles. Duvidava que fossem entregar a mercadoria sem lutar.

– Acho que cada um paga um jantar – avisei, dando o meu

aval.

– Se estivermos certos... – murmurou Gabriel. – Se errados,

ninguém deve nada pra ninguém.

Bem longe, pude ouvir o barulho rouco de um motor, prendi a

respiração e me preparei para exercer o meu trabalho. Era sempre


assim, a adrenalina correndo nas veias, o medo e a excitação

duelando entre si.

– Por favor, tomem cuidado – supliquei, afastando-me deles

para tomar a minha posição.

Perdi Arthur e Gabriel de vista, esgueirando-me para longe. Fiz

um aceno para os colegas do outro lado e aguardei, escondida atrás


da viga de um dos prédios, embebecida pelas sombras.

A luz dos faróis se espalhou pelo asfalto e o barulho do motor

deixou de ser apenas um ruído, tornando-se mais audível conforme


se aproximava. Era um caminhão antigo, os vidros da cabine eram
claros, deixando aparente duas pessoas dentro.

A cada batida do meu coração, a distância diminuía.

– Em três... – A voz de Arthur soou do meu rádio comunicador.

– Dois... – Tranquei a respiração e deixei que a adrenalina


escorresse, dominando meu corpo por inteiro. – Um. Agora!

Meus colegas saíram do esconderijo, fechando a rua. O


caminhão freou bruscamente, os pneus derraparam queimando o

asfalto. Por um pequeno segundo, não aconteceu nada, apenas o


silêncio. Mas então, tiros ecoaram de dentro da cabine, sendo

disparados na direção onde Arthur e Gabriel estavam.

Merda!

Deixei o meu esconderijo para trás, corri sem pensar duas


vezes, sem questionar, eu apenas disparei até a traseira do

caminhão. Pelo espelho retrovisor, vi os homens engatilhando uma


arma, preparando-se para a nova leva de tiros.

Eu não poderia atirar nas costas, isso poderia colocar em

pauta que a defesa da vítima foi impossibilitada e eu não estava


pronta para enfrentar a corregedoria ou até mesmo perder o meu
emprego.

Espiei uma outra vez, enquanto pensava no que fazer. Meu


coração foi parar na garganta com a imagem. Me escondi atrás da

caçamba.

Pressionei o botão do rádio.

– Atirem. Agora. – sussurrei, em desespero. – Eles estão com

uma FN F2000[1].
Eu estava entrando em pânico, nem mesmo o ar conseguia
passar pela garganta embargada. Ele estava engatilhando um fuzil
com o limite de 850 tiros a cada momento. E estava prestes a

dispará-lo em direção aos meus colegas, em direção a Arthur e


Gabriel.

Se ninguém atirasse contra eles em dois segundos, eu o faria.


Não deixaria que essa chacina acontecesse, não perderia um

colega, não hoje, nem mesmo enquanto eu pudesse evitar.

Tiros soaram outra vez, acertando o caminhão como uma


rajada de vento. E então, o silêncio. Eu não precisava espiar para

saber que o condutor e o motorista estavam mortos. Não me sentia


confortável com a morte permeando o ar, preferia que eles

aceitassem a abordagem, entendendo que não havia nada para


fazer.

– Raika! – A voz de Gabriel soou ao meu lado direito.

Sai de trás do caminhão e parei ao vê-lo, soltando uma


respiração trêmula, aliviada por saber que estava bem.

– Tudo bem? – perguntei, a voz esganiçada pela emoção.


Ele concordou com um aceno, veio em minha direção e me
deu um abraço, plantando um beijo no topo da minha cabeça.

– Nenhum ferido do nosso lado – avisou. Fechei os olhos,

agradecendo aos céus por isso. – Fiquei surpreso, não pensei que
eles fossem nos atacar assim – confessou, afastando-se.

Não era incomum que tentassem fugir, mas sacar um fuzil para

disparar contra a equipe de policiais, essa foi a primeira vez. Eles


não tentaram uma fuga, eles simplesmente quiseram uma chacina.

– Eu também não estava esperando por isso – sussurrei.

Era algo para se anotar, os membros da Jalisco eram muito


mais agressivos do que os membros do Los Zetas. Não sei se era

um código de conduta que tinham, mas nunca mais nos pegariam

desprevenidos como hoje.

Caminhei até a caçamba do caminhão, uma equipe removia os

corpos de dentro da cabine. Evitei olhar para o local, mas o cheiro


de cobre flutuou até o meu nariz. Guardei a arma no coldre da

cintura, desamarrei a lona e a puxei para trás. Havia caixas de

madeira, cada uma delas possuía o desenho de uma fruta nas


laterais, detalhadas com minúcia em tons coloridos. As frutas eram:

maçã, pera e mamão. Um disfarce.

– Acho que as nossas operações estão surgindo efeito, já não


estampam mais o símbolo da máfia com orgulho – comentou Arthur

ao meu lado, me assustando.

Estava tão concentrada que não notei sua aproximação.

Encarei-o, buscando ferimentos e me jogando em seus braços ao

não encontrar nada.

– Estou feliz que você está bem – avisei, me afastando.

– Seria um desperdício caso eu não estivesse – brincou, me

fazendo rir e aliviando um pouco a tensão.

Segurei na lateral do caminhão e me impulsionei para cima,

subindo na caçamba. Arthur me estendeu uma alavanca,

entregando-a para mim. Coloquei a ponta entre os vincos da caixa e


forcei para cima, abrindo-a sem muita dificuldade.

– E então? – perguntou Arthur, espichando o pescoço para ver


melhor.
Removi uma lanterna do cinto da minha calça e direcionei a luz

para o conteúdo dentro da caixa.

– Muita cocaína e maconha – avisei, sentindo meu peito

esquentar em satisfação.

Depois de semanas sem nada, finalmente conseguimos

encontrar outra carga. Infelizmente, os condutores estavam mortos,

então não teríamos prisão ou oitiva de testemunhas, mas tínhamos


a carga, e ela serviria como uma injeção de animação pelos

próximos dias.

Coloquei luvas e toquei nas drogas, retirando um tijolo de

dentro da caixa, mas parei ao perceber que uma insígnia marcava

as laterais da pedra.

– Arthur, olha isso! – gritei, fervilhando entusiasmo.

O símbolo em prata era um círculo com um desenho no meio,

ele mal aparecia aos olhos, mas refletia contra a luz. Eu sabia que

as drogas pertenciam a Jalisco, mas não fazia ideia a quem o


símbolo pertencia.
– Puta merda! – sibilou Arthur, erguendo a cabeça para me

encarar. – A quem pertence? – perguntou.

– Não faço a menor ideia.

Ele tirou uma foto com o flash do celular ligado, fazendo o

desenho aparecer bem, então jogou nas pesquisas do Google e

arregalou tanto os olhos que minhas mãos começaram a suar frio,


esperando o pior.

– Raika... – ciciou, receoso, a voz baixa. – É o símbolo de uma

máfia italiana.

Ele virou o celular para que eu lesse o resultado, todo o meu

corpo começou a queimar de raiva. Killiam era um maldito, sabia e

estava fazendo isso para se vingar dos inimigos, só que eu pensava


que o seu inimigo era simplesmente a Jalisco e não a porra de outra

máfia italiana. Mas fazia sentido, se Killiam tinha negócios com os

Los Zetas, era óbvio que a Jalisco teria negócios com outros. Todos

conheciam a rivalidade entre os Cartéis, não era mistério para


ninguém.

Killiam não estava aqui por causa da apreensão de drogas ou

por causa dos Cartéis, ele estava aqui porque outro mafioso estava
importunando os seus negócios. Ele estava aqui porque estava em

guerra com a 'Ndrangheta.

Deus!

– Isso é novo... – refletiu Arthur, vincando a testa com força. –


Agora sabemos para quem a Jalisco trabalha. – Ele saiu correndo

com a droga para mostrar aos outros.

A operação tinha sido um sucesso, apreendemos drogas que

seriam distribuídas no Brasil, portanto, dificultamos o tráfico. E

nenhum dos nossos havia sido lesionado. E eu tinha descoberto


outro ponto da história de Killiam.

Me perguntava se os nossos colegas corruptos trabalhavam

para a Jalisco ou para a 'Ndrangheta, ou para ambos. Uma coisa

era certa, nunca tínhamos apreendido nada deles, nenhuma

denúncia, nada, então fazia sentido que as informações que


recebemos com a localização das drogas que pertenciam a

Camorra não foram privilegiadas, mas sim, implantadas.

Estava revirando o cérebro de tanto pensar quando Gabriel

correu em minha direção, a testa franzida.


– A equipe de Jonas acabou de interceptar outro caminhão –

avisou.

– O quê?

– Vamos pra lá, ele disse que tem drogas na caçamba e os

homens foram presos.

Soava muito estranho, Killiam disse que apenas um caminhão

passaria pela fronteira esta noite, então por que havia um segundo?
E se fosse uma armadilha? Bem, ele foi enfático ao falar que não

me mataria, mas... ele poderia mudar de ideia, não é mesmo?

Independentemente, eu precisava verificar.

Pulei para fora da caçamba do caminhão e corri até um dos

veículos da polícia. Entrei no banco traseiro do carro, Gabriel


assumiu a direção e Arthur o carona. Eu estava nervosa, o

estômago embrulhado, não conseguiria dirigir mesmo se quisesse.

– Por mais que eu esteja feliz, não consigo acreditar que

teríamos tanta sorte assim esta noite – murmurou Arthur.

O carro deu um solavanco para o lado quando Gabriel dobrou

à direita em alta velocidade. Ninguém acreditava naquilo e


estávamos desconfiados e temerosos demais para pensar com
coerência e lucidez.

De longe, notei o caminhão estacionado, os agentes ao redor e

dois homens sendo conduzidos algemados para a viatura, não

parecia ter sido uma apreensão difícil, totalmente o contrário da

nossa. Gabriel estacionou e eu pulei para fora, mal esperando que o


carro parasse completamente.

– Então? – perguntei.

Duarte, um dos membros de outro departamento de


investigação sobre narcóticos, preenchia uma ficha. Ele era mais

velho e mais experiente que nós, estava na polícia há anos. Por

sermos de equipes diferentes, nunca tivemos muita intimidade.

– A droga é da Camorra – avisou, fazendo um gesto de


desdém com a mão em direção ao caminhão. – Passou por aqui

logo depois que fizeram a apreensão do primeiro.

Abri e fechei a boca, nenhum som saiu.

– Esse é o dia mais estranho da minha vida – comentou


Gabriel, esfregando a nuca. – Primeiro apreendemos drogas da
'Ndrangheta e depois drogas da Camorra, que porra está
acontecendo?

Duarte girou a cabeça na direção de Gabriel em uma


velocidade vertiginosa.

– Vocês aprenderam drogas da ‘Ndrangheta? – perguntou,

incrédulo.

Gabriel fez que sim com a cabeça.

– O caminhão era da ‘Ndrangheta, ao que tudo indica, havia

símbolos da máfia nas laterais das drogas.

Os lábios de Duarte se tornaram uma linha fina.

– Bom..., o dia foi produtivo para vocês. – Abriu um sorriso que


não chegou aos olhos. – Tenho que terminar minhas anotações,

podem ir checar as drogas, se quiserem.

Ele se afastou com a prancheta e o celular em mãos, as costas


retesadas, parecia cansado depois da operação. Outro policial nos

trouxe um tijolo e nós confirmamos o símbolo da Camorra nas


caixas.
– Estranho que dois inimigos escolheram quase o mesmo
horário para traficar – zombou Arthur com um fundo de verdade na
voz.

Uma luz se iluminou na minha cabeça.

Soltei uma exalação e levei as mãos à cintura.

Maldito.

Killiam fez de propósito. O desgraçado me deu a informação

do outro caminhão, assim, estaria concentrada na operação e não


teria como interceptar as drogas dele, mesmo que tivéssemos
recebido informações sobre elas, como estava acontecendo

ultimamente.

O desgraçado foi estrategista.

Eu estava tão animada com a possibilidade de apreender as


drogas da Jalisco pela primeira vez na vida que nem mesmo cogitei

a probabilidade de ele estar articulando outra coisa.

Marchei em passos duros em direção ao caminhão, a raiva


inflava as minhas narinas e tornava a minha respiração densa.

Fechei as mãos em punho ao lado do corpo, imaginando como


gostaria de socar a cara deslavada de Killiam. Arthur estava
mexendo em uma das caixas, tirando os tijolos de cocaína de dentro

e olhando-os contra a luz.

– Não é a vênus desta vez – avisou, procurando dentro das


outras, conferindo todos os lotes.

Eu não conseguia nem mesmo falar de tanto ódio que sentia,

me sentia uma tola, uma idiota. Me deixei ser usada por Killiam,
acreditei que o interesse dele era puramente em entregar os
inimigos e não aproveitar a oportunidade.

– Está tudo bem? – perguntou Arthur, notando o silêncio cheio


de raiva que eu carregava.

– Sim, só pensando... – menti.

Pela visão periférica, notei Gabriel conversando com outros


dos nossos colegas, eles pareciam discorrer sobre alguma situação.
A maioria dos agentes estava em êxtase, tínhamos acabado de

executar a maior operação de nossas vidas e sabia que logo estaria


estampada nos jornais e canais de notícias.
Cruzei os braços e observei, esperando Arthur terminar de

examinar as drogas para que pudéssemos ir embora. Eu estava


feliz, mas também estava irritada, então não era uma boa
companhia no momento.

Um carro preto e com os vidros escuros dobrou à esquina,


andando devagar. Duarte estava na calçada, entre os cruzamentos
das ruas, falando no telefone. O vidro do carona foi baixado pouco

mais do que um palmo e então o cano de uma arma surgiu.


Arregalei os olhos e senti todo o sangue se esvair do meu rosto. Por
um segundo, fiquei em choque, não consegui fazer absolutamente

nada além de encarar a cena. Pisquei, forçando meu corpo a reagir


e sair do torpor em que se encontrava. Abri a boca e um grito
esganiçado saiu quando um tiro ecoou no ar e atingiu a cabeça de

Duarte.

Eu corri.

Tudo parecia acontecer em câmera lenta, como se o mundo

estivesse parando de girar.

Fumaça saiu do cano da arma que, logo após o disparo, foi


puxada de volta para dentro do carro, o vidro foi fechado e o
motorista acelerou, derrapando no chão e sumindo duas quadras
depois.

Ouvi portas batendo e sabia, sem precisar olhar, que alguns


policiais estavam se preparando para a perseguição.

Parei ao lado de Duarte, o corpo jazia desfalecido. Havia um


buraco no meio da testa com sangue escorrendo e criando uma
poça ao seu redor no chão acimentado da calçada.

– Meu Deus, meu Deus, meu Deus – repeti, prestes a vomitar


ou a desmaiar.

Senti o gosto da bile na boca e lágrimas embaçaram a minha

visão. Mãos firmes agarraram a minha cintura e me puxaram,


reconheci o cheiro de Gabriel sem precisar olhar.

– Vem – disse, me puxando para longe.

Ele estava morto.

Eu não suportava a ideia, não conseguia pensar, não

conseguia reagir. Não tinha família, ninguém, então sentia pelos


meus colegas de profissão algo parecido com isso, era como se
eles fossem a minha família.
Arthur tocou em meu ombro, me dando algum conforto.

– Raika está em estado de choque, vamos tirá-la daqui – falou


com Gabriel, e apesar de estar ao meu lado, a voz parecia ecoar tão

distante.

A culpa me corroía, tão forte, tão profunda, tão doída.

Killiam disse que a cada vez que uma carga sua fosse

apreendida, um colega meu seria morto. Queria renegar este fato,


fingir que era somente uma coincidência. Mas eu sabia e sentia que
não era.

Ele prometeu. Ele cumpriu.

Duarte tinha uma família, uma longa vida pela frente. Ele não
merecia isso, não merecia ter morrido de forma tão covarde.

Eu queria justiça, mas não tinha nada que pudesse fazer para
consegui-la.

Eu odiava Killiam com todas as minhas forças, com todo o meu


ser. Eu o detestava tanto que chegava a doer. Era um sentimento
escuro, amargo e profundo.
Ele passou dos limites, ele me quebrou, e fez isso de propósito
porque era esse o seu intuito. Ele queria me quebrar, me desfazer

em pedaços, me atingir com a única coisa que seria possível.

Mas eu não iria parar, jamais cederia.

Killiam era um maldito psicopata que me queria de joelhos,

acontece que eu jamais me ajoelharia para ele.


Me arrastei até a porta do meu apartamento, cada músculo do
meu corpo doía e sentia os olhos inchados pelo choro e cansaço.

Eu estava acabada, tanto fisicamente quanto mentalmente.

Embora tenhamos tido êxito na operação, me sentia frustrada.

A morte iminente de Duarte pegou a todos de surpresa, via o


sofrimento nos rostos de todo mundo. Agradecia por eu não ser
Heitor neste momento, pois foi ele que ficou encarregado de dar a

notícia para a família.

Não encontraram o carro com os homens e descobriram que a


placa utilizada era falsa. Sem rostos, sem nomes, sem pistas, não

tinha a quem culpar pela morte de um policial.

Uma porta foi aberta às minhas costas.

– Raika, não acha que está trabalhando demais? – falou

Killiam, podia sentir o tom de irritação em sua voz.

Fiquei rígida, cada músculo do meu corpo endurecido. Eu

queria matá-lo, esbofeteá-lo, mas não conseguia fazer nada,

somente sentir e não executar.

– Suponho que a operação foi um sucesso – continuou.

Espremi os olhos, lágrimas correram pelos cantos, a mão

continuava sobre a maçaneta. Meu coração estraçalhado batia


freneticamente e meu estômago estava embrulhado, um aviso de

que eu vomitaria a qualquer momento.

– Não vai falar comigo, justiceira, algo deu errado? – Senti a

sombra do seu sorriso em minha nuca.


Não me aguentei, a raiva correu em minhas veias, me fazendo
agir pela emoção. Girei nos calcanhares e ataquei Killiam, errando o

soco por poucos centímetros quando ele se esquivou para o lado.

Killiam segurou os meus pulsos e me puxou para dentro do

apartamento dele, empurrando a porta com o pé.

Ele vestia uma camiseta preta de manga curta e calças de

moletom que deixava a impressão do seu pau nelas obsceno,

totalmente o oposto de como eu sempre o via. Finquei as unhas em


seus braços, arranhando-o até o sangue escorrer.

– Maldita – grunhiu, cerrando a mandíbula pela dor.

Killiam me girou, colando minhas costas contra seu peitoral

duro e definido e agarrou os meus braços para trás, me prendendo.


Tentei chutá-lo, mas não consegui, ele desviou de todos os golpes e

ainda me segurou como se eu não pesasse nada. Sabia que ele

conseguia sentir o cano da minha arma contra a cintura, mas não

fez menção alguma de me desarmar.

– Você é a única pessoa que tirou sangue de mim e vai

permanecer viva para contar a história – vociferou contra o meu

ouvido, o hálito quente arrepiou a minha pele.


Ódio e desejo eram sentimentos conturbados e muito distintos,

ainda assim, era exatamente isso que eu sentia por Killiam. Ao


mesmo tempo em que eu queria matá-lo, meu corpo traidor se

aquecia só por estar perto dele.

– Que honra – retruquei, entredentes.

Pouco me importava as ameaças dele, preferia mil vezes que


me matasse aos meus colegas, mas o filho da mãe sabia disso.

– Suponho que a sua missão tenha sido um sucesso – repetiu,

exalando ódio por cada poro.

Ele me mantinha firme, as mãos me seguravam, mas não

apertavam o suficiente para machucar. Sentir o corpo duro dele


atrás de mim não ajudava com a coerência dos pensamentos.

Um sorriso se espalhou pelo meu rosto.

– Ah, foi sim, obrigada por perguntar. – Deitei a cabeça contra


o peito dele e soltei um suspiro. – Acredito que as suas drogas

estejam queimando neste momento.

O jeito que eu brincava com a morte era diferente, mas não me

importava ou me intimidava nenhum pouco.


O peito de Killiam zumbiu em uma risada rouca atrás de mim e

ele escorou o queixo contra o meu ombro, entrando no meu jogo.

– Assim como o seu coleguinha será em breve? – objetou, o

perfume impregnando o meu nariz.

Toda a dor que eu senti ao ver Duarte morto, sem que pudesse

fazer alguma coisa, sem que pudesse ajudá-lo e me sentindo


culpada porque eu sabia quem era o mandante e estava ciente por

qual motivo ele havia sido morto e, ainda assim, não podia falar, me
assolou de vez.

Soltei um grito de dor e raiva, Killiam ficou rígido, assustando-


se com a minha reação. Aproveitei esse segundo de surpresa e me

desvencilhei do seu aperto, atacando-o outra vez. Acertei um soco


em seu ombro, arrancando um grunhido de dor dos seus lábios.

Então disparei outro, mas ele segurou o meu punho, interceptando.


Eu queria arrancar a satisfação que deveria estar sentindo, queria

tirar a frustração que eu sentia.

– Você se importa mesmo com esses policiais, não é? –

refletiu, agarrando o meu outro pulso que estava prestes a acertar o


seu rosto.
– Assim como se importa com a máfia e com seus homens, eu
me importo com os meus colegas.

Ele me observou por um segundo, as sobrancelhas unidas.

– Eles não merecem essa dedicação toda, Raika. – Uma


lágrima solitária escorreu pelo meu olho esquerdo, Killiam franziu o

cenho, comiseração resplandecendo em seu rosto. – Você se


importa mesmo – murmurou, reiterando outra vez, como se não

tivesse sido óbvio até agora.

Killiam me puxou, apertando-me contra os seus braços.

– Eu odeio você – sussurrei.

Ele enrijeceu por um segundo, antes de relaxar e esfregar a


ponta dos dedos em minha cabeça.

– Posso viver com isso – respondeu, beijando meu maxilar.

Queria continuar lutando, mas estava tão cansada, tão exausta

depois de tudo o que aconteceu que não consegui fazer nada além
de me sentir confortável nos braços do homem que estava me
fazendo sofrer. Mas, ao mesmo tempo em que eu queria ir para

casa, não queria ficar sozinha. Nunca soube lidar bem com a morte,
era traumatizada depois de ter perdido minha família, por isso
evitava ver corpos ou ir em velórios.

– Me sinto tão cansada... – confessei em um bramido.

Killiam suspirou, sentia seu coração batendo em um ritmo


frenético, o peito subindo e descendo em rápidas sucessões e o

calor do seu corpo contra o meu. De um jeito excêntrico, isso me

acalmava, ele me acalmava.

Eu estava tão quebrada e sozinha que encontrava conforto nos


braços do homem que eu deveria repudiar.

– Me deixe te colocar para dormir – ciciou contra os meus


cabelos.

– Como fez com Duarte? – refutei.

Ele sorriu sem humor.

– Já disse que não vou te matar, Raika.

– Só me machucar.

Ficou em silêncio por uns segundos, os braços ainda me

cercavam e o corpo me causava uma sensação reconfortante de


proteção, embora eu devesse temê-lo.

– Nem mesmo isso, por mais que pense o contrário.

Enrolei o punho em sua camiseta e enfiei meu rosto ainda mais

em seu peito, aconchegando-me contra ele.

– Quando mata os meus colegas, Killiam, está me

machucando, e não poderia encontrar maneira pior para fazer isso,

nada do que fizer será o suficiente para que eu o perdoe um dia,


não depois de hoje.

Ele beijou minha cabeça outra vez e inspirou profundamente,

sentindo o meu cheiro, assim como eu estava fazendo com ele.

– Tenho certeza de que serei perdoado um dia – contra-

argumentou, convencido do que dizia.

Não disse nada, porque sabia que não era verdade, eu sentia

o gosto amargo do que ele fez na ponta da minha língua e o peso

do meu coração quebrado.

– Eu quero dormir – suspirei.

– Eu vou te colocar para dormir.


Killiam me puxou até o corredor e abriu a porta do meu

apartamento. Deixei-o em meu quarto e fui para o banheiro tomar

banho, lavando a sujeira, dor e lágrimas com a água. Escovei os


dentes e penteei os cabelos, e quando retornei, Killiam estava no

mesmo lugar, esparramado contra a poltrona de canto mexendo no

celular.

Ele parecia uma miragem de tão lindo. Sem o terno ou todo o

peso que carregava, parecia um homem comum, sem problemas,

sem a sombra da psicopatia que o cercava, era como se, esse


Killiam aqui, não pudesse torturar ou matar pessoas a sangue frio.

Mas era uma máscara. E eu, infelizmente, sabia disso.

Arrastei os meus pés até a cama e me deitei, mas nem mesmo


o colchão macio e aconchegante foi o suficiente para suprir a

necessidade que eu sentia.

– Eu não vou atirar em você enquanto dorme, pode deitar ao

meu lado – avisei, apontando para o travesseiro vazio.

Ele riu.
– Não duvidaria disso, você é mesmo um pouco agressiva –

zombou.

Fiz um barulho com a garganta.

– Eu não torturo pessoas em busca de informações, muito

menos já matei alguém na vida, portanto, o agressivo aqui com

certeza é você.

Ele colocou o celular em cima do aparador e puxou o cobertor.

– Então quem deveria temer dormir ao meu lado aqui é você –

retrucou.

A cama balançou diante do seu peso, mas o calor que o corpo


emanou me fez soltar um suspiro de prazer. Não conseguiria dormir

hoje, não sozinha, ficaria com a luz acesa à noite inteira e com a

cabeça em um turbilhão.

Killiam era como a minha criptonita, ao mesmo tempo que

sabia que seria a minha destruição, me sentia protegida e

confortável em seus braços.

– Por hoje, pelo menos só por algumas horas, vamos esquecer

que somos inimigos – disse, as palavras arrastadas pelo sono.


– Não somos inimigos, Raika. – Ele me puxou contra o corpo e

circulou minha cintura com um braço.

Não havia nada sexual em seu toque, por mais que ele me

desejasse, assim como eu o desejava. Killiam só queria fazer com

que eu me sentisse melhor e eu podia ver isso.

– Mata os meus colegas, me ameaça, me engana e ainda fala

que não somos inimigos? – Soltei uma risada ríspida.

Senti seus lábios em minha nuca.

– Eu não enganei você, disse a localização das drogas.

– Mas esqueceu de falar que era tudo um esquema para que

as suas pudessem passar despercebidas.

– Sou um homem de negócios, preciso me agarrar a todas as

boas oportunidades da vida.

Bufei.

– E isso inclui acabar com a vida de pessoas inocentes?

Ele não se retesou atrás de mim, tão pouco pareceu atingido


com as minhas palavras.
– Um dia, vai ver o mundo com os mesmos olhos que eu e vai

descobrir que não é um cargo ou uma denominação que divide as


pessoas como boas ou ruins, não é porque sou um mafioso que sou

feito de ruindade, assim como não é porque um homem faz parte da

polícia que é feito de bondade, Raika – disse ele, me puxando mais

contra o seu peito. – Mas só vai entender o teor das minhas


palavras quando perceber que essa distinção que faz é ingênua,

para dizer o mínimo.

Soltei a respiração de forma ruidosa.

– Se eu não acreditar em justiça, lutarei pelo quê? Arriscarei a

minha vida para nada? – sussurrei, tão baixo que mal pude ser

ouvida.

Sabia que tinha colegas corruptos e vendidos, mas não queria

condenar toda a corporação por meia dúzia. Eu via a forma como


Gabriel e Arthur lutavam ao meu lado, assim como eu via muitos

colegas e amigos perderem suas vidas para tentar combater a

criminalidade, para tentar entregar um mundo melhor para as


gerações futuras.
– Luta pelo que acredita, mas não faça suposições com base
em nada porque, para você, sou um monstro, mas posso não ser

para muitas outras pessoas.

– E da minha história, você é o vilão ou o meu herói? –

questionei.

– Posso ser o pior vilão ou o grande herói, basta saber como

você vai deduzir no final das contas – murmurou, de forma

enigmática.

O vinco em minha testa se aprofundou e estreitei meus olhos.


Não entendia o que Killiam queria dizer, mas sabia que tinha um

significado, sempre tinha.

– O que você quer dizer com isso?

Senti seus lábios contra a minha pele, fechei os olhos e


tranquei a respiração, meu corpo inteiro se aquecia com seu simples
toque.

– Na hora certa, vai descobrir, por enquanto, me contento com


o seu ódio.
Engoli em seco, queria questionar mais, protestar, reagir, mas
estava cansada demais para isso, então simplesmente deixei de
lado. Estendi o braço e desliguei o abajur, nos colocando na

escuridão.

– Boa noite, Killiam.

– Boa noite, Raika.

Essa entraria para a maior loucura que eu já fiz na vida, dormir

nos braços do mafioso que eu queria caçar e prender. Mas hoje, só


por algumas horas, seríamos a Raika e o Killiam, duas pessoas
comuns, não dois inimigos declarados.

Acordei sozinha na cama, se não fosse pelo cheiro de Killiam

impregnado em meus lençóis, cogitaria que tudo não passou de um


sonho.
Estiquei os braços para cima, me espreguiçando e me sentei
na cama. Tinha dormido tão bem que meu corpo exausto se sentia
renovado. Toquei nos lençóis bagunçados ao meu lado, sentindo a

textura contra os meus dedos, me lembrando do corpo que


esquentou o lugar a noite toda, dedilhei, estendendo o braço, um

sorriso se manifestando em meu rosto, então encostei em algo que


não fazia parte da cama. Olhei para o lado e vi que Killiam havia
deixado uma bandeja de café da manhã para mim.

– Torturador, assassino, mafioso e romântico – murmurei,

sorrindo.

Havia pães, ovos, bacon, mamão, suco de laranja, uma jarra


com café e um croissant. Recolhi o bilhete de cima e o desdobrei

para ler a letra cursiva e muito bonita.

Faça os seus medos terem medo de você.

Bom dia, justiceira.

 
Killiam era a maior incógnita da minha vida. Eu ainda sentia
ódio dele, mas o ódio frequentemente duelava com o desejo, me

deixando confusa.

Balancei o bilhete com a mão, os lábios comprimidos,


pensativa.

– O que você quer, Killiam? Ser minha ruína ou a minha

salvação? – sussurrei, pensando em voz alta.

Meu estômago roncou de fome com o cheiro da comida que

impregnava o quarto. Eu não teria uma resposta agora ou tão cedo,


de qualquer forma. Deixei o bilhete na mesinha ao lado e peguei a
bandeja, colocando-a em meu colo. Precisava me alimentar antes

de me levantar para enfrentar o dia. A delegacia estava de luto e eu


teria um velório para ir.

Lembrar de Duarte servia como uma injeção de nitidez,

limpando a minha mente para o fato de que, muito embora eu


tentasse pensar o contrário, Killiam era um criminoso e um
assassino que estava matando meus colegas.

E eu me vingaria por cada morte inocente causada por ele.


Os últimos dias foram pesados na delegacia, o preto do luto
revestia os arredores, dominando o ambiente. Não havia mais as

conversas nos corredores ou os burburinhos de comemoração com

a proximidade do final de semana. O luto prevalecia, arrastando-se


por cada setor, por cada andar.
O velório de Duarte foi doloroso, ver a esposa e os dois filhos

lamentando-se sobre o caixão me quebrou ainda mais por dentro.


Me senti culpada de certa forma, suja, corrupta, precisei deixar o

local com a desculpa de que não estava me sentindo bem.

E então, passei a evitar Killiam, ficando até tarde da noite na

delegacia e saindo muito cedo de casa, não que fosse adiantar, de


alguma forma, mas, até então, estava dando certo. Eu tinha

consciência de que ele estava me dando espaço, caso contrário,

meus horários não seriam o suficiente para evitá-lo.

Como eu imaginava, as apreensões saíram em todos os


jornais, assim como a morte de Duarte.

Os homens que carregavam a carga da Camorra não abriram a

boca para delatar ninguém. E eu sabia o motivo, há uns anos, um

homem havia sido preso e foi o primeiro e única a dar nomes, ele

entrou para o programa de proteção à testemunha, saiu do País e

alterou a identidade, mas, ainda assim, foi pego e morto pelo Cartel

ou pela máfia, não tinha como saber. Por esse motivo ninguém
falava nada quando eram pegos, eles tinham medo e não confiavam

no programa, preferiam passar anos na cadeia do que entregar

qualquer membro que fosse da quadrilha.


E, mais uma vez, as drogas foram incineradas e nós voltamos
ao zero, sem ninguém para acusar ou culpar.

– Vai ficar de novo até mais tarde? – perguntou Arthur,

levantando-se da cadeira e desligando o computador.

Olhei para a rua através da janela e percebi que já havia

anoitecido, estive tão absorta que nem tinha reparado.

– Sim, tenho que colocar algumas coisas em ordem – menti.

Não tinha nada para fazer, mas não queria voltar para casa,

ainda não me sentia preparada para vê-lo.

Arthur suspirou.

– Está tudo bem, Raika? Desde a morte de Duarte você anda

estranha. – Escorou o quadril contra a mesa e cruzou os braços.

Como eu poderia contar para ele que eu era um poço de

mentiras? Que eu era tão podre quanto os nossos colegas

vendidos? Não estava tudo bem, mas eu não podia falar nada, só

fingir e seguir a vida.


– Sim, só estou cansada e chateada com tudo o que

aconteceu – falei, mordendo o lábio inferior.

Arthur me examinou por um momento, antes de ceder com um

aceno de cabeça.

– Todos nós estamos, mas vamos usar a tristeza como um

combustível, não vamos desistir – exprimiu, recolhendo as chaves


do carro e se direcionando para a porta. – Vai pra casa descansar, é
noite de sexta-feira, vamos conseguir mais pistas em breve.

Sorri.

– Boa noite, Arthur.

Sozinha na sala, me escorei contra a cadeira e encarei o teto,


a mente a quilômetros de distância.

Infelizmente, já conseguia entender e ver que nenhuma dessas

operações nos levariam a lugar algum, sempre haveria uma


denúncia, mas nunca um nome. As máfias estavam em guerra, por

isso entregavam as cargas uma da outra, assim, servíamos como


peões nesse jogo. Apreendíamos as drogas, elas eram incineradas,
ninguém delatava ninguém e a operação voltava ao pontapé inicial.

Fim.

O que me deixava um pouco confortável era o fato de que, de

uma forma ou outra, estávamos retirando as drogas das ruas,


portanto, não era um trabalho totalmente em vão.

Uma batida soou na minha porta e em seguida ela foi aberta.

– Ei, Raika – Gael, um dos policiais da equipe de homicídios,


colocou a cabeça para dentro.

Encarei-o, soltando um suspiro cansado e esfregando os


cabelos.

– Sim?

Gael era jovem, tinha entrado na polícia na mesma época em

que eu, somente com alguns meses de diferença.

– Arthur e Gabriel já foram? – perguntou. Fiz que sim com a


cabeça. – Eu recebi umas pistas... – murmurou.

Meu coração errou uma batida e o teor da conversa se tornou


mais interessante, me fazendo ajeitar a coluna e o cansaço se
esvair em um piscar de olhos.

– Como assim?

O movimento na delegacia estava quase escasso, restando

apenas alguns dos policiais que permaneciam para colocar o


trabalho em dia e as equipes que estavam de plantão.

– Houve outro homicídio, um corpo foi encontrado carbonizado

em um galpão abandonado no meio da estrada, mas descobrimos


que ele era mexicano através do DNA do que restou dele, então o

ligamos com algum dos Cartéis que vocês estão investigando.

Estranhamente, não me chocava que a morte estivesse ligada

à Killiam, conhecendo o mafioso, sabia que ele era capaz de tudo.


Além do mais, as mortes dos membros da Jalisco só começaram
depois que Killiam veio para o Brasil, até então, tratava apenas de

tráfico de drogas e não homicídio.

– E então? – insisti, minhas mãos formigando de animação.

– Chegamos a uma pista, parece que há uma carga de drogas


para hoje à noite no Porto – explicou.
Não tinha nem ideia se as drogas pertenciam a Killiam ou a
outra máfia, mas eu iria de qualquer forma, pouco me importava o
proprietário.

– Preciso falar com Arthur e Gabriel – avisei, pegando o


celular.

– Você não está entendendo, se não formos agora, vamos

perder a pista – insistiu – Minha equipe está se deslocando pra lá


nesse momento, não fazemos parte da narcóticos, mas queremos

encontrar o responsável pelo homicídio.

Embora não fosse de caráter da Polícia Federal cobrir os

crimes de homicídio, quando era comprovado que estavam ligados

ao tráfico internacional, nossos agentes cumpriam este papel.

– Tudo bem, não podemos perder isso – disse, levantando-me


e recolhendo o celular de cima da mesa. – Vamos.

Enviaria uma mensagem para Gabriel e Arthur no caminho, no


momento, o mais importante era não deixar que as drogas saíssem

do Porto, pois se acontecesse nós a perderíamos de vez.


– Vamos, você tem drogas para apreender e eu um homicídio

para resolver – brincou, abrindo a porta.

Peguei a minha bolsa e abandonei a sala, iria no meu carro,


tinha certeza de que não voltaria para a delegacia depois da

operação não planejada. Me separei de Gael no estacionamento,

mas o segui de perto pelas ruas movimentadas em decorrência do

horário de pico.

A noite banhava o céu, a cidade estava iluminada, as luzes

piscavam diante dos meus olhos, mas conforme o carro avançava,


aproximando-se do Porto, o movimento diminuía drasticamente a

cada quadra que o carro procedia, assim como a claridade e o

burburinho da cidade.

Gael estacionou o carro um pouco distante e eu fiz o mesmo.


Retirei a arma do porta-luvas e verifiquei as balas, antes de colocá-

la na cintura e descer.

– Sabe qual é o contêiner? – perguntei.

– Não claramente, mas tenho certeza de que vamos perceber


pela movimentação.
Concordei com um aceno.

Esgueiramo-nos pelas sombras, evitando os cascalhos para


não fazer barulho algum. Era um risco, não era uma operação

planejada, mal estávamos armados e nem mesmo tivemos tempo

para colocar um colete à prova de balas. Eu não consegui enviar


uma mensagem para Arthur e Gabriel, fiquei tão ansiosa que

esqueci completamente.

Gael pulou uma cerca e estendeu a mão para mim, me

ajudando a passar sem ser vista. O Porto estava pouco iluminado e

havia vozes que se sobressaíam ao barulho das ondas do mar.

– Cadê a sua equipe? – perguntei, sentindo o medo gelar as

minhas veias.

Estava entusiasmada demais para ver o perigo do que

estávamos fazendo, Duarte havia sido morto há pouco tempo, não


deveríamos estar correndo risco assim.

– Acho que do outro lado – murmurou.

– Não trouxe um comunicador? – inquiri, sentindo minha testa


franzir.
Pensava que todas as equipes fossem muito bem preparadas,

mas Gael estava deixando a desejar.

– Não – respondeu, somente.

Gael foi na frente. Ele desviou de um contêiner, fazendo a volta

e avançando em direção ao centro do Porto. Não havia iluminação

alguma, exceto a pouca claridade que a lua fornecia. As vozes se


tornavam cada vez mais evidentes, mas ainda não era indício

suficiente de que pertenciam a membros dos Cartéis, podiam ser

funcionários.

Entramos em um corredor entre os contêineres e pude ver o


mar com clareza, a água contrastando com a lua, as ondas

quebrando na areia.

– Como vamos nos comunicar com alguém? É arriscado o que

estamos fazendo, acho melhor voltarmos – falei.

Meus pelos estavam arrepiados, estava me sentindo

desconfortável. Com o passar do entusiasmo da notícia, conseguia

ver com nitidez a merda que estávamos fazendo, nada estava certo
nessa missão de última hora.
– Se sairmos agora, vamos perder as pistas – rebateu.

Viramos dois corredores e entramos em uma área aberta, não


havia nada além do pátio vazio. Retirei o celular do bolso, mandaria

mensagem para Arthur e Gabriel, se Gael quisesse continuar, que o

fizesse sozinho.

– O que vai fazer? – inquiriu, apontando com o queixo para o

meu telefone.

– Vou chamar os meus colegas, não sei quem te instruiu na

academia, mas, seja quem for, fez um péssimo trabalho. – Olhei ao


redor, desconfiada. – Isso aqui é suicídio, não deveria ter dado

ouvidos, quando elaboramos uma operação, calculamos todos os

resultados, dos melhores aos piores.

A Polícia Federal não tinha tantos homicídios para investigar, a

maioria dos crimes era de caráter estadual, por isso não culpava
totalmente Gael e a inocência em executar uma operação.

– Sabe..., sempre te achei muito arrogante, não sei o que


Gabriel e Arthur tanto olham em você. – Bufou. Cerrei os dentes,

socaria a cara dele a qualquer momento. – Merece o destino que vai

ter.
Antes que eu abrisse a boca para falar qualquer coisa ou até

mesmo rebater com chutes e socos, um grupo de homens surgiu da


escuridão. Arregalei os olhos e dei um passo para trás,

empunhando a arma que era inútil contra todos eles, mas ao menos

eu morreria tentando me proteger. Killiam surgiu, seguido por

Stefano e Teodoro.

Nunca imaginei que fosse ficar tão aliviada de ver o mafioso


em uma operação, mas era exatamente assim que eu estava me

sentindo.

Gael não se moveu, como se estivesse esperando por eles.

– Raika – Killiam cumprimentou, então correu os olhos até o

meu colega, cheio de ódio. – Não sou quem estava esperando –

disse.

Gael ficou pálido, abriu e fechou a boca, mas nenhum som

saiu. Franzi a testa, tentando elucidar a situação, mas nada fazia

sentido.

– O que está acontecendo? – Verbalizei em voz alta a pergunta

que entoava em minha mente.


Killiam me ignorou, os olhos estavam focados em Gael,
fulminando-o com tanto ódio que eu estremeci.

– Não vai falar nada? – perguntou, inclinando a cabeça para o

lado.

Gael parecia em choque, horrorizado, ele não falava ou se

mexia, nem rebatia as palavras adversas de Killiam, ele não fazia

absolutamente nada.

Killiam revirou os olhos.

– Odeio covardes, faz com que a situação seja tediosa ao

invés de divertida – disse ele, então sacou a arma e deu um tiro no

meio da testa de Gael.

Meu coração falhou uma batida e a respiração ficou agitada.

O grito ficou preso na garganta, eu estava aturdida demais


para discernir com coerência o que havia acabado de acontecer.

Gael caiu ao meu lado, pude ouvir o baque oco do corpo dele
batendo contra o chão, o sangue que esguichou no contêiner atrás

de nós, causado pelo tiro, e que agora escorria. Olhei para baixo,
observando a poça que se criava aos meus pés.
Eu tinha noção de tudo, mas simplesmente não conseguia
reagir. Não acreditava que Killiam tinha feito isso.

O impacto da situação me deixou inerte.


Removi os olhos do cadáver de Gael e encarei Killiam, ele
estava com a arma abaixada, mas permanecia me encarando,

observando cada reação fugaz do meu rosto.

– Antes que entre em desespero, não é o que está pensando –

disse.
Não podia acreditar que ele estava mesmo tentando fazer isso,

ele acabou de matar outro dos meus colegas, na minha frente, e


queria mesmo que eu não acreditasse? Como se eu estivesse

ficando louca?

Eu ainda não conseguia reagir, meu corpo não correspondia

aos comandos do cérebro.

Killiam guardou a arma no coldre que mantinha debaixo do


blazer do terno e se aproximou de mim em passos precisos, mas

contidos. Suas mãos tocaram às minhas, suadas e geladas.

– Estou ciente de que esteja surtando, mas acredite, fiz para

proteger você.

– Eu vou matar você – sibilei, entredentes.

Ele sorriu.

– Sei que tem esse desejo profundo, mas isso não vai
acontecer, amor – retrucou.

Se ver Duarte ser morto tinha me deixado em choque, o

impacto da morte de Gael era milhões de vezes pior, porque, eu

sabia que tinha sido Killiam quem havia mandado matar Duarte,
mas vê-lo matar alguém pessoalmente a sangue frio, como se não
se importasse ou não se sentisse nem meramente abalado, era

diferente.

Deus!

Era o mesmo homem que tinha dividido a cama comigo a uns

dias atrás e ao mesmo tempo não era ele, não conseguia explicar,

mas parecia que Killiam tinha duas personalidades e apenas uma

delas predominava quando esteve comigo.

– Seu psicopata de merda – vociferei, as lágrimas pinicando

atrás dos meus olhos.

Killiam fez um gesto de desdém com a mão e me puxou em

direção a ele, me fazendo arquejar.

– Antes de começar a me xingar, eu quero te mostrar uma

coisa.

Ele me arrastou pelos contêineres, me levando para algum


lugar que não fazia ideia. E mesmo depois de vê-lo matar alguém,

ainda assim não era o suficiente para me fazer sentir medo dele.

Deus, eu era tão psicopata quanto ele.


Nós paramos em um corredor aberto, havia homens fumando e

conversando em círculo mais adiante, absortos, sem perceber a


nossa presença. Killiam colou minhas costas contra o seu peito e

afastou os meus cabelos para o lado, uma mão descansava em


minha barriga.

– Está vendo aqueles homens? – sussurrou contra o meu


ouvido. Eu não respondi. – Eles estão aqui para levar você, estão
esperando que apareça com o seu coleguinha corrupto, porque ele

foi instruído e pago para isso.

Soltei uma exalação e me aproximei mais de Killiam.

– Co-como assim? – gaguejei.

– A sua cabeça está à venda no mercado de pessoas, Raika,


os colegas que tanto ama, tanto protege e tanto confia, estão

vendendo você. – Ele esfregou os dedos na minha nuca, circulando


o meu pescoço com a palma grande. – Seu coleguinha veio te trazer

para o abate.

Observei melhor os homens à nossa frente, não conseguia ver

com clareza os traços, mas podia enxergar a tatuagem de um deles


que cobria o antebraço, as letras garrafais do Cartel, a mesma que

Joshua carregava.

A traição doía tanto que eu mal conseguia respirar.

– Ninguém vai tocar em você, nenhum maldito homem vai


colocar as patas sujas no que é meu – avisou, a voz rouca e baixa

carregada em ameaça e raiva. – E é isso o que acontece quando


tentam fazer o contrário do que eu ordeno, quando tentam quebrar

as minhas regras.

Ele fez um sinal de cabeça e um piscar de olhos depois, tiros


ecoaram, crispando no ar. Cada um dos homens que estava à
nossa frente foi alvejado, recebendo a morte iminente, o corpo

desvanecido encontrando o chão. Killiam tinha acabado de executar


uma chacina na minha frente, ele tinha acabado de fazer justiça com

as próprias mãos.

– Eu... – Engoli em seco, a garganta embargada me impedindo

de falar. – Eu não entendo – revelei.

Não fazia sentido que me quisessem, pensei que minha

cabeça poderia valer alguma coisa, já que eu era uma perturbação


para eles, a policial que não se vendia e não tinha medo da morte,
mas..., me traficar? Por quê?

– O que não entende? – questionou Killiam, beijando a curva

do meu pescoço.

– Não faz sentido que me queiram.

Sua risada contra a minha pele me fez arquear as costas em

sua direção.

– Eles querem alguém para se vingar, Raika, você mexe com

gente grande e perigosa quando intercepta drogas.

– Gente como você?

Ele arrastou a língua pelo meu maxilar, como se estivesse me


marcando, me fazendo fechar as mãos em punho para conter um

gemido.

– Sim, gente como eu – sussurrou, beijando a minha orelha. –

Mas diferente deles, eu não a quero morta.

– Por quê?

– Sempre cheia de perguntas, justiceira.


Fechei os olhos, afastando a visão dos corpos, não queria ver
mais nada, não queria pensar em mais nada. Não tinha muita
intimidade com Gael, mas a traição dele doía a minha alma e partia

o meu coração. Eu era muito fiel à corporação, à família que fazia


parte e esperava que todos fossem também, embora soubesse que

não funcionava assim.

– Por favor, me tira daqui – supliquei.

– Com prazer – respondeu.

Os braços de Killiam ao meu redor se tornaram protetores

enquanto me arrastava para o mesmo local de onde viemos.

Passamos pelos contêineres e pelo corpo de Gael que estava no

mesmo lugar, mas evitei olhar mais do que um segundo. Killiam


parou no meio do caminho e se dirigiu a um dos seus homens.

– Joguem todos no mar – instruiu.

Me senti culpada por deixar que Killiam se livrasse de Gael


dessa maneira, mas não abri a boca para defendê-lo, talvez eu não

fosse melhor do que ele por isso, ainda assim, não disse nada. Gael

seria responsável pelas próprias atitudes, ele estava prestes a me


entregar, mesmo sabendo o que fariam comigo, ele não se

importou, tampouco se sentiu culpado.

Killiam não me conduziu para os veículos, ele me levou até a


ponte onde os barcos ficavam e me conduziu até um dos iates. Não

questionei, apenas entrei com ele.

– Vamos ficar aqui, pelo menos por enquanto, talvez seja

melhor para que coloque os pensamentos em ordem – disse ele.

Não prestei atenção em nada. Ele abriu uma porta e ligou as

luzes, era uma suíte enorme e requintada. A cama de casal ficava

ao meio, um sofá de canto, uma televisão, roupeiro e janelas que


estavam fechadas revestiam todo o fundo. Ao canto direito, uma

porta para o banheiro. As cores claras, bege e marrom,

predominavam.

– Eu quero tomar um banho – avisei.

Não estava suja, mas me sentia assim.

– Vem, tenho roupas limpas, vai servir por hoje.

O banheiro era espaçoso e luxuoso, como o restante do barco.


Tinha uma banheira, chuveiro, pia dupla e vaso sanitário. Ele
exalava um cheiro agradável de jasmim.

Killiam me deixou sozinha por um segundo, enquanto ia até um


armário e recolhia mudas de roupa. Ele me entregou uma camiseta

de algodão escura e uma boxer preta.

Arqueei uma sobrancelha.

– Tenho certeza de que ficarei linda vestindo isso – brinquei.

Ele cruzou os braços em frente ao peito, o movimento


evidenciou os músculos e me fez engolir em seco.

– Tenho certeza de que sim.

Um sorriso fraco curvou meus lábios.

– Obrigada por me salvar outra vez – murmurei, sentindo o

peso das palavras me deixar angustiada.

Estava com a cabeça em jogo a quanto tempo? Killiam tinha

me salvado de Joshua, mas ele trabalhava para a Jalisco, então


significava que aquela tinha sido outra tentativa de sequestro?

Ele fez um aceno com a cabeça.


– Toma um banho, vou ver algo pra gente comer e então

conversamos.

Concordei.

Killiam saiu do banheiro e fechou a porta, me dando

privacidade.

Encarei o meu reflexo através do espelho da pia, meus olhos

brilhavam pelas lágrimas não derramadas, meus cabelos estavam


uma bagunça e manchas arroxeadas marcavam o rosto pela falta de

sono. Eu estava um caos.

Removi minhas roupas, peça por peça, como se elas

queimassem minha pele. Liguei a água do chuveiro e me enfiei

debaixo dela, fechando os olhos e deixando-a correr pelo meu


corpo. Esfreguei o sabonete com tanta força que minha pele ficou

vermelha, mas era uma necessidade, queria sentir o cheiro,

precisava cobrir meu corpo com o jasmim e esquecer o odor da

morte, da traição.

Talvez eu fosse apegada demais à Polícia e desse valor para


pessoas que não me consideravam o suficiente para, ao menos, me

respeitar. A noite de hoje foi a prova de que isso era verdade, fui
salva pelo mafioso de quem eu queria me vingar e entregue por um

colega. Agora, fazia todo o sentido o que Killiam havia dito dias

atrás, não era status que indicava o caráter das pessoas, e agora

entendia o que ele quis dizer.

Terminei o meu banho e vesti as roupas que me entregou. A

camiseta de algodão servia como um vestido, era larga e batia no


meio das coxas e a boxer como um shorts, mas não era tão ruim

quanto eu imaginava. Penteei meus cabelos com os dedos,

desfazendo os nós causados pelo vento e encarei meu reflexo uma


última vez no espelho antes de sair.

Killiam me esperava na cama, ele estava sentado e de banho


tomado, vestia roupas confortáveis de moletom. Os cabelos

molhados e despenteados lhe davam um ar mais sexy. Ao lado,

uma bandeja com comida.

– Imagino que esteja com fome – murmurou.

Arqueei uma sobrancelha e caminhei até ele em passos

deliberados, me sentando na ponta oposta da cama.

– Como consegue comer depois de ter matado pessoas? –

perguntei.
Não estava julgando-o, só queria entender como a mente dele

funcionava, eu me sentia enjoada só de lembrar de todo o sangue e


do corpo desfalecido.

Ele encolheu os ombros, removeu uma uva do pote e enfiou na


boca.

– Não faz diferença, nenhum deles tinha nada do que eu


mesmo não tenha no meu corpo – explicou, escorando um braço

atrás da cabeça. – E se eu fosse levar isso em consideração, já

estaria morto e desnutrido há muito tempo.

Não queria nem imaginar quantas pessoas ele já havia matado


ou desde quando fazia, sabia como o crime organizado funcionava,

assim como sabia como o chefe deveria ser e se portar.

– E como soube que eles me queriam? – questionei, girando o

tecido da blusa com a mão.

– Pensei que trabalhasse para a Jalisco, inicialmente, mas

percebi que tinha algo errado quando Joshua te drogou, só não

sabia até então o porquê queriam te tirar do radar, já que, em tese,

estava ajudando-os de uma forma ou outra.


Engoli a saliva com dificuldade.

– E depois descobriu que eles queriam me vender?

Fez que sim com a cabeça.

– Descobri há algumas semanas, então coloquei alguns

homens para fazer a sua segurança, queria descobrir por conta


própria quais eram os informantes da Jalisco. – Recolheu outra uva

do cacho e a jogou na boca, sem desviar os olhos dos meus. –

Cheguei ao nome de Duarte por um acaso, ele sabia a localização

das minhas drogas, por isso interceptou a carga, aproveitei o acaso


para executá-lo. Já o idiota de hoje foi mais difícil de chegar, os

meus homens que faziam a sua segurança perceberam que estava

saindo da delegacia com um colega, um colega que não era Arthur


e nem Gabriel, eles seguiram vocês e quando perceberam que o

destino era o Porto, entraram em contato comigo.

– Estava me seguindo?

– Não, eu estava protegendo você, se não estivesse, estaria


neste momento em um contêiner sendo arrastada para qualquer

lugar, leiloada, vendida e estuprada.


A situação era catastrófica, não sabia se sentia medo ou raiva
por isso. Medo pelo que poderia ter acontecido e raiva por existirem
pessoas no mundo que eram capazes de fazer isso com outras,

sem dó e nem piedade.

– Não acredito que estou à venda no mercado ilegal, como se


eu fosse uma mercadoria – murmurei, mordendo o lábio, pensativa.

Conhecia alguns policiais que ficavam encarregados do tráfico

internacional de pessoas, por isso entendia algumas coisas e sabia


o quanto era triste. Via o desespero das famílias, o desalento das
mães em busca de respostas para o desaparecimento dos filhos,

respostas que na maioria das vezes não eram obtidas.

– Nada vai acontecer com você, não se preocupe – afirmou


Killiam.

– E como você sabe?

Um meio-sorriso curvou seus lábios para cima.

– Porque tem a minha proteção.

Não fazia ideia de como imaginava a hierarquia do crime


organizado, tinha certeza de que as máfias estavam a um patamar
acima dos Cartéis de drogas e outras quadrilhas, mas só isso. No
entanto, se Killiam falava que iria me proteger, eu sabia que o faria,
confiava nele e me sentia um pouco melhor.

– Obrigada – agradeci mais uma vez.

Eu era o inferno na vida dele, e, ainda assim, Killiam não tinha


me feito mal algum, na verdade, ele foi o mais verdadeiro de todos e
o que eu mais julguei. Ele não era um santo, eu sabia muito bem

disso, Killiam torturava e matava pessoas como se fosse a coisa


mais fácil e comum do mundo, ele tinha seus demônios, mas

comigo ele era diferente.

– Coma alguma coisa e descanse, você precisa de tempo para


pensar e espairecer, sei como se importa com a instituição da qual

faz parte e que ver que seus coleguinhas não são quem imaginava
te causa dor e sofrimento – falou, soltando um suspiro profundo.

Sim, mas não queria pensar nisso porque não me enchia só de

decepção, alimentava um ódio profundo em mim, um que eu não


sabia se conseguiria controlar.

Me aproximei mais de Killiam, não sentia fome, mas sabia que


precisava comer alguma coisa, estava me alimentando muito mal
nos últimos dias, passava mais tempo na delegacia e acabava
abdicando de uma alimentação saudável e de uma boa noite de

sono.

– Vai dormir comigo? – perguntei em um sussurro.

Os olhos castanhos se fixaram nos meus, profundos e cheios


de significado. Killiam era como um iceberg, mas eu conseguia

derreter as camadas de gelo e enxergar a alma que mantinha


escondida por baixo. Ele era insano, mas era humano. Matava sem
pensar duas vezes, ao mesmo tempo em que protegia quem amava

sem se importar com as consequências. E isso me atraía.

Eu era fiel ao que acreditava e gostava de encontrar pessoas

com o mesmo impulso que eu.

– Você quer que eu durma com você? – objetou, semicerrando


os olhos.

Não deveria, mas queria, muito. Não dormia bem desde a noite

em que dividimos a mesma cama, encontrava conforto em seus


braços. Talvez eu tivesse algum distúrbio psicológico ou eu só
simplesmente entendia que aquelas mãos sujas de sangue não me

machucariam, mas se sujariam mais para me proteger.


– Sim, eu quero – afirmei.

O silêncio que se estendeu era denso e cheio de significados,

nos encaramos por um tempo, os olhares falando mais do que mil


palavras poderiam dizer.

– Então, sim – disse ele, abrindo um sorriso jovial e brilhante.

Percebi, naquele momento, que Killiam também gostava da

minha companhia, tanto quanto eu gostava da dele. Talvez ele

encontrasse conforto em mim como eu encontrava com ele.


Raika dormia profundamente na suíte principal, ela estava

cansada, mentalmente e fisicamente, mesmo que não tivesse dito


nada, eu conseguia enxergar isso nela.

A garota era cabeça-dura e muito fiel ao que acreditava, ter

sua visão frustrada havia quebrado uma parte dentro dela. Ela tinha

um amor pela profissão que exercia e uma fidelidade que dava


inveja em qualquer um, e isso a cegava para a verdade. Por isso,

descobrir que estava sendo traída pelos próprios colegas tinha


terminado de esgotar as energias que já estavam no fim.

Observei a água cristalina do mar, o sol refletia nas ondas me

causando uma sensação reconfortante. Era bom ficar longe da

cidade, do barulho e do caos, ajudava a pensar e a relaxar.

Recolhi o copo da mesa ao lado e bebi um gole do meu whisky,


o líquido queimou o meu esôfago, esquentando o meu corpo.

Stefano e meus irmãos estavam em outro iate aqui perto, longe


para nos dar privacidade, mas perto o suficiente para ficar de olho

em qualquer movimento suspeito.

Meu celular apitou com uma mensagem, deslizei o dedo pela


tela, desbloqueando-o para ler a notificação.

André Rodrigues – traficante brasileiro

Alejandro Hernandez – membro da Jalisco.

Juan Carlos Lopez – membro da Jalisco.


José Luiz Gonzales – membro da Jalisco.

Miguel Ángel – membro da Jalisco.

Giuseppe Rossi – membro da 'Ndrangheta.

Giovanni Colombo – membro da 'Ndrangheta.

A lista com os homens que demonstraram interesse no leilão

de Raika, dos possíveis compradores. Eu mataria um por um deles

com o maior prazer do mundo.

Enviei uma resposta para Stefano, começaria com o traficante,

o que estava mais perto. Com os demais, colocaria meus homens

para caçar, queria uma carnificina, que os fizesse sofrer, que vídeos

fossem espalhados e que cada membro do crime soubesse o que


estava acontecendo, até que não restasse ninguém, até Raika estar

completamente segura.

Precisava voltar para casa, minha estadia no Brasil estava

demorando mais do que o esperado, meus negócios precisavam de

mim, mas não faria isso enquanto não soubesse que a policial
ficaria bem, eu havia prometido protegê-la e cumpriria a minha

promessa.

– Você mandou comprar um biquíni pra mim? – A voz feminina

soou à minha direita.

Girei a cabeça em direção ao som e trinquei o maxilar com a

visão. Raika estava gostosa e magnifica, o biquíni preto e minúsculo


exaltava cada maldita curva do corpo. Era como a visão do paraíso.

Meu pau pulsou e meu corpo se aqueceu por inteiro,

acordando para a vida, excitado e desesperado para tê-la. Queria


me enterrar fundo nela, fodê-la por horas até me cansar. Eu
desejava Raika, sentia um tesão absurdo por ela que beirava ao

desespero.

– Pedi para trazer, pensei que se sentiria mais confortável

vestindo um do que minha camiseta e boxer – respondi, engolindo


todo o whisky restante do copo.

Já era difícil me conter perto dela, mas tê-la seminua tornava


tudo muito pior. Não tinha controle sobre o meu corpo, meu pau

estava duro e se ela abaixasse só um pouco o olhar perceberia isso


muito bem.
Meus olhos estavam escondidos pelos óculos escuros,

impedindo que Raika visse o fogo que queimava em meu olhar.

– Tem razão, é muito melhor, e claro que quero aproveitar e

tomar um banho – disse ela, caminhando até a ponta do barco e


observando a água cristalina. – Hum... parece boa – murmurou.

Raika saltou na água, o barulho do baque ressoou e pingos


gelados esguicharam na ponta dos meus pés. Aproveitei que ela

estava ocupada e levei a mão ao meu pau, acomodando-o melhor


na sunga e tentando disfarçar o óbvio.

Me levantei e servi outro copo de whisky, talvez a bebida


ajudasse a acalmar o tesão descontrolado que eu sentia. Eu nunca

tinha sido assim, sabia separar as coisas, mas, pelo visto, nada era
natural ou regular quando assunto era a policial.

Voltei para a espreguiçadeira no momento em que Raika subia


de volta para o barco, os cabelos estavam lambidos para trás com

água pingando deles e o maldito biquíni colado ao corpo, a parte de


cima contornava os mamilos eriçados pela água gelada.

Porra, eu morreria só com a visão tentadora.


Eu precisava me jogar na água também, talvez o gelo se
infiltrasse em minhas entranhas e me fizesse pensar com coerência.

– Uau, isso sim que é acordar bem – comentou, sorrindo.

– Tem espumante e drinks para você no bar – avisei, me


levantando e jogando os óculos na cadeira –, tem cerveja também,

mas acredito que não faz seu estilo de bebida.

Raika jogou os cabelos para o lado e começou a pressioná-los,


tirando o excesso de água enquanto vagava os olhos pelo meu

peitoral.

– E como você sabe disso? – ciciou, passando a língua nos

lábios.

– Porque todas as vezes em que eu a encontrei bebendo, em

nenhuma delas era cerveja – retruquei, arqueando uma sobrancelha


diante do olhar fogoso que me lançava. – Quer alguma coisa daqui
ou só está olhando?

Uma coloração manchou suas bochechas e ela desviou o olhar


rapidamente.
– Você é muito observador, eu realmente não sou fã da cerveja
– disse, mudando de assunto.

Meus olhos ganharam contornos de diversão, nunca pensei

que veria Raika envergonhada, não a mesma garota que invadiu


meu apartamento duas vezes me ameaçando de morte, logo eu, o

chefe da máfia de Nova York. Ela era mesmo um enigma.

Me joguei na água gelada sem pensar duas vezes, meu corpo


necessitava de algo para acalmar, no caso, foder Raika ou um

banho gelado.

Flutuei pelo mar, relaxando os músculos retesados pelo tesão,

pensando, refletindo, deixando a mente espairecer. Eu gostava

disso, gostava da sensação, da impressão de que era livre e de que


os problemas não me alcançariam aqui. Cultivava esses momentos.

Quando voltei para o iate, Raika estava sentada na

espreguiçadeira ao lado da minha, uma taça de espumante nas

mãos, olhando para o mar com os olhos vidrados, pensativa.

Ela piscou, desvanecendo-se.


– Sempre faz isso? – perguntou, levando a taça com o líquido

rosa e borbulhante até os lábios.

– Sair para espairecer? – Ela confirmou com um sinal. – Sim,


gosto disso, assim como preciso, se não fizer vez ou outra, posso

enlouquecer – revelei, sentando-me ao seu lado.

– É muito difícil ser o chefe? – Riu, como se fosse uma

pergunta absurda.

– Não é difícil, mas também não é tão fácil, tenho sempre um

alvo desenhado nas minhas costas e preciso ser temido – apontei

com o queixo em direção ao mar –, momentos como esse


mostrariam fragilidade, só diria aos meus inimigos que preciso

espairecer e eu estou sobrecarregado, por isso não posso

aproveitá-los com frequência.

O semblante de Raika se tornou pesaroso.

– Sei como é... – murmurou. – Também preciso ser forte ou

parecer, se não fizer, ninguém irá me respeitar, sejam inimigos ou

colegas.

– Mas suponho que seja respeitada...


– Sim, eu sou, gosto muito do meu trabalho e sou focada nele,

portanto, sou boa no que faço e foi assim que consegui respeito.

Não deveria ser fácil lidar com cretinos, ela mal havia

desafiado os Cartéis de drogas e eles a colocaram à venda,

querendo curvá-la.

– Mas nunca matou alguém – comentei, já sabendo a resposta.

Raika balançou a cabeça.

– Ainda não tive esse azar, graças a Deus.

– Azar? – inquiri, suprimindo um sorriso.

– Sim, não é só matar e está tudo bem, sou uma agente da lei.

Se eu estiver em operação e cometer um homicídio, tenho


excludentes de ilicitude que me protegem, mas preciso comprovar

que foi em legítima defesa. Além do mais, meu intuito não é matar

ninguém, mas sim prendê-los para que respondam por seus crimes
– explicou.

Ponderei por um momento.


– Ainda bem que eu estou do outro lado da lei, então, jamais

deixarei meus inimigos vivos, eles merecem morrer e eu sinto prazer


e necessidade em ser quem aperta o gatilho – revelei.

Ela me observou, mas não havia acusação em seus olhos e


nem julgamentos, era como se estivesse me analisando e

compreendendo do que a minha personalidade era feita e moldada.

Raika tinha sido instruída a seguir a justiça. E eu a fazê-la.

Enquanto ela queria seguir as regras e as leis, eu as queimava

como se não fossem nada e criava as minhas próprias.

– Se eu estivesse do outro lado, talvez pensasse assim


também – sussurrou, lembrando-se de algo ou alguém.

Ela estava magoada com os colegas traidores, a personalidade


forte duelando com o que pensava ser o certo. Vi a indecisão em

seus gestos quando ordenei que se desfizessem dos corpos, ela

não sabia se seguia com o que achava certo ou ignorava esse

instinto, no fim, deixou que eu decidisse e se absteve de tomar uma


decisão.

– No meu mundo, não existem segundas chances, Raika.

Posso perdoar um inimigo hoje, me compadecer com a sua vida,


mas amanhã ele retornará ainda mais forte e ser um risco maior

para mim.

– Você sempre precisa fazer uma escolha.

Concordei com um aceno.

– E não fazer uma escolha, ainda é uma escolha, e ela gera


consequências, por isso nunca verá nada além de morte e

agressividade do meu lado.

Ela precisava saber que eu nunca deixaria um inimigo vivo,

não importava quem fosse, nem por ela e nem por ninguém. E isso

significava que continuaria matando cada colega dela que fazia


parte da folha de pagamento de Balbino.

– Não julgo você, estou ciente disso e de acordo – falou,


depois de um tempo em silêncio.

– Fico feliz com isso.

Raika esvaziou o copo de bebida com poucos goles, secando-

o. Ela tentava parecer bem, mas eu sabia que era só uma máscara,
que ela se questionava, que condenava seus pensamentos e

atitudes. Era a Raika justiceira duelando com a Raika vingativa.


– Vamos ficar aqui o final de semana todo? – inquiriu,

passando uma mão nos cabelos.

Eu evitava olhar para o seu corpo, mantinha meus olhos fixos

em seu rosto, não queria ter outro surto de pau duro e precisar
correr de volta para a água gelada.

– Se você quiser... – eu disse.

Ela soltou um suspiro profundo.

– Sim, eu quero, não pretendo voltar para a cidade, quero

sentir essa paz por mais um tempo, aproveitar a calmaria que o mar
me traz.

Sabia qual seria a resposta, mas sorri mesmo assim e me senti


orgulhoso por ela. Ela estava se colocando em primeiro lugar ao

invés das preocupações e do trabalho e eu acreditava que não era

algo que fazia normalmente.

– Então, Raika, vamos aproveitar o momento e apenas relaxar.

– Estendi a mão, puxando-a para mim assim que agarrou a minha


palma, os seios duros tocaram em meu peito, me fazendo

estremecer levemente pelo biquíni gelado. Coloquei uma mecha de


cabelo atrás da orelha e acariciei o maxilar com a ponta dos dedos.
– Não pense em nada, só em você, é a dica que eu tenho pra te dar.

– Obrigada – grunhiu, a voz rouca a esganiçada.

Engoli em seco.

– Vamos beber mais, o mundo fica mais divertido quando


estamos com níveis altos de álcool no sangue.

Me afastei, o pau duro outra vez, esticando a sunga preta que


eu vestia. Fiquei de costas para Raika, disfarçando a porra da minha

situação. Eu parecia um moleque idiota cheio de hormônios. Não

precisava tocar em meu pau para sentir o líquido pré-ejaculatório

manchar o tecido e grudar na pele.

Maldito seja!

– A vida fica mais divertida quando estamos bêbados –


contrariou.

Eu ri, ainda de costas para ela, evitando olhá-la.

– Tudo fica mais divertido, pelo menos até a ressaca do outro


dia.
Tinha esperanças de que a embriaguez me ajudasse, talvez

me colocasse em um estágio tão letárgico que nem meu pau teria

forças para levantar. Duvidava muito, mas tinha esperanças mesmo

assim.
Killiam tinha o efeito de me fazer relaxar e esquecer dos
problemas. Vez ou outra, eu lembrava que o corpo de um dos meus

colegas estava em algum lugar do mar e que muito provavelmente

ele havia sido dado como desaparecido, mas tentava não me culpar
por isso. Gael estava prestes a me entregar, ele sabia o que fariam

comigo e mesmo assim não se importou ou se preocupou.


Observei as costas definidas de Killiam, o homem era mesmo

uma miragem. Ele preparava um drink para mim, concentrado,


alheio ao olhar cheio de malícia que eu lançava em sua direção.

Killiam não vestia nada além de uma sunga preta, gotas de

água escorriam pelas pernas definidas, me dando água na boca, me

deixando morrendo de vontade de lambê-las. Os braços torneados


se movimentavam conforme batia o gelo, havia uma tatuagem em

seu antebraço, o mesmo símbolo que encontrávamos nas drogas, a

insígnia da Camorra.

Minha calcinha estava encharcada, minha boceta pulsava de


desejo por ele. Eu o queria com tanta intensidade que não fazia

ideia como ainda não tinha pulado em seus braços.

Ele se virou e veio na minha direção, me estendendo o drink.

– Espero que esteja do seu agrado – disse, arqueando uma

sobrancelha, sugestiva.

Tomei um gole e soltei um gemido de prazer, o gosto

adocicado se concentrou em minha língua, me fazendo suspirar.

– Onde você aprendeu? – perguntei, bebendo mais um pouco.


Era um drink de laranja, canela e anis estrelado, o gosto
adocicado e cítrico se misturava, tornando a bebida ainda mais

gostosa e apetitosa. Ergui o copo para Killiam que o pegou e tomou

um gole, fazendo uma careta de satisfação para a bebida que havia

preparado.

– Adoro whisky, mas às vezes me aventuro em alguns drinks,

tenho um bar em casa onde faço as minhas experiências. – Piscou.

Sorri, imaginando a cena dele em casa, em um momento de

lazer, preparando bebidas, como se nada mais no mundo


importasse ou o preocupasse.

– Um homem de muitos talentos – brinquei.

Os olhos de Killiam queimaram em um brilho ferino, como se a

mente estivesse vagando para um lugar proibido e despudorado.

– Você não faz ideia de quantos – respondeu, a voz rouca e


densa, e eu sabia que já não estávamos mais falando somente das

bebidas.

Meus lábios se descolaram em uma respiração ruidosa e eu

arqueei o corpo levemente para a frente, meus seios pesavam de


desejo e minhas pernas abriram-se, como se tivesse vida própria.

Desejava tanto Killiam que doía.

– Raika... – sibilou, um aviso misturado com um rosnado.

Ele cerrou um punho ao lado do corpo e a mandíbula havia

trabalhado tanto que me admirava o músculo não ter estalado pela


pressão. Corri os olhos pelo corpo de Killiam, descendo mais e

mais, até chegar ao meio das suas pernas, o pau grande marcava a
sunga preta, esticando o tecido apertado.

– Raika... – disse meu nome outra vez, uma advertência


misturada com súplica.

Ele me queria, assim como eu o queria, mas estava esperando


o meu aval.

Subi o olhar para o seu, encarando os olhos escuros, as

pupilas estavam dilatadas e ele nem mesmo piscava, encarando-me


fixamente.

Killiam deveria ser meu inimigo, ao menos era isso que eu


desejava, contudo, ele demonstrou ser mais sincero, verdadeiro e

honesto do que meus aliados. Era irônico que o mafioso fosse mais
honesto que os policiais, mas era um fato incontestável,

infelizmente.

– O que foi? – sussurrei de volta, lambendo os lábios.

Killiam acompanhou cada movimento da minha língua com


uma fome genuína. Lembrava do beijo que trocamos a semanas

atrás, sabia que ele era quente como o inferno, que era experiente
no que fazia e que seria, bem provavelmente, o melhor sexo da

minha vida. E que talvez me estragasse para qualquer outro no


futuro.

Ele soltou um grunhido do fundo da garganta, um rugido baixo


e cheio de significados.

Bom... talvez eu já estivesse estragada.

Arqueei as sobrancelhas e ergui o maxilar, focando os olhos no

pau duro, deixando claro e bem evidente qual era o meu desejo.

– Se continuar me olhando assim, eu vou te foder – avisou,

colocando o copo na mesa ao lado.

– E quem disse que não é exatamente isso que eu quero? –

retruquei, objetiva.
Killiam se jogou em cima de mim, a mão enrolou meus cabelos
em punho e os lábios colidiram contra os meus com uma fome
exagerada e desesperada. Circulei minhas pernas ao redor dos

seus quadris e esfreguei minha boceta em seu pau duro, gemendo


com o contato em meu clitóris. A mão livre de Killiam agarrou o meu

seio, o polegar rodeando a aréola, me fazendo soltar uma exalação.

Arrastei as unhas pelas costas dele, arrancando pele e

sangue. Killiam soltou um gemido e mordeu meu lábio inferior,


vingando-se da dor que lhe causei.

– Porra, eu já estava desesperado para te foder – sussurrou

contra os meus lábios.

Resvalei meus dedos no cós da sunga e a puxei para baixo,


tocando no pau duro, passei um dedo pela cabeça molhada,

espalhando a lubrificação.

– Caralho, Raika... – vociferou, cravando os dentes em um

ponto do meu pescoço que me fez estremecer.

Fechei a mão ao redor do pau, masturbando-o, ele era grosso

e grande, sentia as veias que pulsavam e os pelos pubianos. Queria


experimentá-lo, lambê-lo por inteiro.
– Eu vou te chupar – avisei.

Ele estremeceu em uma risada rouca em cima de mim.

– Com certeza vai, mas não hoje, hoje eu quero te foder várias
e várias vezes.

Ele desceu uma mão pela lateral do meu corpo e abriu a alça
da calcinha que estava amarrada, então esfregou os dedos em

minha boceta. Abri ainda mais as minhas pernas, arregaçando

minha boceta para ele.

– Molhadinha... hum... – suspirou.

Killiam esfregou os dedos para cima e para baixo, espalhando

toda a lubrificação que aumentava a cada investida sua. Ele molhou

o meu clitóris e o circulou com o polegar, me fazendo gemer alto.


Estava tão excitada que me sentia sensível, o mero toque e a

pressão certa já me faziam ver estrelas.

– Eu tomei banho de mar, caso não lembre – menti, mordendo

o lábio quando ele esfregou o clitóris com mais pressão.

Toquei em seu pau, para cima e para baixo, masturbando-o

enquanto ele também me masturbava. Às vezes me perdia nos


movimentos, errando o ritmo quando uma onda de prazer me

dominava.

– Killiam... – sussurrei, implorando – Me fode, com os dedos ou


com o pau, tanto faz, só me fode.

O desgraçado riu, encontrando graça no meu desespero.

Cravei os pés na espreguiçadeira e ergui o quadril, procurando

a ponta do pau que eu segurava para fora da sunga, mas Killiam me


pressionou de volta para baixo, impedindo que eu obtivesse o

contato que tanto queria.

– Eu vou te foder na hora que eu quiser, Raika – grunhiu, então

meteu um dedo dentro de mim, fundo e bruto.

– Ohhhh – gritei, fechando os olhos e me debatendo.

Killiam juntou outro dedo com o primeiro, e um terceiro e um

quarto e me fodeu com a mão, o barulho dos dedos entrando e

saindo, da sucção da minha boceta, da lubrificação entoou pelo ar,

unindo-se com os meus gemidos. Killiam se afastou, descendo os


lábios pelos meus seios, barriga e cintura, a boca encontrou meu

clitóris e o sugou entre os lábios.


– Puta merda! – gritei, espalmando as mãos para me agarrar

em qualquer lugar, pois sentia que sairia de órbita a qualquer

momento.

Ele lambeu meu clitóris, chupou, mordeu, sugou, sem perder

os estímulos dos dedos, sem parar, sem nem mesmo diminuir o


ritmo.

Espremi meus olhos, fechando-os e abrindo-os sem saber o


que fazer ou como proceder com o orgasmo que se acumulava e se

aproximava.

– Killiam... pelo amor de Deus – choraminguei, cerrando a

mandíbula com tanta força que meus dentes começaram a doer.

– Goza na minha boca vai, goza para que eu possa te foder –

disse, o hálito quente contra a minha boceta molhada.

Ele curvou os dedos e acertou um ponto preciso dentro de

mim, não demorei mais do que um segundo para me desmanchar

em um orgasmo tão alucinante que eu esqueci por um momento


quem eu era e onde estava, mas não esqueci dele.
Gritei e me debati, os espasmos tomaram conta do meu corpo

e o suor brotou e escorreu da minha testa. Killiam não parou, ele


continuou metendo os dedos e me chupando, até que nada mais

restasse.

– Céus... – sussurrei, a voz rouca pelos gritos.

Killiam se levantou e retirou a mão de dentro de mim, ele levou


os dedos molhados até a boca e os chupou, soltando um gemido de

prazer com o meu gosto. A cena era tão excitante que eu mal podia

esperar para gozar outra vez.

Ele levou as mãos até a sunga e correu o tecido para baixo,


liberando o pau duro e muito grande. A ponta estava encharcada,

mostrando que Killiam estava prestes a explodir.

– Toma algum contraceptivo? – perguntou, fechando uma mão

em punho ao redor do pau e se masturbando.

Precisei de uns segundos para entender a pergunta, para que

ela ecoasse no torpor em que eu me encontrava.

– Injeção – respondi.
Ele se inclinou sobre mim e terminou de desamarrar a minha

calcinha, então fez o mesmo com a parte de cima do biquíni, me

deixando completamente nua.

Seus olhos correram pelo meu corpo, demorados e

semicerrados, com um brilho que me fez engolir em seco.

– Você é tão gostosa, Raika, não sei como consegui aguentar

tanto tempo sem fodê-la antes – disse ele, espalmando uma mão
em meu mamilo.

Joguei a cabeça para cima, apreciando o toque, grunhindo um


gemido estridente.

– Caso não esteja lembrado, eu queria te matar no início.

Ele riu, fez a volta na espreguiçadeira e se acomodou no meio


das minhas pernas.

– Eu também queria te matar, mas descobri que a vontade de


te foder era mais forte.

Senti a ponta do seu pau na minha entrada, ele esfregou para


cima e para baixo, brincando, me provocando, então se posicionou

e se inclinou para frente, me penetrando com uma estocada.


– Killiam... – ciciei seu nome, fincando as unhas em seus

ombros.

Killiam deslizou os quadris para frente e para trás, resvalando

o pau para dentro e para fora. Ele começou com movimentos


calmos e contidos, apreciando o sexo.

– Que boceta apertada do caralho, puta merda, vai ser a minha


perdição – gemeu, beijando o meu maxilar.

Ele balançou o corpo, se enfiando todo dentro de mim e saindo

de novo, para repetir o movimento. Sentia cada centímetro do pau

grande me abrindo, me fazendo estremecer e gemer de prazer. Eu


estava tão lubrificada e sensível pelo orgasmo, que parecia sentir

com mais precisão.

Enrolei minhas coxas ao redor dele, o movimento me deixava

mais aberta e o levava mais fundo. Killiam investiu com mais força,

me fodendo com intensidade, brutalidade e fome.

O barulho dos nossos corpos se conectando aumentou,

entoando pelo ar.

– Ohh, Killiam – Suspirei, engolindo o ar com dificuldade.


Sentia cada centímetro dele, cada veia que pulsava no pau, ele
balançava os quadris, me fodendo com tanta impetuosidade que me

deixava zonza e me fazia revirar os olhos.

Ele me beijou, senti o gosto do álcool na sua língua, a

dominação em seus movimentos. Killiam não estava me fodendo,

ele estava me possuindo, me dominando, me marcando.

Em um movimento brusco, ele saiu de dentro de mim, me

fazendo chorar e implorar por mais, então me virou de costas para a


cadeira e puxou minha bunda para cima, me deixando de quatro.

– Vai gozar de novo, Raika, quero que lambuze todo o meu

pau. – Não era um pedido, era uma ordem.

O sexo não era leve, muito menos carinhoso, ele era bruto,

intenso, enérgico, como nós dois.

Killiam me penetrou outra vez e agarrou a minha cintura, me


mantendo no lugar enquanto o corpo avançava para a frente a cada

investida. Nessa posição, eu o sentia mais fundo, o pau me abria


mais, tomava mais de mim.
Fechei as mãos em punho ao lado da cadeira, tentando me
manter estável enquanto era fodida de um jeito que nunca tinha
sido.

– Killiam... por favor – suspirei, gemendo, rouca, trêmula.

Ele arremeteu, me fodendo com fervor, me içando para a

frente, me abrindo mais e mais com o pau. Eu comecei a tremer,


sentindo o êxtase do novo orgasmo correr pelas minhas veias, o

torpor se concentrar na boca do meu estômago.

– Por favor, o quê? – grunhiu, aumentando o ritmo das


estocadas.

– Mais – gritei.

Ele riu antes de sair todo de dentro de mim e me penetrar de


novo, enfiando-se inteiro.

Ele estocou uma, duas, três vezes...

Não aguentei, o orgasmo me arrebatou, me chocando pela

intensidade e força que me deixou inerte.

– Porra... caralho... está sufocando o meu pau... – vociferou.


Convulsionei, gozando e me desfazendo. Killiam soltou um
grito misturado com um gemido antes de se desfazer em um
orgasmo, jorrando os jatos de porra dentro de mim.

Eu estava suada, inerte, satisfeita e muito cansada.

Ele saiu de mim e eu caí na espreguiçadeira, sem forças para


nada.

– Quer um banho de mar ou de chuveiro? – perguntou,


beijando os meus cabelos.

– Só quero ficar quieta – falei, recebendo uma risada sua como


resposta.

– Então vamos ficar quietos juntos.

Ele me empurrou para o lado e se deitou atrás de mim, me


puxando contra ele. Sentia a porra escorrendo pelo meio das
minhas pernas e o pau amolecido na minha bunda, mas não me

importava com isso, só queria que a minha alma se conectasse de


volta ao meu corpo.

Eu estava certa, Killiam iria me estragar para o resto do

mundo, na verdade, ele tinha acabado de fazer justamente isso.


Jamais seria a mesma, não depois dele.
Esfreguei as pontas dos meus dedos na coluna de Raika em

uma carícia lenta e gostosa. Ela estava deitada de barriga para

baixo, os olhos pesados e cansados depois de ter gozado mais


duas vezes no mesmo dia.

Transamos o dia inteiro, por todo o iate, não fizemos nada

além de sexo e mais sexo. Eu tinha uma necessidade absurda de


Raika e a garota me surpreendia, me acompanhando no mesmo

ritmo alucinado. A boceta dela era viciante, cada vez que eu gozava,
não demorava muito e eu já queria de novo e de novo.

– Tem certeza de que ninguém viu nada? – perguntou,

desconfiada.

Disse para ela que tinha um barco com meus homens aqui

perto, por isso estava descansado, sabia que nada nos


surpreenderia e não corríamos risco.

– Acredite, se eles tivessem visto você nua, eu mesmo mataria


cada um deles – falei, beijando a pele arrepiada da coluna.

Ela estremeceu.

– Por quê?

– Porque só eu posso vê-la assim.

Me sentia possessivo quando se tratava dela e não me

importava nem um pouco que parecesse psicopata por conta disso,


era um instinto involuntário e não havia nada que pudesse fazer.

– Você é completamente insano – rebateu, revirando os olhos.


Havia marcas de mordidas em seu pescoço e eu me sentia
muito orgulhoso delas, era como se Raika estivesse marcada como

minha, sabia que elas demorariam para sumir e que outros as

veriam, o que me deixava ainda mais vangloriado.

– Quer comer alguma coisa? – perguntei, passando o dedo em

uma das marcas.

Ela ponderou por um segundo.

– Sim, estou mesmo faminta.

Não nos alimentamos o dia todo, não fizemos nada além de

transar, era como se fosse uma necessidade que precisava ser

suprida.

Me levantei da cama completamente nu, não colocaria uma

roupa, estávamos só nós dois no barco e eu sabia que transaríamos

outra vez antes de dormir.

– Vem, vou preparar alguma coisa pra gente comer.

Raika se levantou, os seios pesados balançaram, me


animando imediatamente. Ela arqueou as sobrancelhas para mim.
– Me deixa adivinhar, cozinhar é outro talento?

Eu ri, puxando o seu corpo contra o meu e beijando a sua

testa.

– Sim – confirmei. – Como eu disse, sou um homem de muitos


talentos, além de saber matar, torturar, atirar, preparar bebidas,

fazer uma mulher gozar como nunca, eu também sei cozinhar.

– Pelo visto, só modéstia que não é uma das suas virtudes –


zombou.

Fingi ponderar.

– De fato, não – concordei, fazendo-a rir.

Caminhamos em direção a cozinha, Raika puxou uma das


banquetas e se sentou, enquanto eu procurava pelos ingredientes
que pretendia usar para cozinhar para nós dois.

– E qual vai ser o prato? – questionou, descansando o queixo


sobre o punho.

– Nasci e passei a vida inteira em Nova York, mas minhas


origens são italianas, vou fazer macarrão para nós.
Comecei a preparar o prato sob o olhar minucioso dela, Raika

parecia concentrada e abismada, como se eu estivesse quebrando


um estereótipo que ela tinha sobre mim.

– Então, como é a infância de um mafioso? – perguntou depois


de um tempo em silêncio.

Mexi no molho, mantendo-me de costas para ela enquanto


respondia.

– Precisei aprender a falar mais de uma língua, aprendi a atirar

muito cedo e descobri que, não importava a personalidade com a


qual eu nasci, eu deveria ser moldado para ser um assassino frio e
calculista, mesmo que isso não fizesse parte de mim – expliquei. –

Sou o filho mais velho, nasci para ser o chefe da famiglia, não tive
escolhas.

– Mas você gosta de ser assim?

Encolhi os ombros em desdém.

– Não conheço nenhuma outra versão minha além dessa,


então, sim, eu gosto de ser assim e não mudaria por nada e nem

por ninguém.
– Se está bem com isso, é o que importa.

Encarei-a por sobre o ombro.

– E você, gosta da versão atual? – questionei, derramando o

macarrão pronto dentro do molho de tomate.

– Sim, gosto de quem me tornei, embora às vezes eu me ache


tola demais – confessou, passando a ponta do indicador no balcão,

fazendo um desenho invisível. – Perdi minha família quando era


muito jovem, fiquei sozinha e desamparada, tenho orgulho da minha

trajetória e da força que tive para chegar aonde estou.

Conhecia a história de Raika, sabia tudo sobre ela, até mesmo

sobre a morte dos pais e da avó e sentia orgulho da garra que tinha,
da força para conquistar o que queria, mesmo sem apoio e
desamparada.

Servi dois pratos e coloquei um na frente dela, fazendo uma


pequena reverência zombeteira.

– Espero que aprecie a minha comida.

Raika revirou os olhos e recolheu o garfo ao lado, espetando

um pouco de macarrão e colocando na boca. Seus olhos se


arregalaram levemente e sua testa franziu.

– Tem alguma coisa na vida que você definitivamente não faça


bem? – perguntou, limpando os cantos da boca com um

guardanapo.

– Não que eu lembre.

Ela bufou, voltando a se concentrar na comida.

Eu gostava da companhia dela, Raika era uma pessoa


agradável para se passar o tempo. Era divertida, carismática e

inteligente. Não lembrava dos problemas e o mundo lá fora não

parecia significar tanto quando estava com ela.

Raika terminou de comer e empurrou o prato para longe.

– Alimentada. – Sorriu. – Agora preciso de um banho.

Estávamos nus e eu gostava que Raika parecia se sentir

confortável com isso, não parecia nem um pouco retraída com esse

fato ou envergonhada.

– Eu vou organizar as coisas aqui, pode ir – avisei.


– Perfeito, quero um banho quente, estou começando a sentir

um pouco de frio – Levantou-se e girou nos calcanhares. Observei a


bunda arredondada enquanto caminhava, as nádegas balançando a

cada passo dado. E não precisou mais do que isso para me deixar

duro outra vez.

Meu celular apitou, recolhi o aparelho e li a notificação de

Teodoro.

Espero que esteja aproveitando essa lua-de-mel que está


tendo com a inimiga, porque já encontraram o traficante e ele está

pronto para brincar.

Eu mataria o desgraçado com tanta vontade que, mesmo

depois da morte, a alma sentiria a dor que lhe fora causada. Queria
que cada grito, cada choro, cada gota de suor e sangue fosse

captado por uma câmera, então espalharia o vídeo e começaria a

caça aos outros, esfolaria todos os homens que mostraram


interesse em Raika.
Bloqueei o celular e o joguei de volta ao balcão, passando a

mão nos cabelos. Relembrar desse assunto me deixava irritado.

Ninguém, repito, absolutamente ninguém, além de mim, tocaria em


Raika.

Era um pouco absurdo pensar assim, considerando que eu


teria que deixá-la em algum momento, mas sabia que Raika não se

envolveria com mais ninguém deste meio.

Me levantei da banqueta e deixei a cozinha. Na suíte, ouvi o

barulho da água pela porta entreaberta e uma nuvem de vapor

flutuava pelo quarto por conta do banho quente. Me aproximei em

silêncio e a observei. Ela lavava os cabelos, os olhos estavam


fechados e parecia se sentir relaxada. Gotas escorriam pelos

mamilos avantajados, me deixando com água na boca, querendo

lamber cada um deles outra vez.

Empurrei a porta e entrei no banheiro, avançando em sua


direção. Espalmei uma mão na cintura, puxando-a para mim. Meu

pau duro bateu em sua bunda, pronto para fodê-la outra vez.

– Você não cansa? – questionou, ainda de olhos fechados.


Raika deslizou a cabeça para trás, escorando-a em meu peito

e soltando um suspiro resignado. Segurei um seio com a mão,


esfregando o polegar na aréola, sentindo seus pelos se eriçarem

sob o meu toque.

– E você cansa? – sussurrei, mordiscando o lóbulo da orelha

dela.

Os bicos dos seios dela endureceram e ela estremeceu,

tentando engolir um gemido que escapou pelos lábios. Eu sorri.

– Eu já sei a resposta – murmurei.

Desci a mão pelo abdômen, escorregando-a pelo corpo até

chegar à boceta delicada, com a ponta dos dedos, afastei os lábios

vaginais e esfreguei o clitóris pulsante.

– Killiam...

Ela agarrou o meu antebraço, as unhas arranharam minha

pele.

Desci mais o dedo, encontrando a entrada apertada e

lubrificada, resvalando um dedo para dentro dela com facilidade

pela sua excitação. Eu já tinha fodido Raika com a mão, mas jamais
me cansaria disso, amava ouvir os gemidos que soltava quando eu

conseguia encontrar o ponto G dentro do seu corpo. Juntei mais

dois dedos e a penetrei com força, enfiando-os até o fundo e

retirando-os de volta. O barulho da sucção da boceta se misturou


com a do chuveiro.

– Nem parece que eu fodi essa boceta gulosa o dia todo,


Raika, ela já está me engolindo de novo e com tanta vontade... –

sibilei.

Meu pau pulsava e minhas bolas estavam doendo por causa

da minha excitação. Pressionei meus quadris contra ela, esfregando

meu pau no meio das nádegas, enquanto metia os dedos nela.

– Eu quero mais... – confessou, afastando as pernas e dando


mais espaço para a minha mão.

Um sorriso se espalhou pelo meu rosto.

– Sei que quer, Raika, e estou prestes a dar o que precisa.

Mordi a nuca dela, não forte o suficiente para causar uma

lesão, mas com pressão para que a fizesse estremecer ao sentir

meus dentes cravarem na pele.


Removi meus dedos melecados da boceta apertada e a

pressionei para frente, empurrando o tronco e arrebitando a bunda


gostosa. Raika espalmou as mãos no vidro, buscando se firmar em

algum lugar. Agarrei meu pau e o direcionei para a entrada da

boceta, encontrando-a e a penetrando sem dificuldade alguma.

Deslizei para dentro, soltando um gemido de prazer no processo,


enquanto era sugado pelo canal.

– Porra, mulher, estou ficando viciado nessa boceta – grunhi,

juntando os cabelos em punho com uma mão e agarrando sua

cintura com a outra para mantê-la no lugar. – E isso não será nada

bom para você – ameacei.

O corpo de Raika estremeceu em uma risada debaixo de mim.

– Também sei atirar, Killiam, assim como você, então pare de

tentar fazer com que eu sinta medo, porque eu não tenho medo de
você – rebateu.

– É muita ousadia da sua parte falar isso enquanto tenho meu


pau dentro de você.

– Quer que eu fale quando estiver sem ele? – zombou,


empinando a bunda ainda mais.
Impulsionei os quadris para trás, saindo dela, e então para a
frente, me afundando todo de novo, e repeti os movimentos com

tanta brutalidade que Raika bateu a cabeça no vidro, mas não

pareceu se importar, estava absorta demais no prazer que recebia.

Estoquei, saindo e entrando, em movimentos vaivém, metendo

o meu pau até o fundo, abrindo-a a cada golpe. A boceta de Raika


me recebeu, apertada e molhadinha. Os seios balançavam e o

corpo embalava para a frente a cada batida dos meus quadris.

– Goza em mim – ordenei, empinando a bunda e alcançando o

seu ponto G com a cabeça do meu pau.

Raika se engasgou com um gemido, meu nome deslocou-se

pelos seus lábios como uma súplica.

Soltei a cintura para agarrar um seio que balançava,


espalmando-o e gemendo. Ela era linda, perfeita, gostosa, cada

centímetro do corpo me fazia desejá-la ainda mais.

A boceta dela me sufocou tanto que eu precisei trincar o


maxilar para não gozar antes da hora. Raika gritou e grunhiu, e

então se desfez em um orgasmo gostoso, desmanchando-se em


meus braços.
Senti meu pau lambuzado com o gozo dela, o que me excitou
ainda mais. O barulho dos nossos corpos se conectando ressoava,
molhado e constante.

Estoquei fundo, deslizando em vaivém. O orgasmo se

concentrou em meu estômago e meus pelos se arrepiaram, meu


corpo se preparando para o êxtase.

– Porraaaaaa... – gritei, trêmulo.

Raika começou a se movimentar, movendo os quadris de


encontro aos meus, me ajudando a ir mais fundo. Mergulhei dentro
da boceta gostosa com tanta intensidade que meus músculos se

contraíram violentamente.

Enfiei a mão no meio das pernas de Raika, encontrando o


clitóris inchado e comecei a massageá-lo. Então ela gozou,

enforcando o meu pau. Gozei com ela, socando tudo enquanto me


esvaziava, meu corpo colapsando pelo prazer.

Minha respiração estava ofegante e minhas pernas um pouco


bambas. Sai de dentro da bocetinha de Raika, sentindo a pressão

na minha glande me acometer com uma sensação boa, mas sabia


que não teríamos mais sexo, Raika estava esgotada e,
sinceramente, eu também me sentia assim.

Puxei-a contra o meu peito, acariciando a curva do pescoço e

maxilar. Sentia o seu corpo quente, embora estivéssemos debaixo


da água.

– Eu preciso dormir, se transar mais uma vez, não vou


caminhar amanhã – confessou, rindo da situação –, minhas pernas

estão doloridas e minha boceta arde.

Beijei sua têmpora, contornando a cintura com o meu braço,

temendo que as pernas dela não sustentassem seu peso.

– Também preciso descansar, acho que acabei de esvaziar


meu estoque de porra – admiti.

A melhor parte de ter alugado aquele cubículo que chamavam

de apartamento era o fato de que ficaria perto de Raika e estaria na


casa dela todos os dias, aproveitaria o máximo do meu tempo no
Brasil ao lado dela.

– Vamos tomar um banho de verdade e ir dormir – pediu,

abrindo a boca em um bocejo, exausta.


Lavei o seu corpo com delicadeza, esfregando cada centímetro
de pele, sem segundas intenções, queria que ela ficasse

confortável, que dormisse bem, que descansasse. Esfreguei seus


cabelos, arrancando um gemido gostoso dos seus lábios. E então
eu me lavei correndo, dando prioridade a ela.

Coloquei Raika na cama, ela mal se deitou e fechou os olhos,

caindo em um sono profundo e pesado, o corpo cedendo à

exaustão. Me posicionei atrás dela, abraçando-a, inspirando o

cheiro dos cabelos molhados. Sorrindo, satisfeito e feliz, peguei no

sono também.
O final de semana tinha sido maravilhoso, se eu não estivesse
vivendo sob tanta pressão no trabalho, teria pedido a semana inteira

de folga só para ficar naquele barco com Killiam, longe de tudo e de

todos.

Lá nós deixamos de lado quem éramos ou o que fazíamos, nós


simplesmente fomos a Raika e o Killiam, sem denominações, sem
nada que pudesse julgar nossos atos. E, pelo lado positivo, eu já

nem me importava mais com isso.

Killiam era o único que me entendia no momento, que sabia a


verdade e que me oferecia apoio, mesmo que da maneira torta dele.

Eu estava esgotada demais para lutar com o que eu sentia, então

nada, nem uma grama de mim, se arrependia de ter transado com


ele, na verdade, eu queria muito mais.

Céus, o homem era uma máquina, um verdadeiro Deus do

sexo, sabia usar muito bem qualquer parte do corpo, desde a mão,

a boca e o pau.

– Raika – A voz reverberou pelo torpor em que eu me


encontrava. Pisquei, saindo do transe. Ergui a cabeça e encontrei

Arthur escorado no rol da porta. – Heitor quer ver você na sala dele

– avisou.

– Tudo bem.

Tentava não pensar no que tinha acontecido na sexta-feira, no

fato em que eu estava encobrindo uma morte e isso me tornava

uma criminosa, porque se eu parasse para analisar a situação,


entraria em colapso e me sentia bem demais para deixar que isso
acontecesse.

Caminhei no automático em direção a sala de Heitor, estava

pensativa demais, sonhando acordada com Killiam e com tudo o

que fizemos. Ainda sentia a dorzinha gostosa no meio das minhas

pernas depois de tanto sexo, minha boceta estava assada e eu feliz

e satisfeita.

Bati na porta e entrei sem esperar uma resposta. Heitor estava

sentado em sua mesa, os óculos de grau preso sob a ponta do


nariz. Ele ergueu os olhos em minha direção, havia um pesar em

seu semblante que não conseguia identificar.

– Me chamou? – perguntei.

Fez que sim com a cabeça.

– Entre, tenho umas perguntas para te fazer.

Uma sensação ruim passou pelo meu estômago, me deixando


enjoada por um segundo. Engoli a saliva e avancei em sua sala,

fechando a porta sob minhas costas. Puxei uma das cadeiras de

frente da mesa e me sentei.


– Viu Gael na noite de sexta? – questionou, indo direto ao

ponto.

Tranquei a respiração, o choque, o medo e o desespero

duelando, ganhando força e me fazendo perder o controle. Precisei


lembrar a mim mesma que, embora tenha presenciado, não matei

ninguém e não podia sucumbir a culpa por um crime que não


cometi.

Se meu pescoço estivesse em jogo, por mais que minha

afeição por Killiam tivesse subido alguns níveis, eu o entregaria sem


pensar duas vezes, mesmo que tenha feito para me defender. Era

ele ou eu.

– Sim – respondi, esfregando a língua nos dentes para conter


o nervosismo.

Eu teria um colapso nervoso a qualquer momento, meu


coração batia tão descompassado que eu conseguia ouvir o zunido

em meus ouvidos e minhas mãos estavam trêmulas e empapadas


de suor, mantinha-as rente ao corpo para disfarçar.

– Soube que ele está desaparecido? – inquiriu, semicerrando


os olhos.
Arregalei os olhos, forjando verdadeiro assombro com a

notícia.

– O quê? – Minha voz soou fina, atônita.

Heitor me encarou com tanto afinco que a minha deglutição foi


audível.

Eu tinha certeza de que meu lugar no inferno estava muito bem

guardado, não sendo suficiente ser uma criminosa, eu também era


uma mentirosa. Não só sabia sobre o desaparecimento de Gael

como tinha noção de onde o corpo se encontrava, e, ainda assim,


fingia inocência.

Bom, se ele não fosse um corrupto de merda que tentou me


entregar para uma quadrilha de tráfico humano, talvez eu pensasse
em dar pistas, mas não estava acontecendo até o momento.

– O que ele queria com você? – perguntou, por fim, quebrando


o silêncio aterrorizante. – Nossas câmeras de segurança mostram

que ele foi até a sua sala e em seguida saíram juntos, mas em
carros separados.
Vasculhei em minha mente as câmeras da cidade, não tinha
certeza de quais estabelecimentos e ruas no trajeto que fizemos ao
Porto possuíam. Tinha certeza de que as do Porto Killiam já tinha

dado um jeito, portanto, não possuíam comprovação de que eu


estive com ele no lugar.

– Ele me disse que estava conseguindo umas pistas, parece


que estava investigando algum homicídio que tinha ligação com

uma nova carga de drogas que estava para chegar no Brasil – disse
a ele, contando uma parte bem pequena da verdade. – Eu pedi que,
se pudesse, descobrisse a data e o local em que a carga chegaria,

então foi isso. – Encolhi os ombros. – Nós saímos juntos, mas ele foi
para algum lugar e eu para outro.

Heitor tamborilou os dedos na mesa, o barulho rítmico soava


como uma incriminação, como se soubesse que por debaixo das

palavras tranquilas e mentirosas, eu estava tendo um infarto.

– E para onde você foi? – Ele escorou a cabeça com o punho,


os olhos não se desviavam dos meus, analisando o meu

comportamento e cada reação fugaz do meu rosto.


Sustentei o seu olhar, sabia que um comportamento humano
muito comum em uma pessoa que estava mentindo era o foco dos
olhos.

– Fui para o Porto, passei o final de semana em um iate com


uns amigos, espairecendo e me divertindo.

Suplicava aos céus que não perguntasse o nome da minha

companhia, poderia falar sobre Killiam, mas tinha medo de que


soubesse quem era, considerando que havia muitos colegas

corruptos e eu ainda não sabia quais eram todos eles.

– Quais amigos?

Merda!

Suspirei.

– Estou sendo acusada de algo? Sou suspeita do

desaparecimento de Gael? – retorqui, entrando na defensiva.

Heitor se mexeu desconfortavelmente em sua cadeira.

– Até o momento, não. Só quero saber com quem esteve e o

que fez, pois foi a última a ver Gael antes que desaparecesse sem
deixar rastro – falou –, além do mais, foram para o mesmo caminho.

Meu Deus, isso estava ficando pior do que eu pensava. Se eu

me ferrasse, arrastaria Killiam comigo, ele não tinha o direito de


matar o homem na minha frente e me tornar uma testemunha.

Desviei os olhos de propósito e pensei em como Killiam me


fodia com os dedos a plena luz do dia, no meio do iate, com a vista

para o mar. Isso foi o suficiente para me deixar quente e,

coincidentemente, vermelha e parecendo envergonhada.

– Eu estava com um cara... – sussurrei, baixo, acanhada. –

Não quero falar o nome dele, não posso, a menos que eu esteja
sendo acusada e precise comprovar onde estive e com quem.

Heitor pensaria que fiz algo errado, que andei com um homem
casado ou comprometido, ou até mesmo que era com Arthur ou

Gabriel. E era exatamente isso que eu queria.

Ele pigarreou e afastou a gravata vermelha do pescoço.

– Tudo bem, eu já entendi – murmurou, parecendo


desconfortável com o assunto. – Não está sendo acusada de nada,

só pensei que pudesse nos dar alguma pista sobre o paradeiro de


Gael, mas, enfim..., já foi de utilidade, pelo menos sabemos o que

ele estava investigando e temos um novo rumo para seguir.

Me levantei, arrastando a cadeira para trás com as pernas por

causa do movimento abrupto.

– Tudo bem, eu sinto muito por Gael, espero que encontrem

ele – afirmei, mordendo as bochechas para manter a falsidade. –

Ele estava investigando gente perigosa, Heitor, se o homicídio tinha


ligação com as drogas, como ele achava, então Gael estava na mira

dos Cartéis.

Ele balançou a cabeça, concordando, e fez um gesto de

dispensa com a mão.

– Corremos risco todos os dias, Raika, faz parte do nosso

trabalho.

Concordei com um suspiro, porque era a maior verdade dita

desde que entrei na sala. Sem falar mais nada, deixei Heitor para

trás e fui em direção ao banheiro, precisava jogar uma água no


rosto e lavar as mãos suadas, tinhas certeza de que havia manchas

em minha blusa debaixo das axilas. Não estava brincando quando

disse que teria um infarto nervoso.


E eu ainda tinha um jantar com Killiam para ir. Por um

momento, pensei em cancelar, mas eu queria mesmo encontrar o


mafioso outra vez.
O prédio abandonado fedia a sangue velho, o local era
eventualmente usado para venda de drogas, tortura e homicídios.

Pertencia a uma família famosa da cidade, ligada ao Los Zetas e era

por esse motivo que iriamos utilizá-lo.

A lâmpada piscava e meus pés faziam barulho todas as vezes

em que eu pisava em uma poça de água, ecoando pelo lugar vazio.

Ergui o pulso e conferi a hora em meu Rolex, tinha um jantar

marcado com Raika e não queria me atrasar para o nosso


compromisso. Resolveria o problema e iria encontrá-la o quanto

antes.

Entrei em uma sala escura e sem janelas. Meus homens

estavam nos cantos com as armas baixadas, mas atentos a cada

movimento estranho. No centro, o desgraçado, alvo do meu ódio,


amordaçado e assustado.

– Posso ligar a câmera? – perguntou Stefano, ao meu lado.


Removi o blazer e dobrei as mangas da camisa até os

cotovelos, teríamos um problema muito maior se o idiota me


sujasse. Estava faminto, atrasado e sentia uma necessidade

absurda de encontrar Raika.

– E as luzes também, quero que vejam com nitidez tudo o que

farei com ele – respondi, dando passos em direção ao idiota.

Ele tinha a pele manchada com inúmeras cicatrizes que

marcavam os braços e o rosto, parecia queimaduras. A cabeça sem

cabelos era toda tatuada, coberta por tinta colorida, os olhos


castanhos demonstravam um medo genuíno e seu pescoço estava

pesado com tantas correntes de prata e ouro que faziam barulho

todas as vezes que se movimentava.

– André Rodrigues – falei seu nome, escorando o quadril

contra a mesa de utensílios de tortura.

Ele levantou o queixo, me estudando, analisando a situação.

André não sabia o que estava fazendo aqui, tampouco me conhecia.

– O que você quer comigo? – perguntou, a voz estava rouca

pelos dias sem comer ou beber água.


Não tinha costume de oferecer um bom tratamento para os
meus... convidados, mas não os deixava morrer antes que eu

pudesse colocar as mãos neles.

– Sabe quem sou eu? – questionei, arqueando uma

sobrancelha, e cruzando os braços, fazendo meus músculos se

ressaltarem na camisa branca.

André ponderou por um segundo.

– Alguém dos Cartéis – considerou, olhando para os meus

homens e voltando os olhos para mim –, olha, não tenho nada a ver
com a guerra de vocês, só repasso as drogas que me são vendidas,

meu território pertence ao Los Zetas, então se quiser o local, precisa

entrar em rixa com eles, não comigo.

Bufei, revirando os olhos.

– Não sou de nenhum Cartel, embora trabalhe com um –


afirmei, virando-me e recolhendo um alicate de cima da mesa, isso

fez com que André expusesse a primeira reação: pavor. – Você


mostrou interesse em algo que me pertence e é por esse motivo que

vai pagar.
– Cara, seja lá o que esteja falando, não tenho nada a ver com
isso, eu tenho proteção do Los Zetas, se essa merda não tem
relação com os Cartéis, precisa me deixar ir ou vai começar uma

guerra.

Soltei uma gargalhada intrépida, Stefano me acompanhou.


Andrés olhou para todos os lados, as sobrancelhas unidas,
buscando coerência.

– Nós trabalhamos com o mesmo Cartel, por isso eu não irei


matá-lo, em respeito a minha amizade com o Mamba-negra, mas
não significa que irei deixá-lo impune, como eu disse, mostrou

interesse em algo que me pertence e eu sou muito ciumento com as


minhas coisas.

Soltei o alicate e peguei uma faca de cima da mesa, virando-

me para encará-lo.

– Sabe como os animais são castrados? – perguntei, um


sorriso sombrio se espalhando pelo meu rosto. André arregalou os

olhos. – Alguém tire as calças dele – ordenei.

– Não! Pelo amor de Deus, eu não estuprei ninguém nas


últimas semanas, juro que fiquei na linha – implorou, movimentando-
se e sendo impedido pelas cordas que o amarravam.

– Nas últimas semanas? – perguntei, minha voz se tornando


fria e incisiva.

Isso me trouxe imagens perturbadoras do que ele faria com

Raika, minha raiva se inflou em níveis catastróficos.

Ele concordou com um aceno de cabeça.

– Sim, juro que não fiz nada.

Girei a faca no indicador, aguardando enquanto um dos meus


homens caminhava até ele e abaixava suas calças, deixando-o nu.

– Mostrou interesse na compra de uma policial... – murmurei,


balançando a faca. André ficou em silêncio. – Era um dos

compradores interessados no leilão.

– Sim, mas..., e daí? É melhor um policial morto do que na rua


e a garota era mesmo uma gata, encontrei o grupo por um acaso,

dei o lance, mas sabia que não levaria, ela custava muito caro, seria
mais fácil sequestrá-la... – A voz morreu.
Ergui o meu olhar para o dele, cheio de ódio, fúria e raiva. Uma
poça de mijo se criou aos pés de André, ele não estava mais com

medo, ele estava com pavor, o pânico fazendo-o mijar nas calças,
diante do que encontrou em meu rosto.

– Quem é você? – sussurrou em um bramido.

– Sou a Camorra – respondi, inclinando o maxilar.

A cor se esvaiu do rosto dele, todo o sangue sendo drenado do


corpo, o peito oscilou em uma respiração trêmula.

– É ela que te pertence... – gaguejou, a voz tão rouca que

precisei fazer esforço para compreendê-lo. – É por ela que está


aqui.

Não confirmei nada, apenas respirei, tentando acalmar os

meus demônios, não queria matá-lo, mas perderia o controle se ele


continuasse falando de Raika desse jeito.

– Eu sinto muito, eu não tinha como saber... por favor, me


deixe ir e eu prometo que nunca nem mesmo toco no assunto...

Peguei o par de luvas de plástico de cima da mesa e os


coloquei em minhas mãos.
– Eu irei deixá-lo ir embora... – refutei, arrumando meus dedos

dentro das luvas. – Só não inteiro.

– Por favor, por favor... – implorou, balançando a cabeça,


lágrimas saindo dos cantos dos olhos.

Me aproximei dele com a faca nas mãos.

– É melhor você não me sujar ou as coisas vão ficar um


verdadeiro inferno para você – ameacei.

Não era uma boa ideia ir torturar alguém vestindo uma camisa

branca, mas não tive tempo para mudar de roupa e queria resolver o
problema com o idiota de uma vez por todas, precisava colocar o
terror e tirar o alvo das costas de Raika, enquanto não o fizesse,

qualquer coisa poderia acontecer com ela e a hipótese não me era


agradável.

Me agachei na frente dele, o cheiro da urina flutuou até o meu

nariz o que me fez franzir os lábios com nojo. Ouvia o choro


misturado com uma oração sair da sua boca, era quase inaudível,
mas reconheci algumas palavras.
– Deus não vai te ajudar – contestei. Ele era um maldito
egocêntrico e estuprador e ainda pedia ajuda divina? Senti vontade
de rir. – Implore para o diabo, talvez ele ouça você.

Agarrei as bolas do imbecil e passei a faca, arrancando-as

fora. O sangue começou a jorrar no chão, pingando sem parar. Ele


gritou tão alto e tão forte que quase me deixou surdo. Stefano se
aproximou com um ferro quente e me estendeu. Coloquei no

machucado, forçando a cicatrização, afinal, não queria que ele


morresse com uma hemorragia.

– Foi bonito – comentou Stefano, olhando para os testículos

ensanguentados no chão. – O que vai fazer com eles?

Encolhi os ombros.

– Coloque fora, dê para algum cachorro comer, tanto faz.

Me levantei e encarei o homem recém-castrado, a primeira

parte do meu trabalho estava feita. Joguei a faca suja para longe,
caminhei até a mesa e peguei um picador de gelo, o instrumento

afiado servia para muitos métodos de tortura.

– Meu Deus, por favor, eu não aguento mais, pare... – clamou.


– Suponho que as suas vítimas de estupro proferiram essas
mesmas palavras – retruquei, me aproximando outra vez dele.

O cheiro do sangue se misturava com o de urina e pele

queimada, não era um odor agradável, mas ainda assim não serviu
para diminuir minha fome ou minha vontade de ir jantar com Raika.

– Pensei que estivesse se vingando pela garota que eu nem

toquei – grunhiu, entredentes.

Eu ri.

– Acredite, rapaz, se tivesse encostado em um único fio de

cabelo dela, isso daqui seria uma benção perto do que eu faria com
você.

Eu assistiria a filmagem depois, queria verificar se foi o


suficiente para aterrorizar os outros seis que ainda faltavam da lista

que me foi passada.

– Uma benção? Seu psicopata de merda! – gritou, soluçando


de dor.

Revirei os olhos.
– Acho que chegou a hora de fazê-lo calar a boca, ele não tem
uma voz agradável e não é nem mesmo inteligente, mas parece que

gosta de se ouvir falar – falei, olhando para Stefano.

– Por favor – respondeu meu consigliere, estendendo a mão


em direção ao idiota.

– Vai me cegar? – Riu. – Acabou de me castrar, seu maldito,

acredite, nada mais do que fizer pode ser pior do que isso.

Soltei uma respiração ruidosa pelo nariz.

– Você tem mania de subestimar as pessoas ou esse impulso

é só comigo? – retorqui, agarrando o picador de gelo o direcionando


para a face dele.

Organizei o instrumento em frente ao seu olho esquerdo, em

vertical e levemente inclinado para fora.

– O que vai fazer? – interpelou.

– Já ouviu falar em lobotomia? – Ele balançou a cabeça em


sinal negativo. Meu sorriso se ampliou. – É uma técnica criada em

1935 por um neurologista português e significa retirar uma parte do


cérebro.
André franziu a testa, ponderando o significado do que eu

havia dito.

– Disse que não me mataria... – murmurou.

Confirmei com um aceno.

– E não irei.

Era engraçado ver como sua mente parecia girar, seus olhos
se perdiam e voltavam a se fixar nos meus. Ele estava tentando
entender o que aconteceria com ele, mas eu não lhe daria a

resposta, faria com que sofresse as consequências sem lembrar de


nada, sem saber de nada.

– Deus, o que vai fazer comigo?

Empurrei um pouco mais o picador, André começou a piscar

sucessivamente, lágrimas rolaram pelos cantos dos olhos.

– Que o resto da sua vida seja uma bosta como você – sibilei.

Enfiei o picador no canto do olho, perfurando a pele, sangue


começou a escorrer. André soltou um grito aguçado, sôfrego.

Esmaguei o músculo, raspei o osso e acertei o cérebro, atingindo-o


com a ponta cortante, danificando o lobo frontal, o responsável
pelas atividades psíquicas e pelo comportamento humano. Vi a vida
desvanecer do rosto dele, aos poucos, o corpo reagindo aos efeitos

colaterais do procedimento.

A lobotomia foi só mais um dos casos bizarros na época em


que a medicina estava em descoberta e logo foi banalizada pelos

efeitos colaterais que causava nos pacientes, deixando-os em


estado vegetativo logo após a realização do procedimento.

Puxei o picador de volta, removendo-o da pele de André. O


homem nem mesmo se mexeu.

– Eu disse que não mataria você, mas também não falei que o
manteria totalmente vivo – grunhi em seu ouvido.

André não merecia continuar a vida, mesmo depois de

castrado, ele era um estuprador nato e talvez encontrasse outras


formas de atingir suas vítimas. Estava me vingando por Raika e
pelos pensamentos impuros que ele teve com ela, pelo desejo

oculto que ele sentia, pela vontade de quebrá-la.

Me afastei do corpo, André piscava lentamente, os olhos fixos


em um ponto qualquer, perdidos em uma mente inerte.
– O que fazemos com ele? – perguntou Stefano.

Joguei álcool em minhas mãos e conferi se não havia rastro de


sangue em minhas roupas, não queria assustar Raika.

– Leve-o para casa, tanto faz, não me importo com o que vai
acontecer com ele – disse, esfregando álcool nos pulsos e
antebraços –, falei que não o mataria e cumpri a minha promessa.

Estava faminto e morrendo de vontade de ver Raika e isso me


deixava impaciente, pois queria ir encontrá-la de uma vez e não ficar
em um galpão fedido com um idiota qualquer.

– E quanto a filmagem? – Stefano cruzou os braços ao meu


lado.

– Se estiver boa o suficiente, pode espalhar, quero que os


próximos homens que estão na lista descubram o que os espera no

futuro próximo.

Eu derramaria o caos pelo submundo, espalharia terror e


pânico, e não sossegaria enquanto não riscasse cada nome da lista,

matando um por um até que não restasse ninguém.

– Algum pedido específico para todos eles?


Infelizmente, eu não poderia matá-los pessoalmente, estava no

Brasil e permaneceria por mais um tempo, por isso mandaria


homens da minha confiança para cumprir o trabalho.

– Castre-os, todos.

Com isso, se mais alguém mostrasse interesse em Raika,

perderia o sentimento no momento em que descobrisse o que


estava acontecendo. A honra de todos os homens se concentrava
em sua masculinidade, sem ela, não se consideravam nada e era

essa sensação que eu queria espalhar para todos eles.

– Feito – concordou, afastando-se.

Meu trabalho estava concluído, agora eu encontraria com

Raika.
O restaurante requintado exalava um cheiro adocicado de
flores, as mesas eram milimetricamente enfileiradas, posicionadas

para dar harmonia ao local. As cores em tons pastéis sobressaíam-

se, do mais claro ao mais escuro.

Uma jovem de uniforme preto e refinado me direcionou até


uma mesa ao fundo, um pouco mais isolada que as demais. Não
precisei perguntar para saber que tinha dedo de Killiam, ele deve ter

solicitado privacidade e o restaurante concedeu.

Esse relacionamento, ou o que quer que estivéssemos tendo,


parecia tão errado, eu não deveria me envolver com Killiam, sabia

que lutávamos em lados opostos e que deveríamos continuar sendo

inimigos declarados, mas ao mesmo tempo em que parecia errado,


parecia tão certo. Eu ainda o odiava, mas também o desejava

fervorosamente e não sabia como reagir aos sentimentos tão

controversos.

Ele matou um policial bem na minha frente, assassinou a


sangue frio um homem que estava ao meu lado. E sabe o que era

pior? Que isso não me assustava nem um pouco, só me instigava

ainda mais, me deixava com a sensação de proteção. De um jeito

torto e estranho, eu me sentia completa com Killiam, como se a

loucura dele combinasse com a minha. Eu sentia o ódio e Killiam a


coragem de matar que faltava em mim.

Me sentei na cadeira de frente para o restante do restaurante,


desta posição, tinha uma visão privilegiada de todos que estavam

presentes.
– A senhorita gostaria de beber alguma coisa? – questionou a
jovem, com uma caderneta nas mãos.

Gesticulei em negação.

– Obrigada, vou esperar meu acompanhante.

Ela concordou com um aceno e se afastou.

Não deveria sair por aí com Killiam, alguém poderia reconhecê-

lo e me vincular a ele e eu não gostaria de manchar a minha


reputação dessa forma, sequer entrar na mira dos seus inimigos,

mas... depois de tudo o que aconteceu, não era como se, de fato, eu

me importasse muito com isso.

Observei o restaurante, analisando as pessoas que jantavam e

conversavam. Não estava lotado, mas a maioria das mesas

estavam ocupadas. Meus olhos se ergueram até a porta de entrada

no momento em que meu corpo, como se tivesse vida própria,


pareceu sentir a presença de Killiam.

Meus lábios se descolaram com a visão.

O homem era como o pecado em terra, exalava poder e

possessão a cada passo dado. Killiam não olhou para ninguém,


nem mesmo desviou os olhos dos meus enquanto seguia em minha

direção. Uma mão no bolso do terno perfeito, a postura altiva de


alguém que era acostumado a mandar e ser obedecido.

Poderia facilmente culpar toda a aura sexual que o cercava, ou


a beleza estonteante, por estar transando com ele. Mas eu sabia

que não era só isso, não tolerava mentir para mim mesma dessa
maneira.

Seu cheiro tremulou até o meu olfato antes que ele chegasse à

mesa, me fazendo suspirar audivelmente. Killiam abriu o paletó e


sentou-se ao meu lado, o meio-sorriso irônico de sempre enfeitando

os lábios.

– Já estava entediada sem a minha presença, Raika? –


perguntou presunçosamente.

Revirei os olhos.

– Na verdade, eu estava admirando... as pessoas, nem dei

falta de você – retruquei.

A risada rouca dele fez com que os cabelos da minha nuca se

arrepiassem.
– Sempre mentindo... – retumbou.

Fingi ponderar.

– Talvez eu esteja me tornando melhor nisso por causa da

convivência com você.

Os olhos dele brilharam em excitação.

– E talvez eu esteja mesmo perdendo o jeito, sempre gostei de

pessoas com a língua afiada, os castigos eram os mais prazerosos


– replicou, uma ameaça velada em seu tom.

Me inclinei em sua direção.

– Ou talvez não seja tudo isso que diz ser, talvez seja só uma

fachada de malvadão que quer passar para os outros.

Eu sabia que não deveria provocá-lo e que cada palavra que

deixou a minha boca era mentira, eu sabia como Killiam poderia ser
um psicopata sem escrúpulos quando bem entendesse, mas não
conseguia controlar a minha língua perto dele e tampouco me

importava.
Killiam pegou o cardápio de cima da mesa e correu os olhos
por ele, antes de fechá-lo e estender o braço, solicitando um
garçom. Quando o homem se aproximou, ele fez os nossos pedidos,

como se eu não existisse ou não estivesse ao seu lado. Não era um


bom sinal, significava que ele estava, na melhor das hipóteses,

irritado; na pior, furioso. E ele me castigaria por isso.

Fechei as mãos em punho, sentindo a pele formigar em

nervosismo, antecipando os atos de Killiam. Eu não estava com


medo, estava excitada, animada. Ele não me machucaria, não de
um jeito ruim.

O garçom se afastou e Killiam cruzou as mãos em cima da


mesa, o rosto fixo à frente, observando o restaurante.

– Não consigo saber o que se passa na sua cabeça... –

confessei em um murmúrio.

Um dos cantos dos lábios de Killiam se curvou.

– Eu me sinto obcecado por você – respondeu, me encarando


finalmente – E é estranho, considerando que, nas suas palavras,

somos inimigos.
Minha deglutição foi audível e meu coração retumbou com
força, socando meu peito. Me perdi em seus olhos, sentindo coisas
esquisitas acontecerem em meu estômago, como se eu tivesse

engolido mil borboletas.

A afirmação dele com tanta convicção deveria me assustar, me

deixar receosa porque eu sabia quem ele era e o que ele fazia, mas
nada disso parecia acontecer comigo, era como se eu estivesse, no

fundo, feliz.

Eu estava ficando louca, era a única solução plausível.

Pigarreei, mordendo as bochechas para conter a agitação em

meu corpo.

– Então, planeja ficar quanto tempo no Brasil? – perguntei,

mudando de assunto e me arrependendo imediatamente, me sentia


um pouco melancólica por saber que ele iria embora.

Killiam continuou me encarando por mais alguns segundos,


antes de correr os olhos para a frente outra vez.

– Ainda não sei, mas suponho que seja em breve – falou,


somente.
Bom, com a partida dele, minha vida voltaria ao que era antes,

monótona e focada no trabalho. Nada mais me abalaria e eu voltaria


a me sentir normal, mas... era isso que eu queria, não?

O garçom retornou com uma garrafa de vinho nas mãos, ele a

depositou na mesa, removeu a rolha e encheu duas taças,

estendendo uma a mim. Beberiquei um pouco, provando um gole da

bebida tinta, o gosto cítrico permeou em minha língua, me fazendo


soltar um gemido de satisfação.

Killiam depositou a taça na mesa e se acomodou na cadeira,


colando o corpo ao meu.

– Tem coisas sobre mim que talvez você não saiba, Raika... –

murmurou, passando a língua pelos lábios levemente tingidos de

roxo. – Uma delas é que eu sei atirar e acertar o alvo mesmo de


olhos fechados, fui treinado para isso antes mesmo de aprender a

caminhar; outro fato é o de que eu não me importo com as pessoas

que eu mato ou torturo, depois que termino, elas nunca mais me

incomodam, sequer passam pela minha cabeça ou perturbam minha


mente, esqueço seus rostos e nomes em um piscar de olhos,

portanto, comiseração não existe no meu vocabulário.


O barulho dos talheres e das conversas paralelas ao redor do

restaurante se perdeu no meio do torpor em que eu me encontrava.

Sentia meu coração zunindo em meus ouvidos e as palmas das


minhas mãos empapadas de suor.

– Nossa, uma ficha técnica e tanto – brinquei, a voz


esganiçada.

Killiam me ignorou.

– Mas a minha principal característica é o rancor, não importa


quando, mas se fizer algo que me deixe levemente irritado, haverá

represália.

Recolhi a taça de cima da mesa e cheirei, cogitando a hipótese

de ele ter colocado veneno na minha bebida. Não sentia mais as

mãos, mas não sabia dizer se era pela tensão que corria em minhas

veias ou se fui mesmo envenenada. Killiam acompanhou cada um


dos meus movimentos com um olhar aguçado.

– Eu não vou matar você – sibilou, entredentes. – E se eu


quisesse, jamais a envenenaria, um tiro resolve as coisas muito

mais fácil e rápido.


Respirei fundo, me acalmando, eu não podia demonstrar medo

na frente dele. Killiam era um predador nato, se farejasse meu


medo, seu autoconvencimento assumiria níveis drásticos.

– Então vai fazer o quê? – questionei, encolhendo os ombros,


como se não estivesse morrendo do coração.

Senti seus dedos resvalar em minha coxa, me fazendo


arquejar e pular de susto. A mão deslizou até meu joelho e se

concentrou no cós do vestido que eu usava, arrastando-o para cima.

Arregalei os olhos e finquei as unhas em seu antebraço, tentando


puxá-lo e falhando.

– O que você pensa que está fazendo? – perguntei, olhando

para todos os lados.

Killiam pouco se importou em me responder, menos ainda em

parar de fazer o que quer que estivesse tentando. A mão parou no

meio das minhas pernas, então ele afastou minhas coxas com os

dedos.

– Killiam, pelo amor de Deus! – gorgolejei, salivando de raiva,


nervosismo e excitação.
Sentia minha calcinha molhada, o tecido incomodava, roçando

contra o clitóris pulsante.

– Não vai fazer nenhum barulho, Raika, ao menos que queira

ser vista e filmada – sussurrou, sorrindo com frieza, a vingança

latejava em seu olhar. – E imagino que não ficaria bem para uma

Agente Federal ser pega em uma situação como essa.

Tentei puxar o braço dele outra vez, mas Killiam nem mesmo
se mexeu, como se a minha força fosse irrelevante comparada com

a dele. Como um maldito desgraçado, ele enganchou um dedo na

renda da calcinha e puxou para o lado com força e brutalidade,

rasgando-a.

– Às vezes me esqueço porque tenho uma vontade absurda de


atirar em você, mas gosto do fato que me lembra constantemente o

motivo dessa vontade – grunhi, tentando fechar as pernas e sendo

impedida por Killiam.

– Não se preocupe, nunca irei parar de lembrá-la. – Inclinou-se

e beijou minha têmpora.

Os dedos de Killiam tocaram em minha boceta com tanta

posse que eu engoli um gemido. Ele abriu meus lábios vaginais com
o indicador e o polegar e esfregou a extensão, espalhando a

lubrificação.

– E, como sempre, molhadinha e pronta para mim. – Riu com

deboche. – O corpo não segue o que a boca diz.

Killiam esfregou o meu clitóris com tanta pressão que eu grudei

as costas no banco em um ímpeto e fiz barulho, chamando alguns


olhares para a nossa mesa.

Deus, eu o mataria!

– Fique quietinha, Raika, tem mais a perder com a revelação


do que eu. – Sorriu, encostando a cabeça na minha como se

fôssemos um casal de namorados.

Killiam pressionou meu clitóris para cima e para baixo,

masturbando-me com os dedos certeiros e acelerados, enquanto

observava o restaurante com cara de paisagem, como se nada


estivesse acontecendo. Um calor subiu pelas minhas entranhas,

trinquei a mandíbula e fechei os olhos, me concentrando no silêncio,

tentando não soltar nenhum ruído.


Eu sabia que ele estava me punindo, assim como sabia que
deveria pará-lo e que ele tinha razão, muito provável que eu

perdesse meu cargo se fosse descoberta. Mas eu estava em êxtase

e ele era bom demais com os dedos, me convencendo com o pouco


toque.

– Eu vou matar você na primeira oportunidade. – Sorri,


trancando a respiração quando ele substituiu os movimentos vaivém

para circulares.

Eu morreria, céus.

Um casal a duas mesas da nossa começou a nos encarar de

canto de olho, estavam tentando disfarçar, mas não eram bons o

suficiente para isso. Eles falavam baixo, como se estivessem


discutindo o que havia de errado conosco.

Killiam desceu os dedos pela minha boceta lambuzada,

vagando pela extensão, então enfiou dois dedos em mim, me


fodendo com a mão na porra do meio do restaurante.

– Ficou maluco? – questionei com a mandíbula tão contraída

que nem o ar passava por entre os dentes.


O barulho da sucção dos dedos que me invadiam, reverberou.
Arregalei os olhos e a cor se esvaiu da minha face, mas Killiam não
parou nem mesmo assim.

– Está pingando como uma torneira aberta e ainda me chama

de maluco? – Beijou a dobra do meu pescoço, a respiração fazendo


a pele arrepiar. – Pode tentar se fazer de boa-moça, mas sei que
ama o perigo, amor.

Os dedos longos entraram e saíram, me abrindo até o fundo,


sentia os vincos das juntas e cada centímetro deles. Com o polegar,
Killiam começou a massagear o meu clitóris, enquanto macetava a

boceta ao mesmo tempo.

– Killiam... por favor – choraminguei, agarrando as pontas da


cadeira com tanta força que os vincos das mãos embranqueceram.

Eu estava prestes a gozar, era um conjunto de tantos


sentimentos que sentia que iria explodir. O fato de que estávamos
sendo observados deixou a experiência ainda mais arrebatadora,

me empurrando mais e mais para o precipício.

Joguei a cabeça para o alto e fechei os olhos, cedendo,


abrindo as pernas, deixando-o livre para fazer o que bem
entendesse.

Killiam era impiedoso mesmo quando fodia, não havia uma


única parte dele que fosse menos intensa. Ele era forjado a fogo e

morte e deixava isso claro em cada toque, cada atitude, cada


palavra.

– Com licença... – A voz feminina e baixa ecoou através da


minha inércia. Abri os olhos e encarei a mulher da mesa próxima

que, para o meu completo terror, estava parada bem na nossa


frente. – Está tudo bem aqui? – perguntou, olhando fixamente para

mim.

Ouvi a risada de Killiam ao meu lado.

Ela pensava que eu estava sendo torturada ou algo assim?

Bem, não seria uma completa mentira, já que Killiam estava mesmo
me torturando, mas de um jeito muito melhor do qual ela parecia
pensar.

O maldito curvou os dedos e me fodeu com mais força, o braço

mal parecia se mexer diante do olhar dela, enquanto a mão me


penetrava.
Pulei no banco quando ele encontrou o ponto que me fazia ver
estrelas, eu não conseguiria respondê-la, estava quase tendo um

orgasmo. Encarei-a por sobre os cílios, sabia que eu estava


parecendo uma louca e que meus olhos estavam vidrados, ébrios
pelo prazer.

Juntei forças de onde nem sabia que tinha para me fazer abrir
a boca e soar normal.

– Sim, tudo bem – confirmei, meu tom de voz afinando no final


da frase.

Ela semicerrou os olhos. Killiam enfiou os dedos e os puxou,


repetindo o movimento. O barulho da sucção entoou. Eu engoli em

seco, uma gota de suor escorreu pelo lado da minha face.

– Gostaria de me acompanhar ao banheiro? Preciso de ajuda


para abrir o zíper da blusa – pediu, mudando de assunto.

Fiquei compadecida com a sua sororidade, ela realmente

pensava que eu corria perigo de vida ou que estava em um


relacionamento tóxico. Pedir ajuda e levar a vítima até o banheiro
era uma das melhores saídas para ajudar alguém em situação de

risco, mas esse não era o meu caso.


O polegar de Killiam esfregou meu clitóris como se ele

dependesse disso para viver. O maldito queria que eu gozasse,


estava me levando ao limite, queria se vingar.

Limpei a garganta, determinada a ganhar esse jogo.

– Sou agente da Polícia Federal, fico feliz que esteja tentando

me ajudar e que saiba qual é a melhor saída para uma situação de


violência doméstica, mas não é o meu caso – afirmei, balançando a
cabeça. Todos os meus pelos corporais estavam arrepiados. – Só

estou cansada e tensa com o trabalho – acrescentei, mentindo na


cara dura.

Percebi o momento em que relaxou e acreditou em mim, pois o


vinco na testa diminuiu e a veia ao lado do pescoço parou de pulsar.

– Oh, eu sinto muito estar incomodando, que vergonha... –


Suas bochechas ganharam uma coloração.

Um sorriso trêmulo se espalhou pelo meu rosto.

– Não se preocupe, é melhor interceder, talvez, se fosse o


caso, poderia ter acabado de salvar uma mulher.

Ela concordou com um gesto de mãos.


– Sim, boa-noite. – Girou nos calcanhares e correu para a
mesa, tudo sob o olhar minucioso do companheiro.

Senti os dedos de Killiam me abrindo outra vez, finquei as


unhas em seu braço e puxei para cima, como se fosse possível

aprofundar mais as estocadas. Ele os puxou para fora e os


empurrou de novo, repetindo os movimentos. O polegar brincou com
o nervo, arrastando a ponta da unha, me fazendo estremecer.

Gozei, me desmanchando em prazer absoluto.

Deitei a cabeça no ombro de Killiam e mordi seu blazer,


abafando o grito que permeou entre os meus lábios, enquanto meu

corpo convulsionava.

– Shiiiii... boa garota. – Beijou o topo da minha cabeça.

Killiam removeu os dedos. Soltei um choramingo, sentindo falta


do toque que me preenchia. Ele retirou a mão debaixo da mesa e a

levou até os lábios, chupando meu gozo que brilhava em seus


dedos.

– Aqui está, senhor. – O garçom se aproximou e colocou os

pratos em nossa frente, mas Killiam não o olhou, ele não quebrou o
olhar enquanto ainda chupava os dedos como se fosse normal. –
Bom-apetite – disse, distanciando-se.

– Sim, estou com muita fome – comentou Killiam.

Arrumei a postura e me afastei dele, levando minhas mãos até

as minhas pernas e arrumando a minha saia. Sentia minha boceta


molhada pelo orgasmo, precisava ir ao banheiro me limpar em

algum momento, quando minhas pernas se firmassem.

Olhei para os pratos e percebi que Killiam havia pedido

macarrão. Pelo visto, o psicopata tinha um ponto-fraco: massa!


Eu não gostava muito das festividades de final de ano, porque
sabia que ficaria sozinha, deitada na sala, assistindo a algum filme

natalino. E, depois de ter passado bons Natais com a minha avó e

meus pais, entendia o quanto isso era depressivo.

Queria me casar um dia, ter filhos, construir a minha própria


família, mas enquanto isso não acontecesse, precisaria me
contentar com a minha própria companhia.

– Sabe que pode ir para a minha casa, não é? – perguntou

Arthur, jogando o grampeador para cima e caçando-o no ar. Ele


estava com os pés em cima da mesa e o corpo lançado para trás na

cadeira.

Soltei uma risada e balancei a cabeça.

– E falar o que para a sua família? – inquiri, arqueando uma

sobrancelha.

Ele encolheu os ombros.

– Que é minha colega de trabalho – respondeu, simplesmente.

Meus olhos ganharam contornos de diversão.

– Cafajeste do jeito que é, duvido que acreditem nisso –

zombei.

Ele fez um bico perfeito com a boca.

– Eu jamais levaria uma transa para conhecer a minha família,

menos ainda, para dividir nosso Natal – objetou, franzindo as

sobrancelhas. –, assim, não precisa se preocupar com isso, minha


família me conhece bem demais para te confundir com uma transa
qualquer.

Meus lábios se curvaram em desdém.

– É tão cara de pau que nem mesmo nega o cafajeste que é,

até a família já sabe... – murmurei, fazendo-o rir e dar de ombros

outra vez.

– Pode ir para a minha também, talvez minha família te assuste

um pouco, mas prometo que depois do efeito da cachaça, todos

voltam a ser pessoas normais – disse Gabriel do outro lado.

Meu coração se encheu de gratidão por tê-los em minha vida,

eles com certeza eram a melhor parte do meu trabalho. Arthur e

Gabriel foram um presente do destino.

– Agradeço aos dois, mas não se preocupem comigo, ficarei

com a minha televisão, comida gordurosa e uma maravilhosa noite


de sono.

Não era nada animador, mas eu já estava acostumada a fazer

isso na noite de Natal, era um hábito que adquiri no primeiro ano em

que fiquei sozinha depois que vovó morreu. As comédias de Natal


eram muito boas e prendiam a minha atenção, então eu acabava

nem vendo o tempo passar, só percebia quando estava caindo de


sono.

– Tem certeza? – insistiu Arthur.

Concordei com um aceno.

– Sim, é meu hábito anual, eu não me importo, mesmo.

Não estava mentindo, mas também não dizia a verdade


completa. Tentava não pensar em quão solitário isso soava, por isso

simplesmente fingia que não era nada importante, só mais uma das
tantas datas que eu precisava ficar sozinha.

– Só venha jantar com a gente hoje, pelo menos, não precisa


ficar até meia-noite, pode ir embora antes – continuou Gabriel,
tentando me convencer.

Suspirei, recolhendo a minha bolsa de cima da mesa e me


levantando. Nosso expediente estava prestes a acabar e eu ainda

precisava passar no mercado para comprar a minha “ceia”. Também


pretendia tomar um longo banho e relaxante antes de ir para a

frente da TV e assistir aos filmes até o sono bater.


– Eu amo vocês por isso, mas falo sério quando digo que não

me importo mesmo com o Natal ou essas datas – falei, segurando a


bolsa rente ao corpo e olhando de um para o outro. – Gosto das

comédias de Natal, já tentaram assistir a alguma? É viciante.

Arthur revirou os olhos. Gabriel bufou.

– Imagino como deve ser incrível esses filmes bobos – retrucou


Gabriel, zombeteiramente.

– Acho que a gente deveria se juntar um dia e maratonar

alguns, o que acha? – disse Arthur, encarando Gabriel.

Eles estavam zombando de mim.

– Bestas! – rebati, fazendo um gesto de desdém com a mão. –


Feliz Natal para vocês e me descrevam os babados da família na
segunda. – Lancei um beijo no ar para eles.

Girei nos calcanhares e deixei a sala.

Se eu me sentisse mesmo triste por ficar sozinha, aceitaria

algum dos convites, mesmo que me sentisse um pouco


desconfortável por estar me metendo na família dos outros, mas já
era passado. Claro, era um pouco nostálgico, mas nada que não
passasse em segundos, ou o que o filme não me fizesse esquecer.

A solidão e eu éramos amigas de longa data, estávamos

acostumadas com a presença uma da outra.

Cheguei em casa mais tarde do que eu esperava, para a

minha surpresa, muitas pessoas atrasadas, assim como eu,


deixaram para comprar a ceia na noite da véspera de Natal. Joguei

as sacolas em cima da mesa de qualquer jeito e corri para o banho,


me demorando no momento mais relaxante do dia.

Abri um pacote de Doritos e vasculhei na Netflix os últimos

lançamentos de Natal. Meus cabelos estavam molhados do banho e


eu usava um vestido leve de alça. Me joguei no sofá e observei

através da janela as luzes piscando nos apartamentos do prédio do


outro lado da rua.

Um suspiro profundo separou os meus lábios.


– Bom, vamos lá... – murmurei, enfiando salgadinho na boca e
selecionando um dos filmes que surgiu como opção.

Assisti aos primeiros minutos, me dispersando do que

significava a noite, concentrada demais na televisão para me


lembrar. O filme natalino era como a maioria, cheio de comédia e

muito romance.

Ouvi o barulho da minha campainha ecoar pelo torpor em que


eu me encontrava. Pisquei, franzindo a testa e esperei. Ela tocou

outra vez. Coloquei o pacote de salgadinhos para o lado e me

levantei, desconfiada e sem entender o que estava acontecendo.

Caminhei até a porta e me surpreendi ao abri-la e encontrar

ninguém menos que Killiam parado no meio do corredor.

O homem já era um gato por natureza, mas ele estava


especificamente deslumbrante esta noite. Killiam usava roupas

confortáveis como eu, mas, diferente de como estava vestido

habitualmente, hoje, ele usava cores claras. Uma camiseta de

algodão azul, bermuda bege e tênis. Os cabelos bagunçados eram


o charme à parte.
Ele me encarou da cabeça aos pés e arqueou uma

sobrancelha.

– Por um acaso, vocês também comemoram o Natal no Brasil?


– perguntou, semicerrando os olhos escuros.

Bufei.

– Sim – confirmei com um aceno, mantendo a porta aberta com

a mão.

Killiam me analisou outra vez, o vinco na testa se


aprofundando.

– Então por qual motivo está em casa sozinha e vestida para


dormir?

– Eu não tenho família, lembra? – disse o óbvio. – E antes que


me pergunte, sim, tenho amigos, mas não quero ser uma

desconhecida e intrometida no meio da família dos outros.

Ele ficou em silêncio, havia algo brilhando em seus olhos que

eu não conseguia identificar, era como um sentimento novo que eu

nunca havia visto neles.


– Troque de roupa e venha para o meu apartamento – disse,

apontando com a cabeça para a porta do outro lado.

Fiz um sinal negativo.

– Estou bem.

– Não é um pedido, Raika.

Incrível como esse homem era arrogante, se ele tinha o mundo

aos seus pés, lamentava informá-lo que eu não fazia parte desta
estimativa. Não me curvaria a ele. Nunca.

– Obrigada pela sua preocupação, Killiam, mas o filme que


estou assistindo é bem mais divertido do que a sua companhia.

Fiz um movimento para fechar a porta, mas Killiam removeu a


mão do bolso dianteiro da bermuda e a espalmou na madeira fina,

me impedindo.

– Estou tentando ser complacente com você, se continuar

insistindo, terei que arrastá-la e presumo que vá se sentir

desconfortável vestindo roupas indecentes na frente dos meus


irmãos – sibilou, encarando os meus seios com fome.
Eu estava sem sutiã, odiava aquela porcaria e me sentia mais

confortável sem ele. Sabia que o vestido fino marcava o bico dos
meus seios e que estava mais evidente pelo tecido molhado por

causa dos meus cabelos úmidos, mas não esperava uma visita

inesperada. Estava vestida para ficar em casa e sozinha.

Um rubor cobriu minhas bochechas.

Eu odiava Killiam com todas as minhas forças.

– Se tentar me forçar, eu atiro em você – ameacei,

entredentes.

Ele riu, a risada rouca ressoou pelo corredor vazio.

– Pensei que tivéssemos evoluído quanto a isso, amor – disse,

em tom incisivo.

Eu detestava como ele me chamava de amor com uma

arrogância condescendente e depreciativa.

– Vai se trocar, Raika, por mais que a visão esteja tentadora e

perfeita, não quero dividi-la com os meus homens.


Olhei para a televisão ligada, para o saco de salgadinhos em

cima do sofá e então olhei de volta para Killiam. Mais incomum do

que passar o Natal sozinha assistindo a filmes, era passar o Natal

em um apartamento cheio de criminosos, mafiosos letais e sem


coração.

Comprimi os lábios, meu coração socando meu peito com


força.

– Vamos, Raika, quero que as coisas sejam pacíficas – insistiu.

Seria o Natal mais louco da minha vida, com toda a certeza.


Nada do que eu fizesse em um futuro chegaria nem mesmo perto

disso, nenhuma operação, nenhuma prisão em flagrante, nada. Uma

policial federal comemorando o Natal no ninho dos mafiosos.

Um sorriso curvou meus lábios com a insanidade em como

tudo soava.

– Tudo bem – concordei.

Corri para o meu quarto ainda rindo, sem conseguir parar de

sorrir com o que estava prestes a acontecer. Eu não estava me

sentindo feliz, eu estava me sentindo completamente louca por ter


concordado. Troquei de roupa no automático, colocando um vestido

preto e rasteirinhas da mesma cor. Era uma roupa bem simples,


meus cabelos ainda estavam molhados e eu não passaria

maquiagem no rosto. Mas não me importava nem um pouco com a

minha aparência, não em uma situação como essa.

Retornei para a sala e encontrei Killiam sentado em meu sofá,

os olhos fixos na televisão e a boca contraída em desgosto.

– Era esse o seu Natal? – perguntou, me encarando.

– Tem alguma ideia melhor para se fazer quando se está

sozinho? – Cruzei os braços na frente do corpo.

– Por quê? – rebateu, a pergunta me pegando de surpresa.

Engoli a saliva para molhar a garganta embargada. Descruzei

os braços e entrelacei as mãos, me sentindo desconfortável em

entrar nesse assunto.

Um dos pontos de ser sozinha era que eu não tinha com quem

conversar, então aprendi a guardar as coisas para mim, não


costumava dividir os meus sentimentos, tão pouco revelar como me

sentia em relação a algumas situações. Mas eu me sentia diferente


com Killiam, talvez o fato de sermos tão opostos, tão diferentes, me
fazia criar coragem de falar as coisas para ele, de me abrir. Killiam

nunca me julgaria e nem duvidaria da minha sanidade ou dos meus

sentimentos. De um jeito bem torto, me sentia à vontade com ele.

– Me faz esquecer o que a noite de hoje representa e ajuda a

passar o tempo – confessei, em voz alta, o que não tinha tido


coragem de falar nos últimos anos.

Killiam aquiesceu com um aceno de cabeça, então recolheu o


controle do lado do sofá, desligou a televisão e se levantou,

caminhando em minha direção. Ele parou na minha frente e pousou

a mão na curva entre meu pescoço e maxilar, um toque quente e


possessivo.

– Vamos para o meu apartamento, um Natal de verdade, do

jeito que você merece – sussurrou, inclinando-se e roçando os


lábios nos meus.

– Do jeito que eu mereço? – questionei, sorrindo de canto. –


Com a minha cabeça empalada em algum lugar? – brinquei.

Killiam mordiscou o lóbulo da minha orelha.


– Ninguém, absolutamente, ninguém, colocará as mãos em
você, Raika, exceto eu – murmurou, me fazendo arquejar com o
hálito quente contra a minha pele –, e meus planos não envolvem

remover essa linda e inteligente cabecinha do lugar, mas sim, em


enfiar meu pau na sua boca.

Engasguei-me com a saliva. Dei um passo para trás, me


desfazendo da teia de sedução de Killiam que me enfeitiçava com

vigor.

– Vamos logo, se precisarei ficar aturando a sua companhia


pelo resto da noite, quero ao menos beber – franzi os lábios e

sussurrei em voz baixa como se fosse um segredo –, o álcool ajuda


a te aturar melhor.

Killiam revirou os olhos.

– Vou responder essa afronta mais tarde... na cama. – Piscou.

Ele espalmou a mão na minha lombar e me empurrou com


leveza, me induzindo em direção à saída do apartamento.

Seria o Natal mais absurdo de toda a minha vida.


Não havia decoração alguma no apartamento, exceto pela
mesa bem-arrumada e com uma ceia completa, digna de Natal. Os

irmãos de Killiam, Nery e Teodoro, estavam sentados no sofá e

Stefano ocupava uma das poltronas. Assim como Killiam, eles


estavam com roupas confortáveis e diferentes das habituais.
Um tremor desconfortável revirou o meu estômago, eu não

estava sentindo medo, mas me sentia esquisita, era como se


estivesse me intrometendo em um lugar que não pertencia.

Killiam fechou a porta e isso chamou a atenção dos homens,

eles me encararam em silêncio, não havia nada que pudesse

distinguir em seus semblantes o que estavam sentindo com a minha


presença.

– Não preciso apresentar vocês – disse Killiam, caminhando

até um frigobar e retirando uma garrafa de espumante de dentro.

– Boa-noite – cumprimentei-os, cruzando os braços e fingindo

não estar tendo uma síncope nervosa.

– A garota que roubou as drogas do Killiam – comentou Nery,


um sorriso se espalhando pelo rosto.

Lancei a ele um olhar enviesado.

– Eu não roubei nada, apenas fiz o meu trabalho – contestei,

empinando o nariz.

Nery riu.
– Hum... eu gosto dela – brincou, erguendo o copo de whisky
em um brinde silencioso –, agora entendo a obsessão de Killiam por

você.

Teodoro bufou.

– Sente conosco, Raika, somos uma boa companhia... na

maioria das vezes.

Na maioria das vezes..., exceto quando estavam torturando

alguma pobre alma que caiu nas garras dele. Eu entendi bem a

referência.

Em passos duros, caminhei até o sofá e me sentei na poltrona

ao lado de Stefano. O homem era misterioso e silencioso. Se eu

tivesse que escolher um deles para ficar presa por horas em um

cômodo, com toda a certeza Stefano não seria a minha escolha.

– Então, como anda o trabalho? – perguntou Nery, me


estendendo o copo de Whisky. Fiz um sinal negativo com as mãos.

– Tem certeza de que quer conversar sobre trabalho? – rebati,

levantando uma sobrancelha.

Ele rolou os olhos para cima, pensando por um segundo.


– Tem razão, é melhor deixarmos o trabalho de fora de

qualquer conversa que tenhamos essa noite – disse, me fazendo rir.

Killiam surgiu ao meu lado e me entregou uma taça de

espumante, enquanto segurava a própria bebida na outra mão.

– Obrigada – agradeci, segurando o copo e tomando um gole

da bebida.

Um celular apitou e Nery se mexeu no sofá, retirando o


aparelho do bolso. Um sorriso sincero se espalhou pelo rosto dele

ao ver o que estava na tela.

– Só pode ser a submissa – comentou Teodoro e havia um tom

de zombaria em sua voz.

– Sei que está com inveja, Teodoro, já disse que posso ajudar
a encontrar uma para você – disse Nery, retrucando o irmão.

Teodoro soltou uma risada enfastiante.

– Deixo essa parte doentia da família só para você – retorquiu.

– Mais doentio do que se divertir torturando pessoas? –


objetou Nery.
Meus olhos voaram para Teodoro com a afirmação do irmão

mais novo, precisei controlar o meu corpo para não demonstrar o


pânico que se instalava dentro de mim.

O silêncio recaiu na sala.

Controlando a mão para não tremer, levei o copo à boca e

tomei uns goles de espumante, mal sentindo o gosto cítrico na ponta


da língua. Meu coração retumbava em meus ouvidos como uma

melodia aterrorizante.

Killiam pousou a mão em meu ombro.

– Teodoro tem gostos... peculiares, Raika – explicou,

fulminando os irmãos –, mas eles não envolvem mocinhas


indefesas.

Deus, eu precisava procurar um psiquiatra urgentemente, tinha

certeza de que estava ficando louca e logo teria que me aposentar


por insanidade mental.

– Eu não sou uma mocinha indefesa – rebati, limpando a


garganta.

Killiam sorriu para mim.


– Ah, eu sei que não é, e adoraria mesmo ver Teodoro
enfrentar você, tenho certeza de que foge de todas as estimativas
dele.

– Podemos resolver isso, irmão – argumentou Teodoro.

Killiam se sentou no braço da minha poltrona e escorou a mão

livre na minha nuca, acariciando meu couro cabeludo. O toque


acolhedor me fez sentir vontade de descansar a cabeça contra ele,

mas me contive, não estávamos sozinhos.

– Por mais que eu acredite em Raika e tenho absoluta certeza


de que ela possivelmente atiraria em você, ninguém tocará nela

além de mim – rebateu, colando o copo aos lábios e tomando a


bebida âmbar.

– Não aprendeu ainda que Killiam é ciumento e possessivo? –

falou Stefano pela primeira vez.

Nery e Teodoro concordaram com um aceno.

Meu coração se inflou em meu peito, cheio de algo que eu não


sabia discernir, mas não era um sentimento ruim, era algo bom,

puro, como se meu subconsciente aprovasse a obsessão de Killiam.


Pisquei, desvanecendo minha mente, não era saudável ou até
mesmo benigno pensar assim.

A conversa caiu em um assunto trivial, com o passar do tempo,

Stefano também entrou no assunto, interagindo comigo vez ou


outra, como se estivesse começando a confiar em mim. Eu os

observei, analisando seus comportamentos, era estranho saber que


os mesmos homens que estavam sentados comigo, rindo e

debochando, como se fossem pessoas normais, matavam em um

piscar de olhos. Eles eram diferentes, não sabia dizer como, mas
me sentia bem estando na companhia deles. Depois que o

desconforto inicial passou, eu me senti... em casa, como se pudesse

me acostumar com isso rapidamente.

Killiam nos chamou para jantar. Segui eles até a mesa e

percebi que deixaram a cadeira ao lado direito de Killiam vazia para


mim.

– Vocês pediram a ceia de onde? – questionei, puxando um

assunto qualquer.

Não era uma ceia grandiosa como as que costumam servir no

Brasil, mas imaginava que fosse algo cultural deles.


Nery fez um barulho com a garganta.

– Killiam foi quem cozinhou – revelou, espetando o garfo em

um bife.

Girei a cabeça na direção de Killiam, uma sobrancelha

arqueada. Ele deu de ombros e serviu minha taça de espumante


que estava vazia.

– Eu gosto de cozinhar, não é como se não soubesse disso –


replicou, passando a língua nos lábios.

Fazer um prato de macarrão simples era uma coisa, agora

preparar um banquete para cinco pessoas era outra totalmente

diferente, sabia que ele gostava de cozinhar, mas não sabia o

quanto.

Killiam me surpreendia a cada dia mais, ao mesmo tempo em

que eu me lembrava que ele era um psicopata frio, ele também


parecia um humano carismático e normal.

Teodoro se engasgou com uma risada.

– Isso porque ainda não viu quando ele resolve fazer os drinks,
ele passa horas assistindo a vídeos para aprender e depois faz e
ainda força todo mundo a beber – revelou, colocando um pouco de

aspargos na boca.

– E nem sempre fica bom, ainda assim, precisamos beber o

horror – continuou Nery, estremecendo com a lembrança.

Coloquei uma mão em frente ao rosto para esconder um

sorriso que insistia em permear meus lábios. Killiam encarou os

irmãos com os olhos brilhando de raiva.

– Fico feliz que gostem das minhas bebidas, farei mais quando
voltarmos para casa – censurou ele, uma ameaça velada aos

irmãos.

Nery e Teodoro se eriçaram. Stefano riu.

– Tenho certeza de que eles estão, agora, mais animados do


que nunca para retornar – salientou Stefano.

A interação e cumplicidade entre eles era incrível, fazia um


bom tempo que eu não presenciava nada parecido. Eu tinha algo

assim com Arthur e Gabriel, mas não chegava nem perto com a que

eles tinham.
Nós terminamos o jantar conversando paralelamente, eles

riram ao lembrar de outros drinks que Killiam preparou e em como


Nery precisou jogar toda a bebida na planta e fingir que havia

tomado tudo. Dois dias depois, a planta estava morta e Killiam

percebeu a farsa. Ele ficou uma semana sem dirigir uma palavra
que fosse ao irmão caçula.

Depois do jantar, retornamos para a sala, sempre mantendo o


assunto, sem deixar que o silêncio reinasse por nem um segundo

que fosse. Fiquei no sofá com Nery enquanto Teodoro, Killiam e

Stefano foram até a cozinha procurar por mais Whisky.

– Eu gosto de você – comentou.

Olhei para ele com o cenho franzido.

– Hum... obrigada, eu também gosto de você.

Nery era leve, embora carregasse um peso por pertencer à


máfia, sentia que o temperamento e o jeito dele eram diferentes do

que o restante.

– Killiam nunca trouxe uma mulher para o nosso meio, muito

menos para comemorar o Natal – disse, baixinho.


Inclinei meu corpo em sua direção.

– Como assim? – Minha voz soou aguda.

– Percebeu que somos bem próximos? Brigamos, discutimos,

ficamos sem nos falar, mas protegeríamos uns aos outros com a
própria vida – confessou, esfregando o dedo ao redor do copo

suado, fazendo um desenho no vidro. – Nada é leve ou bonito no

meio em que nascemos, mas Killiam deu um jeito de fazer diferente,


pelo menos conosco. Ele sempre prezou pelos momentos em

família porque nunca sabemos o dia de amanhã ou o que pode nos

acontecer, por isso nunca incluiu uma mulher ou um desconhecido

nessas ocasiões, não até você chegar. – Arrastou os olhos até os


meus. – Ele sabia que ficaria sozinha, por isso preparou a ceia para

esperar você. Killiam se importa com você.

Fiquei em silêncio, não sabia o que falar, o que sentir ou como

agir. Transar com Killiam sem compromisso era algo, sabia que ele

me desejava e que tinha um sentimento de posse por mim, mas que


se importava com meu bem-estar? Isso era novo, aleatório e... não

sabia o que pensar.

– Somos inimigos... – sussurrei em um bramido.


Nery riu.

– Está tentando convencer a si mesma ou a mim?

– Somos inimigos! – afirmei, erguendo a cabeça para voltar a

encará-lo.

Nery mordeu o lábio e balançou a cabeça.

– Não são inimigos, Raika, se Killiam ao menos pensasse

assim, jamais colocaria você para dentro do território dele, muito

menos comigo e com Teodoro no mesmo ambiente, ele não arrisca

nossas vidas de jeito nenhum, é superprotetor com quem ama –


disse, fechando a boca como se estivesse se contendo de falar mais

alguma coisa – É assim que ele demonstra afeto – continuou.

Killiam, Stefano e Teodoro retornaram carregando enormes

sorrisos e uma garrafa lacrada de whisky. Eles se serviram e

brindaram à noite de Natal e à vida. Se fosse outra família, não


entenderia o contexto desse brinde, mas conhecendo tudo o que

eles faziam e o risco que corriam, compreendia bem.

Me peguei admirando-os como família, eles eram incríveis

juntos, como se um completasse o outro. Enquanto Killiam era


sarcástico, Teodoro era explosivo, Nery era calmo e Stefano o
metódico. Personalidades singulares que se complementavam.

Uma família de mafiosos, homens impiedosos e implacáveis,

que esmagavam os inimigos durante os dias, torturando e matando

sem remorso algum, os mesmos homens que comemoravam a noite

de Natal e que desfrutavam de um momento em família com carinho


e muito amor, que cozinhavam juntos e preparavam bebidas ruins

que se obrigavam a tomar.

Meu coração apertou dentro do peito, percebi que os Muccino

eram tudo o que eu esperava um dia ter com alguém. Fidelidade,

amor e esperança.

Olhei para o rosto de cada um deles, enquanto riam,


brincavam e debochavam, secando a segunda garrafa de whisky. E,

pela primeira vez em um lapso de tempo grande demais, eu me


senti sozinha.

Depois da meia-noite, trocamos abraços e felicitações. Não


senti desconforto ou inquietação ao estar nos braços de cada um

deles, eu me senti bem, me senti acolhida.


Observei o pouco movimento da rua através da janela quando
senti a presença de Killiam ao meu lado. Seus braços descansaram
em minha cintura e seu queixo em meu ombro. Os outros já haviam

ido dormir, bêbados e quase inconscientes.

– Quer dormir aqui ou vamos para o seu apartamento? –


perguntou, a voz me aquecendo da cabeça aos pés.

Descansei minhas mãos em cima dos seus braços e me

escorei para trás, aconchegando minha cabeça em seu ombro.

– Podemos ficar aqui – respondi, suspirando.

Killiam beijou minha têmpora, meu pescoço e meu ombro,

então se desvencilhou e me puxou com ele em direção ao seu


quarto.

Caminhei até a cama e me sentei na ponta dela. Killiam fechou


a porta e veio até mim, esfregando minha bochecha com os dedos.

– Obrigada por hoje, foi incrível – sussurrei, fechando os olhos,


apreciando o toque. – Não sabia que precisava de algo assim outra
vez.
Pela primeira vez em anos, me sentia feliz, completa e
satisfeita. Não estava dormindo com o coração comprimido de dor e
saudade pela minha família, eu iria dormir realizada.

– Todo mundo precisa de alguém, Raika, lamento que tenha


ficado tempo demais sozinha para perceber isso – respondeu,
esfregando o polegar nos meus lábios.

Abri os meus olhos e o encarei.

– Você não é nada parecido com o que imaginei, Killiam


Muccino.

– Não sou mais o vilão da sua história?

Balancei a cabeça.

– E alguma vez você foi?

Ele não respondeu à pergunta, apenas abriu um sorriso cheio


de significados e então se afastou.

– Tenho algo para você – disse ele, indo até a cômoda, abrindo

uma gaveta e retirando uma caixa de dentro. – Como sabe, meus


dias aqui estão contados, gostaria de deixar algo com você que a
faça lembrar da maior loucura da sua vida. – Retornou, balançando
a caixa e a depositando em meu colo. – Afinal, não é todo dia que a

caçadora dorme com a presa.

Ignorando a piadinha sugestiva, removi o top que fechava a


caixa de veludo azulado e a abri. Dentro dela havia uma pulseira de

berloque. Era linda. Com os dedos trêmulos, a removi do lugar e


observei melhor. Tinha o código penal, algemas, o símbolo do
direito, uma arma, o martelo da justiça e um triângulo com duas

cobras dentro e no meio delas a letra C.

Ergui a cabeça, lágrimas pinicavam atrás dos meus olhos.

– Ela é linda, obrigada – exprimi, a voz aguda pela emoção –,

eu não comprei nada para você – revelei, sentindo o calor da


vergonha se concentrar em meu rosto.

– A sua companhia esta noite foi o meu presente, Raika, eu e

minha família ficamos honrados por tê-la conosco. Sempre fomos só


nós quatro, foi importante ter uma pessoa a mais.

As palavras de Nery me atingiram com força, de como Killiam


era com a família e como se sentia em relação a eles. Sem saber,
Killiam havia me dado um voto de confiança esta noite e eu fui

aprovada.

Ele retirou a pulseira da minha mão e colocou em meu pulso


direito com suavidade.

– Agora tem aqui tudo o que representa você – disse,

esfregando a ponta do dedo por cada berloque até parar no do


triângulo. – E o que me representa, para que se lembre sempre de
mim – acrescentou.

Eu não era muito emotiva, mas Killiam tinha um jeito único de


me levar ao extremo, me fazer sucumbir a todo e qualquer

sentimento que ameaçasse me assolar.

Me levantei em um supetão, deixando a caixa que estava em


meu colo cair e me jogando em seus braços, inspirando o seu cheiro
e apreciando o calor do seu corpo.

Sim, eu estava irrefutavelmente perdida.


Nossas bocas se colaram em um beijo desesperado e ardente,
a língua de Killiam entrou em contato com a minha, suas mãos

vagaram pela minha cintura, apertando a pele como se quisesse me

marcar como sua.

Me deitei na cama, sentindo o colchão macio sob as minhas


costas e o puxei pelo colarinho da camiseta em minha direção,
Killiam se esparramou por cima de mim. Senti o pau duro roçar em

minha coxa e soltei um gemido que Killiam tratou de engolir.

Nossas bocas se separaram para que pudéssemos respirar,


Killiam esparramou beijos pelo meu pescoço e maxilar.

– Tão gostosa, Raika... – murmurou, correndo a mão pela

minha perna, levantando o meu vestido e tocando em minha boceta

por cima da renda fina da calcinha. – Essa bocetinha é uma


perdição.

Abri minhas pernas em automático, suplicando em silêncio


pelo seu toque. Meu vestido estava embolado em minha cintura e

meus seios parcialmente para fora do decote. Killiam estendeu uma


mão e agarrou um deles, me fazendo arquejar.

– Killiam... – Seu nome soou como um suplício em meus

lábios.

Com um dedo, ele colocou minha calcinha para o lado e

passou a mão em minha boceta exposta, espalhando minha

lubrificação.
– Eu vou te chupar – avisou, afastando-se. Killiam ficou em pé
e me observou, os olhos brilhavam em excitação. – Que visão dos

Deuses... – comentou, sorrindo maliciosamente. Ele se ajoelhou na

minha frente. – É a primeira vez que eu me ajoelho para alguém,

Raika, e estou fazendo isso para você.

– Não com o intuito de se curvar a mim, mas de me chupar –

eu disse, ficando sobre os cotovelos para observá-lo. – Então não

vale, Killiam Muccino.

Ele se aproximou um pouco mais, o sorriso sem deixar os


lábios.

– Ainda assim, nenhuma mulher ou homem nessa vida me fez

ficar de joelhos, mas você, sim, e eu fiz por livre e espontânea


vontade, mesmo que o intuito seja chupá-la.

Killiam puxou meus tornozelos, deixando minha bunda na beira

do colchão e jogou meu vestido para cima, a calcinha ainda estava

para o lado. Ele a removeu, descendo-a pelas minhas pernas e

então afastou minhas coxas, abrindo minha boceta. Ele se inclinou,

senti seu hálito em minha pele e me arrepiei por inteira, cerrando a

mandíbula com força.


– Vai assistir? – questionou, plantando um beijo na minha

perna.

– É proibido?

Ele beijou um dos lábios vaginais, passando a língua na pele


lisa.

– Não, pode assistir à vontade eu me banquetear.

Killiam esfregou a barba em meu clitóris. Me joguei para trás,


batendo com força contra a cama, soltando um gemido ruidoso. Ele

passou a barba para cima e para baixo, os pelos pinicando minha


boceta e me fazendo salivar de ansiedade para ser fodida. Então ele

me chupou com força e vontade, sugando o meu clitóris entre os


dentes.

– Porra, Killiam... – suspirei, revirando os olhos.

Ele passou a língua em toda a extensão, salivando para me


deixar ainda mais molhada. Killiam balançou o rosto, brincando

comigo, me fazendo enlouquecer. Joguei minhas mãos para baixo e


agarrei seus cabelos, implorando para que me deixasse ditar o

ritmo.
Killiam me penetrou com a língua e eu gritei, tapando a boca

com uma das mãos. Eu estava alucinada de tanto prazer.

– Ohhhh... – gemi, mordendo minha mão para tentar conter os

gemidos e não acordar ninguém no apartamento. – Deveríamos ter


ido para a minha casa – sussurrei, ofegante.

Killiam riu e eu ofeguei.

– Esqueceu que sou muito habilidoso com a boca?

Bufei.

– E muito convenci... – gorgolejei quando ele mordeu meu


clitóris, me perdendo em minhas palavras.

Ele esfregou a língua dura no nervo em movimentos vaivém,


colocando tanta pressão que senti meus ossos se desmancharem

pelo prazer. Com uma mão, Killiam puxou minha pele para cima,
expondo mais meu clitóris. A língua balançava para todos os lados,
acelerada, ágil, em um ritmo alucinante. Ele enfiou dois dedos

curvados em mim, penetrando-me enquanto me chupava.

Fechei os olhos, espremendo-os, a boca aberta para que a

respiração densa pudesse passar.


Killiam inseriu os dedos até o fundo, removendo-os e repetindo
os movimentos, e cada vez que as pontas pressionavam um lugar
em específico, estrelas explodiam em frente aos meus olhos.

O barulho molhado da sucção entoou pelos cantos, alto e claro


para que qualquer um que passasse pelo corredor pudesse supor o

que estávamos fazendo.

A língua dele, dura e decidida, balançava em meu clitóris, cada

movimento mais acelerado que o anterior, mais determinado em me


fazer gozar até perder a voz.

– Killiam... – roguei, lágrimas rolando pelos cantos dos olhos

pela onda de prazer que me invadia.

Os pelos das minhas coxas se arrepiaram.

Arquejei as costas para fora da cama.

E então eu gozei.

Caí de volta na cama, o corpo convulsionou contra o colchão


em espasmos contínuos. Mordi minha mão com tanta força que
senti o gosto metálico na boca, mas estava em um torpor gostoso

demais para me preocupar com isso.


Killiam se levantou, o rosto brilhava com a minha excitação em
cada centímetro da pele. Ele levou as mãos ao cós das calças e se
desfez delas, liberando o pau grande e duro.

– Agora eu vou te foder pelo resto da noite – disse, removendo


a camiseta pela cabeça, ficando totalmente nu.

Eu nunca me cansaria de babar nos gominhos do abdômen

trincado ou nos braços fortes e torneados. Ele era um instrumento


de guerra. As mesmas mãos que matavam e torturavam eram as

que me davam prazer.

Observei a tatuagem dentro do antebraço e esfreguei a língua

nos lábios ressecados. Ela era um lembrete do que Killiam era e ao

que ele pertencia.

E isso me deixava mais excitada. Quente. Pronta para ele.

– Talvez eu esteja satisfeita e cansada demais – zombei,

arqueando uma sobrancelha.

Killiam riu e balançou a cabeça. Ele se inclinou em cima de

mim e puxou o meu vestido com tanta força que rasgou as laterais
do tecido.
– Você nunca está cansada para sexo, amor, ama tanto ser

fodida quanto eu amo te foder.

Havia um esgar em meus lábios enquanto eu o encarava.

– Eu gostava muito desse vestido, não acredito que fez isso.

Killiam ignorou minha raiva, puxando o meu sutiã com a

mesma brutalidade de antes e se desfazendo de outra peça, me

deixando tão nua quanto ele.

– Eu compro outro – rebateu.

– Ele era antigo, não vai mais conseguir achar.

O idiota me lançou um olhar cheio de convencimento

masculino.

– Então eu mandarei fazer um só para você. – Piscou.

É claro que ele faria isso e não iria me admirar se realmente

conseguisse, não sabia se havia algo no mundo que Killiam

quisesse e não obtivesse.

– Tudo bem, estarei esperando – respondi, fazendo uma

carranca.
Killiam se deitou em cima de mim e segurou o pau com a mão,

posicionando-o para a minha entrada encharcada. Ele balançou a

ponta para cima e para baixo, brincando comigo. Mordi as


bochechas para conter um gemido quando o senti em meu clitóris

sensível depois do orgasmo e de tantos chupões.

Ele soltou uma risada, chamando a minha atenção. Os olhos

encontraram os meus, o meio-sorriso zombeteiro enfeitava os

lábios.

– Sei que está brava por causa da roupa, assim como sei que

está louca para soltar os gemidinhos que eu tanto amo, mas é

orgulhosa o suficiente para fingir que não sente nada enquanto eu


esfrego meu pau em você. – Ele se aproximou do meu ouvido para

sussurrar, a mão agarrou o meu pescoço, me assustando. – Mas

não pode mentir para mim, Raika, muito menos fingir, sinto seus
pelos arrepiados pinicarem a minha pele.

Sem mais delongas, ele inclinou os quadris e me penetrou sem

aviso. Ofeguei, puxando as costas para fora do colchão, os olhos

arregalados, os lábios entreabertos.


– Seu corpo anseia pelo meu pau, ama quando o fodo com

brutalidade – continuou, mordendo um ponto no meu pescoço que


me fez gritar de êxtase. – Agora eu vou te comer com tanta vontade,

Raika, que nunca mais vai tentar fingir que não sente nada.

Enrolei as mãos em punho nos lençóis com as ondas de prazer

enquanto Killiam me fodia com rapidez. Os quadris dele bombearam

em mim, me penetrando e saindo, repetindo os movimentos vaivém.

O barulho da junção dos nossos corpos repercutiu, como uma

melodia da nossa união, elevada e rítmica.

Joguei a cabeça para cima e rolei os olhos, ensandecida.

– Ohhhh... Killiam... – choraminguei, abrindo as pernas até o

limite.

Killiam me invadiu, enchendo minha boceta até o limiar,

estocando o pau fundo, as bolas batiam em minha bunda a cada


inserção.

Ele gemeu; eu retribuí.

– Porra! – grunhiu, batendo os dentes.


Em um movimento brusco, Killiam saiu de dentro de mim e me

virou de bruços na cama, empinando a minha bunda para cima e se

acomodando atrás de mim.

– Gosta mesmo dessa posição... – comentei, trôpega.

Senti a risada dele na minha lombar antes de um beijo ser

depositado.

– Se soubesse a vista privilegiada que eu tenho, também iria

querer transar só nessa posição – falou, a ponta do pau tocando em

mim, procurando a entrada. – Essa bunda arrebitada sendo


preenchida por mim.

Killiam estocou, me penetrando e alcançando uma

profundidade pela posição que não conseguia anteriormente. Grudei

o rosto nos lençóis, abafando meus gritos e gemidos, enquanto

Killiam me fodia com tanta intensidade que eu estava à beira de ter


outro orgasmo.

Senti uma das mãos dele em minha barriga enquanto a outra


agarrou os meus cabelos. Os dedos de Killiam começaram a

massagear o meu clitóris em movimentos circulares. Meu corpo

sacolejava para frente a cada golpe dos seus quadris.


– Goza, Raika, quero sentir essa bocetinha enforcando o meu

pau – murmurou, gemendo quando o pau saiu para me preencher


de novo.

Meus seios roçaram na cama, densos, sensíveis pelo prazer.


Killiam fodeu meu clitóris com os dedos, pressionando e girando.

Ele se balançava para frente e para trás, o pau entrando e saindo,

me preenchendo de um jeito único e arrebatador.

Gozei outra vez, me desmanchando por inteira, suor escorria

pelas minhas costas, nuca e testa. Meu corpo trepidava,


enfraquecido.

– Caralho, mulher! – rosnou.

Killiam saiu de mim e me virou de barriga para cima, o pau


estava duro e todo lambuzado, meu gozo e nossa excitação brilhava

ao redor do membro conforme ele se mexia.

– Já cansou? Pensei que durasse mais do que isso – brinquei,

soltando um suspiro exausto e satisfeito.

– Quero te comer com calma, apreciar cada centímetro desse

corpo, me deleitar – falou, acomodando-se em cima de mim.


Killiam juntou nossas bocas, me beijando enquanto me
penetrava com calma e lentidão. Senti cada centímetro do pau

entrando, prolongado e arrastado. Era diferente, não havia urgência

ou brutalidade, havia carinho e... amor?

Gememos juntos quando ele chegou ao fundo e então saiu

para repetir o movimento. A mão de Killiam segurou minha nuca, me


puxando para si, aprofundando o beijo, nossas línguas duelando.

Killiam não estava me fodendo, ele estava fazendo amor


comigo.

Meu coração se comprimiu.

Foi tão intenso, forte e arrebatador. Diferente de tudo ou


qualquer coisa que eu já tive. Verdadeiro e cheio de significados

ocultos.

– Killiam – roguei seu nome quando nossos lábios se


descolaram, não era como um gemido ou uma súplica.

– Raika – respondeu, acariciando minha bochecha com a


ponta dos dedos.

Ele me fodeu.
Intenso e solene.

Nossos olhos se conectaram, encaramo-nos enquanto Killiam


me fazia tomar todo o seu pau, batendo os quadris contra os meus.

Foi tão arrebatador que não me aguentei, não precisei de


nenhum estímulo além das estocadas para gozar.

Lágrimas brotaram em meus olhos enquanto eu explodia em


outro orgasmo, trêmula e enfraquecida. Killiam me acompanhou,

liberando o gozo dentro de mim, minando minha boceta. Senti seus


músculos relaxarem, enquanto ele trepidava em prazer.

Ele se jogou ao meu lado, suspirando, e passou uma mão

pelos cabelos suados, puxando-os para trás.

– Quer um banho? – perguntou, estremecendo.

Me virei de lado e me aconcheguei contra ele, inspirando


profundamente seu cheiro masculino, passei a ponta do indicador

pelo seu abdômen, dedilhando os gominhos.

– Eu preciso de um pouco de descanso, Killiam, me fez ter três


orgasmos, estou dolorida e cansada – refutei, a voz trêmula.
A risada dele balançou os meus cabelos.

– E quem disse que é algo além do banho?

Bufei.

– Nunca é só um banho, não com você.

Killiam curvou os lábios em um meio-sorriso divertido.

– Prometo me comportar e só foder você se estiver se sentindo


menos dolorida.

– E quanto ao “vou te foder a noite inteira”? – perguntei,

fazendo aspas com os dedos de uma mão.

Ele exalou, levantando-se da cama e me puxando com ele,


mesmo diante dos meus protestos.

– Vem, Raika, pare de enrolar, os olhos já estão pesados pelo

sono, vamos tomar um banho para que possa descansar.

Minhas pernas estavam gelatinosas, era difícil me firmar depois


de ter me desmanchado tantas vezes em prazer. Killiam segurou

minha cintura, me firmando.


– E desde quando se preocupa comigo, senhor mafioso? –
debochei.

Não havia sorriso zombeteiro no rosto de Killiam quando ele


me encarou, tampouco parecia entrar na brincadeira. Ele afastou os
meus cabelos que estavam colados no rosto suado e descansou a

mão na curva do meu maxilar.

– Eu me preocupo com você, não é um objeto de foda ou


alguém que eu passe o tempo e ponto final, embora pense o
contrário – afirmou, sério, com um esgar de desaprovação nos

lábios. – Agora vamos para o banho.

Mordi o lábio inferior, nervosa, o coração espancava minha

caixa torácica com força. E, mais uma vez, meu estômago


borbulhou como se estivesse com mil borboletas dentro dele.
Percebi que era algo que Killiam causava em mim, um efeito que só

ele tinha o poder de fazer.

Acompanhei-o para o banheiro, sem pensar em mais nada, só

sentindo o torpor pós-sexo e o sentimento conturbado e inexplicável

em meu coração.
O vestido branco de alças finas que eu usava acentuava as
curvas do meu corpo, era colado à pele e o comprimento ficava

acima dos joelhos. Quando eu me movimentava, ele brilhava

furtivamente. Os saltos eram em prata, assim como a bolsa


transversal.
Meus cabelos estavam soltos, não tinha feito nada elaborado,

mas carreguei na maquiagem, máscara de cílios pesada e batom


vermelho colorindo os lábios.

Sim, eu só queria paz para o ano que se iniciaria. Para uma

policial, era o mais importante. Queria que o novo ano fosse calmo e

nada conturbado como o anterior.

Killiam faria um jantar especial em seu iate, seria algo privado


para a família e amigos próximos, no caso, eu.

Agradeci ao Uber que me levou até o embarcadouro e desci do


carro, sentindo uma agitação em meu estômago. Não importava

quanto tempo eu passasse com eles, sempre me sentia assim


quando estava prestes a encontrá-los.

Percorri o deck com a respiração acelerada, meus saltos

faziam um barulho oco ao golpear a madeira. O barulho das ondas

quebrando na areia e do vento que açoitava meus cabelos me fez

estremecer levemente. Ao longe, podia ouvir uma melodia baixinha,

não passava de um sussurro permeando o ar e sabia que pertencia

ao barco de Killiam.
As luzes do iate estavam acesas, iluminando o mar e os
barcos que estavam na volta. Respirei fundo uma última vez antes

de me amparar nas cordas laterais e subir, cuidando para que meus

saltos não ficassem presos entre os vincos das madeiras e eu

corresse o risco de cair na água, isso seria uma péssima forma de

iniciar um novo ano.

As lembranças da minha primeira vez no iate me alvejaram,

Killiam e eu fodemos como dois coelhos no cio, como se o mundo lá


fora não importasse ou simplesmente tivesse parado de girar para

nos esperar. Bom... eu não me arrependia de absolutamente nada

que tinha feito.

Percorri a lateral e cheguei ao convés. Killiam conversava com

um homem desconhecido. Ele estava usando calças de terno azul,

uma camisa branca com alguns botões abertos no colarinho e as

mangas dobradas até os cotovelos. Os cabelos estavam


bagunçados pelo vento.

Meu coração deu um solavanco em meu peito com a visão

deslumbrante. Ele era magnífico e eu adorava quando se vestia de


um jeito mais despojado, deixava-o parecendo mais jovem, mais

leve.
Stefano, Nery e Teodoro estavam sentados em um dos sofás

de canto, bebendo e conversando.

Pigarreei, avisando sobre a minha presença e me aproximei

lentamente de Killiam.

Os olhos do mafioso correram em minha direção. Ele me

encarou com tanta intensidade que eu senti o ar parar em meus


pulmões. Killiam me analisou da cabeça aos pés, uma sobrancelha
arqueada, um brilho ferino no olhar, então largou o copo em uma

mesa de centro e caminhou até mim, descansando as mãos em


cada lado da minha cintura.

– Você está deslumbrante... – comentou, inclinando-se e

plantando um beijo em meu pescoço. – Se algum dia eu vi algo mais


lindo, desconheço.

Um sorriso bobo se espalhou pelo meu rosto.

– Não precisa me elogiar para me foder, pode fazer isso sem

precisar fingir – retruquei, sussurrando contra o seu ouvido.

Eu sabia que ele dizia a verdade, não eram só em palavras

que demonstrava o quanto se sentia deslumbrado comigo, mas com


o olhar, porém, não perderia a oportunidade de provocá-lo e nada

mais irritava Killiam do que colocar sua opinião em pauta.

– Que bom que está me provocando no último dia do ano,

Raika, eu quero mesmo começar o novo ano fodendo você.

Os cabelos da minha nuca se arrepiaram com a devassidão

das palavras dele e eu precisei trincar a mandíbula para evitar


estremecer em sua frente e demonstrar o quanto me senti atingida.

Killiam se afastou e pousou a mão em minha lombar, me

conduzindo até o restante das pessoas.

– Esse é Caio Diniz... um amigo – disse, à guisa de

apresentações.

Encarei o homem desconhecido, o nome dele retumbava em


minha mente como um alerta. Ele tinha os cabelos loiros e olhos

verdes, se vestia de forma informal: camiseta branca de algodão,


calças jeans e tênis. As tatuagens coloridas no pescoço se perdiam

pela gola da camiseta, dando a entender que todo o torço era


coberto pela tinta. E havia um risco em uma das sobrancelhas,

assim como uma marca de objeto cortante em sua têmpora, estava


cicatrizado, mas servia como lembrança de algo em que se
envolveu e saiu machucado.

Limpei a garganta.

– Olá! – cumprimentei-o, estendendo a mão.

Caio me analisou, franzindo o cenho e semicerrando os olhos


por uns segundos antes de me entregar a sua mão em

cumprimento.

– Olá – disse, somente.

Havia algo muito estranho com esse homem e por alguma


razão, sentia que o conhecia de algum lugar, mas não sabia dizer de

onde. Óbvio que eu investigaria o nome dele, caso fosse verdadeiro,


na primeira oportunidade que tivesse.

Killiam me puxou mais contra si.

– Venha, Nery e Teodoro estão loucos para conversar com

você – disse, me conduzindo até os irmãos.

Outro tópico que era estranho, Killiam convidou o


desconhecido para esse jantar, mas, ainda assim, parecia me
querer longe dele, por qual motivo? A minha veia policial pulsava
com tanta força que se eu estivesse em outro lugar, estaria
acessando o sistema da delegacia só para pesquisar sobre Caio.

Nery abriu um sorriso resplandecente quando me viu.

– Eu tenho algo para você – disse, pegando uma garrafa de

rum do lado – Nada melhor do que começar o ano tomando um shot

de rum de uma garrafa que custa vinte mil dólares.

Arregalei os olhos e comprimi os lábios.

– O jeito que vocês gastam dinheiro com coisas

desnecessárias e inúteis é diferente – zombei.

Nery abriu a boca como se estivesse muito ofendido.

– Tenho absoluta certeza que vai mudar de opinião assim que

tomar o seu shot – afirmou, enchendo o pequeno copo e o

entregando a mim – A propósito, feliz Ano Novo.

– Obrigada. – Sorri, recolhendo o copo da sua mão e o

erguendo em um brinde silencioso, antes de virar o líquido. O gosto


era doce e suave e eu podia sentir o alto nível de teor alcóolico que

carregava. – Hum... – murmurei.


– Então? – perguntou, ansioso com a minha resposta.

Franzi os lábios e entreguei o copo de volta para ele.

– É bom, mas não vale o dinheiro que foi pago.

Nery espalmou a mão no peito.

– Você não entende nada mesmo sobre os prazeres da vida –


gracejou, servindo outro copo de rum para ele e bebendo, fazendo

um barulho com a garganta. – Isso vale muito mais do que simples

vinte mil dólares, não consegue notar em como as notas adocicadas


envolvem a língua?

Revirei meus olhos.

– Ah, sim, realmente, desculpa ofender esse manjar dos

Deuses – zombei, apontando para a garrafa.

Teodoro riu da carranca que surgiu no rosto de Nery e

balançou a cabeça, espalmando a mão no ombro do irmão.

– Não importa o que diga, Nery tem um hábito incomum de

gastar dinheiro com bebidas – revelou, encarando-me. – E isso


porque ainda não viu as garrafas de Whisky que ele costuma

comprar.

Nery bufou.

– Àquelas que você toma comigo e que agora está falando


como se fossem desnecessárias? – objetou, arqueando uma

sobrancelha escura.

Teodoro ponderou.

– Sim, essas mesmas – confirmou.

Soltei uma gargalhada quando olhei para Nery e notei o esgar


em seus lábios e em como ele fulminava o irmão com ódio mortal, o

mafioso se sentia mesmo ofendido quando falavam mal dos seus

gostos extravagantes e peculiares.

Me sentei ao lado de Teodoro, na ponta do banco, e cruzei os

braços enquanto os ouvia discutir ainda sobre as bebidas. Nery era


enfático ao falar que nunca mais deixaria que o irmão tomasse um

gole delas que fosse, enquanto Teodoro retrucava, zombando e

rindo, como se isso nunca fosse acontecer, de fato.


Me peguei sorrindo, sentia falta de ter isso em festas

comemorativas, era sempre tão vazio e sozinho os finais de ano


para mim. Filmes, sofá e gordices.

Gostava da cumplicidade deles e percebia o quanto estavam


sempre em alerta, mesmo em momentos como o de agora. Mas

sabia que fazia parte de quem eram e da criação que tiveram, o que

não me incomodava nem um pouco, como policial, também era


obrigada a viver assim.

Nery me estendeu a garrafa de rum. Franzi a testa, encarando-


o de esguelha.

– Vai no gargalo, vamos acabar com ela hoje mesmo, o copo

era só pra parecer para você que somos pessoas decentes.

Engasguei-me com uma risada estrangulada.

– Bem... hum... obrigada – agradeci, recolhendo a garrafa.

Era irônico, já que eles jamais iriam parecer pessoas decentes

aos meus olhos, pois eu sabia o que faziam, mas, mesmo assim,
eles tentavam e era isso que importava e era isso que me fazia

gostar deles, mais e mais, a cada dia que passava.


Tomei o rum e estendi para Teodoro que bebeu e entregou

para o irmão. Stefano havia se afastado, seguido Killiam e Caio para

algum lugar do iate que não podíamos ver.

Me sentia feliz com eles, mais do que já estive nos últimos

anos.
– Fiquei sabendo que está tocando o terror – comentou Caio.

Estávamos na parte dianteira do iate, não queria que Raika

ouvisse nossa conversa, menos ainda que ficasse tempo o

suficiente na presença do homem. Ela era esperta e sagaz,

portanto, não confiava nela e nem nele, que odiava policiais com
todas as forças e os matava sem pensar duas vezes. Óbvio que ele

não tocaria em Raika, eu o dizimaria antes mesmo que cogitasse a

ideia.

Caio era um traficante procurado pela polícia, estava foragido

há pelo menos oito anos, respondia por tráfico de drogas e


homicídio. Ele trabalhava para o Los Zetas, saiu do Brasil fugindo

pela Argentina, mas retornou para tentar ajudar a controlar as

apreensões que o Cartel estava sofrendo.

Sorvi um gole do meu whisky e encarei a escuridão do mar que

nos cercava, analisando o reflexo que a luz da lua causava nas


águas profundas.
– O que falaram? – perguntei, sem encará-lo.

Caio soltou uma risada irônica.

– Cinco homens castrados porque demonstraram interesse em

uma certa policial brasileira... – murmurou, tomando a própria


bebida antes de continuar. – Pensei que fossem fofocas

descabidas... até hoje.

O submundo estava em pânico, decidindo se eram boatos ou

fatos, enquanto a filmagem se espalhava a cada dia mais,

alcançando mais e mais pessoas.

Não precisava me explicar, nem para ele e para ninguém.

Raika era minha e ninguém mudaria o fato. Sabia que logo eu teria
que me afastar dela, mas havia me apegado a garota de um jeito

um pouco doentio e não faria isso enquanto não tivesse certeza de


que ela ficaria segura no Brasil.

– Sugiro que pare de pensar no que está pensando ou entrará

para estas estatísticas – ameacei, lançando-lhe um olhar enviesado.

Caio ergueu uma das mãos em sinal de rendição.


– Longe de mim mexer com a sua garota, só disse o que ouvi
falar – retorquiu.

– Tem notícias do Mamba-negra? Preciso saber se ele já


encontrou o informante, meu tempo no Brasil está se estendendo

demais.

Caio acenou negativamente.

– Não sei de nada, só estou no Brasil de passagem, vim ver se

descobria algo com meus contatos e pretendo partir o quanto antes,


ainda mais agora que a policial sabe o meu nome verdadeiro, não
quero correr o risco de ser preso.

– Faz tanto tempo que está foragido, Caio, que a polícia nem
lembra mais da sua existência – zombei e ouvi a risada de Stefano
do lugar no escuro mais afastado em que nos aguardava.

– Seu cão de caça não confia em mim? – provocou Caio,

apontando com o queixo na direção do meu consigliere.

Um dos cantos dos meus lábios se curvou em um sorriso.

– Eu não faria isso se fosse você, Caio, Stefano não é piedoso


com as suas vítimas e depois desse insulto, se ele decidisse matar
você, eu não iria interferir.

Caio era arrogante demais para uma só pessoa, ele não


conseguia entender qual era a sua posição nesse meio, menos

ainda, parecia aceitá-la. Ele não passava de um traficantezinho de


merda, mas que era inteligente o suficiente para salvar a própria
pele.

– Tudo bem, me desculpem, prometo não ofender mais

ninguém.

Virei o copo de whisky na boca, terminando o conteúdo.

– Claro que não fará, se falar assim do meu consigliere de

novo, ou de qualquer um dos meus homens, estará morto em um


piscar de olhos – disse, piscando para ele. – Agora, deixe-me

encontrar minha garota, quero ter uma boa virada de ano e isso
significa estar com ela.

Me virei e comecei a me afastar quando ouvi a voz de caio.

– Por que me trouxe até aqui?

– Espalhe mais boatos sobre mim para os seus contatos, diga

o quanto estou sendo impiedoso com os interessados por Raika,


aumente o medo – respondi, sem me virar.

– Mas isso não são boatos, você soltou mesmo o terror sobre

os homens.

Sorri incisivamente.

– Sim, é um fato, mas nada se espalha mais do que os boatos,

Caio, aprenda a entrar no jogo.

Ouvi a risada de Raika e dos meus irmãos antes de chegar ao


convés. Ela estava sentada no sofá ao lado de Teodoro e Nery, eles
dividiam a garrafa de rum e pareciam bem bêbados, rindo para o

céu escuro.

Cruzei os braços e admirei a cena.

Eu me acostumaria fácil com a presença da garota ao nosso


meio, ela era como a luz que iluminava a nossa escuridão. Teodoro

e Nery aprenderam a adorar a garota, assim como eu.

Se Raika fosse outra pessoa qualquer, eu a tomaria para mim


e como minha, mas as coisas não eram tão fáceis assim. Eu sentiria

falta dela, de tudo o que ela era e representava. Raika havia se


infiltrado em mim.
De uma mera obsessão para algo mais.

Esperava esquecê-la com o tempo, mas guardaria as

lembranças da aventura que vivemos. Eu, nascido e criado na


máfia, me envolvendo com uma policial regida pela justiça e vontade

de fazer do mundo um lugar diferente. Raika representava tudo o


que eu mais desprezava; e eu representava tudo o que ela odiava,
ainda assim, encontramos uma brecha para fazer esse pequeno

romance dar certo.

Não acreditava em destino ou em todas essas porcarias que

tentavam vender, mas sentia que o que aconteceu entre nós, era

pra ser.
Me perguntava se Killiam era estúpido demais ou se já
confiava cegamente em mim, o que não deveria, claro.

A virada de ano foi perfeita, me diverti muito com Nery e

Teodoro e acabei desmaiando na cama de Killiam sem ver mais

nada. Acordei no outro dia com uma ressaca enorme e a vontade


iminente de nunca mais tomar rum na minha vida. Enfim, eu sentiria
falta deles quando fossem embora e não gostava nem mesmo de

pensar nisso, estava ciente que aconteceria, mas preferia evitar a


verdade.

Passei a semana inteira de olho no apartamento de Killiam, em

quem entrava e saía. Ele me mataria quando soubesse quais eram

as minhas intenções, mas não poderia me julgar por uma tolice que
ele mesmo havia cometido.

Estávamos envolvidos?

Sim.

Estávamos do mesmo lado?

Não.

Portanto, isso significava que eu precisava fazer o meu

trabalho, não importava sob que circunstâncias. Não era corrompida

e nem faria parte das estatísticas dos policiais que se corromperam.

Espiei pelo olho mágico outra vez, eu nem mesmo respirava,


com medo que fizesse algum barulho que chamasse a atenção dos

homens de Killiam.
Não estava espionando o apartamento, mas sim, quem sairia
lá de dentro a qualquer momento. Também não tinha um plano

formulado, mas esperava que desse certo o que quer que a minha

cabeça pensasse na hora.

Meu coração zunia com força e o sangue corria pelas minhas

veias em velocidade máxima. A adrenalina estava no pico e eu

precisava soltar o ar pelo nariz com calma para que não

demonstrasse o pavor que sentia.

Na melhor das hipóteses, Killiam me mataria; na pior... que


Deus tivesse piedade de mim, porque o mafioso certamente não

teria.

Ouvi o barulho do outro lado e corri para espiar, o objeto do


meu desejo saiu do apartamento de Killiam e foi até o elevador.

Assim que a porta se fechou, abri a minha e fingi parecer que estava

saindo de casa normalmente.

Segurei a bolsa rente ao corpo e parei ao lado de Caio,

esperando o elevador. Ele me lançou um olhar enviesado, sentia um

pouco de desdém da parte dele comigo.


– Olá, Raika, como vai? – disse, encarando o painel digital dos

andares.

– Olá, Caio, estou bem, e você? – Minha voz soou normal e

indiferente.

Ele não respondeu, a educação comigo havia chegado ao fim.

Olhei para o lado me sentindo apreensiva, o elevador precisava


chegar logo para que saíssemos do prédio, Killiam não podia me
ver, muito menos me acompanhar.

Controlei a iminente vontade de bater o pé no chão em aflição.


Comprimi os lábios e cruzei os braços em frente ao corpo,
esperando.

– Vai para o trabalho? – perguntou Caio, puxando assunto.

– Tenho que encontrar uns amigos – disse, e não era uma

mentira.

O elevador finalmente abriu as portas, chegando ao nosso

andar. Estava vazio. Caio e eu entramos juntos. Ele pressionou o


botão do térreo e me lançou um olhar questionador, fiz um sinal

afirmativo.
– Killiam não sente ciúmes desses tais “amigos”? – Fez aspas

com os dedos.

Sorri.

– Não sabia que meu relacionamento com Killiam era da sua


conta ou da conta de alguém – objetei, arqueando uma sobrancelha.

Caio encolheu os ombros.

– Me preocupo com meu amigo.

– Então pergunte para ele.

Não acreditava nessa amizade toda, Killiam não parecia tão à


vontade com o traficante como era com os irmãos e Stefano. Caio

era muito sagaz, não era atoa que estava foragido por todos esses
anos. Contudo, eu sabia lidar muito bem com pessoas como ele.

O elevador chegou ao térreo e nós saímos de dentro dele,


percorrendo o rol de entrada até a porta de saída. Caio parou e me
lançou um sorriso.

– Foi um prazer encontrar você outra vez – disse e não obteve


resposta, como havia feito comigo minutos mais cedo.
Esperei uns segundos, mexendo na bolsa em busca do celular.
Caio deixou o prédio e dobrou à esquina, descontraidamente, como
se não fosse a porra de um foragido.

Um.

Dois.

Três.

Tirei o distintivo da bolsa, destravei a arma no coldre da cintura


e segurei as algemas em uma mão. Deixei o edifício correndo,

agora ninguém mais poderia me parar, nem mesmo Killiam. Dobrei a


esquina e vi Caio caminhando pela rua em passos lentos,

analisando o ambiente ao redor. Ele não fazia ideia de que seus


dias de liberdade estavam prestes a terminar.

– Caio Diniz – chamei. Ele se virou com uma lentidão


exagerada e me encarou com um vinco na testa. – Você está sendo
preso em flagrante.

Ele deu um passo para trás, os olhos arregalados em completo


terror. Então deu outro e outro, percebi o exato momento em que ele
cogitava fugir. Saquei a arma da minha cintura e apontei para ele,
erguendo uma sobrancelha.

– Não estou brincando, sugiro que fique onde está – sibilei.

Caio engoliu em seco, o pomo-de-adão subindo e descendo.


Havia um ódio tão profundo em seu olhar que precisei manter a

calma para não mostrar medo ou insegurança.

– Killiam vai matar você – grunhiu, franzindo o nariz de raiva.

Bufei.

– Ele pode tentar, então será preso por tentativa de homicídio.

– Caminhei até ele, puxei suas mãos com força em frente ao corpo,

fincando as unhas na pele para que me obedecesse e então fechei

as algemas ao redor dos pulsos.

– Sua vadia de merda.

Encarei-o, sorrindo.

– Está equivocado... – murmurei, zombeteiramente. – Sou a

vadia de merda que prendeu você. – Pisquei.


Eu odiava quando falavam comigo dessa maneira, mas não

poderia chutá-lo no meio da rua, infelizmente, e essa era a sorte


dele, caso contrário, estaria chorando no chão com o pau

esmagado.

– Eu vou matar você! – disse, cuspindo. – Matei outros

policiais, você entrará para a minha lista... – Calou-se com o soco

que acertei em seu nariz. O osso estalou e eu senti a pele afundar


com o impacto da minha mão. – Sua puta!

Revirei os olhos e massageei minha mão, o sangue manchava


a boca dele e o nariz estava em uma posição bem... estranha, para

dizer o mínimo.

– Não acredito que quebrou o nariz dele – disse Arthur,

parando ao meu lado direito.

– E nós perdemos toda a porra da diversão – choramingou

Gabriel ao meu lado esquerdo.

Guardei a arma de volta ao coldre e dei de ombros.

– Ele tentou fugir, foi preciso contê-lo – menti.

Arthur e Gabriel me olharam com sarcasmo e descrédito.


– Caio Diniz, ninguém vai acreditar que ele finalmente foi

capturado – comentou Arthur, olhando para Caio da cabeça aos

pés.

Caio mantinha as mãos algemadas firmes no nariz quebrado, o

sangue que pingava manchava a camiseta clara. Os olhos verdes


estavam cobertos por lágrimas de dor e ele mantinha o olhar de ódio

fixo em mim, como se só eu e ele existíssemos no mundo e não

precisava ser nenhum gênio para captar que ele planejava a minha

morte, lenta e dolorosa, mas, para a infelicidade dele, isso jamais


aconteceria.

Eu não o tinha reconhecido de início, quando foi visto pela


última vez há tantos anos, Caio tinha cabelos pretos e olhos

castanhos, e ele era bem mais jovem e sem tatuagens, o que

significava que os olhos verdes eram lentes e os cabelos loiros eram


tingidos. O maior erro deles foi ter falado o nome verdadeiro e não

mais uma das réplicas que deve ter usado ao longo dos anos.

Caio estava na lista de foragidos a tanto tempo que eu

entendia o embasbacamento de Arthur e Gabriel com a prisão dele,

ele era um maldito assassino a sangue frio. Matou três policiais, fora
o tráfico de drogas.
– Seus dias estão contados... – afirmou, a voz rouca de dor.

Arthur avançou e o agarrou pela nuca, induzindo-o em direção

a viatura.

– Vamos levar o idiota para o hospital e depois para a estadia

dele pelos próximos anos – vociferou. – Seu hotel 5 estrelas está

esperando – zombou, jogando-o no banco traseiro do carro.

Eu ri e Gabriel me acompanhou.

O trabalho tinha sido feito.

Todos ficaram em alvoroço quando descobriram sobre a prisão


de Caio Diniz. Ele era muito odiado pela maioria dos policiais que o

conhecia ou já tinha ouvido falar sobre ele.

Caio escondia em suas costas a tatuagem de palhaços, cada

um deles representava cada um dos policiais que ele matou. Era

uma chacota, um desdém para as vidas que tirou.


Deixei o presídio, sorrindo feito boba por ter sido a responsável

por isso. Me sentia vingada pelos homens que foram mortos pelas

mãos dele e pelas famílias que sofriam até hoje as suas perdas.

Meu celular vibrou dentro da bolsa, o recolhi e vi o número de

Killiam piscar na tela. Eu não precisava atender para saber qual

seria o teor da conversa, ainda assim, meu sorriso se ampliou e


meu coração acelerou.

– Já está com saudade? – perguntei, fingindo inocência.

Um grunhido soou do outro lado da linha, ouvia a respiração


dele densa. Killiam estava possesso de raiva.

– Você me traiu – acusou. – Pensei que pudesse confiar em

você.

Conseguia visualizá-lo, tinha certeza de que estava andando

de um lado para o outro com o celular no ouvido, furioso. Os olhos

deveriam estar brilhando de raiva, a veia no pescoço pulsando e o

vinco na testa visível.

– Está equivocado, nunca prometi fidelidade a você.

– Não brinque comigo, Raika! – gritou.


– Não estou brincando, Killiam, mas estarmos transando não

significa que estou do seu lado ou que trabalho para você. Trabalho
para a União, Caio era um foragido da justiça. Fiz o que tinha que

ser feito.

– Se você fizer isso mais uma vez...

Revirei os olhos.

– Vai fazer o quê? Me matar? – zombei. Essa era uma


conversa antiga, recorrente e muito entediante.

O sol se escondia no horizonte, dando lugar para a lua. A brisa


gélida do fim de tarde me atingiu, arrepiando os pelos dos meus

braços desnudos.

Killiam praguejou.

–  Sei que tem um instinto suicida, pois parece que quer que
eu, de fato, mate você, mas isso não vai acontecer Raika, lamento

informá-la.

– É mesmo, então o que me aguarda?


Por uns segundos, houve apenas o silêncio do outro lado.
Sabia que Killiam ainda estava presente pelo ruir da sua respiração.

– Vou te foder tanto que não vai mais conseguir sair de casa e

assim vai parar de se meter nos meus negócios – afirmou, por fim.

Tossi uma risada.

– Essa ameaça era para me fazer ceder ou me instigar a

continuar?

Ele não respondeu, ele simplesmente desligou o telefone na

minha cara. A linha ficou muda, sem sinal algum do outro lado. Tirei

o celular do ouvido e encarei a tela, boquiaberta que ele encerrou

mesmo a ligação. Pelo visto, Killiam estava mais furioso do que eu


pensava. Talvez ele e Caio fossem mesmo amigos.

Enfim, não me importava e não me preocupava nem um pouco


com isso, estava feliz demais para me deixar abalar com o humor
amargo de Killiam. Não tivemos mais denúncias, por consequência,

não ocorreram mais operações para efetuar apreensões e isso


tornava o serviço entediante.
Caio era um assassino de policiais e Killiam deveria saber
disso, ainda assim, me colocou no mesmo ambiente que àquele
maldito e me apresentou para ele, como se fosse uma pessoa

qualquer.

Verifiquei o aplicativo do Uber e chamei um carro.

Havia efetuado a maior prisão da minha carreira, nada me

deixaria zangada ou cabisbaixa hoje, muito menos Killiam.


Senti uma contração em meu estômago quando o Uber me
largou em frente ao meu apartamento. Ansiedade e aflição me

definiam. Tinha certeza de que não entraria em meu apartamento,

Killiam me interceptaria no corredor.

Poderia ir para outro lugar e evitar o encontro, mas eu sentia


uma necessidade absurda e sadomasoquista para saber o que ele
faria comigo.

Cumprimentei o porteiro e subi pelas escadas de incêndio,

evitando o elevador. Estava aflita demais para ficar parada por uns
segundos, precisava me movimentar e subir vários lances de

escadas ajudaria a gastar energia.

A pulseira que Killiam me deu de Natal fazia barulho a cada

degrau, como se fosse um aviso da tempestade que estava por vir.


Depois de uns minutos, minha respiração ficou pesada, suor cobria

as minhas costas e já não era mais tão boa ideia ir pelas escadas.

Empurrei as portas de incêndio que sinalizavam para o meu

andar e me agachei, espalmando as mãos nos joelhos e respirando


com dificuldade. Eu precisava urgentemente começar a ter uma vida

mais saudável, eu era uma vergonha para a minha geração.

Observei o corredor em busca de qualquer sinal de Killiam,

mas ele parecia silencioso e vazio. Não havia nada além de mim e

da extensa passagem iluminada de portas fechadas. Achava

improvável que Killiam não fosse me punir ou não viesse atrás de

mim, portanto, talvez estivesse esperando o elevador apitar.


Arrumei minha postura e voltei a caminhar em passos
delicados e silenciosos, arrastei os pés sobre o piso de mármore

claro, os cabelos dos meus braços e nuca completamente

arrepiados. Lancei um olhar para a porta de Killiam, o coração

socando meu peito com força, esperava que ele surgisse a qualquer

momento, mas nada aconteceu.

Me direcionei para o meu apartamento, retirei as chaves da

bolsa e tive um pouco de dificuldade em encaixá-las por conta das


mãos trêmulas. Abri a porta e entrei em um movimento só, soltando

a respiração que nem havia percebido que estava presa.

Escorei a testa contra a madeira firme e soltei um suspiro.

Consegui chegar em casa sem ter sido interceptada por Killiam e

seu péssimo humor.

Senti o cano da arma em minha cabeça antes que o cheiro de

Killiam flutuasse até o meu nariz.

Engoli em seco.

O pânico se instalou em minhas veias como gelo. Me mantive

imóvel, intrépida. O cano gelado da arma pressionava meus

cabelos, firme, mas não o suficiente para machucar.


– Pensou que se livraria de mim, Raika? – sussurrou ao pé do

meu ouvido.

Ele pressionou as costas contra as minhas, me preenchendo

contra a porta. A escuridão do apartamento se derramava sobre


nós, misturando-se com o caos de Killiam.

Espalmei as mãos na madeira e soltei a respiração pelo nariz,


precisava me acalmar, não queria demonstrar que eu estava
nervosa e morrendo de medo. Embora dissesse que Killiam não me

assustava, sabia que era mentira, conhecia o seu lado bom, assim
como conhecia o seu pior lado, o lado que esmagava os inimigos

sem dó e nem piedade.

– Vai me matar? – perguntei, a voz soando rouca e aguda.

Killiam riu, o peito sacolejando em minhas costas, a arma

bagunçando os meus cabelos, ainda grudada em meu crânio.

– Eu disse que te foderia, e é isso que eu vim fazer aqui, amor

– murmurou, meu apelido soando depreciativo em sua língua. – Eu


não perdoo traidores, Raika, não mantenho meu império ao lado de

traidores, mas sim, caminhando sobre o sangue deles, pisando em


seus cadáveres.
Mordi o lábio inferior com força e pressionei meus olhos.

– Não sou uma traidora, não faço parte da sua família,


tampouco sou um dos seus homens, portanto, não respondo ordens

a você.

Killiam mordeu a curva do meu pescoço, me fazendo

estremecer.

– Não deixa de ser traidora. – Segurou a minha nuca com


força, pressionando meu rosto de lado contra a porta. – Estava

dentro da minha casa, no seio da minha famiglia.

Soltei um grunhido de raiva, minha bochecha esmagada contra

a madeira, limitando minhas falas.

– E o que faz de você, então? Me apresentou para um


assassino de policiais, mesmo sabendo quem eu sou e o que ele

representa para mim.

– Ele nunca ofereceu risco para você, acha mesmo que

continuaria vivo se esse fosse o caso? – vociferou, o hálito batendo


na pele fina do meu rosto. – Me traiu, Raika, obteve a informação

estando dentro da minha casa e a usou a seu favor.


Tentei me desvencilhar do aperto dele sem sucesso algum,
Killiam era forte e parecia uma pedra irremovível com o corpo
pressionando o meu.

– Ah, me desculpe, esqueci que só você pode me matar ou me


tocar, que relapso da minha parte ter esquecido essa informação.

Ele me soltou abruptamente, afastando-se dois passos, como


se tivesse sido atingido com as minhas palavras. Estendi a mão

para o interruptor ao lado da porta e acendi as luzes, encarando-o.

– Posso me defender sozinha de qualquer um, inclusive de


você! – Apontei o dedo em riste em sua direção. – Caio disse que

me mataria e terminou a noite com o nariz quebrado.

Os olhos de Killiam faiscaram de raiva.

– Ele ameaçou você? – Semicerrou os olhos, aproximando-se


novamente.

Fiz que sim com a cabeça.

– O idiota está preso, não vai fazer nada além de padecer na


cadeia pelos próximos anos.
Killiam era uma bagunça bonita, a camisa branca estava com
os primeiros botões abertos, mostrando a pele dura do peitoral
definido e as mangas dobradas até os cotovelos, fazendo a

tatuagem da Camorra reluzir conforme mexia os braços. Os cabelos


eram uma confusão de mechas fora do lugar. E ele parecia, além de

furioso, exausto.

Ele piscou, um vinco de raiva surgiu no meio da testa, então

avançou em minha direção e agarrou o meu pescoço com força, não

limitava a passagem de ar, mas era possessivo de um jeito que


deixou minhas pernas bambas.

– Nunca, absolutamente, nunca, alguém vai ameaçar você e

ficar vivo para contar a história, amor – sussurrou, beijando meus

lábios.

– Só você? – soprei em um murmúrio.

Um sorriso incisivo se espalhou pelos seus lábios, cheio de

promessas sombrias e imorais.

– Você aprende rapidinho – retrucou, esfregando a língua na

curva do meu maxilar, seguindo um rastro até o meu pescoço.


A tensão do ar se tornou mais densa, sórdida. Pressionei as

coxas uma contra a outra, calor insidioso se concentrando em meu


estômago, fazendo minha boceta pulsar.

– Agora, amor, vai aprender a nunca mais me trair – grunhiu, a

mão livre voando ao cós do meu jeans e o abrindo com tanta

brusquidão que o botão voou longe. – Não que vá ter outra

oportunidade.

Colei as costas na porta quando os lábios de Killiam tomaram

os meus com tanta brutalidade que fez todo o ar dos meus pulmões
se esvair. A língua dele invadiu a minha boca, não era carinhoso ou

romântico, era carnal, rude e grosseiro. Finquei as unhas nos

ombros dele, aprofundando o beijo.

Ele era um sádico e eu era uma sadista.

Killiam abaixou as minhas calças, descendo-as pelas minhas

pernas até os tornozelos, sem interromper o beijo. Chutei o ar com


força, me livrando delas de uma vez por todas e me desfazendo

também dos tênis.

Ele soltou a minha boca e desceu os beijos ínvidos pelo meu

pescoço e colo, chupando, lambendo, mordendo. Agarrei as lapelas


da sua camisa, puxando-o para mim, como se fosse possível fundir

os nossos corpos.

– Você é uma bomba atômica, Raika, será a minha ruína se eu

permitir – sussurrou contra a minha pele, pressionando os dentes

até deixar a sua marca. – Caio não era uma ameaça a você, se ele
fosse, estaria morto antes mesmo de pensar em fazer qualquer

coisa – revelou, espalmando uma mão ao lado da minha cabeça. –

Como acontecerá, já que ele ousou ameaçá-la.

Um esgar se formou em meus lábios.

– Negativo, agora que nós finalmente conseguimos prendê-lo,

você não irá matá-lo – objetei.

Depois de anos atrás do maldito, sem pistas ou qualquer

resquício do paradeiro, ele é preso e Killiam quer simplesmente

acabar com a vida dele? Seria uma injustiça do caralho!

Killiam não se deu nem mesmo o trabalho de responder, ele

apenas abriu um sorriso que dizia muitas coisas, menos que


concordava comigo. Ele pressionou a arma contra os meus seios,

desenhando-os com a ponta do cano.


Prendi a respiração.

– O que vai fazer? – perguntei, a voz tão fraca que não passou

de um bramido.

Ele continuou desenhando o meu corpo com o cano da arma,

descendo pelo meu abdômen até a borda da camiseta. Estremeci

quando senti o cano gelado em minha pele.

– Killiam... – murmurei, fechando as mãos em punho em sua


camisa.

Ele continuou em silêncio, a arma passeou pela minha coxa. O


dedo dele estava no gatilho, uma ameaça silenciosa de que poderia

atirar em mim a qualquer momento, mas eu era sadomasoquista

demais para sentir medo.

– Eu disse que haveria punição pelo que fez – afirmou.

Killiam enganchou o dedo na lateral da minha calcinha e puxou

com força, arrebentando o elástico fino do cós. A baby look preta

que eu vestia roçava em minha pele sensível e meus seios


pareciam pesados demais dentro do sutiã. O distintivo pendurado

em meu pescoço era outro incômodo, mas eu não conseguia


discernir o suficiente para removê-lo, estava aturdida demais, o

medo e a excitação duelando com o que quer que ele estivesse

prestes a fazer.

Ele pressionou a ponta da arma na minha boceta. Arregalei os

olhos e me segurei contra ele.

– Killiam, que porra? – crispei.

A risada rouca dele retumbou no ar, retesei os músculos das

costas contra a porta.

Com o cano gelado, Killiam esfregou a arma em meu clitóris,

para cima e para baixo, lambuzando-a com a minha lubrificação e


me masturbando ao mesmo tempo.

Finquei as unhas em seus ombros e cedi, abrindo mais as


pernas. Killiam se aproximou de mim, a mão que segurava a arma

assumindo um ritmo preciso, estimulando meu clitóris.

Era a coisa mais insana e excitante que eu já fiz.

Puxei o meio da sua camisa, arrancando alguns botões e


espalmei as mãos em seu peito, dedilhando os gominhos, descendo

até o cós do jeans preto. Colei a cabeça contra a porta e soltei um


gemido quando Killiam começou a fazer movimentos circulares com

a arma.

– Céus... – gemi alto.

Tateei as calças de Killiam em busca do botão, abrindo-o com

desespero. Senti o tecido macio da boxer, a ponta do pau duro o

pressionando para frente. Empurrei a calça e a boxer para baixo, até


o meio das coxas, liberando o pau duro feito pedra.

Pressionei o polegar na cabeça lambuzada, esfregando a

glande com a sua própria excitação.

Killiam estremeceu e a mandíbula estalou.

Lambuzei a minha mão com a excitação dele, sujando toda a


palma antes de fechá-la em punho ao redor do pau e começar a

masturbá-lo, movendo-o para cima e para baixo.

– Eu tenho muitos planos para você, Raika – sibilou,

afundando os dentes na carne do meu pescoço.

Eu gritei, arrepios de dor e prazer atravessaram o meu corpo,

fraquejando as minhas pernas. Killiam continuou esfregando o cano

da arma no meu clitóris, ele resvalava com facilidade por conta de


toda a minha excitação. O cheiro do sexo flutuou pelo ar. Os meus
gemidos aumentaram, entoando pela sala do meu apartamento.

– Killiam... por favor... – choraminguei.

Como se fosse possível, abri mais as pernas, evidenciando


meu clitóris, deixando-o mais acessível. Killiam puxou o gatilho da

arma, sem interromper os movimentos vaivém.

– Sua traidorazinha... – comentou, lambendo o ponto onde

havia mordido. – Não vai derramar sangue sobre minha arma, mas

vai gozar sobre ela.

Aumentei o ritmo em seu pau, puxando-o para cima e para

baixo com agilidade e rapidez. O membro estava duro sobre a


minha mão, tão excitado e pronto para me foder.

Comecei a me remexer, inquieta, sentia a onda de prazer se


concentrando em meu abdômen. O gozo se aproximando, prestes a
me levar ao precipício.

– Vamos, Raika... goza pra mim... – murmurou, mordendo o


lóbulo da minha orelha.
Killiam esfregou o cano da arma em minha boceta, o gelo do
alumínio forjado contrastando com o calor da minha pele. Ele
massageou o clitóris com uma pressão deliciosa, o atrito do cano

duro contra o nervo sensível e inchado me fez estremecer e contrair


os músculos das coxas. Mordi o lábio inferior e soltei um suspiro
trêmulo pelo nariz. Fechei os olhos, uma mão em seu pau e a outra

pressionando sua camisa.

Eu gozei tão forte que Killiam precisou pressionar o corpo


contra o meu, me impedindo de cair no chão. Meu corpo trepidava,
os espasmos atravessando os meus músculos e me deixando

completamente relaxada. O gozo escorria pelas minhas coxas.

Killiam puxou a arma para cima, o brilho da minha excitação


revestia o cano fino, reluzindo contra a tinta preta. Ele a levou até os

lábios, colocou a língua para fora e lambeu, me provando em sua


arma.

– Sempre deliciosa... – comentou, os olhos brilhando de


excitação. – Agora, ajoelha e me chupa! – ordenou.

Engoli para molhar a garganta seca, ainda me sentia um pouco


trôpega pós-orgasmo, mas fiz como ele disse. Com as pernas
bambas, me ajoelhei à sua frente, o pau estendido bateu em minha
bochecha.

– Seja boazinha, Raika... – zombou, me olhando de cima.

Abri um sorriso incisivo, desafiando-o.

– Me fodeu com uma arma, farei o que eu bem entender –


retruquei.

Lambi a cabeça vermelha, provando, pela primeira vez, o seu

gosto. Passei a língua por todo o topo, experimentando a textura,


pressionando o buraquinho. Salivei, lubrificando mais, então enfiei o
pau na boca, engolindo-o até onde conseguia. Killiam gorgolejou um

palavrão ininteligível e agarrou os meus cabelos com uma das


mãos.

– Porra, Raika! – grunhiu, cerrando a mandíbula e fazendo o

osso estalar.

Engoli o pau de Killiam até a metade, que era o máximo que eu


conseguia, ele era um homem muito viril e tinha certeza de que
sabia disso, mas o pau era do tamanho do ego dele, ambos inflados
demais, por isso, eu jamais admitiria em voz alta que o pau dele era
grande pra caramba.

Tirei o pau da boca e o engoli de novo, esfregando a língua a


cada sucção. Fechei a mão em punho no topo e alinhei a
masturbação com o boquete.

Os barulhos que Killiam fazia com a garganta me arrepiavam

da cabeça aos pés, era incrível ter um homem poderoso e cruel


como ele, gemendo e totalmente entregue a mim.

Deslizei para trás e para a frente com o pau na minha boca,


acelerando a cada estocada. O músculo da minha mandíbula
começou a doer, tenso pela pressão que eu fazia para engolir o pau

de Killiam. Senti o gosto dele permear a minha língua, salgado e


espesso. Passei a língua pela extensão, sentindo a textura das
veias ao longo do pau, então chupei as bolas, removendo um

grunhido de aprovação da boca dele.

– Sua maldita! – rosnou, me puxando pelos cabelos e me


arrancando do chão antes que eu pudesse colocar o pau na boca de

novo. – Eu vou foder essa boceta, quero gozar dentro dela – avisou,
me direcionando até o sofá.
Killiam me curvou contra o encosto, deixando a minha bunda

para cima e meus pés pendentes no ar. Pressionei as almofadas,


me segurando contra elas no momento em que senti seu pau na
minha entrada, então, com um movimento brusco, ele me penetrou.

– Ohhh... – gemi, retesando-me.

Ele estocou, movimentando os quadris em vaivém.

– Nunca mais vai me enganar, Raika, nunca mais! – sibilou, me

fodendo.

Bruto.

Rude.

Rápido.

Meu corpo arremessava para a frente a cada invasão, o


barulho dos nossos quadris se chocando soava tão alto que achei

ser possível alguém nos ouvir transando do corredor.

– Vai ter que me foder muitas vezes se acha que assim vai
conseguir a minha submissão – murmurei, entredentes. Killiam me
invadiu uma, duas, três vezes... –, eu nunca vou me submeter a
você!

Ele entrelaçou a mão em meu pescoço, puxando minha


cabeça para cima e se inclinou sobre mim, sem parar de me foder

por nem um segundo que fosse.

– Você se ajoelhou para mim hoje, mulher, não se esqueça


disso – grunhiu.

Soltei uma risada insípida.

– Assim como você, estamos quites – retruquei.

Eu estava melada, molhada do gozo e da excitação de ter tido


o meu clitóris fodido por uma arma, e agora, de ser fodida contra o

sofá. Killiam se afundou em minha boceta, cada vez mais fundo,


cada vez mais bruto, como se sentisse a necessidade de me punir
de alguma forma.

Ele agarrou um dos meus seios, beliscando o mamilo entre os


dedos. Arqueei as costas, choramingando.

Killiam jogou o corpo contra o meu, se afundando em mim.


Senti cada centímetro do pau robusto me preencher, até a ponta,
então sair para repetir os movimentos.

– Você é uma coisinha traiçoeira, Raika – ciciou, pressionando


meus ombros para baixo no sofá, arrebitando ainda mais os meus

quadris.

– E você... é cruel!

Ele estocou, acertando com a nova posição um lugar profundo,

específico, dentro de mim. A primeira estocada me deixou arrepiada


e de olhos arregalados. Então ele crispou para a frente de novo, e
eu gritei, apertando as almofadas do sofá com tanta força que os

vincos das minhas mãos ficaram embranquecidos.

– Isso... grita pra mim, Raika, quero que todos saibam o quanto
essa boceta gosta de sentir o meu pau, de ser fodida por mim. –

Agarrou os meus cabelos de maneira pujante, o que fez o couro-


cabeludo arder.

Ele me penetrou. Eu estremeci, gritando.

Killiam deslizou todo o pau pela minha boceta, as bolas

bateram na minha bunda.


Eu me desfiz no orgasmo mais alucinante da minha vida, eu
chorava, enquanto sofria espasmos violentos.

– Maldita, está me sufocando... que delícia... – grunhiu Killiam.

Ele se desmanchou dentro de mim, me acompanhando, me


enchendo com o seu gozo. Senti seus pelos arrepiados roçar em
minha pele, causando cosquinhas. Killiam trepidava, desfazendo-se

em prazer.

Fechei os olhos e soltei um suspiro profundo, relaxada e muito

satisfeita. Meu clitóris estava sensível e minha boceta dolorida


depois de todo o sexo bruto que tivemos.

Killiam plantou um beijo em minhas costas nuas.

– Vamos tomar um banho e depois pedir alguma coisa para

comer – disse, me puxando para cima e me colocando de pé no


chão. – Estou faminto.

Arqueei uma sobrancelha.

– Já esgotou as energias... que rápido – zombei, passando a

ponta da unha no peitoral dele.


Killiam me puxou para si, pressionando os nossos corpos,

sentia os nossos orgasmos escorrer pelas minhas pernas,


desenhando um rastro entre as minhas coxas.

– Eu posso te foder no banho ou até mesmo aqui, se quiser –

ofereceu, sorrindo.

Balancei a cabeça.

– Preciso de um banho, estou suada e gozada – retesei-me,

me desfazendo do seu aperto.

Killiam curvou os lábios em um sorriso.

– E marcada como minha, amor – disse, tocando em um ponto


sensível no meu pescoço.

A mordida.

Revirei os olhos e bufei.

– Precisa mais do que isso pra me marcar como sua, Killiam


Muccino – objetei, ficando na ponta dos pés e plantando um vasto
beijo em seus lábios retesados de desgosto.
Ele riu e não respondeu a minha provocação, mas me
acompanhou em direção ao banheiro.

Essa era uma disputa árdua e que, no momento, nenhum de

nós estávamos com energia o suficiente para enfrentar.


Meu celular vibrou em cima da mesa de centro, lancei um olhar

para a tela, reconhecendo o número e, antes mesmo de atender,

sabendo exatamente sobre o que se trataria a conversa.

Girei o copo de whisky na mão direita, o gelo tilintou contra o

vidro.
O aparelho continuava a vibrar, a tela piscava, dançando em

frente aos meus olhos, mas me mantive inerte, sem vontade alguma
de atender a ligação.

Eu estava apegado demais a Raika, mais do que pensei que

estivesse. Sabia que sentia algo pela garota, que ela importava para

mim, mas não sabia o quanto.

Suspirei pesadamente e me inclinei para a frente, recolhendo o


telefone inquieto e atendendo a ligação.

– Sim? – falei, sorvendo um gole de whisky.

A bebida queimava em meu esôfago, aliviando a sensação

incômoda e alucinante em meu peito.

– Killiam Muccino, trago boas notícias... – murmurou Mamba-

negra do outro lado da ligação. Fiquei em silêncio, então ele


continuou. – Encontrei o informante.

Não era uma novidade, desconfiava que isso tivesse

acontecido, já que Raika nunca mais havia apreendido nenhuma

das minhas drogas. As últimas três cargas passaram tranquilamente


pelas fronteiras e seguiram o seu rumo até a comercialização, sem
interrupções.

– E fez o quê? – perguntei, esvaziando o líquido âmbar do

copo.

– Fiz o que era preciso – argumentou, a respiração ruindo

contra o autofalante –, já resolvi o problema e as últimas cargas não

foram apreendidas, o que significa que já pode voltar para casa,

está tudo em ordem nos nossos negócios.

Eu sabia disso, assim como sabia que já poderia ter voltado,

mas estava postergando o momento. Acontece que tinha chegado a

hora de partir, como o chefe da famiglia, precisava entender quais

eram os meus deveres e resolver toda a parte suja que envolvia a


máfia. Alguns membros mais velhos e de famílias importantes

dentro da máfia estavam inquietos com a minha ausência, exalando

burburinhos a meu respeito. Óbvio que quem começou com as

fofocas estaria morto assim que eu retornasse, esses velhos

anacrônicos precisavam entender quem é que mandava e a quem

deveriam obedecer.
– E quanto aos outros policiais corruptos? – perguntei,

soltando o copo vazio no encosto da poltrona e passando uma mão


nos cabelos.

– Sabe muito bem que esse tipo de informação é guardado a


sete chaves, afinal de contas, não queremos perder o nosso

contato, mas não importa quem são, não há mais informantes


internos, portanto, sem apreensões de drogas.

Soltei uma exalação.

– E quanto a Raika, o que estão falando sobre ela no


submundo? – inquiri.

Eu sabia qual seria a resposta, mas sentia uma necessidade


absurda de confirmação. Precisava saber que iria embora deixando
Raika segura. Ela se envolveu com gente grande e perigosa nesse

jogo de bancar a justiceira, não iria embora enquanto não tivesse


certeza de que ficaria bem e inacessível para qualquer um dos

homens que quisessem lhe fazer mal.

A risada de Mamba-negra retumbou, fazendo cócegas em meu

ouvido.
– Você caçou, castrou e deixou em estado vegetativo sete

homens pelo simples fato de que mostraram interesse nela, Killiam,


o submundo está um caos, proibiram até mesmo de falar o nome de

Raika com medo da sua fúria – disse, um tom de zombaria na voz. –


Não se preocupe com a garota, nenhum homem do submundo vai

ousar chegar perto dela, além do mais, posso pedir para que os
meus contatos no Brasil fiquem de olho nela, garantindo a sua
segurança.

Raika e eu tivemos um envolvimento ardente e proibido, sentia


que ela tinha cavado demais em meu peito, muito mais do que eu

imaginava. Seria uma decisão difícil abandoná-la, mas não podia


levá-la comigo à força e sabia que ela jamais iria por livre e

espontânea vontade. Raika amava e admirava a profissão acima de


tudo, não concordaria em abandonar a carreira e me seguir
cegamente e eu nunca iria impor isso a ela.

Acontece que éramos de mundos muito diferentes, inimigos


por lei. Nosso relacionamento estava fadado ao fracasso desde o

início e nada do que fizéssemos poderia mudar este fato.

Eu gostava de Raika, mais do que deveria e mais do que


imaginava, mas precisaria aprender a desgostar, a esquecê-la. Ela
era uma garota incrível, merecia uma vida longa e feliz, algo que eu
não poderia oferecer a ela, não sem quebrá-la no processo.

Raika queria construir uma família, assim como amava a

profissão, ela queria uma vida completa e unânime, unindo as duas


coisas. E eu não seria o homem que ofereceria isso a ela, porque eu

jamais poderia dar ambos.

– Tudo bem – respondi, finalmente. – Avise a seus contatos

que estou partindo amanhã para Nova York, preciso colocar ordem
na minha famiglia e lembrá-los quem manda em todos.

– Boa sorte com essa merda burocrática – debochou,

assobiando. – Enquanto não houver informante dentro do Cartel, as


drogas permanecerão intactas, assim como imagino que Alejandro
tenha encontrado o meu informante dentro da Jalisco, já que eu

nunca mais obtive contato com ele.

Alejandro e Mamba-negra eram inimigos mortais, os Cartéis

disputavam território há anos e muitas mortes haviam sucedido


desta guerra entre eles. Sem o informante dentro da Jalisco,

Mamba-negra não tinha como denunciar a localização das drogas


deles, deixando-os no prejuízo como fizeram conosco.
Por um lado, me sentia aliviado por isso, Raika não teria
drogas para apreender sem denúncias, assim, não se envolveria em
problemas. Os informantes de ambos os lados dentro dos Cartéis

haviam sido pegos, a paz reinaria novamente por um longo tempo.

– Diga para seus contatos manterem Raika em segurança e

com as patas bem longe dela ou eu mesmo virei ao Brasil para


castrá-los – avisei, prestes a encerrar a ligação.

– Pode deixar, sua garota estará segura na sua ausência.

A ligação foi encerrada, às informações já haviam sido

repassadas e não tinha mais nada a ser feito. Meus negócios com

Mamba-negra voltariam ao normal e eu retornaria para Nova York,

para o berço da máfia, e continuaria comandando o crime, como


sempre fiz.

Joguei o celular no sofá da frente e apoiei o queixo no punho,

suspirando.

Sorri com a ironia de como isso parecia e de como eu me

sentia.
Eu era impiedoso, matava, torturava e esquartejava sem

pestanejar. Me sentia inalcançável, como se sentimentos fossem


mundanos demais para um homem como eu. Mas estava enganado.

E descobri isso com uma jovem policial muito perspicaz e teimosa.

Meu relacionamento com Raika era quente.

Proibido e indecoroso.

Fogo puro e líquido.

E queimou rápido demais.

Mas me fez descobrir que, até mesmo um coração frio,

abandonado e cruel, poderia bater com vigor...

... por uma única pessoa específica.

Eu não procurava um ressignificado para a minha vida, muito

menos clemência para os meus pecados. Eu era quem era e fazia o

que fazia, sem culpa, sem ressentimentos, sem piedade.

Não poderia mudar por Raika, nem por ninguém, e era

justamente por este motivo que eu representava tudo o que ela


repudiava, ainda assim, ela me marcou, e, sem perceber, me
quebrou no processo, porque era assim que eu me sentia ao ter que

deixá-la.
Terminei de preparar o meu miojo e corri para a frente da

televisão, estava assistindo a uma comédia romântica muito fofa e


queria terminar antes de ir dormir.

Não vi Killiam quando cheguei do trabalho e nem quando saí


para ir trabalhar, não que fosse algo incomum. Killiam era um pouco

bipolar, às vezes ele aparecia e resolvia que me faria companhia,

como sumia e ficava uns dois dias sem falar comigo, aparecendo só
para dormir ao meu lado, uma rotina gostosa que tínhamos entrado

sem perceber.

Terminei de comer o meu miojo e coloquei o prato ao lado,

cruzei as pernas e me escorei contra o sofá que eu tinha sido fodida

uma semana atrás, as lembranças ainda me aqueciam por dentro.

Estava concentrada demais na televisão quando ouvi a

campainha tocar, entoando pelo torpor em que eu me encontrava.


Um sorriso sincero e espontâneo curvou os meus lábios.
Levantei-me do sofá em um só movimento, o coração agitado

dentro do peito, ávida pela companhia que meu corpo já ansiava

sem que eu percebesse.

Corri até a porta, mas parei, ajeitando o meu pijama curto e

arrumando os meus cabelos. Era ridículo, eu sabia, considerando

que Killiam já havia me visto de tantas formas, dentre elas, algumas


constrangedoras, mas eu não conseguia controlar, era mais forte do

que eu.

Abri a porta e segurei o ar com a visão que se sucedeu.

Killiam estava com os cabelos bagunçados, a camisa para fora

da calça com alguns botões abertos e os cabelos revoltos. Tinha

marcas arroxeadas debaixo dos olhos e o semblante estava


taciturno.

Incrível e lindo.

Ele me olhou da cabeça aos pés, os olhos brilharam ao notar

nos shorts preto extremamente curto e colado ao corpo do meu


pijama e na blusa que fazia par com ele.

– Oi – murmurei, à guisa de cumprimento.


Killiam colocou as mãos nos bolsos da frente da calça de

terno, havia uma certa tensão ao seu redor, podia notar isso pela
contração dos músculos dos seus ombros e na veia do pescoço que

pulsava.

– Oi – respondeu, comprimindo os lábios.

Dei um passo para o lado e puxei a porta para trás, liberando a


passagem. Killiam fez um singelo aceno com a cabeça e passou,

entrando em meu apartamento. Os olhos dele correram pela sala,

desde o prato de miojo vazio até o filme que passava na televisão.

– Esse é mesmo seu programa noturno favorito, não é? –


comentou, caminhando até o sofá e se sentando na ponta contrária

a que eu estava.

Fechei a porta e o segui, sorrindo amplamente com a

constatação óbvia que ele fez.

– Eu meio que já me acostumei – disse, me sentando e

cruzando as pernas, descansando o queixo no joelho. – Quando se

é sozinha, não há muitas coisas produtivas e divertidas para se

fazer.
E era verdade, eu só tinha eu e eu mesma como companhia, o
barulho da televisão me acalmava, era como se eu estivesse na

companhia de alguém; e de quebra, me divertia, pois eu passava as

horas concentrada assistindo ao filme e nem via o tempo passar.

Ele colocou a língua para fora e lambeu os lábios ressecados,

acompanhei cada mísero movimento da língua com os olhos


afiados.

– Então, o que devo a honra da sua companhia? – perguntei,


entrelaçando as mãos.

Nossa rotina era sempre a mesma, às vezes Killiam vinha só

para me fazer companhia, então desfrutávamos da presença um do

outro, dividíamos a minha cama e no outro dia eu acordava sozinha,


mas com o cheiro dele em meus lençóis. Outras vezes nós

jantávamos juntos, depois transávamos, dormíamos juntos e


dividíamos o café da manhã, ou eu ia para o apartamento dele e já
aproveitava a companhia de Nery e Teodoro. Eram rotinas gostosas

e que eu tinha me acostumado perfeitamente. Desde que Killiam


entrou na minha vida, eu nunca mais tinha me sentido sozinha, eu
só me sentia... feliz.
– Estou indo embora, Raika... – revelou, comprimindo os
lábios.

Senti um gosto amargo na ponta da língua e uma dor aguda


em meu peito assim que ele fechou a boca. Precisei arrumar a

postura, jogando as costas contra o encosto do sofá para absorver o


baque da notícia.

– Qua-quando? – gaguejei, a voz rouca e trêmula.

As lágrimas atrás dos meus olhos ameaçavam se soltar.


Pisquei, afastando-as, não queria e não iria chorar na frente dele.

Killiam suspirou.

– Amanhã – confessou, esfregando uma mão nos cabelos,

bagunçando-os ainda mais. – Tenho coisas para resolver em casa,


meus homens precisam de mim, já fiquei muito tempo longe.

Precisei me concentrar na televisão para afastar a vontade

absurda de chorar, eu sabia que Killiam iria embora, então porque,


ainda assim, estava doendo tanto?

Quando eu pensava qual era o conceito de dor, lembrava do


que senti ao perder os meus pais e depois ao perder a minha avó,
por isso levar um tiro não me assustava tanto em meu trabalho,
entendia que a dor emocional era bem mais profunda, muito mais
intensa do que a dor física. E depois de ter sentido ela no fundo do

meu ímpeto, de ter sido quebrada e remendada, sozinha, achei que


nada mais me abalaria.

Mas como a vida era uma maldita filha da mãe, eu estava

enganada.

Doía tanto que me deixava sem ar. Tanto que me fazia lembrar
como era ter um coração partido, arrancado do peito.

Era horrível, deplorável.

Sofrido.

Limpei a garganta, os olhos fixos na televisão, não queria


encarar Killiam, não quando eu poderia desmoronar a qualquer

instante.

– Bom..., foi legal enquanto durou – fiz um gesto com as mãos


indicando nós dois – isso aqui.

Precisava tratar essa relação com indiferença, até conseguir

me convencer de que era exatamente isso, que não importava, que


eu não tinha mais nada para quebrar, não depois de tudo o que me
aconteceu.

– Já garanti que fique em segurança, você se meteu com


gente perigosa demais, Raika, por favor, tente se preservar, tente
não sucumbir a esse instinto de justiça que domina você – pediu,

esfregando as mãos uma contra a outra.

Engoli bem fundo a onda que ameaçava me assolar, que


comprimia o meu peito até esmagar o coração tão afetado e encarei
Killiam, juntando toda a força que eu tinha para segurar o choro.

– Obrigada – agradeci, a voz mais aguda que o normal.

Ele estava afetado, podia tentar parecer indiferente, assim


como também estava fazendo, mas conseguia ver em seus olhos a

agonia por estar indo embora, por estar acabando o relacionamento


atípico que começamos.

– Eu vou lembrar de você, Raika, sempre terei lembranças

suas – ciciou, estendendo o braço e segurando a minha mão.

A palma quente contra a minha, me causava aflição, agonia de


saber que seria a última vez que eu sentiria o calor do seu corpo,
que eu tocaria nele. Um dia fomos apenas amantes, mas hoje, sabia

que tínhamos nos tornado mais do que isso.

Eu me importava com Killiam, mesmo quando não deveria;

Eu tinha me apaixonado por ele.

Tinha me apaixonado pelo mafioso que eu queria caçar.

Se fosse em outra ocasião, eu riria, parecia que a minha vida


tinha se tornado um dos contos de fada da Disney. A idiota da
protagonista que queria fazer justiça e que acabou se apaixonando

pelo vilão da história, muito inteligente, claro.

– Não é como se fosse uma surpresa – eu disse, tentando


remover a minha mão da de Killiam e sendo impedida por ele –,
você ia embora e isso era um fato, levamos estilos de vidas muito

diferentes, e, além do mais, nunca deixamos de ser inimigos, eu luto


a favor da lei e trabalho para combater a criminalidade, já você a

representa.

Eu nem sabia mais se me considerava uma agente da justiça,


tinha quebrado tantas regras que me achava uma criminosa. Vi
homens serem mortos e me mantive calada, sabia a autoria do
assassinato, e, ainda assim, não contei para ninguém. Mas eu
precisava, necessitava, pensar o contrário. Afinal, se eu não tivesse
mais a minha profissão para amar e lutar, então qual era o propósito

da minha vida? Eu não tinha nada e nem ninguém, a não ser a


minha arma e o meu distintivo.

Killiam bufou.

– Digo e repito, nunca fui o seu inimigo... – afirmou,

silenciando-se, como se estivesse decidindo continuar ou não com o


assunto. – Abra os olhos, Raika, pare de julgar as aparências, às
vezes, o mal está bem à sua frente.

Respirei com dificuldade, puxando o ar para os meus pulmões.

– O que você quer dizer com isso?

– Quero dizer que seus colegas policiais não são completos


mocinhos como eu não sou um completo vilão – falou, levantando-

se do sofá. – A mais nas pessoas do que um distintivo, Raika.

Ele se aproximou de mim e se inclinou, plantando um beijo


longo e vasto no meio da minha testa. Inspirei fundo, inalando seu
cheiro, sorvendo-o como se fosse possível tatuar em meu cérebro
para não esquecê-lo.

–  É uma mulher incrível, foi um prazer conhecer você –

murmurou, o hálito balançando os cabelos da minha testa.

– Você também é incrível, Killiam, seus irmão têm sorte em ter


você.

Killiam se afastou e me lançou um último olhar, demorando-se


em cada parte do meu corpo, como se estivesse tentando decorar
na mente, assim como eu fiz com o seu cheiro. Ele fez um sinal

positivo de cabeça, então girou nos calcanhares e encaminhou-se


até a porta, deixando o meu apartamento para trás.

Eu fiquei parada no mesmo lugar, imóvel, abatida.

Havia uma dor profunda concentrada em meu peito, tão ácida

que me machucava profundamente. Um soluço se desprendeu dos


meus lábios, depois outro e outro. As lágrimas mancharam minhas
bochechas, deixando um rastro, pingando em meu pescoço e

molhando a minha roupa.


Eu sentiria falta dele, falta da rotina que criamos, sentiria até
mesmo falta de Teodoro, Nery e Stefano.

Levei a mão até o meu rosto e limpei um pouco das lágrimas


em minha bochecha para que novas se acumulassem no local. Eu
estava trêmula, os soluços transpassaram pelos meus lábios e meu

peito subia e descia sucessivamente.

Ergui os olhos para a televisão, o filme ainda rodava, agora


adiantado, o roteiro perdido entre o ponto em que eu parei de

assistir até o minuto em que estava. Parecia ridículo, as vozes não


me agradavam mais e eu não sentia vontade de rir com as piadas
sem-graça.

Era tão solitário, tão triste e recluso.

Limpei mais lágrimas que insistiram em sair, funguei e me


levantei do sofá.

A solidão não era um sentimento, era uma situação, eu já tinha

aprendido a me acostumar com ela, poderia fazer de novo. Eu


gostava da minha própria companhia, vivia muito bem comigo
mesma. Só estava assim por causa do coração partido, tinha me

apegado a Killiam mais do que deveria, era isso.


Um dia encontraria um homem que me fizesse queimar, que

me fizesse arder como brasas flamejantes, como Killiam fizera,


então eu o esqueceria, retesando para o fundo da minha memória o
romance proibido que eu vivi com o mafioso.

Resiliência, era isso que me governava.


Arrastei meus pés até a sala da delegacia, Arthur e Gabriel já
estavam em suas cadeiras; o primeiro, mexia em seu celular com os

pés escorado na mesa e o corpo jogado para trás, enquanto o

segundo digitava furtivamente no computador, descontraído demais,


o que significava que estava jogando.
Era culpa do tédio e da operação frustrada, não tínhamos

recebido nenhuma denúncia que fosse sobre drogas, portanto, sem


apreensões, sem provas e processo arquivado.

Coloquei a bolsa em cima da mesa e me joguei contra a

cadeira, descansando as mãos cruzadas em cima da minha barriga

e soltando um pesado suspiro.

Arthur me lançou um olhar enviesado.

– Eu sei que está triste com a operação, mas precisava se

sentir tão mórbida assim? – zombou, franzindo os lábios em um


sorriso. – Precisamos de vinte e cinco anos em efetivo exercício de

cargo policial, ou seja, tempo demais ainda para nos aposentar e


muitas novas operações pela frente.

Concordei com um singelo aceno de cabeça.

As lembranças do corredor vazio me alvejaram, a porta do

outro lado parecia tão fria sem a presença da família Muccino, como

se eu pudesse sentir a carência do calor humano que vinha de

dentro do apartamento. Não ouvia barulho ou ruído, só o silêncio

opressor.
Era como se Killiam nunca tivesse estado no local, como se
não existisse.

Embora parecesse e eu me sentisse assim, sabia que era uma

mentira, ele tinha me marcado tão profundamente que, nem mesmo

se eu quisesse, poderia ter sido só parte dos meus sonhos mais

sórdidos.

Então eu ignorei a porta e segui adiante até o elevador, com o

coração em pedaços e muito machucado.

Abri um sorriso que não chegou aos olhos.

– Eu sei, nós vamos seguir em frente, como sempre fazemos –

murmurei, ligando o meu computador.

Se eu estivesse triste por causa da operação, minha vida

estaria tão mais fácil. Mas como eu poderia explicar para os meus

colegas que eu não só transei com um mafioso, como também fiz a


proeza de me apaixonar? Eu era uma piada para a profissão. Seria

cômico se não fosse trágico.

– Acho que nós precisamos de uma festa – comentou Gabriel,

virando-se para mim e arregalando os olhos ao me encarar. – Está


mesmo na merda.

Fiz uma careta.

– Nossa, obrigada pelo elogio logo cedo da manhã – crispei.

– Por isso eu disse que precisamos de uma festa, nada que

um pouco de bebida e um homem muito bom de cama não possam


resolver – Encolheu os ombros e pegou uma caneta em cima da

mesa, girando-a entre os dedos. – Nada vai acontecer por um bom


tempo, como bem sabemos, até que uma nova pista ou uma nova

operação comece, estamos de mãos atadas e entediados.

Seria genial, se não fosse uma ideia absurda e improvável.

Eu não conseguiria colar o meu coração tão partido tão


facilmente, muito menos usando a porra de outro homem. Não era
assim que as coisas funcionavam para mim, demorava a me apegar

as pessoas com medo de sofrer e quando eu, infelizmente, me


apegava a elas, era difícil esquecê-las.

Para a minha total tristeza, eu era movida à fidelidade, se


gostava de alguém, nada me fazia desgostar.

– Dessa vez eu passo – contestei.


– Disse a mesma coisa da última vez e no final acabou

cedendo – murmurou Arthur.

Fiz que sim com a cabeça.

– Mas dessa vez as coisas são diferentes..., não posso e não


consigo explicar, só posso dizer que não quero mesmo uma festa

porque sei que ela não vai resolver os meus problemas.

Por uma sucessão de segundos, fui encarada por dois pares


de olhos, Arthur e Gabriel ponderavam, as mentes trabalhando em

busca de qualquer pista que fosse sobre a minha situação. Então,


Gabriel abriu tanto os olhos que pensei que eles sairiam de órbita e
se levantou da cadeira em um solavanco.

– Porra, eu já sei! – gritou, passando uma mão nos cabelos.

Arqueei as sobrancelhas.

– Pensou no que? – perguntou Arthur.

– Ela se apaixonou pelo vizinho! – disse ele, como se fosse

óbvio, apontando a mão para mim. Ele cheirou o ar dramaticamente.


– Olha, isso cheira a coração partido.
Revirei os olhos.

– Muito engraçadinho – bufei.

Arthur me encarou com afinco, franzindo a testa levemente.

– Sim, ela está mesmo com o coração partido... – ponderou. –


Deixa a gente adivinhar, o tal vizinho foi embora, não foi?

Seria idiota tentar mentir para eles e negar o fato óbvio, eles
pareciam dois cachorros farejando a verdade.

Fiz um gesto de desdém com a mão.

– Sim, vocês estão certos, satisfeitos? – retorqui, um esgar nos


lábios.

Não gostava de falar abertamente sobre os meus sentimentos,


muito menos falar sobre Killiam, menos ainda com eles que não

sabiam a verdade sobre quem ele era e o que fazia.

Gabriel estalou a língua no céu da boca e cruzou os braços.

– Que merda, hein, Raika – comentou, balançando a cabeça. –

Desde que te conheço nunca vi se apaixonar por ninguém, sequer


se envolver, aí na primeira vez já se apaixona logo de cara.... que
mancada.

Abri a boca, incrédula.

– Nossa, estou adorando essas dicas e conselhos amorosos,


ainda mais vindo de cafajestes como vocês dois.

Eles riram, ignorando a carranca de desgosto que se formava

em meu rosto.

– Por isso que nós podemos te julgar, foi uma mancada

mesmo – retrucou Arthur, batendo no peito para dar ênfase na fala

–, coração guardado a sete chaves dentro do peito, gata, o negócio


é se envolver e não se apegar.

Inclinei a cabeça para o lado.

– Obrigada pelos conselhos, mais uma vez, se vocês tivessem

me dito isso antes, talvez as coisas fossem diferentes – zombei.

Arthur piscou.

– É só falar com os especialistas – apontou para si mesmo e

depois para Gabriel –, somos experientes no assunto.


Soltei uma risada enfezada.

– Experientes em partir corações alheios.

Os dois tiveram a cara dura de concordar com um aceno de

cabeça.

– Exato! E queremos trazê-la para o nosso time, – fez aspas

com os dedos –, o que quebra corações, mas não tem um coração

partido e é por esse motivo que precisa começar a nos ouvir mais.

Um sorriso insistia em permear os meus lábios, precisei


comprimi-los para esconder.

– Bom..., vou começar a fazer exatamente isso, ouvir mais


vocês, claro.

Ele fez um barulho com a garganta, concordando.

A conversa tinha surtido o efeito de me divertir e remover um

pouco a angústia que eu sentia por Killiam ter ido embora.

Minha vida precisava continuar, Gabriel e Arthur eram incríveis,

me sentia feliz por tê-los ao meu lado, como meus melhores amigos
e colegas.
Killiam foi um capítulo da minha vida, um que eu jamais

esqueceria, que não conseguiria remover, mesmo que eu tentasse.

Ele tinha me marcado de algum jeito, profundo e intensamente.

Mas estava na hora de virar a página.


Tamborilei os dedos no encosto da poltrona em que estava

sentado, o maxilar descansava no punho. Encarava os homens à

minha frente com desdém e tédio evidente.

A máfia tinha um maldito costume de não se atualizar


conforme o mundo moderno, era retrógrado demais em alguns

aspectos, como o fato de ter que estar sentado em uma reunião

com um bando de velhos idiotas e traiçoeiros. Eles estavam infelizes

por causa do tempo que fiquei fora e mais infelizes ainda por conta
dos boatos que se espalharam no submundo sobre o meu

relacionamento com Raika e a caçada e o caos que espalhei para

defendê-la.

Bom... pouco me importava o que pensavam sobre mim.

Desde que retornei para casa, não consegui ser eu mesmo, eu

era um caos ambulante, matava qualquer um que me tirasse do


sério, mesmo que o motivo fosse irrelevante. Stefano percebeu a

tensão e começou a lutar boxe comigo todas as manhãs para que


eu pudesse extravasar um pouco da raiva, mas nem isso surtia o

efeito de ajudar.

Sentia falta de Raika, minha obsessão por ela tinha triplicado

três vezes mais ao tê-la longe de mim. E, se não mantivesse a

cabeça ocupada, correria o risco de surtar e ir buscá-la.

Duas semanas sem Raika e eu já estava entrando em colapso.

Homens como eu não tinham salvação, era nascido, criado e

educado para matar, para espalhar a desordem no mundo, mas

descobri através de Raika que poderia ter meus demônios


pacificados, nunca contidos.

– É um comportamento inadmissível para um chefe de famiglia,

se envolver com uma inimiga e ainda matar por ela – salientou

Youseff, um dos idiotas patriarcais.

– Concordo, esse comportamento poderia ter nos afetado,

aumentando a lista de inimigos – refutou Francesco, o velho

asqueroso e pai de Stefano.

Stefano retesou-se ao meu lado ao ouvir as palavras do pai

que tanto odiava. Sabia que ele mataria o homem qualquer dia
desses e ficaria feliz quando ocorresse.

– Estamos esperando uma explicação, Killiam, seus atos

infantis poderiam ter nos colocado em problemas, e o chefe da

famiglia precisa compreender isso para que nunca mais se repita –


afirmou Mattia.

Abri um sorriso incisivo, desafiando-os.

– Acreditam fortemente que eu devo alguma explicação a


qualquer um de vocês? – grunhi, levantando-me e fechando o botão

do blazer. – Fiquei tanto tempo fora que já se esqueceram quem é

que manda?

Eles se entreolharam, do mais covarde ao mais corajoso para

ver quem abriria a boca primeiro.

– Seus atos foram inapropriados... – continuou Mattia.

Caminhei até as costas da minha poltrona e me escorei de

frente para ela, dedilhando a costura grosseira da ponta, os olhos

fixos em cada um deles. Eram um total de doze homens mais velhos


e de famílias importantes dentro da máfia, mas somente três idiotas
tiveram coragem de vir me abordar e discorrer pessoalmente sobre
suas diligências com as minhas atitudes.

Fiz um aceno com a mão para que continuassem com as

ressalvas.

– E eu não deveria estar sentado nesta cadeira porque fui

muito irresponsável e impulsivo... – murmurei, abrindo um meio-

sorriso e batendo palmas. – Vamos, homens, continuem, quero

muito saber o que pensam sobre mim.

Como três frouxos, eles se calaram, esperando que o mais


corajoso falasse outra vez.

– Nós só queremos o melhor para a famiglia, Killiam... – ciciou


Mattia, a voz rouca e não tão mais potente como antes.

Não era novidade que a minha fama dentro da máfia não era
das melhores, Teodoro era um maldito louco e psicopata, adorava
ter a pele lambuzada pelo sangue alheio. Já os burburinhos sobre

mim eram o quão insano e lunático eu era, diferente do meu irmão,


preferia matar sem me sujar, mas fazia isso com tanta frequência

que até mesmo os meus homens tinham medo de falar comigo.


– Sim, buscamos sempre o que é melhor para a nossa famiglia
– concordou Youseff.

Soltei uma risada insípida.

– Agradeço suas preocupações, mas dispenso – Acenei com a


mão –, o chefe sou eu, portanto, faço o que bem entendo e o que

acho que é melhor.

Mattia socou o encosto da poltrona com a mão em punho e

soltou um grunhido raivoso.

– É só um moleque que se sentou cedo demais em uma


cadeira cheia de privilégios – sibilou, entredentes, saliva saindo da

boca. – Não vamos ficar aqui e observar enquanto acaba com o


nome da nossa famiglia por causa de uma prostitutazinha.

Meus olhos faiscaram de ódio na direção dele.

– Fale mais... – insisti, mostrando os dentes.

– Comporte-se como um Capo e não como um homem idiota e

apaixonado – retorquiu, sem perceber o silêncio que se estendia


pela sala, os mais espertos conseguiam perceber a mudança no
clima, a alteração na minha postura, mas Mattia não fazia parte dos
inteligentes. – Existem prostitutas em todo o lugar, além do mais,
precisa se casar com uma mulher de dentro da máfia, todas elas
exercem o mesmo trabalho, abrir as pernas para nos satisfazer e

cuspir nossos herdeiros. A vadia brasileira não... – gorgolejou,


sangue saindo pela boca e nariz.

Saquei minha arma em um piscar de olhos, rápido demais para

que Mattia percebesse a ameaça. O tiro acertou o meio da sua


garganta, calando-o. Ele levou as mãos ao local atingido, os olhos
arregalados, surpreso e assustado enquanto a vida se esvaía de

seu corpo lentamente.

Os outros homens levantaram-se de suas cadeiras encarando


Mattia e então a mim, como se não pudessem acreditar no que tinha

acabado de acontecer.

Coloquei a arma de volta no coldre e arrumei as lapelas do


meu blazer.

– Se quiserem continuar vivos, sugiro que nunca falem de


Raika de maneira tão infame na minha frente – comentei, me
afastando em direção a porta. – Na verdade, sugiro que nunca

toquem no nome dela ou eu explodirei suas gargantas também. –


Lancei a eles um olhar, esperando por uma resposta, pasmos, eles
apenas concordaram com um aceno.

Deixei a sala, o corpo de Mattia desfalecido criava uma poça


de sangue ao seu redor. Senti a presença de Stefano ao meu lado.

– Mande limpar e entregar o corpo para a família dele e que


façam o que bem entenderem... – disse, colocando as mãos nos

bolsos. – Duvido muito que as filhas e a esposa irão dar a ele um


enterro digno, não do jeito que falava mal das mulheres.

Mattia nunca conseguiu gerar um herdeiro homem, ele acabou


tendo somente duas filhas com a esposa antes de sofrer com uma
doença precoce de infertilidade. Imaginava o que a mulher não tinha

passado na mão do crápula, o que ele deveria falar para ela por
conta do seu insucesso em gerar o tão desejado herdeiro. Ele era
um porco imundo que deveria ter sido morto há muito tempo, mas o

sobrenome que carregava o manteve imune... de todos, menos de


mim.

– Se sente mais calmo? – perguntou Stefano, mudando de

assunto.
Apenas ri, virando o corredor contrário a ele e não lhe dando

uma resposta.

Que ninguém interferisse no meu caminho, meu humor não

estava dos melhores e meus instintos agressivos estavam aflorados

e seguiria assim, até aprender a me acostumar com a ausência de

Raika.
QUASE TRÊS MESES DEPOIS

Eu me sentia um pouco estranha, não sabia que sofrer por um


amor perdido podia alternar tanto o humor de uma mulher. Eu comia

muita porcaria e sentia uma vontade absurda de ingerir doces,

também vivia chorando por qualquer coisa e nem os filmes que eu


costumava assistir e me divertir conseguia fazer com que surtisse

esse efeito em mim.

Em decorrência dos meus péssimos hábitos alimentares, tinha


engordado uns quilos, o que me deixava muito insatisfeita com o

meu corpo, mais ainda quando minhas roupas não serviam.

Se um dia eu falei que construiria uma família, tinha mudado

totalmente de ideia, nunca mais queria chegar nem perto de me


apaixonar. Era muito bom enquanto as coisas estavam dando certo,

mas depois, era puro caos, gritaria e sofrimento.

Entrei no consultório da ginecologista em passos acelerados,

não era um bom momento para sair do trabalho para ir ao médico,


mas precisava renovar a minha injeção anticoncepcional ou logo as

cólicas terríveis voltariam para me aterrorizar.

Passei o nome para a secretária e me sentei em uma das

cadeiras brancas, aguardando a minha hora de ser chamada.

Eu tomava a pílula antes de começar a fazer uso da injeção,

mas com o esquecimento recorrente, resolvi mudar o método e

minha ginecologista receitou a injeção, dizendo que era tão eficaz

quanto o outro.
O meu nome foi chamado e eu entrei na sala da doutora
Vanessa. Ela era uma mulher de idade avançada, sorriso acolhedor

e olhar perspicaz.

– Raika, senti a sua falta... – disse, à guisa de cumprimento,

levantando-se da cadeira e estendendo a mão para mim.

– Muita correria no trabalho – respondi, sentando-me na

cadeira à sua frente.

A doutora organizou alguns papéis em cima da mesa, colocou

os óculos vermelho de formato arredondado que cobria grande parte

do rosto pequeno e analisou a minha ficha, arqueando uma

sobrancelha.

– Antes de mais nada, vamos aos procedimentos de praxe, um

exame de gravidez – falou, abrindo a gaveta do lado e retirando um


teste. – Depois do resultado, podemos aplicar a injeção.

Confirmei com um aceno.

Sabia que, embora minha injeção estivesse há quase um mês

vencida, era improvável uma gravidez, já que eu não transava com

ninguém desde que Killiam foi embora.


Recolhi o teste e fui até o banheiro anexado ao lado, como já

sabia o que aconteceria, tinha tomado meio litro de água antes da


consulta. Urinei no pote minúsculo, coloquei o palito dentro dele

contando os segundos no cronômetro do celular, joguei tudo no lixo


e voltei para a sala com o teste em mãos.

– Aqui está – murmurei, sorrindo e colocando o palito em cima


da mesa.

Espiei a hora em meu celular, me sentindo apreensiva por

estar demorando muito, precisava voltar logo para a delegacia, só


queria tomar a porcaria da injeção e ir embora.

Os olhos da doutora se fixaram no teste, então ela o pegou

pela ponta contrária, segurou os óculos pendurados no pescoço e


os levou até o rosto.

– Você está grávida, meu bem – disse, virando o teste para


confirmar o que estava vendo.

Por um segundo extenso, fiquei em silêncio, olhos arregalados,


coração batendo descompassado e respiração pesada, tinha

certeza de que iria vomitar a qualquer momento.


– Impossível... – rebati, balançando a cabeça veemente. – Eu

não tenho relações sexuais com ninguém há meses.

Ela me encarou, soltando o teste em cima da mesa.

– Quantos meses? Levando em consideração que a sua


injeção está... – vasculhou entre os papéis em minha ficha –

atrasada há quase três meses.

– TRÊS MESES? – gritei, incontida.

Me levantei da cadeira e comecei a andar de um lado para o

outro, esfregando a mão na testa para aplacar o suor que brotava


no local.

– Sim, a injeção dura trinta dias, deveria ter voltado nesse meio
tempo.

Parei abruptamente de caminhar, virando-me para ela em uma


velocidade vertiginosa.

– Eu pensei que ela durasse três meses e não trinta dias –

objetei, fazendo força para conseguir falar e desobstruir o bolo que


tinha na garganta.
Era um pandemônio.

– Eu falei para você na consulta que o prazo era de trinta dias


– refutou, cruzando as mãos em cima da mesa. – Mas estava na

correria, por isso, suponho que não tenha prestado atenção.

Eu não era a melhor paciente do mundo, ia aos médicos com o

prazo esgotado, queria fazer tudo o mais rápido possível para que
pudesse voltar ao trabalho logo, mas também não era minha culpa,

essas consultas sempre caíam em dias caóticos.

Esfreguei o peito em cima do coração, infartaria a qualquer


instante se não me acalmasse.

Se a porcaria da injeção vencia em trinta dias, eu transei com


Killiam várias, incontáveis vezes, sem camisinha, jurando que eu
estava muito bem protegida contra uma gravidez inesperada. Por

isso eu não tinha retornado, minha menstruação também não havia


descido, então pensei que ainda estava sob o efeito do

medicamento.

– Meu Deus! – Arfei, jogando-me na cadeira, as pernas

cedendo.
Cada fibra do meu corpo vibrava de tensão e eu sentia uma
necessidade absurda de chorar ao mesmo tempo em que nenhuma
única lágrima rolava pelos meus olhos.

Os quilos a mais...

Céus!

Eu estava grávida? Tipo, de verdade? Gestando um bebê e

todas essas coisas?

Jesus Cristo!

Coloquei a mão na boca, aplacando a ânsia de vômito ou seria

um desastre catastrófico, pois vomitaria em cima da médica.

– Está tudo bem? – perguntou, a voz melosa e

condescendente. – Sinto muito que tenha se equivocado com as

datas, minha secretária tentou entrar em contato com você por

diversas vezes para informar, mas não obteve êxito.

É claro que não, caso contrário, isso não estaria acontecendo,

porra!
Tinha passado os últimos meses ocupada demais,

apreendendo drogas, estando na mira do tráfico humano e


transando com um mafioso, como é que eu teria tempo de lembrar

do caralho da injeção e de atender a ligação da médica?

Irresponsável! Idiota e, repito, muito irresponsável! Era

exatamente assim que eu me sentia.

Eu estava grávida de um mafioso.

Pensar nisso me fez virar para o lado, recolher a lixeira e

despejar dentro dela vergonhosamente todo o meu café da manhã.

– Não se preocupe, eu entendo o choque, não é a primeira

mamãe que age assim – comentou, rindo para diminuir o

constrangimento.

Mamãe?

Vomitei outra vez, fazendo uns barulhos grotescos no processo

que me deixaram corada de vergonha.

Como é que eu contaria para Killiam que teria um filho dele?

Pior ainda, como diabos eu manteria a criança segura se ele


soubesse? A lista de inimigos do Killiam era maior do que a lista do
sistema carcerário brasileiro. E um filho teria, antes mesmo de

nascer, um alvo na cabeça só por carregar o sangue e o sobrenome

do pai.

– Posso oferecer um sedativo aprovado para gestantes, se

quiser – murmurou, percebendo a mudança abrupta de cor do meu


rosto.

Não tinha ninguém para contar, ninguém que pudesse me


ajudar, como eu poderia cuidar de uma criança? Eu nem sabia de

quanto em quanto tempo elas precisavam ter a fralda trocada ou ser

alimentadas, seria um desastre como mãe, péssima, terrível. E não

tinha ninguém para pedir ajuda, para que me auxiliasse.

– Eu não posso fazer isso... – disse, pensando alto,


balançando a cabeça.

A doutora estendeu a mão e segurou a minha entre as suas, o


contraste da minha pele gelada com a dela que estava quente me

fez estremecer.

– Sim, você pode e vai fazer, Raika – aconselhou, passando

um pouco de serenidade para meu corpo conturbado. – É uma


mulher formada, tem uma boa profissão, tem condições mentais e

materiais para ter uma criança.

Bem..., materiais talvez sim, já que tinha estabilidade

profissional, um bom salário e um ótimo plano de saúde, mas a


mental... duvidava muito.

– Eu não sei nem como segurar uma criança – afirmei, a voz


aguda e esganiçada. – Não tenho família, sou completamente

sozinha, não tenho ninguém para me auxiliar e me ajudar.

Os olhos da doutora Vanessa brilharam em comiseração.

– Existem doulas que podem te auxiliar no processo de parto e

amamentação, assim como mulheres experientes e bondosas

durante o restante do processo.

Deus do céu, e eu ainda tinha esquecido do parto!

– Eu vou vomitar de novo – avisei, entrando em pânico.

Puxei a minha mão da dela e segurei as laterais da lixeira com

tanta força que meus vincos começaram a embranquecer. Encarei a

pilha de papel e vômito sem prestar muita atenção na imagem


nojenta e poluída, meu corpo estava na sala, mas minha cabeça

estava vagando muito longe dali.

– Vamos começar o seu pré-natal, querida, tem uma ideia de

quantos meses de gestação você está? – ciciou, mudando de

assunto.

Balancei a cabeça afirmativamente.

– Três ou quatro meses – respondi no automático, a mente

ainda vagando.

Por mais que eu tenha transado com Killiam quase o tempo

todo desprotegida, duvidava muito que a gestação fosse do início da


nossa relação, era mais recente, mais próximo de quando ele foi

embora.

– Preciso receitar umas vitaminas, também quero alguns

exames e já posso indicar o nome de doulas que já trabalharam

com minhas gestantes e sempre foram muito bem recomendadas.

Eu não respondi, apenas deixei que ela seguisse com o seu

trabalho, sem interferir, alheia ao mundo ao redor.


Sempre quis casar e ter filhos, construir minha própria família,

mas não nessas circunstâncias. Nos meus planos, eu teria um


marido maravilhoso que me ajudaria, planejaríamos os filhos no

momento certo, também esperava ter uma sogra ou uma cunhada

para que nos tornássemos próximas. Enfim, casamento dos sonhos,

família de comercial de margarina.

Mas a vida era uma filha da puta traiçoeira.

Estava grávida, gestando o bebê de um mafioso que muito

provavelmente jamais saberia sobre a existência do filho. Seria mãe


solo, sem sogra, marido ou cunhada.

Apesar disso, eu seria mãe.

Teria um bebê, uma continuação minha, uma família. Nunca


mais ficaria sozinha, não precisaria passar as datas em branco ou

assistir a filmes idiotas nos Natais, porque eu teria companhia,

porque eu teria um filho.

Soltei uma risada lunática.

Quando Killiam disse que queria me marcar, não pensei que o

desgraçado estivesse levando realmente a sério, afinal de contas,


ele me marcou tanto que colocou um filho em mim.

Sentia um medo absurdo e meu coração parecia uma


metralhadora dentro do meu peito. Não fazia ideia de como seriam

as coisas de agora em diante, só tinha a certeza de que, em breve,

um bebê iria nascer e precisava de mim.

Me entristecia a constatação de que Killiam jamais saberia

sobre a existência do filho, mas pela segurança dele, isso,

infelizmente, não aconteceria. Killiam tinha razão, somos opostos


demais, incompatíveis. Não pedi para ficar grávida, assim como

essa criança não pediu para existir, mas era meu dever como mãe

protegê-la de absolutamente tudo e isso incluía o próprio pai e o que


ele representava.

A notícia ainda era inacreditável.

Entrei na delegacia de forma robótica, depois que saí do

consultório, tinha exames marcados e uma pilha de remédios para


comprar, então passei na farmácia e adquiri cada um deles para tirar
da minha consciência o peso de ter sido muito relapsa nos primeiros
meses de vida do meu bebê.

Joguei as sacolas de remédio em cima da mesa e me sentei

na cadeira, piscando lentamente e encarando o nada. Senti Arthur e


Gabriel se aproximarem, contidos e um pouco retraídos.

– Que porra aconteceu? – perguntou Gabriel, pegando a

sacola e vasculhando os remédios. – Você está doente? –


murmurou, a voz esganiçada.

Uma doença de nove meses que se desenvolveria e então

nasceria e depois choraria e precisaria ter fraldas trocadas, ser


alimentada e também iria requerer cuidados especiais.

– Raika... – insistiu Arthur.

Seria uma tolice pensar em esconder a gravidez deles, a

barriga já estava crescendo, pensava que era gordura, mas agora


sabia que era um bebê e que ficaria cada vez maior.

Limpei a garganta e soltei um suspiro pesado.

– Estou grávida – revelei.


Gabriel deu um solavanco na cadeira pelo baque da notícia e
precisou se segurar na ponta da mesa para que não caísse para
trás e Arthur abriu a boca em um perfeito “o”.

– O quê? – gritou Gabriel.

– Cacete...  – comentou Arthur, puxando os cabelos.

Com as mãos trêmulas, removi a garrafa de água de dentro da

sacola e os primeiros comprimidos vitamínicos que eu teria que


tomar pelos próximos meses.

– Sim, muito grávida, eu diria.

– São gêmeos? – interpelou Gabriel, a cor se esvaindo do

rosto.

Arregalei os olhos e fiz o sinal da cruz.

– Eu espero, por Deus, que não! – crispei, uma nova onda de


ânsia de vômito me abalando. – Disse muito grávida porque é meio

óbvio, os quilos a mais e essas coisas.

– Eu achei que estivesse ficando gostosa de tanto ter transado


– disse ele, me fazendo cuspir a água que estava bebendo no
computador.

– Meu Deus! – murmurei.

– O pai é o vizinho? – perguntou Arthur, os olhos fixos em um

ponto qualquer, apavorado.

Confirmei com um aceno e coloquei o primeiro comprimido

para dentro da boca, antes de responder.

– E, sim, serei mãe solo, ele foi embora, não temos mais
contato, só Deus sabe onde ele está e é isso.

Não era uma mentira, não tinha mais contato com Killiam e não

sabia mesmo qual era a localização dele, mas, se eu quisesse, não


seria tão difícil encontrá-lo, só que eu não queria. E se, porventura,
nos encontrássemos em algum momento no futuro, mentiria que

engravidei de um desconhecido qualquer que passou pela minha


vida, simples.

– Não quer contar para ele... – comentou Arthur, retórico.

– Não – confirmei.

– Por quê?
Dei de ombros.

– Ele mora em outro País, não quero ter problemas com

guarda e essas coisas, além do mais, não temos mesmo mais


contato e eu posso muito bem cuidar desse filho sozinha – respondi

com eloquência.

Ele ficou em silêncio, ponderando.

– Se é essa a sua escolha, vamos te apoiar – falou Gabriel

depois de um tempo, quebrando o silêncio –, e seremos tios


maravilhosos – acrescentou, me fazendo encher os olhos de
lágrimas, emoção me assolando.

– Obrigada – agradeci, a voz rouca.

Arthur concordou com um aceno.

– Vamos te apoiar, Raika, se essa for a sua decisão, saiba que


estamos aqui por você – afirmou, um sorriso de canto se
espalhando pelos lábios –, sempre quis ter um sobrinho. – Piscou.

Eu ri, engolindo outra vitamina.

– Ou uma sobrinha – refutei.


Eles se entreolharam, parecendo assustados.

– Ainda bem que andamos armados, fácil de espantar qualquer


marmanjo mal-intencionado – respondeu Arthur e Gabriel
concordou.

– Independentemente do que for, tenho certeza de que o bebê


terá os melhores tios do mundo – eu disse, sentindo uma sensação
gostosa em meu coração, como aconchego e acolhimento. – Vocês

são incríveis, obrigada por tudo!

– Relaxa, gata, lembra? Vinte e cinco anos de exercício para


encher o seu saco, e agora, mimar o bebê que tem aí dentro –

comentou, lançando um olhar para a minha barriga.

– Sou grata pela lei obrigar esse tempo.

Eles riram.

Me sentia muito grávida e... em controvérsia, completamente

feliz.
Não obtive notícias de Raika nos últimos meses, tampouco fui
atrás dela. Pelo silêncio de Mamba-negra, sabia que estava segura,
seguindo a vida e exercendo a profissão que tanto amava.

Ninguém ousou tocar no nome dela depois da morte de Mattia,


tinham medo até mesmo de pensar na garota, como se fosse
altamente proibida, o que não era mentira.

Meus demônios estavam inquietos desde que a abandonei, a

minha obsessão por ela um pouco mais doentia, por isso sabia que
precisava me manter afastado dela, tanto de notícias quanto de
qualquer coisa que me lembrasse dela. Eu estava muito instável, a

máfia controlada, com medo do que eu poderia fazer caso fosse


irritado. E isso era muito bom, evitava problemas e transtornos

familiares.

Balbino não fez nenhuma nova jogada, nada que pudesse nos
prejudicar, parecia que o homem sabia que mexer comigo no

momento não era um bom negócio.


Estava tudo nos conformes, a vida seguindo o fluxo,

exatamente como era antes de eu ter ido para o Brasil e ter


conhecido a garota.

Olhei através da janela o evento que se sucedia em meu salão

de festas, alguns casais valsavam enquanto outros conversavam


nos cantos escuros. Essa era uma das merdas burocráticas da
máfia que eu mais detestava. Festas sem graça que seguiam o

mesmo padrão, homens falsos tentando encontrar a minha fraqueza


e garotas manipuladas pelos pais tentando colocar um anel em meu
dedo.

Terminei o meu whisky e deixei o copo na mesa de lado,

arrastei as mãos pelo blazer escuro e senti as armas dentro do


coldre em minhas costelas. Arrumei a gravata e sorvi uma profunda

lufada de ar, me preparando para soltar meus demônios e descer


até o salão principal, assumindo o meu papel de Capo e mostrando
a eles quem é que mandava e por qual motivo era eu quem fazia

isso.

Tirando Raika e minha breve estadia no Brasil da cabeça,

deixei o escritório lançado em escuridão para trás, firmando minha


máscara de indiferença e frieza.
Havia muitas coisas sobre gravidez que os livros não falavam,
sobre como era horrível a sensibilidade nos seios, qualquer roçar

das roupas já era doloroso o suficiente. Ou como precisava ter um

banheiro a pelo menos cinquenta metros de distância, caso


contrário, corria o risco de urinar nas calças. Os enjoos tinham

ficado no passado, coisa do primeiro trimestre, pela graça de Deus.


Com quase seis meses completos de gestação, minha barriga

já era bem visível para qualquer um, redonda e arrebitada.

Meus colegas agiram surpresos com a notícia da minha


gestação, todo mundo sabia que eu era solteira, assim, os

murmurinhos sobre quem seria o pai se espalharam como o vento, e

claro, Arthur foi apontado. Nem eu, muito menos ele, demos bola
para isso. Quando perguntavam, apenas negávamos e seguíamos a

vida. Alguns acreditavam, outros afirmavam com convicção que

Arthur era mesmo o pai e que não sabiam por que estávamos
escondendo a verdade.

Entrei na sala mastigando uma barra de chocolate, não era

muito recomendado, segundo os livros que eu estava lendo, mas o

bebê nem tinha nascido e já era viciado em doces, o que me

obrigava a consumi-los.

A camiseta estava vultuosa na barriga, desenhando o pequeno

volume redondo e minhas calças de moletom não ajudavam em

nada a disfarçar os seis meses de gestação.

– Nem sabe o que aconteceu – comentou Arthur, com os olhos


arregalados.
Meu coração deu um solavanco em meu peito.

– Fale logo ou sou capaz de parir essa criança antes da hora –


afirmei, deixando o chocolate de lado e me sentindo iminentemente

enjoada

– Caio foi morto – disse Gabriel, franzindo os lábios.

Espalmei a mão no peito.

– O quê? – gritei, a voz esganiçada.

Seria capaz de ir ao inferno só para buscá-lo e colocá-lo de

volta no presídio, era injusto que depois de tantos anos foragido e

poucos meses preso, ele tivesse se livrado da pena morrendo.

– Parece que teve uma briga no intervalo entre ele e outros

detentos, ele acabou levando a pior e sendo morto – falou Arthur.

Me sentei em minha cadeira em câmera lenta, a saliva descia

com dificuldade pela garganta embargada.

– E como é que ninguém viu essa merda acontecendo? –

grunhi, esfregando os cabelos com raiva.

Gabriel encolheu os ombros.


– Raika..., convenhamos, ele foi arquivo apagado.

Fechei os olhos e escorei a cabeça contra o encosto da

cadeira. Meu coração zumbia em meus ouvidos e meu corpo tremia,

eu compreendia qual era o teor do que Gabriel havia dito, mas não
era isso que me atormentava, que me aterrorizava tanto ao ponto de

me fazer fraquejar.

Killiam.

Killiam disse que mataria Caio, meses atrás, só porque o idiota

me ameaçou de morte. Depois de tudo o que aconteceu, acabei


apagando a conversa da minha memória, mas agora era óbvio
demais para mim que o mafioso não perdoava rápido, muito menos

esquecia uma promessa.

– Está tudo bem, Raika? – A voz de Arthur reverberou pelo

torpor em que eu me encontrava.

Balancei a cabeça.

– É injusto que isso tenha acontecido – pigarreei. – Depois de


tanto tempo atrás do idiota, ele é preso e simplesmente morre, sem

cumprir nem um terço da pena.


Arthur inclinou a cabeça para o lado, pensativo.

– Sim..., mas morto ele nunca mais matará ninguém – objetou.

Apertei a ponta do nariz, sentindo uma dor de cabeça

incômoda. Desde a gravidez, qualquer notícia leve se tornava


arrebatadora e notícias arrebatadoras se tornavam devastadoras, ou

seja, meus nervos estavam me deixando louca.

Killiam e Arthur dividiam o mesmo pensamento, justamente por


isso que o mafioso mandou matar o desgraçado, mesmo depois de

eu ter sido enfática quanto a isso não acontecer.

– Ele tem razão, melhor ele estar morto, daqui uns anos estaria

cumprindo a pena em liberdade e provavelmente mataria mais


pessoas, assim, a vida de um policial foi salva – concordou Gabriel.

Por esse lado, eles tinham razão, coisas piores podem ter sido

prevenidas com isso.

– Bem, estou indo, tenho um encontro marcado para essa

noite – disse Gabriel, arrastando a cadeira e se levantando.

– Quem será a pobre alma que terá o coração despedaçado?

Alguém da delegacia? – perguntei, um sorriso se espalhava pelo


meu rosto.

– Ninguém que vocês conheçam, é a minha nova vizinha.

Arthur engasgou uma risada.

– Sabemos muito bem como um relacionamento entre vizinhos


pode terminar, eu não correria o risco se fosse você – zombou.

Revirei os olhos e eles riram.

– Estou livre de ter o coração partido e minhas camisinhas


estão em dia. – Piscou Gabriel.

Peguei um bloco de notas de cima da mesa e joguei na direção


dele, mas ele desviou a tempo e o objeto encontrou a parede, as

folhas se espalharam pelo chão.

– Some logo daqui e pare de me estressar.

O idiota jogou um beijo no ar para mim.

– Até mais, gravidinha, vejo vocês amanhã – disse, sumindo


pela porta e deixando um rastro de perfume amadeirado para trás.

Olhei para Arthur.


– Podemos seguir o mesmo rumo, não há mais nada para
fazer e o expediente termina em dez minutos – falei, pegando o
chocolate e dando outra mordida.

O pavor da notícia já tinha passado, portanto, meu enjoo foi


substituído por fome, um privilégio das grávidas. Uma hora eu

queria colocar as tripas para fora e um segundo depois estava


planejando a minha próxima refeição.

– Sim, estou exausto da semana – respondeu, desligando o

computador.

Sem novas operações, passávamos os dias arquivando as

investigações inconcluídas, o que era trabalhoso e entediante.

Me levantei e empurrei a cadeira para debaixo da mesa bem

na hora em que Heitor entrou em nossa sala, os olhos correram


entre Arthur e eu.

– Gabriel? – perguntou.

– Ele já foi – respondeu Arthur.

Heitor fazia parte do time que desconfiava que Arthur era o pai

do meu filho, não que eu me importasse com a opinião dele


também. Se me perguntasse, diria a mesma coisa que falei para

todos os outros, o pai era um homem com quem me envolvi e não


tinha mais contato.

– Preciso de vocês – avisou, cruzando os braços em frente ao

corpo e afastando um pouco as pernas. – Acabei de receber

denúncias de um acordo entre traficantes na fábrica abandonada de

sardinhas enlatadas.

Aquele lugar era amaldiçoado, o dia que decidissem derrubar,

eu abriria uma espumante em comemoração. Era o antro da


criminalidade, nada de bom acontecia lá.

Arthur recolheu o celular de cima da mesa.

– Vou ligar para Gabriel – disse.

– Não precisa, já tem os dois que fazem parte do setor –

contestou Heitor.

Arthur franziu as sobrancelhas escuras.

– Raika está grávida, deve evitar esse tipo de operação... –

comentou.
– Não oferece risco a ela ou ao bebê, na verdade, não oferece

risco a ninguém – refutou, crispando os lábios em desdém. – Se for

mesmo verdade a denúncia do acordo de traficantes, ninguém


entrará no local enquanto uma equipe preparada não chegar, não

colocarei vocês em risco.

– Eu vou junto, estou grávida, não incapacitada, e esse é meu

trabalho.

Arthur ponderou por um momento. Heitor semicerrou os olhos,

como se a desconfiança da paternidade estivesse óbvia demais.

– Tudo bem – concordou, por fim, guardando o celular no bolso

da calça. – Finalmente alguma merda pra gente farejar, já estava

cansado de tanto tédio.

Concordei com um aceno.

Espalmei a mão no ombro de Arthur e o segui para fora da

delegacia, a cumplicidade entre nós era palpável para que qualquer

um visse.

– Vamos lá, Arthur, isso é mais divertido do que seus encontros


noturnos – brinquei.
Toda a semana ele e Gabriel partiam o coração de alguém e

eu precisava ouvir avidamente como tinha sido e o que eles tinham


achado da garota em específico. Uma porcaria, mas eu era uma boa

amiga.

– Sim, gravidinha, vamos nos divertir finalmente.

O galpão decrépito me fazia estremecer com as lembranças da

última vez em que estive nele. O corpo de Joshua ainda


atormentava a minha mente e o cheiro repugnante parecia infiltrado

em meu nariz, uma lembrança de um dia muito ruim.

O sol se esgueirava pelo local, cedendo lugar para os filetes de

luz que a lua fazia refletir. A noite estava caindo e podia sentir,

mesmo de dentro do carro, a brisa gélida da beira-mar.

– Vamos? – perguntou Arthur, encarando-me.

– Sim – confirmei. – Parece vazio, mas é sempre assim.


Ninguém cometia crime à luz do dia ou deixava provas óbvias,

eles se disfarçavam tão bem que era muito difícil pegá-los.

Arthur desceu do carro e eu o acompanhei, Heitor estava em

seu próprio veículo alguns metros à frente. Fechei o casaco longo e

largo que eu estava vestindo, escondendo a minha barriga em uma

atitude maternal. Sentia que o perigo espreitava ao nosso redor,


assim como sentia o meu sexto-sentido gritando para que eu saísse

dali, mas era uma ordem direta de Heitor, o delegado responsável

pelo meu setor, então eu deveria obedecer.

– Vamos pela lateral, parece que não tem ninguém e é bem

provável, já que se trata de uma denúncia muito vaga – avisou


Heitor, retirando a arma do bolso e verificando as balas. – Se verem

qualquer movimento estranho, escondam-se e chamaremos

reforços – ordenou, olhando diretamente para mim. – Não está mais


em condições de entrar em uma operação, Raika, portanto, não faça

nada idiota.

Fiz que sim com a cabeça.

Se fosse só a minha vida, não me importaria nem um pouco,

colocaria o meu distintivo e enfrentaria o perigo com honra e


determinação, mas não era mais só de mim que estávamos falando

e nunca mais seria assim, minha realidade, felizmente, era outra.

Nos esgueiramos pelas sombras, Heitor na frente; Arthur atrás

e eu por último. Eles me protegiam de um jeito discreto. Heitor


espiou pelas janelas sem vidros e fez um aceno para que

continuássemos. Meu corpo estava curvado e a coluna protestava

com o peso da barriga, mas me mantive firme, seguindo-os sem


pestanejar.

As portas duplas estavam entreabertas e a faixa que a equipe


de homicídios tinha colocado para impedir a passagem no local

estava rompida. Alguém tinha tido coragem de entrar mesmo depois

que o corpo de Joshua fora encontrado em um estado calamitoso.

Entramos no galpão pela fresta aberta entre as duas portas, o

sol irradiava pelos buracos no telhado, fazendo feixes de luz em


certos pontos. O silêncio reinava, só conseguia ouvir o som da

minha respiração e do vento que balançava as telhas soltas e

faziam um ruído pavoroso ecoar pelo galpão, e, em algum lugar um


pouco mais distante, conseguia ouvir as ondas do mar quebrando

na areia.
– Acho que não tem ninguém aqui – comentou Arthur, parando
e estendendo um braço protetoramente para me manter atrás dele.

Era improvável que tivesse alguém, eles não teriam como

detectar a nossa presença, já nós teríamos ouvido o eco das vozes,

mas não era o que acontecia.

Heitor girou pelos calcanhares, olhando para todos os acessos

que não tínhamos percorrido.

– Me dê sua arma, Raika, vou seguir com Arthur e você volta

para o carro – instruiu, estendendo a mão. – Fique com o celular, irei


enviar um sinal se houver alguém aqui para que chame uma equipe.

– Tudo bem.

Enfiei a mão debaixo do casaco, removi a arma do coldre da

cintura e a entreguei para Heitor. Ele a recolheu e verificou as balas,


antes de destravá-la.

– Bom... – murmurou.

Heitor estendeu a arma na direção de Arthur e simplesmente

apertou o gatilho.
O barulho alto ecoou pelo galpão vazio.

A bala voou.

E Arthur foi atingido, carne e osso sendo danificados. O corpo


humano frágil dele sendo alvejado e ferido.

Foi tudo tão rápido que eu mal tive tempo de calcular, de


raciocinar, de agir.

Um grito profundo se desprendeu da minha garganta, curvei o


corpo para a frente e saliva saltou da minha boca, os olhos

arregalados, o coração parou de bater por um mísero segundo.

Arthur deu um passo para trás, levando a mão ao peito para


conter o sangramento. Os olhos dele voaram para mim,

preocupados, assustados, em pânico, como se quisesse me


proteger mesmo na situação em que se encontrava, as veias
saltavam ao lado do pescoço pelo esforço que fazia em permanecer

em pé.

Nada fazia sentido.

Nada daquilo poderia estar acontecendo de verdade.


Estendi a mão lentamente na direção dele, como se pudesse
alcançá-lo de alguma forma, mas não fui rápida o suficiente. Ele
caiu para trás, o corpo repercutindo um baque oco ao atingir o chão.

Espalmei uma mão na boca, as lágrimas embaçaram a minha


visão.

Não! Não! Não!

Me joguei no chão ao lado dele e espalmei a mão no peito que


sangrava sem parar. O sangue escuro molhou minhas palmas,
manchando minhas roupas, aquecendo a minha pele.

Arthur estava morrendo.

Meu melhor amigo, meu colega de trabalho, um dos caras mais


incríveis que eu conheci, alguém que tinha se tornado parte da
família torta e incomum que eu estava construindo.

Morrendo.

Ele estava morrendo.

Solucei e joguei a cabeça para cima, implorando a Deus que


não o levasse, que não fizesse isso comigo. Meu peito doía tanto
que a dor não parecia emocional, parecia física, como se ele
estivesse sendo aberto e rasgado, o coração estraçalhado.

Mas nada aconteceu.

Deus não parecia me ouvir, a dor não aparentava diminuir e a


roda do tempo continuou a girar, mesmo que parecendo mais lenta
do que o normal.

Não! Não! Não!

Por favor, por favor...

Quis vomitar, a angústia me queimando de dentro para fora,

derretendo a minha alma.

Deitei a cabeça no peito dele e chorei, minhas lágrimas se


misturando com o sangue e com o suor que cobria a camiseta.

Por favor... implorei mentalmente, suplicando para uma


entidade divina.

Ergui-me, encarando os olhos que piscavam lentamente e


balancei a cabeça.
– Por favor... – chorei, implorando para que ficasse comigo. –

Não sei o que vai ser de mim sem você, por favor, fique comigo, por
favor.

Eu tremia tanto que mal conseguia respirar, meu corpo

sacolejava, soluço e desespero se misturando.

– Por favor, Arthur... – implorei, beijando a sua têmpora.

Mas, simplesmente, os olhos pararam de piscar, fixando-se em

um ponto qualquer, sem vida.

Eu gritei. Alto.

Alto demais para o mundo exterior, quando dentro de mim


ainda só tinha o silêncio.

Eu gritei com força, colocando para fora todo o ar que tinha em

meus pulmões, tentando extrapolar toda a minha dor, mas nada


resolvia, nem meus gritos, nem minhas lágrimas.

Era a morte reivindicando sua posição outra maldita vez na


minha vida.
Chorei com tanto fervor que cada um dos meus olhos
começaram a arder e a minha garganta começou a doer.

Eu estava destruída. Quebrada.

Abracei Arthur, sujando todo o meu casaco com o seu sangue,

sentia a pele do meu rosto marcada, mas eu precisava ficar com


ele, precisava senti-lo, assim como precisava respirar para viver.

– Já parou com o surto? – Ouvi a voz de Heitor.

Meu rosto estava escondido no peito de Arthur, eu não iria


largá-lo, nada do que o maldito dissesse ou fizesse me faria sair do
lado dele, nada.

Solucei, fungando profundamente ao ser alvejada por outra

onda de dor pujante.

Ah, Deus, Arthur não podia estar morto, por favor.

Ele precisava conhecer o meu bebê, nós nem sabíamos o sexo


ainda, não tinha ido fazer um novo exame e estávamos apostando

quem acertaria. Ele achava que seria um menino, enquanto Gabriel


que seria menina. Mesmo esquema de sempre, quem perdesse
pagaria o jantar. Também faltava saber qual seria o seu encontro da
semana que vem, ele sempre nos dizia quem era uma semana
antes de acontecer, então, no outro dia, contava em detalhes como

tinha sido e o que tinha achado da garota... elas nunca eram o amor
da vida dele, mesmo que elas discordassem dessa afirmação.

Arthur tinha muitas coisas para viver, para experimentar. Ele


tinha prometido ser um bom tio, tinha prometido que estaria comigo.

– Eu sei que ele não é o pai da criança, já pode parar de fingir,


sei muito bem que se envolveu com a máfia e que esse bebê aí é
cria de mafioso – afirmou Heitor, a voz soando do meu lado direito.

Não me mexi, permaneci parada no mesmo lugar, ainda


conseguia sentir o perfume forte de Arthur impregnado nas roupas
dele, embora o cheiro de sangue estivesse se misturando, o

almíscar do perfume ainda prevalecia.

– Vamos ser sinceros, Raika, nós dois somos porcos que nos
vendemos por dinheiro. – Riu Heitor, os passos dele ecoaram, me

dizendo que estava se aproximando. – Mas eu fui mais esperto, pelo


menos não fui idiota para me envolver com ninguém. E agora aqui
está você, grávida e sozinha. – Bufou. – Arthur era um idiota

apaixonado, tenho certeza, ele estava quase assumindo a


paternidade de outro, quem é o imbecil que faz isso nos dias de
hoje?

Esfreguei o polegar na pele quente dele, senti os músculos


começarem a enrijecer debaixo de mim, mas ignorava, aceitar isso
significava aceitar que ele estava morto e eu ainda não me sentia

pronta.

– Por favor... – murmurei, baixinho, não passando de um


sussurro rouco, fraco demais para que Heitor pudesse ouvir. – Por

favor...

– Eu não planejava matá-lo, se é isso o que está pensando,


precisava acabar com alguém que fosse próximo a você para que

pudesse culpá-la pela morte e ligá-la a máfia, já que escondeu tão


bem o corpo de Gael quando o matou que até hoje não o
encontramos – revelou. – Não me leve a mal, gosto de você, mas

meu chefe externo foi enfático em suas ordens, precisava tirar a


informante da Camorra da delegacia. Se você nunca tivesse

apreendido as drogas da Jalisco... nada disso teria acontecido, era


só não ter se envolvido, não era tão difícil assim – assumiu, os
passos ficando mais próximos. – E antes que me ache um monstro,
entre matá-la ou mandá-la para a cadeia, escolhi a segunda opção,

não teria coragem de matar uma grávida.

– Por favor... nós temos uma aposta para finalizar na semana


que vem – sussurrei, fechando os dedos em sua camiseta, as

lágrimas escorrendo pelos cantos dos olhos.

Me sentia trôpega, como se meu corpo estivesse em um


estado letárgico e inerte, parecia que eu estava paralisada ou
sonhando acordada, era estranho, mas não conseguia sair dele.

– Arthur teve a infelicidade de estar com você, poderia ser


Gabriel, mas... fazer o quê, era um bom policial, vai fazer falta na

equipe... assim como você, é claro – suspirou audivelmente. –


Enfim, não é um bom dia para mim, perdi dois policiais bons de
verdade e ainda terei que passar pela parte burocrática da sua

prisão.

Fechei os olhos e inspirei fundo, o cheiro do Arthur tinha se


perdido em algum momento que não tinha percebido, era tão fraco,

não passava de um simples resquício. E ele estava ficando gelado


embaixo de mim... ou era o meu corpo, não sabia dizer.
Heitor o havia matado. Matou por dinheiro. Matou por puro
interesse. Era ele o informante da Jalisco, o maldito policial
corrompido. Não fomos nada além de peões no jogo dele nos

últimos meses. Todas as denúncias, todas as apreensões, tudo


calculado por ele.

– Fique aí se quiser, vou ligar para a polícia. – Ele riu, como se

tivesse contado uma piada sem graça. – Bom... nós somos a polícia,
enfim, você entendeu. Me agradeça depois, poupei sua vida e
estará livre dentro de alguns anos, terá uma segunda chance. É

uma mulher de sorte, se livrou de ser traficada, já que por um


milagre divino ninguém quis você, e agora se livrou da morte.

Esfreguei minha mão pela cintura de Arthur, o casaco largo


impedia o desgraçado de ver os movimentos que eu fazia. Encontrei

a arma dele e a removi do coldre, puxando-a para cima.

– Tem tanta sorte que Joshua teve o azar de encontrar a máfia

antes de você na festa que foram a meses atrás – comentou. – Vi as


pulseiras em cima da mesa e perguntei para Gabriel com
indiferença sobre. Claro que o idiota me contou quais eram os

planos do final de semana. E eu, como o chefe, dei meu total apoio.
– Riu, a risada reverberando pelo galpão abandonado. – Óbvio,
antes de informar ao Cartel que seria uma presa fácil. Como eu
disse, uma mulher de sorte.

Nada foi por um acaso, nem um único momento da minha vida

nos últimos vezes havia sido um acidente, tudo fora calculado e


executado por Heitor, mas o insucesso era responsabilidade de
Killiam que, sem que eu soubesse, estava me protegendo dos meus

próprios colegas de trabalho, estava me protegendo de quem


deveria me proteger... a polícia.

Pressionei a arma contra o chão e a destravei, girei a cabeça

lentamente na direção dele e o observei entre os fios dos meus


cabelos que cobriam meu rosto e parte dos olhos.

– Vai ser um pouco estranho quando eles chegarem e verem


você aí, sendo que foi você quem matou ele porque é uma policial
corrupta... – murmurou. – Levante-se, Raika, ou eu mesmo farei

isso.

Heitor esfregava a minha arma no casaco, removendo as


impressões digitais que tinha deixado nela e tinha certeza de que
me obrigaria a pegá-la em seguida para que as minhas digitais

ficassem marcadas, não que fosse preciso, ela pertencia a mim, a


balística confirmaria isso quando levassem o corpo de Arthur para o

IML, mas como era um desgraçado meticuloso, estava tendo todos


os cuidados.

Senti o corpo de Arthur se tornar um cadáver, sem qualquer


resquício de vida que o geria. O homem incrível que eu conhecia

não existia mais, estava morto, a luz tinha sido apagada.

Lágrimas novas turvaram a minha visão com a constatação


óbvia do que aconteceria em diante. Sem Arthur, para sempre.

Levantei-me em um supetão, Heitor estava ocupado demais


limpando a arma para ver os meus movimentos, e, quando o fez,
era tarde demais. Apontei a arma para o peito dele, assim como

tinha feito com Arthur, e atirei, sem piscar, sem pestanejar, sem
remorso.

O tiro ecoou. A bala crispou no ar, tão rápida que em menos de

um piscar de olhos estava instalada dentro do peito de Heitor.

Ele deu um passo para trás, a mão que segurava a arma


cedeu, levando-a ao chão.
Dei um passo para a frente, o sangue de Arthur já estava seco

em minhas palmas e em minhas roupas.

– Eu não era vendida, seu maldito, nunca fui regada a dinheiro,


não sou uma traidora como você! – acusei, entredentes,

transformando toda a dor em um ódio profundo. – Me apaixonei pelo


pai do meu bebê, me envolvi por amor e não por interesse, e, ainda
assim, soube dividir as coisas, nunca trabalhei com ele ou para ele.

As pernas de Heitor falharam e ele caiu de joelhos, abrindo o

casaco e girando a cabeça para baixo, encarando a camiseta que


se colava a pele encharcada pelo sangue que escorria pelo

ferimento.

Conseguia vê-lo bem menos do que quando chegamos ao


galpão, o sol já tinha cedido quase que totalmente e a lua nos

iluminava em sua maioria, mas não era o suficiente para que eu


pudesse ver o horror no rosto de Heitor ao perceber que estava

morrendo, queria gravar a imagem em minha memória, decorar


cada reação fugaz do maldito.

– Tirou a vida de alguém muito importante para mim por puro


interesse, Arthur não fazia parte disso e não merecia o final que
teve. – Me aproximei, Heitor ergueu a cabeça para me encarar, a
boca abria e fechava, fazendo esforço para arrastar o ar para dentro
dos pulmões. Levantei a perna e chutei o seu peito, jogando-o ao

chão e removendo um grito de dor dos seus lábios. – Eu te encontro


no inferno, seu desgraçado de merda, que o diabo te carregue!

Não dei um segundo tiro, ele estava morrendo, a bala


chicoteou e acertou órgãos vitais, ceifando seu prazo de vida.

Removi o celular do bolso e acendi a lanterna, apontando-a

para ele. Heitor estava pálido, a cor se esvaindo do rosto aos


poucos, enquanto sofria, engasgando-se e sufocando-se com o
próprio sangue por conta do pulmão atingido pelo tiro.

– Uma pena que eu não tenha desconfiado de você, que eu


não tenha acreditado em Killiam quando dizia que eu não podia

julgar as pessoas pelo status delas, porque, Heitor, você estava


entre as minhas favoritas, entre as que eu apontava e dizia serem
do bem – Limpei uma lágrima com as pontas dos dedos. – Se eu
soubesse a verdade sobre você, teria o matado bem antes e
impedido isso de acontecer.
Era Heitor o tempo todo, ele era quem informava a Jalisco
sobre mim, ele quem tinha basicamente me colocado à venda,
cedendo informações que os fez se interessar por mim mais do que

deveriam. Heitor passava as informações, mas não denúncias


aleatórias, as que ele recebia, sempre em benefício próprio.

– O inferno te espera, delegado – sussurrei, sorrindo friamente


para ele enquanto me encarava ainda com vida.

Heitor piscou uma última vez e não voltou mais a repetir o


movimento. Morto.

Abaixei a mão que mantinha a arma e o observei por um

segundo, a primeira vida que eu tinha ceifado, tentei encontrar


remorso, penitência, qualquer coisa, mas encontrei só o vazio oco
que a morte deixava.

Eu não me sentia arrependida, me sentia satisfeita com a


morte dele.

Matei Heitor sem piscar, sem me importar, sem me atormentar.

Estava quebrada. Uma montanha de ossos, carne e sangue,

sem sentimento algum.


Girei nos calcanhares e voltei para o lado do corpo de Arthur,
apontando a lanterna para ele. A pele clara estava azulada, os
lábios tinham se descolado e ele parecia tão... morto.

Outro soluço sacolejou o meu corpo.

– Me desculpe... – roguei, deixando a arma cair no chão ao


meu lado. – Você não merecia... ah, Arthur... me desculpe, por favor.

Culpa me corroía, dizimando o resquício que eu ainda tinha de


alma. Arthur não deveria morrer, ele não fazia parte disso, não
merecia.

E se eu tivesse contado a verdade para eles, as coisas teriam


sido diferentes? E se eu nunca tivesse me envolvido com Killiam? E
se?

Com os dedos trêmulos, digitei o número da central da polícia

e me sentei ao lado do corpo dele, entrelaçando minha mão com a


dele. Arthur foi covardemente morto em um galpão fedorento e
abandonado, eu não tornaria a sua morte ainda mais miserável
deixando-o sozinho, não sairia do lado dele, só faria isso quando
fosse obrigada.
Dobrei os joelhos e abracei o meu corpo, até onde a barriga

permitia. Fechei os olhos e esperei a polícia chegar, cantarolando

baixinho a música favorita de Arthur para o seu corpo sem vida.


Limpei o suor que cobria parte da minha testa e caminhei até o

celular que tocava incessantemente. Stefano me esperou no canto

do ringue para que continuássemos a luta após eu me livrar da


ligação incômoda.

Me agachei no chão e peguei o aparelho com os dedos duros

pela luva que cobria quase toda a mão. Senti a minha testa franzir
ao notar o número que piscava e uma sensação estranha me

atormentou. Depois de tantos meses sem contato, isso só poderia


indicar uma única coisa: más notícias.

– Killiam – atendi no terceiro toque, levando o celular ao

ouvido.

– Quanto tempo, meu velho amigo. – A voz do Mamba-negra

era rouca e precisa, um pouco séria demais para uma ligação


regrada à saudade.

– O que aconteceu? – cortei, indo direto ao ponto.

Por um piscar de olhos, nada aconteceu do outro lado da linha,

além da respiração ruidosa ressoando pelo autofalante. Meu

coração retumbou, as batidas se tornaram erráticas.

Minhas pernas cederam e eu me sentei no ringue, dobrando os


joelhos e descansando um braço em cima deles. Senti a presença

de Stefano logo atrás de mim, a descontração da luta havia

passado.

– Disse que eu deveria mantê-lo informado quanto a sua

garota... – murmurou, cada palavra soando mais trincada que a


anterior. – Bom, não trago notícias muito boas.

Levei a mão livre até a boca e abri o velcro da luva com os


dentes, jogando-a longe, então abri e fechei a mão, aumentando a

circulação sanguínea.

– Fale logo, porra! – grunhi, esfregando os cabelos

encharcados de suor.

Depois de tantos meses sem notícias de Raika, sem procurar

nada sobre ela, sem querer ver qualquer coisa que tivesse ligação

com ela, não esperava ouvir notícias ruins. Culpa me corroía, se

alastrando pelas minhas veias feito fogo líquido. Jamais me

perdoaria se ela estivesse morta.

– Olhe o seu celular – disse, suspirando.

Removi o aparelho do ouvido e desbloqueei a tela, colocando a

ligação no viva-voz, fazia tudo com movimentos robóticos e


automáticos, sem conseguir me concentrar em nada. O músculo da

minha mandíbula começou a doer pela pressão que eu fazia.

Na tela, as imagens de Raika tomavam conta dos sites de

notícias brasileiros, e, ao lado, imagens nossas de quando nos


beijamos pela primeira vez no camarote da boate.

“Agente da Polícia Federal é presa após matar dois colegas”,

era o tópico da notícia. Logo abaixo, fotos de Raika, Arthur e outro

homem, o delegado responsável pela operação que ela exercia.


Estavam acusando-a de trabalhar para a máfia, por consequência,

foi desmascarada e matou os colegas para que não fosse


incriminada.

Arquejei, incrédulo.

– É mentira! – murmurei, pensando alto.

Raika era apaixonada pelos melhores amigos, ela deveria

estar devastada pela morte de Arthur.

– Só você pode falar se é ou não – comentou, dando ênfase ao


fato de que, se Raika trabalhasse mesmo para a máfia, seria para

mim e eu saberia a verdade.

– Ela nunca trabalhou para a máfia, bem pelo contrário, a

desgraçada só me trazia dor de cabeça – afirmei, comprimindo os


lábios. – Na primeira oportunidade, apreendia minhas drogas ou

prendia algum dos meus homens.


Stefano se sentou ao meu lado, suor escorria pelo peitoral nu,

enquanto o peito subia e descia em rápidas sucessões. Seus olhos


encontraram os meus, escuros e expressivos.

– Sabe o que isso significa? – inquiriu Mamba-negra. – Pelas


fotos, a Jalisco e a 'Ndrangheta sabiam do seu envolvimento com

Raika e deduziram que ela era uma das suas informantes dentro da
polícia, por isso encontraram um jeito de se livrar dela... – Fez uma
pausa. – Só não entendo por que não a mataram, já que é essa a

resolução para este tipo de problema.

A história estava muito mal contada, dois colegas de Raika

estavam mortos e ela havia sido encontrada no local e encaminhada


para o presídio como a principal suspeita.

Ela nunca teria matado Arthur, nem mesmo se ele fosse um

dos seus colegas corrompidos. Raika tinha um instinto enorme de


fidelidade, ela era regida por ele, portanto, preferiria morrer ao

enfrentar uma traição desmedida como essa.

– Arthur e o outro podiam fazer parte da folha de pagamento

de Balbino, tentaram se livrar de Raika, mas ela os matou primeiro e


agora está sendo acusada por esses crimes – ciciou Stefano ao
meu lado.

Balancei a cabeça.

– Ela não mataria Arthur, nem mesmo se fosse um traidor –


refutei com convicção.

– O fato é que eles tentaram tirar a garota da jogada e por

alguma coincidência bem estranha do destino, resolveram incriminá-


la ao invés de matá-la – objetou Mamba-negra.

Ergui o maxilar, minha mente retumbando em vários


pensamento e hipóteses que não conseguia encontrar uma

resposta. Meu coração estava acelerado, não pela luta que se


sucedia antes da ligação, mas por Raika e o que estaria
acontecendo com ela.

– Pretende fazer alguma coisa? – perguntou Mamba-negra,


quebrando o silêncio.

– Estou voltando para o Brasil, vamos tirar Raika da prisão e


conseguir as respostas que estão faltando.

Ele riu do outro lado da linha.


– Vou arrumar uma equipe para o resgate da garota, me avise
quando chegar ao Brasil – disse, encerrando a ligação sem
delongas.

Apertei o celular com força, rangendo o maxilar.

Deixei Raika para trás para que vivesse a vida em paz, que

seguisse exercendo a profissão que tanto amava, não para ser

presa e acusada de crimes que não cometeu. Infelizmente, ela


confiava cegamente em quem não deveria e estava pagando por

este erro.

– Vamos mesmo invadir um presídio? – inquiriu Stefano,

incrédulo.

Me levantei e caminhei até a beirada do ringue, segurando-me

em uma das cordas e pulando para fora dele. Ouvi o farfalhar de


Stefano atrás de mim, me seguindo em direção a casa. Precisava

avisar Teodoro e Nery sobre os novos planos, sobre o que estava

acontecendo.

Infelizmente, as coisas não eram como eu pensava, Raika

havia entrado na mira dos meus inimigos e não estava mais

protegida estando sozinha. Ela precisava de mim.


– Sim, vamos trazer Raika para casa.

Ninguém da máfia ousaria contestar minhas ordens ou colocá-

las em dúvida, eles sabiam como estava o meu humor ultimamente


e a repercussão da morte de Mattia serviu para ajudar a

engrandecer minha fama sanguinária.

Raika me pertencia, estava sozinha, traída e sem ninguém,

não tinha mais nada a perder. Eu a traria para mim, daria a ela uma

nova vida ao meu lado, uma família como tanto queria.

E que Deus ajudasse quem tentasse intervir no meu caminho,

pois eu esmagaria qualquer um que empreendesse contra meus


planos.
Encarei a parede acinzentada por tanto tempo que os pontos

descascados começaram a dançar sob os meus olhos. Não sentia

absolutamente nada, como se meu corpo ainda estivesse em

transe, perdido em um limbo profundo e escuro.

Eu não tinha mais lágrimas para derramar, todas elas se


esvaíram pelos meus olhos a uma semana atrás... ou era mais

tempo? Eu não tinha muita certeza, a contagem do tempo parecia

equivocada para mim.

Dormia. Acordava. Me alimentava. E só existia.

Essa era a minha vida, e, por mais deprimente que parecesse,

não queria fazer mais nada, estava contente em só existir. Sem dor,

sem a verdade absoluta dos fatos.

Ouvi um barulho no corredor vazio, não sabia onde tinha sido,

ele tinha o costume de ecoar. Girei a cabeça em direção às grades,


mas não havia mais nada, só a claridade das luzes de led.
Pelo menos, eu estava sozinha, meu ensino superior e minha

OAB tinham servido para alguma coisa, no final das contas, uma
cela privilegiada.

Não queria a companhia de ninguém, não queria falar com


ninguém, só queria ficar sozinha, perdida na minha própria

companhia.

Dobrei os joelhos e descansei a cabeça no topo deles, a

barriga saltada ficava apertada entre as coxas.

O bebê estava calado, sentia a tristeza que me assolava, a

escuridão que manchava a minha alma. Ele pouco se movimentava,


às vezes eu sentia um chute ou outro, mas logo parava ao não ouvir

a minha voz.

Eu sentia tanto por ele, tanto pela vida que não poderia lhe dar.

Nunca poderíamos viver juntos, eu não tinha família, portanto,


seria tomado de mim assim que nascesse, sem que eu pudesse

fazer alguma coisa. Ele seria criado por outra família e nunca

saberia sobre mim.


Tentei chorar com os pensamentos, mas nada rolou pelos

meus olhos, eu estava seca.

Soltei um suspiro pesado.

Minha cabeça doía, pesada e densa, a dor era uma grande


amiga, às vezes surgia com intensidade; outras, um pouco mais

singela.

Deitei o rosto de lado em meus joelhos e encarei as grades

enferrujadas, elas me fariam companhia pelos próximos vinte ou

trinta anos.

Outro barulho soou ao longo do corredor, mas dessa vez era


acompanhado de passos e vozes abafadas. Ecoava bem longe e foi

se aproximando aos poucos.

Ouvi em silêncio, contando mentalmente e quando percebi que

estavam vindo para mim, fechei os olhos e fiquei parada, fingindo

estar em um sono profundo para que pudesse evitá-los.

Deveria ser o advogado, eu era obrigada a ter um, mesmo que

não quisesse ou não me importasse. Ele sempre vinha para falar


comigo, me alertar sobre o que eu poderia falar ou como deveria

agir.

Os passos pararam em frente à minha cela e a tranca foi

destravada.

– Vou deixar que conversem a sós – disse a mulher, a agente

penitenciária que ficava de olho em mim. Ela era jovem e parecia


ser muito querida, via compaixão em seu olhar todas as vezes que

ela me encarava. – Grite ou apenas faça barulho quando quiser sair.

– instruiu.

Ouvi a porta da cela ser fechada e os passos dela ecoarem


pelo corredor. Sentia a presença de alguém comigo, mas ainda

mantinha os olhos fechados, evitando-o.

– Raika... – A voz de Gabriel era baixa, rouca, um pouco

contida.

Abri os olhos imediatamente e ergui a cabeça, encarando-o.

Lágrimas se formaram atrás dos meus olhos, finalmente, me

fazendo ceder e chorar pela primeira vez depois de um longo tempo.


Gabriel parecia abatido, manchas arroxeadas marcavam os
olhos, os cabelos estavam bagunçados e as roupas amassadas. Eu

não pude nem mesmo reconhecer o seu cheiro, o que era uma

característica dele. Gabriel estava desolado com toda essa situação.

Ele deu um passo para a frente, contido.

– Eu quero saber o que aconteceu – disse, comprimindo os

lábios.

Escorei minha cabeça contra a parede e o encarei por um

tempo, as lágrimas mancharam as minhas bochechas enquanto as


lembranças do que nós três representávamos me alvejavam. Nunca

mais seria daquele jeito, nunca mais seríamos os mesmos, nunca

mais teríamos Arthur.

– Ninguém te contou? – perguntei, pigarreando.

Minha garganta estava seca e a língua colada no céu da boca,


havia ficado tempo demais sem falar.

– Eu quero a verdade – afirmou, sentando-se na beirada da


cama, o colchão fino e de molas duras rangeu diante do seu peso.

– Não acredita no que foi dito?


Fez um sinal negativo com a cabeça.

– As provas podem ser contundentes e mostrar o contrário,


mas não mataria Arthur, talvez Heitor, mas nunca Arthur... – Fez
silêncio, engolindo em seco. – E nem eu.

Meu peito estremeceu em um soluço trêmulo.

– Eu matei Heitor – confirmei, em um sussurro.

Gabriel estreitou o olhar.

– Por quê? Estava mesmo envolvida com a máfia?

Balancei a cabeça negativamente.

Me senti aliviada por saber que Gabriel estava me dando uma


segunda chance, que ele, mesmo diante de tudo que mostrava o
contrário, queria me ouvir e deduzir por si próprio no que acreditar.

Portanto, seria verdadeira com ele, abriria a minha alma em gratidão


ao amigo fiel que sempre foi, em reconhecimento a chance que
estava me dando.

– Eu matei Heitor... – repeti, mordendo as bochechas, então

arrastei os olhos até os dele, expressando toda a verdade. – E não


me arrependo, faria de novo, inclusive, se tivesse outra
oportunidade.

Um vinco se aprofundou no meio da testa dele, surpresa e

assombro se espalhando pelas suas feições.

– Então me conte toda a verdade, Raika – pediu, respirando


fundo. – Por favor, eu não aguento mais. – acrescentou, revelando o
quanto estava sofrendo, o quanto parecia desolado.

Abri minha boca e cuspi tudo para fora, cada acontecimento


dos últimos meses, tudo o que aconteceu comigo, com Killiam, toda

a verdade que eu sabia e sentia. Contei sobre a morte de Gael e de


Duarte, até mesmo sobre a morte de Caio. Falei em como nunca me
vendi para Killiam, mesmo enquanto dormíamos juntos. E, contei

sobre a morte de Arthur, em como Heitor foi um desgraçado traidor,


e que ele não era o alvo, mas sim, qualquer um dos dois, se não
fosse Arthur teria sido Gabriel.

– Porra! – murmurou, puxando os cabelos com força depois


que eu me calei. – Então Heitor era... as pistas... as apreensões...
tudo o que fizemos... – sibilou, a frase era desconexa pelo turbilhão

de pensamentos.
– Ele achava que eu era informante da Camorra, por isso me
queria fora de cena. Heitor não esperava que eu o matasse, mas já

tinha deixado o arquivo pronto para quando retornássemos.

O maldito tinha preparado um acervo de provas para me


incriminar, indícios que me ligavam à máfia. Ele estava preparado,

caso a morte de Arthur não surtisse o efeito que queria. Como


estávamos só nós dois diante de um corpo, ambos poderíamos ser
os culpados, então, muito esperto e sagaz, deixou tudo pronto para

que nada apontasse para ele. Assim, fui acusada de ambas as


mortes além de corrupção.

– Mas você o matou...

Fiz que sim com a cabeça.

– Ele começou a falar e falar, enquanto Arthur sangrava no


chão, morto. Apenas fiz o que sentia vontade, atirei nele sem

pensar, só queria vingança por Arthur.

– E Arthur... – Não conseguiu terminar a frase, o nome do


amigo era verbalizado com tanta dor que senti meu peito comprimir.
– Não esperava, estávamos lá porque Heitor disse que seria

uma missão, Arthur tentou me proteger, não queria que eu fosse


junto, mas Heitor insistiu, então nós cedemos. – Precisei inalar o ar
antes de continuar. – Eu fiquei ao lado dele por cada segundo, senti

a vida deixar o seu corpo e a morte assumir o lugar, senti cada


batimento cardíaco, cada respiração, até chegar à última.

Gabriel escorou os cotovelos nos joelhos e tapou o rosto com

as mãos, abalado demais, cansado de tudo isso, exaurido com a


situação.

– O velório... – sussurrei.

– Sim, foi um velório digno para ele, homenageado e honrado


– afirmou, me fazendo fechar os olhos e chorar. – As almas gêmeas
dele estavam lá, chorando e lamentando a morte.

Um sorriso fraco franziu meus lábios.

– Ele estaria mais convencido do que nunca se tivesse visto a


cena, todas as mulheres de coração partido no mesmo ambiente.

Gabriel riu.
– Ele com certeza teria – confirmou, escorando-se contra a
parede ao meu lado. – Acredite, não faltou nem mesmo uma.

– Ouviríamos isso por semanas, em como ele juntou todas as


mulheres em um único ambiente – comentei, meu rosto se

contorcendo pelas lembranças.

Gabriel grudou o braço contra o meu e soltou um suspiro.

– Sinto falta dele, Raika, sinto falta de vocês dois e sinto falta

de nós – expressou em um bramido. – Não fui trabalhar essa


semana, fui em um psiquiatra, pedi uma licença e ele concedeu,
fiquei abalado demais com toda a situação, não queria voltar para lá

sozinho.

Encostei minha cabeça contra o ombro dele, o calor humano


me trazendo uma sensação familiar de aconchego, algo que tinha

sentido falta e não tinha percebido.

– Eu sinto muito... sinto tanto, Gabriel.

Ele colocou a mão ao lado da minha cabeça, virou o rosto e


plantou um beijo em meus cabelos.
– Não é sua culpa, Raika, Heitor foi um filho da puta, e juro por
Deus que se você não tivesse matado ele, eu mesmo teria feito.

– Mas se eu nunca tivesse me envolvido com Killiam, então...

– Poderia ter acontecido do mesmo jeito, estávamos

trabalhando indiretamente para Heitor e a máfia para a qual era


vendido, talvez Killiam tivesse nos matado quando veio para o

Brasil, ou até mesmo alguém do Los Zetas. Poderia ter sido muito
pior, não temos como saber. Estava tudo errado desde o início,
fomos peões que Heitor usou e quando achou necessário, jogou

fora.

Ele tinha razão, sabia que poderíamos estar mortos, senão,


por Killiam, por alguém do Cartel. Quando começamos essa

operação e as apreensões, compreendíamos o risco, mas éramos


só três jovens querendo se aventurar pelo mundo e sair fazendo

justiça por aí. E também seria bem provável que eu estivesse, neste
momento, sendo estuprada por alguém que me comprou no leilão
do mercado ilegal.

Acontece que nossos destinos estavam traçados desde o

momento em que aceitamos nos meter nessa furada achando que


era o certo a se fazer, que estávamos espalhando o bem e
cumprindo o nosso dever. Bom, talvez fosse mesmo, se não tivesse

sido tudo meticulosamente calculado e todas as provas plantadas.

– Estou cansada, Gabriel, me perdi quando Arthur morreu e


não tive mais forças para me encontrar – confessei.

Ele estendeu uma mão nas minhas costas e me abraçou

contra ele, me dando um pouco de aconchego, oferecendo carinho


e apoio, mesmo quando também precisava disso.

– Eu sei, mas precisa ser forte, não pode desistir.

– Eu não tenho mais nada, perdi tudo, tudo pelo que eu


acreditava e lutava, estou sozinha, não há mais nada pelo que lutar.

Havia sido exonerada do meu emprego, ou seja, não era mais

uma agente da Polícia Federal, também tinha perdido um dos meus


melhores amigos e perderia meu bebê em poucos meses, assim
que nossos corpos fossem divididos.

– Não é verdade, tem o neném.

Balancei a cabeça.
– Ele vai ser tirado de mim assim que nascer, sabe muito bem

disso, não tenho com quem deixar porque não tenho família, então
ele vai acabar indo para um orfanato.

– Eu posso ficar com ele, Raika.

Eu ri, mas meu coração se apertou.

– E vai cuidar de um recém-nascido sozinho? Sabe que vou


ficar presa pelos próximos vinte ou trinta anos, não é? – perguntei,

levantando a cabeça. – Não serão dias, Gabriel, serão décadas.

– E Killiam?

Senti uma tristeza enorme me assolar com a menção do nome


dele, não tinha parado de pensar em Killiam por um dia que fosse

ao longo da gestação, me sentia um pouco culpada por privá-lo


disso, mas erámos incompatíveis demais para dividir uma criança. E
agora, ele simplesmente jamais descobriria a verdade, jamais

saberia que teve um filho, porque eu perderia o filho dele para


alguém.

– Realmente não sei onde ele está.

Gabriel se levantou em um único movimento, me assustando.


– Eu vou atrás dele.

Arregalei os olhos.

– O quê? – ciciei, estarrecida.

– Se for da sua vontade, Raika, farei o possível e o impossível

para encontrar Killiam, assim, pode pelo menos entregar o bebê


para ele, não precisa perdê-lo.

Cruzei os dedos e respirei fundo.

Eu o perderia de qualquer maneira, mas, ao menos, entregaria

ele para o pai e não para uma casa de adoção em que seria
entregue para desconhecidos.

– Tudo bem – confirmei, espalmando uma mão na barriga,

queria senti-lo enquanto ainda estivesse comigo. – Ele ou ela


merece ser criado pela família, tenho certeza de que Killiam será um
bom pai e Nery e Teodoro bons tios, eles são próximos e se

protegem acima de tudo, vão amar e defender essa criança.

– Certo. Irei encontrá-lo, Raika, eu prometo.


Me levantei e fui até ele, jogando-me em seus braços em um
abraço apertado.

– Obrigada por tudo, Gabriel, você e Arthur me deram um novo

propósito desde que entraram em minha vida, me ensinaram o que


era amizade verdadeira e que o significado de família não é nome e
sobrenome, mas irmandade, companheirismo e integridade.

– E você, Raika Bernardes, me ensinou como é ser honrado,


assim como tenho absoluta certeza de que Arthur sentia o mesmo. –
Beijou a minha testa. – É a mulher mais incrível que eu já conheci.

Gabriel se afastou e foi até as grades, ele retirou as chaves do


carro do bolso e começou a batê-la contra elas, fazendo um barulho

alto.

– Obrigada por acreditar em mim. – Funguei, passando a ponta


do indicador no canto do olho para limpar uma lágrima.

O olhar que Gabriel me lançou resplandecia a verdade e nada

além dela.

– Eu não acreditei que fosse a culpada por nem um único


momento, Raika, só não vim até aqui antes porque estava abalado
demais com a morte de Arthur, precisava de um tempo sozinho.

Eu o compreendia perfeitamente, até antes dele aparecer, eu

não tinha falado com ninguém, nem mesmo com o advogado.


Queria ficar oprimida no meu silêncio, apenas. A visita de Gabriel
me trouxe esperanças e diminuiu um pouco a desolação que me

cercava.

Uma porta foi aberta em algum lugar, sabia que era a agente
penitenciária vindo buscar Gabriel. Me sentei na beirada da cama,

encarando-o, queria esculpir uma imagem dele, encher minha


mente desocupada com lembranças boas.

– Como conseguiu entrar? – sussurrei.

Ele sorriu.

– Digamos que ela seja a nova vizinha que eu falei que sairia
na semana passada. – Piscou.

Balancei a cabeça, incrédula.

Oh, Deus, eu sentiria tanto a falta dele.


A jovem surgiu em nossa linha de visão, um sorriso de canto

para Gabriel. Ela liberou a fechadura da cela e me lançou um olhar


condescendente, antes de acompanhá-lo pelo corredor e os dois

sumirem de vista.

Deitei-me de lado na cama improvisada e voltei a encarar a


parede, não havia mais nada que eu pudesse fazer. Me sentia
aliviada por ter conversado com Gabriel, por ter expressado a

verdade e por ainda ter a sua amizade.

No final das contas, eu não tinha perdido tudo.

Espalmei a mão em minha barriga protuberante e rezei pelo

meu bebê, na esperança de que Gabriel conseguisse encontrar

Killiam e pudesse levá-lo para casa, para a família dele.


Cruzei os braços e encarei Mamba-negra, um esgar nos lábios

e a raiva circulando pelo meu corpo.

– Disse que tinha tudo resolvido, que era só tirar Raika daquele
maldito lugar – objetei, encarando-o.

Ele riu e fez um gesto de desdém com a mão, escorando-se

contra a cadeira simples de madeira.


– E eu tenho, só falta o informante principal aparecer.

O apartamento velho e decaído ao qual estávamos ficava a

poucas quadras de distância do presídio onde Raika era mantida.


Teodoro e Nery estavam jogados no modesto sofá gasto de canto, e

Stefano ao meu lado. No apartamento da frente, estavam tanto os

meus homens como os de Mamba-negra, aguardando segundas


ordens.

Queria resolver as coisas de uma vez, não gostava de

imaginar Raika dentro daquele lugar. Deveria estar se sentindo

sozinha e desolada pela morte do amigo.

– E quem é o informante? – perguntou Stefano.

Mamba-negra encolheu os ombros.

O maldito tinha um jeito único de usar o humor para responder


as perguntas, assim, surtia o maravilhoso efeito de irritar todo

mundo. Ele agia com desdém e usava a ironia na maioria das

vezes.

– Se eu contar, estrago a surpresa – retumbou, arrastando a

cadeira para trás e colocando os pés em cima da mesa. – Só posso


dizer que ele já deve estar chegando.

Eu esperei, não tinha nada que pudesse ser feito, deixei que
Mamba-negra planejasse tudo para a retirada de Raika, o homem

tinha muito mais contatos no Brasil do que eu. Esse não era o meu

território, não poderia simplesmente comprar a porra do presídio ou

a polícia inteira, eles não responderiam a mim. Se estivéssemos em

Nova York, Raika nem mesmo teria sido presa.

Uma batida fraca soou na porta. Mamba-negra estendeu um

dedo para cima e um sorriso se alargou em seu rosto.

– Chegou! – disse, levantando-se e indo até a porta. Meu

semblante denotou toda a surpresa que senti quando reconheci

Gabriel. – Finalmente, o homem estava impaciente – brincou


Mamba-negra.

Gabriel deu um passo para dentro do apartamento, ignorando-

o, os olhos voaram em minha direção e pude reconhecer a dor

dentro deles. Não era um momento fácil para ele, uma amiga presa

e o outro morto.

– Tenho que ser rápido – disse, ainda olhando para mim. –

Tenho certeza de que serei suspeito quando Raika fugir, mas sem
provas da minha participação, não podem fazer nada contra mim.

Maneei a cabeça.

– Raika? – perguntei.

– Está abalada, não parece a mesma.

Precisei de cada fibra de energia que eu tinha no corpo para


não explodir a porcaria da delegacia inteira em que ela trabalhava.

Eu mataria Balbino por isso. Vi as pastas, as provas malfeitas que


usaram para incriminá-la, nada do que dizia nos arquivos chegava

perto de se assemelhar à verdade.

– Quem matou Arthur? – interpelei, fechando as mãos em

punho ao lado do corpo.

– Heitor matou Arthur para incriminar Raika, então ela o matou


para se vingar – revelou.

Agora tudo fazia sentido, tinha certeza de que Raika não


mataria Arthur, mas ouvir a verdade era um pouco libertador, me

mostrava como eu deveria agir quando a encontrasse.


– Raika está em uma cela especial por conta da OAB, um dos

privilégios de um advogado – continuou Gabriel, mudando de


assunto. – Ela não tem o mesmo horário que o restante das outras

presas. Ela vai pegar sol em horário diferente, estão mantendo-a


isolada para a sua segurança, já que fazia parte da polícia.

– E como vamos tirá-la de lá? – perguntou Nery, levantando-se


do sofá e se aproximando.

Gabriel segurou o encosto da cadeira em que Mamba-negra


estava e se inclinou para a frente.

– Eu descobri através de uma amiga que o plantão vai mudar


daqui cerca de uma hora, Mamba-negra já entrou em contato com

alguns agentes responsáveis e... por um incentivo, prometeram


fechar os olhos por alguns minutos – avisou. – Esperem Raika na

porta dos fundos e não esperem mais do que isso para sair do País,
tenho certeza de que os agentes irão comunicar a fuga dela assim

que dobrarem à esquina.

– E como vamos entrar? – perguntou Stefano.

– Com o advogado – afirmou. – Ela tem direito a conversar e


receber o advogado em uma sala especial e privativa para que
possam falar sobre os trâmites processuais. Na hora que
conduzirem ela para esta sala, estejam esperando.

Uma hora. Dentro de uma hora eu encontraria Raika e a tiraria

daquele lugar, levando-a para casa, para um lugar onde seria


amada e respeitada de verdade, bem diferente de como a sua

corporação lhe tratou.

– E quanto a você? – indaguei.

Ele era amigo íntimo de Raika, ela se preocupava demais com

Gabriel, não queria que nada acontecesse a ele, Raika já deveria


estar sofrendo demais pela morte de Arthur, não permitiria que mais

sofrimento fosse acrescentado nessa equação.

– Eu vou para um mercado bem longe daqui fazer compras,


um local onde tenha câmeras o suficiente para me dar um álibi. –

Ele se afastou da cadeira e deu uns passos em direção a porta. –


Cuida bem dela, Killiam, prometi para ela que encontraria você, não

sabia que estava interessado em ajudá-la, ainda assim, fiz uma


promessa e acabei de cumpri-la, Raika é maravilhosa e merece ser

feliz.

Concordei com um aceno.


– E como me achou?

Gabriel tocou na maçaneta da porta, mas não a abriu,


esperando.

– Encontrei o Mamba-negra primeiro, ele tem muitos contatos


no Brasil, então, através dele, cheguei em você e cumpri a minha

promessa. Raika merece ser livre e feliz, não deve pagar pela morte

de um homem sem escrúpulos – respondeu por sobre o ombro. –


Embora diga que não se arrepende, se culpa mesmo sabendo que

agiu em legítima defesa. – dito isso, abriu a porta e sumiu pelo

corredor, deixando o decrépito apartamento para trás.

– Eu não disse que tinha tudo sob controle – declarou Mamba-

negra, abrindo uma garrafa de uísque e bebendo o líquido do


gargalo. – Agora é só esperar e ir buscar a sua garota, mi hermano.

Não respondi, caminhei até a janela e observei o movimento

da rua. Os próximos minutos seriam os mais demorados de toda a

minha vida.
Mamba-negra tinha conseguido um carro veloz e não tão

chamativo para buscar Raika. O meu jatinho nos esperava a alguns

quilômetros de distância, pousado em uma pista particular. Assim

que recuperássemos Raika, Mamba-negra seguiria o seu caminho


com seus homens e eu voltaria para Nova York com os meus.

Tinha certeza de que a fuga de Raika repercutiria


internacionalmente, então já tínhamos nos preparado para evitar

fotos ou exposição nos jornais. Em Nova York, nenhum deles

ousaria publicar a notícia que envolvesse o nome da Camorra, mas


não podia controlar o resto do mundo, embora tivesse alguns

amigos e aliados que poderiam calá-los.

O carro estacionou bem na frente da porta dos fundos do

presídio. A rua não era muito movimentada e a porta servia para a

entrada e saída de funcionários, entrega de mercadorias e essas


coisas, era uma abertura funcional, ninguém a usava para qualquer

outra coisa, por isso, ajudaria a passar despercebido.


Desci do carro e segurei a porta entreaberta, encarando

Teodoro e Stefano e Nery.

– Fiquem aqui e mantenham o motor ligado – avisei.

Não queria que viessem comigo, o plano poderia ser um


fracasso e precisava que meus irmãos voltassem para Nova York

para assumir a minha posição. Depois do tempo que ficamos

ausentes e em como as famílias agiram, os chefes de família


estavam esperando apenas uma oportunidade para nos derrubar do

poder e eu não daria isso a eles.

– E se for preso? – perguntou Nery.

– Então voem para Nova York e achem um jeito de me tirar

dessa merda – afirmei, batendo a porta com força.

Mamba-negra estava ao meu lado, arrumando suas luvas e o

olhar afiado. As roupas escuras que vestia, camisa, calças e

sapatos, contrastavam com a pele branca e olhos castanhos.

– O advogado? – perguntei e ele respondeu com um dar de

ombros.
Esperamos por dois minutos antes de um senhor de idade virar

à esquina e caminhar em nossa direção. Ele vestia um terno cinza-


chumbo e carregava uma maleta na mão esquerda.

– Suponho que meus honorários estejam pagos – comentou,


parando na minha frente. – Sou o doutor Vitor Massena –

apresentou-se.

Stefano abriu a porta do carona, onde estava sentado, e

estendeu uma mala para o homem, muito parecida com a que ele

carregava. Vitor entregou a dele e ficou apenas com uma,


verificando o peso antes de acenar.

– Vamos entrar – disse, erguendo o pulso para ver a hora. –

Teremos cinco minutos.

Ele caminhou até a porta de alumínio, fechou a mão em punho

e bateu, dando um passo para trás. Um piscar de olhos depois, ela

foi aberta por um agente que olhou para todos nós antes de liberar a

passagem sem dizer absolutamente nada.

Passamos por uma cozinha clara e extensa, então por um


corredor apertado e, por fim, pela sala onde deveríamos ser
revistados. Mas não havia ninguém, nenhum único agente

penitenciário, era como se o lugar estivesse vazio.

– As câmeras? – perguntei para Mamba-negra.

– Tudo sob controle, elas estragaram essa manhã, já abriram


um protocolo solicitando um técnico, mas essas coisas demoram,

sabe como é – disse, fazendo Vitor rir à nossa frente.

O advogado abriu uma porta e entrou, era a sala onde ele e

Raika deveriam conversar em sigilo.

– Ela vai estar algemada? – questionei, encarando a porta

fechada sem piscar.

– Raika apresentou bom comportamento desde que chegou

aqui, nunca levantou a voz para um agente ou se mostrou


agressiva, então ela não usa algemas – disse ele. – Seria muito

difícil declará-la inocente, de qualquer forma, ela pegaria boas

décadas de pena.

– Nunca mais colocarão as mãos nela – prometi, cerrando a

mandíbula.
Ficamos em silêncio, somente as nossas respirações fazendo

barulho dentro da sala. Não conseguia tirar os olhos da madeira


escura, meu coração retumbava a cada segundo que se passava

sem a presença dela. Passos soaram do outro lado, então a

maçaneta girou e Raika entrou.

Ela parou ao me ver, os olhos arregalados, a cor se esvaindo

do rosto. Franzi a testa, ela parecia... diferente, estreitei o meu olhar


em sua direção, descendo-o pelo seu corpo.

Dei um passo para trás.

E então outro.

– Você está grávida? – perguntei, a voz soando aguda demais.

Raika abriu um sorriso amarelo e descansou a mão em cima

da barriga redonda e protuberante que distendia a blusa cinza para

caber debaixo dela, nem mesmo as calças de moletom conseguiam


disfarçar o fato de que tinha um bebê ali dentro.

– Surpresa! – disse, trêmula.

Não era possível.


Olhei outra vez, piscando, querendo ter certeza de que não
estava sendo enganado por uma miragem ou que eu estivesse

imaginando coisas, mas era real, Raika estava muito grávida.

– Você vai ser pai? – gracejou Mamba-negra, sorrindo. Ele

olhou de mim para Raika e vice-versa. – Não parece satisfeito, mas

surpreso – ponderou. – Acho que acabou de descobrir isso.

– Porra, é claro que eu acabei de descobrir! – vociferei,

esfregando os cabelos com raiva. – Porra, Raika, porra! – repeti, me


aproximando dela. – Quando iria me contar, caralho?

Raika estremeceu, ela parecia tão abatida, a garota cheia de

luz e que carregava o brilho da justiça nos olhos, estava apagada,

decaída em escuridão. Os cabelos estavam presos em um rabo-de-


cavalo e as maçãs do rosto saltadas, indicando que havia perdido

peso. Embaixo dos olhos, marcas profundas e escuras


pigmentavam a pele. Entristecida e quebrada, era assim que parecia
aos olhos de todos.

– Eu não iria contar, Killiam, não pretendia, pelo menos –

confessou em um sussurro. – Não esperava estar grávida, fiquei


sabendo três meses depois que foi embora.
– E iria esconder o meu filho de mim? – grunhi, segurando-a
pela cintura e puxando-a para mim.

Ela confirmou.

– Ou filha, ainda não sei.

Puta merda!

Sabia que um dia teria que ter filhos, precisava gerar herdeiros
que me representariam, portanto, nunca repeli a ideia de ter bebês,
mas eu estava muito surpreso e não sabia ainda o que pensar.

Eu estava confuso e muito perdido e esses eram sentimentos


que eu não era muito familiarizado. Sempre sabia o que queria,
sendo direto e muito focado. E, agora, me sentia muito distante de

ser assim... Eu estava feliz com o bebê, por tê-la encontrado


finalmente e por saber que a teria comigo em meus braços para o
resto da minha vida, acalmando os meus demônios e suprindo a

necessidade da minha obsessão descompensada. Teríamos um


legado dessa relação, um que estava sendo gerado e em breve
estaria entre nós. Um bebê meu e dela. Meu herdeiro legítimo. Um

Muccino.
– Veio por causa do Gabriel? Ele mandou você? – inquiriu
baixinho. – Precisa se apresentar como o pai do bebê, assim que
ele nascer, irão entregá-lo a você – Agarrou os meus pulsos com

força, me fazendo encará-la. – Por favor, me prometa que cuidará


bem dele, não importa o que aconteça.

Franzi a testa.

– O que você está falando, Raika?

Ela pareceu confusa.

– Não veio até aqui para pegar o bebê? Ficarei presa por
muitos anos, não posso ter a guarda dele. Eles o entregariam para

um orfanato, mas como você é o pai e o Gabriel conseguiu


encontrar você, o bebê será entregue ao progenitor.

Me afastei dela, segurando o seu braço e me virei para o

Mamba-negra e Vitor.

– Podemos ir? – perguntei, mantendo Raika colada em mim.

Se ela continuasse falando asneiras, eu iria esganá-la. Não


acreditava que eu quase tinha perdido para sempre o filho que nem
sabia que existia. Ela não tinha o direito de esconder isso de mim,
embora, no fundo, eu compreendesse seus temores.

Ela era uma policial e eu era o chefe da máfia, como, em


mundos tão distintos e complexos, poderíamos gerar e criar uma
criança juntos?

Mas agora era diferente, Raika faria parte do meu mundo e

teríamos uma família juntos. Ela era minha.

Raika se tornaria a minha mulher, rainha da máfia, a senhora

da Camorra.

– Sim – confirmou o advogado, olhando o relógio de pulso


mais uma vez. – Vocês têm segundos, na melhor das hipóteses,
minutos, assim que saírem daqui.

– O quê? – murmurou Raika, confusa.

– Vou na frente, batizarei o caminho da realeza da máfia –


debochou Mamba-negra.

– Vamos para casa, Raika – informei, segurando-a com tanta

força que deixaria marcas em sua pele, mas eu nunca mais a


soltaria.
Mamba-negra abriu a porta e colocou a cabeça para fora,

espiando, então cronometrou nossa saída em seu celular e levantou


um braço em um sinal. Não esperei que abaixasse, empurrei-o para
fora e percorri o caminho pelo qual havíamos entrado.

– Eu não tenho mais casa – comentou Raika, a voz denotando


a dor que sentia por dizer isso.

Puxei-a mais para mim, aconchegando-a em meu corpo


enquanto sincronizávamos os passos.

– Sim, Raika, você tem, a minha casa será sua, e agora, do


nosso filho também.

Girei em um corredor e entrei em uma sala que estava sendo

reformada, o cheiro forte de tinta flutuou até o meu nariz. Um agente


surgiu em nossa linha de visão, ele olhou de mim para Raika.

– Ei, vocês dois, podem parar por aí – gritou, levando a mão ao

coldre da cintura para sacar a arma.

Era muito atrevimento da parte dele pensar que apontaria uma


arma para a minha mulher na minha frente. E para a minha mulher
grávida ainda por cima.
Corri os olhos ao redor e me aproximei de um banco, em cima
dele havia um pinador de metal. Estendi o braço e o recolhi,
direcionei-o para o agente e apertei o botão. O pinador retumbou e

pregos voaram da ponta, atingindo o agente e se enterrando em seu


rosto, braços e dorso, levando-o ao chão.

Poderia recolher a minha arma a qualquer momento, mas


acreditava que não seria uma boa ideia, os agentes que estavam de

olhos fechados, poderiam abri-los ao som dos tiros.

– Isso foi incrível – gritou Mamba-negra, rindo e batendo


palmas.

– Acho que vou vomitar – sibilou Raika.

– Vomita no carro – protestou Mamba-negra.

Percorremos o restante do corredor, passando por cima do


agente caído ao chão que atrapalhava o caminho. A maioria do

lugar fedia a álcool e as luzes irritavam os olhos, os leds


contrastando com as paredes escuras. Viramos em outro corredor

menor e mais estreito e finalmente encontramos a cozinha, o cheiro


de álcool foi sendo substituído pelo de café fresquinho e a luz do sol
que se infiltrava pela porta e janelas abertas, acalmava os olhos
irritados.

Outro maldito agente estava no local, tomando a porcaria do

café, assim que nos viu, se levantou do banco com pressa, fazendo-
o cair. Não esperei pela ousadia em sacar a arma, recolhi uma
frigideira vazia de cima do fogão e joguei em seu rosto, acertando-o

precisamente e levando-o a um desmaio.

Ao atravessarmos a porta que dava acesso para o pequeno


pátio, os pés de Raika falharam e ela estendeu o braço para tapar a

claridade dos olhos, confusa e um pouco receosa.

– A quanto tempo você não pega sol? – perguntei, conduzindo-


a para a porta de metal que nos levava a saída do lugar.

– Não quis ir para o pátio, só queria ficar isolada no meu canto


– revelou.

Empurrei a porta com uma mão e com a outra impulsionei


Raika para fora. Ela piscava sucessivamente, tentando habituar-se

com a claridade. Mamba-negra me ajudou a conduzi-la até o carro,


o motor estava ligado e Nery pronto para acelerar.
– Nos vemos em breve, Killiam – disse Mamba-negra,
despedindo-se. – Espero ser convidado para o casamento. –

Piscou, então foi para o carro atrás do nosso e entrou no banco


passageiro.

– Que porra é essa? – perguntou Teodoro, encarando a barriga

de Raika como se ela pudesse pular nele.

Fechei a porta e Nery acelerou, sem esperar ou perder ainda


mais tempo. Stefano virou para trás e Nery encarou Raika pelo

espelho retrovisor. Com toda a atenção que estava recebendo, uma


cor bonita cobriu as bochechas da policial.

– É... hum... olá! – disse, envergonhada. – Vocês vão ser tios!

– Estendeu os braços e abriu outro sorriso amarelo.

Teodoro colou as costas contra o banco e jogou a cabeça para


cima.

– Deus, eu vou ter um infarto – ciciou, abrindo os primeiros

botões da camisa.

Nery passou em um sinal laranja, arrancando buzinadas


descontentes dos motoristas que estavam prestes a atravessar o
cruzamento. Ele virou à direita, desviando as ruas principais.

– Isso sim que é uma surpresa... – comentou Nery,


comprimindo os lábios.

Stefano ligou o rádio para que pudéssemos ouvir as notícias,


estávamos correndo contra o tempo e era bom saber quando a fuga

de Raika seria comunicada. Mamba-negra e seus homens estavam


no carro logo atrás, eles nos escoltariam até a pista.

– O filho é de Killiam? – perguntou Stefano, incrédulo.

Nery dobrou o carro para o lado em um solavanco, segurei


Raika para mantê-la segura, não queria que se desequilibrasse e
batesse em algum lugar.

– Não lembro, foram tantos homens entrando e saindo do meu


apartamento nos últimos meses – respondeu Raika, abrindo um
sorriso depreciativo para Stefano –, sabe como é difícil decorar o

nome de todos.

Ele revirou os olhos.

– Sou o conselheiro da máfia, só perguntei como garantia.


– Cala a porra da boca – retruquei para ele.

Raika já estava infeliz o suficiente, tão abatida que eu precisei


de alguns segundos para raciocinar direito, não parecia em nada
com a garota com quem eu convivi por longos meses. E eu sabia

que o filho era meu, não precisava que me provasse nada e nem
mesmo desconfiava dela. Raika era minha, se tornaria a minha

esposa e seria a mãe dos meus filhos.

Encostei na barriga dura, sentindo uma emoção diferente


aflorar dentro de mim. Como algo novo, colorido, brotando em um
lugar regido por escuridão. Arregalei levemente os olhos, espantado

com o que estava sentindo, embasbacado com os efeitos.

Senti cada um dos impulsos que eu possuía por Raika serem

transferidos para o bebê, a vontade iminente e absurda que eu tinha


de protegê-la expandindo-se até o fruto da nossa relação que ela
carregava. Ninguém ousaria fazer mal a eles, esmagaria e dissiparia

qualquer um que tentasse. Eles eram meus, minha mulher e sangue


do meu sangue.

Raika escorou a cabeça em meu peito e fechou os olhos,

inspirando profundamente. Ela estava se sentindo em paz por estar


ao meu lado e eu me sentia realizado por estar ao lado dela.

Minha garota;

Minha ex-inimiga;

Minha futura esposa e a mãe do meu filho;

Minha obsessão;

Apenas, minha.
A viagem foi tranquila, nenhum carro nos perseguiu, mas
ouvimos falar sobre a minha fuga no rádio quando estávamos a

umas três quadras da pista particular. Contudo, já era tarde demais,

corremos para o jatinho e alçamos voo, escapando do território


brasileiro.
Eu sabia que nunca mais poderia retornar para a minha terra

natal, não pelos próximos anos, pelo menos. Eles iriam me caçar,
meu nome estaria estampado em todos os jornais e seria registrado

no sistema de foragidos da polícia.

Heitor tinha me tirado tudo, o desgraçado acabou com a minha

vida. Matou um dos meus melhores amigos, me deixou sem


carreira, e quase me fez perder meu filho.

Grávida. Sem emprego. Presa. Sem ninguém. Eu não era mais

nada.

Mas então Gabriel apareceu e reacendeu uma chama apagada

dentro do meu peito, senti esperanças depois da nossa conversa.


Não por mim, mas pelo bebê que eu esperava. Minha vida estava

acabada, mas ele merecia ser feliz, era o fruto de um

relacionamento proibido, mas cheio de verdades e sentimentos

reais. Não era planejado, mas era muito desejado.

Só que com Killiam, o que era uma simples chama de

esperança, se tornou labaredas de possibilidades.

Esfreguei os dedos no corrimão da escada, analisando a

superfície lisa. Era tudo tão diferente do apartamento em que eu


vivia, não tinha tido tempo ainda de conferir todos os cômodos e os
jardins, mas a casa de Killiam parecia um parque de diversões. Pelo

que Nery havia me dito, eles tinham piscina, academia, salão de

festas, área de treinamento, sala de jogos, cinema e tantas outras

coisas que eu não conseguia nem mesmo mensurar.

Não era apenas uma casa, era o território deles, o lar em que

viviam sem que precisassem se preocupar com perigo. Aqui,

estavam seguros.

E, embora fosse tão diferente de tudo o que eu estava


acostumada, eu gostava daqui, gostava do espaço da casa, da

visão que tinha através da minha janela. Eu não via uma rua

movimentada com um alto fluxo de veículos, eu conseguia ver tanto

verde que meus olhos brilhavam, flores lindas e uma piscina que me

deixaria cativa ao longo do verão.

Desci as escadas lentamente, analisando as imagens de

família que cobriam as paredes ao longo de cada degrau. Cheguei

ao primeiro piso e entrei em uma sala de televisão. Killiam, Nery,

Teodoro e Stefano estavam atirados em um sofá enorme de couro


preto, assistindo a uma luta.
Pigarreei e eles me encararam, desviando os olhos da TV.

– Precisa de alguma coisa? – perguntou Nery

– Preciso de um médico – avisei, cruzando as mãos na frente

do corpo.

Killiam se levantou em um só movimento, a testa franzida.

– O que aconteceu? – indagou, aproximando-se de mim.

Sabia que ele estava me dando espaço para assimilar tudo o


que tinha acontecido nos últimos dias. Ficamos meses sem contato,

então a minha vida virou, literalmente, de cabeça para baixo e


Killiam reapareceu, descobrindo de um jeito bem direto que seria

pai. Nós dois precisávamos de um tempo, tanto que ele tinha me


colocado no quarto ao lado do dele.

– No Brasil, a doutora Vanessa era a minha obstetra, preciso

de um novo médico para assumir o lugar dela, logo entrarei no


terceiro trimestre da gravidez e precisarei de novos exames.

Eu também queria saber qual seria o sexo do bebê, tinha


postergado muito tempo o momento e me arrependia disso, Arthur

morreu sem saber quem tinha vencido a aposta.


Killiam confirmou com um aceno.

– Temos um consultório médico improvisado nos fundos, serve


para cuidar de homens feridos... – comprimiu os lábios, os olhos

vagando para a minha barriga. – Não grávidas, mas irei habilitar a


clínica para atender vocês e contratarei a melhor obstetra de Nova

York.

– Tem ecógrafo?

– Sim – confirmou Killiam.

Bom..., não precisaria esperar que a reforma fosse finalizada,


tampouco a chegada da médica.

– Quer conhecer o restante da casa? – perguntou Killiam,


dando um passo para frente.

Os outros estavam calados, observando a cena, eles sentiam


que tinha algo de errado comigo, sabiam que eu estava em cacos,
mas não compreendiam como me ajudar. E por um bom tempo eu

também não sabia, achava que não tinha mais solução, mas percebi
que só eu poderia fazer isso, ninguém poderia curar as minhas
feridas, exceto eu mesma. E eu era muito resiliente, sabia que
conseguiria, mas levaria um tempo.

– Sim, seria bom – disse, colocando uma mecha de cabelo

atrás da orelha.

Killiam me conduziu até uma porta lateral que dava acesso

para a enorme piscina. Ao redor dela havia espreguiçadeiras, mesas


e guarda-sóis. O local era impecável, a água da piscina azul

cristalina.

Caminhamos por um pequeno caminho de pedras, analisei os


arbustos de flores, o cheiro adocicado de cada uma delas permeava

no ar, oferecendo ao meu olfato um aroma agradável. Mais à frente,


tinha um caminho de arbustos que formavam um labirinto enorme.

Eu sorri.

– Ninguém se perdeu nele? – perguntei, apontando para o


labirinto.

Killiam soltou uma gargalhada e colocou as mãos nos bolsos.

– Teodoro e eu o usávamos para nos esconder de nossa mãe

quando éramos crianças, ela nunca conseguia nos encontrar, era o


nosso caminho secreto para fugir do castigo.

Passei a mão pela minha barriga e soltei um suspiro.

– É um lugar incrível para crescer.

Killiam retirou uma mão do bolso e a pousou em meu ombro.

– Está vendo aquela árvore lá? – Apontou para um carvalho

antigo e muito volumoso. Fiz que sim com a cabeça. – Daqui não

conseguimos ver, mas do outro lado tem uma casa da árvore.

– Fantástico! – exalei.

Killiam mostrou outra direção.

– Aquela estrada de pedras leva para o galpão de treinamento

– apontou para o lado inverso –, e ali para um lugar de tortura.

Arregalei os olhos.

– Céus... – murmurei, esfregando a barriga com mais afinco, o

instinto maternal aflorando. – O bebê não irá naquela direção,

nunca.
– Nunca é um lapso de tempo muito grande, Raika, se for ele,

será meu herdeiro, consequentemente, o sucessor do meu cargo.

Não me sentia pronta para essa conversa, entendia quais eram


as consequências de ter engravidado do Capo, mas ainda não

estava pronta para aceitar o que meu filho teria que passar.

– Eu sei – suspirei.

Killiam parou de caminhar e me virou de frente para ele,


curvando um pouco o corpo para nivelar os nossos rostos enquanto

os olhos me encaravam com tanta profundidade que eu parei de

respirar.

– Eu quero você, Raika, quero como minha mulher, minha

esposa e mãe dos meus filhos. Não parei de pensar em você por
nem um minuto que fosse desde que vim embora – falou com tanta

convicção que meus pelos se arrepiaram, a mão dele subia e descia

em meu braço em uma carícia lenta e gostosa. – Não daríamos


certo, sua profissão era muito importante para você e teria que

abdicá-la para ficar comigo, não poderia ter as duas coisas. Então,

quando soube que estava presa, não pestanejei em voltar ao Brasil


e trazê-la para mim, sabia que tinha sido traída, assim como sabia

que deveria estar destruída pela morte de Arthur.

– Killiam... – ciciei em um bramido, ele me calou com um

balançar de cabeça.

– As coisas são diferentes agora, Raika.

– Sim, são diferentes – confirmei, um resquício de lágrima

escorrendo pelo canto do meu olho. – Eu não sou mais a mesma,

não sou quem conheceu e por quem deve ter se apaixonado. Estou
quebrada. Rompida em tantos destroços que acredito que nunca

mais voltarei a ser a mesma. – Tentei me afastar, mas ele me

impediu. – Eu vi Arthur ser morto na minha frente sem que eu

pudesse fazer nada, eu só assisti e depois fiquei ao lado do corpo


sem vida, ignorando as horas. – Solucei, as lembranças me

alvejando. – Foi... horrível, Killiam.

Ele me puxou contra o peito dele e espalmou a mão ao lado do

meu rosto, fazendo um barulho reconfortante com a boca, tentando

me acalmar.

– Eu sei, mas eu quero te ajudar, Raika, não quero te

consertar, porque sei que algumas coisas não têm mais conserto,
mas quero remendar os seus cacos, cobrir as suas feridas –

sussurrou contra os meus cabelos. – Leve o tempo que for, meu


amor, não me importa quanto seja, estarei aqui com você.

– Mesmo que eu não seja mais aquela que conheceu? –


soprei, a voz abafada pelo peito dele.

Killiam estremeceu em uma risada fastidiosa.

– Ainda é a minha Raika, não a mesma que conheci, mas uma


versão mais forte dela. – Me afastou para encarar o meu rosto. – Eu

matei tantas pessoas que não consigo nem mesmo mensurar, com

outras eu fiz coisas muito piores do que a morte proporcionaria,


Raika, você está falando com o monstro errado, amor.

– Mas eu não me arrependo de ter matado Heitor – contestei.

– Pode não se arrepender, mas não consegue esquecer do

que fez. Eu sei como é a sensação da primeira morte, eu senti


prazer e muita satisfação, por isso consigo identificar a culpa que

assola esse coração honroso.

Engoli em seco e desviei o olhar.


Odiava Heitor, queria ressuscitá-lo para matá-lo muitas outras

vezes, tantas que eu me cansaria de fazer isso. Mas, ao mesmo

tempo, queria confiar na justiça, acreditar que ele pudesse ter sido

preso e julgado como seria o certo.

– Vamos viver um dia de cada vez, pode ser? – perguntou,

esfregando o lado do meu rosto com o polegar, limpando as


lágrimas que marcavam minhas bochechas. – Logo nosso bebê vai

nascer, Raika, e tenho certeza que com ele nossas esperanças de

dias melhores. – Se inclinou e beijou minha testa. – Ficou


traumatizada com a morte de Arthur e eu entendo completamente,

era muito apegada a ele, o viu ser tomado de você de uma forma

brutal. Não posso curar essa ferida, mas ajudarei a cicatrizá-la.

– E se ela não tiver solução? Eu me perdi, Killiam, me perdi

para sempre.

– O corte foi profundo, pode cicatrizar, mas deixará a marca do

que aconteceu, como um lembrete do seu sofrimento. E isso te


moldou, te deixando preparada para não ser mais ferida.

– Ainda assim quer uma pessoa quebrada? Uma versão

totalmente diferente da que se envolveu no passado?


Ele sorriu, o meio-sorriso incisivo que costumava oferecer às

pessoas quando se sentia compelido ou quando tinha sua opinião


colocada em dúvida.

– Sou o que mais repudiava, Raika, um monstro sanguinário


que mata, tortura e caça as pessoas por puro interesse, acha

mesmo que sou inteiro? Nunca poderei mudar, nem por você ou por

ninguém, ainda assim, se envolveu comigo e acreditou em mim.


Não há nada sobre você que faça com que eu me sinta menos

atraído, eu a quero, não importa em quantos pedaços esteja,

cuidarei de cada um deles.

Me inclinei na ponta dos pés e plantei um beijo casto em seus

lábios, afastando-me em seguida.

– Obrigada – agradeci.

Eu ainda estava me habituando a esta nova realidade. Batalhei

e lutei muito para passar no concurso da Polícia Federal, acreditava

fervorosamente que era a minha vocação que eu tinha nascido para


exercer aquele cargo, para fazer justiça. Talvez, fosse mesmo isso

que eu deveria fazer, talvez o destino tenha me colocado nessa

profissão para que eu pudesse conhecer Killiam, para que eu


pudesse vingar Arthur. Eu não sabia, só sabia que não me
arrependia de ter entrado para a polícia, de ter conhecido Arthur e

Gabriel, de ter conhecido a família Muccino.

O destino era traiçoeiro demais para arrependimentos.

A única certeza que eu tinha era a de que precisava fazer uma

coisa, precisava me despedir de quem eu era, deixá-la partir, dar

adeus para o meu distintivo, para a vida que eu tinha antes de

começar a nova.

De pés descalços e com o pijama de dormir, fui até a sala de


jogos de onde podia ouvir o burburinho de vozes. Meus passos
eram silenciosos contra o piso laminado.

Dois dias antes, Killiam me convidou para ir fazer compras, já

que eu tinha vindo somente com a roupa do corpo e nada mais. Mas
eu não aceitei, não queria sair de casa, não me sentia preparada

para encarar o mundo exterior, então ele chamou uma equipe para
tirar as minhas medidas e desenhar todas as minhas roupas, tudo o
que eu queria e mais um pouco. Também aproveitou para contratar
pessoas que ficariam responsáveis pelo enxoval e o quarto do bebê.

Não sabia se era pelo dinheiro investido ou o medo do que

Killiam poderia fazer, só sei que eles foram muito ágeis e rápidos.
Em poucas horas me trouxeram algumas peças de roupa, dentre
elas, o pijama que eu estava vestindo:  baby look e shorts pretos de

cetim.

Empurrei a porta que estava escorada e entrei no cômodo,


Nery e Teodoro jogavam videogame na tela plana. Tiros e bombas

ressoavam para todos os lados.

Cruzei os braços e ergui as sobrancelhas.

– Vocês já não matam o suficiente na vida real? – perguntei.

Eles levaram um susto, travaram a tela e se viraram para mim.

– Jesus, mulher, quer nos matar do coração? – perguntou


Nery.

Eu ri e balancei a cabeça.
– Ainda não se acostumaram com uma presença feminina na
casa? – indaguei, caminhando até uma poltrona de lado e me
sentando. – Em breve, poderão ter mais do que apenas uma.

Nery fez o sinal da cruz.

– Deus me livre, espero que seja um homem.

– E por que esse machismo todo? – retruquei, cruzando as

pernas.

– Machismo? – interveio Teodoro. – Acha mesmo que vamos


deixar qualquer imbecil chegar a cinquenta metros da nossa
sobrinha? Se ele olhar para ela por mais do que dez segundos, será

um cara morto.

Estreitei meus olhos e abri a boca, perplexa.

– Deus... vocês são insanos! – redargui.

Uma conversa parecida com essa, de um dia não muito longe,

me alvejou. A lembrança de como Gabriel e Arthur prometeram ser


tios perfeitos para o bebê e de como foram magníficos durante o
período da gravidez em que fiquei com eles. Eu sentiria a falta

deles, sempre carregaria a saudade comigo.


Meu coração comprimiu tanto que precisei respirar fundo para
acalmar a dor. Pisquei, focando no agora, deixando as lembranças

doloridas e saudosas para trás.

Nery levantou um dedo em riste.

– Somos apenas... territorialistas e protetores, ninguém vai


chegar perto de uma Muccino sem a nossa permissão – disse, como

se fosse a desculpa perfeita para tanta insanidade.

– E se for um menino? – provoquei, escorando um braço no

encosto da poltrona.

Teodoro colocou o controle para o lado e se virou para mim.

– Será ensinado como nós fomos.

Queria perguntar o que significava, mas sabia que odiaria a


resposta, então resolvi ficar calada e absorver a ideia aos poucos,

eu ainda tinha muitos anos antes disso para me acostumar.

– Onde está Killiam? – perguntei, mudando de assunto.

– Torturando alguém – respondeu Teodoro, simplesmente.


Arqueei as sobrancelhas. Nery lançou um olhar enfezado para

o irmão.

– Claro, para defender a família e por um motivo muito


plausível – murmurou Nery, tentando melhorar a fala direta de

Teodoro.

– Está tudo bem – eu disse, suspirando –, realmente não me


importo com isso, sei que a máfia não é bonita e a hierarquia só
funciona porque o chefe é temido, então...

Jamais romantizaria o que eles faziam e eu realmente não me


importava, tinha aprendido o suficiente sobre o que eu julgava ser

errado ou certo e estive errada por muito tempo.

No final, fui salva pelos vilões e executada pelos heróis.

– Precisa de alguma coisa? – Teodoro me encarou, os olhos


descendo para a minha barriga, o rosto assumindo contornos de

preocupação.

Concordei com um aceno.

– Preciso de sorvete de avelã.


Eles se entreolharam.

– Agora? – A voz de Nery soou um tanto aguda.

– Sim, agora.

– Mas são três da manhã... – comentou Teodoro.

Encolhi os meus ombros.

– Não posso conter meus desejos, eu estava sonhando com


sorvete, então acordei com a boca salivando e... é um caso de
necessidade – afirmei, fazendo gestos enfáticos com as mãos. –

Pensei que Killiam pudesse estar aqui, ia pedir pra ele ir comprar. –
Meus olhos se encheram de água, embaçando a visão.

Detestava os hormônios da gravidez, estava prestes a chorar

por causa da porcaria de um sorvete, mas sentia tanta vontade que


minha língua pesava, imaginando o gosto.

Teodoro e Nery arregalaram os olhos, ambos assumindo a


mesma expressão, o que foi meio engraçado.

– Eu vou pegar o sorvete, não precisa chorar – avisou Teodoro,

levantando-se do sofá. – Deixa comigo, missão dada é missão


cumprida.

– Obrigada – funguei.

Ele correu porta a fora, como se eu pudesse agredi-lo pela


demora ou pela falta do sorvete. Não podia prometer nada, era um

desejo muito profundo, tanto que mataria só para tomar meu sorvete
em paz.

Nery ficou em silêncio, os olhos fixos em mim, os músculos do


corpo rígidos, preparado para correr caso fosse necessário.

– O que foi? – objetei grosseiramente. – Acha que eu gosto de

me sentir assim? Nenhum maldito livro que eu li sobre gravidez


falou que as coisas seriam difíceis, eles simplesmente romantizaram
toda a gestação e agora estou descobrindo por conta própria que

não é bem assim que funciona.

Nery jogou os braços para cima.

– Eu nem falei nada.

– Mas estava pensando – acusei.


– Deus..., Teodoro, traga logo o sorvete – rogou, encarando o
teto.

Gargalhei alto, limpando as lágrimas acumuladas com o


indicador.

Nery e eu entramos em assuntos triviais e cerca de meia-hora


depois, Teodoro chegou com seis potes de sorvete e muito

chocolate. Nós nos sentamos no chão e colocamos tudo em cima da


mesa de centro, então comemos até a barriga doer. Joguei algumas

partidas e perdi todas elas. Vimos, através da janela, o sol nascer e


só assim fomos para a cama dormir.

Eu me sentia feliz e satisfeita. Me sentia bem, depois de tanto

tempo me sentindo miserável. Ainda não me sentia completa e


achava que jamais voltaria a me sentir assim, mas, estava satisfeita
em me acostumar com essa nova versão, em aprender a gostar

tanto dela ao ponto de não sentir mais falta das partes que se
perderam para sempre.

Era bom ter uma família, melhor ainda, era conseguir seguir

em frente um dia de cada vez.


Deixei o pequeno consultório que tinha nos fundos da casa de
Killiam com o coração comprimido. O papel contendo o sexo do

bebê que eu carregava na mão direita parecia queimar os meus

dedos, estava ávida para abrir e ler, mas ainda não era o momento.

Passei pelo galpão sem janelas, ou, também conhecido como


o lugar de tortura da família Muccino. Atravessei todos os fundos
dos jardins, ultrapassando até mesmo o local de treinamento que

Killiam havia dito. No final de tudo isso, tinha um pequeno lago com
árvores fechadas ao fundo e um balanço em uma delas. Ouvi falar

que era o lugar favorito da senhora Muccino, ela ia até o lago

quando as coisas estavam difíceis em casa, para fugir e ficar a sós.

Caminhei até o balanço e puxei as cordas, garantindo a minha


segurança por conta da idade avançada. Elas não cederam, então

eu me sentei.

Observei o lago claro, a sombra dos peixes nadando na água

eram visíveis e o barulho do vento balançando o topo das árvores,


dos insetos e do chilrear dos grilos eram a minha única companhia.

Entendia por que a senhora Muccino gostava tanto, era libertador e

gerava um sentimento de paz interior.

Me balancei, contemplando a brisa que batia em meu rosto e

balançava os meus cabelos através dos movimentos. Fechei os

olhos e deixei a minha mente voar, vagar pelas novas esperanças

que estavam sendo construídas, pelo futuro que eu teria e pela


família que eu tinha encontrado e me fazia feliz.

Sorri, apenas sentindo e apreciando.


Abri os meus olhos e retirei o celular do bolso, entrei no
WhatsApp e efetuei a chamada de vídeo.

– Eu já estava ansioso – disse Gabriel ao atender.

– Hum... deixa eu adivinhar, comeu uma barra inteira de

chocolate para aplacar a ansiedade? – brinquei.

Ele levantou o papel vazio para a tela, revelando a verdade.


Gabriel amava comida, comer era a coisa favorita dele no mundo,

foi daí que começamos as apostas sobre quem pagaria o próximo

jantar.

– É a vida... – respondeu, dando de ombros. – Agora pare de

enrolar e abra logo esse papel.

Meu coração acelerou em meu peito, depois de meses,

descobriria o sexo do meu bebê. Não me importava muito com isso,

tinha vontade de saber, mas não sentia uma necessidade, por isso
enrolei por tanto tempo.

– Tudo bem, vou virar o papel para você, ok? – perguntei, um

sorriso se espalhando em meu rosto.


Segurei o celular com uma mão e com a outra virei o papel

para a tela e o desdobrei com os dedos. Fechei os olhos e esperei.


Meu coração batia em minhas costelas com tanta força que eu

podia senti-lo zunir e meu estômago estava embrulhado, como se


minhas tripas estivessem dando um nó.

– Puta merda! – disparou Gabriel.

Abri um olho, espiando-o por sobre os cílios, mas não


conseguia identificar o que estava escrito no papel pela tela do

celular.

– Fale logo! – grunhi, ofegante. Ele riu e bateu palmas,


postergando o momento da notícia, fazendo de propósito para me

irritar. – Tudo bem, eu vou olhar – avisei.

Abri os olhos e virei o papel para mim.

Menino.

Meus olhos se encheram de lágrimas que se derramaram

pelas minhas bochechas. Emoção, felicidade e plenitude, me


alvejaram. Um misto de emoções que não conseguia assimilar ou

controlar.
Sempre sonhei em ter filhos, construir uma família, deturpar a

solidão que eu carregava. E agora, eu estava conquistando tudo


isso.

– Você perdeu! – eu disse, fungando.

– Porra, Arthur finalmente deu uma dentro – murmurou,

balançando a cabeça. – Nem acredito que dessa vez o jantar seria


por minha conta.

– Não se esqueça de me enviar os doces típicos, não vai ter

como pagar o jantar, então me envie doce de leite, paçoca,


cocada... – Pisquei.

– Nem acredito que vou fazer mesmo isso, comprar uma mala
só para encher de doces e te enviar.

– Ah, com certeza vai – retorqui, rindo –, ninguém mandou

perder a aposta.

– Droga, Raika, eu sempre fui do time dos vencedores, custava

ter me dado uma mãozinha só dessa vez? – zombou.

Dei de ombros.
– Arthur venceu, ele não precisaria pagar o jantar e ainda te
daria um prejuízo grande para compensar todas as vezes em que
teve que pagar para você – murmurei, sorrindo com as lembranças,

imaginando como Arthur estaria agora.

Gabriel riu, mas o sorriso não chegava aos olhos, havia uma

aura de tristeza ao nosso redor, de saudade e nostalgia.

– Sinto a falta dele... – confessou, em um sussurro. – sinto a

falta dos dois, a sala é tão vazia, tão sem graça, eu nem sinto mais
vontade de ir trabalhar como sentia antigamente.

Suspirei e escorei o rosto contra uma das cordas do balanço.

– Eu sei que sim, mas precisa seguir em frente, Arthur amava a


profissão e tinha orgulho do time que montamos. Agora, sua maior
missão é montar outro time, fazer dos seus novos colegas os seus

amigos, alguém que nos represente, que dê continuidade ao


trabalho que criamos.

– Eu sei – comprimiu os lábios –, mas é tão difícil, nunca mais


vai ser como era antes, não consigo mais olhar para a polícia com a

mesma honra e orgulho.


Eu o compreendia, também não conseguia agir como se nada
tivesse acontecido, como se ainda me interessasse fazer parte da
corporação. Eu não queria, não voltaria mesmo que pedissem,

mesmo que eu fosse inocentada. Havia mágoas muito profundas em


meu peito para serem consoladas, nada do que acontecesse me

faria voltar.

– Mas é a sua profissão, Gabriel, entendo a decepção, mas

não podemos julgar uma corporação inteira pelo erro de meia dúzia.

A polícia precisa de você, precisa que faça a diferença, que


represente o que nós fomos aí dentro. Ensine seus novos colegas,

mostre a eles o certo, o que significávamos e faça o bem.

Heitor era podre, um homem que não merecia nem mesmo o

velório honroso que teve. Ele era ruim, ambicioso e representava a

escória da sociedade. Já Arthur, Gabriel e eu éramos o contraste,


lutávamos pela justiça e para ela. Se Gabriel tivesse a chance de

continuar o nosso legado, que o fizesse e mostrasse a todos o que

representávamos e o que queríamos para o futuro.

– Prometo que farei isso, que honrarei o que construímos.

Suspirei, sorrindo.
– Sei que vai.

Ele ficou em silêncio por um segundo, pensativo.

– E..., Raika? – chamou, levando a mão à nuca.

– Sim?

– Lembra das excludentes de ilicitude[2]?

Franzi a testa.

– Claro que me lembro.

– Legítima defesa[3] é uma delas – falou.

A conversa estava tomando um rumo muito estranho, não fazia

sentido o que Gabriel falava ou o que queria expressar.

– Eu sei, mas não entendi por que está me falando isso –

retruquei, franzindo o nariz.

– Sempre foi movida pela lei, sempre quis seguir cada linha

descrita nela, então... te conheço muito bem, Raika, sei que pode
não se culpar pela morte de Heitor, mas pensa que as coisas

poderiam ser feitas diferentes.


– Gabriel, eu... – interrompi.

– Me deixe terminar! – continuou bufando. – Você seguiu a lei,


Raika, legítima defesa é um direito constitucional, Heitor matou

Arthur e estava prestes a fazer mal a você, portanto usou do seu

direito para se livrar do perigo, se não fossem as provas armadas


que ele deixou contra você, jamais teria sido presa, nunca teria que

responder por algo que estava errado.

Respirei pesadamente.

– Está tentando me dizer que não sou uma assassina? –

Encarei-o através da tela. Ele fez um sinal positivo com a cabeça.

– Sim, estou dizendo que agiu dentro das linhas da lei,

portanto, Raika Bernardes, pare de se perguntar como as coisas

poderiam ser, você repeliu injusta agressão.

– Mesmo que eu não tenha agido com esse intuito, mas sim,

para me vingar? – retruquei.

Gabriel deu de ombros.

– Isso já é outra história, o fato é que, se não fossem as

provas, estaria solta e livre porque é inocente da morte de Heitor.


– Obrigada, Gabriel, obrigada por tudo.

Não me culpava por ter matado Heitor, mas agora, conseguia

entender que meu instinto de justiça era mais forte que eu, mais

aguçado do que poderia concordar. Heitor matou Arthur e eu queria


que pagasse por isso, queria que a justiça fosse feita, não importava

quais seriam as consequências. E eu fiz.

Se estivesse vivo, estaria livre dentro de alguns anos, ou, pior

ainda, solto e eu presa, acusada da morte de Arthur e de corrupção,

enquanto Heitor viveria feliz e em paz.

Eu fiz justiça com as minhas próprias mãos.

Fiz justiça por Arthur; por mim; por todos nós.

A máfia agia assim, era justa com os seus, protegia a família

acima de tudo e era fiel ao que acreditava.

Abri um sorriso enorme e brilhante, um que poderia compelir

com o próprio sol.

Estava pronta para fazer parte da máfia, talvez meu destino

não fosse ser uma agente da Polícia Federal, mas sim, estar onde
eu estava. Me tornaria um Muccino. Minha fidelidade estaria com

eles e sabia que a deles já era minha.

– Seja feliz, Raika – disse, semicerrando os olhos em um

sorriso cheio de carinho e saudade.

– Você também, faça justiça por mim e por Arthur, continue o

nosso legado. – Lancei a ele um beijo no ar. – Sentirei sua falta,

mas sempre terá um lugar em meu coração, não importa o tempo


que passe.

– E você um no meu, não importa as circunstâncias.

Não perderíamos o contato, mas não poderíamos nos falar


com tanta frequência, se descobrissem que Gabriel ainda mantinha

contato comigo, seria exonerado do cargo e poderia até mesmo

responder por isso. Para a segurança dele, precisava me afastar.

Encerramos a ligação, a tela do celular escureceu e eu pude

ver o meu reflexo.

Eu me perdi, mas também me encontrei.

Era uma nova versão minha, a resiliência agindo como deveria.


Entrei em casa segurando o papel com o sexo rente ao peito,
meu coração não pesava tanto, a angústia estava indo embora e

cedendo lugar para a felicidade.

Senti o cheiro de comida e fui até a cozinha, meu estômago

roncou no processo, faminto e pronto para devorar o que quer que

estivessem preparando.

Killiam terminava de cozinhar um prato de macarrão, Nery,


Teodoro e Stefano estavam sentados nas banquetas da ilha, os

olhos fixos na comida como se estivessem há dias sem comer nada.

– Então... – falei, revelando a minha presença.

Killiam terminou de colocar a massa no prato refratário, jogou a


panela suja na pia e se escorou contra o mármore, cruzando os

braços e me encarando. Ele tinha um pano de prato pendurado no

ombro e parecia tão sexy que eu precisei me segurar para não

avançar nele.
– Deus, o que você quer comer agora? – perguntou Teodoro,
esfregando o rosto.

Soltei uma gargalhada estrondosa que ecoou pela cozinha.

– Antes de mais nada, serei a primeira a me servir, estou


grávida, portanto, tenho prioridade – avisei e eles suspiraram. –

Segundo, – olhei para cada um deles, fixando meu olhar em Killiam

– o pequeno Muccino não quer nada incomum, só ser alimentado.

– O bebê... – disse Killiam, franzindo as sobrancelhas escuras.

Balancei a cabeça.

– Ele está com fome.

Joguei o papel com a escrita legível do médico sobre o sexo do


bebê em cima do balcão. Eles se inclinaram e, um por um, leram as

três pequenas palavras em inglês: boy. Por dois segundos, havia


somente o silêncio, os quatro assimilando o que eu tinha dito, mas
então, gritos, risadas e palavras ininteligíveis romperam ao redor,

enquanto comemoravam o sexo do bebê.

– Graças a Deus, nossos cabelos pretos continuarão dessa cor


por mais alguns anos – rogou Nery, jogando as palmas para cima.
– Nem acredito, precisamos pensar em qual será a primeira
arma que ele aprenderá a manejar – comentou Teodoro, pensativo,
me fazendo vincar a testa.

– Parabéns, irmão, o herdeiro que a famiglia tanto espera está

finalmente chegando – comentou Stefano, sorrindo amplamente.

– Cara, outro Muccino no mundo..., as mulheres estão


perdidas – acrescentou Nery e eu revirei os olhos.

Killiam veio até mim e segurou a minha cintura, plantando um


beijo em minha testa, têmpora, bochecha, maxilar e boca. Os olhos
dele resplandeciam com tanto orgulho que chegava a me cegar.

– Obrigado – agradeceu, pousando a mão em minha barriga. O


bebê chutou bem na hora, como se estivesse contente com a nossa
família. Killiam sorriu. – Agora só falta aceitar se casar comigo –

disse, beijando meu pescoço.

Suspirei, minha boceta se contraindo em animação e


excitação. Eu estava com tanta saudade dele, meu corpo se sentia
pronto para ser fodido todas as vezes que ele se aproximava.

– Uma festa bem simples e só para a família? – perguntei.


Killiam se afastou para me encarar, surpreso.

– É sério? – questionou. Confirmei com um aceno. – Porra,


Raika, você é incrível!

Ele me beijou com tanto fervor que eu quase entrei em

combustão espontânea. Os lábios roçaram nos meus, as línguas se


misturaram, entrando em uma sincronia perfeita e as mãos vagaram
pela minha cintura, tendo um cuidado vigilante com a barriga. O

cheiro dele estava uma delícia, temperos misturados com o perfume


que permeava a pele. Não sabia se ficava mais excitada ou com

fome, ou ambos. Só sabia que eu o queria, tanto que chegava a


doer.

Killiam era meu. Levei muito tempo para entender que

nascemos um para o outro. Éramos tão diferentes ao mesmo tempo


em que nos complementávamos de um jeito enigmático.

Quando se afastou, minha respiração estava densa e meu

coração acelerado.

– Precisamos apresentá-la para a famiglia – avisou,


acariciando os meus cabelos com a mão grande e precisa. – Será a
rainha da máfia, amor, todos precisam conhecê-la e respeitá-la.
Ergui o maxilar e abri um meio-sorriso incisivo, determinação
faiscaram em meus olhos.

– Estou pronta para isso, Killiam Muccino.


O vestido preto, tomara que caia e colado ao corpo se
arrastava pelo chão conforme eu caminhava. Ouvia o murmúrio da

música clássica do meu quarto no salão principal, assim como a

conversa paralela das pessoas. Estavam todos aqui para me


conhecer, para descobrir quem seria a esposa de Killiam e ver com

os próprios olhos o herdeiro que eu gerava em meu ventre.


Killiam, Nery e Teodoro me informaram como essas coisas

funcionavam, como tentariam me desequilibrar diante de todos,


como eu seria o centro das atenções. Eu não seria aceita, tampouco

respeitada, pois não fazia parte da máfia. Era uma desconhecida,

uma brasileira sem família ou sangue importante, uma estrangeira


envolvendo-se nos negócios da famiglia. Killiam foi enfático ao dizer

que ninguém falaria mal de mim, não na frente dele, pelo menos, as

pessoas tinham medo do que ele se tornava quando eu era


ofendida. Talvez nunca me aceitassem, mas aprenderiam a me

respeitar.

Mas havia um, porém em toda essa situação, não queria ser

protegida por eles para sempre, ou usar do sobrenome Muccino

para impor minha presença, teria que descobrir um jeito de fazer

isso sozinha. Eles seriam obrigados a me respeitar, eu já me sentia


parte da máfia, tinha me encontrado, assim como a família que

sempre tanto quis. Então, ninguém me tiraria isso, nem que eu

precisasse matar novamente para impor essa condição. Já tinha

perdido muito na vida e não aceitaria perder mais nada.

Olhei o meu reflexo no espelho, a maquiagem estava

impecável, olhos sombreados, cílios puxados e batom vermelho.


Meus cabelos estavam soltos e presos atrás da orelha que
carregava um brinco enorme de diamante – outro dos tantos

presentes de Killiam.

Soltei um suspiro. Minhas mãos estavam empapadas de suor e

a minha pele mais fria do que o habitual. Me sentia nervosa e fazia o

máximo para não demonstrar.

Killiam entrou no quarto e parou no meio do caminho ao me

ver, perplexo. Ele vestia um terno preto, gravata escura e camisa

branca. Lindo como sempre.

– Você está maravilhosa, Raika – disse, aproximando-se de

mim, o perfume flutuou até o meu nariz.

Um rubor cobriu minhas bochechas, me sentia quente diante

do seu olhar.

– Obrigada.

Killiam parou em minha frente e beijou a minha testa,


afastando-se e me estendendo uma caixa preta de veludo.

– Pensei que gostaria de ter de volta – disse, encarando o

objeto que eu segurava nas mãos –, fez parte de quem era.


Destravei a caixa e a abri, meus olhos se encheram de

lágrimas quando encarei o meu distintivo da Polícia Federal. Passei


a ponta do dedo pelo símbolo, dedilhando-o. Já tinha feito isso

tantas outras vezes, principalmente quando o segurei pela primeira


vez, cheia de um orgulho que não cabia no peito.

Nossa trajetória foi linda e cheia de conquistas, me encontrei e


precisei me perder para que pudesse me encontrar outra vez, sendo
sempre resiliente até descobrir a qual lugar eu pertencia, de fato.

Uma parte minha sempre seria a Raika Bernardes, a Agente da


Polícia Federal, determinada e destemida, sempre olharia para o

distintivo com orgulho e saudade, mas ele não me representava


mais, não sentia nem mesmo que me pertencia. Agora, a nova
versão encarava o símbolo da Camorra com o mesmo orgulho e

determinação ao qual encarou o distintivo uma vez.

Funguei e joguei a cabeça para cima, impedindo que as

lágrimas pudessem borrar a minha maquiagem.

– Como conseguiu? – perguntei, abanando uma mão em frente


ao meu rosto.
– Digamos que eu tenha pagado um dos agentes para que me

devolvesse os seus pertences – respondeu, colocando uma mão na


minha nuca e me acariciando com o polegar. – Deixou a sua vida

inteira para trás, perdeu muita coisa, pensei que pudesse ter algo
que te fizesse lembrar de quem era.

Balancei a cabeça.

– Não preciso me lembrar de quem eu era, prefiro mil vezes

essa minha versão – avisei, fechando a caixa com o distintivo e a


colocando em cima da cama. – Obrigada por tê-lo recuperado, é
uma boa lembrança de um dos momentos da minha vida, mas que

não me representa mais.

Não me arrependia dessa parte da minha vida, era grata a ela


por ter me colocado no caminho de Killiam, por ter conhecido

Gabriel e Arthur, mas não significava mais nada para mim. Eu seria
uma Muccino em breve, minha lealdade estava na Camorra e na

minha família.

– Está pronta? – perguntou, entrelaçando os dedos nos meus.

Coloquei um sorriso nos lábios.


– Nasci pronta, Killiam, vamos terminar logo com isso para que
eu possa me declarar de uma vez por todas a senhora Muccino.

Killiam me beijou, esfregando os lábios contra os meus.

– Já é a senhora Muccino desde o momento em que eu te


conheci, Raika, fiquei obcecado por você, e este é um fato que

ninguém pode mudar.

Com as mãos entrelaçadas, descemos as escadas e fomos em


direção ao salão principal. Mantive a cabeça erguida e os olhos

distantes, frios, como via Killiam fazer. As conversas cessaram


completamente quando pisamos no salão, todos os olhos do local,

sem exceção de ninguém, foram lançados para mim. A música


clássica ainda entoava, o barulho das teclas do piano em sincronia
com as batidas do meu coração.

As pessoas vestiam roupas formais, os homens usavam terno


e as mulheres vestidos longos. Não tinha noção de números, mas

apostava que deveriam ter no mínimo trinta. Garçons passavam


servindo espumante e whisky, deslizando pelo piso com a bandeja

nas mãos.
Killiam e eu atravessamos o salão, indo em direção ao restante
dos irmãos Muccino. Nery, Teodoro e Stefano estavam incríveis e
muito diferentes de como eram quando estávamos só nós em casa.

Aqui, diante da corja, eram mafiosos sem escrúpulos, frios e


sanguinários. Uma máscara que eram obrigados a colocar. E então

eu entendi essa hierarquia e como o respeito era regido a punhos


de ferro. Killiam os fazia sentir tanto medo que nenhum deles tinha
coragem de contestar as suas ordens.

Recolhi uma taça de espumante de cima de uma bandeja e


tomei um gole. Segundo a minha nova médica, estava livre para

ingerir até duas doses por semana, nada além disso.

Encarei o restante das pessoas com um desdém invejável,

franzindo os lábios em um esgar.

– Você está linda, Raika – comentou Nery se alojando ao meu

lado direito, Killiam estava no esquerdo.

Teodoro se aproximou, pude sentir sua presença e consegui

vê-lo por sobre o meu ombro.

– Aposto que Killiam vai matar alguém essa noite – sibilou,

sorvendo um pouco de whisky. – Já vi uns homens falando de Raika


abertamente, sem medo nenhum do humor dele.

Killiam soltou uma risada enfastiante.

– Matarei o salão inteiro se for preciso – respondeu, somente.

Ergui as sobrancelhas.

– Bem simplório, graças a Deus – sussurrei.

Nery tossiu para esconder uma risada.

– Vamos nos divertir, família – falou Teodoro, dando um

empurrão no ombro de Killiam e se direcionando para o meio da

multidão.

As próximas horas foram um tédio, cumprimentei e conheci

tantas pessoas que não tive nem mesmo tempo para decorar os
nomes. Recebi muito ódio destilado. Os homens me olhavam com

nojo e indiferença, enquanto as mulheres com superioridade, como

se fossem muito melhores pelo simples fato de terem nascido dentro


da máfia. Não conheci ninguém que me tratasse com afeto ou até

mesmo um pouco de complacência.


O jantar foi servido e nós nos dirigimos até uma mesa extensa.

Killiam se sentou na ponta e eu me sentei ao seu lado direito,

enquanto Teodoro ao seu lado esquerdo, Nery ao lado dele e


Stefano do outro lado.

Bebi mais um gole de espumante, recém terminando a primeira


dose que me era permitida.

Um homem de idade avançada sentou-se ao meu lado, me


lançando um olhar enviesado de desdém. Ele me era familiar, mas

não conseguia identificar de onde.

A entrada era um bolinho de batata com queijo gorgonzola e

molho branco. Estava uma delícia, o bebê tinha se revirado em

minha barriga, aprovando a comida.

– Não faz mais parte da polícia brasileira? – perguntou o

senhor sentado ao meu lado, em um português enrolado e


arrastado.

– Não – respondi, sem vontade nenhuma de continuar o


assunto.

Ele riu com escárnio.


Se esperava que eu negasse que era uma policial, estava

muito enganado, não tinha a intenção de mentir para ninguém. Me


sentia orgulhosa de quem eu tinha me tornado, assim como sentia

orgulho de quem eu era e do meu passado.

O prato principal foi servido, um Paillard de filet, recheado com

queijo emmental, acompanhado de risoto de palmito com alho-poró.

Outra delícia e muito bem aprovado pelo bebê.

Killiam observava a todos de onde estava, os olhos voavam a

cada segundo, ele não parecia relaxado nem mesmo quando estava
mastigando a comida. Ficava em alerta, pronto para me defender se

percebesse que eu corria qualquer risco.

As conversas paralelas aumentaram enquanto o restante dos

pratos não chegava. Observei a louça, ignorando as pessoas, não

queria olhar para ninguém que não fosse a minha família.

Um garçom se aproximou pelo meu ombro e encheu a minha

taça, me colocando finalmente na segunda e última dose permitida,


antes de se afastar outra vez.

– A vadia de Killiam se comporta como uma cadela sem teto,

ela mal sabe segurar os talheres. – Riu o homem ao meu lado,


falando em um inglês perfeito.

Fiquei rígida e olhei para frente, encontrando os olhos de


Teodoro. Ele franziu a testa, mas não disse nada.

– Ele vai se cansar dela rapidinho, isso se chama chá de


boceta – respondeu a mulher ao lado dele, rindo com desdém.

Eles pensavam que eu não entenderia, por isso conversavam

em inglês. Diante de tantas conversas paralelas, Killiam, Nery,

Teodoro ou Stefano não poderiam ouvir, mas eu sim, já que estava

ao lado deles.

– Antes ou depois dela acabar com a famiglia? Ela ainda fez a


proeza de engravidar, teremos um bastardo comandando a máfia no

futuro – comentou com desdém.

– Isso será um problema, infelizmente – falou a mulher. –

Precisamos encontrar uma moça de dentro da famiglia para Killiam,

alguém que esteja à altura dele e ao que representa.

Recolhi a minha taça de espumante e tomei todo o líquido de

uma vez, sem apreciar a última dose, mal sentindo o gosto da


bebida diante da fúria que crescia em mim, meu braço se arrastava

lentamente pelos músculos rígidos.

– Ela vai cuspir um bastardo atrás do outro, os meninos vão

ser um problema, mas as meninas podem ser vadias como a mãe e


entreter os homens – expressou, fazendo um barulho asqueroso

com a garganta.

Pisquei, minhas pupilas se dilataram pela raiva que eu sentia.

Teodoro estreitou os olhos. Meu coração batia com tanta força e

fazendo tanto esforço que eu comecei a suar, o ódio correndo pelas


minhas veias e diluindo o meu sangue.

– Quando Killiam se cansar dela, teremos diversão – continuou

ele.

– Enquanto isso, encontrarei uma moça de família que esteja à

altura do cargo que se casar com um Muccino representa –

complementou a mulher.

Ninguém ameaçaria a minha família. Nunca mais. Nem a mim,

nem a Killiam, nem aos meus filhos, nem a nenhum dos Muccino.

Muito menos colocaria a minha nova posição em prenúncio. Não na


minha frente.
Me levantei em um movimento, empurrando a cadeira para trás
com as pernas. Recolhi a taça de espumante pela haste e grudei a

borda na mesa, quebrando-a.

Ouvi o suspiro de algumas mulheres.

Ignorei.

A mão do desgraçado descansava tranquilamente em cima da

mesa, peguei a taça quebrada e finquei em sua pele, afundando os

cacos cortantes como uma navalha em toda a palma.

Ele gritou de olhos arregalados.

O sangue começou a sujar a toalha branca, derramando ao

redor.

Killiam, Teodoro, Nery e Stefano se levantaram em um

movimento, olhando entre mim, o homem e a mão ensanguentada


com a taça fincada.

– A vadia sabe falar inglês, seu imbecil – disse, alto o


suficiente para que todos pudessem ouvir. – E se ameaçar a mim,

meus filhos ou minha família de novo, eu corto a sua garganta –


vociferei, empurrando um pouco mais a taça e recebendo um
grunhido de dor. – Já matei antes e não tenho medo de fazer de
novo.

Me afastei, recolhendo a toalha de colo e limpando as mãos.


Lancei um olhar mortal para a mulher.

– Se continuar insinuando outras mulheres para o meu futuro

marido, arrancarei a sua língua e esfolarei seus olhos, assim,


deixará de ser uma velha intrometida – ciciei, sorrindo diante do

olhar arregalado e cheio de espanto e descrença dela. Virei-me ao


redor. – Já terminei, o jantar estava ótimo – avisei, olhando de um
por um. – Espero que se sintam servidos – Sorri friamente.

Ninguém falou absolutamente nada, nem mesmo podia ouvir


as respirações, como se elas estivessem trancadas em seus
pulmões.

Killiam fulminou o homem.

– Preciso de um médico – disse ele, a voz esganiçada pela


dor, a outra mão segurando o pulso para manter a palma no lugar,
com medo de mexê-la e machucá-la mais ainda.

Killiam riu e se inclinou sobre a mesa.


– Vai terminar cada prato que for servido, então, vai aproveitar
mais um pouco do jantar oferecido em homenagem a Raika, só
depois, na hora de ir embora, é que poderá procurar um médico.

– Vou sangrar até a morte – insistiu.

– Se levantar dessa mesa e descumprir as minhas ordens –


Killiam olhou para Stefano –, darei ao seu filho o que ele mais quer,
uma bala na sua cabeça.

Céus, o idiota era o pai de Stefano? Pelo menos ele não


parecia ter muito apreço pelo pai.

O mafioso olhou para a mulher intrometida.

– Se continuar desonrando a minha noiva, darei a ela o prazer


de fazer com você exatamente o que disse que faria e ainda
mandarei esculpir a sua língua para que fique exposta em nossa

sala de reuniões, como um lembrete aos outros do que acontece


com quem desrespeita a rainha – sibilou.

Ela ficou branca feito um papel e imóvel como uma estátua.

Killiam jogou o guardanapo na mesa com raiva, derrubando

uma das taças que estavam em cima e se afastou.


– Se mais alguém falar de Raika, a morte os espera –
ameaçou, me puxando para ele. – Ela é a rainha da Camorra, deve

ser respeitada e protegida. Se agirem contra ela, se a desonrarem


com palavras baixas: morte. Estamos entendidos?

Ninguém ousou falar nada além de acenar em confirmação, os

rostos brancos pelo sangue drenado em decorrência do medo.

– Podem trazer os outros pratos, meus convidados estão muito


animados e famintos – gritou Killiam.

Os garçons voltaram a circular à mesa, ignorando a taça


cravada no dorso da mão do pai de Stefano, como se não fosse
nada. Killiam me puxou em direção ao escritório e fechou a porta.

– Killiam – disse, pensando em como me explicaria.

– Porra, Raika, quase me fez gozar nas calças – falou, me


virando de frente para ele e beijando o meu pescoço e colo. –
Parecia uma maldita diaba vingativa.

– Não está bravo? – perguntei.

Ele riu.
– Eu estou morrendo de orgulho, os idiotas estavam duvidando

de você, colocando em discussão a sua capacidade como rainha da


máfia, mas depois de hoje ninguém ousará fazer de novo, vão te
respeitar e te temer.

Agarrei a gravata dele e a puxei para fora do pescoço, então


deslizei o blazer pelos seus braços até o chão e abri os primeiros
botões da camisa.

– Não seria mais fácil ter me dito para esfaquear alguém?

Assim a gente diminuía o tempo dessa tortura.

Ele colocou a mão em meu queixo e inclinou a minha cabeça,

encarando-me.

– E perder toda a parte boa? – Beijou meus lábios. – Me


surpreendeu hoje, meu amor, não sabia que entendia inglês, menos
ainda que conseguia esfaquear alguém e ser sexy ao mesmo

tempo.

Eu nunca tinha demonstrado ou contado a ele que era quase


bilíngue, entendia e falava inglês, mas não era completamente

fluente. Mantive segredo porque pensei que Killiam pudesse falar


algo com os irmãos na língua estrangeira, achando que eu não
entenderia nada e estariam muito enganados.

Passei a ponta da unha pelos gominhos do peitoral dele e


coloquei a língua para fora, lambendo meus lábios ressecados.

– Me fode, Killiam, preciso de você! – avisei, desesperada.

Killiam me girou em um só movimento e deslizou o zíper das


minhas costas, abrindo o meu vestido. Meus seios saltaram,

pesados de tanto desejo. Então ele me virou de frente para ele outra
vez e me beijou com tanto amor, tesão e desejo misturados.

Senti a ponta da mesa do escritório nas minhas costas, abri as

minhas pernas e Killiam me colocou sentada. O pau estava duro


debaixo da calça de terno.

– Eu te amo, Raika – sussurrou, beijando o meu queixo. – E


porra, ouvir você ameaçar a desgraçada da Giuseppina, cheia de

ciúmes e possessão, foi a minha perdição, mulher, quase perdi o


controle e mandei todo mundo embora para que eu pudesse fodê-la

na mesa de jantar.

Exalei, atônita diante da declaração.


– E eu te amo, Killiam, obrigado por ter me dado um novo
sentido de família, obrigado por ser a minha direção.

Levei as mãos até o cós das calças dele e me desfiz do cinto,

o botão seguiu o mesmo caminho. Abaixei a boxer e toquei no pau,


dedilhando a ponta molhada.

– Eu preciso tanto de você – murmurei, gemendo.

Killiam colocou a minha calcinha para o lado e impulsionou os


quadris para frente. A ponta do pau deslizou pela minha boceta,
para cima e para baixo, espalhando a lubrificação. Então ele me

penetrou em um só movimento, afundando-se todo em mim.

– Porra, caralho! – xingou, fechando a mão em punho nos


meus cabelos.

– Oh, Deus! – gemi, fechando os olhos.

Eu sentia tudo tão mais intenso, agora tudo o que tinha lido

nos livros de gestação fazia sentido.

Agarrei os ombros de Killiam e me impulsionei para frente,


deixando a minha bunda na beirada da mesa para que ele pudesse

ir ainda mais fundo.


– Killiam, por favor... – implorei.

Ele acelerou o ritmo, impulsionando os quadris para frente e

para trás em movimentos vaivém. Killiam saía por inteiro da minha


boceta só para que pudesse entrar todo de novo.

– Porra, Raika... faz tanto tempo, não vou conseguir durar


muito – anunciou.

Ele me fodeu com força e rapidez, deslizando o pau duro até a


base para dentro de mim. Finquei as unhas em seus ombros e

comecei a gritar quando o orgasmo veio.

– Fique quieta, não quero matar todos porque estão ouvindo


você gozar, amor, esses gritos só pertencem a mim e a mais

ninguém – sibilou, tapando a minha boca com a mão.

Estremeci, o orgasmo me arrebatando, fazendo meus


músculos vibrarem.

– Caralho, Raika, está me sufocando, amor... que delícia.

Killiam retirou a mão da minha boca substituindo-a pelos seus

lábios, os quadris continuaram investindo contra os meus. O barulho


da sucção dos nossos corpos se tornou mais alta e líquida por
causa do meu orgasmo. Ele gemeu e eu engoli seu gemido. As

mãos se afundaram em minha cintura para me manter no lugar


enquanto aumentava o ritmo, tornando-o frenético.

– Hum... – murmurou, mordendo o meu lábio inferior.

Ele estocou, abrindo a minha boceta para deslizar para dentro

dela. Senti outro orgasmo se aproximando. Killiam soltou a minha


cintura para massagear o meu clitóris, os dedos longos e precisos
brincaram com o nervo, circulando-o.

Gozei com tanta força que ele precisou enfiar minha cabeça
em seu peito para abafar os meus gritos. Killiam me acompanhou,

jorrando porra dentro de mim, gozando com intensidade.

Ficamos em silêncio por um tempo no mesmo lugar, apenas


aproveitando o torpor pós-orgasmo. Estávamos suados e nossas
respirações ofegantes.

– Eu te amo, amor – repetiu, beijando a minha testa – Não vejo


a hora de te fazer minha esposa.

– Já sou sua Killiam, não importa o que digam, sempre fui sua,
mesmo quando lutava para não ser – refutei, acariciando os braços
musculosos. – Eu te amo tanto.

Ele saiu de dentro de mim, o pau amolecido e sujo dos nossos


gozos.

– Vamos para o quarto.

– Para o seu ou para o meu? – perguntei.

– De hoje em diante não temos mais quartos separados,


vamos dormir juntos, Raika, e não aceito discussões quanto a isso.

Encolhi os ombros.

– Eu nem iria discutir mesmo, acabei de descobrir que o sexo é


muito melhor durante a gravidez – anunciei, balançando as pernas
no ar. – Então se prepare, quero ser fodida o dia inteirinho.

Ele arqueou uma sobrancelha.

– Isso não precisava nem pedir, meu pau já está pronto para a

próxima – falou, encarando o pau que estava mesmo endurecendo.


– Ele já sente falta da sua boceta.

Soltei uma gargalhada.


– Bom... porque ela também sente falta dele.

Killiam se aproximou e segurou o meu rosto entre as mãos


com carinho e muito cuidado.

– Vamos nos casar, Raika, é minha mulher e será minha


esposa e a minha rainha.

– Agora eu serei uma criminosa como você – perguntei com

ironia.

– Não, você será muito pior, só ainda não sabe – declarou.

– Estaremos juntos para sempre ­– confessei

– Pra sempre, Raika Muccino, até o fim dos meus dias.

 
MESES DEPOIS

Meu bebê mexia as pernas no ar e enfiava as mãos dentro da

boca, os olhos castanhos encaravam o teto de vidro do jardim de


inverno ao qual estávamos, observando os flocos de neve que

caíam lentamente ao nosso redor, flutuando pelo ar. Na rua, neve


cobria a maior parte dos jardins, transformando o que era verde em

branco límpido.

Era tão lindo aqui dentro, sentia como se estivesse dentro de


um globo de neve, amava passar os dias aqui, espairecendo ou

aproveitando a companhia de Lorenzo e de Killiam também.

– Ei – chamei, beijando suas bochechas gordinhas e

inspirando seu cheirinho bom –, o que foi, Lorenzo? Quer passear?


– perguntei, como se soubesse responder. Ele tentou pegar a minha

pulseira de berloque, a que Killiam tinha me dado anos atrás, mas

eu a puxei antes que pudesse enfiá-la na boca, com o movimento


abrupto, minha aliança de casamento reluziu em meu dedo.

Lorenzo nasceu pouco depois de um mês do meu casamento

com Killiam. Ele estava programado para duas semanas depois,

mas resolveu se antecipar e quase matar todo mundo do coração,

principalmente os irmãos Muccino. A noite foi um desastre,

estávamos dormindo quando a minha bolsa estourou. Era Killiam

gritando de um lado, Nery e Teodoro correndo do outro e Stefano


tentando apaziguar as coisas. Mas depois de quase trinta horas de

muita dor e sofrimento, Lorenzo nasceu de parto normal.


Gabriel tinha vindo tirar férias em Nova York, então passou uns
dias aqui conosco para conhecer Lorenzo. Ele estava mais

habituado no serviço, os novos colegas eram jovens inexperientes,

mas que sentiam uma necessidade absurda de mostrar trabalho, o

que fez Gabriel lembrar como éramos, como nós três

funcionávamos bem e fomos um sucesso no tempo em que

duramos.

Recolhi o mordedor de Lorenzo ao lado e o coloquei em suas


mãozinhas, mas ele preferia morder a pele para aplacar a coceira

dos dentes crescendo ou objetos proibidos ao invés de brincar com

os brinquedos adequados.

Ele era tão parecido com Killiam, até mesmo a cor escura dos

cabelos lembrava os Muccino. E era tão perfeito, não conseguia

olhar para ele sem me sentir boba, sem sentir tanto orgulho do filho

que eu tive.

– Raika – chamou Nery de longe, me levantei sobre os

cotovelos da toalha estendida em que estava deitada com Lorenzo e

o encarei. – O almoço está pronto – avisou.

Um sorriso permeou meus lábios.


– Killiam está dando conta? – perguntei.

Era véspera de Natal e Killiam tinha decidido que cozinharia a

ceia toda, já que seria a primeira vez que passaríamos com Lorenzo

fora do ventre. Então eu peguei o nosso filho e corri para o jardim de


inverno, seria mais útil se não estivesse por perto para atrapalhar,

eu era um desastre ambulante na cozinha. Lorenzo tinha sorte de


ter Killiam, se dependesse de mim para cozinhar para ele, morreria
de fome.

– Sim, acredite se quiser – respondeu Nery, surpreso.

Ele caminhou até onde estávamos, se inclinou e pegou


Lorenzo no colo, girando-o em seus braços e arrancando uma

gargalhada gostosa da criança.

– Vamos, sabe como ele é no horário das refeições.

Sim, eu sabia, Killiam não suportava que pulássemos uma


refeição, deveríamos dividi-las em família, todo mundo junto. Era um

momento sagrado para ele.

Me levantei e recolhi as nossas coisas do chão. Segui Nery e

Lorenzo para dentro da casa que ficava ligada ao jardim de inverno.


Uma reforma que Killiam tinha feito para me agradar, já que eu

gostava tanto de passar um tempo no jardim e era impossível fazer


isso nos meses de inverno.

Mal atravessamos a porta e o cheiro de manjericão recebeu


meu olfato.

Massa.

O prato favorito dos Muccino e o que Killiam mais gostava de


preparar. Origem italiana e essas coisas.

Teodoro puxou a cadeirinha de Lorenzo para perto da mesa e


Nery o colocou nela, depositando um beijo na testa do sobrinho

antes de se afastar e ir em direção ao seu assento.

Killiam atravessou a porta da cozinha com uma travessa cheia


de massa nas mãos, ele a depositou no centro da mesa e beijou o

topo da minha cabeça.

– Vamos comer, ainda faltam algumas coisas para a nossa ceia

de Natal.

A casa estava toda enfeitada, luzes piscavam em cada

abertura, fazendo os olhos de Lorenzo brilharem em alegria ao vê-


las. Uma árvore de Natal enorme se concentrava no canto da sala e
debaixo dela havia muitos presentes.

Killiam serviu um prato para mim e me entregou, sorrindo feito

bobo. Em casa, ele era um marido maravilhoso e um pai melhor


ainda, todo o lazer e cuidado que tinha com os irmãos havia

passado para Lorenzo e eu. Mas na rua ainda era um mafioso


implacável e sanguinário.

Comemos em silêncio, rindo dos barulhos fofos que Lorenzo


fazia com a boca. A comida de Killiam estava uma delícia, ele
amava cozinhar para nós, vivia fazendo pratos atípicos e bebidas

diferentes para que experimentássemos.

Observei todos eles, plenamente feliz pela família que eu tinha


construído.

Lorenzo encarava a árvore de Natal com os olhos arregalados,

brilhando em excitação por ver algo que o deixava encantado.


– Aqui está – disse Teodoro, entregando uma caixa para ele. –
Presente do tio Téo.

Me desfiz do laço que mantinha o embrulho e abri a caixa,

erguendo o queixo para encarar Teodoro com a testa franzida.

– Uma faca? – perguntei, como se precisasse conferir que não

estava imaginando coisas.

Sorriu orgulhoso.

– Sim – encarou Nery –, fui o primeiro a presenteá-lo com uma

arma. Incrível, não?

Nery bufou e revirou os olhos.

– Com uma faca – corrigiu –, eu darei a arma para ele.

– Ele só tem sete meses – refutei, boquiaberta.

– E já é tarde, eu ganhei minha primeira arma quando tinha

dois – comentou Teodoro.

Balancei a cabeça.
– Tudo bem, isso não significa que o deixarei usar armas,

colocarei um limite mínimo de idade. Ele até pode ser o futuro chefe
da máfia, mas, antes de tudo, é uma criança e quero que seja criado

assim.

Eles encolheram os ombros, enfáticos.

Tinha absoluta certeza de que não respeitariam a minha

opinião e que essa seria uma longa e duradoura discussão. No

fundo, eu adorava isso, porque era esse o significado de família,

nem tudo seriam flores.

– Isso porque ainda não viu o presente da Emy – comentou


Nery, curvando um dos cantos dos lábios em um meio-sorriso

perverso.

Nery se envolvia com essa menina desde a época em que eu o

conheci no Brasil, eles tinham um relacionamento estranho. Eu não

o via ficando com mais ninguém ao mesmo tempo em que nunca


tinha sido apresentada para ela. Killiam dizia que ele fazia isso para

protegê-la, mas, ainda assim, não conseguia entender essa relação.

– Deus, Nery! – grunhiu Teodoro – Não quero ficar imaginando

qual merda sexual você comprou pra garota, nos deixe de fora
disso.

– A última vez foram algemas rosas, não quero nem imaginar o


que vai ser agora – zombou Stefano, franzindo a testa.

– Dessa vez eu fui muito mais criativo, posso contar se vocês


quise...

– Não! – Foi interrompido por unanimidade quando Teodoro e

Stefano protestaram juntos, as palavras soando ao mesmo tempo.

– Tudo bem, seus otários, por isso eu sou o melhor de todos

quando se trata de oferecer prazer a uma mulher. – Estendeu os

braços para cima.

Teodoro e Stefano engasgaram-se com uma risada e Nery

revirou os olhos com um esgar nos lábios.

Killiam se aproximou de mim segurando um copo de whisky em

uma mão e uma caixa de presente na outra. Ele tinha um sorriso


bobo nos lábios, orgulhoso da nossa família assim como eu estava.

– Seu presente – murmurou e estendeu a caixa para mim.


Segurei o pequeno embrulho com as mãos trêmulas, ansiosa

para descobrir qual era o meu presente. Eu já tinha ao meu lado


tudo o que queria, nenhum bem material poderia suprir a felicidade

que eu tinha por ter finalmente conseguido encontrar a minha

família, mas Killiam tinha o poder de me surpreender a cada dia


mais.

Pela caixa de veludo vermelha, sabia que era uma joia.


Destravei e a abri, os olhos encheram-se de água quando reparei no

que era.

Dentro, havia uma pulseira parecida com a que eu usava

desde que ele tinha me dado dois Natais antes, só que os berloques

eram diferentes e representavam, agora, a nova fase da minha vida.


A removi do tecido e encarei cada símbolo. Uma coroa: a rainha; um

bebê: Lorenzo; um coração: o nosso amor; um símbolo da Polícia

Federal: o meu passado; uma arma: a minha força, e, por fim, o

triângulo: a Camorra, minha família, meu lar.

– Eu amei, Killiam, obrigada – funguei.

Ele colocou o copo no encosto do sofá e se ajoelhou na minha

frente. Estendi o braço para ele, Killiam removeu a primeira pulseira


e a substituiu pela nova, alisando os berloques em meu pulso.

– Essa fica mais bonita em você. – Piscou. – Combina mais


com a Raika Muccino, minha esposa, companheira e mãe dos meus

filhos.

Me joguei contra ele e plantei um beijo casto nos seus lábios.

– Eu também tenho um presente – anunciei, me levantando.

Killiam arqueou uma sobrancelha, um sorriso sacana cobrindo


os lábios.

– Não é nada do que está pensando – retruquei.

Puxei a manga da blusa de lã que eu vestia e mostrei a

tatuagem nova que cobria o meu antebraço dianteiro, idêntica a


dele. Descobri através de Teodoro que todos os membros da máfia

possuíam a tatuagem, uma marca registrada do que eram ou

representavam, portanto, pedi para fazer uma igualzinha a do


Killiam. O rei e a rainha.

Killiam arquejou e estreitou os olhos para a minha tatuagem.


Ele ficou em silêncio e imóvel por uns segundos, antes de arrastar
os olhos até os meus e abrir um sorriso que compelia com as luzes

que iluminavam a árvore de Natal.

– Porra, Raika, você não cansa de me surpreender, mulher? –

indagou, me puxando contra o peito dele e colando os nossos lábios


outra vez.

– Eu te amo – murmurei.

– Eu também te amo – respondeu, me beijando com paixão.

Teodoro pegou Lorenzo de cima do sofá e o colocou no tapete

felpudo com ele e Nery, então eles começaram a abrir os outros


presentes, rindo a cada reação fugaz que o sobrinho fazia. Stefano,

mesmo que um pouco retraído, se juntou a eles.

Me sentei no sofá para observar a cena e Killiam se sentou ao

meu lado, descansando um braço em meus ombros.

Eu não conseguia mais me lembrar como era me sentir

sozinha e isolada, os filmes de comédia pareciam uma lembrança

distante no canto da minha mente.

Um sorriso estava estampado em meu rosto, revestido de

orgulho e satisfação. Essa era a minha família, minha maior


realização pessoal.

Não sentia falta de quem era e o que eu representava, mas


sentia falta da parte da minha vida em que meus amigos fizeram

parte e viveria com essa saudade para sempre, porque eu era grata

a eles por tudo o que fizeram por mim. Mas, acima de tudo, amava a

minha nova versão. De tanto ser resiliente, entendi quem e o que eu


nasci para ser, aprendi que meu senso de justiça continua firme, e

posso usá-lo em qualquer lugar que eu estiver.

De Agente da Polícia Federal para Rainha da Máfia, foi assim

que eu me perdi e me encontrei, ou melhor, fui encontrada. Killiam

Muccino não era só o mafioso que pensei ser meu inimigo, na


verdade, ele era – e ainda é – o amor da minha vida. O realizador

dos meus desejos mais insanos.

FIM
Ei, você chegou até aqui!

Espero que tenha gostado do livro, que Killiam e Raika tenham


lhe conquistado com toda a química explosiva deles. Eles foram um
dos casais que eu mais amei criar, adorei como a Raika foi resiliente

e em como o Killiam foi um homem incrível. Eles se mereciam e


precisavam se encontrar, estavam destinados.

Se você gostou do livro, é muito importante que deixe uma


avaliação na Amazon, pois elas, além de servirem como inspiração

para os autores, também importam para que outros vejam e se

interessem pelo livro.

Se não gostou, sinto muito, espero que algum dos meus outros
livros faça mais o seu estilo. Desejo que possamos nos conectar

com algum dos meus trabalhos, no futuro.


Com carinho,
Agradeço às minhas leitoras maravilhosas que vibraram

comigo a cada postagem do livro, sempre me dando apoio e


inspiração. Vocês são incríveis, sou muito grata por tê-las na minha
vida! Espero ter suprido suas expectativas com o livro.

A minha família, por me amparar e vibrar por mim, mesmo

quando eu corro todo mundo da minha casa porque preciso finalizar

um livro.

Ao Kevinn, meu parceiro, por estar sempre acompanhando,


estar sempre por perto, sempre disposto a me ajudar, até mesmo

quando estou pirando por conta do prazo esgotado.


A Vanessa Pavan pelo cuidado com a minha assessoria,

obrigada por todo o apoio.

A Mari Vieira, que aguenta os meus surtos e que está sempre


disponível, mesmo quando eu atraso para entregar um trabalho.

Obrigada por ser uma assessora e uma amiga incrível.

A Ivy Matarazzo, a colega incrível que o mundo literário me

trouxe, obrigada por me fazer compartilhar a quantidade de palavras


escritas, assim, me forçando a escrever hahaha.

Às minhas parceiras literárias por serem tão incríveis, sempre


engajando e me ajudando em cada lançamento.

Gratidão!

[1]
O FN F2000 é um fuzil de assalto bullpup em calibre 5,56×45mm, está entre as armas
mais perigosas do mundo.
[2]
As excludentes de ilicitude são algumas hipóteses que permitem que a prática de um ato
ilícito não seja tratada como crime. Uma ação que é considerada crime, quando é praticada
em uma situação específica, pode não ser tratada dessa forma. Isso significa que, se existir
uma das causas excludentes de ilicitude, não haverá crime.
[3]
A Legítima defesa é uma causa de exclusão da ilicitude.

Você também pode gostar