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11/04/2023, 17:14 Boaventura de Sousa Santos denunciado por assédio sexual - Portugal - SÁBADO

Boaventura de Sousa Santos denunciado por


assédio sexual
Três ex-alunas relatam retaliações e assédios do antigo diretor do Centro de Estudos Sociais
(CES), do seu braço-direito (Bruno Sena Martins) e dos órgãos internos da instituição da
Universidade de Coimbra. À SÁBADO, o atual diretor do CES defende colega (e amigo) e diz que
nunca houve queixas, mas quer criar comissão para averiguar. Boaventura Sousa Santos em
silêncio. Bruno Sena Martins nega tudo à SÁBADO.

"Uma estudante internacional de doutoramento decidiu concluir a sua pesquisa no seu país de origem em vez de na instituição
[o CES-Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra]. Apenas disse a outra colega a verdadeira razão da mudança: o
seu supervisor, o Professor-Estrela ["Star Professor", no original] tocou-lhe nos joelhos e convidou-a para ‘aprofundarem a
relação’ como ‘pagamento’ da sua ajuda académica. O Star Professor tinha já setenta e muitos anos".

Boaventura de Sousa Santos, hoje com 82 anos, fotografado em 2018 para


a SÁBADO
Marisa Cardoso

Esta passagem (em tradução livre da SÁBADO) faz parte do artigo "The walls spoke when no one else would" (as paredes
falaram quando mais ninguém o fazia) incluído no livro Sexual Misconduct in Academia (má conduta sexual na academia),
publicado a 31 de março pela editora inglesa Routledge. O artigo é assinado pela investigadora portuguesa Catarina Laranjeiro
e por duas ex-colegas no CES, a belga Lieselotte Viaene e a americana Miye Nadya Tom.

O artigo não diz qual é a instituição onde se passaram os casos relatados, mas a direção do CES acabaria por assumir, num
comunicado interno a que a SÁBADO teve acesso (e que viria esta tarde a ser tornado público no site), que o texto faz
referência a "alegações sobre condutas antiéticas no âmbito do CES". Recorde-se que o departamento da Universidade de
Coimbra foi criado em 1978 e até 2019 dirigido por Boaventura Sousa Santos (ainda hoje é diretor emérito).

O atual diretor do CES, António Sousa Ribeiro, diz à SÁBADO que o artigo "é explícito em relação a situações e nomes",
reconhecendo tratar-se de Boaventura Sousa Santos, que no artigo é identificado como "Star Professor" (professor estrela), e de
Bruno Sena Martins (o "Aprendiz"). Garante ainda nunca ter recebido qualquer queixa, "formal ou informal, relativa a
Boaventura Sousa Santos ou Bruno Sena Martins". "Surpreende-me o que é relatado. Não tenho conhecimento".

Boaventura Sousa Santos não atendeu o telefone nem respondeu aos nossos emails. Enviámos-lhe as perguntas também por
WhatsApp, que visualizou, mas não respondeu. 

A utilização pelas autoras do termo "Star Professor" é uma alusão ao caso de John Comaroff, professor da Universidade de
Harvard acusado no verão de 2020 de assédio sexual a várias alunas. Comaroff era uma estrela da universidade americana e
uma referência no seu campo de estudos, no caso Antropologia e Estudos Africanos. As três autoras estabelecem ainda outro

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paralelo com o caso português, referindo que as direções das universidades "muitas vezes" protegem institucionalmente estes
professores, o que "favorece os abusos de poder contra jovens pesquisadoras que dependem da aprovação académica destes
indivíduos para construir as suas carreiras".

1 de 3

Catarina Laranjeiro, investigadora portuguesa

Foto: DR

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As três autoras identificam-se como sendo, à época dos relatos, duas estudantes de doutoramento e uma de pós-doutoramento.
Relatam que, quando pela primeira vez falaram sobre o assunto entre elas, foi uma revelação: "Percebemos que as nossas
experiências não eram isoladas nem incomuns". Dizem ainda que as investigadoras e alunas estão abandonadas à sua sorte no
meio académico, especialmente as estrangeiras, que não dominam a língua e as leis. Mais: "Percebemos que as nossas
experiências de abandono institucional aconteceram para preservar a prestigiosa reputação do centro de pesquisa e do seu
Star Professor". As autoras falam de uma cultura institucional que aceita silenciosamente que "o acesso sexual a jovens
investigadoras" faça parte das contrapartidas (ou o que chamam o "pacote de compensação") de fazer parte "do clube do Star
Professor." Toda a envolvente é precária – incluindo a escassez de bolsas de doutoramento – o que torna os estudantes
"vulneráveis aos abusos institucionais de poder".

O Star Professor não é referido no artigo pelo nome, mas o perfil traçado – como António Sousa Ribeiro admite à SÁBADO – é
uma óbvia descrição de Boaventura Sousa Santos. É dito que o Star Professor "estabeleceu uma escola académica de
pensamento, que atraiu estudantes de doutoramento e jovens investigadores de todo o mundo", que o seu prestígio "atraiu
muito do financiamento nacional e internacional de pesquisa" e que "ocupou o principal poder e cargo académico na
instituição, o que na prática significa uma identificação pessoal entre ambos". É feita ainda uma referência à sua condição de
poeta e à sua frequente permanência durante semestres em universidades sul-americanas.

As autoras identificam ainda duas figuras chave: o "Aprendiz" (apresentado como o braço direito e sucessor do Star Professor) e
as "Vigias" (mulheres com várias funções académicas e institucionais e que são descritas como pessoas que fecham e abrem as
portas de acesso ao grupo do Star Professor). As autoras dizem que as atividades dos grupos de investigação eram geridas por
estas duas figuras "desde que o Star Professor passou metade do ano académico numa prestigiada universidade noutro
continente". As autoras referem ainda "duas figuras cruciais a nível institucional, dois homens em posições chave nos
principais órgãos de decisão, ambos amigos íntimos de longa data do Star Professor".

António Sousa Ribeiro, atual diretor e que está no CES desde a fundação, tendo desempenhado várias funções de coordenação e
direção, admite à SÁBADO que é um destes amigos de Boaventura Sousa Santos, mas que não vê mal nenhum nesse facto.

As autoras dizem que com o tempo foram percebendo que o "Aprendiz" e uma das Vigiais (que tinha uma "relação íntima de
longa data" com o Star Professor) asseguravam que a orientação académica que era dada às investigadoras não tinha fronteiras
éticas. "Estas dinâmicas permitiram a estas duas pessoas desempenharem o papel de zeladores do poder sexual [‘sexual-power
gatekeepers’, no original] dentro da instituição. As autoras descrevem ainda que o CES está impregnado de uma cultura de
endogamia académica, em que são favorecidos e contratados os investigadores que são deferentes ou próximos do Star
Professor e da sua corrente de investigação. "São numerosas as histórias sobre como o Star Professor obrigava os seus
estudantes a citá-lo extensivamente ao usar a sua estrutura conceptual e analítica como a principal referência académica. Ao
mesmo tempo, quando ameaçado pelo trabalho de outros investigadores, podia fazer dos seus assistentes e estudantes as
vítimas perfeitas para canalizar as suas frustrações". As autoras revelam ainda como o trabalho dos investigadores juniores é
vastamente aproveitado pelos Star Professors. "Esta conduta explica como conseguem assinar sozinhos dezenas de artigos e
capítulos de livros por ano enquanto dão conferências e aulas pelo mundo".

António Sousa Ribeiro, atual diretor do CES


DR

O círculo do Star Professor é alimentado por jantares, sempre no mesmo restaurante ("emblemático pelas suas homenagens ao
Star Professor de estudantes de diferentes gerações"), ou em casas particulares. "É um ritual tirar fotos de grupo, ou fotos
individuais com o Star Professor, ou recitar os seus poemas". Estes jantares duram "até de madrugada, com toda a gente a

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cantar e a dançar". As autoras dizem que uma delas, num desses jantares, recebeu um abraço "muito demorado" do Star
Professor, que "convidava a uma maior familiaridade".

Noutra ocasião, o "Aprendiz" convidou os seus estudantes para uma festa em sua casa, tendo estes depois ironizado que ele
estava a planear "uma orgia", comentário que as autoras dizem ser sintomático da ambivalência de papéis que existe na sala de
aulas. É dito ainda pelas investigadoras que o Aprendiz é useiro neste tipo de aproximações e insinuações sexuais junto das
suas estudantes. Uma das autoras diz que sofreu represálias por "não ter sexualizado" a sua relação com o "Aprendiz" ao ser
obrigada a abandonar o país sul-americano onde estava a fazer trabalho de campo e intimada a regressar, entre outras
consequências académicas de boicote ao seu doutoramento. "Ela sentiu que ele literalmente lhe fechou as portas". As autoras
dizem que o intuito do Aprendiz é "continuar o legado de abusos" do Star Professor.

O artigo diz que no auge do movimento #MeToo, foram escritas nas paredes do CES várias frases contra o Star Professor,
incluindo com referências ao seu nome, Boaventura Sousa Santos. Uma das frases dizia que devia ser derrubado ou ir embora.
"Todas nós sabemos". Uma das autoras diz ter tirado uma foto de um graffiti na entrada da instituição onde era dito que o "[Star
Professor] violou uma estudante". "Alguém apagou, mas nos meses seguintes graffitis semelhantes apareceram." Uma das
autoras diz ainda que tentou fazer queixa do Aprendiz, mas foi demovida por uma colega, que a aconselhou a desistir porque
ele estava a levantar problemas com a sua tese como retaliação "por não ter sexualizado a relação."

O artigo diz ainda que um dos graffitis foi tapado por uma mulher com um casaco "enquanto esperava que alguém o limpasse".
Tratava-se, dizem. de uma das "feministas" que foram de certa forma produzidas no "renomado doutoramento sobre estudos
feministas" do próprio CES. O mesmo "criou um grupo de pesquisadoras feministas que realizam trabalhos e publicações
notáveis com e sobre profissionais do sexo, imigrantes transexuais e mulheres indígenas e afrodescendentes. Um dos seus
temas de pesquisa é o assédio, inclusive no local de trabalho. Algumas dessas pesquisadoras feministas pertencem, inclusive,
aos órgãos de direção científica e ética da instituição."

Entre várias situações relatadas no artigo - que as autoras justificam ser exemplificativas da cultura de perseguição,
abafamento de queixas e proteção entre pares dentro dos órgãos de gestão do CES -, é ainda relatado que uma das autoras
escreveu em tempos nas suas redes sociais que o Aprendiz era um predador sexual, que tinha sido "agredida física e
sexualmente" e que Bruno Sena Martins (o Aprendiz) "não era a voz do antirracismo ou da justiça social".

O post "começou a circular rapidamente" e a aluna "recebeu e-mails da advogada do Aprendiz, solicitando que ela o apagasse".
Foi ainda "ameaçada com uma acusação criminal por difamação" se não o fizesse. "Sob essa pressão, ela removeu aquele post.
Apesar disso, o Aprendiz fez uma denúncia criminal contra ela".

António Sousa Ribeiro diz à SÁBADO que "estas práticas [relatadas no artigo], a serem verdadeiras, são intoleráveis." No
entanto, recusa que as alunas estivessem abandonadas à sua sorte no CES. "Podiam dirigir-se aos órgãos do CES. Não há uma
denúncia junto dos órgãos do CES. As instituições em Portugal despertaram tarde para este fenómeno. Em 2019 foram criados
um conjunto de mecanismos para dar resposta. Temos um código de conduta, em que se especifica um conjunto de situações,
como assédio sexual e plágio, temos uma comissão de ética, que está apta a receber denúncias. Temos uma provedoria, que
dispõe de um canal e denúncias, que podem ser anónimas; antigamente as denúncias anónimas consideravam-se que deviam
ir para o lixo, hoje as coisas são diferentes. Tem havido algumas queixas, mas não de assédio sexual."

Bruno Sena Martins


DR

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O professor catedrático do CES diz que "não há nenhuma razão para proibir que haja uma relação de companheirismo entre
alunos e professores" e que "é preocupante que o bom nome de pessoas com um passado académico irrepreensível seja posto
em causa". Diz que falou com Boaventura Sousa Santos depois do artigo ter saído. "O que falámos fica entre nós."

Tem ainda uma posição sobre os graffitis escritos nas paredes do CES. "Tive conhecimento, claro. Eram dirigidos ao professor
Boaventura Sousa Santos e o artigo cita isso como informação credível… Os grafittis diziam que Boaventura Sousa Santos era
violador, foi a primeira vez que ouvi semelhante coisa. Eu conheço o professor Boaventura Sousa Santos, é meu amigo há
muitos anos. Ele teve necessidade de explicar em reunião no CES que se tratavam de difamações".

O diretor do CES termina dizendo que vai "criar uma comissão independente com a nossa provedora e mais duas entidades
externas (que prefiro para já não divulgar)." Reconhece que o artigo "é o pretexto; a comissão deve avaliar se as alegações são
verdadeiras". Garante que "não há no CES uma cultura de proteção de condutas antiéticas" e que o facto de "as autoras desse
artigo se apresentarem como vítimas não é testemunho, ou garantia, de verdade. Hoje é fácil produzir este tipo de testemunhos
sem contraditório".

Questionadas pela SÁBADO individualmente, as três investigadores responderam em conjunto através de um email de


Lieselotte Viaene que não vão prestar "declarações formais ou informais" sobre este assunto.

Bruno Sena Martins, investigador do CES (onde tem várias responsabilidades), respondeu à SÁBADO: "Numa nota prévia,
acho profundamente infeliz e inadequado o uso do termo Aprendiz para me representar como vassalo ou lacaio de um
qualquer senhor. Posso afirmar inequívoca e categoricamente que jamais fiz qualquer tipo de retaliação em relação a qualquer
estudante ou orientando/a por motivos pessoais. Estou certo de que isto será provado até porque tenho comigo vasta
correspondência trocada que atesta dos meus procedimentos na relação profissional e científica com duas das autoras do
artigo. Em relação à terceira autora nunca tive qualquer relação profissional, seja como docente, orientador ou membro de
uma equipa de investigação. Na verdade, não me lembro de alguma vez me ter cruzado com ela nas instalações do CES.
Quando a conheci em 2011, recém doutorado sem qualquer cargo institucional, num contexto não académico e que aparece
evocado de forma deturpada e truncada no final do texto. Trata-se de uma pessoa que no passado tentou insinuar noutros
termos que a agredi, facto completamente falso e que pode ser rebatido por testemunhas.

Termina dizendo: "O artigo contém afirmações falsas e insinuações grosseiras que mancham a minha dignidade pessoal e que
atingem a minha reputação profissional. Nunca fui alvo de uma queixa de assédio sexual do CES. No passado já apresentei uma
queixa de difamação em relação à terceira autora. Estou certo de que os factos serão esclarecidos nas instâncias competentes."

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