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Biblioteca saussuriana

à la Borges: um convite
1
Maria Iraci Sousa Costa*
 http://orcid.org/0000-0002-5551-4557
2
Caroline Mallmann Schneiders**
 https://orcid.org/0000-0003-4365-8737
3
Amanda Eloina Scherer***
 http://orcid.org/0000-0002-7183-805X

Como citar este artigo: COSTA, M. I. S.; SCHNEIDERS, C. M.; SCHERER, A. E.


Biblioteca saussuriana à la Borges: um convite. Todas as Letras – Revista de Língua
e Literatura, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 1-23, maio/ago. 2020. DOI 10.5935/1980-
6914/eLETDO2013438

Submissão: maio de 2020. Aceite: julho de 2020.

Resumo: Refletir sobre a obra de Ferdinand de Saussure implica reportarmo-nos


à problemática das noções de corpus e arquivo naquilo que toca o conjunto
heterogêneo de publicações que foram publicadas por Saussure e atribuídas a
ele. Partindo dessa problemática e inspiradas em um conto de Borges, “A Biblio-
teca de Babel”, no presente artigo, buscamos propor uma reflexão a respeito da
permanência do Curso de Linguística Geral e de sua inconstância, bem como
sobre a sua capacidade de ser reinventado e manter-se na ordem do dia por
mais de um século. Refletiremos também sobre o árduo trabalho dos pesqui-
sadores que têm se dedicado ao estudo desse complexo conjunto heterogêneo
de textos que se atribui a Saussure. À moda de uma biblioteca (de Babel à la

* Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS, Brasil. E-mail: iraciscosta@yahoo.com.br


** Universidade Federal da Fronteira do Sul (UFFS), Cerro Largo, RS, Brasil. E-mail: carolletras2005@yahoo.com.br
*** Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: amanda.scherer@gmail.com

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MARIA IRACI SOUSA COSTA, CAROLINE MALLMANN SCHNEIDERS E AMANDA ELOINA SCHERER

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Borges), organizamos nosso texto por estantes (de galerias hexagonais) para
procurar compreender a vastidão e a complexidade do conjunto de obras e do-
cumentos que se atribui a Saussure.

Palavras-chave: História. Memória. Corpus. Arquivo. Manuscritos.

Preliminarmente é preciso dizer

“O homem de ciência trabalha com ficções racionais que


tornam o seu discurso possível” (AUROUX, 2008, p. 156).

P
■ ara nós, não existe produção do conhecimento sem uma vontade ex-
pressa do pesquisador. Essa vontade também se dá pelo interesse em
fatos e dados que vão se apresentando (e se acumulando) ao longo da
vida acadêmica, desde a graduação, quando decidimos por nossa formação
profissional, até a nossa formação como pesquisador e nosso exercício enquan-
to tal. Vamos a Letras porque gostamos das letras e das Letras em seu sentido
fundador e, a nosso ver, inseparáveis: a língua e a literatura. Embora com a
invenção do disciplinar e com a manualização do conhecimento linguístico – de
todo jeito e a toda prova –, a língua e a literatura acabaram sendo apartadas
da sua rede de significações e, desse modo, a divisão social (e acadêmica) aca-
bou criando um fosso entre elas, separando inclusive os sujeitos e seus objetos
(seriam línguas diferentes – língua e literatura?). Maior exemplo de tal divisão
é o que nomeamos na contemporaneidade como área de conhecimento.
Nosso interesse, aqui, não é trazer à tona tal divisão, muito menos o político
que a ordena, mas mostrar o quanto somos interpelados pela nossa formação (e,
por que não, por essa divisão?) ao nos depararmos com nosso interesse pela
linguagem. Desde cedo, quando ainda na graduação, qualquer uma das autoras
deste artigo sempre esteve em um envolvimento muito particular, poderíamos
até afirmar, em uma metáfora bem brasileira, em uma relação antropofágica
com a língua e com a literatura. Por uma espécie de canibalismo amoroso! Ca-
nibalismo da letra que é engolida pela palavra, da palavra engolida pelas signi-
ficações que almejaríamos, imaginariamente, que elas estivessem ao nosso dis-
por. Como se toda a palavra fosse carregada, ela mesma, por uma ordem
possível do real. Como se letra e palavra fossem urgidas em nosso canibalismo
amoroso. E as perguntas que sempre teimavam em aparecer poderiam, nesse
início de vida acadêmica, ser resumidas desta forma: o que é escrever; o que é
produzir uma escrita autoral; o que é produzir conhecimento pelo ato próprio do
escrever; o que fica ou resta daqueles rascunhos todos que estiveram a nossa
mercê para que pudéssemos publicar no sentido da oficialidade e da maquinaria
do impresso. O que de virtualidade nos esperava e nos alcançava...
Não à toa, nós três fomos aos poucos nos identificando e nos alicerçando
naquilo que o jargão da História das Ideias Linguísticas traz como historicidade.
A história não apenas de fatos e dados, mas as condições de produção de uma
certa memória disciplinar; de um certo controle, pelo institucional, quando da
divisão disciplinar, quando de sua história. E nosso maior ensejo sempre foi,
nos estudos sobre a língua, “conhecer” também os rascunhos, ou, na expressão
de Fenoglio (2013), o nosso “ruminar” na produção do saber sobre e na língua,

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da mesma forma que os sujeitos envolvidos pelo literário interessavam-se pelos


manuscritos do sujeito-autor-escritor.
Aos poucos, fomos traçando, cada uma à sua maneira, nossos caminhos, e
eles foram encontrando-se, entrecruzando-se ao longo da vida acadêmica (gra-
duação, mestrado, doutorado e pós-doutorado) em uma filiação (e identificação)
possível entre estudante, professora, orientanda, orientadora, supervisora. Aí, a
pergunta de nosso interesse foi sendo reelaborada a partir daquelas iniciais que
colocamos antes. Começávamos, então, a nos questionar sobre a história e a
memória disciplinar na formalização daquilo que ela nos conta, o referendado e
já estabelecido. Na verdade, o que gostaríamos era poder entender por que con-
tamos a história da Linguística quase sempre de um certo e mesmo ponto. E
mais, por que determinar, de antemão, o ponto inicial de nosso disciplinar pelo
Curso de Linguística Geral.
Em caminhos pavimentados (e a sempre pavimentar) por todo o percurso
acadêmico, conhecemos, através de leituras, a pesquisadora Irène Fenoglio, da
École Normale Supérieure, de Paris, no Institut des Textes et Manuscrits Modernes
(Item) do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS). Todavia, foi em
um encontro casual na Universidade de Buenos Aires, em 2012, em um evento
cuja temática era de nosso interesse, que pudemos conversar mais longamente
sobre o que fazíamos. De tal encontro nasceu uma relação acadêmica muito
forte e os projetos acabaram entrando em cena, na arena do produzir e publicar,
além, é claro, na formação de jovens pesquisadores1.
Duas das autoras, aqui, em questão, puderam fazer um estágio de doutorado
sanduíche de seis e de 12 meses, sob a orientação e a tutela da referida profes-
sora. Com ela, aprenderam e consolidaram o quanto a história do conhecimento
é cheia de emboscadas e de caminhos tortuosos, o quanto produzir conhecimen-
to não tem como ser retilíneo e horizontal. Produzir conhecimento requer um
amadurecimento de questões que antes poderiam parecer fáceis e ser respondi-
das no imediatismo da surpresa e do entusiasmo inicial. Produzir conhecimento
envolve muito mais do que uma simples resposta, envolve um trabalho árduo e
consequente, envolvente, é claro; contudo, incessante nas formulações que vão
nos afetando em nosso dia a dia de pesquisa e de leituras.
Enquanto uma das autoras trabalhava sobre a história e a memória discipli-
nar no contexto do Sul brasileiro, as outras duas, em estágio, em épocas dife-
rentes, na École Normale Supérieure de Paris, no Item-CNRS, visitavam acervos,
assistiam a cursos e conferências, estudavam, enfim, sobre um mesmo e eterno
tema. Enquanto cada uma das duas em Paris, à sua maneira, trabalhava inces-
santemente, a terceira começava a produzir seus primeiros apontamentos sobre
a história da Linguística no contexto dos anos de 1950 a 1980 no Brasil. Das
duas em Paris, uma tentava historicizar o lugar do gramático (COSTA, 2015) a
partir do seu ato de definir para entender por qual razão, por exemplo, Celso
Pedro Luft (o gramático em questão) trazia sem cessar a razão de suas escolhas
ancoradas em Ferdinand de Saussure e na obra farol, o Curso de Linguística
Geral; ou seja, o objetivo do estudo de Costa (2015, p. 16) era “propor uma refle-
xão sobre a contradição que se estabelece entre as diferentes tomadas de posi-
ção do sujeito gramático ao produzir conhecimento sobre a língua”. Já a outra

1 Um belo exemplo foi a I Escola de Altos Estudos em Semiologia, que aconteceu na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
em novembro de 2016, promovida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo Programa
de Pós-Graduação em Letras (PPGL) e pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa.

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(SCHNEIDERS, 2014, p. 9) queria entender o que seria determinante para que um


estudioso da linguagem no Brasil, como Serafim da Silva Neto, pudesse ter come-
çado a traçar um caminho possível para a Linguística, dita brasileira, analisando
[...] como o domínio de memória da Linguística é retomado e articulado na cons­
tituição discursiva, enfatizando os ecos e as ressonâncias de significação dos já
ditos inscritos em determinada produção do conhecimento. Buscando compreen­
der como o processo discursivo é afetado historicamente, a partir da maneira
como os saberes da Linguística, via citação do Cours de linguistique générale,
estão atravessados e linearizados no fio do discurso.
Portanto, as relações acadêmicas e científicas estabelecidas com a Profa. Irène
Fenoglio foram fundamentais também para que, desde 2014, começássemos a
nos interessar mais de perto sobre e pelo Curso de Linguística Geral (doravante
CLG) e, sobretudo, pelo papel dos manuscritos na história do disciplinar sobre
a Linguística de modo mais geral. Nossa questão reelabora-se novamente no
como enredamos tal obra nos domínios de uma certa memória do disciplinar
quando da dita fundação da Ciência Linguística no mundo ocidental e no como
é cada vez mais difícil desenredá-la. Podemos desmanchar os nós que a cercam,
que a regem, mas é impossível não estudar a sua existência duradoura em um
efeito metafórico de um nó borromeano à la Lacan (2005). Ou seja, uma aliança,
um elo entre o sujeito e seu objeto de desejo, porque o CLG é, pois, entendido
como um objeto histórico investido de valores culturais e políticos dos mais va-
riados instituídos disciplinarmente; e, por causa de sua enorme influência para
o desenvolvimento da Linguística Moderna no decorrer do século XX, adquire
um status de héritage, funcionando como um “domínio de memória” por estabe-
lecer relações de filiações, de gênese, de transformações, de continuidade e de
descontinuidade histórica (PUECH, 2013). Impossível, então, de não ser um
objeto de desejo de todo sujeito que se interessa pela história da produção do
conhecimento linguístico no mundo ocidental, pelo menos.
Diante disso, no presente artigo, refletimos sobre a permanência e incons-
tância do CLG, bem como a sua capacidade de ser reinventado e manter-se na
ordem do dia por mais de um século. Refletimos também sobre o árduo trabalho
dos pesquisadores que têm se dedicado ao estudo desse complexo conjunto he-
terogêneo de textos que se atribui a Saussure para compreendermos o alcance
e os limites das teorias que compõem o arcabouço histórico responsável pela
fundação da Linguística Moderna e que constitui a Linguística na contempora-
neidade. À moda de uma biblioteca (de Babel à la Borges), organizamos nosso
texto por estantes (de galerias hexagonais, certamente) para tentar compreender
a vastidão e a complexidade do conjunto de obras e documentos que se atribui
a Saussure. Convidamos o leitor para passear por essas galerias hexagonais
cujas superfícies polidas representam e prometem o infinito.

Adentrando na biblioteca

“Basta-me, por ora, repetir o preceito clássico: ‘A Biblioteca


é uma esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono,
cuja circunferência é inacessível’” (BORGES, 1941, p. 35).

Inicialmente, chamamos a atenção sobre a problemática em torno das noções


de corpus e arquivo naquilo que toca o conjunto heterogêneo de publicações que

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foram editadas por Saussure e atribuídas a ele. As publicações já realizadas em


nome de Ferdinand de Saussure e as que estão por vir, incluindo aí também as
traduções de tais obras, têm nos permitido imaginar que seria possível dar início
a uma biblioteca saussuriana à la Borges.
Essa biblioteca abarcaria o que já foi publicado por Saussure, o que foi pu-
blicado em seu nome e também aquilo que virá a ser. Considerando as inúmeras
edições dos manuscritos saussurianos e também as diferentes versões do CLG
em outras línguas (SCHERER; COSTA, 2018), questionamo-nos se um dia seria
possível chegar a um fechamento acerca da problemática que teve início com a
publicação do CLG. Inspiradas na biblioteca de Babel de Borges, preferimos
sonhar que as publicações das edições dos manuscritos saussurianos represen-
tariam e prometeriam um possível infinito... À medida que são publicadas novas
edições dos manuscritos saussurianos, abrem-se ainda mais questionamentos
sobre as publicações anteriores e também sobre as versões em línguas diferen-
tes do CLG.
É importante ressaltar que o CLG recebe significativas alterações conforme
vai sendo traduzido em outras línguas e, sobretudo, quando retorna para o fran-
cês. A nossa reflexão sobre essa biblioteca de Babel saussuriana tem como pon-
to de partida o texto de Trabant (2019), que nos faz olhar para o CLG como algo
estranhamente familiar. Familiar, uma vez que já o conhecemos, estranhamen-
te porque há nele algo que sempre nos escapa e ele parece tornar-se outro...
como uma miragem... ou um livro de areia.
Podemos trazer como exemplo a edição crítica italiana do CLG. Como sabe-
mos, a tradução francês-italiano do CLG foi publicada, em 1967, por Tullio De
Mauro, com o acréscimo de uma introdução à edição italiana, notas ao longo do
texto e também notas sobre a biografia de Saussure. Posteriormente, em 1972,
a edição crítica de Tullio De Mauro foi traduzida do italiano para o francês por
Jean-Claude Calvet. Nesse processo de tradução (francês-italiano-francês), o
texto saussuriano tornou-se outro, como nos chama a atenção Trabant (2019),
e o CLG volta para a língua de Saussure transformado em um novo texto. E, no
jogo da língua que nos coloca Trabant (2019), perguntamo-nos: haveria também
uma língua de Saussure?
Na história filológica do CLG, essa edição crítica possui grande importância,
pois não se trata mais do texto inicialmente publicado pelos editores Charles
Bally e Albert Sechehaye, mas de um novo e eterno texto que é ressignificado em
sua textualidade e na conjuntura histórica em que é acolhido e (re)lido. Desse
modo, a edição crítica do CLG seria um texto que se distanciaria do primeiro,
como sustenta Trabant (2019). O autor ainda considera que a tradução italiana
do CLG (1967), realizada por Tullio De Mauro, reduz a distância entre o CLG e
as fontes saussurianas e restitui-lhe a autoria, isto é, “De Mauro, que admira o
Curso, não tem nenhum interesse em mostrar a distância entre o Curso e a Fonte,
pelo contrário, sua intenção é aproximar os dois, dar um pai ao filho órfão”
(TRABANT, 2019, p. 389).
Segundo o autor, Tullio De Mauro deu uma profundidade filológica a essa
operação e mudou de forma significativa o texto, de modo que
[...] o Corso é um livro que tem um autor (ou que tenta encontrar um autor: o Cor-
so in cerca d’autore, em busca de autor) e que, por causa disso, diz frequente­
mente outra coisa do que aquilo que encontramos no que seria o original francês.
O Corso é um livro novo, um Curso transformado (TRABANT, 2019, p. 383).

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Cabe ressaltar que a tradução italiana do CLG data da década de 1960, o que
significa que o CLG e suas respectivas traduções/versões estão sempre abertos
a diferentes interpretações e (res)significações, uma vez que o processo de edi-
ção do CLG constitui-se sobre a fragilidade do dispositivo2 de escrita do CLG,
que, para Trabant (2019), distancia o texto final de sua fonte.
Ainda sobre as edições em língua francesa do CLG, destacamos a edição es-
pecial em formato de livro de bolso publicada em 2016, em homenagem aos cem
anos de publicação do CLG. Essa edição toma como referência o texto de 1916
e é acrescida de um prefácio de Jean-Didier Urbain. Trata-se de uma outra for-
ma de circulação do mesmo (?) e eterno texto.

O mapa da biblioteca e a complexidade do acervo

“O UNIVERSO (que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de


um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com
vastos poços de ventilação no centro, cercados por balaustradas
baixíssimas. De qualquer hexágono, vêem-se os andares inferiores
e superiores: interminavelmente” (BORGES, 1941, p. 35).

O complexo dispositivo de escrita do CLG é abordado por Kyheng (2007) sob


o viés da possibilidade de uma autenticidade dos textos que são atribuídos a
Saussure. Kyheng (2007) propõe uma distinção entre arquivo e corpus saussu-
riano, tomando como critério, para organização, o que ela chama de diferentes
graus de autenticidade. Tendo em vista o seu critério da autenticidade, a autora
sustenta que o arquivo saussuriano é constituído pelas obras/publicações que
são atribuídas a Saussure. Segundo a autora,
[...] por “corpus saussuriano” entendemos o conjunto de textos de Ferdinand de
Saussure (obras, artigos, notas, rascunhos, aulas, cartas etc.), e nada senão
textos cujo autor legítimo seja o próprio Saussure. Em compensação, por arquivo
saussuriano nós entendemos a coleção de documentos historicamente ligados
à personalidade de Saussure. Esse arquivo é aberto e recebe textos de muitos
autores: os textos de Saussure, mas também o texto do Cours de Linguistiques
Générale de Bally et Sechehaye, lembranças, cartas endereçadas a Saussure,
documentos de trabalhos identificados como pertencentes a outros autores, tais
como as folhas 311-327 das notas sobre a entonação lituana (KYHENG, 2007,
p. 2, tradução nossa)3.
A distinção entre corpus e arquivo saussuriano, para a autora, tem como
problemática central um tema muito caro aos linguistas saussurianos que é a
questão da autoria, não só do CLG, mas também de outros textos editados pos-
tumamente e atribuídos a Saussure. Nessa busca pelo Saussure “autêntico”, em
relação ao corpus saussuriano, a autora propõe ainda uma hierarquização se-
gundo o critério da autenticidade, separando aqueles textos cuja versão final foi

2 “Saussure fala (Fonte), escuta + escrita1 dos estudantes (akroatai, fonógrafos), leitura de Bally e Sechehaye dessas notas, escrita2
de Bally e Sechehaye, publicação (impressão): Curso” (TRABANT, 2019, p. 384).
3 “par ‘corpus saussurien’ nous entendons l’ensemble des textes de Ferdinand de Saussure (ouvrages, articles, notes, brouillons,
leçons, lettres, etc.), et rien que les textes dont l’auteur légitime est Saussure lui-même. En revanche, par archive saussurienne
nous entendons la collection de documents historiquement liés à la personnalité de Saussure. Cette archive est ouverte et reçoit
des textes de plusieurs auteurs: les textes de Saussure, mais aussi le texte du Cours de Linguistiques générale de Bally et
Sechehaye, des souvenirs, des lettres adressées à Saussure, des documents de travail identifiés comme appartenant à d’autres
auteurs tels que les feuillets 311-327 des notes sur l’intonation lithuanienne.”

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estabelecida pelo próprio Saussure e os textos de Saussure que tiveram sua


versão estabelecida por terceiros, como é o caso, por exemplo, da publicação da
obra Écrits de Linguistique Générale (ELG).
Essa problemática sobre a autoria e sobre o processo de edição do conjunto
de textos saussurianos exige dos pesquisadores um trabalho por demais minu-
cioso e remete a um cuidado filológico necessário àquele que se dedica à com-
plexidade do corpus saussuriano. Entretanto, além de tratar-se de uma questão
filológica, trata-se de uma questão interpretativa no que toca a essa tentativa de
resolver de uma vez por todas a questão centenária: quem é o autor do CLG?
Aliás, o historiador da Ciência Linguística, Sofia (2014)4, retoma essa questão
que, até então, continua em aberto e recusa respostas simplórias. O autor faz
uma historicização das discussões em torno dessa temática e aponta os princi-
pais argumentos apontados pelos pesquisadores para sustentar a autenticidade
(ou não) dos textos saussurianos.
A respeito da discussão sobre a falta de autenticidade do CLG alegada por
alguns pesquisadores, Sofia (2014, p. 42, tradução nossa) questiona:
Mas não autêntico do ponto de vista do quê? De um pensamento, uma teoria, de
um texto que poderiam ser suscetíveis de ser considerados “autênticos”? Por um
momento, digamos, em todo caso, para avançar com prudência, o que seria em
grau superior àquele inerente ao CLG. A prudência é aqui estritamente necessá­
ria, porque as consequências diferem segundo aqueles que consideram que a
autenticidade desse objeto reside na teoria, no texto ou no pensamento que se
apresenta ali. Diferentes autores defenderam esses argumentos de maneiras
diferentes, alegando provas e recorrendo a critérios cada vez distintos [...] 5.
Sofia (2014), portanto, pede prudência na busca de uma resposta a essa pro-
blemática, uma vez que se trata de uma questão delicada que pode ser abordada
sob diferentes pontos de vista e muitos autores renomados apresentaram argu-
mentos consistentes para dar uma resposta única a essa questão. Diferente-
mente dos autores citados no horizonte de retrospecção, Sofia (2014) não procu-
ra uma resposta definitiva para a questão colocada no título do texto, ele não
olha para a resposta e, por conseguinte, ele não está lado a lado, na mesma
busca, desses pesquisadores.
E continuando com Sofia (2014), ele olha para os argumentos e critérios de
cada um dos autores citados com vista a uma possível resposta. Seu interesse
não é por uma tomada de posição, mas por entender a complexidade da questão
que está posta há mais de um século e por ainda continuarmos a nos perguntar
“quem é o autor do CLG?”. A pergunta não é simples e, consequentemente, a
sua resposta não pode ser simples. Tentar simplificá-la é apagar toda a histori-
cidade e complexidade das discussões que se formaram a respeito.
Para contornar essa problemática sobre a autenticidade (e autoria) dos textos
saussurianos, no contexto brasileiro, temos, por exemplo, trabalhos importantes
e fundamentais, como é o caso de Fiorin, Flores e Barbisan (2013), que propõem
as noções de corpus saussuriano e corpus de pesquisa. Segundo os autores,

4 Estanislao Sofia é, atualmente, bolsista Jovem Talento do Programa Institucional de Internacionalização (Capes-PrInt – UFSM) no
Laboratório Corpus e Centro de Documentação e Memória.
5 “Mais inauthentique vis-à-vis de quoi? D’une pensée, d’une théorie, d’un texte qui seraient susceptibles d’être considérés, eux,
comme ‘authentiques’? D’une instance, disons en tout cas, pour avancer avec prudence, qui le serait à un degré supérieur à celui
inhérent au CLG. La prudence s’avére ici strictement nécessaire, car les conséquences diffèrent selon qu’on considère que
l’inauthenticité de cet objet réside dans la théorie, dans le texte, ou dans la pensée qu’on y présente. Différents auteurs ont
défendu ces arguments de diferentes manières, en alléguant des preuves et en recourant à des critères chaque fois distincts [...].”

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[...] tal divisão não obedece a critérios de autenticidade das fontes. O corpus
saussuriano é o conjunto de documentos constituído por fontes de natureza
heterogênea cuja existência não parece ser negada por nenhuma das partes
que integram a arena da polêmica. Kyheng chama-o de arquivo. A denominação
para nós é o ponto de menos importância. Interessa-nos apenas resguardar a
existência de um conjunto heterogêneo de fontes. O corpus de pesquisa é o re­
corte que se faz do conjunto, tendo em vista os objetivos da pesquisa (FIORIN;
FLORES; BARBISAN, 2013, p. 16).
Os autores são categóricos recusando o critério de autenticidade, o que seria
para eles como que iniciar uma busca por um verdadeiro Saussure em contra-
ponto a um falso Saussure. O que os autores propõem
não diz respeito a um suposto valor de verdade que as fontes teriam se contra­
postas entre si. Não se trata de defender que uma fonte é mais ‘verdadeira’ que
outra, trata-se apenas de resguardar as especificidades que cada fonte tem
(FIORIN; FLORES; BARBISAN, 2013, p. 17).
Desde que o CLG foi publicado, a autoria da obra é problematizada e o crité-
rio de autenticidade dos textos saussurianos é um tema bastante delicado e
debatido, separando aqueles que entendem que o CLG não poderia ser atribuído
a Saussure e aqueles que defendem que o CLG é tão autêntico quanto o ELG,
que também é atribuído a Saussure, todavia não foi publicado por ele. Desse
modo, muitos pesquisadores não fazem distinção entre corpus e arquivo saus-
suriano, logo não fazem distinção entre os textos mais ou menos “autenticamen-
te” saussurianos e consideram apenas a noção de corpus saussuriano, que com-
preende os textos publicados por Saussure e também aqueles em seu nome.
De antemão, é preciso destacar que, de nossa parte, não defendemos a hierar-
quização de autenticidade dos textos saussurianos. Entendemos que se trata de
textos de natureza distintas que precisam ser considerados por aquilo que são
e, principalmente, é urgente que se reflita sobre os critérios de edição de manus-
critos tão complexos. Além disso, acreditamos que as questões que abordamos
aqui são basilares para qualquer pesquisador que se debruça sobre os textos
saussurianos e nenhum pesquisador pode alegar desconhecê-las ou ignorá-las.
À parte da noção de corpus e arquivo saussuriano, para não ter que abordar
o conjunto de textos saussurianos por uma temática de autenticidade, propo-
mos uma outra organização, considerando também os desdobramentos dos tex-
tos saussurianos e a sua capacidade de tornar-se outro e ser sempre o mesmo.
Vejamos!

Galeria hexagonal 1: dos textos escritos e publicados por


Ferdinand de Saussure
“Os homens costumam inferir desse espelho que a Biblioteca não é
infinita (se o fosse realmente, para quê essa duplicação ilusória?),
prefiro sonhar que as superfícies polidas representam
e prometem o infinito…” (BORGES, 1941, p. 35).

Essa é a primeira galeria que dá início ao nosso adentramento no acervo de


Saussure; contudo, é preciso reconhecer que, resguardada a sua devida impor-
tância, não foi esse conjunto de textos que consagrou o mestre genebrino. Como

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sabemos, Saussure ficou conhecido, sobretudo, por aquilo que ele não publicou,
mas foi publicado em seu nome. Em vida, Saussure publicou muito pouco. Suas
publicações resumem-se a um número limitado de textos que só vieram à luz
por uma exigência acadêmica.
Uma das primeiras publicações de Saussure foi aos 21 anos, em 1879, em
Leipzig, quando ele publicou o seu célebre Mémoire sur les système primitif des
voyelles dans les langues indo-européenes6. Dois anos depois, em 1881, Saussure
publicou sua tese de doutorado intitulada De l’emploi du génitif absolu en sanscrit7.
A maior parte das publicações de Saussure foi reunida por Charles Bally e Léopold
Gautier e publicada, em 1922, sob o título Recueil des publications scientifiques
de Ferdinand de Saussure8.
A esse conjunto de textos, poderíamos (mas não deveríamos) acrescentar
ainda as cartas trocadas entre Saussure e outros linguistas, como “Lettres de
Ferdinand de Saussure à Antoine Meillet”9, publicadas por Émile Benveniste
na revista Cahiers Ferdinand de Saussure (doravante Cahiers), n. 21, de 1964
(p. 89-135). Entretanto, é preciso aí um pouco de cautela, pois se trata de cartas
que foram escritas por Saussure, porém publicadas por terceiros. É preciso con-
siderar ainda que se trata de textos que, ainda que a temática seja de interesse
de outros linguistas, não foram escritos para ser divulgados publicamente. Sua
versão final foi estabelecida por outrem, isto é, a forma como é tornada pública
é mediada por outros que não o autor do texto. Essa problemática leva-nos, en-
tão, para a segunda galeria da biblioteca.

Galeria hexagonal 2: dos textos escritos por Ferdinand de


Saussure e publicados por terceiros
“A Biblioteca existe ab aeterno. Dessa verdade cujo corolário imediato é a
eternidade futura do mundo, nenhuma mente razoável pode duvidar. O homem,
o imperfeito bibliotecário, pode ser obra do acaso ou dos demiurgos malévolos; o
Universo, com seu elegante provimento de prateleiras, de tomos enigmáticos,
de infatigáveis escadas para o viajante e de latrinas para o bibliotecário
sentado, somente pode ser obra de um deus” (BORGES, 1941, p. 36).

Talvez, o lugar mais adequado para guardar as referidas cartas publicadas


na revista Cahiers10 seja nessa segunda galeria. Aliás, boa parte da coleção dessa
revista merece ser guardada nessa galeria, pois se trata de um periódico funda-
do em 1941, na Universidade de Genebra, sob a direção da Societé Genevoise de
Linguistique (Sociedade Genebrina de Linguística). Essa associação também foi
criada em 1941 e, segundo seu estatuto, tem como objetivo:
[...] contribuir de uma forma geral para o avanço da ciência linguística, princi­
palmente, estudando os sistemas de línguas à luz dos princípios e dos métodos
de Ferdinand de Saussure: para reuniões e discussões periódicas; publicando,
se as circunstâncias permitirem, ao menos uma vez por ano, uma publicação

6 Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k729200/f1.image.texteImage. Acesso em: 22 jul. 2020.


7 Disponível em: https://archive.org/details/delemploidugni00sausuoft/page/6/mode/2up. Acesso em: 22 jul. 2020.
8 Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k214790/f3.image. Acesso em: 22 jul. 2020.
9 Disponível em: https://www.cercleferdinanddesaussure.org/CFS/Volume_21_1964.pdf. Acesso em: 22 jul. 2020.
10 Disponível em: https://www.cercleferdinanddesaussure.org/les-cahiers-ferdinand-de-saussure/cahiers-ferdinand-de-saussure-1-60-
1941-2007/ Acesso em: 22 jul. 2020.

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periódica, os CAHIERS FERDINAND DE SAUSSURE (Cadernos Ferdinand de


Saussure), publicados pela Sociedade Genebrina de Linguística contendo um ou
mais trabalhos originais, resenhas de publicações recebidas e a ata das ses­
sões (CAHIERS, 1941, p. 26, tradução nossa)11.
O primeiro comitê que esteve na fundação da Sociedade Genebrina de Linguís-
tica foi composto por Charles Bally, Albert Sechehaye, Serge Karcevski, Léopold
Gautier, Henri Frei e Samuel Baud-Bovy. E o primeiro número da revista Cahiers
foi destinado a comemorar duas datas: 1. o cinquentenário do aniversário da
Cadeira de História e de Comparação das Línguas Indo-europeias e de Sânscri-
to, criada na Université de Genève por Ferdinand de Saussure em 1891; 2. o 25º
aniversário do CLG, publicado pela primeira vez em Lausanne, em 1916.
Nessa revista também foram publicadas, pela primeira vez, por Robert Godel,
em 1954, as notas manuscritas de Saussure encontradas posteriormente à pu-
blicação do CLG, mas são anteriores aos cursos, isto é, datam de antes de 1900.
Essa publicação deu início aos trabalhos de exegese dos quais se ocupam hoje
inúmeros pesquisadores. Cabe ressaltar que essas notas foram escritas por
Saussure, porém tornadas públicas por Godel, o qual pontua o fato de serem
notas inconclusas que não visavam a uma publicação.
Desse modo, destacamos a diferença entre o manuscrito propriamente dito e
a edição desses manuscritos. Essas notas, em específico, tornam-se públicas a
partir da edição proposta por Robert Godel, que não é o manuscrito, apenas o
representa. Reforçamos esse caráter de representação do manuscrito, uma vez
que a edição das notas pressupõe também a passagem de um texto escrito à
mão, com inúmeras marcas de reticências e visivelmente inacabado e inconclu-
so, para um texto editado em uma maquinaria outra, de outro tipo, a edição.
Nessa passagem do texto manuscrito ao texto editado, muita especificidade per-
de-se, como as rasuras, as escritas à margem, os esquemas... enfim... marcas
que são próprias de um texto manuscrito em elaboração e que se perdem quan-
do esse texto é editado, para impressão. É nesse sentido que entendemos o tex-
to editado como uma representação do manuscrito e, portanto, eles não são
equivalentes e um não substitui o outro.
Ao lado das notas manuscritas editadas e publicadas na revista Cahiers, co-
locaremos as notas editadas e publicadas na obra ELG (2002), editadas por
Rudolf Engler e Simon Bouquet. Essa obra atribuída a Saussure traz novamen-
te as notas que já haviam sido publicadas por Robert Godel na revista Cahiers,
em 1954, e também algumas notas inéditas que foram encontradas na década
de 1990. Ainda, guardaremos também aqui a obra Science du langage – de la
double essence du langage (2011), editada por René Amacker. Essa obra é uma
edição crítica de notas saussurianas encontradas em 1996, publicação dedica-
da por Amacker à memória de Rudolf Engler, um dos editores da publicação
francesa. Em outro momento (SCHERER; COSTA, 2019), pontuamos algumas
diferenças entre tais edições e como, ao ser retomado, em momentos diferentes
e por sujeitos diferentes, o texto ganha uma nova/outra-eterna forma. Nesse
sentido é que insistimos que não devemos tomar como equivalentes o manuscri-

11 “contribuer d’une façon générale à l’avancement de la science linguistique, principalement en étudiant les systèmes de langues
à la lumière des principes et des méthodes de Ferdinand de Saussure: par des réunions et des discussions périodiques; en
publiant, si les circonstances le permettent, au moins une fois par année, un organe, les CAHIERS FERDINAND DE SAUSSURE
publiés par la Société Genevoise de Linguistique contenant un ou plusieurs travaux originaux, le compte rendu de publications
reçues et le procès-verbal des séances.” Disponível em: https://www.cercleferdinanddesaussure.org/CFS/Volume_1_1941.pdf.
Acesso em: 22 jul. 2020.

10 Todas as Letras, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 1-23, maio/ago. 2020


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to e a edição do manuscrito, pois ambos não são iguais e tampouco partilham


da mesma natureza.
Guardaremos também nessa galeria, com a coleção da revista Cahiers, a obra
Une vie en lettres (2014), cuja autoria é atribuída a Saussure. Trata-se de uma
publicação, editada por Claudia Mejía Quijano, de cartas escritas por Ferdinand
de Saussure endereçadas a linguistas, e, especialmente, a sua família e amigos.
Desse modo, a temática abordada nas cartas é variada e não necessariamente
diz respeito à Linguística. São cartas de cunho pessoal trocadas com pessoas
próximas, entre as quais destacamos, por exemplo, as cartas enviadas a sua
esposa Marie, a seus filhos e a seus irmãos, todas escritas com muita subjetivi-
dade, própria de uma textualidade de cunho familiar.
Ainda que possa causar estranhamento, caro leitor, guardaremos nessa ga-
leria um exemplar de Anagrammes homériques (Anagramas homéricos), editados
por Pierre-Yves Testenoire, publicado em 2013. O referido estranhamento pode-
ria ser justificado por uma interpretação sustentada por alguns autores que
insistem em dissociar o Saussure do CLG e o Saussure dos anagramas. De
nossa parte, não fazemos essa distinção, ainda que, neste texto, tenhamos dado
uma ênfase maior aos textos referentes à Linguística Geral, especialmente aque-
les em torno do CLG. Não nos alongaremos mais sobre essa temática, uma vez
que esse não é o propósito do presente texto. Como apontamos anteriormente,
não estabeleceremos aqui uma hierarquização sob quaisquer critérios dos tex-
tos saussurianos e nenhuma separação que possa desvincular uma pesquisa da
outra ou o autor de seu texto. Nosso ensejo é bem mais modesto: imaginar uma
biblioteca saussuriana que está sendo constantemente alimentada e organizar
as sucessivas publicações que têm vindo à luz a partir do legado saussuriano.
Essa galeria tem uma peculiaridade: ela é rondada por um espectro que está em
constante manutenção com as póstumas publicações em nome de Saussure.
Portanto, nessa galeria guardaremos os textos escritos por Saussure e en-
contrados sob a forma de manuscrito e que foram tornados públicos posterior-
mente por terceiros. Não guardaremos aqui o manuscrito propriamente dito,
apenas a sua edição estabelecida por outro sujeito que não Saussure.

Galeria hexagonal 3: dos textos publicados atribuídos a Ferdinand


de Saussure

“A luz procede de algumas frutas esféricas que levam o nome de lâmpadas. Há duas
em cada hexágono: transversais. A luz que emitem é insuficiente, incessante.
Como todos os homens da Biblioteca, viajei na minha juventude; peregrinei em
busca de um livro, talvez do catálogo de catálogos” (BORGES, 1941, p. 35).

Nessa galeria, não exatamente numa estante, mas sob uma cúpula transpa-
rente, com uma iluminação incidindo de cima para baixo direta e pontual, coloca-
remos o volume que deu início a uma série de discussões que se estendem até
hoje: o Cours de Linguistique Générale (1916). Como sabemos, Saussure não es-
creveu a obra que hoje conhecemos como CLG e, como os próprios editores admi-
tem no prefácio à primeira edição, provavelmente, Saussure não teria autorizado
a sua publicação. Nesse caso, precisamos recuperar aqui o dispositivo de escrita
do CLG para justificarmos o porquê de estarmos guardando-o aqui nessa galeria.
Saussure ministrou uma série de três cursos de Linguística Geral entre os
anos de 1907 e 1911, na Universidade de Genebra. A partir dos cursos ministra-

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dos oralmente por Saussure, os alunos tomaram notas em seus cadernos. Além
disso, é preciso ponderar também que, tendo em vista a extensão dos cursos e o
distanciamento das datas, o público não era exatamente o mesmo nos três cur-
sos. Após a morte do mestre, Charles Bally e Albert Sechehaye, professores da
Universidade de Genebra e colegas de Saussure, tomaram a iniciativa de publicar,
sob a forma de livro, as notas de Saussure referentes aos cursos ministrados.
No entanto, segundo os editores, o que eles encontraram, naquele momento,
seria insuficiente para um livro e decidem, então, por uma reconstrução apoia-
da, sobretudo, no terceiro curso. Os editores tomaram, como base da reconstru-
ção, as notas de Saussure e também as anotações dos alunos. Como Charles
Bally e Albert Sechehaye não assistiram aos cursos, eles contaram com a cola-
boração de Albert Riedlinger, que assistiu aos dois primeiros cursos.
Ao longo desse processo de reconstrução, os editores depararam-se com al-
gumas dificuldades, especialmente quando os cadernos, ao serem comparados,
apresentaram posições peculiares na tomada de notas, algumas vezes comple-
tamente discordantes. Apesar de todos os percalços, os editores concluem que
esse projeto seria audacioso e publicam, em 1916, a obra que eles chamam de
Cours de Linguistique Générale e atribuem a autoria a Saussure, ainda que não
tenha participado (diretamente) do processo de escrita do texto. Em síntese, o dis-
positivo de escrita do CLG poderia ser resumido na seguinte equação (TRABANT,
2019, p. 384, cf. nota 2):
Saussure fala (Fonte), os alunos escutam + escrita 1 dos estudantes (anotações)
+ Leitura de Bally e Sechehaye dessas notas + escrita 2 de Bally e Sechehaye +
publicação (impressão) = CLG.
Esse dispositivo de escrita dá um ar peculiar ao CLG e, curiosamente, é jus-
to essa obra que alçou a Linguística ao âmbito das Ciências Humanas, colocan-
do Saussure como o fundador da Ciência Linguística. Por isso, esse exemplar
está no centro de uma galeria, não em uma estante, no centro da biblioteca.
Nessa galeria, damos ênfase ao CLG, que, como destacado no início de nossa
reflexão, é uma obra bastante controversa, sobretudo por ela não ter sido publi-
cada por aquele a quem se atribui a autoria. Junto ao CLG, guardaremos um
exemplar da publicação intitulada La “collation Sechehaye” du “Cours de Lin-
guistique Générale” de Ferdinand de Saussure (2015), editada por Estanislao
Sofia. Trata-se de uma edição diplomática das notas manuscritas de Albert
Sechehaye daquilo que posteriormente viemos a conhecer como Cours de Lin-
guistique Générale. Nessa edição, o leitor encontrará, de um lado, a imagem em
alta qualidade do manuscrito (fac-símile) e, de outro, a edição do manuscrito, a
qual preserva e reproduz todas as minúcias e filigranas. O primor e o cuidado da
edição permitem-nos concluir que se refere a uma edição elaborada por um saus-
suriano apaixonado por seu trabalho para saussurianos que amam o que fazem.
Essa edição diplomática proposta por Estanislao Sofia12 nos traz à memória um
outro conto de Borges, “Sobre o rigor da Ciência”. Nesse conto, os cartógrafos se
debruçam sobre a criação de um mapa extremamente preciso e minucioso e

12 Nota ao leitor: por favor, não se zangue por mais uma digressão no nosso texto, mas não podemos deixar de mencionar o
123º Seminário de Estudos Avançados – O estudo da obra de Ferdinand de Saussure: problemas teóricos, filológicos e editoriais,
realizado nos dias 3 e 4 de junho de 2019, no Centro de Documentação e Memória, em Silveira Martins (campus UFSM). O semi-
nário foi ministrado por Estanislao Sofia e abordaram-se os conceitos de sistema e de valor nos manuscritos saussurianos, além,
é claro, do complexo processo de edição do CLG, o qual implica também pensar a problemática da autoria da referida obra.

12 Todas as Letras, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 1-23, maio/ago. 2020


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criam, então, o mapa em escala 1:1, no qual um centímetro sobre o mapa repre-
sentava um centímetro sobre o terreno.
Em relação ao corpus saussuriano, demos maior destaque ao CLG por várias
razões, mas, especialmente, porque, apesar do seu polêmico processo de edição,
é a obra que promoveu um bouleversement na história na Linguística. Na década
de 1960, quando essa obra contribuiu para que a Linguística fosse aclamada a
ciência-piloto das Ciências Humanas no seio do Estruturalismo, as fontes con-
sultadas para a elaboração do CLG já haviam sido publicadas em edições críti-
cas e havia uma forte discussão sobre tal problemática, como a obra de Robert
Godel, Les sources manuscrites du Cours de Linguistique Générale (1957). Aque-
les que apostavam na cientificidade do CLG e na sua importância para alçar a
Linguística ao âmbito de Ciência pareciam indiferentes às edições críticas e às
discussões que estavam ocorrendo; todavia, elas não afetaram o lugar que a
referida obra já havia adquirido no estruturalismo vigente.
A par do complexo processo de edição do CLG, e também dos diferentes mo-
mentos históricos em que ela foi recebida na história da Linguística no Ocidente,
essa obra está no cerne daquilo que ficou conhecido entre os estruturalistas
como corte epistemológico saussuriano. Aliás, “epistemologia” é uma palavra
que não existia no sentido dado a sua atualidade na época de Saussure, como
destaca Simon Bouquet (2012, p. 22, tradução nossa):
Saussure não fala de epistemologia, no sentido que nós a entendemos – a pala­
vra não existia na sua época –, mas seu pensamento não é menos autentica­
mente epistemológico, particularmente no que ele permite colocar critérios ge­
rais de legalidade científica para a linguística13.

Para os estruturalistas, esse (dito) corte foi constituído em torno da definição


de um objeto para a Linguística, que é a língua. Por sua vez, a noção de “corte
epistemológico” vem de uma perspectiva ocidental de Ciência que predominou
durante a década de 1960 e estendeu-se até os anos 1980, apoiando-se na noção
proposta pelo filósofo francês Gaston Bachelard como ponto de ruptura, de não
retorno. O autor defende a não continuidade das Ciências, sustentando que,
[...] em tal formigamento de descobertas, como não ver que toda linha de con­
tinuidade é sempre um traço demasiado rústico, um esquecimento da especi­
ficidade de pormenores? De resto, é preciso pedir aos próprios cientistas a cons­
ciência das descontinuidades da ciência contemporânea. Eles determinam essas
descontinuidades com todo o rigor desejável (BACHELARD, 1983, p. 173).

O filósofo apoia-se em uma perspectiva da descontinuidade das Ciências, a


qual contribuiu também para legitimar o lugar de Saussure como o precursor da
Linguística Moderna. Além disso, ao lado da noção de corte epistemológico, apa-
rece também a noção de descoberta, tomada no sentido moderno14 do termo,
entendida aqui como “um resultado, particularmente importante do ponto de
vista cognitivo e epistemológico, atingido no decorrer de um processo de busca”
(DESCENDRE, 2015, p. 22-23).

13 “Saussure ne parle pas d’épistémologie, au sens où nous l’entendons – le mot n’existait pas à son époque – mais sa pensée n’en
est pas moins authentiquement épistémologique, notamment en ce qu’elle permet de poser des critères généraux de légalité
scientifique pour la linguistique.”
14 Sobre a noção de descoberta, ver Descendre (2015).

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No caso da Linguística, qual teria sido essa descoberta? O que foi que Saussure
descobriu? Não dizemos que Saussure descobriu o objeto da Linguística, mas
dizemos que ele definiu15 tal objeto. Aliás, a noção de descoberta nas Ciências
Humanas é um tanto delicada. Sériot (2015) aponta essa problemática ao refle-
tir sobre o objeto de conhecimento nas Ciências Humanas. Para ser descoberto,
tal objeto precisaria preexistir ao conhecimento. De fato, as línguas, enquanto
objeto real, existem e preexistem a qualquer conhecimento linguístico. Entretan-
to, é a partir da problemática saussuriana que a noção de língua vai ser tomada
enquanto um conceito teórico e como objeto de conhecimento da Linguística.
A nosso ver, o que temos com a edição e publicação do CLG é uma espécie de
objeto de predileção para os historiadores das ideias, em nosso caso, na História
Social da Linguística, pois ele, o CLG, acaba, nas palavras de Starobinski (2011),
formando uma ideia com unidade semântica capaz de articular com outras uni-
dades semânticas, dando a ver o como podemos articular ciência, história e
memória na história da produção do conhecimento. De outro lado, por muito
tempo, a história da Linguística organizou-se em torno do CLG, tomando-o co-
mo um ponto de ruptura. Segundo Courtine (2006, p. 5),
[...] a reflexão sobre a história da disciplina estava, com efeito, dominada pelo
que poderíamos comodamente chamar de “saussurologia”, isto é, a idéia segun­
do a qual o advento de uma linguística científica tinha se fundado sobre um
“corte epistemológico”, que intervém no Cours de Linguistique Générale.

O autor reforça ainda que o CLG inspirou o estruturalismo, o qual supunha


encontrar ali um modelo de cientificidade. Contudo, no auge do estruturalismo
linguístico europeu, esperavam-se da Linguística respostas que ela não tinha con-
dições de oferecer (PAVEL, 1990). Desse modo, é preciso ter em vista que hoje
essa leitura é considerada datada, representativa de uma dada conjuntura histó-
rica e ideológica. Sobre esse aspecto, Normand (2009, p. 18-19) aponta o seguinte:
[...] considerado no desenvolvimento das ciências da linguagem, para a maior
parte dos linguistas de hoje, o momento saussuriano é datado e, por isso mes­
mo, ultrapassado, qualquer que tenha sido sua consequência histórica. [...] Mas
ele é ainda um texto de ideias, de reflexão absolutamente original sobre a lin­
guagem, a especificidade do objeto-língua, as armadilhas da evidência e da
trivialidade nas ciências humanas, e, como tal, sua leitura torna-se estimulan­
te, mesmo para os linguistas.

Tomado um certo distanciamento temporal, em consonância com as ideias


de Normand (2009), Courtine (2006, p. 6) afirma ainda:
[...] a constituição de uma memória da linguística por meio da historiografia
recente desenha-se, assim, numa outra concepção. Ela vem, sem negar a impor­
tância do acontecimento científico que representou o Cours, relativizar, no en­
tanto, o alcance do “corte saussureano” na história da disciplina.

15 Destacamos aqui a importância de refletir sobre a noção de “definição” para a constituição da história da produção do conhe-
cimento. Costa (2012, p. 34) defende que “a definição poderia ser considerada uma formulação singular na medida em que
expõe o sujeito à visibilidade a partir do gesto interpretativo. Além disso, a forma da definição projeta um efeito de fechamen-
to para que não signifique outra coisa a não ser o que o sujeito espera que signifique, ao mesmo tempo em que mascara o gesto
interpretativo, fazendo parecer que o dizer é da ordem da evidência e que o sujeito é exterior ao seu dizer. Dessa forma,
entendemos que definir poderia ser considerado um gesto singular que coloca o sujeito como responsável por aquilo que diz e
escreve, simulando estar na origem do seu dizer, como se as palavras não tivessem história”.

14 Todas as Letras, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 1-23, maio/ago. 2020


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Nesse sentido, o autor aponta a importância das pesquisas realizadas por


Sylvain Auroux (1989) e Jean-Louis Chiss e Christian Puech (1987), que contri-
buíram para refletir sobre a história da Linguística recente e sobre o CLG en-
quanto um lugar de memória. Não vamos trazer aqui todo um trajeto de pesqui-
sa e de produção de estudiosos importantes que mostram o quanto, além do
CLG, outros textos também foram atribuídos a Saussure. Nosso interesse de
estudo, vale lembrar novamente, está centrado no CLG e no quanto ele garante
uma possível escritura da história da Ciência Linguística. Para nós, “Só haveria
leitura completa naquela que transformaria o livro em uma rede simultânea de
relações recíprocas”16 (ROUSSET, 1964, p. xiii, tradução nossa). Entrar em uma
obra é entrar em um universo outro, é mudar de universo. É abrir um outro
horizonte. Estudá-la é impor um acontecimento e abrir-se para novos parâme-
tros e novos dizeres na luta entre forma e significação, para ressignificar.

Galeria hexagonal 4: das traduções do CLG


“‘Não há, na vasta Biblioteca, dois livros idênticos’. Dessas premissas
incontrovertíveis deduziu que a Biblioteca é total e que suas prateleiras
registram todas as possíveis combinações dos vinte e tantos símbolos
ortográficos (número, ainda que vastíssimo, não infinito), ou seja, tudo o
que é dado expressar: em todos os idiomas” (BORGES, 1941, p. 37).

Guardaremos nessa galeria as diferentes traduções do CLG que dão uma


nova coloração ao texto, que varia conforme o lugar de circulação e as condições
históricas em que é recebido. Essa passagem de uma língua a outra não é auto-
mática, e é essa natureza da(s) língua(s) que assegura também a permanência e
a atualização do CLG.
Desse modo, cabe ressaltar que, na época em que foi publicado, o CLG não
foi nenhum best-seller e, segundo Normand (2009, p. 16), “suscitou interesses
e críticas sem que ninguém visse nele um barril de pólvora suscetível de ser
amea­ça à tradição universitária”. A primeira tradução do CLG só foi publicada
mais de uma década depois e não foi na Europa. Segundo Salum (2006,
p. XIII-XIV),
A primeira foi a versão japonesa de H. Kobayashi, de 1928, reeditada em 1940,
1941 e 1950. Vem depois a alemã de H. Lommel, em 1931, depois a russa, de
H. M. Suhotin, em 1933. Uma divulgou-o no Oriente, e a outra no mundo germâ­
nico (e nórdico) e a terceira no mundo eslavo. A versão espanhola, de Amado
Alonso, enriquecida com um excelente prefácio de 23 páginas, saiu em 1945,
sucedendo-se as edições de 1955, 1959, 1961, 1965 e 1967, numa cerrada
competição com as edições francesas. São as edições francesa e espanhola os
veículos de maior divulgação do Cours no mundo românico.
Já a edição italiana, como vimos anteriormente, foi publicada, em 1967, por
Tullio De Mauro, como ressalta Trabant (2019, p. 382): “A tradução italiana
demora a chegar, visto que a tradução japonesa data de 1928 e a alemã, de
1931. Os italianos não precisavam da tradução para ler o Curso. Mas eles o le-
ram com certa reserva”.

16 “Il n’y a de lecture complète que celle qui transforme le livre en réseau simultané de relations reciproques.”

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A tradução brasileira foi publicada somente em 1970, com 54 anos de atra-


so, como ressalta Isaac Nicolau Salum, no prefácio à edição brasileira do CLG.
É preciso destacar ainda que, no Brasil, diferentemente do que acontece na
Europa, não há uma tradição sobre estudos voltados à Linguística Geral. Há,
sobretudo, uma tradição de estudos normativos, filológicos e dialetológicos
(MATTOSO CÂMARA JR., 1976).
Quando o CLG foi publicado no Brasil, na década de 1970, ele já não tinha
mais a mesma importância na Europa, especialmente a que havia alcançado nas
décadas de 1950 e 1960, no seio do movimento estruturalista. O Brasil, naque-
le momento, manteve-se alheio à recepção que a referida obra tivera na Europa
e toda repercussão em torno do processo de edição ao qual esteve submetida, à
publicação das fontes manuscritas consultadas, bem como às edições críticas
que então surgiram. O contexto de recepção do CLG no Brasil é outro, e isso tem
implicações também sobre a leitura que é feita dessa obra (cf. FLORES, 2017).
Em outro momento (SCHERER; COSTA, 2018), analisamos as versões brasi-
leira, portuguesa e argentina do CLG, especialmente seus textos introdutórios,
e comparamos uma passagem específica do CLG. Esse estudo permitiu-nos
compreender que, a cada tradução, há uma atualização do texto que é sensível
às condições históricas em que se inscreve e também ao gesto interpretativo
identificatório do tradutor e do editor. A tradução da edição crítica do CLG ainda
não foi publicada no Brasil, mas temos a publicação da tradução da introdução,
escrita por Tullio De Mauro (2018), à edição crítica do CLG. A tradução da intro-
dução tem como base a publicação francesa do CLG de 1974. Por se tratar de
uma introdução de uma obra, as tradutoras decidiram não dar outro título ao
texto senão “...” (sim, leitor, são reticências), uma vez que também não caberia,
fora do CLG, chamá-lo de “introdução”, ainda que não deixe de ser a “introdução”
do CLG.
Nessa galeria, guardaremos as traduções do CLG, as mencionadas aqui e
também aquelas que não foram, mas que são igualmente importantes, pois nos
permitem imaginar um mapa de circulação do CLG, bem como a importância
das ideias saussurianas para pensar a noção de língua em diferentes línguas do
mundo. Essa galeria das traduções do CLG justificaria ainda mais uma biblio-
teca saussuriana à moda de “A Biblioteca de Babel”, de Borges.

Galeria hexagonal 5: “Para além do CLG” ou “O acervo é ainda


mais vasto e promete o infinito”

“Quando se proclamou que a Biblioteca abarcava todos os livros, a primeira


impressão foi de extravagante felicidade. Todos os homens sentiram-se
senhores de um tesouro intacto e secreto. Não havia problema pessoal
ou mundial cuja eloquente solução não existisse: em algum hexágono.
O Universo estava justificado, o Universo bruscamente usurpou
as dimensões ilimitadas da esperança” (BORGES, 1941, p. 37).

Saussure ficou conhecido, sobretudo, pelo CLG. Entretanto, as notas ma-


nuscritas do mestre não se resumem só à Linguística Geral e às cartas pessoais.
Entre os manuscritos encontrados, há pesquisas bastante avançadas sobre
anagramas e também sobre lendas germânicas distribuídas em numerosos ca-
dernos. Esses estudos interessam não só a linguistas, mas também a antropó-
logos e literatos. Os cadernos sobre anagramas mais antigos datam de 1906 e

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reportam-se a textos poéticos (latinos, gregos, védicos), especialmente de au­


tores como Homero, Virgílio, Catulo, Horácio e Ovídio. A publicação de Jean
Starobinski, Les mots sous les mots (1971), traduzida no Brasil como As pala-
vras sob as palavras (1974), contribuiu de forma significativa para a divulgação
desses estudos que parecem ter ocupado uma grande atenção do mestre gene-
brino, a julgar pela quantidade de cadernos encontrados voltados aos estudos
de anagramas, à métrica védica e aos versos saturninos. Segundo o autor, “es-
ses cadernos, classificados por Robert Godel, encontram-se na Biblioteca de Ge-
nebra. Estão distribuídos em oito caixas, cada qual designada por um registro
diferente” (STAROBINSKI, 1974, p. 7). Entre os cadernos mencionados, Staro-
binski (1974, p. 8) destaca que “a exposição teórica tomou uma forma mais
acabada no Premier cahier à lire préliminairement (Ms. fr. 3963). Ele poderia ter
sido preparado visando a uma publicação, à qual Ferdinand de Saussure prefe-
riu renunciar”. Esse caderno faz parte de um conjunto de 24 cadernos registra-
do como “Anagramas: Homero” (Ms. fr. 3963). Esse conjunto, especialmente, foi
objeto de estudo da tese de doutorado de Pierre-Yves Testenoire, defendida em
2010 e publicada em forma de livros em 2013, pela editora francesa Éditons
Lambert-Lucas (cf. também SAUSSURE, 2013). No caso do contexto brasileiro,
também temos pesquisas bastante significativas no que tocam aos anagramas
saussurianos, como a dissertação de mestrado e a tese de doutorado de Marcen
de Oliveira Souza, respectivamente: Os anagramas de Saussure: entre a poesia
e a teoria (2012), posteriormente publicada como livro, em 2018, sob o mesmo
título, e Os anagramas de Saussure: um percurso pelo lado pitoresco das línguas
(2017).
Não nos estenderemos aqui mencionando todos os trabalhos que têm sido
desenvolvidos a partir do corpus saussuriano ao longo desses mais de cem anos,
pois isso seria muito pretensioso e contraditório em relação à posição teórica
que assumimos. Tendo em vista a abundância de publicações que são dedica-
das aos estudos saussurianos, guardaremos, portanto, nessa galeria as publi-
cações de pesquisadores que têm contribuído para a divulgação dos manuscri-
tos saussurianos, ressaltando a importância do trabalho desses pesquisadores
para a compreensão do legado saussuriano. Não estamos nos referindo àquelas
publicações que são editadas em nome de Saussure (essas estão na galeria he-
xagonal 2). Estamos nos referindo aos trabalhos de diferentes pesquisadores
que se debruçam sobre os textos saussurianos e trazem à luz novas/eternas
leituras sobre o corpus saussuriano, contribuindo, desse modo, para a sua
constante atualização e permanência. A esses trabalhos já publicados até o mo-
mento se somarão aqueles que virão a ser, sendo importante ressaltar que,
conforme aponta Sofia (2012, p. 36, tradução nossa),
Com efeito, sobre um total aproximado de 30.000 páginas escritas, divididas
entre a Bibliothèque de Genève et la Houghton Library de Harvard, revelando
projetos e períodos heteróclitos, menos de um décimo do todo foi estudado, edi­
tado e publicado17.
Considerando esse horizonte de retrospecção (AUROUX, 2008) que compreen­
de mais de um século em torno do legado saussuriano e a potencialidade de

17 “En effet, sur un total d’environ 30.000 pages écrites, réparties entre la Bibliothèque de Genève et la Houghton Library de
Harvard et relevant projets et périodes hétéroclites, moins d’une dixième partie a été étudiée, éditée et publiée.”

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futuro que as notas manuscritas inéditas saussurianas prometem, essa galeria,


portanto, fica em aberto e promete, quem sabe, assim como “A Biblioteca de
Babel”, de Borges, o infinito.
Portanto, impossível pensar em um desfecho, impossível pensar na probabi-
lidade de um ponto de vista autoral sobre a leitura, sobre a tradução, sobre a
versão, sobre os comentários às notas, sobre a edição de manuscrito a ou b,
porque sempre haverá uma cena por demais esquecida, sedimentada, pavimen-
tada em cada uma das palavras de cada pesquisador, leitor, estudioso redimen-
sionando o lugar do leitor.
Toda leitura é alteração, alternada e possuída, pois Cerquiglini (1989, p. 19,
tradução nossa), comentando sobre o lugar do copista na Idade Média e que, a
nosso ver, podemos trazer para atualidade, nos ensina: “a língua ilude e pega
em sua armadilha o copista que ela institui como sujeito”18, visto que, ao produ-
zir sua leitura sobre o arquivo e ou sobre o corpus saussuriano, acabamos por
nos fazer lembrar daquilo que, já cimentado, possa formar mais uma camada na
imensidão do que é produzir conhecimento sobre a língua.

À guisa de conclusão ou o fim do passeio guiado (mas não da


biblioteca)

“Atrevo-me a insinuar esta solução do antigo problema: A Biblioteca


é ilimitada e periódica. Se um eterno viajante a atravessasse em qualquer
direção, comprovaria ao fim dos séculos que os mesmos volumes se repetem
na mesma desordem (que, reiterada, seria uma ordem: a Ordem). Minha
solidão alegra-se com essa elegante esperança” (BORGES, 1941, p. 39).

O leitor que nos acompanha até aqui deve estar se perguntando: os manus-
critos saussurianos serão guardados em qual galeria? Aqui convidamos o leitor
para voltar ao mundo real e lembrar que tais manuscritos estão guardados, em
sua maior parte, na Biblioteca de Genebra (Suíça) e também em Houghton Library,
de Harvard (Estados Unidos). O acesso a esses manuscritos, hoje, é mediado por
um trabalho cuidadoso e minucioso de pesquisadores que se dedicam a montar
e decifrar um conjunto de notas na tentativa de atribuir uma ordem. De Mauro
(2016, p. 37, tradução nossa) atribui a esse trabalho pesaroso um ar poético:
Certamente, estes materiais estão em desordem. A atmosfera geral que se des­
prende parece aquela de um ateliê onde trabalha o artista: dispersão de frag­
mentos, de cacos, de resíduos, de esboços; entretanto, aqui e acolá, alguma
coisa de mais acabado aparece e, às vezes, admiravelmente acabado: trata-se,
em resumo, de uma desordem à procura de uma invenção de uma ordem nova19.
O que significa reconhecer que, para acessar esses manuscritos, será neces-
sário inventar uma (nova) ordem, e essa ordem, por sua vez, sempre poderá ser
outra, uma vez que o autor dos manuscritos já não pode mais nos dizer qual
seria a sua escolha. É muito provável que Saussure também não soubesse que
ordem dar, pois, em várias notas, ele faz alusão à dificuldade de começar e dar

18 “la langue miroite et prend dans son piège le copiste qu’elle institue en sujet”.
19 “Bien entendu, ces matériaux sont en désordre. L’atmosphère générale qui s’en dnégage ressemble à celle d’un atelier où tra-
vaille l’artiste: parsemé de fragments, de débris, de déchets, d’ébauches; cependant, ici et là, quelque chose de plus fini apparaît,
et parfois même, d’admirablement fini: il s’agit en somme d’un désordre à la recherche de l’invention d’un ordre nouveau.”

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linearidade a sua reflexão, dada a complexidade da natureza do objeto de estu-


do. Segundo De Mauro (2016, p. 37, tradução nossa),
O próprio Saussure toma posição sobre o problema da ordem e (diremos à ma­
neira de Croce, tradutor de Hegel) “del cominciamento”. É uma questão que o
atormenta, como atormentou já Pascal e Hegel e igualmente o último Wittgenstein
com suas Investigações filosóficas20.
Defendemos (SCHERER; COSTA, 2019), inclusive, que o corpus saussuriano
constitui-se enquanto um livro de areia, no sentido poético e metafórico atribuí­
do por Borges, considerando que a ordem em que os manuscritos encontram-
-se, seja no Fundo Documental ou nas edições publicadas, sempre nos escapa
por entre os dedos, seja pela ordem atribuída pelos editores, seja pela ordem
atribuí­da pelo autor dos manuscritos. Essa dificuldade permite-nos imaginar
uma ordem possível e também nos impõe a necessidade de refletir que poderia
ser de outra forma, tal como um livro de areia, que poderia ganhar diferentes
formas e tornar-se outro: do mesmo modo que essa biblioteca continua sempre
em aberto. A partir desse livro de areia que constitui as tantas versões que co-
nhecemos do CLG, podemos esperar também uma Biblioteca de Babel à la Bor-
ges desse conjunto de textos saussurianos? Em nosso entender, todos os textos
que já foram publicados (e os que virão a ser) na busca de tentar compreender
essa problemática, inclusive o presente texto, somam-se a essa biblioteca de
Babel saussuriana que se abre para uma promessa de um possível infinito,
pois, para nós,
Tudo está ordenado no mundo e é isso que causa um medo extremo ao homem.
Nada de mais aterrorizante do que essa glória do real não feita para nossos
olhos. O que dá um medo extremo não é o caos daqui, nem as coisas em labirinto,
mas a arrumação absoluta de tudo e a súbita aparição do universo numa língua
ordenada. Não é o amontoado, o inominável da matéria que dá medo, mas ouvir
uma ordem ali dentro. Não é uma coisa que se compreende pela visão – já que
tudo é desordem para se ver – mas uma coisa que se ouve. Ouvimos uma ordem
na linguagem. E ouvimos uma ordem no tempo (NOVARINA, 2009, p. 23).

Saussurian library à la Borges: an invitation

Abstract: Reflect on the work of Ferdinand de Saussure implies referring to the


problem of notions of corpus and archive in what concerns about the heteroge-
neous set of publications that were published by Saussure and attributed to
him. Starting from this problematic and inspired by a Borges short story,
“A Biblioteca de Babel”, in this article, we seek to propose a reflection on the
permanence of the Course in General Linguistics and its inconstancy, as well as
on its capacity to be reinvented and to maintain itself present for more than a
century. We will also reflect on the hard work of researchers who have been
dedicated to the study of this complex heterogeneous set of texts to which is
attributed to Saussure. In the style of a library (like Babel à la Borges), we or-

20 “Saussure lui-même prend position sur le problème de l’ordre et (dirons nous à la manière de Croce, traducteur de Hegel) ‘del
cominciamento’. C’est là une question qui le tourmente, comme elle a tourmenté déjà Pascal et Hegel et également le dernier
Wittgenstein aux prises avec ses Investigations philosophiques.”

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ganized our text by shelves (of hexagonal galleries) to try to understand the vast-
ness and complexity of the set of works and documents attributed to Saussure.

Keywords: History. Memory. Corpus. Archive. Manuscripts.

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