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Ensaio Iconográfico Palácio GAS et al.

ARTEFATOS EM RESSONÂNCIA MAGNÉTICA DO ABDOME:


ENSAIO ICONOGRÁFICO*
Glaucia Andrade e Silva Palácio1, Viviane Vieira Francisco2, Cristiane Lima Abbehusen1,
Dario Ariel Tiferes3, Giuseppe D’Ippolito4, Jacob Szejnfeld5

INTRODUÇÃO mente codificadas e aparecem “dobradas” truncamento da transformada de Fourier.


e em cima da estrutura examinada, sobre- São observados nas interfaces de estrutu-
Como outros métodos de diagnóstico pondo-se a esta última (Figuras 1 e 2). Este ras com alto contraste entre si e aparecem
por imagem, a ressonância magnética (RM) artefato pode ser suprimido tornando-se o como uma série de bandas, ou linhas, al-
está sujeita a inúmeros tipos de artefatos FOV suficientemente grande para incluir ternadas, de hipo e hipersinal, paralelas à
que podem comprometer a qualidade das toda a área a ser estudada(1–4). interface entre os tecidos de sinal muito
imagens e interferir na sua interpretação. Existem outras maneiras para reduzir os diferente. Tal efeito é acentuado quando se
Por isso, é necessário reconhecer os arte- efeitos deste artefato. Uma é a utilização de utiliza matriz com pixels muito espessos
fatos e diferenciá-los de variantes anatômi- bobinas de superfície que excluem o sinal (128 × 128), e na prática é mais freqüen-
cas e de processos patológicos. Os artefa- da área do paciente que apresenta o arte- temente observado no sentido da codifica-
tos podem resultar tanto da aquisição e fato. Outros artifícios são o uso de pulsos ção de fase(1,4).
manipulação dos dados quanto de carac- de pré-saturação, que suprimem o sinal de A sua prevenção consiste no uso de ma-
terísticas inerentes ao paciente. partes do paciente situadas fora do campo triz mais fina, com elevada resolução espa-
Neste artigo apresentaremos os princi- de visão, e a utilização de filtros para re- cial e métodos de filtragens matemáticas da
pais artefatos na RM do abdome, realizan- mover as freqüências fora da faixa(1–4). imagem, que alguns equipamentos dis-
do um breve comentário das suas causas, põem e que diminuem as oscilações origi-
efeitos no diagnóstico, e a forma de elimi- 2 – Artefato de “truncamento” nárias do artefato (filtros de Haning)(1,4).
ná-los ou minimizá-los. Proporemos tam- ou de “truncagem” (em inglês,
bém uma classificação, com o intuito de “truncation”)(1,4) 3 – Artefato em “zebra” (em inglês,
caracterizá-los e reconhecê-los. Este artefato tem aspecto semelhante ao “zebra stripes”)(1,4)
artefato de movimento, mas não tem rela- Estes artefatos podem ser vistos na pe-
ARTEFATOS RELACIONADOS ção com este, e ocorre devido a erros de riferia de imagens gradiente-eco quando há
AO MÉTODO

1 – Artefato de “retroprojeção” ou
“dobradura” (em inglês, “aliasing”
ou “wraparound” ou “fold-over”) (1–4)
Este artefato ocorre quando uma ou
mais dimensões do objeto de estudo são
maiores do que o campo de visão (FOV)
para aquela imagem. Dessa forma, as re-
giões fora do campo de visão são erronea-

* Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico


por Imagem da Universidade Federal de São Paulo – Escola
Paulista de Medicina (Unifesp-EPM), São Paulo, SP.
1. Pós-graduandas do Departamento de Diagnóstico por
Imagem da Unifesp-EPM.
2. Médica Residente do Departamento de Diagnóstico
por Imagem da Unifesp-EPM.
3. Médico do Departamento de Diagnóstico por Ima-
gem da Unifesp-EPM.
4. Professor Adjunto do Departamento de Diagnóstico
por Imagem da Unifesp-EPM.
5. Chefe do Departamento de Diagnóstico por Imagem
da Unifesp-EPM.
Endereço para correspondência: Dra. Glaucia Andrade
e Silva Palácio. Rua Napoleão de Barros, 920, apto. 61.
São Paulo, SP, 04024-002. E-mail: gl.palacio@bol.com.br
Recebido para publicação em 10/1/2002. Aceito, após Figura 1. Artefato de retroprojeção. Seqüência gradiente-eco T1 com contraste. A imagem da parede ab-
revisão, em 24/2/2002. dominal anterior aparece “dobrada”.

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A B
Figura 2. Artefato de retroprojeção (A). Observar a redução do artefato sobre o parênquima hepático na imagem B, obtida com campo de visão maior.

uma transição abrupta na magnetização da gistration”. Um segundo efeito, chamado com campo magnético de menor intensi-
transição da interface ar-tecido. Soluções de “chemical shift phase cancelation”, dade, aumentando a largura de banda, re-
para minimizá-lo incluem expandir o FOV ocorre porque os componentes espectrais duzindo o tamanho do voxel, e empregan-
e utilizar seqüências spin-eco(1,4). dentro do voxel podem somar-se de forma do seqüências de pulso específicas, como,
construtiva (em fase) ou destrutiva (fora de por exemplo, a seqüência STIR (“short
4 – Artefato de deslocamento químico fase). Resulta numa delineação escura dos time inversion recovery”). Reduzir o tama-
(em inglês, “chemical shift”)(1,2,5,6) tecidos nas seqüências fora de fase (Figu- nho do voxel também ajuda a minimizar os
Este artefato é devido às diferentes fre- ra 3). A água e a gordura estão fora de fase artefatos por cancelamento de fase, pois
qüências de ressonância da água e da gor- quando o TE é um múltiplo ímpar de 2,3 com o voxel menor reduz-se a probabili-
dura. Ocorre, na imagem, um deslocamen- ms, e para os múltiplos pares, estão em dade de que um dado voxel contenha tan-
to ao longo da interface lipídico-aquosa, fase. Ocorrem em ambos os eixos, de fase to prótons de água quanto de gordura. Por
que aparece como linhas hipointensas e hi- e de freqüência, e exclusivamente em se- outro lado, deve ser lembrado que o arte-
perintensas nos contornos entre os órgãos qüências gradiente-eco(1,6). fato por cancelamento de fase pode ser útil
e o tecido adiposo circundante. Este arte- Estes artefatos podem ser minimizados na detecção de gordura microscópica,
fato é chamado de “chemical shift misre- realizando-se imagens em equipamentos como, por exemplo, na caracterização de

A B
Figura 3. Artefato “chemical shift”. Seqüências em fase (A) e fora de fase (B). Observar o hipossinal na margem dos órgãos na seqüência fora de fase.

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adenomas da glândula adrenal (Figura 4) ção adquirida pode ser concordante (para- O artefato de suscetibilidade magnéti-
e para a detecção de infiltração gordurosa lela) ou discordante (antiparalela) ao cam- ca é comumente encontrado na presença
hepática(1,2,5,6) (Figuras 5 e 6). po magnético externo. No primeiro caso, de ar, metal, cálcio ou meio de contraste
diz-se que a substância tem suscetibilidade gadolínio concentrado, e aparece como
ARTEFATOS INERENTES magnética positiva e aumenta o campo hipointensidade focal de sinal envolvida
AO PACIENTE magnético resultante, sendo chamada de por um halo hiperintenso, podendo estar
paramagnética. No segundo caso, tem sus- associada a distorção da anatomia dos te-
1 – Artefatos de suscetibilidade cetibilidade magnética negativa e enfraque- cidos circunjacentes. Este último sinal é
magnética(1,4,5) ce o campo magnético resultante, sendo mais acentuado na presença de metais fer-
A suscetibilidade magnética de um te- chamada de diamagnética. As substâncias romagnéticos(5).
cido traduz a sua capacidade em adquirir com forte suscetibilidade magnética posi- Para reduzir estes artefatos, pode ser
magnetização própria quando ele é subme- tiva são chamadas de superparamagnéticas, empregado voxel menor, tempo de eco
tido a um campo magnético. A magnetiza- ferromagnéticas, ou ferrimagnéticas(1,4). mais curto, largura de banda maior, e até

A B
Figura 4. Adenomas nas glândulas adrenais. Nódulos com hipossinal na seqüência T1 em fase (A) e redução do sinal na seqüência fora de fase (B).

A B
Figura 5. Esteatose hepática difusa. Seqüências em fase (A) e fora de fase (B). Observar a redução difusa do sinal do parênquima hepático na seqüência fora de
fase.

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A B
Figura 6. Esteatose hepatica focal. Seqüências em fase (A) e fora de fase (B). Caracteriza-se imagem de configuração nodular adjecente à veia cava, que apre-
senta redução do sinal na seqüência fora de fase.

mesmo realizar o exame em equipamento completa replicação dos tecidos em movi- sociado com movimentos randomizados,
com campo magnético de menor intensi- mento, sendo comumente chamado de ar- como, por exemplo, peristaltismo gastrin-
dade. Tais artefatos são mais proeminentes tefato fantasma. É observado ao longo da testinal, deglutição, tosse e movimentos
nas seqüências gradiente-eco e eco-planar direção da codificação da fase da imagem grosseiros do paciente(1–5,7,8).
(Figura 7)(1,4,5). e independe da direção do movimento. As estratégias para se obter redução dos
Movimentos fisiológicos que comumente artefatos de movimento nas RM do abdo-
2 – Artefatos de movimento(1–5,7,8) resultam em artefatos fantasmas incluem me podem ser agrupadas nas seguintes téc-
São os mais freqüentes artefatos de ima- movimentos respiratórios (Figura 8) e de nicas: a) aquelas que tentam reduzir os ar-
gens de RM e se manifestam como fantas- pulsação vascular (Figura 9)(1–5,7,8). tefatos de movimento por correção quan-
mas (“ghost”) ou borrões (“blurring”) nas O segundo efeito (“within-view”) de- to ao ruído na imagem; b) reduzindo a mo-
imagens. Os artefatos de movimentação corre da movimentação entre o tempo de vimentação “tomada a tomada”, isto é, que
resultam principalmente de dois efeitos: excitação da radiofreqüência e a coleta do ocorre entre os pulsos de 90 graus; c) re-
“view-to-view” e “within-view”. eco, resultando em perda de coerência de duzindo a movimentação que ocorre entre
O primeiro efeito (“view-to-view”) de- fase entre a população de spins em movi- a aplicação do pulso de 90 graus e a cole-
corre da movimentação que ocorre duran- mento no tempo de formação do eco. Esta ta de dados(1–5,7,8).
te a aquisição de níveis de codificação de incoerência se manifesta como borrões e
fase, e leva a uma reconstrução da imagem aumento do ruído na imagem. Este efeito a) Reduzindo a média dos sinais
ao longo do eixo de fase. Quando o movi- é expresso por toda a imagem e ocorre na Esta técnica consiste em reduzir a mé-
mento é periódico, isto é, ocorre de manei- direção do movimento, diferentemente do dia dos sinais, pois considera os artefatos
ra regular, o resultado é completa ou in- tipo fantasma. É mais freqüentemente as- de movimento como ruído. Com a sua uti-

A B
Figura 7. Artefato de suscetibilidade magnética devido à presença de sutura metálica na pelve. Seqüência FSE T2 (A) e seqüência gradiente-eco T1 (B). Observar
a acentuação do artefato na seqüência gradiente-eco.

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lização, o tempo médio de aquisição do técnica os dados são coletados de forma dade do sinal do sangue, que ocorre, por
exame é dobrado para cada média de sinal. contínua, onde são codificados os dados exemplo, em seqüências com TE curto ou
periféricos durante o movimento máximo, gradiente-eco, ou após a injeção endove-
b) Reduzindo o movimento “tomada e os dados centrais durante o movimento nosa de gadolínio, por encurtamento do
a tomada” mínimo (Figuras 8C e 8D). T1. Para TE muito curtos pode haver efei-
– Sincronização cardíaca (“gatting”): to paradoxal e redução de artefatos pós-
Embora funcione bem para a obtenção de c) Anulação do momento gradiente gadolínio. Estes artefatos são reconhecidos
imagens específicas do coração, não é tão (“gradient moment nuling”) pelo seu alinhamento com o vaso de ori-
eficaz na redução dos artefatos de movi- Serve para anular os artefatos que ocor- gem ao longo do eixo de codificação de
mentos cardíacos transmitidos para o ab- rem por movimentos aleatórios entre o fase da imagem, assim como a reprodução
dome superior. pulso de radiofreqüência de 90 graus e a do tamanho e forma do vaso, mas não ne-
– Sincronização respiratória: Os dados coleta de dados. cessariamente da intensidade do sinal (Fi-
são coletados apenas durante uma porção Outros métodos para reduzir artefatos gura 9). Podem ser reduzidos, também,
do ciclo respiratório, geralmente próximo respiratórios consistem no uso de faixas de usando pulsos de pré-saturação e anulação
ao final da expiração, quando o movimento restrição abdominal, técnicas em apnéia e do momento gradiente. Outra estratégia
é mínimo. Esta técnica apresenta a desvan- utilização de seqüências ultra-rápidas. consiste em mudança de fase, projetando
tagem de prolongar o tempo de exame em Pulsação vascular gera artefatos fantas- o artefato de fluxo sobre uma região ana-
duas a quatro vezes (Figuras 8A e 8B). mas. Estes artefatos ocorrem mais comu- tômica fora do enfoque do estudo(1,4,5).
– Codificação de fase ordenada (“res- mente nas artérias, particularmente na aor- Movimentos peristálticos freqüente-
piratory ordered phase encoding”): Nesta ta. Eles também aumentam com a intensi- mente causam borrões nas imagens e arte-

A B

C D
Figura 8. Artefatos de movimentos respiratórios. Seqüência TSE sem sincronizador respiratório (A), seqüência TSE com sincronizador respiratório (B), seqüência
TSE sem codificação de fase ordenada (C), seqüência TSE com codificação de fase ordenada (D). Observar a redução dos artefatos nas seqüências realizadas com
sincronizador respiratório (B) e com codificação de fase ordenada (D).

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A B
Figura 9. Artefatos de pulsação vascular produzidos pela aorta (A) e pela veia cava inferior (B) apresentam-se alinhados com os vasos de origem. A: Seqüência
gradiente-eco T1. B: Seqüência TSE-T2.

fatos fantasmas. Estes artefatos aumentam relaxamento e, menos freqüentemente, 2. Farahani K, Lufkin RB. Fluxo, movimento e
quando a luz do trato gastrintestinal con- hipnose tem obtido sucesso. Em situações artefatos por ressonância magnética. In: Lufkin RB,
ed. Manual de ressonância magnética. 2ª ed. Rio de
tém material que produz elevado hipersi- extremas, medidas farmacológicas na for- Janeiro: Guanabara Koogan, 1999:70–90.
nal. Drogas anticolinérgicas (por exemplo, ma de sedativos, analgésicos e ansiolíticos 3. Franc J, Doyon D. Diagnóstico por imagem em
glucagon e butilescopolamina) reduzem a podem se tornar necessárias(7). ressonância magnética. Artefatos. 2ª ed. Rio de Ja-
neiro: Medsi, 2000:44–51.
freqüência e a amplitude dos movimentos
4. Arena L, Morehouse HT, Safir J. MR imaging arti-
peristálticos e devem ser usadas. Técnicas CONCLUSÃO facts that simulate disease: how to recognize and
como redução da média dos sinais e anu- eliminate them. Radiographics 1995;15:1373–94.
lação do momento gradiente também po- Os artefatos de RM podem ser evitados 5. Mirowitz SA. Diagnostic pitfalls and artifacts in
abdominal MR imaging: a review. Radiology
dem ser úteis. E, finalmente, a administra- ou corrigidos à medida que o radiologista 1998;208:577–89.
ção de meio de contraste oral (agentes de familiariza-se com os tipos mais comuns. 6. Hood MN, Ho VB, Smirniotopoulos JG, Szu-
contraste negativos), que diminui a inten- Um entendimento das causas de tais arte- mowski J. Chemical shift: the artifact and clinical
tool revisited. Radiographics 1999;19:357–71.
sidade de sinal do trato gastrintestinal, fatos permitirá fazer alterações racionais
7. Wood ML, Runge VM, Henkelman RM. Overcom-
pode também reduzir estes artefatos(8). nas técnicas de imagem, para eliminá-los ing motion in abdominal MR imaging. AJR 1988;
Movimentos grosseiros do paciente ou reduzi-los. 150:513–22.
podem ser reduzidos se conseguirmos di- 8. Marti-Bonmati L, Graells M, Ronchera-Oms CL.
REFERÊNCIAS Reduction of peristaltic artifacts on magnetic reso-
minuir sua ansiedade, o desconforto físico nance imaging of the abdomen: a comparative
1. Mirowitz SA. MR imaging artifacts. Challenges and
e o tempo prolongado de exame. A utili- solutions. Magn Reson Imaging Clin N Am 1999;7: evaluation of three drugs. Abdom Imaging 1996;
zação de distração audiovisual, técnicas de 717–32. 21:309–13.

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