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Goiânia, 2019
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Goiânia, 2019
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História.
Banca examinadora:
______________________________________
Orientador: Prof. Dr. Paulo Miguel Moreira da Fonseca (IFG)
______________________________________
Prof. Dr. Philippe Delfino Sartin (IFG)
______________________________________
Prof. Ms. José de Oliveira Júnior (IFG)
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a toda minha família, que tem me apoiado desde a decisão de adentrar este curso,
por terem me ajudado durante todos os anos da minha formação dentro deste curso e ofertado
Ao professor doutor Paulo Miguel Moreira da Fonseca, pela contribuição para minha
desenvolvidas ao longo dos últimos anos, pela paciência que demonstrou durante a leitura e
correção desta e de outras pesquisas e pelo seu incentivo e compartilhamento de saberes e por
Aos professores Ms. José de Oliveira Júnior e Dr. Philippe Delfino Sartín por terem
desta pesquisa e auxiliado no trajeto pelos dois últimos estágios, pelo conhecimento por eles
compartilhado e por terem aceitado o convite para compor a banca para a defesa desta Tese de
Conclusão de Curso.
Aos meus amigos Washington Sousa Brasil e João Pedro Guelhardi por ao longo destes
últimos anos terem se disposto a me auxiliar nas minhas dificuldades no decorrer da escrita
desta pesquisa e também nas dificuldades que surgiram em outras disciplinas nestes últimos
anos e pela paciência de me ouvirem falando sobre o tema deste trabalho com frequência e me
RESUMO
Sumário
Introdução...........................................................................................................7
Considerações Finais.........................................................................................46
Referências Bibliográficas.................................................................................48
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Introdução
Nikellen Witter (2005) afirma que o ponto de partida para uma pesquisa sobre os
práticos responsáveis pela “Arte de curar” deve ser a análise do lugar social e das formas de
ação e práticas destes no império português, pois essas questões seriam de suma importância
para compreendermos os mecanismos de funcionamento dessa sociedade. Sendo assim, para a
compreensão dos cirurgiões nas Minas do Ouro se faz necessário ampliar o entendimento
sobre a sociedade mineira do século XVIII, ao mesmo tempo em que as especificidades desta
região e de seu povo foram responsáveis por moldar a esfera de atuação e as condições sociais
dos cirurgiões deste período.
Com a definição dos cirurgiões como os protagonistas desta análise, se seguirá a
proposta metodológica de Witter (2005) de evitar um olhar hierarquizante sobre esta categoria
social em relação aos práticos e médicos presentes na América portuguesa e uma
compreensão que não existe um único conhecimento medicinal válido, compreendendo o
valor dos saberes executados e desenvolvidos pelos cirurgiões na colônia e por fim a
compreensão de que estes indivíduos adaptaram suas práticas as condições especificas que as
regiões da minas possuíam, principalmente através da aquisição de novos conhecimentos
obtidos pelos colonos através dos nativos e da experiência.
Igualmente se faz necessário para a análise dos cirurgiões o entendimento de que os
saberes e práticas destes serão essenciais para compreender a atuação destes indivíduos na
colônia. Desta forma, o conhecimento obtido por estes através da sua formação na metrópole
e de seus conhecimentos obtidos na colônia são um aspecto importante para esta pesquisa.
Portanto, um cuidado imprescindível será a análise destes saberes e práticas como
conhecimentos válidos que demonstram que a ciência portuguesa tanto na formação destes
como as práticas obtidas nas colônias não seguiram um percurso linear e progressivo.
Neste contexto é cara a esta análise da obra A ciência e a filosofia dos modernos de
Paolo Rossi (1992), que apresenta um debate mais aprofundado sobre a relação dos cosmos
com as ciências que eram estimadas pelas ciências modernas em Portugal e nos seus
territórios, principalmente pela Medicina. Porém, a estagnação portuguesa no
desenvolvimento da ciência e o isolamento imposto aos avanços científicos de outros reinos
levaram a uma valorização aprofundada nos saberes desenvolvido no passado como uma
forma de reformar as práticas e conhecimentos que se tinham. Este aspecto, como apontado
na bibliografia deste trabalho, permaneceu durante todo período moderno, em consonância
com o texto Imagens do corpo e saber médico em Portugal no século XVI de Lígia Bellini,
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(2006) que aponta uma compreensão dos saberes medicinais em Portugal no começo da Idade
Moderna.
Para a análise sobre os cirurgiões dentro do recorte temático estabelecido foi eleito
como fonte a obra intitulada Erário Mineral de 1735 do cirurgião Luís Gomes Ferreira que
atuou na colônia entre as décadas de 1710 à 1730, que é um manual sobre enfermidades e
suas curas que é constituído através dos relatos e observações do autor sobre o meio em que
vivia e atuava. O uso dessa fonte é necessário para interpretar o contexto social da região de
Minas Gerais nesse período histórico, o papel dos cirurgiões, compreender os saberes e
práticas destes indivíduos (assim como suas motivações para trabalharem nesta parte da
colônia), entender as distinções que levam os médicos, cirurgiões, droguistas, entre outros e a
adaptação de suas práticas medicinais e farmacêuticas.
Embora as ações e trajetória de Luís Gomes sejam em grande parte individuais, é
possível encontrar elementos que não foram exclusivos a sua jornada e que demonstra que
esta obra e seu autor podem servir como um paradigma para a categoria social da qual Luís
Gomes Ferreira fazia parte. Com este fim a pesquisa de Márcia Moisés Ribeiro (2005) sobre o
cirurgião José Antônio Mendes e sua obra (1997) sobre a arte médica no Brasil colonial do
século XVIII serão essenciais para traçar os paralelos entre os cirurgiões coloniais.
Tendo como base estes princípios teóricos sobre a atuação dos cirurgiões na região de
Minas Gerais no século XVIII, que torna evidente a necessidade se propor uma análise que
possibilite o aprofundamento em como estes indivíduos agiram e reagiram em relação as
especificidades e necessidades da região mineira com base nos seus limites teóricos e
práticos. Com este objetivo será realizado contextualização do espaço territorial e social de
Minas Gerais durante este período no primeiro capítulo
O segundo capítulo será pautado na análise da fonte histórica para a compreensão de
quais saberes e práticas os cirurgiões realizaram e desenvolveram ao longo de sua estadia na
colônia. Estes aspectos serviram como justificativa perante a sociedade para a obtenção da
credibilidade dos colonos e para os eruditos na área da medicina serviram como um
argumento de que seu oficio era válido e que poderiam adentrar nos debates médicos e
desenvolverem novos conhecimentos embora não possuíssem os estudos maiores em
Medicina.
Por fim, o terceiro capítulo será dedicado à compreensão da hierarquia social
portuguesa de modo a compreender qual era o lugar do cirurgião dentro desta organização
social no reino e posteriormente na colônia, além de explanar qual foi o espaço hierárquico
ocupado pelos indivíduos com os quais os cirurgiões se relacionaram através de seu oficio.
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Este aspecto é imprescindível para compreender como cirurgiões como Luís Gomes Ferreira
obtiveram tanto reconhecimento na região de Minas Gerais e como isto foi fundamental para
que este se ascendesse socialmente, acumulasse riquezas e constituindo redes de sociabilidade
com indivíduos importantes dentro da sociedade mineira. Para tal fim, será utilizada a fonte
histórica para a realização da análise dos elementos relacionados à hierarquia destes
indivíduos.
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Então nota-se neste contexto histórico que o comércio alimentício na região das Minas
alcançou lucros elevados, pela escassez de recursos alimentícios no território e a elevação
exorbitante no preço destes artigos (ROMEIRO, 2013). Isto ocasionou que as diretrizes dos
povoados responsáveis pela produção de alimentos para a subsistência de outras vilas
dedicassem principalmente na criação de gado, por outro lado, uma consequência desta
escassez de recursos alimentícios acessíveis às populações sem condições financeiras para
obter estes produtos, levou a um aumento na população que não se alimentava
adequadamente, o que viria a contribuir para o aumento na mortalidade e na dificuldade no
tratamento de certas enfermidades(FERREIRA, 2002, p.279). O problema alimentar das
Minas se agravou com a constante migração e imigração de colonos e reinóis portugueses que
se deslocaram para esta região em busca de enriquecimento.
Este fluxo de entrada de indivíduos no território sem planejamento levou a exaustão
dos poucos recursos que os povoados possuíam. Contribuindo a este problema houve a
questão de que muitos colonos acabaram enfermos e morreram pelo caminho do Rio são
Fransisco vários dos que foram acometidos pelas enfermidades acabaram dependendo da
solidariedade de outros colonos e sujeitos aos poucos práticos da arte curar presentes na
região (DIAS, 2002, p.45).
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Um evento que reflete esta afirmação se encontra no século XVII que é a própria
intervenção do rei de Portugal que nomeia em um primeiro momento capitania do Rio de
Janeiro como responsável pela administração das Minas e pelo recolhimento do quinto do
ouro e fiscalização de um novo caminho que ligaria a região a capitania do Rio de Janeiro e
assegurar o desuso do “velho” caminho do Rio São Fransisco. a fim de evitar a evasão
daqueles que visavam se “esquivar” da tributação. Entretanto esta escolha foi feita em
detrimento das capitanias de Bahia e Pernambuco que estavam sob a administração direta do
governador-geral, de acordo com Renger é possível através desta situação notar as seguintes
condições:
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A sociedade mineira desde sua fundação com os primeiros povoados foi sofrendo
alterações importantes que impactaram sua composição ao longo do século XVIII, a razão
para isto não pode ser dissociada do processo de mineração que foi o foco primordial da
população neste contexto histórico.
Como estabelecido anteriormente as primeiras frentes de povoamentos foram
formadas pelos colonos e imigrantes portugueses que se puseram a explorar o sertão, porém
esta camada não se encontrava separada, para o sucesso destas expedições foram se utilizados
o serviços de indígenas “mansos” carijós, embora nem todos pertencentes ao tronco étnico
dos carijós, eram denominados assim pela ignorância e desleixo dos colonos com as etnias
destes povos (DIAS, 2002 p.53).
O uso destes indígenas foi primordial principalmente para o auxilio das práticas
medicinais e também criação de remédios, que acabou contribuindo para a manutenção dos
colonos que constantemente eram afetados pelas enfermidades devidos as condições
insalubres de suas expedições e dos primeiros povoamentos. Porém a importância dos
indígenas assim como sua presença no meio da sociedade mineira foi se esvaindo conforme
os povoamentos iam se consolidando na região.
Entre os conhecimentos obtidos através deste “convívio” com indígenas foi o
aprendizado de raízes com propriedades medicinais, que poderiam ser utilizadas no
tratamento de enfermidades e na fabricação de remédios para o comércio com a metrópole,
também havia o conhecimento obtido através de ordens religiosas que haviam estado em
contato com estas populações nativas e que também divulgaram o conhecimento obtido neste
convívio para os colonos.
Neste contexto histórico surge uma nova categoria de indivíduos nessa região que
seria responsável por impulsionar a mineração, que foram os escravos de origens africanas ou
afrodescendentes. O início do século XVIII, esses foram deslocados da Capitania da Bahia e
Pernambuco pelo “caminho velho” que seguia o rio São Francisco. Sob o serviço de grandes
proprietários de terras e minas estes indivíduos massificaram a extração dos minérios de tal
forma que começou a ser prejudicial para economia europeia além de dificultar a tributação e
fiscalização desta grande quantidade de ouro e pedras preciosas movimentadas pela colônia.
Na realidade a aquisição de novos escravos era uma prática comum aos grandes
proprietários de terra, já que devido às condições insalubres das minas, estes morriam e
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necessitavam ser repostos frequentemente. Por outro lado, o comércio da venda dos escravos
era visivelmente forte e dificilmente se encerraria pela constante necessidade desta força de
trabalho. Portanto as Minas das Gerais se mostrou uma oportunidade fértil para o comércio de
escravos que ao longo do XVIII passara a utilizar de escravos trazidos através do “novo
caminho” que partida da capitania do Rio de Janeiro.
Este comércio vai ocasionar em uma desigualdade intensa do ponto de vista da
composição social, com uma presença massiva de escravos em detrimento de uma pequena
parcela de colonos e reinóis. Como apresentado por Maria Odila Leite da Silva Dias (2002).
esta hierarquia é necessário entender que o principal fator que separava os indivíduos era o
tipo de oficio que ele exercia na sociedade, possuindo os ofícios mecânicos associados à plebe
e os exercícios intelectuais associados a uma nobreza política, devido à ausência de
significativas nobrezas de sangue no território, os ofícios intelectuais foram atribuídos aos
“homens bons” que faziam parte deste modelo de nobreza difundido na colônia, uma vez que
possuíam uma formação mínima de letramento e a renda para exerceram cargos pública o que
garantia sua distinção dos demais profissionais na colônia.
Considerando que a América portuguesa estava ligada ao modelo social português que
seguia a lógica do Antigo Regime, é compreensível que estes “homens bons” procurassem
distinguir visivelmente dos ademais colonos através de suas vestimentas, posses entre outros
atos públicos que destacasse sua distinção.
Por outro lado havia os trabalhadores mecânicos responsáveis pelos serviços e comércios que
não poderiam ser realizados nem pelos escravos, nem pelos “nobres da terra”, tais como
“tocar gado”, comércio, barbearia e etc. Estes indivíduos tinham suas práticas regulamentas
pelas câmaras municipais que visavam monitorar e garantir que estes indivíduos garantissem
o abastecimento de seus produtos ou serviços para os povoados e evitar cobrar preços
exacerbados que os tornassem inacessíveis para os colonos (ROMEIRO, 2013. p.22). Da
mesma forma era responsabilidade da Câmara Municipal garantir a competência destes
profissionais mecânicos através de testes de proficiências e além de toda uma ritualística
pública para afirmar o lugar deste individuo no meio social. Logo abaixo na hierarquia social
se encontravam aqueles colonos que não possuíam uma atividade fixa ou uma atividade que
fosse bem vista ou importante socialmente.
E Além destas camadas, se encontram os indivíduos que possuíam uma flexibilidade
nesta estrutura hierárquica, tais indivíduos acabaram, portanto sem um local fixo ou modo de
atuação na colônia. Uma categoria bem definida desta camada presente na região das Minas
foram os cirurgiões, isto é causado pelo exercício da cirurgia ser um oficio que embora seja
mecânico possui uma importância tão fundamental para a sociedade de modo que já existia
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A ligação entre os cirurgiões e estes indivíduos se estreitou de tal forma, que como
observado no tratado XII do Erário Mineral, o autor define estes indivíduos como seus
“amigos” e constantemente estes forneciam favores para este cirurgião, por exemplo,
hospedagem quando de passagem. Além de admitir que parte do conhecimento descrito neste
capítulo fosse dedicada a estes, justificando que perdiam muito de sua economia com
remédios e tratamentos para seus escravos.
Neste contexto vemos as redes de sociabilidade entre um trabalhador mecânico e um
trabalhador enobrecido envolvendo uma propriedade (o escravo) cuja relação acaba por
beneficiar ambos os lados permitindo o enriquecimento e um prestígio social a ambos os
indivíduos. É assim justificável outro aspecto que concede aos cirurgiões uma flexibilidade na
hierarquia social da colônia, garantindo sua ascensão econômica nas Minas do Ouro, de tal
forma que passam a comprar e possuir artigos dificilmente obtidos por aqueles com uma
baixa renda econômica (DIAS, 2002, p.52).
Por fim, o que resta a se falar sobre esta categoria tão fluida referente a este tópico é
que seu próprio ofício na região das Minas exigia que estivessem em constante movimento
pelos povoados mineiros, já que o número de pacientes era significativo e a presença de
enfermos estava sempre garantida. Isto permitia aos cirurgiões construindo laços fortes com
diversas figuras importantes na região mineira de tal forma que nota-se nas ações de Luís
Gomes Ferreira uma preferência ao “caminho velho do Rio São Fransisco” justamente pelos
laços que ali construiu ao longo dos anos (DIAS, 2002, p.47).
Portanto nota-se como está intrínseco nas relações sociais da sociedade mineira as
especificidades desta região, e como citado anteriormente, para compreendermos os
cirurgiões nas minas coloniais temos que compreender, o contexto do espaço ao qual atuaram
e as relações que possuíam com quem tratavam e que tipos de práticas tiveram, apenas através
da interpretação do contexto histórico-espacial da sociedade mineira que podemos analisar e
responder estas questões e chegar uma compreensão aprofundada sobre esta categoria de
indivíduos.
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Como citado no capítulo anterior, a fonte histórica selecionada para a realização deste
trabalho foi o Erário Mineral, uma obra publicada pela primeira vez em Lisboa no ano de
1735 sob autoria de Luís Gomes Ferreira, um cirurgião que havia atuado na colônia entre as
décadas de 1710 à 1730 na região de Minas Gerais e Salvador. Tal livro se tratava de um
compilado de tratados escritos pelo autor relacionados a enfermidades básicas desta região da
colônia e as curas que julgava mais eficiente para o tratamento destas (FURTADO,2002, p.6).
A obra foi dividida em 12 tratados que possuíam como temáticas enfermidades ou
remédios ao qual o autor julgou ser indispensável para seu público-alvo, por sua vez os
tratados eram compostos de diversos capítulos ao qual o autor procurou se desdobrar sobre as
especificidades do tema abordado. A versão desta obra utilizada aqui é o fac-símile
organizado por Júnia Ferreira Furtado e publicado em 2002, contendo textos introdutórios que
permitem uma melhor compreensão sobre a escrita de Luís Gomes Ferreira, como também o
próprio Erário Mineral.
A obra é escrita a partir das experiências do autor nos seus anos na colônia, então de
forma generalizada os tratados são escritos seguindo uma estrutura onde o autor apresenta a
enfermidade ao qual pretende se dedicar, indicando neste momento os sintomas mais comuns
desta doença e em seguida apresenta o tratamento para se curar a doença e por fim para dar
certo senso de legitimidade ao qual escreveu até aquele momento o autor apresenta um caso
onde seu tratamento obteve êxito ou às vezes casos aonde algum paciente veio a falecer por
não seguir seu tratamento.
Por outro lado, os tratados dedicados aos remédios seguem uma estrutura própria
onde o autor apresenta o remédio em si, sua composição e às vezes esclarecendo certas
especificidades de algum componente ou apresentando variações de um mesmo remédio ou
ingrediente e por fim para quais enfermidades o uso de tais remédios era indicado, embora
possa ser indagada a veracidade de certas histórias e façanhas presente durante a obra é
possível notar que muitos dos elementos abordados pelo autor condizem com aspectos já
aceitos na historiografia da temática.
Em sua obra é possível notar que Luís Gomes Ferreira arrola uma quantidade
significativa de informações sobre não apenas suas práticas e seu ofício como também
descrevem elementos fundamentais da sociedade mineira colonial, por exemplo, a
apresentação às condições das minas, alimentação dos cativos (e dos colonos), entre outros
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É necessário compreender que o Luís Gomes Ferreira não era contra a p´ratica contra a
sangria enquanto método valido para a realização de tratamentos, apenas que era necessário
tomar cuidado sobre quando e como tal prática deveria ser realizada, pois via que a má
alimentação tanto dos colonos quanto dos cativos fazia com que não fossem capazes de
suportar constantes sangramentos. Portanto a consequência desta e outras práticas já
consolidadas sem o devido cuidado poderia agravar a condição dos pacientes, então aqui neste
trecho já é apresentado uma característica que os cirurgiões tiveram de adotar para seu
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exercício na colônia, que era a capacidade de adaptação de suas práticas já que o clima e os
indivíduos que eram distintos do que se tinha em Portugal.
É possível notar semelhanças entre o Erário Mineral com as outras obras publicadas
neste mesmo período dentro desta temática. (WISSENBACH, 2002, p.115) Sendo assim é
possível notar semelhanças entre os cirurgiões que atuaram na América portuguesa na
primeira metade do século XVIII por disporem de uma formação com conhecimentos teóricos
e práticos sistematizados e uniformizados através do Hospital Real de Todos os Santos e
também por apresentarem trajetórias similares em suas atuações no território brasileiro.
Portanto é possível utilizar Luís Gomes Ferreira, seus conhecimentos e trajetória como um
paradigma para compreender a atuação não apenas dele, mas também de outros cirurgiões na
região das minas coloniais.
Com o objetivo de circunstanciar o objeto da pesquisa escolhemos os tratados I, V e
XII para ser analisados de forma aprofundada neste capítulo. A seleção destes trechos da obra
se deu através da percepção de que estes tratados possuíam aspectos chaves que serão
abordados nesta parte da pesquisa. Um dos elementos seria uma compreensão das teorias
acadêmicas que guiaram o ofício do cirurgião em sua estadia na colônia e que também
permitiram a defesa de sua obra perante os médicos de formação. Tal aspecto se encontra de
forma abrangente no tratado I onde aborda a enfermidade conhecida como “pontadas”, mas
também faz uma introdução a sua obra de forma generalizada onde é possível captar
indicações que colaborem para uma interpretação dos saberes teóricos que o cirurgião
possuía. O tratado V foi selecionado por apresentar ao longo de seus capítulos a descrição de
um remédio “milagroso” descoberto pelo autor e cujo mesmo fabricava e vendia,
demonstrando algo que embora já esteja amplamente disseminado ainda se faz importante
ressaltar ao analisar tal temática que é o fato de os cirurgiões na colônia realizarem funções
que se encontravam fora de sua formação como a criação e venda de remédios como também
funções normalmente realizadas pelos médicos bacharéis.
Outro aspecto em destaque neste mesmo capítulo se encontra na justificativa do autor
em sua proposta do remédio onde fica clara a presença de certas concepções comumente
encontradas no reino de Portugal desde o século XVI. Por fim, a relevância do tratado XII se
encontra no fato de apresentar um aspecto importante que é a obtenção de saberes tanto de
práticas médicas, cirúrgicas ou “farmacêuticas” através de outros indivíduos com experiência
na colônia e também por apresentar a “visão” do autor sobre a importância de sua obra, além
da justificativa que levou a fazê-la.
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Este estado de coisas era bem explícito em Portugal. Esta hierarquização das
profissões sanitárias estava bem patente na sociedade portuguesa no decurso do
século XVIII. No cume da pirâmide a medicina e os médicos e num patamar abaixo
a cirurgia os cirurgiões, a arte farmacêutica e os boticários. Abaixo destes ainda se
encontravam outros profissionais, igualmente de forte componente mecânica como,
por exemplo, os sangradores e os barbeiros. (PITA, 2000, p.130).
colonos, pois a colônia se constituía como uma novidade em diversos aspectos, inclusive na
diversidade de novas enfermidades ao qual não se possuía conhecimento ou tratamento viável.
Mesmo saindo de hospitais de Lisboa, cirurgiões que vinham para a América como
foi o caso de José Antonio Mendes acabavam se rendendo aos métodos curativos
locais já que grande parte das vezes não havia outra alternativa. Além da dificuldade
de obtenção de medicamentos da Europa havia ainda problemas advindos de seu
transporte no interior da própria colônia e ainda os impedimentos resultantes do alto
preço pelos quais normalmente eram vendidos. Perante a tais circunstâncias,
conhecimentos da medicina tradicional da Europa foram forçosamente mesclados às
experiências advindas de africanos e indígenas. Assim, diferentemente da postura
dos raros doutores de Coimbra que se dispuseram a atravessar o atlântico para
exercer seus ofícios nas terras tropicais, cirurgiões, barbeiros e sangradores,
alargaram seu receituário baseando-se no aprendizado que tinham no dia a dia com
as populações locais. (RIBEIRO,2005, p.70).
Estas adversidades enfrentadas pelos cirurgiões os fizeram ter que adotar novos
métodos de tratamento, remédios e elaborar esboços das causas destas enfermidades novas ou
do porque certas enfermidades já conhecidas se tornaram tão graves na colônia. Graças a esta
adaptabilidade que obtiveram em face destes fatores, levou os cirurgiões a privilegiarem com
maior ênfase a experiência como reguladora da teoria e do desenvolvimento do conhecimento.
Isto é perceptível no Tratado I do Erário Mineral onde o autor justifica a legitimidade de seu
trabalho como observado em um trecho de sua obra onde apresenta que:
Assim como o ouro é o soberano sobre todos os metais, assim também o seu óleo é o
mais soberano remédio que até o dia de hoje se tem descoberto para curar muitas
enfermidades grandes, para as quais os modernos não têm achado remédio de mais
relevante virtude que este, com o qual se têm livrado muitos da sepultura, o que não
seria fácil, antes muito de dificultoso, curando-se com remédios galênicos, como se
poderá ver em todo este tratado. (FURTADO, 2002, p.489).
devido à concepção arcaica sobre a origem das patologias fez com que a sangria se tornasse o
principal tratamento a ser utilizado para solucionar as enfermidades na região das Minas
chegando ao ponto de ocorrer uma banalização de tal prática (SANTOS, 2005).
Contudo, Luís Gomes Ferreira no Tratado I ressalta que o sangramento na colônia
era diferente devido ao clima e a dieta da população serem diferentes do reino então se
pautando na sua experiência fez o esforço de colocar em cada tratado ao longo da obra
quando e como deveriam ocorrer as sangrias para cada tipo de enfermidade de acordo com a
realidade do paciente a fim de se evitar o falecimento do mesmo. Esta realização da
especificidade colonial que levou a muitos a considerar o Erário Mineral como a obra que
inaugura a medicina tropical, além de justificar a demanda pela obra pelos colonos.
Algo bastante notável durante a obra do Erário Mineral é a quantidade de referências
que o autor faz a outros cirurgiões como demonstrado no tratado XII:
Achando-me, pois, na Cidade da Bahia, vindo de volta para a este reino, e tendo
notícia que João Cardoso de Miranda, cirurgião curioso e sem ofensa dos mais dos
da primeira estimação, tinha inventado um remédio de grande eficácia e infalível
virtude para escorbutos, ou mal de Luana. (1935, Apud Ferreira, 2002, p.689).
Este tipo de prática reforça que grande parte dos saberes desenvolvidos em torno da
medicina dentro do território colonial foram difundidos pelos cirurgiões através de suas
relações, pois como destacado por Luís Gomes Ferreira logo após este trecho, que a receita de
tal remédio foi enviado ao mesmo através de uma carta escrita por João Cardo de Miranda
que se encontrava em outra Capitania. Estas relações se deram em níveis pessoais mas
também em níveis impessoais, pois neste mesmo caso utilizado como exemplo fica implícito
que ambos cirurgiões não se conhecerem pessoalmente. Também ocorreu que muitos dos
manuais de medicina escritos neste período histórico foram feitos sob autorias de cirurgiões
(RIBEIRO, 2005,p 67), e associado com a recepção do Erário Mineral é possível notar que os
praticantes da “arte de curar” sejam cirurgiões ou curandeiros letrados, consumiam estas obras
para poder expandir suas opções de tratamento, pois o sucesso de seu oficio dependia desta
adaptação e isto se atrelava ao enriquecimento que um cirurgião ou curandeiro poderiam obter
se demonstrasse ser capaz de executar seu oficio com “maestria” como acontece com o Erario
Mineral:
Nos trinta anos que se seguiram, por concessão régia, Luís Gomes Ferreira teve
direito sobre todos os volumes impressos ou vendidos no Reino e em além-mar.
Esperava alcançar com seu livro fama e riqueza, e parece que conseguiu algum
sucesso de vendas em Minas Gerais nos anos que se seguiram. O capitão Manuel
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Ribeiro dos Santos, caixa e administrador dos Contratos dos Dízimos na capitania de
Minas Gerais, nos triênios de 1741 a 1750, era também revendedor de livros.
Periodicamente encomendava a seu correspondente em Lisboa, Jerônimo Roiz
Airão, exemplares do Erário Mineral.59 Também nos poucos registros de livros
existentes nos inventários da região de Sabará, ele foi o único livro presente em
vários deles. (FURTADO, 2002, p. 26)
obrigava em épocas de epidemia o aumento deste salário para que o atendimento chegasse a
todos (FURTADO, 2002, p.5). Isto fazia com que inclusive fossem improváveis que se fosse
negado os serviços de práticos mesmo que a houvesse um apelo de físicos a autoridades
políticas que formulassem leis para proibir a atuação destes, mas que acabara sendo barrada
pela necessidade que se tinha do serviço de curandeiros, cirurgiões, parteiras e boticários
durante todo século XVIII (RIBEIRO, 1997, p. 41).
Muitos cirurgiões na região das minas preferiram oferecer seus favores àqueles com
condições de pagar por seus tratamentos e remédios e os quais eles pudessem estabelecer
vínculos de trocas de favores, tal circunstância é evidente no Erário Mineral. Era necessário
para o êxito de seu oficio de que seus tratamentos fossem “inovadores” e “artísticos” já que
cirurgiões disputavam um mesmo mercado e constantemente estavam em disputa com
curandeiros e os poucos médicos bacharéis que existiam na região (FURTADO, 2002, p.7).
Estas disputas normalmente eram vencidas pelos cirurgiões que conseguiam adequar a teoria
médica necessária para justificar suas práticas como também possuíam a experiência para se
adequarem e tratarem das doenças ao qual normalmente se acometiam os mineiros do século
XVIII.
Em razão de sua formação na metrópole que concedia aos cirurgiões uma educação
mais complexa do que geralmente seus pares mecânicos possuíam, levando a estes a
assumiram postos na colônia e ofícios que normalmente seriam ocupadas por outras
profissões (WISSENBACH, 2002, p.122). Portanto a cirurgia como uma prática mecânica
permitia aos cirurgiões coloniais durante o século XVIII se aproximar de outros ofícios
mecânicos como a fabricação de remédios e o comércio, já que não perderiam prestígio na
execução destes serviços e tão pouco estas práticas alterariam sua posição na hierarquia
social.
Nesse sentido, nem todos os cirurgiões na colônia praticaram seu ofício de formação.
Tudo isto contribui para uma escassez de cirurgiões dispostos a cuidar dos enfermos nas
Minas, pois embora ao longo deste trabalho tenha sido explicada a ausência significativa de
físicos bacharéis no território colonial é necessário explanar que isto também vale em menor
grau para a presença dos cirurgiões, pois mesmo que tenham vindo a América portuguesa em
um contingente relativamente grande ainda se encontravam insuficientes para atender a
população de forma mais generalizada.
O espaço de atuação dos cirurgiões na Colônia se encontrou em constante disputa com
os praticantes de cura como os curandeiros, enquanto sofriam embates teóricos com os físicos
bacharéis que estavam na colônia, alegando que os cirurgiões estavam desenvolvendo práticas
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que não possuíam um embasamento “científico” e que seriam prejudiciais para os colonos.
Isto tudo culmina em uma prática defensiva dos saberes por parte dos cirurgiões que tinham
constantemente que atestar suas capacidades e habilidades para ganhar clientes e conquistar o
mercado ao mesmo tempo em que se defendia para não perder o prestigio perante estes
indivíduos. Este aspecto fica mais claro ao longo da produção de manuais de cura através do
século XVII e do XVIII, portanto o Erário Mineral se encaixa neste contexto, ao ponto de que
o autor descreve:
E para que não digam que não sou oráculo para escrever novo modo de curar as
doenças, sem me conformar com os antigos mestres, respondo o seguinte.
Hipócrates, aquele grande oráculo da Medicina Científica, certifica, e com muita
razão, que a arte médica é Tão vasta e dilatada que não tem termo em que caiba nem
baliza que a compreenda; porquanto, ainda que ele nos deixou os seus aforismos e
regras universais por onde nos governamos, contudo, a experiência nos mostra que
não há no mundo coisa alguma tão certa, nem tão infalível que não tenha suas
exceções e deixe de faltar algumas vezes. (FERREIRA,2002, p.230).
Muito meu senhor. O serviço de Deus e o bem comum é o único motivo que
puramente me move para tomar a confiança de molestar a vossa mercê em lhe
comunicar um remédio específico que, com muito trabalho e diligência, foi Deus
servido alcançasse para opugnar a qualidade e infecção escorbútica, ou mal de
Luanda... (FERREIRA, 2002, p.690).
Nota-se que o papel e a ação dos cirurgiões na colônia eram fundamentais para o andamento
da sociedade, por isso o século XVI ao XVIII vai presenciar uma tolerância visível por parte
da administração colonial e da metrópole em permitir que estes indivíduos atuassem na
colônia na forma como tenho retratado até este ponto.
É necessário ressaltar que os principais pacientes dos cirurgiões nas minas coloniais
foram os africanos escravizados que se encontravam nos ambientes mais insalubres desta
região sob um regime precário e um ritmo de trabalho que desgastava a saúde destes de forma
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acelerada, é nestes indivíduos que de acordo com Wissenbach (2002, p.136) serviriam a
medicina experimental dos cirurgiões e também é a partir deles que muitas enfermidades
foram observadas para a formulação de teorias a cerca da origem de certas doenças e a forma
como seria possível curá-los, em decorrência da extensa descrição desta categoria no livro
Erário Mineral é possível notar a relação destes com os cirurgiões e também o cotidiano dos
cativos. Aqui se ressalta também que as práticas dos cirurgiões em um primeiro momento
com os cativos tomavam-se certos cuidados pela concepção de que os equilíbrios humorais
dos negros eram diferentes dos brancos.
Um último ponto a ser apresentado sobre este tópico é o fato de muitos
cirurgiões não limitarem sua esfera de ação em um único local fixo, percorrendo diversas
vilas e aldeias na América portuguesa em busca de clientes, ingredientes para a criação de
remédios e propriamente os remédios já concluídos. A causa para este movimento constante
devia ao exercício da medicina, cirurgia e boticário desta época não contavam com o
transporte dos enfermos, já que tal atividade era impossível para este período histórico.
Portanto eram necessários estes indivíduos se locomoveram até os colonos adoecidos.
A junção dos saberes dos cirurgiões e suas práticas no território Colonial
contribuíram para um aumento do prestígio associado a este ofício e permitiu que os
cirurgiões acumulassem uma quantidade significativa de riquezas que demonstra sua
importância perante a sociedade colonial como um todo, isto associado com a flexibilidade
que a colônia permitia na hierarquização da sociedade permitiu aos cirurgiões uma
mobilidade interessante ao qual irá ser debatido no próximo capítulo.
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No que tange a hierarquia social de forma mais abrangente é necessário ressaltar uma
característica importante neste sistema; era a necessidade da confirmação social sobre o lugar
ocupado pelos próprios indivíduos. Agir e possuir as condições necessárias para se tornar um
nobre não transformava um colono em nobre, porém, se houvesse um reconhecimento
exterior desta posição, isso seria possível, principalmente se fosse daquele que se encontrava
acima de todos na hierarquia social, o rei. Também é justamente esta figura a responsável por
outra característica do sistema, permitir uma “limpeza de sangue”, que possibilitava uma
ascensão social dos indivíduos. Assim, tornou-se comum e ao mesmo tempo necessário neste
modelo de sociedade em que os indivíduos buscavam credibilidade e apoio perante as pessoas
das demais camadas hierárquicas, mascarando suas origens, justificando que poderiam ser
considerados livres de certas “manchas de sangue” e demonstrado um estilo de vida que
correspondesse à camada hierárquica ao qual se pertencia.
pessoas e pela sociedade que contribuíssem para o reino de forma direta ou indireta.
Acompanhado as ações encontrava-se a realização da graça que era um aspecto fundamental,
pois fazia parte da sociedade de forma quase jurídica a mentalidade da necessidade de “dar” e
a obrigação de “receber” favores como uma forma de se destacar no reino, reforçar seu status
e contribuir para o “bom” andamento da sociedade. Também através da graça era possível
ganhar recompensar, se livrar de “manchas de sangue” e conquistar títulos e uma nova
classificação na hierarquia portuguesa, principalmente nas mãos do principal concessor da
graça no império português que era o rei. Neste contexto surge uma nobreza política:
Esta nobreza não possuía o mesmo status que a nobreza de sangue, a existência deste
grupo social ocorreu devido às necessidades que a vida em sociedade demandava em um
império que durante a idade moderna se expandia e necessitava de formas de incentivar os
indivíduos capacitados a participarem da administração, organização e defesa das colônias.
Esta camada da sociedade poderia usufruir de alguns privilégios que até então só eram
permitidos aos nobres, entre os indivíduos que ascenderam a este grupo social, os que
ganharam destaque ao longo deste capítulo serão os principais da terra e os cirurgiões,
principalmente pela relação desenvolvida entre estas categorias na América portuguesa e
pelos privilégios e conquistas que ambas as camadas usufruíram até o século XVIII como
consequência do status de nobreza política. Portanto, nas diversas regiões da colônia, a
necessidade de organização política levou os indivíduos responsáveis por tal esfera a se
destacarem na hierarquia social, sendo conhecidos por diversas nomenclaturas, talvez a mais
conhecida delas fosse “principais da terra”, que eram compostos por homens livres que
viviam a “lei da nobreza” visando a seguir o estilo de vida similar aos dos nobres da
metrópole:
Esse estilo de vida nobre pressupunha luxo e conforto, com casas bem
aparelhadas e assobradadas de preferência; roupas de tecidos caros com
ornatos prateados ou dourados, cavalos ajaezados, carruagens ou cadeirinhas
38
Portanto a “nobreza colonial” ocupou um lugar não apenas por sua obra e pela graça
do rei, mas também porque cumpriam os requisitos necessários para se aproximarem da
nobreza e também já agiam como membros desta camada. Os “principais das terras”
acabaram aproveitando destes privilégios e ainda possuíam uma vantagem em relação a estes
que era a tolerância a certas atividades que geralmente seria inaceitável a um membro da
nobreza, como por exemplo, o enriquecimento através do comércio, já que este era um dos
principais meios para se acumular riqueza, sendo que esta era uma característica que
influenciava a elevação de alguém a esta camada da sociedade, (MESGRAVIS, 1983, p. 805)
outra opção para acumulação de riqueza era se tornar um senhor de engenho, mas como
apontado por diversos historiadores normalmente a aquisição de engenhos se dava através da
riqueza acumulada com o comércio. Porém era intolerável para um “principal da terra”
continuar a atuar como comerciante após a sua elevação a esta camada, portanto após
conseguir elementos necessários para se tornar um destes “homens bons” era necessário
buscar cargos na administração colonial, sendo as câmaras municipais os locais para atuarem
dentro da região. (MESGRAVIS, 1983, p. 801) Entendemos também ser necessário
compreender quem eram os responsáveis pela definição dos membros de tais categorias, a
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resposta para esta pergunta ainda de acordo com Mesgravis (1983) era a reunião dos
“principais da terra” algumas vezes ao ano para um processo de seleção de candidatos
promissores a esta posição social e também avaliavam quem merecia ser excluído desta
categoria através da realização de práticas que serviriam para manchar o sangue e a honra de
um nobre, o que era um apropriação do modelo adotado pela nobreza de sangue.
Explicar a categoria dos “principais da terra” e da nobreza política é importante para
compreender o objeto central desse trabalho que são os cirurgiões das minas coloniais, pois
como será explanado ao longo deste capítulo, houve uma relação entre os nobres da colônia e
os cirurgiões que ajudou a reforçar o espaço hierárquico que seria ocupado pelos cirurgiões
além de definir os rumos do ofício dos mesmos durante o século XVIII. Tal fato ocorre
porque estes nobres, como responsáveis em maioria pela administração do território colonial,
acabaram enfrentando um enorme desafio na questão da saúde das vilas e cidades coloniais,
principalmente na região de Minas Gerais, onde alta taxa de mortalidade se constituía como
um problema social que atrapalhava a principal fonte de enriquecimento não apenas da
colônia e da metrópole, mas também por aqueles que fossem bem sucedidos na exploração do
ouro. Como medida para solucionar este problema, principalmente para os colonos sem as
condições de se transportarem em busca de tratamento ou pagar um tratamento adequado de
um raro físico bacharel e em pior caso, sem as condições de acesso a nenhuma das duas
opções acima, foi se oferecido pelas câmaras municipais uma compensação em dinheiro para
os cirurgiões:
Nota-se que ambos os lados deste conflito recorriam às autoridades que podiam para
justificar suas ações e seus direitos no que se referia aos seus ofícios, com o sucesso obtido
pelos cirurgiões, em decorrência da sua adaptação e da sua formação, esses acabavam por
ganhar credibilidade e com isso justificaram seu direito na atuação em atividades da área dos
médicos e dos boticários. Como observado também no Erário Mineral, o autor apresenta sua
opinião de que não havia necessariamente diferenças qualitativas entre cirurgiões entre
médicos e cirurgiões em suas práticas, de forma que podiam ser igualmente bem sucedidos ou
não no tratamento de um mesmo paciente, como neste caso de um cativo que sofria de graves
tosses:
(...) O manda para a Vila do Ouro Preto e que nela se estivera curando
com um médico e um cirurgião, e que, ao depois de largo tempo e
larga despesa, enfadados coma tosse, o deixaram e lhe disseram a o
mandasse para a dita fazenda, que talvez com outros ares por ficar
distante e outras águas, se achasse melhor. (FERREIRA, 2002, p. 275)
Neste mesmo contexto surgiram indivíduos como Luís Gomes Ferreira que conseguia reforçar
através de suas atividades sucedidas, ou através dos autoelogios que os garantiam um lugar
destaque entre os médicos e cirurgiões, deste aspecto que surge a necessidade em obras como
o Erário Mineral de relatar casos e pacientes bem sucedidos pela ação do autor e/ou casos
mal sucedidos por não ter sido atendido pelo mesmo:
Esta credibilidade foi importante para que os cirurgiões alcançassem certos privilégios
como foi o caso deste mesmo cirurgião que conseguiu a permissão do senhor de um escravo
que havia morrido em seus cuidados para que pudesse com o apoio de outro cirurgião realizar
um exame equivalente à autopsia de modo que pudesse compreender as causas da morte de
seu paciente e com isso ampliar sua compreensão sobre como melhorar sua prática ao atender
pacientes com o mesmo sintoma. (FERREIRA, 2002, p. 267) Ao mesmo tempo conseguiam
através de suas conquistas e “vitórias” a atenção de sua clientela, os senhores de escravos que
amealhavam boa parte de seus pacientes em potenciais, os escravos. A morte excessiva destes
causava para seus senhores prejuízos, de modo que se viam sempre em necessidade de
cirurgiões já que o tratamento dos cativos era uma alternativa a aquisição de novos escravos.
Esta interpretação é visível não apenas no Erário Mineral ao longo das diversas citações de
tratamentos de escravos, mas também em outros tratados de curas e relatos de cirurgiões
como, por exemplo, o de José Antônio Mendes. (RIBEIRO, 2005, p. 70) Porém é necessário
ressaltar que não apenas eram medicados estes indivíduos, mas também os próprios senhores
e membros da nobreza política. Principalmente de militares devido aos conflitos armados
existentes no mundo colonial.
Os cirurgiões, portanto também atenderam com certa frequência não apenas o tratamento de
enfermidades, mas de feridas causadas nestes conflitos armados entre colonos, como no caso
citado acima, onde Luís Gomes Ferreira atuou com o tratamento das feridas dos envolvidos.
Estes pequenos serviços também auxiliaram na ascensão econômica dos cirurgiões
necessários para que elevassem suas posses e também acabaram fazendo com que
conseguissem o reconhecimento e gratidão de figuras importantes que devido ao modelo de
sociedade não se esqueciam de retribuir favores. Como visto ainda neste caso:
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(...) depois de passado pouco tempo, se mudou para a Vila do Ouro Preto, e
mudando-me eu também do Sabará para a Vila do Ribeirão do Carmo, lhe
falei na dita vila e o achei são, sem moléstia alguma, de que me deu o
agradecimento. (FERREIRA, 2002, p. 513)
Neste trecho onde percebe-se que os cirurgiões (como Luís Gomes Ferreira) acabavam
formando uma relação com seus pacientes, de tal forma que este relacionamento se
desenvolvia em uma troca de favores, visto que a cura proporcionada pela a prestação de
serviços de um cirurgião poderia ser vista como um favor. Neste sentido a credibilidade dos
cirurgiões com a população era tamanha que estes não se importavam com certas
aproximações “mágicas” que suas práticas às vezes abordavam pois o pouco acesso ao
conhecimento que possuíam era em parte pertencente a Metrópole onde a aproximação entre
corpo e cosmos ainda era uma teoria válida, então não foi apenas a ausência de médicos que
elevou a posição social dos cirurgiões mas sim a aceitação de suas práticas por parte desta
elite colonial.
Todos estes aspectos contribuíram de forma a estreitar os laços entre cirurgiões e esta
nobreza política de modo que os senhores de escravos acabaram hospedando diversas vezes o
cirurgião Luís Gomes Ferreira em sua estadia na colônia (DIAS, 2002, p.45). Por sua vez os
cirurgiões acabaram vendo seus clientes como próximos, de um ponto de vista amigável, mas
que provavelmente não passava de uma relação interdependente entre ambos os lados como
destacado no Erário Mineral:
(...) assim no pouco tempo em que determinei dar ao prelo o que chegasse a
escrever, como por cuidar com brevidade aos habitadores das Minas do Ouro, onde
alguns amigos ficaram esperando com ânsia os fracos rasgos da minha pena, porque,
principalmente na cura das pontadas pleuríticas, de que perdem escravos sem
número (...) (FERREIRA, 2002, p. 689)
Ao mesmo tempo havia uma proximidade relativa entre cirurgiões e a nobreza política, tendo
em vista que de acordo com a hierarquia social portuguesa, o conhecimento formal torna um
individuo mais “nobre”. Não à toa a educação formal era objeto de desejo dos nobres no reino
português e por aqueles que desejavam ascender socialmente. Portanto, como citado
anteriormente, a ciência era uma forma de se constituir como membro da nobreza política.
O enriquecimento decorrente da prática medicinal é outro fator que aproxima os
cirurgiões da nobreza da terra, pois pode-se notar ao longo da trajetória de Luís Gomes
Ferreira que o mesmo ao longo de sua estadia das Minas conseguiu vários bens, como
residências, mas também bens relativamente caros tanto de se obter como se manter como
escravos aos quais inclusive realizava tratamentos:
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Esta noção é importante pois, na América portuguesa ter escravos era uma condição
imprescindível para a ascensão social, visto que se demandava que um individuo pertencente
a um extrato social deveria possuir bens equivalentes ao mesmo. Dias (2002) aponta que o
Luís Gomes Ferreira ainda chegou a possuir “artigos de luxo” como por exemplo, cavalos
para se locomover pela região das minas. Este fato é muito interessante de ser analisado aqui
porque o preço exorbitante que era cobrado para se obter e manter um cavalo fazia que a
aquisição de um fosse uma prática exclusiva de pessoas importantes e detentoras de um bom
patrimônio dentro da colônia. Graças a flexibilidade hierárquica da colônia portanto os
cirurgiões acabaram gozando de um prestígio convencido antes somente aos médicos e com
isto acabaram fazendo parte do círculo pertencente aos nobres da colônia
Entretanto pelo triplo exercício mecânico que muitos tiveram de fabricar, vender
remédios e o oficio da cirurgia e a dificuldade que os mesmos teriam se parassem de exercer
esta atividade fizeram com que os mesmos continuassem ao longo do período colonial em um
“entre-lugar” entre os nobres e os mecânicos, o que não foi necessariamente ruim para estes,
tendo em vista que este espaço acabou fazendo com que os mesmos alcançassem um status e
privilégios que poucos obtiveram na colônia e também uma sutil elevação também em sua
concepção hierárquica na metrópole.
Desse modo, cirurgiões como Luís Gomes Ferreira e outros conseguiram retornar a
colônia com sua fortuna obtida em sua estadia no território e publicaram seus conhecimentos
desenvolvidos que foram aceitos sem muita resistência na colônia e foram aceitos com muita
resistência na metrópole, mas como observado pelas licenças do Santo Ofício para a obra
Erário Mineral, nota-se que a obra era vista com bons olhos por muitos como necessária para
os letrados leigos nos assuntos da saúde.
Portanto, a colônia tornou-se para os cirurgiões um espaço onde conseguiram uma
importância e um reconhecimento na hierarquia social superior ao que se tinha na metrópole
até meados do século XVIII e também permitiu a ascensão econômica que os permitiram
gozar de um status e privilégio que os aproximaram da nobreza política tanto pela sua relação
de interdependência quanto pela aproximação de status que havia entre estes indivíduos.
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Considerações finais
institucional ou uma deturpação do mesmo, o que houve foi uma adaptação necessária de
novos conhecimentos e tratamentos para que fosse suprido o déficit de conhecimento sobre as
doenças tropicais. Neste sentido, o sucesso dos cirurgiões na colônia foi pautado na sua
capacidade de adaptar suas práticas ao ambiente e sociedade específicos da região das minas.
O Erário Mineral ainda permitiu uma análise através dos detalhes escassos na obra
uma compreensão através de um detalhamento do próprio autor sobre os indivíduos com que
trabalhou ou com quem teve, além de detalhes sobre suas posses que permitiu uma
compreensão que a importância dos cirurgiões obtidos na colônia os rendeu igualmente uma
oportunidade acumular riquezas junto ao exercício de atividades ao qual não possuíam
formação como a elaboração e comércio de remédios.
A análise da fonte ainda permitiu uma visão sobre a atuação dos cirurgiões que
voltaram da colônia para metrópole após o enriquecimento causado por sua atuação na
colônia, onde se viram limitados pela rigidez que ainda havia na hierarquização e divisão dos
ofícios e conhecimentos na metrópole, o que os limitaram alguns como Luís Gomes Ferreira a
visarem a escrever tratados de cura, que se encontrava em popularidade em Portugal desde os
fins do século XVII, tais obras foram dedicados a principalmente a colônia. Sobre a recepção
na América portuguesa do Erário Mineral é possível notar que os mesmos foram
fundamentais na universalização de certos conhecimentos e práticas entre os práticos letrados.
Estes resultados foram fundamentais para compreender aquilo que havia sido proposto
para esta pesquisa que era a compreensão do lugar do cirurgião na sociedade da região de
Minas gerais do século XVIII, com o intuito de entender como foram impactados pelas
especificidades coloniais e como impactaram a sociedade através de sua atuação, pois se torna
inviável compreender uma categoria de indivíduos sempre compreender a relação destes com
o todo a sua volta. Por fim ressalta-se que como esta pesquisa se encontra em um campo que
ainda se encontra em expansão não se visou neste trabalho de forma alguma concluir ou
esgotar esta temática, apenas alcançar uma compreensão sobre as mesmas a partir do uso do
Erário Mineral.
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Fonte:
Erário Mineral Luís Gomes Ferreira; org. FURTADO, Júnia Ferreira. Belo Horizonte:
Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais; Rio de Janeiro: Fundação
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