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DIREITO DO
MERCADO DE
VALORES MOBILIÁRIOS
Comissão de Valores Mobiliários
DIREITO DO
MERCADO DE
VALORES MOBILIÁRIOS
2a edição
Rio de Janeiro
Comissão de Valores Mobiliários
2022
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e dúvidas sobre este material.
2ª edição
1348p. : il.
CDD 342.225
© 2022 - Comissão de Valores Mobiliários
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não comercial - Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Brasil. Qualquer utilização
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As n ormas citadas neste livro estão sujeitas a m udanças. R ecomenda-se que o leitor
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Boa leitura!
05 - REGULAÇÃO E AUTORREGULAÇÃO...................................................................................................................................163
13 - CONTROLE PULVERIZADO......................................................................................................................................................421
18 - FUNDOS DE INVESTIMENTOS................................................................................................................................................561
19 - SECURITIZAÇÃO........................................................................................................................................................................633
• poupadores: não utilizam a totalidade de sua renda, tendo, portanto, recursos ex-
cedentes; e
• tomadores de recursos: necessitam de mais recursos do que possuem para o desen-
volvimento de uma determinada atividade.
A diferença entre a remuneração cobrada nas operações ativas e o valor devido pelas
operações passivas é denominado spread e, de modo simplista, seria o ganho da ins-
tituição financeira (bancária) pela atividade de intermediação3.
4 Cf PROENÇA, José Marcelo Martins. “Insider Trading”: regime jurídico do uso de informações privilegiadas
no mer-cado de capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 76.
5 Cf. ANDREZO, Andréa Fernandes; LIMA, Iran Siqueira, op. cit., p. 3.
6 Cf PROENÇA, José Marcelo Martins op. cit., p. 76 -77.
O mercado secundário, por sua vez, é aquele em que os valores mobiliários são livre-
mente negociados entre os interessados. Tem por função principal conferir liquidez
ao investimento, incentivando, assim, a alocação inicial dos recursos no âmbito do
mercado primário, em face da possibilidade de, posteriormente, realizar a venda dos
valores mobiliários para outros interessados. O mercado secundário é marcado pela
existência de ambientes de negociação para os valores mobiliários subscritos no mer-
cado primário (e.g. bolsas de valores).
Por outro lado, uma vez tendo acessado o mercado de capitais por meio da emissão de
títulos representativos do seu capital social, a companhia emissora passa a contar com
outros acionistas, que são os investidores que aportaram capital em busca do retorno
econômico daquele investimento. Nesse momento, deixa de existir a figura do “dono” e
a companhia passa a contar com acionistas minoritários que buscam um retorno sobre
o seu investimento.
A estrutura do Sistema Financeiro Nacional (SFN) foi definida pela Lei nº 4.595, de 31
de dezembro de 1964, que em seu Art. 1º indicou seus principais integrantes:
A composição do SFN conta com outros órgãos e instituições além dessas elencadas
no artigo acima transcrito, isso se explica pelo fato de que foram criados após a edição
8 Cf. ANDREZO, Andréa Fernandes; LIMA, Iran Siqueira, op. cit., p. 37.
O SFN está erigido sobre os princípios constitucionais brasileiros como, entre ou-
tros, a livre iniciativa, propriedade privada, liberdade de funcionamento dos mer-
cados e demais princípios que regem a ordem econômica e financeira previstos na
Constituição Federal10.
9 Cf. SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito Bancário. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 85.
10 Notadamente artigos: 170, 192, e 219 da CF/88.
11 Cf. OLIVEIRA, Marcos Cavalcante de. Op. cit., p. 58.
12 O Banco Central, em sua página na rede mundial de computadores, adota esta classificação funcional.
(http://www.bcb.gov.br/?SFNCOMP acessado em 13/06/21)
13 Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) - órgão responsável por fixar as diretrizes e normas da política
de seguros privados - é composto pelo Ministro da Fazenda (Presidente), representante do Ministério da Justiça, represen-
tante do Ministério da Previdência Social, Superintendente da Superintendência de Seguros Privados, representante do
Banco Central do Brasil e representante da Comissão de Valores Mobiliários. Dentre as funções do CNSP estão: regu-lar
a constituição, organização, funcionamento e fiscalização dos que exercem atividades subordinadas ao SNSP, bem como
a aplicação das penalidades previstas; fixar as características gerais dos contratos de seguro, previdência privada aberta,
capitalização e resseguro; estabelecer as diretrizes gerais das operações de resseguro; prescrever os critérios de constituição
das Sociedades Seguradoras, de Capitalização, Entidades de Previdência Privada Aberta e Resseguradores, com fixação dos
limites legais e técnicos das respectivas operações e disciplinar a corretagem de seguros e a profissão de corretor. (Fonte:
Banco Central do Brasil: http://www.bcb.gov.br/Pre/composicao/cnsp.asp acesso em 13/06/21).
O CMN é o órgão normativo do SFN que tem competência sobre os mercados finan-
ceiro e de capitais. Logo adiante sua estrutura e atribuições serão detalhadas.
As entidades supervisoras têm como atribuição principal editar normas para o funcio-
namento e controle dos operadores do SFN dentro de cada um dos segmentos ou mer-
cados. Dessa forma, temos as seguintes entidades supervisoras: Banco Central do Bra-
sil; Comissão de Valores Mobiliários (CVM); Superintendência de Seguros Privados
(SUSEP)15 e Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC)16.
Tratam-se de entidades especializadas que exercem poderes de supervisão e, também,
editam normas que completam as regras baixadas pelos órgãos de supervisão do SFN.
Na esfera de competência do CMN, há duas entidades supervisoras, o Banco Central e
a CVM, que serão abordados, a seguir, de forma mais detalhada.
14 Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) é um órgão colegiado que integra a estrutura
do Minis-tério da Previdência Social e cuja competência é regular o regime de previdência complementar operado pelas
entida-des fechadas de previdência complementar (fundos de pensão). (fonte: Banco central do Brasil: http://www.bcb.gov.
br/Pre/composicao/cgpc.asp acesso em 25/09/15).
15 Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) - autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda - é responsável
pelo controle e fiscalização do mercado de seguro, previdência privada aberta e capitalização. Dentre suas atribuições estão:
fiscalizar a constituição, organização, funcionamento e operação das Sociedades Seguradoras, de Capitalização, Entidades
de Previdência Privada Aberta e Resseguradores, na qualidade de executora da política traçada pelo CNSP; atuar no sentido
de proteger a captação de poupança popular que se efetua por meio das operações de seguro, previdência privada aberta,
de capitalização e resseguro; zelar pela defesa dos interesses dos consumidores dos mercados supervisionados; promover o
aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos operacionais a eles vinculados; promover a estabilidade dos mercados
sob sua jurisdição; zelar pela liquidez e solvência das sociedades que integram o mercado; disciplinar e acompanhar os
investimentos daquelas entidades, em especial os efetuados em bens garantidores de provisões técnicas; cumprir e fazer
cumprir as deliberações do CNSP e exercer as atividades que por este forem delegadas; prover os serviços de Secretaria
Executiva do CNSP. (Fonte: Banco Central do Brasil. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/pre/composicao/composicao.
asp?frame=1. Acesso em: 10/06/21).
16 A Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC) é uma autarquia vinculada
ao Ministério da Previdência Social, responsável por fiscalizar as atividades das entidades fechadas de previdência
complementar (fundos de pensão). A Previc atua como entidade de fiscalização e de supervisão das atividades das entidades
fechadas de previdência complementar e de execução das políticas para o regime de previdência complementar operado
pelas entidades fechadas de previdência complementar, observando, inclusive, as diretrizes estabelecidas pelo Conselho
Monetário Nacional e pelo Conselho Nacional de Previdência Complementar. (Fonte: Banco Central do Brasil. Disponível
em: https://www.bcb.gov.br/pre/composicao/composicao.asp?frame=1. Acesso em: 10/06/21).
O CMN é atualmente composto por 3 (três) membros, quais sejam (i) o Ministro da
Fazenda; (ii) o Ministro do Planejamento; e (iii) o Presidente do Banco Central.
17 Cf. ANDREZO, Andréa Fernandes; LIMA, Iran Siqueira, op. cit., p. 38.
18 Neste sentido: “O Conselho Monetário Nacional é o órgão deliberativo máximo do sistema financeiro do país,
ele tem finalidade de formular a política da moeda e do crédito, de acordo com a Lei 4.595, de 31-12-1964, objetivando o
progresso econômico e social do país.” in: PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de capitais: fundamentos e técnicas. 7. ed.
São Paulo: Atlas, 2014, p. 63.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) foi criada em 1976, pela Lei nº 6.385/76.
Passou a funcionar efetivamente em 1978, absorvendo as competências da antiga GEMEC.
Até onde se tem notícia, o termo regulação surgiu no século XVIII, inicialmente volta-
do à Mecânica, e, naquela época, referia-se a uma bola de ferro que atuava como uma
espécie de peça reguladora das máquinas a vapor, para que fosse possível controlar
o equilíbrio da pressão do vapor aquecido e, assim, evitar a explosão das máquinas.1
Como lembra Moreira Neto, a noção de regulação, ainda conotada à ideia de equi-
líbrio, voltou a aparecer no século XIX, mas no âmbito da Biologia, para designar
a função que mantém o balanço vital dos seres vivos, um conceito que, mais tarde,
expandiu-se e foi aperfeiçoado com o estudo “da função autopoiética, tendo alcançado
as Ciências Sociais, a partir de sua adoção na Teoria Geral dos Sistemas, criada em 1951
por Ludwing von Bertalanfy [...], passando a ser descrita genericamente como a função
que preserva o equilíbrio de um modelo em que interagem fenômenos complexos”.2
Também não pode deixar de ser mencionada, como marco jurisprudencial inicial da
atividade reguladora do Estado, a decisão da Suprema Corte norte-americana de 1877,
no caso Munn v. Illinois4, no qual restou decidido que qualquer atividade, revestida
de “interesse público”, em que fosse empregada propriedade privada, seria passível de
regulação por parte do Estado, não obstante o disposto na 14ª Emenda que visava pro-
teger o caráter privado da propriedade. A partir desta decisão, diversas medidas regu-
latórias foram adotadas, sendo a maioria delas voltada para a área de infraestrutura5.
Afora essa brevíssima notícia histórica, e para que se possa avançar no estudo regu-
lação do mercado de capitais, urge, em primeiro lugar, tecer algumas considerações a
1 Nesse sentido, vale consultar: ARNAUD, Andre Jean. Tradução de Vicente de Paulo Barreto. Dicionário de
Teoria e de Sociologia do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 682.
2 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 68-69.
3 MOLINA, Ángel Manuel Moreno. La Administración por Agencias en los Estados Unidos de Norteamérica.
Apud MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 134.
4 O inteiro teor da decisão encontra-se disponível em: http://www.u-s-history.com/pages/h855.html. Acesso
em: 27 maio 2014.
5 Por exemplo: ferrovias, eletricidade, telefonia, trânsito etc.
O tema não é dos mais simples. Embora o étimo da palavra acabe aludindo ao termo
“regra”, é preciso ressalvar, desde logo, que a expressão aqui considerada não se res-
tringe à edição de normas e regulamentos, abrangendo, como será visto adiante, ou-
tros atos, medidas ou procedimentos, inclusive de cunho executório, incidentes sobre
determinadas relações privadas.
Baldwin, Cave e Lodge (2012) relatam a existência de, pelo menos, três acepções para
a ex-pressão regulação, que pode ser entendida como:
A primeira das acepções acima, embora soe extremamente familiar para o jurista,
parece por demais restritiva, ao passo que a terceira delas, apesar de não parecer
incorreta, não será a adotada para os fins deste trabalho. Quando aqui se aludir ao
termo regulação, estar-se-á fazendo referência a uma atividade de cunho tipicamente
estatal, a qual, nada obstante, deve ser, necessariamente, complementada pela ativi-
dade privada de autorregulação, ou seja, por aquela erigida pela própria coletividade
dos agentes de mercado.7
Parece mais adequada, portanto, a segunda acepção, de modo que o conceito de re-
gulação abranja toda e qualquer medida estatal de condicionamento da atividade
econômica, tenha ou não forma normativa. É como resume Moreira (1997): “o essencial
do conceito de regulação é o de alterar o comportamento dos agentes econômicos (pro-
dutores, distribuidores, consumidores), em relação ao que eles teriam se não houvesse
regulação, isto é, se houvesse apenas as regras do mercado”.8
6 BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE, Martin. Understanding Regulation. 2. ed. Londres: Oxford,
University Press, 2012, p. 2-3.
7 A autorregulação, assim como a regulação, também se desenvolve por mais de uma dimensão, abrangendo
atividades de cunho normativo, executivo, fiscalizatório e sancionatório ou, como prefere Yazbek, atividades de “autodiscipli-
na”. O fato de não se incluir no conceito de regulação essa atividade privada de autodisciplina em nada desmerece ou
desqualifica a sua importância. Especialmente no âmbito do mercado de capitais, o sistema regulatório como um todo
pressupõe, necessariamente, o adequado desempenho da função de autorregulação, a qual, no Brasil, é inclusive obrigatória
na medida em que a própria lei impõe o seu exercício, conforme disposto no art. 17, parágrafo primeiro da Lei no 6.385/76.
Sobre autorregulação dos mercados de bolsa, vale consultar CALABRÓ, Luiz Felipe Amaral. Regulação e autorregulação do
Mercado de Bolsa: Teoria Palco-plateia. São Paulo: Almedina, 2011.
8 MOREIRA, Vital. Auto-Regulação Profissional e Administração Pública. Coimbra: Almedina, 1997, p. 36.
9 De origem legal (editadas pelo Parlamento) ou administrativa (editadas pelo Poder Executivo, especialmente
pelos órgãos reguladores específicos).
10 YAZBEK, Otavio. Regulação do mercado financeiro e de capitais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 180.
11 Daí a confusão que pode surgir na importação do instituto para o Brasil, dado que os norte-americanos, como
ressalta Grau, “usam o vocábulo regulation para significar o que designamos de ‘regulamentação’”. (GRAU, Eros Roberto. O
direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiro, 1996, p. 96).
12 GOODHART, Charles et al. Financial Regulation: Why, how and where now. Londres: Routledge, 1998, p. 189.
13 Tais como, por exemplo, as ciências jurídica, econômica e política.
14 YAZBEK, Otavio. Regulação do mercado financeiro e de capitais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 183.
15 Segundo Lastra, referindo-se especificamente à atividade bancária, “[b]ank supervision in a broad sense can
be defined as a process with four stages or phases: licensing, supervision stricto sensu, sanctioning and crisis management,
which comprises the central bank’s role of lender of last resort, deposit insurance schemes and bank insolvency proceedings.
Bank regulation can be defined as the estabilishment of rules, both acts of the legislator (Congress or Parliament), and
statutory instruments or rules of the competente authorities”. LASTRA, Rosa María. Central Banking and Banking
Regulation. Financial Markets Group. London School of Economics. Londres: Wilson Moss Limited, 1996, p. 108.
16 Nada obstante essa tradicional e conhecida visão de Adam Smith, não pode deixar de ser registrado que,
mesmo ele, há mais de 200 anos, reconhecia o caráter especial dos bancos e a necessidade de regulação estatal, ainda que
tal pudesse violar, em alguma medida, a liberdade individual: “Sem dúvida, tais regulamentos podem ser considerados sob
certo aspecto uma violação da liberdade natural. Todavia, tais atos de liberdade natural de alguns poucos indivíduos, pelo
fato de poderem representar um risco para a segurança de toda a sociedade, são e devem ser restringidos pelas leis de todos
os governos; tanto dos países mais livres quanto dos mais despóticos. A obrigação de erguer muros refratários, visando
a impedir a propagação de um incêndio, constitui uma violação da liberdade natural, exatamente do mesmo tipo dos
regulamentos do comércio bancário aqui propostos” (SMITH, Adam. Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza
das nações. 3. ed. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 1988, v. 1, p. 248).
Reconheceu-se, assim, que o mercado poderia apresentar falhas (as chamadas falhas
de mercado22) e ser, portanto, ineficiente no sentido de Pareto. A solução para corrigir
essas falhas seria, então, a interferência do Estado na economia por meio de tributos,
subsídios, incentivos, regulação, ou mesmo atuação direta como agente eco-nômico,
de forma a promover um nível superior de bem-estar social.
Além disso, para que fosse possível alcançar o equilíbrio e, assim, permitir o fun-
cionamento eficiente do mercado no sentido paretiano, os preços deveriam decorrer
da livre interação entre ofertantes e demandantes, sem que qualquer agente isolado
17 É de Pigou a obra inaugural acerca do assunto. PIGOU, Arthur C. The Economics of Welfare. 4. ed. 1932.
Disponível em: <https://ia600307.us.archive.org/24/items/economicsofwelfa00pigouoft/economicsofwelfa00pigouoft.
pdf>. Aces-so em: 03 jun. 2014.
18 LEDYARD, John O. Market Failure. In: EATWELL, J.; MILGATE, M.; NEWMAN, P. The New Palgrave: A
Dictio-nary of Economics. Londres: Macmillan, 1987, p. 328.
19 Pela teoria econômica, uma situação é ótima no sentido de Pareto se não for possível melhorar a situação de
um agente sem degradar a situação de qualquer outro agente econômico. Tal como define SANDRONI, ótimo de Pareto é
a situação “em que os recursos de uma economia são alocados de tal maneira que nenhuma reordenação diferente possa
melhorar a situação de qualquer pessoa (ou agente econômico) sem piorar a situação de qualquer outra” (SANDRONI,
Paulo. Novíssimo Dicionário de Economia. 11. ed., São Paulo: Editora Best Seller, 2003, p. 437.).
20 Nas lições de STIGLITZ, “[...] externalities, where an individual or firm’s action have consequences for others for
which he neither compensates nor is compensated” (STIGLITZ, Joseph E. Government Failure vs. Market Failure: Principles
of Regulation. In: BALLEISEN, Edward J.; MOSS, David A. (Ed.). Government and Markets: Toward a New Theory of
Regulation. Cambridge: University Press, 2010, p. 19).
21 Conforme FIANI, Ronaldo. Teoria da Regulação Econômica: Estado Atual e Perspectivas Futuras. Disponível
em: https://www.academia.edu/1874689/Teoria_da_regula%C3%A7%C3%A3o_econ%C3%B4mica_estado_atual_e_
perspectivas_futuras. Acesso em: 28 maio 2014.
22 As quais serão adiante analisadas, notadamente aquelas que tocam o sistema financeiro.
27 Não se desconhece, é bom registrar, toda a teoria construída principalmente a partir da denominada Escola
de Chi-cago, segundo a qual a regulação pública importaria em problemas e custos sensivelmente superiores e mais
relevantes do que as deformações que ela pretendia evitar. Nesse sentido, por exemplo, as contribuições de Stigler, Peltzman
e Becker, as quais deslocaram o eixo do debate sobre regulação econômica para além da mera correção das “falhas de
mercado”, contrapondo-as às chamadas “falhas de governo”. Buscavam também superar o dilema do regulador benevolente-
capturado, estabelecendo, para tanto, parâmetros de análise mais sofisticados do que aqueles adotados anteriormente. A
Escola não nega, contudo, a existência das “falhas de mercado”; ela apenas diverge quanto à forma de tratamento ou de
correção dessas falhas. Nada obstante, e embora não se possa deixar de reconhecer os efeitos e custos não intencionais da
regulação estatal, os quais precisam ser objeto de análise e tratamento, o fato é que, empiricamente e notadamente após a
última crise financeira mundial, a regulação pública ainda se fundamenta e legitima a partir das distorções e insuficiências
do sistema de mercado ou, simplesmente, a partir das “falhas de mercado” (STIGLER, George J. The Theory of Economic
Regulation. Bell Journal of Economics and Management Science, v. 2, p. 3-21, Spring 1971; PELTZMAN, Sam. Toward a
More General Theory of Regulation. Journal of Law and Economics, v. 19, p. 211-240, 1976; BECKER, Gary S. A Theory of
Competition Among Pressure Groups for Political Influence. Quarterly Journal of Economics, v. 98, p. 371-400, 1983).
28 TÁCITO, Caio. Comissão de Valores Mobiliários. Poder Regulamentar, in Temas de Direito Público, Renovar:
1997, Tomo 2, p. 1079.
29 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio
de Janeiro: Forense, 2002, p. 401-402.
Impõe-se, assim, uma releitura do princípio da separação dos poderes, que passa a
ser interpretado de acordo com a realidade constitucional atual, na qual o princípio
da legalidade vem sofrendo evidente transformação. Como destaca Alexandre Santos
de Aragão, passa-se de uma concepção de lei geral e abstrata de tradições liberais
oitocentistas a uma legislação de caráter administrativo própria do Estado interven-
tor, delineando uma tendência à expansão das normatizações setoriais, fruto de um
ordenamento jurídico pluralista e dotado de vários centros de poder.32
O alargamento cada vez maior da atuação normativa do Poder Executivo é consequên-
cia inexorável da transformação do próprio Estado de Direito, que abandonou o papel
de mero garantidor do status quo que lhe era atribuído pela doutrina liberal de outrora,
para assumir funções de agente transformador das atividades social e econômica,
por meio, inclusive, da criação de empresas estatais (welfare state) e, posteriormente,
deixan-do de ser agente econômico para passar a exercer funções de órgão regulador
e fomenta-dor da economia (neoliberalismo).33
30 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Relatório sobre Programa, Conteúdo e Métodos de um Curso de Teoria
da Legis-lação, Separata do Vol. LXIII do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 9; 22-23.
31 MONTESQUIEU, Charles de. O espírito das Leis. São Paulo: Abril, 1985.
32 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico, Rio
de Janeiro: Forense, 2002, p. 403-404.
33 SANTOS, Alexandre Pinheiro dos; WELLISCH, Julya Sotto Mayor; BARROS José Eduardo Guimarães. Notas
sobre o Poder Normativo da Comissão de Valores Mobiliários - CVM na atualidade. In Revista de direito bancário e do
mer-cado de capitais, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 9, n. 34, p. 69-84, out./dez. 2006.
Dessa forma, infere-se que a Lei nº 6.385, já em 1976, considerando inclusive o dina-
mismo próprio do mercado de valores mobiliários e a necessidade de soluções técni-
cas permanentemente adaptáveis e flexíveis, sabiamente atribuiu à CVM importante
competência reguladora para disciplinar as atividades por ela fiscalizadas, dotadas
de particular complexidade técnica e constantemente suscetíveis a mudanças econô-
micas e tecnológicas.
E nem se diga que, neste ponto, a lei não teria sido recepcionada pela Constituição
de 1988, face à suposta incidência do art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT). A mera leitura deste preceito constitucional transitório indica
que o ADCT somente revogou as delegações feitas a órgãos do Poder Executivo de
competências que, a partir da Constituição então promulgada, passaram a ser por ela
assinaladas ao Congresso Nacional. Assim, e na medida em que a Constituição Federal
de 1988 não prevê que o Congresso Nacional deva regular as matérias ex-pressamente
previstas nas Leis nos 6.385/76 e 6.404/76, revela-se de todo inaplicável à CVM o
disposto no art. 25 do ADCT.35
Além do mais, no caso da CVM, não há que se falar em delegação de atividade legis-
lativa, uma vez que, como visto, o fundamento de validade do poder regulamentar
da Autarquia encontra expressa previsão constitucional no art. 174 da CRFB/88, que
outorgou ao Estado – e não delegou – competência normativa, enquanto “regulador
da atividade econômica”.
Por oportuno, também não pode deixar de ser registrado que a regulação exercida
pela CVM (art. 8º, § 3º, da Lei nº 6.385, de 1976) conta com a relevante característica
da consensualidade que, além de legitimar ainda mais a atuação do órgão regulador,
amplia o controle de juridicidade que deve ser exercido sobre ele. Aliás, é interessante
notar que, embora a lei apenas faculte à CVM a realização de consultas públicas acer-
ca de seus projetos de atos normativos, a Autarquia tem adotado, como tônica de sua
atuação reguladora, a obrigatória submissão de suas normas à prévia audiência dos
participantes do mercado e de quaisquer interessados.36
Por isso, como averbou Caio Tácito, com sua habitual precisão e atua-
lidade, hoje estamos presenciando a um ‘crescente número de modelos
de colaboração...mediante a perspectiva de iniciativa popular ou de co-
laboração privada no desempenho de funções administrativas’.
[...]
[...]
Era a profilaxia do mercado, por meio da mais ampla e completa informação ao pú-
blico. Na sempre repetida frase, inserida no capítulo 5 da aludida obra (apropriada-
mente intitulada “O que a publicidade pode fazer”): “assim como a luz solar é tida
como o melhor dos desinfetantes, a luz elétrica é o mais eficiente policial”.38
A lei, segundo as lições de Brandeis, não deveria tentar evitar que os investidores fizes-
sem maus negócios. O controle e a intervenção estatal seriam, como recorda Compa-
rato, um remédio pior do que a moléstia. O pressuposto deveria ser que o investidor é
adulto o suficiente para, uma vez adequadamente informado, tomar as decisões eco-
nômicas que julgar mais convenientes, de acordo com o seu próprio perfil e interesse:
38 No original: “Publicity is justly commended as a remedy for social and industrial diseases. Sunlight is said to be
the best of disinfectants; electric light the most efficient policeman”. Disponível em: <http://www.law.louisville.edu/library/
collections/brandeis/node/191. Acesso em: 25 set. 2012.
39 COMPARATO, Fábio Konder. A regra do sigilo nas ofertas públicas de aquisição de ações. Revista de Direito
Mer-cantil, v. 55, p. 58.
40 Nessa linha, SANTOS, Alexandre Pinheiro; OSÓRIO, Fábio Medida; WELLISCH, Julya Sotto Mayor. Mercado
de Capitais – Regime Sancionador. São Paulo: Saraiva, 2012.
41 Nesse sentido, por exemplo, GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Direitos das minorias nas sociedades
anônimas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo: Malheiros, n. 65, 1986, p. 106-111:
“Especial ênfase foi dada ao regime de informação aos acionistas, mediante a determinação de padrões explícitos e mais
amplos para as demonstrações financeiras (arts. 176 a 188), sob a égide do princípio da full disclosure”.
O método de intervenção aplicado pelas blue sky laws era substancialmente diferente
da opção ao final adotada pelas leis da década de 1930. Naquelas, era conferido ao Es-
tado um amplo poder discricionário para conceder ou não o registro de uma emissão
de valores mobiliários, com base na sua avaliação sobre a qualidade do investimento
publicamente ofertado (regulação pelo mérito):
[…] The bank commissioner was given broad discretion not to grant a permit if
he found any aspect of a company’s business to be ‘unfair, unjust, inequitable, or
oppressive to any class of contributors, or if he decides from his examination of its
affairs that said investment company is not solvent an does not intend to do a fair and
honest business, and in his judgment does not promise a fair return on the stocks,
bonds or other securities by it offered for sale.43
Como se sabe, essas leis estaduais, apesar de extremamente interventivas, não foram
capazes de evitar todas as fraudes e manipulações de mercado que resultaram na que-
bra da Bolsa de Nova York em 1929. Afora a incapacidade, inclusive operacional, e a
falta de expertise do Estado para lidar com tamanha responsabilidade de avaliar a qua-
lidade dos investimentos ofertados ao público, as blue sky laws, segundo relatos e teste-
munhos perante o Congresso americano logo após a quebra de 1929, sequer tiveram a
chance de apresentar algum sucesso, especialmente pelo fato de serem leis meramente
estaduais e, consequentemente, de aplicação restrita aos respectivos territórios.
Portanto, e considerando os limites de aplicação das blue sky laws, bastava que a ofer-
ta pública de ações fosse destinada a mais de um estado, que a lei estadual não poderia
ser aplicada. Aliás, a associação de bancos de investimento norte-americana chegou a
recomendar, em 1915, que os seus associados simplesmente ignorassem todas as blue
sky laws “by making offerings across state lines through the mails”.44 45
42 “As early as 1911 the failure of lax state corporation statutes to prevent securities fraud gave rise the first
significant leg-islative response when Kansas enact the first well-known state securities law, popularly known as a “blue sky”
law, since it was intended check stock swindlers so barefaced they “would sell building lots in the blue sky” (SELIGMAN,
Joel. The transformation of Wall Street – A History of the Securities and Exchange Commission and Modern Corporate
Finance. New York: Aspen Publishers, p. 44.).
43 Ibid., p. 44.
44 Ibid., p. 45.
45 A propósito, é curioso lembrar que, no curso das discussões políticas e legislativas que sucederam a crise
de 1929 e, ao final, deram ensejo à edição do Securities Act de 1933 e do Securities and Exchange Act de 1934, uma das
propostas apresentadas foi a de que a análise, a supervisão e o registro de emissões públicas de valores mobiliários e de
operações realizadas em bolsas de valores deveriam ser atribuídos, pasmem, aos Correios: “In mid-January 1933, Untermyer
for-warded a Bill ‘to prevente the use of the mails and of the telegraph and telephone in furtherance of fraudulent and
harmful transactions on stock exchange’. As convinced in 1933 as He had been in 1914 that the only method to guarantee
the con-stitutionality of the bill was to grant enforcement powers to the Post Office, Untermyer formulated his bill to
give the Post-master General sweeping powers to issue regulations and prohibitions concerning transactions on the stock
exchange, new securities issuances, periodic corporate financial statements, and the membership of the stock exchange”.
SELIGMAN, Joel. The transformation of Wall Street – A History of the Securities and Exchange Commission and Modern
Corporate Finance, New York: Aspen Publishers, p. 51-52.
[...] the amount of speculation was rising very fast in 1928. Early in the twenties the
volume of brokers’ loans— because of their liquidity they are often referred to as call
loans or loans in the call market— varied from a billion to a billion and a half dollars.
By early 1926 they had increased to two and a half billions and remained at about that
level for most of the year. During 1927 there was another increase of about a billion
dollars, and at the end of the year they reached $3,480,780,000.
This was an incredible sum, but it was only the beginning. In the two dull winter months
of 1928 there was a small decline and then expansion began in earnest. Brokers’ loans
reached four billion on the first of June 1928, five billion on the first of November,
and by the end of the year they were well along to six billion. Never had there been
anything like it before.
People were swarming to buy stocks on margin— in other words, to have the increase
in price without the costs of ownership.47
46 GALBRAITH, John Kenneth. The Great Crash 1929. New York: Mariner Books, 2009, p. 7.
47 Ibid., p. 20-21.
48 ROGOFF, Kenneth S.; REINHART, Carmen M. Oito séculos de delírios financeiros: desta vez é diferente.
Tradução Afonso Celso da Cunha Serra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 16.
Selling began as soon as the market opened and in huge volume. Great blocks of stock
were offered for what they would bring; in the first half hour sales were at a 33,000,000-
a- day rate. The air holes, which the bankers were to close, opened wide. Repeatedly
and in many issues there was a plethora of selling orders and no buyers at all. The stock
of White Sewing Machine Company, which had reached a high of 48 in the months
preceding, had closed at 11 the night before. During the day someone— according
to Frederick Lewis Allen it was thought to have been a bright messenger boy for the
Exchange— had the happy idea of en tering a bid for a block of stock at a dollar a share.
In the absence of any other bid he got it. Once again, of course, the ticker lagged—
at the close it was two and a half hours behind. By then, 16,410,030 sales had been
recorded on the New York Stock Exchange— some certainly went unrecorded— or
more than three times the number that was once considered a fabulously big day. The
Times industrial averages were down 43 points, canceling all of the gains of the twelve
wonderful months preceding.49
Era necessário, portanto, agir para fazer voltar à ordem o caos gerado pelo crash.
Como recorda Huberman, o colapso foi total: viu-se esmagada a estrutura de crédito,
paralisada a indústria, milhões de desempregados, arruinados os fazendeiros e a po-
breza imperando. “A vida econômica, deixada à sua própria sorte, terminara em de-
sastre. Não mais devia estar entregue a si. Devia ser tomada pela mão e orientada”.50
Como lembram Coffee Jr. e Seligman, a legislação especial editada nos primeiros anos
da Grande Depressão decorreu de duas percepções básicas. A primeira de que havia
uma crise de confiança dos investidores, que se encontravam em situação de extrema
vulnerabilidade diante de um mercado pouco informado e de excessivas fraudes e
manipulações, e a segunda de que a grande depressão que se seguiu ao colapso da bolsa
de Nova York de 1929 afetou sensivelmente não apenas os partici-pantes do mercado
e a confiança dos investidores, mas também a própria economia americana, gerando
49 GALBRAITH, John Kenneth. The Great Crash 1929. New York: Mariner Books, 2009, p. 111.
50 HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 21. ed., Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1986, p. 293.
Enfim, após intensos debates, a opção regulatória que se adotou, capitaneada pelo
então presidente norte-americano, Franklin Delano Roosevelt, foi a de exigir a trans-
parência das informações dos emissores de valores mobiliários (“regulação pela in-
formação”) sem, contudo, entrar-se no mérito da emissão. Assim, a análise da quali-
dade do emissor e dos títulos ofertados ao público caberia ao investidor. A proteção
estatal se daria, portanto, por meio da informação.52
Pelo sistema registrário criado pelo Securities Act de 1933 e pelo Securities and Ex-
change Act de 1934, a distribuição pública de valores mobiliários passou a depender,
como regra geral54, de registro na então criada Securities and Exchange Commission
(SEC) destinado, essencialmente, a garantir a todos os investidores em potencial e ao
mercado como um todo o acesso a todas as informações necessárias à sua tomada de
decisão de investimento.55
53 Segundo Loss e Seligman, a primeira legislação a exigir a apresentação de um prospecto para distribuição
pública foi o Companies Act de 1844, na Inglaterra, seguido pelo Ato de 1867, que especifiou as informações que dele
deveriam constar: “The 1844 Act introduced the principle of compulsory disclosure through the registration of prospectuses
inviting subscriptions to corporate shares. But it was not until the Companies Act of 1867 that the contests of the prospectus
were in any way speci-fied” (LOSS, Louis; SELIGMAN, Joel. Fundamentals of securities regulation. 5. ed. New York: Aspen
Publishers, 2004, p. 3.).
54 Foi conferida à SEC, nada obstante, ampla competência para dispensar a exigência de registro. Nesse sentido,
por exemplo, a Seção 28 do Securities Act de 1933, conforme alterada: “The Commission, by rule or regulation, may condi-
tionally or unconditionally exempt any person, security, or transaction, or any class or classes of persons, securities, or
transactions, from any provision or provisions of this title or of any rule or regulation issued under this title, to the extent
that such exemption is necessary or appropriate in the public interest, and is consistent with the protection of investors”.
55 Em conjunto com as exigências informacionais então impostas, a legislação também instituiu um completo
regime de responsabilidade dos administradores pelas informações divulgadas, além de vedar a prática de quaisquer atos
fraudulentos no âmbito do mercado de capitais. Nesse sentido, a conhecida regra americana Rule10b-5 (“Rule 10b-5
Employment of Manipulative & Deceptive Devices. It shall be unlawful for any person, directly or indirectly, by the use of
any means or instrumentality of interstate commerce, or of the mails or of any facility of any national securities exchange:
a. to employ any device, scheme, or artifice to defraud, b. to make any untrue statement of a material fact or to omit to state
a material fact necessary in order to make the statements made, in the light of the circumstances under which they were
made, not misleading; or c. to engage in any act, practice, or course of business which operates or would operate as a fraud
or deceit upon any person; in connection with the purchase or sale of any security”).
56 Segundo Eizirik, Gaal, Parente e Henriques, no mercado primário ocorrem as emissões públicas de novos
valores mobiliários, mediante a mobilização da poupança popular. “É no mercado primário que se atende à finalidade
principal do mercado de capitais, que é a de permitir a captação de recursos do público. Os recursos são canalizados
diretamente para as entidades emissoras, que poderão, então, utilizá-los em seus projetos de investimentos. Subscrevendo
os valores mobiliários, os poupadores, por seu turno, passam a participar dos resultados do empreendimento econômico”.
Já no mercado secundário, no qual inexiste a emissão de novos títulos, não há ingresso de recursos para as sociedades emis-
soras. “Na realidade, as operações de mercado secundário são realizadas entre os poupadores, sem qualquer vinculação
com a companhia que emitiu os valores mobiliários” (EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HEN-
RIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de capitais – regime jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 10.).
Nesse sentido, cabe transcrever o seguinte trecho das elucidativas diretrizes outrora
fixadas pela CVM, e aprovadas pelo CMN, para a regulação do mercado de valores
mobiliários nacional:
Trindade também segue essa linha de raciocínio, afirmando que uma intervenção
estatal meritória certamente traria consigo o colapso do mercado, inclusive porque às
perdas e às consequentes ações judiciais de indenização que fossem movidas contra o
ente estatal responsável pelo exame substancial, seguir-se-ia o fracasso do modelo.60
A opção que se fez, portanto, no Brasil e ao redor do mundo, foi pelo sistema de
disclosure mandatório, sob o fundamento de que a proteção do investidor se dá jus-
tamente pela informação. As forças espontâneas de mercado e a soma dos interesses
privados seriam insuficientes para assegurar a existência de um sistema de infor-
mações eficiente, impondo-se a instituição da obrigatoriedade de fornecimento das
informações consideradas necessárias.61
Nesse sentido, por exemplo, o inciso II do art. 8º da Lei nº 6.385/76 atribui à CVM
competência para “administrar os registros [nela] instituídos”, os quais se destinam,
essencialmente, à concretização da política legal de ampla divulgação de informa-
ções, conferindo aos investidores a possibilidade de avaliação das informações per-
tinentes tanto em relação à companhia emissora de valores mobiliários (registro de
companhia) quanto no que toca aos valores mobiliários propriamente emitidos (re-
gistro de emissão).
58 Comissão de Valores Mobiliários. Regulação do mercado de valores mobiliários: fundamentos e princípios,
1979, p. 15-16.
59 EIZIRIK, Nelson. Questões de Direito Societário e Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 125.
60 TRINDADE, Marcelo Fernandez. O papel da CVM e o mercado de capitais no Brasil. In: SADDI, Jairo (org.).
Fusões e aquisições: aspectos jurídicos e econômicos, São Paulo: IOB, 2002, p. 308-309.
61 Comissão de Valores Mobiliários. Regulação do mercado de valores mobiliários: Fundamentos e Princípios,
1979, p. 12.
Além do mais, também não se pode olvidar que sendo os valores mobiliários bens
incorpóreos, a sua verificação e avaliação se dão, em geral, de forma indireta, a partir
de fontes produzidas pelo próprio emissor, o qual, não fosse a exigência estatal, não
teria incentivos suficientes para prestar, espontaneamente, todas as informações con-
sideradas necessárias. Na verdade, e como reconhece Stiglitz, os indivíduos dispõem
62 Lembrando que todos os emissores de valores mobiliários, bem como seus administradores e controladores,
sujeitam-se à disciplina prevista na Lei nº 6.385/76, para as companhias abertas (art. 2º, § 2º).
63 Sobre os fundamentos básicos nos quais foi erigida a política de regulação e estruturação do sistema de
intermediação de valores mobiliários, vale consultar o estudo elaborado pela CVM acerca do tema (Comissão de Valores
Mobiliários. Sistema de Intermediação de Valores Mobiliários: análise conceitual, evolução histórica e situação atual, 1979).
64 Notadamente após a crise financeira mundial que, como é cediço, se acentuou com a quebra do banco de
investimento Lehman Brothers, em setembro de 2008.
Por outro lado, sem informações, seria improvável que os investidores estivessem dis-
postos a investir seus recursos em empreendimentos de risco. Ou, ainda que estives-
sem, haveria, certamente, uma redução no preço por eles oferecido, dado o cenário de
absoluta incerteza que se imporia diante da assimetria informacional existente entre a
companhia emissora e seus administradores, de um lado, e os investidores, de outro.
Segundo Black, aliás, o mercado de capitais seria um exemplo ainda mais claro de
“mercado de limões”:
65 STIGLITZ, Joseph E. Information and Change in the Paradigm in Economics. The American Economic Review,
v. 92, n.º 3, 2002, p. 463-464.
66 A seleção adversa é um problema decorrente da assimetria informacional e que ocorre, em geral, antes de a
transação ser realizada. Ou seja, decorre da insuficiência de informações no momento da contratação, como descreveu
Akerlof no famoso e pioneiro trabalho The Market for Lemons: Quality Uncertainty and the Market Mechanism, que lhe
ren-deu o prêmio Nobel de economia em 2001. Tratando do mercado de automóveis usados (“lemon” é a gíria utilizada,
nos Estados Unidos da América, para carros usados em más condições), e considerando o impulso dos vendedores de
disfarçarem os defeitos existentes, Akerlof destacou as dificuldades dos compradores de verificarem as verdadeiras
condições do bem que pretendiam adquirir, o que os levava, em razão dessa desconfiança antecipada, a ofertar um preço
menor do que aquele cobrado pelo vendedor. E essa discrepância informacional entre comparadores e vendedores acaba
refletindo no próprio processo de formação de preços e, consequentemente, afasta os donos de veículos em boas condições,
que preferem não ofertá-los à venda, justamente em razão desse deságio genericamente praticado. Tal situ-ação, segundo
Akerlof, acaba reduzindo a oferta, que fica limitada a veículos de pior qualidade e, assim, exacerba, ainda mais, a seleção
adversa com que se deparam os compradores (AKERLOF, George A. The Market for “Lemons”: Quality Uncertainty and
the Market Mechanism. The Quarterly Journal of Economics, v. 84, n. 3, p. 488-500, Aug. 1970).
Nesse sentido, depreende-se que, além de uma função “interna”, de proteção dos
direitos individuais dos investidores ou sócios de companhias que tenham capta-
do recursos da poupança popular e que, portanto, precisam estar adequadamente
informados para tomarem suas respectivas decisões de investimento; a informação
também apresenta uma função “externa” e de interesse público, na medida em que
visa, sobretudo, à proteção do próprio mercado.
Como destacam Lamy Filho e Pedreira, o “dever de divulgar, além de atender ao im-
perativo de proteção da minoria, passou, pois, a ser acolhido nas leis, como norma de
interesse público”.68
Os economistas se preocupam com a eficiência dos preços das ações e outros ativos
finan-ceiros, basicamente, porque estes afetam a alocação de recursos na economia.
Além disso, é oportuno registrar que o sistema de disclosure mandatório foi erigido
sobre o pilar da necessária atuação de outros participantes do mercado, que vão atuar
para garantir a fidedignidade e a suficiência das informações divulgadas pelo ofer-
tante, reduzindo, assim, as assimetrias informacionais.
67 BLACK, Bernard. The Core Institutions that Support Strong Securities Markets. 55 Bus. Law. 1565 1999-2000.
Dis-ponível em <http://heinonline.org>. Acesso em: 15 ago. 2013.
68 LAMY FILHO, Alfredo, e PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S.A. Volume I: Pressupostos, Elaboração,
Modi-ficações. 3 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 88.
Cada um desses participantes tem papel específico e, a par das diferenças terminológicas
ou mesmo de enfoque regulatório no tratamento que lhes é dado pelas diferentes juris-
dições, visam, em essência, a atender às necessidades dos demais agentes econômicos
e do próprio sistema regulatório, no sentido de assegurar a fidedignidade das infor-
mações divulgadas, de reduzir as assimetrias informacionais, de reduzir os custos
de transação, de prover instrumentos de proteção aos investidores e demais agentes
de mer-cado, de permitir o encontro entre as diversas pretensões de provedores
e beneficiários de recursos, de proporcionar uma administração mais eficiente de
recursos e também de viabilizar a própria realização das operações, com todas as
Todavia, e ainda que o sistema conte com a presença de intermediários que têm essa
importante função de mitigação da assimetria informacional, persiste o debate acer-ca
da habilidade do investidor de compreender as informações que lhe são disponibi-
lizadas e do papel que deve ser atribuído aos intermediários responsáveis pela oferta
ao público de uma infinidade de produtos financeiros.
Nessa linha, começou a ganhar cada vez mais força e expressão no Brasil e ao redor
do mundo a ideia de que os intermediários devem agir não apenas no sentido da
tradicional mitigação da assimetria informacional, mas para funcionarem como ver-
dadeiros filtros das informações para os investidores, verificando a adequação dos
produtos, serviços e operações ao perfil do cliente (suitability).
O substrato fático que fundamenta essa discussão, contudo, não é novo. Alguns dou-
trinadores, já na década de 30 do século passado81, destacavam que os investidores
poderiam não ter as habilidades necessárias para compreensão das informações que
lhes fossem disponibilizadas. Nesse sentido, vale transcrever o escólio de Douglas:
The truth about securities having been told, the matter is left to the
inves-tor. The Act presupposes that the glaring light of publicity will
give the investors needed protection. But those needing investment
guidance will receive small comfort from the balance sheets, contracts,
or compilation of other data revealed in the registration statement. They
79 Sobre o instituto do depósito de ativos, já tivemos a oportunidade de nos manifestar, conforme WELLISCH,
Julya Sotto Mayor. Títulos Nominativos: da Cártula do Depósito Centralizado. Revista de Direito Bancário, do Mercado de
Capitais e da Arbitragem, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 66, p. 35-62, 2014.
80 IOSCO. Suitability Requirements With Respect to the Distribution of Complex Financial Products, 2013, p. 4.
Dis-ponível em: <http://www.iosco.org/library/pubdocs/pdf/IOSCOPD400.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2013.
81 Embora, como visto, o foco inicial da discussão tenha sido a questão da escolha pelo modelo regulatório a ser
segui-do, se meritório (ou substantivo) ou de regulação pela informação, alguns estudiosos, como Douglas, já suscitavam o
problema aqui enfocado.
Nos Estados Unidos, o tema foi objeto de detalhamento pela então National Associa-
tion of Securities Dealers (NASD)83, entidade autorreguladora do mercado de capitais
daquele país. Dentre os deveres gerais de conduta dos intermediários, a NASD disci-
plinou aqueles aplicáveis a seus membros no momento da recomendação de compra
ou venda de quaisquer valores mobiliários a investidores.84
82 DOUGLAS, William O. Protecting the Investor. Yale Law Review, v. 23, n. 3, March 1934, p. 522-533.
83 Atualmente, substituída pela Financial Industry Regulatory Authority (FINRA).
84 Conforme a Rule 2310 (Recommendations to Customers – Suitability), hoje substituída pela
Rule 2111 (Suitability), da FINRA. Inteiro teor disponível em: <http://finra.complinet.com/en/display/display.
html?rbid=2403&element_id=9859>. Acesso em: 15 dez. 2015.
85 IOSCO. Report on International Conduct of Business Principles, 1990. Disponível em <http://www.iosco.org/
library/resolutions/pdf/IOSCORES4.pdf. Acesso em: 30 nov. 2015.
Trata-se, como é fácil perceber, de uma forma de mitigação do sistema de puro full
disclosure, por meio de regras que impedem a oferta indiscriminada de produtos e
serviços financeiros e determinam a criação de controles internos sobre o processo
de venda nas instituições. Permitem, assim, a proteção dos clientes contra a oferta de
produtos e serviços que não correspondam ao seu perfil e às suas necessidades, além
de ajudarem a proteger as próprias instituições, permitindo o aprimoramento da ad-
ministração dos riscos por elas assumidos.
86 Tais deveres de tão amplo e profundo conhecimento de seus clientes parecem capazes de proporcionar não
apenas o cumprimento das normas de suitability, mas também de uma série de outras regras que realçam a função de
gatekeepers dos intermediários de mercado, consoante será estutado no tópico seguinte.
The process of ensuring suitability involves not only access restrictions but also
measures to encourage people who are unaware of or hesitant to use new products to
actually utilize the ones suitable for them.88
Como foi destacado no Edital de Audiência Pública no 15/2011, a norma “não tem a
intenção de desincumbir seus destinatários de cumprir uma ordem do seu cliente, mas
sim, em todo caso, verificar a adequação do produto ou serviço ao perfil do referido
cliente, não podendo realizar operações antes de cumprir tal requisito”.
A propósito, vale realçar que o regulador deve ter sempre cautela para não desen-
volver presunções excessivamente amplas ou definições de investidores qualificados
que possam limitar indevidamente o âmbito da proteção das regras de suitability. A
experiência demonstra, conforme lembra a IOSCO, que essas presunções podem ser
imprecisas, na medida em que não levam em consideração as inúmeras diferenças
entre entidades, produtos e serviços:
For example, during the recent financial crisis in some jurisdictions, some
non-retail customers such as local authorities and municipalities appeared
not to have understood the risks to which they were exposed, especially in
the case of complex financial products. Accordingly, ju-risdictions should
consider whether additional protections are needed, particularly when
public entities are involved.
Nessa linha, a norma nacional dispõe que os regimes próprios de previdência so-cial
instituídos pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou por Municípios somente
serão considerados investidores profissionais ou investidores qualifica-dos se reconhecidos
como tais pela regulamentação específica do Ministério da Previdência Social.
A toda evidência, e para além da orientação geral da IOSCO, a norma acaba por
endereçar, neste aspecto, ponto de extrema sensibilidade para o mercado de capitais
brasileiro, considerando as diversas irregularidades recentemente detectadas envol-
vendo fundos de investimento de titularidade de regimes próprios de previdência
social instituídos principalmente pelos Estados e Municípios90.
superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor
profissional mediante termo próprio; (v) fundos de investimento; (vi) clubes de investimento, desde que tenham a carteira
gerida por administrador de carteira de valores mobiliários autorizado pela CVM; (vii) agentes autônomos de investimento,
administradores de carteira, analistas e consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus
recursos próprios; e (viii) investidores não residentes. Já os inves-tidores qualificados são: (i) investidores profissionais;
(ii) pessoas naturais ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão
de reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor qualificado mediante termo próprio; (iii)
as pessoas naturais que tenham sido aprovadas em ex-ames de qualificação técnica ou possuam certificações aprovadas
pela CVM como requisitos para o registro de agentes autônomos de investimento, administradores de carteira, analistas e
consultores de valores mobiliários, em relação a seus recursos próprios; e (iv) clubes de investimento, desde que tenham a
carteira gerida por um ou mais cotistas, que sejam investidores qualificados.
90 Nesse sentido, vale fazer menção à Operação Miqueias da Polícia Federal, que contou com o auxílio da
CVM, destina-da a reprimir fraudes e irregularidades em fundos de investimento, conforme aviso divulgado pela CVM
em 19/09/2013 (disponível em: http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2013/20130919-1.html. Acesso em: 16 dez.
2015) e notícia publicada no jornal Valor Econômico sob o título Operação da PF sobre fraude em fundos municipais
prendeu 17 en-volvidos (disponível em: http://www.valor.com.br/politica/3276126/operacao-da-pf-sobre-fraude-em-
fundos-munic-ipais-prendeu-17-envolvidos. Acesso em: 16 dez. 2015.). E também à Operação Positus destinada a apurar
possíveis fraudes na gestão de recursos do Postalis, entidade fechada de previdência complementar da Empresa Brasileira
Tal como acima analisado, embora o modelo de full disclosure continue sendo, aqui e
ao redor do mundo, a pedra angular da regulação do mercado de valores mobiliários,
ele tem evoluído, especialmente após a crise financeira mundial de 2007/2008, para
albergar outras formas de intervenção e, assim, acrescer ao sistema geral de prestação
de informações, deveres adicionais como, por exemplo, o de verificação da adequação
do produto ao perfil do cliente (suitability).
de Correios e Telégrafos, conforme notícia digulgada no Portal G1 em 17/12/2015 (disponível em: http://g1.globo.com/
politica/noticia/2015/12/policia-federal-deflagra-operacao-que-investiga-fundo-de-pensao-postalis.html. Acesso em: 17
dez. 2015.).
3 COMPETÊNCIA LEGAL,
FUNÇÕES, PODERES
E ATRIBUIÇÕES
Com o objetivo de reforçar sua autonomia e seu poder fiscalizador, foi editada em
2001 a Medida Provisória nº 8, posteriormente convertida na Lei nº 10.411/02, pela
qual a CVM passou a ser uma entidade autárquica em regime especial, vincula-da
ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada
de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica,
mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária1,
nos mesmos moldes das agências reguladoras criadas a partir da década de 1990.
Agradecimentos pelas contribuições na revisão do capítulo à Ana Paula Reis, Advogada, Vice-Presidente da Comissão de
Mercado de Capitais da ABRASCA- Associação Brasileira das Companhias Abertas, Especialista em Mercado de Capitais
pela Columbia Law School (EUA), Especialista em Direito Societário e Mercado de Capitais pela Fundação Getúlio Vargas
(FGV), Ex-assessora jurídica no Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), de 2004 a 2009.
1 Cf. Livro TOP – Mercado de Valores Mobiliários.
2 Idem.
3 DUBEUX, Julio Ramalho. A Comissão de Valores Mobiliários e os principais instrumentos regulatórios do
mercado de capitais brasileiro, Porto Alegre: Sergio Porto Fabris Ed., 2006. p. 41
Pouca ou nenhuma eficácia teria a atuação da CVM se não lhe fossem conferidos os
meios necessários ao alcance de suas finalidades institucionais. Esta é, portanto, a
razão pela qual a lei outorga à autarquia reguladora do mercado de valores mobiliários
diversos e relevantes poderes para viabilizar o regular desempenho de suas funções.
Os poderes conferidos por lei à CVM, como acontece em relação aos poderes
administrativos em geral, somente têm fundamento na medida em que se destinem a
permitir que ela cumpra as funções públicas para as quais foi criada. Trata-se, portanto,
de um poder-função, de natureza nitidamente instrumental e que, assim, somente se
legitima se e quando exercido no sentido de permitir que a Autarquia alcance seus fins.
De acordo com o inciso I do art. 9º da Lei nº 6.385/76, a CVM poderá examinar e extrair
cópias de registros contábeis, livros ou documentos, inclusive programas eletronicos
e arquivos magnéticos, ópticos ou de qualquer natureza, bem como de papéis de
trabalho de auditores independentes, devendo tais documentos serem mantidos em
perfeita ordem e estado de conservação pelo prazo mínimo de cinco anos.
Neste ponto, cabe ainda tecer algumas considerações acerca da eventual oposição de
sigilo às requisições da Autarquia.
No ordenamento jurídico brasileiro, o sigilo em geral corresponde a uma garantia
constitucional, decorrente do direito fundamental à preservação da intimidade ou
privacidade, conforme previsto nos incisos X e XII do art. 5º da Constituição da
República.
Contudo, é o próprio STF quem ressalta que, no sistema constitucional brasileiro, não
há direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto. Razões de relevante in-
teresse público ou exigências derivadas do princípio da convivência das liberdades
legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de
medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados
os termos estabelecidos pela própria Constituição.7
Nesse sentido, é possível asseverar que a ordem constitucional brasileira admite que os
direitos fundamentais sofram restrições legais, desde que compatíveis com o inte-resse
público, o interesse social e o interesse da Justiça. E nem poderia ser diferente, dado
que não se pode admitir a existência desta proteção para ocultar fatos potencialmente
ilícitos.
6 Conforme decisão proferida nos autos do Processo CVM RJ nº 2005/1779, em 14 de junho de 2005. Disponível
em: http://www.cvm.gov.br/port/descol/respdecis.asp?File=4729-0.HTM. Acesso em 14 de nov. de 2013.
7 STF, MS 23452/RJ, Relator Ministro Celso de Mello, Pleno, DJ de 12/05/2000.
Nessa linha, aliás, e no que tange ao sigilo das operações financeiras, a Lei Comple-
mentar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, prevê que ele não pode ser oposto ao Banco
Central do Brasil (BCB) no exercício de suas funções de fiscalização e investigação
(art. 2º, §§ 1º e 2º), estendendo a aplicação do respectivo preceito à CVM, quando do
exercício de suas atribuições legais (art. 2º, § 3º).
8 No mesmo sentido, o art. 28, parágrafo único da Lei nº 6.385/76, que prevê, expressamente, que as entidades
regu-ladoras ali mencionadas manterão um permanente sistema de intercâmbio de informações, e que o dever de guardar
sigilo de informações obtidas através do exercício do poder de fiscalização pelas referidas entidades não poderá ser
invocado como impedimento para o intercâmbio.
9 A Procuradoria Federal Especializada junto à CVM (PFE-CVM), ao longo dos anos, vem adotando
entendimento exatamente neste mesmo sentido. Por todos, vale citar o primoroso PARECER/PFE-CVM/Nº 001/2005.
Analisados, pois, os limites objetivos do poder estatuído no inciso I do art. 9º, resta
ainda examinar a quem ele pode ser dirigido.
O estudo da evolução legislativa das alíneas do inciso I do art. 9º revela nítido movi-
mento no sentido de robustecer os poderes de fiscalização e investigação da Autarquia.
Na redação original da lei, além das entidades expressamente sujeitas à regulação da
Autarquia, o poder da CVM de examinar documentos e dados relativos a “outras pes-
soas quaisquer, naturais ou jurídicas”, somente incidia “quando [houvesse] suspeita
fundada de fraude ou manipulação, destinada a criar condições artificiais de deman-
da, oferta ou preço dos valores mobiliários”.
A propósito da expressão “suspeita fundada”, não se pode deixar de notar que, embora
ela tenha sido excluída da alínea “g”, ela foi inserida e mantida na alínea “b” do inciso
I do art. 9º da Lei nº 6.385/76, que estende o poder de fiscalização da CVM às “com-
panhias abertas e demais emissoras de valores mobiliários e, quando houver suspeita
fundada de atos ilegais, das respectivas sociedades controladoras, controladas, coliga-
das e sociedades sob controle comum”.
Por fim, com a alteração promovida em 2001, a alínea g não mais exige sequer a parti-
cipação, direta ou indireta, da pessoa natural ou jurídica para que a CVM possa fisca-
lizá-la. Portanto, com a nova redação, ainda que a pessoa não tenha sequer participado
da irregularidade objeto de averiguação, poderá a Autarquia requisitar documentos
relacionados ao fato apurado e que possam auxiliar na condução da investigação.
Assim, atualmente, o poder requisitório da CVM pode também alcançar terceiros que,
ainda que não tenham participação diretamente na irregularidade investigada, possam
ter documentos ou informações que auxiliem na elucidação dos fatos sob apuração,
bas-tando, para tanto, que a CVM esteja no regular desempenho de sua competência
para apuração de qualquer irregularidade, na forma do inciso V do art. 9º da Lei nº
6.385/76.
O inciso II do art. 9º da Lei nº 6.385/76, por seu turno, prevê que a CVM poderá “in-
timar as pessoas referidas no inciso I a prestar informações, ou esclarecimentos, sob
cominação de multa, sem prejuízo da aplicação das penalidades previstas no art. 11”.
O inciso III estabelece o poder de requitar informações de qualquer órgão público, au-
tarquia ou empresa pública, previsão que se encontra alinhada com o princípio geral
de colaboração/cooperação entre os órgãos da administração pública10.
Nessa linha, o art. 11 da lei outorga à Autarquia o poder de impor as penalidades ali re-
feridas a todos os “infratores das normas desta Lei, da lei de sociedades por ações, das
suas resoluções, bem como de outras normas legais cujo cumprimento lhe incumba
fiscalizar”, ainda que não sejam pessoas naturais ou jurídicas diretamente reguladas ou
registradas na CVM.
Nesse diapasão, a redação do art. 9º, § 1º, IV também parece indicar a mesma raciona-
lidade ao permitir que a CVM proíba “aos participantes do mercado, sob cominação
de multa, a prática de atos que especificar, prejudiciais ao seu funcionamento regular”.
Sendo assim, não parece fazer qualquer sentido limitar a abrangência da expressão
apenas àqueles que exerçam atividades reguladas, nos moldes do art. 1º da lei. Tal
interpretação, além de absolutamente destoante do sistema da lei, poderia conduzir,
por exemplo, ao absurdo de impedir a atuação da Autarquia em relação a insiders de
mercado (ou secundários) ou a investidores que manipulem o preço de determinada
ação. Nas duas situações exemplificadas, não há, na prática, desempenho de uma
atividade profissio-nal regulada, embora ambas se encontrem, inegavelmente, sob a
esfera de competência da CVM, inclusive em razão do que dispõe o art. 4º, IV e V da
Lei nº 6.385/76.
E, nesse contexto, o inciso V do artigo 9° confere à Autarquia poder para “aplicar aos
autores dessas infrações as penalidades previstas no art. 11, sem prejuízo da responsa-
bilidade civil ou penal”, conforme será adiante esmiuçado.
Tal não significa, é bom advertir, que deva existir um isolamento de distintos órgãos
ou entes do Estado na apreciação de um mesmo fato da vida, sobretudo diante
de um mesmo mosaico probatório, e à luz, em especial, da boa-fé objetiva que
baliza a atuação das instituições de controle e de fiscalização. Se um mesmo fato
é apurado por distintos órgãos ou entidades, é legítimo presumir que estes, em
algum grau, atuam em conjunto, comunicando-se entre si e entabulando estratégias
coordenadas, para, em regime de consenso, alcançarem todos os resultados de inte-
resse comum.13
Retomando a análise dos poderes atribuídos por lei à CVM, vale mencionar o art. 9º,
inciso IV, que prevê que a CVM tem poder para “determinar às companhias abertas
que republiquem, com correções ou aditamentos, demonstrações financeiras, relató-
11 STF, RHC 91110, Relatora Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, DJe 22.08.2008.
12 GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Sobre o poder disciplinar da CVM, Revista de Direito Mercantil n. 43,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 69.
13 Nesse sentido, ver SANTOS, Alexandre Pinheiro dos; OSÓRIO, Fábio Medina; WELLISCH, Julya Sotto
Mayor. Mercado de Capitais - Regime Sancionador. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 65-66.
Também merece destaque o poder conferido à CVM pelo art. 125, § 5°, da Lei nº
6.404/76, com as alterações produzidas pela Lei nº 10.301/01. Referido dispositivo
estabeleceu a possibilidade de a CVM interromper o curso do prazo de antecedência
Merecem relevo, ainda, os poderes inibitórios atribuídos à CVM pelo § 1° do art. 9°,
que poderão ser exercidos com “o fim de prevenir ou corrigir situações anormais
do mercado”.
E parece fazer mesmo sentido que seja assim. O Decreto, ao expurgar a necessidade
de conceituação pelo CMN, sabiamente emprestou maior flexibilidade à atuação da
CVM, fazendo com que a Autarquia possa se adaptar às necessidades demonstradas
pela prática e pelo dinamismo das atividades desenvolvidas no âmbito do mercado
de valores mobiliários.14
14 Quem, em 1976, poderia imaginar, por exemplo, que as operações em bolsas de valores poderiam ser realizadas
em termos de nanossegundos (milésima parte da milionésima parte de um segundo)?
15 Na mesma linha, vale fazer alusão ao art. 118, III e IV da Instrução CVM nº 461/07, que reproduz os
poderes estabelecidos no art. 9º, § 1º da Lei e ao art. 60 da Instrução CVM nº 461/07, que também os atribui às entidades
administradoras de mercados organizados de valores mobiliários: “Art. 60. As normas de funcionamento da entidade
administradora de mercado organizado devem disciplinar as situações em que se procederá à suspensão da negociação ou
à exclusão dos valores mobiliários admitidos à negociação, bem como as informações a serem prestadas relativamente aos
valores mobiliários atingidos por tais medidas. §1º A suspensão da negociação pode justificar-se quando: I – deixem de se
verificar os requisitos de admissão, desde que se trate de falta sanável; e II – tornar-se pública notícia ou informação vaga,
Nessa linha, aliás, o art. 45 da Lei nº 9.784/99 é expresso ao estabelecer que em caso de
risco iminente, “a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências
acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado”.
Por fim, cumpre tecer alguns breves comentários acerca da peculiar característica da
atual redação de diversos incisos e parágrafos do art. 9° acima comentados ter sido
altera-da por força não de uma lei, mas de um Decreto, o de nº 3.995, de 31 de outubro
de 2001.
Embora esse fato possa causar alguma perplexidade ao leitor mais apressado, não se
pode olvidar que o Decreto nº 3.995/01 foi editado na forma do art. 84, VI, alínea “a”,
da Constituição Federal, com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional
nº 32/200118.
incompleta ou que suscite dúvida quanto ao seu teor ou procedência, que possa vir a influir de maneira relevante na cotação
do valor mobiliário ou induzir os investidores a erro”. E ao art. 118 da mesma Instrução:
16 Esta competência somente foi exercida em uma única oportunidade, por meio da Deliberação CVM nº
80/1989, quando a Autarquia decretou o “recesso das Bolsas de Valores no dia 12 de junho de 1989” e a suspensão das
“negociações e liqui-dações no mercado de balcão e com índices representativos de carteira de ações, nesse mesmo dia”.
Tal se deu no âmbito de rumoroso caso de manipulação ocorrido no final da década de 80 do século passado e que levou à
“quebra” da Bolsa do Rio.
17 A propósito, recorde-se que a multa cominatória ali prevista, além de não ter natureza jurídica de pena, como
já foi acima analisado, independe de prévio processo administrativo, a teor do que dispõe o § 11 do art. 11 da Lei nº
6.385/76.
18 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(...)
Nessa linha, e para a exata compreensão do tema, parece importante tecer algumas
considerações decorrentes do cotejo entre o texto constitucional originário e o texto
alterado pela Emenda Constitucional nº 32/2001.
O art. 61, § 1º, II, “e”, da Constituição de 1988 (reserva de iniciativa do Presidente da
República), que, até então, referia-se à “criação, estruturação e atribuições dos Mi-
nistérios e órgãos da administração pública”, passou a se referir apenas à “criação e
extinção de Ministérios e órgãos da administração pública [...]”, acrescentando, ainda,
a necessidade de ser “observado o art. 84, VI”. Uma vez mais, houve supressão da refe-
rência à estruturação e atribuições de órgãos públicos.
Enfim, o art. 88, que até então confiava à lei a criação, a estruturação e as atribuições
dos Ministérios, cingiu a reserva legal somente à criação e extinção de Ministérios e
órgãos da administração pública.
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem
criação ou extinção de órgãos públicos.
19 Este também foi o entendimento consignado nas razões do veto a determinados dispositivos da Lei nº
10.303/2001, inclusive àquele que tratava da alteração do art. 9º da Lei nº 6.385/76, in verbis: “A criação, estruturação
e atribuições, inclusive a organização e funcionamento dos órgãos e entidades da administração pública eram, à época
da propositura do projeto, matéria de iniciativa reservada ao Presidente da República (art. 61, §1º, e, do texto original
da Constituição Federal). Padecem de vício de iniciativa, portanto, as normas que, mediante iniciativa parlamentar, tem
por objeto atribuir competências à Comissão de Valores Mobiliários. Outrossim, tais matérias tornaram-se, por força da
Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, questões reservadas a Decreto (CF, art. 84, VI, a, com redação da
EC 32)”
4.1.1. Introdução
Agradecimentos pelas contribuições na revisão do capítulo à Ana Paula Reis, Advogada, Vice-Presidente da Comissão de
Mercado de Capitais da ABRASCA- Associação Brasileira das Companhias Abertas, Especialista em Mercado de Capitais
pela Columbia Law School (EUA), Especialista em Direito Societário e Mercado de Capitais pela Fundação Getúlio Vargas
(FGV), Ex-assessora jurídica no Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), de 2004 a 2009.
1 Art. 174 Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as
funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor
privado.
2 Art. 8º Compete à Comissão de Valores Mobiliários:
I - regulamentar, com observância da política definida pelo Conselho Monetário Nacional, as matérias expressamente
previstas nesta Lei e na lei de sociedades por ações;
A abordagem que aqui será feita acerca do processo administrativo sancionador não
tem a pretensão de exaurir todos os pontos relacionados a esse sistema, tampouco
adentrar em todas as suas peculiaridades. Busca-se, apenas, apresentar suas principais
características, introduzindo os elementos necessários à sua compreensão como
instrumento de atuação da vontade administrativa, constituído com a participação
efetiva do ad- ministrado, no exercício do seu direito fundamental ao devido processo
legal e à ampla defesa, bem como mecanismo de controle da Administração Pública4.
Para uma melhor compreensão do regime jurídico que rege o processo administrativo
sancionador no âmbito da CVM e antes de efetivamente adentrarmos na análise de
suas regras e particularidades, entendemos interessante abrir um parêntese a fim de
narrar a sua evolução histórica, partindo da Resolução CMN nº 454, de 16/11/1977,
até a edição da Instrução CVM nº 607, de 17/06/2019, atualmente em vigor.
A respeito desse processo evolutivo, pedimos vênia para trazer a este texto a seguinte
notícia histórica feita por Santos, Osório e Wellisch5, desde a Resolução CMN nº 454,
de 16 de novembro de 1977, até a Deliberação CVM nº 457, de 23 de dezembro de
2002, que nos oferece, de uma maneira clara e didática, a melhor exposição a respeito
do tema:
V - apurar, mediante processo administrativo, atos ilegais e práticas não eqüitativas de administradores, membros do
conselho fiscal e acionistas de companhias abertas, dos intermediários e dos demais participantes do mercado;
VI - aplicar aos autores das infrações indicadas no inciso anterior as penalidades previstas no Art. 11, sem prejuízo da
responsabilidade civil ou penal.
4 MELLO, Levi. O Processo Administrativo Sancionador como Instrumento de Controle. In: BLAZECH, Luiz
Maurício Souza; MARZAGÃO JUNIOR, Laerte I. (coords). Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Quartier Latin,
2014, p. 167.
5 SANTOS, Alexandre Pinheiro; OSÓRIO, Fabio Medina; WEELISCH, Julya Sotto Mayor. Mercado de Capi-
tais/Regime Sancionador. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 185-187.
Além disso, até então e afora as hipóteses nas quais era cabível o Rito
Sumário, todos os ilícitos contra o mercado de capitais deveriam
invariavelmente, ser apurados mediante a instauração de correspondente
(...)
(...)
Apoiada nesta premissa, uma vez concluída a fase investigativa, abrem-se três
possibilidades sujeitas ao crivo de avaliação exclusivo da Superintendência com
atribuição para a apuração da irregularidade administrativa, todas dispostas no art. 4º
da Instrução ora analisada:
(i) deixar de lavrar termo de acusação nas hipóteses em que concluir seja
pela atipicidade da conduta, seja pela extinção da punibilidade, seja,
ainda, naquelas em que restar demonstrada a pouca relevância da
conduta, a baixa expressividade da ameaça ou da lesão ao bem jurídico
tutelado e a possibilidade de utilização de outros instrumentos ou
medidas de supervisão que julgar mais efetivos;
(...)
De forma meramente exemplificativa, a norma traz, no §1º do art. 4º, parâmetros para
a avaliação da relevância da conduta ou da expressividade da ameaça ou lesão ao bem
jurídico a embasar a decisão da área técnica acerca da lavratura do termo de acusação,
tais como o grau de reprovabilidade ou da repercussão da conduta, a expressividade
de prejuízos causados a investidores e demais participantes do mercado, o impacto da
conduta na credibilidade do mercado de capitais e a regularização da suposta infração
pelo administrado.
De notar que a nova disciplina normativa, com fundamento de validade direto nas
alterações promovidas pela Lei nº 13.506/2017, permite que a repressão aos ilícitos
praticados contra o mercado de capitais encontre resposta adequada, efetiva e eficiente
não apenas na instauração de processos sancionadores e na cominação de penalidades,
mas também em outras medidas de prevenção e supervisão, tais quais a expedição dos
ofícios de alerta e o aproveitamento da atuação prévia e coordenada das instituições
autorreguladoras.
fiscalização das atividades, operações e condutas praticadas no âmbito do mercado de valores mobiliários.
(...)
Pouca ou nenhuma eficácia teria a atuação da CVM se não lhe fossem conferidos os meios necessários ao alcance de suas
finalidades institucionais. Esta é, portanto, a razão de ser do art. 9º da lei, que outorga à autarquia regula- dora do mercado
de valores mobiliários diversos e relevantes poderes para viabilizar o regular desempenho de suas funções.
Aliás, no atual sistema constitucional brasileiro, é somente assim que pode ser compreendido o art. 9º da Lei nº 6.385/76.
Os poderes conferidos por lei à CVM, como sói acontece em relação aos poderes administrativos em geral, somente têm
fundamento na medida em que se destinem a permitir que ela cumpra as funções públicas para as quais foi criada. Trata-
se, portanto, de um poder-função, de natureza nitidamente instrumental e que, assim, somente se legitima se e quando
exercido no sentido de permitir que a Autarquia alcance seus fins, desincumbindo-se de seus mandatos legais. (In:
CODORNIZ, Gabriela; PATELLA, Laura (coord). Comentários à Lei do Mercado de Capitais – Lei nº 6.385/76. São Paulo:
Quartier Latin, 2015.).
Por sua vez, o inciso II do art. 9º da Lei nº 6.385/76 atribuiu à CVM poder para intimar
as pessoas referidas no seu inciso I a prestar informações, ou esclarecimentos, sob pena
de cominação de multa, sem prejuízo da eventual aplicação das penalidades previstas
no art. 11 desse mesmo diploma legal. Por força do que atualmente dispõe o art. 1º,
inciso I, e parágrafo único, inciso I, do Anexo 64 da Instrução CVM nº 607/201911,
o não atendimento injustificado à intimação para prestar depoimento caracteriza
embaraço à fiscalização, a qual é considerada infração de natureza grave.
Com vistas a resguardar o resultado das investigações, o §2º do art. 9º da Lei nº 6.385/76
assegura a possibilidade de decretação do “sigilo necessário à elucidação dos fatos ou
exigido pelo interesse público” na fase investigativa, observado o procedimento fixado
pela CVM12. A previsão tem relevância, na medida em que toca com a restrição do
direito de acesso aos autos e solicitação de cópia de inquéritos administrativos, seja
pelas pessoas investigadas, seja por terceiros, exigindo, portanto, a ponderação com os
princípios que regem os atos administrativos.
11 Art. 1º Consideram-se infração grave, ensejando a aplicação das penalidades previstas nos incisos III a VIII do
art. 11 da Lei nº 6.385, de 1976, as seguintes hipóteses:
(omissis); e
Parágrafo único. Entende-se como embaraço à fiscalização, para os fins desta Instrução, as hipóteses em que qual- quer das
pessoas referidas no art. 9º, inciso I, alíneas “a” a “g”, da Lei nº 6.385, de 1976, injustificadamente deixe de:
I – atender, no prazo estabelecido, a intimação para prestação de informações ou esclarecimentos que houver sido
formulada pela CVM. ou
Como então fazer conviver o direito de acesso aos autos, em especial pelo investigado, e
eventual decretação temporária de sigilo na fase investigativa? Na seara da ponderação
entre estes interesses, a decisão administrativa restritiva do acesso encontra base legal,
infralegal – no âmbito exclusivo da CVM – e, também, jurisprudencial.
De fato, o STF não reconheceu um direito absoluto de acesso irrestrito aos autos de
inquérito sigiloso. Em realidade, a Suprema Corte demonstrou bastante cautela no
exercício da ponderação entre a ampla defesa e a eficácia do poder-dever estatal de
apuração dos ilícitos, resguardando a possibilidade de sigilo de diligências em curso
cuja publicidade possa comprometer a própria efetividade da investigação, conforme
se extrai do precedente representativo da edição da Súmula:
Portanto, uma vez que a publicidade é a regra e que o sigilo não é inerentemente
essencial à investigação de irregularidades, a restrição temporária de acesso ainda
nesta fase somente se admite para aquelas hipóteses em que o sigilo é necessário para
resguardar o resultado das investigações (art. 9, §2º, da Lei nº 6.385/76 c/c art. 23,
inciso VIII da Lei nº 12.527/2011) e, também, para preservar a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas que estão sendo investigadas (art. 31 da Lei
nº 12.527/2011).
Ainda, considerando que a LAI também resguarda outras hipóteses de sigilo legalmente
previstas, será restringido o acesso, seja na fase investigativa, como também ao longo
de todo o processo administrativo sancionador, aos documentos que contenham
informações relacionadas às operações financeiras, as quais encontram-se protegidas
pelo sigilo de que trata a Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 200116.
Por fim, cumpre tecer comentários sobre outro ponto importante relacionado à
instrução dos processos administrativos sancionadores: a não oposição à CVM, seja
do sigilo das operações realizadas no mercado de capitais, seja, também, do sigilo
16 A LC n. 105/01 dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências.
Pois bem. Uma vez que a atuação fiscalizatória da CVM se deita sobre o mercado
de valores mobiliários, é intuitivo que, no exercício desta atividade, ela tenha acesso
a informações de natureza sigilosa. Neste aspecto, para assegurar não apenas a
efetividade, mas também o próprio exercício de seu poder investigatório, a Lei
Complementar nº 105/2001 é expressa ao conferir à Autarquia a prerrogativa de acesso
direto às informações relacionadas às operações bursáteis cursadas no mercado,
conforme se infere do dispositivo abaixo transcrito:
Art. 2o O dever de sigilo é extensivo ao Banco Central do Brasil, em
relação às operações que realizar e às informações que obtiver no
exercício de suas atribuições.
(...)
17 É remansosa a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhecendo os sigilos das operações financeiras,
assim como o sigilo fiscal, são decorrências da proteção constitucional à intimidade e privacidade, preconizadas no art. 5º,
incisos X e XII, cabendo citar, apenas a título de exemplo: MS 24029; MS 23960; MS 23452, RE219780.
18 SANTOS, Alexandre Pinheiro; WELLISCH, Julya Sotto Mayor. Os limites do sigilo bancário diante do Pro-
cesso Sancionador da CVM. In: YARSHELL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti J. (org.). Processo Societário II
- Adaptado ao Novo CPC Lei nº 13.105/2015. São Paulo: Quartier Latin, 2015, v. 1, págs. 29-46.
Alguma discussão poderia surgir, como de fato surgiu nos primeiros anos que se
sucederam ao advento da citada lei, sobre a possibilidade de intercâmbio entre CVM
e Banco Central do Brasil das informações sigilosas obtidas em seus respectivos
âmbitos de atuação regulatória, possibilitando à CVM, assim, o acesso às informações
acobertadas pelo sigilo bancário e ao Banco Central o acesso às informações sobre
operações realizadas no mercado de capitais. A discussão – compartilhamento de
informações sigilosas – ainda é atual e consentânea às recentes decisões proferidas
pelo Supremo Tribunal Federal.
Parágrafo único. O Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários, manterão permanente intercâmbio de
informações acerca dos resultados das inspeções que realizarem, dos inquéritos que instaurarem e das penalidades que
aplicarem, sempre que as informações forem necessárias ao desempenho de suas atividades.
20 Lei nº 6.385/76, Art. 28. O Banco Central do Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários, a Secretaria de
Previdência Complementar, a Secretaria da Receita Federal e Superintendência de Seguros Privados manterão um sistema
de intercâmbio de informações, relativas à fiscalização que exerçam, nas áreas de suas respectivas compe- tências, no
mercado de valores mobiliários. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)
21 PARECER/PFE-CVM/Nº 01/2005, da lavra do ex-Procurador Federal, Dr. Julio Ramalho Dubeux
(...)
Art. 10. A quebra de sigilo, fora das hipóteses autoriza- das nesta
Lei Complementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à
pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se,
no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções
cabíveis.
(...)
Na oportunidade, o Ministro Relator Dias Tóffoli fez a distinção entre o que se entende
por “quebra de sigilo” e “transferência de sigilo”. Importa, pois, transcrever os seguintes
e relevantes trechos do voto proferido pelo eminente Ministro da Suprema Corte,
tendo em vista sua pertinência com o ponto ora tratado:
(...)
E é nisso que reside o chamado ‘sigilo fiscal’: o Fisco, é certo, detém ampla
(...)
É possível, assim, afirmar que a Lei Complementar nº 105/01 não violou qualquer
garantia constitucional da proteção à privacidade e ao sigilo de dados (art. 5º, incisos
X e XII da Constituição Federal) ao permitir a transferência de dados bancários entre
instituições que tem, simultaneamente, o dever de guardar sigilo.
22 . A PFE-CVM, ao longo dos anos, vem adotando entendimento exatamente nesse mesmo sentido. Neste
sentido, vale citar o PARECER/PFE-CVM/Nº 001/2005.
23 . SANTOS, Alexandre Pinheiro; WELLISCH, Julya Sotto Mayor. Op. Cit. p. 29-46.
De ressaltar, por fim, que, de acordo com o que expressamente determina o art. 9º da Lei
Complementar nº 105/2001, uma vez identificados, no exercício de suas atribuições,
indícios de crime de ação penal de iniciativa pública e/ou irregularidade administrativa
de competência diversa, deve rá a CVM realizar a comunicação às autoridades públicas
competentes, devidamente acompanhada de toda a documentação necessária à
apuração e comprovação do crime ou da irregularidade.25A comunicação das condutas
ilícitas às autoridades penais ou administrativas competentes é feita, por certo, com a
transferência do dever de sigilo sobre os dados sigilosos.
24 . O art. 28 da Lei n. 6.385/76 também prevê que o “ Banco Central do Brasil, a Comissão de Valores Mo-
biliários, a Secretaria de Previdência Complementar, a Secretaria da Receita Federal e Superintendência de Seguros
Privados manterão um sistema de intercâmbio de informações, relativas à fiscalização que exerçam, nas áreas de suas
respectivas competências, no mercado de valores mobiliários”.
25 Art. 9o Quando, no exercício de suas atribuições, o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mo-
biliários verificarem a ocorrência de crime definido em lei como de ação pública, ou indícios da prática de tais crimes,
informarão ao Ministério Público, juntando à comunicação os documentos necessários à apuração ou comprovação dos
fatos.
(...)
§ 2o Independentemente do disposto no caput deste artigo, o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários
comunicarão aos órgãos públicos competentes as irregularidades e os ilícitos administrativos de que tenham conhecimento,
ou indícios de sua prática, anexando os documentos pertinentes.
A proposta deverá ser dirigida ao Superintendente Geral, a quem caberá (i) aprovar
a instauração de inquérito administrativo para apurar os indícios de infração às
normas do mercado de valores mobiliários; ou (ii) devolver o processo administrativo
às superintendências, quando entender não haver justa causa para a instauração do
inquérito.
Em sendo aprovada a proposta das áreas técnicas, o inquérito terá início com a
publicação da Portaria de instauração pelo Superintendente Geral. Os trabalhos de
investigação devem ser concluídos no prazo de 120 (cento e vinte) dias26, contados
da data de sua instauração, podendo ser prorrogado, por mais de uma vez, mediante
pedido motivado à SGE, por período que julgar adequado e for demonstrado ser
necessário para a conclusão das investigações27.
26 Art. 10 da Instrução CVM nº 607/2019.
27 Sobre a duração do inquérito administrativo, vale mencionar que a jurisprudência pátria posiciona-se no
sentido de que eventual descumprimento do prazo estabelecido não acarreta nulidade capaz de invalidar o procedimento.
Neste sentido, os seguintes julgados do STJ: MS 9.807/DF, Relator Min. Paulo Gallotti, 3ª Seção, DJ 11.10.2007; e MS 7.962/
DF, Relator Min. Vicente Leal, 3ª Seção, DJ 01.07.2002.
O art. 12 do citado ato normativo prevê as hipóteses em que, ao fim do inquérito, a SPS
deverá proceder ao seu arquivamento, quais sejam: (i) não obstante o aprofundamento
da dilação probatória, não for possível a obtenção de provas suficientes à formação
de um juízo acusatório; (ii) se convencer da inexistência de infração ou verificar a
ocorrência de causa de extinção da punibilidade. (iii) restar demonstrada a pouca
relevância da conduta, a baixa expressividade da ameaça ou da lesão ao bem jurídico
tutelado e a possibilidade de utilização de outros instrumentos ou medidas de
supervisão que julgarem mais efetivos.
Tal entendimento, muito embora construído ainda sob a égide da Deliberação CVM
nº 538/2008, aplica-se com perfeição à Instrução CVM nº 607/2019, que replicou a
redação anterior acerca da manifestação prévia do investigado.
28 O mesmo entendimento foi replicado no julgamento do PAS CVM nº RJ2012/10069, j. em 31.05.2015, Dir.
Rel. Pablo Waldemar Renteria e do PAS CVM nº RJ2015/2027, j. em 02.04.2019, Dir. Relator Gustavo Gonzalez.
29 EIZIRIK, Nelson; GAAL, Adriana; PARENTE, Flavia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de Capitais
– regime jurídico. 2.ed. revisada e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 295.
Nesse ensejo, Dallagnol, ao discorrer sobre a prova direta, indícios e presunções, destaca
31 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As
nulidades no processo penal. 6. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
Destaque-se, nesse sentido, trecho do voto da Ministra Rosa Weber na Ação Penal 470
(Caso Mensalão), no qual se reconheceu a necessidade de uma elasticidade probatória,
dada as peculiaridades das infrações em apreço, verbis:
A lógica autorizada pelo senso comum faz concluir que, em tal espécie
de criminalidade (crime contra os costumes), a consumação sempre
se dá longe do sistema de vigilância. No estupro, em regra, é quase
impossível uma prova testemunhal. Isso determina que se atenue a
rigidez da valoração, possibilitando-se a condenação do acusado com
base na versão da vítima sobre os fatos confrontada com os indícios
e circunstâncias que venham a confortá-la. Nos delitos de poder não
pode ser diferente. Quanto maior o poder ostentado pelo criminoso,
maior a facilidade de esconder o ilícito, pela elaboração de esquemas
velados, destruição de documentos, aliciamento de testemunhas etc.
Também aqui a clareza que inspira o senso comum autoriza a conclusão
(presunções, indícios e lógica na interpretação dos fatos). Daí a maior
elasticidade na admissão da prova de acusação, o que em absoluto se
confunde com flexibilização das garantias legais (...) A potencialidade
do acusado de crime para falsear a verdade implica o maior valor das
presunções contra ele erigidas. Delitos no âmbito reduzido do poder
são, por sua natureza, em vista da posição dos autores, de difícil
comprovação pelas chamadas provas diretas. (...). A essa consideração,
agrego que, em determinadas circunstâncias, pela própria natureza do
crime, a prova indireta é a única disponível e a sua desconsideração,
prima facie, além de contrária ao Direito positivo e à prática moderna,
32 Para J. M. Asencio Melado, Presuncion de Inocência y Prueba Indiciária, 1992, citado por Euclides Dâmaso
Simões, in Prova Indiciária, Revista Julgar, nº 2, 2007, p. 205: “Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo
da sua actuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas directas. Exigir a todo o custo, a existência destas
provas implicaria o fracasso do processo penal ou, para evitar tal situação, haveria de forçar-se a confissão o que, como é sabido,
constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu máximo expoente: a tortura”.
33 DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. As lógicas das provas no processo: prova direta, indícios e presunções. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015, p. 284-285.
Em outras palavras, significaria dizer que, além de a prova indireta possuir maior
valor probatório nos ilícitos de difícil comprovação, ao mesmo tempo, do ponto de
vista do princípio da presunção de inocência em favor do acusado, a “dúvida razoável”
considerada para sua eventual configuração, também deverá ser mitigada.
Ademais, não se pode olvidar que, afora o fato do modelo de constatação que exige a
prova além da dúvida razoável ser aplicável apenas em relação ao processo penal – e
não ao processo administrativo – mesmo lá a doutrina e a jurisprudência reconhecem
que o padrão deve ser o da dúvida razoável. Ou seja, não é qualquer especulação ou
suspeita que impede a condenação. A dúvida razoável “não é a mera possibilidade de
dúvida; porque tudo relacionado a assuntos humanos, e dependendo da prova moral,
está aberto a alguma possibilidade de dúvida imaginária”.35
34 Supremo Tribunal Federal, Plenário, AP 470, 2012, fls.. 52.709-52.711. Trecho do voto da Ministra Rosa Weber
35 Tradução livre. No original: “It is not mere possible doubt; because every thing relating to human affairs, and
depending on moral evidence, is open to some possible or imaginary doubt”. Commonwealth vs. John w. Webster, 59 Mass.
295 (1850).
Por último, vale recordar, mais uma vez, o caso do julgamento da Ação Penal 470,
em que o STF reafirmou a constitucionalidade das condenações baseadas em prova
indiciária. Nesse sentido, vale agora citar o seguinte trecho do voto proferido pelo
Ministro Luiz Fux:
A norma ainda prevê a possibilidade das áreas técnicas, ainda no curso da realização
das diligências investigativas, socorrer-se do assessoramento jurídico da PFE. Com
alguma frequência, dúvidas de cunho jurídico surgem durante a prática dos atos
de instrução – como, apenas a título de exemplo, dúvidas envolvendo a incidência
da prescrição, a decretação de sigilo e o tempo de sua duração sobre a realização de
determinada diligência investigativa –, de maneira que, para o regular processamento
do feito e para que seja conferido o devido respaldo jurídico à realização dos atos
processuais, as Superintendências poderão requerer à PFE a devida análise.
Uma vez formulada a acusação administrativa, o acusado será citado para apresentação
de defesa no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da citação. É, portanto, com
a citação dos acusados para apresentação de defesa que se considera instaurado o
processo administrativo sancionador strictu sensu, pela qual se dá ao acusado o
conhecimento formal dos fatos a ele imputados, possibilitando-lhe o exercício do
contraditório e da ampla defesa.
A citação, que poderá ser efetuada por ciência no processo, por meio eletrônico ou
por via postal, deverá conter os elementos elencados no §1º do art. 21 da Instrução
CVM nº 607/2019, quais sejam: (i) a identifi- cação do(s) acusado(s); (ii) a indicação
dos fatos a ele(s) imputados; (iii) a finalidade da citação; (iv) a discriminação do
prazo para a apresentação de defesa; (v) a informação da continuidade do processo,
independentemente de seu comparecimento; (vi) – o dever do acusado, ou de
procurador por ele constituído, de se cadastrar no sistema de processo eletrônico
existente na página da CVM na rede mundial de computadores para fins de acesso aos
autos e posterior acompanhamento do andamento do processo; e (vii) o aviso de que
o acusado poderá propor a celebração de termo de compromisso, em conformidade
com o disposto nos arts. 80 e seguintes da Instrução.
§ 3o Serão mantidos, como Procuradorias Federais especializadas, os órgãos jurídicos de autarquias e fundações de âmbito
nacional.
Por outro lado, caso somente parte dos acusados apresente proposta de termo de
compromisso, ela será apreciada em processo apartado do processo administrativo
sancionador, o qual prosseguirá com relação aos demais acusados.
O Anexo 73 elenca em seu art. 1º, em numerus clausus, as infrações con- sideradas
como de menor complexidade, de onde se depreende um elen- co de condutas que se
refere, em sua generalidade, à inobservância de prazos para a entrega de informações
periódicas ou do preenchimento de dados em relatórios exigidos pelas normas que
regulam o mercado de valores mobiliários.
Também no que se refere à citação, deverão ser observados os termos contidos no art.
21 da Instrução, tendo o acusado o prazo de 30 (trinta) dias para a apresentação de sua
defesa por escrito.
Com vistas à celeridade processual, este Relatório poderá ser adotado pelo Diretor
Relator, e, ainda, os membros do Colegiado poderão funda- mentar seu voto nas
razões nele expostas.
A nova disciplina normativa inovou ao conferir à área técnica acusado- ra, nos
procedimentos de rito ordinário, após a designação de Relator, a prerrogativa de
oferecer manifestação técnica complementar sobre as razões de defesa apresentadas, no
prazo de 30 (trinta dias). Cuida-se de medida salutar que permite às Superintendências,
quando assim enten- derem necessário, melhor evidenciar os fundamentos da
acusação, impugnar os argumentos da defesa ou mesmo esclarecer questões que en-
tendam convenientes a influenciar o convencimento do órgão julgador.
Finalmente, uma vez que os processos administrativos que correm pelo rito ordinário
comportam dilação probatória, os arts. 42 e seguintes da já citada Instrução trazem
disposições acerca da produção de provas. Neste passo, após a designação de relator,
é a este facultado determinar a realização de diligências adicionais, bem como decidir
acerca do pedido de provas formulado pelos acusados em suas defesas, indeferindo,
fundamentadamente, aquelas ilícitas, desnecessárias ou de cunho protelatório.
As diligências para a produção de novas provas serão presididas pelo Relator ou, a
critério deste, por qualquer das superintendências, devendo, após concluídas, ser
concedida aos acusados a possibilidade de se manifestarem sobre as provas produzidas
no prazo de 15 (quinze) dias.
Disso poderá resultar tanto a complementação da acusação pela área técnica, com
os devidos ajustes de adequação aos citados requisitos dispostos no art. 6º, hipótese
em que o acusado será intimado para ciência e manifestação; ou a proposta de
arquivamento ao Colegiado, acaso a Superintendência conclua pela inexistência de
infração ou extinção da punibilidade.
41 Art. 6º Nas hipóteses em que a superintendência considerar que dispõe de elementos conclusivos quan- to à
autoria e à materialidade da irregularidade constatada, deverá ser lavrado termo de acusação do qual constará:
(...)
Iniciada a sessão, havendo a leitura do relatório ou não, o que ocorre quando este é
disponibilizado às partes antes da sessão do julgamento, o acusado ou seu representante
legal poderá apresentar sustentação oral da defesa, sendo-lhe concedido o prazo
máximo de 15 minutos, prorrogáveis, a critério do Presidente da sessão, por mais 15
minutos.
Finalmente, o Colegiado da CVM irá apreciar todas as provas existentes nos autos,
42 Importante aqui registrar que, à luz da já revogada Deliberação CVM nº 542/2014, nos processos ad-
ministrativos de rito sumário as Superintendências não apenas formulavam a acusação, como também julgavam o processo
ao fim da fase de instrução. Desta decisão, era cabível recurso com efeito suspensivo ao Colegiado, que atuava, portanto,
como verdadeira instância recursal, sendo possível, ainda a revisão dessa decisão pelo Conselho de Recursos do Sistema
Financeiro Nacional. Assim, eram três as instâncias administrativas de julgamento dos processos de rito sumário: decisão
monocrática do Superintendente e as decisões colegiadas, em grau de recurso, do Cole- giado da CVM e do CRSFN
Atualmente, contudo, nem as Superintendências exercem a função julgadora de processo sancionador, nem o Colegiado é
instância revisora dessas decisões.
(...)
Seguindo então a disposição legal, a referida Instrução prevê expressamente que, com
exceção das decisões que aplicam as penalidades de multa e de advertência, contra as
quais o recurso será recebido no duplo efeito, para as demais penalidades previstas
nos incisos III a VII do art.6043 da Instrução, o recurso será recebido somente no
43 Art. 60. A CVM poderá impor as seguintes penalidades, isolada ou cumulativamente: I – advertência; II –
multa; III – inabilitação temporária, até o máximo de 20 (vinte) anos, para o exercício de cargo de administrador ou de
A análise do pedido de efeito suspensivo deverá ser feita, portanto, caso a caso, diante
das circunstâncias do processo e do caso concreto (art. 71,
§1º). Para evitar que a disposição legal se torne letra morta, o Colegiado da CVM vem
firmando posição no sentido de que o pedido formulado pelo apenado não deve vir
em termos genéricos, mas sim devidamente fundamentado e circunstanciado, com
a demonstração precisa da situação excepcional que justifica a concessão do efeito
suspensivo.44
46 FADANELLI, Vinícius Krüger Chalub; BRAUN, Lucas. Artigo 11. In: CODORNIZ, Gabriela; PATELLA,
Laura (coord.). Comentários à Lei do Mercado de Capitais - Lei n. 6.385/76. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 243-244.
II - multa;
A segunda alteração importante foi feita em alguns dos parâmetros para a aplicação da
pena de multa, a saber: o considerável incremento no primeiro critério de aplicação,
aumentando o limite máximo de seu valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil) para
R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões); a introdução de um novo parâmetro a ser
considerado, qual seja, o prejuízo causado aos investidores como decorrência do ilícito.
A elevação do limite máximo veio em boa hora e ao encontro de antigo anseio da
No que se refere à sanção pecuniária, o §1º do art. 11 da Lei nº 6.385/76 assim dispõe:
Art. 11.(...)
47 EIZIRIK, Nelson; GAAL, Adriana; PARENTE, Flavia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Op. Cit. p. 341.
Como se vê, para fins de definição do valor da multa a ser aplicada, a nova redação
do dispositivo legal estabelece que devem ser considerados os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade, bem como a capacidade econômica do infrator,
com a exposição dos motivos que justifiquem sua imposição.
Os incisos II, III e IV acima transcritos contêm bases objetivas e pré-definidas para
o cômputo da pena, quais sejam, a emissão ou operação irregular, o montante da
vantagem econômica obtida ou da perda evitada e o prejuízo causado aos investidores,
quando este estiver individualizado. Assim, em se tratando de irregularidades em que
seja possível a identificação de um destes elementos, parece-nos natural concluir que
preferi- rão a qualquer outro.
Como consequência, é possível afirmar que o valor previsto no inciso I somente terá
lugar quando não for possível a determinação dos elementos constantes dos demais
incisos do §1º do art. 11 da Lei nº 6.385/76.48
Por fim, cabe pontuar que, por estarmos na seara de um processo sancionador, a multa
que aqui se trata decorre estritamente do poder punitivo estatal, não se revestindo,
portanto, de qualquer conotação ou finalidade de composição dos prejuízos
decorrentes das condutas lesivas praticadas.49
48 Idem ibidem.
49 Ibidem, p. 341.
Pertinente trazer alguns comentários sobres os incisos VII e VIII, que tratam
da penalidade de proibição temporária, pelo prazo máximo de 20 e 10 anos,
respectivamente.
50 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006, pág.
408.
No inciso VIII a lei cuidou de estabelecer mais uma medida restritiva ao exercício de
um direito, qual seja, a proibição de atuar, direta ou indiretamente, em uma ou mais
modalidades de operação no mercado de valores mobiliários. Vale aqui, uma vez mais,
conferir o escólio de Eizirik, Graal, Parente e Henriques, verbis:
51 EIZIRIK, Nelson; GAAL, Adriana; PARENTE, Flavia; HENRIQUES, op. cit., p. 329.
52 Idem, pág. 329.
53 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17ª. ed. rev., ampl. e atual. Rio de
Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2007, p. 61.
4.1.9. Da reincidência
(...)
54 EIZIRIK, Nelson; GAAL, Adriana; PARENTE, Flavia; HENRIQUES, op. cit., p. 325. Em que pese os autores
indicarem tais critérios tão somente para a cominação da penalidade de multa, entendemos serem estes perfeitamente
aplicáveis às demais penalidades. Nesse mesmo sentido, FADANELLI, Vinícius Krüger Chalub; BRAUN, Lucas. Artigo 11.
In: CODORNIZ, Gabriela; PATELLA, Laura (coord.). Op.Cit. p. 246.
Finalmente, cabe enfatizar que o exercício do poder de polícia pela CVM e, portanto,
de intervenção no exercício das atividades privadas, manifesta-se não apenas por
meio da aplicação de penalidades àqueles que agem em desvio às normas, legais e
infralegais, que regem o mercado de capitais, mas também por meio de uma atuação
preventiva e orientadora dos agentes que atuam neste relevante segmento econômico.
Neste passo, a Instrução CVM nº 607/2019 prevê a adoção de procedi- mentos como
medidas de supervisão de participantes do mercado de valores mobiliários para fins
de correção de eventuais irregularidades detectadas pelas Superintendências da CVM,
dispensando-se, assim, a abertura de um processo administrativo sancionador.
Neste caso, sendo verificado que, mesmo após instada a corrigir a falha apontada, a
Companhia publica nova proposta ainda com incorreções ou omissões, a área técnica
poderá então propor termo de acusação em face do diretor responsável pela publicação
de informações relacionadas à companhia, instaurando o processo administrativo
sancionador.
Com efeito, nada impede que o interesse público objetivado pela sanção administrativa
possa ser alcançado pela solução consensual. Essa é a opinião de Moreira Neto65 ao
sustentar que, “distintamente do que se possa aceitar sem maiores indagações, em todas
as modalidades preventivas e de composição de conflitos que envolvam a Administração
Pública, no âmbito do Direto Administrativo, jamais se cogita de negociar o interesse
público, mas, sim, de negociar os modos de atingi-lo com maior eficiência”.
Por último, possui extrema importância para o presente trabalho a aná- lise do
princípio da eficiência, incorporado ao texto constitucional com a Emenda nº 19/98.
Segundo Aragão66, o princípio da eficiência deve orientar a Administração Pública no
sentido da otimização de resultados, compreendida como a maior realização possível
das finalidades públicas através do menor sacrifício possível para o Estado e para as
liberdades individuais. Salienta referido doutrinador haver outro importante aspecto
a ser considerado na análise do princípio da eficiência: no caso de existir mais de uma
possibilidade de interpretação da norma, caberá ao administrador adotar aquela que
garanta a melhor realização possível dos objetivos traçados em lei. Para tanto, deve
63 Idem, op. cit. p. 166-168: (...) a norma de supremacia pressupõe uma necessária dissociação entre o inte- resse
público e os interesses privados. Ocorre que, muitas vezes, a promoção do interesse público — entendido como conjunto de
metas gerais da coletividade juridicamente consagradas — consiste, justamente, na preservação de um direito individual,
na maior medida possível. A imbricação conceitual entre interesse público, interesses coletivos e interesses individuais
não permite falar em uma regra de prevalência absoluta do público sobre o privado ou do coletivo sobre o individual.
(...) Assim, o melhor interesse público só pode ser obtido a partir de um procedimento racional que envolve a disciplina
constitucional de interesses individuais e coletivos específicos, bem como um juízo de ponderação que permita a realização
de todos eles na maior extensão possível. O instrumento deste raciocínio ponderativo é o postulado da proporcionalidade.
A preservação, na maior medida possível, dos direitos individuais constitui porção do próprio interesse público. São metas
gerais da sociedade política, juridicamente estabelecidas, tanto para viabilizar o funcionamento da Administração Pública,
mediante instituição de prerrogativas materiais e processuais, como para preservar e promover, da forma mais extensa
quanto possível, os direitos dos particulares. Assim, esse esforço de harmonização não se coaduna com qualquer regra
absoluta de prevalência a priori dos papéis institucionais do Estado sobre os interesses individuais privados.
64 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Op. cit., p. 192.
65 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito público. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 77.
66 ARAGÃO, Alexandre Santos. O Princípio da Eficiência. Revista Eletrônica de Direito Administrativo
Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 4, nov./dez. 2005, jan. 2006. Disponível em: http://www.
direitodoestado.com.br. Acesso em: 31 maio 2012.
Foi nesse contexto histórico que se deu a edição da Lei nº 9.457/97, marcado pela
revisão do papel do Estado na economia e, consequentemente, do próprio Direito
Administrativo. Assim, instituiu-se o termo de compromisso como alternativa para
a solução de litígios administrativos, que, até então, tinham como único desfecho a
instauração de processo sanciona- dor com vistas à aplicação de penalidades.
Não se pretende, com isso, subestimar o importante papel desempenhado pela sanção
administrativa, mas questionar a visão de que a finalidade da atuação administrativa é
a repressão de ilícitos por meio da aplicação de penalidades. Os acordos substitutivos
devem ser considerados como instrumentos de igual importância para a consecução
das finalidades públicas, inclusive por não ser possível extrair do ordenamento jurídico
qualquer relação de preferência em favor das sanções administrativas67.
Art. 11 (...)
67 PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação administrativa consensual: estudo dos acordos substitutivos no
processo administrativo sancionador. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) – Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-
18112011-141226/. Acesso em: 20 maio 2016.
(...)
Art. 11 (...)
(...)
Vale observar, preliminarmente, que a análise dos requisitos legais deve levar em conta
que os agentes de mercado são movidos por interesses particulares, de modo que o
acordo substitutivo não pode dar aos administrados a percepção de que a prática de
ilícitos não possui consequências ou – pior ainda – pode ser vantajosa. Essa situação
produziria efeitos extremamente nocivos para o mercado de capitais, cujo regular
funciona- mento depende fundamentalmente de sua confiabilidade.
Nesse aspecto, o art. 9º, § 4º, da Lei nº 6.385/7673 estabelece que a penalização deve
proporcionar efeitos educativo e preventivo para os participantes do mercado.
Sob essa ótica, devem ser então definidos os contornos dos efeitos preventivo e
educativo previstos na Lei nº 6.385/76. Para tanto, podem ser aproveitadas lições há
muito tempo estudadas no âmbito do direito penal, sobretudo se considerado que,
72 Vale destacar que o art. 84 da Instrução CVM nº 607 prevê que, em casos excepcionais, nos quais se entenda
que o interesse público determina a análise de proposta de celebração de termo de compromisso apresentada fora do prazo
a que se refere o § 2º, tais como os de oferta de indenização substancial aos lesados pela conduta objeto do processo e de
modificação da situação de fato existente quando do término do referido prazo, o Colegiado examinará o pedido.
73 Art. 9º (...)
§ 4º - Na apuração de infrações da legislação do mercado de valores mobiliários, a Comissão deverá dar prioridade às
infrações de natureza grave, cuja apenação proporcione maior efeito educativo e preventivo para os participantes do
mercado.
Feitas essas observações preliminares, tem-se que o principal aspecto a ser considerado
pela CVM na análise da proposta de termo de compro- misso é o atendimento dos
requisitos estabelecidos nos incisos I e II do § 11º da Lei nº 6.385/76.
Ocorre, contudo, que nem sempre os prejuízos causados são individua- lizados, pois
grande parte dos ilícitos praticados no mercado de capitais causam danos a interesses
difusos e coletivos, como a transparência e a confiabilidade, conforme aponta a
doutrina81:
79 WELLISCH, Julya Sotto Mayor; SANTOS, Alexandre Pinheiro dos. Op. cit.
80 Conforme decisões proferidas pelo Colegiado da CVM no PAS RJ2010/13301, em 17.04.2012 e PAS 06/2005,
em 28.06.2007.
81 WELLISCH, Julya Sotto Mayor; SANTOS, Alexandre Pinheiro dos. Op. cit.
A redação dada ao art. 82, inciso II da Instrução CVM nº 607 estabeleceu a necessidade
de se “corrigir as irregularidades apontadas, inclusive indenizando os prejuízos
causados ao mercado ou à CVM”. Dentro das possibilidades conferidas pelo texto
legal, buscou-se adequar o acordo substitutivo às hipóteses em que não se verifica a
ocorrência de prejuízo individualizado, em prestígio a importantes e atuais paradigmas
da atividade regulatória, como o consenso, a celeridade e a eficiência.
I- Objetiva a parte autora a reforma da sentença para que sejam anulados os atos administrativos, relativos à
con- denação em multa, praticados pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM e pelo Conselho de Recursos do Sistema
Financeiro Nacional- CRSFN.
II- Não ocorreu a prescrição de fundo de direito, uma vez que não quedou inerte a autarquia federal em relação
aos fatos, conforme as datas apresentadas pelos documentos aduzidos. A denúncia deflagradora data de 9 de junho de
2000 e as intimações dos autores datam de 31 de outubro e 1º de novembro de 2001. Cinco anos são permitidos pela lei nº
9873/99 para aplicação de pena inerente ao poder de polícia da Administração Pública. Não houve prescrição.
III- Entendo firme na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que no âmbito do controle jurisdicional
do ato administrativo disciplinar, compete ao Poder Judiciário apreciar apenas a regularidade do procedimento, à luz dos
princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. É defeso ao Poder Judiciário manifestar-se sobre o
mérito no ato.
IV- No caso, diante da documentação apresentada, às fls.169/172, onde a parte autora e corretamente intimada,
fica consignado que foi observado o princípio do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
88 Vide “Custo Unitário do Processo de Execução Fiscal na Justiça Federal, Relatório de Pesquisa IPEA”.
Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/pesquisa-ipea-cnj-custo-execucao-fiscal.pdf. Acesso em: 10 jun. 2012.
89 Idem.
90 Havia a previsão, até 2016, da obrigatoriedade de interposição de recursos de ofício, por parte da Au- toridade
Administrativa, de suas decisões absolutórias; este recurso, contudo, deixou de ser previsto pelo novo Regi- mento do
CRSFN (Portaria MF nº 68/2016).
91 O CRSFN tem competência para atuar nos processos administrativos sancionadores do Banco Central que
imponham penalidades por infrações às normas que regem o sistema financeiro nacional (Lei nº 4.595/64), à legislação
cambial, de capitais estrangeiros e de crédito rural e industrial; à legislação de consórcios e de cooperati- vas, entre outras.
92 Art. 11, § 4º, da Lei nº 6.385/76.
93 Art. 16, § 2º, da Lei nº 9.613/98.
A Instrução CVM nº 607 determina que os recursos ao CRSFN devem ser interpostos
em até 30 (trinta) dias corridos da intimação (art. 70), sendo que será recebido somente
com efeito devolutivo, sendo facultado ao apenado requerer o efeito suspensivo do
recurso ao Colegiado, por meio de petição em separado a ser apresentada no ato de
sua interposição (art. 71).
94 O prazo para interposição de recursos voluntários em decisões prolatadas em procedimentos de rito or-
dinário é, em regra, de 30 dias, nos termos do art. 37 da Deliberação nº 538/08. Aponta-se, contudo, no próprio art. 38, duas
exceções, em que o prazo para sua interposição é de 15 dias: a) processos que tratem de irregularidades relacionadas à Lei
nº 9.613/98 (art. 37, § 1º, inciso I); e b) processos que tratem de irregularidades relacionadas à Lei nº 10.214/2001 art. 37, §
1º, inciso II).
95 Sobre o tema, vide CANTIDIANO, Luiz Leonardo. Do descabimento de recurso administrativo para reformar
decisão técnica proferida pela Comissão de Valores Mobiliários. In: CANTIDIANO, Luiz Leonardo. Direito Societário &
Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 145-154.
96 Artigo 2º, caput, incisos e §1º da Portaria MF nº 68/16.
97 SADDI, Jairo. Reformando o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. In: MOSQUERA,
Roberto Quiroga (coord.). Aspectos atuais do direito financeiro e do mercado de capitais. São Paulo: Dialética, 2000, p. 62.
v. 2.
98 GOLDSTEIN, Sergio Mychkis. Apontamentos Sobre o Regimento Interno do Conselho de Recursos do Sis-
tema Financeiro Nacional. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, n. 13. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001, p. 106.
99 EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de
Capitais – regime jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 373.
SANTOS, Alexandre Pinheiro dos; WELLISCH, Julya Sotto Mayor. A evolução do processo administrativo sancionador no
âmbito da Comissão de Valores Mobiliários. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, n. 48, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2011, p. 67.
100 Art. 8º São atribuições do Procurador da Fazenda Nacional: (...) III - opinar por escrito sobre qualquer re-
curso ou pedido de revisão por solicitação formal e motivada do Relator, do Presidente, ou de qualquer Conselheiro, na
forma definida neste Regimento Interno, ressalvado o disposto no §2º.
101 Art. 8º. (...) §1º É facultado ao Procurador da Fazenda Nacional opinar oralmente sobre qualquer recurso ou
pedido de revisão durante a sessão de julgamento, podendo reduzir a termo a sua manifestação no prazo de dez dias.
102 Art. 16. Serão observados os seguintes prazos: I - de cento e oitenta dias para que o Conselheiro elabore a
minuta do acórdão, composta do relatório e das minutas de voto e ementa, contados: a) do recebimento dos autos após o
sorteio; ou b) do recebimento do parecer escrito do Procurador da Fazenda Nacional, na hipótese de que trata o inciso I
do art. 15 ou do decurso do prazo para seu fornecimento. II - de vinte dias, contados da data do julgamento, para que o
Conselheiro formalize o acórdão, composto da ementa, do relatório, do voto e do resultado do julgamento; III - de trinta
dias, contados do recebimento dos autos, para que o redator designado pelo Presidente elabore o acórdão; e IV - de cento e
oitenta dias para elaboração de parecer escrito do Procurador da Fazenda Nacional, contados da data do recebimento dos
autos, após a solicitação de que trata o art. 15.
§1º Decorrido o prazo de que trata o inciso IV do caput deste artigo sem entrega do parecer escrito: I - incumbe ao Relator
levar o processo a julgamento assim que tiver condições de fazê-lo; II - incumbe ao Conselheiro requisitante restituir o
processo para julgamento em até trinta dias; e III - o Procurador da Fazenda Nacional deverá apresentar manifestação oral
na sessão de julgamento.
§2º Nos recursos com tramitação prioritária os prazos a que se referem os incisos I e IV do caput deste artigo e o inciso I
do art. 15 ficarão reduzidos à metade.
103 Art. 11. Sujeitar-se-á à perda de mandato o Conselheiro que: I - descumprir reiteradamente os deveres
previstos neste Regimento Interno; II - retiver processos ou procrastinar injustificadamente a prática de atos proces- suais,
além dos prazos regimentais; (...) IV - reiteradamente, deixar de formalizar, no prazo regimental, o acórdão de sua relatoria
ou para o qual foi designado redator;
104 Artigo 37 da Constituição Federal.
105 CORDONIZ, Gabriela; PATELLA, Laura (coord.). Comentários à Lei do Mercado de Capitais – Lei nº 6.385/76.
São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 266.
106 Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou
parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.
Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser
cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.
Tendo em vista a generalidade da disposição contida na Lei n.º 9.784/99, foi editada
a Portaria CRSFN nº 10, de 01.11.2006, que, em seu art. 1º, § 1º, especificou quais
situações dão ensejo à interposição de pedido de revisão contra decisão do Conselho110:
Art. 1º. As decisões proferidas pelo Conselho de Recursos do Sistema
Financeiro Nacional – CRSFN estão sujeitas a revisão, nos termos,
limites e condições do art. 65 da Lei nº 9.784, de 1999.
111 MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentários ao Código de Processo Civil, lei nº 5.866, de 11 de janeiro de
1973, Vol II: arts. 154-269. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 551-552.
112 Pontes de Miranda asseverou que “os prazos prescricionais servem à paz e à segurança jurídica. Não destroem o
direito, que é; não cancelam, não apagam as pretensões; apenas, encobrindo a eficácia da pretensão, atendem à conveniência
de que não se perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou a acionabilidade”. Defendia, inclusive, que a prescrição era
uma exceção a ser suscitada pela parte, ou seja, tinha uma aplicação muito mais res- trita do que é atualmente admitido
Se a inércia é a causa eficiente da prescrição, esta não pode ter por objeto
imediato o direito, porque o direito, em si, não sofre extinção pela inércia
de seu titular. O direito, uma vez adquirido, entra, como faculdade de
agir (facultas agendi), para o domínio da vontade de seu titular, de modo
que o seu não-uso, ou não-exercício, é apenas uma modalidade externa
dessa vontade, perfeitamente compatível com sua conservação. E essa
poten- cialidade, em que se mantém pela falta de exercício, só poderá
sofrer algum risco e vir a atrofiar-se, se, contra a possibilidade de seu
exercício a todo momento, se opuser alguém, procuran- do embaraçá-lo
ou impedi-lo, por meio de ameaça ou violação. É, então, que surge uma
situação antijurídica, perturbadora da estabilidade do direito, para cuja
remoção foi instituída a ação, como custódia tutelar. É contra essa inércia
do titular, diante da perturbação sofrida pelo seu direito, deixando de
protegê-lo, ante a ameaça ou violação, por meio da ação, que a prescrição
se dirige, porque há um interêsse social de ordem pública em que essa
situação de incerteza e instabilidade não se prolongue indefinidamente.
Apesar de guardar algumas similaridades com a ideia acima descrita, por se tratar,
igualmente, da geração de efeitos em decorrência do decurso do prazo, observa-se
que o enfoque dado ao instituto da prescrição, no direi- to sancionador (penal ou
administrativo) apresenta particularidades, no- tadamente quanto à possibilidade de
doutrinária e jurisprudencialmente, ao afirmar que “Prescrição é a exceção que alguém tem, contra o que não exerceu,
durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação” (PONTES DE MIRANDA, Francisco C.
Tratado de Direito Privado, Tomo VI. Rio de Janeiro: Borsoi, p. 100-101.).
113 CÂMARA LEAL, Antônio Luis. Da prescrição e da decadência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 23- 25.
A prescrição quinquenal está prevista no art. 1º, caput, da Lei nº 9.873/99117, devendo
esta ser contada da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou
continuada, da data de sua cessação.
Contudo, se, no transcurso desse prazo de cinco anos, após a instauração do processo
administrativo sancionador118, ocorrer paralisação do feito pelo período de três anos,
estar-se-á diante de hipótese de prescrição intercorrente, prevista no § 1º do art. 1º
da supra mencionada Lei119. Esse prazo é interrompido, contudo, por cada ato que
impulsionar o processo no sentido de seu encerramento120; não se enquadram neste
conceito, portanto, os atos de mero expediente que não contribuam para o regular
impulso do processo, como já decidido pelo CRSFN, por exemplo, nos Re- cursos nº
11.408 e 11.411121, julgados no ano de 2014.
114 No mesmo sentido, vide Guilherme de Souza Nucci, que define prescrição como “a perda do direito de punir
do Estado pelo não exercício em determinado lapso de tempo. Não há mais interesse estatal na repressão do crime, tendo
em vista o decurso do prazo e porque o infrator não reincide, readaptando-se à vida social” (NUCCI, Guilherme de Souza.
Manual de Direito Penal - parte geral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 550.).
115 PEDROSO, Fernando de Almeida. Direito Penal – parte geral. 4. ed. São Paulo: Método, 2008, p. 830.
116 A Lei n.º 9.873/99 decorre da conversão em lei da Medida Provisória n.º 1.708/1998.
117 Art.1o Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no
exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no
caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
118 O entendimento de que a prescrição intercorrente se inicia após a instauração do processo administrati-
vo sancionador não está pacificado. Enquanto autores de escol, como Julya Sotto Mayor Wellisch, Alexandre Pinheiro
dos Santos e Fábio Medina Osório, e o colegiado da CVM se posicionam neste sentido (PAS CVM 22/94, julgado em
15.04.2004; PAS CVM 29/2000, julgado em 17.12.2013), parcela significativa da nova composição do CRSFN se posiciona
no sentido de que a prescrição intercorrente também incidiria durante a fase investigativa, como se pode verificar, por
exemplo, no voto proferido no Recurso n.º 13.432, julgado em 26.04.2016 (390ª Sessão).
119 Art. 1º, § 1o Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pen- dente
de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem
prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.
120 Há de se mencionar a existência da posição, da qual se discorda veementemente, de que somente os atos
previstos no art. 2º dariam ensejo à interrupção do prazo da prescrição intercorrente. Ora, o art. 1º, § 1º, menciona
“julgamentos” e “despachos”, demonstrando que a prescrição intercorrente é uma garantia do administrado contra a
paralisia da Administração Pública no processamento do processo administrativo, que é atingida se praticados atos que
deem andamento ao processo; não é feita, ademais, qualquer referência ao art. 2º da Lei n.º 9.873/99 no artigo em questão, o
que corrobora o entendimento aqui adotado. O entendimento constante deste artigo, de outra feita, não encontra qualquer
resistência entre os Conselheiros que atuam no CRSFN, o que se constata mediante a análise de qualquer processo que, ao
analisar a ocorrência da prescrição intercorrente, acosta extensa lista de atos praticados pela administração pública que,
apesar de não estarem incluídos no rol do art. 2º, são considerados aptos a interromperem a prescrição intercorrente.
121 Esse posicionamento, contudo, não é pacificado entre os Conselheiros do CRSFN; parte significativa da atual
composição entende que atos de mero expediente, ainda que deem impulso ao processo, não podem ser considerados aptos
a interromperem a prescrição intercorrente.
3. Essa parece ser a melhor posição. Isso porque existem diversos outros
fatores que podem inviabilizar a instauração do processo penal na esfera
criminal e que não deveriam ser consideradas na esfera administrativa.
Somente para exemplificar, nada impede que, após comunicado o
Ministério Público acerca da ocorrência do fato criminoso, deixe este de
oferecer denúncia em razão do excesso de trabalho e, posteriormente,
verifique-se que teria ocorrido a prescrição em abstrato pelo decurso do
prazo sem a ocorrência de qualquer causa interruptiva naquela seara.
Seria razoável que a instância administrativa – em regra independente
da criminal – seja prejudicada em razão de situações similares? Parece-
me que não.
Não é demais mencionar, outrossim, precedente do STJ que se coaduna com a posição
aqui defendida:
127 Sobre o tema, menciona-se, a título de ilustração, o posicionamento adotado pelo Conselheiro Arnaldo
Laudisio, com a qual se concorda integralmente, no Recurso nº 13.330, no ponto “Adoção integral da sistemática de
prescrição do Código Penal”.
128 Art. 2o Interrompe-se a prescrição da ação punitiva: (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; (Redação dada pela Lei nº
11.941, de 2009);
II - por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato; III - pela decisão condenatória recorrível.
IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito
interno da administração pública federal. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
130 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: Bookseller, 1998, p. 208. v. 2.
Por outro lado, não se vislumbra a necessidade de ciência do acusado para que o ato
administrativo seja considerado um ato inequívoco de apuração, como já decidido
pela CVM133 e pelo CRSFN134.
Com efeito, a Lei nº 9.873/99 que dispõe sobre o prazo de prescrição para o exercício
da ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, ao tratar da
suspensão deste prazo, somente fez referência expressa à vigência dos termos de
compromissos celebrados com fulcro nos arts. 53 e 58 da Lei nº 8.884/94 e no § 5º do
art. 11 da Lei nº 6.385/76.
Nessa linha, o art. 200 do Código Civil dispõe que quando “a ação se originar de fato
que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva
sentença definitiva”.
O Código Penal, por sua vez, preconiza que a prescrição não corre “enquanto não
resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência
do crime” (art. 116, I).
Assim, com base no princípio da igualdade jurídica, o qual exige que as es- pécies
semelhantes sejam reguladas por normas também semelhantes139, o uso da analogia
no presente caso justifica-se porque atribui à hipótese não prevista em lei os mesmos
motivos e o mesmo fim contemplado pela norma existente. Essa conclusão vai ao
encontro do entendimento defendido por Santos, Osório e Wellisch ao abordarem a
questão sob o prisma do processo administrativo sancionador:
138 Apud CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 342.
139 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 170-
171.
140 SANTOS, Alexandre Pinheiro dos; OSÓRIO, Fábio Medina; WELLISCH, Julya Sotto Mayor. Mercado de
Capitais: Regime sancionador. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 237.
143 A Medida Provisória nº 2.048-26, de 29 de junho de 2000, criou a Carreira de Procurador Federal, trans-
formando os cargos de Procurador Autárquico, Procurador, Advogado e Assistente Jurídico de autarquias e fundações
públicas federais em cargos de Procurador Federal, à exceção dos Procuradores do Banco Central do Brasil.
144 CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º,
DA CONSTI- TUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS
AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLU- SIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE.
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da
Cons- tituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário
àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias.
II - Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território
nacional.
III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos
ao ente político a que pertencem.
IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as
autar- quias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui
foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional.
V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da
Cons- tituição Federal às autarquias federais. Precedentes.
VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido.
Percebe-se pelos debates havidos em plenário que o STF buscou atualizar o significado
do disposto no § 2º do art. 109, dando-lhe um sentido mais amplo que o de sua redação
literal, para possibilitar que ações contra autarquias federais possam ser ajuizadas,
conforme reza o aludido dispositivo, “na seção judiciária em que for domiciliado o
autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde
esteja situada a coisa, ou ainda, no Distrito Federal”.
Como se percebe, o § 2º do art. 109, por se referir em sua literalidade apenas à União,
prevê a possibilidade de ajuizamento de ações no Distrito Federal, como consequência
lógica do fato de ser este o local da sede do governo federal.
Entretanto, essa lógica não pode ser aplicada nos casos em que nem o autor e nem a
autarquia ré sejam respectivamente domiciliados e sediados no Distrito Federal, ou,
ainda, não seja a capital federal o local do ato ou fato que deu origem à demanda, ou
tampouco seja o local onde esteja situada a coisa objeto do litígio.
Pelo contrário, percebe-se que a indevida opção processual realizada no caso visa
apenas a evitar que o litígio seja analisado por juízes historicamente habituados aos
processos que têm por objeto temas relacionados ao mercado de valores mobiliários145.
Sendo a CVM sediada no Rio de Janeiro e a BM&FBOVESPA (atual B3) – bem como
grande parte das entidades privadas do mercado de valores mobiliários – sediada em
São Paulo, é natural que as varas federais dessas duas capitais e os Tribunais Regionais
145 Conforme reconhecido pelo Ministro Luis Roberto Barroso no julgamento do RE 627709/DF:
“Há uma outra questão que me impressionou mais, talvez quase tenha me levado a uma posição diversa, é a especialização
da jurisdição. A vantagem de as demandas contra o CADE serem no Distrito Federal, as demandas contra o INPI serem no
Rio de Janeiro, por exemplo, é que se cria um corpo de juízes que têm uma expertise que não é ordinária. Tanto as questões
do CADE como as questões de propriedade industrial fazem a diferença. Nos Estados Unidos, como Vossa Excelência bem
saberá, é muito comum que as empresas, não importa onde seja a sua sede de negócios, se constituem em Delaware, porque,
em Delaware, existe uma jurisdição, um Poder Judiciário especializado em decidir questões empresariais. E isso também
confere estabilidade à jurisprudência e segurança jurídica.” (sem grifos no original).
[...]
IV – do lugar:
b) onde se acha a agência ou sucursal, quanto às obrigações que ela contraiu.” Vale destacar que o Novo Código de Processo
Civil não inovou nesse ponto: “Art. 53. É competente o foro:
...
III - do lugar:
...
b) onde se acha agência ou sucursal, quanto às obrigações que a pessoa jurídica contraiu;”
147 Conforme preocupação externada pelo Ministro Luiz Fux no julgamento do RE 627709/DF:
“Por outro lado, Senhor Presidente, talvez aqui adotando uma linha teórica um pouco diversa, o processo civil é um
processo do Estado juiz. É um substitutivo civilizado da vingança privada. Não é nem o processo do autor, nem o processo
do réu, mas, se alguém tem que ser dono do processo, em termos de regras para ser acionado, tem que ser o réu. Por quê?
Porque o réu é sujeito do processo e é sujeito ao processo, ainda que ele não queira, pelo exercício do direito potestativo
de agir do autor. Então ele é sujeito da lide e sujeito à lide. Ele não tem saída, porque, se ele não se defender, ainda que não
tenha nada a ver com aquele litígio, ele sofre os efeitos gravíssimos da revelia. E aqui o Ministro Barroso destacou no seu
voto as dificuldades. E ninguém melhor do que Vossa Excelência para conhecer as dificuldades das causas complexas, já que
Vossa Excelência notoriamente foi um advogado brilhante das causas complexas. Então essa complexidade talvez esteja na
gênese desse dispositivo. Quer dizer, a União, como é muito grande, dificultaria o acesso à Justiça dos cidadãos. Não seria
justo isso. Mas, no caso das autarquias, qual é a regra geral da competência territorial? A incompetência de seção da Justiça
Federal é competência de território. É fórum onde se discute o litígio. Qual é a regra? O autor segue o foro do réu, actor
sequitur forum rei. Por quê? Porque o autor tem que promover a ação onde o réu se defende com menores incômodos. E por
quê? Porque o réu não tem saída diante do direito potestativo de agir do autor. Então, em razão dessas colocações rápidas,
eu queria pedir vênia a Vossa Excelência para me manter fiel à jurisprudência que nós adotamos no Superior Tribunal de
Justiça.” (sem grifos no original)
Sobre o tema, vale ressaltar que, embora compita à CVM fiscalizar, inspecionar e
regulamentar as companhias abertas, sociedades beneficiárias de incentivos fiscais, as
instituições prestadoras do serviço de custódia fungível e ações escriturais e demais
integrantes do mercado de capitais, inclusive fundos de investimento, não possui a
Autarquia, dentre as suas atribuições, a manutenção de sistema próprio para o registro
de transferência/propriedade de valores mobiliários.
Não obstante, a CVM sempre foi destinatária de requisições judiciais dessa natureza,
situação que tomou proporções consideráveis após a edição da Lei Complementar nº
118/05, que acrescentou o art. 185-A ao Código Tributário Nacional:
Como se observa, a lei faz menção ao Banco Central do Brasil (autoridade supervisora
do mercado bancário) e à CVM (autoridade supervisora do mercado de capitais),
para que essas autarquias façam cumprir as ordens judiciais na hipótese prevista no
dispositivo acima transcrito, muito em- bora a CVM não possua, como visto, sistema
próprio de registro de titularidade e/ou transferência de valores mobiliários.
expedidor
viii.
Envio de mensagem eletrônica ao endereço gme@cvm. gov.br
(assunto “Cadastramento de novo usuário para acesso ao Sistema de
Ofícios Judiciais”), a ser remetido de qualquer dos e-mails cadastrados
em nome da instituição na CVM, com o objetivo de confirmar o
responsável em cadastramento como pessoa habilitada a representá-la
para fins de acesso ao sistema.
O art. 63-A da Lei nº 10.931/2004, com redação que lhe foi dada pela Lei nº 12.542/2011,
estabelece que a:
“constituição de gravames e ônus sobre ativos financeiros e valores
mobiliários em operações realizadas no âmbito do mercado de
valores mobiliários ou do sistema de pagamentos brasileiro, de forma
individualizada ou em caráter de universalidade, será realizada,
inclusive para fins de publicidade e eficácia perante terceiros,
exclusivamente mediante o registro do respectivo instrumento nas
entidades expressamente autorizadas para esse fim pelo Banco Central
do Brasil e pela Comissão de Valores Mobiliários, nos seus respectivos
campos de competência”.
A Lei nº 12.810/2013, contudo, parece ter resolvido o problema, ao menos para os ativos
objeto de depósito centralizado, cujas garantias, independentemente da natureza do
negócio subjacente, deverão ser constituídas mediante registro nas correspondentes
contas de depósito mantidas pela própria entidade depositária central.
Desse modo, é possível afirmar que, a partir da Lei nº 12.810/2013, não mais se
aplicam às ações de emissão de companhias abertas, objeto de depósito centralizado, o
disposto nos arts. 39 e 40 da Lei nº 6.404/1976149.
Permanece aplicável, contudo, “às ações e aos valores mobiliários emitidos com
amparo no regime da Lei 6.404, de 15.12.1976, o disposto no seu art. 41”, conforme
expressamente prevê o art. 27 da Lei nº 12.810/2013, o que, nada obstante, não parece
ter grande relevância prática, na medida em que, como visto, a nova lei foi editada
justamente com o objetivo de estender o regime do depósito centralizado, até então
vigente apenas para as ações, para os demais ativos financeiros e valores mobiliários.150
Para finalizar a análise deste item que trata do relacionamento da CVM com o Poder
Judiciário, vale tecer algumas considerações sobre a atuação da CVM como amicus
curiae.
149 Art. 39. O penhor ou caução de ações se constitui pela averbação do respectivo instrumento no livro de
Registro de Ações Nominativas. (Redação dada pela Lei nº 9.457, de 1997)
§ 1º O penhor da ação escritural se constitui pela averbação do respectivo instrumento nos livros da instituição finan- ceira,
a qual será anotada no extrato da conta de depósito fornecido ao acionista.
§ 2º Em qualquer caso, a companhia, ou a instituição financeira, tem o direito de exigir, para seu arquivo, um exemplar do
instrumento de penhor.
...
Art. 40. O usufruto, o fideicomisso, a alienação fiduciária em garantia e quaisquer cláusulas ou ônus que gravarem a ação
deverão ser averbados:
III - se escritural, nos livros da instituição financeira, que os anotará no extrato da conta de depósito fornecido ao acionista.
II - se escritural, nos livros da instituição financeira, que os anotará no extrato da conta de depósito fornecida ao acionista.
(Redação dada pela Lei nº 9.457, de 1997)
Parágrafo único. Mediante averbação nos termos deste artigo, a promessa de venda da ação e o direito de preferência à sua
aquisição são oponíveis a terceiros.
150 Sobre o instituto do depósito centralizado, vale consultar WELLISCH, Julya Sotto Mayor. Títulos nomina-
tivos: da cártula ao depósito centralizado. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, v. 66, p. 35 – 62, out - dez.
2014.
Como terceiros que não integram diretamente a relação jurídica processual podem ter
seus interesses afetados pelo precedente judicial, buscou-se viabilizar a participação de
setores representativos da sociedade no processo judicial por meio do amicus curiae,
com a possibilidade de, assim, ser influenciada a formação da convicção do julgador152.
Posteriormente, o amicus curiae passou a ser previsto nos casos em que os precedentes
judiciais têm o potencial de interferir nos interesses de terceiros não relacionados
151 NETO, Ademar Vidal. Comentários ao Artigo 31. In: CODORNIZ, Gabriela; PATELLA, Laura (coord.).
Comentários à Lei do Mercado de Capitais - Lei nº 6.385/76. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 653.
152 Idem.
153 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 412. v. 1.
154 Idem.
155 Idem.
156 Com a redação dada pela Lei nº 6.616/78.
157 Art. 7º Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade.
...
§ 2º O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho
irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.
Atualmente, o amicus curiae conta com previsão expressa no art. 138 do Novo Código
de Processo Civil, o que representa grande inovação em relação ao diploma processual
antecedente, conforme se observa:
158 ADIn nº 748 AgR/RS, Ministro Relator Celso de Mello, julgada em 01/08/1994. Vale anotar que há diver-
gência doutrinária acerca da natureza jurídica do amicus curiae, mas a opção topográfica no Novo Código de Processo Civil
parece não ter deixado dúvidas sobre caracterização do instituto como modalidade de intervenção de terceiros.
159 Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
...
Embora a lei mencione que a CVM será “sempre intimada” nos processos que tenham
por objeto matéria submetida à sua esfera de competência, a ausência de intimação não
acarreta, necessariamente, qualquer nulidade processual160. Isso porque a decretação
de nulidade deve ser considerada medida extrema e excepcional, de acordo com a
conjugação do princípio da instrumentalidade das formas com o princípio pás de
nullité sans grief e o princípio da conservação, previstos respectivamente nos arts.
277, 282, caput e §§ 1º e 2º, e 283, caput e § único, do Novo CPC. Assim, a nulidade
processual só deverá ser decretada caso seja constatada grave deficiência na instrução
processual, decorrente da ausência de intimação da CVM, com efetivo prejuízo para a
própria prestação jurisdicional161.
§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
160 Nesse sentido: STF - ARE: 795538 PE, Relator: Min. GILMAR MENDES, Julgamento em 28/02/2014; STF -
ARE: 720352 PE, Relator: Min. LUIZ FUX, Julgamento em 18/12/2014; STJ - Ag: 1346320, Relator: Ministro BENEDITO
GONÇALVES, Data de Publicação: DJ 28/10/2010.
161 NETO, Ademar Vidal. Op. Cit. p. 671.
162 Nesse sentido:
Agravo de instrumento. Sociedade anônima. Demanda voltada a obrigar sociedade de capital aberto a emitir bônus de
subscrição ou ações ou a indenizar o investidor autor. Intervenção da CVM na forma do art. 31 da Lei 6.385/76. Decisão
A PFE-CVM entende ser relevante a sua manifestação como amicus curiae nas
situações que, além de se inserirem no âmbito de competência da Autarquia, também
que declinou da competência e determinou a remessa dos autos à Justiça Federal. Competência, porém, que é da Justiça
Estadual. Não incidência do art. 109 da CF. Decisão reformada. Recurso provido.
163 EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de
Capitais - Regime Jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 264.
164 DUBEUX, Julio Ramalho. A Comissão de Valores Mobiliários e os principais instrumentos regulatórios do
mercado de capitais brasileiro. Porto Alegre: Sergio Porto Fabris Ed., 2006, p. 37.
165 Art. 10. À Procuradoria-Geral Federal compete a representação judicial e extrajudicial das autarquias e
fundações públicas federais, as respectivas atividades de consultoria e assessoramento jurídicos, a apuração da liquidez
e certeza dos créditos, de qualquer natureza, inerentes às suas atividades, inscrevendo-os em dívida ativa, para fins de
cobrança amigável ou judicial.
...
Nada obstante, e ainda que se entenda pela ausência de interesse em oferecer parecer
de amicus curiae, poderá a PFE-CVM prestar esclarecimentos sobre o papel dos
participantes do mercado envolvidos na lide, bem como sobre o próprio funcionamento
do mercado de valores mobiliários, com indicação das normas especiais aplicáveis.
No exercício do papel de amicus curiae, poderá a PFE-CVM solicitar subsídios às áreas
técnicas da Autarquia para melhor fundamentar seu posicionamento, apresentando
manifestação mais abrangente e multidisciplinar sobre o caso. Em todo caso, a
manifestação jurídica apresentada em juízo não vincula o Colegiado nem os órgãos
técnicos da Autarquia por constituir opinião expedida pela Procuradoria Federal
Especializada junto à CVM.
Não obstante a não vinculação do Colegiado da CVM e das áreas técnicas aos termos
do parecer apresentado pela PFE-CVM, nos casos que envolvam controvérsia que já
tenha sido objeto de decisão final administrativa no âmbito da CVM, a Procuradoria
informa tal fato ao juízo competente, bem como fornece, na oportunidade, a
documentação pertinente.
Além disso, vale ressaltar que CVM não se alinha com qualquer parte do processo no
exercício da função de amicus curiae. O ingresso da Autarquia no processo judicial
visa apenas a apresentar o seu posicionamento qualificado e técnico acerca da tese e da
aplicação da legislação específica que lhe pareçam mais adequadas ao caso.
166 Em sentido contrário, cabe registrar entendimento de Ademar Vital Neto, segundo o qual seria possível a
intimação da CVM para se manifestar como amicus curiae nos procedimentos arbitrais da Lei nº 9.307/96 (NETO, Ademar
Vidal. Op. Cit. p. 675/678).
167 Nesse sentido, a decisão do Colegiado referente ao Processo CVM nº 2003/7947: “(...) a determinação passada
à Procuradoria tem por finalidade otimizar a atuação da CVM na condição de amicus curiae, tendo em vista que, através da
orientação passada aos magistrados, espera-se obter maior rapidez e qualidade na solução dos litígios entre os participantes
do mercado de valores mobiliários, o que vem ao encontro dos objetivos institucionais desta autarquia. Em sua atuação,
a Procuradoria, deve, conforme orientação também passada pelo Colegiado, apresentar a ressalva no sentido de que seu
opinamento não possui efeitos vinculantes, quer para as demais áreas técnicas da CVM, quer para o próprio Colegiado. (...)
De fato, havendo o Colegiado determinado à Procuradoria que exercesse, autonomamente, a competência prevista no art.
31 da Lei nº 6.385/76, e uma vez que tal dispositivo reserva à CVM a prerrogativa de praticar um ato processual nos autos
da ação judicial, a ser realizado em um único ensejo, e mais, não prevendo a lei processual a possibilidade de recurso contra
esse ato, há que se reconhecer que a CVM exauriu sua competência, quando da apresentação do parecer ora recorrido, não
sendo permitido à Autarquia promover qualquer inovação nos autos da ação judicial, como pretende a Recorrente”.
Essas iniciativas, aliadas ao bom momento que a economia vivia, levaram a uma
relevante canalização de recursos da poupança para o mercado de capitais, resultando
em um primeiro período de expressivo – mas curto – crescimento do mercado no
início da década de 19703. Tal crescimento, porém, foi interrompido logo em seguida,
com a crise da bolsa em 1971 e a subsequente desaceleração da economia brasileira no
período das sucessivas crises do petróleo, alta dos juros internacionais e disparada da
inflação doméstica.
1 Que, dentre muitas outras coisas, criou o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil.
2 Visando criar as regras gerais para a regulação do mercado de capitais e estabelecer medidas para seu
desenvolvimento.
3 A título de exemplo: Cr$10 milhões circulavam diariamente na Bovespa(atual B3) no ano de 1969, contra Cr$2
milhões nos seis meses anteriores; alguns papéis tiveram rentabilidade superior a 400% ao ano; 344 mil operações foram
registradas em 1970, quase o dobro do ano anterior; o crescimento médio do PIB entre os anos de 1968 e 1973 foi de 11,1%
contra 4,2% referente ao período de 1964 a 1967.
Na mesma época foi aprovada a nova lei de sociedades por ações, a Lei n° 6.404, de
15 de dezembro de 1976, visando a modernizar a regulação das companhias abertas
brasileiras.
Mas nem sempre a regulação estatal é suficiente para atender às demandas regulatórias4.
Normas mais detalhadas, mais próximas ao dia a dia dos agentes de mercado, podem
se fazer necessárias. É necessário também rapidez na elaboração das normas, que
devem acompanhar as contínuas mudanças do mercado, não podendo se tornar um
4 Já em 1890, Max Weber escreveu uma série de artigos sobre a regulação das bolsas de valores americana
e europeias concluindo que o sistema legal alemão não era eficiente em coibir apostas e especulações em larga escala,
especialmente quando comparado às bolsas americana e inglesa. A razão para isso era que, desde essa época, as bolsas
americana e inglesa eram reguladas autonomamente por seus próprios regulamentos internos (GUNNINGHAM, Neil;
REES, Joseph. Industry Self-Regulation: An Institutional Perspective. Law & Policy, v. 19, n. 4, p. 370, out. 1997.).
Mary L. Schapiro, então Chairwoman e CEO da NASD7, que, depois de ter sido CEO da
FINRA8 chegou a comandar a SEC9, resume os principais benefícios da autorregulação
em três pontos10:
5 “The regulatory framework must be continuously evaluated in light of the changes that are occurring and will
occur. The regulatory framework cannot lag behind or act as impediments to market innovations. […] Self-regulation has
prov- en to be efficient regulation. SROs by their very nature have greater flexibility to adapt regulatory requirements to a
rapidly changing business environment. One of the biggest challenges that government faces in devising and administer-
ing a statutory oversight framework is to provide an appropriate level of government oversight of SRO activities without
encumbering or usurping an SRO’s ability to respond quickly and flexibly to changing market conditions and business
needs. Self-regulation has also proven to be effective regulation”. “Model for Effective Regulation”, p. 2-3. Report of the SRO
Consultative Committee of the International Organization of Securities Commissions (IOSCO). Maio, 2000.
6 ”We propose that certain regulatory tasks might be delegated to private parties but that this delegation be
reinforced by traditional forms of regulatory fiat – if delegation fails. By delegating certain regulatory tasks to private
parties, govern- ment can more closely harmonize regulatory goals with laissez-faire notions of market efficiency. The
delegated aspects of responsive regulation hold out the prospect of a regulatory equilibrium that retains many of the
important benefits of competition while the potential for escalating intervention maintains the integrity and pursuit of
regulatory goals to cor- rect market failure”. (AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation - Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 158.). Observo que tenho sérias dúvidas quanto à
propriedade da terminologia “falhas de Mercado”, mas tal discussão não é relevante para fins do presente trabalho.
7 National Association Of Securities Dealers.
8 Financial Industry Regulatory Authority.
9 Securities and Exchange Comission.
10 “First, private-sector regulators are able to tap industry expertise to make certain that rules are practical,
workable and effective. Also, industry participants often are in the best position to identify potential problems, thus
enabling regulators to stay ahead of the curve. Second, private funding is a critical advantage to the self-regulatory model.
Hundreds of millions of dollars can be and are spent by SROs on examination, enforcement, surveillance and technology
at no cost to the U.S. Treasury. In a self-regulatory system, the industry—not the taxpayers—pays for regulation. Third,
unlike governmental laws and rules, self-regulatory standards can extend beyond the legal to the ethical. Perhaps the best
example is our rule requiring industry participants to act ‘in accord with high standards of commercial honor and just and
equitable principles of trade”. (Testemunho de Mary L. Schapiro perante o “Committee on Banking, Housing and Urban
Affairs Securities, Insurance and Investment Subcommittee”, do Senado dos EUA, na “Hearing on Consolidation of NASD
and the Regulatory Functions of the NYSE: Working Towards Improved Regulation”. Maio, 2007.)
Uma forma – em que pese não ser possível garantir sua eliminação por completo –
de minimizar tal possibilidade de conflito é a manutenção da independência entre a
área de supervisão e a área responsável pela elaboração das normas de autorregulação.
Adicionalmente, a participação de membros independentes (não ligados diretamente
à indústria) na autorregulação é também eficaz na redução das situações de conflito
de interesses.
government, so it can do a better job in applying targeted sanctions to ensure good behavior”. (DE NEVERS, Renée. Trust
but verify? The effectiveness of self-regulation for the private security industry, p. 22. Agosto, 2008.
“Industry practitioners, it is argued, have more expertise and technical knowledge than public officials and are more able
to foster contacts within the industry and keep knowledge up-to-date. Practical rules are more easily developed which
can lead to greater effectiveness and compliance. Closely related is efficiency, it is argued that there will be lower costs in
obtaining information. Disputes are also more likely to be settled informally without recourse to the law or to the quasi
legal processes of a governmental regulatory agency. From the state’s perspective regulation is also more efficient as the
regula- tory costs are borne by the industry rather than by the state. Self-regulation nevertheless is generally preferred by
industry as they have more autonomy and freedom from state intervention”. (BARTLE, Ian; VASS, Peter. Self-regulation and
the regulatory state - A survey of policy and practice, p. 7. Centre for the Study of Regulated Industries, University of Bath
School of Management. Outubro, 2005.)
Existe também o caso da ANBIMA, que possui uma área de autorregulação que
conjuga a elaboração de regras de conduta com a fiscalização de seu cumprimento
pela própria entidade, aplicando-se penalidades após processo em que se verifique o
descumprimento de tais regras.
12 “A second, off-cited virtue of self-regulation is that the professional body will have a special knowledge of what
regulated parties will see as reasonable in terms of obligations. This allows standards to be set in a realistic manner – one
that produces ‘identification’ with the rules and higher levels of voluntary compliance than is possible with outside-driven
rules. Misjudging levels of rule accountability leads, say proponents of self-regulation, to low levels of voluntary compli- ance,
high state enforcement costs and inefficient controls”. (BALDWIN, Robert; HUTTER, Bridget; ROTHSTEIN, Henry. Risk
Regulation, Management and Compliance - A report to the BRI Inquiry, p. 39. The London School of Economics and
Political Science.)
Além de transferir parte relevante dos custos incorridos pelo regulador estatal, quando
realizada de forma adequada, a autorregulação leva a regras eficientes com alto nível
de aceitação e obediência, implementadas no momento adequado, acompanhando as
mudanças do mercado. A autorregulação, portanto, não deve ser vista como uma forma
de ausência de regulação, mas sim como mais um elemento da própria regulação15.
Um ponto que não pode deixar de ser abordado quando se discute autorregulação é
a crítica usualmente feita quanto à potencial existência de conflito de interesses no
processo de autorregulação, especialmente quando ela é voluntária e, portanto, sem
estar submetida a uma supervisão estatal direta.
No modelo da ANBIMA, por exemplo, buscou-se dar tratamento a tais questões por
meio da independência – tanto quanto possível – entre (i) as áreas que elaboram as
normas, (ii) as áreas que supervisionam seu cumprimento e (iii) as áreas que aplicam
as penalidades, as quais também se beneficiam da inclusão de membros independentes
(na sua maioria) nos órgãos responsáveis pelo julgamento das infrações às normas de
autorregulação.
A existência dessa possibilidade – ocupação pelo regulador estatal da área até então
ocupada pelo autorregulador – constitui forte incentivo a que o autorregulador busque
dar tratamento a suas eventuais ineficiências, inclusive no que diz respeito a situações
onde ocorra conflito de interesses.
A ANBIMA pode aplicar penalidades a seus associados que chegam à proibição do uso
do selo, ou até mesmo à exclusão da associação. Esses elementos coercitivos são muito
fortes, já que, em termos práticos, têm como efeito tornar inviável a participação do
agente de mercado em qualquer operação.
Há que se dizer também que, em tais casos, normalmente mais graves, dificilmente
qualquer autorregulador, seja ele voluntário ou exercendo sua atividade em decorrência
de comando legal, conseguiria substituir a atuação do regulador estatal.
Essa é mais uma razão pela qual a autorregulação (voluntária ou não) deve atuar em
complemento à regulação estatal.
A maior dificuldade é tentar definir com base em modelos teóricos os papéis de cada
esfera da regulação: a estatal, a autorregulação decorrente de lei e a autorregulação
voluntária. O alcance de cada modalidade de regulação pode apenas ser verificado
com o exame, na prática, daqueles aspectos que podem ser melhor regulados pelos
diferentes reguladores ou autorreguladores.
Tais resultados podem ser vistos sob duas perspectivas: (i) se o mercado vem
respondendo melhor à estrutura regulatória existente, e (ii) se a estrutura é flexível o
suficiente para se adaptar às mudanças do mercado, mantendo-se eficiente.
Não cabe, no presente estudo, buscar esgotar essas perspectivas, mas parece haver
razoável consenso no Brasil de que a experiência é positiva, ao menos no que diz respeito
à estrutura regulatória nacional. Voltarei a esse tema ao tratar da autorregulação da
ANBIMA.
Enfim, ainda que sempre exista o que aprimorar, o acima exposto parece confirmar
o acerto do modelo brasileiro de regulação, em que convivem um regulador
estatal forte e autorreguladores decorrentes de lei e voluntários, atuando em
complementaridade, ainda que, por vezes, sem relação estrita de subordinação.
Foi nesse período que se iniciou o processo pelo qual a indústria de fundos de
investimento – como instrumento que permitia ao investidor proteger-se contra a
inflação – passou a estar cada vez mais presente no dia a dia do indivíduo comum.
Tal alteração na estrutura do Sistema Financeiro Nacional fez com que a ANBIMA
mudasse sua atuação. Não mais se justificava que ela atuasse como representante
dos bancos de investimento. Fazendo uso da credibilidade acumulada nas décadas
anteriores, ela começou o processo de se tornar uma entidade representativa das
instituições em geral que atuavam no mercado de capitais, independentemente da
forma jurídica adotada.
O convênio que prevê tal supervisão decorreu da Instrução CVM nº 471, de 8 de agosto
de 200818, e permitiu que as instituições participantes19 da ANBIMA realizassem
registro simplificado da oferta pública de determinados valores mobiliários, desde que
a própria ANBIMA realizasse análise prévia dos documentos. Em decorrência de tal
análise prévia, a Comissão de Valores Mobiliários admitiu submeter-se a prazos mais
reduzidos na análise da documentação de ofertas públicas.
Com a junção das antigas ANDIMA e ANBID em 2009, para formação da ANBIMA
com a atual configuração, consolidou-se o papel da entidade como autorreguladora
das instituições participantes do mercado de capitais nacional. A partir daí diversos
outros códigos foram editados, outros foram alterados e consolidados, tendo-se hoje
os seguintes códigos (chamados de códigos de regulação e melhores práticas, e não
mais códigos de autorregulação):
17 Hoje, todos os Códigos ANBIMA de Regulação e Melhores Práticas têm seus processos conduzidos por esse
Código de Processos da ANBIMA, à exceção apenas do Código de FIP e FIEE que, elaborado em conjunto com a ABVCAP,
possui determinações processuais próprias, ainda que construídas a partir do modelo do Código de Processos da ANBIMA.
18 De acordo com o art. 6º da referida Instrução: “a CVM poderá celebrar convênios para adoção do procedimento
de registro simplificado com entidades auto-reguladoras que, a juízo da Autarquia, comprovem ter estrutura adequada e
capacidade técnica para o cumprimento das obrigações previstas na presente Instrução”.
19 Instituições que sejam associadas à ANBIMA ou que tenham aderido a seus Códigos mediante o competente
termo de adesão.
9) Código de Certificação;
Não se irá repetir aqui o estudo em que apresentei as distinções entre as diferentes
formas de regulação.
Existem também casos como o da ANBIMA, que possui uma área de autorregulação
que conjuga a elaboração de regras de conduta com a fiscalização de seu cumprimento
pela própria entidade, aplicando-se penalidades após processo em que se verifique o
descumprimento de tais regras.
Conforme coloquei na parte geral deste capítulo, apesar do seu caráter voluntário e da
falta de ingerência estatal sobre as atividades desenvolvidas pelo autorregulador, não
há prejuízo à eficácia de suas normas. Por se tratarem de regras que os próprios agentes
de mercado elaboram e às quais voluntariamente aderem, as sanções aplicadas (ou
os termos de compromisso celebrados) têm altíssimos níveis de aceitação20. A título
20 “A second, off-cited virtue of self-regulation is that the professional body will have a special knowledge of what
regulated parties will see as reasonable in terms of obligations. This allows standards to be set in a realistic manner – one that
produces ‘identification’ with the rules and higher levels of voluntary compliance than is possible with outside-driven rules.
Misjudging levels of rule accountability leads, say proponents of self-regulation, to low levels of voluntary compliance, high state
enforcement costs and inefficient controls”. (BALDWIN, Robert; HUTTER, Bridget e ROTHSTEIN, Henry. Risk Regulation,
Management and Compliance - A report to the BRI Inquiry, p. 39. The London School of Economics and Political Science.)
21 “Atualmente a ANBIMA possui Comissões de Representação referentes a Assuntos de Tesouraria, Finanças
Corporativas, Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, Fundos de Renda Fixa e Multimercados, Mercado, Produtos
de Tesouraria, Representação do SELIC, Distribuição de Produtos de Varejo, Fundos de Ações, Fundos de Investimento
em Participações, Gestão de Patrimônio, Private Banking, Produtos Imobiliários e a Serviços Qualificados ao Mercado de
Capitais.
22 Com exceção da área de Certificação Continuada, que é composta somente por um conselho de autorregulação
e uma área técnica.
Supervisão do mercado
23 Apenas na implementação do convênio de que cuida a Instrução CVM nº 471, de 8 de agosto de 2008, está
a ANBIMA obrigada a submeter algumas regras à aprovação da Comissão de Valores Mobiliários, mas tal obrigação não
decorre de lei, mas sim do contrato - o convênio - celebrado pela ANBIMA com o regulador.
24 Em razão do mesmo convênio de que cuida a Instrução CVM nº 471, de 8 de agosto de 2008, no caso dos
registros que venham a ser solicitados pelas instituições participantes fazendo uso do procedimento simplificado, a análise
do atendimento às regras de autorregulação ocorre antes, e não depois da concessão do registro pela Comissão de Valores
Mobiliários.
• multa no valor de até 100 vezes o valor da maior mensalidade recebida pela ANBIMA;
• advertência pública, divulgada nos meios de comunicação da ANBIMA;
• proibição temporária de utilização da marca ANBIMA, quando for aplicável; e
• desligamento da ANBIMA divulgado nos meios de comunicação da ANBIMA (a
aplicação desta penalidade deve ser referendada pela Assembleia Geral).
Sempre que se discute, sob o ponto de vista teórico, de onde vem e como se desenvolve
qualquer caso de autorregulação voluntária, escuta-se a mesma análise. Determinado
setor da atividade econômica se organiza, corporativamente, em geral para evitar
práticas predatórias e para ter representação diante do poder político. Não tarda muito
para que os agentes resolvam criar suas próprias regras, a fim de tornar a intervenção
estatal desnecessária.
O mercado de capitais brasileiro, como visto acima, apesar de não ter iniciado sua
regulação na década de 1930 do século passado, como ocorreu em outras economias
mais desenvolvidas, vem aprimorando, de forma consistente, uma estrutura regulatória
que nasceu em meados da década de 1960. Com a criação do Conselho Monetário
Nacional e do Banco Central do Brasil e, pouco mais de 10 anos depois, da Comissão
de Valores Mobiliários, estabeleceu-se, guardadas as devidas proporções, uma sólida
base institucional.
Foi possivelmente a relativa estabilidade das regras que regulam o mercado de capitais
(ou ao menos dos conceitos que norteiam tais regras) que permitiu que se verificasse
no Brasil o desenvolvimento de uma organização corporativa que evoluiu da forma
que normalmente se esperaria que ocorresse.
Desde que a ANBIMA transferiu o foco de sua atuação do sujeito para o objeto, ou
seja, passou a se preocupar com o produto ou serviço que estava sendo oferecido ao
investidor, independentemente de quem o estivesse oferecendo, poucas entidades
atuantes no âmbito do mercado de capitais deixaram de se tornar associadas ou
aderentes aos seus códigos.
O regulador estatal, por sua vez, diante do fato de que existe um sistema eficiente
de autorregulação, com normas atualizadas de conduta, acaba por fazer uso
da complementaridade conferida por tal sistema, conferindo ainda maior
representatividade e credibilidade à associação de classe.
Em resumo, além de transferir parte relevante dos custos incorridos pelo regulador
estatal, quando realizada de forma adequada, a autorregulação leva a regras eficientes
com alto nível de aceitação e obediência, implementadas no momento adequado,
acompanhando as mudanças do mercado. A autorregulação, portanto, não deve ser
vista como uma forma de ausência de regulação, mas sim como mais um elemento da
própria regulação27.
Tais resultados podem ser vistos sob duas perspectivas: (i) se o mercado vem
respondendo melhor à estrutura regulatória existente, e (ii) se a estrutura é flexível o
suficiente para se adaptar às mudanças do mercado, mantendo-se eficiente.
Não cabe no presente estudo buscar esgotar essas perspectivas, mas parece haver
razoável consenso no Brasil sobre tais questões, ao menos no que diz respeito à
estrutura regulatória nacional.
No que diz respeito à primeira perspectiva, não parece haver questionamentos de que,
hoje, a regulação de mercado funciona melhor do que antes. A Comissão de Valores
Mobiliários vem conseguindo atualizar suas normas, aplicá-las de forma mais rápida
e, quando foi demandada no passado, enfrentou adequadamente um substancial
aumento em suas funções de registro (a prova de tais fatos pode ser obtida pelo mero
exame das estatísticas divulgadas pela própria Comissão). No que diz respeito à
process, it should be ready to put money in training people and in what would make such training possible. The State easily
avoids such costs by entrusting the participants themselves with the rule making process”. (DE MINICO, Giovanna. A Hard
Look At Self Regulation in U.K. European Business Law Review, n. 1, p. 3, 2006.)
26 “The statutory regulator should step in only if a self-regulatory organization shirks its responsibilities and
allows its members to endanger customer funds or engage in fraud, manipulation and other illegal conduct. This would
allow the statutory regulator to focus its limited resources where there is the most risk, rather than creating an unnecessary
layer of review and regulation”. Model for Effective Regulation - Report of the SRO Consultative Committee of the
International Organization of Securities Commissions (IOSCO), p. 9. Maio, 2000.
27 “When properly implemented, self-regulation can lead to efficient rules, wide compliance with and acceptance of
those rules, timely adjustment of rules to meet changing conditions, and flexible and effective enforcement of rules. Further-
more, self-regulation can lead to significant cost savings for governments by shifting the costs of regulation to the regulated
bodies. self-regulation is not a form of “ deregulation” it is an important part of a model of efficient and broad-based regulation”.
(Model for effective Regulation - Report of the SRO Consultative Committee of the International Organization of Securities
Commissions (IOSCO), p. 13. Maio, 2000.)
Merece apenas nota o fato de que o sistema vem funcionando de forma harmonizada,
viabilizando que o regulador estatal faça uso dos autorreguladores decorrentes de lei
(que atuam bem próximos aos sistemas de negociação e registro e ajudam, inclusive,
no enforcement das regras de regulação estatal) e dos autorreguladores privados
(especialmente a ANBIMA, que exerce suas funções, seja para trazer rapidamente as
melhores práticas para o país, seja para ocupar eventuais espaços que necessitem de
regulação antes de que o regulador estatal o faça, tornando a intervenção estatal até
mesmo, por vezes, desnecessária).
Para ficar em mais um exemplo, a ANBIMA precisou até mesmo alterar a forma
como exercia suas funções, a fim de atender a uma conveniência conjunta do mercado
e do regulador estatal. Como já acima dito, a Comissão de Valores Mobiliários e a
ANBIMA, com base na Instrução CVM nº 471, de 8 de agosto de 2008, permitiu que
as instituições participantes da ANBIMA realizassem registro simplificado da oferta
pública de determinados valores mobiliários, desde que a própria ANBIMA realizasse
análise prévia dos documentos. Em decorrência de tal análise prévia a Comissão
de Valores Mobiliários admitiu submeter-se a prazos mais reduzidos na análise da
documentação de ofertas públicas.
A demanda regulatória que se buscou resolver com essa medida parece evidente.
O número de registros na autarquia, naquele momento, havia se ampliado de tal
forma que era necessário incentivar a padronização na qualidade da documentação
que era apresentada para exame da Comissão de Valores Mobiliários. No processo
de registro simplificado, em que toda documentação necessária para o registro deve
primeiro passar por um autorregulador, obtém-se a redução nos prazos de análise pela
autarquia, liberando recursos para que ela realize outras atividades.
Muitos outros exemplos práticos poderiam ser dados. Tendo em vista, porém,
os objetivos do presente trabalho e a necessária brevidade, parece-me que o aqui
Esse modelo dá flexibilidade para que as Companhias possam decidir não aplicar
uma ou mais regras, desde que expliquem os motivos da decisão. Tal flexibilidade
faz-se necessária, uma vez que nem sempre um modelo único serve para todas as
companhias, sem necessidade de adaptação, em função da diversidade existente entre
as empresas brasileiras.
Assim, o Código buscou estabelecer um conjunto de regras cuja adoção não é rígida,
visando mais do que o mero cumprimento de aspectos formais, a observância da
essência da regulação.
Princípios:
• Avaliação individual do diretor-presidente e dos demais membros da diretoria, pelo
menos uma vez por ano.
• O papel do conselho de administração na definição da missão, das políticas e da
estratégia da companhia.
• Obrigatoriedade de tratamento justo e equitativo em qualquer reorganização
societária, complementado pelo princípio de que o mero cumprimento da lei não
assegura necessariamente a observância do princípio da equidade entre os acionistas.
A partir de 2013, foi implantada uma rotina anual de verificação das informações
prestadas também para as AGOs (Propostas da Administração), além daquelas objeto
dos FRE de cada ano.
Nesse sentido, e a título de exemplificação, pode-se dizer que 95% já possuem o D&O
(seguro de responsabilidade civil dos administradores) e informam corretamente
no FRE; 67% já adotam a avaliação formal anual da administração, sendo que 48%
preenchem os termos estabelecidos no que se refere à sua abrangência, tal como previsto
no Código; em 43% é comprovada a participação de pelo menos um conselheiro
independente nos principais comitês, considerando as informações disponíveis no
FRE, ou no Regimento Interno do Comitê; 57% já possuem o comitê de remuneração
instalado; e em 57% a avaliação individual dos membros quando feita por comitês
(remuneração, pessoas, ou de avaliação), é submetida ao Conselho de Administração.
Não podemos deixar de comentar, entretanto, que existem outras práticas inseridas
no conjunto das melhores, também abordadas no Código como recomendações, e que
ainda não são amplamente adotadas pelo conjunto das empresas aderentes.
Por exemplo, a maioria das empresas aderentes não possui uma política formal de
destinação de resultados (62%). O mais comum não só nesse universo, como no
conjunto das companhias listadas, é transcrever no FRE o que está no Estatuto, ou
seja, a prática que vem sendo utilizada pela empresa.
Nenhuma das empresas aderentes possui um plano de sucessão dos diretores (aí
consideradas as informações disponibilizadas via FRE ou site da companhia). Vale
dizer que o fato se estende às demais empresas listadas, não sendo prática usual no
mercado brasileiro.
EDUARDO BOCCUZZI
Graduado em 1989 pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Especializado em “Principles of Stock Exchange Investments” pela London Guildhall
University em 1994. Especializado em “Negotiation and Advising in International
Contracts” pelo Institute of Advanced Legal Studies, University of London em
1994. Membro do Conselho de Administração de Bicicletas Monark S/A (BMKS3)
desde maio/2008. Presidente do Conselho de Supervisão dos Analistas de Mercado
de Capitais desde janeiro/2013. Assessor jurídico da Associação dos Analistas e
Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais – APIMEC Nacional. Desde
1996, é sócio de Boccuzzi Advogados Associados. Advogado visitante do Banking
and Capital Markets Department do Denton Wilde Sapte em 1994/1995, escritório
internacional com sede em Londres.
A Lei nº 6.385/76, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e que instituiu
a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por seu artigo 5º, definiu-a como entidade
autárquica em regime especial, com poderes de fiscalizar permanentemente as
atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, bem como a veiculação
de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem e aos valores nele
Além de derivar dos dispositivos de lei acima citados, a competência da CVM para
regulamentar e fiscalizar a atividade do analista de valores mobiliários também está
expressamente prevista no inciso VIII do artigo 1º da referida lei: “Serão disciplinadas
e fiscalizadas de acordo com esta Lei as seguintes atividades: ... inciso VIII – os serviços
de consultor e analista de valores mobiliários”.
Esses agentes são, portanto, veículos que permitem uma melhor eficiência
do mercado de valores mobiliários. Por tal razão é que os analistas de
mercado devem ser devidamente preparados e qualificados.
Em 3 de maio de 2018, foi editada a Instrução CVM nº 598, a qual revogou a Instrução
CVM nº 483 e buscou atualizar a regulamentação sobre a atividade dos analistas de
valores mobiliários. A principal novidade trazida pela Instrução CVM nº 598/18 foi
a caracterização das pessoas jurídicas como analistas de valores mobiliários, as quais
também devem ser credenciadas na entidade de direito privado autorizada pela CVM,
no caso, a APIMEC.
A Instrução CVM nº 598/18 também trouxe inovações nas regras de condutas que
devem ser observadas pelos analistas de valores mobiliários, incluindo um rol de
vedações para a participação destes na estruturação dos ativos financeiros e valores
mobiliários, bem como regulamentando as formas de comunicação a serem utilizadas
nas peças publicitárias veiculadas por esses analistas.
Com o advento da Instrução CVM nº 598/18, a APIMEC foi autorizada como entidade
credenciadora dos analistas de valores mobiliários pessoa jurídica, além de continuar
como credenciadora dos analistas de valores mobiliários pessoa natural.
A autorregulação pode ser decorrente de lei ou voluntária, e, nesse sentido, cabe aqui
29 Art. 4º O credenciamento de analistas de valores mobiliários é feito por entidades autorizadas pela CVM.
Parágrafo único. Serão autorizadas pela CVM a promover o credenciamento de que trata o caput entidades autorreguladoras
que comprovem ter:
I – estrutura adequada e capacidade técnica para o cumprimento das obrigações previstas na presente Resolução; e
II – estrutura de autorregulação que conte com capacidade técnica e independência.”
30 O termo clientes está correlacionado ao conceito do tomador de serviços de analista buy side, categoria de
analista mais abaixo definida.
Em termos práticos, pode-se dizer que a APIMEC Brasil atua na formação e certificação
do analista, enquanto a APIMEC Autorregulação atua no credenciamento e supervisão
da atividade do analista, mantendo em tais associações estrutura administrativa e
organizacional distintas, apesar de correlacionadas, de modo a conferir efetividade
às suas atribuições e potencializar os seus respectivos papéis no mercado de valores
mobiliários.
Existe, ainda, uma divisão didática e informal quanto aos analistas, tendo em vista o
destinatário dos relatórios: são os analistas chamados “buy side” e os “sell side”.
31 O principal objetivo da análise fundamentalista é determinar o valor potencial de uma empresa ou portfólio.
Relacionado a este, há também o objetivo de determinar o valor justo, real ou intrínseco.”
“A premissa básica da análise técnica é que todas as informações estão representadas nos gráficos, na medida em que este
traduz o comportamento do mercado.” (transcrições do livro O mercado de valores mobiliários brasileiro / Comissão de
Valores Mobiliários. 3. ed. Rio de Janeiro: Comissão de Valores Mobiliários, 2014, p. 349; 362.)
32. Art. 9º - O Conselho de Supervisão do Analista de Valores Mobiliários é composto por nove membros divididos em
duas categorias:
I. Três membros internos, representando os Analistas de Valores Mobiliários e;
II. Seis membros externos, dos quais, até 4 (quatro) serão indicados pelas entidades do Mercado e até 3 (três) independentes,
com sólida experiência no mercado de capitais, serão indicados pela própria APIMEC, não podendo possuir, no entanto,
vínculos com esta de qualquer natureza.
Os buy side são analistas dedicados à produção de análises que têm destinatário único
e exclusivo, por exemplo, o gestor ou o administrador de um fundo de investimento,
ou mesmo um investidor específico. Ou seja, diferentemente das análises de sell
side, os relatórios produzidos por analistas buy side não são destinados à publicação,
divulgação ou distribuição a terceiros, mas são para consumo próprio do gestor ou do
administrador de fundo que emprega o analista buy side.
Seu corpo diretivo consiste em sua Diretoria Executiva, composta por seu Presidente
e seu Vice-Presidente.
Não obstante seu surgimento com a atual denominação e mais ampla definição de
suas funções e atividades se dê apenas em 1999, com a edição da Instrução CVM nº
309/1999, pode-se dizer que a atividade de RI (Relações com Investidores), no Brasil,
existe desde a estruturação do mercado de capitais como hoje o concebemos em nosso
país.
Com efeito, é com a edição da ICVM nº 9/1979, nos primórdios do órgão regulador
de nosso mercado, que se encontra a origem dessa atividade, ainda sob a então
denominada, nos termos dos arts. 11 e 12 da ICVM nº 9/1979, “Diretoria de relações com
o mercado (DRM)”, cujo responsável tinha por função específica “prestar informações
aos investidores e à CVM, bem como manter atualizado o registro da companhia”.
Dali até os dias atuais (passando pelas ICVM nº 32/1984, 60/1987, 202/1993 e
309/1999, esta última a partir da qual, como acima afirmado, verifica-se mudança
mais substancial na regulação da atividade de RI) fica clara a evolução do tratamento
regulamentar conferido à atividade de RI ao se constatar, da redação do art. 45 da
ICVM nº 480/2009, que “O diretor de relações com investidores é responsável pela
prestação de todas as informações exigidas pela legislação e regulamentação do mercado
de valores mobiliários”.
Assim, desde o surgimento de sua atividade, vê-se que as funções do DRI ganham não
apenas em importância, mas também em amplitude, indo muito além da mera mu-
dança na denominação dada à função, de forma que este hoje se vê como responsável
pelo atendimento não apenas da entidade reguladora do mercado (CVM) – como se
verificava nos primórdios de sua regulamentação –, mas também pelo relacionamento
com os agentes atuantes no mercado de capitais, em especial, com todos os chama- dos
“stakeholders” (acionistas, detentores de outros títulos e valores mobiliários por ela
emitidos, credores, fornecedores, clientes, funcionários etc.) da companhia.
Verifca-se, aliás, do quanto, acima exposto, que se trata de função que deve
obrigatoriamente ser adotada e prevista em estatuto social apenas em companhias de
capital aberto, assim definidas pelo Art. 22 da Lei nº 6.385/1976 (a Lei do Mercado de
Capitais), pela qual se instituiu e regulou a atuação da CVM como entidade reguladora
do mercado de capitais brasileiro.
Seja como for, e ainda que não obrigatória para as demais empresas (companhias de
capital fechado, sociedades limitadas ou entidades jurídicas organizadas sob outros
tipos societários), é inegável a importância e o papel extremamente relevante que
pode (melhor seria dizer “deve”) ser exercido por um profissional de RI em qualquer
organização. Isso porque suas atividades podem (“devem”) contribuir substancialmente
para ampliar e conferir maior transparência ao relacionamento da organização com o
mercado em que esta se insere (ou pretende se inserir). Com efeito, como se verá no
título “Atividades de RI e suas responsabilidades”, abaixo, o potencial dessas atividades
para a geração de valor para a organização é virtualmente infinito.
a. art. 4º, incisos IV, alínea “c”, V e VI, § 1º, incisos VI e VII do art. 22 e art.
27-D da Lei nº 6.385/19769; e
Nesse sentido, e apesar da atual regulação não exigir tal configuração mesmo para
companhias de capital aberto, nem se verificar previsão específica a esse respeito nas
iniciativas de autorregulação presentes no mercado de capitais brasileiro (p.ex., Código
de Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC, Código ABRASCA de
Autorregulação e Boas Práticas das Companhias Abertas, Regulamento dos diferentes
níveis do Novo Mercado e, mais recentemente, Código Brasileiro de Governança
Corporativa - Copanhias Abertas, de iniciativa do GT Integrantes11 endossada e,
por meio da ICVM no 586/2017, adotada pela CVM), parece-nos que seria de todo
adequado propugnar pela total independência funcional da DRI.
11 Grupo de Trabalho formado por ABRAPP (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência
Complementar), ABRASCA (Associação Brasileira das Companhias Abertas), ABVCAP (Associação Brasileira de Pri- vate
Equity & Venture Capital), AMEC (Associação de Investidores no Mercado de Capitais), ANBIMA (Associação Brasileira
das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento
do Mercado de Capitais), [B3] (à época da edição do Código, BM&FBOVESPA), Brain (Brasil Investimentos & Negócios),
IBGC (Instituo Brasileiro de Governança Corporativa), IBRI (Instituto Brasileiro de Relações com Investidores) e Instituto
IBMEC (extinto).
O RI e a assimetria informacional
Isso ocorre não apenas pelas diversas fontes informacionais existentes no mercado
(primárias e secundárias) como também pelo grau de especificidade dos agentes,
enquanto alguns realizam análises técnicas e detalhadas sobre um determinado ativo,
outros indivíduos tomam suas decisões de investimento desconsiderando tal análise
profunda.
Nesse tocante, empresas que restringem a sua divulgação para o mínimo obrigatório,
ou seja, apenas disseminam no mercado as informações exigidas pelos reguladores,
satisfazem parcialmente a demanda de informações dos investidores e outros usuários
da informação, isso porque o nível informacional exigido por esses é, de modo geral,
superior ao exigido por aqueles.
Requisito fundamental para o RI: entender como o mercado avalia sua empresa
Os fatores que influenciam o preço das ações são diversos, alguns deles sendo deter-
minados parcial ou totalmente pela própria empresa, como o preço do produto
ou serviço comercializado, o controle interno de custos e despesas, a estrutura
administrativa, qualidade das matérias-primas, dentre outros.
Outro ponto de destaque é que o profissional de RI, ao interagir com os agentes externos
à empresa – investidores, analistas de mercado, analistas de crédito, reguladores,
agências de risco, dentre outros –, assimila as opiniões e expectativas desses indivíduos,
levando-as para discussão interna na empresa em que atua, principalmente junto com
a alta administração (Diretoria Executiva e Conselho de Administração).
Por outro lado, a abertura de capital de uma empresa resulta em ingresso de novos
acionistas – institucionais, individuais, internacionais – cuja demanda de informações
De modo a permitir uma maior compreensão desses agentes externos que se relacionam
com o profissional de RI, apresenta-se abaixo um breve detalhamento dos principais:
Seja como for, e ainda que haja diversos públicos a serem atendidos, um dos maiores
desafios para o profissional de RI está em atender esses públicos em suas respectivas
e demandas e, ao mesmo tempo, garantir a todos o mesmo nível de informação a
respeito da empresa e de seus negócios, de forma clara, simples, objetiva e equitativa.
Desse modo, há uma constante preparação desse profissional à luz dos desafios atuais
e futuros da atividade e dos agentes do mercado. Evidência desse fato é a existência
de cursos voltados a essa temática, notadamente o MBA de Finanças, Comunicação e
Relações com Investidores, já há anos mantido pela FIPECAFI – Fundação Instituto
de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, em parceria com o IBRI.
Referências
O mercado de valores mobiliários rege-se por regras bastante específicas, as quais têm
por objetivo, especialmente, a manutenção do princípio da equidade nas operações
nele realizadas, de modo que os participantes do mercado possam negociar em
igualdade de condições1.
Tal como consta da Nota Explicativa nº 14, editada na mesma data da Instrução CVM
nº 8/79, a necessidade de evitar modalidades de fraude ou manipulação destinadas
a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço, bem como de que fossem
observadas práticas comerciais equitativas no mercado de capitais, já era sentida desde
a Lei nº 4.728/65, que, em seu art. 2º, incisos III e IV, incluía tal necessidade entre as
linhas que deveriam nortear a atuação do Conselho Monetário Nacional (CMN) e, à
época, do Banco Central do Brasil (Bacen).
Assim, foi editada a Resolução CMN nº 39, de 20 de outubro de 1966, que, reproduzindo
substancialmente os termos da lei, estabelecia a proibição da prática de manipulação
ou fraude destinada a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço de títulos
ou valores mobiliários negociados em Bolsa ou distribuídos no mercado de capitais,
bem como, simultaneamente, a vedação do uso de práticas comerciais não equitativas.
1 As considerações a seguir lançadas estão baseadas em obra que tivemos a oportunidade de escrever em
coautoria com Alexandre Pinheiro dos Santos e Fábio Medida Osório (SANTOS, Alexandre Pinheiro dos; OSÓRIO, Fábio
Medina; WELLISCH, Julya Sotto Mayor. Mercado de Capitais: Regime Sancionador. São Paulo: Saraiva, 2012.).
São esses os principais ilícitos contra o mercado de capitais e que serão a adiante
explicitados.
O tipo não exige, portanto, a busca ou a obtenção de qualquer resultado material para o
agente, constituindo ilícito administrativo de mera conduta. A norma, neste particular,
não se destina a coibir a intenção de obter vantagem indevida, mas, sobretudo, tutelar
a integridade e o regular funcionamento do mercado de valores mobiliários, para que
não haja um falso parâmetro, uma sinalização fictícia para todo o público investidor
em potencial, como indica o precedente antes referido.
Nesse sentido, o Colegiado da CVM também já decidiu que a conduta prevista na letra
a do item II da Instrução CVM nº 8/79
Nesses casos, em geral, não está presente o natural conflito de interesses que deve
existir entre alienante e adquirente para a determinação do valor justo do ativo, haja
vista que, apesar de as partes serem formalmente distintas, as operações representam
uma única vontade, de modo que os preços praticados acabam por não refletir as livres
forças de mercado.
Criar condições artificiais de mercado significa, portanto, promover negócios que dão
2 PAS 2/99, Diretor Relator Luiz Antonio de Sampaio Campos, julgado em 6-9-2001.
3 PAS 16/2001, Diretora Relatora Norma Parente, julgado em 3-11-2005. Embora os acusados tenham sido
absolvidos, permanecem válidas as afirmações de cunho geral acerca da caracterização do ilícito de criação de condições
artificiais de demanda.
A propósito, cabe esclarecer que o tipo também não exige a comprovação do montante
da alteração no fluxo de ordens do mercado. Como já decidiu o Colegiado da CVM,
“havendo artificialidade, há efetiva alteração no fluxo de ordens no
mercado. Independentemente do volume ou do mercado em que foram
operados, os negócios artificiais interferem, sempre, no bom funcionamento
do mercado, que passa a ser um meio para transações com finalidades
impróprias”.5
6 Decisão proferida pela CVM nos autos do PAS CVM 04/2013, de que foi Relatora a Diretora Ana Novaes,
julgado em 25-02-2014.
7 PAS CVM 12/2010, Relatora Diretora Luciana Dias, julgado em 07-10-2014.
8 PAS 2/2002, Diretor Relator Pedro Oliva Marcílio de Sousa, julgado em 17-1-2007.
O que não parece juridicamente viável, em qualquer dos ilícitos previstos na Instrução
CVM nº 8/79 - mesmo para aqueles em que a letra do tipo especificamente considerado
não exija o dolo - é a condenação por uma atuação ou participação meramente culposa.
Além disso, e como a própria denominação dos ilícitos indica, a criação de condições
artificiais é mais ampla do que a manipulação. Aquela abrange não apenas os preços,
como ocorre com a manipulação, mas também a demanda e a oferta dos títulos.
9 Nesse sentido, veja: PAS 39/98, Diretor Relator Wladimir Castelo Branco, julgado em 21-11-2001; PAS 1/99,
Diretor Relator Marcelo Trindade, julgado em 19-12-2001; PAS SP2001/0236, Diretor Relator Eli Loria, julgado em 19-4-
2004; e PAS 4/2000, Diretor Relator Wladimir Castelo Branco, julgado em 17-2-2005.
Prática oposta ao pump and dump é aquela conhecida como trash and cash, que
consiste, basicamente, na venda seguida de disseminação de informação falsa de
compra. O agente dessa prática assume uma posição vendida em um valor mobiliário
10 A IOSCO, em trabalho desenvolvido pelo seu Comitê Técnico, lista alguns outros exemplos de manipulação
de mercado: “(i) engaging in a series of transactions that are reported on a public display facility to give the impression of
activity or price movement in a security (painting the tape); (ii) improper transactions in which there is no genuine change
in actual ownership of the security or derivative contract (wash sales); (iii) transactions where both buy and sell orders are
entered at the same time, with the same price and quantity by different but colluding parties (improper matched orders);
(iv) increasing the bid for a security or derivative to increase its price (advancing the bid); (v) buying activity at increasingly
higher prices. Securities are sold in the market (often to retail customers) at the higher prices (pumping and dumping);
(vi) buying or selling securities or derivatives contracts at the close of the market in an effort to alter the closing price of
the security or derivatives contract (marking the close); (vii) securing such control of the bid or demand-side of both the
derivative and the underlying asset that leads to a dominant position. This position can be exploited to manipulate the price
of the derivative and/or the asset (corner). As regards derivatives, in a corner, a market participant or group of participants
accumulates a controlling position in an asset in the cash, derivative and other markets. The market participant or group of
participants then requires those holding short positions to settle their obligations under the terms of their contracts, either
by making delivery or by purchasing the asset from the manipulator or by offsetting in the derivatives market opposite
the manipulator at prices distorted by the manipulator; (viii) taking advantage of a shortage in an asset by controlling the
demand-side and exploiting market congestion during such shortages in such a way as to create artificial prices (squeeze);
(ix) dissemination of false or misleading market information through media, including the Internet, or by any other means.
The dissemination is done in order to move the price of a security, a derivative contract or the underlying asset in a direction
that is favorable to the position held or a transaction planned by the person disseminating the information”. Disponível em:
http://www.iosco.org/library/pubdocs/pdf/IOSCOPD103.pdf. Acesso em: 22 set. 2011.
11 A SEC assim define esse esquema: “Pump and dump schemes, also known as hype and dump manipulation,
involve the touting of a company’s stock (typically microcap companies) through false and misleading statements to the
marketplace. After pumping the stock, fraudsters make huge profits by selling their cheap stock into the market. Pump and
dump schemes often occur on the Internet where it is common to see messages posted that urge readers to buy a stock
quickly or to sell before the price goes down, or a telemarketer will call using the same sort of pitch. Often the promoters
will claim to have inside information about an impending development or to use an infallible combination of economic and
stock market data to pick stocks. In reality, they may be company insiders or paid promoters who stand to gain by selling
their shares after the stock price is pumped up by the buying frenzy they create. Once these fraudsters dump their shares
and stop hyping the stock, the price typically falls, and investors lose their money”. Disponível em: http://www.sec.gov/
answers/pumpdump.htm. Acesso em: 21 set. 2011. Para consultar a definição legal de manipulação de preços no mercado
norte-americano, ver as Seções 9 e 10 do Securities Exchange Act de 1934. Disponível em: http://www.sec.gov/about/laws/
sea34.pdf. Acesso em: 21 set. 2011.
Em tais situações, os sujeitos ativos do ilícito podem realizar, por exemplo, uma série
de operações no mercado à vista de determinado título com a intenção de elevar ou
baixar a sua cotação, para, com isso, auferir ganhos indevidos no mercado futuro
daquele mesmo título - ou de valores mobiliários nele referenciados12.
12 Um caso no qual ocorreu exatamente essa forma de manipulação foi o objeto do PAS SP2001/0236, Diretor
Relator Eli Loria, julgado em 19-7-2004. Os fatos e fundamentos da decisão foram, em resumo, os seguintes: o Banco
acusado realizou, no mercado à vista da Bovespa(atual B3), operações de venda de ações que compunham o Ibovespa,
provocando, assim, sensível queda no valor de fechamento daquele índice e gerando benefícios para a instituição financeira
– na primeira data, em operações com contratos de Ibovespa futuro e, na segunda, com opções flexíveis de compra do
Ibovespa, por deter aquele Banco posições vendidas na BM&F(atual B3). Nas duas oportunidades, o banco acusado emitiu
ordens de venda de grandes lotes de ações nos 5 minutos finais do pregão, quando se realiza o call de fechamento, a preços
inferiores aos então praticados, o que teria contribuído, de forma decisiva, para a queda do Ibovespa nos dias em questão.
Como a Bovespa já vinha antecipando ao mercado, passaria a vigorar, em 2-5-2000, uma nova carteira teórica do Ibovespa,
que traria, dentre outras alterações, a retirada dos Recibos de Carteira de Ações Telebrás ON e PN (RCTB31 e RCTB41,
respectivamente). Em 28-4-2000 – último dia útil antes da data de modificação da composição do Ibovespa –, o Banco
acusado atuou fortemente no call de fechamento vendendo aqueles Recibos, o que teria gerado forte impacto negativo no
Ibovespa. Conforme destacado pela área técnica acusadora, o preço das ofertas de venda era notavelmente inferior aos
praticados no mercado até aquele momento, tendo sido criada uma situação em que um vendedor tentava alienar ações
por preço inferior ao oferecido por um comprador, subvertendo a lógica econômica de todo o processo de formação de
preços. Os beneficiados por essa atuação foram aqueles com posição vendida no dia 2 de maio (mais de 25 mil contratos
em aberto), um deles com 1.670 contratos vendidos. Como o mercado futuro no dia 2 de maio teve que se ajustar ao
Ibovespa à vista, a queda na cotação do Ibovespa futuro implicou ajustes positivos (ganhos) para aqueles “vendidos”, e
negativos para aqueles com posição “comprada” (perdas). Assim, o Colegiado da CVM considerou presentes os elementos
caracterizadores da manipulação de preços, na medida em que (i) utilizou-se o banco acusado da colocação de ordens de
venda com preços e quantidades que, caso atendidas, levariam à queda de preços no call, (ii) de forma a alterar o valor
de fechamento do Ibovespa em 28 de abril e 27 de junho de 2000, o que foi viabilizado com (iii) a atração de investidores
compradores durante o call, com um matching de ordens de compra e de venda que efetivamente resultou em queda na
cotação do índice.
Nada obstante, e assim como ocorre com os demais ilícitos tipificados na Instrução
CVM nº 8/79, a presença do dolo direto e específico também não é imprescindível,
eis que em determinadas situações, pelas peculiaridades de cada caso concreto, assim
como pelos atos e circunstâncias em que perpetrada a conduta, é possível comprovar
que o sujeito assumiu, com suas ações ou omissões, o risco de incorrer no ilícito.14
Outro exemplo de fraude - bem mais sofisticada do que o caso de procurações falsas
- é aquele que se convencionou chamar de “operação com seguro”,16 a qual costuma
ser praticada com contratos futuros, em detrimento de investidores institucionais,
como entidades fechadas de previdência complementar, e é capaz de gerar lucros
excepcionais para os agentes ou partícipes da fraude.
13 Nesse sentido, vale mencionar a decisão proferida nos autos do PAS 20/2003, Diretor Relator Eli Loria, julgado
em 1-7-2009, por meio da qual se entendeu que para a configuração de operação fraudulenta seria “desnecessário saber se tal
ou qual participante do mercado foi prejudicado”.
14 A propósito, vale citar dois precedentes especificamente relacionados ao ilícito de operação fraudulenta e que
admitiram o dolo eventual como elemento suficiente para a condenação: PAS 39/98, Diretor Relator Wladimir Castelo
Branco, julgado em 21-11-2001; e PAS 1/99, Diretor Relator Marcelo Trindade, julgado em 19-12-2001. O problema, não
raro, é configurar a fronteira entre dolo eventual e culpa grave ou consciente, no plano probatório.
15 Nesse sentido, veja o PAS 16/2002, Relator Presidente Marcelo Trindade, julgado em 10-10-2006.
16 Essa fraude foi assim denominada pelo fato de existir um “seguro”, uma “garantia” de obtenção de vantagem
indevida, por meio da utilização de investidores institucionais, que operam em grande volume, e pela fraude no
procedimento de identificação ou especificação do cliente.
A propósito, vale citar o seguinte precedente no âmbito do CRSFN, que, além de bem
ilustrar a hipótese de operação fraudulenta ora comentada, na qual a parte prejudicada
funciona como “seguro” da operação, também esclarece a possibilidade de, em tais
casos, condenar-se com base em uma comunhão de indícios sérios e concatenados:
[...]
Por fim, é interessante notar que, embora muitos dos casos julgados pela CVM se
refiram a situações que envolvam, diretamente, negociações com valores mobiliários
em mercados organizados, o tipo em questão não inclui o elemento “negociações
20 Recurso nº 11.107, Relatora Conselheira Margareth Noda, julgado em 18 e 19-8-2010.
Desse modo, é possível afirmar que o ilícito em testilha, seguindo a opção regulatória
declarada na já citada Nota Explicativa nº 14/79, contempla redação que inclui todas
as situações em que o sujeito se utilize de ardis ou artifícios destinados a enganar para,
assim, induzir ou manter terceiro em erro e, com isso, obter vantagem patrimonial
indevida para si ou para outrem.
Nessa linha, vale mencionar a imputação formulada nos autos do PAS CVM RJ
nº 2010/2419, à qual a empresa acusada, uma companhia constituída sob as leis
da França, foi imputada a prática de operação fraudulenta no mercado de capitais
brasileiro, por ter publicado Fato Relevante sabidamente incompleto, transmitindo
ao mercado informação que induziu terceiros a uma percepção equivocada quanto
aos riscos envolvidos na concretização da alienação do controle da GVT, frustrando,
ademais e em bases ilícitas, oferta pública de aquisição de ações em andamento, com o
fim de obter, para si, vantagem ilícita de natureza patrimonial, consistente na aquisição
do referido controle.
Como se verá, a maioria dos casos de prática não equitativa decorre de abuso da
relação fiduciária existente entre intermediário (v.g., corretora ou distribuidora de
valores mobiliários) e seu cliente22.
Típico exemplo de práticas não equitativas são as operações conhecidas como front
running, nas quais o agente, com o conhecimento prévio de que um determinado
investidor - em geral, determinados investidores institucionais, tais como entidades
fechadas de previdência complementar - irá adquirir certos papéis, antecipa-se, “corre
na frente” e adquire aqueles ativos, para, em seguida, revendê-los por um preço maior,
com a certeza de lucro23.
O primeiro argumento gira em torno do fato de que tal prática acaba desviando dinheiro
dos investidores institucionais para aqueles que a realizam. Com efeito, aqueles que
possuem a informação não divulgada acerca da negociação em lote a ser realizada,
beneficiam-se comprando os valores mobiliários respectivos por um preço inferior
e vendendo-os a preços superiores ao destinatário final. Com isso, inevitavelmente,
constata-se aumento desnecessário e indevido no custo dos negócios.
“Importante registrar que muitos investidores institucionais que compram
grandes lotes de ações são, em sua maior parte, fundos de pensão que
administram valores destinados a garantir aposentadorias e pensões ou
mesmo fundos de varejo, cujos quotistas são pequenos investidores, o que
torna ainda mais grave a realização dessa prática”.24
O segundo argumento, ainda segundo o CRSFN, seria no sentido de que tal conduta
atinge o mercado como um todo. Isso porque aquele que vende valores mobiliários
para pessoas que estão de posse dessas informações não divulgadas recebe valores
menores do que lhe seria devido se a venda fosse realizada no momento em que o lote
está sendo adquirido. Dessa forma, a oportunidade que poderia ser por ele aproveitada
acaba ficando nas mãos de pessoas em posição de assimetria informacional. Tal fato,
22 EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de
capitais – regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 523.
23 Nesse sentido, confiram-se as decisões proferidas nos seguintes processos administrativos sancionadores da
CVM: PAS 6/94, Diretor Relator Wladimir Castelo Branco Castro, julgado em 21-3-2002; PAS 22/94, Diretor Relator Luiz
Antonio de Sampaio Campos, julgado em 15-4-2004; e PAS 4/2000, Diretor Relator Wladimir Castelo Branco Castro,
julgado em 17-2-2005.
24 CRSFN, Recurso 12805, 355ª Sessão, Conselheiro-Relator Marcos Martins Davidovich, julgado em 30-07-
2013.
Além disso, alguns casos de “operações com seguro”, conforme comentado acima,
também podem ser enquadrados como práticas não equitativas, considerando
especialmente a estratégia ilícita adotada e as peculiaridades do caso concreto. Nesse
sentido, por exemplo, o Colegiado da CVM já entendeu restar comprovada a ocorrência
de prática não equitativa em caso de especificação direcionada de comitentes, e por
meio da qual se objetivava produzir resultados favoráveis a determinados participantes,
em detrimento de outro que, assim, foi posto em constante posição de desigualdade
em relação às suas contrapartes25.
Por derradeiro, cumpre destacar que, tal como se dá nos demais ilícitos previstos
na Instrução CVM nº 8/79, o tipo em questão prescinde, para sua configuração, de
dolo específico, porquanto não se exige do sujeito ativo a intenção de atingir um fim
especial com a prática do delito. Como já decidiu o CRSFN, o “referido tipo admite,
pelo contrário, dolo eventual na sua configuração, espécie em que há assunção do risco
de produção do resultado pelo agente”.28
Os emissores de valores mobiliários sob a jurisdição da CVM devem zelar pelo sigilo
da informação privilegiada, ou seja, de informação relevante que, à luz da legislação
aplicável, excepcionalmente ainda não tenha sido divulgada ao mercado, inclusive
reduzindo o número de pessoas que a ela tenham acesso ao mínimo indispensável e
sob adequado compromisso dos insiders em relação ao resguardo da informação. Esse
zelo do emissor pela manutenção do sigilo deve se transformar em zelo pela imediata
divulgação (disclosure), na hipótese de a informação escapar do controle ou se ocorrer
oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada dos valores mobiliários
emitidos ou de títulos a eles referenciados.
Quando da edição da antiga Lei nº 4.728/65, seu art. 3º, inciso X, já definia como uma
ações, por meio do qual aqueles emprestam a este ações preferenciais de emissão da companhia aberta objeto do acordo.
Uma das principais falhas detectadas em operações dessa natureza é que o contrato de empréstimo não é divulgado ao
público, o que coloca as partes da operação em indevida posição de vantagem em relação aos demais participantes do
mercado. Nesse sentido, vale conferir o PAS CVM RJ 2012/13605, Diretor Relator Pablo Renteria, julgado em 24-08-2016.
28 CRSFN, Recurso 13356, 377ª Sessão, Conselheiro-Relator Francisco Satiro de Souza Junior, julgado em 24-03-
2015.
Ainda a respeito dos fatos relevantes ocorridos no âmbito das companhias abertas e
sobre a proibição de utilização de informação privilegiada, assim dispõem os §§ 1º e
4º do art. 155 da lei societária:
§ 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar
sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada
para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de
influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-
lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem,
vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários.
[...]
A Instrução CVM nº 358/2002, por sua vez, assim dispõe a respeito do tema:
Art. 13. Antes da divulgação ao mercado de ato ou fato relevante
ocorrido nos negócios da companhia, é vedada a negociação com
valores mobiliários de sua emissão, ou a eles referenciados, pela própria
companhia aberta, pelos acionistas controladores, diretos ou indiretos,
diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal
e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados
por disposição estatutária, ou por quem quer que, em virtude de seu
cargo, função ou posição na companhia aberta, sua controladora, suas
controladas ou coligadas, tenha conhecimento da informação relativa
ao ato ou fato relevante.
29 EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de
capitais – regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 527.
30 PROENÇA, José Marcelo Martins. O que falta à criminalização do insider trader no Brasil. Disponível em:
http://www.bovespa.com.br/Investidor/Juridico/051206NotA.asp. Acesso em: 21 mar. 2007.
[...]
Com efeito, o lucro obtido pelo insider decorre unicamente de sua posição
de acesso privilegiado às informações, uma vez que ele negocia antes da sua
divulgação, ou seja, a preços que ainda não estão refletindo o seu impacto no
mercado31.
31 CARVALHOSA, Modesto; EIZIRIK, Nelson de A nova lei das S/A. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 544-545.
Assim, as práticas não equitativas em geral tipificadas nas normas proibitivas, além
de acarretarem danos a investidores, causam impacto suficientemente hábil a afetar a
credibilidade e a harmonia do próprio mercado e, em última análise, da economia do
país, acarretando óbvios e inegáveis prejuízos ao Brasil.
Sobre o tema, Leães salienta que um dos pontos mais importantes da regulação do
mercado é o que diz respeito à repressão do insider trading, isto é, do aproveitamento
de informações reservadas sobre a sociedade emissora de títulos, em detrimento dos
demais acionistas, que as ignoram32.
32 LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Mercado de capitais e insider trading. São Paulo: RT, 1982, p. 139.
Ou seja, o comportamento traiçoeiro dos insiders não ofende apenas os direitos dos
demais investidores, mas também prejudica o próprio mercado, abatendo a confiança
e a lisura das suas relações, aspectos que fundamentam a sua existência e constituem a
base para o seu desenvolvimento.
A norma legal, por seu turno, não contém tal restrição, vedando pura e simplesmente
o uso da informação privilegiada para obtenção de vantagem mediante compra ou
venda de valores mobiliários, sejam eles de emissão da companhia ou não35.
Além disso, a norma administrativa é mais abrangente quanto aos seus destinatários.
Diferentemente do art. 155, § 1º, da Lei nº 6.404/76, cuja aplicação restringe-se aos
33 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 3, p. 255.
34 Prefácio à obra antes referida de José Marcelo Martins Proença.
35 A propósito, veja-se o caso em que administradores de companhia aberta foram administrativamente
condenados, com base no art. 155, § 1º, da Lei nº 6.404/76, pelo uso de informação privilegiada em operações com ações
de emissão da Perdigão S.A., dado que obtiveram, em razão de cargo que ocupavam na Sadia S.A., informação privilegiada
sobre oferta hostil de aquisição do controle da Perdigão S.A. (PASs SP 2007/117 e SP 2007/118, julgados em 26-2-2008).
Nesse sentido, vale fazer alusão à decisão proferida pelo CRSFN na qual se reconheceu
que a norma inserta no art. 13 da Instrução CVM nº 358/2002 adotou vedação à
negociação de ações propter officium:
Além disso, e antes de passar à análise do § 4º ao art. 155 da Lei nº 6.404/76, faz-
se oportuno esclarecer o conceito de informação relevante no âmbito do mercado de
capitais.
A Instrução CVM nº 358/02 ainda complementa o art. 157, § 4º, da Lei nº 6.404/76,
com uma lista exemplificativa de fatos que, usualmente, são relevantes para uma
companhia (conforme art. 2º, parágrafo único).
Verifica-se, por conseguinte, que tanto a Lei nº 6.404/76 quanto a Instrução CVM
nº 358/02 apresentam conceitos gerais (standards), considerando relevante um fato
que pode influenciar uma decisão de investimento. Não se exige, portanto, a efetiva
influência, basta que tenha “força suficiente” para influenciar.
Dessa forma, não se exige que a informação seja definitiva ou que esteja formalizada
para que se considere um fato como relevante. Basta que a informação não seja
meramente especulativa, mera intenção não baseada em fatos concretos.
Em outra decisão mais recente a CVM também esclareceu o momento no qual pode ser
caracterizado um fato como relevante em operações societárias ainda não concluídas,
explicando, ainda, como deve se dar o regime de divulgação das informações relevantes
de uma companhia aberta:
3.2 A defesa afirma que o recebimento de uma oferta de compra que não
é firme e a existência de tratativas intermitentes não caracteriza fato
relevante. Eu discordo dessa afirmação.
3.5 Pois bem: a mim parece óbvio que o recebimento de uma oferta de
compra de controle, ainda que não firme; e a existência de tratativas,
ainda que intermitentes, são sim fatos capazes de influenciar a cotação
das ações da companhia.
Lei nº 6.404/76
Além disso, vale ressaltar que, ainda que tenha havido divulgação parcial da informação,
é possível que incida a proibição de operar se restar demonstrada a assimetria
informacional. Nesse sentido, por exemplo, a seguinte decisão do Colegiado da CVM:
[...]
35. Vê-se, assim, que o acusado detinha muitas informações relevantes, que
não estavam disponíveis ao mercado, sobre a evolução e as possibilidades
de evolução das negociações. O Fato Relevante, quando consumada a
negociação, foi apenas a conclusão de uma sucessão de eventos relevantes
sobre os quais o mercado não estava oficialmente informado, mas o
acusado estava.
45 A respeito da permanente necessidade de manutenção da simetria informacional e enfrentando especificamente
um caso no qual também havia divulgação parcial de informação relevante, vale conferir o interessante precedente norte-
americano a seguir transcrito: “The district court did not err in its holding that the information imparted by Brumfield
to Cusimano was non-public. To constitute non-public information under the act, information must be specific and
more private than general rumor. See SEC v. Monarch Fund, 608 F.2d 938, 942-43 (2d Cir.1979). While the district court
acknowledged that papers such as The Wall Street Journal had speculated, on or before November 8, 1990, that AT & T
might acquire NCR, it also noted that Brumfield imparted information ‘that was substantially more specific than that in the
newspaper’. The court pointed out that while the newspaper reports listed an attempted acquisition as one possibility among
many, Brumfield’s statement to Cusimano that ‘AT & T was going to attempt to acquire NCR’ was both more specific and
more certain than any reports in the press.
The defendant contends that Brumfield’s conclusion that an acquisition would occur was not supported by the non-public
facts at his disposal. These facts, he argues, could just as easily have supported other conclusions, including the one that
‘nothing’ would happenº We disagree. Brumfield’s conclusion was supported, for example, by the non-public facts (1) that
he had been asked to do a study of the feasibility of integrating AT & T’s workforce with that of a computer company with
the same vital statistics as NCR, and (2) that Ketchum warned Brumfield not to speculate with others about a press report
that discussed the possibility that AT & T and NCR might combine (and Ketchum was not wont to give Brumfield such
warnings). At the very least, these non-public facts would make a reasonable investor less likely to believe that ‘nothing’
would happenº That by itself would be information with significant market value. Moreover, the facts might well have
pointed more specifically toward an acquisition than did the general newspaper article to a Vice President of the company,
who would know how to place them in their proper context. Cf. Monarch Fund, 608 F.2d at 941 (‘Because of their positions,
insiders know when they have the kind of knowledge that is likely to affect the value of stock’) (citations omitted).
We do not today hold that any predictions made by an insider can constitute the basis for insider trading simply because
a tippee relies upon them and their source, and they subsequently come true. It may well be that insider trading has not
occurred, for example, in situations in which an insider has made categorical statements that are completely without
foundation and these are used successfully by a trader. We need go nowhere near such an extreme holding, for here the
statement made by the insider was qualified, supported, and credible. Brumfield did not state that AT & T would acquire
NCR. He had no real basis for such a statement. He did say, on the basis of nonpublic data, that he believed that what he
read in the paper was true, and that AT & T was going to be attempting to acquire NCR. He had private information that
would support both of these remarks, and both of them were of great value to a would-be trader” (U.S. Court of Appeals for
the Second Circuit, William Mylett, 97 F.3d 663).
Para os insiders primários, existe uma presunção relativa de que eles detêm a
informação relevante49. Até mesmo por isso, a regra prevista no art. 13, caput, da
Instrução CVM nº 358/02, veda a realização de qualquer operação com os valores
mobiliários de emissão da companhia, na pendência da divulgação de fato relevante.
46 PAS 4/2004, Relator Presidente Marcelo Fernandez Trindade, julgado em 28-6-2006. Esta decisão foi
confirmada pelo CRSFN, conforme Acórdão nº 11397/2014 (Recurso 10979), Conselheiro-Relator Bruno Meyerhof
Salama, julgado em 25-11-2014.
47 A respeito do assunto e sobre como os diversos países definem os insiders primários e secundários, veja o
Relatório da IOSCO de março de 2003, Insider Trading – how jurisdictions regulate it. Disponível em: <http://www.iosco.
org/library/pubdocs/pdf/IOSCOPD145.pdf>. Acesso em: 7 out. 2011.
48 Também conhecidos como tippees, pelo fato de receberem as informações, as dicas (tips), dos insiders
primários.
49 Há decisão do Colegiado da CVM que classifica em quatro grandes grupos os casos de negociação com base
em informação privilegiada: “(i) no primeiro grupo, temos o acionista controlador e os administradores da companhia,
em relação aos quais vigora uma vedação absoluta, ou seja, eles não podem negociar com ações da empresa enquanto o
fato relevante não for divulgado ao público; (ii) no segundo grupo, temos os demais integrantes da empresa, em relação
aos quais vigora uma presunção relativa de que conhecem a informação e sabem que ela é sigilosa; (iii) no terceiro
grupo, temos pessoas que mantêm relação profissional, comercial ou fiduciária com a companhia, em relação às quais
não vigora qualquer presunção de ciência da informação, mas somente a presunção relativa de ciência do caráter sigiloso
da informação, baseada no dever de investigar; (iv) no quarto grupo, temos todos os demais investidores do mercado
de capitais, em relação aos quais não vigora nenhuma presunção”. Conforme PAS SP2005/155 e manifestação de voto
apresentada pelo Diretor Marcos Pinto. Julgado em 21-8-2007.
4.2 Na minha opinião, o direito brasileiro permite que uma pessoa seja
condenada por negociação com informação privilegiada mesmo que não
se consiga precisar como essa informação foi obtida.
4.5 Como se vê, o dispositivo legal não exige que o informante seja
identificado; basta que a pessoa que negociou no mercado “tenha tido
acesso” a uma informação que seja relevante e que ainda não tenha sido
divulgada ao mercado pelos canais próprios.
[...]
4.7 É claro que, em muitos casos, a prova da ciência do fato relevante pode
ser impossível sem que a acusação explique como, ou por meio de quem, o
acusado teve acesso à informação relevante. Mas nem sempre é assim; e o
caso em julgamento hoje é um bom exemplo50 (grifos nossos).
50 Manifestação de voto apresentada pelo Diretor Marcos Pinto no julgamento do PAS 24/2005, Diretor Relator
Sergio Weguelin, julgado em 7-10-2008.
54 Não haverá essa obrigatoriedade se a segregação de atividades for promovida mediante a contratação de
empreendedor especializado na prestação de serviços de gestão de recursos de terceiros (art. 1º, I, da Resolução CMN nº
2.486, de 30 de abril de 1998).
Como será possível perceber a partir da análise adiante realizada, os tipos penais em
questão foram, claramente, inspirados na citada Instrução CVM nº 8/79 e no art. 155,
§ 1º, da Lei nº 6.404/76.
Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime de manipulação. Trata-se, portanto,
de crime comum.
57 Sentença de lavra do MM. Juiz Federal Marcelo Costenaro Cavali nos autos da Ação Penal nº 0006193-
78.2009.4.03.6181. Disponibilização D. Eletrônico de sentença em 03-07-2014.
58 CAVALI, Marcelo Costenaro. Manipulação do Mercado de Capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2018, p. 320.
63 PROENÇA, José Marcelo Martins. Insider trading – regime jurídico do uso de informações privilegiadas no
mercado de capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 319-320.
64 Recurso Especial nº 1.569.171/SP (2014/0106791-6), Relator Min. Gurgel de Faria, DJe: 25/02/2016.
Nesse sentido, vale notar que foi excluída do tipo legal a exigência de o sujeito ativo
ter o dever de guardar sigilo, bastando, para a incidência do novel dispositivo, que o
agente tenha conhecimento de informação relevante ainda não divulgada ao mercado,
e que seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante
negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários.
65 Nesse sentido, vale fazer referência ao escólio de De Grandis: “constata-se, assim, que a vedação ao insider
trading também alcançou os denominados structural insiders, ou seja, as pessoas que, não se inserindo na condição de
corporater insiders, têm, em razão de suas funções ou atividades profissionais, acesso a informações sigilosas capazes de
influenciar, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos
pela companhia” (GRANDIS, Rodrigo de. Aspectos penais do uso de informação privilegiada (insider trading) no direito
brasileiro. In: VILARDI, Celso Sanchez; BRESSER PEREIRA, Flávia Rahal; DIAS NETO, Theodomiro. Direito Penal
Econômico: crimes financeiros e correlatos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 165).
66 Recurso em Habeas Corpus nº 46.315/RS (2014/0059633-4), Relator Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 25-09-
2015.
Por meio da repressão ao insider trading objetiva-se, assim, tutelar a função pública da
informação enquanto justo critério de distribuição do risco do negócio no mercado
de capitais. Consoante destaca a doutrina, o que está em causa é a igualdade perante
um bem econômico: a informação necessária para a tomada de decisões econômicas
racionais. Quem usa informação privilegiada, tenha ou não o dever de mantê-la em
sigilo, subverte as condições de regular funcionamento do mercado e coloca em perigo
a sua eficiência.67
O § 2º do art. 27-D, por seu turno, aumenta a pena em 1/3 (um terço) se o agente
comete o crime “se valendo de informação relevante de que tenha conhecimento e da
qual deva manter sigilo”.
Ou seja, a Lei considera que, além do uso da informação relevante, a violação de dever
legal ou contratual de guardar sigilo possui relevância penal suficiente para aumentar
a pena em 1/3.
No notório caso de insider que ficou conhecido como caso Sadia (cuja sentença penal
condenatória já transitou em julgado), tanto a sentença de 1ª instância quanto o
acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região reconheceram que a
pena do Diretor de Relações com Investidores e do Conselheiro de Administração da
Companhia deveria ser agravada porque o crime foi praticado por pessoas que não
apenas tinham o dever de guardar sigilo da informação (elemento do tipo), mas por
altos administradores da Sadia, que deveriam ter especial zelo pela observância do seu
dever de lealdade para com a companhia.
A própria redação do tipo penal aqui tratado, além de estar em estrita consonância com
o princípio do full and fair disclosure, alicerce fundamental do mercado de capitais,
69 “Deterrence is credible when would-be wrongdoers perceive that the risks of engaging in misconduct outweigh
the rewards and when non-compliant attitudes and behaviours are discouraged. Deterrence occurs when persons who are
contemplating engaging in misconduct are dissuaded from doing so because they have an expectation of detection and that
detection will be rigorously investigated, vigorously prosecuted and punished with robust and proportionate sanctions”. IOSCO.
Credible Deterrence In The Enforcement Of Securities Regulation. Junho, 2015. Disponível em https://www.iosco.org/news/
pdf/IOSCONEWS383.pdf. Acesso em 07/11/2016.
70 Nesse sentido: PROENÇA, José Marcelo Martins. Insider trading – regime jurídico do uso de informações
privilegiadas no mercado de capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 321-322.
SANTOS, Alexandre Pinheiro dos. Prevenção e combate ao insider trading são cruciais. Disponível em: http://www.conjur.
com.br/2009-dez-15/prevencao-combate-crime-insider-trading-sao-essenciais. Acesso em: 18 abr. 2010. Contra: EIZIRIK,
Nelson; GAAL, Ariadna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de capitais – regime jurídico. Rio
de Janeiro: Renovar, 2008, p. 534.
No mesmo sentido, De Sanctis pontua que o delito previsto no art. 27-D deve “ser
classificado como delito formal, já que o resultado vantagem indevida não é indispensável
para a sua consumação, bastando que o sujeito ativo pratique a conduta, ou seja, utilize
informação obtida”.72
A pena cominada para o crime é a reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3
(três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do ilícito. Aplica-se
também aqui o art. 27-F da Lei n. 6.385/76.
O objeto desse delito é o interesse social de que funções especiais e de interesse público
da espécie das abrangidas pelo tipo somente sejam exercidas por pessoas aptas para
tanto, nos termos da lei.
71 A propósito, cumpre observar que, nos termos do Relatório Final apresentado em junho de 2012 pela
Comissão de Juristas responsável pela elaboração do Anteprojeto de Código Penal, pretende-se transformar o crime de
insider trading em ilícito de cunho material (e não formal e de perigo abstrato), data venia ignorando, por completo, as
razões que fundamentam a própria existência do tipo específico. Além disso, objetiva-se também descriminalizar o ilícito
de manipulação do mercado e o previsto no art. 27-E da Lei nº 6.385/76, o que parece estar na contramão do esforço
mundial que vem sendo feito para tornar os mercados financeiros mais sólidos, transparentes e confiáveis. Nesse sentido,
vide: WELLISCH, Julya Sotto Mayor. A Reforma do Código Penal e os Ilícitos contra o Mercado de Capitais, no prelo.
72 DE SANCTIS, Fausto Martin. Delinquência Econômica e Financeira, Rio de Janeiro: Forense, 2015, pag. 286
73 Processo nº: 0005123-26.2009.4.03.6181 (Apelação Criminal nº 45484), Relator: Des. Fed. Luiz Stefanini, 5ª
Turma, DJe 14-02-2013.
Em relação ao que consta da primeira parte do tipo, o delito se consuma com a prática
do primeiro ato sem autorização.
74 Para aprofundamento no assunto, vide WELLISCH, Julya Sotto Mayor. Competência da Justiça Federal para
processo e julgamento dos crimes contra o mercado de capitais. Interesse público, Belo Horizonte: Fórum, v. 12, n. 63, ago.
2010.
Além disso, a análise dos delitos previstos na Lei nº 6.385/76 (arts. 27-C, 27-D e 27-
E) revela que o escopo da Lei nº 10.303/01 não foi outro senão colmatar as lacunas
existentes na Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei nº 7.492/86) em
relação às condutas perpetradas no âmbito do mercado de capitais.
O simples fato de a prática nociva prevista no art. 27-E não encontrar emolduramento
típico na “Lei de Crimes de Colarinho Branco” não lhe retira a natureza jurídica de
crime financeiro, pois, como visto, o mercado de capitais nada mais é do que um
segmento do sistema financeiro76.
Ademais, também não se pode olvidar que os crimes da Lei nº 6.385/76 são em tudo
semelhantes aos da Lei nº 7.492/86, especialmente em seus elementos estruturantes:
escopo de tutela, pertinência sistêmica e potencial ofensivo. Entender que uns se
submetem à competência da Justiça Federal e outros à competência da Justiça Estadual
representa exegese meramente literal78 que despreza a lógica jurídica e a interpretação
sistemática, que deve ser realizada para que se possa extrair o adequado alcance,
significado e conteúdo da norma.
Como recorda Eros Grau, a Constituição não pode ser interpretada “em tiras, aos
pedaços. A interpretação de qualquer norma da Constituição impõe ao intérprete,
75 Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do
Banco Central da República do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras.
§ 1º Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de crédito, financiamento e investimentos,
das caixas econômicas e das cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se
subordinam às disposições e disciplina desta lei no que for aplicável, as bolsas de valores, companhias de seguros e de
capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio
de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou
de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados
financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras.
76 No mesmo sentido, vale fazer referência à doutrina de SANTOS, Alexandre Pinheiro dos; OSÓRIO, Fábio
Medina e WELLISCH, Julya Sotto Mayor. Mercado de Capitais - Regime Sancionador. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 173-180.
77 PIMENTEL, Manoel Pedro. Crimes contra o sistema financeiro nacional – Comentários à Lei 7.492, de
16.6.86. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 27.
78 Aliás, o “apego às palavras é um desses fenômenos que, no Direito como em tudo o mais, caracterizam a falta
de maturidade do desenvolvimento intelectual”. Littera occidit; spiritus vivificat. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica
e Aplicação do Direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 101.).
Ainda que não se reconhecesse a aplicabilidade do art. 109, inciso VI, da CRFB/88, é
fato que a jurisprudência do STJ é cristalina na afirmação da competência da Justiça
Federal sempre que se verificar hipótese de ofensa a bens, serviços ou interesses da
União, suas autarquias ou empresas públicas, nos exatos termos do art. 109, inciso IV,
da Constituição Federal, ou que, pela magnitude da atuação ou pelo tipo de atividade
desenvolvida, o ilícito tenha a propensão de abranger vários Estados da Federação e
prejudicar setor econômico estratégico para a economia nacional80.
Ou seja, a norma do art. 109, VI, da CF/88 não esgota a disciplina quanto à competência
da Justiça Federal no que tange aos crimes contra o sistema financeiro nacional e a
ordem econômico-financeira. Na verdade, e de acordo com as lições do Ministro
Sepúlveda Pertence, referido inciso:
[...] antes amplia do que restringe a competência da Justiça Federal:
possibilita ele, com efeito, que a partir das peculiaridades de
determinadas condutas lesivas ao sistema financeiro nacional e à ordem
econômico-financeira, possa a legislação ordinária subtrair da Justiça
estadual a competência para julgar causas que se recomenda sejam
apreciadas pela Justiça Federal, mesmo que não abrangidas pelo art.
109, IV, da Constituição87.
No mesmo sentido, Cavali, para quem a manipulação de mercado afeta interesse direto
85 CC 135850/SP, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 3ª Seção, DJe 01/10/2014.
86 STF, RE 502.915/SP, Relator Min. Sepúlveda Pertence, 1ª T., DJ 27-4-2007.
87 STF, RE 502.915/SP, Relator Min. Sepúlveda Pertence, 1ª T., DJ 27-4-2007.
Outrossim, não pode deixar de ser registrado que tanto a CVM quanto o Ministério
Público Federal comungam do entendimento ora sustentado, tendo, inclusive, celebrado
Termo de Cooperação Técnica no qual reconhecem, expressamente, a atribuição do
Parquet Federal para o ajuizamento de ações penais relacionadas aos crimes previstos
na Lei n. 6.385/76, e movido, em regime de estrita coordenação, processos penais
perante a Justiça Federal, que vem, mediante relevantes e fundamentadas decisões,
confirmando ser efetivamente sua a competência para os crimes contra o mercado de
capitais.
Por todo o exposto, e considerando que os crimes contra o mercado de
capitais:
Ocorre que esse regime institucional de múltipla reação, por si só, não vem sendo
suficiente para prevenir a impunidade em todos os níveis e jurisdições, especialmente
no caso dos peculiares, sofisticados e potencialmente transnacionais ilícitos praticados
nos mercados financeiro e de capitais.
89 O tema foi analisado mais detidamente em artigo que escrevi em coautoria com Alexandre Pinheiro dos
Sandos: Enforcement e Mecanismos de Solução Alternativa de Conflitos no Mercado de Capitais. In Revista de Mediação e
Arbitragem, Ano 14, vol. 53, abr-jun/2017, 357-380.
Nesse sentido, vale mencionar a assinatura, pela CVM, de acordos de cooperação com
o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal90, os quais têm incrementado
e aprimorado o relacionamento da CVM com tais instituições, consolidando a
existência e a manutenção de uma linha de contato direta e desburocratizada com os
Procuradores da República e as autoridades policiais em todo o País, que, nos anos
recentes, vem viabilizando, quando necessário ou útil, tempestiva e profícua adoção
de providências conjuntas, nas vias administrativa, civil ou criminal, em prol dos
participantes do mercado de capitais e da sociedade como um todo91.
Esse caso ainda ensejou outro importante exemplo de atuação eficaz do Estado
Brasileiro (CVM e MPF), eis que, em 2008, ocorreu a então inédita celebração conjunta,
pela CVM e pelo MPF, do primeiro Termo de Compromisso e de Ajustamento de
Conduta firmado com um participante do mercado de capitais, para o encerramento
concomitante de procedimentos administrativo e judicial (civil). Em 17 de março de
2008, os dois órgãos públicos citados celebraram um acordo com sociedade estrangeira
que realizou operações com ações preferenciais de emissão da companhia aberta cujo
controle foi adquirido, as quais, logo após a publicação do fato relevante respectivo,
renderam lucro de mais de R$ 500.000,00. O aludido Termo foi homologado, em 24-
Com o termo antes mencionado, a CVM sinalizou claramente para o mercado que a sua
permanente e ampla coordenação com o MPF na prevenção e no combate aos ilícitos
perpetrados no âmbito do mercado de valores mobiliários tem, na solução negociada
de procedimentos administrativos ou judiciais, um importante instrumento, não
apenas para o desestímulo de práticas ilícitas, mas também para que sejam atingidos,
de maneira especialmente célere, eficiente e econômica, todos os objetivos que podem
ser alcançados com o trâmite completo dos procedimentos conduzidos pelas duas
relevantes instituições públicas.
Além disso, vale mencionar também o trabalho coordenado da CVM com o MPF
no já citado “caso Sadia”, o qual contribuiu de forma decisiva para a viabilização da
primeira e ricamente fundamentada decisão do Superior Tribunal de Justiça acerca
do crime de uso de informação privilegiada e na qual o réu foi condenado à pena de
02 (dois) anos, 06 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime aberto, e à pena
de multa em R$ 349.711,53 (trezentos e quarenta e nove mil, setecentos e onze reais e
cinquenta e três centavos).
Outro caso de relevante atuação conjunta da CVM e do MPF foi o que resultou na
celebração de Termo de Compromisso e de Ajustamento de Conduta proposto por
então integrante do bloco de controle de determinada construtora e membro do seu
conselho de administração. A fim de extinguir o Processo CVM RJ nº 2009/428 antes
mesmo de formulada qualquer acusação e instaurado um processo administrativo
sancionador por possível insider trading, bem como de evitar a adoção de medidas
de natureza civil pela CVM e pelo MPF, o proponente comprometeu-se a pagar R$
200.000,00 (duzentos mil reais) ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos e ainda a
94 Mais informações sobre o assunto em: http://www.cvm.gov.br/port/infos/TERMO%20DE%20
COMPROMISSO%20E%20DE%20AJUSTAMENTO250308.asp. Acesso em: 24 out. 2011.
A ação cautelar foi ajuizada contra a LAEP e o seu controlador, tendo sido deferida
liminarmente em 6 de março de 2013, pelo Juízo da 5ª Vara Federal Cível da Seção
Judiciária de São Paulo: a) a decretação da indisponibilidade dos bens do controlador
da LAEP e do afastamento do seu sigilo fiscal; e b) o impedimento de,
“transferência, por qualquer meio ou sob qualquer forma, inclusive em
decorrência de reorganizações ou reestruturações societárias, como
aquela cuja realização se pretende deliberar no próximo dia 07 de março,
direta ou indiretamente, de participações societárias ou por quotas de
sociedades e veículos de investimento brasileiros pertencentes, direta
ou indiretamente, à LAEP”.
Pelo acordo celebrado, a companhia pagou ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos
a quantia de R$ 64.000.000,00 (sessenta e quatro milhões de reais), a título de
desfazimento do enriquecimento sem causa lícita em que incorreu e de reparação
por danos difusos e coletivos, tendo assumido, ainda, relevantes compromissos de
permanente colaboração com a CVM e o MPF, inclusive porque o acordo firmado,
uma vez celebrado, “não prejudica o andamento de nenhum processo judicial, processo
administrativo ou procedimento investigatório em face de pessoas naturais pelos mesmos
fatos que perfazem seu objeto”.
HENRIQUE LANG
SÓCIO DE PINHEIRO NETO ADVOGADOS DESDE 2000. ATUA NA ÁREA EMPRESARIAL E LIDERA A ÁREA DE
MERCADO DE CAPITAIS DO ESCRITÓRIO. POSSUI AMPLA EXPERIÊNCIA REPRESENTANDO COMPANHIAS
E BANCOS DE INVESTIMENTO EM TRANSAÇÕES DE DESTAQUE, VÁRIAS DELAS PREMIADAS COMO “DEAL
OF THE YEAR” NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA POR “LATIN LAWYER”, “AMERICAN LAWYER” E OUTRAS
PUBLICAÇÕES. RECONHECIDO REPETIDAMENTE COMO ADVOGADO LÍDER EM MERCADO DE CAPITAIS
E GOVERNANÇA CORPORATIVA NO BRASIL POR “CHAMBERS”, “IFLR”, “THE INTERNATIONAL WHO’S WHO
OF LAWYERS”, “THE LEGAL 500”, “PRACTICAL LAW” E OUTRAS PUBLICAÇÕES. ASSOCIADO ESTRANGEIRO
DO ESCRITÓRIO DAVIS POLK & WARDWELL LLP EM NOVA YORK (1996). FORMADO EM DIREITO PELA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (1991).
ASSOCIADO SÊNIOR DE PINHEIRO NETO ADVOGADOS. ATUA NA ÁREA EMPRESARIAL, COM ENFOQUE
EM OPERAÇÕES DE FUSÕES E AQUISIÇÕES E MERCADO DE CAPITAIS. ASSOCIADO ESTRANGEIRO DO
ESCRITÓRIO DAVIS POLK & WARDWELL LLP EM NOVA YORK (2015-2016). MESTRE EM DIREITO (LL.M.) PELA
UNIVERSITY OF CHICAGO LAW SCHOOL (2015). ESPECIALISTA EM DIREITO SOCIETÁRIO PELA ESCOLA DE
DIREITO DE SÃO PAULO DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (2010). FORMADO EM DIREITO PELA PONTIFÍCIA
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (2007). ADMITIDO NA OABSP (2008) E NA ORDEM DO ESTADO DE
NOVA YORK, EUA (2016).
8.1. Introdução
A Lei n° 6.385/76 dispõe ainda, em seus demais artigos, outros agentes participantes
do mercado de valores mobiliários, tais como companhias abertas, administradores de
carteiras, custodiantes de valores mobiliários, auditores independentes, consultores e
analistas de valores mobiliários.
Apresentamos neste capítulo uma visão geral dos principais agentes participantes do
Por outro lado, em regra, caso se deseje fazer uma distribuição pública de valores
mobiliários de determinado emissor, tanto o emissor quanto a emissão em si
dependerão de registro prévio na CVM, conforme previsto nos artigos 19 e 21 da Lei n°
6.385/76. Além disso, a distribuição pública deverá ser realizada por meio do sistema
de distribuição de valores mobiliários, conforme o artigo 15 da Lei n° 6.385/76.
Companhia aberta é uma sociedade por ações (S.A.) que, mediante a obtenção do
registro perante a CVM, está autorizada a ter seus valores mobiliários negociados
publicamente, tanto em bolsas de valores quanto no mercado de balcão, organizado
ou não. O processo de registro inicial de companhia aberta é disciplinado basicamente
pela Instrução CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009 (“Instrução CVM n0 480”).
O fundo de investimento não possui personalidade jurídica e pode ser organizado sob
a forma de condomínio aberto ou fechado. O seu patrimônio se divide em cotas.
8.3. Investidores
Uma mesma pessoa pode assumir o papel de investidor e emissor. Por exemplo, um
fundo de investimentos pode emitir cotas para captar investimentos (emissor), e
utilizar os recursos captados para fazer investimentos no mercado (investidor).
A CVM, tem como um dos seus principais mandatos legais a proteção dos investidores.
Para tanto, estabelece na Instrução CVM n0 539, de 13 de dezembro de 2013 (“Instrução
CVM n0 539”), o dever de se efetuar a verificação da adequação dos produtos, serviços
e operações ao perfil do cliente, conhecido como suitability. Desta forma, as pessoas
habilitadas a atuar como integrantes do sistema de distribuição e os consultores de
valores mobiliários não podem recomendar produtos, realizar operações ou prestar
serviços sem que verifiquem a adequação de tais operações ao perfil do cliente.
Para atingir este objetivo, a Instrução CVM n0 539 criou os conceitos de investidor
profissional e investidor qualificado.
Por sua vez, os investidores qualificados são: (i) investidores profissionais; (ii) pessoas
Com base nessa classificação, a regulação da CVM limita o acesso de investidores não
qualificados, ou investidores de varejo, a investimentos de maior risco. Por outro lado,
dispensa a verificação da adequação do produto, serviço ou operação para aqueles
investidores que se qualificarem como profissionais ou qualificados.
Vale ressaltar que, nos termos do art. 56, § 1º, da Instrução CVM n0 400, a instituição
líder de uma distribuição pública (em uma distribuição pública de valores mobiliários
pode haver uma única instituição intermediária ou mais de uma, formando um
sindicato) deve tomar todas as cautelas e agir com elevados padrões de diligência
para assegurar a correção, consistência e suficiência das informações prestadas pelo
Por exemplo, para que um investidor possa realizar operações em bolsa, ele precisa
primeiro abrir uma conta em uma entidade autorizada a intermediar essas operações
(tal como uma corretora). A entidade, por sua vez, dispõe da infraestrutura e sistemas
adequados para receber ordens de investimento e executá-las em bolsa conforme a
instrução do seu cliente.
Os mercados de balcão organizado podem operar de duas formas: (i) da mesma forma
prevista para os mercados de bolsa, conforme descrita acima; ou (ii) por meio do
registro de operações previamente realizadas.
Como exemplo de mercado de balcão organizado pode ser citada a SOMA (Sociedade
Operadora de Mercado de Ativos).
Para que atue como depositária central, uma entidade deve ser uma pessoa jurídica
autorizada pela CVM, constituída sob a forma de sociedade por ações ou de associação,
que demonstre dispor de condições financeiras, técnicas e operacionais, bem como de
controles internos e segregação de atividades adequados e suficientes ao cumprimento
das obrigações estabelecidas na Instrução CVM n0 541.
8.6.4. Custodiante
A Instrução CVM n0 542 trata das atividades de custódia de valores mobiliários, que
também somente podem ser prestadas por pessoas devidamente autorizadas pela CVM,
cabendo à Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários – SMI – o
recebimento e análise dos pedidos de registro, dentre os bancos comerciais, múltiplos
ou de investimentos, caixas econômicas, sociedades corretoras ou distribuidoras de
títulos e valores mobiliários, e entidades prestadoras de serviços de compensação e
liquidação e de depósito centralizado de valores mobiliários.
Além disso, os serviços de custódia são prestados para emissores de valores mobiliários
não escriturais, visando (i) à guarda física dos valores mobiliários não escriturais; e (ii)
à realização dos procedimentos e registros necessários à efetivação e à aplicação aos
valores mobiliários do regime de depósito centralizado.
8.6.5. Escriturador
Para que uma ação possa ser negociada em bolsa de valores, ela deve sair do sistema
escritural, ser transferida para uma conta de custódia em uma corretora de valores
(passando a estar sob a custódia da corretora de valores) e a corretora de valores fará a
interação com a bolsa de valores para dar as ordens de compra e/ou venda.
A pessoa natural que desejar obter este registro deve cumprir uma série de requisitos,
dentre os quais: (i) ser domiciliado no Brasil; (ii) ser graduado em curso superior; (iii)
ter sido aprovado em exame de certificação com metodologia e conteúdo previamente
aprovados pela CVM; (iv) ter reputação ilibada, dentre outros.
Excepcionalmente, os requisitos dos itens (ii) e (iii) acima poderão ser dispensados pela
O diretor responsável pela administração de carteiras não pode ser responsável por
nenhuma outra atividade no mercado de capitais, em qualquer instituição, exceto por
consultoria de valores mobiliários. Tal restrição permite não só que o gestor se dedique
essencialmente às atividades de gestão de carteiras, mas também busca prevenir que o
gestor se veja em situações de conflito de interesses.
Vale mencionar que a ANBIMA - Associação Brasileira das Entidades dos Mercados
Financeiro e de Capitais - criou um código de autorregulação estabelecendo princípios
e regras que deverão ser observados pelas instituições participantes em adição àqueles
já exigidos pela regulamentação aplicável.
8.7.6. Vedações
Além disso, o administrador de carteiras também não poderá negociar com valores
mobiliários das carteiras sob gestão com a finalidade de gerar receitas de corretagem
ou de rebate.
O profissional responsável pela gestão de riscos deve exercer sua função com
independência, não podendo atuar em funções relacionadas à administração de
carteira, distribuição ou consultoria de valores mobiliários ou outra atividade que
limite sua independência.
A atividade de analista de valores mobiliários está prevista nos artigos 1º, inciso VIII, e 27
da Lei nº 6.385/76. A regulamentação da atividade, por sua vez, está contida na Instrução
CVM nº 598, de 6 de julho de 20103 de maio de 2018 (“Instrução CVM n0 598”).
Apenas pessoas físicas podem ser analistas de valores. A atividade de analista pode
ser exercida (i) de forma autônoma, (ii) vinculada a um integrante do sistema de
distribuição, (iii) vinculada a uma pessoa que exerça a função de administrador de
carteira ou consultor de valores mobiliários; ou (iv) vinculada a uma pessoa jurídica
que exerça exclusivamente a atividade de análise de valores mobiliários.
Se o analista atuar de forma vinculada a uma pessoa jurídica, tal pessoa terá o dever
de supervisionar as atividades do analista e implementar regras e controles internos
para assegurar o cumprimento pelo analista com os seus deveres, conforme descritos
abaixo, inclusive comunicando a CVM caso qualquer infração seja verificada.
8.8.2. Credenciamento
8.8.3. Vedações
O descumprimento pelo analista das normas emitidas pela CVM e demais normas
aplicáveis poderá sujeitar o infrator às penalidades administrativas previstas no artigo
11 da Lei nº 6.385/76. Além disso, o exercício irregular da atividade de analista sem o
devido registro constitui crime, conforme o artigo 27-E da mesma lei.
A atividade de consultor de valores mobiliários está prevista nos artigos 1º, inciso VIII,
e 27 da Lei nº 6.385/76. A regulamentação da atividade está contida na Instrução CVM
nº 592, de 17 de novembro de 2017 (“Instrução CVM n0 592”).
A Instrução CVM n0 592 dispõe que, dentre outros requisitos, o consultor de valores
mobiliários pessoa física deve (i) ser graduado em curso superior ou equivalente e ter
sido aprovado em exame de certificação cuja metodologia e conteúdo tenham sido
previamente aprovados pela CVM ou (ii) ter comprovada experiência profissional
de, no mínimo, 7 (sete) anos em atividades diretamente relacionadas à consultoria de
valores mobiliários, gestão de recursos de terceiros ou análise de valores mobiliários,
ou notório saber e elevada qualificação em área de conhecimento que o habilite para o
exercício da atividade de consultoria de valores mobiliários.
Para o consultor de valores mobiliários pessoa jurídica, a norma prevê que deverá
ter em seu objeto social o exercício de consultoria de valores mobiliários, atribuir a
responsabilidade pela atividade de consultoria de valores mobiliários a um diretor
estatutário registrado na CVM como consultor de valores mobiliários e atribuir a
responsabilidade pela implementação e cumprimento de regras, procedimentos e
controles internos e das normas estabelecidas pela Instrução CVM n0 592 a um diretor
estatutário.
O consultor de valores mobiliários deve (i) exercer suas atividades com boa-fé,
O agente autônomo será sempre uma pessoa natural, mas poderá constituir uma
pessoa jurídica, inclusive com outros agentes autônomos. No entanto, a pessoa jurídica
poderá prestar apenas os serviços inerentes à atividade de agente autônomo.
Para poder prestar os seus serviços, seja como pessoa física ou por meio de pessoa
jurídica, o agente autônomo precisa necessariamente firmar um contrato escrito
com uma instituição integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários.
Exceto na hipótese de o agente autônomo atuar na distribuição de cotas de fundos de
investimento, o agente autônomo poderá manter contrato com apenas uma instituição
integrante do sistema de distribuição. Por óbvio, se a pessoa jurídica firmar contrato
com uma instituição, o sócio pessoa física não poderá firmar contrato com outra.
8.10.2. Credenciamento
O agente autônomo deve agir com probidade, boa-fé e ética profissional, empregando
todo o cuidado e diligência esperados de um profissional em sua posição, tanto em
relação aos clientes como à instituição que o contratou.
Quaisquer materiais utilizados pelo agente autônomo deverão ter sido previamente
aprovados pela instituição contratante, e deverão expressamente identificar de forma
clara a posição do agente autônomo como um contratado da instituição integrante do
sistema de distribuição.
A atividade do agente autônomo está sujeita a algumas vedações, que delimitam a sua
esfera de atuação. Uma das mais importantes é a vedação à realização de atividades de
administração de carteira, consultoria ou análise de valores mobiliários. Em outras
palavras, embora o agente autônomo possa prestar informações sobre produtos
e serviços oferecidos pela instituição contratante, ele não poderá prestar serviços
de análise ou recomendação de investimentos, que são exclusivos dos analistas,
consultores ou gestores de recursos.
Outra vedação importante é a de receber ou entregar aos seus clientes dinheiro, títulos
ou valores mobiliários. Embora o agente autônomo possa receber e transmitir ordens
de investimento à instituição contratante, o efetivo recebimento, investimento ou
entrega de valores ou títulos será feito diretamente entre o cliente e a instituição, sem
a participação do agente autônomo.
Tal fiscalização é feita, por exemplo, mediante o acompanhamento das operações dos
clientes e dos dados de sistemas que possam indicar indícios de irregularidades.
O descumprimento pelo agente autônomo das normas emitidas pela CVM e demais
normas aplicáveis poderá sujeitar o infrator às penalidades administrativas previstas
no artigo 11 da Lei nº 6.385/76. Além disso, o exercício irregular da atividade de agente
autônomo sem o devido registro constitui crime, conforme o artigo 27-E da mesma lei.
8.11.1. Conceito
A despeito do citado acima, caso previsto em lei específica, o Banco Central do Brasil
pode autorizar que outras entidades desempenhem o papel de agente fiduciário.
8.12.1. Definição
Esse aumento do grau de confiança é obtido mediante a expressão de uma opinião pelo
Os objetivos do auditor ao conduzir uma auditoria são: (i) obter segurança razoável
de que as demonstrações contábeis como um todo estão livres de distorção relevante,
independentemente se causadas por fraude ou erro, possibilitando assim que ele
expresse sua opinião sobre se as demonstrações contábeis foram elaboradas, em todos
os aspectos relevantes, em conformidade com a estrutura de relatório financeiro
aplicável; e (ii) apresentar relatório sobre as demonstrações contábeis e comunicar-se
como exigido pelas NBC TAs, em conformidade com suas constatações.
8.12.2. Independência
Além dos documentos exigidos pelo art. 5º da Instrução CVM n0 308, os requisitos
para que seja registrado como um auditor independente pessoa física estão no art. 3º
da mesma Instrução CVM n0 308 e consistem em: (i) estar registrado em Conselho
Regional de Contabilidade, na categoria de contador; (ii) haver exercido atividade de
auditoria de demonstrações contábeis, dentro do território nacional, por período não
inferior a cinco anos, consecutivos ou não, contados a partir da data do registro em
Por sua vez, para o registro de uma pessoa jurídica como auditora independente,
além dos documentos exigidos pelo art. 6º da Instrução CVM n0 308, os requisitos
para seu registro estão dispostos no art. 4º da Instrução CVM n0 308. Os principais
requisitos, dentre outros, são: (i) que todos os sócios sejam contadores e que, pelo
menos a metade desses, sejam cadastrados como responsáveis técnicos; (ii) constar
do contrato social cláusula dispondo que a sociedade responsabilizar-se-á pela
reparação de dano que causar a terceiros, por culpa ou dolo, no exercício da atividade
profissional e que os sócios responderão solidaria e ilimitadamente pelas obrigações
sociais, depois de esgotados os bens da sociedade; (iii) manter escritório profissional
legalizado em nome da sociedade, com instalações compatíveis com o exercício da
atividade de auditoria independente, em condições que garantam a guarda, a segurança
e o sigilo dos documentos e informações decorrentes dessa atividade, bem como a
privacidade no relacionamento com seus clientes; e (iv) manter quadro permanente
de pessoal técnico adequado ao número e porte de seus clientes, com conhecimento
constantemente atualizado sobre o seu ramo de atividade, os negócios, as práticas
contábeis e operacionais.
8.13.1. Definição
9 Vide: http://www.investidor.gov.br/menu/Menu_Investidor/sistema_distribuicao/mercados_regulamentos.
html. Acesso em: 4 jan 2016.
10 Nesse sentido: “Os ativos de renda fixa envolvem uma programação determinada de pagamentos. Por isso,
nesses ativos os investidores conhecem antecipadamente os fluxos monetários que vão obter” in: PINHEIRO, Juliano Lima.
Mercado de Capitais: fundamentos e técnicas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 108.
11 Assim, “os ativos de renda variável são aqueles em que não há um conhecimento prévio dos rendimentos
futuros e o valor de resgate pode assumir valores superiores, iguais ou inferiores ao valor aplicado” in: PINHEIRO, Juliano
Lima. Mercado de Capitais: fundamentos e técnicas. 7. ed.São Paulo: Atlas, 2014, p. 109.
9.5.1. Negociação
9.5.2. Pós-negociação
16 Descrição resumida baseada no Anexo 2 do documento intitulado Recommendations for Securities Settlement
Systems. BANK FOR INTERNATIONAL INTERNACIONAL SETTELMENTS (BIS). Recommendations for Securities
Settlement Systems. Committee on Payment and Settlement Systems. Technical Committee of the International Organization
of Securities Commissions. Nov. 2001. Disponível em: http://www.bis.org/publ/cpss46.pdf. Acesso em: jan. 2016.
17 A palavra compensação é plurívoca, logo é essencial explicitar o sentido a ser considerado. Em linguagem
jurídica, a compensação é uma das formas de extinção de obrigação prevista no artigo 368 do Código Civil, sendo este
significado primeiramente a ser adotado. Além disso, compensação é, também, a tradução do termo inglês clearing.
Por isso, nos referiremos à compensação e clearing como sinônimos. Nesse sentido, compensação ou clearing servirá
para designar o cálculo de obrigações mútuas entre participantes de mercado na fase de pós-negociação, bem como a
administração de risco anterior à efetiva liquidação, a fim de assegurar que a liquidação corra de acordo com as regras de
mercado mesmo se uma das partes se tornar insolvente ou inadimplente antes da liquidação propriamente dita. Assim,
sob o termo clearing estão as atividades de administração de riscos do intervalo de liquidação, ou seja, processo que
se desenvolve após a celebração do negócio (finda a fase de negociação) e antes da liquidação e que tem por objetivo
administrar os riscos que surgem no referido intervalo.
18 A atividade de clearing, na maioria das vezes, e seguindo recomendações internacionais, envolve a existência
de uma contraparte central. Dessa forma, a contraparte central assume posição contratual de parte em todos os negócios.
Todos os negócios celebrados no ambiente de negociação, uma vez registrados e ao ingressarem na fase de pós-negociação,
passam a ter a mesma contraparte: a contraparte central, que atua como vendedora de todos os compradores e compradora
de todos os vendedores. A interposição da contraparte central é importante para uniformizar a exposição de risco de
crédito nos negócios não liquidados, já que todos os participantes do mercado têm a mesma contraparte, logo todos estão
expostos ao mesmo risco de crédito. Nesse sentido, vide o o relatório“Standards for Securities Clearing and Settlement in
the European Union”. do Banco Central Europeu (ECB, do inglês European Central Bank), e do Committee of European
Securities Regulators (CERS), de Setembro de 2004. Disponível em: http://www.ecb.int/pub/pdf/other/escb-cesr-
standardssecurities2004en.pdf. Acesso em: 11 jun. 2021. A contraparte central pode ser cumulada com outros integrantes
da infraestrutura de pós-negociação ou ser exercida de forma autônoma, cada mercado adotará o modelo que julgar mais
conveniente. Deve ser uma instituição capitalizada de porte para assumir tal posição, com estrutura de gerenciamento de
risco e capacidade para exigir garantias, assim, os participantes ficam expostos a uma contraparte de baixo risco. Além da
uniformização, há, como regra, um aprimoramento com a efetiva diminuição do risco na medida em que exclui o risco
variável de cada contraparte em cada negócio bilateral. No Brasil, a existência e atividades da contraparte central na pós-
negociação de ações têm fundamento legal previsto no regime jurídico do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) previsto
na Lei 10.214/01, sendo o resultado prático almejado a uniformização do risco de crédito e possibilitar a compensação
multilateral.
19 Em termos jurídicos, a liquidação é importante por ser o momento em que se confere efetiva propriedade
sobre os valores mobiliários objeto de um negócio e por ser o momento do efetivo adimplemento contratual. Durante o
intervalo de liquidação, período compreendido entre a celebração do negócio e a liquidação propriamente dita, as partes
têm direitos de natureza contratual. Após a liquidação, as partes possuem direito de natureza real, já que o comprador passa
a ser legítimo proprietário dos valores mobiliários e o vendedor, por sua vez, do preço recebido.
20 O serviço prestado pelos depositários centrais é fundamental para o mercado de capitais, sem o qual não
é possível a adequada liquidação das operações realizadas. Os depositários centrais são primordiais para se proceder à
entrega dos valores mobiliários e, assim, a liquidação dos negócios realizados. A origem dos depositários centrais está
ligada à necessidade de se proceder à entrega dos valores mobiliários de forma segura, ágil, evitando os riscos derivados do
uso de documentos em papel, sejam títulos ao portador ou nominativos com seus certificados e termos de transferência.
Nesse contexto, foram surgindo nos mercados domésticos os depositários centrais, que tinham por função centralizar a
guarda de valores mobiliários ao portador ou representados por certificados para que a liquidação das operações pudesse
ocorrer sem o trânsito de papéis. Os depositários centrais, no mercado de capitais, prestam serviços de prover registro
de propriedade sobre valores mobiliários e sua consequente transferência, com o objetivo de facilitar a liquidação sem
uso ou trânsito de papéis. Sua função é relevante e, se não forem corretamente administrados ou não exercerem suas
atividades de forma adequada, são um foco de risco sistêmico resultante, entre outros, de fraudes, duplicidade de ativos
registrados, transferências não autorizadas. A desmaterialização trouxe mais relevância para a regulação das atividades de
depositário central, pois estes assumem o papel único e fundamental de guardarem os ativos desmaterializados que nascem
em seus registros e, então, são o substrato essencial para os sistemas de liquidação de valores mobiliários, já que os valores
mobiliários existem apenas de forma escritural.
21 Na prática, os depositários centrais não são acessíveis a qualquer investidor. Da mesma forma que ocorre com
ambientes de negociação onde o acesso é franqueado aos participantes de mercado, os depositários centrais se relacionam
com aqueles que figuram ou são admitidos como seus membros, o que não inclui a totalidade do universo de investidores.
O acesso aos depositários é feito por meio de instituições, notadamente bancos, bancos de investimento e corretoras, que
atuam e prestam serviços de custodiantes. O depositário central mantém contas de ativos (contas para registro de valores
mobiliários escriturais) para os seus membros, logo para um número limitado de instituições que mantêm relacionamento
direto com o depositário central. Esses membros, por sua vez, mantêm contas para seus clientes que podem ser investidores
finais ou outras instituições que atuam como intermediários para outros investidores, de modo que pode haver vários níveis
(cadeia de intermediação) entre o investidor final e o emissor de um determinado valor mobiliário.
22 O risco de crédito se manifesta de duas formas, dependendo do momento em que ocorre o inadimplemento,
podendo ser o risco de ganho esperado não realizado ou risco de principal. O risco de ganho esperado não realizado
consiste no risco da parte solvente e adimplente ter perda para conseguir refazer o negócio original com outra contraparte
devido ao inadimplemento da contraparte original. Assim, antes da efetiva liquidação, se uma contraparte se tornar
insolvente ou inadimplente, a outra parte deverá buscar terceiro no mercado, ao preço atual de mercado, para conseguir
que o negócio originalmente pactuado se concretize, e isto poderá trazer prejuízo e frustrar o ganho esperado na operação
original. Já o risco de principal se materializa quando há efetiva entrega de ativos sem o correspondente pagamento ou o
pagamento sem a correspondente entrega dos ativos. Tal risco se dá na frustração da liquidação em si na data de liquidação.
A mitigação desses riscos é possível com a redução do intervalo de liquidação, o uso de contraparte central e de estruturas
adequadas de Entrega contra Pagamento.
23 O risco de liquidez se manifesta (i) quando participantes do mercado desejam comprar ou vender ativos e
não encontram contrapartes para realizar o negócio em condições justas ou (ii) uma parte não recebe o que lhe é devido e,
assim, deve tomar emprestado ativos ou recursos financeiros no mercado, pagando por isto, para poder, então, cumprir suas
próprias obrigações de forma pontual. O risco de liquidez pode ser mitigado por meio de empréstimo de ativos e existência
de contraparte central
24 Como o uso de contraparte central, compensação multilateral para apuração de saldos líquidos, exigência de
garantias, mas essas ferramentas são empregadas na etapa de compensação ou clearing conduzida por Clearing Houses e/ou
contraparte central.
25 isco de o vendedor poder entregar, mas não receber o pagamento correspondente ou do comprador poder
efetuar o pagamento, mas não receber o valor mobiliário objeto do negócio.
26 As bolsas e as entidades de compensação e liquidação de operações com valores mobiliários são dotadas de
poder de autorregulação, ou seja, podem criar normas, fiscalizar seu cumprimento e aplicar penalidades dentro dos limites
da lei e da regulação estatal, neste caso atribuída à CVM. O fundamento da autorregulação de tais pessoas jurídicas é o art.
17, § 1º da Lei n0 6.385.
27 Neste caso, o Regulamento de Operações da Câmara B3. (Disponível em: http://www.b3.com.br/pt_br/
regulacao/estrutura-normativa/pos-negociacao/. Acesso em: 10 jun. 2021. e o Manual de Procedimentos Operacionais da
Câmara B3 (Disponível em: http://www.b3.com.br/pt_br/regulacao/estrutura-normativa/pos-negociacao/. Acesso em: 10
jun. 2021.).
28 Vale ressaltar que, apesar de o investidor final ser cliente da corretora, na qualidade de agente de custódia, a
B3 como depositário central tem este cliente identificado com seus ativos registrados em conta em seu nome sob o agente
de custódia, por isso a Câmara da B3 é classificada como um depositário central transparente.
Merece frisar que a Clearing B3 integra o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), sendo
a câmara de compensação e liquidação de operações com títulos e valores mobiliários
prevista no inciso III do parágrafo único do artigo 2º da Lei n0 10.214, de 27 de março
de 2001 (Lei n0 10.214/01). A inclusão da B3 no rol de câmaras de compensação do
SPB gera consequências, trazendo direitos e obrigações para a Clearing B3 e demais
câmaras inseridas no SPB por serem sistemicamente importantes29, e, por se ocuparem
da liquidação de operações que, potencialmente, podem desencadear risco sistêmico,
devem funcionar como polos de gestão e de contenção de risco30.
29 Vide artigo 3º, XXIII do Regulamento anexo à Circular 3.057 de 31.08.2001 do Banco Central do Brasil:
“Art. 3º (...) XXIII - sistema sistemicamente importante: sistema de liquidação em que o volume ou a natureza dos negócios,
a critério do Banco Central do Brasil, é capaz de oferecer risco à solidez e ao normal funcionamento do Sistema Financeiro
Nacional.”
30 “As câmaras especializadas na liquidação e compensação das operações oferecem uma solução eficaz na
diminuição dos custos de transação das operações realizadas em sistemas sistemicamente importantes.” SOUZA JUNIOR,
Francisco Satiro. Comentários aos Artigos 193 e 194. In: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei
11.101/2005. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 618.
31 Art. 3º da Lei n0 10.214/01.
32 Art. 3º, § único da Lei n0 10.214/01.
33 Vide a definição de compensação multilateral dada pelo Regulamento anexo à Circular BACEN nº 3.057, de
31 de agosto de 2001: “compensação multilateral: procedimento destinado à apuração da soma dos resultados bilaterais
devedores e credores de cada participante em relação aos demais. O resultado da compensação multilateral também
corresponde ao resultado de cada participante em relação à câmara ou prestador de serviços de compensação e de
liquidação que assuma a posição de parte contratante para fins de liquidação das obrigações, realizada por seu intermédio”
(grifo nosso).
34 O cálculo desta posição consolidada requer a compensação de débitos e créditos de cada investidor contra a
clearing. Assim, ao final haverá um saldo devedor ou credor de cada participante contra a clearing.
35 Liquidação Líquida Diferida (LDL) ou Deferred Net Settlement (DNS) é um tipo de sistema de liquidação no
qual, dentro do sistema, são apurados saldos líquidos de ativos e de recursos financeiros, com o saldo final, seja a crédito ou
débito, de cada participante, são efetuados os lançamentos para a efetiva liquidação mediante pagamento ou recebimento
do saldo final apurado. Os sistemas LDL existem em contraposição ao sistema LBTR – Liquidação Bruta em Tempo Real
– ou RTGS – Real Time Gross Settlement –onde dada operação é individualmente liquidada em tempo real, sem que
haja apuração de saldo final. O sistema de reservas bancárias do Banco Central do Brasil opera na modalidade RTGS
desde a estruturação do Sistema de Pagamentos Brasileiro. Dessa forma, a Câmara da B3 que apura os saldos líquidos de
recursos financeiros e de ativos procedendo à liquidação definitiva através do STR, para o saldo financeiro, e dos sistemas/
registros da central depositária para os ativos. Vide BANK FOR INTERNATIONAL SETTELMENTS (BIS). Real Time
Gross Settlement Systems Report. Mar. 1997. Disponível em: http://www.bis.org/publ/cpss22.pdf. Acesso em: 11 jun. 2021.
(i) em relação a cada participante, assumam a posição de parte contratante, para fins
de liquidação das obrigações37;
(ii) contem com mecanismos de salvaguardas (exigências de garantias, regras para
compartilhamento de perdas, execução direta de ativos em custódia) que assegurem a
certeza de liquidação das operações38;
(iii) segreguem patrimônio especial (patrimônio de afetação) para, exclusivamente,
garantir a liquidação das obrigações existentes no sistema sob sua responsabilidade39;
Com relação às ações, obrigatoriamente, estas devem ter forma nominativa, por força
da Lei n0 8.021/90, e as ações escriturais foram amplamente aceitas pelos emissores e
pelo mercado.
Em se tratando de ações, no mercado brasileiro até a presente data, cabe à B3, além de
manter o único sistema eletrônico de negociação de ações45, ser o depositário central.
Dessa forma, a B3, como já dito, além de ser ambiente de negociação, é sistema de
liquidação de valores mobiliários e depositário central do mercado brasileiro de ações.
Havendo opção estatuária pelas ações escriturais, a companhia emissora deverá contratar
uma instituição financeira autorizada pela CVM para a prestação de tal serviço.
Neste panorama, caso uma companhia decida, em seus estatutos, pela forma de ações
escriturais, esta deverá contratar uma instituição autorizada pela CVM, o “escriturador”,
para que esta instituição passe a fazer o controle e registro das ações. Com isso, os
registros do escriturador serão o livro de registro dos acionistas46. A identificação de
cada acionista, obrigatória por se tratar de ação nominativa, com a quantidade de
ações de sua propriedade, será feita por meio da conta de ações escriturais aberta em
nome do acionista junto ao escriturador. Assim, a quantidade creditada de ações da
companhia emissora na conta do acionista equivale à sua parcela de participação no
capital social da emissora e o legitima para o exercício de seus direitos. Na hipótese
de venda de participação acionária do acionista, este deve solicitar que a quantidade
correspondente às ações vendidas seja transferida para o acionista comprador. Caso o
comprador já seja acionista também, basta a redução, mediante débito, da quantidade
de ações na conta de ações escriturais do vendedor e o crédito correspondente na conta
de ações escriturais do comprador; se envolver um novo acionista como o comprador,
antes é aberta uma conta de ações escriturais para este novo acionista na instituição
escrituradora para, então, receber o crédito das ações que adquiriu47.
O Depositário central exercerá a propriedade fiduciária dessas ações nos termos dos
artigos 41 e 42 da Lei n0 6.404/76. Portanto, no regime previsto na legislação brasileira,
a propriedade fiduciária e as obrigações do proprietário fiduciário decorrem de
prescrição legal que vedam o abuso e delimitam seus poderes. Desta feita, não há
espaço para termos quebra de valores fiduciários calcados em confiança, pois, o que
existe é cumprimento de normas legais51.
Pelo exposto acima, para se negociar as ações em bolsa, elas devem estar depositadas
no depositário central, caso contrário a liquidação seria impossibilitada. A Instrução
CVM n0 461 prevê a obrigatoriedade de depósito centralizado para a negociação de
valores mobiliários em mercados organizados54.
a. o depositário central, regulado pela Instrução CVM n0 541, que centraliza a guarda
ou custódia de determinados valores mobiliários e ativos financeiros e recebe do
responsável pela liquidação das operações com valores mobiliários as instruções de
transferência para proceder à entrega necessária para a liquidação das operações. No
caso do depositário central, a guarda implica atribuição de propriedade. Ou seja, seus
registros conferem propriedade sobre as ações para os investidores que têm posição
acionária nos registros do depositário central, e as transferências que o depositário
central efetua têm o condão de transferir a propriedade dos valores mobiliários sob
os quais este recebeu a propriedade fiduciária, que possui sob sua guarda. Para o
depositário central, guarda implica centralização com o intuito de transferência de
propriedade definitiva. O depositário central costuma ser uma instituição por mercado,
por questão de eficiência, não se encontram no mercado pluralidade de depositários
centrais para o mesmo ativo, e o depositário central costuma ser ligado ao sistema
eletrônico de liquidação, podendo ter relações também com as bolsas de valores. Um
ponto importante é que o depositário central, como regra geral, não se relaciona com
os investidores finais56 e, sim, com seus participantes aceitos;
9.8. Bibliografia
BENJAMIN, Joanna. Financial Law. 1. ed. Oxford: Oxford University Press, 2007.
_______; EIZIRIK, Nelson. A Nova Lei das S/A. São Paulo: Saraiva, 2002.
PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de Capitais: Fundamentos e Técnicas. 7ª. Ed. – São
Paulo: Atlas, 2014., pag. 109
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro. Comentários aos Artigos 193 e 194. In:
Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005. SOUZA
JUNIOR, Francisco Satiro; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. (Coord.). 2. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
WALD, Arnoldo. O regime jurídico das ações escriturais. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro, v. 26, n. 67, p. 17- 31, jul./set. 1987.
Assim, o presente capítulo busca fornecer ao leitor uma base conceitual sobre os
derivativos, apresentando seus pressupostos (em especial econômicos), os elementos
que compõem sua definição, sua base legal e regulatória, suas características, possíveis
classificações, bem esclarecer as principais controvérsias a eles relacionadas2.
O termo “derivativo” é quase autoexplicativo: algo que deriva seu conteúdo (ou parte
dele) de um elemento que lhe é externo, mas com o qual está vinculado (justamente
em razão da derivação levada a efeito). Esta construção é simples quando realizada
em âmbito mental, etéreo, mas deve-se lembrar que é necessária a concretização desse
conceito de derivação para que se possa materializar um “derivativo”. Para tanto, nada
mais adequado do que se colocar a termo, em meio físico ou escritural, aquilo que se
visa ter como o resultado de uma derivação, com referência expressa ao objeto referido.
Pode-se, assim, colocar a termo a forma como determinada derivação ocorrerá a partir
de um objeto específico, sendo possível modelar como se dará esta ocorrência. Para
tanto, e a fim de que se tenha segurança acerca dos termos desta derivação, deve-se
recorrer a um instrumento que, embora tenha como base um instrumento contratual,
não é em sua essência jurídico, mas sim financeiro.
Além de ter seu preço referenciado (mas não idêntico, com exceção do momento de
sua liquidação no vencimento) a um ativo-objeto, outra característica peculiar aos
1 Conforme será aqui apresentado, os derivativos são formatados como instrumentos contratuais reconhecidos
pela legislação como instrumentos financeiros em razão de suas caracterísitcas.
2 Em razão do objetivo mais abrangente do presente capítulo, não será possível apresentar algumas discussões
eventualmente existentes acerca dos temas aqui abordados.
É, portanto, um contrato bilateral atípico (uma vez que não previsto dentre os contratos
típicos do Código Civil), com obrigações para ambas as partes (eventualmente
não bilaterais) sujeito a liquidação em data futura, por ventura sujeita à condição
suspensiva, e que pode, uma vez observada esta estrutura, ser desenhado de diferentes
formas, conforme será mais bem detalhado em item específico deste capítulo. E,
conforme previsão legal (Lei n° 6.385, de 1976), o derivativo é enquadrado como um
valor mobiliário, sujeitando-se, portanto, às disposições aplicáveis a este conjunto de
ativos financeiros.
Além disso, é importante observar que, como a formação do preço dos derivativos
é resultante da formação do preço de seu ativo-objeto no mercado à vista, com
convergência de preços na data da liquidação futura, pode-se afirmar que os derivativos
representam a forma de se negociar a oscilação de preços de seus ativos objetos, sem a
necessidade de ocorrer a negociação física deste ou o eventual desembolso financeiro
integral do preço do ativo por uma das contrapartes.
E, como contrato que é, sua finalidade (objeto ou objetivo) encontra-se nele estabelecida
(ou nos regulamentos das entidades administradoras de mercados organizados nas
Mas, afinal, qual a função de um derivativo? Para que ele serve? Para que possamos
contextualizar a resposta, é importante descrever brevemente a origem dos derivativos.
Mas foi nos idos da década de 1970 do século passado que os derivativos adquiriram suas
feições atuais6, experimentaram novo estímulo e começaram a ser mais demandados
3 Em razão das operações de opções, que podem não resultar em liquidação física ou financeira quando do
vencimento do contrato, conforme será esclarecido em tópico específico.
4 SZTAJN, Rachel. Futuros e Swaps: uma Visão Jurídica. São Paulo: Cultura Paulista, 1999, p. 159.
5 Disponível em: http://www.cmegroup.com/company/cbot.html. Acesso em 2021.
6 YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, 2ª Ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p.
106-108.
O que há de comum entre os fatos históricos acima narrados? Sem dúvida, a necessidade
verificada pelos agentes econômicos (produtores primários, industriais, comerciantes,
instituições financeiras, investidores institucionais e investidores individuais) em
mitigar os riscos decorrentes da oscilação de preços de suas mercadorias e de seus
investimentos em ativos financeiros. E é a partir daqui que se pode explorar a razão de
ser dos derivativos.
7 Que resultou no fim da vinculação entre o valor do dólar e o do ouro, deixando o ouro de ser considerado
como um meio de pagamento, levando o sistema de câmbio internacional a atuar no chamado esquema das taxas flutuantes
de câmbio.
Há situações nas quais os agentes econômicos podem não ter em mente a utilização
dos derivativos como forma de proteção contra risco do ativo objeto, mas sim para fins
do que se denomina “arbitragem”.
Há, ainda, uma terceira hipótese de atuação dos agentes econômicos em relação ao
uso dos derivativos, na qual estes são objeto de atuação especulativa. Estas operações
ocorrem quando o agente econômico assume uma posição8 no mercado de derivativos
sem possuir uma posição correspondente no mercado à vista (ou seja, não serve
para fins de proteção), e sem a intenção de realizar operações de arbitragem entre
mercados. O que se objetiva com esta operação especulativa é atuar em linha com a
tendência de preço do mercado, de modo a obter ganho financeiro, ao passo que se
8 Posição é o termo utilizado pelo mercado para denominar o saldo líquido de contratos detidos por uma
contraparte para uma determinada data e em relação a um determinado vencimento do contrato. A depender da situação
do saldo líquido de contratos, que pode ser comprada ou vendida, diz-se que o investidor está short (vendido) ou long
(comprado) para um determinado contrato e seu vencimento.
Deve-se atentar também para o efeito de alavancagem dos derivativos, que decorre do
fato de que o capital necessário para adquirir uma posição de derivativo é muito menor
do que o capital que seria necessário para adquirir o ativo objeto desse derivativo no
mercado à vista. Em decorrência desse efeito, pode-se aumentar a rentabilidade total
de investimentos em derivativos, mas, por outro lado, deve-se atentar para o risco que
se assume com relação às obrigações decorrentes do derivativo, que serão liquidadas
em data futura ou periodicamente (por meio de ajustes diários, conforme será adiante
analisado).
Uma vez analisadas a finalidade e as funções dos derivativos, passa-se agora a indicar
quais são os riscos existentes no mercado e como eles podem ser mitigados pelos
derivativos.
9 YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, 2ª Ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p.
22-24.
Uma vez que as operações dos investidores não são, normalmente, únicas e isoladas,
o risco de liquidez pode impactar a capacidade financeira de um investidor, que se
vê incapaz de alienar determinado ativo para fazer caixa, resultando em eventual
aumento do risco de crédito. Há vinculação entre os riscos, como dito acima.
10 Não confundir os critérios de classificação dos derivativos com os seus diferentes tipos, conforme será exposto
em tópico específico neste capítulo.
Importante observar, ainda, que para esses contratos a termo de ações negociados
na B3, a Câmara B3 – destinada a realizar o registro, a compensação e a liquidação
de operações com derivativos financeiros e de commodities, mercado de balcão
(swaps, termo de moeda e opções flexíveis) e mercado a vista de ouro – realiza
tanto a liquidação física (entrega das ações) quanto a liquidação financeira (entrega
dos recursos financeiros) entre as contrapartes, utilizando-se, para tanto, de seus
procedimentos e estrutura de participantes.
Assim, com exceção dos contratos a termo de ações negociados na B3, os demais
contratos a termo são definidos de comum acordo entre as partes e levados a registro
perante um ambiente de balcão organizado, não sendo permitida a mobilidade de
posições de compradores e vendedores, que permanecem vinculados até o momento
do vencimento do contrato (pelo transcurso do prazo até seu encerramento ou se
verificada alguma condição que permita a antecipação da sua liquidação).
11 YAZBEK, Otavio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, 2ª Ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p.
103.
12 A B3 é a atual denominação da BM&FBOVESPA S.A., alteração que ocorreu depois da incorporação da Cetip
S.A. pela BM&FBOVESPA S.A, em 2017.
Se, na data futura, o preço do café a mercado (digamos R$120,00) estiver acima do
preço fixado no contrato a termo (digamos R$110,00), o torrefador terá evitado um
dispêndio adicional de R$10,00 por saca de café, enquanto que o produtor deixou de
receber R$10,00 a mais por saca, caso pudesse vender a mercado. Inversamente, se
o preço do café a mercado (R$100,00) estiver abaixo do preço fixado no contrato a
termo (R$120,00), o torrefador terá de pagar R$10,00 a mais por saca de café do que
se pudesse adquiri-las diretamente do mercado, enquanto que o produtor receberá
R$10,00 a mais por saca do que se vendesse a mercado.
São características do contrato futuro: (i) contratação presente (D+0); (ii) data de
vencimento definida no contrato; (iii) contrato bilateral padronizado pela bolsa na
qual é negociado, sendo nele definidas suas especificações e condições (tais como
prazo, taxa, unidade-padrão e forma de liquidação); (iv) a liquidação é ajustada
financeiramente e realizada diariamente, de acordo com as expectativas do mercado
acerca do preço futuro do ativo objeto do contrato, para uma determinada data de
vencimento, sendo este procedimento denominado ajuste diário; (v) permite o
desfazimento da posição pela contraparte antes do vencimento do contrato, por meio
de operação em mercado secundário de bolsa, imprimindo liquidez ao contrato; (vi)
negociado em ambiente de bolsa administrado por entidade autorizada; (vii) exige o
depósito de margem de garantia; e (vii) o processo de liquidação é operacionalizado
por câmaras de compensação e liquidação, que se tornam contrapartes centrais dos
contratos futuros.
O mercado futuro (assim como o mercado de opções) permite que os investidores, cada
qual com sua exposição de risco, possam mitigá-los por meio de seu compartilhamento
com outros investidores que se encontram em posição adequada para tomá-los. Esse
casamento de interesses possui, ainda, reflexos diretos na formação futura dos preços
dos ativos-objeto dos contratos, tendo em vista a lei da oferta e da demanda, o que
também favorece a convergência de preços dos mercados à vista e futuro.
Ademais, é essencial destacar três características que distinguem o mercado futuro dos
demais: (i) padronização; (ii) ajuste diário; e (iii) margem de garantia.
Com isso, para se desfazer de uma posição, o detentor deve adquirir uma posição
inversa, para o fim de haver o cancelamento de posições compradas e vendidas,
restando apenas um novo titular de posição que se subsome na posição original.
Essas questões são respondidas por meio de duas outras características do mercado
futuro: o ajuste diário e o depósito de margem de garantia, as quais somente são viáveis
em razão da existência de uma entidade autorizada a administrar mercado de bolsa e
de uma entidade autorizada a prestar serviços de câmara de compensação e liquidação.
13 Fator relevante para a formação do preço do contrato futuro, e que auxilia na convergência de preço entre
mercado futuro e mercado à vista, é a atuação do arbitrador, que se aproveita de eventuais diferenças de preços entre esses
mercados, em diferentes praças de negociação, sendo certo que sua atuação no tempo tende a reduzir ou eliminar essas
diferenças.
Isso porque, em primeiro lugar, sendo os preços futuros influenciados por expectativas
de oferta e demanda dos ativos-objeto, estas alteram-se a cada nova informação ou
oferta, fazendo com que o preço negociado em uma data presente para determinado
vencimento no futuro varie diariamente. Pelo procedimento do ajuste diário,
essas diferenças são, diariamente, liquidadas entre as contrapartes e a câmara de
compensação e liquidação, que assume a posição de contraparte central.
Nos demais derivativos, o investidor elimina seu risco em relação à posição física,
por meio da determinação prévia de um valor futuro ou da garantia da troca de
rentabilidade (como no swap), ficando protegido na hipótese de um cenário futuro
desfavorável; mas, por outro lado, deixa de se beneficiar na hipótese de uma valorização
da sua posição física. Tem-se a proteção, mas não se pode optar por manter a posição,
tendo em vista a obrigação assumida (com exceção do mercado futuro, no qual a
contraparte pode se desfazer da posição futura, mas com maior custo operacional e
risco envolvidos).
Contudo, a opção permite, conforme seu próprio nome já anuncia, que se opte pelo
exercício do direito de compra ou de venda do ativo-objeto, facultando à contraparte
que possui o direito de exercício verificar se é mais vantajoso exercê-lo e comprar ou
vender o ativo objeto, ou se lhe é mais adequado permanecer com o ativo-objeto ou
comprá-lo diretamente do mercado à vista.
Por sua vez, a contraparte que pode ser exercida, e que terá, caso isso ocorra, que
Existem alguns conceitos importantes que precisam ser apresentados para o adequado
entendimento do funcionamento de um contrato de opção (sem prejuízo daqueles
já abordados em outros tópicos, como ativo objeto, que também são adotados para
opções). Além das denominações específicas das contrapartes (lançador e tomador),
deve-se atentar para os seguintes termos:
• prêmio: valor pago pelo titular da opção ao lançador, quando da celebração do
contrato, para adquirir o direito de compra ou de venda do ativo-objeto em data futura;
• preço de exercício: preço definido em contrato e que será utilizado para fins de
liquidação da obrigação futura, caso o titular da opção escolha exercê-la; e
• data de exercício: corresponde ao dia (ou último dia) no qual o titular da opção pode
exercer seu direito de compra ou de venda, e também pode ser denominado a de data
de vencimento15.
As opções podem ser de dois tipos: (i) as opções de compra, denominadas de call,
nas quais o titular/comprador adquire do lançador/vendedor o direito de comprar o
ativo-objeto do contrato, por preço fixo (preço de exercício) e em data futura (data
de exercício ou vencimento) previstos no contrato, e mediante o pagamento de um
valor presente (D+0) denominado de prêmio, mas não possui o titular/comprador a
obrigação de exercer esse direito de compra; e (ii) as opções de venda, denominadas de
put, nas quais o titular/vendedor adquire do lançador/comprador o direto de vender o
ativo-objeto do contrato, por preço fixo (preço de exercício) e em data futura (data de
exercício ou vencimento) previstos no contrato, e mediante o pagamento de um valor
presente (D+0) denominado prêmio, mas não possui o titular/vendedor a obrigação
de exercer esse direito de venda.
15 Importante observar que, para as denominadas opções americanas, a data de exercício pode ser qualquer data
entre a data da assinatura do contrato e a data de sua liquidação.
a) Segundo o modelo, as opções podem ser classificadas como (a) americanas, que
podem ser exercidas a qualquer momento durante a vida do contrato, até a data de seu
vencimento; e (b) europeias, que somente podem ser exercidas na data de exercício ou
vencimento prevista no contrato.
b) Segundo o objeto do contrato, as opções podem ser classificadas como (a) sobre
mercadoria (commodity) à vista ou disponível, quando o objeto é um ativo financeiro
(aqui incluídos, por exemplo, ações, títulos públicos, índices financeiros e moedas)
ou uma mercadoria negociada no mercado à vista; (b) sobre contrato futuro, quando
o objeto é um contrato futuro; e (c) sobre contrato a termo, quando o objeto é um
contrato a termo.
Exposto seu conceito, pode-se dar como exemplo a negociação de uma opção de compra
entre um produtor de algodão e uma empresa têxtil. Definido o prêmio, o preço de
liquidação da opção e a data de liquidação (vamos considerar para fins deste exemplo
uma opção europeia, que somente pode ser exercida na data de seu vencimento), as
partes celebram o contrato, sendo o prêmio (“P”) pago pelo tomador ao lançador.
Independentemente do que ocorra no mercado entre a data de assinatura e a data de
vencimento, apenas quando verificada esta última é que o tomador (empresa têxtil),
detentor do direito de exercício de compra do algodão pelo preço (“X”), verificará
se o valor a mercado do produto (“Y”), naquela data, é maior ou menor do que X,
considerando, ainda, o prêmio pago (“P”) e o valor de frete da mercadoria (“F”).
16 Por mais que um tomador tome a decisão de não exercer a opção antes do dia de seu vencimento (para uma
opção americana), apenas na data de liquidação da opção é que o lançador terá conhecimento acerca do não exercício.
Alguns contratos de opção preveem, ainda, condições adicionais, tais como tempo e a
observância de outras variáveis para que o tomador, em uma opção americana, possa
exercer seu direito.
Isso porque, no caso de uma opção de compra exercida pelo titular, este comprará
o ativo-objeto pelo preço pactuado, acrescido do prêmio pago quando da aquisição
da opção. Tomador possuirá o ativo e lançador terá recebido recursos em montante
adequado, nos termos do que fora contratado. Se, no entanto, o titular não exercer a
opção, isso quer dizer que o preço de mercado é inferior ao que foi contratado, e será
melhor para o tomador comprar direto a mercado. De outro lado, nesta hipótese, o
lançador possuirá a mercadoria e estará livre para vendê-la a mercado, além de ter
recebido o prêmio.
Contudo, o swap tem como objetivo específico a troca (em sua literalidade, swap) do
risco de uma posição, física ou financeira, ativa (credora) ou passiva (devedora), pelo
risco de uma outra posição, sendo a diferença financeira resultante da rentabilidade
em reais entre essas posições liquidada em data futura.
Determinado investidor, por exemplo, quando exposto a uma posição que lhe traz um
risco financeiro sobre o qual não possui controle (por exemplo, um exportador que se
financiou a uma determinada taxa de juros e agora está com seus recebíveis sujeitos
ao risco de variação da cotação do real em relação ao dólar), poderá mitigar seu risco
por meio de uma operação de swap de taxa de juros x cotação do dólar, tendo como
contraparte uma instituição financeira.
Os swaps são contratos não padronizados, que não permitem a mobilidade de posições
de suas contrapartes, e, portanto, possuem uma liquidez muito reduzida (atendem a
interesses específicos das contrapartes). Por essas razões, são registrados em ambientes
de balcão organizado, depois de haver a negociação direta entre as contrapartes. Não
Os participantes desse mercado são instituições financeiras (as quais devem, nos
termos da regulamentação do Bacen, obrigatoriamente assumir uma das pontas
em um contrato de swap) e instituições não-financeiras, sendo estas últimas as que
efetivamente buscam a proteção pelo swap. Mas, ainda, podem ser encontrados nesse
mercado os swap-brokers (instituições especializadas na identificação e conexão de
contrapartes para fins de celebração do contrato de swap) e os swap-dealers (instituições
que se posicionam como contraparte em um contrato de swap até o momento em que
encontram outro interessado a ocupar seu lugar na relação contratual, desde que assim
preveja o contrato).
Vale ainda destacar que uma das vantagens do contrato de swap está no fato de que ele
pode ser combinado com a emissão de um título (de modo a permitir a mitigação do
risco a que a contraparte estará exposta com a emissão do título) e, assim, viabilizar
a troca da natureza da obrigação do tomador do empréstimo (sendo possível citar
como exemplo as operações de captação de recursos no exterior por meio da emissão
de títulos de dívida – bonds – e a correspondente celebração de um swap para fins de
mitigação do risco de variação cambial da dívida).
Negociado
Negociado em bolsa
ou registrado Registrado em Negociado em Negociado em bolsa ou
ou registrado em
nos mercados balcão bolsa registrado em balcão
balcão
organizados?
Compromisso de Compromisso de
compra e venda compra e venda Aquisição do direito de Troca de fluxos
Objetivo do de um bem, com de um bem, com comprar ou vender, em financeiros a ser
contrato liquidação em data liquidação em data data futura, por preço liquidado em data
futura, por preço futura, por preço previamente fixado futura
previamente fixado previamente fixado
Possibilidade de
alteração da posição
Não Sim Sim Não
Como visto nos tópicos acima, as operações com derivativos visam, normalmente,
à proteção de investidores que possuam exposições a riscos de variação de preços,
taxas e moedas (com commodities ou ativos financeiros). Para mitigar a exposição a
alterações adversas dos mercados em que estão posicionados, os investidores realizam
operações em pontas opostas nos mercados de derivativos. A tais operações de
proteção dá-se o nome de operações de hedge.
Em que pese a referência a essas operações ser esparsa e constar em uma série de
normativos, a sua definição legal consta apenas legislação que versa sobre matéria
tributária, a Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, em seu art. 77, inciso V e §1º,
segundo a qual as operações com renda variável “realizadas em bolsa de valores, de
mercadoria e de futuros ou no mercado de balcão” são consideradas como de cobertura
(hedge) desde que “destinadas, exclusivamente, à proteção contra riscos inerentes
às oscilações de preço ou de taxas, quando o objeto do contrato negociado: a) estiver
relacionado com as atividades operacionais da pessoa jurídica; b) destinar-se à proteção
de direitos ou obrigações da pessoa jurídica”.
Por fim, importante destacar que as operações de hedge nem sempre são perfeitas,
ou seja, nem sempre mitigam a totalidade do risco a ser protegido, tendo em vista,
por exemplo, possíveis oscilações abruptas de mercado, o que pode fazer com que o
hedge se verifique apenas em parte, ou que haja ganhos adicionais inesperados com as
posições em derivativos.
A previsão legal sobre os derivativos encontra-se no art. 2º, incisos VII e VIII, da Lei
nº 6.385, de 07 de dezembro de 1976, com as alterações promovidas pela Lei nº 10.303,
de 31 de outubro de 2001.
A previsão dos derivativos em dois incisos (VII e VIII do art. 2º da Lei nº 6.385/76,
incluídos pelas alterações promovidas pela Lei nº 10.303/01), em que pese possa, a
princípio, parecer redundante, trata de situações complementares.
No inciso VII (“os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos
subjacentes sejam valores mobiliários”), foi adotada uma redação que restringia o rol
de derivativos considerados valores mobiliários para fins da aplicação da legislação e
da regulamentação pertinentes. Mostra-se restritiva essa redação porque, se houvesse
um derivativo que não possuísse como ativo subjacente um valor mobiliário, e caso ele
não se enquadrasse na previsão do inciso IX do art. 2º da Lei nº 6.385/76, não seria um
valor mobiliário e estaria fora da competência regulatória da CVM.
Técnicas legislativas à parte, com a previsão contida no inciso VIII (“outros contratos
derivativos, independentemente dos ativos subjacentes”), o legislador não só sanou
eventual dúvida que pudesse pairar sobre a competência regulatória da CVM sobre
a totalidade dos derivativos (na medida de suas competências legais), como também
demonstrou querer enquadrar todos os derivativos como valores mobiliários.
Contudo, tais entidades dependem de prévia autorização da CVM para o exercício das
atividades de mediação ou de corretagem de operações com valores mobiliários, nos
termos do art. 16, III, da Lei nº 6.385/76.
Assim, mesmo que caiba à CVM a competência sobre a negociação e registro dos
derivativos no ambiente do mercado de capitais, o Bacen permanece com suas
competências para dispor sobre tais instrumentos, por exemplo, quando forem
negociados e registrados pelas instituições financeiras (que também estão submetidas
à regulamentação do Bacen), como ocorre, por exemplo, com os derivativos de crédito,
conforme será adiante explorado.
E, em que pese a Lei nº 6.385/76 tenha tratado apenas do registro “para negociação”,
a CVM, devidamente atenta à natureza das operações existentes no mercado,
adequadamente regulamentou de forma diversa o registro das operações com
derivativos negociados em ambientes de bolsa (ou seja derivativos padronizados) e o
registro das operações com derivativos registrados em ambientes de balcão organizado.
Nesse sentido, a ICVM n0 467 determina, em seu art. 3º, que “os contratos derivativos
que não tenham sido negociados em mercado organizado, mas levados a registro em
tal mercado, serão aprovados pela entidade administradora do mercado em que
forem registrados, estando dispensados de aprovação na CVM”, devendo a entidade
administradora de mercado organizado de balcão, ainda, (i) “manter, pelo prazo de 5
(cinco) anos, contados da data de término dos contratos, a documentação relativa à sua
análise”, e (ii) “estabelecer e tornar públicas regras sobre os procedimentos e critérios para
aprovação dos contratos derivativos registrados em seus mercados”.
Vale observar que a Lei nº 6.385/76 já determinava, em seu art. 21, §4º, que “cada Bolsa
de Valores ou entidade de mercado de balcão organizado poderá estabelecer requisitos
próprios para que os valores sejam admitidos à negociação no seu recinto ou sistema,
mediante prévia aprovação da Comissão de Valores Mobiliários”, tendo em vista a
previsão contida no art. 17, §1º, dessa mesma Lei, que determina
Ainda que a CVM tenha se tornado o efetivo regulador dos derivativos apenas quando
da expressa previsão em lei destes como valores mobiliários, em razão da competência
originária da CVM sobre as operações no mercado de capitais e seus participantes,
inclusive as bolsas de valores, esta autarquia já havia editado norma acerca das
operações com opções de compra e venda de ações nos mercados de bolsa de valores
(Instrução CVM nº 14, de 17 de outubro de 1980, alterada pela Instrução CVM nº 283,
de 10 de julho de 1998).
Outra norma de relevo editada pela CVM, e que possui conexão com o mercado de
derivativos, é a Instrução CVM nº 461, de 23 de outubro de 2007, a qual disciplina
os mercados regulamentados de valores mobiliários e dispõe sobre a constituição, a
Por meio dessa norma, a CVM regulamentou tema que até a edição da Lei nº 10.303,
de 2001, era de competência do Conselho Monetário Nacional (antiga Resolução nº
2.690, de 27 de janeiro de 2000), assumindo efetivamente a competência que lhe fora
outorgada, determinando não apenas como as supracitadas entidades de mercados
organizados deveriam se constituir e funcionar, mas também quais normas deveriam
ser observadas por seus ambientes, mercados e sistemas.
E, ainda mais recentemente, a Instrução CVM nº 541, que versa sobre a prestação de
serviços de depósito centralizado de valores mobiliários, regulamentou a possibilidade
de posições de derivativos serem objeto de gravames e ônus, nos termos de seu art. 35,
§4º, observadas as disposições contidas na Lei nº 6385/76, art. 2º, §4º, Lei nº 12.810/13,
e Lei nº 10.931/04, art. 63-A.
• Resolução CMN nº 3.833, de 28 de janeiro de 2010, que altera a Res. CMN 3.312, de
31 de agosto de 2005, para fins de instituir a obrigatoriedade de registro das operações
de proteção (hedge) realizadas com instituições financeiras do exterior ou em bolsas
estrangeiras; e
Por seu turno, o Banco Central do Brasil (Bacen), nos termos da competência que
lhe é determinada por lei (Leis nº 4.595, de 1964, 4.728, de 1965, e 6.385, de 1976) e
pela regulamentação do CMN, regulamenta o modo como as instituições financeiras
(que estão sob a sua regulação, fiscalização e supervisão) devem atuar em relação aos
instrumentos financeiros derivativos, podendo-se ressaltar os seguintes normativos:
A gestão do risco de crédito pelo credor envolve diversos métodos, levando-se sempre
em conta a probabilidade de o tomador não honrar com suas obrigações financeiras e
restar inadimplente, com prejuízo ao credor. Para a verificação do risco de crédito, as
instituições normalmente se utilizam de uma taxa de inadimplência que corresponde
à totalidade de sua carteira de empréstimos e/ou investimento em títulos, de modo a
obter a sua exposição de maneira abrangente, e não operação a operação. Isso também
mostra-se uma vantagem ao não haver individualização das condições de cada uma
Por uma visão qualitativa, o risco de crédito é dado pelo que se denomina “rating
de crédito”, calculado e divulgado por entidades reguladoras ou por empresas
especializadas, tais como Fitch, Moody’s e Standard & Poor’s, cada qual observando
seus critérios, métodos e procedimentos de avaliação próprios, podendo estar ou não
sujeitos à regulamentação a depender do país de atuação17. Esse rating corresponderia
à capacidade creditícia de uma empresa sendo utilizado pelo mercado como um
parâmetro para fins de realização de investimentos, em empréstimos, bem como,
eventualmente, como condição para a antecipação de pagamentos. Quanto maior o
risco de crédito, menor o patamar de classificação do rating concedido.
Por uma visão quantitativa, o risco de crédito é medido por meio do prêmio pago
na operação de crédito e corresponde a uma compensação adicional aos juros que
o investidor exige para fins de realização do empréstimo, considerando o risco de
inadimplência do tomador. Assim, o prêmio é inversamente proporcional ao risco de
crédito.
Esses contratos atendem a necessidades das partes contratantes, não são padronizados,
e possuem cláusulas versando sobre valores, prazo de vencimento e condições
específicas, tais como se os valores serão predeterminados ou definidos por fórmulas
e critérios nele estabelecidos, assim como detalha os possíveis eventos de crédito
(obrigatoriamente observável) que serão considerados no curso do contrato ou em
períodos de tempos nele predefinidos, tais como inadimplência, pedido de falência,
rebaixamento de rating ou uma queda significativa de preço de mercado.
Por não serem contratos padronizados, os derivativos de crédito não são negociados
em mercados organizados de bolsa, mas sim em mercados organizados de balcão,
devendo ser obrigatoriamente registrados para fins de sua validade. Contudo, tendo
em vista o grau de sensibilidade do risco que esses derivativos visam a proteger para fins
de segurança do mercado, a maior parte dos derivativos de crédito segue os padrões e a
nomenclatura desenvolvidos pelo International Swaps Derivatives Association (ISDA),
o que permite uma atuação mais eficiente por parte dos reguladores do mercado.
Dentre as cláusulas mais relevantes, pode-se destacar aquelas que versam sobre os
termos de pagamento ao comprador do derivativo (vendedor de proteção) acerca de
sua contraprestação financeira, os eventos de crédito que devem ser observados e os
termos de pagamento ao vendedor do derivativo (comprador de proteção) quando da
observância de um dos eventos de crédito.
Por parte das instituições financeiras, um importante aspecto a ser observado no trato
com derivativos de crédito é o aspecto regulatório relativo ao capital exigido para
essas operações. Isso porque, embora a instituição realize um hedge com o derivativo
de crédito, que reduz a exposição ao risco de crédito do banco, não necessariamente
haverá a redução da exigência de capital por parte dos reguladores.
Essa norma ainda estabelece o que são os eventos de deterioração de crédito (definidos
entre as partes em contrato, relacionados com o ativo subjacente ou com as partes
a ele vinculados, e que, independentemente da sua motivação, servem como gatilho
para o pagamento, por parte da contraparte receptora do risco, do valor de proteção
contratado - art. 2º, inciso II) e quais são as situações que devem, no mínimo, ser
estabelecidas em contrato como eventos de crédito para que se caracterize a efetiva
transferência do risco de crédito do ativo subjacente (art. 3º, parágrafo 1º, inciso I).
Além disso, e nos termos dos demais incisos do §1º do art. 3º, para que se verifique
a efetiva transferência do risco de crédito, (i) o ativo subjacente deve ser legalmente
passível de transferência; (ii) não deve haver qualquer coobrigação da contraparte
transferidora do risco em relação à parcela do ativo subjacente; (iii) não deve haver
cláusula que possibilite o cancelamento unilateral do contrato pela parte receptora
do risco de crédito (com exceção da hipótese de não pagamento da remuneração
pactuada pela contraparte transferidora do risco); e (iv) não deve haver cláusula que
possibilite à contraparte receptora do risco o não cumprimento da obrigação de efetuar
prontamente o pagamento do montante devido à parte transferidora na ocorrência do
evento de crédito.
Posteriormente à realização das operações, as posições que passam a ser detidas pelos
investidores (compradas ou vendidas) são mantidas pela câmara ou prestadora do
serviço de compensação e liquidação autorizada pela CVM e pelo Bacen, a qual realiza
os procedimentos de controle dessa posição e de ajustes diários, sendo, para tanto,
garantida com a margem de garantia aportada pelos investidores. Esta entidade que
realiza, ao fim, a liquidação do contrato futuro na data de seu vencimento.
Os derivativos registrados, por outro lado, em que pese não sejam padronizados, devem
observar as regras estabelecidas pelas entidades autorizadas pela CVM a administrar
mercados organizados de balcão, nas quais serão estabelecidos os procedimentos,
tipos de contratos, ativo-objeto aceitos, condições passíveis de aceitação, inclusive para
fins de eventual liquidação antecipada.
Vale observar ainda que, tendo em vista a necessidade verificada pelo mercado e
pelos reguladores (principalmente depois da crise de 2008 e dos casos, em 2009, de
Bibliografia
FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: Produtos e Serviços. 19ª. ed. rev. e atual.
Rio de Janeiro: Qualitymark Editora, 2013.
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SZTAJN, Rachel. Futuros e Swaps: uma Visão Jurídica. São Paulo: Cultura Paulista,
1999.
Dessa forma, é inegável a intensa associação desse tipo societário aos mecanismos de
captação de recursos junto ao público investidor e, portanto, ao próprio mercado de
valores mobiliários.
1 Cf. LAMY FILHO, Alfredo; BULHÕES PEDREIRA, José Luís. A Lei das S.A.: pressupostos, elaboração,
modificações. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 83-84.v.1.
2 Cf. LAMY FILHO. Alfredo. A sociedade por ações e a empresa. In: LAMY FILHO, Alfredo. Temas de S.A. Rio
de Janeiro: Renovar, 2007, p. 9-10.
3 Cf. LAMY FILHO, Alfredo; BULHÕES PEDREIRA, José Luís. A Lei das S.A.: pressupostos, elaboração,
modificações. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 83-84.v.1.
4 Além disso, a proeminência das sociedades por ações enquanto técnica de estruturação negocial levou
à “exportação” de alguns de seus elementos estruturais a outros tipos societários, como é o caso da limitação de
responsabilidade de seus sócios.
5 A esse respeito, A. Lamy Filho e J. L. Bulhões Pedreira afirmam: “Os mecanismos básicos de funcionamento
interno das companhias abertas e fechadas são os mesmos, mas, nas relações com o público as companhias abertas assumem
obrigações relevantes e específicas com os participantes dos mercados de valores mobiliários, e o público em geral. Com efeito,
a diferença mais importante entre a companhia fechada e aberta é que esta, além das relações (internas) com os investidores
Assim, nota-se que o registro a que alude o artigo 21 da Lei n° 6.385/76 confere o status
de companhia aberta a uma determinada sociedade por ações, pois, a partir da sua
concessão, os valores mobiliários de sua emissão passam a estar aptos à negociação no
mercado de valores mobiliários17. Não significa dizer, entretanto, que apenas o aludido
registro possui o condão de conferir o status de companhia aberta para determinada
sociedade por ações, de modo que todas as companhias não registradas perante a
CVM são, por definição, companhias fechadas18.
14 “Art. 4o (...)
§ 1o somente os valores mobiliários de emissão de companhia registrada na Comissão de Valores Mobiliários podem ser
negociados no mercado de valores mobiliários.”
15 “Art . 21. A Comissão de Valores Mobiliários manterá, além do registro de que trata o Art. 19: i - o registro para
negociação na bolsa;
ii - o registro para negociação no mercado de balcão, organizado ou não.
§ 1º - somente os valores mobiliários emitidos por companhia registrada nos termos deste artigo podem ser negociados na bolsa
e no mercado de balcão.”
16 “Art . (...)
§ 6º - Compete à Comissão expedir normas para a execução do disposto neste artigo, especificando: i - casos em que os registros
podem ser dispensados, recusados, suspensos ou cancelados; (...).
17 Cf. PITTA, Andre Grunspun Pitta. Comentários ao artigo 21 da Lei n° 6.385/76. In: PATELLA, Laura;
CORDONIZ, Gabriela. Comentários à Lei do Mercado de Capitais – Lei n° 6.385/76. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 447.
18 Cf. PITTA, Andre Grunspun Pitta. (2015). Op. cit., p. 448.
19 Como é o caso, por exemplo, da Instrução CVM n° 476/08, que prevê a dispensa do registro a que alude o
artigo 21 da Lei n° 6.385/76 para determinados emissores de valores mobiliários representativos de dívida que realizam
ofertas públicas com esforços restritos de distribuição desses valores mobiliários, nos termos da aludida norma.
20 Cf. PITTA, Andre Grunspun Pitta. (2015). Op. cit., p. 449.
21 Sobre a natureza formal da definição de companhia aberta contida na Lei nº 6.404/76, O. Yazbek afirma: “a
Lei n. 6.404/76 mudou o rumo que se vinha adotando até então para a definição de companhia aberta. O tema começara a
ser tratado no Brasil, vale frisar, com o art. 59 da Lei n. 4.728, de 14-7-1965, que referia as ´sociedades de capital aberto´,
dizendo que o Conselho Monetário nacional definiria as condições para sua caracterização (o que se fez por intermédio das
resoluções CMn n. 106/68 e 176/71). tais sociedades diferenciavam-se das ‘companhias abertas’ aparecidas a partir da Lei n.
6.404/76, sobretudo por serem caracterizadas a partir de um critério material, o grau de dispersão dos títulos de sua emissão.
A opção do diploma de 1976 foi rigorosamente distinta. Assim, ao referir no ´caput´ as companhias abertas como aquelas que
têm os valores mobiliários por elas emitidos ‘admitidos à negociação’ em mercado, registrando, no §1º, que apenas poderiam
ser assim negociados os títulos de emissão de ´companhia registrada na Comissão de Valores Mobiliários´, o art. 4º passou a
definir tais companhias a partir daquela obrigatoriedade de registro. A negociabilidade nele consagrada não se confunde com a
concreta negociação dos títulos, que é situação de fato. Ainda assim, há autores que interpretam o dispositivo de forma diversa,
aproximando-se mais, em suas análises, do conceito que vigorava sob a Lei n. 4.728/65.” (YAZBEK, Otavio. As companhias
abertas – sua caracterização, as vantagens e as desvantagens da abertura de capital. In: FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis;
PROENÇA, José Marcelo Martins. Sociedades Anônimas. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 108-109.).
A esse respeito, a ICVM 480 estabelece25 que o pedido de registro de emissor deve
ser encaminhado à Superintendência de Relações com Empresas da CVM – SEP – e
instruído com todos os documentos identificados no Anexo 3 da norma, incluindo:
a) requerimento de registro de emissor de valores mobiliários, assinado pelo diretor de
relações com investidores, indicando a categoria de registro pretendida;
b) ata da assembleia geral (ou documento equivalente, caso o emissor não seja
constituído sob a forma de sociedade anônima) que houver aprovado o pedido de
registro;
A norma, além de trazer um extenso rol de informações que devem ser disponibilizadas
no momento do registro, como condição à sua obtenção, e posteriormente, em bases
periódicas ou eventuais, como condição à sua manutenção, contém também algumas
c) que as informações fornecidas pelo emissor devem ser úteis à avaliação dos valores
mobiliários por ele emitidos;
d) que sempre que a informação divulgada pelo emissor for válida por um prazo
determinável, tal prazo deve ser indicado; e
O artigo 21 da ICVM 480 estabelece o rol de informações periódicas que devem ser
prestadas pelos emissores. Além da divulgação anual do Formulário de Referência,
destaca-se a obrigatoriedade de divulgação do Formulário de Informações Trimestrais
– ITR, das demonstrações financeiras e do Formulário de Demonstrações Financeiras
Padronizadas – DFP.
As informações eventuais, por sua vez, são elencadas nos artigos 30 e 31 da ICVM 480.
A CVM, possui, ainda, amplos poderes para solicitar modificações ou correções nos
documentos apresentados pelas companhias abertas em cumprimento das obrigações
periódicas e eventuais30, o envio de informações e documentos adicionais aos exigidos
pela ICVM 480 e solicitar esclarecimento sobre informações e documentos enviados31.
Trata-se, em verdade, de uma cifra que não tem existência real, haja vista que os recursos
32 Cf. artigo 24 da ICVM 480.
33 No caso dos emissores “categoria A”, são eles (nos termos do artigo 24, §3°, da ICVM 480): (i) alteração de
admi- nistrador ou membro do conselho fiscal do emissor; (ii) alteração do capital social; (iii) emissão de novos valores mo-
biliários, ainda que subscritos privadamente; (iv) alteração nos direitos e vantagens dos valores mobiliários emitidos; (v)
alteração dos acionistas controladores, diretos ou indiretos, ou variações em suas posições acionárias iguais ou superiores a
cinco por cento de uma mesma espécie ou classe de ações do emissor; (vi) quando qualquer pessoa natural ou jurídica, ou
grupo de pessoas representando um mesmo interesse atinja participação, direta ou indireta, igual ou superior a cinco por
cento de uma mesma espécie ou classe de ações do emissor, desde que o emissor tenha ciência de tal alteração, ou tenha sua
posição acionária aumentada ou diminuída nesse percentual; (vii) incorporação, incorporação de ações, fusão ou cisão
envolvendo o emissor; (viii) alteração nas projeções ou estimativas ou divulgação de novas pro- jeções e estimativas; (ix)
celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas arquivado na sede do emissor ou do qual o controlador seja parte
referente ao exercício do direito de voto ou poder de controle do emissor; e (x) decretação de falência, recuperação judicial,
liquidação ou homologação judicial de recuperação extrajudicial.
As contribuições feitas ao capital social apenas podem ser devolvidas aos sócios em si-
tuações bastante específicas de restituição, resgate ou reembolso. Essa intangibilidade
do capital social é também garantida pelo art. 201 da Lei nº 6.404/76, que estabelece
que não pode haver distribuição de lucros aos sócios em prejuízo do capital social.
Dadas as funções exercidas pelo capital social, a Lei nº 6.404/76 estabelece um rito
bastante especial para a sua modificação.
O capital social pode ser aumentado na forma indicada no art. 166 da Lei nº 6.404/76:
a) por deliberação da assembleia geral ordinária, para correção da expressão monetária
do seu valor;
34 “Toda a lei de sociedade anônima dedica, por isso, ao capital social uma atenção especial na medida em que,
‘externa corporis’, como elemento formal, constitui garantia de credores como ´cifra de retenção´ (na expressão de Garrigues) e
‘interna corporis’ é a condição do exercício do poder empresarial.” LAMY FILHO, Alfredo. “Capital Social”. In: LAMY FILHO,
Alfredo; BULHÕES PEDREIRA, José Luís. A Lei das S.A.: pressupostos, elaboração, modificações. Vol. II. Rio de Janeiro:
Renovar, 1997, p. 25.
35 “Isso significa que as contribuições dos sócios, correspondentes à integralização do capital, que passam a integrar o
patrimônio da sociedade, somente poderão ser utilizadas na atividade social, não podendo ser devolvidas aos sócios senão, em
princípio, na liquidação da sociedade ou, então, na hipóteses expressamente previstas.” “FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo
e Novaes. Credores e Acionistas nos Aumentos de Capital Social. In: FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Temas
de Direito Societário, Falimentar e Teoria da Empresa. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 237.
O acionista poderá, ainda, ceder seu direito de preferência a terceiro, caso não tenha
interesse em subscrever novas ações. Cumpre ressaltar que o direito de preferência
pode ser excluído ou ter seu prazo de exercício reduzido, excepcionalmente, na hipó-
tese de companhias abertas de capital autorizado, quando a emissão das novas ações
ocorrer no âmbito de uma venda em bolsa de valores, subscrição pública ou permuta
por ações, em oferta pública de aquisição de controle.
A redução do capital social, por sua vez, é permitida apenas quando houver perda, até
o montante dos prejuízos acumulados, ou caso o capital social seja considerado ex-
cessivo pelos seus acionistas, sendo certo que na hipótese em que a redução do capital
implicar restituição das contribuições dos sócios, ela apenas terá efeito sessenta dias
após a publicação da ata da assembleia geral que a tiver deliberado, caso não tenha
havido oposição por parte de credores da companhia ou caso tenha ocorrido oposição,
desde que tenha ocorrido o pagamento do seu crédito ou do depósito judicial da
importância respectiva.
(ii) pela assembleia geral, nos demais casos (art. 166, inc. IV da Lei nº 6.404/76).
Vale ressaltar que a integralização de pelo menos 3/4 do capital social é condição es-
sencial à possibilidade de aumentá-lo (art. 170 da Lei nº 6.404/76).
Nas demais hipóteses, nas quais a realização do aumento de capital depende de altera-
ção do estatuto social, a assembleia geral extraordinária instalar-se-á na forma do art.
135 da Lei nº 6.404/76, ou seja, em primeira convocação, com a presença de acionistas
que representem, no mínimo, 2/3 do capital social com direito de voto, ou, em segunda
convocação, com qualquer número de presentes. O mesmo se aplica para a inclusão,
no estatuto social, de cláusula prevendo a autorização para o aumento de capital sem
necessidade de reforma estatuária, na forma prevista no artigo 168 da Lei nº 6.404/76.
A deliberação sobre o aumento de capital será tomada por maioria absoluta de votos,
não se computando os votos em branco (art. 129 da Lei nº 6.404/76).
Nos termos do artigo 168 da Lei nº 6.404/76, a autorização estatutária para aumento
de capital independentemente de reforma estatutária deve especificar o limite de
aumento, em valor do capital ou em número de ações, e as espécies e classes das ações
que poderão ser emitidas, ressalvado que o limite, quando fixado em valor do capital
social, deve ser atualizado anualmente, corrigido pela assembleia geral ordinária, com
base nos mesmos índices adotados na correção do capital social (artigo 182, § 2º, da
Lei nº 6.404/76).
Nesse caso, recomenda-se que o artigo do estatuto social que indica o valor do
capital social da companhia e sua divisão em ações seja atualizado mediante
deliberação na próxima assembleia realizada pela companhia, contemplando os
aumentos realizados dentro do limite do capital autorizado. Essa deliberação não está
sujeita ao rito do artigo 135 da Lei nº 6.404/76, uma vez que este foi devidamente
cumprido quando da inclusão da previsão estatutária acerca do capital autorizado.
A prática mais usual é o rateio e a venda em bolsa do saldo não rateado. Nesse sentido,
normalmente, durante o período de exercício do direito de preferência, os subscritores
poderão manifestar, no boletim de subscrição, interesse em subscrever as sobras das
ações não subscritas.
Caso seja de interesse da companhia, esse rateio poderá ocorrer sucessivamente até
que se esgotem as sobras, sem que haja, nesse caso, a necessidade de previsão da
quantidade de rateios a serem realizados no ato societário que deliberou o aumento de
capital, dada a impossibilidade de definir quantos rateios serão necessários para tanto.
Como se sabe, a Lei nº 6.404/76 não exige a realização de um segundo ato societário
(assembleia de acionistas ou reunião do conselho de administração, conforme o caso)
para proceder à verificação, conferência ou homologação do aumento de capital, ao
contrário do que ocorreria no regime societário anterior (Decreto Lei n0 2.627). Dessa
forma, compete à companhia, de acordo com sua estrutura interna de governança,
avaliar e estabelecer o procedimento aplicável a essa verificação.
De fato, relatam Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira que “o fenômeno do
controle da companhia somente passou a ser estudado a partir da década de 1930; e até
Atualmente, a definição de controle pode ser extraída do artigo 116, caput, da Lei das
S.A., pelo qual
“entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica,
ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle
comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo
permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral
e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b)
usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o
funcionamento dos órgãos da companhia”.
Daí se vê que o poder de controle, na definição da Lei das S.A., é poder de fato, e
não jurídico9. Isto é, para ser controlador, o acionista não precisa deter um percentual
5 Princípio majoritário e acionista controlador. In: LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões.
(Coord.). Direito das companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 815. v. 1.
6 Princípio majoritário e acionista controlador, op. cit., p. 819.
7 WALD, Arnoldo. O acordo de acionistas e o poder de controle do acionista majoritário. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo: Malheiros, v. 110, abr./jun. 1998, p. 8.
8 Daí se vê que o controle pode ser exercido de modo direto, quando o controlador é o próprio acionista da
companhia, ou indireto, quando ele é acionista controlador da sociedade controladora da companhia. Nas palavras de José
Luiz Bulhões Pedreira, o controle indireto “é modalidade de poder própria de um grupo ou estrutura de sociedades. A
relação de poder não é parte da organização interna de uma das sociedades, mas do grupo, pois vincula o papel de acionista
controlador de uma sociedade aos órgãos sociais de outra. A fonte do poder são as relações societárias entre as sociedades,
e o poder é exercido indiretamente – através dos órgãos de outra sociedade” (Cessão de quotas de ‘holding’ de companhia
aberta. In: LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A lei das S.A.: pressupostos, elaboração, aplicação. 2. ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 625. v.2. parte 3.).
9 Diz-se que o controle é poder de fato, e não jurídico, pois o poder de controle não integra os direitos da ação,
isto é, cada ação confere apenas o direito de um voto. Já o poder de controle surge do fato da reunião, em uma mesma pessoa
ou grupo de pessoas, de quantidade de ações capaz de formar a maioria nas deliberações das assembleias gerais. O poder de
controle não é assegurado por previsão legal, não é objeto autônomo de direito, na medida em que não pode ser adquirido
nem transferido independentemente do bloco de controle, tampouco é direito subjetivo (cf. Alfredo Lamy Filho e José Luiz
Bulhões Pedreira. Princípio majoritário e acionista controlador, cit., p. 827-828).
Na visão de José Waldecy Lucena, contudo, o ideal seria exigir, para a configuração
do controle, a prevalência do poder em assembleias de três exercícios sociais, e não a
10 Versão do Regulamento em vigor desde maio de 2011. Os segmentos especiais de listagem do mercado de
valores mobiliários (Novo Mercado, Nível 2, Nível 1 e Bovespa Mais) foram criados pela B3 há mais de 10 anos, com vistas
a desenvolver o mercado de capitais brasileiro. As companhias listadas voluntariamente em tais segmentos respeitam regras
mais rígidas de governança corporativa, cumprindo uma série de exigências não previstas na Lei das S.A. A presunção de
controle em razão da predominância nas três últimas assembleias gerais, aliás, consta não só no Regulamento do Novo
Mercado, como também nos regulamentos dos demais segmentos especiais de listagem.
11 Item IV da antiga Resolução n.º 401/1976 do Conselho Monetário Nacional. Em sentido semelhante:
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 308-309. v. 2. José Edwaldo Tavares
Borba, por sua vez, adota como critério para a configuração da permanência a predominância nas duas últimas assembleias
gerais: “Esse poder de permanecer, que se apura recorrendo à história das assembleias pode resultar da manifesta
predominância de um acionista ou de um grupo de acionistas nas duas últimas assembleias, posto que essa sequência fática
de poder já seria um indicador de permanência” (Direito societário. 13. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 366).
Resta saber se o titular de ações que, em tese, tem assegurada a maioria de votos na
assembleia geral, mas não utiliza efetivamente o poder para impor sua vontade na
condução dos negócios sociais, estará sujeito aos deveres e responsabilidades que a
Lei das S.A. impõe ao acionista controlador. A questão está longe de ser pacífica. Para
Nelson Eizirik a resposta é negativa16. Fábio Konder Comparato, por sua vez, responde
afirmativamente à questão. Na opinião do autor, a exigência do “uso efetivo” do poder
de controle somente é relevante nas companhias em que inexiste a figura de um
acionista (ou grupo de acionistas) titular da maioria absoluta do capital social votante.
Nessas situações, “o titular de direitos de sócio que lhe assegurariam a preponderância
nas deliberações sociais, em razão da dispersão acionária, pode manter-se ausente das
assembleias gerais, perdendo com isto, de fato, o comando da empresa”. Por outro lado,
a seu ver, nas sociedades em que existe, sim, um acionista (ou grupo de acionistas)
com mais de cinquenta por cento do capital votante, “o desuso ou mau uso do poder
não é elemento definidor do status” de controlador17. Desse modo, explica Calixto
Salomão Filho, em atualização à obra de Comparato, que “o acionista majoritário será
responsável por sua negligência no exercício do poder de controle e pelos danos que
daí resultam (art. 186 c/c art. 927 do Código Civil)”18.
12 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades anônimas. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 1.081. v. 1.
13 José Edwaldo Tavares Borba. Direito societário, cit., p. 366.
14 Nelson Eizirik. A Lei das S.A. comentada. cit., p. 668. v. 1.
15 Processo Administrativo Sancionador CVM n.º RJ 2001/9686, Rel. Dir. Marcelo Fernandez Trindade, j.
09.04.2002, v.u. Grifou-se.
16 EIZIRIK,Nelson. A Lei das S.A. comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 669. v. 1. Igualmente, Ricardo
Ferreira de Macedo, ao tratar do controle gerencial (objeto de análise no item 2, infra), explica que quando o controle da
companhia está nas mãos da administração, e não do acionista majoritário, este não poderá ser responsabilizado pelo
“exercício inadequado de um poder [de controle] que ele sequer possui” (MACEDO, Ricardo Ferreira. Controle não
societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 140.).
17 O poder de controle na sociedade anônima, cit., p. 67.
18 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 6. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 74. Nota de texto de Calixto Salomão Filho.
Em situações como essa, isto é, em que existe um acionista majoritário, mas que não
exerce efetivamente o controle da companhia, o Colegiado da CVM, de modo no
mínimo controverso, já afirmou que
“eventual acionista que consiga preponderar sempre, não está sujeito
aos deveres e responsabilidades do acionista controlador, uma vez que
prepondera por questões fáticas das assembleias não preenchendo o
requisito da alínea ‘a’ do art. 116, embora preencha o da alínea ‘b’. Esse
acionista seria considerado, para determinação de sua responsabilidade,
como um acionista normal (sujeito, portanto, ao regime do art. 115)”20.
Vê-se, assim, que o artigo 116 da Lei das S.A. estabelece requisitos cumulativos
para a configuração do acionista controlador e, assim, do poder de controle, que
podem ser resumidos nos seguintes itens, ressalvadas, obviamente, as peculiaridades
apontadas nos parágrafos anteriores: (i) prevalência nas assembleias gerais, de modo
permanente; (ii) poder de eleger a maioria dos administradores (é possível que, em
razão de disposições do estatuto social ou mesmo de acordo de acionistas, “um grupo
de acionistas tenha a maioria nas deliberações da Assembleia Geral mas não eleja a
maioria dos administradores”21); e (iii) exercício efetivo do poder de controle.
Cabe notar ainda que o art. 116 da Lei das S.A., não por acaso, vincula a definição do
acionista controlador à titularidade de “direitos de sócio” que lhe assegurem o controle,
e não necessariamente à titularidade de ações. Assim, no julgamento do Processo
Administrativo CVM nº RJ 2005/4069, afirmou-se que a expressão “direitos de sócio”
está a indicar que “acordos e contratos que transfiram o direito de voto também são
utilizados na definição de acionista controlador, para fins do art. 116 da Lei das S.A”22.
Em outra oportunidade, aliás, já afirmamos que “o poder de domínio efetivo sobre a
companhia pode não decorrer do exercício do voto, mas da celebração de contrato”23.
19 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Apontamentos sobre a alienação do controle de companhias abertas. Revista
de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, out./dez. 1989, p. 16.
20 Processo Administrativo CVM nº RJ 2005/4069, Rel. Dir. Pedro Oliva Marcilio de Sousa, j. 11.04.2006, v.u.
Grifou-se.
21 Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira. Princípio majoritário e acionista controlador, cit., p. 817.
22 Processo Administrativo CVM nº RJ 2005/4069, Rel. Dir. Pedro Oliva Marcilio de Sousa, j. 11.04.2006, v.u.
23 Processo Administrativo CVM nº RJ 2003/10954, Rel. Dir. Luiz Antonio de Sampaio Campos, j. 11.11.2003.
No caso em questão, uma das acionistas, que em princípio não deveria ser classificada como parte integrante do controle
somente por ter celebrado um contrato de gestão com a companhia, acabou por ser considerada, de fato, controladora, em
razão de seu poder de domínio efetivo, que decorria não do exercício do voto, mas sim da celebração de contrato, pois a
acionista valia-se dos votos do grupo controlador para exercer a gestão da companhia. Ressalvamos, na ocasião, que se a tal
Se, em geral, o poder de controle se manifesta nas assembleias gerais, com o exercício
do direito de voto pelo controlador, tendo, aliás, Tullio Ascarelli o definido como
“a possibilidade de uma ou mais pessoas imporem a sua decisão à assembleia da
sociedade”24, é também verdade que o poder de controle “transcende as prerrogativas
legais da própria assembleia”25.
Por exemplo, fora das assembleias gerais, o controle é exercido de forma indireta, “face
à dependência em que se colocam os administradores diante do titular do poder de
controle”26. Daí a afirmação de Fábio Konder Comparato segundo a qual é possível
distinguir três níveis nos quais “se estabelece a estrutura de poder na sociedade
anônima: o da participação no capital ou investimento acionário; o da direção;
e o do controle”27. E daí a razão de terem afirmado Alfredo Lamy Filho e José Luiz
Bulhões Pedreira que “na companhia em que a maioria da Assembleia Geral é pré-
constituída, o poder político é exercido pelo acionista ou grupo controlador dentro e
fora das reuniões da Assembleia. Sua ação configura, portanto, cargo de administrador
supremo, que se sobrepõe aos órgãos formais da companhia, e que dirige os órgãos
administrativos”28.
Se, por um lado, é certo que cada órgão social tem certas competências indelegáveis
(o art. 139 da Lei das S.A. estabelece que “as atribuições e poderes conferidos por lei
aos órgãos da administração não podem ser outorgados a outro órgão, criado por
lei ou pelo estatuto”), não há dúvidas, por outro lado, de que, no direito brasileiro, o
controlador pode, validamente, orientar a atuação dos administradores29.
acionista deixasse de exercer a administração e o controle de fato da companhia, poderia tornar-se acionista minoritária,
com todos os consectários legais.
24 ASCARELLI, Tulio. Problemi Giuridici. T. I. Milão: Giuffrè, 1959, p. 267. Tradução livre. No original:
“Controllo – e cioè possibilità di uno o più soggetti di imporre la propria decisione all’assemblea della società”.
25 Fábio Konder Comparato. O poder de controle na sociedade anônima, cit., p. 18.
26 José Edwaldo Tavares Borba. Direito societário, cit., p. 364.
27 O poder de controle na sociedade anônima, cit., p. 26.
28 Princípio majoritário e acionista controlador, cit., p. 818.
29 Nessa linha, já afirmamos: “O acionista controlador passa a ser órgão da companhia e sua influência, conforme
reconhece a lei, não se restringe ao voto na assembleia. Antes ao contrário, diversas disposições legais deixam claro que o
acionista controlador pode e deve orientar os negócios sociais e as atividades dos órgãos de administração, evidentemente
Seria mesmo um contrassenso que pudesse haver dois interesses sociais e que, numa
situação de dissenso, prevalecesse o ponto de vista dos administradores em detrimento
da visão do intérprete natural do interesse social, o acionista controlador.
Especialmente após a reforma da Lei das S.A. pela Lei nº 10.303/2001, essa possibilidade
de o acionista controlador orientar a atuação dos membros da administração ficou
ainda mais clara, na medida em que o art. 118, § 8º, da lei acionária passou a prever
expressamente que “o presidente da assembleia ou do órgão colegiado de deliberação
da companhia não computará o voto proferido com infração de acordo de acionistas
devidamente arquivado”33. Essa questão será objeto de análise mais detida mais adiante.
Como ressaltado por Fábio Konder Comparato, em geral um controle minoritário bem
estruturado pode ser tão eficiente quanto um controle majoritário. Há, no entanto,
certas deliberações que a Lei das S.A. faz depender da aprovação de metade, no mínimo,
das ações com direito a voto da companhia, a exemplo das deliberações relativas à
mudança do objeto social, fusão, cisão e incorporação (art. 136 da Lei das S.A.)38. Esse
quorum qualificado, contudo, pode ser reduzido pela CVM nas companhias abertas
que apresentem dispersão acionária, e cujas três últimas assembleias tenham sido
realizadas com a presença de acionistas representando menos da metade das ações
com direito a voto (art. 136, § 2º, da Lei das S.A.).
O controle gerencial, por sua vez, é aquele exercido pelos administradores em situações
de extrema dispersão acionária, combinada com acentuada passividade e absenteísmo
dos acionistas nas assembleias gerais. Na lição de Berle e Means, “nenhum acionista,
unicamente com base em sua participação acionária, é capaz de exercer pressão
determinante na administração, tampouco de acumular um percentual acionário
capaz de assegurar direitos de voto suficientes para o exercício do controle”39.
36 Muito diferente, por exemplo, é a realidade norte-americana. Por lá, a pulverização acionária é extremamente
acentuada, de modo que o controle de grandes companhias é exercido pelos membros da administração.
37 AZEVEDO. Luís André N. de Moura. Ativismo dos investidores institucionais e poder de controle nas
companhias abertas de capital pulverizado brasileiras. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; AZEVEDO. Luís André N. de
Moura (Coord.). Poder de controle e outros temas de direito societário e mercado de capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2010,
p. 228-229.
38 O poder de controle na sociedade anônima, cit., p. 51.
39 Adolf A. Berle Junior. e Gardiner C. Means. Società per azioni e proprietà privata, cit., p. 83. Tradução livre. No
original: “nessun azionista è in grado, sulla base únicamente della sua partecipazione azionaria, di esercitare una pressione
determinante sull’amministrazione né di avvalersi di tale partecipazione come nucleo do rilievo, attorno a cui polarizzare la
maggioranza dei voti necessaria per il controllo”.
Seja como for, classifica-se o controle gerencial como modalidade de controle interno,
pelo fato de ser exercido interna corporis, por meio de órgãos sociais, ainda que
não necessariamente no seio da assembleia geral. Nota-se que o controle gerencial
representa o extremo da separação entre propriedade acionária e poder de controle.
Ocorre que muitos desses controladores não pretenderam deixar de exercer o poder
de controle, apesar de terem alienado ações representativas de relevantes parcelas do
capital social votante. Justamente por isso, diversos estatutos de companhias oriundas
de tais processos de abertura de capital, a pretexto de garantir a dispersão acionária
e de proteger a companhia de tomadas hostis de controle, contêm mecanismos que
visam a dificultar ou mesmo a impedir a tomada do controle por outros grupos, isto é,
o surgimento de uma nova maioria política. O exemplo mais categórico desse tipo de
previsão são as chamadas “poison pills”.
De fato, nos últimos anos, tem crescido o número de companhias cujos estatutos
preveem que, quando alguém atinge determinado percentual de ações com direito de
voto da companhia, é obrigado a realizar uma oferta pública para adquirir as demais
ações em circulação. Como se isso não bastasse, passaram a ser incluídas, também, nos
estatutos sociais de algumas companhias, disposições acessórias às “poison pills”, que
visam a protegê-las contra reformas estatutárias. São as chamadas “cláusulas pétreas”.
Esse tipo de disposição costuma impor aos próprios acionistas que venham a aprovar
a supressão ou a modificação da cláusula de “poison pill” a obrigação de realizar
oferta pública com vistas a adquirir a totalidade das ações da companhia, seguindo
o mesmo prêmio previsto no estatuto social para a aquisição de ações no caso
de aplicação da cláusula de “poison pill”. A legalidade desse tipo de disposição
acessória já foi objeto de análise pela CVM, que decidiu, por meio da edição do
Parecer de Orientação nº 36, não aplicar penalidades aos acionistas que votarem
pela retirada ou modificação da “poison pill” do estatuto social, ainda que não
45 Ativismo dos investidores institucionais e poder de controle nas companhias abertas de capital pulverizado
brasileiras, cit., p. 236.
Vê-se, portanto, que, algumas vezes, o poder de controle minoritário nas companhias
abertas brasileiras de capital pulverizado é exercido “pelos acionistas que, anteriormente
à abertura de capital, eram titulares do poder de controle majoritário, e passaram a
deter participação minoritária”47.
O controle externo, portanto, não se caracteriza como controle acionário e, assim, diz-
se que de sua configuração não decorre qualquer consequência no âmbito societário,
não incidindo ao controlador externo os deveres e responsabilidades próprios do
acionista controlador51.
46 Vale mencionar que as “poison pills”, da forma com que vêm sendo utilizadas pelas companhias abertas
brasileiras, não correspondem ao mecanismo homônimo do direito norte-americano. Naquele âmbito, as “poison pills”
consistem basicamente em “planos de direitos atribuíveis aos acionistas, que estabelecem que a realização de oferta pública
[voluntária] de aquisição de controle, tendo por objeto certa companhia-alvo e/ou a aquisição de participação acionária
para além de certos limites de participação acionária na companhia-alvo, sem a aprovação de seus órgãos de administração,
atribui aos demais acionistas direitos de aquisição ou subscrição de ações, normalmente, a preços bastante inferiores aos
praticados pelo mercado”, com o objetivo justamente de diluir a participação do ofertante (NASCIMENTO, João Pedro
Barroso do. Medidas defensivas à tomada de controle de companhias. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 136.). Daí terem
afirmado Francisco Antunes Maciel Müssnich e Vitor de Britto Lobão Melo que “já é conhecido o nosso entendimento da
inadequação da utilização da expressão ‘poison pill’ para denominar as medidas defensivas de proteção à tomada hostil
de controle utilizadas hodiernamente nos estatutos sociais das companhias abertas brasileiras” (MÜSSNICH, Francisco
Antunes Maciel; MELO, Vitor de Britto Lobão. Considerações sobre a realidade e a aplicação das medidas de proteção
à tomada hostil de controle nos estatutos sociais das companhias abertas brasileiras (brazilian pills). In: KUYVEN, Luiz
Fernando Martins (Coord.). Temas essenciais de direito empresarial: estudos em homenagem a Modesto Carvalhosa.
São Paulo: Saraiva, 2012, p. 574.). A respeito das “poison pills”, ou melhor, das “brazilian pills”, vale conferir também: (i)
OIOLI, Erik Frederico. Oferta pública de aquisição do controle de companhias abertas. São Paulo: Quartier Latin, 2010.
(especialmente a partir da página 193); e (ii) CARVALHOSA, Modesto. As poison pills estatutárias na prática brasileira:
alguns aspectos de sua legalidade. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de (Coord.). Direito
societário: desafios atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 25. Mais recentemente, o Colegiado da CVM, após afirmar que
o processo sancionador não seria sede para firmar entendimento abstrato acerca da legalidade ou não das “poison pills” e
das cláusulas pétreas, e após reiterar os termos do Parecer de Orientação n.º 36/09, ateve-se a verificar se, no caso concreto,
houve conflito de interesses na deliberação que promoveu a alteração estatutária para inclusão da “poison pill”, sem cláusula
pétrea (Processo Administrativo Sancionador CVM n.º RJ 2014/0591, Rel. Dir. Roberto Tadeu Antunes Fernandes. j.
12.07.2016, v.u.).
47 Luís André N. de Moura Azevedo. Ativismo dos investidores institucionais e poder de controle nas
companhias abertas de capital pulverizado brasileiras, cit., p. 238.
48 Fábio Konder Comparato. O poder de controle na sociedade anônima, cit., p. 68.
49 Fábio Konder Comparato. O poder de controle na sociedade anônima, cit., p. 68.
50 PEREIRA, Guilherme Döring Cunha. Alienação do poder de controle acionário. São Paulo: Saraiva, 1995, p.
4.
51 Nelson Eizirik. A Lei das S.A. comentada. V. 1, cit., p. 667. Nessa linha, lembra o autor que o Superior
Tribunal de Justiça, no início da década de 1990, no julgamento do Recurso Especial n.º 15.247, rejeitou a tese de que seria
Contudo, nem todos concordam com esse ponto de vista. A doutrina majoritária
limita a atuação do credor pignoratício, reiterando que a lei não lhe autoriza
“direcionar (determinar) o voto do devedor pignoratício acionista”53, pois “assim como
o voto do acionista não pode ser alienado ou cedido, também não pode o acionista
comprometer-se a votar conforme determinação de terceiro”54. O que poderia ser
estabelecido contratualmente, então, seria apenas o direito de o credor pignoratício
impedir o voto do acionista devedor em certas deliberações55.
Seja como for, o fato é que o controle externo em razão do endividamento da sociedade
devedora pode ser exercido mesmo diante da inexistência de penhor sobre as ações
representativas do bloco de controle. Como explica Fábio Konder Comparato,
“mesmo sem essa caução das ações de controle, os maiores credores de uma
sociedade em situação financeira difícil podem assumir o seu controle de
facto, impondo condições para a renovação de empréstimos ou a reforma
de dívidas, tais como a reorganização empresarial e o remanejamento da
administração social”56.
possível caracterizar como controlador certa sociedade que exercia o controle externo da “controlada”, refutando, assim, a
possibilidade de responsabilização de tal sociedade com fulcro no art. 117 da Lei das S.A.
52 Fábio Konder Comparato. O poder de controle na sociedade anônima, cit., p. 69.
53 REGO, Marcelo Lamy. Direito de voto. In: LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões (Coord.).
Direito das companhias. V. 1, cit., p. 393-396. v. 1.
54 Marcelo Lamy Rego. Direito de voto, cit., p. 393-396.
55 Em outros ordenamentos jurídicos, como o português, incidem normas distintas, sendo possível, inclusive,
a atribuição do direito de voto ao credor pignoratício. Como explica Tiago Soares da Fonseca, “no direito português, a
regra é o exercício dos direitos sociais competir ao titular das acções, salvo convenção em contrário das partes. Às partes é
permitido, se o quiserem, dissociar a titularidade das acções do exercício dos direitos decorrentes dessa titularidade. Esta
regra não é consagrada noutros ordenamentos jurídicos” (FONSECA, Tiago Soares da. O penhor de acções. 2. ed. Coimbra:
Almedina, 2007, p. 81.).
56 PENTEADO, Mauro Bardawil. O poder de controle na sociedade anônima, cit., p. 70.
Assim, por exemplo, o credor responde perante a companhia se, na defesa de seus
interesses pessoais, causar dano à sociedade. Já o acionista, ao contrário, não pode
colocar seus interesses pessoais acima do interesse social, pois é obrigado a votar
em prol do melhor interesse da companhia, respeitando os demais acionistas. Do
contrário, responde por abuso de poder de controle, nos termos do art. 117 da Lei das
S.A. É o que explica, por outras palavras, Mauro Bardawil Penteado, comparando o
acionista com o credor pignoratício que tem como garantia ações da companhia:
O acionista controlador, para além da vinculação imposta pelo art. 115,
que determina que seu voto deva ser exercido no interesse social, isto
é, no interesse de todos os sócios utti socii, está incumbido de usar esse
verdadeiro poder de que é investido com o fim de fazer a companhia
realizar seu objeto social e cumprir sua função social, respeitando e
atendendo aos interesses dos demais acionistas, dos trabalhadores e da
comunidade em que atua. O descumprimento de tais funções acarreta
responsabilidade por abuso de poder. Já o controlador externo, ao exercer
suas prerrogativas contratuais, atua com interesses diversos daqueles
que orientam o controlador interno. Como já comentado, o controlador
externo, aqui representado pelo credor pignoratício, está adstrito a observar
apenas o seu interesse como credor, quer dizer, enquanto esse poder for
necessário para a realização ou conservação do seu direito de garantia.
Apenas a exacerbação desses interesses, que causem dano à sociedade, é que
podem submetê-lo à ação de reparação por perdas e danos com base nos
arts. 187 e 927 do Código Civil57.
Da mesma forma, ressalta José Edwaldo Tavares Borba que a posição jurídica do
acionista é bem diferente da de credor, porque, independentemente de se tratar de um
controlador ou de um minoritário, o fato é que o acionista é titular de uma unidade do
capital e, nessa qualidade, participa da sociedade, ao passo que o credor tem apenas
uma ingerência externa limitada58. Este último não participa da sociedade, nem se
submete aos deveres impostos pela Lei das S.A., estando adstrito a observar o seu
interesse enquanto credor que, de maneira geral, limita-se a preservar o seu direito
de exigir o pagamento, resguardando as garantias de seu crédito. Não se pode deixar
de mencionar, contudo, que dentro do possível deve o credor defender seu crédito da
forma menos onerosa para o devedor.
57 O penhor de ações no direito brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 180-181.
58 Direito Societário, cit., pp. 242-243.
Segundo este autor, não somente é lícito que a parte credora tente obter o máximo
de garantia e a diminuição do risco, como também é, em realidade, a sua obrigação
perante a instituição que dirige. No entanto, se esse mesmo credor ocupar a posição
de acionista, como controlador interno sua postura deve ser outra, até porque “o
limite de legalidade num ou noutro tipo de comportamento é sensivelmente diferente,
o que nos leva a considerar, em síntese, que o controle externo não foi considerado
especificamente pela Lei n° 6.404, nem em seu art. 116 nem em qualquer outro”60.
Outras situações em que se costuma identificar o controle externo são aquelas (i)
em que os fornecedores da companhia encontram-se em situação de oligopólio ou
monopólio, ou (ii) “de dependência de determinada sociedade industrial em relação
àquele que lhe adquire com exclusividade toda a produção, e que poderá ser uma
empresa individual, uma outra sociedade, ou o próprio Estado, sem que haja qualquer
participação acionária do sujeito ou entidade dominante na companhia produtora”61.
Diante do exposto, já é possível verificar que o estudo das modalidades do controle não
assume importância meramente teórica. Além da questão da aplicação, ou não, das
regras da Lei das S.A. relativas aos deveres e responsabilidades do acionista controlador
a depender do tipo de controle62, outra diferença importante, a título exemplificativo,
tem relação com a incidência, ou não, do artigo 254-A da Lei das S.A., que regula a
oferta pública obrigatória para aquisição das ações dos acionistas minoritários, por
ocasião da alienação do controle de companhia aberta (“OPA”).
Na opinião de Nelson Eizirik, por exemplo, diante de uma companhia com controle
minoritário, apesar de poder ser identificado um acionista controlador, nos moldes
do artigo 116 da Lei das S.A., com as responsabilidades inerentes à sua posição, caso
59 COSTA, Carlos Celso Orcesi da. Controle externo nas companhias. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, v. 44. out./dez. 1981, p. 73.
60 Carlos Celso Orcesi da Costa. Controle externo nas companhias, cit., p. 73.
61 COMPARATO, Fábio Konder. Poder de controle na sociedade anônima. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo: Malheiros, v. 9. mar. 1973, p. 71.
62 Tradicionalmente, como visto, diz-se que as normas sobre deveres e responsabilidades do acionista
controlador não incidem ao controle externo. Numa visão inovadora, Ricardo Ferreira de Macedo considera que não é
razoável “permitir que esses agentes exógenos aos loci formais de controle da empresa exerçam controle efetivo sobre ela
sem a imposição de um sistema de responsabilidades simétrico àquele direcionado ao controlador acionário”, pois isto
importaria “dar de ombros à realidade de poder na empresa e à necessidade de disciplina desse poder” (Controle não
societário, cit., p. 173).
Em 2007, Pirelli & C. S.p.A. e Sintonia S.p.A., duas companhias que, juntas, eram
titulares de cem por cento do capital social da Olimpia S.p.A., alienaram sua
participação societária detida na Olimpia para o consórcio Telco, o que poderia
representar uma alteração no controle de fato da Telecom Italia S.p.A. e, indiretamente,
de sua controlada brasileira TIM. É que, na época, Olimpia era proprietária de 17,99%
das ações votantes da Telecom Italia, sendo sua principal acionista. Daí a pretensa
alienação de controle.
Não obstante, após analisar o recurso do consórcio Telco, a CVM concluiu que ele não
adquirira o controle da TIM, ao comprar dos grupos Pirelli e Sintonia a totalidade
das ações de emissão da Olimpia, sendo inexigível, assim, a oferta pública pretendida
pelos fundos de investimento, requerentes do procedimento administrativo. A
63 EIZIRIK, Nelson. Aquisição de controle minoritário. Inexigibilidade de oferta pública. In: CASTRO, Rodrigo
R. Monteiro de; AZEVEDO, Luís André N. de Moura (Coord.). Poder de controle e outros temas de direito societário e
mercado de capitais, São Paulo: Quartier, 2010, p. 186. No mesmo sentido: MOTTA, Nelson Cândido. Alienação do poder
de controle compartilhado. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, v. 89.
jan./mar. 1993, p. 42-44.
64 Processo Administrativo CVM nº RJ 2009/1956, Rel. Dir. Eliseu Martins, j. 15.07.2009, v.m.
Vê-se, assim, que embora o Colegiado tenha considerado inexigível a OPA no caso
concreto, parte de seus membros admitiu, ao menos em tese, a possibilidade de
aplicação do artigo 254-A em situações de alienação do controle minoritário, ao
contrário da posição defendida por Nelson Eizirik, antes referida. A questão está longe
de ser pacífica.
Se, por um lado, discute-se, para efeito da incidência do artigo 254-A da Lei das S.A.,
se somente a alienação do controle majoritário deve ser considerada, ou se também
a alienação do controle minoritário deveria ser capaz de disparar o mecanismo ali
previsto, de outro lado, não se põe a questão da aplicação do referido artigo caso
se trate de companhia sob controle gerencial ou externo. Esclareça-se, ainda, que a
discussão referente ao art. 254-A é relativa apenas à exigibilidade, ou, não, da realização
da oferta pública, não havendo dúvidas de que, no que tange ao regime de deveres e
responsabilidades, tanto o controlador majoritário como também o minoritário estão
sujeitos às regras próprias estabelecidas na Lei das S.A., a exemplo do artigo 117, de
que se tratará mais adiante.
Vê-se, assim, que o controle conjunto não depende de “acordo de voto” formal,
arquivado na companhia, podendo, até mesmo, consistir em acordo tácito. De
fato, como explica Fábio Konder Comparato, “se o reconhecimento do poder de
controle devesse ficar submetido ao arbítrio dos próprios controladores, segundo o
arquivamento ou não do instrumento contratual na companhia, toda a disciplina da
vida societária, fundada na realidade do poder, perderia sentido”66.
Por outro lado, inexistindo acordo formal relativo ao exercício do poder de controle,
“a prova da existência de acordo de votos competirá a quem alegar”67. Em outra
oportunidade, aliás, já afirmamos que, diante da ausência de acordo de acionistas
formal, “um acionista ser ou não controlador é um fato que depende de comprovação,
não podendo ser presumido”68. A assertiva é válida ainda que se trate de pessoas
integrantes de um mesmo grupo familiar, pois este fato, por si só, não significa
necessariamente que elas representem um mesmo grupo de interesses.
Dada a sua relevância para a prática societária, o controle compartilhado via celebração
de acordo de acionistas será analisado mais detidamente no item a seguir.
A Lei das S.A., em seu artigo 118, dispõe que o acordo de acionistas, espécie de pacto
parassocial, terá por objetivo regular as relações entre acionistas referentes à compra
e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito de voto e
exercício do poder de controle.
Diz-se, por isso, que o direito de veto é faculdade que pode levar78 seu titular “ao
exercício de um poder (às avessas) de controle. Em outras palavras, dependendo da
natureza e alcance das hipóteses em que a concordância do minoritário seja condição
de validade da deliberação societária, pode o direito de veto assumir uma proporção
que assegure ao minoritário o controle sobre as atividades da companhia”79.
Essa questão, aliás, já foi objeto de análise pela CVM. O Colegiado da autarquia teve que
se manifestar, justamente, sobre a extensão das prerrogativas concedidas a determinado
acionista via pacto parassocial, com o fim de definir se esse acionista deveria, ou não,
ser considerado integrante do bloco de controle. O voto que prevaleceu considerou
que, no caso concreto, o tal acionista não deveria ser considerado controlador, mas se
reconheceu, em tese, que a depender da extensão dos direitos e poderes outorgados
ao minoritário via acordo de acionistas, ele pode passar à categoria de controlador80.
75 Processo Administrativo CVM n.º RJ 2003/5088, Rel. Diretor Luiz Antonio de Sampaio Campos, j. 16.12.2003,
v.u.
76 Nelson Eizirik. A Lei das S.A. comentada. V. 1, cit., p. 671. Em sentido semelhante: “Não deve ser entendida
como transferência de controle societário a simples celebração de convenção entre o acionista controlador e um acionista
minoritário de expressiva participação acionária, desde que o controlador continue titular dos direitos de sócio, que lhe
assegurem a prerrogativa de eleger os principais administradores da companhia, e dos direitos de voto, decorrentes da
participação majoritária, capazes de proporcionar-lhe, de modo permanente e efetivo, a direção das atividades sociais e a
orientação do funcionamento dos órgãos de administração da companhia” (Arnold Wald. O acordo de acionistas e o poder
de controle do acionista majoritário, cit., p. 15).
77 Nelson Eizirik. A Lei das S.A. comentada. V. 1, cit., p. 671.
78 A rigor, contudo, a simples existência de direito de veto em favor do acionista minoritário não lhe integra ao
grupo controlador. A análise deverá ser feita caso a caso.
79 Pedro A. Batista Martins. Responsabilidade de acionista controlador: considerações doutrinária e
jurisprudencial. Revista de direito bancário e do mercado de capitais. V. 27. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan./mar.
2005, p. 48.
80 Processo Administrativo Sancionador CVM n.º RJ 2005/0098, Rel. Dir. Sérgio Weguelin, j. 18.12.2007,
v.m. Situação semelhante ocorreu no âmbito do Processo Administrativo CVM n.° RJ 2001/7547, de relatoria do Diretor
Wladimir Castelo Branco, julgado em 16.07.2002. Também neste caso o Colegiado entendeu que não havia controle
compartilhado entre o minoritário e o acionista titular de mais da metade das ações com direito de voto, mas o precedente
reconheceu que é possível, em tese, o compartilhamento de controle entre o acionista controlador (sob o ponto de vista
quantitativo) e o minoritário. Foi, aliás, o que defendeu Modesto Carvalhosa, que atuou como parecerista nesse caso
(Acordo de investimento e associação, exercício de opção de venda de ações. Controle compartilhado. Inocorrência de
alienação do poder de controle. In: Rodrigo R. Monteiro de Castro e Luis André N. de Moura Azevedo (Coord.). Poder de
controle e outros temas de direito societário e mercado de capitais, cit., pp. 31-32).
Por fim, e como já mencionado anteriormente, desde 2001, com a reforma da Lei das
S.A. pela Lei n.º 10.303, institucionalizou-se a possibilidade de o bloco de controle
formado pelo acordo de acionistas orientar a atuação dos administradores (art. 118, §
8º, da Lei das S.A.).
A então novidade não passou despercebida a Paulo Cezar Aragão, que ao comentar as
alterações na Lei das S.A. havidas em 2001, escreveu o seguinte: “novidade relevante,
e cujo efeito talvez não se tenha ainda apreendido, é a previsão específica de que os
acordos de acionistas podem irradiar seus efeitos sobre outros órgãos de deliberação
colegiada da companhia”82.
Explica o autor que não procede a argumentação de alguns no sentido de que o art.
154, § 1º, da Lei das S.A. impediria a vinculação dos administradores aos acordos de
acionistas. Isso porque, se de um lado os administradores devem atender ao disposto
no referido artigo, que lhes preceitua atuar sempre no interesse da companhia83, de
outro lado o próprio acordo de acionistas deve conformar-se com o interesse social,
tal qual determinado no art. 118, § 2º, da lei acionária. Além disso, na medida em que
o administrador
“está eleito, por força dos compromissos celebrados livremente pelo
acionista que o indicou, para representar esse acionista nas reuniões do
conselho e cumprir os compromissos do acionista quanto a determinadas
decisões relevantes na vida da sociedade, parece descabido dizer que o
cumprimento dos acordos prejudica a melhor governança corporativa”84.
A rigor, desde antes da reforma da Lei das S.A. pela Lei n.º 10.303/2001, aliás, José Luiz
Bulhões Pedreira já defendia, interpretando o art. 116 da Lei das S.A., a legitimidade
de o controlador, isoladamente ou por meio de acordo de acionistas, orientar o voto
dos membros do conselho de administração: “Na interpretação da lei brasileira não
cabe questionar se o acionista controlador pode ou não dirigir as atividades sociais
e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia, uma vez que esse poder lhe é
expressamente reconhecido pelo art. 116 da Lei”85. Assim, “é requisito usual do acordo
81 Processo Administrativo CVM n.º RJ 2003/5088, Rel. Diretor Luiz Antonio de Sampaio Campos, j. 16.12.2003,
v.u.
82 A disciplina do acordo de acionistas na reforma da Lei das Sociedades Anônimas. In: Jorge Lobo (Coord.).
Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 374.
83 Como já afirmamos em outra oportunidade, “o administrador deve atender exclusivamente aos interesses da
companhia, observado o interesse público e as exigências do bem comum” (Luiz Antonio de Sampaio Campos. Deveres e
responsabilidades, cit., p. 1.118).
84 Paulo Cezar Aragão. A disciplina do acordo de acionistas na reforma da Lei das Sociedades Anônimas, cit.,
pp. 375-376.
85 Acordo de acionistas sobre controle de grupo de sociedades. Validade da estipulação de que os membros do
Conselho de Administração de controladas devem votar em bloco segundo orientação definida pelo grupo controlador.
Desse modo, preceitua o artigo 116, parágrafo único, da Lei das S.A. que:
Revista de direito bancário e do mercado de capitais. V. 15. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan./mar. 2002, p. 234.
86 Acordo de acionistas sobre controle de grupo de sociedades. Validade da estipulação de que os membros do
Conselho de Administração de controladas devem votar em bloco segundo orientação definida pelo grupo controlador, cit.,
p. 240.
87 Acordo de acionistas sobre controle de grupo de sociedades. Validade da estipulação de que os membros do
Conselho de Administração de controladas devem votar em bloco segundo orientação definida pelo grupo controlador, cit.,
pp. 240-241.
88 Arnold Wald. O acordo de acionistas e o poder de controle do acionista majoritário, cit., p. 14.
O parágrafo único do art. 116 da Lei das S.A. foi objeto de exame recente pela CVM,
no julgamento do “Caso Sabesp”. Seguindo entendimentos que já vinham sendo
manifestados em doutrina90 e pela própria CVM91, a autarquia reiterou que cabe
ao acionista controlador agir de maneira pró-ativa para atender ao objeto social e
cumprir a função social da companhia, considerando possível a responsabilização
do controlador por omissão. O processo sancionador teve origem em reclamações
sobre operações realizadas entre a Empresa Metropolitana de Águas e Energia S.A.
(EMAE) e a Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo (Sabesp), ambas
controladas pelo Estado de São Paulo. Em especial, foram analisadas operações pelas
quais a Sabesp captava gratuitamente água de reservatórios da EMAE. De acordo com
a Superintendência, ao permanecer inerte em face da relação desvantajosa em que se
encontrava a EMAE, o Estado de São Paulo teria deixado de atender os interesses dos
demais acionistas da EMAE, violando, portanto, o art. 116, parágrafo único, da Lei das
S.A. Concordando com a acusação, o Colegiado indicou que o acionista controlador
tem o dever de agir proativamente com todos os mecanismos à sua disposição,
orientando a atuação da companhia e dos administradores para a consecução do
objeto social, devendo resguardar lealmente os direitos e os interesses dos demais
acionistas da companhia92.
Questão delicada, todavia, é definir o que seja a função social da companhia. Como
já afirmamos em outra oportunidade94, esta matéria encontra opiniões rigorosamente
divergentes. Há, por exemplo, quem sustente que a melhor forma de a companhia
cumprir a sua função social é sendo lucrativa, conforme se vê da seguinte lição de
Milton Friedman: “Há poucas coisas capazes de minar tão profundamente as bases de
uma sociedade livre do que a aceitação por parte dos dirigentes das empresas de uma
responsabilidade social que não a de fazer tanto dinheiro quanto possível para seus
acionistas”95.
O artigo 117 da Lei das S.A., por sua vez, impõe expressamente ao acionista controlador
a responsabilidade pelos danos causados à sociedade, aos demais acionistas e a terceiros
em virtude de abuso do poder de controle. Este artigo traz hipóteses não exaustivas
do exercício abusivo do poder pelo acionista controlador96. Exemplificativamente,
considera-se abuso do poder de controle a orientação da companhia para fim estranho
ao objeto social (art. 117, § 1º, alínea a), a indução de administrador ou fiscal à prática
de ato ilegal ou ao descumprimento de seus deveres legais e estatutários (art. 117, §
1º, alínea e), a contratação com a companhia, diretamente ou por meio de outrem, em
93 Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ 14/2009, Rel. Dir. Luciana Dias, j. 11.08.2015, v.u.
94 Luiz Antonio de Sampaio Campos. Deveres e responsabilidades, cit., p. 1.116.
95 Capitalismo e liberdade. Tradução de Luciana Carli. São Paulo: Nova Cultural, 1985, pp. 120-123.
96 Nessa linha, já afirmamos, em outra oportunidade, que “todas as hipóteses tratadas [no art. 117] são
exemplificativas, sendo possível haver abuso de poder por parte do acionista controlador não elencado neste artigo”
(Processo Administrativo Sancionador CVM n.º RJ 27/1999, Rel. Dir. Luiz Antonio de Sampaio Campos, j. 12.08.2004,
v.u.). É o que explica a doutrina: “Conceitua a lei como ‘abuso de poder’ a prática de certos atos, por parte do acionista
controlador, que causem danos à sociedade, aos demais acionistas ou a terceiros. Capitula a lei alguns desses atos, numa
enumeração exemplificativa” (Fran Martins. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2010, p. 408); “A lei das sociedades anônimas (art. 117, § 1o) enumera várias práticas que caracterizam exercício abusivo
do poder. A enumeração não é exaustiva, tanto que vem rotulada sob a rubrica ‘modalidades’. Dessarte, o abuso de poder
poderá ser identificado em qualquer ato contrário ao interesse social e seus desdobramentos” (José Edwaldo Tavares Borba.
Direito societário, cit., p. 368).
Nessa linha, as mais diversas condutas praticadas por acionistas controladores já foram
objeto de repreensão pela Comissão de Valores Mobiliários. No julgamento do Processo
Administrativo Sancionador CVM n.º RJ 03/2013, por exemplo, os controladores foram
responsabilizados por terem obstado a representação dos acionistas minoritários e dos
titulares de ações preferenciais no conselho de administração e no conselho fiscal, em
violação ao art. 116, parágrafo único e ao art. 117, § 1º, alínea c, da Lei das S.A. No
caso, restou comprovada a participação do acionista controlador no colégio eleitoral
destinado às minorias, por meio da utilização de entidades “offshore” a ele ligadas,
inviabilizando o direito de fiscalização pela minoria social97. Em sentido semelhante,
aliás, já afirmamos, no julgamento do Processo Administrativo CVM n.º RJ 2004/2559,
concordando com a manifestação anterior da área técnica: “a participação do
controlador titular de ações preferenciais, na eleição em separado dos preferencialistas,
pode vir a ser caracterizada como exercício abusivo do poder de controle”98.
Como já afirmamos em outra oportunidade104, a importância que a Lei das S.A. atribui
ao conflito de interesses está explícita em sua Exposição de Motivos, ao enfatizar que se
trata de matéria delicada em que a lei deverá ater-se em alguns padrões necessariamente
genéricos, deixando à prática e à jurisprudência margem para a defesa do minoritário
sem inibir o legítimo exercício do poder da maioria, no interesse da companhia e da
empresa.
Para que reste caracterizado o conflito de interesses na forma prevista pelo artigo 115,
102 Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ 04/2009, Rel. Dir. Ana Dolores Moura Carneiro de Novaes,
j. 11.06.2013, v.u.
103 Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ 2012/3110, Rel. Dir. Pablo Renteria, j. 14.02.2017, v.u.
104 Luiz Antonio de Sampaio Campos. Deveres e responsabilidades, cit., pp. 1.155-1.156.
Apesar de haver certa controvérsia, de modo geral a doutrina tem se inclinado para
estabelecer que o conflito de interesses é matéria de fato, que deve ser examinada
a posteriori, diante de cada caso concreto. É o chamado conflito substancial de
interesses107. Nessa linha já afirmamos:
Por outro lado, para aqueles que defendem que o conflito é formal109, o acionista que
tenha um interesse individual na deliberação a ser tomada estaria impedido de votar.
Ocorre que, como já afirmamos em outra oportunidade,
“o exame formal, aberto, preventivo e aparente do conflito de interesse
(...) é algo, a meu ver, muito violento e assistemático dentro do regime
do anonimato, pois afasta a presunção de boa-fé, que me parece ser
a presunção geral, e mais, tolhe um direito fundamental do acionista
ordinário que é o direito de voto, no pressuposto de que ele não teria
como resistir à tentação. Dito de outra forma, estar-se-ia a expropriar
previamente o direito de voto do acionista no pressuposto de que ele poderia
vir a prejudicar a companhia se lhe fosse permitido votar, em virtude de
um aparente e eventual conflito de interesse. Haveria a presunção de que
o acionista perpetraria uma ilegalidade acaso fosse lícito que proferisse
o seu voto, presumivelmente numa espécie de consagração da fraqueza
humana. A presunção da púnica fides cartaginesa”110.
Outro dever digno de menção e que, textualmente, foi previsto apenas para os
administradores, é o dever de não usar, em benefício próprio ou de outrem, as
oportunidades comerciais da companhia (art. 155, inciso I, da Lei das S.A.), prática
conhecida como aproveitamento ou usurpação de oportunidade comercial.
112 Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ 2013/6635, Rel. Dir. Luciana Dias, j. 26.05.2015, v.u.
113 CRSFN, Recurso n.º 14306, Rel. Flávio Maia Fernandes dos Santos, j. 28.06.2017, v.m.
LUCIANA COSTA
De acordo com o artigo 116 da Lei das S.A.2, é acionista controlador aquele que,
simultaneamente, (i) é titular de direitos de sócios que lhe assegurem, de modo
permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de
eleger a maioria dos administradores da companhia; e (ii) usa efetivamente seu poder
para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.
O artigo 243, §2º, da Lei das S.A., ao tratar das sociedades controladas, praticamente
repetiu os requisitos do artigo 116 ao dispor que “considera-se controlada a sociedade
na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de
direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas
deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores”.
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-
geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.
Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir
sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e
para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender."
Pode haver dúvidas, porém, acerca da existência de permanência nos casos de controle
minoritário, em que acionista ou grupo de acionistas, apesar de terem quantidade de
ações com direito a voto inferior à maioria do capital social, em razão da dispersão
acionária e/ou do absenteísmo nas assembleias, na prática preponderam nas
assembleias gerais e elegem a maior parte dos administradores. Há que se notar que
a Lei das S.A., a rigor, não afasta a existência do controle minoritário, deixando ao
intérprete a verificação do alcance do critério de permanência3.
3 LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 816-817. v. I. Coautores do projeto da Lei das S.A., ao discorrerem sobre o tema, afirmaram que “Para a lei é
acionista controlador tanto o titular da maioria absoluta de votos quanto o que exerce, regular e permanentemente, direitos
de voto suficientes para formar a maioria dos acionistas presentes na assembleia” (LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José
Luiz Bulhões. Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 816-817. v. I.).
A lei veda, ainda, o exercício abusivo de poder pelo controlador, sob pena de
responsabilidade do acionista controlador pelos danos causados, e traz lista
exemplificativa de modalidades de abuso (artigo 117).
7 LA PORTA, Rafael; LOPEZ-DE-SILANES, Florencio; SHLEIFER, Andrei. Corporate ownership around the
world. The Journal of Finance, v. 54, n. 2, p. 471-517, abr. 1999.
8 A Lojas Renner S.A. é apontada por ter sido a primeira companhia de capital disperso do país, em 2005.
9 Como exemplos de companhias que atualmente declaram ter controle pulverizado, podemos citar a Cia.
Hering, a Even Construtora e Incorporadora S.A. e Gafisa S.A.
Como já mencionado, a Lei das S.A. estabelece regime sobre o acionista controlador
e o exercício do poder de controle, inclusive no que se refere à atribuição de deveres e
responsabilidades específicas.
Deve-se observar, entretanto, que a Lei das S.A., ao estabelecer nos artigos 153 a
158, os deveres dos administradores, baseia-se em padrões de conduta genéricos ou
10 EIZIRIK, NELSON et al. Mercado de Capitais - Regime Jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 396-
397. De acordo com Luiz Antonio de Sampaio Campos, “Os administradores, principalmente aqueles das companhias com
capital pulverizado, detêm grande parte do poder empresarial, e muitas vezes o verdadeiro poder, de fato, é exercido na
administração da companhia e não na Assembleia Geral, tanto mais por conta do absenteísmo dos acionistas” (In: LAMY
FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 1085. v. I.).
11 COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1976, p. 52.
O conflito de agência é questão inerente às companhias por sua própria natureza, mas
ganha contornos especiais no caso das com capital pulverizado em decorrência da
acentuação do fracionamento entre a propriedade do capital social e o exercício do
poder.
Para mitigar o conflito de agência são apontados diversos mecanismos, tais como
a imposição do dever de divulgar informações, o controle da remuneração dos
administradores pelos acionistas e sua divulgação e a regulamentação dos deveres e
responsabilidades dos administradores.
Nesse sentido, observe-se que a Instrução nº 480, editada pela Comissão de Valores
Mobiliários (CVM) em 7 de dezembro de 2009, dispõe sobre a divulgação de
informações periódicas e eventuais pelas companhias abertas, inclusive aquelas
relacionadas à remuneração dos seus administradores.
12 RAMALHO, Carolina Cardoso. Companhias com controle difuso e pulverizado e o conflito de agência à luz
do direito brasileiro. Revista de Direito Privado, v. 59, p. 153-176, Jul./Set/2014.
A Lei das S.A., no artigo 126, §2º, estabeleceu os requisitos do pedido de procuração,
mediante correspondência ou anúncio publicado, e dispôs que a CVM regulamentaria
o assunto.
De acordo com a Lei, o pedido deve satisfazer os seguintes requisitos: (i) conter todos
os elementos informativos necessários ao exercício do voto pedido; (ii) facultar ao
acionista o exercício de voto contrário à decisão com indicação de outro procurador
para o exercício desse voto; e (iii) ser dirigido a todos os titulares de ações cujos
endereços constem da companhia.
I – os pedidos que empreguem meios públicos de comunicação, tais como a televisão, o rádio, revistas, jornais e páginas na
rede mundial de computadores;
II – os pedidos dirigidos a mais de 5 (cinco) acionistas, quando promovidos, direta ou indiretamente, pela administração
ou por acionista controlador; e
III – os pedidos dirigidos a mais de 10 (dez) acionistas, quando promovidos por qualquer outra pessoa.
Parágrafo único. Fundos de investimento cujas decisões sobre exercício do direito de voto em assembléia sejam tomadas
discricionariamente pelo mesmo gestor serão considerados como um único acionista para os fins dos incisos II e III deste
artigo.”
A partir desse marco, o número de ofertas públicas passou a crescer cada vez mais e,
com isso, houve uma maior dispersão do capital das companhias. Assim, mecanismos
para evitar a tomada de controle por meio de uma oferta hostil começaram a surgir,
como é o exemplo da poison pill.
Além das cláusulas de poison pill, os estatutos sociais costumam prever as chamadas
“cláusulas pétreas”, que buscam dificultar a alteração ou até mesmo a remoção das
poison pills, por meio da criação de ônus aos acionistas que votarem a favor da
supressão ou alteração daquelas cláusulas, muitas vezes determinando a realização
de uma oferta pública pelo acionista que votou a favor da supressão ou alteração da
cláusula.
14 Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto
exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que
não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.
Art. 121. A assembleia-geral, convocada e instalada de acordo com a lei e o estatuto, tem poderes para decidir todos os
negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento.
Art. 122. Compete privativamente à assembleia geral:
I - reformar o estatuto social;
Cabe-se destacar, por fim, a prática adotada no direito brasileiro de adoção de poison
pills nos Estatutos Sociais, com o objetivo de proteger a dispersão acionária das
companhias.
Art. 129. As deliberações da assembleia-geral, ressalvadas as exceções previstas em lei, serão tomadas por maioria absoluta
de votos, não se computando os votos em branco.
14.1. Introdução
A legislação societária brasileira, Lei n0 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“Lei das
S.A.”), estabelece que é um direito essencial do acionista fiscalizar, na forma prevista
na lei, a gestão dos negócios da companhia.
Uma das formas pelas quais o acionista pode exercer seu direito de fiscalização é a
participação na assembleia geral de acionistas, que representa a instância máxima de
deliberação da companhia e na qual seus acionistas, com ou sem direito a voto ou com
voto restrito, reúnem-se para deliberar sobre determinadas matérias de interesse da
sociedade, tendo competência para decidir sobre todos os negócios relativos ao objeto
da companhia e para tomar todas as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e
desenvolvimento.
É na assembleia geral, portanto, que se forma a vontade social, por meio do exercício
do direito de voz e de voto pelos acionistas, sejam controladores ou minoritários.
Nesse contexto, o presente artigo tem o objetivo de examinar algumas das principais
questões relacionadas às assembleias gerais, sem a intenção de esgotar o assunto, com
foco especial nas companhias abertas e à luz da Lei das S.A. e dos normativos da
Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Para tanto, o trabalho contará com uma breve introdução sobre a competência das
assembleias gerais e os requisitos formais para sua regularidade, seguida de um exame
acerca do exercício do direito de voto na assembleia geral.
Este artigo também se propõe a apresentar algumas das discussões enfrentadas pela
CVM no que diz respeito às assembleias gerais e o seu posicionamento quanto ao
impedimento de voto, conflito de interesses, redução do quórum de deliberação
da assembleia e interrupção do curso de prazo de antecedência de convocação de
assembleia.
Dessa forma, caso não sejam observados o interesse social e a função social da
companhia ao ser tomada a deliberação, o acionista poderá ser responsabilizado pelos
eventuais danos causados por atos praticados com abuso de poder ou ainda ter anulada
a deliberação tomada em decorrência do voto do acionista em situação conflitante
com o interesse da companhia, conforme o caso.3
2 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 774.
v. 2
3 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 15-16. v. II.
O artigo 122 da Lei das S.A. relaciona as matérias cuja deliberação compete
privativamente à assembleia geral:
(i) reformar o estatuto social;
Além do mencionado artigo 122, há outros dispositivos específicos da Lei das S.A. que
determinam que a competência para sua aprovação é privativa da assembleia geral. O
artigo 256, por exemplo, determina que dependerá de deliberação da assembleia geral
da compradora, a compra, por companhia aberta, do controle de qualquer sociedade
mercantil sempre que o preço de compra constituir, para a compradora, investimento
relevante7, ou, ainda, quando o preço médio de cada ação ou quota ultrapassar uma vez
e meia o maior dos seguintes três valores: (a) cotação média das ações em bolsa ou no
mercado balcão organizado, durante os noventa dias anteriores à data da contratação;
4 Nas companhias fechadas, sem conselho de administração, compete à assembleia geral a eleição e destituição
de diretores.
5 Na companhia aberta o conselho de administração poderá deliberar sobre a emissão de debêntures nas
hipóteses previstas nos §§1º, 2º e 4º do art. 59.
6 Parágrafo único do artigo 122 da Lei n0 6.404/76 - "Em caso de urgência, a confissão de falência ou o pedido
de concordata poderá ser formulado pelos administradores, com a concordância do acionista controlador, se houver,
convocando-se imediatamente a assembleia geral, para manifestar-se sobre a matéria."
7 Conforme definição prevista no artigo 247, parágrafo único da Lei das S.A.
(ii) o artigo 137, § 3º, que dá à assembleia geral competência para decidir
sobre a ratificação ou reconsideração da deliberação que deu origem
ao direito de recesso se os órgãos da administração entenderem que o
pagamento do preço do reembolso das ações aos acionistas dissidentes
que exerceram o direito de recesso colocará em risco a estabilidade
financeira da empresa;
8 Presume-se ter interesse conflitante com o da companhia a pessoa que, cumulativamente: (i) tenha sido eleita
por acionista que também tenha eleito conselheiro de administração em sociedade concorrente; e (ii) mantenha vínculo de
subordinação com o acionista que o elegeu, sendo que essa presunção somente se opera se o conselheiro de administração
de sociedade concorrente houver sido eleito apenas com os votos do acionista, ou se tais votos considerados isoladamente
forem suficientes para sua eleição (§§ 1º e 2º do artigo 2º da Instrução CVM no 367, de 29 de maio de 2002).
As atribuições definidas pela lei como privativas da assembleia geral não podem
ser delegadas ao conselho de administração ou à diretoria, salvo nas hipóteses
expressamente previstas na própria Lei das S.A.
Nessa linha, será considerada nula a disposição estatutária que outorgar a outros
órgãos da sociedade a atribuição de deliberar sobre matéria de competência privativa
da Assembleia. As exceções estão expressamente previstas na Lei das S.A., como, por
exemplo, o art. 59, que estabelece que a deliberação sobre emissão de debêntures é
de competência privativa da assembleia geral, porém admite que nas companhias
abertas a deliberação sobre emissão de debêntures possa ser tomada pelo Conselho
de Administração, nas hipóteses previstas nos parágrafos 1º e 2º do referido artigo9.
9 artigo 59 – A deliberação sobre emissão de debêntures é da competência privativa da assembleia geral, que
deverá fixar, observado o que a respeito dispuser o estatuto:
(...)
§1º Na companhia aberta, o conselho de administração pode deliberar sobre a emissão de debêntures não conversíveis em
ações, salvo disposição estatutária em contrário.
§2º O estatuto da companhia aberta poderá autorizar o conselho de administração a, dentro do limite do capital autorizado,
deliberar sobre a emissão de debêntures conversíveis em ações, especificando o limite do aumento de capital decorrente da
conversão das debêntures, em valor do capital social ou em número de ações, e as espécies e classes das ações que poderão
ser emitidas.
Por fim, vale também ressaltar que a deliberação da assembleia geral vincula todos os
seus membros, ainda que dissidentes ou ausentes,12 e, como bem exposto por Ricardo
Tepedino, as deliberações da assembleia geral
“(...) são vinculantes para os demais órgãos sociais e para os acionistas,
e muitas vezes constituem requisitos para que a companhia possa
validamente se obrigar, mas devem sempre ser executadas pela Diretoria,
a quem privativamente compete a representação da sociedade (artigo
138, § 1º, in fine) e, portanto, fazer atuar a vontade da Assembleia e
estabelecer relações jurídicas com terceiros (Cf. FERRI, 1966, n. 184, p.
276; ASCARELLI, 1945, p. 367, nota 81) (...).”13
Assim, será ordinária a assembleia geral que deliberar sobre as seguintes matérias,
previstas no artigo 132 da Lei das S.A.14:
10 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 23-24. v. 2.
11 LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Convalidação e Revogação de Deliberações Assembleares. In: Pareceres.
V. II, São Paulo: Singular, 2004, p. 1.331.
12 FRANÇA, Novaes; AZEVEDO, Erasmo Valladão. Invalidade das Deliberações de Assembleia das S.A. São
Paulo: Malheiros, 1999, p. 41.
13 TEPEDINO, Ricardo. Assembléia Geral. In: LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões (coord.).
Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 875-876. v. I.
14 O artigo 132 também relaciona como matéria de competência da assembleia geral ordinária a aprovação da
correção da expressão monetária do capital social. Entretanto, a correção monetária do capital social, prevista no artigo 167
da Lei das S.A. foi extinta pela Lei no 9.249/95, o que acabou por derrogar o inciso IV do art. 132 da Lei das S.A., o qual não
produz mais efeitos.
A assembleia geral ordinária deverá ser realizada obrigatoriamente uma vez por ano,
nos quatro primeiros meses seguintes ao término do exercício social. No entanto,
ainda que seja realizada fora desse prazo, será ordinária a assembleia que deliberar
sobre as matérias referidas acima.
A assembleia geral extraordinária, por sua vez, é competente para deliberar, a qualquer
tempo, sobre quaisquer outras matérias de interesse da sociedade, desde que não sejam
da competência da administração.
Apesar de a Lei das S.A. não estabelecer expressamente a aplicação de sanções, é importante
ressaltar que, no caso de companhias abertas, a não realização da assembleia geral ordinária nos
quatro primeiros meses seguintes ao término do exercício social constitui infração de natureza
grave, nos termos do artigo 60, inciso III, da Instrução CVM nº 480/0916, sujeita às penalidades
15 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 130. v. II
16 "Art. 60. Constitui infração grave para os efeitos do § 3º do art. 11 da Lei nº 6.385, de 1976:
(...)
III – a inobservância do prazo fixado no art. 132 da Lei nº 6.404, de 1976, para a realização da assembleia geral
ordinária."
De acordo com o parágrafo único do artigo 131 da Lei das S.A., a assembleia geral
ordinária e a assembleia geral extraordinária poderão ser convocadas e realizadas
cumulativamente, no mesmo local, dia e horário e lavradas em uma única ata.
A Lei das S.A. regula, ainda, as assembleias gerais especiais, que têm por finalidade
reunir os acionistas titulares de uma determinada classe ou espécie de ação ou terceiros
detentores de títulos de emissão da companhia, para deliberarem sobre assuntos de
seu interesse. Assim, é o caso da (i) assembleia especial de acionistas titulares de ações
em circulação no mercado para deliberar sobre a realização de nova avaliação para
efeito de determinação do valor de avaliação da companhia, prevista no artigo 4º-A;
(ii) assembleia especial de acionistas titulares de ações de classe atingida por resgate,
mencionada no § 6º do artigo 44; (iii) assembleia geral especial dos titulares de partes
beneficiárias, no caso de reforma do estatuto que modifique ou reduza vantagens a
elas conferidas, prevista no artigo 51; (iv) assembleia de debenturistas para deliberar
sobre matéria de interesse da comunhão dos debenturistas, prevista no artigo 71, ou
nas hipóteses de alteração do estatuto para mudar o objeto da companhia ou para
criar ações preferenciais ou modificar as vantagens das existentes (artigo 57 §2º) e
17 "Art . 11. A Comissão de Valores Mobiliários poderá impor aos infratores das normas desta Lei, da Lei de
Sociedades por Ações, das suas resoluções, bem como de outras normas legais cujo cumprimento lhe incumba fiscalizar, as
seguintes penalidades:
I - advertência;
II - multa;
III - suspensão do exercício do cargo de administrador ou de conselheiro fiscal de companhia aberta, de entidade do sistema
de distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização ou registro na Comissão de Valores Mobiliários;
IV - inabilitação temporária, até o máximo de 20 (vinte) anos, para o exercício dos cargos referidos no inciso anterior;
V - suspensão da autorização ou registro para o exercício das atividades de que trata esta Lei;
VI - cassação de autorização ou registro, para o exercício das atividades de que trata esta Lei;
VII - proibição temporária, até o máximo de 20 (vinte) anos, de praticar determinadas atividades ou operações, para os
integrantes do sistema de distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização ou registro na Comissão de
Valores Mobiliários;
VIII - proibição temporária, até o máximo de 10 (dez) anos, de atuar, direta ou indiretamente, em uma ou mais modalidades
de operação no mercado de valores mobiliários.
[...]
§ 3º Ressalvado o disposto no parágrafo anterior, as penalidades previstas nos incisos III a VIII do caput deste artigo
somente serão aplicadas nos casos de infração grave, assim definidas em normas da Comissão de Valores Mobiliários."
18 No Processo Administrativo Sancionador CVM Nº RJ2012/5754 houve a condenação à pena de advertência
de membros do Conselho de Administração por infração ao artigo 132, combinado com o artigo 142, inciso IV, da Lei
das S.A., por terem convocado a Assembleia Geral Ordinária fora do prazo legal. Em referido processo, o relator ressalta
que “que a realização da AGO é um ônus imposto à companhia e é de competência do conselho de administração a sua
convocação, como se deduz da dicção do art. 123. Tal ato, a convocação, é obrigatório e não está à mercê da vontade dos
administradores, pois não realizá-la gera um vazio na vida da companhia.” O relator esclarece que o entendimento da CVM
sobre a responsabilidade dos conselheiros por não convocarem a AGO mudou ao longo do tempo. Como exemplo, ao
julgar os Processos Administrativos Sancionadores nºs RJ2005/6764 e RJ2004/5238, a CVM concluiu que os conselheiros
não poderiam ser punidos pela não convocação da AGO se as Demonstrações Financeiras da companhia não haviam
sido elaboradas. Entretanto, a partir do julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2005/6763, de
relatoria do Presidente Marcelo Trindade, a CVM passa a punir os conselheiros que não convocam tempestivamente a
AGO, independentemente de existir ou não as Demonstrações Financeiras, conclusão que foi seguida nos julgamentos dos
Processos Administrativos Sancionadores CVM nº RJ2005/8604, de relatoria da Diretora Maria Helena Santana, e 05/2006,
cujo relator foi o Diretor Eli Loria. Cita, ainda, que nos últimos anos, em todos os 17 casos julgados, houve a condenação
dos conselheiros, a demonstrar que está consolidada a jurisprudência da CVM sobre o tema.
(i) pelo conselho fiscal quando os órgãos de administração retardarem por mais de
um mês a convocação da assembleia geral ordinária e, no caso de assembleia geral
extraordinária, sempre que houver motivos graves ou urgentes, incluindo na agenda
das assembleias as matérias que considerarem necessárias;
(ii) por qualquer acionista, quando os administradores retardarem, por mais de
sessenta dias, a convocação de assembleia nos casos previstos na lei ou no estatuto da
companhia;
(iii) por acionistas que representem 5%, no mínimo, do capital social, quando os
administradores não atenderem, no prazo de oito dias, o pedido de convocação
devidamente fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas; e,
(iv) por acionistas que representem 5%, no mínimo, do capital votante, ou 5%, no mínimo,
dos acionistas sem direito a voto, quando os administradores não atenderem, no prazo de
oito dias, o pedido de convocação de assembleia para instalação do conselho fiscal.
Há que se destacar que o artigo 124, § 5º, da Lei das S.A. estabelece que, nas companhias
abertas, a CVM poderá, a seu exclusivo critério, mediante decisão fundamentada de
seu Colegiado, a pedido de qualquer acionista e ouvida a companhia: (i) aumentar, para
até trinta dias, a contar da data em que os documentos relativos às matérias a serem
deliberadas foram colocados à disposição dos acionistas, o prazo de antecedência de
publicação do primeiro anúncio de convocação da assembleia geral de companhia
aberta, quando esta tiver por objeto operações que, por sua complexidade, exijam
maior prazo para que possam ser conhecidas e analisadas pelos acionistas; e (ii)
interromper, por até quinze dias, o curso do prazo de antecedência da convocação de
assembleia geral extraordinária de companhia aberta, a fim de conhecer e analisar as
propostas a serem submetidas à assembleia e, se for o caso, informar à companhia, até
o término da interrupção, as razões pelas quais entende que a deliberação proposta à
assembleia viola dispositivos legais ou regulamentares. Nesse sentido, a CVM editou
a Instrução CVM no 372, de 28 de junho de 2002, que regula o procedimento a ser
adotado nas hipóteses de adiamento de assembleia geral de acionistas de companhia
aberta e de interrupção da fluência do prazo de sua convocação, de que tratam os
19 A companhia deve fazer as publicações previstas na Lei das S.A. sempre no mesmo jornal, e qualquer mudança
deve ser precedida de aviso aos acionistas no extrato da ata da assembleia geral ordinária (art. 289 §3º da Lei das S.A.).
20 No caso das companhias abertas, (i) a CVM recomenda que o edital de convocação de AGO ou AGO/E seja
publicado e divulgado em sua página na internet com pelo menos 30 dias de antecedência em relação à realização da
assembleia, simultaneamente à Proposta da Administração (item 3.4.3 do Ofício-Circular/CVM/SEP/No 01/2017), e (ii)
a Instrução CVM 559/2015 estabelece em seu Art. 8º que o emissor de ações que sirvam de lastro para programa de DR
patrocinado deve convocar assembleia geral com o prazo mínimo de 30 dias de antecedência.
21 O Art. 294 estabelece que, no caso de companhias fechadas que tiverem menos de vinte acionistas e patrimônio
líquido inferior a R$1.000.000,00, a convocação da assembleia geral pode se dar por anúncio entregue a todos os acionistas,
contra recibo, respeitado prazo de antecedência previsto no referido art. 124 da Lei das S.A.
A assembleia geral deverá ser realizada na sede da companhia, salvo em caso de força
maior. Nestes casos, os anúncios deverão indicar com clareza o local da reunião, a qual,
em nenhuma hipótese, poderá se realizada fora da localidade da sede, entendendo-se
como localidade da sede o distrito urbano ou rural em que está situada a sede social e
não o respectivo município.22
O edital de convocação deverá indicar o dia, a hora e o local em que a assembleia será
realizada, bem como enumerar, expressamente, na ordem do dia, todas as matérias a
serem deliberadas, não sendo admitida a utilização da rubrica “assuntos gerais” para
matérias que dependam de deliberação da assembleia.23
O artigo133 da Lei das S.A. estabelece que até um mês antes da data marcada para a
realização da assembleia geral ordinária, os administradores deverão comunicar, por
meio de anúncios publicados na forma prevista no artigo 124 da Lei das S.A., que
se encontram à disposição dos acionistas: (i) o relatório da administração sobre os
negócios sociais e os principais fatos administrativos do exercício findo; (ii) a cópia das
demonstrações financeiras; (iii) o parecer dos auditores independentes, se houver; (iv)
o parecer do conselho fiscal, inclusive os votos dissidentes, se houver; e (v) os demais
documentos pertinentes a assuntos incluídos na ordem do dia. A publicação desses
anúncios é dispensada quando tais documentos forem publicados até um mês antes da
data marcada para a realização da assembleia geral ordinária.
Referidos anúncios deverão indicar o local onde os acionistas poderão obter cópias
desses documentos, devendo a companhia remetê-las aos acionistas que assim
solicitarem, por escrito. Nas companhias abertas, tais documentos devem ser
disponibilizados na página da CVM na internet, ficando, portanto, acessível a todos os
acionistas no mesmo momento.
Merece destaque a Instrução CVM no 481/09, conforme alterada, que institui regras
específicas relacionadas às assembleias gerais de companhias abertas que possuem
ações admitidas à negociação em mercados regulamentados, disciplinando, em linhas
gerais, os seguintes assuntos:
Entretanto, a assembleia geral extraordinária que tiver por objeto a reforma do estatuto
somente pode ser instalada, em primeira convocação, com a presença de acionistas que
representem, no mínimo, 2/3 (dois terços) do capital com direito a voto, mas poderá
instalar-se, em segunda convocação, com qualquer número.
As matérias enumeradas abaixo, previstas no artigo 136 da Lei das S.A., dependerão da
aprovação de acionistas que representem, no mínimo, metade das ações com direito
a voto, se maior quórum não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não
estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão.30
(i) criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações
preferenciais existentes, sem guardar proporção com as demais classes
de ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto;
Nas companhias abertas e com dispersão acionária, a CVM pode autorizar a redução do
quórum estabelecido acima, desde que nas três últimas assembleias tenham comparecido
acionistas representando menos da metade das ações com direito a voto. Nesse caso, a
autorização da CVM deve ser mencionada nos avisos de convocação e a deliberação com
quórum reduzido somente poderá ser adotada em terceira convocação.31
29 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 2, p.
920.
30 O estatuto da companhia fechada pode aumentar o quórum exigido para certas deliberações, desde que
especifique as matérias (artigo 129, §1º da Lei das S.A.).
31 No Processo Administrativo CVM no RJ2013/11983 a companhia requereu a redução do quórum de
deliberação previsto no art. 136, após realizar três assembleias gerais especiais (AGESP) sem atingir o quórum das ações
preferenciais exigido para aprovação da matéria posta em deliberação. O Colegiado da CVM, em decisão de 4 de fevereiro
de 2014, acompanhou o voto da Relatora Ana Novaes e aprovou, por unanimidade, reduzir o quórum de aprovação da
AGESP para 16% do capital preferencial total, isto é, 26,87% do total de ações preferenciais aptas a votar e determinou que
a assembleia especial de preferencialistas fosse convocada com antecedência mínima de 30 dias, com menção à autorização
Nos termos do §1º do artigo 126 da Lei das S.A., o acionista poderá ser representado
na assembleia geral por procurador constituído há menos de um ano, que seja
acionista, administrador da companhia ou advogado. Nas companhias abertas, o
procurador pode ainda ser instituição financeira, cabendo ao administrador de fundos
de investimento representar os condôminos.
da CVM para realização da assembleia especial em uma única convocação com quórum reduzido e informando que o
acionista controlador, também detentor de ações preferenciais, não votaria.
32 A CVM se pronunciou em 2008 no sentido de que a lei não impõe restrições ao uso de procurações eletrônicas
e assinaturas digitais, e, também, não impõe a obrigatoriedade de reconhecimento de firma ou consularização das
procurações de acionistas estrangeiros, podendo a companhia, a seu critério, dispensar o reconhecimento de firma e a
consularização dos instrumentos de procuração outorgados pelos acionistas a seus representantes (Proc. RJ2008/1794).
33 Na Decisão de 4 de novembro de 2014 (Proc. RJ2014/3578), o Colegiado, acompanhando na íntegra e por
unanimidade o voto apresentado pela Relatora Ana Novaes, deliberou no sentido de permitir que as companhias adotem
em suas assembleias, a partir da publicação dessa decisão, a interpretação de que as pessoas jurídicas podem se fazer
representar tanto por meio de seus representantes legais quanto por meio de mandatários devidamente constituídos, de
acordo com os atos constitutivos da sociedade e com as regras do Código Civil.
Pela nova regulamentação da CVM, o acionista poderá exercer o voto por meio do
preenchimento e entrega do “Boletim de Voto a Distância”, pelo qual o acionista poderá
manifestar seu voto previamente à data de realização da assembleia. Também será
possível para o acionista minoritário solicitar a inclusão de candidatos e propostas de
deliberação no referido boletim, observados determinados percentuais de participação
societária.
Sendo um sistema de votação ainda não testado, a CVM limitou a exigência do “Boletim
de Votação a Distância” apenas nas seguintes situações: (i) por ocasião da assembleia
geral ordinária; (ii) sempre que a assembleia geral for convocada para deliberar sobre
a eleição de membros do conselho fiscal ou do conselho de administração, quando
35 Artigo 121, parágrafo único: “Nas companhias abertas, o acionista poderá participar e votar a distância em
assembleia geral, nos termos da regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários.”
36 A aplicação do art. 7º da Instrução CVM n0 561/15, que acrescenta o Capítulo III-A – Votação a Distância, à
Instrução CVM n0 481/09, tornou-se obrigatória em 1º de janeiro de 2017 para as companhias que, na data da publicação
da Instrução CVM 561/15, tinham ao menos uma espécie ou classe de ação de sua emissão compreendida em algum
dos seguintes índices gerais representativos de carteira de valores mobiliários: (a) índice Brasil 100 – IbrX-100; ou (b)
índice Bovespa – IBOVESPA, e a partir de 1º de janeiro de 2018 para as companhias abertas registradas na categoria A e
autorizadas por entidade administradora de mercado à negociação de ações em bolsa de valores.
38 Art. 121. A assembleia-geral, convocada e instalada de acordo com a lei e o estatuto, tem poderes para
decidir todos os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e
desenvolvimento.
Parágrafo único. Nas companhias abertas, o acionista poderá participar e votar a distância em assembleia geral, nos termos
da regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários.
Art. 127. Antes de abrir-se a assembleia, os acionistas assinarão o “Livro de Presença”, indicando o seu nome, nacionalidade
e residência, bem como a quantidade, espécie e classe das ações de que forem titulares.
Parágrafo único. Considera-se presente em assembleia geral, para todos os efeitos desta Lei, o acionista que registrar a
distância sua presença, na forma prevista em regulamento da Comissão de Valores Mobiliários.
Instalada a assembleia, os trabalhos serão dirigidos por uma mesa composta por um
presidente e por um secretário, ambos escolhidos pelos acionistas presentes, se de
outra forma não estabelecer o estatuto social da Companhia.
Dos trabalhos da assembleia, deve ser lavrada, em livro próprio, ata assinada pelo
presidente e secretário da mesa, bem como pelos acionistas presentes. Para validade
da ata, é suficiente a assinatura de quantos bastem para constituir a maioria necessária
para as deliberações tomadas na assembleia.
39 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 2, p.
899.
40 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Vol. II, São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 97 e 98.
41 IN 38/2017, do DREI, Anexo III – Manual de Registro de Sociedade Anônima, itens 1.2.6, 2.2.6 e 3.2.6.
Por isso, para preservar os direitos dos acionistas minoritários, a lei criou alguns
mecanismos que visam a facilitar e possibilitar que esses acionistas indiquem parte
dos membros do conselho de administração42.
Nas companhias abertas, esse percentual mínimo para requerer a adoção do processo
de voto múltiplo pode ser reduzido em função do capital social da companhia. É o que
determina a Instrução CVM no 165/91, modificada pela Instrução CVM no 282/98,
que cria uma tabela que reduz o percentual mínimo de dez por cento previsto no artigo
141 da Lei das S.A., fixando, para cada determinada faixa de capital, um percentual
específico. Assim dispõe a Instrução CVM nº 165/91:
A adoção do processo de voto múltiplo deve ser requerida, por escrito, até 48 horas
antes da assembleia geral, pelos acionistas interessados e habilitados, ou seja, que
representem o percentual mínimo de participação fixado na lei.
Quanto ao conselho fiscal, uma vez instalado, o § 4º do artigo 161 da Lei das S.A.
assegura aos acionistas minoritários o direito de eleger, em votação em separado na
assembleia geral, membros do conselho fiscal e respectivos suplentes. Esse direito
é conferido (i) aos titulares de ações preferenciais sem direito a voto, ou com voto
restrito, independentemente da participação acionária detida, a quem é reservada
uma vaga no conselho fiscal (titular e suplente), e (ii) aos acionistas minoritários que
representem, em conjunto, 10% ou mais das ações com direito a voto, a quem também
é reservada uma vaga no conselho fiscal (titular e suplente).
Quando o funcionamento do conselho fiscal não for permanente, poderá ser instalado
a pedido de acionistas presentes em qualquer assembleia geral, que representem, no
mínimo, um décimo das ações com direito a voto, ou 5% das ações sem direito a voto,
sendo que, nas companhias abertas, esses percentuais podem ser reduzidos em função
do capital social da companhia, conforme previsto na Instrução CVM no 324/00, que
cria uma tabela que reduz os percentuais previsto no artigo 161 da Lei das S.A., fixando,
para cada determinada faixa de capital, um percentual específico. Assim, o conselho
fiscal de funcionamento não permanente das companhias abertas será instalado pela
assembleia geral, a pedido de acionistas que representem, no mínimo, as porcentagens
de ações constantes da seguinte escala:
Sempre que a assembleia geral for convocada para eleger administradores ou membros
do conselho fiscal, a companhia deverá disponibilizar na página da CVM na internet
informações detalhadas relativamente aos candidatos indicados ou apoiados pela
administração ou pelos acionistas controladores, conforme estabelecido pelo artigo 10
da Instrução CVM no 481/09.
Sob o ponto de vista formal, a ata da assembleia não poderá conter emendas, rasuras
ou entrelinhas, exceto se houver ressalva expressa no próprio instrumento e com a
assinatura de todas as partes.
Com relação às atas de assembleia geral extraordinária, a Lei das S. A. não é clara
a respeito da necessidade de arquivamento no registro do comércio e publicação
de toda e qualquer ata, limitando-se a mencionar expressamente a necessidade de
arquivamento no registro do comércio e/ou de publicação de atas de assembleia geral
44 IN 38/2017, do DREI, Anexo III – Manual de Registro de Sociedade Anônima, itens 1.2.6, 2.2.6 e 3.2.6.
Boa parte da doutrina entende que as atas de assembleia geral extraordinária somente
devem ser arquivadas no registro do comércio e publicadas quando contiverem
deliberações destinadas a produzir efeitos perante terceiros ou quando expressamente
previsto na lei.
Vale mencionar os artigos 30, IV e 31, IV, da Instrução CVM no 480/09, que
determinam a disponibilização na página da CVM na internet de atas de assembleias
gerais extraordinárias, especiais e de debenturistas. Como referidos artigos não fazem
qualquer ressalva ou exceção45, pode-se entender que todas as atas de assembleia geral
extraordinária devam ser disponibilizadas na página da CVM na internet, inclusive
aquelas que não contenham deliberações destinadas a produzir efeitos perante terceiros
e que, portanto, não forem arquivadas no registro do comércio e nem publicadas.
É na assembleia geral que o acionista pode exercer seu direito de voz e de voto. Todos
Todas as ações ordinárias conferem ao seu titular o direito de voto. O estatuto social
pode estabelecer a criação de uma ou mais classes de ações preferenciais com direito
de voto restrito. As ações preferenciais sem direito a voto podem adquirir tal direito
nas seguintes hipóteses específicas previstas na Lei das S.A.:
(i) na assembleia especial dos titulares de ações em circulação no mercado
para deliberar sobre a necessidade de realização de nova avaliação da
companhia para efeitos de uma oferta pública para cancelamento de
registro de companhia aberta (artigo 4º-A, caput e §1º, da Lei das S.A.);
(v) caso a companhia, pelo prazo previsto no estatuto social, que não pode
ser superior a três exercícios sociais, deixe de pagar os dividendos fixos
ou mínimos a que fizerem jus (artigo 111, §1º, da Lei das S.A.);
O direito de voto não é ilimitado, como previsto no artigo 115 da Lei das S.A., devendo
o acionista, ao exercê-lo, considerar sempre o interesse da companhia e não os seus
interesses particulares. Poderá ser considerado abusivo o voto exercido com o fim de
causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem,
vantagem a que não faz jus e de que resulte ou possa resultar prejuízo para a companhia
ou para outros acionistas.
Assim, a companhia deve ser diligente para que sejam cumpridas todas as formalidades
previstas na lei e em seu estatuto para admissão de um acionista à sua assembleia,
para comprovação de sua qualidade de acionista. Ademais, o presidente da mesa deve
cuidar para que os acionistas votantes não estejam impedidos de fazê-lo.
Nesse sentido, de acordo com o artigo 126 e seus parágrafos da Lei das S.A., a companhia
poderá exigir a apresentação de comprovante hábil que identifique a pessoa como
acionista da companhia50 e de documento de identidade ou de procuração outorgada
há menos de um ano.51 Portanto, não pode a companhia fazer exigências adicionais
que visem impedir a participação de um acionista em sua assembleia.
Com relação ao cômputo dos votos, a Lei das S.A. estabeleceu o princípio majoritário,
pelo qual as deliberações serão tomadas por maioria absoluta de votos dos acionistas
presentes, não sendo computados os votos em branco/abstinências.
No cômputo dos votos devem ser levadas em consideração as regras acerca do direito
de voto e impedimento de voto estabelecidas na Lei das S.A., estatuto social e acordos
de acionistas eventualmente arquivados na sede da companhia.
Vale ressaltar que antes da decisão acima, o Colegiado da CVM já havia julgado outros
casos envolvendo a participação de Entidades Fechadas de Previdência Complementar
na eleição de representantes de acionistas minoritários e preferencialistas para
o conselho fiscal55 e que o entendimento da Superintendência de Relações com
Empresas da CVM, em consonância com o disposto no Parecer de Orientação nº
19/90, vinha no sentido de que, na eleição em separado para o conselho fiscal pelos
acionistas preferencialistas (artigo 161, § 4º da Lei 6.404/76), não deveriam participar
quaisquer acionistas que não se inserissem no conceito de minoria que a lei buscou
proteger, ou seja, além dos controladores também não deveriam participar pessoas a
eles vinculadas.
Há algumas situações especiais que podem limitar o exercício do direito de voto, como
a existência de acordos de acionistas, o conflito de interesse, o abuso do direito de voto
e situações em que a lei expressamente impõe o impedimento de voto.
53 Ver os comentários no capítulo deste artigo sobre participação a distância em assembleias gerais.
54 Processo Administrativo Sancionador no 11/2012, no qual foram apuradas as responsabilidades de Caixa de
Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil – PREVI, Fundação dos Economiários Federais – FUNCEF e de Fundação
Petrobras de Seguridade Social – PETROS por terem votado nas eleições de candidatos a conselheiros da Petrobras em
vagas destinadas a minoritários em assembleias realizadas em 2011 e 2012.
55 (i) Processo Administrativo Sancionador RJ2001/9686, julgado em 12/08/2004 (caso “Fundação Sudameris”);
(ii) Processo Administrativo Sancionador RJ2002/4985, julgado em 08/11/2005 (caso “PREBEG”); (iii) Processo
Administrativo Sancionador Nº 07/2005 julgado em 24/04/2007 (caso “Mendesprev I”); (iv) Processo Administrativo
Sancionador RJ 2009/4768, julgado em 13/04/2010 (caso Mendesprev II”); e (v) Processo Administrativo Sancionador RJ
2010/10555, julgado em 05/09/2011 (caso “BANESE”).
Segundo Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira56, o ponto básico apresentado
pela lei, e do qual defluem os demais comandos legais, é que o acionista deve exercer o
direito de voto no interesse da companhia. O abuso de direito e o conflito de interesses
decorrem, portanto, da desobediência a tal comando básico: se o voto não satisfaz a tal
preceito não é direito, é violação do direito.
A lei das S.A., em seu artigo 115, ao regular o exercício do direito de voto, aborda
a questão do exercício abusivo do direito de voto, do conflito de interesses e do
impedimento de voto:
56 RDM v. 128, p. 234, in Inquérito Administrativo CVM TA/RJ2002/1153, de 06/11/2002.
Como se vê, segundo o artigo 115, §§ 1º e 2º, da Lei das S.A., o acionista está impedido
de votar (i) nas deliberações da assembleia geral relativas ao laudo de avaliação de
bens com os quais concorrer para a formação do capital social, exceto quando todos
os subscritores do capital forem condôminos do bem aportado ao capital social; (ii) na
aprovação de suas contas como administrador; (iii) em quaisquer outras deliberações
que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou (iv) em quaisquer deliberações em
que tiver interesse conflitante com o da companhia.
Entretanto, há discussão no que diz respeito à existência, ou não, de proibição que impeça
previamente o acionista de votar em questões em que possa existir conflito de interesses.
O Parecer de Orientação CVM no 34, de 18 de agosto de 2006, que teve por objetivo
divulgar a interpretação da CVM sobre a incidência do impedimento prévio de
voto de que trata o § 1º do artigo 115 da Lei n0 6.404/76 em certas deliberações que
possam beneficiar de modo particular os acionistas controladores ou proponentes de
operações de incorporação ou de incorporação de ações, traz em seu corpo importantes
esclarecimentos sobre esta discussão. De acordo com o referido Parecer de Orientação:
“(...) A polêmica ocorre na análise dos casos concretos, pois não há um
critério objetivo unânime que distinga hipóteses ‘que puderem beneficiar
[o acionista] de modo particular’ e hipóteses em que o ‘interesse [do
acionista seja] conflitante com o da companhia’ (§ 1º do artigo 115).
Parcela da doutrina jurídica entende que, nesta última hipótese, é possível
que o voto seja dado e, posteriormente, seja analisada a sua validade. Em
resumo: é razoavelmente pacífico que a hipótese de benefício particular
é diferente da hipótese de conflito de interesses, no texto do artigo 115,
§ 1º, da Lei 6.404/76. Também é razoavelmente pacífico que em caso de
benefício particular o acionista está previamente impedido de votar. Mas
é normalmente difícil distinguir as hipóteses de benefício particular das
hipóteses de conflito de interesses. (...) A constatação do impedimento
de voto não envolve um julgamento sobre a licitude da deliberação a
ser tomada. O acionista potencialmente favorecido estará impedido de
votar mesmo que se trate, como se espera, de deliberar sobre benefícios
perfeitamente lícitos, e que possam coincidir com o interesse da companhia.
O impedimento de voto, portanto, se dá pela especificidade do benefício,
pela particularidade de seus efeitos em relação a um acionista, comparado
com os demais. E mesmo em tais casos, se falhar a proibição cautelar de
voto, e o acionista impedido votar, a deliberação somente será anulável se
o voto do acionista potencialmente beneficiado tiver sido determinante
para a formação do quorum ou da maioria assemblear. (...)”
A doutrina se divide a esse respeito, havendo os que defendem que o conflito é formal,
ou seja, a verificação se dá a priori, pelo simples fato de haver situação de interesses
conflitantes, ficando o acionista impedido de votar sempre que houver tal situação,
porque se considera impossível atender simultaneamente seu interesse particular e
seu interesse como acionista. Neste caso, o acionista sequer poderia votar, ainda que,
apesar de ter interesse conflitante com o da companhia, votasse no interesse desta.
Nesse sentido, podem ser citados os seguintes casos apreciados pela CVM:
(iii)
Proc. RJ2014/11826, em que o Colegiado da CVM concluiu
que o acionista encontrava-se em situação de conflito de interesses
quando da votação em assembleia geral relacionada à aprovação das
contas dos administradores da companhia e à propositura de ação de
responsabilidade contra si próprio, estando, portanto, impedido de
votar direta e indiretamente, por força do § 1º do artigo 115 da Lei n0
6.404/1976, ainda que seu voto tenha sido dado na assembleia geral
extraordinária no sentido de suspensão das deliberações.
No que diz respeito ao abuso do direito de voto, é abusivo o voto quando o acionista
tem intenção de causar dano à companhia ou a outros acionistas ou ainda de obter
vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia
ou para outros acionistas.
A Lei das S.A. não faz qualquer distinção ao tratar do voto abusivo, portanto, o abuso
do direito de voto pode ser praticado tanto pelo acionista controlador como pelo
minoritário. O acionista, controlador ou minoritário, que votou com abuso responde
pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito de voto, ainda que seu voto não
tenha prevalecido.
Além disso, o voto abusivo e a deliberação aprovada por maioria constituída com esse
O artigo 117, § 1º, da Lei das S.A. apresenta uma lista exemplificativa de atos que
são considerados como abusivos quando praticados pelo controlador, dentre os quais,
alguns relacionados ao exercício do direito de voto. A CVM, por meio da Instrução
CVM no 323, de 19/1/2000, também define hipóteses de exercício abusivo do poder
de controle e de infração grave. Para caracterização do abuso do poder de que trata o
artigo 117 da Lei das S.A., ainda que desnecessária a prova da intenção subjetiva do
acionista controlador em prejudicar a companhia ou os minoritários, é indispensável
a prova do dano58.
O voto abusivo também pode ser praticado pela minoria, por exemplo, quando
o acionista minoritário assume a posição de maioria presente na assembleia, por
ausência ou impedimento do controlador, quando exerce direitos de veto de forma
leviana ou quando se utiliza do Conselho Fiscal para pressionar a administração ou o
controlador.
O direito de recesso constitui direito essencial do acionista, nos termos do artigo 109,
inciso V, da Lei das S.A., do qual não pode ser privado nem pelo estatuto social nem
pela assembleia.
(x) aquisição, por pessoa jurídica de direito público, realizada por meio
de desapropriação de ações representativas do controle acionário da
companhia em funcionamento;66
59 e 60 Neste caso o acionista somente poderá retirar-se da companhia caso a deliberação aprovada em assembleia
geral afete negativamente os direitos que lhe são assegurados pelas ações de sua propriedade (art. 137, inciso I, da Lei das
S.A.).
61 e 62 Não terá direito de recesso o titular de ações de espécie ou classe que tenha liquidez e dispersão no mercado
considerando-se haver: i) liquidez, quando a espécie ou classe de ação integre um índice geral representativo de carteira de
valores mobiliários admitido à negociação no mercado de valores mobiliários, definido pela CVM; e ii) dispersão, quando
o acionista controlador detiver menos da metade das ações de determinada espécie ou classe (art. 137, inciso II, da Lei das
S.A.).
63 Os acionistas minoritários somente terão direito de recesso se a cisão acarretar: i) a mudança do objeto social,
salvo quando o patrimônio cindido for vertido para a sociedade cuja atividade preponderante coincida com a decorrente
do objeto social da sociedade cindida; ii) a redução do dividendo obrigatório; ou iii) a participação da companhia em um
grupo de sociedades (art. 137, inciso III, da Lei das S.A.).
64 Art. 221 da Lei das S.A.
65 Art. 223, § 3º e § 4º, da Lei das S.A.
66 Art. 236, parágrafo único da Lei das S.A.
Pelas matérias elencadas acima, pode-se observar que o direito de retirada tem por fim
proteger o acionista minoritário contra determinadas modificações na estrutura da
companhia ou contra a redução dos direitos assegurados às suas ações, desobrigando-o
de continuar como acionista de uma companhia essencialmente diferente daquela da
qual adquiriu as ações.
Vale, entretanto, ressaltar que o exercício do direito de recesso, em alguns casos, pode
ser extremamente oneroso e inviável para a companhia. Por esta razão, a Lei das
S.A., em seu artigo 137, § 3º, faculta à companhia a realização de outra assembleia
para ratificar ou reconsiderar a deliberação que deu origem ao direito de retirada,
se a administração entender que o pagamento do preço do reembolso das ações aos
acionistas dissidentes que exerceram o direito de retirada porá em risco a estabilidade
financeira da companhia.
Em que pese a Lei das S.A. não mencione expressamente, é indiscutível que o disposto
no parágrafo único do artigo 285 da Lei das S.A.69 se aplica a qualquer assembleia
e não apenas à assembleia geral de constituição, ou seja, a companhia pode, mesmo
depois da propositura da ação, por deliberação da assembleia geral, providenciar para
que seja sanado o vício ou defeito verificado, mesmo depois da propositura da ação
de anulação.
Qualquer acionista, titular de ação com ou seu direito a voto, tem legitimidade para
propor essa ação contra a companhia.
(i) vício da própria assembleia, quando, em violação da lei ou do estatuto, tiver sido
irregularmente convocada ou mesmo não convocada, ou irregularmente instalada,
situação em que o vício atingirá todas as deliberações que nela forem tomadas;
(ii) vício das deliberações, situação em que as deliberações da assembleia podem ter
69 Art. 285. A ação para anular a constituição da companhia, por vício ou defeito, prescreve em 1 (um) ano,
contado da publicação dos atos constitutivos.
Parágrafo único. Ainda depois de proposta a ação, é lícito à companhia, por deliberação da assembleia-geral, providenciar
para que seja sanado o vício ou defeito.
70 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 591 e 592. v. III.
Muito embora o artigo 286 estabeleça que esse direito prescreva em 2 (dois) anos,
contados da deliberação impugnada, importante registrar que a doutrina pacificou
o entendimento de que o prazo prescricional começa a ser contado da publicação
da deliberação, entendimento esse já confirmado pelos Tribunais, com base na
interpretação sistemática da Lei das S.A., na medida em que os artigos 285 e 287, que
também tratam de prescrição, estabelecem como marco inicial do prazo prescricional
a data da publicação do ato. Entretanto, há outras situações não previstas na Lei
das S.A., como por exemplo, o caso de a pessoa agravada pela deliberação não ser
acionista da companhia, ou de a companhia não ter publicado a ata, portanto, a
análise da contagem do prazo prescricional deverá ser feita no caso concreto, sendo
imprescindível examinar-se o vício objeto do pedido, a condição do postulante e a
sua relação com a companhia, para adequada definição do marco inicial e do prazo
prescricional correto, se civil ou especial.
A Lei das S.A. também prevê que alguns de seus artigos serão regulamentados pela
CVM. É o caso, por exemplo, do artigo 291 da mencionada lei, que estabelece que a
CVM poderá reduzir, mediante fixação de escala em função do valor do capital social,
a porcentagem mínima de participação no capital social das companhias abertas que
73 A Instrução CVM n0 480/09, em seu artigo 2º, cria duas categorias de emissores de valores mobiliários: (i)
categoria A, que autoriza a negociação de quaisquer valores mobiliários do emissor em mercados regulamentados de valores
mobiliários; e (ii) categoria B, que autoriza a negociação de valores mobiliários do emissor em mercados regulamentados
de valores mobiliários, exceto os seguintes valores mobiliários: (a) ações e certificados de depósito de ações; ou (b) valores
mobiliários que confiram ao titular direitos de adquirir valores mobiliários mencionados no item (a), em consequência
de sua conversão ou do exercício dos direitos que lhes são inerentes, desde que emitidos pelo próprio emissor dos valores
mobiliários referidos no inciso I ou por uma sociedade pertencente ao grupo do referido emissor.
No que diz respeito a assembleias gerais, a CVM não tem poderes para invalidar ou
anular deliberação assemblear, o que somente pode ser feito por meio de decisão
judicial. Contudo, como visto anteriormente, atendendo a pedido de qualquer acionista
e ouvida a companhia, a CVM poderá, a seu exclusivo critério, mediante decisão
fundamentada de seu Colegiado, aumentar o prazo de antecedência de publicação do
primeiro anúncio de convocação da assembleia geral de companhia aberta, quando
esta tiver por objeto operações que, por sua complexidade, exijam maior prazo para
que possam ser conhecidas e analisadas pelos acionistas, e interromper o curso do
prazo de antecedência da convocação da assembleia geral extraordinária de companhia
aberta, a fim de conhecer e analisar as propostas a serem submetidas à assembleia.74 75 É
importante ressaltar que a CVM não pode agir por iniciativa própria para determinar
o aumento ou interrupção do prazo, mas apenas a pedido de algum acionista.
Destaca-se que o Colegiado da CVM tem incentivado uma atuação preventiva pelas
suas áreas técnicas e, nesse sentido, vale ressaltar um trecho do voto vencedor proferido
no Processo CVM RJ-2009-5811:
“Por fim, gostaria de deixar registrado meu apoio à iniciativa da SEP de
manifestar seu entendimento acerca deste caso antes da assembleia geral.
A mim sempre pareceu mais adequado deixar as regras claras ao mercado
ex ante do que punir ex post agentes que, por interpretação equivocada
74 A Instrução CVM no 372, de 28 de junho de 2002, regula o procedimento a ser adotado nas hipóteses de
adiamento de assembleia geral de acionistas de companhia aberta e de interrupção da fluência do prazo de sua convocação,
de que tratam os incisos I e II do § 5º do art. 124 da Lei n0 6.404/76.
75 Nesse sentido, vide decisões do Colegiado CVM nos Processos CVM RJ2014/4196, RJ2014/4197, RJ2014/4198,
RJ2014/4199, RJ2014/4298, RJ2014/4908, RJ2014/4909, RJ2014/4910, RJ2015/4307 e RJ2015/4341.
76 Processo CVM RJ2013/11983 - Pedido de autorização para redução do quórum de deliberação
Entretanto, com as alterações atuais na regulação da CVM que incentivam e/ou facilitam
a participação de acionistas minoritários, como por exemplo, a regulamentação sobre
pedido público de procuração e voto a distância, essa postura do acionista minoritário
tende a mudar.
Além disso, as novas regras da CVM também obrigam as companhias a uma maior
transparência, devendo municiar os acionistas com informações suficientes, completas,
claras, verdadeiras e tempestivas com relação às matérias que serão deliberadas em
suas assembleias, permitindo que estes possam efetuar suas tomadas de decisões em
assembleia de maneira fundamentada e prezando pelo melhor interesse da companhia.
PEDRO CHUEIRI
As reestruturações societárias, com efeito, fazem parte do dia a dia de todas as sociedades,
constituindo método extremamente eficiente de implementar, dentre outras, decisões
negociais de cunho econômico ou administrativo, transações com terceiros visando à
consolidação, segmentação ou combinação de negócios, e simplificação de estrutura
que gere ganho de escala, readequação de custos, determinação mais eficiente de
custos de capital ou redirecionamento de atividades. Desde que obervadas as regras
e requisitos aplicáveis a cada uma das operações, particularmente quanto à proteção
de minoritários e credores (os quais serão descritos em maiores detalhes abaixo),
as reestruturações societárias devem ser vistas como benéficas para o mercado,
permitindo que o direito confira dinamismo e flexibilidade às operações econômicas.
2 The Anatomy of Corporate Law – A Comparative and Functional Approach, 2. ed., New York: Oxford
University Press, 2009, p. 5.
3 Em curto histórico, as incorporações (mergers) foram marcadamente concebidas nos Estados Unidos da
América, no final do século XIX, como resultado do desejo de formação de monopólios em setores estratégicos ou de
grandes conglomerados econômicos (dentre outros, LIPTON, Martin. Merger Waves in the 19th, 20th and 21st centuries).
4 Dentre outros, criação de conglomerados no Brasil (primeiro, no Estado Novo e, depois, durante a ditadura
militar).
Anteriormente ao novo Código Civil, a matéria era regulada somente pela Lei das
S.A. Atualmente, os artigos 1.113 a 1.122 do Código Civil também tratam da matéria,
embora de maneira muito mais sucinta do que a Lei das S.A.
Para definir a legislação a ser empregada em cada circunstância, Lucena5 esclarece que,
em operações envolvendo (i) apenas sociedades anônimas, prevalece a aplicação da
Lei das S.A., tendo em vista a aplicabilidade do critério da especialidade, em cujas
omissões deverá incidir o Código Civil; (ii) somente sociedades regidas pelo Código
Civil (dentre elas, as sociedades limitadas), as regras deste deverão ser aplicadas,
observando-se a incidência subsidiária da Lei das S.A; e (iii) ao menos uma sociedade
anônima e uma sociedade disciplinada pelo Código Civil, deve-se procurar uma
maneira de conciliar as disposições do Código Civil e da Lei das S.A., buscando
concluir se o Código Civil derrogou algum dispositivo da Lei das S.A. quando entrou
em vigor em 2002.
Em relação à última hipótese descrita acima, Tavares Borba afirma que a Lei das S.A.,
em decorrência da abrangência de suas disposições, seria aplicável a todos os negócios
jurídicos comuns e que produzam efeito em relação às sociedades envolvidas, uma
vez que as normas do Código Civil sobre a matéria representam um simples extrato
resumido da própria Lei das S.A.6
No que diz respeito às operações de incorporação, fusão e cisão, os artigos 223 a 225 da
Lei das S.A. são aplicáveis a todas as operações de forma indistinta.
5 LUCENA, José Waldecy. das Sociedades Anônimas – Comentários à Lei (arts. 189 a 300). Rio de Janeiro: Reno-
var, 2012, p. 498. v. 3.
6 BORBA, José Edwaldo Tavares. direito Societário. 13. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 503.
Caso uma companhia aberta (sociedade anônima registrada como tal perante a
Comissão de Valores Mobiliários – CVM, com valores mobiliários negociados
na bolsa de valores ou em mercado de balcão) seja envolvida em reestruturação
societária, as sociedades que a sucederem também deverão ter seu capital aberto, no
prazo máximo de 120 dias contados da data do ato societário que aprovou a operação.
O descumprimento dessa obrigação dará ao acionista da companhia sucedida o direito
de retirada (isto é, o direito de alienar suas ações para a própria companhia, pelo valor
patrimonial ou, caso previsto no estatuto social, pelo valor econômico das ações), nos
termos do artigo 223, §§3º e 4º da Lei das S.A. Tavares Borba defende, ainda, que,
alternativamente ao direito de retirada, seja assegurado ao sócio lesado o direito de
exigir a abertura de capital da companhia sucessora. 7
Nos termos do artigo 224 da Lei das S.A., os principais elementos que devem estar
previstos no protocolo são os seguintes: (i) o número, espécie e classe das ações ou
quotas que serão atribuídas em substituição dos direitos de sócios que se extinguirão
e os critérios utilizados para determinar as relações de substituição; (ii) os elementos
ativos e passivos que formarão cada parcela do patrimônio transferido; (iii) os critérios
de avaliação do patrimônio líquido, a data a que será referida a avaliação, e o tratamento
das variações patrimoniais posteriores; (iv) a solução a ser adotada quanto às ações ou
quotas do capital de uma das sociedades possuídas por outra; (v) o valor do capital
das sociedades a serem criadas ou do aumento ou redução do capital das sociedades
que forem parte na operação; (vi) o projeto ou projetos de estatuto, ou de alterações
estatutárias, que deverão ser aprovados para efetivar a operação; e (vii) todas as demais
condições a que estiver sujeita a operação8.
7 BORBA, José Edwaldo Tavares. direito Societário. 13. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 504-505. Ver,
também, itens específicos sobre direito de retirada detalhados neste capítulo.
8 Na hipótese de a operação envolver somente sociedades limitadas, as partes podem, em tese, optar por não
elaborar o protocolo, tendo em vista que o Código Civil não exige a celebração deste documento. No entanto, na prática,
o comum é a celebração do protocolo e justificação, inclusive para fins de registro na junta comercial competente, a qual
exige o protocolo e a apresentação desses documentos, conforme prevê a Instrução Normativa DREI nº 35, de 2 de março
de 2017.
Transformação
Tanto a Lei das S.A. quanto o Código Civil preveem mecanismos de proteção aos
credores para as hipóteses de transformação societária, dispondo que a transformação
não prejudicará, em qualquer caso, os direitos dos credores. O artigo 222 da Lei das
S.A. determina, ainda, que os direitos dos credores terão as mesmas garantias que o
9 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada, São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 233. v. III
10 Algumas dessas exigências podem ser dispensadas pela CVM, nos termos da Deliberação CVM nº 559, de 18
de novembro de 2008, desde que presentes determinados requisitos e condições.
A função das regras mencionadas acima é a proteção dos credores contra eventuais
alterações nas garantias que estes possuíam no momento da constituição da relação
creditícia. Dessa forma, visa-se impedir que os credores anteriores à transformação
sejam prejudicados pelo regime de responsabilidade dos sócios no novo tipo
societário.12
Tendo em vista que nas sociedades limitadas, assim como nas sociedades anônimas,
os sócios não respondem pelas dívidas sociais15 e esses são os tipos societários mais
utilizados em reestruturações societárias – justamente por essa característica –, a
disposição do artigo 222 da Lei das S.A. passa a ter pouca relevância prática.
Incorporação e Fusão
Como forma de proteger os direitos dos credores, o artigo 232 da Lei das S.A.
determina que o credor poderá pleitear judicialmente a anulação da operação, no
prazo decadencial de 60 dias após a publicação dos atos relativos à incorporação ou
fusão.
11 Lei das S.A., Art. 222: “A transformação não prejudicará, em caso algum, os direitos dos credores, que continuarão,
até o pagamento integral dos seus créditos, com as mesmas garantias que o tipo anterior de sociedade lhes oferecia”.
Código Civil, Art. 1.115: “A transformação não modificará nem prejudicará, em qualquer caso, os direitos dos credores”.
12 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada, São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 206-207. V. III.
13 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada, São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 206.V. 3.
14 CARVALHOSA, Modesto, Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, São Paulo: Saraiva, 2014, p. 258. v.
4.Tomo I.
15 Exceto até o limite do capital subscrito ou na hipótese de abuso de forma ou confusão patrimonial, em que
pode ser pleiteada a desconsideração da personalidade jurídica – ver item 1, acima, e a descrição das características funda-
mentais das sociedades.
Conforme a interpretação do artigo 229, §1º, da Lei das S.A., na cisão parcial, a
sociedade sucessora, seja ela pré-existente ou não, sucederá a cindida em todos os
direitos e obrigações relacionados à parcela vertida, devendo as obrigações e direitos
que não forem vertidos permanecer sob a responsabilidade da sociedade cindida.
Nos casos de cisão parcial, o artigo 233 da Lei das S.A. determina que a responsabilidade
entre a sociedade cindida e sociedades que receberem o patrimônio cindido será, em
regra, solidária. No entanto, é admissível que tal solidariedade seja afastada no ato de
cisão (isto é, o protocolo), o qual poderá determinar que as sociedades sucessoras sejam
responsáveis apenas pelas obrigações que lhe forem transferidas, sem solidariedade
entre si. Desta estipulação, porém, caberá oposição de credores, desde que notificada
a sociedade no prazo de 90 dias, a contar da data de publicação dos atos da cisão. O
mesmo prazo de oposição é previsto no artigo 1.122 do Código Civil.
15.2.4. Averbação
16 No mesmo sentido, LUCENA, José Waldecy. das Sociedades Anônimas (arts. 189 a 300). Rio de Janeiro: Re-
novar, 2012, p. 551. v. 3.
17 No mesmo sentido, CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 339. v. 4. Tomo I.
18 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 341. v. 4.
Tomo I.
O artigo 234 da Lei das S.A. prevê, ainda, que a certidão emitida pelo registro do
comércio da operação de reorganização societária é documento hábil para transferência,
perante os registros públicos competentes, dos bens, direitos e obrigações obtidos na
reestruturação.
15.3. Transformação
15.3.1. Previsão legal e definição
Nos termos do artigo 220 da Lei das S.A., a transformação é operação por meio da qual
uma sociedade passa de um tipo societário para outro, sem que ocorra a sua dissolução
e liquidação. No mesmo sentido é a previsão do artigo 1.113 do Código Civil.
19 Embora a Lei de Registro de Empresas Mercantis estabeleça o prazo de até 30 (trinta) dias, o Art. 1.075, §3º, do
Código Civil estabelece que o prazo para registro de atas de reunião de sócios e assembleias na junta comercial competente
deverá ocorrer nos 20 (vinte) dias subsequentes à respectiva reunião. Na prática, é comum o atendimento ao prazo superior
de 30 (trinta) dias, o qual, também, é o exigido pelas juntas comerciais, conforme prevê a Instrução Normativa DREI nº 38,
de 02 de março de 2017.
20 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 344.
21 No mesmo sentido, LUCENA, José Waldecy. das Sociedades Anônimas (arts. 189 a 300). Rio de Janeiro:
Renovar, 2012, p. 556. v. 3.
22 Neste sentido, CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, São Paulo:
Saraiva, 2014, p. 233 e 234 v. 4, Tomo I; e LUCENA, José Waldecy. das Sociedades Anônimas: Comentários à Lei, São Paulo:
Renovar, 2012, p. 397. v. 3.
De acordo com o disposto no artigo 221 da Lei das S.A. e no artigo 1.114 do Código
Civil, a transformação de uma sociedade anônima e de uma sociedade limitada, res-
pectivamente, dependerá da aprovação da unanimidade dos sócios, salvo se previsto
de forma diversa no estatuto ou no contrato social, hipótese em que o sócio dissidente
terá o direito de retirar-se da sociedade.
O parágrafo único do artigo 221 da Lei das S.A. determina que os sócios poderão
renunciar, no contrato social, ao direito de retirada no caso de transformação em uma
companhia. Dessa forma, de acordo com a redação desse dispositivo, seria possível
que os sócios renunciassem a priori o seu direito de retirar-se da sociedade na hipótese
de transformação.
No entanto, o artigo 109, V, da Lei das S.A. determina que nem o estatuto social, nem
a assembleia geral, poderão privar o acionista do direito de retirar-se da sociedade nos
casos previstos nesta lei. Adicionalmente, o artigo 1.114 do Código Civil, que também
15.4. Incorporação
15.4.1. Previsão legal e definição
Nos termos do artigo 227 da Lei das S.A., a incorporação se dá mediante a absorção de
uma ou mais sociedades por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.
Aplicam-se, ainda, à incorporação, os artigos 1.116 a 1.118 do Código Civil.
23 Neste sentido, CARVALHOSA, Modesto, Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, São Paulo: Saraiva, 2014,
p. 248 v. 4, Tomo I; LUCENA, José Waldecy. das Sociedades Anônimas: Comentários à Lei, São Paulo: Renovar, 2012, p. 416
e 417. V. 3; e EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada, São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 205. v. 3.
24 BORBA, José Edwaldo Tavares. direito Societário. 13. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 497.
25 BORBA, José Edwaldo Tavares. direito Societário. 13. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 502.
26 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 331.
27 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 342. v. 4.
Tomo I.
28 Também é possível a incorporação de sociedade com patrimônio líquido negativo. Nesta hipótese, não há,
a rigor, aumento do capital social, embora haja casos em que tenha havido lançamento a débito na conta de prejuízos
acumulados como contrapartida à criação de uma conta de capital. Como fundamento para essa operação, a doutrina
(dentre outros, Waldirio Bulgarelli, Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira) entende que o fim próprio da
incorporação não é o aumento do capital social e, por isso, pode ser dispensado. Para evitar, portanto, a redução do capital
Segundo o artigo 227, §2º, da Lei das S.A., os sócios da sociedade a ser incorporada
deverão aprovar o protocolo e justificação ou, caso a operação não envolva sociedade
anônima, as bases da operação e do projeto de reforma do ato constitutivo, e autori-
zar os administradores a praticarem os atos necessários à incorporação, inclusive a
subscrição do aumento de capital da incorporadora.
De acordo com o artigo 227, §§ 1º e 3º, da Lei das S.A., os sócios da incorporadora,
reunidos em assembleia geral ou reunião de sócios, se aprovarem o protocolo de
incorporação, deverão nomear os peritos que avaliarão o patrimônio líquido a ser
incorporado e autorizar o aumento de capital decorrente da incorporação. Após a
elaboração do laudo de avaliação do patrimônio líquido da sociedade a ser incorporada,
os sócios da sociedade incorporadora deverão deliberar sobre o laudo de avaliação e
a incorporação. A aprovação dessas matérias pelos sócios da incorporadora resulta na
extinção da sociedade incorporada.
Não há qualquer exigência legal quanto à definição dessa relação, cabendo aos
administradores e controladores das sociedades envolvidas negociarem seu valor.
Tal negociação deve ser feita de forma independente, devendo os administradores
de ambas as companhias observar seus deveres e responsabilidades fixados pela
legislação, entre eles, o dever de diligência e o de lealdade, que refletem a obrigação de
agir no melhor interesse da companhia. Como exemplo paradigmático, pode-se citar
o entendimento da CVM, proferido sob a forma do Parecer de Orientação CVM nº
34/06, segundo o qual o acionista controlador de companhia aberta não poderia votar
na deliberação sobre a operação de incorporação ou incorporação de ações, caso a
relação de troca fosse mais benéfica a si próprio quando comparada àquela concedida
aos demais acionistas. Tal conduta poderia configurar abuso de direito de voto, uma
vez que o acionista usaria o seu poder de voto em matéria que lhe beneficiaria de
modo particular, nos termos do artigo 115, §1º, da Lei das S.A.
O artigo 264 da Lei das S.A. prevê normas específicas para a incorporação de
companhias controladas por suas respectivas controladoras. Além dos requisitos
gerais do protocolo e justificação necessários às demais incorporações, a justificação
deve apresentar o cálculo das relações de substituição das ações dos acionistas não
controladores da controlada com base no valor do patrimônio líquido, avaliados
segundo os mesmos critérios e na mesma data, a preços de mercado, ou com base em
outro critério aceito pela CVM, no caso de companhias abertas.
Caso a avaliação das ações no âmbito do protocolo seja menos vantajosa que aquela
apurada pelo laudo de avaliação previsto no artigo 264, os acionistas minoritários
podem optar entre o exercício do direito de retirada ou o recebimento do valor de
patrimônio líquido a preço de mercado, conforme apontado pelo laudo de avaliação.
Dessa maneira, os minoritários têm a oportunidade de escolher a relação de troca de
ações mais benéfica a si.29
Entre as medidas sugeridas pela CVM estão: (i) a divulgação imediata das negociações
ao mercado; (ii) a garantia de independência entre assessores contratados e os acionistas
controladores; (iii) a disponibilização de documentos que embasaram a decisão dos
administradores; (iv) a criação de um comitê independente para a negociação; e (v)
a aprovação da operação sujeita ao voto afirmativo da maioria dos acionistas não-
controladores.
A incorporação de ações, nos termos do artigo 252 da Lei das S.A., é a operação por
meio da qual uma companhia incorpora a totalidade das ações de outra companhia
brasileira ao seu patrimônio, para convertê-la em subsidiária integral – ou seja, não
há a incorporação do acer vo líquido da sociedade, mas de suas ações, continuando a
sociedade a existir. Eizirik entende que, sob o aspecto econômico, essa operação é um
instrumento de concentração empresarial, mediante o qual uma companhia passa a
ser a única acionista de outra30. Além disso, como resultado da incorporação, todos os
acionistas da incorporada migram para a sociedade incorporadora.
29 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, São Paulo: Saraiva, 2011. p. 323. v. 4.
Tomo II.
30 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada, São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 395. v. 3.
15.5. Fusão
15.5.1. Previsão legal e definição
Os artigos 228 da Lei das S.A. e 1.119 do Código Civil definem a fusão como a opera-
ção por meio da qual duas ou mais sociedades se unem para formar uma sociedade
nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações.
Com a fusão, o capital social da nova sociedade corresponderá à soma dos patrimô-
nios líquidos das sociedades fundidas, sendo as suas quotas ou ações distribuídas
entre os sócios das sociedades extintas, conforme previsto no protocolo da operação.
Apenas os patrimônios das sociedades extintas passam à nova sociedade, não haven-
do necessidade de manutenção das suas antigas estruturas administrativas e demais
regras de governança. Com a fusão, é constituída uma nova sociedade, que não man-
tém a estrutura (jurídica) das que lhe antecederam.32
31 LAMY FILHO, Alfredo e BULHÕES PEDREIRA, José Luiz (Coord.). direito das Companhias. Rio de Janeiro:
Forense, 2009, p. 1993. v. 2.
32 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 321. V. 4,
Tomo I.
A fusão deverá ser aprovada em assembleia geral ou reunião de sócios de cada uma
das sociedades, as quais deverão aprovar o protocolo de fusão e nomear os peritos
para avaliação dos patrimônios líquidos das sociedades fundidas. Apresentados os
laudos, estes deverão ser aprovados pelos sócios das sociedades fundidas, observado
que os sócios estarão impedidos de aprovar a avaliação de sua própria sociedade.
Constituída a nova sociedade em decorrência da fusão, os novos administradores
deverão promover o arquivamento e publicação dos atos da fusão.
O artigo 136, IV, da Lei das S.A. determina que a fusão deverá ser aprovada por acio-
nistas que representem, pelo menos, metade das ações com direito a voto, se maior
quórum não for exigido pelo estatuto social das companhias fechadas. O quórum para
aprovação previsto no Código Civil, conforme o artigo 1.076, I, é o de, no míni- mo,
três quartos do capital social da sociedade.
Tanto a Lei das S.A., no artigo 137, II, quanto o Código Civil, no artigo 1.077, preveem
o direito de retirada para os sócios que dissentirem da deliberação que aprovar a fusão.
15.6. Cisão
15.6.1. Previsão legal e definição
O artigo 229 da Lei das S.A. define a cisão como a operação por meio da qual uma
determinada sociedade transfere a totalidade ou parte de seu patrimônio para uma
ou mais sociedades, preexistentes ou especialmente constituídas para este fim,
extinguindo-se a companhia em caso de cisão total. O Código Civil não prevê espe-
cificamente nenhum tópico sobre cisão, motivo pelo qual aplica-se integralmente a Lei
das S.A.
33 BULGARELLI, Waldirio. Fusões, incorporações e Cisões de Sociedades, 2. ed. São Paulo: Atlas, 1996, p. 195 e ss.
Em relação às finalidades pelas quais uma cisão é realizada, Nelson Eizirik37 mencio-
na que a cisão é um instrumento jurídico que possibilita às empresas, sejam elas so-
ciedades anônimas ou não, adequar a sua estrutura às exigências do desenvolvimento
de negócios habituais. Além disso, segundo Tavares Borba38, a cisão desempenha um
importante papel dentre as técnicas de reorganização societária, sendo uma das for-
mas de desconcentração societária. A cisão, muitas vezes, é, também, o meio pelo qual
sócios resolvem suas disputas insolúveis, pois ela permite a divisão e a separação do
patrimônio das sociedades.
34 LUCENA, José Waldecy. das Sociedades Anônimas (arts. 189 a 300). Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 535 e ss.
v. 3.
35 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 326 e ss. v.
4, Tomo I.
36 LAMY FILHO, Alfredo; BULHÕES PEDREIRA, José Luiz (Coord.). direito das Companhias. Rio de Janeiro:
Forense, 2009, p. 1808. v. 2.
37 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada, São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 256. v. III.
38 TAVARES BORBA, José Edwaldo. Direito Societário. 13. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 502.
Nos termos dos artigos 136, IX, e 229 da Lei das S.A., a metade, no mínimo, dos
acionistas com direito a voto da sociedade cindida, devem aprovar a operação, com
base no protocolo, e nomear os peritos que avaliarão a parcela do patrimônio a ser
vertida para a nova sociedade ou para, sociedade preexistente. Caso a sociedade
seja nova, a assembleia ou reunião da cindida servirá de ato de constituição da nova
sociedade. Se a sociedade for preexistente, a cisão seguirá também as regras aplicáveis
à incorporação.
A Lei nº 10.303/01, que alterou o inciso IV do artigo 136 da Lei das S.A., excluiu
o direito de retirada dos acionistas dissidentes da deliberação de cisão, exceto nos
casos em que houver mudança no objeto social, redução do dividendo obrigatório ou
participação em grupo de sociedades. Pode-se dizer, portanto, que o direito de retirada
decorre não da operação propriamente dita, mas dos efeitos por ela gerados.
39 Sobre esse tópico, Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira afirmam que o aumento de capital não é
a es- sência da operação. Por este motivo, seria perfeitamente possível a efetivação da cisão sem aumento de capital, caso a
parcela do patrimônio incorporada em sociedade existente seja nula ou negativa.
Segundo determinação legal, o direito de retirada poderá ser exercido por acionista
dissidente de deliberação da assembleia, inclusive o titular de ações preferenciais sem
direito de voto, ainda que o titular das ações tenha se abstido de votar, no prazo de 30
(trinta) dias contado da publicação da ata da assembleia geral.
40 Nesse sentido, LAMY FILHO, Alfredo; BULHÕES PEDREIRA, José Luiz (Coord.). Direito das Companhias.
Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 1811. v. 2. e EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A. Comentada, São Paulo: Quartier Latin, 2011,
p. 265. V. 3.
FERNANDA BEZERRA
16.1. Introdução
Um dos princípios mais importantes do mercado de valores mobiliários nacional é
justamente o da transparência de informações. Por isso, a regulamentação da Comissão
de Valores Mobiliários – CVM – sempre privilegiou a prestação de informações pela
companhia aberta, de modo que o investidor tenha acesso a todas as informações
necessárias para que possa formular sua decisão de investimento.
Cumpre salientar que tais informações divulgadas pela companhia devem ser
verdadeiras, completas, consistentes e úteis à avaliação dos valores mobiliários por
ela emitidos, bem como primar por uma linguagem clara e objetiva, no entanto, sem
deixar de ser técnica, viabilizando a adequada avaliação e tomada de decisão por parte
do investidor.5
3 Cf. LAMY FILHO, Alfredo, BULHÕES PEDREIRA, José Luiz; A Lei das S.A. - pressupostos, elaboração,
aplicação. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 383. v. I.
4 Nesse sentido, leciona Fábio Ulhoa, “o regime jurídico aplicável às companhias abertas visa conferir ao
investimento em ações a segurança possível, com o intuito de fortalecer o mercado acionário e motivar as pessoas a
ingressar nele como investidores”, concluindo que o motivador desse controle é “[...] conferir ao investimento em ações
e outros valores mobiliários dessas companhias a maior segurança e liquidez possível”. (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de
Direito Comercial, Direito de Empresa/Fábio Ulhoa Coelho. 14. ed. São Paulo : Saraiva, 2010, p. 71.).
Contudo, existem determinadas situações nas quais as normas em vigor permitem que
as informações periódicas sejam dispensadas, como no caso de emissor em falência ou
em liquidação19. Ou ainda, tenham sua divulgação adiada20, caso o emissor esteja em
recuperação judicial, o qual fica dispensado de entregar o Formulário de Referência até
a entrega em juízo do relatório circunstanciado ao final do processo de recuperação.
a) Formulário Cadastral
O Formulário Cadastral deve ser atualizado sempre que qualquer dos dados nele
contidos for alterado, em até 7 (sete) dias úteis contados do fato que deu causa à
Este deve ser preenchido e encaminhado à CVM por meio do programa Empresas.
Net, disponível para download no site da CVM, no link “Envio de Documentos”.
21 Cf. Instrução CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009, parágrafo único do art. 23.
Uma das principais novidades trazidas pela Instrução CVM nº 480 é o Formulário
de Referência, substituto do Formulário de Informações Anuais(IAN). O Formulário
de Referência reúne, em um único documento, todas as informações referentes ao
emissor, como histórico e atividades, fatores de risco, administração, estrutura de
capital, dados financeiros, comentários dos administradores sobre essas informações,
valores mobiliários emitidos e operações com partes relacionadas.
c) Demonstrações financeiras
No ITR devem constar as informações contábeis trimestrais dos emissores, bem como
o relatório de revisão especial, emitido por auditor independente registrado na CVM27
28
.
25 Em se tratando de companhia securitizadora, suas demonstrações financeiras devem apresentar cada um dos
patrimônios separados, por emissão de certificados de recebíveis em regime fiduciário. Cf. Instrução CVM nº 480, de 7 de
dezembro de 2009, §1°inciso VIII do art. 25.
26 Cf. Instrução CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009, art. 28, inciso II, alíneas a e b.
27 Cf. Instrução CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009, art. 29, §1°.
28 As companhias abertas que aderiram ao Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, aprovado pela Lei no 9.964,
de 10 de abril de 2000, devem inserir as projeções realizadas para determinação do ajuste a valor presente. A contabilização
dos efeitos decorrentes da adesão ao Programa, deve ser efetuada no trimestre em que a adesão for formalizada, devendo ser
objeto de divulgação de Aviso de Fato Relevante em conformidade com a Instrução CVM n° 346, de 29 de março de 1996.
Ainda no âmbito das informações periódicas, a companhia aberta deve enviar à CVM
o edital de convocação da assembleia geral ordinária, em até 15 (quinze) dias antes
da data marcada para a sua realização ou no mesmo dia de sua primeira publicação,
o que ocorrer primeiro, estando dispensada de entregar o edital de convocação da
assembleia geral ordinária em caso de regularidade em sua instalação, com a presença
29 Cf. Art. 249 da referida Lei que dispõe que a companhia aberta que tiver mais de 30% (trinta por cento) do
valor do seu patrimônio líquido representado por investimentos em sociedades controladas deverá elaborar e divulgar,
juntamente com suas demonstrações financeiras, demonstrações consolidadas.
Além disso, o sumário das decisões tomadas na assembleia geral ordinária deve ser
disponibilizado no mesmo dia da sua realização, e a ata da assembleia geral ordinária,
em até 7 (sete) dias úteis de sua realização32. Na hipótese do emissor entregar a ata
da assembleia geral ordinária no mesmo dia de sua realização, ficará dispensado de
entregar o sumário das decisões tomadas na assembleia.
30 Cf. Instrução CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009, art. 21, §§1° e 2°.
31 Cf. Instrução CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009, art. 21, §4°.
32 Cf. Instrução CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009, art. 21, incisos VI a X.
33 Cf. Instrução CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009, art. 21, §6°.
34 Cf. Instrução CVM n° 480, de 7 de dezembro de 2009, art. 21, incisos XI e XII.
35 Cf. Instrução CVM n° 480, de 7 de dezembro de 2009, art. 21, inciso XIII.
b) o plano de recuperação;
O emissor que se encontra em processo de falência, por sua vez, está dispensado de
prestar informações periódicas à CVM. No entanto, deverá enviar-lhe, também por
meio de sistema eletrônico, os seguintes documentos:
Por fim, o ato de encerramento da liquidação deverá ser apresentado à CVM pelo
sistema eletrônico alternativamente no mesmo dia da sua ciência pelo emissor ou de
sua aprovação pelos órgãos de administração do emissor.
Deve-se ressaltar que o registro da companhia incentivada na CVM não atribui a ela o
status de companhia aberta.
É importante ressaltar que conforme estipulado pelo art. 32, II, da Instrução CVM nº
265, configura-se infração grave para os fins previstos no parágrafo 3º, do artigo 11, da
Lei nº 6.385/76, combinado com o inciso III, do artigo 3º, do Decreto-Lei n° 2.298/86,
“deixar o administrador da sociedade de comunicar ato ou fato relevante e de atender
a pedido de outras informações solicitadas pela CVM (artigo 13, incisos V e IX desta
Instrução)”.
38 Nos termos do parágrafo único, do artigo 10, da Instrução n° 265/97, “aplica-se às sociedades registradas na
forma desta Instrução o disposto nas normas específicas a respeito da divulgação e uso de informações sobre ato ou fato
relevante”.
Os prazos finais para entrega das informações eventuais são improrrogáveis, não
havendo autorização expressa na legislação para que se autorize, sob quaisquer
motivos, pedido de prorrogação de prazo para entrega dessas informações.
39 Elaboradas de forma a cumprir o art. 68, § 1º, alínea “c”, da Lei nº 6.404, de 1976.
A fim de regulamentar a matéria, a CVM42 editou a Instrução CVM nº 358, que dispõe
sobre a divulgação e uso de informações sobre ato ou fato relevante, dentre outras
matérias.
Assim que identificados, os atos fatos relevantes devem ser prontamente divulgados,
preferencialmente antes do início ou após o encerramento dos negócios nas bolsas de
valores e entidades do mercado de balcão organizado em que os valores mobiliários
de emissão da companhia sejam admitidos à negociação (art. 5º da Instrução CVM
nº 358).
É importante observar que, ainda que, a Instrução CVM nº 358 autorize a divulgação
do ato ou fato relevante antes do início dos negócios em mercado, a Superintendência
de Relações com Empresas – SEP – da CVM já se pronunciou, por meio do Ofício-
43 Quando não for possível, o § 2º do art. 5º da Instrução n° 358/02 faculta que o DRI solicite (sempre
simultaneamente às bolsas de valores e entidades do mercado de balcão organizado, nacionais e estrangeiras, em que
os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação) a suspensão da negociação dos valores
mobiliários de emissão da companhia pelo tempo necessário à adequada disseminação da informação relevante.
44 “§ 2º Caso seja imperativo que a divulgação de ato ou fato relevante ocorra durante o horário de negociação, o
Diretor de Relações com Investidores poderá solicitar, sempre simultaneamente às bolsas de valores e entidades do mercado
de balcão organizado, nacionais e estrangeiras, em que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos
à negociação, a suspensão da negociação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta, ou a eles referenciados,
pelo tempo necessário à adequada disseminação da informação relevante, observados os procedimentos previstos nos
regulamentos editados pelas bolsas de valores e entidades do mercado de balcão organizado sobre o assunto.”
A esse respeito, o Ofício-Circular da SEP recomenda que o DRI, sempre que possível,
prepare um documento sobre o ato ou fato relevante mantido em sigilo, que possa
ser imediatamente divulgado, sendo também aconselhável, no entendimento da SEP,
que o DRI tenha documentos pré-aprovados à disposição, vertidos para os idiomas
de todos os países em que os valores mobiliários da companhia sejam admitidos à
negociação, para que possa efetuar a divulgação de forma rápida em caso de urgência.
É importante observar que o envio do ato ou fato relevante à CVM deve ser feito
antes ou simultaneamente à sua divulgação pelos canais previstos no § 4º do art. 3º da
Instrução CVM nº 358, conforme salientado no item 3.1 do Ofício-Circular da SEP.
O Ofício-Circular da SEP ressalta ainda que a legislação societária não impede que
informações relevantes sejam veiculadas e discutidas em reuniões de entidades de
classe, investidores, analistas ou com público selecionado, no país ou no exterior,
desde que o fato relevante em questão seja divulgado para todo o mercado prévia ou
simultaneamente à reunião, nos moldes do § 3º do art. 3º da Instrução CVM nº 358.
As companhias têm utilizado cada vez mais a teleconferência como ferramenta para
divulgar fatos relevantes em reuniões públicas com investidores e profissionais46. Essa
prática é louvável justamente por ir ao encontro do princípio do full disclousure47, mas
não as exime da responsabilidade de divulgar a informação por meio de, no mínimo,
um dos canais de comunicação apresentados no § 4º do art. 3º da Instrução n° 358/02,
além, naturalmente, do envio à CVM.
46 Nesse sentido, vide o livro O Mercado de Valores Mobiliários Brasileiro (item 6.3.3), da série TOP, publicada
pela CVM.
47 Segundo orientação do Comitê de Orientação para Divulgação de Informações ao Mercado (CODIM), a
teleconferência é um meio de comunicação eficiente e deve ser utilizado para dar acesso e gerar interatividade, de maneira
ampla e irrestrita, entre os administradores e os públicos estratégicos da companhia. Por meio desse instrumento, é possível
divulgar informações e esclarecimentos da companhia, privilegiando a tempestividade, a equidade e a transparência.
48 O CODIM oferece orientação e sugestões às companhias abertas e aos profissionais do mercado de capitais
através de seus “Pronunciamentos” sobre as alternativas mais adequadas de divulgação de informações, buscando aprimorar
continuamente a qualidade, a transparência, a tempestividade, a acessibilidade e o detalhamento dessas informações.
É importante observar que a regulamentação impõe uma atuação diligente por parte
do DRI (§ único do art. 4º da Instrução CVM nº 358), que deve inquirir as pessoas com
acesso a atos ou fatos relevantes, com o objetivo de averiguar se elas têm conhecimento
de informações que devam ser divulgadas ao mercado, tanto nos casos em que ocorrer
oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada dos valores mobiliários
de emissão da companhia ou a eles referenciados quanto nos casos em que forem
exigidas informações adicionais pelos órgãos competentes.
Outra informação eventual que deve ser prestada à CVM consiste nas informações sobre
negociações de valores mobiliários de emissão da companhia por seus administradores
e pessoas ligadas a eles. Há, essencialmente, duas situações em que os administradores
de companhias abertas devem prestar informações: (i) sua posição inicial e quaisquer
negociações posteriores com ações ou valores mobiliários de emissão da companhia,
controladas e/ou controladoras (estas, desde que também sejam companhias abertas);
e (ii) aquisição ou alienação de participação considerada relevante.
Referidas informações não são devidas diretamente à CVM, mas ao DRI da companhia
respectiva, somente cabendo cogitar a hipótese de comunicar movimentações
diretamente à CVM caso o DRI falhe com sua obrigação de repassar as informações
para a CVM.
A esse respeito, deve-se destacar que, além do envio à CVM das informações com
relação aos valores mobiliários negociados pelos administradores, a Instrução CVM
nº 568 incluiu a obrigação de a companhia enviar as informações com relação aos
valores mobiliários negociados por ela própria, suas controladas e coligadas51.
Com o objetivo de se ter uma informação completa e confiável, a CVM, por meio
do Ofício-Circular da SEP, solicita que as companhias enviem voluntariamente os
formulários, mesmo nos meses em que não tenham sido verificadas movimentações
ou alterações nas posições dos administradores e pessoas ligadas. Nesse caso, os
49 Tais informações devem ser enviadas pelo DRI via Sistema IPE, na categoria “Valores Mobiliários Negociados
e Detidos”, tipo “Posição Consolidada” e “Posição Individual”, cabendo destacar que os modelos de formulários para
preenchimento encontram-se disponíveis na página da CVM na Internet, no link “Envio de documentos”, “Padrões de
Arquivos XML e outros”.
50 A Lei nº 6.385/76 define como valores mobiliários: (i) as ações, debêntures e bônus de subscrição; (ii) os
cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no
inciso II; (iii) os certificados de depósito de valores mobiliários; (iv) as cédulas de debêntures; (v) as cotas de fundos de
investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos; (vi) as notas comerciais; (vii) os
contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; (viii) outros contratos
derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e (ix) quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou
contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante
de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.
51 Cf. art. 11, § 5º, I da Instrução n° 358/02.
Devem ser reportadas, ainda, não só negociações feitas pelos próprios administradores,
mas também por pessoas a ele ligadas, assim entendidos cônjuges dos quais não
estejam separados judicialmente, companheiro(a)s, quaisquer dependentes incluídos
em sua declaração anual de imposto de renda, e sociedades por eles controladas direta
ou indiretamente.
Apesar de não ser obrigatório, a SEP recomenda que seja divulgada no formulário a
motivação das negociações relevantes realizadas por administradores.
O prazo para prestar a informação para a companhia é de 5 (cinco) dias úteis após a
realização de cada negócio. Recebidas as informações, o DRI deve então transmiti-las
mensalmente à CVM e à bolsa de valores de forma individual e também consolidada
por órgão, no prazo de 10 (dez) dias após o término do mês em que se verificarem
alterações das posições, ou no mês em que ocorrer a investidura de qualquer dos
administradores no cargo.
Para evitar a duplicidade, na hipótese de uma mesma pessoa ser membro do conselho
de administração e da diretoria, os valores mobiliários por ela detidos devem ser
divulgados exclusivamente no montante de valores mobiliários detidos pelos membros
do conselho de administração.
Ressalte-se ainda que, com relação aos valores mobiliários negociados pelos
administradores, as informações devem ser encaminhadas pelo DRI à CVM em apenas
dois arquivos, sendo que um deve conter os formulários das posições individuais
A Instrução CVM nº 358 estabelece ainda, em seu art. 12 (pela Instrução CVM nº
568), que os acionistas controladores, diretos ou indiretos, e os acionistas que elegerem
membros do conselho de administração ou do conselho fiscal, bem como qualquer
pessoa natural ou jurídica, ou grupo de pessoas, agindo em conjunto ou representando
um mesmo interesse, que realizarem negociações relevantes, têm o dever de informar
à companhia:
Ainda, deve ser considerado que o aumento ou redução na participação relevante pode
se dar tanto por investidor individual como também por grupo de pessoas agindo
em conjunto ou representando um mesmo interesse. São exemplos de ligação entre
acionistas: (a) vínculo em razão de parentesco, contrato ou acordo de acionistas que
disponha sobre direito de voto; (b) duas ou mais sociedades que estejam sob controle
comum; (c) sociedade e seu controlador direto ou indireto; (d) fundo exclusivo e seu
único cotista; e (e) hipóteses em que haja gestão discricionária comum de recursos.
Caso a participação acionária relevante tenha sido alcançada por investidores agindo
em conjunto ou representando o mesmo interesse, a declaração deve discriminá-
los, um a um, com indicação das respectivas participações, mesmo se nenhum
desses investidores detiver ou movimentar o percentual relevante individualmente.
Também deve identificar os investidores com participação indireta no capital social
da companhia aberta e indicar a participação total detida, direta e indiretamente, por
eles.
Assim que as declarações forem recebidas pela companhia, o DRI deverá encaminhá-
las via Sistema IPE, categoria “Comunicado ao Mercado”, tipo “Aquisição/Alienação
de Participação Acionária (artigo 12 da Instrução n° 358/02)” e espécie “Declaração
de alienação de participação acionária relevante – artigo 12 da Instrução n° 358/02” ou
“Declaração de aquisição de participação acionária relevante – artigo 12 da Instrução
n° 358/02”.
discriminar a parcela das ações detidas pelo acionista que tenha sido adquirida ou alienada por meio de empréstimo de
ações.
A participação indireta de que trata a Instrução CVM nº 358 refere-se àquela detida
por meio de veículo que esteja sob controle ou influência decisiva do acionista, como
nas hipóteses de: (a) sociedade controlada, direta ou indiretamente, pelo acionista;
(b) fundo de investimento exclusivo, cujo único cotista seja o acionista; (c) fundo de
investimento ou carteira em que as decisões do administrador possam ser influenciadas
pelo acionista; e (d) pessoa com quem o acionista mantenha contrato de fidúcia.
Nos exemplos ‘b’, ‘c’ e ‘d’ é o investidor quem deve proceder à divulgação da declaração,
tendo em vista o conjunto de ações por ele detidas direta e indiretamente. Já nas
hipóteses em que a participação indireta se dá por meio de outras sociedades, como no
exemplo ‘a’ acima, a participação indireta somente deve ser levada em consideração,
para fins de cumprimento do art. 12 da Instrução CVM nº 358, nos casos em que
a participação relevante for atingida, aumentada ou reduzida por grupo de pessoas,
agindo em conjunto ou representando o mesmo interesse.
Por sua vez, caso o investidor X detenha participação direta na companhia e seja, ainda,
acionista controlador da sociedade Y, que também detém participação na companhia,
é o investidor X quem deve proceder à divulgação da declaração prevista no art. 12 da
Instrução CVM nº 358, caso o somatório dessas participações atinja 5% (ou múltiplos)
das ações ordinárias ou preferenciais da companhia.
Importante notar que mesmo nos casos em que as operações se deem por meio de terceiros
contratados, sejam eles administradores, gestores ou representantes de investidores não
residentes, a obrigação de divulgação de informações previstas no art. 12 permanece
sendo do investidor, considerando a totalidade de suas negociações diretas e indiretas.
O prazo para a comunicação é o mais curto possível, ou seja, a informação deve ser
prestada imediatamente após o atingimento do percentual de 5% (ou múltiplos).
A gravidade do insider trading pode ser demonstrada pelo fato de que, além de ilícito
administrativo, sua prática constitui também crime, tipificado no art. 27-D da Lei nº
6.385/76:
O ilícito de insider trading, como se sabe, atualmente é tipificado pelo art. 155 da Le nº
6.404/7653, tendo sido regulamentado, pela Instrução CVM n° 358, em seu art. 1354. Os
requisitos do ilícito são a existência de negociação e posse de informação privilegiada
(elementos objetivos) e a intenção de auferir vantagem indevida com tal informação
(elemento subjetivo), detalhados a seguir.
53 Lei nº 6.404/76:
“Art. 155. § 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que
ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo
ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem,
vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários.
(...)
§ 4o É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso,
com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários.” (grifos nossos)
54 Instrução CVM nº 358/02:
“Art. 13. Antes da divulgação ao mercado de ato ou fato relevante ocorrido nos negócios da companhia, é vedada a
negociação com valores mobiliários de sua emissão, ou a eles referenciados, pela própria companhia aberta, pelos acionistas
controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer
órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, ou por quem quer que, em virtude de seu
cargo, função ou posição na companhia aberta, sua controladora, suas controladas ou coligadas, tenha conhecimento da
informação relativa ao ato ou fato relevante.
§1o A mesma vedação aplica-se a quem quer que tenha conhecimento de informação referente a ato ou fato relevante,
sabendo que se trata de informação ainda não divulgada ao mercado, em especial àqueles que tenham relação comercial,
profissional ou de confiança com a companhia, tais como auditores independentes, analistas de valores mobiliários,
consultores e instituições integrantes do sistema de distribuição, aos quais compete verificar a respeito da divulgação da
informação antes de negociar com valores mobiliários de emissão da companhia ou a eles referenciados.
§2o Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a vedação do caput se aplica também aos administradores que se
afastem da administração da companhia antes da divulgação pública de negócio ou fato iniciado durante seu período de
gestão, e se estenderá pelo prazo de seis meses após o seu afastamento.” (grifos nossos)
Quanto à prova de acesso à informação privilegiada, até recentemente, ela era exigida
pela CVM para condenar, por vezes até mesmo para o insider primário. No entanto,
a partir de 2008 (com o julgamento do PAS CVM nº 24/2005), o Colegiado da CVM
passou a entender pela desnecessidade de se realizar essa prova direta, podendo o
acesso à informação ser presumido em razão de indícios, tais como a utilização
de interposta pessoa, a intensidade das negociações no período suspeito e falta de
habitualidade de negociar.
Os indícios mais utilizados para avaliar a existência de insider trading são os seguintes: (i)
intensidade das operações em período suspeito; (ii) existência ou não de habitualidade
na negociação do papel; (iii) existência de fundamento para as operações. Importante
mencionar que, recentemente, a CVM passou a analisar também as gravações das
ordens de negociação entre cliente e corretora a fim de verificar indícios de utilização
de informação privilegiada.
No entanto, pode ser comprovado pelo acusado que a sua negociação não ocorreu
por conta da detenção de informação privilegiada. Em precedente (PAS 11/2008, j.
21.08.2012), um dos acusados foi absolvido porque, apesar de suas compras terem sido
expressivas, foi reconhecido que elas estavam dentro de seu perfil de investimento e
Por último, há também o requisito subjetivo do insider, qual seja, a intenção de auferir
proveito indevido, para si ou para terceiro, da informação privilegiada. Tal requisito
encontra-se expresso no art. 155 da Lei nº 6.404/76. No entanto, como tal requisito não
consta expressamente do art. 13 da Instrução CVM nº 358, há alguma discussão sobre
se a norma retirou ou não o elemento subjetivo do ilícito de insider.
Isso porque o direito punitivo, via de regra, não admite presunção que não possa ser
elidida, sob pena de se caracterizar responsabilidade objetiva, inadmissível em um
processo sancionador.
Não por outra razão, até mesmo dispositivos que em primeira leitura pareceriam
prever responsabilidade objetiva (tais como aqueles que exigem a indicação de
diretor responsável por tal ou qual área) somente justificam condenação quando
concretamente se comprova a culpa própria do acusado.
58 “9. Pelo que pude verificar, uma única vez, no âmbito do Processo Administrativo Sancionador CVM nº
RJ2010/4206, julgado em 23.8.2011, o Colegiado da CVM reconheceu que, em uma leitura mais ampla, os comandos da
Instrução CVM nº 358, de 2002, poderiam regulamentar não só o art. 155 da Lei nº 6.404, de 1976, mas também outros
dispositivos legais – no caso, os artigos 4º e seus incisos, 8º, incisos I e III, 18, inciso II, letra ‘a’, e 22, § 1º, incisos I, V e VI,
da Lei nº 6.385, de 1976. Esses dispositivos seriam a base da competência da CVM para vedar determinadas operações no
mercado, em determinadas condições.
10. A leitura isolada de certos trechos do voto condutor desse processo, relatado pelo Diretor Alexsandro Broedel,
poderia levar à conclusão de que a Instrução CVM nº 358, de 2002, veda operações por aqueles que detêm informação
privilegiada, sem levar em consideração a intenção dos agentes quando negociaram. Essa interpretação teria sido uma
inovação possível, mas não sei se desejável nos precedentes da CVM.
11. Possível porque acredito que, com base nos dispositivos citados da Lei nº 6.385, de 1976, a CVM teria o poder de vedar
certas negociações. Mas, indesejável porque, em minha opinião, a intenção de lesar o mercado é um elemento que não
deve ser desprezado na aplicação da Instrução CVM nº 358, de 2002.
12. Mas, mais importante do que as minhas considerações, é o fato de que o Colegiado, mesmo neste único caso em
que reconheceu fundamentos mais amplos para a Instrução CVM nº 358, de 2002, absolveu o acusado porque a sua
intenção não era a de obter vantagem com a negociação, mas, sim, de servir a um cliente, ou seja, o Colegiado levou
em consideração a intenção do acusado6.
13. Com isso, não vejo uma implicação prática nesse reconhecimento. Se, mesmo diante desse embasamento legal mais
amplo, a intenção dos agentes foi o elemento que determinou a absolvição, o precedente mencionado não muda a análise
até então exigida dos casos de uso indevido de informação privilegiada.
14. Assim, reconheço a possibilidade teórica de um embasamento jurídico mais amplo da Instrução CVM nº 358, de 2002,
com base em dispositivos da Lei nº 6.385, de 1976, mas não acredito que a intenção do regulador quando concebeu
referida instrução foi a de vedar objetivamente certas negociações, desprezando a intenção dos agentes, por isso, tal
reconhecimento não implica qualquer mudança na análise dos casos dessa natureza.” (trecho do voto da Diretora Luciana
Dias no PAS CVM nº RJ2012/13047, j. 04.11.2014), grifos nossos
59 “11. As regras contidas no art. 13, e seus parágrafos, da Instrução CVM nº 358, de 2002, vedam a
negociação de valores mobiliários por quem detém informação privilegiada3, regulamentando o comando contido no
art. 155, parágrafos 1º e 4º, da Lei nº 6.404, de 19764.
12. O art. 13 e seus parágrafos estabelecem algumas presunções para facilitar o processo de construção da acusação
pela CVM. Tais presunções invertem o ônus da prova, transferindo ao agente o dever de trazer evidências em contrário.
No entanto, essas presunções não tornam tais condutas infrações objetivas5.
13. Em razão disso, discordo da afirmação de que o art. 13 da Instrução CVM nº 358, de 2002, estabelece um “período
de vedação”, que antecede a divulgação de ato ou fato relevante e no qual a companhia, seus administradores e demais
agentes nele mencionados estariam objetivamente impedidos de negociar valores mobiliários. Consequentemente,
entendo ser incorreta a identificação de um ilícito correspondente à “negociação em período vedado”, tal como fez a
Acusação.
Além das hipóteses de vedação à negociação estipuladas no art. 13, caput e §§ 1º, 2º
e 3º, I da Instrução CVM nº 358, em que há, necessariamente, por parte do agente,
conhecimento da informação relativa ao ato ou fato relevante ainda não publicado, a
norma estabelece, nos §§ 3º, II, 4º e 5º, vedações à negociação em situações em que
não necessariamente há informação privilegiada. Tal cerceamento do direito de livre
negociação se justifica em razão do bem jurídico tutelado pela norma: a higidez do
mercado de capitais.
60 Veja-se, para referência e em complemento aos precedentes já citados, as seguintes decisões em que se
reconheceu que o art. 13 da Instrução CVM nº 358/02 pressupõe a comprovação do elemento intencional (i.e., intenção
de se beneficiar com informação privilegiada): (i) no PAS CVM nº RJ2013/11654, julgado em 23 de setembro de 2014, a
Diretora Relatora Ana Novaes destacou que só há insider trading quando restar demonstrado o dolo em se obter lucro e
que não se pode considerar o insider um ilícito objetivo; (ii) no PAS CVM nº 17/02, julgado em 25 de outubro de 2005, o
então Diretor Wladimir Castelo Branco Castro afirmou categoricamente que o art. 13 não pode ser interpretado como uma
vedação absoluta, tão só como um dispositivo que estabelece uma presunção (de uso indevido de informação privilegiada),
que admite prova em contrário; (iii) a necessidade de existência do elemento volitivo para a existência de insider trading
foi também destacada no acórdão do Recurso CRSFN nº 9703, originário do PAS CVM nº 17/02; (iv) do mesmo modo, no
Recurso CRSFN nº 8253 (originário do PAS CVM nº 18/2001), os acusados foram absolvidos da acusação de insider trading
justamente porque foi reconhecido que a negociação não foi motivada pela suposta detenção de informação privilegiada;
e (v) também o PAS CVM nº 33/00, em que o então Diretor Wladimir Castelo Branco Castro manifestou-se no sentido de
que há elementos que são pressuposto do ilícito, dentre eles a intenção de obter vantagem indevida.
Deve-se atentar para o fato de que o § 7º do art. 13 da Instrução CVM nº 358 excetua a
vedação imposta pelo inciso II do § 3º nos casos em que a negociação for realizada de
acordo com a política de negociação da companhia, previamente aprovada nos termos
do art. 15 da Instrução CVM nº 358.
17.1. Introdução
Nos últimos séculos, o desenvolvimento da atividade comercial no mundo ocidental
foi calcado na autonomia patrimonial de sociedades com personalidade jurídica
própria e na limitação da responsabilidade dos sócios, como forma de resguardar o
patrimônio do sócio não investido na empresa e impedir que os riscos inerentes à não
limitação inviabilizassem o aporte de recursos à atividade produtiva.
No Brasil, a partir do Decreto n° 3.708, de 1919, que regulou as sociedades por quotas de
responsabilidade limitada, passou a haver legislação específica sobre o assunto. Atualmente,
o princípio da autonomia da personalidade jurídica é consagrado pelo artigo 1.052 da Lei
nº 10.406/02 (“Código Civil”)1, no que diz respeito às sociedades limitadas, e pelo artigo 1º
da Lei nº. 6.404/76 (“LSA”)2, no que se refere às sociedades anônimas.
Ao longo dos últimos anos, no entanto, a limitação da responsabilidade dos sócios tem
sido ameaçada pela excessiva e desarrazoada aplicação da teoria da desconsideração
da personalidade jurídica. Tal instituto, que tem reconhecida utilidade para os casos
de fraudes, vem sendo aplicado de forma que extrapola seus objetivos ante o mínimo
indício de insuficiência patrimonial das sociedades, sobretudo em casos que envolvem
Direito trabalhista, tributário, consumerista, ambiental, administrativo e até penal.
1 Art. 1.052, CC. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas
todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
2 Art. 1º, LSA. A companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos
sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas.
3 SALAMA, Bruno Meyerhof. O fim da responsabilidade limitada no Brasil. São Paulo: Malheiros., 2014, p. 26
4 Id.ib.
Tal constatação decorre do fato de que a pessoa física ou jurídica que aporta recursos
em determinada sociedade não deseja, tampouco aceita, correr o risco de perder a
totalidade de seu patrimônio na hipótese de insucesso da atividade, o que é sempre
uma possibilidade real, por vezes decorrente de condições de mercado, por exemplo,
e, portanto, alheias à sua atuação como sócio ou mesmo ao comprometimento dos
administradores.
Seguindo essa lógica, o Código Civil (Lei nº 10.406/02)6 traz requisitos estritos para
a desconsideração da personalidade jurídica, impondo a constatação do desvio de
finalidade – ou seja, da utilização da pessoa jurídica para fins alheios ao seu objeto
de garantia para os empreendedores, no sentido de preservá-los da possibilidade de perda total, eles tenderão a buscar
maior remuneração para os investimentos nas empresas. Em outros termos, apenas aplicariam seus capitais em negócios
que pudessem dar lucro suficiente para construírem um patrimônio pessoal de tal grandeza que não poderia perder-se
inteiramente na hipótese de futura e eventual responsabilização. Ora, para gerar lucro assim, a sociedade deve reduzir
custos e praticar preço elevado.
O princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, observado em relação às sociedades empresárias, socializa
as perdas decorrentes do insucesso da empresa entre seus sócios e credores, propiciando o cálculo empresarial relativo ao
retorno dos investimentos.”
(COELHO, Fábio. A Teoria Maior e a Teoria Menor da Desconsideração. Revista de Direito Bancário e do Mercado de
Capitais – RDB n. 65. São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 24.)
6 Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão
patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo,
que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores
ou sócios da pessoa jurídica.
A grande polêmica, no caso, é o conceito de “infração à lei”. Isso porque o termo deu
margem à interpretação segundo a qual o não recolhimento de um tributo devido
caracteriza per si infração à lei, o que traz ao administrador “por decorrência” uma
infração que era originalmente da sociedade. Em princípio, contudo, a intenção do
legislador foi regular a “responsabilidade pessoal do administrador” de modo que não
bastaria a constatação de infração cometida pela sociedade, mas de ilícito cometido
pelo próprio, na condição de administrador. Embora tenha sido essa a interpretação
originária dos tribunais brasileiros, houve uma posterior tendência a responsabilizar
diretamente sócios e administradores pela simples falta de pagamentos de tributos.9
A Lei Concorrencial (Lei nº 12.529/11), por sua vez, também impõe requisitos à
desconsideração da personalidade jurídica, a saber, abuso de direito, excesso de poder,
infração à lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. Admite,
ainda, a desconsideração na hipótese de má administração, quando esta resultar em
falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica10.
Como se pode perceber, condiciona-se a aplicação do instituto a uma ação ou omissão
culposa por parte do agente sobre o qual recairá a responsabilidade.
Muito embora haja certa divergência doutrinária no que diz respeito à legitimidade
do parágrafo 5º do artigo 28 do CDC14, base legal da Teoria Menor, o fato é que
recentes decisões do Tribunal Superior de Justiça15 o aplicam sem hesitação, tornando
estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de
administração, observados o contraditório e a ampla defesa.
12 Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
13 Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do
consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou
contrato social.
A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade
da pessoa jurídica provocados por má administração.
§ 1° (Vetado).
§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis
pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo
ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
14 Zelmo Denari, (In: Código de Defesa do Consumidor, Comentários pelos Autores do Anteprojeto; Ed. Forense
Universitária; 1991.) um dos autores do anteprojeto da Lei n° 8.078/90, afirma ter havido "aberratio ictus da caneta
presidencial". Em seu entendimento, o parágrafo que deveria ter sido vetado seria o 5º, e não o 1º, em decorrência da razão
do veto, que deixa claro que existiria uma regulação suficiente no caput.
15 (i) “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO
- INSCRIÇÃO INDEVIDA - DANO MORAL - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - INSOLVÊNCIA DA PESSOA
JURÍDICA - DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA - ART. 28, § 5°, DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR - POSSIBILIDADE - PRECEDENTES DO STJ - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO
AO RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA DA RÉ.
1. É possível a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária - acolhida em nosso
ordenamento jurídico, excepcionalmente, no Direito do Consumidor - bastando, para tanto, a mera prova de insolvência
da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de
confusão patrimonial, é o suficiente para se "levantar o véu" da personalidade jurídica da sociedade empresária. (...)
2. "No contexto das relações de consumo, em atenção ao art. 28, § 5º, do CDC, os credores não negociais
da pessoa jurídica podem ter acesso ao patrimônio dos sócios, mediante a aplicação da disregard doctrine, bastando a
caracterização da dificuldade de reparação dos prejuízos sofridos em face da insolvência da sociedade empresária" (REsp
737.000/MG, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 12/9/2011).
3. Agravo regimental desprovido.”
(AgRg no REsp 1106072/MS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 02/09/2014, DJe 18/09/2014.)
(ii) “DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FRUSTRADA.
PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INDEFERIMENTO. FUNDAMENTAÇÃO
APOIADA NA INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 (TEORIA
MAIOR). ALEGAÇÃO DE QUE SE TRATAVA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO ART. 28, § 5º, DO
CDC (TEORIA MENOR). OMISSÃO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC RECONHECIDA.
1. É possível, em linha de princípio, em se tratando de vínculo de índole consumerista, a utilização da chamada Teoria
Menor da desconsideração da personalidade jurídica, a qual se contenta com o estado de insolvência do fornecedor,
somado à má administração da empresa, ou, ainda, com o fato de a personalidade jurídica representar um "obstáculo ao
Tal disciplina legal é objeto de contundente crítica por parte da doutrina16, que
reconhece, como não poderia deixar de ser, que a sua aplicação implica desestímulo
ao investimento, na linha do que foi dito acima. Não tendo sido praticado ato ilegal,
violador do estatuto, fraude, ou seja, nenhuma conduta sancionável por parte do sócio
ou administrador, a sua responsabilização pelo débito da sociedade deixa de ser um
“risco assumido” e, portanto, previsível, para se tornar um risco incontrolável, de
proporções desconhecidas, o que, por razões óbvias, afugenta aqueles que pretendem
simplesmente investir determinada parcela de seu patrimônio em uma atividade
produtiva, especialmente através do mercado de capitais.
ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores" (art. 28 e seu § 5º, do Código de Defesa do Consumidor).” (REsp
1111153/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/12/2012, DJe 04/02/2013.)
16 “Fábio Ulhoa Coelho (In: Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor, p. 143 e 144): censura o preceito
no § 5º, concedendo apenas sua aplicação em matéria de sanções não pecuniárias (proibições de fabricação, suspensão
temporária de atividade, etc...), apesar do contrário defluir do texto da lei: "ressarcimento de prejuízo do consumidor".
Por fim salienta que no embate entre o caput e o § 5º, se um tiver que ceder será o parágrafo, não o caput. A interpretação
meramente literal, no entanto não pode prevalecer e isto por três razões: Em primeiro lugar, porque contraria os
fundamentos teóricos da desconsideração. ... Em segundo lugar, porque uma tal exegese tornaria letra morta o caput do
art. 28. ... Em terceiro lugar, porque esta interpretação equivaleria à revogação do art. 20 do CC ("As pessoas jurídicas têm
existência distinta da dos seus membros") em matéria de defesa do consumidor. E se esta fosse a intenção do legislador, a
norma jurídica que a operacionalizasse poderia ser direta, sem apelo à teoria da desconsideração.” (GLOBEKNER, Osmir
Antonio. Desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 4,
n. 29, 1 mar. 1999).
"Se o art. 28 tivesse por caput o § 5º, além dos §§ 2º e 3º, o consumidor estaria tutelado (apenas) em face da separação
patrimonial utilizada de forma iníqua ou inadequada." (SZTAJN, Rachel; Desconsideração da Personalidade Jurídica;
Revista de Direito do Consumidor,Jun. p. 72.).
"No que ser refere ao § 5º do art. 28, é necessário interpretá-lo com cautela. A mera existência de prejuízo patrimonial do
consumidor não é suficiente para a desconsideração. O texto deixou o significado em aberto na medida em que assevera
que a pessoa jurídica poderá também ser desconsiderada quando sua personalidade ‘De alguma forma’ for obstáculo ao
ressarcimento, , leia-se, quando a personalidade jurídica for óbice ao ressarcimento justo do consumidor."
(ALBERTON, Genacéia da Silva. A Desconsideração da Pessoa Jurídica no Código do Consumidor, Aspectos Processuais.
Ajuris, v. 19, n. 54, p. 146 - 180, mar. 1992.)
do véu corporativo da executada para que siga a cobrança na pessoa de seus gestores, mormente in casu, ante as evidências
de que o administrador (Diretor-Presidente) teria se apropriado, fraudulentamente, de importes monetários da empresa. Se
o CDC garante a desconsideração da personalidade jurídica com vistas à defesa do consumidor, com muito mais razão há
de agasalhar a pretensão do agravante, que intenta a cobrança de crédito de natureza alimentar. Configuraria inversão dos
valores fundamentais tutelados pela Constituição Federal (art. 1º, III e IV) que simples consumidor fosse destinatário de
ampla proteção, podendo perseguir o patrimônio dos administradores (art. 28 do CDC), e, igual garantia não se ofertasse a
quem efetivamente produziu os bens e serviços com sua força de trabalho. Também o Código Tributário Nacional, acolhe a
disregard doctrine, assegurando a responsabilidade de gestores sem fazer distinção entre o regime jurídico das sociedades
anônimas e das sociedades de responsabilidade limitada (art. 135). Oportuna e indispensável a incidência no processo
trabalhista, da desconsideração da personalidade jurídica com vistas à garantia de efetividade das decisões judiciais,
valendo lembrar que também o artigo 50 do Código Civil em vigor dispõe sobre a responsabilidade dos administradores,
com seus bens particulares, em caso de abuso da personalidade jurídica. Agravo provido no particular.”
(TRT-2 - AP: 2639199504602006 SP 02639-1995-046-02-00-6, Relator: RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS,
Data de Julgamento: 03/03/2009, 4ª TURMA, Data de Publicação: 20/03/2009.)
Em sentido contrário: “EXECUÇÃO = PENHORA - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – BENS
DOS ACIONISTAS DE SOCIEDADE ANÔNIMA - INADMISSIBILIDADE.
A responsabilidade dos acionistas limita-se ao preço das ações por eles subscritas ou adquiridas (artigo 1º da Lei das S/A),
não respondendo o patrimônio particular do sócio acionista por débitos exclusivos da sociedade. (...)
É de se observar que o acionista responde apenas pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir (Lei
n°6.404/76 - Art. 1º A companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios
ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas) não podendo, em nenhuma hipótese,
ter seu patrimônio particular alcançado para fins de satisfação de débito exclusivo da sociedade (...)”
(TJSP, AG 1202752007 SP, Rel. Des. Renato Sartorelli, 26ª Câmara de Direito Privado, julgado em 13/10/2009, data de
registro em 03/11/2009.)
20 “Assim, em se comprovando a presença das situações que a lei - ou mesmo a doutrina e a jurisprudência
- entendam que, em determinado caso concreto, possa ser decretada a desconsideração da personalidade jurídica da
companhia, deverá ser atingido o patrimônio do acionista controlador (se este for facilmente identificável). Porem se não
o for,então deverá responder pela dívida o acionista majoritário (caso o controle não seja por ele exercido), ou mesmo o
acionista com participação reduzida, porém relevante, na sociedade cuja desconsideração da personalidade jurídica
for decretada — ou seja, utiliza-se, aqui, uma linha de raciocínio semelhante à da desconsideração da personalidade
jurídica das demais sociedades empresarias limitadas, em que não se costuma restringir qual o sócio que deverá ou não
ser atingido, mas é comum que primeiro se tente buscar bens do patrimônio do sócio majoritário, para somente depois
então - em caso de busca infrutífera — ir-se atrás dos bens do sócio minoritário. (...)
A possibilidade de a desconsideração da personalidade jurídica também atingir as companhias de capital aberto é inegável,
devendo a leitura do disposto no art. 50 do CC/2002 ser ampla, sempre que configuradas as situações ali previstas -
afinal, não há justificativa legal, ou mesmo moral e ética, que possibilite interpretação restritiva ao tema, quando o
magistrado se deparar com situação de fraude, abuso de direito, confusões patrimoniais, entre outras.
Nestes casos, independentemente do tipo societário - sociedade limitada ou por ações, mesmo as de capital aberto -
poderá ser decretada, no caso concreto, a desconsideração da personalidade jurídica.”
(NASCIMBENI, Asdrubal Franco. A Aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica às Sociedades
Anônimas. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, nº. 61, p. 132, 2013.)
21 “CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
SOCIEDADE ANÔNIMA - Encerramento irregular das atividades da empresa executada e insolvência demonstradas
Abuso de direito - Art. 50 do Código Civil e Súmula 435 STJ -- No caso de sociedade anônima, os efeitos da execução deve
se estender aos sócios controladores/administradores. Recurso não provido.”
(TJSP, AI 00632315020138260000, Rel. Des. Denise Andréa Martins Retamero, 25ª Câmara de Direito Privado, julgado em
01/08/2013 e registrado em 02/08/2013.)
A busca da satisfação do crédito a todo custo, por vezes desconsiderando o que prevê
o texto da lei, faz com que a desconsideração deixe de consistir em resposta à fraude
– ou seja, mecanismo de preservação da autonomia da personalidade jurídica – para
se tornar uma espécie de seguro contra o inadimplemento, inserindo elemento de
instabilidade ao investimento, através da criação de um risco expressivo para toda
e qualquer pessoa que, de alguma maneira, se envolva ou tenha um dia se envolvido
com a atividade da empresa.
Arremata o autor:
“as dificuldades operacionais criadas aos fundos de private equity
podem ser um dos motivos que explicam por que, no Brasil, há ainda
relativamente pouca atividade daquilo que se convencionou chamar de
venture capital. De um modo geral, o venture capital funciona como o
private equity – isto é, um investidor (possivelmente uma sociedade de
capital de risco) adquire uma participação acionária para dar o fôlego
financeiro para que uma empresa possa desenvolver ou expandir novos
projetos, na expectativa de posteriormente vender sua participação com
lucro. (...) Uma empresa de venture capital se destina a empresas ainda
em estágio inicial, as chamadas start-ups. O grande atrativo dessas
empresas está em possuírem um projeto de inovação ou tecnologia que
apresente enorme potencial de lucro – mas também de fracasso, como sói
ser no mundo dos negócios com tudo aquilo que é novo. (...) Segue que a
ilimitação de responsabilidade do sócio acaba desincentivando, também o
investimento em inovação. Isso não é desejável.”30
28 Op. Cit., p. 276.
29 Id. Ib.
30 Op. cit., pp. 278-279.
31 http://lavca.org/2011/03/15/a-industria-de-private-equity-e-venture-capital-2-censo-brasileiro/. Data de
acesso: 24.08.2015
32 "A possibilidade de responsabilização de administradores e sócios por obrigações não cumpridas pela
sociedade era restrita até a década de 90. Hoje, no entanto, é crescente o número de ações judiciais em que qualquer um que
tenha poderes de decisão é apontado como corresponsável pelos danos causados pela empresa. E ainda, são cada vez mais
áreas alcançadas, passando por questões tributárias, trabalhistas, de consumo, meio ambiente, etc.
É verdade que o Código Tributário Nacional e a legislação trabalhista já há muito permitem a responsabilização pessoal
dos sócios, ou a chamada desconsideração da personalidade jurídica, em certas situações. Todavia, foi a partir da edição do
novo Código Civil em 2003, assim como do Código do Consumidor e da legislação ambiental, que o número de ações e, na
esteira, de decisões imprecisas e apressadas, teve um crescimento vertiginoso.
De qualquer maneira, em todos os casos a ratio legis é responsabilizar o sócio que age de forma indevida dolosamente,
e não simplesmente imputar-lhe sem razão aparente dívida que pertence à sociedade. Felizmente, embora as instâncias
inferiores ainda cometam abusos na aplicação das leis, o Superior Tribunal de Justiça (ERESP Nº 260107 / RS) ao julgar a
questão relativa a débitos tributários da empresa, decidiu que “o simples inadimplemento não caracteriza infração legal.
Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se
em responsabilidade tributária.”
Da decisão do STJ, inexorável a conclusão de que se faz indispensável a ocorrência de infração por parte do sócio, sem o
que não se pode atribuir-lhe responsabilidade por obrigação inadimplida da sociedade. Todavia, permanece o alerta de que
a lei tem sido aplicada inadvertidamente, o que, sem dúvida, inibe o investidor.”
(A indústria de private equity e venture capital – 2º Censo Brasileiro. Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial,
Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. – Brasília: Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, 2009)
33 "In Brazil, however, the word “wager” bears a more dramatic connotation. By the time the above-mentioned
in- vestment model was imported from American legal culture it had reached a very mature stage. Founders of start-ups
were assured certain rights and undertakings that gave them advantages in relation to investors taking an interest in a
business only when the founders’ investment is about to bear fruit. But what happens if a business not only fails to “make
it” but also eventually places the angel investor’s equity at risk?
The question might sound ridiculous in countries in which assets are governed by the ‘corporate veil’ or ‘separate personhood”
principle as a pillar of the capitalist economy that fosters private enterprise and creates wealth and employment. Here in
Brazil, however, it is a crucial issue. Given the current legal environment here, “disregard of legal entity” doctrine has
unfortunately been applied as a matter of course in many cases to companies unable to honor their debts, even in the
absence of evidence of fraud, misappropriation or asset comingling. Eventually this has a “Russian Roulette” effect for
investors’ wagering on start-ups.”
(http://neolaw.com.br/challenges-for-angel-investment-in-brazil-2/?lang=en. Acessado em 06 ago. 2015)
A Lei nº 13.105/15, que trouxe o Novo Código de Processo Civil, e entrou em vigor
em 17.03.2016, reflete a preocupação com as questões ora trazidas à reflexão, uma
vez que passou a prever, de modo inédito, o chamado “Incidente de Desconsideração
da Personalidade Jurídica” (artigos 133 a 137 do Capítulo IV). Trata-se de marco
normativo processual próprio, com o objetivo de, finalmente, garantir a plena
aplicação dos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e
do contraditório à questão 37.
Oportuno destacar que o art. 133 da referida lei não estabelece os requisitos que devem
ser observados para o deferimento do pedido de desconsideração feito pela parte ou
pelo Ministério Público, mencionando apenas que devem ser observados pressupostos
previstos em lei, no caso, os dispositivos de lei material acima citados39.
Ressalte-se que, como o pedido formulado deve ter como premissas os requisitos
estabelecidos pela lei para o deferimento do pedido de desconsideração da
personalidade jurídica, é sobre o atendimento ou não a esses requisitos que deve
versar a defesa do executado e as provas a serem produzidas, provas essas que não
se confundem com as atinentes ao mérito da causa, de modo que parece plenamente
justificável a instauração de um incidente apartado.
Um dos grandes desafios do novo CPC tem sido a sua efetiva aplicação em outros
processos, tal como determinado em seu art. 15:
Quando entrou em vigor o CPC em 2016, a CLT era omissa quanto ao incidente de
desconsideração da personalidade jurídica e, apesar de o art. 769 da CLT dispor que,
“nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito
processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas
deste Título” , houve manifestações de resistência à aplicação do Novo CPC na área
trabalhista, como demonstra o entendimento, à época, de um integrante do mundo
acadêmico que também é magistrado trabalhista:
Do Incidente de Desconsideração da
Personalidade Jurídica
Art. 3º O art. 855-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo
Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 855-A. Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137-A da Lei nº 13.105, de 16 de março
de 2015 (Código de Processo Civil).
II – relativas a direito material, bem como a que restringe os bens penhoráveis dos
sócios e dos administradores: apenas às dívidas que vencerem após a entrada em vigor
desta Lei.”
17.8. Conclusão
Por todo o exposto, a desconsideração não pode ser a consequência natural de uma
condenação judicial, seguida de insuficiência patrimonial do devedor. Nem mesmo
sob a égide do Código de Defesa do Consumidor ou da Lei Ambiental, protecionistas
por princípio, tais premissas foram consideradas suficientes pela doutrina mais
abalizada para se atingir os bens dos sócios.
Caso não seja possível produzir tais provas, restará ao credor insatisfeito esperar que a
sociedade tenha dias melhores, tornando-se novamente solvente. Afinal, ao contrário
do que muitos parecem pensar, não há, no ordenamento jurídico, princípio algum
segundo o qual o credor deve receber o seu crédito sob toda e qualquer circunstância.
Não havendo recursos disponíveis, a consequência natural é, pois, o inadimplemento,
e não a desconsideração da personalidade jurídica.
Esta última deve ser tratada como medida absolutamente excepcional, destinada apenas
às hipóteses em que esteja evidenciada a fraude e a manipulação da forma da pessoa
41 "Da desconsideração generalizada da personalidade jurídica, tal como se tem verificado em diversas áreas
do Direito, deve-se passar à sua ‘reconsideração’ com o fortalecimento da atividade empresarial.” VERÇOSA, Haroldo
Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial – Teoria Geral das sociedades – As sociedades em espécie do Código Civil.
2ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 115-116.
LEANDRO ISSAKA
Da definição acima, podemos destacar de início dois importantes pontos acerca dos
fundos de investimento: (i) sua natureza jurídica de condomínio; e (ii) sua destinação
à aplicação em ativos financeiros.
Nos termos do artigo 2º, inciso V, da Instrução CVM n° 555/14, são ativos financeiros:
b) contratos derivativos;
1 Assim como fazia a Instrução CVM nº 409/04, hoje revogada justamente pela Instrução CVM nº 555/14.
Sem pretender me aprofundar no debate doutrinário de cada uma das correntes acerca
da natureza jurídica do fundo de investimento, entendo que, em nosso sistema, dita
entidade se caracteriza como um condomínio, sem personalidade jurídica.
Condomínio esse que é constituído para aplicar os recursos captados junto aos
respectivos condôminos (seus cotistas) nas diferentes modalidades de investimento
que são estabelecidas na regulamentação vigente, dentre as quais destaco (i) os
fundos de investimento regulados pela Instrução CVM n° 555/142; (ii) os fundos
imobiliários; (iii) os fundos de direitos creditórios (também conhecidos como fundos
de securitização); (iv) os fundos mútuos de investimento em empresas emergentes; e
(v) os fundos de investimento em participações.
Dessa forma, entendo como pertinente a definição sobre o tema trazida por Nelson
2 De acordo com o disposto no artigo 1º da Instrução CVM n° 555/14, a referida Instrução “aplica-se a todo
e qualquer fundo de investimento registrado junto à CVM, observadas as disposições das normas específicas aplicáveis a
estes fundos”.
3 EIZIRIK, Nelson. Mercado de Capitais - Regime Jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 82-83.
[...]”
Por fim, mais recentemente, por disposição constante da Lei nº 10.303/01, foi
atribuída à CVM, como órgão regulador e fiscalizador do mercado de valores
mobiliários, competência exclusiva para regular, registrar e fiscalizar todos os fundos
de investimento criados no Brasil.
Não eram disciplinados pela Instrução CVM nº 409/04, por serem regidos por
instrução própria, os seguintes fundos: Fundos de Investimento em Participações,
Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Participações,
Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, Fundos de Investimento em Direitos
Creditórios no Âmbito do Programa de Incentivo à Implementação de Projetos de
Interesse Social, Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento
em Direitos Creditórios, Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica
Nacional, Fundos Mútuos de Privatização – FGTS, Fundos Mútuos de Privatização –
FGTS – Carteira Livre, Fundos de Investimento em Empresas Emergentes, Fundos de
Índice, com Cotas Negociáveis em Bolsa de Valores ou Mercado de Balcão Organizado,
Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes - Capital Estrangeiro,
Fundos de Conversão, Fundos de Investimento Imobiliário, Fundo de Privatização -
Capital Estrangeiro, Fundos Mútuos de Ações Incentivadas, Fundos de Investimento
Cultural e Artístico, Fundos de Investimento em Empresas Emergentes Inovadoras,
Fundos de Aposentadoria Individual Programada – FAPI e Fundos de Investimento
em Diretos Creditórios Não-Padronizados.
Ao longo de sua vigência, a Instrução CVM nº 409/04 passou por algumas reformas, de forma
a atender os desejos do mercado e as necessidades regulatórias, sendo importante destacar:
[...]
[...]
4 Disponível em http://www.anbima.com.br/data/files/A3/E7/F0/A6/4FC575106582A275862C16A8/
Estatuto_20ANBIMA_1_.pdf.
Com base nos objetivos acima e nas atividades por ela desenvolvidas, a ANBIMA
desenvolve sua atividade de autorregulação através de seus Códigos de Regulação e
Melhores Práticas, por meio do qual estabelece condutas a serem seguidas pelos seus
associados, e, por meio de exames de certificação, contribuindo para o aprimoramento
dos agentes do mercado.
Fundos abertos são aqueles que permitem o regaste de cotas pelo seu cotista a qualquer
momento. Dessa forma, concedem liquidez instantânea aos seus cotistas, uma vez que
aquele que desejar deixar sua posição em determinado fundo aberto apenas necessita
realizar o resgate de suas cotas, sem que precise buscar no mercado interessados em
adquiri-las.
Os fundos de investimento fechados, por sua vez, são aqueles em que os cotistas apenas
poderão resgatar suas cotas ao final do seu prazo de duração. Referida restrição reduz
Dessa forma, a CVM editou a Instrução CVM nº 558/15, que entrou em vigor em 4 de
janeiro de 2016. Essa nova instrução segrega as figuras do administrador e do gestor
de carteira de valores mobiliários, através da criação de duas categorias distintas de
administrador de carteira de valores mobiliárias, sendo elas: (i) a de administrador
fiduciário; e (ii) a de gestor de recursos.
18.1.6. Conclusão
18.2.1. Introdução
Tanto pela diversidade de operações que permitem realizar, como pelo estágio
de desenvolvimento das normas que lhes são aplicáveis, pode-se afirmar que os
Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC)10 são o principal veículo de
securitização existente no Brasil.
10 Exceto se de outra forma expressamente indicado no presente capítulo, as referências genéricas a FIDC,
sempre que utilizadas, se referirão a todos os FIDC (“padronizado”, “não padronizado”, de infraestrutura, no âmbito do
Programa de Incentivo à Implementação de Projetos de Interesse Social – PIPS).
11 O patrimônio líquido total dos FIDC em funcionamento, em dezembro de 2018, era de cerca de R$ 113,3
bilhões (ANBIMA, 2019a, p.4).
$
Empresas Instituições
Financeiras
Empréstimos
Bens/
serviços $
Risco do credor:
Empresa
Clientes
Os créditos segregados são, então, utilizados como lastro pelo VPE para a emissão
de títulos, que preveem o pagamento de uma remuneração, que pode estar ou não
vinculada à taxa de desconto utilizada na precificação dos créditos adquiridos pelo
VPE. Esses títulos são ofertados publicamente aos investidores. Com os recursos
captados, o VPE paga a contraprestação devida à empresa pela cessão dos créditos.
Conforme os créditos cedidos ao VPE são pagos pelos clientes da empresa diretamente
ao VPE, o VPE paga aos investidores detentores dos títulos emitidos a remuneração
prevista e, observado o prazo de vencimento dos títulos, o valor de seu principal. Até o
vencimento dos títulos emitidos pelo VPE, os investidores assumem o risco de crédito
da carteira de créditos cedidos ao VPE.
12 A tabela abaixo mostra as taxas médias de empréstimos de curto e médio prazos ao setor privado, de diferentes
países, no ano de 2017 (Dados disponíveis em: https://data.worldbank.org/indicator/FR.INR.LEND?locations=JP-US-MX-
IT-CL-BR&name_desc=true. Acesso em: 29 de jan. 2019):
Japão 1,2%
Estados Unidos 3,3%
México 3,6%
Itália 4,9%
Chile 8,1%
Brasil 32%
Bens/ Créditos
$
serviços Risco dos credores:
Carteira de créditos
Clientes
Como bem define Mosquera (MOSQUERA, 1998, p. 20), no âmbito do mercado de capitais:
[...] a entidade financeira não se interpõe entre o indivíduo que dispõe
de poupança e aquele que está necessitando dela: o trânsito de recursos
financeiros do detentor de poupança para o necessitado de financiamento
se dá diretamente.
13 Segundo Yazbek (2009, p. 92), ainda, principalmente no segmento financeiro, a menor exposição aos riscos
inerentes às atividades permite a redução dos encargos cobrados dos devedores pelas instituições financeiras na concessão
de financiamentos.
Uma oferta pública é o processo de distribuição de valores mobiliários16, por meio do qual
14 A Lei nº 9.514/97 define a securitização de créditos imobiliários como a operação na qual esses créditos são
vinculados à emissão de uma série de títulos – os CRI –, mediante lavratura do termo de securitização por companhia
securitizadora (“Securitizadora”).
15 A expectativa de crescimento está na faixa dos dois dígitos para o ano de 2019 (FAGUNDES, 2018).
16 A definição de “valores mobiliários” encontra-se no artigo 2º, caput, da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de
1976. Segundo referido artigo, são valores mobiliários: (a) as ações, debêntures e bônus de subscrição; (b) os cupons,
direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos nesta alínea
(b); (c) os certificados de depósito de valores mobiliários; (d) as cédulas de debêntures; (e) as cotas de fundos de
Como regra geral, as ofertas públicas somente podem ser realizadas com a
intermediação de instituições devidamente autorizadas pela CVM para distribuir
valores mobiliários e devem ser registradas na CVM, previamente ao seu início, nos
termos da Instrução CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2003.
investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos; (f) as notas comerciais; (g) os
contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; (h) outros contratos
derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e (i) quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou
contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante
de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros. As cotas dos FIDC podem
ser enquadradas no conceito da alínea (i) acima.
17 Informações disponíveis em: http://www.investidor.gov.br/menu/Menu_Investidor/ofertas/ofertas_publicas.
html. Acesso em: 29 de janeiro de 2019.
18 Artigo 3º da Instrução CVM nº 400/03.
19 São investidores profissionais (a) instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo
BACEN; (b) companhias seguradoras e sociedades de capitalização; (c) entidades abertas e fechadas de previdência
complementar; (d) pessoas naturais ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a
R$10.000.000,00; (e) fundos de investimento; (f) clubes de investimento, desde que sejam geridos por administradores de
carteira de valores mobiliários autorizados pela CVM; (g) agentes autônomos de investimento, administradores de carteira,
analistas e consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios; e (h) investidores
não residentes (artigo 9º-A da Instrução CVM nº 539/13).
20 Artigo 3º, I e II, da Instrução CVM nº 476/09.
O FIDC emite cotas e, por meio de oferta pública junto aos investidores21, capta
recursos para adquirir créditos das empresas cedentes. A remuneração das cotas
emitidas pelo FIDC observa o que dispõe o seu regulamento.
Uma vez cedidos os direitos creditórios ao FIDC, os clientes das cedentes pagam
diretamente ao FIDC os valores referentes aos bens entregues ou aos serviços
prestados. Observado o disposto em seu regulamento, o FIDC paga aos seus cotistas
os valores eventualmente devidos a título de amortização – o pagamento da cota com
a diminuição proporcional de seu valor individual, mas sem a redução do número
total de cotas que o cotista possui – ou a título de resgate – o pagamento da cota sem
a redução de seu valor individual, porém, com a diminuição proporcional do número
total de cotas detidas pelo cotista22.
Origem
Os FIDC foram criados pela Resolução do Conselho Monetário Nacional (“CMN”)
nº 2.907, de 29 de novembro de 2001, no contexto de uma série de ações e medidas
21 As cotas de FIDC somente podem ser adquiridas e negociadas posteriormente por “investidores qualificados”,
entendidos como (a) as pessoas naturais ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$
1.000.000,00; (b) as pessoas naturais que tenham sido aprovadas nos exames de qualificação técnica ou que possuam
certificações aprovadas pela CVM como requisitos para o registro de agentes autônomos de investimento, administradores
de carteira, analistas e consultores de valores mobiliários, em relação a seus recursos próprios; (c) clubes de investimento,
desde que sejam geridos por um ou mais cotistas que sejam investidores qualificados; e (d) os investidores profissionais.
22 Como regra geral, a amortização de cotas ocorre em FIDC constituídos como condomínios fechados, e o
resgate de cotas, em FIDC constituídos como condomínios abertos.
Mais de 17 anos depois, o volume total de crédito do SFN atingiu a marca de 47,1%
do PIB, equivalente a R$3.091,5 bilhões (BACEN, 2018, p. 13). A taxa média de juros
aplicada, em dezembro de 2017, encontrava-se em 25,6% ao ano, representando o
spread bancário médio, 18,9 pontos percentuais (BACEN, 2018, p. 15).
Por meio dos FIDC, o Bacen visava a fomentar a venda de carteiras de recebíveis por
instituições financeiras, reduzindo sua exposição ao risco de crédito das operações de
financiamento e permitindo a adequação de seu capital aos requerimentos previstos em
lei, e, desse modo, viabilizar a concessão de novos empréstimos por essas instituições,
a custos mais baixos24. Ademais, os FIDC também se apresentavam como alternativa
para a captação pelos tomadores de recursos diretamente junto aos poupadores.
Fortuna (FORTUNA, 2005, p. 492) esclarece que:
23 Essa série de ações e medidas propostas pelo BACEN teve início em outubro de 1999, com a publicação do
“Projeto Juros e Spread Bancário” (BACEN, 2000, p. 5).
24 A participação no patrimônio líquido total dos FIDC classificado pela ANBIMA como financeiro totalizava
18% (ANBIMA, 2019a, p.4), sendo responsável por 22% da captação líquida, no ano de 2018 (ANBIMA, 2019a, p. 8).
25 Artigo 1º da Resolução do CMN nº 2.907/01.
ICVM/400 - ICVM/400 -
Ano ICVM/476
registrada dispensada
2012 3.918 160 2.930
2013 3.541 193 4.513
2014 1.736 101 8.040
2015 2.938 287 3.688
2016 901 1.533 2.878
2017 2.631 1.388 16.634
2018 1.165 998 10.557
Fonte: ANBIMA (2019b, p.14)
26 As operações de securitização, por meio das SPE, se davam principalmente por meio da emissão de
debêntures lastreadas em créditos cedidos às SPE pelas empresas originadoras. Com o surgimento de novos instrumentos
de securitização, como os FIDC e os CRI, as SPE deixaram de ser utilizadas como veículo de securitização (SILVA, 2010, p.
33-34).
27 As operações de securitização no país, no início dos anos 1990, buscavam, sobretudo, o financiamento externo
de longo prazo. Empresas brasileiras realizavam emissões de títulos junto a investidores estrangeiros, com lastro nos fluxos
de caixa que essas emissoras tinham a receber de clientes internacionais. A primeira operação de securitização puramente
nacional ocorreu em março de 1994. A Mesbla Trust emitiu publicamente debêntures lastreadas em direitos creditórios
originados pela loja de departamentos Mesbla S.A. Pouco tempo antes da data prevista para o pagamento das debêntures,
a Mesbla S.A. teve seu pedido de concordata preventiva deferido. O juízo competente, no entanto, reconheceu a segregação
dos ativos – inclusive dos créditos-lastro – da emissora das debêntures, Mesbla Trust, daqueles da originadora dos créditos,
Mesbla S.A., e os debenturistas foram pagos no cronograma previsto na escritura de emissão (SILVA, 2010, p. 29-30).
28 Artigo 28, §10, da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, e artigo 14, inciso I, da Instrução Normativa RFB
nº 1.585, de 31 de agosto de 2015.
29 As informações nas Tabelas 1 e 2 referem-se às ofertas registradas e dispensadas de registro na CVM, nos
termos da Instrução CVM nº 400/03, bem como às ofertas realizadas com esforços restritos, automaticamente dispensadas
de registro, conforme a Instrução CVM nº 476/09.
Como se pode ver pela Tabela 1 e 2 acima, em 2017, atingiu-se um recorde de captação
dos FIDCs de mais de R$ 20 bilhões, através da realização de 163 ofertas públicas.
A evolução do número e do patrimônio líquido dos FIDC encontra-se nas Tabela 3
e Tabela 4. Em dezembro de 2018, a indústria de FIDC era composta por 886 fundos
(ANBIMA, 2019a, p. 11), totalizando um patrimônio líquido de aproximadamente R$
113,3 bilhões (ANBIMA, 2019a, p. 4).
A administração dos FIDC somente pode ser exercida por instituições financeiras,
tais como bancos múltiplos, bancos comerciais, a Caixa Econômica Federal, bancos
de investimento, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades
corretoras de títulos e valores mobiliários, e sociedades distribuidoras de títulos e
valores mobiliários30. A instituição administradora é responsável por zelar pelos
interesses dos cotistas, podendo contratar, em nome do FIDC, prestadores de serviços
para realizar as atividades como gestão de carteira, consultoria especializada, custódia,
cobrança extraordinária, auditoria independente e classificação de risco de suas cotas.
A gestão da carteira do FIDC pode ser realizada pela própria instituição administradora
ou por terceiros devidamente autorizados pela CVM para a administração de carteiras
de valores mobiliários.
As atividades de custódia dos FIDC devem ser realizadas por entidade credenciada
na CVM para a prestação dos serviços de custódia fungível de valores mobiliários. A
Instrução CVM nº 356/01 define, como sendo responsabilidades do custodiante de
FIDC, entre outras, a validação dos critérios de elegibilidade dos direitos creditórios
para a sua aquisição pelo FIDC, a verificação e a guarda da documentação que
comprova o lastro dos créditos cedidos e a cobrança ordinária de valores referentes
aos ativos que integram a sua carteira31.
Direitos Creditórios
Os FIDC devem destinar pelo menos 50% de seu patrimônio líquido para a aquisição de
direitos creditórios. Diferentemente dos CRI, que devem ser necessariamente vinculados
a créditos imobiliários, os FIDC podem adquirir direitos creditórios originados de
operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de
hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços, entre outros.
Ainda com relação aos créditos que compõem as carteiras dos FIDC, os FIDC podem
ser classificados como “padronizados” ou “não padronizados”.
32 A título exemplificativo, cita-se: (a) o FIDC SCE e o SC Piemonte FIDC, destinados à antecipação de
receitas de fornecedores da indústria automotiva; (b) os FIDC financeiros, que adquirem direitos creditórios originados
por instituições financeiras na concessão de crédito imobiliário (Empírica FIDC Home Equity), de crédito consignado
(BMG FIDC Crédito Consignado VIII), de financiamento de veículos (FIDC Omni VIII) e de crédito estudantil (Crédito
Universitário FIDC); (c) o FIDC Nubank, o FIDC Credz e o FIDC Fortbrasil, que adquirem recebíveis de cartões de crédito;
(d) o FIDC Monsanto II, que investe em créditos originados no setor do agronegócio; (e) o JC Diversificado FIDC-NP,
que adquire direitos creditórios objeto de ações judiciais; (f) o Itapeva VI Multicarteira FIDC-NP e o FIDC Brasil Plural
Recuperação de Créditos FIDC-NP II, que compram créditos inadimplidos; (g) o PJUS Precatórios FIDC-NP, que investe
em precatórios; e (h) os FIDC que adquirem direitos creditórios oriundos de segmentos de infraestrutura como o de
energia elétrica (Eletro FIDC), o de telecomunicações (FIDC Vivo Multisegmento), o de transportes (FIDC-NP CPTM) e
o de saneamento básico (FIDC SANEAGO).
33 Subsidiariamente, aplica-se, aos FIDC-NP, a Instrução CVM nº 356/01.
Condomínio
Os FIDC podem ser constituídos sob a forma de condomínio aberto ou fechado.
Um FIDC “aberto” é aquele que admite a entrada – por meio da emissão de novas
cotas – e a saída – por meio do resgate das cotas em circulação – dos investidores, a
qualquer tempo, observados os procedimentos descritos em seu regulamento. O FIDC
“fechado”, por sua vez, somente admite a entrada de novos investidores por meio da
realização de uma nova oferta de cotas ou da negociação pelos cotistas, no mercado
secundário, das cotas já existentes. As cotas dos FIDC “fechados” são resgatadas
apenas ao final dos seus respectivos prazos de duração previstos no regulamento ou
em razão da liquidação do FIDC, sendo permitida a amortização das cotas dos FIDC
“fechados” sem a redução do número total de cotas detidas por cada investidor, nos
termos de seu regulamento35.
Cotas
As cotas dos FIDC correspondem a frações ideais do seu patrimônio e podem ser
divididas em diferentes classes e séries. A divisão em classes diz respeito à eventual
existência de subordinação entre as cotas para efeitos de pagamento aos cotistas dos
valores previstos no regulamento do FIDC 36. As cotas podem ser divididas em classe
sênior – as cotas que têm preferência em relação às demais na ordem de pagamento
dos recursos do FIDC37– e classe subordinada – as cotas que se subordinam às
demais na ordem de pagamento dos recursos do FIDC38. As cotas seniores de
emissão de FIDC fechados podem, ainda, ser divididas em uma ou mais séries, com
diferentes remunerações e prazos para pagamento, mas sem a existência de qualquer
subordinação entre as séries. A remuneração das cotas, em geral, observa a relação
34 No Processo CVM nº RJ-2013-4911, o Colegiado da CVM, seguindo o voto da Diretora Ana Dolores Moura
Carneiro de Novaes, deferiu o pedido de dispensa, apresentado por 2 FIDC-NP, para permitir a guarda de documentos
referentes aos direitos creditórios cedidos a tais FIDC-NP pelos próprios cedentes. A realização da guarda de referida
documentação pelo cedente é vedada pelo artigo 38, §7º, inciso II, da Instrução CVM nº 356/01. Por se tratarem de
FIDC-NP que adquiriam créditos inadimplidos, pulverizados e de baixo valor, o Colegiado da CVM entendeu que o custo
para a transferência dos documentos, dos cedentes para os custodiantes dos FIDC-NP, superava o benefício obtido – os
documentos originais não eram necessários para a cobrança extrajudicial desses direitos creditórios e a cobrança judicial
não se justificava economicamente. Ademais, os FIDC-NP adquiriam os créditos com enorme deságio, suficiente para fazer
frente aos riscos de falhas na documentação. Havia, ainda, a obrigação de recompra pelos respectivos cedentes caso não
houvesse a entrega dos documentos, por qualquer motivo, solicitados pelos FIDC-NP.
35 Há, ainda, os FIDC conhecidos pelo jargão de mercado como “semiabertos” ou “semifechados”, os quais,
embora permitam a solicitação de resgate das cotas, a qualquer tempo, apresentam prazos para pagamento dos resgates
solicitados superiores a 30 dias e que, portanto, nos termos da regulamentação vigente, devem observar os procedimentos
para a distribuição pública de cotas dos FIDC “fechados” (artigo 21, §1º, da Instrução CVM nº 356/01).
36 Note-se, porém, que não há a possibilidade de segregação do patrimônio do FIDC, de modo a se estabelecer
que o desempenho de determinados créditos afetem especificamente e exclusivamente a determinada classe ou série de
cotas. A prioridade ou subordinação eventualmente estabelecida sempre será referente ao desempenho da integralidade da
carteira de créditos e ativos que integre o patrimônio líquido do FIDC.
37 Artigo 2º, inciso XI, da Instrução CVM nº 356/01
38 Artigo 2º, inciso XII, da Instrução CVM nº 356/01.
A Figura 1 exemplifica a estrutura das cotas de um FIDC, composto por cotas seniores
– divididas em 3 séries distintas – e cotas subordinadas – divididas em 2 classes de
cotas intermediárias ou mezanino, e 1 classe de cotas júnior. No exemplo abaixo,
havendo uma situação de estresse da carteira do FIDC, que reduza o seu patrimônio:
(a) primeiramente, haverá a redução do valor unitário da cota subordinada júnior;
(b) se e quando o valor unitário da cota subordinada júnior chegar a zero, haverá a
redução do valor unitário da cota subordinada mezanino (observada, ainda, eventual
subordinação existente entre as classes 1 e 2 de cotas subordinadas mezanino); e (c)
somente se e quando o valor unitário da totalidade das cotas subordinadas mezanino
chegar a zero, haverá a redução do valor unitário da cota sênior (ocorrendo a redução
do valor unitário das cotas das 3 séries simultaneamente, sem qualquer prioridade
entre elas).
Essa diferenciação entre as cotas permite que os FIDC atendam a diferentes demandas
de remuneração, prazo e exposição a riscos, tornando esse produto atrativo para
investidores de diferentes perfis.
39 A Instrução CVM nº 356/01 foi posteriormente alterada pelas Instruções CVM nº 393/03, 435/06, 442/06,
446/06, 458/07, 484/10, 489/11, 498/11, 510/11, 531/13, 545/14, 554/14 e 558/15.
Embora alguns FIDC tenham sofrido perdas após a edição da Instrução CVM nº
531/1341, há a percepção de que esses casos são percentualmente pouco relevantes
diante do tamanho da indústria, bemo como de que as alterações promovidas pela
Instrução CVM nº 531/13 foram benéficas ao mercado.
40 Dentre as alterações introduzidas pela Instrução CVM nº 531/13, há a vedação da cessão ou originação, direta
ou indireta, de direitos creditórios ao FIDC pela instituição administradora, pelo gestor da carteira, pelo custodiante, pelo
consultor especializado ou por partes relacionadas a qualquer um desses prestadores de serviços. No Processo CVM nº
RJ-2013-4911, referido anteriormente, houve o indeferimento, pelo colegiado da CVM, de pedido para que o custodiante,
que já havia cedido créditos ao FIDC antes da publicação da Instrução CVM nº 531/13, continuasse a ceder direitos
creditórios ao FIDC. A Área Técnica da CVM se manifestou, em parecer, que eventual flexibilização da norma traria riscos
de fragilização de toda a reforma realizada pela CVM na indústria de FIDC. O colegiado da CVM, em linha com o parecer
da Área Técnica, reconheceu que a cessão de créditos ao FIDC por seu custodiante gerava um conflito irreconciliável, que
aumentava a possibilidade de ocorrência de fraudes, que foi um dos principais problemas que a CVM buscou solucionar
pelo aperfeiçoamento das regras pertinentes aos FIDC.
41 A título de exemplo, cita-se os FIDC geridos pela Silverado Gestão e Investimentos Ltda, especificamente, o
Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Multisetorial Silverado Maximum, o Fundo de Investimento em Direitos
Creditórios Multisetorial Silverado Maximum II e o Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Multisetorial Silverado
- Fornecedores do Sistema Petrobras.
18.2.4. Conclusão
Nos quase 19 anos desde a sua criação pelo CMN, os FIDC se consolidaram como
o principal veículo de securitização no país. Sua estrutura versátil comporta as
necessidades de empresas dos mais variados tamanhos e setores de atuação. Ao mesmo
tempo, a existência de uma regulação desenvolvida torna os FIDC uma alternativa
atrativa para a captação de recursos pelos tomadores e para o investimento pelos
poupadores, no mercado de capitais brasileiro.
LEANDRO ISSAKA
A Lei nº 8.688 estabeleceu algumas características básicas para os FII, tais como: (a)
obrigatoriedade de organização como fundo de investimento fechado; (b) objeto
específico de investimento em empreendimentos imobiliários; (c) natureza jurídica
do fundo de investimento como um condomínio especial, sem personalidade jurídica,
porém, com limitação de responsabilidade para os condôminos (no caso os cotistas);
e (d) divisão do seu patrimônio em cotas enquadradas como valores mobiliários,
sujeitando os FII e suas cotas à regulação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM.
Após a criação dos FII por lei ordinária, coube à CVM regular as suas características
específicas. Inicialmente os FII foram regulados por meio da Instrução CVM nº
205, de 14 de janeiro de 1994, que disciplinava a constituição, o funcionamento e a
administração dos fundos de investimento imobiliário, e por meio da Instrução CVM
nº 206, de 14 de janeiro de 1994, que disciplinava as normas contábeis aplicáveis às
demonstrações financeiras dos FII. Posteriormente, a CVM, de forma a modernizar
a regulamentação dos FII, editou a Instrução CVM nº 472, de 31 de outubro de 2008,
em substituição à Instrução 205, e a Instrução CVM nº 516, de 29 de dezembro de
Passaremos agora a analisar os aspectos mais relevantes sobre os FII (gerais, conflito de
interesse e tributação) e, por fim, faremos uma breve reflexão sobre pontos que podem
ser melhorados na sua regulamentação, mas que dependeriam de alteração, não da
Instrução CVM nº 472, mas das leis que regulamentam o FII, especialmente a Lei nº
8.668 e a Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999.
Tendo em vista que a ampliação das possibilidades de investimento dos FII pela Instrução
CVM nº 472 não foi acompanhada de uma definição do que seria empreendimento
imobiliário ou ainda da forma de atuação dos FII, algumas dúvidas surgiram no
mercado. Dentre elas, podemos citar o questionamento sobre os FII atuarem como
Já o segundo aspecto relacionado com a natureza jurídica dos FII é a relação dos
cotistas (condôminos) com os ativos de titularidade desses fundos (incluindo no que
Cotas
O patrimônio dos FII é dividido em cotas que podem ser negociadas em mercados
regulamentados de valores mobiliários, tais como a B3, observadas as regras
estabelecidas pela CVM. Em virtude do aumento da popularidade dos FII observada
nos últimos anos, conforme mencionado anteriormente, cada vez mais investidores
procuram cotas de FII como alternativa de investimento. Em função disso, o número
de negociações de cotas dos FII na B3 aumentou significativamente nos últimos
anos, existindo, atualmente, FII cujas cotas apresentam volume diário de negociação
superior ao de determinadas companhias abertas listadas na mesma bolsa.
Acerca dos tipos de cotas, em regra, as cotas dos FII devem ter mesmos direitos
ou características. No entanto, excepcionalmente em relação aos FII destinados
para investidores qualificados (conforme definido na regulamentação da CVM),
o regulamento de tais fundos pode prever a existência de cotas com direitos ou
características especiais quanto à ordem de preferência no pagamento dos rendimentos
periódicos, no reembolso de seu valor ou no pagamento do saldo de liquidação
do fundo. Com essa exceção, os FII podem ter cotas “seniores”, “subordinadas” ou
“mezaninos”, que disciplinam direitos econômicos distintos, o que aproxima a estrutura
do fundo, nesse caso, à estrutura dos fundos de investimento em direitos creditórios.
Prestadores de Serviço
Além da instituição administradora, responsável pela administração e pelo “empréstimo
de personalidade jurídica” para a aquisição dos ativos do fundo, os FII ainda podem ou
devem, conforme seja o caso, ter outros prestadores de serviço, tais como: (a) gestor
de carteira; (b) custodiante; (c) auditor independente; (d) escriturador e/ou; (e) outros
consultores.
Acerca de tais prestadores de serviço, a grande peculiaridade dos FII em relação aos
demais fundos de investimento é o fato de os serviços de gestão e de custódia só serem
obrigatórios para FII que tenham como objetivo adquirir mais do que 5% (cinco por
cento) do seu patrimônio em valores mobiliários (para o caso do serviço de gestão) ou
em ativos financeiros em geral (para o caso dos serviços de custódia).
Um dos temas que mais tem chamado atenção de reguladores e operadores do direito
nos últimos anos é aquele referente ao conflito de interesses. No caso dos FII, tal
conflito de interesse pode ocorrer entre os próprios cotistas ou ainda entre os cotistas
e os prestadores de serviço.
Em função dessa situação, especialistas têm visto situações em que os cotistas podem
estar em lados opostos, podendo determinado cotista, inclusive, ter interesse particular
em determinada transação que o FII venha a realizar e que não necessariamente é o
mesmo interesse dos demais cotistas do fundo.
Isso fica evidente se for considerado que determinados FII têm o mesmo tipo de
objetivo que determinadas companhias abertas, sendo que, em alguns casos, os FII
são concorrentes dessas sociedades para a realização de alguma transação. Nesse caso,
é possível, por exemplo, que o acionista controlador de uma determinada companhia
aberta do ramo imobiliário também seja cotista de um FII, o que, pode, eventualmente,
gerar situações de conflito de interesses no âmbito dos FII.
O tema da tributação aplicável aos FII e aos seus cotistas é de grande importância,
pois, na maioria dos casos, é um dos fatores determinantes para a escolha do produto
por parte dos empresários ou ainda para a decisão de aquisição das cotas por parte dos
investidores.
Analisado os aspectos mais relevantes sobre os FII, passaremos agora a fazer uma
reflexão sobre pontos que, dentro da experiência e debates realizados pelo mercado
nos últimos anos, podem ser melhorados, mas que demandariam algum tipo de ajuste
nas leis que regulamentam o FII, especialmente a Lei nº 8.668 e a Lei nº 9.779.
Objeto do FII
Diante dessa evolução, o escopo de investimento dos FII previsto na Lei nº 8.668, que
prevê apenas investimentos em “empreendimentos imobiliários”42 , ficou obsoleta, e
não mais reflete a realidade do mercado de FII. Assim, deveria haver uma alteração na
Lei nº 8.668, de forma a melhor representar os ativos admitidos pelos FII, conforme
art. 4543 da Instrução CVM nº 472, que já está adaptada à realidade atual do mercado.
42 “Art. 1º Ficam instituídos Fundos de Investimento Imobiliário, sem personalidade jurídica, caracterizados pela
comunhão de recursos captados por meio do Sistema de Distribuição de Valores Mobiliários, na forma da Lei nº 6.385, de
7 de dezembro de 1976, destinados a aplicação em empreendimentos imobiliários.” (grifo nosso)
43 Art. 45. A participação do fundo em empreendimentos imobiliários poderá se dar por meio da aquisição dos
seguintes ativos: I – quaisquer direitos reais sobre bens imóveis; II – ações, debêntures, bônus de subscrição, seus cupons,
direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramentos, certificados de depósito de valores mobiliários, cédulas
de debêntures, cotas de fundos de investimento, notas promissórias, e quaisquer outros valores mobiliários, desde que se
trate de emissores registrados na CVM e cujas atividades preponderantes sejam permitidas aos FII; III – ações ou cotas de
sociedades cujo único propósito se enquadre entre as atividades permitidas aos FII; IV – cotas de fundos de investimento
em participações (FIP) que tenham como política de investimento, exclusivamente, atividades permitidas aos FII ou de
fundos de investimento em ações que sejam setoriais e que invistam exclusivamente em construção civil ou no mercado
imobiliário; V – certificados de potencial adicional de construção emitidos com base na Instrução CVM nº 401, de 29 de
dezembro de 2003; VI – cotas de outros FII; VII – certificados de recebíveis imobiliários e cotas de fundos de investimento
em direitos creditórios (FIDC) que tenham como política de investimento, exclusivamente, atividades permitidas aos FII
Assim, a Lei nº 8.668, por não prever essa distinção e por ser norma que prevalece
sobre as instruções da CVM, faz com que o FII tenha limitações quanto aos benefícios
advindos da Instrução CVM nº 558. Assim as referências na Lei nº 8.668 à administração
e à gestão do FII deveriam ser atualizadas com base na Instrução CVM nº 558.
Os FII, pela regra criada pela Lei 8.668/93, não são os proprietários dos ativos
imobiliários que compõe sua carteira, sendo a propriedade imobiliária das instituições
administradoras dos FII, que os detém em caráter fiduciário. O conceito de proprietário
fiduciário, descrito no art. 6º da Lei nº 8.668 tem gerado inúmeros entraves nos
registros dos imóveis em nome dos FII, muito por conta da propriedade fiduciária
de bem imóvel ainda ser um conceito relativamente novo no ordenamento jurídico
brasileiro.
Deste modo, alterar o art. 6º da Lei nº 8.668 para permitir que o próprio FII seja sujeito
de direito para titular a propriedade imobiliária, seria uma das relevantes alterações
que beneficiariam este mercado, e geraria uma maior segurança jurídica à indústria de
fundos, especialmente aos seus administradores e gestores.
Nesta mesma linha, não faz sentido manter a responsabilização pessoal do patrimônio
da instituição administradora por evicção em qualquer hipótese de alienação de imóvel,
como previsto no inciso II do art. 14. Seria mais ponderado que essa responsabilização
decorra exclusivamente de hipóteses em que a instituição administradora tenha agido
com culpa ou dolo para que a evicção tenha ocorrido. Tal ajuste também se justifica
tendo em vista que pode ser parte da estratégia do fundo, por decisão tomada de
outra forma que não pela instituição administradora, a tomada do risco da evicção,
inclusive já precificando-a no momento do investimento. Nesta hipótese não seria
razoável que a responsabilidade sobre a evicção seja suportada apenas pela instituição
administradora.
e desde que estes certificados e cotas tenham sido objeto de oferta pública registrada na CVM ou cujo registro tenha sido
dispensado nos termos da regulamentação em vigor; VIII – letras hipotecárias; IX – letras de crédito imobiliário; e X –
letras imobiliárias garantidas.
Uma das vedações ao bens e direitos integrantes do FII que tem gerado discussão
no mercado, é a restrição à constituição de ônus real sobre os imóveis. Isso porque
o que o legislador quis restringir com tal vedação foi a possibilidade do FII onerar
o imóvel em garantia de uma obrigação. Entretanto, não se atentou o legislador que
existem outros tipos de ônus sobre os imóveis que não deveriam deixar de se aplicar
no caso do proprietário do imóvel seja um FII. O exemplo clássico de restrição ao
imóvel que deveria se aplicar ao imóvel, independentemente do proprietário ser FII é
a servidão de passagem. Assim, a redação do inciso iv do art. 7º da Lei nº 8.668, deveria
vedar apenas a constituição de ônus reais sobre os bens imóveis, como garantia ou
decorrente de qualquer obrigação da instituição administradora.
Tanto a Lei 8.668, em seu art. 10, quanto a Instrução CVM nº 472, em seu art. 15,
preveem o conteúdo mínimo que o Regulamento do FII deve conter. Entretanto, essas
condições são muito dinâmicas e não necessitam de uma dupla previsão, de modo que
tal tratamento deveria ser reservado às normas infralegais reguladas pela CVM, como
já ocorre para as demais classes de fundos de investimento.
Outro ponto bastante controverso no mercado de FII trazido pela Lei nº 9.779 é
a apuração do lucro do FII segundo o regime de caixa para fins de distribuição
semestral. Essa regra imposta é muito específica e dada a imensa variedade de ativos
que um FII pode deter, a regra de apuração de resultados exclusivamente pelo regime
de caixa vem trazendo inúmeras dúvidas e incertezas ao mercado de FII. Além disso, a
exigibilidade da distribuição de resultados com prazo e montante mínimos (semestral,
em um montante mínimo de 95% dos lucros auferidos), nem sempre está alinhado
com o melhor interesse dos investidores ou dos ativos investidos, conforme a CVM
já discorreu no Ofício-Circular CVM/SIN/SN 01/14 e no Ofício-Circular CVM/SIN
01/15, ao tentar disciplinar o assunto. Diante deste cenário, devido à dinâmica de
alterações e especificidade do assunto, seria mais factível que a sua regulamentação
ficasse apenas no âmbito infra legal e não mais regrado na Lei nº 8.668.
Outro ajuste na Lei nº 8.668 para adaptá-la à realidade da CVM refere-se à regra de
renúncia da instituição administradora, que pela referida lei depende de registro e
aprovação da CVM. Ocorre que na prática tal ato não depende de registro tampouco
de aprovação perante o órgão regulador, de modo que a única exigência que deveria
ser estipulada no âmbito legal seria a de registro do ato perante o cartório de títulos
É compreensível que o FII, até pelo seu objeto que é a exploração de direitos sobre
bens imóveis, tenha uma tutela legal específica. Entretanto, por ser um instituto
primordialmente de mercado de capitais, o FII também precisa estar alinhado com a
dinâmica e agilidade deste mercado, muito mais mutável que o mercado imobiliário.
Assim, as questões de conflito de interesses, por exemplo, poderiam ser reguladas
exclusivamente pela CVM (atualmente está regrado no inciso VII do art. 12 da Lei
nº 8.668), o que permitiria que esta regulação se aproximasse à das demais classes de
fundos de investimento e permitisse ao regulador ter maio agilidade para replicar ao
FII as discussões e demais evoluções no âmbito do mercado de capitais.
Sugerimos ajuste de redação no inciso II do art. 14, para que a responsabilização pessoal
do patrimônio da instituição administradora decorra exclusivamente de hipóteses em
que ela tenha dado causa para a evicção ocorrer. Tal ajuste se faz necessário, uma vez
que dependendo da estratégia do fundo, que por sua vez pode não ser definida pela
instituição administradora, a hipótese de evicção pode não estar totalmente afastada
e isto estar contemplado no modelo de precificação do investimento, não obstante,
dada a multiplicidade de agentes que participam de uma aquisição imobiliária, não
nos parece adequado que a instituição administradora seja a exclusiva responsável
pela conduta de todos os agentes envolvidos.
Saindo agora da análise da Lei nº 8.668, e entrando no âmbito da análise da Lei 9.779
de 19 de janeiro de 1999, que dentre outros assuntos alterou a legislação de imposto
de renda nos FII, alguns ajustes seriam necessários para melhorar a segurança jurídica
nos FII, onde citamos dois pontos que geram discussão com a Receita Federal.
18.3.15. Conclusão
Dessa forma, em 2003, a CVM criou o veículo utilizado pelos fundos de private
equity no Brasil: os Fundos de Investimento em Participações (FIPs), regulados pela
Instrução CVM nº 391, de 16 de julho de 2003. Posteriormente, já em 2016, a CVM
revogou a referida instrução ao editar a Instrução CVM nº 578/16, que viria a ser o
novo instrumento normativo voltado à constituição, funcionamento e administração
dos FIPs no Brasil.
A CVM, na edição das Instruções CVM nº 391/03 e 578/16, optou por restringir o
investimento nos FIPs apenas para os investidores qualificados, sendo que, nos termos
do art. 9º-B da Instrução CVM nº 539/13, são considerados investidores qualificados:
Restringir os FIPs apenas aos investidores qualificados fez com que a regulamentação
editada pela CVM fosse bastante flexível, deixando que a estruturação de cada FIP
atendesse aos interesses específicos dos respectivos cotistas, estabelecendo algumas
premissas, a saber:
Vale ressaltar que a Instrução CVM nº 391/03, quando vigente, além de restringir o
investimento em FIPs aos investidores qualificados, também estabeleceu R$100.000,00
(cem mil reais) como valor mínimo de subscrição por cotista. Dez anos depois, porém,
a Instrução CVM nº 554/14 retirou referido valor mínimo para subscrição de cotas dos
FIPs, de modo que a Instrução CVM nº 578/16 foi elaborada já sem prever tal condição.
(iv)
adesão a câmara de arbitragem para resolução de conflitos
societários;
(vi)
auditoria anual das demonstrações contábeis por auditores
registrados na CVM.
(i) mandato unificado de, no máximo, dois anos para todo o Conselho
de Administração;
(ii) extensão para todos os acionistas das mesmas condições obtidas
pelos controladores quando da venda do controle da companhia (tag
along);
(iii) direito de voto às ações preferenciais em algumas matérias, como
transformação, incorporação, cisão e fusão da companhia e aprovação
de contratos entre a companhia e empresas do mesmo grupo e outros
assuntos em que possa haver conflito de interesse entre o controlador e
a companhia;
(iv) obrigatoriedade de realização de uma oferta de compra de todas as
ações em circulação, pelo valor econômico, nas hipóteses de fechamento
do capital ou cancelamento do registro de negociação neste Nível 2; e
(v) adesão à Câmara de Arbitragem para resolução de conflitos
societários.
O Novo Mercado, por sua vez, é o segmento que possui normas de governança
corporativa mais rigorosas. Suas regras básicas, além daquelas do Nível 2, podem ser
É considerado como restrito o FIP/FIEE em que 50% ou mais do total de cotas emitidas
pelo fundo sejam detidas (i) por um único cotista; (ii) por cotistas que sejam cônjuges,
companheiros ou que possuam entre si grau de parentesco até o 4º grau; ou, ainda,
(iii) por cotistas que pertençam a um mesmo grupo ou conglomerado econômico. Já
os FIP/FIEE diversificados são aqueles constituídos por uma pluralidade de cotistas.
As cotas de FIPs, como outros valores mobiliários, devem ser objeto de ofertas públicas
quando destinadas ao público. Em 16 de janeiro de 2009, a CVM tomou importante
iniciativa ao editar a Instrução CVM nº 476 criando a oferta pública de valores
mobiliários distribuídas com esforços restritos.
Tendo em vista a natureza dos FIPs e sendo esses fundos fechados, referida instrução
causou grande impacto nesses, sendo que a partir da edição da referida instrução, a
maioria de suas distribuições foram realizadas via Instrução CVM nº 476/09.
A grande inovação trazida pela Instrução CVM nº 476/09 foi a concessão de dispensa
automática do registro de distribuição da oferta de cotas na CVM, tornando o processo
de realização de ofertas públicas mais célere e menos custoso.
É importante destacar que a dispensa do registro de distribuição das cotas nos termos
previstos na Instrução CVM nº 476/09 não resulta na dispensa da necessidade de
registro do FIP junto à CVM, conforme previsto no artigo 2º da Instrução CVM nº
578/16, uma vez que referida dispensa está relacionada à oferta das cotas de emissão
dos FIPs e não ao próprio registro do fundo em si.
(ii) Tratativas com Alvo Identificado. Uma vez identificada uma oportunidade de
investimento, o gestor inicia tratativas com a companhia-alvo, de forma a obter maiores
informações. Nesta etapa, há uma análise preliminar das informações da companhia
com base exclusivamente em informações transmitidas pela empresa, que deverão ser
confirmadas nas etapas a seguir descritas.
(iii) Proposta Não Vinculante. Após a realização de tratativas iniciais, são celebradas
propostas não vinculantes entre o fundo e a companhia-alvo, de forma a iniciar a
negociação entre as partes, prevendo uma indicação do investimento considerado
pelo fundo, a realização de diligências legal e contábil, a aprovação pelo comitê de
investimento do fundo (se necessário), a devida confidencialidade em decorrência do
fornecimento de informações e demais pontos importantes para a transação.
(v) Aprovação pelo Comitê de Investimento. Após a aceitação da proposta não vinculante
e, antes ou durante o curso da due diligence, o investimento é submetido ao comitê
de investimento do fundo para sua aprovação, se assim dispuser o seu regulamento.
Tal aprovação, porém, não significa a garantia da realização do investimento, pois a
conclusão da due diligence e a negociação dos documentos definitivos da operação e
demais condições precedentes que geralmente são pactuadas entre as partes podem
trazer diversos obstáculos para sua realização.
Nesse sentido, o FIP apresenta uma possibilidade de convergência dos interesses acima
elencados e provável solução dos conflitos, podendo ser utilizado como estrutura para
possibilitar a reestruturação da empresa em crise.
Uma estrutura com FIPs para reestruturação de empresas em crise pode ser criada
com a transferência do poder de controle do antigo controlador para um FIP, gerido
por empresa independente, escolhida pelos credores e pelo antigo controlador.
Em referida estrutura, ainda é possível a criação de comitês de investimento e de
fiscalização integrados por credores e investidores, podendo proporcionar maior
segurança à empreitada, uma vez que possibilita aos interessados no processo interferir
na gestão do FIP, assim como acompanhar os atos praticados visando à recuperação.
Aos credores, em referida estrutura, também caberia papel de destaque, uma vez
que esses podem integralizar cotas do FIP através da integralização de créditos e
encargos detidos contra a companhia em risco, que, em seguida, podem ser objeto de
capitalização na sociedade em recuperação.
A diversificação do portfólio é o ponto mais atrativo dos FIC-FIPs. Os FIPs, por mais
liberdades que possam dar aos seus gestores na tomada de decisões, sempre possuem
restrições quanto aos tipos de companhias que podem ser investidas ou quanto às
regiões geográficas, além de seu capital comprometido, que lhe permite investir em
um número limitado de companhias. A diversificação do portfólio de investimentos
protege o fundo da volatilidade do mercado sem tirar a possibilidade de grandes
retornos, comum nos FIPs. Isso faz com que o FIC-FIP seja uma modalidade de
investimento mais segura e tão lucrativa quanto os fundos comuns. Os regulamentos de
FIC-FIPs devem se preocupar em determinar com clareza a estratégia de investimento
do fundo, sendo importante que os investidores negociem a quantidade máxima de
capital que poderá ser investido em um mesmo fundo, não havendo dúvidas de se
tratar de um instrumento de grande interesse para os investidores.
Como exemplo dos principais fundos regulados por outras instruções, temos os
Fundos de Investimento Imobiliário (FII), Fundos de Investimento em Direitos
Creditórios (FIDC) e os Fundos de Investimento em Participações (FIP.) Referidos
fundos de investimento são geralmente definidos pela indústria de fundos no Brasil
como “fundos estruturados”, diferenciando-se dos fundos regulados exclusivamente
pela ICVM 555.
No primeiro caso, os fundos são regulados exaustivamente pela ICVM 555, aplicando-
se a eles todos os comandos regulatórios previstos na Instrução, de forma automática
e exclusiva. Já no caso dos fundos estruturados (e demais fundos de investimento que
possuam regulamentação própria), a ICVM 555 se aplica apenas de forma subsidiária.
Em outras palavras, na omissão da norma específica aplicável a um determinado tipo
de fundo (como exemplo, um FIP), aplicar-se-ão os dispositivos da ICVM 555.
Naturalmente, para os aplicadores do direito isso pode trazer diversos desafios para se
distinguir onde há de fato uma omissão da norma específica e onde há, por exemplo,
apenas conceitos distintos entre as normas. De qualquer forma, entendemos que a
aplicabilidade supletiva da ICVM 555 aos demais fundos que possuam regulamentação
própria deve ser realizada de forma cautelosa, nos casos em que fique evidenciada sua
efetiva necessidade.
Essas considerações iniciais são fundamentais para que se compreenda qual o universo
de fundos de investimento tratados neste capítulo: aqueles fundos cuja aplicação da
ICVM 555 se dá de forma automática e exaustiva. São eles os Fundos de Renda Fixa, os
Fundos de Ações, os Fundos Multimercado e os Fundos Cambiais. Denominaremos
tais fundos, em conjunto, como “Fundos ICVM 555”, que se tornou usual no mercado.
Os Fundos ICVM 555, nos termos da própria Instrução, são “(...) uma comunhão de
recursos, constituídos sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em ativos
financeiros”.
Podem ser constituídos sob a forma de condomínio aberto, em que os cotistas podem
Os Fundos ICVM 555 são regidos por seus respectivos regulamentos, que devem
prever, no mínimo, as matérias previstas na Instrução, dentre as quais destacamos: a
qualificação do administrador e do gestor do fundo, quando o caso; qualificação do
custodiante; espécie (se aberto ou fechado), política de investimento (caracterizando
sua classe), taxa de administração e taxa de performance (se aplicável); condições para
aplicação e resgate de cotas; público-alvo; e identificação dos riscos assumidos pelo
fundo, tendo em vista sua política de investimento.
O funcionamento dos Fundos ICVM 555 depende de prévio registro na CVM, que deve
ser efetuado por seu administrador. O administrador de um Fundo ICVM 555 tem
função central em sua constituição, funcionamento e representação. No decorrer deste
capítulo abordaremos também quais são e que responsabilidades têm os prestadores
de serviço dos fundos.
Dessa forma, as assembleias gerais de cotistas dos Fundos ICVM 555 são soberanas
e dão poderes aos cotistas para deliberarem sobre todas as matérias relevantes do
fundo no qual investem seus recursos. As convocações para as assembleias devem ser
realizadas com no mínimo 10 (dez) dias de antecedência contados de sua realização, as
quais devem ser encaminhadas a cada cotista, por meio físico ou eletrônico, podendo
ainda ser publicadas em jornal de grande circulação, se assim dispuser o regulamento
do fundo. Ainda, a presença da totalidade dos cotistas supre a falta de convocação.
As deliberações da assembleia geral são tomadas por maioria de votos, sendo atribuído
a cada cota 1 (um) voto. Podem ser estabelecidos nos regulamentos dos fundos
quóruns qualificados para as deliberações, ressalvada a hipótese de destituição do
administrador do fundo aberto, cujo quórum não pode ser superior à metade mais
uma das cotas emitidas.
18.5.3. Prestadores de Serviço aos Fundos ICVM 555 e suas
responsabilidades.
Dentre os vários serviços descritos na Instrução e que podem ser contratados pelo
administrador em nome dos Fundos ICVM 555, iremos nos ater, além do próprio
administrador, somente ao gestor da carteira de investimento dos fundos, tendo
em vista os papéis fundamentais que esses dois prestadores de serviço exercem na
estrutura e funcionamento dos fundos.
Não podem os gestores, nesse sentido, serem responsabilizados por eventuais perdas
ou insucessos verificados nos fundos. Fundamental, dessa forma, identificar em
qualquer situação se o gestor agiu respeitando seu dever fiduciário, respeitando os
mandatos e a legislação em vigor, somente podendo ser responsabilizado, portanto,
quando verificados descumprimentos (por culpa ou dolo) dessas obrigações e não em
função dos resultados dos fundos.
Além disso, existem vedações que devem ser observadas para a cobrança da taxa de
performance. Exemplo dessas vedações é a proibição da cobrança quando o fundo
apresente para seus cotistas um resultado negativo, ou seja, quando o valor da cota ao
final do período de performance for menor do que no início do mesmo período, ainda
que o fundo tenha obtido um resultado melhor do que o parâmetro de referência
utilizado.
Por fim, a ICVM 555 estabelece uma lista exaustiva das despesas que podem ser
debitadas dos fundos. São elas: taxas, impostos ou contribuições federais, estaduais,
municipais ou autárquicas, que recaiam ou venham a recair sobre os bens, direitos e
obrigações do fundo; despesas com o registro de documentos em cartório, impressão,
expedição e publicação de relatórios e informações periódicas previstas na Instrução;
despesas com correspondências de interesse do fundo, inclusive comunicações aos
cotistas; honorários e despesas do auditor independente; emolumentos e comissões
pagas por operações do fundo; honorários de advogado, custas e despesas processuais
Os Fundos ICVM 555 devem prever em seu regulamento, de forma clara, a que público
eles se destinam. Conforme mencionamos anteriormente, esses públicos podem ser:
investidores de varejo, investidores qualificados ou investidores profissionais. Caso
o fundo seja destinado ao público em geral, ele deve ser entendido com, um fundo
destinado inclusive aos investidores de varejo.
O valor das cotas deve ser calculado mediante a divisão do valor do patrimônio
líquido do fundo pelo número de cotas do fundo, apurados (como regra geral) no
encerramento do dia. O cálculo do valor da cota deve ser feito de maneira compatível
com sua liquidez, ou seja, com a periodicidade em que são admitidas emissões e
resgates de cotas pelos investidores.
Na emissão de cotas deve ser utilizado o valor da cota do dia ou do dia seguinte ao da
data de aplicação pelos investidores, conforme dispuser o regulamento do fundo. A
integralização das cotas, ou seja, o pagamento pelas cotas adquiridas, deve ser realizado
em moeda corrente nacional, salvo se forem fundos destinados exclusivamente a
Investidores Qualificados ou Profissionais e os respectivos regulamentos dispuserem
que a integralização também pode ser feita em ativos.
As cotas de fundos abertos não podem ser objeto de cessão ou transferência, exceto
nos casos expressamente descritos na ICVM 555, quais sejam: decisão judicial ou
arbitral; operações de cessão fiduciária; execução de garantia; sucessão universal;
dissolução de sociedade conjugal ou união estável por via judicial ou escritura
pública que disponha sobre a partilha de bens; e transferência de administração ou
Naturalmente, a ICVM 555 deixa claro que se eventuais perdas tiverem sido
causadas pelo administrador ou pelo gestor em razão da inobservância da política de
investimento ou dos limites de concentração previstos no regulamento do fundo ou
na própria ICVM 555, deverão estes responder pelos prejuízos causados. Da mesma
forma, fica mais uma vez reforçada, por tal dispositivo da ICVM 555, a obrigação de
meio (e não de resultado) de tais prestadores de serviço.
A ICVM 555 dispõe ainda que os fundos abertos podem estabelecer prazo de carência
para resgate, ou seja, os períodos contados da data de aplicação dos investidores em
que não poderão ser realizados resgates ou que os resgates estarão sujeitos a restrições.
O pagamento dos resgates deve ser feito em cheque, crédito em conta corrente ou
ordem de pagamento, no prazo estabelecido no regulamento, que não deve ser superior
a 5 (cinco) dias úteis contados da data de conversão de cotas.
A ICVM 555 prevê que os fundos por ela regulados classificam-se, quanto à composição
de suas respectivas carteiras, em: Fundos de Renda Fixa; Fundos de Ações; Fundos
Multimercado; e Fundos Cambiais.
Os fundos classificados como de Renda Fixa devem possuir como principal fator de
risco da carteira a variação da taxa de juros, de índice de preços ou ambos. Para tanto,
precisam investir no mínimo 80% da sua carteira em ativos relacionados (diretamente
Em linhas gerais, os Fundos de Renda Fixa Curto Prazo devem investir exclusivamente
em títulos públicos federais ou títulos privados considerados de baixo risco de crédito
pelo gestor, com prazo máximo a decorrer de 375 (trezentos e setenta e cinco) dias e
prazo médio da carteira do fundo inferior a 60 (sessenta) dias; em cotas de fundos de
índice que apliquem somente em tais ativos; e em operações compromissadas lastreadas
em títulos públicos federais. Tais fundos só podem realizar operações de derivativos
para proteção da carteira (hedge) e para realização de operações compromissadas
lastreadas em títulos públicos federais.
Os Fundos de Renda Fixa Simples devem investir no mínimo 95% (noventa e cinco
por cento) de seu patrimônio líquido em títulos da dívida pública federal, títulos de
renda fixa de emissão ou coobrigação de instituições financeiras com classificação de
risco pelo gestor no mínimo equivalente àquele atribuído aos títulos da dívida pública
federal; e operações compromissadas lastreadas em tais títulos. Da mesma forma, só
poderá realizar operações em mercados de derivativos para proteção da carteira (hedge).
Por fim, os Fundos de Renda Fixa Dívida Externa devem investir no mínimo 80%
(oitenta por cento) de seu patrimônio líquido em títulos representativos da dívida
externa de responsabilidade da União, transacionados no exterior. Operações de
derivativos devem, igualmente, ser realizadas para proteção da carteira (hedge).
Os Fundos de Ações devem ter como principal fator de risco da carteira a variação
de preços de ações admitidas à negociação nos mercados organizados (bolsa de
valores, por exemplo). Os Fundos de Ações devem investir no mínimo 67% (sessenta
e sete por cento) de seu patrimônio líquido em: ações admitidas à negociação em
É permitido que os Fundos de Ações que utilizem o sufixo “Ações – BDR Nível I”
possam também adquirir BDRs classificados como nível I para a composição das
respectivas carteiras. Da mesma forma, os Fundos de Ações que utilizem o sufixo
“Ações – Mercado de Acesso” e que estipulem em suas políticas de investimento que
deverão investir, no mínimo, 2/3 (dois terços) do seu patrimônio líquido em ações de
companhias listadas em seguimento de negociação de valores mobiliários, voltado ao
mercado de acesso nos termos definidos pela legislação em vigor e conforme instituído
pelos respectivos mercados organizados, poderão investir em referidas companhias,
observadas as condições específicas previstas na ICVM 555.
Os Fundos Cambiais devem ter como principal fator de risco da carteira a variação
de preços de moeda estrangeira ou a variação do cupom cambial, devendo possuir
no mínimo 80% de sua carteira em ativos relacionados (diretamente ou através de
instrumentos derivativos) às referidas variações.
Um desses sufixos complementares diz respeito ao tratamento fiscal dos fundos. Nesse
sentido, a ICVM 555 determina que os fundos que dispuserem, em seus respectivos
regulamentos, que possuem o compromisso de obter o tratamento fiscal destinado a
fundos de longo prazo, conforme previsto na regulamentação fiscal em vigor, deverão
atender às condições previstas em tais normativos fiscais, bem como deverão incluir
o sufixo complementar “Longo Prazo” em sua denominação. Apenas a título de
comentário, esse conceito de longo prazo trazido pela regulamentação fiscal implica
uma tributação mais benéfica aos investidores, em função de exigir que os títulos
adquiridos por tais fundos (o prazo médio da carteira) tenham vencimentos mais
longos, tendo sido um instrumento utilizado pelo Governo Federal como estímulo
para o alongamento da dívida pública federal.
Por fim, os fundos que desejarem aplicar uma parcela relevante de seu patrimônio
em ativos no exterior deverão incluir em suas respectivas denominações o sufixo
complementar “Investimento no Exterior”. Trataremos mais detalhadamente deste
tema no próximo tópico deste capítulo.
Cumpre-nos mencionar ainda, no que diz respeito à composição das carteiras dos
Fundos ICVM 555, que, adicionalmente às regras previstas para cada classe de fundo,
conforme descritas de maneira resumida acima, a Instrução estabelece ainda regras
de diversificação da carteira, agrupadas da seguinte forma: “limites por emissor” e
“limites por modalidade de ativo financeiro”.
Como “limites por emissor” a ICVM 555 estabeleceu limites máximos que os fundos
podem deter em ativos emitidos por um mesmo emissor ou grupo de emissores. Tais
limites dizem respeito, igualmente, aos riscos das contrapartes das operações realizadas
pelos fundos. A intenção da CVM, nesse sentido, foi limitar a exposição ao risco de
inadimplência de uma única pessoa (física ou jurídica) ou grupo de pessoas ligadas.
Esses dois grupos de limites de concentração têm por objetivo fazer com que os
fundos apresentem uma diversificação de investimentos em suas carteiras, de forma
a minimizar potenciais perdas. Mais que isso, a CVM teve por objetivo evitar a
concentração da carteira em ativos ou operações de um mesmo emissor ou grupo de
emissores, bem como em determinados tipos de operações julgadas pela CVM como
de maiores riscos potenciais para os investidores.
Por fim, entendemos ser conveniente mencionar os dois diferentes tipos de fundos de
investimento previstos na ICVM 555.
O primeiro tipo diz respeito aos Fundos de Investimento em si, ou seja, aqueles
que podem investir nos ativos financeiros e operações diretamente, conforme suas
respectivas classes e regras de diversificação.
A Instrução também prevê, em seu artigo 119, o segundo tipo de fundo. São os
chamados Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento. Esses
“(...) devem manter, no mínimo, 95% (noventa e cinco por cento) de seu patrimônio
investido em cotas de fundos de investimento de uma mesma classe (...)”.
Por fim, a ICVM 555 estabelece que as carteiras dos fundos por ela regulados também
podem ser compostas “por ativos financeiros no exterior”, desde que respeitadas
as condições e limites previstos na Instrução para tanto. Por “ativos financeiros no
exterior” devem ser entendidos os ativos financeiros negociados no exterior que
tenham a mesma natureza econômica dos ativos financeiros no Brasil.
Desta forma, diferentemente do que ocorre com os demais fundos regulados por
instruções específicas da CVM, os Fundos ICVM 555 apresentam uma flexibilidade
importante no que diz respeito à aquisição de ativos e realização de operações em
mercados no exterior.
Nesse sentido, os limites estabelecidos foram: até 20% (vinte por cento) para
fundos destinados aos investidores de varejo (com exceção dos Fundos de Renda
Fixa Simples, que não podem investir em ativos no exterior); até 40% para fundos
destinados exclusivamente aos investidores qualificados (observada a exceção adiante
mencionada); e ilimitadamente, ou seja, até 100% nos seguintes casos (a) Fundos de
Renda Fixa – Dívida Externa; (b) Fundos destinados exclusivamente a investidores
profissionais e que incluam em sua denominação o sufixo complementar “Investimento
no Exterior”; e (c) Fundos destinados exclusivamente a Investidores Qualificados, mas
que cumpram requisitos adicionais previstos na ICVM 555 para tanto, tais como a
previsão que investirão, no mínimo, 67% da sua carteira em ativos no exterior e incluam
em sua denominação o sufixo complementar “Investimento no Exterior”.
IGOR MUNIZ
A terceira parte, por sua vez, possui uma conotação mais prática, ao adentrar na
realidade dos fundos de investimentos em direito creditórios (FIDCs). Nesse tópico,
será analisada uma operação de FIDC implementada na prática. Da mesma forma, a
quarta parte buscará demonstrar a prática da securitização imobiliária.
19.1. Introdução:
19.1.1. Conceito
1 Melhim Chalhub atenta para essa questão, citando outros doutrinadores. Nesse sentido: "Paulo Câmara
observa que a falta de rigor com que a expressão é muitas vezes empregada é de tal modo notado que se chega a questionar a
existência de um significado técnico que esteja subjacente àquele conceito: um autor britânico apelidou-o severamente como a
buzz word lacking any technical meaning. Similarmente, já houve quem afirmasse tratar-se de um dos termos mais ambíguos
do vocabulário jurídico.” (CHALHUB, Melhim Namem. Alienação Fiduciária, Incorporação Imobiliária e Mercado de
Capitais – Estudos e Pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 461.)
2 Sobre o tema da desintermediação financeira e do sentindo amplo do conceito de securitização, vale citar as
palavras de Osvaldo Zanetti Favero Junior: “Em uma operação de intermediação financeira típica, tomadores e poupadores de
recursos são aproximados através do intermediário financeiro (instituição bancária), autorizado a captar depósitos (passivos)
de poupadores e emprestá-los (ativos) para os tomadores. Nesse processo, há uma transação e relação financeira, representando
a transação e relacionamento entre o tomador – banco – depositante. O processo de desintermediação financeira envolve a
eliminação do intermediário financeiro dessa lógica operacional, fazendo-se com que o processo se dê de forma direta entre
entidades do mercado. (...) Verifica-se, portanto, em relação ao seu sentido amplo, que o termo securitização engloba toda
transação cursada no mercado de capitais para a captação/aplicação de recursos através de valores mobiliários. Essa definição
engloba tanto operações mais tradicionais, como a securitização de dívidas, como as operações mais complexas de securitização
de ativos, sendo a vinculação do termo a esta última operação mais comum”. Securitização de Ativos e Transferência de Risco
– Evidências do Mercado de Capitais Brasileiro. 2014.(FAVERO JUNIOR, Osvaldo Zanetti. Dissertação (Mestrado em
Ciências) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. p. 26.)
A origem do termo é marcada por uma história que ganhou fama em Wall Street.
Nesse sentido, vale citar o relato histórico feito por Ranieri Lewis, ex-vice-presidente
da instituição financeira Salomon Brothers:
Securitização 635
havia necessidade de encontrar um termo melhor do que securitização.
Então, tarde da noite eu recebi outra ligação da repórter, perguntando pelo
nome correto da operação. Eu disse a ela: “Mas eu não conheço nenhuma
outra palavra que descreva o que nós estamos fazendo. Você terá que usar
essa palavra”. O Wall Street Journal publicou a coluna com a palavra
securitização, sob protesto, esclarecendo tratar-se de um termo inventando
por Wall Street, não sendo, assim, uma palavra de verdade5.
5 Tradução livre feita por Ricardo Maia da Silva em sua dissertação de mestrado. (SILVA, Ricardo Maia.
Securitização de Recebíveis: uma visão sobre o mercado de fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC).
2010. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Escola de Engenharia de Produção, Universidade Federal
Fluminense, Niterói, 2010. p. 22.)
6 Em linhas gerais, o fenômeno que ficou conhecido como a geração dos baby boomers se relaciona com a
explosão demográfica que ocorreu após a Segunda Guerra Mundial. Assim, a década de 1970 reflete o início da vida adulta
dessa geração, com as consequentes demandas de habitação e consumo.
7 O fortalecimento do mercado secundário está intimamente relacionado com a necessidade de oferecer liquidez
aos investidores, que passam a ter um local que agrega compradores e vendedores para o mesmo título, independentemente
de sua data de vencimento e outras características que poderiam afetar a rápida monetização deles. Nas palavras de Nelson
Eizirik, “...o mercado secundário tem a função de conferir liquidez aos valores mobiliários emitidos no mercado primário,
permitindo que os investidores transfiram, entre si, os títulos previamente adquiridos.” (EIZIRIK, Nelson; Ariádna B. Gaal;
Flavia Parente & Marcus de Freitas Henriques. Mercado de Capitais: regime jurídico. 3ª edição, Rio de Janeiro: Renovar,
2011. p. 209).
No mesmo sentido, conferir o Portal do Investidor, site estruturado pela Comissão de Valores Mobiliários, a respeito do
tema:
“O mercado primário é aquele em os valores mobiliários de uma nova emissão da companhia são negociados diretamente
entre a companhia e os investidores – subscritores da emissão -, e os recursos são destinados para os projetos de investimento
da empresa ou para o caixa.
Entretanto, alguns desses valores mobiliários, como as ações, representam frações patrimoniais da companhia e, dessa forma,
não são resgatáveis em data pré-definida. Da mesma forma, outros podem ter prazos de vencimento muito longo. Essas
características, entre outras, poderiam afastar muitos dos investidores do mercado de capitais, caso eles não tivessem como
negociar com terceiros os valores mobiliários subscritos, dificultando o processo de emissão das companhias.
O mercado secundário cumpre essa função. É o local onde os investidores negociam e transferem entre si os valores mobiliários
emitidos pelas companhias. Nesse mercado ocorre apenas a transferência de propriedade e de recursos entre investidores.
A companhia não tem participação. Portanto, o mercado secundário oferece liquidez aos títulos emitidos no mercado
primário.”(http://www.portaldoinvestidor.gov.br/menu/Menu_Investidor/funcionamento_mercado/mercado_primario.
html). Acesso em: 26 jul. 2015.
9 Sobre o tema, Melhim Chalhub afirma que “ Contemporaneamente, esse processo vem se firmando nos
mercados financeiro e de capitais a partir da prática do mercado americano e tem sido assimilada de maneira generalizada
em todo mundo.” Ob. cit., p. 461.
10 Tamar Frankel e Mark Fagan apontam esse aspecto como um dos motivadores para o sucesso das operações
de securitização: “Opportunities for profit mobilized the securities industry to develop securitization techniques. Legal
requirements, such as capital requirements, induced banks to sell their assets, reduce their short-term liabilities, and thereby
increase their equity and long-term debt. For holders of loans, securitization lowered the cost of funding, and, for banks, it
also reduced the cost of legally required capital.” Law and Financial system – securitization and asset backed securities: law,
process, case studies and simulations. Vandeplas Publishing. 2009. p.35.
Securitização 637
“O mercado doméstico de securitização no Brasil tem um histórico
modesto. A primeira operação foi realizada em 1994 pela empresa Mesbla
Trust, que emitiu debêntures lastreadas em créditos originados pela
Mesbla S.A. (rede de lojas de departamentos). Além do pioneirismo, essa
operação é também importante pelo ocorrido após a emissão dos títulos:
a falência da originadora dos créditos. Apesar da desagradável surpresa,
o resultado final foi bastante positivo. A segregação dos ativos da entidade
emissora em relação aos da originadora foi legalmente validada e os
investidores receberam o retorno de seus investimentos de acordo com o
programado.” 11
Após essas operações, houve a promulgação de alguns diplomas legais que foram
fundamentais para o desenvolvimento da securitização no país, especialmente através
das companhias securitizadoras de ativos imobiliários e dos Fundos de Investimentos
em Direitos Creditórios (FIDCs). Essas figuras serão estudadas nos capítulos
subsequentes, mas, a título de menção, vale citar a Lei nº 9.514/97, que instituiu o
regime fiduciário sobre créditos imobiliários e criou a figura dos Certificados de
Recebíveis Imobiliários (CRIs); a Instrução CVM nº 414/0412, que aperfeiçoou a
disciplina dos Certificados de Recebíveis Imobiliários, após a regulação inicial dos
Fundos de Investimento Imobiliário pela Instrução CVM nº 205/96; a Resolução nº
2.90713 do Conselho Monetário Nacional e a Instrução CVM nº 356/0114 , ambas
regulando os FIDCs.
11 CANÇADO, Thais Romano; GARCIA, Fabio Gallo. Securitização no Brasil. São Paulo: Atlas, 2007, p. 19.
12 A Instrução CVM nº 414/04 foi alterada pelas Instruções nº 443/06, 446/06, 480/09, 554/14, 583/16, 600/18,
603/2018 e 604/18.
13 A Resolução CMN nº 2.907/2001 foi alterada pela Resolução CMN nº 4.694/2018.
14 A Instrução CVM nº 356/01 foi objeto de várias alterações, implementadas pelas Instruções nº 393/03, 435/06,
442/06, 446/06, 458/07, 481/10, 489/11, 498/11, 510/11, 531/13, 545/14, 554/14 e 558/15.
15 Bhardwaj and Sengupta (2009)[5], for example, define ‘subprime’ and ‘Alt-A’ relative to the First American
Loan Performance database they employ — ’subprime pools include loans to borrowers with incomplete or impaired
credit histories while Alt-A pools include loans to borrowers who generally have high credit scores but who are unable or
unwilling to document a stable income history or are buying second home or investment properties’ (fn 12, p.10).WILSE-
SAMSON, Laurence. The Subprime Mortgage Crisis: Underwriting Standards, Loan Modifications and Securitization
(February 2010). Disponível em: http://www.columbia.edu/~lhw2110/Subprime_survey_Samson.pdf. Acesso em: 26 jul.
2015.
Ainda nesse trabalho, o autor cita Robert Shiller, vencedor do prêmio Nobel de
Economia de 2013, que descreve a situação pretérita à explosão da crise do subprime
da seguinte forma:
“Shiller (2008, p.34) considers ratios of home prices to building costs, rent
and personal income and finds that home prices at 2004 were looking
‘very anomalous’ (emphasis in the original). Shiller (2008, p.4)[70] argues
rather that the boom was driven by ‘an epidemic of irrational public
enthusiasm for housing investments’. Slightly more precisely, he describes
this as (p.41) ‘the social contagion of boom thinking, mediated by the
common observation of rapidly rising prices”. 17
Essas hipotecas, por sua vez, eram securitizadas e repassadas para investidores,
instituições financeiras e outros agentes que participam dessas operações, sendo certo
que, como é próprio em tais estruturas, todo o risco, via de regra, é transferido para
a cessionário. Assim, não havendo qualquer retenção de risco ou coobrigação da
cedente, as instituições que detinham os títulos estavam sujeitas a riscos excessivos
e consideráveis, cuja assunção, em certa medida, foi incentivada pelas baixas taxas
de juros praticadas nos Estados Unidos. Portanto, pode-se afirmar que a crise do
subprime também foi uma crise da securitização. Ao mostrar essa correlação, Laurence
Wilse-Sansom relembra que “During this time, in line with conventional mortgages,
an increasing proportion of subprime mortgages were securitized (reaching 58.7% in
2003, up from 28.4% in 1995). 18”
16 WILSE-SAMSON, Laurence. The Subprime Mortgage Crisis: Underwriting Standards, Loan Modifications
and Securitization. (Fev. 2010). Disponível em: http://www.columbia.edu/~lhw2110/Subprime_survey_Samson.pdf.
Acesso em: 26 jul. 2015.
17 WILSE-SAMSON, Laurence. The Subprime Mortgage Crisis: Underwriting Standards, Loan Modifications
and Securitization. (Fev. 2010). Disponível em: http://www.columbia.edu/~lhw2110/Subprime_survey_Samson.pdf.
Acesso em: 26 jul. 2015.
18 WILSE-SAMSON, Laurence. The Subprime Mortgage Crisis: Underwriting Standards, Loan Modifications
and Securitization. (Fev. 2010). Disponível em: http://www.columbia.edu/~lhw2110/Subprime_survey_Samson.pdf.
Acesso em: 26 jul. 2015.
Securitização 639
Quando as condições de mercado se alteraram substancialmente, afetando a renda
desses mutuários e reduzindo de forma abrupta os valores dos imóveis, que eram
oferecidos em garantia, houve uma explosão de inadimplência nesses títulos que
haviam sido securitizados, trazendo drásticas perdas às instituições financeiras, aos
fundos de investimentos e aos demais investidores que neles aplicaram. Neil Fligstein
e Adam Goldstein, em artigo publicado pela Universidade de Berkeley, descrevem esse
cenário da seguinte forma:
The main cause of the “Great Recession” was the unraveling of the
mortgage securitization industry beginning in 2007. What had been a
relatively small niche market at the beginning of 1990s, was transformed
into the core activity of the financial sector of the American Economy from
1993-2007. Indeed, at its peak in 2003, the financial sector was generating
40% of the profits in the American economy with around 10% of the labor
force (Fligstein and Shin, 2007; Krippner 2010). These profits were mostly
being made from businesses centering on and related to the selling of
mortgages and the creation of various forms of mortgage backed securities
and related financial products.
(…)
Os efeitos nefastos que essa crise gerou na economia global são amplamente
conhecidos, gerando uma restrição de crédito global, um cenário de risco sistêmico
para as instituições financeiras (tendo em vista operarem em um regime bastante
integrado e de intensa troca de operações), o que impactou a economia e a produção
real, com fortes reflexos na renda e nos empregos de toda a população.
A crise trouxe à baila o importante papel que a regulação deve exercer no sentido
de evitar ou mitigar eventuais excessos ou desvirtuamentos gerados no mercado
financeiro e de capitais. Dados os limites desse trabalho, esse ponto não será objeto de
maior aprofundamento.
Uinie Caminha, atenta à questão, afirma que a “a securitização passa a ser estudada
como conjunto de negócios jurídicos que, apesar de apresentar estrutura flexível,
mantém, certas características constantes, sempre visando à desintermediação
e à pulverização do risco”.21 Ainda sobre o tema, a autora afirma:” Por não haver
estrutura única legalmente imposta à securitização, e pela flexibilidade que pode ter,
a securitização pode ser adaptada a diversas necessidades, ser mais complexa ou mais
simples, envolver mais ou menos partes”22.
Securitização 641
O próximo passo do processo é a segregação do ativo do patrimônio do originador,
que se dá por meio da transferência deste para o veículo de propósito específico, de
modo a afastar o risco empresarial do cedente sobre tais ativos. Essa transferência se
opera, em regra, por meio de uma cessão de crédito ou de uma cessão de contrato.
determinado encargo que lhe tenha sido cometido. Mediante a instituição do trust, o settlor efetivamente transfere a
propriedade dos bens objeto do trust ao trustee, que assume a obrigação de administrá-los conforme as orientações recebidas
em benefício de um terceiro, que seria o beneficiário do negócio. Trata-se, assim, de um típico negócio fiduciário.
Ocorre, porém, que a propriedade do trustee sobre os bens não é definitiva, e sim temporária e limitada à subsistência do
trust. Isso se torna possível porque, nas legislações baseadas no modelo anglo-saxão, existe a possibilidade de dicotomia
da propriedade, ou seja, de co-existência de duas propriedades sobre um mesmo bem. Assim, o trustee teria a nominal
property do bem, enquanto o beneficiário do trust seria titular da equitable property. O trustee não é mero mandatário
ou administrador dos bens, mas efetivamente proprietário com poderes de disposição sobre eles. Todavia, esse poder de
disposição é limitado pelo dever de administrar a coisa em proveito do instituidor ou beneficiário.
É exatamente essa dicotomia da propriedade, dividida em “propriedade de garantia” e “propriedade de fruição”, que faz do
trust o VPE mais adequado à securitização, visto que reúne todos os elementos necessários à segregação do patrimônio,
além de tratamento tributário diferenciado (no Direto norte-americano e em outros países onde é utilizado) e total controle
do patrimônio pelo seu administrador.
Ocorre que é difícil a transposição do conceito de propriedade resolúvel para sistemas jurídicos de base romano-germânica,
e, por isso mesmo, o trust não é um instituto previsto no Direito brasileiro, a exemplo da maioria dos sistemas jurídicos
baseados nesse modelo. Assim, no Brasil os veículos utilizados nas securitizações são sociedades anônimas ou fundos
mútuos de investimento. "CAMINHA, Uinie. op. cit., p. 102 -104.
Ainda sobre o tema da importação do instituto do trust para o Brasil, Eduardo Salomão Neto assim se manifesta:
“Obviamente, poder-se-ia cogitar, de lege referenda, da introdução do trust no Brasil. Dada a natureza jurídica do
instituto, seria necessário de início a modificação das regras referentes ao caráter absoluto e à indivisibilidade do direito de
propriedade. Tentar a introdução do trust sem tal reforma seria precipitar o ordenamento jurídico brasileiro na prática de
vários estados cujo direito não deriva do common law, como o México e a província canadense de Quebec. Tais jurisdições
procuraram estabelecer institutos assemelhados ao trust, respectivamente sob as designações de fideicomisso e fiducie,
através de atos legislativos específicos. Não conseguiram porém criar verdadeiros trustes em virtude de não introduzirem
reforma radical em seu ordenamento jurídico, reforma essa que teria de eliminar a impossibilidade da dualidade de direitos
de propriedade.” (SALOMÃO NETO, Eduardo. sO Trust e o Direito Brasileiro. São Paulo: LTr, 1996, p. 80.)
Consulte-se ainda a obra de referência de CHALHUB, Melhim. Trust –Perspectivas do direito contemporâneo na
transmissão da propriedade para administração de investimentos e garantias. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, e ainda
OLIVA, Milena Donato. Patrimônio Separado – herança, massa falida, securitização de créditos imobiliários, incorporação
imobiliária, fundos de investimento imobiliário, trust. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
Em sua obra Securitização no Brasil, Thais Romano Cançado e Fabio Gallo Garcia
citam um exemplo de securitização de créditos que ainda estava por ocorrer24. Em
2003, o Clube de Futebol Real Madrid fez uma contratação valiosa, envolvendo uma
quantia elevada de recursos, que foi a aquisição dos direitos federativos de David
Beckham. O Clube, buscando fontes de recursos para amortizar a contratação, resolveu
securitizar os recebíveis da venda das camisas do Real Madrid com o nome do jogador.
Esse exemplo reforça a criatividade e o amplo espaço de operações que podem ser
formatadas através da securitização25.
Outro ponto relevante versa sobre a homogeneização dos contratos e créditos cedidos,
já que a prática do mercado demonstra que, quanto mais similares e da mesma
natureza eles forem, mais fácil será seu agrupamento e estruturação. Ao analisar a
qualidade dos créditos, a Austin Ratings, agência especializada em emitir relatórios de
risco para emissões de valores mobiliários, por exemplo, avalia as seguintes variáveis
(dentre outras):
Securitização 643
empreendimento (tais como: localização, padrão e velocidade de vendas
de unidades).
Uma questão que demonstra, de forma clara, a importância da segregação dos ativos
decorre do fato de que a situação econômico-financeira do originador é muito menos
relevante do que a qualidade dos créditos e dos contratos que foram cedidos, na
medida em que o patrimônio do originador não é responsável pela solvabilidade dos
títulos que serão emitidos no mercado pelo veículo de propósito específico.
Confira-se o que expõem Erik Oioli e Vanessa Faleiros a respeito da true sale:
26 http://www.austin.com.br/Metodologia/SECURITIZA%C3%87%C3%83O_DE_RECEB%C3%8DVEIS/869.
Acesso em: 26 jul. 2015.
27 Sobre o tema da segregação de ativos e falência do cedente, vale mencionar o exemplo do “Fundo Parmalat”,
citado pela Procuradora da CVM Ilene Patrícia de Noronha Najjarian: “ No início possuía o rating “AAA” da Agência
Standard and Poor’s (S&P), após descoberto o escândalo e iniciada a crise da empresa no Brasil, com a suspensão dos
pagamentos a fornecedores e da entrega do leite, a agência reavaliou o rating do fundo e manteve a mesma nota, entendendo
à época que nada havia mudado quando à qualidade dos recebíveis encarteirados....Tirando o fato de que os investidores do
fundo Parmalat contavam com um investimento de três anos e tiveram de se conformar com a rentabilidade proporcional
aos meses da aplicação, eles saíram ilesos, sem nenhum prejuízo.
O sucesso no encerramento prematuro do Fundo Parmalat demonstrou a perfeita segregação do risco com a venda perfeita
e acabada dos recebíveis da companhia originadora dos ativos e cedente para o fundo...” (NAJJARIAN, Ilene Patrícia de.
Securitização de Recebíveis Mercantis. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 124-125.)
28 LIMA NETO, Lucas Lima. Securitização de ativos: Iniciando a exploração da nova fronteira, 2007. Dissertação
(Mestrado em Administração de Empresas) - Programa de Pós-Graduação de Administração de Empresas da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2007. Disponível em: http://tede.mackenzie.br/jspui/handle/tede/680. Acesso em: 11 jun. 2021..
Securitização 645
de um escritório de advocacia atestando que a venda dos recebíveis é uma operação
perfeita e acabada, não existindo direito de regresso na transação.
Ainda nesse contexto, o true sale não impede que alguns mecanismos de reforço de
crédito sejam implementados no processo de estruturação da operação (ou sejam
inerentes aos próprios créditos), o que é conhecido pelo nome de credit enhancements.
Alguns desses reforços serão estudados em momento oportuno, quando as estruturas
específicas forem analisadas31.
a eles submetida. Na sequência, a legal opinion passa a enunciar a sua essência: as conclusões que quer submeter a seus
destinatários. (SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito Bancário. São Paulo: Atlas, 2011, p. 447-448.)
31 Em linhas gerais e se valendo mais uma vez das métricas da Austin Ratings, as principais espécies de credit
enhancements são as seguintes:
“Spread Excedente - O primeiro tipo de reforço de crédito que será observado pela Austin é o spread excedente, ou seja,
a diferença entre a taxa de remuneração a ser recebida pelos ativos lastro (ligada a taxa de cessão) e a remuneração mais
encargos a serem pagos pelo emissor. O spread excedente (excess spread) representa para um valor mobiliário ou título
produto de securitização a primeira proteção contra as perdas no conjunto de ativos lastreante. Assim, quanto maior for o
spread excedente, menor deverá ser o impacto das perdas dos ativos para a operação e, portanto, melhor deverá ser o nível
de risco de uma operação.
Subordinação - A estrutura de subordinação, emissão de duas ou mais classes de papéis (sênior e subordinada, por exemplo)
é a mais comumente utilizada em operações de FIDC, mas também se afiguram em estruturas de securitização de recebíveis
imobiliários. Esta estrutura tende a conferir ao longo da operação um colchão de liquidez contra as perdas dos ativos
lastreantes dos papéis emitidos. Isto é, as classes mais juniores (subordinadas), na maioria das vezes retida pelo originador,
sofrem os efeitos das perdas nos recebíveis anteriormente às classes mais seniores. Considerando esta característica, a
Austin examinará basicamente a relação existente entre o volume emitido de cada uma das classes (por exemplo, relação
de 25% entre cotas subordinadas e seniores). Posteriormente, este percentual é contraposto ao percentual estimado de
perda da carteira que serve como lastro. A princípio, a maior relação apresentada deverá representar um melhor reforço
de crédito. Entretanto, a análise não se limitará apenas ao aspecto quantitativo, devendo ser levadas em consideração,
principalmente, as características da carteira lastreante. Ocasionalmente, a Austin poderá sugerir aos estruturadores a
alteração dos percentuais originais de subordinação, a fim de possibilitar a melhora do rating e maior conforto para o
investidor.
Conta Reserva - A conta reserva é um mecanismo largamente utilizado em operações com modelagem de Project Finance.
Este reforço consiste na retenção de recursos (e posterior aplicações em títulos de liquidez) por parte do originador dos
recebíveis. Trata-se de um colchão de liquidez, que poderá ser formado já no momento da captação dos recursos ou ao
longo do prazo da operação, especialmente no período de carência. Neste último caso, é realizado com a retenção de spread
excedente, de volumes adicionais cedidos ou por meio de caução de fluxos futuros “extra-operação”). A Austin avaliará,
de maneira mais positiva, um mecanismo que preveja a formação antecipada deste colchão de liquidez, muito embora
este normalmente possa estar comprometido não com a amortização dos papéis emitidos, mas sim com custos e despesas
de obras a serem realizadas para que um ativo comece a gerar os ativos lastreantes de uma operação. A Austin observará,
adicionalmente, a qualidade de crédito e a liquidez dos títulos onde estarão alocados estes recursos, bem como a qualidade
da instituição que fará a sua gestão (provavelmente um trustee especializado). Desse modo, o adequado volume de recursos
e a liquidez desta garantia serão sempre fatores fundamentais para a sua efetiva contribuição para um melhor rating de
crédito.
Fianças - Operações de securitização, sobretudo aquelas de recebíveis imobiliários originados por um único contrato
(risco concentrado) podem contemplar garantias representadas por cartas de fiança ou algum tipo de coobrigação
solidária. No caso de uma operação que envolva este tipo de reforço de crédito, a Austin fará uma avaliação do perfil
de crédito do fiador (solidário). O rating da operação poderá ser influenciado pela qualidade de crédito (rating) do
fiador. Geralmente, os estruturadores buscarão agregar às operações grandes empresas multinacionais ou instituições
Esse passo a passo da securitização foi descrito com precisão por Tamar Frankel e
Mark Fagan:
Second, often the loans are purchased by intermediaries that design and
create the securitization. They are called “sponsors” or “Originators.”
Third, the loans are pooled and transferred to an entity called Special
Purpose Vehicle (SPV) or Special Purpose Entity (SPE). This entity is
organized by the lenders or by the Originators.
Fourth, often the risk of the asset pool is supported by a collateral or other
“credit enhancement mechanisms,” such as guarantees.
Fifth, the SPC issues its securities which are then sold by Market
intermediaries. These securities are often segmented into classes or
“tranches” based on seniority of payment.
financeiras comprovadamente sólidas, de modo a prover para efetivamente um reforço a estrutura da operação. Em alguns
casos, porém, o próprio originador poderá oferecer a coobrigação. Neste caso, a Austin se utilizará de uma análise mais
aprofundada sobre os possíveis riscos transmitidos pelo originador. Esta garantia poderá não ser entendida como um
reforço de crédito, devendo a nota refletir fielmente a própria qualidade de crédito do originador.
Seguros - Algumas operações podem contar com seguros financeiros, que visam cobrir riscos operacionais e pré-
operacionais. Em operações que envolvem este tipo de reforço de crédito, a Austin fará uma avaliação da capacidade da
seguradora e da resseguradora de honrarem este compromisso na eventualidade do sinistro. O risco destes participantes
será ponderado no rating atribuído.
Disponível em: http://www.austin.com.br/Metodologia/SECURITIZA%C3%87%C3%83O_DE_
RECEB%C3%8DVEIS/869. Acesso em: 26 jul. 2015.
32 FAGAN, Mark; FRANKEL, Tamar. Law and Financial system – securitization and asset backed securities: law,
process, case studies and sumulations. Vandeplas Publishing, 2009, p.17.
Securitização 647
Assim, tendo sido expostas as linhas gerais da estrutura da securitização, passa-
se à análise dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), uma
das principais espécies de veículos de propósito específico utilizada na prática da
securitização do mercado de capitais brasileiro.
Os FIDCs são formados, como regra geral, por direitos e títulos representativos de
crédito, originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial,
industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de
33 Fundos de Investimento em Direitos Creditórios. / Associação Brasileira das Entidades dos Mercados
Financeiros e de Capitais; redatores: Antônio Filgueira, Dalton Boechat. - Rio de Janeiro: ANBIMA, 2015.
Nos últimos anos, os FIDCs têm atuado como importante mecanismo de financiamento
com custos mais baixos aos encontrados no sistema bancário, especialmente para
sociedades empresárias de médio porte. Antes da criação dessa estrutura, o acesso
ao mercado de capitais estava restrito às companhias abertas, impedindo que outras
espécies societárias gozassem das benesses do processo de desintermediação bancária
e acesso direto ao mercado de capitais (e, consequentemente, usufruindo de menores
custos em seus financiamentos).
Securitização 649
de antecipação dos recursos a um custo mais baixo do que o do crédito
bancário, sem alterar o prazo original de pagamento. Além de viabilizar
uma redução do custo financeiro dos fornecedores, que no futuro poderá
resultar em um recuo dos preços de produtos e serviços fornecidos para a
empresa sacada, existe a expectativa de fidelização do fornecedor.
A Instrução CVM nº 356/01 traz importantes definições sobre o FIDC, tais como os
conceitos de fundo aberto e fechado, a natureza e espécies de suas cotas, a natureza
jurídica do Fundo, entre outras37. A leitura desses conceitos legais sem uma explicação
34 SILVA, Ricardo Maia. Securitização de Recebíveis: uma visão sobre o mercado de fundos de investimento em
direitos creditórios (FIDC). Rio de Janeiro: UFF, 2010. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Programa de
Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010. p.22.
35 SANTOS, Cláudio Gonçalves dos; CALADO, Luiz Roberto. Securitização: novos rumos do mercado
financeiro. São Paulo: Saint Paul Editora, 2013, p. 97.
36 Vale mencionar que existem vozes dissonantes da posição que enxerga os fundos de investimentos como
condomínios. Nesse sentido, recomenda-se a consulta às obras de Milena Donato Oliva, Patrimônio Separado (Rio de
Janeiro: Renovar, 2009) e Do Negócio Fiduciário à Fidúcia (São Paulo: Atlas, 2014.), que defendem, em apertada síntese, a
tese do patrimônio de afetação, em que é sustentada a ausência de ligação entre os conceitos de pessoa e patrimônio. Assim,
essa desvinculação permitiria a instituição de massas patrimoniais autônomas, visando à efetivação dos fins para os quais
elas foram instituídas.
37 Pela relevância do tema, vale citar tais definições, expostas no art. 2º e incisos da referida Instrução, conforme
alterada, nesses pontos, pelas Instruções CVM nº 393/2003, 442/2006, 531/2013 e 554/2014 . Nesse sentido: Art. 2º “Para
efeito do disposto nesta instrução, considera-se:
I – direitos creditórios: os direitos e títulos representativos de crédito, originários de operações realizadas nos segmentos
financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços, e os
warrants, contratos e títulos referidos no § 8º do art. 40, desta Instrução;
Securitização 651
atuação de diversos prestadores de serviços, aos quais é atribuída uma
série de regras e obrigações para a sua boa estruturação e funcionamento.
Dentre eles, citamos: administrador, gestor, custodiante, agência de
classificação de risco, auditor independente, estruturador, master servicer
e consultores especializados.38
Outra característica que merece ser citada é a vedação que existe à aquisição de
direitos creditórios, de um mesmo devedor além do limite de 20 por cento39, salvo
exceções específicas, com o objetivo de aumentar a segurança dos investidores, já que
tal medida gera a necessidade de diversificação das carteiras.
Os avanços nas estruturas do FIDC estão sendo realizados pela CVM ao longo dos
anos. Nesse sentido, o ente regulador passou a exigir que houvesse a padronização
contábil dos fundos, adequando-os à uniformização global gerada pelo International
Financial Reporting Standards (IFRS), especialmente no que se refere ao princípio da
primazia da essência sobre a forma no momento de elaboração das demonstrações
contabéis. Sobre esse ponto, a ANBIMA afirma que
“Nesse esforço, destaca-se a Instrução CVM nº 489/11, a partir da qual a
forma de contabilização da receita advinda da alienação de recebíveis nas
operações com direitos creditórios passou a ser diferenciada em função
da retenção ou não dos riscos e benefícios do ativo financeiro, objeto
da cessão pelos cedentes. Essa norma se baseou na Resolução CMN nº
3.533/08, que dispõe sobre procedimentos para classificação, registro
contábil e divulgação de operações de venda ou de transferência de ativos
financeiros, inclusive sobre a venda de créditos para os FIDC40 .”
Além da alteração acima, como será tratado em capítulo próprio, a CVM passou a
exigir que a política de investimentos do Fundo indique as condições de cessão dos
direitos creditórios41, passou a fazer maiores exigências no que se refere às informações
prestadas sobre os critérios de elegibilidade dos direitos creditórios42 e determinou
que, nos casos em que a instituição administradora atue na condição de contraparte do
fundo, a atuação desta ocorra com a finalidade exclusiva de realizar a gestão de caixa
e liquidez do fundo43. Também foi reformulado o dispositivo referente à atividade do
custodiante (Art. 38) e aquele referente à contratação de serviços pelo Fundo (Art. 39),
38 ROQUE, Pamela Romeu. Securitização de Créditos Vencidos e Pendentes de Pagamento e Risco Judicial. São
Paulo: Almedina, 2014, p. 41 (Coleção Insper).
39 “Art. 40-A. O fundo poderá adquirir direitos creditórios, observada a vedação de que trata o § 2º do art. 39,
e outros ativos de um mesmo devedor, ou de coobrigação de uma mesma pessoa ou entidade, no limite de 20% (vinte por
cento) de seu patrimônio líquido.” (Instrução CVM nº 356/2001, nesse ponto, pela Instrução CVM nº 531/2013).
40 Fundos de Investimento em Direitos Creditórios. / Associação Brasileira das Entidades dos Mercados
Financeiros e de Capitais; redatores: Antônio Filgueira, Dalton Boechat. Rio de Janeiro: ANBIMA, 2015.
41 Alteração no Art. 24, V, da Instrução CVM nº 356/2001 determinado pela Instrução CVM nº 531/2013.
42 Inclusão dos parágrafos 3º e 4º no artigo 24 da Instrução CVM nº 356/2001 determinada pela Instrução CVM
nº 531/2013.
43 Nova redação do inciso IV do parágrafo 1º do artigo 24 da Instrução CVM nº 356/2001 determinado pela
Instrução CVM nº 531/2013.
Securitização 653
Um dos principais agentes envolvidos no FIDC é o administrador da carteira, que
exercerá o papel de representante legal do fundo. A regulação da CVM, no Art. 32
da Instrução CVM nº 356, admite que a administração seja realizada por um dos
seguintes agentes: banco de investimento, banco múltiplo, banco comercial, corretora
de títulos e valores mobiliários, Caixa Econômica Federal, sociedade distribuidora de
títulos e valores mobiliários ou sociedade de crédito, financiamento e investimento. As
funções do administrador do fundo elencadas na legislação são bastante extensas e de
alta responsabilidade, cabendo a ele, por exemplo, prestar e divulgar informações do
fundo aos cotistas e à CVM, bem como fiscalizar a atuação dos terceiros contratados
pelo fundo.
Saliente-se que, por outra via, o gestor do fundo fica com a incumbência
de selecionar os direitos creditórios que integrarão a carteira do fundo
objetivando sempre a alta pulverização destes e o baixo índice de
inadimplência – sempre respeitando a política de investimento e as
condições da cessão – e de precificar os aludidos ativos. Por força dessas
incumbências, em geral os recursos recebidos pelo pagamento de taxa de
administração são destinados ao gestor e não ao administrador.46 ”
As agências de rating, atualmente reguladas pela Instrução CVM nº 583/16, por sua
vez, também atuam na estruturação do fundo, já que o Art. 3º, inciso III, da Instrução
CVM nº 356/01, na redação da Instrução CVM nº 554/2014, determina que “cada
classe ou série de cotas de sua emissão destinada à colocação pública deve ser classificada
por agência classificadora de risco em funcionamento do País”. Em que pese não ser
um sistema infalível, conforme foi constatado na crise dos subprime de 2008, marcada
por graves erros cometidos pelas principais agências de rating globais, a dinâmica de
atribuir ratings e classificações para as emissões auxilia na mensuração do risco por
parte do mercado, como assinala Daniela Marin Pires:
47 É o que dispõe o Artigo 38 da Instrução CVM nº 356/2001, alterado, nesse ponto, pela Instrução CVM nº
531/2013.
Securitização 655
da instituição financeira responsável pela cobrança dos recebíveis, ou
seja, a diferença entre a remuneração a ser recebida pelo ativo lastro e
a remuneração a ser paga pelo emissor; (viii) da estrutura jurídica da
operação; e (ix) do impacto da ausência de verificação de lastro pelo
custodiante, quando for o caso, na classificação concedida48.
O que pode ser percebido é que há um ganho de escala, na medida em que a agência de
classificação de risco, através de sua estrutura especializada, realiza diversas análises.
Caso cada uma dessas avaliações tivesse de ser feita por um agente distinto, haveria
um enorme impacto em questões de tempo, sinergia de análises, entre outros fatores49.
Outro aspecto a ser ressaltado no processo de avaliação do rating dos emissores refere-
se ao fato de não ser um estudo estático, sofrendo contínuas reavaliações, a depender
das alterações das condições do fundo ou questões mais complexas, como alterações
macroeconômicas do país. Assim, com base nessas reavaliações, as notas de crédito
poderão ser majoradas, quando houver motivos favoráveis para tal procedimento, ou
rebaixadas, na hipótese de deterioração das condições anteriormente existentes50.
Nesse contexto, vale ressaltar que o conceito de investidor qualificado foi alterado
pela Instrução CVM nº 554/2014, passando a abranger as seguintes pessoas: (i)
pessoas naturais e jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior
a R$1.000.000,00 (um milhão de reais) – frente aos R$300.000,00 (trezentos mil
reais) previstos anteriormente – e que atestem por escrito sua condição de investidor
qualificado; (ii) pessoas naturais que tenham sido aprovadas em exames de qualificação
técnica ou possuam certas certificações aprovadas pela CVM, em relação aos seus
recursos próprios; (iii) clubes de investimento cuja carteira seja gerida por um ou mais
cotistas classificados como investidores qualificados; e (iv) os chamados “investidores
profissionais”.
O investidor profissional, por sua vez, foi um conceito novo, introduzido pela
Instrução nº CVM 554/14 (diferentemente do investidor qualificado, que já existia no
ordenamento jurídico, mas teve sua definição alterada pela mesma Instrução). Assim,
as seguintes pessoas são consideradas investidores profissionais (e, por sua vez, serão
também considerados investidores qualificados): (i) instituições financeiras e demais
instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil; (ii) companhias
seguradoras e sociedades de capitalização; (iii) entidades abertas e fechadas de
previdência complementar; (iv) pessoas naturais ou jurídicas que possuírem
investimentos financeiros em valor superior a R$10.000.000,00 (dez milhões de
reais) – e que atestem por escrito sua condição de investidor profissional; (v) fundos
de investimento, mesmo que não sejam destinados a investidores qualificados ou
profissionais; (vi) clubes de investimento cuja carteira seja gerida por profissional
habilitado pela CVM; (vii) agentes autônomos de investimento, administradores de
carteira, analistas e consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM, em
relação a seus recursos próprios; e (viii) investidores não residentes.
Securitização 657
são tributados da mesma forma que a grande maioria dos fundos de investimentos52.
A tributação “come cotas” não incide quando o FIDC for fechado53, ou seja, sem a
possibilidade de resgates antecipados.
As cotas podem ser de classe sênior ou subordinada, sendo que as seniores possuem
prioridade sobre as subordinadas no recebimento dos valores de remuneração,
amortização e resgaste. Na prática, em que pese não ser uma regra absoluta ou
determinada pela Instrução CVM nº 356/01, a estrutura de um FIDC abrangendo a
emissão dessas duas espécies de cotas tem sido comum, formando um dos alicerces no
mecanismo de proteção de casos de inadimplência para investidores do fundo (que,
normalmente, são possuidores das cotas seniores).
52 Sobre a tributação dos Fundos de Investimento, incluindo os FIDCs, aconselha-se a leitura da Instrução
Normativa RFB nº 1.585, de 31 de agosto de 2015 e alterações posteriores, que dispõe sobre o imposto sobre a renda
incidente sobre os rendimentos e ganhos líquidos auferidos nos mercados financeiro e de capitais.
53 Por meio da Medida Provisória nº 806/2017, pretendeu-se alterar a sistemática de cobrança do imposto de
renda nos fundos fechados, procurando assemelhá-la àquela praticada para os fundos abertos. No entanto, o referido
diploma legislativo não foi convertido em lei e sua vigência cessou em 08/04/2018, conforme Ato Declaratório nº 20/2018,
do Congresso Nacional.
Essa dinâmica ajuda a explicar a razão pela qual, frequentemente, apenas as cotas
seniores recebem um rating das agências de classificação de risco. Conforme determina
o Inciso III, do Art. 3º, da Instrução CVM nº 356/2001 em sua redação vigente,
cada classe ou série de cotas de sua emissão destinada à colocação pública deve ser
classificada por agência classificadora de risco em funcionamento no País. Assim,
como na prática (apesar de não ser uma regra) apenas as cotas seniores são postas no
mercado, através da colocação pública, já que as cotas subordinadas costumam ser
subscritas de forma privada pelos cedentes do crédito, somente elas costumam ter seu
grau de risco classificado por uma agência de rating.
Outro ponto relevante está no Art. 36 da Instrução CVM nº 356/2001, que trata
da impossibilidade de o administrador prometer rendimento predeterminado
aos condôminos dos FIDCs, independentemente de se tratar de cotas seniores ou
subordinadas. A prática mostra, entretanto, que os fundos costumam estabelecer uma
remuneração de referência, chamada de benchmark, que não deve ser interpretada
como uma promessa de rendimento.
Assim como ocorre nos demais fundos de investimentos, a Instrução CVM nº 356/01,
no seu Art. 26, prevê a figura da assembleia Geral de Condôminos, que possui
importantes competências e poderes na regulação do FIDC. Em analogia ao que ocorre
em uma sociedade anônima, a Assembleia deverá tomar, anualmente, as contas do
fundo e deliberar sobre as suas demonstrações contábeis e financeiras. Caso entenda
necessário e exista quórum dos cotistas, poderá promover alterações no regulamento
do fundo, substituir o seu administrador, tratar sobre eventual elevação da taxa de
administração e, até mesmo, promover a incorporação, fusão, cisão ou liquidação do
fundo.
Um aspecto relevante a ser abordado sobre a matéria são os riscos que permeiam
um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios, versando, basicamente, sobre os
riscos operacionais, estruturais, legais e de mercado. Daniela Marin Pires aprofunda o
tema, especificando os seguintes riscos:
Securitização 659
para os direitos creditórios, podendo acarretar a iliquidez dos referidos
direitos creditórios e prejudicar o pagamento de amortização e/ou resgate
dos cotistas, e os cotistas terem de aguardar pelo vencimento dos títulos/
contratos que os originaram, na ocorrência de uma eventual liquidação
antecipada do fundo;
Securitização 661
investimento, entre outros relevantes temas. Assim, a nova regulação buscou segregar
o objeto de atuação de cada prestador de serviços do fundo, permitindo, assim, que as
responsabilidades ficassem mais claras e definidas. Importante mencionar que essas
alterações decorreram dos problemas visualizados na prática de mais de uma década
dos FIDCs no Brasil, representando um aperfeiçoamento natural do instituto e de sua
estrutura.
Nesse importante rol de alterações implementadas, ainda deve ser citada a necessidade,
na hipótese de a instituição administradora cumular as funções de gestão e custódia
do FIDC, de ser mantida a ampla e irrestrita segregação dessas atividades.
Securitização 663
19.3.6. Exemplo Prático – FIDC CESP III:
Para demonstrar um caso prático de estruturação de um Fundo de Investimento em
Direito Creditórios, é possível citar o FIDC CESP III.59
Esse FIDC foi instituído no regime do condomínio fechado, com prazo de vencimento
de 48 meses, contados da emissão das cotas. Conforme foi explicitado no presente
trabalho, a emissão foi direcionada para investidores qualificados.
O FIDC CESP III foi estruturado para comprar recebíveis provenientes da Companhia
Energética de São Paulo (CESP), através dos Contratos de Comercialização de Energia
Elétrica no ambiente regulado com as distribuidoras. Dessa forma, o lastro das cotas
desse fundo são os direitos creditórios oriundos do fornecimento de energia elétrica.
O contrato de cessão dos créditos é o mais relevante documento de toda a estrutura.
No caso concreto do FIDC CESP III, foi definida uma quantia mensal mínima de
direitos creditórios que seriam cedidos aos Fundo.
Outro aspecto interessante decorreu do fato de a cedente dos créditos ter se
comprometido em subscrever e integralizar as quotas subordinadas, sendo o
inadimplemento oriundo dos contratos de cessão absorvido inicialmente pelo colchão
formado pelas cotas subordinadas.
O contrato de colocação foi realizado, de um lado, pelo fundo e pelo cedente e, de outro,
pelas instituições intermediárias que se comprometiam a distribuir publicamente as
cotas seniores do fundo. O valor da operação foi de R$ 650.000.000,00 (seiscentos e
cinquenta milhões de reais).
Nessa operação, ainda houve a celebração do contrato de prestação de serviços de
recebimento e pagamento de valores, por meio do qual
o agente de recebimento é responsável, entre outras atribuições, (i) pelo
recebimento dos valores relativos aos pagamentos dos direitos creditórios
ao FIDC CESP III pelas distribuidoras; e (ii) pelo repasse, para a conta
autorizada do fundo, dos valores relativos à quantidade mínima mensal
devida ao fundo, calculada pelo custodiante60.
Por fim, mais três contratos relevantes foram celebrados: custódia dos ativos do fundo
e escrituração das cotas, por meio do qual entidade específica será responsável pela
prestação de serviços de custódia qualificada e controladoria dos ativos integrantes da
59 Conforme exemplificado na obra “Securitização – Novos Rumos do Mercado Financeiro”, de Cláudio Gonçalves
dos Santos e Luiz Roberto Calado, pp. 105-108.
60 SANTOS, Cláudio Gonçalves dos; CALADO, Luiz Roberto. Securitização: novos rumos do mercado
financeiro. São Paulo: Saint Paul Editora. p. 108.
Tendo em vista a incapacidade do sistema financeiro de habitação de suprir as
necessidades de aporte de recursos para investimento em projetos imobiliários, o
Congresso Nacional promulgou a lei citada pretendendo, com isso, criar uma fonte
adicional de recursos para financiamentos imobiliários, paralela àquela decorrente do
Sistema Financeiro da Habitação (SFH).
Ainda que tal análise deva ser feita cum grano salis, tendo em vista as profundas
distinções entre o mercado imobiliário norte-americano e o brasileiro, percebe-se que,
assim como ocorreu nos EUA, o fortalecimento do mercado secundário desses títulos
foi visto como um dos alicerces centrais para que o novo sistema a ser criado pudesse
ser bem-sucedido.
61 Sistema financeiro imobiliário. Revista de Direito Mercantil, n°. 110, p. 155.
Securitização 665
Outra questão relevante que merece ser citada é que a criação do SFI não implicou
na extinção do SFH, uma vez que aquele busca incentivar investimentos particulares
na construção civil enquanto este tem finalidade social, devendo ser voltado,
primordialmente, para o financiamento da habitação popular62.
Segundo o disposto no artigo 5o da Lei n° 9.514, as operações de financiamento
imobiliário em geral serão livremente pactuadas pelas partes, devendo ser observadas
as seguintes condições: reposição integral do valor emprestado e respectivo reajuste
;remuneração do capital emprestado às taxas convencionadas no contrato; capitalização
dos juros; e contratação pelos tomadores de financiamento de seguros contra os riscos
de morte ou invalidez permanente.
Pretende a Lei n° 9.514, portanto, a criação de um sistema que garanta aos credores
mecanismos mais efetivos de recebimento dos recursos empregados e pactuação pelo
mercado das condições das operações, evitando-se, assim, um dos grandes erros do
SFH, qual seja, a excessiva intervenção estatal.
Sobre as distinções entre os dois sistemas, Melhim Chalhub, se manifesta da seguinte
forma:
62 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário. 6. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 187.
Assim, pode-se concluir que a intenção do legislador foi criar um sistema com
diferenças estruturais em relação ao modelo até então vigente, buscando fomentar o
setor imobiliário e se adequar às demandas do mercado.
É cabível ainda, nos termos do artigo 3º da lei citada, a emissão de títulos de crédito
diversos do CRI pelas securitizadoras, bem como a realização, por parte destas, de
negócios e a prestação de serviços, desde que compatíveis com as suas atividades.
Securitização 667
Para que a companhia securitizadora de créditos imobiliários possa promover a
emissão de certificados de recebíveis imobiliários, deverá, nos termos do artigo 4o da
Instrução CVM n° 414, estar com o seu registro de companhia aberta securitizadora
atualizado e, além disso, obter o registro para a oferta de valores propriamente dita.
Securitização 669
observância do artigo 2º da Lei n° 10.192/01, que admite a estipulação de correção
monetária, mas estabelece que “é nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste
ou correção monetária de periodicidade inferior a 1 (um) ano” (artigo 2º, § 1º da Lei
n° 10.192/01).
De acordo com o atual regramento da matéria, o CRI também poderá ser considerado
um valor mobiliário, uma vez que cria para o investidor o direito a uma remuneração e
resulta da atividade do empreendedor imobiliário, enquadrando-se, por conseguinte,
no conceito constante no inciso IX do artigo 2o da Lei n° 6.385/76, sendo de se ressaltar
também que, anteriormente à alteração promovida no dispositivo citado pela Lei n°
10.303/01, o CRI já havia sido considerado como valor mobiliário pelo Conselho
Monetário Nacional nos termos da Resolução n° 2.517/9869
Vale ainda destacar o que a B3, incorporada pela B3 em 2017, esclarece sobre essa
espécie de título:
69 A Resolução n° 2.517/98 foi editada com base no artigo 2º, III, da Lei n° 6.385/76, em sua redação original,
que, antes da alteração do inciso IX ao citado dispositivo pela Lei n° 10.303/01, previa a competência do CMN de definir
como valores mobiliários “outros títulos criados ou emitidos pelas sociedades anônimas, a critério do Conselho Monetário
Nacional.” Para um estudo aprofundado sobre a matéria, consulte-se os seguintes estudos do advogado Ary Oswaldo
Mattos Filho: O Conceito de Valor Mobiliário, Revista de Direito Mercantil, São Paulo, n° 59, pp. 30-50, jul./set. 1985 e,
mais recentemente, Direito dos Valores Mobiliários, Tomo I, Volume I. 1ª edição, São Paulo: FGV, 2015.
Securitização 671
securitizadora e o titular do valor mobiliário. O surgimento do CRI tem como causa
uma declaração unilateral de vontade da emissora no Termo de Securitização de
créditos, de acordo com o disposto no artigo 8o da Lei n° 9.514/97.
Com efeito, por meio do Termo de Securitização, são criados os CRI, valores
mobiliários que dão, aos seus investidores, direito à remuneração decorrente do fluxo
de caixa gerado pelos créditos ou recebíveis.
O regime fiduciário está previsto no artigo 9o da Lei n° 9.514/97, o qual estipula que
“A companhia securitizadora poderá instituir regime fiduciário sobre
créditos imobiliários, a fim de lastrear a emissão de Certificados de
Recebíveis Imobiliários, sendo agente fiduciário uma instituição financeira
ou companhia autorizada para esse fim pelo BACEN e beneficiários os
adquirentes de títulos lastreados nos recebíveis objeto desse regime.”
(...) instituir regime fiduciário sobre créditos importa em não dispor dos
mesmos. Há valores a serem recebidos. Transfere-se esse direito de receber
para os titulares dos recebíveis, e isto até o pagamento dos mesmos. Separa-
se o crédito do patrimônio comum, ficando afetado a uma finalidade, que
é a garantia dos títulos.
Securitização 673
tenha registro de companhia aberta; seja instituição financeira ou equiparada; ou seja,
sociedade empresarial que tenha suas demonstrações financeiras relativas ao exercício
social imediatamente anterior à data de emissão do CRI elaboradas em conformidade
com o disposto na Lei nº 6.404/76, e auditadas por auditor independente registrado na
CVM, ressalvado o disposto no §4º desse artigo.
A regra mencionada acima busca trazer uma maior proteção aos investidores.
Corrobora esse entendimento a análise das exceções à regra, que somente permitem
uma maior concentração quando na operação estiverem envolvidas entidades com
maior fiscalização e envoltas, em tese, em um grau de segurança maior.
Inicialmente, o CRI deveria ter um valor nominal mínimo de 300 mil reais. Esse valor
mínimo era criticado por parcela do mercado na medida em que impedia a pulverização
dos títulos. O Art. 6º e incisos da Instrução CVM n° 414/04 relativizaram essa regra,
permitindo emissões em valores inferiores a 300 mil reais, em caráter excepcional,
desde que os títulos fossem originados de imóveis com “habite-se” concedido pelo
órgão administrativo competente; ou de créditos decorrentes da aquisição ou da
promessa de aquisição de unidades imobiliárias vinculadas a incorporações objeto
de financiamento, desde que integrantes de patrimônio de afetação, constituído em
conformidade com o disposto nos arts. 31-A e 31-B da Lei nº 4.591/64.
Atualmente, esse limite de valor não mais persiste, permitindo a regra que os CRI
sejam emitidos para investidores não qualificados ou profissionais nas mesmas
hipóteses acima elencadas.79
Ainda nesse contexto e desde que observados alguns requisitos expostos no Art. 16
da mencionada Instrução80, decorridos 18 (dezoito) meses da data de encerramento
da distribuição, a companhia securitizadora poderá ofertar os CRI originalmente
oferecidos apenas a investidores qualificados e profissionais ao público em geral. Tal
medida permite a pulverização dos títulos.
A colocação de CRIs poderá ser feita de forma mais ágil, por meio de uma oferta
pública de esforços restritos, conforme previsto na Instrução CVM n° 476/09. Nessa
hipótese, a oferta deve ser destinada exclusivamente a investidores profissionais.
Além disso, como regra geral das ofertas públicas de esforços restritos, será permitida
a procura de, no máximo, 75 (setenta e cinco) investidores profissionais; e os valores
mobiliários ofertados deverão ser subscritos ou adquiridos por, no máximo, 50
(cinquenta) investidores dessa natureza81.
Uma grande vantagem da oferta pública de esforços restritos decorre do fato de elas
Securitização 675
acordo com o Art. 54-A da Lei de Locações82.
Petrobras
1 4
5 2
$
Mercado
FII
$
3 $
$
Rio Mercado
Bravo
6
Descrição :
Securitização 677
Petrobras e Rio Bravo Investimentos S/A DTVM, atuando
exclusivamente na qualidade de administradora do FII; e
h) Termo de Securitização de créditos imobiliários, por meio do qual se dá a
formalização da emissão de uma série de CRI.
Para a integralização das cotas da Petrobras no FII, foi utilizado o direito real de
superfície do terreno onde foi construído o imóvel a ser alugado.
O direito de superfície é tratado nos artigos 1.369 a 1.377 do Novo Código Civil e nos
artigos 21 a 24 da Lei n° 10.257/01, conhecida como Estatuto da Cidade, sendo um
direito real autônomo de uso e gozo, que pode ser alienado por ato inter vivos ou causa
mortis.
Com o fim da operação, e caso, efetivamente, se opte pela extinção do FII, o direito
real de superfície será reintegrado ao patrimônio da Petrobras com todos os bens
construídos no terreno cedido.
No entanto, pode a Petrobras optar pela manutenção do FII. Nesse caso, poderá ser
submetido à apreciação da assembleia geral do FII o pedido de alienação do direito de
superfície para a Petrobras, que deverá contar, para sua aprovação, com a anuência do
Agente Fiduciário, cotista do FII, uma vez que, segundo o disposto no Regulamento
do FII (artigo 24, parágrafo único, letra “e”), a alteração dos contratos relativos ao
empreendimento depende da aprovação de cotistas detentores de 100% das cotas.
O FII, por meio de Rio Bravo Investimentos S/A DTVM, celebrou com a Petrobras
contrato de locação na modalidade built-to-suit, por meio do qual a Companhia ficou
responsável pelo pagamento de remuneração, a título de aluguel, composta de duas
parcelas, uma delas destinada ao pagamento dos custos de administração do FII e dos
honorários da Rio Bravo (Parcela B), e a outra destinada ao pagamento aos investidores
do valor adiantado ao FII por meio da aquisição dos CRI (Parcela A); e o FII se
responsabiliza pela construção, ressaltando-se que a Petrobras exercerá total controle
Locação é, segundo ensina Arnoldo Wald, o contrato em que uma das partes se obriga
a ceder à outra o uso e gozo de coisa infungível, mediante remuneração, havendo ainda
quem defenda que na locação se cede apenas o uso do imóvel.83
Percebe-se, portanto, que o contrato de locação ora examinado cria para as partes uma
série de obrigações que não se identificam com os deveres básicos das partes de uma
locação típica, quais sejam o pagamento dos alugueres e a permissão para uso do bem,
entre outras obrigações de natureza acessória. Demais disso, o preço do aluguel pago
pela PETROBRAS não traz apenas o custo pela utilização dos imóveis. Ao contrário,
nele está embutido o custo da operação financeira que irá lastrear a emissão de CRI
(Parcela A) e o valor das despesas incorridas pelo FII (Parcela B).
Nesse contexto, vale ressaltar que o legislador, atento ao desenvolvimento do mercado
imobiliário, que consolidou o instituto do built-to-suit, buscou regular, como exposto,
a matéria pela Lei de Locações para gerar maior segurança jurídica para relações
contratuais que versam sobre quantias elevadas. O art. 54-A e parágrafos dispõem que:
“Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede
à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou
por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação,
a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as
condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições
procedimentais previstas nesta Lei.
Securitização 679
19.4.8. Acordo de cotistas
Além dos contratos acima, foi firmado um acordo de cotistas, o qual prevê proteções
adicionais ao investidor, na medida em que decisões que possam afetar o fluxo de
pagamentos dos CRIs deverão ser objeto de aprovação unânime pelos dois cotistas,
quais sejam a Petrobras e o agente fiduciário.
19.5. Conclusão:
A securitização, como conhecida atualmente, possui a sua origem histórica no mercado
imobiliário norte-americano da década de 1970, momento em que o Estado criou
mecanismos de fomento desse mercado, tendo em vista as demandas da sociedade por
financiamentos imobiliários.
Glossário:
Securitização 681
CLASSE SÊNIOR: Classe de valores mobiliários que apresenta alta prioridade de
pagamento, comparativamente a uma ou mais classes de valores mobiliários de um
determinado emissor.
ORIGINADOR: Nome dado à instituição que origina os créditos que serão cedidos à
entidade emissora e que servirão de lastro para os títulos de securitização. Em muitas
operações de securitização o originador é também o cedente dos créditos.
RAZÃO DÍVIDA/GARANTIA (RDG): É o quociente entre o valor do empréstimo e
o valor do ativo dado como garantia para esta dívida. O critério para avaliar a garantia
pode variar. Por exemplo, pode ser igual ao valor de aquisição ou de mercado do bem.
Muito utilizado no segmento imobiliário, o RDG é uma importante característica dos
ativos que lastreiam os títulos de securitização. Um RDG baixo indica um alto índice
de proteção do empréstimo pelo valor da garantia.
Securitização 683
entidade emissora através de derivativos de crédito.
TRANCHE: Termo em francês que significa fatia, refere-se a uma série ou classe de
um título mobiliário de uma operação de securitização com múltiplas séries ou classes.
Informações públicas:
ABRASCA: http://www.abrasca.org.br/
ANBIMA: http://www.anbima.com.br/pt_br/index.htm
ANFAC: http://www.anfac.com.br/v3/
ANSAE: http://www.ansae.com.br/
APIMEC: http://www.apimec.com.br/
CVM: http://www.cvm.gov.br/
IBGC: http://www.ibgc.org.br/index.php
INFOMONEY: www.infomoney.com.br
UQBAR: http://www.uqbar.com.br/
Bibliografia:
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Forense, 1982.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Das debêntures. 1ª edição, Rio de Janeiro-São Paulo-
Recife: Renovar, 2005.
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BULGARELLI, Waldirio. Títulos de Crédito. 7ª edição. São Paulo: Atlas, 1989.
CANÇADO, Thais Romano; GARCIA, Fabio Gallo. Securitização no Brasil. São Paulo:
Atlas, 2007.
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org/external/pubs/ft/wp/2014/wp1446.pdf.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 13ª edição. São Paulo: Saraiva,
2002.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 9ª edição, São Paulo, Saraiva, 2003.
EIZIRIK, Nelson; Ariádna B. Gaal; Flavia Parente & Marcus de Freitas Henriques.
Mercado de Capitais: regime jurídico. 3ª edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2011.
FAGAN, Mark; FRANKEL, Tamar. Law and Financial system – securitization and asset
backed securities: law, process, case studies and simulations. Vandeplas Publishing.
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OLIVA, Milena Donato. Do Negócio Fiduciário à Fidúcia. São Paulo: Atlas, 2014.
PAVINI, Angelo. Os riscos e o que olhar na hora de aplicar em FIDC. Arena do Pavini.
Publicada em 20/08/2014.
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário. 6ª edição, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003.
WALD, Arnoldo. Obrigações e Contratos. 10ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais,
1992.
Legislação selecionada:
Securitização 687
Lei nº 9.514/97: Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a
alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências.
Lei nº 10.931/04: Dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias,
Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário e Cédula de Crédito
Bancário.
Securitização 689
Instrução CVM nº 588/17: Dispõe sobre a oferta pública de distribuição de valores
mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte realizada com
dispensa de registro por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo, e
altera dispositivos da Instrução CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2003, da Instrução
CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009, da Instrução CVM nº 510, de 5 de dezembro
de 2011, e da Instrução CVM nº 541, de 20 de dezembro de 2013.
Jurisprudência:
O instrumento OPA serve a diversos propósitos, sendo que iremos apresentar neste
capítulo uma breve descrição de alguns aspectos obrigatórios e facultativos do
processamento de uma OPA, no contexto de cada modalidade, a saber:
Para ser considerada válida, a OPA deve atender aos requisitos legais e regulamentares,
definidos, precipuamente, na Lei Federal nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“Lei
das S.A.”) e na Instrução da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nº 361, de 5 de
março de 2002, (“Instrução CVM 361”), conforme competência conferida pela Lei
Federal nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, além de regras e procedimentos previstos
no estatuto social das companhias objeto e na autorregulamentação, conforme o caso,
como, por exemplo, os normativos editados pela B3 – Brasil, Bolsa, Balcão (B3).
Além disso, as instituições financeiras que atuem como intermediárias nas OPAs, e
que sejam filiadas à ANBIMA deverão seguir as disposições do Código ANBIMA de
Regulação e Melhores Práticas.
Estão sujeitas a prévio registro perante a CVM todas as OPAs obrigatórias e, nos termos
da regulamentação, as voluntárias que envolverem pagamento mediante permuta por
valores mobiliários. Em regra geral, não podem ser ofertados outros bens no âmbito
de uma OPA, exceto na OPA em virtude da transferência de controle (tag along),
feita como condição para a concretização do negócio jurídico de transferência do
controle de companhia aberta, o qual deve ofertar condições iguais ou proporcionais
às pactuadas com o acionista alienante do controle ou antigo controlador.
Apenas as OPAs voluntárias que não envolvam permuta por valores mobiliários não
estão sujeitas a prévio registro perante a CVM, podendo ser publicadas ao mercado
conforme decisão do ofertante acerca de sua oportunidade e conveniência.
Mesmo ofertas sem registro são reguladas e fiscalizadas pela CVM, que sempre
pode determinar a divulgação de informações adicionais às previstas no respectivo
edital, assim como a suspensão do procedimento em caso de irregularidades sanáveis
ou até o cancelamento da OPA, caso se verifique uma irregularidade insanável,
atividade facilitada pelo prazo mínimo de 30 dias entre a publicação do edital da OPA
e a realização do leilão, que é o momento em que ocorre a aceitação da OPA pelos
acionistas.
A CVM decide com base em análises circunstanciadas das áreas técnicas, gerências e
superintendências envolvidas, geralmente a Superintendência de Registro de Valores
Mobiliários, em pareceres da antiga Superintendência Jurídica, atual Procuradoria
Federal Especializada, cabendo a palavra final ao Colegiado, última instância
20.1.1. Princípios
A seguir elencamos alguns princípios e regras gerais de tais ofertas e como eles são
enunciados na regulamentação sobre o assunto, uma visão geral de cada modalidade
de OPA, assim como alguns casos práticos cujas características singulares merecem
registro.
Rateio Proporcional
Tratamento Equitativo
Deve, ainda, ser assegurado aos detentores das ações visadas o fornecimento das
mesmas informações acerca da oferta, em bases suficientes e completas, incluindo os
elementos necessários para a tomada de decisão quanto ao aceite, ou não, da referida
OPA de forma igualitária e informada.
Intermediação Obrigatória
A Instrução CVM nº 358 estabelece que as pessoas com acesso a informações sobre
atos ou fatos relevantes5, em razão do cargo ou posição que ocupam, responderão
solidariamente com subordinados e terceiros de sua confiança por eventuais
descumprimentos ao dever de guardar sigilo.
Tendo em vista a delimitação temporal do dever de sigilo quanto à OPA ser o momento
da sua divulgação ao mercado, tornou-se necessário estabelecer formas específicas de
divulgação para as ofertas sujeitas a registro na CVM ou não.
A OPA projetada, nesse caso, refere-se ao momento no qual ela ainda não pode ser
considerada irrevogável e irretratável. A publicação do edital da OPA geralmente é o
ponto a partir do qual a OPA se torna irrevogável e irretratável, porém nada impede que
outra publicação subscrita pelo ofertante que não o edital da OPA induza juridicamente
a irrevogabilidade e irretratabilidade da OPA, como a divulgação de um fato relevante ou
uma proposta dirigida a todos os acionistas. Nesses casos, a OPA deixa de ser projetada
e passa a ser firme quando da publicação de tal anúncio público irrevogável e irretratável
do ofertante, ainda que o edital não tenha sido aprovado pela CVM.
5 Nos termos da Instrução CVM 358, art. 2º, ato ou fato relevante é qualquer fato ou evento que possa influir
de modo ponderável (i) na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados; (ii)
na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários; ou (iii) na decisão dos investidores
de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles
referenciados.
Caso a potencial OPA escape ao sigilo das partes responsáveis, deverá o eventual
ofertante publicar imediatamente o instrumento da OPA ou, alternativamente,
informar ao mercado que tem interesse em realizá-la ou está considerando tal
possibilidade, embora ainda não tenha posição definida sobre sua efetivação. Caso
o ofertante opte pela segunda alternativa, poderá a CVM solicitar que ele publique o
instrumento da OPA ou anuncie ao mercado de maneira inequívoca que não pretende
realizá-la durante o semestre subsequente.
Laudo de Avaliação
Nos termos da Instrução CVM nº 361, o laudo poderá ser elaborado pela instituição
intermediária contratada pelo ofertante para efetuar a oferta, por sociedade corretora
ou distribuidora de títulos e valores mobiliários ou instituição financeira com carteira
de investimento que possuam área especializada e devidamente equipada e tenham
experiência comprovada na avaliação de companhias abertas, ou ainda por empresa
especializada que possua experiência comprovada no mesmo quesito.
O Anexo III da Instrução CVM nº 361 contém uma descrição da estrutura e dos
elementos que devem ser observados quando da elaboração do laudo de avaliação.
Uma vez finalizado, o laudo de avaliação deverá ser divulgado ao mercado e ser
disponibilizado para consulta na CVM, na bolsa de valores ou entidade do mercado
de balcão organizado na qual o leilão será realizado, no endereço do ofertante, na sede
da instituição intermediária e da companhia objeto, bem como nos websites da CVM
e da companhia objeto.
A regra é estabelecer um preço uniforme para todas as ações objeto, excetuados preços
diversos para diferentes classes e espécies das referidas ações, que somente serão
permitidos se tal diferenciação for compatível com a modalidade da OPA e a diferença
for devidamente fundamentada em laudo de avaliação da companhia objeto, ou suas
razões expressamente justificadas em declaração do ofertante.
Nos termos da Instrução nº 361 a oferta poderá, no entanto, apresentar preços à vista
e a prazo distintos para os mesmos destinatários, caso haja justificada razão para sua
existência, e tal distinção não afete a reflexão e a independência da decisão de aceitação
da OPA, como, por exemplo, estar vinculada ao prazo de aceite ou quantidade de
aceites já manifestados. Na hipótese de preços distintos para pagamento à vista e a
prazo, a escolha entre as formas alternativas de pagamento caberá a cada aderente,
independentemente dos demais.
O preço por ação estabelecido pelo ofertante, nos casos em que não houver permuta,
deverá obedecer às disposições relativas a cada modalidade de OPA, observado que
em alguns casos (como nas hipóteses de OPA para Cancelamento de Registro e de
OPA por Aumento de Participação) o preço ofertado deverá ser justo, apurado com
base em laudo de avaliação elaborado conforme as exigências previstas na Lei das S.A.
quanto à definição do referido valor.
Ofertas Condicionadas
Tais condições suspensivas, assim como todos os termos que regem a oferta, devem
Mediante deferimento das alterações pela CVM (em caso de ofertas sujeitas a registro)
ou se a autorização da referida entidade não for necessária, conforme aplicável, deverá
o ofertante publicar novo edital, destacando as alterações realizadas e a nova data para
realização do leilão.
Desistência da OPA
Não obstante o exposto acima, pode o ofertante desistir da oferta nas modalidades
de OPA para cancelamento de registro e OPA por aumento de participação, caso
se verifique a revisão do preço das ações visadas em função de nova avaliação da
companhia objeto, pelo mesmo critério utilizado ou por critério diverso, conforme
A liquidação financeira da oferta pode ser estruturada basicamente por três formas: de
compra, mediante pagamento em moeda corrente; de permuta, mediante entrega de
valores mobiliários em pagamento; e, ainda, mista, quando envolver ambas as formas
anteriores. Conforme já mencionado, o ofertante pode prever, no edital, formas
alternativas de liquidação financeira da oferta, desde que a escolha seja livremente
feita pelo destinatário. Embora haja exceções, em regra, a liquidação financeira
é feita em três dias úteis contados da data do leilão, no processo conhecido como
“entrega mediante pagamento”, princípio universal em bolsas de valores. Segundo esse
princípio, a entrega do ativo pelos vendedores (ação) ocorre concomitantemente ao
pagamento feito pelo ofertante (dinheiro ou outro ativo, como vimos).
Não obstante essa regra geral, existem diversas situações em que o pagamento de uma
OPA pode ocorrer a prazo, ou seja, além dos três dias regulamentares, ou em outros
valores mobiliários ou outros ativos, especialmente no caso de OPA em decorrência da
alienação do controle de companhia aberta, uma vez que o conceito dessa modalidade
de OPA é assegurar tratamento equitativo com relação ao vendedor do controle
acionário da companhia, devendo ser lançada pelo adquirente do controle.
Nessa hipótese, verificada a adesão de acionistas dentro dos citados patamares, deverá
o ofertante optar entre (a) adquirir ações da mesma espécie e classe até o limite de 1/3,
mediante rateio proporcional entre os acionistas que aderiram à oferta; ou (b) desistir
da oferta, caso o respectivo edital tenha previsto a adesão de acionistas detentores
de pelo menos 2/3 das ações em circulação como condição para a sua realização e,
expressamente, facultado ao ofertante agir dessa forma.
No que tange a vedações, durante o período de um ano após a realização de uma OPA
(a contar da data do respectivo leilão), a companhia objeto, seu acionista controlador
ou pessoas a ele vinculadas não podem apresentar nova OPA visando as mesmas
ações, exceto se obrigados pela regulamentação aplicável ou se as condições da nova
CADE
Para que um Ato de Concentração – assim definido pela Lei de Defesa da Concorrência7
- seja de notificação obrigatória, as partes envolvidas deverão preencher certos critérios
objetivos de faturamento8. Em razão do sistema de análise prévia, as partes devem
manter as estruturas físicas e as condições de concorrência inalteradas até a avaliação
final do CADE9. Em suma, são vedadas quaisquer transferências de ativos e qualquer
tipo de influência de uma parte sobre a outra, bem como a troca de informações
7 O artigo 90 da Lei nº 12.529/2011 dispõe que um ato de concentração será configurado nas seguintes
hipóteses: (i) 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem; (ii) 1 (uma) ou mais empresas adquirem,
direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou
ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou
outras empresas; (iii) 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou (iv) 2 (duas) ou mais empresas
celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture. Neste último caso, ressalva-se que não serão considerados atos
de concentração quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos
delas decorrentes.
8 Quais sejam: (i) que pelo menos um dos grupos econômicos envolvidos na operação tenha registrado, no
último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no Brasil, no ano anterior à operação, equivalente ou
superior a R$750.000.000,00 (setecentos e cinquenta milhões de reais; e (ii) que pelo menos um outro grupo econômico
envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no Brasil,
no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais.) Valores ajustados
conforme Portaria Interministerial MJ/MF, de 30 de maio de 2012.
9 Art. 88, §3º, da Lei de Defesa da Concorrência.
O regime prévio parecia conflitar com a dinâmica de uma oferta pública (muitas vezes
não se tem conhecimento de quem será o comprador no momento da comunicação
da operação). Nesse sentido, após o tema ser amplamente debatido em sede de
audiências públicas durante o trâmite legislativo da Lei de Defesa da Concorrência,
os legisladores, já premeditando problemas inerentes à análise prévia do CADE,
inseriram na lei determinação para que o CADE disciplinasse, dentre outros, atos
de concentração envolvendo especificamente participação em leilões, licitações e
operações de aquisição de ações por meio de oferta pública10.
Ocorre que o CADE não definiu o que significa a expressão “pleno valor do
investimento”, de forma que este tema será eventualmente definido por meio de
precedentes do órgão antitruste, o que não ocorreu até o momento em razão da
insipiência do tema nos julgados do CADE.
10 Conforme redação do art. 89 da Lei nº 12.526/2011: Art. 89. Para fins de análise do ato de concentração apre-
sentado, serão obedecidos os procedimentos estabelecidos no Capítulo II do Título VI desta Lei. Parágrafo único. O Cade
regulamentará, por meio de Resolução, a análise prévia de atos de concentração realizados com o propósito específico de
participação em leilões, licitações e operações de aquisição de ações por meio de oferta pública. (destaques nossos)
11 O RICADE disciplina essas questões específicas de OPA em seu artigo 109.
12 A consumação de atos de concentração econômica antes da decisão final da autoridade antitruste (prática
também conhecida como gun jumping pela literatura e jurisprudência estrangeiras) é vedada pelo artigo 88, §3º. da Lei de
Defesa da Concorrência (extraído do Guia para Análise de Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica do
CADE, que pode ser encontrado em https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/gun-
jumping-versao-final.pdf.
(i) OPAs por alienação de controle13, realizada como condição de eficácia de negócio
jurídico de alienação de controle de companhia aberta, a qual deverá ser submetida
ao CADE quando da notificação da operação que determinar a realização da oferta,
sendo desnecessária posterior notificação após a respectiva publicação14;
(ii) OPAs para cancelamento de registro15, a qual não é considerada como ato de
concentração pelo CADE16 e;
(iii) OPAs por aumento de participação17, a qual também não é considerada como ato
de concentração pelo CADE18.
Note-se que, das modalidades de OPA previstas na Instrução CVM 361, o RICADE
é silente no que tange à OPA voluntária19, a OPA para aquisição de controle de
companhia aberta20 e a OPA concorrente21. Estas, portanto, enquadram-se na regra
geral que determina a notificação ao CADE quando de sua publicação.
Em que pese o CADE ter analisado poucos casos envolvendo OPAs até o momento,
oportuno ilustrar os precedentes sobre o tema tratado. Chama-se atenção, nesse
sentido, para o (i) Ato de Concentração nº 08700.01865/2015-01 (Requerentes: Fundo
de Investimento em Participações Bridge, Brookfield BR, LLC e BR Properties S.A.)22;
e (ii) Ato de Concentração nº 08700.002372/2014-07 (Cromossomo Participações II
13 vinculadas a acordos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, cessão
de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que
venham a resultar na alienação de controle acionário da sociedade.§ 2o A Comissão de Valores Mobiliários autorizará a
alienação de controle de que trata o caput, desde que verificado que as condições da oferta pública atendem aos requisitos
legais. § 3o Compete à Comissão de Valores Mobiliários estabelecer normas a serem observadas na oferta pública de que
trata o caput. § 4o O adquirente do controle acionário de companhia aberta poderá oferecer aos acionistas minoritários a
opção de permanecer na companhia, mediante o pagamento de um prêmio equivalente à diferença entre o valor de mercado
das ações e o valor pago por ação integrante do bloco de controle.
14 Nos termos do §3º do artigo 109 do RICADE.
15 Conforme definição prevista nos artigos 2°, I, da Instrução CVM 361, e 4º, §4º, da Lei das S.A., e 21, §6º,
da Lei nº 6.385/76: "Art . 21. A Comissão de Valores Mobiliários manterá, além do registro de que trata o Art. 19: (...)
§ 6º - Compete à Comissão expedir normas para a execução do disposto neste artigo, especificando: I - casos em que
os registros podem ser dispensados, recusados, suspensos ou cancelados; II - informações e documentos que devam ser
apresentados pela companhia para a obtenção do registro, e seu procedimento. III - casos em que os valores mobiliários
poderão ser negociados simultaneamente nos mercados de bolsa e de balcão, organizado ou não".
16 Nos termos do §4º do artigo 109 do RICADE.
17 Conforme definição prevista nos artigos 2°, II, da Instrução CVM 361, e 4º, "§6º, da Lei das S.A.: §6º O
acionista controlador ou a sociedade controladora que adquirir ações da companhia aberta sob seu controle que elevem
sua participação, direta ou indireta, em determinada espécie e classe de ações à porcentagem que, segundo normas gerais
expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, impeça a liquidez de mercado das ações remanescentes, será obrigado a
fazer oferta pública, por preço determinado nos termos do § 4o, para aquisição da totalidade das ações remanescentes no
mercado."
18 Igualmente nos termos do §3º do artigo 109 do RICADE.
19 Conforme definição prevista no artigo 2°, IV, da Instrução CVM nº 361.
20 Conforme definição prevista no artigo 2°, V, da Instrução CVM nº 361.
21 Conforme definição prevista no artigo 2°, VI, da Instrução CVM nº 361.
22 Em resumo, a operação trata de OPA voluntária a ser realizada pelo FIP Bridge para aquisição de controle da
BRPR. Referida operação foi aprovada pelo CADE sem restrições, conforme parecer assinado eletronicamente em 08 de
abril de 2015.
Ainda que o CADE tenha endereçado a preocupação dos legisladores com a permissão
de consumação da OPA e possibilidade de concessão de autorização excepcional para
exercício dos direitos políticos, resta patente a confiança que o mercado e as companhias
vêm tendo com o novo sistema de análise prévia do CADE, principalmente em casos
de pouca complexidade, os quais são analisados e aprovados de maneira muito célere.
Sendo assim, pode-se concluir que a análise prévia do CADE tem sido bem-sucedida
a tal ponto que a preocupação legislativa com o seu impacto no dinamismo de uma
OPA tem sido superada na prática, pelo menos nos casos de rito sumário e ordinário
não complexo. Os desafios ainda não enfrentados pela jurisprudência estarão em casos
complexos, em que há alta concentração de mercado e necessidade de conciliar com o
cronograma de uma OPA.
20.2. Modalidades
Sumarizamos a seguir as diferentes modalidades de OPA existentes no ordenamento
jurídico brasileiro, tanto obrigatórias quanto voluntárias. Nesse contexto, ressalte-se
que as normas gerais acerca de ofertas públicas de ações acima explicadas são aplicáveis
às modalidades descritas abaixo, salvo quando excetuado em cada caso, nos termos da
Instrução CVM nº 361 e dos precedentes administrativos decididos pela área técnica
da CVM ou por seu Colegiado.
23 Em resumo, a operação trata de OPA voluntária a ser realizada por CP II para aquisição de ações ordinárias da
DASA. Referida operação foi aprovada pelo CADE mediante a celebração de um Acordo em Controle de Concentrações,
que foi assinado em 16 de julho de 2014 pelas partes e pelo CADE.
24 Cf. previsto no §2º do artigo 109 do RICADE: §2° O Cade pode, a pedido das partes, conceder autorização
para o exercício dos direitos de que trata o § 1º, nas hipóteses em que tal exercício seja necessário para a proteção do
pleno valor do investimento.
Permitido pela Lei das S.A., o cancelamento do registro da companhia para negociação
de suas ações nos mercados de valores mobiliários regulados pela CVM, ou seja, o
fechamento de capital de companhia aberta, pressupõe a prévia realização de OPA
pelo acionista controlador25 ou pela própria companhia.
Preço Justo
O ofertante deverá, com base nos critérios previstos na Lei das S.A. e Instrução
CVM nº 361, expostos abaixo, definir o preço a ser pago por cada ação de emissão
da companhia objeto no âmbito da OPA. O preço ofertado pelas ações objeto deverá
ser justo, isto é, ser definido com base nos critérios de patrimônio líquido contábil,
patrimônio líquido avaliado a preço de mercado, de fluxo de caixa descontado, de
comparação por múltiplos, de cotação das ações no mercado de valores mobiliários,
de forma isolada ou não, ou com base em outro critério que seja aceito pela CVM. A
apuração do referido preço deverá ser realizada por perito ou empresa especializada
que deverá preparar e apresentar, inclusive no âmbito da assembleia que o conhecer,
laudo de avaliação detalhado.
Revisão do Preço
25 Nos termos da legislação brasileira, entende-se por acionista controlador a pessoa, ou grupo de pessoas, seja
física ou jurídica, ou fundo, vinculadas por acordo de voto ou sob controle comum, que seja titular de direitos que lhe
assegurem a maioria de votos em deliberações da companhia, poder para eleger os administradores da companhia e para
gerenciar as atividades da companhia.
Ações em Circulação
A OPA para Cancelamento do Registro deverá ser aceita por mais de dois terços (2/3) das
ações em circulação, ou seja, aquelas ações cujos titulares expressamente concordaram
com o fechamento do capital ou se habilitaram para o leilão relativo à OPA26 e
não discordaram do processo de fechamento. Em conjunto ou alternativamente à
concordância direcionada à realização da OPA, a legislação aplicável permite que os
titulares das ações em circulação manifestem concordância ou discordância com o
cancelamento do registro. Assim, os acionistas minoritários, destinatários da OPA,
que não desejarem participar da OPA para Cancelamento do Registro, poderão anuir
com o fechamento de capital da companhia via instrumento formal de manifestação
de concordância27, nesse cenário, portanto, permanecendo na companhia uma vez
26 Observe-se que não são computadas no referido cálculo, nem consideradas ações em circulação, (a) as ações
detidas pelos acionistas controladores; (b) as ações dos acionistas que permanecerem silentes que não se habilitarem para
o leilão; e (c) as ações mantidas em tesouraria.
27 O instrumento de manifestação de concordância deverá conter declaração de ciência do acionista subscritor
de que suas ações ficarão indisponíveis até a liquidação do leilão referente à OPA e de que suas ações, após a efetivação do
cancelamento, não estarão aptas para negociação na bolsa de valores ou mercado de balcão organizado.
A definição de preço justo das ações que serão ofertadas, juntamente com a concordância
de dois terços (2/3) das ações em circulação visa à proteção dos acionistas minoritários
da companhia, porquanto resultará em diminuição de liquidez das ações, que não
mais poderão ser negociadas, isto é, alienadas em mercados de valores mobiliários
com intermediação de integrantes do sistema de distribuição.
Resgate Compulsório
Ainda, no caso do fechamento do capital social, a Lei das S.A. permite à própria
companhia resgatar as ações remanescentes da OPA, após transcurso do prazo da
oferta pública e se remanescerem em circulação menos de 5% do total das ações
emitidas pela companhia, desde que devidamente aprovado por assembleia geral.
O preço a ser pago por tais ações remanescentes será equivalente ao preço pago na
aquisição das ações no âmbito da OPA. De qualquer forma, somente após aprovação
por assembleia geral, poderá a companhia concretizar o resgate compulsório.
Com base no artigo 254-A, §1º, da Lei das S.A., e na Instrução CVM nº 361 entende-
se por transferência de controle a mudança relevante, ou seja, a efetiva transferência,
direta ou indireta, da totalidade ou de parte das ações que integram o bloco de controle
da companhia objeto, inclusive de ações vinculadas a acordos de acionistas, e de valores
mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, cessão de direitos de subscrição
de ações e de outros títulos ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em
ações que venham a resultar na alienação do controle acionário da companhia.
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da
assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da
companhia.
(...)
Artigo 243, § 2º. Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras
controladas, é titular de direitos de sócios que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações
sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.”
29 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Aquisição de controle na sociedade anônima. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 304-
305.
Nos casos em que um único acionista é titular da maioria das ações de emissão de uma
companhia, o controle será majoritário – nesse caso, o acionista majoritário detém o
poder decisório da companhia. Cabe destacar, entretanto, a hipótese de exercício do
poder por parte dos administradores, em face de delegação, formal ou informal, de
acionista controlador (ou grupo) que não deseja administrar a companhia. Mesmo
nesse caso, a alienação do bloco de controle enseja a efetivação de OPA pois os
administradores poderão ser substituídos e, caso não o sejam, receberão orientação
diversa na condução dos negócios sociais, sem falar que os novos controladores
também poderão assumir efetivamente a gestão da companhia.
Por sua vez, o exercício dos controles minoritário ou gerencial pressupõe a existência
de capital disperso ou pulverizado na companhia, ou seja, aquele no qual as ações
de emissão da companhia encontram-se dispersas entre acionistas, nenhum deles
detendo posição capaz de assegurar o predomínio nas deliberações societárias.
Quando a companhia tem um acionista que, apesar de não deter mais da metade das
ações com direito a voto da companhia, tem preponderância nas assembleias gerais,
daí efetivamente exercendo o controle, pode ser caracterizado o controle minoritário32.
30 SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário: Interpretação e Valor.
Niterói, Rio de Janeiro: FMF, 2004, P. 67-68.
31 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: São Paulo: Quartier Latin, 2001, p. 457. v.3.
32 OIOLI, Erik Frederico. Oferta Pública de Aquisição de Controle de Companhias Abertas, Volume 1. São
Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 35. v.1
Por fim, entende-se por controle gerencial aquele exercido pelos administradores
da companhia. Neste caso, o controle não advém de posição acionária, mas sim dos
direitos, deveres e prerrogativas concedidas aos administradores por meio do estatuto
social da companhia. Portanto, tendo em vista a inexistência de acionista controlador
para dirigir as atividades da empresa, o poder de controle é exercido pelos seus
administradores.
É conveniente lembrar que a compra do controle deve ser analisada pela ponta
compradora e, também, pelo lado dos alienantes. São os dois lados da mesma moeda,
sendo a análise de ambos importante para definir uma situação de transferência do
controle acionário apta a ensejar o lançamento de uma OPA obrigatória ou não.
Caso que merece destaque é a aquisição originária do controle acionário, que ocorre
quando o bloco de controle não existe, vindo este a ser formado mediante compra
de ações por terceiro, que passará a controlar a companhia. Não há transferência
do controle, pois, antes, este era inexistente, dado o grau de dispersão das ações no
mercado pela companhia.34
Frise-se, inicialmente, que tal OPA é obrigatória apenas nos casos de aquisição
derivada do controle de uma companhia aberta, esta entendida como a aquisição
de um controle preexistente na companhia, com a efetiva transferência do poder de
controle, e respectivas ações, a um novo acionista controlador. Em assim sendo, com
a concretização da transação, direitos e obrigações do acionista controlador alienante
são transferidos ao acionista controlador adquirente.
Não obstante, a companhia aberta pode, no seu estatuto social ou mediante acordo
de acionistas, atribuir a ações sem direito a voto o direito a participar da referida
OPA. Trata-se do chamado tag along, que se refere ao direito conferido aos acionistas
35 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Aquisição de controle na sociedade anônima. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 295.
36 OIOLI, Erik Frederico. Oferta Pública de Aquisição de Controle de Companhias Abertas, Volume 1. São
Paulo: Quartier Latin, 2010, p 80. v.1.
A realização da referida OPA, por parte do adquirente, é conditio sine qua non de
eficácia do negócio jurídico por meio do qual foi realizada a transferência das ações
integrantes do bloco de controle ao adquirente. Essa foi a forma mais contundente de
a legislação fixar a importância desse tipo de transação, negando eficácia jurídica ao
negócio da transferência do controle, caso não seja efetivada a OPA devida.
Uma vez celebrado o instrumento definitivo contratando a alienação das ações que
representam o controle da companhia objeto, o adquirente deverá, em até 30 dias,
formular OPA em virtude da Transferência de Controle. O ofertante deverá incluir no
instrumento da OPA, além dos demais requisitos gerais determinados na Instrução
CVM nº 361, a notícia do fato relevante correspondente à alienação do controle.
Por sua vez, nos casos cuja contraprestação for realizada em valores mobiliários,
mediante permuta, o ofertante, poderá (i) ofertar valores mobiliários da mesma
espécie e classe daqueles oferecidos ao acionista controlador alienante ou, (ii) ofertar
outros valores mobiliários ou realizar oferta alternativa em dinheiro, cabendo aos
destinatários da oferta formularem suas opções individualmente.
Conforme o disposto no artigo 254-A, caput, da Lei das S.A., a realização de OPA por
Transferência de Controle também é condição de eficácia da transferência do controle
indireto de companhia aberta.
Nesse sentido, não compete à CVM estipular a metodologia mais adequada para
determinação do preço da OPA por Transferência de Controle Indireto, podendo a
Autarquia, contudo, solicitar a elaboração de laudo de avaliação das ações de emissão
da companhia objeto para lhe auxiliar em sua análise.
Prêmio de Permanência
Tendo em vista que as condições facultativas da oferta, bem como a definição do seu
valor (respeitado o mínimo legal), podem ser estabelecidas pelo ofertante, basicamente
com o intuito de incentivar seus destinatários a permanecerem no quadro acionário
da companhia objeto, resta claro que, sujeito aos parâmetros legais, o valor do prêmio
deve ser favorável aos acionistas minoritários.
Não obstante, poderá o ofertante apresentar prêmio com valor não inferior à diferença
entre o preço pago pelas ações do bloco e o valor de mercado das ações, desde que o
destinatário da oferta mantenha o seu direito pela aceitação da OPA, caso assim deseje.
Nesse cenário, em decidindo por não aceitar a OPA, o destinatário receberá o valor do
prêmio de permanência.
Subjetivamente, a mesma OPA poderá vir a ser obrigatória para o acionista controlador
quando este, na entrada em vigor da Instrução CVM nº 361, detenha, em conjunto ou
isoladamente, mais da metade das ações de emissão da companhia de determinada
espécie e classe, e venha a adquirir, isoladamente ou em conjunto, participação igual
ou superior a 10% daquela mesma espécie e classe em período de 12 meses. Essa OPA
poderá vir a ser determinada pela CVM caso essa autarquia verifique, no prazo máximo
de seis meses a contar da comunicação de aquisição da referida participação, que tal
aquisição teve o efeito de impedir a liquidez das ações da espécie e classe adquirida.
38 SIQUEIRA, Carlos Augusto Junqueira de. Transferência do Controle Acionário: Interpretação e Valor.
Niterói, Rio de Janeiro: FMF, 2004, P. 32-33.
Revisão do Preço
Aos acionistas minoritários destinatários da OPA, ou seja, aqueles detentores das ações
da classe ou espécie afetadas pelo aumento da participação do controlador, quanto à
possibilidade de revisão do preço da oferta, é assegurado direito igual àquele conferido
aos destinatários da OPA para Cancelamento de Registro. Isto é, os titulares de 10%
das ações em circulação no mercado poderão requerer a convocação de assembleia
geral para deliberar sobre a reavaliação das ações39. Contudo, em contrapartida ao
procedimento relativo à OPA para Cancelamento de Registro, o ofertante não poderá
desistir da oferta caso o valor da oferta seja superior ao valor inicial, exceto se optar
por adotar o procedimento alternativo descrito abaixo.
Nesse contexto, a referida OPA, em razão de sua natureza voluntária, não está sujeita
a registro perante a CVM, sendo, portanto, isenta de prévio registro quando efetuado
seu pagamento exclusivamente em dinheiro.
Essa OPA poderá ainda ter como objeto a aquisição da totalidade das ações em
circulação ou apenas parte delas. A OPA para aquisição de apenas parte das ações em
39 Vide item acerca da reavaliação do preço no âmbito da OPA para Cancelamento de Registro.
Nos termos da Instrução CVM n° 361, a OPA para Aquisição de Controle tem caráter
voluntário, de modo que o seu registro não é exigido. Contudo, apesar de o registro
não ser obrigatório, uma vez formulada a OPA, o ofertante deverá seguir as regras
procedimentais previstas na legislação. Excepcionalmente, na eventualidade de a
liquidação financeira proposta pelo ofertante envolver, parcial ou totalmente, permuta
por valores mobiliários, a OPA para Aquisição de Controle estará sujeita a registro
perante a CVM.
OPA Parcial
A OPA para Aquisição de Controle deverá ser formulada pelo interessado em adquirir
o controle e terá por objeto, no mínimo, a quantidade necessária de ações que lhe
assegurem o poder de comando na companhia objeto. Conforme disposição contida
no § 3º do artigo 257 da Lei das S.A., o ofertante que, à época da OPA, já fizer parte do
quadro acionário da companhia objeto, poderá formular a oferta apenas em relação
ao número de ações que, somadas às suas, venham a formar um bloco de controle,
procedendo-se ao rateio proporcional entre os aceitantes da oferta.
Em razão do disposto, a OPA para Aquisição de Controle poderá ser parcial, ou seja,
não englobar a totalidade das ações em circulação da espécie e classe visada pelo
ofertante, mas apenas aquelas necessárias para a efetiva aquisição do controle da
companhia objeto.
Por se tratar de oferta pública de caráter voluntário, a OPA para Aquisição de Controle
deverá seguir os procedimentos gerais e especiais fixados para a OPA Voluntária.
Não obstante, as disposições legais e regulamentares, que se referem à publicidade
e à divulgação ao mercado das informações que deverão constar no instrumento de
oferta, serão aplicáveis as regras gerais relativas à OPA por Transferência de Controle,
desde que o ofertante tenha acesso a tais informações.
Resta salientar, ainda, que a companhia objeto deverá divulgar ao mercado todas as
informações relativas aos seus valores mobiliários detidos, concedidos ou dados em
empréstimo a: ela mesma, seus administradores e pessoas vinculadas à companhia e
aos seus administradores, bem como acerca dos negócios realizados em mercado ou
privadamente com valores mobiliários emitidos pela companhia objeto nos três meses
anteriores à realização da OPA; e o ofertante deverá divulgar ao mercado informações
relativas aos seus negócios envolvendo valores mobiliários realizados durante a OPA,
eventual celebração de contratos ou outros atos jurídicos referentes à aquisição ou
alienação de valores mobiliários emitidos pela companhia objeto e eventual celebração
de contratos, ou outros negócios jurídicos com a companhia, seus administradores ou
acionistas titulares de ações representando mais de 5% das ações objeto da OPA.
Uma vez formulada a OPA, mesmo tendo caráter voluntário, o ofertante estará
obrigado à aquisição de todas as ações remanescentes da mesma espécie e classe
pelo preço final obtido na OPA. No entanto, em caso de OPA Parcial, a obrigação ora
exposta não será aplicável.
40
Como critério de validez da OPA Concorrente, a oferta deverá ser lançada ou ter o
respectivo registro solicitado, conforme o caso, em até dez dias antes da data prevista
para a realização do leilão da OPA com que concorrer, por terceiro que não o ofertante
daquela oferta original, ou parte vinculada a ele, e por preço mínimo de 5% superior
ao da OPA com que concorrer.
Vale ressaltar que a OPA Concorrente poderá ter modalidade diversa da OPA com que
concorrer, observando, no caso de se tratar de OPA sujeita a registro, os requisitos,
procedimentos e prazos previstos na Instrução CVM 361.
Ainda, para possibilitar uma concorrência equitativa, uma vez lançada a OPA
Concorrente, o ofertante inicial poderá prorrogar o prazo da sua oferta para coincidir
com o prazo da oferta concorrente e poderão, também, tanto o ofertante inicial quanto
o ofertante concorrente, alterar o preço de suas ofertas, aumentando-o em qualquer
valor e tantas vezes quanto necessárias, ressalvado o disposto no artigo 5º da Instrução
CVM 361, que dispõe acerca da alteração do instrumento de ofertas após a sua devida
publicação.
Por fim, uma vez verificada a existência da OPA Concorrente, poderá a CVM (i) adiar
a data do leilão da oferta original, (ii) estabelecer um prazo máximo para apresentação
e aceitação de propostas finais de todos os ofertantes, ou (iii) determinar a realização
de leilão conjunto, fixando as regras para a sua realização.
Cabe registrar que, sendo o valor ofertado inferior ao valor apurado no laudo de
avaliação, o ofertante, seja ele o acionista controlador ou a companhia objeto, terá
a faculdade de desistir da OPA e, por consequência, do cancelamento do registro da
companhia.
Note-se, ainda, que não há obrigação de realização de oferta pública para saída do
Nível 1 de Governança Corporativa. Da mesma forma, também não há obrigação
de realização de OPA para Saída de Segmento Especial de Listagem nas hipóteses de
migração para segmento de listagem que possua regras governança mais elevadas (e.g.,
migração do Bovespa Mais para o Novo Mercado).
Reorganização Societária
Após a saída da companhia objeto do Bovespa Mais, Bovespa Mais Nível 2, Novo
Mercado ou Nível 2 de Governança Corporativa, a transferência ou alienação do controle
a terceiros por parte do acionista controlador, dentro do período de 12 meses, implicará
na realização obrigatória de nova oferta pública de ação para aquisição de ações.
Tal OPA, que terá como objeto a aquisição das ações dos demais acionistas, deverá
ser formulada, em conjunto e solidariamente, pelo acionista controlador alienante e
pelo acionista controlador adquirente. Nos mesmos moldes que a OPA por Alienação
de Controle, no cenário apresentado, o preço ofertado, bem como as condições de
compra, deverão ser equivalentes àqueles ofertados ao acionista controlador alienante
no âmbito da operação privada realizada com o acionista controlador adquirente.
Vale ressaltar que a OPA também poderá ser mista, quando a realização do pagamento
for feita tanto em dinheiro quanto em valores mobiliários, ou, alternativamente, nos
casos em que os destinatários da oferta pública tiverem a faculdade de escolher o
modo de liquidação – seja em dinheiro ou em valores mobiliários.
Por se tratar de contraprestação via valores mobiliários, a legislação exige que o ofertante,
no instrumento da OPA, detalhe especificamente a relação da permuta no que se refere
à quantidade, espécie e classe de valores mobiliários que serão trocados, bem como
todos os seus direitos inerentes a eles e aqueles concedidos estatutariamente, além
de exigir a apresentação do histórico de negociação dos referidos valores mobiliários
nos 12 meses que antecederam a OPA e informações sobre a companhia emissora dos
valores mobiliários.
Ainda, vale ressaltar que só poderão ser dados em permuta os valores mobiliários
Nos termos do artigo 34, § 2º, da Instrução CVM n° 361, a CVM pode autorizar a
formulação de uma única oferta visando a mais de uma finalidade, ou seja, é admitida
a combinação de mais de uma modalidade de OPA em um único procedimento.
De acordo com a autarquia, tendo em vista que a OPA para Cancelamento de Registro
deve ser lançada pela própria companhia objeto ou por seu acionista controlador,
direto ou indireto, ela não poderia ser lançada por um terceiro que busca adquirir o
controle por meio da mesma oferta.44
20.3. Conclusão
21 DE DISTRIBUIÇÃO
DE VALORES
MOBILIÁRIOS
21.1. Introdução
O presente artigo tem por intuito esclarecer no que consiste e qual a finalidade de
uma oferta pública de distribuição de valores mobiliários, as principais etapas
desse processo, bem como os deveres, responsabilidades e restrições aplicáveis aos
envolvidos na sua estruturação.
Ainda como forma de melhor compreender e distinguir uma oferta pública de uma
oferta privada, a CVM indicou expressamente, por meio do Parecer de Orientação da
CVM nº 32, de 30 de setembro de 2005, que a utilização da internet para divulgação de
oferta de valores mobiliários configura tal oferta, via de regra, como pública, exceto se
certas medidas preventivas forem tomadas, ou situações especiais forem verificadas,
sujeita sempre à análise do caso concreto. Dentre tais medidas preventivas e situações
especiais que desconfigurariam tal oferta como pública, passando-a à categoria de
oferta privada, podem ser citadas (i) medidas promovidas pelo patrocinador da página
que estabeleçam um acesso restrito ao seu conteúdo, impedindo o acesso pelo público
em geral; (ii) inexistência de divulgações via e-mails enviados indiscriminadamente,
ou por meio de mecanismos de busca, ou propagandas em outras páginas na internet;
e (iii) existência suficientemente clara de que a página não é direcionada ao público
em geral.
O mesmo artigo 3º da Instrução CVM nº 400 estabelece, em seu parágrafo 2º, que
qualquer oferta pública de distribuição de valores mobiliários deverá contar com
a intermediação de instituições integrantes do sistema de distribuição de valores
mobiliários, ressalvadas as exceções legais. Nesse conceito, incluem-se as distribuidoras
(ex.: bancos de investimento) e as corretoras, que usualmente atuam nessas ofertas.
Como exemplo, são dispensadas de registro2 as ofertas públicas (i) realizadas com
esforços restritos de colocação, na forma da Instrução da CVM nº 476, de 16 de
janeiro de 2009 (“Instrução CVM nº 476”); (ii) de lote único e indivisível de valores
mobiliários; e (iii) de ações de propriedade da União, Estados, Distrito Federal e
municípios e demais entidades da administração pública que, cumulativamente, não
objetive a colocação junto ao público em geral, e seja realizada em leilão organizado
por entidade administradora de mercado organizado, nos termos da Lei nº 8.666, de
21 de junho de 1993.
1 Vide Processos Administrativos CVM nsº RJ 2015/1951 (decisões do Colegiado de 30/06/2015 e 22/03/2016) e
SP 2006/0164 (decisão do Colegiado de 10/03/2009), que discutiram a realização de ofertas públicas de valores mobiliários
que descumpriram o requisito de registro prévio perante o órgão regulador
2 Vide artigos 4º e 5º da Instrução CVM nº 400.
3 Vide artigos 6º- A, 11 e 12-E da Instrução CVM nº 400.
4 Vide subitem “2.1. Oferta pública com registro prévio na CVM (Instrução CVM nº 400)”
Como forma de permitir que certos tipos de valores mobiliários sejam ofertados mais
rapidamente por um emissor frequente, a CVM prevê nos artigos 11 e seguintes da
Instrução CVM nº 400 a possibilidade de se apresentar um pedido de programa de
distribuição de valores mobiliários (“Programa de Distribuição”), que será válido
por até quatro anos a contar de seu registro pela CVM, caso a companhia emissora
queira deixar desde já estruturadas futuras ofertas públicas relacionadas aos valores
mobiliários ali referenciados. Esse Programa de Distribuição poderá contar com
novas instituições intermediárias para liderar ofertas amparadas pelo programa,
diversas daquelas constantes do registro do programa, mas essas novas instituições
serão igualmente responsáveis pela veracidade e consistência de todas as informações
apresentadas na documentação da oferta. Para cada oferta pública adicional, dentro
do Programa de Distribuição, deve ser apresentado um “suplemento” ao prospecto
original do programa, contendo quaisquer atualizações de informações que sejam
necessárias para a tomada de decisão de investimento pelo investidor.
Ao mesmo tempo, a CVM criou um processo mais abreviado de registro para aquelas
companhias consideradas EGEMs. A figura do EGEM, ou emissor com grande
exposição ao mercado, construída à semelhança do Well Known Seasoned Issuer
(WKSI) do direito norte-americano, tem sua previsão no artigo 34 da Instrução da
CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009 (“Instrução CVM nº 480”), o qual define o
EGEM como sendo qualquer empresa que cumulativamente (i) tenha ações negociadas
em bolsa há, pelo menos, três anos; (ii) tenha cumprido tempestivamente com suas
obrigações periódicas nos últimos 12 meses; e (iii) apresente valor de mercado das
suas ações em circulação igual ou superior a R$5 bilhões, de acordo com a cotação de
fechamento no último dia útil do trimestre anterior à data do pedido de registro da
oferta pública de distribuição de valores mobiliários.
Considerando que a EGEM será sempre uma companhia de grande porte que,
presumidamente, possui maior experiência com o processo de captação de recursos
em mercado de capitais e atendimento a investidores, conta com uma maior cobertura
por analistas e é mais conhecida do público investidor, permite-se que o registro das
ofertas desses emissores seja concedido automaticamente, com base nos artigos 6°-A
e 6°-B da Instrução CVM nº 400. Isso permite que após cinco dias úteis do protocolo
do pedido na CVM, a companhia emissora obtenha automaticamente o registro, desde
que não haja quaisquer questionamentos ou exigências de adequação de informações
pela CVM durante esse período nem qualquer pedido de dispensa de requisitos
A Instrução CVM 400 ainda traz o mecanismo de consulta sobre viabilidade da oferta,
por meio do qual os participantes do mercado podem avaliar a conveniência de uma
oferta bem como o momento mais adequado para se acessar os investidores. A consulta
sobre a viabilidade da oferta é prevista no artigo 43 da Instrução CVM 400 e permite
avaliar a receptividade dos investidores num determinado momento para certo tipo
de oferta. Por meio desse mecanismo, o ofertante e a instituição intermediária líder
podem consultar até 50 potenciais investidores para avaliar o interesse em determinada
oferta, desde que (i) haja critérios razoáveis de confidencialidade e sigilo quanto às
informações e ao interesse na realização da oferta; (ii) a consulta não vincule as partes,
não sendo admitida a realização ou aceitação de ofertas nem pagamentos em dinheiro,
bens ou direitos; e (iii) seja mantida lista de controle com informações detalhadas
acerca da consulta realizada, com identificação das pessoas consultadas, do momento
da consulta e da resposta à consulta.
Por fim, concluindo a análise feita nesse subitem quanto às ofertas públicas reguladas
pela Instrução CVM nº 400, é importante a compreensão do conceito de procedimento
simplificado de análise e registro, previsto na Instrução da CVM nº 471, de 8 de agosto
de 2008 (“Instrução CVM nº 471”). De forma a ter maior agilidade para a concessão
Além da Instrução CVM nº 400 que regula as ofertas públicas de distribuição de valores
mobiliários de forma geral, há a Instrução CVM nº 476 que, por sua vez, regula as
ofertas públicas de certos valores mobiliários expressamente indicados em seu artigo
1º, parágrafo 1º7, e que sejam distribuídos no regime de “esforços restritos” (eis que
somente podem ser dirigidas a investidores sofisticados e, ainda assim, a um número
limitado, conforme a seguir especificado), dispensando tais ofertas do requisito de
7 Instrução CVM nº 476, artigo 1º:
“Artigo 1º. Serão regidas pela presente Instrução, as ofertas públicas de valores mobiliários distribuídas com esforços
restritos. §1º Esta Instrução se aplica exclusivamente às ofertas públicas de:
I– notas comerciais;
II – cédulas de crédito bancário que não sejam de responsabilidade de instituição financeira;
III – debêntures não-conversíveis ou não-permutáveis por ações;
IV – cotas de fundos de investimento fechados;
V– certificados de recebíveis imobiliários ou do agronegócio emitidos por companhias securitizadoras registradas
na CVM como companhias abertas;
VI – letras financeiras, desde que não relacionadas a operações ativas vinculadas;
VII – certificados de direitos creditórios do agronegócio;
VIII – cédulas de produto rural-financeiras que não sejam de responsabilidade de instituição financeira;
IX – warrants agropecuários;
X– certificados de operações estruturadas;
XI – os seguintes valores mobiliários, desde que emitidos por emissor registrado na categoria A:
(a) ações;
(b) debêntures conversíveis por ações; e
(c) bônus de subscrição, mesmo que atribuídos como vantagem adicional aos subscritores de debêntures;
XII – debêntures permutáveis por ações, desde que tais ações sejam emitidas por emissor registrado na categoria A;
XIII – certificados de depósito de valores mobiliários mencionados neste parágrafo; e
XIV – certificados de depósito de valores mobiliários no âmbito de Programa BDR Patrocinado Nível III.”
Dessa forma, a CVM decidiu viabilizar que as ofertas públicas de distribuição de certos
valores mobiliários – inicialmente aqueles representativos de dívida, como debêntures
e notas promissórias – fossem dispensadas automaticamente da obrigatoriedade de
registro do caput do artigo 19 da Lei nº 6.385, desde que direcionadas unicamente para
os chamados “investidores qualificados” (conforme definidos na Instrução da CVM
n° 409, de 18 de agosto de 2004) e desde que atendessem outros requisitos específicos
previstos na redação original da Instrução CVM nº 476, como valor mínimo de
investimento de R$1 milhão por parte desses investidores e fosse realizada com esforços
restritos, ou seja, direcionada a um grupo reduzido de investidores. Importante frisar
que a Instrução CVM nº 476 foi posteriormente alterada para ampliar o rol dos valores
mobiliários objeto dessas ofertas para incluir, entre outros, ações, bem como para
alterar o público-alvo de “investidores qualificados” para “investidores profissionais”,
tendo sido também eliminada a exigência de um valor mínimo de investimento,
conforme abordado a seguir.
No que diz respeito aos outros requisitos específicos para a realização de uma oferta
via Instrução CVM nº 476, além da necessidade de tais valores mobiliários serem
ofertados unicamente para “investidores profissionais”, destacam-se (i) a necessidade
de distribuição com “esforços restritos” diante de limitação no número de investidores
consultados e aqueles adquirentes dos valores mobiliários; (ii) a necessidade de
declaração pelo investidor de que tem conhecimento da ausência de registro pelo
órgão regulador e as restrições de negociação; (iii) a limitação de quatro meses para
realização de outra oferta via Instrução CVM nº 476 que tenha por objeto valor
mobiliário da mesma espécie; (iv) o dever de diligência por parte da instituição
intermediária líder para garantir que as informações prestadas aos investidores sejam
verdadeiras, consistentes, corretas e suficientes; e (v) certas obrigações para o emissor,
como apresentação de demonstrações financeiras auditadas por auditor registrado
na CVM, a serem divulgadas em página na internet, bem como divulgação de fatos
relevantes nos termos da Instrução da CVM nº 358, de 3 de janeiro de 2002 (“Instrução
CVM nº 358”), conforme aplicável. Esses requisitos da Instrução CVM nº 476 são mais
bem abordados nos parágrafos seguintes.
Como indicado inicialmente nesse subitem, para que uma oferta pública possa ser
realizada nos termos da Instrução CVM nº 476, essa só poderá ser ofertada com
8 Vide artigos 9º-A e 9º-C da Instrução CVM 539.
9 Vide artigos 9º-B e 9º-C da Instrução CVM 539.
Além disso, qualquer investidor adquirente dos valores mobiliários ofertados deve
apresentar à instituição intermediária líder uma declaração atestando que tem ciência
da ausência de registro da oferta na CVM e que os valores mobiliários ofertados
possuem certas restrições para negociação subsequente (ressalvadas as exceções da
norma, a negociação ou revenda desses valores mobiliários só poderá ser feita após a
conclusão da oferta e apenas entre “investidores qualificados”, cujo conceito inclui os
“investidores profissionais”).
A norma também restringe a realização de outra emissão nessa modalidade nos quatro
meses subsequentes ao encerramento de uma oferta realizada via Instrução CVM nº
47610, caso os novos valores mobiliários ofertados sejam da mesma espécie daqueles
ofertados anteriormente. Isso garante que esse mecanismo não seja utilizado de forma
irrestrita, o que poderia aumentar o risco ao mercado uma vez que, ao final, um número
muito maior de investidores poderia adquirir o mesmo tipo de valor mobiliário,
fugindo assim do racional da Instrução CVM nº 476. Conforme o Ofício Circular
Nº 2/2019/CVM/SRE, item 39.3, o entendimento da Superintendência de Registro de
Valores Mobiliários (“SRE”), corroborado pela Procuradoria Federal Especializada, é
de que não havendo previsão em lei ou regulamento para a existência de diferentes
espécies de um valor mobiliário (como ocorre com as ações e debêntures), a espécie do
valor mobiliário emitido será sempre única. Assim, as ofertas de diferentes emissões,
séries, classes, ou tranches diversas devem sempre observar a restrição de quatro meses
prevista pela Instrução CVM nº 47611.
10 O comunicado de encerramento deve ser enviado à CVM pelo intermediário líder em até 5 dias contados do
encerramento da oferta, sendo que deverão ser feitas comunicações semestrais, com envio de formulário parcial, caso a
oferta tenha duração superior a seis meses. Conforme o Ofício-Circular Nº 2/2019/CVM/SRE, item 39.2, o envio dessas
informações, assim como outras relacionadas às ofertas com esforços restritos, deverá ser feito pela página da CVM na
internet, via CVMWeb, sendo que todas as instituições integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários já
dispõem de autorização para esse envio e senha master de acesso.
11 Vide Processo SEI nº 19957.003668/2017-94 (decisão do Colegiado de 25/04/2017), que discutiu a suspensão
de oferta com esforços restritos realizadas em prazo inferior a quatro meses a outra oferta pública de esforços restritos
de distribuição de valores mobiliários da mesma espécie. Vide também Processo Administrativo CVM nº RJ 2011/14594
(decisão do Colegiado de 27/03/2012), que discutiu pedido de dispensa e a aplicabilidade da restrição de quatro meses para
realização de outra oferta pública com esforços restritos via Instrução CVM 476.
Uma vez que a Instrução CVM nº 476 não restringe a sua utilização para um tipo
societário específico, e ressalvados os fundos de investimento e aqueles emissores de
valores mobiliários que não possam ser negociados em mercados regulamentados,
todo e qualquer emissor de valores mobiliários via Instrução CVM nº 476 (seja
uma sociedade por ações aberta ou fechada, ou mesmo uma sociedade limitada, por
exemplo) deverá prestar uma série de informações mínimas ao mercado durante a
vigência dos valores mobiliários. Tais informações dizem respeito à apresentação de
demonstrações financeiras auditadas por auditor registrado na CVM e de acordo com
as regras da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“Lei das S.A.s”). e da CVM, a
serem divulgadas em página na Internet, bem como divulgação de fatos relevantes nos
termos da Instrução CVM nº 358, conforme aplicável.
Dessa forma, a Instrução CVM nº 476 hoje permite as ofertas públicas de distribuição
de ações com dispensa automática de registro perante a CVM, desde que observados
todos os requisitos inerentes a esse tipo de emissão com esforços restritos. Dentre eles,
a preocupação em observar o direito de preferência de aquisição pelos atuais acionistas
de um emissor, conforme previsto no artigo 171 da Lei das S.A.s, e a possibilidade de
exclusão desse direito, conforme previsto no artigo 172 da mesma lei, em especial o
inciso I que permite essa exclusão caso a colocação seja feita mediante venda em bolsa
de valores ou subscrição pública. Dado o caráter de esforços restritos da Instrução
CVM nº 476 e a limitação de investidores consultados e adquirentes, havia um
desconforto com a exclusão do direito de preferência nas ofertas realizadas sob essa
modalidade. Assim, a fim de atender o disposto na Lei das S.A.s, bem como permitir a
emissão com esforços restritos, a Instrução CVM nº 476, em seu artigo 9ª-A, permite
a exclusão do direito de preferência como previsto no artigo 172, inciso I, da Lei das
SAs, caso (i) seja dada prioridade aos atuais acionistas na subscrição da totalidade das
ações ou debêntures conversíveis em ações objeto da oferta (com divulgação de fato
relevante e prazo mínimo de cinco dias úteis para o exercício desse direito) ou (ii) a
oferta seja aprovada pela totalidade dos acionistas da companhia.
§4º Nas ofertas públicas distribuídas com esforços restritos que tiverem por objeto ações de emissores em fase pré-
operacional, a restrição prevista no caput cessará a partir da data em que, cumulativamente: I – a companhia se tornar
operacional; II – tenha decorrido 18 (dezoito) meses seguintes ao encerramento da oferta; e III – tenha decorrido 18
(dezoito) meses da admissão à negociação das ações em bolsa de valores.
§5º O disposto no § 4º não se aplica caso: I – a companhia tenha realizado a primeira oferta pública de ações com registro
na CVM; e II – tenha cumprido a restrição imposta na oferta registrada.
§6º O disposto nos §§ 3º, 4º e 5º também abrange os bônus de subscrição, as debêntures conversíveis ou permutáveis por
ações e os certificados de depósito desses valores mobiliários e de ações.
§7º Para fins do disposto neste artigo, a companhia será considerada pré-operacional enquanto não tiver apresentado
receita proveniente de suas operações, em demonstração financeira anual ou, quando houver, em demonstração financeira
anual consolidada elaborada de acordo com as normas da CVM e auditada por auditor independente registrado na CVM.
§ 8º Os certificados de recebíveis imobiliários e certificados de recebíveis do agronegócio ofertados nos termos desta
Instrução somente podem ser negociados para investidores que não sejam considerados qualificados se atenderem aos
requisitos estabelecidos nas regulamentações específicas.”
15 No caso da realização de oferta pública inicial de ações sob a Instrução nº 476, a bolsa previa a possibilidade
de adesão, no momento da oferta, ao Bovespa Mais ou Bovespa Mais Nível 2, com migração automática para o Novo
Mercado ou Nível 2, respectivamente, desde que atendidas certas regras de dispersão. A adesão também poderia ser não
automática, hipótese em que seria formalizada oportunamente entre a companhia e a bolsa pelo processo tradicional. Para
que uma companhia que tivesse realizado IPO sob a Instrução CVM nº 476 no Bovespa Mais ou no Bovespa Mais Nível 2
possa migrar automaticamente para o Novo Mercado ou para o Nível 2, respectivamente, ela teria que observar as seguintes
condi¬ções: (1) pleno atendimento às regras constantes no regulamento do segmento para o qual se pretende migrar -
Novo Mercado ou do Nível 2, conforme o caso; (2) (i) se a companhia fosse operacional, decurso do prazo de dezoito
meses de restrição à negociação com investidores não qualificados contados da data em que ações da mesma espécie e
classe tivessem sido admitidas à negociação em bolsa de valores; e, (ii) se a companhia fosse não operacional (i.e., que não
tivesse apresentado receita proveniente de suas operações em demonstração financeira anual auditada), além do decurso
do prazo de dezoito meses após a admissão à negociação das ações em bolsa de valores e após o encerramento da oferta, ela
deveria tornar-se operacional; (3) atingimento do percentual mínimo de 25% das ações em circulação (free float); (4) valor
mínimo do free float de R$500 milhões (considerado o valor de mercado das ações em circulação); (5) cum¬primento de
um dos seguintes requisitos relativos à dispersão acionária: (i) ter 2% do capital social detido por pessoas físicas ou clubes
de investimentos; (ii) atingimento do volume médio diário de negociação (Average Daily Trading Volume - ADTV) de R$ 4
milhões nos três meses que antecedem a migração; ou (iii) realização de follow-on registrado na CVM, segundo a Instrução
CVM nº 400.
16 As companhias que já tenham suas ações admitidas à negociação no Novo Mercado, Nível 2 ou Nível 1, e que
reali-zem follow-on sob a Instrução CVM nº 476, deveriam atender um dos seguintes requisitos: (1) ter, anteriormente à
oferta, 10% ou mais de seu capital detido por pessoas físicas ou clubes de investimento; (2) ter 10% dos destinatários da
oferta representado por pessoas físicas ou clubes de investimento, considerando-se, inclusive, os acionistas do emissor que
possam exercer o direito de preferência ou de prioridade na oferta; ou (3) possuir o volume médio diário de negociação de
R$ 4 milhões (ADTV) nos três meses que antecedem a oferta. Na hipótese de a companhia não cumprir um dos requisitos
acima antes ou durante a oferta, conforme o caso, a bolsa consideraria as regras de dispersão plenamente atendidas se,
ao longo dos dezoito meses seguintes ao encerramento da oferta, a companhia: (a) possuísse o volume médio diário de
negociação de R$ 4 milhões (ADTV) nos três meses anteriores ao término do prazo de dezoito meses para enquadramento;
ou (b) realizasse oferta pública de distribuição de ações registrada na CVM nos termos da Instrução CVM nº 400.
Esse processo visa a atender ao disposto no artigo 170 da Lei das S.A.s que, em seu
parágrafo 1º, determina que, a fim de não causar uma diluição injustificada dos
demais acionistas, o preço por ação no aumento de capital deverá se dar levando em
consideração, alternativa ou conjuntamente, (i) a perspectiva de rentabilidade da
companhia; (ii) o valor do patrimônio líquido da ação; e (iii) a cotação de suas ações
em bolsa de valores ou no mercado de balcão organizado, admitido ágio ou deságio
em função das condições do mercado19.
Como indicado no subitem “21.2.1. Oferta pública com registro prévio na CVM”, a
Instrução CVM nº 400 exige que qualquer oferta pública de distribuição de valores
mobiliários observe o que esteja ali disposto. Porém, previamente ou, no mais tardar,
concomitantemente ao pedido de registro de oferta de distribuição, a companhia que
ainda não tiver registro de emissor, junto à CVM, compatível com o valor mobiliário
que pretende emitir deverá requerer à Autarquia um pedido de registro de emissor
ou a conversão da categoria de emissor de B para A, conforme o caso, para que a
companhia se torne uma sociedade por ações de capital aberto apta a realizar a oferta
pública de distribuição de valores mobiliários pretendida. Abordaremos a seguir neste
subitem as diferenças entre os registros de emissor sob as categorias A e B.
Esse pedido será formulado com observância do disposto na Instrução CVM nº 480,
que traz todos os requisitos e exigências para que uma companhia peça o registro20
O pedido de registro de emissor deverá ser realizado para uma das categorias previstas
no artigo 2º da Instrução CVM nº 480, que se distingue em emissores da categoria A
(inciso I) e da categoria B (inciso II). A obtenção de um registro na modalidade da
categoria A permite que a companhia realize a emissão e negociação de quaisquer
valores mobiliários em mercados regulamentados. Dado que não há quaisquer
restrições ao emissor registrado na categoria A, o Formulário de Referência (o
qual possui detalhadamente todas as informações da companhia cuja divulgação é
necessária, conforme indicado anteriormente) deve ser preenchido integralmente
e com atendimento de todos os itens ali previstos. Já a obtenção de um registro na
modalidade da categoria B, que exige uma divulgação de uma menor quantidade de
informações (conforme indicado no Anexo 24 da Instrução CVM nº 480), implica
em certas restrições, permitindo que a companhia emita e negocie quaisquer valores
mobiliários em mercados regulamentados, exceto (i) ações e certificados de depósito
de ações; ou (ii) valores mobiliários que confiram ao titular o direito de adquirir
os valores indicados na alínea “i” anterior, em consequência da sua conversão ou
do exercício dos direitos que lhes são inerentes, desde que emitidos pelo próprio
emissor dos valores mobiliários indicados na alínea “i” anterior ou por uma sociedade
pertencente ao grupo do referido emissor. Como se observa, o registro sob a categoria
B restringe a emissão de ações ou valores mobiliários que podem ser convertidos em
ações que sejam da companhia ou de empresa de seu grupo econômico. A escolha da
21 Para maiores informações sobre a condução desses pedidos e sobre as regras aplicáveis ao processo, vide o
“Regulamento para Listagem de Emissores e Admissão à Negociação de Valores Mobiliários da B3".
22 Artigo 15, §3º, II da Instrução CVM nº 476, cujo texto está transcrito na nota de rodapé n. 10.
Esses segmentos diferenciados de governança foram criados pela B3 no começo dos anos
2000, sendo constantemente aprimorados, com o intuito de elevar o nível de governança
corporativa das companhias brasileiras e aprimorar o mercado de capitais no Brasil,
garantindo que tais companhias observem não apenas o que diz a Lei das S.A.s, mas
também as disposições nos respectivos regulamentos desses segmentos. Tais regulamentos
asseguram direitos e garantias adicionais aos acionistas, além da divulgação de informações
mais completas pelos controladores, gestores da companhia e participantes do mercado,
fazendo assim com que o risco de investimento nesses emissores seja reduzido.
23 Código ANBIMA de Regulação e Melhores Práticas para as Ofertas Públicas de Distribuição e Aquisição de
Valores Mobiliários, artigo 7º, IX:
“Artigo 7º - No exercício de suas Atividades, as instituições participantes devem:
(...)
IX. Participar apenas de Ofertas Públicas no mercado primário e secundário de ações, debêntures conversíveis em ações ou
bônus de subscrição quando as emissoras de tais Ofertas Públicas tiverem aderido ou se comprometido a aderir no prazo
de 6 (seis) meses, contado do primeiro anúncio de distribuição, pelo menos ao Nível 1 ou ao Bovespa Mais, conforme o
caso, das “Práticas Diferenciadas de Governança Corporativa” da B3, observado o parágrafo 2º deste artigo. As instituições
participantes devem ainda incentivar essas emissoras a adotar sempre padrões mais elevados de governança corporativa;”
24 Vide também o subitem “21.2.1. Oferta pública com registro prévio (Instrução CVM nº 400)”.
O regime de colocação dos valores mobiliários ofertados nas ofertas públicas de distribuição,
sejam de ações, debêntures ou outros valores mobiliários, pode ser de (i) garantia firme de
colocação; (ii) garantia firme de liquidação; e/ou (iii) melhores esforços de colocação.
25 Vide o subitem “3.5. Aumento da oferta”.
26 Os processos de roadshow e bookbuilding ocorrem previamente ao início de distribuição dos valores
mobiliários, uma vez que, nesse momento, a oferta ainda não obteve o registro da CVM, não havendo, portanto, autorização
regula¬tória para formalizar a alienação de ações. Até a conclusão dessa fase, a companhia e os participantes da oferta
podem desistir da distribuição caso verifiquem que não há mercado para as ações em condições consideradas satisfatórias
para o ofertante.
Para isso, a CVM emitiu os dois ofícios-circulares acima referidos de forma a orientar
os participantes sobre como elaborar esses documentos e conferir a agilidade necessária
à oferta na aprovação pelo órgão regulador. Assim, o Ofício-Circular/CVM/SRE/Nº
001/2009, bem como o item 40.4 do Ofício-Circular Nº 2/2019/CVM/SRE, trazem
dois modelos a serem adotados, ambos sucintos, sendo um para apresentação da oferta
nos websites das instituições intermediárias e com indicação de links para o pedido
de reserva e prospecto, e outro para divulgação da oferta por e-mail para os potenciais
investidores. Os modelos possuem orientações técnicas sobre tamanho de letras e
disposição dos textos, os quais, se utilizados exatamente nos termos previstos nos
ofícios, não demandam a análise e aprovação prévia pela CVM, desde que apresentado
à CVM o prospecto preliminar. Caso os participantes da oferta prefiram também
utilizar o documento publicitário conhecido como “take one”, deverá ser utilizado
o Modelo I indicado no item 40.4 do Ofício-Circular/CVM/SRE/Nº 2/2019, o qual
traz orientações práticas sobre o conteúdo do documento, destaques de redações com
alertas a serem dispostos no material, a necessidade de linguagem serena, moderada e
equilíbrio informacional entre os pontos favoráveis e desfavoráveis, entre outros.
Não havendo prospecto para a oferta, ou não tendo sido esse ainda disponibilizado,
não é permitida a utilização de material publicitário, exceto se tratar-se de oferta de
condo-hotel e crowdfunding30. O prazo para aprovação do material publicitário pela
CVM é de (i) dez dias úteis, a contar do protocolo do referido material, para as ofertas
de cotas de fundo de investimento; e (ii) cinco dias úteis a contar do protocolo do
referido material, para as demais ofertas.
Além disso, a precificação deverá observar também o previsto no artigo 23, parágrafo 1º
e no artigo 44, ambos da Instrução CVM nº 400. Nesse sentido, a precificação ocorrida
no dia da apuração do resultado do processo de coleta de intenções de investimento
deve levar em conta critérios objetivos para a sua fixação, os quais deverão estar
previstos no Prospecto Preliminar e aviso ao mercado. Em regra, a precificação dos
valores mobiliários leva em conta apenas as ordens de investimento dos investidores
institucionais, podendo também ser aceitas as ordens daqueles investidores que sejam
considerados “pessoas vinculadas” até certo montante, desde que não seja verificado
excesso de demanda na oferta, conforme abordado a seguir.
Ao mesmo tempo, e a fim de garantir que as pessoas vinculadas que sejam investidores
não-institucionais possam participar da oferta mesmo quando haja excesso de
demanda, o Colegiado da CVM emitiu a Deliberação CVM nº 476 que estabeleceu
os requisitos básicos a serem observados quando da aceitação de ordens desses
investidores, de forma a mitigar o risco de malformação de preço por conta de sua
participação33. Esses requisitos são: (i) o deslocamento da data de término dos pedidos
de reserva efetuados por pessoas vinculadas para data que anteceder, no mínimo, sete
dias úteis ao encerramento da coleta de intenções de investimento (bookbuilding); (ii)
restringir a participação desses investidores na oferta à parcela (tranche) destinada
aos investidores não institucionais; e (iii) sujeitar tais investidores classificados
como pessoas vinculadas às mesmas restrições impostas aos demais investidores
não institucionais (como limites quanto ao valor do pedido de reserva, restrições à
sua participação em uma única instituição intermediária, condições de desistência
que não dependam de sua única vontade e sujeição ao rateio em caso de excesso de
demanda, entre outras). Adicionalmente, conforme o Ofício-Circular Nº 2/2019/
CVM/ SRE, item 18, a SRE orienta que seja estabelecido um limite máximo de R$1
milhão para reserva por investidor não institucional na tranche da oferta destinada
aos investidores de varejo (o que seria o valor mínimo necessário para caracterização
de investidor qualificado). Dessa forma, se não houver o estabelecimento de limite
máximo de pedido de reserva para esses investidores, em linha com a orientação do
ofício, a SRE entende que não estará mitigada a possibilidade de favorecimento e
utilização de informação para obtenção de vantagem indevida pela pessoa vinculada,
o que poderia causar o indeferimento do pedido de dispensa formulado com base na
Deliberação CVM nº 476.
33 Embora os requisitos básicos previstos pela Deliberação CVM 476 sirvam para mitigar o risco de má formação
de preço e/ou perda de liquidez dos valores mobiliários no mercado secundário, deverá ser incluído um fator de risco
no prospecto indicando o risco associado diante da participação de pessoas vinculadas no processo de bookbuilding,
conforme orientação do Ofício-Circular Nº 2/2019/CVM/SRE, item 38.12.7.
34 Conforme decisão do Colegiado da CVM de 28 de junho de 2016, no âmbito do Processo Administrativo CVM
nº RJ 2014/13261, conclui-se que as ofertas públicas de distribuição de ações com esforços restritos via Instrução CVM 476
podem admitir o aumento da quantidade das ações a serem ofertadas, mediante a outorga de opção de distribuição de lote
suplementar, seja ela uma oferta inicial (IPO) ou uma oferta subsequente (follow-on). A opção de aumento da oferta pode
ser outorgada tanto pelo emissor quanto por acionista vendedor.
No primeiro cenário, o preço das ações sobe e não se faz necessária a atividade de
estabilização. Por outro lado, o coordenador e agente estabilizador precisará devolver
as ações que tomou emprestado. Esse coordenador não optará por recomprar essas
ações no mercado para devolvê-las pois terá um prejuízo, já que, para comprar, pagará
mais caro do que o valor pelo qual vendeu. Nesse momento, esse coordenador exerce a
35 O termo greenshoe tem sua origem na companhia Green Shoe Manufacturing Company (atualmente Stride Rite
Corporation), que foi a primeira a implementar a cláusula de lote suplementar no contrato de distribuição de sua oferta
pública de distribuição de ações no exterior.
Tão logo tenha ocorrido a distribuição dos valores mobiliários, seja nos termos da
oferta base, aumentada ou não em até 20% pelo lote adicional de ações (hot issue)
e/ou em até 15% pelo exercício da opção de lote suplementar de ações (greenshoe),
ocorrerá a liquidação física e financeira desses valores mobiliários. Essa liquidação se
dará em até três diasúteis contados da divulgação do anúncio de início da oferta, com
relação à oferta base e ao hot issue (que, se ocorrer, se incorporará à oferta base) e em
até três dias úteis contados da data do exercício do greenshoe, conforme previsto no
contrato de distribuição.
Também deverá ser suspensa a oferta pela CVM quando for constatada qualquer
Como abordaremos no subitem 21.4.2 abaixo, o coordenador líder possui, por força
do artigo 56, parágrafo 1º, da Instrução CVM nº 400, o dever de agir de forma diligente
para assegurar que as informações prestadas pelo ofertante sejam verdadeiras,
consistentes, corretas e suficientes, permitindo aos investidores uma tomada de decisão
fundamentada a respeito da oferta, e também assegurar que as informações fornecidas
ao mercado durante todo o processo de distribuição sejam suficientes, permitindo aos
investidores a tomada de decisão de investimento fundamentada a respeito da oferta.
Ainda, nos termos do artigo 37, inciso VII, da Instrução CVM nº 400, o coordenador
líder (e, por vezes, os demais coordenadores por força contratual conforme
usualmente previsto nos contratos de distribuição) deve obrigatoriamente participar
ativamente, em conjunto com o ofertante, da elaboração do prospecto, devendo
agir de forma diligente na verificação da consistência, qualidade e suficiência das
informações dele constantes.
O Anexo III da Instrução CVM nº 400 elenca todas as seções que deverão constar
no prospecto da oferta, tais como: (i) sumário da oferta, contendo resumo sobre as
principais características da operação; (ii) sumário da emissora, que deverá abordar
as principais informações sobre a emissora, em destaque àquelas presentes no
formulário de referência, além de seus pontos fortes ou vantagens competitivas e
das suas principais estratégias; (iii) informações relativas à oferta, com detalhamento
sobre todas as características dos valores mobiliários, da oferta propriamente dita,
forma de adesão por parte dos investidores, relacionamentos entre a emissora e os
bancos coordenadores, etc. (iv) contratos de distribuição e de garantia de liquidez,
estabilização de preço e/ou de opção de colocação de lote suplementar, onde deverá
informar as principais características desses contratos em conformidade com as
normas da CVM; (v) destinação de recursos, onde deverá ser explicado de forma clara
e objetiva onde serão alocados os recursos provenientes da oferta (exceto se se tratar
de oferta de ações exclusivamente secundária) e para que finalidade; (vi) fatores de
risco relacionados à oferta e aos valores mobiliários, em que serão abordados os fatos
com potencial impacto na decisão de investimento por parte de investidores; (vii) o
teor do formulário de referência, elaborado nos termos da Instrução CVM nº 480,
dentre outros.
Com isso, o prospecto e todas as divulgações feitas sobre a oferta no mercado deverão
sempre fazer referência expressa à necessidade de leitura cuidadosa, por todos os
investidores dos fatores de risco descritos nos documentos da oferta. Não obstante o
fato de que determinado risco tenha uma chance remota de ocorrer (ex.: terremotos
no Brasil), a conveniência ou não na descrição de cada fator de risco fica sempre a
critério da companhia emissora. Contudo, é importante ressaltar que, na ausência de
indicação de certo fator de risco que venha a se materializar no futuro e efetivamente
prejudique investidores, poderá haver ação de ressarcimento por parte desses
investidores que se sintam lesados pela ausência de informação relevante no prospecto
quando o risco já existia no momento da oferta. Os fatores de risco são, na prática,
uma apólice de seguros em benefício da companhia, pois não há restrições à venda
de valores mobiliários de emissão de companhia com severos problemas financeiros
ou sujeita a riscos importantes, mas esses problemas e riscos devem ser claramente
descritos, sem qualquer mitigação de sua gravidade, no prospecto da oferta.
Além disso, outra seção importante diz respeito à descrição dos negócios da companhia.
Nessa seção, serão descritas todas as características dos negócios e produtos do emissor,
dados operacionais, seus principais concorrentes e como ele se posiciona perante
os seus pares, forma de condução e operacionalização de seus negócios, impactos
relacionados à sazonalidade, etc. Também deverão ser descritas informações sobre os
clientes mais relevantes, além de efeitos sobre eventual regulação estatal e participação
do emissor em mercados internacionais. Com base nessas informações, o investidor
poderá analisar criteriosamente o potencial de performance da companhia, seja para
honrar uma dívida assumida (em emissões de títulos de dívida, por exemplo) ou para
aumentar seus resultados de forma a gerar lucros e dividendos para os detentores de
suas ações. Nesse contexto, também merece destaque a já referida seção de sumário
da emissora, presente no prospecto, a qual manterá consistência com as informações
presentes no formulário de referência, além de trazer informações relacionadas a
pontos fortes e estratégias de negócios da companhia emissora.
Por sua vez, a seção com a análise e discussão pelos administradores sobre a situação
financeira e os resultados operacionais da companhia, presente no item 10.1 (h)
do formulário de referência, aborda aspectos contábeis e financeiros relevantes
relacionados ao emissor, explicando cada variação das contas de resultados, das contas
Conforme disposto no artigo 56, parágrafo 1º, da Instrução CVM nº 400, o coordenador
líder é responsável por tomar todas as cautelas e agir com elevados padrões de diligência,
respondendo pela falta de diligência ou omissão, para assegurar que (i) as informações
prestadas pelo ofertante sejam verdadeiras, consistentes, corretas e suficientes; e (ii)
as informações fornecidas ao mercado durante todo o prazo de distribuição, inclusive
aquelas eventuais ou periódicas constantes da atualização do registro da companhia e
as constantes do estudo de viabilidade econômico-financeira do empreendimento, se
aplicável, que venham a integrar o prospecto, sejam suficientes38. Essas informações
38 Vide Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ 2015/10276 (decisão do Colegiado de 04/10/2016, e
sessão de julgamento de 11/07/2017), RJ 2014/9034 (decisão do Colegiado de 21/07/2015), e Processos Administrativos
CVM nsº RJ 2014/7742 (decisão do Colegiado de 05/05/2015), RJ 2013/4432 (decisão do Colegiado de 19/11/2013) e
RJ 2012/7765 (decisão do Colegiado de 19/02/2013),que discutiram o descumprimento do dever de diligência quanto às
informações prestadas aos investidores, conforme previsto no artigo 56, §1º da Instrução CVM 400, gerando penalidades
às instituições infratoras.
Como resultado desses processos de legal due diligence das informações existentes nos
prospectos e formulário de referência, os escritórios de advocacia envolvidos emitem,
cada qual individualmente, um parecer legal para os bancos coordenadores da oferta,
denominado legal opinion. A legal opinion é um dos documentos que dará a segurança
aos bancos coordenadores de que esses atenderam ao requisito do parágrafo 1º do
artigo 56 da Instrução CVM nº 400.
Contudo, algumas informações indicadas nos prospectos não podem ser validadas
através de uma análise quanto aos aspectos jurídicos dos documentos solicitados na
lista de due diligence. São informações de natureza não contábil, em geral relacionadas
a dados operacionais da companhia, afirmações sobre o market share que ela possui
em seus mercados de atuação, dados de natureza econômica, estudos e informações
técnicas, etc. Para garantir a veracidade dessas informações, faz-se necessária a
condução de um outro processo em paralelo denominado back up. Por esse processo,
os advogados enviam uma lista fazendo referência expressa a diversos trechos dos
prospectos e anexos formulários de referência e solicitam que a companhia forneça
documentos adicionais que possam comprovar a veracidade das informações ali
apresentadas. A forma de atendimento dessas solicitações dependerá do tipo de
informação indicada nos prospectos, podendo ser por meio de estudos feitos por
empresas independentes, dados provenientes de fontes governamentais ou mesmo
relatórios internos gerenciais, entre outros. Os documentos comprobatórios dessas
informações serão organizados e reunidos em um dossiê único que será fornecido
aos bancos coordenadores, que manterão esse material em arquivo para demonstrar,
se necessário, que atenderam ao requisito do parágrafo 1º do artigo 56 da Instrução
CVM nº 400.
Assim, os bancos coordenadores, cada qual de posse de uma via da legal opinion de
cada escritório de advocacia envolvido na oferta, do dossiê de back up e, ainda, de uma
via da carta conforto emitida por cada auditor independente, podem comprovar que
agiram com elevados padrões de diligência para assegurar que todas as informações
existentes nos prospectos e formulário de referência eram verdadeiras, consistentes,
corretas e suficientes para permitir uma decisão fundamentada de investimento por
cada investidor.
39 Anteriormente regulada pela revogada norma contábil NPA 12 emitida pelo Instituto dos Auditores
Independentes do Brasil – IBRACON, o qual deixou de emitir pronunciamentos contábeis, a carta conforto atualmente
deve observar os procedimentos indicados pela norma de contabilidade CTA 23, de 15 de maio de 2015, emitida pelo
Conselho Federal de Contabilidade.
40 Vide Processos Administrativos CVM nsº RJ 2014/13043 (decisão do Colegiado de 24/03/2015), RJ 2014/3427
(decisão do Colegiado de 18/11/2014), RJ 2011/9734 (decisão do Colegiado de 19/10/2011) eRJ 2011/5750 (decisão do
Colegiado de 02/08/2011), e Processos Administrativos Sancionadores CVM nsº RJ 2016/2965 (julgado em 21/06/2017),
RJ 2014/2046 (decisão do Colegiado de 16/12/2014), e RJ 2009/0485 (decisão do Colegiado de 08/12/2009), que discutiram
a veiculação de matérias na mídia no contexto de ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, e possível infração
ao disposto no artigo 48, inciso IV da Instrução CVM 400.
O início do período de silêncio pode, portanto, ser menor caso o ofertante inicie o
planejamento ou os trabalhos da oferta em prazo inferior aos 60 dias anteriores ao
protocolo na CVM do pedido de registro da oferta, hipótese em que a companhia e/ou
o ofertante devem reunir registros que possam comprovar o momento do efetivo início
do planejamento ou da decisão de realizar a oferta. A data em que a carta-mandato
é assinada entre o ofertante e os bancos coordenadores, por exemplo, pode ser um
elemento de comprovação de início dos trabalhos. Nesse sentido, companhias que
frequentemente acessam o mercado por meio de emissões de valores mobiliários com
registro na CVM, que demandam a elaboração de documentos extensos e complexos,
podem ter maior celeridade nessa tomada de decisão por terem condições de planejar
e preparar uma emissão em um intervalo de tempo reduzido e, consequentemente,
podem ser beneficiadas pela postergação do início do período de silêncio.
Nos últimos anos, vários processos administrativos foram instaurados pela CVM para
apurar alegadas quebras de período de silêncio. De 2008 até 2018, a maioria das infrações
relacionadas à inobservância do período de silêncio ocorreram devido a declarações
por parte dos principais envolvidos naquelas ofertas – tanto declarações no dia da
cerimônia de início de negociação dos valores mobiliários objeto da oferta na bolsa
de valores quanto em notícias veiculadas em jornais ou outros meios de comunicação
Vale destacar que o fato de uma ofertante estar em período de silêncio não significa que
ela esteja impedida de fazer toda e qualquer tipo de manifestação pública ou divulgação
de informações durante o processo da oferta. Divulgações consideradas obrigatórias,
como aquelas referentes a fatos relevantes ou envio de informações periódicas à
CVM, via sistema IPE, por exigência regulamentar, devem ser mantidas. A não
divulgação dessas informações obrigatórias pode gerar penalidades à companhia por
descumprimento normativo ou ainda influenciar o mercado caso essas informações,
aguardadas normalmente pelos investidores, deixem de ser divulgadas.
Por fim, caso haja um evento novo durante esse período, não divulgado no prospecto
e que possa ter impacto sobre a decisão de investimento, deve haver uma divulgação
imediata de fato relevante alertando a respeito, eventualmente com divulgação de
novo prospecto contendo a referida informação, se necessário. A possibilidade da
ocorrência desse novo evento, se não estiver prevista no prospecto, em todos os seus
aspectos relevantes, e a depender das características específicas da oferta, especialmente
da existência de oferta ao varejo, poderá impactar o cronograma da operação, pois a
regulamentação exige que os investidores tenham um prazo adicional para análise da
nova informação e do seu interesse em manter a adesão à oferta.
A primeira exceção, prevista na alínea “a” do inciso II, diz respeito às atividades de
estabilização. Essa previsão já constava na redação original da Instrução CVM nº
400 e permite que as operações de compra e venda dos valores mobiliários durante a
oferta no contexto do plano de estabilização aprovado pela CVM sejam realizadas sem
infringir a regra geral de restrições a negociações.
A exceção da alínea “b”, também prevista originalmente na Instrução CVM nº 400, permite
que sejam realizadas alienações, totais ou parciais, de lote de valores mobiliários objeto de
garantia firme. Assim, da mesma forma como previsto em outra exceção a ser abordada
na sequência, esta garante que as instituições intermediárias possam se desfazer de valores
mobiliários adquiridos ao honrar o compromisso de garantia firme, permitindo que
A alínea “c”, também tendo redação original da Instrução CVM nº 400, trata da
possibilidade de negociação com os valores mobiliários por conta e ordem de terceiros.
Isso permite que, por exemplo, as instituições intermediárias atuantes em uma oferta
também possam prestar serviços aos seus clientes que desejam adquirir os valores
mobiliários indicados no caput do inciso II, mesmo enquanto ainda não tenha sido
divulgado o anúncio de encerramento.
Por sua vez, a alínea “d” diz respeito às operações destinadas a acompanhar índice
de ações, certificado ou recibo de valores mobiliários. Tal exceção também traz sua
redação original da Instrução CVM nº 400 e permite que as instituições intermediárias
continuem prestando serviços aos seus clientes, em que pese estejam atuando numa
determinada oferta, dado que as operações indicadas na referida alínea não estão
vinculadas especificamente ao valor mobiliário objeto da oferta e, com isso, não
manipulariam o preço daquele.
Já a alínea “e”, que diz respeito a operações destinadas a proteger posições assumidas
em derivativos contratados com terceiros, surgiu no contexto da Audiência Pública
SDM nº 01/2009, tendo sido posteriormente alterada para uma redação mais abrangente
no contexto da Audiência Pública SDM nº 07/2012. Uma vez que as instituições
intermediárias assumem uma exposição perante terceiro, com a obrigação, por exemplo,
de transferir para esse terceiro a valorização e os resultados de uma determinada posição
em algum ativo, faz-se necessário um hedge como proteção dessa exposição, através
da assunção de posições no ativo em referência. Assim, tal hedge seria apenas uma
operação que busca excluir qualquer risco da instituição financeira em relação à variação
de preço do ativo referenciado no contrato de derivativo do qual é parte, não causando
manipulação de preço do valor mobiliário da oferta pública em curso.
A alínea “g”, que surgiu no contexto da Audiência Pública SDM nº 01/2009 como fruto
de comentários feitos pelos participantes, permite que haja a negociação dos valores
mobiliários referidos no caput do inciso II desde que relacionados à administração
discricionária de carteira de terceiros. Com isso, operações realizadas pelas instituições
intermediárias em nome de seus clientes, ao atuarem como administradores fiduciários
dos recursos de seus clientes, são excepcionadas das restrições da regra geral.
Já as alíneas “h”, “i” e “j” foram propostas recentemente pela CVM no contexto da
Audiência Pública SDM nº 07/2012. A alínea “h” visa a permitir as atividades de client
facilitation, ou seja, atividades feitas pelas instituições intermediárias de provimento de
liquidez a seus clientes. Essas operações são exclusivamente solicitadas pelos clientes,
em geral investidores com um lote de valores mobiliários relativamente grande e sem
liquidez, que buscam uma instituição financeira do sistema de distribuição de valores
mobiliários para auxiliar nessa transação. Com isso, a instituição determina um preço
pelo lote, ajustado diante do tamanho do lote e liquidez do valor mobiliário, os adquire
do investidor e se desfaz em uma ou várias operações.
Por sua vez, a alínea “i” possibilita a atividade de arbitragem, em que um arbitrador
busca um lucro imediato devido a uma precificação imprecisa de um determinado
ativo (em mercados diferentes ou diante de ativos relacionados) e à natural tendência
de correção dessa imprecisão.
Por fim, a alínea “j” permite as operações destinadas a cumprir obrigações assumidas
antes do início do período de vedação do caput, como operações de empréstimo,
exercício de opções de compra ou venda por terceiros, ou contratos de compra e
venda a termo. Com isso, a importância dessa exceção é permitir que as instituições
intermediárias cumpram obrigações assumidas antes do período de vedação. Caso a
instituição intermediária fosse impedida de fazer essa negociação, poderia incorrer
em inadimplemento quando do vencimento da operação, prejudicando a contraparte
e, eventualmente, refletindo num relativo risco sistêmico para o mercado financeiro.
Vale destacar que as operações realizadas dentro das exceções previstas no referido
inciso II deverão constar em relatório a ser elaborado em até 7 dias úteis contados da
divulgação do anúncio de encerramento, nos moldes do Anexo XI da Instrução CVM
nº 400, e ser guardado pelo prazo de 5 anos (ou superior por determinação da CVM)
juntamente com toda a documentação que respalda essas operações.
Por fim, além das restrições previstas acima, tanto do artigo 48 da Instrução CVM 400
quanto dos regulamentos da B3, as ofertas públicas de distribuição de ações (seja IPO
ou oferta subsequente follow-on) costumam contar também com acordos celebrados
na forma de lock-up letters. Em linhas gerais, esses acordos, celebrados com os agentes
de colocação internacional (usualmente as entidades internacionais pertencentes ao
mesmo grupo econômico dos coordenadores sediados no Brasil), estabelecem que,
ressalvadas algumas exceções previstas nessas cartas, a companhia, eventuais acionistas
vendedores, e membros do conselho de administração e diretores da companhia, por
46 Os termos abaixo são igualmente definidos em quaisquer dos regulamentos dos segmentos diferenciados de
governança corporativa da B3, seja “Novo Mercado”, “Nível 1”, “Nível 2”, “Bovespa Mais” ou “Bovespa Mais Nível 2”
2.1. Termos Definidos. Neste Regulamento, os termos abaixo, em sua forma plural ou singular, terão os seguintes
significados:
“Acionista Controlador” significa o(s) acionista(s) ou o Grupo de Acionistas que exerça(m) o Poder de Controle da
Companhia.
“Administradores” significa, quando no singular, os diretores e membros do conselho de administração da Companhia
referidos individualmente ou, quando no plural, os diretores e membros do conselho de administração da Companhia
referidos conjuntamente.
“Derivativos” significa títulos e valores mobiliários negociados em mercados de liquidação futura ou outros ativos tendo
como lastro ou objeto valores mobiliários de emissão da Companhia.
“Grupo de Acionistas” significa o grupo de pessoas: (i) vinculadas por contratos ou acordos de voto de qualquer natu-reza,
seja diretamente ou por meio de sociedades controladas, controladoras ou sob controle comum; ou (ii) entre as quais haja
relação de controle; ou (iii) sob controle comum.
“Poder de Controle” significa o poder efetivamente utilizado de dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamen¬to
dos órgãos da Companhia, de forma direta ou indireta, de fato ou de direito, independentemente da participação acionária
detida. Há presunção relativa de titularidade do controle em relação à pessoa ou ao Grupo de Acionistas que seja titular
de ações que lhe tenham assegurado a maioria absoluta dos votos dos acionistas presentes nas 3 (três) últimas assembleias
gerais da Companhia, ainda que não seja titular das ações que lhe assegurem a maioria absoluta do capital votante.
Todas essas restrições, sejam pelo artigo 48 da Instrução CVM nº 400, regulamentos
da B3, ou lock-up letters, visam a garantir que investidores adquirentes dos valores
mobiliários da oferta não sejam prejudicados logo após o início de negociação das
ações em bolsa de valores, com volatilidades e potenciais desvalorizações diante de
uma venda excessiva de papéis em função do momento de liquidez gerado pela oferta.
22 À LAVAGEM DE
DINHEIRO E AO
FINANCIAMENTO
DO TERRORISMO
(PLDFT)
Como se pode imaginar, há diversas versões que explicam a origem do termo lavagem
de dinheiro, ou money laundering. O termo teria sido originalmente utilizado por
autoridades norte-americanas, durante o período de vigência de sua Lei Seca, nos anos
20 e 30 do século XX, para descrever um dos métodos usados pela máfia daquele país1
para justificar a origem de recursos ilícitos: a exploração de máquinas de lavar roupas
automáticas2.
A expressão foi utilizada no contexto judicial pela primeira vez nos Estados Unidos
em 1982, em um processo envolvendo suposta lavagem de recursos provenientes
de tráfico de cocaína colombiana, tendo se popularizado ao redor do mundo desde
então3.
De fato, foi a partir dos anos 80 do século XX que o fenômeno da lavagem de dinheiro
ganhou especial atenção na esfera internacional, quando o crime organizado,
particularmente seu braço ligado ao tráfico de drogas, passou a demonstrar
1 “O lendário mafioso Alphonse Capone (1899-1947), que controlou durante muitos anos o crime organizado
na região de Chicago, nos Estados Unidos, teria provocado a criação do termo money laundering ao adquirir uma cadeia
de lavanderias automáticas, da marca Sanitary Cleaning Shops, como canal para legitimar a procedência dos recursos ilícitos.
Essa fachada permitia-lhe fazer depósitos bancários em notas de baixo valor, normais para a atividade, misturadas com
aquelas resultantes do comércio ilegal de bebidas alcoólicas, da exploração da prostituição, do jogo ilegal e da extorsão”. RIZZO,
Maria Balbina Martins De. Prevenção à lavagem de dinheiro nas instituições do mercado financeiro. São Paulo: Trevisan
Editora, 2013, p. 34.
2 BADARÓ, Gustavo Henrique. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais
penais: comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei 12.683/2012. 3ª Ed, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2016, p. 29.
3 “É certo que essa terminologia não é mundialmente uniforme. Na França e Bélgica fala-se em blanchiment
d’argent; na Espanha, blanqueo de capitales ou blanqueo de dinero; em Portugal, branqueamento de dinheiro. Enquanto no
direito destes países a denominação leva em conta o resultado da ação (tornar limpo, branquear o dinheiro), noutras legislações
predominou o verbo indicativo da natureza da ação praticada (lavar). É assim no direito anglo-saxão, money laundering; na
Argentina, lavado de dinero; na Itália, riciclaggio di denaro”.
Como consequência, notou-se que o dinheiro era o aspecto central das organizações
criminosas, cujos membros são comumente substituíveis. A tática mais efetiva,
portanto, além de passar pelo encarceramento de seus membros, exigia habilidade
de rastreamento dos recursos (follow the money4) e seu confisco. Uma vez que as
organizações criminosas empregavam artifícios de lavagem de dinheiro para conferir
caráter aparentemente legítimo a seu capital, o combate à lavagem passou a figurar
como principal elemento de política criminal de combate ao crime organizado. Com
o passar do tempo, forem surgindo unidades de inteligência financeira dedicadas à
tarefa de rastreamento, amparadas por legislação e normas tipificando criminalmente
atividades de ocultação de bens e direito. O desenvolvimento tecnológico contribuiu,
fazendo com que o aparato estatal passasse a valer-se da análise de informações e
dados para o combate ao crime organizado.
Pois bem, este dinheiro sujo5, fruto da lavagem, passa a fazer parte de um círculo vicioso,
na medida em que é oriundo de uma atividade ilícita ou criminosa e financia a prática
de crime seguinte, por meio de estruturas complexas e cada vez mais globalizadas. Com
efeito, organizações criminosas sofisticadas não reconhecem fronteiras e direcionam
suas atividades para jurisdições que percebem como ineficientes, em alguma medida,
para coibir a prática de seus crimes e ilícitos.
4 “Foi também durante o escândalo Watergate que surgiu a máxima follow the money, orientação que o então
informante misterioso chamado ‘Garganta Profunda’ (que só teve sua identidade revelada em 2005) deu ao repórter Bob
Woodward, do Washington Post, para descobrir a participação efetiva do governo americano no escândalo por meio
do rastreamento do dinheiro”. RIZZO, Idem, p. 34.
5 “Entre nós, em linguagem popular, costuma-se dizer que há três tipos de dinheiro fora do País: um é o
dinheiro quente, que possui origem regular comprovada.; outro é o dinheiro frio, não declarado ao governo, visto que sonegado
geralmente em caixa 2 das empresas; e o terceiro é o chamado dinheiro sujo, cuja origem corresponde ao produto de ilícito
penal”. BARROS, Marco Antonio de. Idem, p. 45.
Interessante notar que, no Brasil, a corrupção afigura-se como uma das maiores fontes
de recursos ilícitos sujeitos à lavagem de dinheiro. A corrupção desempenha papel
significativo nos fluxos desses recursos e representa limitação ao desenvolvimento
6 https://www.swift.com/about-us/swift-fin-traffic-figures
7 http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD
8 SANTOS, José Anacleto Abduch. BERTONCINI, Mateus. COSTÓDIO FILHO, Ubirajara. Comentários à Lei
12.846/2013: Lei anticorrupção. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 21.
9 . “Essa técnica é conhecida como smurfing, cujo objetivo é driblar o controle dos bancos ao fragmentar os valores
depositados a fim de não alcançar o valor que obrigatoriamente deveria ser comunicado às autoridades.” (RIZZO, op. cit., p. 47.)
10 . Técnica conhecida como commingling. RIZZO, Idem, p. 47.
11 . Técnicas incluem acumulação, controle, circulação, estratificação e transformação.
12 . “São exemplos da dissimulação o envio do dinheiro já convertido em moeda estrangeira para o exterior
via cabo para contas de terceiros ou de empresas das quais o agente não seja beneficiário ostensivo, o repasse dos valores
convertidos em cheque de viagem ao portador com troca em outro país, as transferências eletrônicas não oficiais, dentre
tantas outras”. BADARÓ, Gustavo Henrique. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Idem, p.33.
13 . Técnica conhecida como loanback. BADARÓ. BOTTINI. Op. cit. p.33.
A legislação brasileira não exige a completude do ciclo exposto acima para a tipicidade
da lavagem de dinheiro. Não é necessária a reintegração do capital à economia formal.
Basta a etapa de ocultação para a materialidade do crime, incidindo sobre ela a mesma
pena aplicável à dissimulação. Como indicado anteriormente, no entanto, todas as
etapas são estruturadas como instrumentos que servem à ulterior reintrodução dos
bens à economia, e, assim, há um elemento subjetivo que se encontra presente desde
a fase inicial. Ainda que o plano objetivo seja suficiente para enquadramento da
tipicidade da conduta, na esfera subjetiva sempre será necessária a intenção final de
reciclar os bens.
Para a realização das etapas acima descritas, tanto o COAF quanto outras unidades de
inteligência financeira internacionais identificaram técnicas, resultado da criatividade
e capacidade de inovação das organizações criminosas, cada vez mais sofisticadas
e amparadas por capital e aparato tecnológico. A seguir, destacamos algumas das
principais tipologias da lavagem.
14 . “Há várias versões para explicar a origem do termo. Conta-se que ao lado de uma delegacia de Polícia haveria
uma plantação de laranjas para cujo local os ladrões fugiam. Era comum, então, o delegado pedir para ‘pegar o laranja’, ou
seja, o fugitivo, na plantação. Outra versão, da década de 70, surgiu com as chamadas ‘pirâmides’, jogo no qual havia uma
pessoa que era chamada de ‘limão’ e que deveria aliciar outras dez pessoas para o jogo. As pessoas que faziam o pagamento
eram chamadas de ‘laranjas’. Mas, o que tudo indica, a palavra surgiu na gíria do submundo do crime com a finalidade de
substituir a expressão ‘testa de ferro’”. BARROS, p. 446.
“Testa de ferro”, por sua vez, é quem se apresenta como responsável por atos ou
negócios de outras pessoas, cuja figura pode ser também encontrada em operações
de lavagem.
Agentes Intermediários
Postos de combustíveis
Offshore
Uma das técnicas mais comuns consiste na aquisição de ativos tangíveis, como
veículos, barcos, obras de arte, joias, relógios, imóveis, pedras e metais preciosos, por
meio de dinheiro em espécie proveniente de atividade ilícita. Os bens assim adquiridos
podem ser posteriormente usados como efetiva moeda de troca, tornando-se meio de
pagamento para outros serviços ou atividades criminosas15.
Empresas de “fachada”
15 . A Resolução COAF nº 23, de 20 de dezembro de 2012, dispõe sobre os procedimentos a serem adotados pelas
pessoas físicas ou jurídicas que comercializam joias, pedras e metais preciosos, ao passo que a Resolução COAF nº 25, de 16
de janeiro de 2013, dispõe sobre os procedimentos a serem adotados pelas pessoas físicas ou jurídicas que comercializem
bens de luxo, ou de alto valor, ou intermedeiem a sua comercialização.
Futebol
Em tese, qualquer esporte pode ser utilizado para atividade de lavagem de dinheiro.
Como em vários exemplos aqui tratados, o fator preponderante diz respeito a volume.
Assim, o futebol é uma das modalidades mundialmente preferidas, tendo em vista os
contratos multimilionários fechados pelos jogadores. Se os salários a eles pagos já são
cifras exorbitantes, os valores pagos entre os clubes pelas respectivas transferências são
muitas vezes incompreensíveis e parecem dissociados de qualquer realidade atinente
à melhoria de imagem ou performance (em última instância geradores de receita dos
16 . Também conhecidas como sociedades em rayon, sociétés prêtes à l’emploi, ou shelf companies.
Lotéricas
Litígio Falso
Como muitas das técnicas, esta também utiliza um mecanismo em si mesmo legítimo
- ações judiciais ou arbitragens – para a finalidade de lavar dinheiro. Segundo essa
modalidade (que pode ser combinada com várias outras), os recursos que serão objeto
da lavagem são depositados na conta bancária de uma empresa. Então, outra, com a
qual esteja a primeira mancomunada, inicia litígio, por qualquer suposta violação de
direitos (que é fictícia), exigindo reparação por valor superior ao que foi originalmente
depositado. Finalmente, no âmbito da correspondente ação judicial ou arbitragem,
ocorre um acordo, por valor inferior ao originalmente exigido (mas que corresponda
ao que foi originalmente depositado em uma das empresas), permitindo assim a
transferência de recursos. Uma vez homologado o acordo, há aparência de licitude
na transferência, sem que se entre em detalhes acerca da efetiva origem dos recursos.
De forma a auxiliar na execução desta técnica, é comum que as empresas envolvidas,
ou ao menos uma delas, esteja localizada em paraísos fiscais, onde não haverá regras
rigorosas sobre a origem dos recursos inicialmente depositados.
Agências de viagem
Outro ramo de atividade que utiliza uma combinação de técnicas aqui explanadas,
17 A Resolução COAF nº 30 de 4 de maio de 2018 dispõe sobre os procedimentos a serem observados pelas
pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de
direitos de transferência de atletas ou artistas.
18 . “Há um famoso caso da década de 1990, quando um grupo de deputados foi flagrado desviando dinheiro dos
cofres públicos. Um deles, deputado baiano, justificou seu patrimônio garantindo que recebera ajuda de Deus para ganhar
221 prêmios na Loteria Federal. A compra de bilhetes premiados permitia a ele lavar todo o dinheiro desviado e declarar à
Receita Federal que tinha sorte”. RIZZO, Idem, p. 62.
Factorings
“Vaca de Papel”
Organizações religiosas
O terrorismo que conhecemos ganha seus contornos a partir do século XX, com
grupos altamente organizados, suportados por estruturas de capital e tecnologia cada
vez mais sofisticadas, e com ideologias as mais variadas.
Nenhum país do mundo pode se achar completamente livre desse problema. Muitos
destes grupos têm hierarquias complexas e descentralizadas, operando por meio
de células relativamente autônomas, que tornam sua eliminação ainda mais difícil.
Eliminar grupos de pessoas e bens tangíveis é mais fácil do que ideias.
Convenções internacionais
Convenção de Viena
Convenção de Estrasburgo
Essa convenção surge em 1990 no Conselho da Europa, tendo entrado em vigor apenas
em 1993. Seu principal mérito consiste na ampliação do rol de crimes antecedentes
à lavagem de dinheiro, abrangendo outras condutas que não apenas o narcotráfico,
previsto na Convenção de Viena. A convenção disciplinou medidas de repressão
a crimes graves, e exigiu que os signatários tipificassem a lavagem de dinheiro,
estabelecendo medidas legais de embargo e confisco de bens, privando criminosos
do fruto de suas atividades ilícitas. A aplicabilidade também abrange outros países
além daqueles que fazem parte do Conselho da Europa, incluindo os Estados Unidos,
Canadá e Austrália. O Brasil, porém, não aderiu.
Convenção da OCDE
Firmada na França em 1997, e em vigor a partir de 1999, essa convenção tem como
principais objetivos prevenir e combater a corrupção de funcionários públicos
estrangeiros em transações comerciais internacionais, por meio da definição de
obrigações de governos, empresas, advogados e sociedade civil das nações signatárias.
O Brasil promulgou essa convenção por meio do Decreto presidencial nº 3.678, de 30
de novembro de 2000, e assim obrigou-se a criar uma lei anticorrupção, o que viria a
acontecer em 2013 por meio da Lei nº 12.846.
Convenção de Palermo
Convenção de Mérida
Adotada pela ONU em 2003 e promulgada pelo Brasil em 31 de janeiro de 2006 pelo
Decreto nº 5.687, a convenção tem o objetivo específico de combate à corrupção20.
Aborda textualmente a lavagem de dinheiro em seu artigo 14 e impõe, aos signatários,
rígidos controles administrativos sobre a atuação de setores sensíveis, tais como
instituições financeiras, além de fomentar a cooperação internacional. Visava a
promover e intensificar medidas destinadas a combater a corrupção e promover
integridade e responsabilidade na gestão adequada dos assuntos públicos e da
propriedade pública.
A seguir, mencionamos os principais órgãos criados ao longo do tempo que têm, total
ou parcialmente, o objetivo de empreender esforços conjuntos para combate, repressão
e prevenção da lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.
Banco Mundial
Também criado em 1944, nos Estados Unidos, o Banco Mundial é fonte vital de
assistência financeira e técnica aos países em desenvolvimento ao redor do mundo.
Uma vez que a lavagem de dinheiro tem efeitos nocivos notáveis à economia,
sociedade e política dos países em desenvolvimento, o Banco Mundial empenha-se
no seu combate.
Representantes do Brasil fazem parte do comitê, que publicou ao longo dos anos
diversos documentos-chave abordando práticas que visam a prevenir a lavagem de
dinheiro e o financiamento ao terrorismo. Tais recomendações e práticas foram,
posteriormente, incorporadas aos ordenamentos dos diversos países representados no
comitê, inclusive do Brasil. Destacam-se:
(a) Prevention of criminal use of the banking system for the purpose of money-laundering,
de dezembro de 1988, abordando princípios de prevenção à lavagem de dinheiro. Trata
da identificação efetiva dos clientes, e supervisão de suas operações.
(b) Customer due Diligence for Banks, de outubro de 2001, estabelecendo normas
relacionadas à prevenção de lavagem, com foco na importância dos procedimentos de
Trata-se de uma entidade não governamental, sem fins econômicos, criada nos Estados
Unidos em 1985, dedicada à melhoria dos relatórios financeiros, com base na ética,
efetividade de controles internos e governança corporativa. Como decorrência da
globalização e padronização internacional de técnicas de auditoria, as recomendações
do COSO são amplamente praticadas e tidas como métodos de referência no Brasil e
na maioria dos países do mundo.
Também conhecido como Financial Action Task Force – FATF, o GAFI é uma entidade
intergovernamental criada em 1989 por influência do G7. A função do GAFI é
definir padrões e promover a efetiva implementação de medidas legais, regulatórias
e operacionais para combater a lavagem de dinheiro, o financiamento do terrorismo
e o financiamento da proliferação, além de outras ameaças à integridade do sistema
financeiro internacional relacionadas a esses crimes. Em colaboração com outros atores
internacionais, o GAFI também trabalha para identificar vulnerabilidades nacionais
com o objetivo de proteger o sistema financeiro internacional do uso indevido.
A IMoLIN é uma rede virtual que auxilia governos, organizações e indivíduos na luta
contra a lavagem de dinheiro. Este grupo tem se desenvolvido graças à cooperação das
principais organizações de combate à lavagem de dinheiro do mundo. Em seu website
está incluída uma base de dados sobre legislações e normas por todo mundo, uma
Até 2003, quando a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998) já estava em vigor há
5 anos, percebeu-se que o Brasil já tinha desenvolvido um arcabouço variado e robusto
para o combate a essa prática criminosa. No entanto, o Ministério da Justiça entendia
que ainda havia necessidade de maior articulação entre os vários elementos normativos
e sua estratégia de implementação, para atingir maior efetividade no combate à
lavagem. Não havia um programa de treinamento e capacitação de agentes públicos,
transparência plena e fácil acesso a dados, tampouco padronização tecnológica, tão
necessária diante de organizações criminosas cada vez mais sofisticadas.
Enccla
A Enccla é formada por órgãos dos três poderes da República, Ministérios Públicos e
Em outras palavras, a Enccla foi responsável pela criação de um novo Sistema Nacional
de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro, baseado em cooperação e articulação
entre diversos agentes e órgãos públicos com capacidades e dados complementares,
dividido em três níveis de atuação − estratégico, de inteligência e operacional.
Além disso, a União firmou convênios com vários Estados da Federação21, os quais
passaram a fazer parte do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), criado com a
finalidade de fomentar a cooperação e articulação entre órgãos públicos, articulação de
ações, compartilhamento de dados e informações, otimizando a utilização de recursos.
21 No Estado de São Paulo, por exemplo, o CGI – Gabinete de Gestão Integrada da Segurança Pública, iniciou
atividades em agosto de 2006, tendo como membros os representantes da Secretaria Estadual de Segurança Pública, Polícia
Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Civil, Polícia Militar, Sistema Penitenciário Estadual, Tribunal de Justiça,
Ministério Público estadual e Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Coaf
22 Por meio da Medida Provisória nº 870/2019, o Coaf seria transferido do antigo Ministério da Fazenda para
o Ministério da Justiça e Segurança Pública. No entanto, em maio de 2019 uma comissão mista de deputados e senadores
reverteu essa decisão, alocando o órgão no novo Ministério da Economia. A medida foi confirmada pela Câmara dos
Deputados e pelo Senado. Até a mais recente revisão deste artigo, em maio de 2019, ainda há discussões de cunho político
acerca da eventual transformação do Coaf em agência, sob o nome de Anif (Agência Nacional de Investigação Financeira),
todavia sem qualquer confirmação.
Bacen
O Banco Central do Brasil (Bacen) exerce controle sobre bancos comerciais, múltiplos,
de investimento, de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito,
financiamento e investimento, sociedades corretoras de câmbio ou de títulos, agências
de turismo, empresas de leasing, filiais ou representações de entes estrangeiros e
administradoras de cartões de crédito de bandeira internacional. É uma autarquia
federal, com incumbência de cumprir e fazer cumprir as disposições que regulam
o funcionamento do sistema financeiro brasileiro, bem como a política econômica
levada a efeito pelo Conselho Monetário Nacional. Suas principais funções incluem24:
emitir moeda nas condições impostas pelo Conselho Monetário Nacional; fiscalizar
e autorizar o funcionamento das instituições financeiras; representar o governo
brasileiro junto às instituições financeiras internacionais.
23 Assim dispõe a Lei n° 9.613/98: “Art. 14. É criado, no âmbito do Ministério da Fazenda, o Conselho de
Controle de Atividades Financeiras - Coaf, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar
e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas nesta Lei, sem prejuízo da competência de outros órgãos
e entidades.
§ 1º As instruções referidas no art. 10 destinadas às pessoas mencionadas no art. 9º, para as quais não exista órgão próprio
fiscalizador ou regulador, serão expedidas pelo Coaf, competindo-lhe, para esses casos, a definição das pessoas abrangidas e
a aplicação das sanções enumeradas no art. 12. (...)” Redação original, desconsiderada a modificação proposta pela Medida
Provisória nº 870/2019. Vide comentários acima.
E art. 11, § 3º: “O Coaf disponibilizará as comunicações recebidas com base no inciso II do caput aos respectivos órgãos
responsáveis pela regulação ou fiscalização das pessoas a que se refere o art. 9º.”
24 Competências privativas determinadas pelo art. 10 da Lei n° 4.595/64.
Outra norma relevante é a Carta Circular n° 3.542/2012, que divulga uma relação de
operações e situações suspeitas, que podem configurar indícios de ocorrência dos
crimes previstos na Lei de Lavagem, passíveis de comunicação ao Coaf. Essa norma
substitui a Carta Circular n° 2.826/1998 e amplia os exemplos das operações e situações
suspeitas consideravelmente, além de dividi-los em categorias específicas de negócios.
Cumpre salientar que a fiscalização exercida pelo Bacen no que se refere a operações
financeiras que tenham reflexo na lavagem de capitais possui caráter suplementar,
uma vez que o monitoramento de tais operações para fins preventivos deve ser feito
primeiramente pelas instituições obrigadas.
CVM
Previc
Atuação
Como órgão de natureza administrativa, o Coaf não tem poder para realizar quebras
de sigilo, tomar medidas cautelares ou requerer a instalação de processos penais.
O Coaf recebe, armazena e sistematiza informações, elabora relatórios, por meio
da gestão efetiva de dados, que podem ser encaminhados às autoridades de
persecução penal28.
O Coaf tem por missão prevenir o uso dos setores econômicos por quem deseja lavar
ativos, incentivando a participação das pessoas obrigadas, por meio da criação de
condições para que essas pessoas estejam cada vez mais atentas a comportamentos de
seus clientes que fujam da normalidade.
A atividade repressiva do Coaf, por sua vez, decorre de sua competência para instaurar
processos administrativos e aplicar sanções às entidades e pessoas referidas no art. 9º
da Lei de Lavagem que descumprirem as regras previstas nos artigos 10 e 11 daquela
Lei, conforme explicado abaixo.
No campo regulatório, cabe ao Coaf elaborar regras voltadas a alguns setores sensíveis
à lavagem de dinheiro, sobre a forma e método de registro de informações de clientes
e sobre os atos suspeitos de lavagem que devem ser comunicados, além daqueles
previstos expressamente na Lei de Lavagem. Como regulador dos setores que não
contam com órgão regulador próprio, o Coaf vem, desde 1999, expedindo resoluções
29 Lei n° 9.613/98, art. 11, §1º.
30 De acordo com a atual redação do art. 10 da Lei n° 9.613/98, tal como modificada pela Lei n° 12.683/12, as
solicitações feitas pelo Coaf não necessitam de ordem judicial correspondente, e devem ser atendidas ainda que o respectivo
setor possua um órgão regulador próprio.
Como indicado acima, há diversos dispositivos legais, tanto na Lei de Lavagem como
em normas emanadas por autoridades regulatórias, que obrigam o fornecimento
de informações ao Coaf. As comunicações encaminhadas pelos setores obrigados
são recebidas pelo Siscoaf (Sistema de Controle de Atividades Financeiras) − um
portal eletrônico destinado às comunicações. O Siscoaf é programado com regras de
inteligência previamente definidas, e efetua eletronicamente uma análise sistêmica,
além de distribuir as comunicações que deverão ser tratadas individualmente pelos
analistas.
Além dessa base de dados, são utilizadas outras fontes de informações como,
por exemplo, Rede Infoseg (base de inquéritos), Cadastro de Pessoas Físicas −
CPF, Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ, Declaração de Operações
O conteúdo do RIF é protegido por sigilo constitucional, inclusive nos termos da Lei
Complementar n° 105, de 2001.
Intercâmbio de Informações
Este mesmo artigo, em seu §1º, dispõe que as instruções referidas no art. 10 destinadas
às pessoas mencionadas no art. 9º, para as quais não exista órgão próprio fiscalizador
ou regulador, serão expedidas pelo Coaf, competindo-lhe, para esses casos, a definição
das pessoas abrangidas e a aplicação das sanções enumeradas no art. 12.
Segundo o mesmo art. 12, às pessoas referidas no art. 9º da Lei nº 9.613/98, bem
como aos administradores das pessoas jurídicas, que deixem de cumprir as obrigações
previstas nos seus arts. 10 e 11 serão aplicadas, cumulativamente ou não, pelas
autoridades competentes, as seguintes sanções:
I - advertência;
II - multa pecuniária variável não superior:
a) ao dobro do valor da operação;
b) ao dobro do lucro real obtido ou que presumivelmente seria obtido pela
realização da operação;
ou
c) ao valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais);
III - inabilitação temporária, pelo prazo de até dez anos, para o exercício do cargo de
administrador das pessoas jurídicas referidas no art. 9º;
IV - cassação ou suspensão da autorização para o exercício de atividade, operação ou
funcionamento.
Como acima explicado, o Brasil assumiu, por meio de convenções internacionais sobre
o combate à lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo, obrigações para
adotar normas que tipificassem como crime as atividades de lavagem, e efetivamente
criassem um arcabouço jurídico sólido para o seu combate, repressão e prevenção.
Diante do cenário acima, já nos anos 1990, algumas medidas foram implementadas
com o objetivo de inibir o uso do sistema financeiro como instrumento de lavagem de
dinheiro. A Lei n° 8.383/91 determinou32 que o gerente ou administrador de instituição
financeira ou assemelhada que concorrer para a abertura de contas ou movimentação
de recursos sob nome falso, de pessoa inexistente, ou de pessoa jurídica liquidada ou
sem representação regular responderia por coautoria pelo crime de falsidade. O Banco
Central, também nessa época, expediu as primeiras resoluções objetivando obrigar
as instituições bancárias a manter maior controle sobre as atividades de seus clientes.
então Ministério da Fazenda para o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Medida Provisória nº 870/2019.
Conforme comentários anteriores, tal transferência foi frustrada pelo Congresso, fazendo com que o órgão permanecesse
sob o então denominado Ministério da Economia. Até a revisão deste artigo, em maio de 2019, O Decreto nº 9.663 não
foi revogado, a despeito de tratar o Coaf como pertencendo ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Este decreto
estabelece um novo estatuto para o Coaf, incluindo disposições atinentes ao Processo Administrativo Sancionador, a partir
de seu artigo 18.
32 “Art. 64. Responderão como co-autores de crime de falsidade o gerente e o administrador de instituição
financeira ou assemelhadas que concorrerem para que seja aberta conta ou movimentados recursos sob nome:
I - falso;
II - de pessoa física ou de pessoa jurídica inexistente;
III - de pessoa jurídica liquidada de fato ou sem representação regular.
Parágrafo único. É facultado às instituições financeiras e às assemelhadas, solicitar ao Departamento da Receita Federal a
confirmação do número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Geral de Contribuintes.”
Lei nº 12.683/12
Dentre os importantes avanços trazidos pela Lei nº 12.683 para a prevenção e combate
à lavagem de dinheiro, destacam-se:
- extinção do rol taxativo de crimes antecedentes, admitindo-se agora como
crime antecedente da lavagem de dinheiro qualquer infração penal33;
- inclusão das hipóteses de alienação antecipada e outras medidas
assecuratórias que garantam que os bens não sofram desvalorização ou
deterioração34;
- inclusão de novos sujeitos obrigados, tais como cartórios, profissionais que
exerçam atividades de assessoria ou consultoria financeira, representantes
33 Lei n° 9.613/98: “Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou
propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.”
34 Lei n° 9.613/98: “Art. 4º O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação
do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração
penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em
nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações
penais antecedentes."
Enquadramento do Crime
Como indicado acima, segundo a redação atual da Lei n° 9.613 qualquer infração
penal serve de antecedente para a prática da lavagem, mediante a caracterização dolosa
das condutas indicadas no tipo, a saber, ocultar ou dissimular a natureza, origem,
localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores, de
origem criminosa. Há outras condutas indicadas nos §§ 1º e 2º do art. 1º que sujeitam
quem as pratica à mesma pena.
Neste ponto, cabe comentar uma mudança trazida ao inciso I do §2º, que estipula
incorrer na mesma pena quem “utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens,
direitos ou valores provenientes de infração penal”. Até 2012, o dispositivo acima
mencionado exigia o conhecimento de quem utiliza tais recursos, de que eram
oriundos de crime, o que foi suprimido a partir da reforma da lei.
Até 2012, apenas pessoas jurídicas eram obrigadas a prestar informações e cadastrar
clientes. Pessoas físicas não estavam sujeitas a tais obrigações, exceção feita apenas a
algumas categorias, tais como aquelas que desenvolvessem atividades de agentes, dirigentes,
procuradoras, comissionárias ou representantes de entidades estrangeiras que atuassem
nos setores sensíveis, ou que comercializassem joias, pedras e metais preciosos, ou objetos
de arte. No entanto, a Lei nº 12.683 determinou que todas as pessoas físicas que atuem em
qualquer dos setores sensíveis devem observar as obrigações da Lei de Lavagem.
Adicionalmente, foram incluídas novas categorias de setores que passam a integrar o rol
daqueles considerados sensíveis, do inciso XIII ao XVIII do art. 9º da Lei, a saber:
Art. 9º (...)
(...)
(...)
Obrigações Administrativas
As pessoas e entidades obrigadas sob a Lei de Lavagem em seu art. 9º têm obrigação de
manutenção de cadastros e coleta de informações relacionadas a seus clientes (política
conhecida como KYC, ou know your client), bem como de comunicar às autoridades
atividades suspeitas potencialmente relacionadas à lavagem de dinheiro39.
A CVM editou, em 16 de abril de 1999, sua Instrução 301, que dispõe sobre a
identificação, o cadastro, o registro, as operações, a comunicação, os limites e a
responsabilidade administrativa de que trata a Lei de Lavagem de Dinheiro. A norma
tratou de estipular regras específicas para a área de competência regulatória da CVM,
refletindo ainda os compromissos assumidos internacionalmente pelo Brasil, e as
Recomendações do GAFI vigentes à ocasião.
40 Os supervisores próprios de cada uma das áreas sensíveis editam normas a respeito dos critérios que
constituem operações suspeitas, tais como aquelas já indicadas aqui emitidas pelo Bacen, Susep, Previc e CVM.
41 Instrução CVM n° 301/99, art. 2º.
O rol de operações suspeitas, que possam constituir sérios indícios de crimes previstos
na Lei de Lavagem, encontra-se no art. 6º da Instrução. A lista tem caráter meramente
exemplificativo, posto que as pessoas obrigadas sob a Instrução n° 301 devem
comunicar ao Coaf, abstendo-se de dar ciência de tal ato a qualquer pessoa, inclusive
àquela a qual se refira a informação, no prazo de 24 horas a contar da ocorrência que,
objetivamente, permita fazê-lo, todas as transações, ou propostas de transação, que
No que diz respeito aos diretores empenhados nas regras de combate à lavagem
de dinheiro, a CVM demonstrou seu entendimento de que existe um conflito de
interesses inerente entre a implementação das medidas de PLDFT e sua respectiva
supervisão. Assim, a minuta de nova instrução estabelece que sejam nomeados dois
diretores, sendo um responsável pelo cumprimento e outro pela supervisão dos
procedimentos e controles internos. Pelo mesmo motivo exposto, as funções não
podem ser desempenhadas pelo mesmo diretor (para conglomerados econômicos a
indicação pode ser feita para todo o grupo).
Sobre a questão do beneficiário final, nota-se que a Instrução n° 301/99, embora traga
a obrigação de estabelecimento de procedimentos que permitam sua identificação
(inclusive listando como situação sujeita a comunicação sua eventual impossibilidade),
não há um conceito do que seria tal beneficiário. A proposta de nova regulamentação,
por outro lado, claramente determina que as informações cadastrais devem abranger
representantes dos clientes, bem como a cadeia de participação societária, até alcançar
a pessoa natural caracterizada como beneficiário final. O conceito é introduzido
como sendo a pessoa natural ou grupo de pessoas naturais que efetivamente, direta
ou indiretamente, possua, controle, influencie significativamente (mais de 25%) um
cliente pessoa natural, pessoa jurídica ou outra estrutura jurídica em nome do qual
uma transação esteja sendo conduzida ou dela se beneficie.
23 PENHORA EM
RELAÇÃO A
INVESTIMENTOS
COM RESTRIÇÕES
DE LIQUIDEZ
23.1. Introdução
A preocupação com a efetividade da tutela jurisdicional é um tema que permeia a
realidade da Justiça brasileira, constantemente questionada em relação à falta de
rapidez e de efetividade na solução das lides. Assim, ao longo dos últimos anos,
esforços têm sido envidados para modificar a legislação processual brasileira com o
objetivo primordial de garantir mecanismos que assegurem, em caso de violação de
direitos, a devida reparação do dano de forma rápida e efetiva.
Nesse contexto, com os avanços tecnológicos da atualidade, o Bacen Jud surgiu como
ferramenta eficaz no auxílio da prestação da tutela jurisdicional, conferindo maior
agilidade à penhora eletrônica, também conhecida como penhora on-line.
A penhora on-line tem por objeto não apenas “dinheiro em depósito”, mas também
“aplicação financeira” (art. 854 do CPC). Falar de aplicação financeira remete ao
mercado financeiro e aos seus produtos, cada vez mais complexos e sofisticados,
cujas particularidades nem sempre são conhecidas com profundidade pelos juízes
e pelos advogados. Quando se trata de ativos financeiros sem liquidez, tal falta de
conhecimento tende a resultar em problemas.
Este escrito tem por objeto certos aspectos da penhora, como instrumento de
efetivação da tutela jurisdicional, da penhora on-line, existente no ordenamento desde
a publicação da Lei nº 11.382/06, do Bacen Jud, enquanto ferramenta que viabiliza a
penhora on-line, e de conceitos do mercado financeiro, que interferem na constrição
de ativos financeiros sem liquidez.
Naturalmente, a penhora deve circunscrever-se aos bens suficientes para fazer frente ao
valor da execução3. Daí a especial relevância da correta avaliação dos bens penhorados,
que permitirá a identificação de situações de insuficiência ou excesso de penhora.
1 Dinamarco, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 520.v. 4.
2 Dinamarco, op. cit. p. 524.
3 Fux, Luiz. O Novo Processo de Execução. Rio de Janeiro. Forense, 2008, p. 150. v.4.
A penhora (por termo ou por auto, conforme seja lavrada pelo cartório ou por oficial
de justiça) produz três efeitos conservativos principais4: (i) individualizar e apreender
o bem; (ii) privar o executado da detenção física do bem; e (iii) atribuir direito de
preferência ao exequente sobre o bem (sem prejuízo de preferências anteriores).
Produz, ainda, efeitos materiais importantes, como tornar ineficaz, para o juízo e o
exequente, eventuais atos de alienação do bem e a alteração da titularidade de sua
posse direta (que passa ao depositário5).
V - bens imóveis;
VII - semoventes;
Nada obstante, a ordem do referido art. 835 não é absoluta. Os parágrafos do referido
dispositivo contemplam entendimento jurisprudencial e doutrinário consolidado
sob a vigência do Código de 1973, no sentido de que, não obstante seja prioritária
a penhora de dinheiro, cabe ao juiz alterar a ordem de preferência de acordo com
as circunstâncias específicas de cada caso concreto, sobretudo à luz das noções de
proporcionalidade, razoabilidade, efetividade e celeridade do processo executivo e
menor onerosidade para o devedor7.
Ademais, antes da referida lei, para que fosse possível a expedição de ordem judicial
à Receita Federal e/ou ao Banco Central visando ao bloqueio eletrônico de depósitos
ou aplicações financeiras, a jurisprudência dominante exigia a comprovação, pelo
exequente, do esgotamento, sem sucesso, de todos os meios de obtenção de informações
sobre possíveis bens do executado8, em entendimento que, a nosso ver, beneficiava de
7 Destaque-se, nesse sentido, o seguinte entendimento do Col. Superior Tribunal de Justiça: Conforme
entendimento da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “a jurisprudência deste Sodalício se firmou no sentido
de que a ordem de preferência estabelecida no art. 655 do CPC não encerra hipótese absoluta para a enumeração de bens
à penhora. Esta deve observar as circunstâncias do caso concreto, bem como, a potencialidade de satisfazer o crédito e
a forma menos onerosa para o devedor. Precedentes (REsp nºs 145.610/SP e 445.684/SP)” (STJ, 5ª Turma, AgRg no Ag
445.111/SP, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, j. 21.10.03, DJ 19.12.03, p. 566).
8 EXECUÇÃO FISCAL. ARTIGO 557 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO.
SISTEMA BACEN JUD. ESGOTAMENTO DA VIA EXTRAJUDICIAL. AFERIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. Não há violação ao artigo 557 do Código de Processo Civil quando o Relator se utiliza da permissão dada pelo legislador
para negar seguimento a recurso interposto em frontal oposição à jurisprudência dominante no respectivo Tribunal ou nos
Tribunais Superiores.
2. Admite-se a quebra do sigilo fiscal ou bancário do executado para que a Fazenda Pública obtenha informações sobre a
existência de bens do devedor inadimplente, mas somente após restarem esgotadas todas as tentativas de obtenção dos dados
pela via extrajudicial.
3. Infirmar as conclusões a que chegou o acórdão recorrido de que não foram esgotados todos os meios extrajudiciais para
obtenção de informações para justificar a utilização do sistema BACEN JUD, demandaria a incursão na seara fático-
Passados cerca de 12 (doze) anos de vigência da medida, não mais se questiona sua
legitimidade e legalidade e tampouco se ela dependeria de prévio esgotamento das
diligências para localização de bens do devedor9.
probatória dos autos, tarefa essa soberana às Instâncias ordinárias, o que impede a cognição da pretensão recursal, ante o óbice
da Súmula 7 deste Tribunal.
4. O artigo 185-A do Código Tributário Nacional, acrescentado pela Lei Complementar nº 118/05, também corrobora a
necessidade de exaurimento das diligências para localização dos bens penhoráveis, pressupondo um esforço prévio do credor na
identificação do patrimônio do devedor, quando assim dispõe: “Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente
citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará
a indisponibilidade de seus direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que
promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do
mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial”.
5. Recurso especial improvido. (REsp 796.485/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em
02/02/2006, DJ 13/03/2006, p. 305)
9 O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.184.765 – PA, realizado sob o regime
dos recursos repetitivos, pacificou a questão, concluindo que, sob a égide da Lei 11.382⁄2006, a referida exigência já não
se justificava: “A utilização do Sistema BACEN-JUD, no período posterior à vacatio legis da Lei 11.382⁄2006 (21.01.2007),
prescinde do exaurimento de diligências extrajudiciais, por parte do exeqüente, a fim de se autorizar o bloqueio eletrônico de
depósitos ou aplicações financeiras (Precedente da Primeira Seção: EREsp 1.052.081⁄RS, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido,
Primeira Seção, julgado em 12.05.2010, DJe 26.05.2010. Precedentes das Turmas de Direito Público: REsp 1.194.067⁄PR,
Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 22.06.2010, DJe 01.07.2010; AgRg no REsp 1.143.806⁄SP, Rel.
Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 08.06.2010, DJe 21.06.2010; REsp 1.101.288⁄RS, Rel. Ministro
Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 02.04.2009, DJe 20.04.2009; e REsp 1.074.228⁄MG, Rel. Ministro Mauro
Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 07.10.2008, DJe 05.11.2008. Precedente da Corte Especial que adotou a
mesma exegese para a execução civil: REsp 1.112.943⁄MA, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 15.09.2010).
(...)
Deveras, antes da vigência da Lei 11.382⁄2006, encontravam-se consolidados, no Superior Tribunal de Justiça, os
entendimentos jurisprudenciais no sentido da relativização da ordem legal de penhora prevista nos artigos 11, da Lei
de Execução Fiscal, e 655, do CPC (EDcl nos EREsp 819.052⁄RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção,
julgado em 08.08.2007, DJ 20.08.2007; e EREsp 662.349⁄RJ, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p⁄ Acórdão Ministra Eliana
Calmon, Primeira Seção, julgado em 10.05.2006, DJ 09.10.2006), e de que o bloqueio eletrônico de depósitos ou aplicações
financeiras (mediante a expedição de ofício à Receita Federal e ao BACEN) pressupunha o esgotamento, pelo exeqüente,
de todos os meios de obtenção de informações sobre o executado e seus bens e que as diligências restassem infrutíferas
(REsp 144.823⁄PR, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 02.10.1997, DJ 17.11.1997; AgRg no Ag
202.783⁄PR, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 17.12.1998, DJ 22.03.1999; AgRg
no REsp 644.456⁄SC, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p⁄ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado
em 15.02.2005, DJ 04.04.2005; REsp 771.838⁄SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 13.09.2005, DJ
03.10.2005; e REsp 796.485⁄PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 02.02.2006, DJ 13.03.2006).
A introdução do artigo 185-A no Código Tributário Nacional, promovida pela Lei Complementar 118, de 9 de fevereiro
de 2005, corroborou a tese da necessidade de exaurimento das diligências conducentes à localização de bens passíveis de
penhora antes da decretação da indisponibilidade de bens e direitos do devedor executado.
(...) A antinomia aparente entre o artigo 185-A, do CTN (que cuida da decretação de indisponibilidade de bens e direitos do
devedor executado) e os artigos 655 e 655-A, do CPC (penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira) é superada
com a aplicação da Teoria pós-moderna do Diálogo das Fontes, idealizada pelo alemão Erik Jayme e aplicada, no Brasil, pela
primeira vez, por Cláudia Lima Marques, a fim de preservar a coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o
novo Código Civil. Com efeito, consoante a Teoria do Diálogo das Fontes, as normas gerais mais benéficas supervenientes
preferem à norma especial (concebida para conferir tratamento privilegiado a determinada categoria), a fim de preservar a
coerência do sistema normativo. Deveras, a ratio essendi do artigo 185-A, do CTN, é erigir hipótese de privilégio do crédito
tributário, não se revelando coerente “colocar o credor privado em situação melhor que o credor público, principalmente no
que diz respeito à cobrança do crédito tributário, que deriva do dever fundamental de pagar tributos (artigos 145 e seguintes
da Constituição Federal de 1988)” (REsp 1.074.228⁄MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado
em 07.10.2008, DJe 05.11.2008). Assim, a interpretação sistemática dos artigos 185-A, do CTN, com os artigos 11, da Lei
6.830⁄80 e 655 e 655-A, do CPC, autoriza a penhora eletrônica de depósitos ou aplicações financeiras independentemente
do exaurimento de diligências extrajudiciais por parte do exeqüente. À luz da regra de direito intertemporal que preconiza
a aplicação imediata da lei nova de índole processual, infere-se a existência de dois regimes normativos no que concerne
à penhora eletrônica de dinheiro em depósito ou aplicação financeira: (i) período anterior à égide da Lei 11.382, de 6 de
dezembro de 2006 (que obedeceu a vacatio legis de 45 dias após a publicação), no qual a utilização do Sistema BACEN-
JUD pressupunha a demonstração de que o exeqüente não lograra êxito em suas tentativas de obter as informações sobre
o executado e seus bens; e
(ii) período posterior à vacatio legis da Lei 11.382⁄2006 (21.01.2007), a partir do qual se revela prescindível o exaurimento
de diligências extrajudiciais a fim de se autorizar a penhora eletrônica de depósitos ou aplicações financeiras.
(...) Destarte, o bloqueio eletrônico dos depósitos e aplicações financeiras dos executados, determinado em 2008 (período posterior
à vigência da Lei 11.382⁄2006), não se condicionava à demonstração da realização de todas as diligências possíveis para encontrar
bens do devedor.( STJ, 1ª Seção, REsp 1.184.765 - PA, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 24/11/2010)
A fim de instrumentalizar a penhora on-line, foi criado o Bacen Jud, sistema que
permite a comunicação entre o Poder Judiciário e as instituições financeiras, por
intermédio do Banco Central do Brasil.
O Bacen Jud foi pensado para substituir o ofício de papel na requisição de informações,
determinação de bloqueio, transferência de valores e eventual desbloqueio, conferindo
maior agilidade, segurança e economia ao processo de penhora.
De acordo com o Convênio de Cooperação, o Bacen Jud pode ser utilizado pelo STJ,
pelo CJF e pelos tribunais que a ele aderirem para fins de envio de ordens judiciais e
acesso às respostas das instituições financeiras, via internet. Para efeito do Convênio,
são consideradas instituições financeiras, entre outras, o Banco do Brasil, a Caixa
Econômica Federal, os bancos comerciais, os bancos múltiplos e demais instituições
sob supervisão do Banco Central.
Assim, por exemplo, uma empresa que precise de recursos para investir em suas
atividades pode emitir debêntures junto ao mercado, ou pode contratar um empréstimo
junto à determinada instituição financeira, mediante a emissão de uma cédula de
crédito bancário. Da mesma forma, famílias que tenham capacidade de poupança
maior do que suas necessidades de consumo podem investir em certificados de
depósito bancário de emissão de instituições financeiras. Mesmo a União, os Estados
e os Municípios, buscando equilibrar suas contas, podem captar recursos junto ao
mercado, mediante a emissão de títulos públicos.
Além disso, os direitos e obrigações do investidor perante o fundo são definidos pelo
respectivo regulamento deste. A instituição administradora do fundo, portanto, só
está autorizada, por exemplo, a realizar o resgate das cotas de acordo com o disposto
na regulamentação aplicável e no regulamento do fundo.
Nos fundos abertos, os cotistas podem solicitar o resgate de suas cotas a qualquer
tempo, cabendo ao fundo entregar ao cotista o valor correspondente, de acordo com
as regras previstas em seu regulamento. Já nos fundos fechados, o resgate de cotas é
permitido apenas ao término do prazo de duração do fundo25.
Por não admitirem o resgate de cotas, as cotas dos fundos fechados podem ser
transferidas mediante cessão ou negociação no mercado. Já as cotas dos fundos
abertos, uma vez que podem ser resgatadas, não podem ser transferidas, salvo em
casos específicos previstos na regulamentação. 26
Embora o simples bloqueio de ativos financeiros não represente, na maioria dos casos,
problema de maior envergadura, as consequentes ordem de transferência e resgate
de valores podem gerar uma série de questões, práticas e jurídicas, que não devem
escapar à criteriosa análise do Poder Judiciário.
A resposta que é dada pela jurisprudência a essa questão é no sentido de que o inciso
26 Arts. 13 e 14 da Instrução CVM n° 555/14:
“Art. 13.- A cota de fundo aberto não pode ser objeto de cessão ou transferência, exceto nos casos de:
I – decisão judicial ou arbitral;
II – operações de cessão fiduciária;
III – execução de garantia;
IV – sucessão universal;
V – dissolução de sociedade conjugal ou união estável por via judicial ou escritura pública que disponha sobre a partilha de
bens; e
VI – transferência de administração ou portabilidade de planos de previdência.”
“Art. 14. As cotas de fundo fechado e seus direitos de subscrição podem ser transferidos, mediante termo de cessão e
transferência, assinado pelo cedente e pelo cessionário, ou por meio de negociação em mercado organizado em que as cotas do
fundo sejam admitidas à negociação.
§ 1º A transferência de titularidade das cotas de fundo fechado fica condicionada à verificação, pelo administrador, do
atendimento das formalidades estabelecidas no regulamento e na presente Instrução.
§ 2º Na hipótese de transferência por meio de negociação em mercado organizado, cabe ao intermediário verificar o
atendimento das formalidades estabelecidas no regulamento e na presente Instrução.»
A nosso ver, entretanto, referido posicionamento não deve ser adotado indistintamente.
Embora alguns tipos de fundo não sejam caracterizados pela liquidez imediata29 e suas
cotas possam até sofrer variação negativa no seu valor,30 o que justifica a sua distinção
em relação ao dinheiro, existem diversos fundos sem risco, que possibilitam resgate
imediato e sem qualquer restrição, a ponto de justificar equiparação a “dinheiro
aplicado em instituição financeira” para os fins do inciso I do art. 835.
Mesmo que o Código de Processo Civil de 2015 tenha aproximado esses bens na
ordem em que preferencialmente deve se efetivar a penhora, ainda assim, deve o
Poder Judiciário continuar atentando para as características específicas de cada ativo
Além disso, é possível que um determinado fundo, caso tenha que resgatar ou
amortizar as cotas antes do prazo previsto no regulamento, seja obrigado a vender um
ativo antes do seu tempo, provavelmente com preço inferior àquele que iria receber se
o mantivesse até o seu vencimento. Um fundo fechado com amortização anual, por
exemplo, muitas vezes possui em carteira ativos com vencimento anual ou que pagam
valores anualmente. Se tiver que efetuar um resgate antes de um ano, provavelmente
terá que ir a mercado para se desfazer do ativo, sendo penalizado com o desconto que
o mercado vier a exigir, afetando todos os outros cotistas.
Como se vê, a questão da penhora de ativos financeiros não é tão simples e o Poder
Judiciário certamente irá, cada vez mais, ter diante de si hipóteses que, dadas todas
as suas nuances, representarão verdadeiro desafio aos magistrados, a quem caberá
procurar oferecer a cada caso concreto a solução que melhor resultar da aplicação das
diversas normas e princípios jurídicos envolvidos.
A título ilustrativo, vale mencionar acórdão proferido pela Terceira Turma do Tribunal
Federal da 3ª Região nos autos do Agravo Legal em Agravo de Instrumento nº 014195-
14.2013.4.03.0000/SP, que teve como relator o Juiz Federal Convocado Roberto Jeuken31.
Diante do exposto, não parece haver uma solução uniforme e apriorística, que
preserve, automaticamente, os interesses de todos os envolvidos. Parece-nos evidente
que a disputa entre credor e devedor não pode, via de regra, trazer prejuízos a
terceiros cotistas de um mesmo fundo e, tampouco, levar à penalização ou risco de
responsabilização de instituições financeiras e administradores de fundos por força
do atendimento às normas a que estão sujeitos e com o intuito de evitar prejuízos a
outros cotistas.
Por fim, cabe ao Poder Judiciário contribuir para o aprimoramento do sistema Bacen
Jud e saber captar as particularidades próprias dos diversos ativos financeiros, sem
ceder à tentação de, em prol da rapidez, tratar de modo igual situações completamente
diferentes, em prejuízo de qualquer das partes envolvidas ou de terceiros.32
7. Verifica-se que o fundo de investimento tem como totalidade de quotistas apenas os quatro co-executados incluídos no polo
passivo da execução, que tiveram uma quota bloqueada cada um por determinação do Juízo para garantir a ação.
8. Constituindo os co-executados a totalidade dos quotistas, e, via de conseqüência, a integralidade da assembléia geral do
fundo, é manifestamente plausível a possibilidade de frustração da ação executiva por ação dos próprios co-executados, dada
a inexistência de interesse destes em promover a liquidação do fundo para satisfação do crédito, valendo-se, para tanto, de
previsão legislativa de vedação ao resgate das quotas para tornar imprestável a penhora efetuada.
9. O que se evidencia é que, em verdade, o oferecimento em garantia das quotas do fundo pelos co-executados não perdeu de
vista - com posterior oposição da vedação de resgate constante da IN CVM 391/2003 e do regulamento do fundo, juntamente
com a prorrogação da validade do fundo, por deterem a totalidade da assembléia geral - a relevante circunstância, favorável aos
interessados, de ser possível efetuar a prorrogação do fundo ad eternum, frustrando a utilidade da execução.
10. A vedação ao resgate não se mostra oponível à execução fiscal, pois a menor onerosidade prevista no artigo 620 do CPC,
longe de ser um princípio absoluto, deve ser harmonizado com outros princípios, como o da máxima utilidade da execução e
a eficácia da tutela jurisdicional.
11. A prevalência da vedação ao resgate tornaria ineficaz a penhora das cotas, frustrando a garantia do processo executivo, com
manifesta ofensa à máxima utilidade da execução fiscal.
12. A garantia ofertada pelos próprios co-executados como eficaz, com posterior oposição de cláusula vedando sua conversão
em dinheiro, constituiria, em verdade, atitude contraditória por parte dos co-executados, em ofensa à lealdade processual e
boa-fé, manifestamente inadmitido pelo ordenamento jurídico.
13. Não sendo encontrados ativos financeiros em nome dos executados através de consulta ao BACENJUD, já que todas as
receitas obtidas são direcionadas à aquisição de cotas dos fundos, e com a oposição de cláusula de vedação de resgate das cotas,
apesar de oferecidas como aptas à satisfação do crédito, houve tentativa de frustração da pretensão de satisfação do débito e
utilidade da execução.
14. Não sendo plausível a oposição da vedação de resgate ao processo executivo fiscal, portanto, manifestamente plausível a
aplicação do precedente citado na decisão agravada.
15. A alienação antecipada das quotas encontra previsão legal, no artigo 21 da Lei 6.830/80. No caso, a jurisprudência é
pacífica no sentido de que sua utilização é possível quando haja perigo de depreciação ou deterioração do bem, ou no caso de
manifesta vantagem.
16. Apesar dos agravantes justificarem a redução do valor das cotas na natural oscilação do mercado de capitais, e que os
patamares anteriores de valorização seriam posteriormente restabelecidos em razão de diversos fatores favoráveis à atividade de
transporte aéreo, setor em que destinada a totalidade dos recursos do fundo, é legítima a pretensão da exequente em preservar
o valor da penhora através da imediata conversão dos valores em dinheiro, pois nada impede que as cotas do fundo venham
a desvalorizar ainda mais. Da mesma forma que no momento da eventual satisfação do crédito executado o valor das cotas
podem estar mais valorizadas, acarretando prejuízo aos executados, podem se desvalorizar ainda mais, acarretando vantagem
aos devedores. Ademais, importante ressaltar que o depósito em dinheiro, tal como determinado, acarreta a suspensão dos
acréscimos em desfavor do devedor, diferentemente da penhora apenas de bens móveis.
17. A decisão agravada não determinou a conversão em renda dos valores, mas seu depósito judicial, que resguarda o interesse
de ambas as partes, sem necessidade de que, em caso de procedência dos embargos do devedor, os executados tenham que
proceder ao solve et repete. Ademais, o valor da execução, aproximadamente vinte e seis mil reais, constitui parcela quase
irrelevante diante de todo o patrimônio do fundo que, cabe repetir, é composto por cotas detidas exclusivamente pelos co-
executados, demonstrando que a decisão agravada não acarreta qualquer dano irreparável.
18. Não se verifica qualquer prejuízo à postergação do contraditório e publicidade na determinação de resgate das cotas
para momento posterior à sua efetiva concretização, dada a possibilidade de reversão da medida sem qualquer dano aos
co-executados, seja pelo valor ínfimo da execução em relação ao patrimônio dos agravantes e do fundo de investimento, seja
porque não acarreta a transferência de cotas a terceiros estranhos ao fundo.
19. Agravo inominado desprovido. (TRF 3ª Região – Terceira Turma - Agravo Legal em Agravo de Instrumento nº 0014195-
14.2013.4.03.0000/SP – Rel. Juiz Federal Convocado Roberto Jeunken, julgado em 16/01/2014).
24 ADMINISTRATIVO
SANCIONADOR
Relatório
I. Do Objeto
3. Para tanto, o acionista controlador Eike Batista alienou, na referida data, 9.911.900 ações
de emissão da Companhia ao preço de 3,40, em volume total de R$ 33.700.460,00 (fls. 2-4).
1 “Art. 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios,
sendo-lhe vedado:
§1º - Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não
tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável
na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem
mediante compra ou venda de valores mobiliários.”
2 “Art. 13. Antes da divulgação ao mercado de ato ou fato relevante ocorrido nos negócios da companhia, é
vedada a negociação com valores mobiliários de sua emissão, ou a eles referenciados, pela própria companhia aberta,
pelos acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal
e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, ou por quem quer que,
em virtude de seu cargo, função ou posição na companhia aberta, sua controladora, suas controladas ou coligadas, tenha
conhecimento da informação relativa ao ato ou fato relevante.”
iii) aprovação do exercício parcial da Put no valor de US$ 120 milhões, com
o objetivo de dotar a Companhia de capital social adicional para a exe-
cução e implementação do Plano, permanecendo ainda saldo de US$
380 milhões, que poderia ser exercício até março de 2014; e
III. Da Apuração
8. Em 1.8.2013, a Área Técnica encaminhou novo ofício para a Companhia4 (i), rei-
terando a solicitação da cópia do Plano; e (ii) determinando esclarecimento acerca da
data do início da elaboração da atualização do Plano, tendo em vista que, em infor-
mação fornecida anteriormente, a Companhia declarou que “o início do processo de
aprovação da atualização se deu em 30.4.2013” (fls. 15).
11. Em 2.8.2013, foi deferido o pedido de tratamento confidencial solicitado pela OSX
(fls. 21).
15. A Companhia justificou a ressalva feita pelo Fato Relevante, quanto “à pendência
de confirmação de especificações técnicas pela cliente OGX com relação a encomen-
das realizadas para construção no estaleiro do Açu”, nos seguintes termos (fl. 35):
18. Em resposta ao Ofício5 que solicitava sua manifestação quanto às operações reali-
zadas por Eike Batista em 19.4.2013, a BM&FBovespa informou que havia sido conce-
dido prazo adicional à Companhia para o enquadramento do free float nos seguintes
termos (fls. 48/49):
20. Após divulgar o Fato Relevante às 20h25mins do dia 17.5.2013, que informou a
mencionada atualização do Plano, a cotação das ações de emissão da OSX na abertu-
ra do pregão do dia 20.5.2013 (dia útil posterior à divulgação) foi de R$ 2,34.
IV. Da Acusação
21. Em 13.12.2013, a SEP apresentou Termo de Acusação (fls. 104-112) em face de Eike
Batista, na qualidade de presidente do conselho de administração da Companhia e
acionista controlador, nos qual destacou os seguintes fatos:
ii) no mês seguinte, em 17.5.2013, foi divulgado Fato Relevante (fls. 5-8)
informando, entre outros assuntos, que havia sido aprovada a alteração
do Plano, que contemplava, entre outras medidas, uma significativa
redução de investimentos, monetização de ativos e reorganizações so-
cietárias;
iv) ademais, a SEP argumentou que “é sabido que um investidor que to-
masse conhecimento do Plano antes de sua divulgação ao mercado sa-
beria, antes de todos os outros investidores, da grande probabilidade de
queda nas ações de emissão da OSX quando essas informações fossem
divulgadas”;
v) ainda que, em sua manifestação, Eike Batista tenha alegado que a men-
cionada negociação tenha ocorrido “com o único objetivo de adequar o
free float da Companhia”, a SEP considerou que poderiam ter sido to-
madas determinadas precauções para não se infringir os acima citados
dispositivos legais;
vi) diante disso, a SEP entendeu que “o fato de haver uma justificativa para a alie-
nação de ações (enquadramento do free float) não afasta a proibição de nego-
ciação de posse de informação relevante não divulgada ao mercado, inclusive
pelas opções possíveis de enquadramento sem cometimento da infração de que
se trata”8; e
vii) por fim, a SEP informou que, ao alienar ações de emissão da OSX antes
da divulgação do Fato Relevante e já com a posse de informação privi-
legiada, Eike Batista teria evitado um prejuízo de R$ 10.506.614,00.
6 Foi verificada por meio da análise dos Formulários de Valores Mobiliários Negociados e Detidos, referentes ao
mês de abril de 2013 e através de comunicado ao mercado divulgado pela Companhia no próprio dia 19.4.2013.
7 O patamar mínimo de free float foi atingido na data limite previamente estipulada pela BM&FBovespa à
Companhia, sob pena de multa de valores entre R$ 5.482,00 e R$ 54.825,00 (fls. 76-95).
8 Segundo a SEP, diante da necessidade de adequação do free float, o acionista controlador poderia tomar
determinadas precauções para não operar com as ações quando de posse de informação relevante, tais quais: (i) divulgar um
fato relevante informando o interesse da Companhia em atualizar o Plano, com a ressalva de que tal medida precisaria da
aprovação do Conselho de Administração; (ii) solicitar prazo adicional à BM&FBovespa alegando que, naquele momento, o
acionista controlador tinha posse de informação relevante ainda não divulgada ao mercado; e (iii) ter adequado o free float
da Companhia em período anterior à reunião do dia 15.4.2013, tendo em vista que a Companhia teve três anos para tal
adequação.
V. Da Manifestação da PFE
24. Após o exame da peça acusatória, em 9.5.2012, a PFE entendeu estarem preenchi-
dos os requisitos constantes do art. 6° e do art. 11 da Deliberação CVM n° 538/2008
(fls. 113-124)9.
VI. Da Defesa
25. Após intimação (fl. 128), Eike Batista alegou preliminarmente em sua defesa que
(fls. 141-177):
10 Para reforçar a tese de que as informações obtidas por Eike Batista não se enquadravam como informações
privilegiadas quando da alienação de suas ações, em 19.4.2013, a defesa destacou: “Se tal informação quando publicada fosse,
num juízo de previsibilidade reportando ao momento ex ante da operação, suscetível de gerar apetência pela compra ou venda
de ativos, tal informação revelava idoneidade para influenciar a evolução da cotação. Se as alterações que poderiam induzir
fossem sensíveis, será informação privilegiada”. (CASTELLAR, José Carlos. Insider Trading e os Novos Crimes Corporativos.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 112/113).
11 Slides disponibilizados pela Companhia em resposta ao OFÍCIO/CVM/SEP/GEA-3/Nº 498/2013
denominados na capa como “Proposta de novo Plano de Negócio da OSX S.A.” Dentre tais slides, nota-se o denominado
“novo cenário proposto em 15.4.2013 – apresentado pela OSX ao Presidente do Conselho [Eike Batista]” (fl. 25), em que já se
apresentava a possibilidade de implementação de medidas como busca de sócio para dar continuidade à UCN, perspectiva de
participação minoritária da OSX na UCN e descarte temporário de novos contratos relacionados às operações de Leasing da
Companhia.
12 Foi apresentado gráfico que, segundo a defesa, refletiriam a queda no valor das ações de emissão da OSX a
partir de 28.12.2012, quando eram negociadas ao valor de aproximadamente R$ 11,00, até 27.12.2013, quando as ações
atingiram valores abaixo de R$ 1,00.
27. Diante disso, o pedido de prova pericial contábil foi indeferido por se entender
que a Acusação e a Defesa haviam sido suficientemente claras em seus argumentos.
O pedido de produção de prova testemunhal foi deferido na forma de obtenção de
manifestação por escrito (fls. 297-299).
29. Em 23.05.2016, Eike Batista juntou aos autos laudos técnicos periciais formulados
pela Hill International (“Hill”) e Apsis Consultoria (“Apsis”), bem como solicitou o
exame de seu pedido de reconsideração (fls. 336-468).
31. Destaca também que, em 16.03.2013, Eike Batista “assinou com a OSX um Con-
trato de Outorga de Opção de Subscrição de Ações e Outras Avenças, segundo o qual
ele concedia à companhia ‘uma opção para que, a partir de 24 de março de 2010, até
23 de março de 2013, a Companhia exija que os acionistas controladores subscrevam
novas ações até um limite máximo de US$1,0 bilhão (...) por meio de aumento de
capital privado (...), desde que seja verificada a necessidade de capital adicional pela
Companhia para a realização de seu plano de negócios e a ausência de alternativas
para esta captação junto aos mercados (...)’. A opção de venda foi concedida à OSX em
sua abertura de capital, em decorrência da captação de um volume financeiro inferior
ao desejado nesta operação”.
32. O referido laudo conclui que o valor total dos investimentos realizados por Eike
33. Já o laudo elaborado pela Hill faz uma análise técnica das atividades da OGX e
dos fatos relevantes à luz da engenharia de petróleo e geociências.
40. Em 26.07.2013, o presente processo foi distribuído para minha relatoria na reu-
nião do Colegiado, conforme procedimento estabelecido no art. 10 da Deliberação
CVM n° 558/0815 (fls. 492).
43. A Defesa ressalta que, em 19.04.2013, após o pedido de prorrogação de prazo para
o cumprimento do free float ter sido negado pela BM&FBovespa, o Acusado vendeu
as 9.911.900 ações com o único propósito de enquadrar o free float da OSX, registran-
do que não houve extrapolação da quantidade vendida, tendo sido alienado exata-
mente o necessário para o cumprimento do encargo legal.
44. A Defesa sustenta sua tese com parecer jurídico da lavra de Nelson Eizirik, que,
dentre outros quesitos, afirma que, apesar de constituir entidade privada, a BM&F-
Bovespa, na qualidade de órgão de colaboração da CVM, exerce munus público, nos
termos expressos do art. 17 da Lei n° 6.385/76 (fls. 544 a 574).
45. Assim, o Acusado, ao agir para enquadrar o free float por ordem legal da BM&FBo-
vespa, deu estrito cumprimento ao dever jurídico emanado por autoridade competente,
ficando caracterizada atuação em boa-fé e excluída a ilicitude da conduta.
46. Pelo exposto, a Defesa reitera o pedido no sentido de absolver Eike Batista da
acusação que lhe é imputada, requerendo o arquivamento dos autos.
15 Art. 10. Ao Diretor que assumir o cargo vago caberá, em caráter definitivo, ressalvada a hipótese de
impedimento ou suspeição, a condição de relator dos processos atribuídos ao seu antecessor.
50. Com efeito, não pode o MPF apresentar documentos novos, gerando a procrasti-
nação do feito e a reabertura da instrução.
51. Além disso, alegou, ainda, a suspeição das testemunhas, com fulcro no art. 447,
§3°, incisos I e II, do Código de Processo Civil, aplicável por analogia, sob diversos
fundamentos, a seguir resumidos:
c) as testemunhas arroladas pelo MPF na ação penal movida contra Eike Batista
seriam pessoas claramente conflitadas e estariam em busca de fama e de obtenção de
vantagem econômica;
5. g) Por sua vez, o conflito em relação a I.D.F reside no fato de que teria sofrido
protesto judicial da OSX, onde se apura sua responsabilidade por irregularidades de
gestão e, ainda, no fato de que o depoente teria movido reclamação trabalhista contra
a OSX, buscando indenização milionária;
6. h) I.D.F. teria opinado sobre fatos alheios ao presente processo, como o insucesso
do estaleiro mantido pela OSX e os empregos perdidos e o processo de recuperação
judicial da empresa, já aprovado pela Assembleia Geral de Credores e homologado
pelo juiz competente;
53. Assim, asseverou que a “prova emprestada” trazida aos autos pelo MPF não se
prestaria a atender à finalidade para qual se destina: mostrar a existência e veracidade
de um fato e, com isso, influenciar no convencimento do julgador.
54. Por tais razões, requereu o desentranhamento dos depoimentos, invocando o art.
370, parágrafo único, do CPC, que prevê o indeferimento da prova inútil.
56. A PFE emitiu sua opinião em desacordo com a tese esposada pelo Acusado (fls.
607 a 611).
57. Em relação à preclusão consumativa, a PFE argumentou que “o art. 38 da Lei 9.784/99,
que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, prevê
expressamente a possibilidade de juntada de provas até o momento do julgamento. E ha-
vendo previsão específica em lei especial, fica derrogada a regra geral contida no Processo
Civil, que se aplica aos processos administrativos apenas subsidiariamente”.
58. Além disso, a PFE alegou que “os processos administrativos, especialmente os de
cunho sancionador, são regidos pelo princípio da verdade material, que determina ao
59. No que se refere à alegação de suspeição das testemunhas, a PFE argumenta que
esta suspeição não seria aplicável a J.A.V.S.J, visto que, conforme restou decidido na
audiência, foi ouvido na qualidade de ofendido, em razão de ser representante legal
da Associação de Investidores Minoritários, que figura como assistente de acusação
na ação penal. Assim, é na condição de ofendido que as declarações de J.A.V.S.J. de-
verão ser sopesadas nos autos do processo administrativo.
60. Quanto à testemunha I.D.F, também restou decidido, em audiência, que uma even-
tual desavença trabalhista entre o depoente e a OSX não contamina sua imparcialidade
como testemunha para depor sobre fatos específicos objeto do processo penal.
61. Por isso, para a PFE, os fundamentos aduzidos em juízo seriam suficientes para
afastar a alegação de suspeição das testemunhas.
É o relatório.
I - Da Preliminar
2. A Defesa alega ainda a suspeição das testemunhas, com fulcro no art. 447, §3°,
incisos I e II, do CPC18, sob diversos fundamentos, os quais estão resumidos a seguir:
3. O Acusado conclui que a “prova emprestada” trazida aos autos pelo MPF não se
prestaria a atender à finalidade para qual se destina: mostrar a existência e a veraci-
dade de um fato e, com isso, influenciar no convencimento do julgador, razão pela
qual requer o desentranhamento dos depoimentos, na forma do art. 370, parágrafo
único, do CPC19.
17 Art. 507. É vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a
preclusão.
18 Art. 447. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas. §3o
São suspeitos: I - o inimigo da parte ou o seu amigo íntimo; II - o que tiver interesse no litígio.
19 Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento
do mérito. Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.
6. De se notar que, por existir previsão em lei especial, a regra geral contida no Pro-
cesso Civil fica derrogada, aplicando-se o Processo Civil apenas subsidiariamente
aos processos administrativos, ou seja, quando não houver regra específica tratando
do tema.
7. Ademais, e em linha com o parecer da PFE acostado às fls. 607 a 611, os processos
administrativos sancionadores são regidos pelo princípio da verdade material, que
determina ao administrador público a utilização de todas as provas admitidas em
direito na busca da verdade sobre o fato objeto de controvérsia. Assim, até o momento
da decisão, mostra-se descabida a tentativa de retirar dos autos provas licitamente
colhidas e compartilhadas nos autos.
9. Em relação ao teor das oitivas, embora os depoentes não tenham feito declarações
diretamente relacionadas com a negociação de ações objeto deste processo, conforme
alega a Defesa, os acontecimentos relativos ao insucesso empresarial da OSX por eles
narrados ajudam a compreender as circunstâncias vivenciadas pela administração da
Companhia no momento da negociação, elemento de prova que pode ajudar, em tese,
na avaliação global da conduta do Acusado. Cabe, assim, ao Colegiado, proceder à
análise e valoração do conteúdo dos depoimentos juntados aos autos.
10. Como visto, é possível a juntada de documentos até a tomada de decisão administra-
tiva, cabendo, na hipótese, e em respeito às oportunidades de defesa, dar ciência à parte
e oportunizar nova manifestação, conforme estabelece o art. 24 da Deliberação CVM
n° 538, de 200820, o que foi devidamente observado no presente caso (fls. 578).
20 Art. 24. Ao acusado será concedido o prazo de 15 dias para se manifestar sobre as provas produzidas,
independentemente de haver, ou não, acompanhado a sua produção.
II - Do Mérito
13. Como visto no relatório anexo a este voto, a Superintendência de Relações com
Empresas (“SEP” ou “Acusação”) baseia-se no fato de que Eike Batista alienou
9.911.900 ações ordinárias de emissão da OSX em 19.4.2013, com o valor médio de
R$3,40 por ação, em um montante de R$ 33.700.460,00, supostamente com conhe-
cimento de alterações que ocorreriam no Plano de Negócios da Companhia, ainda
não divulgadas ao mercado. Essas alterações contemplavam, entre outras medidas,
significativa redução de investimentos e monetização de ativos.
14. Segundo consta dos autos, o mercado somente tomou conhecimento do teor das
novas perspectivas para os negócios da OSX em 17.5.2013, quando foi publicado Fato
Relevante informando que o Conselho de Administração aprovara a alteração do
Plano de Negócios da Companhia e o exercício da opção de subscrição por Eike Bati-
sta de novas ações no valor de US$120 milhões, conforme previsto no Plano de Opção
de Subscrição de Ações (“Plano de Opção”).
15. Diante disso, a Acusação concluiu que, ao negociar 9.911.900 ações da OSX, Eike
Batista estava na posse de informação privilegiada e evitou para si um prejuízo de
R$10.506.614,00, uma vez que a cotação da ação da OSX na abertura do pregão sub-
sequente à divulgação do Fato Relevante foi de R$2,34 por ação.
16. Em sua defesa, Eike Batista alega que a alienação de ações foi realizada exclusiva-
mente com o objetivo de cumprir o prazo para enquadramento do free float da Com-
panhia, isto é, atingir o patamar mínimo de 25% de ações de emissão da OSX em
circulação, conforme exigência do Regulamento de Listagem do Novo Mercado da
BM&FBovespa.
21 Art. 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe
vedado:
§1º - Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não
tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável
na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem
mediante compra ou venda de valores mobiliários.
22 Art. 13. Antes da divulgação ao mercado de ato ou fato relevante ocorrido nos negócios da companhia, é
vedada a negociação com valores mobiliários de sua emissão, ou a eles referenciados, pela própria companhia aberta,
pelos acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal
e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, ou por quem quer que,
em virtude de seu cargo, função ou posição na companhia aberta, sua controladora, suas controladas ou coligadas, tenha
conhecimento da informação relativa ao ato ou fato relevante.
18. Em que pesem os argumentos apresentados por Eike Batista, eles não são capazes
de eximir sua responsabilidade no presente caso.
19. Como se sabe, a proibição ao uso indevido de informação privilegiada pelo admi-
nistrador de companhia aberta está estabelecida no art. 155, §1°, da Lei n° 6.404/76, e
regulamentada no art. 13, caput, da Instrução CVM n° 358/2002:
23 (i) paralisação da construção de parte de sua Unidade de Construção Naval; (ii) busca de sócio para
continuidade da UCN; (iii) perspectiva de redução de sua participação na UCN, com a possibilidade de deter participação
minoritária de 10%; (iv) descarte temporário de novos contratos envolvendo a sua unidade de Leasing, ou seja, afretamento
de seus navios/plataformas; (v) venda de ativos sem utilização imediata, demonstrando a falta de caixa da OSX; (vi) suspender
temporariamente participações em novas oportunidades até equacionamento do caixa; (vii) vender participações nos FPSOs
em operação e em construção (OSX 1, OSX 2, OSX 3 e WHP 2); (viii) ajustar mão de obra direta e indireta de acordo com
novo cenário; (ix) paralisar obras do estaleiro, negociando com todos fornecedores; (x) manter apenas as obras necessárias para
construção dos 2 FPSOs do Projeto INTEGRA; e (xi) buscar novo sócio para o estaleiro.
24 Em direção semelhante, v. entre outros o voto do Diretor Relator Marcelo Fernandez Trindade no julgamento
do PAS CVM nº 04/2004, em 28.6.2006; o voto da Diretora Relatora Luciana Dias, no julgamento do PAS CVM nº
RJ2012/1666, em 3.4.2012.
21. Em outras palavras, o art. 13, caput, da Instrução CVM n° 358/2002, apresenta
duas presunções relativas que têm por objetivo preservar a integridade do mercado
de valores mobiliários e atenuar o ônus probatório da CVM, diante da gravidade da
prática de insider trading e da dificuldade em comprovar a intenção do agente. Com
efeito, diante de negociação de valores mobiliários, antes da divulgação ao mercado
de ato ou fato relevante, pelos chamados insiders primários - acionistas controla-
dores, diretos ou indiretos, os diretores, membros do conselho de administração,
do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas como
no caso da negociação pelo administrador - a CVM presume a efetiva utilização da
informação privilegiada e a sua intenção de auferir vantagem.
23. Por outro lado, o art. 13 da Instrução CVM n° 358/2002, também apresenta em
seus parágrafos 6° e 7° duas situações excepcionais, nas quais pessoas próximas à com-
panhia poderão negociar valores mobiliários, mesmo na posse de informações privi-
legiadas.
24. O §6° do art. 13 dispõe que “[a] vedação prevista no caput não se aplica à aquisição
de ações que se encontrem em tesouraria, através de negociação privada, decorrente
do exercício de opção de compra de acordo com plano de outorga de opção de com-
pra de ações aprovado em assembleia geral”, e o §7° estabelece que “[as]s vedações
previstas no caput e nos parágrafos 1° a 3° não se aplicam às negociações realizadas
pela própria companhia aberta, pelos acionistas controladores, diretos ou indiretos,
diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer
órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, de
25 Como estabelece a primeira parte do disposto no art. 13, caput, da Instrução CVM nº 358/2002: “Antes da
divulgação ao mercado de ato ou fato relevante ocorrido nos negócios da companhia, é vedada a negociação com valores
mobiliários de sua emissão, ou a eles referenciados, pela própria companhia aberta, pelos acionistas controladores, diretos
ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções
técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária (...)”.
26 PAS CVM RJ nº 2011/3823, julgado em 09.12.2015.
25. Deste modo, o art. 13 permite que, dentro de condições estritas e pré-estabel-
ecidas, a companhia, seus controladores, administradores e outras pessoas a ela re-
lacionadas possam negociar valores mobiliários ainda que de posse de informação
privilegiada, sem que isso configure a prática do ilícito de insider trading28.
26. Retornando ao caso concreto, os principais argumentos trazidos por Eike Batista
de que (i) não haveria informação relevante na reunião de 15.04.201329; (ii) a alie-
nação das ações se deu no estrito cumprimento da determinação de enquadramento
do free float imposto pela BM&FBovespa; e (iii) o próprio Acusado teria sofrido um
prejuízo financeiro “espetacular”, em razão do exercício do Plano de Opções, não são
capazes de afastar as aludidas presunções, nem se enquadram nas exceções normati-
vas antes mencionadas.
27. A cronologia dos fatos descritos no relatório demonstra que, apesar de o Fato Re-
levante ter sido publicado em 17.05.2013, desde o dia 15.04.2013; portanto, um mês
antes desta publicação e quatro dias antes de ter negociado seu lote de ações, Eike
Batista já havia sido informado pela Gerência Executiva de Planejamento Estratégico
da OSX, área subordinada à Presidência da Companhia, que o Plano de Negócios pas-
saria por modificação.
28. De fato, o histórico de alterações de cenários mercadológicos da Companhia já
estava descrito na proposta do novo Plano de Negócios da OSX, proposta esta que foi,
em 15.04.2013, apresentada e discutida com Eike Batista, na qualidade de presidente
do Conselho de Administração, em reunião para tratar da adequação da Companhia
ao novo cenário.
29. As propostas tratadas naquela reunião eram de caráter imediato, tais como re-
dução da mão de obra direita e indireta, paralisação de iniciativas junto a novos clien-
tes, rescisão dos contratos de bens e serviços de bens não essenciais, conclusão das
instalações mínimas do “cais norte”, venda de ativos sem utilização imediata, conclu-
são junto a OGX dos reembolsos, busca de novos sócios, bem como a “continuidade
dos estudos para o equacionamento econômico/financeiro da OSX” [grifei].
27 Art. 15. A companhia aberta poderá, por deliberação do conselho de administração, aprovar política
de negociação das ações de sua emissão por ela própria, pelos acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores,
membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados
por disposição estatutária.
28 Neste sentido, ver PAS CVM nº RJ2013/5793, julgado em 27.01.2015.
29 No dia 15.4.2013 foi realizada reunião de diretoria da Companhia em que foi iniciada a atualização do Plano de
Negócios. A referida reunião contou com a presença do presidente do conselho de administração da Companhia, Eike Batista.
31. Com efeito, fossem discussões em caráter embrionário, como quer fazer crer a
Defesa do Acusado, não seriam todas elas, provavelmente, aprovadas em tão curto
prazo e na sua integralidade. O que se conclui, do curto período de tempo entre a
reunião e a divulgação do fato relevante, e da quase completa semelhança entre o que
foi proposto e aprovado, é que, pelo contrário, tratava-se de situações já constituídas
e que apresentavam urgência em sua aprovação, dada a gravidade do novo cenário.
32. Logo, desde a reunião de 15.04.2013, Eike Batista já sabia, em detalhes, do que
viria a ser divulgado no Fato Relevante de 17.05.2013.
33. E é inegável a relevância das informações que foram divulgadas pela OSX, das
quais Eike Batista já tinha pleno conhecimento, bem como o impacto negativo que as
medidas anunciadas teriam sobre as cotações das ações da Companhia.
34. O Plano de Negócios divulgado pela OSX apresentou ao mercado uma nova etapa
empresarial que se revelava especialmente difícil no tocante à realidade econômico-
financeira da Companhia, com evidente impacto negativo sobre os seus resultados
futuros e os retornos de seus acionistas. As repercussões advindas daquelas discus-
sões e posterior decisão certamente tinham o potencial de impactar as cotações das
ações emitidas pela Companhia e a decisão dos investidores.
35. Neste sentido, cabe destacar que o valor de mercado da OSX foi reduzido sobre-
maneira após a divulgação do Fato Relevante, e menos de seis meses depois a Com-
panhia veio a público informar a aprovação do seu pedido de recuperação judicial.
36. Assim, resta evidente que um investidor que tomasse conhecimento do Plano de
Negócios da OSX previamente à sua divulgação estaria de posse de uma informação
privilegiada, pois saberia, antes de todos os outros investidores, da nova perspectiva
econômico-financeira da OSX e da grande probabilidade de queda nas ações a partir
do momento em que essas informações fossem públicas.
30 Neste sentido, a CVM já decidiu em vários processos como no PAS CVM nº RJ2006/5928, julgado em
17.4.2007, de relatoria do Diretor Pedro Marcilio, que: “Não se exige que a informação seja definitiva ou esteja formalizada
para que se considere um fato relevante e, portanto, sujeito ao dever de divulgação. Basta que a informação não seja meramente
especulativa, mera intenção, não baseada em fatos concretos. Informações sobre atos bilaterais (contratos, reestruturações
societárias, etc.) podem ser divulgáveis, independentemente de consenso entre as partes, desde que uma delas já tenha tomado
a decisão de realizar o negócio, fazer uma oferta de compra ou tenha a intenção de prosseguir uma negociação ou concluir
uma negociação em andamento. Nesses casos, divulga-se a intenção, mas não a conclusão do negócio.” Do mesmo modo, o
Diretor Marcelo Trindade, ao proferir seu voto no Processo Administrativo Sancionador CVM nº 22/99, julgado em 16.08.01,
pronunciou-se afirmando que “esta sucessão de eventos revela claramente, no meu entendimento, que as companhias envolvidas,
a CVM e a Bovespa agiram todas, naquele momento, da forma como deveriam: as empresas divulgaram as informações à
medida que se tornaram disponíveis e minimamente concretas, mas sem aguardar o desfecho detalhado do assunto, evitando
assim que se perdesse o controle sobre a informação” e, ao apreciar a decisão da acusação, que no caso entendia que não se
deveria publicar fatos relevantes diante das incertezas da concretização dos negócios, o Diretor disse que “Nada mais falso a
meu sentir: a informação deve ser disponibilizada tão logo mereça esse nome, isto é, desde que se trate não de mero projeto
inicial e desconexo, mas se tenha traduzido em objetivo concreto da administração ou do controlador”.
38. Não obstante, Eike Batista procedeu à alienação de 9.911.900 ações da OSX em
19.04.2013, embora alegue que não teve o comportamento típico de quem objetiva
auferir vantagem econômica de posse de informação privilegiada, na medida em que
teria alienado tão somente a quantidade de ações necessária para o enquadramento
do free float da Companhia, por força da determinação imposta pela BM&FBovespa.
40. Esses argumentos, contudo, não são capazes de infirmar a tese acusatória.
41. A justificativa apresentada pelo Acusado para a alienação de ações, tal qual o en-
quadramento do free float, não afasta, por si só, a proibição de negociação de posse
de informação relevante não divulgada ao mercado, que só poderia ser elidida caso
existisse uma situação emergencial cuja única saída fosse a negociação das ações,
como já decidiu a CVM em outras ocasiões32.
42. Esta situação não ocorreu no caso em apreço, na medida em que se vislumbram,
ao menos, duas possibilidades de atendimento à determinação da BM&FBovespa, sem
que houvesse violação à norma que veda a negociação de ações de posse de informa-
ção privilegiada.
43. De fato, a necessidade de adequação do free float vinha de longa data, tendo a
BM&FBovespa, em 2010, concedido à OSX prazo de dois anos, até 19.03.2012, para
que fosse alcançado o percentual mínimo de 25% das ações em circulação (fls. 50 a 74).
31 Neste sentido, cabe registrar que a Defesa trouxe aos autos parecer jurídico da lavra de Nelson Eizirik que,
dentre outros pontos, afirma que, apesar de constituir entidade privada, a BM&FBovespa, na qualidade de órgão de
colaboração da CVM, exerce munus público, nos termos expressos do art. 17 da Lei nº 6.385/76 (fls. 544 a 574). Por tal razão,
segundo a Defesa, o Acusado, ao agir para enquadrar o free float por ordem legal da BM&FBovespa, deu estrito cumprimento a
dever jurídico emanado por autoridade competente, ficando caracterizada atuação em boa fé e excluída a ilicitude da conduta.
32 Ver, nesse sentido, o PAS CVM nº 07/1991, julgado em 06.06.1994, Dir. Rel. José Estevam de Almeida Prado;
PAS nº 17/2002, julgado em 25.10.2005, Dir. Rel. Wladimir Castelo Branco, em cujo voto se destaca que seria razoável
admitir a negociação, ainda que na pendência de divulgação de fato relevante, caso fique comprovado que foi realizada
por uma “necessidade premente”, frente à qual não se poderia exigir da pessoa conduta diversa; e PAS CVM RJ 2011/3823,
julgado em 09.12.2015, Diretor Pablo Renteria.
45. Com relação a esse ponto, inicialmente cabe ressaltar que essa solicitação de pror-
rogação foi feita pela OSX dois dias após o prazo final fixado pela bolsa, sendo que foi
concedida a dilação do prazo sem aplicação de qualquer sanção, a demonstrar que o
descumprimento da referida obrigação não acarreta punição automática.
48. Vê-se, assim, que, em situações excepcionais, o prazo de adequação do free float
estabelecido pela BM&FBovespa pode ser flexibilizado, e tal hipótese encontra re-
49. No caso ora analisado, considerando que o acionista controlador estava de posse
de informação relevante ainda não divulgada ao mercado, circunstância que o impe-
dia de alienar ações naquele momento, tal situação excepcional seria plenamente apta
a fundamentar uma solicitação de prorrogação, o que não foi sequer tentado pelo
Acusado. Evidente que um pedido com este fundamento, diverso, portanto, daquele
que fundamentou o pleito anterior, indeferido, teria sido tratado de outra forma pela
BM&FBovespa.
33 Artigo 3.2 do Regulamento do Novo Mercado: “O Diretor Presidente da BM&FBovespa poderá, mediante,
solicitação formal da Companhia, devidamente fundamentada, conceder um período para o enquadramento do Percentual
Mínimo de Ações em Circulação, sendo esse poder aplicável ainda em relação aos prazos previstos nos itens 7.3 e 8.5, bem
como em outras situações excepcionais.”(fls. 78v)
34 A Defesa argumenta neste sentido citando como precedente o PAS CVM nº 13/05, Diretor Relator Otavio
Yazbek, julgado em 25.6.2012.
35 SAMPAIO CAMPOS, Luiz Antônio. Conselho de Administração e Diretoria. In: LAMY FILHO, Alfredo;
BULHÕES PEDREIRA, José Luiz (coord.). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009, Vol. 1, p 1.152.
52. Era, portanto, possível e exigível que o Acusado tivesse agido proativamente para
evitar que a adequação do free float implicasse em violação ao dever de lealdade à
Companhia. Todavia, preferiu manter-se em situação de aparente conflito e alienar
significativo lote de ações, mesmo de posse da informação privilegiada, obtendo de-
stacado benefício financeiro em detrimento dos acionistas minoritários.
53. Ademais, não se pode concordar com o argumento da Defesa de que o Caderno
“Uso de Informação Privilegiada (Insider Trading)”, elaborado pela CVM, permitiria
a negociação de ações quando esta decorresse do cumprimento de uma obrigação,
ainda que na presença de informação relevante e sigilosa, em razão do seguinte tre-
cho do mencionado caderno:
54. Isto porque a situação dos autos não se confunde com a autorização de nego-
ciação baseada em política de negociação prevista no art. 15-A da Instrução CVM n°
358/2002, que estabelece estritas condições para que as operações ocorram, dentre
estas as datas e quantidades dos negócios, como se verifica da leitura do referido
dispositivo:
III - prevejam prazo mínimo de seis meses para que o próprio plano, suas
eventuais modificações e cancelamento produzam efeitos.” [grifou-se]
55. Neste mesmo sentido, o Colegiado da CVM já decidiu que a política de negociação
deve ser bem definida para ser apta a afastar a presunção de que os administradores
negociaram com a intenção de obter vantagem indevida, como se verifica do voto
condutor proferido pelo Diretor Roberto Tadeu Antunes Fernandes, no julgamento
do PAS CVM n° RJ2012/13047, de 04.11.2014, cujo excerto transcreve-se a seguir:
56. A prevalecer a tese da Defesa, a necessidade de a OSX adequar o seu free float
entre 21.03.2012 e 19.04.2013 permitiria a Eike Batista vender ações da Companhia
quando melhor lhe aprouvesse, ainda que ciente da existência de informação sigilosa
pendente de divulgação, desde que tal alienação ocorresse dentro do prazo estipulado
pela BM&FBovespa; hipótese, portanto, bem diversa da que prevê o mencionado art.
15-A e as orientações do Caderno “Uso de Informação Privilegiada (Insider Trading)”
elaborado pela CVM.
58. Ademais, não merece prosperar o argumento de que não restou caracterizada a
materialidade delitiva, pois, no contexto fático-jurídico referente ao Fato Relevante
de 17.05.2013, Eike Batista teria apurado prejuízo substancial de R$ 208 milhões, em
razão do exercício do Plano de Opções pela OSX, pelo qual foi obrigado a comprar
novas ações da Companhia36.
61. Não há como considerar em conjunto, como deseja a Defesa, o resultado de duas
negociações desvinculadas uma da outra. O fato de a equação financeira ser negati-
va para o Acusado não torna o contrato de opção de venda, firmado pelo Acusado
36 O Fato Relevante publicado pela OSX, em 17.10.2012, informou ao mercado as condições relativas ao Plano
de Opções, conforme o trecho a seguir transcrito revela: “Foi aprovado pela unanimidade dos membros independentes
do Conselho de Administração da Companhia o exercício, no valor equivalente em Reais a USD 500 milhões, da opção de
subscrição (“Put” ou “Opção”) outorgada à Companhia pelos seus acionistas controladores, nos termos do respectivo contrato
datado de 16 de março de 2010 (o “Contrato de Opção”), com o objetivo de dotar a Companhia de capital social adicional para
a execução e implementação do seu plano de negócios, conforme recomendação da diretoria da Companhia. Em razão de tal
exercício, serão realizados aumentos de capital da OSX totalizando USD 500 milhões até 23 de março de 2013, com a emissão
de novas ações ordinárias da OSX, ao preço de emissão estipulado na Opção, correspondente ao preço por ação apurado na
Oferta Pública Inicial de Ações da Companhia corrigido pelo IGP-M/FGV. Até 26 de outubro de 2012, será realizado aumento
de capital no valor equivalente em Reais a USD 250 milhões e o saldo da Opção exercida no valor equivalente a USD 250
milhões será objeto de aumentos de capital da Companhia a serem realizados até 23 de março de 2013. Adicionalmente, os
acionistas controladores da Companhia se disponibilizaram a prorrogar até 23 de março de 2014 o direito outorgado à OSX
de exercer o saldo do valor da Opção, que soma US$ 500 milhões adicionais. Tal iniciativa possibilitará que, mesmo já tendo
ocorrido o exercício da Opção em valor equivalente a US$ 500 milhões, fique assegurado à Companhia, pelo prazo adicional
de um ano, o direito de requerer que seus acionistas controladores subscrevam novos aumentos de capital em valor adicional
equivalente a até outros US$ 500 milhões. Esse novo compromisso dos acionistas controladores perante a OSX reafirma a
perspectiva de que a nova capitalização total da OSX decorrente da Opção possa atingir o valor total de US$ 1 bilhão até março
de 2014. Em decorrência do exercício da Opção ora comunicado, a Companhia iniciou os trâmites correspondentes previstos no
Contrato de Opção e na legislação aplicável, com a respectiva divulgação legal”.
62. Ainda sobre o tema, cabe registrar que a configuração do insider trading, inde-
pende da existência de vantagem na negociação de valores mobiliários, conforme
entendimento consolidado da CVM e a seguir traduzido pelo voto do então Diretor
Marcelo Trindade, proferido no julgamento do PAS CVM n° 04/2004, de 28.06.2006:
63. Portanto, mesmo que Eike Batista não tivesse evitado perda na venda das ações,
como efetivamente ocorreu, já é consolidado o entendimento do Colegiado da CVM
de que a vantagem não é requisito indispensável para a caracterização do ilícito de
uso indevido de informação privilegiada.
64. De tudo o que foi visto, o que se pode afirmar com convicção é que a necessidade
de adequação do free float vinha de longa data, somente tendo sido concretizada no
momento em que pareceu mais oportuno para Eike Batista, quando havia pendência
de Fato Relevante, portanto, na existência de vedação legal.
65. A negociação com o uso de informação relevante ainda não divulgada é uma das
práticas mais nocivas ao funcionamento regular do mercado. E a conduta torna-se mais
grave quando é praticada pelo acionista controlador, pois, ao se colocar numa indevida
posição vantajosa em relação aos demais acionistas e investidores não detentores da
informação privilegiada, ele fere a credibilidade que deve existir na formação justa do
preço das ações da companhia, razão pela qual deve ser firmemente repelida.
37 Lei nº 6.385/76: Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha
conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante
negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários: (Artigo incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001).
Pena- reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência
do crime. (incluído pela Lei nº 10.3030, de 31.10.2001).
68. Em razão do acima exposto, com fundamento no art. 11, II e IV, da Lei n° 6.385/76,
em precedentes deste Colegiado38, na doutrina39 e em decisão do Superior Tribunal
de Justiça40 sobre a dosimetria da pena no âmbito da citada Lei, voto pela condenação
de Eike Fuhrken Batista, na qualidade de presidente do conselho de administração
e acionista controlador da OSX Brasil S.A.: (i) à penalidade de multa pecuniária no
valor de R$ 21.013.228,00 (vinte e um milhões, treze mil e duzentos e vinte e oito
reais), correspondente a duas vezes o montante da perda evitada, e (ii) à penalidade
de inabilitação temporária pelo prazo de cinco anos para o exercício do cargo de
administrador, ou de conselheiro fiscal de companhia aberta, de entidade do sistema
de distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização ou registro na
Comissão de Valores Mobiliários, por infração ao art. 155, §1°, da Lei n° 6.404/76 e ao
art. 13 da Instrução CVM n° 358/2002, infração esta considerada grave nos termos
do art. 18 da Instrução CVM n° 358, de 200241.
69. Por fim, proponho comunicar o resultado deste julgamento à Procuradoria da Re-
pública no Estado de São Paulo, em complemento ao Ofício/CVM/SGE/N° 11/2014
(fls. 129).
1. Senhor Presidente, as provas dos autos evidenciam que, ao vender 9.911.900 ações
da OSX no dia 19.4.2013, Eike Batista estava de posse de informação relevante ainda
42 V., entre outros tantos, o PAS CVM nº 04/2004, Diretor-relator Marcelo Fernandez Trindade, julgado em
28.6.2006; PAS CVM nº RJ2012/1666, Diretora-relatora Luciana Dias, julgado em 03.04.2012; e PAS CVM nº RJ2011/3823,
Diretor-relator Pablo Renteria, julgado em 09.12.2015.
9. Nesses casos, a CVM considera determinado fato provado (e.g., o fato de o inve-
stigado ser administrador da companhia aberta) como indício hábil a autorizar, por
indução, a conclusão quanto à ocorrência de fatos que configuram a prática do in-
sider trading (o conhecimento da informação relativa ao fato relevante pendente de
divulgação e o intuito de obter vantagem).
12. No sistema jurídico brasileiro, que prestigia o direito à ampla defesa e o princípio
do livre convencimento motivado do julgador, não me parece possível identificar a
priori as hipóteses nas quais a CVM entenderá superada a presunção e ausente a fi-
nalidade de ganho indevido. Tal questão, com efeito, situa-se no plano dos fatos e re-
mete à valoração das provas dos autos, que variam de um caso para outro. Cuida-se,
portanto, de análise que não pode ser dissociada das circunstâncias peculiares a cada
caso concreto, cabendo ao julgador, em homenagem à ampla defesa, considerar, na
formação de sua convicção, todas as provas disponíveis nos autos.
21. Em suma, tais exemplos evidenciam que o Colegiado da CVM vem reconhecendo
que a negociação de posse de informação privilegiada pode resultar de diferentes
razões jurídicas ou econômicas, que afastam o ânimo de obter vantagem indevida.
Nesse quadro, a questão relativa à presença ou ausência do elemento intencional re-
solve-se no plano dos fatos, e, na busca da verdade, cabe ao julgador, respeitado o
seu livre convencimento motivado, ponderar se as provas apresentadas contra a pre-
sunção indicam, de maneira inequívoca, que a finalidade do acusado, ao negociar, foi
outra que não a de tirar proveito da informação privilegiada.
22. Quanto ao caso em apreço, a cronologia dos fatos deixa claro que a venda de ações
por Eike Batista, ocorrida em 19.4.2013, foi feita para cumprir a obrigação de enqua-
dramento do número de ações da Companhia em circulação (free float) no percentual
mínimo estabelecido no Regulamento do Novo Mercado da BM&FBOVESPA.
23. Em 27.2.2013, a OSX solicitou extensão do prazo para recomposição do free float
até 27.9.2014. Vale dizer que esse era o terceiro pedido dessa natureza formulado pela
Companhia desde a sua oferta inicial de ações, ocorrida em 2010.
25. Como se vê, houve plena coincidência de datas e quantias, o que parece ser uma
47 V., nesse sentido, o PAS CVM nº 07/1991, julgado em 06.06.1994, Diretor-relator José Estevam de Almeida
Prado; o PAS CVM nº 17/2002, julgado em 25.10.2005, Diretor-relator Wladimir Castelo Branco; o PAS CVM nº
RJ2011/3823, Diretor-relator Pablo Renteria, julgado em 09.12.2015.
48 Diretor-relator Roberto Tadeu.
27. Data venia, não concordo com o primeiro argumento. O que se espera do devedor
é o cumprimento da prestação devida no seu vencimento, e não que descumpra o
acordado, procrastinando a satisfação do débito. A razão que justifica a satisfação da
prestação não é o receio da sanção, mas o vínculo jurídico que liga o devedor à outra
parte, fazendo com que o adimplemento seja a conduta devida e exigível. Desse modo,
sendo a obrigação espécie de dever jurídico, e não mera faculdade, não me parece
correto considerar que o acusado estava livre para observar ou desrespeitar o prazo
estabelecido pela BM&FBOVESPA.
29. Tal solução, como já dito, mostra-se razoável, embora me pareça que a sua exe-
30. Em todo caso, ainda que admitido o acerto da orientação sugerida pela acusação,
entendo, quanto ao caso em apreço, que o fato de o acusado não ter solicitado nova
prorrogação do prazo não revela, de sua parte, o intuito malicioso de aproveitar-se
do vencimento da obrigação para utilizar indevidamente informação privilegiada.
31. Nesse tocante, vale frisar que, antes de 15.4.2013, a Companhia já havia formu-
lado três pedidos de prorrogação, sendo que o último, como já mencionado, foi in-
deferido pela BM&FBOVESPA. Aliás, a resposta enviada por esta última à OSX e ao
acionista controlador, comunicando o indeferimento, deixava antever pouca dispo-
sição para apreciar novo pedido, tendo em vista a ênfase dada ao caráter excepcional
do deferimento de 30 dias adicionais para a recomposição do free float.
32. Tendo em vista o histórico dos pedidos e o teor da última resposta recebida pela
Companhia, parece-me razoável supor que, nessas circunstâncias, a formulação de
novo pedido de prorrogação não se mostraria frutífera.
33. Por fim, o terceiro argumento da acusação é que Eike Batista deveria ter reque-
rido à administração da Companhia a divulgação de fato relevante em 19.4.2013,
informando o mercado acerca do estágio no qual se encontrava a revisão do plano de
negócios, de maneira a prevenir a prática de insider trading.
34. Cuida-se, sem dúvida, de boa prática, mas, que só se mostra aplicável na medida em
que esteja alinhada ao melhor interesse da companhia. Nesse sentido, ao tratar do di-
sclose, or abstain, a doutrina observa que o administrador não pode optar por divulgar
fato relevante se a sua revelação for prejudicial aos interesses legítimos da companhia:
35. No caso em apreço, há, a meu ver, razões suficientes para entender que a revelação
do estágio da revisão do plano de negócios da OSX poderia, de fato, ser prejudicial,
dado que o tema, de inegável sensibilidade, ainda não havia sido definido. A divul-
gação do teor da minuta, a que o acusado teve acesso, geraria especulações e incerte-
zas no mercado, agravando a situação já difícil vivenciada pela Companhia. Não deve
ser por outra razão que a administração, valendo-se da prerrogativa prevista no art.
6°, caput, da Instrução CVM n° 358, de 2002, apenas divulgou o novo plano de ne-
gócios em 17.5.2013, quando já havia sido aprovado pelo Conselho de Administração.
36. Há, ainda, outras circunstâncias do caso que, no meu sentir, desautorizam a afir-
mação de que o acusado tenha ardilosamente se aproveitado do vencimento da obri-
gação de recompor o free float para utilizar a informação privilegiada.
37. Em primeiro lugar, convém assinalar que, no último pedido feito à BM&FBOVE-
SPA, a Companhia solicitou a extensão do prazo de recomposição do free float até
27.9.2014, o qual, se tivesse sido atendido, teria permitido tranquilamente que a venda
das ações ocorresse após a divulgação do novo plano de negócios da Companhia. Tal
fato reforça a minha convicção de que o acusado não tinha a intenção de vender ações
enquanto em curso a revisão do plano de negócios da Companhia e somente o fez em
respeito ao prazo consignado pela administradora de mercado.
38. Em segundo lugar, a análise dos dados de mercado mostra que, no período de 02 de
janeiro de 2013 a 17 de maio de 2013, último pregão antes da divulgação do novo plano de
negócios, as ações de emissão da OSX “derreteram”, registrando desvalorização de aproxi-
madamente 78%, em meio às notícias que já circulavam na imprensa acerca da grave crise
vivenciada pela Companhia e demais empresas do Grupo X. De 02 de janeiro a 19 de abril
- data da venda das ações pelo acusado - a desvalorização já havia alcançado 65,80%. Tais
dados sugerem que, antes mesmo de o acusado vender as ações para recompor o free float, já
prevalecia no mercado uma percepção negativa acerca da rentabilidade da OSX.
39. Considerado tal contexto fático, entendo que a conduta do acusado não é típica
daquele que busca auferir vantagem indevida, abusando das informações privilegia-
das obtidas em razão da posição de controlador. Se a sua intenção fosse negociar
para evitar perdas, dele se esperaria a venda de ações dentro do prazo originalmente
estipulado, que terminaria em 19 de março, e não a solicitação de prorrogação para
postergar o reenquadramento para o segundo semestre do ano seguinte. Ao invés
de vender tão logo tenha tomado conhecimento do indeferimento da prorrogação,
aguardou por mais trinta dias o vencimento do termo e, só nesse período, a cotação
(de fechamento) caiu de R$ 6,35 para R$ 3,45, perdendo 45% de seu valor.
41. Desse modo, voto pela absolvição de Eike Batista da acusação de infração ao art.
155, §1°, da Lei n° 6.404, de 1976 e ao art. 13, caput, da Instrução CVM n° 358, de 2002.
É como voto.
Pablo Renteria
Diretor
2. Nesses casos, cabe ao insider primário ilidir essa presunção, demonstrando, com
provas convincentes, que não tinha conhecimento da informação relevante, ou que
o seu comportamento não foi motivado, em nenhuma medida, pela possibilidade de
auferir lucro, ou reduzir prejuízo, indevidamente, mediante a negociação com ações
de emissão da companhia.
3. Quanto ao primeiro ponto, concordo com os Diretores Henrique Machado e Pablo Ren-
teria: não há dúvidas de que o acusado Eike Fuhrken Batista (“Acusado) negociou ações da
OSX Brasil S.A. (“Companhia”), em 19.4.2013, de posse de informação privilegiada.
4. Pelas razões já expressas nos respectivos votos, estou certo de que, ao menos desde
o dia 15.4.2013, quando participou de reunião da diretoria da Companhia, o Acusado
já tinha ciência da atualização do Plano de Negócios da Companhia e de como isso
representava um prognóstico negativo.
7. Pois bem, no caso concreto, entendo que os argumentos apresentados pelo Acu-
sado são incapazes de me convencer de que a sua opção de alienar 9.911.900 ações
ordinárias de emissão da Companhia, em 19.4.2013, não tenha levado em conta o
prejuízo a ser evitado.
10. Com efeito, o Acusado, assim como qualquer outro participante do mercado de
capitais, tinha a obrigação de respeitar a lei, devendo buscar alternativas para afastar
a sua situação de assimetria informacional para que a alienação de ações da Com-
panhia não fosse realizada no período vedado. No entanto, como consignado pelo
Relator, não houve qualquer movimento nesse sentido, de modo que não vejo como
seria possível considerar a operação como regular.
13. Tanto é assim que a previsão expressa dessa possibilidade integrou a proposta de
alteração da Lei n° 6.385, destinada ao aprimoramento da atividade sancionadora da
CVM, e que culminou na Medida Provisória n° 784, de 2017, publicada em 08.06.2017.
14. Com a nova redação do caput do art. 11 da Lei 6.3851 50, conforme a alteração
promovida pela Medida Provisória em referência, passou-se a admitir a aplicação cu-
mulada de penalidades. Naturalmente, contudo, essa novidade legislativa não pode
retroagir para o presente caso, em que é aplicável a Lei 6.385 vigente à época dos fatos,
que não comportava a cumulação.
50 Lei 6.385: “Art. 11. A Comissão de Valores Mobiliários poderá impor aos infratores das normas desta Lei, da
Lei de Sociedades por Ações, de suas resoluções e de outras normas legais, cujo cumprimento incumba a ela
fiscalizar, as seguintes penalidades, isoladas, ou cumulativamente (grifamos).
51 PAS CVM n° RJ2014/3225, Relator Diretor Roberto Tadeu, julgado em 13.09.2016; e PAS CVM n° 15/2010,
Relator Direto0 Roberto Tadeu, julgado em 08.12.2015.
I. Do Objeto
52 Nesse sentido, cabe mencionar que, no próprio memorando DRI nº 4, a então Diretora de Relações com
Investidores ressaltou que “Gostaria de alertar, que desde 05/07/13 circulou a 1ª versão consolidada do resultado do 1º
semestre/13; que no dia 09/07/13 a Diretora recebeu a prévia não auditada do Resultado de Junho e acumulado de 2013;
que houve reunião de Diretoria no dia 10/07/13; e que os documentos circularam pelos membros do CA. sem contar os
inúmeros assuntos estratégicos que vem sendo tratados pela administração. Deste modo, os membros da Administração
estão com informação privilegiada e devem ter atenção redobrada e evitar compra e venda de ações, até segunda ordem.”
(fls. 12 dos autos).
53 Valor informado nas notas explicativas às demonstrações financeiras referentes ao exercício findo em
31.12.2013. Nesse sentido, vale reproduzir o seguinte trecho: “Em 21 de junho de 2012 a Forjas Taurus S.A. concluiu a
venda das atividades operacionais da Taurus Máquinas-Ferramenta Ltda.(“TMFL”) para a Renill Participações Ltda.(“RPL”),
conforme Contrato de Compra e Venda de Quotas e Outras Avenças (“Contrato”) assinado entre as partes. A empresa vendedora
foi a Taurus Máquinas- Ferramenta Ltda.(“TMFL”), com a anuência da Wotan Máquinas Ltda. e da Taurus Investimentos
Imobiliários Ltda.(“TIIL”), por meio da constituição de uma empresa denominada SM Metalurgia Ltda.(“SML”) cujo capital
subscrito no valor de R$ 115.350, representando o montante final da alienação, mediante integralização de bens imóveis,
máquinas e estoques. Com o pagamento de dívida, de capitalização e de dação em pagamento, da Wotan Máquinas Ltda. e da
Taurus Investimentos Imobiliários Ltda., a Taurus Máquinas-Ferramenta Ltda. passou a deter a totalidade das quotas da SM
Metalurgia Ltda., ficando o compromisso de venda e o compromisso de compra pela Renill Participações Ltda. de adquirir a
totalidade das quotas pelo preço de R$ 115.350”.
6. A SEP sustenta que o Acusado, como “Diretor Executivo” (não estatutário) e mem-
bro do Comitê Estatutário de Auditoria e Riscos da Forjas (“CAR”), teria negocia-
do ações da Companhia de posse de informação relevante ainda não divulgada ao
mercado, independentemente do “período vedado” previsto no art. §4° do art. 13 da
ICVM 358/02, uma vez que: a) já tinha conhecimento, desde 05/07/2013, da primeira
versão consolidada do resultado do segundo semestre de 2013; b) sabia que a pri-
meira parcela da dívida da Renill pela compra da SM Metalurgia Ltda., que deveria
ter sido quitada em 30/06/2013, tinha sido inadimplida; c) as negociações realizadas
em 15/07/2013 e 16/07/2013, quando Edair vendeu 92.700 (76.700 + 16.000) ações
da Companhia, reduzindo sua posição para apenas 9.200 ações preferenciais, seriam
totalmente atípicas, sob a perspectiva do volume alienado, para o padrão de nego-
ciação do Acusado; d) o Acusado teria participado ativamente da estruturação e dos
desdobramentos da operação de venda da SM Metalurgia Ltda., conforme se extrai-
ria das atas das Reuniões do Conselho de Administração, das reuniões do grupo de
trabalho criado para análise do tema, do qual o Acusado seria um dos membros55,
e dos e-mails recebidos ou encaminhados pelos Acusado sobre a questão; e) apesar
de o pedido de repactuação do contrato de alienação da SM Metalurgia Ltda. ter sido
apresentado em 12/08/2013, diversos documentos demonstrariam que o Acusado já
tinha ciência das circunstâncias do inadimplemento da Renill bem antes do fato re-
levante correspondente; e f) que as infrações previstas no Processo Administrativo
Sancionador CVM n° RJ2014/13977 seriam independentes das formuladas no pre-
54 Parágrafo 4°, fls. 51 dos autos.
55 Reuniões de 02/05/2013, 29/05/2013 e 24/06/2013.
8. O Acusado, em sua defesa, alegou que: a) os artigos 155, §1° e 160 da LSA não
seriam a ele aplicáveis, uma vez que os cargos de “Diretor Executivo” e membro do
Comitê de Auditoria e Riscos não seriam estatutários; b) as condutas supostamente
praticadas pelo Acusado não estariam individualizadas, pois não haveria indicação
das supostas informações privilegiadas de que ele teria conhecimento e como ele as
teria utilizado, assim como também não haveria indicação da vantagem por ele su-
postamente percebida; c) o Acusado não possuía informações privilegiadas sobre a
venda da SM Metalurgia Ltda., pois não teve papel importante na estruturação e ne-
gociação da venda da referida sociedade empresária, tendo sua função se limitado ao
mero planejamento de possibilidades de estruturas organizacionais que teriam sido
apresentadas pela diretoria da Companhia; d) não há prova sobre sua participação
nas negociações sobre os contratos e parcelas a serem pagas pela venda da SM Me-
talurgia Ltda, e que esse tema estaria sendo analisado no Processo Administrativo
Sancionador CVM n° RJ2014/13977; e) não haveria prova de que o Acusado possuía
informações privilegiadas sobre os resultados financeiros do 2° trimestre de 2013;
f) mesmo em caso de ciência, as referidas informações trimestrais não teriam força
para, teoricamente, influenciar de modo ponderável a cotação dos valores mobiliários
emitidos e/ou as decisões tomadas pelos investidores; e f) que tinha motivações lícitas
para as negociações realizadas, dado que, em virtude da aproximação de sua apo-
sentadoria, estava em processo de redução da posição acionária na Companhia, com
realocação desses recursos em investimentos de menor risco.
VI. Da Manifestação sobre a possível redefinição jurídica dos fatos (fls. 376381)
10. Intimado para se manifestar sobre essas considerações da SEP, o Acusado man-
teve-se inerte.
12. É o relatório.
Gustavo Borba
Diretor-Relator
I. Visão panorâmica
1. A SEP, com fulcro no §1° do art. 155 c/c art. 160, da Lei n° 6.404/76 (“LSA”), e
no caput do art. 13 da Instrução CVM n° 358/02 (“ICVM 358/02”), acusou Edair
Deconto (“Edair” ou “Acusado”), membro do Comitê de Auditoria e Riscos e “Dire-
tor Executivo” da Forjas Taurus S.A. (“Forjas” ou “Companhia”), pela negociação de
ações da Companhia de posse de informações relevantes não divulgadas ao mercado.
4. Nesse sentido, afirma a SEP que diversos problemas relativos a essa venda, inclu-
sive contratos relacionados à operação que teriam sido ocultados da própria admi-
nistração e que diminuiriam de forma indireta o montante total da dívida, seriam
de conhecimento do Acusado no mínimo desde 02/05/2013, quando, por decisão do
Conselho de Administração, todas essas questões foram encaminhadas para análise
de Grupo de Trabalho então criado, do qual o Acusado fazia parte.
5. Ademais, vários e-mails enviados para o Acusado, ou em que ele estava “copiado”,
demonstrariam que, desde 2012, as fragilidades do contrato de venda da SM Meta-
lurgia Ltda. seriam evidentes e que problemas se manifestariam quando chegasse o
momento do pagamento da primeira parcela, em 30/06/2013.
6. Essas circunstâncias, que ainda não haviam sido divulgadas ao mercado, consti-
tuiriam um fato relevante, especialmente em momento próximo ao vencimento da
primeira parcela (em 30/06/2013) do pagamento devido pela aquisição da SM Meta-
lurgia Ltda., uma vez que essas informações, detidas pelo Acusado, teriam aptidão
teórica para influir no comportamento dos participantes do mercado em relação aos
valores mobiliários da Forjas Taurus.
8. Por fim, corroborando a violação pelo Acusado à política de negociação com valo-
res mobiliários da Companhia, cumpre observar que, em e-mail de 09/07/2013 (fls.
14), o DRI alertou aos “Conselheiros, Diretores, Partes Relacionadas e demais signa-
tários da Política de negociação da companhia’” que eles não deveriam negociar va-
lores mobiliários da Companhia a contar de 15 de julho de 2013 - alerta esse que foi
desconsiderado pelo Acusado, tanto que vendeu grandes quantidades de ações nos
dias 15 e 16 de julho de 2013.
9. Em sua defesa, sustenta o Acusado que: a) não seria membro de órgão estatutário,
razão pela qual não poderia ser Acusado com fulcro no art. 155, §1°, c/c art. 160 da
Lei 6.404/76; b) que a acusação não teria individualizado a conduta do Acusado, o
que lhe cercearia a ampla defesa; c) inexistiria prova nos autos quanto à sua ciência de
fato relevante relativo a detalhes da venda da SM Metalurgia Ltda.; d) não teria par-
ticipado ativamente da venda da SM Metalurgia Ltda., sendo certo que essa questão
II. Preliminares
10. Passando à análise das preliminares suscitadas pelo Acusado, entendo que não
merece prosperar a alegação de ausência de individualização da conduta irregular de
Edair no Termo de Acusação, uma vez que a acusação indica de forma específica de-
talhes suficientes da conduta do Acusado que seria ilegal, que consiste na negociação
com ações da Companhia de posse de informação relevante.
12. Embora não o faça de forma explícita, a Defesa parece sugerir que haveria co-
nexão do presente processo com o PAS RJ2014/13977, o que não procede, uma vez
que, naquele processo, discute-se a participação ativa do Acusado na negociação
da alienação da SM Metalurgia Ltda. no ano de 2012, questão que não precisa ser
analisada ou definida no presente processo, uma vez que a negociação como insider
prescinde da atuação do Acusado na modelagem do negócio, mas apenas a ciência,
no momento da negociação, do fato relevante não divulgado. Além disso, a ausência
de conexão fica evidente quando se verifica o período a que se refere a Acusação de
insider trading ora em apreciação, bem após a assinatura do contrato de venda de
participação societária.
IV. Mérito
13. Além da diretoria executiva não estatutária, o Acusado exercia, no período objeto
da acusação, o cargo de “Membro do Comitê de Auditoria e Riscos” (CAR), cuja exi-
stência obrigatória estava expressamente indicada no art. 2757 do Estatuto da Com-
15. Desta forma, considerando que o Acusado exercia o cargo estatutário de membro
do Comitê de Auditoria e Risco, rejeito a preliminar de mérito no sentido de que o
art. 13 da ICVM 358 e o art. 155, § 1°, c/c art. 160, da Lei 6.404/76, não seriam apli-
cáveis ao caso.
16. Desta forma, conforme regra que se extrai do art. 13 da ICVM 35860 e do art. 155,
§ 1°, c/c art. 160, da Lei 6.404/76, incide sobre o Acusado, as presunções de ciência
dos fatos relevantes referentes à Companhia e de que a negociação, após a existência
do fato relevante, teria sido com o objetivo de obter benefício indevido. Sobre o tema,
convém, a título de ilustração, transcrever um dos precedentes que tratam do tema de
forma pacífica, de relatoria do Diretor Pablo Renteria61:
17. No entanto, apesar das referidas presunções, impõe-se a comprovação de que exi-
stiria, quando das negociações supostamente irregulares, algum fato relevante ainda
não divulgado ao mercado.
18. O fato relevante, no caso, seria relacionado à postura recalcitrante da Renill quan-
to ao pagamento da primeira parcela da dívida decorrente da aquisição da SM Meta-
lurgia Ltda., que se venceria em 30/06/2013 e era parte de um negócio cujo valor total
era de R$ 115.350.000,00 (cento e quinze milhões e trezentos e cinquenta mil reais),
bem como à intenção da devedora de não quitar a dívida integralmente.
19. Importante, desde logo, ressaltar que o fato relevante, no caso, era o conjunto de
circunstâncias que indicavam que a Renill não iria quitar a primeira parcela e que
pretendia reduzir o valor total da dívida, o que causaria um abalo econômico finan-
ceiro na Forjas Taurus, com capacidade para afetar o comportamento dos investido-
res em relação aos valores mobiliários da Companhia.
20. Nesse contexto, não importa que o fato relevante efetivamente divulgado em
14/08/2013 dissesse respeito ao pedido da Renill para repactuação da dívida, uma vez
que esse aspecto específico seria o resultado de uma situação que já vinha se constru-
indo anteriormente e que, em seu aspecto mais amplo, consistia nas fortes evidências
de que a Remill não iria quitar tempestiva e integralmente a sua dívida com a Forjas
Taurus, o que já constituiria a essência do fato relevante.
21. Desta forma, o fato relevante surgiu no momento em que se configurou de forma
consistente a indicação de que haveria inadimplemento pela Renill e que esta não
pretendia pagar integralmente o crédito da Forjas Taurus, o que veio a ser confirma-
do com o não pagamento da primeira parcela no dia 30/06/201362. Saliente-se que,
62 Posteriormente, por meio da divulgação do fato relevante de 14.08.2013, foi informado ainda o
recebimento de pedido de revisão das condições do contrato de promessa de compra e venda de quotas e outras avenças
23. Nesse contexto, perece-me que a existência da informação relevante seria inequív-
oca não apenas em decorrência da efetiva inadimplência da Renill, que ocorreu em
30/06/2013 (data do vencimento da 1ª parcela da dívida), mas também em virtude de
diversos indícios de que isso iria ocorrer e que até mesmo justificaram a criação, em
29/05/2013, de um grupo de trabalho denominado “GT Soluções Máquinas - GSM”,
que, em conjunto com a contratada Casel Gestão Estratégica de Tributos, encontrou
fortes evidências de que a Renill não pretendia quitar integralmente a dívida decor-
rente da aquisição da SM Metalurgia Ltda.
26. Desta forma, a existência do fato relevante combinado com as negociações rea-
lizadas pelo Acusado, já seriam suficientes para condenar o Acusado com base na
27. Embora desnecessário, uma vez que o Acusado não se desincumbiu de desconsti-
tuir as presunções que contra ele incidem, cabe acrescentar que a SEP, ainda assim,
indicou vários indícios da ciência pelo Acusado de que a Renill não iria quitar inte-
gralmente a primeira parcela da dívida em 30/06/2013 e que pretenderia repactuar
a operação. Analisar-se-á, a seguir, apenas os indícios indicados pela Acusação que
consideramos mais consistentes e fortes.
30. Esse Grupo de Trabalho, em conjunto com a contratada Casel Gestão Estratég-
ica de Tributos, identificou os contratos que supostamente teriam sido ocultados do
Conselho de Administração, aos quais já se fez referência no item 24 supra, e que
claramente indicavam a intenção da Renill de não quitar integralmente a substancial
dívida que possuía com a Forjas Taurus.
34. Como se tudo isso não bastasse, há ainda que se ressaltar que o Acusado vendeu
montante elevadíssimo de ações da Companhia nos dias 15 e 16 de julho de 2013,
tanto que alienou 92.700 ações, reduzindo sua participação acionária para apenas
9.200 ações, demonstrando um comportamento atípico quando comparado com a
sua atuação pretérita, o que é mais um indicativo, conforme precedentes da CVM, da
negociação de posse de informação relevante.
35. Por fim, cumpre salientar que, apesar de o Acusado ter recebido um e-mail do
DRI, em 09/07/2013 (fl. 14), dizendo que estaria vedada a negociação a partir de
15/07/2013, ainda assim o Acusado alienou, nessa data e no dia seguinte, o já referido
volume grande e atípico de ações (92.700 ações), o que também corrobora a urgênc-
ia na operação, típica dos insiders, a tal ponto que justificou a não observância da
orientação do DRI da Companhia. Sobre esse ponto, observe-se que, posteriormente,
o período vedado foi adiado em virtude do atraso na divulgação do 2° ITR, mas isso
não afeta as conclusões quanto à postura açodada do Acusado, uma vez que ele não
saberia, quando das alienações, que posteriormente haveria o adiamento.
37. Em síntese: até se poderia sustentar que em maio de 2013 ainda não haveria in-
formação relevante sobre a postura recalcitrante e a muito provável inadimplência
da Renill. Contudo, após o acesso aos “contratos ocultados” e ao efetivo atraso do
pagamento da primeira parcela em 30/06/2013, já estava configurada de forma in-
delével a informação relevante, cujo pedido de repactuação divulgado em 14/08/2013
foi apenas um desdobramento mais do que provável.
39. Quanto à dosimetria, cumpre observar que não foi realizado um cálculo minima-
mente preciso do benefício auferido no Termo de Acusação, e que a apuração realiza-
da durante a negociação do termo de compromisso, indicando um prejuízo evitado
de R$ 63.462,00 (sessenta e três mil, quatrocentos e sessenta e dois reais) não me
parece acurada o suficiente para embasar com precisão a dosimetria da multa, razão
pela qual fixarei a pena com fulcro no art. 11, § 1°, I, da Lei n° 6.385/76 (com a redação
vigente na época dos fatos).
V. Conclusão
40. Por todo o exposto, com fulcro no art. 11 da Lei n° 6.385/76, voto:
Gustavo Borba
Diretor
Relatório
I. OBJETO E ORIGEM
II. FATOS
3. Em 8.8.2014, o MPF propôs ação penal pública incondicionada contra 8 (oito) em-
6. Tal ofício, juntamente com os documentos a ele anexos, foi, então, encaminha-
do à SEP pela Procuradoria Federal Especializada (“PFE”) por meio do MEMO N°
058/2014/PFE-CVM/PGF/AGU em 13.10.2014 (fls. 1-4).
(v) ainda estava avaliando, mas, até o momento, entendia “não haver ação
corretiva a ser adotada com base nas normas contábeis aplicáveis” tanto
com relação à Transação quanto com relação aos supostos pagamentos
impróprios (fl. 87).
10. Por fim, a Companhia destacou que a investigação interna havia apontado uma
atuação do Cel. P. como ponto de contato principal do governo dominicano, repre-
sentando-o para os fins da Transação. Segundo a Embraer, ele teria exigido da Com-
panhia pagamentos no montante de US$ 3.520.000,00 (três milhões, quinhentos e
vinte mil dólares), relativos a serviços prestados no contexto da Transação.
11. Contudo, ainda segundo a Companhia, a investigação não teria fornecido infor-
mações conclusivas a respeito da natureza dos serviços prestados à Embraer, tampou-
co de sua efetiva prestação. A investigação interna não logrou, tampouco, identificar
os beneficiários finais de tais pagamentos.
16. Nesse sentido, foram enviados tais ofícios, nos termos do art. 11 da Deliberação
CVM n° 538/08, aos seguintes administradores à época dos fatos:
17. Em 13.1.2015, Luiz Aguiar apresentou manifestação (fl. 417), na qual alegou, pri-
meiramente, que o contrato comercial referente à Transação foi celebrado durante o
período em que exerceu o cargo de Diretor Vice-Presidente Executivo para o Mer-
cado de Defesa e que não houve qualquer pagamento realizado a empresas ou indi-
víduos da República Dominicana, já que “a venda foi realizada sem a necessidade de
representante comercial”.
18. Acrescentou que, desde que começou a exercer o cargo de Diretor VicePresidente
Executivo Financeiro e de Relações com o Mercado, não teve conhecimento nem
participação no processo de pagamento à empresa ou a indivíduo do referido país.
20. Informou, ainda, que somente tomou conhecimento da Ação Penal por meio da
mídia, pois não havia sido intimado. Por fim, solicitou o comparecimento pessoal à
CVM para prestar esclarecimentos sobre o assunto.66
21. Em 21.1.2015, foram protocoladas as respostas dos Srs. Orlando Ferreira Neto e F.R.
22. Orlando Ferreira Neto esclareceu, em sua manifestação (fls. 420-421), que a venda
65 Tendo em vista que, ao final, o Sr. F.R. não foi acusado no âmbito deste Processo, optou-se por referir a ele
apenas por meio de suas iniciais.
66 Por meio do OFÍCIO/CVM/SEP/GEA-3/N° 010/15 (fl. 418), a SEP informou ser desnecessário o
comparecimento pessoal do Sr. Luiz Aguiar, ressaltando, contudo, que caso fosse do seu interesse, era facultada a solicitação
de Audiência a Particulares por meio da página da CVM na rede mundial de computadores.
23. F.R., em sua manifestação (fls. 430-435), argumentou, inicialmente, que não pra-
ticou qualquer ato com o propósito de viabilizar a realização de pagamentos irregu-
lares a representantes da República Dominicana no contexto da Transação.
24. Destacou, ainda, que o Ministério Público concluiu a investigação criminal sem
oferecer denúncia contra ele.
26. Ao exercer o cargo que ocupava, F.R. negou ter concordado com ou autorizado a
realização de qualquer pagamento irregular a representantes da República Domini-
cana. Assim, qualquer operação irregular que pudesse ter sido realizada, careceria de
seu consentimento.
28. De acordo com a SEP, considerando o que a Embraer pôde apurar em sua inve-
stigação interna, foi possível constatar ter sido o Cel. P. quem exigiu o referido paga-
mento indevido, indicando três empresas sediadas na República Dominicana para
receber tal montante, a saber:
67 O conteúdo das mensagens eletrônicas demonstra a discussão entre os envolvidos na operação para viabilizar
o pagamento do montante ao governo da República Dominicana.
Ferroboc 2.500
Magycorp 920
Total 3.520
30. Ao analisar o teor das mensagens, verificou que o Cel. P. haveria pressionado em-
pregados da Embraer para receber vantagens indevidas e que, em determinado mo-
mento, o Sr. E.S. (“E.S.”), representante da Globaltix, empresa sediada no Uruguai,
passou a servir de intermediário entre a Embraer e a República Dominicana incum-
bindo-se da tarefa de viabilizar o pagamento do montante prometido (fls. 316317)
- ‘“embora travestido de prestação de serviço de prospecção de venda de aviões para
a Jordânia, país com o qual a Embraer efetivamente estava em negociação” (fl. 472).
31. Inicialmente, em 24.4.2009, foi realizado, pela Embraer LLC, pagamento no valor
de US$ 100.000,00 (cem mil dólares) à 4D Business Group S.A. (“4D”), a título de
consultoria, conforme combinado nas mensagens eletrônicas trazidas aos autos.
32. Contudo, os valores previstos para as 2 (duas) outras empresas não foram pagos
em razão de entraves originados dos controles internos da Companhia, em especial a
impossibilidade de realização de contratos de agenciamento na venda de aviões para
a República Dominicana após a Transação ter sido efetivada.
34. Ao analisar as mensagens eletrônicas (fls. 516-520), a SEP verificou que fun-
cionários da Embraer responsáveis pelos controles internos assinalaram a inconve-
niência de contratar a Globaltix como representante de vendas, uma vez que havia
pessoas de reputação incerta - com envolvimento em crimes diversos - no quadro
societário da Globaltix.
35. Após alterações no contrato social da Globaltix, foi autorizada a sua contratação
por meio de formulário denominado “Contratação de Representante Comercial” (fl.
(iii) montante fixo no valor de US$ 2,5 milhões a serem pagos 30 (trinta) dias
após a Globaltix assinar e devolver o referido documento; e
(iv) montante fixo no valor de US$ 920 mil a serem pagos 60 (sessenta) dias
após a Globaltix assinar e devolver o referido documento.
38. Da análise das mensagens eletrônicas (fls. 521-523), a SEP verificou que (i) os va-
lores fixos pagos à Globaltix, de US$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil
dólares) e US$ 920.000,00 (novecentos e vinte mil dólares) correspondiam aos mon-
tantes indicados pelo Cel. P. para o pagamento às empresas Ferroboc e Magycorp; e
(ii) tais valores haviam sido pagos em 24.5.2010 e 22.6.2010, a despeito de a Embraer
não ter realizado vendas para a Jordânia.
39. Chamou atenção, ainda, que algumas das mensagens eletrônicas analisadas -
como abaixo reproduzido a título exemplificativo - referiam-se aos pagamentos a se-
rem realizados à Globaltix relacionando-os com a República Dominicana, a despeito
de a contratação da Globaltix envolver a prestação de serviços dessa empresa para a
prospecção de vendas na Jordânia.
Para: R.S.
Cc: B.J.
Via ERL”
40. Em relação à atuação dos diretores da Companhia, a área técnica apontou que a
operação de viabilização dos pagamentos indevidos teve início em 2008, quando Luiz
Aguiar exercia o cargo de Diretor Vice-Presidente para o Mercado de Defesa, tendo
discutido o assunto com diretores e funcionários da Embraer a ele subordinados ou
não.
42. Já Orlando Ferreira Neto, sucessor de Luiz Aguiar no cargo de Diretor VicePre-
sidente para o Mercado de Defesa a partir de 1.1.2009, deu continuidade à operação
para viabilizar os pagamentos. De acordo com a área técnica, após análise do teor das
mensagens constantes dos autos, Orlando Ferreira Neto havia discutido o assunto
com diretores e funcionários da Embraer, fornecendo informações sobre como dissi-
mular o pagamento (fls. 526-534).
43. O diretor foi responsável por firmar, ainda, o formulário “Contratação de Repre-
sentação Comercial”, um dos documentos que viabilizou a contratação e os paga-
mentos à Globaltix.
44. Por fim, F.R. assinou, em conjunto com Orlando Ferreira Neto, o formulário
“Contratação de Representação Comercial”, bem como o “Authorization to Promote
Sales of Embraer Aircraft” em conjunto com Luiz Aguiar, permitindo a contratação
e o pagamento à Globaltix.
45. Alguns empregados da Embraer, responsáveis por contratos e/ou pagamentos in-
formaram, em seus depoimentos no âmbito da Ação Penal, desconhecer as atuações
das empresas 4D, Ferrobok, Magycorp e Globaltix (fls.437-448). Acrescentaram, ain-
da, que o pagamento de comissão de representação - como ocorreu no contrato com
a Globaltix - antes da concretização de venda não é usual na Companhia.
47. Analisando a conduta de Luiz Aguiar, além de constatar a assinatura dos docu-
mentos que viabilizavam a contratação e o pagamento à Globaltix68, a SEP concluiu,
mediante análise das mensagens eletrônicas acostadas aos autos, que o acusado par-
ticipou da operação para viabilizar o pagamento de “vantagem indevida” ao Cel. P.
48. Verificou que, mesmo após sua saída do cargo de Diretor Vice-Presidente para o
Mercado de Defesa, há menção de que Luiz Aguiar não teria gostado da contratação
de E.S. para receber parte dos valores prometidos pelo Cel. P.
49. A respeito de Orlando Ferreira Neto, não restaram dúvidas para a área técnica,
mediante a análise das mensagens eletrônicas acostadas aos autos, quanto à sua par-
ticipação ativa nos pagamentos realizados à 4D e à Globaltix. Conforme a SEP, ele
ainda contribuiu para a consecução de atos irregulares ao assinar a “Contratação de
Representante Comercial”.
50. De acordo com a área técnica, ao assim agirem, Luiz Aguiar e Orlando Ferreira
Neto “deixaram de atuar de modo a buscar ‘lograr os fins e no interesse da com-
panhia’, com o agravante de exporem a Embraer a riscos de natureza diversa e com
repercussão nos negócios da Companhia, como, por exemplo (i) o de imagem [...] e
(ii) o de sofrer processo administrativo e judicial em razão da violação de normas
legais, com todos os custos inerentes a uma eventual responsabilização”.
51. Por fim, em relação a F.R., após análise da PFE, a SEP reconheceu que não foi
possível comprovar de forma inequívoca sua atuação na viabilização do pagamento a
Cel. P. Dessa forma, entendeu necessária a abertura de processo específico e apartado
68 Os documentos são: “Contratação de Representante Comercial” (fl. 344), “Authorization to Promote Sales of
Embraer Aircraft” (fls. 345-346) e “Supplementary Provisions to our Reference Letter VPD- 00X/10” (fls. 347-359).
IV. ACUSAÇÃO
52. Diante dos fatos acima apurados, a SEP apresentou, em 13.7.2015, versão final do
Termo de Acusação (fls. 500-542) em face de:
(i) Luiz Carlos Siqueira Aguiar, na qualidade de Diretor Vice-presidente para o Mer-
cado de Defesa entre 23.4.2007 e 1.1.2009, bem como de Diretor VicePresidente Fi-
nanceiro e de Relações com Investidores cujo mandato se iniciou em 1.1.2009, por
descumprir o art. 154 da Lei n° 6.404/1976, ao praticar atos objetivando viabilizar o
pagamento ao Cel. P. de vantagem indevida relacionada à venda de aeronaves à Força
Aérea da República Dominicana; e
(ii) Orlando José Ferreira Neto, na qualidade de Diretor Vice-Presidente para o Mercado
de Defesa cujo mandato se iniciou em 1.1.2009, da Embraer, por descumprir o art. 154 da
Lei n° 6.404/1976 ao praticar atos objetivando viabilizar o pagamento ao Cel. P. de vanta-
gem indevida relacionada à venda de aeronaves à Força Aérea da República Dominicana.
V. MANIFESTAÇÃO DA PFE
54. Ao analisar a conduta dos acusados, a PFE concluiu que eles praticaram atos ile-
gais, ao se desviarem de suas atribuições, pois não observaram os fins e o interesse da
Companhia. Dessa forma, sustentou que havia sido violado um princípio essencial,
que é o da prevalência do interesse social.
55. A PFE entendeu, ainda, que os diretores, além de sujeitarem a Companhia a riscos
de natureza diversa, como o de imagem tendo em vista a divulgação da denúncia de
69 “Art. 6° Ressalvada a hipótese de que trata o art. 7°, a SPS e a PFE elaborarão relatório, do qual deverão constar:
I - nome e qualificação dos acusados;
II - narrativa dos fatos investigados que demonstre a materialidade das infrações apuradas;
III - análise de autoria das infrações apuradas, contendo a individualização da conduta dos acusados, fazendo-se remissão
expressa às provas que demonstrem sua participação nas infrações apuradas;
IV - os dispositivos legais ou regulamentares infringidos; e
V - proposta de comunicação a que se refere o art. 10, se for o caso.”
70 “Art. 11. Para formular a acusação, as Superintendências e a PFE deverão ter diligenciado no sentido de obter
do investigado esclarecimentos sobre os fatos descritos no relatório ou no termo de acusação, conforme o caso.
Parágrafo único. Considerar-se-á atendido o disposto no caput sempre que o acusado:
I - tenha prestado depoimento pessoal ou se manifestado voluntariamente acerca dos atos a ele imputados; ou
II - tenha sido intimado para prestar esclarecimentos sobre os atos a ele imputados, ainda que não o faça”.
56. Em análise dos documentos que subsidiam a peça acusatória, a PFE concluiu que
os acusados Luiz Aguiar e Orlando Ferreira Neto tiveram efetiva participação no
pagamento de vantagem indevida ao governo da República Dominicana. Dessa for-
ma, propôs a imputação da violação ao art. 154, da Lei n° 6.404/1976, diferentemente
do que a SEP originalmente havia entendido no primeiro Termo de Acusação (fls.
460493), em que imputou aos acusados a infração ao art. 153 da mesma lei.71
57. A respeito da conduta de F.R., diretor à época dos fatos, a PFE não identificou, nas
mensagens eletrônicas destacadas pela acusação, sua participação efetiva nas tratati-
vas que permearam o pagamento de vantagem indevida ao Cel. Piccini.
59. Em 1.7.2015, em nova manifestação,72 a PFE opinou pelo retorno dos autos à SEP,
para que, concordando com as sugestões formuladas, procedesse à revisão do Termo
de Acusação, bem como sugeriu o aprofundamento das investigações relacionadas à
atuação de F.R., em autos apartados.
VI. DEFESAS
60. Luiz Aguiar apresentou sua defesa em 5.10.2015, nos termos a seguir sintetizados
(fls. 569-600).
61. O acusado alegou, primeiramente, que não figurava dentre as pessoas físicas vin-
culadas à Embraer denunciadas na Ação Penal pelo MPF, que deu origem ao presente
processo.73
71 “Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência
que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.”
72 DESPACHO n. 00221/2015/PFE-CVM/PFE-CVM/PGF/AGU (fl. 498).
73 Constatou-se, contudo, em consulta ao site da Justiça Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro que o MPF
aditou a denúncia para incluir Luiz Aguiar como réu na Ação Penal, a qual foi recebida pelo Exmo. Juiz em despacho de
29.8.2016.
63. Antes de analisar o conteúdo dos e-mails, o acusado esclareceu que ocupou o car-
go de Presidente do Conselho de Administração da Embraer nos anos de 2004 e 2005;
exerceu o cargo de Vice-Presidente Executivo para o Mercado de Defesa e Governo
entre 2006 e 2008; entre 2009 e 2010, o de Vice-Presidente Executivo Financeiro e de
Relação com Investidores; foi promovido ao cargo de Vice-Presidente Executivo da
Divisão de Defesa em Segurança entre 2011 e 2013; e saiu da Companhia em 2014.
66. De acordo com a defesa, ele teria sido procurado em razão da recomendação emi-
tida pelo setor jurídico, no ano anterior, no sentido de se evitar a contratação de
representantes após o fechamento das operações de venda de aeronaves.
68. No último e-mail utilizado pela SEP (fl. 525), foi mencionada uma conversa com o
acusado, em que este teria se oposto à sugestão de contratação do Sr. E.S. para receber
parte dos valores prometidos ao Cel. P..
69. Sobre esse documento, a defesa sustentou que ele não deveria ter sido apontado
70. Além disso, a defesa enfatizou que essa mensagem em nada comprovaria a par-
ticipação ativa do defendente ou seu conhecimento acerca das supostas irregulari-
dades cometidas no âmbito da operação. No seu entendimento, a única inferência
que poderia ser feita a partir do seu conteúdo é que o acusado foi contra a contra-
tação de E.S.
71. A respeito dos três documentos trazidos pela SEP, “Contratação de Representante
Comercial”, “Authorization to Promote Sales of Embraer Aircraft” e “Suplementary
Provisions to our Reference Letter VPD 00x/10”, a defesa afirmou que apenas os dois
últimos foram assinados pelo acusado, na qualidade de Vice-Presidente Financeiro.
73. Para a defesa, no entanto, o simples fato de ter assinado os documentos não leva-
ria à conclusão de que o acusado tinha conhecimento de qualquer ilicitude na ope-
ração. Acrescentou, ainda, que somente garantiu sua assinatura após verificar que
todos os setores da Companhia,75 responsáveis pela aprovação, o teriam feito.
74. Ademais, a defesa enfatizou que a responsabilidade do acusado, como Vice Pre-
sidente Financeiro e de Relação com Investidores, era apenas a de checar se todos os
aspectos necessários à contratação do representante haviam sido preenchidos ade-
quadamente. Nesse sentido, concluiu que não era competência sua escolher as presta-
doras de serviços ou examinar as condições pactuadas.
75. Em seguida, sustentou que não havia nenhum aspecto anormal que pudesse le-
vá-lo a suspeitar da ocorrência de irregularidades, tendo em vista que todos os setores
responsáveis haviam assinado os documentos e também porque - em razão do tempo
em que ocupou o cargo na área de defesa - estava ciente de que a Jordânia constituía
um mercado em potencial para a Companhia.
77. Somado a isso, a defesa lembrou que a Globaltix já havia sido contratada em outras
ocasiões pelo segmento de defesa da Embraer para atuar no México, na Colômbia e
no Chile. Com isso, defendeu que esse fato reforçava o caráter natural da contratação.
78. Por todo o exposto, concluiu, nesse ponto, que o acusado atuou com diligência ao
examinar os requisitos e procedimentos necessários à assinatura dos documentos; e
de boa-fé, na medida em que não havia elementos que o fizessem suspeitar de nenhu-
ma irregularidade.
80. Ao analisar o art. 154 da Lei n° 6.404/1976, a defesa observou que o “dispositivo
subordinou o exercício das atividades do administrador não apenas aos interesses da
sociedade, mas também da coletividade, já que impõe uma atuação dos administra-
dores visando a atender as exigências do bem público e da função social da empresa”.
(fl. 588). Para ela, portanto, o acusado atuou de forma diligente, visando a atender
aos fins e aos interesses da Companhia, pois observou as exigências do bem público
e sua função social.
81. Em seguida, relembrou que, entre 2006 e 2007, o acusado havia participado de
reuniões com comitivas oriundas da República Dominicana, quando o negócio ainda
estava sendo discutido, mas, em razão de ser uma transação “de menor valor”, não
havia sido por ele conduzida.
82. Acrescentou que havia sido procurado para tratar do contrato de representação
comercial para a República Dominicana, quando o contrato de financiamento que
viabilizaria a operação estava prestes a ser fechado. Ao ser consultado, manifestou-se
de forma contrária, pois entendeu que não era necessária a contratação de represen-
tante comercial naquele momento.
83. Segundo a defesa, independentemente disso, Luiz Aguiar não tinha conhecimen-
to de que o negócio se destinaria ao pagamento de vantagens indevidas.
85. Por outro lado, caso se tratasse de uma transferência de valor mais elevado, seria
necessária a sua autorização, na qualidade de Vice-Presidente Financeiro. Contudo,
como o pagamento da primeira parcela envolvia um valor baixo, a autorização da
transferência ficou sob competência do setor de defesa.
86. Em relação à segunda etapa da operação, que se deu mediante a contratação de re-
presentante comercial para uma campanha de vendas na Jordânia, a defesa relembrou
que nas únicas 2 (duas) oportunidades em que o acusado praticou alguma conduta com
relação à operação, atuou de forma diligente e atuou no interesse da Companhia.
90. Assim, a defesa concluiu que o acusado, além de ter confiado nos funcionários,
confiou nos mecanismos de controles internos da Companhia, que, a seu ver, mostra-
ram-se absolutamente eficientes.
91. A seu ver, uma série de procedimentos foram adotados com o fim de evitar que
ele soubesse ou desconfiasse de eventuais ilicitudes, o que o impediu de tomar qual-
quer medida no sentido de estancá-las. Destacou, por fim, que dentre as 166 (cento
e sessenta e seis) mensagens eletrônicas apenas foi remetente ou destinatário em 3
(três) delas.
92. A defesa apresentou o art. 239, do Código de Processo Penal, que traz a definição
de indício:
93. Sustentou, nesse sentido, que a prova indiciária somente é considerada suficien-
te para permitir a condenação quando há uma cadeia de indícios que relacione a
atuação do acusado à infração praticada e quando não existem contraindícios que
lancem dúvidas sobre a responsabilidade.
95. Dessa forma, a defesa entendeu que, embora os indícios possam indicar como
possível a existência do fato delituoso e de sua autoria, esses elementos não são sufi-
cientes para autorizar a condenação na esfera administrativa caso não sejam “conca-
tenados, convergentes, concludentes e não ilididos por contraindícios” (fl. 597).
96. Em análise do caso concreto, constatou que não há indícios “convergentes e unív-
ocos” de que o acusado teria agido para viabilizar o pagamento de vantagem indevida
ao Cel. P.. Para ela há, na verdade, diversos contraindícios que afastam as premissas
de que ele sabia de qualquer negociação escusa.
97. Por fim, concluiu que a acusação em face de Luiz Aguiar deveria ser julgada im-
procedente, levando à absolvição do defendente, tendo em vista que a área técnica
não logrou êxito em comprovar a efetiva participação do defendente nas ilicitudes
apontadas, devendo prevalecer o princípio da presunção de inocência.
98. Orlando Ferreira Neto apresentou sua defesa em 1.10.2015, nos termos a seguir
sintetizados (fls. 623-665).
77 PAS n° 06/95, Rel. Norma Parente, j. em 5.5.2005 e PAS n° 22/94, Rel. Luiz Antonio de Sampaio Campos, j. em
15.4.2004.
99. Antes de analisar o mérito, a defesa teceu um breve resumo dos fatos, apontan-
do que Orlando Ferreira Neto foi acusado por estar envolvido no pagamento de
US$100.000,00 (cem mil dólares) à empresa 4D, uma das três empresas indicadas
para receber parte do montante do pagamento realizado ao Cel. P., bem como na
contratação da Globaltix em 12.3.2010.
103. Chamou atenção, ainda, para a velocidade com que a SEP concluiu seu trabalho
investigativo. Ao mesmo tempo em que a CVM estava concluindo suas investigações
em menos de um ano, a Comissão de Bolsas e Valores Mobiliários norte-americana
(Securities and Exchange Comission, ou “SEC”) e o Departamento de Justiça dos
Estados Unidos (Department of Justice, ou “DOJ”) estavam realizando seus tra-
balhos há pelo menos cinco anos.
104. Para a defesa, a diferença não se deu em razão de elementos probatórios que
estariam disponíveis para a CVM, mas não o estariam para as demais autoridades.
Reconheceu que a SEP fez requerimentos pedindo informações sobre a negociação,
mas discordou da área técnica quanto à suficiência dos elementos que foram reunidos
para subsidiar a acusação.
b) Preliminares
107. Nesse sentido, sugeriu a aplicação do art. 83 do Código de Processo Penal78, a fim
de tornar prevento o juízo dos Estados Unidos, onde se iniciou o procedimento de
investigação antes deste processo administrativo.
108. A defesa entendeu que o termo de acusação seria peça inepta, sob o argumento
de que não indicaria de modo claro e fundamentado a forma pela qual o acusado teria
violado o art. 154 da Lei n° 6.404/1976 - o que prejudicaria o exercício de seu direito
de defesa.
110. Nesse sentido, entendeu que a CVM, por ter competência para acusar e julgar, tem
a responsabilidade ainda maior de garantir o devido processo legal e os direitos básicos
da defesa a partir da indicação precisa da conduta imputada ao intimado.
111. Com fundamento no art. 295 da Lei n° 5.869/1973 (“CPC”)79, em garantia ao prin-
cípio da ampla defesa, solicitou o arquivamento deste processo administrativo por
inépcia da peça acusatória.
78 “Art. 83. Verificar-se-à a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente
ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de alguém ato do processo ou de medida a
este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denuncia ou da queixa”.
79 “Art. 295. A petição inicial será indeferida:
I - quando for inepta;
Parágrafo único. Considera-se inepta a petição inicial quando:
I - Ihe faltar pedido ou causa de pedir;
II - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;
III - o pedido for juridicamente impossível;
IV - contiver pedidos incompatíveis entre si.”
113. Por se tratar de delito penal, portanto, o juízo competente para analisar a condu-
ta seria o juízo penal. Sustentou, com base na manifestação do MPF81 e da PFE82, que
a configuração da ilicitude administrativa somente poderia ser apurada pela CVM
após a decisão definitiva da ação penal em relação ao crime de corrupção.
115. Quanto às mensagens eletrônicas apresentadas pela acusação como prova con-
tra Orlando Ferreira Neto, a defesa alegou que em nenhuma delas há indicação do
pagamento de propina à República Dominicana, nem mesmo que tal pagamento teria
sido feito por intermédio da Globaltix e tampouco que o acusado tinha conhecimen-
to da referida “dívida” da Companhia, conforme a SEP havia indicado.
116. Para a defesa, além de a SEP se satisfazer com uma quantidade reduzida de men-
sagens, ela não teria se esforçado para obter maiores esclarecimentos dos admini-
stradores e funcionários da Embraer acerca do ocorrido. Com isso, a acusação teria
distorcido os fatos, dando a eles uma qualificação equivocada.
118. Defendeu que os documentos apresentados pela SEP não deveriam ser tratados
nem como indícios. Como fundamento deste argumento, apresentou a jurisprudênc-
80 “Art. 337-B. Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a funcionário público
estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação
comercial internacional:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço), se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário público
estrangeiro retarda ou omite o ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.”
81 Ofício PR/RJ/GAB/TPF/12442/2014, fls. 5-9.
82 Foi destacado o seguinte trecho do MEMO n° 058/2014/PFE-CVM/PGF/AGU, constante da fl. 4:
“Fazendo-se uma análise do tipo penal acima transcrito (suborno transnacional), de fato nos parece que, caso efetivamente
constatada a participação de um daqueles agentes específicos, podemos estar diante,
em tese, de infração aos deveres previstos nos artigos 153 a 155 da Lei n° 6.404/76. ”
83 “Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
[...]
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”
119. Antes de examinar os fatos narrados na acusação, a defesa teceu breves con-
siderações sobre o mercado de defesa e a forma como o departamento de defesa na
Embraer era estruturado à época em que o acusado atuou como Vice-Presidente para
o Mercado de Defesa.
121. Em seguida, frisou que as aeronaves produzidas pela Embraer utilizam diversos
componentes produzidos em outros países. Como é de praxe, esses produtos são for-
necidos à Companhia com a condição de que o usuário final seja aprovado pelo for-
necedor original ou pelas autoridades da jurisdição onde está baseado. Dependendo
da empresa, a aprovação pode ter grande complexidade e demandar tempo expres-
sivo. Dessa forma, a defesa concluiu que as ações na área de defesa são demoradas,
podendo levar anos.
123. A defesa lembrou ainda que em 2009 já havia a perspectiva de venda de 8 (oito)
aeronaves Super Tucanos para a Jordânia. No entanto, a área de defesa da Companhia
estava envolvida em projetos “de extrema complexidade e de elevada relevância estra-
84 “[A] existência de qualquer indicio não é suficiente para ensejar a condenação. Há que diferenciar o indício da
prova, eis que, de fato, o mero indício não autoriza a condenação, mas tão somente a prova indiciária, quando representada
por indícios múltiplos, veementes, convergentes e graves, que autoriza uma conclusão robusta e fundada acerca do fato que ser
provado.” (Processo Administrativo Sancionar n° 22/94, Rel. Luiz Antonio de Sampaio Campos, j. em 15.4.2004).
124. Em razão disso, Orlando Ferreira Neto, ao assumir o cargo de Diretor Vice-
Presidente Executivo para o Mercado de Defesa da Embraer buscou concentrar seus
esforços na melhora dos prazos de entrega, na renegociação de contratos firmes e
em uma maior aproximação com os altos representantes da Força Aérea Brasileira
(“FAB”), da Marinha do Brasil e do Ministério de Defesa.
126. Além disso, o acusado realizou uma alteração na administração dos represen-
tantes comerciais que assessoravam a área de defesa. O controle passou a ser feito pela
Diretoria de Programas e Contratos e não mais pelas gerências de venda, pois o de-
fendente entendia que a formalização dos contratos e acompanhamento dos serviços
não deveria ser feito pela área que demanda o representante. 87
127. Por fim, implementou uma série de melhorias nos controles internos da área
de defesa nos primeiros meses de 2009, dentre elas a exigência de que cada ação co-
mercial fosse realizada com apenas um representante e que as relações com cada
representante fossem formalizadas por meio de um único contrato, sendo sempre
antecedidas de criteriosa análise da Diretoria Jurídica.
129. Primeiramente, destacou que o acusado, embora tenha sido eleito em dezembro
de 2008, somente tomou posse do cargo de Vice-Presidente Executivo para o Merca-
do de Defesa em janeiro de 2009. Antes disso, ele era Diretor Geral da subsidiária da
Embraer para a região da Ásia-Pacífico desde 2007.
85 Antes da mudança, havia apenas três diretorias que cuidavam das áreas de engenharia, entregas e suporte ao
cliente: Diretoria de Engenharia, Diretoria de Programas e Contratos e Diretoria de Suporte ao Cliente, enquanto que a área
de vendas era coordenada pelo próprio Vice-Presidente Executivo para o Mercado de Defesa.
86 Orlando José convidou o Sr. Acir Luiz de Almeida Padilha, que então trabalhava como Diretor Geral de
Suporte Pós Venda na área de aviação comercial, para ocupar o cargo de Diretor de Vendas.
87 Segundo a defesa, foi necessário, ainda, fortalecer a Gerência de Contratos, que passou a ser coordenada por
Albert Close.
131. Nesse mesmo mês, o acusado foi mencionado nas mensagens referentes à ope-
ração com a República Dominicana, especificamente sobre o pagamento realizado
à empresa 4D no valor de US$ 100.000,00 (cem mil dólares). Para a defesa, nada
naquelas mensagens levaria à conclusão de que Orlando Ferreira Neto estaria a par
de qualquer “esquema”. Argumentou, ademais, que, tendo em vista seu valor pouco
expressivo frente ao contrato firmado com a República Dominicana, tal pagamento
não lhe gerou qualquer suspeita.
132. Além disso, entendeu que esse valor era mais condizente com a prestação de ser-
viço do que com uma comissão de venda, que em geral era determinada com base no
valor da venda. Tratando-se de ação comercial no setor de defesa, normalmente há
contratação de consultores externos e prestadores de serviços. Assim, nas suas pala-
vras: “por tais motivos, não haveria razões para Orlando se opor às ações subsequentes e
consequentes da área de vendas para a realização do pagamento à 4D Business”. (fl. 643).
134. Ainda sobre as mensagens, a defesa ressaltou que a do dia 18.2.2009 (fl. 218) faz
referência às diretrizes dadas pelo acusado para aperfeiçoar os controles internos da
Embraer, a fim de evitar problemas - o que não denotaria nenhuma ilicitude, mas ao
contrário uma preocupação em melhorar a governança da Companhia.
135. Enfatizou que durante os meses seguintes, estão colacionadas nos autos uma
extensa troca de mensagens sobre o referido pagamento, sem, contudo, envolver ou
mencionar o acusado - que só é citado novamente sete meses depois, no final de se-
tembro de 2009.
136. A defesa ressaltou que, nesse período, Orlando Ferreira Neto estava se dedican-
do a questões relevantes junto ao Governo Brasileiro, inclusive participando de feiras
ao redor do mundo.
142. Segundo a defesa, como a contratação de E.S. era fundamental para o sucesso
da negociação na Jordânia, “[c]onfiante numa evolução positiva da situação, Orlando
88 “A Embraer havia estabelecido contatos com a Força Aérea do Reino Hashemita da Jordânia (Royal Jordanian
Air Force, doravante referida simplesmente como ‘Força Aérea da Jordânia’), com vistas à participação em processo voltado
ao fornecimento de aeronaves para treinamento militar avançado, em particular os Super Tucanos, mas não possuía qualquer
contato com as Forças Especiais de Segurança da Jordânia (Jordanian Special Security Forces, doravante referida simplesmente
como ‘Forças Especiais da Jordânia’). As Forças Especiais da Jordânia gozavam de muita influencia junto ao Rei da Jordânia e,
portanto, eram vistas como elemento essencial em qualquer campanha na área de defesa daquele país, ainda que os produtos
fossem destinados à Força Aérea da Jordânia”. (fl. 545).
143. A defesa constatou que o acusado pediu que o diretor de vendas e o gerente re-
sponsável pelas vendas no Oriente Médio se apropriassem da campanha, “em linha
com o fluxo previsto no organograma da área” (fls. 27-28). O responsável, então, assu-
miu a posição junto a E.S. e, em 19.2.2010, encaminhou para este a proposta enviada
para as Forças Aéreas da Jordânia - o que, segundo a defesa, demonstra a atuação
efetiva de E.S. junto à campanha.
144. Nesse ponto, a defesa aponta que diversas mensagens eletrônicas a respeito do
desenvolvimento da campanha de vendas na Jordânia que constam dos autos foram
omitidas ou ignoradas pela SEP ao elaborar seu termo de acusação.
146. Nesse ponto, a defesa destacou que a Globaltix não faria jus ao ressarcimento
de nenhum custo ou despesa incorrido no esforço de venda, os quais seriam por ela
incorridos.
147. Pelos fatos expostos, a defesa constatou que a SEP construiu sua acusação a par-
tir do fato de o contrato com a Globaltix incluir o pagamento de um valor fixo, re-
presentado pelos 20% devidos a E.S. No entanto, conforme a defesa, a acusação não
considerou que ele foi contratado tanto para realizar as vendas na Jordânia, quanto
para neutralizar os esforços feitos por outros concorrentes.
148. Nas suas palavras: “um dos trabalhos de Elio era evitar a venda por concorrentes
e este trabalho, evidentemente, não poderia ser remunerado como um percentual sobre
o valor de um negócio que não se concretizasse” (fl. 652).
149. Nesse ponto, a defesa explicou que o trabalho de neutralização dos esforços de
venda de concorrentes seria pouco usual, razão pela qual alguns funcionários da Em-
braer não familiarizados com esse tipo de pagamento, quando deram suas decla-
rações, não pensaram em considerar que o valor fixo pudesse se referir a tais esforços
específicos.
151. Para a defesa, é incompreensível que a acusação tenha entendido que a mera
coincidência entre os valores fosse suficiente para concluir que a ação de vendas na
Jordânia nunca existiu ou ao menos que não foi objeto da contratação da Globaltix.
152. Nesse ponto, por fim, concluiu que não há nenhum elemento nos autos capaz de
indicar que (i) Orlando Ferreira Neto sabia de suposta dívida da Embraer para com o
governo da República Dominicana, (ii) Orlando Ferreira Neto devesse ter desconfia-
do dos pagamentos fixos acordados com E.S. no âmbito do contrato com a Globaltix.
153. Por fim, esclareceu que somente teve conhecimento de que E.S. atuou em outros
trabalhos relacionados à República Dominicana ao ser intimado para apresentar sua
defesa, quando teve acesso aos documentos anexados ao processo.
154. Outro aspecto questionado pela defesa versa sobre a inaplicabilidade do art. 154
da Lei n° 6.404/1976. Contrária ao entendimento da acusação, sustentou que os atos
praticados por Orlando Ferreira Neto não podem ser tipificados como quebra dos
deveres fiduciários com a Companhia, especialmente como o desvio de finalidade
previsto naquele dispositivo.
155. Para a SEP, o acusado teria praticado atos objetivando viabilizar o pagamento
de vantagem indevida ao Cel. P., relacionada à venda de aeronaves ao governo da
República Dominicana. Nesse sentido, a defesa argumentou que a acusação não se
preocupou em explicar a maneira pela qual a atuação do acusado teria configurado
violação a este artigo.
156. Ademais, sustentou que a acusação se baseou no parecer elaborado pela PFE (fls.
495-497), que levou a área técnica a alterar a tipificação inicialmente proposta. No
seu entendimento, caso a interpretação dada pela PFE prevaleça, haverá ampliação
do conceito de desvio de finalidade, modificando o entendimento adotado até então
pela CVM.
157. Essa ampliação do conceito previsto no art. 154 da Lei das S.A., segundo a defe-
sa, cria uma série de preocupações que merecem reflexão: (i) a CVM deve aguardar a
decisão no âmbito do juízo da Ação Penal, pois a pretensão punitiva desta autarquia
deve aguardar decisão transitada em julgado pela autoridade competente para julgar
o ato ilícito; (ii) a interpretação atrairá uma série de casos que nunca foram conside-
rados como violação ao dever de lealdade pela CVM; e (iii) uma condenação neste
processo pela suposta violação ao art. 154 da Lei das S.A. inovaria com relação aos
158. De acordo com a defesa, a CVM julga os administradores por violarem os arts.
154 e 155 da Lei n° 6.404/1976 - entendidos como formas complementares de enun-
ciação do dever de lealdade - quando são partes na decisão tomada pela companhia.
Dessa forma, quando o administrador (ou o grupo de acionistas que o elegeu) não
possui interesse na matéria, a CVM analisa sua atuação sob o conceito de dever de
diligência, com foco no processo decisório e não na decisão tomada (business ju-
dgment rule). Nesse ponto, a defesa menciona um precedente da CVM para tentar
corroborar sua tese89.
159. Em seguida, apontou que a acusação não indicou nenhum interesse pessoal por
parte dos acusados, de grupo ou classe de acionistas da Embraer ou até mesmo de ter-
ceiros na prática de uma negociação ilícita. Portanto, ao considerar a jurisprudência
desta autarquia, concluiu que a atuação dos acusados poderia ser analisada, quando
muito, apenas sob o prisma do dever de diligência.
160. Ao analisar o parecer da PFE, a defesa constatou que ela propôs a exclusão de
um dos diretores investigados, pois não restou provado que ele teria participado de
maneira direta na suposta negociação ilícita, requisito exigido por ela. No entanto,
não entendeu a razão pela qual essa exigência não foi tomada com relação aos demais
acusados, incluindo Orlando Ferreira Neto que, na sua concepção, teve sua acusação
construída a partir de uma premissa equivocada de que teria participado de forma
direta do ato considerado ilícito.
161. Ainda que o presente caso não trate de violação ao dever de diligência, defendeu
que o acusado não adotou nenhuma conduta que configurasse tal ilícito. Para a defe-
sa, há vários fatos que comprovam a atuação diligente de Orlando Ferreira Neto, que
162. Por todo o exposto, a defesa concluiu que não houve prática de conduta dolosa
89 Menciona o seguinte trecho do voto do ex-Diretor Pedro Marcílio no âmbito do PAS CVM n°
2005/1443, j. em 10.5.2006: “[o] padrão de exigência muda completamente, entretanto, quando o administrador é parte
interessada na decisão. Nesse caso, deixamos de lado o art. 153 e aplicamos o art. 155 (ou o 154, ou, ainda, o 156, como
veremos nos próximos tópicos)”.
DISTRIBUIÇÃO DO PROCESSO
165. Em reunião do Colegiado ocorrida no dia 24.11.2015, fui sorteado relator deste processo.
NOVOS DOCUMENTOS
166. Em 27.8.2018, Luiz Aguiar, por meio de seus procuradores, apresentou petição
informando o andamento da Ação Penal. Em suma, argumentou que os depoimentos
no âmbito criminal foram de encontro com o que havia sido originalmente infor-
mado em duas delações premiadas sobre Luiz Aguiar. Foi, ainda, juntado parecer
jurídico elaborado por Joaquim Barbosa em que se concluiu que Luiz Aguiar não
teria conhecimento das irregularidades praticadas.
É o relatório.
Pablo Renteria
Diretor-Relator
VOTO
I. OBJETO E ORIGEM
3. Como apontado no relatório deste voto, a acusação envolve a imputação aos Acu-
sados de infração ao disposto no art. 154 da Lei n° 6.404/1976, em razão de suposta
prática de atos objetivando viabilizar pagamentos indevidos no montante total de
U$S 3.520.000,00 (três milhões, quinhentos e vinte mil dólares) a coronel da Força
Aérea Dominicana e, ao tempo dos fatos, Diretor de Projetos Especiais do Ministério
das Forças Armadas, relacionados à venda de aeronaves modelo Super Tucano pela
Embraer àquela força aérea.
5. Nesse tocante, parece-me importante esclarecer que este processo visa analisar a
conduta de administradores de uma companhia aberta, no contexto de uma tran-
sação comercial, estritamente sob a ótica de seus deveres fiduciários - mais especifi-
camente de seu dever de atuar no interesse social, conforme preceitua o art. 154 da
Lei n° 6.404/1976.
6. Desse modo, a despeito de o presente processo ter sido instaurado a partir do enca-
minhamento, pela Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro, de cópias
dos autos de ação penal envolvendo a suposta prática de corrupção ativa em tran-
sação comercial internacional92 por administradores e empregados da Embraer (fls. 5
e ss), não se pretende aqui - nem se poderia, por ausência de competência - analisar a
configuração da prática de crime, mas tão somente apurar a responsabilidade admi-
nistrativa dos Acusados à luz dos deveres impostos pela legislação societária.
III. PRELIMINARES
III.1) PRESUNÇÃO DO CRIME DE CORRUPÇÃO E VINCULAÇÃO À ESFERA
PENAL
8. Em primeiro lugar, Orlando Ferreira Neto sustenta que o art. 4°, inciso IV, ‘b’93 da
Lei n° 6.385/1976 não poderia ser interpretado de modo a atribuir à CVM competênc-
ia para julgar a prática de ilícitos penais.
9. Isso porque, segundo afirma, o desvio de finalidade que lhe é imputado seria “con-
sequência direta da prática do crime de corrupção”, razão pela qual uma eventual
11. Com efeito, uma mesma conduta pode configurar, simultaneamente, ilícito penal,
administrativo e civil, demandando-se uma análise autônoma das responsabilidades,
de acordo com os requisitos subjetivos e objetivos necessários para a caracterização
dos respectivos tipos em cada uma das esferas.96 É nesse sentido, inclusive, o art. 9°,
inciso VI da Lei n° 6.385/1976 ao prever que “[a] Comissão de Valores Mobiliários (...)
poderá (...) VI - aplicar aos autores das infrações indicadas no inciso anterior as pena-
lidade previstas no art. 11, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal” (grifou-se).
12. Como já esclarecido, não se discute aqui se os Acusados praticaram o crime ti-
pificado no art. 337-B do Código Penal mediante a análise dos elementos que confi-
guram o referido tipo - até porque nem cabe à CVM fazê-lo. O que importa para o
presente caso é tão somente o exame da conduta dos administradores à luz do dever
previsto no art. 154 da Lei n° 6.404/1976.
94 Haverá, no entanto, comunicação entre as esferas quando a decisão do juízo criminal reconhecer a inexistência
do fato ou a negativa de autoria.
95 Nesse mesmo sentido, o PAS CVM n° RJ2015/5002, Rel. Dir. Roberto Tadeu Fernandes, j. 15.3.2016.
96 “De acordo com o sistema jurídico brasileiro, é possível que de um mesmo fato (aí incluída a conduta humana)
possa decorrer efeitos jurídicos diversos, inclusive em setores distintos do universo jurídico. Logo, um comportamento
pode ser, simultaneamente, considerado ilícito civil, penal e administrativo, mas também pode repercutir em apenas uma
das instâncias, daí a relativa independência.”
STF, RHC 91.110/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, Dje 22.8.2008.
15. Outra preliminar suscitada por Orlando Ferreira Neto é a de violação do prin-
cípio do non bis in idem, sob o argumento de que os mesmos fatos objeto deste pro-
cesso estariam sendo investigados nos Estados Unidos e na República Dominicana
tanto na esfera penal como na administrativa.
16. Como já reconhecido em outras oportunidades pelo Colegiado desta CVM,97 ain-
da que não haja previsão legal expressa sobre a aplicação do princípio do non bis in
idem aos processos administrativos, a impossibilidade de dupla apenação decorre do
princípio da segurança jurídica, previsto no art. 2° da Lei n° 9.784/1999.98
18. Nesse sentido, para a caracterização do bis in idem, ou dupla apenação, é neces-
sário que se verifique a presença concomitante dos seguintes elementos: (i) identidade
de sujeitos; (ii) identidade fática; e (iii) identidade de fundamentos jurídicos.100
20. Também não merece melhor sorte a alegação de ocorrência de bis in idem pela
existência de investigações conduzidas pela Securities and Exchange Comission
(SEC). Nesse tocante, ressalto que a defesa sequer procurou demonstrar a presença
dos elementos necessários à sua caracterização, limitando-se a alegar de forma vazia
que “tramita nos EUA investigação conduzida pela SEC a fim de investigar e apurar os
97 Vide PAS CVM n° 02/09, Rel. Dir. Eli Loria, j. em 1.12.2010; PAS CVM n° 03/2006, Rel. Dir. Eli Loria, j. em
01.12.2010; PAS CVM n° 09/2006, Rel. Dir. Ana Novaes, j. em 5.3.2013; PAS CVM n° RJ2012/1670, Rel. Dir. Luciana Dias,
j. em 29.7.2014; e PAS 04/2010, Rel. Dir. Ana Novaes, j. em 23.9.2014.
98 Art. 2° A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação,
razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e
eficiência.
99 “A proibição à dupla apenação ocorre na mesma esfera de competência estatal; ou seja, não cabe dupla apenação
na esfera criminal, nem dupla apenação na esfera administrativa.” EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádina B.; PARENTE, Flávia;
HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de Capitais: Regime
Jurídico. 3a ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 322.
100 PAS CVM n° RJ2012/1670, Rel. Dir. Luciana Dias, j. em 29.7.2014 e PAS CVM n° 04/2010, Rel. Dir. Ana
Novaes, j. em 23.9.2014.
22. Ainda quanto a esse ponto, há que se destacar que a SEC atua tanto em proces-
sos de natureza administrativa, quanto de natureza civil, notadamente no âmbito de
ações civis públicas. Desse modo, a atuação da SEC em face da Companhia na esfera
civil – conforme noticiado na imprensa101 - não gera óbice à atuação da CVM na
esfera administrativa. 102-103
23. Por fim, cumpre ressaltar que é incontestável a competência territorial da CVM
para atuar neste caso, haja vista tratar-se de análise da conduta de diretores esta-
tutários de uma companhia aberta com sede no Brasil.
24. Nesse tocante, o art. 9°, inciso V e o caput do art. 11 da Lei n° 6.385/1976, com
redação vigente à época dos fatos, previam expressamente que:
25. Se, por um lado, tais dispositivos não autorizam a CVM a punir a conduta de
administradores de sociedade estrangeira por infrações societárias, visto não estar
sujeita à Lei n° 6.404/1976, por outro lado, não há dúvida de que esta autarquia tem
competência para apurar a responsabilidade administrativa de administradores de
companhias abertas regidas pela referida Lei104
26. No caso concreto, a Embraer foi constituída em conformidade com a lei brasi-
101 Vide https://www.sec. gov/litigation/litreleases/2016/lr23676.htm
102 “10. Obviamente, um acordo obtido pela SEC em um processo de natureza civil nos Estados Unidos não afasta
a competência da CVM para apreciar o assunto na esfera administrativa. Afinal, um acordo da mesma natureza obtido no
Brasil não teria tal consequência.” PAS CVM n° SP2007/0118, Rel. Dir. Marcos Pinto, j. 26.2.2008.
103 Nesse ponto, vale ressaltar, ainda, que, diferentemente da CVM, a SEC possui ainda competência - com
designação de área específica - para atuar em casos de suspeita de violação do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA),
quando há indícios de prática de atos de corrupção por parte de companhias com valores mobiliários negociados nos
Estados Unidos.
104 PAS CVM n° SP2007/0118, Rel. Dir. Marcos Pinto, j. 26.2.2008.
27. A terceira preliminar suscitada por Orlando Ferreira Neto diz respeito à inépcia
da peça acusatória, uma vez que, na sua visão, a acusação teria sido formulada de ma-
neira genérica, deixando de indicar de maneira clara e fundamentada de que forma
sua atuação teria violado o art. 154 da Lei n° 6.404/1976 - o que teria prejudicado seu
direito de ampla defesa.
28. Tal argumento, a meu ver, não procede. A Acusação está lastreada em abundantes
provas que se encontram acostadas aos autos. Se essas provas são suficientes para
demonstrar que os Acusados agiram contra o interesse da Companhia, trata-se de
questão afeta ao mérito da Acusação, que será examinada mais adiante neste voto.
30. Por fim, Orlando Ferreira Neto sustenta, ainda em sede preliminar, que os docu-
mentos que embasam a acusação não seriam suficientes para formar indícios conver-
gentes e suficientes acerca da materialidade e da autoria da infração que lhe é imputada.
IV.1) MATERIALIDADE
33. Como é fato público e notório, ao final do ano de 2016, a Embraer firmou termo
de compromisso e de ajustamento de conduta com a Comissão de Valores Mobi-
liários e com o Ministério Público Federal (“TCAC”), em concomitância com a cele-
bração de acordos semelhantes com o Department of Justice (DoJ) e com a Securities
105 O art. 60 do Decreto-lei n° 2.627/1940 tratava das sociedades nacionais: “Art. 60. São nacionais as sociedades
organizadas na conformidade da lei brasileira e que têm no país a sede de sua administração.”
“(...) Nesse contexto, e como fruto das discussões havidas, a Embraer concordou com
os termos do TCAC, por meio do qual:
(i) reconhece haver praticado as condutas ali descritas, e que podem ser assim resu-
midas:
(b) com a utilização de tais intermediários dissimulou a origem e a natureza dos re-
cursos correlatos, bem como seus destinatários finais;
(c) o lucro relativo aos contratos constituiu enriquecimento sem causa lícita, porque
sua obtenção envolveu atos de corrupção;
(d) efetuou registros contábeis falsos das despesas fraudulentas referentes aos paga-
mentos de vantagem indevida relativos a cada um desses contratos, como “comissões
de vendas; (...)” (grifou-se)107
35. Como se não bastasse, os elementos trazidos aos autos, ao contrário do que su-
106. Vide <http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2016/10/embraer-admite-que-pagou-
propina-e- faz-acordo-de-r-64-mi-com-cvm.html> Acesso em 24.7.2018;
https://www.valor.com.br/empresas/4754063/embraer-faz-acordos-de-us-206-milhoes-com-autoridades-
de-brasil-e-eua>, Acesso em 24.7.2018; < https://economia.estadao.com.br/noticias/governanca,embraer- reconhece-ter-
descumprido-leis-brasileiras-e-faz-acordo-com-autoridades-no-brasil-e-eua-,10000084037>
Acesso em 24.7.2018.
107 Vide ata da reunião do Colegiado da CVM de 6.10.2016 que aprovou a proposta do termo de compromisso
no âmbito do Processo SEI nº 00783.001957/2016-89. Disponível em http://www.cvm.gov.br/decisoes/2016/20161006_
D1/20161006_D0391.html.
37. Conforme relatado na defesa de Luiz Aguiar, as negociações para a alienação das
8 (oito) aeronaves Super Tucano da Embraer à Força Aérea da República Dominicana
tiveram início entre 2006 e 2007, no setor de Mercado de Defesa e Governo da Com-
panhia (“Setor de Defesa”), e envolviam o montante total de US$ 92 milhões.
38. A despeito de o contrato definitivo ter sido celebrado ao final de 2007, a concre-
tização da transação dependia da aprovação, pelo Senado da República Dominica-
na, tanto do contrato principal quanto do contrato de financiamento firmado com o
Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES - o que, por sua
vez, ocorreu apenas em setembro de 2008.108
“El Coronel de la Fuerza Aérea Dominicana, [Cel. P.], realizó una pre-
sentación audiovisual explicativa de las aeronaves, la cual se anexa a esta
Acta.
(...)
El [Cel. P.] reiteró que es una necesidad para el país la compra de los
aviones, recalcando que quienes van a pagar ese préstamo de los aviones
son esencialmente los turistas; cada uno está aportando dos dólares en la
compra del ticket de ida y vuelta para este fin.”
108 Vide fls. 146-147: mensagem eletrônica enviada por E.M., então responsável pelo setor de vendas subordinado
à Diretoria de Mercado e Defesa, na qual afirma “1. Contrato com República Dominicana (8
Super Tucanos): Contrato de Venda e de Financiamento estão assinados aguardando aprovação do
Congresso para efetivação.”
109 Fl. 88.
110 Nota de rodapé à fls. 13
42. A meu ver, a realização desses pagamentos, sem que houvesse qualquer compro-
vação dos serviços prestados em contrapartida ou da natureza dos serviços que teriam
sido prometidos, foi confirmada pela Embraer às fls. 88, em resposta a ofício da SEP,
onde se lê que “[a] partir de 9 de setembro de 2008, [Cel. P.] exigiu que a Companhia fi-
zesse determinados pagamentos, no total de US$ 3.520.000,00 (três milhões e quinhen-
tos e vinte mil dólares americanos), relativos a serviços prestados para a Embraer no
contexto da Transação. Tais pagamentos foram realizados. A investigação interna não
forneceu conclusões definitivas a respeito da natureza dos serviços que teriam sido pre-
stados à Embraer, nem tampouco acerca da sua efetiva prestação.”.
Para: E.M. (gerente sênior de vendas nas Américas do setor de Mercado de Defesa)
Enviada em: 25/8/2008 12:30
Assunto: “[Cel. P.] ligou da Emb. Brasil, pediu para ligar para ele, na linha segura
+1 829 453-0707. Esta tarde fala com senador sobre PLR$. Quer alinhar contigo”
De: E.M. (gerente sênior de vendas nas Américas do setor de Mercado de De-
fesa)
Para: L.E.Z.F. (gerente da área de contratos do setor de Mercado de Defesa)
Enviada em: 25/8/2008 13:49
Assunto: “[Cel. P.] ligou da Emb. Brasil, pediu para ligar para ele, na linha se-
gura +1 829 453-0707. Esta tarde fala com senador sobre PLR$. Quer alinhar
contigo”
Conteúdo da mensagem:“Já falei com ele.” (fl. 165)
De: Cel. P.
Para: E.M.
Enviada em: 8/9/2008 Assunto: Re: Este el borrador
Conteúdo da mensagem: “Estimado [E.M.]: He tratado sin exiti de comuni-
carme contigo para conversar acerca de algunos detalles del contrato y de la
tabla de pago que mee enviaste (...) Sobre la tabla, la sumatoria de los pagos
em la parte 1 es de US$2,408,000 Osea US$92MIL menos que lo acordado en
la reunion sostenida. Al igual que los pagos de la tabla 2 correspondientes al
1% restante seria de US$920MIL pero la suma de los pagos que enviaste solo
suman US$888MIL. Propongo que enlo referente a la tabla 1. Em tiempo
TO+6. Claúsula 6 tiene que recibir los números”
De: E.M.
Para: Cel. P.
Enviada em:
9/9/2008
Assunto: Re:
Este el bor-
rador
Conteúdo da mensagem: “[Cel. P.], Mi tabla está correcta. Estoy mirando el
email que te envié.
Pagos 1 Total 2,500.
Pagos 2. Total. 920.” (fl. 169)
De: L.A.L.F.
Para: Cel. P.
Enviada em: 22/1/2009
Assunto: Informaciones
De: Cel. P.
Para: L.A.L.F.
De: L.A.L.F.
Para: Cel. P.
De: Cel. P.
Para: L.A.L.F.
Enviada em: 23/1/2009 12:45
Assunto: Informaciones
De: L.A.L.F.
Para: Cel. P.
Assunto: Informaciones
De: L.A.L.F.
Para: Cel. P.
Assunto: Informaciones
Acta de Constitución de la
Empresa y/o Estatuto Social Pendiente Pendiente Pendiente
De: Cel. P.
Para: L.A.L.F.
Assunto: Informaciones
De: L.A.L.F.
Para: Cel. P.
(fls. 175-179).
45. Seguindo a cronologia dos eventos, após a aprovação do contrato de vendas pelo
Senado da República Dominicana, em setembro de 2008, constata-se uma intensifi-
cação das trocas de mensagens eletrônicas entre os funcionários da área de vendas
e marketing e aqueles da área de contratos do Setor de Defesa da Companhia, a fim
de que fosse elaborado um contrato de representação referente à campanha na Re-
pública Dominicana.
46. Ocorre que, em razão das políticas internas da Companhia, não era possível a
celebração de contratos de representação para transações que já haviam sido efetiva-
das, como era o caso da alienação dos Super Tucanos para a Força Aérea da República
Dominicana111 - cujo contrato principal havia sido assinado ao final de 2007. É o que
se constata a partir da seguinte mensagem entre o diretor regional de vendas nas
Américas e o então gerente sênior de contratos:
De: E.M.
Para: L.H.
CC: L.A.L.F.
Enviada em: 24/12/2007 19:30
Assunto: Contrato de Representação
Conteúdo da mensagem: “me preocupou que nosso procedimento de como
tratar os representantes – só assinar o contrato de representação após a assi-
natura do contrato de venda – é visto pelo jurídico como de alto risco e deve
ser evitado. Temos 3 contratos de representação nesta categoria:
1. Contrato com República Dominicana (8 Super Tucanos): Contrato de
Venda e de Financiamento estão assinados aguardando aprovação do Con-
gresso para efetivação. Contrato de Representação só apalavrado, minuta já
discutida e na gaveta sem assinatura de ninguém (...)
Precisamos achar uma solução aceitável para estes três casos e mudar o que
era nosso padrão de comportamento.”
111 Vide mensagem eletrônica às fls.166 enviada, em 1.9.2008, por E.M. a Luiz Aguiar, cujo assunto é “Contratos
de Representação para República Dominicana e Legacy Equador”, na qual informa “Aguiar, RD. A Sessão que deve aprovar
o financiamento deverá ser na próxima semana. Eles querem ter o doc de representação assinado antes da sessão. Vou dar
início junto ao jurídico.”
47. Por esse motivo, portanto, fez-se necessário buscar algum meio para contornar
os controles de integridade e viabilizar os referidos pagamentos, conforme, de fato,
indicam as trocas de mensagens abaixo reproduzidas:
De: E.M.
Para: Luiz Aguiar
Enviado em: 16/9/2008 21:11
Assunto: RD112 - Representante
Conteúdo da mensagem: “O [Cel. P.] acaba de me ligar junto com o nosso
amigo para confirmar que o Senado aprovou o financiamento do Contrato
dos ST113. Eu preciso que tu peças ao [jurídico] para nos ajudar a encontrar
uma solução para o Contrato de representação/consultoria. Segundo a [A]
falou para a [B], isto tem que ser falado entre vocês.”
De: E.A.F.F.
De: L.E.Z.F.
Para: L.A.L.F
CC: E.A.F.F., A.L.A.P, D.R..
Enviado em: 6/2/2009 16:27
Assunto: Enc: Re:Fw: Acuso recibo de su correspondencia
Conteúdo da mensagem: “[L.A.L.F .], Pelo que entendo os acordos financei-
ros estaoh contigo e numeros definidos. Minha recomendacaoh eh ir a Bra-
silia e/ou a RD, asap, encontrar [Cel. P.] para resolver de vez as pendências e
trazer os contratos assinados. Conte comigo.”
De: L.A.L.F
Para: L.E.Z.F.,
CC: E.A.F.F., A.L.A.P, D.R..
Enviado em: 6/2/2009 16:31
Assunto: Enc:Re:Fw: Acuso recibo de su correspondencia
Conteúdo da mensagem: “[L.E.Z.F.], Os acordos financeiros estão comigo e
em andamento. Em determinado momento do processo [A.L.A.P.] e Orlan-
do deverão autorizar as contratações e em seguida o Financeito e o Jurídico
darem seu “vista bueno” para então a outra parte assinar os dois contratos.
Sds.” (fls. 208-210)
* * *
De: L.A.L.F
Para: A.L.A.P.
CC: S.H.. D.R., L.E.Z.F., E.A.F.F.
De: A.L.A.P.
Para: L.A.L.F.
CC: L.E.Z.F., A.J.P.T.
Enviado em: 16/2/2009 19:38
Assunto: Pagamento USD 100K - 4D Business - Republica Dominicana
Conteúdo da mensagem: “Caro [L.A.L.F.], Conforme havíamos combinado,
eu, vc o [A.J.P.T.], [L.E.Z.F.], e fechado com o Orlando, este pagamento deve-
ria sair como Consulatoria. Não é o que está na Fatura. Portanto, favor refazer
alinhado com o que havíamos decidido. Grato. ”
De: L.A.L.F.
Para: A.L.A.P.
CC: L.E.Z.F., A.J.P.T.
Enviado em: 17/2/2009 09:50
Assunto: Pagamento USD 100K - 4D Business - Republica Dominicana
Conteúdo da mensagem: [A.L.A.P.], Para todos os efeitos, ainda que na des-
crição não conste o termo consultoria a fatura será contabilizada e apontada
como consultoria comercial. Se tiver que colocar consultoria na fatura te-
rei que especificar que tipo de consultoria; exemplo: jurídica, não é o caso,
se colocar consultoria técnica terei que especificar e a empresa teria que ser
do ramo técnico aeronáutico, se for comercial vai entrar em choque com os
pagamentos para as outras duas empresas e comprometer gerando possíveis
reclamações de comissões posteriores. O que compromete menos, e acho que
chegamos a comentar isto em reunião em sua sala, era colocar apoio logístico,
que ambrange serviços de natureza mais genérica. ”
De: A.L.A.P.
De: L.A.L.F.
Para: A.L.A.P.
CC: L.E.Z.F., A.J.P.T., D.R.
Enviado em: 17/2/2009 14:22
Assunto: Pagamento USD 100K - 4D Business - Republica Dominicana
Conteúdo da mensagem:“Caro [A.L.A.P.], Aguardaremos então o parecer ju-
rídico para prosseguir neste assunto. Aguardamos também definição com re-
lação aos dois (2) contratos de autorização para promoção de vendas (ATPS).
”
De: A.L.A.P.
Para: L.A.L.F.
CC: L.E.Z.F., A.J.P.T.
Enviado em: 17/2/2009 15:49
Assunto: Pagamento USD 100K - 4D Business - Republica Dominicana
Conteúdo da mensagem “Caro [L.A.L.F.], Vamos manter a proa definida an-
teriormente, ou seja: - Contrato de 100K é de consultoria - os outros dois são
de agenciamento. Existe alguma dúvida com relação a esta definição?”
De: L.A.L.F.
Para: A.L.A.P.
CC: L.E.Z.F., A.J.P.T.
Enviado em: 18/2/2009 09:41
49. Com efeito, ante as restrições estabelecidas por esses controles, que não admitiam
a contratação de representante comercial após celebrado o contrato principal nem
a contratação de mais de um representante para uma mesma campanha de venda,
os funcionários passaram a procurar qual seria a melhor “roupagem” jurídica para
dissimular a natureza e a finalidade dos pagamentos que haviam sido acertados com
o Cel. P. em favor da 4D Business Group, da Magycorp e da Ferroboc.
50. Nos meses que se seguiram, constata-se, nas mensagens eletrônicas acostadas aos
autos, a insatisfação do Cel. P. quanto ao atraso nos pagamentos. Nesse ponto, vale
destacar a seguinte mensagem:
De: Cel. P.
Para: E.A.F.F.
Enviado em: 31/3/2009 14:02 Assunto: Espera
Conteúdo da mensagem: “Estimado [E.A.F.F.]: Se que sabes la razon de este
email. He recibido constantes llamadas y le he dicho que ayer le contestaria
sobre el asunto. Hoy es fin de mês y a esta hora aun no tengo informacion so-
bre transfer para 4D. La information sobre Magycorp estará lista esta noche.
No puedo llegar a Santo Domingo sin que se haya hecho el transfer de 4D. Por
favor llamame a (809)604-8521 urgente. No se porque Embr. no alcansa a ver
que no esta bien esta actitud.”
52. Ante as pressões crescentes exercidas pelo Cel. P., que envolveram, inclusive, a
ameaça de retenção dos passaportes de funcionários da Companhia que se encon-
travam na República Dominicana115, o pagamento à 4D, no valor de US$ 100 mil, é
efetuado por meio da Embraer LLC, subsidiária norte-americana da Companhia, em
24.4.2009, conforme consta do comprovante de transação bancária acostado às fls.
255 dos autos.
De: L.A.L.F.
Para: J.V.R.
Enviado em: 5/5/2009 11:24
Assunto: Criação PO para 4D Business Group.
Conteúdo da mensagem: “Caro [J.V.R.], o assunto da PO da 4D avançou? Já
está aprovada?”
De: J.V.R.
Para: L.A.L.F.
Enviada em: 5/5/2009 15:51
Assunto: Criação PO para 4D Business Group
115 Nos termos do depoimento de R.M.B, funcionário da área de contratos da Embraer, “Não conhece a empresa
4D Business, mas lembra que [E.A.F.F.] (...) lhe disse que em certa ocasião quando estavam na República Dominicana
negociando um aditamento ao contrato, [Cel. P.] teria dito que iria reter os passaportes caso não houvesse o pagamento
do débito existente entre a Embraer e a 4D. Lembra-se que não era um valor alto, acredita que USD 100 mil e tomou
essa referência como uma brincadeira, pois negociaram o aditivo e não tiveram nenhum problema com os passaportes.”
Outro elemento acostado aos autos que merece atenção é a mensagem eletrônica enviada por A.C. a E.A.F.F. em que, ao
encaminhar o comprovante de transferência à 4D, afirma “aí vai seu salvo-conduto. Boa viagem aos 2 (...)”. Por fim, L.A.L.F.
envia, quase um mês depois, mensagem eletrônica a A.C. na qual afirma “cooperei para sair o pagto em razão da situação
que o [E.A.F.F.] e o [R.M.B.] estavam passando na RD.” (fl. 256).
De: L.A.L.F.
Para: A.C.
CC: E.A.F.F.
Enviado em: 5/5/2009 16:47
Assunto: Criação PO para 4D Business Group
Conteúdo da mensagem: [A.C.], veja que estamos sem apoio e sem os meios
para emitir PO requerida para pagamento de certas obrigações contratuais
assumidas. Não temos perfil no SAP e a área que nos apoiava aparente-
mente não está mais com a disposição para tal. Peço sua ajuda. Abs”.
De: A.C.
Para: M.C.M.S.
CC: L.A.L.F., E.A.F.F.
Enviado em: 11/5/2009 11:36
Assunto: República Dominicana - Criação PO para 4D Business Group.
Conteúdo da mensagem: “Caro [M.M.M.S.], por favor veja abaixo que existe
uma solicitação de emissão de PO para a empresa 4D business Group sem
cumprimento até esta data. A emissão da PO foi aprovada pelo diretor de
Contratos e Programas Defesa - S.H. - em 23 de abril. No meu entender, o
processo deveria ser robusto o suficiente para que questões internas à admi-
nistração de pessoal de Suprimentos, como essa colocada pelo [J.V.R.] (férias
da supervisora F.) de forma tão incisiva e direta, gerencial para emitir essa PO
e aparentemente ele não pode fazer a verificação ele mesmo diretamente com
você, peço que você o oriente a emitir a PO o quanto antes pois temos um
compromisso com o Financeiro que não estamos cumprindo.”
De: M.C.M.S.
Para: A.C.
CC: L.A.L.F., E.A.F.F., N.J.S.
De: M.B.
Para: L.A.L.F.
Enviado em: 15/05/2009
Assunto: República Dominicana - Criação PO para 4D Business Group
Conteúdo da mensagem: “Caro [L.A.L.F.], considerando que o serviço já foi
prestado, a GPI fará somente a regularização do processo através de emissão
de PO 165. (...)”
De: L.A.L.F.
Para: A.C.
Enviado em: 15/5/2009 19:49
Assunto: República Dominicana - Criação PO para 4D Business Group.
Conteúdo da mensagem: “Caro [A.C.], cooperei para sair o pagto em razão
da situação que o [E.A.F.F.] e o IR..M.B] estavam passando na RD. Porem, por
razões de foro íntimo gostaria de estar fora deste processo da RD. Sei como
será o processo interno para a criação da PO e as possíveis consequências de
ter que fazer certas declarações sem a devida solidez. Peço para conversarmos
a respeito”. (fls. 256-261).
54. Quanto aos valores prometidos às demais sociedades apontadas pelo Cel. P., a
acusação sustenta que não puderam ser efetuados, em razão de “entraves diversos
originados nos controles internos da Companhia, em especial a impossibilidade de rea-
lizarem contratos de agenciamento na venda de aviões para a República Dominicana
após a Transação ter sido efetivada” (fl. 516).
55. Diante disso, segundo a acusação, encontrou-se como alternativa a inclusão
dissimulada dos pagamentos em um contrato de representação celebrado com a
Globaltix, representada por E.S.116,para uma campanha da Embraer de vendas de
116 A atuação de E.S. como representante da Globaltix é evidenciada pela procuração a ele outorgada por
instrumento público, conferindo-lhe amplos poderes para atuar em nome da referida sociedade, sediada no Uruguai (fls.
300). Também restou comprovado nos autos que o processo de contratação da Globaltix passou por certas dificuldades
devido aos controles internos da Companhia - uma vez que a sociedade mantinha em seu quadro societário pessoas
56. A atuação de E.S. junto ao Cel. P. pode ser comprovada pelas mensagens ele-
trônicas abaixo. Salta aos olhos que, apesar de E.S. ter sido contratado para atuar na
campanha referente a vendas de aviões na Jordânia, ele é apresentado, por intermédio
de um funcionário da Embraer, ao Cel. P. da República Dominicana, que, evidente-
mente, não tinha relação alguma com aquele outro país.
De: E.M.
Para: E.S.
Assunto: Contato na RD
De: E.M.
Para: E.S.
Assunto: Contato na RD
de reputação incerta, envolvidas em crimes diversos (v. mensagens eletrônicas acostadas às fls. 516-518) - até ter sido
finalmente celebrado em 12.3.2010, conforme fls. 344-359.
117 No decorrer do processo de contratação da Globaltix, Cel. P. constantemente questionava funcionários da
Embraer do setor de Defesa acerca do andamento dos “temas tratados no Brasil”, conforme se vê na seguinte mensagem
eletrônica enviada por Cel. P. a E.M., em 16.12.2009, na qual afirma “(...) nuestro ministro desea que nos comuniquemos
para tratar fechas sobre los temas tratados em S.P. Creo que para eso urge que nuestro contacto me diga. Por favor a nuestro
contacto que me llame o tu lo llamas para que me informes” ao que E.M. responde “Hablé con [E.S.] que me confirmo que
el proceso esta avanzando em el ritmo posible. El te va a llamar para dar más detalles y hablar de fechas.” (fls. 316317). Do
mesmo modo, a mensagem por ele enviada em 30.12.2009 em que reitera “(...) aun estamos el ministro y yo en espera de
la llamada de cortesia del contacto informandonos sobre el estatus de los temas tratados em Brasil”, ao que E.M. responde
“(...) las cosas seran arregladas. Cuestion de tiempo.” (fls. 319-320)
118 Após o envio de mensagem eletrônica por Cel.P. a E.A.F.F. cobrando o restante dos pagamentos (“apremia una
respuesta cuanto antes sobre lós acuerdos y arquitectura pendiente. Apreciaria que me dejaras saber sobre el curso de accion.
Todos, todos... entienden que se debe producir uma respuesta.”) este encaminha a mensagem aos demais funcionários da
Embraer envolvidos afirmando “estivemos na RD há um mês, quando acalmamos a situação com ações emergenciais. Penso
que realmente ganhamos um tempo precioso para que a EMBRAER pudesse resolver a questão, no entanto, após um mês
(salvo melhor juízo) o processo não andou internamente. Não sei como responder mais às cobranças advindas da RD,desta
forma solicito que um novo interlocutor que tenha informações sobre o tema assuma tal responsabilidade”. (fls. 265-266).
De: E.S.
Para: E.M.
Assunto: Contato na RD
* * *
De: Cel. P.
Para: E.M.
Assunto: Elio
57. Quanto a esse ponto, a defesa de Orlando passa ao longo de diversas páginas na
tentativa de demonstrar a efetiva atuação de E.S. junto à campanha de vendas de Su-
per Tucanos na Jordânia, principalmente, discorrendo acerca das razões pelas quais
a sua contratação era fundamental para o sucesso da campanha. Com isso, procura
- nas suas palavras - derrubar a tese da acusação “de que a contratação de [E.S.] teria
sidoengendrada unicamente para viabilizar o repasse de pagamentos ilícitos a membros
do governo da República Dominicana” (fls. 651).
58. É bem verdade que a acusação ora admite que a “Embraer efetivamente estava em
negociação” com a Jordânia, ora aponta que “ foi vislumbrada a possibilidade de cele-
brar um contrato de agenciamento com a empresa Globaltix (...) como se a prestação de
serviços se desse para a venda de aviões para a Jordânia”. (fls. 515-516).
59. Ocorre que, ao analisar as provas acostadas aos autos, não me parece, por um
lado, que os indícios sejam suficientes para lançar dúvidas quanto à efetiva contra-
tação de E.S., por intermédio da Globaltix, para atuar na campanha de vendas de
60. Por outro lado, os elementos constantes dos autos demonstram que, na contra-
tação da Globaltix, foram embutidos os pagamentos devidos às sociedades sediadas
na República Dominicana. Diante disso, embora concorde com a linha de argumen-
tação da defesa no sentido de que E.S. efetivamente atuou junto às autoridades da
Jordânia com o intuito de promover a alienação das aeronaves da Embraer, tal que-
stão não me parece ter relevância para a conclusão quanto à inclusão dos pagamentos
dissimulados naquele contrato.
61. Em linha com a acusação, encontram-se nos autos diversas provas de que os pa-
gamentos às demais sociedades indicadas pelo Cel. P. foram, de fato, incluídas de
maneira disfarçada no contrato com a Globaltix. É o que se depreende da correspon-
dência eletrônica abaixo transcrita, ocorrida entre funcionários do setor de Defesa
da Embraer:
De: A.C.
Para: Orlando Ferreira Neto
Enviado em: 30/9/2009 5:45PM
Assunto: RD
Conteúdo da mensagem “falei com [E.M.], aparentemente temos um loop
completo: após ter conversado com [F.R.] e aguiar, ele aguarda instruções
do que fazer. A última sugestão de solução foi inclusão em outro negócio,
envolvendo um terceiro (daí surgiu o nome do primo119). Aguiar parece nao
ter gostado da sugestão. aí parou de novo. ” (fl. 282).
* * *
De: A.C.
Para: Orlando Ferreira Neto
Enviado em: 3/2/2010 1:44
Assunto: J
Conteúdo da mensagem: ” “Falei com [F.R.] hoje sobre a ideia de fazer 2 con-
tratos. Ele não aprovou, acha que não para em pé contratar a mesma empresa
63. Ainda nessa troca de mensagens, dois pontos merecem ser destacados. O pri-
meiro é a preocupação quanto à redução da comissão de vendas (“redução para 6%”)
para que a totalidade dos pagamentos coubesse no target previsto, ou seja, para que
o valor das comissões não destoasse de tal modo que chamasse atenção dos controles
65. De outra parte, a dissimulação dos pagamentos em favor das sociedades do Cel. P. é
revelada por meio da análise da forma de pagamento da comissão de vendas estipulada
no contrato de representação comercial celebrado com a Globaltix, a saber: (a) 8% sobre
o preço de alienação de aeronaves especificado no contrato de compra e venda; (b) 8%
sobre o preço de sobressalentes, equipamentos adicionais e serviços contratados; (c)
valor fixo de US$ 2,5 milhões, a serem pagos 30 dias após a Globaltix assinar e entregar
o contrato de representação comercial; e (d) valor fixo de US$ 920 mil, a serem pagos 60
dias após a Globaltix assinar e entregar o referido contrato.
66. Ainda de acordo com o ajuste contratual, as duas últimas verbas remuneratórias
deveriam ser pagas independentemente da conclusão do contrato de venda de aviões.
Nesse sentido, a Cláusula 1a previa expressamente que o pagamento da comissão de
vendas somente seria devido à Globaltix caso o contrato de compra e venda de aero-
naves entre a Companhia e a Força Aérea da Jordânia fosse efetivamente celebrado,
com exceção justamente dos pagamentos fixos previstos nas cláusulas 6.3 e 6.4 - re-
spectivamente, os US$ 2,5 milhões e US$ 920 mil (fl. 347)121.
67. E, de fato, tal como estipulado, os pagamentos foram efetivados pela Embraer
LLC à Globaltix em 22.5.2010 e 22.6.2010, respectivamente, conforme demonstram
os comprovantes de transferência bancária acostados aos autos (fls. 380 e 383), muito
embora a venda à Força Aérea da Jordânia não tenha se concretizado.
68. Tais aspectos contratuais chamam a atenção por três razões. Primeiro porque a
soma das duas verbas remuneratórias corresponde exatamente ao valor que restava
devido às duas sociedades indicadas pelo Cel. P. (US$ 3.420.000,00).
70. Terceiro porque não é comum, nessas relações contratuais, que as comissões
sejam pagas antes de concluída a venda e - mais que isso - a despeito da não concre-
tização da venda. Nesse tocante, mostra-se elucidativo o depoimento prestado por
um funcionário da Embraer que, à época dos fatos, trabalhava na área de contas a
pagar e receber, segundo quem “no caso da Jordânia, houve uma antecipação do pa-
gamento pela representação, pois naquele momento não havia sido concluída a venda.
Essa venda, aliás, jamais se concluiu (...), mas ainda assim o valor da representação
foi pago. Não é usual pagar um agente de representação antes que as vendas estejam
finalizadas. ” (fls. 445).
71. Note-se, a propósito, que o arranjo firmado com a Globaltix não observa a legi-
slação brasileira sobre representação comercial, aplicável ao contrato por força de
expressa disposição contratual122. Com efeito, de acordo com o art. 32, caput e § 4°
da Lei n° 4.886, de 1965, “o representante comercial adquire o direito às comissões
quando do pagamento dos pedidos ou propostas’” e que “as comissões deverão ser
calculadas pelo valor total das mercadorias123”.
72. Por outro lado, Orlando Ferreira Neto alega que a estipulação de pagamentos
fixos a E.S. teria se dado em decorrência de sua tarefa de neutralizar esforços de ven-
das feitos por outros concorrentes que se encontravam melhor posicionados do que a
Companhia junto às autoridades da Jordânia. Assim, como tal trabalho seria pouco
usual, as declarações de funcionários da Embraer de que desconheciam a prática de
efetuar pagamentos de comissões antes da efetivação das vendas “partiram do equi-
vocado pressuposto de que a contratação de [E.S.] ter-se-ia dado unicamente para in-
termediar a venda” quando “ foram empreendidos significativos esforços para que as
forças aéreas da Jordânia não adquirissem aeronaves de empresas concorrentes” (fls.
652-653).
122 O contrato celebrado com a Globaltix prevê que a comissão será paga de acordo com as leis brasileiras e norte-
americanas aplicáveis, de forma proporcional aos montantes recebidos pela Embraer do Comprador, com exceção dos
pagamentos fixos previstos nas cláusulas 6.3 e 6.4.
123 Nesse sentido, dispõe a doutrina “o representante adquire o direito de receber a sua remuneração logo que
o comprador efetue o pagamento ou à medida que o faça parceladamente, calculadas pelo valor total das mercadorias,
conforme resposta do quesito anterior (...) Assim, a comissão deve ser paga sobre o valor total das mercadorias, sem a
dedução de impostos ou custos diretos e/ou indiretos, ou ainda, de encargos financeiros de qualquer natureza. Quando
se interpreta a Lei 4.886/65, como já referido, há de se ter em mente de que estamos diante de uma lei de caráter social,
sobrepondo-se ela, em consequência, sobre os pactos e contratos, apesar de sua natureza contratual. Portanto, qualquer
estipulação em sentido contrário ao seu comando legal seria nula de pleno direito”. SADDI, Jairo. Considerações acerca da
representação comercial frente ao novo código civil. In: Revista de Direito Mercantil n° 129. São Paulo: Malheiros, 2003, pp.
61-62.
“O pagamento da remuneração fica a depender do pagamento da mercadoria por parte do comprador. Podem, entretanto,
as partes convencionar épocas em que serão apuradas as comissões e devidamente pagas'”. MARTINS, Fran. Contratos e
obrigações comerciais. 16a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 270.
74. Há ainda, nos autos, outros elementos de prova que confirmam que os pagamen-
tos fixos realizados à Globaltix eram, na verdade, destinados às sociedades indicadas
pelo Cel. P. Refiro-me, em primeiro lugar, à mensagem, com aviso de confidencialida-
de, enviada pelo gerente sênior da área de contratos do Setor de Defesa da Embraer a
Orlando Ferreira Neto, identificado pelas suas inicias O.J.F.N e pela sigla do seu cargo
V.P.D (Vice-Presidente de Defesa). Nesta missiva, que segue reproduzida abaixo, é
solicitado deste último a sua assinatura nas invoices de pagamento à Globatix acerca
da comissão de ST na RD, sendo que, em todas as mensagens eletrônicas acostadas
aos autos, tais abreviações são empregadas para designar, respectivamente, Super Tu-
canos e República Dominicana.
“CONFIDENCIAL
São José dos Campos, 22 de abril de 2010
PARA: VPD (OJFN)
ASSUNTO: Aprovação pagamento comissão de agente
Solicitamos sua assinatura nos documentos anexos referentes a comissão
ST RD:
1) Invoice 5561 Globaltix valor de USD 2,500,000.00 vencimento em
22/05/2010
2) Invoice 5562 Globaltix valor de USD 920,000.00 vencimento em
22/06/2010.
Grato,
[A.C.]” (fl. 366).
75. Tal prova documental é mesmo eloquente, haja vista a Globaltix não ter participado
da campanha de vendas na República Dominicana, de modo que a única explicação
possível consiste em reconhecer que a Globaltix serviu, em realidade, de intermediária
para dissimular os pagamentos que haviam sido acertados com o Cel. P.
76. Por fim, faço referência à mensagem eletrônica, transcrita a seguir, enviada por
funcionário do setor de Defesa da Embraer a funcionários do setor Financeiro soli-
citando a programação de pagamentos extraordinários, em 22.5.2010 e 22.6.2010, à
Globaltix, referentes à alienação de Super Tucanos na República Dominicana.
Para: R.S.
CC: B.J.
Agente: GLOBALTIX([E.S.])
78. A meu ver, todas as provas já examinadas, que, como visto, incluem a análise de
extensa correspondência entre funcionários da Companhia, de depoimentos presta-
dos e do caráter exótico de determinadas cláusulas estipuladas no contrato de re-
presentação comercial, levam, seguramente, a uma mesma conclusão, qual seja, a de
que as comissões fixas desembolsadas em favor da Globatix tinham por finalidade
viabilizar, de maneira fraudulenta, os pagamentos que haviam sido acertados com as
sociedades indicadas pelo Cel. P.
79. Em suma, tudo o que foi exposto acima evidencia que recursos da Embraer foram
transferidos em favor do Cel. P. da Força Aérea da República Dominicana, mediante
a execução de uma fraude sofisticada, que envolveu a interposição de intermediários
- a Globaltix e as sociedades 4D, Ferroboc e Magycorp - e a simulação de despesas fal-
sas - e.g., comissões de venda e consultoria - de maneira a dissimular a finalidade e o
beneficiário dos pagamentos e, assim, ludibriar os controles internos da Companhia.
80. Tais pagamentos, frise-se, foram efetivados sem que houvesse qualquer com-
provação dos serviços prestados em contrapartida ou da natureza dos serviços que
teriam sido supostamente prometidos. Além disso, o oferecimento de vantagens a
IV.2) AUTORIA
81. Enfim, uma vez demonstrada a materialidade das infrações apontadas pela acu-
sação, cumpre examinar as responsabilidades pessoais dos Acusados.
82. Como visto, Luiz Aguiar ocupou o cargo de Vice-Presidente para o Mercado de
Defesa e Governo da Companhia entre 1.4.2006 e 1.1.2009. Foi durante a sua gestão
à frente desse setor da Embraer que transcorreu o processo de venda das oito aero-
naves Super Tucanos para a Força Aérea da República Dominicana. As negociações
iniciaram-se em 2006 e concluíram-se com a assinatura do contrato principal ao final
de 2007 e a aprovação do financiamento concedido pelo BNDES pelo Senado daquele
país ao final de 2008.
83. Além disso, segundo as informações contidas nos autos (fls. 639-640), durante a
gestão de Luiz Aguiar, a Vice-Presidência para o Mercado de Defesa e Governo era
estruturada em quatro áreas que se encontravam subordinadas ao Vice-Presidente:
(i) engenharia, (ii) vendas, (iii) entregas e (iv) suporte ao cliente. Enquanto as áreas
de engenharia, entregas e suporte ao cliente eram geridas por diretorias (respectiva-
mente, Diretoria de Engenharia, Diretoria de Programas e Contratos e Diretoria de
Suporte ao Cliente), a área de vendas era coordenada pelo próprio Vice-Presidente,
sendo dividida em três subáreas, conforme a localização do cliente final, a saber, (a)
Américas e África do Sul; (b) Europa, África e Oriente Médio; e (c) Ásia e Oceania.
84. Para maior clareza, reproduzo abaixo o organograma da referida Vice- Presi-
dência que prevaleceu até o final do mandato de Luiz Aguiar.
Diretoria de Diretoria de
Diretoria de Programas e Suporte ao
Engenharia Contratos Cliente
T.G. S.H. G.F.
Vendas
Europa, Vendas Vendas Ásia e
Oriente Médio Américas e Oceania
e África II África I S.B.
R.B. E.M.
85. Nota-se, portanto, que cabia a Luiz Aguiar coordenar a área comercial junto aos
diretores regionais de vendas, os quais, por sua vez, respondiam imediata e direta-
mente a ele. O Acusado, portanto, era o responsável pela operação de venda de aero-
naves para as Forças Aéreas da República Dominicana.
86. Luiz Aguiar, contudo, nega responsabilidade. Afirma, em sua defesa, que, a de-
speito de ter participado de reuniões com autoridades da República Dominicana para
tratar do assunto, na sede da Companhia, não foi responsável pela operação - visto
que se tratava de transação de “menor valor” para os padrões da indústria aeronáut-
ica, já que não alcançava US$ 100 milhões.
87. No entanto, essa versão dos fatos não se mostra convincente. Primeiro, porque a
alegação do acusado se afigura contraditória, pois, ao mesmo tempo em que nega re-
sponsabilidade pelas negociações, reconhece ter participado de tratativas negociais,
em reuniões realizadas com a parte compradora. Segundo, porque não há qualquer
prova de que, ao tempo dos fatos, existissem limites de alçada, conforme o valor da
operação, que tivessem por efeito atribuir ao diretor regional não estatutário plena
autonomia para conduzir a campanha de vendas na República Dominicana. Ao re-
verso, as informações constantes dos autos levam à conclusão de que tais regras não
existiam no estatuto social nem em outro documento interno da Companhia.
88. De mais a mais, encontra-se acostada aos autos correspondência eletrônica man-
tida entre e o diretor regional não estatutário de vendas nas Américas, E.M., e o Acu-
sado, que demonstram que este último acompanhava de perto a evolução das nego-
ciações. Assim, em 1° de setembro de 2008, E.M encaminha a Luiz Aguiar mensagem
anteriormente enviada a D.R., funcionária da área de contratos, sobre a necessidade
De: E.M.
Assunto: RD - Representante
91. Nessa mensagem, como se lê, E.M. relata a Luiz Aguiar que o Senado da República
Dominicana tinha aprovado o financiamento da compra das aeronaves e lhe pede ajuda
para encontrar uma “solução” junto ao jurídico da Companhia para viabilizar o “Con-
trato de representação/consultoria”. No mesmo dia, Luiz Aguiar responde “ok” a E.M.,
dando o seu consentimento ao pedido formulado por seu funcionário (fls. 171).
92. Em suma, encontra-se comprovado nos autos não apenas que o Acusado era o re-
sponsável pela campanha de vendas na República Dominicana, em virtude do cargo
que ocupava dentro da Companhia, como também que ele acompanhava de perto
as negociações, interagindo com o diretor regional não estatutário de vendas nas
Américas E.M., que, por ser o seu subordinado direto, agia sob suas ordens.
94. A razão de tal vedação parece-me intuitiva, pois, tendo a representação por objeto
o agenciamento de negócios, a sua celebração deveria preceder o negócio que se busca
intermediar. Realizada nessas circunstâncias, a representação poderia prestar-se a
dissimular pagamentos de outra natureza, possivelmente ilícita.
96. Causa espécie que um funcionário se sentisse à vontade para informar ao seu su-
perior hierárquico, diretor estatutário da Embraer, que estava cuidando da realização
de um contrato flagrantemente conflitante com a política interna em vigor. Também
causa perplexidade o pedido despudorado feito pelo funcionário ao seu chefe para
que o ajudasse a encontrar uma “solução” junto ao jurídico da Companhia.
97. Diante disso, era de esperar que o Acusado, cioso das responsabilidades do seu
cargo, repreendesse veementemente o seu subordinado e tomasse as providências ao
seu alcance para assegurar o pleno cumprimento da política interna da Companhia
- que, segundo alega, teria contribuído a criar. No entanto, em momento algum, Luiz
Aguiar demonstrou indignação em relação às potenciais irregularidades que se en-
contravam expostas nas mensagens recebidas. Ao contrário, respondeu afirmativa-
mente ao pedido formulado por seu funcionário, aquiescendo em usar a autoridade
do seu cargo para conseguir o apoio do departamento jurídico.
98. Cumpre notar ainda que, diferentemente do email de 1° de setembro que men-
cionava exclusivamente o contrato de representação, a mensagem enviada por E.M. a
Luiz Aguiar em 16 de setembro de 2008 faz referência a “Contrato de representação/
consultoria”.
99. Ora, é curiosa a menção a duas espécies de negócio que, como se sabe, são comple-
tamente distintas. Enquanto a atividade de representação comercial envolve a interme-
diação de negócios mediante o agenciamento de propostas ou pedidos para transmiti-los
aos representados, a de consultoria envolve a emissão de orientações e opiniões.
100. Como estavam à frente da campanha de vendas, Luiz Aguiar e E.M. certamente
sabiam a real natureza dos serviços supostamente prestados pelo Cel. P., de modo
101. Tudo isso, em suma, poderia sugerir que Luiz Aguiar tinha conhecimento de que,
no curso da campanha de vendas da República Dominicana, haviam sido prometidos
pagamentos em favor do Cel. P., bem como estava pessoalmente engajado em encontrar
uma “solução” para contornar as regras e os controles internos da Embraer.
102. Nada obstante, devo reconhecer que, apesar de serem indícios relevantes, as
mensagens eletrônicas acima relatadas não são suficientes, por si só, para demonstrar,
conclusivamente, a participação efetiva do acusado na prática de atos destinados a
viabilizar a realização de pagamentos irregulares, tal como sustentado pela acusação.
103. Nesse tocante, o acusado ressalta em sua defesa que, após a referida troca de
mensagens, teria se posicionado contra a celebração do contrato de representação. E
de fato, a corroborar essa versão dos fatos, não se tem notícia de que, durante a sua
gestão à frente da Vice-Presidência para Mercado de Defesa e Governo da Embraer,
tenha sido firmada alguma representação ou consultoria com contrapartes da Re-
pública Dominicana. Tampouco houve nesse período pagamento efetuado em favor
do Cel. P. ou de sociedades a ele vinculadas.
105. O único ato efetivo do acusado, de que se tem notícia, é a assinatura, em 12.3.2010,
quando já ocupava a Vice-Presidência Executiva Financeira e de Relações com Inve-
stidores, dos documentos “Authorization to Promote Sales of Embraer Aircraft” e da
“Supplementary Provisions to our Reference Letter” (fls. 347-359), que autorizaram a
contratação da Globaltix para atuar como representante comercial na campanha de
vendas da Jordânia. Como já visto, esse negócio foi aproveitado para dissimular o
repasse de recursos para as sociedades vinculadas ao Cel. P.
109. Desse modo, antes de subscrever os referidos documentos, Luiz Aguiar teria ve-
rificado o cumprimento de todas as condições, inclusive a aprovação prévia da con-
tratação pelo Diretor da área solicitante, o responsável pela administração financeira,
o Vice-Presidente da área solicitante e o Vice-Presidente Executivo Jurídico.
110. Assim, considerando que o processo de contratação havia respeitado as regras in-
ternas da Companhia e confiando no aval conferido pelos cinco profissionais de dife-
rentes áreas da Companhia, Luiz Aguiar teria assinado os documentos de boa-fé, acre-
ditando na lisura da operação.
111. Por fim, a defesa ressalta que não havia nos aludidos documentos nenhum aspec-
to atípico que pudesse representar um sinal de alerta quanto à possível ocorrência de
irregularidades na contratação da Globaltix. Ao contrário, segundo o alegado, o acu-
sado, em razão da sua experiência pregressa, sabia que a Jordânia era um mercado em
potencial para a venda de aeronaves Super Tucano e que a representação de um re-
presentante poderia ser necessária para superar barreiras locais de ordem comercial
e cultural. Também tinha conhecimento de que a Globaltix já havia sido utilizada em
outras campanhas de vendas da Embraer, de modo que a sua contratação na Jordânia
não apresentava nada de anormal.
115. No entanto, a única prova que a acusação logrou apresentar nessa direção é a
mensagem eletrônica enviada por A.C., gerente de contratos do setor de Defesa, a
Orlando Ferreira Neto, em 30.9.2009, que segue transcrita:
De: A.C.
Para: Orlando Ferreira Neto
Enviado em: 30/9/2009 5:45PM
Assunto: RD
Conteúdo da mensagem “falei com [E.M.], aparentemente temos um loop
completo: após ter conversado com [F.R.] e aguiar, ele aguarda instruções
do que fazer. A última sugestão de solução foi inclusão em outro negócio,
envolvendo um terceiro (daí surgiu o nome do primo). Aguiar parece nao ter
gostado da sugestão. aí parou de novo. ” (fl. 282).
116. Como se lê, A.C. menciona que Luiz Aguiar teria conversado com outros fun-
cionários da Companhia para discutir a forma pela qual se daria a realização dos paga-
mentos. Na ocasião teria sido aventada a possibilidade de incluí-los em “outro negócio, en-
volvendo um terceiro” identificado como “primo”, termo utilizado em referência a E.S,125
125 Como se vê da correspondência eletrônica mantida entre funcionários e executivos da Embraer constante
dos autos. A título de exemplo, pode-se mencionar o e-mail enviado por E.S. a Orlando Ferreira Neto tratando sobre a
campanha da Jordânia em 16.2.2010, ao que Orlando encaminha a referida mensagem a A.L.A.P., diretor global de vendas,
por meio do qual afirma “Não posso ficar neste processo: é tudo que o [E.S.] quer - ficar pendurado diretamente em mim
pode ser mais legal, mas isto vai acabar me matando e corremos o risco de eu virar gargalo no processo (...). Aonde está
o [R.B.] neste processo? Por favor, apropriem-se desta campanha! Cuidado apenas com o andar, pois o santo é de barro
(RD)”. Tal mensagem é, então, encaminhada por A.L.A.P. ao diretor regional de vendas do Oriente Médio, R.B., alertando-o
“cuidado pois o primo está liderando o processo, não pode ser assim. Entre fortemente no circuito e tome conta. NÃO
117. Ocorre que, nesse tocante, devo concordar com a defesa de que essa mensagem
constitui indício deveras frágil para que se possa, a partir dela, fazer inferências válid-
as. Como já me manifestei em outra sede,126 cabe ao julgador tomar especial cuidado
ao apreciar mensagens em que terceiros são mencionados, dado o risco de distorção
daquilo que está sendo retransmitido. No caso em análise, tal risco assume especial
relevância, visto que o remetente se refere a uma conversa da qual não participou, tendo
apenas ouvido comentários de quem supostamente estaria presente. Trata-se, assim,
de relato de credibilidade duvidosa, vez que colhido indiretamente por quem sequer
estaria em condições de confirmar se o diálogo relatado, de fato, ocorreu.
119. No caso em apreço, se é verdade que a acusação logrou produzir alguns indícios
significativos, que levantam suspeitas sobre a lisura da conduta de Luiz Aguiar, também é
verdade que os argumentos e os contraindícios apresentados pela defesa possuem força o
bastante para colocar em dúvida a suficiência das provas contidas nos autos.
122. Ao tempo em que tais pagamentos foram realizados, o acusado ocupava o cargo
de Vice-Presidente Executivo para Mercado de Defesa e Governo da Embraer. Com-
responda ao Orlando. Após sua conversa com o primo, favor me retornar para podermos nos posicionar adequadamente.”
(grifou-se) (fl. 323). Funcionários da Embraer tratam E.S. como “primo” em diversas outras mensagens, vide fls. 280-281;
293-294.
126 Declaração de voto apresentada no âmbito do PAS CVM n° RJ2014/10082 de relatoria do Diretor Gustavo
Borba.
127 Voto proferido pela Diretora Norma Parente, no PAS CVM n° 24/00, julg. 18.8.2005.
128 Voto da Diretora Relatora Norma Parente no PAS CVM n° RJ 06/95, julg. 5.5.2005.
De:L.A.L.F.
* * *
De: L.A.L.F
Para: A.L.A.P.
De: A.L.A.P.
Para: L.A.L.F.
* * *
De: Cel. P.
Para: E.A.F.F..
Assunto: Hola
De: E.A.F.F.
CC: R.M.B.
De: A.L.A.P.
Para: E.A.F.F.
Enviado em: 21/5/2009 15:56
124. Por sua vez, a segunda cadeia de mensagens evidencia que Orlando Ferreira
Neto havia orientado seus subordinados a dissimular o pagamento à 4D sob a forma
de consultoria, de modo que o Diretor de Vendas se recusara a aprovar a fatura sem
referência ao serviço de consultoria.
126. Além dessas mensagens, há outras que também tratam da viabilização dos pa-
gamentos em que Orlando Ferreira Neto figura como interlocutor:
De: A.C.
Para: Orlando Ferreira Neto
Assunto: RD
* * *
De: Orlando
* * *
De: A.C.
Assunto: J
Conteúdo da mensagem: ” “Falei com [F.R.] hoje sobre a ideia de fazer 2 con-
tratos. Ele não aprovou, acha que não para em pé contratar a mesma empresa
para fazer basicamente a mesma coisa em 2 contratos separados, além de um
contrato para serviços (estudo de mercado, etc) ter custo de remessa elevado
(40%). Ele recomenda fazer um soh, como pensamos inicialmente, com uma
clausula adicional sobre a validade da segunda parte estar condicionada a não
existencia de restricoes sobre a lei local. Mandei mail para o [E.S.] reportando
a dificuldade e informando que estamos buscando solucionar via redações
alternativas, tudo isso fechando antes do Carnaval. Ele respondeu tao babaca-
mente como de costume, mas ficou claro que ele conhece o problema (talvez
via [R.B.], não sei). Vou redigir e fechar com o [F.R.] ateh quarta que vem.
By the way, mesmo depois de 500 mil revisoes da base de custos, podas e
economias, o preco dos ST Jordania estah +- USD1,5m acima do target. Não
tem mais de onde tirar e não tem 1 centavo de gordura para negociação. Jah
sugeri ao [F] que converse com [A.L.A.P.] e [R.B.] para pedir que negociem a
reducao para 6%, mas acho que parou nele, vou falar com o [A.L.A.P.] ama-
nha. Conversei com o [E.M.] e o credor dele esta no Brasil esta semana. Eles
se conversaram e algo tem que acontecer em 2 semanas, ou o o [E.M.] vai ter
que dar as caras por la para dar explicações.” (fls. 321-322)
De: Orlando
Para: A.C.
CC: A.L.A.P.
127. Tais mensagens, em que Orlando Ferreira Neto figura como interlocutor, com-
provam cabalmente sua participação no esquema montado para ludibriar os controles
internos da Companhia e viabilizar a realização dos pagamentos em favor do Cel. P.
128. A primeira mensagem indica não apenas que o Acusado mantinha conversas
com seu subordinado A.C., gerente de contratos, acerca do andamento dos pagamen-
tos, como que estava ciente da estratégia de incluí-los em outro negócio do qual E.S.
faria parte. Por sua vez, a segunda mensagem demonstra a preocupação do Acusado
de ser cobrado por um “[general] 4 estrelas”, o qual, diante do contexto, permite a
conclusão de que estaria se referindo à possível exigência dos pagamentos que ha-
viam sido prometidos.
129. Por último, a terceira cadeia de mensagens intitulada “J” - segundo a acusação,
uma referência à Jordânia - evidencia a dificuldade enfrentada, em razão dos con-
troles internos da Companhia, pelo gerente de contratos quanto ao melhor arranjo
contratual que permitisse a contratação de E.S. e viabilizasse a efetivação dos paga-
mentos. A referência por A.C., na mesma mensagem em que trata da Jordânia, a uma
conversa havida com E.M. na qual este haveria informado que estaria em breve com
“seu credor” reforça a tese da acusação de que estavam tratando sobre os pagamentos
relacionados à República Dominicana.
130. A resposta de Orlando Ferreira Neto aos problemas e soluções apontados pelo
gerente de contratos chama ainda mais atenção. Com efeito, o acusado revela sua
ânsia de “limpar a questão” e “resolver a engronha explícita” que haveria “herdado”.
Ademais, destaca a necessidade de colocar E.M. - diretor regional não estatutário de
vendas nas Américas à época da transação com a Força Aérea de República Domini-
cana, que mantinha interações com Cel. P. - “no circuito”, visto que ele deveria “estar
à frente da relação com o outro lado por definição”.
131. Transcrevo, ainda, a última mensagem apontada pela acusação que, a meu ver,
também merece destaque. Ao receber uma mensagem diretamente de E.S., intitulada
“J”, Orlando Ferreira Neto denota sua preocupação ao diretor global de vendas, enca-
minhando-lhe a referida mensagem com o seguinte alerta:
132. Parece-me claro, portanto, que o Acusado, ciente da situação envolvendo a contra-
tação de E.S., por intermédio da Globaltix, tentava evitar o contato direto entre eles. O
alerta feito ao diretor global de vendas com a referência à RD - República Dominicana
- é mais um elemento que indica sua participação na dissimulação dos pagamentos.
133. Além de todas essas evidências, Orlando Ferreira Neto foi, ainda, o responsável
por firmar, em 12.3.2010, na qualidade de Vice-Presidente para Mercado de Defesa e
Governo da Embraer, o formulário de Contratação de Representante Comercial (fl.
344) autorizando a Globaltix a atuar como representante comercial da Companhia
perante a Força Aérea da Jordânia e, permitindo, assim, a dissimulação dos paga-
mentos ajustados com o Cel. P, em detrimento dos controles internos da Companhia.
135. Por fim, o último elemento relevante para comprovar a participação de Or-
lando Ferreira Neto para a realização dissimulada dos pagamentos é a carta que lhe é
enviada por A.C., pouco mais de um mês depois da assinatura do contrato de represen-
tação comercial com a Globaltix, a qual continha aviso de confidencialidade - já repro-
duzida no item 74 deste voto. Por meio daquele expediente, A.C. solicita a assinatura
de Orlando Ferreira Neto nos invoices referentes aos pagamentos de US$ 2,5 milhões e
US$ 920 mil à Globaltix. Salta aos olhos, no entanto, que A.C. afirma que tais pagamen-
tos eram referentes à comissão de venda de Super Tucanos na República Dominicana130.
136. Assim, por todo o exposto, e a despeito do que sustenta a defesa, entendo que restou
devidamente comprovada a atuação de Orlando Ferreira Neto a fim de viabilizar a reali-
zação dissimulada de pagamentos, sob a forma de consultoria e representação comercial.
130 Como exposto no item 74, a referida carta utiliza iniciais a partir das quais se pode inferir que se trata de Orlando
José Ferreira Neto (O.J.F.N.), Vice-Presidente de Defesa (VDP), Super Tucanos da República Dominicana (ST RD).
139. Desse modo, Orlando Ferreira Neto orientou, deliberadamente, os recursos hu-
manos e financeiros que estavam sob seu poder para que ocorressem pagamentos
fraudulentos, que, de outro modo, seriam reprovados pelos controles de integridade
da Companhia. Agiu em evidente desvio de finalidade, buscando, por meio de suas
ações, resultados totalmente estranhos ao interesse social.
140. Resta, assim, caracterizada a infração ao disposto no art. 154, caput, da Lei n°
6.404/1976, segundo o qual
141. Não assiste razão ao acusado quando alega que eventual condenação por in-
fração ao referido normativo levaria à ampliação do conceito de desvio de finalidade
até então aplicado pela CVM, que, segundo afirma, se restringiria aos casos em que
o administrador (ou o grupo de acionistas que o elegeu) possua interesse pessoal no
ato praticado.
142. Em realidade, não é esse o entendimento que vem sendo adotado pela CVM,
conforme é possível verificar em diferentes decisões proferidas por este Colegiado131.
E a meu ver, a leitura do art. 154, caput, desautoriza essa interpretação, pois que, em
parte alguma, refere-se ao interesse do administrador ou do quem o tenha elegido. A sua
131 PAS CVM n° RJ2011/5211, de minha relatoria, j. em 1.7.2015; PAS CVM RJ2013/6183, também de minha
relatoria, j. em 22.11.2016; PAS CVM n° 03/96, Rel. Dir. Eli Loria, j. em 8.7.2004.
143. Em definitivo, o desvio de finalidade, de que trata o art. 154, não pressupõe que
esteja presente interesse pessoal do administrador ou de quem o elegeu. Independen-
temente dessa circunstância, age com desvio de poder o administrador que desvirtua
as atribuições do seu cargo para lograr fim estranho ao da companhia.
144. E nesse tocante, como já exposto, não pairam dúvidas de que Orlando Ferreira
Neto se afastou do interesse social quando se valeu dos poderes que tinha dentro da
Embraer para viabilizar pagamentos que, se não fosse pela fraude perpetrada, seriam
reprovados pelos controles internos da Companhia. Há nisto flagrante desvio de fi-
nalidade, em infração ao disposto no aludido art. 154.
145. Também não me parece pertinente examinar a conduta do acusado sob a ótica
do art. 153 da Lei das S.A. como quer a defesa, pois que as irregularidades cometidas
vão muito além da falta de diligência. A conclusão a que se chega, lastreada nas pro-
vas dos autos, é que Orlando Ferreira Neto agiu com inegável má-fé, aproveitando a
autoridade hierárquica de que gozava para colocar em marcha uma fraude capaz de
ludibriar os controles de integridade da Companhia.
147. Em razão disso tudo, posso afirmar, sem assombro, que a conduta de Orlando
Ferreira Neto foi absolutamente incompatível com a probidade e a lisura que se espe-
ra do administrador de companhia aberta.
148. Além disso, os seus atos, uma vez revelados à luz do sol, tiveram sérias conse-
quências para a Companhia, que se viu no epicentro de um escândalo transnacional.
Os prejuízos não se limitam aos financeiros, que resultaram das despesas incorridas
para a defesa dos interesses da Companhia perante as diversas autoridades públicas
132 Como esclarece Flávia Parente, o interesse social representa o limite da discricionariedade atribuída aos
administradores para conduzir os negócios da companhia (O Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades
Anônimas, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 135). Na mesma direção, confira-se igualmente: “Desvio de poder - A LSA
veda o desvio de poder dos administradores. O poder, conforme se viu, é atribuído ao administrador para ser exercido no
interesse da sociedade, no sentido de realizar o objeto social. O interesse social representa, portanto, a diretriz e o limite da
discricionariedade atribuída aos administradores em relação à conduta da companhia (Luiz Antonio de Sampaio Campos,
Direito das Companhias, in Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira (orgs.), Rio de Janeiro: Forense, 2017, 2a ed.,
pp. 816-817.
149. O acusado, com efeito, foi responsável por permitir que práticas espúrias fos-
sem associadas a uma empresa que se situa entre as mais importantes indústrias133
e também entre as mais importantes companhias abertas do Brasil134.
152. Assim, por todo o exposto, voto, com base no art. 11, inciso IV, da Lei n°
6.385/76, pela condenação de Orlando José Ferreira Neto à penalidade de inabilitação
temporária, pelo prazo de 5 anos, para o exercício do cargo de administrador ou de
conselheiro fiscal de companhia aberta, em razão da infração cometida ao disposto
no art. 154, caput, da Lei n° 6.404/1976.
153. Quanto a Luiz Aguiar, como exposto neste voto, em que pese a existência de
indícios desfavoráveis à lisura de sua conduta, os contraindícios presentes nos autos
bem como os argumentos apresentados pela defesa levantam dúvidas razoáveis sobre
a procedência da acusação que lhe foi imputada. Sendo assim, não se mostra possível
concluir, com a segurança necessária à formação do juízo condenatório, que tenha
participado, de forma efetiva e consciente, da prática de atos destinados à realização
dos pagamentos em favor das sociedades vinculadas ao Cel. P.
154. Desse modo, e em homenagem ao princípio in dubio pro reo, voto pela absol-
vição de Luiz Carlos Siqueira Aguiar da acusação de infração ao disposto no art.
caput, da Lei n° 6.404/1976.
Pablo Renteria
Diretor-Relator
133 De acordo com informações disponíveis no sítio https://embraer.com/br/pt, a Embraer é a 3a maior fabricante
de jatos comerciais do mundo e líder no segmento de aeronaves de até 130 assentos. A empresa conta com 18.000
empregados. No Formulário de Referência arquivado na CVM (8.6.2018), a Embraer informa ser a principal exportadora
de bens de alto valor agregado do Brasil.
134 Segundo o Formulário de Referência arquivado na CVM (8.6.2018), a Embraer é companhia aberta de
capital pulverizado, que não dispõe de acionista controlador. O seu capital social encontra-se distribuído entre 15.541
pessoas jurídicas, 20.230 pessoas físicas e 300 investidores institucionais. As ações da Embraer integram o índice Ibovespa,
situando-se, portanto, entre as mais negociadas no mercado de bolsa da B3.
Joseph P. Ash
Peter L. O’Brien
Thomas W. Ebbern
Relatório
I - Do Objeto e Da Origem
II-Dos Fatos
4. Doze dias depois, em 29/05/2013, a mídia teria divulgado que, devido à existência
de um pacote de benefícios denominado Severance Package, alguns administradores
da HRT, incluindo Marcio Mello, “teriam direito a receber uma bolada caso houvesse
mudanças no conselho de administração e, em seguida, eles fossem demitidos ou pe-
dissem demissão” (fl. 420).
9. A partir dos documentos apresentados, verificou-se que, para o caso dos admi-
nistradores definidos como Senior Management, o Severance Package previa o paga-
mento da indenização nos seguintes termos (fl. 422):
(i) Aquisição de controle direto ou indireto, seja ela original ou derivada, ou qual-
quer outra forma de reestruturação societária que resulte na participação, por um
acionista ou grupo de acionistas, equivalente a 20% (vinte por cento) ou mais do
capital social da Companhia; ou
(ii) Rejeição, pela maioria dos acionistas presentes a qualquer Assembleia durante os
anos de 2013 e 2014, da proposta de Composição do Conselho de Administração su-
gerida pela administração da Companhia, excluindo Joe Ash, Thomas Ebbern, Peter
O’Brien, and C.L.P; ou (sic)
(iv) Um Evento será presumido como ocorrido caso a maioria dos conselheiros apro-
ve uma deliberação no Conselho de Administração constatando a ocorrência de um
Evento em razão de mudanças na participação acionária dos acionistas, negociações
entre a Companhia e os acionistas, mudanças no Conselho de Administração ou ad-
ministração da Companhia, que possam ser consideradas uma mudança de controle
no melhor interesse da Companhia. (grifos no TA)
(fl. 419).
12. Conforme lista apresentada pela Companhia, o Severance Package seria aplicável
a 28 beneficiários, sendo partes do grupo do Senior Management os Srs. Márcio Mel-
lo, Milton Romeu Franke (“Milton Franke”), N.C.A.F., C.T.A., M.E.R.A. e Wagner
Elias Peres (“Wagner Peres”) (fls. 78 e 93), enquanto os demais beneficiários com-
punham o grupo do Staff Management.
17. Diante dos fatos apurados, foram solicitados esclarecimentos aos membros do Con-
selho de Administração que participaram das reuniões em que foi deliberado e aprova-
do o Severance Pacakge, bem como novas informações a serem apresentadas pela HRT.
Em paralelo às respostas apresentadas pelos conselheiros (fls. 228-291), foi apresenta-
da voluntariamente à CVM manifestação conjunta de John Anderson Willot (“John
Willot”) e Milton Franke, à época, Presidente do Conselho de Administração e Di-
retor Presidente da Companhia, informando que o Conselho Fiscal da HRT139 havia
levantado uma série de questionamentos acerca do Severance e solicitado a apuração
de eventuais irregularidades ocorridas na criação do referido pacote.
(ii) teria sido aprovado pacote de benefícios que permitia que a mera
alteração na composição do Conselho de Administração acionasse o
pagamento de indenização a administradores que saíssem da Com-
panhia, ainda que voluntariamente;
(iii) por ser a HRT uma companhia com base acionária dispersa, sem
controle acionário definido, uma alteração na composição do Con-
selho de Administração poderia representar uma mudança no con-
trole da Companhia, razão pela qual as condições de acionamento do
Severance Package referentes ao Senior Management estão vinculadas
a hipóteses de mudança de controle;.
23. Em resposta aos esclarecimentos solicitados pela CVM (vide item 17), os mem-
bros do Conselho de Administração apresentaram o histórico dos eventos que culmi-
naram com a aprovação e celebração do Severance Package em 05.03.2013, dos quais
se destacam os seguintes pontos (fls. 432 a 438):
(viii) ao longo das discussões, Marcio Mello e Wagner Peres teriam de-
monstrado a sua insatisfação com o clima de instabilidade em que se
encontrava a Companhia e a sua vontade de deixar a HRT junto com
os profissionais que os acompanhavam desde o início caso tal cenário
não se modificasse;
24. No que diz respeito ao alinhamento do Severance Package aos interesses sociais,
em síntese, os administradores acusados alegaram que, diante das incertezas pelas
quais passava a HRT - incluindo uma proposta hostil de aquisição do controle da
Companhia - em um momento em que iniciava uma de suas operações mais relevan-
tes (campanha exploratória da Namíbia), o Severance Package seria um instrumento
necessário para reter os funcionários chave da Companhia e garantir a continuidade
dos projetos.
26. Além da proposta de aquisição de controle apresentada ao final de 2012, Elia Nde-
vanjema Shikongo (“Elia Shikongo”), John Willot e Wagner Peres mencionaram ain-
da interferências exercidas por investidores relevantes, que estariam contribuindo
para o cenário de instabilidade da HRT, Wagner Peres admitiu, ainda, que se o Con-
selho ficasse dividido após a AGO de 29.04.2013, sairia da Companhia, juntamente
com os profissionais que o acompanhavam desde a British Petroleum.
27. Em sua manifestação (fls. 255-259), Peter O’Brien esclareceu ainda que os con-
selheiros recém-eleitos (Joseph Ash, Thomas Ebbern, Charles Putz e o próprio Peter
O’Brien) teriam recusado a sua inclusão no mecanismo de acionamento do Severance
Package por não se considerarem indispensáveis ao futuro da HRT e por entenderem
que os acionistas deveriam ter a possibilidade de os reeleger ou não, sem consequênc-
ias financeiras (fl. 441).
140 Ressalta-se que, muito embora da ata da RCA de 04.03.2013 conste que o Severance Package foi aprovado pela
unanimidade do Conselho, segundo esclarecimentos prestados por C.L.P, este conselheiro teria votado contrariamente a
aprovação do plano nesta ocasião. Contudo, a assinatura de tal conselheiro constaria do memorando de entendimentos
celebrado em 05.03.2013.
32. Além disso, caso acionado, o pacote de benefícios poderia constituir uma obri-
gação de pelo menos R$30 milhões141 à Companhia, que já se encontrava em um
cenário delicado, com a queda de 80% no valor de suas ações desde o IPO e apresen-
tando notícias de insucesso em suas campanhas exploratórias.
33. No que diz respeito à posição de John Willot, William Fisher e Carlos Thadeu de
Freita Gomes (“Carlos Gomes”), não obstante a alegação da Companhia no sentido
de que tais conselheiros não teriam qualquer relacionamento com Marcio Mello, a
Acusação afirma que
34. Ademais, as renúncias aos cargos executivos apresentadas por Marcio Mello,
Wagner Peres, C.T.A. e M.E.R.A142. seriam um indício de que, da maneira como foi
estruturado o pacote de indenizações, ele teria funcionado mais como um “plano de
incentivo à demissão voluntária” do que como um plano de incentivo à permanência
de funcionários chave da HRT (fl. 446).
141 Equivalente a 67% do montante global anual da remuneração dos administradores, aprovado pela AGO, para
o exercício de 2013, o qual não contemplaria o SP (fl. 443).
142 Marcio Mello e Wagner Peres renunciaram em 10/05/2013 e C.T.A. e M.E.R.A. renunciaram em 07/06/2013
(fl. 446).
37. Por fim, ressalta-se que o argumento de que os empregados da HRT América
permaneceram na Companhia mesmo após a saída do CEO Wagner Peres não seria
relevante, uma vez que as hipóteses de acionamento do Severance Package para o Staff
Management eram distintas daquelas previstas para o Senior Management. Para os
funcionários, somente se aplicaria a indenização se a alteração na relação de trabalho
se desse por iniciativa da Companhia.
38. Em função dos fatos descritos, a Acusação concluiu que os conselheiros que apro-
varam o Severance Package, nas reuniões dos dias 22.01.2013 e 04.03.2013143, teriam
violado os deveres e responsabilidades fiduciárias aludidos na legislação societária,
em especial, o dever de exercer suas atribuições no interesse da Companhia (art. 154,
da Lei n° 6.404/76)144.
39. A SEP entendeu, ainda, que três dos dez conselheiros que aprovaram o Severance
Package na RCA de 22.01.2013 (Marcio Mello, Milton Franke e Wagner Peres) teriam
deliberado em conflito de interesses, em benefício próprio, o que seria vedado pelo
art. 156 da Lei n° 6.404/76145.
41. Nesse sentido, a SEP ressaltou que “(...) as atas das reuniões do Conselho de Admi-
nistração, nas quais ocorreram as deliberações sobre o Severance Package (22.1.2013
e 4.3.2013) e cujos conselheiros mencionados acima votaram favoravelmente à apro-
vação do Instrumento, não continham qualquer menção sobre a natureza e a exten-
são de seus interesses na referida matéria” (fl. 451).
42. Com relação a Marcio Mello e Wagner Peres, acrescentou ainda que tais con-
selheiros teriam manifestado sua vontade de deixar a Companhia e que tal ameaça
teria sido apontada, inclusive, como um dos fatores preponderantes para o Conselho
de Administração aprovar o pacote.
(i) Marcio Rocha Mello, Milton Romeu Franke e Wagner Elias Peres,
na qualidade de membros do Conselho de Administração e benefi-
ciários do Severance Package, pela infração ao artigo 156 da Lei n.°
6404/1976, por terem votado favoravelmente à aprovação do referido
plano nas RCA de 22.01.2013 e 04.03.2013, em aparente conflito de
interesses; e
(ii) Joseph Patrick Ash II, John Anderson Willott, Carlos Thadeu de
Freitas Gomes, William Lawrence Fisher, Peter Lloyd O’Brien, Tho-
mas William Ebbern e Elias Ndevanjema Shikongo na qualidade de
membros do Conselho de Administração, pela infração ao artigo 154
da Lei n.° 6404/1976, por terem votado favoravelmente à aprovação do
Severance Package nas RCA de 22.01.2013 e 04.03.2013;
146 Art. 6° Ressalvada a hipótese de que trata o art. 7°, a SPS e a PFE elaborarão relatório, do qual deverão constar:
I - nome e qualificação dos acusados; II - narrativa dos fatos investigados que demonstre a materialidade das infrações
apuradas; III - análise de autoria das infrações apuradas, contendo a individualização da conduta dos acusados, fazendo-
se remissão expressa às provas que demonstrem sua participação nas infrações apuradas; IV - os dispositivos legais ou
regulamentares infringidos; V - proposta de comunicação a que se refere o art. 10, se for o caso; e VI - a indicação do rito a
ser observado no processo administrativo sancionador.
VI - Das Defesas
45. Em sua defesa, Milton Franke argumentou o seguinte (fls. 602 a 695):
(i) que o termo de acusação não teria apontado a materialidade das in-
frações apuradas, pois ele jamais teria exercido seu direito de indeni-
zação ou recebido qualquer valor referente ao Severance Package148 , o
que restaria demonstrado a partir dos termos do “Management Agre-
ement” celebrado com a Companhia em 22.11.2013, segundo os quais,
o acusado renunciaria a “a todo e qualquer entendimento anterior
mantido com a Companhia, incluindo o Severance Package” (fl. 614);
(ii) o art. 156 da Lei n° 6.404/76 deixaria claro que “auferir vantagem”
seria pressuposto essencial e condição sine qua non para a caracteri-
zação de conflito de interesse.. A mera expectativa de recebimento de
vantagem não seria suficiente para caracterizar o conflito de interesse149;
147 Art. 11. Para formular a acusação, as Superintendências e a PFE deverão ter diligenciado no sentido de obter
do investigado esclarecimentos sobre os fatos descritos no relatório ou no termo de acusação, conforme o caso. (...)
148 Milton Franke citou as seguintes frases do TA: ‘“Assim sendo, aparentemente, o direito à indenização prevista
no pacote continua válido” e “(...) as atas das reuniões (...) não continham qualquer menção sobre a natureza e a extensão
de seus interesses [dos conselheiros] na referida matéria” (fl 613) (grifo no original).
149 Citou voto do presidente Marcelo Trindade no âmbito do PAS CVM n° 2004/5494: “(...) Assim, não
surpreende que a lei preserve o negócio não lesivo, mesmo diante do descumprimento de uma regra de conduta, se o
descumprimento de tal regra não causou o dano que a lei, em verdade, quis evitar ao estatuir a própria regra. E as provas
mais contundentes no sentido de que evitar o dano é, na verdade, a finalidade da lei quando estabelece normas relativas ao
conflito de interesse são: (i) a redação do caput do art. 114, que somente considera abusivo o voto exercido ‘com o fim de
causar dano à companhia ou a outros acionistas', ou de obter ‘vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar,
prejuízo para a companhia'; e (ii) o teor do §3° do mesmo art. 115, que impõe ao acionista o dever de indenizar ‘ainda que
seu voto não haja prevalecido ” (grifos no original) (fl. 616).
150 Citou Tavares Borba (Direito Societário, 13a edição, Renovar, p. 426/427) e Alfredo Sérgio Lazzareschi Neto
(Lei das Sociedades por Ações Anotada, 4a Ed., São Paulo, Saraiva, 2012, p. 434).
151 A remuneração global dos administradores teria sido definida em R$44.321.000,00 na AGO de 29/04/2013 (fl. 619).
(v) adotando este critério, verifica-se que o Severance Package foi ela-
borado considerando os melhores interesses da Companhia (fl. 623);
46. Thomas Ebbern, Joseph Ash e Peter O’Brien apresentaram, em defesa conjunta, os
seguintes argumentos (fls. 696 a 876):
155 Citou exemplo da RCA realizada em 17/12/2012, que deliberou pelo pagamento de bônus aos executivos,
na qual os conselheiros independentes “de fato” teriam se oposto à aprovação, enquanto os demais teriam aprovado o
pagamento do bônus (fls. 702/703).
47. John Willot, William Fisher, Elia Shikongo e Carlos Gomes, em defesa conjunta
apresentada em 29.04.2014, argumentam que:
(ii) os defendentes não eram beneficiários desse pacote (que não era
destinado a membros do Conselho de Administração), portanto não
teriam qualquer interesse pessoal em aprová-lo. Uma das principais
motivações para a adoção do plano teria sido neutralizar os efeitos da
proposta de aquisição do controle da Companhia (“t mada hostil de
controle”)160 (fl. 597);
(iv) no caso da HRT, por ser uma Companhia sem controle definido
é que se teria incluído “uma cláusula de alteração da maioria (sic) dos
então membros do Conselho de Administração, o que era plenamen-
te adequado para as características específicas da Companhia”, pois
a alteração da maioria dos antigos membros do Conselho de Admi-
nistração “poderia levar a uma alteração drástica nas conduções do
negócio da Companhia” (fl. 892) Para companhias com essa compo-
sição societária, a alteração significativa na composição do Conselho
de Administração poderia ser considerada alteração de controle161;
161 Citou trechos de dois Severance Packages de companhias estrangeiras, dos quais se entende que a troca da
maioria dos membros do Conselho de Administração configuraria troca de controle (fls. 892/893);
162 Citou trecho Severance Package no qual se lê: “The Severance benefits are payable if a named executive officer
is terminated or resigns for good reason” (fl. 894).
163 Embora C.L.P.. tenha alegado que não aprovou o pacote (fls. 902/903).
164 Citou o voto do diretor Otávio Yazbek no âmbito do PAS RJ2008/4857, parágrafos 30 e 31 e entendimento de
Nelson Eizirik, em A Lei das S/A Comentada, vol. II, São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 361) (fls. 906/907).
165 Citou Luiz Antonio de Sampaio Campos em Direito das Companhia, páginas 1200/1201 (fls. 907/908).
166 Citou o voto do Diretor Pedro Marcílio no âmbito do PAS RJ2005/1443 e da Diretora Ana Novaes no âmbito
do PAS RJ2008/9574 (fls. 908 a 912).
(vi) na RCA de 22.01.2013, o plano foi aprovado por dez entre os onze
dos conselheiros de administração, o que demonstraria que o voto do
defendente não seria determinante para a aprovação do instrumento.
Tal decisão teria sido confirmada na RCA de 04.03.2013 em que todos
os membros do Conselho teriam aprovado o Severance Package e assi-
nado o memorando de entendimentos com as minutas dos instrumen-
tos. Por sua vez, no momento da deliberação sobre o acionamento do
gatilho do Severance Package (RCA de 10.05.2013), o defendente teria
se abstido de votar;
(ix) para que o art. 156 da Lei n° 6.404/76 pudesse ser aplicado, seria
fundamental a demonstração da existência de conflito, contraposição
entre os interesses do administrador e os da Companhia169
49. Marcio Mello apresentou defesa semelhante à de Wagner Peres, com os seguintes
pontos adicionais (fls. 1132 a 1312):
(ii) sua renúncia teria sido motivada exclusivamente pela troca de con-
trole que decorreu da alteração de três dos conselheiros de admini-
stração da Companhia, o que, a seu ver, inviabilizaria o pleno exercício
de seu mandato, como teria ficado demonstrado na primeira reunião
do Conselho de Administração que se seguiu a AGO de 29.04.2013,
realizada nos dias 09 e 10.05.2013, em que teria ocorrido “um verda-
deiro bombardeio pelos novos membros do conselho de administração
aos principais projetos que vinham sendo levados a efeito pela HRTP”
(grifos no original) (fl. 1166); e
51. Os termos de compromisso apresentados por Marcio Mello, Wagner Peres, Milton
Franke, John Willot, William Fisher, Elia Shikongo e Carlos Gomes foram analisados em
processo apartado (Proc. RJ2014/6823) e apreciados pelo Colegiado que, acompanhando
as decisões da PFE e da SGE, rejeitou-os em sessão de 14.06.2016 (fls. 1493 a 1494).
53. Por meio de despacho de 29.07.2016 (fls. 1500/1501), foi deferido o pedido de pro-
dução de provas formulado por Joseph Ash, Peter O’Brien e Thomas Ebbern em suas
defesas, referente à apresentação pela Companhia dos seguintes documentos: (i) pa-
receres de escritórios de advocacia que teriam, na época dos fatos, analisado questões
relacionadas ao Severance Package; (ii) a proposta de aquisição do controle da HRT
formulada por empresa concorrente; e (iii) as gravações de áudio das RCAs que tra-
taram do Severance Package, notadamente as RCAs de 22.01.2013 e 04 e 05.03.2013.
54. Também foi deferido o pedido de depoimento pessoal dos defendentes. Por meio
de despacho de 24.08.2016, foi indeferido o pedido de Peter O’Brien de adiamento de
seu depoimento, tendo sido, no entanto, facultado aos defendentes a possibilidade de
apresentarem manifestação por escrito (fl. 1525).
56. Também foram enviados arquivos de áudio das reuniões do Conselho de Ad-
ministração da HRT dos dias 22/01/2013, 04 e 05/03/2013, 09/04/2013, 23/04/2013,
29/04/2013, 09 e 10/05/2013, 14/06/2013, 27 e 28/06/2013 e 16/07/2013.
57. Em 12.09.2016, Joseph Ash protocolou depoimento escrito (com tradução jura-
mentada do idioma inglês) (fls. 1540 a 1549), no qual afirmou que:
58. Thomas Ebbern também protocolou depoimento escrito (com tradução juramen-
tada do idioma inglês) (fls. 1550 a 1559), no qual afirmou, em resumo, que:
59. Diante das gravações apresentadas pela Companhia, foi solicitado à SEP a veri-
ficação da existência de transcrições do seu conteúdo173. Nesse sentido, foram iden-
tificadas transcrições juntadas nos autos do PAS CVM n° RJ2014/8013174, tendo sido
solicitado ao diretor relator do referido processo, Roberto Tadeu, o translado das
respectivas folhas, em especial das partes indicadas pela SEP175. Tais páginas foram
anexadas aos autos em 11/10/2016 (fls. 1571 a 1601).
61. Em 07.02.2017, os acusados foram informados sobre (i) a juntada de novos docu-
mentos aos autos (vide itens 52-58); e (ii) a nova definição jurídica dos fatos, tendo
(vi) no que diz respeito aos casos de redefinição jurídica dos fatos, um
levantamento feito teria demonstrado que em cerca de 80% dos casos
em que houve redefinição jurídica, o Colegiado teria condenado os
acusados (tabela à fl. 1703)
178 Citou MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo: princípios constitucionais e a lei 9.874/1999.
3 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.120. e NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade Nery. Comentários ao
código de processo civil. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
(x) tal premissa não se sustentaria, uma vez que os membros do Con-
selho de Administração à época tinham visões para a Companhia
muito diferentes, tendo, inclusive, protagonizado fortes embates na
reuniões do Conselho. Logo, não haveria razão para que eles votassem
a favor do Severance Package somente para beneficiar Marcio Mello e
Wagner Peres.
(xii) outra prova de que não teria havido conluio entre os conselhei-
ros seriam as extensas e acaloradas discussões durante as reuniões do
Conselho de Administração, conforme descrições das gravações às
folhas 1571 a 1601;
63. Em 22.03.2017, Milton Franke apresentou nova defesa, nos seguintes principais
termos (fls. 1743 a 1768):
(i) o acusado teria sido o único diretor que, mesmo tendo o direito
ao Severance Package, teria deixado de exercê-lo, permanecendo na
HRT e assumindo a posição de Diretor Presidente após a renúncia de
Márcio Mello;
(ii) deve-se avaliar o contexto em que o plano foi proposto para que se
aplique a business judgement rule e para que a autarquia não ingresse
no mérito da decisão ou avalie a sua qualidade das decisões tomadas
de boa-fé;
(v) tal aprovação também não poderia ser considerada ato de liberali-
dade, uma vez que além de ter se beneficiado com a retenção de profis-
sionais estratégicos e evitado perdas diárias no projeto da Namíbia, a
180 Dito de outro modo, seria necessário que a área técnica comprovasse a ocorrência de dolo ou fraude na
aprovação do Severance Package
Gustavo Borba
Diretor-Relator
I. Síntese
§9º Serão considerados, na aplicação de penalidades previstas na lei, o arrependimento eficaz e o arrependimento
posterior ou a circunstância de qualquer pessoa, espontaneamente, confessar ilícito ou prestar informações relativas à sua
materialidade.
185 Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e
no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.
186 Na defesa conjunta apresentada por John Willot, Carlos Gomes, Elia Shikongo e William Fisher foram
apresentados, ainda, alguns exemplos de companhias abertas brasileiras que adotariam instrumentos de severance
agreement. Nesse sentido, ressalta-se que, de acordo com as últimas versões dos formulários de referência disponibilizadas
pelas companhias mo sistema IPE, dentre as dez companhias mencionadas, (i) três informam não estar em vigência
quaisquer “instrumentos que estruturem mecanismos de remuneração ou indenização para os administradores em caso
de destituição do cargo ou de aposentadoria”; (ii) quatro divulgam instrumento de indenização vinculado à rescisão do
contrato sem justa causa, isto é, por iniciativa da Companhia; e (iii) outras três associam o pagamento de indenização por
desligamento da Companhia a verificação de dois requisitos (a) a ocorrência de uma mudança no controle acionário; e (b)
a rescisão ou alteração do contrato de trabalho em razão desta mudança na estrutura societária. Acesso em 22.08.2017.
Verifica-se, portanto, que também no caso das companhias abertas brasileiras citadas pelos acusados, não há nenhuma que
adote de severance agreement com condições semelhante às aprovadas pela HRT.
4. Dito isso, creio ser fundamental, para a correta análise do caso concreto, que se
considerem as diferenças existentes entre o ordenamento jurídico brasileiro e o orde-
namento jurídico norte-americano no que diz respeito à competência e à discriciona-
riedade conferida aos órgãos da administração para determinar a remuneração dos
administradores.
6. O sistema jurídico brasileiro, por sua vez, privilegia a Assembleia Geral como órg-
ão máximo competente para fixar a remuneração, individual ou global, dos admi-
nistradores, bem como quaisquer outros benefícios e verbas de representação a que
estes façam jus, nos termos do art. 152, caput, da Lei n° 6.404/76190.
187 Em 25 de janeiro de 2011, a Securities and Exchange Comission (SEC) passou a exigir das companhias
abertas a adoção de um procedimento de votação, conhecido como Say on Pay, a partir do qual os acionistas, de posse das
informações divulgadas pela companhia acerca da remuneração dos principais administradores (named executive officers),
manifestariam a sua aprovação ou discordância quanto à política de remuneração adotada pela Companhia. Ainda que tal
votação não vincule a administração, ela deverá ser realizada em uma periodicidade de até 3 (três) anos e o seu resultado
deverá ser divulgado pela companhia em suas informações periódicas. Ressalta-se que a nova regulamentação adotada pela
SEC exige ainda que os acionistas se manifestem sobre eventual instrumento de golden parachute adotado pela companhia.
188 Também no que diz respeito a ofertas públicas de aquisição de ações, o sistema norte-americano confere
amplos poderes ao Conselho de Administração, a quem competirá não somente avaliar a oportunidade e a conveniência
da oferta pública apresentada, como também utilizar medidas defensivas para afastar a investida dos ofertantes. Caso o
Conselho de Administração esteja de acordo com os termos da oferta pública, a decisão de aceitar ou rejeitar a oferta
passará aos acionistas. Por sua vez, caso os administradores não estejam de acordo com a proposta apresentada, poderão
rejeitá-la de imediato e utilizar táticas defensivas contra tais ofertas. Esta seria a principal diferença do sistema norte
americano quando comparado ao sistema europeu, visto que, de acordo com as orientações da Diretiva 2004/25/CE, a
atuação dos órgãos da administração deve ser pautada pela neutralidade diante da oferta, cabendo aos acionistas a decisão
sobre a venda de suas ações. Desse modo, em regra, a aplicação de medidas defensivas à oferta deve ser previamente
autorizada pelos acionistas. Nesse sentido, vide Coutinho, Letícia de Faria Lima. “Aquisição de controle de companhia de
capital pulverizado”. Coimbra: Almedina, 2013. pp. 51-56.
189 Tal como exposto pelo Ex-Diretor da CVM Marcos Pinto em sua dissertação de mestrado acerca da “Relação
entre dispersão acionária e remuneração dos administradores de companhias abertas”, defendida junto à Escola de Pós
Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas em 2011, “na medida em que a propriedade acionária se torna mais
dispersa, os administradores adquirem maior influência sobre a determinação de sua própria remuneração. (,,,) Quando
a companhia deixa de ter um acionista majoritário, esse controle se torna mais difícil e os administradores acabam, no
limite, por fixar a própria remuneração” (fl. 10). O autor acrescenta ainda que, “esse problema é exacerbado em países que,
como os Estados Unidos, conferem amplos poderes ao conselho de administração para determinar a compensação dos
executivos”(fl. 11). Disponível em http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/8929.
190 “Art. 152. A assembléia-geral fixará o montante global ou individual da remuneração dos administradores,
inclusive benefícios de qualquer natureza e verbas de representação, tendo em conta suas responsabilidades, o tempo dedicado
às suas funções, sua competência e reputação profissional e o valor dos seus serviços no mercado. ( )” (g.n.)
8. Importante salientar que o art. 152 da Lei n° 6.404/76 é explicito no sentido de que
não apenas a remuneração strictu sensu, como também os “benefícios de qualquer
natureza” devem ser fixados pela Assembleia Geral ou estar abrangidos pelo teto re-
muneratório por ela estabelecido. As alterações promovidas pela Lei n° 9.457/97 tive-
ram justamente o objetivo de deixar isso claro, de modo a afastar dúvidas quanto à
obrigação legal de que qualquer benefício pecuniário conferido aos administradores
deve estar em sintonia com a decisão assemblear sobre o tema.
10. Esclareço que essa breve exposição sobre as diferenças entre os ordenamentos juríd-
icos brasileiro e norte-americano tem o objetivo de demonstrar que o fato de instru-
mentos de severance agreement serem habitualmente adotados pelos boards of direc-
tors de companhias norte-americanas ou, ainda, as suas características serem objeto
de decisões judiciais estrangeiras pouco contribui para esclarecer a adequação do Se-
verance Package em discussão às normas previstas na legislação societária nacional.
11. Ademais, afigura-se importante ressaltar que não está em análise, no presente
processo, a legalidade genérica desse tipo de pacote de benefícios frente ao ordena-
mento jurídico nacional, mas sim as condutas dos acusados durante o processo de
aprovação do Severance Package, bem como as características específicas desse paco-
te de benefícios em particular.
12. As ressalvas apresentadas no capítulo anterior são essenciais para que se possa
analisar as alegações formuladas por alguns dos acusados no sentido de que a instau-
ração do presente processo decorreria da ausência de familiaridade da área técnica
da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) com a estrutura e as condições usual-
mente empregadas em instrumentos de severance agreement.
191 Aproveito para esclarecer que, não obstante a proposta por mim apresentada ao Colegiado desta CVM no
sentido de incluir na recapitulação jurídica dos fatos suposta infração ao art. 152, caput, da Lei n° 6.404/76, tal entendimento
foi rejeitado pela maioria do Colegiado, de forma que não é objeto do presente processo a observância pelos conselheiros
dos limites máximos de remuneração fixados pela assembleia geral ordinária realizada em 29.04.2013.
16. Por essa razão, ao avaliar o processo de elaboração do Severance Package, bem
como as condições finais aprovadas pelo Conselho de Administração da HRT, de-
ve-se ter em mente não somente os deveres impostos pelo ordenamento jurídico bra-
sileiro, em especial o dever de agir no interesse social, como também os motivos
declarados pela Administração como determinantes para a aprovação do Severance
Package, notadamente o propósito de manter executivos estratégicos durante um
período de instabilidade da Companhia.
192 Em determinadas circunstâncias de instabilidade, tal como a maior exposição da companhia a uma eventual
tomada hostil de controle, a adoção de um instrumento de severance agreement pode proporcionar um efeito estabilizador,
uma vez que oferece um incentivo financeiro a determinados profissionais estratégicos para que estes enfrentem o risco de
serem demitidos e não antecipem a sua demissão. Isso porque, em um cenário de incerteza quanto à manutenção de seus
cargos, a tendência natural é que tais profissionais busquem oportunidades em outras companhias, de modo a evitar uma
eventual demissão futura.
193 Nesse sentido, vide “Mansi, Sattar and Wald, John K. and Zhang, Andrew (Jianzhong), Severance Agreements
and the Cost of Debt (26 de Julho de 2016). Disponível em SSRN: https://ssm.com/abstract=2228300 or http://dx.doi.
org/10.2139/ssm.2228300”; e “Fluharty-Jaidee, Jonathan Thomas, Ex-Post Incentives of CEO Compensation: Modeling
the Risk-Taking Incentives of CEOs Paid with Severance (18 de Janeiro de 2017). Disponível no SSRN: https://ssrn.com/
abstract=2897602“. Os estudos desenvolvidos pelos citados autores demonstram a existência, em determinados casos, de
uma relação entre a adoção de instrumentos de severance agreements e a gestão de risco no processo de tomada de decisão
por administradores. Neste contexto, tais instrumentos seriam utilizados pelas companhias como forma de solucionar
problemas de administração, incluindo a conduta “avessa a riscos” manifestada por determinados administradores que,
na gestão das atividades sociais, optam por decisões mais confortáveis e menos expostas aos riscos negociais, de modo a
assegurar a manutenção de suas posições na administração da companhia.
18. Feitas essas considerações iniciais, passo a analisar o objeto do presente processo.
III. PRELIMINARES
19. Os acusados Marcio Mello e Wagner Peres requereram a tomada dos depoimen-
tos pessoais de dois profissionais atuantes no setor de exploração de petróleo e um
terceiro profissional identificado como antigo gerente de RH da HRT América (fls.
1693-1712).
20. Na palavra dos acusados, a produção desta prova oral teria por objetivo demon-
strar “o integral comprometimento e dedicação dos Defendentes em relação ao suces-
so da Companhia”, bem como “o contexto de instabilidade interna que contaminou
a Companhia e a eficácia do Severance Package em reter os seus beneficiários” (fl.
1712). Afora esta justificativa, não foram apresentados esclarecimentos adicionais
acerca da relevância de tais depoimentos para a apreciação e julgamento do mérito
do presente processo.
21. Diante dos fundamentos que embasaram o referido pedido, entendo ser desne-
cessária a produção da prova oral requerida, pois não está em análise neste processo o
desempenho dos acusados como administradores da HRT ou mesmo a sua dedicação
às atividades sociais, de forma que o depoimento pessoal de um profissional alheio
aos assuntos internos da Companhia seria impertinente para o esclarecimento do
processo de tomada de decisão que culminou com a aprovação do Severance Package.
22. No que diz respeito ao contexto que precedeu à aprovação deste pacote e sua efi-
cácia como instrumento de retenção de profissionais estratégicos, entendo que tais
informações foram exaustivamente abordadas nas manifestações prestadas ao longo
da fase de instrução, bem como nas defesas apresentadas pelos acusados, razão pela
qual considero desnecessária a colheita dessa prova oral.
23. Diante do exposto, voto pelo indeferimento do pedido de prova oral formulado
por Marcio Mello e Wagner Peres.
24. Quanto à alegação apresentada por Milton Franke de que o Termo de Acusação
seria inepto em virtude da ausência de comprovação de que o acusado teria recebido
ou ainda faria jus ao benefício da indenização ajustada no Severance Package (fls.
IV. MÉRITO
28. Na visão da área técnica, da forma como aprovado, o Severance Package teria
conferido “contornos de blindagem” (fl. 442) à Administração da Companhia, uma
vez que o pagamento da indenização não estaria condicionado a uma alteração sub-
stancial na composição do Conselho de Administração que pudesse comprometer a
formação da maioria nas deliberações do órgão e, por conseguinte, alterar a orien-
tação dos negócios sociais.
29. Acrescenta a área técnica que, muito embora a justificativa apresentada para apro-
vação do Severance Package fosse a retenção de profissionais estratégicos, tal instru-
mento, nos termos como foi ajustado, atuaria como “plano de incentivo à demissão
voluntária” (fl. 446), visto que a indenização seria devida ainda que o desligamento
da Companhia se desse por iniciativa do próprio Administrador.
30. Acrescenta a SEP que a decisão de não divulgar aos acionistas as informações
detalhadas do Severance Package, especialmente as hipóteses de disparo e as conse-
quências financeiras que potencialmente poderiam advir de eventual não reeleição
dos administradores, inviabilizaria o declarado propósito de estabilizar a Admini-
194 A recapitulação jurídica dos fatos objeto do presente processo foi analisada inicialmente na reunião do
Colegiado realizada em 25.10.2016. Contudo, em razão dos pedidos de vista do Diretor Pablo Renteria, nesta data, e
posteriormente, do Diretor Henrique Machado em 17.01.2017, a deliberação final acerca da matéria foi tomada em reunião
de 31.01.2017 (fls. 1658-1661).
31. Antes de analisar a conduta dos acusados, cumpre destacar que, ao fixar os deve-
res e obrigações a serem observados pelos administradores no exercício de suas ativi-
dades, o legislador optou por estabelecer standards gerais, isto é, padrões de conduta
construídos a partir de conceitos genéricos cuja definição se amolda às peculiarida-
des de cada caso.
32. Nesse sentido, o art. 154 da Lei n° 6.404/76195, que fundamenta a acusação, esta-
belece os interesses que devem orientar a atuação dos administradores na gestão
da companhia196. Exige-se do Administrador que suas decisões na condução dos
negócios sociais sejam tomadas sempre considerando o melhor interesse da com-
panhia, o qual deverá se sobrepor não somente aos interesses particulares do próprio
Administrador como também aos interesses de quem o tenha elegido.
36. Isso porque a atuação do Regulador, ao avaliar determinada decisão negocial, en-
volve grande complexidade e riscos muito maiores, tanto que, a depender do grau
de interferência, o julgador poderá desencorajar a tomada de decisões arriscadas e
desestimular o ingresso de profissionais especializados nos cargos de administração
das companhias abertas. Soma-se a isso o fato de que as circunstâncias e as infor-
mações disponíveis no momento da tomada de decisão são muito distintas daquelas
existentes no momento da avaliação do julgador, o que impõe extremo cuidado e
parcimônia nessa análise posterior197.
195 “Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e
no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.”
196 Como expõe Flávia Parente, “o interesse social representa o limite da discricionariedade atribuída aos
administradores em relação à condução dos negócios sociais” (O dever de diligência dos administradores de sociedades
anônimas. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 135)
197 Ainda no que diz respeito às limitações impostas à avaliação do julgador, destaco o seguinte trecho da
manifestação de voto que proferi no âmbito do PAS CVM n° RJ2014/5099, j. em 15.03.2016: “A CVM deve, portanto,
adotar a postura de máxima deferência quanto à decisão dos órgãos sociais pertinentes à remuneração dos administradores,
39. Desse modo, confere-se proteção à decisão negocial, limitando a responsabilidade dos
administradores que participaram da tomada de decisão às situações em que se possa de-
monstrar que eles agiram com falta de diligência, má-fé ou contra os interesses sociais202.
42. Conforme exposto na decisão de recapitulação jurídica dos fatos (fls. 1.6341.643
e 1.653-1.654), não havia, no caso, impedimento de voto dos Conselheiros que eram
apenas se admitindo a análise de eventuais excessos remuneratórios, mesmo assim com muita parcimônia, em situações em
que o abuso de poder se apresenta de forma realmente flagrante, inequívoca, injustificável e manifesta”.
198 PAS CVM n° 08/05, Rel. Eli Loria, j. em 12.12.2007; PAS CVM n° 21/04, Rel. Pedro Oliva Marcilio, j. em
15.05.2007; PAS CVM RJ2007/4776, Rel. Eli Loria, j. em 12.03.2008; PAS CVM n° 09/2006, Rel. Ana Novaes, j. em
05.03.2013.
199 TJSP, Apelação Cível n° 543.194-4/9-00, Rel. Des. Vito Guglielmi, São Paulo, j. em 11.12.2008.
200 PAS CVM n° 03/02, Rel. Norma Jonssen Parente, j. em 12.02.2004; PAS CVM n° RJ2008/9574, Rel. Ana
Novaes, j. em 27.11.2012; e PAS CVM n° RJ2005/1443, Rel. Pedro Oliva Marcilio, j. em 10.05.2006.
201 Nos termos expostos nas considerações iniciais deste voto, o presente processo não tem por objetivo analisar
a conduta dos acusados à luz do disposto no artigo 152, caput, da Lei n° 6.404/76. Desse modo, ao analisar as infrações
imputadas aos acusados pela área técnica desta CVM, adoto como pressuposto que a atuação dos membros do conselho de
administração da HRT se deu nos limites de discricionariedade conferidos pela legislação societária e pelo estatuto social
da Companhia, não se tratando, portanto, de ato ilegal ou ultra vires.
202 Nesse sentido, em sua obra “A administração de Companhias e a Business Judgment Rule” (2017), Pedro
Henrique Castello Brigagão afirma que “Enquanto não houver indicativos de que a conduta do administrador se incumbiu
de má-fé, falta de diligência ou desrespeito aos interesses sociais, tanto ele quanto a sua decisão manter-se-ão intactos e
protegidos pela business judgment rule” (p. 120).
43. Assim, durante o processo decisório, exige-se desses conselheiros cautela redo-
brada de modo a assegurar que os seus interesses particulares não influenciem o pro-
cesso decisório de modo a relegar para segundo plano os interesses da companhia.
45. Esclareço que, muito embora se trate de uma decisão tomada por um órgão co-
legiado, composto em maioria por conselheiros supostamente independentes, e, a
princípio, desinteressados, a situação e a conduta de cada um dos membros do Con-
selho de Administração da HRT durante o processo decisório que antecedeu a apro-
vação do Severance Package revelaram-se muito distintas. Assim, tendo em vista as
circunstâncias específicas deste processo, as quais serão demonstradas ao longo deste
voto, entendo que o mais adequado é avaliar caso a caso a participação de cada um
dos acusados nas discussões relacionadas ao Severance Package.
46. No entanto, antes de passar a análise da conduta individual dos conselheiros, re-
sgato rapidamente a cronologia dos eventos envolvendo a aprovação do referido plano.
47. Conforme se verifica a partir das manifestações dos acusados, a possibilidade de ce-
lebração de instrumento de proteção a profissionais ligados à HRT teria sido objeto de
discussão entre os conselheiros Joseph Ash e Wagner Peres no final de dezembro de 2012.
48. Logo em seguida, em 08 de janeiro de 2013, o assunto foi discutido entre Joseph
Ash e Marcio Mello, que, nesta ocasião, teria informado que a administração executi-
va da Companhia, em conjunto com os departamentos de recursos humanos e juríd-
ico, já estaria conduzindo estudos sobre um pacote de indenizações a ser apresentado
ao Conselho de Administração.
49. Em 18 de janeiro de 2013, uma primeira minuta do pacote teria sido encaminhada
aos conselheiros.
51. Compulsando os autos, verifica-se que, nos dias que precederam a primeira reu-
nião do Conselho de Administração que deliberou sobre o Severance Package, após
o envio da minuta preliminar do plano, foram trocados e-mails entre os conselheiros
sobre o assunto. Nesse sentido, em 18 de janeiro de 2013, Charles Pütz teria enca-
minhado e-mail a Joseph Ash tratando do “pacote de indenizações” e demonstrando
a sua preocupação com a questão da mudança de controle abordada na proposta.
52. Por sua vez, em 19 de janeiro, Joseph Ash teria encaminhado e-mail a Charles
Putz e Thomas Ebbern demonstrando a sua surpresa com as condições constantes na
minuta circulada, nos termos que transcrevo a seguir:
“vou ter de comunicar a Marcio quão confuso eu estou que uma sugestão
para proporcionar segurança frente a uma mudança de controle, em troca
de garantir que as decisões sejam tomadas no melhor interesse da HRT
tenha se transformado em uma disputa de dinheiro e potencial destituição
de uma empresa” (fl. 852).
53. Da mesma forma, em 21.01.2013, Peter O’Brien teria encaminhado e-mail aos
membros do Conselho de Administração suscitando questionamentos sobre deter-
minadas condições ajustadas na primeira minuta do severance agreement (fls. 846-
851). Nesse sentido, cumpre destacar os seguintes trechos do referido e-mail, em tra-
dução livre:
“Eu não acredito que o pacote proposto passou pelo Comitê de Remuneração,
e sinto fortemente que deveria ser ao menos revisado, e idealmente, aprovado
primeiramente pelo Comitê, e posteriormente ser apresentado ao Conselho
de Administração com a visão do Comitê de Remuneração, informações
comparadas e a versão do acordo propostos. (...)
2) Nós sabemos há algum tempo que a HRT deve separar as funções do Presidente do
Conselho e Diretor Presidente para se adequar as regras brasileiras, e que esta regra
deve ser cumprida até maio de 2014. Eu estou confiante de que o Novo Mercado/Re-
gulador brasileiro não pretendeu que esta solicitação fosse usada pela administração
para negociar Golden Parachute. (...) Na minha opinião, a alta administração não
deveria receber remuneração adicional se o Marcio permanecer como presidente do
conselho de administração, mas houver um novo CEO com quem o membro do Se-
nior Management não queira trabalhar. E certamente, não se eles decidirem renun-
ciar por conta própria.
56. Em desacordo com a proposta apresentada, Joseph Ash, Thomas Ebbern, Peter
O’Brien, Charles Putz, John Willot e William Fisher teriam se reunido separadamen-
te e apresentado contraproposta (fls. 245 e 246).
58. Segundo as manifestações de Charles Putz, Thomas Ebbern e Joseph Ash, durante
as negociações do Severance Package na reunião de 22.01.2013, Marcio Mello e Wa-
gner Peres teriam afirmado expressamente que não trabalhariam em um ambiente de
conflito dentro do Conselho de Administração.
59. Além disso, tanto Marcio Mello quanto Wagner Peres teriam declarado que, caso
viessem a se retirar da Companhia, os profissionais que os acompanhavam desde
o início também sairiam. Nesse sentido, destaco os seguintes trechos das manife-
stações destes conselheiros:
60. Após intensas discussões, ao final da reunião, teria sido adotada soiução conci-
liatória e aprovados os termos gerais a serem refletidos no instrumento de Severance
Package, no sentido de restringir a hipótese de acionanento do plano a não eleição dos
antigos nenbros do Conselho de Administração, bem como reduzir o valor da inde-
nização devida ao diretor presidente de 4 (quatro) para 3 (três) vezes o valor da sua
renuneração anual global (fixa e variável). Teria sido incluída, ainda, a previsão de
obrigação de não competição e não solicitação por parte dos beneficiários do plano203.
62. Em 04.03.2013, foi aprovada a minuta final do Severance Package, nas não
sem antes ter se verificado una nova rodada de discussões entre os conseiheiros acer-
ca das condições do piano.
203 A indenização ajustada no Severance Package abarcaria tanbén a contraprestação as obrigações de não
conpetição e não soiicitação. Contudo, ressaita-se que, quando conparada à indenização fixada nos Instrumentos de Não
Competição ceiebrados anteriornente por aiguns dos adninistradores da HRT, notadanente Marcio Meiio e Wagner Peres,
o vaior ajustado no Severance Package seria consideraveinente naior, una vez que considerava não “a última remuneração
mensal” recebida pelo administrador, tal como no Instrumento de Não Competição, mas sim a “Remuneração Total Anual”,
que considerava não sonente a renuneração nensai, cono tanbén o bônus anuai percebido peio adninistrador.
65. Outra questão intensamente debatida nesta ocasião foi a divulgação aos acioni-
stas dos termos do Severance Package. Conforme descrito na transcrição dos diálogos
mantidos nesta reunião, verifica-se que, na visão dos conselheiros Peter O’Brien e
Charles Putz, ao deliberarem a eleição dos membros do Conselho de Admini-
stração na Assembleia Geral ordinária marcada para o dia 29.04.2013, os acionistas
deveriam ter conhecimento que uma eventual alteração na composição do órgão im-
portaria em obrigação pecuniária substancial para a Companhia.
66. Diante da manifestação contrária de Marcio Mello, Peter O’Brien solicitou a apre-
sentação de opinião legal atestando não ser necessário divulgar aos acionistas as con-
dições do Severance Package.
68. Nos termos da defesa de Joseph Ash, Thomas Ebbern e Peter O’Brien, o referido
parecer, datado de 19.04.2013 (fls. 1614-1616), só teria sido apresentado aos conselheiros
em 24.04.2013, dias antes da Assembleia Geral, e, ainda assim, em português (fl. 716)204.
69. Ao elaborar a proposta da administração a ser apresentada aos acionistas para vo-
tação na Assembleia Geral, a administração da HRT, amparada pelo referido parecer
legal, limitou-se a incluir referências genéricas ao Severance Package (valor estimado de
indenização), sem qualquer menção às hipóteses de acionamento do plano.
70. O teor do Severance Package também não teria sido divulgado por meio do For-
mulário de Referência da HRT até a versão apresentada à CVM em 31.05.2013, isto é,
posteriormente à Assembleia Geral Ordinária e à reunião do Conselho de Admini-
stração de 10.05.2013 que reconheceu o acionamento do pacote.
204 A versão em inglês do parecer jurídico só teria sido encaminhada aos conselheiros por e-mail em 29.04.2013,
isto é, na data de realização da assembleia geral ordinária da HRT.
72. Apresentado o panorama geral dos eventos que culminaram com a aprovação do
Severance Package, em linha com as considerações apresentadas no início deste voto,
acredito ser também fundamental para a adequada compreensão da conduta dos acu-
sados a análise de algumas circunstâncias existentes à época dos fatos.
73. Em primeiro lugar, tal como exposto detalhada e reiteradamente nas defesas, a
HRT, à época da aprovação do Severance Package, enfrentava um momento de crise
de credibilidade frente ao mercado e a seus acionistas, visto que a expectativa divul-
gada pela Companhia, por ocasião de seu IPO, quanto às acumulações de petróleo
na Bacia de Solimões, não se concretizou, o que teria influenciado a percepção do
mercado quanto ao desempenho da Companhia e, por conseguinte, provocado queda
substancial no preço das ações.
76. Além disso, face às exigências impostas pelo Novo Mercado, no sentido de que os
cargos de Presidente do Conselho de Administração e Diretor Presidente não fossem
ocupados pela mesma pessoa, percebe-se que a alteração no comando da HRT era
inevitável e deveria ser conduzida até o início de 2014, razão pela qual, de acordo com
as manifestações dos acusados, já havido sido formado comitê para discutir a indi-
cação de um novo nome para ocupar o cargo de Diretor Presidente da Companhia.
78. Diante do exposto, considero importante reiterar que não está em discussão a
conveniência da aprovação do Severance Package. Não há dúvida quanto ao cenário
de instabilidade enfrentado pela Companhia ou quanto à adoção de instrumentos
de severance agreement como mecanismos de retenção de profissionais estratégicos.
80. A discussão, portanto, limita-se à regra aplicável ao Senior Management, que con-
feria a possibilidade de o administrador retirar-se da Companhia voluntariamente
com direito ao recebimento de indenização em caso de alteração do Conselho de
Administração205.
81. Diante do contexto geral exposto até aqui, pode-se já concluir que a decisão do
Conselho de Administração de aprovar o Severance Package foi tomada de maneira
informada e refletida, haja vista as inúmeras discussões travadas ao longo de dois me-
ses, seja no âmbito das reuniões do Conselho de Administração, seja via correspon-
dências trocadas entre os conselheiros ou, ainda, a partir das considerações expostas
pelo comitê de remuneração.
83. A princípio, em se tratando de decisão negocial tomada por órgão colegiado compo-
sto por maioria de conselheiros independentes, seria razoável presumir que, ai da que
houvesse interesses particulares de alguns membros do Conselho na matéria em delibe-
ração, a decisão final refletiria o entendimento dos conselheiros independentes do que
205 De acordo com os resultados da pesquisa realizada pelo Hay Group Limited a pedido da administração da
HRT (fls. 935-940), normalmente, os instrumentos de severance agreement em caso de alteração do controle são acionados
mediante a verificação simultânea de duas condições: (i) modificação no poder de controle; e (ii) alteração na “relação de
trabalho”. Por sua vez, seriam muito pouco comuns as hipóteses de severance agreement cujo acionamento dependesse da
verificação de uma única condição, a alteração do controle.
84. Desse modo, em razão das circunstâncias específicas deste caso, passo a analisar a
conduta de cada um dos acusados à luz da sua efetiva participação na negociação do
Severance Package e de seu eventual interesse particular na matéria.
85. Nessa linha, o grupo I seria composto por Marcio Mello, Wagner Peres e Milton
Franke, conselheiros integrantes do Senior Management e beneficiários do Severance
Package. O grupo II seria formado por Joseph Ash, Thomas Ebbern e Peter O’Brien,
conselheiros independentes eleitos no final de 2012. Por fim, o grupo III seria com-
posto por John Willot, William Fisher, Carlos Gomes e Elia Shikongo, conselheiros
possivelmente ligados à administração da HRT, mas que não eram beneficiários di-
retos do plano.
86. Com relação à participação de Marcio Mello, Wagner Peres e Milton Franke, con-
stata-se que tais conselheiros tinham um interesse direto na aprovação do Severance
Package, visto que figuravam na lista de beneficiários do plano como integrantes do
Senior Management, tanto que receberiam a indenização caso decidissem sair por
vontade própria dos cargos ocupados na diretoria da HRT, bastando, para tanto, que
a proposta da administração para composição do Conselho de Administração não
fosse integralmente acolhida pela Assembleia Geral da Companhia.
87. Esclareça-se, inicialmente, que, conforme decidido pelo Colegiado quando da re-
capitulação jurídica dos fatos (fls. 1632-1643), a existência de interesse particular na
matéria por parte dos acusados do Grupo I não importou em impedimento formal
de voto, conforme fundamentação da decisão que se encontra transcrita nos itens 60
e 61 do relatório.
88. Em síntese, entendeu-se que como a legislação societária autoriza a participação dos
administradores na fixação de sua remuneração específica e considerando que as regras
de impedimento de voto devem ser interpretadas restritivamente, concluiu-se, quando
da recapitulação jurídica dos fatos, que não havia impeditivo formal para que eles deli-
berassem sobre a celebração de instrumentos de remuneração indireta.
206 Nesse sentido, vide a manifestação de voto do Ex-Diretor Marcos Pinto no âmbito do PAS CVM n°
RJ2007/4476, Dir. Rel. Eli Loria, j. em 12.03.2008, na qual esclareceu que: '“Não custa lembrar - pois os controladores
costumam esquecer - que a business judgement rule, acatada em diversos precedentes desta autarquia, também vale para os
administradores independentes ou eleitos pelos acionistas minoritários. Digo mais: ela vale com mais força para eles”.
90. Em analogia ao §1° do art. 156 da Lei n° 6.404/76, entendo que, da mesma forma
que um negócio celebrado entre a sociedade e o administrador pode ser realizado
desde que as suas bases sejam razoáveis e equitativas, a participação do conselheiro
na deliberação sobre pacote de benefícios que o favoreça de forma especial também
é possível, mas ele terá que observar todos os cuidados para que as condições nego-
ciadas sejam razoáveis, equilibradas e atinjam os objetivos para os quais se propõem,
que, naturalmente, devem atender aos interesses da Companhia.
91. Anote-se que os conselheiros beneficiados poderiam até se abster de votar. Con-
tudo, ao decidirem tomar parte na deliberação, agregaram para a sua atuação forte
carga de responsabilidade, de modo que deveriam ter se resguardado de todos os cui-
dados para que a posição por eles defendida fosse razoável, equilibrada e estritamente
benéfica para a HRT, rejeitando, portanto, qualquer condição dúbia que pudesse ser
prejudicial à Companhia.
92. Julian Fonseca Pena Chediak analisa essa questão com precisão em artigo jurídico:
93. Não foi, contudo, essa a postura adotada por Marcio Mello e Wagner Peres na
negociação do Severance Package. Esses conselheiros utilizaram sua influência na
administração da HRT para fazer prevalecer as condições que atendiam melhor aos
seus interesses no que diz respeito a determinados aspectos cruciais do Severance
Package, em especial as hipóteses de acionamento do plano para os integrantes do
Senior Management, do qual faziam parte.
94. A partir dos diálogos mantidos nas reuniões do Conselho de Administração con-
stata-se que Marcio Mello e Wagner Peres atuaram robusta e agressivamente para
207 CHEDIAK, Julian Fonseca Pena. O conflito de interesses do administrador de sociedade anônima: uma
sugestão de alteração no enfoque do tema, In: Temas de direito societário e empresarial Contemporâneos; Coordenação:
Marcelo Vieira von Adamek - Malheiros Editores, pág. 407).
96. Pelo que foi estipulado, a composição do Conselho ficaria como que petrificada
conforme os interesses do Diretor Presidente da Companhia, que de forma nitidamen-
te autoritária recusava-se a aceitar qualquer alteração no Conselho de Administração
pelos acionistas. Por essa razão, a Acusação entendeu que o gatilho aprovado para o Se-
nior Management conferiria “contornos de blindagem” ao Conselho de Administração.
98. Ao estabelecer tal gatilho para o grupo do Senior Management, e, mais do que
isso, permitir o pagamento da indenização ao seu beneficiário ainda que a retirada se
desse por iniciativa própria, favoreceu-se a saída destes Administradores na hipótese
de alteração de um único membro do Conselho de Administração.
99. Cumpre ressaltar que, mesmo antes da aprovação do Severance Package, Marcio
Mello e Wagner Peres já teriam demonstrado a intenção de deixar a Companhia,
como se pode verificar no e-mail transcrito no item 77 acima e na manifestação pre-
liminar apresentada por Wagner Peres (fls. 235-237)208.
100. Desse modo, em que pese não se possa afirmar que a decisão de renunciar a seus
cargos executivos já tivesse sido tomada quando das discussões sobre o Severance
Package, tudo indica que Marcio Mello e Wagner Peres já enxergavam a hipótese de
208 Em manifestação apresentada em 30.07.2013, Wagner Peres afirmou que “Eu, inclusive, já havia manifestado meu
descontentamento com a situação de instabilidade da Companhia e havia expressado que, se o Conselho de Administração
ficasse dividido, sairia da Companhia, juntamente com os profissionais que me acompanhavam desde a BP” (fl. 237).
101. Verifica-se, portanto, que a questão da mudança de controle, que, em tese, teria
sido o estopim para a discussão do severance agreement, ficou em segundo plano nas
argumentações apresentadas por Wagner Peres e Marcio Mello, que construíram um
discurso no sentido de que o Conselho de Administração da HRT deveria se manter
petrificado, isto é, totalmente coeso e alinhado.
103. Ademais, considerando que, por si só, as condições ajustadas para o Senior Ma-
nagement não favoreciam a permanência dos diretores beneficiados, a única alter-
nativa para garantir que o Severance Package pudesse promover a retenção de profis-
sionais estratégicos seria assegurar que as suas condições fossem conhecidas pelos
acionistas da HRT antes da eleição dos membros do Conselho de Administração.
106. Diante do sigilo defendido por Marcio Mello210, não havia, sequer em tese, como
209 De acordo com as informações constantes do Termo de Acusação elaborado pela SEP, além de Marcio Mello e
Wagner Peres, em 07.06.2013 outros dois diretores (M.E.R.A. e C.T.A.) teriam renunciado a seus cargos na administração
da HRT e recebido a indenização ajustada no Severance Package. Desta forma, na prática, constata-se que o referido plano
não impediu a saída de quatro dos seis integrantes do Senior Management.
210 Nem se alegue que haveria um parecer jurídico sustentando essa posição, uma vez que o parecer só foi emitido
posteriormente, às vésperas da assembleia.
107. No entanto, mais importante do que a regra em si, que já seria bem problemática,
chama atenção a postura adotada por Marcio Mello e Wagner Peres nas discussões do
Severance Package no sentido de impor a posição que os beneficiaria de forma especial.
108. Esses dois acusados, posicionando-se contra a proposta formulada pelos con-
selheiros independentes, forçaram a prevalência de sua posição e, para tanto, ame-
açaram retirar-se da Companhia e influenciar a saída de profissionais estratégicos,
o que inviabilizaria a campanha exploratória da Namíbia, com gravíssimas conse-
quências para a HRT.
109. Nesse sentido, afigura pertinente citar os seguintes trechos das manifestações de
dois conselheiros independentes sobre a postura adotada por Marcio Mello e Wagner
Peres para fazer prevalecer suas posições sobre o tema em discussão:
111. No entanto, em razão dos cargos ocupados por Wagner Peres e Marcio Mello na
administração da Companhia e da influência que estes conselheiros exerciam sobre
outros profissionais ligados à HRT, até mesmo em razão da posição de Marcio Mel-
lo como um dos fundadores da Companhia, essa narrativa determinou o rumo das
“negociações”, a ponto de levar outros conselheiros a abandonarem as suas posições
iniciais para adotar uma “solução conciliatória”.
112. O que vemos, nesse contexto, são conselheiros que, apesar de notadamente in-
teressados na questão a ser deliberada, não apenas deixaram de adotar as cautelas
para que a sua decisão se desse no melhor interesse da Companhia, em condições
estritamente equilibradas e razoáveis, mas, para além disso, e com maior gravidade,
que pressionaram os demais conselheiros sob o argumento de que sairiam da HRT
e estimulariam uma “debandada” coletiva dos profissionais estratégicos que haviam
trazido para a Companhia, caso não prevalecessem as regras que os beneficiavam.
113. Desta forma, percebe-se, no presente caso, que, ao deliberarem sobre a cele-
bração do Severance Package, os demais conselheiros desinteressados tiveram que pon-
derar outros elementos, alheios às condições contratuais, que, conforme alegado pelos
acusados, influíram de forma decisiva nos termos finais do Severance Package, uma vez
que teriam sido levados a adotar condições conciliatórias que refletiam preocupação
com a ameaça, realizada por Marcio Mello e Wagner Peres, de debandada conjunta de
profissionais estratégicos em momento extremamente delicado para a HRT.
115. Ocorre que, sem a pressão exercida por Mello e Wagner, os termos e condições
negociados pelo Conselho de Administração poderiam ter sido muito diferentes. Ao
que tudo indica, a decisão provavelmente se aproximaria da proposta inicialmen-
te apresentada pelos Conselheiros independentes durante a reunião de 22.01.2013.
Assim, a meu ver, a conduta de Marcio Mello e Wagner Peres foi fundamental para
determinar o resultado final desta deliberação.
116. Por essas razões, concluo que Marcio Mello e Wagner Peres violaram gravemen-
te o dever fiduciàrio imposto pelo art. 154 da Lei n° 6.404/76, uma vez que, além de
não atuarem de modo a garantir o estrito equilíbrio e razoabilidade das regras do
Severance Package (aplicação por analogia do §1° do art. 156 da Lei n° 6.404/76), os
117. Com relação a Milton Franke, entendo que a sua atuação nos fatos relaciona-
dos ao presente processo é distinta da conduta dos demais conselheiros interessados,
uma vez que não há elementos nos autos que demonstrem que ele interveio de modo
a influenciar os demais Conselheiros a aprovar as condições do Severance Package.
118. Ainda assim, o comportamento demonstrado por Milton Franke ao longo das di-
scussões não se adéqua ao padrão de conduta esperado de um administrador interes-
sado (entire fairness), uma vez que ele sequer tentou discutir as cláusulas do Severance
a fim de extirpar as condições que favoreciam de forma desproporcional o Senior
Management, bem como garantir sua adequada publicidade.
119. Enquanto no caso de Marcio Mello e Wagner Peres o descumprimento dos deveres
fiduciários impostos aos conselheiros decorre de uma conduta comissiva no sentido
de intervir no processo decisório com o objetivo de defender interesses particulares,
no que diz respeito a Milton Franke tal violação advém de uma conduta omissiva do
conselheiro, que não atuou de forma a tentar garantir cuidadosa harmonização das
cláusulas do Severance Package aos interesses da Companhia.
121. Por sua vez, e de acordo com os elementos constantes dos autos, pode-se afirmar
que Joseph Ash, Thomas Ebbern e Peter O’Brien eram conselheiros independentes e
não possuíam interesse no Severance Package, tanto que não há nenhuma discussão
212 Ressalto que o fato de Marcio Mello e Wagner Peres renunciarem a seus cargos na direção executiva da
HRT durante a reunião do Conselho de 10.05.2013 e, por conseguinte, receberem a indenização ajustada no Severance
Package não é relevante para o desfecho do presente processo, visto que o que está em análise neste caso é a conduta dos
acusados durante o processo decisório que resultou na aprovação do severance agreement. Por essa razão, não obstante a
argumentação apresentada por Marcio Mello e Wagner Peres em suas defesas, não convém analisar os motivos que teriam
fundamentado os pedidos de renúncia apresentados pelos acusados. Isso não significa, contudo, que os benefícios auferidos
pelos acusados em decorrência da aprovação do Severance Package não devam ser considerados na fixação da penalidade
a ser atribuída, conforme será exposto em capítulo específico.
213 Nos termos do aditamento à defesa apresentado por Milton Franke em 22.03.2017 (fls.1743-1768), o acusado
teria renunciado aos direitos decorrentes do Severance Package em razão da celebração de um novo acordo com a
Companhia (Management Agreement), cujas condições substituiriam os termos do Severance Agreement, em especial
àquelas relacionadas à compensação do acusado por sua permanência na direção da HRT.
123. A área técnica reconhece que esses conselheiros teriam atuado para adaptar
a proposta defendida por Marcio Mello e Wagner Peres, de modo a reduzir os be-
nefícios conferidos aos integrantes do Senior Management.
124. Diante do conteúdo dos e-mails encaminhados por estes conselheiros e dos que-
stionamentos por eles levantados ao longo das discussões, afigura-se, de fato, curioso
que eles tenham abandonado a sugestão inicial de limitar o acionamento do gatilho
do plano à hipótese de alteração da maioria da composição do Conselho de Admi-
nistração, o que estaria em linha, inclusive, com a finalidade inicialmente declarada
para adoção do severance agreement.
128. Assim, a rejeição das condições defendidas ferrenhamente por Marcio Mello e
Wagner Peres levaria os Conselheiros do Grupo II a assumir o risco de perder o capital
humano fundamental para a condução das atividades sociais, especialmente naquele
momento crucial pelo qual passava a campanha exploratória da Namíbia, o que, de
acordo com os acusados, teria sido considerado em suas ponderações acerca da decisão
mais benéfica para a Companhia a ser adotada naquelas circunstâncias específicas.
129. Conforme conceito estudado e desenvolvido por Max Weber215, as condutas hu-
manas podem ser analisadas sob a perspectiva da “ética da convicção” ou da “ética
da responsabilidade”, podendo-se dizer, grosso modo, que neste último caso o agente
considera não somente o que seria certo em abstrato, mas todas as possíveis conse-
quências decorrentes de sua ação.
130. Ressalvadas as situações que envolvam ilegalidade, não se pode censurar a de-
cisão ponderada de um Administrador que busca evitar um “mal maior” diante das
circunstâncias existentes naquele momento, ainda que, em termos abstratos e abso-
lutos, a decisão possa não ser a melhor possível.
131. Nesse sentido, acolho as razões de defesa apresentadas por Joseph Ash, Thomas
Ebbern e Peter O’Brien, no sentido de que, em vista da conduta de Marcio Mello
e Wagner Peres, os acusados estavam diante de duas opções: votar contrariamen-
te ao Severance Package e arriscar perder profissionais estratégicos da HRT em um
momento delicado da campanha exploratória da Namíbia, ou adotar solução conci-
liatória de modo a assimilar parcialmente as propostas de Marcio Mello e Wagner
Peres para o Severance Package, e assim tentar evitar uma retirada imediata desses
diretores e de profissionais a eles ligados.
dia, razão pela qual um atraso de uma semana na campanha poderia resultar em perdas de mais de US$ 9.000.000,00 (nove
milhões de dólares) ou mais de US$ 18.000,000,00 (dezoito milhões de dólares), de acordo com a taxa de câmbio à época
da negociação do Severance Package.
215 Em seu “Metodologia das Ciências Sociais”, Max Weber introduz essa questão nos seguintes termos: “Mas
também no setor da ação pessoal há problemas fundamentais, de caráter especificamente ético, que a ética não pode resolver
com as suas próprias premissas. A estes pertence, sobretudo, a pergunta fundamental: se o valor próprio da ação ética - a
vontade ‘pura' ou a ‘mentalidade', como é habitual denominá-la - deve ser unicamente suficiente para a sua justificação,
seguindo a máxima ‘o cristão age justamente e remete a Deus os efeitos do seu agir', como foi formulada por certos éticos
cristãos. Ou se, diferentemente, é preciso levar em consideração a responsabilidade referente às consequências da ação que
podem ser previstas como possíveis e prováveis, determinadas pela inserção desta num mundo eticamente irracional. Do
primeiro postulado parte toda posição política revolucionária, em especial o chamado ‘sindicalismo'; do segundo, toda a
política realista. Ambas as posturas se baseiam em máximas éticas. Mas estas máximas se encontram num eterno conflito,
insolúvel com os recursos de uma ética que se baseie em si mesma.” (Cortês Editora, 5a ed, 2016, pag. 527)
133. A busca do melhor interesse da Companhia fica evidenciada pelo empenho ado-
tado por Joseph Ash, Thomas Ebbern e Peter O’Brien na avaliação do que seria o
melhor interesse da HRT e no sentido da mitigação de alguns benefícios inicialmente
defendidos por Marcio Mello e Wagner Peres.
134. Esse grupo de conselheiros também insistiu reiteradamente para que fosse dada
publicidade aos termos do Severance Package, o que, como já exposto nos itens 107-
110, permitiria que o pacote tivesse a chance de desempenhar o papel originalmente
pretendido de desestimular a destituição de administradores estratégicos.
135. O embate sobre esse tema foi tão intenso que os conselheiros do Grupo II exigi-
ram a apresentação de opinião legal corroborando a decisão da administração exe-
cutiva da HRT de não divulgar os termos do Severance Package. Inusitadamente, a
referida opinião legal, emitida por renomado escritório de advocacia, defendeu que
a divulgação das hipóteses de acionamento do Severance Package poderia afetar a
liberdade de voto dos acionistas - que poderiam ficar inclinados a manter a compo-
sição do Conselho em virtude das regras do pacote - de modo que, pela perspectiva
do parecer, o voto adequado seria aquele que ignorasse as consequências que dele
poderiam advir.
136. De qualquer forma, não se pode exigir que conselheiros, ainda mais sendo
estrangeiros, discordassem de uma opinião legal proferida por escritório especiali-
zado e reconhecido, do que se conclui que a decisão quanto a não divulgação dos
detalhes do Severance Package, após muitos debates, reflete claramente uma posição
refletida e informada.
137. Destarte, em relação aos conselheiros do Grupo II, não tenho dúvida em con-
cluir que eles decidiram de maneira informada, refletida e desinteressada, de modo
que lhes socorre a regra da decisão negocial, impondo-se a absolvição desses con-
selheiros.
Grupo III - John Willot, William Fisher, Carlos Gomes e Elia Shikongo
216 Nesse sentido, Luiz Antonio de Sampaio Campos aborda com precisão a dificuldade de se analisar, ex post, as
condições de uma decisão negocial: “Há diversas razões para que o Poder Judiciário - ou mesmo os juízes administrativos
- não interfiram no mérito das decisões tomadas pelos administradores, especialmente quando esse juízo se dá ex post.
Destaca-se a dificuldade em se reproduzir o contexto em que a decisão foi tomada, notadamente as pressões presentes
à época, o tempo e as informações disponíveis no momento da tomada da decisão, além da própria visão peculiar do
administrador a respeito do negócio, da prioridade e relevância da decisão e do impacto nos negócios sociais” (CAMPOS,
Luiz Antonio de Sampaio. Deveres e Responsabilidades. In. LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Direito
das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.1104-1105).
142. No entanto, entendo que os indícios apontados pela SEP são muito tênues para
afastar a presunção de independência desses acusados, tendo em vista que não foi
apresentado nenhum elemento substancial que pudesse demonstrar que eles atuaram
subordinados aos interesses de Marcio Mello e Wagner Peres, em detrimento dos
interesses sociais.
144. Também não foi apresentado nenhum elemento pela área técnica que eviden-
ciasse que a remuneração dos conselheiros do Grupo III teria sido fixada em patamar
remuneratório diferenciado. A princípio, o mesmo plano de remuneração aplicado
aos conselheiros do Grupo III incidia sobre todos os membros do Conselho de Ad-
ministração.
217 De acordo com as informações divulgadas na versão 10 do formulário de referência da HRT apresentado
em 19.02.2013, John Willot e William Fisher figuravam no quadro de membros do conselho de administração desde
31.08.2010, enquanto Carlos Gomes teria ocupado o cargo durante um único mandato entre 27.04.2011 e 29.04.2013 e
Elias Shikongo teria sido eleito em 01.10.2012.
146. O fato de John Willot e William Fisher figurarem como conselheiros antes mesmo
do IPO da HRT também não poderia ser indicativo de que eles estariam atuando com a
finalidade de favorecer o Diretor Presidente à custa do melhor interesse da Companhia.
148. Assim, nenhum dos elementos apresentados pela acusação foi suficiente para
comprovar que os conselheiros do Grupo III atuaram considerando algum interesse
particular ou interesses de outros conselheiros a eles ligados, de modo que a proteção
conferida pela business judgment rule também lhes deverá ser aplicada, restando ve-
rificar, portanto, se eles agiram de maneira informada e refletida.
149. Nessa linha, verifica-se que, muito embora os conselheiros do Grupo III não
tenham apresentado uma postura tão ativa e questionadora quanto os conselheiros
do Grupo II, não há como afirmar que os acusados não avaliaram as condições do
Severance Package com base nos questionamentos e informações apresentados por
outros conselheiros ao longo das reuniões do Conselho de Administração.
150. Importante também esclarecer que, dentro do Grupo III, os conselheiros John
Willot e William Fisher tiveram uma postura mais ativa na discussão do pacote de
indenização, visto que, conforme demonstrado nos autos, em conjunto com os con-
selheiros do Grupo II e Charles Putz, teriam se reunido separadamente na reunião do
Conselho de Administração de 22.01.2013 para apresentar contraproposta à minuta
de severance agreement apresentada pela administração da HRT.
151. Além disso, John Willott participou das discussões conduzidas pelo comitê de
remuneração acerca dos termos e condições finais do Severance Package.
152. Com relação a Carlos Gomes e Elias Shikongo, cuja participação efetiva nos
eventos que precederam à aprovação do Severance Package pode ser considerada
nebulosa, entendo, contudo, que não há elementos suficientes para afirmar que eles
teriam deixado de atuar de maneira informada e refletida, uma vez que, a princípio,
teriam se valido das informações fornecidas nas reuniões do Conselho de Admini-
stração e dos documentos apresentados ao órgão pela administração executiva.
218 Como exposto anteriormente, ao votarem na assembleia geral realizada em 29.04.2013, os acionistas não
tinham conhecimento das hipóteses de acionamento do Severance Package.
V. DOSIMETRIA DA PENA
154. Na fixação da penalidade a ser aplicada a Marcio Mello, Wagner Peres e Milton
Franke devem ser considerados os seguintes elementos: (i) a diferença na postura
adotada por cada um dos acusados nas discussões que antecederam à aprovação do
Severance Package; (ii) a gravidade de suas condutas; e (iii) a postura de cada um após
a não recondução integral dos conselheiros indicados pela Administração.
155. Com relação a Marcio Mello e Wagner Peres, entendo que a conduta dos acusa-
dos nos eventos que ensejaram a aprovação do Severance Package, bem como após o
acionamento do “gatilho” na AGO de 29.04.2013, foi bastante grave.
156. A postura por eles adotada não somente se afasta do padrão esperado de um
conselheiro interessado, como também evidencia uma atuação em desvio de poder,
visto que tais conselheiros ameaçaram sair da HRT, juntamente com profissionais
estratégicos em relação aos quais possuiriam ascendência, caso não fosse aprovado o
pacote tal como por eles defendido, utilizando, assim, esse poder de influência para
pressionar os demais conselheiros a aprovar as condições que melhor lhes favoreciam.
157. Não bastasse a gravidade da conduta de Marcio Mello e Wagner Peres, que, por
si só, já seria suficiente para justificar a imposição de penalidade severa, deve-se con-
siderar ainda que, em razão de sua intervenção na negociação das condições do Se-
verance Package, tais conselheiros auferiram, à custa do patrimônio da Companhia,
benefícios financeiros diretos a título de indenização.
160. Acrescenta-se, ainda, que, após todas as discussões envolvendo os valores de-
vidos a Marcio Mello e Wagner Peres, foram celebrados “Instrumentos de Transação
Extintiva e Preventiva de Litígios222”, por meio dos quais as partes chegaram a um
acordo final, encerrando os litígios223 envolvendo o Severance Package e o Instrumen-
to de Não Competição, o que dificultaria ainda mais a aferição da vantagem econôm-
ica obtida, justamente por não se ter conhecimento das bases em que foram negociados
os acordos.
220 Art. 11. A Comissão de Valores Mobiliários poderá impor aos infratores das normas desta Lei, da lei de
sociedades por ações, das suas resoluções, bem como de outras normas legais cujo cumprimento lhe incumba fiscalizar, as
seguintes penalidades:: (...)
- multa; (...)
§ 1-A multa não excederá o maior destes valores:
- três vezes o montante da vantagem econômica obtida ou da perda evitada em decorrência do ilícito. (...)
221 Em 03.09.2012, Marcio Mello e Wagner Peres celebraram “Instrumentos Particulares de Não Competição” com
a HRT, nos termos dos quais os acusados assumiram obrigação de não competição pelos períodos de 36 (trinta e seis)
meses e 24 (vinte e quatro) meses, respectivamente, recebendo, em contrapartida, indenização proporcional à remuneração
mensal que receberiam pelo período de não competição.
222 Em 13.052014, o Conselho de Administração da HRT aprovou a celebração de acordo com Marcio Mello
e Wagner Peres. Nesta mesma data, foram firmados os ‘"Instrumentos de Transação Extintiva e Preventiva de Litígios”,
encerrando as disputas existentes entre a Companhia e os acusados.
223 De acordo com as informações prestadas pelos acusados, Wagner Perez teria ajuizado o Processo n° 2013-
49374 perante a Corte Judicial de Harris County, Texas, Estados Unidos, referente à cobrança das verbas previstas no
Severance Agreement (fl. 1359, nota de rodapé n° 6), bem como a Reclamação Trabalhista n° 0011465-32.2013.5.01.055,
aberta perante a 55a Vara do Trabalho do Estado do Rio de Janeiro, referente às obrigações ajustadas no Instrumento de
Não Competição. Ademais, em 09.12.2013, Marcio Mello teria dado início a procedimento arbitral com o propósito de
averiguar o valor exato referente ao Severance Package.
163. Soma-se a isso o fato de que, não obstante ter sido reconhecido pelo Conselho de
Administração o acionamento do Severance Package em seu benefício, Milton Fran-
ke, ao contrário de Marcio Mello e Wagner Peres, teria renunciado à indenização224.
Importante consignar, contudo, que, logo após, Milton Franke assumiu o cargo de
Diretor Presidente da HRT.
164. Desta forma, levando em conta a menor gravidade da conduta do acusado, bem
como a ausência do recebimento de qualquer benefício financeiro em decorrência do
Severance Package, justifica-se a imposição de penalidade em nível mais reduzido,
razão pela qual voto pela aplicação de multa pecuniária no valor de R$ 150.000,00
(cento mil reais).
VI. CONCLUSÃO
15. 1. Por todo o exposto, com fulcro no art. 11 da Lei n° 6.385/76, voto:
É o voto.
225 Nesse sentido, vale reproduzir o seguinte trecho da gravação da reunião do conselho de administração de
04.03.2013: “Participante Thomas Ebbern: Esta é a mudança do Conselho, conforme a composição do Conselho de diretores
proposta pela administração, e então adicionamos as palavras ‘excluindo diretores independentes que entraram para o
Conselho de diretores em novembro de 2012’. E o raciocínio para excluir isto é que estamos fixando isto para estabilizar a
empresa e os diretores antigos, tendo uma continuidade dos negócios. E que isto foi realmente para tratar da discussão que
tivemos da última vez” (fls. 1577) “Participante Peter O’Brien: Isto é verdade. Desculpe, mas quero permanecer como um
membro do conselho enquanto os acionistas me desejarem no conselho. E estamos apenas aprendendo aqui, Ok? Porém
não posso dizer a Brian e Josh e todas estas outras pessoas que eles devem te pagar três vezes se eles quiserem me demitir.
Desculpe. Nunca farei isto. É seu direito como acionista eleger o Conselho. E se eles quiserem me demitir e isto significa que
eles devem te pagar três vezes não posso votar isto.” (fls. 1579).
4. Além disso, Milton Romeu Franke (“Milton Franke”) foi condenado ao pagamen-
to de multa no valor de R$ 150 mil, mas, ao contrário dos outros dois conselheiros
beneficiados pelo pacote, não por qualquer conduta comissiva em que se tenha verifi-
cado desvio de finalidade, mas sim por ter se omitido e não se aprofundado na análise
de questão em relação à qual tinha interesse particular.
“Dito isso, creio ser fundamental, para a correta análise do caso concreto,
que se considerem as diferenças existentes entre o ordenamento jurídico
brasileiro e o ordenamento jurídico norte-americano no que diz respeito à
competência e à discricionariedade conferida aos órgãos da administração
para determinar a remuneração dos administradores.
226 Para evitar distorções do que aqui foi escrito, faço questão de ser redundante quanto à minha visão de que
não há nada de inconveniente em busca de subsídios na doutrina e jurisprudência estrangeiras para auxiliar as decisões da
CVM, tendo eu mesmo, por diversas vezes, utilizado-me dessa salutar possibilidade. Minha ressalva é apenas para adoção
de leis e decisões estrangeiras como elemento central de fundamento de questões cujo regime jurídico é visivelmente
diverso nas duas jurisdições.
10. Esta seria justamente a hipótese da matéria em análise, que, como pano de fundo,
envolve a aprovação de pacote de benefícios para administradores e executivos estra-
tégicos da Companhia, justamente um desses temas cujo tratamento legal conferido
pelo sistema jurídico brasileiro difere do sistema vigente nos EUA, tanto que, em nos-
so país, compete à “assembléia-geral fixar o montante global ou individual da remune-
ração dos administradores” (art. 152 da LSA), enquanto que, no sistema americano, o
board of directors detém amplos poderes para dispor a respeito da compensação a ser
atribuída aos administradores da companhia.
11. Essa diferenciação torna não recomendável a utilização, pela CVM, de jurispru-
dência americana sobre a independência da administração para fixação da remune-
ração dos executivos, uma vez que, no Brasil, essa competência foi conferida por Lei
à assembleia geral, exercendo o Conselho de Administração, nessa seara, atividade
eventual (caso a assembleia não faça já a divisão) e limitada (dentro dos parâmet-
ros fixados pela assembleia). Essa circunstância foi extremamente importante para
minha avaliação da acusação, uma vez que os detalhes do severance package não fo-
ram sequer apresentados para ciência dos acionistas em assembleia, o que, inclusive,
foi considerado em desfavor dos acusados Wagner Peres e Márcio Mello, que, a de-
speito dos questionamentos dos demais conselheiros, defenderam de forma incisiva a
não divulgação do pacote de benefícios na assembleia geral ordinária da HRT.
12. Nesse cenário, considerando especialmente as claras diferenças entre os sistemas juríd-
icos no tratamento da matéria (remuneração de executivos), entendo ser equivocado utilizar
precedentes americanos como elemento central para a definição do caso em julgamento227.
13. Assim, a mera importação das soluções e conclusões americanas, sem uma
análise crítica de sua compatibilidade com o sistema nacional, pode trazer conse-
quências bastante danosas e disfuncionais para o ambiente jurídico brasileiro. Cer-
tamente não é por meio de um programa de “delawarização” das nossas decisões,
desconsiderando as particularidades das normas do nosso sistema legal, que o Brasil
terá um mercado tão grande e pujante como o americano, o que depende, obviamen-
te, de múltiplos fatores, dentre os quais não se inclui a cópia assistemática das deci-
sões americanas. Estamos, é bom salientar, diante de sistemas distintos de direito,
quais sejam o da common law e o da civil law, que atualmente apresentam pontos de
convergência, mas que não se confundem.
227 Aliás, considero realmente impressionante a fascinação com que, nos dias de hoje, recebemos expressões do
idioma americano, em especial em situações relacionadas ao mercado de capitais. Que relevância teria uma negociação com
informação privilegiada perto de uma notícia de insider trading?! Qual seria a importância de saber o que é uma ordem
simulada de negociação com o objetivo de alterar as condições de mercado quando existe a expressão spoofing!? Certamente
seria extremamente interessante investigar, sob o aspecto cultural e sociológico, os fundamentos dessa empolgação, mas
aqui não é espaço nem o momento adequado para tanto.
15. Convém atentar, ainda, e nessa mesma linha, para o que afirma David Chivers e
Bem Shaw: “Directors owe fiduciary duties not to place themselves in positions where
their personal interests, or those of third parties, conflict with the interests of the com-
pany.” 229.
16. Com essa pequena introdução, reafirmando aspectos já apresentados no voto por
mim proferido em 05/09/2017, busca-se apenas realçar que o sistema americano não
deve ser considerado uma espécie de panaceia apta a resolver todos os casos jurídicos
societários em nosso país, até mesmo porque, como já dito, os referidos sistemas pos-
suem diferenças substanciais.
17. Com todas as ressalvas e cuidados expostos no item anterior, e sem querer in-
gressar em uma discussão mais profunda sobre a jurisprudência de Delaware, cu-
mpre ressaltar que os precedentes americanos citados no voto do Diretor Gustavo
Gonzalez não parecem concluir no sentido de que a decisão sobre violação dos de-
veres dos conselheiros de administração devem ser sempre idênticas para todos os
membros que votarem da mesma forma, mas apenas que esse entendimento deve ser
tido como uma regra geral que, como tal, admite exceções.
18. Essa questão foi, inclusive, objeto de ressalva específica no voto por mim proferi-
do em 05/09/2017, nos seguintes termos:
19. Analisando essa questão pelas regras do direito nacional, cumpre trazer, a título
de ilustração, a embasada posição exposta por Otávio Yazbek sobre o tema:
20. Assim, reafirmo a minha posição original de que nada impediria, considerando
as características do caso, que as condutas particulares de cada conselheiro fossem
analisadas de forma específica para fins de apuração de responsabilidade por violação
aos deveres fiduciários, mesmo quando a decisão tenha sido unânime ou majoritária.
21. No presente caso, como expus no voto proferido em setembro do ano passado,
entendi ter ficado demonstrado que as condutas adotadas por Márcio Mello e Wagner
Peres, durante a discussão do plano, foram decisivas para que, considerando o risco
de perda de profissionais estratégicos, que, por orientação de Márcio Mello e Wagner
Peres, sairiam conjuntamente da companhia, os demais conselheiros entendessem
que a aprovação do severance package, ainda que em termos distintos dos inicialmente
propostos231, seria a melhor decisão possível diante do contexto existente. Portanto,
levando em conta que a postura irregular de Márcio Mello e Wagner Peres teria sido
decisiva para a aprovação do pacote nos moldes descritos no MOU divulgado na RCA
de 05.03.2013, parece-me estar plenamente justificado o tratamento diverso conferi-
230 YAZBEK, Otavio. Representações do Dever de Diligência na Doutrina Jurídica Brasileira: um Exercício e
Alguns Desafios. In: MANRTINS KUYEN, Luiz Fernando (coord.).Temas Essenciais de
Direito Empresarial - Estudos em Homenagem a Modesto Carvalhosa, 2012.
231 Vale ressaltar que, não obstante o severance package ter sido inicialmente proposto por conselheiro
independente, conforme já relatado em meu primeiro voto, os termos finais aprovados pelo conselho de administração se
afastam muito de suas proposições iniciais e refletem uma posição “conciliatória” e não, necesssariamente, o melhor pacote
de benefícios para a HRT naquele momento. Nesse sentido, convém reproduzir trecho do e-mail encaminhado por Joseph
Ash a Charles Putz em 19 de janeiro de 2013:
“(...) vou ter de comunicar a Marcio quão confuso eu estou que uma sugestão para proporcionar segurança frente a
uma mudança de controle, em troca de garantir que as decisões sejam tomadas no melhor interesse da HRT tenha se
transformado em uma disputa de dinheiro e potencial destituição de uma empresa” (fl. 852).
22. Aliás, a adoção de uma fórmula rígida de solução para todos os casos de deci-
são colegiada poderia conduzir a conclusões visivelmente teratológicas, uma vez que
imporia decisão uniforme para todos os membros do órgão mesmo quando alguns
tivessem agido de boa fé enquanto outros tivessem adotado postura especiosa, inclu-
sive sonegando informações aos demais.
23. Superada a análise das questões genéricas indicadas nos capítulos anteriores, e
sem perder o foco do que é relevante para o caso, cumpre voltar ao cerne da questão
a ser decidida, que diz respeito à acusação de violação ao art. 154 da LSA, ou seja, de
suposta atuação de administradores contra os interesses da companhia.
24. Desta forma, no contexto do presente PAS, o ponto essencial consiste na análise
da observância ou não, por cada um dos conselheiros acusados, do dever de atuar em
benefício da sociedade, em conformidade com o disposto no art. 154 da LSA. O con-
teúdo da decisão do conselho de administração, nessa linha, não é o objeto central de
análise, mas sim as condutas dos acusados no processo de formação da decisão. Aliás,
no voto que proferi em setembro passado, fui explicito ao indicar que estava sendo
analisada a conduta dos conselheiros “durante e após o processo decisório que resultou
na aprovação do Severance Package”233.
26. Não pretendo retornar a discussão de todos os aspectos já expostos no voto por
mim proferido em setembro do ano passado, quando foram analisadas, em detalhe,
diversas circunstâncias fáticas e questões jurídicas, dentre as quais se destacam: a) o
grupo senior management receberia indenização quando decidisse sair da sociedade
por vontade própria, bastando, para tanto, que a proposta da administração para
composição do conselho não fosse totalmente aprovada em assembleia geral; b) o fato
232 Assim me manifestei sobre o tema no voto proferido em setembro do ano passado:
“107. No entanto, mais importante do que a regra em si, que já seria bem problemática, chama atenção a postura adotada
por Marcio Mello e Wagner Peres nas discussões do Severance Package no sentido de impor a posição que os beneficiaria
de forma especial.
233 “17. (...) Tal como mencionado anteriormente, o objetivo deste processo é analisar se, a partir das informações e
das circunstâncias existentes à época dos fatos, as condutas adotadas pelos conselheiros acusados, durante e após o processo
decisório que resultou na aprovação do Severance Package, observaram, ao menos em tese, os melhores interesses da
Companhia. ”
27. Muito embora os fatos objeto do presente processo já tenham sido detalhada-
mente apreciados no voto de setembro do ano passado, as discussões sobre o tema
fizeram-me refletir novamente sobre o caso, o que justificou a presente manifestação
complementar de voto.
28. Inicialmente, cumpre anotar que o presente caso trata de decisão sobre pacote de
indenização, mas poderia tratar de celebração de contrato diverso ou qualquer outra
matéria em relação à qual alguns conselheiros tivessem interesses particulares e que,
por alguma circunstância específica, também fosse admitido o voto, de modo que a
análise do art. 152234 da LSA possui relevância apenas tangencial, tanto que não foi
sequer utilizado pela acusação.
29. Anote-se que, quando da decisão da recapitulação jurídica dos fatos, pareceu-me
importante alterar a acusação para que fosse incluída a análise de possível violação,
com a aprovação do pacote de benefícios, dos limites máximos de remuneração apro-
vados em assembleia geral, uma vez que existiriam indícios de que a soma da remu-
neração ordinária dos Administradores com as possíveis indenizações que seriam
devidas aos diretores em decorrência do exercício discricionário do pleito indeni-
234 O art. 152 é relevante apenas porque evidencia que a matéria, por envolver benefícios aos administradores,
deveria ter sido levada ao conhecimento da assembleia, bem como respeitar os limites remuneratórios anuais deliberados
em AGO.
33. Como se extrai do texto legal, o art. 154 da LSA238 prevê dever fiduciário específ-
235 Bastando, para tanto, a não recondução “integral” do Conselho de Administração.
236 Art. 152. A assembléia-geral fixará o montante global ou individual da remuneração dos administradores,
inclusive benefícios de qualquer natureza e verbas de representação, tendo em conta suas responsabilidades, o tempo
dedicado às suas funções, sua competência e reputação profissional e o valor dos seus serviços no mercado.
237 Convém ressaltar que, no voto que proferi no caso WLM, fiz questão de salientar que a CVM deve atuar com
parcimônia na análise dessas questões, apenas considerando irregulares as remunerações que estiveram totalmente fora dos
padrões de mercado e que, cumulativamente, não tenham justificativa lógica admissível para tanto:
“28. Antes de ingressar na análise das circunstâncias do caso concreto, é importante deixar claro que não cabe à CVM se
imiscuir na definição da remuneração de cada administrador, nem, tampouco, avaliar a competência e experiência de cada
profissional, ou sua habilidade teórica para o exercício do cargo, ressalvados casos excepcionalíssimos em que a situação de
desvio de finalidade impregne a decisão de forma manifesta.
29. São os acionistas que possuem competência para escolher os administradores e definir suas remunerações, mesmo porque
eles serão os mais afetados pela qualidade de suas decisões, em linha com a perspectiva que dá suporte ao princípio majoritário.
30. Assim, não seria desejável que a CVM ingressasse na análise da competência ou reputação dos administradores
para avaliar a escolha do profissional ou o nível de sua remuneração, uma vez que essas decisões possuem alto grau de
discricionariedade e cabem, por lei, aos órgãos da sociedade.”
238 Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e
no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. (...) ,
§ 2° É vedado ao administrador:
34. É claro que o que é melhor para a sociedade possui diversas perspectivas e mati-
zes, de modo que ninguém poderia ser punido por tomar atitude que entendeu ser o
melhor para a sociedade em determinado momento e que depois se mostrou equivo-
cada, tampouco o administrador poderia ser censurado por tomar uma decisão da
qual outras pessoas discordassem.
36. No entanto, não é disso que se trata quando se analisa a postura de Márcio Mello
e Wagner Peres durante o processo de aprovação do pacote de benefícios no primeiro
semestre do ano de 2013. Pelo contrário, a conduta desses administradores evidencia
de forma muito clara que eles atuaram conscientemente e de forma bastante agressiva
na busca do que era melhor para eles, tanto no aspecto dos benefícios decorrentes da
saída voluntária da companhia como na perspectiva da manutenção do poder de con-
dução da companhia por meio de composição de conselho que mais lhes convinha.
37. Repita-se mais uma vez: não se está analisando primordialmente o conteúdo da
decisão do conselho de administração, mas sim o comportamento dos acusados no
processo de aprovação do severanece package.
38. Antes de analisar a conduta desses dois acusados, contudo, cumpre realçar que
os deveres fiduciários dos administradores, em especial o dever de lealdade e de bu-
scar o melhor interesse da companhia, possuem substrato em princípios de natureza
ética. Os próprios exemplos elencados no § 2° do art. 154 corroboram essa ideia.
39. Começando pela alínea “b”, verifica-se que quando um administrador utiliza,
sem autorização da assembleia geral, bem ou recursos da companhia em proveito
próprio ou de terceiro, ele está colocando outros interesses acima dos interesses da
companhia, violando, por conseguinte, deveres fiduciários básicos, que encontram
substrato na regra ética segundo a qual o administrador não deve usar os poderes e
a) praticar ato de liberalidade à custa da companhia;
b) sem prévia autorização da assembléia-geral ou do conselho de administração, tomar por empréstimo recursos ou bens
da companhia, ou usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens, serviços
ou crédito;
c) receber de terceiros, sem autorização estatutária ou da assembléia-geral, qualquer modalidade de vantagem pessoal,
direta ou indireta, em razão do exercício de seu cargo.
40. O mesmo se aplica ao exemplo do item “c” do § 2° do art. 154 da LSA, que veda o
recebimento de vantagem pessoal em virtude do cargo, o que poderia afetar a impar-
cialidade do administrador perante o terceiro que concede o benefício. Tal previsão
possui substrato em princípios morais que impõem limites à conduta para aquele que
está em uma posição de fidúcia.
41. O item ‘a”, por sua vez, ao prever que o administrador não deve praticar ato de
liberalidade às custas da companhia, também contém regra com carga ética bastante
clara, derivada da ideia de que ninguém deve fazer prodigalidade com o patrimônio
alheio.
42. A Lei, desta forma, determina que o administrador deve atuar sempre em prol da
companhia, considerando, em primeiro plano, o interesse da pessoa jurídica na qual
atua, não podendo se valer da posição por ele ocupada na administração da com-
panhia para buscar eventual interesse particular que possa estar em contradição com
os interesses da companhia ou mesmo ser a esta impertinente.
43. Em linguagem leiga, pode-se dizer que o administrador deve adotar elevados pa-
drões éticos de atuação. Na situação em que seu interesse seja ou possa ser diverso do
da companhia, mas que não exista impedimento de voto, deve ser o administrador
extremamente cuidadoso, além do ordinário, na análise da matéria, sempre tendo
como foco o melhor interesse da companhia.
44. Arnoldo Wald sintetiza com precisão o caráter ético que embasa os deveres fidu-
ciários dos administradores das companhias abertas:
45. A realidade, contudo, é que o conceito de ética vem sendo, por vezes, relativizado
nos dias de hoje, em especial no Brasil, o que resulta em mutações sociais na perce-
pção do que seria ou não eticamente admissível. Como o dever fiduciário de atuar
em prol da companhia constitui um standard que possui forte ligação com conceitos
éticos240, parece-me explicável que surjam perplexidades na apreciação de questões
relacionadas a essa regra societária de caráter aberto.
46. No entanto, por mais que o conceito de ética venha sendo relativizado na atuali-
dade e que isso possa ter algum reflexo na leitura dos deveres fiduciários instituídos
pela Lei 6.404/76, não tenho, pela minha perspectiva, como considerar que a atuação
de Marcio Mello e Wagner Peres, por ocasião da aprovação do severance package,
enquadrava-se nos padrões mínimos admitidos para que o comportamento desses
acusados pudesse ser considerado em prol da companhia.
47. Nesse exercício de concretização das regras abertas que consubstanciam os deve-
res fiduciários, entendo que existem certas situações cinzentas que realmente não de-
veriam ser tratadas em processo sancionador. Contudo, não me parece, em hipótese
alguma, que as condutas de Márcio Mello e Wagner Peres possam ser classificadas
nessa zona de dúvida. Muito pelo contrário, a atuação desses dois conselheiros (que
239 WALD, Arnoldo. O governo das empresas. In: Revista de Direito Bancario, do Mercado de Capitais e da
Arbitragem, n. 15, jan./mar.2002, p. 3.
No mesmo sentido, pode-se citar a exposição de motivos da própria Lei 6404/76 (exp. n° 196):
“Os artigos 154 a 161 definem, em enumeração minuciosa, e até pedagógica, os deveres e responsabilidades dos
administradores. É Seção da maior importância no Projeto porque procura fixar os padrões de comportamento dos
administradores, cuja observância constitui a verdadeira defesa da minoria e torna efetiva a imprescindível responsabilidade
social do empresário. Não é mais possível que a parcela de poder, em alguns casos gigantesca, de que fruem as empresas - e,
através delas, seus controladores e administradores - seja exercido em proveito apenas de sócios majoritários ou dirigentes,
e não da companhia, que tem outros sócios, e em detrimento, ou sem levar em consideração, os interesses da comunidade.
As normas desses artigos são, em sua maior parte, meros desdobramentos e exemplificações do padrão de comportamento
dos administradores definido pela lei em vigor - o do “homem ativo e probo na administração dos seus próprios negócios”
(§7° do art. 116 do Decreto-lei n° 2.627) e, em substância, são as que vigoram, há muito tempo, nas legislações de outros
povos; formuladas, como se encontram, tendo presente a realidade nacional, deverão orientar os administradores honestos,
sem entorpecê-los na ação, com excessos utópicos. Servirão, ainda, para caracterizar e coibir abusos’”. (http://www.cvm.gov.
br/export/sites/cvm/legislacao/leis-decretos/anexos/EM196-Lei6404.pdf)
240 Nesse sentido, podemos citar também a lição do Flavia Parente, que, em monografia sobre o tema, analisa a
inter-relação entre os deveres fiduciários e as regras morais:
“Os standards possuem caráter enunciativo, funcionando como diretivas genéricas, ao indicarem o modelo ou a combinação
de elementos aceitos como corretos ou perfeitos pelo homem médio, sob determinadas circunstâncias.
Os standards revelam uma idéia comum de racionalidade, lealdade, ou justiça, envolvendo, de certa forma, um julgamento
moral sobre determinado comportamento. Por tais motivos, devem tais padrões de conduta encontrar uma aplicação variável
conforme o tempo, o lugar e as circunstâncias, devendo ser empregados segundo as peculiaridades de cada caso.
Em resumo, os standards não possuem um conteúdo exato e hermético; ao contrário, exprimem uma linha de conduta, uma
diretiva geral ou uma orientação que vão informar a conduta social média e servirão de medida ou elemento de comparação
para o juízo de casos concretos. Por serem amplos e flexíveis são capazes de abranger as mais variadas situações”. (PARENTE,
Flávia. O dever de diligência dos administradores de sociedades anônimas. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 34-35).
48. Nesse ponto, divirjo respeitosamente da posição do Diretor Gonzalez sobre a dinâm-
ica que seria legalmente admissível na negociação entre sociedade e administrador.
49. Nesse ambiente negocial específico, entendo existirem limites na postura que um
administrador pode adotar na negociação com a companhia, uma vez que a “mesa
de negociação” não é e nem deve ser um vale tudo em que o administrador poderia
utilizar estratégias rasteiras e condutas de moralidade duvidosa para fazer prevalecer
sua posição.
50. A rigor, em qualquer negociação existem certos padrões éticos que devem ser
observados (boa-fé objetiva). Quando essa negociação é entre administrador e socie-
dade, os padrões de conduta devem ser ainda mais elevados, uma vez que o admini-
strador tem a obrigação de ser leal com a companhia e sempre atuar em prol desta.
Como alerta Luis Felipe Spinelli, a
52. Isso certamente não quer dizer que o administrador esteja obrigado a trabalhar
por remuneração vil, ou que não possa efetivamente negociar benefícios a que enten-
da fazer jus.
54. Diversamente, porém, deveria ser o tratamento do caso se esse mesmo admini-
strador afirmasse, na negociação, não apenas que ele sairia da companhia caso não
aprovado um determinado benefício, mas, indo além na estratégia para ter sucesso
241 Conflito de interesses na administração da sociedade anônima. SPINELLI, Luis Felipe; https://www.lume.
ufrgs.br/bitstream/handle/10183/134903/000986773.pdf?sequence=1
55. Nessa segunda hipótese, parece-me que não seria difícil concluir que os padrões
éticos mínimos que se impõem ao administrador teriam sido frontalmente agredi-
dos, configurando-se, nos termos na lei, uma atuação inequivocamente contra os
interesses da companhia.
56. Para utilizar um exemplo extremado, útil apenas para fins de ilustração de ra-
ciocínio, poder-se-ia imaginar o hipotético caso em que o administrador ameaçasse
passar informações confidenciais da companhia para concorrente caso não lhe fosse
concedido um determinado benefício remuneratório.
57. Esse ato, visivelmente ilegal, não seria por ninguém considerado uma negociação
legítima. Embora a infração ora em análise e a do caso hipotético tenham níveis
de reprobabilidade diferentes, uma vez que a segunda envolveria um ato manifesta-
mente ilegal por si só, não tenho dúvida de que em ambos os casos as formas de
negociações dos administradores teriam sido ilegítimas, redundando em violação ao
dever de atuar em prol da companhia.
58. Por mais que me esforce para tentar vislumbrar outras perspectivas, não consigo
ver como natural, correto e legítimo que um administrador se utilize da posição que
ocupa na administração da companhia e da influência que detém sobre outros pro-
fissionais para fazer prevalecer a sua visão e os seus interesses em negociação envol-
vendo contrato em que figura como beneficiário, conduta ainda mais grave se consi-
derarmos o momento especialmente sensível e delicado vivenciado pela companhia.
59. Observe-se que se essa mesmo postura fosse adotada, em uma negociação, por
um concorrente da HRT, isso já seria classificável, no mínimo, como de moralidade
duvidosa. O que se pode dizer então dessa postura por parte de um administrador da
própria companhia!?
60. Imagine-se, por exemplo, se todos os conselheiros adotassem esse mesma forma
de proceder, ameaçando retirar da sociedade os técnicos por eles trazidos caso a sua
visão não prevalecesse nas discussões do conselho. Isso seria um ambiente saudável
de discussão? Representaria uma atuação em prol da companhia? Não tenho dúvida
de que as respostas a essas perguntas seriam negativas!
61. Como expus em setembro de 2017, foi justamente essa a postura adotada por
Márcio Mello e Wagner Peres para forçar a prevalência de sua posição em questão
sobre a qual tinham particular interesse.
62. Não pretendo aqui retornar toda a exposição de fatos já realizada no voto proferi-
64. Essa não é, inequivocamente, uma postura em prol da companhia e que observa
os deveres fiduciários previstos da Lei 6.404/76! Simplesmente não há, pela minha
perspectiva de análise, como se considerar tal atuação como sendo uma conduta le-
gítima e realizada em prol da companhia.
65. As condutas irregulares de Márcio Mello e Wagner Peres, contudo, não param
por aí, uma vez que eles insistiram incisivamente para que a informação sobre o se-
verance package não fosse levada ao conhecimento dos acionistas na assembleia geral
da HRT, obstando, por conseguinte, a ciência dos acionistas sobre esse relevante con-
trato que beneficiava os altos diretores (senior management) que decidissem sair dos
seus cargos por vontade própria, bastando, para tanto, que a composição do conselho
de administração não fosse mantida na decisão da AGO de 2013 (ressalvadas apenas
algumas exceções).
66. Essa campanha para não divulgação dos detalhes do severance package agravou
ainda mais a situação, visto que Márcio Mello não somente interveio no direito dos
acionistas de votarem informada e refletidamente sobre matéria cuja competência
principal é da Assembleia Geral, como também inviabilizou a própria função que o
pacote poderia desempenhar para desestimular a alteração do Conselho de Admi-
67. Sobre esse tema, o Diretor Gustavo Gonzalez, divergindo do meu voto, sustenta
que o objetivo da regra seria a manutenção dos diretores até assembleia, e não a sua
permanência após a assembleia geral. O argumento é interessante, contudo, consi-
derando que o plano de benefícios foi aprovado em março de 2013 e a Assembleia
Geral da HRT seria realizada em abril do mesmo ano, não vejo, com a devida vênia,
nenhum sentido em que se realizasse ampla e complexa negociação, com elevados
custos potenciais para a companhia, apenas para manter diretores na companhia por
pouco mais de um mês.
69. Acrescente-se que a postura de Marcio Mello, colocando seus interesses pessoais
em patamar bem superior ao da companhia, fica evidente quando ele afirma que: “Eu
não quero ser um executivo de uma empresa [em que] qualquer um vem aqui e muda
meu Conselho antes do mandato ”.
70. Essa frase é emblemática para evidenciar a visão de Márcio Mello de que a HRT
seria um negócio privado seu, muito longe da ideia de interesse social que está por
trás de uma sociedade anônima de capital aberto.
71. Tal postura, mais uma vez, não me parece respeitar o dever de atuar em prol da
companhia. A condução despótica de uma companhia, sem conceber a participação
de vozes diferentes, não é definitivamente o padrão de conduta que se espera de um
administrador, nos termos do disposto no art. 154 da LSA.
72. Relembre-se, ainda, que as condições defendidas por Márcio Mello e Wagner Pe-
res para o severance package (e que vieram a preponderar ao final), diferentemente do
sustentado pelos acusados, não protegiam os executivos apenas no caso de mudança
da maioria dos conselheiros (“mudança de controle”), mas sim na hipótese de qual-
quer alteração no Conselho de Administração (com exceção de quatro conselheiros
que ingressaram na companhia ao final de 2012 e que pediram para ser excluídos da
73. Em síntese: adotando qualquer possível critério de revisão da conduta dos admi-
nistradores, seja o bussines judment rule, o entire fairness ou outro eventual parâm-
etro de avaliação, a atuação de Márcio Mello e Wagner Peres no episódio em questão,
ameaçando a sociedade a fim de ver aprovada vantagem que os beneficiava de forma
particular, bem como atuando no sentido de privar os acionistas das informações so-
bre os gatilhos do pacote de benefícios, parece-me, por qualquer ângulo que se adote,
violar agudamente o dever fiduciário de atuar em prol da companhia (colocando os
interesses desta acima dos próprios), bem como os limites éticos que se impõem aos
administradores ao discutir matéria em que tenha interesse particular.
74. Assim, pelas razões expostas no meu voto proferido em setembro do ano passado,
complementadas pelos argumentos acima, mantenho a condenação de Márcio Mello e
Wagner Peres ao pagamento de multa individual no valor de R$ 450 mil.
75. No que se refere à situação de Milton Franke, outro conselheiro indicado como be-
neficiário do severance package, como já havia indicado no início desta manifestação,
pretendo, diante das discussões travadas, alterar a conclusão adotada inicialmente.
78. De qualquer forma, considerando que não há evidencias de que Milton Franke
tenha agido conscientemente em desfavor da companhia, colocando seus interesses
acima dos da HRT, bem como levando em conta que o nível de atuação dos conselhei-
ros nas discussões sobre questões em que eles tenham particular interesse é polêmica
no colegiado da CVM, altero meu voto anterior para absolver este acusado, em espe-
cial porque o processo sancionador não é ambiente adequado para definir questões
jurídicas ainda em aberto.
80. Do exposto, altero meu voto anterior para concluir pela absolvição de Milton Ro-
meu Franke, mantendo integralmente as demais condenações e absolvições.
2. O que motivou a acusação foi a leitura feita pela área técnica da cláusula do Seve-
rance Package que previa indenização aos conselheiros que também eram diretores
estatutários da Companhia, na hipótese em que a assembleia de acionistas rejeitasse
qualquer dos candidatos indicados pela administração para compor o conselho de
administração244. Neste caso, segundo os termos do Severance Package, os conselhei-
ros-diretores, se assim desejassem, poderiam se desligar voluntariamente da Com-
panhia e fazer jus a uma indenização245.
5. Para afastar a incidência do art. 156, o Colegiado entendeu que, apesar de evi-
dente interesse pessoal dos conselheiros-diretores na deliberação sobre o pacote de
benefícios a que fariam jus, seus votos não deveriam ser proibidos. Essa conclusão
estaria respaldada pela autorização que a lei confere aos membros do conselho de ad-
ministração para aprovar o montante individual de suas respectivas remunerações.
7. Assim redefinido o enquadramento jurídico dos fatos, o papel que se impôs ao Co-
legiado diante desta controvérsia passou a ser o de avaliar se os membros do conselho
de administração da HRT, ao negociarem e aprovarem o Severance Package, agiram
em desvio de poder, violando o art. 154 da Lei n° 6.404/76. Em essência, portanto, a
questão se deslocou para a verificação de suposta violação do comando legal segundo
o qual os administradores devem exercer suas atribuições “para lograr os fins e no
interesse da companhia”.
8. Em linha com a doutrina e com os precedentes da CVM, entendo que o exame des-
sa questão envolve a análise da conduta dos administradores, inclusive do conteúdo
das decisões tomadas no âmbito dos órgãos colegiados (conselho de administração e
diretoria), com o objetivo de aferir se elas se conciliam com o objeto social e os inte-
246 Art. 156. É vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o
da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu
impedimento e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza e extensão do seu
interesse.
247 Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no
interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.
248 A decisão a respeito desse ponto se deu pela maioria do Colegiado, que acompanhou a declaração de voto
apresentada pelo Diretor Pablo Renteria.
249 onforme trecho da declaração de voto apresentada pelo Diretor Pablo Renteria na ocasião.
9. No entanto, e é importante frisar, o exame de mérito que o art. 154 impõe não en-
volve um juízo de adequação da conduta ou decisão do administrador no sentido de
avaliar se foram ideais para a companhia. Como bem ponderado pelo então Diretor
Marcelo Trindade ao analisar caso de suposto descumprimento do art. 154 por mem-
bro de conselho de administração:
250 A análise do conteúdo das condutas e decisões decorre dos próprios termos segundo os quais o desvio de
poder é definido. De acordo com Luiz Antonio Sampaio Campos, trata-se da conduta praticada pelos administradores que
“embora observando formalmente os padrões de conduta que lhes são impostos, deles se afastam em essência, conduzindo-se
de forma a atingir finalidade diversa, deixando de privilegiar a sociedade para favorecer os interesses de terceiros ou os seus
próprios” (CAMPOS, Luiz Antonio Sampaio. “Órgãos Sociais”. In: LAMY FILHO, Alfredo e BULHÕES PEDREIRA, José
Luiz (Org.) Direito das Companhias. 2a Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 816.). Recorrendo aos casos concretos,
os precedentes da CVM definiram os contornos do exame imposto pelo art. 154. Confira-se, nesse sentido, o trecho do
voto do então Diretor Otavio Yazbek no PAS CVM n° RJ 2008/4857, j. em 23.08.2011: “Em larga medida, a análise dos
deveres constantes do art. 154 baseia-se em duas dimensões, que entendo serem bastante distintas na prática. A primeira
delas diz respeito à obrigatoriedade, para os administradores, de não desviarem a companhia da persecução de seu objeto
social. A segunda dimensão está mais relacionada à necessidade de atuar no interesse da companhia, sendo vedada, aos
administradores, porquanto investidos de poder de vinculação da sociedade e de disposição de seus bens, a persecução de
interesses próprios ou de terceiros”.
251 PAS CVM n° RJ 2005/7229, j. em 10.05.2006, Dir. Rel. Marcelo Trindade.
11. Nesse sentido, entendo fundamental para a análise que ora se impõe, por ser ele-
mento diferenciador de outras situações já apreciadas pelo Colegiado da CVM (con-
forme explicarei adiante), o fato inquestionável de que, quando da negociação e apro-
vação do Severance Package, oito dos onze membros que compunham o conselho de
administração da Companhia eram independentes, seja porque não eram vinculados
a um acionista controlador252 seja porque não tinham interesse pessoal, direto ou
indireto, na deliberação253.
12. Essa particularidade é relevante pois permite presumir que, ausentes evidências
de má-fé ou fraude, tais conselheiros não estavam imbuídos de interesses outros que
não os da Companhia quando negociaram e aprovaram o Severance Package. Desta
conclusão, decorre uma segunda: dada a natureza colegiada do órgão, segundo a qual
a decisão que prevalece é, necessariamente, a da maioria, e sendo a maioria que apro-
vou tal deliberação, inexistem as condições mínimas para a configuração da atuação
dos conselheiros com desvio de finalidade, nos termos prescritos na lei societária.
13. Obviamente, sob outras circunstâncias, a conclusão poderia ser diferente. Por
exemplo, se a conduta questionada se opusesse de forma contundente ao interesse da
companhia, como nos casos envolvendo atos de liberalidade praticados por admini-
stradores254. Ou, ainda, se a ausência de independência dos administradores cuja deci-
são se contesta fosse flagrante, como já reconhecido em precedentes deste Colegiado255.
252 Conforme a versão do formulário de referência apresentada em 28.01.2013, a HRT, à época dos fatos, era
companhia de capital disperso e não tinha nenhum acionista com participação superior a 15% do capital social.
253 Enquanto os conselheiros Marcio Mello, Milton Franke e Wagner Peres estavam relacionados à Companhia
desde a sua fundação, os demais foram escolhidos em circunstâncias distintas que os dissociavam desse grupo original de
administradores. Além disso, os três primeiros conselheiros tinham interesse pessoal na deliberação porque poderiam ser
contemplados pela indenização prevista no Sevarance Package.
254 Nesse sentido, os PAS CVM n° 02/2011, j. em 08.12.2015, Dir. Rel. Gustavo Borba, PAS CVM n° RJ 2012/3110,
j. em 14.02.2017, Dir. Rel. Pablo Renteria e PAS CVM n° 14/2009, j. em 11.08.2015, Dir. Rel. Luciana Dias. No primeiro, o
diretor presidente da Minasfer S.A., que também era presidente do conselho de administração, foi condenado por desvio
de poder por ter alienado o parque industrial dessa companhia para empresa do mesmo grupo, inviabilizando o exercício
das suas atividades básicas, e por ter transferido o crédito correspondente a esta alienação para outra empresa, também do
mesmo grupo, sem incidência de juros. As circunstâncias desse caso levaram, inclusive, à condenação dos demais membros
do conselho de administração pelo descumprimento do art. 153 da Lei n° 6.404/76 porque, entre outras razões, era flagrante
à inadequação dos atos executados pelo diretor presidente aos interesses da companhia. Segundo o voto do Diretor Relator:
“sendo inconteste que a venda dos ativos imobilizados à Autocast/BHPar eliminou a possibilidade de a Minasfer executar seu
objeto social, e que a postergação do recebimento do crédito por três anos sem previsão de juros foi tão danosa à companhia
quanto benéfica para as contrapartes do mesmo grupo empresarial, não remanesce qualquer dúvida de que os conselheiros de
administração da Companhia não atuaram com o exigido dever de diligência”. O abuso de poder examinado no segundo
processo também era evidente e dizia respeito ao membro do conselho de administração da Companhia de Participações
Aliança da Bahia que recebeu valores dessa companhia em contrapartida a serviços que não foram comprovadamente
prestados no âmbito de contrato de prestação de serviços firmado entre ele e a companhia. Da mesma forma, o terceiro
sancionador envolveu a conduta dos diretores da Mender Júnior Engenharia S.A. que foram condenados por terem cedido
gratuita e injustificadamente parte substancial dos equipamentos da companhia.
255 Foi o que ocorreu, por exemplo, no PAS CVM n° RJ 2005/1443, j. em 10.05.2006, Dir. Rel. Pedro Marcilio.
Neste processo o presidente do conselho de administração da Companhia Força e Luz Cataguazes-Leopoldina, que também
16. O conteúdo dos e-mails trocados entre os conselheiros e das transcrições das reu-
niões em que os termos gerais e a versão final do Severance Package foi aprovada
permite facilmente concluir que houve efetiva negociação a respeito de seus termos e
condições256, tendo surgido, ao longo do processo decisório, uma série de objeções
de parte dos conselheiros independentes que, ao final, resultaram em relevantes alte-
rações das condições originalmente propostas257.
17. A despeito dessa conclusão, deve-se esclarecer que o interesse pessoal dos con-
selheiros-diretores na deliberação não torna a conduta desses sujeitos, necessaria-
era o acionista controlador, assim como os conselheiros por ele indicados, foram condenados por desvio de finalidade por
terem aprovado propostas estatutárias que, em última instância, tinham como finalidade impedir que as ações preferenciais
viessem a adquirir o poder de voto temporário, atendendo unicamente ao interesse do acionista controlador. Neste caso,
a análise do mérito da decisão aprovada pelo conselho, como registrado no voto do Diretor Relator, decorreu, em larga
medida, da evidente ausência do caráter desinteressado da decisão no caso do presidente do conselho e, no caso dos demais
conselheiros indicados pelo controlador, da comprovação a partir das atas e discussões de que teriam agido conforme os
interesses do controlador.
256 Foram trocados uma série de e-mails entre os conselheiros nos quais estes expunham dúvidas, levantavam
possíveis problemas e propunham alternativas relacionadas aos termos e condições do Severance Package (fls. 846-852 e
854-857). Os conselheiros independentes também confirmaram em suas manifestações prévias que discutiram ampla e
intensamente os termos e condições do Severance Package, muitas vezes em reuniões apartadas das reuniões do conselho de
administração, das quais apenas os conselheiros independentes participaram (fls. 246, 256, 265, 280, 287 e 288). Ademais,
as transcrições da reunião do conselho de administração realizada em 04.03.2013 (fls. 1.571-1.575), na qual os termos finais
do Severance Package foram aprovados, ilustram parte das discussões havidas entre os conselheiros como, por exemplo, a
sugestão proposta pelos conselheiros independentes e aceita pelos demais membros de limitar as hipóteses de alteração de
controle (um dos gatilhos do Severance Package) a operações que resultassem na participação, por um acionista ou grupo de
acionistas, igual ou maior a 20% do capital social da Companhia (fls. 1.571-1.572). As transcrições da reunião do conselho
de administração realizada em 22.01.2013 (fls. 1.585-1.587) também demonstram as intensas discussões relacionadas aos
demais gatilhos do Severance Package.
257 Entre as alterações dos termos do Severance Package relativo ao “Senior Management”, destacam-se as
seguintes: (i) um dos gatilhos que poderia disparar a indenização passou a ser a rejeição de qualquer membro dentre os sete
que faziam parte da chapa proposta pela administração à assembleia geral e não mais de qualquer dos onze membros; (ii) a
inclusão da possibilidade de a Companhia rescindir o Severance Package caso, no mês do pagamento das indenizações e no
mês anterior a ele, seu caixa fosse inferior a duzentos milhões de reais; (iii) a inclusão do compromisso de não-concorrência
assumido pelos beneficiários do plano; e (iv) a redução da indenização a que faria juz o Diretor Presidente da Companhia
para três vezes sua remuneração anual (fixa e variável) ao invés de quatro vezes.
18. Parece-me que a conduta desses conselheiros somente poderia ser questionada
se tivessem sido identificados indícios de má-fé ou fraude a denunciar que estariam
agindo pautados por interesses inconciliáveis com os da Companhia. Conforme pro-
curei demonstrar, os fatos não permitem tal conclusão. Ao menos não a ponto de
servir de base para uma condenação no âmbito de processo sancionador.
19. Com efeito, tais conselheiros em nenhum momento obstaram ou mesmo desin-
centivaram a ampla discussão do Severance Package pelos membros independentes
do conselho, quanto menos faltaram com transparência ou lealdade perante estes
naquilo que envolvia o plano de benefícios258. Ademais, tampouco se opuseram à
submissão do pacote de indenizações ao comitê de remuneração da Companhia.
20. Aliás, a revisão e aprovação dos termos e condições do Severance Package por
comitê que, à época dos fatos, era constituído exclusivamente por conselheiros in-
dependentes259, reforça não apenas a higidez do processo decisório - porque mitiga
a eventual influência dos conselheiros-diretores sobre a decisão colegiada do órgão
-, mas também contribui para esvaziar suspeitas quanto à ausência de boa-fé daque-
les conselheiros em relação aos quais poderia se vislumbrar um potencial conflito
de interesses. Afinal, mesmo correndo o risco de que o Severance Package não fosse
aprovado, os conselheiros-diretores não hesitaram em submetê-lo ao crivo do comitê
de remuneração.
21. Todos esses elementos confirmam que a conduta de cada um dos administradores
no processo de proposição, análise, convencimento e deliberação sobre a celebração
do Severance Package se deu sem desobediência aos padrões legais de diligência ou
sem desalinhamento com os interesses da HRT, especialmente quando considerada
a situação operacional e reputacional da Companhia à época, devidamente exposta
pelo Diretor Relator em seu voto.
22. Daí porque não vejo razões para questionar o cumprimento do art. 154, caput, da
Lei n° 6.404/76 pelos administradores da HRT.
23. É também importante ressaltar que avaliar se a decisão que aprovou o Severan-
ce Package foi a melhor ou a mais adequada para a Companhia é irrelevante. Como
258 Depois de formulada a acusação, surgiram nos autos indícios de que os conselheiros-diretores teriam omitido
dos demais conselheiros a existência de acordos de não-competição celebrados com a Companhia em setembro de 2012.
Justamente por não terem sido contemplados pela SEP no termo de acusação, esses indícios não foram levados em conta
para a presente análise.
259 Faziam parte do comitê de remuneração da Companhia que examinou e aprovou o Severance Package os Srs.
John Anderson Willot, Joseph P. Ash, Peter O’Brien e Thomas W. Ebbern.
24. Dessa forma, embora reconheça que a cláusula do Severance Package que motivou
a acusação não seja usual, pelas razões acima apresentadas não vejo como concluir
que os conselheiros da HRT agiram de forma dissonante dos interesses sociais. E,
sendo assim, voto pela absolvição de todos os acusados em relação à acusação de
infração ao art. 154 da Lei n° 6.404/76.
25. Apesar disso, considero importante registrar que, tal como identificado pela acu-
sação, houve falhas informacionais na elaboração da proposta da administração que
subsidiou a assembleia geral ordinária de 2013 da Companhia.
260 Manifestações no mesmo sentido foram feitas, entre outros, no PAS CVM n° RJ 2005/8542, j. em
29.08.2006, Dir. Rel. Pedro Marcilio; PAS CVM n° RJ 2004/5392, j. em 29.08.2006, Dir. Rel. Pedro Marcilio e no PAS CVM
n° RJ 2008/9574, j. em 27.12.2012, Dir. Rel. Ana Novaes.
261 Voto proferido no âmbito do PAS CVM n° RJ 2005/0097, j. em 15.03.2007, Dir. Rel. Maria Helena de Santana.
É como voto.
Marcelo Barbosa
Presidente
2. Da mesma forma, diante dos elementos dos autos e da suscitada assimetria in-
formacional com que os membros do conselho de administração participaram do
procedimento ora investigado, afasto a responsabilidade dos demais acusados.
262 As únicas informações que constaram da proposta de administração era que “O Conselho de Administração,
em 22 de janeiro de 2013, aprovou a celebração de um Instrumento Particular (severance package) entre a Companhia e
seus Administradores que prevê indenização nas condições e hipóteses alí estabelecidas. Considerando como base o mês de
março de 2013, o valor estimado está em cerca de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais)”. As informações adicionais
sobre o Severance Package, incluindo as hipóteses de acionamento do plano, foram tornadas públicas apenas na versão do
formulário de referência apresentada depois da realização da assembleia.
É como voto.
I. PANO DE FUNDO
263 Os termos iniciados em letra maiúscula utilizados neste voto e que não estiverem aqui definidos têm o
significado que lhes foi atribuído no relatório elaborado pelo Diretor Relator Gustavo Borba.
264 Segundo o Formulário de Referência arquivado pela Companhia em 28.01.2013, oito dos onze conselheiros
atendiam aos requisitos de independência do segmento de listagem.
265 Como destaca Nelson Eizirik, “os administradores eleitos na Assembleia Geral se encontram em uma
situação jurídica que decorre da lei e não de um acordo de vontades. Portanto, sua remuneração tem caráter institucional
e obrigatório, representando uma obrigação legal a cargo da sociedade para a qual foram eleitos”. EIZIRIK, Nelson. Direito
Societário: Estudos e Pareceres. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 55.
5. Ressalto, por fim, que o juízo que temos de fazer neste caso se refere a um possível
desvio de poder. Ou seja, não nos cabe sindicar se as decisões foram as melhores ou
as mais adequadas, mas se essas foram tomadas “para lograr os fins e no interesse da
companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa”.
Não se trata, portanto, de avaliar melhores práticas, muito embora o exame não pos-
sa ignorar os arranjos de governança adotados pela companhia ou negar-lhes efeitos
que o sistema da lei lhes atribui.
9. Como indicado acima, o Relator examina de modo diferenciado a atuação dos con-
selheiros desinteressados e interessados. Aplica, para os primeiros, a regra da decisão
negocial (business judgment rule), e para os demais, a regra da justiça integral (entire
fairness).
268 V. os votos do Diretor Relator Pedro Marcilio no Processo Administrativo Sancionador CVM n°
2005/1443 e no Processo Administrativo Sancionador CVM n° 21/2004, j. respectivamente em 10.05.2006 e 15.05.2007. O
importante esforço de sistematização realizado nesses dois precedentes teve como foco o dever de diligência, não havendo
ainda, em nossa jurisprudência administrativa, uma investigação mais aprofundada do dever de lealdade e dos padrões
de revisão apropriados a esses casos. Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ2013/11703 - Voto Vista - Página
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Na jurisprudência norte-americana, reconhece-se que a business judgment rule pode também, ainda que em circunstâncias
bastante específicas, ser aplicada a casos que investigam violações ao dever de lealdade. Nesse sentido, cf. UEBLER, Thomas
A. “Reinterpreting Section 141(e) of Delaware’s General Corporation Law: Why Interested Directors Should Be ‘Fully Protected’
in Relying on Expert Advice”.
In: The Business Lawyer, Vol. 65, n. 4, 2010, p. 1032 (nota 41).
Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ2013/11703 - Voto Vista - Página 4 de 30
12. Confundir o dever de diligência com a business judgment rule conduziria à con-
clusão de que uma decisão interessada não poderia ser considerada diligente, o que,
a toda evidência, não corresponde à realidade, nem reflete o sistema da nossa lei. O
269 EISENBERG, Melvin Aron. The Divergence of Standards of Conduct and Standards of Review in Corporate
Law. 62 Fordham Law Rev. 437 (1993). Disponível em: http://ir.lawnet.fordham.edu/fr/vol62/iss3/1.
270 A doutrina, em especial a norte-americana, diverge quanto à natureza da business judgment rule, havendo
quem a considere uma presunção, um padrão de diligência, uma regra de abstenção ou um
padrão de revisão. Para um resumo dessa discussão, cf. SMITH, D. Gordon, The Modern Business Judgment Rule. Disponível
em: https://ssrn.com/abstract=2620536.
271 PARGENDLER, Mariana. Responsabilidade Civil dos Administradores e Business Judgment Rule no Direito
Brasileiro. Revista dos Tribunais (São Paulo. Impresso), v. 953, p. 51-74, 2015.
A experiência norte-americana
13. Faço essa digressão para justificar um breve exame da jurisprudência norte-
americana. A toda evidência, os processos instaurados pela CVM não são decididos
com base no direito comparado, mas a experiência de outras jurisdições sempre foi
e continua sendo uma importante fonte para o desenvolvimento de nossas regras e
da nossa jurisprudência administrativa, especialmente em casos que analisam vio-
lações aos deveres fiduciários e que, consequentemente, requerem a definição dos
comportamentos adequados à concretização de deveres enunciados, aqui e lá fora,
de forma propositadamente vaga e dos padrões de revisão que podem ser utilizados
pelo julgador272.
16. Por outro lado, os tribunais de Delaware admitem que os administradores ado-
tem certos procedimentos e cautelas a fim de blindarem sua decisão. Tal qual em
outras matérias passíveis de contaminação por interesses conflitantes, busca-se esti-
mular a adoção de procedimentos que garantam a proteção dos interesses da socie-
dade, assegurando uma negociação real entre a sociedade e a parte relacionada in-
teressada (no caso da remuneração, os administradores). Quando os procedimentos
são considerados hígidos e suficientes, os tribunais, a princípio, se eximem de tecer
considerações acerca do mérito da decisão tomada. Aplica-se, consequentemente, a
business judgment rule278.
277 Na clássica decisão da Suprema Corte de Delaware em Weinberger v. UOP (1983): “The concept of fairness has
two basic aspects: fair dealing and fair price. The former embraces questions of when the transaction was timed, how it was
initiated, structured, negotiated, disclosed to the directors, and how the approvals of the directors and the stockholders were
obtained. The latter aspect of fairness relates to the economic and financial considerations of the proposed merger, including
all relevant factors: assets, market value, earnings, future prospects, and any other elements that affect the intrinsic or inherent
value of a company’s stock. (...) However, the test for fairness is not a bifurcated one as between fair dealing and price. All aspects
of the issue must be examined as a whole since the question is one of entire fairness. However, in a non-fraudulent transaction
we recognize that price may be the preponderant consideration outweighing other features of the merger. Here, we address the
two basic aspects of fairness separately because we find reversible error as to both.” O conceito, naturalmente, evoluiu ao longo
dos últimos 35 anos, mas o enunciado de Weinberger continua, em linhas gerais, válido.
278 Conforme explorado com mais detalhe a seguir, a jurisprudência norte-americana ressalva, ainda, que a
business judgment rule não se aplica a decisões teratológicas (usualmente definidas como irracionais). V. itens 49 e ss. deste
voto.
279 V. NYSE Listed Company Manual Section 303A.05 e NASDAQ Stock Market Listing Rule 5605(d)(2)(A).
18. No mesmo sentido, a decisão da Chancery Court de 2014 no caso Lee v. Pincus:
“[The plaintiff] has pled facts sufficient to rebut the business judgment
standard of review because the [transaction] was not approved by a
majority of disinterested and independent directors.”281
19. Destaco que os casos citados nos parágrafos anteriores encontram menção na
mais recente decisão da Suprema Corte de Delaware acerca do assunto: in Re Inve-
stors Bancorp, Inc. Stockholder Litigation, de dezembro de 2017. Esse último caso, é
importante destacar, discutiu o padrão de revisão aplicável a uma decisão interessada
do conselho de administração na outorga, aos seus próprios membros, bem como a
outros executivos, de opções de compra de ações. Mais especificamente, a Suprema
Corte de Delaware decidiu em que situações a aprovação ou ratificação do plano de
opções pela assembleia geral é suficiente para que tais decisões sejam revistas com
base na business judgment rule282.
20. Dessa forma, parece-me que a abordagem proposta pelo Relator é diversa daquela
que prevalece em Delaware para casos similares, por pelo menos dois motivos. Pri-
meiramente, por aplicar padrões diferenciados de revisão para conselheiros interes-
sados e desinteressados, enquanto em Delaware a conduta de todos os conselheiros
é analisada a partir de um mesmo critério, definido diante da avaliação de diversos
elementos, tais quais a composição do órgão e a adoção de determinados procedi-
mentos. Em segundo lugar, por propor solução mais rigorosa do que a dos tribunais
de Delaware, que são conhecidos pela maior propensão a rever o mérito de decisões
dos administradores283, mas que têm, a princípio, analisado decisões tomadas por um
conselho composto por uma maioria desinteressada, como o presente, pela ótica da
business judgment rule.
23. Não vejo razão para não seguirmos nesse caso a orientação dos precedentes, mo-
tivo pelo qual divirjo do Relator e proponho que as condutas de todos os acusados
sejam analisadas a partir do mesmo padrão de revisão. Esse ponto, aliás, já havia sido
debatido pelo Colegiado por ocasião do exame da proposta do Relator de nova defi-
nição jurídica dos fatos284. Naquele momento, prevaleceu o entendimento do Diretor
Pablo Renteria, que assinalou, com propriedade, que “sendo o conselho de admini-
stração órgão colegiado, todos aqueles que concorreram para a formação da vontade
coletiva devem, a princípio, responder, nos mesmos termos, pelas irregularidades
eventualmente cometidas”.
24. Indo adiante, cumpre ressaltar que os interesses potencialmente conflitantes ne-
ste caso se colocam de forma muito menos aguda do que nos precedentes. No Caso
Altona, o conselho de administração deliberava acerca da fixação da remuneração
de sua presidente, a qual era, ademais, controladora da companhia. Assim, embora
os demais administradores, que representavam a maioria do conselho, não tivessem
interesse direto na matéria, é possível argumentar que eles estavam em uma posição,
no mínimo, desconfortável para se opor à controladora majoritária, cuja partici-
pação lhe permitia, sozinha, destituir os eventuais dissidentes e eleger conselheiros
que aceitassem os seus pleitos. Já no Caso WLM, os membros do conselho de admi-
nistração foram acusados e condenados por terem proposto e fixado remunerações
exorbitantes para eles próprios e para os diretores da companhia. Ou seja, todos os
conselheiros eram interessados na matéria.
25. Neste caso, ao revés, temos uma companhia com capital razoavelmente disperso e
284 Deliberada nas reuniões do Colegiado realizadas em 25.10.2016 e 31.01.2017
Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ2013/11703 - Voto Vista - Página 10 de 30
26. Além dessa importante distinção fática, cabe registrar que, nos precedentes, os
administradores eram acusados de infringir tanto o artigo 152 quanto o artigo 154,
enquanto no presente caso discute-se a responsabilidade apenas pela violação a este
segundo dispositivo. No entanto, ao contrário dos aspectos factuais que distinguem
este processo dos julgados anteriores, o fato da acusação ora em análise não fazer
referência ao artigo 152 não resulta em um desvio significativo em relação à citada
jurisprudência, visto que referido dispositivo, como se sabe, enuncia de forma pro-
positadamente ampla os critérios que devem nortear a definição da remuneração dos
administradores.
27. A meu ver, os parâmetros do artigo 152 da Lei n° 6.404/1976 não estabelecem
um dever fiduciário autônomo para os administradores285, nem fixam um padrão
próprio para revisão de decisões relativas à remuneração. Ao contrário, os critérios
ali previstos devem ser aplicados de forma articulada com os deveres estabelecidos
nos artigos 153, 154 e 155 da Lei Societária. Nessa perspectiva, o artigo 152 qualifi-
ca os deveres fiduciários enunciados nos dispositivos que o seguem, temperando-os
para um contexto específico.
30. No mesmo sentido, o Diretor Pablo Renteria destacou no caso WLM que “o art.
152 da Lei n° 6.404/1976 deve ser compreendido como norma de natureza procedi-
mental, destinada a disciplinar o processo decisório a respeito da remuneração dos
administradores de sociedades por ações. Nesse contexto, cabe à CVM examinar o
referido processo decisório com vistas a verificar se ele foi conduzido tendo em conta
os critérios estabelecidos no art. 152 e, em última instância, o interesse social.”
31. As razões para essa abordagem foram bem sintetizadas no voto então proferido
pelo Diretor Relator no Caso Altona:
17. Além disso, estou convicto de que, na imensa maioria dos casos, a
avaliação feita pela própria administração se revelaria muito mais sábia
do que aquela eventualmente alcançada pelo órgão regulador. Afinal, os
administradores se encontram em melhor posição para apreciar quais são
as práticas de remuneração que convém adotar no interesse da companhia.
São eles que possuem as informações necessárias a fim de decidir quais
são as estruturas e os valores de remuneração que permitem recrutar e
reter bons profissionais, bem como promover o saudável alinhamento de
32. Cabe assinalar que a abordagem mais cautelosa adotada pela CVM nos referidos
precedentes não destoa da experiência predominante em outras jurisdições. Nesse
sentido, vale transcrever a lição de Gower e Davies:
In this situation of abstention from settling the substantive issue, attention focuses
on procedure within the company for the setting of directors’ remuneration.”286
33. É importante destacar, todavia, que o exame do processo decisório relativo à re-
muneração nos dois precedentes foi distinto daquele que usualmente é empregado
nos casos instaurados para apurar violações ao dever de diligência e analisados sob
a ótica da business judgment rule. Afinal de contas, o referido padrão de revisão pro-
tege decisões informadas, refletidas e desinteressadas287, e o artigo 152, especialmente
quando combinado com o artigo 154, não pode ser construído como estabelecendo
um critério funcionalmente equivalente à business judgment rule, adstrito a aspectos
procedimentais, para decisões interessadas.
35. O núcleo do artigo 154 exige que o administrador atue no interesse da companhia.
Trata-se, portanto, de um poder-função. Os comandos constantes dos parágrafos são,
de fato, concretizações dessa regra, formalizando o dever do administrador de atuar
com independência em relação àqueles que o elegeram (§1°) e a proibição da prática
286 DAVIES, Paul L.; WORTHINGTON, Sarah; MICHELER, Eva. Gower & Davies: Principles of Modern Company
Law. 9th Ed. Londres: Sweet and Maxwell, 2012, p. 401.
287 V. o já mencionado voto do Diretor Relator Pedro Marcilio no Processo Administrativo Sancionador.
36. Embora a CVM já tenha julgado diversas acusações de infração ao artigo 154, o
conteúdo do referido padrão de conduta e o padrão de revisão a ele associado ainda
não receberam a mesma sistematização do dever de diligência. Dentre as possíveis
explicações para esse fato, pode-se destacar a justificada cautela do Colegiado em
adotar abordagens excessivamente invasivas do mérito de decisões negociais, bem
como o fato de a proibição de atuar em desvio de poder estar, em certa medida (inclu-
sive na topografia da Lei Societária, reconhecida pela sua brilhante sistematização),
colocada entre os dois deveres fiduciários classicamente estudados: o dever de dili-
gência e o dever de lealdade.
37. As linhas que delimitam a abrangência de cada um desses deveres são, muitas
vezes, pouco claras. Como bem assinala Luis Felipe Spinelli, os deveres enunciados
naSeção IV do Capítulo XII da Lei n° 6.404/1976 são todos “extremamente próxim-
os, com influência mútua - não há, portanto, separação clara”288. O artigo 154 é, por
vezes, apresentado como uma das representações do dever de lealdade ao lado do
artigo 155, enquanto outras abordagens destacam a acentuada interpenetração entre
o dever de atuar no interesse da companhia e o dever de diligência do artigo 153.
Nesse sentido, Flavia Parente indica tratarem-se os comandos dos artigos 153 e 154
de deveres complementares289, que eram inclusive apresentados em conjunto na Lei
Societária anterior.
38. De fato, pode-se dizer que o artigo 153 estabelece o modo pelo qual o administra-
dor deve atuar (diligente) enquanto o artigo 154 enuncia a finalidade que deve norte-
ar essa atuação (obtenção de lucro mediante exploração do objeto social, respeitadas
as exigências do bem público e da função social da empresa). Nesse sentido, aliás, o
professor José Alexandre Tavares Guerreiro destaca o caráter nitidamente finalístico
do artigo 154290. No mesmo sentido, Luiz Antonio Sampaio Campos assinala que “o
interesse social representa, portanto, a diretriz e o limite da discricionariedade atri-
buída aos administradores em relação à conduta da companhia”291.
288 SPINELLI, Luis Felipe. Conflito de Interesses Na Administração da Sociedade Anônima. São Paulo: Malheiros,
2012, p. 96.
289 PARENTE, Flávia. O dever de diligência dos administradores de sociedades anônimas. Rio de Janeiro: Renovar,
2005, p. 148. No mesmo sentido, v. o voto da Diretora Norma Parente no Inquérito Administrativo CVM n° 04/99, j. em 17
de abril de 2002.
290 Vale transcrever trecho da lição do professor Guerreiro: “A lei impõe deveres específicos aos administradores,
deveres esses que se entroncam na ampla proposição contida no artigo 153, segundo o qual o administrador da companhia
deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligencia que todo homem ativo e probo costuma empregar na
administração de seus próprios negócios. A imposição de tais deveres, pela lei, apresenta conteúdo nitidamente finalístico,
como se infere do art. 154, uma vez que a atividade dos administradores somente se legitima na medida em que se dirige à
consecução dos fins sociais e no interesse da companhia, satisfeita, ainda, as exigências do bem público e da função social
da empresa”. GUERREIRO, José Alexandre Tavares. “Responsabilidade dos administradores de sociedades anônimas”. In:
Revista de direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 42, 1981, pp. 73-74.
291 CAMPOS, Luiz Antonio Sampaio. “Órgãos Sociais”. In: LAMY FILHO, Alfredo; BULHÕES PEDREIRA, José
Luiz (Org.) Op. Cit., p. 808.
40. Já o artigo 154 exige que o administrador adote não “apenas uma conduta formal-
mente de acordo com os preceitos da LSA, mas, sim, materialmente em linha com os
seus preceitos”292. Por tal motivo, o exame de desvio de poder não se esgota em uma
análise acerca da independência e do interesse do administrador. Com efeito, para
que o artigo 154 cumpra com a sua finalidade, a revisão em casos de suspeita de des
vio requer um olhar diferente e uma consulta mais abrangente, que busque apurar se
atos praticados pelos administradores, ainda que formalmente corretos, buscavam de
fato atingir fins ilegais, contrários à ordem pública ou aos interesses da companhia293.
41. Essa abrangência deve, contudo, ser delimitada com temperança, sob pena de se
transformar uma obrigação de meio em uma de resultado. O caput do artigo 154 não
dá ao julgador um poder indiscriminado para rever as decisões dos administrado-
res. Em especial, não autoriza sindicar se a decisão tomada era a “melhor” ou me-
smo a “mais adequada” dentre as possíveis. O exame acerca do exercício desviado
do poder-função atribuído aos administradores não constitui, destarte, um juízo de
razoabilidade ou de adequação. O que se exige é um exame das justificativas apresen-
tadas para aquela decisão e de eventuais indícios de que o administrador exerceu os
poderes que lhe foram atribuídos em função para satisfazer interesses outros que não
os da companhia.
43. Em seu trabalho sobre o tema, José Cretella Junior assinala, com base na lição
de Waline, que quando o administrador usa os poderes de que dispõe para atingir
fins escusos, normalmente tomará o cuidado de adotar as formalidades necessárias
e apresentar um pretexto legal. Provar o desvio de poder requer, portanto, que se
desmascare o ardil295.
292 Idem, p. 816.
293 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Volume III. 2a Edição, Revista e Ampliada. São Paulo:
Quartier Latin, 2015, p. 130.
294 PARENTE, Flávia. Op. Cit., p. 138. V. ainda COMPARATO, Fabio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O
Poder de Controle na Sociedade Anônima. 6a edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 315.
295 CRETELLA Jr., J. Anulação do Ato Administrativo por Desvio de Poder. São Paulo: Forense, 1978, p. 103 e p. 119.
45. Com essa ressalva, Cretella Jr. destaca, a partir das experiências francesa e italia-
na, os principais sintomas (ou indícios) do desvio de poder no direito administrativo,
dentre os quais destaco, como exemplos: (i) contradição do ato com atos posteriores
ou anteriores; (ii) motivação exagerada, contraditória ou insuficiente; (iii) alteração
dos fatos; (iv) ilogicidade manifesta; (v) disparidade de tratamento; e (vi) precipitação
com que o ato foi editado297. Feitas as adaptações necessárias, parece-me que tais
indícios podem também ser utilizados no âmbito do direito societário.
46. Voltando ao caso em tela, destaco não ter identificado nenhuma prova cabal de
desvio de poder. Esse fato, naturalmente, não é suficiente para concluir pela inocênc-
ia dos acusados ou mesmo pela impossibilidade de apenação, posto que os casos des-
sa natureza são frequentemente analisados com base em provas indiciárias.
47. Ademais, não encontrei no caso elementos que indicassem que a maioria do con-
selho tivesse interesse na matéria questionada ou que não tenha atuado de modo in-
dependente. Dos indícios que tipicamente embasam o exame do desvio de poder no
direito administrativo, parece-me que a decisão questionada no caso em tela poderia
ser revisitada, sobretudo, a fim de checar se há ilogicidade manifesta, que, segundo
Cretella Jr., “é revelada pelo contraste insanável de várias partes da medida, como,
por exemplo, entre os diversos incisos da motivação ou entre a motivação e o dispo-
sitivo”298.
49. O dever de diligência impõe aos administradores que se informem acerca dos as-
suntos que lhes são submetidos e dediquem tempo (dentro das possibilidades) para
a tomada de decisões refletidas. Nesse cenário, embora se reconheça que o juízo de
razoabilidade do administrador299 é, a princípio, insindicável, não se pode proteger
296 Idem, p. 104.
297 Idem, p. 108.
298 Idem, p. 112.
299 Vale ressaltar que o teste da justiça integral a que se refere o Diretor Relator é mais invasivo do que o teste de
razoabilidade. Sobre o assunto, vale citar a lição de Clark: “A conventional statement of the chief judge-made limitation on
executive compensation is that is must be based on services performed for the corporation and must be ‘reasonable’ in amount.
“Similarly, most courts have not limited the standard of review under
the business- judgment rule to subjective good faith, but instead have
employed a standard that involves some objective review of the quality
of the decision, however limited. As William Quillen, formerly a leading
Delaware judge, has stated: ‘[T]here can be no question that for years the
courts have in fact reviewed directors’ business decisions to some extent
from a quality of judgment point of view. Businessmen do not like it,
but courts do it and are likely to continue to do it because directors are
fiduciaries.’ Even courts that seem to use the term ‘good faith’ in relatively
subjective way nevertheless almost always review the quality of decisions
under the guise of a rule that the irrationality of a decision shows bad
faith. Courts have adopted an objective element because a subjective-
good-faith standard would depart too far from the general principles of
law that apply to private individuals. Serious problems would arise if even
an irrational business decision was protected solely because it was made in
subjective good faith.”301 (sem grifos no original)
50. Como bem anota Ricardo Costa, decisões irracionais são aquelas “incompreen-
síveis, absurdas, sem explicação coerente ou fundamento plausível”302. No mesmo
sentido, Allen, Jacobs e Strine, definem como irracional “aquela decisão tão descara-
damente imprudente que chega ser inexplicável, no sentido de que nenhuma pessoa
bem motivada e minimamente informada poderia tê-la tomado”303. É nítido, por-
tanto, o paralelo entre o filtro de racionalidade desenvolvido na seara societária com
Put another way, the amount of compensation must bear a ‘reasonable’ relationship to the value of the services performed to
the corporation. Since the fixing of the executive compensation often involves some element of at least de facto self-dealing, one
may wonder why the courts do not simply deploy the fairness test used in the scrutiny of basic self-dealing. Does the difference
in terminology has any significance? Yes, it marks a real difference in judicial practice. Executive compensation is scrutinized in
a less exacting way than are other contracts with interested officers. (...) The relatively loose scrutiny of executive compensation
under corporate law principles reflects the difficulty of constructing a set of controls that are both justified and meaningful.”
CLARK, Robert Charles. Corporate Law. Boston: Little, Brown and Company, 1986, p. 192 (sem grifos no original).
300 Que não se confunde com o exame de razoabilidade, como ressalta o então vice-chancellor Leo Strine em
In re Netsmart Technologies, Inc. Shareholders Litigation: “What is important and different about the Revlon standard
is the intensity of judicial review that is applied to the directors’ conduct. Unlike the bare rationality standard applicable to
garden-variety decisions subject to the business judgment rule, the Revlon standard contemplates a judicial examination of the
reasonableness of the board’s decisionmaking process. Although linguistically not obvious, this reasonableness review is more
searching than rationality review, and there is less tolerance for slack by the directors. Although the directors have a choice of
means, they do not comply with their Revlon duties unless they undertake reasonable steps to get the best deal.”
301 EISENBERG, Melvin Aron. Op. Cit., p. 442.
302 COSTA, Ricardo; DIAS, Gabriela Figueiredo. “Comentários ao Artigo 64”. In: ABREU, Jorge M. Coutinho de
(Coord.). Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. 1. 2a Edição. Coimbra: Editora Almedina, 2017, p. 782.
303 Tradução livre. No original: “That result flows from the definition of an irrational decision -one that is so
blatantly imprudent that it is inexplicable, in the sense that no well-motivated and minimally informed person could have
made it.” ALLEN, William T.; JACOBS, Jack B.; STRINE, Leo E. “Realigning the Standard of Review of Director Due Care
with Delaware Public Policy: A Critique of Van Gorkom and its Progeny as a Standard of Review Problem”. In: Northwestern
University Law Review, Vol. 96, 2002, p. 452.
51. A maior parte dos casos envolvem decisões que, indubitavelmente, passam pelo
teste de racionalidade, que basicamente exige que as decisões possam ser justificadas
de modo minimamente aceitável. Com efeito, uma possível explicação para o filtro
de racionalidade ser pouco discutido decorre do fato de que esse, quando aplicado
da forma correta, se traduz na fixação do sarrafo em um patamar que é facilmente
transposto. Como assinala Eisenberg:
“To see how exceptional a rationality standard is, we need only think about
the judgments we make in everyday life. It is common to characterize a
person’s conduct as imprudent or unreasonable, but it is very uncommon
to characterize a person’s conduct as irrational. Unlike a subjective-good-
faith standard, a rationality standard preserves a minimum and necessary
degree of director and officer accountability. Further, a rationality
standard allows courts to enjoin directors and officers from taking actions
that would waste the corporation’s assets.305”
52. Esse juízo de racionalidade (ou logicidade) é fundamental para permitir que a
revisão do artigo 154 complemente de modo efetivo a do artigo 153, evitando que
procedimentos vazios, instituídos apenas com o intuito de criar uma falsa aparência
de governança, tenham sucesso em proteger administradores de má-fé. Nesse senti-
do, o então Diretor Otavio Yazbek ressaltou que “ao lado de uma proteção contra de-
cisões tomadas sem a cautela necessária (v.g., de forma desinformada e sem reflexão),
em infração ao art. 153, a lei acionária também estabeleceu, agora no art. 154, uma
proteção contra decisões absolutamente irracionais do ponto de vista dos fins e do
interesse social”306.
53. É claro que não se pode adotar uma postura excessivamente cética, que por medo
de desvios negue aprioristicamente o valor aos procedimentos consagrados no di-
reito societário, aqui e alhures. Assim, a fim de constatar o possível desvio de poder,
deve-se analisar criticamente as justificativas apresentadas pelos administradores e
verificar se existem provas indicando que o ato questionado de fato não foi praticado
no interesse da companhia.
304 “An obvious example of a decision that fails to satisfy the rationality standard is a decision that cannot be
coherently explained”. EISENBERG, Melvin Aron. Op. Cit., p. 443.
305 EISENBERG, Melvin Aron. Op. Cit., p. 443.
306 Despacho de requalificação do Caso Altona, analisado em 01.11.2013.
Processo Administrativo Sancionador CVM n° RJ2013/11703 - Voto Vista - Página 20 de 30
55. De fato, a tese da acusação é baseada, sobretudo, em uma análise das cláusulas
do pacote de indenizações e no correspondente processo de negociação. Dado que
julgamos uma acusação de desvio de poder, parece-me que os aspectos substanciais
devem ser considerados, ainda que com a devida parcimônia. Não nos cabe, como
já ressaltado, examinar se o ato era o melhor ou o mais adequado, mas perquirir se
existem provas do desvio.
56. A prova do desvio de poder no direito societário é assunto pouco discutido, razão
pela qual partimos do direito administrativo. Examinando as características do caso,
parece-me que o único dos sintomas denunciadores do desvio de poder usualmen-
te reconhecidos na doutrina e que poderia, em tese, estar presente no caso é o da
ilogicidade manifesta, que, como assinalei, guarda nítida correspondência com as
discussões desenvolvidas no direito societário acerca da racionalidade das decisões
- mais especificamente, quanto à impossibilidade de que decisões teratológicas, que
não admitem uma explicação lógica, sejam protegidas pela abordagem procedimen-
tal que, via de regra, é o ponto de partida (e por vezes também de chegada) de casos
que examinam violação aos deveres fiduciários.
57. Ressalto mais uma vez que a decisão atacada foi tomada por um colégio indepen-
dente e desinteressado. O que farei, portanto, é analisar criticamente as justificativas
apresentadas a fim de verificar se existem explicações coerentes, à luz do interesse
social, para as decisões acerca do pacote de indenizações.
58. De plano, não vejo como considerar ilógica a decisão dos administradores de im-
plementar um pacote de incentivos que buscasse preservar o capital intelectual da
Companhia durante o período de instabilidade que essa passava. Da mesma forma,
não se pode considerar irracional per se a adoção de modalidades de incentivos em-
pregados por diversas outras companhias, no Brasil e no exterior. Tais comentários
me parecem relevantes para delimitar a discussão, muito embora as principais crític-
as que embasam a acusação sejam, de fato, de outras naturezas.
59. Com efeito, mais do que atacar a legalidade em abstrato de pacotes de indenização
como o aprovado pela HRT em 2013, a acusação questiona os termos e condições
fixados pela Companhia no Severance Package. Em teoria, parece-me que o juízo de
logicidade/racionalidade acima referido permite que se analise a decisão dos admini-
stradores nessa dimensão.
60. Sendo mais específico, pode-se, em certos casos, concluir ser ilógica ou irracional
61. A acusação, em certos momentos, parece avançar nessa linha argumentativa, as-
sinalando que o Severance Package, embora fosse declaradamente um plano de re-
tenção de executivos, serviria, na prática, como um pacote de estímulos à demissão
ou mesmo de entrincheiramento daquela administração. Penso, contudo, que esse
argumento da acusação também não resiste a um exame isento dos fatos, uma vez
que existem justificativas plausíveis e defensáveis para as decisões questionadas tam-
bém nesse ponto.
62. Certos pacotes de indenização, como o aqui analisado, têm como propósito criar
incentivos para que certos executivos não se afastassem da companhia (demitindo-se
ou renunciando ao cargo, conforme o caso) em antecipação a um evento futuro que
esses, por algum motivo, considerem indesejável ou desfavorável. O evento futuro
não é, necessariamente, a demissão do beneficiário. Portanto, a retenção promovida
pelo Severance Package não é necessariamente de longo prazo. Se o pressuposto do
pacote é evitar que o beneficiário se demita em antecipação ao evento X, asseguran-
do-lhe o direito a uma remuneração Y caso, no futuro, o evento X de fato ocorra, o
fato de o beneficiário, na ocorrência do evento X, se retirar da sociedade e exigir o
pagamento de Y não demonstra a insuficiência do incentivo.
63. Esse ponto é importante, pois a meu ver os objetivos do pacote de indenização
não foram bem entendidos nesse processo. O Severance Package não buscava criar
desincentivos para a substituição dos conselheiros pela assembleia geral, mas evi-
tar que certos administradores se demitissem de seus cargos em antecipação a uma
eventual mudança na distribuição de capital (com ingresso de um novo controlador,
majoritário ou não) ou na composição do conselho. Os acusados justificaram esse
objetivo alegando que os beneficiários do Severance Package eram profissionais re-
levantes para a campanha exploratória na Namíbia, considerada estratégica e que
envolvia custos elevados - nesse sentido, as defesas trouxeram elementos indicando
que os prejuízos que adviriam de uma paralisação curta já excederiam os custos que
a Companhia incorreria caso todos os beneficiários do Severance Package acionassem
os seus pacotes e exigissem as indenizações previstas em seus contratos.
64. Indo adiante, parece-me que pode haver casos em que condições específicas da
65. Afinal de contas, o caso em análise envolve uma companhia de capital disper-
so que passava por um período de alta instabilidade, na qual dois administradores
indicaram a intenção de sair do conselho caso a composição fosse alterada com a
participação de membros externos. Ora, queria-se garantir, em antecipação, que eles
permanecessem na Companhia enquanto não se confirmasse tal alteração. É impor-
tante ressaltar, ademais, que o conselho de administração da HRT já havia passado
por uma mudança substancial em 2012, quando foram eleitos quatro conselheiros
indicados por acionistas que não estavam alinhados com a administração. Quando
se considera esse fato, pode-se notar que a eleição realizada em 29.04.2013 alterou
de modo significativo a estrutura de poder do conselho de administração, tornando
minoritário o grupo de conselheiros ligado à antiga administração.
66. Noto, ademais, que existem fartas evidências nos autos de que praticamente todos
os aspectos do plano, desde a decisão de se aprovar um golden parachute para certos
executivos até as características específicas do pacote de indenizações ao final aprova-
do foram, em alguma medida, validadas com terceiros, especializados e de reputação.
Com efeito, a decisão de aprovar um severance package foi originalmente apresentada
por acionistas relevantes, que não eram ligados aos administradores originais, e por
assessores financeiros. A mesma ideia, posteriormente, veio a ser também levantada
por um dos conselheiros independentes e desinteressados, que possuía experiência
com o assunto em outra empresa.
68. É possível que as condições do Severance Package não possam ser consideradas
como as melhores ou mais favoráveis para a Companhia, especialmente quando se
analisa a decisão no retrovisor do tempo, conhecendo o resultado da AGO realizada
naquele ano e as disputas que se intensificaram a partir de então. Porém, os elementos
69. Por outro lado, reconheço que a acusação indicou a existência de sérias omissões
no material fornecido para os acionistas quando da convocação da assembleia geral.
A acusação, todavia, é de desvio de poder e os problemas apontados, embora muito
graves, a meu ver não nos autorizam a concluir pela infração ao artigo 154 da Lei n°
6.404/1976. Por tal razão, parece-me impositiva a absolvição dos defendentes.
71. No caso em tela, é importante repisar, analisamos uma decisão tomada por um
conselho composto por uma maioria desinteressada, com a assessoria de um comitê
de remuneração, composto exclusivamente por membros independentes. Ademais,
há registros detalhados das reuniões em que o conselho analisou o assunto, os quais
demonstram de forma clara que os conselheiros não atuaram de forma concertada.
Ao contrário, em inúmeras passagens resta evidenciado que os conselheiros tinham
visões divergentes acerca de diversos aspectos - e que tais divergências, por vezes, não
decorriam apenas de uma tensão entre, de um lado, conselheiros desinteressados e,
do outro, os beneficiados pela aprovação do Severance Package, refletindo, por vezes,
dissensos inclusive entre conselheiros desinteressados.
72. Esse processo de discussão transcorreu por mais de dois meses, durante os quais
o assunto foi bastante debatido, inclusive com o apoio de assessores externos. Em-
bora os conselheiros interessados tenham participado das reuniões que tratavam de
matéria do seu interesse, noto que os conselheiros desinteressados, quando enten-
diam necessário, suspendiam a reunião a fim de deliberar separadamente acerca da
posição negocial da companhia. Não obstante, a participação dos conselheiros inte-
ressados na deliberação do conselho foi um fator enfatizado tanto pela área técnica
quanto pelo Relator. Também nesse ponto minha posição diverge daquela adotada
por ambos, razão pela qual gostaria de me deter um pouco nesse assunto.
74. Naquela oportunidade, ainda, o Relator indicou que a eventual infração não de-
correria da mera participação dos conselheiros nas reuniões do conselho que deli-
beraram sobre o Severance Package, mas sim das suas efetivas condutas. O Relator
propôs, inclusive, que os conselheiros que ocupavam cargos executivos fossem acusa-
dos também com base no artigo 155, o que não foi aceito em razão do entendimento
do restante do Colegiado de que a responsabilidade a eles imputada (infração ao ar-
tigo 154) seria a mesma atribuída aos demais conselheiros que aprovaram o aludido
pacote de remuneração no âmbito do conselho.
76. Com a devida vênia, e pelos motivos que exporei a seguir, entendo que a posição
do Relator nesse ponto não tem amparo em nosso regime legal e acarreta conse-
quências de difícil aplicação prática. Indo além, tenho dúvidas se tal entendimento
nos ajudaria a alcançar um resultado mais favorável à Companhia.
77. O administrador interessado que deixa de participar das decisões do colégio acer-
ca da sua remuneração não se retira, de todo, do processo de negociação. Ao con-
trário, ele permanece presente do outro lado da mesa, pois continua sendo a contra-
parte da companhia307. De fato, mesmo na teoria formal o acionista ou administrador
conflitado é impedido de participar do processo de formação da vontade social, mas
não de interagir com ela na posição de contraparte.
78. Assim, resta claro que os administradores desinteressados deverão, ao fixar a re-
muneração de outro administrador, considerar as expectativas daquele colega. De
nada adiantaria, por exemplo, decidir por uma remuneração que preserva ao máximo
o caixa da companhia se o valor resultante fosse considerado inaceitável pelo admi-
nistrador. A decisão, é claro, deve sempre se dar no melhor interesse da companhia,
mas essa avaliação não pode ser feita em abstrato, desconsiderando as expectativas
da contraparte. Nesse sentido, já se decidiu anteriormente que a decisão refletida é
aquela que considera as “possíveis consequências” do ato308.
307 CAMPOS, Luiz Antonio Sampaio. “Conselho de Administração e Diretoria”. In: LAMY FILHO, Alfredo e
BULHÕES PEDREIRA, José Luiz (Org.) Op. Cit., p. 843.
308 V. item 31, “ii”, do voto do Diretor Relator Pedro Marcilio no já mencionado Processo Administrativo
Sancionador CVM n° 2005/1443.
80. Desse modo, o fato de Marcio Mello e Wagner Peres terem negociado de forma
dura, buscando fazer prevalecer suas condições, não me parece autorizar a conclusão
de que eles atuaram com desvio de poder. Em linhas gerais, a análise da documen-
tação acostada aos autos me leva a concluir que o processo transcorreu de modo simi-
lar a outras negociações relevantes, especialmente aquelas realizadas em momentos
de crise.
81. O voto do Relator, com a devida vênia, parece exigir que o administrador que
participa das decisões acerca de sua remuneração amolde suas eventuais pretensões
ao que lhe for ao final proposto pela companhia, ou desempenhe um duplo papel: nas
reuniões da administração, deve se colocar como defensor ardoroso dos interesses da
companhia; nas reuniões em que figurar como contraparte, pode expor seus pontos
e entabular uma negociação efetiva. A primeira alternativa me parece negar eficácia
à decisão do Colegiado que reconheceu que, no tocante à remuneração, o admini-
strador conflitado pode tomar parte do processo decisório. Já a segunda alternativa
parece, a meu ver, pressupor que os agentes adotarão comportamentos pouco críveis
e que, ao final, sequer produziriam benefícios reais para a companhia.
83. O dever de disclosure a que se refere Vicenç Ribas Ferrer é o dever de informar
309 FERRER, Vicenç Ribas. El deber de lealtad del administrador de sociedades. 1a edição. Madrid: La
Ley, 2010, pp. 546-547.
84. A decisão do Colegiado reconheceu a inaplicabilidade do artigo 156 uma vez que
a Lei Societária permite aos conselheiros de administração votar sobre a remune-
ração individual de cada administrador, inclusive a deles próprios. Nada se disse,
então, acerca dos deveres de divulgação previstos no caso, até porque, de modo geral,
parece-me inconcebível que a administração311 não tenha informação completa acer-
ca da remuneração ou das vantagens oferecidas a cada um, especialmente quando
negocia a remuneração individual de determinado administrador. A corroborar o
que disse, noto que os administradores são, inclusive, obrigados a divulgar essas in-
formações à assembleia geral ordinária, caso o pedido seja formulado por acionistas
representando participação igual ou superior a 5% (artigo 157, §1°).
85. Faço essa ressalva pois, ao compulsar os autos, identifiquei passagens que colo-
cam dúvidas acerca da suficiência de informações disponibilizadas ao conselho de
administração quanto aos acordos de não-competição celebrados pelos conselheiros
interessados em setembro de 2012312. Essa possível violação, que ressalto não estar
comprovada, não foi, contudo, analisada em profundidade pela SEP, que, consequen-
temente, não formulou nenhuma acusação a respeito.
87. De volta aos autos, a documentação acostada indica que o processo de negociação
do Severance Package resultou em concessões de ambos os lados, podendo a solução
ser de fato considerada conciliatória. Embora tenham defendido suas posições de
modo bastante enérgico, Marcio Mello e Wagner Peres não prevaleceram em pontos
relevantes. Por exemplo, (i) a indenização ao final definida para o contrato de Marcio
Mello foi 25% inferior àquela por ele pleiteada (3x a remuneração anual ao invés de
4x); (ii) a versão final dos contratos incluía uma regra não prevista nas discussões
originais e que liberava a HRT das obrigações de pagamento ali assumidas caso a
310 Idem, p. 564.
311 Em benefício da síntese, e dado não se tratar de assunto relevante para o deslinde do caso, deixo aqui de
me aprofundar nas discussões sobre possíveis arranjos internos de governança, inclusive aqueles destinados a lidar com
situações de conflito de interesse.
312. V. p. ex. fls. 1603-1633.
88. Outro ponto relevante no qual, ao final, prevaleceu a solução intermediária foi na
definição dos gatilhos, nomeadamente na hipótese de mudanças no conselho de ad-
ministração. A posição do conselho de administração de excluir do rol de gatilhos a
eventual substituição dos membros que, na avaliação do próprio conselho, não eram
vitais para o negócio da Companhia é, a meu ver, indício da forma independente
com que os demais membros do conselho reagiram às demandas de Marcio Mello e
Wagner Peres.
89. Diante do exposto, entendo que a forma de atuação dos conselheiros interessados
na negociação de seus pacotes de indenização, ao menos da forma trabalhada pela
acusação, não configurou infração ao artigo 154 da Lei n° 6.404/1976.
IV. CONCLUSÃO
90. Antes de encerrar, gostaria mais uma vez de mencionar as graves deficiências in-
formacionais no material disponibilizado aos acionistas em antecipação à assembleia
geral que deliberou acerca do Severance Package. Embora subscreva integralmente as
conclusões do Diretor Relator Gustavo Borba nesse ponto, gostaria de ressaltar que
esse tipo de episódio fortalece em mim a percepção de que os significativos avanços
promovidos pelas Instruções CVM n° 480/2009 e 481/2009 ainda precisam ser apro-
fundados e amadurecidos em muitos aspectos, inclusive em pontos relacionados à
divulgação das remunerações.
91. Sem pretender aqui me estender em matéria estranha ao julgamento, tenho para
mim que para que os acionistas possam de fato deliberar de modo informado acerca
da remuneração dos administradores, parte das informações que lhes são disponibi-
lizadas quando da convocação da assembleia geral deveria ser apresentada de forma
e com conteúdo distintos daqueles que constam no Formulário de Referência. Este
processo, é claro, não é o local adequado para tais discussões, mas entendo oportuno
fazer esse breve registro.
92. Feita essa observação e diante de todo o exposto, voto pela absolvição de todos
os acusados.
É como voto.
Fundação Sudameris
Ausente a Dra. Estela Lemos Monteiro Soares de Camargo, representante legal do Es-
pólio de Remo Rinaldi Naddeo. Presente à sessão de julgamento o Dr. Adail Blanco,
Procurador-federal da CVM.
Fundação Sudameris
Relatório
6. Em resposta de fls. 111/115, o Banco aduziu que não teria havido qualquer irregu-
laridade na eleição dos membros do Conselho Fiscal para o exercício de 2001, desta-
cando, ainda, que:
i. o Sr. Manoel Moreira Giesteira teria ajuizado ação judicial com vistas a
alterar o resultado da eleição, tendo o Banco obtido efeito suspensivo contra
decisão inicial que lhe fora desfavorável, decisão esta que seria irrecorrível até
o julgamento final da ação, acarretando em que a própria eleição igualmente
não possa ser alterada até então;
ii. o Banco Central do Brasil, a quem competiria tal atribuição, já teria homo-
logado os nomes dos integrantes eleitos para o Conselho Fiscal;
8. Não obstante a decisão da SEP de dar prosseguimento à apuração dos fatos, o Sr.
Manoel Moreira Giesteira interpôs recurso ao Colegiado, pois entendia que a CVM
deveria determinar o “refazimento” de todos os procedimentos e atos ilegais que impe-
diram o exame completo de todos os documentos contábeis e informações solicitados
pelo recorrente referentes ao exercício de 2000. Tal recurso foi apreciado pelo Cole-
giado, tendo ficado consignado no voto do Diretor Relator Marcelo Trindade, seguido
pelos demais membros, o seguinte:
10. De acordo com a contestação do Banco à ação judicial pelo Sr. Manoel Moreira
Giesteira ajuizada, cuja cópia consta dos autos:
iv. o fato de o Sr. Remo Rinaldi Naddeo ter exercido cargo de administração
não implicaria em que seu espólio fosse subordinado ao controlador.
11. Com base nas informações constantes dos autos, a SEP chegou às seguintes con-
clusões:
“a) não nos parece que o reclamante tenha exorbitado de suas fun-
ções, porque esse tipo de avaliação das contas prestadas pela admi-
nistração faz parte de suas atribuições legais e suas denúncias, apesar
de detalhadas e volumosas, não apresentam qualquer tipo de gene-
ralização ou contradição em seus argumentos;
b. o fato desses sócios haverem permutado suas ações ordinárias com ações
preferenciais do controlador, no curto período aproximado de 2 (dois) meses
(01/02/2001 a 06/04/2001) antes da realização da AGO que deliberaria a elei-
1. À vista da manifestação da SEP, bem como àquela anterior do Colegiado, nos termos
do voto do então Diretor Relator Marcelo Fernandez Trindade, entendi estarem ca-
racterizados os indícios de materialidade e autoria necessários ao prosseguimento do
feito, sendo necessário, contudo, que fossem efetuadas pequenas modificações no Ter-
mo de Acusação, notadamente no que diz respeito ao enquadramento das condutas.
2. Pelo acima exposto, votei pelo acolhimento do Termo de Acusação proposto pela
SEP, sugerindo a alteração da imputação de responsabilidades das pessoas envolvidas
na forma descrita abaixo:
a. Banque Sudameris, acionista controlador, para fins do art. 119 da Lei nº 6.404/76,
representado pelo Sr. Dante Tadeu de Santana – brasileiro – CPF nº 403 818 038-72
– residente à Rua Benedito Luis Rodrigues nº 219, Nova Petrópolis, São Bernardo do
Campo, SP – CEP: 09770-590 –, na AGO realizada em 06/04/01 (fls. 18), pela prática
de abuso de poder, tipificado no artigo 117, § 1º, c, da lei nº 6404/76, ao agir de forma a
interferir no procedimento de eleição do Conselho Fiscal e evitar que acionistas mino-
ritários preferencialistas da companhia elegessem o seu representante, o que acarretou
em infração ao que dispõe o art. 161, § 4º, alínea a desta lei;
c. Espólio de Remo Rinaldi Naddeo, representado por sua inventariante, a Sra. Sido-
nea Soares de Oliveira Nadeo – brasileira – CPF nº 938.645.158-15 – residente à Rua
Comendador Elias Zarzur, 301 – Santo Amaro – SP – CEP: 04736-000, por abuso do
direito de voto, na forma prevista no artigo 115 da Lei nº 6404/76, em razão de ter
proferido voto na AGO do Banco Sudameris Brasil S/A de 06/04/2001 com o fim de
causar dano aos acionistas minoritários preferencialistas, que teriam direito a eleger
membros do Conselho Fiscal, nos termos do dispõe o art. 161, § 4º , alínea a desta lei.
Fundação Sudameris
3. Não existe nos autos nenhuma prova objetiva que demonstre a suposta
vinculação entre o Espólio e o acionista controlador do Banco Sudameris e
tampouco que comprove que este teria orientado o sentido do voto proferido
pelo Espólio na AGO de 06 de abril de 2001;
5. Nenhuma das alegações apontadas pela SEP como “fortes suspeitas” é capaz
de comprovar a acusação de que o voto proferido pelo Espólio na AGO de 06
de abril de 2001 teria sido influenciado pela vontade do acionista controla-
dor, na medida em que: (i) a circunstância de o Defendente consistir em um
espólio não autoriza o entendimento de que este não poderia atuar de forma
ativa na preservação dos interesses dos herdeiros do Sr. Remo Rinaldi Nad-
deo; (ii) o fato de não ter comparecido a determinadas assembléias gerais não
caracteriza indiferença do Sr. Remo Rinaldi Naddeo em relação aos destinos
da companhia, e, ainda que isto fosse verdade, o mesmo não se poderia dizer
dos seus herdeiros, que, após a abertura da sucessão, tomaram a iniciativa
de realizar a permuta de ações justamente para que pudessem ter influência
mais ativa “nos destinos do Banco”; (iii) a permuta de ações celebrada entre o
Espólio e o acionista controlador do Banco Sudameris Brasil constituiu negó-
cio jurídico perfeitamente lícito, válido e eficaz, cuja realização veio a atender
ao legítimo interesse do Espólio de, na qualidade de acionista minoritário,
influenciar na eleição de membro do Conselho Fiscal do Banco Sudameris; e
(iv) como o objetivo de tal permuta foi justamente o de permitir que o grupo
de minoritários integrado pelo Espólio tivesse condições de, na AGO subse-
qüente, indicar um representante par o Conselho Fiscal do Banco Sudameris
Brasil, é perfeitamente natural que ela tenha ocorrido em data relativamente
próxima à realização da aludida AGO;
7. Não havendo nos autos nenhuma prova objetiva de que a vontade mani-
festada pelo Espólio na AGO de 06 de abril de 2001 tivesse sido determinada
pelo acionista controlador, há que se reconhecer que, ao votar na referida
Assembléia Geral, o Espólio estava atuando em conformidade com seus legí-
timos interesses como acionista minoritário do Banco Sudameris Brasil, não
se caracterizando qualquer abuso no exercício do direito de voto;
4. As circunstâncias apontadas pela SEP para justificar sua acusação são ab-
6. Não houve violação ao disposto no art. 161, § 1º, alínea “a” da Lei n.º
6.404/76 na votação ocorrida na AGO de 06 de abril de 2001, pois, tendo sido
demonstrada a legitimidade da permuta de ações e a autonomia, em relação
ao Banque Sudameris S.A., dos acionistas Fundação Sudameris e Espólio do
Sr. Remo Rinaldi Naddeo, estes tinham direito de participar da escolha do
representante dos preferencialistas no Conselho Fiscal do Sudameris Brasil; e
É o relatório.
Fundação Sudameris
VOTO
2. Tendo em vista que a administração da companhia era formada por diretores eleitos
pelo acionista controlador, era importante que fosse conferido à minoria – à época
entendida como (i) um quinto do capital social e (ii) acionistas titulares de ações pre-
ferenciais – a garantia de eleger membros para o conselho fiscal das companhias, per-
mitindo, assim representação minoritária neste órgão. Dizia o art. 125 do Decreto-lei
2.627/40:
3. Em mesmo sentido, visando garantir o poder de fiscalização pelos credores, a Lei n.º
4.728/65 também facultou, no caso da companhia ter emitido debêntures com cláusula
de correção monetária, à instituição financeira subscritora desses títulos ou encarregada
de sua colocação, ter um membro no conselho fiscal, nos seguintes termos: “Art. 26.
As sociedades por ações poderão emitir debêntures, ou obrigações ao portador ou no-
minativas endossáveis, com cláusula de correção monetária, desde que observadas as
seguintes condições: (...) § 4º Será assegurado às instituições financeiras intermediárias
no lançamento das debêntures a que se refere êste artigo, enquanto obrigadas à sustenta-
313 Nesse sentido vide Waldirio Bulgarelli “Regime Jurídico do Conselho Fiscal das S/A”, Ed. Renovar, 1998, p. 55.
4. Com o advento da Lei n.º 6.404/76, o instituto do conselho fiscal sofreu modifica-
ções importantes, de forma a aumentar a proteção de acionistas dissidentes, bem como
fomentar a fiscalização dos atos da administração. Vide art. 161:
“Art. 161. A companhia terá um conselho fiscal e o estatuto disporá sobre seu
funcionamento, de modo permanente ou nos exercícios sociais em que for
instalado a pedido de acionistas.
5. A Lei n.º 6.404/76 veio a sedimentar o entendimento de que o conselho fiscal cons-
tituía-se em importante elemento de controle interno dos atos praticados pela admi-
nistração da companhia e para a proteção dos acionistas não controladores. Nas pa-
7. A Comissão de Valores Mobiliários, pelo Parecer de Orientação CVM n.º 19/90, ma-
nifestou seu entendimento acerca da inteligência do art. 161, § 4º, aliena “a” da Lei n.º
6.404/76 e procurou assegurar a efetiva participação dos acionistas não controladores,
nos seguintes termos:
7. O artigo 112 está inserido no capítulo relativo ao direito de voto, voto este
destinado à formação da vontade social. Já o disposto no § 4º do artigo 161
refere-se a uma deliberação especial, destinada a salvaguardar os interesses
das minorias e dos preferencialistas. Trata-se, como se pode facilmente veri-
ficar, de situações distintas, sujeitas a tratamento diferente. Assim, enquanto
no primeiro caso os titulares das ações devem ser necessariamente identifi-
cados, pois comporão o quórum para deliberação sobre matéria comum, no
segundo caso torna-se desnecessária a conversão das ações ao portador em
outras de forma votante, por tratar-se de uma votação visando exclusivamen-
te a eleição de um membro e seu suplente ao Conselho Fiscal.
8. Ressalte-se, ainda, que para não se tornar meramente nominal o direito atribuído
314 Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, “A Lei das S.A.”, Vol I, p. 243, Ed. Renovar, 1997.
10. Para tanto, faz-se necessário, primeiramente, analisar, ainda que breve-
mente, (i) o conceito de acionista controlador; (ii) a relação entre aqueles
acionistas minoritários e o acionista controlador Banque Sudameris S.A.; e,
finalmente, (iii) a operação de permuta realizada.
315 Nesse sentido vide “O Poder de Controle na Sociedade Anônima”, Fábio Konder Comparato, Ed. Forense,
3ªed., Rio de Janeiro, 1983, p. 107. “Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro”, Egberto Lacerda Teixeira e José
Alexandre Tavares Guerreiro, Ed. Bushatsky, 1979, São Paulo, p. 293.
8. Enfatize-se que, nos termos da lei, para que se caracterize o acionista controlador, é
necessário que o acionista reúna essas condições acima apontadas, cumulativamente,
notadamente: (i) que seja titular de direitos de sócio que lhe assegure, de modo perma-
nente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral; (ii) detenha o poder
de eleger a maioria dos administradores; mas só isso a princípio não basta, a lei exige,
ainda, que o acionista controlador use esses direitos para dirigir as atividades sociais.
10. A questão, todavia, torna-se mais complicada quando se está diante de situação,
como a do presente caso, em que não se busca identificar o acionista controlador da
companhia, mas sim analisar se outros acionistas são ou não pessoas a ele ligadas, ou
melhor, se atuaram, principalmente por meio do exercício do direito de voto, repre-
sentando o interesse daquele acionista.
Fundação Sudameris
12. Da análise do estatuto social da Fundação Sudameris (fls. 397/401) pode-se ve-
rificar que se trata de entidade de direito privado, sem fins lucrativos, que, na forma
de seu art. 2º, tem por finalidade (a) prestar assistência material, cultural, recreativa
e desportiva aos funcionários do Banco Sudameris Brasil S/A e demais empresas do
Conglomerado Sudameris; (b) promover e estreitar as relações de solidariedade e mú-
tua compreensão, quer entre os funcionários das diversas empresas do Conglomerado
Sudameris, quer entre estes e seus dirigentes; (c) trabalhar pela elevação do nível cul-
tural de seus membros; (d) cooperar pelo bem-estar deles e das respectivas famílias.
15. O processo deliberativo do Conselho Administrativo, por sua vez, dá-se nos ter-
mos do art. 17 do estatuto social da Fundação Sudameris, da seguinte forma:
19. Entretanto, antes de se concluir pela inexistência de vínculo entre o acionista con-
trolador Banque Sudameris S.A. e a Fundação Sudameris penso ser conveniente veri-
ficar ainda se há ou não relação de cunho econômico capaz de causar subordinação.
20. O artigo 5º, alínea “a”, do estatuto social da Fundação Sudameris determina que o
Banco Sudameris Brasil S/A é seu membro instituidor, em tal capacidade, juntamente
com outras sociedades do Grupo Sudameris, efetuou doações aos cofres da Fundação,
atitude que goza, inclusive, de benefício fiscal para o doador. Veja-se o quadro abaixo
que analisa as doações efetuadas pelo Grupo Sudameris no período entre 1998 e 2002
frente ao total arrecado das contribuições dos membros contribuintes:
22. A meu ver não se pode considerar que determinada entidade de previdência pri-
vada fechada seja considerada vinculada ao seu instituidor por razões econômicas
quando estas razões montam, em média, apenas 10% do valor que é arrecadado com
base nas contribuições dos funcionários, sendo certo que, ano a ano, no período com-
preendido entre 1998 e 2002, a importância das quantias doadas frente ao valor arre-
cado somente decresceu e, frise-se, vinha decrescendo substancialmente muito antes
de haver qualquer discussão sobre a composição do conselho fiscal.
25. Mas a fundação tem direito. As ações dela têm valor. E ela tem todo o interesse em
proteger os seus beneficiários e não o acionista controlador ou a administração.
26. Importa, ainda, notar que o fato da Fundação não ter aparentemente participado
das assembleias, e em dado momento, ter começado a participar, advém de uma pos-
tura — diga-se de passagem — que era bastante comum nas fundações de uma forma
geral, e não só com relação a seu instituidor, mas com relação a todos os investimentos
das fundações. 27. E houve, de fato, e há ainda, um movimento, tanto por parte da
CVM quanto por parte da Secretaria de Previdência Complementar, para incentivar
que as fundações exerçam os seus poderes e direitos nas assembleias das companhias
de que participam e que, dessa forma, elejam os seus administradores e conselheiros
fiscais. Isso é uma política que tem sido incentivada — e a meu ver incentivada forte-
mente e com razão — tanto pela CVM quanto a SPC.
28. Nesse sentido dispõe a Instrução Normativa SPC n.º 39/02, a qual determina que as
entidades fechadas de previdência complementar especifiquem os critérios utilizados
para definição das companhias de cujas assembleias de acionistas participarão. E diz
mais a mencionada Instrução Normativa: deveriam enviar relatório aos seus benefi-
29. A meu ver, em absoluto não se pode presumir que o interesse da Fundação —
qualquer ela que seja — se confunde com o interesse do acionista controlador de sua
instituidora. Isso porque, naturalmente, por trás da Fundação há uma enorme massa
de beneficiários: os contribuintes dessa Fundação e seus beneficiários. Os contribuin-
tes dessa Fundação muitas vezes — ou no mais das vezes — são empregados ou ex-
-empregados do instituidor. E presumir que a Fundação vai assistir passivamente o
beneficiamento do acionista controlador em detrimento da companhia que é onde os
seus empregados trabalham; que é onde estão os ativos que garantem o pagamento
dos seus salários; que é onde a parcela relevante do investimento da Fundação está
alocada, parece-me um contrassenso.
31. Note-se, ainda, que não há qualquer impedimento para que a Fundação invista em
valores mobiliários do seu instituidor, havendo diversos exemplos, tais como a Fun-
dação da Sadia e a Fundação do Banco do Brasil, a Previ - que é a maior delas e que
tem participação relevante do Banco do Brasil e participa da eleição de membros do
conselho de fiscal do Banco do Brasil.
32. Dessa forma, penso que seria algo equivocado se impedir que a Fundação, que tem
o legítimo interesse, inclusive para aqueles que adotam a linha da teoria instituciona-
lista da companhia, de proteger não apenas os seus acionistas, mas proteger ali aquela
comunidade onde a companhia atua, aquele local, os fornecedores, os seus empregos.
35. Vale ressaltar, por fim, que há fundações e fundações: cada fundação tem uma
estrutura administrativa; cada fundação tem uma estrutura financeira. Penso que
sempre se deva examinar, antes de se tirar conclusões generalizadas, caso a caso cada
Fundação, a sua estrutura, sua organização política-administrativa, a forma de seu
financiamento. Todos esses fatores me parecem muito relevantes para concluir se há
ou não há uma subordinação, uma dependência.
36. A área técnica desta CVM entendeu, quando da apresentação de Termo de Acu-
sação ao Colegiado em face dos indicados, que havia “fortes suspeitas” que o Espólio
do Sr. Remo Rinaldi Naddeo tivesse agido representando os interesses do acionista
controlador do Banco Sudameris Brasil S/A, o Banque Sudameris, uma vez (i) que se
tratava de um espólio; (ii) que o Sr. Remo Rinaldi Naddeo havia sido Presidente do
Conselho de Administração do Banco Sudameris de Investimentos S.A.; e (iii) con-
sideradas as ausências nas AGO’s dos dois últimos exercício sociais, caracterizando
omissão ou indiferença quanto aos destinos do Banco Sudameris Brasil S/A.
39. Naturalmente, o acionista pode sempre mudar de ideia. Prova disso é que exami-
nando a vida das companhias não raro se verifica que acionistas que sempre votaram
junto com o controlador passam a votar contra; acionistas que sempre compareciam
deixam de comparecer; acionistas que nunca compareciam passam a comparecer. Te-
nho para mim que estes fatos são bastante frequentes nas companhias. Diferentemente
do voto eleitoral, o voto nas companhias não é obrigatório.
40. Mas o fato é que o acionista, enquanto detiver tal qualidade, terá sempre o direito
41. Dessa forma, entendo que não há prova nos autos que demonstre vínculo entre o
Espólio do Sr. Remo Rinaldi Naddeo e o Banque Sudameris capaz de contaminar o in-
teresse representado no voto proferido pelo representante do espólio na AGO do Banco
Sudameris Brasil S/A realizada no ano de 2001. Aliás, nem a acusação apresentou prova,
mas ficou apenas nas “fortes suspeitas”, que certamente não autorizam condenação.
42. Evidentemente, o vínculo que havia, quando havia, era com o Sr. Remo e natu-
ralmente se extinguiu quando ele deixou de ocupar o cargo de administrador e mais
ainda com o seu falecimento. A partir daí o que pode haver é amizade, consideração,
respeito, mas nada que o destitua da condição de acionista minoritário ou impeça que
exerça os direitos e prerrogativas atribuídas aos acionistas minoritários.
43. É comum — e cada vez mais comum — que as companhias remunerem seus ad-
ministradores com plano de opção de ações - previsto no art. 168 da Lei das S.A.
- alinhando os interesses da administração com os interesses dos acionistas. E será
cada vez mais comum que quando esses acionistas deixarem a companhia, continua-
rão como acionistas, e dali em diante, se não participarem do bloco de controle, serão
acionistas minoritários, nada além de minoritários, porque não fazem parte nem do
grupo de controle nem da administração e não têm nenhuma ligação jurídica ou eco-
nômica que lhes retire esta condição. A ligação que tiveram no passado, quando foram
administradores, não é eterna, dissolve-se quando se encerra o exercício do cargo de
administrador.
45. Mas a situação do ex-administrador, amigo ou inimigo, será sempre igual, a prin-
cípio, a de acionista minoritário apto a exercer todos os direitos inerentes a esta sua
condição de acionista minoritário, inclusive o de participar na composição de colégios
eleitorais reservados a acionistas não controladores.
46. Ora, se isso vale para ex-administrador, por maioria de razões vale para seu espó-
lio, onde, repita-se, o falecimento dissolveu todos os vínculos.
52. Apenas por desencargo, porque a rigor seria juridicamente inaplicável a punição
nessas bases, verifico que tomando emprestado conceitos já adotados pela CVM, no-
meadamente na Instrução CVM n.º 361/02, em especial as definições trazidas em seu
art. 3º, para “acionista controlador” e “pessoa vinculada”, ainda que para os fins previs-
tos naquela instrução, melhor sorte não vejo.
(...)
a) seja titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos
votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administra-
dores da companhia; e
b) use efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamen-
to dos órgãos da companhia. (...)
§ 3º Para os efeitos desta Instrução, não se presume a companhia objeto como atuando
no mesmo interesse do acionista controlador.’
53. A definição do inciso IV do art. 3º da Instrução CVM n.º 361/02 transcrito acima
decorre diretamente da definição de acionista controlador prevista no caput do art.
116 da Lei n.º 6.404/76, conforme se vê sem dificuldades.
54. Já na definição de "pessoa vinculada", adotada no inciso VI acima transcrito, não
há a necessidade de haver participação societária, podendo advir de um contrato ou
de quaisquer relações de fato, sendo, portanto, mais difíceis de serem comprovadas.
55. Dessa forma, entendo que nestas hipóteses, a princípio, têm-se três situações pos-
síveis, quais sejam: (i) relação de coligação; (ii) relações contratuais (principalmente
56. Os dois primeiros casos são mais facilmente identificáveis. No primeiro, basta que
haja participação de ao menos 10% no capital de outra sociedade, na forma do art. 243
da Lei n.º 6.404/76 e, seja verificado, caso a caso, se, por força da relação societária exis-
tente, há ou não vínculo entre a companhia investida e o respectivo acionista investidor.
57. Em mesma linha, na segunda hipótese, aquela em que por meio de relações con-
tratuais validamente estabelecidas entre acionistas são criadas obrigações capazes de
configurar vínculo entre o acionista controlador e outro acionista da companhia, a
constatação é, em teoria, simples, uma vez que há um instrumento que regula as rela-
ções entre as partes, acionista controlador e demais acionistas.
59. Daí que, em condição de normalidade, nada haveria que impedisse os acionistas
em questão de atuar como legítimos acionistas minoritários que são e exercerem todos
os direitos que lhes são atribuídos nesta qualidade, inclusive de participar das votações
reservadas aos acionistas minoritários, tais como a eleição de membro de conselho
fiscal no assento reservado aos minoritários titulares de ações preferenciais.
60. Diga-se, ainda, que, obviamente, a restrição ao direito deve sempre ser interpre-
tada de maneira estrita, donde incabível que se amplie os conceitos legais para impe-
dir que acionistas participem da votação para a eleição do conselho fiscal, no assento
dos acionistas minoritários. Verificada esta qualidade, de acionista não controlador
ou minoritário, válido é o voto. As restrições são as da lei e só aquelas, não cabendo
ampliações do intérprete.
A Operação de Permuta
63. Faz parte da vida da sociedade anônima que acionistas busquem se agrupar para
aumentar o seu poder perante a companhia, o que pode culminar, conforme a prática
64. Na realidade brasileira, embora seja rara a união de acionistas para buscar a to-
mada ou alteração do controle acionário, dada a existência, quase que em regra, de
controle pré-constituído, não é raro que os acionistas minoritários se agrupem para
exercer direitos que isoladamente não possuiriam ou para aumentar o seu poder no
seio da companhia. Tais práticas são ainda mais comuns para os casos onde quer a lei
quer a regulação exijam percentual mínimo para o exercício de determinado direito,
o que vale para cancelamento de registro; assembleia especial; eleição pelo voto múl-
tiplo, eleição em separado para o conselho de administração, tanto para a vaga dos
titulares de ações ordinárias, quanto para o assento dos titulares de ações preferenciais;
eleição para o conselho fiscal; ação de exibição integral dos livros; lista de acionistas
para efeito de pedido público de procuração e por aí vai.
65. Para ficar num exemplo corriqueiro da esfera da CVM, recorra-se ao caso de can-
celamento de registro, onde, genericamente e para simplicidade de raciocínio, se exige
a concordância de 2/3 dos acionistas minoritários titulares de ações ordinárias e prefe-
renciais, para efeito de sucesso do cancelamento de registro e a rejeição por 1/3 desses
mesmos acionistas para obstar o cancelamento de registro. Nestas situações, acionistas
controladores – ofertantes para efeito do cancelamento de registro – e acionistas mino-
ritários e controlador muitas vezes travam enorme batalha em busca de manifestações
dos acionistas minoritários em seu favor. Isto é o acionista controlador busca conven-
cer e angariar o maior número de concordância possível e o acionista minoritário que
não concorda com a oferta procura agrupar o maior número de acionistas minoritá-
rios possível. Ambos estão na busca do convencimento dos acionistas minoritários
para atingir os respectivos quóruns necessários, sendo o controlador em busca dos 2/3
de que necessita e o minoritário insatisfeito em busca do 1/3 que se lhe exige.
66. Ainda a título exemplificativo recordo a recente oferta pública voluntária feita por
acionistas minoritários de Bardella, com o declarado interesse de adquirir maior po-
der político na companhia, mediante a compra de ações. Transcrevo alguns trechos
que constaram do edital de oferta pública:
(...)
52. No mesmo sentido, não é por outra razão que a Instrução CVM nº 358 exige que
os acionistas que adquiram participação relevante em companhia devem divulgar esta
participação publicamente e que a cada acréscimo que represente, no mínimo, 5%
devem fazer nova divulgação. Um dos motivos de tais exigências é a de informar ao
mercado que há um grupo de acionistas que pode vir a exercer direitos importantes na
companhia, inclusive do ponto de vista político; os demais acionistas da companhia,
inclusive outros minoritários, com base nesta informação, podem adotar os procedi-
mentos que entenderem convenientes, inclusive de adquirir maior participação para
sobrepujar a do outro grupo.
53. E não se olvide o dispositivo constante do art. 126, parágrafo 2º, da Lei nº 6.404/76,
que regula justamente o processo de solicitação pública de votos, mediante o pedido
de procuração. Veja-se o mencionado artigo:
52. Assim, toda prática lícita que visa a se organizar, seja por meio da celebração de
acordos de acionistas, seja pela aglutinação de votos visando a eleger determinada
chapa de administradores, é perfeitamente válida e está em linha com o que dispõe
nossa lei societária.
53. Daí porque já se disse, e com razão, que a assembleia geral da sociedade anônima,
nada mais é do que uma reunião de sacos de dinheiro que votam, e que a comparação
da assembléia acionária com a democracia é equivocada posto que na companhia se
compra e se vende votos todos os dias nos pregões das bolsas de valores. O voto é ne-
gociado diariamente ao passo que eleitoralmente tal fato constitui crime.
54. A oferta pública de aquisição de controle, prevista no art. 257 da Lei das S.A. é,
aliás, a prova rematada desse fato. Com efeito, o controle nada mais é do que o resul-
tado do exercício do poder de voto, com as consequências previstas no art. 115 da Lei.
Então, esta oferta pública do art. 257, é a oferta pública de compra de voto.
55. No presente caso o que ocorreu, ao meu ver, foi a concorrência entre dois segmen-
tos, dois grupos, de acionistas preferencialistas - o primeiro liderado pelo Sr. Manoel
Moreira Giesteira e o segundo pela Fundação Sudameris que, tendo o mesmo interesse
na AGO de 2001 do Banco Sudameris Brasil S/A, qual seja, eleger um membro e res-
pectivo suplente para o Conselho Fiscal – que competiram entre si na eleição que lhes
era reservada para o Conselho Fiscal, restando vencido o primeiro segmento.
60. No que se refere ao fato de que a operação de permuta ocorreu apenas alguns me-
ses antes da realização da referida AGO, entendo ser tal fato, assim como manifestado
pelas partes, consistente com o interesse daqueles acionistas minoritários de alcançar
votos suficientes para eleger seu representante para o assento dos preferencialistas no
Conselho Fiscal, na forma do art. 161, § 4º, alínea “a”, na AGO que estava por vir. Não
é diferente da prática de acionistas minoritários que até às vésperas da AGO adquirem
ações no pregão ou fora dele para aumentar o seu poder.
62. Por outro lado, poderia ser contraposto que (i) antes da operação de permuta, o
65. Naturalmente que este eventual e alegado prejuízo seria exclusivamente contábil,
pois que como em regra apenas o acionista controlador faz jus a 100% do prêmio de
controle, quanto mais ações ordinárias detivesse melhor, pois aumentaria a quanti-
dade de ações com direito ao prêmio de controle. Desnecessário recordar que histo-
ricamente o valor dessas operações de alienação de controle em regra tem superado,
substancialmente, o valor da cotação das ações em bolsa. De outro lado, deter ações
preferenciais do ponto de vista do acionista controlador não só não lhe traz benefícios
políticos como também não traz econômico, dado que não é da tradição do acionista
controlador ficar alienando suas ações em bolsa de valores ou especulando. Habitual-
mente, suas ações formam um bloco estratégico que são alienadas ao mesmo tempo e
de uma só vez.
66. Por outro lado, em tese, para os acionistas minoritários ter ações preferenciais pode
representar um negócio oportuno, não só pelos direitos políticos adicionais que ob-
tiveram, mas também pelo fato de que estes acionistas de tempos em tempos podem
se ver na situação de alienar as ações que detêm total ou parcialmente. Dado que as
ações ordinárias não tinham nenhuma liquidez, uma vez que o acionista controlador
detinha mais de 92% das ações ordinárias emitidas, seria mesmo pouco provável que
houvesse interesse real por estas ações em condições normais de mercado, inclusive
porque todo o bloco de ações ordinárias no mercado, mesmo que agrupado (8%), seria
insuficiente para garantir os direitos políticos básicos destas ações, tais como eleição
de um membro do conselho de administração, seja pelo voto múltiplo, seja pelo pro-
cesso de eleição em separado que a reforma da pela Lei nº 10.303 veio a consagrar.
68. Finalmente, um ponto que me parece capital é que a Lei nº 6.404/76 não traz qual-
quer gradação, prioridade ou qualificação a respeito de qual grupo de acionistas mino-
ritários teria o direito de eleger o membro do conselho fiscal na vaga separada para os
acionistas minoritários titulares de ações preferenciais. Para participar nesta votação
basta que o acionista se enquadre nesta classificação, qual seja, a de acionista minori-
tário titular de ações preferenciais. Como visto, é exatamente o caso tanto da Fundação
quanto do espólio. Por que razão os acionistas que se reuniram em torno do Sr. Manuel
Giesteira seriam mais minoritários ou melhores minoritários do que os outros? Por
que se os outros detinham mais votos não deveriam dessa vez prevalecer? A Lei das
S.A., com toda razão, não distingue entre o minoritário belicoso e o minoritário afável;
não privilegia o minoritário beligerante em detrimento do minoritário pacífico ou sa-
tisfeito e vice-versa; não estabelece que o minoritário insatisfeito com a administração
da companhia deve prevalecer, mesmo que tenha menos votos, contra o minoritário
que acredita na administração da companhia.
69. E a lei faz muito bem, porque não seria prudente que se incentivasse a desarmonia
no seio da companhia, pois que nessa situação terminaria que o acionista minoritário,
por cautela, ao invés de incentivar a administração, terminaria por se abster ou votar
sempre contra como forma de preservar o seu direito de futuramente ser considerado
um minoritário de maior grandeza.
70. E aqui há um ponto importantíssimo: é essencial que haja fiscalização, e a Lei das
S.A. tem diversos mecanismos de fiscalização, mas ela não incentiva de forma nenhu-
ma uma atuação beligerante a não ser que haja razão para isso. O que se quer, o ideal,
seria na linha de que houvesse a harmonia entre os acionistas da companhia, porque a
companhia precisa justamente de calma, tranquilidade para ela poder prosseguir com
maior probabilidade de sucesso.
71. Então, é muito prudente que a lei assim não faça; e me parece também que, de
forma nenhuma, a CVM ou o regulador ou quem quer que seja deva intuir ou indicar
ou tomar partido, no sentido de que um acionista minoritário beligerante pode ter
uma situação mais privilegiada do que o acionista pacífico, o acionista que acha que a
companhia está sendo bem administrada, que está satisfeito com a administração da
companhia.
72. Enfim, não há prova nos autos, e este processo, é bom que se diga, tem natureza
disciplinar (onde a prova é essencial) no sentido de que o acionista controlador tenha
interferido na eleição ou indicação do representante dos preferencialistas no Conselho
Fiscal do Banco Sudameris Brasil S/A. O único fato que há é a permuta, mas que, como
se disse, encontra razões legítimas e plausíveis de parte a parte. Além disso, da mesma
forma que o grupo do Sr. Giesteira vinha comprando dia após dia mais votos (rectius
73. E vou além para dizer que mesmo que o controlador tivesse incentivado outros
minoritários a comparecer na assembleia para participar da eleição do conselho fiscal
não haveria igualmente ilegalidade. Não seria ilegal que o controlador incentivasse
que outros acionistas minoritários que eventualmente apoiassem a sua gestão partici-
passem da assembleia e buscassem sobrepujar outros grupos na assembleia, que dele
divergissem. Isso na sociedade anônima é natural. Quem acompanha a dinâmica das
assembleias das companhias abertas vê diversas situações, na qual o grupo que pre-
valeceu numa assembleia para eleger conselheiro fiscal não prevalece na seguinte. E a
prova maior é que na última assembleia, já de 2004, o grupo do Sr. Manoel Giesteira
obteve a maioria dos votos, muitas vezes por conta de votos que foram adquiridos,
seja através de aquisição de ações, seja através da reunião de novos acionistas em seu
grupo. É a dinâmica assemblear funcionando.
74. Finalmente, afirmo que a operação de permuta era existente, válida e eficaz, e a não
ser que venha a ser desconstituída, não se pode negar-lhe os seus efeitos jurídicos plenos.
Conclusão
Diante do acima exposto entendo que, no presente caso, não houve abuso do direito
de voto por parte dos acionistas Fundação Sudameris e Espólio do Sr. Remo Rinaldo
Naddeo na eleição de membro do Conselho Fiscal em Assembleia Geral Ordinária do
Banco Sudameris Brasil S/A realizada em 06 de abril de 2001, previsto no art. 115 da
Lei n.º 6.404/76, motivo pelo qual proponho a absolvição destes indiciados de todas as
imputações que lhes foram feitas.
É como voto.
Friso, como já destacado no voto, que essa é uma análise caso a caso e acompanho, em
sua totalidade, o voto do Diretor-relator.
Eli Loria
Diretor
Declaro ainda que, de acordo com a legislação vigente, a CVM interporá ao Conselho
de Recursos do Sistema Financeiro Nacional recurso de ofício das absolvições profe-
ridas.
Norma Jonssen Parente
Presidente da Sessão de Julgamento
Ementa: Suposto exercício abusivo do poder de controle por parte da União Fe-
deral. Absolvição.
RELATÓRIO
I. DO OBJETO
316 Informações prestadas pelo DRI da Petrobras às fls. 57/62 e também extraídas do “Instrumento Particular de
Confissão de Dívida” às fls. 20/24
317 “Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os
princípios desta Constituição. (...) §2º - Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais
de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação”
4. Segundo apurado, a Amazonas Energia não possuía recursos para adimplir suas
obrigações com a Petrobras por dois motivos principais: (i) os Fundos Setoriais319
não realizaram integralmente as devidas transferências que seriam direcionadas ao
financiamento de geração de energia elétrica nos denominados Sistemas Isolados,
localizados em sua maior parte na região Norte do país; e (ii) a Eletrobrás não se
predispôs a investir recursos, na sua subsidiária integral, que fossem suficientes para
compensar a indisponibilidade orçamentária dos Fundos Setoriais320.
7. Entretanto, a referida garantia a ser prestada pela União não foi efetivada, nos ter-
mos relatados na Carta Presidência 005/2015, de 14.1.2015, referente à “Dívida do Sis-
tema Eletrobras com o Sistema Petrobras”, enviada pela Petrobras ao Ministro Chefe
da Casa Civil, com cópia para os Ministros de Estado da Fazenda e de Minas e Energia,
318 Fls. 58.
319 A Amazonas Energia vale-se dos subsídios provenientes dos Fundos Setoriais para arcar com os custos de
aquisição de gás natural para geração de energia que distribui nos termos da Lei nº 12.111, de 2009. A existência dessa
dívida é reconhecida pela Portaria Interministerial nº 652, de 2014, dos Ministérios da Fazenda e das Minas e Energia
320 Na nota explicativa nº 15.5 das demonstrações financeiras de 31.12.2014, a administração da Eletrobrás
reconhece que a Amazonas Energia é dependente do seu suporte financeiro.
321 A dívida originária era R$2,94 bilhões (fls. 20v).
(...)
Em face do exposto, vimos por meio desta dar ciência dos fatos a V.Exª. e
8. Diante disso, segundo informação prestada pelo DRI da Petrobras à fl. 60, em
03.3.2015 foi realizada reunião com representantes do Tesouro Nacional, do Minis-
tério de Minas e Energia, da Petrobras, da Eletrobras e da Amazonas Energia, onde
ficou acordado que, em substituição à garantia da União, seria celebrado “Contrato de
Penhor em Garantia” por meio do qual seriam penhorados em favor da Petrobras os
créditos detidos pela Amazonas Energia junto à Conta de Desenvolvimento Energé-
tico (“CDE”)322.
12. A área técnica destacou ainda que a própria Petrobras, por meio de seu Diretor de
Relações com Investidores – DRI, informou que os representantes do Ministério da
Fazenda e do Ministério de Minas e Energia participaram da negociação do Instru-
mento de Confissão de Dívida (fl. 18).
13. A SEP ressaltou que tais fatos, que seriam incontroversos e de conhecimento públi-
co, foram também descritos no item 3.3 do Relatório de Administração da Eletrobrás
referente ao exercício de 2014, abaixo reproduzido (fls. 178/179):
III. DA ACUSAÇÃO
14. De início, a SEP consignou que, a seu ver, o uso dado à Petrobras frente aos objeti-
vos que justificam a sua criação seria no mínimo controverso, ainda que tal controvér-
sia não alcance a imputação ao final atribuída à União no Termo de Acusação.
16. Entretanto, por ocasião da análise de que trata o art. 9º da Deliberação CVM nº
538326, de 2008, a Procuradoria Federal Especializada da CVM (“PFE”) divergiu desse
325 “Art. 238. A pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades
do acionista controlador (artigos 116 e 117), mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao
interesse público que justificou a sua criação.”
326 “Art. 9º - Antes da intimação dos acusados para apresentação de defesa, a PFE emitirá parecer sobre o termo
de acusação, no prazo de 30 (trinta) dias contados da data do termo de acusação, analisando objetivamente a observância
17. Por sua vez, a SEP acolheu o parecer da PFE quanto à supressão da acusação de
violação ao citado art. 238, porém optou por manter registrado no Termo de Acusação
a controvérsia em questão, sob o argumento de que poderia o Colegiado, se julgar con-
veniente, considerá-la em sua decisão (itens 9 e 10 do Memorando nº 57/2015-CVM/
SEP/GEA-3, às fls. 240/241).
19. No entender da SEP, a Petrobras não somente possuía o direito de cobrar em Juízo
os créditos que detinha contra a Amazonas Energia, como também detinha conside-
rável poder de barganha para buscar o pagamento sem a necessidade de intervenção
do Poder Judiciário. Todavia, prossegue a SEP, a Petrobras manteve durante longo pe-
ríodo o fornecimento de gás sem qualquer contrapartida, tendo aceito a novação da
dívida em condições que lhe seriam desvantajosas. Segundo a SEP:
20. A SEP também observou que, por ocasião da novação da dívida, a única garantia
existente era aquela pessoal prestada pela Eletrobrás, pois a possível garantia da União
dependia ainda da sua efetiva prestação até 15.02.2015, o que acabou não acontecendo.
Especificamente, não havia tampouco garantia real que pudesse melhorar a qualidade
do crédito quando a Companhia aceitou a novação da dívida, na medida em que o
dos requisitos do art. 6º e o cumprimento do art. 11.”.
327 O risco de crédito das sociedades do Sistema Eletrobrás, que inclui a Amazonas Energia, é tão significativo que
justificou, em 2014, o reconhecimento pela Companhia de R$ 4,5 bilhões, incluindo saldos a vencer das novas dívidas, que
possuem garantia pessoal da Eletrobrás, como perdas em créditos de liquidação duvidosa.
21. Desse modo, a SEP concluiu que “a transferência de riqueza que ocorreu da Com-
panhia para a Amazonas Energia, com a novação da dívida em 31.12.2014, é igual à
diferença entre os R$ 3,26 bilhões e o menor valor presente líquido da nova dívida”.
23. Por último, a SEP concluiu que “o uso da Petrobras em desacordo com a legislação
ocorreu em benefício a sua acionista controladora, a União Federal.”
25. De acordo com a área técnica, o benefício à União decorreria do fato de “não
precisar transferir imediatamente recursos para os Fundos Setoriais com o fim de que
pudessem quitar sua dívida com a Amazonas Energia, assim permitindo que esta so-
ciedade também adimplisse suas dívidas e não tivesse o fornecimento de gás interrom-
pido por exceção de contrato não cumprido”.
26. Nesse tocante, a SEP reporta-se à Portaria Ministerial nº 652, de 10.12.2014, que
dispôs sobre a repactuação da dívida dos Fundos Setoriais com seus credores, entre os
quais a Amazonas Energia, com prazo de pagamento de até dez anos e atualização do
saldo devedor pela taxa SELIC. No entender da SEP, portanto, a União não seria obri-
gada a pagar imediatamente esta dívida, o que manteria hígido o sistema de distribui-
ção de energia elétrica na região norte, justamente porque a Petrobras viria a aceitar
a novação dos débitos das sociedades do Sistema Eletrobrás nas mesmas condições.
27. Pelo exposto acima, a SEP concluiu que a União Federal deve ser responsabiliza-
da, na qualidade de acionista controladora da Petrobras, por descumprir o art. 116,
328 “Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando
provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos
devidos à Fazenda Nacional.”.
329 Recurso Especial nº 727.842
330 Considerando a participação indireta por meio de outras entidades ligadas à União.
V. DA DEFESA
29. A União, por meio da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGNF, apresen-
tou defesa tempestivamente, acostada às fls. 271 a 286.
30. De início, a Acusada destaca que, em suma, imputa-se à União uma ingerência
indevida na repactuação de dívida realizada entre a Amazonas Energia e a Petrobras,
que teria redundado em termos desvantajosos a esta última e, consequentemente, abu-
so de poder de controle decorrente da violação do art. 116, parágrafo único, da Lei nº
6.404, de 1976.
32. Alega a Acusação que, ao orientar esta repactuação, a União estaria impondo à Pe-
trobras um ônus de subsidiar a geração de energia elétrica, o qual não se insere no bojo
do seu objeto social, de modo que estariam sendo esgarçados os fins que justificaram a
criação da companhia. Por fim, pesaria sobre a União, como acionista controladora da
Petrobras, a acusação de ter se omitido, antes mesmo da referida repactuação, diante
da reiterada inadimplência da Amazonas Energia perante a Petrobras, especificamente
entre fevereiro de 2013 e novembro de 2014.
33. Segundo a União, portanto, a Acusação se utiliza de três premissas fáticas para
individualizar a sua conduta abusiva, a saber:
331 Art. 116. Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar
o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os
que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender
332 Parecer nº 00097/2015/GJU-4/PFE-CVM/PGF/AGU e respectivos Despachos, às fls. 147/158.
34. Entretanto, a União alega que as premissas que embasaram a Acusação são equivo-
cadas, pelas razões adiante expostas:
h) Clama para que a Acusação seja declarada nula, por ofensa ao contraditó-
rio e à ampla defesa, ou, assim não entendendo o Colegiado, que seja extinta
sem análise de mérito, por não estar acompanhada de elementos probatórios
que preencham uma das condições da ação (a justa causa).
35. Na análise do mérito, a União expôs, primeiramente, as razões pelas quais a atua-
ção da Petrobras teria ocorrido dentro dos limites de seu objeto social. Sobre isso, a
União afirmou que a repactuação da dívida originária do contrato de fornecimento de
gás para geração de energia pela Amazonas Energia está inclusa, inegavelmente, nos
fins que justificam a criação da Companhia e, consequentemente, nos limites do seu
objeto social, conforme o artigo 26 da Lei n° 10.438, de 2002333 e o artigo 3º do Estatuto
Social da Petrobras334. A União alegou ainda que incube ao Poder Legislativo, e não à
CVM, a definição do interesse coletivo que deve ser perseguido por uma empresa esta-
tal, nos termos do art. 173 da Constituição Federal. Desse modo, tal acusação deveria
ser julgada improcedente no entendimento da União.
36. Ainda no mérito, a União alegou que a conclusão do Termo de Acusação, no senti-
do de que a repactuação da dívida entre a Amazonas Energia e a Petrobras fora desvan-
tajosa para o interesse desta última, baseia-se em uma visão demasiadamente estreita
da operação, na medida em que analisa tão somente as circunstâncias que favorecem
a tese acusatória, sem se preocupar com todo o contexto fático, jurídico e econômico
da sua concretização. Nesse sentido, três questionamentos deveriam ser respondidos:
(i) Será realmente que a dívida originária tinha liquidez e certeza quando da
333 “Art. 26. Fica a Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras, sociedade de economia mista, criada pela Lei n o 2.004, de
3 de outubro de 1953, autorizada a incluir no seu objeto social as atividades vinculadas à energia.”
334 “Art. 3º- A Companhia tem como objeto a pesquisa, a lavra, a refinação, o processamento, o comércio e o
transporte de petróleo proveniente de poço, de xisto ou de outras rochas, de seus derivados, de gás natural e de outros
hidrocarbonetos fluidos, além das atividades vinculadas à energia, podendo promover a pesquisa, o desenvolvimento, a
produção, o transporte, a distribuição e a comercialização de todas as formas de energia, bem como quaisquer outras
atividades correlatas ou afins”
(ii) Será que as chances de êxito em uma cobrança judicial eram tão robustas
ao ponto de ser desvantajosa a repactuação?
37. Quanto aos dois primeiros questionamentos, a União destacou que, no extrato da
ata da reunião do Conselho de Administração realizada em 08.8.2014335, o presidente
da Petrobras Distribuidora alertou que o fornecimento de gás à Amazonas Energia
fora feito, ao longo do tempo, sem um contrato formal. Ademais, a própria área técnica
da Petrobras teria dúvidas a respeito da liquidez e certeza da dívida originária, dando a
entender que a cobrança, possivelmente, dar-se-ia por meio de uma ação ordinária de
conhecimento, conforme descrito às fls. 58 e 59 dos autos, tendo em vista que somente
em 2013 fora realizada licitação para o fornecimento de gás à Amazonas Energia. Por-
tanto, antes da referida licitação, a Petrobras só possuía em face da Amazonas Energia
meras faturas de cobrança, o que, para a União, inviabilizaria uma possível ação de
execução judicial, restando somente a possibilidade de manejo de uma ação ordinária
de conhecimento ou uma ação monitória. E, com a judicialização da questão, a Ama-
zonas Energia poderia discutir amplamente o mérito da dívida, assumindo a Petrobras
o risco de não receber de imediato qualquer quantia.
38. Sobre isso, a União ainda apontou que a Amazonas Energia é a principal pres-
tadora regional do serviço público de distribuição e, por isso, dificilmente o Poder
Judiciário autorizaria o corte do fornecimento de gás a fim de compelir a empresa a
adimplir sua dívida. Além disso, a Amazonas Energia não possui bens susceptíveis de
penhora, na medida em que todos os bens afetados à atividade, de acordo com pacífica
jurisprudência, não seriam passíveis de constrição judicial.
39. Portanto, a União defende que foi justamente neste cenário de risco e insegurança
que a administração da Petrobras (Conselho de Administração e Diretoria), sem qual-
quer orientação da União, optou por repactuar a dívida.
42. No entender da União, não prospera a alegação de que a taxa pactuada deveria ser
superior à taxa SELIC, pois nem mesmo a parte da dívida originária (que possuía las-
tro contratual) contava com a previsão de remuneração pela SELIC. Além disso, caso
se optasse pelo ajuizamento da ação, ao invés da repactuação, seria a Taxa SELIC que
remuneraria o valor cobrado, de sorte que não há qualquer prejuízo na sua escolha.
43. Quanto à garantia ofertada, a União concluiu que houve uma substancial melhora
do crédito. Originariamente, o que existia era tão somente a garantia pessoal prestada
pela Eletrobrás, porém, junto à confissão de dívida, foi celebrado Contrato de Penhor
em Garantia entre a Petrobras e a Amazonas Energia, de parte dos créditos que esta
última detém junto à CDE. Essa última garantia, por ser real, teria aptidão de melhorar
a qualidade do crédito.
44. Pelos argumentos acima elencados, a União defende que os termos da repactuação
foram vantajosos para a Petrobras, devendo a Acusação ser julgada improcedente.
45. Especificamente quanto à alegação da SEP de que a União teria se omitido dian-
te do inadimplemento da Amazonas Energia para com a Petrobras, a Acusada alega
que há que se considerar que as referidas companhias são pessoas jurídicas de direito
privado autônomas, que possuem administração tecnicamente independente e com
autonomia de gestão, não competindo à União, ainda que detenha o controle acionário
de ambas, intrometer-se em contratos de direito privado celebrado entre elas. Assim,
as medidas necessárias ao cumprimento de quaisquer contratos entre as duas compa-
nhias devem ser conduzidas por seus administradores, os quais têm o dever de atuar
com diligência e buscar sempre lograr os fins e os interesses das companhias, satisfeitas
as exigências do bem público e da função social das empresas (artigos 153 e 154 da Lei
nº 6.404, de 1976).
46. Segundo a Acusada, a conveniência e oportunidade, bem como a análise dos ris-
cos, referentes às medidas tomadas para cobrar os valores devidos pela Amazonas
Energia à Petrobras, são de inteira responsabilidade dos administradores desta última,
na medida em que se trata de matéria eminentemente de gestão. Vale dizer, incumbia
à Diretoria e ao Conselho de Administração da Petrobras, nos termos dos artigos 138
47. A União argui que não houve nenhuma espécie de omissão por parte do contro-
lador, pois, como visto, não caberia a ele tomar medidas para o recebimento imediato
do crédito, podendo até mesmo ficar caracterizado um conflito objetivo de interesses.
48. Por fim, a União refutou a acusação de que teria participado diretamente da re-
pactuação entre a Petrobras e a Amazonas Energia, orientando de forma a privilegiar
a primeira companhia em detrimento da segunda. Defende que, mesmo se houvesse
um prejuízo para a Petrobras, o mesmo não poderia ser imputado à União, ante a
inexistência de nexo causal entre a sua conduta como controladora e a repactuação.
49. A União defende que, muito embora a Acusação não tenha indicado em qual mo-
dalidade de abuso de controle ela teria incorrido, as únicas que potencialmente pode-
riam amparar a tese da SEP são aquelas previstas nas alíneas “a” e “f ” do §1º do art.
117 da lei nº 6.404, de 1976337 . Todavia, ambas as espécies somente se concretizam
diante de uma orientação clara e inequívoca por parte do controlador, seja por meio
de deliberação assemblear, seja mediante influência ou pressão externa contundente, o
que não ocorrera no caso concreto.
50. A União observa que o único envolvimento que se possa atribuir a ela se restringe
à oferta da garantia e à análise da suficiência da contragarantia à repactuação, sendo
esta última uma imposição da Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 40 da LC nº 101, de
2000), vez que, ao fornecer garantia à operação celebrada, deve a União, como garan-
tidora, analisar os riscos da dívida garantida e exigir contragarantia. O fato de a União,
ainda que controladora das companhias envolvidas, prestar garantia à operação, não
faz dela participante direta na confissão de dívida garantida, objeto da Acusação.
336 “Art. 138. A administração da companhia competirá, conforme dispuser o estatuto, ao conselho de
administração e à diretoria, ou somente à diretoria. §1º - O conselho de administração é órgão de deliberação colegiada,
sendo a representação da companhia privativa dos diretores. §2º - As companhias abertas e as de capital autorizado
terão, obrigatoriamente, conselho de administração. Art. 139. As atribuições e poderes conferidos por lei aos órgãos de
administração não podem ser outorgados a outro órgão, criado por lei ou pelo estatuto.”.
337 “Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.
§1º - São modalidades de exercício abusivo de poder: a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou
lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação
dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional; (...) f) contratar com a
companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou
não equitativas;”.
53. Com fulcro no art. 11, §5º, da Lei 6.385, de 1976, e no art. 7º da Deliberação CVM
390, de 2001, a União apresentou proposta de celebração de Termo de Compromisso,
posteriormente retirada diante da manifestação adversa da PFE relativa ao cumpri-
mento dos requisitos legais necessários à celebração do ajuste338 (fls. 311/331).
54. Em 03.01.2017, o presente processo foi redistribuído para minha relatoria, em reu-
nião do Colegiado realizada nesta data, nos termos do art. 9ª da Deliberação CVM nº
558/08 (fls. 377).
É o relatório.
VOTO
3. Segundo consta dos autos, a Amazonas Energia deixou de adimplir suas obrigações
com a Petrobras porque os Fundos Setoriais não realizaram integralmente as trans-
ferências com as quais estavam comprometidos, com o fim de subsidiar a geração de
energia elétrica na região norte340 , e a Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (“Eletrobras”)
não se predispôs a investir recursos na sua subsidiária integral que fossem suficientes
para compensar a indisponibilidade orçamentária dos Fundos Setoriais341 .
339 Art. 116. Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar
o seu objeto e cumprir a sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os
que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender
340 A existência dessa dívida é reconhecida pela Portaria Interministerial nº 652, de 2014, dos Ministérios da
Fazenda e das Minas e Energia;
341 Na nota explicativa nº 15.5 das demonstrações financeiras de 31.12.2014, a administração da Eletrobrás
reconhece que a Amazonas Energia é dependente do seu suporte financeiro.
342 A dívida originária era R$2,94 bilhões (fls. 20v).
343 O risco de crédito das sociedades do Sistema Eletrobras, que inclui a Amazonas Energia, é tão significativo que
justificou, em 2014, o reconhecimento pela Companhia de R$4,5 bilhões, incluindo saldos a vencer das novas dívidas, que
possuem garantia pessoal da Eletrobras, como perdas em créditos de liquidação duvidosa.
9. A Defesa, por sua vez, aduz que há de se considerar que as referidas companhias são
pessoas jurídicas de direito privado autônomas, que possuem administração tecnica-
mente independente e com autonomia de gestão, não competindo à União, ainda que
detenha o controle acionário de ambas, intrometer-se em contratos de direito priva-
do celebrado entre elas. Assim, as medidas necessárias ao cumprimento de quaisquer
contratos entre as duas companhias devem ser conduzidas por seus administradores,
os quais têm o dever de atuar com diligência e buscar sempre lograr os fins e os inte-
resses das companhias, satisfeitas as exigências do bem público e da função social das
empresas (artigos 153 e 154 da Lei nº 6.404, de 1976).
10. A Defesa também refuta a acusação de que a União teria participado diretamente
da repactuação entre a Petrobras e a Amazonas Energia, orientando de forma a privi-
legiar a primeira companhia em detrimento da segunda. Observa que o único envol-
vimento que se poderia atribuir à União restringe-se à oferta da garantia e à análise
da suficiência da contragarantia à repactuação, sendo esta última uma imposição da
Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 40 da LC nº 101, de 2000), vez que, ao fornecer
garantia à operação celebrada, deveria a União, como garantidora, analisar os riscos da
dívida garantida e exigir contragarantia. O fato de a União, ainda que controladora das
companhias envolvidas, prestar garantia à operação, não faria dela participante direta
na confissão de dívida objeto da Acusação.
11. Alega ser no mínimo temerário afirmar que a repactuação não seria vantajosa para
a Petrobras, pois a repactuação teria respeitado todas as cláusulas contratuais anterio-
res e originárias (referentes à parte da dívida originária que tinha lastro contratual) e
permitido que a Petrobras começasse a receber seus créditos imediatamente, ainda que
em parcelas, reforçando seu caixa. Além disso, após a repactuação a Petrobras passaria
a contar com título executivo extrajudicial apto a amparar uma ação autônoma de
344 A participação direta e indireta da União no capital social era de 46%, no caso da Petrobras, e de 67,2%, no
caso da Eletrobras, em dezembro de 2014.
12. No entender da Defesa, tampouco prospera a alegação de que a taxa pactuada de-
veria ser superior à taxa SELIC, pois nem mesmo a parte da dívida originária contava
com a previsão de remuneração pela SELIC. Além disso, caso se optasse pelo ajuiza-
mento da ação, ao invés da repactuação, seria a taxa SELIC que remuneraria o valor
cobrado, de sorte que não há qualquer prejuízo na sua escolha.
I – Da Preliminar
14. Tal argumento não pode prosperar porque o Colegiado345 da CVM já firmou en-
tendimento de que é possível responsabilizar o acionista controlador por condutas
omissivas em função dos deveres estabelecidos no art. 116, parágrafo único, da Lei nº
6.404, de 1976, que impõe ao controlador o dever de “usar o poder com o fim de fazer
a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e respon-
sabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para
com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e
atender.”
15. Da leitura do artigo antes transcrito depreende-se que, caso o acionista controlador
não utilize seu poder para realizar o objeto social da companhia, fazer cumprir a sua
função social ou atender direitos e interesses dos demais acionistas, ele viola dever de
agir imposto por lei, a caracterizar infração por omissão ao mencionado dispositivo.
16. E foi justamente com base neste entendimento que foi construída a tese acusatória
no sentido de que, diante da reiterada inadimplência da Amazonas Energia perante a
Petrobras e da posterior repactuação da dívida, a União teria deixado de atender aos
interesses dos demais acionistas da Petrobras, em violação ao parágrafo único do art.
116 da Lei nº 6.404, de 1976.
345 Neste sentido ver também o voto preferido pela Diretora Luciana Dias, no âmbito do PAS 2012/1131, julgado
em 26.05.2015. Também sobre o tema vale destacar as palavras do diretor Pedro Oliva Marcilio de Sousa, no âmbito do
Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2005/1443, julgado em 10.5.2006, o Colegiado decidiu que: “[p]ara dar
efetivação aos deveres impostos ao acionista controlador no art. 116, o art. 117 responsabilizou-o ‘pelos danos causados
por atos praticados com abuso de poder’. Dentre as modalidades de exercício abusivo de poder, a Lei 6.404/76 elencou
algumas hipóteses que não são consideradas quando da análise do voto do acionista não controlador (art. 117, §1˚, ‘e’, ‘f ’,
‘g’ segunda parte e ‘h’). Diferentemente dos acionistas não controladores, os acionistas controladores, enquanto possam ser
assim considerados, têm obrigações e responsabilidades por atos (e mesmo omissões, no caso da alínea ‘g’) não decorrentes
do exercício do direito de voto”
19. Vale destacar também em sede preliminar que, originalmente, a SEP havia im-
putado à União a violação ao art. 238 da Lei nº 6.404, de 1976346 , porém excluiu tal
acusação ao acolher sugestão contida no parecer da Procuradoria Federal Especiali-
zada – PFE, emitido por ocasião da análise da peça acusatória, em atendimento ao
disposto no art. 9º da Deliberação CVM nº 538, de 2008. Não obstante, a SEP optou
por registrar na versão final do Termo de Acusação o seu entendimento inicial acerca
da matéria, sob o argumento de que poderia o Colegiado, caso julgasse conveniente,
considerá-lo em sua decisão347 . Nesse sentido, consignou que o uso dado à Petrobras
frente aos objetivos que justificam a sua criação seria no mínimo controverso, ainda
que tal controvérsia não tenha alcançado a imputação ao final atribuída à União.
20. Em que pese a intenção da área técnica, não é possível análise pelo Colegiado, em
sede de julgamento, de conduta que não fora imputada pela Acusação, pois o regime
regulatório estabelecido pela Deliberação CVM nº 538, de 2008, segregou as funções
investigativa e acusatória da função julgadora. A mencionada deliberação atribuiu às
superintendências autonomia para a condução do procedimento apuratório e a for-
mulação da acusação, ao passo que reservou ao Colegiado o julgamento dos processos
sancionadores.
21. Como a SEP decidiu suprimir do Termo de Acusação eventual acusação de infra-
ção ao art. 238 da Lei nº 6.404, de 1976, anuindo com o entendimento manifestado
pela PFE, não cabe ao Colegiado, em respeito ao regime regulatório em vigor, acres-
centar em sede de julgamento imputação ao Acusado além daquela que consta da peça
acusatória.
22. Por tal razão, restou prejudicada eventual admissão e apreciação, pelo Colegiado,
do entendimento inicial da SEP sobre a matéria.
II – Do Mérito
24. Antes, porém, de examinar a conduta da União no presente caso, é importante des-
tacar que a Lei nº 6.404, de 1976, atribuiu à pessoa jurídica que controla a companhia
de economia mista os mesmos deveres e responsabilidades conferidos ao controlador
privado (artigos 116 e 117), ressalvando, contudo, que ele poderá orientar as ativida-
des da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação,
conforme prevê o art. 238 da mesma lei.
26. Como bem consignado no voto da Diretora-Relatora Luciana Dias, muito em-
bora o acionista controlador da sociedade de economia mista possa tomar decisões
alinhadas ao interesse público que justificou a criação da sociedade (art. 238), ele está
obrigado a observar todas as demais regras da Lei nº 6.404, de 1976, inclusive as que
limitam o seu próprio poder (art. 235 e art. 115, §1º, e artigos 116 e 117).
27. Assim, a atuação do acionista controlador das sociedades de economia mista tem
recebido olhar atento por parte da CVM, pois, diante dos fatos notórios ocorridos,
somente a percepção clara de que há limites para atuação da pessoa que controla a
companhia de economia mista poderá recuperar a confiança dos agentes de mercados
nestas companhias, que são, sabidamente, de grande importância para o desenvolvi-
mento econômico brasileiro.
30. Além disso, o referido estatuto também proibiu a indicação para o Conselho de
Administração e Diretoria representantes do órgão regulador ao qual a sociedade de
economia mista está sujeita, de Ministro de Estado, de Secretário de Estado, de Se-
cretário Municipal, de dirigente estatutário de partido político, de titular de mandato
no Poder Legislativo, dentre outras vedações, buscando afastar ao máximo eventual
influência política nos órgãos decisórios das companhias (art.17, §2º).
31. Como se vê, as atenções estão voltadas para as sociedades estatais e seus correspon-
dentes acionistas controladores que, repita-se, devem orientar as atividades sociais em
harmonia com os interesses dos demais acionistas, não podendo pautar sua atuação
em desrespeito ao capital privado, sob pena de responsabilização.
32. Feitos estes comentários e retornando ao caso concreto, impõe-se afirmar, desde
logo, que a Acusação não conseguiu reunir elementos suficientemente aptos a compro-
var a responsabilidade da União no presente processo.
34. O art. 245 da Lei das S/A estabeleceu que “os administradores não podem, em
prejuízo da companhia, favorecer sociedade coligada, controladora ou controlada,
cumprindo-lhes zelar para que as operações entre as sociedades, se houver, observem
condições estritamente comutativas, ou com pagamento compensatório adequado; e
respondem perante a companhia pelas perdas e danos resultantes de atos praticados
com infração ao disposto neste artigo”. No tocante à responsabilidade dos acionistas
controladores, a referida lei reservou a alínea “f ” do §1º do art. 117 para tratar do tema,
ao dispor que o acionista controlador responde pelos danos causados por contratar
com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha
interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas.
19. A isso se poderia objetar que seria mais justo tratar o controlador do
mesmo modo que os administradores, tendo em vista a influência que ele é
capaz de exercer na condução dos negócios da companhia. Nessa direção,
poderia aventar-se a possibilidade de responsabilizá-lo por eventuais
falhas verificadas no processo de negociação, com base no parágrafo único
do art. 116, sob a alegação de que se trata de modalidade de abuso diversa
daquela prevista no art. 117, §1º, alínea “f ”.
20. Tal posição, contudo, não me parece correta, uma vez que confunde
perigosamente as funções desempenhadas pelos administradores com
aquelas do controlador. Isto porque, no regime jurídico adotado pela Lei
nº 6.404/1976, compete à administração, e em particular à diretoria,
conduzir o processo de negociação que precede a contratação, em nome
348 Voto condutor da Pres. Maria Helena Santana, PAS CVM nº 25/2003, Rel. Dir. Eli Loria, julgado em 25.3.2008.
349 Como, aliás, amplamente reconhecida na doutrina pátria. V., por todos, Nelson Eizirik, A Lei das S/A
Comentada, vol. 4, São Paulo: Quartier Latin, 2015, 2ª ed., p. 249.
37. Como os administradores são os responsáveis diretos pela condução dos negó-
cios de uma companhia, não se pode atribuir automaticamente responsabilidade ao
acionista controlador quando os administradores violem os seus deveres, visto que as
companhias possuem administração independente e com autonomia de gestão. Com
efeito, tal caracterização depende da identificação do grau de influência do acionista
controlador na administração da companhia ou no desfecho de determinado negócio,
ou ainda do momento a partir do qual a não interferência do acionista controlador
em relação a assunto relevante para a companhia é reprovável em face de seus deveres
estabelecidos nos art. 116 e 117 da Lei nº 6.404, de 1976.
38. No que se refere a este último aspecto, deve-se admitir a dificuldade em se carac-
terizar precisamente o momento a partir do qual a omissão do acionista controlador
é repreensível, pois, como já dito, cabe aos administradores à condução do dia a dia
da companhia. A CVM já enfrentou essa questão no julgamento do PAS CVM nº
39. Segundo restou comprovado, o Estado de São Paulo deixou de atender os interesses
dos demais acionistas da EMAE ao permanecer inerte durante vários anos em face
da relação desvantajosa em que se encontrava a EMAE, devido à captação gratuita de
águas pela Sabesp sem que houvesse qualquer compensação à EMAE pela retirada de
águas, mesmo após ser instado pela administração da EMAE para resolver o impasse
entre as companhias.
41. Os documentos constantes dos autos revelam que os impactos da dívida da Ama-
zonas Energia e o status de negociação já em trâmite com a devedora vinham sendo
amplamente discutidos no âmbito da Diretoria Executiva, do Conselho de Adminis-
tração e do Conselho Fiscal da Petrobras (fls. 63 a 86).
42. A partir desses documentos, infere-se que em março de 2014 já existia proposta de
negociação da dívida da Eletrobras junto a Petrobras, com base em valor atualizado
até 31.12.2013, para pagamento em 84 vezes e com atualização pela Taxa SELIC350,
conforme solicitação de aprovação constante do Documento Interno Petrobras (DIP)
Finanças nº 65, de 7.3.2014. Observa-se que tais condições muito se assemelham àque-
las ao final acordadas entre as partes em dezembro de 2014.
49. Como visto acima, as tratativas referentes à negociação da dívida com a Amazonas
Energia já ocorriam no âmbito dos órgãos sociais da Petrobras, pelo menos, desde
março de 2014, tendo a administração da Petrobras ao longo deste período discutido
as medidas a serem tomadas com vistas à satisfação de seu crédito, bem como avaliado
as implicações de uma decisão a respeito do assunto, notadamente o risco proveniente
de eventual interrupção do suprimento de energia no Estado do Amazonas.
50. Assim, pelo teor das discussões havidas nos órgãos sociais da Petrobras, não se
pode afirmar que os administradores da Companhia ficaram inertes em face da dívida
com a Amazonas Energia.
51. Outra circunstância do caso concreto que parece não ter sido bem avaliada pela
Acusação refere-se à conclusão de que a novação de dívida foi financeiramente desvan-
tajosa para a Petrobras, na medida em que a taxa de desconto da dívida da Amazonas
Energia deveria necessariamente ter sido superior à SELIC, dado que o risco de cré-
dito da Amazonas Energia e de sua controladora Eletrobrás era superior ao da União.
No entender da Acusação, a nova dívida possuiria valor presente líquido inferior aos
R$3,26 bilhões da dívida substituída, que seria líquida e exigível em dezembro de 2014.
53. Ademais, a análise sobre o valor presente líquido empreendida pela SEP esbarra
no limite de atuação da CVM em casos semelhantes, pois compete à Autarquia, no
exercício das atribuições que lhe foram conferidas pela Lei nº 6.385, de 1976, o dever
de avaliar o processo que levou até a decisão da administração. Não cabe ao regulador
colocar-se no lugar do administrador e determinar qual deveria ter sido o desfecho
ideal para determinado negócio, pois, conforme posição já consolidada no âmbito
desta Autarquia352, não compete à CVM adentrar no mérito da decisão, aplicando-se
às circunstâncias a regra da decisão negocial (business judgment rule)353 .
352 É o que se extrai, por exemplo, do voto proferido pela Diretora-Relatora Maria Helena Santana no PAS CVM
nº RJ2005/0097, julgado em 15.3.2007: “Antes de concluir, gostaria de comentar o que foi utilizado pela SEP como razão
principal para caracterizar o cometimento de todas as infrações que entendeu serem imputáveis aos indiciados neste
processo. Foi considerado pela área técnica que os títulos adquiridos pela TCO contavam com garantias insuficientes, dadas
as informações constantes dos autos a respeito da situação econômico-financeira de seus emissores. Em minha análise,
não considerei essa motivação, nem entendo que isso tenha feito falta, para chegar às conclusões que proponho. Mas, mais
que isso, creio que considerações sobre o mérito de decisões de negócio, em geral, extrapolam o papel do regulador, em
sua tarefa de revisão da legalidade dos atos dos administradores de companhia aberta. O regulador deve evitar que sua
eventual avaliação seja fator que influencie a análise sobre a legalidade da atuação dos administradores, pois pode observar
as decisões tomadas por eles em condições de certa forma mais favoráveis, e sem dúvida bastante distintas das que enfrenta
o gestor na hora de fazer escolhas. O gestor de companhia lida com restrições de tempo e de recursos que o levam a dedicar
mais ou menos tempo a certas decisões, a realizar estudos mais ou menos aprofundados em cada caso, e isso faz parte de
suas responsabilidades. Além disso, ele certamente dispõe de dados que não estão disponíveis para o regulador, os quais
considera em suas decisões. Mas a análise da CVM sobre determinado ato de gestão conta com uma grande vantagem,
que não seria justo permitir que fosse usada em prejuízo dos administradores: ela é feita de posse da informação sobre o
resultado que o ato acarretou. Se a revisão da legalidade de atos de administração, portanto, puder avançar em aspectos
do mérito das decisões, estaremos correndo o risco de reduzir o dinamismo de nossas companhias abertas, pois estará
sendo incentivada uma postura extremamente avessa ao risco por parte dos seus administradores.” Vide, dentre outros, os
seguintes PAS: 25/2003 (julgado em 25.3.2008), 8/2005 (julgado em 12.12.2007), 21/2004 (julgado em 15.5.2007) e 9/2003
(julgado em 25.1.2006).
353 BRIGAGÃO, Pedro Henrique Castello. A Administração de Companhias e a Business Judgment Rule. São
Paulo: Quartier Latin, 2017. p. 107 e 108. “A business judgment rule é dos temais mais importantes que permeiam o
regime de responsabilidade dos administradores de companhias. Como se viu, um dos principais desafios enfrentados
pelo legislador ao estabelecer este regime é encontrar o equilíbrio ideal entre (i) a necessária prevenção de eventuais abusos
da posição de confiança detida por diretores e conselheiros perante as companhias e (ii) a também necessária liberdade e
discricionariedade que eles devem ter para gerir os negócios sociais. Se é verdade que administradores devem responder
por danos que causarem ao patrimônio de companhias de forma culposa ou dolosa, também é verdade que a atividade
por eles executada está sujeita a erros cometidos sem culpa que podem prejudicar essas sociedades. Caso se permita a
responsabilização de diretores e conselheiros por esses erros, profissionais conscientes e capazes não se aventurarão em cargos
de administração de companhias. Temendo sua responsabilização, aqueles poucos que ainda remanesceriam evitariam a
tomada de riscos, que é essencial para a consecução de lucros, como exposto no primeiro capítulo deste trabalho. Também
não seria surpreendente se acionistas insatisfeitos com a gestão, mas sem participação societária suficiente para substituir
os administradores, passassem a ajuizar ações contra eles. Dessa forma, mesmo com pouca expressividade no capital social,
passariam a intervir indevidamente no mérito dos atos de gestão, que cabem aos diretores e conselheiros, e não aos sócios. É
bom lembrar, nesse sentido, que juízes não são administradores e, por isso, não são os mais indicados para analisar o mérito
57. Registre-se que tais condições são muito semelhantes àquelas que já eram negocia-
das pela Petrobras com a Eletrobras desde, ao menos, março de 2014, como se verifica
da leitura dos atos societários antes mencionados e, segundo a Defesa, eram exata-
mente as mesmas previstas no contrato original e as que seriam provavelmente obtidas
caso se optasse pela via judicial.
58. Além disso, a presunção a respeito da liquidez e certeza do crédito detido pela
Petrobras em face da Amazonas Energia utilizada para a Acusação afirmar que a Com-
panhia deveria ter ingressado com uma ação judicial, ao invés de repactuar a dívida,
foi bastante diminuída com a informação de que o fornecimento de gás entre as com-
panhias se deu sem a existência de um contrato formal até 2013, conforme consta do
extrato da ata da reunião do Conselho de Administração da Petrobras às fls. 71 e 72.
59. A própria área técnica da Petrobras tinha dúvidas a respeito da liquidez e certeza
da dívida originária, dando a entender que a cobrança, possivelmente, dar-se-ia por
meio de uma ação ordinária de conhecimento, tendo em vista que somente em 2013
fora realizada licitação para o fornecimento de gás à Amazonas Energia, consoante
descrito às fls. 58 e 59.
da atuação desses profissionais. Não seria justo nem razoável, portanto, que eles ditassem como administradores deveriam
ter agido para evitar prejuízos. Sua análise, então, deve se ater apenas à legalidade do procedimento decisório. Nesse
contexto, ao definir e limitar as hipóteses em que administradores responderão pessoalmente pelos danos que causarem à
sociedade anônima quando da tomada de decisões negociais, é a business judgment rule o instrumento que contribui da
maneira mais consistente para que o regime de responsabilidade dos administradores esteja o mais em linha possível com
a realidade da administração de companhias”.
354 A dívida originária era R$2,94 bilhões (fls. 20v).
61. Acrescente-se que a repactuação também estabeleceu que a União prestaria “ga-
rantia fidejussória irrevogável e irretratável” vinculada à contragarantia que deveria
ser outorgada à União pela Eletrobras e pela Amazonas Energia até 15.2.2015, caso
contrário, passaria a Eletrobras à condição de fiadora e devedora solidária da dívida
(cláusulas segunda e quarta). Nesse aspecto, a Acusação salienta que, por ocasião da
novação da dívida, a única garantia existente era aquela pessoal prestada pela Eletro-
brás, pois a possível garantia da União dependia ainda da sua efetiva prestação até
15.02.2015, o que acabou não acontecendo, acrescentando que tampouco haveria à
época garantia real, uma vez que o Contrato de Penhor em Garantia355 só foi celebrado
em março de 2015.
63. A concessão de garantia pela União, por sua vez, não se opera de imediato, na me-
dida em que requer a observância de requisitos legais, notadamente aqueles previstos
na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 2000), incluindo os
limites e as condições estabelecidos pelo Senado Federal por meio da Resolução nº 48,
de 2007356. Inclusive, a necessidade do cumprimento desses requisitos foi ressaltada
pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, por ocasião da análise das minutas con-
tratuais, conforme exposto na Nota PGFN/CAF/Nº 660/2015 (fls. 48/49).
64. De fato, no caso concreto, a garantia fidejussória a ser prestada pela União não se
concretizou na data prevista, porém, por motivo imputado à própria Petrobras, que,
na data da celebração dos instrumentos contratuais, encontrava-se inscrita no cadas-
tro informativo de créditos não quitados do setor público federal – CADIN357. E, como
disposto no art. 10 da Resolução do Senado Federal acima referida, a União só pode
prestar garantia a quem comprove o adimplemento quanto ao pagamento de tributos,
empréstimos e financiamentos devidos à União, bem como quanto à prestação de con-
tas de recursos anteriormente dela recebidos.
67. Tais créditos originavam-se dos “Contratos de Confissão de Dívida da CDE”, ce-
lebrados entre a Amazonas Energia e a CDE com o objetivo de repactuar a dívida
desta última perante aquela companhia, referente ao atendimento ao serviço público
de distribuição de energia elétrica nos Sistemas Isolados, nos termos do art. 3º da Lei
nº 12.111, de 2009, conforme autorizado pelo Decreto nº 8.370, de 10.10.2014.
69. Diante do exposto, não se vê, ao contrário do que sustenta a Acusação, qualquer des-
vantagem pelo fato de o Instrumento de Confissão de Dívida ter sido assinado quando
ainda não havia sido efetivada a garantia fidejussória da União, que, como visto, não
poderia ser prestada de imediato, por depender do cumprimento de requisitos legais es-
tabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal e em Resolução do Senado Federal. Aliás,
a garantia fidejussória não foi ao final concedida exatamente pelo descumprimento de
um desses requisitos, visto que a Petrobras encontrava-se à época inscrita no CADIN.
70. Resta, assim, que a Petrobras tomou as providências que lhe aparentavam cabíveis para
fins de obter a garantia pretendida e assegurar o pagamento da dívida no caso de inadim-
plemento da devedora. Afinal, tão logo cientificada da impossibilidade da prestação da
garantia inicialmente aventada, encaminhou correspondência às autoridades competentes
para fins de sanar a questão, o que de fato ocorreu no curto período de dois meses.
71. Destes fatos também não se verifica a existência de provas hábeis a demonstrar
uma ingerência da União, como acionista controladora da Petrobras, no processo de
tomada de decisão pelos administradores. No caso concreto, não há provas de que
a participação dos representantes do Ministério da Fazenda e do Ministério de Mi-
nas e Energia caracterizou uma participação direta da União no processo da decisão
negocial, como supõe a Acusação. Como destacado pela Defesa, estas participações
73. Ainda de acordo com a Acusação, a União teria se beneficiado duplamente, tendo
em vista que teria havido, pelos termos desvantajosos da repactuação, uma transferên-
cia de “valor” entre sua controlada direta (Petrobras) para a sua controlada indireta
(Amazonas Energia), na qual detinha maior participação acionária, bem como um
benefício pelo fato de não precisar transferir imediatamente recursos para os Fundos
Setoriais (CDE) que seriam utilizados para o pagamento da dívida originária.
74. Contudo, os elementos constantes dos autos não permitem concluir que a União,
na condição de controladora da Petrobras, tenha orientado a Companhia em seu ex-
clusivo interesse, em prejuízo dos demais acionistas. Mais que isso, a Acusação não
logrou comprovar que a repactuação realizada com a Amazonas Energia tenha sido de
fato lesiva para a Petrobras.
75. Como se vê, a situação que se apresenta é bastante diferente daquela verificada nos
autos do já mencionado PAS CVM nº RJ2012/1131, em que o Estado de São Paulo
foi condenado por ter-se omitido em relação a transações entre a EMAE e Sabesp. A
EMAE não recebia qualquer valor em compensação pelo uso da água, e o controlador,
mesmo diante das provocações por parte da administração da EMAE e da situação
de prolongada fragilidade financeira da companhia, manteve uma postura intencio-
nalmente passiva em relação ao dever previsto no art. 116, parágrafo único, da Lei nº
6.404, de 1976.
76. O que se depreende dos extratos das reuniões realizadas no âmbito da diretoria e
dos conselhos fiscal e de administração da Petrobras é que a decisão sobre os termos da
repactuação questionada pela Acusação foi tomada pela administração da Petrobras,
nos limites de sua competência e sem ingerência indevida da acionista controladora.
77. Em verdade, os elementos constantes dos autos evidenciam que a União interveio
quando instada pela administração da Petrobras, primeiro para fins de conceder a
garantia fidejussória requerida e, posteriormente, para viabilizar a implementação dos
termos já acordados entre as partes, a partir da substituição daquela garantia pelo
78. Diante de todo o exposto, voto pela absolvição da União Federal, da acusação de
violação ao art. 116, parágrafo único, da Lei 6.404, de 1976.
É como voto.
Pablo W. Renteria
Diretor
2. A meu ver, somente seria possível responsabilizar a União Federal (“União”) se res-
tasse comprovado, no mínimo, um comportamento deliberadamente ativo ou passivo:
4. O que não ficou evidente, contudo, foi que essa inadimplência tenha ocorrido por
força de uma deliberada omissão da União. Não se comprovou a atuação intencional ou
coordenada de representantes da União para que a Petrobras deixasse de adotar medidas
para fazer cumprir as obrigações convencionadas nos contratos de distribuição.
7. Ocorre que, pelos autos, entendo não ser possível concluir, de forma segura, que isso
tenha de fato ocorrido no presente caso.
8. O cenário possivelmente seria outro diante de indícios mais robustos para corrobo-
rar essa tese, tais como documentos, atas, e-mails ou mesmo relatos de envolvidos, no
sentido de que representantes da União “acordaram”, ou “aceitaram”, a inadimplência
da Amazonas Energia. Ou mesmo elementos apontando que a União ignorou ou mi-
nou, de algum modo, a atuação de administradores e responsáveis por adotar medidas
para sanar esse inadimplemento.
11. Ocorre que, naquele precedente, diferentemente do presente caso, restou compro-
vada uma postura intencionalmente omissa do Estado de São Paulo, ente estatal con-
trolador, perpetuando uma situação em que os acionistas da Empresa Metropolitana
de Águas e Energia S.A. – EMAE (sua controlada) seguiram sofrendo prejuízos em
decorrência de relação entre a EMAE e a Companhia de Saneamento Básico do Estado
de São Paulo – Sabesp (também controlada pelo Estado de São Paulo), não obstante
os diversos questionamentos dos administradores, conforme documentação acostada
359 CVM, PAS CVM nº RJ2012/1131, Diretora-Relatora Luciana Dias, julgado em 26.05.2015.
14. De outro, porque a decisão negocial dos administradores em situações como essa
apenas poderia ser contestada se ausentes os requisitos da já consolidada business ju-
dgment rule360 (isto é, se a decisão não fosse desinteressada, informada e refletida).
15. E essa segunda razão me leva a ponderar sobre outro pressuposto da tese acusa-
tória: a presumida ingerência da União, controladora, sobre os administradores da
Petrobras.
18. Assim, pelo exposto, inexistindo maiores evidências concretas de que os represen-
tantes da União interferiram nas decisões negociais dos administradores da Petrobras,
e tendo em vista que não se logrou demonstrar, com a razoável certeza que se requer
uma condenação, (i) como a União teria permitido o inadimplemento que deu ori-
gem à dívida, ou (ii) como a repactuação teria sido feita em seu benefício próprio em
detrimento da Petrobras, entendo, em linha com o voto condutor, que a acusação de
infração ao art. 116, parágrafo único, da Lei 6.404 não merece prosperar.
É como voto.
360 Dentre tantos outros, cite-se o PAS CVM nº 21/2004, Diretor-Relator Pedro Oliva Marcilio de Sousa, julgado
em 15.05.2007.
361 A respeito, aliás, como aponta o Diretor-Relator, este Colegiado recentemente manifestou o entendimento de
que, especialmente em operações com potencial conflito de interesses, como aquelas envolvendo partes relacionadas, cabe
à administração conduzir a transação com plena independência, não sendo desejável qualquer ingerência por parte do
acionista controlador (CVM, PAS nº RJ2012/11199, Diretor-Relator Pablo Renteria, julgado em 22.03.2016)
Proferiu defesa oral o advogado Mauro Ribeiro Neto, representando a União Federal.
Luciana Dias
Diretora-Relatora
Assunto: Art. 115, §1º, da Lei nº 6.404, de 1976, e sociedades de economia mista.
Relatório
I. Objeto
II. Fatos
4. A Eletrobras é uma sociedade de economia mista de capital aberto que atua nos
setores de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica363. A exploração eco-
nômica de tais atividades é feita por meio de concessões regidas pela Lei n° 8.987, de
1995, e pela Lei n° 9.074, também de 1995, esta última parcialmente alterada pela Lei
10.848, de 2004364 .
5. Um número significativo das concessões do setor estava previsto para vencer até
2017, sem que houvesse normas dispondo sobre sua eventual renovação. Dentre as
várias concessionárias prejudicadas com a incerteza sobre a renovação das concessões,
a Eletrobras era a mais afetada: a questão envolvia 47,7% de seus ativos de geração e
91,2% de seus ativos de transmissão365 .
362 As controladas da Eletrobrás em questão são: (i) FURNAS – Centrais Elétricas S.A.; (ii) Centrais Elétricas
do Norte do Brasil S.A. – ELETRONORTE; (iii) Companhia Hidro Elétrica do São Francisco – CHESF; e (iv) Empresa
Transmissora de Energia Elétrica do Sul do Brasil S.A. – ELETROSUL. Enquanto acionista controladora dessas sociedades,
a interveniência da Eletrobrás era requerida na celebração dos respectivos contratos de concessão.
363 De acordo com o item 7.3 da versão 11 do formulário de referência 2012 da Eletrobrás, a capacidade instalada
de geração da Companhia correspondia, à época, a 44,7% do total do país, ao passo que sua capacidade instalada de
transmissão correspondia, também à época, a aproximadamente 53,2% do total do país. A geração de energia elétrica era o
segmento mais relevante na composição da receita líquida da Companhia, seguida pela transmissão e pela distribuição de
energia elétrica.
364 De acordo com o art. 21, inciso XII, alínea “b”; art. 22, inciso IV; e art. 175, todos da Constituição Federal.
365 De acordo com a proposta da administração para a AGE.
9. Diante dessa incerteza sobre a forma de cálculo da indenização devida ao final dos
contratos de concessão, a Eletrobras, assim como outras companhias do setor, vinha
depreciando e amortizando ativos de concessão com base nas taxas que constavam no
manual de contabilidade do setor elétrico, aprovado pela ANEEL. A Companhia, que
considerava o valor histórico de tais ativos e o vinha atualizando de acordo com esse
manual, entendia que a indenização corresponderia ao saldo contábil remanescente366.
II.2. A MP 579 e o fim da incerteza sobre a renovação das concessões e sobre a forma
de cálculo das indenizações devidas pela União
11. Em 11.9.2012, foi editada a Medida Provisória n° 579 (“MP 579”), alterada pouco
depois pela Medida Provisória n° 591, de 29.11.2012 (“MP 591”), e finalmente con-
vertida na Lei n° 12.783, de 2013. Diversos outros atos normativos infralegais foram
editados para regulamentar essas medidas provisórias.
12. Em sua versão original, a MP 579 determinava que os ativos de transmissão exis-
tentes em 31.5.2000 seriam considerados totalmente amortizados, independentemen-
te da vida útil remanescente dos respectivos equipamentos (art. 15, §2º368). Com isso,
os concessionários de transmissão não fariam jus a qualquer indenização pelos inves-
timentos realizados em tais ativos. Essa presunção de amortização dos ativos de trans-
missão seria revertida pouco depois, em 29.11.2012, com a edição da MP 591. A MP
591, portanto, aumentando o valor da indenização devida pela União às controladas
366 A Acusação ressalta que “[o] próprio reconhecimento de um saldo contábil remanescente ao final do período
de concessão já decorre do entendimento de que a Eletrobráss deveria ser indenizada por tais ativos. Do contrário, a
amortização e a depreciação dos bens deveriam ser feitas integralmente no prazo de concessão, ainda que os bens tivessem
vida útil superior” (fl. 815).
367 Além dos questionamentos sobre a forma de cálculo da indenização, havia dúvidas sobre quais investimentos
não depreciados ou amortizados deveriam ser indenizados: se apenas os novos, realizados pelos concessionários para
manutenção da prestação do serviço público, ou se também aqueles constantes dos projetos originais das concessões. A
Acusação menciona essa controvérsia, mas – diferentemente do que se verifica em relação ao cálculo da indenização – não
lhe atribui maiores implicações ao longo deste processo.
368 Em sua redação original, “§2º - Os bens reversíveis vinculados às concessões de transmissão de energia elétrica
alcançadas pelo §5º do art. 17 da Lei nº 9.074, de 1995, existentes em 31 de maio de 2000, independentemente da vida útil
remanescente do equipamento, serão considerados totalmente amortizados pela receita auferida pelas concessionárias de
transmissão, não sendo indenizados ou incluídos na receita de que trata o caput”
15. A tabela abaixo, elaborada pela Acusação a partir da proposta dos administradores
da Companhia para a AGE, ilustra o impacto da renovação das concessões sobre as re-
ceitas da Eletrobras, em função das novas tarifas estabelecidas ao amparo da MP 579:
17. Os valores calculados pelo método do VNR eram substancialmente inferiores aos
que, reconhecidos contabilmente pela Eletrobras, a administração da Companhia até
então entendia que serviriam de base para a indenização. A tabela abaixo ilustra essa
369 De acordo com a Exposição de Motivos Interministerial n° 37/MME/MF/AGU, que fundamentou a edição da
MP 579, a norma tinha como objetivo “viabilizar o custo da energia elétrica para o consumidor brasileiro, buscando, assim,
não apenas promover a modicidade tarifária e a garantia de suprimento de energia elétrica, como também tornar o setor
produtivo ainda mais competitivo, contribuindo para o aumento do nível de emprego e renda no Brasil”.
370 De acordo com a Lei n° 10.848, de 2004, os concessionários do serviço de geração a princípio poderiam vender
a energia elétrica tanto no mercado regulado quanto no mercado livre – aquele com condições mais rígidas de remuneração
(tarifa) e este com mais flexibilidade na determinação do valor da energia (preço). Com a adesão aos termos da MP 579, a
energia elétrica gerada teria que ser alocada apenas para o mercado regulado.
II.3. A renúncia a direitos preexistentes como condição para a renovação das conces-
sões
19. Além do impacto sobre sua receita futura, a renovação das concessões pressupu-
nha que a Companhia renunciasse a quaisquer direitos preexistentes que contrarias-
sem o disposto na MP 579 (art. 11, §4°, da MP 579372).
20. Os efeitos que essa renúncia teria sobre a Eletrobrás foram um dos aspectos ana-
lisados em um parecer interno da Companhia de 8.11.2012, elaborado antes da AGE
e com base na versão original da MP 579 (i.e., antes de sua alteração pela MP 591), a
fim de subsidiar a decisão sobre a renovação das concessões (“Parecer Interno”, às fls.
551-572).
22. O Parecer Interno ressalta que os contratos de concessão em questão haviam sido
celebrados sob a Lei nº 8.987, de 1995, cujos artigos 35 e 36 garantem expressamente
tal direito de indenização aos concessionários. Nesse sentido, o Parecer Interno argu-
mentava que a MP 579 não poderia retroagir e alcançar relações jurídicas constituídas
sob uma lei anterior, sob pena de incorrer em vício de inconstitucionalidade.
25. A diretoria da Eletrobras elaborou uma nota técnica comparando o valor presente
líquido da opção de renovação e de não renovação das concessões (fls. 161-174). A
conclusão, baseada em várias premissas, dentre as quais a do montante a ser recebido
a título de indenização, foi a de que renovar antecipadamente as concessões seria mais
vantajoso do ponto de vista financeiro374 .
26. O conselho de administração convocou a AGE para deliberar sobre o tema, tendo
recomendado a aprovação das renovações, embora tal recomendação não tenha cons-
tado do extrato da ata de reunião do conselho divulgado ao público. A recomendação
estava baseada na nota técnica elaborada pela diretoria, que era o principal documento
integrante da proposta aos acionistas375.
27. Embora a nota técnica elaborada pela diretoria fizesse menção ao Parecer Interno,
a proposta da administração para a AGE não o incluía e, portanto, ele tampouco foi
divulgado aos acionistas. A proposta também não trazia as informações exigidas pelo
art. 8° da Instrução CVM n° 481, de 2009, que devem ser fornecidas quando a assem-
bleia geral delibera assuntos de interesse de partes relacionadas à companhia aberta.
28. A União e as pessoas jurídicas ligadas a ela exerceram seu direito de voto na AGE. A
renovação das concessões foi aprovada, com 850.220.669 votos favoráveis e 61.590.353
votos contrários (fl. 624). Quase a totalidade dos votos favoráveis foi proferida pela
União, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (“BNDES”) e
31. Transpondo tal entendimento para este processo, a Acusação adverte que “a ava-
liação da legalidade do voto da União na [AGE] independe da conclusão sobre [se] re-
novar as concessões era, de fato, a melhor opção para a Eletrobras sob o ponto de vista
financeiro” (fl. 821). A questão se volta não para os efeitos concretos do voto da União
sobre a Companhia, mas para a identificação dos seus incentivos neste caso específico.
32. Ainda assim, a Acusação aponta que é preciso determinar se “os interesses particu-
lares da União eram de tal ordem que comprometiam a isenção de seu julgamento” (fl.
821) – tarefa importante porque, segundo a Acusação, embora já se tenha estabelecido
(com base no precedente supramencionado) que o conflito de interesses se configura
ex ante e independentemente da forma como o voto venha a ser exercido, não há que
se falar em conflito nem em impedimento de voto sem que haja uma real e significativa
contraposição de interesses.
33. A Acusação lembra que, por força da Constituição Federal (art. 21, inciso XII, alí-
nea “b”, e art. 175), “a União explora serviços e instalações de energia elétrica, dentre
outras formas, por meio de concessões, as quais se instrumentalizam via contratos que
estipulam uma série de direitos e deveres entre a União e os concessionários” (fl. 821).
34. Nesse contexto, a SEP argumenta que, se levar ao extremo o argumento, propugna-
do por alguns minoritários, “de que a União deve se abster de quaisquer deliberações
da Eletrobras que a afetem de modo diferente dos demais acionistas, terminar[ia] por
impedi-la de votar em praticamente qualquer matéria relativa a concessões de energia
elétrica”. Trata-se, segundo a Acusação, de “uma interpretação excessiva, pois as con-
cessões estão no núcleo das atividades desenvolvidas pela Eletrobras e privar a União
de decidir sobre tais matérias seria em grande medida anular sua condição de acionista
controladora” (fl. 821).
376 Citando matéria veiculada na imprensa (Revista Capital Aberto, janeiro de 2013, ano 10, número 113, pág. 9),
a Acusação afirma que os acionistas minoritários que votaram a favor da renovação das concessões eram estrangeiros que,
sem orientação específica de voto, seguem proposta da administração
36. A SEP concluiu que o essencial, portanto, é “identificar onde, entre esses dois ex-
tremos, o caso concreto se situa e ver se ele ultrapassa o ponto que deflagra o impedi-
mento de voto” (fl. 822).
38. No entanto, a SEP recorda que a MP 579 determinara o emprego do VNR no cálcu-
lo das indenizações devidas a todas as concessionárias, quer elas aceitassem ou não re-
novar seus respectivos contratos. Por conta disso, a Acusação ressalta que “a princípio,
o valor das indenizações não estava em jogo na [AGE]; ele já havia sido definido por
força de lei [i.e., da MP 579] e independia da decisão que a Eletrobras viesse a tomar”
sobre a renovação das concessões (fl. 824). De fato, a definição do valor das indeni-
zações veio de forma contrária ao entendimento que a Companhia vinha seguindo
ao elaborar suas demonstrações contábeis e, nesse contexto, só restaria à Eletrobras
adaptar seus registros contábeis à nova norma.
39. Os minoritários argumentam também que a MP 579 não poderia ter disposto so-
bre o montante da indenização, como fez e que, portanto, caberia à Eletrobras contes-
tá-la judicialmente. No entanto, ao renovar as concessões, a Companhia acabou re-
nunciando a quaisquer direitos preexistentes a essa medida provisória e inviabilizando
uma demanda nesse sentido.
40. Nas palavras da SEP, “visto sob esse ângulo, o interesse da União que poderia
conflitar com o dos demais acionistas na [AGE] não seria, ao menos diretamente, o
montante da indenização, mas uma espécie de proteção contra possíveis demandas
judiciais envolvendo esta matéria” (fl. 825).
41. O conflito de interesses residiria, pois, precisamente nisto: tendo em vista que, ao
renovar tais contratos, a Eletrobras também estaria abrindo mão de um potencial plei-
to contra a MP 579, então a renovação serviria, paralela e indiretamente, como uma
43. A SEP levou em consideração alguns argumentos que poderiam ser suscitados pela
Eletrobras em uma eventual demanda e, a partir desses argumentos, verificou se o caso
teria chances reais de vitória por parte da Companhia.
44. Para a Acusação, ainda que se pudesse afirmar que a MP 579 reconheceu o direito
de a Companhia ser indenizada e apenas tratou do critério de cálculo do valor de-
vido, o fato é que a Eletrobras acreditava que essa indenização deveria ser calculada
pelo custo histórico atualizado monetariamente. Nas palavras da SEP, “[m]esmo tendo
considerado a hipótese de que a indenização viesse a ser determinada pelo critério
de custo de reposição, a Eletrobras entendeu que essa alternativa não era a melhor
interpretação da legislação então vigente” e, “[s]e isso é verdade, então um novo ato
normativo não poderia retroagir em prejuízo a um direito já adquirido sob a égide de
legislação anterior” (fl. 826).
(ii) que, no caso da Eletrobras, a tese seria ainda mais defensável, relativamen-
377 Nas palavras da Acusação, “[s]erá que ainda assim o benefício da ‘blindagem’ contra possíveis questionamentos
futuros era significativo o bastante para fazer recair sobre a União um impedimento de voto? Colocando a questão de outra
forma: quão viável seria uma eventual pretensão da Eletrobrás de obter indenizações superiores às calculadas conforme a
MP 579?” (fl. 825)
378 A SEP menciona a Cemig Geração e Transmissão S.A. e a Companhia Energética de São Paulo e transcreve
um excerto das notas explicativas às demonstrações financeiras da Cemig relativas ao exercício encerrado em 31.12.2009,
nas quais se lê que “a Administração entende que o valor contábil do imobilizado não depreciado ao final da concessão será
reembolsável pelo Poder Concedente”.
47. Assim, para a Acusação, todos esses fatores tomados em conjunto mostram que
“eventual pleito indenizatório da Eletrobras por valores superiores aos da MP 579 se-
ria, no mínimo, plausível. Talvez o pleito não viesse a ser acolhido, já que a questão
é inegavelmente controversa. Mas só o fato de ter tal controvérsia peremptoriamente
resolvida em seu favor é um benefício à União, com relevante repercussão financeira”
(fl. 828), proporcional à diferença de valores entre o VNR e os registros contábeis da
Companhia.
48. Por conta disso, a SEP concluiu que, “fosse a Eletrobras uma sociedade anônima
qualquer e fosse a União um acionista qualquer dessa sociedade, estar-se-ia diante de
hipótese de conflito de interesses e impedimento de voto” (fl. 828).
III.3. Relevância do artigo 238 da Lei n° 6.404, de 1976, para o caso concreto
49. Reconhecendo que a Eletrobras é uma sociedade de economia mista e que, por-
tanto, a Companhia e seu acionista controlador se encontram sujeitos a um regime
jurídico específico, consubstanciado, sobretudo, no art. 238 da Lei n° 6.404, de 1976, a
SEP procurou determinar se isso seria capaz de alterar a conclusão sobre o conflito de
interesses e o impedimento de voto do item III.2 acima379.
50. Segundo o art. 238 da Lei nº 6.404, de 1976, “[a] pessoa jurídica que controla a
companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionista con-
trolador (artigos 116 e 117), mas poderá orientar as atividades da companhia de modo
a atender ao interesse público que justificou a sua criação”.
51. Questionada, a União Federal sustentou que seu voto estaria em linha com esse
dispositivo. Em sentido contrário, os acionistas minoritários alegaram que a conduta
da União somente estaria abarcada pela exceção do art. 238 – a faculdade de o acio-
nista controlador orientar as atividades da Companhia de modo a atender ao interesse
público que justificou sua criação – caso o referido interesse público constasse da lei
de criação da Eletrobras, a saber, a Lei n° 3.890-A, de 1961380. Como – argumentam
os minoritários – assegurar a modicidade tarifária não consta como um dos interesses
públicos que justificaram a criação da Eletrobras, as atividades da Companhia não
poderiam ser orientadas pela União para a consecução desse objetivo.
379 Nas palavras da Acusação, “sendo a Eletrobrás uma sociedade de economia mista controlada pela União,
sujeita, consequentemente, a um regime jurídico específico consubstanciado primordialmente no artigo 238 da lei 6.404/76,
isso muda a conclusão a respeito do mencionado conflito de interesses e do impedimento de voto?” (fl. 828).
380 De acordo com o art. 2° dessa lei, “[a] ELETROBRAS terá por objeto a realização de estudos, projetos,
construção e operação de usinas produtoras e linhas de transmissão e distribuição de energia elétrica, bem como a
(VETADO) celebração dos atos de comércio decorrentes dessas atividades”.
53. A Acusação aduz que “[e]mbora se possa argumentar que o requisito de previsão
legal exista justamente para prevenir o uso indevido de sociedades de economia mista
a pretexto de atingir um interesse público mal definido, exigir tal definição legal com
o nível de rigor sugerido pelos [minoritários] engessaria a atuação das sociedades de
economia mista a ponto de comprometer sua eficácia” (fl. 829).
54. A SEP cita o art. 17 da já mencionada lei de criação da Eletrobras, segundo o qual
“a Eletrobras cooperará com os serviços governamentais incumbidos da elaboração
e execução da política oficial de energia elétrica [...]”, para concluir que “a definição
das tarifas de energia praticadas é matéria claramente inserida nessa política” (fl. 830).
55. A Acusação também ressalta que não cabe à CVM se manifestar sobre o mérito
das políticas públicas perseguidas legalmente pelo controlador público por meio das
sociedades de economia mista. Segundo a SEP, “se a pessoa jurídica de direito público
entende que deve valer-se das pessoas jurídicas que controla para promover políticas
tarifárias, monetárias, inflacionárias etc. – ainda que com prejuízo à maximização do
valor da companhia, mas desde que inseridas nas razões que justificaram sua criação
–, tal decisão deve ser respeitada, goste-se ou não dos seus efeitos sobre os acionistas
e o mercado” (fl. 831).
56. No entanto, a Acusação pondera que “se paralelamente ao interesse público decla-
rado, a pessoa jurídica de direito público que atua como controlador está confrontada
também com a possibilidade de auferir benefícios particulares, como, por exemplo,
uma contrapartida financeira não extensível aos demais acionistas, a mera alegação de
persecução ao interesse público não basta para legitimar a atuação do acionista con-
trolador” (fl. 831). Essa é uma interpretação que, segundo a SEP, se “aproxima bastante
da dicotomia que parte da doutrina enxerga entre (i) o interesse público denominado
primário, isto é, um interesse que se identifica diretamente com as razões que justi-
ficam a própria existência do Estado, como o acesso a serviços públicos básicos, tais
quais a energia elétrica; e (ii) o interesse público designado secundário, que se traduz
num interesse instrumental, de aparelhamento operacional do Estado, como a obten-
ção de recursos financeiros que viabilizem sua atuação” (fl. 832).
57. Diante dos fatos apresentados, a SEP concluiu que a conduta da União não deveria
ser enquadrada na exceção do artigo 238 da Lei nº 6.404, de 1976. Para a Acusação,
a persecução da modicidade tarifária concorreria paralelamente à obtenção de um
benefício eminentemente financeiro e exclusivo à União, como resultado da renúncia
à possibilidade de contestar judicialmente a MP 579.
60. Em relação a esses acionistas, a SEP lembra que o BNDES é uma empresa pública
detida integralmente pela Acusada e que a BNDESPAR, por sua vez, é uma subsidiária
desse banco público, motivo pelo qual ambos estariam “inquestionavelmente ligados
à União” (fl. 810). Para a Acusação, no entanto, é justamente em razão desses vínculos
que nenhuma responsabilização administrativa lhes deveria ser imputada.
61. A SEP entende que o “ilícito em questão é de natureza dolosa” e, portanto, “pres-
supõe vontade autônoma e consciente do agente, voltada à prática do ilícito”. Para a
Acusação, a vontade do BNDES e do BNDESPAR não é autônoma à da União, por
isso, a consequência lógica dessa falta de autonomia é considerá-los inimputáveis em
relação à infração de voto em conflito de interesses, sob pena de responsabilizá-los por
ato de terceiro – no caso, da própria União (fl. 810).
62. Em outras palavras, a SEP afirma que “se BNDES e [BNDESPAR] tivessem vontade
autônoma à da União, ou seja, se eles pudessem ser considerados responsáveis pelo
voto proferido, então eles não estariam sujeitos ao impedimento de voto que alcançava
a União e, desse modo, estariam na mesma condição que os acionistas minoritários
que votaram favoravelmente à renovação das concessões” – caso em que “[n]ão have-
ria sequer voto irregular” (fl. 810).
66. Em seguida, a Procuradoria fez uma ressalva à utilização, pela SEP, do Processo
CVM n° RJ2009/13179 como paradigma para solução deste caso, no que diz respeito
a conflito de interesses e impedimento de voto. Naquela ocasião, o Colegiado decidiu
pela proibição de voto de acionista controlador em assembleia geral que deliberaria
sobre a celebração de um contrato entre tal acionista e a companhia sob seu controle.
67. A PFE considerou que não seria totalmente adequado utilizar esse precedente jus-
tamente porque ele cuidava de uma contratação entre partes relacionadas – o que,
segundo a Procuradoria, não se verifica no caso da Eletrobras. Nas palavras da PFE,
a MP 579 “não deve ser considerada como matéria contratual” e sim “ato do príncipe
decorrente de função legiferante do Estado”. Para a Procuradoria, “[n]ão se pode[ria]
equiparar eventual adesão aos termos de uma legislação com a realização de contrato
bilateral” (fl. 846).
68. Nesse sentido, a Procuradoria aduz que, no caso da Companhia, “a norma não foi
dirigida única e exclusivamente à Eletrobras, mas sim a todas as geradoras, transmis-
soras e distribuidoras de energia elétrica. Trata-se de norma de aplicação geral, carac-
terizando-se como atuação legislativa e reguladora do Estado, não se confundindo
com atividade meramente contratual” (fl. 846)381 .
69. Para a Procuradoria, diante dessa diferença substancial entre o precedente adotado
pela SEP e o ocorrido neste caso concreto, não se poderia exigir que a União se absti-
vesse, sob pena de gerar “a curiosa situação” em que o acionista controlador de uma
companhia de economia mista criada justamente com a finalidade de implementar a
política energética do País se veria impedido de cumprir esse objetivo.
381 Mais adiante, a PFE afirma que “[e]ventual elaboração legislativa de efeitos concretos, voltado [sic] para um
caso específico, poderia ensejar a discussão se estaríamos ou não diante de uma contratação travestida de norma legal,
porém, não é o que ocorre na situação em análise” (fl. 850)
73. A PFE concluiu, então, “não haver materialidade do ilícito previsto no art. 115, §1°,
da Lei n° 6.404/76, já que não haveria como caracterizar-se, no caso, benefício parti-
cular ou interesse conflitante” (fl. 850).
74. Após analisar o parecer da PFE, a SEP manifestou-se pela manutenção da acusação.
75. Para a Acusação, o fato de a Companhia ter informado em seu formulário de re-
ferência os riscos inerentes a uma sociedade de economia mista não deveria ter sua
importância exagerada, porque, por mais que essa informação influencie a formação
de preço das ações da Companhia, ainda assim um investidor informado espera que
a persecução do interesse público se dê dentro das próprias limitações legais. Nesse
sentido, a SEP entendeu que a União não atendera as normas específicas de uma socie-
dade de economia mista que limitavam o exercício de seu poder de controle382.
77. Outro argumento trazido pela PFE e analisado pela SEP foi a presunção de cons-
titucionalidade da MP 579. Segundo a Acusação, o impedimento de voto do acionista
382 A Acusação aduz o que segue (fl. 854): “ainda que se admita que os investidores se antecipam até mesmo ao
risco de terem seus direitos desrespeitados e se protegem desses riscos por meio do preço que se dispõem a pagar pelas
ações, isso tampouco deve influir na acusação formulada. Afinal, um mercado equilibrado, porém formado por investidores
que pagam pouco pelas ações e controladores em busca de oportunidades de infringir direitos alheios, pode até não ser
injusto para nenhuma das partes, mas tampouco atinge o potencial e as finalidades que dele são esperadas”.
383 Nas palavras da SEP, “a AGE evidentemente não foi convocada para deliberar se a Eletrobrás iria ou não aderir
a um ato normativo cogente. A matéria em discussão era a celebração de um contrato que impactaria a possibilidade de
questionar a constitucionalidade de tal ato normativo. São temas relacionados, porém distintos” (fl. 855).
78. Ainda a respeito desse ponto, a Acusação lembrou que a presunção de constitu-
cionalidade “é apenas um atributo voltado a orientar a interpretação e aplicação das
normas”, que faz com que elas “sejam postas a efeito no pressuposto de estarem em
conformidade com a Constituição, até que sobrevenha decisão judicial em contrário”.
A SEP aponta que essa presunção “não tem relação com a probabilidade de que uma
norma seja efetivamente constitucional” – tanto assim que ela se aplica indistintamen-
te a todas as normas. Além disso, ela não impedia a Eletrobrás de questionar a MP
579 e tampouco “autorizava a inferir que as chances de sucesso desse questionamento
seriam remotas” (fls. 856-857).
80. A Acusação lembrou ainda que a questão da prorrogação das concessões, embora
bastante representativa para a Companhia, não pode ser assumida como decisiva para
a sua continuidade, já que a Eletrobrás continuaria a operar outras concessões de que
é titular e, “quando se encerrasse o prazo das concessões não renovadas, poderia dis-
putá-las novamente nas licitações” (fl. 857).
81. Além disso, para a SEP, invocar o princípio da continuidade da empresa desloca o
foco da discussão, que deve se dar no plano de quem possuía legitimidade para decidir
sobre a renovação, e não no plano do que era melhor ou pior para a Companhia384 .
82. Quanto à interpretação da PFE sobre o art. 238 da Lei nº 6.404, de 1976, a Acusação
lembrou que propôs que a conciliação entre as responsabilidades do acionista contro-
lador perante os demais acionistas e a consecução das finalidades públicas “fosse feita
a partir da análise dos incentivos que permeiam a decisão com a qual o controlador
está confrontado”.
83. No caso concreto, afirmou a SEP, “isso implica reconhecer à União liberdade de
utilizar a Eletrobras como instrumento para assegurar a modicidade tarifária, ainda
que dele advenham efeitos adversos sobre os demais acionistas e o mercado de capi-
384 Nas palavras da Acusação (fl. 858): “Alegar que a Eletrobrás deveria renovar as concessões, pois assim
garantiria sua continuidade e seus fins institucionais, ultrapassa e subverte essa discussão, pois se transforma numa
verdadeira defesa do mérito da deliberação tomada e não dá sequer margem a discutir a quem caberia decidir a respeito.
Afinal, se os fins institucionais da Eletrobrás e sua continuidade impunham a renovação das concessões, o que os acionistas
não controladores estavam sendo chamados a decidir? Será que a própria União teria alguma margem para votar de modo
diferente? O que leva a perguntar então: qual o sentido da AGE de 03.12.2012?”
84. No entanto, a SEP aduziu que “[a] situação é radicalmente outra com relação à
indenização que a União deveria pagar à Eletrobras”, já que se trata “de uma questão
financeira entre a companhia e seu acionista controlador” e que “abrir mão de parte
da indenização pelos bens reversíveis beneficia apenas a União e prejudica os demais
acionistas” (fl. 859). Nesse aspecto, afirmou a Acusação, permaneceria o impedimento
de voto.
86. Finalmente, a SEP se insurgiu contra o argumento da PFE de que, dada a estrutura
da MP 579, a União não teria como alcançar o interesse público primário (a modicida-
de tarifária via renovação das concessões) sem fazer com que a Eletrobras renunciasse
a direitos preexistentes. A Acusação considerou inadequado analisar a questão sob
esse ponto de vista porque “[s]e a MP 579, de um lado, limitava as opções da União, de
outro, o art. 115, §1º, da Lei nº 6.404/76 também o fazia” e “[n]ão há porque tomar o
cenário criado pela MP 579 como premissa e, a partir daí, justificar o afastamento de
dispositivos da legislação societária como único meio possível para alcançar o interes-
se público” (fl. 860).
VI. Defesa
88. A União referiu-se então a um parecer jurídico elaborado antes da AGE por Mo-
desto Carvalhosa e Nelson Eizirik (fls. 450-497), a pedido da administração da Eletro-
brás, para analisar, dentre outros assuntos, a possibilidade de a União exercer seu voto
na AGE.
(vi) “[e]m consequência, à União não é atribuído o direito de votar nas As-
sembleias Gerais, mas sim o precípuo dever de votar” (fl. 488, grifo original);
92. Aos olhos desse acionista, a conduta da União deveria ser tida não apenas como
uma violação ao comando do art. 115, §1º, da Lei nº 6.404, de 1976, mas também
como um exemplo concreto de abuso de poder de controle. E.D.N. afirma que embora
a Acusação tenha circunscrito sua avaliação do ocorrido à perspectiva “restrita” do
conflito formal, sem entrar no mérito do voto proferido pela União, “a jurisprudência
da CVM consolidou-se no sentido de que, em casos como o presente, não se aplica a
business judgment rule, cabendo à CVM examinar o mérito do voto e à parte que votou
em conflito o ônus de comprovar que não obteve vantagem em prejuízo da compa-
nhia”386 (fl. 1.017).
93. Em função disso, E.D.N. afirmou ser necessário dar ao fato definição jurídica di-
versa daquela que consta do Termo de Acusação, nos termos do art. 25 da Deliberação
CVM nº 538, de 2008, reconhecendo que a União teria violado também os artigos 115,
caput, 116 e 117 da Lei nº 6.404, de 1976.
94. O acionista minoritário ainda requereu a inclusão dos então conselheiros de admi-
nistração da Eletrobrás no rol de acusados, por suposto descumprimento (i) do dever de
informar a que se refere o art. 157 da Lei 6.404 de 1976, ao não divulgar aos acionistas
385 “Art. 4° A Eletrobrás tem por objeto social: [...] II – cooperar com o Ministério, ao qual se vincule, na
formulação da política energética do País”.
386 O acionista cita o PAS CVM nº 21/2004.
95. Por último, E.D.N. requereu também a inclusão dos acionistas BNDES e BNDES-
PAR dentre os imputados, por descumprimento do art. 115, §1º, da Lei nº 6.404, de
1976, pois “a desculpa de ‘estar cumprindo ordens’ não lhes exonera de observar os
preceitos que devem nortear a sua atuação, na qualidade de sociedades vinculadas à
União na Eletrobrás, como no tocante ao impedimento para votar, [...] [a]té porque,
como se sabe, ninguém está obrigado a cumprir determinação ilegal” (fl. 1.041).
Luciana Dias
Diretora
Assunto: Art. 115, §1º, da Lei nº 6.404, de 1976, e sociedades de economia mista.
Voto
I. Introdução
387 E.D.N. afirma que os conselheiros se preocuparam em contratar um parecer jurídico sobre a legalidade do voto
da União na AGE, mas não contrataram a opinião de nenhum especialista sobre as implicações da própria MP 579 sobre a
Companhia. Lembra ainda que a conclusão da administração da Companhia estava baseada na nota técnica e nos valores
ali encontrados, os quais, contudo, não contemplavam a possibilidade de a Eletrobrás contestar a legalidade daquela medida
provisória e, portanto, não refletiam a indenização que poderia resultar se a Companhia não renunciasse a seus direitos
preexistentes
4. Este caso apresenta alguns desafios, sobretudo porque envolve a atuação de uma
pessoa jurídica de direito público enquanto tal, com todas as suas competências re-
gulatórias e administrativas, e também enquanto acionista controlador de sociedade
de economia mista, situação em que se sujeita a normas de direito privado que lhe
atribuem direitos e deveres. Trata-se de assunto que a CVM ainda não enfrentou no
contexto do art. 115, §1º, da Lei nº 6.404, de 1976.
a) Escopo da acusação
6. O primeiro grupo de argumentos que desafia a estratégia acusatória foi trazido pelo
acionista minoritário E.D.N. (“Reclamante”). Aos olhos desse acionista, a conduta da
União ora discutida configuraria abuso de poder de controle e, por isso, tal imputação
deveria ser acrescentada à peça acusatória. O Reclamante deseja ainda que também ao
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (“BNDES”) e à BNDES Par-
ticipações S.A. (“BNDESPAR”) seja imputado o descumprimento do art. 115, §1º, da
Lei nº 6.404, de 1976. Por fim, ele requer a inclusão dos conselheiros de administração
da Eletrobrás no rol de acusados por suposto descumprimento (i) do art. 157 da Lei
6.404, de 1976; e (ii) dos artigos 153, 154 e 155 dessa mesma lei. Em resumo, diante dos
mesmos fatos, o Reclamante teria feito inúmeras outras acusações.
7. Talvez para isolar a questão da atuação de uma entidade pública como acionista
controladora no contexto do art. 115, §1º, da Lei nº 6.404, de 1976, que por si só já
é uma discussão complexa, a Acusação foi construída de forma cirúrgica, separando
essa questão de outras discussões que, apesar de estarem em alguma medida presentes
nos fatos, poderiam gerar controvérsias de natureza diversa. Muitas vezes essa estraté-
gia acusatória priorizou irregularidades mais bem fundamentadas e com maior clareza
na doutrina a teses mais difíceis.
8. Assim como o Reclamante, eu, se esse fosse o meu papel, teria dúvidas sobre algu-
mas das estratégias adotadas pela Acusação. Por exemplo, como tratarei adiante neste
voto, acredito que muitas das divisões e distinções teóricas feitas pela SEP, embora fun-
damentadas em respeitada doutrina, podem ser de difícil aplicação diante de situações
10. Entretanto, as questões trazidas pelo Reclamante foram enfrentadas pela Acusação,
que expôs por que, em seu entender, a inclusão de outros acusados ou acusações não se
justificaria e consubstanciou na peça acusatória a decisão de como tratá-los. Assim, acre-
dito que a escolha de prosseguir com irregularidades mais bem fundamentadas e preterir
teses mais difíceis tenha sido uma estratégia acusatória consciente, refletida e legítima.
388 Para a SEP, o BNDES e a BNDESPAR são detidos integralmente pela União e justamente em razão desses
vínculos nenhuma responsabilização administrativa lhes deveria ser imputada. Segundo a lógica acusatória, a vontade
do BNDES e da BNDESPAR não seria autônoma à da União e considerá-los imputáveis em relação à infração seria
responsabilizá-los por ato de terceiro.
389 Trata-se de processo julgado em 2.12.2014, relatado pela Diretora Ana Dolores Moura Carneiro de Novaes
e que teve como objeto o exercício indevido do direito de voto por entidades fechadas de previdência complementar
patrocinadas por companhias controladas pela União Federal, com o consequente descumprimento da vedação à
participação em eleições reservadas a acionistas minoritários e acionistas titulares de ações preferenciais para escolha de
membros do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal em assembleias gerais.
390 3 Ver Processos Administrativos CVM nº SP2011/302 e 2011/303, decididos em 24.6.2014. Até 2002, a
instauração de inquérito administrativo na CVM dependia de aprovação, pelo Colegiado, de proposta submetida por um dos
seus membros ou por qualquer Superintendente. Quando dessa aprovação, o Colegiado também designava os responsáveis
pela instrução do inquérito, e, diante do relatório apresentado, poderia: (i) determinar a realização de diligências; (ii)
arquivar o caso; ou (iii) concluir pelo cabimento ou não de responsabilização, intimando o acusado para apresentação de
defesa ou excluindo-o do processo. Decorrido o prazo para o contraditório, o Colegiado procedia com o julgamento. A
partir de 2000, por força da Resolução CMN nº 2.785, diante de elementos suficientes de autoria e materialidade da infração,
tornou-se possível a formulação de termos de acusação pelas Superintendências, independentemente da instituição de
Comissões de Inquérito. O Colegiado passou a aprovar os referidos termos de acusação. Até 2002, portanto, o Colegiado
exercia papel relevante tanto na função acusatória da CVM quanto em sua função julgadora.
Em 2002, com a edição da Deliberação CVM nº 457, houve uma evolução importante em relação à delimitação das
competências do Colegiado na função acusatória desempenhada pela CVM. A referida norma atribuiu autonomia às
Superintendências e às Comissões de Inquérito para o exercício das funções acusatórias. Ao mesmo tempo em que deram
maior eficiência para a condução das atividades da Autarquia, as alterações realizadas em 2002 aperfeiçoaram o próprio
sistema punitivo da CVM, evitando que o Colegiado fosse instado a se manifestar e formular acusações sobre casos que
posteriormente seriam levados ao seu próprio julgamento. Desta forma, buscou-se inibir quaisquer potenciais conflitos
que poderiam decorrer dessa cumulação de funções. A reforma de 2002, portanto, teve como um dos principais objetivos
a segregação de funções acusatória e julgadora porque se entendeu à época (entendimento com o qual eu concordo) que
este era um desenho institucional mais adequado a cumprir com os princípios inerentes aos processos administrativos
sancionadores, em especial o da independência dos julgadores. Assim, nos termos da reforma, às áreas técnicas coube
o desempenho da função acusatória e, ao Colegiado, o exercício da função julgadora. Essa evolução na estrutura e na
distribuição de competências no âmbito da CVM foi reafirmada na edição da Deliberação CVM nº 538, de 2008, que é a
norma em vigor sobre os processos administrativos sancionadores.
391 Competências subsidiárias do Colegiado, como a determinação de novas diligências, ou a redefinição da natureza
jurídica dos fatos, apenas complementam a acusação formulada unilateralmente pelas superintendências ou comissões de
inquérito.
13. Mas, no presente contexto, não acredito que as discordâncias que o Reclamante
tem ou mesmo os meus incômodos em relação à peça acusatória possam ser con-
siderados irregularidades para fins dos artigos 6º e 11 da Deliberação CVM nº 538,
de 2008, ou ainda uma definição jurídica inadequada dos fatos narrados. Tampouco
são questões que tenham passado despercebidas pela Acusação. Ao contrário, a peça
acusatória as enfrenta e refuta. Por isso, entendo que cabe tanto a mim, como relatora,
quanto ao Reclamante, respeitar a lógica e a estratégia adotada pela Acusação.
b) Manifestações da PFE
15. Um segundo grupo de argumentos que merece atenção é o trazido pela Procura-
doria Federal Especializada junto à CVM (“PFE” ou “Procuradoria”) e reiterado pela
Defesa, inclusive por meio da transcrição de trechos da referida manifestação.
18. Naquela ocasião, o Colegiado decidiu pelo impedimento de voto de acionista con-
trolador em assembleia geral que deliberaria sobre a celebração de um contrato entre
tal acionista e a companhia sob seu controle. Segundo a Procuradoria, o voto condutor
proferido naquele processo tinha como premissa a assimetria de informações existente
entre o controlador, de um lado, e os minoritários da companhia, de outro, relativa-
mente às informações da transação submetida à assembleia.
20. Essa não me parece ser a melhor interpretação daquela decisão. Pelo contrário, a
21. Discutiu-se, ali, se a hipótese final e mais genérica de conflito prevista no art. 115,
§1º, da Lei nº 6.404, de 1976, levaria a um impedimento de voto do acionista ou se,
ao contrário, ela pressuporia que um voto seja efetivamente proferido para, então, ve-
rificar se o conteúdo concreto dessa manifestação de vontade violou o interesse da
companhia.
22. O que se consagrou naquela decisão foi o entendimento de que a existência de um in-
teresse conflitante com o da companhia se traduz em proibição de voto para o acionista
conflitado. Não era apenas uma questão de assimetria informacional. Os fundamentos
dos votos proferidos naquela ocasião me parecem bastante claros a esse respeito.
23. Mas a Procuradoria foi além e fez uma segunda diferenciação entre esse precedente
e o caso de que cuida este processo: segundo a PFE, se é verdade que a decisão anterior
do Colegiado envolvia uma contratação entre partes relacionadas, o mesmo não pode-
ria ser dito do caso ora analisado.
24. Para a Procuradoria, a MP 579 não deve ser considerada “matéria contratual”, mas
“ato do príncipe decorrente da função legiferante do Estado”. Nesse sentido, a PFE afir-
mou que “[n]ão se pode equiparar eventual adesão aos termos de uma legislação com
a realização de contrato bilateral”, sobretudo porque a referida norma “não foi dirigida
única e exclusivamente à Eletrobrás, mas sim a todas as geradoras, transmissoras e
distribuidoras de energia elétrica”. Trata-se, ainda nas palavras da PFE, de “norma de
aplicação geral, caracterizando-se como atuação legislativa e reguladora do Estado,
não se confundindo com atividade meramente contratual” (fl. 846)392.
27. A União poderia estipular as condições de prestação do serviço público, mas não
poderia obrigar (no sentido jurídico da palavra) uma concessionária a continuar ex-
plorando determinada atividade dentro dessas novas condições sem uma manifestação
de vontade da concessionária. Isso iria de encontro ao próprio modelo de exploração
consagrado pela Constituição Federal: o de concessão do exercício daquela atividade,
por um determinado período, com todos os institutos típicos dessa estrutura contra-
tual por natureza, como a encampação, a caducidade, a rescisão etc393 .
28. Nesse sentido, o próprio parecer interno elaborado pela Companhia deu conta
de que “o pedido de prorrogação do contrato é uma faculdade da concessionária” e
aduziu que “[n]ão há, e nem poderia haver, compulsoriedade quanto a esse ato”, ten-
do em vista que, “[p]elo regime constitucional vigente, a descentralização de serviços
da União se dará por intermédio de concessão ou permissão e o meio jurídico a dar
suporte para tanto terá natureza contratual”. Ainda de acordo com o parecer, “[s]endo
ato bilateral, a manifestação de vontade de ambas as partes é requisito essencial”, de
modo que “está no âmbito da análise de conveniência e oportunidade da concessioná-
ria optar ou não pela prorrogação do contrato vigente” (fl. 544).
29. Assim, a matéria submetida à AGE configurava um contrato entre partes relaciona-
das, no qual havia oportunidade para avaliação da conveniência e oportunidade sobre
os termos da sua celebração e sobre essa própria celebração.
30. Há um último ponto levantado pela Procuradoria e retomado pela peça de defesa
sobre o qual eu gostaria de me manifestar. Trata-se da invocação do “princípio da pre-
servação da empresa”, que, segundo a PFE, deve pautar os atos de “toda sociedade”. Nas
palavras da Procuradoria, “[a] transição da perspectiva contratualista das sociedades
para a concepção institucionalista foi especialmente ressaltada com o advento da Lei
nº 11.101/2005, que definitivamente consagrou o principio ora referido”. Afirma a PFE
e cita a Defesa que o advento da mencionada lei retirou “a visão individualista com
prevalência da vontade dos sócios para realçar a função social da organização socie-
tária”, e que a sociedade deveria, portanto, “ser vista em sua continuidade”, já que “sua
393 A própria MP 579 dedicava um capítulo inteiro (Capítulo III) aos procedimentos de licitação das concessões
que não fossem renovadas. No art. 9º, §1º, lê-se, por exemplo, que “[c]aso não haja interesse do concessionário na
continuidade da prestação do serviço nas condições estabelecidas nesta Medida Provisória, o serviço será explorado por
meio de órgão ou entidade da administração pública federal, até que seja concluído o processo licitatório de que trata o art.
8º”. Como se não bastasse, ao tratar da prestação de serviços públicos em seu art. 175, a Constituição Federal menciona
expressamente as formas pelas quais ela será delegada a particulares (“sob regime de concessão ou permissão”) e chega a
mencionar, no inciso I do parágrafo único desse dispositivo, a circunstância de que elas se efetivam mediante a celebração
de um contrato. No mesmo sentido, a própria União Federal reconhece, em sua defesa, que determinadas condições da MP
579 eram de “livre adesão pelos concessionários” (fl. 886).
33. Como o próprio nome indica, a preocupação do aludido princípio recai sobre a
empresa, isto é, volta-se mais ao conjunto organizado dos bens e fatores de produção
do que à preservação da sociedade em si. Logo, creio que a PFE atribuiu ao conceito
de preservação da empresa um significado que ele não tem ou procura aplicá-lo a um
contexto muito diferente daquele em que o conceito foi concebido394.
35. É verdade que o legislador, na Lei nº 6.404, de 1976, sem mencionar expressamente
o princípio da preservação da empresa, preocupou-se em um ou outro momento com
a perenidade da companhia e seu caráter institucional. Manifestações desse tipo são
encontradas na lei quando afirma, por exemplo, que “[o] acionista controlador deve
usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua
394 Se retomássemos a clássica teoria formulada por Alberto Asquini, segundo a qual a empresa, enquanto
fenômeno econômico poliédrico, poderia ser compreendida sob diferentes perfis jurídicos, creio que o conceito de empresa
adotado pela lei falimentar brasileira se aproximaria do perfil funcional, isto é, da empresa enquanto atividade empresarial
(Cf. ASQUINI, Alberto. “Profili dell’impresa”, Trad. Fábio Konder Comparato, in Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro, nº 104, out./dez. 1996, pp. 109-126). Nesse sentido, observo que, segundo Jorge Lobo, “[a]
recuperação judicial tem por finalidades imediatas a preservação dos negócios sociais, a continuidade do emprego e a
satisfação dos direitos e interesses dos credores e, por finalidades mediatas, estimular a atividade empresarial, o trabalho
humano e a economia creditícia” (LOBO, Jorge. “Da recuperação judicial” in TOLEDO, Paulo F. C. Salles de; ABRÃO,
Carlo Henrique (coord.). Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência. 3ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009,
p. 132). Da mesma forma, Waldo Fazzio Júnior assevera que “a preservação da empresa não significa a preservação do
empresário ou dos administradores da sociedade empresária” (FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação
de empresas. São Paulo: Atlas, 2005, p. 36.
395 “Art. 35, §1º - Extinta a concessão, retornam ao poder concedente todos os bens reversíveis, direitos e
privilégios transferidos ao concessionário, conforme previsto no edital e estabelecido no contrato. §2º - Extinta a concessão,
haverá a imediata assunção do serviço pelo poder concedente, procedendo-se aos levantamentos, avaliações e liquidações
necessários. §3º - A assunção do serviço autoriza a ocupação das instalações e a utilização, pelo poder concedente, de todos
os bens reversíveis. [...]”
36. No entanto, não se tem notícia de que tais dispositivos, que se encontram na parte
geral da lei e, portanto, aplicam-se indistintamente a todas as sociedades anônimas,
tenham sido alguma vez invocados para permitir o voto de um acionista controlador
supostamente conflitado em assembleia geral. O princípio da preservação da empresa
não serve como escusa geral para o descumprimento das regras da lei.
38. Portanto, ainda que não houvesse instrumentos específicos no direito adminis-
trativo para lidar com a continuidade da empresa, a continuidade da Eletrobras não
estava necessariamente ameaçada como parece entender a Defesa. A decisão era entre
renovar naquele momento, aceitando uma série de novas condições para o exercício
das concessões, ou enfrentar novas licitações no vencimento dos contratos, sob con-
dições mais incertas.
39. Assim, acredito que esse argumento não se sustenta nem sob o ponto de vista teó-
rico, nem sob o ponto de vista prático.
41. A CVM já teve a oportunidade de enfrentar algumas vezes o arranjo legal que
envolve as companhias controladas por entes públicos e tem consolidado o entendi-
mento de que a leitura conjunta dos artigos 235 e 238 da Lei nº 6.404, de 1976, revela a
essência do regime jurídico que regula as relações entre o ente estatal controlador e os
acionistas minoritários de uma sociedade de economia mista.
42. O art. 235 da Lei nº 6.404, de 1976, dispõe que: “as sociedades anônimas de econo-
mia mista estão sujeitas a esta Lei, sem prejuízo das disposições especiais de lei federal”.
396 O art. 8 o da Lei nº 12.783, de 2013, previa que “[a]s concessões de geração, transmissão e distribuição de
energia elétrica que não forem prorrogadas, nos termos desta Lei, serão licitadas, na modalidade leilão ou concorrência,
por até 30 (trinta) anos”.
43. O art. 238 da Lei nº 6.404, de 1976, por sua vez, reforça os deveres e responsabi-
lidades do Estado controlador estabelecidos nos artigos 116 e 117 da mesma lei, mas
ressalta que o Estado “poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender
ao interesse público que justificou a sua criação”. Em outras palavras, esse dispositivo
reitera o fato de que o controlador público está sujeito aos mesmos limites que con-
formam a atuação de um controlador privado, ao mesmo tempo em que admite uma
condução heterodoxa das atividades da companhia, desde que voltada ao atendimento
do interesse público ali referido.
45. O art. 238 não parece afastar os deveres e responsabilidades atribuídos a qualquer
acionista controlador ou modificar as regras gerais às quais está sujeita qualquer com-
panhia aberta. Ao contrário, reafirma-os e, em caráter excepcional, estabelece apenas
que as atividades da companhia poderão ser conduzidas pelo controlador (e exclusi-
vamente pelo controlador) de modo a atender o interesse público que justificou a sua
criação398.
397 Esse entendimento foi expresso nas seguintes oportunidades: i) Processo Administrativo Sancionador CVM nº
11/96, julgado em 29.6.2005: o então Presidente Marcelo Fernandez Trindade esclareceu que: (a) “a lei, no mesmo artigo em
que reafirma a responsabilidade da pessoa jurídica controladora de sociedade de economia mista, dizendo-a expressamente
sujeita aos mesmos deveres e responsabilidades imposta aos demais acionistas controladores, autoriza essa mesma pessoa
jurídica a praticar atos que atendam ao interesse público — e não qualquer interesse público, mas o interesse público que
especificamente tiver justificado a criação daquela sociedade de economia mista; e que (b) quando o controlador ente
estatal orienta a companhia para atender “ao interesse público que justificou sua criação”, o ônus da prova é do controlador
e não da CVM; ii) Processos Administrativos CVM nº RJ2007/10879 e RJ2007/13216, julgados em 24.10.2008: o Diretor
Marcos Pinto afirmou que a leitura conjunta dos artigos 238 e 235 revela “a essência do acordo legislativo que preside as
relações entre a União e os acionistas de uma sociedade de economia mista. De um lado, o acionista minoritário deve
investir na companhia ciente de que a União dará prioridade ao interesse público, ainda que isso prejudique seu retorno
financeiro (art. 238). Por outro lado, a União se compromete a observar todas as demais regras da Lei nº 6.404/76, inclusive
as que limitam o seu próprio poder (art. 235)”.
398 Esse entendimento é corroborado pela doutrina que defende que a autorização legal para que o ente estatal
controlador oriente a companhia de acordo com o interesse público que justificou a sua criação é uma ampliação das
obrigações do Estado, e não uma escusa para o descumprimento de outras obrigações que a lei lhe imponha. Nesse sentido,
valho-me das palavras de Mario Engler Pinto Júnior, autor de uma das mais completas obras sobre o tema das empresas
estatais, que, lendo conjuntamente os artigos 116 e 238, defende que: “[o]s deveres e responsabilidades do Estado como
acionista controlador são mais amplos do que os imputáveis ao empresário privado. Além de atuar no interesse dos demais
acionistas (se existentes) e de terceiros abrangidos pelo conceito de função social da empresa (trabalhadores, consumidores,
fornecedores, credores e comunidade local), o Estado deve exercer ativamente o poder de comando para fazer com que
a companhia cumpra sua missão pública, na esteira do artigo 238 da Lei nº 6.404/76” (PINTO JUNIOR, Mario Engler.
Empresa estatal: função econômica e dilemas societários. São Paulo: Atlas, 2013, p. 341).
47. O que, a meu ver, o art. 238 parece impedir é que se questione as decisões do con-
trolador quando elas visam a promover o interesse público primário que justificou a
criação da companhia. Em outras palavras, a lei permite ao controlador público uma
lógica diferente daquela que impõe ao controlador privado.
48. A Lei, no entanto, não dá ao controlador público poderes mais amplos ou prerroga-
tivas diferentes daquelas que dá ao controlador privado. O controlador público, nesta
capacidade, não tem uma competência maior que a dos controladores privados. Ele
tampouco se submete a um regime societário diferente. E, a meu ver, o presente pro-
cesso não questiona se o conteúdo de uma decisão atendia ao interesse da companhia
ou ao interesse público que justificou a criação da companhia. A discussão do presente
processo é se o regime do art. 115, §1º, da Lei nº 6.404, de 1976, se aplica ou não ao
controlador público.
49. Ademais, a referência a um interesse público específico e limitado, qual seja, aquele
que justificou a criação da sociedade de economia mista, denota a preocupação do le-
gislador de limitar a utilização heterodoxa da companhia ao conteúdo de uma norma
específica, conferindo previsibilidade e segurança jurídica aos investidores em geral.
50. A parte final do art. 238 somente se explica pela intenção do legislador de limitar
o interesse público que pode mover o Estado. Isto porque seria desnecessário dizer
ao Estado que deve agir orientado pelo interesse público – é premissa de toda ação
do Estado se pautar por algum interesse público, de grande ou reduzida extensão, em
especial, quando o Estado abre uma exceção à regra da livre iniciativa e resolve exercer
uma atividade econômica por meio de uma empresa pública ou de economia mista399
. Assim, não haveria razão de expressar esta faculdade no art. 238, caso não fosse ne-
cessário limitar este interesse pelo qual se legitimam práticas heterodoxas do Estado
como controlador.
51. O Estado, assim, não está autorizado a conduzir os negócios da companhia com
base em qualquer interesse público, mas tão somente aquele enunciado na lei que
criou a respectiva estatal. No entanto, há grandes desafios na aplicação e interpretação
do art. 238.
52. Na tentativa de definir o conteúdo do interesse público a que se refere o art. 238,
a doutrina brasileira costuma recorrer à distinção entre interesses públicos primários
399 De fato, se a regra é a livre iniciativa e o exercício de atividade econômica é, por excelência, campo de atuação
privada, a que o Estado acede apenas excepcionalmente nas hipóteses previstas na Constituição Federal (art. 173, caput),
então o poder público tem o dever de, nessas hipóteses excepcionais, perseguir o interesse público que justifica a sua
atuação naquela seara específica. Da mesma forma, o Estado tem o dever de prestar ou organizar os serviços públicos que
a Constituição Federal lhe atribuiu (art. 175).
55. Todos esses interesses pertencem apenas ao Estado enquanto pessoa jurídica au-
400 Vale a pena transcrever as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello: “[...] não existe coincidência
necessária entre interesse público e interesse do Estado e demais pessoas de Direito Público. É que, além de subjetivar esses
interesses, o Estado, tal como os demais particulares, é, também ele, uma pessoa jurídica, que, pois, existe e convive no
universo jurídico em concorrência com todos os demais sujeitos de direito. Assim, independentemente do fato de ser, por
definição, encarregado dos interesses públicos, o Estado pode ter, tanto quanto as demais pessoas, interesses que lhes são
particulares, individuais, e que, tal como os interesses delas, concebidas em suas meras individualidades, se encarnam no
Estado enquanto pessoa. Estes últimos não são interesses públicos, mas interesses individuais do Estado, similares, pois,
(sob prisma extrajurídico), aos interesses de qualquer outro sujeito. Similares, mas não iguais” (BANDEIRA DE MELLO,
Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, p. 66).
No mesmo sentido, Otavio Yazbek: “Destaca Alessi que o fim perseguido pela Administração deve sempre ser, em um
primeiro momento, um interesse coletivo ‘formato dal complesso degli interessi individuali prevalenti in una determinata
organizzazione giuridica della colletività’. Este interesse primário não deve ser confundido com os interesses próprios da
Administração. Estes últimos, de titularidade do aparato estatal propriamente dito, mais relacionados à subsistência deste,
seriam os interesses públicos secundários” (YAZBEK, Otavio, “Privatizações e relação entre interesses públicos primários
e secundários – as alterações na legislação societária brasileira”, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro, n° 120, out./dez. 2000, pp. 107/108)
401 Celso Antônio Bandeira de Mello aponta que a distinção entre interesse público primário e interesse público
secundário é corrente na doutrina italiana e remonta à obra de Renato Alessi. Cf. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio,
Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2012, 29ª ed., pp. 66/67.1 Ainda a respeito dessa distinção, os
autores de direito administrativo costumam afirmar que os interesses públicos secundários da Administração Pública,
ou interesses estatais, têm natureza apenas instrumental: servem à realização das finalidades públicas que justificam a
existência do Estado, isto é, ao atendimento de interesses públicos primários. A tutela do patrimônio do Estado, por
exemplo, justifica-se na medida em que a prestação de serviços públicos dela depende, mas não constitui um valor em si
mesmo, capaz de se sobrepor aos interesses da coletividade. Havendo conflito entre interesses primários e secundários, a
doutrina aponta que os primários devem prevalecer. “Ora, em caso de necessidade de oposição entre interesses públicos
primários e secundários, e considerada a natureza instrumental destes últimos, deveriam sempre prevalecer os interesses
primários, aqueles em razão dos quais existe a própria organização estatal. É claro que, não raro, interesses primários
e secundários encontram-se entremeados, sendo comum que o atendimento ao interesse secundário seja verdadeiro
requisito para um melhor atendimento a interesses primários diversos. Permanece, porém, o valor da distinção como
critério organizativo, fundamento de uma análise crítica da matéria” (YAZBEK, Otavio, “Privatizações e relação entre
interesses públicos primários e secundários – as alterações na legislação societária brasileira”, p. 108).
56. A grande maioria dos autores nacionais que se debruçou sobre o art. 238 da lei das
sociedades por ações recorre a essa classificação para resolver o problema do interesse
público ali mencionado. Fazem-no Fabio Konder Comparato403, Modesto Carvalho-
sa404, José Alexandre Tavares Guerreiro405 e Mario Engler Pinto Junior406. Também o
fazem, nos autos deste processo, Nelson Eizirik, no parecer que subscreve em conjunto
402 Ainda a respeito dessa distinção, os autores de direito administrativo costumam afirmar que os interesses
públicos secundários da Administração Pública, ou interesses estatais, têm natureza apenas instrumental: servem à
realização das finalidades públicas que justificam a existência do Estado, por exemplo, justifica-se na medida em que a
prestação de serviços públicos dela depende, mas não constitui um valor em si mesmo, capaz de se sobrepor aos interesses
da coletividade. Havendo conflito entre interesses primários e secundários, a doutrina aponta que os primários devem
prevalecer. “Ora, em caso de necessidade de oposição entre interesses públicos primários e secundários, e considerada a
natureza instrumental destes últimos, deveriam sempre prevalecer os interesses primários, aqueles em razão dos quais existe
a própria organização estatal. É claro que, não raro, interesses primários e secundários encontram-se entremeados, sendo
comum que o atendimento ao interesse secundário seja verdadeiro requisito para um melhor atendimento a interesses
primários diversos. Permanece, porém, o valor da distinção como critério organizativo, fundamento de uma análise crítica
da matéria” (YAZBEK, Otavio, “Privatizações e relação entre interesse públicos primários e secundários – as alterações na
legislação societária brasileira”, p.108).
403 Sem se referir expressamente às expressões “primário” e “secundário” e escrevendo ainda sob a vigência da
Constituição Federal de 1969, Comparato assim se manifestou sobre o assunto: “Ocorre, ainda, que a expressão ‘interesse
público’, empregada no citado art. 238 da lei de sociedades por ações, é das mais ambíguas, pois abrange, indistintamente, os
bens comuns da sociedade civil e os particulares do Estado, enquanto organização patrimonial. É evidente que as empresas
públicas e as sociedades de economia mista não podem ser criadas, em nosso regime constitucional, para satisfazer interesses
financeiros do Poder Público, numa forma desviante de arrecadação de receita. Por isso mesmo, quando uma empresa
estatal sacrifica seus resultados positivos de balanço, contraindo empréstimos em moeda estrangeira não exigidos pelo
giro de seus negócios, mas tão só com o objetivo de acudir com recursos cambiais a uma administração central engolfada
em desastrada política de endividamento nacional, o desvio de funções é flagrante e indesculpável” (COMPARATO, Fábio
Konder, “A reforma da empresa”, p. 64)
404 Modesto Carvalhosa se refere expressamente aos ensinamentos de Renato Alessi. Criticando a redação do art.
238, o autor afirma que somente a classificação dos interesses públicos em primários e secundários permite “dar sobrevida”
ao dispositivo. Para ele, a sociedade de economia mista “precipuamente deve atender ao interesse público primário, e não
ao interesse público secundário ou à finalidade de lucro” (CARVALHOSA, Modesto, Comentários à Lei das Sociedades
Anônimas, São Paulo: Saraiva, 2011, 5ª ed., vol. 4, tomo 1, p. 434). Em outra passagem da mesma página, o autor afirma que
“[d]eve preponderar sempre o interesse público primário na atividade operacional das sociedades de economia mista”.
405 Em passagem bastante incidental e que não trata diretamente dessa distinção, Tavares Guerreiro se refere à
dicotomia entre interesses da coletividade e interesses estatais, afirmando que pode haver conflito de interesses quando
o Estado pretender favorecer interesses públicos secundários, como agraciar seus servidores à custa da sociedade de
economia mista, atribuindo-lhes remuneração excessiva: “Logo, pode haver conflito de interesses no voto dado pela
pessoa jurídica de direito público, controladora de sociedade de economia mista, se atendido foi o seu próprio interesse,
enquanto personificação do Estado, e não o interesse público propriamente dito. Seria o caso, não cerebrino, de pessoa
de direito público votar, em assembleia geral, remuneração excessiva a administradores ligados à administração pública
por liame funcional. O interesse estatal conflitaria com o interesse social da companhia de economia mista, podendo ser
sancionado. Se a pessoa jurídica deseja agraciar seus servidores à custa da sociedade de economia mista, não serve ao
interesse desta, mas ao seu próprio. E cada vez menos se pode dizer que o interesse do Estado é, efetivamente, sinônimo de
interesse público” (GUERREIRO, José Alexandre Tavares, “Conflitos de interesse entre sociedade controladora e controlada
e entre coligadas, no exercício do voto em assembleias gerais e reuniões sociais”, in Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro, n° 51, jul./set. 1983, p. 32).
406 O autor afirma, em relação às sociedades de economia mista que desempenham atividade econômica em
sentido estrito, que “[s]omente o interesse público primário pode ser equiparado ao interesse coletivo inscrito no artigo
173 da Constituição Federal e, portanto, encampado como missão da empresa estatal”. Para ele, essas companhias “devem
visar ao interesse público primário, entendido como o interesse da coletividade, e não ao interesse público secundário dos
aparelhos estatais”. O autor também equipara o interesse público primário incorporado na sociedade de economia mista
tanto à categoria de interesses coletivos quanto à de interesses difusos. Cf. PINTO JUNIOR, Mario Engler, Empresa estatal:
função econômica e dilemas societários, São Paulo: Atlas, 2013, 2ª ed., pp. 230-234
58. A distinção se mostra particularmente útil nos casos em que o Estado privilegia
interesses exclusiva e visivelmente patrimoniais e financeiros, à custa dos demais acio-
nistas da sociedade409 .
59. Foi essa percepção de ilegalidade de atos que privilegiam os interesses do Estado
estritamente patrimoniais em detrimento dos interesses da companhia e dos próprios
acionistas que levou a CVM a reconhecer, em um caso passado, o abuso de poder de
controle de uma pessoa jurídica de direito público – ainda que, na ocasião, o Colegia-
do não se tenha referido expressamente à classificação aqui mencionada410 .
60. Acredito que tenha sido essa distinção, vastamente defendida na doutrina nacio-
nal, e o reconhecimento trazido pelo precedente citado que tenham influenciado a
estratégia acusatória, já discutida no presente voto, de cirurgicamente dissecar tudo
407 Cf. fls. 485/486. O parecer fora elaborado por Nelson Eizirik e Modesto Carvalhosa antes da realização da
AGE, a pedido da administração da Companhia.
408 De acordo com o Termo de Acusação, especificamente às fls. 831/832: “[...] esse critério se aproxima bastante
da dicotomia que parte da doutrina enxerga entre (i) o interesse público denominado primário, isto é, um interesse que se
identifica diretamente com as razões que justificam a própria existência do Estado, como o acesso a serviços públicos básicos,
tais quais a energia elétrica; e (ii) o interesse público designado secundário, que se traduz num interesse instrumental,
de aparelhamento operacional do Estado, como a obtenção de recursos financeiros que viabilizem a sua atuação. Para
os doutrinadores que sustentam essa distinção, apenas o interesse público primário justificaria o tratamento excepcional
previsto no art. 238 da Lei 6.404/76. Os interesses públicos secundários não produziriam o mesmo efeito. Se aplicássemos
tal distinção ao caso concreto, a conclusão no sentido da ilegalidade praticada pela União permaneceria a mesma”.
409 Ou mesmo naquelas situações em que o Estado consagra interesses político-partidários que agradam a um
determinado governo e às pessoas que o compõem – interesses esses que, a rigor, sequer poderiam ser ditos públicos, e,
portanto, nem mesmo devem ser considerados “secundários” ou “estatais”. Nelson Eizirik dá alguns exemplos de interesses
clientelísticos de natureza política: o loteamento de cargos na administração de sociedades de economia mista, com a eleição
de pessoas sabidamente inaptas, moral ou tecnicamente, apenas para fortalecer coalizões partidárias; orientar opções de
compra ou crédito para atender a correligionários; ou adotar, em relação a seus funcionários, políticas de remuneração
excessivas, que discrepem dos padrões de mercado. Cf. EIZIRIK, Nelson L., A Lei das S/A Comentada, São Paulo: Quartier
Latin, 2011, vol. 3, pp. 315/316.
410 Processo Administrativo Sancionador CVM n° 07/03, julgado em 4.7.2007 e retificado em 29.9.2007, relatado
pelo Presidente Marcelo Trindade. Na ocasião, o Município de São Paulo, controlador de sociedade de economia mista
denominada Anhembi Turismo e Eventos da Cidade de São Paulo S/A (“Anhembi”), era acusado de violar os artigos 116 e
117 da Lei n° 6.404, de 1976, pelo uso gratuito que fazia de seis carros locados (e, portanto, pagos) pela Anhembi. O relator
do caso e autor do voto principal anotou o que segue sobre esse ponto da acusação: “Certamente se estivéssemos diante
de companhia aberta normal, com controlador privado, uma tal cessão seria remunerada, sob pena de ser unanimemente
reconhecida como espúria. O que se passa é que, em se tratando de sociedade de economia mista, a percepção da distinção
entre o interesse da empresa e o do controlador parece não ter sido tão clara para as pessoas envolvidas. Mas, como antes
expus, mesmo em se tratando de sociedade de economia mista, a Lei é expressa quanto aos deveres e responsabilidades dos
administradores, não tendo ficado nem de longe provado que a cessão gratuita dos automóveis se deu no interesse público
que justificou a criação da companhia. Assim, considero verificado o ilícito, ainda que a apenação deva ser feita de maneira
compatível com a intensidade econômica da conduta, que foi a de cessão de 6 (seis) automóveis.”
61. O difícil exercício de construção da peça acusatória neste processo demonstra que
essa distinção doutrinária, embora seja bastante útil, não resolve todos os problemas
pertinentes à interpretação do art. 238. Primeiro porque a classificação dos interesses
públicos em primários ou secundários julga a licitude da conduta do controlador pú-
blico em função de uma combinação entre a intenção do Estado e as consequências
patrimoniais da sua respectiva conduta. E essa distinção apresenta limitações. Ela nem
sempre contribui para solucionar as zonas cinzentas ou as situações que envolvem in-
teresses públicos primários e também interesses públicos secundários, como é o caso
das decisões sobre o contrato de concessão.
62. Não por acaso, foi hercúleo o esforço da Acusação de segregar todos os possíveis
interesses que não fossem meramente patrimoniais a fim de que não se pudesse argu-
mentar que aqueles eram interesses primários.
64. Outro limite da distinção entre interesses públicos primários e secundários é que
ela não é suficiente para interpretar o art. 238, que, é bom lembrar, não se refere à
consagração de qualquer interesse público, mas especificamente do interesse público
que justificou a criação da companhia. Em outras palavras, não basta estarmos diante
de um interesse público primário para que o respectivo ato do controlador público
seja considerado lícito. É preciso também que a sua conduta encontre fundamento no
interesse público concreto que motivou a criação da companhia.
67. O problema das transações com partes relacionadas é a falta de negociação por
pessoas independentes, conjugada com a possibilidade, ao menos teórica, de a parte
que pode influenciar a formação desses acordos em ambos os seus pólos desenhá-los
de maneira tal a privilegiar os seus próprios interesses. Assim, todas as transações
entre partes relacionadas têm, em si, um conflito de interesses que precisa ser adequa-
damente tratado para que o equilíbrio das relações societárias não se desfaça.
68. A lei das sociedades por ações cuidou do conflito de interesses entre a companhia
e seus administradores no art. 156, caput, e dedicou o art. 115, §1°, ao conflito de in-
teresses que se manifesta entre a companhia e seus acionistas412. A norma condiciona
o exercício do direito de voto à observância do interesse da companhia em ambos os
casos e o impede quando o acionista ou o administrador estão diante de uma situação
em que podem escolher privilegiar um interesse seu em detrimento dos interesses da
companhia (cf., respectivamente, o art. 115, caput e §1°, da Lei n° 6.404, de 1976).
69. Algumas dúvidas surgem quando se confronta (i) o art. 238 da lei, de um lado,
que autoriza o controlador público a orientar as companhias estatais de acordo com o
interesse público que justificou a criação da respectiva companhia (ii) à, de outro lado,
disciplina comum da lei em matéria de conflito de interesses e à interpretação que o
Colegiado da CVM vem dando ao assunto.
70. O paradoxo a que esse exercício conduz pode ser descrito da seguinte forma: o
controlador público pode, por meio do exercício de seu poder de controle, orientar a
companhia de modo a atender o interesse público que justificou sua criação (art. 238);
mas uma das formas de exercício do poder de controle por excelência é justamente o
voto nas assembleias gerais da companhia (art. 116, alínea “a”) e o art. 115, §1°, da Lei
n° 6.404, de 1976, tem como objetivo exatamente evitar que um acionista profira um
voto que privilegie outros interesses que não os da companhia.
411 O Pronunciamento Técnico CPC nº 05 traz uma definição mais precisa de transação com partes relacionadas.
412 Em ambos os casos, é interessante notar que o padrão em função do qual o conflito se manifesta é o “interesse
da companhia”. A doutrina costuma recorrer ao objeto social para materializar aquilo que constitui o fim comum a que os
sócios visam e se vinculam e a partilha econômica dos resultados da atividade desenvolvida pela companhia, identificando
de algum modo o interesse desta com o interesse da coletividade de sócios em realizar o objeto social. Cf., por exemplo, os
seguintes autores: LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros, Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, São Paulo: Saraiva,
1980, p. 246: “Pois se é certo que o sócio busca na sociedade a satisfação de um interesse próprio, não é menos certo que
esse interesse pessoal de modo algum pode ser satisfeito em detrimento da sociedade, senão justamente pela satisfação do
interesse social comum a todos os acionistas, visto que sem essa convergência dos interesses individuais dos sócios em um
único interesse comum não se poderia falar em sociedade”; FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes, Conflito de
interesses nas assembleias de S.A., São Paulo: Malheiros, 1993, pp. 57/58: “A expressão interesse da companhia, constante
do art. 115 da Lei 6.404, ou simplesmente interesse social (stricto sensu, bem entendido), tem sido interpretada pela nossa
mais autorizada doutrina como o interesse comum dos sócios enquanto sócios (uti socii), para distingui-lo não somente
do somatório dos interesses dos sócios uti singuli, mas também, como quer nos parecer, de eventual interesse comum que
não diga respeito, necessariamente, à sua qualidade de sócios). Não temos a mínima dúvida em aderir a essa orientação”;
COMPARATO, Fábio Konder, SALOMÃO FILHO, Calixto, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, São Paulo:
Saraiva, 2014, 6ª ed., p. 330: “Mas o interesse social não é redutível a qualquer interesse dos sócios e sim, unicamente, ao
seu interesse comum de realização do escopo social. [...] Os sócios reúnem-se para a realização de um objetivo comum. O
interesse social consiste, pois, no interesse dos sócios à realização desse escopo”.
72. Responder a essas perguntas é importante por dois motivos. Primeiro, porque
eu acredito que muito da estratégia acusatória tenha sido elaborada justamente para
passar ao largo dessas questões. Restringir a acusação ao voto relativo à renúncia da
Eletrobras a qualquer direito preexistente à MP 579, inclusive o direito de contestar a
constitucionalidade dessa medida provisória naquilo que ela tinha de cogente, foi uma
escolha que potencialmente evitaria enfrentar se o art. 238 prevalece sobre a regra de
conflito de interesse prevista no art. 115, §1°.
73. Se a renúncia pudesse ser classificada como “interesse público secundário”, não
haveria que se falar de um regime específico para tal decisão – tal decisão não estaria
abarcada pela proteção conferida ao controlador no art. 238. Embora essa tenha sido
uma escolha legítima e compreensível da Acusação, como já expliquei, ela adicionou
um grau de complexidade a este processo que talvez não fosse necessário. Assim, en-
frentar as perguntas previamente colocadas pode simplificar casos futuros.
74. O segundo motivo para enfrentar tais questões diz respeito a um dos primeiros ar-
gumentos suscitados contra a tese acusatória. De acordo com a Defesa, não faria sentido
impedir a União de deliberar sobre um assunto de que, em última instância, dependeria
a própria satisfação do interesse público que justificou a criação da Companhia.
75. Alega-se, especificamente, que a Eletrobrás foi criada exatamente para prestar os
serviços de geração e transmissão de energia elétrica e que, como a prestação desses
serviços depende da celebração de contratos de concessão com o poder concedente,
impedir a União de votar a seu favor equivaleria a anular o papel que o Estado, na qua-
lidade de controlador de sociedades de economia mista, deveria desempenhar.
78. Primeiro, é verdade que o art. 238 contém um comando dirigido exclusivamente
ao controlador público da companhia e que permite tratar de forma distinta, compa-
79. Porém, nada no Capítulo XIX da Lei nº 6.404, de 1976, dedicado às sociedades de
economia mista, autoriza a alteração do regime vigente para a companhia ou para os
administradores. Ao contrário, conforme já comentado, em mais de uma oportunidade,
este capítulo confirma a aplicação do regime estabelecido por referida lei às sociedades
de economia mista (art. 235) e a seus administradores (art. 239, parágrafo único).
80. Assim, estender um regime diferente do previsto nos dispositivos gerais da Lei
nº 6.404, de 1976, dependeria de um difícil esforço interpretativo que não me parece
conveniente.
81. Isso porque o regime da Lei nº 6.404, de 1976, em especial o art. 115, §1°, é rodeado
de mecanismos que visam a estabelecer um equilíbrio entre os diversos interessados
na atividade empresarial. Todo o sistema da Lei nº 6.404, de 1976, incluindo a repre-
sentação de minorias nos órgãos de administração, as matérias que devem ser levadas
à apreciação dos acionistas e seus quóruns especiais, os impedimentos de voto em
virtude de conflitos de interesse, entre outros mecanismos de proteção de minorias
visam a: (i) equilibrar a relação entre os diversos agentes, em especial, entre acionistas
controladores, minoritários e administradores; e (ii) assegurar que o interesse da com-
panhia se sobreponha aos interesses particulares dos seus acionistas.
82. Certamente o Capítulo XIX da Lei nº 6.404, de 1976, não quis destruir esse equilí-
brio. Ao contrário, os comandos desse capítulo reafirmam os mecanismos que estabe-
lecem esse balanço entre os diversos interesses dentro da companhia e, muitas vezes,
são até mais rigorosos que as regras existentes na parte geral da lei, como, por exemplo,
ao assegurar a existência e representatividade dos minoritários, independente do per-
centual de participação desses minoritários (art. 239); ao reafirmar a responsabilidade
dos administradores e seus deveres em relação à companhia e não em relação aos
acionistas que os elegeram (art. 239, §1°; ou ao assegurar que o funcionamento do
conselho fiscal será permanente nas companhias de economia mista e que um dos seus
membros será eleito pelas ações ordinárias minoritárias e outro pelas ações preferen-
ciais, sem exigir quaisquer percentuais mínimos para isso (art. 240).
83. Além disso, os interesses públicos que justificaram a criação da companhia estatal
estão, em certa medida, protegidos porque, de um lado, tais interesses se incorporam
ao estatuto social e ao objeto social que vinculam todos os sócios e porque a lei proíbe
que a sociedade de economia mista explore empreendimentos ou exerça atividades
não previstas na lei que autorizou a sua constituição (art. 237).
84. De outro, tal proteção se dá porque continua a existir uma inevitável e legítima
orientação do acionista controlador público em relação aos negócios da companhia,
seja por meio de mecanismos formais, como a eleição dos administradores, seja por
meio de mecanismos informais disponíveis para todos os controladores.
86. Uma interpretação extensiva e mais abrangente do art. 238 que de alguma manei-
ra atingisse o regime estabelecido no art. 115, §1°, só teria alguma justificativa se o
Estado, enquanto acionista controlador, não tivesse os mesmos mecanismos que um
controlador privado tem de privilegiar os seus interesses em detrimento dos interesses
da companhia e dos demais acionistas. Mas, não só o Estado tem exatamente as mes-
mas prerrogativas que qualquer acionista privado, como também tem todo aparato
de poder típico de Estado, inclusive o de mudar o ambiente regulatório do setor que a
companhia atua.
87. Esse conjunto de instrumentos privados e públicos representa uma enorme des-
proporção entre as forças e os recursos do Estado se comparado às forças e recursos
da companhia e dos demais acionistas da companhia. E a realidade brasileira tem de-
monstrado que os entes públicos controladores de companhias abertas no Brasil são
tão atuantes e coordenados quanto os controladores privados.
88. Assim, se o ente público estatal tem essa gama ampla de poderes e efetivamente os
usa tanto quando atua como controlador quanto quando atua como regulador e for-
mulador de políticas públicas, impondo condições específicas e inegociáveis, não vejo
razão para tirar dos demais acionistas da sociedade de economia mista a proteção que
lhes é conferida pelo art. 115, §1°, quando se está diante de um conflito de interesses.
89. Esse conflito de interesses entre o Estado regulador e o Estado acionista contro-
lador não é particular ao caso da Eletrobrás. Há muito, ele é motivo de discussões no
âmbito internacional e as boas práticas determinam que essas funções não se confun-
dam. Vale transcrever um dos primeiros comandos do Guia de Governança Corpora-
tiva para companhias estatais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico - OECD:
92. Por essas razões, não me parece proporcional ou necessário ampliar a interpreta-
ção do comando existente no art. 238 para dizer algo que ele não diz, contrariando o
comando do art. 235, caput, e de seu §1º, bem como todo espírito de equilíbrio do Ca-
pítulo XIX da Lei nº 6.404, de 1976, para excluir a Eletrobrás do regime geral aplicável
a qualquer companhia aberta em matéria de conflito de interesses.
93. Por fim, o argumento da Defesa também ignora um momento anterior, talvez mais
importante, que é a decisão do Estado de prestar os respectivos serviços públicos por
meio de uma sociedade de economia mista, isto é, por meio de uma sociedade anôni-
ma com acionistas privados, bem como tudo o que essa decisão implica em termos de
conformação da atuação do controlador público e dessa companhia.
94. Não há nada que obrigue o Estado a prestar os serviços de transmissão e geração
de energia elétrica por meio de uma sociedade anônima com acionistas privados. Pelo
413 O texto oficial em inglês é: “A. There should be a clear separation between the state’s ownership function and
other state functions that may influence the conditions for state-owned enterprises, particularly with regard to market
regulation. The state often plays a dual role of market regulator and owner of SOEs with commercial operations, particularly
in the newly deregulated and often partially privatised network industries. Whenever this is the case, the state is at the same
time a major market player and an arbitrator. Full administrative separation of responsibilities for ownership and market
regulation is therefore a fundamental prerequisite for creating a level playing field for SOEs and private companies and for
avoiding distortion of competition” Disponível em: http://www.oecd.org/daf/ca/34803211.pdf, pg. 18.
97. Em outras palavras, mesmo a persecução do interesse público que justificou a cria-
ção da companhia deve ser feita de acordo com as demais normas da lei, sobretudo
aquelas que estabelecem uma proteção aos acionistas minoritários. O art. 238 só isenta
o controlador de responsabilidade naquilo que a sua conduta tiver de satisfação do
interesse público ali referido, mas não naquilo que, mesmo que simultaneamente, re-
presentar uma expropriação de valor dos minoritários ou o desrespeito às estruturas e
proteções estabelecidas em lei.
99. Acredito que explorar um pouco esse exemplo seja útil no presente caso porque a
Defesa transcreve um trecho extraído do livro do professor Mario Engler para, de um
lado, corroborar seu entendimento de que o Estado não poderia se omitir diante de
uma deliberação necessária à consecução do interesse público; e, de outro, apresentar
o argumento de que quando o Estado exerce o poder de controle para assegurar a
consecução do interesse público, ele não é responsável pelo impacto financeiro ou pelo
custo implícito dessas políticas públicas.
100. Como já afirmado nesse voto, a CVM tem reconhecido que é legitimo ao Estado
adotar uma conduta não maximizadora dos lucros – no entanto, isto não significa
subverter a natureza lucrativa das sociedades por ações. Em outras palavras, embora o
lucro em qualquer empreendimento empresarial seja sempre incerto, ele também não
414 A finalidade lucrativa das companhias não significa certeza de apuração de resultados positivos. O acionista
privado de uma sociedade de economia mista vinculada à persecução de um interesse público não tem garantia de
rentabilidade nem a certeza de que recuperará seu capital investido, porque, afinal, o risco é inerente a toda atividade
econômica, independentemente de quem a conduza. Mario Engler lembra que “[o] lucro possui sempre caráter eventual,
razão pela qual não se pode falar em lucro ‘contratado’ ou ‘prometido’” (PINTO JUNIOR, Mario Engler, Empresa estatal:
função econômica e dilemas societários, p. 355)
101. A pessoa jurídica que controla uma sociedade de economia mista estaria violando
a Lei nº 6.404, de 1976, se, ainda que a pretexto de satisfazer o interesse público que
justificou a criação da companhia, desprezasse deliberadamente sua natureza lucrativa.
102. Nesse sentido, o mesmo autor citado pela Defesa (Mario Engler) afirma que “[o]
exercício qualificado do poder de controle acionário não pode chegar ao ponto de
subverter o tipo societário e violar o direito essencial de participar dos lucros sociais
(cf. art. 109 da Lei nº 6.404/76)”. O autor também aponta que “a ausência reiterada
de apuração de lucros e pagamento de dividendos pela companhia pode constituir
motivo para os acionistas minoritários requererem a dissolução judicial, por impossi-
bilidade de cumprimento de seu fim”, de acordo com o art. 206, inciso II, alínea “b”, da
Lei n° 6.404, de 1976415-416 .
103. Talvez o interesse público que justificou a criação da companhia fosse melhor
atendido se o poder público pudesse descuidar da finalidade lucrativa da sociedade
e eventualmente alocar todos os excedentes na melhora do serviço público que ela
presta. Da mesma forma, sem se preocupar com a geração de excedentes, o poder
público poderia cobrar dos consumidores tarifas ainda menores, que bastassem para
manter a economicidade da prestação do serviço – isto é, a sua mera sustentabilidade
do ponto de vista econômico. O Estado sempre poderá fazê-lo e de forma legítima,
por meio de algumas das formas que pode adotar para prestar os serviços públicos de
sua incumbência. No entanto, ao recorrer às sociedades anônimas, em especial, sob
a forma aberta, a observância do regime da Lei nº 6.404, de 1976, se impõe417 e essa
415 PINTO JUNIOR, Mario Engler, Empresa estatal: função econômica e dilemas societários, p. 359.
Corroborando a intepretação de que invocar o interesse público que justificou a criação da companhia não é suficiente
para afastar os dispositivos comuns da lei, o autor afirma, relativamente ao pagamento de dividendos mínimos, que “o
Estado como acionista controlador, assim como os administradores da sociedade de economia mista, não podem invocar
singelamente razões de interesse público albergadas no art. 238, para suspender indefinidamente a distribuição de lucros”
(Idem, pp. 363/364).
416 Da mesma forma, mas sem se referir expressamente ao art. 2° da Lei n° 6.404, de 1976, Carlos Ari Sundfeld
afirma o que segue: “Por definição, sociedades de economia mista são as que conjugam capitais governamentais e
particulares. Destarte, a razão vital desse gênero de pessoa é a viabilidade de desenvolver-se eficazmente atividade pública –
e daí a participação do Estado, interessado nessa atividade – e, ao mesmo tempo, produzir saldos econômicos apropriáveis,
o que enseja a afluência de capitais privados. Sem essa equação, a sociedade de economia mista inexistiria. Portanto, é
pressuposto lógico – e por isso jurídico, visto a existência da sociedade de economia mista haver sido prevista constitucional
e legalmente – de sua constituição o regime lucrativo, ainda quando se trate de exploradora de serviço público” (SUNDFELD,
Carlos Ari, “Entidades administrativas e noção de lucro”, in Revista Trimestral de Direito Público, n° 6, 1994, p. 267). Já
Modesto Carvalhosa afirma, por exemplo, que “[c]aberá às sociedades de economia mista que tenham acionistas privados
conciliar o objetivo voltado para o atendimento do interesse público com a obtenção de lucros suficientes à remuneração
dos capitais que coletaram junto aos investidores. Esse rigoroso equilíbrio é obrigação legal que não pode ser descumprida,
sob pena de estar a sociedade de economia mista fraudando seus objetivos ao mesmo tempo institucionais e contratuais”
(CARVALHOSA, Modesto, Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, São Paulo: Saraiva, 2013, 7ª ed., vol. 1, p. 79).
417 No caso concreto, considerando a lei de criação da Eletrobrás, isso significa que o Estado poderia votar a
favor da celebração de um contrato que implicasse receitas menores para a Companhia, mas jamais poderia obrigá-la a
prestar os serviços públicos em que o seu objeto social consiste de forma deliberadamente deficitária ou não lucrativa.
104. Assim como o interesse público que justificou a criação da sociedade não equivale
a uma carta branca para desprezar a natureza lucrativa das companhias, ele tampouco
autoriza a pessoa jurídica de direito público que controla uma sociedade de economia
mista a ignorar outras normas que igualmente constam da Lei nº 6.404, de 1976.
107. Nesse contexto, invocar a satisfação do interesse público que justificou a criação
da companhia pouco contribui para afastar esse impedimento. O art. 115, §1º, da Lei
nº 6.404, de 1976, condiciona o controle exercido pelo poder público e a sua pretensão
de orientar a atividade da companhia de forma a atender aquele interesse público.
Havendo simultaneamente uma situação de conflito, o acionista controlador público
estará impedido de votar.
108. Novamente, isso não significa que o Estado esteja realmente impedido de dar
concretude ao interesse público. Significa apenas que, em se tratando de sociedades
anônimas, a sua satisfação não se dá à margem da lei societária.
109. É por conta disso que concordo com a Acusação quando afirma, por exemplo, que
não há porque tomar a MP 579 como premissa para, então, justificar o descumprimento
da Lei nº 6.404, de 1976. Assim como essa medida provisória limitava as possibilidades
da Companhia, a lei das sociedades por ações limitava as possibilidades do controlador
Essa é uma proteção típica da legislação societária e que tem a ver, como já se viu, com a própria natureza das sociedades
anônimas. A Eletrobrás e outras concessionárias contam também com pelo menos outra garantia de lucratividade, típica da
Lei nº 8.987, de 1995: o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão. Finalmente, em sociedades de economia
mista que desempenhem atividade econômica em sentido estrito, competindo com outros agentes privados, as regras do
direito concorrencial conferem aos acionistas minoritários da companhia mais uma garantia de que ela deve respeitar a
sua natureza lucrativa. Embora mais voltadas à proteção dos concorrentes da companhia contra práticas desleais, como
dumping, essas regras acabam assegurando também aos sócios da sociedade mista que o poder público não pode desprezar
de forma sistemática a vocação dessas entidades para a geração e distribuição de excedentes financeiros.
418 Nesse aspecto, boa parte do trabalho da Acusação para identificar as chances de sucesso de uma eventual
demanda da Companhia contra a MP 579 me parece prescindível.
V. Mérito da acusação
110. Embora eu acredite que este é um assunto que ainda mereça discussão dentro des-
ta Autarquia e talvez orientações mais precisas, é importante lembrar que a acusação
de conflito de interesses no presente caso não decorre do fato de que a União era a con-
traparte contratual das subsidiárias da Companhia. A SEP não questionou, portanto, a
possibilidade de em outros casos o Estado votar em contratos de concessão.
116. Impedir o controlador de votar somente faz sentido, e é permitido pela lei societá-
ria brasileira, quando, de alguma maneira, há um interesse externo desse controlador
que pode fazer com que ele não tome uma decisão no melhor interesse da companhia,
privilegiando esses interesses externos.
117. por isso que a lei brasileira, bem como a legislação da maior parte dos merca-
dos mais desenvolvidos, tem regras específicas para lidar com transações nas quais se
constata tal interesse exterior por um determinado acionista e o risco de que ele pri-
vilegie esse interesse, em detrimento do melhor interesse da companhia e dos demais
acionistas. Na lei brasileira, esse regime especial está consagrado no §1° do art. 115 da
Lei nº 6.404, de 1976, e é em conformidade a ele que a análise deste voto se dá.
118. Se todos os acionistas forem afetados igualmente por uma deliberação, todos te-
rão incentivos para votar de acordo com o melhor interesse da companhia. No en-
tanto, se um acionista for particularmente beneficiado, é significativo o risco de que
ele venha a privilegiar seu próprio interesse; por isso, para proteger a legitimidade da
decisão assemblear, é importante impedir que este acionista vote419.
419 Sobre esse assunto, vale transcrever trecho do voto da então Presidente Maria Helena Santana no Processo
CVM nº 2009/13179, julgado em 9.9.2010, que tratava de conflito de interesses, mas que traz raciocínio válido também para
a hipótese de benefício particular: “[n]esse ponto, creio ser importante mencionar o argumento por alguns levantado de que
a adoção de um exame do conflito de interesses do acionista controlador que independa da apuração do caráter prejudicial
do voto exercido levaria a consequências inaceitáveis, pois subverteria o princípio majoritário que rege ordinariamente
as sociedades anônimas. Contra esse argumento, não tenho como deixar de ressaltar que a proibição do voto em caso
de conflito de interesses procura, a bem da verdade, proteger a regra da maioria. Sem dúvida, em situações normais, o
acionista controlador está em condição para decidir o que é o melhor para a companhia, inclusive em função dos deveres
fiduciários que lhe são atribuídos pela lei. No entanto, nos casos de conflito, justamente em razão dos incentivos que tem
para exercer o voto em favor de outros interesses que aqueles da companhia, isso deixa de ser verdade e a regra da maioria
já não funciona corretamente, ou melhor, só pode funcionar corretamente se essa maioria não for formada pela vontade
do acionista controlador. Afinal, a legitimidade da assembleia para deliberar sobre os assuntos de interesse da companhia
parte do pressuposto de que a maioria é capaz de expressar o que é melhor para a companhia, o que, evidentemente, nos
casos de conflito, só pode ser atingido caso o acionista interessado esteja impedido de votar. Ademais, entendo que, em vista
dos interesses em AGO, é mais proporcional conceder aos acionistas minoritários um direito de veto sobre uma transação
a ser celebrada entre a companhia e o controlador do que permitir que este concentre em suas mãos o poder de tomar esta
decisão por si mesmo, enquanto contraparte no contrato, e pela companhia. Com efeito, nas situações em que o conflito é
evidente, em que o acionista controlador é chamado a defender, na celebração do negócio, tanto os seus interesses como
os da companhia, me parece que o impedimento de voto oferece uma solução equilibrada, que tem por efeito prático
conferir aos minoritários um direito de veto sobre a transação, colocando-os em posição mais paritária em relação ao
acionista controlador que, por ser parte contratante, também pode desistir de fazer o negócio, se não estiver de outro modo
convencido”.
121. Dessa forma, para que a decisão de renovar os contratos de concessão fosse legíti-
ma, no regime estabelecido pelo §1° do art. 115 da Lei nº 6.404, de 1976, era necessário
que a União se abstivesse de votar.
ii) o objeto da AGE dizia respeito à situação que configura conflito de interes-
ses; dessa forma, a aplicação do art. 115, §1º, da Lei nº 6.404, de 1976, ao caso
concreto implica o impedimento de voto por parte da União nas decisões que
tratavam da renovação dos contratos de concessão, razão pela qual verificou-
-se a infração ao aludido dispositivo.
VI. Conclusão
123. Em razão de todo o exposto, da relevância dos montantes envolvidos no caso con-
creto e dos consolidados precedentes desta casa em matéria de conflito de interesses,
bem como dos antecedentes da União perante essa Autarquia420, voto pela condenação
da União à penalidade de multa no valor de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), por
infringir o disposto no art. 115, §1º, da Lei nº 6.404, de 1976, ao votar na AGE pela
renovação das concessões de distribuição e transmissão de energia elétrica de compa-
nhias controladas pela Eletrobrás.
Luciana Dias
Diretora
420 Vide Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2002/4985, Diretor-Relator Pedro Oliva Marcilio de
Sousa, julgado em 8.11.2005.
Pablo Renteria
Diretor
Encerro a Sessão, informando que a acusada punida poderá interpor recurso voluntá-
rio, no prazo legal, ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.
Reg. nº 4755/05
Relatório
Resumo da Consulta
“(i) distribuição pública e privada de cotas de FIP e FIDC, bem como casos
de dispensa de registro, inclusive no que se refere à 2ª emissão e seguintes;
2. A consulta da área técnica foi motivada por uma operação específica, da Patrimônio
Investimentos e Participação Ltda., por ocasião do pedido de registro formulado para
o Fundo de Educação para o Brasil – Fundo de Investimento em Participações, sob sua
administração. Entretanto, informa a área técnica que as questões suscitadas naquela
operação apresentam-se com frequência em diversas outras, motivando grande parte
das consultas que lhe são feitas. Por tal razão, no decorrer do processo, às dúvidas
surgidas quando da operação da Requerente somaram-se outras, de natureza análoga,
que envolvem também, além dos Fundos de Investimento em Participação (“FIP”), os
Fundos de Investimento de Direitos Creditórios (“FIDC”) e suas respectivas regula-
mentações (fls. 182421).
421 “(...) tornou-se imprescindível a ampliação do objeto de apreciação do presente Memorando, devendo o
mesmo abranger não somente a questão acerca da distribuição pública ou privada de cotas de FIP, mas também de cotas
ii. “Entretanto, o teor dessa Deliberação não pode ser considerado em termos
absolutos, podendo ser aquilatada à luz do que hoje dispõe o art. 3º, §1º,
da Instrução CVVM nº 400, que delimita o conceito de ‘público em geral’,
dele excluindo as pessoas que ‘tenham prévia relação comercial, creditícia,
societária ou trabalhista, estreita e habitual, com a emissora’”. Dessa forma,
dever-se-ia investigar a forma como se deu a colocação;
i. “a única limitação nesse sentido é a que consta do art. 17, parágrafo único
[da Instrução 356/01], de acordo com o qual ‘as cotas de fundo fechado co-
locadas junto a investidores deverão ser registradas para negociação secun-
dária em bolsa de valores ou em mercado de balcão organizado, cabendo aos
intermediários assegurar que a aquisição de cotas seja feita por investidores
qualificados”. Tal regra se aproximaria daquela do art. 4º, §4º, III da Instrução
400/3, que prevê a possibilidade de dispensa do registro e de requisitos de
registro nas ofertas destinadas apenas a investidores qualificados, os quais só
de FIDC, tendo em vista alguns processos já em análise ou registrados nesta CVM, bem como uma infinidade de consultas
telefônicas que esta área recebe diariamente sobre o tema”.
i. tanto os FIP quanto os FIDC devem obter registro para seu funcionamento
junto à CVM, seja por analogia ao art. 2º, §3º, I e art. 21 da Lei 6.404/76 seja,
no caso dos FIDC, por dispositivo expresso da Resolução CMN 2.907/01;
ii. a deliberação 20/86 não se aplica às ofertas privadas de cotas de FIP e FIDC
– desde que não haja, naturalmente, oferta pública – dado que a presença de
integrante do sistema de distribuição em ambos os casos deriva de exigência
regulatória posterior e específica da CVM, e se presta não somente à distri-
buição, mas também à controladoria e tesouraria do fundo;
É o relatório.
I. Uniformização Necessária
4. Esse cenário acabou levando à perda, em alguns casos, da coerência sistemática que
se espera das normas emanadas de um mesmo órgão, terminando por gerar as dúvi-
das que motivaram a consulta. Por isto, antes de responder às questões colocadas na
consulta, e propor alterações normativas, peço licença para fazer um pequeno resumo
dessas diversas normas que estão em vigor.
7. A Lei 6.385/76, como se sabe, estabeleceu que “nenhuma emissão pública de valores
mobiliários será distribuída no mercado sem prévio registro” na CVM (art. 19). Por
força da nova redação dada ao art. 2º da mesma lei pela Lei 10.303/01, as cotas de
fundos de investimento em valores mobiliários (em qualquer caso, cf. inciso V) e as
cotas de outros fundos de investimento, quando ofertadas publicamente (inciso IX),
foram incluídas no conceito de valores mobiliários. Daí resulta que toda oferta pública
de cotas de fundo de investimento só pode ser realizada após a obtenção de registro
perante a CVM423.
12. Esta terá sido a razão pela qual, replicando o sistema de duplo registro (do valor
mobiliário e do emissor) dos arts. 19 e 21 da Lei 6.385/76, a regulamentação da CVM
evoluiu para a concessão de dois registros aos fundos de investimento: o de autori-
zação para o “funcionamento” de fundos e o de autorização para a “distribuição” das
cotas de fundos. O primeiro sempre estabelecido pelas normas regulamentares como
requisito para o segundo;426 o primeiro, não essencial,427 mas desejado pelos agentes
de mercado em prol da segurança jurídica e da eficiência operacional do produto; o
segundo, imposto genericamente pelo art. 19 da Lei 6.385/76.
13. Mas a existência dessa autorização para funcionamento, desse “registro dos fun-
dos” (como o denomina a Seção II do Capítulo II da Instrução CVM 409/04), não
transforma a natureza condominial da propriedade dos ativos. Tal registro tampouco
é constitutivo do condomínio.428 Sua existência insista-se — ao menos enquanto não
sobrevier lei que confira personalidade jurídica aos fundos de investimento, ou que
altere a Lei 6.385/76 para conferir caráter constitutivo ao registro do regulamento do
fundo na CVM ou no registro de títulos e documentos — decorre da propriedade de
coisas móveis (os ativos do fundo) por mais de um titular (os cotistas).
14. A evolução das normas da CVM relativas ao registro para “funcionamento” dos
fundos de investimento revela não só o crescente reconhecimento de que o registro
para “funcionamento” não tem caráter constitutivo, como uma clara tendência para a
concessão automática de tal registro.
15. Com efeito, depois da Resolução CMN 1.787/91, a CVM passou a editar normas
gerais sobre fundos de investimento em ações (então Fundos Mútuos de Ações). A
primeira, consubstanciada na Instrução 148/91, diferenciou entre a constituição do
fundo, que se daria por ato da administradora, e a autorização para seu “funciona-
mento”, que seria dada pela CVM, sendo certo que somente após essa autorização
recursos captados por meio do Sistema de Distribuição de Valores Mobiliários, na forma da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro
de 1976, destinados a aplicação em empreendimentos imobiliários” (cf. art. 1º) - como se a comunhão não recaísse, em
seguida, nos ativos adquiridos com os “recursos captados”. Entretanto, para enfrentar a questão do condomínio sobre
os bens imóveis que o fundo adquirisse, a Lei 8.668/93 criou sobre eles (e os demais ativos do fundo) uma propriedade
fiduciária do administrador (art. 6º), cujas características ficam averbadas no registro de imóveis em que registrados os bens
detidos pelo fundo (art. 7º).
426 No caso dos Fundos de Investimento Imobiliário, como visto na nota 2, requisito legal.
427 No caso dos Fundos de Investimento Imobiliário, como visto na nota 2, a autorização é essencial por força da lei.
428 Ressalve-se, ainda outra vez, a questão dos Fundos de Investimento Imobiliário.
16. Já as Instruções mais recentes, como a 356/01 (art. 8º), relativa aos FIDC, 391/03
(art. 4º), relativa aos FIP, e a própria Instrução 409/04, embora continuem se referindo
a “registro prévio” ao “funcionamento do fundo” (cf. art. 7º da Instrução 409/04), ado-
taram o sistema de concessão automática de tal registro. Por isto mesmo a Instrução
409/04 passou a exigir que o registro do regulamento do fundo no Registro de Títulos
e Documentos se dê antes do pedido de registro à CVM.430
18. A Instrução 400/03, regulamentando o art. 19 da Lei 6.385/76, é a regra geral que
atualmente disciplina as distribuições públicas de valores mobiliários, e o seu respecti-
vo registro perante a CVM (cf. art. 1º), ressalvada a regulamentação específica, quando
houver, no que se refere aos temas descritos no parágrafo único de seu art. 60.431 Como
visto, as cotas de fundos de investimento em geral, quando distribuídas publicamente,
são valores mobiliários, e portanto sua distribuição pública está, em regra, sujeita às
normas da Instrução CVM 400.
429 As Instruções 205/94 (art. 4°), que trata dos FII, e 209/94 (art. 3º), que trata dos FMIEE, exigem que o pedido de
registro seja instruído com a comprovação do registro do regulamento no cartório de títulos e documentos, reconhecendo,
portanto, que a constituição do fundo antecede o registro.
430 Mas é preciso deixar claro que nem o Código Civil nem a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) conferem a
tais registros caráter constitutivo, mas somente de publicidade (cf. art. 221 do Cód. Civil e art. 127 da Lei 6.015/76).
431 A saber: prospecto e seu conteúdo; documentos e informações que deverão instruir os pedidos de registro;
prazos para a obtenção do registro; prazo para concluir a distribuição; e hipóteses de dispensas específicas
20. A Instrução CVM 409/04, por sua vez, é a regra geral que disciplina a maior parte
dos fundos de investimento do Brasil, e trata de certas matérias relativas a sua dis-
tribuição pública, no espaço de regulamentação específica anunciado pela Instrução
400/03. Para efeito (embora não somente para esse efeito) de estabelecer normas es-
pecíficas relativas à distribuição pública dos fundos de investimento de que trata, a
Instrução 409/04, seguindo longa tradição regulamentar da CVM, tratou de distinguir
entre fundos abertos e fundos fechados.
21. Os fundos abertos, para a Instrução 409, são necessariamente distribuídos publica-
mente. Esta é a minha interpretação do art. 19 da Instrução, segundo o qual, a “distri-
buição de cotas de fundo aberto independe de prévio registro na CVM”, mas sempre
“será realizada por instituições intermediárias integrantes do sistema de distribuição
de valores mobiliários”.
22. A outra interpretação possível seria a de que a regra do art. 19 se aplicaria somen-
te aos fundos cujas cotas fossem distribuídas publicamente. No caso de distribuição
privada de cotas de fundo aberto (isto é, sem o esforço de venda ao público de que
trata a Instrução 400), o fundo poderia ser registrado na CVM, sem distribuição por
instituição intermediária432.
24. Por outro lado, dada exatamente aquela possibilidade de saída (resgate das cotas),
e portanto a maior liberdade dos cotistas (com a consequente diminuição de seu ris-
co), o art. 19 da Instrução 409 estabelece que a “distribuição de cotas de fundo aberto
independe de prévio registro na CVM”, sendo, entretanto, realizada por integrante do
sistema de distribuição. De todo modo, creio que essa presunção de distribuição pú-
blica dos fundos abertos poderia ficar mais explícita na norma.
432 Dessa última interpretação decorreria naturalmente o risco de afirmar-se que, como visto anteriormente neste
voto, a CVM não tem poder de conceder registro de constituição de fundos, senão como medida preparatória e necessária
para a concessão do registro de distribuição pública de suas cotas. Portanto, tal fundo não seria passível de registro na CVM,
e mesmo que fosse registrado estaria submetido às normas do Código Civil relativas ao condomínio, que vedam o resgate
(isto é, a extinção do condomínio apenas em favor de um dos condôminos, sem a concordância dos demais).
26. Não me parece que a inexistência de norma específica da Instrução 356/01 quanto
ao registro automático da distribuição pública de cotas dos fundos abertos deva ser
interpretada como uma autorização para a distribuição pública daquelas cotas sem re-
gistro ou com dispensa de registro (o que violaria os arts. 2º, IX e 19, da Lei 6.385/76).
A consequência de tal silêncio, por força do art. 1º da Instrução 400/03, deve ser, até a
edição de norma específica, a aplicação dessa última Instrução à distribuição pública
de cotas de FIDC aberto.
27. Contudo, quanto aos FIDC abertos que não fossem distribuídos publicamente (e
a cujas cotas faltaria, portanto, a natureza de valor mobiliário, em razão dos ativos do
fundo serem créditos, e não valores mobiliários), creio que seria possível sustentar,
atualmente, a possibilidade de colocação privada, sem registro na CVM, dada a inexis-
tência de regra equivalente à do art. 19 da Instrução 409. Por isto, creio que tal norma
deve ser introduzida.
28. Parece-me, adicionalmente, que qualquer que seja a modalidade de fundo de in-
vestimento aberto, a presunção que permite a dispensa de maiores requisitos para a
distribuição pública está na possibilidade de livre resgate a qualquer tempo, com li-
quidez bastante rápida. Assim, entendo que se deva cogitar da introdução de norma
que determine a aplicação da Instrução 400/03 (ou do tratamento específico conferido
à distribuição de fundos fechados por normas específicas) quando houver limitação
significativa ao exercício do resgate, ou à disponibilidade do valor resultante daquele
exercício.
29. Já no caso das cotas de fundos fechados, a Instrução 409 adota duas soluções dis-
tintas: em primeiro lugar, quando o acesso ao fundo não for restrito a investidores
qualificados, isto é, quando se tratar de fundos em que sejam admitidos quaisquer
investidores (qualificados ou não),433 o art. 22 da Instrução presume que a distribuição
é pública, e manda aplicar a Instrução 400434.
433 O conceito de investidor qualificado da Instrução 409 consta de seu art. 109, e abrange: instituições financeiras;
companhias seguradoras e sociedades de capitalização; entidades abertas e fechadas de previdência complementar; pessoas
físicas ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) e que,
adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor qualificado mediante termo próprio, de acordo com o
Anexo I à Instrução; fundos de investimento destinados exclusivamente a investidores qualificados; e administradores de
carteira e consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios.
434 Diz o art. 22: “A distribuição de cotas de fundo fechado que não seja destinado exclusivamente a investidores
qualificados deverá ser precedida de registro de oferta pública de distribuição nos termos da Instrução CVM n.º 400, de 29
de dezembro de 2003”.
31. Contudo, poderia ocorrer situação similar àquela tratada quando discuti a situa-
ção dos fundos abertos, em que um número pequeno de investidores não qualificados
pretenda obter, através de um administrador, apenas o registro do “funcionamento” de
um condomínio constituído como fundo perante a CVM. Neste caso se estaria diante
de uma colocação privada, que não é vedada pela Lei. Contudo, pelas razões que antes
expus, parece-me que a utilização da CVM para tal efeito seria danosa não só à própria
autarquia (que estaria atuando para além de seu mandato legal) como para os próprios
interessados, dados os riscos legais envolvidos435.
32. Em segundo lugar, no que se refere às cotas de fundos fechados destinados ex-
clusivamente a investidores qualificados, o art. 23 da Instrução 409 estabeleceu que
o “registro de distribuição” “dependerá do envio dos documentos previstos no art.
24, através do Sistema de Envio de Documentos disponível na página da CVM na
rede mundial de computadores, e considerar-se-á automaticamente concedido na data
constante do respectivo protocolo de envio”.
33. Vê-se, assim, que atuando na área de regulamentação específica, a Instrução 409
criou requisitos de registro de distribuição pública relativos às matérias autorizadas
pelo art. 60 da Instrução 400, adotando o registro automático como padrão.436 Para
tanto, basta que o fundo seja fechado e destinado a investidores qualificados.
34. Na mesma linha, as Instruções CVM 205/94 (FII), 209/94 (FMIEE), 356/01 (FDIC)
e 391/03 (FIP) criaram requisitos próprios para o registro da distribuição dos fundos
fechados de que tratam, também destinados a investidores qualificados, sendo a desti-
nação a tal público obrigatória no caso dos FIDC e dos FIP.437
35. Nada obstante tais regimes específicos, tanto a Instrução 409 (art. 24), quanto as
Instruções 205 (art. 8º) e 356/01 (art. 20, § 1º) exigem que o administrador do fundo
celebre contrato de distribuição com instituição integrante do sistema de distribuição. A
Instrução 391/03 (art. 9º, § 4º) estabelece que tal contratação somente é obrigatória quan-
do o administrador não for integrante do sistema de distribuição, dando a entender que
tal contratação se destina, entre outros, à prestação de serviços de “distribuição de cotas”.
38. Mas em resumo, quanto aos temas relativos aos registros dos fundos, pode-se con-
cluir que:
ii. a Instrução 409 criou regimes de registro próprio para a distribuição públi-
ca de cotas dos fundos de investimento por ela disciplinados, diferenciando
os regimes aplicáveis aos fundos abertos e aos fundos fechados, mas, quanto
a estes, mandando aplicar na íntegra a Instrução 400, quando não destina-
dos exclusivamente a investidores qualificados;
iii. as Instruções 205, 209, 356 (apenas quanto aos FIDC fechados) e 391 tam-
bém criaram regimes de registro próprios para a distribuição pública de co-
tas dos fundos de investimento por elas disciplinados, com variações entre
si e em relação à Instrução 409;
v. As Instruções 205, 356, 391 e 409 não são expressas quanto à possibilidade
de colocação privada de cotas dos fundos de investimento de que tratam,
e a Instrução 209, embora a preveja, não é clara quanto à dispensa da con-
tratação de intermediário nesse caso, sendo certo, ainda, que a Instrução
409 parece presumir que toda colocação de fundo aberto deve presumir-se
pública;
IV. Respostas às questões da Consulta
39. Feita a análise das normas vigentes, e proposta sua interpretação, pode-se passar ao
exame das questões colocadas na consulta.
438 Resgate que só admitido na liquidação do fundo, dado tratar-se de condomínio fechado (cf. arts. 1º e 25 da
Instrução 209).
40. Nem a lei, nem a Instrução 400, vedam a colocação privada (isto é, não pública) de
valores mobiliários, nem tampouco exigem, para essa modalidade de venda, registro
perante a CVM (cf., a propósito, o art. 19 da Lei 6.385/76). Seria mesmo duvidoso,
como salientou a PFE, que a CVM pudesse exigir o registro de colocação privada.
41. Quando se trata de fundos de investimento, com maior razão, a distribuição pú-
blica é o que legitima a intervenção da CVM, dado que, como visto, salvo no que se
refere aos Fundos Imobiliários, não há norma legal que determine a possibilidade de
a CVM conceder registros ou autorizações que produzam qualquer efeito jurídico, se
não houver distribuição pública.
42. Mesmo o fato de as cotas de fundos de investimento que invistam em valores mo-
biliários serem valores mobiliários (art. 2º, inciso VI, da Lei 6.385/76), assegura a com-
petência da CVM para regular a distribuição pública de tais valores, mas não lhe con-
fere poder para conceder registro a condomínios que se constituam pela comunhão de
propriedade de tais bens sem tal oferta pública.
43. No caso dos Fundos Imobiliários, por outro lado, embora a Lei 8.668/93 determine
que a CVM tem competência para regular a constituição dos fundos, o art. 1º da mes-
ma Lei deixa expresso que eles se caracterizam “pela comunhão de recursos captados
por meio do Sistema de Distribuição de Valores Mobiliários, na forma da Lei nº 6.385,
de 7 de dezembro de 1976, destinados a aplicação em empreendimentos imobiliá-
rios”. Isto é: a forma pública de captação de recursos do fundo imobiliário (rectius, da
distribuição de suas cotas) parece ser elemento necessário para que eles possam ser
constituídos.
44. Não parece possível, assim, do ponto de vista legal, que a CVM conceda registro a
qualquer fundo de investimento em que o administrador pretenda colocar suas cotas
exclusivamente de modo privado. Em tais casos, se estará diante de um condomínio
não regulado pela CVM, segundo a legislação em vigor. Somente a edição de uma lei
que atribuísse competência à CVM para criar um registro de fundos, independen-
temente de sua distribuição pública, daria poderes à autarquia para tanto. Por estas
razões, embora nada impeça que o administrador deixe de realizar esforço de venda de
cotas de fundo registrado na CVM, o registro deve ser examinado e concedido como
se tal esforço fosse realizado.
45. Até lá, embora os termos da regulamentação da CVM sobre o tema mereçam con-
solidação sistemática (como proporei ao final), não é equivocada a exigência regu-
lamentar de que a autorização para funcionamento dos fundos de investimento (o
registro de fundos) seja acompanhada da comprovação da celebração de contrato com
entidade integrante do sistema de distribuição, para efetuar a necessária colocação
pública das cotas.
46. Apesar disto, nada impede que a CVM estabeleça regras especiais de concessão au-
48. Pelas mesmas razões expostas ao longo deste voto, no sentido de que a legitima-
ção da intervenção da CVM no registro de funcionamento de fundos de investimento
decorre da distribuição pública de suas cotas, entendo necessária a intervenção de
instituição intermediária integrante do sistema de distribuição em colocação de cotas
de Fundos Fechados que sejam regidos pela CVM, pois tal intervenção decorre de
comando legal (art. 19 da Lei 6.385/76).
49. Nada obstante, nos casos em que a CVM dispensar o registro da distribuição públi-
ca, na forma da autorização legislativa constante do § 5º, I, do art. 19, poderá também
dispensar a intervenção de instituição integrante do sistema de distribuição, amparada
no disposto no inciso III, §3º, do art. 2º da Lei 6.385/76, devendo tais pontos ser acla-
rados em norma geral.
50. Como visto, não me parece que seja possível a colocação privada de cotas de fun-
dos submetidos à supervisão da CVM. Além disto, parece-me que a intervenção das
instituições intermediárias é obrigatória, à luz da regulamentação atual, em quaisquer
colocações de cotas de fundos a que a CVM conceda registro.
51. Sem prejuízo de tais conclusões, quando a CVM vier a editar normas gerais que
dispensem o registro de certas colocações públicas de cotas de fundos de investimento,
53. Pelas razões antes expostas, não me parece possível a colocação privada de cotas
de fundos regulados pela CVM. Contudo, nas hipóteses em que, no futuro, o registro
de distribuição de certas colocações públicas de cotas de fundos de investimento vier
a ser dispensado, parece-me que deverão ser aplicadas regras similares àquelas da Ins-
trução 400/03, que admitem a negociação no mercado secundário após o decurso do
período de 18 meses.
54. Nada obstante, entendo que na hipótese de tal autorização vir a ser concedida, ela
deveria constar de norma genérica aplicável a todos os Fundos Fechados.
IV. 5 Necessidade de registro perante a CVM de Fundos Fechados cujas cotas sejam
colocadas privadamente
55. Finalmente, pelas razões que expus, parece-me que não há, nem necessidade, nem
possibilidade, de registro na CVM de fundos de investimento em geral cujas cotas
destinem-se à colocação privada, sem prejuízo de que, em busca da segurança jurídica
decorrente da existência de regulamentação, ou por qualquer outra razão lícita, os ad-
ministradores obtenham o registro de fundos junto à CVM, sujeitando-se a todos os
ônus inerentes, e não venham a realizar efetivo esforço de colocação pública.
Relatório
I. Do Objeto:
b) o preço ofertado por ação será o maior entre (i) valor econômico, apurado
por empresa especializada escolhida em AG, acrescido de prêmio de 25%;
(ii) 125% do preço de emissão em aumentos de capital ou distribuições
públicas ocorridas nos 24 meses que precederem a OPA, atualizados pelo
IGP-M; (iii) 125% do valor do patrimônio líquido a preço de mercado na
data em que a oferta se tornar obrigatória; (iv)125% da cotação unitária
média nos 15 pregões que tiverem antecedido a OPA; e (v) R$ 1,00, corri-
gido pelo IPCA a partir da data em que a oferta tornou-se obrigatória;
440 “Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada
sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com
direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a
80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle”
10. No mesmo dia 24.9.2013, foi apresentada proposta da Administração da GPC con-
tendo versão do estatuto social com destaque para as mudanças propostas e as justifi-
cativas da administração para tais mudanças, a seguir parcialmente transcritas:
11. Em 01.10.2013, G.B.I.C.G.R. (em conjunto com a S.I.L. e com a E.M.E.P.T. dora-
vante “Investidoras”) informou ter adquirido ações correspondentes a 5,40% do capi-
tal da Companhia. Ainda segundo o comunicado, a G.B.I.C.G.R. não teria o objetivo
de alterar a estrutura administrativa e tampouco seria parte de acordo, ou contrato
regendo direito de voto, ou compra e venda de valores mobiliários de emissão da GPC.
13. Em razão dessas negociações, o quadro acionário da GPC passou a ter a seguinte
composição, a demonstrar que as Investidoras passaram a deter 33,03% do capital,
percentual próximo aos dos Acionistas Vinculados, 37,65%:
a) ela viola os artigos 138, §1º, e 140, I a IV, da Lei nº 6.404, de 1976442;
c) cria privilégios entre acionistas que detêm ações da mesma classe, contra-
riamente ao previsto no art. 109, §1º, da Lei nº 6.404, de 1976443.
d) o valor mínimo de R$1,00 por ação a ser pago pelo eventual responsável
por uma OPA é arbitrário, e não possui qualquer relação com o valor de
mercado, patrimonial ou contábil das ações;
III. Da Acusação:
444 “Art. 36. O estatuto da companhia fechada pode impor limitações à circulação das ações nominativas, contanto
que regule minuciosamente tais limitações e não impeça a negociação, nem sujeite o acionista ao arbítrio dos órgãos de
administração da companhia ou da maioria dos acionistas. Parágrafo único. A limitação à circulação criada por alteração
estatutária somente se aplicará às ações cujos titulares com ela expressamente concordarem, mediante pedido de averbação
no livro de “Registro de Ações Nominativas”.
18. Como se viu, as Investidoras partiram dessa falsa premissa sobre a quantidade de
ações detidas pelos Acionistas Vinculados, ao questionarem a isonomia da obrigação
de lançamento de oferta pública, pois consideraram que os Acionistas Vinculados já
detinham mais de 40% do capital.
19. A falha da informação só foi sanada na própria AGE445. Se até mesmo os acionistas
diretamente engajados na contestação das propostas de reforma do estatuto estavam
em erro, eles, e possivelmente outros, também o estavam ao negociar com ações de
emissão da GPC.
20. Como dispõe o art. 24, §3º, X, da Instrução CVM nº 480, de 2009446, a alteração do
acordo de acionistas deveria ter ensejado a reapresentação do formulário de referência
em até 7 dias úteis, ou seja, até 01.8.2011447. Na mesma data, o próprio acordo deveria
ter sido enviado à CVM por meio eletrônico, como dispõe o art. 30, VIII, da Instrução
antes mencionada448.
21. Era responsável pelo cumprimento dessas obrigações, nos termos do art. 45 da re-
ferida instrução, Emílio Salgado Filho, que ocupava o cargo de diretor de relações com
investidores da GPC449 e também faz parte do acordo de acionistas cuja divulgação não
foi providenciada.
22. A Acusação entende que o estatuto, ao fixar o gatilho da oferta em 40% das ações
emitidas, geraria efeitos assimétricos sobre os acionistas, dividindo-os em dois gru-
pos distintos: de um lado, os Acionistas Vinculados, já virtualmente detentores dessa
quantidade de ações, ficariam seguros contra a eventual formação de um grupo com
participação acionária superior; de outro, os demais acionistas ficariam privados da
possibilidade de venderem suas ações a quem se dispusesse a assumir o controle.
23. Dessa forma, segundo a acusação, um dos potenciais benefícios das poison pills,
24. A Acusação destaca que apesar de os Acionistas Vinculados deterem 37,65% das
ações emitidas pela GPC; pessoas próximas, inclusive, em alguns casos, com laços fami-
liares, detêm participação que levam esse patamar para 39,89%. Por exemplo, a acionista
Juliana Maria de Andrade Bhering Cabral Palhares é casada com Paulo Cesar Peixoto de
Castro Palhares Filho, que, assim como seu pai, é um dos Acionistas Vinculados450. Ela
detinha, à época da AGE, ações representativas 2,24% do capital da GPC451.
25. Segundo a Acusação, não haveria razão para a adoção da Defesa via OPA, inclusive
porque os Investidores, ao serem questionados, negaram a intenção de alterar a admi-
nistração, ou o controle acionário da GPC (fls. 76 a 79).
26. A desconfiança em relação à intenção dos Investidores parece ter sido o real propó-
sito para a adoção das Defesas, e é o que transparece da leitura da justificativa levada
pelos administradores à AGE: a “proteção de acionistas minoritários contra capital
especulativo”. Na proposta, essa necessidade de proteção foi associada ao processo de
recuperação judicial, dando a entender que os Investidores, ou alguém que se acredi-
tasse estar por trás deles, pudessem interferir negativamente neste processo.
27. Segundo a Acusação, é duvidoso que esse receio fosse uma justificativa aceitável para
as alterações estatutárias. Ainda que o receio fosse fundado, os administradores dispu-
nham de outros recursos para impedir que ele se concretizasse. Por exemplo, estando de
posse de declarações públicas das Investidoras de que não tinham intenção de promover
mudanças substanciais na GPC, poderiam questionar judicialmente eventuais delibera-
ções tomadas por eles em sentido contrário ao que haviam declarado452.
28. De todo modo, buscou-se verificar se o receio dos administradores era comparti-
lhado por aqueles diretamente envolvidos na recuperação judicial, que prevê a figura
de “credores apoiadores”, ou seja, credores que optem por conceder “novas linhas de
crédito, adiantamento e liberação de recursos, fornecimento continuado de bens e ser-
viços em condições competitivas ou qualquer outro tipo de concessão ou transação
que venha a ajudar na superação crise”.
29. Esses credores estão entre aqueles que continuaram a manter tratativas e relações
comerciais com a GPC após o pedido de recuperação judicial, em maio de 2013, ou
seja, concomitantemente às aquisições de ações pelos Investidores. Desse modo, se
havia receio de que os Investidores poriam em risco a recuperação judicial, era de se
450 O pai de Paulo Cesar Peixoto de Castro Palhares Filho é o presidente do conselho de administração da GPC.
451 Entre os acionistas remanescentes, há ainda pessoas jurídicas e fundos de investimento cujos cotistas também
são membros da família Peixoto de Castro. É o caso, por exemplo, de JCP Participações Ltda. e Appia JPA Fundo de
Investimento em Ações. Todavia, o completo esclarecimento das relações entre tais pessoas demandaria diligências
prolongadas e, ao final, desnecessárias, dado que o ponto relevante a ser demonstrado – o favorecimento dos Acionistas
Vinculados – já pode ser percebido independentemente das participações dessas pessoas e desses veículos de investimento.
452 Medidas dessa natureza são relativamente comuns em tentativas de tomada de controle. De Pamphilis, Donald
M. (2009) Mergers, Acquisitions, and Other Restructuring Activities, 5th ed., Elsevier. p. 115
31. A Acusação destaca que a Defesa via OPA não exime os acionistas que alcancem
participação de 40% no capital social por meio da capitalização de créditos da obri-
gação de lançamento da OPA. Como a capitalização pode ser útil na recuperação da
GPC, a perda dessa possibilidade agrava ainda mais o desequilíbrio entre custos e
potenciais benefícios da Defesa via OPA.
32. Conclui a Acusação que a Defesa via OPA mostrou-se desproporcional e desarra-
zoada, pois conferiu privilégios aos administradores em detrimento dos interesses da
coletividade dos acionistas. Os únicos favorecidos, ainda no entender da Acusação, fo-
ram aqueles que efetivamente sentiram-se ameaçados pelos Investidores: os Acionistas
Vinculados, grupo ao qual pertencem dois dos três administradores que propuseram
tal procedimento. A forte ligação entre os administradores e os Acionistas Vinculados
mostrou-se a única motivação plausível para a adoção da Defesa via OPA.
33. Para a Acusação não resta dúvidas quanto à ilegalidade da adoção da Defesa via
OPA, e destaca os seguintes pontos quanto à responsabilidade dos administradores:
d) Emílio Salgado Filho violou ainda o art. 8º, V, da Instrução CVM nº 481,
453 Outro credor que o desejasse poderia conceder novos créditos à GPC e aderir à condição de credor apoiador.
454 Fls. 105/119.
455 Fls. 16/17.
456 “Art. 156. É vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante
com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores, cumprindo-lhe
cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a
natureza e extensão do seu interesse. ”
457 “Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e
no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. §1º - O administrador
eleito por grupo ou classe de acionistas tem, para com a companhia, os mesmos deveres que os demais, não podendo, ainda
que para defesa do interesse dos que o elegeram, faltar a esses deveres”.
36. A Acusação diz que a Defesa via Conselho contêm os mesmos vícios que a Defesa
via OPA no que tange à sua motivação, aprovação e efeitos, tanto no âmbito da admi-
nistração, quanto na AGE.
37. Porém, adicionalmente, a Defesa via Conselho, como apontado pelos Investidores,
viola o art. 109, §1º 459, da Lei nº 6.404, de 1976, ao criar direitos distintos entre ações
da mesma classe, em função do tempo que cada acionista possui ações (antiguidade
como acionista); e viola também o art. 138, §1º, da mesma lei, ao desnaturar o conse-
lho de administração como órgão colegiado, por concentrar em seu presidente prerro-
gativas que vão além da organização dos trabalhos do órgão.
38. Desse modo, e pelas mesmas razões descritas na subseção anterior, a Acusação en-
tende que foram praticadas as seguintes infrações no que tange à Defesa via Conselho:
b) Luiz Fernando Cirne Lima violou o art. 154, §1º, c.c os artigos 109, §1º, e
138, §1ª, da Lei nº 6.404/76; e
458 “Art. 8º Sempre que uma parte relacionada, tal como definida pelas regras contábeis que tratam desse assunto,
tiver interesse especial na aprovação de uma matéria submetida à assembleia, a companhia deve fornecer aos acionistas,
no mínimo, os seguintes documentos e informações:(...) V – descrição detalhada da natureza e extensão do interesse em
questão”
459 “Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembleia-geral poderão privar o acionista dos direitos de: (...)§ 1º As
ações de cada classe conferirão iguais direitos aos seus titulares. ”
(i) o art. 115, §1º, da Lei nº 6.404, de 1976, ao votar favorável e decisivamente
na AGE de 10.10.2013 pela aprovação de reforma estatutária que previa a
obrigação de realização de oferta pública de aquisição de ações, no inte-
resse exclusivo do grupo de acionistas ao qual ele próprio pertencia;
(ii) o art. 115, §1º, c.c os artigos 109, §1º, e 138, §1º, da Lei nº 6.404, de 1976,
ao votar favorável e decisivamente na AGE de 10.10.2013 pela aprovação
de reforma estatutária que alterava os direitos dos acionistas e as atribui-
ções do conselho de administração, no interesse exclusivo do grupo de
acionistas ao qual ele próprio pertencia;
(ii) o art. 156, c.c os artigos 109, §1º, e 138, §1º, da Lei nº 6.404, de 1976, ao
participar da deliberação do conselho de administração, em 24.09.2013,
a respeito de reforma estatutária que alterava os direitos dos acionistas e
as atribuições do conselho de administração, no interesse exclusivo do
grupo de acionistas ao qual ele próprio pertencia;
460 Osório, Fábio Medina (2011) Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, pp.
345-346.
461 Processo Administrativo Sancionador 20/04, julgado em 21.08.2008. 24 Parecer nº6/2014/GJU-4/PFE-CVM/
PGF/AGU
(i) o art. 154, §1º, da Lei nº 6.404, de 1976, ao votar, em 24.09.2013, favoravel-
mente à criação de obrigação de realização de oferta pública de aquisição
de ações, no interesse exclusivo do grupo de acionistas Vinculados;
(ii) o art. 154, §1º, c.c os artigos 109, §1º, e 138, §1º, da Lei nº 6.404, de 1976,
ao votar, em 24.09.2013, favoravelmente à reforma estatutária que alterava
os direitos dos acionistas e as atribuições do conselho de administração,
no interesse exclusivo do grupo de acionistas Vinculados;
• o art. 156, c.c os artigos 109, §1º, e 138, §1º, da Lei nº 6.404, de 1976, ao
participar da deliberação do conselho de administração, em 24.9.2013, a
respeito de reforma estatutária que alterava os direitos dos acionistas e as
atribuições do conselho de administração, no interesse exclusivo do grupo
de acionistas ao qual ele próprio pertencia.
V. Da Manifestação da PFE-CVM:
42. A S.I.L e E.M.E.P.L. também foram acusadas no âmbito deste processo sancionador
por reportarem de modo intempestivo e incompleto as aquisições de ações de emissão
da GPC. No entanto, essas acionistas propuseram Termo de Compromisso, que foi
aceito pelo Colegiado; o qual, posteriormente, determinou o arquivamento do proces-
so em relação aos proponentes, haja vista o cumprimento da obrigação proposta (fls.
714,715 e 730).
44. Preliminarmente, a Defesa alega que a acusação não teria se permitido “dar tempo
ao tempo” para perceber que a atuação dos Investidores teria convergido para servir a
interesses que não se sensibilizariam com os da Companhia, dos demais acionistas e
de seus credores, ou pretendiam qualquer desses preservar. Aduz, ainda, que a S.I.L. e
a E.M.E.P.T. estão representadas pelos mesmos profissionais que representam a G.B.I.
C.G.R., quer na CVM, quer em juízo, como representaram na AGE.
50. Com efeito, os atos praticados e as medidas intentadas pelas Investidoras só re-
forçam a convicção quanto à representação dos interesses do Sr. N.Q.S.T. e a absoluta
adequação das salvaguardas adotadas na AGE em defesa da Companhia e da coletivi-
dade de seus acionistas.
51. Destaque-se que a J.G.P.P.L., em outra investida contra a GPC, apresentou à Sra.
Gilda Maria Peixoto Palhares, signatária do acordo de acionistas da Companhia, oferta
de compra da participação de que ela é titular na GPC (fls. 676 e 677).
52. Na esteira dos atos irresponsáveis que permeiam a tentativa hostil de tomada de
controle da GPC, a S.I.L. e a E.M.E.P.T. solicitaram a convocação de AGE para deliberar
sobre a propositura de ação de responsabilidade contra os administradores da GPC.
53. A Defesa pontua que se pode perceber claramente que as mudanças no estatuto
conduziam ao fortalecimento da administração e à promoção de tratamento igualitá-
rio entre os acionistas, na medida em que o prêmio aplicável no caso da OPA seria di-
vidido entre todos os destinatários da oferta, extensível, inclusive, àqueles que teriam
alienado ações ao ofertante nos 12 meses precedentes. Nesse sentido, as alterações
teriam buscado garantir os interesses de cada um de seus acionistas.
54. Nesse ponto, a Defesa destaca que a inserção da regra estatutária para realização da
OPA garantiu a todos os acionistas da GPC direito a tag along que, por lei, nenhum dos
acionistas teria, pois não há um grupo de controle titular de mais de 50% do capital
social da GPC. Em caso de mudança de controle, nenhum acionista teria o benefício
previsto no art. 254-A da Lei das SA, que exige como pressuposto a existência de um
grupo de controle titular de tal percentual.
463 Conforme informações do Poder Judiciário do Estado do Rio de janeiro, Exmo. Juiz de direito Fernando Cesar
Ferreira Viana despachou em 28.10.2015 nos autos da referida ação anulatória o seguinte: “Diante da apresentação conjunta
do pedido, suspenso o feito pelo prazo de 180 dias, conforme requerido”. http://www4.tjrj.jus.br/consultaProcessoWebV2/
consultaProc.do?v=2&FLAGNOME=&back=1&tipoC onsulta=publica&numProcesso=2013.001.366896-0 (Consultado
em 15.02.2016).
56. Acrescenta que, em 2009, a CVM editou o Parecer de Orientação nº 36 que aduziu
serem abusivas as disposições acessórias que obrigavam a realização de OPA pelos
acionistas que votassem na alteração ou exclusão das cláusulas de proteção à disper-
são acionária, também conhecidas como cláusulas pétreas. A esse respeito, Marcelo
Trindade esclarece que o “caráter venenoso das OPA brasileiras não estava, como nos
Estados Unidos, na sua utilização para alterar repentinamente a estrutura da compa-
nhia assediada por uma oferta. Aqui, o caráter venenoso estava na virtual proibição de
alterar as cláusulas estatutárias que tratavam a OPA”.
58. A Defesa argumenta que a doutrina distingue as hipóteses tratadas no §1º do artigo
115 da lei societária entre hipóteses de (i) proibição de voto, quando as deliberações
são relativas “ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do
capital social e à aprovação de suas contas como administrador” e, ainda, as “que pude-
rem beneficiá-lo de modo particular”, e (ii) conflito, quando o acionista tiver interesse
conflitante com o da Companhia.
59. Quanto à verificação de conflito de interesses, a Defesa alega que haveria que se
provar que, diante do conflito, o voto proferido pelo acionista foi exercido visando ao
seu próprio benefício, causando danos à Companhia e a outros acionistas, e que a esse
respeito a Acusação teria sido falha, uma vez que teria se limitado a afirmar que “as
defesas são ilegais” e que “infringem o princípio da prevalência do interesse social”,
sem contudo, considerar as circunstâncias fáticas do caso.
61. Quanto à acusação de que os acionistas teriam agido com abuso de poder ao inserir
no estatuto dispositivo de proteção à dispersão acionária em benefício exclusivamente
particular, a defesa argui que, da conduta deve resultar prejuízos concretos e atuais
para sociedade, para seus acionistas ou terceiros, e que a aprovação das modificações
no estatuto social teriam por objeto o melhor interesse da Companhia, de modo que
se tornaria evidente a inexistência de conflito de interesse da manifestação e voto dos
acionistas. E, que, tampouco teriam votado com abuso de poder, pois que não teria
sido verificado dano à GPC, ou a seus acionistas.
63. Reiteram que as alterações no estatuto teriam o propósito de garantir que a con-
dução da recuperação judicial fosse realizada de maneira mais eficiente para a GPC e
seus acionistas. Nessa linha, a administração propôs que se modificasse o mecanismo
de formação da mesa das AGs. Note-se que, via de regra, o presidente da mesa será
sempre o presidente do Conselho de Administração da GPC, nos exatos termos da
redação em vigor antes da AGE.
64. A esse respeito não há qualquer limitação imposta pela lei; ela estabelece, em seu art.
128, que “os trabalhos da assembleia serão dirigidos por mesa composta, salvo disposi-
ção diversa do estatuto, de presidente e secretário, escolhidos pelos acionistas presentes”.
ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como
administrador) não tem o condão de impedir o voto do acionista a priori, mas indica que o voto contrário ao interesse
social é passível de anulação, considerando o prazo prescricional de dois anos d art. 286. (...) Me manifesto no sentido de
que o conflito de interesses de que trata o art. 115 da lei societária, via de regra, deve ser apreciado ex-post, ou seja, o voto
pode ser dado e a análise de sua validade é realizada posteriormente, devendo o acionista sempre votar no interesse da
companhia (...).”.
69. No que se refere à acusação contra Emílio Salgado Filho, na qualidade de DRI, de
ter infringido os dispositivos do art. 24, §3º, X, e art. 30, VIII, da Instrução CVM 480,
de 2009; e art. 8º, V da Instrução 481, de 2009, a Defesa aduz, essencialmente, que:
a) Por todo o anteriormente exposto, não haveria que pretender que Emílio, ou
qualquer outro acionista, tivesse interesse especial na aprovação das matérias
submetidas à AGE, de modo que não haveria descrição a ser fornecida;
70. Finalmente, a Defesa argui que a acusação não teria demonstrado a existência de
prejuízo decorrente da conduta de qualquer um dos acusados, e não existiria qualquer
caracterização de dano à Companhia, aos demais acionistas, ou ao mercado. Por con-
seguinte, na ausência de tais elementos, não poderia a CVM aplicar penalidade em
processo disciplinar. Nesse sentido, requer que sejam acolhidos seus argumentos, e
que os acusados sejam absolvidos das acusações formuladas.
2. Como se viu no relatório anexo a este voto, a GPC teve seu pedido de recuperação
judicial deferido pela 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro em 15.05.2013, momento
a partir do qual as sociedades S.I.L., E.M.E.P.T. e G.B.I.C.G.R. (doravante “Investido-
ras”) passaram a adquirir em bolsa ou privadamente grandes lotes de ações emitidas
pela Companhia.
10. Por estas razões, a Acusação conclui que as alterações estatutárias promovidas não
tinham por objetivo principal o interesse social da GPC, mas o interesse particular dos
Acionistas Vinculados, razão pela qual eles não poderiam ter deliberado a matéria,
dada a vedação prevista no art. 115, §1º, da Lei nº 6.404/76.
12. Por fim, a Acusação propôs a responsabilização do Diretor de Relações com Inves-
tidores – DRI por não reapresentar o Formulário de Referência com o aditamento do
acordo de acionistas e não enviá-lo eletronicamente à CVM, em infração ao art. 24, 3º,
X, e art. 30, VIII, da Instrução CVM nº 480/09, bem como por divulgar a proposta da
administração à AGE sem a descrição de seus interesses e dos demais administradores,
em infração ao art. 8º, V, da Instrução CVM nº 481/09.
13. Vê-se, assim, que a principal controvérsia abordada neste processo sancionador
refere-se à disputa de poder entre, de um lado, os Acionistas Vinculados, que, embora
14. Antes de tratar as questões envolvendo tal disputa, impõe-se relembrar que o pro-
cesso administrativo sancionador da CVM destina-se a apurar possíveis atos irregu-
lares praticados no âmbito do mercado de valores mobiliários, conforme estabelecido
no art. 9º da Lei nº 6.385/76, e a aplicar aos autores das infrações as penalidades pre-
vistas no art. 11 da mesma Lei.
15. Como se vê na dicção legal, o processo sancionador não se presta para firmar po-
sição jurídica a respeito de determinada matéria dita controvertida. O resultado de
um julgamento procedido pelo Colegiado nada mais é do que a constatação de que
determinada conduta irregular ocorreu ou não no caso concreto objeto de apreciação.
16. Em outras palavras, não posso pretender valer-me deste procedimento para firmar
entendimento sobre a legalidade dos diversos mecanismos estatutários que tratam so-
bre dispersão acionária nos estatutos sociais das companhias abertas, de forma abstra-
ta. A licitude das medidas de proteção à dispersão acionária deve ser analisada caso a
caso, para então se aferir se a intenção de incluir esta medida no estatuto foi com o ob-
jetivo de defender a companhia de uma eventual tomada de poder desvantajosa para
os acionistas ou servir como instrumento ilícito de manutenção do poder de acionistas
e administradores467.
467 “As Poison Pills Estatutárias na Prática Brasileira: Alguns Aspectos de sua Legalidade”, de Modesto Carvalhosa,
publicado no livro “Direito Societário: Desafios atuais”. São Paulo: Quartier Latin, 2009, pg. 20 e 21.
20. Por esse motivo, a CVM deliberou que não aplicará penalidades, em processos
administrativos sancionadores, aos acionistas que, nos termos da legislação em vigor,
votarem pela supressão ou alteração da cláusula de proteção à dispersão acionária,
ainda que não realizem a oferta pública prevista no estatuto.
21. A CVM também já se manifestou pela validade de cláusula estatutária que discipli-
nava nova hipótese de oferta pública de aquisição obrigatória diversa das previstas na
Lei das S/A, bem como pela incidência da oferta no caso concreto, ao julgar recurso
interposto por Mittal Steel contra decisão das áreas técnicas, no Processo Administra-
tivo CVM nº RJ2006/6209, em 25.09.2006.
22. Assim, diante dos fatos aqui comprovados e nos limites em que foi formulada a
Acusação, cabe-me verificar unicamente se os Acusados infringiram a legislação so-
cietária e as instruções expedidas por esta CVM, pois há fundadas suspeitas de que
eles atuaram em situação de conflito de interesses.
23. Para tanto, abordarei neste voto as questões suscitadas em duas partes: a primeira
examinará o conflito de interesses dos Acionistas Vinculados e dos administradores na
aprovação da Defesa via OPA e da Defesa via Conselho, e a segunda verificará a atua-
ção do Diretor de Relações com Investidores no tocante à divulgação de informações
da GPC.
24. Destaco, preliminarmente, que o art. 121 da Lei nº 6.404/76469 confere aos acio-
nistas reunidos em assembleia geral poderes amplos para decidirem sobre todos os
negócios relativos ao objeto social da companhia, bem como para tomar decisões que
julgarem convenientes à sua defesa e desenvolvimento.
25. O artigo 122, I, da Lei nº 6.404/76470, por sua vez, estabelece competência privativa
à assembleia geral para alterar o estatuto social, que “(...) conterá as normas pelas quais
se regerá a companhia”, consoante as disposições do art. 83 da citada Lei.
26. Entretanto, o poder concedido aos acionistas para decidir a respeito dos negócios
sociais encontra limites na própria lei das S/A. O art. 286 prevê três hipóteses de vícios
que podem acarretar a anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral ou
468 Como definido no próprio memorando, exemplo de redação referente a clausula pétrea estatutária é o
seguinte: “a alteração que limite o direito dos acionistas à realização da oferta pública prevista neste artigo ou a exclusão
deste artigo obrigará os acionistas que tiverem votado a favor de tal alteração ou exclusão na deliberação em Assembleia
Geral a realizar a oferta pública prevista neste artigo”.
469 Art. 121. “A Assembleia Geral, convocada e instalada de acordo com a lei e o estatuto, tem poderes para
decidir todos os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e
desenvolvimento”.
470 5Art. 122. “Compete privativamente à Assembleia Geral: I - reformar o estatuto social”.
28. Como se extrai da leitura do caput deste artigo, o voto proferido na assembleia
geral deve ser sempre no interesse da companhia, por ser a regra geral estabelecida
pelo legislador, e o exame do exercício do direito de voto passa necessariamente por
esta obrigação471.
29. O § 1º do art. 115, por seu turno, prevê hipóteses que vão além da obrigação de
perseguir o interesse da companhia, pois impede o acionista de exercer seu direito de
voto quando a matéria deliberada tratar de um interesse individual não comum aos
demais acionistas.
30. Não há controvérsia a respeito de a vedação de voto incidir sobre o conflito potencial
de interesses nas deliberações relativas (i) ao laudo de avaliação de bens com que o acio-
nista concorrer para a formação do capital social, (ii) à aprovação de suas contas como
administrador, (iii) às quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular.
31. Tal conclusão, entretanto, não se aplica sobre a regra geral de conflito de interesses
prevista na parte final do referido parágrafo § 1º. Por não ser capaz de prever todas
as situações em que o conflito de interesses entre acionistas e a companhia estivesse
presente, o legislador optou por estabelecer regra geral, verificável caso a caso. E por
tal razão, boa parte da doutrina472 entende que a hipótese de conflito descrita na parte
final do §1º não impede o acionista de votar, cabendo verificar a existência do conflito
após a sua manifestação.
471. Segundo Luiz Gastão Paes de Barros, “pode-se dizer que embora seja livre, o acionista está obrigado a perseguir o
interesse social” (Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, p. 246. Ed. Saraiva, 1980).
472 Ver nota de rodapé do estudo “Apontamentos sobre Desvios no Exercício do Direito de Voto”, de Paulo Cezar
Aragão, publicado no livro “Direito Empresarial e outros Estudos de Direito em Homenagem ao Professor José Alexandre
Tavares Guerreiro”. Ed. Quartier Latin, 2013, pg. 202.
33. A prevalência desse entendimento pode ser observada a partir dos votos profe-
ridos no Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ 2009/13179, julgado em
09.09.2010, quando o Colegiado decidiu que o acionista controlador estava impedido
de exercer o direito de voto na deliberação de contrato bilateral com a companhia
controlada. Naquela oportunidade, a Presidente Maria Helena dos Santos Fernandes
de Santana, em sua manifestação de voto, esclareceu o seguinte a respeito do tema473:
Na minha opinião, o art. 115, §1º, ao determinar que o acionista fica im-
pedido de votar nas deliberações em que tiver interesse conflitante com o
da companhia, estabeleceu verdadeira hipótese de impedimento de voto,
que pode ser controlada antes da deliberação, se houver evidência de que
está em jogo algum interesse particular do acionista, que não é comum aos
demais. O conflito se configura a partir da identificação desse interesse par-
ticular, independentemente de comprovação de prejuízo à companhia. No
entanto, parece que este preceito legal deve ser aplicado com prudência, sob
pena de se verificar, a pretexto de se coibir os conflitos de interesses, um
excessivo cerceamento ao exercício do direito de voto pela mesa diretora
dos trabalhos da assembleia. Acredito que só se deva impedir o acionista de
exercer o voto com base nesse fundamento, quando, no caso concreto, veri-
ficar-se, de maneira evidente, o interesse particular em jogo na deliberação.
34. Como bem apontado no referido voto, o impedimento de voto decorre de o confli-
to transparecer da estrutura da relação jurídica existente entre o acionista e a compa-
nhia ou do próprio negócio sobre o qual se vai deliberar.
35. Nos casos em que o conflito não restar tão facilmente identificável, prossegue o
voto da Diretora Maria Helena, a mesa não deve impedir o acionista de votar, contu-
do, a proibição de voto continua a valer, pois “o principal destinatário da norma é o
próprio acionista, que deve, portanto, verificar se está impedido ou não de votar. Da
mesma forma, caso o conflito só seja detectado após a realização da deliberação, nada
impede que o voto do acionista seja impugnado”.
36. Compete, assim, aos acionistas reunidos em assembleia definir, por meio do exercí-
cio regular do direito de voto, os rumos da companhia que melhor atendam ao interesse
social. Desta forma, a inserção de regras no estatuto social é deixada ao juízo de conve-
niência dos acionistas, desde que observado o arcabouço jurídico já mencionado.
473 Neste mesmo sentido, reporto-me ao voto proferido pelo Diretor Marcelo Trindade no julgamento do PAS
RJ2001/4977, de 19.12.2001: “O conflito de interesses, na verdade, se estabelece na medida em que o acionista não apenas
tem interesse direto no negócio da companhia, mas também interesse próprio no negócio que independe de sua condição
de acionista por figurar na contraparte do negócio. Não precisa o conflito ser divergente ou oposto ou que haja vantagem
para um e prejuízo para o outro. A lei emprega a palavra conflito em sentido lato abrangendo qualquer situação em que o
acionista estiver negociando com a sociedade”.
b) o preço por ação a ser ofertado deverá ser o maior entre (i) o valor econô-
mico, apurado por empresa especializada escolhida em assembleia geral,
acrescido de prêmio de 25%; (ii) 125% do preço de emissão em aumentos
de capital ou distribuições públicas nos 24 meses precedentes, atualizados
pelo IGP-M; (iii) 125% do valor do patrimônio líquido a preços de mer-
cado na data em que a oferta se tornar obrigatória; (iv) 125% da cotação
unitária média nos 15 pregões precedentes; e (v) R$1,00, corrigido pelo
IPCA desde a data em que a oferta tornou-se obrigatória;
38. Com a inserção dessas regras no estatuto social da GPC, a Acusação entende que o
efeito mais nítido da Defesa via OPA foi simplesmente reforçar a predominância dos
Acionistas Vinculados na condução dos negócios, não se configurando como medida
adotada no interesse da Companhia.
39. Em resumo, a Acusação argui que a Defesa via OPA mostrou-se desproporcional e
desarrazoada, conferindo privilégios aos Acionistas Vinculados e aos administradores
em detrimento dos interesses da coletividade dos acionistas.
42. A Defesa cita que a inserção de regra no estatuto social estabelecendo a obrigato-
riedade da realização de OPA pelo acionista adquirente de determinado percentual da
participação acionária, a exemplo do que decidiu a GPC, é utilizada por mais da me-
tade das companhias abertas com ações negociadas no Novo Mercado, segmento de
listagem da BM&FBovespa que estabelece um padrão de transparência e governança
diferenciado para as companhias abertas.
43. Sobre o tema, cabe mencionar que pesquisa realizada por Érica Gorga474, tendo
por base a análise de 84 estatutos de companhias dos Níveis 1 e 2 e do Novo Mercado,
apontou que 56% delas têm em seus estatutos medidas de defesa contra tomada de
controle que consistem em “gatilhos” para disparar uma oferta pública de aquisição
de ações.
45. A inserção deste tipo de obrigação nos estatutos das companhias foi objeto de es-
tudo que resultou no memorando elaborado pelos Diretores da CVM Marcos Barbosa
Pinto e Otávio Yazbek, antes mencionado, quando examinaram as cláusulas estatutá-
rias comumente utilizadas obrigando acionista a realizar uma OPA caso determinado
percentual de participação acionária fosse adquirido.
46. Após apontarem benefícios, impactos e custos da adoção de tal medida, os Dire-
tores entenderam que a adoção da OPA, sem a regra acessória que obriga o acionista
que vote pela alteração ou exclusão da OPA estatutária a realizar ele próprio igual ofer-
ta, a denominada cláusula pétrea476, representa um regime equilibrado. Neste sentido,
474 Citada no artigo denominado “Poison Pill: Modismo ou Solução”, de Paulo Fernando Campos Salles de
Toledo, publicado no livro “Direito Societário:Desafios Atuais”. São Paulo: Quartier Latin, 2009, pág. 175.
475 Tal documento foi colocado em audiência pública no dia 27.06.2016 e pode ser acessado por meio do link
a seguir: <http://www.bmfbovespa.com.br/pt_br/listagem/acoes/segmentos-delistagem/sobre-segmentos-de-listagem/
evolucao-segmentos-especiais/>.
476 Como definido no próprio memorando, exemplo de redação referente a clausula pétrea estatutária é o
seguinte:“a alteração que limite o direito dos acionistas à realização da oferta pública prevista neste artigo ou a exclusão
47. De igual modo, a doutrina também criticou a existência desta obrigação acessória,
que cria obstáculos para a remoção dos dispositivos relacionados à proteção da disper-
são acionária, engessando a estrutura acionária e da administração, além de interferir
na liberdade da manifestação de voto dos acionistas, característica esta destacada por
Modesto Carvalhosa477:
deste artigo obrigará os acionistas que tiverem votado a favor de tal alteração ou exclusão na deliberação em Assembleia
Geral a realizar a oferta pública prevista neste artigo”.
477 Em estudo denominado “As Poison Pills Estatutárias na Prática Brasileira: Alguns Aspectos de sua Legalidade”,
publicado no livro “Direito Societário: Desafios atuais”. São Paulo: Quartier Latin, 2009, pág. 26.
478 Acessado em 23.03.2016.
49. A toda evidência, não é difícil perceber, a partir do estudo antes mencionado, que
o interesse dos acionistas em adotar uma OPA estatutária reside na exigência de que a
aquisição de controle se dê obrigatoriamente por meio de uma oferta pública dirigida
a todos os acionistas, assegurando-lhes uma participação proporcional no eventual
prêmio pago pelo controle ao controlador, objetivando tratamento mais igualitário
entre todos os acionistas, ao contrário do que ocorre quando tal alienação se dá me-
diante a compra de ações em bolsa, por meio de diversos negócios e a preços variados.
50. A Defesa argumenta que, cientes de que aparecera um grupo de acionistas que
poderia tomar o controle da GPC por meio da aquisição de ações em bolsa, os admi-
nistradores decidiram sugerir a adoção da Defesa via OPA, sem propor a inclusão da
cláusula pétrea.
51. Das circunstâncias do caso concreto e da alegação dos Acusados, depreendo que o
interesse principal dos acionistas da GPC em aprovar a OPA foi evitar eventual tomada
hostil de controle pelas Investidoras, tentativa que naquele momento aparentava ser real.
52. No entanto, mesmo que não fosse possível evitar a transferência do controle pela
forma hostil, a Defesa via OPA estabeleceu regra prevendo compensação financeira
por meio da incidência de prêmio no valor a ser pago pelas ações aos acionistas, vez
que as ações estavam cotadas em bolsa por valor abaixo da avaliação da Companhia479.
53. Outro benefício estabelecido pela Defesa via OPA, igualmente relevante, é o res-
sarcimento daquele acionista que vendeu suas ações em bolsa 12 meses antes da data
de aquisição do controle, a ser calculado pela diferença entre o preço da OPA e o preço
obtido por ele na venda, atualizado pelo IGP-M.
54. A Defesa indica que disposição semelhante existe no Regulamento do Novo Mer-
cado480, segmento de listagem da BM&FBovespa que estabelece um padrão de trans-
parência e governança diferenciado para as companhias abertas, conforme a seguir
descrita:
55. A Acusação sustenta que a Defesa via OPA impediria a capitalização de créditos
na recuperação judicial, opção desejável àqueles que buscam reestruturar suas dívi-
das, pois sua adoção poderia disparar o mecanismo da oferta pública. Discordo do
argumento, pois ainda que haja tal previsão, os acionistas podem alterar as condições
estabelecidas na Defesa via OPA, ou mesmo eliminá-la, sem sofrer os efeitos danosos
da cláusula pétrea, pois como se constata esta regra restritiva não foi inserida no esta-
tuto da GPC.
56. Da mesma maneira, a não adoção da cláusula pétrea permite aquele que pretende
adquirir o controle da GPC fazer uma oferta pública de aquisição voluntária condicio-
nada à retirada das regras impositivas da Defesa via OPA, inclusive com a possibilida-
de de oferecer condições diversas desta regra estatutária, a depender da livre decisão
dos acionistas.
57. Saliento que uma das principais críticas à adoção da Defesa via OPA relaciona-se
ao fato de a dispersão acionária reduzir os incentivos que cada acionista tem para
fiscalizar a gestão da companhia, podendo com isso gerar perdas de investimento em
virtude da ineficiência da administração481, aspecto abordado pela Acusação.
59. Por tais razões, não posso concordar com a opinião da Acusação de que a Defesa
via OPA mostrou-se desproporcional e desarrazoada, e a razão da sua adoção visou fa-
vorecer exclusivamente os Acionistas Vinculados, pois creio que restou demonstrado
que ela atendeu, indistintamente, aos interesses de todos os acionistas, em linha com
as vantagens reconhecidas pela CVM no estudo que precedeu à elaboração do Parecer
de Orientação nº 36/09, e pelos investidores (acionistas) que se expressaram quando
da consulta formulada pelo IBGC para elaborar a Carta Diretriz, especialmente o di-
reito de tratamento igualitário quando da alienação do controle.
60. Ainda no tocante a Defesa via OPA, merece destaque o fato de o gatilho favorecer
a todos os acionistas da GPC, uma vez que nenhum acionista, individualmente ou em
grupo vinculado por acordo de voto, possui participação acionária superior a 40% do
capital votante.
61. Portanto, embora a Acusação argumente que pessoa próxima dos Acionistas Vin-
culados também detêm ações da GPC, o que poderia, na hipótese de sua adesão ao
grupo, elevar a participação deles para 39,89% das ações emitidas, mesmo que tal hi-
pótese se concretizasse, é forçoso reconhecer que os Acionistas Vinculados continua-
riam sujeitos à obrigação de realizar a oferta caso ultrapassem a participação definida
pela Defesa via OPA.
62. A Acusação afirma ainda que o gatilho de 40% definido pela Defesa via OPA sepa-
rou os acionistas em dois grupos bastante distintos: de um lado, os Acionistas Vincula-
dos que ficaram insulados contra a eventual formação de um grupo com participação
acionária superior a deles, predominando na condução dos negócios da GPC; e, de
outro, os demais acionistas que ficaram privados da possibilidade de venderem suas
ações a quem se dispusesse a assumir o controle da Companhia.
63. Tais argumentos não devem prosperar. Primeiro, porque a divisão entre Acionistas
Vinculados de um lado, e, de outro, os minoritários, não decorre do surgimento da
Defesa via OPA, não é fato novo na estrutura societária da GPC, tal separação pre-
valece desde o ano de 1997, quando os Acionistas Vinculados passaram a eleger os
administradores e a conduzir os negócios da Companhia por meio de acordo de votos.
66. Divirjo, ainda, da afirmação da Acusação de que a Defesa via OPA privou os acio-
nistas da possibilidade de venderem suas ações a quem estivesse disposto a tomar de
forma hostil o controle da GPC e, consequentemente, o pretenso adquirente de com-
prá-las, pois a adoção desta Defesa não dispôs sobre o direito dos acionistas negocia-
rem livremente suas ações, e certamente nem poderia. Em vez disso, dispôs sobre um
ônus a ser suportado por quem adquire o controle naquelas condições, consubstancia-
do na necessidade de estender a oferta à totalidade dos acionistas.
67. O ônus imposto pela Defesa via OPA tem por finalidade maximizar o valor da
GPC, obrigando o pretendente a formular oferta mais próxima do valor dos ativos da
Companhia do que do seu valor de mercado em bolsa que, como se viu, estava depri-
mido em função das incertezas decorrentes da recuperação judicial.
68. No que se refere ao preço por ação a ser ofertado por meio da Defesa via OPA,
cabe destacar que as hipóteses de prêmio ali previstas não diferem de maneira signifi-
cativa das condições estabelecidas nas cláusulas desta natureza adotadas por dezenas
de companhias listadas no Novo Mercado. Além disso, e como já dito, os acionistas
da GPC podem alterar tais condições, a qualquer tempo, sem o constrangimento eco-
nômico imposto pela cláusula pétrea, uma vez que esta resolução não foi inserida no
estatuto social da GPC.
69. Cabe, por fim, examinar o argumento da Acusação de que o interesse dos Acionis-
tas Vinculados em aprovar a Defesa Via OPA teria por especial fim garantir o predo-
mínio deles na condução dos negócios da GPC.
71. A bem da verdade, reconheço que a inserção da OPA estatutária garante maior
estabilidade ao controle minoritário, representando assim uma vantagem para quem o
detém. Porém, no presente caso, trata-se de uma vantagem indireta, pois ela decorre de
uma deliberação da assembleia que beneficia diretamente e indistintamente a coletivida-
de dos acionistas da GPC, razão pela qual não me parece que a sua adoção seja suficiente
para impedir o exercício de voto dos Acionistas Vinculados na AGE de 10.10.2013. A
prevalecer o impedimento neste caso haveria, no meu sentir, excessivo cerceamento ao
direito de voto sob o pretexto de se coibir eventual conflito de interesses.
72. Em linha com este entendimento, reporto-me ao voto do Diretor Marcelo Trindade,
proferido no Processo Administrativo CVM nº RJ 2006/6785, julgado em 25.09.2006,
76. Por tudo isso, entendo que a Acusação não logrou comprovar que os Acionistas
Vinculados ao aprovarem a Defesa via OPA, na AGE realizada em 10.10.2013, viola-
ram o art. 115, § 1º, da Lei nº 6.404/76, nem que os membros do conselho de adminis-
tração Paulo César Peixoto de Castro Palhares, Emílio Salgado Filho e Luiz Fernando
Cirne de Lima, ao participarem da deliberação do conselho de administração que pro-
pôs a reforma do estatuto com a introdução da Defesa via OPA, violaram os artigos
154, § 1º e 156 da Lei nº 6.404/76.
77. As principais regras da Defesa via Conselho aprovadas pelos acionistas da GPC, na
AGE de 10.10.2013, estão a seguir resumidas:
78. Segundo a Acusação, a Defesa via Conselho contêm os mesmos vícios que a Defesa
via OPA no que tange a sua motivação, seus efeitos e sua aprovação, tanto no âmbito
da administração quanto na AGE.
79. Neste sentido, sustenta que a Defesa via Conselho viola especificamente (i) o art.
109, §1º, da Lei das S/A484, pois cria direitos distintos entre ações da mesma classe em
função do período que cada acionista decide manter suas ações, e (ii) o art. 138, §1º, da
Lei nº 6.404/76485, haja vista que desnatura o conselho de administração como órgão
de natureza colegiada ao concentrar em seu presidente prerrogativas que vão além da
organização dos trabalhos do órgão.
82. A Acusação também conclui que o conselheiro Luiz Fernando Cirne Lima come-
teu abuso de poder por votar favoravelmente pela Defesa via Conselho no interesse
exclusivo dos Acionistas Vinculados, acionistas estes que o elegeram para o cargo de
484 Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembleia geral poderão privar o acionista dos direitos de: (...)§ 1º As
ações de cada classe conferirão iguais direitos aos seus titulares.
485 Art. 138. A administração da companhia competirá, conforme dispuser o estatuto, ao conselho de
administração e à diretoria, ou somente à diretoria. § 1º O conselho de administração é órgão de deliberação colegiada,
sendo a representação da companhia privativa dos diretores.
83. A Defesa, por sua vez, alega que as referidas alterações tinham por objetivo precí-
puo o fortalecimento da administração da GPC, conferindo-lhe maior estabilidade de
modo a permitir a melhor condução das atividades da Companhia, especialmente no
curso do processo de recuperação, não se podendo falar em conflito de interesses nem
em decisão tomada no interesse exclusivo dos Acionistas Vinculados.
84. Ao analisar os fatos e argumentos de ambas as partes, bem como as regras aponta-
das como ilícitas pela Acusação, estou convencido de que a Defesa via Conselho não
poderia ter sido deliberada na AGE de 10.10.2013 pelos Acionistas Vinculados, por
envolver matéria que os beneficiava de modo particular, conforme vedação estabeleci-
da no art. 115, §1º, da Lei nº 6.404/76.
87. As regras relacionadas à posse das ações encontram-se nos artigos 6º, parágrafo
único, e 10 do estatuto social da GPC, a seguir reproduzidos (fls. 23):
486 Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no
interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. § 1º O administrador eleito
por grupo ou classe de acionistas tem, para com a companhia, os mesmos deveres que os demais, não podendo, ainda que
para defesa do interesse dos que o elegeram, faltar a esses deveres.
487 “Apontamentos sobre Desvios no Exercício do Direito de Voto: Abuso de Direito, Benefício Particular e
Conflito de Interesses”, de Paulo Cezar Aragão. Em “Direito Empresarial e Outros Estudos de Direito em Homenagem ao
Professor José Alexandre Tavares Guerreiro”. São Paulo, Quartier Latin, 2013.
88. Como se extrai da leitura destes dispositivos, cabe aos acionistas da GPC, reunidos
em assembleia, escolherem cinco pessoas que preencham os requisitos de competên-
cia e idoneidade necessários para o exercício do cargo de conselheiro. Na hipótese de
haver acionistas entre os membros escolhidos, o que for acionista há mais tempo será
indicado presidente do conselho, em não havendo, a própria assembleia determinará
entre os eleitos quem assumirá a presidência do órgão.
89. Com relação à assembleia geral, quando o presidente do conselho não puder dirigir
os trabalhos, o acionista mais antigo assumirá tal função.
488 Art. 122. Compete privativamente à assembleia geral: (...) II - eleger ou destituir, a qualquer tempo, os
administradores e fiscais da companhia, ressalvado o disposto no inciso II do art. 142.
489 Art. 128. Os trabalhos da assembleia serão dirigidos por mesa composta, salvo disposição diversa do estatuto,
de presidente e secretário, escolhidos pelos acionistas presentes.
490 Art. 140. O conselho de administração será composto por, no mínimo, 3 (três) membros, eleitos pela
assembleia geral e por ela destituíveis a qualquer tempo, devendo o estatuto estabelecer: I - o número de conselheiros, ou
o máximo e mínimo permitidos, e o processo de escolha e substituição do presidente do conselho pela assembleia ou pelo
próprio conselho.
491 Neste sentido, reproduzo os dizeres de Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik: “Caberá ao estatuto determinar
se a escolha e a substituição do presidente do conselho de administração será feita pela assembleia geral ou pelo próprio
conselho. Mantém a nova Lei, desta forma, a obrigatoriedade do estatuto criar o cargo de presidente do conselho (novo
94. Desta maneira, embora a Defesa alegue que o voto foi exercido no interesse da
GPC, pois a intenção da medida foi garantir que o presidente do conselho e o respon-
sável pela condução das assembleias fossem dotados de maior conhecimento acerca
da história da Companhia e dos motivos que a levaram à recuperação judicial, bem
como das medidas que estão em curso para retirá-la de tal situação, tenho a firme
convicção que esta matéria jamais poderia ter sido deliberada na AGE de 10.10.2013
pelos Acionistas Vinculados, pois ela traz benefícios específicos a estes acionistas em
relação aos demais.
95. Concordo com a Acusação ao afirmar que referida resolução rompeu o princípio
da igualdade que deve existir entre os acionistas da GPC, porém, diferentemente do
que foi proposto na peça acusatória, entendo que ela não viola o artigo 109, §1º, da Lei
nº 6.404/76492.
96. Como se sabe, o artigo 109 descreve um rol de direitos essenciais, garantindo ao
acionista o direito de participar dos lucros sociais (inciso I), participar do acervo da
companhia (inciso II), fiscalizar os negócios sociais (inciso III), dentre outros direitos
ali assegurados. Ao declarar em seu caput que nem a assembleia nem o estatuto social
poderão privar o acionista de tais direitos, a Lei de maneira franca e clara impõe um
limite à manifestação da vontade social para preservar determinados direitos indivi-
duais do acionista que não poderão ser derrogáveis pela vontade da maioria493.
97. O §1º do artigo 109 estabelece que as ações de cada classe conferirão iguais direitos
aos seus titulares, de forma que não se pode excluir os direitos de um acionista per-
tencente a determinada classe, mantendo-os para os demais. Este dispositivo tem por
especial fim prevenir situações de tratamento discriminatório entre acionistas, o que
pode ocorrer, por exemplo, na compra de ações pela própria companhia494, situação
onde a companhia não pode escolher de quais acionistas devem ser compradas as
ações, sob pena de violar referido instituto.
inciso I do art. 140). Nesse ponto a nova Lei inovou no sentido de estatutariamente poder também a assembleia geral eleger
o presidente do conselho. Essa competência estatutariamente estabelecida de um ou de outro é privativa e não alternativa.
Não obstante, havendo impasse sobre a eleição do presidente do órgão, caberá substitutivamente ao outro órgão fazê-lo
diante da necessidade absoluta de composição plena dos órgãos sociais, para seu funcionamento regular.” A nova Lei das
S/A, Saraiva, 2002, p. 294.
492 Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembleia geral poderão privar o acionista dos direitos de: (...) § 1º As
ações de cada classe conferirão iguais direitos aos seus titulares.
493 “Comentários à Lei das Sociedades Anônimas”, Modesto Carvalhosa. Saraiva, Vol II, pg 332 e 333.
494 “Lei das S/A Comentada”, Nelson Eizirik. Quartier Latin, 2011, Vol. I, pg. 608.
99. Permito-me discordar deste argumento, pois o artigo 109, §1º, da Lei das S/A não
assegura em seu rol de direitos essenciais o direito de ser eleito membro do conselho
de administração, tampouco presidente do órgão. A Lei societária sequer exige a con-
dição de acionista como requisito para investidura no cargo495.
100. Reconheço que o acionista pode ter o legítimo interesse de exercer o cargo de
conselheiro ou mesmo presidente do órgão, todavia, tal pretensão não se confunde
com direito, vez que não está previsto na Lei das S/A, não me permitindo afirmar que
esta resolução do estatuto social criou direitos distintos entre os acionistas da GPC.
101. Ademais, a adoção do critério de propriedade ininterrupta das ações não reduziu
ou restringiu a ampla margem existente para os acionistas elegerem as pessoas que
melhor preencham os requisitos exigidos para o bom desempenho do cargo de con-
selheiro da GPC.
102. Tal critério de escolha aplica-se somente após a eleição dos conselheiros e, segun-
do a Defesa, teve por finalidade garantir que o responsável pela condução do conselho
e das assembleias fosse dotado de maior conhecimento a respeito da Companhia.
103. Devo registrar que não considero esta uma boa prática, pois o presidente do con-
selho de uma companhia aberta deve reunir qualidades específicas para coordenar os
trabalhos; promover o amplo debate de ideias e administrar divergências de opiniões,
de forma a garantir o bom desempenho do conselho de administração496, qualidades
estas que devem ser avaliadas na escolha do presidente e não simplesmente o período
de posse das ações. Isso, porém, não altera minha convicção de que não houve infração
ao art. 109,§1º, da Lei das S/A.
104. A prevalecer a tese esposada pela Acusação, jamais seria lícito à assembleia apro-
var hipótese de benefício particular para determinado acionista ou grupo de acionis-
tas, pois sempre se violaria, em tais casos, o art. 109 da Lei nº 6.404/76. E, como se
sabe, tal situação ocorre nas deliberações que atribuem valores diferentes para ações
de uma companhia envolvida em operação de incorporação de ações497, sem que isso
represente afronta ao citado dispositivo.
105. Neste particular, convém trazer à colação lição de Miranda Valverde498, autor do
anteprojeto da antiga Lei das S/A, sobre o tema:
495 Com a promulgação da Lei nº 12.431/11, que alterou o art. 146 da Lei 6.404/76, a condição de acionista deixou
de ser requisito de elegibilidade para o exercício do cargo de membro do conselho de administração.
496 “Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa”, IBGC, 5ª edição, 2015.
497 Ver Parecer de Orientação CVM Nº34/2006.
498 Citado por Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França no artigo “Conflito de Interesses e Benefício Particular:
Uma Distinções que se Impõe Definitivamente Dirimir”, publicado na Revista de Direito Mercantil, V. 161/162, pg. 44.
106. A bem da verdade, o que a Lei das S/A permite é que se atribua um benefício par-
ticular lícito, não contrário aos interesses da companhia, desde que o acionista benefi-
ciado não participe da deliberação, deixando a cargo dos demais acionistas avaliarem
a conveniência de se aprovar tal excepcionalidade, nos exatos termos do art. 115, §1º,
da Lei 6.404/76.
107. Por outro lado, estou de acordo com a Acusação quando afirma que a Defesa via
Conselho desnatura o conselho de administração como órgão de natureza colegiada ao
dispor que a nomeação do diretor presidente e um dos dois diretores vice-presidentes
da GPC será feita direta e isoladamente pelo presidente do órgão. Tal regra mostra-se
inaceitável à luz do que determina o art. 138, §1º, da Lei 6.404/76, a seguir transcrito:
109. Além do mais, conforme previsão contida no art. 142, II, da Lei nº 6.404/76, a
competência de eleger os diretores de uma companhia cabe ao conselho de adminis-
tração, de forma a permitir que o presidente do conselho escolha direta e isoladamente
o diretor presidente e um dos dois diretores vice-presidentes da GPC fere de morte
toda a lógica instituída pelo legislador.
499 Art. 140. O conselho de administração será composto por, no mínimo, 3 (três) membros, eleitos pela
assembleia-geral e por ela destituíveis a qualquer tempo, devendo o estatuto estabelecer: (...) IV - as normas sobre
convocação, instalação e funcionamento do conselho, que deliberará por maioria de votos, podendo o estatuto estabelecer
quórum qualificado para certas deliberações, desde que especifique as matérias.
111. Não me convence, portanto, o argumento da Defesa de que tal mudança estatu-
tária buscou apenas dar maior representação ao presidente do conselho para escolher
o diretor presidente e seu vice, pois a assembleia não tem legitimidade para subtrair
competências que foram expressamente reservadas pela Lei ao conselho como órgão
colegiado e atribuí-las para o exercício individual do presidente.
112. A propósito, cabe mencionar trecho do voto do Diretor Wladimir Castelo Branco,
dado no julgamento do PAS RJ 2004/2915, de 18.08.2004, onde ele reafirma a natureza de
órgão colegiado do conselho de administração, conforme excerto a seguir reproduzido:
113. Diante disso, no que tange especificamente à reforma do estatuto para dispor que
a nomeação do diretor presidente e um dos dois diretores vice-presidentes da GPC
será feita direta e isoladamente pelo presidente do conselho de administração, houve
voto ilegal, em violação ao art. 138, §1º, da Lei n. 6.404/76, e não impedimento de voto
por situação de conflito de interesses, previsto no art. 115, §1º, da Lei das S/A.
114. Por tudo isso, entendo que os Acionistas Vinculados, ao votarem favoravelmente
na AGE de 10.10.2013 pela reforma do estatuto social da GPC prevendo que (i) a
presidência do conselho de administração caberá ao acionista mais antigo da GPC e
na falta, ausência ou impedimento do presidente do conselho será eleito como presi-
dente da assembleia o acionista mais antigo presente no conclave e (ii) a nomeação do
diretor presidente e um dos dois diretores vice-presidentes da GPC será feita direta e
500 “Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa”, IBGC, 5ª edição, 2015.
115. No que se refere à violação do art. 156 c/c os arts. 109, §1º, e 138, §1º, da Lei nº
6.404/76 pelos membros do conselho de administração Paulo César Peixoto de Castro
Palhares e Emílio Salgado Filho, que, segundo a Acusação, não poderiam ter deliberado
a Defesa via Conselho por conflito de interesses, entendo que, com exceção à parte refe-
rente ao artigo 109, em razão dos motivos anteriormente descritos, a acusação procede.
118. Por isso, não me convence o argumento da Defesa de que a Acusação não consig-
nou a caracterização de dano à Companhia decorrente da conduta dos Acusados, pois
o dever de se abster contido no aludido dispositivo prescinde da avaliação do prejuízo
causado pelo voto proferido por Paulo César Peixoto de Castro Palhares e Emílio Sal-
gado Filho à GPC.
119. Mesmo que a Defesa via Conselho posteriormente fosse considerada adequada e
conveniente para a GPC, ou seja, fosse aprovada pelos acionistas reunidos em assem-
bleia, a aprovação não seria suficiente para convalidar os vícios eventualmente ocor-
ridos no processo decisório, tampouco para isoladamente afastar quaisquer questio-
namentos diante da suspeita de violação de conflito de interesses no presente caso504.
120. Como o conselho de administração da GPC elaborou regras estatutárias que con-
feriram vantagens aos acionistas mais antigos da Companhia, e, como se viu, Paulo
César Peixoto de Castro Palhares e Emílio Salgado Filho são acionistas que detém essa
condição singular (fls. 36 a 57; 391 e 392), entendo que eles tinham interesse próprio
na aprovação das regras que atribuíram ao acionista mais antigo da GPC a presidência
do conselho de administração.
501 Art. 156. É vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante
com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores, cumprindo-lhe
cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a
natureza e extensão do seu interesse.
502 Ver PAS CVM nº RJ2004/5494, julgado em 16.12.2004; PAS CVM nº 12/2001, julgado em 12.1.2006; PAS
CVM nº RJ2007/3453, julgado em 4.3.2008; PAS CVM nº 25/03, julgado em 25.3.2008.
503 Ver PAS CVM nº 09/2009, julgado em 21.07.2015.
504 Ver PAS CVM nº2013/1063, julgado em 03.12.2013.
122. Ademais, ambos também são responsáveis por violarem frontalmente o disposto
no art. 138, §1º, da Lei 6.404/76 ao proporem resolução que atribui ao presidente do
conselho de administração da GPC amplos poderes para escolher diretamente o di-
retor presidente e um dos dois diretores vice-presidentes, regra ilegal já amplamente
discutida.
125. Como se reconhece, o § 1º do art. 154 da Lei das S/A determina que o adminis-
trador eleito por grupo de acionistas tem, para com a companhia, os mesmos deveres
que os demais, não podendo, ainda que para defesa do interesse dos que o elegeram,
faltar a esses deveres.
126. A análise dos deveres constantes do artigo 154 está diretamente relacionada à
necessidade de o administrador pautar sua atuação sempre no interesse da companhia,
não podendo desviar a agulha de sua bússola de tal interesse, sendo-lhe vedada a per-
secução de interesses próprios ou de outras pessoas.
127. Entendo que ao propor alteração estatutária permitindo que o presidente do con-
selho de administração da GPC nomeie o diretor presidente e um dos dois diretores
vice-presidentes, regra manifestamente ilegal por contrariar o que dispõe o art. 138,
§1º, da Lei 6.404/76, Luiz Fernando Cirne Lima agiu com desvio de poder caracteriza-
do pela aplicação deformada de regra prevista na Lei 6.404/76, razão pela qual entendo
que ele é responsável por infringir o art. 154, §1º, c/c o art. 138, §1º, da Lei das S/A.
II – Da Atuação do Diretor de Relações com Investidores no tocante à Divulgação de
Informações
505 Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no
interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. § 1º O administrador eleito
por grupo ou classe de acionistas tem, para com a companhia, os mesmos deveres que os demais, não podendo, ainda que
para defesa do interesse dos que o elegeram, faltar a esses deveres.
129. Como essa informação não foi divulgada ao mercado tempestivamente, as infor-
mações publicamente disponíveis no Formulário de Referência506 de 2012 sobre o qua-
dro societário da GPC indicava que os Acionistas Vinculados tinham mais de 42% do
capital social, quando, em realidade, a participação deles era de 37,65%, informação
que somente foi corrigida no dia 10.10.2013, às 19h.
130. Por este motivo, a Acusação responsabilizou o diretor de relações com investi-
dores507 da GPC, Emílio Salgado Filho, por descumprir o art. 24, §3º, X, da Instrução
CVM nº 480/09508, pois não reapresentou o Formulário de Referência com a alteração
do acordo de acionistas em até sete dias úteis da ocorrência do evento (em 01.08.2011),
e o art. 30, VIII, da Instrução CVM nº 480/09509, por não providenciar, neste mesmo
prazo, o envio por meio eletrônico à CVM do aditamento do acordo de acionistas.
131. Em Defesa, Emílio Salgado Filho reconhece que o aditamento do acordo de acio-
nistas deixou de ser tempestivamente fornecido ao mercado por erro material. Alega,
entretanto, que a alteração restou refletida na versão 3.0 do Formulário de Referência
submetida à CVM em 11.07.2013, quando a GPC estaria dispensada de apresentar
aquele formulário por se encontrar em recuperação judicial, conforme faculta o art. 36
da Instrução CVM nº 480/09510.
133. As alegações de Emílio Salgado Filho não podem prosperar. A uma, porque a
divulgação e o envio à CVM do aditamento do acordo de acionista deveriam ter sido
providenciados até 01.08.2011, o que reconhecidamente ele não fez. Dessa forma, o
fato de a informação ter sido inserida no Formulário de Referência em 11.07.2013,
dois anos após, prazo este muito superior ao permitido pela Instrução CVM nº 480/09,
não tem, por óbvio, a faculdade de eximi-lo de sua responsabilidade.
506 Formulário de referência 2012 – V12 e posteriores.
507 Instrução CVM nº 480/09 - Art. 45. O diretor de relações com investidores é responsável pela prestação de
todas as informações exigidas pela legislação e regulamentação do mercado de valores mobiliários.
508 Art. 24. O formulário de referência é documento eletrônico cujo conteúdo reflete o Anexo 24. (...) § 3º O
emissor registrado na categoria A deve atualizar os campos correspondentes do formulário de referência, em até 7 (sete)
dias úteis contados da ocorrência de qualquer dos seguintes fatos: (...) X – celebração, alteração ou rescisão de acordo de
acionistas arquivado na sede do emissor ou do qual o controlador seja parte referente ao exercício do direito de voto ou
poder de controle do emissor.
509 Art. 30. O emissor registrado na categoria A deve enviar à CVM, por meio de sistema eletrônico disponível na
página da CVM na rede mundial de computadores, as seguintes informações eventuais: (...) VIII – acordos de acionistas e
outros pactos societários arquivados no emissor, em até 7 (sete) dias úteis contados de seu arquivamento;
510 Art. 36. O emissor em recuperação judicial é dispensado de entregar o formulário de referência até a entrega
em juízo do relatório circunstanciado ao final do processo de recuperação.
139. Não por outra razão, a CVM tem continuamente aprimorado a qualidade das in-
formações que devem ser divulgadas, como se observa da edição da própria Instrução
CVM nº480/09 e da Instrução CVM nº481/09, e, neste sentido, a atuação do diretor
de relações com os investidores é indispensável para a concretização do princípio da
ampla divulgação, pois é nele que todos depositam a esperança de que a informação
continuará sendo esse bem valioso para o mercado.
140. Por tudo isso, entendo que Emílio Salgado Filho, diretor de relações com inves-
141. Por fim, cabe analisar a Acusação formulada em face de Emílio Salgado Filho por
divulgar a proposta da administração à assembleia geral realizada em 10.10.2013 sem
a descrição detalhada dos interesses dele próprio, de Paulo César Peixoto de Castro Pa-
lhares e dos demais acionistas vinculados por acordo de voto, em relação às reformas
estatutárias a serem deliberadas em tal assembleia, em suposta infração ao art. 8º, V,
da Instrução CVM nº 481/09513.
142. Em sua Defesa, Emílio Salgado Filho alega que não considerou tratar de hipótese
prevista no art. 8º, uma vez que a matéria deliberada não cuidava de interesse especial
de qualquer acionista, mas de legítimo interesse da GPC de se dotar e a sua adminis-
tração com os mecanismos capazes de conferir segurança e estabilidade na condução
de suas atividades no difícil momento em que atravessa.
144. Em tal situação, caberia ao diretor de relações com investidores divulgar a pro-
posta da administração à assembleia geral extraordinária, realizada em 10.10.2013,
com a descrição de que os Acionistas Vinculados, por serem os acionistas mais anti-
gos, tinham interesse próprio na aprovação das regras específicas contidas na Defesa
via Conselho, em respeito ao disposto no art. 7º da Instrução CVM nº 481/09514.
145. Por tais razões, entendo que Emílio Salgado Filho descumpriu art. 8º, V, da Ins-
trução CVM nº 481/09.
512 Instrução CVM nº 480/09 - Art. 45. O diretor de relações com investidores é responsável pela prestação de
todas as informações exigidas pela legislação e regulamentação do mercado de valores mobiliários.
513 Art. 8º - Sempre que uma parte relacionada, tal como definida pelas regras contábeis que tratam desse assunto,
tiver interesse especial na aprovação de uma matéria submetida à assembleia, a companhia deve fornecer aos acionistas,
no mínimo, os seguintes documentos e informações: (...) V – descrição detalhada da natureza e extensão do interesse em
questão
514 Art. 7° O diretor de relações com investidores é responsável pelo fornecimento das informações e documentos
exigidos da companhia no Capítulo III e no Capítulo III-A, bem como pelo cumprimento, por parte da companhia, do
disposto no art. 2º desta Instrução.
146. Por tudo o que foi exposto, e considerando as circunstâncias do caso, voto nos
seguintes termos:
É o meu voto.
Pablo W. Renteria
Diretor
Encerro a Sessão, informando que os acusados punidos poderão interpor recurso vo-
luntário, no prazo legal, ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional e que,
com a entrada em vigor do Decreto nº 8.652/2016, as decisões absolutórias transitam
em julgado na 1ª Instância, sem a interposição de recurso de ofício por parte da CVM.
Decisão: A Sessão, iniciada em 12 de julho de 2016, foi reaberta nesta data especifica-
mente para a leitura do voto retificador do Relator, Diretor Roberto Tadeu
Antunes Fernandes, que, com base no disposto no art. 65, parágrafo úni-
co, da Lei nº 9.784/1999, consistiu em:
2. Diante desta manifestação verbal, alterei o meu voto, ainda na sessão de julgamento,
para imputar a Emílio Salgado Filho a responsabilidade por agir em desacordo com o
art. 154, §1º, c/c o art. 138, §1º, da Lei nº 6.404/76, e lhe apliquei a pena de multa no va-
lor de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), em linha com a decisão adotada em
relação ao Acusado Luiz Fernando Cirne Lima, conselheiro que não firmara o Acordo
de Acionista, razão pela qual não fora considerado um dos “acionistas mai antigos”.
4. Assim, constatando que errei ao alterar o meu voto durante a Sessão de Julgamento,
e com base no disposto no art. 65, parágrafo único, da Lei nº 9.784, 19991 , RETIFICO
o meu voto para imputar a Emílio Salgado Filho a responsabilidade por atuar em de-
sacordo com o art. 156, c/c o art. 138, §1º, da Lei nº 6.404/76, em razão de estar com-
provado que era um dos “acionistas mais antigos” e, portanto, beneficiário das decisões
que alteraram o estatuto da GPC, porém, mantenho a pena que lhe impus de multa no
valor de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), proferida oralmente.
5. Destaco, por fim, que mantenho inalteradas as decisões relativas aos demais acusa-
dos neste processo administrativo sancionador.
Pablo W. Renteria
Diretor
Relatório
I. OBJETO
II. APURAÇÃO
4. No dia 13.5.2010 a BNY Mellon confirmou que o emissor da CCB que constava
da carteira do FIM GRP era a GRP Investimentos, e informou que o regulamento do
referido fundo autorizava, em seu art. 9º, a aquisição de “títulos ou valores mobiliários
de emissão da ADMINISTRADORA, da GESTORA ou de empresas a elas listadas”,
desde que os mesmos não representassem mais do que 20% do seu patrimônio líquido
(fl. 27).
515 Art. 65 - Incluem-se entre as obrigações do administrador, além das demais previstas nesta Instrução: (...) XIII
- observar as disposições constantes do regulamento e do prospecto; (...) XV - fiscalizar os serviços prestados por terceiros
contratados pelo fundo
516 Art. 65-A - O administrador e o gestor estão obrigados a adotar as seguintes normas de conduta: I - exercer
suas atividades buscando sempre as melhores condições para o fundo, empregando o cuidado e a diligência que todo
homem ativo e probo costuma dispensar à administração de seus próprios negócios, atuando com lealdade em relação aos
interesses dos cotistas e do fundo, evitando práticas que possam ferir a relação fiduciária com eles mantida, e respondendo
por quaisquer infrações ou irregularidades que venham a ser cometidas sob sua administração ou gestão
517 O FIM era um fundo de investimento da classe multimercado, administrado pela BNY Mellon e gerido pela
GRP Investimentos. Em 30.4.2010, o FIM possuía quatro cotistas e um patrimônio líquido de R$ 2,6 milhões
7. Também foi enviado ofício ao Banco Prosper S.A. (“Banco Prosper”), estruturador da
operação de CCBs, para que se manifestasse sobre os procedimentos adotados para aten-
der ao referido Parecer da ANDIMA (OFÍCIO/CVM/SIN/GIF/Nº1496/2010) (fl. 35).
518 Os questionamentos formulados à GRP Investimentos, no entanto, se estendem também aos fundos FIA e
FIRF.
vi) desde 26.5.2010 o fundo não possuía mais a referida CCB em sua carteira.
iii) as referidas operações foram alvo de amplos debates nos comitês de inves-
timento e de risco da gestora, tendo sido aprovadas após a análise de diversos
fatores que conduziram à conclusão de que tal aplicação estava em linha com
seus respectivos regulamentos;
vii) à época das operações, a GRP Investimentos não era instituição associa-
da à ANBIMA (ANDIMA ao tempo) e, portanto, não estava obrigada a seguir
suas regras.
11. Já o Banco Prosper apresentou sua resposta em 4.6.2010, esclarecendo que a ope-
ração em questão é de registro de CCB no qual o investidor solicita que seja originada
operação de crédito com determinadas características. E que, ao receber tal solicita-
ção, o banco realiza análise do cadastro do emissor, a fim de verificar a viabilidade
da proposta, mediante preenchimento de fichas de cadastro e consulta aos órgãos de
proteção de crédito, além de exigir parecer legal referente à constituição da empresa e
a possibilidade de outorga de garantias ao crédito.
12. No dia 21.6.2010, a SIN solicitou ao Banco Prosper cópia de todas as CCBs emitidas
pela GRP Investimentos no ano de 2009 adquiridas pelos fundos por ela geridos (fl. 51),
e, em 30.6.2010, o Banco Prosper respondeu apresentando as cópias solicitadas (52-83).
13. De posse de todos os elementos citados, a GIF elaborou o Relatório de Análise RA/
GIF/N.º005/2010 (fls. 84-87), tendo concluído que, no seu entender:
ii) a GRP Investimentos infringiu o art. 14, inciso II da Instrução CVM n.º
306/1999 e art. 65-A da Instrução CVM n.º 409/2004, por ter realizado ope-
rações em conflito de interesses com o fundo e não ter agido de forma dili-
gente ao adquirir CCBs de sua própria emissão para as carteiras de fundos
sob sua gestão.
14. Em 22.10.2010 e 30.12.2010, foram enviados ofícios de igual teor para a GRP In-
vestimentos e a BNY Mellon, e para seus diretores responsáveis pelos serviços de ad-
ministração de carteira de valores mobiliários, Rondon Pacheco Fonseca Pinto e José
Carlos Lopes Xavier de Oliveira, respectivamente, intimando-os a se manifestarem
519 No item 2 da Análise de Crédito consta que a GRP Investimentos “colocou a disposição o imóvel que a empresa
está sediada, como colateral. Imóvel comercial localizado em Belo Horizonte, (...), avaliado em R$ 1,2 milhões”.
520 Essa aplicação que serviu de garantia às CCBs emitidas era em CDB do Bradesco de Rondon Pacheco Fonseca
Pinto, sócio majoritário da GRP Investimentos, no valor de R$ 1,5 milhões, apesar de constar no comprovante o valor
líquido de R$ 1,02 milhões.
521 Art. 110-B Os regulamentos dos fundos de que trata este Capítulo que exijam investimento mínimo, por
investidor, de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), poderão prever: (...)
522 Artigo 8º - O Fundo mantém, no mínimo, 95% (noventa e cinco por cento) de seu patrimônio investido em
cotas. (...) Parágrafo Décimo Primeiro – É vedada a aplicação em cotas de fundos de investimentos de que trata o artigo
110B da Instrução CVM nº 409
vi) as operações com CCBs não causaram prejuízos aos cotistas dos fundos
e ao mercado, e que pretendia convocar assembleias especificamente para a
ratificação, pelos cotistas, dos atos de gestão praticados.
ii) não houve desenquadramento da carteira do FIC, pois a sua real política
de investimentos estava nos mecanismos de controles internos da adminis-
tradora e da gestora, onde a vedação de aquisição de cotas de determinados
fundos de investimento não estava inserida.
17. Em 31.1.2011, José Carlos Lopes Xavier de Oliveira protocolou expediente (fls.
142-143), no qual confirmou os termos da resposta encaminhada pela BNY Mellon, e,
no dia 18.2.2011, a BNY Mellon enviou cópia das atas das assembleias gerais de cotis-
tas do FIM GRP, FIA GRP e FIRF GRP, nas quais se deliberou pela ratificação dos atos
praticados pela GRP Investimentos (fls. 144-164).
18. Cabe indicar, ainda, que, em 15.2.2011, o FIC-FI GRP realizou assembleia geral de
III. ACUSAÇÃO
20. Segundo a área técnica, apesar de os regulamentos do FIM GRP, FIA GRP e FIRF
GRP contemplarem a possibilidade de aquisição de CCBs de emissão de seu gestor,
no presente caso se questiona, mais especificamente, a falta de cuidado da GRP Inves-
timentos na compra de ativos de sua emissão para os fundos, assim como a suposta
falha da BNY Mellon no que se refere ao seu dever de fiscalizar o gestor contratado.
21. A SIN indicou que é dever do administrador fiscalizar os serviços prestados por
terceiros aos fundos, inclusive os serviços de gestão e indicou que, por óbvio, não se
mostra razoável supor que todas as aquisições de ativos realizadas por todos os fundos
sejam previamente analisadas pelo administrador. Não obstante, entendeu que não
se exige que o administrador fiscalize tudo, mas que certamente as transações com
partes relacionadas e com pouca liquidez – como no presente caso – deveriam estar
no escopo do sistema de supervisão baseada em risco da BNY Mellon. Portanto, a
SIN concluiu que houve a omissão da BNY Mellon quanto ao seu dever de fiscalizar o
gestor contratado.
22. No que diz respeito à ratificação dos atos praticados pelo gestor, a SIN considerou
que “estar de acordo ou tomar ciência de que um fundo aplica em ativo vedado por seu
regulamento, não torna a aplicação regular”. Nessa mesma oportunidade, entendeu
que a ausência de comunicação à CVM quanto ao descumprimento do regulamento
também reflete as falhas da BNY Mellon em relação ao seu dever de supervisionar a
atuação da gestora contratada e ainda quanto ao seu próprio dever de diligência em
relação aos interesses dos cotistas e do fundo.
23. Nesse sentido, a SIN apurou que a GRP Investimentos não agiu com a diligência
e o cuidado devidos no momento de aquisição das CCBs, seja em relação à mitigação
de conflito de interesse, seja em relação à observância das garantias dadas aos ativos
adquiridos. Quanto ao primeiro ponto, ressaltou-se que não houve a preocupação da
GRP Investimentos de se contratar entidade independente para proceder a sua análise
de crédito, de forma a reforçar a tese do conflito de interesses. E, quanto ao segundo, a
área técnica considerou que a ausência de formalização das garantias523 seria um forte
indicativo da falta de cuidado na operação praticada pela GRP Investimentos.
523 De acordo com SIN, embora se tenha conferido, como garantia das CCBs, a hipoteca do imóvel em que a
GRP está sediada em Belo Horizonte, o penhor de uma aplicação em CDB do Banco Bradesco S.A. pertencente a Rondon
Pacheco Fonseca Pinto, e avais deste e de Ana Gabriela Barcellos Horta Fonseca Pinto, nos autos (fls. 36-39) consta que não
se procedeu o registro da hipoteca no cartório de registro de imóveis e de que “não houve bloqueio do CDB de emissão do
Banco Bradesco S/A pertencente ao sócio”
25. A acusação esclarece ainda que, apesar da decisão da gestora de se desfazer das
CCBs e de tais operações não terem causado prejuízos aos fundos, os seus cotistas
foram expostos a riscos de um ativo adquirido de forma irregular.
26. Por fim, no que se refere ao FIC-FI GRP, a área técnica destacou que, pelo menos de
abril de 2009 a fevereiro de 2011, quando foi retirada do regulamento do FIC-FI GRP a
vedação à aplicação em fundos com aplicação mínima de R$1 milhão, entre 70 e 100%
do patrimônio líquido desse fundo estiveram aplicados em cotas do FIRF GRP, que é
um fundo de investimento de que trata o art. 110-B da Instrução CVM n.º 409/2004.
27. Neste ponto, apesar do gestor e do administrador terem justificado que existia um
erro material no regulamento do FIC-FI GRP e que a real política de investimento do
fundo se encontrava nos controles internos de ambas as instituições, a SIN entendeu
que a política de investimento deveria constar do regulamento, visto que todo investi-
dor que tenha a pretensão de ingressar em um fundo de investimento “tem acesso ao
que é disponibilizado no regulamento do fundo, e não ao que eventualmente consta
dos controles internos do gestor e do administrador”.
28. Além disso, a área técnica da CVM apontou que, mesmo que se aceitassem os
erros materiais como justificativas plausíveis, as falhas são recorrentes entre os fundos
administrados pela BNY Mellon, “tendo acontecido, pelo menos, em três ocasiões no
período de pouco mais de um ano”.
29. Por esses motivos, a SIN propôs a responsabilização de: i) GRP Investimentos e
de seu diretor Rondon Pacheco Fonseca Pinto, por infringirem os artigos 65, inciso
XIII, e 65-A, inciso I, ambos da Instrução CVM n.º 409/2004, por falta de dever de
diligência na aquisição de CCBs de sua emissão e por desrespeitarem o regulamento
do FIC-FI GRP; e ii) BNY Mellon e de seu diretor José Carlos Lopes Xavier de Oliveira
por violação aos artigos 65, inciso XV, e 65-A, inciso I, ambos da Instrução CVM n.º
409/2004, por não terem adotado a devida diligência na fiscalização (ii.a.) da aquisição
das CCBs para as carteiras do FIM GRP, FIA GRP e FIRF GRP, e (ii.b.) da infração
regulamentar do FIC-FI GRP.
31. Não obstante, a PFE entendeu haver necessidade de modificação do termo de acu-
sação para o atendimento do disposto nos incisos III e IV do art. 6º da Deliberação
CVM n.º 538/2008, com vistas a imputar à BNY Mellon a violação do art. 65, inci-
so XV, combinado com o art. 65-A, inciso I, ambos da Instrucão CVM n.º 409/2004
(fls.188-189).
32. Em 13.4.2012, a SIN acatou as recomendações feitas pela PFE e elaborou novo
termo de acusação (fls. 192-213), o qual foi considerado no presente relatório, e, em
14.6.2011, os acusados foram intimados para apresentar defesa (fls. 218-221).
V. DEFESAS
33. Em 19.8.2011, a BNY Mellon e José Carlos Lopes Xavier de Oliveira apresentaram
defesa conjunta (fls. 236-255), na qual repetiram os esclarecimentos anteriormente
apresentados, acrescentando os seguintes argumentos:
i) o fato de não existir uma classificação realizada por uma agência de rating
não permitiria catalogar a conduta da GRP Investimentos e de seu diretor
como negligente, visto que inexistia qualquer regulamentação que vedasse a
realização de operações com aquelas características;
ii) no que diz respeito às garantias das CCBs, os títulos foram devidamente
avalizados por Rondon Pacheco Fonseca Pinto, que possui patrimônio sufi-
ciente para adimplir as obrigações estabelecidas nos documentos;
35. Na mesma data, a GRP Investimentos e Rondon Pacheco Fonseca Pinto apresenta-
ram proposta conjunta de celebração de termo de compromisso, em que se propuse-
ram a pagar à CVM o valor de R$30 mil (fl. 297-303).
36. O processo foi, então, encaminhado para o Colegiado (fl. 308) e, na reunião de
13.9.2011, foi distribuído ao relator (fl. 310).
É o relatório.
Otavio Yazbek
Diretor Relator
526 Como relatado, os fundos que são objeto do presente processo são os seguintes: FIM GRP, FIA GRP, FIRF GRP
e FIC-FI GRP.
ii) duas garantias das CCBs não foram formalizadas (CDB de emissão do
Banco Bradesco S.A. pertencente ao sócio da GRP Investimentos e imóvel
em que a sociedade está sediada em Belo Horizonte), o que certamente não
ocorreria se outro gestor tivesse adquirido as CCBs; e
6. Entendo que esses elementos, por si só, não são suficientes para caracterizar as in-
frações em questão.
10. É importante observar, no entanto, que não existia, à época, qualquer norma que
condicionasse a possibilidade de o gestor alocar CCBs de sua emissão, em fundo por
ele gerido, (i) à constituição de garantias em determinado montante mínimo; (ii) à
contratação de avaliação independente; e/ou (iii) ao atingimento de avaliação mínima
de risco de crédito. Além disso, segundo se apurou, os regulamentos do FIA GRP, do
FIM GRP e do FIRF GRP também não continham qualquer regra neste sentido, sendo
que à época também inexistia orientação da CVM a respeito do assunto530.
11. Teria sido útil, para a análise da conduta da GRP Investimentos, se a acusação
tivesse colhido mais informações a respeito dos procedimentos adotados pela gestora
quando da aquisição de outras CCBs que integravam as carteiras dos fundos geridos
pela GRP Investimentos. Nesse caso, talvez fosse possível constatar, de forma efetiva,
se de fato a GRP Investimentos foi menos cuidadosa na análise e na aquisição de CCBs
de sua emissão.
12. Não obstante, sem essa base de comparação mais concreta, e diante do conjunto de
fatos disponíveis, entendo que não existem nos autos elementos suficientes a caracte-
rizar a atuação irregular da GRP Investimentos.
13. Entendo também, por consequência lógica, que não houve falha da BNY Mellon
ao permitir que a GRP Investimentos alocasse CCBs de sua emissão nas carteiras dos
fundos por ela geridos.
14. Apesar de concordar com o entendimento da área técnica de que não cabe ao
administrador avaliar previamente as operações realizadas pelo gestor, parece-me ex-
cessivo exigir, com a regulamentação hoje aplicável (e, principalmente considerando a
ausência, à época, de recomendações ou interpretações), que o administrador possua
sistema de supervisão baseado em risco para analisar determinados ativos das cartei-
ras dos fundos que administre, como sugere a SIN. Ainda mais difícil é, no âmbito de
um processo desta natureza, definir o que deveria ou não deveria ser prioridade em
um sistema daquela estrutura.
529 Nos termos do relatório emitido pelo gestor, “[e]stas garantias (imóvel+aplicação) não precisarão ser
formalizadas em nenhuma das cédulas de crédito. O comitê entende que a GRP tem pleno interesse em estar adimplente
com os pagamentos e não prejudicar a performance dos fundos, o que prejudicaria seus cliente e com isso resultados
futuros.”
530 [5] Vale lembrar, no entanto, que justamente para suprir essa falta de orientação, em 23.6.2010, a SIN emitiu
Ofício-Circular/CVM/SIN/Nº02/2010, com algumas diretrizes recomendáveis para o atendimento ao dever de diligência
exigido pelo art. 65-A, inciso I, da Instrução CVM n.º 409/2004, dentre as quais constam, dentre outras sugestões, as
seguintes: (i) a utilização de rating do ativo ou do emissor como informação adicional à avaliação dos riscos de crédito;
(ii) nas operações com garantia real ou fidejussória, a descrição das condições aplicáveis ao seu acesso e execução, e a
formalização de eventuais restrições ao exercício de direitos; e (iii) a reunião de documentação adicional
18. A BNY Mellon e o seu diretor responsável, por sua vez, foram acusados por terem
se omitido diante de tal desenquadramento.
19. Tanto a GRP Investimentos quanto a BNY Mellon argumentaram que se tratou
de erro material, pois a vedação constante do Regulamento não refletia a vontade dos
cotistas do fundo. Além disso, e até como prova dessa afirmação, foi realizada assem-
bleia geral em que os cotistas do FIC-FI GRP, por unanimidade, confirmaram que se
tratava de equívoco, tendo deliberado pela exclusão da vedação e pela ratificação dos
investimentos feitos até então.
20. A SIN não acatou o argumento, por entender que até que o erro fosse corrigido, o
regulamento estava sendo descumprido, e, ainda, que a aprovação em assembleia não
torna o investimento em ativo vedado regular. De acordo com a área técnica, “[é] o
mesmo que admitir que o administrador (e o gestor), com a concordância dos cotistas,
possa adquirir para o fundo ativos que não estejam previstos na legislação”.
21. Embora concorde com a primeira das afirmações da SIN, parece-me que a segunda
precisa ser qualificada.
23. Nesse sentido, não me parece que possamos equiparar os chamados limites “dispo-
níveis” com aqueles ditos “indisponíveis”.
24. De qualquer forma, acredito que, uma vez inserido um limite no regulamento, ele
deve ser respeitado pelo gestor e fiscalizado pelo administrador. Entender diferente-
mente significaria – e talvez tenha sido o que a SIN pretendia registrar na passagem
acima transcrita – entender que os limites previstos no regulamento não precisam ser
respeitados ou, pior, que a recorrente utilização da redação de um regulamento para
se escrever outro – argumento cogitado pela defesa da GRP Investimentos e de seu
diretor responsável – pode ser feita de maneira irresponsável.
25. E não é a alteração subsequente do regulamento que tem o condão de, no presente
caso, afastar a responsabilidade dos acusados, já que, pelo menos até o momento dessa
alteração, era indiscutível que o gestor não respeitava o limite estabelecido no regula-
mento e que o administrador não fiscalizava o seu cumprimento.
26. Isto não quer dizer, porém, que a reprobabilidade das condutas dos acusados no
presente caso seja igual à que se verificaria se estivéssemos diante de um fundo com
características distintas das do FIC-FI GRP533 ou, então, que é irrelevante o fato de o
regulamento ter sido alterado ou, ainda, o fato de os cotistas terem reconhecido que se
tratava de um erro material e terem ratificado as operações realizadas em descompasso
com o regulamento.
27. Na verdade, reconheço que, se esses elementos não afastam a responsabilidade dos
acusados, pelo menos são relevantes para fins da dosimetria da pena a ser aplicada.
III. CONCLUSÃO
534 BNY Mellon e José Carlos Lopes Xavier de Oliveira foram condenados no âmbito do PAS CVM n.º RJ
2012/6987, cuja decisão transitou em julgado depois da decisão do Colegiado da CVM de 13.8.2013, que foi publicada
em 5.9.2013. A BNY Mellon também foi condenada no âmbito (i) do PAS CVM n.º RJ 2007/9559, cuja decisão transitou
em julgado depois da decisão do CRSFN de 27.10.2010, publicada em 26.11.2010, (ii) do PAS CVM n.º RJ 2002/6413, cuja
decisão transitou em julgado depois da decisão do Colegiado de 14.12,2005, que foi publicada em 20.2.2006, e (iii) do
PAS CVM n.º RJ 2003/13021, cuja decisão transitou em julgado depois da decisão do CRSFN de 13.2.2012, publicada em
13.3.2012 – o julgamento do Colegiado foi em 31.7.2007 e a decisão publicada em 19.9.2007. José Carlos Lopes Xavier de
Oliveira, por sua vez, também foi condenado no âmbito do PAS CVM n.º RJ 2006/1122, cuja decisão transitou em julgado
depois da decisão da SIN de 7.6.2006, que foi publicada em 14.6.2006.
É o meu voto.
Otavio Yazbek
Diretor Relator
Luciana Dias
Diretora
Encerro a Sessão, informando que os acusados punidos poderão interpor recurso vo-
luntário ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional e que a CVM in-
Relatório
3. Em linhas gerais, as ofertas propostas por NET e CCDI seguiam o formato de OPAs
Unificadas538 aprovadas anteriormente pela SRE e pelo colegiado da CVM539, que não
535 MEMO/CVM/SEP/GEA-4/Nº63/2012.
536 Para fins deste processo, são considerados somente o Nível 2 e o Novo Mercado da BM&Fbovespa, dado
que o regulamento de listagem no Nível 1 não possui a obrigação de realização de OPA no caso de saída daquele nível
diferenciado de listagem
537 Processos CVM nº RJ-2012-6422 e CVM nº RJ-2012-4293, respectivamente
538 Utilizarei a expressão OPA Unificada para me referir a uma oferta que vise a mais de uma finalidade de OPA.
539 O pedido foi feito em quatro oportunidades, tendo sido sempre deferido pela CVM; Os precedentes são: (1)
OPA Unificada de Pearson Sistemas do Brasil S.A. para três finalidades (por alienação de controle, para saída do Novo
Mercado e para cancelamento de registro) – Processo CVM nº RJ-2010- 14993 – decisão de 1/2/2011; (2) OPA Unificada
de Tivit Terceirização de Processos, Serviços e Tecnologia S.A. para três finalidades (por alienação de controle, para saída
do Novo Mercado e para cancelamento de registro) – Processo CVM nº RJ-2010-11232 – decisão de 16/11/2010; (3) OPA
Unificada de GVT Holding S.A. para quatro finalidades (por alienação de controle, por aumento de participação, para
saída do Novo Mercado, e para cancelamento de registro) – Processo CVM nº RJ-2009-11570 – decisão de 23/3/2010; e (4)
(...)
(...)
A Amec, após diversos debates internos e ativa interação com outras entida-
des do mercado de capitais, está convencida de que a eventual oferta unifica-
da para cancelamento de registro de companhia aberta, feita de forma con-
junta com a saída dos níveis diferenciados de governança corporativa, deve
estar sujeita aos critérios mais restritos dentre aqueles listados pelas normas
regulatórias e autorregulatórias a que estão sujeitas tais companhias, sendo a
estrita observância a tais normas a melhor forma de propiciar a devida pro-
teção aos acionistas, investidores e, em última análise, ao mercado mobiliário
brasileiro como um todo. O atingimento de ambos os objetivos deve, portan-
to, ficar sujeito a (1) aprovação em assembleia e (2) aceitação da oferta por
mais que 2/3 as ações em circulação.
Caso a segunda condição não seja atingida, não deve ser permitido nem o
cancelamento do registro, nem a saída dos níveis diferenciados de gover-
nança corporativa, e a aquisição de ações deve estar limitada a 1/3 das ações
em circulação, na forma da IN CVM 361. Interpretação diferente ensejaria
a possibilidade de “fechamento branco de capital” em empresas dos níveis
diferenciados de governança corporativa, com pesadas conotações negativas
para o mercado. Caso a fração de 2/3 não seja obtida, é facultado ao ofertante,
contudo, executar uma segunda oferta, com o objetivo exclusivo de promover
a deslistagem dos níveis diferenciados de governança corporativa. Neste mo-
mento, a deslistagem pode ocorrer com qualquer nível de adesão à oferta – e
a mesma pode contar com a isenção dos limites quantitativos supramencio-
nados, conforme previsto no Artigo 35 da IN CVM 361. Permanece a neces-
sidade de nova decisão em assembleia, tendo em vista as prováveis alterações
na base acionária depois da primeira oferta.
A Amec alerta, porém, que a deliberação assemblear sobre a saída dos níveis
diferenciados de governança corporativa está sujeita a todas as regras societá-
“63. (...) a questão da cumulação das ofertas se justifica por uma questão de
redução dos custos inerentes a realização de uma oferta pública.
65. Nessa linha, é importante notar que a própria Instrução CVM nº 361/2002,
em seu artigo 34, §1º, I, prevê a “concentração extraordinária” de ações como
exemplo de situação excepcional que pode ensejar a dispensa ou aprovação
de procedimento diferenciado para realização de oferta pública542.
66. Ora, no caso da NET, o baixo float seria razão mais do que suficiente para
permitir a adoção de procedimento diferenciado, que consistisse na permis-
são para cumulação das ofertas públicas para saída do Nível 2 e para cance-
lamento de registro
67. Como se não bastasse isso, a possibilidade de cumulação das ofertas pú-
blicas da companhia para saída do Nível 2 e para cancelamento de registro
encontra guarida também no artigo 34, §2, da Instrução CVM nº 361/2002,
que expressamente prevê a possibilidade de unificação de ofertas, desde que:
(a) seja possível compatibilizar os procedimentos de ambas as modalidade de
OPA; e (b) não haja prejuízo para os destinatários da oferta.543
542 Artigo 34. Situações excepcionais que justifiquem a aquisição de ações sem oferta pública ou com procedimento
diferenciado, serão apreciadas pelo Colegiado da CVM, para efeito de dispensa ou aprovação de procedimento e
formalidades próprios a serem seguidos, inclusive no que se refere à divulgação de informações ao público, quando for
o caso. §1o São exemplos das situações excepcionais referidas no caput aquelas decorrentes: I - de a companhia possuir
concentração extraordinária de suas ações, ou da dificuldade de identificação ou localização de um número significativo de
acionistas.
543 Artigo 34, §2o A CVM poderá autorizar a formulação de uma única OPA, visando a mais de uma das
finalidades previstas nesta instrução, desde que seja possível compatibilizar os procedimentos de ambas as modalidade de
71. Nota-se que, em qualquer dos dois casos, após a realização de uma ou de
duas ofertas, conforme o caso, as alternativas dos acionistas minoritários per-
manecem as mesmas: (a) ou se juntam em bloco e impedem o cancelamen-
to de registro, permanecendo acionistas de uma companhia que se encontra
fora do Nível 2 – como resultado da oferta pública unificada ou da oferta
pública para saída do Nível 2, conforme o caso; ou (b) alienam suas ações por
preço justo, calculado de acordo com as normas previstas na Lei 6.404/76, na
Instrução CVM nº 361/2002 e no Regulamento do Nível 2.
Isso porque estaríamos diante de uma situação em que outro fator (o temor
pela Saída de Nível) influenciaria indevidamente os acionistas objeto de uma
OPA para Cancelamento de Registro a “vender suas ações mesmo quando
ele acredita que o preço oferecido é insuficiente”, por saber “que o resultado
da oferta – sobre o qual ele, sozinho, tem pouca influência – pode (...) afetar
negativamente o valor das ações que não forem adquiridas na OPA (...)”, con-
forme consta do Edital 02/2010.
Tais acionistas estariam coagidos a aderir à oferta unificada, não por con-
cordarem, necessariamente, com o cancelamento de registro da companhia
objeto ou com o preço ofertado na mesma (...), mas por temerem permane-
cer numa companhia que já estaria apta a sair do segmento diferenciado de
governança corporativa, independentemente do quórum de aceitação obtido
na OPA.
Provocando uma forte adesão à oferta por parte dos acionistas objeto, esse
fenômeno da coerção favoreceria ao ofertante na consecução de seu objetivo,
o cancelamento de registro da companhia, sem, contudo, observar ao princí-
pio da necessidade de se “assegurar tratamento equitativo aos destinatários”,
a fim de que possam tomar “uma decisão refletida e independente quanto à
aceitação da OPA”, nos termos do inciso II do art. 4º da Instrução CVM nº
361/2002.”
8. Diante do exposto, a SRE propõe que as OPAS Unificadas que visem ao Cancela-
mento de Registro e à Saída de Nível somente sejam aprovadas caso “as condições mais
protecionistas de cada modalidade de OPA fossem preservadas, com vistas a atender
ao disposto no § 2º do art. 34 da Instrução CVM nº 361/2002”.
I. Introdução
544 No dia 02.10.2012, a CCDI publicou Fato Relevante informando que sua acionista controladora, Camargo
Corrêa S.A., havia concluído com sucesso a OPA para Cancelamento de Registro.
545 A Saída de Nível é tratada na Seção XI de ambos os Regulamentos de Listagem, que possuem redações
virtualmente idênticas e oferecem o mesmo grau de proteção aos minoritários.
12. Já o Cancelamento de Registro somente pode ser implementado caso seja pre-
cedido de uma OPA, a preço justo, tendo por objeto todas as ações de emissão da
companhia objeto. Exige-se, ainda, que acionistas titulares de mais de 2/3 das ações
em circulação 548 vendam suas ações na OPA ou concordem expressamente com o
Cancelamento de Registro. Por fim, estabeleceu-se uma série de salvaguardas visando
proteger os minoritários contra o Cancelamento de Registro, dentre as quais o direito
de solicitar um novo laudo (art. 4-A da Lei 6.404/76549) , mecanismos de proteção à
liquidez (art. 15 da Instrução CVM nº 361/2002550) e uma opção de venda para os
13. As últimas propostas de realização de uma única OPA que visavam, cumulati-
vamente, ao Cancelamento de Registro e à Saída de Nível Diferenciado de Listagem
foram objeto de forte reação por parte de minoritários, que alegaram que a aglutinação
das duas modalidades de oferta resultaria em uma oferta coercitiva. A alegada coerção
adviria do fato de que os minoritários tenderiam a aceitar o Cancelamento de Registro
uma vez que a Saída de Nível, contra qual não podem se opor, iria diminuir o valor de
suas ações.
14. Revendo o posicionamento anteriormente esposado pela própria área técnica e re-
ferendado por este Colegiado552 , a SRE concordou com os argumentos trazidos pelos
reclamantes e propôs que a concessão de registro para uma OPA Unificada que vise
ao Cancelamento de Registro e à Saída de Nível passe a ser condicionada à formula-
ção de uma oferta que mantenha as condições mais protecionistas de cada uma das
modalidades de OPA que o ofertante pretender aglutinar. Até hoje, a CVM permitiu a
unificação de OPAs para Cancelamento de Registro e Saída de Nível que mantivessem,
para cada modalidade, os seus próprios requisitos
15. Embora entenda que a aglutinação de OPAs que visem à Saída de Nível e ao Can-
celamento de Registro possa, em determinadas circunstâncias, ser percebida com o
intuito de coagir os minoritários a aceitarem o fechamento de capital, acredito que a
medida adequada para solução desse potencial problema não é a proibição das OPAs
Unificadas ou mesmo na imposição da exigência de que a OPA Unificada contenha os
requisitos mais rigorosos de cada uma das modalidades. II. Requisitos para realização
de uma OPA Unificada: Exegese do §2º do art. 34 da Instrução CVM nº 361/2002
16. Os requisitos para a realização de uma OPA Unificada encontram-se fixados no §2º
do art. 34 da Instrução CVM nº 361/2002, segundo o qual “a CVM poderá autorizar
a formulação de uma única OPA, visando a mais de uma das finalidades previstas
nesta instrução, desde que seja possível compatibilizar os procedimentos de ambas as
modalidade de OPA, e não haja prejuízo para os destinatários da oferta”. Da leitura do
referido dispositivo depreende-se existir duas pré-condições para a unificação de mais
de uma modalidade de OPA em uma única oferta, quais sejam: (i) a OPA Unificada
deve compatibilizar os procedimentos de cada uma das modalidades que abarcar, e (ii)
a unificação não pode causar prejuízo aos destinatários da oferta.
551 Art. 10, §2º Ressalvada a hipótese de OPA por alienação de controle, do instrumento de qualquer OPA
formulada pelo acionista controlador, pessoa a ele vinculada ou a própria companhia, que vise à aquisição de mais de 1/3 (um
terço) das ações de uma mesma espécie ou classe em circulação, constará declaração do ofertante de que, caso venha a adquirir
mais de 2/3 (dois terços) das ações de uma mesma espécie e classe em circulação, ficará obrigado a adquirir as ações em
circulação remanescentes, pelo prazo de 3 (três) meses, contados da data da realização do leilão, pelo preço final do leilão de
OPA, atualizado até a data do efetivo pagamento, nos termos do instrumento de OPA e da legislação em vigor, com pagamento
em no máximo 15 (quinze) dias contados do último a ocorrer dos seguintes eventos: I – exercício da faculdade pelo acionista;
ou II – pagamento aos demais acionistas que aceitaram a OPA, no caso de OPA com pagamento a prazo.
552 Processos CVM nº RJ-2010-14993, RJ-2010-11232, RJ-2009-11570 e RJ- 2008-7781, referidos em mais
detalhes na nota de rodapé nº 5 supra.
18. Em primeiro lugar, o art. 34, §2º da Instrução CVM nº 361/2002 determina que
modalidades distintas de OPA somente podem ser aglutinadas caso os seus procedi-
mentos possam ser compatibilizados. Afinal, as diferentes modalidades de OPA pos-
suem ritos e requisitos diferenciados em razão das circunstâncias e desafios que lhes
são peculiares e a unificação não deve frustrar as proteções específicas de cada rito.
20. Nesse ponto, portanto, discordo das manifestações do Fundo Mauá Orion, da
AMEC e da própria SRE, que defendem que na unificação das OPAs para Cancelamen-
to de Registro e para Saída de Nível deve-se adotar as condições mais protecionistas
de cada modalidade de OPA. No meu entender, a exigência de que os procedimentos
de cada uma das modalidades de OPA sejam compatibilizados na OPA Unificada não
se traduz na obrigação de formatar uma oferta que reúna as cláusulas mais benéficas
aos destinatários, mas sim na exigência de que a aglutinação não inviabilize os requi-
sitos estabelecidos na lei, nos normativos da CVM ou nos regulamentos de listagem
para cada modalidade de OPA – que visam, repito, enfrentar os problemas específicos
de cada oferta. A unificação das OPAs será a solução mais eficiente (produzindo um
ótimo de Pareto554) e deverá ser autorizada quando estivermos diante de uma situação
em que é possível gerar um benefício para o ofertante sem qualquer prejuízo para os
destinatários da OPA.
21. Feitos esses comentários de cunho conceitual, passo a analisar se os requisitos para
a Saída de Nível estipulados nos Regulamentos de Listagem dos Níveis Diferenciados
são incompatíveis com os procedimentos para Cancelamento de Registro estipulados
na Lei 6.404/76 e na Instrução CVM nº 361/2002, ou se ambos podem coexistir no
âmbito de uma única oferta.
553. Naturalmente, essa análise substancial não abrange o mérito da operação ou as condições negociais propostas,
limitando-se a averiguar se a operação, como um todo, gera algum prejuízo para os investidores.
554 O Ótimo de Pareto ocorre quando não se pode melhorar o bem-estar de alguém sem prejudicar o de outrem.
Assim, a situação na qual o ofertante pode diminuir o custo de uma OPA sem prejudicar os acionistas minoritários não
seria uma situação Ótima de Pareto.
23. Em razão do art. 15 da Instrução CVM nº 361/2002, a OPA para Saída de Nível
somente poderia ser realizada (a) através de uma oferta condicionada à aceitação de
menos de 1/3 ou de mais de 2/3 das ações em circulação ou (b) caso as exigências de
limite mínimo ou máximo de ações a serem adquiridas sejam previamente dispensa-
das pela CVM, hipótese expressamente prevista no artigo 35 da referida instrução556. A
regra do artigo 35 da Instrução CVM nº 361/2002, contudo, somente é aplicável para
OPAs de Saída de Nível que “não impliquem cancelamento de registro para negocia-
ção de ações nos mercados regulamentados de valores mobiliários “.
24. Embora a dispensa do artigo 35 da Instrução CVM nº 361/2002 não seja aplicável
a ofertas que impliquem também no Cancelamento de Registro, o artigo 34 do mesmo
normativo permite ao Colegiado da CVM dispensar ou aprovar procedimentos ou
formalidades relacionados a determinada OPA, quando existirem situações excepcio-
nais. Esse me parece, a princípio, ser o caso de companhias que, embora listadas nos
segmentos diferenciados, possuem uma reduzida porção de suas ações em circulação
em razão de operações societárias realizadas anteriormente com fins legítimos e em
555 Art. 15. Em qualquer OPA formulada pela companhia objeto, pelo acionista controlador ou por pessoas a ele
vinculadas, desde que não se trate de OPA por alienação de controle, caso ocorra a aceitação por titulares de mais de 1/3
(um terço) e menos de 2/3 (dois terços) das ações em circulação, o ofertante somente poderá: I - adquirir até 1/3 (um terço)
das ações em circulação da mesma espécie e classe, procedendo-se ao rateio entre os aceitantes, observado, se for o caso, o
disposto nos §§ 1o e 2o do art. 37; ou II - desistir da OPA, desde que tal desistência tenha sido expressamente manifestada
no instrumento de OPA, ficando sujeita apenas à condição de a oferta não ser aceita por acionistas titulares de pelo menos
2/3 (dois terços) das ações em circulação.
556 Art. 35. A CVM poderá dispensar as exigências desta Instrução quanto ao limite mínimo ou máximo de
ações a serem adquiridas, em OPA formulada por acionista controlador de companhia listada em segmento especial de
negociação de valores mobiliários, instituído por bolsa de valores ou por entidade do mercado de balcão organizado,
que assegure, através de vínculo contratual, práticas diferenciadas de governança corporativa, desde que: I - tais ofertas
decorram de exigência constante do regulamento de listagem do respectivo segmento especial de negociação, em caso
de retirada da companhia do respectivo segmento, seja em função de deliberação voluntária da companhia seja em razão
de descumprimento de regras do regulamento, e desde que tais ofertas não impliquem cancelamento de registro para
negociação de ações nos mercados regulamentados de valores mobiliários; e II - o preço de aquisição corresponda, no
mínimo, ao valor econômico da ação, apurado em laudo de avaliação elaborado por empresa especializada, com experiência
comprovada e independência quanto ao poder de decisão da companhia, seus administradores e seu acionista controlador.
25. Assim, entendo que o Colegiado pode, com base no caput do artigo 34 da Instru-
ção CVM nº 361/2002, vir a afastar a incidência das limitações impostas pelo artigo
15 do mesmo normativo em determinadas OPAs Unificadas que visem tanto à Saída
de Nível quanto ao Cancelamento de Registro, como, aliás, já o fez em alguns prece-
dentes557. Essa dispensa naturalmente não será concedida automaticamente, mas com
base em uma análise circunstanciada que vise confirmar a existência de situações ex-
cepcionais que justifiquem o pleito. São mantidas, por óbvio, as salvaguardas da OPA
para cancelamento de registro, tais quais a possibilidade de pedido de realização de
nova avaliação, revisão de preço, e a obrigação de adquirir as ações remanescentes pelo
prazo de três meses conforme disposto na Lei e na Instrução CVM Nº 361.
26. O segundo requisito previsto no §2º do art. 34 da Instrução CVM nº 361/2002 para
que seja autorizada a realização de uma única OPA visando a mais de uma finalidade é
que nenhum prejuízo para os destinatários da oferta advenha da unificação. Ou seja, a
unificação não pode resultar em um cenário no qual os destinatários da OPA estejam
em uma situação pior do que no cenário em que cada uma das modalidades de OPA
é conduzida através de uma oferta independente. Assim, se a situação prejudicial ao
acionista minoritário existe tanto com a realização de duas OPAs separadas quanto
com a realização de uma única OPA Unificada, a OPA Unificada pode ser permitida,
pois da unificação não decorre nenhum prejuízo aos acionistas. Diante do exposto, a
análise sobre um pedido de unificação de OPA deve ser feita a partir da comparação
da situação dos minoritários em um cenário em que as OPAs são conduzidas de modo
independente e a situação dos minoritários caso fosse realizada a OPA Unificada.
29. Feita essa observação, entendo que a pressão aos destinatários inerente à OPA para
Saída de Nível só tornaria essa modalidade incompatível (e, portanto, impossível de
aglutinar) com outra modalidade de OPA, caso essa pressão criasse um prejuízo para
os destinatários das demais modalidades de OPA que se pretendesse unificar com a
OPA para a Saída de Nível que não existiria caso cada oferta fosse conduzida de ma-
neira independente. Conforme detalharei nos próximos parágrafos, entendo que na
hipótese em que tanto a OPA para Saída de Nível quanto a OPA para Cancelamento
de Registro forem do interesse da companhia, a realização de uma única que vise si-
multaneamente as duas modalidades não gera nenhum prejuízo real aos destinatários
da oferta, podendo, portanto, ser autorizada desde que sua estrutura compatibilize os
procedimentos específicos de cada modalidade (vide item II.1 acima).
30. Para ilustrar o meu argumento, proponho comparar o cenário em que as OPAs
para Saída de Nível e para Cancelamento de Registro são realizadas simultaneamente
com um cenário em que o controlador já decidiu proceder tanto ao Cancelamento de
Registro quanto à Saída de Nível, mas que decide realizar uma OPA independente para
cada uma das modalidades559. Assumirei, nesse exercício, que tanto o Cancelamento
558 Existem diversos estudos que indicam que as ações das companhias listadas nos segmentos diferenciados da
BM&FBovespa são melhores avaliadas do que as companhias listadas no segmento tradicional ou mesmo no nível 1. Ver,
por exemplo, matéria “Ações de empresas com boa governança valem até 50% mais”, publicada no Valor Econômico de
10/12/04. Disponível em http://www.acionista.com.br/governanca/acoes_governanca.htm. Acesso em 26/10/2012
559 As normas existentes não determinam que a OPA para cancelamento de registro deva preceder à OPA para
saída de nível, embora esse me pareça ser o caminho mais lógico para ofertante e destinatários. Na perspectiva do ofertante,
essa sequência tenderia a ser menos custosa (assumindo que o preço seria idêntico em ambas as ofertas), uma vez que, caso
a OPA para cancelamento de registro seja bem sucedida, o ofertante não precisará realizar uma segunda OPA para saída do
nível. Já na perspectiva dos destinatários da OPA, a sequência também parece a princípio ser mais vantajosa, pois privilegia
a modalidade da OPA que lhes confere maior proteção. Esse argumento assume que o preço seria idêntico em ambas as
ofertas. Naturalmente, caso existisse uma expectativa por parte do ofertante de preços diferentes nas duas modalidades,
32. Entendo ser evidente que nos casos em que serão realizadas duas OPAs distintas,
uma para Cancelamento de Registro e uma para Saída de Nível, a informação sobre
a intenção de realizar a segunda oferta é relevante para que os investidores possam
avaliar a primeira oferta e deve, portanto, ser divulgada nos documentos relacionados
a primeira OPA562 . A jurisprudência desse Colegiado é pacífica no sentido de que uma
informação pode ser relevante ainda que seja referente a um ato ou fato ainda não de-
finitivo ou formalizado. Nos casos em que a informação se refere a um fato ainda não
concluído, a avaliação sobre a relevância da informação deve ponderar a magnitude do
evento pela probabilidade da sua efetivação563. Na hipótese em exame, há uma alta pro-
pode-se imaginar que o ofertante faria uma comparação entre os custos de cada alternativa. Caso o preço esperado para a
OPA de deslistagem fosse inferior ao preço que seria ofertado na OPA de fechamento, o controlador deveria comparar se
a economia que teria ao ofertar.
560 Art. 4º, II, d da Instrução CVM 361/2002.
561 Art. 10, II da Instrução CVM 361/2002.
562 Sobre esse ponto – e apenas a título ilustrativo – faço referência ao regime norte-americano, onde o Schedule
Tender Offer, documento que equivale ao nosso edital de OPA, exige que o ofertante divulgue aos investidores a existência
de planos que possam vir a resultar, dentre outros eventos, em operações extraordinárias ou na deslistagem do papel em
bolsa. Transcrevo abaixo trechos do Schedule TO e do Regulation M-A: Ҥ 240.14d-100 Schedule TO. Tender offer statement
under section 14(d)(1) or 13(e)(1) of the Securities Exchange Act of 1934. (…) Item 6. Purposes of the Transaction and
Plans or Proposals Furnish the information required by Item 1006(a) and (c)(1) through (7) of Regulation M-A (§229.1006
of this chapter) for a thirdparty tender offer and the information required by Item 1006(a) through (c) of Regulation
M-A (§229.1006 of this chapter) for an issuer tender offer”. “229.1000—Mergers and Acquisitions (Regulation M-A). §
229.1006 (Item 1006) Purposes of the transaction and plans or proposals. (…) (c) Plans. Describe any plans, proposals
or negotiations that relate to or would result in: (1) Any extraordinary transaction, such as a merger, reorganization or
liquidation, involving the subject company or any of its subsidiaries; (…) (6) Any class of equity securities of the subject
company to be delisted from a national securities exchange or cease to be authorized to be quoted in an automated
quotations system operated by a national securities association (…)”
563 Nesse sentido, transcrevo trecho do voto de Pedro Oliva Marcilio de Sousa no julgamento do Processo
Administrativo Sancionador nº RJ 2006/4776, realizado em 17 de janeiro de 2007: “50. Com relação a esses tipos de fato,
o administrador da companhia aberta deve ponderar o impacto potencial pela sua probabilidade, de modo a definir a
33. Assim, para cumprir com o dever de informar estabelecido na Instrução CVM
nº 361/2002, o ofertante que pretende realizar OPAs distintas para Cancelamento de
Registro e Saída de Nível deve necessariamente indicar no edital da primeira OPA a
informação de que pretende realizar a segunda OPA (caso a primeira OPA seja a de
Cancelamento de Registro, a realização da OPA de Saída de Nível naturalmente estará
condicionada ao fracasso da primeira).
34. Esse aviso teria uma natureza inegavelmente coercitiva, uma vez que pressionaria
os investidores a aderirem à primeira oferta seja ela qual fosse. A solução para esse
problema não pode ser manter o minoritário às escuras com relação a um evento rele-
vante que o ofertante sabe que irá ocorrer no futuro. A coerção, repito, existe em razão
da regra dos regulamentos de listagem e, nos casos em que a Saída de Nível for legal e
autorizada pelo Regulamento de Listagem, não temos como eliminá-la.
35. Concluindo o exercício que propus acima, se decidíssemos que as OPAs para Can-
celamento de Registro e para Saída de Nível não poderiam ser unificadas teríamos dois
possíveis cenários:
b. O controlador decide lançar primeiramente a OPA para Saída de Nível: Pelos mes-
relevância. Além dessa primeira análise, o administrador deve, de tempos em tempos, reponderar a magnitude do impacto
potencial pela probabilidade de sua ocorrência para decidir se a mudança em qualquer um desses fatores tornou relevante
o fato que assim não foi considerado inicialmente. 51. Fatos podem ser relevantes independentemente de sua natureza
(operacionais, patrimoniais, financeiros ou societários) e mesmo que não tenham impacto direto ou potencial relevantes
sobre a operação, o patrimônio, as finanças da companhia ou os direitos dos acionistas. Isso porque um determinado
fato pode (...) demonstrar a forma de tratamento pela administração da companhia de cada uma das classes interessadas
(acionista controlador, acionistas não controladores, acionistas sem direito a voto, credores, empregados, administradores,
comunidade – vide art. 116, § único) e, com isso, alterar o valor relativo entre os tipos e espécies de valores mobiliários
(a relação de preços entre as ações e os valores mobiliários de renda fixa, por exemplo, ou entre as ações ordinárias e
as preferenciais) ou mesmo quanto ao valor absoluto do valor mobiliário (maior interesse em ajudar a comunidade ou
compartilhar lucros com os empregados pode resultar em diminuição dos lucros distribuíveis aos acionistas e, com isso,
prejudicar o valor das ações). Por esses motivos, também as características qualitativas do fato, e não apenas as quantitativas,
devem ser utilizadas na definição sobre a relevância de um dado fato empresarial.” (Grifou-se).
564 Essa probabilidade, naturalmente, é ainda mais relevante nos casos em que a OPA a ser realizada no segundo
momento é a OPA para Saída de Nível, uma vez que nesse caso o controlador tem o controle não só sobre o lançamento da
oferta como também define o seu sucesso. Caso a segunda oferta seja a OPA para Cancelamento de Registro, a probabilidade
de lançamento é evidentemente maior do que a de conclusão, uma vez que o cancelamento de registro somente pode ser
efetivado com a aquiescência dos titulares das ações em circulação.
36. Para encerrar este item, gostaria de enfrentar um argumento que não foi levantado
nas manifestações. O artigo 14 da Instrução CVM nº 361/2002 determina que caso a
segunda OPA seja realizada em um intervalo menor do que 1 (um) ano, os acionistas
que tiverem aderido à primeira oferta terão direito às mesmas condições que forem
oferecidas na segunda OPA. Caso essa seja mais vantajosa, existiria uma suposta van-
tagem para os destinatários da oferta em obrigar o ofertante a realizar duas OPAs
separadas. Entendo que nas hipóteses em que já existe a decisão de realizar OPAs para
Cancelamento de Registro e para Saída de Nível, e se decide realizar as duas OPAs de
modo segregado, a regra do artigo 14 pode ser interpretada tanto como uma proteção
quanto como uma forma de coagir os acionistas a aderirem à primeira oferta. Afinal,
o acionista não sabe ex-ante, se a primeira oferta oferecerá um preço melhor do que a
segunda. Caso a OPA para Saída de Nível seja a primeira a ser lançada, os titulares das
ações em circulação podem entender ser favorável aderir a essa oferta uma vez que o
preço que será ofertado na segunda oferta não embutirá mais o prêmio que naquele
momento existe em decorrência da listagem no nível diferenciado, além da provável
redução da liquidez.
37. Por outro lado, caso a OPA para Cancelamento de Registro seja a primeira a ser
lançada, os titulares das ações em circulação podem entender ser favorável aderir a
essa oferta, uma vez que as regras da Instrução CVM nº 361/2002 permitem aos mi-
noritários ter mais interferência no preço (pois podem solicitar um segundo laudo e
tem o controle sobre o sucesso da OPA). Já no anúncio da primeira OPA, o acionista
minoritário se sentirá pressionado, pois a destruição do prêmio pela listagem no seg-
mento nobre já se concretizará em razão do anúncio. Ou seja, independentemente
da ordem da realização das OPAs, o estrago está feito. Nesse cenário de incerteza, me
parece ser possível que a impossibilidade de unificação das OPAs de fato prejudique o
minoritário, na medida em que o coage a aderir à primeira OPA.
38. Diante do que expus, entendo que caso o interesse da companhia suporte tanto a
Saída de Nível quanto o Cancelamento de Registro, e os procedimentos estabelecidos
na lei societária, na Instrução CVM nº 361/2002 e no regulamento do nível diferencia-
do aplicável sejam observados e compatibilizados, entendo que a unificação das OPAs
para Saída de Nível e para Cancelamento de Registro não criam nenhum prejuízo aos
acionistas, não havendo razão para proibi-la quando existirem situações excepcionais
que permitam a aplicação do art. 34 da Instrução CVM nº 361/2002.
III. Interesse da sociedade, deveres fiduciários dos administradores e deveres dos acio-
39. Por fim, acho importante ressaltar que tanto o Cancelamento de Registro quanto
a Saída de Nível somente podem ser realizados se forem do interesse da companhia.
Como se sabe, a Lei 6.404/1976 determina que a atuação dos administradores565, acio-
nistas controladores566 e dos demais acionistas567 deve sempre se pautar pelo interesse
da companhia. A meu ver, nessa obrigação reside a principal proteção aos minoritá-
rios no contexto do Cancelamento de Registro ou de Saída de Nível, independente-
mente de tais medidas estarem sendo tomadas através de OPAs sucessivas ou mediante
uma OPA Unificada.
40. No contexto de uma OPA Unificada, evidentemente o interesse social deve supor-
tar cada uma das modalidades que se pretende aglutinar. Caso contrário, a unificação
das OPAs serviria para que o controlador pudesse realizar uma OPA que não poderia
ser realizada de modo independente, e estaríamos diante de uma situação na qual a
unificação das ofertas resultaria em prejuízo aos destinatários, hipótese vedada pelo
§2º do artigo 34 da Instrução CVM nº 361/2002.
41. Sobre os motivos que podem fazer com que o cancelamento de registro seja do
interesse da própria companhia, transcrevo a lição de José Luiz Bulhões Pedreira e
Alfredo Lamy Filho: “O cancelamento pode ser do interesse da companhia por di-
versas razões , tais como (a) eliminar custos que é obrigada a suportar para cumprir
os deveres legais de companhia aberta, (b) se não tem planos para distribuir novas
emissões no mercado, ou as condições de mercado tornam a emissão inviável e (c) a
quantidade de títulos em circulação é insuficiente para que alcancem um mínimo de
liquidez. O ‘fechamento da companhia’, como o cancelamento é referido no jargão do
mercado, pode ser também do interesse do acionista controlador – se deseja aumentar
sua participação na companhia ou pretende liberar-se dos deveres de controlador de
companhia aberta que a lei lhe impõe. O cancelamento é sempre contrário aos inte-
resses dos titulares de valores mobiliários em circulação porque, por menor que seja
a liquidez dos títulos, seus direitos são mais protegidos do que os do titular de valores
de companhia fechada (...)”568 .
565 Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e
no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.
566 Art. 116, Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar
o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os
que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.
567 Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto
exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que
não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.
568 José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho. Direito das Companhias, Vol 1, págs. 146/147. Sem grifos no
original.
44. Considero importante destacar que o interesse social deverá não só determinar se
há justificativa para a Saída do Nível como também pautar a decisão sobre o segmento
em que as ações da companhia passarão a ser negociadas após a saída do segmento
original. Assumindo que se trata de uma oferta visando unicamente à Saída de Nível,
as ações passarão a ser listadas em outro segmento diferenciado, no segmento tradi-
cional ou no mercado de balcão? Considerando os impactos dessa decisão para os
minoritários, entendo que o acionista controlador e os administradores têm o dever de
procurar a forma que atender o interesse social que seja menos prejudicial aos demais
acionistas. No exemplo que dei acima, em que a decisão de sair do Novo Mercado é
justificada pela necessidade de emitir ações preferenciais, a companhia poderia listar
as suas ações no Nível 2.
45. Ressalto não pretender neste voto tratar de modo exaustivo as hipóteses em que
o Cancelamento de Registro ou a Saída de Nível serão do interesse da companhia, ou
mesmo prescrever quais devem ser os desdobramentos desses atos, até porque não
cabe à CVM controlar aprioristicamente as deliberações sociais a fim de verificar se
as mesmas estão sendo tomadas no interesse da companhia conforme prescreve a lei.
569 Naturalmente, a companhia não pode se desenquadrar para criar uma desculpa para interesse social.
47. O artigo 20, IV da Instrução CVM nº 361/2002 determina que nos casos de OPA
para Cancelamento de Registro lançada pela própria companhia, o edital deve conter
“transcrição da deliberação do órgão da companhia que tiver aprovado o lançamen-
to da OPA, contendo, no mínimo, a justificativa da operação, da desnecessidade de
captação de recursos por meio de subscrição pública de ações no prazo de 2 (dois)
anos, e a referência à existência das reservas exigidas por lei”. Embora a lei societária
e as regras editadas pela CVM não determinem a forma pela qual os administradores
devem atender aos seus deveres fiduciários, vejo a exigência de parecer do Conselho
de Administração feita nos Regulamentos de Listagem do Nível 2 e do Novo Merca-
do como uma boa indicação de como os administradores devem atuar em operações
dessa natureza.
48. Com relação às OPAs para Saída de Nível, ressalto que, sem prejuízo do parecer
acima mencionado, que somente precisa ser apresentado após a publicação do edital,
por força da Instrução CVM nº 481/2009 existe um dever expresso de divulgação de
informações também no momento em que a assembleia aprovar a instituição financei-
ra que elaborará o laudo de avaliação do valor econômico. Nesse sentido, o artigo 6º
da Instrução CVM nº 481/2009 determina que, na data de convocação da assembleia,
devem ser disponibilizadas “informações e documentos relevantes para o exercício do
direito de voto em assembleia”, que incluem, a meu ver, uma justificativa do ofertante
sobre as razões pelas quais ele entende que a Saída do Nível é compatível com o inte-
resse da companhia.
49. Nesse cenário, entendo que, desde que satisfeitos os requisitos previstos no §2º do
art. 34 da Instrução CVM nº 361/2002 (quais sejam, a compatibilização de procedi-
mentos e ausência de prejuízos decorrentes da unificação), o colegiado deve autorizar
a realização de uma única OPA visando ao Cancelamento de Registro e à Saída de
Nível. Sem prejuízo, a CVM deve exercer suas atribuições para assegurar que os docu-
mentos da OPA contenham todas as informações necessárias para “garantir o perfeito
esclarecimento do mercado” (art. 10, VI) e que controladores e administradores atuem
de acordo com os deveres que lhes são impostos pela lei societária. É essa, a meu ver, a
forma que a CVM deve atuar nos casos em que o ofertante pretende realizar uma OPA
Unificada para Cancelamento de Registro e a Saída de Nível.
IV. Conclusão
50. Como visto no Relatório, o motivo central da oposição por parte dos acionistas que
51. Como expus acima, a percepção de pressão do acionista minoritário frente a uma
OPA de Saída de Segmento existirá tanto no caso da OPA Unificada quanto no caso da
opção por duas OPAs separadas. Assim, a aglutinação reduz o custo para o ofertante e
não causa nenhum prejuízo ao destinatário da OPA em comparação com a OPA separa-
da, conforme discutido acima. Contudo, por força do disposto no caput do art. 34 c/c art.
35, ambos da Instrução CVM nº 361/2002, entendo que a unificação somente poderá ser
concedida pela CVM em hipóteses excepcionais, a serem verificadas caso a caso.
52. Assim, entendo que não existe razão para alterar o entendimento desse colegiado
que em mais de uma oportunidade já permitiu a unificação das OPAs para Saída de
Nível e para Cancelamento de Registro. Naquelas oportunidades, até onde se tem no-
tícia, as operações foram concluídas sem reclamação dos minoritários, o que me leva
a acreditar que as objeções feitas nas últimas operações têm como fundo não a estru-
tura das OPAs, mas as suas condições negociais. A organização de minoritários para,
no contexto de uma OPA, buscar melhores condições de saída, é saudável. Entendo,
contudo, que não compete à CVM impedir a realização de operações que atendam
aos requisitos legais e regulamentares. Isto geraria custos adicionais para os ofertantes
para conferir a uma minoria um novo instrumento de pressão, que talvez nem sequer
os favoreça e que pode ser contrário aos interesses da própria companhia, abrindo
brechas no caso concreto para o chamado “abuso de minoria”.
É como voto.
Reg. nº 9867/15
Relator: SRE/GER-1
No Recurso, o Ofertante alega que o valor ofertado deveria ser ajustado pela taxa SE-
LIC desde 02.04.2015, data de pagamento da segunda parcela do preço de compra das
ações, quando, no seu entender, se deu efetivamente a transferência de controle da
Companhia, até a data da liquidação financeira do leilão. Ademais, o Ofertante infor-
ma que, quando da primeira aquisição, não tinha a intenção de adquirir o controle da
Companhia.
Após análise do Recurso, a SRE ratificou o seu entendimento por meio do Memoran-
do nº 58/2015-CVM/SER/GER-1, reiterando que a operação de alienação de controle
compreendeu três etapas, independente de ter havido ou não a intenção do Ofertan-
te de adquirir o controle da Companhia quando de sua primeira aquisição de ações,
em 07.08.2014. Acrescentou, ainda, que a “data da aquisição do Poder de Controle”,
expressão utilizada no item 8.2(ii) do Regulamento do Novo Mercado, deveria ser
considerada 02.04.2015, quando a Ofertante realizou a segunda aquisição de ações,
tornando-se efetivamente o controlador da Companhia.
Senhor Superintendente,
2. Mais especificamente, o Colegiado da CVM decidiu que:“(i) o preço por ação ofer-
tado na OPA deve corresponder à média ponderada dos diferentes valores pagos pelas
respectivas quantidades de ações em cada época (07.08.2014, 02.04.2015 e 04.05.2015),
corrigidos pela taxa SELIC desde a data de cada aquisição até a data da liquidação fi-
nanceira do leilão; e (ii) a data de 02.04.2015 deve ser considerada como o momento em
que a Ofertante tornou-se efetivamente controladora da Companhia, para os fins do item
8.2(ii) do Regulamento do Novo Mercado”, conforme se depreende da leitura da ata da
referida reunião transcrita abaixo:
Relator: SRE/GER-1
3. Nesse sentido, cabe ressaltar que o Pedido de Reconsideração diz respeito especifica-
mente à deliberação (ii) da referida Decisão, qual seja: “ (ii) a data de 02.04.2015 deve
ser considerada como o momento em que a Ofertante tornou-se efetivamente controla-
dora da Companhia, para os fins do item 8.2 (ii) do Regulamento do Novo Mercado570”.
4. Conforme será visto em detalhes na Seção “II. Alegações da Ofertante”, a mesma ar-
gumenta que a deliberação (ii) acima teria deixado de levar em consideração a função
da regra prevista no item 8.2 (ii) do Regulamento do Novo mercado, “à luz dos bens
jurídicos que tal norma visa tutelar”.
10. Apenas como informação adicional, destacamos que o histórico do Processo CVM
nº RJ-2015-3002, que trata do pedido de registro da Oferta, encontra-se descrito no
MEMO/SER/GER-1/Nº 58/2015 (fls. 52 a 65 do presente Processo), por meio do qual
570 Regulamento do Novo Mercado. Item 8.2 Aquisição de Controle por meio de Diversas Operações. Aquele
que adquirir o Poder de Controle da Companhia, em razão de contrato particular de compra de ações celebrado com o
Acionista Controlador, envolvendo qualquer quantidade de ações, estará obrigado a:
[....]
(ii) pagar, nos termos a seguir indicados, quantia equivalente à diferença entre o preço da oferta pública e o valor pago por
ação eventualmente adquirida em bolsa nos 6 (seis) meses anteriores à data da aquisição do Poder de Controle, devidamente
atualizado. Referida quantia deverá ser distribuída entre todas as pessoas que venderam ações da Companhia nos pregões
em que o Adquirente realizou as aquisições, proporcionalmente ao saldo líquido vendedor diário de cada uma, cabendo à
BM&FBOVESPA operacionalizar a distribuição, nos termos de seus regulamentos.
“VI. Conclusão
11. Ocorre que, apesar de tal tema ter passado a ser abordado pela
CVM a partir do Memorando (e, portanto, após o Recurso do Ofício
3 que consistiu na última manifestação escrita da Ofertante no âmbito
do referido processo antes da Decisão pelo Colegiado), (i) a Ofertante
não teve a oportunidade de se manifestar adequadamente acerca de tal
questão; e (ii) nem o Memorando nem a Decisão apresentaram os fun-
damentos detalhados ou razões pelas quais a CVM resolveu adotar tal
interpretação em relação à regra acima referida contida no Regulamen-
to do Novo Mercado.
12. Por isso, nos estritos limites do pedido de reconsideração que, nos
termos da Deliberação 463/03, visa a apreciar alegações de “omissão,
obscuridade ou inexatidões materiais na decisão, contradição entre a
decisão e os seus fundamentos, ou dúvida na sua conclusão”, para que
eles sejam devidamente corrigidos, passa-se a, respeitosamente, de-
monstrar que o Colegiado incorreu nas seguintes omissões:
17. Tais regras de proteção dos acionistas são bastante similares ao me-
canismo previsto no item 8.2(ii) do Regulamento do Novo Mercado575
que estabelece que o adquirente de controle deve ressarcir acionistas
que tenham alienado ações em bolsa no período de 6 meses que antece-
derem à “data de aquisição do Poder de Controle” sujeita a determina-
das condições suspensivas.
574 OIOLI, Erik Frederico. Oferta Pública de Aquisição de Controle de Companhias Abertas – Ed. Quartier Latin,
2010. Pag. 130.
575 “8.2 Aquisição de Controle por meio de Diversas Operações. Aquele que adquirir o Poder de Controle da
Companhia, em razão de contrato particular de compra de ações celebrado com o Acionista Controlador, envolvendo
qualquer quantidade de ações, estará obrigado a: (i) efetivar a oferta pública referida no item 8.1; e (ii) pagar, nos termos
a seguir indicados, quantia equivalente à diferença entre o preço da oferta pública e o valor pago por ação eventualmente
adquirida em bolsa nos 6 (seis) meses anteriores à data da aquisição do Poder de Controle, devidamente atualizado. Referida
quantia deverá ser distribuída entre todas as pessoas que venderam ações da Companhia nos pregões em que o Adquirente
realizou as aquisições, proporcionalmente ao saldo líquido vendedor diário de cada uma, cabendo à BM&FBOVESPA
operacionalizar a distribuição, nos termos de seus regulamentos.”
20. O objetivo maior da regra prevista em tal item 8.2(ii) é fazer contra-
ponto ao processo de escalada acionária mencionado acima, conforme
explica Roberta Nioac Prado577:
“Já o Novo Mercado da Bolsa de Valores de São Paulo, por seu turno, prevê
expressamente o remédio jurídico para os casos em que o adquirente fizer
uso inicialmente da escalada em bolsa e, posteriormente de contratação
particular de compra de ações celebrada com o acionistas controlador, nos
termos do seu Regulamento de Listagem no item 8.2 578”
23. Uma vez que uma operação privada de alienação de controle é di-
vulgada ao mercado, passa a haver plena informação ao mercado de di-
versos aspectos de tal operação, dentre os quais o preço de aquisição, as
partes envolvidas e os principais termos e condições da operação, bem
como sobre a formulação de oferta pública de aquisição. Em outras pa-
576 Nota: Tais operações bipartidas (entre signing e closing) são relativamente usuais, tendo em vista que em
diversos casos, a alienação de controle está condicionada suspensivamente à aprovação prévia por parte de diferentes
autoridades públicas, tais como CADE, Banco Central, Anatel etc. Naturalmente, existem diversas outras razões que podem
levar a um negócio jurídico de alienação de controle ocorrer em duas etapas, conforme mencionado.
577 PRADO, Roberta Nioac, op. cit, pag 76.
578 Trata-se do mesmo item 8.2. do Regulamento de Novo Mercado que está sendo abordado neste pedido.
26. Não nos parece fazer sentido que o Regulamento do Novo Merca-
do (1) se preocupe em proteger e ressarcir um acionista que, de posse
das informações divulgadas em 09/02/2015, especialmente o preço a ser
raticado na OPA e em uma situação de plena simetria de informações,
decide vender suas ações em bolsa por preço inferior ao preço a ser pra-
ticado em OPA; enquanto (2) deixa de proteger e ressarcir um acionista
que desconhecia as informações referentes à operação de aquisição de
controle e negociou suas ações em bolsa previamente a 09/02/2015 des-
conhecendo as circunstâncias de uma operação que viria a ser celebrada
posteriormente.579
579 Nota: em função do intervalo de cerca de dois meses entre a Data de Assinatura e a Data de Fechamento, o
intervalo de 6 meses conforme a interpretação da CVM acaba por cobrir também acionistas que eventualmente tenham alienado
suas ações antes da Data de Assinatura, havendo, portanto, uma intersecção ou overlap de coberturas. Contudo, tal overlap é
circunstancial de forma que se, por qualquer razão, houvesse intervalo maior que 6 meses entre Data de Assinatura e Data de
Fechamento, a regra prevista no item 8.2(ii) do Regulamento do Novo Mercado ora em comento restaria inteiramente distorcida.
§ 2 Aquisição de Controle por meio § 2 Aquisição de Controle por meio Aprimoramento da redação do
de Aquisições Sucessivas. Aquele que de Diversas Operações. Aquele que dispositivo nos seguintes pontos:
já detiver ações da companhia e que adquirir o Poder de Controle da
venha a adquirir o Poder de Controle Companhia, em razão de contrato a) Compatibilização desta regra de
da mesma, em razão de contrato particular de compra de ações aquisição de controle com a seção IX
particular de compra de ações celebrado celebrado com o Acionista Controlador, que trata da OPA por atingimento de
com o Acionista Controlador, envolvendo titular de 50% de capital social da participação relevante;
qualquer quantidade de ações obrigará companhia, envolvendo qualquer b) detalhamento da obrigação do
o acionista a: quantidade de ações obrigará o Adquirente de pagar a diferença
(i) Efetivar a oferta pública acionista a: entre o preço da oferta pública e
prevista no item 8.1, e; (i) Efetivar a oferta pública o valor pago por ação eventualmente
(ii) Ressarcir os acionistas prevista no item 8.1, e; adquirida nos seis meses anteriores
de quem tenha comprado ações de (ii) Pagar nos termos a seguir à data de aquisição do Poder de Controle.
bolsa até seis meses anteriores a data indicados, quantia equivalente
de Alienação de Controle, a quem à diferença entre e o preço da
deverá pagar a diferença entre o preço oferta pública e o valor pago por
pago ao Aionista Controlador alienante ação eventualmente adquirida em
e ao preço pago em bolsa, por ações bolsa nos seis meses anteriores à
da companhia neste período, data da aquisição do Poder de
devidamente atualizado. Controle devidamente atualizado.
Referida quantia deverá ser distribuída
entre todas as pessoas que venderam
ações da Companhia nos pregões
em que o adquirente realizou as
aquisições proporcionalmente ao
saldo líquido vendedor diário de
cada uma cabendo à BMF&Bovespa
operacionalizar a distribuição,
nos termos de seus regulamentos.
32. Após disputas públicas entre a Telesp e Vivendi nas quais a primeira
chegou a lançar oferta pública voluntária para a aquisição de controle,
em 13.11.2009 (“Data de Anúncio”), a GVT divulgou fato relevante in-
formando que a Vivendi (a) teria celebrado naquela data contrato de
compra e venda de ações com os antigos acionistas controladores da
GVT para aquisição de 29,9% do capital social da GVT, a R$56,00, por
ação; (b) teria adquirido de terceiros 8% do capital social da GVT; (c)
teria celebrado opções de compra com terceiros que lhe confeririam o
direito de comprar 19,6% do capital social da GVT; (d) passaria a deter
53,7% do capital social total da GVT, se fossem exercidas as opções; e
(e) realizaria a OPA obrigatória prevista no art. 254-A da Lei nº 6.404,
de 1976;
36. Segundo o edital da oferta pública, a Vivendi iria pagar aos acio-
nistas dos quais houvesse comprado ações em bolsa de valores nos seis
43. Por fim, informa-se que nesta data se solicitará efeito suspensivo à
Decisão, de modo a preservar a efetividade deste pedido.”
A referida obrigação tem por objetivo tutelar situação em que poderia haver
um benefício por parte do adquirente do poder de controle – tendo em vista
assimetria informacional que poderia reduzir o custo total da aquisição de
controle – a partir de anteriores aquisições de ações efetuadas em bolsa por
preço inferior ao praticado na operação de alienação.
[....]
26. Segundo a Ofertante, o Colegiado da CVM teria incorrido nas seguintes omissões,
no âmbito da decisão datada de 29/09/2015:
27. Antes de passarmos à análise do mérito do pleito em questão, cabe tecermos alguns
esclarecimentos a respeito do embasamento apresentado pela Ofertante para subsidiá-
-lo, conforme se verifica da leitura dos 3 itens expostos acima.
28. Primeiramente, cale ressaltar que a definição da data-base para fins de aplicação
do disposto no item 8.2 (ii) do Regulamento do Novo Mercado só veio à tona quando
da interposição de recurso contra a decisão da SRE, que solicitou a atualização do
valor por ação no âmbito do pedido de registro da OPA, conforme mencionamos no
parágrafo 11 acima.
29. Naquela ocasião, a Ofertante solicitou que a data-base para aplicação do disposto
no item 8.2 (ii) do Regulamento do Novo Mercado fosse 07/08/2014 (e não 02/04/2015,
como havia entendido a SRE), nos seguintes termos:
30. Sobre esse ponto, cabe relembrar o entendimento desta área técnica, o qual foi
acompanhado pelo Colegiado da CVM na decisão datada de 29/09/2015, de que a
alienação de controle da Companhia deve ser vista como um conjunto de operações
que contou com três etapas, quais sejam:
32. O Colegiado da CVM, por sua vez, acompanhou esta área técnica e deliberou pelo
indeferimento do recurso da Ofertante e manutenção do entendimento da SRE, con-
forme expusemos no parágrafo 2º acima.
33. Dessa forma, com essa breve recapitulação dos fatos, verifica-se que a discussão
que se deu a respeito da data-base para aplicação do item 8.2 (ii) do Regulamento do
Novo Mercado não considerou, nem pela SRE, muito menos pela Ofertante, a pos-
sibilidade de se utilizar a data da assinatura dos contratos que resultaram na efetiva
alienação de controle da Companhia (signing), qual seja, 09/02/2015.
34. Assim, somente com o Pedido de Reconsideração é que a Ofertante trouxe funda-
mentações e precedentes para que a definição da data-base a ser utilizada para fins de
aplicação do disposto no item 8.2 (ii) do Regulamento do Novo Mercado não seja a
35. Portanto, apenas agora, com base nas fundamentações apresentadas pela Ofertante
no âmbito do Pedido de Reconsideração, podemos nos manifestar de forma devida
sobre as alegadas omissões relatadas no parágrafo 26 acima, o que faremos a seguir.
36. Primeiramente, vale recapitular o que prevê o item 8.2 do Regulamento do Novo
Mercado:
37. Ademais, sobre a tutela pretendida pelo item 8.2 (ii) do Regulamento do Novo Mer-
cado, cabe ressaltar trecho da manifestação da BM&FBovespa em real interpretação
autêntica, constante da seção III do presente memorando, com a qual concordamos:
A referida obrigação tem por objetivo tutelar situação em que poderia haver
um benefício por parte do adquirente do poder de controle – tendo em vista
assimetria informacional que poderia reduzir o custo total da aquisição de
controle – a partir de anteriores aquisições de ações efetuadas em bolsa por
preço inferior ao praticado na operação de alienação.” (grifo nosso)
39. Conforme prevê o referido dispositivo, estipulou-se que tal assimetria estaria pre-
sente nos 6 meses que antecederem a data da aquisição do Poder de Controle, caben-
do, dessa forma, o ressarcimento aos acionistas que venderam suas ações em bolsa, na-
quele período, por valor inferior àquele fechado com o antigo controlador na operação
de alienação de controle (caso o adquirente do controle tenha realizado aquisição de
ações nos mesmos dias).
40. Assim, nota-se que a atribuição de “data da aquisição do Poder de Controle”, como
a data-base para se definir o período no qual acionistas devem ser reembolsados por
terem alienado suas ações a valor inferior ao preço praticado na alienação de controle,
visa justamente atender ao objetivo supramencionado, qual seja, evitar que um acio-
nista aliene suas ações enquanto o adquirente do controle adquire ações em bolsa,
pouco antes de ser levado a público a alienação de controle de uma companhia, a qual
resultaria na realização de uma OPA em condições mais favoráveis.
42. Também nos parece ser esse o entendimento da BM&FBovespa, que é a entidade
responsável pela elaboração do Regulamento do Novo Mercado, conforme trecho da
manifestação constante da seção III do presente Memorando, nos seguintes termos:
43. Logo, para o presente caso, entendemos que, de posse dos argumentos trazidos no
Pedido de Reconsideração, bem como dos argumentos apresentados pela BM&FBo-
vespa, uma análise criteriosa possa ser feita para tratar da definição da “data da aqui-
sição do Poder de Controle” que melhor atenda à finalidade prevista no Regulamento
do Novo Mercado.
44. Voltando à análise das especificidades do caso concreto, cabe relembrar que a alie-
47. Das etapas descritas acima, verifica-se que o segundo momento (signing), ocorrido
em 08/02/2015, e divulgado ao mercado em 09/02/2015, parece ter sido mais impor-
tante para os titulares de ações em circulação, do ponto de vista informacional quanto
à concretização da alienação de controle da Companhia, do que o terceiro momento,
qual seja, o closing, em que houve a efetiva aquisição das ações, a qual já estava con-
tratada desde o signing.
48. De forma a subsidiar nossa análise, apresentamos abaixo o gráfico com as cotações
de fechamento das ações da Companhia negociadas na BM&FBovespa, de 26/09/2014
a 23/10/2015:
51. Tal diferença entre o preço anunciado e o preço no qual as ações passaram a ser
negociadas no mercado pode eventualmente ser explicado pelo desconhecimento com
relação à data exata em que ocorreria o closing, data essa que o mercado talvez tenha
arbitrado como sendo a partir da qual seria aplicada a atualização do preço da OPA
em sua futura liquidação. Dessa forma, pode ter-se aplicado um desconto no preço da
operação (R$ 12,33) de modo que as cotações fossem subindo gradativamente até atingir
o referido patamar no momento em que houvesse o fechamento da operação (closing).
55. Portanto, parece-nos razoável que a Ofertante não esteja obrigada a ressarcir acio-
nistas que operaram em bolsa cientes das mudanças societárias a serem efetivadas na
Companhia.
56. Logo, concordamos com o entendimento da Ofertante de que o item 8.2 (ii) do
Regulamento do Novo Mercado deve tutelar o acionista menos informado, ou seja,
aquele que alienou ações sem saber os termos da operação de alienação de controle da
Companhia que viria a ser celebrado e tornado público posteriormente.
57. Ademais, para além da análise restrita quanto à aplicabilidade do referido item do
Regulamento do Novo Mercado, a Ofertante, em suas alegações, mencionou ainda um
precedente referente ao Pedido de Unificação de OPA de GVT Holding S.A. (Processo
nº RJ-2009-11570), o qual foi deliberado pelo Colegiado da CVM em 23/03/2010.
58. Aquele caso tratou da unificação da OPA de GVT Holding S.A. (“GVT”), por alie-
nação de controle, para cancelamento de registro, por aumento de participação e para
saída do Novo Mercado.
59. Naquela ocasião, o Estatuto Social da GVT contava com dispositivo similar ao
constante no item 8.2 (ii) do Regulamento do Novo Mercado à época, conforme podia
ser visto no inciso II do art. 42 do referido Estatuto.
60. O Colegiado da CVM à época deferiu o pedido de unificação daquela OPA, acom-
panhando o Memo/SRE/GER-1/52/10, por meio do qual foi destacado que “a Vivendi
[Ofertante daquela OPA] irá pagar aos acionistas dos quais tenha comprado ações em
bolsa de valores nos 6 meses anteriores a 13 de novembro de 2009 (data da alienação de
controle da Companhia) a diferença entre o preço pago a cada acionista alienante e o
pago aos acionistas controladores (R$ 56,00) atualizado até o momento do pagamento
pela variação positiva do IPCA, em cumprimento ao disposto no inciso II do art. 42 do
estatuto social da Companhia.” (grifo nosso)
61. A data em questão, 13/11/2009, foi a data em que a GVT divulgou que seu controle
havia sido alienado à Vivendi S.A. Não obstante, naquela data, a Vivendi S.A. teria
de fato apenas firmado contratos derivativos, por meio dos quais viria efetivamente a
assumir o controle de GVT no mês seguinte.
62. Assim, conforme alega a Ofertante, a CVM considerou a data do signing de tais
63. Após o signing, mesmo durante o período em que não havia ainda ocorrido a efeti-
vação das transações societárias previstas, não houve a tutela do acionista que alienou
ações, pois aquele acionista que ocasionalmente o fez, após a data de divulgação das
referidas operações, atuou sabendo da operação de alienação de controle (sobre a qual
havia a informação de que já teria sido contratada).
70. Sobre esse ponto, inclusive, cabe mencionar uma passagem constante da manifes-
tação da BM&FBovespa, transcrita na seção III do presente Memorando, por meio da
qual fica claro o entendimento de que utilizar a data do signing para efeito de aplicação
do item 8.2 (ii) do Regulamento do Novo Mercado faria sentido considerando as ca-
racterísticas do presente caso:
V. Conclusão
(ii) o reconhecimento de que deve haver uma análise criteriosa das ca-
racterísticas de cada caso concreto para se definir a data para aplicação
do referido dispositivo, de modo a garantir a tutela por ele pretendida.
Atenciosamente,
355ª Sessão
Recurso 12443
Recurso de ofício
Cinco S.A.
David Bensussan
Fabio Deslandes
Giorgio Virzi
Leivi Abuleac
ACÓRDÃO/CRSFN 11113/13:
Relatório
Pelo dito, a Comissão de Inquerido opinou pela responsabilização por práticas não-
-equitativas, operações fraudulentas e criação de condições artificiais de deman-
da, oferta e preço de valores mobiliários, definidas respectivamente, pelas alíneas
“d”, “c” e “a” do item II e vedadas pelo item I, ambos da Instrução CVM nº 8/79, nas
operações realizadas em nome e em detrimento da FACEB, em especial na BVRJ, no
mercado à vista de opções em 199 e 2000 (fls. 3.179 e 3.180), com a individualização
das responsabilidades constantes nas folhas 3.181 a 3.200, o que enseja aplicação das
penalidades previstas no art. 11 da Lei 9.457/97.
9. A decisão por maioria dos votos é relativa a questões laterais ao mérito da contro-
vérsia, quais sejam:
- Direito Relator Sérgio Weguelin reconheceu em seu voto que o adquirente do con-
trole deve ser excluído do processo quando não tem conhecimento (nem tem como
saber) dos atos irregulares ou, se os conhecendo, toma medias par saná-los, o que se
verificou no caso em tela, e foi acompanhado pelo voto do Diretor Eli Loria; e
10. Todas as pessoas absolvidas foram intimadas da r. decisão (fls. 6.009 a 6.183 e fls.
6.186 a 6.205 e fl. 6.212) e publicado, no Diário Oficial da União, edital de notificação
da decisão, em 01.04.2009, para dar ciência à Fraklin Delano Lehner e Mauro Sergio
Paixão da Silva (fl. 6.212).
11. Faz-se referência à notificação de falecimento (i) em 26.11.2008, do Sr. José Os-
valdo Morales (fls. 6.184 e 6.185); e (ii) em 09.06.2009, do Sr. Alírio Pedro Braga (fls.
6.220 e 6.221).
12. O recursos de ofício foi autuado e remetido a este Conselho em 15.05.2009 (fl.
6.218); e, ato contínuo, enviado à D. Procuradoria Geral da Fazenda Pública por meio
do expediente constante na fl. 6.219.
13. A D. Procuradoria, em 11.05.2002, manifestou-se pela manutenção da r. decisão
recorrida reafirmando integramente suas razões no mérito. Adicionalmente, fez cons-
tar em seu parecer nas matérias preliminares :
É o relatório.
VOTO
2. A decisão do Colegiado da CVM entendeu, por unanimidade, que não havia irregu-
laridades nas r. operações (fls. 5.895 a 6.006) e a totalidade dos acusados foi absolvida,
583 Cf. Art. 2o da Lei 9873/99: Art. 2o Interrompe-se a prescrição da ação punitiva:
I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;
II – por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;
III – pela decisão condenatória recorrível.
IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito
interno da administração pública federal.
10. Neste tema foi arguido, ainda, pelo Diretor Eli Loria, que a inocorrência de pres-
crição ordinária decorreria do fato de que os atos realizados pela Secretaria de Pre-
vidência Complementar - SPC (“SPC”) seriam considerados de “ato inequívoco, que
importe apuração do fato” previsto no inciso II, art. 2º da Lei 9.837/99 para o fim de in-
terromper o prazo prescricional do presente processo, que acabou tramitando perante
à CVM, independentemente de tais atos terem sido praticados por outro ente estatal.
11. Tal fato se sustentaria, na visão do D. Diretor da CVM, em razão de a Lei 9.873/99
ao mencionar a “Administração Pública Federal”, de forma genérica em seu art. 1º, e
não especificamente suas entidades ou órgãos governamentais, quis prever ou permitir
uma unidade da pretensão punitiva, ius puniendi, do Estado de tal forma que fosse
possível a um órgão da Administração Pública se valer da investigação e dos atos de
apuração realizados por outro órgão em processo próprio como forma de interromper
a prescrição punitiva estatal quanto a ilícito distinto de competência própria e indivi-
dual de outra instância pública.
12. Data vênia de posições distintas, reconheço a prescrição total do feito, pois entre
a ocorrência destes e a instauração do presente inquérito houve decurso superior ao
prazo de 5 anos, sendo que ambas as hipóteses expressas em primeira instância acerca
deste tema – atração do prazo prescricional penal e ius puniendi uno do Estado – de-
vem ser afastadas.
14. Assim, não obstante os fatos tenham sido formalmente comunicados à Procuradoria
da República no Estado do Rio de Janeiro pelo ofício /CVM/SGE/nº 431/2006 (fl.
3.223), com o devido respaldo da manifestação da Procuradoria Geral Federal Espe-
cializada – PFE constante do Despacho ao MEMO PFE-CVM/GJU-1./ nº 171/06, de
25.04.2006 (fls.3.211 a 3.213), não há nos autos notícia nem de denúncia, nem de seu
recebimento pelo Juiz criminal, razão pela qual afasto a aplicação do prazo prescricio-
nal da lei penal no presente caso.
15. Ou seja, antes da aceitação da denúncia criminal aplica-se o prazo prescricional
quinquenal, como ocorre no presente caso. E de outra forma não poderia ser, visto
que a indicação de “crime em tese” não se sujeita ao contraditório e defesa do tutelado
o e caso se aceite que a simples verificação de “crime em tese” gere efeitos no âmbito
jurídico subjetivo do administrado, como a atração do prazo prescricional penal, es-
tar-se-ia a ferir os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contra-
20. Não se pode, portanto, permitir tal ameaça à segurança jurídica, cujo valor é tão
relevante conforme atesta Celso Antônio Bandeira de Mello:
21. Parece-me razoável que a pretensão punitiva estatal quando distribuída em diver-
sos campos e com competências específicas respeite o prazo prescricional quinquenal
em cada uma de suas esferas fiscalizadoras, tal como é respeitada a competência fisca-
lizadora e punitiva – e não o faça de forma cumulativa ou conjunta de forma que seja
permitido emprestar atos investigativos em diversos processos administrativos.
22. Por fim, o entendimento da unidade da pretensão punitiva estatal deve ser afas-
tado pelo risco que apresenta à previsão constitucional de que a Administração Pú-
blica deve agir com base na estrita legalidade, pois estar-se-ia interpretando a norma
disposta na Lei 9.873/99 de forma abrangente, com a expansão indevida e distorcida
tanto do conceito de Administração Pública, como de “qualquer ato inequívoco, que
importe apuração do fato” previsto no inciso II, art. 2º da referida norma, o que não
pode prosperar.
______
23. Feita tais considerações, a questão que se coloca para saber se houve ocorrência de
prescrição ordinária é saber se o ofício enviado pela CVM solicitando informações à
BVRJ, datado de 03.08.2004 (fls. 5.969 a 5.994) veste-se de ato interruptivo da prescri-
ção conforme disposto no art. 2º, II, da Lei 9.837/99.
26. Ressalto, ainda, que tal posição já foi adotada por E. Conselho ao decidir, em di-
versos casos, favoravelmente ao sentido de ser necessário o conhecimento de todas as
partes envolvidas sobre existência dos procedimentos para que o prazo prescricional
seja interrompido, conforme os precedentes trazidos pela defesa (Acórdão/CRSFN
5470/04 – Recurso 5631; Acórdão/CRSFN 5167/04 – Recurso 4767; e Acórdão/CRS-
FN 4556/03 – Recurso 3701), independentemente de a Lei nº 9.873/99 não trazer de
forma expressa tal exigência.
27. Pelo dito, o ofício expedido pela CVM solicitando informações à BVRJ, datado de
03.08.2004 (fls. 5.969 a 5.994) – época em que os acusados ainda não tinham ciência
das investigações – não tem poder de interromper o prazo de prescrição quinque-
nal, tampouco os atos anteriores a data em que os acusados foram informados acerca
das apurações objeto deste processo (a citar alguns, análise/CVM/SMI/nº 040/04, em
14.12.2004, e a abertura de inquérito administrativo via despacho datado de 27.12.2004
acostado à fl. 10).
28. Os acusados foram intimados para apresentar defesa entre os meses de maio e
junho de 2006 (fls. 3.224 a 3.391 e 3.4790 e 3.574), sendo a última intimação realizada
por edital em 21.06.2006 aos Srs. Luiz Kleber Hollinger da Silva e Francisco Ribeiro
Magalhães Filho (fl. 3.584) e nesta data já se havia verificado o prazo de prescrição de
5 (cinco) anos disposto no art. 1º da Lei nº 9.873/99.
29. Pelo dito, reconheço a existência de prescrição ordinária de todas as operações objeto
deste processo, que se deram no período de 1999 a 2001, pois entre a ocorrência destes e
a instauração do presente inquérito houve decurso superior ao prazo de 5 anos.
30. Contudo, como fui vencido no âmbito da preliminar de prescrição, não reconhe-
cida no presente caso, passo para a análise do mérito. A decisão recorrida é acertada
e deve permanecer em seu teor substancial. Como mencionado na decisão da CVM,
entendo que não restou comprovada a materialidade das infrações e não foi possível,
nos autos, caracterizar o ilícito nem se quer a autoria destes ou menos ainda a indi-
vidualização das condutas. Voto, portanto, pelo arquivamento das imputações deste
processo conforme os seus fundamentos da r. decisão.
31. Por fim, como entendi pelo arquivamento do feito, não vou me adentrar na dis-
cussão acerca possibilidade de extinção da punibilidade pela alienação do controle da
empresa Gamex (atual Millenium CCVM S/A), apesar de concordar da tese do Direi-
to-Relator que reconheceu em seu voto que o adquirente do controle deve ser excluído
do processo quando não tem conhecimento (e tampouco teria como saber) dos atos
irregulares ou, se os conhecendo, toma medias par saná-los, o que se verificou no caso
em tela, acompanhado pelo voto do Diretor Eli Loria.
32. Ante o exposto, conheço do recurso de ofício e voto pelo seu improvimento.
É o Voto.
Conselheiro-Relator.
DECLARAÇÃO DE VOTO
3. Essa parece ser a melhor posição. Isso porque existem diversos outros fatores que
podem inviabilizar a instauração do processo penal na esfera criminal e que não de-
veriam ser consideradas na esfera administrativa. Somente para exemplificar, nada
impede que, após comunicado o Ministério Público acerca da ocorrência do fato cri-
minoso, deixe este de oferecer denúncia em razão do excesso de trabalho e, posterior-
mente, verifique-se que teria ocorrido a prescrição em abstrato pelo decurso do prazo
sem a ocorrência de qualquer causa interruptiva naquela seara. Seria razoável que a
instância administrativa – em regra independente da criminal – seja prejudicada em
razão de situações similares? Parece-me que não.
6. Exatamente em razão dessa independência é que deve ser exigida uma análise séria
e criteriosa da autoridade administrativa competente acerca da existência de indícios
suficientes de ocorrência de crime para comunicação aos órgãos de apuração respon-
sáveis. Ainda assim, conforme bem lembrado por Alexandre Pinheiro dos Santos, Fá-
bio Medina Osório e Julya Wellisch587, “se houver arquivamento de investigação penal
586 MS 22.438. Relator Ministro Moreira Alves, j. 20.11.1997, RTJ 166/171;
587 SANTOS, Alexandre Pinheiro; OSÓRIO, Fábio Medina; WELLISCH, Julya Sotto Mayor. Mercado de Capitais
– Regime Sancionador. São Paulo: Saraiva, 2012, p.229-230;
8. Assim sendo, no caso concreto teria havido a atração da prescrição, motivo pelo
qual afasto a ocorrência de prescrição.
É o Voto.
Presidente
RELATOR