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MARIA ALICE DE CASTRO ALVES

O Dito, o Não Dito e o Mal͜ Dito:


Proposta de Análise de Memes em Aulas de Língua Portuguesa

Assis
2019
MARIA ALICE DE CASTRO ALVES

O Dito, o Não Dito e o Mal͜ Dito:


Proposta de Análise de Memes em Aulas de Língua Portuguesa

Dissertação apresentada à Universidade


Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de
Ciências e Letras, Assis, para a obtenção
do título de Mestre em Letras (Área de
Conhecimento: Linguagens e Letramentos)

Orientador(a): Karin Adriane Henschel Pobbe


Ramos
Bolsista: Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) -
Código de Financiamento 001

Assis
2019
A474d ALVES, Maria Alice de Castro
O Dito, o Não Dito e o Mal Dito: Proposta de Análise
de Memes em Aulas de Língua Portuguesa / Maria Alice
de Castro ALVES. -- Assis, 2019 105 p.

Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista


(Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Assis
Orientadora: Karin Adriane Henschel Pobbe Ramos

1. Meme de internet. 2. Língua Portuguesa. 3. Gênero


do Discurso. 4. Letramento. 5. Semiótica. I. Título.

Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de


Ciências e Letras, Assis. Dados fornecidos pelo autor(a).
Essa ficha não pode ser modificada.
Aos meus queridos
Moreno e Pilar
AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha irmã Sonia, que me incentivou a seguir o caminho das


Letras.
Agradeço à minha irmã Lili, que tanto me apoiou nos trabalhos domésticos e
no cuidado com as crianças para enfrentar essa empreitada.
Agradeço ao meu sogro Porfírio, pelo carinho de ficar com os netos para que
eu pudesse realizar o processo seletivo.
Agradeço à diretora Eliane Bittencourt e à coordenadora Eliane Leite, pelo
apoio na Unidade Escolar.
Agradeço aos tantos motoristas que me deram carona e me possibilitaram
chegar à Unesp e retornar à minha casa em segurança.
Agradeço aos engenheiros da LG por produzirem uma lavadora de roupas que
possibilitou que mulheres, como eu, pudessem estudar, sem se preocupar com as
roupas da casa.
Agradeço às minhas amigas de mestrado Luciana, Ana Paula e Raquel por
compartilharem comigo desta emoção do mestrado.
Agradeço à professora e coordenadora do programa Profletras da Unesp,
Luciane de Paula, pelas orientações de leitura que tanto me ajudaram.
Agradeço a minha querida orientadora Karin, pela paciência, pela compreensão
e pelos ensinamentos.
Agradeço ao João, meu querido enteado, por toda ajuda em nosso lar.
Agradeço a meu querido companheiro de jornada Regis, por todo o apoio, pela
lealdade, pela dignidade, pela parceria. Sem você, eu não teria conseguido.
Agradeço a Deus, por proporcionar que meus caminhos se cruzassem com o
de pessoas tão especiais.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de
Financiamento 001
This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Finance Code 001
ALVES, Maria Alice de Castro. O dito, o não dito e mal dito: Proposta de Análise
de Memes em Aulas de Língua Portuguesa. 2019. 105 f. Dissertação (Mestrado
Profissional em Letras). – Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de
Ciências e Letras, Assis, 2019

RESUMO

A presente pesquisa tem como tema o trabalho com os memes em aulas de


língua portuguesa para o Ensino Fundamental, a partir de uma perspectiva do gênero
discursivo. O objetivo geral foi o de propor um trabalho a partir do gênero meme em
aulas de Língua Portuguesa, com foco em análise linguística/semiótica. Como
objetivos específicos elencamos, definir o que é meme, analisar memes sob uma
perspectiva dialógica, multimodal e multissemiótica. A aplicação da proposta de
trabalho ocorreu em uma escola da Rede Estadual de Ensino de São Paulo, localizada
no município de Mogi das Cruzes, na zona periférica. A turma escolhida para a
aplicação é do 9º ano do Ensino Fundamental. Abordamos, além do meme, outros
gêneros textuais para abarcar a intertextualidade presente neste tipo de texto. Como
metodologia realizamos 8 aulas com foco em uma exposição final de curadoria. Como
referencial teórico, propomos criar uma definição formal de “Meme de Internet” que
pode ser usada para caracterizar e estudar mensagens instantâneas em contextos
acadêmicos, como ciências sociais, comunicação e humanidades. Para isso
realizamos um estudo a partir das pesquisas sobre memes de Dawkins (1993),
Blackmore (1999) e Sperber (1996). Para o estudo do meme da perspectiva do gênero
discursivo, nos apoiamos nos estudos teóricos de Miller (2009), Bakhtin (1997),
Bazerman (2005) e Kristeva (2005). Para a análise da prática, nos embasamos em
Marcuschi (2002, 2008), Rojo (2008), e Kleiman (2007). Nossa escolha
especificamente pelo meme se deu pelo entendimento deste como um gênero
discursivo que circula exclusivamente na internet, ou, mais precisamente, nas redes
sociais.

Palavras-chave: Meme; Língua Portuguesa; Gênero do Discurso; Letramento


ALVES, Maria Alice de Castro. Proposal of Memes Analysis in Portuguese
Language Classes. 2019. 109 f. Dissertation (Profissional Masters in Languages).
São Paulo State University (UNESP), School of Sciences, Humanities and Languages,
Assis, 2019.

ABSTRACT
The present research has as its theme the work of memes in Portuguese
language classes for Elementary School, from a discursive genre perspective. The
general objective was to propose a work from the meme genre in Portuguese
Language classes, focusing on linguistic / semiotic analysis. As specific objectives, we
define meme, analyze memes from a dialogic perspective, multimodal and
multisemiotic. The application of the work proposal occurred in a school of the State
Educational Network of São Paulo, located in the municipality of Mogi das Cruzes, in
the peripheral zone. The class chosen for the application is the 9th grade of Elementary
School. We address, in addition to meme, other textual genres to encompass the
intertextuality present in this type of text. As a methodology, we conducted 8 classes
focusing on a final curatorial presentation. As a theoretical reference, we propose to
create a formal definition of "Internet Meme" that can be used to characterize and study
instant messages in academic contexts such as social sciences, communication and
the humanities. For this, we performed a study based on the research on memes by
Dawkins (1993), Blackmore (1999) and Sperber (1996). For the study of meme from
the perspective of the discursive genre, we rely on the theoretical studies of Miller
(2009), Bakhtin (1997), Bazerman (2005) and Kristeva (2005). For the analysis of the
practice, we rely on Marcuschi (2002, 2008), Rojo (2008), and Kleiman (2007). Our
choice specifically for the meme was for the understanding of this as a discursive genre
that circulates exclusively on the internet, or, more precisely, in social networks.

Keywords: Meme; Portuguese Language; Discourse Genre; Literacy


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Meme “Troll” .............................................................................................. 22


Figura 2 - Meme com “Troll” ...................................................................................... 22
Figura 3 - Meme “Beatles com Troll” ......................................................................... 23
Figura 4 - Exemplos de Meme “Chubby Bubble Girl” ................................................ 24
Figura 5 – Meme “Dia de Atribuição”......................................................................... 25
Figura 6 – Meme “Chubby Bubble Girl” com Taís Araújo .......................................... 25
Figura 7 - Meme com Beatles “Misericórdia” ............................................................. 40
Figura 8 - Meme Beatles – “Volta que deu Merda”.................................................... 41
Figura 9 - Meme Evolução das Espécies .................................................................. 42
Figura 10 - Meme "Não sou capaz de opinar" ........................................................... 63
Figura 11 - Meme "Barrichello" .................................................................................. 63
Figura 12 - Meme "Glória Pires" ................................................................................ 64
Figura 13 - Meme "Feliz Aniversário Atrasado" ......................................................... 65
Figura 14 - Charge "passando a faixa" ...................................................................... 66
Figura 15: Meme “Fora Temer” ................................................................................. 66
Figura 16 - Meme “Chubby Bubble Girl” com Taís Araújo ......................................... 71
Figura 17 - Painel Virtual ........................................................................................... 81
Figura 18 - Hashtag Painel - a................................................................................... 83
Figura 19 – Hashtag Painel - b .................................................................................. 84
Figura 20 - Hashtag Painel - c ................................................................................... 84
Figura 21 - Hashtag Painel - d................................................................................... 85
Figura 22 - Hashtag Painel - e................................................................................... 85
Figura 23 - Hashtag Painel - f.................................................................................... 86
Figura 24 - Hashtag Painel - g................................................................................... 86
Figura 25 - Hashtag Painel - h................................................................................... 87
Figura 26 - Hashtag Painel - i .................................................................................... 87
Figura 27 - Hashtag Painel - j .................................................................................... 88
Figura 28 - Hashtag Painel - k ................................................................................... 88
Figura 29 - Hashtag Painel - l .................................................................................... 89
Figura 30 - Hashtag Painel - m.................................................................................. 89
Figura 31 - Hashtag Painel - n................................................................................... 90
Figura 32 - Hashtag Painel - o................................................................................... 90
Figura 33 - Hashtag Painel - p................................................................................... 91
Figura 34 - Hashtag Painel - q................................................................................... 91
Figura 35 - Hashtag Painel - r ................................................................................... 92
Figura 36 - Hashtag Painel - s ................................................................................... 92
Figura 37 - Hashtag Painel - t.................................................................................... 93
Figura 38 - Hashtag Painel - u................................................................................... 93
Figura 39 - Hashtag Painel - v ................................................................................... 94
Figura 40 - Hashtag Painel - w .................................................................................. 94
Figura 41 - Hashtag Painel - x ................................................................................... 95
Figura 42 - Hashtag Painel - y ................................................................................... 95
Figura 43 - Meme Painel - C ..................................................................................... 96
Figura 44 - Meme Painel - d ...................................................................................... 96
Figura 45 - Meme painel - b ...................................................................................... 96
Figura 46 - Hashtag Painel - z ................................................................................... 96
Figura 47 - Meme painel - a ...................................................................................... 96
Figura 48 - Hashtag Painel - aa................................................................................. 96
Figura 49 - Meme Painel - h ...................................................................................... 97
Figura 50 - Meme painel - g ...................................................................................... 97
Figura 51 - Meme Painel - f ....................................................................................... 97
Figura 52 - Meme Painel - e ...................................................................................... 97
Figura 53 - Meme Painel - i ....................................................................................... 97
Figura 54 - Painel físico da exposição ....................................................................... 98
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Análise da Charge e do Meme ................................................................ 67


Quadro 2 - Tema, tese, argumentos ......................................................................... 77
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12

1. MEME: HUMOR, INTERTEXTUALIDADE E MULTIMODALIDADE .................... 18


1.1 Prazer, eu sou Meme: Breve Apresentação do Conceito ................................ 18
1.1.1 O Que é um Meme? .................................................................................. 18
1.1.2 A base do Meme: estrutura ou significado? ............................................... 20
1.2 Caracterização e análise de memes ................................................................ 21
1.3 Teoria do Gênero e Intertextualidade ............................................................... 26
1.3.1 Tema, forma composicional e estilo........................................................... 31
1.3.2 Intertextualidade: fundamentos filosóficos ................................................. 32
1.4 Multimodalidade ............................................................................................... 36
1.4.1 Recursos semióticos .................................................................................. 38
1.5 O meme como gênero discursivo..................................................................... 39

2. O MEME COMO PROPOSTA DE “LEITURA” ..................................................... 43


2.1 Mas afinal, o que é Leitura? ............................................................................. 44
2.1.1 Ler.............................................................................................................. 44
2.1.2 Letramento: ler como prática social ........................................................... 47
2.2 Letramento Digital e Midiática: os Multiletramentos ......................................... 51
2.2.1 Meme como Letramento Midiático: nova formas de pensar em mídia ....... 54

3. PROTÓTIPO: O MEME COMO OBJETO DE ANÁLISE EM AULAS DE LÍNGUA


PORTUGUESA ......................................................................................................... 56
3.1 Sujeitos e Contexto da Pesquisa ..................................................................... 57
3.1.1 A professora .............................................................................................. 57
3.1.2 A escola “de baixo” .................................................................................... 58
3.1.3 Os alunos................................................................................................... 59
3.2 As aulas ........................................................................................................... 60
3.2.1 Aula 1 – Detectando conhecimentos prévios ............................................. 60
3.2.2 Aula 2 e 3 – Cotejando com outros textos ................................................. 62
3.2.3 Aula 4 – O dito, o não dito e o mal͜ dito ...................................................... 70
3.2.4 Aula 5 e 6 – O contexto ............................................................................. 72
3.2.5 Aula 6 – A proposta de curadoria .............................................................. 80
3.2.6 Aula 7 e 8 – Montagem e exposição do painel final ................................... 82

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 99

REFERÊNCIAS....................................................................................................... 100
.12

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como tema o trabalho com os gêneros discursivos,


mais precisamente com os memes em aulas de língua portuguesa para o Ensino
Fundamental. Entendendo o meme como um gênero discursivo, objetivamos trabalhá-
lo em sala de aula, contemplando também diversos gêneros e tipos textuais.
A aplicação da proposta de trabalho ocorreu em uma escola da Rede Estadual
de Ensino de São Paulo, localizada no município de Mogi das Cruzes, na zona
periférica. A turma escolhida para a aplicação é do 9º ano do Ensino Fundamental.
O problema da pesquisa se deu a partir das nossas observações como
professora de língua portuguesa em sala de aula e observando o material fornecido
pelo governo do estado de São Paulo – São Paulo Faz Escola. Para o 9º ano do
Ensino Fundamental, o conteúdo de língua portuguesa se resume em textos da
tipologia expositiva e argumentativa. Desta maneira, vários gêneros textuais são
abordados para atingir estes tipos textuais, mas a relação discursiva entre os textos
analisados muitas vezes fica prejudicada devido ao distanciamento destes com a
realidade dos alunos.
Santos (2007), analisando a proposta curricular dos Estados de São Paulo e
Pernambuco na década de 70 observa que
Nesta perspectiva, a forma do texto independe das práticas sociais, é isenta
de qualquer pressão comunicativa e é tomada como historicamente
invariável. O texto é visto como um conjunto de unidades linguísticas
(palavras, frases, períodos) através do qual se pode expressar claramente
um pensamento (p.15).

Da década de 70 à atualidade, o conteúdo curricular de língua materna tem se


modificado, não só no Brasil, como também em outros países, passando a diversidade
textual, a diversidade de gêneros textuais e atualmente buscando uma tendência a
relacionar o texto a sua prática social. Por outro lado, Santos (2007) ainda observa
que
não significa que determinadas práticas de ensino tenham sido totalmente
abandonadas e substituídas completamente por outras. No que diz respeito
à elaboração de programas oficiais de ensino tem-se observado a recorrência
de um discurso da mudança, no qual a apresentação do novo se dá a partir
da desqualificação e negação do antigo, considerado tradicional e ineficaz.
No nível da concretização do que é prescrito pelas propostas, ou seja, na sala
de aula, observa-se uma tendência de que as práticas coexistam, ainda que
uma delas se sobreponha às demais em determinados momentos.
.13

Concordando com a autora, notamos que a proposta curricular da Secretaria


Estadual de Educação de São Paulo, teoricamente contempla os gêneros discursivos,
mas as orientações ao professor, ou seja, a concretização deste novo modelo, não
ocorre eficazmente. O material fornecido como orientações aos professores não
aborda o gênero discursivo e nas Orientações Técnicas (OT)1 esse tipo de abordagem
não é realizada.
Ora, mas por que então a nossa escolha pelo meme?
Nossa escolha especificamente pelo meme se dá pelo entendimento deste
como um gênero discursivo que circula exclusivamente na internet, ou, mais
precisamente, nas redes sociais. Como professora de língua portuguesa, observamos
que os alunos se apropriaram dos memes como uma linguagem deles, dos jovens.
Utilizam-se de memes muitas vezes para a comunicação até dentro de sala de aula,
com memes nonsense
Buscamos também aproximar as aulas de Língua Portuguesa - e mais
precisamente o estudo de gêneros e tipos textuais - com exemplos mais próximos da
realidade do aluno, pois compreendemos que não é nova a dificuldade encontrada
pelo professor de língua materna em articular os conhecimentos linguísticos
acadêmicos à sala de aula.
Ao adentrar ao universo escolar, o professor observa que tanto para os alunos,
quanto para os professores, a visão de língua é ainda a visão de um sistema
permeado de regras, do qual o aluno não se apropria. A Língua Portuguesa ensinada
na sala de aula é uma língua do outro, quase uma língua estrangeira, da qual o aluno
não tem domínio, não se apodera.
Nesse sentido, verificamos que o ensino de Língua2 na escola acaba por
segregar mais ainda o saber construído socialmente do saber adquirido na escola,
criando entre os dois um abismo.

1 As Orientações Técnicas (OTs) são ações vinculadas ao programa de Formação Continuada de


Educadores na Educação, executadas na Secretaria da Educação e analisadas pela Escola de
Formação e Aperfeiçoamento dos Professores do Estado de São Paulo “Paulo Renato Costa Souza”
(EFAP). As OTs são realizadas regionalmente, através das Diretorias Regionais de Ensino.

2 Entendemos aqui o ensino de Língua, como disciplina do currículo do Ensino Básico, o qual
contempla, segundo a BNCC (BRASIL, 2017), o estudo da oralidade, da leitura/produção de textos e
análise linguística/semiótica.
.14

Os Parâmetros Curriculares Nacionais já abordavam essa questão, mostrando


a importância do letramento como facilitador do processo de aprendizagem dos
discentes. O documento afirma que
cabe à escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que
circulam socialmente, ensinar a produzi-los e a interpretá-los. Isso inclui os
textos das diferentes disciplinas, com os quais o aluno se defronta
sistematicamente no cotidiano escolar e que, mesmo assim, não consegue
manejar, pois não há um trabalho planejado com essa finalidade (BRASIL,
1997, p. 26).

Essa viabilização ao “universo dos textos que circulam socialmente”, o qual o


documento cita, entendemos como letramento. O termo letramento surgiu, segundo
Soares (2004), como forma de luta para a manutenção e conquista da cidadania
dentro do bojo da evolução cultural, social, política, econômica e tecnológica. Segundo
essa autora, trata-se de um conceito ampliador daquilo que antes se conhecia difusa
e tradicionalmente como alfabetização. Mas letramento não é apenas uma aquisição
mais proficiente da leitura e da escrita, pois também possui o sentido de apropriação
da escrita por determinado grupo social ou mesmo por um indivíduo analfabeto que
usufrua da leitura, ainda que de modo indireto. Assim o conceito na verdade
representa dois conceitos diferentes: um tem a ver com a pessoa que já faz eficiente
uso social da leitura; outro se relaciona à importância da leitura para uma comunidade
e seus membros, alfabetizados ou não.
Trazendo essa problemática para o escopo de nossa pesquisa e mais
especificamente para a as aulas de Língua Portuguesa, no que se refere ao ensino
de escrita, Kleiman (2007) faz críticas à escola pelo seu caráter autônomo, ou seja,
possui seus próprios letramentos, não fazendo parte das práticas sociais externas de
letramento. A autora descreve o modelo de currículo da escola: rígido e segmentado,
no qual os conteúdos são organizados em sequências que iniciam do mais fácil ao
mais difícil. Este tipo de ensino não promove o desenvolvimento linguístico-discursivo
do aluno, pois ignora a realidade cultural diversificada que um indivíduo possui antes
de entrar na escola, visto que ele já nasce sendo participante de atividades
corriqueiras de uma sociedade letrada.
Street (2014), também realizando críticas e reflexões a respeito do modelo
autônomo, defende o modelo ideológico de letramento, pois para ele o aprendizado
da escrita se dá considerando as práticas concretas e sociais, ou seja, as práticas
letradas são produto da cultura, da história e do discurso. O autor questiona
.15

se [...] existem múltiplos letramentos, como foi que uma variedade particular
veio a ser considerada como único letramento? Em meio a todos os diferentes
letramentos praticados na comunidade, em casa e no local de trabalho, como
foi que a variedade associada à escolarização passou a ser o tipo definidor,
não só para firmar o padrão para outras variedades, mas também para
marginalizá-las, descartá-las da agenda do debate sobre letramento?
Letramentos não escolares passaram a ser vistos como tentativas inferiores
de alcançar a coisa verdadeira, tentativas a serem compensadas pela
escolarização intensificada. (STREET, 2014, p.121).

O documento Base Nacional Comum Curricular (BNCC), no que se refere ao


ensino de Língua Portuguesa, salienta:
Ao componente Língua Portuguesa cabe, então, proporcionar aos estudantes
experiências que contribuam para a ampliação dos letramentos, de forma a
possibilitar a participação significativa e crítica nas diversas práticas sociais
permeadas/constituídas pela oralidade, pela escrita e por outras linguagens
(BRASIL, 2017, p.65)

Ainda no mesmo documento, podemos observar a seguinte menção ao gênero


meme:
Não se trata de deixar de privilegiar o escrito/impresso nem de deixar de
considerar gêneros e práticas consagrados pela escola, tais como notícia,
reportagem, entrevista, artigo de opinião, charge, tirinha, crônica, conto,
verbete de enciclopédia, artigo de divulgação científica etc., próprios do
letramento da letra e do impresso, mas de contemplar também os novos
letramentos, essencialmente digitais. [...] Compreender uma palestra é
importante, assim como ser capaz de atribuir diferentes sentidos a um gif ou
meme. Da mesma forma que fazer uma comunicação oral adequada e saber
produzir gifs e memes significativos também podem sê-lo.
[...]
O que pode parecer um gênero menor (no sentido de ser menos valorizado,
relacionado a situações tidas como pouco sérias, que envolvem paródias,
chistes, remixes ou condensações e narrativas paralelas), na verdade, pode
favorecer o domínio de modos de significação nas diferentes linguagens, o
que a análise ou produção de uma foto convencional, por exemplo, pode não
propiciar.
(BRASIL, 2017, p.67)

Este novo documento base inclui mais 15 vezes o termo “meme” em suas
habilidades divididas em “eixos de integração correspondentes às práticas de
linguagem: oralidade, leitura/escuta, produção (escrita e multissemiótica) e análise
linguística/semiótica” (BRASIL, 2017, p.69). Uma dessas habilidades, temos como
foco em nossa intervenção:
(EF89LP03) Analisar textos de opinião (artigos de opinião, editoriais, cartas
de leitores, comentários, posts de blog e de redes sociais, charges, memes,
gifs etc.) e posicionar-se de forma crítica e fundamentada, ética e respeitosa
frente a fatos e opiniões relacionados a esses textos (BRASIL, 2017, p.175).
.16

Nesse sentido, consideramos a urgência desta pesquisa como uma maneira de


acompanhar a cultura da Internet e mostrar como uma alternativa de comunicação e
uma forma econômica de publicidade de massa pode ser levada à análise em sala de
aula. Além disso, melhorar a literacia mediática dos alunos relativamente ao estudo
de sinais/símbolos, filosofia e como as imagens e o texto se relacionam entre si e
criam um novo significado. Os memes contêm humor, emoções universais,
mensagem social, mensagem cultural, mensagem política e muito mais. Todo meme
tem seu próprio tema. Portanto, permite que o usuário sempre tenha ideias mais novas
e criativas no envio de sua mensagem.
Posto essas considerações iniciais, o presente estudo tem como objetivo geral
propor um trabalho a partir do gênero meme em aulas de Língua Portuguesa, com
foco em análise linguística/semiótica.
Como objetivos específicos elencamos, definir o que é meme, analisar memes
sob uma perspectiva dialógica, multimodal e multissemiótica.
Como metodologia realizamos 8 aulas com foco em uma exposição final de
curadoria Trata-se de uma pesquisa descritiva, utilizando como forma de abordagem
o método qualitativo. Para MINAYO, como uma das formas de abordagem mais
ocorrentes neste tipo de investigação,
define método qualitativo como aquele capaz de incorporar a questão do
significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações, e às
estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto
na sua transformação, como construções humanas significativas. (MINAYO,
1996, apud CAMPOS).

Segundo Minayo (1998), os estudos qualitativos respondem a questões muito


particulares, preocupando-se com um nível de realidade que não pode ser
quantificado. Isto é, penetram no universo dos comportamentos, atitudes e valores
subjacentes ao objeto e ao contexto pesquisado, buscando o significado de variáveis
que não podem ser reduzidas à quantificação.
Ainda para a autora, “a investigação qualitativa é a que melhor se coaduna ao
reconhecimento de situações particulares, grupos específicos e universos simbólicos.”
(MINAYO, 1994, apud DALFOVO, 2008).
Desta maneira, a escolha por este método de pesquisa se deu pela
especificidade do tema.
Como referencial teórico, propomos criar uma definição formal de “Meme de
Internet” que pode ser usada para caracterizar e estudar mensagens instantâneas em
.17

contextos acadêmicos, como ciências sociais, comunicação e humanidades. Para isso


realizamos um estudo a partir das pesquisas sobre memes de Dawkins (1993),
Blackmore (1999) e Sperber (1996).
Para o estudo do meme da perspectiva do gênero discursivo, nos apoiamos
nos estudos teóricos de Miller (2009), Bakhtin (1997), Bazerman (2005) e Kristeva
(2005).
Para a análise da prática, nos embasamo-nos em Marcuschi (2002, 2008), Rojo
(2008), e Kleiman (2007).
.18

1. MEME: HUMOR, INTERTEXTUALIDADE E MULTIMODALIDADE

Entendendo que temos como objetivo trabalhar o meme de internet como


proposta de aula de língua portuguesa a partir de uma perspectiva do gênero do
discurso, propomos nesta seção, conceituar memes. Para isso, realizamos e
apresentamos uma pesquisa da origem do termo para posteriormente adentrar de
maneira mais específica no campo de análise linguística/multissemiótica.

1.1 PRAZER, EU SOU MEME: BREVE APRESENTAÇÃO DO CONCEITO


O conceito de meme é um conceito acadêmico cunhado em 1976 pelo biólogo
Richard Dawkins em seu livro O Gene Egoísta. Ele propôs o termo meme como uma
abordagem darwiniana, centrada em genes, para a evolução cultural, definindo-a
como “a unidade de transmissão cultural” (p.112). No entanto, atualmente é possível
encontrar o conceito de meme em quase todos os lugares da internet, não fazendo
alusão ao conceito criado por Dawkins, mas sim a certos tipos de imagens, piadas ou
tendências populares dentro da cybercultura.
Desde 1976, o termo meme evoluiu, mudado não apenas por diferentes autores
e teóricos que seguem ou criticam a teoria de Dawkins, mas também por seu próprio
criador (DAWKINS, 1993). As raízes do conceito se distanciaram de sua definição
primordial de uma perspectiva darwiniana e começaram a crescer em diferentes
direções ontológicas. Isto pode ser visto nos diferentes usos que os teóricos fazem do
termo, por Blackmore (1999) e Dawkins (2008 [1976, 1993]).

1.1.1 O Que é um Meme?

O conceito de meme vem em primeiro lugar quando o biólogo Richard Dawkins,


em seu livro “O Gene Egoísta”, o coloca como unidade de transmissão cultural. Nas
palavras do autor:
O novo caldo é o caldo da cultura humana. Precisamos de um nome para o
novo replicador, um substantivo que transmita a idéia de uma unidade de
transmissão cultural, ou uma unidade de imitação. "Mimeme" provém de uma
raiz grega adequada, mas quero um monossílabo que soe um pouco como
"gene". Espero que meus amigos helenistas me perdoem se eu abreviar
mimeme para meme. Se servir como consolo, pode-se, alternativamente,
pensar que a palavra está relacionada a "memória", ou à palavra francesa
.19

même. Exemplos de memes são melodias, idéias, "slogans", modas do


vestuário, maneiras de fazer potes ou de construir arcos. Da mesma forma
como os genes se propagam no "fundo" pulando de corpo para corpo através
dos espermatozóides ou dos óvulos, da mesma maneira os memes
propagam-se no "fundo" de memes pulando de cérebro para cérebro por meio
de um processo que pode ser chamado, no sentido amplo, de imitação
(DAWKINS, 2008 [1976], p. 112, grifo do autor).

A ideia anterior mostra como Dawkins cria um termo que representa uma
unidade cultural indivisível, semelhante a um gene, capaz de se propagar de pessoa
para pessoa com a ajuda da imitação. Esta unidade possui um poder próprio que
permite a sua reprodução e propagação.
O cientista cognitivo Dan Sperber entende o meme como sinônimo de
replicadores culturais (baseado na definição fornecida por Dawkins), definido pelo
autor em termos de representações. Explica que os replicadores têm uma base
representacional, são símbolos e associações na mente humana. Além disso, há dois
tipos principais de representações destacadas pelo autor: as representações mentais,
que são internas ao sujeito, como as crenças; e as representações públicas, que são
externas ao assunto, como pinturas (SPERBER, 1996 apud WOLFF, 2012). No
entanto, há um terceiro tipo de representação derivado dos dois anteriores, as
representações culturais, entendidas como um subconjunto combinado do público e
as representações mentais dentro de um grupo social (SPERBER, 1996 apud
WOLFF, 2012).
Por outro lado, a psicóloga Susan Blackmore toma a definição original de meme
proposta por Dawkins em 1976 com outras ênfases. Em primeiro lugar, ela enfatiza o
papel da imitação como central para a replicação de memes, afirmando que é isso
que diferencia os humanos dos animais. Assim, movendo o conceito do campo da
biologia para o campo da aprendizagem social (BLACKMORE, 1999). Em segundo
lugar, Blackmore define replicadores em um sentido mais amplo do que o de seu
criador, como “qualquer coisa de que cópias são feitas” (BLACKMORE, 1999, p.5,
tradução livre). Finalmente, Blackmore adiciona um ator à cadeia de replicação de
memes, o interator, definido pela teórica como “a entidade que interage com o
ambiente. Que carregam o replicador para dentro e o protegem” (BLACKMORE, 1999,
p.5, tradução livre). Portanto, ao contrário da primeira caracterização do meme de
Dawkins, as unidades de transmissão não são autônomas; eles exigem um assunto
para serem replicados.
.20

1.1.2 A base do Meme: estrutura ou significado?

Há essencialmente duas coisas que podem mudar ou permanecer em um


meme, moldando-as: estrutura e conteúdo (semântica).
Dan Sperber defende a abordagem estrutural, entendendo a transformação do
meme como uma semelhança na estrutura e uma mudança semântica. Ele afirma que,
apesar das transformações ou preconceitos dados a um meme, a invariabilidade da
estrutura é o que é transmitido (SPERBER, 1996 apud WOLFF, 2012). O autor usa a
história do chapeuzinho vermelho para exemplificar essa abordagem. Ele explica que
o conto/meme possui uma estrutura que o molda, colocando em perspectiva o
conteúdo do conto. Se uma pessoa escutar uma história com personagens diferentes,
mas com a mesma estrutura, identificará como uma cópia do conto do chapeuzinho
vermelho (isto é, claro, se a pessoa já conhece a história). Além disso, a estrutura é
tão importante para o meme que uma versão incompleta do conto é menos provável
de ser replicada do que uma versão completa do mesmo.
A outra perspectiva é a abordagem de conteúdo. Daniel Dennet defende essa
abordagem, entendendo o meme em termos de linguagem (semântica). Para o
teórico, o que é comum, não é uma propriedade sintática ou sistema de propriedades,
mas uma propriedade semântica ou sistema de propriedades: a história, não o texto;
os personagens e suas personalidades, não seus nomes e discursos (DENNETT,
1998). Em outras palavras, quando se fala sobre quais mudanças e o que é mantido
em um meme, Dennett reforça a ideia de que o que identifica os memes quando são
passados é seu conteúdo, sua semântica e significados.
Propomos uma combinação entre as duas posturas, argumentando que ambas
são características que podem ser passadas nos memes. Essa perspectiva também
sublinha que, dependendo do meme, um dos dois pode ser mais saliente do que o
outro. A estrutura e o significado de um meme são independentes, mas estão ligados
em algum grau que cada um diz algo sobre o outro.
Desta maneira, um meme da internet é uma unidade de informação (ideia,
conceito ou crença), que se replica transmitindo via Internet (e-mail, chat, fórum, redes
sociais, etc.) na forma de um hiperlink, vídeo, imagem ou frase. Pode ser passado
como uma cópia exata ou pode mudar e evoluir. A mutação na replicação pode ser
por significado, mantendo a estrutura do meme ou vice-versa. A mutação ocorre por
.21

acaso, adição ou paródia, e sua forma não é relevante. Um meme de internet depende
tanto de um transportador quanto de um contexto social em que o transportador age
como um filtro e decide o que pode ser passado adiante. Ele se espalha
horizontalmente como um vírus a uma velocidade rápida e acelerada. Pode ser
interativo (como um jogo) e algumas pessoas as relacionam com criatividade. Sua
mobilidade, armazenamento e alcance são baseados na web. Eles podem ser
fabricados (como no caso do marketing viral) ou emergir (como um evento online).
Seu objetivo é ser bem conhecido o suficiente para replicar dentro de um grupo.

1.2 CARACTERIZAÇÃO E ANÁLISE DE MEMES

O objetivo desta seção é exemplificar como usar a definição dos memes de


internet desenvolvida nas páginas anteriores. A definição de memes de internet, como
uma caracterização operacional completa (incluindo as partes analíticas do conceito),
é suscetível de ser usada para analisar, operacionalizar e sistematizar os memes de
internet para o estudo acadêmico. Com o objetivo de ilustrar essas qualidades, dois
Memes de Internet serão utilizados: o meme Troll e o Chubby Bubble Girl.
O primeiro meme, Troll, é definido pelo Museu de Memes (2015) como para
descrever qualquer comportamento de um usuário que pretende causar raiva ou
frustração em outro, surgindo daí o termo trollagem. Segundo ainda o mesmo site,
A expressão troll que foi disseminada na internet e vem sendo levada cada
vez mais para o mundo offline. Ela deriva-se de uma outra expressão
conhecida como “trolling for suckers”, que numa tradução livre seria algo
como”lançando iscas para trouxas” e que apenas pelo seu nome já nos ajuda
a entender melhor as intenções de um trollador (MUSEU DE MEMES, 2015).

O meme Troll faz parte do grupo de memes Rage Comics. Normalmente esse
estilo de meme é usado quando, ao contar uma história, a pessoa utiliza os Rage
Comics em seguida para ilustrar uma reação ou um sentimento, causando com isso,
o efeito humorístico baseado nas expressões e reações de situações cotidianas.
O meme de internet Troll é um exemplo de meme que se populariza para além
do espaço online, multiplicando-se também verticalmente, popularizando o meme
como um conceito.
Ao olhar para as representações de Troll e suas variações, é possível ver a
constante ideia de enganar, chatear, zoar com o outro. A estrutura pode ser aplicada
.22

a vários tipos de imagens, pessoas reais, desenhos animados ou quadrinhos, mas


eles sempre compartilham as mesmas características.
No caso de Troll, é possível dizer que ele possui uma estrutura com um
significado, ambos salientes em um contexto particular. Neste caso o Meme de
Internet se espalha horizontalmente dentro do grupo principal e, em seguida, na
vertical, para novas pessoas que ingressam mais tarde no grupo.

Figura 1 - Meme “Troll”

Fonte: http://www.museudememes.com.br/sermons/troll/

Figura 2 - Meme com “Troll”

Fonte: http://www.museudememes.com.br/sermons/troll/
.23

Figura 3 - Meme “Beatles com Troll”

Fonte: http://www.museudememes.com.br/sermons/troll/

O segundo meme é o Chubby Bubble Girl. Segundo o site do Museu de Memes


(2015),
Chubby Bubble Girl é um meme criado com base na foto de uma menina
correndo em um quintal segurando um frasco de bolhas de sabão. Sua
expressão facial no momento da fotografia tem grande efeito cômico e dá a
entender que ela está correndo de forma desesperada. Por isso, ela tem sido
replicada em diferentes situações, geralmente relacionadas a cenas de
desastres ou cenários de perseguição (MUSEU DE MEMES, 2015).

As imagens começaram a se espalhar, levando a várias paródias, como pode-


se observar nas figuras abaixo.
Nos exemplos selecionados, os elementos semânticos e estruturais são
explorados em suas mutações. O humor neste caso é criado principalmente por meio
da substituição.
Ao olhar sistematicamente através das imagens, há algo que é transversal às
diferentes versões do meme: a ideia de perseguição e/ou desastre. Conteúdos
diversos podem aparecer. A figura 5 alude ao momento de atribuição de aulas na
Rede Pública Estadual de Ensino de São Paulo e a corrida por ter as “melhores” salas
atribuídas. Na figura 6, - meme que utilizaremos em nossas aulas - há um discurso de
cunho racista, realizando uma sátira a uma das palestras3 que Thaís Araújo realizou

3 “Como criar crianças doces num país ácido”, palestra realizada no TEDx São Paulo de 2017.
Disponível em https://www.youtube.com/watch?time_continue=20&v=H2Io3y98FV4
.24

no TEDx4. Neste evento, a atriz aborda sobre o racismo que ainda perdura no Brasil.
Em um momento da palestra ela diz que “No Brasil, a cor do meu filho é a cor que faz
com que as pessoas mudem de calçada e blindem seus carros”. Esse é um típico caso
de meme sobre outro meme, ou meme vertical. A famosa frase da atriz na palestra se
tornou um meme e a utilização de outro meme (Chubby Bubble Girl) gerou novos
memes. Não é possível afirmar nada sobre o alcance ou a estrutura do tempo deste
meme de internet. Seria necessário refazer sua evolução e saliência para entender
essas pistas. O que é certo é que o contexto social para esse meme é muito
importante, tanto para sua replicação quanto para sua permanência no tempo.

Figura 4 - Exemplos de Meme “Chubby Bubble Girl”

Fonte: http://www.museudememes.com.br/sermons/chubby-bubble-girl/

4TEDx é uma versão independente de uma das conferências do TED (tecnologia, entretenimento e
design). Essa é uma ONG criada nos EUA, com o intuito de propagar “ideias que merecem ser
compartilhadas” O x no final da sigla é para indicar que aquele acontecimento é realizado por entidades
autônomas em todo o mundo.
.25

Figura 5 – Meme “Dia de Atribuição”

Fonte: http://geradormemes.com/meme/61g3ii

Figura 6 – Meme “Chubby Bubble Girl” com Taís Araújo

Fonte: Catraca Livre https://bit.ly/thaismeme


.26

1.3 TEORIA DO GÊNERO E INTERTEXTUALIDADE

O aumento no vibrante discurso popular sobre os memes em uma era cada vez
mais definida pela comunicação pela Internet não é coincidência. Embora os memes
fossem conceituados muito antes da era digital, os recursos exclusivos da Internet
transformaram sua difusão em uma rotina onipresente e altamente visível.
Miller (2009) argumenta que quando um tipo de discurso ou ação comunicativa
adquire um nome comum dentro de um determinado contexto ou comunidade, isso é
um bom sinal de que ele está funcionando como um gênero. Os gêneros geralmente
são identificáveis por meio de sua combinação de forma e função acordada, mesmo
que o conhecimento dessa forma e função seja amplamente tácito e difícil de articular
com clareza, pois como salienta Bakhtin (1997, p.281), “não há razão para minimizar
a extrema heterogeneidade dos gêneros do discurso e a consequente dificuldade
quando se trata de definir o caráter genérico do enunciado”.
Bazerman (2011) sugere que os gêneros são um conjunto de abordagens
relacionadas que veem os fenômenos humanos como dinâmicos. Artefatos
produzidos por humanos, como enunciados ou textos, não devem ser entendidos
como objetos em si, mas dentro das atividades que lhes dão origem e uso. O autor
exemplifica

Você entra numa cafeteria e dá uma olhada num jornal sobre uma mesa.
Você imediatamente sabe muita coisa sobre qual será o seu conteúdo e como
serão os textos, em que estilo estarão escritos, como serão organizados, e
até onde diferentes textos serão encontrados dentro do jornal. Novamente,
esse conhecimento de rápido acesso nos ajuda a estruturar o que faremos
com aquele jornal (BAZERMAN, 2011, p.40).

Ao contrário da concepção tradicional de gênero, como um texto (ou enunciado)


de formas repetidas e movimentos literários, os gêneros são atividades que guiam e
alteram a dinâmica da cultura humana. Nesse sentido, o meme, visto como um
gênero, não é simplesmente uma fórmula seguida pelos humanos para se comunicar,
mas é um sistema complexo de motivações sociais e atividade cultural que é tanto um
resultado da comunicação quanto um impulso para essa comunicação. Os gêneros,
portanto, são centrais para entender a cultura.
Embora o gênero seja mais familiarmente usado no contexto da mídia ou da
literatura audiovisual, o conceito e a aplicação do gênero têm implicações
consideráveis para o mundo digital. Dentro dessa literatura, o gênero é considerado
.27

um elemento essencial da interação online, uma vez que o uso efetivo de documentos
on-line - de sites a blogs - depende da capacidade do usuário de reconhecer sua
natureza, estrutura e propósito (MARCUSCHI, 2008). Além disso, o gênero determina
não apenas a forma como as comunicações são estruturadas, mas a maneira como
elas são recebidas (BAKHTIN, 1997). A questão da recepção se conecta à noção de
que os gêneros são socialmente construídos. Gêneros são as chaves para entender
como participar das ações de uma comunidade (MILLER, 2009).
Seja textual ou social, os gêneros são dispositivos de enquadramento
importantes, especialmente quando convenções genéricas estabelecem expectativas.
Tomados como “formas socialmente maturadas em práticas comunicativas”,
funcionam como geradores de expectativas de compreensão mútua (MARCUSCHI,
2002, p. 35). Uma das "expectativas" genéricas mais óbvias para muitos memes da
Internet é que elas são engraçadas de alguma forma. Em suas análises de memes
populares da Internet, Fernandes et al (2016) e Volcan (2014) descobriram que o
humor é a base do sucesso memético.
Fernandes et al (2016), tendo como foco o espetáculo midiático, analisaram a
partir de três memes a abertura do processo de impeachment da Presidente Dilma
Rousseff em 2015 e a repercussão deste evento nas redes sociais. Os autores
verificaram que os memes utilizam-se do humor como elemento de crítica em cenários
de turbulência política e social. Já Volcan (2014) aponta o meme como uma nova
comunicação mediada pelo humor. Partindo da comunicação mediada pelos
computadores, a autora realiza a análise do discurso de um único meme publicado
em uma página da rede social Facebook, considerando-o como uma legitimação do
discurso humorístico enquanto prática discursiva própria do meio. A autora considera
“aspectos como estrutura, sentido, interação, comportamento social e
multimodalidade” (p.627) e conclui que o meme e sua forma de humor são legitimados
nas redes sociais (VOLCAN, 2014).
Um senso de humor compartilhado pode aproximar uma sociedade ou
cultura; como Sodré e Paiva (2002, p.150) observam, a tomada do humor como algo
representativo de determinado grupo leva ao que os autores chamam de “corpo
grupal” ou representação de conteúdos e pensamentos de um determinado grupo,
facilitando, assim, seu processo de comunicação e sua assimilação.
As piadas podem assumir muitas formas, desde palavras isoladas até sistemas
inteiros de significado. Estudos como os de Freud (1969), Bergson (1980) e Possenti
.28

(1998, 2013), exemplificam que o material linguístico da piada é justamente o caráter


polissêmico das palavras, seus usos ambíguos que evidenciam o duplo-sentido e o
trocadilho em todo enunciado de humor. Essas expressões linguísticas podem
acessar múltiplos referentes através de conexões estruturais que apresentam papéis
sociais e valores culturais. Um fenômeno relacionado é a gíria, uma forma de humor
linguístico que é usada para vinculação e sociabilidade por meio da brincadeira.
Muitas vezes, as gírias são linguagens especializadas desenvolvidas por um grupo
para fins de comunicação em grupo e marcação de identidade (PRETI, 1994, 2000),
e pode funcionar como uma fonte de humor em vários níveis. Uma maneira é através
do humor acentuado, o uso exagerado de gramática e vocabulário incorretos. A outra
é através da reinterpretação de palavras e frases familiares para criar um código que
seja compreensível apenas dentro de um contexto de grupo. Este último tipo de humor
pode ser um elemento essencial na criação de identidade de grupo e solidariedade
em comunidades online; como Possenti (2001, p.72) observa “[...] uma língua funciona
sempre em relação a um contexto culturalmente relevante e [...] cada texto requer uma
relação com outros textos”. Desta maneira um texto pode ser engraçado para um
grupo e não para outro, provocando riso em determinada época e não em outra.
Sendo assim, os significados específicos do grupo que surgem da interação
humorística podem fornecer objetos centrais em torno dos quais os grupos online
podem se definir.
A intertextualidade também é um elemento-chave da cultura de memes e
remixes, especialmente porque a justaposição de textos incongruentes faz parte do
humor dos memes (FONTANELLA, 2009). Assim como as conexões entre uma rede
de usuários podem ajudar a definir um grupo social, os links intertextuais podem ajudar
a erigir limites simbólicos em torno de uma cultura através de um sistema de
referencialidade mútua. Como Fontanella (2009) observa, os memes não são
unidades discretas isoladas, mas blocos de construção de culturas complexas,
entrelaçadas e interagindo umas com as outras. Para o autor, “[...] memes
estabelecem entre si uma série de relações intertextuais que desestabilizam a
concepção de um autor, e talvez por isso a forte associação da memesfera com canais
que privilegiam o anonimato [...]” (FONTANELLA, 2009, p.14). Por ser fator de análise
de nossas aulas, dedicaremos neste capítulo uma seção que fundamente a
intertextualidade.
.29

Este uso e apreciação do humor referencial de múltiplas camadas tem várias


funções. Primeiro, ter - e continuamente invocar - referências compartilhadas reforça
os fundamentos da unidade do grupo. Em segundo lugar, referências repetidas
assumem significância em si mesmas dentro do grupo, fornecendo formas codificadas
de significados específicos de grupo. Por sua vez, esses significados fornecem uma
base adicional para a reinterpretação e remixagem, com o resultado final sendo um
denso emaranhado de referências que são enigmáticas para aqueles que não estão
“no conhecimento”. Tudo isso serve para reforçar as barreiras simbólicas dos muros
comunais: quanto mais conhecimento referencial é necessário para obter a piada,
maiores são as barreiras à entrada e mais exclusivo é o grupo.
Enquanto os primeiros estudos de gênero enfatizavam basicamente os
padrões estéticos, destacando as características formais, as perspectivas sobre o
gênero como intencionais ou orientadas para objetivos foram fortalecidas desde a
década de 1980. No entanto, não é preciso afirmar que o conceito de gênero foi
introduzido naquela década, conforme proposto por Rojo (2008). De fato, o interesse
em diferenciar tipos de textos remonta aos antigos gregos. Segundo Rojo (2008),
porém, Aristóteles estava apenas preocupado com obras consideradas de valor social
e literário, como também da constituição formal dos gêneros. A autora menciona que
Aristóteles chega a realizar uma verdadeira gramática das formas da língua,
indo dos fonemas (ditos letras) à frase e às metáforas e neologismos, de
maneira a tratar das formas linguísticas envolvidas na elocução. Em termos
bakhtinianos, poderíamos dizer que a Poética aristotélica dispensa
considerável atenção à forma composicional e ao estilo (ROJO, 2008, p. 82-
83).

Bakhtin, por outro lado, foi um dos primeiros estudiosos a entender que
qualquer produção verbal organizada poderia ser classificada em gêneros. Seu ensaio
seminal "O problema dos gêneros discursivos", escrito no início da década de 1950,
tem sido muito influente em teorias do gênero recém-retóricas.
Nesta discussão inicial, Bakhtin (1997, p. 279) já criticou a mera ênfase na
forma e destacou a constante dinâmica e heterogeneidade dos gêneros, vistos como
"tipos relativamente estáveis" de enunciados. A natureza situada dos gêneros, outro
aspecto fundamental dos estudos de gênero contemporâneos, também foi enfatizada
pelo estudioso russo. Segundo Brait (2005), a análise de gênero deslocou o foco do
texto para o contexto, superando a mera análise dos aspectos léxico-gramaticais da
linguagem. A comentadora de Bakhtin enfatiza que
.30

[...] considerando-se o interesse pelas questões do sentido e da significação,


parece residir na proposta de uma análise em que sejam levados em conta a
história, o tempo particular, o lugar de geração do enunciado, de um lado, e
os envolvimentos intersubjetivos que dizem respeito a um dado discurso, de
outro. [...] (BRAIT, 2005, p.93).

A partir de uma perspectiva retórica do gênero, Miller (2009) deu grande


relevância ao estudo de situações recorrentes, motivos e ações retóricas tipificadas.
De acordo com essa visão pragmática, mais do que uma categoria formal, os gêneros
devem ser entendidos como ações retóricas tipificadas que ocorrem em situações
recorrentes. A visão do gênero como uma atividade intencional foi fortalecida desde
então. Para Swales (1990 apud BIASI-RODRIGUES, 2012), o gênero é uma classe
de eventos comunicativos baseados em propósitos comunicativos compartilhados. Os
primeiros permitem e restringem conteúdo e estilo e são reconhecidos pelos
participantes de uma comunidade discursiva.
De fato, o estudo de textos em ambientes mais formalizados (por exemplo, a
comunicação organizacional) produziu desenvolvimentos teóricos significativos na
teoria do gênero. Com esse foco, Bhatia (2001) vê os gêneros como reflexões de
culturas disciplinares e profissionais. Em relação às comunidades discursivas, os
analistas de gênero podem entender como seus membros constroem, interpretam e
usam esses gêneros para atingir suas metas comunitárias e por que os escrevem da
maneira que fazem. Considerando os propósitos comunicativos e os aspectos sócio-
pragmáticos dos documentos dentro dos contextos organizacionais, os analistas
também podem detectar as estratégias, as intenções privadas, que deliberadamente
‘dobram’ um gênero estabelecido a fim de promover os interesses corporativos
(BHATIA, 2001).
É importante ressaltar que, além de possibilitar significados, os gêneros
também funcionam como uma restrição à semiose. Por um lado, como Meurer, Bonini
e Motta-Roth (2005) observam, os gêneros servem como instruções de restrição sobre
quais atos retóricos são mais apropriados em situações específicas. Por outro, os
gêneros guiam a interpretação, pois atuam como modelos de como um texto deve ser
lido. Segundo Todorov (2018), os gêneros funcionam como modelos de escrita para
os autores e como horizontes de expectativa para os leitores.
.31

1.3.1 Tema, forma composicional e estilo

Segundo Bakhtin (1997), a fala do falante determinará não apenas a escolha


do objeto e seu tratamento discursivo, mas também a definição do gênero que
estruturará o enunciado. Os gêneros emergem de certas funções (por exemplo,
científicas, comerciais, cotidianas) e de condições dentro de uma determinada esfera
humana de atividade. Considerando que para Bakhtin (1997) os gêneros são certos
tipos de enunciados temáticos, composicionais e estilísticos relativamente estáveis,
esses são os primeiros aspectos que devem ser observados nos estudos de gêneros.
Em resumo, "tema" refere-se ao que está sendo falado, "forma de composição" refere-
se a como é dito, e "estilo" indica o envolvimento do falante com o tema em
consideração.
Os temas referem-se aos objetos do discurso, abordados de acordo com
condições específicas. As características composicionais e estilísticas são
determinadas pelos objetivos do falante e sua avaliação emocional do conteúdo do
enunciado. Esse aspecto expressivo pode variar em cada esfera de comunicação,
mas é sempre um determinante fundamental. O estilo é escolhido em relação às
unidades temáticas em jogo e às relações mantidas com outros participantes na
interação. O estilo pode expressar claramente o estado emocional e a individualidade
do falante ou, ao contrário, revelar uma atitude mais prescritiva e fria, como nas
situações oficiais.
A proposta de Bakhtin de que o estudo dos gêneros deveria focar no conteúdo
temático, estrutura composicional e estilo de enunciados dentro de uma esfera
específica de comunicação é reconhecida por Horta (2015), Guerreiro e Souza (2015)
e Lisboa (2015). Através deste procedimento, os pesquisadores argumentam, pode-
se observar como o conteúdo e a forma linguística e discursiva se fundem para criar
uma expressão contextual específica. Amoêdo e Soares (2018), ao realizarem uma
análise multissemiótica do gênero meme, o identificam como gênero,
Pois atende aos elementos básicos segundo Bakhtin (2003), no que concerne
aos elementos de composição do gênero: forma, conteúdo e estilo;
acrescento o propósito comunicativo intrincado a esse esquema básico. A
forma é estruturada com vários recursos semióticos alicerçados ao modo
verbal, com isso é multimodal; objetiva a interação entre os sujeitos, ou seja,
transmitir uma dada informação; O conteúdo são histórias, situações atuais;
E a função social é mostrar ideologias implícitas pelo uso do estilo satírico,
uma crítica humorística (AMOÊDO e SOARES, 2018, p.133).
.32

Ao compartilharmos o mesmo entendimento, realizaremos uma análise que


aplique as contribuições de Bakhtin ao estudo de memes.

1.3.2 Intertextualidade: fundamentos filosóficos

Um elemento-chave da vida social é a interconectividade do discurso em


diferentes contextos de situação. Os atores sociais não formulam enunciados no
vácuo; nem os eventos de fala individuais ocorrem isoladamente um do outro. Em vez
disso, como Fiorin (2006) descreve, todo e qualquer discurso presente já está repleto
de ecos, alusões, paráfrases e citações diretas do discurso anterior.
Em suma, o discurso produzido em um contexto inevitavelmente se conecta ao
discurso produzido em outros contextos. À medida que atores sociais interagem, eles
absorvem seus discursos com vozes indicativas de seu mundo social, recorrem a
gêneros estabelecidos para enquadrar seus discursos, envolvem-se com palavras que
vieram antes deles e orientam-se para respostas antecipadas.
Central para o conceito de intertextualidade é a noção de texto. No uso comum,
um texto evoca a imagem de um livro ou documento escrito (por exemplo, romance,
poema, letra) - isto é, conteúdo linguístico unido como um todo coerente que pode ser
destacado de um ambiente particular e movimentado. A posição privilegiada dada à
linguagem - especificamente, a linguagem escrita - é evidente nessa visão. No
entanto, um texto pode ser mais amplamente definido como qualquer “conjunto
coerente de signos" (Bakhtin 1997, p. 329) para que o conceito possa ser estendido
aos domínios do cinema, da arte visual e da música para falar sobre qualquer trabalho
criativo (por exemplo, filme, pintura, partitura musical) que possa ser “lido” para o
significado. Para o propósito da análise do discurso - se o enfoque é colocado
diretamente na linguagem em uso (falado ou escrito) ou ampliado para incluir todas
as formas de atividade humana semiótica significativa (BAKHTIN / VOLOCHINOV,
2006) - um texto pode ser pensado como um unidade objetivada de discurso que pode
ser retirada de seu contexto originário (descontextualizada) e inserida em um novo
cenário onde é recontextualizada. Dessa forma, fragmentos de discurso de um
ambiente aparentemente adquirem vida própria à medida que são transformados em
textos e entram na "circulação" social. (BAUMANN; BRIGGS, 2006).
.33

Baumann e Briggs (2006) nomeiam esse processo de entextualização. Para os


autores,
a entextualização [...] é o processo de tornar o discurso passível de extração,
de transformar um trecho de produção linguística em uma unidade – um texto
– que pode ser extraído de seu cenário interacional. Um texto, então, nesta
perspectiva, é discurso tornado passível de descontextualização.
Entextualização pode muito bem incorporar aspectos do contexto, de tal
forma que o texto resultante carregue elementos da história de seu uso
consigo (BAUMANN; BRIGGS, 2006, p.206).

Já o conceito de intertextualidade baseia-se nas ideias do filósofo e teórico


literário russo Mikhail Bakhtin, que trabalhou no início do século XX (junto com vários
contemporâneos coletivamente conhecidos como o Círculo de Bakhtin) e reconheceu
que o uso da linguagem é um processo dialógico (BAKHTIN, 2016). Por meio da
dialética, Bakhtin não significa apenas exemplos de discurso estruturados
externamente como diálogo. Em vez disso, ele deseja enfatizar o dialogismo interno
da palavra que permeia todas as formas de fala, incluindo formas externamente
estruturadas como monólogos (BAKHTIN, 2016). Mesmo monólogos tradicionais -
assim como o “discurso interior” dentro da mente - estão localizados em um mundo
cheio de enunciados prévios e estão, portanto, implicados em um diálogo implícito
com aquele mundo pré-povoado do discurso. Em outras palavras, as pessoas ao
utilizar a língua, em sua totalidade concreta, viva em seu uso real, falam mais sobre o
que os outros falam - elas transmitem, lembram, pesam e julgam as palavras,
opiniões, asserções, informações de outras pessoas (FIORIN, 1996). Como resultado,
os sujeitos continuamente assimilam, retrabalham e re-acentuam o que veio antes
deles e antecipam o que pode vir à frente em elos subsequentes na cadeia da
comunhão da fala. Para Bakhtin (1997):
[...] o enunciado é um elo na cadeia da comunicação verbal e não pode ser
separado dos elos anteriores que o determinam, por fora e por dentro, e
provocam nele reações-respostas imediatas e uma ressonância dialógica.
Entretanto, o enunciado está ligado não só aos elos que o precedem mas
também aos que lhe sucedem na cadeia da comunicação verbal (BAKHTIN,
1997, p. 320).

A partir da perspectiva bakhtiniana, o uso da linguagem é fundamentalmente


um fenômeno social, pois nossa fala, ou seja, todas as nossas elocuções (incluindo
obras criativas), é preenchida com palavras de outros, graus variados de alteridade
ou graus variados de 'nosso próprio'. Graus variados de consciência e distanciamento.
Essa perspectiva difere fundamentalmente da abordagem adotada pelos linguistas
que trabalham primeiro na tradição estabelecida por Saussure (1970) e, mais tarde,
.34

no paradigma chomskyano (CHOMSKY, 1965), em que a fonte da linguagem é


considerada o falante individual e não o contexto social em que o falante vive, opera
e interage. Na perspectiva bakhtiniana, o “centro organizador de toda enunciação, de
toda expressão, não é interior, mas exterior: está situado no meio social que envolve
o indivíduo” (BAKHTIN, 2006, p. 123-124, grifo do autor). Embora a noção comum de
criatividade linguística transmitida por linguistas envolva a capacidade de um indivíduo
gerar um número infinito de elocuções a partir de um número finito de palavras, na
prática, essas possibilidades infinitas são socialmente restritas e limitadas. A partir de
uma perspectiva bakhtiniana, a criatividade existe na miríade de formas em que
expressões, vozes e tipos de discurso anteriores são apropriados e reanimados.
Talvez devido à predominância da linguística saussuriana e depois chomskiana
durante a maior parte do século XX, bem como aos problemas de saúde e repressão
política enfrentados por Bakhtin ao longo de grande parte de sua carreira, suas ideias
limitaram-se ao alcance até o final da década de 1960. Acredita-se que a teórica
literária Julia Kristeva tenha introduzido suas ideias para o público francês
(KRISTEVA, 1967, 1969), e traduções inglesas de muitos de seus escritos foram
publicados nos anos 1980 junto com traduções inglesas.
Segundo Fiorin (2006, p. 161, grifo do autor):
A palavra intertextualidade foi uma das primeiras, consideradas como
bakhtinianas, a ganhar prestígio no Ocidente. Isso se deu graças à obra de
Júlia Kristeva. Obteve cidadania acadêmica, antes mesmo de termos como
dialogismo alcançarem notoriedade na pesquisa linguística e literária.

O termo intertextualidade é, portanto, associado primeiramente a Kristeva


(2005, [1969]), quando cunhou o termo para descrever a ideia bakhtiniana de que
“todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e
transformação de um outro texto. Em lugar de intersubjetividade, instala-se a de
intertextualidade [...] (KRISTEVA, 2005, p.68, grifo da autora). A imagem da tecelagem
é mencionada por Barthes (1987, [1973]) quando aponta que etimologicamente, o
texto é um tecido.
Texto quer dizer Tecido; mas enquanto até aqui esse tecido foi sempre
tomado por um produto, por um véu todo acabado, por trás do qual se
mantém, mais ou menos oculto, o sentido (a verdade), nós acentuamos
agora, no tecido, a ideia gerativa de que o texto se faz, se trabalha através
de um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido – nessa textura – o
sujeito se desfaz nele, qual uma aranha que se dissolvesse ela mesma nas
secreções construtivas de sua teia (BARTHES, 1987, p.81-82, grifo do autor).
.35

Desta forma, qualquer texto é tecido a partir de peças anteriores de discurso


que são apenas costuradas em um novo trabalho de coerência. Como Kristeva (2005)
descreve, um texto é uma permutação de textos, uma intertextualidade.
As ideias do Círculo de Bakhtin têm sido um ajuste natural entre os linguistas
socioculturais interessados na inserção social do uso da linguagem, e o conceito de
intertextualidade tem sido amplamente aplicado entre acadêmicos interessados na
análise do discurso. Dado o amplo enfoque dos analistas do discurso na prática
discursiva e não apenas os produtos dessa prática (ou seja, textos), o termo
interdiscursividade tem surgido algumas vezes em vez do termo intertextualidade.
Assim, é importante delinear como esses termos foram apresentados na literatura.
Kristeva (2005) distingue entre dois eixos de intertextualidade - horizontal e
vertical - que capturam as três dimensões ou coordenadas do diálogo, escrevendo os
textos do sujeito, destinatário e exterior. Para Kristeva (2005), o eixo horizontal
envolve uma relação sujeito-destinatário, de modo que, nos textos escritos, a palavra
no texto pertence tanto à escrita como ao destinatário. Esses são os tipos de conexões
dialógicas discutidas por Bakhtin como elos na cadeia da comunhão da fala (1997) e
elaborados em sua discussão sobre o dialogismo e a abordagem. A noção de
intertextualidade horizontal, conforme captada pelos analistas do discurso (por
exemplo, FAIRCLOUGH, 2000), pode ser vista operando quando um falante responde
às observações feitas por outro orador, baseando-se naquelas observações prévias
para formular um novo turno de conversação (cf. DU BOIS, 2001, 2003, apud
SARAIVA, 2008). Dessa forma, a intertextualidade horizontal envolve relações
sequenciais (ou sintagmáticas) entre textos. Naturalmente, a intertextualidade
horizontal não se limita a um diálogo que ocorre em um único cenário. As cadeias de
fala podem se formar em contextos de situação em que, por exemplo, um discurso
proferido por um candidato em uma campanha reage às críticas feitas pelo candidato
oponente em um anúncio de campanha televisionado. As palavras anteriores podem
ser citadas diretamente, parafraseadas ou implicitamente mencionadas na resposta
do candidato. Esses são exemplos de repetição no discurso que Tannen (2006)
chama de “reciclagem”, em que declarações anteriores ou tópicos conversacionais
são levados adiante em momentos interacionais distintos.
Eu uso o termo 'reciclagem' para me referir a situações em que um tópico que
surgiu em uma conversa é discutido novamente em uma conversa posterior.
"Mais tarde" poderia ser mais tarde no mesmo dia, no dia seguinte ou vários
dias depois. Este termo não diz nada sobre a maneira como o tópico é
.36

discutido; refere-se apenas à aparência de um tópico que apareceu antes.


(TANNEN, 2006, p.601, livre tradução)

Onde outros textos estão explicitamente presentes, Fairclough (2000) usa o


termo dos analistas do discurso francês Authier-Revuz (1982) e Maingueneau (1987)
para se referir a isso como intertextualidade manifesta. Os textos (isto é, unidades de
discurso objetivadas) podem ser “manifestamente” marcados por características como
aspas (no discurso escrito) ou citações (no discurso falado) - ou, de outra forma,
tornadas manifestamente aparentes como instanciações do discurso anterior.
Para Kristeva (2005), o eixo vertical (texto-contexto) lida com a orientação de
um texto escrito para o contexto literário e cultural mais amplo em que está inserido.
A intertextualidade verbal foi adotada pelos analistas do discurso para se referir à
forma como um texto se relaciona (paradigmaticamente) com os outros como um
membro de uma categoria maior de textos. Os atores sociais recorrem a uma noção
internalizada de um tipo ou gênero de evento discursivo para conectar a linguagem
usada em diferentes configurações discursivas. Outras convenções discursivas
(registros, vozes, estilos ou gráficos associados a caracteres e gêneros tradicionais)
podem ser (re) configurados para constituir novos textos. Assim, Authier-Revuz (2004
[1982]) e Maingueneau (1997 [1987]) usam o termo intertextualidade constitutiva para
a confluência de convenções discursivas que contribuem para a produção de textos.
Fairclough (2000) introduz este termo, mas prefere referir-se especificamente a este
tipo de intertextualidade como interdiscursividade, reservando o termo
intertextualidade como um rótulo amplo para todos os fenômenos discutidos até
agora. No entanto, é importante ter em mente que outros estudiosos, incluindo
antropólogos linguísticos americanos, frequentemente usam a interdiscursividade
como um termo geral que focaliza a prática discursiva enquanto reserva a
intertextualidade para assuntos relacionados a textos (BAUMANN; BRIGGS, 2006).
Independentemente dos termos usados, há claramente uma variedade de direções
que a análise intertextual do discurso pode tomar.

1.4 MULTIMODALIDADE

O conceito de multimodalidade foi desenvolvido no final dos anos 90 e originou-


se, em particular, do trabalho de Michael Halliday sobre a linguagem como um sistema
.37

semiótico social. De acordo com Jewitt (2013), o trabalho de Halliday mudou a atenção
da linguagem como um sistema linguístico estático para a linguagem como um
sistema social. Vieira (2007) define a multimodalidade como uma abordagem
interdisciplinar extraída da semiótica social que entende a comunicação e a
representação como mais do que a linguagem e atende sistematicamente à
interpretação social de uma série de formas de fazer sentido. A multimodalidade
fornece conceitos, métodos e estruturas que auxiliam na coleta e análise de aspectos
visuais, auditivos e espaciais das interações e ambientes. Além disso, a
multimodalidade não apenas investiga a interação entre os meios comunicacionais,
mas também questiona a predominância prévia da linguagem falada e escrita na
pesquisa. A multimodalidade enfatiza a importância do contexto social, bem como os
recursos disponíveis para a construção de significado. Ela enfatiza especificamente a
escolha de recursos das pessoas e não o sistema de recursos disponíveis.
Do mesmo modo, pode-se também analisar a produção e interpretação de
memes a partir de uma perspectiva multimodal. Com os memes, a escolha do recurso
e o contexto social em que o meme é interpretado são centrais para a comunicação
bem-sucedida, pois comunicar-se através dos memes depende do entendimento do
destinatário.
Mencionando Jewitt, Dionísio (2014) reforça que
Primeiro, a multimodalidade pressupõe que a representação e a comunicação
sempre se baseiam em uma multiplicidade de modos, todos contribuindo para
o significado. Ela se concentra na análise e descrição do repertório completo
de recursos geradores de sentido usados pelas pessoas (recursos visuais,
falados, gestuais, escritos, tridimensionais, entre outros, dependendo do
domínio da representação) em diferentes contextos, e no desenvolvimento
de meios que mostram como esses são organizados para gerar sentido.
Em segundo lugar, a multimodalidade pressupõe que os recursos são
socialmente modelados através do tempo para se tornarem geradores de
sentido, os quais articulam os significados (sociais, individuais/afetivos)
exigidos pelos requerimentos de diversas comunidades. Esses grupos
organizados de recursos semióticos para geração de sentido são chamados
de modos, os quais realizam tarefas comunicativas de modos diferentes – o
que torna a escolha de modo um aspecto central da interação e do
significado. À medida que grupos de recursos são usados na vida social de
uma dada comunidade, mais completa e finamente articulados eles se
tornarão. Para que algo “seja um modo” há necessidade de um senso cultural
compartilhado em uma comunidade de recursos e como esses podem ser
organizados para realizar significados.
Finalmente, a multimodalidade pressupõe pessoas orquestrando o sentido
através de uma seleção e configuração particular de modos, enfatizando a
importância da interação entre modos. Portanto, todo ato comunicativo é
modelado pelas normas e regras operando no momento de produção do
signo, influenciado pelas motivações e interesses das pessoas em contextos
sociais específicos (DIONÍSIO, 2014, p. 48-49).
.38

Como mencionado anteriormente, os memes são artefatos de mídia que são


remixados e circulados. Eles consistem em diferentes mídias e modos e cada um
desses modos tem diferentes usos e funções. De acordo com Jewitt (2013), os
significados em qualquer modo estão sempre entrelaçados com os significados
criados com aqueles outros modos copresentes e cooperantes no evento
comunicativo. A interação entre os modos é, em si, uma parte da produção de
significado. No caso dos memes, pode-se argumentar que o próprio meme se qualifica
como um modo que é distribuído através da mídia online e social. Os modos são
interpretados dentro de um sistema semiótico para que a comunicação e a
interpretação do modo ocorra. Dentro de um sistema semiótico, os termos modo e
mídia são substituídos pelo termo recurso semiótico.

1.4.1 Recursos semióticos

Van Leeuwen (2005) define um recurso semiótico como todos os materiais e


artefatos ou ações que usamos para nos comunicar. Recursos semióticos podem ser
produzidos fisiologicamente, com nosso aparato vocal, por exemplo, ou podem ser
produzidos tecnologicamente. Recursos semióticos tecnológicos podem ser
produzidos com caneta e tinta, ou hardware e software. Além disso, Van Leeuwen
(2005) afirma que os recursos semióticos têm um potencial de significado, baseado
em seus usos passados, e um conjunto de soluções baseadas em seus possíveis
usos, e estes serão concretizados em contextos sociais concretos onde seu uso está
sujeito a alguma forma de regime semiótico.
Aqui Van Leeuwen menciona algumas características muito importantes que
podem ser aplicadas aos memes. Em primeiro lugar, um meme tem um potencial de
significado. Todo meme é criado com o propósito de expressar algo. Isso pode ser
uma emoção ou uma opinião. Esse será, então, o potencial de significado do meme.
Muito importante, Van Leeuwen (2005) afirma que o potencial de significado é
atualizado em contextos sociais concretos. No contexto em que os memes são usados
(a internet e os sites de redes sociais, principalmente), a interpretação do meme
dependerá em grande parte do “conhecimento” dos memes, suas funções e seus usos
pelos diferentes usuários da internet.
.39

Alguns memes, como fotos de reação, não incluem texto (embora a inclusão
de texto como título ou introdução ao meme seja comum), o que significa que o
destinatário ou leitor deve ser capaz de interpretar o meme e qualquer texto, ou não
corretamente. Esse leitor corresponde ao que Eco (1988) chama de leitor modelo. Eco
(1988) menciona que o leitor modelo de um texto específico desempenha um papel
importante na organização de um texto. Para tornar um texto comunicativo, o autor do
texto tem que assumir que o conjunto de códigos em que ele se baseia é o mesmo
que os códigos compartilhados pelo possível leitor. De acordo com Eco (1988), um
autor tem que prever um leitor modelo que é, supostamente, capaz de lidar
interpretativamente com as expressões da mesma maneira que o autor lida
generativamente com elas.
Ainda para Eco (1993) existe uma diferença entre um processo comunicativo e
um processo de significação. Um processo comunicativo é definido como a passagem
de um sinal de uma fonte (através de um transmissor, ao longo de um canal) para
uma destinação. Aqui apenas a passagem de algumas informações ocorre, mas
nenhuma significação. Quando o destino se torna um ser humano, mesmo que a fonte
não seja humana, e o sinal não é meramente um estímulo, mas desperta uma resposta
interpretativa no destinatário, ocorre um processo de significação. Eco (1993) afirma
que esse processo é possível devido à existência de um código. Um código é
basicamente um sistema de significação.
A interpretação de um meme pode, portanto, ser vista como um processo de
significação. Como os memes são artefatos multimodais que também podem ser
interpretados através da teoria da semiótica, é possível que eles sejam uma
mensagem mais complexa do que apenas uma imagem simples sendo enviada de um
indivíduo para outro.

1.5 O MEME COMO GÊNERO DISCURSIVO

Para Bakthin (1976), o enunciado abrange além dos fatores verbais, a situação.
A compreensão do gênero meme depende, além dos elementos verbais, elementos
não-verbais, pois sua natureza é verbal-imagética.
.40

Para exemplificar, observemos as figuras 7 e 8:

Figura 7 - Meme com Beatles “Misericórdia”

Fonte: https://br.pinterest.com/pin/356206651770965031/?lp=true

Nas figuras 7 e 8 podemos observar o humor presente no meme. A imagem


utilizada para os memes é a capa do famoso álbum dos Beatles – Abbey Road5.Na
figura 7, o humor se faz presente com a imagem da capa do álbum da banda em dois
momentos, sendo que no segundo quadro, a imagem foi invertida para destacar a
ideia de que a banda está retornando.
Elementos como comportamento social da figura são distinguidos ao levar-se
em conta a importância e reconhecimento da contribuição das composições da banda
para o cenário musical mundial e a consagração deste sucesso. Aqui, mesmo sendo
compreensível os elementos verbais sem a utilização da imagem, a interação para
compor este humor específico e direcionado só é realizado através da
intertextualidade dos dois elementos – verbais e não-verbais.
Na figura 8, encontramos a mesma imagem invertida da capa do álbum, porém
com outro elemento verbal. O humor e compreensão do meme em questão, se dá
justamente pelo posicionamento invertido da foto e pelo contexto aplicado.

5 Abbey Road foi o 12° álbum lançado pela banda britânica The Beatles. Foi lançado em 26 de setembro
de 1969, e leva o mesmo nome da rua de Londres onde situa-se o estúdio Abbey Road. A famosa
fotografia da capa do álbum foi tirada do lado de fora dos estúdios em 8 de agosto de 1969 por Iain
Macmillan. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Abbey_Road#Capa
.41

Para Bakhtin (1976),


[...] cada enunciado nas atividades da vida é um entimema social objetivo.
Ele é como uma “senha” conhecida apenas por aqueles que pertencem ao
mesmo campo social. A característica distintiva dos enunciados concretos
consiste precisamente no fato de que eles estabelecem uma miríade de
conexões com o contexto extraverbal da vida, e, uma vez separados deste
contexto, perdem quase toda a sua significação – uma pessoa ignorante do
contexto pragmático imediato não compreenderá estes enunciados (p.8-9).

Figura 8 - Meme Beatles – “Volta que deu Merda”

Fonte: https://br.pinterest.com/pin/781233866580531203/?lp=true

O tema ainda continua calcado na ideia de que algo implícito, mas não
desconhecido deu errado ou falhou.
Desta maneira ao interpretar o significado de um meme, é muito importante que
o leitor esteja ciente da informação de fundo que precede a comunicação. Em uma
comunicação, a informação de fundo não é a única informação contextual que pode
ajudar uma pessoa a interpretar um enunciado. Os aspectos não verbais da
comunicação também podem ser usados para interpretar a intenção de um falante. A
foto no meme geralmente fornece o aspecto não verbal do contexto, ou a informação
de fundo necessária para interpretar o meme corretamente. Como os memes são
frequentemente usados como piadas, o contexto do meme é muito importante ao
interpretar a intenção do criador do meme. O meme da figura 9, intencionalmente
utilizado aqui, exemplifica essa afirmativa.
.42

Figura 9 - Meme Evolução das Espécies

Fonte:
http://www.roncaronca.com.br/category/volta-que-
deu-merda/

Ao relacionar o texto verbal à imagem do contexto da evolução da espécie


humana, têm-se a “chave” para a compreensão do enunciado. A junção de elementos
verbais e não-verbais transforma o entendimento do texto, provocando significação e
humor.
Através da análise e discussão, argumenta-se que os memes podem funcionar
como enunciados concretos de fala, sendo um gênero multimodal e intertextual,
expressando emoção ou opinião através de estilo humorístico. Vale a pena notar que
a comunicação usando memes é mais complexa do que se poderia esperar. Não
apenas os memes são artefatos de mídia que podem ser remixados e reutilizados de
várias maneiras diferentes, mas o leitor modelo que precisa interpretar o meme e o
contexto do meme corretamente para uma comunicação eficaz, nem sempre está
presente. Embora a comunicação através dos memes possa levar a mal-entendidos,
parece que os usuários de mídias sociais que têm conhecimento suficiente dos
memes e como eles são usados, são capazes de se comunicar com sucesso online
usando-os.
.43

2. O MEME COMO PROPOSTA DE “LEITURA”

Anualmente, o Banco Mundial publica o World Development Report - relatório


que debate diferentes aspectos do desenvolvimento mundial. No ano de 2018, o
documento se dedicou exclusivamente à educação e à crise global de aprendizagem.
Neste relatório, após análise de dados do Programa Internacional de Avaliação de
Alunos (PISA) – uma avaliação organizada pela Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), o referido relatório conclui que “embora as
aptidões de jovens brasileiros de 15 anos tenham melhorado, se o sistema continuar
a progredir no ritmo atual, os jovens levarão mais de 260 anos” para atingir a
pontuação média em leitura dos países ricos. Para o relatório, apesar dos esforços do
Brasil em medir os níveis de proficiência dos alunos, “os déficits da aprendizagem
continuam ocultos” (THE WORLD BANK, 2018, p.3).
Várias discussões e apontamentos foram levantados a partir deste relatório. O
próprio documento apontou que no Brasil,
avaliações internacionalmente comparáveis revelam que mais de três quartos
dos jovens atingem a idade de 15 anos sem poderem desempenhar o nível
mais baixo de competência nos testes do Programa Internacional de
Avaliação de Alunos (PISA) ou têm apenas uma compreensão básica das
habilidades de leitura (“leitura para o significado”) (THE WORLD BANK, 2018,
p.74).

A nível estadual, o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de


São Paulo – SARESP, aponta que 45% dos alunos que terminam o Ensino Básico,
não conseguem identificar a finalidade de um texto, seu gênero e o assunto principal.6
Marcuschi (2008), mencionando a avaliação PISA de 2001, a qual também teve
baixos índices de proficiência leitora entre os alunos de 15 anos, revela que
Independentemente de resultados de testes, todos nós sabemos como é
importante nos entendermos bem no dia-a-dia, seja no diálogo com outras
pessoas ou na leitura de textos escritos. Esse não é um assunto apenas
escolar ou acadêmico, mas de nossa vivência cotidiana, pois entre as
experiências negativas que fazemos está a de sermos mal-entendidos em
nossas relações comunicativas. Da má-compreensão podem surgir
desavenças e acabarem namores; podemos perder amigos e dinheiro, sofrer
acidentes e até deixar de conseguir emprego. A nota baixa na escola é
apenas um detalhe menor. Diante disso, não parece necessário argumentar
em favor da relevância do estudo da compreensão, já que ela permeia todas
as nossas atividades [...] (MARCUSCHI, 2008, p.230)

6 Segundo dados apresentados pelo Secretário Estadual da Educação de São Paulo, Rossieli Soares
em coletiva de imprensa em fevereiro de 2019. Disponível em http://www.educacao.sp.gov.br/wp-
content/uploads/2019/02/SARESP-2018_sintetica_V3_AT-1.pdf
.44

Grosso modo e no senso comum das discussões na escola e nos noticiários,


“leitura para o significado” e “não conseguir identificar a finalidade de um texto” é
traduzido como “alunos leem, mas não entendem o que leem”.
Mas o que seria leitura sob esse viés de ler e não entender?
Entendemos que “compreender o que leem” envolve vários processos, além da
ação de ler. Envolve letramento, multiletramento e trazendo a problemática para o
escopo de nossa pesquisa, envolve também letramento midiático (MARCUSCHI,
2008). Desta maneira, fugindo da esfera do senso comum e entendendo que o termo
“leitura” nas avaliações que aferem proficiência leitora pode ter várias interpretações,
salientamos a necessidade de realizar uma breve conceituação destes termos.

2.1 MAS AFINAL, O QUE É LEITURA?

Pesquisas enfatizam a necessidade de indivíduos, principalmente profissionais,


que se comuniquem bem, apresentarem fluência e desenvoltura ao escreverem e ao
fazerem boas redações. Outros elementos que permeiam essa questão é a de que o
sujeito necessita estar bem informado, saber ler diversos tipos de textos e trabalhar
tais gêneros textuais para se fazer entender. Devido a isso, a importância da leitura é
colocada para a escola como prioridade; para que além de educar cidadãos forme
indivíduos competentes em leitura. Mas se não há dúvidas quanto ao papel da escola
e da necessidade de prover tais habilidades aos alunos porque então o assunto ainda
é tema de reavaliação?
Como afirma Rojo (2002)
No entanto, a maior parcela de nossa população, embora hoje possa estudar,
não chega a ler. A escolarização, no caso da sociedade brasileira, não leva à
formação de leitores e produtores de textos proficientes e eficazes e, às
vezes, chega mesmo a impedi-la. Ler continua sendo coisa das elites, no
início de um novo milênio. (ROJO, 2002, p.1).

Abordaremos adiante, as principais questões que norteiam tais preocupações


quanto a necessidade de reavaliar os métodos de ensino de leitura.

2.1.1 Ler
.45

A partir dos estudos de linguística compreendemos que a linguagem é um


processo de interlocução (GERALDI, 2012), assim possibilitando a interação entre
dois sujeitos, e que tais sujeitos, ao ler, não ficam subordinados unicamente à
descoberta de sentidos dados pelo autor; cada sujeito acessa seu conjunto semântico
buscando referências e significados estáveis para interpretar os textos que leem.
Toda palavra possui significado no processo de enunciação. A partir de uma
dada língua estes significados devem ser estáveis e reiteráveis além de conhecido
pelos falantes. Tal conjunto de sentidos será constituído a partir das experiências de
cada um. Em outras palavras, quando se diz “carro” todos compreendem qual é o
objeto, o que se está sendo dito e sob quais circunstâncias se poderia encontra-lo,
mas cada pessoa procurará acessar suas próprias referências baseadas em sua
experiência vivida do que venha a ser este objeto “carro”; e dependendo dessas
experiências, se boas ou ruins, um sentido único e pessoal será expresso para
discerni-lo. Para Bakhtin,
não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou
mentiras, coisas boas e más, importantes ou triviais, agradáveis ou
desagradáveis, etc. A palavra está, sempre, carregada de um conteúdo ou
de um sentido ideológico ou vivencial. (BAKHTIN, 1988, p.95)

Quando interpretarmos textos com, por exemplo, o sintagma “carro”


agregaremos a ele tanto um significado quanto um sentido, logo todo texto contendo
“carro” poderá ser lido por todos, e isso é bom, mas o sentido será pessoal e único.
Entendemos que cada texto, sem exceções, está orientado para um
interlocutor, ainda que para si - como no caso de diários ou notações, tal dialogismo
é característica fundante da linguagem (BAKHTIN, 2016).
Essa finalidade de um texto não ocorre unicamente por conta dos
conhecimentos, da linguagem utilizada; costumes ou crenças do interlocutor também
agregam funções, tais como a finalidade ao se escrever, o assunto escrito, para quem
se escreve, sob qual gênero textual deverá ser escrito, onde será publicado, de que
forma será veiculado esse texto.
Sendo assim quanto mais adequado o texto estiver ao contexto mais eficaz ele
será. O domínio de um produtor sobre estes aspectos o tornaria muito mais
competente.
Observemos essas duas situações, elencadas por Brakling (2008):
.46

a) escrever um artigo de opinião sobre violência familiar, para ser veiculado


em uma revista eletrônica de um colégio de Ensino Fundamental, com a
finalidade de esclarecer, informar e formar a opinião de alunos dos 5ºs anos;
b) escrever um artigo de opinião sobre violência familiar, para ser veiculado
no jornal Folha de São Paulo, na seção “Tendências e Debastes”, com a
finalidade de esclarecer, informar e formar opinião dos leitores sobre o tema
em questão (BRAKLING, 2008, p.3).

Ainda que os temas, os gêneros e a finalidades sejam semelhantes em termos


de produção os textos deverão ser escritos atendendo a forma e estilo diferentes
devido ao fato de que os leitores não serão os mesmos. Argumentos, termos,
exemplos deverão ser escolhidos levando-se em consideração a adequação para
cada grupo de leitores, suas características, conhecimento de linguagem, abordagem,
plataforma ou meio de veiculação do texto.
Ao consideramos que um texto é determinado pelas características do contexto
de produção no qual foi produzido, então, no processo de leitura é de fundamental
importância recuperar esse contexto de produção. Saber, por exemplo quem é o autor
do texto, conhecer sua obra, a época em que foi escrita pode oferecer pistas
relacionadas tanto ao conteúdo do texto lido, quanto ao tratamento que esse conteúdo
receberá. Como já dito anteriormente, as pessoas ao utilizar a língua, transmitem,
lembram, pesam e julgam as palavras, opiniões, asserções, informações de outras
pessoas. (FIORIN, 1996).
Portanto, a ação de “ler” está ligada a um processo que ressignifica os sentidos
de um texto a partir de um repertório de significação e sentidos implementados por
cada sujeito, levando-se em conta aspectos intrínsecos do contexto de produção para
se produzir o texto que se está lendo.
A boa leitura, fica então relacionada a capacidade de um sujeito de ressignificar
os sentidos de um texto recuperando e antecipando possíveis entendimentos a partir
dos significados interpretativos absorvidos em seu repertório pessoal. No que diz
respeito a interpretação e compreensão do texto entende-se que a compreensão de
informações, termos desconhecidos, o reconhecimento de citações, sentidos de
palavras e expressões, informações semânticas são articuladas com outros textos ou
com a vivência do leitor e em contraponto à palavra do texto, a sua própria,
compreendendo-o de forma crítica.
Ensinar a ler abrange implementar esse manancial requerido para a
tematização das capacidades de leitura e dar suporte a sua constituição e
crescimento.
.47

2.1.2 Letramento: ler como prática social

Ler requer diversas práticas de leitura a serem realizadas em diversos espaços


socias, circulação de pessoas e plataformas. Lemos, por exemplo, revistas em salas
de esperas, notícias de jornais ao passar pelas bancas de revistas, orações em
reuniões de caráter religioso, posts em redes sociais, instruções em monitores de
caixas de banco, propagandas em letreiros e faixas, informação em outdoors,
cardápios em restaurantes; e estas são apenas algumas entre tantas outras situações.
Cada uma destas situações atende a diferentes motivações que determinam
específicos procedimentos para lidar com cada um destes materiais de leitura.
Certos procedimentos serão adotados para cada material de leitura e de acordo
com sua finalidade. Kleiman (1989, 1992) afirma que a ação de ler está relacionada a
uma variedade de outras ações e procedimentos, as quais dependerá da finalidade
da leitura.
Tomando por essa ótica, a boa leitura passa a ser relacionada à capacidade
de um sujeito em fazer os ajustes necessários aos procedimentos da leitura e sua
finalidade; a construção de um comportamento socializador para compor e enriquecer
seu repertório de significados enquanto busca compor uma análise crítica onde atua
emitindo sua opinião ou buscando esclarecimento sobre o assunto do material, e não
apenas ao procedimento de ressignificar os sentidos de um texto (Marcuschi, 2008).
Quase sempre durante a leitura, bons leitores, compartilham trechos,
impressões de que gostam muito e ao finalizar a leitura desejam discutir dúvidas,
buscar esclarecimentos ou indicam o livro sob sua própria análise.
Esses comportamentos do leitor também devem ser levados em consideração
enquanto se objetiva o letramento e capacidades de leitura para a cidadania.
Mas ser letrado e ler na vida e na cidadania é muito mais que isso: é escapar
da literalidade dos textos e interpretá-los, colocando-os em relação com
outros textos e discursos, de maneira situada na realidade social; é discutir
com os textos, replicando e avaliando posições e ideologias que constituem
seus sentidos; é, enfim, trazer o texto para a vida e colocá-lo em relação com
ela. Mais que isso, as práticas de leitura na vida são muito variadas e
dependentes de contexto, cada um deles exigindo certas capacidades
leitoras e não outras. (ROJO, 2002, p.1)

O que nos abre a possibilidade de entender melhor o porquê é importante ler.


Verificamos ao longo das últimas décadas o desenrolar de diversas pesquisas e
.48

estudos a respeito do ato de ler (ROJO, 2002) e isso nos trouxe à luz de que muitas
capacidades e habilidades envolvem o que se julgava ser leitura. Rojo afirma:
Se perguntarmos a nossos alunos o que é ler na escola, possivelmente estes
dirão que é ler em voz alta, sozinho ou em jogral (para avaliação de fluência
entendida como compreensão) e, em seguida, responder um questionário
onde se deve localizar e copiar informações do texto (para avaliação de
compreensão). Ou seja, somente poucas e as mais básicas das capacidades
leitoras têm sido ensinadas, avaliadas e cobradas pela escola. Todas as
outras são ignoradas. É o que mostram os resultados de leitura de nossos
alunos em diversos exames, como o ENEM, SARESP, SAEB, PISA, tidos
como altamente insuficientes para a leitura cidadã numa sociedade urbana e
globalizada, altamente letrada, como a atual. (ROJO, 2002, p.4).

Ler, na verdade compreende desde acessar capacidades de ativação,


reconhecimento e resgate de conhecimento até capacidades lógicas e de
ressignificação do mundo, seus valores e sentidos. Todo esse processo dá-se através
do contato com outros textos e é dessa interação social que ocorre a apropriação
crítica do que se leu. Ler cria dimensão para o mundo do ser. Jobim e Souza (1994)
afirmam que:
[...] ser significa ser para o outro e, por meio do outro, para si próprio. O
território interno de cada um não é soberano; é com o olhar do outro que nos
comunicamos com nosso próprio interior. Tudo o que diz a respeito de mim
[...] chega à minha consciência por meio da palavra dos outros, com sua
entonação valorativa e emocional [...] A consciência do homem desperta a si
própria envolvida na consciência alheia (JOBIM E SOUZA, 1994).

Desta forma, podemos verificar o trajeto das exigências nos componentes do


conceito de leitor competente e fluência de leitura a partir das modificações na
conceituação de leitura. Nessa moderna perspectiva o sujeito fluente em leitura
necessita articular mais do que sua própria visão de mundo, precisará lidar com fatos,
pessoas e suas características distintivas, decodificar e transpor diversos códigos,
conhecer diversas mídias e suportes, suas intertextualidades, posicionar-se diante
dos discursos e dos discursos que os precedem além de suas multimodalidades. Já
para o produtor de texto capacidades discursivas, domínio dos gêneros discursivos,
conhecimento do contexto das esferas sociais e linguística estarão definitivamente
envolvidos e lhe somarão atribuições indispensáveis.
O desafio lançado aqui aos profissionais que lidam com ensino da língua e da
leitura é o de que forma aplicar tais teorias de letramento e os diferentes tipos e níveis
de letramento como apontado por Soares (1998):
à medida que o analfabetismo vai sendo superado, que um número cada vez
maior de pessoas aprende a ler e a escrever, e à medida que,
concomitantemente, a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na
.49

escrita (cada vez mais grafocêntrica), um novo fenômeno se evidencia: não


basta aprender a ler e a escrever. As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler
e a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática de leitura e da
escrita, não necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a
escrita, para envolver-se com as práticas sociais de escrita. (SOARES 1998:
45-46)

Daí podermos falar de diferentes tipos e níveis de letramento da população em


geral.
O termo letramento surgiu, segundo Soares (2003), como forma de luta para a
manutenção e conquista da cidadania dentro do bojo da evolução cultural, social,
política, econômica e tecnológica. Segundo essa autora, trata-se de um conceito
ampliador daquilo que antes se conhecia difusa e tradicionalmente como
alfabetização. Mas letramento não é apenas uma aquisição mais proficiente da leitura
e da escrita, pois também possui o sentido de apropriação da escrita por determinado
grupo social ou mesmo por um indivíduo analfabeto que usufrua da leitura, ainda que
de modo indireto. Assim o conceito na verdade representa dois conceitos diferentes:
um tem a ver com a pessoa que já faz eficiente uso social da leitura; outro se relaciona
à importância da leitura para uma comunidade e seus membros, alfabetizados ou não.
Um exemplo bem simples é o da mãe que acalenta o sono de seu filho por meio
de alguma história infantil. A criança já ingressa assim no mundo da leitura sem,
todavia, dominar o seu código grafofônico. No âmbito pedagógico letramento em geral
é compreendido no primeiro sentido, ou seja, como uma forma complementar e
também mais avançada de alfabetização e a proposta de tornar o aluno um cidadão
bem letrado é a proposta de desenvolver nele competências na leitura e escrita
adequadas aos diversos meios sociais.
Soares (1998, p. 38), menciona que “aprender a ler e a escrever e fazer uso da
leitura e da escrita transforma o indivíduo e o leva a um outro estado ou condição sob
vários aspectos: social, cultural, cognitivo, linguístico.” Desta maneira, a
aprendizagem é posta aqui como algo que provém de inquietações e dúvidas, nos
projetando às novas descobertas.
Selecionar determinados tipos de letramento é uma prática comum do
cotidiano. Já o letramento nas escolas se dá mediante uma perspectiva democrática
de acesso ao conhecimento produzido histórico e socialmente implementado de forma
orientada e sistematizada com a finalidade enquanto instituição social de formação à
cidadania. Para tanto é preciso atentar as expectativas com relação as habilidades
.50

necessárias para implementar no decorrer do período escolar as novas modalidades


didáticas de leitura, como aquelas necessárias à leitura e interdiscursividade dos
novos gêneros discursivos. Consequentemente, os memes, proporcionam aos alunos
ricas oportunidades de examinar como a linguagem falada e os elementos visuais
podem ser combinados e ser comunicada via comunicação digital para persuadir o
leitor.
Já mencionamos que o letramento é definido como o processo de usar a leitura,
a escrita e a linguagem oral para extrair, construir, integrar e criticar o significado por
meio da interação e do envolvimento com textos multimodais no contexto de práticas
socialmente situadas. Esta definição enfatiza quatro mudanças importantes nas
percepções de leitura/alfabetização que aumentaram em relevância nos últimos 30
anos. Primeiro, o letramento envolve processos produtivos (por exemplo, escrita, fala)
bem como processos receptivos (por exemplo, ler, ouvir) que são mais parecidos do
que diferentes, especialmente em seu caráter inerentemente construtivo (KLEIMAN,
1995).
Em segundo lugar, a leitura acontece no contexto das práticas sociais que
envolvem a escrita, a fala e a escuta, além da leitura e atividades que são social,
cultural e historicamente enraizadas (STREET, 2014). Nosso foco está em como os
indivíduos fazem sentido através de interações com textos. No entanto, as relações
recíprocas entre leitura, escrita, fala e escuta, combinadas com noções expandidas
sobre o que constitui um “texto”, tornam virtualmente impossível escrever sobre a
leitura sem considerar esses outros componentes da alfabetização. Também
enfatizamos a necessidade de considerar os contextos em e através dos quais os
indivíduos fazem sentido de seus mundos, incluindo os textos que fornecem
representações e mediam as interações nesses mundos (MARCUSCHI, 2008).
Por fim, modalidades além da linguagem escrita trazem possibilidades e
funcionalidades únicas para a prática do letramento. Por exemplo, o significado que
vem da justaposição de modos (por exemplo, imagem, som, gesto) em um texto
multimodal pode diferir do significado que vem da simples leitura das palavras
escritas. Como outro exemplo, o significado que um indivíduo constrói, integra e critica
enquanto navega on-line de hyperlink a hiperlink nos leva a repensar noções sobre o
significado de fazer sentido no contexto de práticas literárias em rápida mudança
(ROJO, 2015). Quando questões e definições mudam, também as metáforas e
exemplos que iluminam o seu significado se modificam.
.51

Operando a partir do que hoje é conhecido como a perspectiva dos "novos


letramentos", Street (2014) fez um argumento semelhante quando distinguiu entre o
modelo dominante e autônomo de letramento, no qual o letramento foi
operacionalizado como uma habilidade neutra, e o modelo ideológico, no qual o
letramento constitui uma ação social intencional que ocorre dentro das práticas
sociais. A partir deste modelo ideológico, o letramento é múltiplo, objetivo e situado
na linguagem; isto é, o letramento é inextricável das práticas sociais, culturais,
institucionais e políticas em que os indivíduos leem, escrevem, falam e escutam. O
letramento é político na medida em que algumas formas de encená-lo contam mais
do que outras. Portanto, aprender a ler envolve mais do que aprender habilidades e
estratégias. Envolve também tornar-se socializado em práticas linguísticas
particulares, a fim de participar delas.

2.2 LETRAMENTO DIGITAL E MIDIÁTICA: OS MULTILETRAMENTOS

Dar aos estudantes condições de significarem os diferentes textos que circulam


e de elaborarem seus próprios textos, para que se posicionem no constante trânsito
de ideias e valores, que é a vida em sociedade, é compromisso básico da escola. Sem
isso, as demais aprendizagens ficam prejudicadas e reduzem-se muito as
possibilidades de exercitar a cidadania.
Por essa razão, ampliar os multiletramentos dos estudantes, investindo no
aprimoramento de suas capacidades de leitura (ROJO, 2004) e produção textual,
trabalhando textos de diferentes esferas, gêneros, linguagens e valores culturais,
constitui os objetivos transversais, que devem articular o currículo, visando à maior
inserção dos estudantes nas práticas letradas.
Partindo dessa compreensão, as aulas de língua portuguesa devem propor um
trabalho envolvendo textos de diferentes gêneros que circulam socialmente, o que
permite aos estudantes o aprimoramento de suas condições de leitores e de
produtores sociais.
Se, grosso modo, letramento é “um conjunto de práticas sociais que usam a
escrita enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos,
para objetivos específicos” (KLEIMAN, 1995) há de se imaginar que essas práticas,
.52

quando realizadas numa esfera diferente, a digital, sofram modificações e impliquem


novos tipos de letramento, bem como inter-relações discursivas diferentes.
Assim, Freitas (2010), conceitua o letramento digital:
[...] compreendo letramento digital como o conjunto de competências
necessárias para que um indivíduo entenda e use a informação de maneira
crítica e estratégica, em formatos múltiplos, vinda de variadas fontes e
apresentada por meio do computador-internet, sendo capaz de atingir seus
objetivos, muitas vezes compartilhados social e culturalmente (FREITAS,
2010).

No âmbito do ensino de língua portuguesa – disciplina que na escola está à


frente do processo de alfabetização e letramento escolar -, a noção de letramento
digital ganha particular interesse não apenas porque a Internet é um amplo território
de interações e práticas discursivas, mas também porque nessa esfera digital circulam
diferentes gêneros do discurso, um dos objetos de ensino mais importante da
disciplina.
A propósito dessa relação entre escrita verbal, gêneros e letramento digital,
Buzato (2006) esclarece:
sendo a escrita verbal um dos componentes mais importantes das interfaces
de computador, uma pessoa alfabetizada no sentido tradicional não poderia
plausivelmente ser chamada de "analfabeta" em relação a essas interfaces.
Em segundo lugar, porque o que se espera do cidadão, do professor e do
aluno, não é simplesmente que domine um conjunto de símbolos, regras e
habilidades ligadas ao uso das TIC, mas que "pratique" as TIC socialmente,
isto é, que domine os diferentes "gêneros digitais" que estão sendo
construídos sócio-historicamente nas diversas esferas de atividade social em
que as TIC são utilizadas para a comunicação (BUZATO, 2006).

Assim, se no processo de construção do letramento escolar os gêneros


assumem um papel decisivo, no letramento digital não é diferente, pois os gêneros
digitais atuam como réplica ao que os estudantes veem, leem e ouvem na internet.
Seja trocando e-mails, seja postando um comentário no site de um jornal, seja criando
um blog para reunir e divulgar textos de comunidade, seja para interagir em salas de
bate-papo, seja para produzir ou refutar opiniões em fóruns de debate, seja ainda para
produzir e editar um verbete na Wikipedia, as interações na Internet ocorrem de forma
ativa, dialógica.
Talvez mais adequado do que tratar em separado o letramento e o letramento
digital seja adotar uma nomenclatura mais ampla, que englobe todas as formas de
letramento, como a de multiletramento. Rojo (2010), citando Cope e Kalantzis, explica
esse conceito:
.53

multiletramentos –, em que o prefixo “multi” aponta para duas direções:


multiplicidade de linguagens e mídias nos textos contemporâneos e
multiculturalidade e diversidade cultural. Para eles, a pedagogia dos
multiletramentos está centrada em modos de representação (linguagens)
muito mais amplos do que somente a linguagem verbal, que diferem de
acordo com a cultura e o contexto e que têm efeitos cognitivos, culturais e
sociais específicos. Os multiletramentos exigem um tipo diverso de
pedagogia, em que a linguagem verbal e outros modos de significar são vistos
como recursos representacionais dinâmicos que são constantemente
recriados por seus usuários, quando atuam visando atingir variados
propósitos culturais (ROJO, 2010, p.29, grifo da autora).

A respeito do que lemos e escrevemos nos dias de hoje, cabe destacar a


multimodalidade desses textos, o uso de diferentes linguagens em sua composição.
Cada vez mais o texto verbal – oral e escrito – vem acompanhado de (info)gráficos,
tabelas, quadros, esquemas, imagens estáticas e em movimento, diferentes tipos de
arquivos de áudio etc. Assim, não basta desenvolver habilidades e capacidades
relativas ao texto escrito. Lidar com as várias linguagens é um imperativo para poder
participar das práticas letradas do mundo contemporâneo.
Mais do que linguagens, estes textos supõem capacidades que envolvem o
trato com diferentes mídias, inclusive relativo ao domínio de meios técnicos para
navegar por elas, compreender e produzir textos em vídeo, áudio etc.
Mais do que mídias e linguagens, o conceito pretende incluir também a
perspectiva do multiculturalismo – consideração de práticas letradas de diferentes
culturas (as juvenis, as locais etc) – propondo-se, assim, a inclusão das práticas que
circulam nas mais variadas culturas presentes na sala de aula, para além da cultura
valorizada, que é tradicionalmente considerada pela escola.
Trata-se, portanto, de na esfera jornalística, buscar formar leitores de
periódicos e, além dos gêneros já valorizados pela escola – notícia, reportagem, carta
de leitor, entrevista etc, bem como outras práticas – fazer curadoria, remixar,
redistribuir, seguir, compartilhar, fazer revista digital etc.
Em relação à esfera científico-escolar, trata-se de ensinar os alunos a buscar,
selecionar, tratar as informações, trabalhar com gêneros como verbete enciclopédico
(que pode ser elaborado colaborativamente por meio da ferramenta wiki),
apresentação oral, ensaio, reportagem multimídia etc, além de possibilitar que os
alunos se apropriem dos gêneros e procedimentos de apoio à compreensão – grifar,
anotar, fazer resumos, esquemas etc.
.54

2.2.1 Meme como Letramento Midiático: nova formas de pensar em mídia

Do ativismo das hashtags à inundação de memes políticos nas mídias sociais,


a paisagem da comunicação está sendo transformada pela circulação popular de
opinião em plataformas digitais. Ao explorar como as pessoas comuns auxiliam na
promoção de mensagens de mídia para persuadir seus pares e moldar a opinião
pública, Penney (2017) argumenta que os cidadãos comuns não são (e não devem
ser) mais passivos em relação às mídias sociais, mas participam nas atividades de
compartilhamento em tais atividades não apenas em termos de como ela pode moldar
ou influenciar, mas como uma declaração de sua própria identidade.
Como a disseminação da informação através da mídia social tem o potencial
de afetar o discurso público, os memes devem ser vistos como textos visuais
poderosos e argumentativos (PENNEY, 2017) dignos de investigação em sala de aula.
Preparar os alunos para os desafios da leitura e da escrita no século XXI exige
um conjunto exclusivo de habilidades de ler e escrever em uma variedade de gêneros,
incluindo memes. Como já mencionado, os memes, assim como os genes, são
arranjos infecciosos de informação que abrangem uma ampla variedade de tópicos,
como a política, a cultura pop e a moralidade. Os memes não são estáticos; eles
geralmente evoluem à medida que são transmitidos e modificados por diferentes
usuários. Consequentemente, os memes, também definidos como textos visuais,
proporcionam aos alunos ricas oportunidades de examinar como a linguagem falada
e os elementos visuais podem ser combinados e comunicados via comunicação digital
para persuadir o leitor.
É razoável supor que, enquanto estão on-line, os alunos encontram uma
variedade de textos. Além disso, o conteúdo acessível aos alunos por meio de
plataformas de mídia social on-line muitas vezes carece de esforços de fatos ou
qualquer julgamento editorial. Em outras palavras, qualquer usuário individual sem
credenciais ou experiência pode atingir um público comparável ao da Folha de São
Paulo ou Revista Veja. Nesse sentido, as mídias sociais acabam sendo usadas por
pessoas marginalizadas e mal interpretadas como uma plataforma para suas próprias
vozes. O recurso do Facebook Live trouxe recentemente uma multidão de tais
histórias (por exemplo, instâncias diárias de racismo vivenciadas por pessoas negras)
para a atenção da mídia tradicional. Ainda assim, o papel que o letramento midiático
.55

desempenha nas habilidades dos alunos para desconstruir as mensagens espalhadas


pelas plataformas de mídia social não pode ser uma reflexão tardia.
No caso de ler criticamente os memes, os estudantes demonstram as
habilidades do letramento midiático quando começam a buscar ativamente as origens
do meme e questionam os motivos e público-alvo do autor, bem como os motivos e o
público-alvo de qualquer um que possa compartilhar o meme. À medida que os alunos
começam a analisar as qualidades produtivas dos textos, eles começam a perceber
os memes como textos argumentativos e visuais, em vez de apenas imagens
engraçadas ou provocativas em seus feeds das redes sociais. Mais importante, os
alunos são mais propensos a questionar a mensagem do meme.
.56

3. PROTÓTIPO: O MEME COMO OBJETO DE ANÁLISE EM AULAS DE LÍNGUA


PORTUGUESA

Não apenas os professores do ensino fundamental e médio estão sob pressão


para equipar seus alunos com novas maneiras de abordar textos visuais (por exemplo,
memes e gifs), mas também devem se esforçar para atender aos padrões das
organizações profissionais e, muitas vezes, estabelecer padrões que visem as
habilidades do letramento midiático. A BNCC (2017), inclui, para o 9º ano do Ensino
Fundamental, no campo da leitura, as seguintes habilidades para todo o segmento
dos Anos Finais – 6º ao 9º ano:
Apreciação e réplica; relação entre gêneros e mídias
(EF69LP01) Diferenciar liberdade de expressão de discursos de ódio,
posicionando-se contrariamente a esse tipo de discurso e vislumbrando
possibilidades de denúncia quando for o caso.
(EF69LP02) Analisar e comparar peças publicitárias variadas (cartazes,
folhetos, outdoor, anúncios e propagandas em diferentes mídias, spots, jingle,
vídeos etc.), de forma a perceber a articulação entre elas em campanhas, as
especificidades das várias semioses e mídias, a adequação dessas peças ao
público-alvo, aos objetivos do anunciante e/ou da campanha e à construção
composicional e estilo dos gêneros em questão, como forma de ampliar suas
possibilidades de compreensão (e produção) de textos pertencentes a esses
gêneros.
Estratégia de leitura: apreender os sentidos globais do texto
(EF69LP03) Identificar, em notícias, o fato central, suas principais
circunstâncias e eventuais decorrências; em reportagens e fotorreportagens
o fato ou a temática retratada e a perspectiva de abordagem, em entrevistas
os principais temas/subtemas abordados, explicações dadas ou teses
defendidas em relação a esses subtemas; em tirinhas, memes, charge, a
crítica, ironia ou humor presente.
Efeitos de sentido
(EF69LP04) Identificar e analisar os efeitos de sentido que fortalecem a
persuasão nos textos publicitários, relacionando as estratégias de persuasão
e apelo ao consumo com os recursos linguístico-discursivos utilizados, como
imagens, tempo verbal, jogos de palavras, figuras de linguagem etc., com
vistas a fomentar práticas de consumo conscientes.
(EF69LP05) Inferir e justificar, em textos multissemióticos – tirinhas, charges,
memes, gifs etc. –, o efeito de humor, ironia e/ou crítica pelo uso ambíguo de
palavras, expressões ou imagens ambíguas, de clichês, de recursos
iconográficos, de pontuação etc. (BNCC, 2017, p.140-141).

Podemos observar que as habilidades referentes à letramento midiático, antes


concentradas nas esferas jornalísticas, neste documento contempla também os
gêneros que circulam exclusivamente nas redes sociais: memes e gifs. Além disso,
as habilidades reforçam a necessidade de se trabalhar em sala de aula novas
demandas oriundas das novas formas de comunicação, como o discurso de ódio.
Nesse sentido, trabalhamos nas aulas de língua portuguesa, a leitura e análise
semiótica de memes pré-escolhidos.
.57

Adotamos neste trabalho, o modelo de protótipo, dada às características da


pesquisa e especificidades do tema. Rojo (2017), define o protótipo como
um material navegável e interativo [...], mas com um discurso
autoral/professoral que conduza os alunos a um trabalho digital aberto,
investigativo e colaborativo, mediado pelo professor, e que abra a esse
professor possibilidades de escolha de acervos alternativos ao acervo
principal da proposta didática, de maneira a poder acompanhar o trabalho
colaborativo dos alunos (ROJO, 2017, p.18).

Desta maneira, compreendemos que esta metodologia melhor se aplica ao


modelo da pesquisa.
Com relação às aulas, distribuímos o tema 8 aulas de 50 minutos para melhor
trabalhar o conteúdo, sem contudo, exaurir todas as possibilidades de análise.
Nas aulas, contemplamos as habilidades requeridas para o 9º ano do Ensino
Fundamental propostas no Currículo Oficial de São Paulo, como também as
habilidades recomendas na BNCC (2017).

3.1 SUJEITOS E CONTEXTO DA PESQUISA

Como corpus de pesquisa, nos utilizamos de aulas de língua portuguesa para


o Ensino Fundamental, mais precisamente para o 9º ano do Ensino Fundamental.
Abaixo, descrevemos os sujeitos e contexto da pesquisa.

3.1.1 A professora

Iniciei meus estudos em Letras em Cuiabá, na Universidade Federal do Mato


Grosso (UFMT) em 2007; à época já uma jovem senhora. Em 2009, por motivos
pessoais, mudei-me para Brasília e optei por realizar a mobilidade acadêmica na
Universidade de Brasília (UnB). Em 2010, realizei as avaliações para solicitar a
transferência e assim, optei pelo curso de Letras com Licenciatura em Português.
No início, ainda na UFMT, idealizava me tornar professora de inglês. Quando
comecei a cursar as disciplinas na UnB, tomei gosto pelas disciplinas de linguística e
pelas aulas de Laboratório de Gramática e Laboratório de Redação. Cada vez mais –
.58

diferente dos colegas de curso – tinha certeza que lecionaria como professora em
escola pública.
Em 2012, finalizei a graduação e mudei-me para Mogi das Cruzes, cidade da
Grande São Paulo. Já em 2013 iniciei como professora contratada na Rede Estadual
de Ensino de São Paulo. Atuei, àquele ano, em duas escolas diferentes. Em 2014,
iniciei como professora contratada na escola que leciono atualmente e em agosto do
mesmo ano, assumi na mesma escola como professora efetiva.
Ainda enquanto cursava Letras, na UnB, o mestrado era algo que eu planejava
realizar. Em 2011, tive a oportunidade de participar de dois grupos de pesquisa como
bolsista: um vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Política Social, da
Universidade de Brasília; e outro vinculado ao Departamento de Linguística,
Português e Línguas Clássicas do Instituto de Linguagens, também da UnB.
À mesma época, trabalhei como estagiária, sendo assistente de projetos em
outra pesquisa vinculada ao Programa de Pós-Graduação do Instituto de Geociências
da mesma universidade. Desta maneira, meus dois últimos anos de graduação,
passaram-se integralmente dentro do ambiente acadêmico o que me fez repensar o
mestrado acadêmico.
Em 2012, comecei a pesquisar sobre a possibilidade de abertura do mestrado
profissional em Letras, o ProfLetras. O cunho profissional dado ao programa me
interessou e foi um dos motivos que me fizeram ingressar como professora na rede
pública de ensino. Em 2016, já em Mogi das Cruzes, me inscrevi no processo de
seleção para o curso, sabendo das dificuldades que encontraria pela distância do polo
acadêmico.

3.1.2 A escola “de baixo”

O contexto da pesquisa se dá em uma escola da região periférica na cidade de


Mogi das Cruzes, Grande São Paulo. A escola está entre a linha divisória da zona
urbana e zona rural, recebendo alunos das duas áreas. O terreno para a construção
da escola foi doado por um imigrante japonês, morador das proximidades.
Inicialmente, a escola era de estrutura de container. Após alguns anos, um outro
prédio começou a ser construído no mesmo terreno com intenção de uso provisório,
até que os containers fossem substituídos por um prédio novo e definitivo.
.59

Ao longo dos anos, o prédio que seria provisório continuou a ser utilizado e em
2014, após longos protestos de alunos, professores e comunidade em geral, o terreno
da escola foi desmembrado, nascendo daí duas escolas: a que originalmente tinha a
estrutura de container substituída por prédios novos e a escola que abrigava o prédio
que seria provisório e que acabou se tornando permanente.
Na “divisão” das escolas, nasceram também os nomes dados pela comunidade
escolar: escola “de baixo” e escola “de cima”. A escola “de cima” (a que nasceu
originalmente com os containers) é que abriga a biblioteca, a sala de leitura, a quadra
poliesportiva, os pátios cobertos e descobertos. A escola “de baixo” ficou apenas com
as salas de aula. Os alunos realizam suas refeições em um ambiente fechado no
andar térreo do prédio e as aulas de Educação Física acontecem algumas vezes na
entrada da Unidade Escolar, onde há um espaço descoberto.
A escola “de baixo” recebe os alunos oriundos da escola “de cima”. Muitos
destes alunos adentram a unidade escolar nos primeiros dias letivos com ideia
pessimista e pejorativa do local. A nova gestão que assumiu a administração da escola
em 2018, tem feito esforços para mudar a identidade da escola e assim alterar a
cultura do local.
A unidade escolar contava com laboratório de informática que nunca foi
inaugurado, pois por três vezes, sempre dias antes da inauguração, os computadores
da sala foram saqueados.

3.1.3 Os alunos

Os alunos-sujeitos da pesquisa são de uma única turma de 9º ano do Ensino


Fundamental. São 27 alunos frequentes, todos com idade entre 14 e 16 anos. Gostam
de utilizar o celular em sala de aula para ouvir música ou para acessar as redes
sociais. Frequentemente, a professora precisa chamar-lhes a atenção para guardar
os fones de ouvido e os celulares.
São agitados, conversam muito, mas são respeitosos. No ano anterior, 2017,
salvo por alguns poucos alunos, eram também de uma única turma proveniente da
escola “de cima”. Desta maneira, a maioria já se conhecia quando iniciamos o ano
letivo, não sendo necessário maiores apresentações como é de costume.
.60

Os alunos desta turma residem ao redor da escola em uma distância de até 1,5
quilômetro; todos da zona urbana. Há uma aluna com Deficiência Intelectual, mas que
com adaptações curriculares, consegue acompanhar o andamento das aulas.

3.2 AS AULAS

As aulas foram realizadas entre outubro e novembro de 2018. Escolhemos


como tema para a produção final, memes de cunho racista. A princípio nosso objetivo
era de finalizar o trabalho com painel virtual, elaborando análise de alguns memes
pré-selecionados; porém, no decorrer das aulas e pela falta de recursos materiais, os
alunos propuseram realizar uma exposição física com memes de cunho racista para
a Mostra Cultural da escola – que coincidiu com a Semana da Consciência Negra,
como forma de refletir sobre o preconceito ainda existente no país.
Buscamos atender ao proposto no material fornecido pela Secretaria de
Educação do Estado de São Paulo, o Caderno do Aluno, que contempla o estudo dos
tipos textuais argumentativos. No volume 1 destinado ao 9º do Ensino Fundamental,
o Caderno do Professor traz os seguintes conteúdos, além de outros: estudo de textos
argumentativos; características estruturais dos textos argumentativos, de acordo com
o contexto comunicacional.
Desta maneira, objetivamos trabalhar os memes para contemplar o estudo de
textos argumentativos e a partir deles, proporcionar aos alunos o contato com outros
textos da mesma tipologia.

3.2.1 Aula 1 – Detectando conhecimentos prévios

Kleiman (2002, p.13) afirma que “A compreensão de um texto é um processo


que se caracteriza pela utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o
que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida”. Entendemos que
esse conhecimento prévio contempla o saber linguístico, o saber textual e a leitura de
mundo (KLEIMAN, 2002).
Desta maneira, o saber textual se refere à tipologia do texto e/ou ao gênero
textual. Não lemos uma bula de remédio da mesma maneira que lemos uma
.61

mensagem no Whatsapp. Nesse sentido, ao detectarmos os saberes prévios dos


alunos, propomos um engajamento pela leitura em vez de uma mera recepção
passiva.
Propomos nessa aula, elaborar uma roda de conversa para identificar quais
conhecimentos os alunos têm sobre o gênero meme.

Sugestão de perguntas:

• O que é meme para você?


• Em qual meio os memes são utilizados?
• Você compartilha memes? Em quais meios?
• Você se expressa por memes?
• Você já produziu alguma meme? Em qual situação? Conseguiu transmitir o que
pretendia?
• Qual sua reação ou que você sente quando vê um meme?

Nesta aula, os alunos se sentiram à vontade para falar sobre memes. Alguns
de início pareciam tímidos ou desconfiados pela professora abordar um tema tão
diferente do que estão acostumados a se tratar em sala de aula.
Os alunos responderam oralmente:

o meme é algo engraçado, precisa te fazer rir;


o tem que viralizar, sem não viralizar não é meme;
o minha mãe que gosta de ficar compartilhando meme, eu não sei o que é isso;
o eu gosto de ficar no Facebook para ver os memes. É engraçado;
o tem uns memes que não tem graça;
o eu dou risada, mesmo sem entender;
o meme é a “mortadela”

Nesse momento da aula, questionei o porquê da aluna se referir ao meme como


“mortadela”. Houve um rápido alvoroço na sala. Um dos alunos nos mostrou um meme
com a foto de uma aluna de outra turma, nua, comparando o corpo da jovem à
mortadela. Todos riram. Questionamos sobre o significado daquilo. Os alunos
.62

explicaram que a aluna havia enviado sua foto nua para outro aluno, o qual produziu
o meme e compartilhou com os colegas. O meme viralizou na comunidade escolar.
Como educadora, neste momento, fizemos um adendo à aula e conversamos
sobre a responsabilidade de compartilhar conteúdos que possam causar
constrangimento a outros. Mencionamos que a foto não é pública, uma vez que a
aluna enviou no privado apenas para uma pessoa e isso não dava o direito deste
aluno compartilhar sua foto. Conversamos sobre empatia e que se colocassem no
lugar da aluna; como se sentiriam na mesma situação. Uma das alunas falou sobre a
série 13 Reasons Why em que uma jovem se suicida após sofrer vários
constrangimentos na escola, a iniciar por uma foto íntima compartilhada entre os
colegas.
Vale lembrar que essa discussão não estava planejada para essa aula, porém
contempla uma das habilidades propostas neste protótipo, embasadas na BNCC
(2017):
(EF89LP02) Analisar diferentes práticas (curtir, compartilhar, comentar, curar
etc.) e textos pertencentes a diferentes gêneros da cultura digital (meme, gif,
comentário, charge digital etc.) envolvidos no trato com a informação e
opinião, de forma a possibilitar uma presença mais crítica e ética nas redes.
(BRASIL, 2017, p. 177).

Após a aula, conversamos com o corpo gestor a respeito do ocorrido, sugerindo


que a escola tomasse providências com relação ao meme, convocando os
responsáveis dos alunos envolvidos. A gestão da escola disse já saber do caso, mas
que como é um evento externo à escola, nada poderia fazer a respeito.

3.2.2 Aula 2 e 3 – Cotejando com outros textos

Marcuschi (2008) ao abordar a questão da intergenericidade dos gêneros


textuais ressalta que
as designações que usamos para os gêneros não são uma invenção pessoal,
mas uma denominação histórica e socialmente constituída. E cada um de nós
já deve ter notado como costumamos com alta frequência designar o gênero
que produzimos. Possuímos, para tanto, uma metalinguagem riquíssima,
intuitivamente utilizada e, no geral, confiável. Contudo, é difícil determinar o
nome de cada gênero de texto (MARCUSCHI, 2008, p. 163).

Desta maneira, entendemos que mais do que identificar esse ou aquele gênero
como meme, o objetivo desta aula é subsidiar o trabalho do professor, no sentido de
.63

discutir junto com os alunos, a forma estrutural dos memes, seu propósito
comunicativo e seu conteúdo. Deve realizar o cotejo com outros gêneros textuais para
que os alunos possam se apropriar dos contextos e dos suportes em que possam
compartilhar memes.
Ainda para Marcuschi (2008), “todos os gêneros tem uma forma e uma função,
bem como um estilo e um conteúdo, mas sua determinação se dá basicamente pela
função e não pela forma” (p. 150).
Nesse sentido, apresentamos alguns memes à turma, realizando o cotejo com
outro gênero (a charge) para que pudessem analisar a forma, conteúdo e estilo do
texto, mas também e principalmente a função do gênero meme.
Para início, apresentamos em projetor, alguns memes pré-escolhidos sob o
tema das Eleições Presidenciais 2018.

Figura 10 - Meme "Não sou capaz de opinar"

Fonte: https://ombrelo.com.br/variedades/50-memes-inesqueciveis-das-eleicoes-2018/

Figura 11 - Meme "Barrichello"

Fonte: https://ombrelo.com.br/variedades/50-memes-inesqueciveis-das-eleicoes-2018/
.64

A partir da apresentação desses memes, realizamos algumas perguntas


prévias:

• O que os dois textos têm em comum?


• Sobre o que eles tratam?
• Qual a finalidade destes textos?
• O que causa o efeito de humor nos dois textos?
• Os textos apresentam argumentos? Qual os argumentos?

Esperávamos que os alunos apontassem a intertextualidade presente nos


textos com outros eventos enunciativos. Os alunos não conseguiram realizar a
intertextualidade dos memes. Tivemos que abordar o contexto dos dois memes (trata-
se de memes produzidos durante as eleições) e explicar o contexto da imagem de
Glória Pires e de Rubens Barrichello.
Relembramos o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992. O
material do São Paulo Faz Escola, traz no Caderno do Aluno, textos que fazem
referência a esse evento em uma proposta de trabalho com gêneros textuais. Desta
maneira, alguns alunos fizeram a relação posteriormente entre o meme e o seu
significado. Porém, tivemos que explicar quem é Rubens Barrichello e porque sua
imagem se relacionava a atrasos.
Após esse primeiro passo, apresentamos os seguintes memes:

Figura 12 - Meme "Glória Pires"

Fonte: https://www.estadao.com.br/noticias/geral,bacana-gloria-pires-lanca-camisetas-com-
memes-do-oscar,10000019151
.65

Figura 13 - Meme "Feliz Aniversário Atrasado"

Fonte: https://www.facebook.com/pg/RubensBarrichelloAtrasado/photos/

Com a apresentação dos memes das figuras 12 e 13, os alunos


compreenderam que a imagem da atriz Glória Pires com a legenda “não sou capaz
de opinar” revela um enunciado7 de um evento concreto de uso da língua. A
sobreposição da imagem de Bolsonaro no rosto da atriz (figura 10) só pode ser
compreendida a partir da intertextualidade e contextualização dos dois enunciados: a
premiação do Oscar 2016 e os Debates Presidenciais 2018.
A imagem do meme da figura 13 confirmou aos alunos, a ideia de “atraso”
passada pelo corredor de Fórmula 1, Rubens Barrichello.
A partir da análise de todos os memes em conjunto, os alunos conseguiram
identificar o humor presente nos textos e que este só se dá pela intertextualidade
presentes nos textos.
Passamos para a 3º passo dessa aula, o cotejo com outro gênero textual: a
charge.

7 Glória Pires, no evento da premiação do Oscar em 2016, participou como comentarista. Suas
respostas a respeito dos filmes premiados foram bastante lacônicas, revelando que a atriz não havia
assistido aos filmes anteriormente para opinar a respeito. Esse evento comunicativo virou alvo de
memes, muito utilizado até hoje.
.66

Figura 14 - Charge "passando a faixa"

Fonte: http://acaopopular.net/jornal/2018-olha-o-candidato/charge-temer-faixa/

Figura 15: Meme “Fora Temer”

Fonte: https://www.redebrasilatual.com.br/copa-2018/depois-do-jogo-vem-os-memes-e-
recomeca-o-coro-de-fora-temer

Primeiramente realizamos juntamente com os alunos, a análise dos textos 14


e 15. A imagem 14, embora não apresente texto verbal, possui uma intenção
comunicativa. A imagem é constituída de texto verbal e não-verbal. Conforme passo
anterior, realizamos a contextualização dos dois textos.
Nesta etapa, os alunos conseguiram contextualizar que os dois textos se
referem ao fim do Governo Temer e passagem para outro governo. Porém, a imagem
15 se refere também à eliminação da Seleção do Brasil na Copa do Mundo 2018, na
Rússia. A expressão “Fora, Temer” se refere aos protestos realizados durante o
.67

governo do presidente Temer (2016 a 2018), tanto nas ruas e nas redes sociais. A
expressão virou hashtags e consequentemente meme.
A partir daí, os alunos foram instados a verificar os elementos composicionais,
a forma e o estilo de cada texto, verificando as semelhanças e diferenças de um com
relação ao outro. O quadro abaixo foi distribuído entre os alunos para que
respondessem conforme as nossas discussões fossem sendo encaminhadas.
Baseamo-nos nos conceitos de forma estrutural, propósito comunicativo, conteúdo,
meio de transmissão, papéis dos interlocutores e contexto situacional, elencados por
Marcuschi (2008, p.164).

Quadro 1 - Análise da Charge e do Meme


Elementos Texto “Passando a Faixa” Texto “Fora, Temer”
Qual o tema? O fim do governo Temer O fim do governo Temer
A eliminação da Seleção
Eleições Presidenciais de 2018 e Brasileira na Copa do
Qual o conteúdo? consequentemente a entrega da Mundo de 2018, na
faixa presidencial Rússia e a hashtag “Fora,
Temer”
Somente nas redes
Em qual suporte Em jornais e revistas, mas
sociais (Twitter,
você espera ver atualmente pode ser veiculado
Facebook, Instagram,
este tipo de texto? também nas redes sociais.
Whatsapp)
Qual a forma, Texto não-verbal caricaturado de Texto verbal e não-verbal
estrutura? uma pessoa pública de pessoas públicas
Realizar uma crítica a
Realizar uma crítica a partir do partir do humor utilizando
Qual a função?
humor intertextualidade e
interdiscursividade

Realizar a atividade acima descrita possibilitou que os alunos refletissem sobre


o meme e sobre suas várias possibilidades de interpretação a partir da
intertextualidade e interdiscursividade presente nele.
Mais importante que diferenciar o que é meme e o que é charge, nomeando
cada gênero, os alunos compreenderam que a figura não efetua uma crítica de
.68

maneira geral e abrangente, colocando em notoriedade temáticas e pessoas comuns


que aparecem em contexto situacional não-específico. Pelo contrário, ela faz isso,
demonstrando o contexto temporal e situacional, nos quais a temática em questão e
as personagens estão inseridas. Outros elementos foram apresentados pelos alunos
no decorrer da aula, mas a intenção foi a de que eles observassem que o meme,
diferente da charge, necessita da intertextualidade com outros textos. O meme parte
de um evento comunicativo que viraliza e que se funde a outros eventos
comunicativos, tornando-se novos textos (vide MARCUSCHI, 2008, p.241).
Uma das observações de um aluno foi:

não se cria o meme do nada

Nesse sentido, vale reforçar o já citado anteriormente: o processo de


entextualização nomeado por Baumann e Briggs (2006). Para os autores, um texto
pode ser pensado como uma unidade objetivada de discurso que pode ser retirada de
seu contexto originário (descontextualizada) e inserida em um novo cenário onde é
recontextualizada. Dessa forma, fragmentos de discurso de um ambiente
aparentemente adquirem vida própria à medida que são transformados em textos e
entram na "circulação" social.
.69
.70

3.2.3 Aula 4 – O dito, o não dito e o mal͜ dito

Para Bakhtin (2002),


o discurso vivo e corrente está imediata e diretamente determinado pelo
discurso-resposta futuro: ele é que provoca esta resposta, pressente-a e
baseia-se nela. Ao se constituir na atmosfera do “já dito”, o discurso é
orientado ao mesmo tempo para o discurso-resposta que ainda não foi dito,
discurso, porém, que foi solicitado a surgir e que já era esperado. Assim, é
todo diálogo vivo (BAKHTIN, 2002, p.89).

Grosso modo, o dito seria o que está na superfície do texto, o visível. O não
dito é o discurso implícito, as “entrelinhas”. O já dito, é o interdiscurso, o que já foi dito
em outro tempo/lugar; é a memória discursiva.
Nesse sentido, considerando o meme um enunciado e se todo enunciado é
uma réplica e também abre possibilidades para novos enunciados, no caso dos
memes não se pode negar essa natureza dialógica que está na base de sua produção
e circulação, pois se não houvesse um já dito que possibilitasse sua compreensão,
não haveria razão na sua intensa e exaustiva circulação.
A partir dessa breve fundamentação, objetivamos nesta aula, favorecer a
prática de análise de memes sob uma perspectiva dialógica. Escolhemos para esta
aula memes de cunho racista, fazendo análise do meme de Taís Araújo.
O professor pode iniciar a aula apresentando o meme da figura 17.
A partir da leitura do meme, questionamos:

• O que causa o humor presente neste texto?

Após essa primeira questão, deixamos que os alunos comentassem para que
identificassem o já que sabem sobre o texto: os aspectos verbais e não verbais; a
intertextualidade e a interdiscursividade.
Perguntamos se eles sabiam quem é Taís Araújo e o que eles entendiam com
o meme.
Após essa primeira discussão a frase dita pela atriz Taís Araújo em uma
palestra e causadora do meme em questão foi mostrada:
.71

Figura 16 - Meme “Chubby Bubble Girl” com Taís Araújo

Fonte: Catraca Livre https://bit.ly/thaismeme

Porque, no Brasil, a cor do meu filho é a cor que faz com que as pessoas
mudem de calçada, escondam suas bolsas e blindem seus carros.
Taís Araújo

Comentamos que essa frase da atriz foi o que causou o este meme e vários
outros (se possível, o professor pode mostrar aos alunos outros memes gerados a
partir desta situação).
Perguntamos aos alunos se eles conseguiam entender essa frase, o porquê da
atriz ter dito isto em uma palestra e o qual a compreensão do meme a partir disto.

Algumas das respostas observadas:


.72

o Acho que ela quis dizer que porque o filho é negro tem gente que tem medo, ah...
sei lá.
o Nossa, nada a ver o que ela disse, daí só porque o menino é preto vão mudar de
calçada?
o Não entendi nada
o É um meme falando que quando a gente vê o filho da Taís Araújo a gente sai
correndo.

Finalizamos essa aula deixando que os alunos refletissem sobre o racismo no


Brasil.
• O que você pensa sobre preconceito racial? Existe racismo no Brasil?
• Você já passou por alguma situação de preconceito? (racial, socioeconômico,
opção sexual etc). Gostaria de comentar a respeito?

Neste momento alguns alunos comentaram situações em que sentiram ser


vítimas de preconceito. Um dos alunos abriu a discussão dizendo que já teria sofrido
preconceito ao dizer em que bairro mora. Outros alunos comentaram terem passado
por situação semelhante (ou seus familiares).

3.2.4 Aula 5 e 6 – O contexto

Já comentamos aqui a importância do contexto no processo de compreensão


de um texto. O discurso produzido em um contexto inevitavelmente se conecta ao
discurso produzido em outros contextos. À medida que atores sociais interagem, eles
absorvem seus discursos com vozes indicativas de seu mundo social, recorrem a
gêneros estabelecidos para enquadrar seus discursos, envolvem-se com palavras que
vieram antes deles e orientam-se para respostas antecipadas.
Marcuschi (2008) menciona que
é amplamente aceita a concepção de que o contexto tem um papel central na
interpretação de textos, sejam eles escritos ou orais. Em geral, postula-se
que o leitor/ouvinte acha-se exposto a uma base (os materiais linguísticos
que por vezes são tidos como o “sentido literal”) a partir da qual, usando o
contexto e o contexto, se dá a compreensão (MARCUSCHI, 2008, p.244)
.73

Um dos nossos objetivos ao iniciar o protótipo, como já mencionado, é de


contemplar as habilidades constantes no material São Paulo Faz Escola e na Base
Nacional Comum Curricular. Para o 9º ano do Ensino Fundamental, além de outras,
tais habilidades são esperadas: “identificar o ponto de vista do autor de um texto; inferir
informações implícitas (conceitos/opiniões, tema/assunto principal) em um texto;
reconhecer argumentos utilizados em um texto (de opinião) para a defesa de um ponto
de vista.” (SÃO PAULO, 2016, p.44).
Já a BNCC (2017) traz as seguintes habilidades:
(EF69LP03) Identificar, em notícias, o fato central, suas principais
circunstâncias e eventuais decorrências; em reportagens e fotorreportagens
o fato ou a temática retratada e a perspectiva de abordagem, em entrevistas
os principais temas/subtemas abordados, explicações dadas ou teses
defendidas em relação a esses subtemas; em tirinhas, memes, charge, a
crítica, ironia ou humor presente (p.141).
(EF89LP03) Analisar textos de opinião (artigos de opinião, editoriais, cartas
de leitores, comentários, posts de blog e de redes sociais, charges, memes,
gifs etc.) e posicionar-se de forma crítica e fundamentada, ética e respeitosa
frente a fatos e opiniões relacionados a esses textos (p.177).

Entendemos que para identificar o tema, o ponto de vista e os argumentos de


um texto de opinião, é necessário que o aluno possuo um repertório textual que
possibilite a compreensão deste texto.
Partindo desse pressuposto, nesta aula apresentamos o texto “Como criar
crianças doces num país ácido” – palestra proferida no TEDx – São Paulo pela atriz
Taís Araújo em agosto de 2017, na capital paulista.
Para isso, utilizamos um projetor emprestado de um professor e uma sala de
aula ociosa da unidade escolar que possui cortinas e é possível desligar as luzes.
O vídeo tem 10m24s de duração. A transcrição do mesmo pode ser lida abaixo:

Eu sou mãe de um menino de 6 anos chamado João Vicente e de uma


menina de 2 anos e 7 meses chamada Maria Antônia. E a pergunta que eu
mais escuto, a pergunta que mais me fazem é: “qual a diferença entre criar
um menino e criar uma menina?” E a minha resposta é sempre muito
imediata; é sempre a mesma. Eu sempre falo que não vejo diferença entre
meninos e meninas. Eu estou criando dois indivíduos; portanto, cada um tem
suas características.
Essa minha resposta, apesar de sempre a mesma, é uma mentira.
Eu vejo diferença entre meninos e meninas. O gênero é uma questão. Porque
quando engravidei do meu filho, fiquei muito, mas muito aliviada, de saber
que no meu ventre tinha um homem. Porque eu tinha certeza que ele estaria
livre de passar por situações vivenciadas por nós, mulheres.
Teoricamente, ele está livre, certo? Errado. Errado porque o meu filho é um
menino negro. E liberdade não é um direito que ele vai poder usufruir. Se ele
andar pelas ruas descalço, sem camisa, sujo, saindo da aula de futebol... ele
corre o risco de ser apontado como um infrator. Mesmo com 6 anos de idade.
.74

Quando ele se tornar adolescente, ele não vai ter a liberdade de ir pra sua
escola, pegar uma condução, pegar um ônibus, com sua mochila, com seu
boné ou com seu capuz, com seu andar adolescente; sem correr o risco de
levar uma investida violenta da polícia ao ser confundido com um bandido.
Porque no Brasil, a cor do meu filho é a cor que faz com que as pessoas
mudem de calçada, escondam suas bolsas e blindem seus carros.
A vida dele só não vai ser mais difícil do que a da minha filha. Com a Maria
Antônia, eu me pego pensando o tempo inteiro o quanto nós, mulheres,
somos criadas para agradar; o quanto nos silenciam e o quanto nos
desqualificam o tempo inteiro.
Quando eu penso o risco que ela corre, simplesmente por ter nascido mulher
e negra, fico completamente apavorada e o meu pavor tem uma razão.
Observando o mapa da violência no Brasil - esse mapa de 2015, é o último
que a gente tem - os números são muito alarmantes, mas nós temos algumas
vitórias muito poucas, mas eu queria ressaltar uma. O número de feminicídio
contra mulheres brancas caiu. Ele caiu 9,8%.
É muito pouco para o que a gente deseja para as nossas irmãs brancas, mas
caiu. Já o número de feminicídio contra as mulheres negras aumentou 54,4%.
É ou não para eu ficar apavorada? Preciso dizer mais alguma coisa? Preciso!
Preciso dizer que apesar do meu pavor, apesar do meu medo, apesar desses
números alarmantes, eu não ouso perder a esperança e fico elaborando o
tempo inteiro uma maneira de eu criar os meus filhos aqui, no Brasil, no meu
país. Eu fico pensando como criar crianças doces num país tão ácido; como
criar crianças que acreditem que pluralidade e diversidade são riquezas, num
país que é tão plural, que é tão diverso e que é tão desigual.
Como não jogar sobre elas uma vivência, experiência, até uma magoa que é
minha? Mas também, como não permitir que elas enfrentam o mundo de
maneira ingênua, para que não sejam atropeladas pelo racismo que existe
na estrutura do nosso país?
Eu assisti a um filme chamado A Décima Terceira Emenda, um documentário.
Ele fala sobre o sistema carcerário norte-americano e a fala de um homem,
de um homem branco, me chamou muita atenção. Ele disse:
“Eu sou fruto de uma escolha feita pelos meus antepassados. Os negros são
fruto de uma falta de possibilidade de escolha dos meus antepassados. Eu,
homem branco, tenho culpa dessas escolhas? Os negros contemporâneos
têm culpa dessas escolhas? Não, nenhum de nós, temos culpa. Mas foi uma
herança que a gente recebeu. Então, a gente tem que ter a responsabilidade
de lidar com essa herança das quais somos fruto.”
Fiquei pensando no que esse cara falou. Eu falei: “Gente, o que ele tá
falando?” Essa ‘herança’ que esse cara está falando, ela tem o nome, e ela
se chama ‘nossa sociedade’. Sendo assim, a desigualdade social, a
desigualdade entre gêneros e o racismo são sim, problemas de todos nós. E
não é só problema de gênero não, porque até a condição sexual importa
muito neste país.
O Brasil é o país que mais mata homossexual no mundo.
Os meus filho são crianças ainda; eu não sei qual será a condição sexual
deles. Mas o que desejo para os meus filhos é o que desejo para toda e
qualquer criança, seja branca, negra ou indígena; heterossexual,
homossexual, gay, trans. Eu desejo que eles cresçam livres, cheios de amor,
coragem, que sejam crianças potentes. E eu também tenho um sonho. Eu
tenho um sonho de ver ricos trabalhando para acabar com a pobreza. De ver
homens se colocando no lugar de mulheres. De ver mulheres brancas
entendendo que existe um abismo entre mulheres brancas e mulheres
negras. Eu tenho um sonho de ver crianças heterossexuais aceitando
crianças homossexuais e trans. De ver mulheres heterossexuais aceitando
mulheres lésbicas. E todos nós, que a gente fique muito atento para garantir
o direito dos índios.
E, eu queria aqui, hoje, fazer um convite. Um convite para a gente se ajudar
mutuamente, para que todos possam ter, de fato, as mesmas possibilidades.
Porque perante a lei somos todos iguais, mas na prática não somos. E isso
.75

não é um problema. As diferenças não são um problema desde que elas não
tenham desigualdade.
Para isso acontecer eu tenho a sensação de que a gente tem que começar a
olhar para o outro, com humanidade, com afeto. É um exercício.
Olha para o outro com afeto é um exercício. Entender que o outro é, sim, uma
extensão da gente.
Olha, se a gente andar tranquilamente pelas ruas, de dia e de noite, se quiser
ficar nas nossas casas sem aflição de saber como ou se os nossos chegaram
aos seus destinos; se a gente quer ligar a televisão, e não assistir a uma
enxurrada de sangue; se a gente quer andar com os nossos carros abertos,
com os vidros abertos, não quiser ficar fazendo conta de como será blindar
um carro; a gente vai ter que melhorar a vida das pessoas. É a única maneira.
E a chance disso é a gente olhar para o outro com afeto, com atenção.
E aí, fico perguntando, né? Como é que a gente pode melhorar a vida das
pessoas?
Eu não sou o governo, eu não sou uma empresa. Porque o governo sério, a
gente sabe o que ele deve fazer para acabar com a desigualdade. Ele deve
investir em políticas públicas, em ações afirmativas e políticas educacionais
inclusivas.
Uma empresa pode reavaliar seu quadro de funcionários e fazer a
diversidade um pilar real dessa companhia. Mas e a sociedade civil? O que a
sociedade civil pode fazer?
Bom, nós somos a sociedade civil e essa tem sido a questão da minha vida.
Como eu posso melhorar a vida das pessoas?
E aí eu fico pensando que a gente tem que transformar os nossos
pensamentos, as nossas ações.
Entender que as ações individuais geram impacto diretamente no coletivo; e
o coletivo somos nós. Somos a nossa sociedade.
As pequenas ações são valiosas. E elas são capazes de mudar o mundo. É
onde começa o mundo se não em nós mesmos. Obrigada (ARAÚJO, 2017).

Nesta aula, os alunos assistiram ao vídeo e posteriormente realizamos uma


roda de conversa sobre o assunto. As seguintes perguntas foram realizadas:
• Qual o(s) tema(s) da palestra?
• O que você compreende com a frase “A cor do meu filho faz com que as
pessoas mudem de calçada” ao assistir ao vídeo?”
• Observando o meme da aula anterior sob essa nova perspectiva (a da
palestra), você o considera preconceituoso? Por quê?

Deixamos que os alunos comentassem e fomos encaminhando a discussão


conforme fossem respondendo. Após isso, entregamos para cada um, outro texto,
para que realizassem a leitura silenciosa.
.76

"Porque eu sou negro"


por João Paulo Porto, pediatra e neuropediatra

Eu tenho um paciente negro, de 8 anos, que é absurdamente inteligente. De


família pobre, sua mãe, igualmente inteligente, fez, por conta própria, a árvore
genealógica da família, de forma organizada, num caderno, cheio de colagens e o
mostrou durante a consulta.
Acontece que, há 4 gerações, o avô do avô dela era escravo. Logo após a
abolição da escravatura, ele foi expulso da fazenda onde trabalhava por ser velho
demais e acabou morando na rua, com uma família de 4 pessoas, até morrer de
tuberculose.
O pai do avô dela, seu filho, teve que sustentar a família fazendo bicos e
cometendo pequenos delitos, de forma que foi preso logo após engravidar a mãe do
avô dela, dando origem, claro, ao avô dela.
Esse avô nasceu já sem pai, pois o mesmo faleceu na prisão, quando ele tinha
8 anos de idade. Cresceu sem possibilidade de estudo, tendo que trabalhar desde
muito novo, para sustentar a mãe e 3 irmãos mais novos, de outra relação da mãe.
Essas 4 crianças ficaram sozinhas quando ele tinha 15 anos, após o falecimento dela.
Trabalhando em fazendas, teve 5 filhos, o quinto, seu pai.
Ele nunca foi à escola, cresceu na fazenda e quando ser tornou homem feito,
casou-se e teve 4 filhos, incluindo essa mãe. Ela também cresceu na fazenda e não
teve chance de estudar. Hoje, faz faxinas e faz questão de que os filhos estudem.
- Você é muito inteligente. - disse eu ao garoto.
- Obrigado.
- Já sabe o que vai ser quando você crescer?
- Já. Vou ser caminhoneiro.
- Mas não pensou em outra coisa, você tem muita capacidade, pode ser
qualquer coisa!
- Bem, eu queria mesmo ser médico...
- Ora, então seja!!
- Não posso!
- Não pode? Não pode por que?
- Porque eu sou negro.
.77

Imagine você o porquê de ele pensar assim. Imagine você como estar há 5
gerações da escravatura pode ter influenciado a história dessa família e a atual
condição dessa criança. Imagine como o preconceito de décadas minou as chances
dessa família de dar aos seus descendentes uma vida melhor do que tiveram...
Imagine agora, o quanto você é absurdamente privilegiado em relação a eles.
Agora, tente novamente encher a boca pra dizer que a questão racial não é
mais relevante, que cotas não são justas, que programas de distribuição de renda são
coisa de vagabundo e que você tem o que tem hoje realmente por mérito seu...

Disponível em https://www.huffpostbrasil.com/joao-paulo-porto/porque-eu-sou-
negro_a_21680136/

A partir da leitura dos 3 textos, os alunos foram estimulados a responderem ao


seguinte quadro:

Quadro 2 - Tema, tese, argumentos


Meme Vídeo “Como criar Texto
“Filho da Taís crianças doces em um “Porque eu sou negro”
Araújo” país ácido”
Tema Sátira à palestra
Desigualdades raciais Políticas afirmativas
de Taís Araújo
Tese / Ponto (implícito)
de Vista As políticas
(implícita) a atriz afirmativas são
O preconceito racial
se vitimiza; necessárias para
ainda existe no Brasil
vitimismo corrigir uma dívida
histórica de injustiça
racial
Argumentos (implícito)
que (implícito)
Negros ainda são
sustentam o A ainda recente
ponto de vistos com
abolição da
vista / tese (implícito) não há desconfiança em
escravatura
preconceito racial algumas situações
x
no Brasil
os anos que o
(explícito) Estatísticas
período escravagista
de assassinato de
durou
mulheres negras

Importante lembrar que as habilidades “identificar o ponto de vista do autor de


um texto; inferir informações implícitas (conceitos/opiniões, tema/assunto principal)
em um texto” e “reconhecer argumentos utilizados em um texto (de opinião) para a
defesa de um ponto de vista” (SÃO PAULO, 2016, p.44), já haviam sido trabalhadas
.78

em bimestre anterior e neste momento estavam sendo consolidadas. É interessante


observar que essas informações (tema, tese, argumentos) nem sempre aparecem em
uma sequência padrão, conforme alguns manuais didáticos propõem. Além do mais,
a tese e os argumentos em muitos textos não são explícitos, sendo necessário
contextualizar com outros textos para que os alunos façam a reflexão e posterior
análise.
Outra questão fundamental no trabalho com análise de textos é entender que
cada leitor traz sua leitura de mundo e desta maneira, determinados textos podem ser
interpretados a partir de vários prismas. Neste sentido, Marcuschi (2008) recomenda:
O texto é uma proposta de sentido e se acha aberto a várias alternativas de
compreensão. Mas todo cuidado aqui é pouco, pois o texto não é uma
caixinha de surpresas ou algum tipo de caixa preta. Se assim fosse, ninguém
se entenderia e viveríamos em eterna confusão. Há, pois, limites para a
compreensão textual. E esses limites são dados por alguns princípios de
compreensão, como ainda veremos adiante. Nessa visão, a coerência de um
texto é uma perspectiva interpretativa do leitor e não se acha inscrita de forma
completa e unívoca no texto. Um texto pode ter coerências diversas e, ao
carecer de evidências, o leitor constrói a sua. Nem sempre é feliz nesta
atividade e não raro falseia informações. Aqui, os conhecimentos individuais
são muito importantes e até mesmo decisivos, não só como base para a
percepção do que está sendo dito, mas para, pura e simplesmente, montar
um sentido. (MARCUSCHI, 2008, p. 242, grifos do autor).
.79
.80

3.2.5 Aula 6 – A proposta de curadoria

A BNCC (2017) no que concerne às práticas de linguagem para os anos finais,


ressalta que
A questão da confiabilidade da informação, da proliferação de fake news, da
manipulação de fatos e opiniões tem destaque e muitas das habilidades se
relacionam com a comparação e análise de notícias em diferentes fontes e
mídias, com análise de sites e serviços checadores de notícias e com o
exercício da curadoria, estando previsto o uso de ferramentas digitais de
curadoria. A proliferação do discurso de ódio também é tematizada em todos
os anos e habilidades relativas ao trato e respeito com o diferente e com a
participação ética e respeitosa em discussões e debates de ideias são
consideradas. Além das habilidades de leitura e produção de textos já
consagradas para o impresso são contempladas habilidades para o trato com
o hipertexto e também com ferramentas de edição de textos, áudio e vídeo e
produções que podem prever postagem de novos conteúdos locais que
possam ser significativos para a escola ou comunidade ou apreciações e
réplicas a publicações feitas por outros. Trata-se de promover uma formação
que faça frente a fenômenos como o da pós-verdade, o efeito bolha e
proliferação de discursos de ódio, que possa promover uma sensibilidade
para com os fatos que afetam drasticamente a vida de pessoas e prever um
trato ético com o debate de ideias (BRASIL, 2017, p. 136-137).

Desta maneira, atendendo às novas demandas de letramento oriundas da era


digital, esse protótipo tem como objetivo final, a criação de um painel digital, no qual
os alunos realizassem curadoria de memes, levantando dados que investigassem não
só a origem de memes de cunho racista, mas principalmente seus contextos e a
interdiscursividade com outros textos, numa proposta de ‘desmascarar’ o discurso de
ódio presente nestes textos.
A curadoria é um conceito oriundo do mundo das artes e vem sendo cada vez
mais usado para designar ações e processos próprios do universo das redes:
conteúdos e informações abundantes, dispersos, difusos, complementares e/ou
contraditórios e passíveis de múltiplas interpretações. Precisam de reordenamento de
os tornem inteligíveis e/ou que os revistam de (novos) sentidos. Implica sempre
escolhas, seleção de conteúdos/informações, forma de organizá-los, hierarquiza-los,
apresentá-los etc (ROJO e BARBOSA, 2015).
Inicialmente, idealizamos criar o painel virtual na ferramenta digital online Prezi.
Os alunos seriam agrupados e cada grupo se responsabilizaria por ‘investigar’ uma
perspectiva do meme em questão. A partir da pesquisa e postagem, novas
investigações poderiam ir surgindo e posteriormente, outros grupos poderiam
contribuir, pois a intenção é que a ferramenta fosse pública (porém, mediada pela
professora).
.81

Figura 17 - Painel Virtual


.82

No planejamento das aulas, no ano anterior, contávamos para a pesquisa e


para a elaboração do painel virtual, em utilizar o laboratório de informática. Porém, o
mesmo teve os computadores roubados alguns dias antes da inauguração.
Aguardávamos que novos computadores fossem adquiridos e pudéssemos realizar
as aulas neste espaço. Infelizmente, não foi o que aconteceu e a escola só dispunha
de dois computadores (os da secretaria), sendo que inclusive a diretora e a
coordenadora precisavam levar seus computadores pessoais para a Unidade Escolar.
Desta maneira, foi necessário remanejar o planejamento das aulas e
solicitamos que os alunos realizassem a pesquisa em casa e trouxesse à escola.
Poucos foram os que o fizeram e a pesquisa em material físico não se mostrou
tão atraente como se talvez fosse em espaço virtual.
Propomos expor a pesquisa que os alunos realizaram extraclasse em cartazes,
mas os mesmos não aceitaram alegando que “seria mais uma apresentação em
cartazes.” Como nossa aula deve ser dialógica, permitimos que os alunos
propusessem como gostariam que fosse o desfecho dessas aulas.
Um grupo de alunos relatou que enquanto pesquisavam para o possível painel
virtual, tiveram contato com a hashtag “Meu Racista Secreto” (#meuracistasecreto).
Durante o mês de outubro de 2018, um membro da rede social Twitter compartilhou a
hashtag, comentando sobre atitudes que a princípio parecem inofensivas, mas que
reforçam a institucionalização do preconceito racial. Em questão de poucos minutos a
hashtag viralizou e vários outros membros compartilharam suas impressões sobre o
racismo no Brasil.
Os alunos propuseram expor algumas dessas hashtags (já que era um dos
conteúdos que eles pesquisaram) e outro grupo propôs expor alguns memes racistas
que tiveram contato enquanto pesquisavam para o painel virtual.

3.2.6 Aula 7 e 8 – Montagem e exposição do painel final

Dada às circunstâncias de falta de recurso, propomos expor um painel físico


como substituição à ideia do painel virtual.
Primeiramente planejamos onde o painel físico seria instalado e por quanto
tempo. Os alunos concordaram que seria exposto durante a Mostra Cultural da escola
e durante a Semana da Consciência Negra, duas semanas seguidas, ao todo.
.83

Posteriormente, discutidos o local: o hall de passagem entre o térreo e o 1º


andar da escola. Local onde possui uma boa iluminação. Um dos alunos mencionou
que ali seria propício pois a ideia seria a de que o painel “encobrisse” a luz, assim
como o racismo “encobre” a evolução da humanidade.
Decidido o tempo e o espaço, discutimos a disposição dos textos no painel.
Alunos e professora concordaram que não poderia ser “comum”. Trata-se de um texto
retirado de um suporte digital e online e colocado em outro suporte, perdendo parte
da interpretação. Desta maneira, os alunos decidiram que a fonte da escrita do painel
deveria ser a mesma da fonte em que esses textos foram retirados: Twitter e
Facebook. O título para a exposição dos memes foi “O racismo nosso de cada dia –
quando nosso discurso de ódio se disfarça de meme”. E o título para as hashtags foi
“Racismo, racismo meu, existe alguém mais racista do que eu?”
Em outro momento, em reunião pedagógico com outros professores, expus que
os alunos desta turma, montariam um painel físico para expor memes e hashtags que
eles haviam pesquisado anteriormente como forma de denúncia de racismo. Um dos
professores de língua portuguesa do Ensino Médio solicitou expor também no mesmo
painel algumas pesquisas de seus alunos sobre literatura de empoderamento.
Os alunos primeiramente me enviaram pelo celular as imagens e/ou os links
das hashtags e memes para que pudéssemos avaliar. Imprimimos as hashtags para
manter o mais fiel possível o painel físico com a semelhança da rede social.
As hashtags e os memes trazidos pelos alunos seguem abaixo.

Figura 18 - Hashtag Painel - a


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Figura 19 – Hashtag Painel - b

Figura 20 - Hashtag Painel - c


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Figura 21 - Hashtag Painel - d

Figura 22 - Hashtag Painel - e


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Figura 23 - Hashtag Painel - f

Figura 24 - Hashtag Painel - g


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Figura 25 - Hashtag Painel - h

Figura 26 - Hashtag Painel - i


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Figura 27 - Hashtag Painel - j

Figura 28 - Hashtag Painel - k


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Figura 29 - Hashtag Painel - l

Figura 30 - Hashtag Painel - m


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Figura 31 - Hashtag Painel - n

Figura 32 - Hashtag Painel - o


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Figura 33 - Hashtag Painel - p

Figura 34 - Hashtag Painel - q


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Figura 35 - Hashtag Painel - r

Figura 36 - Hashtag Painel - s


.93

Figura 37 - Hashtag Painel - t

Figura 38 - Hashtag Painel - u


.94

Figura 39 - Hashtag Painel - v

Figura 40 - Hashtag Painel - w


.95

Figura 41 - Hashtag Painel - x

Figura 42 - Hashtag Painel - y


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Figura 46 - Hashtag Painel - z Figura 48 - Hashtag Painel - aa

Figura 47 - Meme painel - a Figura 45 - Meme painel - b

Figura 43 - Meme Painel - C Figura 44 - Meme Painel - d


.97

Figura 52 - Meme Painel - e Figura 51 - Meme Painel - f

Figura 49 - Meme Painel - h


Figura 50 - Meme painel - g

Figura 53 - Meme Painel - i


.98

A exposição durante a Mostra Cultural foi aberta a toda comunidade escolar.


Os alunos se revezaram para se manter próximo ao painel caso surgisse dúvidas de
algum visitante. Não houve nenhum questionamento a respeito. Os visitantes
passavam em silêncio, observando.
Posteriormente, dois professores (negros) vieram conversar conosco em
particular. Elogiaram o trabalho e comentaram (sem que perguntássemos) alguns
eventos de preconceito racial com eles próprios e com amigos.
Enfim, não pudemos realizar o protótipo como o esperado devido aos recursos,
porém, finalizamos o trabalho com memes com uma perspectiva de que muito ainda
há a se propor e pesquisar sobre o assunto.

Figura 54 - Painel físico da exposição


.99

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao iniciarmos nossa pesquisa, tínhamos como objetivo fazer um trabalho em


sala de aula a partir da análise de memes, propondo a partir destes textos o contato
com outros textos. A dificuldade apresentada por nós era de motivar os alunos a ler e
realizar análise de textos de diversos gêneros. Propomos um trabalho então que
partisse de um gênero já conhecido por eles.
Não encontramos relutância na turma para realizar o trabalho proposto. Salvo
em alguns momentos, a maioria da sala se mostrou participativa e disposta a realizar
as análises.
Ensinar os alunos a realizar sua própria análise de um meme serviu para
fornecer um ponto de introdução de habilidades de letramento midiático em
discussões em sala de aula e lições futuras. A incorporação do letramento midiático
ao currículo é imperativa por causa da prevalência e da natureza viral dos textos que
circulam em redes sociais e porque esses textos têm o poder de formar discursos
sobre pessoas reais e políticas públicas. Devemos preparar os alunos a reconhecer
apelos estéticos visuais, escritos e falados, como o uso de apelos emocionais.
Nesta pesquisa, argumentamos que os memes são um lugar apropriado para
começar a ensinar habilidades de letramento midiático. Apesar de quão simples ou
breve um argumento de um meme possa parecer à primeira vista, esses textos
enganosamente pequenos muitas vezes contêm uma confusão emaranhada de
discursos para os alunos investigarem criticamente. Os estudantes devem ter
oportunidades para explorar como os memes contribuem para os discursos públicos
e políticas oficiais que afetam a vida real de indivíduos e grupos.
Feeds de mídia social são inundados com memes e outras formas de mídia.
Uma análise retórica pode fornecer uma estrutura para os alunos praticarem o
letramento, mas essas habilidades certamente podem ser ensinadas usando outros
métodos e formas de textos. Mais pesquisas de letramento focadas em aplicações de
mídias sociais em salas de aula do ensino fundamental e médio por meio de textos
populares como memes, histórias do Snapchat, vídeos do YouTube, tweets,
videogames, sinais de protesto e assim por diante são necessárias (e precisam ser
compartilhadas diretamente com os praticantes) para que possamos efetivamente
ensinar os alunos a serem consumidores críticos de mídia.
.100

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