Você está na página 1de 7

(IM)POTÊNCIA REFLEXIVA: crise identitária entre o antigo sujeito de instituições

disciplinares e o novo estatuto do consumidor.

Georgina Gonçalves dos Santos1


goergina@ufrb.edu.br
Maria Almeida de Oliveira2
mariaoliveira@uneb.br

FISHER, Mark. Realismo Capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim
do capitalismo?-Tradução Rodrigo Gonsalves, Jorge Adeodato, Maikel da Silveira.1.ed-
São Paulo: Autonomia Literária, 2020.

Realismo Capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do


capitalismo? Primeira obra de Fisher lançada em Londres em 2009 pela Zero Books e
após 11 anos de seu lançamento, em 2020 chega ao Brasil pela tradução de Rodrigo
Gonsalves, Jorge Adeodato, Maikel da Silveira, publicada pela editora Autonomia
Literária.
Essa obra é uma reflexão sobre o capitalismo neoliberal globalizado como modo de
produção e organização das sociedades contemporâneas onde o realismo capitalista se
projeta e se assenta no individualismo, competição e na destruição da solidariedade
humana, apontando as nuances do seu funcionamento na formação da consciência
individual e coletiva na emersão da impotência reflexiva e também é um convite para
criação de alternativa a esse sistema.
Fisher (p.137 -156-) em 2009, disse: “Não prestar pra nada” e “Ninguém está
entediado, tudo é entediante!” Em 2017 marco-se a brevidade da sua vida terrena,
falecendo aos 49 anos. No posfácio da obra, o professor Vitcor Marques e o psicanalista
Rodrigo Gonsalves apresentam algumas características do autor. Afirmam que Fisher no
início, seu engajamento era antipolítico sob influência de Sadie Plant e Nick Land e
fissurado em Espinosa e no modelo da cibernética enveredou-se pelo ciberespaço. Era
blogueiro, inclusive a obra Realismo Capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do
que o fim do capitalismo foi construída a partir dos textos publicados no blog k-Punk. Foi
músico, crítico literário e professor com contrato temporário do ensino superior e da
1
Docente-pesquisadora do Programa de Pór-graduação em Politica Social e Territorios –POSTERR/UFRB
2
Mestranda do POSTERR
educação básica. Depois abandonou a influencia de Plant e Land , mas continuou com
Espinosa e a cibernética . Apropriando-se dos conhecimentos da psicanalise de Lacan,
Deleuze, Gatarri e dos neomarxistas Gramsci, Marcuse, Fisher transitou da postura
antipolitica para política.
A obra Realismo Capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do
capitalismo de textos curtos, escritos fora dos cânones acadêmicos e suas temáticas são
independentes, permitindo a quem lê-los começar por onde desejar. O livro compõe de
duas partes, uma com nove (09) textos; a outra parte formada pelo apêndice com quatro
(04) textos e o posfácio à edição brasileira com um (01) texto. Na parte primeira as
temáticas são: É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo; E se
você convocasse um protesto e todo mundo aparecesse? O capitalismo e o real; Impotência
reflexiva, imobilização e comunismo liberal; 6 de outubro de 1979: não se apegue a nada;
Tudo que é sólido se desmancha em relações públicas: Stalinismo de mercado e
antiprodução burocrática; Se pudéssemos observar a sobreposição de realidades distintas”:
o realismo capitalista como trabalho onírico e distúrbio de memória; “Não há operadora
central”; Supermanny marxista. Na outa parte, Apêndice formado com as seguintes
temáticas: Não prestar para nada; Como matar um zumbi: elaborando estratégias para o
fim do neoliberalismo; Não falhar melhor: lutar pra ganhar; Ninguém está entediado, tudo
é entediante. E por último, o posfácio à edição brasileira por Victor Marques e Rodrigo
Gonsalves com a temática: contra o cancelamento do futuro: a atualidade de Mark Fisher
na crise do neoliberalismo.
Assim, pela organização do livro pode-se afirmar que o contexto intelectual da sua
produção está vinculado ao campo dos Estudos Culturais porque é um “campo
interdisciplinar, transdisciplinar e algumas vezes, contra disciplinar que atua na tensão
entre suas tendências para abranger tanto uma concepção ampla, antropológica de cultura,
quanto uma concepção estreitamente humanística de cultura” (TREICHLER &
GROSSBERG, 1995, p.13). Segundo os autores, a metodologia dos estudos culturais são
interpretativas e avaliativas comprometidas com o estudo de todas as artes, crenças,
instituições e práticas comunicativas de uma sociedade. Como o livro tem suas temáticas
independentes, permitindo a quem lê-las começar por onde desejar, assim, a centralidade
dessa resenha está na temática Impotência reflexiva, imobilização e comunismo liberal
porque há uma possibilidade de analisar o contexto educacional e cotidiano escolar na
contemporaneidade,

(IM)POTÊNCIA REFLEXIVA: o que Fisher nos diz sobre educação

Importante compreender os argumentos de Fisher para a base de sustentação teórica


da análise sobre educação, o papel dos professores e professoras, os estudantes de ontem
do berço do neocapitalismo como possibilidade de uma articulação sobre o modo de ser
dos estudantes de hoje no Brasil no bojo dessa nova fase do capital globalizado Não é mera
coincidência.
Desse modo, Fisher nos permite extrair algumas definições necessárias para
compreender a educação e funcionamento da sociedade de controle.

“POSTERGAÇÃO INDEFINIDA”
Fisher apropria-se de Deleuze par mostrar a distinção entre as sociedades
disciplinares descritas por Foucault, organizadas em torno dos ambientes fechados das
fábricas, escolas, prisões e as novas sociedades de controle, nas quais todas as instituições
estão imersas em uma corporação dispersa.”. (p.44)
Em Kafka, Fisher destaca “os dois tipos de absolvição disponíveis ao acusado:
absolvição ostensiva: o acusado é absolvido, mas pode em algum momento não
especificado, ter que enfrentar as acusações integralmente e postergação indefinida: o
acusado se engaja em um processo prolongado para tornar cada vez menos provável à
chegada do julgamento derradeiro”. (p.44-45). E afirma que as sociedades de controle
operam pela postergação indefinida.
Fisher articula a “postergação indefinida” com a educação. Afirmando que “a
educação é um processo para toda a vida; o treinamento para o trabalho se estende por toda
a vida profissional; o trabalho nunca termina porque você o trabalho para casa; trabalha-se
em casa e se fica em casa no trabalho”. (p.45)
Para nós da educação brasileira, essa “postergação indefinida” se traduz como
garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida, sendo  um dos
princípios do ensino posta no inciso XIII (Incluído pela Lei nº 13.632, de 2018) alterando
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDBEN).

A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO PÓS-DISCIPLINAR: conclui Fisher


é a sala de máquinas da reprodução da realidade social onde se confrontam diretamente as
inconsistências do campo social capitalista. (p.49)

TEMPO
“A antiga segmentação do tempo disciplinar está sendo erodido pelas tecnologias
de controle, com seus sistemas de consumo perpétuo e desenvolvimento contínuo”. (p. 45)

ESTUDANTES NA SALA DE AULA NO CONTEXTO PÓS-DISCIPLINAR: aponta


Fisher
“Estudantes podem ser vistos deitados sobre as mesas; falando constantemente;
comendo sem parar ou até mesmo, em algumas ocasiões fazendo refeições inteiras”. (p.45)
“Os adolescentes processam os dados imageticamente densos do capital com grande
efetividade sem nenhuma necessidade de leitura- reconhecimento de slogans é o bastante
para navegar no plano informacional de internet-celular-postagem”. (p.48) “Peça aos
estudantes para que leiam mais que umas tantas linhas e muitos- mesmo estudantes com
boas notas- irão protestar alegando que não podem fazê-lo. Reclamação que os professores
ouvem é que é entediante. O ato da leitura em é entediante”. (p.46)
Fisher explica: “estar entediado é simplesmente estar afastado da matriz
comunicativa de sensação-estimulo das mensagens eletrônicas, do you tube, e do fast food,
estar privado por um momento do fluxo que seja do fluxo constante de gratificação
açucarada sob demandas”. (p.46) E diz, com base em Deleuze e Gatarri – “a escrita nunca
foi o forte do capitalismo. O capitalismo é profundamente iletrado. A linguagem eletrônica
não passa pela voz ou pela escrita: o processamento de dados se dá perfeitamente sem
ambas” (p. 48-49)
Para Fisher, os estudantes “respondem a essa liberdade não se engajando em
projetos, mas caindo em uma letargia hedônica (ou anedônica): narcose leve, a dieta fácil
de esquecimento reconfortante-plastation, tv a noite toda e maconha (p.46). O que vemos
hoje em sala de aula é uma geração que já nasceu na cultura pontilhada-ahistórica e anti-
mnemônica – uma geração para a qual o tempo, desde sempre, veio cortado e embalado em
micro fatias digitais.(p.48)

SINAIS DE ESTAR CAPTURADO NA MATRIZ DE ENTRETENIMENTO


“Interpassividade ansiosa e agitada; inabilidade em concentrar-se ou manter o foco;
incapacidades dos alunos em ligar a falta de foco no presente com maus resultados no
futuro”. Fisher diz que a incapacidade de sintetizar o tempo em qualquer tipo de narrativa
coerente é sintomática de algo mais do que mera desmotivação, sugerindo que é efeito da
fragmentação da subjetividade, patologia do capitalismo tardio.”( p.47-48)

PROFESSORES NO CONTEXTO PÓS-DISCIPLINAR: afirma Fisher

Os professores “se encontram sob intolerável pressão de mediar a subjetividade


pós-letrada do consumidor no capitalismo tardio e as demandas do regime disciplinar
(passar nos exames e coisas do tipo). Presos na armadilha de serem ao mesmo tempo
facilitadores/animadores de palco e autoritários/disciplinadores”.
Ressalta Fisher: “nos professores queremos ajudar os alunos a passarem nas
provas; os alunos querem que sejamos figuras de autoridade que digam a eles o que fazer.
O papel de disciplinador é exigido do educador mais do que nunca, exatamente no
momento em que a estrutura disciplinar está ruindo dentro das instituições. Os professores
estão sendo cada vez mais pressionados a ocupar o papel da família, propondo protocolos
de conduta mais básicos para os estudantes e provendo apoio emocional e pastoral aos
adolescentes que em alguns casos são minimamente socializados.” (p.49)

FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NO CONTEXTO PÓS-DISCIPLINAR


“Os recursos são alocados com base no sucesso em atingir as metas de desempenho
(medidos pelos resultados dos exames), frequência e de retenção de alunos. O mercado
passou a regular os serviços públicos” (p.45-46) Segundo Fisher, “os estudantes não tem
obrigação legal de estar em sala de aula. Podendo sair hora quer quiser. Mas a ausência
completa de oportunidades significativas de trabalho, somadas ao encorajamento cínico do
governo significava que permanecer na instituição seria a opção mais fácil e segura.”
(p.50)

SUJEITO DA SOCIEDADE DO CONTROLE


Burroughs é citado por Fisher para dizer que “viciado em controle é aquele que é
viciado por controle, mas também inevitavelmente que foi dominado e possuído pelo
controle”. Afirma que a vigilância externa é sucedida pelo policiamento interno. O controle
só funciona se você for cúmplice. (p.45)
Então o sujeito da sociedade de controle é “o endividado, viciado, possuído e
dominado por controle. O capital do ciberespaço opera viciando seus usuários. Se
transtorno do déficit de atenção e hiperatividade for uma patologia, então é uma patologia
do capitalismo tardio- consequência de estar conectado aos circuitos de entretenimento-
controle de uma cultura de consumo hipermediada”.(p.48-49).

CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE DE CONTROLE


“As sociedade de controle são baseadas mais na dividas do que no aprisionamento.
Flexibilidade, nomadismo, e espontaneidade características essências do gerenciamento.”
(p.50)

DESAFIO POSTO: diz Fisher


“É preciso descobrir uma forma de sair do par de opostos binário motivação/desmotivação,
de maneira que a desidentificção em relação ao programa d contole possa ser algo diferente
da apatia abatida”. (p.52)

Referências
TREICHLER, Paula A.; GOSSBERG, Lawrnce. Estudos Culturais: uma introdução. IN:
Alienígenas na sala de aula. Uma introdução aos estudos culturais em educação.
SILVA, Tomaz Tadeu. Da Silva (org)-Petrópolis-RJ: Vozes, 1995.

BRASIL. Lei De Diretrizes E Bases Da Educação Nacional. 1996. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 18 dez. 2022.

Você também pode gostar