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DOI: 10.1590/1413-81232023282.

12222022 501

Agentes Comunitárias de Saúde:

revisão review
o que dizem os estudos internacionais?

Community Health Workers:


what do international studies tell us?

Lívia Milena Barbosa de Deus e Méllo (https://orcid.org/0000-0001-5737-751X) 1


Romário Correia dos Santos (https://orcid.org/0000-0002-4973-123X) 2
Paulette Cavalcanti de Albuquerque (https://orcid.org/0000-0001-8283-5041) 3

Abstract This is a narrative review whose ob- Resumo Trata-se de uma revisão narrativa cujo
jective is to understand the state of the art of the objetivo é compreender o estado da arte da litera-
literature on Community Health Worker (CHW) tura sobre programas de Agentes Comunitárias
programs worldwide, identifying their nomencla- de Saúde (ACS) no mundo, identificando suas no-
tures, practices, training, and working conditions. menclaturas, práticas, formação e condições tra-
The major concentration of CHW programs can balhistas. A grande concentração de programas
still be found in low- and middle-income coun- de ACS ainda ocorre em países de baixa e média
tries in Africa (18), Asia (12), and Latin America renda da África (18), Ásia (12) e América Latina
(05), with a few experiences in high-income cou- (05), com algumas poucas experiências em países
ntries in North America (02) and Oceania (01). de alta renda na América do Norte (02) e Ocea-
In total, 38 experiences were cataloged, and the nia (01). No total foram catalogadas 38 experiên-
practices of care, surveillance, education, health cias, tendo sido descritas as práticas de cuidado,
communication, administrative practices, in- vigilância, educação, comunicação em saúde,
tersectoral articulation, and social mobilization práticas administrativas, de articulação inter-
were described. The levels and duration of CHW setorial e mobilização social. Caracterizou-se os
training were characterized, as were the different níveis e duração das formações das ACS, assim
working conditions in each country. Much of the como as diversas condições de trabalho em cada
work is precarious, often voluntary and carried país. Em grande parte, o trabalho é precarizado,
out by women. This review provided a comparati- muitas vezes voluntário e realizado por mulheres.
ve overview that can contribute to enrich the view A revisão proporcionou um panorama compara-
of managers and decision-makers in contexts of tivo que pode contribuir para enriquecer o olhar
the implementation, expansion, and reconfigura- de gestores e tomadores de decisão em contextos
1
Universidade Federal de tion of such programs. de implantação, ampliação e reconfiguração de
Pernambuco. R. Alto do Key words Community health workers, Primary tais programas.
Reservatório s/n, Alto José
Leal. 50030-230 Vitória Health Care, Health policy, Public health, Work- Palavras-chave Agentes comunitários de saú-
de Santo Antão PE Brasil. force de, Atenção Primária à Saúde, Política de saúde,
livia.me@ufpe.br Saúde pública, Recursos humanos
2
Instituto de Saúde Coletiva
da Universidade Federal da
Bahia. Salvador BA Brasil.
3
Instituto de Pesquisa
Aggeu Magalhães/Fiocruz.
Recife PE Brasil.
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Méllo LMBD et al.

Introdução mas de saúde de países de baixa renda ou mesmo


em países de alta renda. As metas destes progra-
A partir da experiência dos médicos de pés des- mas buscam atender às necessidades de saúde da
calços criada na China, em 1920, que vinculava população, qualificar o acesso aos serviços, abor-
moradoras comunitárias às atividades de educa- dar as desigualdades de saúde e melhorar o de-
ção, vigilância e assistência à saúde, assistimos à sempenho e a eficiência do sistema de saúde5-10.
criação de experiências de Agentes Comunitárias No Brasil as ACS representam uma força de
de Saúde (ACS) em Honduras, Índia, Indonésia, trabalho de aproximadamente 250.864 profissio-
Tanzânia e Venezuela nos anos de 1960. Porém, nais, a maioria mulheres11, sendo indispensáveis
foi apenas com a Comissão Médica Cristã, do para a reorientação do modelo de atenção que
Conselho Mundial de Igrejas, neste mesmo ano, reconheça a determinação social e histórica da
que se incorporou ao trabalho das ACS os prin- saúde. Não obstante, junto com a Estratégia de
cípios da justiça, equidade, participação da co- Saúde da Família (ESF), tem impactado direta-
munidade, intersetorialidade, descentralização e mente nos indicadores da saúde, principalmente
trabalho em equipe1. no internamento por condições sensíveis à Aten-
Tais experiências serviram de base intelectual ção Primária à Saúde (APS)12.
para a conferência internacional sobre cuidados A literatura que discorre sobre a atuação das
primários de saúde em Alma-Ata (atual Caza- ACS no Brasil é farta, porém, a produção científi-
quistão) em 1978, sugerindo em sua declaração ca que descreve experiências análogas no cenário
final que os cuidados primários de saúde fossem internacional é escassa13. Haja vista a importân-
desenvolvidos por médicos, enfermeiros, par- cia das ACS na garantia do acesso à saúde, faz-se
teiras, auxiliares e agentes comunitárias, assim necessário uma constante atualização acerca do
como praticantes tradicionais2. tema para melhor subsidiar gestores, pesquisa-
Atualmente, muitos estudos discutem sobre a dores e profissionais na qualificação de políticas
insuficiência do modelo de medicina ocidental, a para esta força de trabalho em saúde.
crise global da Força de Trabalho em Saúde, e o Sendo assim, o objetivo deste artigo é revisar
persistente déficit global de milhões de profissio- a literatura e identificar experiências de ACS no
nais de saúde que continua afetando quase todos mundo, suas nomenclaturas, práticas, formação e
os países. Somando-se a isso existem desigualda- condições trabalhistas.
des regionais, nacionais e subnacionais na distri-
buição e acesso a esta força de trabalho, particu-
larmente em regiões rurais, periferias urbanas ou Metodologia
de difícil acesso3.
Documento elaborado pela Organização Trata-se de um estudo qualitativo de revisão nar-
Mundial de Saúde (OMS) denominado “A Estra- rativa, apropriado para discutir o estado da arte
tégia global sobre recursos humanos para saúde: da literatura sobre determinado assunto, com
Força de trabalho 2030” estima uma demanda até análise ampla, embora sem o estabelecimento de
2030 de 80 milhões de trabalhadores sendo 2,4 uma metodologia rigorosa e replicável; mas, fun-
milhões na África; 15,3 milhões nas Américas; damental para atualização do conhecimento14.
6,2 milhões no Mediterrâneo Oriental; 18,2 mi- Utilizou-se como ponto de partida o estudo
lhões na Europa; 12,2 milhões no Sudeste Asiáti- de Méllo et al.15 que revisa de forma sistemática
co e 25,9 milhões no Pacífico Ocidental4. experiências internacionais de atuação das ACS
Baseada neste documento, a assembleia no mundo durante a pandemia de COVID-19
mundial da saúde de 2016 incentivou os países a elencando as nomenclaturas utilizadas para esta
adotarem uma combinação de habilidades diver- categoria nos diferentes países. O processo de
sificada e sustentável, aproveitando o potencial busca e análise seguiu os passos de Costa et al.16,
de saúde de nível médio e comunitário na com- realizado de forma não sistemática no período de
posição de equipes de atenção primária interpro- janeiro a outubro de 2021. As bases e bibliotecas
fissional4. científicas consultadas foram: SciELO, Medline,
Desta forma, a partir da perspectiva da Co- Lilacs, PubMed e repositório de dissertações e
bertura Universal da Saúde e do contexto da teses da Capes. O banco de dados foi sendo com-
pandemia de COVID-19, observou-se uma reto- plementado com materiais indicados por espe-
mada da agenda em torno de programas de ACS, cialistas na temática.
seja com a introdução, ampliação ou alteração do Todo material recolhido foi lido na íntegra,
escopo de práticas destas trabalhadoras em siste- categorizado e analisado criticamente17.
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Resultados concentração de programas de ACS ainda ocorre
em países de baixa e média renda, da África (18)
Apesar do termo “Agentes Comunitárias de Saú- e Ásia (12), América Latina (05), com algumas
de” ter baixa especificidade internacionalmente, poucas experiências em países de alta renda na
o Quadro 1 lista os principais termos encontra- América do Norte (02) e Oceania (01), totalizan-
dos na literatura, por continente, país e escopo do 38 experiências de ACS relatadas por esta re-
de práticas. Como pode-se observar, a grande visão13,18-27.

Quadro 1. ACS por continente, país e escopo de práticas.


Continente País Nomenclatura Práticas
América Brasil Agentes Co- Cuidado ACS e ACE: Visitas domiciliares, desenvolvimento de atividades de
Latina munitárias de promoção da saúde, de prevenção de doenças e agravos, em espe-
Saúde (ACS) cial aqueles mais prevalentes no território; orientar a comunidade
Agentes de sobre sintomas, riscos e agentes transmissores de doenças e medi-
Combate a En- das de prevenção individual e coletiva.
demias (ACE) ACS: aferir a pressão arterial, realizar a medição da glicemia capilar,
aferição da temperatura axilar, realizar técnicas limpas de curativo
Vigilância ACS e ACE: diagnóstico demográfico, social, sanitário e am-
biental da comunidade; investigação epidemiológica de casos
suspeitos de doenças e agravos junto a outros profissionais da
equipe quando necessário; identificar e registrar situações que
interfiram no curso das doenças ou agravos
Educação e ACS e ACE: desenvolver ações educativas individuais e coletivas,
comunicação em na unidade básica de saúde, no domicílio e outros espaços da co-
saúde munidade
Administrativa ACS: alimentar, manter, atualizar e garantir a qualidade dos
dados do sistema de informações; participar do acolhimento dos
usuários; participar do gerenciamento dos insumos da unidade
básica de saúde; informar os usuários sobre as datas e horários
de consultas e exames agendados
Articulação e ACS e ACE: informar e mobilizar a comunidade para desenvol-
mobilização social ver medidas simples de manejo ambiental e outras formas de
intervenção no ambiente para o controle de vetores; estimular a
participação da comunidade nas políticas públicas voltadas para a
área da saúde
Cuba Brigadistas Cuidado Vacinação, higienização de bairros insalubres, promoção da
Sanitárias saúde
Educação e comu- Organização de cursos de primeiros socorros
nicação em saúde
Equador Técnicos de Cuidado Promoção da saúde e prevenção das doenças junto às equipes de
Atenção Primá- atenção integral à saúde
ria à Saúde
Peru Educador Co- Cuidado Encaminhar casos que precisam de cuidados para instalações
munal em Nu- superiores
trição Vigilância em Gerenciamento de casos de diarreia e pneumonia; mapear a
saúde população, identificar e rastrear famílias com crianças pequenas
e mulheres grávidas
Articulação e Contribuir para o fortalecimento da participação cidadã
mobilização social
Venezuela Agente Comu- Cuidado Atividades de promoção à saúde, prevenção de doenças e trata-
nitário de Aten- mento oportuno das enfermidades em comunidades indígenas,
ção Primária à rurais e de difícil acesso
Saúde Administrativa Contribuem com ações administrativas na rotina dos serviços
Defensores da de saúde
Saúde Intersetorialidade e Mobilização comunitária em defesa da Missão Bairro Adentro
mobilização social
continua
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Méllo LMBD et al.

Quadro 1. ACS por continente, país e escopo de práticas.


Continente País Nomenclatura Práticas
América do Canadá Representantes Cuidado Promoção de saúde bucal para crianças pré-escolares; promo-
Norte de Saúde Comu- ção da saúde materno-infantil e nutricional; prevenção de HIV;
nitária facilitação do acesso aos serviços de saúde para populações
Profissionais/ marginalizadas
Promotores/ Vigilância em Rastreamento do câncer de mama, de Tuberculose (TB), de
Conselheiros de saúde hepatite B e de HIV
Saúde Leigos Administrativa Coleta de dados das comunidades para projetos de pesquisa
Trabalhadores
Comunitários de
Saúde
EUA Trabalhadores Cuidado Visita domiciliar, atividades de promoção da saúde e prevenção
Comunitário de de doenças e agravos como TB e HIV
Saúde Vigilância Monitoramento e controle de doenças como asma em crianças
Educação e comu- Treinamentos da população para participarem como conselhei-
nicação em saúde ros de saúde
Articulação e mo- Atividades de competência cultural e tradução linguística
bilização social
Europa Reino Treinadores de Cuidado Promoção da saúde para mudança de comportamento como
Unido saúde cessação do tabagismo, suporte à amamentação, saúde sexual e
atividade física
Administrativa Apoiam os indivíduos a desenvolverem os seus planos de saúde
pessoais
Ásia Afeganis- Trabalhadores Cuidado Tratamento de pacientes com diagnóstico de TB, encaminha-
tão Comunitários mentos aos serviços de saúde, administração de anticoncepcio-
de Saúde nal injetável e ações de promoção e prevenção em saúde
Vigilância em Relatório de eventos vitais (nascimentos, mortes maternas e
saúde mortes entre crianças menores de cinco anos)
Educação e comu- Realizar grupos de saúde da família
nicação em saúde
Administrativas Atualizar mapa de adscrição.
Bangla- Assistente de Cuidado ABEF: distribuem anticoncepcionais, ações de promoção da
desh Bem-Estar da saúde e fazem visitas de acompanhamento à gestação, parto e
Família (ABEF) nascimento.
Assistente de AS: fornece imunizações e outros produtos como vitaminas e
Saúde (AS) sais minerais.
Provedor de PSC: presta cuidados pré e pós-natais, trata pneumonia, diarreia
Saúde Comuni- e anemia.
tária (PSC) SK: teste de gravidez, fornece cuidados pré-natais e pós-natais.
Shasthya She- Educação e comu- SS: visitas domiciliares, onde educam as famílias sobre nutrição,
bika (SS) nicação em saúde parto seguro, planejamento familiar, imunizações, higiene e
Shasthya Kormi saneamento. Promovem educação sobre câncer de mama e colo
(SK) do útero
Butão Agente de Saúde Cuidado Primeiros socorros, imunização
da Aldeia Vigilância em Notificação de doenças
saúde
Educação e comu- Educação em saúde para planejamento familiar
nicação em saúde
Intersetorialidade e Atividades de desenvolvimento comunitário
mobilização social
continua
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Ciência & Saúde Coletiva, 28(2):501-520, 2023


Quadro 1. ACS por continente, país e escopo de práticas.
Continente País Nomenclatura Práticas
Ásia China Trabalhadores Cuidado TCS: auxiliam no manejo de pacientes, incluindo prescrição de
Comunitários antibióticos e pequenas cirurgias; tratamento diretamente obser-
de Saúde (TCS) vado para HIV e TB; aferição de pressão arterial; administração
Médicos de pés de algumas vacinas.
descalços (1950- *Médicos de pés descalços: forneciam cuidados básicos de saúde,
1980)* primeiros socorros, controle de doenças infecciosas e cuidados
infantis.
Vigilância em TCS: controle de doenças sexualmente transmissíveis, moni-
saúde toramento da caderneta vacinal e monitoramento do uso de
medicação.
Educação e comu- TCS: fornece educação em saúde.
nicação em saúde
Filipinas Trabalhadores Cuidado Auxiliam parteiras, aferição de pressão arterial, auxiliam os
de saúde de Ba- pacientes no autogerenciamento de suas condições crônicas.
rangay (TSB) Vigilância em Monitoramento das condições de saúde prevalentes.
saúde
Articulação e mo- Realizam mobilização de saúde comunitária, sendo ponte entre a
bilização social comunidade e o centro de saúde local.
Administrativa Realizam admissão e entrevista a pacientes, registro de informa-
ções do paciente e/ou sinais vitais, antes de serem vistos por um
médico ou enfermeiro.
Índia Auxiliar de En- Cuidado AEP: tem foco no fornecimento de imunização e atendimento
fermeira Partei- pré-natal, bem como na realização de partos.
ra (AEP) TA: fornece alimentação suplementar para crianças pequenas,
Trabalhador An- meninas adolescentes e mulheres em lactação.
ganwadi (TA) ASSC: fornece medicamentos como anticoncepcionais orais,
Ativista So- pacotes de sal para reidratação, preservativos e comprimidos de
cial de Saúde ácido fólico, realiza cuidados domiciliares aos recém-nascidos.
Credenciado Vigilância em AEP: realiza rastreamento de doenças crônicas não transmissí-
(ASSC) saúde veis.
ASSC: identifica casos de malária, apoio ao tratamento de TB,
rastreamento de doenças crônicas não transmissíveis.
Educação e comu- TA: fornece educação sobre saúde e nutrição para mulheres
nicação em saúde grávidas, mães e meninas adolescentes.
ASSC: educadoras e ativistas.
Indonésia Kaders Cuidado Fornecem imunização e acompanhamento de bebês; pacotes de
reidratação oral e comprimidos de ferro; visitas domiciliares.
Vigilância Atualizam os relatórios de indicadores comunitários.
Intersetorialidade e Participam de reuniões do comitê comunitário.
mobilização social
Irã Behvarz (rural) Cuidado Behvarz: fornece saúde bucal, saúde materno-infantil, saúde
Moraghebe-Sala- reprodutiva.
mat (urbano) Vigilância em Behvarz: identificação e acompanhamento de doenças transmis-
saúde síveis (TB e malária) e não transmissíveis importantes (diabetes,
hipertensão e transtornos mentais).
Administrativa Behvarz: realiza um censo no início do ano e classifica os indiví-
duos de acordo com os serviços que precisam.
Intersetorialidade e Behvarz: incentiva o empoderamento com base na comunidade.
mobilização social
continua
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Méllo LMBD et al.

Quadro 1. ACS por continente, país e escopo de práticas.


Continente País Nomenclatura Práticas
Ásia Myanmar Parteiras Auxi- Cuidado PA: cuidados pré-natais e partos domiciliares, auxiliam parteiras
liares (PA) em serviços de saúde materno-infantil.
Trabalhadores Voluntários da malária: fornecem diagnóstico e tratamento da
Comunitários malária, distribuem mosquiteiro e inseticidas. Realizam triagem
de Saúde (TCS) de dengue, filariose linfática, TB, HIV/AIDS e hanseníase.
Voluntários da Voluntários da TB: fornecem triagem e auxiliam na coleta e
Malária transporte de escarro, acompanham indivíduos com casos presu-
Voluntários da míveis de TB e em terapia domiciliar diretamente observada.
TB Vigilância em PA e TCS: detectam e relatam surtos epidêmicos.
saúde
Administrativa PA e TCS: organizam e auxiliam nas atividades de saneamento e
imunização.
Nepal Agente de Saúde Cuidado VSCF: distribuição de produtos relacionados à saúde e cuidado
da Aldeia (ASA) de crianças doentes, como medicamentos, sais de reidratação e
Voluntária de gel antisséptico. Auxiliam nas estratégias de imunização, avaliam
Saúde Comuni- e tratam de crianças com infecções respiratórias.
tária Feminina Educação e comu- VSCF: Aconselha mulheres e familiares sobre preparação para o
(VSCF) nicação em saúde parto, cuidados com o recém-nascido, serviços de planejamento
Profissional de familiar.
Saúde Materno
Infantil (PSMI)
Paquistão Senhora Traba- Cuidado Tratamento de doenças comuns como TB, malária, diarreia,
lhadora de Saúde ferimentos, sarna; participa de campanhas de imunização; faz
visitas domiciliares; fornece preservativos, pílulas anticoncepcio-
nais orais.
Vigilância em Monitorar doenças comuns como TB, malária, diarreia, ferimen-
saúde tos, sarna.
Educação e comu- Conscientização sobre condições materno-infantil.
nicação em saúde
Intersetorialidade e Mantém ligação estreita com os líderes comunitários, idosos e
mobilização social profissionais de saúde.
Tailândia Voluntário de Cuidado Prestam serviços básicos de saúde às comunidades locais.
Saúde da Aldeia Vigilância em Reconhecer problemas de saúde específicos por ciclo de vida e
saúde vigilância em busca de doenças infecciosas e não infecciosas.
Administrativa Participam do planejamento e gestão dos problemas de saúde da
comunidade.
África África do Trabalhadores Cuidado Atividades de desenvolvimento infantil nas famílias, escola e
Sul Comunitários comunidade; incentivo à amamentação exclusiva; distribuição
de Saúde de medicamentos para doenças crônicas; realização de cuidados
paliativos e geriátricos.
Vigilância em Identificar mulheres grávidas; rastreamento de inadimplentes a
saúde tratamentos.
Educação e comu- Aconselhar e apoiar as escolhas do planejamento familiar.
nicação em saúde
Etiópia Trabalhador Cuidado TES: Realizam curativos básicos, administram imunizantes,
de Extensão da anticoncepcionais injetáveis; realizam planejamento familiar;
Saúde (TES) distribuem redes tratadas com inseticida de longa duração e
Exército de De- preservativos; apoio às pessoas com doenças crônicas.
senvolvimento Educação e comu- TES: educação em saúde nas famílias e nas comunidades; treina-
Feminino (EDF) nicação em saúde mento informal para líderes do Exército de Desenvolvimento da
Mulher, supervisão e apoio.
Intersetorialidade e EDF: envolve comunidades organizando cinco ou seis famílias
mobilização social vizinhas em equipes, com cada equipe selecionando um voluntá-
rio de uma família modelo (definido pela adoção de comporta-
mentos saudáveis).
continua
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Quadro 1. ACS por continente, país e escopo de práticas.
Continente País Nomenclatura Práticas
África Gâmbia Trabalhadores Cuidado Atenção à gestação e ao nascimento, incluindo partos domicilia-
de Saúde da res; visitas domiciliares e tratamento de malária, diarreia, pneu-
Aldeia monia, febre, dores no corpo e pequenas feridas; encaminham
casos graves para a unidade de saúde.
Vigilância em Realizam limpeza ao nível da aldeia uma vez por mês para re-
saúde moção de lixo e preenchimento de buracos para evitar “águas
estagnadas”.
Gana Oficial de Saúde Cuidado OSC: realizam serviços de saúde materna, infantil, reprodutiva,
Comunitária incluindo cuidados e procedimentos do pré-natal, tratamento de
(OSC) malária, diarreia, pneumonia e febre, pequenos cortes e feridas.
Voluntário de Realização de partos normais de emergência e imunização.
Saúde Comuni- Vigilância em OSC: monitorar e fornecer suporte de tratamento para pacientes
tária (VSC) saúde com TB e HIV.
Educação e comu- OSC: educação em geral sobre práticas de saneamento, higiene, e
nicação em saúde aconselhamento sobre estilos de vida saudáveis e boa nutrição.
Quênia Voluntário de Cuidado VSC: tratam doenças comuns e ferimentos leves, visitas domici-
Saúde Comuni- liares.
tária (VSC) TESC: diagnosticar, tratar, gerenciar ou encaminhar adequada-
Trabalhadores mente doenças infantis graves, diarreia, malária, desnutrição e
de Extensão de pneumonia.
Saúde Comuni- Educação e comu- VSC: orientar a comunidade na melhoria da saúde e prevenção
tária (TESC) nicação em saúde de doenças.
Intersetorialidade e TESC: organizam e participam dos comitês de saúde comunitá-
mobilização social rios.
Libéria Assistente Co- Cuidado Visitas domiciliares, atendimento de primeiros socorros.
munitário de Vigilância em Realizam vigilância de condições de saúde e surtos de doenças,
Saúde saúde tais como HIV, AIDS, TB, doenças tropicais negligenciadas e
doenças mentais; rastreio de gestantes e recém-nascidos para
cuidados materno-infantil.
Malawi Assistente de Cuidado Tratam pneumonia infantil, diarreia, malária e acompanham
Vigilância Sani- pacientes com TB; fornecimento de anticoncepcionais, teste de
tária HIV; imunização para crianças menores de cinco anos e mulhe-
res grávidas.
Vigilância em Inspeção sanitária, saneamento ambiental e controle de postos
saúde de fronteira.
Educação e comu- Aconselhamento sobre saúde sexual, materno-infantil e planeja-
nicação em saúde mento familiar.
Mali Agentes de Cuidado Tratamento antimalárico, distribuição de medicamentos e con-
Saúde Comuni- traceptivos, encaminhamento para serviços de saúde.
tários Vigilância em Monitoramento de condições materno-infantis.
saúde
Educação e comu- Aconselhamento sobre prevenção de doenças, promoção da
nicação em saúde saúde e planejamento familiar.
Intersetorialidade e Apoio a campanhas de distribuição em massa de mosquiteiros e
mobilização social desparasitação.
Madagas- Agentes Comu- Cuidado ACN: visitas domiciliares; oferecem tratamento para a desnutri-
car nitários de Nu- ção aguda moderada.
trição (ACN) AC: visitas domiciliares; tratam diarreia, malária.
Agentes Comu- Vigilância em ACN: monitoram o estado nutricional das crianças.
nitários (AC) saúde
Moçambi- Agentes Poliva- Cuidado Realiza exames de desnutrição, testes rápidos de malária, forne-
que lentes Elemen- ce medicamentos e trata doenças; encaminha usuários para os
tares serviços de saúde.
Vigilância em Monitoram condições de saúde da comunidade.
saúde
Educação e comu- Fornecem aconselhamento para adesão ao tratamento de HIV e
nicação em saúde TB, e promovem cuidados materno-infantis.
continua
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Méllo LMBD et al.

Quadro 1. ACS por continente, país e escopo de práticas.


Continente País Nomenclatura Práticas
África Niger Agente de Saúde Cuidado ASC: oferecem vacinação, anticoncepcionais, atendimentos ma-
Comunitária terno-infantis como pré-natal, partos e promoção da saúde.
(ASC) VR: visitas domiciliares.
Voluntários Vigilância em VR: monitorar a saúde de crianças da comunidade e distribuir
Retransmissores saúde mosquiteiros.
(VR)
Nigéria Trabalhadores Cuidado TVSA: Promoção da saúde, tratamento de doenças como malá-
Voluntários da ria, encaminhamentos para outros níveis de atenção à saúde.
Saúde da Aldeia TESC: fornecem cuidados curativos; encaminhamentos para
(TVSA) outros níveis de atenção à saúde.
Trabalhadores
de Extensão de
Saúde Comuni-
tária (TESC)
Uganda Equipes de Saú- Cuidado Tratamento antimalárico, fornecimento de zinco e reidratação
de da Aldeia oral para diarreia e amoxicilina para tratamento de pneumonia;
encaminhar casos para unidades de saúde e serviços de referên-
cia com sintomas agudos graves, como dificuldade em respirar e
convulsões.
Vigilância em Triagem de recém-nascidos e de desnutrição aguda; monitora-
saúde mento e encaminhamento para pré-natal, pós-natal e neonatal;
registro de domicílios em sua área de abrangência.
Intersetorialidade e Mobilização comunitária, apoio a campanhas de distribuição em
mobilização social massa de mosquiteiros. Apoio e envolvimento com comitês de
saúde das aldeias.
Ruanda Animador de Cuidado ASM: garante que os partos ocorram em unidades de saúde nas
Saúde Materna quais estejam disponíveis profissionais de saúde qualificados;
(ASM) fornecem anticoncepcionais e sensibilizam famílias sobre a pre-
Binôme venção de doenças não transmissíveis.
Binôme: diagnóstico e tratamento de doenças infantis e malária,
fornecimento de anticoncepcionais e tratamento de TB.
Vigilância em ASM: identifica mulheres grávidas, faz visitas regulares de acom-
saúde panhamento durante e após a gravidez; rastreiam crianças com
desnutrição.
Binôme: triagem e encaminhamento de desnutrição.
Serra Trabalhadores Cuidado Ações de saúde reprodutiva, materna, neonatal e infantil, in-
Leoa Comunitários cluindo gestão integrada de casos de doenças infantis na comu-
de Saúde nidade; distribuem preservativos e pílulas anticoncepcionais
orais; realizam encaminhamentos para serviços de saúde.
Vigilância em Coleta de informações demográficas essenciais e vigilância de
saúde doenças.
Educação e comu- Realizam ações educativas preventivas durante as visitas domi-
nicação em saúde ciliares.
Tanzânia Trabalhadores Cuidado Implementar intervenções de saúde na comunidade; fornecer
Comunitários solução de reidratação oral e zinco para crianças com diarreia;
de Saúde tratamento inicial de infecção respiratória inferior, de malária e
TB; fornecer apoio aos pacientes com HIV e planejamento fami-
liar, distribuindo pílulas anticoncepcionais orais e preservativos;
participar na resposta precoce e gestão de surtos de doenças
(cólera e disenteria); executar primeiros socorros básicos; forne-
ce apoio psicossocial.
Vigilância em Realizar coleta e análise de dados comunitários a partir de visitas
saúde domiciliares; identificação de pacientes que precisam de encami-
nhamento; identificação de mulheres grávidas e recém-nascidos
com sinais de perigo, assim como pacientes com sinais de trans-
tornos mentais.
continua
509

Ciência & Saúde Coletiva, 28(2):501-520, 2023


Quadro 1. ACS por continente, país e escopo de práticas.
Continente País Nomenclatura Práticas
África Zâmbia Assistente Co- Cuidado Fornece curativos básicos que podem ser prestados no posto de
munitário de saúde e na comunidade.
Saúde Vigilância em Realiza diagnóstico de saúde da comunidade, mapeamento da
saúde área de captação e recursos, assim como planejamento comuni-
tário.
Educação e comu- Realiza educação em saúde da comunidade e atividades de pro-
nicação em saúde moção da saúde.
Zimbábue Agente de Saúde Cuidado Identificar e encaminhar pessoas que precisam de tratamento
da Aldeia para unidades de saúde; fornecer sais de reidratação oral durante
surtos de cólera; tratar pequenas doenças, fornecer profilaxia
para malária, aconselhamento e testagem voluntária de HIV, su-
pervisão de pacientes com TB e terapia diretamente observada;
promover imunização; cuidar de pacientes com doenças crônicas
(hipertensão, diabetes, acidente vascular cerebral, epilepsia);
promover a saúde bucal e mental.
Vigilância em Coletar informações de saúde na comunidade para compartilhar
saúde com centros de saúde rural e alimentar sistema de informação
nacional; realizar monitoramento do crescimento infantil, acom-
panhamento de bebês expostos ao HIV e suas mães.
Educação e comu- Fornece educação e promoção em saúde sobre água e saneamen-
nicação em saúde to, doenças de importância para a saúde pública, gravidez, saúde
materna e planejamento familiar.
Oceania Austrália Navegadores da Cuidado Apoiar membros de comunidades Culturalmente e Linguisti-
comunidade camente Diversas (CALD) no acesso aos serviços de saúde e a
Trabalhadores encaminhamentos.
Leigos da Saúde Intersetorialidade e Facilitar acesso a serviços de moradias comunitárias, às regras
mobilização social de imigração, técnicas de procura de emprego, elegibilidade de
financiamento, assim como às políticas e procedimentos em vá-
rios departamentos governamentais; facilitar o acesso de clínicos
gerais a intérpretes linguísticos.
Fonte: Autoras.

Multidiversidade dos saberes e fazeres física; gestão de doenças crônicas ou doenças in-
das ACS: um olhar global fectocontagiosas e parasitárias; visitas domicilia-
res; encaminhamentos para serviços de saúde e
Buscando avançar na caracterização dos sa- fornecimento de alimentos.
beres e fazeres desses sujeitos, parte-se da clas- Para a subcategoria de tratamento clínico é
sificação de práticas proposta por Méllo et al.28, curioso atentar que esta varia desde a prescrição
subdividindo-as em: práticas de cuidado, vigilân- e distribuição de medicamentos como antibióti-
cia em saúde, educação e comunicação em saúde, cos, anticoncepcionais, vitaminas, minerais, até a
administrativas, articulação e mobilização social própria intervenção que demandaria uma maior
(Quadro 1). racionalidade clínica e biomédica. As condições
Observando-se o Quadro 1 pode-se dizer que foco do tratamento e diagnóstico envolvem: des-
as práticas de cuidado das agentes variaram de nutrição, HIV, TB, malária, diarreia, cólera, in-
acordo com o país. Para fins didáticos podemos fecções respiratórias, sarna, pequenos cortes ou
detalhar ainda esta categoria em subcategorias de feridas, pré-natal, partos, anemia, convulsões,
promoção da saúde, prevenção de doenças, diag- hipertensão, diabetes, acidente vascular cerebral,
nóstico e tratamento clínico. epilepsia, dengue, filariose linfática e hanseníase.
Na subcategoria de promoção da saúde se- No cenário brasileiro, as funções prescritas
gundo a literatura revisada esses atores execu- para as ACS de “aferir a pressão arterial, realizar
tam ações em saúde bucal; sexual e reprodutiva; a medição da glicemia capilar, aferição da tempe-
mental; materno-infantil; nutricional; atividade ratura axilar, realizar técnicas limpas de curativo”
510
Méllo LMBD et al.

Quadro 2. Características da formação e condições de trabalho das ACS.


País Nomenclatura Formação Condições de trabalho
Brasil Agente Comunitário de ACS: Formação mínima de ACS: Provimentos por meio de concurso
Saúde (ACS) ensino médio para realização de público, com atuação na atenção primária à
Agentes de Combate a concurso, e posterior participação saúde; direitos trabalhistas como piso salarial
Endemias (ACE) em curso introdutório na nacional, férias. Está inserida dentro de uma
profissão equipe de saúde da família, com atuação
multiprofissional, sendo responsável por até
750 pessoas
Cuba Brigadistas Sanitárias Cursos de capacitação de curta Voluntários com atuação no setor público
duração
Equador Técnicos de Atenção Formação de nível superior, Vínculo empregatício com atuação no setor
Primária à Saúde tecnóloga, realizada por dois anos público. Mas, ganham bolsas de estudo
durante a formação
Peru Educador Comunal em Cursos de capacitação de curta Voluntários com atuação no setor público;
Nutrição duração ganham estímulos não monetários como
certificados, equipamentos e vestimentas de
trabalho.
Venezuela Agente Comunitário de Formação técnica Vínculo empregatício com atuação no setor
Atenção Primária à Saúde público
(ACAPS)
Defensores da Saúde
Canadá Representantes de Saúde Três tipos de educação e Não Informado (NI)
Comunitária (RSC) treinamento: programas de
Profissionais/Promotores/ treinamento organizacional,
Conselheiros de Saúde programas de treinamento
Leigos institucional e treinamento no
Trabalhadores trabalho
Comunitários de Saúde
EUA Trabalhador Comunitário Atualmente, 30 estados oferecem Existem aproximadamente 61 mil
de Saúde algum tipo de treinamento profissionais, desenvolvendo atividades no
padronizado para ACS setor privado, público ou organizações não
governamentais. O trabalho é exercido tanto
na atenção primária, secundária quanto
terciária
Reino Unido Treinadores de saúde Treinamento abrangente, Trabalho em tempo parcial, com rotatividade
padronizado, mas de baixo nível elevada; operam em paralelo aos serviços de
técnico. APS
continua

ainda estão em disputa seja para incorporação na câncer de mama, hepatites, doenças crônicas não
formação seja na prática profissional, apesar de já transmissíveis, doenças tropicais negligenciadas,
ser uma realidade em áreas remotas. doenças mentais, além de rastreio de gestantes e
Por fim, as atividades preventivas podem in- recém-nascidos para cuidados materno-infantil.
cluir: auxiliar e executar campanhas de vacina- A coleta de dados no âmbito da comunidade
ção, testes rápidos de doenças infectocontagiosas com o mapeamento da população e dos domicí-
e gravidez, até distribuição de redes tratadas com lios adscritos é algo que aparece com frequência
inseticidas. em grande parte dos países. Outra vertente que
A vigilância em saúde, tal como as práti- emerge das práticas de vigilância é a preocupação
cas de cuidado, parece, também, adaptar- se ao com a questão ambiental e sua relação com a saú-
contexto local. As agentes realizam ações para de, como a remoção do lixo, preenchimento de
identificação, notificação e monitoramento de buracos para evitar “águas estagnadas”, inspeção
doenças, agravos e condições de saúde como: TB, sanitária, saneamento ambiental e controle de
HIV, AIDS, desnutrição, diarreia, pneumonia, postos de fronteira.
511

Ciência & Saúde Coletiva, 28(2):501-520, 2023


Quadro 2. Características da formação e condições de trabalho das ACS.
País Nomenclatura Formação Condições de trabalho
Afeganistão Trabalhadores Curso de formação de quatro Voluntários, com despesas de reuniões e
Comunitários de Saúde meses, mas com formação treinamentos pagas pelo governo
continuada mensal. São aplicados
três módulos em sala de aula e um
mês de experiência prática nas
respectivas aldeias
Bangladesh Assistente de Bem-Estar ABEF e AS: recebem 21 dias de A maioria trabalha com organizações não
da Família (ABEF) treinamento teórico, seguidos de governamentais, enquanto o restante é
Assistente de Saúde (AS) treinamento no local de trabalho. empregado pelo governo e recebe salário
Provedor de Saúde PSC: recebem 12 semanas de mensal.
Comunitária (PSC) treinamento. Os SS recebem pequenos empréstimos para
Shasthya Shebika (SS) SS: recebem três semanas de estabelecer fundos rotativos, que usam para
Shasthya Kormi (SK) treinamento básico. ganhar algum dinheiro com a venda de
SK: recebem duas semanas de produtos de saúde.
treinamento teórico, seguidas por Os SK trabalham em tempo integral e recebem
duas semanas de orientação de um salário mensal
campo
Butão Agente de Saúde da Aldeia NI NI
China Trabalhadores A maioria dos treinamentos O número de TCS em cada centro de saúde
Comunitários de Saúde comunitário pode variar entre 5 e 10; A
são ministrados por professores
(TCS) ou especialistas por meio de população que cada TCS atende varia de 300 a
Médicos de pés descalços palestras, discussões em sala 2500 residentes.
(1950-1980)* de aula e em grupo, bem como Há falta de apoio governamental tanto no
dramatizações. financiamento como na regulamentação do
Também ocorrem treinamentos trabalho.
via internet. A compensação financeira para os TCS é
*categoria extinta fornecida por instituições de saúde locais com
base nos serviços que prestaram.
Filipinas Trabalhadores de saúde de Não recebem treinamento formal A seleção é baseada em relações pessoais e
Barangay (TSB) como TSB antes de iniciar suas políticas.
funções São trabalhadores de meio período, voluntários.
Mas, alguns locais, em espacial, em áreas rurais
pagam salários.
Recebem incentivos não monetários, como
medicamentos gratuitos do centro de saúde,
serviços de saúde gratuitos e mantimentos no
natal.
Índia Auxiliar de Enfermeira AEP: recebem 24 meses de AEP se reportam a médicos. ASSC se reportam
Parteira (AEP) treinamento. aos facilitadores de ASSC e as TA se reportam
Trabalhador Anganwadi TA: recebem de 3 a 4 semanas aos supervisores de Anganwadi.
(TA) e os ASSC de 4 a 5 semanas de AEP recebem um salário do governo; TA são
Ativista Social de Saúde treinamento voluntários, mas recebem uma ajuda de custo
Credenciado (ASSC) por mês; ASSC recebem incentivos baseados no
desempenho para mais de 64 atividades
continua

As práticas de educação e comunicação são útero, estilo de vida saudável, além de promover
caracterizadas por ações de aconselhamento cursos de capacitação em primeiros socorros e
sobre saúde gestacional, sexual e reprodutiva, outros tipos de treinamentos.
materno-infantil, nutrição, saneamento, meio Por outro lado, as práticas administrativas
ambiente, adesão a tratamentos, imunizações, hi- foram as menos evidentes segundo os estudos
giene, prevenção de câncer de mama e de colo de incluídos, sendo relacionadas às atividades bu-
512
Méllo LMBD et al.

Quadro 2. Características da formação e condições de trabalho das ACS.


País Nomenclatura Formação Condições de trabalho
Indonésia Kaders Recebem menos de uma semana Trabalham cerca de 10 a 20 horas mensais;
de treinamento formal. Muitos Serviço voluntário com pequenos reembolsos
são treinados por Kaders mais de despesas de transporte e tratamento médico
experientes “no trabalho” gratuito
Irã Behvarz (rural) Behvarzs devem ter 12 anos Recebem salário mensal do governo, com
Moraghebe-Salamat de educação geral e curso de possibilidade de incentivos por desempenho
(urbano) treinamento de dois anos. Cada
vez mais são selecionados jovens
rurais universitários.
Moraghebe-Salamats são
universitários graduados com
bacharelado em saúde pública,
obstetrícia ou enfermagem, e
também concluem um curso de
curta duração adicional
Myanmar Parteiras Auxiliares (PA) PA recebem seis meses de PA e TCS não recebem incentivos monetários;
Trabalhadores treinamento inicial, os TCS um Voluntários da malária e TB recebem
Comunitários de Saúde mês e os voluntários da malária/ incentivos monetários com fundos de
(TCS) TB até uma semana doadores
Voluntários da Malária
Voluntários da TB
Nepal Agente de Saúde da Aldeia VSCF devem ser alfabetizados e ASA são quadros remunerados do governo.
(ASA) recebem 18 dias de treinamento VSCF são supervisionadas pelas ASA, e
Voluntária de Saúde inicial. voluntárias em meio período. Mas recebem
Comunitária Feminina ASA tem 15-18 meses de ajuda de custo para treinamento e fardamento.
(VSCF) formação inicial Tem suporte mensal de unidades de saúde
Profissional de Saúde de onde recebem suprimentos, materiais,
Materno Infantil (PSMI) aconselhamento e feedback programático
Paquistão Senhora Trabalhadora de 15 meses de treinamento, sendo Cada agente possui, em média, uma área de
Saúde três meses em sala de aula e 12 abrangência de 1.000 indivíduos.
meses em serviço Recebem supervisão e salário mensal, com
trabalho em dedicação exclusiva
Tailândia Voluntário de Saúde da Treinamento inicial de 43 horas Supervisionados por profissionais de saúde
Aldeia em sala de aula locais.
Salário mensal
África do Sul Trabalhadores Currículo padronizado Supervisionados por Líderes de Equipe de
Comunitários de Saúde nacionalmente com treinamentos Outreach (enfermeiros de nível superior ou de
presenciais e práticos que nível médio).
totalizam 12 meses de duração Recebem remuneração mensal.
continua

rocráticas, como organização, administração ou e grupos específicos da população como líderes


auxílio dos serviços, atualização de dados dos comunitários e idosos. Já a intersetorialidade en-
usuários através de censos, e apoio a outros pro- volve ações de facilitação do acesso aos serviços
fissionais da equipe de saúde comunitária. habitacionais, jurídicos e políticos específicos do
A mobilização social desempenhada pelas local de atuação. A competência cultural também
ACS gira em torno da perspectiva do empodera- é acionada na medida em que triangulam infor-
mento cidadão através de atividades de desenvol- mações entre usuários e outros profissionais de
vimento comunitário e sua participação em polí- saúde, incluindo a tradução linguística em con-
ticas públicas, mantendo vínculo entre serviços textos de diferenças dos idiomas.
513

Ciência & Saúde Coletiva, 28(2):501-520, 2023


Quadro 2. Características da formação e condições de trabalho das ACS.
País Nomenclatura Formação Condições de trabalho
Etiópia Trabalhador de Extensão São obrigados a concluir o ensino TES são supervisionados pela equipe do
da Saúde (TES) fundamental. centro de saúde; são funcionários formais
Exército de Recebem um ano de treinamento assalariados pelo governo.
Desenvolvimento pré-serviço de um instituto ETF são voluntárias.
Feminino (ETF) técnico ou de um centro de saúde
da escola superior.
Treinamento em serviço a cada
dois anos para sua formação
inicial
Gâmbia Trabalhadores de Saúde da Receberam treinamento do Voluntários indicados pela comunidade;
Aldeia sistema nacional de saúde, sendo não recebem pagamento; mas sim limitada
suas formadoras as enfermeiras ajuda da comunidade em suas fazendas ou na
comunitárias de saúde compra de medicamentos
Gana Oficial de Saúde OSC: primeiro obtêm OSC: são supervisionados mensalmente por
Comunitária (OSC) treinamento como enfermeira de enfermeiras de saúde pública, assistentes
Voluntário de Saúde saúde comunitária, recebendo médicos e coordenadores de APS; são
Comunitária (VSC) dois anos de formação em funcionários assalariados do Ministério da
uma escola de treinamento Saúde em tempo integral; recebem férias
em enfermagem em saúde remuneradas e a oportunidade de avançar
comunitária credenciada; em na sua educação com licença educacional
seguida recebem duas semanas remunerada.
adicionais de treinamento, em VSC: são agentes de saúde em tempo parcial,
engajamento, mobilização da voluntários e não recebem remuneração.
comunidade, e realização de Mas recebem incentivos como camisetas,
estágio. transporte diário e, ocasionalmente, bicicletas
VSC: recebem cinco dias de
treinamento
Quênia Voluntário de Saúde Os treinamentos para VSC VSC recebe supervisão e apoio mensal
Comunitária (VSC) são baseados em um currículo de um TESC, na unidade de saúde ou na
Trabalhadores de Extensão com 13 módulos que leva comunidade.
de Saúde Comunitária aproximadamente três meses Alguns condados do Quênia pagam incentivos
(TESC) e consiste em 324 horas de mensais aos VSC com seu próprio orçamento
formação conduzidas por um
facilitador em um ambiente
de sala de aula e 160 horas de
experiência prática
Libéria Assistente Comunitário Formação em quatro módulos, Um ACS para cada 40-60 domicílios ou 350
de Saúde cada um com 8-11 dias de pessoas; recebem recurso financeiro mensal de
duração, durante dois meses. incentivo.
Entre um módulo e outro o ACS Cada Community Health Service Supervisors
pratica as novas habilidades (enfermeira, parteira ou assistente do médico)
com apoio e avaliação de seu supervisiona aproximadamente 10 ACS.
supervisor
Malawi Assistente de Vigilância 12 semanas de treinamento (oito São supervisionados mensalmente por um
Sanitária semanas em sala de aula e quatro AVS Sênior e, trimestralmente, por um Oficial
semanas práticas), seguidas de Assistente de Saúde Ambiental, um Oficial de
um exame final. Saúde Ambiental ou uma Enfermeira de Saúde
Treinamento complementar Comunitária.
em Integrated Community Case Recebem um salário mensal e incentivos
Management (iCCM) não financeiros (como uniformes, camisetas,
bolsas, uma bicicleta e reconhecimento
público) através de parceria entre governo e
ONGs
Mali Agentes de Saúde NI NI
Comunitários
continua
514
Méllo LMBD et al.

Quadro 2. Características da formação e condições de trabalho das ACS.


País Nomenclatura Formação Condições de trabalho
Madagascar Agentes Comunitários de O treinamento inicial dos ACN é ACN recebem um pagamento mensal quando
Nutrição (ACN) geralmente de 10 a 15 dias. há um projeto financiado por um doador
Agentes Comunitários Os AC recebem de 5 a 12 dias de externo.
(AC) treinamento inicial AC não recebem pagamento regular formal.
AC são supervisionados pelo chefe dos centros
de saúde, enquanto os ACN se reportam a um
supervisor da ONG
Moçambique Agentes Polivalentes 18 semanas de treinamento Cada APE é responsável por 500–2.000
Elementares (APE) dividido em módulos didáticos e habitantes.
práticos Recebem um pequeno subsídio, além de
bicicleta, lanterna, colete, bolsa de remédios,
crachá, boné, calculadora, termômetro e
cronômetro.
São supervisionados por um membro da
equipe da unidade de saúde
Niger Agente de Saúde ASC: recebem seis meses de ASC: assalariados tendo um para cada 9.000
Comunitária (ASC) treinamento. ou mais pessoas;
Voluntários VR: recebem vários dias de VR: voluntários tendo um para cada 4.500
Retransmissores (VR) treinamento em Manejo pessoas ou mais, sendo supervisionados por
Integrado da Comunidade de ASC
Doenças Prevalentes na Infância
(C-AIDPI)
Nigéria Trabalhadores Voluntários O currículo de treinamento para TVSA: trabalham principalmente através de
da Saúde da Aldeia TVSA é flexível e baseado nas ONGs de quem recebem supervisão;
(TVSA) necessidades locais. Emprego formal e são supervisionados pelo
Trabalhadores de Extensão TESC recebem três anos de responsável da unidade de saúde mais próxima
de Saúde Comunitária treinamento formal
(TESC)
Uganda Equipes de Saúde da Devem saber ler e escrever e São voluntários e não recebem pagamento
Aldeia (ESA) recebem treinamento inicial em financeiro.
Gerenciamento Integrado de Existe um ESA para cada 240 pessoas.
Casos da Comunidade (iCCM) Tem apoio de uma unidade de saúde dentro
de sua comunidade, onde um profissional de
saúde os supervisiona
Ruanda Animador de Saúde Em média têm aproximadamente São supervisionados diretamente pelo Centro
Materna (ASM); três meses de treinamento inicial de Saúde;
Binôme São voluntários, com incentivos baseados
no cumprimento de metas e relatórios por
telefones celulares
Serra Leoa Trabalhadores 24 dias de treinamento presencial Recebem um incentivo financeiro mensal; mais
Comunitários de Saúde dividido em três módulos, com ajuda de custo para despesas com viagem para
um mês de prática após cada participar de reuniões mensais e para cobrir
módulo. custos de comunicação.
Recebem apoio de supervisores.
A maioria trabalha cerca de 20 horas por
semana
Tanzânia Trabalhadores Devem ter concluído o ensino Recebem supervisão de um centro de saúde
Comunitários de Saúde médio e se matricular em uma mais próximo.
Instituição de Treinamento em É previsto um salário mensal, mais benefícios
Saúde, pagando suas próprias como seguro saúde e férias anuais.
taxas de treinamento. A formação Recebem um kit com suprimentos e
dura 12 meses e inclui 14 equipamentos essenciais
módulos, sendo certificados
como Técnico Básico em Saúde
Comunitária
continua
515

Ciência & Saúde Coletiva, 28(2):501-520, 2023


Quadro 2. Características da formação e condições de trabalho das ACS.
País Nomenclatura Formação Condições de trabalho
Zâmbia Assistente Comunitário de Participam de um ano de Cada ACS é responsável por uma área de
Saúde (ACS) treinamento pré-serviço captação de 1.750 pessoas.
formalizado com base em 11 Recebe salário mensal, incluindo benefícios de
módulos de treinamento. funcionários públicos.
Os tutores são graduados em Recebem uma bicicleta, botas de trabalho,
enfermagem e saúde ambiental uma mochila e um uniforme do Governo da
República da Zâmbia
Zimbábue Agente de Saúde da Aldeia São treinados por cinco meses, Trabalham quatro horas por dia, 2-3 dias
(ASA) atividades de sala de aula e por semana e cobrem aproximadamente 100
práticas no campo famílias.
Os ASA são supervisionados pela enfermeira
responsável do centro de saúde mais próximo.
Recebem subsídio financeiro trimestral
Recebem uniforme, bicicleta e kit de
suprimentos médicos
Austrália Navegadores da Cinco módulos de 3 horas Projeto piloto com 11 horas por semana de
comunidade; conduzidos por uma trabalho.
Trabalhadores Leigos da universidade, seguido por um Baixa remuneração
Saúde. certificado de graduação em
tempo parcial de um ano em
desenvolvimento comunitário
e círculos de aprendizagem
elaborados para apoiar sua
prática
Fonte: Autoras.

Formação profissional e condições de técnicos de 3 anos na Nigéria e tecnólogo, do tipo


trabalho: entre a precariedade e a ensino superior, no Equador e Austrália. Em se
legitimação da categoria tratando das instituições de ensino podem ser
universidades, escolas técnicas, o próprio sistema
As experiências encontradas referem-se as de saúde ou via internet.
ACS como uma tipologia de leigas a trabalhado- Em alguns países parece haver tutores com
ras com educação formal, vinculados aos siste- funções e formações para o ensino das ACS que
mas de saúde formal ou informalmente, de forma se caracterizam desde pares da própria categoria
remunerada e não remunerada, sendo as princi- mais experientes como as ACS Sênior na Indo-
pais características encontradas na literatura as nésia até profissionais da enfermagem ou saúde
apresentadas no Quadro 2. ambiental na Zâmbia.
Com base na literatura, as características de Os aspectos sobre as condições de trabalho
ingresso para a formação das ACS não são homo- podem ser subdivididos em tipo de seleção, vín-
gêneas, no entanto emergem pré-requisitos que culos, remuneração, carga horária trabalhada,
vão da capacidade de ler e escrever na Uganda direitos trabalhistas, supervisão e famílias ads-
ou ensino médio concluído na Tanzânia. No en- critas.
tanto, chama atenção que no Irã existe uma ten- Nos poucos países que a subcategoria de sele-
dência a recrutar universitários ou bacharéis em ção foi identificada percebe-se que ela é baseada
saúde pública, obstetrícia ou enfermagem para em relações pessoais e políticas convergindo em
atuação como ACS. indicações pela comunidade até a instauração de
As modalidades de formação das ACS pelo concurso público.
mundo são múltiplas, diversas e singulares para O tipo de vínculo prioritário parece ser o vo-
cada país, variando desde cursos rápidos e ines- luntário, embora com algumas experiências assa-
pecíficos na grande maioria dos países, até cursos lariadas com atuação no setor público. Em relação
516
Méllo LMBD et al.

à remuneração, alguns recebem ajuda de custo ou Em países de rendas baixa e média as ACS
suprimentos básicos, estabelecidos pelos gover- geralmente prestam serviços curativos, tendo em
nos nacionais, condados, comunidades, aldeias vista substituírem atribuições de profissionais de
e organizações não governamentais. As ajudas de nível superior escassos no país e a difícil fixação
custo envolvem: indumentárias, vale transporte, em áreas remotas34.
bicicletas, tratamento médico gratuito, medica- Já em países de alta renda, geralmente as ACS
mentos, reconhecimento público e alimentos. têm como objetivo principal combater as ini-
O tempo trabalhado varia desde a dedicação quidades e prevenir doenças não transmissíveis
exclusiva, até meio período em apenas 2 ou 3 dias junto aos grupos vulneráveis como imigrantes,
por semana. Já o tipo de seleção, vínculo e tem- aborígenes e de baixa renda como a população
po trabalhado parece incidir nos direitos que as em situação de rua. Segundo Najafizada et al.18,
ACS adquirem por desenvolverem suas funções, as atividades são endereçadas, principalmente, às
como: férias, pagamento mensal, pagamento por questões de saúde relacionadas à cultura, etnia,
desempenho até auxílios não remunerados. raça, gênero, linguagem e advocacy, consideran-
A supervisão do processo de trabalho desta do os determinantes sociais da saúde.
categoria está relacionada desde o contato men- Segundo Glenton et al.35 as atribuições das
sal com outros profissionais de nível superior ACS, em cada contexto, precisam ser balizadas
como enfermeiros, médicos até pares da mesma por recomendações aceitáveis e apropriadas
categoria com maior tempo de serviço nos cen- para os usuários que demandará as necessida-
tros de saúde local ou entidade contratante como des locais, pela própria categoria, pensando nas
as organizações não governamentais. implicações práticas e organizacionais como trei-
Por fim, cada ACS é responsável por um con- namento, suporte e local de trabalho. Schneider
tingente de pessoas que varia de 240 na Uganda e Lehmann6 chama atenção também para a im-
a 9.000 no Níger. portância de levar em consideração, a existência
e atribuições dos outros profissionais de saúde
antes de definir o enquadramento do papel das
Discussão ACS, a fim de integrar adequadamente os progra-
mas de ACS no sistema de saúde.
Com base na literatura revisada14,18-27 percebe-se As baixas e ausentes remunerações e a falta
que grande parte das ACS desenvolvem práticas de oportunidades para avançar nos estudos e
que a Organização Internacional do Trabalho carreira são vistas como ameaças à motivação, à
(OIT), através da Classificação Internacional de legitimidade e à sustentabilidade dos programas
Classes de Profissões, especifica: de ACS em muitos países23,28,36.
[...] fornecem educação em saúde e encami- Estudos qualitativos destacaram que as ACS
nhamentos para uma ampla gama de serviços, e com maior nível de instrução foram vistas de for-
fornecem apoio e assistência às comunidades, fa- ma mais positiva do que as ACS com menor es-
mílias e indivíduos com medidas preventivas de colaridade37. Porém, a OMS destaca que um nível
saúde e acesso a serviços sociais e de saúde ade- mais alto de educação também pode gerar des-
quados. Eles criam uma ponte entre provedores de gaste entre as ACS mais instruídas, devido à falta
saúde, serviços sociais e comunitários e comuni- de oportunidades de progressão na carreira, além
dades que podem ter dificuldade em acessar esses de restringir o grupo de candidatas potenciais,
serviços29(p.112). em especial em contextos de baixa escolaridade25.
Estudos têm relatado as contribuições das Tais apontamentos indicam que os programas
ACS para abordar questões sociais e de saúde de ACS podem ser entendidos como programas
onde esta categoria tem contribuído para resul- de inclusão, desenvolvimento social e humano,
tados importantes tais como redução de inter- se a inserção no mundo do trabalho ocorrer ao
nações sensíveis à APS e impactos positivos nos mesmo tempo em que o contratante se compro-
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio30-32. mete com a elevação da escolaridade.
Uma constatação da literatura é que o nú- Considerando o histórico predomínio de
mero, a complexidade e a variedade de funções mulheres nas profissões de saúde estudos têm
desempenhadas pelas ACS variam substancial- observado este fenômeno também para a catego-
mente de acordo com as necessidades, tipos de ria de ACS ao redor do mundo25,38. Tal aspecto é
sistema de saúde e contextos de cada país, sendo compreendido como fortaleza para o desenvolvi-
percebida uma ampliação de funções ao longo do mento socioeconômico sendo muitas vezes uma
tempo22,23,33. forma de inclusão das mulheres no mundo do
517

Ciência & Saúde Coletiva, 28(2):501-520, 2023


trabalho. Sobre este aspecto, a OMS recomenda renda, a vigilância à saúde integrada à APS, as-
como um dos critérios de seleção de ACS25: sim como a participação comunitária foram re-
[...] nível educacional mínimo adequado à(s) comendadas e, de alguma forma, implantadas.
tarefa(s) em questão; adesão e aceitação pela co- Estas iniciativas contam em grande medida com
munidade alvo; eqüidade de gênero considerando o protagonismo das ACS que estão desafiadas
preferencialmente mulheres; atributos pessoais, frente às novas tecnologias da informação, mas
capacidades, valores e experiências profissionais e principalmente, frente às avassaladoras desigual-
de vida dos candidatos (grifo dos autores). dades socioeconômicas agudizadas na pandemia
Porém, ainda é avaliado como fraco o apoio de COVID-1945-47.
político e o financiamento a programas de ACS As limitações do estudo dizem respeito ao
o que se traduz na falta de suprimentos, infraes- método adotado que não utiliza uma abordagem
trutura, baixa remuneração, formação deficiente de revisão sistemática, apesar de ser apropriada
e supervisão inadequada, desafios antigos da ca- para descrever e discutir o estado da arte de um
tegoria e que precisam estar nas agendas gover- determinado objeto no tempo. Outro aspecto
namentais12,39,40. Isso pode ser reflexo da questão importante foi a não contextualização histórica
histórica de gênero, já que o trabalho de cuidado da institucionalização dos sistemas de saúde para
desenvolvido pela categoria é visto como exten- melhor compreensão do papel das ACS em cada
são do papel das mulheres no âmbito doméstico país.
não remunerado38.
Para Cometto19, os programas de ACS não
devem representar apenas uma maneira de eco- Conclusão
nomizar custos ou atuarem como substitutas de
outras profissionais de saúde, mas sim integra- Este artigo não pretendeu esgotar a literatura a
rem equipes interprofissionais de APS. Reco- respeito do tema, mas sim ampliar a percepção
menda-se, ainda, considerar a possibilidade de sobre as práticas, condições de trabalho e forma-
vincular as iniciativas das ACS às políticas multi- ção de ACS no mundo, percebendo aproxima-
dimensionais e estruturas como educação, traba- ções e diferenças que podem enriquecer o olhar
lho e desenvolvimento comunitário41. de gestores e tomadores de decisão em contextos
Sobre as implicações de custo, chama-se aten- de implantação, ampliação e reconfiguração de
ção para o fato de programas de ACS demanda- tais programas.
rem um financiamento de longo prazo, embora Quanto às práticas, países de baixa e média
não exista informação suficiente sobre isso e sua renda direcionam a categoria para realização de
relação aos gastos dos governos39,42. No entanto, a procedimentos curativistas e biomédicos, numa
OMS43 aponta que a implantação de programas de lógica de APS seletiva, diante da falta de outros
ACS sugere ser uma estratégia custo-efetiva e que profissionais nas equipes. Já os países de alta
países em todos os níveis de desenvolvimento so- renda parecem adotar os programas para atingir
cioeconômico demonstram que é possível realizar maior equidade e acesso a populações específicas.
investimentos em iniciativas de grande escala. Grande parte dos países não garantem uma
Conforme já apontado em estudos compara- formação adequada, com apenas dois países, dos
dos de sistemas de saúde, existe um movimento 38 aqui catalogados, garantindo formação de ní-
quase pendular na história de configuração dos vel superior. Persiste a precarização e predomi-
sistemas. Por um lado, a diminuição de gastos, nância de trabalho voluntário, na sua maioria
supressão de direitos e abertura ao mercado protagonizado por mulheres.
em tempos de crise, por outro, em conjunturas O atual cenário de crise global complexifi-
econômicas favoráveis, a saúde é vista como um ca e agrava os problemas sociais e sanitários ao
importante vetor do desenvolvimento e da coe- mesmo tempo em que demanda criatividade nas
são social, definindo a construção de redes co- respostas comunitárias. O desafio é aproveitar a
ordenadas pela atenção primária, garantindo a força de trabalho das ACS dando-lhes condições
racionalidade, qualidade e sustentabilidade dos e respaldo para o enfrentamento da nova reali-
sistemas44. dade social e epidemiológica que se apresenta
Nos mais diversos cenários, seja em países com a mobilização e engajamento comunitário
de baixa e média renda, seja em países de alta necessário.
518
Méllo LMBD et al.

Colaboradores Referências

Todos os autores contribuíram igualmente para a 1. Perry H, Crigler L. A brief history of community he-
alth worker programs. Developing and strengthening
elaboração do manuscrito.
community health worker programs at scale: a reference
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cymakers. Washington: Usaid, MCHIP; 2013.
2. Organização Mundial da Saúde (OMS). Declaração
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1978.
3. Dal-Poz MR. A crise da força de trabalho em saúde.
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Artigo apresentado em 24/05/2022


Aprovado em 12/08/2022
Versão final apresentada em 14/08/2022

Editores-chefes: Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura


da Silva

CC BY Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons

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