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Sugestão de textos para o Concurso de leitura

“E foi então que apareceu a raposa:


– Bom dia – disse a raposa.
– Bom dia – respondeu educadamente o pequeno príncipe, que, olhando a sua volta,
nada viu.
– Eu estou aqui, – disse a voz, debaixo da macieira...
– Quem és tu? – perguntou o principezinho. – Tu és bem bonita...
– Sou uma raposa – disse a raposa.
– Vem brincar comigo – propôs ele. – Estou tão triste...
– Eu não posso brincar contigo – disse a raposa. – Não me cativaram ainda.
– Ah! Desculpa – disse o principezinho. Mas, após refletir, acrescentou:
– Que quer dizer "cativar"?
– Tu não és daqui – disse a raposa.
– Que procuras?

– Procuro os homens – disse o pequeno príncipe.


– Que quer dizer cativar?
– Os homens – disse a raposa – têm fuzis e caçam.
É assustador! Criam galinhas também. É a única coisa que fazem de interessante. Tu
procuras galinhas?

– Não – disse o príncipe. – Eu procuro amigos.


– Que quer dizer “cativar”?
– É algo quase sempre esquecido – disse a raposa.
Significa "criar laços"...
– Criar laços?
– Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente
igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens
necessidade de mim.
Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas.
Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único
no mundo. E eu serei para ti a única no mundo...
– Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as
galinhas se parecem e todos os homens também.

Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol.

Antoine de Saint-Exupéry
Quando Vier a Primavera
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme


Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se soubesse que amanhã morria


E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.


Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"


Heterónimo de Fernando Pessoa
Pelo Tejo Vai-se para o Mundo
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XX"


Heterónimo de Fernando Pessoa
E Tudo Era Possível

Na minha juventude antes de ter saído


da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de maio era tudo florido


o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vida


e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança


entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer

Ruy Belo
in Homem de Palavra(s)
Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal


É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.

Sophia de Mello Breyner Andresen


Porque os outros se mascaram mas tu não

Porque os outros usam a virtude

Para comprar o que não tem perdão.

Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados

Onde germina calada a podridão.

Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem

E os seus gestos dão sempre dividendo.

Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos

E tu vais de mãos dadas com os perigos.

Porque os outros calculam mas tu não.

Sophia de Mello Breyner Andresen


“Para a maior parte das gaivotas, o que importa não é saber voar, mas comer. Para
esta gaivota, no entanto, o importante não era comer, mas voar. Mais que tudo,
Fernão Capelo Gaivota adorava voar.
Como veio a descobrir, esta maneira de pensar não o fazia muito popular entre as
outras aves. Até os próprios pais se sentiam desanimados ao verem que Fernão
passava os dias sozinho, experimentando, fazendo centenas de voos rasos.
Não sabia porquê, mas por exemplo, quando voava sobre a água a uma altitude
inferior ao comprimento das duas asas abertas, conseguia manter-se no ar mais tempo
e com menos esforço. Os seus voos não acabavam com o habitual mergulhar de patas
abertas no mar, mas com um pousar leve, de patas bem unidas ao corpo. Quando
começou a pousar em pé sobre a praia e depois medindo o comprimento da
aterragem, os pais ficaram muito preocupados.
– Porquê? Fernão, Porquê? – perguntava-lhe a mãe. – Por que não podes ser como o
resto do Bando? Por que não deixas os voos rasos para os pelicanos e para o albatroz?
Porque não comes? Filho, você está que é só penas e ossos!
– Não me importo de ser apenas penas e ossos, mamãe. Só quero saber aquilo que
consigo fazer no ar, e o que não consigo, mais nada. Só quero saber.
– Escuta Fernão – disse-lhe o pai com bondade. O Inverno aproxima-se. Haverá poucos
barcos, e o peixe das superfícies irá para zonas mais profundas. Essa história dos voos
está muito bem, mas sabes que não te podes alimentar disso. Se tens estado mesmo
estudando, então estuda a comida e a forma de a conseguir. Não esqueças de que a
razão por que voas é comer.
Fernão baixou a cabeça, obediente. Durante os dias seguintes tentou comportar-se
como os outros; tentou a sério, disputando com o resto do Bando a comida junto do
cais e dos barcos de pesca, mergulhando para apanhar pedaços de peixe e pão. Mas
não conseguiu.
«É inútil», pensou, deixando cair deliberadamente uma anchova, que lhe custara
bastante apanhar, aos pés de uma velha gaivota que o perseguia.
Poderia ter passado todo este tempo a aprender a voar. E há tanto que aprender!
Não tardou muito para que Fernão Capelo Gaivota voltasse a pairar no alto mar, feliz e
aprendendo. 

Fernão Capelo Gaivota de Richard Bach

Chuvoso maio!
Deste lado oiço gotejar
sobre as pedras.
Som da cidade ...
Do outro via a chuva no ar.
Perpendicular, fina,
Tomava cor,
distinguia-se
contra o fundo das trepadeiras
do jardim.
No chão, quando caía,
abria círculos
nas pocinhas brilhantes,
já formadas?
Há lá coisa mais linda

que este bater de água


na outra água?
Um pingo cai
E forma uma rosa...
um movimento circular,
que se espraia.
Vem outro pingo
E nasce outra rosa...
e sempre assim!
Os nossos olhos desconsolados,
sem alegria nem tristeza,
tranquilamente
vão vendo formar-se as rosas,
brilhar
e mover-se a água...    de Irene Lisboa

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