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Controvérsia Final - Sociologia Do Risco - Mestrado PDF
Controvérsia Final - Sociologia Do Risco - Mestrado PDF
Coimbra, 2019
tema que requer uma sensibilidade por parte de quem o estuda. Ao pesquisar sobre o tema em
1. PROBLEMÁTICA
Antes de proceder a uma análise aprofundada sobre esta controvérsia, há que referir
que em Portugal assiste-se à extensão dos benefícios sociais com o aumento da comparticipação
por comissões de ética para as ciências da vida, restringe o acesso a determinados grupos,
segundo critérios de elegibilidade baseados em fatores como a expetativa de vida, o estado civil,
a identidade de género ou orientação sexual (Delaunay, 2013). Este é o ponto de partida para a
financeira aos tratamentos de fertilidade, mas por que a legislação no que diz respeito a esta
questão, “seleciona” os grupos que devem ter acesso a estes tratamentos? O que o estado civil
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2. GRUPOS VULNERÁVEIS
seropositivas, doentes oncológicos, diabéticos, etc. No caso das pessoas seropositivas, são
políticas públicas de saúde, que têm como objetivo assegurar o acesso de toda a população a
a população”, estende-se aos grupos mais carentes e desprovidos de recursos financeiros. Com
medicamente assistida e do direito aos cuidados de saúde reprodutiva como “bem público”.
operações de categorização entre quem tem direito ou não de aceder aos dispositivos de
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procriação assistida. Por outras palavras, contesta-se o princípio utilizado para fazer equivaler
pertencentes a grupos vulneráveis. Isto é, a pessoa vulnerável deve ser dotada que capacidades
quer estas sejam enunciadas por coletivos ou pelos sujeitos individualmente; por outro, temos
os atores com capacidade reduzida, cujas controvérsias são enunciadas por outras pessoas ou
questão do risco de transmissão de uma doença infeciosa, quer ao parceiro sexual quer à criança
desejo de ter um filho pode ficar comprometida face às limitações fisiológicas do organismo
uma eventual gestação. Nos terceiros, procura-se preservar o tecido reprodutivo de pacientes
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por parte do Estado. Esses direitos são materializados no acesso a políticas sociais, bem como a
tratamento. Isto porque, por vezes, o conceito de cidadania é pautado por conceções e relações
direitos e aqueles deles excluídos, em função de critérios diversos, como o estado civil, a
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mediante diagnóstico de infertilidade ou, ainda, sendo caso disso, para tratamento de doença
Segundo essa perspetiva terapêutica na lei, um casal é obrigado a demonstrar que tem
Aos comités de peritos, mandatados pelo Estado, como é o caso do Conselho Nacional de
Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), incumbe deliberar sobre questões éticas, sociais
ao embrião e o risco de contágio do parceiro não infetado, caso a fecundação ocorra por via
sexual, são questões primordiais, tanto mais que se trata de uma síndrome que ainda não tem
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Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) tinha defendido que o princípio da
por motivos éticos e pelos riscos de natureza envolvidos, a fecundação artificial in vivo e in vitro
fosse usada por pessoas que não sofressem de problema de infertilidade ou de esterilidade. No
filhos com pais doentes”, segundo o princípio do melhor interesse do nascituro, que dessa
forma seria privado “logo à nascença dos benefícios de que dispõem as crianças com
progenitores saudáveis”. Desta forma, os indivíduos portadores do vírus HIV, que é uma
doença infeciosa passível de transmissão ou contágio, não estariam assim abrangidos pela lei.
Esta proibição do acesso às técnicas reprodutivas por parte desse grupo corresponderia,
promovendo-se uma distinção implícita entre quem se deve reproduzir e quem não deve ser
reproduzido.
Importa ter em conta que a saúde individual não é um dado adquirido, incluindo pessoas
com doenças graves e crónicas, a quem é negada a reprodução via sexual ou com o recurso a
tecnologias reprodutivas. Esta questão, é uma questão sensível, porque se está perante um juízo
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Com isto, pretendo afirmar que a questão da saúde individual pertence a cada um de nós.
ninguém deve ser rejeitado, no maior sentido da palavra, de ter uma saúde reprodutiva ou vida
sexual ativa ou de ser impedido de realizar tratamentos de fertilização (ainda que com riscos
Cabe a cada ser humano decidir que caminho seguir. Se a legislação permite que se recorram
Um exemplo prático que foi retirado do artigo no qual me baseei, ilustra bem o que acabei
de referir: “As doenças crónicas do foro endócrino, como a diabetes, têm sido sobretudo
analisadas sob o enfoque da adoção de padrões individuais e sociais de estilo de vida saudável
modo como essa patologia afeta a estruturação dos projetos de vida nos doentes, na
(Delaunay, 2013).
É de realçar que estas doenças são cada vez mais frequentes nas camadas mais jovens,
Ora vejamos: “Acresce que determinadas doenças endócrinas, como a diabetes, que afeta
uma percentagem cada vez maior da população, inclusive nas faixas etárias mais jovens,
motivada por condicionantes de ordem fisiológica. No nível das camadas mais jovens da
população, a ejaculação retrógrada causada pela diabetes tipo 1 em certos homens ou o risco
de vida com uma gravidez em algumas mulheres em idade fértil e portadoras da mesma
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patologia são dois casos clínicos em que a utilização de técnicas de assistência médico-
Estado nas suas vidas privadas, que determina se podem ou não ter acesso a estes tratamentos
de fertilização. O que acontece na grande maioria dos casos, é que estas pessoas preenchem os
requisitos estabelecidos pela lei, mas mesmo assim, é-lhes negado o direito de acederem aos
Em sociedades democráticas e desenvolvidas, com leis que permitem a que todos e todas
assistida, é revoltante assistir à constante negação dos mesmos, a pessoas com capacidades e
competências para assumirem a responsabilidade parental e que mesmo assim, por serem
consideradas “doentes” não poderem cumprir esse desejo. A vontade autónoma e a liberdade
deixam de ter um peso significativo nesta escolha e o Estado passa a assumir as suas “vozes”,
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5. CONCLUSÃO
Há tanto por responder e compreender nesta matéria. Tanto que fica por explicar. Sabe-se
que a lei prevê o recurso a métodos subsidiários como as técnicas de procriação medicamente
assistidas, quando a via da reprodução sexual não é possível. Com base nesta lei, encontram-se
situações em que ambos os parceiros não são reprodutíveis por questões relacionadas com a
genética. No entanto, é de ressalvar que a lei dá permissão para que estas pessoas possam
ligada à democracia e preservação dos direitos dos cidadãos. Partindo deste pressuposto, as
pessoas que querem recorrer a estas técnicas, têm de se enquadrar num determinado conjunto
Relembro que comecei por frisar que estas técnicas estão relacionadas com as sociedades
democráticas.
estatal nos casos de infertilidade (tendo sido considerada um problema de saúde pública pela
Mas com que recursos o Estado poderá dar acesso a todos e a todas que queiram recorrer
a estes tratamentos? O sistema público de saúde é incapaz de dar resposta a estas pessoas que
também ter em conta a crescente privatização dos serviços de saúde e em particular destes
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É neste ponto que se encontra o grande centro da questão. Estas pessoas são consideradas
vulneráveis e é sabido que querem ser pais e mães, ainda que não pela forma convencional
reprodutiva. Mas querem. São pessoas dotadas de direitos e deveres sociais e que o Estado
(através da lei) permite que essas mesmas tenham acesso, apesar dos critérios de seleção
serem, no mínimo, retrógrados. Esta dimensão da vulnerabilidade prende-se com a vertente dos
conjugalidade e parentalidade. Mas até que ponto é que vão os limites de intervenção técnica
na reprodução humana? Quem tem a legitimidade de ditar quem é ou quem não é bom pai ou
Há, de facto, uma controvérsia no que diz respeito aos direitos e deveres dos cidadãos. Têm
direito ao acesso a tratamentos de infertilidade para se poderem reproduzir, mas por questões
reconhecimento pessoal. Mas há que ter em conta que quando se lida com seres frágeis e
vulneráveis estas questões básicas de cidadania ganham outras proporções e não é por isso que
se lhes deve “calar a voz” ou simplesmente “baixá-la”. É sim, ouvir, compreender e mostrar, de
facto, o que são sociedades contemporâneas e com um Estado justo e imparcial, capaz de dar
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6. Referências Bibliográficas
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