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O MANEJO DA INTERPRETAÇÃO DE SONHOS NA PSICANÁLISE (1911)

NOTA DO EDITOR INGLÊS

DIE HANDHABUNG DER TRAUMDEUTUNG IN DER PSYCOANALYSE

(a) EDIÇÕES ALEMÃS:


1911 Zbl. Psychoan., 2, (3), 109-13.
1918 S. K. S. N., 4, 378-85 (1922, 2ª ed.)
1924 Technik un Metapsychol., 45-52.
1925 G. S., 6, 45-52.
1931 Neurosenlehre und Technik, 321-8.
1943 G. W., 8, 350-7.

(b) TRADUÇÃO INGLESA:


‘The Employment of Dream-Interpretation in Psycho-Analysis’
1924 C. P., 2, 305-11. (Trad. de Joan Riviere.)

A presente tradução inglesa é versão modificada, com o título ligeiramente alterado, da


publicada em 1924.

O artigo foi publicado pela primeira vez em dezembro de 1911. Seu tópico, como o título
indica, é restrito: relaciona-se aos sonhos apenas como aparecem numa análise terapêutica.
Outras constituições ao mesmo assunto serão encontradas nas Seções I a VIII de ‘Considerações
sobre a Teoria da Interpretação de Sonhos’ (1923c).

O MANEJO DA INTERPRETAÇÃO DE SONHOS NA PSICANÁLISE

A Zentralblatt für Psychoanalyse não foi planejada apenas para manter os leitores
informados dos progressos efetuados no conhecimento psicanalítico, e para publicar contribuições
ao assunto relativamente breves; visa também a realizar as tarefas adicionais de apresentar ao
estudioso um esboço claro do que já é conhecido e de economizar tempo e esforços dos
principiantes na prática analítica, oferecendo-lhes instruções apropriadas. Doravante, portanto,
artigos de natureza didática e sobre assuntos técnicos, não necessariamente contendo matéria
nova, aparecerão também neste periódico.
A questão de que pretendo agora tratar não é a da técnica de interpretação de sonhos:
nem os métodos pelos quais os sonhos devem ser interpretados nem o emprego de tais
interpretações, quando efetuadas, serão considerados, mas apenas a maneira pela qual o analista
deve utilizar a arte da interpretação de sonhos no tratamento psicanalítico dos pacientes. Existem
indubitavelmente maneiras diferentes de trabalhar no assunto, mas por outro lado a resposta a
questões de técnica em análise nunca é coisa rotineira. Embora haja talvez mais de um bom
caminho a seguir, existem ainda muitíssimos maus, e uma comparação entre os diversos métodos
não deixa de ser esclarecedora, mesmo que não conduza a uma decisão em favor de algum
especificamente.
Quem passar da interpretação de sonhos para a clínica analítica conservará o interesse no
conteúdo dos sonhos, e tenderá a interpretar tão completamente quanto possível cada sonho
relatado pelo paciente. Mas cedo observará que está trabalhando agora sob condições
inteiramente diversas e que, se tentar levar a cabo sua intenção, entrará em choque com as
tarefas mais imediatas do tratamento. Mesmo que o primeiro sonho de uma paciente se mostre
admiravelmente adequado para a introdução das primeiras explicações, outros sonhos
prontamente aparecerão, tão longos e obscuros, que seu significado completo não poderá ser
extraído no limitado período de um dia de trabalho. Se o médico continuar o trabalho de
interpretação durante os dias posteriores, produzir-se-ão, nesse meio tempo, novos sonhos que
terão de ser postos de lado, até que ele possa considerar o primeiro sonho como finalmente
solucionado. A produção de sonhos é às vezes tão copiosa, e o progresso do paciente no sentido
de sua compreensão tão hesitante, que surgirá no analista a suspeita de que o aparecimento do
material, dessa maneira, pode ser simplesmente uma manifestação da resistência do paciente, que
se aproveita da descoberta de que o método é incapaz de dominar o que é assim apresentado.
Além do mais, nesse ínterim o tratamento ter-se-á distanciado bastante do presente e terá perdido
o contato com a atualidade. Em oposição a tal técnica, levanta-se a regra de que é da maior
importância para o tratamento que o analista esteja sempre cônscio da superfície da mente do
paciente, em qualquer momento, que saiba que complexos e resistências estão ativos nele na
ocasião e que reação consciente a eles lhe orientará o comportamento. Quase nunca é correto
sacrificar este objetivo terapêutico a um interesse na interpretação de sonhos.
Qual, então, se tivermos em mente esta regra, deve ser a nossa atitude ao interpretar
sonhos na análise? Mais ou menos a seguinte. A interpretação que possa ser realizada em uma
sessão deve ser aceita como suficiente e não se deve considerar prejuízo que o conteúdo do
sonho não seja inteiramente descoberto. No dia seguinte, a interpretação do sonho não deve ser
retomada novamente, como coisa natural, até que se tenha tornado evidente que nada mais,
nesse meio tempo, abriu caminho para o primeiro plano dos pensamentos do paciente. Desse
modo, nenhuma exceção, em favor de uma interpretação de sonhos interrompida, deve ser feita à
regra de que a primeira coisa que vem à cabeça do paciente é a primeira coisa a ser tratada. Se
novos sonhos ocorrem antes que os anteriores tenham sido examinados, as produções mais
recentes devem ser atendidas e nenhum constrangimento se precisa sentir por negligenciar as
mais antigas. Se os sonhos se tornam por demais difusos e volumosos, toda a esperança de
decifrá-los deve ser tacitamente abandonada desde o início. Devemos em geral evitar demonstrar
interesse muito especial na interpretação de sonhos, ou despertar no paciente a idéia de que o
trabalho se interromperia se ele não apresentasse sonhos; de outra maneira, há o perigo de a
resistência ser dirigida para a produção de sonhos, com a conseqüente cessação destes. Pelo
contrário, o paciente deve ser levado a crer que a análise invariavelmente encontra material para
sua continuação, independentemente de ele apresentar ou não sonhos, ou da atenção que lhes é
dedicada.
Perguntar-se-á agora se não estaremos abandonando material excessivamente valioso,
que poderia lançar luz sobre o inconsciente, se a interpretação de sonhos só puder ser realizada
sujeita a tais restrições de método. A resposta a isto é que a perda de modo algum é tão grande
quanto poderia parecer a um exame superficial do assunto. Inicialmente, tem-se de reconhecer
que, em casos de neurose grave, quaisquer produções oníricas elaboradas devem, pela natureza
das coisas, ser encaradas como incapazes de solução completa. Um sonho deste tipo amiúde se
baseia em todo o material patogênico do caso, ainda desconhecido tanto do médico quanto do
paciente (os chamados ‘sonhos programáticos’ e sonhos biográficos), sendo às vezes equivalente
a uma tradução, em linguagem onírica, de todo o conteúdo da neurose. Na tentativa de interpretar
tal sonho, todas as resistências latentes, ainda intocadas, serão postas em atividade e logo
estabelecerão um limite à sua compreensão. A interpretação completa deste sonho coincidirá com
o término de toda a análise; se se tomar nota dele, no início, talvez seja possível compreendê-lo ao
final, muitos meses mais tarde. É o mesmo que acontece com a elucidação de um sintoma isolado
(o sintoma principal, talvez). É preciso a análise completa para explicá-lo; no decorrer do
tratamento, temos de esforçar-nos por apreender primeiro este, depois aquele fragmento do
significado do sintoma, um após outro, até que possam ser todos reunidos. Semelhantemente, não
se pode esperar mais de um sonho que ocorre nos primeiros estádios da análise; temos de
contentar-nos se a tentativa de interpretação traz à luz um único impulso patogênico de desejo.
Assim, não se abandona nada que se pode obter, se se desiste da idéia de uma
interpretação de sonhos completa; tampouco nada se perde, via de regra, se interrompemos a
interpretação de um sonho relativamente antigo e voltamo-nos para uma mais recente.
Descobrimos, em ótimos exemplos de sonhos inteiramente analisados, que diversas cenas
sucessivas de um só sonho podem ter o mesmo conteúdo, o qual pode nelas ser expresso com
crescente clareza, e aprendemos também que diversos sonhos que ocorrem em uma mesma noite
não passam de tentativas, manifestadas sob várias formas, de representar um só significado. Em
geral, podemos ficar certos de que todo impulso de desejo que cria hoje um sonho reaparecerá
noutros sonhos, enquanto não tiver sido compreendido e retirado do domínio do inconsciente. Por
isso acontece freqüentemente que a melhor maneira de completar a interpretação de um sonho
seja abandoná-lo e dedicar a atenção a um sonho novo, que pode conter o mesmo material sob
forma possivelmente mais acessível. Sei que é pedir muito, não apenas do paciente mas também
do médico, esperar que abandonem seus propósitos conscientes durante o tratamento e
entreguem-se a uma orientação que, apesar de tudo, ainda nos parece ‘acidental’. Mas posso
responder que se é recompensado toda vez que se resolve ter fé nos próprios princípios teóricos e
se persuade a não discutir a orientação do inconsciente ao estabelecer elos de ligação.
Advirto, portanto, que a interpretação de sonhos não deve ser perseguida no tratamento
analítico como arte pela arte, mas que seu manejo deve submeter-se àquelas regras técnicas que
orientam a direção do tratamento como um todo. Ocasionalmente, é natural, pode-se agir de outra
maneira e permitir um pouco de liberdade de ação ao próprio interesse teórico; mas deve-se
sempre estar cônscio do que se está fazendo. Outra situação a ser considerada é a que surgiu
desde que adquirimos mais confiança em nossa compreensão do simbolismo onírico, e não
dependemos tanto das associações do paciente. Um intérprete onírico excepcionalmente hábil
encontrar-se-á às vezes em posição de poder perscrutar cada um dos sonhos de um paciente, sem
exigir que este passe pelo tedioso e demorado processo de elaborá-los. Um analista desse tipo
acha-se assim livre de qualquer conflito entre as exigências da interpretação de sonhos e as do
tratamento. Além disso, ficará tentado a fazer pleno uso da interpretação de sonhos em toda
ocasião, dizendo ao paciente tudo o que detectou em seus sonhos. Assim procedendo, contudo,
terá adotado um método de tratamento que se afasta consideravelmente do estabelecido, como
indicarei em relação a outro assunto. Os principiantes na clínica psicanalítica, de qualquer modo,
são aconselhados a não tomarem este caso excepcional por modelo.
Todo analista se encontra na posição do intérprete de sonhos superior que estivemos
imaginando, com referência aos primeiríssimos sonhos que os pacientes trazem, antes de terem
aprendido algo da técnica de traduzi-los. Estes sonhos iniciais podem ser descritos como não
refinados; revelam muito ao ouvinte, tal como os sonhos das chamadas pessoas sadias. Surge
então a questão de saber se o analista deve imediatamente traduzir para o paciente tudo o que lê
neles. Não é este, porém, o lugar para responder a esta questão, pois ela evidentemente faz parte
de outra mais ampla: em que estádio do tratamento e com que rapidez deve o analista deixar o
paciente conhecer o que jaz oculto em sua mente? Quanto mais o paciente aprende da prática da
interpretação de sonhos, mais obscuros, geralmente, se tornam seus sonhos posteriores. Todo o
conhecimento adquirido sobre sonhos serve também para colocar em guarda o processo de
construção onírica.
Nas obras ‘científicas’ sobre sonhos, que, apesar de seu repúdio da interpretação de
sonhos, receberam da psicanálise novo estímulo, descobrimos com freqüência que um cuidado
escrupuloso é desnecessariamente concedido à preservação acurada do texto do sonho. Supõe-se
que este precise de proteção contra deformações e atritos, nas horas que seguem imediatamente
o despertar. Alguns psicanalistas até, ao darem ao paciente instruções para anotar cada sonho
logo após acordar, não parecem confiar consistentemente em seu conhecimento das condições de
formação onírica. No trabalho terapêutico, essa regra é supérflua, e os pacientes alegram-se em
fazer uso dela para perturbar o próprio sono e demonstrar grande zelo quando este é inútil. Pois,
mesmo que o texto de um sonho seja dessa maneira arduamente salvo do esquecimento, é
bastante fácil convencer-nos de que nada foi conseguido para o paciente. Não surgirão
associações no texto e o resultado será igual ao que haveria se o sonho não houvesse sido
preservado. Indubitavelmente, o médico adquiriu um conhecimento que de outro modo não teria
conseguido, mas não é a mesma coisa se o analista sabe de algo ou se o paciente o sabe; a
importância desta distinção para a técnica da psicanálise será mais amplamente considerada
alhures.
Em conclusão, mencionarei um tipo específico de sonho que, conforme o caso, ocorre
apenas no decurso do tratamento psicanalítico, e pode desconcertar ou desorientar os
principiantes. Trata-se dos sonhos corroborativos que, por assim dizer, ‘vão no rastro’; são
facilmente acessíveis à análise e sua tradução simplesmente apresenta o que o tratamento já
inferiu, durante os últimos dias, do material das associações diárias. Quando isto acontece, é como
se o paciente houvesse sido amável o bastante para trazer, sob forma onírica, exatamente o que
lhe havíamos estado ‘sugerindo’ pouco antes. O analista mais experiente achará sem dúvida difícil
atribuir amabilidade desse tipo ao paciente; ele aceita tais sonhos como confirmações esperadas e
reconhece que só são observados sob certas condições ocasionadas por influência do tratamento.
A grande maioria dos sonhos antecipa-se à análise, de maneira que, após subtrair deles tudo que
já é sabido e compreendido, resta ainda uma alusão mais ou menos clara a algo que até então
estivera oculto.

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