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POS-GRADUAÇÃO: ACONSELHAMENTO BÍBLICO – FTBC

TRABALHO CONCLUSÃO DE CURSO

CAMPINAS - SP

2017
ROBERTO CARLOS OVANDO

TEXTO SOBRE UMA ANALISE DO AMOR

Trabalho apresentado a Prof. Dr. Maria


José Duarte Osis, Prof. Pr. Luciano R.
Peterlevitz
- Coordenação Acadêmica como parte da
avaliação da conclusão do curso
Anconselhamento Bíblico, da Faculdade
Teológica Sul Americana.

CAMPINAS - SP

2017
INTRODUÇÃO

O aconselhamento bíblico está ligado ao conhecimento do

autor da vida, o próprio Deus, o “Maravilhoso Conselheiro”, no qual as

Escrituras Sagradas o revelam. Faz se necessário o seu conhecimento ou

uma reflexão teológica abrangendo não o todo, por ser inesgotável a fonte

chamada Deus, mas em parte ou o que está revelado. E as Escrituras O

revelam como sendo o próprio Amor, aquilo que creio saltar aos olhos

como a grande necessidade para todo ser humano, o “Amor”, quando se

aborda a questão aconselhamento.

A reflexão teológica deve ser a missão dos que laboram nos

campos mais férteis buscando compreender arestas das dimensões do

imensurável, perscrutando limiares do insondável e opinando ousadamente

no transcendente. Tudo isto seria impossível sem a matéria-prima divina –

a revelação. É esta a fonte de todo conhecimento do sobrenatural, e é

fincada em seu firme chão, que se erguem as colunas dos mais suntuosos

edifícios do saber teológico.

O desafio maior na elaboração do saber teológico deve ser

o de trazer para a discussão assuntos que revelam verdades de Deus, que

devem ser praticadas por aqueles que vivem no contra fluxo da sociedade.

Numa ambiência em que princípios básicos e fundamentais para a vida

saudável em comunidade são ignorados em prol da sobrevivência e


conquista dos mais “fortes” sobre os mais “fracos”, temas como o amor,

acabam assumindo características platônicas e utópicas.

A arrogância humana impede que o homem seja grande a

ponto de se curvar para poder adentrar no mundo da maravilhosa sabedoria

eterna, mantendo-o sempre atrofiado em suas vaidades medíocres.

Diante de uma aproximação superficial, o ser humano já

pode perceber que o amor é algo bom, até mesmo divino. Atrativo e

desejável, buscado por todos. O conceito de amor pode ser mal

compreendido a ponto de muitos concluírem que o possuem sem nunca tê-

lo experimentado verdadeiramente.

O ambiente cristão às vezes gravita em torno de objetivos

como, falar em línguas, ter fé, ter conhecimento, realizar obras, etc., que

são periféricos quando não estão acompanhados pelo verdadeiro amor.

Qual é o conceito bíblico de amor? Como se dá o

desenvolvimento deste conceito no decorrer da história relatada nas

Escrituras? O amor é dispensável ao ser humano? Estas e outras questões

serão respondidas neste estudo.

Que o fim de todo elaborar do pensamento teológico possa

trazer como coroa uma consciência mais convicta de nossa missão como o

Aconselhamento Bíblico e uma vivacidade maior em nossa práxis.


1 DEFINIÇÃO E HISTÓRIA

O amor sempre foi o tema principal das Escrituras. Toda a

Bíblia gravita em torno do amor. Ela não pode ser interpretada sem amor.

Qualquer tentativa de interpretação que não seja analisada com os óculos

do amor está desfocada da realidade de Deus. Precisamos entender um

pouco do amor no conceito das Escrituras para depois partirmos para uma

compreensão melhor sobre este tema tão importante.

1.1 O amor no Antigo Testamento1

No Antigo Testamento a principal raiz hebraica para amor

(bhy) pode referir-se tanto a pessoas como a coisas, em um sentido tanto

religioso como secular. Outra raiz bastante comum é µjr, mas esta palavra

engloba o sentido de misericórdia. No Antigo Testamento o amor é um

sentimento espontâneo que impulsiona à entrega de si mesmo, a agarrar

aquilo que o ocasiona, ou a uma atividade gratificante. Envolve a pessoa

internamente. O amor de Deus é correlativo à sua natureza pessoal, e o

amor a Deus é, antes de tudo, amor por sua pessoa, e só depois por sua

palavra ou sua lei. O amor também conserva um elemento de fervor ou

paixão. No âmbito secular, o amor é para o esposo, a esposa, os pais, os

filhos, os amigos, os senhores, os servos e os grupos sociais. Este uso é

mais comum do que o uso religioso e, portanto, pode tomar-se como base

para a interpretação.
1
A estrutura, idéias e informações dos tópicos deste ponto foram tiradas do livro: “Compendio del
diccionario teologico del nuevo testamento” de Gerhard Kittel; Gehard Friedrich e Geoffrey W.
Bromiley.
1.1.1 A concepção secular e imanente

Aqui o que vem primeiro é o amor sexual, e traz à luz o

elemento de impulsão. À sexualidade se pode dar forte ênfase, como em

Ezequiel (também Oséias e Jeremias). É um fato, e contribui ao

enobrecimento da vida, como se mostra por sua glorificação na poesia (cf.

Cantares 8:5). Este amor pode ter uma força brutal, como o relato de

Amnom e Tamar, ou a afirmação da noiva de Sansão em Juízes 14:16. A

lei nota estes sintomas eróticos (Dt 21: 15ss, etc.).

O amor em outras relações (ex: pais e filhos) assume uma

forma diferente, mas os hebreus devem ter percebido alguma afinidade uma

vez que usam o mesmo termo. Talvez a questão esteja no caráter

espontâneo e irracional do amor, como é o caso de Jônatas e Davi (I Sm

18:1, 3; 20:17). O próprio Davi expressa algo disto em seu lamento de II

Sm 1:26. Ele está tão intimamente ligado com Jônatas como com sua

própria alma (I Sm 20:17).

A mesma intensidade não está sempre presente com

parentes e amigos mais distantes, mas, sob a lei de Deus o amor segue

sendo o elemento humano inalienável e a norma do trato social. As relações

necessitam de uma definição legal, mas uma exigência de Lv 19:18

transcende toda a lei, pois implica em uma atitude e não em meras ações. O

interesse final da ordem é fomentar um sentimento de bons vizinhos, como

a verdadeira base das relações legais. Os estatutos puramente legais só


serão “meias medidas”, a menos que estejam informados e potencializados

pela lei paradoxal do amor. Aqui não se pode interpretar o amor como um

simples favor, já que se estende também aos forasteiros residentes (Lv

19:34). Isto deixa de fora o partidarismo estreito; o próximo é qualquer um

que esteja na proximidade imediata. No fim das contas isto significa amar

inclusive aqueles que, do ponto de vista humano, poderiam parecer

inimigos, porque se Dt 22:1-4 impõe o dever de ajudar aos compatriotas,

Êx 23;4-5 aplica especificamente esta obrigação àqueles que poderiam ser

hostis. Uma vez que o próximo pode ser um inimigo tanto como um amigo,

o ser humano fica estabelecido acima da pessoa jurídica como objeto de

amor e, por conseguinte, como objeto da ação legal. José oferece um

exemplo do amor que, em obediência a Deus, abarca aqueles que o

ofendem (Gn 50:19). Cedo no Antigo Testamento se estabelece limites para

o amor aos inimigos. Isto se ilustra no Salmo 109 e Provérbios 14:20, como

também na atitude geral para com as nações hostis. No entanto, permanece

em pé a nobreza da exigência ética divinamente imposta.

1.1.2 A concepção religiosa

Oséias dá uma expressão muito forte ao amor de Deus pelo

seu povo. A religião oficial tinha se desintegrado, mas o amor insondável

de Deus permaneceu, como ilustrou o absurdo matrimônio de Oséias.

Assim se mostra que o amor de Deus é a base duradoura da aliança. Este

amor toma precedência sobre nosso amor a Deus, porque inclusive quando
este segundo amor se desvanece (Os 6:4), o primeiro amor não se rende

(11:8-9). A ameaça “não os amarei mais” (9:15) equivaleria, então, quase

como se Deus deixasse de ser Deus; à luz do capítulo 14 (cf. vs 14-15) é a

conclusão apropriada de Oséias. De um modo similar, em Jeremias, Deus

se vê “dividido” entre a santidade e o amor. Ele aborrece a rebeldia de seu

povo, mas ama a Israel “com amor eterno” (Jr 31:3). Em Isaías Deus

abandonou a Israel em um momento de ira, mas outra vez, mesmo que uma

mãe possa esquecer-se de seu filho, Deus jamais se esquecerá nem

abandonará a Sião, sua esposa (Is 49:15). Deuteronômio aplica tudo isto

pedagogicamente. O amor bondoso de Deus é a razão da eleição de Israel

(Dt 7:7). Isto Deus firmou mediante um garantia legal (7:8), e por isso

Israel pode contar com ele, mas a aliança impõe uma exigência de

fidelidade por parte de Israel, de modo que o amor pode relacionar-se com

a benção que é a recompensa pela obediência (Dt 7:13), o que se aproxima

de um sentido contratual. Mas a iniciativa do amor de Deus se afirma

fortemente (Dt 10:14ss), e a circuncisão interior, não só a questão externa,

é necessária para responder a ele apropriadamente (Dt 10:16). As

implicações legais do amor de Deus se elaboram expressamente em

Malaquias, em relação com os problemas particulares da época posterior

(Ml 1:2).

O amor de Deus às outras nações não acha uma expressão

direta no Antigo Testamento. A apresentação leva certamente a uma


tendência à universalidade, e isto se mostra claramente em algumas

passagens messiânicas, por exemplo, Is 42:5. No entanto, no contexto, Dt

33:3 (“todos os consagrados a ele”) não tem um sentido universal,

enquanto que Ml 2:10 se refere à obra de Deus na criação mais que a seu

amor paternal. O universalismo messiânico está demasiadamente pouco

desenvolvido para afetar a ênfase principal do amor de Deus no Antigo

Testamento, a saber, o amor específico de Deus por seu povo, Israel.

1.2 As palavras para amor no grego extra Bíblico.

e[rwV. Este é o amor apaixonado que deseja o outro para

si. O deus “Eros” obriga a todos, mas ninguém o obriga. Em Platão e[rwV

simboliza a realização, em Plotino o desejo de união com alguém. O que se

busca em e[rwV é a embriaguez, o êxtase. A reflexão é boa, mas o frenesi

extático mesmo que às vezes seja visto com espanto, é maior. e[rwV nos

domina, e praticá-lo confere suprema felicidade. e[rwV pode transcender o

mundo sensorial. Em Platão desemboca uma inspiração criadora. Em

Aristóteles tem uma função cósmica como a força de atração que mantém

um movimento ordenado. Em Plotino é uma impulsão que vai mais além

dos sentidos. Está incluída nestas formas a ideia original de uma

embriaguez erótica.

filevw. Isto significa o amor solícito, por exemplo, dos

deuses ou dos amigos. Abarca toda a humanidade e entranha obrigação.

Filevw é a palavra regular, de Homero em diante, para “mostrar afeição”,


“amar”, “hospitalidade”, etc. Pode-se empregar, também, com menos

precisão e ênfase, com o sentido de: “estar acostumado a”, “ter o hábito

de”; e, depois, ao ser ligado com outros verbos, fazer algo “com alegria”,

“por costume”, “de modo geral”. (COENEN; BROWN, 2000, v. 1, p. 121).

stovrgh. Significa “amar”, “sentir afeição”, especialmente

do mútuo amor entre pais e filhos. Pode-se empregar também do amor de

um povo pelo seu soberano, o amor de um deus tutelar pelo povo, e até dos

cachorros por seu dono. (COENEN; BROWN, 2000, v. 1, p. 113).

ajgavph. Este amor tem primeiro o sentido de “estar

satisfeito”, “receber”, “saudar”, “honrar”, ou, mais interiormente, “ir em

busca de”. Pode comportar um elemento de simpatia, mas também denota

“preferir”, especialmente com referência aos deuses. É especialmente o

amor de um mais alto por um mais baixo. É um amor ativo, não o amor que

busca seus próprios interesses. Nos escritores gregos esta palavra é incolor.

Com frequência se usa como variante de e[rwV ou filevw, e não exige um

tratamento especial. Aparece muito raramente.

O verbo ajgapavw aparece frequentemente na literatura

grega de Homero em diante. Quando aparece se refere a alguém que foi

favorecido por um deus (cf. Dio. Cris., Orationes 33, 21). (COENEN;

BROWN, 2000, v. 1, p. 114).

1.3 O amor no judaísmo


Pano de fundo. O amor do Antigo Testamento é um amor

zeloso (cf. Ct 8:6). É assim com o amor de Jacó que se centraliza em

Raquel e José (Gn 29; 37:3). De modo similar Deus ama a Israel, mas

zelosamente insiste em que se lhe corresponda com amor e lealdade. Uma

vez mais, o amor ao próximo não é cosmopolita. Não abarca a milhões,

mas somente o amor dentro da nação. A LXX usa ajgapavn quase

exclusivamente para o termo hebreu. Esta palavra era a que se adaptava

melhor para se expressar o que se queria dizer, e desta associação recebeu

um conteúdo rico e novo.

1.3.1 O judaísmo helenístico

A influência do Antigo Testamento se misturou aqui com o

pensamento e idioma da Grécia e do Oriente Próximo. Deus ama a sua

criação, o seu povo, e aqueles que são justos, obedientes e misericordiosos.

O amor é de maneira suprema uma revelação de fidelidade (como o

demonstram os mártires). Deus é a fonte do amor. O amor a Deus inclui o

amor à sabedoria (Si 4:12). No amor nos tornamos o verdadeiro ser,

superamos o medo e alcançamos a verdadeira vida.

O amor ao próximo se deriva de Deus e conduz à vida

(diferente do ódio, que é do diabo e conduz à morte). Com Filo, se

interpreta no amor uma filantropia mais geral; o amor se estende por fim a

toda a criação (apud KITTEL; FRIEDRICH; BROMILEY, 2003, p. 15).


Mas o movimento é concêntrico, desde o compatriota no sentido de fora

passando pelo forasteiro residente até o prosélito.

1.3.2 O judaísmo rabínico

Aqui o amor é principalmente volitivo e religioso. Destaca

a relação entre Deus e a humanidade, especialmente Israel. Deus ama a seu

povo com fidelidade e misericórdia. O dom da lei comprova isto. O amor

de Deus impõe a obrigação do amor recíproco e a obediência e a lealdade

que com ele se relacionam. Em particular, o sofrimento manifesta o amor

mútuo de Deus e seu povo. Nele se ama a Deus pelo que ele é. A ênfase

recai sobre o próprio amor de Deus. Escondido durante o sofrimento, no

qual é verdadeiramente tão forte como a morte, no final será gloriosamente

manifestado. Ninguém pode arrancar Israel deste amor.

O amor ao próximo alcança sua expressão nas obras de

misericórdia. O próximo é o concidadão ou o prosélito, seja amigo ou

inimigo. Alguns, como Hillel, incluíam aos estrangeiros, discernindo a

força missionária do amor, mas outros questionavam isto (exceto com

referência aos forasteiros residentes). Com a lei e o serviço a Deus, o amor

é um alicerce do mundo. É o resumo da lei. Tal como se formula na

enunciação negativa da Regra Áurea (Hillel). É mais que um desempenho

de deveres. É o poder que está detrás de todos os atos de amor, e por isto

não pode ser imposto por uma legislação.


Para os rabinos o amor é o princípio básico da tríplice

relação: Deus-eu-tu. O amor deve determinar todo trato desta relação,

senão a relação se rompe. Assim, como Deus atua com amor, assim

também devemos atuar nós; e pela mesma razão, assim como nós atuamos

com amor, assim Deus fará. Aqui se percebe uma base para a certeza da

misericórdia divina sem detrimento da justiça divina.

1.4 Jesus

A nova exigência: Em sua exigência de amor, Jesus

assumiu afirmações anteriores: “Ama a Deus”; “ama ao próximo”; “faça

aos outros aquilo que queres que te façam”. Mas Jesus fez isto em uma

forma surpreendentemente exclusiva e incondicional. O amor a Deus

significa o compromisso total e a confiança total (Mt 5:29-30; 6:24ss). Em

particular, envolve uma renúncia às riquezas e à vanglória (Mt 6:24b,

30ss). Também exige a resistência à perseguição. Que é uma prova de fogo

da lealdade do amor (Mt 10:17ss; 5:10ss).

O amor ao próximo acompanha o amor a Deus (Mt 22:39).

Não se trata de amor abstrato à humanidade. No entanto, transcende toda a

restrição aos compatriotas; o próximo é simplesmente a pessoa em

necessidade (Lc 10:29-30), ou melhor, o próximo é a pessoa imediatamente

perto que atua como próximo para com o necessitado. Esta ação se deriva

de uma resposta do coração e consiste em fazer com toda a sobriedade o

que a ocasião exige.


O amor ao próximo inclui claramente o amor aos inimigos

(Mt 5:43-44). Este amor é a exigência de uma nova era que aponta para a

graça e que é aplicável aos “ouvintes”. É o amor do novo povo de Deus,

que seus membros mostram não somente entre si, mas também àqueles do

mundo presente que os persegue. É, por tanto, totalmente sacrificial. O

mártir se converte em intercessor por este mundo hostil que impõe o

martírio. Jesus faz esta exigência com completo realismo, mas também

com completa seriedade.

A nova situação: A exigência de Jesus é evidente por si

mesma porque cria uma nova situação. Ele proclama a misericórdia de

Deus como um novo acontecimento que muda tudo. O perdão dos pecados

que ele traz produz um amor novo e transbordante (Lc 7:47) que enche e

dirige toda a vida e as ações. A nova relação de Deus conosco nos coloca

em uma nova relação com ele e uns com os outros (cf. Lc 6:36ss). É uma

relação de misericórdia e reconciliação.

O Filho traz a remissão, pede uma decisão incondicional

por Deus, e assim cria um novo povo que recorrerá ao sacrifício do amor

auto sacrificial que ele mesmo empreendeu.

1.5 O período apostólico

No período apostólico, o amor proposto por Jesus começa a

se desenvolver na vida dos apóstolos. Isto é claramente exemplificado nas

cartas escritas por eles.


1.5.1 Paulo

Paulo vê com clareza a nova situação. É assim que seu

argumento em Romanos 1ss chega ao clímax em um hino que avança desde

nosso amor a Deus, até o amor de Cristo por nós, e logo à certeza do amor

de Deus em Cristo (8:28, 31ss). Estabelece três pontos principais: (1) Deus

enviou seu filho à cruz em amor; (2) Deus chama a seu povo em amor; (3)

Deus derrama seu amor no coração deles. O amor eterno de Deus não se

pode diferenciar do amor de Cristo (Rm 5:8; 8:37), o qual se converte em

um acontecimento que transforma o mundo.

A meta da ação amorosa de Deus é uma nova humanidade,

e ele se serve dos atos de amor humano para lograr este fim. Deus é a fonte

destes atos (cf. I Co 8:3). Ele desperta a fé que entra em ação no amor (Gl

5:6). Ele derrama o Espírito que nos libera para uma atividade amorosa (Gl

5:22). Para Paulo este novo amor está acima de todo amor fraterno (Gl

6:10), em uma comunhão que se baseia na misericórdia de Cristo e na

morte de Cristo. O amor edifica (I Co 8:1); edifica a obra do futuro. Nele, o

poder da nova era irrompe na era presente. É por isto que o amor é central

quando se relaciona com a fé e a esperança (cf. I Ts 1:3; Cl 1:4-5). Dos três

elementos o amor é o maior, porque é o único que se estende até o “aeon”

futuro (I Co 13:14).
1.5.2 Tiago

Tiago mostra de maneira prática o que significa a fé que

atua por amor, por exemplo, não desprezando aos pobres (2:14) ou não

retendo o que é um direito (5:1ss). O amor é a lei do novo reino (2:8),

exigida e possibilitada pela fé. Agarra-se a Deus na prova, e é forte na

perseverança (1:2ss).

1.5.3 João

João enfatiza o amor do Pai pelo Filho (Jo 3:35). O amor

de Deus nos chega por meio dele (Jo 17:23ss). A morte do Filho coroa e

desata este amor. É um amor condescendente, mas logra a vitória na ação

moral. Nosso próprio amor é aqui, uma vez mais, de maneira suprema um

amor aos irmãos. O amor de Deus é a realidade final para a comunidade e

permanece neste amor a lei de sua vida (Jo 15:9-10). A única lei do amor se

repete constantemente nas epístolas de João, sem nenhuma especificação

particular exceto que seja em obras e não só de palavras (I Jo 3:18). No

Apocalipse a principal exigência é um amor a Deus que não seja derrotado

pela perseguição (cf. 2:4; 12:11).

1.6 O período pós-apostólico

Aqui se transmite as fórmulas primitivas com certa infusão

de novos ideais. I Clemente 49-50 demonstra uma continua consciência da

supremacia do amor e seu significado prático para a comunidade e para o

mundo. jAgavph se converteu em termo clássico para a obra de Deus e para


a piedade cristã, às vezes como ascetismo, mas comumente como amor

comunitário. Em um mundo que perece pelo e[rwV, e que intenta em vão

transcender-se a si mesmo mediante as sublimações de e[rwV, a igreja, que

depende totalmente do amor misericordioso de Deus, pratica um amor que

não quer nada em troca, mas que simplesmente dá.


2 A NECESSIDADE DO AMOR

Todos nós nascemos com o desejo de ser amados. O ser

humano traz consigo algumas necessidades básicas, tais como: comer,

beber e respirar. Dentre estas necessidades está também o amar e ser

amado, que é inata ao homem.

Será que como nós, como seres humanos poderemos

reconhecer essa necessidade? Algumas anotações durante o meu ministério,

de quando morava em Dallas poderá reforçar esta ideia.

Sempre que ia visitar um casal de amigos que tinha filhos

pequenos, algo me chamava à atenção. O fato se repetia. Quando

chegávamos a casa deles, seu filho vinha nos receber, e, logo que

adentrávamos na casa, a criança começava a imitar a pequena cachorrinha

“poodle” da família. Às vezes ele chegava a me lamber, andar de quatro e

até latir. Tudo aquilo era aparentemente muito engraçado, mas quando veio

à compreensão de toda aquela imitação, o fato se tornou triste. Creio que no

desejo de ser amada, aquela criança estava desenvolvendo uma linguagem

dentro do seu próprio inconsciente. Sem que percebesse, imitava sua

cachorrinha porque percebia que ela recebia muito amor das pessoas

quando chegavam a sua casa. O que ele estava dizendo era: “Pegue-me no

colo, passa a mão na minha cabeça, me dá uns apertos, me diz que estou

cheiroso, brinca comigo, fica me olhando, me dá atenção...” Ou seja, “faz


comigo como você faz com a minha cachorrinha”. Ou talvez, “tenho desejo

de ser amado como você demonstra que ama a minha cachorrinha”.

A busca do ser humano por ser amado pode ser

representada com uma figura em que alguém está com um pires na mão,

pedindo algo que supra seu coração.

As pessoas estão sempre querendo ser admiradas,

elogiadas, acariciadas, lembradas, etc. Como é bom quando alguém nos

traz um presente! Ou por que não dizer: Como é bom ser amado!

A necessidade de alguém ser amado emocionalmente, no

entanto, não é unicamente infantil. Ela nos segue pela vida, adolescência e

adulta, inclusive no casamento. Quando nos apaixonamos,

temporariamente essa necessidade é suprida. Mas, como vamos descobrir

mais tarde, ela é apenas um “quebra galho”, com duração limitada e até

prevista. Após despencarmos dos píncaros da paixão, a necessidade de ser

amado ressurge porque é inerente à nossa natureza. Está no centro de

nossos desejos emocionais. (CHAPMAN, 1997, p. 22).

Ainda na adolescência, o desejo de ser amado é

manifestado como: ser aceito. Usa-se o que mais se identifica com o grupo

como: roupas, corte de cabelo, correntes, tatuagens, linguajar, calçados, etc.

Ao buscar se identificar, o adolescente quer ser aceito, e esta é uma

linguagem do inconsciente dizendo: “quero ser amado”. A moda se torna


atrativa quando se sabe que a maioria aprova a sua indumentária. É uma

forma de ser amado através da aceitação e aprovação do grupo.

Quando o adolescente descobre uma linguagem que se

identifica com a sua capacidade de conquista, abre-se para ele uma avenida

a ser percorrida. Aí, “com o pires na mão”, pedindo amor, ele se aventura

por trilhar este caminho. Por exemplo: ao descobrir que as notas tiradas no

colégio trazem o reconhecimento e a aceitação por parte dos pais, isto se

torna um estímulo aos estudos. É o desejo de ser amado: “Se conquistar eu

serei reconhecido, serei aceito, serei amado”. Muitas são as influencias

determinante o que inviabiliza bater o martelo em alguns casos, mas como

temperamento, eventos e até questões biológicas contribuem para

amplificar ou não essa carência afetiva. Um exemplo clássico é o filho

problemático que recebe toda atenção dos pais, enquanto o outro filho se

esforça para ser o melhor possível para chamar a atenção dos pais, como

em um grito “me amem também, pois também sou filho”.

Tim Lahae escreve sobre temperamentos e afirma que

existe o “temperamento melancólico” que tem como uma de suas

características o desistirem muito fácil ao ser criticado. O “temperamento

melancólico” traz consigo características de sensibilidade. Fica magoado

por qualquer coisa. Um grito na frente de outras pessoas pode ser

compreendido por alguém que tem esse temperamento como: “eu não te

amo”. O sentimento de rejeição aliado à busca pela aceitação pode gerar


amizades que têm como ponto comum a aprovação de coisas erradas. A

forma de pedir amor é assim desviada para aqueles que aprovam os erros.

Quantas pessoas, quando rejeitadas, imediatamente trazem

consigo, em seus pensamentos, a frase: “Eu vou vencer e vou mostrar que

sou capaz”. O estímulo do desejo de ser amado pode produzir uma força

interior em algumas pessoas, e assim levá-las a se tornarem vencedoras

materialmente falando.

Partindo deste princípio podemos concluir que muitas

vezes o desejo de ter “aquele carro” pode trazer consigo intrinsecamente a

necessidade de ser admirado, ser notado, ser aceito, ser amado. O “pires”

está em ação novamente. Um amigo disse ter construído uma piscina em

sua casa simplesmente para que a família o visitasse, ou o amasse.

Há aqueles que dizem que gostariam de ser como aquele

ou aquela artista. Este desejo pode ter por detrás a ideia: “Se eu tocasse

como essa pessoa, todos me admirariam, ou todos me amariam”.

As formas, manifestações e atitudes são muitas, mas no

fundo o que pode estar motivando tudo isto é um único desejo: receber

amor e amar. Fato é que há uma carência enorme de amar e ser amado no

ser humano. Percebesse quando a adolescente sem conhecer a outra pessoa

do outro lado da tela do computador se dispõe a viajar mil quilômetros só

porque ele disse que a ama. Quando uma mulher casada, ao não receber a

atenção que espera ter do teu marido, é seduzida por outro que a elogia
levando ao adultério por dar um pouco mais de atenção do que seu marido

que trabalha muito para manter as contas em dia, ou quando aquele irmão

que recebe um cargo na igreja e o tem como forma de ser reconhecido,

admirado, amado e sendo assim o protege seu cargo tendo um medo grande

de perdê-lo, pois o que está em jogo é não é o cargo, mas é se sentir

importante, amado.

O vazio conclama evidenciando o “pires na mão”, uma

necessidade que impera em nosso coração que é refletida por ações

subliminais ao desejo real, e que muitas vezes a percepção da grande luta

demonstrada através das ações para receber o amor não é compreendida

nem pelo próprio ser humano. Fato é que precisamos amar e ser amados.
3 ANALISANDO I CORÍNTIOS 13:4-8

O apóstolo Paulo revela no livro de I Coríntios 13:4-8 pelo

menos dezesseis características do verdadeiro amor. Este texto é, sem

dúvida, uma revelação perfeita sobre as características de ajgavph. Para

entender mais sobre o amor cristão, convém atentar para uma análise mais

detalhada sobre as palavras utilizadas por Paulo para a descrição do amor.

makroqumei' - “longânimo”, “paciente” ou “que espera

pacientemente”. Algumas versões trazem “sofredor”. A palavra é formada

por makrovV (longo) + qumovV (paixão, ira, indignação). É um sentimento

de longa duração. “Descreve a ação da pessoa em segurar seus sentimentos

durante muito tempo. Até que passe à ação ou paixão – geralmente à

paixão. É o espírito constante que nunca desiste.” (RIENECKER;

ROGERS, 1985, p. 319). A paciência é uma característica de quem ama,

uma forma de amar. Ser paciente é amar como Deus ensina. “A idéia da

palavra é que se demora um bom tempo para aquecer e pegar fogo. O

tempo presente enfatiza o estado ou ação habitual e contínua”.

(RIENECKER; ROGERS, 1985, p. 319). Alguém que diz que ama, mas

não é paciente não conhece o verdadeiro amor.

crhsteuvetai – “ser útil, agradável, gentil”, “mostrar

bondade”, “benigno”. A palavra traz a idéia de alguém que presta serviços

a outros de modo gracioso e bem disposto (RIENECKER; ROGERS, 1985,


p. 319). Atos de serviço com disposição e com alegria são o amor em ação.

Paulo se referia a um amor “ativo, que alimenta os famintos, veste os

destituídos, dá um copo de água ao sedento; não aludia apenas ao amor

contemplativo de certos místicos, através do qual um homem pode amar a

pessoa de Deus em um estado de êxtase” (CHAMPLIN, 1998, v. 4, p. 206).

A prontidão em servir com gratidão parece ser algo não muito comum nos

dias de hoje.

ouj zhloi' -–“não é invejoso” Algumas versões trazem

“arder em ciúmes”. A palavra vem do verbo zevw que significa “estar

quente”, “ferver”. A idéia seria alguém que ferve com inveja. Quando

falamos de inveja, talvez alguns podem pensar que inveja é querer ter a

casa ou o carro, o bem do próximo, mas não é simplesmente assim. Temos

muitos carros e casas que podem ser comprados do mesmo modelo. A

inveja existe quando não há alegria ou amor pela vitória do próximo.

Quando é contada uma conquista para um amigo ou parente e até mesmo

para um irmão em Cristo, qual é a reação dele? Será que há alegria no

coração ou um simples “sorriso amarelo”? Um sentimento do tipo “Que

pena, você conseguiu, mas eu não”. São pessoas que fervem de inveja com

o sucesso do outro. Não conseguem ficar felizes com a alegria alheia.

ouj perpereuvetai – “não se vangloria”, “não se ufana”. A

palavra refere-se a jactar-se, ostentar. “Alguém que fala muito e age

presunçosamente” (RIENECKER; ROGERS, 1985, p. 319). A necessidade


de ter algo material com o fim de vangloriar-se diante do próximo é uma

prova da falta de amor.

Em toda a Bíblia só se encontra esta expressão aqui neste

texto. A ostentação é a idéia principal deste vocábulo. Pode fazer alusão à

exibição intelectual, ao exibicionismo retórico ou à ufania em qualquer

realização humana. Tudo isto serve de afronta para os outros, pois tem por

intuito exaltar a si mesmo e degradar a outros. (CHAMPLIN, 1998, v. 4, p.

206).

ouj fusiou'tai – “não se ensoberbece”. A palavra refere-se

a inchar-se, encher-se. O verdadeiro amor impede a pessoa de inchar-se

com o sentimento de importância. Aquele que ama não se sente auto-

suficiente. O sentimento de plena independência ou a busca por ela pode

ser um sinal de falta de amor, pois é uma atitude de desprezo aos demais. É

uma outra maneira de dizer: “não preciso de ninguém”, “sou bom o

suficiente para atingir meus objetivos sozinho”. Amar é buscar a presença

do outro entendendo a necessidade que se tem do próximo. A consciência

da autolimitação é um passo importante na tarefa de amar.

oujk ajschmonei' – “não se porta inconvenientemente”.

Algumas versões trazem “não é rude”. O termo refere-se a comportar-se

indecentemente ou de maneira vergonhosa, inconveniente, indecorosa. “O

amor é respeitoso e não faz nada que possa envergonhar a pessoa amada”.

(RIENECKER; ROGERS, 1985, p. 320). A tentativa de envergonhar o


próximo é uma prova da falta de amor. As zombarias constantes com o

intuito de diminuir alguém em relação ao grupo mostram que o amor está

ausente da vida da pessoa que as pratica.

ouj zhtei' ta; eJauth'V – “não busca seus próprios

interesses”. O amor sempre se mostra altruísta. Numa sociedade cheia de

direitos, falar em amor pode parecer utópico. Aquele que ama não busca

seus interesses nas situações, mas observa o interesse do próximo. A busca

da vantagem própria, ou seja, aquele que quer levar vantagem em tudo não

conhece o verdadeiro amor. Amar é abrir mão.

ouj paroxuvnetai – “não se irrita”, “não se deixa

provocar”. O termo se refere a ser irritado, nervoso. O egoísmo gera a

irritação, mas o amor não é irritado. O amor “não perde a compostura em

vista das ameaças aos seus direitos”. (CHAMPLIN, 1998, v. 4, p. 208). A

irritabilidade é uma marca da ausência de amor. Pessoas que vivem

irritadas podem estar se sentindo roubadas em seus direitos e por isso dão

lugar ao nervosismo. Quando direitos são perdidos o amor está sendo

testado. No tempo em que o “stress” está tão comum, somente em tocar no

braço de alguém pode produzir uma reação agressiva da pessoa tocada.

ouj logivzetai to; kakovn – “não suspeita mal”, “não se

ressente do mal”. O verbo logivzetai é o presente do indicativo passivo de

logivzomai (contar, calcular, imputar, considerar, concluir, pensar sobre,

ponderar, registrar) e kakovn é o adjetivo, pronominal, acusativo, neutro de


kakovV (mau, maligno). A ideia é a de que o amor não registra o mal. “O

amor não estoca ressentimento e não gera malícia” (RIENECKER;

ROGERS, 1985, p. 320).

Aquele que guarda rancor, que soma os delitos alheios e os

registra não possui amor. A maldade está sempre guardando consigo os

pecados que outros cometeram para um dia lançá-los em rosto, mas o amor

possui “memória curta” neste aspecto.

O amor confia até que prove o contrário. Um irmão certa

vez foi convidado para ir a um culto, e não pode ir porque seu sapato, que

foi colocado no muro para secar, foi roubado. Mas a pessoa que o

convidou, mesmo antes de saber o que aconteceu, julgou que era uma

desfeita. Agiu sem amor, pois o amor não suspeita mal.

ouj caivrei ejpi; th'/ ajdikiva/ caivrw – “não se regozija”,

“não se alegra”, “não fica feliz” com “a injustiça”, “o erro”, “a iniquidade”,

“a falsidade”, “o engano”, “a mentira”. O amor jamais fica feliz quando

outros cometem maldade. O amor fica triste em meio à injustiça. Numa

sociedade em que os maus são exaltados e a injustiça muitas vezes é

classificada como “esperteza”, não se tem a expressão do verdadeiro amor,

pois o amor não pode encontrar prazer nas coisas malfeitas. A injustiça

social, a injustiça moral, o erro, o engano, a falsidade não pode deixar o

amor confortável.
sugcaivrei de; th'/ ajlhqeiva/ - mas “regozija-se”, “alegra-

se” com a “verdade”, “fidedignidade”, “confiabilidade”, “justiça”. A

verdade é o motivo da alegria do amor. “Está aqui em foco a verdade

inteira de Deus; e isso deve incluir a verdade trazida até nós por Jesus

Cristo, expressa no evangelho”. (CHAMPLIN, 1998, v. 4, p. 208). A

verdade produz a libertação do ser humano. Aquele que tem prazer na

libertação do próximo ama realmente.

pavnta stevgei – “tudo sofre”. A palavra pavnta (de todas

as maneiras, sempre) e a palavra stevgei (cobrir – como um teto) trazem

juntas a idéia de “sempre cobrir” no sentido de proteger ou suportar como

um teto, agüentar. Um telhado cobre, protege, suporta as intempéries da

vida a fim de proteger os que estão abrigados sob seus cuidados. A palavra

pavnta é usada para dar ênfase. Aquele que ama sofre todas as dificuldades

da vida para proteger a pessoa amada.

pavnta pisteuvei – “tudo crê”. A intenção das palavras aqui

não é a de que o cristão deve ser crédulo, acreditar em tudo. No entanto o

amor acredita no lado melhor das pessoas, nas características boas de cada

um. O amor continua acreditando, que apesar das evidências serem

contrárias, a situação pode melhorar. O amor acredita no semelhante, tenta

ressaltar suas qualidades e investe nele.

pavnta ejlpivzei – “tudo espera”. O termo significa ter

esperança, ter expectativa. O amor verdadeiro continua tendo esperança nos


homens. Quando ninguém mais tem esperanças, aquele que ama continua

esperando com paciência. O amor não deixa que a expectativa se acabe,

sempre há a chance de melhorar, sempre a expectativa com alegria é

presente em um coração que possui amor.

pavnta uJpomevnei – “tudo suporta”. A palavra

uJpomevnei significa “permanecer”, “ficar (atrás)”, “perseverar”, “sofrer

pacientemente”, “suportar”. O amor tolera os abusos alheios, os fracassos

dos outros e seus retrocessos, tolera as perseguições, as lutas. O verbo

uJpomevnei é uma palavra de origem militar. Por isso é usada no Novo

Testamento com a finalidade de expressar a idéia de resistir aos assédios do

sofrimento ou das perseguições, no sentido de tolerá-las e de suportar tudo

pacientemente. (CHAMPLIN, 1998, v. 4, p. 209). Quando observamos um

mundo de pessoas que não são perseverantes, que não suportam nada, de

“pavio curto”, descobrimos que o amor está ausente da vida delas.

oujdevpote pivptei – “jamais acaba”. O termo indica que o

amor nunca pode tornar-se ineficiente, falhar, ou decair. Estas palavras

revelam a eternidade do amor. Ele jamais diminui. O amor que vem de

Deus não acaba nunca. Tudo pode passar, mas o amor é eterno, ele perdura

para sempre. Aquele que ama tem a seu dispor este amor que dura para

sempre. Nada pode destruir o amor. Nem mesmo as mais terríveis

tribulações ou a maior maldade humana pode acabar com o amor que vem

de Deus.
Assim, após estudar as características do amor descritas por

Paulo, podemos ter uma visão maior a respeito do que significa amar

segundo a Palavra de Deus.

4 A IMPORTÂNCIA DA PRÁTICA DO AMOR


Será que sabemos o que é amar?

A palavra amor permeia a história da humanidade. Ela está

presente desde os poemas mais antigos, nas representações teatrais dos

palcos mais rústicos, nas canções mais saudosas, nas tristes prosas do

passado remoto, nos crimes passionais escabrosos, no sangue que tingiu as

páginas dos diários de amantes e se estende fazendo parte da história

presente de nossa sociedade surrada.

Nós utilizamos a palavra amor de muitas formas. Dizemos:

“Eu amo cozinhar” e, numa outra frase: “Eu amo minha mãe! ”. Usamos

para referir a atividades que apreciamos: nadar, patinar, caçar, etc.

Amamos objetos: carros, casas, dinheiro, etc. Amamos animais: cachorros,

gatos e até tartarugas. Amamos a natureza: árvores, grama, flores e

estações. Amamos pessoas: filhos, esposas, maridos e amigos. Chegamos a

nos apaixonar pelo próprio amor.

O ser humano fala de amar de forma simplista, não

conhecendo a verdadeira forma de amar. Deus, que é o próprio amor, nos

ensina como devemos amar. O contrário de amor não é ódio, mas egoísmo.

O ódio é apenas um subproduto do egoísmo. Quando alguém é egoísta, ele

pensa somente em si próprio, e isto o impede de amar o próximo. O

verdadeiro amor não pode nascer onde existe o egoísmo.


Em I Jo 4-8 temos uma afirmação de que somente os que

conhecem a Deus amam, não como o mundo ensina, mas como Deus

ensina – o verdadeiro amor.

Aquele que conhece a Deus ama. A antítese é verdadeira:

Aquele que não conhece a Deus não ama com o verdadeiro amor, pois

Deus é amor. Como alguém pode amar sem conhecer o próprio Amor?

Quando alguma pessoa reconhece seus pecados, arrepende-

se, e entrega sua vida a Jesus, a Bíblia diz que o próprio Deus vem e faz

morada em seu ser (Jo 14:23). O próprio amor vem morar, então, no

homem. Em Romanos 5:5 lemos que o amor é “derramado em nossos

corações”. O amor vem habitar em nós, e nos ensina a amar.

Após observarmos as características do verdadeiro amor

descritas pelo apóstolo Paulo, podemos concluir que o ser humano sem

Deus não consegue amar verdadeiramente.


5 O TANQUE

Todo ser humano traz consigo um vazio, um templo, onde

só pode ser habitado e preenchido por Deus. (cf. I Co 3:16).

O homem procura com todas as suas forças, mesmo sem

compreender ao certo, preencher este vazio. Na realidade ele acaba sendo

“preenchido” por um deus. Tudo aquilo que tenta preencher o vazio do

homem, que não seja o Deus verdadeiro, se torna também um deus pra ele.

E se se torna um deus, “começa a ser um demônio no momento em que

começa a ser um deus” (LEWIS, 1986, p. 9).

Gary Chapman, em seu livro, “As cinco linguagens do

amor”, fala sobre o “tanque de amor” que cada um tem dentro de si. Este

tanque seria o vazio que cada pessoa tem e que procura preenchê-lo. Essa

necessidade, segundo Chapman, pode ser suprida quando nos apaixonamos.

Porém esta paixão resolve o problema temporariamente, pois logo a paixão

passa e o ser humano percebe sua necessidade inerente novamente. O autor

conclui que para manter o tanque sempre cheio, devemos compreender a

linguagem do amor do outro, seja ela palavra de afirmação, qualidade de

tempo, recebendo ou dando presentes, em formas de servir ou no toque

físico, e assim proceder segundo esta linguagem.

O tanque abordado pelo autor é uma realidade, porém as

muitas formas de preenchê-lo, podem estar substituindo a verdadeira


necessidade que só Deus pode suprir. Estas formas apresentadas pelo autor

acabam sendo momentâneas e se forem os únicos elementos para preencher

nosso tanque, eles se tornam em deuses e consequentemente em demônios.

É possível que dediquemos a nossos amores humanos


a fidelidade devida apenas a Deus. Eles então se
tornam deuses: então se tornam demônios. Irão assim
destruir-nos e irão destruir a si mesmos. Pois os
amores naturais, quando lhes é permitido que se
tornem deuses, não permanecem amores. Continuam
recebendo esse nome, mas se transformam na verdade
em formas complicadas de ódio. (LEWIS, 1986, p.
10).
Caso não seja preenchido nosso tanque por Deus, a

necessidade torna-se constante e incessante e redunda em buscas

intermináveis e frustrantes.

Todos devemos buscar em Deus, a fonte sublime de amor,

e ali, com nossos tanques repletos, transbordaremos este amor que se

transformará em rios caudalosos a alimentar o deserto sedento deste

mundo.

Qualquer amor humano, para ser eficaz, tem que estar

ancorado no amor divino. Dessa forma nossos amores encontrarão a

perfeita ação que se realiza também no outro.

Quando estou com meu tanque repleto do amor divino,

ainda que seja rejeitado pelos homens, continuarei amando e está rejeição

não será suficiente para me desestruturar. Assim como Cristo foi rejeitado,

pois “era desprezado e rejeitado dos homens; homem de dores, e

experimentado nos sofrimentos; e, como um de quem os homens


escondiam o rosto, era desprezado, e não fizeram dele caso algum” (Is

53:3), mas continuou amando, assim também nós poderemos seguir o

exemplo de nosso mestre.

A fonte de amor não deve ser as pessoas, mas Deus. Isto

não significa que não devemos amar as pessoas; pelo contrário, pois

quando buscamos em Deus, suprindo assim nosso tanque, amamos

verdadeiramente as pessoas ao nosso redor. Só assim podemos amar como

o samaritano (Lc 10:25-37), que se entregou ao próximo

incondicionalmente.

O amor que Cristo nos revelou: “Amarás ao Senhor teu

Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de

todo o teu entendimento” (Lc 10:27), só pode ser praticado quando o

Espírito Santo derrama este amor em nosso coração. A partir daí eu me

sinto amado completamente e aí posso amar o meu próximo como a mim

mesmo.
CONCLUSÃO

O amor é o tema central das Escrituras e é ao redor deste

centro que devem girar todas as atividades do cristianismo. Não se pode ser

cristão sem amar incondicionalmente.

A necessidade de ser amado é algo presente e inegável na

vida de todo ser humano. Esta necessidade às vezes é “preenchida” de

várias maneiras, que na realidade não passam de efeitos paliativos. Só Deus

pode preencher o vazio humano, e muitas vezes a ignorância com relação a

este fato faz com que o homem acabe se frustrando e se machucando na sua

busca incessante por ser amado.

Amar é a função do cristão, porém amar

incondicionalmente é um desafio que não pode ser vencido pelo esforço

humano. O amor ajgavph é o fruto do Espírito Santo, e por isso, só pode

ser produzido na vida de alguém através de uma ação do Espírito. É

impossível amar verdadeiramente sem ter recebido este amor proveniente

do Pai.

A partir do momento que o ser humano recebe o amor de

Deus, seu vazio deixa de existir e seu “tanque” é preenchido. Então,


convicto de ser amado, sem necessidade de “mendigar” o amor por aí, ele é

capaz de amar a seu próximo como a si mesmo e viver numa relação de

amor que reflete a glória de Deus a todo tempo.

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