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0800-0117875
SAC De 2a a 6a, das 8h30 às 19h30
www.editorasaraiva.com.br/contato
ISBN 978-858-240-081-4
Petitfils, Jean-Christian
Jesus: a biografia / Jean-Christian Petitfils; tradução de Lea P. Zylberlicht,
Gian Bruno Grosso. - São Paulo : Benvirá, 2015. 528 p.
Bibliografia
ISBN 978-85-8240-080-7
Título original: Jesus
1. Jesus Cristo - Biografia 2. Jesus Cristo - História I. Título II. Zylberlicht, Lea P.
III. Grosso, Gian Bruno 1
CDD 232.9
5-0124
CDU 232(09)
1a edição, 2015
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou
forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva. A violação dos direitos autorais é
crime estabelecido na lei no 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
545.720.001.001
Para Éliane, minha irmã
Sumário
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
JOÃO BATISTA
CAPÍTULO 2
CRISE POLÍTICA E ESPERA MESSIÂNICA
CAPÍTULO 3
JESUS E O PRECURSOR
CAPÍTULO 4
A FASE INICIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
CAPÍTULO 5
JERUSALÉM E O MINISTÉRIO DA JUDEIA
CAPÍTULO 6
DE SAMARIA PARA A GALILEIA
CAPÍTULO 7
O ENSINAMENTO DE JESUS
CAPÍTULO 8
JESUS E SEUS DISCÍPULOS
CAPÍTULO 9
O SINAL DE CONTRADIÇÃO
CAPÍTULO 10
DE JERUSALÉM AO MINISTÉRIO PÓS-GALILEIA
CAPÍTULO 11
O CONFRONTO
CAPÍTULO 12
DO ÚLTIMO INVERNO À ÚLTIMA PRIMAVERA
CAPÍTULO 13
A CEIA
CAPÍTULO 14
O COMPARECIMENTO DIANTE DE ANÁS
CAPÍTULO 15
O PROCESSO ROMANO
CAPÍTULO 16
O FINAL DO PROCESSO ROMANO
CAPÍTULO 17
A CRUCIFICAÇÃO
CAPÍTULO 18
A MORTE
CAPÍTULO 19
O SEPULTAMENTO
CAPÍTULO 20
A RESSURREIÇÃO
EPÍLOGO
ANEXO I
ANEXO II
ANEXO III
ANEXO IV
ANEXO V
ANEXO VI
ANEXO VII
NOTAS
INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
AGRADECIMENTOS
ÍNDICE ONOMÁSTICO
Prólogo
João Batista
O eremita do deserto
Personagem estranho esse João! Ele usa uma veste original, que o
protege das diferenças de temperatura noturna e diurna:12 uma
túnica de pelo de camelo e um cinturão de couro ao redor dos rins.
Essa descrição lembra a de Elias (“Era homem vestido de pelos, com
os lombos cingidos de um cinto de couro”).13. Dessa forma foi
representado pelos artistas ao longo das eras. Ele aparece primeiro
em Pereia [3], na parte meridional do Jordão, na margem oriental.
Como recordação das privações sofridas pelo povo do Êxodo que
caminhava em direção à Terra Prometida, penetra no deserto, no
local onde rondam os animais selvagens: antílopes, gazelas, lobos,
hienas… Entre essas colinas desoladas, sem árvores nem arbustos,
ele leva uma existência ascética, não come pão, não bebe vinho nem
bebida fermentada, alimenta-se exclusivamente de mel silvestre,
depositado pelas abelhas nas fendas sombrias das rochas, e de
grandes gafanhotos amarelos que ele assa na grelha. O silêncio!
Nada além do silêncio entrecortado por grasnidos estridentes de
alguns corvos descarnados. Logo, sob o domínio de uma nova
vocação, de anacoreta ele se torna profeta. Magro, com a pele
curtida pelo sol, abandona as pedras calcinadas do deserto pelos
caniços da Jordânia. As multidões acorrem ao seu chamado. Elas
procuram um guia. Provavelmente, era outono ou início do inverno
do ano 28, porque no verão o forte calor impede esses
deslocamentos.
Seria ele um nazir, um desses judeus religiosos em busca de uma
vida de graça e de pureza de que fala o livro dos Números,14 que
impunha a si mesmo um regime vegetariano (os gafanhotos não
seriam considerados como carne, se acreditarmos na Mishná)?[4]
Sabemos que Sansão, o herói de força lendária, fora um deles. Os
nazirs deixam crescer a barba e os cabelos. João, “e será cheio do
Espírito Santo, já desde o ventre de sua mãe”, como diz o evangelho
de Lucas, fazia a mesma coisa? É o que Flávio Josefo deixa ver numa
passagem da versão em “eslavo antigo” de sua Guerra dos Judeus:
“Havia então um homem que percorria a Judeia com vestes
espantosas, pelos de animais colados ao corpo nos lugares onde ele
não estava coberto com seus pelos, e o rosto parecia o de um
selvagem”.15
Do mesmo modo que os antigos profetas, Elias, Amós, Oseias,
Jeremias ou Isaías, esse homem carismático e escatológico[5] anuncia
que a ira de Deus logo se abaterá sobre o povo ímpio de Israel e
aniquilá-lo. “Já está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore,
pois, que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo.”16 Sua
visão do futuro nada tem de exaltante. João não anuncia nenhuma
“Boa Nova”, nem a salvação prometida a todos. Suas apóstrofes são
duras, incrivelmente duras. Deus vai separar o trigo do joio. “A sua
pá, ele a tem na mão, para limpar completamente a sua eira e
recolher o trigo no seu celeiro; porém queimará a palha em fogo
inextinguível.”17 A imagem é expressiva para o seu auditório.
Quando os pesados feixes são lançados na eira, e são esmagados e
amassados pelos cascos dos bois, os cesteiros lançam ao vento a
palha e os grãos. Uma é recolhida para desaparecer nas chamas, os
outros são cuidadosamente armazenados na reserva de grãos. Assim
será com os maus e os bons no Dia da Vingança. A palha irá para o
forno e as belas espigas de Israel serão recolhidas nos celeiros
celestes.
Com que violência, com que tom ameaçante, com que rispidez
fustigante e desesperadora ele invectiva seus concidadãos,
especialmente os membros dos dois grupos principais, ou “partidos”
religiosos de seu tempo, os fariseus e os saduceus que chegam para
vê-lo às margens do rio, muito mais por curiosidade que por espírito
de conversão: ele os trata por “corja” ou por “raça de víboras”, quer
dizer, de descendentes de Caim, nascidos, segundo a tradição
esotérica judaica, da união de Eva com a serpente. Uma das piores
injúrias possíveis para um israelita! Ele quer arrancar seus
correligionários de sua letargia espiritual, lançar a inquietação em
sua consciência. Não, não é suficiente refugiar-se coletivamente atrás
da observância legal dos ritos de pureza, nem temer o implacável
Julgamento, nem vir a ele para ser salvo! Nada disso pode preservá-
los do fogo inextinguível que se anuncia, e sua inclusão no povo
prometido não é um viático garantido. Cuidado com as concepções
petrificadas, com a falsa segurança de uma Aliança incondicional! A
eleição não está ligada à raça, a Israel pela carne e pelo sangue,
“porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a
Abraão”.18 O jogo de palavras, baseado na paronímia, só
transparece em hebraico: min ha-abanîm ha-elleh banîm.19
O que fazer então? Os judeus devem experimentar um profundo
arrependimento por seus pecados, individuais mas igualmente
coletivos, afastar-se da idolatria, modificar seu coração, levar uma
vida íntegra e justa, praticar a caridade. “Produzi, pois, frutos
dignos de arrependimento”, ele lhes diz em suas exortações.20 Se
alguém tem duas túnicas, que compartilhe com aquele que não tem;
se outro tem o que comer, que faça o mesmo.
Apesar de sua austeridade exigente, suas admoestações
aterradoras, seus apelos ao arrependimento e à ascese, o sucesso é
fulminante e atinge todos os meios, a começar pelos camponeses, os
pescadores, os artesãos, em suma, os am-ha-arets, as “pessoas da
região”, dito de outra forma, as pessoas ignorantes, desprezadas
pelas elites religiosas por sua lentidão e seu sacrilégio inato, com
frequência ritualmente impuros. A essas pessoas juntam-se os
soldados das tropas auxiliares de Herodes Antipas, seus aduaneiros e
coletores de impostos ou “publicanos”, numerosos nas fronteiras da
Judeia e da Pereia. “A ninguém maltrateis, não deis denúncia falsa e
contentai-vos com o vosso soldo […] Não cobreis mais do que o
estipulado”,21 recomendava ele aos publicanos, o que revela
bastante, sobre a brutalidade da soldadesca e a voracidade dos
coletores de impostos. É só depois de uma radical mudança interior
que ele se autoriza a administrar um batismo de água, o batismo da
última chance para escapar ao julgamento destruidor e à ruína final.
Abluções ou batismo?
Na Antiguidade, o uso de banhos era comum nos cultos orientais e
servia de iniciação ou de exorcismo. A água, símbolo da vida, da
fecundidade e da pureza, lavava e vivificava. Os adeptos do culto de
Ísis, de Mitra ou dos mistérios de Elêusis praticavam as cerimônias
sagradas de purificação nas águas do Nilo, do Eufrates ou no mar.
Quanto aos judeus, eles faziam abluções várias vezes ao dia, para se
preservarem das sujeiras contraídas na vida cotidiana. Entrar na
casa de um pagão, aproximar-se de um leproso, de um homem com
eczema ou de um morto tornava o judeu impuro. Então, era
necessário lavar-se para reintegrar a comunidade do culto. A
purificação era feita com água corrente, ramos de hissopo e as cinzas
de uma novilha vermelha, sem mancha, como é prescrito no livro
dos Números.22 Esse ritual não absolvia o homem do pecado ou da
falha moral, mas lhe permitia se separar do mundo impuro e se
aproximar de Deus.23 A regra dirigia-se inicialmente aos sacerdotes
do templo de Jerusalém, antes e depois das cerimônias de culto. Na
véspera da Festa dos Tabernáculos (Sucot), o sumo sacerdote
imergia-se na água cinco vezes e lavava dez vezes as mãos (era o
que se chamava o “Dia da Imersão”).
A partir dos séculos II e I antes de Jesus Cristo, os ritos de
ablução multiplicaram-se na vida doméstica e alcançaram a
totalidade dos israelitas. “Mantenha teu corpo em estado de pureza”,
diz o Livro dos Jubileus,[6] “lava-te na água antes de ir depositar tua
oferenda no altar, lava tuas mãos e teus pés antes de subir ao altar,
e quando completares teu sacrifício, lava-te novamente as mãos e os
pés.” Os arqueólogos descobriram nesse período um grande número
de instalações balneárias e piscinas, tanto na Judeia como na
Galileia. Elas são encontradas perto das portas do Templo, mas
também em Jericó, em Massada, em Séforis. As casas dos
aristocratas eram dotadas de mikvaot, quer dizer, de tanques de água
de chuva (portanto, que vinham das mãos de Deus), de cerca de 2
metros por 4, e que continham pelo menos 40 seah (600 litros), nos
quais as pessoas se imergiam descendo dois ou três degraus.
Essas não eram práticas dos conservadores saduceus, esses
sacerdotes notáveis e de alta posição, mais reticentes em relação às
novidades litúrgicas, mas dos doutores da Lei e mestres fariseus,
encarregados de explicar e ensinar a Lei. Esses últimos haviam
conquistado uma grande influência no seio da população. Desejando
tornar sacerdotal o povo de Israel, dedicado ao louvor divino, eles
tinham multiplicado as prescrições relativas às impurezas. O judeu
religioso devia constantemente se proteger do mundo e purificar-se:
depois de ter assistido aos funerais, depois de relações conjugais…
Os próprios objetos não escapavam a essa obsessão. As taças, os
jarros, os pratos deviam ser lavados sem cessar. Antes da Páscoa,
costumava-se branquear com cal as sepulturas para assinalar de
longe sua presença, evitando, dessa maneira, sujar-se com o seu
contato.[7] Tudo se tornava rapidamente motivo de impureza. Flávio
Josefo, em sua última obra, Contre Apion [Contra Apião], mostra os
habitantes de Jerusalém demolindo paredes para não terem que
encostar nos transeuntes que cruzavam!
Esses ritos invasores tinham como consequência separar, dividir
a sociedade ao extremo em “justos”, membros dos grupos e das
confrarias de santidade, e “pecadores”, aqueles que eram
indiferentes às múltiplas interdições (o próprio nome fariseus,
parishîm em aramaico, quer dizer “separados”). Na época de Jesus,
algumas ocupações e certas categorias são impuras unicamente por
seu possível contato com pagãos, mulheres ou cadáveres; prostitutas,
publicanos, pastores, médicos, açougueiros… Por toda parte, a
separação tinha se multiplicado, ameaçando a unidade fundamental
do povo judeu.
Em seu ódio pelos pagãos e judeus que se recusavam a se juntar a
eles, em sua condenação do culto maculado do Templo de Jerusalém,
os essênios — quer habitassem as aldeias, quer um pequeno bairro
ao sul de Jerusalém ou o rochedo desolado de Qumran — estavam
ainda mais presos aos ritos de purificação e às práticas dos banhos
que seus adversários fariseus. Levando a lógica da separação ao
extremo, somente eles se consideravam como os perfeitos, os “filhos
da Luz”. Desdenhando a frequentação do Templo desde a deposição,
em 152 antes da nossa era, de Simão, filho de Onias III, da linhagem
legítima de Zadoque (sumo sacerdote na época de Salomão), eles
viviam como autarquia ao redor de seu venerado “Mestre da
Justiça”.[8] Segundo Flávio Josefo, esses sectários se repartiam em
quatro castas. Quando um membro da casta superior tocava por
inadvertência um inferior, precisava com urgência lavar-se. Ao
esperar a restauração de um Templo regenerado que escapasse às
mãos dos sumos sacerdotes usurpadores, eles insistiam na única
prática de culto que lhes restava, o da água.24
Um novo rito
O batismo de João recobre um significado diferente. É um rito
purificador e unificador, que não encontra nenhum precedente no
judaísmo.25 Não separa o sagrado do profano, mas o bem do mal, o
moral do imoral. Ele visa, consequentemente, à pureza interior, à
santidade. Contrariamente às abluções, faz questão de uma
proclamação solene. Trata-se de um ato coletivo, administrado de
uma vez por todas, que confirma uma conversão. João é o ministro
que banha, e unicamente ele. Seu gesto define sua autoridade. O
batismo é feito por imersão completa em água agitada de uma fonte
ou de um rio ou naquela mais abundante, mas lamacenta e poluída,
do Jordão. Aquele que sai banhado renasce semelhante a uma nova
criação divina, pronto para enfrentar os próximos dias derradeiros.
É um rito de passagem, de incorporação dentro de uma comunidade
escatológica, que não é mais exatamente aquela de Israel.
Provavelmente João não era o único a adotar esse modo de vida.
De tempos em tempos, fugindo dos lugares habitados, um judeu
religioso retirava-se para o deserto. Na geração seguinte, Flávio
Josefo conta que, depois de ter experienciado por dezesseis anos os
três grandes partidos religiosos de seu tempo, fariseus, saduceus e
essênios, ele havia seguido um certo Banus (ou Bano) “que vivia no
deserto, contentando-se em ter como vestimenta o que as árvores lhe
forneciam e como alimento o que a terra produzia
espontaneamente, e fazia frequentes abluções com água fria de dia e
de noite, preocupado com a pureza”.26 Mas nenhum desses eremitas
vegetarianos batizava.
Foi somente depois do desaparecimento de João que proliferaram
as seitas batistas: batistas da manhã, hemerobatistas (batistas
cotidianos), nasaraïoi (não confundir com os nazarenos), sabeus,
masboteus… Elas vão continuar a coexistir com as primeiras
comunidades cristãs do Oriente. Sem mencionar as seitas batistas
cristãs, surgidas com a Reforma protestante, alguns pequenos grupos
subsistem ainda no sul do Iraque e do Irã, como os madianitas, mais
tarde ligados a essa tradição.
Para conseguir adeptos, João se desloca ao longo do Jordão. Por
toda parte, ele conquista: o grupo dos batizados não é estruturado
em seitas, não aspira a nenhuma transformação política. João não
convoca os batizados para derrubar o poder romano, não excita as
multidões contra quem ocupa o poder ou seus colaboradores, sumos
sacerdotes e saduceus. Sua ação, puramente moral e espiritual, está
voltada para a renovação interior, a caridade, o compartilhamento
com os miseráveis. Depois de batizados, os adeptos são mandados de
volta às suas ocupações habituais. Entretanto, um pequeno grupo de
fervorosos o segue permanentemente. Ele lhes ensina o jejum, a vida
ascética, fornecendo-lhes “alguns esquemas de oração, uma prece-
padrão como será o Pai Nosso para os cristãos”.27
João não realiza nenhum “sinal”, nenhum prodígio, nenhuma
cura milagrosa. Diferentemente do movimento apocalíptico[9] que
percorre o judaísmo antigo, ele não deixou nenhum escrito.
Estranhamente, fala da vinda próxima de um personagem que lhe é
superior, que é “mais poderoso”. Um personagem enigmático cuja
natureza ele não esclarece: será um anjo, um arcanjo, um
comandante de guerra ou um novo sumo sacerdote? Um messias real
ou um messias sacerdotal? Um descendente de Davi? Seria o Profeta
do final dos tempos, que agirá como um assistente de Deus? Ou esse
estranho “filho do homem”, de que falou o livro de Daniel no século
II antes da nossa era? O próprio João sabia? “E eu, em verdade, vos
batizo com água, para o arrependimento; mas aquele que vem após
mim é mais poderoso do que eu; cujas alparcas não sou digno de
levar.”28 Comparação das mais surpreendentes. Na literatura
rabínica, esse serviço humilhante era reservado aos escravos não
judeus. Os professores que ensinavam o judaísmo podiam pedir
muitas coisas a seus alunos, mas não isso. Ora, o Batista confere
“Àquele que vem”29 tal superioridade sobre esses mestres
professores, que ele próprio ficaria honrado de realizar essa tarefa
de lhe tirar as sandálias, se não se sentisse indigno dela.30
Voluntariamente, ele limita o seu papel, na expectativa desse
personagem escatológico, designado pelo Altíssimo para batizar não
mais na água, mas no Espírito Santo. O rito de João é apenas
transitório, é um batismo de espera, que não pode ser suficiente por
si só. A água apenas traz pureza à vida terrestre, o Espírito vai
trazer a vida eterna. Na história da salvação, João sabe que ele é
apenas o arauto, o “Precursor” cuja missão é a de abrir os corações e
preparar o caminho. “Ele não era a Luz”, diz João Evangelista “mas
veio para que testificasse da luz.”31
A efervescência messiânica
Do século IV ao III antes de nossa era, os autores judeus místicos e
apocalípticos tinham alimentado a esperança de um messias que
estabeleceria o triunfo de Israel sobre as nações. Essa espera, incerta
e polimorfa, era, portanto, muito antiga, mesmo que ela não tenha
estado sempre inscrita no coração da fé judaica. Messias? A palavra
vem do aramaico meshiha, do hebraico mashiah, e quer dizer aquele
que recebeu a unção divina, o óleo que consagra o rei ou o sumo
sacerdote. A tradução grega significa christos (de chrein, ungir),
Cristo em português. O profeta Isaías e muitos outros esperavam a
vinda de um filho de Jessé, pai de Davi, que faria renascer em todo
o seu esplendor o messianismo real:
Jesus e o Precursor
Entrada em cena
No início do ano 30, quando o movimento de João ampliou-se, um
homem que estava no meio da multidão avança para receber, ele
também, o batismo. Ele vem da Galileia, a três dias de caminhada.
Esse homem é Jesus de Nazaré. Vestido, como os judeus de seu
tempo, com uma única túnica de linho com mangas longas, listrada
e com franjas, ele não se parece em nada com um “selvagem” do
deserto, a exemplo de João. Seu nome, Ieschoua, extremamente
difundido naquela época, é uma contração do nome bíblico
Yehôshua’, Josué, o sucessor de Moisés. Significa: “YaHWeH salva”
ou “Deus é a salvação”. Como representá-lo? Se nos referirmos ao
sudário de Turim, ele é alto. Sua altura — entre 1,75m e 1,85m, ou
até mesmo mais1 — não é excepcional: foram encontrados em Israel
esqueletos de homens do século I com uma altura comparável. Com
um porte atlético, bem constituído, de boa corpulência, magro (entre
77 e 79 kg, estimam os médicos, sempre a partir da relíquia de
Turim), ele tem pouca relação com o homem mirrado de ombros
caídos do filme de Pier Paolo Pasolini: O Evangelho segundo são
Mateus.
Ele é de um tipo semita antigo, hebreu sefardita, segundo o
arqueólogo Carleton S. Coon, professor em Harvard, ou mais puro
ainda, como os indivíduos que encontramos no Iêmen, cujos
ancestrais não misturaram seu sangue com os egípcios babilônios ou
hititas. O rosto é alongado, as arcadas superciliares pronunciadas, as
maçãs do rosto salientes, a barba arredondada (a barba com duas
pontas, chamada bífida, que vemos na relíquia e nos ícones
bizantinos a partir do século IV, origina-se dos maus-tratos sofridos
na casa do sumo sacerdote Anás, quando lhe arrancaram uma parte
da barba violentamente). Os cabelos longos, com a risca no meio,
caem sobre os ombros. É o penteado típico judeu da época.2 Segundo
o sudário de Oviedo, as maçãs do rosto são salientes, o nariz,
bastante pronunciado, tem oito centímetros de comprimento (o
mesmo comprimento que no sudário).
Durante muito tempo, os cristãos, que ignoravam o aspecto físico
de Cristo, o representaram como um jovem imberbe de cabelos
curtos, à maneira dos deuses helênicos pagãos. A pintura romana do
Bom Pastor na cripta dos Aurelianos, que data da metade do século
III, esboça a representação de um Cristo barbudo. No século IV,
sempre em Roma, nas catacumbas de Commodilla e de são Pedro e
Marcelino, ele aparecia pela primeira vez com os traços de um filho
de Israel, barbudo, os cabelos sobre os ombros, o rosto oval, o nariz
bastante longo e os olhos negros expressivos. Foi somente no século
VI, depois da redescoberta do sudário em Edessa (a atual Urfa, na
Turquia), que o modelo iconográfico bem conhecido se generalizou.
Que idade atribuir-lhe? Não é necessário tomar ao pé da letra o
que diz Lucas: “Ora, tinha Jesus cerca de trinta anos ao começar o
seu ministério”. Trinta anos é a idade ideal, simbólica, aquela da
maturidade. É a idade de Adão no Gênesis, quando ele foi criado, a
idade de José quando ele permanece em presença do faraó, a mesma
de Davi quando ele se torna rei, a idade em que os rabinos começam
a pregar e os sacerdotes a fazer o seu serviço no Templo. Na
verdade, não conhecemos a sua idade exata. “Tu não tens cinquenta
anos”, reprovam-lhe os faraós no evangelho de João, uma maneira
de dizer que ele não é um verdadeiro sábio. Uma certeza: ele não
nasceu em 25 de dezembro do ano I da nossa era. Na liturgia latina,
a festa da Natividade foi fixada de maneira convencional nessa data
em 354, pelo papa Libério, para cristianizar a festa pagã do solstício
de inverno, a do Sol Invictus (Sol Invencível), divindade pagã
glorificada pelo imperador Aurélio (270-275), e a do renascimento
anual do deus indo-iraniano Mitra. A data não tem nenhum valor
histórico. E, para precisar ainda mais, Jesus nasceu alguns anos
antes de Jesus Cristo! Foi, com efeito, em consequência de um erro
de cálculo do monge da Cítia Dionísio, o Pequeno, no século VI, que
datamos o início da era cristã em 754 após a fundação de Roma. Se
nos referirmos aos evangelhos de Mateus e de Lucas, Jesus teria
nascido sob o reinado de Herodes, o Grande. Ora, esse morreu em 4
a.C. Partindo desse dado, numerosos historiadores estabeleceram o
nascimento de Jesus no ano 7 antes da nossa era. Mais tarde,
voltaremos a isso. No ano 30, quando se inicia sua vida pública, ele
teria então trinta e sete anos.
Jesus fala aramaico, um aramaico antigo, como ainda se fala nas
aldeias remotas da Síria, ao norte de Damasco, com um sotaque
típico da Galileia que articula mal as guturais semíticas.3 É
impossível, quando alguém da Galileia fala, distinguir as palavras
immar (cordeiro), hammar (vinho) e hamor (asno). Nascido na Alta
Mesopotâmia, incorporada nos séculos V e IV antes de Jesus Cristo
pela administração persa, o aramaico era de uso corrente no Oriente
Médio. Jesus também conhecia o hebraico, a língua dos textos
sagrados, que empregava em algumas circunstâncias solenes. Ele
não tem nada de iletrado. Sem ter a cultura de um doutor da Lei
poliglota de Jerusalém, que lia a Bíblia judaica em grego mais do
que em hebraico, ele devia conhecer suficientemente o grego para
ser capaz de sustentar uma conversa.4 Dito isso, vemos pelo
evangelho de João que, quando os judeus da diáspora querem falar
com Jesus, eles se dirigem em primeiro lugar a dois discípulos que
conheciam a língua grega, André e Filipe.5
O clã de Jesus
Podemos pensar, dado o pequeno número de seus habitantes, que
toda a aldeia pertencia à dinastia de Davi. Isso é certo no que se
refere a José, o pai legal de Jesus, provavelmente já morto quando
Jesus se apresenta para João Batista, mas é altamente provável que
Maria, sua mãe, também seja da mesma linhagem real.24 Vemos nos
evangelhos de Mateus e de Lucas que o casamento de José e Maria
havia sido arranjado pelas famílias. Ora, os costumes dos clãs na
época eram extremamente restritivos. Raramente a lei dos ancestrais
era transgredida. No interior do pequeno grupo muito fechado dos
nazarenos, unidos para manter a tradição de Davi, esses costumes
deviam ser mais dominantes ainda. Segundo o Rouleau du Temple
[Pergaminho do Templo], um dos mais famosos documentos essênios
(século II antes de Cristo), o rei de Israel não devia escolher sua
esposa “entre as filhas das nações; mas é dentro de sua própria
família que ele a tomará, dentro do clã de seu próprio pai”.25
Hegésipo, judeu helenizado convertido ao cristianismo (século II),
que havia recolhido informações preciosas sobre a família de Jesus
junto aos judeu-cristãos, confirma a tradição: “Maria pertence à
mesma tribo que José, porque, segundo a lei de Moisés, não era
permitido casar-se com pessoas de tribos diferentes”.26 A origem
davídica de Maria é igualmente atestada pelos judeu-cristãos, pelos
cristãos siríacos como o anacoreta Afraates e Efrém, diácono e
doutor da Igreja, por Irineu, Justino, Orígenes, Agostinho e muitos
outros…27
Ao lado de Maria, esposa de José e mãe de Jesus, há algumas
mulheres pertencentes à mesma linhagem. Uma delas é “Maria de
Clopas”, também conhecida como a mulher de um homem chamado
Clopas ou Cléofas, mãe de quatro filhos, Tiago, o Justo, José (ou
Joset, ou Joseph), Simão e Judas. O fato de que todos esses nomes
sejam de patriarcas denota a grande fidelidade desse clã à lei de
Moisés. Para Hegésipo, esse Cléofas era o irmão de José, portanto,
tio de Jesus, e este era primo-irmão de seus filhos.28
O primeiro dentre eles, Tiago, o Justo, se tornará o chefe da
primeira comunidade judaico-cristã de Jerusalém e uma das figuras
essenciais da Igreja primitiva junto de Pedro. Hegésipo relata que
lhe deram o apelido de “joelho de camelo”29 porque orava
constantemente no Templo. Segundo o costume semítico, que
engloba numa mesma acepção os irmãos e os primos, ele era
chamado o “irmão do Senhor”, e este nome conservou-se com ele,
mesmo em grego.
Essa questão dos “irmãos de Jesus” já fez correr muitas penas.
Atualmente, numerosos protestantes afastaram-se da opinião dos
primeiros reformadores, Lutero, Zuínglio e Calvino, fiéis à perpétua
virgindade de Maria, para adotar a tese de uma Maria “mãe de
família numerosa”, defendida desde o século IV por um certo
Helvídio. Alguns católicos começam a segui-la,[3] sob a influência do
padre John Paul Meier nos Estados Unidos, do padre François
Refoulé e do jornalista Jacques Duquesne na França. “Jesus”,
escreve Jean-Claude Barreau na sua Biographie de Jésus [Biografia de
Jesus], “tinha irmãos e irmãs. Essa é uma certeza histórica, mesmo se
a Igreja posterior quis fazer dele um filho único.”30
O primeiro argumento desses autores é o de fazer valer a palavra
grega adelphos, utilizada nos evangelhos para qualificar Tiago, José,
Simão e Judas, que designa, claramente, irmãos de mesmo sangue.
Para os primos, outra palavra era escolhida: anepsios. Seu segundo
argumento atém-se ao seguinte raciocínio: João esclarece no quarto
evangelho que Maria, mãe de Jesus, encontra-se ao pé da cruz.
Mateus e Marcos não o dizem expressamente, mas mencionam a
presença de “Maria, mãe de Tiago e de José” (“de Tiago, o pequeno,
e de José” para Marcos). Concluem a partir daí que Maria, mãe de
Jesus, era também mãe de Tiago e de José! Último argumento, Lucas
no seu evangelho, escreve que Maria “deu à luz seu primogênito”,31
o que deixa supor que, em seguida, ela teve outros filhos.
Certamente, o método histórico não impede a priori de interpretar
os evangelhos de maneira diferente da tradição eclesiástica; ainda
assim, é preciso ter argumentos sólidos, porque, habitualmente, o
comentário de um texto não se dissocia do meio no qual ele surgiu.
Ora, aqui, esse não é o caso. A tese de uma Maria mãe de família
numerosa está longe de ser irrefutável, como demonstrou o exegeta
Frances Pierre Grelot num artigo publicado, em 2003, na Revue
Thomiste [Revista tomista].32 No final de uma investigação relativa à
sagrada Escritura “estritamente histórica”, referente ao uso das
palavras no judaísmo antigo, esse especialista em aramaico
unanimemente reconhecido concluiu que Jesus era filho único de
Maria e José.
É preciso considerar os “irmãos de Jesus” como primos à maneira
oriental, assim como são Jerônimo havia feito. Assim como na
África, atualmente, o conjunto de irmãos e irmãs no mundo semítico
da Antiguidade estende-se aos primos, membros da mesma família
no sentido amplo, uma família comparável à familia romana. Em
hebraico e em aramaico, ‘ah (ou hâ) significa na Bíblia
indiferentemente um irmão de sangue, um meio-irmão,33 um
sobrinho34 ou um primo.35 No livro de Tobias, de início redigido em
aramaico, como provam os textos de Qumran, as palavras “irmão” e
“irmã” englobam não apenas a fraternidade de sangue, mas também
a família próxima. Ao passo que o aramaico emprega uma palavra
única hâ para um irmão ou um primo, as traduções gregas utilizam
indiferentemente adelphos e anepsios.36 Podemos pensar que ocorreu
o mesmo com os evangelhos, escritos em grego, mas impregnados
com um forte substrato aramaico e convenções linguísticas da
cultura semítica. “Irmão” designa simplesmente um parente,
inclusive para Paulo.
Sobre a cruz, Jesus, antes de morrer, diz à sua mãe: “Eis teu
filho”, falando de João, o discípulo bem-amado, depois, dirigindo-se
a esse: “Eis tua mãe”. Não podemos pôr em dúvida as palavras
relatadas por João, testemunha direta, no seu evangelho, insiste o
padre Grelot. Seriam incompreensíveis esses propósitos, dentro do
contexto cultural do judaísmo, se Maria tivesse outros filhos. Eles
teriam a obrigação de cuidar de sua mãe, que seria impedida de
abandonar a casa dos seus, para ir viver em outro lugar.
É preciso não esquecer ainda o que dizem os evangelhos
sinópticos sobre “Maria, mãe de Tiago e de José”. Em nenhum
momento ela é apresentada como a mãe de Jesus. Os “irmãos” de
Jesus, por sua vez, não são jamais chamados de “filhos de Maria,
mãe de Jesus”. Esta, mesmo quando se encontra com os “irmãos de
Jesus”, é sempre chamada a “mãe de Jesus”.37 Por sua vez, João
Evangelista evoca outra Maria, que ele chama de “Maria de Clopas”,
dito de outra forma, “Maria, esposa de Clopas ou Cléofas”. É ela que
é a mãe de Tiago e de José.38 É preciso observar que Tiago, que era
chamado o “irmão de Jesus” ou o “irmão do Senhor”, nunca
reivindicou ser irmão. Na sua epístola, ele se designava como
“Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo”.
Quanto ao argumento extraído do evangelho de Lucas, utilizado
com frequência pelos protestantes, Maria “dá à luz seu
primogênito”, pode-se dizer que ele é certamente o mais fraco. Entre
os judeus, o termo jurídico de “primogênito” (o que “abre a matriz”,
em hebraico) não pressupõe necessariamente nascimentos
posteriores, mas refere-se à consagração especial a Deus do primeiro
filho, como apontado pelo Livro dos Números: “porém os
primogênitos dos homens resgatarás; também os primogênitos dos
animais imundos resgatarás. O resgate, pois (desde a idade de um
mês os resgatarás) será segundo a tua avaliação”.39 Quando, nesse
mesmo livro, está escrito: “Conta todo primogênito varão dos filhos
de Israel, cada um nominalmente, de um mês para cima”, é evidente
que uma criança “primogênita” com um mês de idade não pode ter
outros irmãos.40 Na necrópole de Leontópolis (Tell El-Yehoudieh), no
Egito, foi encontrada, na sepultura de uma mulher judia chamada
Arsinoe, morta durante o parto no ano 5 antes da nossa era, esse
epitáfio em grego: “Em meio às dores de parto do meu primogênito,
o destino me conduz ao fim da vida”.41
As genealogias davídicas
Os hebreus atribuíam grande importância aos documentos
genealógicos que eles conservavam para comprovar sua filiação. Era
assim também com as famílias aristocráticas de Jerusalém. Mas
ficamos muito espantados ao ver que os humildes camponeses
nazarenos agiam da mesma maneira. Um fragmento de Júlio
Africano, citado por Eusébio na sua obra História eclesiástica, diz, a
esse propósito:
Foi numa boa fonte — Tiago, seu irmão Simão e famílias judaico-
cristãs — que Mateus e Lucas se documentaram. Naturalmente, as
genealogias lisonjeiras reproduzidas em seus evangelhos eram mais
ou menos fictícias. Elas divergiam, aliás, entre si. Para Mateus, o pai
de José é Jacó; para Lucas, é Heli. As duas genealogias convergem
evidentemente para Davi, filho de Jessé, mas a mais aristrocática e a
mais messiânica é a de Mateus, visto que Jesus descende de Salomão,
nascido da mulher de Urias, de seu filho Roboão e dos reis de Judá,
incluindo Jeconias, ao passo que, naquela de Lucas, Jesus é
descendente de outro filho de Davi, Natã, e de seu filho Matata. Para
Mateus, que remonta a Abraão, catorze gerações separam esta da de
Davi, catorze outras vão de Davi até a deportação para a Babilônia,
as catorze últimas conduzem ao Cristo. Uma bela simetria! Mais
ambiciosa, a genealogia de Lucas remonta a Adão, “filho de Deus”, a
fim de mostrar que Jesus, ele também Filho de Deus, é o Salvador da
humanidade inteira. Tanto uma quanto a outra dispõem de maneira
conveniente o nascimento virginal de Jesus. Mateus: “E Jacó gerou a
José, marido de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama o
Cristo”. Lucas: Jesus “era, como se cuidava, filho de José”. Dito isto,
não se deve excluir que a genealogia de Lucas tenha sido a de Maria
e não a de José, como sustentava desde o início do século XVI o
dominicano Annius de Viterbo. Em conformidade com os costumes
das sociedades patriarcais, o nome de José teria sido substituído pelo
de sua mulher, Maria.
Após a lapidação, no ano 62, de Tiago, o “irmão do Senhor”, os
parentes de Jesus, que ainda eram bastante numerosos, reuniram-se
para designar seu sucessor na pessoa de Simeão, filho de Cléofas,
primo-irmão de Jesus.[4] Dessa forma, havia se constituído uma
espécie de cristianismo dinástico, da mesma maneira que mais tarde
um ramo do islã, o movimento xiita, se organizaria em torno dos
descendentes de Ali e de Fátima (genro e filha do Profeta). Os judeu-
cristãos ou descendentes de Jessé, ou nazarenos, assumiram em
seguida o nome de “cristãos”. Um ramo dissidente dessa corrente
continuará a usar o nome de nazarenos.43 Os judeus que não
estabeleciam diferença irão chamar os cristãos de “notzrim” (e os
árabes, de “nassara”). O próprio Paulo, o Apóstolo dos Gentios, será
apresentado diante do procurador romano como sendo o “chefe da
seita dos nazarenos”, o que evidentemente ele não era.
Para dizer a verdade, esses rebentos de Jessé embaraçavam
muita gente. Depois da tomada de Jerusalém, no ano 70 da nossa
era, Vespasiano ordenou que eles fossem procurados. Seria para
erradicar a ameaça que ele imaginava que essa tribo representava
para o poder imperial? Seu filho Domiciano, em todo caso, quis
suprimi-los. Os dois netos de Judas, primo de Jesus, foram assim
denunciados e trazidos diante do César tirânico. Este perguntou
sobre suas riquezas. Os infelizes, que eram pequenos cultivadores
(provavelmente nas cercanias de Nazaré), confessaram que não
possuíam cada um mais que 4.500 dinares, fortuna representada
principalmente por uma terra de 39 phèthres, “sobre a qual eles
pagavam os impostos e que eles cultivavam para viver”. Mostraram
suas mãos calejadas, prova do seu trabalho contínuo. Falaram de sua
espera pelo retorno de Jesus Cristo no final dos tempos. O
imperador, desdenhando desses “homens simples”, mandou que os
libertassem.44
O batismo de Jesus
Jesus chega então às margens do Jordão. Se acreditarmos no
evangelho de Mateus, João Batista tenta dissuadi-lo de sua intenção
de ser batizado. “Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a
mim?” Jesus lhe responde: “Deixa por enquanto, porque, assim, nos
convém cumprir toda a justiça”.45 Para alguns comentaristas,
estaríamos em presença de uma criação literária destinada a atenuar
o embaraço ulterior da Igreja diante da anomalia dessa inversão de
papéis: Jesus, que, não pecou, pode comportar-se como os judeus
que afluem para João? Não é para excluir, mas de modo algum
necessário. A explicação dada por Mateus é plausível: é um sinal de
cumprimento. Jesus age em solidariedade com Israel arrependida,
que espera a renovação anunciada pelos profetas. Ele está
intimamente convencido de que o rito da água dispensado por João
é uma instituição divina (ele dirá isso ulteriormente durante uma
controvérsia com os sacerdotes de Jerusalém), que faz parte da lenta
pedagogia de YaHWeH. Portanto, não é espantoso que se sinta
impelido a se submeter a esse batismo, para “cumprir toda a
justiça”.
Vamos tomar cuidado, aliás, para não nos comprometer com um
falso sentido. O batismo de João, se contém uma dimensão
“sacramental”,46 não desfaz os pecados. O filho de Zacarias não teria
se sentido de modo algum investido para realizar esse gesto de
perdão. Era, como diz Marcos, um “batismo de arrependimento para
remissão de pecados”, em outros termos, uma forte promessa de
absolvição dos pecados, ao comprometer-se com uma vida nova, na
espera da vinda daquele que batizará no Espírito Santo. Nos Atos
dos Apóstolos, Paulo fala somente de um “batismo de
arrependimento”47 expressão confirmada por Flávio Josefo: “Não era
usado para o perdão de alguns pecados, mas para a purificação do
corpo, depois que a alma tivesse sido anteriormente por completo
purificada pela justiça”.48
Aquilo que realmente se passou, no entanto, é difícil de precisar
— milagre? visão? experiência mística ou extática? “Os céus se
abrem”, diz Mateus. “Eles se rompem”, precisa Marcos. Essas são
imagens bíblicas clássicas que lembram, por exemplo, a vocação do
profeta Ezequiel (“estando eu no meio dos exilados, junto ao rio
Quebar, se abriram os céus, e eu tive visões de Deus […] e ali esteve
sobre ele a mão do SENHOR”). O Espírito Santo manifesta-se com a
aparência de uma pomba que “repousa acima de Jesus” (Mateus,
Marcos, Lucas). Depois, uma voz surge do Céu: “Tu és meu filho”
(Marcos). “Este é o meu filho amado, em quem me comprazo”
(Mateus).49 Trata-se de uma revelação, de uma epifania, quer dizer,
de uma manifestação divina. Se acreditarmos em Mateus e Marcos, a
voz só se dirige a Jesus, mas para Lucas, ela é, dá a impressão,
ouvida por todos.
Alguns textos falam de uma luz estranha ou de um fogo que teria
corrido ao longo do Jordão. Assim o Codex de Vercelli (século IV) e o
Sangermanensis (século VII) acrescentam à passagem conhecida de
Mateus: “… e enquanto ele recebia o batismo, um brilhante clarão
elevou-se da água, de modo que todos os assistentes ficaram cheios
de medo”. O fenômeno é mencionado no Evangelho dos Ebionitas
(“Imediatamente, uma grande claridade iluminou os locais”) e no
Diálogo com Trifão, de Justino Mártir (século II): “Então Jesus veio ao
rio Jordão onde estava João Batista; enquanto ele descia à água, o
próprio fogo acendeu-se no Jordão; e enquanto ele saía da água, o
Espírito Santo, como uma pomba, esvoaçou sobre ele; foram os
apóstolos desse próprio Cristo que o escreveram”.50
O autor do quarto evangelho não viu a cena do batismo
propriamente dito (aliás, ele não fala disso),51 mas ele estava na
beira do Jordão no “dia seguinte”, maneira elegante de simplificar e
de esquematizar as cenas. Confiando nas lembranças da sua
juventude, ele conta que Batista, ao ver Jesus regressar naquele dia,
designou-o a seus discípulos dessa maneira: “Eis o Cordeiro de Deus,
que tira o pecado do mundo! É este a favor de quem eu disse: após
mim vem um varão que tem a primazia, porque já existia antes de
mim. Eu mesmo não o conhecia, mas, a fim de que ele fosse
manifestado a Israel, vim, por isso, batizando com água”.52
“O Cordeiro de Deus”: a imagem provavelmente não remete à
vítima pascal, a Jesus morrendo sobre a cruz, oferecendo-se em
sacrifício para o perdão dos pecados, como um cordeiro inocente,
mas a um cordeiro vencedor, ao Messias glorioso da literatura
apocalíptica, que João Batista, vindo de um ambiente sacerdotal,
conhecia bem, principalmente graças ao livro de Enoque e ao
Testamento dos doze patriarcas, um cordeiro que vai fazer justiça,
vai castigar os malvados e, no final dos tempos, vai fazer
desaparecer o império do mal e do pecado, como diz o Apocalipse de
Baruch. Então, segundo a visão edênica da tradição judaica, o povo
inteiro se tornará santo.
Os exegetas se questionaram sobre a contradição entre a frase
que figura no evangelho de João (“Eu não o conhecia”) e os laços de
parentesco entre os dois homens de que fala Lucas no emocionante
episódio da Visitação (Maria, grávida de Jesus, indo encontrar sua
prima Isabel, ela também grávida). Se admitirmos o parentesco de
primos entre os dois homens, é possível que eles jamais tenham se
encontrado? Na verdade, a frase de Batista provavelmente reveste
outro significado; quer dizer em substância: eu apenas o conhecia
superficialmente, não desconfiava de sua eminente dignidade, não
sabia que Aquele “que devia vir” era ele.
Prosseguindo seu testemunho, Batista acrescenta: “Vi o Espírito
descer do céu como pomba e pousar sobre ele”. Ele não ficou
surpreso, porque, se acreditarmos em sua própria declaração, tinha
sido avisado algum tempo antes por uma revelação divina: “Aquele
sobre quem vires descer e pousar o Espírito, esse é o que batiza com
o Espírito Santo”. E João Batista conclui: “Pois eu, de fato, vi e
tenho testificado que ele é o Filho de Deus”.53 A expressão deve ser
entendida no sentido veterotestamentário (refere-se ao Velho
Testamento), amplamente utilizado.54 Nos antigos reinos de Israel e
Judá, por exemplo, os reis eram considerados como “filhos de
Deus”.55 Mas, para João Evangelista, naturalmente, o leitor é
remetido à ideia de “Filho único”. Para Batista, essa cena poderosa
da qual foi testemunha realiza o anúncio do profeta Isaías: “Sobre
ele repousará o Espírito de Javé”.56 Jesus é certamente o Messias de
Israel, aquele que recebeu a unção em plenitude, a efusão do Espírito
Santo.
Seria fácil ver na entronização celeste do Jordão um relato
imaginário destinado a revelar aos leitores, de maneira metafórica,
a vocação de Jesus. Sérios argumentos, no entanto, concorrem para
a sua autenticidade. “Eu vi e tenho testificado”, diz Batista.
Conhecemos, entre os judeus, a importância de um testemunho
solene. Acrescentam-se a isso as proclamações da Igreja primitiva,
recolhidas por Lucas nos Atos dos Apóstolos: “Vós conheceis a
palavra que se divulgou por toda a Judéia, tendo começado desde a
Galileia, depois do batismo que João pregou, como Deus ungiu a
Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder”.57 Esse discurso
de Pedro, de elaboração muito antiga, testemunha a fé dos apóstolos
e de todos os primeiros cristãos.
Para o historiador David Flusser, professor na Universidade
Hebraica de Jerusalém, seria errôneo considerar esse relato como
um mito: “Nada do que sabemos agora, ele escreve, deixa a menor
dúvida quanto à autenticidade histórica da experiência que Jesus
viveu quando era batizado nas águas do Jordão”.58 Naquele
momento, com efeito, ele teve uma revelação interior que ocasionou
uma mudança brutal de vida. “Por ocasião de seu batismo por João”,
estima o exegeta James D. G. Dunn, “Jesus viveu uma experiência
importante no nível da consciência de sua filiação e da presença do
Espírito.”59 O filho de Maria e de José, até então um simples artesão
de madeira em Nazaré, que trabalhava sob encomenda ou em
canteiros de obras em Séforis, sentiu-se chamado a abandonar tudo,
a romper com sua família, sua casa, seu ambiente, deixando o seu
trabalho por um ministério profético itinerante, pronto para
enfrentar a incredulidade, até mesmo a hostilidade dos seus. Sua
decisão estava ligada a essa visão inicial, marcada com o selo da
transcendência divina. Esse parece ser um momento de transição em
sua vida, “aquele no qual Jesus aceitou sua vocação”.60 A misteriosa
manifestação de Deus às margens do Jordão (“tu és meu Filho”)
parece ter tido um duplo efeito: Jesus, pela unção divina, descobriu
plenamente o sentido de sua missão, e João compreendeu melhor a
dele.
O Templo de Jerusalém
4
A tentação no deserto
Segundo os evangelhos sinópticos, Jesus, “impulsionado pelo
Espírito”, preparou-se para o seu ministério com um retiro de
quarenta dias no deserto, período durante o qual ele jejuou e foi
tentado por Satanás, o Adversário, o pai da mentira. No século IV da
nossa era, o local da tentação foi situado no monte chamado a
Quarentena, o Jebel Qarantal, que ergue acima do oásis de Jericó
sua massa desolada de rochedos ocres, em cujas laterais se engasta o
mosteiro grego ortodoxo de Sarandarion. No cume, o panorama
estende-se a oeste sobre o monte das Oliveiras, que oculta os muros
de Jerusalém, ao norte e ao leste vê-se a torrente do Jordão, ao sul
os declives castanho-avermelhados de Moab, a planície e o infinito
cintilante do Mar Morto.
Se seguirmos os relatos de Mateus e de Lucas, essas tentações são
de três ordens: a tentação dos bens materiais e da riqueza (“Se és o
Filho de Deus, manda que esta pedra se transforme em pão”), a do
poder (“Se és o Filho de Deus, atira-te daqui abaixo; porque está
escrito: Aos seus anjos ordenará a teu respeito que te guardem; e:
Eles te susterão nas suas mãos”) e, finalmente, a tentação da glória
terrestre. Fazendo Jesus ver “todos os reinos do mundo”, o Tentador
sussurra-lhe: “Dar-te-ei toda esta autoridade e a glória destes reinos,
porque ela me foi entregue, e a dou a quem eu quiser. Portanto, se
prostrado me adorares, toda será tua”. A essas investidas sucessivas,
que têm como objetivo desviá-lo de sua missão, Jesus responde com
uma recusa: “Passadas que foram as tentações de toda sorte,
apartou-se dele o diabo, até momento oportuno”.
Vamos nos precaver de fazer uma leitura fundamentalista. Esse
episódio estilizado, do qual ninguém foi testemunha, tem
evidentemente um tom alegórico. Não parece verossímil que Jesus o
tenha relatado a seus discípulos dessa maneira. Não, Satanás não
realizou prodígios com a natureza! Não, Jesus não foi transportado
ao cume de uma montanha ou ao topo do Templo para ser tentado!
E os “quarenta dias” certamente pertencem à simbólica bíblica. Não
é ceder à mania de “eliminar os elementos míticos” considerar que
estamos aqui em presença de um gênero de literatura particular, que
é conveniente ler dentro do contexto cultural da época: um relato
fictício que ilustra uma ideia teológica, e que realiza uma “verdade
própria” para a história da salvação.1 Existem poucas no evangelho.
Essa é uma delas.
O que, então, queriam dizer os autores dos evangelhos
sinópticos? De início, que Jesus é um homem que reza. Esse é o
sentido de sua retirada para o deserto, depois daquela de João
Batista. Inúmeras obras sobre a vida de Jesus cometem o erro de
apagar tal aspecto, primordial no entanto, de sua personalidade,
eliminando a dimensão maior da sua mensagem. Um Jesus que não
reza não é um Jesus em quem se pode crer. Como todo judeu
religioso, formado pela prática familiar do culto, ele repete três
vezes por dia o Shema Israel que faz referência ao Deuteronômio:
“Ouve Israel! O Senhor nosso Deus é o Deus único. Amarás Deus com
todo teu coração, com toda tua alma e com todas as tuas forças…”.
Ele pronuncia as bênçãos sobre os alimentos e as bebidas e agradece
a Deus em cada instante de sua vida. Constantemente, reza, abençoa
aquele que ele chama seu Pai, vive uma união total e misteriosa com
ele, de coração a coração, em oração constante, sem ostentação. Ele
se retira para um “local afastado e solitário”,2 frequentemente sobre
um cume, e passa a noite ali.
Em seguida, os evangelhos sinópticos quiseram mostrar que,
como homem, o Nazareno sofreu tentações, tentações interiores
certamente bem reais, assaltos do demônio, e que ele rezou e jejuou
para lutar contra elas. Escrita aproximadamente na mesma época
por um discípulo de Paulo, a Epístola aos Hebreus também não
esconde isso: “Pois, naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido
tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados”.3
Jesus precisou, num momento ou outro de sua pregação, contar
para seus discípulos o seu combate espiritual, porque é difícil
imaginar que tudo tenha sido inventado a posteriori, no momento em
que as testemunhas anunciam o Cristo glorioso, Filho de Deus.
O Jesus histórico foi realmente tentado. Mas essas tentações são
também um resumo daquelas que o povo hebreu conheceu no
deserto: tentação da fome, da sede ou da idolatria. Elas anunciam a
maneira como Jesus pretende abordar sua missão: ele não se
desviará do serviço dos homens por uma glória humana vã. Ele não
será o messias temporal e glorioso, rei da guerra que expulsa os
romanos, o que era esperado pela multidão de seus compatriotas.
Ele não vai se apoderar dos reinos deste mundo. O evangelho de
João, mais exato no plano da “historicidade empírica”, não se serve
dessa fabulação dramática. Ele nos mostra, em compensação, que
Jesus enfrenta ao longo da sua vida pública tentações fundamentais
de bens materiais, a vontade de poder e de evidenciar-se, resistindo
a elas vitoriosamente.
“Vinde e vede”
Jesus, o Nazareno, veio ver Batista como discípulo. Ele reconheceu
em João não um eremita iluminado, mas um autêntico profeta de
Deus, enviado a Israel pecador e infiel. Isto significa que ele
concorda com os grandes temas de João, com a ideia da vinda do
julgamento de Deus, com uma escatologia iminente, com a
necessidade de seus correligionários mudarem radicalmente a
maneira de ser. Isto significa também que ele considerou que o
batismo de João para o arrependimento, afastado do judaísmo
oficial de Jerusalém, era o caminho escolhido por Deus como único
meio de salvação.
A partir da fulgurante visão do Jordão, o Batista não age com
Jesus como o mestre em relação a seu discípulo; ele o associa a seu
anúncio profético, “como parceiro ou como assistente em uma
espécie de divisão de trabalho”, segundo os termos de Jacques
Schlosser. Ele deixa Jesus recrutar seus próprios discípulos,
desenvolver seu próprio grupo, enquanto ele prossegue com seu
anúncio.
João Evangelista, que compõe seu texto com cenas sucessivas,
contou o encontro desde o “segundo dia” de Jesus com seus
primeiros discípulos, homens curiosos que haviam começado a seguir
Batista. A iniciativa vem desse último, que lhe envia dois discípulos:
um da Galileia, André, pescador em Cafarnaum, e um discípulo não
nomeado, que estamos autorizados a identificar como o discípulo
secreto de Jerusalém, o “discípulo que Jesus amava”, dito de outra
forma, João, o autor do quarto evangelho.
Ambos interrogam Jesus: “Rabi (que quer dizer Mestre), onde
assistes? Respondeu-lhes: Vinde e vede”. Passagem típica dos escritos
de João, rica em símbolos. Ouvida da própria boca de Jesus, a
resposta é utilizada pelo evangelista com um objetivo pedagógico.
Na catequese ulterior da Igreja, essa resposta “Vinde e vede”, isolada
do seu contexto, remeterá às obras do Cristo. Ela será um apelo para
segui-lo e converter-se. Não sabemos nada do local onde Jesus tinha
estabelecido sua morada. “Vinde e vede. Foram, pois, e viram onde
Jesus estava morando; e ficaram com ele aquele dia, sendo mais ou
menos a hora décima.”4 Seria numa das grutas do vale de Wadi
Kharrar, nas cercanias da Betânia, perto do Jordão?5 Se João
Evangelista, uma testemunha ocular, ficou chocado com a hora, a
décima (4 horas da tarde), e a menciona, é menos para dizer que
Jesus e os dois primeiros discípulos tiveram longos momentos de
entretenimento até a caída da noite, e mais para lembrar que essa
“hora” é, na Bíblia, o momento da realização, como santo Agostinho
tinha visto.
Os primeiros discípulos
Assim Jesus recruta. André encontra seu irmão Simão, também
pescador em Cafarnaum, que tinha vindo, igualmente, ao encontro
do Batista. Ele lhe anuncia a grande nova: “Nós encontramos o
Messias!”.6 Como o pequeno povo da Galileia, que detesta a dinastia
de Herodes, esses pescadores do lago Genesaré esperam com
ansiedade a manifestação de um príncipe legítimo que os libertará
dessa pesada submissão. Simão, pleno de entusiasmo e de prontidão,
acompanha André, que o apresenta a Jesus. Este “olha” para ele e
lhe declara: “Tu és Simão, filho de João, tu serás chamado Cefas”
(kefâ em aramaico), dito de outra forma, Pedro. Esse é um sinal. Na
antiga Aliança, essas mudanças de nome são acompanhadas de um
significado, de uma nova missão; Abrão (de Abirão: “o pai é muito
alto”) tornou-se Abraão (“O pai de uma multidão de nações”), e Jacó
tornou-se Israel. Para Simão-Pedro começa uma nova vida. O nome
o remete a ser ele mesmo. Portanto, ele será Pedro, a Rocha.
Com os seus primeiros discípulos, Jesus sai da Pereia, sobe o vale
do Jordão e chega a Betsaida (“a casa dos pescadores”) na Galileia,
ao norte do lago de Genesaré. Vizinha de Cafarnaum, essa aldeia
encontra-se às vésperas de uma transformação maior. Herodes Filipe
II, irmão de Herodes Antipas, acaba de decidir, no ano 30, elevá-la à
categoria de polis (cidade). Sua intenção é construir uma grande
cidade, igual à de Cesareia de Filipe, que ele mandou construir sobre
o planalto norte do Golã. Ele mudou o nome da cidade para Julias
para honrar a esposa de César Augusto, Livia Drusilla, que se
tornara Júlia Augusta, morta no ano precedente. Essa lisonja era
uma consideração em relação a Tibério, de quem ela era mãe.
A parte principal da cidade encontra-se sobre um espigão
basáltico de 400m de comprimento por 200m de largura, dominando
as águas do lago a uma altura de 25m, mais ou menos. Esse local de
Et-Tell situa-se hoje a dois quilômetros das margens por causa das
aluviões do Jordão, muito próximo, aluviões que modificaram a
paisagem no decorrer dos séculos. Várias expedições de escavações
arqueológicas se sucederam no local desde 1987. Restos de ocupação
que datam da Idade do Bronze antigo (2900 a 2200 a.C.) foram
encontrados. No século X antes da nossa era, a cidade tinha sido a
capital do reino de Gechour, cuja história está ligada à de Israel.
Davi tinha desposado a filha de seu rei, Maaca, e de sua união
nasceu Absalão. Betsaida estava cercada por uma muralha de seis
metros de largura. A porta principal, da qual uma parte foi
conservada, tinha dimensões imponentes. Em 734 antes da nossa
era, Tiglate-Phalazar (ou Tiglate-Pileser) III, rei da Assíria,
conquistou essa cidade aramaica e destruiu-a, deixando subsistir
apenas a aldeia de pescadores. Mas os arqueólogos encontraram os
traços da cidade. Uma casa continha na sua adega ânforas de
cerâmica para vinho e vários ganchos para talhar o vinhedo. Outra
casa recobria uma superfície de 400m2 ao redor de um belo pátio
feito de lajes a céu aberto. Nos seus quartos foram recuperados
materiais de pesca: âncoras de ferro, um anzol, uma agulha curva
para consertar as velas, pesos de chumbo para as redes… Era, muito
provavelmente, uma habitação coletiva de pescadores. André e
Simão-Pedro, assim como Jonas (João), seu pai, será que habitaram
ali?, Porque Betsaida era o local de origem de sua família.
Mas, dentro de pouco tempo aparece Filipe, ele também
originário dessa aldeia. Jesus lhe diz simplesmente: “Siga-me!”. O
outro também não duvida de que ele acabara de encontrar o
Messias, portador da sublime esperança. Precisamos observar que tal
região de Betsaida tinha sido amplamente helenizada, porque os
nomes desses pescadores têm consonâncias gregas: André, Filipe e
mesmo Simão (Pedro), forma grega de Simeão.
Filipe, que soube que Jesus era filho do artesão José de Nazaré,
encontra, por sua vez, uma pessoa que conhecia da Galileia,
Natanael, e lhe anuncia: “Achamos aquele de quem Moisés escreveu
na lei, e a quem se referiram os profetas: Jesus, o Nazareno, filho de
José”. Natanael assume uma atitude provocadora. Ele replica — “De
Nazaré pode sair alguma coisa boa?”.7 Natanael — “dádiva de
Deus”, em hebraico — não é originário de Betânia, mas de Caná
(qânâh, o junco, a cana), uma aldeia distante catorze quilômetros ao
norte de Nazaré. Não é por chauvinismo local que ele emite esse
julgamento desencantado. Faz, evidentemente, referência aos seus
habitantes, os nazarenos, cujas loucas pretensões davídicas ele
condena. O que pode sair de muito interessante desse clã
extremamante reduzido? Certamente não o Salvador de Israel! Com
efeito, depois de Zorobabel no século VI antes da nossa era, a
linhagem de Davi se perdera. Por isso, o ceticismo de Natanael
diante da incrível pretensão real desses rústicos obscuros. Tudo isto
pertence ao sonho, “um pouco como se”, escreve o exegeta Charles
Perrot, “alguns realistas do nosso tempo esperassem a descoberta de
um descendente de Luís XVII!”.8
Ao ver Natanael, Jesus exclama: “Eis um verdadeiro israelita, em
quem não há dolo!”; dito de outra maneira, um judeu fiel e
autêntico, direito, sem embuste nem mentira. O outro fica surpreso.
Como o conhecia? “Antes de Filipe te chamar, eu te vi, quando
estavas debaixo da figueira.” A imagem da figueira remete aos
homens religiosos que estudavam tranquilamente a lei sob a sombra
das folhagens dessa árvore, em companhia de um mestre, de um
rabi.[1] Natanael é, portanto, um sábio que teve a ocasião de
perscrutar cuidadosa e minuciosamente os escritos messiânicos, e
disso concluiu que a perspectiva de um personagem de origem
davídica era uma pista falsa.
Mas que Jesus tenha podido “vê-lo sob a figueira”, sem o auxílio
dos olhos, foi suficiente para convencê-lo e modificar
profundamente suas crenças. A clarividência não é um dos atributos
messiânicos? Sim, o filho de José é por certo o futuro rei de Israel
como YaHWeH tinha prometido! Sim, contrariamente ao que ele
tinha pensado, as pessoas de Nazaré seguramente pertencem à
descendência davídica! Ele estava pronto para segui-lo. Jesus lhe
respondeu: “Porque te disse que te vi debaixo da figueira, crês? Pois
maiores coisas do que estas verás.” E anuncia para seus discípulos:
“Em verdade, em verdade vos digo que vereis o céu aberto e os anjos
de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem”. Com essa
abertura em Amém (em “Amen saying” [provérbios do quarto
evangelho], dizem os anglo-saxões), Jesus dá uma solenidade para o
seu propósito. Evocando o sonho do patriarca Jacó em Betel, com os
anjos que sobem e descem, introduz uma figura enigmática que
utilizará com frequência, aquela do Filho do Homem, emprestada de
um texto do profeta Daniel: “Entre as nuvens do céu vinha alguém
como um filho de homem”.9 Voltaremos a isso.
Caná, na Galileia
Se Jesus decidiu ir rapidamente para a Galileia, foi para assistir a
um casamento em Caná, a aldeia de Natanael, no antigo território
da tribo setentrional de Naftali. Situada no caminho que liga Séforis
ao lago de Genesaré, essa aldeia fortificada estendia-se pela encosta
de uma colina redonda e desnuda, dominando as terras agrícolas do
fértil vale de Beit Netofa (ou Netufa), ao Wadi Yodefat.10 A região
chama-se hoje Beit Cana e foi venerada até nos tempos dos
cruzados, antes de desaparecer. O local, muito antigo, remonta à
Idade Média do Bronze. Em 732 antes de Cristo, o lugar tinha sido
devastado por Tiglate-Phalazar III, depois repovoado na época
helenista, antes de ser novamente destruído por Vespasiano, no ano
67 da nossa era, e em seguida pelos árabes. Sobraram apenas alguns
muros baixos e ruínas modestas, pedaços de colunas, cisternas
escondidas nas rochas, blocos de pedras em meio a pedregulhos. No
decorrer de três séries de escavações, os arqueólogos Peter
Richardson e Douglas Edwards, da Universidade de Puget Sound,
encontraram no lugar traços anteriores ao ano 70: os de uma
sinagoga, de um ateliê de vidro soprado, várias prensas de óleo e os
restos de um cemitério. É preciso ter uma imaginação muito forte
para perceber que uma pequena comunidade judaica viveu no local
no século I da nossa era.
Era festa na aldeia, onde se prepara o casamento, mobilizando o
clã familiar. O casamento não se resume a um ato escrito, uma
ketubbah, que garante a soma de dinheiro que a mulher recebe em
caso de repúdio (vários documentos desse tipo foram encontrados no
deserto da Judeia). É uma espécie de sacramento, à imagem das
relações perfeitas que ligam Israel e a Torá, Israel e YaHWeH.
Selada pelo kiddushin, a cerimônia dá lugar a procissões, festividades
e danças.11 Risos, vivas, gritos estridentes convergem para a casa da
noiva. As mulheres desvelam-se ao redor da futura esposa,
colocando anéis e braceletes nas suas mãos e nos seus pés,
reavivando suas faces e seus lábios com cor-de-rosa, pintando suas
pálpebras e o contorno de seus olhos para torná-los maiores e mais
brilhantes, colorem com hena dourada seus cabelos e suas unhas,
enfeitam-na cuidadosamente com um vestido bordado e com o véu
nupcial, antes de coroá-la com flores. Bandos de crianças escapam
da vigilância dos pais e brincam na poeira. Os homens voltaram do
campo e acolhem primos e amigos que vieram dos povoados
vizinhos. Os touros e os animais gordos foram degolados e cortados
em pedaços para o festim. Ao cair do dia, com archotes e tochas
acesos, o cortejo nupcial se põe em marcha, irmãos e irmãs na
frente, cercando o futuro esposo. As pessoas batem palmas e cantam
ao som dos címbalos e ao ritmo dos tambores. Os clamores redobram
nas ruelas à aproximação da casa da moça. Ela sai ao encontro do
prometido, segurando uma lâmpada de óleo com uma mão,
protegendo a chama vacilante com a outra. Mas rapidamente ela é
agarrada pelo cortejo, erguida sobre uma cadeira, levada em triunfo
até o domicílio do pai do noivo. Pode-se então quebrar a ponta fina
da ampola de perfume e trocam-se os juramentos. Depois de ter
pronunciado as bênçãos, as carnes saborosas, que assaram no espeto
durante a tarde toda, são cortadas e bebe-se vinho, esse vinho
pesado, capitoso, que embriaga facilmente, produzido nas colinas
vizinhas. Tais festejos barulhentos vão durar os sete dias da
cerimônia nupcial, prolongando-se talvez até o sabá seguinte.
Maria, mãe de Jesus, provavelmente uma parente próxima de um
dos esposos, veio de Nazaré — a três horas de caminhada, pela
estrada de Séforis —, vestida com sua túnica de viúva, com seus
sobrinhos Tiago, José, Simeão e Judas, filhos de Cléofas. O próprio
Jesus foi convidado, como muitos outros. Ele não chega sozinho, mas
acompanhado por seus novos discípulos: André, João Evangelista,
Simão-Pedro, Filipe e Natanael, nativo do local. Nessa ocasião, João
Evangelista encontra aquela que, mais tarde, ele acolherá sob seu
teto em Jerusalém, essa Maria de Nazaré que, com infinita reserva e
respeito, ele só chama de “mãe de Jesus” ou “sua mãe”.
A festa começou numa terça-feira, no terceiro dia da semana,
contrariamente ao costume da quarta-feira, na qual ocasionalmente
os habitantes da Galileia faltam ao dever.12 A alegria é geral. O
vinho corre com abundância. Mas logo começa a faltar. Os jarros de
argila e os odres de pele esvaziaram-se muito rápido, e os
convidados sentem sede. Cheia de solicitude, Maria foi a primeira a
perceber. Talvez tivesse um papel na organização do festim? Ela diz
a Jesus: “Eles não têm mais vinho”. Este dá uma resposta
surpreendente: “Mulher, que tenho eu contigo?” (em aramaico: “ma
li ûleki”, termos de uma linguagem diplomática que sublinha um
profundo desacordo), que poderíamos traduzir assim: “Mulher, o que
há entre você e mim?”. Não se pode imaginar o evangelista João
inventando uma conversa tão dura, tão severa de um filho com sua
mãe, de que não encontramos nenhum outro exemplo na literatura
judaica. Um homem pode falar dessa maneira com sua mulher,
jamais com sua própria mãe! Prova que Jesus realmente pronunciou
essa frase. Alguns escribas cristãos ficaram tão chocados que a
omitiram ao recopiar o evangelho de João.
Não é por parte de Jesus um sinal de rejeição ou de desrespeito,
mas as preocupações materiais de sua mãe estão muito longe das
suas. Seu pedido lhe parece intempestivo: “Minha hora ainda não
chegou”, prossegue ele. Mal tinha iniciado no caminho de Batista;
ele considera que “sua verdadeira missão só deve começar depois
que João Batista terminar a sua”.13 Talvez tenha recebido esse
pedido como uma tentação?14 Ele está determinado a não se deixar
desviar de sua obra, a preservar contra todos o mistério de sua
pessoa.
Maria, se seguirmos o relato do evangelista, dirige-se então aos
servidores da boda: “Façam o que ele mandar!”. Será que ela
realmente pediu a seu filho para realizar um milagre, quando jamais
o viu fazê-lo? Apesar da vivacidade da sua primeira reação, Jesus
acede a seu pedido, mas opera de uma maneira estranha, à
distância, dando duas ordens aos empregados: primeiro, encher de
água até a borda os grandes jarros destinados às purificações, o que
prova, pelo uso que haviam feito do vinho, que eles já estavam no
segundo ou terceiro dia da boda, e depois retirar o vinho dos vasos e
levá-lo ao ecônomo. Na sociedade judaica, esse organizador da
refeição não é o simposiarca dos gregos, esse presidente eleito pelos
convidados e encarregado da distribuição do vinho, e ainda menos o
tricliniarque (principal doméstico) dos romanos, esse escravo de
confiança que dirige os servidores, mas um amigo ou um parente da
família, que libera o marido das preocupações materiais.15 O
ecônomo experimenta o vinho, e, talvez espicaçado por não ter sido
posto ao corrente, exclama com um tom humorístico em direção ao
anfitrião: “Todos servem primeiro o vinho bom, e quando os
convidados estão bêbados, servem o pior. Você porém guardou o
vinho bom até agora”.16
O Templo
Na lista — variável — das Sete Maravilhas do Mundo Antigo figura,
por vezes, o Templo de Jerusalém, ao lado do farol de Alexandria,
do mausoléu de Halicarnasso, da pirâmide de Quéops, dos jardins
suspensos da Babilônia, do Colosso de Rodes ou da estátua de Zeus
Olímpico feita por Fídias. “Aquele que não viu o Templo de
Herodes”, assegura um ditado, “não viu nada de belo em sua vida.”
Uma reputação que não era usurpada, se acreditarmos na descrição
de Flávio Josefo, em sua Guerra dos Judeus. De longe, na claridade
nascente da aurora, quer as pessoas viessem pelo caminho do norte,
quer pelos caminhos de Cesareia ou de Jericó, ele aparecia como
uma “montanha coberta de neve”, coroada no seu topo com o
mármore mais branco. Delicadas pontas cortantes de ouro impediam
os pássaros de sujar a cobertura.1 Projetado para o céu acima de
seus gigantescos embasamentos, a construção, em estilo grego,
recoberta por todos os lados com espessas placas de ouro, refletia os
raios de sol com tal intensidade que os peregrinos precisavam
desviar os olhos.
Cidade única, com destino incomparável, obra do Altíssimo,
diziam os hebreus, ornamentada com todos os esplendores
sobrenaturais, Jerusalém brilhava como uma joia, tendo como pano
de fundo as colinas ocres que a cercavam. Na angústia do exílio, os
deportados da Babilônia se lamentavam em um dos mais belos
salmos de Israel: “Às margens dos rios da Babilônia, nós nos
assentávamos e chorávamos, lembrando-nos de Sião. Nos salgueiros
que lá havia, pendurávamos as nossas harpas […]Se eu de ti me
esquecer, ó Jerusalém, que se resseque a minha mão direita. Apegue-
se-me a língua ao paladar, se me não lembrar de ti, se não preferir
eu Jerusalém à minha maior alegria”.2
A cidade, cercada por muralhas crenuladas, protegida pela vala
de Cedrom a oeste e pelo vale de Tiropeon ao norte, tinha sido
edificada nesse local para controlar a única fonte da região, ao pé
da pequena colina de Sião, o Giom. No século VII antes da era cristã,
o rei Ezequias tinha feito construir um túnel de 553m que conduzia
suas águas até o reservatório de Siloé. Ele ainda existe.
Durante o reinado de Davi, essa modesta povoação de um milhar
de habitantes tinha se tornado a capital dos reinos unificados de
Judá e de Israel. Em 967, Salomão, seu filho e sucessor, decidiu
construir um templo no local, onde seria permanentemente abrigado
o relicário sagrado das tábuas da Lei. Esse primeiro edifício,
revestido com lambris de madeira de cedro e coberto de ouro, foi
incendiado e demolido depois da conquista da cidade por
Nabucodonosor em 586 antes da nossa era. A arca da Aliança
desapareceu. Cinquenta anos mais tarde, em 538, Ciro, o Grande, rei
dos reis e soberano do império persa, autorizou os judeus a voltar do
exílio. A construção do segundo Templo, o de Zorobabel, começou
pouco depois. Ele só foi terminado em 516. A construção permanecia
de dimensões modestas. Foi Herodes, o Grande, que, no ano19-18
antes de Cristo, a fim de firmar sua legitimidade, decidiu substituí-lo
pelo edifício religioso mais grandioso do mundo: cinco vezes a
superfície da Acrópole! Devia ser o orgulho do povo eleito.
Ele não hesitou em utilizar abundantemente os meios necessários.
Dezenas de milhares de operários trabalharam nessa construção
durante anos. O antigo Templo foi demolido, aterraram a colina do
monte Moriá. Enormes assentamentos de pedra — estima-se que
alguns blocos pesavam 400 toneladas — serviram para a edificação
da estrutura de sustentação da imensa esplanada. As catorze fileiras
inferiores que subsistem do muro ocidental (Muro das Lamentações)
formam apenas uma pequena parte do Templo. Somente para elevar
e aterrar a plataforma foram necessários oito anos e meio e um jogo
complicado de alavancas e de roldanas.
O complexo do Templo tinha a forma de um retângulo irregular
com um perímetro de 1.550m (470m de comprimento para o muro
leste, 485m para o muro oeste, 315m para o muro norte e 280m
para o muro sul). Compunha-se de duas partes: um recinto exterior
de pedra delicada e branca, sobre a qual estava edificada a
esplanada, e o santuário propriamente dito. Grandes escadarias a
leste e ao sul conduziam a essa esplanada, ela própria dividida em
diversos adros. Nove portas, cobertas de ouro, permitiam o acesso.3
O primeiro adro, o mais vasto, aqueles dos goym ou dos gentios
(quer dizer, dos não judeus), contido na sua colunata de mármore
branco, com altura de 11m e meio, acolhia milhares de judeus e de
pagãos. Ao sul, erguia-se em toda a sua magnificência o Pórtico
Real, a mais vasta das construções do perímetro: dois andares, uma
cobertura sobrelevada, sustentada por cento e sessenta e duas
colunas de mármore com capitéis coríntios colocados acima e
dispostos em quatro fileiras, de modo a formar três naves. A leste,
do lado do vale do Cedrom, estendia-se o longo pórtico de Salomão,
formado também por uma impressionante série de colunas.
O pátio dos gentios era limitado por uma balaustrada de 1,30m
de altura. Ao transpô-lo, penetrava-se no recinto do Templo. Seu
acesso era reservado somente aos judeus, como mostra uma placa,
atualmente no museu arqueológico de Istambul: “É proibido aos não
judeus e a qualquer estrangeiro penetrar no interior da balaustrada
e no recinto. Qualquer um que for surpreendido poderá sofrer a
pena de morte.” Os não judeus podiam, certamente, oferecer
sacrifícios ao Templo comprando animais, mas estes eram imolados
pelos sacerdotes na ausência dos interessados. Por alguns degraus
acedia-se ao terraço central e ao recinto interior, que eram abertos
por nove portas recobertas com placas de ouro e de prata. A Porta
Formosa era a mais suntuosa de todas, em bronze de Corinto.
Em seguida, penetrava-se no pátio das Mulheres, judias,
unicamente. Depois de tê-lo atravessado e subido uma escada de
quinze degraus semicirculares, chegava-se à porta de Nicanor, cujos
batentes eram formados por placas de ouro e de prata. Ela era tão
pesada que eram necessários vinte homens para abri-la. Ela dava
aos judeus o acesso ao adro de Israel para assistir aos sacrifícios que
tinham lugar num gigantesco altar de 7m e meio de altura, instalado
sobre o adro dos Sacerdotes. Ali, desde a aurora, logo depois que
ressoavam os triplos toques das sete trombetas de prata, a porta se
abria. Então começavam as oblações sangrentas que só terminavam
no fim da tarde. Começavam e terminavam pelo “sacrifício
perpétuo” de dois cordeiros oferecidos pelo povo. Abatidos,
despojados de suas peles — que se tornavam propriedade dos
sacerdotes —, os animais — inclusive as vísceras — eram
queimados. À noite, depois de novos toques das trombetas, os
auxiliares levitas limpavam o sangue, as cinzas e os restos das
carcaças.
Somente os sacerdotes penetravam no santuário propriamente
dito, uma alta construção quadrada de 50m de lado, em estilo grego.
Sob a parte saliente que coroa a construção, precisa Flávio Josefo, os
lintéis eram enfeitados com ornamentações multicolores e com um
“friso de videira dourada de onde pendiam os cachos, que
maravilhavam, pela proporção e pela arte, todos aqueles que viam
com que riqueza de materiais ele tinha sido feito”.4 O interior era
dividido em três recintos: um vestíbulo, uma segunda sala, o “santo”,
com seu altar de incensos, onde sempre eram consumidos perfumes;
à direita do altar erguia-se o candelabro com sete braços (menorá), e
à esquerda ficava a mesa dos pães de sacrifício — doze pães que
simbolizam as doze antigas tribos de Israel. Vinha, por fim, o “santo
dos santos” (debir), o espaço mais sagrado de todos, isolado por uma
pesada cortina. Não continha mais a arca da Aliança, mas
manifestava, pelo vazio, a escuridão e o silêncio, a misteriosa
residência do Eterno no meio de seu povo.[1] Foi dito que o grande
sacrificador só penetrava ali uma vez por ano, no dia do Grande
Perdão (Kipur), depois de ter se submetido a um ritual de
purificação. Supunha-se que ele devesse obter o perdão por todas as
faltas cometidas pelo povo à lei divina. A ornamentação interior e os
pórticos com séries de colunas só foram terminados em 63-64 da
nossa era, quase às vésperas do desencadeamento da guerra judaica.
Os mercadores do Templo
Jesus frequenta regularmente a Cidade Santa desde sua
adolescência. Conhecia a magnífica cidade de Herodes, “de longe a
mais famosa do Oriente”, segundo Plínio, o Velho, com seus
monumentos impressionantes em estilo grego, o anfiteatro, os
palácios de mármore, as luxuosas casas dos aristocratas, os pórticos
com colunatas, as fortificações. Como em todas as grandes festas,
imensas multidões convergem para a cidade em peregrinação. É
preciso imaginar o turbilhão de pessoas que invadem Jerusalém
nesses dias, da aurora ao crepúsculo (com exceção do sabá): a
chegada das caravanas poeirentas de dromedários ou de asnos
carregados com mercadorias pesadas, a caravana barulhenta das
manadas de bois, dos rebanhos de carneiros e de ovelhas para os
sacrifícios rituais, a efervescência colorida das ruelas e dos pátios
interiores, os gritos dos mercadores e dos carregadores de água, o
odor acre do gado e das imundícies, as fumaças dos braseiros, e, no
interior do Templo, o sangue que jorrava, o mau cheiro dos
abatedouros, as exalações das gorduras quentes e das carnes
carbonizadas, que, misturados ao incenso, desciam sobre a cidade
em espirais sombrias sufocantes. Algumas praças estreitas se
esforçam para desobstruir as ruelas entrelaçadas da cidade antiga,
aquelas dos Matadouros, dos Tecelões de Lã, dos Moinhos ou da
Peixaria. Somente Xyste, a bela praça principal, construída por
Herodes, o Grande, dá uma impressão de espaço, como nas cidades
gregas.
Os habitantes da Judeia, da Galileia, da Pereia, de Itureia, de
Bataneia ou de Golã fizeram o caminho para Jerusalém a pé. Suas
caravanas se misturam com aquelas das pessoas da diáspora, judeus,
prosélitos ou tementes a Deus: partos, medos, elamitas, habitantes
da Mesopotâmia, da Lídia, da Capadócia, do Ponto, da província da
Ásia, da Frígia, da Panfília, do Egito, da região da Líbia, perto de
Cirene, romanos, cretenses, árabes… Reconhecemos aí a
enumeração de Lucas nos Atos dos Apóstolos. A população é então
multiplicada por três ou quatro, passando de 35.000-40.000 para
mais de 150.000 habitantes. Vê-se uma cintilação de cores, ouve-se
uma cacofonia de línguas, em que pobres e ricos seguem em
procissão com fervor, caminham lado a lado, percorrem a passos
largos as ruelas estreitas que levam ao santuário.
Perto da plataforma do Templo ficam os mercados, aquele do
Alto e aquele de Baixo. Nesses dias de festividade, os peregrinos, ao
lado das bancas de lembranças e de objetos usuais — tecidos, jarros,
lâmpadas a óleo —, encontram também com que se abastecer: carne
de carneiro, frutas secas, figos, maçãs, alfarrobas, amêndoas e, é
claro, as indispensáveis ervas amargas — dente-de-leão, chicória,
endívia —, para lembrar a aflição do cativeiro no Egito.
Jesus conhece muito bem o Templo e seus diferentes adros. Mas o
que ele vê nesse início de abril do ano 30 o choca: no adro dos
Gentios, mercadores de animais e cambistas instalaram-se numa
desordem de um bazar oriental. Os animais não são apenas pombas
em gaiolas, mas bois, carneiros recolhidos num cercado com palha,
em meio aos seus excrementos, maculando, profanando esse espaço
sagrado, onde é proibido entrar com um bastão, uma bolsa ou um
farnel. Ali, onde tudo deve impregnar-se de prece e de recolhimento,
ouvem-se os balidos dos carneiros, os mugidos dos bois, as gritarias
atarefadas dos cambistas. Um campo de feira! Jesus deixa explodir
sua ira. Como esse Templo único, sobre o qual YaHWeH tinha dito a
Salomão: “Porque escolhi e santifiquei esta casa, para que nela
esteja o meu nome perpetuamente; nela, estarão fixos os meus olhos
e o meu coração todos os dias”, poderia se transformar em estábulo,
em aviário e em balcão de câmbio? Ele agarra alguns pedaços de
corda, faz delas um chicote e espanta as ovelhas, os bois, espalha as
moedas dos cambistas, derruba suas bancas. Aos vendedores de
pombas, ele se dirige menos brutalmente: “Tirai daqui estas coisas;
não façais da casa de meu Pai casa de negócio”.
Quantos comentários acompanharam esse famoso episódio dos
mercadores do Templo! É necessário esclarecer, em primeiro lugar,
que esse comércio não era comparável àquele de objetos religiosos
que vemos atualmente nas proximidades de alguns santuários, como
em Lurdes. Os animais eram destinados às queimadas,
indispensáveis ao judaísmo da época. Ora, nem sempre era fácil
trazê-los consigo, com risco de feri-los e de torná-los impuros para o
culto. Sua presença perto do Templo parecia legítima. Quanto aos
cambistas, sentados atrás das mesas, sua função consistia em trocar
moedas judaicas em uso no Templo contra as moedas gregas e
romanas. Todo israelita com idade de trinta anos ou mais devia
pagar entre o dia 15 de Adar e o 1o dia de Nisã (março-abril) um
meio-shekel,[2] a título de imposto do Templo. O pagamento era
feito imperativamente na antiga moeda de Tiro, que não era mais
moeda corrente desde a ocupação romana (o tetradracma de Tiro
equivalia em peso ao siclo, a moeda do santuário)[3]. Podemos
concluir que, também, os cambistas estavam em seu lugar. Esse meio
ambiente econômico mostrava-se indispensável à vida do Templo.
Que alcance atribuir ao gesto de Jesus? Tratava-se de um gesto
de rebelião nacionalista, que visava os romanos por trás dos
magnatas judeus, o prelúdio para a grande revolta popular, como
pretenderam os partidários de um “Jesus revolucionário”, tal como
Samuel George F. Brandon?5 Certamente não. Derrubar as mesas dos
cambistas e expulsar os mercadores do Templo perturbava, talvez, a
ordem pública, mas não ameaçava a potência ocupante.
Seria possível ver nesse ato, como algumas pessoas, o anúncio do
fim do culto divino nesse local, a condenação do culto sacrificatório?
No entanto, Jesus, um judeu religioso, considerou o lugar, durante
toda a sua vida, como um local legítimo de prece, mesmo se ele não
praticou sacrifícios ali. Jamais ele se juntou à crítica radical dos
essênios, que consideravam o santuário de Jerusalém como
maculado depois da expulsão e do exílio de seu venerado Mestre de
Justiça pelo “sacerdote ímpio”. Os primeiros cristãos ou judeu-
cristãos lembraram-se disso: “Diariamente, todos juntos
frequentavam o Templo”, notava Lucas nos Atos dos Apóstolos,
“mas partiam o pão [eucaristia] nas casas tomando alimento com
alegria e simplicidade de coração…”.6 Por outro lado, é verdade, as
pessoas se lembravam de que, no seu ensinamento, Jesus havia
anunciado repetidas vezes a destruição do Templo. O diácono
Estêvão invocou isso, afirmando que o culto antigo era obsoleto. A
reação de Jesus, nesse início de abril do ano 30, está
verdadeiramente ligada a esse anúncio?
Ela, de preferência, deve ser posta em relação com a
transferência para esse local do mercado dos animais de sacrifício e
das bancas dos cambistas que, anteriormente, instalavam-se no
monte das Oliveiras. Na origem dessa inovação encontra-se uma
operação financeira lucrativa e proveitosa para os sumos sacerdotes
e desfavorável ao Sinédrio,[4] quer dizer, às pessoas que ocupavam
posições importantes. Com efeito, no ano 30, o próprio ano em que
esse órgão foi despojado pelos romanos do seu direito de condenação
à morte, os grandes sumos sacerdotes Anás e Caifás decidiram
transferir, pelo menos em parte, o Hanuth (o “mercado da carne”)
do seu lugar primitivo ao adro dos Gentios. Tratava-se de se
apoderar dos lucros e das butiques. Isso não é de espantar. O
historiador Joachim Jeremias mostrou que o alto clero corrompido
do século I tirava dinheiro de tudo.7 Como todas as grandes famílias
pontificais da época — os Boethos, os Qatros, os Elsiha —, a casa de
Anás e de Caifás, que detinha o pontificado supremo, era
secretamente detestada por quase todos por causa do seu nepotismo,
seus comércios clandestinos, sua avidez e a brutalidade de seus
fanáticos, se acreditarmos no Talmude da Babilônia.8 Uma velha
queixa conservada na Tosefta o diz sem rodeios: “Eles são sumos
sacerdotes, seus filhos tesoureiros, seus genros vigias do Templo e
seus servidores batem no povo com golpes de bastões”.9
Jesus, com sua violenta indignação contra uma operação
mercantil, seu gesto simbólico de purificação, não se opunha, de
modo algum, ao culto do Templo, ele somente desejava que ele fosse
mais respeitoso com a fé de Israel. Ele criticava, certamente, a
autoridade dos sumos sacerdotes, que instigavam essa transferência.
Ao derrubar as mesas dos cambistas, e ao expulsar os animais
com um chicote, ele provoca uma grande confusão. Mas agiu com tal
rapidez, que o comandante do Templo, o sagan, não teve tempo de
enviar a guarda. Ele contraria os representantes dos sumos
sacerdotes e dos fariseus indignados, que o interpelam. Eles querem
saber em nome de qual autoridade esse miserável da Galileia
permitiu-se tal audácia. Qual é sua legitimidade? Jesus se
salvaguarda de reivindicar-se profeta, como outrora havia feito
Jeremias, que tinha anunciado o desaparecimento do Templo de
Salomão. Também não invoca sua ascendência davídica. Ele lhes
responde maneira enigmática: “Destruí este santuário, e em três dias
o reconstruirei”. João Evangelista provavelmente esteve presente
durante essa altercação. Ele relata a reação escarnecedora de seus
interlocutores que ergueram os ombros diante de propósitos tão
absurdos: “Replicaram os judeus: Em quarenta e seis anos foi
edificado este santuário, e tu, em três dias, o levantarás?”.10 Uma
maneira de dizer que ele era louco.
Notemos a precisão cronológica. A decisão de reconstruir o
Templo havia sido anunciada por Herodes, o Grande, no início do
décimo nono ano do seu reinado, ou seja, em 19-18, mas ele tinha
prometido não tocar no antigo Templo antes que tudo estivesse
pronto para o novo. Com tal intenção, tinha encomendado 1.000
carretos, empregado 10.000 trabalhadores e formado 1.000
sacrificadores que unicamente deveriam trabalhar no santuário, de
maneira que os primeiros trabalhos só começaram em 17-16 antes
da nossa era. A demora de quarenta e seis anos nos leva ao ano 30
da nossa era.11 A combinação do calendário judaico e do cálculo
astronômico permite determinar com exatidão a data da Páscoa
daquele ano: sábado, 8 de abril.
Ninguém, nem mesmo seus discípulos, podia compreender o
sentido profundo das palavras enigmáticas de Jesus, que faziam
alusão à sua Paixão e à sua Ressurreição. Foi somente depois desta
que as palavras se revelaram. “Ele porém se referia ao santuário de
seu corpo”, diz João. O Ressuscitado será o novo Templo,
substituindo o antigo. E João prossegue: “Quando, pois, Jesus
ressuscitou dentre os mortos, lembraram-se os seus discípulos de que
ele dissera isto; e creram na Escritura e na palavra de Jesus”.
Tudo isso parece justo. Supor que o evangelista, ao mesmo
tempo, imaginou as palavras de Jesus e a lembrança pós-pascal que
seus discípulos tiveram, seria prestar-lhe um espírito particularmente
astuto, visto que, para ele, é o Espírito Santo que traz à sua memória
os atos e as palavras de seu mestre.12 Observemos de passagem que,
se João tivesse escrito depois do ano 70, não teria deixado de evocar
a destruição efetiva do Templo, em apoio a um relato que
naturalmente o incitava a isso. Era a ocasião, naquele momento ou
nunca mais.[5]
O incidente foi rapidamente encerrado, e é provável que,
encorajados pelas autoridades judaicas, os mercadores voltaram a se
instalar no adro dos Gentios. Mas o escândalo de Jesus não será
esquecido. Três anos mais tarde, suas palavras serão falsificadas,
acusando-o de ter dito que ele destruiria o Templo!
O ministério na Judeia
Terminadas as festas de Páscoa, Jesus se afasta de Jerusalém, mas
não deixa a Judeia. Percorre as aldeias da região com um pequeno
grupo de discípulos, o núcleo primitivo — André, Pedro, Filipe e
Natanael —, expandindo com os recém-chegados. Os Atos dos
Apóstolos falam de dois: José, chamado Barsabás, que tinha por
sobrenome Justus, e Matias, que foi escolhido por sorteio para
substituir Judas. Permanecendo no Templo, João Evangelista não o
seguiu. “Depois disso, ele se contenta em escrever, Jesus foi para a
região da Judeia com os seus discípulos. Lá ficou com eles e
batizava.” É possível que Jesus tenha se orientado para a Judeia
setentrional, para Betel e seus arredores, não longe da fronteira com
a Samaria, a menos que tenha voltado para as margens do Jordão,
onde o batismo é mais fácil de ser praticado. Em todo caso, sua
pregação teve uma repercussão considerável.
Ignoramos a duração exata desse ministério na Judeia, mas ele
não deve ter ultrapassado algumas semanas. João Evangelista
assinala que Batista, por sua vez, havia retomado o seu próprio
ministério batismal, em Enom (em aramaico, “as fontes”), perto de
Salim, lá onde “as águas são abundantes”.16 Essa localidade ainda
não foi formalmente localizada pelos arqueólogos. Seria em Ayn
Farah, na Samaria, a cerca de doze quilômetros a nordeste de
Nablus, onde as cascatas são numerosas,17 ou em Tell Sarem, mais
ao norte, não longe de Citópolis? O Batista, em todo caso, deixou as
margens do Jordão.
O discípulo bem-amado é o único a assinalar a atividade batismal
de Jesus no início do seu ministério. Entretanto, no seu texto, figura
um curioso inciso: “(se bem que Jesus mesmo não batizava, e sim os
seus discípulos)”. Essa observação não é do autor do evangelho. No
entanto, ela está presente em todos os manuscritos conhecidos. A
expressão “se bem que” — inusitada, aliás — nos remete
provavelmente ao acordo concluído entre o evangelistas e as
primeiras testemunhas, de que fala o Cânon de Muratori: “…
Naquela noite, foi revelado a André, um dos apóstolos, que todos
deveriam revisar o que Jesus disse, mas que João, em seu próprio
nome, deveria escrever tudo…”. Considerando essa hipótese, a
retificação teria sido feita pelos apóstolos e discípulos que ficaram
como fiadores de seu escrito. Após ter sido um dos primeiros a seguir
Jesus, João, com efeito, permaneceu em Jerusalém para ocupar sua
posição no seio da aristocracia sacerdotal. Ele não o seguiu em suas
diferentes peregrinações e só se encontrará com ele por ocasião de
suas breves passagens pela Cidade Santa. Para falar das atividades
de Jesus como profeta itinerante, João apoia-se nos testemunhos dos
que eram próximos e que lhe pediram para escrever. André sem
dúvida, provavelmente Filipe. Depois de terem passado pelos
círculos batistas e de ter recebido, eles também, o batismo de João
— diferentemente dos discípulos posteriores —, esses apóstolos
muito possivelmente participaram dessa atividade batismal. Sem
desejar modificar o texto, eles, portanto, restabeleceram a verdade o
mais honestamente possível. Uma correção posterior, datando do
início do século II, não teria sentido, ninguém estaria mais em
condições de contradizer nesse ponto o discípulo bem-amado.
Podemos observar que o batismo praticado pelo grupo de Jesus é
ainda um batismo de espera. Essa primeira prática, na continuidade
do ministério de Jesus, será rapidamente esquecida pelos cristãos.[6]
É na morte e na ressurreição de Jesus que estes receberão o batismo
que salva, como havia anunciado o Precursor. Por ocasião da última
ceia, na véspera de sua morte, Jesus, segundo Lucas, declara:
“Porque João, na verdade, batizou com água, mas vós sereis
batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias”. São
Paulo evitará falar de João Batista. “Nos dias de sua carne”, Jesus
ensina e cura, mas não batiza: o Espírito Santo só se manifestará
sobre os discípulos depois de sua glorificação.
Tal episódio, em todo caso, nos faz compreender que Jesus não
transmitiu constantemente sua mensagem da mesma forma. Como
explicá-lo? Por uma evolução psicológica? São vãs as teorias
levantadas sobre esse assunto porque não conhecemos os seus
pensamentos íntimos. É preferível ver na forma pela qual Jesus
ensinava uma pesquisa experimental de uma pedagogia, que revela
gradualmente o sentido da sua missão e que comunica finalmente o
mistério da sua própria pessoa. Porque, contrariamente a João
Batista, que recusa colocar-se no centro de sua proclamação, Jesus o
faz desde o início. Ele não convida as pessoas para juntarem-se a ele
às margens do Jordão ou no deserto. Ele vai a elas em suas aldeias
ou mesmo em Jerusalém. Em lugar da severidade messiânica do
Precursor, anuncia a Boa Nova da salvação oferecida por Deus,
pratica exorcismos, milagres, passa um ensinamento novo com
autoridade.
E é isso que provoca discussões e tensões. Os judeus que seguem a
sua pregação interrogam-se sobre o valor respectivo dos dois
batismos. Seria um superior ao outro? Uma espécie de rivalidade
parece estabelecer-se naquele momento entre os dois grupos, mesmo
se seus mestres, talvez, tivessem repartido a tarefa e as zonas
geográficas. Para um, a Judeia, para outro, a Samaria.
Em nenhum momento Jesus renegará o batismo de João.
Quando, pouco tempo antes de sua Paixão, será interrogado pelas
pessoas importantes de Jerusalém sobre sua autoridade, ele lhes
responderá com uma questão embaraçosa: O batismo de João é de
origem humana ou divina? Prova de que ele mesmo o considerava
como de origem divina. Ele não rejeita a pregação de João, ele a
ultrapassa. Não haverá uma ruptura entre eles, mas uma evolução. A
mensagem de Jesus é uma mensagem de esperança, de amor, e não
uma mensagem de julgamento e de fogo divino se não houver
conversão. Mas ele não faz desaparecer o que João profetizou. A
efusão do Espírito virá fechar o ciclo batismal inaugurado no Jordão
pelo filho do sacerdote Zacarias.
Enquanto isso, muitos se colocam a pergunta: É preciso, depois
de ter recebido o batismo de João, receber o de Jesus? Qual é o valor
purificador de um em relação ao outro? Interpelados pelos
peregrinos, os discípulos de Batista, embaraçados e estupefatos, vão
até seu mestre e se abrem a ele: “Mestre, aquele que estava contigo
além do Jordão, do qual tens dado testemunho, está batizando, e
todos lhe saem ao encontro”.18 Quem é ele então?
João lhes responde com uma nova e forte atestação em favor de
Jesus. “O homem não pode receber coisa alguma se do céu não lhe
for dada. Vós mesmos sois testemunhas de que vos disse: eu não sou
o Cristo, mas fui enviado como seu precursor.” Ele se define como “o
amigo do esposo” e não como “o esposo” de Israel. O propósito pode
parecer paliativo. Demonstra, no entanto, um considerável
deslocamento conceitual: jamais no Primeiro Testamento o Messias
tinha sido considerado como o esposo de Israel. Tal privilégio
pertencia a YaHWeH, ao qual Jesus parece, dessa maneira, ser
incorporado. “Convém que ele cresça, diz o Batista, e que eu
diminua.”19 João se situa num processo de construção. Ele tem o
sentimento de que deve prosseguir o anúncio de sua mensagem e
que Jesus deve progressivamente firmar a sua, para que, por sua
vez, possa resplandecer. Mas um acontecimento irá mudar tudo.
João é detido
Na primavera do ano 30, João passou pela Galileia. Herodes
Antipas, sempre curioso sobre a doutrina desse profeta radical,
convoca-o para interrogá-lo. Mas, como Elias, que outrora tinha se
oposto à influência pagã de Jezebel, a velha rainha ímpia do norte,
Batista reprova-lhe sem delicadeza sua união adúltera com
Herodíades. A Lei interditava, com efeito, casar-se com sua cunhada,
a menos que seu irmão tivesse morrido sem descendência. O episódio
é relatado, talvez de maneira romanceada, por Flávio Josefo na
versão eslava de A Guerra dos Judeus.
“Ele [João] foi levado para junto de Antipas20 e os doutores da
Lei se reuniram, e perguntaram-lhe quem ele era e onde tinha estado
até aquele momento. E ele responde dizendo: ‘Eu sou o homem que o
Espírito de Deus me destinou a ser, alimentando-me de cana e de
raízes e de aparas de madeira’. Como os doutores da Lei ameaçaram
torturá-lo se João não cessasse com essas palavras e esses atos, ele
disse: ‘São vocês que devem cessar seus atos impuros e juntar-se ao
Senhor seu Deus.’ Então, levantando-se com fúria, um doutor da Lei,
Simão, essênio de origem, disse: ‘Lemos todos os dias a escritura
divina e tu, saído hoje da floresta como um animal, ousas nos
instruir e seduzir o povo com tuas palavras ímpias?’ E correu para
dilacerar seu corpo […]. João, depois de dizer o que disse, foi para o
outro lado do Jordão; e, sem que ninguém se atrevesse a impedi-lo,
ele continuou a agir como antes.”21
Compreendemos o terror de Herodes Antipas. Depois das furiosas
tiradas do temível asceta contra a sua vida privada, ele se sente
diretamente ameaçado pelo magnetismo que este exerce sobre as
multidões. Como qualquer autocrata, vive com medo, suspeita
daqueles que o rodeiam, receia uma revolta popular. Ver soldados de
seu próprio exército, coletores de impostos e membros de sua
própria administração precipitarem-se em direção ao Jordão, é algo
que não pode deixar de alarmá-lo. Flávio Josefo destaca isso, a
excitação dessas pessoas “alcançava o auge quando escutavam suas
palavras”. Elas pareciam “prontas para segui-lo em qualquer
direção”.22 Fazer João desaparecer antes que ele se torne nocivo
parece a Herodes uma medida preventiva indispensável. João, que
não se manteve em segurança, é logo capturado — caiu, talvez,
numa armadilha? — e enviado acorrentado para Maqueronte com
uma boa escolta.
6
O poço de Jacó
A detenção de João Batista proporcionou ideias aos fariseus da
Judeia. Por que não se desembaraçar de seu sucessor inquietante que
prega nas suas cidades e faz, ele também, numerosos adeptos? Jesus
se sente tão ameaçado que prefere ir para a Galileia, ainda que esse
território seja administrado pelo responsável pela prisão de João.
“De fato, vos afirmo que nenhum profeta é bem recebido na sua
própria terra.”1 Tendo pressa em afastar-se, decide cortar caminho
pela Samaria ao invés de tomar a rota habitual para o Jordão. Como
a Judeia, essa província depende diretamente de Roma, mas pelo
menos ela escapa aos doutores da Lei e aos fariseus que não ousam
aventurar-se por lá. Três dias são suficientes para atravessar a
Samaria. Os samaritanos raramente se mostram violentos, são
simplesmente desconfiados em relação aos estrangeiros. Algumas
aldeias podem se fechar à aproximação deles ou recusar-se a vender-
lhe víveres.
João Evangelista recolheu de seus informadores o famoso
episódio da samaritana e contou-o com a arte delicada que lhe
pertence. Jesus chega a Sicar, a atual Askar, que domina com suas
rochas amareladas e desnudadas o Ebal e o Garizim. Depois de sete
ou oito horas de caminhada, que começou na aurora para escapar
dos fortes calores, chega diante de um poço que séculos antes teria
sido dado por Jacó a seus habitantes. Uma lenda propõe que o
Venerado patriarca teria feito a água transbordar por cima do
parapeito do poço.2 Jesus está sozinho. Seus discípulos tinham
partido em busca de provisões. Exausto por causa da estrada
poeirenta, sentou-se.[1] É a sexta hora, dito de outra maneira, meio-
dia. O sol é escaldante. “Os campos estão brancos para a ceifa”,
observa o evangelista. Estamos em maio do ano 30[2].
Uma samaritana chega com um cântaro sobre a cabeça, para
pegar água. “Dê-me de beber”, lhe diz Jesus. Ela encara o viajante.
Pelo seu sotaque da Galileia, ela compreende que ele é judeu.
“Como, sendo tu judeu, pedes de beber a mim, que sou mulher
samaritana.”3 O homem, com efeito, acaba de transgredir uma dupla
interdição: ousou dirigir-se a uma mulher sozinha em um local
público, e emitiu o desejo de utilizar, para beber, o mesmo utensílio
que ela, uma pessoa da Samaria!
Jesus retoma: “Se conheceras o dom de Deus e quem é o que te
pede: dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva”. Ela
continua a mostrar sua surpresa: “Senhor, tu não tens com que a
tirar, e o poço é fundo; onde, pois, tens a água viva? És tu,
porventura, maior do que Jacó, o nosso pai, que nos deu o poço, do
qual ele mesmo bebeu, e, bem assim, seus filhos, e seu gado?”.4
“Senhor”, o título deve ser considerado, segundo o costume da
época, como um sinal de honra reservado a um interlocutor
importante, e não evidentemente como uma denominação
cristológica. Ao insistir sobre a profundidade do poço, a mulher faz
alusão ao lendário prodígio do poço que transbordava.
Jesus, de maneira enigmática, dá a entender que ele é maior que
o patriarca Jacó. “Quem beber desta água tornará a ter sede; aquele,
porém, que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo
contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a
vida eterna.”5 Ele fala da água vivificante da palavra à maneira de
Isaías (“Todos que tendes sede, vinde às águas cristalinas”)6 ou de
Ezequiel (“Então, aspergirei água pura sobre vós e ficareis
purificados”).7
Pouco versada nas Escrituras, a samaritana não compreende a
alusão. “Senhor, dá-me dessa água para que eu não mais tenha sede,
nem precise vir aqui buscá-la.” Jesus torna-se então mais direto. “Vai
chama seu marido e vem cá.” Como com Natanael, que ele “viu”
debaixo da figueira, novamente ele dá prova de clarividência. Ele
conhece a vida desordenada e repreensível dessa mulher. Seu
marido? Ela é justamente obrigada a confessar que não tem! “Bem
disseste, não tenho marido, retomou Jesus, porque cinco maridos já
tiveste, e esse que agora tens não é teu marido; isto disseste com
verdade”.8
Ela não se recobra. Como ele adivinhou tanto o seu passado
como a situação presente? “Senhor, ela exclama, Vejo que tu és
profeta.” Imediatamente, ela se abre a ele com uma questão que a
preocupa: “Nossos pais adoravam neste monte; vós, entretanto,
dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar”. Qual é,
pois, o lugar do verdadeiro culto?
Disse-lhe Jesus: Mulher, podes crer-me que a hora vem, quando nem neste
monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis;
nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas
vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai
em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus
adoradores. Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em
espírito e em verdade.9
O servidor real
Na manhã do terceiro dia, Jesus retomou a estrada. A Galileia agora
o acolhe com entusiasmo. Numerosos, diz João Evangelista, são os
habitantes que foram testemunhas de seus milagres. Antes de chegar
a Cafarnaum, onde Pedro e André o convidaram para ficar, Jesus
retorna a Caná, talvez para a casa dos jovens casados ou para a
casa de Natanael. É ali que se junta a ele um dignitário real vindo de
Cafarnaum. Trata-se de alguém com um alto cargo no exército de
Herodes Antipas. Escavações realizadas a leste desse povoado
revelaram a existência de um campo de mercenários pagãos,
provavelmente composto por frígios e gauleses. Suas casas, mais
confortáveis que as dos pescadores da aldeia, eram equipadas com
banhos à moda romana (com um caldarium — uma estufa —, um
tepidarium — termas com temperatura moderada — e um frigidarium
— câmara onde se tomavam banhos frios). Essa guarnição era
encarregada de proteger a fronteira entre a tetrarquia de Antipas e
a de seu irmão Filipe, bem como a grande estrada da via Maris, que
vai de Damasco a Akko (São João de Acre). O homem não era judeu,
mas um desses “tementes a Deus” bem-visto pela população local
porque financiara a construção da sinagoga,14 o que deixa supor que
ele era possuidor de uma bela fortuna.
O filho desse oficial — a menos que se trate de um de seus
servidores, o grego permite as duas acepções —, gravemente doente,
está à morte. Tendo recebido a informação de que Jesus acabara de
chegar à Galileia, o comandante vai com pressa à aldeia de Caná,
provavelmente a cavalo (meio de locomoção rápida muito raro na
Palestina, mas comumente usado pelos oficiais). Suplica com
insistência que Jesus desça a Cafarnaum e cure seu filho. Para Jesus,
não são os milagres que importam, mas a fé, que implica viver em
todas as circunstâncias na confiança divina. “Se, porventura, não
virdes sinais e prodígios, de modo nenhum crereis”, lhe disse ele. O
funcionário do rei disse: “Senhor, desce, antes que meu filho morra”.
Com pena da sua aflição, Jesus disse-lhe: “Vai, teu filho está vivo”. O
homem acreditou na palavra de Jesus e foi embora. Enquanto descia
para Cafarnaum, seus empregados foram ao seu encontro e
disseram: “Seu filho está vivo!”. O funcionário perguntou a que
horas o menino tinha melhorado. Eles responderam: a febre
desapareceu ontem pela uma hora da tarde. O pai percebeu que
havia sido exatamente naquela hora em que Jesus lhe havia dito:
“Seu filho está vivo”. João Evangelista nos relata que, a partir desse
momento, o oficial real acreditou e todos em sua casa acreditaram
também. Esse foi o segundo milagre realizado por Jesus na Galileia,
ambos em Caná.15
Mateus e Lucas relatam a mesma cura, mas com algumas
variações. O oficial real se torna um centurião. Portanto, ele
certamente não era um romano, porque não havia nessa época
nenhuma tropa de ocupação na Galileia. Podemos supor que o que
Mateus e Lucas relatam é a cura do centurião Cornélio por Pedro, no
início da pregação apostólica, que serviu de modelo aos dois
evangelistas e os incitou a considerar retrospectivamente esse
funcionário de Herodes Antipas como um oficial romano. A cena,
segundo eles, se passa em Cafarnaum e não em Caná.
Indiscutivelmente, a trama histórica foi modificada pela transmissão
oral.
Por que fala ele deste modo? Isto é blasfêmia! Quem pode perdoar pecados,
senão um, que é Deus?”. Mas Jesus, que adivinha o que os agita, os
interpela: Por que arrazoais sobre estas coisas em vosso coração? Qual é
mais fácil? Dizer ao paralítico: Estão perdoados os teus pecados, ou dizer:
Levanta-te, toma o teu leito e anda? Ora, para que saibais que o Filho do
Homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados — disse ao
paralítico: Eu te mando: Levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa.
Pregações na Galileia
Para escapar das pressões muito intensas da multidão, ocorre a Jesus
pregar no barco de Simão-Pedro, não muito longe da margem. Às
vezes, ele se retira para locais isolados para orar. Seus discípulos vão
procurá-lo e o acompanham rumo aos povoados vizinhos.30 Por toda
parte aonde Jesus vai se reproduzem as mesmas cenas de exorcismo
ou de cura. Entretanto, ele evita as grandes cidades, assim como
Séforis e Tiberíades, talvez por receio dos soldados de Herodes
Antipas que se apoderaram de Batista. O campo, onde não há
patrulhas militares, oferece uma segurança relativa. Nas sinagogas,
nutrido pelas Escrituras, ele lê, escuta, comenta a Torá e os profetas,
canta os salmos. A cronologia desse ministério na Galileia é muito
incerta. Mateus, Marcos e Lucas criaram, cada um, um quadro
temporal para nele poderem inserir sua narração e as pequenas
unidades temáticas transmitidas pela tradição oral ou escrita.
Assim nos é contada a cura de um leproso31 em algum lugar na
Galileia. Esse chegou perto de Jesus e pediu de joelhos: “Senhor, se
quiseres, podes purificar-me”. Jesus ficou emocionado, estendeu a
mão e disse: “Quero, fica limpo.” No mesmo instante, a lepra
desapareceu e o homem ficou purificado. Então, Jesus o mandou
logo embora, ameaçando-o: “Ordenou-lhe Jesus que a ninguém o
dissesse, mas vai, disse, mostra-te ao sacerdote e oferece, pela tua
purificação, o sacrifício que Moisés determinou, para servir de
testemunho ao povo.” Mas o homem foi embora e começou a clamar
muito e a espalhar a notícia.32 Sabemos que Jesus foi a Corazim, a
três quilômetros ao norte de Cafarnaum. O local é conhecido pelos
arqueólogos, mas ainda não foram encontrados vestígios da aldeia
da época, sob as ruínas das casas de estilo greco-romano dos séculos
III e IV. A sinagoga de basalto preto, da qual subsistem algumas
pedras, só foi construída por volta de 250 depois de Cristo.
Em Betsaida, para onde ele volta, Jesus cura um cego.
Curiosamente, dessa vez, ele realiza esse milagre em duas etapas.
Cospe saliva sobre os olhos do homem e repousa as mãos sobre eles.
O cego ainda só vê sombras. Os homens que ele percebe são como
árvores que andam. Jesus repousa as mãos novamente. Então, o
homem começa a perceber distintamente.33 “Que queres que eu te
faça?”, pergunta Jesus a Bartimeu, o cego que ele encontra na saída
de Jericó, quando ele sobe para Jerusalém, e que o interpelou como
“filho de Davi”. “Mestre,[5] que eu torne a ver!” Jesus lhe responde:
“Pode ir, tua fé te curou.” E ele vê de novo.34 Os textos reproduzem
as contradições e as deformações da transmissão oral. Para Lucas, o
cego sem nome se encontra na entrada de Jericó.35 Para Mateus, são
dois cegos, e não um só, que são curados assim, mas na saída de
Jericó.36 Pouco importa. O essencial para os evangelistas é fazer
compreender que é a fé que salva e que a prece de Jesus a seu Pai é
sempre atendida.
A aldeia de Magdala, situada a sete quilômetros ao sul de
Cafarnaum e a seis ao norte de Tiberíades, é, na época, um dos
portos mais ativos do lago.37 Ali eram construídos os barcos de
pesca. Também ali se salgavam e se conservavam os peixes, que
eram mandados em cestos para Damasco, para Jerusalém e até
mesmo para a Espanha. Os vestígios de uma doca de descarga e de
um quebra-mar foram encontrados no litoral.38 Mais interessante
ainda foi a descoberta em agosto de 2009, no campo de um centro
de acolhimento para peregrinos, dos restos de uma sinagoga do
século I da nossa era, destruída por volta do ano 70 por Vespasiano.
Em seu interior, se encontravam bancos de pedra, um piso de
mosaico e paredes de gesso decoradas com afrescos coloridos. Sobre
uma grande coluna, no centro da construção, figura a menorá (o
candelabro com sete braços). Jesus certamente frequentou esse local.
Apenas seis outras sinagogas da mesma época foram desenterradas.
É provável que Jesus tenha encontrado nessa aldeia a famosa
Maria de Magdala, Maria Madalena. Ele a exorciza e a liberta de
sete demônios. Grata, ela o seguirá até o calvário. Ela será, com
João, a principal testemunha da sua crucificação e de seu
sepultamento. Ela deu origem a uma infinidade de lendas e de
mitos. Os gnósticos (evangelhos apócrifos de Tomás e de Filipe)
fizeram dela uma figura esotérica identificada a Sofia, ou seja, uma
deusa mãe, alter ego do homem Cristo. Outros viram nela o símbolo
da pecadora prostituída perdoada por Jesus, o que nenhum texto
evangélico confirma.
Engastada na encosta norte do monte Dore, Nain ou Naim é uma
pequena povoação fortificada da planície de Jezreel, a cerca de doze
quilômetros apenas do sudeste de Nazaré. Em 1982, vestígios de um
recinto circular, que data dessa época, foram encontrados debaixo
da moderna cidade árabe de Nain, por uma equipe americana da
Universidade do Sul da Flórida. Jesus chega a esse lugar
acompanhado por um grande número de discípulos. Ele vê perto da
porta de entrada um cortejo fúnebre. As pessoas se preparam para
enterrar um jovem, filho único de uma viúva. A situação de uma
mulher sozinha numa sociedade patriarcal como a de Israel antiga é
particularmente frágil. Além da sua angústia afetiva — privada de
seu marido e agora de seu filho —, ela não tem mais nenhum
sustento financeiro. Toda a aldeia em luto está presente e se
lamenta. A cena é impressionante. Ao ver a mãe vestida de preto, no
auge da aflição, Jesus fica tomado de compaixão. “Não chores”, ele
pede a ela. Depois se aproximou, tocou no caixão e os que o
carregavam pararam. Então, Jesus disse: “Jovem, eu te mando:
levanta-te!”. O moço sentou-se e começou a falar. E Jesus o entregou
à sua mãe. Todos ficaram com muito medo e glorificaram a Deus
dizendo: “Grande profeta se levantou entre nós; e: Deus visitou o seu
povo.”39 Essa é a proclamação unânime.
Por toda parte, Jesus vê multidões fatigadas e prostradas, como
ovelhas que não têm mais pastor. Ele calcula o caminho a percorrer.
Então, Jesus disse a seus discípulos: “A seara é grande, mas os
trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que
mande trabalhadores para a sua seara”.40
Os pobres e os excluídos
As curas e a pregação não são as únicas atividades de Jesus. Sua
maneira de viver, de fazer as refeições com pessoas humildes, de
acolher o outro com uma generosidade ilimitada, ilustra alguma
coisa de novo, baseada na bondade universal e misericordiosa de
Deus. Jesus testemunha uma predileção pelos pobres, doentes,
pecadores, inclusive pelas prostitutas. Ele quer reintegrar a fé, em
Israel, nos excluídos do Templo ou da Comunidade (“Sinagoga”), nos
estropiados, nos mancos, nos cegos, nos marginais rejeitados e
desprezados pelos judeus religiosos. Sua atitude se assenta de
maneira oposta à dos grupos essênios ou às dos membros da
confraria dos fariseus, que compartimentaram em excesso a
sociedade.
Com esse propósito, ele não frequenta somente os
desclassificados. Frequenta em todos os meios sociais os
amaldiçoados pela Lei, inclusive os ricos: desse modo, ele torna seu
discípulo um coletor de impostos, um homem influente e muito rico.
A quatro quilômetros a leste de Cafarnaum, no local onde o rio
Jordão se lança no lago de Genesaré, encontra-se a fronteira entre o
território de Herodes Antipas e o de seu irmão Filipe. Localiza-se ali
um posto de pedágio que tem como missão taxar as mercadorias que
entram na tetrarquia. Sentado em seu escritório encontra-se Levi,
filho de Alfeu, dito Mateus.41 Ele não é um simples coletor, mas um
télônès, dito de outra forma, o responsável pelos pedágios, que
explora o seu escritório fiscal, talvez, como uma forma de renda,
segundo a prática da época. Provavelmente tem, ao seu redor,
numerosos auxiliares e empregados domésticos. No seu escritório,
dois impostos são cobrados: a taxa marítima e a taxa de fronteira
sobre mercadorias que circulam sobre a via Maris.
Antes de se juntar à sua comitiva, Mateus convida Jesus para um
grande festim. Sua casa não é uma casa de pescador, como a de
Simão-Pedro. Sua mesa é farta. Habitualmente, bebe-se vinho, o que
os judeus pobres não podem fazer. Jesus relaciona-se com os amigos
de seu anfitrião: coletores, banqueiros, cambistas e outros
publicanos. Os fariseus da aldeia se inquietam com a sua
convivência, que o torna impuro. Informado sobre sua reprovação,
Jesus responde: “Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes
[…]não vim chamar justos, e sim pecadores [ao arrependimento].”
O estilo de Jesus
Orador excepcional, que possui um conhecimento impecável dos
meandros do coração humano, Jesus fascina as multidões. Sabe
adaptar seus propósitos a seu auditório. Em Jerusalém, diante das
pessoas do Templo, dos escribas e dos doutores da Lei, ele maneja de
maneira espantosa as referências à Bíblia hebraica. A seu auditório
rural da Galileia, reserva uma linguagem mais simples, mais
tradicional, a do Oriente antigo, uma linguagem metafórica, plena
de sabor semítico, que busca seus exemplos em cenas da vida
cotidiana.
Podemos creditar a Jesus um grande senso de observação. Ele
evoca as semeaduras, as colheitas, as vindimas, os ramos de videira
que é preciso enxertar nas cepas, o pastor que vigia suas preciosas
ovelhas ou parte à procura daquela que se perdeu, as relações do pai
com seus filhos, do senhor com seus servidores, do anfitrião com seus
convidados. Ele conhece os reflexos meteorológicos dos seus
interlocutores: “Chegada a tarde, dizeis: Haverá bom tempo, porque
o céu está avermelhado; e, pela manhã: Hoje, haverá tempestade,
porque o céu está de um vermelho sombrio”.43 Ele sabe que ninguém
cose remendo de pano novo em uma roupa velha; porque o remendo
novo repuxa a roupa velha e o rasgo fica ainda maior.44 Ele não
ignora que uma árvore boa pode dar bons frutos, mas que uma má
escolhida produz sempre frutos detestáveis. Nada lhe escapa das
pessoas com as quais se relaciona. Ele denuncia o intendente
desonesto ou o rico insensato, evoca até os ladrões que saqueiam as
casas depois de ter previamente amarrado o proprietário vigoroso.45
É sensível à beleza, à poesia da natureza, obra do Criador, admira os
pássaros, os corvos que não semeiam nem segam, mas que Deus
alimenta.46 E as flores, como esquecê-las? “Considerai como crescem
os lírios do campo, diz ele a seus discípulos, eles não trabalham, nem
fiam. Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua
glória, se vestiu como qualquer deles.”47
Esse mestre da narrativa fala frequentemente por parábolas: no
Primeiro Testamento, um masal, em hebraico (mathla em aramaico,
parabolè em grego), designa uma alocução de sabedoria ou de
escatologia, apresentada sob a forma de alegoria, de fábula, de
analogia, de provérbio ou de sentença enigmática. Sua realidade
matizada parte de uma situação concreta para convidar, por meio de
sua dinâmica paradoxal e seu vigor paroxístico, a uma mudança
pessoal. Por vezes, são histórias elaboradas. Jesus é um contador que
maneja a arte de revestir as imagens. Responde aos pedidos de
esclarecimento de seus discípulos dando-lhes chaves para a
compreensão, mas ele se recusa a fazê-lo para auditórios insensíveis
que rejeitam a sua missão e a sua mensagem. “Ao ler as parábolas,
observava Joachim Jeremias, entramos em contato imediato com
Jesus.” Aqui, com efeito, alcançamos um material particularmente
sólido, porque esses pequenos relatos ficam impressos mais
facilmente na memória do que os conceitos abstratos.48
Nas comparações de Jesus, como não reencontraríamos
reminiscências de seu antigo ofício de construtor? Ele dá como
exemplo o sábio que construiu sua casa sobre a rocha e o insensato,
que é semelhante a um homem que construiu sua casa sobre a areia,
sem alicerce: a enxurrada bateu contra a casa, e ela de imediato
desabou e grande foi a sua queda. Ele fala como artesão que reflete
antes de agir.
Pois qual de vós, pretendendo construir uma torre, não se assenta primeiro
para calcular a despesa e verificar se tem os meios para a concluir? Para não
suceder que, tendo lançado os alicerces e não a podendo acabar, todos os
que a virem zombem dele, dizendo: Este homem começou a construir e não
pôde acabar.50
O ensinamento de Jesus
As Beatitudes
Com a intenção de apresentar o essencial da mensagem, Mateus
reuniu em cinco grandes exposições temas que provavelmente foram
enunciados em ocasiões diferentes. A composição literária mais
importante é o “Sermão da Montanha”, montanha que a tradição
identifica com uma colina a oeste de Cafarnaum.23 Jesus senta no
chão e proclama os meios para alcançar a felicidade eterna do reino
de Deus. A exposição começa com as Beatitudes:24
A moral de Jesus
Após ter enunciado as Beatitudes, Jesus começa a aprofundar os
preceitos da lei do Sinai. Em lugar de considerá-las como preceitos
exteriores ao homem, ele as interioriza. Trata-se de libertar o
Decálogo de sua interpretação redutora, a de uma simples moral
social que proíbe o assassinato, o roubo ou o adultério. O mestre de
Nazaré ensina uma moral — evidentemente —, mas uma moral
transcendental, baseada na relação dos homens com Deus.
“Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e: Quem matar
estará sujeito a julgamento. Eu, porém, vos digo que todo aquele que
[sem motivo] se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento.”
Jesus tem em mira a intenção que já encerra em si o mal. É no
ódio ao próximo, mais ainda na cólera, no rancor, na animosidade
que reside a raiz do assassinato. É essa raiz que deve ser erradicada.
Disso decorre a necessidade de uma reconciliação dos homens entre
si, anterior a qualquer prece;
Também ouvistes que foi dito aos antigos: Não jurarás falso, mas cumprirás
rigorosamente para com o Senhor os teus juramentos. Eu, porém, vos digo:
de modo algum jureis; nem pelo céu, por ser o trono de Deus; nem pela
terra, por ser estrado de seus pés; nem por Jerusalém, por ser cidade do
grande Rei;[4] nem jures pela tua cabeça, porque não podes tornar um
cabelo branco ou preto.
Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo:
não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-
lhe também a outra; e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica,
deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com
ele duas.[5] Dá a quem te pede e não voltes as costas ao que deseja que lhe
emprestes.
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu,
porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem;
para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu
sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque, se
amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os
publicanos também o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos,
que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo?
Eu estava olhando nas minhas visões da noite, e eis que vinha com as nuvens
do céu um como o Filho do Homem, e dirigiu-se ao Ancião de Dias, e o
fizeram chegar até ele. Foi-lhe dado domínio, e glória, e o reino, para que os
povos, nações e homens de todas as línguas o servissem; o seu domínio é
domínio eterno, que não passará, e o seu reino jamais será destruído.8
Ser discípulo
João havia batizado numerosos peregrinos antes de reenviá-los para
suas casas na espera iminente do Julgamento. Somente um pequeno
círculo havia se formado em torno dele, cujos membros
permaneciam livres para deixá-lo. Jesus procede de maneira
diferente. Provavelmente, no decorrer do seu ministério na Galileia,
ele atrai uma multidão de ouvintes em busca de um guia espiritual,
simples curiosos ou adeptos entusiastas. Mas, ao mesmo tempo em
que instrui um grande número de pessoas, ele procura constituir um
núcleo permanente de discípulos.
Observamos uma primeira singularidade: a iniciativa vem dele.
Seu chamado não se dirige a todos. Para o eleito, é uma imposição
forte, draconiana, particularmente penosa, cujo preço é terrível:
imediatamente ele deve voltar as costas à sua vida comum,
abandonar tudo, sua casa, mulher, pais, família, clã, relações, até
mesmo os seus meios de existência. É exigida uma disponibilidade
total, sem reserva.
Tendo atirado simbolicamente o seu manto sobre os ombros do
jovem Eliseu, para lhe mostrar que ele entrava a seu serviço, Elias o
havia autorizado a despedir-se de seus pais. Isto estava em
conformidade com a tradição de piedade filial do povo de Israel.
Com Jesus, nada disso existe. Dizer adeus à sua família significa
enternecer-se. “Ninguém que, tendo posto a mão no arado, olha
para trás é apto para o reino de Deus.”14 Eis que um candidato a
discípulo solicita a permissão para enterrar seu pai que acaba de
morrer; Jesus lhe responde: “Segue-me, e deixa aos mortos o sepultar
os seus próprios mortos”.15 Para um judeu praticante, que respeita o
quinto mandamento (“Honrarás teu pai e tua mãe”), uma resposta
como essa só pode escandalizar. Não, Jesus não é um rabi como os
outros!
Alguns não podem aceitar tal fidelidade incondicional, que passa
por um despojamento absoluto. Assim é o jovem rico de que fala
Mateus. O que devo fazer de bom para possuir a vida eterna?, ele
pergunta ao Nazareno. “Se queres, porém, entrar na vida, guarda os
mandamentos”, responde Jesus. Quais mandamentos? Aqueles da
Lei: não mate, não cometa adultério, não roube, não levante falso
testemunho, honre seu pai e sua mãe e ame o seu próximo como a si
mesmo. O jovem disse a Jesus: “Tudo isso tenho observado; que me
falta ainda? Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende os
teus bens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e
segue-me. Tendo, porém, o jovem ouvido esta palavra, retirou-se
triste, por ser dono de muitas propriedades”.16
Não é um caminho semeado com rosas que é proposto aos
discípulos. Jesus lhes anuncia que eles serão desprezados, que
encontrarão obstáculos por toda parte e hostilidades, enfrentarão
perigos, suportarão sofrimentos. “Se alguém quer vir após mim, a si
mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me”.17 “Tomar a
sua cruz” era uma expressão usada no mundo greco-romano para
evocar o ladrão ou o rebelde que carregava, ligada aos ombros, a
barra horizontal de sua cruz até o local de execução.
Jesus não teme fazer comparações que aterrorizam. De fato, há
homens castrados (eunucos), diz ele, porque nasceram assim, “e há
outros que a si mesmos se fizeram eunucos, por causa do reino dos
céus. Quem é apto para o admitir, admita”.18 Pôr-se a segui-lo
requer disciplina, uma ascese cotidiana. Portanto, a vida do
discípulo é difícil, mas a recompensa é prometida. Para Pedro, que
observa que ele e seus companheiros abandonaram tudo para segui-
lo, Jesus responde: “E todo aquele que tiver deixado casas, ou
irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe [ou mulher], ou filhos, ou campos,
por causa do meu nome, receberá muitas vezes mais e herdará a vida
eterna”.19
Escolas ou academias eram amplamente difundidas no mundo
romano, com os pitagóricos, os platônicos, os aristotélicos ou os
estoicos. Os alunos vinham para assistir a um ciclo de cursos,
obrigavam-se a memorizar os preceitos éticos ensinados e
partilhavam alguns meses da vida de seu mestre. A Israel antiga não
ignorava a figura do rabi e de seus discípulos. Filo tinha sua escola,
Hilel e Shamai as suas. O sistema rabínico do século II,
posteriormente à destruição do Templo, vai inspirar-se nesses
precedentes.
Os discípulos de Jesus não obedecem ao mesmo modelo.
Aparecem mais unidos que os alunos que escutam em círculo a boa
palavra de um mestre, em seguida se dispersam, ao cabo de um
certo tempo. Vindos de todos os meios sociais, vivendo entre eles, os
discípulos participam de uma verdadeira vida comunitária, com a
particularidade de permanecerem abertos aos pobres, aos marginais,
e de não se retirarem em seita separatista, à imagem de outras
fraternidades religiosas da época. O rigor do compromisso não os
impede de festejar, em companhia de Jesus, com os coletores de
impostos, de frequentar a mesa dos pescadores, de encontrar
personagens de reputação duvidosa, bêbados, trapaceiros,
prostitutas, em suma, os excluídos que parecem rejeitar os
mandamentos do Deus de Israel. A alegria, o sentido da festa
habitam os discípulos. Mas o grupo é estruturado somente em função
da sua missão. Jesus suprime com um gesto de mão as rivalidades e
as ambições. Aquele que se considera o maior torna-se o mais jovem
e aquele que governa transforma-se naquele que serve!
Outra característica do grupo é a relação bem particular que o
discípulo entretém com o mestre. Este exerce sobre ele uma
autoridade de tipo carismático.20 Jesus espera de seus discípulos uma
submissão que não é servil nem cega, mas uma dependência
espiritual, uma união íntima, consentida livremente. Tal é o sentido
da parábola da videira, símbolo da comunidade da Aliança. Ele é a
videira, os discípulos são os ramos. Somente os bons ramos,
inseparáveis e unidos ao tronco, dão bons frutos. “Quem permanece
em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada
podeis fazer”.21
Os evangelhos nos mostram também certo número de mulheres
que acompanham Jesus nos seus deslocamentos. Conhecemos
algumas: Maria Madalena (ou Maria de Magdala), uma antiga
possuída, Salomé, a mãe de Tiago e de João, Joana, mulher de Cusa,
alto funcionário de Herodes Antipas, Susana, de quem não se sabe
nada, “e várias outras mulheres”,22 acrescenta Lucas. Elas
preparavam as refeições, ocupavam-se com as tarefas de casa,
davam assistência financeira aos discípulos. Sem elas, a vida
material da comunidade não seria possível, de modo algum. Parece
verossímil que elas também fossem chamadas por um apelo
particular do Rabi, porque, sem uma iniciativa de sua parte, não se
explicaria seu comportamento. O fato de viver ao lado de um
pregador celibatário, em meio a discípulos masculinos, era um novo
desafio lançado à sociedade judaica e aos valores familiares da
época. Algumas dentre elas eram casadas, como Salomé e Joana.
Será que elas puderam aceitar o compromisso sem o consentimento
de seus esposos? Isso parece dificilmente concebível.
“As raposas têm seus covis, e as aves do céu, ninhos; mas o Filho
do Homem não tem onde reclinar a cabeça.”23 Ao ler essa frase,
seríamos tentados a pensar que Jesus e seus discípulos seriam
“carismáticos itinerantes”, segundo a expressão de Gerd Theissen,24
aqueles “sem domicílio fixo”, que vão de aldeia em aldeia, como os
filósofos cínicos. Essa interpretação parece exagerada quando
sabemos que as aldeias e os povoados da Galileia eram muito
próximos uns dos outros. Somente ao redor de Séforis, contavam-se
na época cerca de quarenta lugares habitados a menos de um dia de
caminhada.25 Devia ocorrer a mesma coisa na região de Cafarnaum,
onde Jesus era alojado por Simão-Pedro. Partindo de manhã, o
pequeno grupo podia facilmente retornar à noite. Isto não quer dizer
que não houve deslocamentos mais longos.
Alguns, em compensação, eram sedentários. Eles formavam um
grupo de simpatizantes, muito úteis, para assegurar aos discípulos
alimento, alojamento e auxílio financeiro. Entre eles, contava-se
Zaqueu, o coletor de impostos, Simão, o Piedoso, que vivia em
Betânia perto de Jerusalém, quase certamente as irmãs Marta e
Maria e seu irmão Lázaro, do mesmo povoado. Lucas contou a
respeito delas uma anedota: enquanto Maria estava sentada aos pés
de Jesus escutando a sua palavra, Marta, provavelmente a mais
velha, estava ocupada com muitos afazeres. Incomodada em ver sua
irmã não fazer nada, ela dirige-se a Jesus:
Senhor, não te importas de que minha irmã tenha deixado que eu fique a
servir sozinha? Ordena-lhe, pois, que venha ajudar-me. Respondeu-lhe o
Senhor: Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas.
Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois,
escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada.26
Os Doze
Uma mudança brusca ocorre quando Jesus, ao fim de alguns meses,
decide escolher doze discípulos para acompanhá-lo constantemente
em seu ministério de ensinamento e de cura. Esse número representa
simbolicamente as doze tribos de Israel. Se acreditarmos na Bíblia
hebraica, essas tribos tinham como origem os doze patriarcas, filhos
de Jacó. Davi, por volta do ano 1000, as unificara no seio de seu
reino. Mas as rupturas tinham reaparecido durante o reinado de seu
neto, Roboão, com a constituição de um reino ao norte, Israel, e de
um reino ao sul, Judá. O primeiro foi invadido no ano 721 antes da
nossa era pelos assírios. Sempre, segundo a versão da Bíblia, as dez
tribos do norte foram deportadas e nunca mais voltaram. Quanto ao
reino do sul, ele foi derrubado por Babilônia no ano 587 antes da
nossa era. Os descendentes da tribo de Judá, Benjamim e Levi, só
voltaram meio século mais tarde para reconstruir Jerusalém. Em
suma, na época de Jesus, se as doze tribos de origem não existiam
mais, elas desempenhavam um grande papel no imaginário
escatológico do povo judaico. No final dos tempos, seriam
novamente reunidas em vista da restauração da Terra Prometida.
Esse tema da reunificação dos filhos de Israel do Oriente e do
Ocidente por Deus ou por um rei descendente de Davi encontra-se
também nos livros de Miqueias, Jeremias e Ezequiel e em certos
textos pós-exílio, como os de Tobias, Baruch e Ben Sira.27 A mesma
esperança é partilhada pelos Salmos de Salomão (século I antes da
nossa era) e pelo Pergaminho da Guerra de Qumran.
Jesus tem uma convicção profunda de ter sido enviado por Deus
a Israel. Não é de espantar, por consequência, que a sua abordagem
pedagógica se modele na proclamação escatológica dessa Israel
coroada. A criação dos Doze é, nesse sentido, um ato profético que
deve ser posto em relação com o anúncio do reino. Os doze estão
destinados a moldar o coração do povo judeu que Jesus pretende
reagrupar em torno de sua pessoa. No grande dia do Julgamento,
ele lhes promete, quando o Filho do Homem se sentar no seu trono
de glória, “Vós, que me seguistes […] também vos assentareis em
doze tronos para julgar as doze tribos de Israel”.28 O Apocalipse de
João faz alusão a isso na sua visão celeste do final dos tempos (“A
muralha da cidade tinha doze fundamentos, e estavam sobre estes os
doze nomes dos doze apóstolos do Cordeiro).29
Mateus e Marcos anotaram a lista dos Doze: ao lado de Simão-
Pedro e de André, e Tiago e de João, filho de Zebedeu, ambos
denominados Boanerges (filho do trovão),30 Jesus chama Filipe,
Bartolomeu, Tomás, Levi, chamado Mateus, o chefe do escritório de
pedágio de Cafarnaum, Tiago, filho de Alfeu, Tadeu, Simão, o
Cananeu, e Judas Iscariotes. Lucas, que dispõe de outra fonte, dá
uma lista ligeiramente diferente: Simão não é chamado o Cananeu,
mas o Zelote (ou seja, o piedoso, o zeloso, o vigilante).[1] No lugar
de Tadeu figura certo Jude ou Judas, filho de Tiago (que não é o
Iscariotes).
Além de Simão-Pedro, dos dois filhos de Zebedeu e de Judas
Iscariotes, é difícil distinguir os outros. Acreditar que podemos
preencher esses vazios biográficos consultando os evangelhos
sinópticos ou as lendas posteriores seria um procedimento arriscado.
Nenhum indício, por exemplo, permite identificar Bartolomeu (Bar
Talai, o filho de Tolmi ou o filho de Tolomeo) ao sábio Natanael de
Caná, como o faz uma tradição tardia do século IX. Esse último,
então, não foi convidado para fazer parte dos Doze.
João Evangelista fala também de Tomé (ou Tomás) como um dos
Doze. Por três vezes, ele traduz o aramaico te’ôma’ por seu
equivalente grego didyme, o que significa “gêmeo”, sem nos relatar
mais nada. Os gnósticos vão considerá-lo como o gêmeo do próprio
Jesus ou identificá-lo com Jude. Pura fantasia, evidentemente.
Tiago, filho de Alfeu, será denominado o Menor, para distingui-lo
de Tiago, o Maior, filho de Zebedeu.[2] Provavelmente, ele era o
filho de Levi, dito Mateus, ele também filho de Alfeu.
Tadeu (algumas vezes chamado Lebeu) foi, provavelmente, um
discípulo efêmero. Ao se retirar do grupo por uma razão
desconhecida, foi substituído por Jude ou Judas, filho de Tiago.
Lucas cita esse Jude ou Judas no seu evangelho e nos Atos, sem
qualquer exatidão. João Evangelista o faz aparecer na última ceia.
Por erro, ele foi confundido com seu predecessor, sob o vocábulo de
“Judas Tadeu”.31
Voltemos a Judas Iscariotes. Esse nome ou sobrenome Iscariotes
(Iskariotes ou Shariotes, segundo o Codex Bezae ou Códice de Beza)
permanece misterioso. João o chama “Judas, filho de Simão
Iscariotes”, mas não sabemos se é preciso concluir que seu pai usava
igualmente esse nome ou se é preciso ler essa parte de frase com
uma vírgula: “Judas filho de Simão, o Iscariotes”, porque, nesse caso,
é unicamente Judas que seria designado com tal denominação.
Várias explicações dividem os exegetas.32 Alguns fizeram a
comparação com o termo sikarion, “punhal”, daí vem o nome de
sicário. Isso não é conveniente. Os sicários, esses terroristas judeus,
não existiam na época de Jesus. Outros, inspirando-se em raízes de
nomes encontrados em Palmira, sqr ou shqr, tendem para uma
indicação de ordem física: Judas, o corado. Pouco convincente. É
possível, finalmente, que Iscariotes seja a transcrição d’ish Keriyyôt
(o homem de Keriyyôt ou Queriote). Uma localidade com esse nome
existia no sul da Judeia. Nessa hipótese, ele seria o único da Judeia
no grupo dos Doze.
Os discípulos em missão
Para multiplicar sua ação, Jesus envia durante alguns dias ou
algumas semanas os Doze em missão aos povoados e cidades da
Galileia. É assim que eles se tornam “apóstolos” propriamente ditos,
isto é mensageiros.33 Partem de dois em dois — Filipe e Bartolomeu,
Tomé e Matias, Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu, etc., segundo os
binômios enunciados pelo primeiro evangelho —, com poder e
instrução de curar os doentes, de purificar os leprosos e de expulsar
os espíritos impuros em seu nome.34
Alguns grandes rabis faziam o mesmo com seus discípulos, mas
com um espírito diferente.35 Nesse caso, tratava-se de proclamar a
proximidade do Reino de Deus, reino que está em relação estreita
com a própria pessoa de Jesus. “Quem recebe aquele que eu enviar,
a mim me recebe; e quem me recebe recebe aquele que me
enviou.”36 Em conformidade com a missão na qual se sente
investido, Jesus afasta os países estrangeiros ou distanciados da fé
judaica. Não tomem o caminho das nações pagãs, Jesus
recomendava, não entrem nas cidades dos samaritanos! Procurem as
ovelhas perdidas da casa de Israel! Para tal missão, os discípulos
devem colocar-se sob a completa dependência de Deus e
experimentar o despojamento absoluto requerido pelas Beatitudes.
Renunciem ao equipamento habitual dos viajantes! Não levem nos
cintos nem moedas de ouro, de prata ou de cobre;[3] nem sacola
para o caminho, nem duas túnicas, nem calçados, nem bastão,
porque o operário tem direito a seu alimento.37 Isto é o que se
salienta no evangelho de Mateus. Marcos traz uma relativização
dessa exigência radical: um bastão e sandálias são autorizados. E
Jesus prossegue: Se alguma casa vos recusar hospitalidade, sai dela
sacudindo a poeira de vossos pés. Com tal gesto, altamente
simbólico, eles se dissociam dos que se expõem ao julgamento. Eles
receberam gratuitamente, que deem gratuitamente!
Ao retornar de sua breve jornada missionária, os apóstolos estão
entusiasmados: “Eis que vos dou poder para pisar serpentes e
escorpiões, e toda a força do inimigo, e nada vos fará dano algum.
Mas, não vos alegreis porque se vos sujeitem os espíritos; alegrai-vos
antes por estarem os vossos nomes escritos nos céus”.38
O grupo escatológico dos Doze desempenhou um papel muito
pouco conhecido durante a vida pública de Jesus. Ele não cumprirá
mais nenhum papel em seguida e acabará por se apagar na memória
coletiva. Paulo só faz uma breve alusão ao grupo na sua Primeira
Epístola aos Coríntios. Quando evoca as suas relações difíceis com
Pedro, Tiago, João, ou os outros apóstolos da Igreja de Jerusalém,
nunca os cita como um colegiado. O mesmo silêncio é encontrado no
restante da literatura epistolar do Novo Testamento, quer sejam as
Epístolas de Pedro, de João, de Tiago ou a Epístola aos Hebreus.
Desde a primeira geração da Igreja primitiva, o grupo desapareceu.
Isto é tão verdadeiro que, após a morte de Tiago, filho de Zebedeu,
martirizado por Herodes Agripa I no ano 44, ninguém pensou em
completar o grupo, como havia sido feito onze anos antes, após a
deserção de Judas Iscariotes.
9
O sinal de contradição
Porque o SENHOR será a tua luz perpétua, e os dias do teu luto findarão.
Todos os do teu povo serão justos, para sempre herdarão a terra; serão
renovos por mim plantados, obra das minhas mãos, para que eu seja
glorificado. O menor virá a ser mil, e o mínimo, uma nação forte; eu, o
SENHOR, a seu tempo farei isso prontamente. O Espírito do SENHOR Deus
está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu para pregar boas-novas aos
quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar
libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados; a apregoar o ano
aceitável do SENHOR e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos
os que choram e a pôr sobre os que em Sião estão de luto uma coroa em vez
de cinzas, óleo de alegria, em vez de pranto, veste de louvor, em vez de
espírito angustiado; a fim de que se chamem carvalhos de justiça, plantados
pelo SENHOR para a sua glória.5
Nada pode dar mais prazer aos nazarenos que essa passagem
profética. Os “justos” que possuirão o país, são eles! José, o pai de
Jesus, não é qualificado como “homem justo” pelo evangelho de
Mateus, um tsadiq (pessoa correta) fiel à Torá?6 Tiago, o “irmão do
Senhor”, não era denominado o Justo? O tempo virá em que eles, os
“brotos” obscuros e desprezados da “plantação” de Jessé, se tornarão
uma nação poderosa para a glória de YaHWeH! Somente eles
formam o “pequeno resquício” de Israel.
Jesus devolve o rolo ao hazan e senta-se. Todos mantêm os olhos
fixados nele. Falando dessa vez em aramaico, a língua corrente dos
aldeãos, ele diz: “Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais de
ouvir”.7 Sim, é ele, o Ungido do Senhor que recebeu o Espírito! Ele é
o resultado das escrituras!
Como um propósito como esse não reanimaria seus corações?
Eles ficam, diz Lucas, “e se maravilhavam das palavras de graça que
lhe saíam dos lábios”.8 Quem não se lembra da criança da região?
Ele é dos nossos, murmuram as pessoas nas filas da sinagoga. “Não é
este o carpinteiro, filho de Maria, e irmão de Tiago, e de José, e de
Judas e de Simão? e não estão aqui conosco suas irmãs?”. Eles estão
repletos de alegria. “Donde vêm a este estas coisas? Que sabedoria é
esta que lhe foi dada? E como se fazem tais maravilhas por suas
mãos?”.9 Todos esperam que Jesus faça na presença deles uma
exposição dos mesmos prodígios que apresentou em Cafarnaum, que
mostre seus poderes sobrenaturais a seus felizes compatriotas. Ah! Se
ele pudesse ser o Messias que deve surgir no meio deles! Após tantos
anos de direção obscura, o momento da restauração escatológica de
Israel, de que fala Isaías, teria chegado? Que glória para sua aldeia!
Que impacto para o clã sagrado que, desde a noite dos tempos,
entretém a chama da esperança davídica!
Mas o filho de José não os deixa muito tempo nessa ilusão. Ele
retoma a palavra:
Na verdade vos digo que muitas viúvas havia em Israel no tempo de Elias,
quando o céu se fechou por três anos e seis meses, reinando grande fome em
toda a terra; e a nenhuma delas foi Elias enviado, senão a uma viúva de
Sarepta de Sidom. Havia também muitos leprosos em Israel nos dias do
profeta Eliseu, e nenhum deles foi purificado, senão Naamã, o siro.10
Os saduceus
Jesus não se confronta somente com sua família. Em Jerusalém,
também os saduceus,11 membros ricos da aristocracia laica ou
sacerdotal, contestam o seu ensinamento. Esse grupo político, que
desapareceu completamente depois da destruição do Templo,
permanece pouco conhecido pelos historiadores, apesar das
pesquisas modernas.12 Politicamente, eram oportunistas,
preocupados em preservar os seus privilégios. Tinham aceitado o
domínio dos selêucidas da Síria, depois a dominação dos romanos e,
em contato com esses estrangeiros, tinham assimilado os costumes
helênicos. Conservadores, faziam questão de permanecer próximos
ao poder, qualquer que fosse. Mesmo durante a época da dinastia
dos hasmoneus, tinham procurado aproximar-se dos dirigentes. A
camada mais pobre da sociedade, que preferia os mestres fariseus, os
detestava [2].
No plano religioso, considerando que não deviam afastar-se da
observância rigorosa da Torá escrita, eles rejeitavam os comentários
de seus adversários fariseus sobre a lei oral, mesmo se não era certo,
como Orígenes e são Jerônimo disseram, que só aceitassem como
Escritura canônica o Pentateuco[3], excluindo os Salmos e os
profetas. Em compensação, admite-se que recusavam as visões
escatológicas e apocalípticas de profetas como Daniel, negando a
existência dos anjos e dos espíritos demoníacos. Para eles, não havia
castigo para os malvados além da sepultura, tampouco a
ressurreição corporal dos justos no final dos tempos. Esses obtinham
sua recompensa aqui embaixo.
No decorrer da estada de Jesus na Galileia, uma delegação de
fariseus e de saduceus veio ao seu encontro, como outra,
anteriormente, havia sido enviada a João Batista. Eles lhe pediram
para mostrar diante deles um sinal do Céu. Jesus, porém, lhe
responde que “Uma geração má e adúltera pede um sinal, e nenhum
sinal lhe será dado, senão o sinal do profeta Jonas. E, deixando-os,
retirou-se”. Ele também diz aos seus discípulos: “Adverti, e acautelai-
vos do fermento dos fariseus e saduceus”.13 O livro de Jonas, com o
nome de um pequeno profeta do reino do Norte que viveu no tempo
de Jeroboão II (783-743 antes de Cristo), é habitualmente datado do
século V antes da nossa era. É um conto popular, inspirado numa
fábula grega que põe em cena Héracles (o Hércules da mitologia
grega): ao desobedecer a ordem divina de ir pregar o
arrependimento aos habitantes de Nínive, capital do império assírio,
Jonas foge numa embarcação. Mas sobrevém uma tempestade. Para
apaziguá-la, a tripulação joga Jonas por cima da amurada da
embarcação. Ele é engolido por um monstro marinho, em cujas
entranhas passa três dias e três noites orando e cantando louvores
ao Senhor. O enorme peixe acaba por vomitá-lo. Ele chega a terra
firme e dessa vez parte para levar a Palavra de Deus à grande
cidade pagã. Jesus utiliza esse conto para evocar sua morte e sua
ressurreição “no terceiro dia”,14 sinal da força todo-poderosa de Deus
e de sua solicitude para com o enviado.
Os saduceus não deixam de voltar a importuná-lo. Ao saber que
Jesus anunciou, como os fariseus, a “ressurreição dos mortos”, eles
lhe colocam uma questão de casuística, mesclada com ironia,
unicamente para embaraçá-lo. É um verdadeiro caso de
ensinamento, como os judeus religiosos gostam de examinar
minuciosamente:
Mestre, Moisés disse: Se morrer alguém, não tendo filhos, casará o seu
irmão com a mulher dele, e suscitará descendência a seu irmão. Ora, houve
entre nós sete irmãos; e o primeiro, tendo casado, morreu e, não tendo
descendência, deixou sua mulher a seu irmão. Da mesma sorte o segundo, e
o terceiro, até ao sétimo; Por fim, depois de todos, morreu também a
mulher. Portanto, na ressurreição, de qual dos sete será a mulher, visto que
todos a possuíram?
O milagre de Betesda
“Depois disso, houve uma festa judaica…”, começa João Evangelista,
no início do seu capítulo V. Muito provavelmente, tratava-se de
Rosh Hashana, o novo ano judaico, que tem lugar entre os dias 1 e 2
de Tishri (início do outono do ano 31). Para essa ocasião, Jesus
retorna a Jerusalém depois de longos meses de ausência: Ele deixou
a cidade no final da Páscoa do ano 30 e não voltou para Jerusalém
na festa do ano seguinte.
João relata longamente, em seguida, a cura de um paralítico. Se
ele pode não ter sido uma testemunha direta do fato, o cuidado com
que narra o ambiente e os detalhes mostra que estava bem
informado e assistiu às controvérsias que se seguiram. O
acontecimento se passou na piscina de Betesda,1 ainda chamada
piscina Probática, local que era objeto de grande devoção popular,
suspeita ao olhar da fé judaica, mas famosa por suas curas
milagrosas.2 João relata que havia cinco pórticos. Situada a nordeste
do recinto do Templo, perto da Porta das Ovelhas, no lugar onde se
reuniam os rebanhos de ovelhas destinadas aos sacrifícios, ela data
do século III antes da nossa era e era alimentada pela água da
chuva. As escavações realizadas a partir de 1871 na propriedade dos
Padres Brancos (missionários da África), além do adro da igreja
Santa Ana de Jerusalém, permitiram identificar os restos desse
conjunto arquitetural no meio de uma sobreposição confusa de
grutas, de escadarias e de arcos: duas grandes piscinas com
profundidade de 13m, de forma trapezoidal, em parte cavadas na
rocha (elas eram chamadas de piscinas gêmeas), separadas por um
dique médio que sustenta uma bela colunata. O conjunto era cercado
por quatro outras colunatas; esse era o local descrito no século IV
por Cirilo, bispo de Jerusalém. As curas milagrosas ocorriam bem ao
lado, em pequenas piscinas alimentadas por dois canais e facilmente
acessíveis por alguns degraus. Seus vestígios foram encontrados
debaixo da igreja bizantina. No local havia um santuário pagão
dedicado a Asclépio (ou Esculápio), o deus da medicina grega,
representado envolto por serpentes, e que era igualmente
reverenciado em Epidauro, Pérgamo, Delfos, Corinto, Atenas e
Roma.3
“Porquanto um anjo descia em certo tempo ao tanque, e agitava
a água; e o primeiro que ali descia, depois do movimento da água,
sarava de qualquer enfermidade que tivesse.”4 A expressão “Anjo”
refletia, provavelmente, a preocupação dos israelitas em integrar na
sua religião uma prática estrangeira.5 Na verdade, as agitações
intermitentes ocorriam em razão das fontes que alimentavam o
fundo das piscinas.
Jesus penetra, então, nesse estranho santuário. Perto da água,
entre a multidão de infelizes que esperam o aparecimento do
fenômeno da agitação das águas, encontra-se uma pessoa estendida,
deitada no leito há trinta e oito anos. A exatidão não é dada ao
acaso: essa é a duração da travessia dos hebreus no deserto, mas
também a idade de Jesus! Este lhe pergunta se ele quer ficar
“curado” (em grego ugiès). A pergunta parece estranha, tanto a
resposta é evidente. A palavra ugiès é encontrada seis vezes no texto
e outra vez numa passagem que faz alusão ao mesmo episódio, mas
em nenhum outro lugar no quarto evangelho.6 Ora, esse termo
figura em lugar visível nas inscrições gregas nos santuários
dedicados a Asclépio.7 Tudo se passa como se Jesus, ao expressar-se
dessa maneira, sem tomar posição sobre as virtudes mágicas e
curativas da água que se agita, havia procurado colocar-se ao
alcance do enfermo e de suas crenças, da mesma maneira que ele
tinha curado o cego da Galileia com saliva.
O infeliz responde: “Senhor, não tenho ninguém que me ponha
no tanque, quando a água é agitada; pois, enquanto eu vou, desce
outro antes de mim”. Ele permanecia ali impotente. No entanto, não
formula nenhum pedido. Jesus lhe diz, então: “Levanta, toma o teu
leito e anda”.8 O homem se ergue sem dificuldade e, totalmente
espantado, pega sua cama e vai embora. O prodígio deixou
estupefatos os espectadores que estavam próximos. Esse episódio é
rico em ensinamento: não é absolutamente necessário passar pelas
águas que se agitam desse pretenso local mágico. Jesus é a fonte que
cura e que comunica aos homens a vida na sua soberana liberdade.
Ora, acontece que esse dia era um sabá. Em lugar de se informar
sobre a realidade ou as circunstâncias da cura, os fariseus encontram
o homem que milagrosamente foi curado, o abordam e, com
reprovações, observam: “Hoje é sábado, e não te é lícito carregar o
leito”. O outro responde: “O mesmo que me curou me disse: toma o
teu leito e anda!”.9 Esses legalistas rigorosos o interrogam então
sobre aquele que teve a audácia de lhe dar semelhante conselho no
dia da veneração de YaHWeH, quando é proibido transportar o
menor pacote. Mas o antigo enfermo ignora a identidade do seu
benfeitor, que nesse meio-tempo se esquivou.
Foi num dos pátios do Templo que o homem ficou curado, ele
pode finalmente, como todo judeu saudável, ter acesso à casa de
Deus, reencontrá-lo e aproximar-se dele. Jesus o exorta a não pecar
mais de medo que lhe aconteça algo pior. O pecado não é mais
grave que todas as enfermidades físicas? Com a sua saúde
restaurada, o homem deve dali em diante viver a exigência
espiritual de todos e afastar-se das superstições pagãs e idólatras.
Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele
que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte
para a vida. Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora e já chegou,
em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem
viverão.13 Eles sairão dos túmulos: “os que tiverem feito o bem, para a
ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição
do juízo”.14 Jesus põe tudo em desordem. Ele se apresenta como mestre da
“ressurreição dos mortos”.
Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são
elas que de mim testificam […]Não cuideis que eu vos hei de acusar para
com o Pai. Há um que vos acusa, Moisés, em quem vós esperais. Porque, se
vós crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de mim escreveu ele. Mas,
se não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?15
Onde compraremos pão, para estes comerem? Mas dizia isto para o
experimentar; porque ele bem sabia o que havia de fazer. Filipe respondeu-
lhe: Duzentos dinheiros de pão não lhes bastarão, para que cada um deles
tome um pouco. E um dos seus discípulos, André, irmão de Simão Pedro,
disse-lhe: Está aqui um rapaz que tem cinco pães de cevada e dois
peixinhos; mas que é isto para tantos?17
A noite tempestuosa
O entusiasmo da multidão está no auge. Por toda parte, se repete:
“Este é verdadeiramente o Profeta que deve vir ao mundo!”. É
preciso concluir: fracasso na Judeia, sucesso na Galileia? Não há
certeza. Porque se lá as pessoas não quiseram ouvi-lo, aqui elas se
enganam, como sempre, sobre o sentido da sua missão. Pelo sinal
dos pães, Jesus reproduziu o milagre do maná, proporcionado aos
hebreus durante sua travessia no deserto. Jesus é logo considerado o
novo Moisés, como o anuncia o Deuteronômio.24 Como Moisés
libertou seu povo da escravidão, o taumaturgo de Nazaré vai libertar
a nação judaica do domínio dos romanos e de seus reizinhos
vassalos! É preciso elevá-lo ao trono de Davi e coroá-lo! Alguns estão
prontos para retirar-se com ele para o deserto, como, trinta anos
antes, Judas, o Galileu, tentara fazer. Jesus considera esse
movimento popular como uma tentação satânica.25 A realização do
messianismo temporal, que parece reforçar aos olhos de seus
contemporâneos sua filiação davídica, é a mais temível das
armadilhas.
Sua situação torna-se perigosa. O palácio de Herodes Antipas em
Tiberíades fica, provavelmente, situado a menos de quinze
quilômetros do local onde as multidões estão reunidas. Os espiões do
tetrarca encontram-se por toda parte. Uma vez mais, Jesus é
obrigado a fugir para escapar de uma detenção. Aproveitando a
obscuridade nascente, ele se retira sozinho à montanha — talvez
para essa gruta natural situada na encosta, chamada gruta Heremus
(ou Magharet Ayub), como sugere a tradição26 —, enquanto os
discípulos descem em direção ao lago e se resguardam numa
embarcação. Provavelmente, os Doze receberam instrução do Mestre
para passar à outra margem, em Betsaida, colocada sob a autoridade
do complacente Filipe.27 Mas, assim que a embarcação deixou a
margem, ela é agitada pela ondulação do lago. Chegou a noite
carregada de nuvens. Logo o vento se transforma em tempestade.
Depois de ter remado de vinte e cinco a trinta estádios (entre 4,5 e
5,5 km), os discípulos veem Jesus avançando sobre as águas. Eles
ficam aterrorizados. Pensam que é um fantasma. Jesus grita: “Sou
eu, não tenham medo!”.28 Os outros estão esgotados por remar com
os ventos contrários, de modo que Jesus os alcança, segundo o relato
de Marcos. Eles se apressam em içá-lo a bordo quando a embarcação
encosta. A tempestade apaziguou-se. Os discípulos encontram-se no
auge do estupor. Eles acabam de assistir, os discípulos estão
persuadidos disso, a um novo prodígio, uma nova “epifania”, como
declara o historiador Gerd Theissen.29 O mar, os espaços aquáticos,
no pensamento judaico, são símbolos de malefício e de morte (“as
águas do gigantesco Abismo”, diz Isaías).30 Andar sobre o mar é
mostrar que ele foi vencido, que a natureza está dominada. Esse
homem de Deus comanda as ondas, os ventos e a tempestade.
Naquele momento, o corpo de Jesus parece ter escapado às leis da
gravidade. Seria preciso relacionar esse prodígio com os fenômenos
de levitação observados em vários santos ou grandes místicos?31
Mateus é o único que acrescenta uma sequência ao episódio. Vendo
Jesus caminhar sobre a água, Simão-Pedro lhe diz: “Senhor, se és tu,
manda-me ir ter contigo por cima das águas”. Jesus lhe responde:
“Vem”. Pedro desceu da barca e começou a caminhar sobre a água,
em direção a Jesus. Mas ficou com medo quando sentiu o vento, e,
começando a afundar, gritou: “Senhor, salva-me!”. Jesus estendeu a
mão, segurou Pedro e lhe disse: “Homem de pouca fé, por que
duvidaste?”32 Esse acréscimo é histórico? Simbólico?
O pão da vida
No dia seguinte, a multidão volta ao lugar onde deixou Jesus, para
constatar que o barco de Pedro, puxado para cima da areia,
desaparecera. Como era de se esperar, a notícia do milagre
espalhou-se. Uma pequena frota chega, por sua vez, à Tiberíades.
Uma parte das pessoas sobe a bordo e rema para Cafarnaum em
busca de Jesus. Acabam por encontrá-lo do “outro lado do mar”,
quer dizer, além da embocadura do Jordão, perto de Betsaida.
“Mestre, quando chegaste aqui?”, eles perguntaram, porque sabiam
que, na véspera, ele deixara os discípulos partirem sozinhos.33
Como era seu hábito, Jesus responde com um ensinamento: “Em
verdade, em verdade vos digo: vós me procurais, não porque vistes
sinais, mas porque comestes dos pães e vos fartastes. Trabalhai, não
pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna, a
qual o Filho do Homem vos dará; porque Deus, o Pai, o confirmou
com o seu selo”.34 Então eles perguntaram: “Que faremos para
realizar as obras de Deus?”. Jesus respondeu: “A obra de Deus é esta:
que creiais naquele que por ele foi enviado”. Eles perguntaram:
Que sinal fazes para que o vejamos e creiamos em ti? Quais são os teus
feitos? Nossos pais comeram o maná no deserto, como está escrito: Deu-lhes
a comer pão do céu. Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo:
não foi Moisés quem vos deu o pão do céu; o verdadeiro pão do céu é meu
Pai quem vos dá. Porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao
mundo. Então, lhe disseram: Senhor, dá-nos sempre desse pão.35
Jesus na Fenícia
Deixando a calorosa e radiante beleza das vizinhanças, Jesus se
dirige então para o território sírio de Tiro e de Sídon? O fato é que,
em algum momento, ele e seus discípulos vão para essas regiões. É a
primeira vez que chegam ao litoral mediterrâneo. Assentada sobre
um rochedo, Tiro, a branca, cercada por temíveis defesas, parece
emergir das ondas azuis. Fundada no terceiro milênio antes da nossa
era, é uma cidade fenícia altaneira e importante, ao mesmo tempo,
um porto, centro financeiro e de cruzamento de caravanas.
Construída a 600m do litoral, ela foi ligada no século IV antes de
Cristo por uma calçada pavimentada a sua irmã do continente, e
abriga dois portos bem protegidos. Resplandecente sobre todo o
Oriente Médio, enriquecida pelo comércio de madeira para
construções de edifícios e para as construções navais, domina
economicamente o interior da região libanesa. Coníferas do monte
Hermon, cedros do Líbano, carvalhos de Basã, vinhos de Helbon, lãs
de Saar, tecidos escarlates, turquesas, rubis e corais fazem a riqueza
de suas engenhosas negociações. Seus comerciantes são tão famosos
quanto seus marinheiros experientes. É o “mercado das nações”, já
dizia Isaías. Submetida sucessivamente aos assírios, babilônios,
persas, destruída por Nabucodonosor, depois por Alexandre, o
Grande, não cessou de renascer de suas cinzas e de criar agências
comerciais no Mediterrâneo (Cítio em Chipre, Karatepe na Turquia,
Cartago na Tunísia…). Ainda que no tempo de Jesus sua época
grandiosa houvesse passado, ela permanecia próspera.
Situada a 35 quilômetros ao norte, um pouco mais modesta,
menos povoada, “Sídon, a Grande”, uma capital muito antiga da
Fenícia meridional, é um porto ativo que vive na órbita de Tiro.
Depois da queda de Alexandre, a região caiu sob o controle de
Ptolomeu, depois dos selêucidas da Antioquia, antes de ser
incorporada pelos romanos à província da Síria. Portanto, trata-se
de uma região pagã, onde o dinheiro flui como água, onde domina o
espírito do lucro, bem longe das pedras cor de ocre, dos tetos feitos
com ramos e terra compacta das aldeias da planície de Jezreel ou de
Genesaré. Nessa região, nos lembramos da terrível rainha Jezebel,
filha do rei de Tiro e de Sídon, que tinha se casado com o rei da
província do Norte, Acabe (ou Acab), antes de introduzir em Israel
os seus deuses Baal e Achera. Há outro deus também em seu templo
em Tiro, Melkart (também chamado de Héracles ou Hércules), em
cuja honra são celebrados jogos de cinco em cinco anos. Isaías havia
predito a humilhação da orgulhosa cidade, Jeremias e Ezequiel, a
sua destruição por YaHWeH. Isso não tinha impedido os judeus da
tribo vizinha de Aser de instalar-se ali e de tomar parte na
impetuosa vida fenícia.
Novamente, Jesus muda de método. Ele cessa de ensinar às
multidões, afasta as controvérsias. Vem ao encontro das
comunidades da diáspora vizinha. Tanto em Tiro como em Sídon, ele
não é desconhecido. Os judeus dessas duas cidades e do litoral
vizinho tinham acorrido a Cafarnaum para ouvi-lo e fazerem-se
curar por ele. Mas dessa vez, ele age com discrição.
Mesmo chegando a países estrangeiros, ele não se sente
investido, por esse motivo, de uma missão universal. Certamente,
não há nenhuma hostilidade para com os não judeus, contrariamente
à maioria de seus compatriotas, quer eles sejam saduceus, fariseus e
a fortiori essênios. Ele está aberto às “nações”, cheio de amor e de
compaixão pelas pessoas que não praticam a religião de Moisés. Ele
não havia dito que era preciso amar seus inimigos? Mas, ao escolher
os Doze, demonstra que optou, como prioridade, pela restauração
simbólica de Israel.51
O episódio da Sírio-Fenícia relatado por Mateus e Marcos é
significativo. Jesus não quer se revelar. Entrou discretamente numa
casa onde fizeram a gentileza de acolhê-lo. Uma mulher que ouviu
falar dele quer encontrá-lo a qualquer custo. Trata-se de uma grega,
uma sírio-fenícia, portanto, uma pagã, uma idólatra. Ela lhe suplica
para expulsar o demônio que se apoderou do espírito da sua filha e a
faz sofrer. É sua angústia que lhe dá tanta audácia. “Senhor, filho de
Davi, tenha compaixão!” Jesus não responde. Seus discípulos se
aproximam e intervêm em favor dessa mulher convincente que não
cessa de importuná-los. Basta ele consentir com seu pedido e
poderão desembaraçar-se dela! Jesus responde: “Não fui enviado
senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.” Mas a mulher não
desiste. Ela se obstina, insiste, se prosterna diante dele: “Senhor,
socorre-me!” Jesus recusa. “Não é bom tomar o pão dos filhos e
lançá-lo aos cachorrinhos. Ela, contudo, replicou: Sim, Senhor,
porém os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos
seus donos.” Tomado de piedade, emocionado pela prece confiante
dessa mulher de Cananeia, Jesus exclama: “Ó mulher, grande é a tua
fé! Faça-se contigo como queres”. E daí em diante a filha dela ficou
curada.52
Esse relato às vezes choca os cristãos. Ele os lembra o que eles
esquecem quase sempre, que “a salvação vem dos judeus”, como
Jesus já havia dito para a samaritana. Ele lhe confirma que só veio
para as ovelhas perdidas de Israel. Essa é sua missão exclusiva. Ele
não proibiu seus discípulos de irem até os gentios? Não, ele não é um
filósofo doutrinário que rompe as barreiras das nações, as opressões
das culturas e enuncia urbi e orbi um discurso de alcance
universalista. Ele não é nem Platão nem Aristóteles. Ele já não era
mais ouvido pelos seus. Como poderia ser ouvido aqui? Ele se
recusa, na terra pagã, a renovar os sinais que mostrou na Judeia ou
na Galileia. Ele quer permanecer fiel à sua vocação.
O que surpreende, evidentemente, é a metáfora irônica dos
“cachorrinhos” para qualificar os pagãos. A palavra é dura, mesmo
que os comentadores sublinhem habitualmente que ela não tenha o
caráter desprezível de “cachorros” que os judeus aplicam aos pagãos.
O adjetivo “pequeno” atenua seu alcance. É uma palavra que quase
sempre evoca a benevolência, até mesmo a ternura; (kunarion, em
grego, quer dizer “cão recém-nascido, cachorrinho”; os cachorrinhos
também fazem parte do lar). Isto ainda é humilhante. A mulher de
Cananeia se apodera dessa palavra e responde no mesmo tom. Ela
admite humildemente que ela não tem seu lugar à mesa dos filhos da
promessa, mas se pergunta se as migalhas que caem da mesa tiram
alguma coisa dos filhos de Israel.
Jesus fica desarmado, vencido pela fé ardente, a súplica
carinhosa dessa mulher que, no entanto, não pertence à
descendência de Abraão, Isaac e Jacó. E é essa fé, como
anteriormente a fé do funcionário de Herodes Antipas, que
consegue, por assim dizer, a cura de sua filha. Ele volta atrás em sua
recusa. Os pagãos, por sua vez, terão direito à salvação. O momento
das nações virá. Essa é, em todo caso, a moral da história que os
primeiros cristãos, não judeus, conservarão.
Na Cesareia de Filipe
É possível que, depois de uma curta estada em Tiro e Sídon, Jesus e
os seus tenham ido para a região da tetrarquia de Filipe, o irmão de
Herodes Antipas. Foram eles até as nascentes do Jordão, perto do
monte Hermon, no território da tribo de Dã?53 Chegam aos
arredores da capital do príncipe descendente dos Herodes, a antiga
Panyas (cidade do deus Pã), rebatizada de Cesareia no ano 3 ou 2
antes da nossa era em homenagem a César Augusto.54 É uma cidade
altamente helenizada, na qual a comunidade judaica, majoritária,
vive em meio a cultos pagãos. Ao pé de uma falésia, onde um
templo de mármore foi edificado, fluem as fontes consagradas a Pã,
o deus grego dos pastores.
No decorrer de uma parada, Jesus interroga seus discípulos sobre
o que as pessoas pensam dele: “No dizer das pessoas, quem é o Filho
do Homem?”. Eles confessam que as respostas não são unânimes:
“Alguns dizem que é Batista, outros que é Elias, outros ainda que é
Jeremias ou algum dos profetas”. Ninguém acha que se trata de uma
individualidade excepcional destacada da história de Israel.55 Então,
Jesus perguntou-lhes:
Quem dizeis que eu sou? Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o
Filho do Deus vivo. Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão
Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que
está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra
edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.
Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado
nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus.56
O confronto
A Transfiguração
O que se passou alguns dias antes da Sucot no ano 32? Um
acontecimento misterioso, a Transfiguração, dito de outra forma, a
metamorfose breve e repentina do corpo de Jesus em um ser de luz.
Aos olhos dos teólogos, trata-se menos de um milagre e mais de uma
revelação divina, anunciando a glória celeste de Jesus, o Cristo. As
representações artísticas desse episódio foram numerosas,
particularmente na arte bizantina (basílica de Santo Apolinário em
Ravenna, no mosteiro de Santa Catarina). No Ocidente, conhecemos
as transfigurações de Giovanni Bellini, de Rafael, de Ticiano. O
compositor Olivier Messiaen consagrou um oratório a isso. Mas qual
é seu contexto histórico?
Como todos os anos no outono, a partir do dia 15 do mês de
Tishri,[1] celebra-se na Galileia e na Judeia, em meio às festas
populares e familiares, a Sucot, a Festa das Tendas, também
chamada Festa das Cabanas ou dos Tabernáculos. Do mesmo modo
que as grandes festas religiosas calcadas sobre o calendário agrícola,
ela era na origem a festa das colheitas e do dom divino da chuva,
depois dos seis meses habituais de seca; em seguida, era a
celebração, depois da saída do Egito, da vinda de Deus sob a tenda,
em meio a seu povo. Na época de Jesus, essa festa é uma das três
grandes celebrações religiosas, junto com a Páscoa, festa dos pães
ázimos e Pentecostes, a festa da colheita. Nessa ocasião, a lei
prescreve a todo adulto, judeu ou prosélito, de subir a Jerusalém e
de lá pemanecer, sob as tendas, durante sete dias, “para que saibam
as vossas gerações que eu fiz habitar os filhos de Israel em tendas,
quando os tirei da terra do Egito. Eu sou o SENHOR, vosso Deus”.1
YaHWeH está, portanto, no centro da solenidade da Sucot, “a mais
santa e a maior festa entre os hebreus”, segundo Flávio Josefo.2
Sobre os tetos das casas ou nos pátios são erguidas pequenas
cabanas de ramos: quatro estacas cercadas com tabiques feitos de
cana ou de caniços, de folhas de palmeiras ou de ramos de
salgueiros, com um teto que deixa, à noite, ver as estrelas e a lua. As
cabanas evocam ao mesmo tempo a vida rural na época das
vindimas, quando os vinhateiros se instalam no alto das torres para
vigiar os vinhedos, e as lembranças do Êxodo. Os homens devem
dormir nas cabanas e comer pelo menos uma refeição por dia em seu
interior. A vida precária nessas cabanas mal cobertas destaca a total
dependência dos judeus em relação a YaHWeH, único guia e
protetor.
Estamos então a alguns dias da festa, no período de penitência
que se inicia pela solenidade de Rosh Hashana, o ano novo judaico.
Apesar da “crise da Galileia”, os “irmãos de Jesus” — Tiago, José,
Simeão e Jude — não romperam com Jesus. Eles não acreditam
verdadeiramente em sua pessoa, mas, intrigados por seus poderes de
taumaturgo e seus sucessos junto das multidões, eles se puseram a
segui-lo e a juntaram-se a ele em Itureia. Aconselham Jesus a voltar
para Jerusalém para essa celebração. De que serve agir nos confins
do reino de Herodes, o Grande, nessas regiões paganizadas? Se ele é
o Messias, que o sangue de Davi fale nele, que ele se revele a todos!
Que suba para a Cidade Santa, e lá, na presença de seus discípulos e
das multidões, mostre os seus prodígios! Sua notoriedade estaria
assegurada, a deles também. “Se fazes estas coisas, manifesta-te ao
mundo!”,3 eles repetem. Seus argumentos não são desprovidos de
interesse.
Jesus considera tal apelo como uma nova tentação, a do poder
divino desviado para servir sua glória pessoal. Ele já tinha tido que
rejeitar essa tentação antes da última Páscoa, no momento em que
efetuou o sinal dos pães, quando a multidão delirante quis proclamá-
lo rei de Israel. Ele sabe que em Jerusalém só encontrará oposição e
hostilidade. As autoridades do Templo irão procurá-lo. Ameaças de
morte pesam sobre ele! “Não pode o mundo odiar-vos, mas a mim
me odeia, porque eu dou testemunho a seu respeito de que as suas
obras são más.”4 Seus discípulos podem ir sem ele! Eles são do
mundo. Ele não é. O mundo representa aqueles que recusam a
revelação divina e preferem as trevas. Jesus então permanece. Ele
espera alguma coisa? Um sinal de seu Pai?
Levando três de seus discípulos, Pedro e os dois filhos de
Zebedeu, Tiago e João, eles vão até o cume de uma “alta
montanha”, mas não o monte Tabor, o mais alto cume da Galileia,
apesar do que diz o evangelho apócrifo dos hebreus. Primeiro
porque essa imponente colina não ultrapassa 588 metros, depois
porque era povoada na época e uma fortaleza dominava seu cume e,
finalmente, porque, na época da Transfiguração, Jesus e seu grupo
se encontravam nas proximidades da Cesareia de Filipe. Tudo nos
leva a identificar, por consequência, essa montanha com o monte
Hermon, na extremidade sul da cadeia de montanhas do Antilíbano,
que culmina em 2.840 metros e domina a capital do tetrarca Filipe.
É o local lembrado por uma tradição muito antiga, bem como pelo
historiador Eusébio de Cesareia: uma “montanha santa” celebrada
na Bíblia, sempre coroada de neve, a ponto de levar o nome de
“velho xeique de barba branca”.
À imagem de Moisés subindo ao monte Sinai com Aarão, Nadabe
e Abiú, Jesus e seus companheiros sobem as encostas do monte
Hermon, introduzindo-se no meio das vinhas e das fontes de água
viva que correm entre as pedras. Chegando a um planalto, Jesus se
afasta para orar sozinho. É aí que seu aspecto repentinamente se
transforma. Seu rosto torna-se “outro” (Lucas), brilhante “como o
sol”; suas roupas são “brancas como a luz” (Mateus), de uma
“brancura resplandecente” (Lucas), “refulgentes, muito brancas,
como nenhum lavadeiro na terra as poderia alvejar” (Marcos).
Simão-Pedro, Tiago e João veem Jesus entreter-se com dois
personagens que acreditam ser Moisés e Elias, “que apareceram na
glória”, e que lhe falam do seu “êxodo” (quer dizer, da sua morte)
que acontecerá em Jerusalém. Moisés e Elias eram cada um, à sua
maneira, os precursores do Cristo. Sua morte estava envolta em
mistério. Um tinha-se apagado depois de ter descoberto a Terra
Prometida do alto do monte Nebo, o outro fora levado ao céu sobre
uma carruagem de fogo.
Simão-Pedro e seus companheiros caem de sono. Então, Pedro
toma a palavra e diz para Jesus: “Façamos três tendas: uma será
tua, outra, para Moisés, e outra, para Elias”.5 Persuadidos de que
vão permanecer ali alguns dias, antecipam a Sucot e fazem as
cabanas. Eles estão exaustos, inquietos e felizes ao mesmo tempo. De
fato, precisa Marcos, eles não sabem o que dizer. Simão-Pedro
parece perceber essa manifestação gloriosa como um sinal da vinda
dos tempos messiânicos, dos quais uma das características era “a
habitação dos justos em cabanas que representavam as choupanas
da Festa dos Tabernáculos”.6
Uma nuvem aparece e os cobre completamente, como ela tinha
recoberto Moisés. Uma voz se faz ouvir das nuvens: “Este é o meu
Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi”.7 Os três discípulos
ficaram muito assustados e caíram com o rosto contra a terra. A
nuvem sagrada, a shekiná, não é quem assinala a presença divina?8
As palavras que vieram do céu não querem dizer que Jesus é
superior a Moisés e a Elias?
Em Jerusalém, nesse mesmo dia, 10 de Tishri, é a festa de Yom
Kipur, o dia das Expiações, um sábado sagrado no qual se celebra a
liturgia do perdão aos pecados.9 O sumo sacerdote, despojado das
suas vestes pomposas e coloridas, feitas de ouro, de púrpura violeta,
de púrpura vermelha, de carmesim e de linho franjado em espiral,
usa uma túnica de linho resplandecente e um turbante do mesmo
tecido, sinais de sua “santidade eterna”, e pronuncia pela única vez
durante o ano o nome de YaHWeH, em nome de todos os judeus. No
altar dos holocaustos, ele degola um bezerro por seus próprios
pecados e os de sua casa, depois um bode pelos pecados do povo, e
asperge a assembleia e o altar com o sangue das vítimas.
Finalmente, um animal designado pela sorte, o “bode emissário”,
leva para o deserto, lugar de estada dos demônios, “por causa das
impurezas dos filhos de Israel, e das suas transgressões, e de todos os
seus pecados”.10 Essa cerimônia ocorre seis dias antes da Festa das
Tendas.
Mais tarde, a Epístola aos Hebreus dirá: É com uma tenda maior
e mais perfeita e com o sangue “não por meio de sangue de bodes e
de bezerros, mas pelo seu próprio sangue”, que Cristo, “sumo
sacerdote dos bens já realizados”, entrou de uma vez por todas no
santuário e obteve “a libertação definitiva”, pondo fim aos
holocaustos, às oblações e aos sacrifícios. A Transfiguração aparece,
assim, como a prefiguração não somente do destino trágico do
Servidor sofredor, mas de sua morte expiatória. Ele se oferece a Deus
“sem mácula”, purificando a consciência dos homens de suas “obras
mortas”.11 Jesus aproxima-se dos três discípulos e lhes diz:
“Levantai-vos e não tenhais medo”. Eles se ergueram e veem apenas
Jesus. Em seguida, todos os quatro descem da montanha em silêncio.
Jesus lhes recomenda não falar com ninguém sobre o que viram, até
que o Filho do Homem “ressuscitasse dos mortos”.12
Para ater-se estritamente ao nível histórico, essa visão de estilo
apocalíptico escapa à experiência humana comum. Seria preciso
relacioná-la com fenômenos de bioluminiscência observados em
alguns místicos? Cita-se o caso de santa Teresa d’Ávila, de são
Benedito-João Labre, de são Miguel Garicoitz, de são Serafim de
Sarov. Testemunhas viram seus corpos emanarem uma energia
luminosa em períodos de êxtase. Mas isso não significaria desprezar
a singularidade de Jesus? Com certeza é fácil desmistificar o
acontecimento: três discípulos subiram uma montanha em sua
companhia. Eles o viram conversar com dois pastores, antes da
chegada de uma nuvem espessa, depois tornaram a descer a
montanha. O restante é apenas fruto de sua imaginação…
No entanto, não se pode negar que o episódio tem uma dupla
consequência histórica. A longo prazo, os apóstolos se apoiarão
nesse testemunho visual e auditivo contra os céticos. Assim, Pedro,
em sua última epístola, escreve: “E esta voz, nós a ouvimos
chegando do céu, quando estávamos na santa montanha”.13 A curto
prazo, os teólogos hesitam não em relação ao que transparece,
segundo eles, desse mistério — a exaltação da transcendência do
Cristo, a supressão momentânea de sua natureza humana diante de
sua natureza divina (“luz nascida da luz”, diz o Credo) —, mas no
que concerne à sua significação exata na vida de Jesus. Seria um
sinal dado aos três principais apóstolos para prepará-los para a
Paixão, ou uma revelação feita a Jesus para que ele aceitasse
livremente o seu destino? Permanece o fato de que ele muda de ideia
após ter resolvido não ir para Jerusalém para celebrar a Sucot e
declarado: “Meu tempo ainda não se cumpriu”.
Sucot em Jerusalém
Em Jerusalém, oito dias mais tarde, a festa está no auge. Estamos
em outubro do ano 32. Não somente a cidade, mas também as
colinas ao redor estão revestidas por construções cobertas com
folhagens decoradas com fitas coloridas, com flores ou com ramos
novos de videira. Quando se desce o monte das Oliveiras, o
espetáculo é impressionante. Os peregrinos, que vieram com mulher
e filhos, estão muito alegres. Eles compraram folhas de palmeira
cortadas no oásis de Jericó e de Ein Gedi (não havia palmeiras em
Jerusalém). Depois de tê-las enfeitado com fitas e ligado com hastes
de murta e de salgueiro do rio, eles erguem-na com uma mão,
segurando uma cidra com a outra — dessa maneira, formam as
“quatro espécies” (folha de palmeira, murta, salgueiro e cidra. É
costume sacudi-las numa alusão ao fato de que Deus está em toda
parte) —, dançam e agitam o seu aroma em direção aos quatro
pontos cardeais, em honra ao Todo-Poderoso. No último dia, o
convidado simbólico é o rei Davi, que é venerado como a figura do
Rei-Messias com o canto de grande louvor de Israel: Oshiana (que,
nos primeiros tempos, era uma súplica: “Senhor, salva-nos!”). O
templo desempenha um papel essencial no ritual. Durante os oito
dias da Sucot, os sacerdotes realizam a procissão ao redor do altar de
sacrifícios, enfeitado com ramos de salgueiro, acrescentando uma
volta suplementar a cada dia.
Pelo período que se estende da Sucot do ano 32 até a Paixão do
Cristo em abril do ano 33, o evangelho de João é capital. É a obra
de uma testemunha que assistiu às discussões e controvérsias entre
Jesus e os judeus importantes e que relata alguns fragmentos o mais
fielmente possível. As rupturas e discordâncias atestam que João não
procurou reconstruir em um texto uniforme as notas provavelmente
tomadas muito próximas do acontecimento. Os diálogos, ao mesmo
tempo, vivos e confusos, deixam adivinhar cenas tumultuosas.
As autoridades religiosas procuram Jesus para capturá-lo. Onde
ele está? Que tipo de homem é? A própria multidão está dividida.
Para alguns, é um anjo, para outros, um falso profeta. Mas cada um
fala a meia-voz com medo de ser interrogado ou de ter que prestar
contas.14
Quatro dias depois do início da festa, quando as multidões muito
alegres se comprimiam, Jesus aparece bruscamente. Ele sobe ao
Templo e lá discursa de modo que todos possam vê-lo e ouvi-lo. Não
fala mais sentado como um rabi, mas em pé. A autoridade com a
qual ele exorta e instrui o povo indigna a maior parte de seus
ouvintes, fariseus que lhe reprovam o fato de não ter nenhuma
formação, nenhuma competência, e de dirigir-se aos judeus em seu
local mais sagrado.15 O tom sobe. Jesus se defende de estar falando
em seu próprio nome ou de buscar uma glória pessoal. Não há nele
nenhuma mentira, nenhuma iniquidade. Ele interroga seus
interlocutores. Moisés não lhes doou a Lei? Ora, essa Lei, que vem de
Deus, eles não a colocam em prática! “Por que procurais matar-me?”
Jesus pergunta bruscamente. “Tens um demônio”, eles respondem,
“quem é que procura matar-te?” Jesus retoma: “Eu fiz uma única
obra e vos se espantais”. Ele faz alusão à cura do paralítico de
Betesda alguns meses antes. Se, para conformar-se com a lei de
Moisés, vocês aceitam praticar a circuncisão no dia de sábado, com
maior razão a saúde devolvida a um homem inteiro é legítima. “Não
julgueis segundo a aparência, e sim pela reta justiça.”16
Ao constatar que Jesus ensina com total liberdade, alguns ficam
perturbados e se questionam se as autoridades do Templo não
mudaram de ideia e reconheceram nele o Messias. Muitas pessoas
começam a segui-lo. O evangelista recolheu na multidão a opinião
de alguns desses convertidos: “Quando vier o Cristo, fará,
porventura, maiores sinais do que este homem tem feito?”.17 Mas
outros colocam objeções. Ele e suas origens são conhecidas. Quando
o Ungido do Senhor vier, ninguém saberá de onde ele vem! Jesus
lhes responde: “Vós não somente me conheceis, mas também sabeis
donde eu sou; e não vim porque eu, de mim mesmo, o quisesse, mas
aquele que me enviou é verdadeiro, aquele a quem vós não
conheceis”.18
Os fariseus religiosos estão escandalizados. Rapidamente, vão
denunciar o impostor à polícia do Templo. É dessa maneira que
vemos esboçar-se a coalizão entre os fariseus e os saduceus, que
conduzirá, alguns meses mais tarde, à condenação de Jesus. Os
primeiros reprovam a Jesus a pretensão de ser o enviado do Todo-
Poderoso. Estão inquietos com sua notoriedade crescente no seio das
multidões, temendo que isso seja feito em detrimento deles. Os
segundos se recordam de sua provocação de dois anos antes, quando
ele expulsou os mercadores do recinto do Templo. Eles consideram
que esse perturbador perigoso é uma ameaça para a ordem pública.
Mas como detê-lo no meio do turbilhão alegre da grande multidão de
peregrinos?
O autor do quarto evangelho observa ainda os propósitos que
Jesus lhes revela: “Ainda por um pouco de tempo estou convosco e
depois irei para junto daquele que me enviou. Haveis de procurar-
me e não me achareis; também aonde eu estou, vós não podeis ir”.19
O que ele quer dizer? Isso parece obscuro. Ele retoma de fato as
questões que ouve: “Para onde irá este que não o possamos achar?”.
Será que ele vai encontrar aqueles que estão espalhados entre os
gregos, quer dizer, os “tementes a Deus” da diáspora?20
A água e a luz
No último dia da festa, Jesus reaparece no Templo. Fica em pé —
postura de profeta — e exclama: “Se alguém tem sede, venha a mim
e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior
fluirão rios de água viva”.21 O evangelista percebe nessa fala o
anúncio do Espírito Santo. Jesus pronuncia essa frase num contexto
bem particular: no último dia da Sucot, uma procissão vai buscar
água na piscina de Siloé, o lugar de “tirar água” ou da “salvação”,
como diziam então, ao pé da antiga colina do Sião. Dois sacerdotes,
com seu shofar (instrumento de sopro) de chifre de carneiro na mão
— esses mesmos instrumentos que, segundo a tradição, tinham
servido para pôr abaixo as muralhas de Jericó —, conduzem o
cortejo para a porta de Nicanor. No retorno, um deles sobe a rampa
do altar de sacrifícios. Erguendo aos olhos do povo e dos levitas uma
garrafa de ouro cheia de água e outra de vinho, ele as verte sobre o
altar. Nada menos que setenta e sete touros vão ser imolados, em
nome das setenta e sete nações da terra. Esse não é apenas um ritual
destinado a obter chuva para as semanas vindouras; ele tem uma
dimensão espiritual, ligada à palavra de Deus. A água, como
dissemos, sempre foi um símbolo poderoso disso.22 Ezequiel havia
anunciado que a água correria do Templo de Jerusalém como uma
torrente vivificante, fertilizando a terra de Israel.23 A tradição
judaica esperava, então, por ocasião do Dia do Messias, o
surgimento de fontes de água viva que fecundariam o deserto. E o
próprio Jesus tinha prometido para a samaritana que ele daria água
para saciar qualquer sede, fonte de vida eterna. Pronunciada em
pleno Templo, onde as multidões tinham afluído para a cerimônia
da libação, sua frase assume uma dimensão messiânica.
Seus ouvintes ficam perplexos. O Ungido do Senhor não deve,
segundo a profecia de Natã, ser originário da raça de Davi e ser de
Belém, a aldeia natal do grande rei? Citando expressamente Belém,
da qual falou o profeta Miqueias, o evangelista João certamente dá
uma piscadela para aqueles que sabem que Jesus, de fato, tinha
nascido nesse povoado da Judeia… Esse é um traço irônico de João:
aquele que está na ação ignora o que o leitor conhece.
As discussões são calorosas, mas ninguém, afinal, ousa deter
Jesus. Até mesmo os soldados da guarda do Templo estão
subjugados. Quando eles se apresentam diante dos sumos sacerdotes
e dos chefes fariseus, ouvem severas recriminações: “Por que não o
trouxestes?”. Por que desobedeceram as ordens? Os guardas
responderam: “Jamais alguém falou como este homem”.24 Os
fariseus estão furiosos.
Curioso, Jesus observou tudo, mesmo a opinião discordante do
rico e poderoso Nicodemos: “Acaso, a nossa lei julga um homem,
sem primeiro ouvi-lo e saber o que ele fez?”.25 O que ele quis dizer
com isso? Os mais intransigentes o tratam com maus modos: “Dar-
se-á o caso de que também tu és da Galileia? Examina e verás que da
Galileia não se levanta profeta”.26 Pequena observação irônica feita
em flagrante: baseando-se em fontes rabínicas, o historiador David
Flusser estabeleceu que a família de Nakdimon ben Gurjon
(Nicodemos filho de Gurjon), estabelecido em Jerusalém havia
algumas gerações, era originário da Galileia. Suas terras ficavam em
Ruma.
A Sucot termina com o fascinante rito vesperal das luzes. O povo
se dirige para o adro das Mulheres. Com jarros de óleo e mechas
feitas com velhas roupas de sacerdotes, quatro jovens sobem as
escadas e acendem os quatro candelabros de cinquenta côvados[2]
que lá se encontram. Os participantes, então, cantam e dançam
diante das luzes, com uma tocha na mão. O Dia do Messias será o
Dia da Luz. Os pátios das casas se iluminam. Os levitas parados
sobre os quinze degraus que levam do adro dos Homens ao adro das
Mulheres tocam harpa, lira, sopram em suas trombetas e tocam seus
címbalos.
Jesus se encontra lá, no meio dos peregrinos, e se expressa uma
vez mais como profeta. Por ocasião do ritual de Siloé, ele havia se
comparado com a água viva: aqui, enquanto cintilam por toda a
cidade milhares de velas, proclama em voz alta: “Eu sou a luz do
mundo; quem me segue não andará nas trevas; pelo contrário, terá a
luz da vida”.27
Exasperados, os fariseus se posicionam dessa vez num plano
jurídico, retorquindo a Jesus que ao dar testemunho a si mesmo, sem
prova, ele se desconsidera, porque não tem testemunha. Jesus
retoma seu argumento. Mesmo quando ele testemunha sobre sua
própria ação, seu testemunho é verídico, porque ele vem do Pai.
“Também na vossa lei está escrito que o testemunho de duas pessoas
é verdadeiro. Eu testifico de mim mesmo, e o Pai, que me enviou,
também testifica de mim”.28
Mais uma vez, diante dos doutores da Lei e dos fariseus — e
unicamente diante deles —, Jesus recupera a sua independência da
lei mosaica. Naturalmente, ele não rompe com ela, mas contesta a
sua interpretação: “Onde está teu Pai?”, perguntam seus
interlocutores. E Jesus responde: “Não me conheceis a mim nem a
meu Pai; se conhecêsseis a mim, também conheceríeis a meu Pai”.29
Seu Pai não é aquele em quem eles acreditam. Por meio desses
intercâmbios, percebemos que a discussão foi incisiva e o
enfrentamento severo. Jesus sofre por ser rejeitado por Israel, como
foram os profetas Isaías, Jeremias, Oseias, Amós e tantos outros.
João não poderia inventar semelhante cena. Ele a situa muito
exatamente no contexto do último dia da Sucot, no adro das
Mulheres, “perto do Tesouro”, uma precisão que mostra a que ponto
ele está familiarizado com os locais e os ritos do Templo. Seus
conhecimentos jurídicos como sacerdote do alto sacerdócio de
Jerusalém permitem que perceba o conteúdo das questões
fundamentais. “O desenvolvimento do diálogo é de tipo semítico,
por encadeamento, com a ajuda de palavras-ganchos (que
encadeiam)”, diz o padre Xavier Léon-Dufour.30 É pouco realista
afirmar que esse episódio é pura ficção, imaginado sessenta anos
depois, posteriormente à ruptura entre o cristianismo e a Sinagoga,
com a única finalidade de responder às preocupações dos cristãos do
círculo de João dos anos 90-100! João, com um pensamento
elaborado e sutil, não teria sido tão simplista nem tão ingênuo para
colocar na boca de Jesus, messias enviado a Israel, palavras como “a
vossa Lei…”, se elas não tivessem sido realmente pronunciadas.
As discussões prosseguem
A seus contraditores, Jesus repete que vai embora e que eles vão
morrer no pecado. “Para onde eu vou, não podeis ir.”31 Esses
acabam por compreender que ele fala da sua morte. Eles se
perguntam se Jesus vai se suicidar e acabar nas trevas do Inferno.
“Vós sois cá de baixo, eu sou lá de cima; vós sois deste mundo, eu
deste mundo não sou. Por isso, eu vos disse que morrereis nos vossos
pecados; porque, se não crerdes que EU SOU, morrereis nos vossos
pecados.” “Eu Sou” é uma evocação do nome divino. Certamente,
Jesus jamais pretendeu identificar-se com o Pai. Os fariseus
continuam sem compreender. “Quem és tu? […] Quando levantardes
o Filho do Homem, então, sabereis que EU SOU e que nada faço por
mim mesmo; mas falo como o Pai me ensinou.”32 Seus interlocutores
se empinam, indignados. Sofrendo com a ocupação romana, eles
protestam que são da descendência de Abrãao e que jamais foram
escravos de quem quer que seja. Como Jesus pode afirmar que eles
se tornarão livres? Ele lhes responde que é o pecado que torna
escravo, mas que o Filho liberta e torna livre. Eles se recusam a
escutar. Seu pai é Abraão. Eles não nasceram da “fornicação” e só
têm um Pai, YaHWeH! A alusão ao nascimento misterioso do
Nazareno, já transformado pelo rumor em nascimento ilegítimo, é
improvável aqui. Mais tarde, o polemista Celso, retomando esses
mexericos, dirá que Jesus é o filho bastardo de Panthère (Bar
Panthera, deformação de Bar Parthénos, o filho da Virgem). Jesus
disse: “Se Deus fosse, de fato, vosso pai, certamente, me havíeis de
amar; porque eu vim de Deus e aqui estou […]Vós sois do diabo, que
é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida
desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há
verdade”.33
Seus inimigos o acusam de ser um samaritano — uma infâmia —,
e de estar possuído por um demônio! Jesus retruca: “Eu não tenho
demônio; pelo contrário, honro a meu Pai, e vós me desonrais. Eu
não procuro a minha própria glória; há quem a busque e julgue. Em
verdade, em verdade vos digo: se alguém guardar a minha palavra,
não verá a morte, eternamente”.34 Os fariseus e os saduceus
sufocam. Agora eles têm, certeza de que Jesus está possuído pelo
demônio.
O cego de nascença
Chega o sabá que se segue imediatamente à Festa das Tendas. Vendo
em seu caminho um mendigo, cego de nascença, os discípulos
interrogam Jesus: “Mestre, quem pecou: este homem ou seus pais,
para que ele nascesse cego?”37 Essa é uma questão eternamente
debatida em Israel! Na mentalidade arcaica, não há infelicidade sem
pecado anterior. O sofrimento é filho da culpabilidade. Para Jesus,
essa ligação não existe. A cegueira desse homem não tem relação
com o mal que ele ou seus pais puderam cometer. Também ele já se
recusou a julgar como culpados os infelizes que foram vítimas do
desmoronamento da torre de Siloé, como lhe haviam contado. Sem
explicar pela teologia ou pela filosofia a origem do sofrimento
inocente, Jesus se contenta em dizer que a presença desse cego vai
permitir que as obras de Deus se manifestem. Ele cospe na terra e,
com sua saliva, faz uma lama que aplica sobre os olhos do cego.
Lembramos que ele já agiu dessa forma com o cego de Betsaida. Mas
dessa vez, a saliva não opera imediatamente o milagre. “Lava-te no
tanque de Siloé”,38 ele aconselha ao mendigo. O evangelista apressa-
se em explicar que Siloé quer dizer o Enviado (a própria vocação de
Jesus). Enquanto Jesus e seus discípulos prosseguem seu caminho, o
homem obedece, esfrega os olhos e volta curado.
Os transeuntes, os vizinhos ficam abismados. Esse não era o
mendigo que ficava sempre sentado pela redondeza? Alguns
afirmam, outros negam. Ele é parecido, mas talvez não seja ele. O
homem protesta. O caso é tão extraordinário que as pessoas das
camadas mais baixas o levam até diante dos fariseus que
compreendem rapidamente que o rabi da Galileia, ao fabricar a
lama com sua saliva, transgrediu o sabá. Eles ficam divididos.
Alguns asseguram que decididamente Jesus não pode vir de Deus,
visto que ele não respeita o sabá. Ele se desqualificou mais uma vez.
O assunto é grave: o Deuteronômio condena o sedutor ou o falso
profeta. Ele merece a morte por ter pregado a apostasia para com
YahWeH.39 Outros, ao contrário, se espantam: Como um homem
pecador poderia mostrar esses sinais? Como Deus poderia acolhê-lo
favoravelmente? É um regresso ao milagroso. Eles perguntam ao
mendigo: “Que dizes tu a respeito dele, visto que te abriu os olhos?”.
Este responde sem rodeios? “Que é profeta”.40
Os fariseus se perguntam se não houve fraude. Eles convocam os
pais do cego. Esses prestam atenção nas respostas que dão, porque
ficaram sabendo que as autoridades religiosas estão decididas a
expulsar da Sinagoga, quer dizer, da comunidade judaica, qualquer
pessoa que reconhecer Jesus como messias. Eles se contentam em
dar respostas prudentes: é verdade que seu filho nasceu cego, mas
como ele passou a enxergar, eles não sabem nada sobre isso e nem
quem lhe abriu os olhos: “Perguntai a ele, idade tem; falará de si
mesmo.”41 A maioridade de um menino, entre os judeus, estava
fixada em treze anos e um dia!
Os investigadores não se declaram vencidos. Convocam uma
segunda vez o cego que foi curado: “Deus, diga a verdade!”, eles o
intimam. “Sabemos que esse homem é um pecador.” O outro replica
com prudência: “Se é pecador, não sei; uma coisa sei: eu era cego e
agora vejo”. Os inquisidores obstinam-se: “Que te fez ele? Como te
abriu os olhos?”. Extenuado, o outro toma coragem e retruca: “Já vo-
lo disse, e não atendestes; por que quereis ouvir outra vez?
Porventura, quereis vós também tornar-vos seus discípulos?”. Os
fariseus aumentam o tom: “Discípulo dele és tu; mas nós somos
discípulos de Moisés. Sabemos que Deus falou a Moisés; mas este
nem sabemos donde é”. Então, o cego curado não hesita mais em
tomar partido:
Nisto é de estranhar que vós não saibais donde ele é, e, contudo, me abriu os
olhos. Sabemos que Deus não atende a pecadores; mas, pelo contrário, se
alguém teme a Deus e pratica a sua vontade, a este atende. Desde que há
mundo, jamais se ouviu que alguém tenha aberto os olhos a um cego de
nascença. Se este homem não fosse de Deus, nada poderia ter feito.
O bom pastor
Jesus continua com uma metáfora pastoral lembrando a comparação
do Livro de Enoque, no qual as ovelhas — isto é, Israel — são cegas
até que o pastor — o Senhor — cuida delas.44 É uma tradição na
Bíblia hebraica comparar os chefes de comunidades com pastores;
assim é com Moisés, Josué, Davi.
Em verdade, em verdade vos digo: o que não entra pela porta no aprisco das
ovelhas, mas sobe por outra parte, esse é ladrão e salteador. Aquele, porém,
que entra pela porta, esse é o pastor das ovelhas. Para este o porteiro abre,
as ovelhas ouvem a sua voz, ele chama pelo nome as suas próprias ovelhas e
as conduz para fora.45
Profecias e escatologia
Se existe um dado fundamental, que transparece ao longo das
páginas nos quatro evangelhos, é a presciência que Jesus teve dos
acontecimentos futuros. Foi assim que, além dos anúncios da Paixão,
ele predisse diversas vezes, durante os últimos meses de sua vida
pública, a destruição total da Cidade Santa.50
Um dia, quando seus discípulos, do alto do monte das Oliveiras,
lhe fazem observar o poderoso esplendor das construções do templo
de Herodes, Jesus respondeu: “Ele, porém, lhes disse: Não vedes tudo
isto? Em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra que
não seja derribada”.51 Essa destruição será acompanhada por
catástrofes. Que aqueles que se encontram na Judeia fujam para as
montanhas, quem estiver no terraço não desça a sua casa para
salvar alguma coisa, que aquele que estiver no campo não volte
para trás para pegar seu casaco. Infelizes as mulheres grávidas e as
que estiverem amamentando nesses dias. Será preciso desconfiar dos
falsos profetas que realizarão sinais e prodígios para enganar os
eleitos…52 Essas profecias anunciam as violências, os massacres e a
fome que vão se abater sobre o país dos judeus no ano 70.
No momento em que os evangelistas relatam o que Jesus falou,
isto é, no início dos anos 60, o Templo e a Cidade Santa ainda estão
em pé. Por essa razão, nenhum deles destacou que essa profecia —
tão essencial para a fé de Israel, completamente voltada para o
culto dos sacrifícios — seria cumprida, o que eles não teriam deixado
de fazer, evidentemente, se tivessem escrito depois do saque de
Tito.53 Encontramos outra prova no fato de que algumas passagens
dos evangelhos sinópticos relatam as profecias de Jesus, mas não na
ordem em que foram feitas, mesclando visões proféticas e horizontes
escatológicos. Assim, eles apresentam o cataclismo da guerra judaica
como o fim do mundo e o advento do Filho do Homem em sua
glória. Uma confusão que parece desprezar os anúncios de Jesus
relativos ao “tempo dos pagãos”, um tempo suficientemente longo
para permitir que a Boa Nova do reino seja proclamada e se espalhe
por toda a terra.54
Procedendo dessa maneira, os evangelhos sinópticos misturam os
gêneros de modo confuso. Ao lado do esclarecimento profético, mas
muito preciso, da ruína de Jerusalém, bem determinada no tempo
(“Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que tudo
isto aconteça”),55 o anúncio apocalíptico do fim do mundo não é da
mesma natureza. Esse anúncio, com efeito, empresta muita coisa das
imagens e do vocabulário veterotestamentário para ser,
propriamente falando, uma clarividência, nem mesmo uma
longínqua projeção futurista. “O fato de falar do futuro com
palavras do passado tira desse relato qualquer relação cronológica.
[…] Torna-se claro que a palavra de Deus pronunciada outrora
ilumina o futuro no seu significado essencial. Ela não dá, entretanto,
uma descrição do futuro, mas nos mostra, somente hoje, o caminho
que é justo para agora e para amanhã.”56
Influenciado pelas concepções cosmológicas de seu tempo, Jesus
se inspira em Daniel e em Zacarias: o sol obscurecerá, a lua não dará
mais sua claridade, os astros cairão do céu e as forças que estão no
céu serão sacudidas. Entretanto, acrescenta Jesus, ninguém conhece
a data dessa catástrofe cósmica, “nem os anjos no céu, nem o Filho,
senão o Pai”.57 O importante é se manter constantemente pronto.
Jesus não cessa de multiplicar os apelos para a vigilância e a prece.
“Vigiai, pois, porque não sabeis quando virá o dono da casa: se à
tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela manhã.”58
“Por isso, também vós estejais preparados, porque o Filho do
Homem virá na hora em que vós menos esperais.”59 Esse é o
significado da parábola das virgens prudentes e das virgens sem
juízo. Para ir ao encontro do esposo, as primeiras levaram uma
reserva de óleo para suas lâmpadas, enquanto as outras se deixaram
surpreender.60 Jesus disse ainda aos seus ouvintes;
Acautelai-vos por vós mesmos, para que nunca vos suceda que o vosso
coração fique sobrecarregado com as consequências da orgia, da embriaguez
e das preocupações deste mundo, e para que aquele dia não venha sobre vós
repentinamente, como um laço. Pois há de sobrevir a todos os que vivem
sobre a face de toda a terra.61
Retorno às fontes
Essa é a última vez que Jesus enfrenta livremente seus inimigos. A
ruptura está consumada. Ele sabe que não pode mais permanecer em
Jerusalém e vai para a Betânia na colina. A seus amigos Lázaro,
Marta e Maria, anuncia que parte para refugiar-se com os apóstolos
do outro lado do rio Jordão, na outra Betânia, na Pereia, no próprio
local onde ele havia recebido o batismo e recrutado seus primeiros
discípulos. Isso significa, de alguma maneira, um retorno às fontes.
A Pereia é um território cortado por vales além da Terra Santa.
Pereia, sob a autoridade de Herodes Antipas, mas afastada de seus
domínios na Galileia, oferece ao fugitivo uma segurança relativa,
fora da jurisdição do Sinédrio. A lembrança de sua passagem por lá
três anos antes ainda não se dissipou. Ele reencontra um grande
número de discípulos de Batista que o acolhem com entusiasmo.
“João não fez nenhum sinal, porém tudo quanto disse a respeito
deste era verdade.”6 Muitos começam a acreditar nele. Também
João Evangelista, Mateus e Marcos não ignoram essa missão na
Pereia e falam do seu sucesso. Acrescentam a ela, provavelmente de
maneira artificial, alguns ensinamentos de Jesus sobre o casamento,
seu encontro com o homem rico7 e curas.8
“Lázaro adormeceu…”
No início da primavera do ano 33, as amigas que moravam na outra
Betânia, próxima de Jerusalém, Marta e Maria, enviam um jovem da
aldeia para lhe anunciar a grave doença de seu irmão Lázaro.9 É um
pedido de socorro. Implicitamente, as duas irmãs esperam que o
mestre volte para lá e o cure. Jesus compreende, mas, apesar de sua
afeição por Lázaro, permanece onde está.10
Será que ele fica sabendo que seu amigo querido morreu nesse
meio-tempo? Repentinamente, dois dias mais tarde, toma outra
decisão. Os discípulos exclamam: “Mestre, ainda agora os judeus
procuravam apedrejar-te, e voltas para lá?”. Jesus lhes responde:
“Não são doze as horas do dia? Se alguém andar de dia, não tropeça,
porque vê a luz deste mundo; mas, se andar de noite, tropeça,
porque nele não há luz”.11 É preciso partir sem demora, caminhar
enquanto é dia, a fim de não cair e ferir-se, porque uma parte do
caminho é perigosa. Acrescenta-se a isso o risco de encontrar
salteadores.
“Eis o que ele disse”, escreve João. A oposição dia/luz e
noite/obscuridade remete certamente à própria pessoa de Jesus, que
convida seus discípulo reticentes a segui-lo. Em breve, ele lhes dirá:
“Ainda por um pouco a luz está convosco. Andai enquanto tendes a
luz, para que as trevas não vos apanhem…”.12
João Evangelista por certo não esteve em Pereia, mas obteve esse
testemunho dos discípulos, principalmente de Tomé, que aparece na
sequência do relato. Jesus acrescentou: “Nosso amigo Lázaro
adormeceu, mas vou para despertá-lo”. Jesus lhes explica que Lázaro
está morto. “E por vossa causa me alegro de que lá não estivesse,
para que possais crer.”13 O retorno de Lázaro à vida será para eles
um novo sinal da glória de Deus. Eles não percebem. Também,
quando Jesus lhes pede para pôr-se a caminho, eles estão
persuadidos de que esta volta para a Judeia significa sua detenção e
sua morte, e talvez a deles. Tomé, em nome de todos, exclama num
afã de generosidade incondicional: “Vamos também nós para
morrermos com ele”.
A estrada romana passava ao norte da estrada atual. Seu traçado
foi reconstituído por Robert Beauvery.14 Deixando a Transjordânia,
o pequeno grupo atravessa o rio Jordão e alcança o oásis de Jericó,
a “cidade das palmeiras”, com clima sempre suave. Depois de
passarem a impressionante fortaleza de Kypros, dedicada à mãe do
tirano Herodes, o caminho se torna escarpado. Ele serpenteia entre
as colunas desnudas, onde caminham rebanhos de cabras e de
carneiros à procura de pastagens ralas. De tempos em tempos,
aparecem algumas torres de vigia instaladas pelos romanos. As
encostas são íngremes, repletas de arbustos espinhosos. Os discípulos
do Rabi estão fatigados e transpiram, com suas pobres túnicas de lã
e sandálias cobertas de poeira. A estrada é frequentada por soldados
em trânsito, levitas que voltam do serviço no Templo, e carriolas de
mercadores, carregadas com mercadorias comestíveis destinadas a
Jerusalém. A estrada deve ainda atravessar uma zona de colinas
baixas, monótonas e ondulantes. Ao aproximar-se do monte das
Oliveiras, a rota toma uma direção oblíqua para o sul, passando por
Betfagé, para subir até Betânia na Judeia. Finalmente, chegam aos
arredores da cidade.
O relato de João prossegue com uma dinâmica espantosa,
deixando supor que seu autor, dessa vez, foi testemunha da cena, em
meio aos judeus de Jerusalém que vieram compartilhar os
sofrimentos dos parentes do defunto. Apenas três quilômetros
separam o povoado da Cidade Santa. Marta e Maria, oprimidas de
tristeza, estão sentadas em sua casa, cercadas por visitantes, homens
e mulheres, que procuram menos consolá-las, como se faria hoje em
dia, do que as acompanhar em sua dor. O luto dura sete dias, e já faz
quatro dias que toda a aldeia seguiu em procissão a padiola do
defunto entre os gritos das carpideiras, as lamentações e as litanias,
como é costume no Oriente.
Algumas pessoas perceberam de longe a aproximação do
pequeno grupo de viajantes. Quando anunciam que Jesus está
chegando, Marta se levanta e se precipita ao seu encontro, com o
coração cheio de esperança. “Se estivesses aqui, meu irmão não teria
morrido. Mas também sei que, mesmo agora, tudo quanto pedires a
Deus, Deus te concederá.” Jesus lhe diz: “Seu irmão há de
ressuscitar”. Marta retoma: “Eu sei […] que ele há de ressurgir na
ressurreição, no último dia”.15 Ela afirma sua fé, sua convicção
profunda na ressurreição dos mortos no final dos tempos, como as
famílias dos fariseus da época.
Jesus responde com a revelação que está no âmago do seu
anúncio: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda
que morra, viverá. E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca
morrerá”.16 Ao crente que permanece fiel, portanto, é prometida,
para além da morte temporal, a vida imortal em Deus. Essa vida —
nisso reside a novidade radical de sua mensagem — é dada por sua
própria pessoa. “Crês isto?”, ele pergunta para Marta e ela responde
— “Sim, Senhor […] eu tenho crido que tu és o Cristo, o Filho de
Deus que devia vir ao mundo”. Essa confissão a transforma. “Em três
réplicas”, escreve o padre Xavier Léon-Dufour, “Marta passou da
convicção de uma ligação privilegiada de Jesus com Deus ao
reconhecimento do Enviado escatológico, para quem o Reino de
Deus aproximou-se e, portanto, ela passou da fé judaica para uma fé
propriamente cristã.”17
A coalizão é formada
O prodígio do retorno à vida de Lázaro vai conduzir diretamente à
detenção de Jesus. João relata que um grande número de pessoas da
Judeia viu o que ele acabara de realizar e começaram a acreditar.
Novamente, o profeta da Galileia provoca o entusiasmo das
multidões. Os relatos de seu último milagre se espalham em
Jerusalém. Um movimento messiânico se esboça em seu favor,
enquanto outras testemunhas ficam inquietas e vão falar de sua
perturbação com os fariseus, doutores da Lei. Jesus é um falso rabi,
um blasfemador de um tipo particularmente perigoso, que convém
deter e eliminar o mais rapidamente possível. O Livro dos Números
diz: “Mas a pessoa que fizer alguma coisa atrevidamente, quer seja
dos naturais quer dos estrangeiros, injuria ao SENHOR; tal pessoa
será eliminada do meio do seu povo”.24 Os chefes fariseus estão
convencidos disso há meses. Compreenderam que sua influência
sobre a população padecia com essa situação.
A dificuldade é que eles não têm nenhum poder coercitivo. A
única autoridade capaz de intervir depende do Templo: é a sua
polícia, que está nas mãos do alto clero. Não poderiam deter Jesus
por perturbação à ordem pública? Decidem procurar seus adversários
religiosos, os sumos sacerdotes Anás e Caifás, que se apoiam sobre o
partido saduceu.
Os sumos sacerdotes, como sabemos, exercem as funções civis e
religiosas mais importantes, as mais sagradas do país. Apesar dos
numerosos ataques ao seu poder, feitos por Herodes, o Grande, e
depois pelos romanos, o seu prestígio permanece considerável. As
pessoas só se dirigem a eles com submissão e devoção. Eles
representam o povo diante das autoridades de ocupação. Estas, para
mantê-los à sua mercê, guardam os ornamentos pontificiais dentro
da Fortaleza Antônia e só os entregam por ocasião das grandes
festas.
Anás, filho de Seth, antigo sumo sacerdote, é o patriarca, o
“padrinho”, poder-se-ia dizer, tanto essa linhagem de grandes
aristocratas é corrompida e detestada. É esse homem muito rico e
todo-poderoso quem domina, enquanto seu genro José, chamado
Caifás, sumo sacerdote em exercício, é encarregado das relações com
o prefeito romano.25
Anás tinha sido nomeado kôhen gadôl (sumo sacerdote) por
Quirino, legado da Síria, no ano 6 da nossa era. Permaneceu em
função até o ano 15, quando foi deposto do cargo pelo novo
governador da Judeia, Valério Grato. Mas, segundo o direito
judaico, mesmo destituído, um sumo sacerdote mantém seu título e
sua influência.26 Depois de um curto intervalo, durante o qual um
membro de uma família rival ocupa o sumo sacerdócio (Ismael, filho
de Phabi), os Anás retomam a função suprema. A Anás sucedeu seu
filho Eleazar (16-17), que permaneceu apenas durante alguns meses.
Em seguida, depois de um intervalo intermediário assegurado por
Simão, filho de Camith, Caifás torna-se o sacrificador supremo.
Caifás, por sua habilidade política, sua flexibilidade, sua indolência,
seu senso de oportunismo, chega a manter-se no cargo até o ano 37.
É o pontificado mais longo do século I. Quando Pôncio Pilatos chega
a Cesareia Marítima, no ano 26, ele o mantém no seu posto. Muito
rapidamente, uma cumplicidade se estabelece entre os dois. O
prefeito romano fechava os olhos para suas pilhagens e seus
compromissos duvidosos, desde que ele permanecesse fiel. Tal pacto
indecente será rompido por Vitélio, legado da Síria, destituindo o
prefeito romano e seu compadre no ano 37, quatro anos após a
execução de Jesus.
Diante de Anás e Caifás, os fariseus expõem suas queixas: Jesus
rompeu o sabá, praticou magia, expulsando os demônios pelo poder
de Satanás. Esse pretenso rabi da Galileia — região de onde
comprovadamente não sai nenhum profeta —, esse falso doutor que
não esteve na escola de nenhum mestre, esse impostor cheio de
arrogância que se toma por Messias é, por acréscimo, um vil
blasfemador. Ao decretar novas leis morais, ele se coloca como
mestre superior a Moisés. Pior ainda, pretende ser o Filho do
Altíssimo, que ele chama “Abba” (Pai). Ao perdoar os pecados, por
assim dizer, tentou tornar-se igual ao Altíssimo.
Anás e Caifás, evidentemente, tinham ouvido falar do
ensinamento subversivo desse nazareno, suspeito, como todos os
nazarenos, de desejar restaurar a realeza e expulsar os romanos da
Palestina. Eles podem temer uma revolta popular capaz de colocar
em questão o modus vivendi que lhes permitiu estabelecer sua
autoridade. Ao atacar a economia do santuário, esse camponês da
Galileia opôs-se aos interesses de sua casta. Agora, com a
ressurreição de Lázaro, percebem que demoraram demasiado para
reagir.
Eles decidem, então, reunir o Sinédrio, o Grande Conselho de
Israel. Alguns dos membros dessa época são conhecidos: Anás, o
sumo sacerdote honorário, Jônatas, seu filho preferido, prefeito ou
sagan do Templo e chefe dos sacerdotes, Alexandre, um outro de seus
filhos, Nicodemos, o sábio fariseu, José de Arimateia, uma pessoa
rica e importante que irá intervir no momento do sepultamento de
Jesus, e o mestre fariseu Gamaliel, o Ancião, doutor da Lei, que fará
que, alguns meses depois da morte de Jesus, dois de seus discípulos,
Pedro e João, filhos de Zebedeu, sejam soltos. Caifás preside. João
Evangelista também é membro dessa assembleia? É possível, a
menos que o membro seja seu pai, se ele ainda está vivo, porque os
antigos e os chefes das grandes famílias sacerdotais se assentam no
Conselho por direito. Em todo caso, se ele não estava presente
fisicamente, soube precisamente o que foi dito no Sinédrio.
O Sinédrio trata das questões correntes, que têm uma repercussão
na vida religiosa e administrativa da Judeia. Para melhor controlá-
lo, os romanos retiraram do Conselho o direito de pronunciar uma
sentença de morte, com duas exceções. A primeira diz respeito a um
não judeu, inclusive um romano, que penetra no Templo além do
pátio dos Gentios. A lapidação pode ser realizada imediatamente. O
segundo refere-se ao adultério. Nesse caso, também, por respeitar a
lei de Moisés, os ocupantes não se intrometem.27 Com exceção desses
dois casos, é proibido na Judeia condenar legalmente alguém à
morte.
Alguns textos judaicos mostram que a decisão de excluir a
sentença capital das penas decretadas no Sinédrio foi tomada na
época de Pilatos, por volta do ano 30. “Quarenta anos antes da
destruição do segundo Templo, a pena de morte cessou de existir em
Israel, porque o Sinédrio foi exilado e não ficava mais ao pé do
santuário”, diz um comentário da Escritura, os Mekhiltas d’R Ishmaël e
d’R Shim é on ben Yhai. Há o mesmo propósito no tratado Sinédrio do
Talmude de Jerusalém e no Talmude da Babilônia. Esses textos
posteriores da literatura rabínica sugerem que a perda de poder do
Sinédrio teria sido consequência do afastamento da sua sala de
sessão habitual,28 o lishkat ha-gazit, ou Sala da Pedra Cortada, situada
no recinto dos adros exteriores do Templo, e de sua instalação nos
Bazares (Hanuf), que pertenciam à família do sumo sacerdote
Anás.29 É mais lógico pensar que esse direito lhes foi retirado pela
autoridade do dominante.30 O resultado é que, depois do ano 30, os
juízes judeus conservam o poder de instaurar um processo, mas não
têm mais a possibilidade de mandar executar uma sentença de
morte, nem mesmo de impor ao governador sua execução, o que se
chama o direito d’exequatur. O governador, com efeito, não se sente
em absoluto cerceado pela decisão deles. Seu imperium é sem limites.
Estabelecida tal questão de direito, podemos voltar à sessão do
Sinédrio.
A unção em Betânia
A Páscoa do ano 33 se aproxima. Grande número de judeus sobe
para Jerusalém a fim de purificar-se antes do início da festa.
Procuram por Jesus. Ele é objeto de todas as conversas. “O que você
acha? Ele não virá à festa?” Os sumos sacerdotes e seus aliados
deram o aviso que se repete nas filas: se alguém vir Jesus, eles
devem ser imediatamente avisados.
Seis dias antes da Páscoa, na noite do sabá,[3] Jesus volta
secretamente de Efraim e chega a Betânia na Judeia. Para festejá-lo,
seus amigos o convidam para uma refeição. Lázaro, que está
contente em revê-lo, senta-se à mesa com os demais convidados.
Marta serve. Entra sua irmã Maria, segurando um frasco com meio
litro de um perfume muito caro. Ela quebra o gargalo, unta os pés
de Jesus, depois os seca com sua grande cabeleira desfeita. A casa
toda fica repleta do aroma do maravilhoso perfume de nardo.39
Esse relato difere de um evangelho a outro, ao mesmo tempo em
que eles se complementam em alguns pontos. Mateus e Marcos nos
dão o nome do dono da casa: Simão, o leproso (ou mais
provavelmente “o religioso”, de acordo com o exegeta Pinchas
Lapide).40 É provavelmente uma pessoa importante do povoado (ele
não é muito rico, porque não tem servidor). Esses dois evangelistas
provavelmente se enganam quando dizem que “uma mulher” — cujo
nome eles não dizem (porque não conhecem Maria de Betânia) —
verte um frasco de alabastro contendo perfume “sobre a cabeça” de
Jesus. É preciso ter mais confiança no autor do quarto evangelho,
que frequentou a casa de Marta, Maria e Lázaro: foi sobre os pés de
Jesus que Maria verteu o perfume, o que é mais insólito que uma
unção sobre a cabeça, que se faz antes de uma refeição para honrar
um convidado importante.
O caso de Lucas é o mais singular. Dizem que seu evangelho
tinha incorporado elementos da catequese de João. A imprecisão do
seu relato é decorrente dessa transmissão oral. Incapaz de situar a
cena em Betânia, ele fala de uma cidade ou de uma aldeia. Em
compensação, confirma que o dono da casa onde é servida a refeição
se chama Simão e fornece detalhes complementares ouvidos da boca
do discípulo bem-amado ou de alguma outra fonte. Simão, o
anfitrião, pertence à confraria dos fariseus.[4] Uma mulher —
anônima, como nos Evangelhos de Mateus e de Marcos —, ao saber
que Jesus está à mesa na casa de Simão, entra com um vaso de
alabastro contendo perfume. Ela é uma pecadora. Em outros termos,
ela não é considerada por Simão, o fariseu, como ritualmente pura.
Ela infringiu diversas prescrições mosaicas. Isso é tudo que se pode
dizer. Torná-la uma “pecadora pública”, uma prostituta, é fruto da
imaginação. Lucas relata que a mulher “chorando, regava-os com
suas lágrimas e os enxugava com os próprios cabelos; e beijava-lhe
os pés e os ungia com o unguento”.41 De acordo com a visão de
Lucas, essa seria mais uma expressão de arrependimento do que de
reconhecimento (visto que não se trata, na sua narrativa, da
ressurreição de Lázaro).
A sequência do relato de Lucas não deixa de ser interessante. O
rigorista Simão pensa: se seu convidado era verdadeiramente um
profeta, saberia que essa mulher que toca seus pés é uma pecadora.
Jesus, que adivinhou seu pensamento, coloca-lhe uma pergunta:
certo credor tem dois devedores; um lhe deve quinhentos dinares, o
outro cinquenta. Ele perdoa aos dois. Qual deles o amará mais?
Simão sente-se obrigado a responder que é aquele a quem ele
perdoou mais. “Julgastes bem”, concluiu Jesus. E, voltando-se para a
mulher, ele lhe disse:
Vês esta mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; esta,
porém, regou os meus pés com lágrimas e os enxugou com os seus cabelos.
Não me deste ósculo; ela, entretanto, desde que entrei não cessa de me
beijar os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta, com bálsamo,
ungiu os meus pés. Por isso, te digo: perdoados lhe são os seus muitos
pecados, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa,
pouco ama. Então, disse à mulher: Perdoados são os teus pecados.42
A traição de Judas
No momento em que se trama o drama do Gólgota, é preciso
considerar a traição de Judas. É inimaginável pensar que tal gesto,
que não honrava os Doze, pudesse ter sido inventado pelas
comunidades cristãs depois da Páscoa. Celso usará isso para atacar
Jesus e colocar em questão seu poder de discernimento. Ao escolhê-lo
entre seus discípulos, Jesus sabia que Judas o delataria?
Certamente, a figura de Judas Iscariotes foi explorada de
maneira odiosa pela polêmica antijudaica na literatura e no
imaginário cristão. Pensemos nos mistérios medievais e na Legenda
áurea, do dominicano Jacopo de Varazze (século XIII). Judas,
Yehuda, está etimologicamente associado à palavra judeu, yehudi.
Por ter delatado seu mestre, encarna o arquétipo do traidor, e do
judeu traiçoeiro.
Algumas pessoas, reagindo a isso, procuraram reabilitá-lo,
algumas vezes em excesso. Quiseram acreditar que ele foi movido
por sentimentos nobres, em lugar de sua avidez por dinheiro. Zelote
nacionalista, ele teria seguido o Nazareno na esperança de que ele
revoltasse a população contra os romanos. A recusa de Jesus em
praticar um messianismo terrestre teria levado Judas ao seu gesto.
Nenhum indício permite dar crédito a essa tese. É melhor ater-se
àquilo que diz João. Iscariotes era uma pessoa medíocre, habitada
pelo espírito de lucro e de pilhagem. Realizou sua baixeza apenas
com intuito pecuniário, sem dar-se conta das consequências do seu
gesto. Sua ruptura com Jesus deve ter sido progressiva. Em Betânia,
seu espírito crítico e acerbo mostra que ele tinha perdido a fé em seu
mestre. É nesse momento que ele desce a Jerusalém para encontrar
os sumos sacerdotes ou seus representantes. Vimos que ele talvez
fosse judeu. Nessa hipótese, sua origem familiar, provavelmente, lhe
permitia deslocar-se na cidade com mais familiaridade do que os
demais discípulos, todos da Galileia. Sua atitude encheu Anás e
Caifás de satisfação. Saber o local exato onde Jesus se encontrava
vai permitir agir com discrição e com a rapidez desejada. “Que me
quereis dar, e eu vo-lo entregarei?”, pergunta Judas. Mateus, um
melhor conhecedor do mundo oriental que Marcos e Lucas, diz que
“pesaram” para Judas trinta moedas de prata. Na época, com efeito,
as moedas não tinham o mesmo peso. Essa pequena fortuna
representava o preço da compra de um escravo.
13
A ceia
Os Ramos
Judas aceitou, então, entregar seu mestre às autoridades do Templo,
mas ainda não é capaz de revelar o local do seu retiro. Nesse dia, o
proscrito não teme aparecer no meio da multidão. Em compensação,
à noite, ele troca de pousada. No dia seguinte, ao jantar em Betânia,
Jesus se apressa em voltar para Jerusalém. Ao aproximar-se da
pequena aldeia de Betfagé (a “casa dos figos verdes”) — algumas
manchas brancas perdidas em meio de um pequeno bosque de
vegetação, na encosta sudeste do monte das Oliveiras —, ele envia
para lá dois de seus discípulos e diz a eles:
Ide à aldeia que aí está diante de vós e, logo ao entrar, achareis preso um
jumentinho, o qual ainda ninguém montou; desprendei-o e trazei-o. Se
alguém vos perguntar: Por que fazeis isso? Respondei: O Senhor precisa
dele e logo o mandará de volta para aqui. Os dois discípulos foram, e, como
indicado, encontram na rua um jumentinho amarrado perto de uma porta.1
A Páscoa judaica
No dia 14 de Nisã, o primeiro mês do ano, no crespúsculo, celebrava-
se a solenidade de Pesach (pascha, em grego), a Páscoa do Senhor,
como lembrança da libertação do povo hebreu do seu cativeiro no
Egito. Na noite de lua cheia, o carneiro, depois de ter sido degolado
por um sacerdote no perímetro do Templo, era assado e consumido
em família com ervas amargas e pão sem fermento. No dia seguinte,
começava a festa dos pães sem fermento, que correspondia ao início
da colheita da cevada. Sua origem mais tardia, remontava à fixação
do povo hebreu em Canaã.22 Na época de Jesus, as duas festas
estavam interligadas: a Páscoa durava sete dias.
Como todos os anos, dezenas de milhares de judeus religiosos,
vindos da Galileia, da Judeia ou da diáspora, subiram para
Jerusalém. Eles já chegaram há vários dias, porque, como a Lei
prescreve, devem purificar-se previamente. Jesus sabe que sua morte
é iminente e que não poderá fazer a refeição pascal no dia 14 de
Nisã, que naquele ano cai numa sexta-feira. Por essa razão, decide
dar à última ceia, que fará no dia 13 à noite, com todos os
discípulos, homens e mulheres que vieram da Galileia, um caráter
pascal. Essa ceia será uma antecipação litúrgica do festim do dia
seguinte.23 A tradição será respeitada: eles farão a ceia no interior
dos muros de Jerusalém, à noite, com mais de dez convidados,
ritualmente puros, recostados sobre sofás; vão beber vinho; vão
empenhar-se para dar uma esmola aos pobres, e palavras serão
pronunciadas sobre o pão sem fermento e o cálice da bênção.24
Jesus combinou com João, o discípulo oculto, que ele faria sua
última refeição na casa dele. Provavelmente, os dois homens se
puseram de acordo alguns dias antes em Betânia, na casa de Marta e
Maria. Todas as precauções foram tomadas. A atmosfera na qual se
encontram é de segredo e de temor. Jesus sabe que está sendo
ativamente procurado. Envia dois discípulos como batedores, Simão-
Pedro e João, filhos de Zebedeu, com a missão de encontrarem perto
da piscina de Siloé um homem carregando um jarro sobre a cabeça
em sinal de reconhecimento. São, em geral, as mulheres que vão
buscar água. Esse homem é um servidor de uma das grandes famílias
de Jerusalém, provavelmente um escravo. “Segui-o e dizei ao dono
da casa onde ele entrar que o Mestre pergunta: Onde é o meu
aposento no qual hei de comer a Páscoa com os meus discípulos? E
ele vos mostrará um espaçoso cenáculo mobilado e pronto; ali fazei
os preparativos.”25
Que audácia de Jesus ir fazer uma refeição na casa de um alto
dignitário da aristocracia judaica, quando ele é procurado pela
polícia do Templo! Jesus conhece os locais, diferentemente dos
apóstolos. Foi lá, talvez, que ele encontrou Nicodemos, três anos
antes.
Situada na colina sudoeste de Jerusalém, que mais tarde passou a
se chamar monte Sião,[3] a atual sala gótica franciscana que lá se
encontra corresponde ao lugar no qual a tradição local sempre
situou a “câmara alta” da Ceia. Essa câmara fazia parte da morada
aristocrática do jovem sacerdote João (a menos que ela seja uma
dependência), não longe da porta dos essênios e do bairro longínquo
onde essa comunidade de sectários tinha suas habitações, sua escola
e seus banhos rituais, como mostraram as escavações de Bargil
Pixner, auxiliado pelos arqueólogos israelenses Doron Chen e
Shlomo Margalit.26 Desde 1951, as pesquisas realizadas pelo
israelense Jacob Pinkerfeld tinham provado que a lendária tumba de
Davi, situada debaixo da sala elevada, era na verdade um
monumento sepulcral dos cruzados. Nos embasamentos encontram-
se vestígios de uma sinagoga judaico-cristã do século I, abastecida
com um nicho destinado aos rolos da Torá. Essa construção estava
orientada — um fato inédito — não para o monte do Templo situado
a nordeste, mas em direção ao Gólgota e à tumba vazia ao norte. Ali
foram encontradas inscrições que traziam invocações a Jesus.27 Tal
sinagoga venerada, que assumirá o nome de “Igreja dos Apóstolos”
(a primeira igreja da cristandade), data dos anos 73-75, quando os
cristãos judeus, depois de sua fuga para Péla em 66, tiveram o
direito de voltar a Jerusalém. Ela tinha sido construída sobre o
próprio local da Ceia, após a total destruição, no ano 70, da
propriedade de João Evangelista.28
A “refeição do Senhor”
Na casa de João, depois da partida do traidor, o jantar prossegue.
Jesus festeja a Páscoa por antecipação, disseram. Mas nela falta o
principal: o cordeiro que é partilhado em família. Os discípulos e os
servidores de João não puderam prepará-lo. Já fazia muito tempo,
com efeito, que cada pai de família, no pátio de sua casa, degolava o
animal e o mandava assar. Esse trabalho agora pertencia aos
sacerdotes, e não era mais possível realizar o abate ritual nas casas
particulares. E esse só se iniciaria sobre o altar dos sacrifícios na
tarde do dia seguinte, 14 de Nisã. Naquela noite, os animais
esperavam dentro dos cercados nos arredores do Templo.
No lugar do cordeiro, Jesus, fiel à sua missão, vai oferecer sua
própria carne e seu próprio sangue, não como preço a ser pago a
algum deus inexorável cuja cólera é conveniente aplacar, mas como
o próprio Deus operando a expiação: essa é a Páscoa cristã da
eucaristia (ação de graças).
Foi Paulo que, na sua primeira Epístola aos Coríntios, relembra a
mais antiga tradição relativa à sua instituição, “a noite em que Jesus
foi entregue”. Essa tradição é anterior ao início da escrita dos quatro
evangelhos, anterior à sua Epístola, escrita por volta do ano 55,
anterior até mesmo à sua primeira campanha de evangelização de
Corinto, que remonta a cinco anos antes. Ela data do ano 36, mais
ou menos, pouco depois de sua conversão. Época, portanto, bastante
próxima do acontecimento. O apóstolo dos gentios cristalizou o
essencial das palavras de Jesus sobre o pão e o cálice.
Em lugar das palavras rituais sobre os matzôts, os pães sem
fermento, Jesus pega um, dá graças e diz: “Este é o meu corpo [ou
mais exatamente minha carne],39 que é partido por vós; fazei isso
em memória de mim”. Depois ele o quebra e o distribui a seus onze
companheiros. Jesus faz o mesmo nas outras mesas, distribuindo a
todos os seus que vieram da Galileia. No ritual da Páscoa judaica,
era costume prever um último cálice, que ninguém bebia, aquele do
profeta Elias, o mensageiro do Messias. Esse é o “cálice da bênção”,
que Jesus toma no fim da refeição e que faz circular entre os
participantes. “Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei
isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim”.40 Após as
palavras “nova aliança no meu sangue”, Lucas, muito próximo da
tradição paulina, acrescenta “que é derramado por vós”. Mateus e
Marcos dão formulações menos precisas, sem omitir o essencial.
Para o pão abençoado e quebrado: “Tomai, comei, este é meu corpo”
(Mateus); “Tomai, este é o meu corpo” (Marcos). Para o vinho:
“Bebei dele todos, porque este é meu sangue, o sangue da Aliança,
que é derramado por muitos para remissão dos pecados” (Mateus);
“Isto é o meu sangue, o sangue do novo testamento, que por muitos
é derramado” (Marcos).
O que Jesus quis expressar naquela noite? Que é primeiramente
sua refeição — a “refeição do Senhor”, dirá Paulo. Ele franqueou sua
mesa aos seus, todos reunidos na Cidade Santa pela primeira vez.
Essa refeição é uma refeição festiva de tipo judaico. Nela bebe-se
vinho, bebida muito cara reservada para as grandes solenidades,
mas é também uma refeição de despedida que se desenvolve num
contexto pascal, o que lhe dá um significado novo e definitivo. Ela
não tem nada a ver com os rituais sagrados praticados nos cultos
pagãos.41 Muito claramente, Jesus, ao convidar seus discípulos a
comungar com sua pessoa, antecipa, ao mesmo tempo, sua morte,
sua ressurreição e sua glorificação. Certamente, era essa sua
intenção. Ela é deduzida de todos os textos. O cordeiro, sacrificado
pelo povo no dia santo da Páscoa, é ele! Aliás, na mesma Epístola
aos Coríntios, o apóstolo dos gentios liga o sacrifício eucarístico com
a morte de Jesus e com a imolação do cordeiro pascal. Depois de ter
exortado seus leitores a se purificar do velho fermento “para serdes
massa nova, ja que sois fermento”, ele acrescenta “porque o Cristo,
nossa páscoa, foi imolado”. Na sua primeira Epístola, Pedro diz do
mesmo modo: o cristão é salvo “pelo sangue sem defeito e sem
mácula”.42 Na comunhão eucarística, Jesus quis estabelecer uma
imanência recíproca e não um simples ritual de ação de graças. Ele
já não havia dito na sinagoga de Cafarnaum: “Aquele que come a
minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele”? É
a sua morte e a sua ressurreição que salvam os pecadores e os fazem
entrar numa vida nova.
Por essa celebração, repetida ao longo dos séculos, os cristãos
sabem que eles comungam com o sacrifício da cruz e com a
ressurreição de seu mestre. Paulo diz isso expressamente: “Porque,
todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a
morte do Senhor, até que ele venha”.43 A eucaristia é um viático na
espera da parusia, quer dizer, do retorno de Jesus na glória.
Também é importante, segundo o apóstolo, celebrar dignamente e
com discernimento, para não comer e beber “sua própria
condenação”.44
João Evangelista não relatou a instituição da eucaristia, naquela
noite, na sua casa. Ele a substituiu pelo relato da lavagem dos pés,
mostrando a dimensão caritativa do mesmo sacramento: participar
da refeição do Senhor implica o dever de trabalhar para a comunhão
humana e para a justiça. Com certeza, no momento em que ele
escreve, o ato litúrgico da partição do pão era universamente
praticado nas assembleias cristãs, e os evangelhos sinópticos tinham
lembrado suas palavras. Isso não deixa de ser algo estranho, que
suscitou muitas discussões.
Para João, ligado ao ritual do Templo, a Páscoa dos judeus só
acontecerá no dia seguinte à noite, 14 de Nisã, no momento em que
se parte o cordeiro em família. A refeição de Jesus não pode stricto
sensu ser uma refeição pascal, porque é preciso esperar a
intervenção dos sacerdotes para degolar os animais. Sabemos, aliás,
que João só retém os fatos que esclarecem a sua visão cristológica.
Ora, os últimos capítulos de seu evangelho são consagrados à subida
de Jesus na cruz gloriosa. Ele já fez abundantemente alusão à
eucaristia por ocasião do discurso na sinagoga de Cafarnaum. Dessa
vez, transpõe a simbólica do carneiro oferecido no mesmo momento
em que Jesus, sobre a cruz, entrega a alma ao Criador. No instante,
relata João, em que os primeiros cordeiros são sacrificados no
Templo, o sangue do Filho de Deus escorre sobre a cruz, como o
sangue dos cordeiros de Moisés, sobre o lintel das portas. Jesus é a
vítima do sacrifício, o cordeiro imolado do qual nenhum osso foi
quebrado.45 No Apocalipse, que podemos atribuir ao mesmo autor,
evoca repetidas vezes a figura crística do Cordeiro degolado, figura
que assume seu pleno significado pela morte na véspera da Páscoa,
esperando a última “festa das bodas do Cordeiro”.
A Ceia, portanto, assinala para os cristãos o fim dos sacrifícios
sangrentos. Os fariseus, doutores da Lei, que vão contribuir para o
nascimento do judaísmo rabínico, também abandonam a prática dos
holocaustos depois da destruição do Templo no ano 70. Os essênios
os precederam instaurando um culto espiritual, composto de preces
litúrgicas, salmos e hinos de louvor. Mas eles esperavam a partida
dos sumos sacerdotes ilegítimos para se reinstalar no Templo e
reintroduzir os sacrifícios. Jesus vai muito mais além que esses dois
grupos religiosos, visto que é a oblação de sua própria pessoa que
substitui definitivamente as vítimas inocentes oferecidas a Deus. Por
esse motivo, o seu gesto é realizado, mas ele também ultrapassa o
culto de Israel.
O discurso de despedida
Agora que a refeição terminou, Jesus entrega seu testamento. João
apresenta duas versões sucessivas desse discurso de despedida, às
quais se acrescenta uma prece dirigida ao Pai, que é chamada desde
Clemente de Alexandria de prece sacerdotal. Composta pelo
Evangelista a partir das palavras do Mestre que ele lembrava, a
segunda versão foi provavelmente inserida pelo editor do evangelho
como uma variante brilhante, encontrada entre os papéis do
discípulo bem-amado. Com efeito, no final do capítulo XIV, lemos:
“Levantai-vos, vamos partir daqui”, em seguida o segundo discurso,
sempre no estilo de João, retoma em substância os mesmos temas
que o primeiro.46
“Filhinhos meus, por um pouco apenas ainda estou convosco. Vós
me haveis de procurar, mas como disse aos judeus, também vos digo
agora a vós: para onde eu vou, vós não podeis ir.” Dessa forma, ele
se despede dos seus. “Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns
aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis
amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois meus
discípulos, se vos amardes uns aos outros…” O comportamento de
caridade e amor fraternal é essencial. Provavelmente, a Lei não
ignora esse preceito. Mas o que é novo no mandamento de Jesus é
que, para ser verdadeiramente seu discípulo, aqueles que o seguem
devem viver de seu próprio amor.
Simão-Pedro, sempre generoso e impetuoso, mas lento em
compreender exclama: “Senhor, para onde vais?”, Jesus lhe
responde que aonde ele vai Pedro não pode segui-lo naquele
momento, mas acrescenta: “Tu me seguirás mais tarde”, alusão a seu
martírio futuro. Simão-Pedro volta a perguntar: “Por que te não
posso seguir agora? Daria a minha vida por ti”. Jesus respondeu:
“Darás a tua vida por mim!… Em verdade, em verdade te digo: não
cantará o galo até que me negues três vezes”.47
Depois ele retoma suas exortações. Que o coração deles não se
perturbe! Que eles acreditem em Deus, que acreditem também nele!
Na casa de seu Pai existem muitas moradas, senão ele lhes teria dito
que iria preparar um lugar para eles? “E, quando eu for e vos
preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que,
onde eu estou, estejais vós também. E vós sabeis o caminho para
onde eu vou.”48 Mas Tomé intervém e objeta que eles não conhecem
esse caminho. Jesus lhe responde: “Eu sou o caminho, e a verdade, e
a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim. Se vós me tivésseis
conhecido, conheceríeis também a meu Pai. Desde agora o conheceis
e o tendes visto”. Filipe então exclama: “Senhor, mostra-nos o Pai, e
isso nos basta”. Jesus respondeu: “Há tanto tempo estou convosco, e
não me tens conhecido? Quem me vê a mim vê o Pai; como dizes tu:
Mostra-nos o Pai? Não crês que eu estou no Pai e que o Pai está em
mim?”.
Jesus prossegue. Quando ele estiver perto do Pai, prosseguirá sua
obra por meio daqueles que acreditam.49 Tudo que esses pedirem em
seu nome, ele fará para que o Pai seja glorificado no Filho. Ele
rogará ao Pai para enviar-lhes um “Paraclet”, isto é, um Defensor —
dito de outra maneira, o Espírito Santo, o Espírito da verdade. Esse
Espírito Santo lhes ensinará tudo e lhes recordará tudo o que ele lhes
disse. Assim, eles compreenderão o sentido das palavras que
permaneceram até então obscuras. Eles não ficarão isolados. “Não
vos deixarei órfãos, voltarei para vós outros. Ainda por um pouco, e
o mundo não me verá mais; vós, porém, me vereis; porque eu vivo,
vós também vivereis”.50 Essa é apenas uma despedida.
Judas, filho de Tiago (outro Judas do grupo, e não o Iscariotes),
pergunta: “Senhor, que estás para manifestar-te a nós e não ao
mundo?”. Jesus não lhe responde diretamente: “Se alguém me ama,
guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e
faremos nele morada. Quem não me ama não guarda as minhas
palavras”. Ao recusar a palavra do Enviado, recusa-se também a
palavra do Pai e fica-se excluído de qualquer comunicação ulterior.51
Jesus faz suas despedidas: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos
dou…”.
Quando nos referimos ao evangelho de Lucas, Jesus ainda exorta
seus discípulos a se prepararem para futuros combates contra as
forças do Mal, contra o Príncipe desse mundo que se obstinará em
fazê-los cair.52 Eles deverão estar preparados para qualquer
eventualidade. Aquele que tem uma bolsa deve pegá-la! Aquele que
não tem uma espada, Jesus acrescenta metaforicamente, que ele
venda seu manto para comprar uma! Seus interlocutores lhe
respondem que eles já têm duas espadas. “É o bastante”, os
interrompe Jesus com lassidão. Eles ainda compreenderam mal! Ele
não lhes falava do momento presente, nem da necessidade de uma
luta armada, mas de combates espirituais e de perseguições que
iriam atormentá-los e contra as quais era preciso prevenir-se.
As refeições sagradas das confrarias dos fariseus terminavam, em
geral, por uma grande eucaristia ou com ação de graças: “Bendito
sejas tu, Senhor nosso Deus, Rei Eterno, Tu que nutres o mundo
inteiro com Tua Bondade, com Tua graça, com Tua Misericórdia e
com Tua afetuosa compaixão. Tu dás a toda carne seu alimento,
porque Tua misericórdia dura para sempre…”. Jesus substitui a ela a
longa “prece sacerdotal”. É um louvor dirigido a seu Pai que
apresenta, segundo o padre Xavier Léon-Dufour, a oscilação típica
das preces judaicas, em que se alternam um “olhar sobre aquilo que
aconteceu” e uma “abertura para o futuro”.53
Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que o Filho te glorifique a
ti, assim como lhe conferiste autoridade sobre toda a carne, a fim de que ele
conceda a vida eterna a todos os que lhe deste. […] Pai santo, guarda-os em
teu nome, que me deste, para que eles sejam um, assim como nós. […]
Quando eu estava com eles, guardava-os no teu nome, que me deste, e
protegi-os, e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição, para que
se cumprisse a Escritura. […]Eu lhes tenho dado a tua palavra, e o mundo
os odiou, porque eles não são do mundo, como também eu não sou. Não
peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal. […]Não rogo
somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por
intermédio da sua palavra; a fim de que todos sejam um…54
O processo romano
Pôncio Pilatos
Entra, então, em cena Pôncio Pilatos, da ordem equestre, isto é,
membro da pequena aristocracia romana (por oposição à ordem
senatorial), prefeito da Judeia de 26 a 36. Seu nomen (nome),
Pôncio (Pontius) — nome de sua gens (gente, seu clã) —, era de
origem samnita (ramo dos sabinos habitantes dos Abruzos). Seu
cognomen — sobrenome —, que representava sua família, era um
derivado de Pilum, a lança, a arma dos legionários. Para ter
merecido esse sobrenome de “o homem da lança”, ele era habilidoso
no manejo dessa arma? O cargo de prefeito era essencialmente
militar, não é despropositado pensar que ele havia se tornado ilustre
nas armadas romanas. Em compensação, seu praenomen (nome
próprio) é desconhecido (alguns propuseram Lucius, sem prova).
Segundo algumas fontes, ele vinha de Sevilha e tinha se casado com
Cláudia, filha de Júlia e neta do imperador Augusto, com o
consentimento de Tibério. O evangelho apócrifo de Nicodemos a
chama de Cláudia Prócula.
Não temos dele nenhum escrito; duas linhas, no máximo, são
consagradas a Pôncio Pilatos nas obras de História Antiga e, no
entanto, ele é universalmente conhecido. Milhões de cristãos pelo
mundo o nomeiam ao recitar o Símbolo (Credo) dos Apóstolos ou o
Credo de Niceia): “Ele sofreu sob Pôncio Pilatos…”, “Crucificado por
nós por Pôncio Pilatos…”. O modesto prefeito da Judeia não podia
imaginar tão grande — e tão sulfurosa — fama, enquanto o mundo
esqueceu até o nome de poderosos césares romanos. O processo e a
morte de Jesus, pelos quais, em definitivo, ele é responsável, estão
na origem de sua notoriedade.1
Ele não era procurador, ao contrário do que pensavam Flávio
Josefo, Fílon de Alexandria e mesmo Tácito, que prognosticavam
sobre a titularidade dos governadores da Judeia, mas prefeito. Uma
pedra descoberta em 1961 em Cesareia Marítima pela missão
arqueológica italiana do Instituto Lombardo de Ciências e Letras,
missão encarregada de desprender uma pequena escada da orquestra
do teatro da cidade, traz, com efeito, a menção, infelizmente
incompleta.
Um homem de Sejano?
Em 18 de outubro do ano 31, Lúcio Élio Sejanus, chamado Sejano,
braço direito e amigo de Tibério, foi detido e estrangulado por
ordem do imperador na prisão de Tullianum. Esse personagem
ávido, cruel e corrompido havia feito uma carreira fascinante,
começando como prefeito no Egito à sombra de seu pai. Em Roma,
conquistando a confiança de Tibério por causa de suas qualidades
militares, tornou-se prefeito do pretório, comandante da guarda
pretoriana. Tinha reinado sobre a administração imperial, colocando
nos postos-chave seus protegidos e seus cúmplices, a ponto de poder
atingir o poder do seu mestre, que ele ambicionava substituir. Já
tinha depurado o Senado, semeado a discórdia no seio da família
imperial e multiplicado as intrigas no palácio. Depois, havia se
desembaraçado de Druso, filho do imperador e herdeiro do trono,
fazendo com que a sua própria mulher Livila, que se tornara amante
de Sejano, o envenenasse. Tibério, cujos olhos enfim se abriram,
desembaraçou-se dele no momento oportuno.
Pôncio Pilatos era um de seus homens? Seu biógrafo, Jean-Pierre
Lémonon, não pensa assim. Porém, outros historiadores, como
Arthur Loth, Paul L. Maier, Ernst Bammel, são de opinião contrária.9
Sejano foi quem teria nomeado Pilatos para Jerusalém no decorrer
do verão do ano 26, numa época em que ele assumia o governo
imperial, enquanto Tibério se retirava e estabelecia sua residência
num promontório distante que estava situado acima de Capri. Seja
como for, Pôncio Pilatos devia ter se comportado como um
protegido fiel, sem o que teria sido substituído.
A queda do potentado romano, que tinha sido acompanhada por
uma reviravolta política de grande importância, fragilizava
consideravelmente a sua posição. A depuração tinha sido difícil e
numerosos funcionários haviam sido destituídos. Sejano havia
perseguido os judeus por toda a Itália.10 Depois de sua execução,
Tibério cuidou, ao contrário, de melhorar a situação dos judeus no
império, assinando um édito de tolerância e mandando os
governadores das províncias respeitarem seus costumes.
Pilatos diminuiu discretamente suas provocações calculadas. Ele
cessou qualquer cunhagem nova de moedas11 e multiplicou os sinais
de submissão e de lisonja em relação ao imperador. No ano 31, em
Cesareia, empreendeu, como dissemos, a construção do Tiberium.
Alguns meses mais tarde, acreditou ser solícito ao instalar no seu
palácio de Jerusalém escudos de ouro com o seu nome e o de
Tibério.12 Esses escudos não eram revestidos com qualquer efígie.
Pilatos achava que os judeus não se ofenderiam com isso, apesar do
sentido religioso da dedicatória.
Isso foi prova de uma imensa falta de habilidade! Uma delegação
conduzida por quatro filhos de Herodes, o Grande, veio protestar
solenemente, lembrando-lhe dos compromissos de seu mestre. “Não
nos provoque para a revolta e a guerra, disseram eles, não procure
perturbar a paz!” Palavras firmes acompanhadas de uma ameaça: se
Pilatos se recusasse a ouvi-los, enviariam deputados para Roma.
Entre os príncipes das famílias Herodes presentes, encontravam-se
Herodes Antipas, Filipe de Itureia, e talvez Herodes Filipe, pai de
Salomé. Alguns gozavam da amizade de Tibério, como Antipas,
educado em Roma com ele. Pilatos lamentou seu gesto, mas não
ousou dar-se por vencido diante desses vassalos do imperador. Eles
cumpriram a ameaça. Enviaram a Tibério uma carta não de
reclamação, mas de humilde súplica. Como recompensa, o
imperador decretou uma repreensão ao prefeito da Judeia,
ordenando que ele retirasse os escudos de seu palácio. Era o ano 32,
um ano antes do processo de Jesus, como estabeleceram dois
historiadores britânicos, A. D. Doyle e Harold W. Hoehner…13
Enquanto Sejano estava vivo, jamais as autoridades judaicas teriam
ousado enviar uma delegação para Roma.
O último erro de Pilatos ocorreu no ano 36, três anos após a
morte de Jesus.14 Esse erro foi fatal. Ele tinha sido avisado,
provavelmente por Caifás, que um profeta samaritano havia
marcado encontro com seu povo na cidade de Tirathana, ao pé do
monte Gerizim.15 A multidão foi convidada a subir a montanha
santa, onde o profeta mostraria a eles os vasos sagrados que Moisés
havia escondido. Os samaritanos, que esperavam um sinal de Deus
para lhes provar a legitimidade do seu culto, estavam ardentes e
febris. Alguns esperavam que o Templo, o verdadeiro, fosse
restaurado nesse local venerado. Talvez até mesmo o profeta que os
entusiasmava fosse o Ta’eb, o Restaurador tão esperado?
Como bom estrategista, Pilatos fez com que um destacamento de
cavaleiros e de soldados de infantaria ocupasse as vias de acesso ao
santuário. Os soldados cercaram os homens na aldeia, mataram
alguns e apoderaram-se de outros. O prefeito, determinado a
esmagar na raiz qualquer exaltação messiânica, ordenou a execução
do profeta e de seus principais acólitos. Indignado, o conselho dos
samaritanos deu queixa junto a Vitélio, legado da Síria,
argumentando que os peregrinos não tinham, de modo algum,
perturbado a ordem pública. Vitélio, julgando a reação militar fora
de proporção, lhes deu razão e destituiu Pilatos (seu cúmplice,
Caifás, foi destituído imediatamente depois). Pilatos, portanto,
deixou a Judeia no final do ano 36 ou no início do ano 37. Chegou a
Roma para se inteirar da morte de Tibério, ocorrida em 17 de março
de 37. A partir desse momento, não se sabe o que aconteceu com ele.
Para alguns, teria sido decapitado por ordem do imperador Calígula.
Para outros, teria se suicidado. Para outros ainda, teria morrido no
exílio em Viena, em Delfinado. Sua conversão ao cristianismo é
certamente uma lenda.16 Se ela fosse verdade, teria causado muito
falatório!
Em última análise, como qualificar Pôncio Pilatos? Um homem
duro, cruel seguramente, como os homens podiam ser naquela
época, imbuídos da autoridade e da grandeza imperial que ele
representava, desprezível em relação aos judeus que ele detestava.
Porém, mais que um tirano sanguinário, é preciso ver nele um
homem psicologicamente rígido, forte diante dos fracos, fraco diante
dos fortes.
A coroa radiante
Se Pilatos está persuadido de que o prisioneiro é inocente do crime
de rebelião pelo qual foi acusado pelos sumos sacerdotes, ele não
experimenta para com Jesus nenhuma compaixão. Entrega Jesus ao
bel-prazer de seus soldados; como diz Lucas, ele os deixa descarregar
sua raiva. Pilatos vai se servir de Jesus como de um brinquedo, para
zombar dos sumos sacerdotes e dos judeus em geral e humilhá-los. O
manto branco que Herodes fez Jesus usar, provavelmente, sugere a
Pilatos a ideia de uma paródia do rei dos judeus.
Ele é rei? Vamos, pois, coroá-lo! Os soldados, rindo, pegam
ramos de um arbusto mediterrâneo com espinhos longos e cortantes.
Gundelia tournefortii, que servem para alimentar o fogo dos
braseiros. Para não se picar, eles utilizam, do lado de fora, um
círculo de palha trançada que enfiam com os ramos na cabeça de
Jesus. É o que se chama na tradição cristã a coroa de espinhos, que,
na verdade, é uma espécie de capacete ou de gorro espinhoso que
cobre toda a superfície craniana, porque, contrariamente à
iconografia habitual, essa coroa não é feita apenas de ramos
espinhosos finos entrelaçados.
Os espinhos são para lembrar as coroas radiantes de ferro usadas
pelos soberanos orientais ou helênicos. É um sofrimento suplementar
para Jesus. O sudário de Turim mostra os múltiplos traços de picadas
e escorrimentos sanguíneos sobre a testa, o alto do crânio e atrás,
sobre o couro cabeludo, algumas se acumulando em torno do barrete
de junco. O doutor Pierre Barbet foi o primeiro a notar a
coincidência perfeita entre a localização das veias e das feridas.
Retomando esses trabalhos, um médico perito italiano, o professor
Sebastiano Rodante, enumerou treze perfurações do couro cabeludo
na fronte e na parte da frente da cabeça, vinte na região occipital. A
região das têmporas não era visível por causa da formação da
imagem por projeção octogonal. Mas ele calcula um total de
cinquenta ferimentos provocados pela coroa de espinhos14. Esse
ponto de vista é compartilhado por Robert Bucklin.15 A forma mais
visível desses indícios é a que se fixou sobre a fronte em forma de
ípsilon. O escorrimento sanguíneo, correspondente à veia frontal,
serpenteou entre as rugas da fronte, dolorosamente contraída,
espessando-se em cada meandro antes de escorrer mais para baixo.
A maior parte dos artistas que reproduziu o retrato do homem do
sudário, depois do século VI (data da sua descoberta em Edessa), não
sabia que se tratava de um ferimento, e esse escorrimento de sangue
foi representado como uma mecha de cabelo.
O arbusto Gundelia tournefortii (chamado na Palestina Zizyphus
Spina Christi) possui espinhos de 4 a 6cm de comprimento e nasce
apenas na região sírio-palestina. O professor Max Frei encontrará no
sudário de Turim o traço de numerosos pólens (um terço dos grãos
identificados). Quanto ao círculo, não se exclui a hipótese de que
seja aquele que o tesouro da Notre-Dame de Paris conserva num
relicário de cristal ornamentado com folhas de ouro, que é
apresentado à veneração dos fiéis nas sextas-feiras da Quaresma e
na Sexta-Feira Santa. Esse círculo de palha grosseiramente trançado,
que não contém nenhum espinho, teria, portanto, servido para fixar
os ramos mortíferos. Conservado pelos primeiros cristãos, é
assinalado na Terra Santa no ano 409. Dos séculos VI ao IX, ele foi
guardado em Constantinopla, onde era venerado como uma das
grandes relíquias da Paixão. Balduíno de Courtenay, quinto
imperador latino dessa cidade, o deixou como penhor entre os
venezianos. São Luís o recomprou e abrigou-o em Villeneuve-
l’Archevêque, perto de Troyes, em 1239. Seu diâmetro interior de
21cm é muito largo para que pudesse ser posto sobre uma cabeça,
mas ele convém perfeitamente para reter na cabeça os ramos
espinhosos. São Luís tinha igualmente recebido alguns desses ramos,
cujos espinhos distribuiu generosamente.
As sevícias
Depois dessa zombeteira investidura real, Jesus fica com o rosto, os
cabelos e a barba sujos de sangue. Sobre as espáduas desse farrapo
humano, eles lançam um manto de cor púrpura, símbolo de poder
entre os romanos, uma espécie de grande capa que os oficiais
usavam presa sobre o ombro direito. Pilatos provavelmente se
diverte ao ver seus homens aproximarem-se do supliciado,
ajoelharem-se diante dele em sinal de fidelidade. “Salve, rei dos
judeus!” Esse pobre homem miserável é o único rei que os soldados
romanos merecem, um rei de Carnaval! Tal cena odiosa e dolorosa
lembra as pantomimas satíricas do “rei zombado”, que era
representado nos jogos de comparsas ou das saturnais, as bufonarias
sangrentas da festa persa dos rituais sacas.[1] Temos outros
exemplos, na história antiga, dessas paródias. Fílon narra a
aventura em Alexandria, no ano 38, de um espírito simples chamado
Kara-Bas, cuja cabeça era coberta com uma folha de papiro sob a
forma de diadema e para quem era dada uma haste de papiro como
cetro. Ele era instalado sobre um estrado e a multidão entretida
vinha pedir-lhe justiça… Tratava-se de zombar do rei judeu Herodes
Agripa I, de passagem por Alexandria.
“E eles se puseram a dar-lhe golpes”, diz João. Golpes é um
eufemismo para não relatar o horror do suplício suportado por
Jesus, mas João, uma vez mais, na sua exaltação transcendente do
Cristo, atenua o sofrimento físico. O sudário de Turim, ao criar
realismo, mostra o rosto depois dessa sessão de tortura, sem que se
possam distinguir os traços das feridas e contusões sofridas na casa
de Anás daquelas que foram infligidas a Jesus no palácio do
governador: tumefação das duas sobrancelhas, uma parte da barba e
do bigode arrancada, rompimento da pálpebra direita, equimose
debaixo do olho direito, uma ferida triangular na face direita,
tumefação da face esquerda, inchaço do lado esquerdo do queixo. O
sadismo dos soldados é explicado por sua origem. Recrutados entre
os não judeus da Palestina, eles detestam os judeus.
Ecce homo[2]
Se Pilatos autorizou essas cenas, não foi para divertir os soldados
rústicos da coorte de Cesareia. Trata-se, novamente, de ridicularizar
os sumos sacerdotes e seus partidários dedicados que esperavam do
lado de fora. Ele sai do pretório e dirige-se à multidão. “Eis que eu
vo-lo apresento, para que saibais que eu não acho nele crime
algum”. Cinicamente, Pilatos cria uma espécie de “suspense”,16
como no teatro. Num estado de esgotamento total, Jesus,
desfigurado, escorrendo sangue, adianta-se em silêncio,
cambaleante, tremendo, tendo na cabeça a coroa de espinhos e
vestido com o manto vermelho. Muito magro e com o olhar
desnorteado, coberto de lesões e de escoriações, quase não podendo
respirar, ele carrega em si todo o sofrimento do mundo. Seu corpo é
apenas dor. A metade direita do seu rosto está deformada, desde o
olho até a mandíbula. Ele não comeu, nem bebeu, tampouco dormiu
desde a noite anterior. “Eis o homem!” Para um prisioneiro que o
prefeito julga inocente, ele se encontra num estado semicomatoso…
Ele está, de fato, ali — mas quem se preocupa com ele? —, o
Servidor sofredor descrito por Isaías: “Desde a planta do pé até à
cabeça não há nele coisa sã, senão feridas, contusões e chagas
inflamadas”.17
Essa é a famosa cena do Ecce homo, que inspirou tantos artistas,
poetas e literatos. Os sumos sacerdotes compreendem a pesada e
cruel ironia contida nesse “Eis o homem!”? Vocês disseram que ele
era rei? Um rei de comédia, lamentável, ridículo, monarca
insignificante, de uma soberania improvável. Ao fazer isso, é toda a
espera messiânica, esse “sonho secular de Israel”,18 que é
ridicularizado, estigmatizado, lacerado por Pôncio Pilatos. Roma não
tem o que fazer com os messias judeus!
Os judeus importantes e sua criadagem dão a impressão de não
compreender o sentido ultrajante dessa zombaria untada de sangue.
Mas seu furor vai se expressar de outra maneira. Mais do que nunca,
o que querem é a morte de Jesus. Ademais, conta João, assim que
viram Jesus, puseram-se a gritar: “Crucifica-o! Crucifica-o!”. Pilatos
continua a zombar deles: “Tomai-o vós outros e crucificai-o”. Esse,
evidentemente, não é um convite sério, mas uma maneira, ao
contrário, de Pilatos lembrar aos judeus que esse homem está em
suas mãos e que só ele tem o poder de crucificá-lo. A cruz é um
suplício romano. Os judeus utilizam a lapidação.19 E ele acrescenta,
para avivar a cólera dos judeus: “Eu não acho nele crime algum”. É
a terceira vez que pronuncia essa frase. Ela impressionou João.
Lucas, no seu evangelho, repete essa tripla afirmação.
Os sumos sacerdotes retrucam: “Temos uma lei, e, de
conformidade com a lei, ele deve morrer, porque a si mesmo se fez
Filho de Deus”. Finalmente, eles revelam sua verdadeira ofensa! A
alusão à Lei tem como objetivo lembrar Pilatos que os
administradores romanos são obrigados a honrar os costumes locais.
No fundo, eles invocam, sem dizer explicitamente, o direito de
exequatur, quer dizer, a obrigação que o ocupante tem de executar
uma sentença pronunciada por eles, sem ter a possibilidade de
transformá-la ou de desviá-la. Visto que os romanos privaram os
judeus de pronunciar a pena de morte, cabe a eles aplicar as outras
punições. A verdade, como se sabe, é que a sentença não foi
legalmente pronunciada pelo Sinédrio e que a autoridade romana,
supondo que ela quisesse deferi-la, não tinha nenhuma base para se
justificar. Não desagrada a alguns juristas do século XIX, como o
alemão Theodor Mommsen, a ideia de que, se a potência ocupante
estava satisfeita em deixar aos judeus o cuidado de decidir seus
assuntos judiciários comuns, jamais ela teria consentido em limitar
seu próprio imperium por uma decisão de um tribunal nativo.
Pilatos não se envolve nessas argúcias jurídicas. João observa
que, quando ouve que Jesus se declarou “Filho de Deus”, ele fica
“cada vez mais assustado”. Essa incursão brutal tornou-o sombrio.
Por quê? Ele tem o sentimento de ser ultrapassado por algo de
sobre-humano? Talvez, mas não, evidentemente, no sentido da
transcendência judaica. Como bem observou o padre Étienne Nodet,
aludir ao Filho de Deus significa evocar o imperador e a aura
sobrenatural que o cerca na religião romana. Tibério é um ser
sagrado, um deus, um filho de deus, ao qual se deve prestar um
culto.
O assunto, então, se torna grave, muito mais grave. Pode causar
a Pilatos problemas muito grandes. Jesus pretenderia se colocar
como rival de César? Ele tem poderes misteriosos? Pilatos é
supersticioso. Provavelmente, ele se lembra do que sua mulher lhe
disse. Ele volta ao palácio, olha para o prisioneiro e pergunta: “De
onde vens?”. Não é o local de seu nascimento que lhe interessa, mas
sua verdadeira origem. “Quem és tu, verdadeiramente?” “Qual é tua
verdadeira natureza? De onde vêm as tuas pretensões?” Saber a
identidade de Jesus se torna primordial. Ela é mais importante do
que aquilo que ele fez. Essa é uma reviravolta no processo. O
prefeito romano abandonou o tom de zombaria. Ele acreditava estar
lidando com um retardado mental, e se depara com um mistério que
o assusta. É preciso que esse pregador fale.
Contudo, Jesus se cala. Mateus e Marcos propagam esse silêncio
no breve e incompleto resumo que escrevem. Eles assinalam o
espanto de Pilatos, intrigado, aflito com esse estranho mutismo. Ele
reencontra sua arrogância. “Não me respondes? Não sabes que tenho
autoridade para te soltar e autoridade para te crucificar?” Essa é
uma maneira de lembrar Jesus que ele detém o imperium em
plenitude, que é a autoridade absoluta, que nenhuma lei exterior e
concorrente poderia limitá-lo. Sim, ele é todo-poderoso! O homem
que está entre suas mãos deve, portanto, mostrar-se um pouco mais
cooperativo se ele quer verdadeiramente recuperar sua liberdade!
Jesus responde de maneira enigmática: “Nenhuma autoridade terias
sobre mim, se de cima não te fosse dada; por isso, quem me entregou
a ti maior pecado tem”. De quem se trata? De Judas? Não, porque
não foi ele quem o entregou aos romanos. De Caifás e dos chefes
judeus? É mais certo, pois foram eles que se recusaram a reconhecer
Jesus em verdade. Quanto à resposta sobre a autoridade de que
Pilatos dispõe, é preciso não ver nisso uma reflexão sobre o poder do
Estado subordinado à vontade divina, como fez são Tomás de
Aquino. É porque Jesus, segundo os cristãos, renuncia
voluntariamente à sua vida que o prefeito romano recebe de Deus
seu Pai o poder muito provisório de julgá-lo e de condená-lo,
segundo as leis terrestres. E nisso ele é julgado: ele carrega um
pecado, mesmo se menor do que o dos sumos sacerdotes.
O final do processo
Apesar da atitude e das palavras misteriosas do acusado, Pilatos não
pode condená-lo à morte. Ele já o puniu suficientemente. Ele sai de
novo e anuncia que vai libertá-lo. Foi então que se ouve dizer: “Se
soltas a este, não és amigo de César! Todo aquele que se faz rei é
contra César!”. Pela primeira vez, ameaças são proferidas contra
ele. “Amigo de César” era um título oficial, compartilhado com
alguns altos dignitários imperiais, que ele havia adquirido,
provavelmente, por intermédio de Sejano”. “Qualquer um próximo a
Sejano, escreve Tácito, “podia ambicionar a amizade de César.”20
Essa é uma recompensa por serviços prestados. No início do Império
Romano, os “amigos de Augusto” representavam um tipo de nobreza
particular. Moedas foram cunhadas por Herodes Agripa II, que reina
do ano 37 a 44, com a inscrição philokaisar (“Amigo de César”).21 A
ameaça é grave. Chega a ser uma chantagem! Anás e Caifás, não
tendo conseguido o que queriam invocando a lei judaica, apelam à
lei romana, que eles tentam voltar contra o prefeito para fazê-lo
mudar de atitude. Esse é o primeiro passo para uma queixa a uma
dignidade mais elevada.
João escreve, em seguida: “Ao ouvir essas palavras, Pilatos faz
Jesus sair e toma lugar no tribunal no local chamado Lithostrôton, em
hebraico, Gabbatha (Gábata), [… depois] ele diz aos judeus: ‘Aqui
está vosso rei!’.” Esse é o momento decisivo, o ponto culminante do
processo. Tal cena apresenta uma curiosa dificuldade de
interpretação que é conveniente assinalar, porque, segundo o ponto
de vista que se adota, o seu sentido fica completamente alterado. O
texto grego traz a palavra ekathisen, do verbo kathizein. Ora, esse
verbo pode ser utilizado no sentido de sentar-se ou de fazer sentar.
Primeira tradução, a mais tradicional: Pilatos faz Jesus sair e toma
lugar no tribunal”. Segunda tradução: “Pilatos faz Jesus sair e o faz
sentar no tribunal”. Essa segunda interpretação, muito mais
original, foi defendida pelo padre de La Potterie22 e retomada pela
TEB.[3] Ela toca num ponto que o evangelho apócrifo de Pedro no
século II já assinalava. A solenidade com a qual João apresenta o
acontecimento — ele apresenta cuidadosamente a tradução do local
chamado Gabbatha (a palavra designa uma “altitude”, o que
corresponde ao palácio de Herodes no cume da colina mais alta, na
parte ocidental da cidade), e explicita a hora (a sexta, quer dizer
meio-dia, no início das solenidades da Páscoa que vão se desenrolar
no dia seguinte, no momento em que os primeiros cordeiros do
sacrifício cotidiano do Tamid serão degolados) — poderia nos fazer
preferir essa última interpretação. Essa seria, então, uma cena
poderosa com uma simbologia bem ao estilo de João. Com efeito,
Pilatos, em lugar de voltar para o estrado do julgamento, conduz
Jesus ao estrado, sempre vestido com o seu extravagante traje real,
tendo na cabeça a coroa de espinhos pontudos, e o faz sentar na
cadeira curul. “Eis aqui o vosso rei!”, Pilatos exclama novamente. O
cristão terá compreendido: Jesus se senta como majestade no
tribunal supremo. Ele é rei e juiz e, ao mesmo tempo, o cordeiro
pascal oferecido em holocausto, o Cordeiro de Deus. As autoridades
judaicas e romanas acreditam estar julgando Jesus. Mas é ele, na
verdade, que é seu juiz, e as autoridades os verdadeiros condenados!
Cena extraordinária de entronização real! Esse é o ápice da Paixão e
de sua força dramática! Se essa interpretação filológica é a correta,23
João, a testemunha insubstituível, terá percebido novamente o real
significado espiritual que se depreende dos acontecimentos.
“Eis aqui vosso rei!”: é possível que essa última comédia
representada por Pilatos tenha tido menos como objetivo
ridicularizar novamente os chefes judeus do que obter deles o que ele
quer, quer dizer, a libertação de Jesus e o final desse assunto
enfadonho. Nessa hipótese, ele esperava não a piedade dos judeus,
mas o reconhecimento de que, em definitivo, não valia a pena
obstinar-se contra esse homem enfraquecido, esse rei insignificante e
sem poder, que não é um verdadeiro rival do imperador.
No entanto, a multidão amotinada pelos sumos sacerdotes
vocifera: “A morte! A morte!”, literalmente: “Fora! Fora!”, depois:
“Crucifica-o! Crucifica-o!”. Pilatos lança uma última provocação:
“Hei de crucificar vosso rei?”. Os sumos sacerdotes: “Não temos rei,
senão César!”. Exclamação que gera estupefação, vinda dos mais
altos representantes da religião judaica, que tinham feito questão de
preservar, até então, a especificidade de sua nação: “Tomada
isoladamente”, comenta o padre Xavier Léon-Dufour, “essa frase
renega a soberania absoluta de Deus sobre Israel e renega, portanto,
a fé judaica em Deus, rei único do povo da Aliança, fé que celebra
precisamente a Hagadah pascal.”24
“Então, prossegue João, Pilatos o entregou para ser crucificado.”
A frase, mal construída, é sempre mal compreendida: “a eles” não se
refere aos sumos sacerdotes ou aos judeus, mas aos soldados
romanos que conduziram Jesus. É habitual, no caso de João, cometer
erros gramaticais (como também no caso de Lucas). Pilatos, por
covardia, por medo, cedeu. Ele preferiu cometer uma injustiça do
que arriscar que os sumos sacerdotes se queixassem diretamente a
Tibério, monarca implacável e imprevisível.
Foi esse o principal motivo de Pilatos no último momento: ao
dizer-lhe que ele não seria “amigo de César”, ao afirmar com força
que eles “não tinham outro rei senão César”, Anás e Caifás deram a
entender que eles poderiam apelar a Roma. Essa intimidação só
pode ser compreendida à luz do incidente provocado pelos escudos
de ouro no ano anterior. O prefeito não quer receber uma nova
carta de reclamação. Ele procurou ridicularizá-los da melhor forma
possível. Ir além do que já tinha feito poderia ser perigoso. Tibério
poderia reprová-lo por ter libertado um impostor da Galileia que se
toma por Filho de Deus, seu igual, de certa maneira, e de ser
cúmplice desse amotinador! Pilatos capitula e entrega Jesus a seus
soldados.
17
A crucificação
O caminho da cruz
Desembaraçado de seu rico manto, o condenado torna a vestir suas
roupas. Retiram dele sua macabra coroa de espinhos para que possa
vestir sua túnica, mas a coroa é recolocada imediatamente. Foi uma
iniciativa dos guardas? Não, trata-se mais provavelmente de uma
ordem de Pilatos. A idéia é, mais uma vez, ridicularizar o
pretendente à realeza judaica. No Império Romano, na maior parte
do tempo, os condenados à crucificação eram conduzidos ao suplício
completamente despidos. Por respeito aos costumes judaicos, eles
não ousaram desnudar Jesus no interior dos muros de Jerusalém.
Os soldados colocam sobre seus ombros uma cruz de madeira
pesada. Essa cruz é carregada pelo próprio Jesus, como ordena a
regra romana, atestada por diversos autores, principalmente
Plutarco em sua obra Sobre a demora da justiça divina [“Nos suplícios
corporais cada um dos malfeitores carrega sua própria cruz”]. Em
sua Mostellaria (também conhecida como a Comédia do fantasma),
Plauto faz um dos seus personagens dizer: “Eles te conduzirão pelas
ruas, com o patibulum sobre a nuca, enchendo-te com golpes de
estímulo”. O patibulum é a travessa de madeira horizontal, ajustada
por meio de um entalhe à travessa vertical fincada na terra. Essa
peça de madeira, que pesava pelo menos treze quilos, era em geral o
único elemento mantido por meio de cordas sobre as espáduas do
condenado, e a parte vertical, o stipex crucis, que ficava no lugar,
sem se deslocar, servia para outras crucificações. No momento do
suplício, o homem, com os braços estendidos, era pregado sobre o
patibulum no solo, depois era levantado e fixava-se a trave,
entalhada para isso, sobre a parte vertical.7
Será que as coisas se passaram dessa maneira? João, que viu
Jesus sair pela porta norte do palácio de Herodes, escreve: “Ele
próprio carregando a sua cruz, saiu”. Isso quer dizer que ele estava
carregando a totalidade da cruz, patibulum e stipex fixados juntos?
Os historiadores se concentraram na ideia de que Jesus carregava
somente a barra transversal, como era de uso corrente. Não é certo
que eles tenham razão. Em primeiro lugar, porque o evangelista não
era um homem que mentia em relação à realidade. Se ele diz que o
próprio Jesus carregava a sua cruz, foi precisamente assim que ele o
viu. Por outro lado, não é evidente que no Gólgota as estacas
verticais ficassem ali permanentemente, como era o caso em Roma,
na colina de Esquilino. As execuções não eram comuns na época. Se
houve três execuções no ano 33, isso fora, provavelmente, uma
exceção (nenhuma outra é assinalada por Flávio Josefo entre o ano
6 e o ano 40).
Dispomos atualmente de outro indício. O professor André
Marion, físico do Instituto de Ótica Teórica e Aplicada de Orsay, que
estudou em paralelo o sudário de Turim e a santa túnica de
Argenteuil, reconstituiu em computador o estrago sofrido pela túnica
em cima da corpulência de um homem com a estatura do homem do
sudário (que media cerca de 1,80m e pesava mais ou menos 77
quilos). Esse modelo geométrico de alteração da forma lhe permitiu
observar sobre as costas das duas relíquias a superposição perfeita
dos grandes desgastes, causados por fricção e manchados de sangue.
Duas bandas retilíneas e ortogonais com cerca de 20 centímetros de
largura, indícios de um objeto pesado e rugoso, mostram que o
Cristo carregou uma cruz inteira que se esfregou sobre a sua roupa e
reavivou os ferimentos e as escoriações da flagelação. “A parte mais
longa da cruz teria se apoiado pesadamente sobre a omoplata e a
espádua esquerdas, formando um ângulo de aproximadamente trinta
graus com a vertical, enquanto o lado direito da travessa de madeira
era suportado pela espádua direita do supliciado.”8 Provavelmente,
Jesus se serviu da sua mão direita para manter a parte horizontal da
cruz, porque foi levando em conta as pregas causadas na túnica por
esse gesto que André Marion chegou a uma correspondência
impressionante entre as marcas ensanguentadas das duas relíquias.
O instrumento de suplício seria, portanto, uma cruz latina com as
duas partes já ajustadas. De que tamanho? Devia ser suficientemente
alta para levantar o supliciado por cerca de um metro, porque seria
preciso estender-lhe na ponta de um caniço uma esponja embebida
em água para fazê-lo beber, o que confirma igualmente a orientação
do golpe de lança de baixo para cima, visível no sudário. Essa cruz
deve pesar pelo menos 75 quilos. Enfraquecido ao extremo, Jesus só
conseguiu arrastá-la. Se confiarmos nas relíquias da catedral de Pisa,
do Duomo de Florença, de Notre-Dame de Paris e da basílica da
Santa Cruz de Jerusalém, a madeira utilizada teria sido o pinho. Foi
Pilatos, com certeza, que decidiu recorrer à cruz sublimis — a cruz
alta — em lugar da cruz humilis, para mostrar com clareza o seu rei
para os judeus.
No sudário de Turim, os traços de sujeira na altura dos
calcanhares — os fios estão cheios de poeira e de partículas de lama
— são visíveis somente com o microscópio eletrônico. Um
cristalógrafo americano da Hercules Aerospace Division, Joseph
Kohlbeck, notou no meio dessa poeira uma grande concentração de
carbonato de cálcio e pequenas quantidades de estrôncio e de ferro.
Ele identificou esse material com uma variedade bastante rara de
calcita, a aragonita, que se apresenta sob a forma de massa fibrosa e
compacta com fissuras brilhantes, cujos traços foram encontrados
em uma sepultura de Jerusalém. Outro químico, Ricardo Levi-Setti,
da Universidade de Chicago, ao trabalhar sobre amostras de
aragonita provenientes da Cidade Santa, ficou impressionado com a
identidade de estrutura que elas apresentavam em relação aos traços
do sudário.10 A aragonita foi igualmente encontrada sobre a túnica
de Argenteuil.
O itinerário de Jesus não tem nada a ver com a famosa Via
dolorosa que os peregrinos percorrem atualmente. Essa via,
concebida no século XVIII, a partir de um dos caminhos de cruzes
medievais — cada crença ou doutrina tinha a sua —, parte do local
da Fortaleza Antônia e passa debaixo do famoso arco do Ecce Homo,
cuja datação é discutida, mas que não existia no tempo de Jesus. Na
verdade, o local do suplício, o Gólgota, fica situado a cerca de 400
metros do antigo palácio de Herodes, no lado de fora dos muros,
porque as execuções eram proibidas no interior da cidade.
Na sua perspectiva de exaltação gloriosa de Jesus, João faz do
caminho da cruz quase uma marcha triunfal. Ele se abstém de
precisar que, ao cabo de uma dezena de passos, provavelmente
antes de ter transposto a porta do recinto dos Jardins, não longe da
torre Hippicos, o condenado titubeia e depois desaba. Ele cai
violentamente, com o rosto contra a terra, o que desperta a dor da
fratura do nariz. Os joelhos estão esfolados. Provavelmente, ele sofre
outras quedas, como as expõem as estações dos modernos caminhos
de cruz. Em todo caso, o sudário, essa testemunha insubstituível,
deixa perceber graves contusões nos joelhos: nesse local do sudário,
com efeito, o microscópio eletrônico mostra indícios lamacentos e
células epidérmicas.11 Talvez, essas quedas deixassem cair no chão a
coroa de espinhos? Ela é recolocada no lugar com brutalidade.
A análise das manchas de sangue sobre a túnica de Argenteuil
revela um esgotamento extremo. Algumas hemácias, observadas pelo
geneticista Gérard Lucotte, apresentam uma forma alterada e estão
rasgadas, privadas de sua hemoglobina. Ao passo que as hemácias
normais são bicôncavas, as de Jesus são menores, redondas,
acompanhadas de protuberâncias cônicas na sua superfície. Essas
particularidades são explicadas pela perda do líquido intracelular,
sinal de um organismo desidratado. A presença de ureia, a rarefação
dos sais minerais, como o cálcio e o ferro, são sinais de uma anemia,
pior ainda, sinais de uma “situação traumática”.12 Depois da
flagelação, que causou fortes edemas na pleura, Jesus sobrevive a
ele mesmo. Procurando encontrar, a partir do sudário, a cor dos fios
de cabelo de Cristo, um pesquisador americano, Gilbert R. Lavoie,
chegou à conclusão de que os cabelos e a barba se tornaram brancos
ou cinza muito claro:13 um fenômeno que pode se produzir algumas
horas em seguida a um choque emocional intenso. “A sua cabeça e
cabelos eram brancos como alva lã, como neve”, escreve João no
Apocalipse.14
Simão de Cirene
Em seguida, é necessário reportar-se aos evangelhos sinópticos. Os
soldados requisitam um espectador, Simão de Cirene, “que voltava
do campo”. Esse detalhe prova uma vez mais que eles estavam na
véspera da Páscoa, dia em que o trabalho cessa ao meio-dia, e não
no próprio dia, no qual qualquer atividade era proibida, sobretudo
nos campos. Marcos precisa que Simão de Cirene era “o pai de
Alexandre e de Rufo”, dois personagens familiares aos destinatários
de seu evangelho. Paulo, na sua Epístola aos Romanos, fala de um
Rufo, membro da comunidade cristã.15 Seria o mesmo? Não sabemos,
porque esse nome é bastante comum. Precisamos observar, somente,
que Marcos escreveu seu evangelho cerca de trinta anos depois da
morte de Jesus. Simão de Cirene teria podido, então, confiar suas
preciosas lembranças a seus dois filhos, Rufo (forma helenizada do
hebraico Ruben) e Alexandre (nome grego comum na Palestina), que
se tornaram cristãos, e eles teriam divulgado as informações.
Ninguém, aliás, coloca em questão seu papel.
Simão é um judeu originário de Cirene, capital da região da
África do Norte chamada Cirenaica. Seria ele um peregrino que veio
para a festa? Um membro da comunidade helenística da Cirenaica?
Esses membros possuem em Jerusalém sua própria sinagoga, na qual
há uma hospedaria. Lucas nos descreve Simão encarregando-se da
cruz e Jesus andando na frente dele. Não é com alegria no coração
que ele carrega essa madeira, que o torna impuro no momento da
Páscoa. O fato de que ele pôde pegar na cruz estabelece outra
particularidade: contrariamente ao costume, o condenado não foi
amarrado com cordas a seu instrumento de morte. Isto se liga à frase
de João, que relata Jesus “Ele próprio, carregando a sua cruz”, sem
coação.
As mulheres de Jerusalém
Quem são essas carpideiras de que fala Lucas, que se lamentam e
cantam cantilenas fúnebres batendo no peito quando passa o
cortejo?
Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai, antes, por vós mesmas e
por vossos filhos! Porque dias virão em que se dirá: Bem-aventuradas as
estéreis, que não geraram, nem amamentaram. Nesses dias, dirão aos
montes: Caí sobre nós! E aos outeiros: Cobri-nos! Porque, se em lenho verde
fazem isto, que será no lenho seco?16
Os dois ladrões
Na manhã de sexta-feira, Pilatos manteve outras audiências. Ele
condenou à morte dois bandidos. Quem são eles? Nenhuma precisão
é dada nos escritos evangélicos. Talvez, fizessem parte dos
insurgentes “Os quais em um tumulto haviam come-tido
homicídio”,37 de que fala Marcos. Talvez fossem companheiros de
Barrabás, que não tiveram a chance de beneficiar-se com a anistia?
Mas, assim como Barrabás, eles não são zelotes. Muito
provavelmente, são salteadores ou ladrões de estrada, culpados
talvez por cometerem crimes de sangue. Jesus, o inocente, é
executado no meio deles (“um de cada lado”, esclarece João). Se
Pilatos fez colocar Jesus no centro, foi para aperfeiçoar a comédia
do rei dos judeus: Jesus, com a sua coroa de zombaria, é cercado
como uma majestade por dois bandidos, provavelmente colocados
em cruzes baixas (cruz humilis). Podemos admitir que essas cruzes
também traziam igualmente um titulus que indicava o motivo da
condenação, mas isto não é certo. Essas inscrições não são
sistemáticas. Para melhor valorizar o horror do suplício de Jesus,
acentuar o seu caráter único, a arte cristã quase sempre representou
os seus dois companheiros de miséria amarrados com cordas: pura
convenção iconográfica, que não se baseia em nenhum dado
histórico. Muito provavelmente, os três foram executados da mesma
maneira.
Alguns manuscritos dão nomes aos dois ladrões: Joathas e
Maggatras (no antigo latim de Lucas), Zoathan e Camma (no antigo
latim de Mateus), Dysmas e Gestas no relato apócrifo dos Atos de
Pilatos, Titus e Dumachus no evangelho árabe da Infância. Podemos
escolher!
Esses ladrões também são flagelados, porém com menos
violência, porque, como se trata de uma punição anterior ao
suplício, os carrascos sempre temem ter de responder por uma morte
prematura de suas vítimas.38 De fato, Jesus, esgotado, vai morrer
antes deles, ao passo que será preciso desferir um último golpe nos
ladrões.
Uma vez terminado o trabalho, em conformidade com um
costume romano (confirmado mais tarde por um decreto do
imperador Adriano), os soldados, salvo o oficial, repartem entre si
os despojos das três vítimas. É a sua recompensa. Eles não os
empregam em seu uso pessoal, mas os negociam. Os evangelhos
mantiveram esse detalhe, porque pareceu aos evangelistas que assim
se cumpria o Salmo 22: “Repartem entre si as minhas vestes e sobre
a minha túnica deitam sortes”.
No caso de Jesus, eles dividem quatro partes, uma para cada um.
O cinto, as cuecas (michrasim), a túnica de baixo (simba)39 e as
sandálias.40 Sobra a túnica de cima ou manto (chetoneh), usado
diretamente sobre a pele, em tecido de lã bastante grosseiro,
chamado sadin, sem costura. Os soldados decidem sorteá-lo.
Descreveram-na: essa “túnica sem costura, tecida como uma única
peça desde o alto”, que João descreve com a minúcia de uma
testemunha ocular, pode ser identificada com a túnica que está em
Argenteuil… Uma camisa longa de lã, característica dos habitantes
pobres da Galileia na época, que ia até o cotovelo e descia até o
meio da coxa.
Os insultos
Lucas é o único a citar a prece de Jesus na cruz: “Pai, perdoa-lhes,
porque não sabem o que fazem”.41 Essa palavra de perdão refere-se
ao mesmo tempo aos romanos e aos que o entregaram. Ela chocou
alguns copistas, em uma época em que judeus e cristãos opunham-se
violentamente, por isso, há a omissão desse versículo em algumas
versões. Entretanto, parece que essa notação é autêntica. No ano 36,
Estêvão, ao morrer lapidado e querendo imitar Jesus, vai retomar
mais ou menos a mesma invocação, dirigida não ao Pai, mas a Jesus:
“Senhor, não os condene por esse pecado”.42 No século II, o
historiador Hegésipo oferecerá uma frase semelhante para Tiago, o
Justo, no momento da sua lapidação.43 Talvez Lucas ficasse sabendo
desses detalhes por João, que, entretanto, não os relata em seu
evangelho, do mesmo modo que não relata as injúrias de que é
objeto o supliciado. Em seguida, provavelmente, Lucas se baseia no
relato primitivo do texto aramaico de Mateus,[1] matriz dos
evangelhos sinópticos:44 “O povo permanecia ali, olhando; os chefes,
porém, zombavam de Jesus, dizendo: ‘A outros ele salvou. Que salve
a si mesmo se é de fato o Messias de Deus, o Escolhido’”.45 O
evangelista diferencia o povo, que não é completamente hostil, dos
chefes, que odeiam o crucificado. O nome de “Jesus” (que, podemos
lembrar, significa “Deus salva”) que figurava sobre o titulus,
associado à sua qualificação de “rei dos judeus”, sugere essas
zombarias e esses desafios. Ele diz que é o Salvador? “Salvou os
outros; a si mesmo se salve.” “Salva-te a ti mesmo, descendo da
cruz.”
Há grande número de pessoas ao redor do rochedo do Gólgota e
no caos das antigas pedreiras, cobertas nessa primavera com uma
vegetação abundante. Todos aqueles que entram em Jerusalém pelo
caminho de Belém para noroeste, quer pela porta dos Jardins, quer
pela porta de Efraim, não podem escapar ao espetáculo, e são
numerosos nessa véspera do grande sabá de Páscoa. As três cruzes
também podem ser vistas do alto das muralhas, a algumas dezenas
de metros do local da crucificação.
“Também os que com ele foram crucificados o insultavam”,
escreve Marcos. Mas foi provavelmente João quem relatou a Lucas o
episódio do bom ladrão, ou então foram as santas mulheres,
postadas perto da cruz. Enquanto um dos malfeitores fazia coro com
a multidão, o outro lhe declarava: “Nem ao menos temes a Deus,
estando sob igual sentença? Nós, na verdade, com justiça, porque
recebemos o castigo que os nossos atos merecem; mas este nenhum
mal fez. E acrescentou: Jesus, lembra-te de mim quando vieres no
teu reino”. O ladrão havia ouvido um rumor da sua pregação, ou
tinha assistido ao processo de Jesus enquanto aguardava o seu?
Jesus lhe responde usando a fórmula solene: “Em verdade te digo
que hoje estarás comigo no paraíso”. No anúncio escatológico da
literatura judaica, bem como mais tarde, no pensamento cristão, o
paraíso é o jardim da justiça, o reino celeste, onde os justos
encontrarão sua recompensa final, plena e inteira. Para os teólogos,
essa palavra expressa a misericórdia gratuita de Deus que se exerce
pelo intermédio de Cristo. Não é de espantar que Jesus, apesar da
atrocidade de seu suplício, tenha podido falar, pelo menos
brevemente, durante as três horas pelas quais se estende a sua
agonia. Segundo Schalom Ben-Chorin, era comum os condenados
proferirem discursos, colocarem-se a gritar ou a lançar imprecações
do alto de seu patíbulo sangrento.46 É surpreendente o contraste
com Jesus, que só pronunciará palavras de bondade e de perdão.
Os sumos sacerdotes em pessoa levaram adiante sua baixeza até
irem ao pé da cruz? Mateus e Marcos não dizem nada a respeito.
Lucas, ao falar dos “chefes”, parece dizer que sim. A hipótese parece
surpreendente, até mesmo excessiva. Por que se plantar diante de
sua vítima? A execução era um assunto de trabalhos inferiores. O
essencial para eles não era ter conseguido à força do ocupante
romano a sentença de morte? Além disso, sua presença nesse lugar
de execução os tornaria ritualmente impuros. Mas talvez se deva
levar em conta a dimensão passional do drama. Os sumos sacerdotes
tiveram dificuldade para conseguir tal condenação. Para deleitar-se
com a visão desse falso messias que os provocara com desprezo e
escárnio no Templo, teriam eles deixado de lado sua dignidade
durante alguns minutos?
Em todo caso, mesmo que não tenham estado presentes, Anás e
Caifás logo ouviram rumores do que Pilatos mandara inscrever no
titulus e cuja significação messiânica era evidente. “Muitos judeus,
escreve João, leram este título, porque o lugar em que Jesus fora
crucificado era perto da cidade.”47 Eles não o retiraram da cruz. “O
rei dos judeus”! Como esse miserável poderia sê-lo? Isso era
intolerável! Eles se sentem duplamente humilhados, religiosa e
socialmente. Pilatos zombou deles. Em lugar de consagrar sua tarde
ao sacrifício dos animais para a refeição da noite, eles decidem
retornar para vê-lo. Apesar de terem anunciado sua fidelidade a
Tibério, seu “rei”, continuam ligados à espera da chegada de um
novo Messias a Israel. Schalom Ben-Chorin pensou também que a
abreviação INRI, que corresponde em hebraico ao tetragrama JHWH
(Jeshu Hanozri Wumeleh Hajehudim), ou, dito de outra forma,
YaHWeH, pode tê-los chocado no mais alto grau.48
Eles pedem para falar com o prefeito na entrada do palácio.
Pilatos aparece. Eles lhe dizem: “Não escrevas: Rei dos judeus, e sim
que ele disse: Sou o rei dos judeus”. Pilatos lhes responde: “O que eu
escrevi está escrito”. Não se volta atrás num assunto julgado! Uma
sentença não pode ser aumentada ou diminuída! O prefeito
recuperou sua autoridade e responde com uma recusa grosseira,
excessiva. Para João, esse é ainda um sinal providencial: mesmo o
pagão Pilatos tornou-se profeta sem mesmo o saber, como Caifás
outrora fora inconscientemente conduzido pela Providência divina a
dizer a verdade sobre Jesus! Daí a fórmula de Justino, reflexo
perfeito da teologia de João: “O Senhor reina do alto da madeira [da
cruz]”.49
A fórmula: “O que eu escrevi está escrito”, pronunciada em
grego, traz em si o traço de um latinismo (correspondente à sua
tradução latina, Quod scripsi, scripsi, dos latinos). Isso tenderia a
provar que o próprio João ouviu tal resposta e que, por
consequência, seguiu a delegação judaica no momento, antes de
dirigir-se ao pé da cruz, ou então que um de seus próximos lhe
contou o propósito do prefeito no seu grego mal falado.
A morte
Os últimos sofrimentos
Jesus, esgotado, submetido a uma tortura insustentável, luta contra
a crispação mortal. Seu corpo, tumefato, com as carnes laceradas e
entalhadas, agitado por movimentos convulsivos e espasmódicos, os
peitorais fortemente contraídos, perde sangue. Sem poder responder
a todas as necessidades, esse sangue precioso, como uma reação de
sobrevida, se rarefaz no baço e nos rins para se concentrar no
cérebro. A pele tornou-se violácea. O encravamento das mãos e a
terrível torção dos pés provocam danos nervosos e uma tortura
tetânica intolerável. A fricção contínua da coroa de espinhos contra
a madeira agrava os ferimentos do crânio. Os espinhos penetram
mais profundamente, atingindo um ramo da artéria occipital e as
veias do plexo vertebral posterior.1 A respiração, já entravada pelas
muito fortes secreções pulmonares decorrentes da flagelação,
tornam-se cada vez mais opressoras, sufocantes. A caixa torácica
inchada, em hipertensão, não consegue mais expirar o ar viciado.
Sob a saliência do esterno e da cavidade epigástrica, o ventre está
inchado como um balão. Os cabelos e a barba estão untados com
suor e sangue. A transpiração abundante o desidrata. A garganta se
torna seca e a sede demasiado intensa. O ritmo cardíaco se acelera,
a pressão aumenta perigosamente. A temperatura se eleva a 41°. O
corpo, que cessou de eliminar os dejetos metabólicos, envenena-se.
Examinado no sudário de Turim, o sangue vai revelar taxa
excepcionalmente alta de bilirrubina, substância secretada pelo
fígado em caso de agonia extrema, de sofrimento intolerável e de
traumatismo devastador. Aproxima-se o processo terminal que vai
conduzir à morte do crucificado.
“Depois, relata João, vendo Jesus que tudo já estava consumado,
para se cumprir e Escritura, disse: Tenho sede!”.2 João acentua assim
o pleno domínio de Jesus sobre o seu destino, sua consciência de ter
chegado ao término de sua missão. Esse “Tenho sede” expressa um
desejo ardente de juntar-se ao Pai, como canta o salmista: “Minha
alma tem sede de ti, Senhor!”.3 Ele não observou no momento de sua
detenção: “Não hei de beber eu o cálice que o Pai me deu?”. Essa
construção teológica elaborada não está desconectada da realidade:
faz parte integrante do testemunho do discípulo, mesmo se este só
compreenderá mais tarde, depois de uma longa e religiosa
meditação das Escrituras, o sentido desse domínio interior.
Concretamente, a palavra de Jesus manifesta uma sede ardente,
devoradora, própria a todos os crucificados. É um grito de
sofrimento, mas não de desespero. Em outros termos — e é o que
nos interessa aqui, no plano histórico —, no cerne mesmo do horror,
João, ao pé da cruz, viu o supliciado permanecer lúcido até o fim,
sem ceder à desesperança ou à revolta.
Os evangelhos de Mateus e de Marcos insistem, ao contrário, na
solidão incomensurável dos últimos instantes do crucificado,
zombado e condenado pelos judeus, os soldados romanos, os dois
ladrões, rejeitado pelos Doze, que se dispersaram depois da sua
detenção. E o próprio Pai não abandonara seu Filho, deixando-o
agonizar? Jesus, sozinho diante da sua Paixão, teria então
pronunciado o grito que abre o Salmo 22: “Eli, Eli, lema sabachthani”
(Mateus) “Elôï, Elôï, lama sabachthani” (Marcos), “Deus meu, Deus
meu, por que me desamparaste?”. Essa parte inicial, grito de
angústia mais do que de desespero absoluto, foi realmente o que
ocorreu? Alguns duvidaram disso. Isso seria uma pura construção
teológica para mostrar que Jesus cumpriu o destino do Justo
sofredor, tal como o Salmo descreve. Pode-se objetar que a frase que
lhe é atribuída prossegue por uma reflexão de “alguns daqueles que
estavam lá”: “Ele chama Elias!”,4 o que deixa supor um pano de
fundo histórico. Esse mal-entendido a propósito do supliciado
chamando Elias parece muito plausível. Muitas vezes foi dito que os
evangelhos não inventam situações em função dos escritos bíblicos.
Interpretam os fatos à luz da Escritura, livre para adaptações, até
mesmo para solicitar o sentido dos textos. Como observa Schalom
Ben-Chorin, “é preciso tomar muito cuidado para ver nisso alguma
dúvida quanto a existência de Deus, porque se o judeu da tradição,
na última hora, pode colocar tal questão a Deus, o homem moderno,
em compensação, coloca em causa o próprio Deus”.5
A partir de que elemento real os evangelhos sinópticos
compuseram a sua versão? Uma hipótese foi emitida por alguns
exegetas, dentre os quais está Léon-Dufour.6 Jesus teria
simplesmente suspirado em hebraico: “ Eli atta” (“Meu Deus, és tu”).
Essa palavra, que figura apenas nos Salmos do Servidor sofredor,
anuncia não o desespero absoluto, mas a certeza da libertação
esperada ou obtida.7 Isto se integraria perfeitamente ao que João
percebeu da Paixão de Jesus, a do Filho sofredor, mas sempre
voltado para seu Pai, consciente de ter levado a cabo sua missão
terrestre.
Os soldados, auxiliares palestinos e samaritanos que
compreendiam o aramaico, acreditaram ouvir o crucificado chamar
Elias nessa língua: “Elia ta’” (“Elias, vem”). Daí teria nascido o
trabalho de escrita do pré-Mateus, que mostra a fidelidade constante
de Jesus a seu Pai, até no cerne do seu sofrimento. Raymond E.
Brown pensa que essa solução é a melhor para explicar os textos.8
Jesus caiu num estado de perturbação e de profunda angústia, mas
não num sentimento de total abandono, num abismo de desamparo,
para mostrar que ele havia assumido a plenitude da sua natureza
humana, como disseram alguns teólogos. Não somente ele não
rejeita seu Pai, não o injuria como faria um homem revoltado, mas
conserva a esperança e suplica em oração com um hino de louvor
escatológico, dando graças, sabendo que será ouvido. O Salmo 22,
no qual Jesus pensa ou ao qual faz alusão, após seus primeiros
versículos angustiados, não termina na confiança e na vitória do
Justo: “Tu me respondes […] perante ele se prostrarão todas as
famílias das nações”.
As causas da morte
Quantos romances inverossímeis foram escritos para contar que
Jesus não foi sacrificado ou que não morreu na cruz! Isso começa
com o gnóstico Basilides, persuadido de que Simão de Cirene tomou
o lugar de Jesus. Metamorfoseado com uma batida de varinha
mágica, o porta-cruz teria revestido os traços de Jesus, enquanto
este, assistindo ao seu próprio falecimento no meio da multidão,
teria se divertido com o belo artifício que ele teria usado contra os
sumos sacerdotes! Os motivos são teológicos: o Deus tornado homem
não pode morrer sobre uma cruz! Seria preciso, então, que houvesse
uma substituição no último minuto ou que a divindade tivesse se
retirado subitamente de sua pessoa. Confundindo Judas, um dos
“irmãos” de Jesus, com o apóstolo Tomé, dito de outra forma, com
Dídimo (“o gêmeo”), alguns gnósticos supuseram que “Judas Tomé”,
gêmeo e sósia do Cristo, tinha sido levado ao sacrifício em seu lugar.
Além disso, segundo essas mesmas doutrinas esotéricas, Jesus é
verdadeiramente homem? Não tinha ele apenas, essa aparência? O
Alcorão, que investigou os apócrifos cristãos da Síria, assegura
também que foi o “semelhante” a Jesus o sacrificado.12
Atualmente, a imaginação se excita, e o tema é retomado com
fins menos religiosos do que comerciais. Dessa vez, não se trata de
teologia: Jesus, simples mortal, curado de seus ferimentos, teria se
retirado para o Himalaia em companhia de Maria Madalena!… Essa
é a teoria de Gérald Messadié no seu romance de sucesso, L’Homme
qui devient Dieu [O homem que se tornou Deus], fruto de pesquisas
mal digeridas, ao qual o abade Pierre Grelot fez críticas muito
severas.13 O romance O Código Da Vinci é outra variante.
O caso clínico de Jesus na cruz suscitou numerosos estudos
médicos. É evidente que, nos últimos momentos, sua circulação
sanguínea tinha se tornado extremamente deficitária. Os tecidos não
recebiam mais oxigênio, uma série de fenômenos irreversíveis de
acidose metabólica e respiratória se criou, asfixiando pouco a pouco
as células. Sobre as causas precisas da morte, as opiniões se
divididem: a angústia, depois a falência respiratória (doutor Barbet),
a tetanização paroxística neuromuscular devido à suspensão
prolongada (doutor Hynck). O crucificado, cujos músculos se
tetanizam, é obrigado a apoiar-se sobre os pés para respirar, até o
momento em que a fadiga, o esgotamento, acabam por sufocá-lo. O
inconveniente dessa tese é que a asfixia leva geralmente ao coma:
ora, os evangelistas mostram que Jesus permaneceu lúcido até o
final. Sem negar as dificuldades respiratórias, outros médicos, como
o doutor Davis, atribuem a morte a um derramamento de soro na
pleura (decorrendo disso uma pericardite serosa fatal). Para outros,
o falecimento seria por conta de uma brutal falência cardiovascular,
uma hemorragia do pericárdio, fase terminal de um infarto do
miocárdio. Essa isquemia cardíaca terminal, muito dolorosa,
explicaria melhor o falecimento do supliciado, consciente até o final,
que lançou no último momento um grande grito. À luz do estado dos
conhecimentos atuais, parece que as causas são múltiplas, como
destacou o doutor Olivier Pourrat, do serviço de reanimação médica
do hospital Jean-Bernard, em Poitiers.14
O golpe de lança
As autoridades judaicas ainda não sabem da notícia. Ora, o tempo é
curto. As multidões se agrupam à porta de Nicanor. O abate dos
animais prossegue. Em breve, vão aparecer as três primeiras
estrelas, seguidas por três toques de trompete vindos do Templo,
anunciando o início do sabá. Esse sabá é particularmente solene
porque se trata da celebração da Páscoa. O Deuteronômio proíbe que
se deixe um supliciado passar a noite sobre o patíbulo: “Se um
homem sentenciado à pena de morte for executado e suspenso em
uma árvore, seu cadáver não poderá permanecer na árvore durante
a noite. Tu deverás sepultá-lo no mesmo dia, pois quem é suspenso
torna-se um maldito de Deus”.15 Uma delegação, em nome dos
sumos sacerdotes, vai até Pilatos para lhe pedir que “mande quebrar
as pernas dos condenados e tirá-las da árvore” (João). A ruptura das
tíbias — ou crurifragium — impede, com efeito, que o crucificado se
apoie sobre o único prego de seus pés e encha o peito de ar fresco.
Ele morre em alguns instantes, por não conseguir respirar, esgotado
por uma tetania asfixiante ou fulminado por um colapso cardíaco.
Pilatos, espantado que Jesus tenha morrido tão depressa (ele não
pensa na violência da flagelação pela qual o fez passar), aceita. Não
há nenhuma razão para antagonizar a população judaica por causa
de um cadáver.
Um esquadrão de soldados parte, então, para o Gólgota. Esses
soldados se dirigem para os dois ladrões que enquadram Jesus e com
um único golpe de barra quebram suas pernas. Quando chegam a
Jesus, constatam que ele já está morto. Então, um soldado, com sua
lança, o golpeia no lado. Esse é o “golpe de graça”, regulamentado,
que deve ocorrer antes da restituição do corpo para a família. No
sudário de Turim, vemos o traço do lado direito. Por que a direita e
não a esquerda, se o soldado queria atingir o coração? A resposta é
simples. Essa é a técnica de esgrima dos gladiadores e dos
combatentes romanos, descrita por Júlio César no seu De Bello
Gallico: ao querer proteger seu coração com o escudo, o adversário
deixa o lado direito descoberto.
A morfologia da ferida — uma elipse perfeita de 4,6cm de
comprimento por 1,5cm de largura — permite conhecer a arma
utilizada. Não se trata da pesada hasta ou de seu modelo próximo, a
hasta valitaris, lança mais curta com a ponta longa e fina, nem do
pilum, arma muito longa de ferro cortante que serve nos combates de
infantaria, mas da lancea, em uso nas guarnições, de comprimento
variável, cujo ferro é chato, em forma de folha de louro, que vai se
arredondando perto do cabo de madeira. Essa lancea, lonché em
grego, está na origem do nome lendário do soldado que teria
golpeado Jesus: Longino.[1] Uma arma desse modelo foi encontrada
em Jerusalém. Fortemente corroída, ela foi provavelmente
abandonada pelos soldados de Tito por ocasião do cerco da cidade.
“Logo, diz João, que permaneceu ao pé da cruz com Maria e as
santas mulheres, saiu sangue e água.” Os mais antigos manuscritos
(manuscrito grego do ano 579, manuscrito chamado Palatinus,
versão copta boáirica…) citam “água e sangue”; foi, provavelmente,
o que se produziu. A lâmina enfiada entre a quinta e a sexta costela
atravessou a pleura parietal, depois a pleura visceral, enfiou-se no
lobo mediano do pulmão direito, perfurou a cavidade pericárdica
antes de atingir a aurícula direita que ela desventrou.16 No seu
caminho, a lança liberou o líquido pleural, depois o líquido
pericárdico fortemente comprimido e, finalmente, o sangue da veia
cava superior que permanece líquido depois da morte. A “água” que
escorreu e da qual podemos ver as imitações de veios de mármore no
sudário era um soro claro abundante de origem inflamatória. A
região torácica, submetida a um traumatismo profundo devido à
flagelação, desenvolveu uma pericardite serosa. O golpe não foi
violento, mas, ao contrário, lento, senão os líquidos teriam se
misturado.
João fica perturbado. Ele não tem suficiente conhecimento
médico para ver nisso um fenômeno físico. Ele, que dá uma
importância tão grande aos sinais, que sabe ler a luminosidade
resplandecente do símbolo por meio da espessa bruma dos fatos, viu
nisso uma manifestação do Espírito. A água não é o Espírito Santo, e
o sangue, a vida eterna? Mais tarde, os comentadores cristãos
descobrirão nessa cena uma lógica sacramental: a água é a do
batismo e o sangue, o da eucaristia; outros interpretarão o fato como
o nascimento da Igreja, nova Eva, tirada da costela aberta do novo
Adão.
João fica tão perturbado por tal lembrança que insiste sobre a
veracidade absoluta do que viu: “Aquele que isto viu testificou, sendo
verdadeiro o seu testemunho; e ele sabe que diz a verdade, para que
também vós creiais”.17 Como no mundo judaico é preciso sempre
duas testemunhas, o autor, “aquele que viu” invoca o testemunho de
“Aquele outro”, isto é, o Espírito. Alguns exegetas, contudo, pensam
que esse comentário não é do discípulo bem-amado, mas foi
adicionado pelo editor do evangelho. Temos certeza, em
compensação, de que, na sua primeira Epístola, João volta a esse
acontecimento, que ele considera como extraordinário: “Este é
aquele que veio por meio de água e sangue, Jesus Cristo; não
somente com água, mas também com a água e com o sangue. E o
Espírito é o que dá testemunho, porque o Espírito é a verdade. Pois
há três que dão testemunho [no céu: o Pai, a Palavra e o Espírito
Santo; e estes três são um”.18
Os lábios da ferida provocada pelo golpe da lança ficaram
escancarados, como mostra a abertura com largura de um
centímetro e meio: nesse momento, Jesus já estava morto. Por isso,
ele foi poupado da quebra das pernas. Como o cordeiro pascal, Jesus
foi imolado sem que nenhum de seus ossos tenha sido quebrado.19
O sepultamento
José de Arimateia
Ao lado dos que seguiam Jesus em suas peregrinações pela Judeia e
pela Galileia, existiam, como vimos, discípulos sedentários. Eram os
partidários ocultos. Em Jerusalém, conhecemos pelo menos três:
João, o discípulo preferido, Nicodemos e José de Arimateia. Como
seu nome indica, esse último era originário de Arimateia
(Ramathem), muito provavelmente a aldeia atual de Rentis (ou de
Remphtis), a cerca de trinta quilômetros a noroeste de Jerusalém.1
Era um judeu importante e influente, rico proprietário, membro
respeitado do Sinédrio. Lucas o descreve como um homem justo e
bom esperando o reino de Deus. Ele havia, provavelmente, ouvido
Jesus pregar muitas vezes no Templo e, tocado pela força de suas
palavras, ficara convencido de que Jesus era com certeza o Messias
de Israel. Ele escondia sua fé, “por temor aos judeus”, diz João, isto
é, dos sumos sacerdotes e de seus partidários, determinados a obter a
morte do Nazareno por ocasião da sessão do Sinédrio que se seguiu à
ressurreição de Lázaro. Nessa sessão, ele tinha estado presente, mas,
como precisa Lucas, “que não tinha concordado com o desígnio e
ação dos outros”. Havia condenado em seu foro íntimo a conspiração
que visava à detenção de Jesus, sem poder opor-se a ela. Ele havia
assistido, impotente, ao julgamento de Pilatos e à Crucificação. O
suplício e a morte desse justo, em condições tão vergonhosas,
deixaram-no perturbado. Mais tarde, na Idade Média, como Simão
de Cirene, ele entrará no ciclo arturiano do Santo Graal, esse cálice
com o qual Jesus teria celebrado a Ceia e no qual José de Arimateia
teria recolhido o sangue do Cristo.2
Ora, José possui, contíguo ao Gólgota, no declive oeste da colina
rochosa, um grande jardim no qual ele mandou cavar uma sepultura
nova, destinada, muito provavelmente, ao seu próprio
sepultamento. Por que ele não depositaria ali o corpo do rabino
venerado? Segundo a lei judaica, o cadáver de um supliciado devia
ser enterrado no mesmo dia em uma fossa individual, onde suas
carnes se decomporiam, esperando a restituição, um ano mais tarde,
das ossadas para a família, que as recolheria num dos ossuários de
pedra. Esse costume permitia reutilizar várias vezes as sepulturas. Os
restos do crucificado Yohanan ben Hizqiel, descobertos em 1968 em
Giv’at ha-Mivtar, foram encontrados num ossuário. Corajosamente,
José de Arimateia, superando a proibição de que ele deverá se
purificar para comer a refeição da Páscoa, vai ao palácio, solicita
uma breve audiência a Pilatos e lhe pede como um favor especial o
corpo do defunto.
O pedido não é habitual, principalmente por se tratar de crimem
majestatis, mas o prefeito não tem nenhum motivo para recusar. Ele
não pretende afrontar abertamente a Lei de seus administrados; o
episódio da escrita sobre a tabuinha de Jesus satisfez a sua
arrogância. Os judeus são muito ligados ao sepultamento dos
cadáveres, mesmo dos malfeitores. Ignorando, é claro, que José é um
discípulo secreto de Jesus, ele o considera uma pessoa importante e
influente, que pode lhe prestar serviço. O evangelho apócrifo de
Pedro, que data do primeiro terço do século II, sugere que Pilatos
teria concedido o corpo mesmo antes da Crucificação. Essa sequência
de acontecimentos não deve ser rejeitada, ainda que ela se concilie
mal com a narrativa de João.3 É muito possível, em compensação,
que José de Arimateia tenha declarado o seu desejo aos sumos
sacerdotes que, naquele momento, não teriam visto nenhum
inconveniente no fato (eles mudarão de ideia no dia seguinte,
exigindo uma guarda especial). Para conseguir sua adesão, teria
José de Arimateia lhes observado que a sepultura era nova e não
continha outros corpos suscetíveis de serem contaminados pela
presença de um crucificado?
Por volta de 16 horas, José volta ao Gólgota com servidores e
uma escada. É preciso agir depressa. O sepultamento deve terminar
antes do início do sabá, ao anoitecer. Jesus estava morto havia uma
hora, mais ou menos, e sob a guarda dos soldados romanos até o
fechamento da sepultura.
Provavelmente, José não agiu ele próprio, mas deu ordens a seus
servidores. Manda retirar a coroa de espinhos, colocar sobre a
cabeça uma toalha de linho, pregada com um alfinete de colchete
aos cabelos, e escondendo completamente os traços de Jesus. É
costume dissimular aos transeuntes os estigmas do sofrimento em um
morto. Essa roupa branca protetora é o sudarium, o sudário de
Oviedo, coberto com manchas de sangue e de soro, cuja análise por
uma equipe espanhola pluridisciplinar permitiu reconstituir de
maneira espantosamente precisa o desenrolar das operações de
sepultamento. O sudário media um côvado e meio judaico-assírio de
comprimento por um côvado de largura (as dimensões atuais são
52,5cm x 85,5cm). As perfurações do alfinete são visíveis no tecido.
Sobre o sudário, as auréolas sanguíneas post mortem se formavam
cada vez que o corpo era deslocado. Ao sangue juntou-se, na
proporção de seis para um, um líquido biológico soro-hemático
proveniente de um edema na pleura. Um modelo de informática
permitiu que os pesquisadores avaliassem o tempo decorrido entre a
formação de cada uma das auréolas. A primeira produziu-se sobre a
cruz, quando o corpo estava em posição vertical. O escorrimento se
fez pelo nariz. Concluiu-se que a cabeça de Cristo, no momento da
sua morte, estava inclinada, formando um ângulo de 70° a 75° para
a frente do peito e de 20° para a direita.
Algumas manchas de forma muito particular coincidem com as
do sudário de Turim, a mancha sobre a nuca do crucificado, por
exemplo. Outras, ao contrário, aparecem somente sobre a mortalha,
o que é explicado pelo fato de que os coágulos só se reumidificaram
na noite da sepultura, ao passo que o sudarium só foi utilizado no
momento da inumação. O sangue vital e o sangue post mortem se
recobrem de maneira idêntica sobre o sudário de Oviedo e a
mortalha, prova de que as duas roupas brancas envolveram a
mesma cabeça.
Os fantasmas de escrita
Alguns se perguntaram se as inscrições paleográficas em latim, em
grego e na escrita hebraica, lidas por diversos pesquisadores ao
redor do rosto do homem no sudário, não seriam marcas de dois
porteiros, um romano e outro judeu, presentes por ocasião do
enterro: o primeiro teria inscrito, sobre uma faixa de papiro que
colou ao lençol, a sentença de morte em letras pretas ou vermelhas,
como era costume fazer; o segundo teria garantido a identidade do
defunto. O fato de que Pilatos tenha aceitado mandar inumar um
condenado em uma sepultura particular poderia justificar a
intervenção de um funcionário romano (o exactor), que atesta que o
procedimento se desenrolara normalmente.
Em 1994-1995, dois físicos franceses, o professor André Marion e
sua assistente, Anne-Laure Courage, encontraram esses espectros de
escrita ao utilizarem um aparelho fornecido pelo laboratório de ótica
de Gif-sur-Yvette. Eles puderam ler, principalmente no local do lado
esquerdo do rosto: INNECE (com, no final da palavra, o fragmento
de um M maiúsculo do qual só se vê a barra vertical e o esboço de
uma barra oblíqua). Seria uma estranha abreviação de In necem ibis
(em português, “à morte tu irás”), que era uma das fórmulas
habituais das sentenças romanas, obrigatoriamente redigidas em
latim, como exigia a Lei a partir de Tibério?
Na altura do pescoço, esses mesmos pesquisadores encontraram
dois Is. Do outro lado, perto da maçã direita do rosto, em cor escura,
PEZΩ (palavra arcaica grega que significa “eu atesto”, “eu cumpro”
ou “eu abaixo assinado executo”) e, sobre uma faixa vertical, à
direita do rosto, algumas outras letras, dois N unidos, um A, um Z,
um A, um P, um H, mais um duplo N e um ∑, que corresponde,
talvez à palavra grega NAZAPHNO∑ (“o Nazareno” ou “de Nazaré”,
forma latinizada do grego de Nazaré). Debaixo do queixo, abaixo de
um misterioso duplo N, aparecem as letras IH∑OY∑ (Jesus em
grego). A presença desses espectros de escrita, dentre os quais
alguns tinham sido notados desde 1978 por dois pesquisadores
italianos, Piero Ugolotti e o padre Aldo Marastoni, professor de
literatura antiga na Universidade Católica de Milão17, e depois pelo
padre André Dubois em 1982, é difícil discernir. Para André Marion
e Anne-Laure Courage, porém, esses fantasmas da escrita são bem
reais, porque o seu reconhecimento foi realizado após a digitalização
da imagem do sudário e depois da eliminação do “ruído de fundo”,
além das interferências das divisas (sinais de pontuação), segundo
uma técnica complexa na qual intervém um microdensitômetro,
aparelho de alta precisão geométrica, tudo isso combinado com um
tratamento informatizado dos resultados. Não sabemos como são
impressos na roupa. Os paleógrafos consultados calcularam que se
tratava de caracteres orientais anteriores ao século V. O duplo N e a
mistura das letras maiúsculas e minúsculas (maiúsculas quadradas e
unciais) seriam característicos dos primeiros séculos.
Curiosamente, a maior parte desses sinais gráficos está situada
sobre as faixas retilíneas horizontais e verticais que formam o U
duplo que enquadra o rosto. Não se trata também de um preparado
passado sobre a face externa do sudário para tornar o tecido mais
apto a receber tinta (sobre essa face, com efeito, não subsiste
nenhum traço), mas talvez pedaços de tecido deixados no interior da
roupa, que indicam a identidade do morto.18 É sobre elas que o
exactor teria escrito. Isso tenderia a mostrar que os romanos
supervisionaram os trabalhos de inumação efetuados por José e seus
servidores. Além disso, parecem existir outras inscrições na região
das sobrancelhas tanto à direita como à esquerda. Segundo Carlo
Orecchia, professor de hebraico bíblico na Faculdade de Teologia de
Milão, e Roberto Messina, médico legista, poder-se-ia ler: mlk
hw’hyhwdym ou então mlch dy hyhwdym, dito de outra forma: “o rei
dos judeus”.19
Em 2009, retomando o conjunto da documentação, uma
historiadora italiana, especialista em epigrafia grega e latina,
Barbara Frale, chegou a datar essas escrituras como sendo do século
I, mostrando assim que elas eram contemporâneas à formação da
imagem.20 Traçadas com uma mão desastrada, com a ajuda de um
cálamo, elas não têm nada de solene. As inscrições não são nem
preces, nem louvores fúnebres. O sigma anguloso com quatro traços
que figura no final da palavra NNAZAPENNO∑ é uma forma muito
antiga, que se tornara rara no século II da nossa era. Seu autor era,
talvez, um porteiro delegado pelos sumos sacerdotes. O homem que
traçou o letreiro NNAZAPENNO∑, escreve Barbara Frale, era de
língua materna oriental, não compreendia o latim e tinha um
conhecimento muito sumário do grego, como testemunha a
duplicação de N grego para tornar a nasal semítica. E esse estranho
NNAZAPENNO∑ era um artifício para transformar em grego uma
língua oriental21. Barbara Frale obteve confirmação da datação
dessas escritas submetendo-as a um dos melhores especialistas em
papiros, o professor Mario Capasso, sem lhe dizer que se tratava do
sudário de Turim: esse especialista indicou um intervalo estatístico
que ia de cinquenta anos antes de Cristo até cinquenta anos depois
de Cristo.
Com as operações de inumação terminadas, a sepultura foi
fechada com uma grossa pedra colocada na frente da abertura, a fim
de protegê-la dos animais e segurar os odores da decomposição. As
sepulturas principescas apresentavam uma grossa pedra que rolava
sobre uma corrediça. A sepultura de José é mais simples. Um simples
bloco de pedra é suficiente para fechá-la. Já são quase 19 horas. O
sol se pôs há uma hora. As trombetas do Templo vão em breve
anunciar o início do sabá.
José provavelmente recuperou a coroa de espinhos e comprou,
naquele dia mesmo, as relíquias que ficaram com os soldados (não
tendo sido lavada, a túnica ficou coberta de sangue). Nem ele, nem
os primeiros cristãos se vangloriam de deterem tais objetos impuros,
segundo a lei hebraica. A cruz foi jogada num poço que foi em
seguida selado, no jardim de José de Arimateia. Foi lá que, segundo
a tradição, a imperatriz Helena, apesar dos profundos percalços do
terreno, irá descobri-la, três séculos mais tarde, a partir de
indicações de cristãos que teriam contado a localização de geração
em geração. As mulheres que vieram da Galileia, inclusive Maria,
não participaram do sepultamento, senão, talvez, enviando flores.
Mateus e Lucas, no entanto, assinalam sua presença diante da
sepultura. As mulheres também deixam o Gólgota.
A Ressurreição
A sepultura vazia
A primeira claridade da aurora se ergue sobre Jerusalém, entre cinco
e seis horas. Esse primeiro dia da semana (o nosso domingo), 16 de
Nisã, é o dia de Ômer. Essa festa consistia em entregar ao sumo
sacerdote um feixe de cevada, primícias da colheita, a fim de obter
uma colheita abundante. Ele o apresentava ao Senhor, fazendo-o
girar em direção ao oriente do altar, da frente para trás, depois do
alto para baixo. Ao mesmo tempo, procedia-se à oferenda de um
cordeiro de um ano, de dois décimos de efa (seis quilos), de flor de
farinha amassada com azeite, que era queimada, e um quarto de him
(um litro e meio) de vinho. De acordo com o Levítico, era proibido
comer espigas torradas ou grãos triturados antes do final da
cerimônia. É a partir do dia seguinte à festa de Ômer que se contam
as sete semanas que levam a Shavuot, dito de outra forma, a
Pentecostes, festa da colheita do trigo.
Algumas mulheres da Galileia vão até a sepultura. Lucas cita
Maria de Magdala (Maria Madalena), Joana, mulher de Cusa, e
Maria, mãe de Tiago, acrescentando que havia outras.1 Marcos cita
os nomes de Maria de Magdala, de Maria, mãe de Tiago, e de
Salomé. Elas, provavelmente, passaram a noite no Cenáculo, na
vasta morada de João, agrupadas ao redor da mãe de Jesus. A maior
parte dos apóstolos, depois de sua fuga e de seu vaguear dentro da
Cidade Santa, também se reencontraram ali.
Por que razão elas vão tão cedo para a sepultura? Lucas indica
que elas trazem os perfumes e os produtos aromáticos que
prepararam. Marcos precisa que compraram esses produtos de
manhã bem cedo para untarem o corpo. Mas esse motivo, digamos,
é difícil de acreditar. Como elas poderiam ter comprado os produtos
antes do nascer do sol, quando todas as barracas de Jerusalém
estavam fechadas? Como poderiam ter-se perguntado, de repente,
quando estavam a caminho: “Quem removerá a pedra da entrada do
túmulo?” (Marcos). Uma sepultura não é reaberta. Para fazer isso,
elas precisariam ter a autorização dos sumos sacerdotes, o que era
impensável, visto que eles tinham designado um guarda para proibir
o acesso à sepultura. Seria preciso também quebrar o selo e tirar o
corpo de Jesus, enrolado e atado nas mortalhas funerárias. Como
poderiam encarregar-se disso sozinhas, antes de proceder à toalete
funerária?
A verdade é que Lucas e Marcos não compreenderam o motivo
pelo qual as mulheres iam para a sepultura e imaginaram a posteriori
essa explicação. Mateus, que conhece melhor os costumes da região,
se contenta em dizer que elas vinham “ver a sepultura”, o que é
muito mais provável. Iam chorar sobre a sepultura de seu mestre,
como Marta e Maria sobre aquela de seu irmão.
João, por sua vez, explicou que, na noite de sexta-feira, José de
Arimateia e Nicodemos haviam se encarregado dos produtos
aromáticos “segundo o costume dos judeus”. A unção havia sido feita
segundo as regras, o sepultamento concluído. Certamente, o corpo
não foi limpo, nem os cabelos e as unhas cortados, mas Jesus é um
supliciado a quem tais costumes são proibidos. No seu relato, o
evangelista só coloca em cena uma das mulheres, Maria Madalena.
Ele não dá nenhuma razão pela qual ela vai até a sepultura tão cedo.
Quando chega ao Gólgota, ela descobre a pedra rolada. Não entra,
nem procura ver o que há dentro da sepultura. Essa anomalia só tem
uma explicação para ela: desconhecidos retiraram o corpo — as
violações de sepulturas não eram raras na Antiguidade. Ela volta
pelo mesmo caminho e corre para o Cenáculo, onde vê Simão-Pedro
e “o outro, o discípulo que Jesus amava”. “Tiraram do sepulcro o
Senhor, e não sabemos onde o puseram”.2 (aqui, as pessoas “não
sabem” certamente são várias mulheres acompanharam Maria
Madalena).3
Eles se recusam a acreditar nela (Lucas).4 Para os juízes daquela
época, o testemunho das mulheres não tem valor jurídico, “por
causa”, dizia Flávio Josefo, “de sua leviandade e do atrevimento de
seu sexo”. Simão-Pedro e João ficam também perturbados. Eles saem
correndo em direção ao Gólgota. João, mais jovem, e que conhecia
melhor as ruas da cidade do que o pescador da Galileia, tem tanta
pressa de chegar que se distancia do seu companheiro.
Durante sua corrida inquieta, os dois homens se perguntam se,
apesar de tudo, as mulheres não disseram a verdade; o corpo de seu
mestre teria sido roubado? Por quem? Pelos guardas judeus? Pelos
romanos? Com que intenção? Para tirar o corpo da veneração de
seus discípulos? A menos que tenha sido por saqueadores de
sepulturas? Nem um nem outro pensava no que Jesus havia
anunciado por diversas vezes, que o Filho do Homem ressuscitaria de
entre os mortos…
No local, constatam que a pedra, com efeito, havia sido retirada.
João se inclina. Da entrada baixa, cavada na rocha, ele percebe na
câmara sepulcral, além da antecâmara, a banqueta e os lençóis
“colocados ali”, estendidos. Ele não entra. Não por deferência ou
respeito protocolar, para esperar por Pedro, o chefe dos Doze, que
ele tinha colocado à sua direita por ocasião da última refeição, mas
porque ele próprio é sacerdote permanente do Templo. O contato
com um morto é proibido para ele, sob pena de tornar-se impuro. O
Levítico é formal: “Não se aproximará de nenhum cadáver!”.5 Pedro
finalmente alcança seu companheiro e entra primeiro. Quanto a
João, somente quando compreende que a sepultura está vazia é que
ele, por sua vez, desce os degraus.
Na câmara mortuária, nada saiu do lugar, nada a não ser o corpo
que desapareceu. Não há nenhuma impressão de desordem ou de
ordem artificialmente recriada. As roupas funerárias — othonia,[1]
escreveu João, quer dizer, o sudário e as faixas que tinham servido
para atar o morto na altura dos pés e do tórax — permanecem na
posição em que estavam por ocasião do sepultamento, invioladas,
mas caídas (frouxas) sobre si mesmas, enquanto o sudarium está
enrolado separadamente, no local onde o haviam colocado quando
fecharam a sepultura.6 A disposição desses tecidos, particularmente
do sudário fechado e ajustado, colocado horizontalmente sobre a
banqueta, persuade João de que o corpo não se reanimou. Ele não
vê, com efeito, nenhum amarrotado no tecido, como quando alguém
sai do leito ao despertar. E, no entanto, o morto foi retirado de sua
sepultura. Se ladrões ou inimigos de Jesus o tivessem levado,
certamente o teriam levado no seu lençol. Por que teriam perdido
tempo para desatar o corpo? Supondo que o tivessem feito, eles
teriam deixado, na precipitação, o lençol e as roupas em desordem.
A hipótese de uma retirada do corpo deve ser excluída. Foi o que
pensou João.7
É aqui, nessa sepultura vazia, que a história se detém e começa a
fé. O historiador, sem se comprometer com a ressurreição de Jesus,
só pode, a partir desse momento, registrar os testemunhos,
confrontá-los e pesquisar a sua lógica interna.
Diante dessa sepultura vazia, o companheiro de Simão-Pedro fica
convencido de ser a testemunha de um fenômeno extraordinário,
muito perturbador, único, sobrenatural: “Ele viu e ele acreditou”,
escreve João com sobriedade e emoção. Sua fé no Cristo ressuscitado
não vem de uma iluminação mística, mas de um raciocínio
intelectual. Ele compreendeu que Jesus tinha saído vencedor dos elos
da morte e havia misteriosamente entrado na glória de Deus.
Provavelmente, ele se lembra de Lázaro saindo da sepultura, envolto
em sua mortalha? Aqui, nada disso ocorreu. O corpo de Jesus
escapou às leis do mundo. De alguma maneira, ele evaporou,
passando para o outro lado do tempo. João viu alguma outra coisa
sobre o sudário, como leves marcas de queimaduras? Um texto da
liturgia moçárabe[2] afirma: “Pedro correndo para o sepulcro com
João viu os traços recentemente deixados sobre os lençóis do morto,
que havia ressuscitado”. Esse texto, infelizmente, data apenas do
século VII.8 Não podemos considerá-lo. Não é certeza de que as
impressões tenham sido aparentes naquele momento.
João, em todo caso, está estupefato. No caminho de volta, ele
não confia a Pedro os pensamentos que o agitam. No seu evangelho,
ele acrescenta somente que nem um nem outro haviam
compreendido ainda que Jesus devia se erguer de entre os mortos.9
Ambos estavam a cem léguas de acreditar na Ressurreição.
Lucas ouve de João esse relato e ele é o único, com João, a
relatá-lo. “Pedro, porém, levantando-se, correu ao sepulcro. E,
abaixando-se, nada mais viu, senão os lençóis de linho; e retirou-se
para casa, maravilhado do que havia acontecido.”10 O silêncio sobre
o discípulo bem-amado, companheiro de Pedro na corrida ao
sepulcro, é significativo. Esse é um discípulo secreto.
Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos
nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao
terceiro dia, segundo as Escrituras. E apareceu a Cefas e, depois, aos doze.
Depois, foi visto por mais de quinhentos irmãos de uma só vez, dos quais a
maioria sobrevive até agora; porém alguns já dormem. Depois, foi visto por
Tiago, mais tarde, por todos os apóstolos e, afinal, depois de todos, foi visto
também por mim, como por um nascido fora de tempo.28
E o apóstolo, referindo-se, ao mesmo tempo, aos fariseus na
ressurreição, afasta o pensamento dos que não acreditam nisso, quer
dizer, os saduceus. Jesus é como o primeiro ramo da colheita divina,
por quem veio a ressurreição dos mortos. “Cristo ressuscitou dentre
os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem.”29
Desse texto decorrem duas notações importantes. De início, o
grande número de testemunhas: quando Paulo escreve sua Epístola,
por volta do ano 55, diz que a grande maioria das quinhentas
pessoas que viram Jesus depois da sua morte ainda está viva. Ele
acentua também que Jesus apareceu aos dois grupos que se
opunham durante a vida pública do Nazareno: Pedro e os apóstolos
de um lado, Tiago e sua família do outro. Observamos que ele omite
a aparição para as mulheres.
João e as aparições
Vamos examinar o Evangelho de João. Após a descoberta do
sepulcro vazio, a primeira aparição de que ele fala é a de Jesus a
Maria Madalena. Ela voltou ao sepulcro, sem dizer nada. Ao ver a
pedra rolada, ela chora. Depois, ela se inclina e percebe, através da
abertura da tumba, sobre o nicho onde o corpo estava colocado, dois
anjos vestidos de branco, sentados um na altura da cabeça, o outro
na altura dos pés. “Mulher, por que choras?”, eles perguntam. Ela
lhes reponde: “Porque levaram meu Senhor, e não sei onde o
puseram”. Assim que pronuncia essas palavras, ela se volta e vê um
homem que toma por um jardineiro. Ele a questiona: “Mulher, por
que choras? A quem procuras? Ela, supondo ser ele o jardineiro,
respondeu: Senhor, se tu o tiraste, dize-me onde o puseste, e eu o
levarei”. Então o homem a chama: “Maria!”. Subjugada, ela
exclama: “Rabbouni!” (“Mestre muito querido”, em aramaico). João
não diz, mas ela provavelmente se aproxima de Jesus, se prosterna
e, com um gesto de adoração, abraça seus pés.30 Jesus disse: “Não
me detenhas; porque ainda não subi para meu Pai, mas vai ter com
os meus irmãos e dize-lhes: Subo para meu Pai e vosso Pai, para meu
Deus e vosso Deus”. Assim, foi uma mulher quem se beneficiou com a
primeira aparição. Ele se tornou visível, mas sua presença sensível é
apenas transitória. Ele não está mais na sua condição humana. Sua
relação com o mundo é diferente. É isto que ele quer dizer para
Maria quando ele lhe pede para não o tocar. Ela deve ir avisar seus
“irmãos”. Maria volta rapidamente ao Cenáculo para anunciar: “Eu
vi o Senhor”. E contou o que Jesus tinha dito.
Na noite do mesmo dia, prosseguiu João, os discípulos se
encontravam reunidos, é bem provável, em sua própria casa. Eles
são muito mais numerosos do que os Onze. Maria, talvez, estivesse
com eles. Temerosos, pediram que as portas fossem trancadas.
Receiam que lhes seja atribuído o desaparecimento do cadáver.
Bruscamente, Jesus aparece em meio a eles e lhes diz: “A paz esteja
convosco!”[3] Ele lhes mostra seus punhos transpassados e a ferida
feita pela lança. Os discípulos, que provavelmente ficaram
espantados com o relato de Maria Madalena, sem estarem
verdadeiramente convencidos, se enchem de alegria com a visão do
mestre ressuscitado. Novamente, Jesus lhes diz: “A paz esteja
convosco!”. Depois, ele sopra sobre eles dizendo: “Recebei o Espírito
Santo. Se de alguns perdoardes os pecados, são-lhes perdoados; se
lhos retiverdes, são retidos”.31 Essa cena, durante a qual Jesus
transmite a seus discípulos o Espírito — esse Espírito anunciado e
tão esperado outrora por João Batista — e que lhes dá o poder de
perdoar em seu nome os pecados, não deve ser confundida com o
Pentecostes, que vê o mesmo espírito se manifestar sob o aspecto de
línguas de fogo.
Tomé era o único ausente. Ele se recusa a acreditar quando os
outros lhe anunciam a notícia extraordinária. Bem conhecida é a
resposta que ele lhes dá: “Se eu não vir nas suas mãos o sinal dos
cravos, e ali não puser o dedo, e não puser a mão no seu lado, de
modo algum acreditarei”.32 No domingo seguinte, 23 de Nisã, os
discípulos estão novamente reunidos no Cenáculo. Eles
permaneceram em Jerusalém depois do encerramento das festas
pascais. Tomé, dessa vez, encontra-se com eles. Como da primeira
vez, as portas estão trancadas. Jesus aparece no meio deles e diz a
Tomé: “Põe aqui o dedo e vê as minhas mãos; chega também a mão
e põe-na no meu lado; não sejas incrédulo, mas crente”. Tomé
exclama admirado e cheio de amor: “Meu Senhor e meu Deus!”. E
Jesus lhe responde: “Porque me viste, creste? Bem-aventurados os
que não viram e creram”.
O narrador coloca em evidência duas propriedades do corpo
glorioso de Jesus: ele atravessa as portas (assim como ele se evadiu
misteriosamente dos lençóis), e é possível palpá-lo e tocá-lo. Suas
chagas mostram claramente que ele é o crucificado do Gólgota.
Mesmo que Jesus tenha voltado para a glória divina junto a seu Pai,
ele retomou suas relações de pessoa a pessoa com seus amigos.33
Num epílogo que ele acrescenta a seu evangelho (o capítulo XXI),
depois da morte de Pedro, em Roma, João narrou uma nova
manifestação de Jesus às margens do lago da Galileia. Alguns
discípulos estavam reunidos, provavelmente em Cafarnaum: Simão-
Pedro, Tomé, Natanael, Tiago e João, filhos de Zebedeu, e dois
outros discípulos que não são nomeados, porém, mais tarde
percebemos que um deles é “o discípulo a quem Jesus amava, o qual,
na ceia, se reclinara sobre o peito de Jesus”. Simão-Pedro decidiu
partir para pescar — certamente, é preciso viver e alimentar sua
família —, os demais decidem acompanhá-lo em seu barco. Mas eles
não pescam nada e voltam decepcionados à noite. Pela manhã, eles
se aproximam a duzentos côvados da margem (cerca de 90m).
Um homem ao longe lhes grita: “Filhos, tendes aí alguma coisa
de comer?”. Eles lhe respondem negativamente. O homem lhes
aconselha, então, a lançar a rede do lado direito. O discípulo amado
diz então para Pedro: “É o Senhor!”. Imediatamente, Simão-Pedro
fecha ao redor do corpo a blusa que ele usa sobre a pele e se lança
na água. Levada para dentro da barca pelo grupo, a rede está
repleta de peixes. Eles atracam. Um fogo de brasas fumega sobre o
areal, onde os peixes grelham. Alguns pedaços de pão estão
dispostos perto do fogo. Jesus — porque é bem ele — diz aos
discípulos: “Trazei alguns dos peixes que acabastes de apanhar!”. É
uma brincadeira, porque Simão-Pedro, que subiu de novo ao barco,
retirou dele, com seus braços musculosos, não menos que cento e
cinquenta e três peixes, diz João. Número simbólico evidentemente,
cujo sentido exato os exegetas discutem. A captura dos peixes, em
todo caso, é prodigiosa, e a rede não se rasgou. Para alguns, esse
seria o número total de espécies de peixes conhecidas na
Antiguidade; para outros, a soma das letras da expressão “filhos de
Deus” em hebraico (bny h’lhym). A Igreja deve reuni-los na unidade.
Por meio desse número simbólico, o evangelista quer mostrar que
não é mais somente Israel que é salva, mas a totalidade do mundo.
“Vinde comer”, lhes diz Jesus. Eles o reconheceram. Admitidos
para partilhar sua refeição, eles sabem que foram perdoados por sua
fuga. E Jesus lhes dá o pão e os peixes. Em seguida, inicia-se uma
conversa entre Jesus e Simão-Pedro, no decorrer da qual este último
também recebe o perdão por sua renegação e a missão explícita de
guiar sua Igreja. Por três vezes, com efeito, Jesus, como que para
responder à sua tripla renegação, lhe pergunta: “Simão, filho de
João, tu me amas?”, e esse responde com submissão: “Sim, Senhor,
tu sabes todas as coisas. Tu sabes que eu te amo”. O Ressuscitado lhe
diz então: “Apascenta as minhas ovelhas!”. Pedro será, portanto, o
único pastor dos crentes. Jesus dá a entender que ele também
conhecerá o martírio da crucificação: “Em verdade, em verdade te
digo que, quando eras mais moço, tu te cingias a ti mesmo e
andavas por onde querias; quando, porém, fores velho, estenderás as
mãos, e outro te cingirá e te levará para onde não queres”.34
A sequência da conversa tem como finalidade explicitar o papel
do discípulo bem-amado em relação a Pedro. A uma questão deste
último: “Senhor, e quanto a este?”. Jesus responde: “Se eu quero que
ele permaneça até que eu venha, que te importa? Quanto a ti, segue-
me”. É a partir dessa palavra que se espalha o rumor, entre a
comunidade de João, de que ele não morreria. Porém, o editor do
quarto evangelho, provavelmente depois da morte de João, destaca
que Jesus não havia absolutamente dito: “Se eu quero que ele
permaneça até que eu venha, que te importa?”.
Lucas e as aparições
Lucas é o único a contar o célebre episódio dos peregrinos de Emaús,
ilustrado em várias pinturas. Seu relato, muito literário,
magnificamente elaborado, tem um significado teológico denso e
parece se ligar a uma fonte mais antiga, talvez um testemunho oral
de um deles, de modo que teria um núcleo histórico. Assim, na noite
de domingo da Páscoa, dois discípulos estão caminhando em direção
a uma aldeia chamada Emaús. Sua localização é incerta. Alguns
manuscritos a situam a 60 estádios de Jerusalém (ou seja, cerca de
doze quilômetros), outros a 160. Hesitaram entre Amwâs (Nicópolis),
a 160 estádios da Cidade Santa, Qiryat-Yéarim (Abu-Gosh), a 66
estádios sobre a rota de Jafa (ou Jaffa ou Yafo), Al-Qubaybah
(Chubebe), a 63 estádios sobre a rota de Lida (Lod), Mozah, a 36
estádios sobre a mesma estrada, e Urtas(Artas), a 60 estádios de
Jerusalém, ao sul de Belém.
Enquanto discutiam entre si sobre os trágicos acontecimentos que
acabavam de ocorrer, um homem se aproxima e caminha ao lado
deles. É Jesus, mas, como nas demais aparições, os discípulos não o
reconhecem imediatamente. Ele se mistura à conversa. Um dos
viajantes, chamado Cléofas,[4] lhe diz que ele é certamente o único
de passagem por Jerusalém que não sabe o que tinha ocorrido três
dias antes. E se põe a explicar que Jesus de Nazaré havia se revelado
ao povo como um profeta poderoso por suas obras e suas palavras,
mas que ele tinha sido entregue pelos sumos sacerdotes e pelos
chefes para ser condenado à morte e crucificado. Os dois esperavam
que fosse ele aquele que iria resgatar Israel. Algumas mulheres, é
verdade, os deixaram estupefatos. Elas tinham ido bem cedo até o
sepulcro e, não tendo encontrado o corpo, confessaram ter tido
“uma visão de anjos” que lhes afirmara que ele estava vivo. Depois,
fazendo alusão a Simão-Pedro e João, eles acrescentaram que alguns
dos seus também tinham ido até o sepulcro e o encontraram aberto,
mas que não o tinham visto. O homem assume, então, a palavra: “Ó
néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas
disseram! Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e
entrasse na sua glória?”. Então, começando com Moisés e
continuando com todos os profetas, Jesus explica a seus discípulos
todas as passagens da Escritura que falavam a respeito dele.
Ao chegar a Emaús, o homem dá a impressão de que vai
prosseguir na estrada. Eles insistem para que o homem permaneça
com eles, porque a noite já vai cair e o dia começa a escurecer. Ele
aceita partilhar sua refeição. À mesa, ele pega o pão, abençoa-o,
quebra-o em pedaços e dá aos outros. Quando ele quebra o pão, os
outros o reconhecem. Provavelmente, eles também assistiram à ceia.
Mas Jesus desapareceu. Eles ficam, ao mesmo tempo, espantados e
alegres. Decidem, então, retornar a Jerusalém, encontram os Onze e
seus companheiros, que lhes anunciam que Jesus realmente ergueu-
se dentre os mortos e que ele apareceu para Simão-Pedro.
É então, sempre segundo Lucas, que Jesus aparece de novo no
meio dos seus. Lucas utiliza aqui, fundindo-os, dois relatos de João: a
aparição ao grupo no domingo de Páscoa e aquela à beira do lago. O
Cristo subitamente se mostra no meio de seus discípulos e insiste
sobre sua corporeidade. Não, ele não é um fantasma desprovido de
carne e osso. E lhes mostra suas chagas. Como, em sua alegria, eles
ainda se recusam a acreditar, Lucas cita a mesma questão de Jesus
que João coloca no episódio do lago: “tendes aqui alguma coisa que
comer?”.35 Apresentam-lhe, então, um pedaço de peixe grelhado que
Jesus come diante deles.
Quanto ao relato da pesca milagrosa, Lucas, é muito provável,
ouviu-a da boca de João e inseriu-a em seu evangelho, em certo
estilo narrativo. Ele não compreendeu — ou não reteve — que a
pesca se situava depois da Ressurreição. Ele, então, integrou-a a um
episódio da vida pública de Jesus, quando, pressionado pela
multidão da Galileia, Jesus ministra sentado sobre uma barca.36 Mas
a própria atmosfera que ele descreve permite compreender que a
cena se desenrolou num contexto pós-pascal: “o assombro” que se
apodera de Pedro e dos outros discípulos, a exclamação cheia de
arrependimento: “Senhor, retira-te de mim porque sou um
pecador”,37 até a missão conferida naquele momento a Simão-Pedro:
“Não temas, doravante tu serás pescador de homens” (João havia
utilizado uma comparação pastoral: “Sê o pastor de minhas
ovelhas”.)
O relato de Pilatos
Pôncio Pilatos foi informado do que se passou? É muito possível que
tenha tomado conhecimento da versão judaica — o roubo do cadáver
—, e isso o irritou. A guarda judaica, que ele tinha autorizado, não
havia cumprido seu dever. Justino, Tertuliano, o historiador Eusébio
sustentaram que Pilatos havia enviado um relatório a Roma sobre o
caso de Jesus e que esse documento se encontrava nos arquivos
imperiais. Historiadores e exegetas rapidamente eliminaram esse
conto ridículo. O que representava para o poderoso enviado de
Tibério na Judeia a morte desse obscuro homem da Galileia?
Quantos outros esse funcionário implacável havia feito executar
sumariamente? Conhecemos a anedota imaginada por Anatole
France: o antigo prefeito da Judeia, quando voltou a Roma, foi
durante muito tempo interrogado sobre Jesus. Ele não se lembrava
de nada…
Seremos menos afirmativos sobre a inexistência desse relatório.
Pilatos, apesar de suas atitudes desastradas e seu gosto pela
provocação, era um homem inquieto, desestabilizado desde o
desaparecimento de seu patrão Sejano. A ameaça velada dos sumos
sacerdotes de se queixarem para Tibério o havia perturbado
profundamente. Ele não queria de modo algum receber uma censura
com palavras enérgicas do imperador. Por precaução, pode muito
bem ter enviado um relatório a Roma sobre a execução do “rei dos
judeus”. Por toda parte, os acontecimentos surpreendentes ocorridos
no decorrer dessa Páscoa memorável, os testemunhos dos guardas do
sepulcro que chegaram aos seus ouvidos, talvez tudo o estimulasse a
enviar um relato pormenorizado.
Esse fato, possivelmente, deve ser posto em relação com uma
curiosa placa de mármore de cerca 60cm x 40cm, com uma inscrição
em grego de vinte e duas linhas, posta à venda por um mercador de
Nazaré e enviada ao Louvre em 1878. Ela tem como título: Diatagma
Kaisaros. Segundo uma análise da placa feita por Franz Cumont, na
Revista de História em 1930, tratar-se-ia de uma ordem local,
decretada por um imperador romano no início do século I — como
atesta a paleografia —, requerendo honrar os mortos e respeitar as
sepulturas.38 Todos aqueles que retirassem corpos por qualquer
motivo, ou que “por uma fraude maligna transferissem os corpos
para outros lugares”, seriam julgados e punidos com a morte. O
conteúdo estranho dessa placa, sua descoberta em Nazaré ou na
região, o caráter geograficamente limitado da interdição levaram a
pensar que tal ordem poderia ter alguma relação com o caso de
Jesus. Tratar-se-ia, nessa hipótese, de uma reação ao relato de
Pilatos…
Até então, a violação de uma tumba dependia de um direito
privado, e os culpados ficavam sujeitos a receber uma multa. Por
que motivo a decisão imperial desqualificou a natureza do delito
para torná-lo um crime passível de pena de morte? Seria porque o
desaparecimento do corpo havia criado um problema de ordem
pública? Será que foi porque a família do morto habitava Nazaré,
onde ela teria podido esconder os despojos, que as autoridades
decidiram gravar o decreto imperial sobre uma placa de pedra,
como faziam para eternizar as decisões importantes, e instalá-la na
proximidade dessa aldeia minúscula da alta Galileia?39
Epílogo
Os evangelhos da Infância
Depois desses acontecimentos, os primeiros discípulos de Jerusalém
quiseram, logicamente, conhecer tudo sobre a vida de seu venerado
mestre. Eles se voltaram para aqueles que tinham sido os primeiros
a segui-lo. Agruparam-se em torno dos Doze: com efeito, Tomé havia
substituído Judas. É dito nos Atos dos Apóstolos que os primeiros
descendentes de Jessé e os nazarenos que se acercaram dos
discípulos tinham em torno de vinte anos. Durante o dia, eles iam ao
Templo; à noite, se encontravam no aposento alto, onde Jesus
partilhara com os discípulos sua última refeição, e ali procediam à
quebra do pão e à partilha do cálice de vinho. Lucas escreve: “Todos
estes perseveravam unânimes em oração, com as mulheres, com
Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos dele”.1
Os discípulos desejaram, em seguida, ir além da vida pública de
Jesus. Eles começaram a interrogar as testemunhas de Nazaré, em
primeiro lugar, Maria, sua mãe, sua cunhada Maria, mulher de
Cléofas, e os filhos dela, os “irmãos do Senhor”. Maria, que João
Evangelista havia recolhido em sua casa, sobreviveu apenas alguns
anos a seu filho (ela desaparece depois do primeiro capítulo dos Atos
dos Apóstolos). Entre os “irmãos do Senhor”, dois ocuparam posição
de primeiro plano na jovem Igreja judaico-cristã: Tiago, o Justo,
morto em 62, lapidado no Templo por ordem do sumo sacerdote
Anás II, filho de Anás, durante a ausência do procurador romano; e
seu irmão Simeão, que o sucedeu como bispo de Jerusalém e
organizou em 73 ou 74 o retorno dos judeus cristãos para a Cidade
Santa, depois da catástrofe da guerra judaica e da queda de
Massada, a última fortaleza mantida pelos zelotes revoltados. Esse
Simeão, morto centenário, ainda estava vivo na virada do século.2
Foi a partir desses testemunhos que se difundiu uma tradição,
segundo a qual Jesus não somente havia escapado, por ocasião da
sua morte, às leis do Cosmos, mas tinha sido concebido
milagrosamente. Engendrado por Maria, ele era plenamente Filho
de Deus, desde a sua concepção. O testemunho essencial provinha de
Maria, que, disse Lucas por duas vezes, “guardava todas estas
palavras, meditando-as no coração”. Suas revelações foram escritas
e circularam na comunidade, da mesma maneira que as compilações
das palavras do Senhor. Observamos os traços desses arcaísmos
semíticos no evangelho e nos Atos de Lucas. Esses escritos já eram,
pela importância dos fatos relatados, um pré-evangelho (eles
incorporavam, com efeito, as lembranças sobre João Batista, sobre
seus pais, sobre o sacerdote Zacarias e sua mulher Isabel, sobre
alguns milagres de Jesus, bem como sobre os primeiros passos da
Igreja de Jerusalém). “O autor dessa fonte”, escreve o abade
Carmignac, “permanecerá, provavelmente, sempre anônimo. Sua
obra nos mostra que ele tinha seguido Jesus pessoalmente e que
tinha se interessado pelos progressos da Igreja nascente. Suas
informações sobre o nascimento de João Batista e sobre o de Jesus
devem remontar, de uma ou de outra maneira, a são José e à Santa
Virgem, talvez por intermédio das santas mulheres.”3
Entretanto, em 62, imediatamente depois da morte de Tiago, a
Igreja sofreu uma mudança importante, colocando em xeque as
primeiras convicções da fé. Uma parte dos judeus cristãos,
contestando a influência muito forte do clã de Davi, separou-se,
seguindo um indivíduo de grande conhecimento chamado Thebutis.
Esse foi, segundo Hegésipo, o primeiro cisma da Igreja de Jesus
Cristo, que até então tinha vivido unida. A origem do cisma foi o
ciúme desse personagem, furioso por não ter sido eleito bispo de
Jerusalém; muito em breve sua dissidência assumiria uma coloração
doutrinal. Foram, muito provavelmente, esses judeus religiosos,
defensores da circuncisão, dos costumes ancestrais e da Lei — como
os judeus cristãos, porém mais radicais do que eles — a quem foi
dado, no decorrer do século, o nome de ebionitas (do hebraico,
evyonim, os “pobres”).4 Eles se equiparam com o seu próprio
evangelho, do qual conhecemos fragmentos por meio de Epifânio.
Tertuliano, Hipólito, Orígenes e Eusébio falam desses sectários, sem
infelizmente dar muitos detalhes. A sua ovelha negra era Paulo,
muito marcado para seu gosto pela cultura helenística e uma
concepção universal da salvação. Para os dissidentes da primeira
hora, se Jesus era verdadeiramente o Messias de Israel, o filho
esperado de Davi, não podia ser o Filho de Deus. Ele havia nascido
de um homem e uma mulher, José e Maria.5 Só havia recebido o
espírito de Deus com o batismo de João e o tinha perdido sobre a
cruz.[1] A todos os que tinham ouvido o testemunho de Maria, de sua
cunhada, dos filhos desta, Tiago e Simeão, tal confissão cristológica
pareceu inadmissível, herética em relação ao que eles consideravam
como dados sérios e sólidos da origem divina de Jesus. A notícia
espalhou-se dentro das diferentes comunidades cristãs, inclusive a da
diáspora.
Foi por essa razão que se sentiu a necessidade de dispor de textos
mais completos do que aqueles resumidos que estavam em circulação
naquele momento; os autores de nossos evangelhos atuais de Mateus
e de Lucas acharam necessário, cada um por seu lado, colocar no
início de sua biografia de catequese um relato da infância de Jesus, a
fim de insistir sobre o fato de que ele tinha nascido de Deus, desde a
sua concepção. Seus escritos datam de 62-63. Lucas, que redigia na
Beócia, mas que tinha ido para Jerusalém alguns anos antes, serviu-
se dessa fonte anônima. Quanto ao escriba sírio, redator da última
versão do evangelho de Mateus, coletou em Jerusalém, talvez
diretamente de Simeão, em todo caso de sobreviventes judeus
cristãos que tinham conhecido Jesus em Nazaré, todas as tradições
concernentes a ele. É assim que dispomos de duas versões dos
evangelhos da Infância, uma proveniente de Maria, aquela de Lucas,
a outra da família de José, a de Mateus.
Essas duas versões não coincidem perfeitamente. Mas há acordo
sobre os seguintes dados essenciais: uma jovem virgem chamada
Maria foi prometida em casamento por sua família a José,
descendente de Davi. O Anjo do Senhor lhe apareceu e anunciou que
ela daria à luz um filho, Jesus, que seria concebido pelo Espírito
Santo. Como previsto, ela deu à luz no tempo do rei Herodes, o
Grande, em Belém, na Judeia. O casal, em seguida, instalou-se em
Nazaré, na Galileia.
Com toda a evidência, os evangelhos da Infância não têm a
mesma relação com a história que os relatos da vida pública de
Jesus. Eles são fruto de uma atividade de redação elaborada. Em
primeiro lugar, porque remontam mais longe no passado, cerca de
setenta anos atrás, em seguida porque evocam fatos particulares,
familiares, e porque o número de testemunhas ainda vivas naquele
momento era particularmente restrito. Finalmente, e sobretudo,
porque foram escritos com um objetivo apologético bem específico, a
saber, a exaltação da origem divina de Jesus desde a sua concepção,
e não de sua adoção pelo Pai no momento do batismo de João, como
alguns dissidentes haviam começado a reivindicar. Disso decorre a
multiplicação das referências escriturárias e o aspecto de glória
teofânica com a qual eles cercam a Natividade (particularmente em
Lucas, com o anúncio feito aos pastores, envolvidos pela claridade
do Anjo do Senhor, e o coro do exército celeste cantando o louvor do
Altíssimo…). Sua teologia assume voluntariamente a forma do
maravilhoso. Sua escrita floreada, embelecida com anedotas, faz a
alegria da devoção popular. Para o padre Lagrange, esses escritos
são Hagadahs, um gênero literário que tem suas próprias leis e que se
apresentam como desenvolvimentos da Escritura Santa. Como
observava em 1982 o cardeal Joseph Ratzinger, eles “ultrapassam
radicalmente o quadro da verossimilhança histórica comum e nos
confrontam com a ação imediata de Deus”.6 É preciso deduzir disso
que o historiador não deve intervir?
O relato de Mateus
Vamos abordar primeiro o relato de Mateus. Maria, noiva de José,
“achou-se grávida pelo Espírito Santo antes que eles morassem
juntos”. José, homem justo, querendo evitar um escândalo, resolveu
repudiá-la em segredo. O Anjo do Senhor apareceu para ele em
sonho e disse: “José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua
mulher, porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo. Ela dará à
luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu
povo dos pecados deles”. O nome de Jesus, muito propagado
naquela época, significa, com efeito, como podemos lembrar, “Deus
salva” ou “Deus é a salvação”. Quando despertou, José obedeceu à
sua visão angélica. Ele a tomou como esposa e não a “conheceu” —
conhecer, no sentido bíblico do termo, significa ter relações carnais
— até que ela deu à luz um filho, que ele chamou de Jesus. O
nascimento ocorreu em Belém, na Judeia, “nos dias do rei
Herodes”.7 Segue-se o episódio bem conhecido dos Reis Magos.
O número desses Reis Magos “vindos do Oriente” não nos é dado:
eles teriam sido doze, segundo as Igrejas síria e armênia, como as
doze tribos de Israel, três segundo a tradição ocidental,
representando a humanidade inteira, oriunda dos filhos de Noé,
Sem, Cam (ou Cã) e Jafé. A partir do século IX, a lenda passou a
chamá-los Melchior, Baltazar e Gaspar, e lhes atribuiu um lugar de
origem, a Pérsia para o primeiro, a Arábia para o segundo e a Índia
para o terceiro. No século XII, fizeram deles reis mártires e santos,
cuja catedral de Colônia (Alemanha) acolheu os supostos restos em
1164 (ela os conserva sempre em um relicário de ouro e de prata).8
Seus despojos teriam sido levados para Constantinopla sob a
instrução de santa Helena, mãe do imperador Constantino, e, de lá,
transferidos para Milão e depois para Colônia.
No relato de Mateus, eles cumprem uma função: mostrar a
extensão universal da fé. Jesus era reconhecido não somente pelos
judeus, mas pelos gentios, realizando assim a profecia de Isaías —
“A multidão de camelos te cobrirá, os dromedários de Midiã e de Efa;
todos virão de Sabá; trarão ouro e incenso e publicarão os louvores
do SENHOR”.9 — e aquele do Salmo 72:
Paguem-lhe tributos os reis de Társis e das ilhas;
os reis de Sabá e de Sebá lhe ofereçam presentes.
E todos os reis se prostrem perante ele;
todas as nações o sirvam.
O relato de Lucas
Vamos examinar o relato de Lucas. Ele se baseia na tradição oriunda
de Maria, mãe de Jesus, tal como foi reproduzida no documento pré-
evangelista do qual falamos. Ele começa na aldeia de Nazaré: o anjo
Gabriel, enviado por Deus, saúda como “cheia de graça” Maria,
noiva de José, e lhe anuncia que ela conceberá e dará à luz um filho.
“a quem chamarás pelo nome de Jesus. Este será grande e será
chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono de
Davi, seu pai; ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu
reinado não terá fim.” Maria espantou-se: “Como será isto, pois não
tenho relação com homem algum?”. E o anjo lhe disse, então: “O
Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua
sombra; por isso, também o ente santo que há de nascer será
chamado Filho de Deus”. Maria respondeu: “Aqui está a serva do
Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra. E o anjo se
ausentou dela”.25
Esse texto dá lugar a uma interpretação que não corresponde à
intenção de Lucas. Quando Maria pergunta: “Como será isto, pois
não tenho relação com homem algum?”, isso não significa: “se eu
não partilhei ainda meu leito com um homem”. Como uma moça
poderia se espantar com a predição de uma futura criança, quando
ela vai se casar? Entre os judeus, os noivados, que duram cerca de
um ano, eram muito mais que uma simples promessa de casamento.
Eles tinham, diz Fílon de Alexandria, o mesmo valor do casamento.
A prometida era chamada “mulher” do noivo. Mas a coabitação
(nissouin) era rigorosamente proibida. Se, durante esse período, a
prometida se tornava infiel, ela era considerada adúltera, portanto,
passível de lapidação. No pensamento de Lucas, trata-se de outra
coisa. A frase de Maria revela um compromisso pessoal, outro
projeto de vida: “não me é permitido aproximar-me de um homem,
pois eu fiz o voto de não conhecer nenhum homem”. O evangelista
nos apresenta Maria como uma virgem consagrada, que tencionava
permanecer assim, como acentuaram os Padres da Igreja,
principalmente santo Agostinho e Gregório de Nissa.
Nessa época viveu Jesus, um homem excepcional, se, em todo caso, convém
chamá-lo um homem, porque ele realizava coisas extraordinárias. Mestre de
pessoas que estavam completamente dispostas a receber bem as doutrinas de
boa qualidade, ele ganhou muitos adeptos entre os judeus e até entre os
helenos. Ele era o Cristo. Quando, por denúncia de nossos cidadãos
importantes, Pilatos o condenou à morte sobre a cruz, aqueles que lhe
haviam dado seu afeto no início não cessaram de amá-lo, porque Jesus lhes
apareceu no terceiro dia, vivo novamente, como os profetas divinos tinham
declarado, assim como há mil outras maravilhas a seu respeito. Em nossos
dias ainda não se extinguiu a linhagem daqueles que por causa dele são
chamados cristãos.2
Nessa época vivia um sábio que se chamava Jesus. Sua conduta era justa e
era conhecido por ser virtuoso. E um grande número de pessoas entre os
judeus e as outras nações se tornaram seus discípulos. Pilatos o condenou a
ser crucificado e morrer. Mas os que tinham se tornado seus discípulos
continuaram a ser seus discípulos. Eles diziam que Jesus havia aparecido a
eles três dias depois de sua crucificação e que ele estava vivo: assim, talvez
ele seja o Messias a respeito do qual os profetas contaram maravilhas.4
Eles afirmam que toda a sua infração ou seu erro limitou-se a ter o hábito de
reunir-se em dias fixos antes da aurora, de cantar entre si, alternadamente,
um hino de louvor ao Cristo como a um deus, de comprometer-se por
juramento não só a não perpetrar algum crime, mas a não cometer nem
roubo, nem pilhagem, nem adultério, a não faltar com a palavra dada, a não
negar uma arrecadação reclamada em justiça… Eu acreditei que era muito
necessário extrair a verdade de duas escravas que se diziam diaconisas, com
o risco de serem submetidas à tortura. Eu só encontrei uma superstição
irracional e sem medida.6
Que vantagem os atenienses tiveram em matar Sócrates, visto que eles foram
atingidos pela fome e pela peste? Ou aqueles da ilha de Samos em queimar
Pitágoras, pois o seu país foi num só instante inteiramente soterrado sob as
areias? Ou os judeus em crucificar o seu sábio rei, visto que, a partir dessa
época, o reino lhes foi retirado? Foi com equidade que Deus vingou esses
três sábios. Os atenienses morreram de fome, os habitantes da ilha de Samos
foram recobertos pelo mar, os judeus foram deportados e expulsos de seu
reino, vivendo dispersos por toda parte. Sócrates não foi morto por causa de
Platão, nem Pitágoras por causa da estátua de Hera, nem o sábio rei por
causa da nova lei que anunciou.9
Portanto, contrariamente a Flávio Josefo e a Tácito, Mara Bar
Serapião atribuía aos judeus a responsabilidade pela execução de
Jesus. No mesmo sentido um baraita — ou seja, um comentário
rabínico — inserido no tratado Sinédrio do Talmude de Babilônia
indicava que as altas autoridades de Jerusalém tinham decidido de
modo legal enviar Jesus para a morte, por ter enganado o povo:
Os evangelhos apócrifos
Além dos quatro evangelhos ditos canônicos, podemos encontrar
informações complementares nos evangelhos apócrifos? Devemos
precisar que apócrifo não é usado aqui no sentido de “falso”. A
palavra vem do grego apocryphos, que significa “secreto, oculto”. São
textos que não foram retidos pelas Igrejas cristãs como dignos de
figurar entre as Santas Escrituras. Atualmente, uma corrente de
pensamento tenta reabilitar esses opúsculos marginais, repletos de
parábolas, sentenças, diálogos, bênçãos e maldições, que lhes dão,
por vezes, um status superior aos evangelhos canônicos. Os apócrifos
estão na moda. Entusiasmo midiático, gosto pelo escandaloso
sensacional e credulidade desarmada fizeram o seu sucesso. Eles
seriam nem mais nem menos que a fonte e a chave do verdadeiro
cristianismo! A intenção ideológica é evidente: denunciar a Igreja
que os havia sufocado a fim de impor a “sua” verdade, em
detrimento da pessoa autêntica de Jesus. Assim, o evangelho de
Tomé seria mais importante historicamente do que aqueles de
Mateus, Lucas ou Marcos. Para o historiador americano John
Dominic Crossan, o evangelho de Pedro seria derivado diretamente
de um evangelho primitivo desconhecido, o evangelho da Cruz, que
teria inspirado os evangelhos canônicos. Essas aproximações,
digamos, não convencem. Vamos tentar ver mais claramente.
As Igrejas cristãs reconhecem como autênticos integrantes de seu
cânone, quatro livretos evangélicos, nenhum deles assinado, mas
que uma tradição constante e que remonta à mais alta antiguidade
atribui a Mateus, Marcos, Lucas e João. Antes de serem incorporados
ao cânone da Igreja no século IV (Concílio de Laodiceia, por volta
do ano 360, epístola de Atanásio no ano 367, Concílio de Hipona em
396), eles eram considerados como textos dignos de confiança desde
o século II pelo Cânone Muratori (c. 150-170) e por Irineu, bispo de
Lyon, morto mártir, autor de Contra as heresias (c. 180). O filósofo
Orígenes, no início do século III, também os comentava e os
diferenciava dos apócrifos, mantidos separados das leituras públicas
e da proclamação da Igreja, por não representarem a fé autêntica
recebida dos apóstolos. Esses evangelhos apócrifos pertencem a três
tipos diferentes.16
Os primeiros são os evangelhos que hoje estão perdidos e
serviram a algumas comunidades rapidamente marginalizadas.
Assim, o Evangelho dos Hebreus, do qual se conhecem apenas alguns
fragmentos por intermédio dos Padres da Igreja. No século III, são
Jerônimo afirma ter descoberto um exemplar em Cesareia e outro
entre os judeus cristãos de Beroea (atualmente, Alepo). Esse precioso
códice redigido em aramaico somava duas mil folhas. Ele acreditou
que se tratava de uma primeira versão do evangelho de Mateus, mas
as passagens que cita não correspondem a este.17 Esse texto
secundário, usado pela comunidade de judeus cristãos, da qual era
chefe Tiago, o Justo, chamado “irmão do Senhor”, pode ter recolhido
vestígios não conhecidos dos ensinamentos de Jesus, como essa frase
citada por um apologista erudito, Clemente de Alexandria (c. 160-
220): “Aquele que se surpreende reinará. E aquele que reinar gozará
de repouso. Aquele que busca vai continuar sua busca até encontrá-
la. E aquele que encontra se surpreenderá. E aquele que se
surpreende reinará e aquele que reina gozará de repouso”. Outra
citação atribuída a Jesus, recompilada dessa vez por Jerônimo: “Não
se alegre enquanto não olhar para seu irmão com amor”. No plano
dos relatos há pouca novidade, a não ser algumas breves anotações
complementares sobre o batismo de Jesus e o relato de uma aparição
para Tiago depois da Ressurreição.
Esse evangelho seria o mesmo que aquele dos nazarenos ou dos
ebionitas, de que falam Hegésipo, escritor cristão do século II, e
Eusébio (c. 267-340), bispo de Cesareia, autor de uma preciosa
História eclesiástica em dez volumes? Não temos certeza disso, nem
mesmo se esse evangelho desconhecido era também ligado aos
grupos judeus cristãos18.
Existe ainda outro apócrifo misterioso, o do Papiro Egerton 2[2]
— quatro fragmentos publicados em 1935, extraídos de um códice,
atualmente propriedade do Museu Britânico. Podemos ler nele uma
versão da cura de leprosos feita por Jesus e outra relativa ao
pagamento do imposto devido às autoridades (“aos reis” e não “a
César”, como é contado em Mateus ou Marcos). Datando do final do
século II, mesclaria tradições orais com uma remodelação dos
evangelhos sinópticos.
O evangelho de Pedro, do qual um fragmento importante foi
encontrado em 1886, na sepultura de um monge em Akhmim no Alto
Egito, apresenta um longo relato sobre a Paixão e a Ressurreição,
aos quais foram enxertados desenvolvimentos manifestamente
lendários.19 Esse é um dos evangelhos mais interessantes da
categoria. O exegeta americano Raymond E. Brown, que vê nele
“uma harmonização livre de lembranças e de tradições dos
evangelhos canônicos”, situa sua composição por volta do ano 140
na Síria, na região de Antioquia. A obra reflete até nas suas
variações absurdas o antijudaísmo virulento dessa época (seriam os
judeus e não os romanos os únicos responsáveis pela crucificação de
Jesus). Quando, por volta do ano 190, Serapião, bispo de Antioquia,
percebeu que esses escritos eram apreciados pelos cristãos de Rhosus,
um povoado de sua diocese, e podiam, por suas afirmações, conduzir
à heresia docética, ele denunciou sua influência danosa.
O segundo tipo de evangelho apócrifo é oriundo da literatura
popular e romanceada. Seu objetivo era satisfazer, à margem da
pregação eclesiástica, a curiosidade do povo cristão das camadas
mais baixas. Seus exageros literários, sua tendência ao maravilhoso,
seus desvios lendários ou folclóricos são manifestos. Contrariamente
à sobriedade e à discrição dos relatos canônicos, eles acrescentam
para melhor convencer, fazendo frutificar com interesse milagres,
fatos extraordinários, historietas embelezadas, detalhes pitorescos
ignorados pela tradição apostólica. Nesses contos de fadas, repletos
de fantasias e de extravagâncias, mas sem grande alcance espiritual,
beberam, durante a Idade Média, compilações fabulosas, como A
legenda áurea, de Jacopo de Varazze, ou O espelho da História, de
Vicente de Beauvais, sem falar dos pintores de ícones, das
iluminuras e de outros pintores de vitrais.
O evangelho árabe da Infância mostra o encontro no Egito do
jovem Jesus com os dois outros ladrões, mais tarde crucificados com
ele, chamados aqui Tito e Dismus. A criança anuncia para sua mãe
que Tito — o “bom ladrão” — o precederia no paraíso. Também
vemos nesse evangelho o jovem Judas, já possuído pelo demônio,
batendo no filho de Maria.
O evangelho de Tomé, o filósofo israelita, ainda chamado o
evangelho do Pseudo-Tomé (não confundir com o evangelho
segundo Tomé, outro apócrifo), apresenta um Jesus Criança
onisciente, teimoso e vingativo, repreendendo seu mestre na escola,
Zaqueu, e cobrindo-o de vergonha. “Uma outra vez”, conta o autor
desse relato, “Jesus passeava pela aldeia, quando uma criança,
correndo, esbarra em seu ombro. Irritado, Jesus lhe diz: ‘Você não
prosseguirá seu caminho’. No mesmo instante a criança cai morta…”
É nesse romance de má qualidade que encontramos a anedota dos
pássaros de argila, modelados num dia de sabá para a jovem
Criança de Deus, que ela subitamente faz voar…
A fim de provar a virgindade perpétua de Maria, professada pela
Igreja, o protoevangelho de Tiago recorre a uma apologética de mau
gosto, fazendo parteiras intervirem antes, durante e depois do
nascimento de Jesus.21
O Livro da passagem da muito santa Virgem Maria, mãe de Jesus,
atribuído a Melito, bispo de Sardes no final do século II, embeleza a
morte e a assunção de Maria. A história de José, o carpinteiro, que
data talvez do século IV, muito apreciada nos meios coptas do Egito,
apresenta a vida de José relatada pelo seu filho divino.
O evangelho de Nicodemos, também chamado de Atos de Pilatos,
cuja existência é assinalada por são Epifânio, no ano 376, dá uma
descrição extraordinária da descida do Cristo aos Infernos, luz
resplandecente que faz estremecer de alegria todos os que estão
“sentados nas trevas e na sombra da morte”, desde Adão até os
santos patriarcas e profetas.
Os Atos de Pedro, do final do século II, narram em detalhe a
estada em Roma do chefe dos apóstolos, seus milagres, sua fuga, seu
reencontro com Jesus ressuscitado na Via Ápia. “Senhor, aonde você
vai?” E Jesus lhe responde, para fazê-lo voltar aos seus passos: “Eu
vou a Roma para ser crucificado de novo!”. Essa tradição, como
sabemos, servirá de fio condutor para o célebre romance de Henryk
Sienkiewicz, Quo vadis?
A terceira categoria de evangelhos, e a mais importante, é a dos
escritos gnósticos. A gnose (a palavra vem do grego gnôsis,
“conhecimento”) é uma vasta corrente filosófica e religiosa com
tendência hermética, que se situa no cruzamento das religiões e dos
mistérios, do pensamento iraniano, do helenismo, do judaísmo e do
cristianismo. Ela repousa sobre concepções cosmológicas e
antropológicas radicalmente diferentes da Bíblia. A criação do
mundo nesse texto é obra de um demiurgo malvado, que alguns
cristãos heréticos, como Marcião (c. 100-160), que rejeitam a
herança judaica, não hesitam em assimilar ao Deus terrível e
vingador do Antigo Testamento. O espírito é prisioneiro da matéria,
encerrado num envoltório carnal. O homem deve desapegar-se dessa
sujidade e reencontrar a parcela de divindade que existe nele. Nisso
reside a sua salvação. Como? Fugindo do mundo pela ascese e pela
busca do seu próprio “eu”. O homem só se torna “perfeito” depois de
uma iniciação particular aos segredos do reino. Essas são mais ou
menos as teses de Cerinto, Valentim, Basilides, Carpócrates ou
Heracleon, contra as quais as comunidades crentes, muito fortes no
ensinamento apostólico, pouco a pouco definiram uma linha
ortodoxa e ergueram um cordão sanitário.
Evidentemente, esses textos gnósticos não têm como objetivo
difundir contos inocentes, mas sim recuperar a mensagem cristã,
parasitá-la com palavras artificiais e fundi-la com seu sistema
esotérico, com os antípodas da fé… As referências ao Jesus histórico,
à sua vida pública, à sua Paixão, à sua morte redentora, à sua
Ressurreição, à universalidade de sua mensagem não lhes
interessam. Eles consideram que somente o conhecimento salva —
um conhecimento oculto, que uma minoria de iniciados é capaz de
desvendar —, e não as obras ou a graça divina. Para eles, a gnose
situa-se no coração da doutrina secreta do mestre Jesus, o “Vivo”
fora do tempo, que veio despertar os espíritos e lembrar-lhes que são
centelhas oriundas da esfera divina. É característico, em relação a
isso, o início do evangelho segundo Tomé, que será muito apreciado
pelos maniqueístas do século III. “Eis as palavras que Jesus, o Vivo,
disse e que Judas Tomé Dídimo escreveu: E ele [Jesus] disse: ‘Aquele
que descobrir a interpretação dessas palavras não encontrará a
morte’”. Para viver a verdadeira vida divina, é preciso receber a
iluminação, procurar as chaves da interpretação. Vamos abrir, por
exemplo, o evangelho de Filipe: “Aqueles que dizem que o Senhor
morreu primeiro e (então) se levantou se enganam, pois ele
primeiro se levantou e (então) morreu. Se alguém não alcança
primeiro a ressurreição, ele não morrerá. […] Aquele que possui a
gnose da verdade é livre”. As próprias palavras da eucaristia são
contaminadas pelas especulações da seita: “Aquele que não comer da
minha carne e não beber do meu sangue não tem vida nele”. O que é
sua carne? Sua carne é o Logos e seu sangue, o Espírito Santo.
Até 1945, esses escritos só eram conhecidos por algumas citações
dos Padres da Igreja, como Irineu de Lyon ou Hipólito de Roma,
empenhados em lutar contra essa heresia multiforme. Em dezembro
daquele ano, no Alto Egito, na região de Nag Hammadi, a cerca de
sessenta quilômetros de Luxor, ao pé dos penhascos muito difíceis do
djebel El-Tarif, um camponês, Mohammed Ali, exumou uma jarra
selada, enterrada numa sepultura de um cemitério próximo do
antigo povoado de Khénoboskion. Essa jarra continha uma coleção
de treze códices em pergaminho, protegidos por estojos de couro
leve, 52 tratados no total (45 títulos diferentes), na maior parte de
inspiração gnóstica, que representavam 1.156 páginas. Pertencente,
talvez, ao mosteiro associado de São Pacômio, essas traduções coptas
de textos gregos tinham sido colocadas ali por volta do ano 400; foi
a secura excepcional do local que as preservou do apodrecimento.
Depois de algumas peregrinações por vários antiquários, os códices
foram recuperados pelo governo egípcio e depositados no museu
copta do Cairo Velho. No lote, figuravam o livro secreto de Tiago, o
Apocalipse de Paulo, o evangelho da Verdade (atribuído a Valentim
ou a um de seus discípulos), o evangelho de Filipe, uma versão
completa do evangelho segundo Tomé escrito em copta, e
fragmentos do evangelho de Pedro.22
Não precisamos nos espantar com esses nomes prestigiosos. Para
valorizar seus textos e torná-los críveis às comunidades cristãs, os
autores anônimos os haviam colocado sob o patronato lisonjeiro de
um apóstolo. Três personagens do ambiente de Jesus,
metamorfoseados pelo imaginário gnóstico, fascinam, aliás, os
apócrifos: Judas assimilado a Tomé Dídimo, que teria sido morto
sobre a cruz em lugar de seu irmão gêmeo, Jesus; Maria Madalena,
deusa da Sabedoria e grande sacerdotisa do esoterismo; enfim Judas,
o homem benfeitor, que entrega Jesus, segundo o plano de Deus,
para a salvação da humanidade…
Em 1978, ainda no Egito, foi encontrado um códice, chamado
Codex Tchacos, que foi juntar-se no museu copta do Cairo Velho aos
textos de Nag Hammadi, depois de muitas vicissitudes: proposto no
mercado sem encontrar comprador, por causa do seu preço muito
elevado, ele se degradou durante anos no cofre de um banco
americano, onde foi colocado — ideia ridícula! — num congelador,
por um intermediário americano, onde ele se deteriorou ainda mais.
Esse códice contém uma pseudocarta de Pedro para Filipe, um
primeiro Apocalipse de Tiago, já conhecidos, e principalmente o
texto completo do evangelho de Judas, que teve um imenso sucesso
midiático por ocasião de sua publicação em 2006.23 Nesse escrito
gnóstico e doceta, a traição de Judas é apresentada como uma
realização necessária, que permite a Jesus, “oriundo do reino da
imortal Barbelô” (uma deusa mãe), libertar-se de sua prisão de
carne. “Tu ultrapassarás todos”, disse Jesus a esse discípulo
preferido, “porque tu sacrificarás o homem que me serve de
envelope carnal…”
As fontes cristãs
O Novo Testamento contém vinte e sete livros, considerados como
canônicos por todas as grandes Igrejas, e, com algumas variações,
pelas Igrejas siríaca ou etíope. Mas fora os quatro evangelhos, os
dados contidos nos outros livros são bastante pobres em materiais
históricos relativos a Jesus. De um interesse capital para conhecer a
vida das comunidades cristãs, as primeiras proclamações de Pedro e
as missões de Paulo, os Atos dos Apóstolos, devidos à evangelização
de Lucas, não trazem nada sobre o Jesus terrestre. Ocorre o mesmo
com o Apocalipse de João, escrito místico dentro da tradição
visionária e profética judaica.
As treze epístolas de Paulo são anteriores aos evangelhos escritos.
Nascido em Tarso, na Cilícia (que fica na atual Turquia), entre 5 e
10 antes da nossa era, seu verdadeiro nome era Saulo, foi
“circuncidado no oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de
Benjamim”, como ele próprio se definia na sua Epístola aos
Filipenses, e pertencia a uma família judaica abastada que o enviou
por volta dos treze anos para começar uma carreira de doutor da
Lei. Teve, de início, como mestre, um rabino ilustre, o fariseu
Gamaliel, o Ancião, neto de Hilel, partidário de um judaísmo aberto
e tolerante. Mas, muito em breve, ao provar um ardente zelo
religioso, juntou-se às fileiras dos perseguidores dos primeiros
cristãos, participando, especialmente, da lapidação do diácono
Estêvão, por volta do ano 36. Munido de cartas oficiais que lhe
permitiam perseguir outros discípulos instalados em Damasco, foi a
caminho dessa cidade que ele foi derrubado por um clarão ofuscante
que o deixou cego durante três dias. Ele foi testemunha de uma
aparição de Jesus, que perturbou completamente sua vida: “Saulo,
Saulo, por que me persegues?”. Renunciando a uma carreira
promissora de mestre fariseu, ele se converteu e recebeu o batismo
do Cristo de alguém chamado Ananias. A partir desse momento, ele
se tornou um evangelizador infatigável, anunciando a Boa Nova da
Ressurreição nas sinagogas, depois se voltou para os “gentios”, ou,
dito de outra forma, os que não eram circuncidados, viajando por
todo o leste da bacia mediterrânea, fundando novas comunidades
cristãs e sustentando aquelas já existentes. Por toda parte, ele
proclamava “o Cristo crucificado e ressuscitado”, centrando sua
cristologia sobre a morte e a ressurreição de Cristo. Uma cristologia
“elevada”, apesar da data antiga de seus escritos, que faz de Jesus o
Filho de Deus, vindo ao mundo para salvar os pecadores.
Ainda que ele seja um dos contemporâneos de Jesus, Paulo não o
conheceu “segundo a carne”, mas recolheu numerosos testemunhos
sobre Jesus e viveu em meio àqueles que o tinham visto e
compreendido. Instruído por Pedro, por Tiago, o Justo, e por dois de
seus companheiros de viagem que haviam vivido durante muito
tempo em Jerusalém, Silas e Barnabé, ele foi bem informado sobre a
vida pública e o ministério de Jesus. Infelizmente, para o
historiador, suas epístolas falam pouco sobre isso.
Dirigidas aos tessalonicenses, aos coríntios, aos filipenses, aos
gálatas, aos romanos, a Tito e a Timóteo, a Filemon, aos colossences
e aos de Éfeso, são escritos de circunstância, sermões e exortações
apostólicas, destinadas a encorajar os cristãos na sua fé. Elas não
têm por objetivo suplementar a catequese e transmitir um
conhecimento de base de Jesus. A única exceção é a sua Epístola aos
Coríntios, na qual, em razão da crise atravessada por essa
comunidade, devido às suas lacunas doutrinais e sua falta de
caridade, Paulo se sente obrigado a lembrá-los dos fundamentos
preciosos, visto que eles permitem ir além dos anos 50 (os dados
retomados eram considerados como conhecidos, há muito tempo).
Assim, ele nos ensina as palavras de Jesus pronunciadas por ocasião
de sua última refeição, a da Ceia, sobre o pão e sobre o vinho, sua
morte, o sentido que Jesus quis lhe dar, seu sepultamento, sua
ressurreição, distinguindo escrupulosamente o que o mestre havia
ensinado e aquilo que ele ensina em seguida: “Mas aos outros digo
eu, não o Senhor […]Todavia, aos casados mando, não eu mas o
Senhor”.27 Ao longo das epístolas, particularmente das epístolas
ditas “protopaulinas”,[1] encontramos alguns dados esparsos,
pertencentes ao conjunto dos pronunciamentos primitivos que serão
retomados pelos evangelhos: Jesus, oriundo da raça de Davi segundo
sua carne, tem como missão dirigir-se ao povo de Israel e não “às
pessoas das nações”.28 Colheita magra!
Se nos voltarmos para a correspondência dos demais discípulos, a
decepção também é grande. Trata-se de exortações morais,
certamente importantes para a história do cristianismo, apelos para
a santidade e para o amor fraterno, recordações das Escrituras,
considerações teológicas sobre a salvação em Jesus Cristo, a vida
eterna, a parusia [2] e o julgamento último dos Justos, mas não há
nada sobre o Jesus histórico. Nada na epístola católica de Tiago, o
“irmão do Senhor”, que dirigia a primeira comunidade judaico-cristã
de Jerusalém, nada nas epístolas de João, a não ser que ele fale com
a autoridade de uma testemunha, nada na primeira epístola de
Pedro. Há uma exceção na segunda: nela, o chefe dos apóstolos
insiste sobre seu testemunho e, num breve parágrafo, atesta sobre a
realidade da Transfiguração de Jesus.
E, vendo que alguns dos seus discípulos comiam pão com as mãos impuras,
isto é, por lavar, os repreendiam. Porque os fariseus, e todos os judeus,
conservando a tradição dos antigos, não comem sem lavar as mãos muitas
vezes; E, quando voltam do mercado, se não se lavarem, não comem. E
muitas outras coisas há que receberam para observar, como lavar os copos,
e os jarros, e os vasos de metal e as camas.34
A tradição oral
No começo era a palavra. Jesus, que não deixou nenhum escrito,
havia ordenado a seus discípulos ensinar e pregar. A catequese,
então, foi feita oralmente. Os primeiros cristãos se encontravam
todo primeiro dia da semana (o dies domini, o dia do Senhor, dito de
outra forma, o domingo), para receber o pão da eucaristia. Situados
no interior da tradição missionária, os relatos orais foram compostos
na Igreja, dentro do âmbito do culto compartilhado, das preces
comunitárias e da compreensão dos acontecimentos vividos pelas
testemunhas.
Temos pouca noção, em nossas sociedades modernas, da
importância da memorização da Escritura no mundo hebraico, a
saber, de capítulos ou de livros inteiros. Os trabalhos de Birger
Gerhardsson, Werner Kelber e Marcel Jousse insistem com total
razão sobre a preeminência concedida à oralidade, à meditação
sagrada, à “reconsideração periódica” na fidelidade e no coração a
coração permanente com o Todo-Poderoso. Formados por levitas,
portadores de tradições vivas do ensinamento religioso até nas
aldeias mais longínquas, os judeus eram o povo mais religioso e
mais cultivado do mundo antigo (uma boa parte da população sabia
ler e escrever). À imagem das escolas rabínicas de Hilel, Shamai,
Gamaliel II, Ben Zakai ou Akiva, que se dedicavam a uma exegese
oral da Torá, e procuravam resolver os problemas da vida cotidiana,
os primeiros discípulos de Jesus anunciaram e ensinaram a Boa
Nova pela repetição contínua de suas palavras e de suas ações,
conservadas segundo o ritmo característico, os efeitos e os meios e
métodos de memorização da poesia hebraica, principalmente sob a
forma de quiasmo, essa figura de retórica composta de uma dupla
antítese cujos termos se cruzam. Exemplo tirado de Mateus:
Os primeiros escritos
Sem valorizá-la excessivamente, é preciso não negligenciar a
tradição escriturária que pôde se formar, enquanto Jesus estava
vivo, por meio de ouvintes atentos, que se impregnavam de seu
ensinamento. Seria concebível, quando sabemos das atividades dos
escribas, de alguns judeus palestinos cultos, que ouviam as lições
assombrosas de um rabino fascinante e misterioso, ao mesmo tempo
profeta, pregador e curandeiro, achar que ninguém tenha tomado
qualquer nota? Os procedimentos para uma escrita rápida existiam
na Antiguidade. A taquigrafia (ou estenografia) já estava em uso.
Em uma gruta de Wadi Murabba’at (também conhecida como Nahal
Darga), perto do Mar Morto, encontraram um texto grego escrito
dessa maneira.62 Se o fato parece duvidoso para a maior parte dos
apóstolos da Galileia, “homens sem instrução ou cultura”, como dito
nos Atos dos Apóstolos (devemos entender isso como: sem instrução
recebida por meio dos doutores da Lei), o espanto seria grande se
não tivesse sido de outro modo para os ouvintes diversificados
reunidos pelo homem de Nazaré. A cultura da escrita estava
difundida em meio ao povo judeu e os primeiros cristãos. Os escribas
se serviam de tabuinhas de madeira (pinax) recobertas com cera, que
podiam ser reutilizadas. O processo era difundido no mundo greco-
romano, como mostram as tabuinhas encontradas em Pompeia e
Herculano ou em Vindolanda, perto da muralha de Adriano na
província da Britânia na Inglaterra. Um buraco feito na lateral mais
comprida permitia reunir as tabuinhas com uma correia de couro.
“Torna-se atualmente cada vez mais evidente”, escreve Graham
Stanton, professor de Escrituras Sagradas no King’s College de
Londres, “que esses cadernos de anotações foram amplamente
usados na época de Jesus. Certamente, é possível, e até mesmo
provável, que os discípulos de Jesus tenham tomado nota de seus
ensinamentos e de seus atos muito tempo antes que os evangelhos
fossem escritos. O caráter conciso das tradições relativas a Jesus
pode ser explicado tanto pela tradição oral como pelo uso dessas
cadernetas de anotações.”63
É verossímil que os relatos da Paixão e da Ressurreição, ligados à
celebração da eucaristia, fossem os primeiros a ser registrados por
escrito. Proclamados nas assembleias de culto, eram lidos em público
diante do Gólgota e do túmulo vazio. Pouco a pouco, coleções de
logia, de parábolas, de discursos, de relatos de milagres ou de
controvérsias com os adversários circularam em aramaico, a língua
local, e, provavelmente, ao mesmo tempo, em grego, língua dos
primeiros cristãos helenistas, ao redor de Estêvão e do grupo dos
Sete.64 Eram resumos fragmentários de sumários muito úteis para as
comunidades locais, espalhados pelos missionários e outros
pregadores itinerantes. Eles devem ter se multiplicado com o passar
do tempo, quando os apóstolos e as primeiras testemunhas não
foram mais os únicos a anunciar a Boa Nova. Era preciso
evangelizar Samaria, Fenícia, Chipre, Damasco, o país da Antioquia
e muitas regiões do contorno mediterrâneo. Essa primeira literatura
evangélica desapareceu em razão da fragilidade do seu suporte de
papiro, mas de sua existência os especialistas não duvidam, ela é
quase certa. Oralidade e escrita, portanto, coabitaram durante muito
tempo, mesmo depois da redação definitiva dos evangelhos.
Depois da época das compilações parciais, veio a dos pré-
evangelhos. À medida que envelhecia e depois desaparecia a geração
das testemunhas, à medida também que o retorno de Cristo, que de
início acreditavam que fosse iminente, parecia mais distante,
apareceu a necessidade de colocar por escrito, numa obra mais
completa, uma exposição da fé apresentada sob a forma de uma
biografia simplificada de Jesus, fácil de evangelizar. O elemento
desencadeante foi a dispersão dos apóstolos sobreviventes no início
dos anos 60. Tudo aconteceu muito depressa, porque,
contrariamente a uma ideia recebida, não eram necessários anos
para ver os textos circularem de uma comunidade a outra. Algumas
semanas, alguns meses eram suficientes.65 Os meios de comunicação
por terra ou por mar eram relativamente eficazes no interior do
mundo romano. “Depois que vocês lerem essa carta”, escrevia Paulo
aos colossenses, “façam com que ela seja lida também na igreja de
Laodiceia, e vocês leiam a de Laodiceia.”66
Um evangelho atípico
Muito diferente dos evangelhos sinópticos, o quarto evangelho se
apresenta, sem sombra de dúvida, como o de uma testemunha
ocular, João, o “discípulo bem-amado” (ou “que Jesus amava”). O
autor insiste sobre o seu status de homem apostólico, sincero, digno
de fé, e não esconde o projeto de sua obra: mostrar que o Jesus da
história é o mesmo que o Cristo da fé, que o Jesus encarnado é o
Cristo eterno, tal como ele é apresentado na sua Igreja. Ele se
empenha, então, em reconstituir, de modo breve mas fiel, a vida
pública de Jesus, como uma etapa capital na história da salvação.
A análise do seu evangelho permite ressaltar alguns pontos
importantes:
(1o) Sua independência em relação aos dois outros.
Mesmo quando ele supunha que certos dados dos sinópticos são
conhecidos — a existência do grupo dos Doze, por exemplo —, João
compôs o seu escrito sem colher informações dos outros textos, aos
quais ele nunca se refere, o que se compreende, porque, ao contrário
dos outros (exceção feita a Mateus, autor do núcleo primitivo do
evangelho de Mateus em aramaico), ele é uma testemunha ocular.
Mas não é improvável que João os tenha lido (pelo menos o de
Mateus e o de Lucas). As diferenças com os três outros são maiores
que aquelas existentes entre estes. Em compensação, vamos observar
numerosas correspondências com Lucas, fenômeno que se explica
por um contato não relativo à Escritura Sagrada, mas oral. Em
outros termos, se Lucas não teve entre as mãos o evangelho de João
— ainda não redigido no momento de sua investigação —, há pouca
dúvida sobre o fato de que ele tenha encontrado o discípulo bem-
amado, escutado o seu ensinamento, recolhido relatos, anotado
detalhes, apanhado no ar algumas expressões e termos precisos. A
semelhança do vocabulário exclui um contato com algum outro
discípulo da “tradição joânica”. O exegeta alemão Adolf Von
Harnack tinha contado não menos do que trinta e duas palavras
comuns (evangelho e Atos), ausentes nos evangelhos de Mateus e de
Marcos.
(2o) A unidade literária, a homogeneidade do estilo, de
pensamento e de alcance teológico.87
Aparentemente são repetidas na obra falhas de habilidade na
escrita, articulações toscas, junções de má qualidade. São
encontradas algumas notas explicativas que não são do autor. Mas,
com exceção desses acréscimos facilmente perceptíveis, o evangelho
é obra de uma única mão. A escrita é simples, impregnada de estilo
poético aramaico (particularmente no prólogo), o vocabulário é
idêntico do início ao fim, bem como são coerentes a dramaturgia e a
teologia que se revelam na obra. Ocorre o mesmo nas Epístolas de
João. O homem tem um senso singular de composição, uma arte
perfeita de encenação, como Lucas, aliás, mas num estilo que lhe é
próprio.
(3o) A arquitetura narrativa, extremamente complexa, que revela
conhecimentos notáveis não somente da Bíblia hebraica, mas da
organização do Templo, das festas e da vida em Jerusalém, que não
encontra sua contrapartida nos evangelhos sinópticos.
Profundamente impregnado de uma mentalidade sacerdotal,
João dá indicações preciosas sobre a topografia, os ritos judaicos da
época. Seu texto encerra um jogo sutil de símbolos, uma variedade
de metáforas em vários níveis, com múltiplas leituras de uma riqueza
excepcional, que não cessam de nos espantar. Prova de que o
cristianismo nascente não era uma religião de pessoas pobres
incultas, mas dirigia-se também a classes sociais eruditas. Entre os
procedimentos literários preferidos de João figuram o equívoco e o
subentendido, o duplo sentido e principalmente a ironia, a famosa
ironia joânica, uma espécie de piscadela para o leitor, que
compreende então que a ilusão cega-o ou os personagens evocados.
(4 o) A origem semítica do autor, que expressa um pensamento
tipicamente judaico do século I da nossa era.
Difundido em grego, o quarto evangelho, como os evangelhos
sinópticos, contém numerosas características subjacentes do
aramaico. Alguns estudiosos, como o inglês C. F. Burney,
sustentaram que João tinha, de início, composto nessa língua.88
Durante muito tempo procuraram as suas raízes intelectuais no
helenismo. David Friedrich Strauss, no século XIX, via em João uma
testemunha da filosofia alexandrina; sustentou-se, por causa do
conceito de “Logos” (Verbo ou Razão) do prólogo, que João teria se
inspirado no pensamento grego, como seu contemporâneo Fílon de
Alexandria. Mas o evangelho parece mais impregnado de sabedoria
judaica que da sophia (sabedoria) grega.89 Se é verdade que naquela
época, na Palestina, uma estreita interpenetração unia as duas
culturas, as descobertas dos manuscritos do Mar Morto
reintroduziram esse evangelho no meio judaico. A oposição do Bem e
do Mal, da Luz e das Trevas, lembra aquela que encontramos no
Qumran. Enfim, não é pelo fato de que o evangelho de João foi
utilizado pelos gnósticos que é preciso torná-lo um escrito desses
grupos sectários. No sentido oposto, João insiste sobre a Encarnação
(“E o verbo se fez carne…”), sobre o caráter carnal da Ressurreição
(São Tomé convidado a colocar seu dedo sobre as chagas de Jesus).
(5o) A destinação da obra, escrita para leitores oriundos do
judaísmo da diáspora ou do paganismo.
Todos já estão convertidos, mas eles têm necessidade de ser
fortalecidos na sua fé, e estar convencidos da justeza da “cristologia
do alto”, que faz de Jesus o Filho preexistente do Pai, concebido
antes de todos os séculos. As comunidades que se valem de seu
evangelho permaneceram algum tempo à margem da “grande
Igreja”, antes de se ligarem a ela.
Tudo isso coloca em evidência uma forte personalidade literária,
uma figura apostólica de prestígio e ainda por cima um teólogo
poderoso, habituado a longas discussões sacerdotais. Não é sem
razão que, na simbólica dos evangelistas, a águia é sua figura [1].
João não é um compilador de fontes orais ou escritas, mas uma
testemunha dos fatos e das palavras autênticas de Jesus. Ele escreve
com uma autoridade inovadora que nenhum outro evangelista ousou
expressar. É um intelectual — “João, o teólogo”, como o apelidaram
— que meditou longamente e tem a convicção de não trair o
pensamento de seu divino mestre. As lembranças que ele reproduziu
voltaram à sua memória com a ajuda do “espírito de verdade”, o
Paracleto. “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai
enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará
lembrar de tudo quanto vos tenho dito.”90 Na sua Primeira Epístola,
João insiste sobre seu papel de testemunha:
O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos
olhos, o que temos contemplado, e as nossas mãos tocaram da Palavra da
vida (porque a vida foi manifestada, e nós a vimos, e testificamos dela, e vos
anunciamos a vida eterna, que estava com o Pai, e nos foi manifestada); o
que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também tenhais
comunhão conosco.91
A comunidade criadora?
É preciso reconhecer que a dúvida e a desconfiança foram levadas
até o absurdo. Numerosos pesquisadores, sem prova para apoiá-los,
consideraram os evangelhos fontes altamente suspeitas, que
deveriam ser rejeitadas na sua totalidade. Seu guru, Rudolf
Bultmann, no início do século XX, considerava os evangelhos
produções imaginárias, fabulações tardias das comunidades, e que
eram destinados a responder aos desafios que tinham que enfrentar
(“somente a comunidade é criativa”, martelava o guru). Seu
empreendimento demolidor só concedia a Jesus um pequeno número
de palavras autênticas. Sem adotar o conjunto de suas conclusões,
muitos exegetas contemporâneos conservaram sua técnica de
aproximação aos textos, observando elementos separados em
periscópios e dissecando-os com escalpelos, em busca de “camadas
redacionais” sempre mais primitivas. Assim, em alguns decênios,
passou-se de um excesso a outro, da recusa amedrontada da menor
crítica à generalização da suspeita. A história se acautelará diante de
um ceticismo metodológico tão radical, ainda que o método
histórico-crítico permaneça globalmente pertinente.
Quais são as aquisições dessa investigação? Os evangelhos
sinópticos — com exceção do “núcleo” central de Mateus — não
foram escritos por testemunhas oculares, mas por cristãos que se
relacionavam com elas: um escriba anônimo, discípulo do publicano
Mateus; Lucas, o “caro médico” de Antioquia, colaborador próximo
de Paulo; João, chamado Marcos, o secretário intérprete de Pedro.
Redigidos entre os anos 62 e 64, pertencentes à geração apostólica,
seus escritos deviam gozar de uma credibilidade relativamente boa
no seio das primeiras comunidades cristãs. Suas diferenças são
explicadas pela personalidade de cada autor e pelos grupos
religiosos ou étnicos aos quais eles se dirigiam: judeus do Oriente
Médio para Mateus, pagãos de cultura grega para Lucas e pagãos
que viviam na península itálica para Marcos.
Quanto a João, trata-se de uma testemunha ocular da mais alta
importância. Membro da aristocracia religiosa, ele foi venerado
como mestre por uma escola de ouvintes, antes de morrer muito
idoso em Éfeso. Seu evangelho, escrito em duas etapas, ao que
parece, por volta dos anos 64-65, talvez difundido tardiamente, por
volta do ano 98, e com uma versão completada depois da sua morte,
incorpora as informações que lhe foram dadas por alguns apóstolos
da Galileia: André, irmão de Pedro, e os que ele cita várias vezes,
Natanael, Filipe e Tomé.
Tudo isso mostra a priori uma grande proximidade dos evangelhos
com os acontecimentos que eles relatam. Mas isso é uma garantia
suficiente para ter acesso à verdade? Para saber se podemos utilizá-
los como fontes de informações fiáveis e reconstituir, graças a eles,
uma cronologia plausível, é importante estabelecer sua verdadeira
relação com a história: eles alteraram ou não os dados originais com
embelezamentos narrativos, tendo em vista uma resposta à sua
reflexão teológica?
É certo que os evangelistas não estavam interessados em escrever
uma biografia exaustiva de Jesus, ainda que tivessem à sua
disposição um grande número de informações que nós não temos
mais. Houve, como sempre, uma perda ao nível dos textos. O
próprio João diz isso, com a ênfase oriental que o caracteriza: “Jesus
fez ainda muitas outras coisas. Se elas fossem redigidas uma a uma,
penso que não caberiam no mundo os livros que seriam escritos”.122
Que os autores tenham realizado certa triagem, retendo da
existência de Jesus o que lhes parecia útil para seu projeto, é uma
evidência. Se os primeiros cristãos, por exemplo, se referiram às suas
curas, é porque pensavam que ele podia ainda em seu tempo agir e
renovar esse ato de salvação. É provável que tenham feito
adaptações, até mesmo algumas distorções aqui e ali, devido ao
novo contexto. Pensamos, por exemplo, na utilização, mais do que
na reutilização, pelas comunidades crentes das parábolas originais,
fora de seu contexto e por vezes de seu sentido primeiro.123 Um
comportamento que, de resto, nada tem de ilegítimo, visto que as
palavras e os atos de Jesus se prestam a uma multiplicidade de
interpretações. Atualizar não é trair. Senão, não haveria mais
homilias nas igrejas!
Daí a pretender que a maior parte dos discursos e dos fatos tenha
sido forjado a posteriori há um passo que não poderia ser transposto.
Se tivesse sido assim, os primeiros cristãos teriam colocado na boca
de seu Mestre palavras que respondiam às suas preocupações: seria
preciso obrigar os pagãos a se converter em massa à lei de Moisés, a
respeitar as proibições rituais, a circuncisão, o sabá, as festas
judaicas? Podia-se comer junto a eles? Ora, sobre esses assuntos, as
opiniões eram divergentes e os confrontos por vezes acirrados. Ao
passo que, para Paulo, o Cristo havia tornado ultrapassada a Lei
antiga, para os judeus cristãos ela devia continuar a ser aplicada
integralmente. Foram adotados compromissos. O silêncio dos
evangelistas prova o seu respeito escrupuloso pelo ensinamento de
Jesus, que não havia deixado nenhuma exposição normativa sobre
tais questões. Daí os propósitos aparentemente contraditórios do
Mestre. Quando do envio dos apóstolos em missão, ele não tinha
dito: “Não tomeis o caminho dos pagãos”? Agradou a Mateus
mencionar o fato. Mas Jesus ressuscitado não lhes havia igualmente
pedido: “Façamos discípulos em todas as nações”? Não nos
esqueçamos disso também.
Esse respeito dos evangelistas estava inscrito em seu amor pela
verdade, sua rejeição pelos “falsos profetas” e suas “perniciosas
heresias”. “E, se alguém tirar quaisquer palavras do livro desta
profecia, Deus tirará a sua parte do livro da vida, e da cidade santa,
e das coisas que estão escritas neste livro”.124
Certamente, a Igreja primitiva por vezes atenuou alguns fatos
embaraçosos para sua pregação, como o batismo de Jesus por João
Batista ou a traição de Judas, mas ela não hesitou em relatá-los. Ela
relatou o escândalo da cruz, suplício infame reservado aos escravos,
ou a renegação de Pedro, esse “rochedo” que devia fortalecer a fé de
seus irmãos!
As fisionomias do Cristo propostas pelos evangelhos diferem.
Sem negligenciar a filiação divina de Jesus, Mateus e Lucas,
partindo de uma cristologia ascendente, o descrevem como o
Messias de Israel. João insiste sobre a encarnação do Verbo de Deus,
sua unidade com o Pai (“Quem me vê, vê o Pai”) e apresenta uma
cristologia descendente que inclui a preexistência do Cristo no
mundo (“Antes que Abraão fosse, eu sou!”). No seu relato da Paixão,
Marcos e Mateus mostram um Jesus abandonado pelos seus,
enfrentando a morte e o sofrimento sozinho. Colocando em relevo o
valor de salvação de seu sacrifício, Lucas mostra o poder de cura e
de perdão de Jesus até enquanto caminha para a morte. João,
depois que os “judeus” e o “mundo” recusam a oferta de salvação de
Jesus, considera a Paixão e a cruz como um caminho de glorificação
do Filho pelo Pai, livremente aceito. Tais perspectivas com
tonalidades e colorações teológicas diferentes, longe de se oporem,
completam-se. A Igreja, desde os primeiros tempos, reconheceu Jesus
como verdadeiro homem e verdadeiro Deus, antes mesmo de
enunciar os dogmas (essas ramificações que a razão considera como
um mistério, sem poder uni-las completamente).
Cristianismo e antissemitismo
Um fato é certo, a identidade judaica de Jesus e a origem hebraica
do cristianismo intimamente ligado à espera do povo da Promessa
foram negligenciadas e até mesmo ocultadas durante séculos, com as
consequências desastrosas que conhecemos. Jesus era judeu
“segundo a carne”. Nascido sob a Lei, circuncidado, viveu sob a Lei;
Maria, sua mãe, era judia, assim como toda a sua família. Judeu
igualmente era João Batista, como os apóstolos e os primeiros
discípulos… O Evangelho saiu da Bíblia hebraica, à qual ele se refere
constantemente. Os cristãos receberam de seus irmãos mais velhos
judeus a fé no Deus único de Abraão, de Isaac e de Jacó.
As primeiras comunidades eram compostas por judeus
convertidos que permaneciam fiéis à lei mosaica, à circuncisão, ao
repouso no sabá e às preces no Templo, contentando-se em “quebrar
o pão” em suas casas, segundo o rito eucarístico instaurado pelo
Cristo. Essas comunidades se dispersaram nos meios judaicos da
Palestina e da diáspora. Provavelmente, elas foram perseguidas por
outros judeus, chefes dos sacerdotes de Jerusalém e pelos fariseus.
Antes de sua fulgurante conversão, Saulo de Tarso, o futuro Paulo,
foi de início um dos agentes mais ativos dessas autoridades. Mas os
cristãos por sua vez, se tornaram perseguidores e acusadores, com
ainda maior obstinação.
A partir do século II, a tradição cristã assumiu com força o
antijudaísmo, diminuindo, por exemplo, a responsabilidade de
Pilatos na morte de Jesus, em detrimento dos judeus. Testemunham
esse fato a epístola dita de Barnabé, os escritos de Melito de Sardes
ou o evangelho apócrifo de Pedro. Na mesma época, Justino Mártir
reprovava ao rabino Trifão: “Vocês o crucificaram, o único
irrepreensível e justo… Vocês levaram ao auge sua perversidade, ao
odiar o Justo que vocês mataram”.131 Os ataques se intensificaram
com o Adversus Judaeos [Contra os Judeus] de Tertuliano, os
Testimonia [Testemunhos] de Cipriano e as Homilias de João
Crisóstomo. Gregório de Nissa lançou imprecações terríveis contra os
judeus, vítimas da maldição divina: “Assassinos do Senhor,
assassinos dos profetas, rebeldes e odiosos diante de Deus, eles
ultrajam a Lei, resistem à graça, repudiam a fé de seus pais.
Comparsas do diabo, raça de víboras, delatores, caluniadores, de
cérebro obscuro, fermentos farisaicos, sinédrios do demônio,
malditos execráveis, lapidadores, inimigos de tudo que é belo…”.
Por volta do século IV apareceu a acusação de “povo deicida”,
imputando aos judeus de todos os tempos a responsabilidade
coletiva e perpétua pela Crucificação. Propósito infinitamente mais
grave, levando em conta as suas consequências históricas, do que
acusar os ingleses de ter queimado Joana d’Arc!
Essa repulsa não ia até o ponto de desejar o extermínio do antigo
povo eleito. Com Jerônimo e Agostinho, sabia-se que Israel seria
resgatada pela misericórdia divina no final dos tempos. Na origem
desse primeiro antijudaísmo cristão, não havia nenhum racismo. No
breviário da Didascália, que data do final do século II, os fiéis eram
convidados a orar e jejuar pelos judeus. Essa inspiração será
reencontrada na fórmula da prece da Sexta-Feira Santa para os
“judeus pérfidos” (perfidis judaeis). O vocábulo perfidus era, na
origem, sinônimo de infiel ou de incrédulo, mas é evidente que ele
era ouvido de outra forma, até sua supressão pelo papa João XXIII.
Devemos acrescentar que o mundo protestante também não esteve
isento dessa ira raivosa. Os propósitos de Martinho Lutero se
juntavam, por sua violência, aos de João Crisóstomo ou de Gregório
de Nissa.
Como reação, o Concílio de Trento (1545-1563) afirmou que
eram os cristãos pecadores, mais que os judeus, que assentaram
sobre Jesus suas “mãos deicidas”. O catecismo do Concílio de Trento
imputava à humanidade inteira a responsabilidade pela morte do
Salvador: “São os nossos crimes que fizeram com que Nosso Senhor
Jesus Cristo sofresse o suplício da cruz”. Mas a condenação formal
do antissemitismo só se concretiza pelo decreto do Santo Ofício de
25 de maio de 1928. “Espiritualmente, nós somos semitas”, dirá com
ênfase o papa Pio XI, dez anos mais tarde.
Um “ensinamento do desprezo”, para retomar a fórmula do
historiador Jules Isaac, prevaleceu portanto nas Igrejas católica e
ortodoxa. Seguiram-se humilhações, ostracismos, agressões e
assassinatos terríveis. No século XX, se é evidente que o racismo de
Hitler, marcado por um paganismo antimonoteísta, tem origens
intelectuais e ideológicas radicalmente diferentes, não se pode negar
a responsabilidade de alguns cristãos na atmosfera antissemita que
conduziu ao Holocausto na Europa.
Há cinquenta anos, as coisas mudaram. Com vigor, o Concílio
Vaticano II, João XXIII, depois todos os papas, de Paulo VI a Bento
XVI, condenaram firmemente o antissemitismo. A constituição Nostra
Aetate do Concílio Vaticano II é clara a respeito desse assunto: “É
verdade que as autoridades judaicas e aqueles que seguiram a sua
liderança tenham pressionado pela morte de Cristo (João, 19,6),
ainda assim, o que aconteceu na sua Paixão não pode ser imputado
a todos os judeus sem distinção, então vivos, nem aos judeus de hoje.
Embora a Igreja seja o novo povo de Deus, os judeus não devem ser
apresentados como rejeitados, ou amaldiçoados por Deus, como se
isso decorresse das Sagradas Escrituras… Além disso, em sua rejeição
de toda perseguição a qualquer homem, a Igreja, consciente do
patrimônio que compartilha com os judeus e não movida por razões
políticas, mas pelo amor espiritual do Evangelho, denuncia o ódio,
as perseguições, as demonstrações de antissemitismo, dirigidos
contra judeus, a qualquer momento e por qualquer pessoa”.132
Depois disso, estabeleceu-se entre os representantes do judaísmo e
do cristianismo um diálogo frutífero fundamentado sobre o respeito
mútuo.
A descoberta recente da “identidade judaica” de Jesus é uma das
maiores contribuições da pesquisa histórica desses últimos decênios.
No século XX, sábios judeus, como Joseph Klausner, David Flusser,
Schalom Ben-Chorin, ampliaram nossos conhecimentos nesse
domínio, mostrando que Jesus foi um completo judeu. A mesma
constatação foi feita na França pelo biblicista André Chouraqui e
Jacqueline Genot-Bismuth, ou nos Estados Unidos, pelo historiador e
rabino Jacob Neusner.
Vamos voltar aos evangelhos. Certamente, nenhum deles fala do
“povo deicida”. Não poderíamos acusá-los de serem escritos
“antissemitas”, no sentido étnico e moderno do termo. Três de seus
autores, Mateus, Marcos e João, eram judeus e o quarto, Lucas, um
pagão convertido ao judaísmo. Como, provavelmente, todos os
evangelhos foram escritos antes da queda de Jerusalém, no ano 70,
eles só poderiam atribuir culpa ao judaísmo pré-rabínico. Podemos,
talvez, detectar nos evangelhos ataques aos fariseus, até mesmo
algumas indiretas antijudaicas, com uma tendência visível,
principalmente em Mateus, a generalizar ou a endurecer o quadro,
tendência que é reencontrada em certas passagens dos Atos dos
Apóstolos; mas esses ataques se situam no interior de um sistema
fechado, hoje desaparecido, o judaísmo do Segundo Templo, em que
os debates entre as diferentes escolas eram muito mais vivos, muito
mais diversificados do que teríamos pensado, como mostraram os
manuscritos do Mar Morto.
Foi muito reprovado ao evangelho de João, publicado mais
tardiamente, seus ataques contra os “judeus”, apresentados como
uma entidade coletiva que rejeita o Cristo e seu ensinamento. É
preciso não se equivocar sobre essa denominação. Na maior parte do
tempo, o evangelista, antigo hierarca hierosolimita, ao romper
relações ou distanciar-se de seu próprio meio, designa como “judeus”
as altas autoridades da Judeia, os sumos sacerdotes e seus fanáticos.
De modo algum ele acusa o povo judeu no seu conjunto. Não é ele o
único a citar a frase de Jesus: “A salvação vem dos judeus”?
Na verdade, judeus e cristãos têm o mesmo enraizamento
histórico: a Palestina do século I. Os cristãos deram ao seu
movimento uma orientação diferente daquela dos outros grupos
judaicos da época, mas, no início, eles não estavam tão afastados,
particularmente dos fariseus, com os quais partilhavam sua crença
na ressurreição. O judaísmo de hoje busca a mesma fonte. Se deriva
do movimento fariseu da época do Segundo Templo, ele não pode
ser totalmente assimilado a esse movimento. Assim, eles são dois
movimentos de mesma origem que evoluíram de maneira
divergente. Mas André Paul, biblicista e historiador, disse bem: a
ruptura entre eles era inevitável, por causa do fato singular e da
pessoa do fundador do cristianismo.133 Jesus observava a Lei e os
Profetas, ao mesmo tempo em que os transcendia.
Os quatro evangelhos são certamente o nosso principal guia e a
nossa principal fonte para reconstituir o Jesus histórico. No entanto,
outras fontes não devem ser negligenciadas.
ANEXO V
O Qumran e os manuscritos do Mar Morto
Qumran e os essênios
Paralelamente, havia continuado, sob a condução do padre
dominicano Roland Guérin de Vaux, diretor da Escola Bíblica, a
investigação das construções em ruínas que se encontravam no
planalto. Tratava-se de uma estranha exploração agrícola e
industrial, organizada para viver em autarcia. Foram encontrados
ali, ao redor de uma construção central e de uma torre da época
helênica, ateliês de artesanato, padarias, tinturarias, lavanderias…
Entre as ruínas, descobriu-se a presença de numerosas piscinas ou
mikvaot, que permitiam os banhos rituais de purificação, e restos do
que foi considerado um scriptorium (local para escrever), com
grandes mesas cobertas de gesso (três tinteiros foram encontrados
no local). Centenas de tigelas e de cântaros empilhados em outro
recinto fizeram pensar num refeitório.
Por volta do final de junho do ano 68 d.C., o lugar conheceu um
fim trágico, como atestam os traços de incêndio e as pontas de
flechas encontradas. Na última camada de detritos, foram recolhidas
moedas do segundo ano da revolta judaica (no ano 67 d.C.) e
algumas moedas cunhadas na Cesareia Marítima em 67-68, o que
indica que o povoamento dessas construções se deteve nessa época.
As paredes tinham sido destruídas. Os caniços que protegiam os tetos
eram apenas cinzas e as vigas de palmeiras eram fragmentos
carbonizados.
Para o acadêmico francês André Dupont-Sommer, professor na
Sorbonne e depois no Collège de France, essas ruínas eram de um
“mosteiro” da seita judaica dos essênios (do grego essênoï, religioso),
que haviam sido expulsos do Templo e exilados, praticando na sua
solidão a observância de um judaísmo estrito. Vamos deixar de lado
o “mito essênio” que floresceu no decorrer dos séculos e que os
adeptos da New Age fascinados pelo esoterismo sagrado e pela gnose
recuperaram. Tudo o que se pode dizer sobre esses ascetas
celibatários, vestidos de branco, com um modo de vida frugal, de
moral rigorosa, é que eles se dedicavam ao estudo, à oração, ao
louvor comunitário, aos banhos rituais cotidianos, e tomavam suas
refeições em comum. Segundo o tomo V da História Natural de Plínio,
o Velho, esses solitários residiam na margem ocidental do Mar
Morto, a montante da cidade de Ein Gedi (ou Engaddi), tendo como
única companhia “a sociedade das palmeiras”, localização que
parece corresponder ao local de Qumran. A leitura dos documentos
da seita, encontrados nas grutas vizinhas, permite reconstituir, pelo
menos em parte, sua história.
Quando, em outubro do ano 152 a.C., a estola e o tecido cor de
púrpura do sumo sacerdote do Templo foram confiados pelo rei
grego da Síria, Alexandre Balas, a Jônatas, chamado Afus, irmão de
Judas Macabeu, pertencente a uma classe sacerdotal da linhagem de
Aarão, certo número de judeus religiosos, oriundos do movimento
dos hasîdîm,[1] retiram-se para o deserto com o sumo sacerdote
deposto (talvez Simão, filho de Onias III, da linhagem legítima de
Zadoque, sumo sacerdote do tempo de Salomão), que eles chamavam
de o “Mestre de Justiça”, e instalaram-se em Sokoka, a atual
Qumran. Mas Jônatas, o usurpador ganancioso e corrompido, o
orgulhoso “Sacerdote ímpio”, o “cuspidor de mentiras”, como dizem
os textos encontrados, perseguiu os membros da seita, oprimiu o
Mestre de Justiça e o sitiou em vão com os seus partidários em seu
pequeno forte no deserto.
Os essênios não saíram de seu refúgio, enquanto a dinastia
independente dos hasmoneus, oriunda da revolta dos macabeus
contra os selêucidas da Síria, mantinha-se em Jerusalém, em meio a
violentas desordens da guerra civil e das rivalidades de facções
político-religiosas. Eles também não saíram do refúgio quando
Pompeu se apoderou da Cidade Santa no ano 63 a.C., fazendo a
região passar ao domínio de Roma. Os essênios igualmente não se
manifestaram quando Herodes, o Grande, filho do governador
Antípatro, nomeado por César, obteve de Otávio e Antonio a coroa
da Judeia e empreendeu a reconstrução do Templo. Para os essênios,
esse Templo permanecia um local maculado e impuro, do qual
deviam manter-se afastados, esperando a sua restauração solene
pelos Filhos da Luz, ou seja, eles mesmos. E se os romanos — os
Kittim, no seu vocabulário codificado — ocupavam o país, isso era,
infelizmente, apenas o fruto amargo das obras de seus compatriotas
ímpios. Somente num momento o local foi abandonado: por ocasião
de um tremor de terra no ano 31 a.C.134
Esses cenobitas religiosos e virtuosos — de 150 a 200 pessoas,
disseram — levavam uma existência comunitária, rude e ascética, na
qual tudo era compartilhado, despesas e lucros, roupas e alimentos.
Devotados ao celibato, formavam uma escola de filosofia judaica
bem estruturada, com sua própria interpretação da Lei e seu próprio
calendário (o antigo calendário sacerdotal solar de 364 dias, que
marcava as festas religiosas em datas fixas, diferente do calendário
lunissolar, de 354 dias, dos sacerdotes de Jerusalém). Para poder
entrar nesse “mosteiro”, era preciso passar por um período de prova
de noviciado de um ano e depois por um noviciado de dois anos.
Entretanto, havia outros grupos de essênios, além das pessoas de
Qumran. Alguns residiam nas aldeias da Judeia, outros tinham um
bairro só deles na parte sudoeste de Jerusalém, que se abria pela
chamada Porta dos Essênios. Estes podiam se casar a partir dos vinte
anos. Flávio Josefo estima seu número total em quatro mil.
Do grupo majoritário dos hassídicos ou chassídicos nasceu uma
segunda corrente, mais moderada, mais adaptável, os fariseus
(parîshim em aramaico, perushim em hebraico, os separados), que
procuravam adaptar à vida cotidiana os rigores da lei de Moisés.
Negligenciando os negócios do Estado diante dos excessos e das
violências da dinastia dos hasmoneus, eles haviam concentrado seu
ensinamento nas sinagogas e nos tribunais locais, acabando por
ocupar um lugar importante na sociedade judaica. Flávio Josefo
calculava o seu número em seis mil, espalhados por toda a Palestina.
Os evangelhos deixaram uma imagem particularmente negativa dos
fariseus: pessoas hipócritas, que amavam as honrarias e praticavam
uma religiosidade de fachada. Apesar de seus defeitos,
provavelmente eles mereciam ter uma reputação melhor do que
essa, deplorável, porque sua preocupação em elevar o povo inteiro à
santidade era real. Os essênios integristas os odiavam, assim como
eles odiavam o outro grande grupo judaico da época, os saduceus,
constituído pela elevada e rica aristocracia sacerdotal, que se unia
em torno dos sumos sacerdotes hasmoneus de Jerusalém. Os ódios, a
bem da verdade, eram recíprocos.
Quanto aos escritos judaicos encontrados nos penhascos
morgosos das cercanias do Qumran, tratar-se-ia do patrimônio
escrito que esses solitários tinham tido o cuidado de esconder no
início do verão do ano 68, diante do avanço da X legião “Fretensis”,
comandada por Tito Flávio Vespasiano. Partindo de Cesareia
Marítima, esse exército fortemente armado havia penetrado no vale
do Jordão, tinha se apoderado de Jericó e ameaçava as margens do
Mar Morto. Todos os textos dessa biblioteca essênia não teriam sido
redigidos no local pelos monges eruditos do mosteiro, que
prefiguravam os monges copistas da Idade Média cristã. Alguns rolos
tinham sido trazidos do Templo por ocasião do exílio dos essênios.
Com as grandes obras do judaísmo (com exceção do livro de Ester,
talvez desaparecido) se encontravam misturados escritos essênios,
na proporção de um quarto mais ou menos: Documento de Damasco,
Regra da Comunidade, Regra da Guerra (ou Rolo da Guerra dos Filhos
da Luz contra os Filhos das Trevas), Rolo do Templo, Rolo dos Hinos,
Compilação das Benções, Comentário de Habacuque…
As contestações recentes
O modelo explicativo do padre Roland Guérin de Vaux e dos
primeiros sábios era considerado como justificado até que, nos
últimos anos do século XX, as pesquisas arqueológicas conduzidas
por novas equipes essencialmente israelenses o colocam em questão,
provocando fissuras no consenso admitido até então. Primeiro,
voltaram a rever a noção de solidão no deserto. A bacia do Mar
Morto, a quatrocentos metros abaixo do nível dos oceanos, não era,
na Antiguidade, uma região tão inóspita como hoje. Certamente, o
clima era o mesmo, mas múltiplos sinais de atividade humana foram
percebidos depois que as águas baixaram, devido aos bombeamentos
israelenses: propriedades agrícolas, residências de lazer, instalações
portuárias… Qumran, de acesso fácil quando se chega por
Jerusalém, seria um desses domínios que se integram numa rede de
explorações agrícolas e de produção de peças de cerâmica.
O local teria conhecido várias ocupações. No início, o
estabelecimento teria sido uma residência profana — a menos que
fosse um dos pequenos fortes hasmoneus erigidos ao norte do Mar
Morto até Massada, ao sudoeste. Essa é a tese dos arqueólogos Amir
Drori e Yitzhak Magen. Foi somente na segunda metade do século I
antes da nossa era que a região teria sido ocupada por uma
fraternidade de tipo essênio, abrigando, aliás, apenas uma quinzena
de residentes permanentes. Parece, portanto, pouco provável que
Sokoka-Qumran tenha sido o quartel-general da seita e tenha
abrigado o Mestre de Justiça, personagem que teria vivido no século
II a.C. e morrido no exílio em Damasco. Para alguns, seu inimigo
jurado, o Sacerdote ímpio, não seria Jônatas, mas seu irmão e
sucessor, Simão. Outros situam todo esse acontecimento no século I
a.C., e identificam o Sacerdote ímpio com a Hircano II, sumo
sacerdote sustentado pelos fariseus.135
A finalidade dos recintos no interior do pretenso mosteiro
também foi recolocada em questão: o scriptorium teria sido uma sala
para refeições e as famosas mesas recobertas com gesso, que, na
teoria do padre de Vaux, teriam sido usadas para as cópias de
manuscritos, seriam sofás guarnecidos com almofadas, sobre os quais
os judeus comiam semideitados, segundo um hábito copiado dos
romanos. Em suma, Sokoka-Qumran seria apenas uma grande
fazenda, que continha um ateliê de cerâmica, o que necessitava de
muita água e justifica a existência de cisternas e de piscinas.
Assistimos à “quebra de um dogma”, como diz André Paul?136 A
tese radical que nega qualquer implicação dos essênios não é
unânime. Fizeram objeção ao caráter comunitário do
estabelecimento: uma só cozinha, um único refeitório, um vasto
cemitério com dois mil túmulos, onde estavam exumados apenas
homens (os restos encontrados de algumas mulheres e crianças eram
muito mais recentes).137 Um fato notável é que os túmulos
individuais não estão voltados para a Cidade Santa e seu Templo,
mas para o Norte, em direção ao “Paraíso da Justiça e da Montanha-
Trono divino”.138 Em suma, “uma instalação como essa”, observa o
padre Émile Puech, diretor da Revue de Qumrân, “não convém a um
pequeno forte militar, nem a um entreposto, nem a uma villa rustica
(casa de campo) de hasmoneus ou de romanos, etc., como alguns
estimaram”.139 Na ausência de “mosteiro”, algumas pessoas falaram
de “casa de edição” de manuscritos, até mesmo de escola para
estágios de essênios, ou de peregrinos que vinham ouvir a boa
palavra e se fazer enterrar no local… Mas nesse caso também
faltam provas. Os defensores da teoria do padre de Vaux conservam
argumentos sólidos.
Também foi feita uma revisão dos manuscritos. Depois de um
entusiasmo inicial, seguiu-se um período de dúvidas, à medida que
eram utilizadas técnicas de investigação mais modernas. Não temos
mais certeza, atualmente, de que se trata de uma só e única
biblioteca e de que ela tenha pertencido aos sectários. O fato de que
foi reparado apenas um pequeno número de textos com uma escrita
semelhante combina mal com a teoria de um ateliê para cópias que
teriam funcionado com os mesmos tipos de escrita à mão,
semelhantes a caracteres de impressão. Os rolos, pelo menos uma
boa parte deles, vêm de outro lugar. Mas como negar a existência de
uma ligação entre as ruínas e os manuscritos? Os jarros cilíndricos
com tampa encontrados na região e nas grutas são do mesmo tipo. O
contrário seria espantoso, visto a proximidade, nesse recanto
perdido do deserto, das grutas e dos cenobitas, a algumas dezenas de
metros para as grutas mais próximas.
No conjunto, as obras do deserto de Judá refletem a espantosa
diversidade de doutrinas e práticas da sociedade judaica pré-cristã.
Teriam existido diversos depósitos de origem diferente? Não temos
prova disso. Ainda que não tenha sido encontrada uma literatura
tipicamente farisaica, uma das obras teria sido do feitio de
comunidades judaicas de Jerusalém ou de Jericó. Outra estaria,
provavelmente, ligada aos últimos ocupantes de Sokoka-Qumran, e
não é proibido identificá-la com os essênios, com a condição de não
considerá-los como a única das fraternidades ligadas ao ascetismo
dessa esfera de influência ainda misteriosa, cujo nome não figura
nos evangelhos. No total, esses textos formariam um “conservatório
que representa várias correntes de pensamento e de ideais da
sociedade judaica pré-cristã”.140 Ao deixar o Templo com os rolos
principais, os essênios teriam se considerado seus guardiões?
O Qumran e o cristianismo
Evidentemente, uma das grandes questões é a de determinar as
relações entre o grupo de Qumran e o cristianismo. Se alguns
manuscritos remontam ao século II a.C., outros datam do início da
era cristã. A seita, então, estava bem presente na época de Jesus.
Ernest Renan, que só conhecia os essênios por meio de Flávio Josefo
e de Fílon de Alexandria, havia declarado categoricamente: “O
cristianismo é um essenismo que teve um amplo sucesso. O espírito é
o mesmo e, certamente, quando os discípulos de Jesus e os essênios
se encontravam, deviam acreditar que eram confrades”. Temos
menos certeza disso atualmente.
Em 1950, baseando-se em uma leitura precipitada do Comentário
de Habacuque, encontrado na gruta n o1, André Dupont-Sommer, um
dos pioneiros dos estudos de Qumran, pensou que o Mestre de
Justiça teria sido um messias encarnado, que pregava uma doutrina
de amor ao próximo idêntica àquela de Jesus, antes de ser
crucificado por ordem dos sumos sacerdotes de Jerusalém. Daí tirou
uma conclusão revolucionária: o cristianismo seria apenas uma
pálida repetição do que teria se passado um século antes, e Jesus,
um simples imitador, representaria “uma espantosa reencarnação do
Mestre de Justiça”!141 Uma hipótese de audaciosa fragilidade! Que o
Mestre de Justiça tenha sido tratado pelos “irmãos” como um
sacerdote profético, eleito por Deus, cumulado de graças, é
indiscutível; mas nada permite pensar que ele tenha sido o Messias
para os “irmãos”, nem que tenha morrido de uma morte violenta,
tampouco que tenha sido objeto de um culto. Dupont-Sommer
apercebeu-se disso e renunciou à sua conjectura aventurosa no seu
livro definitivo.142
Outras identificações foram feitas: João Batista seria o Mestre de
Justiça e Jesus o Mestre Ímpio,143 a menos que o primeiro seja
Tiago, o Justo, o “irmão” do Senhor, chefe da comunidade judaico-
cristã, que o sacerdote Anás seja o segundo, e que Paulo seja o
Homem da Mentira.144 Comparações falaciosas e teorias sem
fundamento, visto que o Mestre de Justiça e seu adversário
implacável viviam no século II antes da nossa era. De um ponto de
vista estritamente científico, essas interpretações estrondosas se
resumem a “golpes” midiáticos. A própria ideia segundo a qual uma
parte do ensinamento essênio teria se baseado na fé cristã parece
difícil de se conceber de tanto que as concepções dessas duas
correntes se situam em dimensões diametralmente opostas ao prisma
judaico. Se essas correntes se enraízam no terreno judaico, o
fundamentalismo essênio, fechado sobre si mesmo, separado dos
“homens perversos”, tem muito poucas relações com a religião cristã,
aberta aos pecadores e aos excluídos, que anuncia a Boa Nova a
todos.145
Alguns chegaram até a ponto de dizer, numa época em que a
publicação dos últimos manuscritos tardava e provocava
recriminações legítimas, que o Vaticano procurava bloquear a sua
difusão, como se ele pusesse em causa a historicidade de Jesus. Tal
acusação fantasiosa foi desmentida pela publicação em 1991 de
micro-fichas e de negativos fotográficos da coleção, até nos seus
menores fragmentos. Em 2002, os textos estavam finalmente
acessíveis a todos. Percebeu-se então que jamais houve uma
conspiração.
Outra pista consistiu em saber se na massa dos documentos
descobertos se encontrava algum escrito que as comunidades cristãs
também teriam escondido no momento da chegada dos romanos. Em
1972, um jesuíta espanhol, José O’Callaghan, sugeriu que alguns
fragmentos de papiros encontrados na gruta 7 seriam provenientes
do Novo Testamento e que um deles, o 7Q5, escrito na primeira
página — fazia, portanto, parte de um rolo e não de um códice —,
conservaria uma passagem do evangelho de Marcos (o episódio
referente à chegada de Jesus à região dos gadarenos). Esse seria o
trecho mais antigo da literatura cristã, copiado por volta do ano 50
e certamente antes de 68, data na qual os romanos assumiram o
controle da zona litorânea do Mar Morto. Outro fragmento conteria
a passagem de uma epístola de Paulo a Timóteo.
A partir de 1984, a teoria foi retomada com paixão por Carsten
Peter Thiede, vice-diretor do Centro de Pesquisa do Instituto Alemão
para a Educação e a Ciência da Universidade de Paderborn.146 Seus
artigos e livros desencadearam polêmicas ásperas. Além da adesão
isolada de alguns especialistas em papiros, o ceticismo foi geral. Em
si, convenhamos, a hipótese era audaciosa, mas, enfim, não havia
nenhum motivo para rejeitá-la a priori.
O fragmento é minúsculo: ele só contém cerca de vinte
caracteres, uma dezena deles muito deteriorados, repartidos em
cinco linhas. Toda a teoria de O’Callaghan e de Thiede repousa,
finalmente, sobre a existência ou não da letra grega nu[2] na borda
desfiada do documento. Se for estabelecido que essa letra é um nu,
seria possível — mas de modo algum certo — que o 7Q5 fosse um
extrato do evangelho de Marcos. Em compensação, sem a presença
desse caractere, é impossível admitir. Isso denota a extrema
fragilidade da hipótese. Ora, um dos melhores especialistas de
Qumran, Émile Puech, baseando-se em “observações estritamente
paleográficas, sem nenhum a priori exegético”, estabeleceu a
impossibilidade absoluta de que a letra deteriorada fosse um nu.
Dois exegetas franceses, Marie-Émile Boismard e Pierre Grelot,
compartilham esse ponto de vista, assim como outros sábios
renomados, como o inglês Graham Stanton.147 A tese, portanto, não
se sustenta.148
O que sobra, então, do Qumran depois de ter sido posto em
questão tantas vezes? Uma enormidade, é claro! Os escritos do Mar
Morto constituem uma documentação inestimável sobre a Bíblia
hebraica e as obras sagradas do judaísmo antigo, numa época em
que o cânone ainda não tinha sido fixado pelos doutores da Lei da
Palestina e de Alexandria. Eles fazem os pesquisadores dar um salto
de um milhar de anos para trás em relação aos manuscritos
hebraicos conhecidos, provando a extraordinária permanência dos
textos através do tempo. Alguns manuscritos estão muito próximos
da Massorá, uma versão crítica do século VI d.C., outros, ao
contrário, lembram a versão alexandrina, dito de outra forma, a
Septuaginta grega, elaborada entre a primeira metade do século III
e o final do século II a.C., da qual só havia cópias completas da
Idade Média. Ao lado de textos incomuns, foram encontradas várias
versões do Livro dos Salmos, dos textos originais em hebraico e
aramaico do Livro de Tobias, integrado à Bíblia católica na sua
tradução grega… Essas variações e flutuações, adições ou omissões
são naturalmente do mais alto interesse para a pesquisa bíblica. Elas
revalorizaram a tradução grega da Septuaginta, que os cristãos
usavam.
Se não existe alguma relação direta entre o Qumran e o
cristianismo, as descobertas do Mar Morto não deixam de renovar
nossos conhecimentos sobre um período em que o cristianismo
firmou suas raízes. Elas permitem conhecer melhor o embasamento
social e religioso da Palestina às vésperas e no início da era cristã.
As descobertas enraízam fortemente, ali, a pessoa e a mensagem de
Jesus, projetando uma nova iluminação sobre as crenças, as
representações e as práticas da sociedade judaica da sua época.
Presumia-se, e foi confirmado, que o cristianismo brotou das ideias e
das esperanças judaicas de sua época, antes de fazer emergir sua
originalidade radical. No plano linguístico, esses textos ajudam a
compreender que o hebraico não era uma língua completamente
morta e que sua prima, o aramaico — elas têm suas diferenças assim
como o francês e o italiano —, língua popular por excelência, podia
servir para a expressão de textos sagrados. Até então, só se dispunha
de um pequeno número de targum, isto é, de comentários aramaicos
da Escritura. Tudo isso fortaleceu a ideia de que os evangelhos
apresentam um forte substrato semítico, tornando quase evidente as
afirmações dos Padres da Igreja sobre a existência de um primeiro
Mateus redigido sob essa forma (hebraico ou aramaico).
Os manuscritos de Qumran reintroduziram no fértil terreno
palestino certos textos do Novo Testamento, que se pensava serem
inspirados no pensamento grego, como o evangelho de João. Assim,
a oposição dualista utilizada por ele — a Luz / as Trevas — não
deixa de lembrar o vocabulário da seita: “Príncipe da Luz”, “Filho da
Luz”, “Filho das Trevas”. Ocorre o mesmo com Paulo de Tarso,
formado pelos mestres fariseus de Jerusalém, cujos escritos,
acreditava-se, estavam totalmente impregnados de cultura
helenística. Ou, por exemplo, sua ideia da “carne” (basar, em
hebraico) para designar o pecado e a natureza corrompida do
homem, como oposta ao espírito, ideia distanciada do ensinamento
bíblico tradicional, que é encontrada de maneira idêntica na Regra
da Comunidade, na Regra da Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos
das Trevas ou nos Hinos de Ação de Graças. Isso mostra a importância
dos manuscritos do Mar Morto para a compreensão de Jesus e do
cristianismo nascente.149
ANEXO VI
As relíquias da Paixão
O sudário de Turim
Ao lado dos textos bíblicos e extrabíblicos, o historiador não poderia
se esquecer da contribuição das grandes relíquias da cristandade, um
domínio quase sempre ignorado, até mesmo desprezado pela
exegese clássica.150 As relíquias, como sabemos, foram objeto de uma
devoção intensa na Idade Média, época em que o maravilhoso se
misturava com a verdadeira fé. Elas deram origem a cultos
florescentes, alimentando o entusiasmo e o fervor transbordante do
povo cristão pertencente às camadas inferiores. Também foi
computada, na origem, um grande comércio clandestino persistente
e lucrativo. Não vimos fragmentos do vestido da Virgem, cabelos,
uma ampola contendo seu leite, pelos da barba de são Pedro, um
dente do santo João Batista, vários prepúcios do Cristo? Quantos
pedaços da verdadeira cruz e dos pregos da Paixão existem no
mundo? Pensava-se que esses objetos, por sua presença material,
facilitavam a prece e a meditação dos peregrinos. É preciso observar
que nem sempre havia a intenção de enganar. Era suficiente tocar
com um lençol o original para obter uma cópia, ou incorporar um
pouco de limalha extraída de um prego da Paixão, presumido
autêntico, para fabricar outro, que, por sua vez, se tornava fonte de
milagres… e de lucros. As virtudes dessas “relíquias de contato” se
multiplicavam ao infinito. O imperador Constantino, por exemplo,
mandou inserir em sua armadura um pequeno pedaço de um dos
pregos da cruz, da mesma maneira que fez Teodolinda (ou
Teodolina), rainha dos lombardos, em sua coroa de ferro,
conservada em Monza.
A ciência foi fatal para a maior parte dessas relíquias. O exemplo
mais célebre é o do sudário de Cadouin ao sul de Périgord:
acreditava-se que ele havia envolvido o corpo de Cristo na noite da
Sexta-Feira Santa; ele revelou ser um estandarte maometano do final
do século XI, de origem fatímida, que trazia inscrições em escrita
kufi (ou kufic, estilo de caligrafia árabe) que louvava a glória do
emir El Moustali! Dito isso, algumas relíquias — um pequeno
número —, depois de impressionantes trabalhos de pesquisa, se
mostram perfeitamente autênticas. É o caso das três grandes
relíquias da Paixão do Cristo, o sudário de Turim (Itália), o sudário
de Oviedo (Espanha) e a túnica de Argenteuil (França).
O sudário de Turim, impropriamente chamado Santo Sudário, é a
mais famosa das relíquias da cristandade. É uma peça de linho muito
caro, uma sarja tecida em zigue-zague. Sua identificação deu lugar,
nos últimos anos, a discussões apaixonadas. Esse sudário, venerado
desde a Idade Média, foi “testemunha silenciosa” da sepultura e da
ressurreição de Jesus? Muitos, hoje em dia, não duvidam mais. “Uma
testemunha muda”, dirá João Paulo II, “mas, ao mesmo tempo,
espantosamente eloquente”…
À primeira vista, parece pouco concebível que esse lençol
sepulcral tenha sido conservado. Entretanto, que uma peça de
tecido, datada do século I, tenha sobrevivido até nossos dias sem
grande degradação não tem em si nada de excepcional. Alguns
tecidos de textura semelhante foram encontrados nas cinzas de
Pompeia. Véus funerários mais antigos escaparam aos estragos do
tempo. Descobertos em tumbas, tecidos egípcios, conservados no
Louvre, datam de trinta ou trinta e cinco séculos.
Segundo o evangelho dos Hebreus, o lençol venerado teria sido
confiado à guarda de são Pedro.151 Provavelmente, ele fazia parte
das “coisas, objetos e imagens sagradas” que os judeus cristãos
levaram consigo ao deixar Jerusalém rumo às grutas de Péla, no ano
66. Os primeiros depositários do lençol evitaram mostrá-lo, assim
como as outras relíquias da Paixão, porque a lei de Moisés
considerava impuro o que tocou um cadáver. Mais tarde, por volta
do ano 340, são Cirilo de Jerusalém menciona a existência do
“sudário, testemunha da Ressurreição”. Textos muito numerosos
atestam que ele teria sido transportado para Edessa (Urfa, na
Turquia) antes do ano 57 por um discípulo, Addai ou Tadeu de
Edessa. Durante muito tempo escondido num nicho debaixo da Porta
do Oeste, o sudário foi redescoberto no ano 544. Foi venerado na
catedral de Hagia Sophia como um ícone do Cristo, sem que se
soubesse que se tratava de um lençol funerário coberto de sangue.
Pensava-se que Jesus, enquanto vivo, havia milagrosamente
impresso seus traços sobre a roupa branca. Esse era o Mandylion.[1]
Quatrocentos anos depois, esse sudário foi adquirido por
Constantinopla, depois de ásperas discussões com o sultão. Em 15 de
agosto do ano 944, atravessando o Bósforo, ele foi transferido para
a igreja imperial da Virgem do Farol. O sudário recebeu uma
acolhida memorável, em presença do imperador Constantino VII
Porfirogênito. Foi verificado, então, que ele não representava
somente o misterioso e glorioso rosto do Cristo, ligeiramente
sombreado, mas que havia sido dobrado quatro vezes em dois
(tétradiplon) no seu relicário (os traços ainda subsistem e são visíveis
com luz rasante). Desenrolado, ele revela em sua totalidade o corpo
nu do supliciado: era um lençol sepulcral que havia sido dobrado
para não chocar os crentes! Na sua homilia de acolhimento,
Gregório, o arcebispo referendário de Santa Sofia falou de uma
imagem que não resulta “de nenhuma cor natural”, e evocou a dupla
impressão, com o “suor sangrento” que ele tinha observado sobre o
lençol, assim como as “gotas saídas de seu flanco”. É esse sudário
que, certamente, viram em 1147 Luís VII, rei da França, em 1171
Amalrico II, rei de Jerusalém (“o lençol que se chama synne, pelo
qual Jesus foi envolvido”), e em agosto de 1203 o cavaleiro picardo
Roberto de Clari. Infelizmente, no ano seguinte, os cruzados francos
da Quarta Cruzada pilharam a cidade de maneira odiosa. Eles não
pouparam a igreja bizantina de Santa Maria de Blaquernas, onde se
encontrava na época a preciosa relíquia. O que aconteceu com ela?
Levada para Atenas com o restante do que foi saqueado por Oto de
la Roche, do Franco-Condado e chefe dos cruzados, a relíquia
desapareceu durante quase um século e meio, antes de reaparecer
em Lirey, em Champagne, em 1357, na casa de Jeanne de Vergy,
bisneta do saqueador Oto e esposa de Geoffroy de Chamy. A partir
dessa época, a história do sudário é mais conhecida. Exibições foram
organizadas, regularmente, primeiro em Lirey, depois em Saint-
Hippolyte-sur-le-Doubs e em alguns outros lugares. Cedido para a
família de Saboia, o sudário ficou em Chambéry de 1453 a 1578, e
depois foi transferido para Turim, onde está até hoje. É propriedade
da Santa Sé desde 1983. Multidões inumeráveis através dos séculos,
papas, santos, Carlos Borromeu, Francisco de Sales, Joana de
Chantal, Teresa de Lisieux (essa última, sob a influência de M.
Dupont, o “santo homem de Tours”, assumiu o nome de Teresa Irmã
do Menino Jesus e da Santa Face) veneraram essa relíquia
misteriosa, à qual são atribuídas curas milagrosas. Ainda hoje,
centenas de milhares de peregrinos se espremem cada vez que o
sudário é mostrado.
A história do sudário chamou novamente a atenção quando um
advogado italiano, o cavaleiro Secondo Pia, o fotografou pela
primeira vez, em 28 de maio de 1898. Foi o início do período
científico. Até então, não se via quase nada sobre o lençol, além de
algumas manchas amarelo-palha, de pouco contraste, e algumas
placas de sangue rosa carminado. Perto do tecido só havia sombras,
sem contornos definidos. A dois metros de distância, a impressão
desconcertante se apagava: aparecia a representação de um homem
flagelado e crucificado.
Enquanto, na penumbra do seu laboratório, Secondo Pia retirava
sua primeira placa do banho revelador, uma emoção violenta
apoderou-se dele. Quase deixou cair a placa. O que ele viu ninguém
antes dele havia contemplado por quase dezenove séculos: uma
imagem perturbadora, que gritava a verdade, a de um homem em
dor, de uma beleza misteriosa e fascinante, dignamente,
serenamente, majestosamente fixado na morte! O modelo era de
uma clareza surpreendente. Somente a inversão das zonas claras e
sombrias havia permitido tal prodígio. “Eu fiquei como petrificado”,
confessou. O cavaleiro Pia compreendeu que o sudário tinha a
propriedade — insuspeita, até então — de um negativo ótico:
negativo sobre negativo dá positivo. Em 1931, um fotógrafo
profissional, Giuseppe Enrie, confirmou a descoberta e produziu
negativos com uma resolução bem melhor. As lesões então aparecem
com uma exatidão irrepreensível, tanto no plano anatômico como
circulatório.
A partir dessa descoberta, apareceu uma grande quantidade de
estudos médico-legais, dentre os quais o estudo notável de Pierre
Barbet, cirurgião no hospital Saint-Joseph de Paris.152 O biólogo
Paul Vignon estabeleceu vinte pontos de convergência entre o rosto
do homem no sudário e os ícones ou retratos do Cristo na arte cristã.
Um dos pontos mais impressionantes é uma grande gota de sangue
em forma de épsilon (ou de um 3 ao contrário) que escorreu ao
longo das sinuosidades da fronte, atribuível à contração dolorosa do
músculo facial: os pintores, desde o século VI, a interpretaram como
uma mecha de cabelo! Outro ponto de convergência é uma linha
transversal debaixo do queixo, por causa de má dobra do tecido: ela
foi retomada pela tradição artística. Para Paul Vignon e muitos
outros, nenhuma dúvida é possível, o modelo canônico do Cristo,
adotado depois da descoberta do lençol em Edessa, só pode vir da
misteriosa impressão conservada hoje em dia em Turim.
As pesquisas científicas prosseguiram em 1969, 1973 e,
sobretudo, em 1978. Foi então criado o STURP (Shroud of Turin
Research Project – Projeto de Pesquisa do Sudário de Turim)
composto por trinta e três pesquisadores multidisciplinares, em sua
maioria, americanos. A aparelhagem mais moderna foi utilizada.
Aos três mil negativos fotográficos juntaram-se testes microquímicos,
o uso de espectrógrafos, estudos de radiometria infravermelha, de
microscopia ótica, de fluorescência ultravioleta.
As primeiras conclusões dos peritos são indubitáveis. A hipótese
de uma pintura deve ser descartada. As poucas cópias ingênuas e
desastradas que chegaram até nós mostram, sem margem de dúvida,
que nenhum artista antigo ou medieval teria sido capaz de um
trabalho tão minucioso. Que pintor, ainda hoje, poderia realizar
uma pintura sem deixar o menor traço das pinceladas nem de
pigmentos coloridos? A microscopia eletrônica não encontrou
nenhuma direção pictórica, e, melhor ainda, nenhum contorno.
Pode-se concluir disso que se trata de uma imagem
acheiropoieta [2], quase indelével, resistente ao calor e à água,
isotópica (quer dizer, sem efeito direcional), como estabeleceram,
em 1976, Donald J. Lynn e Jean J. Lorre, do Jet Propulsion
Laboratory, de Pasadena, Califórnia. Isso exclui, igualmente, a
hipótese de uma fina camada de tinta transparente, de uma
aplicação sobre o tecido de um baixo-relevo de madeira ou de
mármore, ou até mesmo de uma estátua metálica previamente
aquecida. As deformações obtidas com esses métodos nos afastam da
imagem perfeita do sudário. É impossível, materialmente, que o
sudário seja uma obra de arte.
Sabemos, depois dos trabalhos de dois pesquisadores da STURP,
os médicos John H. Heller e Alan D. Adler, que as manchas em rosa
carminado no local das chagas são certamente manchas de sangue,
de sangue humano. Essas manchas correspondem com uma precisão
absoluta à anatomia do corpo representado e a seu sistema arterial e
venoso.153 Os negativos em luz ultravioleta fizeram aparecer lesões,
escoriações, invisíveis até então.
A imagem — quase todos os pesquisadores estão de acordo sobre
tal ponto — produziu-se por emanação a distância, por projeção
ortogonal, fazendo desaparecer todo o aspecto lateral. Ela é
formada por oxidação ácida e desidratante da celulose do linho. Esse
leve escurecimento esbatido, que só afeta o alto das fibrilas numa
espessura de vinte a quarenta micros, varia de intensidade em
função da distância entre o corpo e o lençol. Essa particularidade
permitiu ao engenheiro francês Paul Gastineau e, depois, a dois
físicos da Academia da Força Aérea dos Estados Unidos, John P.
Jackson, doutor em astrofísica, e Eric J. Jumper, doutor em
termodinâmica, reproduzirem, o primeiro, em 1974, com um leitor
de intensidade luminosa, os dois outros, em 1976, com um
analisador VP 8 da Nasa, uma imagem tridimensional do sudário —
em relevo, consequentemente —, fenômeno impossível de ser
realizado com um desenho ou um decalque do corpo.154
As múltiplas concordâncias entre o lençol e os textos evangélicos,
os estudos iconográficos e as pesquisas pluridisciplinares de 1978
(seis toneladas de material disposto em setenta e duas caixas, cinco
dias de coleta de informações, mais de cento e cinquenta mil horas
de trabalho) constituíram testemunhos sólidos e fortes em favor da
autenticidade.
7 Nascimento de Jesus
Depois de Jesus
Entre 5 e 10 Nascimento de Paulo de Tarso
c. 57 Epístola de Tiago
65 Execução de Pedro
67 Execução de Paulo
73 Queda de Massada
81 Advento de Domiciano
97 Advento de Trajano
Prólogo
1. Primeira epístola aos Coríntios, 15, 1.
2. GOWLER, David. Petite histoire de la recherche du Jésus de
l’Histoire. Paris: Cerf, 2009.
3. SCHWEITZER, Albert. Von Reimarus zu Wrede (1906), segunda
edição revista e aumentada publicada em 1913, com o título:
Geschichte der Leben-Jesu-Forschung. Tradução francesa
publicada em 1961 (Le Secret historique de la vie de Jésus. Paris:
Albin Michel).
4. BULTMANN, Rudolf. Jésus. Mythologie et démythologisation.
Paris: Seuil, 1968; do mesmo autor, L’Histoire de la tradition
synoptique. Paris: Seuil, 1973.
5. BORNKAMM, Günther. Qui est Jésus de Nazareth?, edição alemã
1956; edição francesa, Paris: Seuil, 1973.
6. (1o) O critério de descontinuidade ou de dessemelhança (as
palavras de Jesus que estão manifestamente em ruptura com o
judaísmo de seu tempo têm toda a probabilidade de serem
dele); (2o) o critério de certificação múltipla (a presença de
atos ou de palavras confirmadas por várias fontes literárias
independentes reforça a sua credibilidade); (3o) o critério de
coerência (determinada palavra se harmoniza com o que
sabemos por outro aspecto do ensinamento de Jesus: esse é
também um sinal de autenticidade); (4 o) o critério de
constrangimento eclesiástico (a renegação de Pedro, por
exemplo, embaraçosa para as primeiras comunidades, não
pode ter sido inventada, bem como o batismo de Jesus levanta
dificuldades teológicas: por qual razão aquele que os primeiros
cristãos consideram como Filho de Deus e que, não tendo nunca
pecado, pediu a João, o ermitão do deserto, o batismo para a
“remissão dos pecados”?, etc.); (5o) o critério de
“plausabilidade histórica” ou de explicação suficiente (por
exemplo, o nome carinhoso de Abba – mais próximo de
“Papai” do que de “Pai” em aramaico – dado a Deus por Jesus:
como imaginar que essa “intimidade filial inaudita” tenha sido
inventada pelos primeiros cristãos?). A utilização desses
postulados metodológicos tem seus limites. Qual é o valor do
critério de certificações múltiplas se as fontes não são
independentes, se os evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas
remontam a um Proto-Evangelho de Mateus escrito em
aramaico, como muitos pensam, se o evangelho de Lucas
utilizou em parte a pregação oral de João, o discípulo “bem-
amado”, autor do quarto evangelho? A aplicação sistemática
do critério de descontinuidade caro a Käsemann levaria, por
outro lado, a excluir qualquer traço judeu do Jesus histórico, o
que é em si absurdo. Como separá-lo de sua própria tradição?
Quanto ao critério de coerência, ele não é tão simples de
precisar. De fato, tal abordagem, por mais interessante que
possa ser, apresenta o inconveniente de lançar a dúvida sobre
tudo o que não entra num padrão preestabelecido.
7. É necessário colocar de lado o lançamento nos Estados Unidos,
em 1985, do Jesus Seminar, por iniciativa de um pesquisador
independente, Robert W. Funk, e de um antigo religioso, John
Dominic Crossan (The Historical Jesus. The Life of a
Mediterranean Jewish Peasant. Edimburgo: T. and T. Clark,
1991), cujos trabalhos mostraram limites zombeteiros, quase
cômicos, da empreitada. Tratava-se, com efeito – reunindo um
comitê de uma vintena de especialistas particularmente
críticos, recrutados por coerção –, de colocar em votação as
palavras (logia) de Jesus e de determinar as que eram
consideradas verdadeiras. Em vermelho as autênticas, em preto
as falsas, em cor-de-rosa as prováveis, em cinza as incertas. A
maior parte dos dados evangélicos, sendo eliminados por
maioria (só 16% dos atos e 18% das palavras são consideradas
como prováveis), chega a ver em Jesus um profeta vago, um
sábio autor de aforismos, que só curava os doentes
psicossomáticos. O messianismo do Cristo é negado, bem como
sua filiação divina e sua ressurreição. O túmulo vazio é uma
fábula. Sem falar do nascimento virginal do Cristo (segundo
esses especialistas americanos, Maria teria sido seduzida ou
violada!). Nenhuma de suas palavras, que aparecem no quarto
evangelho, o de João, são consideradas verdadeiras, o que tem
a propriedade de uma visão retrógrada, porque, se há um
evangelho que um grande número de pesquisadores considera
como histórico, trata-se precisamente desse! Esse dogmatismo
nos deixa atônitos. A ênfase das declarações, a forte
midiatização das conclusões do Jesus Seminar nos leva
claramente a falar do circo Barnum da exegese. De fato, a
análise desses autoproclamados especialistas evidencia
preconceitos partilhados, infelizmente, por outros
pesquisadores contemporâneos. Ao declarar, sem a
preocupação de provar, que essa ou aquela palavra de Jesus
não é dele, mas pertence a uma “classe redacional” das
comunidades responsáveis pelos evangelhos, só conservam as
que matizam o retrato de Jesus que queremos esboçar.
8. BROWN, Raymond E. Que sait-on du Nouveau Testament? Trad.
J. Mignon. Paris: Bayard, 2000; do mesmo autor, La Mort du
Messie. Encyclopédie de la Passion du Christ, de Gethsémani au
tombeau. Trad. J. Mignon. Paris: Bayard, 2005; MEIER, John P.
Jésus. Un certain juif. Les données de l’Histoire. t. I, Les Sources,
les origines, les dates; t. 11, Les Paroles et les gestes; t. III,
Attachements, affrontements, ruptures; t. IV, La Loi et l’amour.
Trad. D. Barrios, J.-B. Degorce, C. Ehlinger e N. Lucas. Paris:
Cerf, 2004-2009.
9. BAUCKHAM, Richard. Jude and the Relatives of Jesus in the Early
Church. Edimburgo: T. and T. Clark, 1990; do mesmo autor,
Jesus and the Eyewitnesses. The Gospels as Eyewitness Testimony.
Grand Rapids, Michigan/Cambridge (U. K.): W. B. Eerdmans
Company, 2006; FREYNE, Sean. Jesus, a Jewish Galilean. A New
Reading of the Jesus Story. Londres, Nova York: T. and T. Clark,
2005; DUNN, James D. G. & McKNIGHT, Scot (Ed.). The
Historical Jesus in Recent Research. Winona Lake (Ind.):
Eisenbrauns, 2005; HURTADO, Larry W. Le Seigneur Jésus-
Christ. La dévotion envers Jésus aux premiers temps du
christianisme. Paris: Cerf, 2009.
10. MEYNET, Roland. Traité de rhétorique biblique. Paris:
Lethielleux, 2007; do mesmo autor, Une nouvelle introduction
aux évangiles synoptiques. Paris: Lethielleux, 2009.
11. CHARLESWORTH, James H. Jesus within Judaism: New Light
from Exciting Archaeological Discoveries, 1988.
12. PIXNER, Bargil. Paths of the Messiah and Sites of the Early Church
from Galilee to Jerusalem. Jesus and Jewish Christianity in Light of
Archaeological Discoveries. San Francisco: Ignatius Press, 2010;
do mesmo, With Jesus through Galilee. According to the Fifth
Gospel. Corazin: Rosh Pina, 1992. Ver, igualmente, McNAMER,
Elizabeth & PIXNER, Bargil. Jesus and First-Century Christianity
in Jerusalem. Nova York, Mahwah (NJ): Paulist Press, 2008.
13. MEYER, Ben Franklin. The Aims of Jesus. Londres: SMC Press,
1979.
14. DREYFUS, François. Jésus savait-il qu’il était Dieu? Paris: Cerf,
1984.
15. Além de suas séries televisivas, vendidas em caixas por Mille et
Une Nuits, Arte Éditions (1997), Gérard Mordillat e Jérôme
Prieur escreveram várias obras: Jésus contre Jésus (1999), Jésus
après Jésus (2004), Jésus sans Jésus (2008).
16. Em Les Chevaliers de l’Apocalypse. Réponse à MM Prieur et
Mordillat (Lethielleux/Desclée de Brouwer), Jean-Marie
Salamito, professor de história do cristianismo antigo na
Universidade de Paris-IV Sorbonne, mostrou bem o aspecto
ideológico dos cortes abusivos e das montagens subversivas
desses dois autores.
KERESZTY, Roch. “La place du Jésus de l’histoire dans la
17. théologie. Éclaircissements méthodologiques”, Communio, XXII,
2-3, n.130, 1997, pp. 49-64.
18. BLOCH, Marc. Apologie pour l’histoire ou Métier d’historien. Paris:
Colin, 1993, p. 70.
19. DODD, Charles Harold. Le Fondateur du christianisme. Trad. P.-
A. Lesort. Paris: Seuil, 1972, p. 127.
20. SCHLOSSER, Jacques. Jésus de Nazareth. Noisy-le-Grand:
Noesis, 1999, p. 23.
21. Recentemente, por exemplo, o historiador Richard Bauckham
insistiu sobre o papel da memória individual (e não coletiva)
na formação da tradição oral, reabilitando vigorosamente as
propostas de Papias, bispo de Hierápolis na Frígia, um dos Pais
da Igreja (1o-2o séculos), proposta relatada pelo historiador
Eusébio de Cesareia (IV século), mas desdenhada por muito
tempo pelos intérpretes (BAUCKHAM, Richard. Jesus and the
Eyewitnesses. The Gospels as Eyewitness Testimony, op. cit.).
22. João, 21, 24.
23. EUSÉBIO, Histoire ecclésiastique. t. V, 24 e seguintes.
24. Citado por STANTON, Graham. Parole d’évangile? Paris,
Montréal: Cerf-Novalis, 1997, p. 134. Às vezes datado do
século IV no Oriente, esse documento dataria realmente do
século II e teria sido composto no Ocidente. Ver FERGUSON, E.
“Canon Muratori. Date and Provenance”, Studia Patristica, v.
17, 2, Oxford, 1982, pp. 677-83; HENNE, Philippe. “La
datation du canon de Muratori”, Revue Biblique, jan. 1993, pp.
54-75; VERHEYDEN, J. “The Canon Muratori. A Matter of
Dispute”, em AUWERS, J.-M. & DEJONGE, H. J. (Ed.). The
Biblical Canons, BETL, CLXIII, Leuven, 2003, pp. 485-556.
25. HUNTER, A. M. Saint Jean, témoin du Jésus de l’Histoire. Paris:
Cerf, 1970 (original publicado em Londres, em 1968). Ver
também: MUSSNER, Franz. Le Langage de Jean et le Jésus de
l’histoire. Paris: Desclée de Brouwer, 1969.
26. GROSJEAN, Jean. L‘Ironie christique. Commentaire de l’Évangile
selon Jean. Paris: Gallimard, 1991, p. 14.
27. BASLEZ, Marie-Françoise. Bible et Histoire. Judaisme, hellénisme,
christianisme. Paris: Fayard, 1998, p. 218.
28. ANDERSON, P. N., JUST, F. & THATCHER, T., (Ed.). John,
Jesus and History. t. II, Aspects of Historicity in the Fourth Gospel.
Atlanta: Society of Biblical Literature, 2009. Rompendo com a
interpretação, até então dominante, que via nos discursos
reproduzidos por João o reflexo dos conflitos que opunham a
Igreja de João à Sinagoga na virada do século I para o II,
Joseph Ratzinger/Bento XVI considera, pelo contrário, que o
seu evangelho relata “corretamente” (apesar de não ser na
forma literal) os discursos e os testemunhos de Jesus nos
grandes debates de Jerusalém, “de sorte que o leitor encontra
realmente o conteúdo decisivo dessa mensagem e, nele, a
figura autêntica de Jesus”. RATZINGER, Joseph/BENTO XVI,
Jésus de Nazareth. t. I. Paris: Flammarion, 2007, p. 255.
29. Assim, em seu artigo publicado em nov. de 2010 em La Vie
spirituelle (p. 579-93), Odile Celier, professora no Instituto
Católico de Paris, não leva em consideração os resultados
obtidos após a publicação, em 1992, de seu livro consagrado ao
Sudário (CELIER, Odile. Le Signe du linceul. Le Saint Suaire de
Turin: de la relique à l’image. Paris: Cerf, 1992).
30. Em 2005, o sumário já impressionante dessas pesquisas foi
estabelecido pela Terceira Conferência Internacional de Dallas
de 8 a 11 de set. de 2005. Evidences for Testing Hypotheses about
the Body lmage formation of the Turin Shroud (acessível pela
internet, www.shroud.com/pdfs/doclist.pdf).
CAPÍTULO 1
João Batista
1. A travessia a pé do rio Jordão por Josué tem uma explicação
científica: o desmoronamento a montante das margens e a
interrupção provisória da corrente fluvial? O fenômeno
ocorreu em três oportunidades, em 1267, 1916 e 1927. Isto não
impediria que, numa perspectiva religiosa, o surgimento desse
fenômeno pudesse ser interpretado como ação de Deus em
favor de seu povo.
2. JOSÈPHE, Flavius. Antiguidades dos judeus, 20, 5, 1 § 97-98.
3. Ibid., 20, 8, 10 § 188.
4. Em hebreu, “bênção de Yahvé” ou ainda “Yahvé realizou a
graça”.
5. Lucas, 3, 1-2.
6. Aggeu, 1, 1.
7. Zacarias, 1, 1.
8. A tetrarquia – o quarto de um reino – era um distrito autônomo
do Império Romano governado por um tetrarca. Era inferior a
uma etnarquia e com maior razão a um reino. Após a morte de
Herodes, o Grande, seu reino foi dividido em quatro partes de
áreas desiguais: (1o) a Judeia-Samaria (Cisjordânia),
inicialmente confiada a Arquelau, seu filho, com o cargo de
etnarca, depois, por ocasião de sua deposição, no ano 6 da era
cristã, colocada em administração direta sob a autoridade de
um prefeito romano; (2o) a Galileia e a Pereia, confiadas a
Herodes Antipas, com o cargo de tetrarca; (3o) a Itureia, a
Gaulanítide [as Colinas de Golã], a Bataneia, a Traconítide, a
Araunítide [o Houran], províncias situadas ao norte e a leste
do lago de Genesaré, confiadas a Filipe, com o cargo de
tetrarca; (4 o) dois pequenos territórios, um ao norte de
Absalon, o outro ao norte de Jericó, confiados a Salomé, filha
de Herodes, o Grande.
9. A Abilene, que não fazia parte do reino de Herodes, o Grande
(40-4 antes de Cristo), foi incorporada ao domínio de seu neto,
Herodes Agripa I (4-44).
10. Algumas medalhas cunhadas em Alexandria, no Egito,
consideram o ano de sua adoção (4 d.C.) como aquele do início
de seu reino, mas tratava-se de pura bajulação. O costume
egípcio e judeu concluía o primeiro ano de um novo reinado
com o fim do ano civil (em 30 de set.), o que situaria o décimo
quinto ano do reinado de Tibério de 1o de out. do ano 27 até
30 de set. do ano 28. Mas não comprendemos porque Lucas,
influenciado pela cultura greco-latina, e que não era nem
egípcio nem judeu, teria seguido esse critério oriental de
utilização bastante limitada.
11. LOTH, Arthur. Jésus-Christ dans l‘Histoire. L’Ère chrétienne, la
date de la naissance de Jésus-Christ avec l’année de sa mort.
Paris: F.-X. de Guibert, 2003, pp. 413-52.
12. MEIER, John P., op. cit., t. II, p. 63.
13. Segundo Livro de Reis, 1, 8.
14. Números, 6, 5, 9, 19.
15. A autenticidade dessa versão, que data do século XI e comporta
acréscimos substanciais em relação à versão habitual, é
discutida. Segundo o padre Étienne Nodet, da Escola Bíblica e
Arqueológica Francesa de Jerusalém, ela poderia provir de
uma primeira versão grega do texto primitivo de Josefo
(NODET, Étienne. Histoire de Jésus? Nécessité et limites d’une
enquête. Paris: Cerf, 2003, p. 222 e seguintes).
16. Lucas, 3, 9.
17. Mateus, 3,12.
18. Lucas, 3, 8.
19. Em aramaico, a frase torna-se: “min abanayya illèn… banîn”.
20. Lucas, 3, 8.
21. Lucas, 3, 10-14.
22. Números, 19, 1 e seguintes.
23. PERROT, Charles. Jésus et l’Histoire. Paris: Desclée, 1979, pp.
99-136. Do mesmo, “Les rites d’eau dans le judaísme”, Le
Monde de la Bible. Archéologie et Histoire, jul.-ago. de 1990, n.
65, pp. 23-5.
24. PERROT, Charles, op. cit., pp. 110-1.
25. Sobre o conjunto da questão, ver LÉGASSE, Simon. Naissance
du baptême. Paris: Cerf, 1993.
26. JOSÈPHE, Flavius. Autobiographie, 2 § 11. Trad. A. Pelletier.
Paris: Les Belles Lettres, 1959.
27. THOMAS, Joseph. Le Mouvement baptiste en Palestine et en Syrie
(150 a.C. 300 d.C.). Gembloux: Duculot, 1935, p. 93.
28. Mateus, 3, 1, Bíblia TEB.
29. “Aquele que vem atrás de mim” (em grego: ho opisô mou
erchomenos) não significa uma subordinação em algum tipo de
hierarquia, mas uma consideração temporal: “aquele que
deverá logo aparecer”.
30. Alguns exegetas que traduziram a palavra grega ikanos por
“capaz” (juridicamente) preferivelmente a “digno”, evocaram
a esse propósito a lei do levirato: o parente mais próximo do
marido falecido de uma viúva sem filhos é chamado a casar-se
com esta e é o único apto a retirar sua sandália (Ruth, 4, 7).
Assim, seria introduzido o tema do “esposo” (Jesus) vindo a
unir-se a Israel. Um ritual diferente ligado a essa lei é dado
pelo Deuteronômio, 25, 5-10.
31. João, 1,8.
32. STEINMANN, Jean. Saint Jean Baptiste et la spiritualité du désert.
Paris: Seuil, 1955, p. 58 e seguintes.
33. Isaías, 40, 3.
34. IQS (Regra da comunidade).
35. DANIEL-ROPS, Jésus en son temps. Paris: Fayard, 1965, p. 83;
DANIÉLOU, Jean. Les Manuscrits de la mer Morte et les origines
du christianisme. Paris: Éd. de l’Orante, 1974, p. 20; PIXNER,
Bargil. Paths of the Messiah…, op. cit., pp. 395-6.
CAPÍTULO 2
Crise política e espera messiânica
1. REED, Jonathan L. Archaeology and the Galilean Jesus: A Re-
examination of the Evidence. Harrisburg, Pennsylvania: Trinity,
2000; McRAY, J. Archaeology and the New Testament. Grand
Rapids: Baker, 1991.
2. SARTRE, Maurice. D’Alexandre à Zénobie. Histoire du Levant
antique, IVe siècle avant J.-C. IIIe siècle après J.-C. Paris: Fayard,
2001, nova edição, 2010; GOODMAN, Martin. Rome et
Jérusalem, le choc de deux civilisations. Paris: Perrin, 2009;
BASLEZ, Marie-Françoise, op. cit.
3. CROSSAN, John Dominic, op. cit.; SAWICKI, Marianne. Crossing
Galilee: Architectures of Contact in the Occupied Land of Jesus.
Harrisburg: Trinity Press International, 2000.
4. THEISSEN, Gerd. Le Mouvement de Jésus. Histoire sociale d’une
révolution des valeurs. Paris: Cerf, 2006. Já há alguns anos, os
historiadores não cessam de interessar-se pelas condições
econômicas e sociais da Galileia sob o reinado de Herodes
Antipas. Ver, especialmente, FREYNE, Sean. Jesus, a Jewish
Galilean, op. cit.; e JENSEN, Morten Herning. Herod Antipas in
Galilee. The Literary and Archaeological Sources on the Reign of
Herod Antipas and its Socio-Economic Impact on Galilee.
Tübingen: Mohr Siebeck, 2006. HENGEL, Martin. Judaism and
Hellenism: Studies in their Encounter in Palestine During the Early
Hellenistic Period. Filadélfia: Fortress Press, 1974, 2 volumes.
5. GOODMAN, Martin, op cit., p. 130.
6. SARTRE, Maurice, op. cit., p. 550.
7. Isaías, 11, 1.
8. Segundo Livro de Samuel, 7, 14.
9. COLLINS, John J. “L’attente messianique et les Psaumes”,
Religions et Histoire, nov-dez. de 2010, n.35, pp. 42-7.
10. LAPERROVSAZ, Ernest-Marie. L’Attente du Messie en Palestine à
la veille et au début de l’ère chrétienne à la lumière des documents
récemment découverts. Paris: A. et J. Picard, 1982; COLLINS,
John J. The Scepter and the Star: Messianism in Light of the Dead
Sea Scrolls. Grand Rapids, Cambridge: William B. Eerd-mans,
1995.
11. Gênesis, 14, 18-21.
12. 4Q246.
13. FITZMYER, J. A. “4Q246: The ‘Son of God’ document from
Qumran”, Biblica, v. LXXIV, n.2, 1993, pp. 153-174; PUECH,
Émile. “Note sur le fragment d’apocalypse 4Q246. Le fils de
Dieu”, Revue Biblique, v. CI, n.4, 1994, pp. 533-58.
14. ATTIAS, Jean-Christophe, GISEL, Pierre & KAENNEL, Lucie
(Ed.). Messianismes. Variations sur une figure juive. Genebra:
Labor et Fides, 2000.
15. Salmos de Salomão, 17, 23.
16. Um dos primeiros atos da grande revolta do ano 66 será a
destruição desses afrescos por um grupo de judeus religiosos.
17. MEIER, John P., op. cit., t. II, p. 35. Lucas é o único evangelista
a reportar às origens familiares do Batista, que ele possui de
fonte fidedigna, talvez de João Evangelista, testemunha ocular
dos inícios do Batista e depositário enquanto membro da
aristocracia sacerdotal das tradições do Templo.
Historicamente, é difícil pronunciar-se sobre o nascimento
tardio e milagroso de João. O cântico de Zacarias (Lucas, 1, 68-
79) contém talvez uma das primeiras orações cristãs, próxima
da liturgia judaica, como pensava o padre P. Benoit
(“L’enfance de Jean Baptiste selon Luc I”, New Testament
Studies, v. III, 1957, pp. 169-94).
18. João, 1, 28.
19. Alguns pesquisadores (entre eles, Bargil Pixner) quiseram
colocar a Betânia muito mais ao norte, na Bataneia, às
margens da torrente Kerit (Yarmuk), região sob o governo de
Herodes Filipe. Mas essa hipótese desmoronou depois da
descoberta, em 1996, do sítio arqueológico de Wadi Kharrar.
20. Lucas, 3, 8.
21. Malaquias, 3, 23-24, e livro do Sirácida, 48, 10-11.
22. LÉON-DUFOUR, Xavier. Lecture de l’évangile selon Jean, t. I.
Paris: Seuil, 1988, p. 159.
CAPÍTULO 3
Jesus e o precursor
1. BAZELAIRE, Éric de. Revue Internationale du Linceul de Turin, n.
30, dez. de 2007. A partir de um estudo anatômico muito
detalhado (inédito) do dr. Jean-Maurice Clerq, sua altura
ultrapassaria 1,95m.
2. Examinando o lado dorsal do sudário, alguns têm a impressão
de que os cabelos formavam nesse lugar uma trança. Na
realidade, o exame das fotos pelo computador revelou tratar-se
de um objeto (HELLER, John H. Enquête sur le Saint Suaire de
Turin. s.l. [Paris]: Sand, 1985, p. 143).
3. A versão do evangelho de Mateus, inserida no Codex Bezae, a
Vulgata Latina e a Vulgata Sinaïtique (referente ao Sinai), que
aborda a renegação de Pedro, parece referir-se à sua
entonação, idêntica à de Jesus.
4. Notemos, entretanto, que o grego não era tão disseminado
entre o povo judeu simples. Quando Paulo, em Jerusalém,
dirige-se ao tribuno da coorte, esse se espanta: “Você conhece o
grego! Então você não é o egípcio que, nesses dias, sublevou e
conduziu ao deserto os quatro mil sicários?” (Atos dos
Apóstolos, 21, 37-38). O tribuno permite que Paulo se dirija à
multidão, e esse o faz não em grego, mas em aramaico:
“Quando ouviram que ele se dirigia a eles em língua hebraica,
eles redobraram o silêncio” (Atos dos Apóstolos, 22, 3). Mas
Jesus, filho de um artesão e ele próprio artesão, não pertencia
à categoria mais baixa.
5. João, 12, 21.
6. WINANDY, Jacques, OSB. Autour de la naissance de Jésus.
Accomplissement et prophétie. Paris: Cerf, 1970, p. 27.
7. ARON, Robert. Les Années obscures de Jésus, reed. Paris:
Desclée de Brouwer, 1995, p. 129 e seguintes.
8. Lucas, 2, 41-52.
9. Esse texto bem longo teria incluído o evangelho da Infância, a
ressurreição em Naim, a parábola do Bom Samaritano, a
entrada em Jerusalém e inúmeras passagens dos Atos dos
Apóstolos (CARMIGNAC, Jean. Le Magnificat et le Benedictus en
hébreu? Versailles: Éd. de Paris, Association des Amis de l’Abbé
Jean Carmignac, 2009, p. 1.123 e seguintes).
10. Gênesis, 1, 28.
11. Mateus, 19, 12.
12. CROSSAN, John Dominic. op. cit.
13. HOEHNER, H. W. Herode Antipas. Cambridge: Cambridge
University Press, 1972, pp. 84-7.
14. CHANCEY, Mark A. The Myth of a Gentile Galilee. Cambridge:
Cambridge University Press, 2002, pp. 79-81.
15. Não é certo, por outro lado, que Jesus tenha visto o magnífico
anfiteatro que os arqueólogos resgataram: sua data de
construção é incerta, alguns a situam no início do reinado de
Antipas, outros muito mais tarde. Mas é possível, se
acreditarmos nos trabalhos de James Strange, que Jesus tenha
conhecido um teatro menor, que teria sido aumentado e
renovado entre 70 e 80 d.C. (CHARLESWORTH, James H.,
ELLIOTT, J. Keith, FREYNE, Sean & REUMANN, John. Jésus et
les nouvelles découvertes de l’archéologie. Paris: Bayard, 2006, p.
56 e seguintes).
16. PIXNER, Bargil. Paths of the Messiah…, op. cit., pp. 3-9; do
mesmo autor, With Jesus through Galilee…, op. cit., pp. 14-7;
ver, igualmente, a obra do padre dominicano Étienne Nodet,
op. cit., pp. 109-11.
17. Numa mesa de mármore datada do século III ou do IV,
encontrada na Cesareia Marítima em 1962, o nome de Nazaré
é grafado com ts, tzadé (ver reprodução em PIXNER, B. With
Jesus through Galilee…, op. cit., p. 15), o que permite descartar
uma das explicações que faziam do sobrenome Nazareno um
nazir. É bem a raiz netzer, “rebento”, “broto” que parece mais
apropriada.
18. Números, 24, 17.
19. NODET, Étienne, op. cit., p. 111.
20. Isaías, 9, 5-6.
21. O evangelho de Mateus fala de Nazarenos, aquele de Marcos
de Nazorenos, mas o significado é o mesmo: são os herdeiros
do grande rei de Israel.
22. Talmud da Babilônia, Sinédrio 43a.
23. Isaías, 14, 19.
24. Um manuscrito sírio do evangelho de Lucas o especifica
expressamente.
25. 11Q RT, LVII 15-19.
26. EUSÉBIO, Histoire ecclésiastique, t. I, 7, 17.
27. Epifânio de Salamina escreve, no século IV: “O Cristo nasceu
da semente de Davi conforme a carne, isto é, da Santa Virgem
Maria”. Em seu Commentaire sur les Bénédictions d’Isaac, de
Jacob et de Moïse, Hipólito de Roma também é muito explícito:
“Um rebento sairá da raiz de Jessé e uma flor sairá dele. A raiz
de Jessé é Maria, porque ela é da casa e da família de Davi”.
Mesma resposta nos evangelhos apócrifos; assim, o
protoevangelho de Tiago: “Ela era da tribo de Davi e sem
mácula diante de Deus”; os Atos de Paulo: “Jesus Cristo nasceu
de Maria, da semente de Davi”; a Histoire de Joseph le
charpentier: “José escreveu seu nome no registro, a saber, José,
filho de Davi e Maria, sua noiva, que são da tribo de Judá”
(MANNS, Frédéric, OFM. Jésus fils de David. Les Évangiles, leur
contexte juif et les Pères de l‘Église. Paris: Médiaspaul, 1994, pp.
17-22).
28. EUSÉBIO, op. cit., t. III, 11 e 32.
29. Ibid., t. II, 23, 3-18.
30. BARREAU, Jean-Claude. Biographie de Jésus. Paris: Plon, 1993,
p. 12. REFOULÉ, François. Les Frères et soeurs de Jésus, frères
ou cousins? Paris: Desclée de Brouwer, 1995. Ver a atualização
de CARLE, Paul-Laurent. Les Quatre Frères de Jésus et la
maternité virginale de Marie. Paris: Éd. de l’Emmanuel, 2004.
31. Lucas, 2, 7.
32. GRELOT, Pierre. “Les frères de Jésus”, Revue Thomiste, Revue
Doctrinale de Théologie et de Philosophie, t. CIII, jan.-mar. 2003,
pp. 137-44.
33. Gênesis, 42, 15; 43, 5.
34. Gênesis, 13, 8; 14, 16.
35. Lévitico, 10, 4; primeiro livro das Crônicas, 23, 21-22.
36. Tobias, 7, 2 e 7, 4, 15.
37. Atos, 1, 14.
38. Tentando conciliar a existência dos “irmãos” e das “irmãs” de
Jesus com a crença na virgindade perpétua de Maria, o autor
do protoevangelho de Tiago (século II), bem como Epifânio de
Salamina, tornaram-nos meios-irmãos e meias-irmãs, nascidos
de um primeiro casamento de José. Essa tese de um José velho,
viúvo, casando com Maria, ainda sustentada pelas Igrejas
grega, siríaca e copta, não tem base histórica. Em nenhum
lugar dos evangelhos fala-se de outros “filhos de José”. Nunca
o termo grego homopatôr (meio-irmão por parte de pai) foi
empregado.
39. Números, 18, 15-16.
40. Números, 3, 40.
41. Texto publicado por R. P. Frey na revista Biblica de dez. 1930,
pp. 373-90.
42. EUSÉBIO, op. cit., t. I, 7, 14; POURKIER, Aline. L ‘Hérésiologie
chez Épiphane de Salamine. Paris: Beauchesne, 1992, p. 461.
43. BLANCHETIÈRE, François. “Reconstruire les origines
chrétiennes: le courant nazaréen”, Bulletin du Centre de
Recherche Français de Jérusalem, n. 18, 2007, pp. 43-58.
44. EUSÉBIO, op. cit., t. III, 20, 1-3.
45. Mateus, 3, 14-15.
46. SCHLOSSER, Jacques. Jésus de Nazareth, op. cit., p. 102.
47. Atos, 19, 4.
48. JOSÈPHE, Flavius. Antiguidades dos judeus, 18,5, 2 § 117.
49. A fórmula utilizada pelos apócrifos: “Tu és meu Filho, hoje eu
me tornei teu pai” é tomada do Salmo 2 (versículo 7). Ela era
dirigida aos reis de Israel e de Judá.
50. JUSTIN, Dialogue avec Tryphon, 88, 3. Paris: Éd. Archambault,
p. 73.
51. Se João Evangelista não comenta voluntariamente esse
episódio importante, não é somente porque ele não o
testemunhou diretamente, mas porque quer evitar qualquer
ambiguidade ou polêmica com os grupos batistas que, no pe
ríodo em que ele escreve, ainda consideram seu mestre
superior a Jesus.
52. João, 1, 29-33.
53. João, 1, 32-34, Bíblia TEB.
54. A leitura: “eleito por Deus”, adotada por alguns exegetas, como
M.-É. Bois-mard e R. E. Brown, é menos solidamente
confirmada pela tradição manuscrita do que a de “Filho de
Deus”.
55. RÖMER, Thomas. “Roi et messie. Idéologie royale et invention
du messianisme dans le judaísme ancien”, Religions et Histoire,
nov.-dez. 2010, n. 35, pp. 30-5.
56. Isaías, 11, 2 e 42, 1.
57. Atos, 10, 37-38.
58. FLUSSER, David. Jésus. Paris: Éd. de l’Éclat, 2005, p. 41.
59. DUNN, James D. G. Jesus and the Spirit: A Study of the Religious
and Charismatic Experience of Jesus and the First Christians as
Reflected in the New Testament. Filadélfia: Westminster Press,
1975, p. 65.
60. DODD, Charles Harold. Le Fondateur du christianisme. Trad. do
inglês por P.-A. Lesort. Paris: Seuil, 1972, p. 131.
CAPÍTULO 4
O início do ministério público
1. GRELOT, Pierre. Les Évangiles. Origine, date, historicité. Paris:
Éd. du Cerf, 1983, pp. 56-9. (Col. “Cahiers Évangile”, n. 45)
2. Mateus, 14, 13.
3. Hebreus, 2, 18.
4. João, 1, 39.
5. Segundo uma lenda posterior, uma entre tantas, um monge
teria tido uma aparição de João Batista indicando-lhe o lugar
do batismo de Jesus.
6. A insistência do evangelista João em afirmar que André foi o
primeiro a confessar o messianismo de Jesus se deve ao fato de
que André foi um dos inspiradores de seu evangelho, como
revela o Cânone de Muratori (ver anexo III).
7. João, 1, 46.
8. PERROT, Charles. Jésus et l’Histoire, op. cit., p. 176.
9. Daniel, 7, 13.
10. MACKOWSKI, R. “Scholars ‘Qanah. A Re-examination of the
Evidence in Favor of Khirbet-Qanah”, Biblische Zeitschrift,
Paderborn, 1979, v. XXIII, n. 2, pp. 278-84; FINEGAN, Jack.
The Archeology [sic] of the New Testament. The Life of Jesus and
the Beginning of the Early Church. Princeton: Princeton
University Press, 1992, pp. 62-5. Duas outras localidades
competem para essa identificação: Qana-Al-Jalil no Líbano, a
uma quinzena de quilômetros a sudeste de Tiro, que tinha a
simpatia do historiador Eusébio da Cesareia, mas esse não era
um guia confiável no plano geográfico. É a antiga Qana da
tribo de Azer. Ali foram encontrados vestígios de uma
residência, com tecidos e fragmentos de jarras. Um curioso
baixo-relevo, desajeitadamente esculpido sobre um rochedo dos
arredores, representa doze personagens ao redor de um outro,
mais alto. Trata-se supostamente de uma representação
simbólica da Ceia, com o Cristo e seus apóstolos. É
seguramente a prova de que cristãos viveram muito cedo nesse
lugar (Le Commerce du Levant, n. 5.324, 13 jan. 1994, pp. 64-
6), mas não se demonstra com isso que esse seja o lugar do
primeiro milagre. João, o evangelista, por sua vez, é formal.
Ele fala de Canaã “na Galileia”. Ora, tal região meridional da
Fenícia, o país de Bechara, nada tem a ver com a Galileia
judaica, cujas fronteiras estavam situadas mais ao sul. A
segunda localidade é o povoado árabe de Cana [Kafr Cana], a
nove quilômetros ao nordeste de Nazaré: circundada por um
belo e pequeno vale, onde brotam palmeiras, romãs e loureiros
rosados, é a Canãa dos turistas, com suas duas igrejas latina e
ortodoxa, suas falsas jarras do século XIX, sua pretensa sala de
festas e sua mesa de núpcias. No tempo de Jesus, esse vilarejo
certamente existia. Era o antigo Itta Hazim, ou Isanna.
Situava-se mais a oeste, num olivedo onde foram encontrados
restos de uma sinagoga mais antiga. No século IV, são
Jerônimo não emite dúvidas sobre o lugar que lhe mostram:
“Nós fomos a Nazaré… e a pouca distância visitaremos Canaã,
onde a água foi transformada em vinho”. A dificuldade é que
esse lugar parece ter sido escolhido quando a cidade de
Tiberíades subjugou Séforis, e os peregrinos que se dirigiam
para o lago de Genesaré modificaram seu itinerário para
passar por essa cidade.
11. GOODMAN, Martin, op. cit., pp. 260-1.
12. Alguns pesquisadores (Dodd, Boismard, Charlier…), tentando
se basear na cronologia do quarto evangelho, imaginaram
descobrir uma “semana inaugural”, completamente simbólica,
começando com o batismo de João e terminando com as
núpcias de Canaã. Mas outros demonstraram a fragilidade
dessa hipótese (ROBINSON, John A. T. The Priority of John.
Londres: S. C. M. Press, 1985, pp. 161-8).
13. KLEIN, Félix. Jésus et ses apôtres. Paris: Bloud et Gay, 1931, p.
9.
14. LÉON-DUFOUR, Xavier. Lecture de l’évangile selon Jean, t. I.
Paris: Seuil, 1988, pp. 233-4.
15. PRAT, Ferdinand, sj. Jésus-Christ, sa vie, sa doctrine, son ouvre,
t. I. Paris: Beau-chesne, 1933, p. 186.
16. João, 2,10.
17. Essa é a posição de Jacques Duquesne em seu Jésus, mas
também a de alguns exegetas. “O relato de Canaã não é do
tipo biográfico”, escreve o padre Xavier Léon-Dufour. Ele não
“remonta”, afirma John P. Meier, “a qualquer acontecimento
do ministério público de Jesus” (MEIER, John P., op. cit., t. II,
p. 1.233).
18. Mateus, 22, 2; 25, 1.
19. Tomando-se como modelo, a título de hipótese, o habitat de
Pompeia e da Óstia antiga, o arqueólogo Jonathan Reed
chega, vista a extensão de Cafarnaun do século I, a uma
estimativa de 1.700 habitantes, o que parece excessivo.
20. Segundo Mendel Nun, pescador do kibutz Ein Gev, que
verificou as fundações de ao menos dezessete portos e quebra-
mares antigos ao redor do lago.
21. CHARLESWORTH, James H., ELLIOTT, J. Keith, FREYNE, Sean
& REUMANN, John, op. cit., p. 16.
CAPÍTULO 5
Jerusalém e o ministério judaico
1. JOSÈPHE, Flavius. Guerra dos Judeus, V. 6, 222-224.
2. Salmo 137.
3. A oeste se encontravam os arcos, ditos de Robinson e de
Wilson.
4. JOSÈPHE, Flavius. Antiguidades dos judeus, XV, p. 380-7.
5. BRANDON, Samuel George Frederick. Jésus et les zélotes. Paris:
Flammarion, 1976, p. 371 e seguintes.
6. Lucas, Atos dos Apóstolos, 2, 44-4.
7. JEREMIAS, Joachim. Jérusalem au temps de Jésus. Paris: Cerf,
1967, p. 37.
8. GAECHTER, P. “The Hatred of the House of Annas”, Theological
Studies, 8, 1947, pp. 3-34.
9. JEREMIAS, Joachim. Jérusalem au temps de Jésus, op. cit., pp.
267-8.
10. João, 2, 20.
11. HOEHNER, H. W. “The Year of Christ’s Crucifixion”, Bibliotheca
Sacra, CXXXl (1974), p. 339; LOTH, Arthur, op. cit., pp. 531-8.
12. Ver igualmente João, 12, 16.
13. FLUSSER, David. Jésus, op. cit., pp. 135-6; GENOT-BISMUTH,
Jacqueline. Un homme nommé Salut. Genèse d’une hérésie à
Jérusalem. Paris: O. E. I. L., 1986, pp. 154-5.
14. LÉON-DUFOUR, Xavier. Lecture de l’évangile selon Jean, op. cit.,
t. I, p. 291.
15. João, 3, 1-15.
16. João, 3, 23.
17. BOISMARD, Marie-Émile. “Aenon, près de Salem”, Revue
Biblique, n. 80, 1973, pp. 218-29.
18. João, 3, 26.
19. João, 3, 30.
20. Por conta de um erro de redação, Josefo escreveu Arquelau,
mas este fora exilado para a Gália no ano 6 de nossa era.
21. Citado por NODET, Étienne, op. cit., p. 223. Outro lugar de
retiro do Batista foi descoberto? Em 2004, um arqueólogo
inglês, Shimon Gibson, anunciou com alarde o descobrimento
de uma gruta que permaneceu inviolada durante séculos, no
vale selvagem do kibutz Tzouba. Esse longo túnel de 24m x
3,5m contém cacos de louça, fontes batismais e grafite muito
grosseiros que datam dos séculos IV e V, e representam, ao
menos pelo que se supõe, um personagem vestido com pele de
animais, segurando um bastão pastoral, cruzes e um homem
decapitado. Sobre a borda de uma bacia ritual, alimentada por
uma cisterna que recolhe a água da chuva, vemos uma marca
misteriosa em forma de pé. O lugar, onde cerca de trinta
pessoas podiam reunir-se, foi apresentado como um antigo
santuário venerado pelos fiéis do Batista e pelos primeiros
cristãos, mas foi talvez também um dos primeiros lugares de
batismo de João, porque alguns dos inúmeros tesouros de
argila encontrados ali remontam ao século I de nossa era. Essa
gruta situa-se não longe do povoado de Ein Karem, a sudeste
de Jerusalém, onde uma tradição imemorial fixou o lugar de
nascimento do Batista. Resulta que essa descoberta, que só
pode ser vista como um “golpe publicitário”, como ocorre
frequentemente na arqueologia bíblica, torna os historiadores
céticos (VILLENEUVE, Estelle. “La grotte de Jean le Baptiste?”,
Le Monde de la Bible, n. 162, nov.-dez. 2004, pp. 49-50).
22. JOSÈPHE, Flavius. Antiguidades dos judeus, 18, 5, 2 § 116-119.
CAPÍTULO 6
De Samaria para a Galileia
1. João, 4, 43. O evangelista coloca essa frase no lugar certo.
Jesus considera de fato que a Judeia é a sua pátria verdadeira,
não tanto porque ele nasceu em Belém, mas porque a
verdadeira pátria de um profeta é essa. Os sinópticos a
colocarão por ocasião de sua visita movimentada a Nazaré.
2. LÉON-DUFOUR, Xavier. Lecture de l’évangile selon Jean, op. cit.,
t. I, pp. 346-7.
3. João, 4, 9.
4. João, 4, 11-12.
5. João, 4, 14-15.
6. Isaías, 55, 1.
7. Ezequiel, 36, 25. A religião dos samaritanos conhece também
essa identificação simbólica: “Nas águas profundas de uma
fonte agradável, diz o tratado de Menar Marqah, vamos nos
manter no conhecimento para beber de suas águas. Temos sede
das águas da vida” (LÉON-DUFOUR, Xavier. Lecture de
l’évangile selon Jean, op. cit., t. I, p. 356). Marqah, teólogo do
século IV, evidencia nesse texto antigas tradições espirituais da
região.
8. João, 4, 16-18.
9. João, 4, 21-24.
10. João, 4, 26.
11. João, 4, 38.
12. João, 4, 42.
13. Segundo Livro dos Reis, 17, 24-41.
14. Lucas, 7, 5.
15. João, 4, 45-54.
16. DODD, Charles Harold. Le Fondateur du christianisme, op. cit., p.
134.
17. Marcos, 1, 14-15.
18. Mateus, 17, 24-27.
19. Mateus, 4, 19.
20. Marcos, 1, 31. LÉON-DUFOUR, Xavier. “La guérison de la
belle-mère de Simon-Pierre”, em Études d’Évangile. Paris: Seuil,
1965, pp. 124-48.
21. Marcos, 1, 23-27.
22. BROWN, Raymond E. La Mort du Messie, op. cit, p. 1.616.
23. Çâtânâ’ em aramaico.
24. Lucas, 22, 31.
25. Lucas, 10, 18.
26. João, 14, 30; 16, 11, Primeira Epístola de João, 3, 8.
27. Marcos, 5, 21-24, 35-45.
28. Marcos, 5, 25-34.
29. Marcos, 2, 2-12.
30. Marcos, 1, 38.
31. Os evangelhos consideram provavelmente dessa maneira todas
as infecções de pele, não necessariamente a lepra ou a doença
de Hansen.
32. Marcos, 1, 40-45.
33. Marcos, 8, 22-26.
34. Marcos, 10, 46-52.
35. Lucas, 18, 35-44.
36. Mateus, 20, 29-34.
37. Seu nome semítico de Migdal nunaja significa a “torre dos
peixes”. Também, sob a denominação de Tarichée, do grego
Tarichaea, “Salgação”.
38. BEAULIEU, Marie-Armelle. “La ville de Magdala une nouvelle
fois détruite?”, La Terre Sainte, n. 596, jul.-ago. 2008, pp. 20-
35.
39. Lucas, 7, 11-16.
40. Mateus, 9, 35-38.
41. Em hebreu, matthia, isto é: “presente de Deus”.
42. Marcos, 2, 15-17; Mateus, 9, 12-13; Lucas, 5, 31-32.
43. Mateus, 16, 2-3.
44. Mateus, 2, 21.
45. Marcos, 3, 27.
46. Lucas, 12, 24.
47. Mateus, 6, 28-29.
48. JEREMIAS, Joachim. Les Paraboles de Jésus. Paris: Seuil, 1984,
p. 18.
49. Mateus, 7, 26-27; Lucas, 6, 49.
50. Lucas, 14, 28-29.
51. Mateus, 7, 1-5; Lucas, 6, 41-42.
52. Mateus, 19, 24.
53. Mateus, 23, 24.
54. Lucas, 17, 6.
55. Mateus, 21, 21.
56. DUNKERLEY, Roderic. Le Christ. Paris: Robert Laffont, 1975,
pp. 101-2.
57. João, 4, 34.
58. GROSJEAN, Jean. L‘Ironie christique. Commentaire de l’Évangile
selon Jean. Paris: Gallimard, 1991, pp. 28-9.
59. Lucas, 6, 44.
60. Mateus, 2, 22; Lucas, 5, 37-38.
61. Mateus, 12, 33.
62. Mateus, 24, 28.
63. Mateus, 11, 7. A alusão talvez fosse dúbia: ela visaria à roseira,
emblema que Herodes Antipas havia mandado reproduzir
numa de suas moedas nos anos 19-20, símbolo que não foi mais
cunhado e foi substituído por uma palmeira?
64. Mateus, 11, 16-19.
65. Lucas, 13, 6.
66. Mateus, 22, 1-10.
67. Lucas, 14, 16-24.
68. Lucas, 16, 19-31.
69. JEREMIAS, Joachim. Les Paraboles de Jésus, op. cit., pp. 182,
243.
70. Mateus, 11, 20-24; Lucas, 10, 12-15.
71. Mateus, 16, 4; 17, 17.
72. Mateus, 23, 29-32; Lucas, 11, 51.
73. Lucas, 14, 26.
74. Mateus, 10, 34.
75. Lucas, 12,49.
76. Mateus, 10, 35-36.
77. Mateus, 11, 28-30.
CAPÍTULO 7
O ensinamento de Jesus
1. Os cantos para o holocausto do sabá e a Regra da guerra lhe
fazem referência.
2. Uma alusão está, por exemplo, no 17o Salmo de Salomão, que
data do século I antes de nossa era: A soberania e a escatologia
de Deus são manifestadas por um messias glorioso,
descendente de Davi, que unirá e purificará as tribos de
Israel…
3. MEIER, John P., op. cit., t. II, p. 224.
4. Mateus, 11, 25.
5. Mateus, 22, 2; Lucas, 12, 36.
6. Lucas, 12, 36.
7. Mateus, 25, 1.
8. Lucas, 13, 29.
9. Mateus, 13, 44-46.
10. Mateus, 13, 31-33.
11. Lucas, 13, 19.
12. Marcos, 4, 26-29.
13. Marcos, 3, 3-20.
14. Mateus, 13, 24-30.
15. Mateus, 13, 47-50.
16. Marcos, 9, 49.
17. Primeira Epístola de João, 4, 8.
18. Mateus, 18, 12-14.
19. Mateus, 20, 1-16.
20. Marcos, 1, 15.
21. Lucas, 17, 20-21, Bíblia TEB. Para alguns, a tradução seria
muito fraca: Entos humôn significaria “em vós”, “no interior de
vós”, e não “entre vós” ou “no meio de vós”, o que iria de
encontro à intuição dos grandes místicos. Nessa circunstâncias,
essa interpretação não parece ser o sentido que Jesus deu à sua
frase.
22. RATZINGER, Joseph/BENTO XVI, op. cit., p. 70.
23. PIXNER, Bargil. Paths of the Messiah, op. cit., p. 77 e seguintes.
24. São ainda chamados macarismos, do adjetivo grego makarios,
“felizes” ou “bem-aventurados”.
25. Mateus, 5, 3-12.
26. Lucas, 6, 20-26.
27. PUECH, Émile. “Les manuscrits de la mer Morte et le Nouveau
Testament. Le Nouveau Moïse: de quelques pratiques de la
Loi”, conferência dada em Barcelona em set. 2009.
28. PRAT, Ferdinand, op. cit., t. I, p. 271.
29. RATZINGER, Joseph/BENTO XVI, op. cit., p. 98.
30. Mateus, 6, 3.
31. Êxodo, 21, 24-25.
32. Mateus, 5, 13-47.
33. Levítico, 19, 18.
34. Psaume 139, 21-22, Bíblia TEB.
35. Lucas, 10, 25-37.
36. Mateus, 7, 12.
37. Lucas, 6, 27-35.
38. Lucas, 6, 37-38.
39. Mateus, 7, 7.
40. CARMIGNAC, Jean. À l’écoute du “Notre Père”. Paris: O. E. I. L.,
1984, p. 118. O estilo do Pai Nosso, escreve o abade Jean
Carmignac, é “muito simples, límpido, tem uma grande
densidade de pensamento, ao mesmo tempo que uma grande
economia de palavras; só encontramos isto nas parábolas e em
alguns discursos de são João. E me pergunto se são João não
seria, dentre todos os evangelistas, aquele que teria
reproduzido melhor o pensamento de Jesus: é ele que tem a
maior memória do coração e da inteligência” (La Lettre des
Amis de l’Abbé Jean Carmignac, n. 74, mar. 2011, p. 9).
41. BROWN, Raymond E. La Mort du Messie, op. cit., p. 213.
42. Romanos, 8, 15; Gálatas, 4, 6.
43. João, 1, 12.
44. “Todos vós sois membros de uma mesma família e tendes
somente um Mestre”, Mateus, 23, 8.
45. CARMIGNAC, Jean. À l’écoute du “Notre Père”, op. cit., p. 51.
46. Mateus, 6, 15. É o tema da parábola do mau servidor, a quem
o mestre perdoou sua enorme dívida em lugar de vendê-lo
como escravo, com a mulher e filhos, mas que se mostra ele
mesmo um impiedoso credor (Mateus, 18, 23-35).
47. Epístola de Tiago, 1, 13-14. Ver CARMIGNAC, Jean. Recherches
sur le “Notre Père”. Paris: Letouzey et Ané, 1969, pp. 365-6;
FEUILLET, A. L‘Agonie de Geths émani. Paris: Gabalda, 1977,
pp. 110-1; TOURNAY, R. J. “Ne nous laisse pas entrer en
tentation”, Nouvelle Revue Théologique, t. 120, 3, jul.-set.-out.
1998.
48. Mateus, 5, 13.
49. Mateus, 6, 32-34.
50. Mateus, 16, 25.
51. Mateus, 18, 1-5.
52. Mateus, 18, 3; Marcos, 10, 13-16.
53. Mateus, 18, 6.
54. Mateus, 25, 14-29.
55. Mateus, 10, 28-30.
56. Mateus, 5, 48.
57. Mateus, 19, 25-26.
58. Mateus, 5, 18.
59. Mateus, 20, 25-26.
CAPÍTULO 8
Jesus e seus discípulos
1. Lucas, 12, 8.
2. Mateus, 13, 16-17.
3. Essa passagem deve muito ao livro de François Dreyfus, Jésus
savait-il qu’il était Dieu? Paris: Cerf, 1984.
4. Marcos, 1, 25.
5. Mateus, 11, 27.
6. JEREMIAS, Joachim. Abba. Jésus et son Père. Paris: Seuil, 1975.
7. Apocalipse, 1, 13; 14, 14.
8. Daniel, 7, 13-14, Bíblia TEB.
9. João, 1, 51.
10. Mateus, 26, 64; Marcos, 14, 62; Lucas, 22, 69.
11. BROWN, Raymond E. La Mort du Messie, op. cit., p. 564.
12. PERROT, Charles. Jésus et l’Histoire, op. cit., p. 266.
13. Marcos, 8, 38.
14. Lucas, 9, 61-62.
15. Mateus, 8, 21-22; Lucas, 9, 59-60.
16. Mateus, 19, 16-22.
17. Marcos, 8, 34.
18. Mateus, 19, 12.
19. Lucas, 18, 28-30; Mateus, 19, 29; Marcos, 10, 29-30.
20. O sociólogo Max Weber (1864-1920) estabelecia uma distinção
entre três tipos de autoridade, segundo sua origem:
carismática, tradicional e legal. Sem ser oriundo nem da
tradição habitual nem de qualquer instituição legal, o poder de
Jesus era tipicamente “carismático”.
21. João, 15, 5.
22. Lucas, 8, 1-3.
23. Lucas, 9, 58.
24. THEISSEN, Gerd. Le Mouvement de Jésus. Histoire sociale d’une
révolution des valeurs. Paris: Cerf, 2006.
25. MICHAUD, Jean-Paul. “De alguns debates atuais no terceiro
encontro”, em De Jésus à Jésus-Christ, t. I, Le Jésus de l’Histoire.
Colóquio da Universidade de Estrasburgo, 18-19 nov. 2010.
Paris: Mame-Desclée, 2010, p. 202.
26. Lucas, 10, 38-42.
27. MEIER, John P., op. cit., t. III, p. 114-20.
28. Mateus, 19, 28.
29. Apocalipse, 21, 14.
30. Essa palavra corrompida e um pouco misteriosa de Boanêrges,
que Marcos traduziu por “filhos do trovão”, seria de origem
semita: bénê significa “filho de”, e rgz pode ser traduzido por
“ira”, “excitação” (ou ainda r’m, “trovão”). Ela traduziria o
temperamento impetuoso dos dois filhos de Zebedeu.
31. Observar que a epístola de são Judas, que faz parte do Novo
Testamento, não é dele, mas de um homônimo, filho de Clopas
(ou Cléofas), um dos quatro “irmãos” do Senhor.
32. MORIN, J-A. “Les deux derniers des Douze: Simon le Zélote et
Judas Iskariôth”, Revue Biblique, n. 80, 1973, pp. 332-58.
33. Apóstolos em grego, šělîhîn em aramaico. Na Igreja primitiva, o
termo apóstolo abrangia uma categoria mais ampla que os
Doze (os quais não foram todos apóstolos, no sentido
etimológico do termo, visto que muitos ficaram em Jerusalém).
34. Marcos, 6, 6-8. Lucas (10, 1) é o único que fala do envio em
missão de setenta e dois discípulos. John Paul Meier duvida da
historicidade desse envio, que viria de uma utilização duvidosa,
questionável, de suas fontes pelo evangelista. É bem difícil
pronunciar-se (MEIER, John P., op. cit., t. III, p. 21).
35. BONNARD, Pierre. L’Évangile selon saint Matthieu. Genebra:
Labor et Fides, 2002.
36. Mateus, 10, 40.
37. Mateus, 10, 8-10.
38. Lucas, 10, 17-20.
CAPÍTULO 9
O sinal da contradição
1. Marcos, 3, 21.
2. Mateus, 12, 46-50; Marcos, 3, 31-35; Lucas, 8, 19-21.
3. Lucas, 11, 28.
4. Lucas optou por compor o seu relato posicionando esse
episódio no início da pregação de Jesus na Galileia. De fato,
provavelmente passaram-se meses antes desse acontecimento,
permitindo a Jesus firmar sua reputação em todo o país.
5. Isaías, 60, 20-22; 61, 1-3. Lucas (4, 18-20) só apresenta uma
parte desse texto, essencial para uma maior compreensão dessa
cena.
6. Mateus, 1, 19.
7. Lucas, 4, 18-19.
8. Lucas, 4, 22.
9. Marcos, 6, 2.
10. Lucas, 4, 25-27.
11. Em hebraico, saddûqîn: a palavra deriva presumivelmente do
nome Sadoq, o sacerdote de Jerusalém a serviço de David e de
Salomão.
12. LE MOYNE, Jean. Les Sadducéens. Paris: Gabalda, 1972;
MEIER, John Paul, op. cit., t. III, pp. 253-312.
13. Mateus, 16, 1-6.
14. Mateus, 16, 21.
15. Mateus, 22, 23-28.
16. Êxodo, 3, 6.
17. Mateus, 22, 29-32; Marcos, 12, 18-27.
18. MEIER, John P., op. cit., t. III, p. 296.
19. Mateus, 21, 33-46; Marcos, 12, 1-12; Lucas, 20, 9-19.
20. Daniel, 12, 2.
21. Marcus, 12, 40.
22. Mateus, 23, 1-12.
23. Mateus, 23, 3.
24. Mateus, 23, 15.
25. Mateus, 23, 23.
26. Mateus, 23, 29-31.
27. Mateus, 21, 31-32.
28. Esse nome deriva de Baal, o falso deus dos pagãos,
notadamente o deus dos filisteus. Baal-Zeboul significa
“Príncipe Baal” ou “Baal, o Sublime”, nome que os judeus
haviam transformado por zombaria em Baal-Zeboud, o
“príncipe das imundícies”, do “esterco”, rapidamente
assimilado ao príncipe das Trevas, Satanás, Belzebu, outro
nome de Satanás, deriva diretamente de Béelzéboul.
29. Mateus, 12, 31-32.
30. Mateus, 12, 25; Marcos, 3, 22-26.
31. Êxodo, 31, 12-17; 35, 2; Números, 15, 3-36.
32. Mateus, 12, 10-12. Ver um relato compatível em Lucas, 14, 1-6.
33. Mateus, 12, 5-6.
34. Marcos, 2, 23.
35. Marcos, 2, 18-20; Mateus, 9, 14-15.
36. Mateus, 15, 11; Marcos, 7, 15.
37. Mateus, 15, 16-20.
38. Deuteronômio, 24.
39. Mateus, 19, 3, 6.
40. Mateus, 19, 7-9.
41. Marcos, 10, 2-12; Lucas, 16, 18.
42. Mateus, 22, 34-40.
43. Marcos, 12, 32-34.
44. Mateus, 22, 41-46.
45. Mateus, 11, 4-6, Bíblia TEB.
46. Isaías, 26, 19; 29, 18-19; 35, 5-6; 61, 1.
47. MEIER, John P., op. cit., t. II, pp. 127-9.
48. Mateus, 11, 7-8.
49. THEISSEN, Gerd. The Gospels in Context: Social and Political
History in the Synoptic Tradition. Minneapolis: Fortress Press,
1991, pp. 26-42.
50. Mateus, 11, 11.
51. Mateus, 14, 12.
52. A divisão do reino de Herodes, o Grande, foi realizada na
segunda metade do ano 4 antes de nossa era, e é, portanto, na
segunda metade do ano 31 que devemos situar o banquete de
aniversário de Maqueronte (LOTH, Arthur, op. cit., p. 541). Por
outro lado, como o evangelista João deixa entender que Batista
já estava morto por ocasião do episódio da piscina de Betseda
(ver capítulo seguinte), episódio que ocorreu presumivelmente
durante o ano novo judaico (princípio do outono), podemos
deduzir que é por volta do mês de agosto ou de setembro do
ano 31 que Batista foi executado.
53. FLUSSER, David, op. cit., pp. 255-61.
CAPÍTULO 10
De Jerusalém ao ministério pós-Galileia
1. Literalmente: a “casa de misericórdia”.
2. Vários manuscritos trazem o nome de Bethzatha. Mas esse nome
designa provavelmente o conjunto do bairro. A forma Béthesda
encontrou um apoio filo lógico no famoso rolo de couro
encontrado na gruta n. 3 do Mar Morto (3Q 15, XI.12 s).
Trata-se de um lugar em Jerusalém chamado Beth-esdatain,
onde se encontra uma piscina com dois tanques de dimensões
desiguais.
3. Oferendas votivas encontradas nesse lugar mostram que o
culto continuava no século II de nossa era, quando Jerusalém
era chamada Aelia Capitolina. DUPREZ, Antoine. Jésus et les
dieux guérisseurs. A propos de Jean V. Paris: Gabalda, 1970;
MURPHY-O’CONNOR, Jérôme, OP. Guide archéologique de la
Terre Sainte. Trad. A. Kischkum. Paris: Denoël, 1982, pp. 42-3;
ALLIATA, Eugenio. “La piscine probatique à Jérusalem”, Le
Monde de la Bible, n. 76, maio-jun. 1992, pp. 25-34; PIXNER,
Bargil. Paths of the Messiah, op. cit., pp. 33-7.
4. João, 5, 4.
5. LÉON-DUFOUR, Xavier. Lecture de l’évangile selon Jean, op. cit.,
t. II, p. 26.
6. João, 7, 23.
7. BERDER, Michel. “Prends ton grabat et marche…”, Le Monde
de la Bible, n. 76, maio-jun. 1992, p. 36.
8. João, 5, 7-8.
9. João, 5, 5-11.
10. João, 5, 17.
11. LÉON-DUFOUR, Xavier. Lecture de l’évangile selon Jean, op. cit.,
t. II, pp. 42-3.
12. João, 5, 19-20.
13. João, 5, 24-25.
14. João, 5, 26-29.
15. João, 5, 39-47.
16. João, 5, 18.
17. João, 6, 5-9.
18. BARREAU, Jean-Claude, op. cit., p. 104.
19. Segundo livro dos Reis, 4, 42-44.
THURSTON, Herbert. Les Phénomènes physiques du mysticisme.
20.
Aux frontières de la science. Paris: Gallimard, 1961; LASSIEUR,
Pierre. Les Évangiles sont-ils menteurs? Des miracles du Christ à
ceux des temps modernes. Paris: Médiaspaul, 1991;
SBALCHIERO, Patrick. L’Église face aux miracles. Paris: Fayard,
2007.
21. João, 14, 12.
22. Mateus, 14, 3-21; Marcos, 6, 30-46; Lucas, 7, 10-17; João, 6, 1-
24.
23. HAUDEBERT, Pierre. “Multiplication des vivres”, em
Dictionnaire des miracles et de l’extraordinaire chrétiens, sob a
dir. de Patrick Sbalchiero. Paris: Fayard, 2002, pp. 557-9.
24. Deuteronômio, 18, 15.
25. “Eu lhe darei todo este poder e a glória destes reinos… Se você
se prosternar diante de mim, tudo isto será seu”, lhe diz
Satanás no episódio estilizado da tentação, relatado por Lucas
(4, 6-7).
26. PIXNER, Bargil. With Jesus through Galilee…, op. cit., pp. 3-74.
27. A retirada para Betsaida é mencionada por Marcos. João, que
conhece mal a Galileia, escreve Cafarnaum. Um recuo para a
tetrarquia é muito mais verossímil, considerando-se a situação
política.
28. João, 6, 21.
29. Citado por LÉON-DUFOUR, Xavier (Dir.). Les Miracles de Jésus
selon le Nouveau Testament. Paris: Seuil, 1977, p. 310, nota 25.
O milagre foi objeto de inúmeras análises exegéticas. Ver
especialmente os trabalhos sintéticos de HEIL, John Paul. Jesus
Walking on the Sea. Roma: Biblical Institute, 1980; e MADDEN,
Patrick J. Jesus’ Walking on the Sea. Berlim: De Gruyter, 1997.
30. Isaías, 51, 10.
31. Pensamos nas levitações estáticas de santa Teresa de Ávila, de
são João da Cruz, de são José de Cupertino, de santo Afonso de
Ligório, de são José Benito Cottolengo, de são Geraldo Magela,
etc. (ver LASSIEUR, Pierre, op. cit., pp. 74-87).
32. Mateus, 14, 28-31.
33. João, 6, 25.
34. João, 6, 26-27.
35. João, 6, 28-34.
36. João, 6, 35-40.
37. João, 6, 41-51.
38. João, 6, 52-56.
39. Ver BARTHÉLEMY, Dominique. Dieu et son image. Ébauche
d’une théologie biblique. Paris: Cerf, 2008, pp. 207-28.
40. Gênesis, 9, 2-4.
41. Levítico, 7, 27.
42. João, 6, 61-64.
43. João, 6, 67-70.
44. Mateus, 14, 2.
45. Lucas, 9, 7-9.
46. Lucas, 13, 31.
47. Mateus, 8, 28-32.
48. Marcos, 5, 20.
49. PIXNER, Bargil. Paths of the Messiah…, op. cit., pp. 148-55.
50. Marcos, 7, 31-37.
51. FREYNE, Sean, op. cit., pp. 60-91.
52. Mateus, 15, 21-28.
53. FREYNE, Sean, op. cit., pp. 75, 160.
54. É hoje a cidade de Banias.
55. BONNARD, Pierre. L’Évangile selon saint Matthieu, op. cit.
56. Mateus, 16, 13-20.
57. Pierre GRELOT, La Tradition apostolique. Paris: Cerf, 1995, pp.
233-53. O autor situa a promessa de Jesus a Pedro num
contexto pós-pascal (GRELOT, Pierre. “L’origine de Matthieu,
16, 16-19”, em “A cause de l’Évangile”. Études sur les Synoptiques
et les Actes offertes au père Jacques Dupont, OSB, à l’occasion de
son 70 e anniversaire. Paris: Cerf, 1985, pp. 91-105).
58. Os sinópticos apresentam, assim, de forma esquemática, três
anúncios da Paixão (Mateus, 16, 21; 17, 22-23; 20, 18-19;
Marcos, 8, 31; 9, 31; 10, 33-34; Lucas, 9, 22; 9, 44; 18, 31-33).
59. Mateus, 16, 23.
60. Isaías, 53, 1-12.
61. Citado por CONDAMIN, Albert. Le Livre d’Isaïe. Paris: Gabalda,
1905, p. 340.
62. Mateus, 17, 10-13.
63. Marcos, 10, 35-39.
64. Marcos, 10, 41-45.
CAPÍTULO 11
O confronto
1. Levítico, 23, 42-43.
2. JOSÈPHE, Flavius. Antiguidades dos judeus, 8, 100.
3. João, 7, 4.
4. João, 7, 8.
5. Marcos, 9, 5.
6. DANIÉLOU, Jean. Bible et liturgie. La théologie biblique des
sacrements et des fêtes d’après les Pères de l’Église. Paris: Cerf,
1951, p. 459.
7. Mateus, 17, 1-9; relato paralelo em Marcos, 9, 2-10; e em
Lucas, 9, 28-36. Observamos que João Evangelista, que relatou
alguns acontecimentos da vida de Jesus fora de Jerusalém,
graças às informações que lhe foram fornecidas por André,
Filipe e alguns outros, acautela-se, não falando sobre esse
acontecimento de que foram testemunhas só três apóstolos,
Simão-Pedro e os dois filhos de Zebedeu, Tiago e João. Esse é
um argumento adicional para recusar identificar o autor do
quarto evangelho com João, filho de Zebedeu, o pescador do
lago.
8. RATZINGER, Joseph/BENTO XVI. Jésus de Nazareth, op. cit., t.
1, p. 344.
9. Eis o que permite pensar que a Transfiguração ocorreu no dia
da Expiação: a Transfiguração posiciona-se no contexto da
Festa dos Tabernáculos e da morte próxima de Jesus. Ela data
então de Tishri do ano 32. João Evangelista fala, por outro
lado, da chegada de Jesus a Jerusalém para a Festa dos
Tabernáculos, mas com quatro dias de atraso. Se contarmos os
nove dias necessários para ir do monte Hermon, no sul do
Líbano, até a Cidade Santa, chegamos ao dia 10 de Tishri para
o dia da Transfiguração. Essa coincidência com o dia da
Expiação é de um simbolismo muito mais poderoso do que o
expresso pela hipótese de Jean-Marie van Cangh e Michel van
Esbroek (“La primauté de Pierre (Mateus, 16, 16-19) et son
contexte judaïque”, Revue Théologique de Louvain, 11, 1980, pp.
310-24), que faz coincidir a profissão de fé de Pedro em
Cesareia com o dia da Expiação, hipótese que tem o
inconveniente de não levar em conta o atraso de quatro dias
que Jesus teve por ocasião da última Festa dos Tabernáculos.
10. Levítico, 16, 1-34.
11. Carta aos Hebreus, 9, 11-14.
12. Marcos, 9, 10; BENOIT, P. & BOISMARD, M.-É. Synopse des
quatre évangiles en français, t. I. Paris: Cerf, 2005, p. 155.
13. Segunda Epístola de Pedro, 1, 16-18. Um certo número de
exegetas sustenta há alguns anos que essa Segunda Epístola de
Pedro é uma peça pseudoepigráfica (uma “piedosa fraude’’ de
alguma forma, não sendo Pedro o seu autor). Seu argumento
essencial é que ela faria parte de um texto tardio, a Epístola de
Judas, da qual se aproxima, com efeito, pelo vocabulário. Mas
sua autenticidade foi defendida por ao menos dois especialistas
contemporâneos: CREHAN, J. “New Light on S. Peter from the
Bodmer Papyrus”, in: LIVINGSTONE, E. A. (Ed.). Studia
Evangelica, v. VII, Berlim, 1982, pp. 145-9; e ROLLAND,
Philippe. L’Origine et la date des évangiles. Les témoins oculaires
de Jésus. Paris: Saint-Paul, 1994, pp. 81-98, 102-3; do mesmo,
La Mode “pseudo” en exégèse. Le triomphe du modernisme depuis
vingt ans. Paris: Éd. de Paris, 2002. Esse último demonstra que
foi Judas que se inspirou na segunda Epístola de Pedro, e não o
inverso.
14. João, 7, 13.
15. MOORE, G. Judaism in the First Centuries of the Christian Era, t.
I. Cambridge: Harvard University Press, 1966, p. 308 e
seguintes.
16. João, 7, 24.
17. João, 7, 31.
18. João, 7, 28.
19. João, 7, 34.
20. João, 7, 35.
21. João, 7, 37-38.
22. Assim o Salmo 42: “Como a corça bramindo por águas
correntes/assim minha alma aspira por ti, ó meu Deus./ Minha
alma tem sede de Deus, do Deus vivo…” “Com alegria vocês
todos poderão beber água nas fontes da salvação”, assim havia
anunciado o profeta Isaías (12, 3).
23. Ezequiel, 47.
24. João, 7, 46.
25. João, 7, 51.
26. João, 7, 52.
27. João, 8, 12.
28. João, 8, 14-18.
29. João, 8, 19.
30. LÉON-DUFOUR, Xavier. Lecture de l’Évangile selon Jean, op. cit.,
t. II, p. 265.
31. João, 8, 21.
32. João, 8, 23-28.
33. João, 8, 42-46.
34. João, 8, 49-51.
35. João, 8, 52-58.
36. João, 8, 59. Outro episódio relatado por João é famoso, o da
mulher adúltera. Situa-se durante uma das estadas de Jesus em
Jerusalém, talvez essa. Os doutores da lei e os fariseus trazem
uma mulher para Jesus, que ensina no Templo. “Mestre, essa
mulher foi pega em flagrante cometendo adultério. A lei de
Moisés manda que mulheres desse tipo sejam apedrejadas. E
tu, o que dizes?” É uma cilada. A infeliz só serve como
pretexto. Se ele aprova a sentença, ele se contradiz em relação
à sua preleção que prega o perdão dos pecados; se ele opta
pela indulgência, ele se opõe à Lei. A culpada é certamente
uma mulher casada, porque quando uma noiva tem uma
relação sexual com outro homem que não seu prometido, a
pena era o estrangulamento. Podemos imaginá-la no meio
desses homens, desvairada, suas roupas em desordem, os
cabelos despenteados, o rosto desfeito, aguardando seu castigo.
Jesus não diz nada, abaixa-se e traça algumas letras no chão.
Seus interlocutores sabem muito bem o que significa esse gesto
do profeta; eles são chamados à sua própria consciência:
“Todos aqueles que se afastam de mim, diz YaHWeH, terão
seus nomes escritos na poeira” (Jeremias, 17, 13). Como eles o
pressionam, Jesus se ergue e lhes diz: “Quem de vós não tiver
pecado, que atire nela a primeira pedra!”. E inclinando-se de
novo, continuou a escrever no chão. Ao ouvir isto, eles foram
saindo um a um, começando pelos mais velhos. Eles
reconhecem em seu íntimo que seu próprio pecado os impede
de condenar. Eles reconhecem sua derrota. Jesus fica só com a
acusada, e então levanta-se e pergunta: “Mulher, onde estão os
outros? Ninguém te condenou?”. Ela responde: “Ninguém,
Senhor”. Então Jesus disse: “Eu também não te condeno. Podes
ir, e não peques mais”. O final é importante, evidentemente.
Jesus não nega o pecado. Ele chama para a conversão. Da
mesma forma que no episódio do tributo a César, a armadilha
não funcionou. Cada um se deu conta de seu próprio pecado.
Curiosamente, essa perícope é um episódio ordinário. Ele não
pertence verossimilmente à versão primitiva do evangelho de
João, mas acabou por ser a ele acrescido por volta do fim do
século III. Ele aparece em alguns manuscritos de Lucas.
Inúmeros exegetas consideram que o episódio é histórico. Mas,
no início, a Igreja, que excomungava os batizados culpados de
adultério, o rejeitou, daí sua ausência em alguns manuscritos.
37. João, 9, 2.
38. João, 9, 7.
39. Deuteronômio, 13, 6.
40. João, 9, 17.
41. João, 9, 20-21.
42. João, 9, 24-34.
43. João, 9, 35-41.
44. LÉON-DUFOUR, Xavier. Lecture de l’Évangile selon Jean, op. cit.,
t. II, p. 356.
45. João, 10, 1-3.
46. João, 10, 7-10.
47. Ezequie1, 34.
48. João, 10, 11-18.
49. João, 10, 20-21.
50. Mateus, 23, 37-38; Lucas, 13, 34-35.
51. Mateus, 24, 1-2.
52. Mateus, 24, 15 e seguintes.
53. É, apesar disso, o que sustentam alguns exegetas racionalistas.
Para eles, as premonições, as profecias e outros fenômenos de
clarividência não existem. Jesus não pôde falar da destruição
de Jerusalém, e, se os Evangelhos colocam esse anúncio em sua
boca, é porque o fato já havia ocorrido na hora em que foram
escritos (por isto a sua datação posterior ao ano 70!). É difícil
negar, entretanto, a autenticidade das predições
extraordinárias, das visões precisas do futuro. Os exemplos são
abundantes. Só citarei um, particularmente convincente, o de
uma mística, religiosa agostiniana, dotada de carisma
espantoso, Yvonne Beauvais, na vida religiosa Yvonne-Aimée
de Malestroit (1901-1950). No diário que ela manteve de 20 de
agosto de 1928 a 4 de junho de 1929, ela escreveu, em 5 de
março de 1929 (a autenticidade do documento é incontestável):
“Este parecia ser um dia de festa. Era um belo dia. Eu tinha
sobre o peito, presas com alfinetes, quatro ou cinco medalhas
dentre as quais estava a Legião de Honra. Eu estava no meio
das religiosas e parecia ser a madre superiora delas. Um oficial
graduado veio me saudar. Outra religiosa também tinha uma
medalha…”. Em 7 de agosto de 1949, já como madre superiora
das agostinianas, ela foi condecorada pelo general Audibert,
homem muito alto, com a Cruz de Guerra, em companhia de
outra irmã. Um pequeno filme em cores da época mostra a
cerimônia. Vê-se sobre o peito da condecorada cinco medalhas,
dentre as quais a da Legião de Honra, que lhe fora concedida
pelo general de Gaulle em Vannes, no dia 22 de julho de 1945.
Somente na vida dessa religiosa, cuja causa de beatificação,
depois de interrompida, foi retomada em Roma, constatamos
inúmeras visões e predições, uma mais extraordinária que a
outra (LAURENTIN, René. Prédictions de sœur Yvonne-Aimée de
Malestroit. Une vérification exceptionnelle dans l’histoire de ce
charisme. Paris: O. E. I. L., 1987).
54. Mateus, 24, 14.
55. Marcos, 13, 30.
56. RATZINGER, Joseph/BENTO XVI. Jésus de Nazareth, op. cit., t.
II, p. 68.
57. Marcos, 13, 31.
58. Marcos, 13, 35.
59. Mateus, 24, 44.
60. Mateus, 25, 1-10.
61. Lucas, 21, 34-35.
62. Mateus, 24, 35; Marcos, 13, 31.
CAPÍTULO 12
Do último inverno à última primavera
1. João, 10, 22-23.
2. João, 10, 24-30.
3. João, 10, 31-33.
4. Esse relato, estamos certos, não recorre a algum diálogo
imaginário relatado pelo evangelista, à maneira de uma
composição literária tardia. Essas palavras, de fato, o discípulo
bem-amado não cessou de repeti-las em seu ensinamento, como
vindas diretamente do Mestre, e isto bem antes da redação –
tardia – de seu texto. Elas refletem perfeitamente a
controvérsia entre Jesus e as autoridades judaicas. Lucas,
ouvinte de João, pegou essas palavras no ar e as reproduziu
em seu relato do processo, em que reúne o conjunto dos
debates contraditórios com os habitantes da Judeia. As
semelhanças entre João e Lucas são aqui fortes demais para
não revelarem um elo de dependência. Lucas: “Se tu és o
Cristo, diz a nós? – Se eu disser, vós não acrediteis”. João: “Se
tu és o Cristo, diz a nós abertamente. – Eu já vos disse, mas vós
não acrediteis”. Lucas: “De agora em diante, o Filho do Homem
sentará à direita do poder de Deus”. Em João, a ideia é
expressa de modo ligeiramente diferente: “Eu e o Pai, somos
um!”. Lucas: “Tu és então o Filho de Deus? – Vós dizeis bem
que eu sou”. João: “Sendo homem, tu te fazes Deus. – Vós dizeis
que eu blasfemo porque disse que sou Filho de Deus”.
5. “Assim diz o senhor YaHWeH: Eu mesmo vou procurar as
minhas ovelhas, eu também contarei as minhas ovelhas. […]
Eu as retirarei do meio dos povos e as reunirei de todos os
lugares onde se haviam dispersado nos dias nebulosos e
escuros” (Ezequiel, 34, 11, 12).
6. João, 10, 41.
7. Mateus, 19 e 20, 1-16; Marcos, 10, 1-31.
8. Mateus, 19, 2.
9. João, 11, 3.
10. João, 11, 4.
11. João, 11, 9.
12. João, 12, 35.
13. João, 11, 15.
14. BEAUVERY, Robert. “La route romaine de Jérusalem à
Jéricho”, Revue Biblique, v. LXIV, 1957, pp. 72-101.
15. João, 11, 24.
16. João, 11, 25-26.
17. LÉON-DUFOUR, Xavier. Lecture de l’Évangile selon Jean, op. cit.,
t. II, p. 419.
18. João, 11, 33. BÍBLIA TEB.
19. João, 11, 39.
20. João, 11, 40-44.
21. LÉON-DUFOUR, Xavier. Lecture de l’Évangile selon Jean, op. cit.,
t. II, p. 404.
22. MURPHY-O’CONNOR, Jérôme, OP. Guide archéologique de la
Terre Sainte, op. cit., p. 125.
23. KROLL, Gerhard. Auf den Spuren Jesu. Leipzig: Benno, 2002,
pp. 278-87.
24. Números, 15, 30.
25. Em novembro de 1990, foi descoberta ao sul das muralhas de
Jerusalém uma tumba magnificente que teria pertencido à
família de Caifás, cujo nome aparecia em aramaico num dos
ossários: Yhwsp br Qp’ ou Qyp’ (José, filho de Quapa’ ou
Qaypa). Caifás seria, talvez, um nome de família. Mas os
pareceres estão divididos sobre essa identificação. O padre
Émile Puech (“A-t-on redécouvert le tombeau du grand prêtre
Caïphe?”, Le Monde de la Bible, n. 80, 1993, pp. 42-7) a recusa.
26. JEREMIAS, Joachim. Jérusalem au temps de Jésus, op. cit., 1967,
pp. 221-5.
27. A lapidação do diácono Estêvão no ano 36, em razão de seus
ataques contra a legitimidade do Templo, teria sido uma
medida ilegal ou a aplicação do princípio da santidade do
Templo? Não se sabe. Por ocasião das primeiras perseguições
aos cristãos, podemos pensar que aconteceram inúmeras
execuções sumárias. Paulo dirá: “Eu mesmo prendi muitos
cristãos com autorização dos chefes dos sacerdotes, e dei o meu
voto para que fossem condenados” (Atos dos apóstolos, 26,
10).
28. LÉMONON, Jean-Pierre. Ponce Pilate. Edição revista e
atualizada. Prefácio de Maurice Sartre. Ivry-sur-Seine: Les
Éditions de l’Atelier-Éditions Ouvrières, 2007, pp. 74-8 (la ed.
Pilate et le gouvernement de la Judée. Textes et monuments.
Paris: J. Gabalda, 1981).
29. Flávio, Josefo manifesta uma prova da privação de posse de
que foi vítima o Grande Conselho Judaico quando relata que,
no ano 62, o sumo sacerdote Anás II (filho do Anás do tempo
de Jesus) aproveita-se da vacância do cargo de governador (o
novo governador Albanius estava a caminho da Judeia) para
reunir o Sinédrio e decidir-se pela lapidação de Tiago, o
“irmão” do Senhor. Isto prova a contrario que esse órgão havia
perdido seus poderes em termos de pena capital.
30. Seria necessário relacionar a perda da soberania penal do
Sinédrio com a decisão dos sumos sacerdotes de meter a mão
nos fundos recebidos pela venda de animais oferecidos em
sacrifício? Consta que foi também no ano 30 que instalaram o
mercado de animais no interior do recinto do Templo, para
esvaziar o caixa de Sinédrio em benefício próprio. Caifás teria
se aproveitado da redução do poder desse órgão para reforçar
o seu poder. Essa é uma hipótese.
31. Mateus diz expressamente que a reunião ocorreu no palácio de
Caifás (26, 3-4). Para sua localização, ver PIXNER, Bargil.
Paths of the Messiah…, op. cit., pp. 253-65.
32. João, 11, 48.
33. Mateus, 26, 5.
34. João, 11, 49-50.
35. Um enforcado, dizia o Deuteronômio, “torna-se um maldito de
Deus” (Deuteronômio, 21, 22-23).
36. João, 11, 51-52.
37. Mais tarde, os judeus de Corinto cometerão o erro de denunciar
Paulo como blasfemador ao procônsul Galeno, que teria
replicado: “Judeus, se fosse por causa de um delito ou de uma
ação criminosa, seria justo que eu atendesse à queixa de vocês.
Mas como é uma questão de palavras, de nomes e da Lei de
vocês, tratem disso vocês mesmos! Eu me recuso ser juiz dessas
coisas” (Atos dos apóstolos, 18, 12-6).
38. O procedimento criminal prevê, de fato, a intervenção de um
arauto, mas isto ocorre somente quando o condenado é levado
a seu lugar de execução, e para apelar a novos testemunhos
eventuais (Mishna, Sinédrio, 6, 1).
39. João, 12, 3.
40. LAPIDE, Pinchas. “Hidden Hebrew in the Gospel”, Immanuel, n.
2, 1973, pp. 28-34.
41. Lucas, 7, 38.
42. Lucas, 7, 39-50.
43. João, 12, 5.
44. João, 12, 7-8.
CAPÍTULO 13
A Ceia
1. Marcos, 11, 2-3.
2. Mateus, 21, 9. A fórmula Osianna barrama é mencionada por
são Jerônimo em sua carta 20 a Damasco, como vinda do
evangelho de Mateus em língua hebraica.
3. RATZINGER, Joseph/BENTO XVI, Jésus de Nazareth, op. cit., t.
II, p. 17.
4. João, 12, 16.
5. Zacarias, 9, 9, BÍBLIA TEB.
6. João, 12, 19.
7. João, 12, 23-26.
8. RATZINGER, Joseph/BENTO XVI, Jésus de Nazareth, op. cit., t.
II, p. 33.
9. João, 18, 1 e 18, 4.
10. Consideramos uma lenda – apesar das visões místicas de
Catherine Emmerich – o fato de que Maria tenha seguido João
Evangelista na Ásia Menor. Mostra-se aos turistas, não longe
de Éfeso, no alto da colina de Panhaya Kapulu, a casa dita de
Maria. Mas, cronologicamente, esse êxodo não parece
concebível. João só deixou Jerusalém tardiamente, pouco antes
da partida dos cristãos de Jerusalém para Péla, no ano 66.
Maria só fez, segundo os Atos, uma breve aparição em
companhia dos apóstolos, e permaneceu desaparecida por
muito tempo. Podemos supor que ela sobreviveu pouco a seu
filho. O lugar de seu “dormítion” é a igreja de Getsêmani, de
arquitetura cruzada, aos pés do monte das Oliveiras. Lá, os
arqueólogos resgataram uma cripta, aos pés de uma longa
escada de quarenta e oito degraus. À direita se encontra uma
minúscula câmera funerária, com uma única banqueta de
mármore, que parece ter sido venerada desde o século I, pelo
menos. Foi restaurada em 1972. “Temos agora a certeza de que
a tumba tradicional de Maria era realmente um pequeno
quarto cravado na rocha e depois isolado da camada rochosa,
quando foi construída a igreja” (BAGATTI, B. “La tombe de
Marie à Gethsémani”, Les Dossiers de l’Archéologie, n. 10, maio-
jun. 1975, pp. 122-6). Foram os cristãos de origem judaica que
se encarregaram, até o final do século IV, da guarda dessa
sepultura, o que poderia explicar o silêncio dos Padres sobre a
tumba (POTIN, Jacques e Jean. Cette année à Jérusalem. Guide
du voyage en Terre Sainte. Paris: Centurion, 1992, p. 213). Para
os católicos, lembremos que o dogma da Assunção significa que
Maria subiu de corpo e alma ao Céu, sem conhecer a
corrupção. Isso não a impediu de passar pela morte, como
pensam muitos teólogos.
11. ORÍGENES, Contre Celse, 2, 24.
12. Ibid., 2, 9, 17.
13. Mateus, 26, 38.
14. Mateus, 26, 41.
15. Mateus, 26, 42.
16. Mateus, 26, 45-46.
17. FEUILLET, A. L‘Agonie de Gethsémani, enquête exégétique et
théologique. Paris: Gabalda, 1977, p. 17.
18. João, 12, 27-28.
19. Carta aos Hebreus, 5, 7-8.
20. GILLY, René. La Passion de Jésus. Les conclusions d’un médecin.
Paris: Fayard, 1985, pp. 76-81.
21. É necessário preceder as palavras thromboï haïmatos de hôseï,
que significa “como se” ou “como quando”.
22. Levítico, 23, 5-6.
23. Essa antecipação da refeição pascal incitou os sinópticos a
realizarem um deslizamento da data. Para eles, Jesus teria
celebrado em 14 de Nisã a verdadeira refeição pascal e teria
sido morto no dia 15, no próprio dia da Páscoa, o que
historicamente é bastante duvidoso (como conceber um
processo e uma execução nesse dia?). Entretanto, eles não
ousam falar da partilha do cordeiro entre os discípulos,
nenhuma tradição fala disso. Esse deslocamento do calendário
teria produzido consequências no século I sobre a celebração
da data da Páscoa pelas comunidades cristãs? Em todo o caso,
inspirando-se no calendário joânico, os “quartodecimanistas”
pretendiam, contrariando outros grupos cristãos, que deveriam
invariavelmente celebrar a Páscoa em 14 de Nisã, qualquer que
fosse o dia da semana.
24. JEREMIAS, Joachim. The Eucharistic Words of Jesus. 2a ed. Nova
York: Scribners, 1966, pp. 41-62. Os essênios consumiam
também uma refeição pascal sem o sacrifício do cordeiro. Mas
o calendário deles, baseado no ano solar de 364 dias, com
adições intercaladas, era diferente daquele de Jesus, que havia
sempre se conformado com o calendário lunar do Templo. Não
consideraremos a tese muito contestada de Annie Jaubert, para
quem Jesus, seguindo o calendário dessa seita ultrarrigorista,
teria comido a refeição da Páscoa na terça-feira à noite, sido
preso durante a noite e executado na sexta-feira ao meio-dia,
após um processo de dois dias e meio (JAUBERT, Annie. La
Date de la Cêne. Calendrier biblique et liturgie chrétienne. Paris:
Gabalda, 1957).
25. Marcos, 14, 13-15.
26. PIXNER, Bargil. Paths of the Messiah…, op. cit., pp. 192-219.
27. PUECH, Émile. “La synagogue chrétienne du mont Sion”, Le
Monde de la Bible, n. 57, 1989, pp. 18-20.
28. PIXNER, Bargil. Paths of the Messiah…, op. cit., pp. 319-59.
29. DIX, Dom Gregory. The Shape of Liturgy. Londres, 1945.
BOUYER, Louis. La Bible et l’Évangile. Paris: Cerf, 1951, pp.
295-310.
30. Lucas, 22, 15-16.
31. Berakoth, Mishna, 6, 6; Tosefta, 4, 8.
32. Lucas, 22, 17-18.
33. É a “gruta sagrada” da Igreja judaico-cristã, em cujas paredes
os arqueólogos encontraram, em 1951, grafites muito antigos,
realizados sem dúvida pelos primeiros cristãos. Num deles
pode-se ler: “Senhor Deus que ressuscitou Lázaro, lembra-te de
teu servidor Asclepius e de sua serva Chionion” (BENOIT, P. &
BOISMARD, M.-É. “Un ancien sanctuaire chrétien à Béthanie”,
Revue Biblique, 58, 1951, 200-51; PIXNER, Bargil. The Paths of
the Messiah…, op. cit., p. 232 e seguintes).
34. João, 13, 10.
35. João, 13, 12-14. Lucas evoca esse episódio quando faz Jesus
dizer na hora da ceia: “Eu que sou o Mestre e o Senhor lavei os
seus pés, por isso vocês devem lavar os pés uns dos outros!”
(22, 27).
36. COLSON, Jean. L’Énigme du disciple que Jésus aimait. Paris:
Beauchesne, 1968, p. 87.
37. João, 13, 27.
38. João, 13, 31.
39. O grego sôma corresponde ao aramaico bésar (carne). Ver
BONSIRVEN, J. “Hoc est corpus meum. Recherches sur
l’original araméen”, Biblica, 29, 1948, pp. 205-19.
40. Primeira Epístola aos Coríntios, 11, 23-25.
41. GRELOT, Pierre. La Tradition apostolique, op. cit., pp. 197-230.
42. Primeira Epístola de Pedro, 19.
43. Primeira Epístola aos Coríntios, 11, 26.
44. Primeira Epístola aos Coríntios, 11, 27-28.
45. Salmos, 34, 21, e Êxodo, 12, 46.
46. LÉON-DUFOUR, Xavier. Lecture de l’Évangile selon Jean, op. cit.,
t. II, p. 66.
47. João, 13, 33-38.
48. João, 14, 3-4.
49. LÉON-DUFOUR, Xavier. Lecture de l’Évangile selon Jean, op. cit.,
t. II, p. 106.
50. João, 14, 18-19.
51. LÉON-DUFOUR, Xavier. Lecture de l’Évangile selon Jean, op. cit.,
t. II, p. 128.
52. Lucas, 22,53.
53. LÉON-DUFOUR, Xavier. Lecture de l’Évangile selon Jean, op. cit.,
t. II, p. 275.
54. João, 17, 1-20. Bíblia de Jerusalém.
CAPÍTULO 14
O comparecimento diante de Anás
1. Alguns colocaram dúvidas quanto à utilização dos Salmos de
louvor do Halel nessa época. Notemos, entretanto, que Fílon de
Alexandria atesta que, desde os tempos de Jesus, os hinos eram
cantados à mesa durante a Páscoa (De specialibus legibus, 2, 27
§ 148). Por que não seriam aqueles do Halel, de que fala a
Mishna?
2. Em 37, ele sucederá a José, diz Caifás ao pontificado supremo,
e só permanecerá no cargo alguns meses, antes de ser
substituído por seu irmão Teófilo.
3. BLINZER, Joseph. Le Procès de Jésus. Paris: Mame, 1962, pp.
81-8.
4. É evidente que, em caso contrário, Jesus teria sido conduzido
para uma prisão romana.
5. BENOIT, Pierre. Passion et Résurrection du Seigneur. Paris: Cerf,
1966, p. 58.
6. Salmo 26, 2.
7. Salmo 55, 10.
8. Mateus, 26, 53.
9. JOSÈPHE, Flavius. Antiguidades dos judeus, XIV, 365-366.
10. VIVIANO, B. “The high priest’s servant’s ear, Mark 14, 47”,
Revue Biblique, n. 96, 1989, pp. 71-80.
11. Marcos, 14, 51-52.
12. CAILLOU, Jean-Sylvain. Les Tombeaux royaux de Judée dans
l’Antiquité. De David à Hérode Agrippa II. Essai d’archéologie
funéraire. Paris: Geuthner, 2008, p. 30 e seguintes.
13. GENOT-BISMUTH, Jacqueline. Jérusalem ressuscitée. La Bible
hébraïque et l’évangile de Jean à l’épreuve de l’archéologie
nouvelle. Paris: F.-X. de Guibert-Albin Michel, 1992, pp. 172-87.
Para outros, tratar-se-ia da residência de outra família
pontifical dessa época, os Kathros, como indicaria uma
inscrição em hebraico encontrada nesse lugar.
14. João, 18, 15.
15. A expressão “o outro discípulo” designa sem dúvida alguma
João, o autor do quarto evangelho. Um pouco mais adiante, o
narrador é ainda mais explícito, quando escreve: “o outro
discípulo, aquele que Jesus amava” (João, 20, 2).
16. Números, 35, 25.
17. JOSÈPHE, Flavius. Antiguidades dos judeus, 18, 4, 3, § 95.
18. Deuteronômio, 13, 2-6; 18-20.
19. DAGUET, Dominique. Le Linceul de Jésus de Nazareth, cinquième
évangile? Paris: Éd. du Jubilé-Sarment, 2009, p. 72.
20. Miqueias, 4, 14 e 5, 1.
21. POTTERIE, Ignace de La. La Passion de Jésus selon l’évangile de
Jean. Texte et Esprit. Paris: Cerf, 1986, p. 79.
22. Esse interrogatório é, além do mais, seguido, como em João, da
negação de Pedro.
23. Mateus, 26, 63-68, Bíblia TEB, Cerf et SBF, 1988.
24. BROWN, Raymond E. La Mort du Messie, op. cit., p. 546.
25. Isaías, 50, 6.
26. Lucas, 22, 63-65, Bíblia TEB, Cerf et SBF, 1988.
27. IMBERT, Jean. Le Procès de Jésus. Paris: PUF, 1980, p. 46.
28. Atos dos Apóstolos, 4, 3.
29. Ibid., 22, 30.
30. Para Raymond E. Brown, o encontro face a face de Jesus
ressuscitado e de Pedro perto do lago de Tiberíades e a tripla
pergunta: “Simão-Pedro, tu me amas?” seria o “equivalente
funcional” desse encontro (op. cit., p. 700).
31. BEN-CHORIN, Schalom. Mon frère Jésus. Perspectives juives sur
le Nazaréen. Paris: Seuil, 1983.
32. A casa da Caifás estava situada no lugar da igreja de São Pedro
em Gallicantu ou na propriedade vizinha dos armênios. A
cripta que podemos visitar ali foi, dizem, a prisão de Cristo,
mas faltam provas.
33. Judas teria se pendurado inicialmente em uma forca, depois
seu corpo teria caído no chão, deixando suas entranhas
espalhadas, ou ainda – outra hipótese –, o cadáver do
enforcado teria sido descoberto com o ventre já inflado,
dilacerado pela pressão dos gases internos (MESSORI, Vittorio.
Il a souffert sous Ponce Pilate. Enquête historique sur la passion et
la mort de Jésus. Paris: F.-X. de Guibert, 1995, p. 35).
34. Isto não o impede, como de costume, de narrar a história do
suicídio e da desco berta do campo a partir de uma combinação
de textos do Antigo Testamento: Zacarias, 11, 12-13; Jeremias,
19, 1-13; 32, 9.
35. ORÍGENES, Contre Celse, 2, 11.
36. Deuteronômio, 27, 25.
CAPÍTULO 15
O processo romano
1. LÉMONON, Jean-Pierre. Ponce Pilate, op. cit.
2. CALDERINI, A. “L’inscription de Ponce Pilate à Césarée”, Bible
et Terre Sainte, n. 57, jun. 1963, pp. 8-14.
3. Ele podia ser também “procurador” para os assuntos tributários
e financeiros. Assim, o governador da Sardenha usava o duplo
título de “procurator Augusti praefectus”.
4. SZRAMKIEWICZ, Romuald. Les Gouverneurs de province à
l’époque augustéenne, t. II. Paris: Nouvelles Éditions Latines,
1975, pp. 523, 527.
5. SARTRE, Maurice. D’Alexandre à Zénobie, op. cit., pp. 529-607.
6. JOSÈPHE, Flavius. La Guerre Juive, 2, 169-174, e Antiguidades
dos judeus, 18, 55-59.
7. McGING, B. C. “The Governorship of Pontius Pilate: Messiahs
and Sources”, Proceedings of the Irish Biblical Association, 10,
1986, p. 62 (citado por BROWN, R. E. La Mort du Messie, op.
cit., p. 780).
8. JOSÈPHE, Flavius La Guerre Juive, 2, 175-177, e Antiguidades
dos judeus, 18, 60-62
9. Particularmente MAIER, Paul L. “Sejanus, Pilate and the date
of the Crucifixion”, Church History, v. XXXVII, 1968, pp. 3-13;
do mesmo autor, “The episode of the Golden Roman shields at
Jerusalem”, Harvard Theological Review, v. LXII, n. 1, 1969, pp.
109-21.
10. PHILON d’ALEXANDRIE, Legatio ad Caium, 24, 160-161; In
Flaccum, 1.
11. BAMMEL, E. “Syrian coinage and Pilate”, The Journal of Jewish
Studies, Londres, 2, 1951, pp. 108-10.
12. PHILON d’ALEXANDRIE, op. cit., 299-305.
13. DOYLE, A. D. “Pilate’s career and the date of the Crucifixion”,
The Journal of Theological Studies, Oxford, v. XLII, 1941, pp.
190-3; HOEHNER, Harold W. Herod Antipas, op. cit., pp. 180-1.
14. MACCHI, Jean-Daniel. Les Samaritains. Histoire d’une légende,
Israël et la province de Samarie. Genebra: Labor et Fides, 1994,
pp. 9-45.
15. A identificar, provavelmente, com Khirbet Ed-Duwara ou
Dawerta, a leste do monte Gerizim.
16. Tertuliano fará dele um cristão devoto; os Atos de Pilatos
evidenciarão a retidão de seu comportamento e o evangelho de
Gamaliel, outro apócrifo do século IV ou V, descreverá seu
martírio. Na Igreja copta, Pilatos seria um nome de batismo
dado um século mais tarde.
17. TACITE, Annales, 18-40.
18. BENOIT, Pierre. “Prétoire, Lithostroton et Gabbatha”, Revue
Biblique, t. LIX, 1952, pp. 531-50.
19. JOSÈPHE, Flavius. Guerra dos Judeus, 2, 14, 8, § 301.
20. Pretorium designa o palácio do prefeito e não, como no sentido
moderno, a sala de audiências.
21. Não se sabe, exatamente, quando essas roupas foram
devolvidas. Flávio Josefo contradiz-se, nesse assunto,
afirmando, uma vez, que foi na véspera da festa e outra vez
que foi sete dias antes (Antiguidades dos judeus, 15, 11, 4, § 408
e 18, 4, 3 § 93-94).
22. Lucas, 23, 2, Bíblia TEB, 1995, Cerf et SBF.
23. Atos dos Apóstolos, 24, 5, Bíblia TEB.
24. BOVON, François. Les Derniers Jours de Jésus. Textes et
événements. Paris: Neuchâtel, Bruxelles, Delachaux e Niestlé,
1974, pp. 60-9.
25. LÉON-DUFOUR, Xavier. Lecture de l’Évangile selon Jean, op. cit.,
t. IV, p. 89.
26. Timóteo, 6, 12-13.
27. Tácito e Juvenal relatam que alguns romanos de alta condição
social se interessavam pela religião judaica. A Igreja grega irá
até honrar a esposa de Pilatos como uma santa, fixando sua
festa em 27 de outubro.
28. Atos dos Apóstolos, 13, 1.
29. JUSTIN, Dialogue avec Tryphon, 103, 4.
CAPÍTULO 16
O fim do processo romano
1. Esses manuscritos dão, provavelmente, o verdadeiro primeiro
nome de Barrabás [Bar Abba], já que Jesus era um nome muito
comum na época. Orígenes se escandaliza que possam ter
atribuído a esse bandido o mesmo primeiro nome do que o do
Salvador. Daí a supressão de Jesus nos outros manuscritos.
2. Lucas, 10, 30-36.
3. Lucas, 23, 19.
4. Deuteronômio, 21, 8-9; Levítico, 20, 9-10; 2o Samuel, 3, 28-29;
Josué, 2, 19; 1o Reis, 2, 32-33, etc.
5. BROWN, Raymond E. La Mort du Messie, op. cit., p. 446.
6. Lucas, 23, 15-16.
7. A relação da peregrinação de santa Paula, em 385, menciona
uma coluna de flagelação na colina de Sion. “Mostram-nos ali
uma coluna que sustenta um pórtico da igreja tingida com o
sangue do Senhor, onde, dizem-nos, ele foi amarrado durante a
sua flagelação.” Essa localização corresponderia, portanto, à
prisão judaica que se encontra em São Pedro, em Gallicante. A
atribuição é certamente lendária, porque Jesus não foi
flagelado durante a sua noite de detenção na casa de Caifás.
8. LEGRAND, Antoine, Le Linceul de Turin. Prefácio René
Laurentin. Paris: Desclée de Brouwer, 1988, p. 111.
9. WILSON, Ian. Le Suaire de Turin. Paris: Albin Michel, p. 52.
10. LEGRAND, Antoine. op. cit., p. 112.
11. Deuteronômio, 25, 3: “Se o culpado merecer açoites, o juiz o
fará deitar-se ao chão e mandará açoitá-lo em sua presença,
com número de açoites proporcional à culpa. Podem açoitá-lo
até quarenta vezes, não mais, para não acontecer de a ferida
se tornar grave…”.
12. JOSÈPHE, Flavius. Antiguidades dos judeuss, 4, 7, 21.
13. HELLER, John H. Enquête sur le Saint Suaire de Turin, op. cit., p.
191.
14. RODANTE, Sebastiano. “The coronation of thorns in the light
of the Shroud”, Shroud Spectrum International, v. I, 1982;
Anatomia topografica. Indagine mediconecroscopica e mistica.
Nuova luce sulla coronazione di spine, Atos do Terceiro Simpósio
Científico Internacional sobre o Sudário de Turim, Nice, 1997.
Paris: Éditions du Cielt, p. 89-93.
15. “The Shroud of Turin: a pathologist’s viewpoint”, Legal
Medicine Annual, 1982.
16. LÉON-DUFOUR, Xavier, op. cit., t. IV, p. 9.
17. Isaías, 1, 6.
18. LÉON-DUFOUR, Xavier, op. cit., t. IV, p. 97.
19. É verdade que os judeus crucificaram condenados, mas isto foi
no século I antes de nossa era, no tempo de Alexandre Janeu.
Herodes, o Grande, mandou suprimir esse tipo de castigo.
20. TACITE, Annales, 6, 8.
21. PHILON d’ ALEXANDRIE, In Flaccum, 6, 40.
22. LA POTTERIE, Ignace de. “Jésus roi et juge, d’après Jean 19,
13”, Biblica, t. XLI (1960), pp. 217-47; do mesmo autor, La
Passion de Jésus selon l’évangile de Jean. Texte et esprit, Cerf,
1986, pp. 116-21.
23. É necessário precisar que ela é recusada por alguns exegetas,
notadamente por LÉON-DUFOUR, Xavier (op. cit., t. IV, pp.
109-10); ROBERT, R. (Quelques croix de l’exégèse néo-
testamentaire. Paris: Téqui, 1993, pp. 185-202) e Raymond E.
Brown. Notemos, entretanto, que o evangelho de Pedro se
refere a isso. Nesse apócrifo, são os judeus que, por escárnio,
fazem Jesus sentar nessa cadeira de justiça. No mesmo sentido,
Justin, Apologies, I, pp. 35-36. Tudo isso pode ser uma
reminiscência de uma cena autêntica.
24. LÉON-DUFOUR, Xavier, op. cit., t. IV, p. 112.
CAPÍTULO 17
A crucificação
1. SUÉTONE, Caligula, 32; REGARD, Paul-F. Revue archéologique, t.
V. 1928, pp. 95-105.
2. BLINZER, Joseph, op. cit., p. 409.
3. João fala de uma inscrição em hebraico, mas o aramaico é
frequentemente a língua que ele designa quando fala do
hebreu. Nessa última língua, o texto seria: Ieschoua ha-nôtzeri
melek ha-iehoudim (BROWN, Raymond E., op. cit., p. 1.063).
Donde a abreviação I. N. R. I., frequentemente reproduzida
4. pelos pintores.
5. Essa relíquia foi descoberta em janeiro de 1492, quando
trabalhadores realizavam restaurações nessa basílica que data
do século IV.
6. Montre-nous ton Visage, dezembro 2005, n. 33. RIGATO, Maria-
Luisa. Il titolo della Croce di Gesù. Confronto tra i Vangeli e la
Tavoletta-reliquia della Basilica Eleniana a Roma. Roma:
Pontificia Università Gregoriana, 2005, t. XXV. (Col. “Tesi
gregoriana”)
7. Na igreja de Santa Cruz, em Jerusalém, conserva-se uma viga
que mede 1,78m de comprimento e 0,13m de largura, que teria
sido o patibulum do bom ladrão. Nenhuma análise científica
dessa viga parece ter sido feita.
8. MARION, André. “Du linceul de Turin à la tunique
d’Argenteuil”, Revue Internationale du Linceul de Turin, n.10,
outono 1998, p. 25.
9. Archaeology, v. XXXIV, n. 1, jan.-fev. 1981, p. 41.
10. Biblical Archaeology Review, v. XII, n. 4, jul.-ago. 1986, pp. 24-
5.
11. BAIMA BOLLONE, Pierluigi. 101 questions sur le Saint Suaire.
Saint-Maurice (Suíça): Éd. Saint-Augustin, 2001, p. 161.
12. MARION, André & LUCOTTE, Gérard. Le Linceul de Turin et la
tunique d’Argenteuil. Le point sur l’enquête. Paris: Presses de la
Renaissance, 2006, pp. 273-5.
13. LAVOIE, Gilbert R. Unlocking the Secrets of the Shroud. Allen
(Texas): Thomas More, 1998, pp. 136-7.
14. Apocalipse, 1, 14.
15. Romanos, 16, 13.
16. Lucas, 23, 28-32.
17. LÉGASSE, Simon. Le Procès de Jésus, t. I. L’Histoire. Paris: Cerf,
1994, p. 129.
18. Para outros, Verônica evocaria Berenice, Berenikè, nome que os
Atos dos Apóstolos dão à mulher hemorrágica do evangelho.
19. PARROT, André. “Golgotha et Saint-Sépulcre”, Cahiers
d’Archéologie Biblique, n. 6, Neuchâtel-Paris, Delachaux et
Niestlé, 1955; STORME, Albert. “Les Lieux saints évangéliques.
Qu’en est-il aujourd’hui de leur authenticité? XII: Jérusalem”,
La Terre Sainte, mar.-abr. 1992, pp. 59-75.
20. Os pelotões romanos eram compostos no Oriente por quatro
soldados (Atos, 12, 4).
21. Mateus, 27, 34.
22. Marcos, 15, 23.
23. Talmud da Babilônia, Sinédrio, 43a.
24. Deuteronômio, 21, 23.
25. Epístola aos Gálatas, 3, 13.
26. Primeira Epístola de São João, 4, 10. Em seu evangelho, João,
unicamente preocupado com a exaltação de Cristo na cruz
gloriosa, não tinha podido até então empregar a perspectiva
teológica da redenção pelo sofrimento. Se ele se “recupera”,
em sua Primeira Epístola, é talvez para completar esse
ensinamento e bloquear algumas interpretações gnósticas que
prevaleciam em Éfeso no final de sua vida.
27. HENGEL, M. La Crucifixion dans l’Antiquité et la folie du message
de la croix. Paris: Cerf, 1981, pp. 106-8.
28. TACITE, Annales, XV, 44-4, em Œuvres complètes. Paris:
Gallimard, 1989 (nova edição 1991), p. 776. (Col.
“Bibliothèque de la Pléiade”, n. 361)
29. Citado por HENGEL, La Crucifixion, op. cit., nota 19.
30. PUECH, Émile. “Notes sur 11Q19 LIX 6-13 et 4Q524 14, 2-4. À
propos de la crucifixion dans le Rouleau du Temple et dans le
judaïsme ancien”, Revue de Qumrân. t. XVIII, 1997-1998, p.
120.
31. MÉLITON de SARDES. Sur la Pâque. Paris: Cerf, 1966, p. 194.
32. Ambos foram informados dessa particularidade, perfeitamente
visível no sudário.
33. Se o sudário de Turim era falso, porque os falsários teriam
privilegiado a verdade anatômica em detrimento da
representação tradicional do crucificado?
34. Montre-nous ton Visage, jun. de 2007.
35. JUDICA-CORDIGLIA, Giovanni. L’Uomo della Sindone è il Gesù
dei Vangeli? Chiari: Edizioni Fondazione Pelizza, 1974.
36. Se os braços não tivessem sido sustentados nas axilas, na morte
do supliciado, o corpo teria caído, suportado pelos braços, que
deveriam estar esticados.
37. Marcos, 15, 7.
38. JOSÈPHE, Flavius. La Guerre des Juifs, op. cit., II, 306; TITE-
LIVE, op. cit., XXXIII, 36, 3.
39. Alguns o assimilam à santa túnica ou santa veste de Trier. Essa
vestimenta está, infelizmente, em tal estado de decomposição,
que é impossível analisá-la. Mechthild Flury-Lemberg, grande
especialista em tecidos antigos, só encontrou, sob camadas de
tecidos datados de 1512 e de outros de 1890 e 1891, alguns
tufos de lã esverdeada muito alterados pela umidade, traços do
tecido original.
40. Essas sandálias foram conservadas. Uma delas estaria
atualmente conservada num reliquário na Abadia de Prüm, na
Alemanha. Ela proviria de uma doação de Pepino, o Breve.
41. Lucas, 23, 34.
42. Atos, 7, 60.
43. EUSÈBE. Histoire ecclésiastique, 2, 23, 16.
44. ROLLAND, Philippe. Jésus et les historiens. Versailles: Éd. de
Paris, 1998, p. 77.
45. Lucas, 23, 35.
46. BEN-CHORIN, Schalom. Mon frère Jésus. Perspectives juives sur
le Nazaréen. Paris: Seuil, 1983, p. 210.
47. João, 19, 20.
48. BEN-CHORIN, Schalom, op. cit, pp. 205-6.
49. JUSTIN. Dialogue avec Tryphon. Paris: Picard, 1909, 73, 1.
50. RIESNER, R. “Golgota und die Archäologie”, Bibel und Kirche,
XL, 1985, p. 24, citado por LÉGASSE, Simon, op. cit., t. I, p.
154.
51. LÉON-DUFOUR, Xavier, op. cit., t. IV, p. 136.
52. João, 19, 26-27.
CAPÍTULO 18
A morte
1. O sangue encontrado no sudário nesse lugar é, segundo
especialistas, artério-venoso (DAGUET, Dominique, op. cit., p.
220).
2. João, 19, 28.
3. Salmos, 63, 2.
4. Mateus, 27, 47.
5. BEN-CHORIN, Schalom. Mon frère Jésus, op. cit., p. 209.
6. LÉON-DUFOUR, Xavier. Face à la mort. Jésus et Paul. Paris:
Seuil, 1979, pp. 145-67.
7. Salmos, 22, 11; 31, 15; 63, 2; 118, 28 e 140, 7.
8. BROWN, Raymond E. La Mort du Messie, op. cit., p. 1.194.
9. Êxodo, 12, 22.
10. RENAN, Ernest. Vie de Jésus. Paris: Arléa, 1992, p. 227.
11. João, 19, 30.
12. ARNALDEZ, R. Jésus, fils de Marie, prophète de l’islam. Paris:
Desclée, 1980, pp. 221-33. (Col. “Jésus et Jésus-Christ”, n. 13)
13. MESSADIÉ, Gérald. L’Homme qui devint Dieu, t. II, Les Sources.
Paris: Robert Laffont, 1989; GRELOT, Pierre. Un Jésus de
comédie: “L’Homme qui devint dieu”. Paris: Cerf, 1989.
14. Revue Internationale du Linceul de Turin, n. 28.
15. Deuteronômio, 21, 22-23.
16. SOLAS, Jean. “Les traces de sang sur le Saint Suaire.
Particularités anatomopathologiques. Problème de leur
transfert”, Actes du 3oSymposium Scientifique Inter national du
Cielt-Nice 1997, pp. 83-8.
17. João, 19, 35.
18. Primeira Epístola de João, 5, 6-7.
19. Êxodo, 12, 46.
20. JÉRUSALEM, Cyrille de. Catéchèses baptismales, XIII, 39,
Patrologie grecque, 33, 820.
21. Sofonías, 1, 15.
22. Amos, 8, 9-10.
23. Joel, 2, 10; 3, 3-4.
24. Œuvres complètes du pseudo-Denys l’Aréopagite. Trad., pref. e
notas Maurice de Gandillac. Paris: Aubier, 1943, pp. 333-4.
25. NANTEUIL, Hugues de. Les Ténèbres du vendredi saint. Paris:
Téqui, 1983.
26. Joel, 3, 4; Atos, 2, 20.
27. JAMES, M. R. The Apocryphal New Testament. 2a ed. Oxford:
Clarendon, 1953, p. 154.
28. HUMPHREYS, C. J. & WADDINGTON, W. G. “The Jewish
calendar, a lunar eclipse and the date of Christ’s Crucifixion”,
Tyndale Bulletin, XLIII, n. 2, 1992, pp. 331-51. Para seus outros
trabalhos sobre a data da morte de Jesus, ver “Dating the
Crucifixion”, Nature, CCCVI, 1983, pp. 743-6, e “Astronomy
and the date of the Crucifixion”, em VARDAMAN &
YAMAUCHI, E. M. Chronos, Kairos, Christos. Nativity and
chronological studies presented to Jack Finegan. Winona Lake:
Eisensbrauns, 1989.
29. Ezequiel, 37, 12-13; Daniel, 12, 2.
30. Carta aos Hebreus, 10, 19-20.
31. Talmud de Jérusalem, Yoma, 6, 43c.
CAPÍTULO 19
O sepultamento
1. Para outros pesquisadores, tratar-se-ia de Beit Rimeh, a 9
quilômetros a leste de Rentis, ou ainda de Ramallá.
2. Conta-se que José de Arimateia teria levado esse Graal para a
Inglaterra e teria sido construído um primeiro santuário em
honra da Virgem no meio do pântano Glastonbury…
3. VAGANAY, Léon (Ed.). L’Évangile de Pierre. Paris: Gabalda,
1930, pp. 211-7. (Col. Études bibliques)
4. Mateus, 27, 59. Existe hoje um padrão desse tipo, a vareta de
Anouti, conservada no Museu Petrie de Londres (DICKINSON,
Ian. “ De nouvelles preuves pour le Suaire de Jésus”, Revue
Internationale du Linceul de Turin, n. 13, 1999, pp. 3-11). O
comprimento do sudário não foi afetado pela retirada lateral
realizada por um imperador bizantino, provavelmente Isaac
Ângelo, no século XI, com o objetivo de fazer um escapulário
para si. Observamos que o comprimento dessa vareta
corresponde, com a diferença de alguns milímetros, às novas
dimensões do sudário, constatadas após os trabalhos de
restauração de 2002.
5. Uma especialista inglesa em têxteis, Elisabeth Crowfoot,
estima também que o tecido seja de origem síria.
6. Observar, entretanto, alguns traços ínfimos de fibras animais,
descobertos com o uso de um microscópio eletrônico por
Gérard Lucotte (Vérités sur le Saint Suaire. Études scientifiques
récentes sur le linceul de Turin. Paris: Atelier Fol’fer, 2010, pp.
45-6).
7. RIGATO, Maria-Luisa. Il titolo della Croce di Gesù, op. cit., pp.
198-213.
8. MARINELLI, Emanuela. Suaire de Turin. Témoignage d’une
présence. Dernières avancées scientifiques. Paris: Téqui, 2010,
pp. 117-8.
9. RIGGI, Giovanni. Rapporto Sindone, 1978-1982, p. 208, citado
por PETROSILLO, Orazio & MARINELLI, Emanuela. Le Suaire.
Une énigme à l’épreuve de la science. Paris: Fayard, 1991, p.
361. Observemos, entretanto, que ao longo de suas
investigações sobre o sudário, Helier e Adler não encontraram
nenhuma das substâncias aromáticas (HELLER, op. cit., p. 214).
10. VINCENT, Louis-Hugues. “Garden Tomb: histoire d’un mythe”,
Revue Biblique, XXXIV, 1925, pp. 401-31.
11. Foram encontrados, em 1980, ossários de várias famílias judias
ricas que viveram na época do segundo Templo, e algumas
trazem os nomes de “Jesus, filho de José”, “Maria e Marta”,
“Judas, filho de Jesus”, “Mateus”… Os arqueólogos sérios
recusaram-se a identificar esses personagens com Jesus de
Nazaré e seus seguidores (tese sustentada com alarde, em 2007,
pelos cineastas James Cameron e Simcha Jacobovici em seu
documentário The Lost Tomb of Jesus e retransmitida por James
Tabor, professor da Universidade da Carolina do Norte em seu
livro La Véritable Histoire de Jésus. Une enquête scientifique et
historique sur l’homme et sa lignée. Paris: Robert Laffont, 2007).
Evidenciamos especialmente a relativa frequência no seio da
população judaica da época dos primeiros nomes em questão:
9% para Jesus, 14% para José, 10% para Judas, 5% para
Mateus, 25% para Maria, etc. “Em definitivo, escreve Estelle
Villeneuve, em seu artigo ‘Le vrai-faux tombeau de Jésus’ (La
Recherche, jan. 2008, p. 57), nenhum dos argumentos
principais sobre os quais repousa a tese desenvolvida em Le
Tombeau perdu de Jésus resiste à crítica científica.”
12. Um barrete curioso, formado por várias camadas de linho,
conservado na catedral de Cahors, passa por ter sido a
ligadura para o queixo de Cristo. Infelizmente, ele ainda não
foi objeto de estudos científicos como as outras grandes
relíquias da Paixão. Ele teria algumas manchas de sangue, sete
à direita e cinco à esquerda, correspondentes às marcas
deixadas pela coroa de espinhos. Ao supor-se autêntico, é
possível que tenha sido fixado, inicialmente, na cabeça do
falecido, mas em seguida foi retirado, por ser inútil, diante da
rigidez cadavérica. Em todo caso, o sudário não apresenta
nenhum traço desse barrete. Sobre essa “touca” de Cahors, ver
BABINET, Robert. Le Témoin secret de la Résurrection. Paris:
Jean-Cyrille Godefroy, 2001.
13. Encontravam-se traços de sangue sobre esses pedaços de
lençóis dobrados.
14. Essa faixa teria sido costurada sobre o sudário, pouco depois do
descobrimento de sua tumba vazia, visto que essa costura,
segundo Mme. Flury-Lemberg, especialista em tecidos antigos,
data do século I e assemelha-se às costuras de linho
encontradas em Massada.
15. ZUGlBE, Frederick T. “The man of the shroud was washed”,
Sindon, nova série, n. 1, jun. 1989, pp. 171-7.
16. Texto de Rav Radak datado do século X e o código Kizzur
Schulchan Aruch, do rabino Salomone Ganzfried, datado do
século XVI.
17. MARASTONI, Aldo. Sindon, n. 9, dez. 1980.
18. Falou-se também de um suporte, peça de madeira utilizada na
Antiguidade para o apoio da cabeça (MARION, André &
COURAGE, Anne-Laure. “Décryptage de fantômes d’écritures
sur le linceul de Turin”, Actes du 3e Symposium Scientifique
International du Cielt-Nice, 1997, pp. 13-20), mas, mais
recentemente, pesquisadores chegaram a mostrar que as faixas
laterais ditas “cegas” deixavam ver em parte a imagem das
bochechas.
19. MARINELLI, Emanuela. Suaire de Turin, op. cit., p. 92. Em
2005, um matemático e geofísico francês, Thierry Castex, e
alguns outros acreditaram distinguir sob o queixo fragmentos
de letras esparsas em caracteres hebraicos, representando
talvez uma dezena de linhas.
20. FRALE, Barbara. Le Suaire de Jésus de Nazareth. Paris: Bayard,
2011.
21. Ibid., p. 279.
22. MARION, André & LUCOTTE, Gérard. Le Linceul de Turin et la
tunique d’Argenteuil, op. cit., p. 92.
23. JACKSON, Rebecca J. “‘ Hasadeen Hakadosh’: The Holy Shroud
in Hebrew”, em L’Identification scientifique de l’homme du
linceul. Jésus de Nazareth. Paris: F.-X, de Guibert, 1995, p. 27-
33.
Mateus, 27, 63-65, Bíblia de Jerusalém, Desclée de Brouwer,
24.
1975.
25. É necessário admitir que a resposta de Pilatos é de difícil
leitura. As palavras gregas Echete koustodian podem ser lidas
de duas formas. “Vocês têm sua própria guarda” ou “Eu lhes darei
uma guarda”. Se admitirmos esse último sentido, isto
significaria que a guarda foi composta por soldados romanos.
Essa versão, que é admitida por alguns exegetas, parece
entretanto pouco aceitável, porque temos dificuldade em
imaginar Pilatos cedendo às autoridades judaicas alguns de
seus soldados e colocando-os de alguma forma sob a autoridade
delas. A continuação da história mostra que, na manhã da
Páscoa, os guardas constataram que a pedra havia sido
deslocada e que o túmulo estava vazio; então, foram
diretamente prestar contas aos sumos sacerdotes e que estes
lhes deram dinheiro para que contassem ao povo que os
discípulos de Jesus haviam retirado seu corpo. É muito mais
fácil imaginar esse episódio se os guardas fossem do Templo.
Caso contrário, as autoridades judaicas, aliás, teriam acusado
os romanos de falha, ou de cumplicidade com os discípulos.
CAPÍTULO 20
A Ressureição
1. Lucas, 24, 10.
2. João, 20, 2.
3. BENOIT, Pierre. Passion et résurrection du Seigneur, op. cit., p.
284.
4. Lucas, 24, 11.
5. Levítico, 21, 11.
6. Alguns exegetas pensaram que João teria visto o sudário caído
e a ligadura para o queixo no interior, formando uma
protuberância no lugar da cabeça (LAVERGNE, C. “La preuve
de la résurrection de Jésus d’après João 20, 7”, Sindon, n. 5 e 6,
1961; FEUILLET, André. “La découverte du tombeau vide en
João 20, 3-10 et la foi au Christ ressuscité”, Esprit et vie, 1977,
n. 18, pp. 257-66 e n. 19, pp. 273-84; CARMIGNAC, Jean. “La
position des linges selon João 20, 6-7 et le linceul de Turin”;
LEON, Domingo Mufioz (Ed.). Salvacion en la palabra. Targum,
Derash, Berith. En memoria del professor Alejandro Diez Macho.
Madri Ediciones Cristiandad, 1986, pp. 11-21). Isto os levou a
modificar ligeiramente o texto do evangelista. Mas não está
confirmado que o “homem do sudário tenha tido o maxilar
preso por uma ligadura. O sudário – sundarion – tinha sido
enrolado à parte, de forma que a tumba continha todo o
sangue vertido por Jesus.
7. FEUILLET, André. “La découverte du tombeau vide en Jean 20,
3-10 et la foi au Christ ressuscité”, Esprit et Vie, n. 18, 1977, pp.
257-66 e n. 19, pp. 273-84.
8. Citado por LEGRAND, Antoine, op. cit., p. 26.
9. João, 20, 9.
10. Lucas, 24, 12.
11. Mateus, 8, 2-4.
12. Gênesis, 22, 11-15; Êxodo, 3, 2-6.
13. FÉRET, H.-M. Mort et résurrection du Christ, d’après les Évangiles
et d’après le linceul de Turin. Paris: Buchet-Chastel, 1980, p.
107.
14. RATZINGER, Joseph/BENTO XVI. Jésus de Nazareth., v. II, p.
310. “O mistério da ressurreição do Cristo, expõe o Catéchisme
de l’Église catholique, é um acontecimento real que teve
manifestações constatadas, como afirma o Novo Testamento”
(§ 639).
15. Mateus, 28, 11-15. Dans son Dialogue avec Tryphon (§ 108, 2.
Paris: Archambault, 1909, p. 161), Justino retoma esse dado.
Mas, talvez, inspirado no texto de Mateus?
16. Reconnaissances pseudo-clémentines, Latin 1, 42, 4.
17. SILIATO, Maria Grazia. Contre-enquête sur le Saint Suaire. Paris:
Plon-Desclée de Brouwer, 1998.
18. RINAUDO, Jean-Baptiste. “Nouveau mécanisme de formation
de l’image sur le linceul de Turin ayant pu entraîner une fausse
radio datation médiévale”, Actes du Symposium Scientifique
International du Cielt à Rome en 1993, op. cit.
19. LÉVÊQUE, Jean & PUGEAUT, René. Le Saint Suaire revisité.
Paris: Sarment-Éd. du Jubilé, 2003, pp. 151-2.
20. DAGUET, Dominique, op. cit., p. 31.
21. Mateus, 28, 16-20.
22. Marcos, 16, 5-7.
23. Marcos, 16, 15-16. Conforme as edições, o final de Marcos
comporta uma versão longa e outra curta (reportar-se a esse
respeito às notas da Bíblia TEB).
24. Atos dos Apóstolos, 1, 9-11.
25. Atos dos Apóstolos, 2, 32.
26. Atos dos Apóstolos, 3, 15.
27. Atos dos Apóstolos, 10, 41-42.
28. Primeira Epístola aos Coríntios, 15, 3-8.
29. Primeira Epístola aos Coríntios, 15, 20.
30. É o que diz Mateus a propósito da primeira aparição às
mulheres (Mateus, 28, 9-10).
31. João, 20, 19-23.
32. João, 20, 25.
33. SEYNAEVE, Jacques. “De l’expérience à la foi (Jean, 20, 24,
31)”, em La Bonne Nouvelle de la Résurrection, sob a direção de
R. Gantoy. Paris: Cerf, 1981, p. 111.
34. João, 21, 18.
35. Lucas, 24, 41.
36. Os fatos relatados são tão próximos que dificilmente
poderíamos duvidar de que Lucas reproduz o relato de João,
ligeiramente deformado: “Nós sofremos a noite toda sem pegar
nada” (Lucas); “eles passaram a noite sem pegar nada” (João).
A iniciativa vem de Jesus, que ordena: “Lançai a rede para
pegar peixes” (Lucas); “Lançai a rede à direita do barco e vós
encontrareis” (João); “eles pegaram uma tal quantidade de
peixes que suas redes se rasgaram” (Lucas). Lucas não fala da
presença dos Doze, mas só de alguns discípulos, entre os quais
Tiago e João, filhos de Zebedeu. João Evangelista também não
evoca a presença completa dos Doze, mas de alguns, entre os
quais Tiago, João e ele próprio, o discípulo que Jesus amava,
homônimo desse João, filho de Zebedeu.
37. Lucas, 5, 8.
38. CUMONT, F. Revue d’Histoire, n. 163, 1930, pp. 241-66.
39. FRALE, Barbara, op. cit., pp. 17-8.
CAPÍTULO 21
Epílogo
1. Atos dos Apóstolos, 1, 14.
2. EUSÈBE, op. cit., 3, 32, 3; HERRMANN, L. “La famille de Jésus
d’après Hégésippe”, Revue de l’Université de Bruxelles, t. XLII,
1936-1937, pp. 387-94; PIXNER, Bargil. Paths of the Messiah,
op. cit., pp. 408-14.
3. CARMIGNAC, Jean. Le Magnificat et le Benedictus en hébreu?,
op. cit., p. 127.
4. Os ebionistas haviam talvez surgido um pouco antes, se
admitirmos, com Tertu liano (De la prescription, 33, 5), que
foram eles que estigmatizaram Paulo em sua carta aos Gálatas.
Nesse caso, os dissidentes teriam se juntado a eles.
5. Isso é o que diz Orígenes em sua Homilia sobre são Lucas (17,
4).
6. Prefácio do livro de LAURENTIN, René. Les Évangiles de
l’Enfance du Christ. Vérité de Noël au-delà des mythes. Paris:
Desclée et Desclée de Brouwer, 1982, p. 3.
7. Mateus, 1, 18-25.
8. Observemos que a palavra “reis” já havia sido acrescentada
por Orígenes no século II, baseado no Salmo 72.
9. Isaías, 60, 5-6.
10. Mateus, 2, 1-12.
11. Mateus, 2, 13-23.
12. Mateus, 2, 19-21; Êxodo, 4, 19-20.
13. Números, 24, 17.
14. Apocalipse, 22, 16.
15. Talmud da Babilônia, 11a.
16. NODET, Étienne. Histoire de Jésus?, op. cit., pp. 217-9.
17. Ibid., pp. 217-21.
18. O padre Nodet não acredita, por sua vez, em uma influência
cristã. Segundo ele, esse texto levaria em conta uma tradição
relatada por Suetônio, segundo a qual Augusto divinizado teria
nascido sem pai (Apolo), portanto, filho de deus.
19. LOTH, Arthur, op. cit., pp. 382-3.
20. Também chamado Abrabanel ou Abarbanel.
21. SACHS, Abraham J. & WALKER, Christopher B. F. “Kepler’s
view of the Star of Bethlehem and the Babylonian almanac for
7/6 B. C.”, Iraq, t. XLVI, 1984. Kepler havia ficado chocado
com a conjunção triangular de Marte, Saturno e Júpiter e a
explosão no dia seguinte de uma supernova.
22. KIDGER, Mark. The Star of Bethlehem. An Astronomer’s View.
Princeton: Princeton University Press, 1999, p. 197.
23. MOLNAR, Michael R. The Star of Bethlehem: The Legacy of the
Magi. New Brunswick (New Jersey): Rutgers University Press,
1999.
24. Alguns calcularam que ele teria morrido no ano I a.C., sem
certeza.
25. Lucas, 1, 26-38.
26. Lucas, 2, 1-7.
27. NISIN, Arthur. Histoire de Jésus. Paris: Seuil, 1961, p. 139.
28. Ibid., p. 138.
29. V.11 Q 53, 16-20 e 54, 1-3.
30. Lucas, 1, 34.
31. Epístola aos Gálatas, 4, 4.
32. Epístola aos Romanos, 1, 3.
33. Epístola aos Filipenses, 2, 6-7.
34. João, 1, 13. Ver LAURENTIN, René. Les Évangiles de l’Enfance
du Christ, op. cit., pp. 480-1.
35. Lucas, 2, 34-35 (Bíblia de Jerusalém).
36. Sobre esse tema ver HURTADO, Larry W., op. cit.
37. O monoteísmo absoluto da religião judaica proibia os judeus-
cristãos de definirem perfeitamente a relação de Jesus com
YaHWeH, paralisando qualquer reflexão cristológica profunda.
Os esboços de uma teologia trinitária só surgiram no início dos
anos 50, nas primeiras cartas de Paulo. Pelo menos foi nessa
época que foram consignados por escrito, mesmo se, no
ensinamento oral que ele professava a grupos de amigos, João
Evangelista já devia falar disto.
ANEXOS
1. HADAS-LEBEL, Mireille. Flavius Josèphe. Le juif de Rome. Paris:
Fayard, 1989.
2. PELLETIER, A. “L’originalité du témoignage de Flavius Josèphe
sur Jésus”, Recherches de Science Religieuse, v. LII, n. 2, 1964,
pp. 177-203; BARDET, S. Le “Testimonium flavianum”. Examen
historique. Considérations historiographiques. Paris: Cerf, 2002.
3. NODET, Étienne. Histoire de Jésus?, op. cit., p. 229. A versão
eslava da Guerra dos Judeus dá uma versão um pouco mais
desenvolvida do Testimonium flavianum, mas poucos
comentaristas admitem sua autenticidade (exceção feita a
Étienne Nodet).
4. PINES, Shlomo. An Arabic Version of the Testimonium flavianum
and its Implications. Jérusalem: Israel Academy, 1971, pp. 9-10.
5. MEIER, John P. Jésus. Un certain juif, op. cit., t. I, p. 59.
6. Livro 10, letra 96.
7. TACITE. Annales, XV, 44.
8. CAZELLES, Henri. Naissance de l’Église: secte juive rejetée?
Paris: Cerf, 1983, p. 110.
9. Carta inicialmente editada por CURETON, W. Spicilegium
syriacum. Londres: 1855, pp. 43-8.
10. Talmud da Babilônia, Sinédrio, 43a. Trad. J. Klausner. Jésus de
Nazareth. Son temps. Sa vie. Sa doctrine. Paris: Payot, 1933, p.
27. (Col. “Bibliothèque historique”)
11. Ver sua comunicação no congresso sobre “La contribution des
sciences historiques à l’étude du Nouveau Testament” (Roma,
out. 2002), atos do congresso em La Libreria Editrice Vaticana.
Ver também: Nouvelles de L’Association Jean Carmignac, n. 34 a
42 (jul. 2007 a jun. 2009).
12. PETRONIUS. Satiricon, 74, 1-3.
13. Ibid., 77, 7; 78, 4.
14. Ibid., 141.
15. Ibid., 111, 5; 112-3.
16. BOVON, François & GEOLTRAIN, Pierre (Dir.). Écrits apocryphes
chrétiens, t. I. Paris: Gallimard, 1997. (Col. “Bibliothèque de la
Pléiade”, n. 442)
17. LAGRANGE, Marie-Joseph. “L’Évangile selon les Hébreux”,
Revue Biblique, v. XXXI, 1922, p. 177 e seguintes.
18. Entretanto, para o sábio holandês A. F. J. Klijn, é necessário
distingui-los. O evangelho, segundo os ebionitas, teria sido
escrito a leste do Jordão, o dos nazarenos em Bercea, na Síria,
e o dos hebreus no Egito (KLIJN, A. F. J. Jewish-Christian Gospel
Tradition. Leyde: Brill, 1992).
19. Ele comportava, segundo Orígenes, um relato da infância de
Jesus que não foi mais encontrado.
20. BROWN, Raymond E. La Mort du Messie, op. cit., p. 1.467.
21. Le Protévangile de Jacques et ses remaniements. Trad. Émile
Amann. Paris: Letouzey, 1910.
22. “Une découverte fondamentale: Nag Hammadi, bibliothèque
gnostique au bord du Nil”, Histoire et Archéologie, n. 70, fev.
1983. A coleção completa foi publicada em 2007, na
Bibliothèque de la Pléiade, com o título: Écrits gnostiques. La
bibliothèque de Nag Hammadi.
23. KROSNEY, H. L’Évangile perdu. La véritable histoire de l’Évangile
de Judas. Paris: Flammarion, 2006, original americano;
ROBINSON, J. M. Les Secrets de Judas. Paris: M. Lafon, 2006,
original americano.
24. VAGANAY, Léon. L’Évangile de Pierre. Paris: Gabalda, 1930.
25. DORESSE, Jean. Les Livres secrets des gnostiques d’Égypte, t. II,
L’Évangile selon Thomas ou les paroles secrètes de Jésus. Paris:
Plon, 1959, p. 110.
26. JEREMIAS, Joachim. Les Paroles inconnues de Jésus. Paris: Cerf,
1970, p. 118.
27. Primeira Carta aos Coríntios, 7, 10.
28. Epístola aos Romanos, 1, 3; 15, 8.
29. “Os Livros da Escritura”, enuncia a constituição Dei Verbum do
concílio Vaticano II, “ensinam claramente, fielmente e sem
erros a verdade tal como Deus, em vista de nossa salvação,
quis que fosse consignada nas Santas Escrituras” (3, 11).
30. MARCHADOUR, Alain. Les Évangiles au feu de la critique. Paris:
Bayard, Centurion, 1995, pp. 91-2.
31. VAGANAY, Léon. Le Problème synoptique, une hypothèse de
travail. Paris: Desclée, 1952, p. 218.
32. NODET, Étienne. Histoire de Jésus?, op. cit., p. 80 e seguintes.
33. Mateus, 15, 1-2.
34. Marcos, 7, 1-5. Bíblia de Jerusalém.
35. Mateus, 19, 1-9; Marcos, 10, 1-12.
36. ROLLAND, Philippe. Les Premiers Évangiles. Un nouveau regard
sur le problème synoptique. Paris: Cerf, 1984, pp. 110-22. Ver,
do mesmo autor, “Marc, première harmonie évangélique?”,
Revue Biblique, v. XC, n. 1, 1983, pp. 23-79. Para responder a
esse tipo de críticas, os defensores do modelo-padrão foram
obrigados a imaginar que Mateus e Lucas teriam se inspirado
não no Marcos atual, mas num Proto-Marcos (Ur-Markus,
como dizem os alemães), de que nunca se ouviu falar e do qual
apenas se entreveem os contornos…
37. ROBINSON, John A. T. Re-dater le Nouveau Testament. Paris:
Lethielleux, 1987 (edição inglesa, em 1976).
38. ROLLAND, Philippe. L’Origine et la date des évangiles, op. cit., p.
25.
39. Atos, 2, 46. Apesar de terem cessado de participar do culto do
sacrifício, os discípulos compareciam para fazer suas orações.
40. Atos, 11, 28. Houve muitas carestias no Império sob o reinado
de Cláudio. Trata-se provavelmente daquela de 48.
41. Mateus, 22, 7.
42. GRELOT, Pierre. Les Paroles de Jésus. Paris: Desclée, 1986, pp.
238-41.
43. Lucas, 19, 43.
44. ROLLAND, Philippe. L’Origine et la date des évangiles, op. cit.,
pp. 108-9. Ver também MÉHAT, André. “Les écrits de Luc et les
événements de 70. Problèmes de datation”, Revue de l’Histoire
des Religions, v. CCIX, n. 2, 1992, pp. 149-80.
45. Mateus, 17, 24-27.
46. Também chamado Yavneh ou Yabneel.
47. Não é comprovado que os cristãos sejam apontados com a
palavra “minim”. Para o historiador Reuven R. Kimelman, essa
“excomunhão” visaria a alguns sectários judeus do século I e
não os discípulos de Jesus (KIMELMAN, Reuven. “Birkat Ha-
Minim and the lack of evidence for an anti-Christian Jewish
prayer in late Antiquity”, em SANDERS, E. P. (Ed.). Jewish and
Christian Self-Definition, t. II. Londres: 1981, pp. 226-44).
48. CAZELLES, Henri, op. cit., p. 110.
49. Segundo Clemente Romano [são Clemente], Paulo foi
executado (e não crucificado) com “uma grande quantidade de
eleitos” por ocasião da mesma perseguição de Pedro, mas
provavelmente não na mesma data, antes, em todo caso, do
suicídio de Nero em 9 de julho de 68.
50. BROWN, Raymond E. Que sait-on du Nouveau Testament? Paris:
Bayard, 1997, p. 314n.
51. TRESMONTANT, Claude. Le Christ hébreu. La langue et l’âge des
évangiles. Paris: O. E. I. L., 1983. Posteriormente, o autor
apresentou traduções francesas dos quatro evangelhos
retraduzidos do hebraico: João (1984), Mateus (1986), Lucas
(1987), Marcos (1988), bem como o Apocalipse (1984).
52. CARMIGNAC, Jean. La Naissance des évangiles synoptiques.
Paris: O. E. I. L., 1984. Ver também a obra de MARION,
Francis. Les Saints Évangiles. Paris: F.-X. de Guibert, 2005.
53. CARMIGNAC, Jean. Le Magnificat et le Benedictus en hébreu?,
op. cit.
54. GRELOT, Pierre. Évangiles et tradition apostolique. Réflexion sur
un certain Christ hébreu. Paris: Cerf, 1984; do mesmo, L’Origine
des évangiles. Controverse avec J. Carmignac. Paris: Cerf, 1986.
55. A terceira edição de 1967 leva em conta as descobertas de
Qumran.
56. Estamos menos convencidos da grande antiguidade contribuída
a esses pré-evangelhos pelo padre Rolland: um Mateus
primitivo datado por volta do ano 36 (antes da morte de
Estêvão), os dois textos gregos que dele procedem nos anos 40-
50.
57. Mateus, 16, 25.
PERRlER, Pierre. Évangiles de l’oral à l’écrit. Paris: Sarment-Éd.
58.
du Jubilé, 2000.
59. MEYNET, Roland. Traité de rhétorique biblique, op. cit.
60. Primeira Epístola aos Coríntios, 15, 3-5.
61. Carta aos Hebreus, 2, 3.
62. BENOIT, P., MILIK, J. T. & VAUX, R. de (Ed.). “Les grottes de
Muraba’at”, Discoveries in the Judaean Desert of Jordan. II.
Oxford, 1961, pp. 275-9.
63. STANTON, Graham. Parole d’évangile?, op. cit., pp. 80-1.
64. Atos, 6, 1 e 7, 28.
65. Isso não excluía que as comunidades preferissem um texto ao
outro.
66. Epístola aos Colossenses, 4, 16.
67. IRÉNÉE, Adversus haereses (Contra as heresias), III, 1, 1. Trad.
Rousseau. Paris: Cerf. (Col. “Sources chrétiennes”)
68. Philippe Rolland apresentou uma reconstituição verossímil
(Jésus et les historiens, op. cit., pp. 59-78).
69. GOODSPEED, E. J. Matthew, Apostle and Evangelist. Filadélfia:
Winston, 1959, pp. 16-7; GUNDRY, R. H. The Use of the Old
Testament in St Matthew’s Gospel. Leyde: Brill, 1967, pp. 182-4;
ORCHARD, B. & RILEY, H. The Order of the Synoptics. Macon
(Géorgie): 1987, pp. 269-73.
70. Citado por EUSÈBE. Histoire ecclésiastique, livro V, cap. VIII.
Paris: Éd. Bardy, Le Cerf, 2003, n. 2-4.
71. Ibid., livro III, cap. XXIV, n. 6.
72. Ibid., livro V, cap. X, n. 3, p. 40. Ele deveria ser diferenciado
do “Evangelho segundo os Hebreus”, compilação posterior de
que falamos a propósito dos apócrifos.
73. ROLLAND, Philippe. L’Origine et la date des évangiles, op. cit.,
pp. 33-4.
74. STANTON, Graham, op. cit., p. 86.
75. “Faço de ti uma luz para as nações, para que a minha salvação
chegue até os confins da Terra”, Isaías, 49, 6.
76. Essa data é admitida por um grande número de exegetas.
Marshall, por exemplo, em seu comentário sobre o evangelho
de Lucas (The Gospel of Luke), admi te que este pode muito bem
tê-lo escrito no início dos anos 60.
77. Esses contatos entre Lucas e João são detalhados por
FEUILLET, André. Jésus et sa mère. Paris: Gabalda, 1974, p. 86
e seguintes.
78. CARMIGNAC, Jean. Le Magnificat et le Benedictus en hébreu?,
op. cit., p. 126. Notemos, entretanto, que o padre Émile Puech
mostrou que o relato da Anunciação retomava amplamente
uma composição aramaica do Qumran (“Le fils de Dieu, le fils
du Très-Haut, Messie Roi en 4Q246”, no Le Jugement de l’un et
l’autre Testament. I-Mélanges offerts à Raymond Kuntzmann.
Paris: Cerf, 2004, pp. 271-86).
79. É o que assegura uma introdução datada talvez do século II, o
Prólogo anti marcionista (dom Donatien De Bruyne, “Les plus
anciens prologues latins des évangiles”, Revue Bénédictine, v.
XL, 1928, pp. 193-214). Os restos de Lucas (com exceção de sua
cabeça) teriam sido encontrados em Pádua, onde uma tradição
atesta que seu corpo teria sido transportado. As análises
científicas não se opõem a essa identificação.
80. Lucas, 1, 1-4.
81. Citado por EUSÈBE, op. cit., t. III, 39, 15-16.
82. IRÉNÉE, op. cit., t. III, 1, 1.
83. Comunicação de E. Earle Ellis no congresso internacional de
Qumran, na Universidade de Eichstätt, out. 1991 (ver THIEDE,
Carsten Peter & D’ANCONA, Matthew. Témoin de Jésus. Paris:
Robert Laffont, 1996, p. 239).
84. EUSÈBE, op. cit., t. VI, 14, 6.
85. Marcos, 16, 8.
86. EUSÈBE, op. cit., t. VI, 14, 5-7.
87. É isso que demonstraram, por exemplo, autores como Eduard
Schweizer, Eugen Ruckstuhl, R. Alan Culpepper, Peter F. Ellis
ou Oscar Cullmann.
88. BURNEY, C. F. L’origine araméenne du IVoévangile (em inglês).
Oxford: 1922.
89. ALETTI, Jean-Noël. “Le Prologue de Jean et la Sagesse”, em La
Sagesse et Jésus-Christ. Paris: Éd. du Cerf, 1980, pp. 66-9. (Col.
“Cahiers Évangile”, n. 32)
90. João, 14, 26.
91. Primeira Epístola de João 1, 1-3, Bíblia de Jerusalém, Desclée
de Brouwer, 1998.
92. Primeira Epístola de João 4, 14.
93. João, 18, 15-17 e 26-27.
94. BROWN, Raymond E. La Mort du Messie, op. cit., p. 670.
95. IRÉNÉE, op. cit., III, 1, 2.
96. Mateus, 20, 20-28; Marcos, 10, 35-45.
97. Atos, 12, 2.
98. BOISMARD, Marie-Émile. Le Martyre de Jean l’apôtre. Paris:
Gabalda, 1996. (Col. “Cahiers de la Revue biblique”, n. 35).
Ver também COLSON, Jean. L’Énigme du disciple que Jésus
aimait, op. cit., pp. 65-84.
99. Uma conjetura arriscada, lançada por Claude Tresmontant
(Enquête sur l’Apocalipse. Paris: F.-X. de Guibert, 1994), faz de
João Evangelista Jônatas, um dos filhos de Anás. Essa
identificação não leva em conta o fato de que Jônatas era o
chefe da polícia do Templo no momento da prisão de Jesus. Ele
se tornará sumo sacerdote em 37, será deposto alguns meses
mais tarde e morrerá assassinado em 67. Ele não tem,
portanto, nada a ver com João, morto no ano 101, em Éfeso.
Mas pode ser que os dois homens estivessem ligados por um elo
de parentesco que não conhecemos.
100. COLSON, Jean. op. cit.
101. CULLMANN, Oscar. Le Milieu johannique, étude sur l’origine de
l’évangile de Jean. Neuchâtel, Paris: Delachaux e Niestlé, 1976;
LE QUÉRÉ, François. Recherches sur Saint Jean. Paris: F.-X. de
Guibert, 1994; GRASSI, J. A. The Secret Identity of the Beloved
Disciple. Nova York: Paulist, 1992; CHARLESWORTH, J. H. The
Beloved Disciple. Valley Forge: Trinity, 1995. O padre Xavier
Léon-Dufour, que havia começado o primeiro volume de sua
Lecture de l’Évangile selon Jean (Paris, Seuil) sustentando que
na origem desse evangelho encontravam-se as lembranças de
João, filho de Zebedeu, aderiu a essa solução na conclusão de
seu quarto volume.
102. João, 18, 31-33 e 18, 37-38.
103. EUSÈBE, op. cit., t. III, cap. V.
104. Ibid., t. III, cap. XXIV.
105. Citado por STANTON, Graham. Parole d’évangile?, op. cit., p.
134.
106. João, 1, 14.
107. João, 1, 28; 6, 1.
108. ROBINSON, John A. T. The Priority of John, op. cit.
109. COUROUBLE, Pierre. “Le grec de Pilate selon l’évangile de
saint Jean”, La Lettre de l’Abbé Jean Carmignac, n. 15, mar.
1993, p. 5.
110. João, 20, 30.
111. ZUMSTEIN, Jean. “La rédaction finale de l’évangile selon
Jean”, em BEUTLER, J., CULPEPPER, R. A., DETTWILER, A. et
al. La Communauté johannique et son histoire. Genebra: Labor et
Fides, 1990, p. 207 e seguintes.
112. O capítulo XXI, que é parte integrante da obra (conhecemos
um único manuscrito muito marginal, de origem síria, em que
ele está ausente), é de João: não só a mudança de perspectiva
não é acompanhada por nenhum deslize teológico, mas o estilo
é quase o mesmo (essas pequenas diferenças – a ausência de
qualquer ironia joânica, por exemplo – são simplesmente o
indicador de uma escrita posterior). Em todo caso, é difícil
imaginar discípulos imitando o estilo de seu mestre venerado
para fabricar um “falso”.
113. Lucas, que havia atravessado o Mediterrâneo, fala de lago ou
de lagoa (limnè em grego).
114. João, 24, 21.
115. ROBINSON, John A. T. Re-dater le Nouveau Testament, op. cit.,
p. 338.
116. Entre os dois textos, Philippe Rolland notou a identidade de
vocabulário e dos temas teológicos. A melhor qualidade do
grego no evangelho pode ser explicada pela ajuda de um
secretário (ROLLAND, Philippe. La Mode “pseudo” en
exégêse…, op. cit., pp. 221-33).
117. Esse Cerinto era um judeu de Antioquia, impregnado de ideias
neoplatônicas, que estudara em Alexandria. Oponente temível
do cristianismo, ele fazia uma síntese confusa entre os temas
gnósticos e as teorias dos ebionitas, professando a existência
de um Deus soberano, pai do “Cristo do alto”, e de um deus
inferior, o “Demiurgo”, organizador do mundo material. O
Cristo divino teria habitado Jesus de Nazaré por ocasião de seu
batismo e o teria deixado antes de sua crucificação. Ele
afirmava também que o reino esperado seria puramente
terrestre e que desfrutaríamos abundantemente de comidas, de
bebidas e dos prazeres da carne. João tinha horror desse
personagem arrogante e sensual. Uma anedota, relatada por
Irineu e Eusébio, mostra João entrando um dia num banho
público de Éfeso. “Ao saber que Cerinto estava lá, ele deixou o
lugar e fugiu em direção à porta, não suportando estar sob o
mesmo teto que ele, e ainda aconselhou aos que estavam com
ele a fazerem a mesma coisa: ‘Fujamos, com medo de que os
banhos desabem: Cerinto está ali, o inimigo da verdade’”.
(EUSÈBE, op. cit., t. III, cap. XXVIII).
118. IRÉNÉE. Contre les héresies, III, 11, 1.
119. São Jerônimo situa de fato a sua morte “no sexagésimo oitavo
ano após a Paixão de Nosso Senhor”.
120. No final do capítulo XIV, por exemplo, depois de um longo
discurso que se seguiu à última refeição de despedida, João faz
dizer a Jesus: “Levantemo-nos e partamos daqui”. Mas logo o
discurso continua com um texto sobre temas muito próximos.
Trata-se, com toda a probabilidade, de uma versão não
utilizada pelo evangelista.
121. É suficiente comparar João, 3, 31-36 a 3, 7-18; 5, 26-30 a 5, 19-
25; 10, 9 a 10, 7-8; 10, 14 a 10, 11; 16 4-33 ao capítulo 14.
122. João, 21, 25.
123. JEREMIAS, Joachim. Les Paraboles de Jésus, op. cit.
124. Apocalipse, 22, 19.
125. Prefácio da obra de NODET, Étienne. Histoire de Jésus?, op. cit.,
p. XIII.
126. Primeiro Livro de Reis, 17, 17-24, Segundo Livro de Reis, 4, 29-
37 e 4, 42-44.
127. LA POTTERIE, Ignace de. La Passion de Jésus selon l’évangile de
Jean. Paris: Cerf, 1986, p. 128.
128. As tentativas de explicação dessa divergência foram numerosas
por parte dos exegetas e dos historiadores. Baseando-se num
calendário essênio do Qumran, Annie Jaubert remodelou
completamente a cronologia da Paixão: para ela, Jesus teria
feito a refeição da Páscoa na terça-feira à noite e sido
executado na sexta-feira. Mas essa solução encontra muitas
objeções. Não compreendemos por que Jesus e seus discípulos,
que frequentavam regularmente o Templo quando estavam em
Jerusalém, teriam seguido o calendário da seita que proibia
seus adeptos de aceder ao Santuário. Outra explicação, dada
pelo padre Lagrange, é de ordem astronômica. Os apóstolos
teriam percebido na Galileia a lua crescente, e tal fato
indicava outra data para a Páscoa, não a do clero do Templo.
Em todos esses casos, permanece mal explicado como o
pequeno grupo, vindo da Galileia, infringindo as regras do
abate coletivo, teria conseguido um cordeiro imolado
regularmente no Templo ou como teria conseguido realizar um
abate ilegal numa casa privada.
129. Pouco depois do ano 150, Tatiano compôs uma harmonia dos
quatro evangelhos, da qual só se conservaram alguns extratos,
o Diatessaron. Outras harmonias foram provavelmente
experimentadas na mesma época. Mas a Igreja sempre
considerou que os quatro evangelhos deviam permanecer as
únicas referências (“Um único Evangelho sob uma forma
quádrupla”, já dizia Irineu desde o século II).
130. HEDRICK, Charles W. The Historical Jesus and the Rejected
Gospels. Semeia XLIV. Atlanta: Scholars Press, 1988.
131. JUSTINO. Dialogue avec Tryphon, 18, 1, 136, 2.
132. Nostra Aetate, 4, 6.
133. Ver especialmente o ensaio de PAUL, André. Jésus-Christ, la
rupture. Essai sur la naissance du christianisme. Paris: Bayard,
2001.
134. MÉBARKI, Farah & PUECH, Émile. Les Manuscrits de la mer
Morte. Rodez: Éd. du Rouergue, 2002, pp. 37-67.
135. WISE, Michael, ABEGG Jr., Martin & COOK, Edward. Les
Manuscrits de la mer Morte. Paris: Perrin, 2003, p. 38 e
seguintes.
136. PAUL, André. Les Manuscrits de la mer Morte. Paris: Bayard,
2000; La Bible avant la Bible. La grande révélation des manuscrits
de la mer Morte. Paris: Cerf, 2005; Qumrân et les esséniens.
L’éclatement d’un dogme. Paris: Cerf, 2008.
137. ZIAS, Joe. “Tombes bédouines: histoire d’une erreur”, Le Monde
de la Bible, n. 151, jul. 2003, pp. 48-9.
138. PUECH, Émile. “Les esséniens croyaient-ils à la Résurrection?”,
em LAPERROUSAZ, Ernest-Marie (Ed.). Qoumrân et les
manuscrits de la mer Morte, un cinquantenaire. Paris: Cerf, 1997,
p. 435.
139. Qumrân. Le secret des manuscrits de la mer Morte, catálogo da
exposição da BnF, 2010, p. 135.
140. PAUL, André. Qumrân et les esséniens…, op. cit., p. 58.
141. DUPONT-SOMMER, André. Aperçus préliminaires sur les
manuscrits de la mer Morte. Paris: A. Maisonneuve, 1950, p. 21.
142. DUPONT-SOMMER, André. Les Écrits esséniens découverts près
de la mer Morte. Paris: Payot, 1980.
143. THIERING, Barbara E. The Qumran Origins of the Christian
Church. Sydney: Theological Explorations, 1983.
144. Tese de Robert H. Eisenman, professor na Universidade do
Estado da Califórnia (Maccabees, Zadokites, Christians and
Qumran. A New Hypothesis of Qumran Origins. Leiden: E. J.
Brill, 1983; James the Just in the Habakkuk Pesher. Leiden: E. J.
Brill, 1986), retomada por dois autores sensacionalistas,
BAIGENT, M. & LEIGH, R. (La Bible confisquée. Enquête sur le
détournement des manuscrits de la mer Morte. Paris: Plon, 1992).
145. PUECH, Émile. “Les manuscrits de la mer Morte et le Nouveau
Testament”, em LAPERROUSAZ, Ernest-Marie (Ed.). Qoumrân
et les manuscrits de la mer Morte…, op. cit., pp. 253-313.
146. THIEDE, Carsten Peter. Qumrân et les Évangiles. Paris: F.-X. de
Guibert, 1994
147. BOISMARD, Marie-Émile. “ A propos de 7Q5 et Mc 6, 52-53”,
Revue Biblique, t. CII, n. 4, out. 1995, pp. 585-8; GRELOT,
Pierre. “Note sur les propositions du Pr Carsten Peter Thiede”,
Revue Biblique, t. CII, n. 4, out. 1995, pp. 589-91.
148. PUECH, Émile. “Des fragments grecs de la grotte 7 et le
Nouveau Testament? 7Q4 et 7Q5, et le papyrus Magdalen grec
17 = p64”, Revue Biblique, t. CII, n. 4, out. 1995, pp. 570-84.
Com o objetivo constante de demonstrar a origem antiga dos
evangelhos, Carsten Peter Thiede tentou em seguida
estabelecer que os fragmentos de papiros provenientes do
evangelho de Mateus datavam dos anos 50-70. Seria o caso do
papiro p64 do Magdalen College de Oxford, cuja origem o
especialista em papiros Colin Roberts, em 1953, teria fixado a
origem na segunda metade do século II (THIEDE, Carsten
Pieter. Jésus selon Matthieu, la nouvelle datation du papyrus
Magdalen d’Oxford et l’origine des évangiles. Examen et discussion
des dernières objections scientifiques. Paris: F.-X. de Guibert,
1996). Aqui também, Thiede não convenceu a comunidade
científica. A crítica de Puech sobre essa segunda hipótese é
igualmente radical.
149. PAUL, André. Qumrân et les esséniens…, op. cit., pp. 97-114.
150. DUBARLE, A.-M. “Pourquoi les biblistes négligent-ils le linceul
de Turin?”, Sindon, n. 25, Turim, abr. 1977, pp. 17-29.
151. E não ao “servidor do sumo sacerdote” (petro e não puero),
como uma tradução inferior havia inicialmente induzido a
acreditar.
152. BARBET, Pierre. La Passion de N-S. Jésus-Christ selon le
chirurgien. Issoudun: Dillen, 1950.
153. HELLER, John H. Enquête sur le Saint Suaire de Turin. Paris:
Sand, 1985.
154. Uma primeira experiência dita de “fotoescultura” foi realizada
em 1913 por Gabriel Quidor.
155. Ausência de qualquer interdisciplinaridade, afastamento
autoritário dos cientistas pesquisadores do Sturp e dos
especialistas da Academia Pontifícia das Ciências, não respeito
ao protocolo primitivo (evitando, entre outros, textos sem
reflexão e proibindo aos laboratórios a comunicação entre si),
adição no último momento de uma quarta amostra não
prevista, datada do final do século XIII, a não publicação dos
valores brutos e do relatório completo pela revista Nature, que
se satisfez com um escasso relato de quatro páginas… Ver
“Prélèement sur le linceul effectué le 21 avril 1988 et études du
tissu”, Actes du Symposium Scientifique International de Paris sur
le Linceul de Turin, 7-8 de set. 1989, O. E. I. L., 1990; ver
igualmente o estudo de PETROSILLO, Orazio & MARINELLI,
Emanuela. Le Suaire. Une énigme à l’épreuve de la science, op.
cit.
156. VAN OOSTERWYCK-GASTUCHE, Marie-Claire. Le Radiocarbone
face au linceul de Turin. Paris: F.-X. de Guibert, 1999.
157. CLERCQ, Jean-Maurice & TASSOT, Dominique. Le Linceul de
Turin face au C14. Analyse scientifique et critique de la datation
par le carbone 14. Paris: O. E. I. L., 1988, p. 35.
158. GARZA-VALDÉS, Leoncio A. & CERVANTES-IBARROLA,
Faustino. “Biogenic Varnish and the Shroud of Turin”, Actes du
Symposium Scientifique International de Cielt, em Roma, em
1993. Paris: F.-X. de Guibert, 1995.
159. LUCOTTE, Gérard. Vérités sur le Saint Suaire. Études scientifiques
récentes sur le linceul de Turin. Paris: Atelier Fol’fer, 2010, pp.
43, 87 e seguintes.
160. SILIATO, Maria Grazia. Contre-enquête sur le Saint Suaire. Paris:
Plon-Desclée de Brouwer, 1998, pp. 36-42. Esse ponto
mereceria, sem dúvida, ser verificado.
161. Segundo o doutor Ramsey, uma única fibra teria sido analisada
em Oxford, no lugar das sete previstas. Uma análise realizada
em 2010 por Timothy Jull, diretor da revista Radiocarbon, a
partir de um fio do sudário tirado do mesmo lugar que o de
1988, teria conduzido a uma datação medieval idêntica às
primeiras análises (Science et Avenir, set. 2011). Observaremos,
entretanto, que outra análise, feita em 1982 por solicitação do
Sturp sobre uma pequena amostra do sudário, chegou a um
resultado incoerente: duzentos anos depois de Cristo num lugar
e mil anos depois de Cristo em outro.
162. LEJEUNE, Jérôme. “Étude topologique des suaires de Turin, de
Lier et de Pray”, Actes du Symposium de Rome sur l’Identification
Scientifique de l’Homme du Linceul, Cielt, 1993, pp. 103-9.
DAGUET, Dominique. Le Linceul de Jésus de Nazareth, cinquième
163. évangile?, op. cit., p. 184.
164. DANIN, A., WHANGER, A. D., BARUCH, U. & WHANGER, M.
Flora of the Shroud of Turin. Saint Louis, Missouri: Missouri
Botanical Garden Press, 1990, pp. 37 e 41.
165. Ela supervisionou os trabalhos de restauração do sudário, em
2002.
166. PETROSILLO, Orazio & MARINELLI, Emanuela, op. cit., p. 340.
167. BLANRUE, Paul-Éric. Miracle ou imposture? L’histoire interdite
du“suaire” de Turin. Villeurbanne: Golias, 1999; do mesmo
autor, Le Secret du suaire. Autopsie d’une imposture. Paris:
PygmaIion, 2006; “La science aveuglée par la passion”, Science
et Vie, n. 1.054, jul. 2005.
168. Lettre à la Revue Scientifique, 31 de maio de 1902.
169. DEVALS, Jean-Maurice. Une si humble et si sainte tunique. Paris:
F.-X. de Guibert, 2005.
170. VAN OOSTERWYCK-GASTUCHE, Marie-Claire. “La datation
radiocar-bone la plus instructive du point de vue scientifique:
celle de la Sainte Tunique d’ Argenteuil”, Atos do Colóquio La
Sainte Tunique d’Argenteuil face à la Science, 12 de nov. de
2005. Paris: F.-X. de Guibert, 2007, pp. 115-74.
171. DAGUET, Dominique, op. cit., pp. 98-9.
172. Segundo alguns cálculos, a probabilidade de que o sangue
encontrado na mortalha e no sudário de Oviedo venha do
mesmo homem eleva-se a 99,75% (DAGUET, D., op. cit., p.
103). Ainda que não faça parte do nosso tema tratar do “Cristo
da fé”, notamos que o sangue AB se encontra em pelo menos
três fenômenos milagrosos ou sobrenaturais: (1o) o prodígio
eucarístico de Lanciano na Itália. Há treze séculos, durante a
celebração da missa, um monge de São Basílio, assaltado pela
dúvida sobre a presença real do Cristo na eucaristia, viu a
hóstia tornar-se carne e o vinho transformar-se em sangue. Em
1971, examinando essas relíquias, Odoardo Linoli, professor de
anatomia e de história da patologia na Universidade de Siena,
estabeleceu que os restos da hóstia eram de carne humana (um
pedaço do músculo cardíaco) e que o líquido coagulado
pertencia ao mesmo homem e era sangue humano do grupo
AB. Em 1973, uma comissão científica da OMS confirmou esses
resultados; (2o) em 1976, em Betania, na Venezuela, durante
uma missa celebrada pelo padre Otti, sangue apareceu sobre
uma hóstia consagrada no momento da comunhão. Essa hóstia
foi analisada alguns dias depois, a pedido do monsenhor Pio
Bello Ricardo, bispo de Los Teques, pelos melhores laboratórios
de análise de Caracas: o sangue era do tipo AB. Nele
encontraram-se misturadas, como em Lanciano, fibras
musculares do coração; (3o) em maio de 2004, em Alberobello,
na Pulha, uma “transpiração de sangue” apareceu sobre uma
representação do rosto do sudário pertencente ao padre
Chiriatti, fundador de uma ordem de missionários. Analisada
pelo laboratório de genética legal da Universidade de Bolonha,
ela também se revelou ser de sangue tipo AB.
173. Foi feita a objeção de que todos os sangues antigos evoluiriam
para o grupo AB, em razão da interação com os têxteis. Tal
explicação é contestada pelo professor Gérard Lucotte, biólogo
do sangue, para quem, se houvesse evolução, ela se realizaria
para o grupo O.
174. JACQUET, Claude. “Concordance hématologique des trois
grandes reliques de Jésus-Christ”, Atos do Colóquio La Sainte
Tunique d’Argenteuil face à la science, 12 de nov. de 2005, op.
cit., pp. 223-9.
175. Para o sudário de Oviedo, o laboratório de Tucson (Arizona)
chegou a um intervalo de datas de 642-769 e o de Toronto
(Canadá) a 653-786. Mas será que poderemos datar com
confiabilidade velhos lençóis tão poluídos, tendo atravessado
tantas regiões e conhecido tamanhas vicissitudes (uma estada
prolongada na terra para a túnica)?
176. CLERCQ, Jean-Maurice. Les Grandes Reliques du Christ. Synthèse
et concordances des dernières études scientifiques. Paris: F.-X. de
Guibert, 2007, p. 147.
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Caim 30
Caifás, José, chamado 10, 28, 88, 90, 198-202, 205, 223, 225-7, 229-31, 237-8,
241, 243-4, 247, 251-2, 260-2, 277, 285, 305-7, 312
Calígula, Caio 46, 235, 238, 241
Calvino, João 61
Capasso, Mario 304
Cáriton de Afrodísias 349
Carmignac, Jean, abade 15, 56, 127, 324, 368, 376
Carpócrates 353
Cazelles, Henri 366
Celso 19, 184, 205, 208, 289, 348
Cerinto 353, 392
César, Júlio 42, 287, 289, 361, 423
Cesareia, Eusébio de 63, 64n, 178
Chamberlain, Houston S. 11
Charbel, Makhlouf, são 313
Carlos Magno 23, 272, 428
Carlos Borromeu, santo 419
Charlesworth, James H. 386
Charny, Geoffroy de 419
Chen, Doron 212
Chilton, Bruce 14
Chouraqui, André 17, 404
Cusa ou Cuza, Joana de 248
Crisóstomo, João, são 204, 228, 402-3
Cícero 271
Clari, Robert de 419
Cláudio, imperador 235, 289, 347, 365
Cláudia Prócula 234, 245, 248, 252
Clemente de Alexandria 204, 218, 351, 364, 378-9, 384, 387
Cleópatra de Jerusalém 43
Cléofas, peregrino de Emaús 320
Clercq, Jean-Maurice 423
Clopas ou Cléofas, irmão de José 60, 62, 64, 77, 139n, 278
Collins, John J. 48
Colson, Jean 386
Constantino, imperador 196, 264, 270, 273, 326, 337, 416
Constantino VII Porfirogênito, imperador 419
Coon, Carleton S. 53
Copônio 236, 238
Corbo, V. 80
Cornélio, centurião 102
Couchod, Paul-Louis 10
Courage, Anne-Laure 302-3
Courouble, Pierre, abade 22n, 246, 389, 401
Crasso, Marco Licínio 42, 272
Crossan, John Dominic 45, 350
Cullmann, Oscar 14, 386
Cumont, Franz 322
Cirilo de Alexandria, são 289
Cirilo de Jerusalém, são 158, 289, 418
Ciro II, o Grande 39, 83
Edwards, Douglas 76
Egeria 81, 165, 196, 264
Elêusis 31
Elias, profeta 27-9, 51-2, 96, 107, 135, 144, 169, 173, 175, 178, 216, 282-3,
396
Isabel, mãe de João Batista 50, 52, 66, 324
Eliseu, profeta 27, 107, 135, 144, 163, 396
Ellis, E. Earle 378
Emmerich, Anne Catherine 16
Enrie, Giuseppe 420
Efrém 60
Epifânio, santo 280, 324, 327, 353, 383, 388
Esculápio ou Asclépio 159
Esdras 49
Esopo 114
Ester 411
Estêvão, diácono 87, 133, 275, 358, 366, 372
Eusébio de Cesareia 21, 63, 64n, 178, 196, 263, 290, 321, 324, 351, 364, 374-5,
386-7
Eva 30, 288, 356
Ezequias 83
Ezequiel 48, 65, 98, 138, 171, 182, 187, 192, 272, 293, 407
Fado, Cúspio 27
Félix, procurador 27, 244, 252, 343
Ferreras, Carmen Gómez 430
Festo, Pórcio 27, 252
Filas, Francis J. 305-6
Flury-Lemberg, Mechthild 297, 425
Flusser, David 14, 17, 67, 183, 404
Fournet, André Hubert 164
Frale, Barbara 303
France, Anatole 321
Francisco de Assis, são 337
Francisco de Sales, são 419
Frei, Max 257, 301, 425, 428
Freyne, Sean 14
Kando 406
Käsemann, Ernst 14
Kelber, Werner 370
Kepler, Johannes 330
Kieffer, René 397
Klausner, Joseph 404
Kohlbeck, Joseph 266
Kypros 42, 194
Maaca 74
Macróbio 330
Magen, Yitzhak 411
Maomé 9, 131, 360
Maier, Paul L. 240
Malaquias 52
Malco 223, 231, 384
Maloney, Paul C. 425
Maltaque, mulher de Herodes, o Grande 43
Manaém 248
Manuel I Comneno, imperador 424
Marastoni, Aldo 303
Marcos, são 10-1, 12n, 20, 60-1, 65-6, 102, 104-8, 117, 134, 138, 140, 150,
152, 156, 164-6, 170, 172, 178, 193, 203, 205, 208-9, 216, 222-3, 228-9,
231, 246, 254, 260, 268, 270-1, 274, 276-8, 282, 284, 288, 292-4, 308-9,
315, 339, 349-51, 361-9, 376-9, 381-7, 393-6, 399, 401, 404, 414
Marcião 353, 356n
Margalit, Shlomo 212
Marguerat, Daniel 14
Mariamme, mulher de Herodes, o Grande 42, 43, 94, 242
Maria, mulher de Eleazar 269
Maria Madalena ou Maria de Magdala 11, 109, 137, 204, 212, 278, 285, 308-9,
312, 317, 355
Maria, mulher de Cléofas ou Clopas 60-2, 212, 278, 323
Maria, mãe de Jesus 56, 58, 60-2, 64, 66-7, 76-9, 137, 142, 144, 192-7, 202-3,
211-2, 278-80, 287, 298, 302, 304, 308-9, 323-30, 334-40, 342, 352-3, 356,
374, 376, 384, 402
Maria, irmã de Lázaro 51, 137, 145n, 192-4, 196-7, 202-3, 211, 309
Marion, André 265-6, 302-3, 306, 430
Marta, irmã de Lázaro 51, 137, 145n, 192-4, 196-7, 211, 309
Masha’allah 331
Matias, filho de Anás 225
Matata 63
Matatias 41
Matias 92, 140
Mateus, são 10, 12n, 20, 53-4, 59-66, 70, 101-2, 106-11, 117, 120-1, 126, 132,
134-5, 138-40, 144, 152, 156, 162, 164-6, 170, 172, 175-8, 193, 203, 205,
208-9, 216, 223, 227-9, 231-3, 242, 246, 248, 251, 253-4, 260, 270-1, 274,
276-8, 282-4, 288, 290, 292-4, 297, 299, 304, 307, 309, 311-2, 315, 325-8,
330-1, 333-4, 339-40, 350-1, 356, 361-76, 379-82, 385-7, 393-6, 399, 401,
404, 416
Maurice, Jean-Pierre 428
McGing, B. C. 237
Meier, John Paul 14, 61, 117, 343
Melito, bispo de Sardes 272, 289, 353, 402
Melquisedeque 48, 341
Menahem 252
Menelau 40
Mérat, Pierre 274
Messadié, Gérald 285
Messina, Roberto 303
Meyer, Ben Franklin 18
Meynet, Roland 14, 370
Miqueias, profeta 138, 182, 327, 336, 396
Miller, Vernon 302
Mitra 31
Mnäson 376
Moisés 26-7, 39n, 52-3, 60, 74, 90-1, 99, 108, 123, 131-3, 146, 148, 151-2, 154,
160-1, 165, 167-8, 172, 178, 181, 186-7, 199, 217, 241, 279, 320, 328, 330,
363, 375, 395, 407, 410, 418
Molnar, Michael R. 334
Mommsen, Theodor 259
Mordillat, Gérard 18
Munter, Frédéric 331
Muratori, cânone 21, 92, 350, 387, 391
Naamã 27
Nabucodonosor 38, 83, 171, 366
Nadabe 178
Natã ou Natan, filho de David 63, 182
Natanael de Caná 74-5, 77, 80, 91, 98, 101, 139, 318, 394
Nero, imperador 272, 343, 346-7, 349, 378, 390
Nerva, imperador 349, 392
Neusner, Jacob 17
Nicodemos 90-1, 113, 145n, 161, 183, 199, 202, 212, 230, 234, 295, 299-300,
309, 312, 353
Nisin, Arthur 336
Nitowski, Eugenia 299
Nodet, Étienne 59, 259, 328, 330, 345, 362
Pamáquio, são 59
Pantene 374
Paoli, Angiolo 164
Papias 21, 113, 364, 374, 378-9, 385, 391
Parrot, André 270
Pascal, Blaise 207
Pasolini, Pier Paolo 53
Paulo VI, papa 403
Paul, André 405, 412
Paulo, são 10, 11, 20, 52, 62, 64-5, 71, 93, 126, 133, 141, 152, 215-7, 229, 244,
246, 255, 268, 271, 293, 316, 324, 339-42, 354, 358-9, 361, 366-7, 373-9,
384, 393, 395, 400-2, 413-6
Perrier, Pierre 370
Perrot, Charles 14, 74
Petrônio 349
Pettau, Victorino de 392
Fasaelia 95, 157
Filemon 359
Filipe, apóstolo 21, 55, 73-4, 77, 80, 91-2, 109, 138, 140, 162, 173-5, 207, 219,
354-6, 358, 385-8, 394
Filipe, diácono 376
Filipe, Tetrarca 28, 43-4, 73, 94, 101, 110, 156, 166, 178, 240
Fílon de Alexandria 234, 236, 257, 334, 381, 413
Filopono de Alexandria, João 291
Filóstrato, Flávio, chamado o Ateniense 349-50
Flégon de Trales 290
Pia, Secondo 302, 419-20
Pio XI, papa 403
Pedro, são 20, 54, 61, 67, 73-4, 77, 80-1, 91, 101-6, 108, 111, 136-9, 141-2,
162, 166, 169, 173-4, 177-9, 200, 208-9, 211-4, 216, 218, 223, 225, 229,
231, 250, 254, 261, 269, 296, 309-12, 316, 318-21, 349-50, 352-6, 358-63,
366-8, 371, 373-4, 377-9, 384-5, 390-1, 393, 395, 402, 417-8
Pilatos, Pôncio 10, 19, 22n, 28, 44, 122, 198-9, 201, 221, 230-1, 234-66, 274-5,
277, 279, 286, 291, 295-6, 302, 305-7, 312-3, 321-2, 341, 343-6, 353, 389,
399, 401-2
Pinès, Shlomo 345
Pinkerfeld, Jacob 212
Pixner, Bargil 15, 36, 58, 212
Platão 172, 347, 361
Plauto 265
Plínio, o Velho 85, 346, 409
Plínio, o Jovem 19, 346
Plutarco 265
Poletto, Severino 427
Policarpo 291, 384
Polícrates 20, 386, 391
Pompeu, general 42, 49, 85n, 238, 409
Popeia Sabina, segunda mulher de Nero 343, 347
Porfírio 289
Pourrat, Olivier 286
Prieur, Jerôme 18
Ptolomeu II 40
Ptolomeu IV 40
Puech, Émile 15, 33n, 121, 412, 415
Pitágoras 10, 347, 349
Waddington, W. G.292
Waheeb, Mohammed 51
Walker, Christopher 332
Whanger, Alan D. 301, 306, 314, 426, 430
Whanger, Mary 301
Zacarias, pai de João Batista 28, 48, 50, 65, 94, 324, 368
Zacarias, profeta 28, 52, 116, 189, 207, 341
Zaqueu 137, 352
Zebedeu 103
Zorobabel 74, 83, 85n
Zugibe, Frederick T. 301
Zuínglio Ulrico 61
1 Hilel, o Ancião: no primeiro século da era cristã, é considerado o maior sábio
do período do Segundo Templo. [N. T.]
2 “Sans-culotte”: denominação dada pelos aristocratas aos artesãos,
trabalhadores e até pequenos proprietários participantes da Revolução
Francesa. [N. T.]
3 Tréguier: capital histórica de Treg, localizada na região da Bretanha, na
França. [N. T.]
4 São chamados sinópticos os evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, porque,
diferentemente daquele de João, apresentam numerosas analogias, e podem
ser lidos em paralelo, em sinopse (em grego: “sob um mesmo olhar”).
5 Conteúdo essencial da fé anunciado e transmitido pelos primeiros cristãos.
6 Khirbet Qumran: o “sítio da manhã cinzenta”, a um quilômetro e meio da
margem noroeste do Mar Morto. [N. T.]
7 Mar da Galileia. [N. T.]
8 Como esta obra foi concebida para um público amplo, achei preferível
acrescentar em documento anexo a análise técnica das fontes.
9 Kanôn, em grego, significa “caniço”. Dessa palavra, foi extraído o significado
de “medida” ou de “regra de verdade”.
10 Também conhecido como lago Tiberíades ou mar da Galileia. [N. T.]
11 Ver, no documento anexo III, a descoberta muito interessante feita por um
especialista em grego antigo, o abade Pierre Courouble: latinismos típicos
figuram nas palavras pronunciadas em grego por Pôncio Pilatos, prova de
que essas palavras foram anotadas muito cedo pelo discípulo bem-amado de
Jesus e prova, igualmente, de que, de maneira mais geral, João utiliza um
cuidado especial para registrar os propósitos que ele ouviu e não inventá-los,
como pensa a escola de Bultmann, em função das situações da comunidade na
qual ele se insere. Isto não nos impede de pensar que o testemunho de João
tenha sido meditado e reescrito, num contexto de compreensão pós-pascal.
1 Espécie extinta de hominídeo. [N. T.]
2 Era que começa em 754 antes de Cristo com a fundação de Roma.
3 Região que pertencia, com a Galileia, à tetrarquia de Herodes Antipas.
4 Essa coleção de tradições orais jurídico-religiosas compiladas, cerca do ano
200 da nossa era, contém muitos ensinamentos e prescrições que remontam
aos séculos precedentes.
5 A escatologia é a doutrina dos fins derradeiros, os que anunciam o destino
último do homem depois de sua vida terrestre.
6 Texto de discussões e de interpretações escritas em hebraico no século II
antes de Jesus Cristo. Faz parte do que se chama de escritos
intertestamentários.
7 Daí surge o nome “sepulcros caiados”, que Jesus atribuirá aos fariseus: puros
no exterior, impuros no interior.
8 A identificação entre Simão e o “Mestre da Justiça”, proposta pelo padre
Émile Puech, é a hipótese mais provável.
9 Que evoca ou espera o fim do mundo. O Apocalipse (“revelação” ou
“manifestação”, em grego) é, como se sabe, uma obra de são João
Evangelista, que fazia parte do Novo Testamento. Integra um gênero literário
teológico particular, utilizado por autores judeus da Antiguidade para
enunciar as palavras proféticas em geral sob a forma de visões.
1 Esse nome, de início utilizado pelos gregos para designar de maneira restrita
a “terra dos Filisteus” (Peleshet em hebraico), depois retomado pelos
romanos, não aparece na Escritura, mas designa habitualmente a partir da
segunda metade do século I da nossa era a região bíblica no sentido amplo,
de um lado e do outro do Jordão. No século II, a região se tornará a
província romana da Síria-Palestina. Em sua extensão máxima, ela perfazia
não mais de 20.000 km2.
2 Iavé ou Javé, nome que Deus mesmo se deu em presença de Moisés no
arbusto ardente, que corresponde ao tetragrama YHWH. A raiz hebraica da
palavra vem da terceira pessoa do verbo hayah (ser, yiheye.) Essa palavra é
traduzida como: “Eu sou Aquele que é” ou “Eu sou Aquele que sou”. Deus se
define na Bíblia como o Ser incriado, transcendente por toda a eternidade, o
Ser por excelência. Em lugar do tetragrama, voluntariamente
impronunciável, os judeus dizem Adonai, “Senhor” (a combinação dos dois
nomes dará Yeovah ou Jeová).
3 Miriam em hebraico. [N. T.]
4 A localização do sepulcro de Herodes, o Grande, foi encontrada em maio de
2007, por arqueólogos israelenses no meio da encosta da vertente nordeste
do Herodium, palácio situado a sudeste de Belém.
5 A soberania de Roma.
6 Imposto devido à profissão, indústria ou comércio. [N. T.]
7 Em sentido amplo, a Lei escrita: os cinco livros do Pentateuco (Gênesis,
Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), os Profetas e os diversos livros
que compunham as Escrituras judaicas.
8 Não confundi-la com a aldeia de mesmo nome, próxima à Jerusalém, onde
viveram Marta, Maria e seu irmão Lázaro.
1 Que confere uma natureza unicamente divina a Jesus. As Igrejas católica,
ortodoxa e protestante, que, diferentemente das Igrejas ortodoxas orientais
(copta, síria, ortodoxa, armênia…), são partidárias das decisões do concílio
da Calcedônia (451), reconhecem em Jesus uma dupla natureza, humana e
divina, indissoluvelmente ligadas. Jesus é, então, para a imensa maioria dos
cristãos, ao mesmo tempo um “verdadeiro homem” e um “verdadeiro Deus”.
Sua plena e inteira humanidade impede de perceber nele uma simples
aparência humana (tese da heresia do docetismo). Para os teólogos, Jesus é o
Filho de Deus, não criado, preexistente a todos os séculos, e ao mesmo tempo
um ser humano que recebeu uma alma ao nascer.
2 A Páscoa tem uma duração de oito dias. [N. T.]
3 Observar que o Catequismo da Igreja católica reafirma ainda, na atualidade, a
“virgindade real e perpétua de Maria” (Paris, Mame, 1992, n. 499-500).
4 Esse Simeão ou Shimeão morreu muito idoso. Eusébio de Cesareia disse que
ele foi crucificado no reinado de Trajano (98-117), durante a legação de
Atticus (homem de Attica) na Judeia (entre 100 e 107). Com seu irmão mais
velho, Tiago, e o evangelista João, o “discípulo bem-amado”, morto em Éfeso
provavelmente em 101 (“sessenta e oito anos depois da ressurreição de Nosso
Senhor”, diz são Jerônimo; “morto de velhice sob o reinado de Trajano”, diz
Irineu), ele foi aquele que melhor informou o último redator do evangelho de
Mateus e de Lucas, o autor do terceiro evangelho, que se vangloria de ter
conduzido uma investigação com “testemunhas oculares e ministros da
palavra” (Lucas, 1, 2).
1 Não confundir os rabis, mestres versados no estudo das Escrituras na época
de Jesus, com os rabinos da época talmúdica, chefes de culto que receberam
a semikha (uma espécie de ordenação que se fazia no início por imposição
das mãos, depois pela entrega de um diploma).
1 Conta-se que Pompeu, curioso por descobrir o segredo da religião judaica e
seu ídolo desconhecido, tinha entrado com a espada na mão no santo dos
santos e ficado surpreendido ao encontrar somente uma sala vazia. Tratava-se
então do templo de Zorobabel, mas o templo de Herodes, o Grande, tinha
conservado a mesma disposição dos locais.
2 O shekel é a principal moeda utilizada nos Estados Palestinos. [N. T.]
3 Concessão estranha ao culto de ídolos: essa moeda de Tiro estava gravada
com a figura de um deus sírio: Melkart (Héracles)!
4 Assembleia legislativa tradicional do povo judaico, sua Suprema Corte. [N.
T.]
5 Para conhecer os problemas de datação do evangelho de João, ver o
documento anexo III.
6 Observamos, entretanto, que, para alguns exegetas, esse já era um “batismo
trinitário”, visto que era realizado segundo as instruções de Jesus. O
historiador, naturalmente, não pode entrar nesse debate teológico.
1 O poço ainda existe, na entrada de Nablus, no interior de uma igreja ortodoxa
que sucedeu a uma igreja dos tempos dos cruzados e, antes dela, a uma
construção que data do século IV. Com uma profundidade de cerca de 30m,
ele é ainda utilizado.
2 Na Samaria, a cevada fica madura no final de abril ou começo de maio. O
trigo candial só amadurece três semanas mais tarde.
3 Peixes que podem sair da água e percorrer longas distâncias na terra. [N. T.]
4 Atualmente, ainda, a Igreja católica e algumas Igrejas orientais ou
protestantes atuam invocando o nome de Jesus Cristo em exorcismos de casos
considerados como possessões diabólicas, casos extremos que escapam
também aos diagnósticos médicos habituais (histeria, doenças
psicossomáticas…) e aos tratamentos da psiquiatria. Sem ir até os excessos
dos filmes de Hollywood consagrados a esse tema, cenas espetaculares,
fenômenos inexplicáveis são relatados por exorcistas modernos, aos quais se
atribui o serviço de libertar os seres afligidos por esses terríveis sofrimentos
(existe um exorcista por diocese). Ver especialmente os testemunhos do
padre René Chenesseau (Journal d’un prêtre-exorciste, Éd. Bénédictines, Saint-
Benoît-du-Sault, 2007) ou do padre Gabriele Amorth (Confessions. Mémoires
de l’exorciste officiel du Vatican, Neuilly-sur-Seine, Michel Lafont, 2010).
Sobre a questão do Mal, ver a síntese do monsenhor René Laurentin, Le
Démon, mythe ou réalité?, Paris, Fayard, 1995.
5 Nome afetuoso dado a um rabi, um mestre.
1 Mateus, preocupado em não nomear a divindade, segundo o costume
judaico, prefere falar do “reino dos céus”.
2 O local chamado “a baía das parábolas” oferece uma acústica excelente, como
foi verificado.
3 Na Israel antiga, as semeaduras eram realizadas antes de se lavrar a terra, o
que explica que os grãos se perdessem nos caminhos ou nos maciços de ervas
daninhas: tudo, em seguida, era revolvido.
4 Ou seja, Deus.
5 Uma milha equivale a cerca de 1.475m. Aqui Jesus faz alusão a uma
requisição militar.
6 No caso, a negação diante do causativo semítico pode significar, de acordo
com o contexto: ou “não nos faça entrar”, ou “faça com que não entremos em
tentação”. Deus, para Jesus, não podia ser o autor do mal, é a segunda
fórmula que deve ser aplicada.
1 Era então um judeu rigorista, mas certamente não um “zelote”, no sentido de
um combatente pela libertação de Israel; esse movimento violentamente
nacionalista ainda não existia naquele tempo.
2 É preciso, também, não confundi-lo com Tiago, o Justo, filho de Maria de
Cléofas, chamado o “irmão do Senhor”, que não fazia parte dos Doze.
3 Os cintos dos viajantes judeus tinham uma dobra que servia de bolsa.
1 Um artífice ou construtor em madeira ou pedra. [N. T.]
2 Nem toda a aristocracia de Jerusalém fazia parte dos saduceus. Outro grupo,
ainda menos conhecido, era o dos boetusianos. A qual linhagem, a que escola
de pensamento pertencia João Evangelista, sacerdote e aristocrata de
Jerusalém? O fato é que jamais ele cita os saduceus no seu evangelho. Sua
casa ficava próxima do bairro essênio de Jerusalém, mas ele certamente não
pertencia a essa corrente religiosa. Com efeito, não recusava nem as
instituições do Templo, nem o seu calendário litúrgico. Parece que ele tinha,
preferencialmente, uma disposição favorável aos fariseus. Sabia-se que era
benevolente com o fariseu Nicodemos e que frequentava Marta, Maria e
Lázaro, fariseus da Betânia. Vimos também que talvez tenha tomado parte na
delegação enviada para interrogar João Batista, antes de juntar-se a ele. Ora,
essa delegação era composta de fariseus.
3 Literalmente os “cinco estojos”: Gênese, Êxodo, Levítico, Números e
Deuteronômio.
4 A poligamia (um marido que tem várias esposas ao mesmo tempo) havia sido
aceita desde o início de Israel; a poliandria (uma mulher que tem vários
maridos ao mesmo tempo), jamais.
5 Os filactérios, usados pelos judeus religiosos, existem desde sempre na
religião judaica. São faixas estreitas de pergaminho sobre as quais estão
inscritos os preceitos mais importantes da Lei. Eles estão encerrados em
pequenas caixas quadradas, fixadas na testa e no antebraço esquerdo.
6 Em grego antigo Geenna, transcrição da locução hebraica Gê-Hinnom,
designava o sinistro vale de Hinnom, às portas de Jerusalém, considerado
como o local do inferno e do suplício dos mortos condenados pela justiça
divina. Ali eram queimadas continuamente as imundícies e as carcaças de
animais.
7 Por causa de uma razão mais forte. [N. T.]
8 “Àqueles que são casados, eu prescrevo, não eu, mas o Senhor: que a mulher
não se separa de seu marido —, mas se ela se separar dele, que ela não se
case, ou que ela se reconcilie com seu marido — e que o marido não deixe
sua mulher” (primeira Carta aos Coríntios, 7, 10-11). Casar-se de novo,
naturalmente, só era proibido enquanto o cônjuge estivesse vivo.
1 Sobre a provável genealogia dos evangelhos sinópticos, ver o documento
anexo II.
2 Essas palavras de Jesus na sinagoga de Cafarnaum dão origem a grandes
debates entre os exegetas. João não as reescreveu no ambiente de uma leitura
pós-pascal, expressando com isso uma verdade religiosa e não histórica? Mas
como compreender a profunda crise de confiança que se seguiu? Se João não
relatou palavra por palavra dessa conversa, podemos ter certeza de que,
como sempre, ele não inventa, não mente. O que ele narra está perfeitamente
situado no tempo e no espaço: “Jesus disse essas coisas quando ensinava na
sinagoga de Cafarnaum” (João 6, 59). Podemos pensar que, nos evangelhos,
há algumas retroprojeções pós-pascais, mas elas permanecem limitadas no
seu conjunto.
3 Será que foi porque a Xa legião romana “Fretensis”, estacionada na Síria,
tinha um javali no alto de suas insígnias que os evangelistas deram a esses
demônios o nome de “Legião”?
4 Para grande número de exegetas, a expressão “Filho de Deus” utilizada por
Pedro, seria uma profissão de fé pós-pascal.
1 Setembro ou outubro dependendo do ano.
2 Cada côvado equivale a 66cm. [N. T.]
1 Eles servirão de modelos para os relicários cristãos.
2 O homem que, segundo os evangelhos sinópticos, foi obrigado pelos soldados
romanos a carregar a cruz de Jesus Cristo até o Gólgota, o local onde Jesus
Cristo foi sacrificado. [N. T.]
3 A data é sábado, 8 de Nisã (28 de março do ano 33).
4 O que confirma que devemos considerar que é Simão, o religioso, e não
Simão, o leproso, nos evangelhos de Mateus e de Marcos.
1 A tradição da gruta da Agonia não parece histórica.
2 Sem querer optar pela cronologia de João ou pela dos evangelhos sinópticos,
José Ratzinger/Bento XVI diz que esse episódio é “a versão de João do relato
do monte das Oliveiras” (Jésus de Nazareth, t.II. Monaco: Le Rocher, 2011,
p.95). Esse nome duplo que o papa Bento XVI utilizou para assinar a obra
tem como objetivo assinalar que ele intervém enquanto exegeta e teólogo
particular, e absolutamente não em nome do magistério romano do qual está
encarregado.
3 Primitivamente, a colina de Sião, que correspondia à antiga cidade de Davi,
ficava situada sobre a pequena colina a sudeste de Jerusalém. Provavelmente,
era lá que ficava a tumba do grande rei de Israel.
4 Irmandades. [N. T.]
1 Ver anexo III.
1 Festa na qual os senhores e escravos trocavam de papéis entre si. Sacas eram
uma tribo nômade iraniana. [N. T.]
2 Seriam as palavras que Pilatos teria dito em latim, ao apresentar Jesus Cristo
aos judeus. [N. T.]
3 TEB = Tradução Ecumênica da Bíblia. [N. T.]
1 Ver documento anexo II.
1 Também conhecido no Brasil e em Portugal como São Longuinho. [N. T.]
1 Faixas e não tiras estreitas, como dizem algumas traduções: nós não estamos
no Egito!
2 Nome pelo qual eram conhecidos os cristãos que viviam em território
muçulmano. [N. T.]
3 Para os teólogos, não se trata de uma simples saudação judaica, shalom, mas
da paz messiânica prometida por ele antes da sua morte.
4 Existe uma relação com Cléofas, irmão de José e tio de Jesus? Nessa
hipótese, seu companheiro de viagem seria talvez seu filho, Tiago, o Justo.
Não sabemos. Cléofas, nome grego, é abreviação de Cleopatros, que significa:
célebre por seu pai.
1 Eles foram, então, os primeiros adeptos do “adocionismo”, que considerava
Jesus como um homem comum, adotado por Deus por ocasião de seu
batismo.
2 Para se desembaraçar de qualquer veleidade desse tipo, ele tinha mandado
queimar os arquivos judaicos que continham as indicações genealógicas.
1 Lembrar que Christos (Cristo) é o equivalente, em grego, de mashiah
(messias) em hebraico, aquele que recebeu a Unção.
2 Evangelho Egerton, também chamado de O Evangelho Desconhecido. [N. T.]
3 Seita gnóstica dos séculos II e III, próxima de Valentim e de Marcião, cujos
membros abstinham-se de comer carne de animais e de beber vinho, e
condenavam o casamento como uma abominação.
1 Primeira epístola aos tessalonicenses, aos gálatas, a Filemon, aos filipenses,
aos romanos, a primeira e a segunda aos coríntios (essas epístolas são
unanimemente reconhecidas pelos críticos como provenientes de Paulo. Para
as outras, há discussão).
2 Retorno do Cristo na glória esperada no final dos tempos.
1 A simbólica cristã, que encontramos, por exemplo, nos mosaicos da basílica
de São Vital (em Ravenna, na Itália), associa o homem a são Mateus, o leão a
são Marcos e o touro a são Lucas.
2 É o que fica ressaltado da combinação do texto de Eusébio com o Cânone de
Muratori, do qual vamos falar em seguida.
3 Aquilo que precede, repetimos, é apenas uma hipótese. Numerosos autores
atribuem ao evangelho de João uma data mais tardia e um local de
composição em Éfeso. É verdade que o capítulo XXI foi, talvez, escrito após o
ano 70. Observamos, no entanto, que o contexto de parusia próxima evocada
(“Se eu quero que ele fique até que eu venha”, diz Jesus a Pedro, a propósito
de João, “o que te importa a ti? Quanto a ti me segue”, João 21, 22) se
adapta melhor a uma data próxima da morte de Pedro (por volta do ano 65).
Seja como for, um fato permanece: o indubitável valor histórico do
testemunho do discípulo bem-amado ao longo de todo o evangelho.
1 Hassidianos ou chassidianos, grupo de judeus religiosos que resistiram
quando o rei selêucida da Síria, Antióquio IV Epifânio, e seus sucessores
(século II a.C.) quiseram impor aos judeus o culto de seus deuses.
2 “N” maiúsculo. [N. T.]
1 Como a Imagem de Edessa é conhecida na Igreja Ortodoxa. [N. T.]
2 Do grego: imagem não feita pela mão do homem. [N. T.]
1 Revista católica internacional. [N. T.]
2 SJ, em latim, Societa Iesu, Companhia de Jesus. [N. T.]
3 Local de pesquisa e de debate para a Igreja e a sociedade. [N. T.]
4 Associação internacional de fiéis de direito pontífice. [N. T.]