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RENABE - Web 2021
RENABE - Web 2021
457-82
Brasília, abril de 2021
CDD 372
CDU 372
2020-2806
Secretário-Executivo
VICTOR GODOY VEIGA
Secretário de Alfabetização
CARLOS FRANCISCO DE PAULA NADALIM
Secretaria de Alfabetização
ANTHONY TANNUS WRIGHT
CLÁUDIA DA SILVA
DANIEL DO NASCIMENTO ASSIS FILHO
DANIEL PRADO MACHADO
EDUARDO FEDERIZZI SALLENAVE
FÁBIO DE BARROS CORREIA GOMES FILHO
FELIPE SALOMÃO CARDOSO
FRANCISCA NEGREIROS DA SILVA
GILDETE DUTRA EMERICK
IVONE COSTA DE OLIVEIRA
LUIZ CLÁUDIO LIMA COSTA
MANOELA VILELA ARAÚJO RESENDE
MARIANA ALMEIDA DE FARIA
MARIA EDUARDA MANSO MOSTAÇO
MAURÍCIO ALMEIDA PRADO
PAULA JOANA BAREIRO TAVARES
RENATA SILVA DE ALMEIDA DOS SANTOS
ROSIMERE GOMES ROCHA
STELA FONTES FERRERIA DA CUNHA
TALITA LIMA LEMES
VERÔNICA CARDOZO PESSOA DE CARVALHO
VICTOR DE CARVALHO SILVEIRA
WILIAM FERREIRA DA CUNHA
Em cumprimento aos preceitos da Constituição Federal de 1988, que estabelece a educação como
direito de todos e dever do Estado e da família, o Brasil praticamente universalizou o acesso aos
anos iniciais do ensino fundamental.
Apesar disso, quando considerado o assombroso índice de analfabetismo funcional, é perceptível
que não há muito a ser comemorado. As crianças estão indo para a escola, mas o aprendizado
efetivo tem sido bastante questionável.
Os resultados das avaliações internas, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb),
e externas, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), mostram que o
problema é muito mais complexo e exige determinação no enfrentamento de suas múltiplas frentes
e nos diversos níveis e etapas da educação brasileira.
Reconhecidamente, é de fundamental importância dedicar atenção à formação de professores, à
elaboração de currículos e materiais didáticos apropriados às diferentes fases de desenvolvimento
dos estudantes; à valorização dos planos de carreira dos profissionais da educação e à garantia
de infraestrutura adequada, além de outras providências de igual envergadura.
Tudo isso é de extrema relevância. Entretanto, diante de situações de crise, é imperativo estabelecer
prioridades. Reconhecendo que o domínio da leitura e da escrita são a chave para o conhecimento
em todas as áreas do saber, entendemos que dar centralidade às políticas públicas de alfabetização
no processo de melhoria do ensino é escolha sábia e acertada.
Portanto, entrego este Relatório na expectativa de que o caminho da alfabetização, pavimentado
pelas ciências cognitivas, conduza o Brasil aos mais importantes resultados educacionais de toda
a sua história.
MILTON RIBEIRO
Ministro de Estado da Educação
O Brasil praticamente universalizou o acesso aos anos iniciais do ensino fundamental. Entretanto,
isso ocorreu com substancial atraso – apenas no fim do século XX. Mesmo na América Latina,
alguns países avançaram antes e muito mais rápido do que o Brasil no âmbito da alfabetização,
como demonstra a tabela a seguir.
Argentina 87,6%
Brasil 49%
Chile 79%
México 60%
Paraguai 66%
Uruguai 86%
Estados Unidos 96,8%
Fonte: https://ourworldindata.org/
Ainda que o Brasil esteja próximo da erradicação do analfabetismo absoluto na população mais
jovem, a aprendizagem segue muito limitada — a maioria dos alunos não consegue compreender
o que lê, conforme revelam as provas padronizadas nacionais e internacionais.
A edição mais recente do Programme for International Student Assessment (Pisa), de 2018, ao
fazer uma retrospectiva dos escores dos países participantes, mostra que os alunos brasileiros com
idade entre 15 e 16 anos não apresentaram, no quesito leitura, nenhuma mudança significativa de
desempenho desde a primeira edição, em 2000. Mantiveram-se em um patamar de proficiência
muito baixo (413 pontos). Em 2018, 50% deles estavam abaixo do nível 21, o que os coloca em
situação de analfabetismo funcional, mesmo depois de frequentarem a escola por, no mínimo,
nove anos (considerando-se os estudantes que não cursaram a pré-escola).
1 Inep, com base em OCDE. Relatório Brasil no Pisa 2018, pág. 70, figura 3.8.
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(Terce), o Brasil ficou em desvantagem com relação a países como Chile e Uruguai: alcançou, em
leitura, no correspondente ao 4º ano do ensino fundamental, um escore médio de 712 pontos, com
34% dos alunos classificados no nível 1 de proficiência, em uma escala de quatro gradações.
É preciso, portanto, compreender por que a maior parte dos alunos brasileiros, mesmo
frequentando a escola desde os 4 anos de idade, não consegue, aos 8, localizar uma informação
explícita em textos de maior extensão, identificar o referente de um pronome pessoal do caso reto,
ou inferir relação de causa e consequência. Pelo menos dois estudos podem explicar essa situação:
Alfabetização infantil: os novos caminhos, de 2003, elaborado pela Comissão de Educação e
Cultura da Câmara dos Deputados e reeditado em 2007 e em 2019; e Aprendizagem infantil:
Uma abordagem da neurociência, economia e psicologia cognitiva, de 2011, publicado pela
Academia Brasileira de Ciências.
Com esse gravíssimo quadro educacional, nega-se, mesmo àqueles que frequentam escolas
regularmente, o direito à aprendizagem em seu nível mais básico — que é compreender o
que se lê e escrever de forma efetiva. Assim, um dos direitos humanos mais elementares é tolhido.
Trata-se de uma questão moral, pois as famílias confiam seus filhos ao Estado brasileiro, para que
aprendam aquilo que a humanidade considera inerente à instituição escolar. Mas também se trata
de uma questão político-econômica, pois se desperdiçam recursos públicos, talentos nacionais e
capital humano. Essa dinâmica coloca em xeque a validade social da educação escolar no Brasil.
Diante desses desafios, o problema passou a ser tratado de forma científica na esfera federal.
Em janeiro de 2019, foi criada a Secretaria de Alfabetização (Sealf); e, em 11 de abril do mesmo
ano, foi publicado o Decreto nº 9.765, que instituiu a Política Nacional de Alfabetização (PNA).
Esses dois atos marcam o compromisso do Governo Federal com os primeiros anos escolares,
fundamento de toda a trajetória educacional. Tal normativa constitui um plano de ação para
enfrentar a questão da literacia e da numeracia no País. As iniciativas ali elencadas estão sendo
materializadas diante do povo brasileiro, da maneira mais transparente, eficaz e eficiente possível,
utilizando-se as tecnologias disponíveis.
2 54,73% dos estudantes alcançaram níveis insuficientes em leitura, mas 33,95% em escrita.
3 Microdados do Saeb/ANA 2016/Inep (p. 74).
4 Microdados do Saeb/ANA 2016/Inep (p. 75).
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Em junho de 2019, o Brasil adere ao Progress in International Reading Literacy Study (Pirls),
importante estudo internacional que abrangerá escolas públicas e privadas de todo o território
brasileiro, conforme diretrizes amostrais e critérios estatísticos da International Association for the
Evaluation of Educacional Achievement (IEA).
Em continuidade com essas ações, em agosto de 2019, foi publicado o Caderno da PNA, que veio
aprofundar os conteúdos da Política Nacional de Alfabetização.
Em 5 de dezembro de 2019, foi lançado o programa Conta pra Mim, com a finalidade de orientar,
estimular e promover práticas de literacia familiar. Inicialmente, um guia e quarenta vídeos
instrucionais para pais e professores foram disponibilizados.
No dia 18 de fevereiro de 2020, teve início o programa Tempo de Aprender, cujo público-alvo são
profissionais da alfabetização que atuam no último ano da pré-escola e nos dois primeiros anos
do ensino fundamental. Organizado em dez ações estruturadas em quatro eixos, o programa tem
como objetivo melhorar a qualidade da alfabetização em todas as escolas públicas do Brasil. No
âmbito da formação de professores, o curso on-line Práticas de Alfabetização tornou-se, em pouco
tempo, recorde em número de inscrições, acessos e likes, no Ambiente Virtual de Aprendizagem
do Ministério da Educação (Avamec). Com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes), o Tempo de Aprender promove também o curso Alfabetização Baseada
na Ciência (ABC), em parceria com a Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
da Universidade do Porto (FPCEUP) e com o Instituto Politécnico do Porto (IPP), importantes
instituições de Portugal, conciliando conhecimentos científicos e práticas pedagógicas.
Em comemoração do Dia Nacional da Educação Infantil (25 de agosto), foi lançada a Coleção
Conta pra Mim, composta de quarenta livros infantis em formato digital. Na ocasião, foram
apresentadas ainda duas coletâneas, num total de 28 vídeos, em que o músico Toquinho interpreta
cantigas tradicionais brasileiras em arranjos exclusivos e narra fábulas de Monteiro Lobato.
Em parceria com a Capes, foi publicado no Avamec o curso Práticas de Produção de Texto,
reedição do Curso de Aperfeiçoamento em Língua Portuguesa, do prof. Eurico Back. A formação,
originalmente oferecida no estado do Paraná, é especialmente voltada a professores do ensino
fundamental.
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contribuições ao processo de alfabetização de crianças com base em evidências científicas. Tudo
isso é sinal de que a PNA e as iniciativas do MEC, por meio da Sealf, estão induzindo mudanças.
O presente relatório é o principal produto da Conabe, pois consolida e organiza seu conteúdo
científico. Cada um dos coordenadores dos simpósios responsabilizou-se pela produção de um
dos capítulos, todos estes de suma importância para compreender, de forma objetiva e sintética,
os aspectos cognitivos e conceituais envolvidos no ensino e na aprendizagem da literacia e da
numeracia, seja no espaço escolar, seja no seio da família.
Os capítulos são verdadeiras lições, com seleção de rica bibliografia e exposição do estado da arte
da alfabetização, da literacia e da numeracia. O rigor acadêmico não restringe a compreensão da
leitura ao círculo dos especialistas. O público geral — professores da educação infantil e dos anos
iniciais do ensino fundamental, profissionais da educação, gestores públicos, pais e responsáveis,
entre outros — encontrará conteúdos complexos em linguagem clara e acessível, mérito dos
autores, que cumpriram seu objetivo de divulgação científica.
O Renabe e as pesquisas que o fundamentam constituem uma sólida base técnica para orientar
a tomada de decisões no âmbito da Secretaria de Alfabetização. Melhorar a qualidade da
alfabetização no Brasil ainda é um grande desafio. Porém, as conquistas obtidas até o momento
animam o Ministério da Educação a seguir o caminho traçado pela Política Nacional de
Alfabetização.
Agradeço aos doze especialistas que foram responsáveis por elaborar, com independência e
autonomia, este relatório.
Secretário de Alfabetização
Presidente da I Conferência Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências
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sobre as evidências científicas
A isenção que decorre do rigor científico é um atributo que permite oferecer à sociedade
os melhores serviços e produtos, independentemente de qualquer conjuntura política. Utilizar as
evidências científicas na condução de políticas públicas é, portanto, uma forma de mobilizar o
princípio da eficiência, que deve reger a administração pública.
Porque não é um fim em si mesmo, o conhecimento científico aplicado à seara social deve ter particular
preocupação com a qualidade da entrega. Não se trata de perseguir cegamente linhas que
conduzam a consequências preconcebidas, para tentar reafirmar algum princípio ideologicamente
escolhido. Trata-se, ao contrário, de testar as melhores evidências possíveis, aproveitá-las e adaptá-las
no que for necessário para fornecer resultados concretos que melhorem a vida dos cidadãos.
Por essa razão, é especialmente importante considerar, no debate, diferentes campos e técnicas
afetos a cada tema: toda ciência seriamente conduzida tem grande potencial de contribuir com
a eficácia da entrega. Com relação à alfabetização, um dos campos de estudo que tem muito a
contribuir é a Ciência Cognitiva da Leitura. Essa área, multidisciplinar pela sua própria essência,
agrega pesquisadores da Pedagogia, Fonoaudiologia, Linguística, Neurociências, entre outros.
Quando a meta é obter uma melhoria objetivamente mensurável de qualidade, a combinação
de diferentes perfis e perspectivas científicas é salutar, porque atua segundo a lógica de
complementaridade dos conhecimentos.
Foi exatamente um painel multidisciplinar o responsável por elaborar uma das mais importantes
consolidações científicas sobre a leitura: o National Reading Panel, de 2000, nos Estados Unidos.
O documento apresenta os principais pilares para uma efetiva aprendizagem da leitura. Salienta
ainda que programas dedicados à instrução explícita e sistemática dos componentes são superiores
em resultados. Apesar de completadas duas décadas de sua publicação, as evidências científicas
mais recentes sugerem que os resultados ali presentes são bem atuais. Também apontam para
a importância de incluir a escrita entre os pilares e de se dedicar ao ensino da numeracia, que,
embora não se enquadre no conceito de alfabetização, pode e deve ser ensinada ao lado dela.
Muito da discussão ainda travada — e da pesquisa ainda desenvolvida — sobre o tema gira em
torno de como abordar tais pilares, realizar a instrução, conduzir avaliações e promover políticas
públicas relativas a currículos e a formação dos professores, indubitavelmente atores fundamentais
no processo de aprendizagem das crianças. O presente Relatório Nacional de Alfabetização
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Baseada em Evidências (Renabe) consiste em um esforço do Brasil em apresentar as pesquisas
mais recentes sobre esses aspectos.
A publicação do Renabe decorre da convicção de que o conhecimento científico pode e deve ser
sempre colocado a serviço do interesse público. É a concretização do desejo de que a ciência
contribua para a construção de uma sociedade melhor.
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o painel de especialistas
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membros do painel nacional de
especialistas em alfabetização,
literacia e numeracia
Presidente Científico
Vice-Presidente Científico
Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com
período sanduíche na UTRPP, da Université Paris 13 – Paris Sorbonne Nord, mestre em Letras
pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, especialista em Linguística aplicada ao ensino
de Língua Materna pela Universidade Federal de Juiz de Fora, graduada em Letras Português/
Francês e respectivas literaturas pela Universidade Federal de Juiz de Fora. É especialista em
avaliação educacional no Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade
Federal de Juiz de Fora. Foi membro da “Commission de validation relative au projet de référentiel
d’Engagement de service ‘Evaluation des acquis des élèves’ “ (DEEP/Ministére de l’Éducation
Nationale e ANFOR Certification - França). Foi Coordenadora-Geral de Avaliação Pedagógica
no Ministério da Educação (MEC).
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/7978963389976247
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PROF.ª DR.ª MARIA REGINA MALUF
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PROF.ª DR.ª ALESSANDRA GOTUZO SEABRA
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PROF.ª DR.ª ILONA MARIA LUSTOSA BECSKEHÁZY FERRÃO DE SOUSA
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PROF.ª DR.ª JERUSA FUMAGALLI DE SALLES
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membros do painel e seus
colaboradores por eixo
de trabalho
Os capítulos apresentados neste Relatório foram elaborados com base em pesquisas realizadas
pelos coordenadores de eixo e suas respectivas equipes determinadas por eles. Assim, as pesquisas
relatadas em cada capítulo poderão ser publicadas em outros meios e formas como artigos
científicos, capítulos de livros ou apresentações públicas, respeitando-se a autoria de cada
coordenador de eixo e de seus respectivos grupos e identificando-se que a pesquisa originalmente
foi realizada em função deste Relatório e o integra.
O Painel agradece a todos os colaboradores por sua generosidade e dedicação e reconhece sua
contribuição, apresentando-se abaixo a lista separada de colaboradores por eixo.
Ciências cognitivas e
Caroline Campos Rodrigues da Silva
pesquisas translacionais Maria Regina Maluf
e Elianne Madza
em alfabetização (Cap. 1)
Aprendizagem e
Cláudia Cardoso-
desenvolvimento da leitura Renan de Almeida Sargiani
-Martins
e da escrita (Cap. 3)
Autorregulação
Natália Martins Dias, Patrícia
comportamental,
Alessandra Gotuzo Loschiavo Daniel Fernandes,
cognitiva, emocional e
Seabra Caroline de Oliveira Cardoso e
motivacional no processo
Rochele Paz Fonseca
de alfabetização (Cap. 6)
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Dificuldades e distúrbios
da leitura e da escrita e Janice Gonçalves Temoteo Marques,
Fernando César
desafios na alfabetização Antonielle Cantarelli Martins e
Capovilla
em diferentes contextos Rodrigo Coelho de Oliveira
(Cap. 7)
Planejamento e
orientações curriculares Ilona Becskeházy
para o ensino de literacia
e numeracia (Cap. 9)
Numeracia e ensino de
Vitor Geraldi Haase
matemática básica (Cap. 4)
Formação e
desenvolvimento Márcia Teixeira
Suelen Gibellato Suzuki
profissional de professores Sebastiani
(Cap. 10)
Avaliação e
monitoramento da
Jerusa Fumagalli Carla Alexandra da Silva Moita
aprendizagem de leitura,
de Salles Minervino e Gabriella Koltermann
escrita e matemática
básica (Cap. 8)
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sumário
SUMÁRIO EXECUTIVO......................................................................................................................................................................................... 25
Sobre a Política Nacional de Alfabetização e o Painel de Especialistas.............................................................. 25
Sobre a Conferência Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências (Conabe).............................. 26
Apoio à PNA pelo Painel na Conabe.....................................................................................................................................................27
Sobre o Relatório Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências (Renabe)...................................... 28
Afinal o que são evidências?.......................................................................................................................................................................... 28
Sobre a estrutura deste Relatório.............................................................................................................................................................. 32
Principais Evidências por eixo temático................................................................................................................................................ 33
PARTE 1..................................................................................................................................................................................................................................... 44
Capítulo 1. Ciências Cognitivas e pesquisas translacionais em alfabetização................................................. 48
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sumário executivo
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Sobre a Conferência Nacional de Alfabetização
Baseada em Evidências (Conabe)
Como uma das ações de implementação da PNA, o MEC promoveu, por meio da Secretária de
Alfabetização (Sealf), a Primeira Conferência Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências
(Conabe). Realizada em Brasília, de 22 a 25 de outubro de 2019, a Conabe reuniu mais de 50
pesquisadores, professores, gestores educacionais e formuladores de políticas públicas educacionais,
tanto do Brasil quanto do exterior. Na Conabe, esse corpo de mais de 50 conferencistas participou
de apresentações e discussões de novos modelos teóricos e achados de pesquisa que constituem
o estado da arte nas ciências cognitivas acerca de literacia, numeracia, bem como de fatores do
ensino-aprendizagem, e das competências cognitivas, linguísticas e metalinguísticas envolvidas. As
conferências e debates sobre as implicações desse vasto corpo de conhecimentos para a construção
de políticas de alfabetização foram instrumentais para auxiliar a elaboração do Renabe pelo
Painel Nacional de Especialistas em Alfabetização, Literacia e Numeracia. Todo este grande
esforço conjunto confere ao presente Relatório Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências
(Renabe) o escopo e a profundidade necessários para subsidiar o aperfeiçoamento constante das
políticas públicas em Educação no Brasil.
Sob o tema “A Política Nacional de Alfabetização e o Estado da Arte das Pesquisas sobre
Alfabetização, Literacia e Numeracia”, os trabalhos foram organizados em dez eixos temáticos
conduzidos pelos doze conferencistas:
Durante a Conabe, ocorreram diversas reuniões estruturadas entre os membros do Painel e diferentes
pesquisadores, professores, gestores educacionais, e demais participantes do evento. Nessas reuniões,
os pesquisadores, professores, gestores educacionais foram ouvidos pelos conferencistas em suas
sugestões e demandas para aperfeiçoar as políticas de alfabetização. Os debates amplos acerca
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das principais propostas e sugestões feitas pelos pesquisadores, professores e gestores, à luz dos
novos conhecimentos apresentados, e os amplos diálogos que se seguiram, foram instrumentais para
auxiliar os conferencistas a preparar a elaboração do presente Renabe, que procura formular os
principais consensos entre os conferencistas, os pesquisadores, professores, gestores educacionais,
com vistas ao atendimento das principais demandas levantadas durante o evento.
Fortalecido pelo sucesso da Conabe, pelas evidências auspiciosas das ciências cognitivas de
leitura e escrita, e pela ampla base de consenso entre pesquisadores, professores e gestores, à luz
do estado da arte das ciências cognitivas de leitura e escrita, o Painel de Especialistas oferece o
presente Renabe com o objetivo de promover o aperfeiçoamento contínuo das políticas públicas
de alfabetização no Brasil.
Alguns dos membros deste Painel de Especialistas foram consultados durante o processo
de construção da Política, e participaram da redação do caderno explicativo publicado em
agosto de 2019.
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O espírito que inspirou os conferencistas a elaborar esse documento de Consenso é o mesmo espírito
que os norteou a elaborar o presente Renabe. Trata-se do espírito de buscar incessantemente, no
estado da arte nas Neurociências Cognitivas e nas Ciências Cognitivas de Leitura e Escrita, as
evidências mais solidamente estabelecidas para o aperfeiçoamento constante das políticas de
alfabetização com equidade, sensibilidade, e eficácia.
Os membros do Painel são unânimes na defesa das Ciências Cognitivas de Leitura e Escrita como
base para prover evidências relevantes acerca de procedimentos e recursos eficazes, viáveis e sensíveis
para auxiliar alunos com diferentes características a adquirir competências de leitura, escrita e
aritmética. Os conferencistas defendem a importância desse conhecimento para o aperfeiçoamento
constante das práticas de alfabetização com eficácia, sensibilidade e equidade no Brasil.
Diferentes fontes de evidências podem ser usadas para informar a tomada de decisão em
alfabetização. Elas incluem observação, documentos, depoimentos, entrevistas, experiências,
raciocínio, revisões sistemáticas da literatura, pesquisas observacionais e experimentais feitas a
partir delas e meta-análises dos dados dessas pesquisas. As evidências, portanto, podem assumir
formas distintas e ser valorizadas de forma diversa, em diferentes contextos na medicina, na
educação, no sistema jurídico, nas políticas públicas (THOMAS; PRING, 2007).
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Quando buscamos evidências para melhorar nossas práticas pedagógicas, precisamos nos orientar
por parâmetros de qualidade de delineamentos de pesquisa baseados em rigorosos controles
experimentais e estatísticos para o teste de hipóteses. Isso foi feito no Renabe, assim como em relatórios
anteriores dos Estados Unidos, da Inglaterra, da França e do Brasil. Como exemplo de relatórios
estrangeiros, temos os relatórios norte-americanos Preventing Reading Difficulties in Young Children
(NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1998), National Reading Panel (NATIONAL READING
PANEL, 2000), National Early Literacy Panel (NATIONAL EARLY LITERACY PANEL, 2008), o
relatório francês Apprendre a Lire (OBSERVATOIRE NATIONAL DE LA LECTURE, 1998), e os
relatórios britânicos de Rose (ROSE, 2006; ROSE SIR, 2009). Como exemplo de relatórios brasileiros
em nível federal, temos o Relatório da Câmara dos Deputados (BRASIL, 2007) e o Relatório da
Academia Brasileira de Ciências (ABC, 2011). Como exemplo de relatório estadual, temos o Relatório
Cearense para a Eliminação do Analfabetismo Escolar (CEARÁ, 2006).
A revisão de literatura pode ser simples (também chamada de narrativa) ou sistemática. Enquanto
a revisão de literatura simples ou narrativa usa critérios subjetivos para escolher os artigos,
a revisão sistemática analisa todos os artigos que satisfazem critérios de qualidade definidos a
priori, e faz uma avaliação quantitativa dos resultados. A revisão sistemática da literatura é um
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método sistemático usado para encontrar e avaliar criticamente todas as evidências científicas
disponíveis sobre uma questão de pesquisa, de modo a reduzir o risco de cometer o erro tipo I, ou
seja, o de publicar como real, válido e fidedigno, um efeito que é meramente acidental, ou seja,
que é meramente artefato de variáveis pouco controladas. A metanálise é uma técnica estatística
específica para integrar os resultados desses estudos da revisão sistemática para permitir a tomada
da decisão. Essa técnica estatística foi especialmente desenvolvida para integrar os resultados de
vários estudos independentes conduzidos sobre uma mesma questão de pesquisa, em uma revisão
sistemática da literatura. Ela combina os resultados desses vários estudos em uma medida resumo.
O Renabe consiste, em sua maior parte, numa revisão sistemática. Contudo, como, em Educação,
nem sempre esse elevado rigor de controle experimental e estatístico pode ser exercido, podem ser
aceitos como evidência provisória resultados de estudos quase experimentais e, mesmo, correlacionais.
O importante é procurar exercer sempre o maior controle possível sobre as fontes de invalidade. Um
catálogo dessas fontes e de como cada uma delas pode ser controlada em diferentes delineamentos
pode ser encontrado em tratados clássicos (e.g., SHADISH; COOK; CAMPBELL, 2001)
No final da década de 1990, teve início um debate político e acadêmico sobre a necessidade de
adotar recomendações de práticas em educação baseadas em evidências científicas sólidas com
elevados padrões de validade científica, replicabilidade e relevância prática. Essa ideia de educação
baseada em evidências derivou do movimento de medicina baseada em evidências. Segundo
OAKLEY (2000) as revisões sistemáticas são o método básico para gerenciar o conhecimento na
abordagem baseada em evidências. Essas revisões sistemáticas cobrem todas as pesquisas que
satisfazem critérios apriorísticos específicos e que permitem tomar decisões de um modo explícito,
transparente, replicável, responsável e passível de atualizações constantes.
Diversos países têm adotado evidências científicas como base de suas decisões em políticas
educacionais, e para isso também têm realizado revisões sistemáticas de literatura para a
tomada de decisão. Como vimos, o presente Relatório surge na esteira destes relatórios anteriores
como os norte-americanos Preventing Reading Difficulties in YoungChildren (COUNCIL, 1998),
National Reading Panel (NATIONAL READING PANEL, 2000), National Early Literacy Panel
(NATIONAL EARLY LITERACY PANEL, 2008); o francês Apprendre a Lire (OBSERVATOIRE
NATIONAL DE LA LECTURE, 1998); os britânicos de Rose (ROSE, 2006; ROSE SIR, 2009); e
os brasileiros em nível nacional, como o Relatório da Câmara dos Deputados (BRASIL, 2007) e o
Relatório da Academia Brasileira de Ciências (ABC, 2011); e em nível estadual, como o Relatório
Cearense para a Eliminação do Analfabetismo Escolar (CEARÁ, 2006).
O presente Relatório se origina, portanto, com base na Política Nacional de Alfabetização (PNA),
que orienta para a importância das evidências científicas vigorosas e atualizadas da Ciência
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Cognitiva da Leitura na formulação de políticas públicas, e que estabelece as evidências científicas
como fundamento para formular políticas e tomar decisões. O relatório se concentra nas evidências
da Ciência Cognitiva da Leitura, por ser ela uma área multidisciplinar de estudo científico da
aprendizagem e do ensino da leitura e da escrita que se consolidou desde os anos 1970 e que tem
sido utilizada em diversos países. Embora não ignore outras áreas e abordagens, ele procura se
concentrar nas evidências de qualidade, obtidas empiricamente de estudos experimentais, quase
experimentais, ou pelo menos correlacionais. O relatório procurou incluir estudos a partir da
qualidade de suas evidências, de sua relevância, e de medidas de validade, precisão e confiabilidade
de seus achados.
Observações mais casuais, em situações pouco controladas, podem levar a conclusões incorretas. Em
uma mesma escola dois professores alfabetizadores podem ser muito diferentes. Um determinado
professor pode ter muita experiência de alfabetização e conseguir sucesso com 100% de seus
alunos alfabetizados no primeiro ano. Já outro professor pode não conseguir alfabetizar 50% de
sua turma até o final do ano. O que isso indica? Quais são as evidências? Podemos dizer que a
experiência dos professores influenciou, mas não temos certeza se todos os alunos tinham habilidades
e conhecimentos semelhantes no começo do processo de alfabetização. Não temos certeza se
as explicações foram as mesmas e se os materiais didáticos utilizados também o foram.
Existem diversas variáveis que podem explicar essas diferenças entre os dois professores, assim
como podem existir diversas variáveis quando comparamos sem uma metodologia apropriada
escolas diferentes e mesmo sistemas educacionais inteiros.
Neste Relatório, o leitor irá encontrar os frutos dos esforços de doze pesquisadores com diferentes
experiências e conhecimentos que apresentam uma síntese de evidências encontradas para
dez eixos norteadores definidos pela Secretaria de Alfabetização do Ministério da Educação
como pontos de interesse e que precisam de evidências vigorosas para a tomada de decisão.
Embora doze pessoas com experiências tão diversas possam não concordar em tudo, elas
concordam em usar o nível de rigor da metodologia de controle experimental e estatístico dos
estudos como critério para a tomada de decisões envolvendo as conclusões desses estudos.
Esse consenso básico permite união na diversidade de perspectivas, e articulação produtiva na
pluralidade dos achados da pesquisa em leitura, escrita, e matemática. As evidências científicas
são o denominador comum a todos os pesquisadores, e são elas o grande critério harmonizador
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entre os diversos capítulos, que sintetizam os achados de pesquisa obtidos com estudos em diversas
áreas, com metodologias variadas, de modo a retratar o estado da arte em cada eixo temático.
Este Relatório não ignora os avanços conquistados por pesquisadores, professores e demais
interessados na alfabetização, obtidos principalmente desde meados do século XX, mas apenas os
contextualiza em seu respectivo período histórico buscando a partir deles e com base em pesquisas
mais atuais estabelecer orientações para o futuro do Brasil.
O presente Relatório é, portanto, uma contribuição dos diferentes pesquisadores que lideraram
esta revisão e dos diversos pesquisadores, professores, gestores educacionais, stakeholders e
formuladores de políticas públicas que participaram dos quatro dias da Conferência Nacional de
Alfabetização Baseada em Evidências (Conabe), realizada em Brasília em outubro de 2019.
As pesquisas foram coordenadas pelos respectivos coordenadores de eixo da Conabe e por seus
pesquisadores colaboradores, a quem o Painel Nacional agradece pela colaboração em prol da
educação brasileira.
Alguns desses estudos foram mais sistemáticos que outros, dada a natureza e abrangência do
tema investigado. Assim, a metodologia utilizada é diversa e em cada um deles é descrita no próprio
capítulo. As três partes estruturantes do Relatório concentram os diferentes tipos de estudos.
A Parte II trata do ensino e da avaliação das habilidades de leitura e escrita, com especial
destaque para a aprendizagem e o ensino que respeitam as particularidades da aprendizagem
em contextos variados quando se tem diversidade linguística, cultural e biológica.
O relatório finaliza com um resumo das recomendações para políticas públicas, práticas de ensino
e de avaliação baseadas nas evidências que foram reunidas e discutidas ao longo do relatório.
O resumo é seguido de um glossário que objetiva uniformizar e esclarecer definições de conceitos
técnicos empregados ao longo do relatório.
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A seção a seguir apresenta, de modo resumido, um panorama geral de alguns dos principais
achados de pesquisa que se encontram apresentados e discutidos em cada um dos capítulos de
cada um dos eixos temáticos deste relatório.
• É crescente a preocupação dos pesquisadores das ciências cognitivas com o impacto que as
pesquisas experimentais controladas podem ter no mundo real, na qualidade do ensino e da
aprendizagem nas salas de aula. Essa preocupação constitui o enfoque translacional.
• Embora ainda seja recente, a pesquisa translacional já tem produzido resultados inovadores
para fundamentar políticas de longo prazo.
• Na alfabetização, a frase “cada criança tem seu tempo” é tão romântica quanto vazia,
quando confrontada com as evidências da ciência da leitura e da neurociência cognitiva. É do
cérebro o tempo necessário para uma maior chance de sucesso na alfabetização.
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Capítulo 3. Como as crianças aprendem a ler e a escrever em
Português do Brasil
• Os principais preditores da aprendizagem da leitura e da escrita são o conhecimento de
letras e a consciência fonêmica.
• Quando as crianças conseguem entender que palavras podem ser segmentadas em unidades
mínimas, denominadas fonemas, e que as letras representam esses fonemas, elas desenvolvem
um poderoso mecanismo psicolinguístico para ler e escrever palavras.
• Embora o objetivo da alfabetização seja o ensino das habilidades de decodificação e
codificação, essas habilidades não são suficientes para que uma pessoa seja um bom leitor
e escritor. É necessário ensinar outras habilidades e conhecimentos, como o vocabulário e o
conhecimento sobre o mundo.
• Uma teoria antiga, que ainda vigora no Brasil para tentar explicar o desenvolvimento da leitura e da
escrita, é o modelo de Emília Ferreiro. Essa teoria é denominada “psicogênese da leitura e da escrita”.
Contudo, há muitas evidências de que várias hipóteses e premissas dessa teoria estão equivocadas.
• Uma teoria mais contemporânea e promissora, para explicar o desenvolvimento da leitura e
da escrita de crianças brasileiras, é a teoria de fases, proposta por Linnea Ehri. Esse modelo
traz implicações pedagógicas importantes sobre como as crianças aprendem a ler e a escrever
e como se deve ensiná-las de modo mais eficiente.
• Segundo a teoria de fases, as crianças progridem ao longo de fases de entendimento sobre o
funcionamento do sistema alfabético. Inicialmente, elas desconhecem como o sistema funciona.
Por isso, elas leem e escrevem palavras por meio de pistas visuais, e não fonológicas. Contudo,
com o ensino explícito sobre o sistema alfabético, elas passam a ler e escrever com base nas
relações entre as letras e os sons, até que aprendem a ortografia das palavras.
• Assim como a compreensão leitora, algumas atividades aritméticas, tal como a resolução de
problemas verbalmente formulados, dependem das habilidades de processamento textual.
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• Um pré-requisito importante para a aquisição da habilidade de resolver problemas aritméticos
é o vocabulário relacionado aos quantificadores linguísticos.
• Atividades envolvendo contagem nos dedos e manipulações de linhas numéricas podem ser
empregadas para promover o desenvolvimento do conhecimento dos números, das relações
entre os números e das operações numéricas.
• Por um lado, o ensino muito tradicional, com ênfase na acurácia e fluência, é um fator de risco
para o desenvolvimento de ansiedade matemática. Por outro lado, a aprendizagem da matemática
exige prática deliberada. Um foco excessivo na compreensão em detrimento da aquisição de
fluência com fatos e procedimentos também constitui um fator de risco para a ansiedade
matemática na medida em que dificulta a aprendizagem de habilidades mais complexas.
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Capítulo 5. Estratégias e práticas de ensino para a aprendizagem
da leitura e da escrita
• Em termos de estratégias e práticas de ensino para estimular os precursores da leitura e da
escrita, na Educação Infantil, é importante que o currículo escolar inclua atividades voltadas
para desenvolver habilidades gerais e específicas.
• Dentre as habilidades gerais, destacam-se as habilidades socioemocionais e de controle
executivo. Essas habilidades são necessárias tanto para o aprendizado de diversos conteúdos
acadêmicos quanto para o desenvolvimento emocional do indivíduo e seu convívio harmonioso
em sociedade.
• Dentre as habilidades específicas, destacam-se as habilidades semânticas, morfossintáticas,
narrativas e de processamento fonológico. Essas habilidades estão intimamente relacionadas
ao sucesso do processo de alfabetização, tanto em termos de decodificação quanto compreensão
de leitura.
• Em termos de estratégias para estimular as habilidades de processamento fonológico e
a relação com a escrita, recomenda-se incluir no currículo, de forma sistemática, o estímulo
de habilidades metalinguísticas. Essa inclusão impacta positivamente na aprendizagem e
desenvolvimento da leitura e da escrita. As estratégias devem ir além do nível do fonema. Elas
devem abarcar outras unidades linguísticas, como os morfemas, por exemplo. Isso promove a
leitura fluente e com compreensão.
• Em termos de estratégias para estimular a fluência de leitura, sugere-se estimular a automaticidade
do reconhecimento visual de palavras isoladas. Recomenda-se a leitura repetida, com foco na
adequação da prosódia. Recomendam-se também atividades de leitura mediada por pares, e de
leitura dialógica parental para os pré-escolares.
• A literatura relata ganhos para habilidades acadêmicas e pré-acadêmicas. Esses ganhos podem
ser específicos, para habilidades de linguagem, por exemplo, ou de controle de impulsos. Os ganhos
podem demandar maior tempo para se manifestar. Por isso os programas devem ser mais longos.
• Os efeitos das intervenções são diferentes em crianças com características diferentes. Os efeitos
tendem a ser mais benéficos em crianças com maiores dificuldades, bem como em crianças
oriundas de ambientes menos favorecidos.
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• As atividades empregadas sem consistência (com menor confiabilidade) podem ser pouco
eficientes em melhorar a autorregulação.
• Na criança ouvinte e falante, o léxico de palavras ouvidas (Léxico Fonológico) faz a mediação
entre o léxico de palavras escritas (Léxico Ortográfico) e o significado (Léxico Semântico). É
por isso que, quanto maior o vocabulário (receptivo na compreensão auditiva, e expressivo na
fala) em Português, tanto maiores as habilidades de compreensão de leitura e de nomeação
escrita. Já na criança surda sinalizante, o léxico de sinais (Léxico Sematósico) faz a mediação
entre o léxico de palavras escritas (Léxico Ortográfico) e o significado (Léxico Semântico). É
por isso que, quanto maior o vocabulário em Libras, tanto maiores as habilidades de compreensão
de leitura e de nomeação escrita em Português (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2004-2005).
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de escrita, funcionando como mediador entre o significado original (expresso em palavras fala-
das conspicuamente ou apenas mentalmente) e o texto que o exprime. Esse Léxico Fonológico
de Saída contém as representações fonéticas das palavras faladas que são a matriz para a
conversão de fonemas em grafemas para produção do texto na escrita por cifragem a partir da
fala interna. No primeiro ano do ensino fundamental a criança aprende a fazer essa conversão.
Como fruto desse processo, emerge a habilidade de fazer redação livre, que consiste em formular
uma fala interna e, em seguida, escrever tomando ditado dessa fala interna.
• Depois de aprender a usar a soletração digital (e.g., mão em C, mão em A, mão em J, mão
em U) para analisar e reter a sequência de letras que compõem as palavras escritas (e.g.,
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“caju”), a criança aprende que as letras, ou sequências de letras, correspondem a Grafemas
(“c”, “a”, “j”, “u”). A criança aprende que as letras podem funcionar como Grafemas quando elas
representam as unidades de articulação visível da fala na face do interlocutor (Optolalemas):
{\k}, {\a\}, {\ʒ\}, {\u\}, que é visível como a Forma Optolálica {{\k\a\’ʒl\u\}}.
• À medida que a criança surda sinalizante vai progredindo para estágios mais avançados da
alfabetização, ela aprende que a ordem das letras nas representações das palavras que compõem
o seu léxico de palavras escritas (Léxico Ortográfico) pode ser melhor fixada quando as palavras
escritas desse léxico passam a ser associadas com as representações (i.e., memórias) das palavras
faladas visíveis correspondentes. Neste ponto a criança aprende a formar um léxico de palavras
faladas visíveis (Léxico Optolálico) em sua mente, que se encontra conectado ao léxico de palavras
escritas (Léxico Ortográfico) visíveis em sua mente. A criança poderá se dedicar, então, a estudar
palavras faladas visíveis, relacionando-as com as correspondentes palavras escritas. Esse estudo
das palavras faladas visíveis leva à formação de um Léxico Optolálico de Entrada, que permite
à criança reconhecer Formas Optolálicas familiares, como {\k\a\’ʒ\u\} na face visível do orador,
quando ela as vê. Esse Léxico Optolálico de Entrada está, para a criança surda, assim como o
Léxico Otolálico (Fonológico) de Entrada está para a criança ouvinte.
• À medida que a criança surda vidente vai adquirindo leitura por esse processo, aumentam
as suas habilidades de converter Grafemas em Optolalemas na sua imaginação visual e, por
conseguinte, em seu Léxico Optolálico. Essa habilidade permite à criança surda vidente
compreender a fala cada vez melhor por leitura orofacial visual. Ao mesmo tempo, a ancoragem
recíproca entre os Grafemas e os OptoLalemas permite a essa criança surda vidente fixar a
ordem dos Grafemas no interior das palavras escritas. Com isso, a criança surda passa a
apresentar cada vez menos erros de escrita (i.e., paragrafias), tanto por omissão de letras
quanto por inversão da ordem das letras no interior das palavras.
• Ao longo desse processo, assim como a criança ouvinte comete erros de escrita por regularização
Otolalema-Grafema ou Fonema-Grafema (i.e, paragrafias fonológicas ou optolálicas cf. Luria),
a criança surda comete erros de escrita por regularização Optolalema-Grafema (i.e., paragrafias
optolálicas por leitura orofacial visual). É por isso que a criança surda troca os grafemas
correspondentes aos Optolalemas que são Homoscópicos entre si (como {\k\=\g\}, {\f\=\v\},
{\t\=\d\}, {\ʃ\=\ʒ\} e assim por diante). Assim, ela pode escrever “gota” em vez de “coda” ao
fazer leitura orofacial da palavra falada {\’k\ɔ\d\ɐ\}; “vaca” em vez de “faca” ao fazer leitura
orofacial da palavra falada {\’f\a\k\ɐ\}; “chato” em vez de “jato” ao fazer leitura orofacial da
palavra falada {\’ʒ\a\t\o\}. (CAPOVILLA; RAPHAEL; MAURICIO, 2015).
• A técnica de Cued Speech é eficaz em eliminar essas paragrafias optolálicas durante a escrita
sob ditado de fala recebida por leitura orofacial visual, e em aumentar fortemente a compreensão
da fala recebida por leitura orofacial visual. Isso ocorre porque Cued Speech elimina a confusão
entre Optolalemas Homoscópicos, permitindo reconhecer claramente o lalema alvo e, assim,
cifrá-lo com absoluta precisão na escrita sob ditado e, subsequentemente, na escrita espontânea,
com o fortalecimento das correspondências entre as unidades lexicais do Léxico Optolálico de
Entrada e dos Léxicos Ortográficos de Entrada e de Saída. Cued Speech é, assim, um forte
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componente para aperfeiçoar a alfabetização da criança surda vidente, e para aprimorar a
eficácia de sua inclusão escolar e social.
• Por outro lado, isso também tem impactado na Ciência Cognitiva da Leitura. As recomendações
curriculares levam os sistemas educacionais sob cada jurisdição a trabalhar esses conteúdos junto
aos alunos e a monitorar seu desenvolvimento. Isso produz mais informação para a pesquisa
científica, num ciclo virtuoso. Contudo, salvo raras exceções, as autoridades educacionais brasileiras,
nos vários níveis de governo, vêm se mantendo afastadas desse ciclo virtuoso de saber.
• Nos currículos estudados dos países selecionados, foi observada uma valorização da etapa
pré-escolar como preparatória para a escolarização formal. Essa escolarização formal tem
início entre os 5 anos (na Inglaterra) e os 7 anos de idade (Finlândia). Para a maioria dos
países, a escolarização formal inicia-se aos 6 anos de idade.
• A preocupação objetiva em garantir aos alunos o ensino dos processos acima identificados
para literacia (assim como os de numeracia), encontra-se manifesta nos documentos curriculares
desde a educação pré-escolar, com expectativas de que eles, normalmente aos 6 anos, já sejam
capazes de ler e compreender textos apropriados para a sua idade.
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a continuidade e o aprofundamento de conceitos e competências, com a explicitação da
progressão cognitiva por meio de suaves incrementos das habilidades esperadas de um período
letivo para o seguinte; e a especificação de etapas cumulativas de complexidade textual.
• A maior parte dos documentos para ISCED 02, quando elaborados em separado de seus
correlatos para ISCED 1, foi elaborada com algum lapso substancial de tempo entre as duas
etapas. Isso pode indicar que os sistemas educacionais tenham sentido a necessidade de melhor
preparar seus alunos para o início da escolarização obrigatória.
• Os Planos de Carreira de Professores devem existir, não apenas para garantir evolução
salarial, mas, também, para mostrar aos professores que sua progressão de carreira envolve um
percurso com etapas. Essa progressão não pode se dar automaticamente como mera função
do decurso de tempo, com a contagem dos anos de trabalho.
Referências
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economia e psicologia cognitiva. Rio de Janeiro: [s. n.], 2011.
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CAPOVILLA, Fernando C. On the context of discovery in experimentation with human subjects:
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CAPOVILLA, Fernando C.; CAPOVILLA, Alessandra G. S.; NUNES, Leila; ARAÚJO, Ivânia;
NUNES, Débora; NOGUEIRA, D.; BERNAT, Ana B. Versão brasileira do Teste de Vocabulário por
Imagens Peabody: Dados preliminares. Distúrbios da Comunicação, 8(2), 151-162, 1996. Disponível
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CAPOVILLA, Fernando C.; RAPHAEL, Walkiria D.; MAURICIO, Aline C. Novo Deit-Libras:
Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da Língua de Sinais Brasileira (Libras) baseado em
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THAIS DE ALMEIDA SANTOS - t.almeidas@hotmail.com - CPF: 125.136.457-82
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achados científicos para a qualificação da prática pedagógica. [Evidence-based practice in
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Fischer. Porto Alegre: Artmed, 2007. 254 p.
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PARTE 1
Desenvolvimento e
Aprendizagem da Literacia
e da Numeracia
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A
prender a ler e a escrever são habilidades de 1980 observou-se uma proliferação de
fundamentais para a vida em sociedades teorias e abordagens que apontavam para os
democráticas modernas. Os estudos diferentes mecanismos cognitivos e linguísticos
científicos sobre a aprendizagem da leitura e e estágios envolvidos na aprendizagem da
da escrita datam de mais de um século com leitura e da escrita, bem como identificavam
as pesquisas desenvolvidas por Edmund Huey e os conhecimentos e componentes curriculares
publicadas em um livro chamado The Psychology necessários para uma alfabetização eficiente.
and Pedagogy of Reading, em 1908. Esses
Esses conhecimentos revolucionaram a maneira
estudos ainda muito primitivos surgiam na esteira
de se entender a alfabetização em nosso
do desenvolvimento da Psicologia como ciência,
país. Finalmente se considerava o papel ativo
fundada na Alemanha no final do século XIX,
das crianças frente à sua aprendizagem e as
inicialmente focada em estudos de laboratório;
mudanças conceituais envolvidas nesse processo.
no século XX começava a se direcionar para
Contudo, passou-se a menosprezar ou a ignorar
uma ciência aplicada, com destaque para o
a importância das metodologias de ensino. A
interesse pelo campo da educação.
descaracterização da alfabetização teve um
Não por acaso, diversos pedagogos trouxeram a custo alto e os resultados são lamentáveis e
Psicologia para o Brasil no começo do século XX conhecidos. Como Andrade, Andrade e Prado
para que em laboratórios criados nas Escolas (2017) discutem, no Brasil se confundiu uma
Normais se pudesse estudar cientificamente os teoria do desenvolvimento com uma metodologia
processos educacionais e melhorar a formação de ensino, e pior, fez-se a rejeição das evidências
e a atuação dos professores. A Psicologia e a em contrário.
Pedagogia caminhavam juntas no Movimento No Brasil, por mais que as pesquisas tenham
Escola Nova com contribuições de pioneiros se intensificado desde os anos 1980, há uma
como Lourenço Filho, Manoel Bomfim e Anísio dificuldade acentuada na contemplação de
Teixeira, que defendiam a universalização conhecimentos mais recentes nos currículos de
da escola pública, laica e gratuita e o formação de professores e nas recomendações
reconhecimento do papel ativo das crianças no curriculares de políticas públicas, como atestado
processo de aprendizagem. pelo relatório da Academia Brasileira de
Contudo, os estudos sobre a aprendizagem Ciências (2011). Segundo o relatório, há um
verdadeiro descompasso entre o que se pensa
da leitura e da escrita permaneceram por
sobre alfabetização no Brasil e o que se produziu
muitos anos focados apenas na metodologia
nas últimas décadas em termos de conhecimento
de ensino sem que se discutissem os processos
científico mais avançando sobre a aprendizagem
de aprendizagem e de desenvolvimento.
e o ensino da leitura e escrita.
Isso começou a mudar na década de 1970
com os avanços nos estudos cognitivistas e O avanço nas pesquisas sobre a aprendizagem
construtivistas em todo o mundo. Na década e o ensino da leitura e da escrita foi muito
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impulsionado a partir da década de 1990, assim como as habilidades de leitura e de escrita
conhecida como a década do cérebro, com o fazem parte dos conhecimentos essenciais no
desenvolvimento de novas técnicas de investigação processo de escolarização inicial. Por muitos
e novas evidências oriundas do campo das anos se desconstruiu a especificidade do termo
neurociências. Os estudos em neurociências alfabetização, transformando-o em um sinônimo
potencializavam os achados já obtidos pelos de conhecimentos básicos. Por essa mesma razão
campos da psicologia, pedagogia, fonoaudiologia se ampliou também a noção de alfabetização
e linguística sobre a aprendizagem e o ensino da para incluir o ensino de matemática básica sob
leitura e escrita. a terminologia alfabetização matemática.
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Capítulo 1
Ciências Cognitivas e pesquisas translacionais em alfabetização
Maria Regina Maluf1,
Caroline Campos Rodrigues da Silva1,
Elianne Madza1
É
objetivo deste capítulo apresentar aos
longo da história, o aparecimento das ciências
leitores as ciências cognitivas, pois nelas
cognitivas demarcou um modo novo de produzir
se apoia nossa convicção baseada
conhecimento científico (ANDLER, 2004; DEL
em evidências de que é possível conhecer e
NERO, 1995; DUPUY, 1994; POSNER, 1989),
colocar em prática estratégias de ensino que
que constitui os alicerces dos estudos e evidências
favorecem diferentes tipos de aprendizagem e
sobre alfabetização que serão apresentados
particularmente facilitam a aprendizagem da
neste Relatório.
linguagem escrita. As ciências cognitivas têm
muito a nos ensinar sobre como se aprende a Como veremos no decorrer deste capítulo e
ler e a escrever e, por conseguinte, sobre como dos próximos, a alfabetização, embora seja
se pode ensinar de modo mais eficiente. objeto de estudos há mais de um século, tal
como a entendemos e praticamos hoje mantém
Nesse sentido, pesquisadores em ciências
vínculos fundamentais com as ciências cognitivas
cognitivas têm cada vez mais discutido nas
desenvolvidas desde a década de 1970.
últimas décadas a importância do impacto dessas
pesquisas no mundo real. Em outras palavras,
se discute como as pesquisas conduzidas em Ciências cognitivas
situações experimentais controladas podem e
O termo “ciência cognitiva” designa um conjunto
devem se preocupar com seu potencial impacto
de esforços de várias disciplinas que estão voltadas
nas salas de aula, o que se denomina de enfoque
para a compreensão da mente humana em
translacional. Assim, as pesquisas translacionais
sua relação com o cérebro. Desses esforços fazem
nos ajudarão a praticar e a disseminar esse
parte grandes áreas do conhecimento, como
conhecimento científico sobre a aprendizagem e
as neurociências, a psicologia, a linguística, a
o ensino das habilidades de leitura e de escrita.
filosofia e a inteligência artificial, de tal modo
As construções antigas assentavam-se na que o termo é frequentemente empregado no
pedra angular a partir da qual eram definidas plural: ciências cognitivas.
as colocações das outras pedras, de modo
As origens das ciências cognitivas têm que ser
semelhante ao que se faz com os alicerces dos
procuradas nas produções de pesquisadores que
prédios atuais. Na construção do conhecimento ao
tiveram entre seus objetivos o estudo da mente
humana. Ao buscar essas origens nos deparamos
1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP
com os primeiros filósofos da história das
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D E S E N V O LV I M E N T O E A P R E N D I Z A G E M D A L I T E R A C I A E D A N U M E R A C I A
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discorreu sobre como via a nova ciência da e de maneira especial suas investigações sobre
mente que começava a se desenvolver no Brasil aprendizagem, leitura e cérebro (DEHAENE,
(DEL NERO, 1995, p. 3): um campo de pesquisa 2020). Como sublinha o autor, os humanos
e aplicação já presente em praticamente todas possuem uma incrível habilidade de aprender e
as universidades nos países avançados, que compreender. Um dos mais relevantes projetos
começava a se desenvolver no Brasil. A morte da ciência contemporânea é investigar como
precoce de Del Nero aos 48 anos, em 2008, nosso cérebro aprende. Em suas pesquisas,
privou-nos da continuidade de seu trabalho. Dehaene estuda como se dá a plasticidade
cerebral, que pode ser observada na criança
Atualmente o Brasil tem cursos de graduação, pós-
desde os primeiros anos e chega até a idade
-graduação e especialização em ciências cognitivas
adulta, a habilidade de processar informação
em várias universidades e em outras instituições,
e de adaptar-se a circunstâncias diversas por
como hospitais; tem também uma associação
reprogramação. Com as contribuições de Dehaene
brasileira de ciência cognitiva e revistas científicas
consolidou-se recentemente a ciência da leitura,
voltadas para estudos da cognição.
que vem desvendando os mecanismos neuronais
O campo de estudos das ciências cognitivas do ato de ler, sobre a base dos conhecimentos
continua sendo amplo e está em rápida evolução. específicos gerados pelas neurociências cognitivas
As disciplinas que o constituem não perderam da leitura, pela psicologia cognitiva da leitura, e
suas características específicas e mantiveram o também, pela psicolinguística cognitiva da leitura
objetivo maior de investigar questões da mente (DEHAENE, 2012).
e do conhecimento, englobando as cinco áreas
Neste primeiro capítulo do Relatório, será
de conhecimento já mencionadas.
dada especial atenção às contribuições para
Michael Posner, um dos grandes nomes da ciência a alfabetização advindas das disciplinas
cognitiva, professor emérito na Universidade de psicologia, linguística e neurociências. Será
Oregon e reconhecido como um dos psicólogos feita também referência ao papel da pesquisa
mais lidos do século XX, escreveu, em 1989, sobre translacional quando se trata da alfabetização
os fundamentos da ciência cognitiva (POSNER, baseada em evidência.
1989). Posner é reconhecido como um dos
fundadores da ciência cognitiva, por promover o Ciências Cognitivas, Ciência
uso de técnicas de neuroimagens para explorar da Leitura e Alfabetização
a base neural da cognição. Seu mais recente
livro, Educating the Human Brain (POSNER; As ciências cognitivas estão na base da constituição
ROTHBART, 2017), é uma contribuição essencial da ciência cognitiva da leitura, e sobre essa base
à nossa compreensão do desenvolvimento do estão sendo estudadas neste Painel as questões
cérebro e de sua relação com a educação. referentes à alfabetização baseada em evidência,
como teoria e como prática.
Em sua vasta obra constam, além de suas
pesquisas em neurociência cognitiva, vários A ciência cognitiva da leitura ou apenas
prêmios recebidos e alunos notáveis. Um desses ciência da leitura (SNOWLING; HULME,
alunos notáveis é Stanislas Dehaene, professor 2013) consolidou-se a partir da década de
do Collège de France e internacionalmente 1990 reunindo contribuições provenientes da
conhecido por suas pesquisas em neurociências neurociência cognitiva, da psicologia cognitiva
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da linguagem falada, contudo, o mesmo não No início da aprendizagem da linguagem escrita
acontece com as áreas da leitura. todos precisam de um tempo, durante o qual o
cérebro processa a informação recebida fazendo
O sistema visual da criança se estrutura nos
uso das habilidades visuais e auditivas além das
primeiros meses de vida, assim como se estruturam
habilidades propriamente linguísticas. E, sabemos,
a discriminação de cores, de orientação e de
o tempo de resposta aumenta de acordo com o
profundidade. A criança reconhece rostos, número de letras (ver o Capítulo 3 deste Relatório).
o que parece ativar uma parte da região O iniciante tenta utilizando diferentes estratégias
occipitotemporal direita (ver Capítulo 2). Essas de leitura, até que tenta ler juntando letras em
competências visuais se remanejam quando a busca da palavra oculta e assim a decodifica e
criança vai aprender a ler e escrever, pois ela pode compreender (EHRI, 2013). Na medida em
deverá captar e memorizar os novos objetos que a leitura se automatiza, o efeito do tamanho
visuais, que são as letras e as palavras escritas. da palavra desaparece. Ele não existe no bom
Quanto às áreas cerebrais da leitura, elas são leitor. Então, aos poucos, a via da decodificação
precedidas pelas áreas cerebrais da linguagem grafema-fonema vai sendo superada e a criança
falada, que estão prontas para receber passa a reconhecer palavras, que são as unidades
informações linguísticas desde os primeiros significativas da fala. Teremos então, por esta
meses de vida, graças à nossa herança genética, via, o bom leitor, aquele que lê com precisão,
qualquer que seja a cultura que nos acolhe velocidade e compreensão.
quando nascemos. Hoje sabemos que desde os
Como vemos, a ciência da leitura está gerando
primeiros meses de vida os bebês que escutam
novos conhecimentos a respeito dos mecanismos
frases em sua língua materna têm ativadas as
cerebrais atuantes na aquisição da habilidade
mesmas regiões cerebrais que o adulto.
de leitura. Pesquisas básicas se multiplicaram a
Para os professores alfabetizadores, assim como para partir do início do século XXI e são vigorosas as
os pais e demais educadores, os conhecimentos evidências produzidas a respeito do mecanismo
gerados pelas neurociências neste início do século cerebral cujo funcionamento lança luzes sobre
XXI, a respeito de como aprendemos a ler, são como se aprende a ler e a escrever, que parece
necessários e indispensáveis. ser o mesmo, em diferentes línguas e sistemas de
escrita. Sendo a alfabetização uma preocupação
Na perspectiva da ciência da leitura e sobre mundial, a importância e necessidade de
a base dos conhecimentos já adquiridos em pesquisas aplicadas que ajudem a ensinar com
relação a como funcionam nossas capacidades êxito são reconhecidas nos mais diversos países
quando aprendemos a ler, fica bastante evidente e idiomas. Cabe a esse respeito uma referência
que para ler é preciso, antes de mais nada, às pesquisas translacionais.
discriminar essas marcas gráficas que nos são
apresentadas, e que são as letras. Discriminar
Pesquisas translacionais
as letras faz parte do processo de decodificação A designação Pesquisas Translacionais começou
e do reconhecimento das palavras. As letras a ser utilizada nas investigações no campo
representam sons e combinadas representam da saúde e vem sendo disseminada em vários
as palavras que fazem parte de nosso universo países, para nomear aquelas que têm seu
linguístico e que conseguimos sonorizar lendo-as início na ciência básica e se concluem no uso
em voz alta e compreendendo-as. do conhecimento adquirido. São vistas como
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Nessa perspectiva, pesquisas de intervenção Para localizar artigos em bases de dados, pode-
têm trabalhado na direção do conhecimento so- -se utilizar descritores ou palavras-chave,
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entendendo-se por descritores os termos usados Pelo alto número de resultados e a fim de obter
pela própria base a fim de indexar artigos, o pesquisas mais recentes sobre o assunto, optou-se
que proporciona uma melhor padronização, por estabelecer como limite temporal os últimos
enquanto palavras-chave são termos diversos cinco anos. Desse modo, uma segunda busca foi
fornecidos por autores. Sob essa perspectiva, realizada, acrescentando-se <AND Year: 2015 To
considerou-se vantajosa a busca por meio 2020>. A busca resultou em 238 artigos.
de descritores utilizados pela APA. Para
A segunda etapa do processo de inclusão dos
tanto, utilizou-se a ferramenta Thesaurus of
artigos consistiu na seleção daqueles que se
Psychological Index Terms (APA) para encontrar
adequassem às perguntas deste capítulo, a
descritores relacionados às Ciências Cognitivas
saber: a) o que é aprender a ler no âmbito da
e à Aprendizagem da Linguagem Escrita. A
ciência cognitiva da leitura?; b) as pesquisas
ferramenta Thesaurus fornece uma lista de
em ciência da leitura podem contribuir para
termos controlados para indexação de artigos
melhores práticas e políticas de alfabetização?
em psicologia. Para encontrar os descritores
Foram selecionados 181 artigos.
relacionados à proposta deste capítulo, foram
buscados termos centrais como Cognition, Após a leitura dos títulos, resumos e palavras-
Literacy e Reading. Ao buscarmos esses termos -chave dos artigos, foram selecionados para
centrais, a ferramenta forneceu uma lista de análise apenas os que atenderam aos critérios
descritores relacionados a eles. Após a leitura de inclusão: (a) tratar da relação das ciências
de cada um dos descritores propostos pela cognitivas com a aprendizagem da leitura;
ferramenta, foram selecionados aqueles que (b) estar escrito em Português, Inglês, Francês
tinham maior relação com a temática da ou Espanhol; (c) ter sido publicado entre 2015
pesquisa: Cognitive Sciences, Literacy e Reading. e 2020. A leitura e análise foi feita por duas
pesquisadoras que serviram como juízes, e após
Em seguida, foi feito o cruzamento com um
discutidas as dúvidas e encontrado consenso, 155
operador boleano (AND) de modo que para ser
artigos cumpriram todos os critérios de inclusão
selecionado, o artigo deveria conter ao menos
e foram selecionados para análise.
um dos descritores em qualquer campo (por
exemplo, palavra-chave, título, assunto). A terceira etapa do processo de seleção de
artigos consistiu na releitura dos títulos e
Para a realização da busca, foi utilizada
resumos dos 151 selecionados, com o objetivo
a modalidade Advanced Research, que
de classificá-los em categorias e, deste modo,
permitiu a inserção dos descritores escolhidos
compreender em quais campos se situam e a
para a busca, bem como a opção de que os
que temas as pesquisas mais recentes dizem
resultados encontrados fossem apenas artigos
respeito. A classificação dos artigos encontrados
revisados por pares. A busca foi realizada sob
possibilitou a criação de quatro categorias:
a seguintefórmula: (Any Field: cognitive science)
AND Any Field: literacy AND Any Field: reading I. Literacia Familiar e Literacia Emergente:
AND Peer-Reviewed Journals only. artigos que tratam de habilidades preditoras
da aprendizagem da leitura bem como
O procedimento para a seleção de material de
habilidades desenvolvidas a partir da literacia
pesquisa aqui descrito foi realizado no primeiro
familiar: n = 44.
semestre de 2020 e resultou em 661 artigos.
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nas crianças, mas para que seja de fato efetiva, sintática, entonação e prosódia – contribuem
essa prática depende da capacidade de leitura para a compreensão e a produção da linguagem,
dos pais. Há evidência de uma associação para a consciência fonêmica, segmentação de
positiva entre os escores de fluência em leitura palavras e conhecimento de regras gramaticais,
das mães e a maior conectividade funcional associando-se fortemente ao desenvolvimento
entre as regiões da futura rede de leitura e cognitivo e linguístico (ZAUCHE et al., 2016).
regiões do cérebro que apoiam a linguagem e o
A capacidade de linguagem oral é bastante
controle cognitivo da criança, ou seja, a fluência
discutida na literatura das ciências cognitivas
na leitura do adulto é importante para facilitar
como um mecanismo central que guia a
o desenvolvimento da rede de leitura da criança
plasticidade neural para a aprendizagem da
(HOROWITZ-KRAUS; HUTTON et al.,2018).
leitura, e que pode ser estendida para a aquisição
Portanto, o treinamento de pais para ler livros
de idiomas. As habilidades expressivas explicam
para os filhos, combinado com o fornecimento
significativamente a variação das habilidades
de livros apropriados, aumenta a frequência de
fonológicas implícitas na detecção de rimas e de
leitura e melhora a qualidade das interações
fonemas iniciais, que são considerados precursores
de leitura em crianças pré-escolares, além de
importantes para a subsequente alfabetização
possibilitar a equiparação de habilidades entre
(ARANGO-TOBÓN et al., 2018), com destaque
crianças de diferentes ambientes familiares
para a rima em razão do estabelecimento precoce
(KNAUER et al.,2020).
de redes neurocognitivas distribuídas para o seu
No âmbito da literacia familiar, além da leitura processamento (ANDERSSON et al.,2018).
compartilhada, a literatura aponta conversas
explícitas sobre assuntos relacionados à literacia Tendo a leitura um componente fonológico, a
com os pais como um elemento auxiliar no preparo sensibilidade ao som, de maneira geral, é um
das crianças para o ensino formal de alfabetização, indicador importante para o desenvolvimento
conversas sobre os elementos e processos de leitura da alfabetização. Um estudo que investigou
e de escrita. Práticas domésticas de ensino antes a relação entre processamento rítmico não
da escolarização também são relatadas como linguístico, habilidades fonológicas e habilidades
preditoras das habilidades de escrita, ortografia de alfabetização em crianças pré-escolares
e escrita espontânea em crianças pré-escolares revelou que a associação entre percepção de
de 4 e 5 anos de idade (CHO; MCBRIDE, 2018; ritmo e conhecimento de letras e seus sons é
PURANIK et al.,2018). mediada pela consciência fonológica, o que
aponta para um papel único no processamento da
Os achados sobre a importância das práticas regularidade temporal na associação entre ritmo
de literacia no ambiente familiar apontam para musical e alfabetização em crianças pequenas
o desenvolvimento de intervenções destinadas (OZERNOV-PALCHIK; WOLF; PATEL, 2018).
a aumentar a qualidade e a quantidade da
“nutrição da linguagem” – conversação, interação Habilidades motoras também vêm sendo
linguística e leitura –, com vistas a alavancar investigadas em relação às habilidades iniciais de
o desenvolvimento e a aprendizagem infantil, alfabetização. A literatura sugere algum poder
especialmente nos três primeiros anos de vida. preditivo da coordenação motora fina (SUGGATE;
Aspectos da fala – quantidade de palavras, PUFKE; STOEGER, 2018), da integração
diversidade lexical, complexidade linguística e visuomotora (CHUNG; LAM; CHEUNG, 2018),
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gráfico convergem com o processamento da aprendizagem da língua escrita (HAFT
visual e levam anos para serem desenvolvidos. et al., 2019; VAN DE SANDE; SEGERS;
Esses dados explicam falhas sistemáticas de VERHOEVEN, 2017; BARNES et al., 2020).
crianças pequenas ou de adultos aprendendo
O interesse pelo processamento auditivo,
uma língua estrangeira.
mais especificamente em relação ao como
O processamento visual destaca-se dentre se dá a transição da fala para a escrita,
outros processos perceptuais relacionados à mostrou-se um assunto presente nas
leitura. Estudos a esse respeito fornecem indícios pesquisas encontradas (ARREDONDO et
de como os mecanismos visuais envolvidos al.,2015; MURPHY; MOORE; SCHOCHAT,
na leitura afetam sua aprendizagem. Assim, 2015). Discute-se, sobretudo, a relação entre
recursos visuo-atencionais ao longo da primeira habilidades fonológicas e morfológicas para
infância podem contribuir para a posterior obter uma aprendizagem bem-sucedida.
fluência da leitura (VALDOIS; ROULIN;
BOSSE, 2019). Ademais, Chang et al. (2015) O estudo de Suggate, Pufke e Stoeger (2018)
apontam que na fase adulta, após um longo encontrou indicações de que a coordenação
tempo de exposição a milhares de situações motora fina está ligada ao desenvolvimento
escritas, adultos letrados apresentam maior da leitura. Os resultados apontam que
ativação cerebral diante de letras exibidas crianças apresentaram melhor performance
em linhas horizontais do que em verticais, em decodificação quando apresentavam
o que sugere que a leitura promove uma melhores resultados em coordenação
reorganização visual, de modo que o córtex motora fina, sugerindo que crianças com
visual se adapta à leitura. menor competência na coordenação motora
fina não são favorecidas porque estão
Pesquisas referentes às funções executivas sobrecarregadas cognitivamente e, como
(FE) mostram que o funcionamento executivo resultado, possuem menos recursos para
está positivamente relacionado a habilidades internalizar e sistematizar habilidades leitoras.
de compreensão da leitura. Estudos atuais
buscam, em geral, relacionar a relação Nota-se, dentre as pesquisas encontradas,
entre funções executivas e a fluência da estudos a respeito da relação entre a
leitura (CARTWRIGHT; MARSHALL et al., alfabetização e a numeracia (ver Capítulo
2019), mostrando que esta é uma relação 4 deste Relatório), especialmente com
interdependente: ao longo da educação crianças que apresentam riscos de não
infantil, as funções executivas interferem na obterem sucesso na aprendizagem. Pesquisas
aprendizagem da leitura, porém, a partir sobre esse tema apontam que crianças com
do segundo ano escolar, a leitura passa a baixa performance em matemática também
influenciar as FE (MEIXNER et al.,2019). apresentaram baixa performance em leitura
Nota-se, ainda, a presença de estudos e escrita (BARNES et al.,2020; MCLEOD;
que relatam a relação entre decodificação HARRISON; WANG, 2019).
de palavras, consciência fonológica e c. Habilidades precursoras
FE na educação infantil, ressaltando a
necessidade de mais pesquisas a respeito Até agora, entende-se que a leitura é uma
de possíveis relações entre FE e preditores habilidade essencial para a obtenção de
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desenvolve a habilidade leitora no indivíduo cérebro humano processa a aquisição e uso
e como essa habilidade influencia a cognição. de duas línguas simultaneamente permite que
Contudo, um número menor, porém destacado, se explore questões como a interação entre a
de pesquisadores, investigaram como se dá linguagem e domínios cognitivos (atenção,
esse desenvolvimento em adultos. Dados memória e tomada de decisões), além da
da Unesco (United Nations Educational, emoção e da aprendizagem da leitura.
Scientific and Cultural Organization, 2019)
A categoria bilinguismo reúne 10 artigos a respeito
apontam que a taxa mundial de alfabetização
da aprendizagem da leitura em duas línguas
chegou a 86% em 2016, obtendo progresso na
diferentes. As pesquisas mais recentes a respeito
alfabetização de jovens, com uma diminuição
do assunto apontam, em geral, que indivíduos
radical na quantidade geral de jovens de 15 a
bilíngues apresentam vantagens cognitivas em
24 anos analfabetos, em grande parte liderada
relação aos monolíngues. Conforme apontam
pela Ásia. Por outro lado, continua a crescer
Jasińska etal. (2017), a exposição a duas línguas
o número de idosos, de 65 anos de idade
diferentes desde a primeira infância impacta
ou mais, que são analfabetos. Atualmente,
significantemente o desenvolvimento cerebral da
existem quase 40% mais analfabetos
criança. Os dados encontrados nessa pesquisa
idosos do que jovens. Essas taxas podem
apontam que o cérebro de indivíduos bilíngues
ser explicadas pela falta de oportunidades
recruta mais regiões neurais para ler do que o
adequadas de aprendizagem, seja por
cérebro de leitores monolíngues.
questões socioeconômicas ou culturais, de
muitas pessoas que não têm a oportunidade Ademais, as pesquisas encontradas também
de obter instrução adequada na infância. encontram relações entre habilidades preditoras
Ao contrário do que diz o senso comum, a em duas línguas, além da possibilidade de
leitura conta com os mesmos circuitos neuronais transposição do conhecimento obtido em língua
e apresenta uma reorganização cerebral simi- nativa para a segunda língua, a partir do
lar quando é aprendida na infância ou na compartilhamento de bases cognitivas nas duas
fase adulta (ver Capítulo 2 deste Relatório). línguas (HSU et al., 2019; LI et al.,2018; LUO et
Pesquisas realizadas com adultos mostraram al.,2018).
que aprender a ler e escrever influencia signi- Foram identificadas, ainda, pesquisas que
ficativamente a cognição humana, bem como buscaram compreender se processos cognitivos
sugerem que essas mudanças no domínio presentes na leitura em língua nativa estariam
cognitivo podem acontecer rapidamente, também presentes na aprendizagem da leitura
mesmo que ocorram na fase adulta (KO- em uma segunda língua, ou contribuem de
LINSKY et al., 2018; SMALLE et al.,2019). algum modo para sua aquisição (HARRISON
Parte III – Bilinguismo et al.,2017; HANSEN et al.,2017; SWANSON;
OROSCO; LUSSIER, 2015).
É comum procurarmos saber sobre a linguagem,
desde as primeiras palavras de um bebê ou até Pode-se concluir que os dados levantados pelas
mesmo pela falta delas. As ciências cognitivas pesquisas revisadas apontam bases e implicações
também buscam compreender, dentre outras relevantes no que diz respeito à aprendizagem
questões, como o cérebro humano processa de crianças bilíngues e, a partir deles, é possível
e adquire línguas. Estudar a maneira como o pensar em estratégias pedagógicas que possam
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e hiperatividade (TDAH). No primeiro Comparando déficits de consciência fonológica
caso, a taxa de comorbidade depende entre crianças com otite média e maus
das habilidades necessárias para definir o leitores, um estudo sugeriu que as crianças
transtorno de matemática, pois é observada com histórico de infecções repetidas no ouvido
uma heterogeneidade nessa classificação: as apresentam um déficit específico, circunscrito
associações são significativamente maiores na segmentação e mistura de fonemas,
quando o transtorno de matemática é medido enquanto que maus leitores apresentam um
por sub-habilidades matemáticas que não comprometimento metalinguístico mais amplo,
apenas se baseiam no processamento de que caracteriza suas dificuldades de leitura
números, mas também exigem linguagem, (CARROLL; BREADMORE, 2018).
como no caso da fluência aritmética (MOLL
A perda auditiva aparece associada à falta
et al., 2019).
de compreensão da linguagem e da leitura
Em relação à comorbidade entre dificuldade na infância, e essas dificuldades podem
de leitura e TDAH, as evidências sugerem que, gerar impacto nas dificuldades emocionais e
embora relacionados comportamentalmente, são comportamentais na escola em adolescentes com
condições cognitivas distintas no que diz respeito diagnóstico de perda auditiva permanente na
à resposta e conectividade neural e, portanto, infância. Essa evidência sugere que intervenções
necessitam de manejos específicos com vistas à eficazes em linguagem e alfabetização para
atenção, ao processamento visual e às funções crianças com perda auditiva também podem
executivas (HOROWITZ-KRAUS; HERSHEY trazer benefícios à sua saúde mental, na medida
et al., 2019). Apesar de décadas de intensa em que minimizariam prováveis dificuldades
pesquisa, a causa da dislexia segue desconhecida. emocionais (STEVENSON et al., 2018).
Muitas explicações causais foram propostas com
base na variedade de deficiências exibidas pelos O processamento fonológico intacto é
indivíduos afetados. Nesse sentido, é importante crucial para a aquisição bem-sucedida
chamar a atenção para o fato de que muitas da alfabetização em crianças com e sem
dessas deficiências também são demonstradas dificuldades de aprendizagem. Crianças com
por indivíduos analfabetos, o que exige cautela deficiência intelectual (DI) são capazes de
e rigor em futuros estudos, no diagnóstico e na usar caminhos fonológicos para aprender a
intervenção clínica e pedagógica das dificuldades ler se elas forem ensinadas com estratégias
de aprendizagem da leitura. de alfabetização baseadas em fonética,
adaptadas às suas necessidades individuais
b. Dificuldades relacionadas a outras de aprendizagem (VAN TILBORG; SEGERS;
condições VAN BALKOM; VERHOEVEN, 2018). O
modelo simples de leitura se adequa a casos
Os estudos recrutados nessa subcategoria
de DI leve, cujos perfis de compreensão se
apresentam investigações sobre as dificuldades de
assemelham fortemente ao de leitores iniciais
aprendizagem da leitura associadas a condições
típicos (VAN WINGERDEN et al.,2017).
específicas, a saber: perda auditiva, deficiência
intelectual, otite média, prematuridade extrema, No caso de crianças com diagnóstico
epilepsia do lobo temporal, transtorno do de transtorno do espectro autista (TEA)
espectro autista, entre outros. em graus moderados, há evidências de
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O que acontece no cérebro da criança quando ela Em seguida, inicia-se o processo de “poda
aprende a ler e escrever? Neste capítulo, busca-se sináptica”, em que sinapses não utilizadas são
responder a esta pergunta com base em estudos removidas. Esta remoção busca eficiência
sobre o funcionamento do cérebro humano e suas no processo de desenvolvimento do cérebro
associações com o desenvolvimento da linguagem e de suas funções. As sinapses estabelecem
oral e a aprendizagem da leitura e da escrita. diferentes caminhos que podem ser feitos entre
Esta é uma revisão da literatura neurocientífica, os neurônios, mas há caminhos eficientes e
com roupagem didática. Apresenta-se, como mais utilizados. Estes caminhos permanecem,
partida, a base neural que naturalmente recebe e aqueles que são pouco utilizados são
o desenvolvimento da linguagem no cérebro da removidos do “mapa cerebral”. A linguagem se
criança para dar seguimento a uma discussão de desenvolve justamente neste período de muita
evidências sobre as redes neurais da leitura e da plasticidade cerebral com a simples interação
escrita. Quando se aprende a ler e escrever, estas da criança com adultos e com outras crianças
redes neurais pegam carona nos circuitos neurais (SHONKOFF; PHILLIPS, 2003). Mesmo antes
da linguagem oral. de nascer, no terceiro trimestre da gestação, o
bebê já escuta e reconhece vozes (KISILEVSKY;
Aprender a ler não é natural HAINS; BROWN; LEE; COWPERTHWAITE;
como aprender a falar STUTZMAN; SWANSBURG; LEE; XIE;
HUANG; YE; ZHANG; WANG, 2009). O
O cérebro do bebê se desenvolve rapidamente. cérebro da criança é preparado para receber a
Sinapses, as estruturas que permitem que linguagem oral e há marcos de desenvolvimento
neurônios se comuniquem entre si e com o corpo da linguagem (TOMASELLO; BATES, 2001) e
humano, se formam ao longo da vida. Mas nos uma rede neural da linguagem que são universais
primeiros anos de vida, acontece a formação da (RUECKL; PAZ-ALONSO; MOLFESE; KUO;
maior quantidade de sinapses e esta atinge seu BICK; FROST et al., 2015; HASEGAWA;
pico em torno dos 2 ou 3 anos de vida. CARPENTER; JUST, 2002).
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o cérebro da leitura depende do cérebro da lin- 2017; CASTLES; RASTLE; NATION, 2018).
guagem. A leitura é uma invenção cultural do Evidentemente, desvendar o código escrito não
ser humano e não tem a sua rede natural de é suficiente para formar um bom leitor, pois este
áreas cerebrais. Com a aprendizagem da leitura, desafio é mais laborioso e complexo. Mas é um
uma nova arquitetura se instala sobre a rede da passo fundamental para a aprendizagem da
linguagem oral com algumas adaptações. Nesta leitura (MORAIS, 2013).
interação se estabelecem as bases psicológicas e
neurais para a alfabetização ser levada a cabo A neurociência cognitiva tem contribuído para
e se formar um leitor. desvendar as bases neurais da leitura e da escrita
e, por conseguinte, os mecanismos que subjazem
A quebra do código está no cerne dos processos como se aprende a ler e escrever. A linguagem,
de alfabetização e na solidificação da interação de maneira geral, tem sua base neural em regiões
entre o cérebro da linguagem e da leitura. A bastante conhecidas e cujas funções, grosso modo,
habilidade de decodificar as relações grafema- foram identificadas mesmo antes de técnicas de
-fonema não emerge simplesmente com a neuroimagem avançadas. Mas a neuroimagem
interação entre as crianças e os livros. A exposição
e a neurociência cognitiva modernas permitiram
a textos na infância não se mostra determinante
a descrição mais aprofundada de relações
para a aprendizagem das relações letra-som
entre processos linguísticos e de aprendizagem
em específico (VAN BERGEN; VASALAMPI;
com bases funcionais e anatômicas do cérebro
TORPPA, 2020). Isso sugere que essas relações
(POEPPEL; HICKOK, 2004). A circuitaria da
precisam ser ensinadas para as crianças e
linguagem oral é o ponto de partida para se
sinaliza a impossibilidade de emergirem somente
entender como a linguagem se desenvolve no
a partir de uma suposta construção social. No
cérebro e como a aprendizagem da leitura e da
cérebro da criança, a quebra do código escrito
escrita vai pegar carona nesta rede subjacente
vai se materializar com adaptações de regiões
à linguagem.
que anteriormente não serviam à linguagem,
que serão discutidas a seguir (DEHAENE, 2012;
Para aprender a ler: o apoio das
SEIDENBERG, 2017).
regiões cerebrais da linguagem
Com a quebra do código como um processo e a adaptação de sistemas
crítico a ser estabelecido na criança durante a cerebrais para a leitura
alfabetização, é preciso identificar a maneira
mais efetiva de ensinar as relações entre letra A aprendizagem da leitura depende da
e som. A evidência é robusta: a instrução adaptação de redes do cérebro. As redes
fônica sistemática é a maneira mais efetiva de neurais da leitura e da compreensão oral,
alfabetizar, e com mais chances de dar certo com o desenvolvimento da leitura fluente,
para mais crianças; por sistemático, se entende se tornam sobrepostas ou “amalgamadas”
um ensino dirigido, planejado e diário dedicado (BUCHWEITZ; MASON; TOMITCH; JUST,
à aprendizagem da relação entre fonemas e 2009; MICHAEL; KELLER; CARPENTER;
grafemas. A evidência de que a instrução fônica JUST, 2001; CONSTABLE; PUGH; BERROYA;
é a forma mais efetiva de alfabetização foi MENCL; WESTERVELD; NI et al., 2004); e
replicada em diferentes línguas e por diferentes quanto melhor e mais fluente o leitor, mais estas
cientistas (DEHAENE, 2012; SEIDENBERG, redes se sobrepõem no cérebro (RUECKL; PAZ-
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que essa região veio naturalmente “sintonizada” RUECKL; PAZ-ALONSO; MOLFESE; KUO;
com esse processo. Com a aprendizagem da BICK; FROST et al., 2015). A função desta
leitura, a região occipitotemporal sintoniza outra região foi identificada em uma diversidade de
frequência, a de identificação da representação diferentes línguas, incluindo Português e crianças
da forma visual das palavras (DEHAENE, 2012; brasileiras; lesões na região estão associadas
COHEN; LEHÉRICY; CHOCHON; LEMER; com dificuldades de leitura em pessoas que,
RIVAUD; DEHAENE, 2002; DEHAENE; anteriormente, liam normalmente (alexia); por
COHEN, 2011; MCCANDLISS; COHEN; sua vez, alterações no funcionamento da região
DEHAENE, 2003). estão associadas com dificuldades de leitura e
com dislexia do desenvolvimento (CONSTABLE;
A região occipitotemporal e a PUGH; BERROYA; MENCL; WESTERVELD
identificação da forma visual et al., 2004; COHEN; LEHÉRICY; HENRY;
das palavras BOURGEOIS; LARROQUE; SAINTE-ROSE
et al., 2004; COHEN; MARTINAUD; LEMER;
A identificação da forma visual das palavras é LEHÉRICY; SAMSON; OBADIA et al., 2003. –
um processo pré-lexical relacionado com a busca Ver também referências complementares anexas).
de informações em objetos visuais que sinalizem,
para o cérebro humano, se o objeto representa a A região occipitotemporal torna-se especializada
forma de letras. O processamento de grafemas para a leitura. Após a aprendizagem da leitura,
acontece nessa região em torno de 225 ms sua ativação é maior para letras e símbolos
após serem apresentados ao olho humano, para conhecidos do que para símbolos desconhecidos
depois seguir seu caminho em busca de processos (BINDER; MEDLER; WESTBURY;
linguísticos (RAIJ; UUTELA; HARI, 2000). A LIEBENTHAL; BUCHANAN, 2006; VINCKIER;
ativação da região occipitotemporal é também DEHAENE; JOBERT; DUBUS; SIGMAN;
marcadora da leitura fluente: mais ativação COHEN, 2007); ou seja, são mesmo as letras
cerebral nesta área está associada a uma leitura que cativam seu funcionamento. Entre gêmeos
mais proficiente (DEHAENE; COHEN; MORAIS; monozigóticos, há mais diferenças de ativação
KOLINSKY, 2015); uma relação que pode ser na região occipitotemporal para a leitura de
identificada já em crianças do primeiro ano do palavras do que para letras inventadas (como
Ensino Fundamental (PLEISCH; KARIPIDIS; fontes falsas, por exemplo,ofonu). Esta
BREM; RÖTHLISBERGER; ROTH; BRANDEIS diferença de ativação não resultaria da genética
et al., 2020). Por outro lado, uma ativação e do ambiente, que lhes são comuns; resulta, isto
relativamente menor da área da forma visual sim, das experiências únicas de leitura de cada
das palavras sinaliza risco para dificuldades no um dos gêmeos (PARK; PARK; POLK, 2012).
aprendizado da leitura (CENTANNI; NORTON; De forma criativa, estudos que alfabetizaram
OZERNOV-PALCHIK; PARK; BEACH; indivíduos em um sistema de escrita artificial
HALVERSON et al., 2019), como será discutido mostraram ativação da região occipitotemporal
na seção sobre dislexia do desenvolvimento. A com a aprendizagem desses sistemas inventados;
região occipitotemporal exerce a mesma função um deles, inclusive, utilizou símbolos de casas ao
em sistemas de escrita logográficos, como o invés de letras (MARTIN; DURISKO; MOORE;
chinês (BOLGER; PERFETTI; SCHNEIDER, COUTANCHE; CHEN; FIEZ, 2019; PEGADO;
2014; BAI; SHI; JIANG; HE; WENG, 2011; NAKAMURA; BRAGA; VENTURA; NUNES
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da leitura, postula-se, tem três fases: a logográfica, A neurociência cognitiva, portanto, tem ajudado
a alfabética e a ortográfica (FRITH, 1985) a entender como o cérebro passa por uma
(para uma discussão sobre diferentes teorias do adaptação de sistemas neurais que, originalmente,
desenvolvimento da leitura ver Capítulo 3 deste tinham outra função (SHAYWITZ; SHAYWITZ;
Relatório). As fases ilustram uma complexificação PUGH; MENCL; FULBRIGHT; SKUDLARSKI
da aprendizagem da leitura e o desenvolvimento de et al., 2002; BUCHWEITZ, 2016; DEVLIN;
automaticidade e leitura fluente (BUCHWEITZ; JAMISON; GONNERMAN; MATTHEWS,
MOTA; NAME, 2017). Na primeira fase, há 2006). Anormalidades no funcionamento destas
apenas a habilidade de identificação de palavras regiões posteriores do cérebro, por sua vez, estão
como qualquer outro símbolo ou objeto visual. associadas com dificuldades de aprender a ler e
Nesta fase a criança identifica um logotipo com o risco para a dislexia do desenvolvimento.
pela sua identidade visual, por exemplo, mas
não identifica se letras foram trocadas dentro Dislexia do desenvolvimento:
do mesmo – exemplo, o logotipo do refrigerante quando a aprendizagem da
“Pepsi” escrito como “Pespi”. Ou seja, não se trata leitura encontra dificuldades
de leitura, mas de reconhecimento de símbolos. inesperadas
A fase alfabética vem a seguir e está associada
Algumas crianças podem apresentar uma
com a aprendizagem das correspondências
dificuldade inesperada de aprender a ler. A
entre grafemas e fonemas. É um estágio
criança teria sido adequadamente estimulada
essencialmente associativo (FRITH, 1985). A fase
na pré-escola, teria tido a oportunidade de
ortográfica, por fim, estabelece-se com a leitura
ser alfabetizada nos primeiros anos do Ensino
automática de palavras, no nível morfológico.
Fundamental (idealmente, no primeiro ano
As fases alfabética e ortográfica associam-se
mesmo) e não teria tido problemas de saúde
com rotas de processamento no cérebro. A rota
ou atrasos no desenvolvimento que pudessem
dorsal da leitura no cérebro, também chamada
afetar a aprendizagem da leitura e o
de rota fonológica, perpassa os giros angular e
desenvolvimento da linguagem em geral. Uma
supramarginal e compõe a rede que subjaz à
explicação para essa dificuldade inesperada na
habilidade alfabética de associação de grafemas
aprendizagem da leitura pode ser o transtorno
a fonemas (FRITH, 1985). Em sistemas de
do neurodesenvolvimento conhecido como dislexia
escrita mais regulares nas suas associações entre
do desenvolvimento (DÖHLA; HEIM, 2016).
grafemas e fonemas, como espanhol e italiano,
essa rota é relativamente mais utilizada pelo A dislexia é um transtorno do neurodesenvolvimento
cérebro do que a rota ventral (ou lexical), que é e, dentro desta categoria, está descrita como um
associada com a habilidade ortográfica. A rota transtorno específico de aprendizagem (APA,
lexical, por sua vez, é relativamente mais utilizada 2013); tem uma prevalência de 5% a 15% entre
na leitura de sistemas mais irregulares, como as crianças de idade escolar em diferentes
inglês e francês (PAULESU; DÉMONET; FAZIO; línguas e culturas. A etiologia, ou seja, as causas
MCCRORY; CHANOINE; BRUNSWICK et do transtorno, está associada a três aspectos:
al., 2001; PAULESU; MCCRORY; FAZIO; causas genéticas, causas adquiridas e causas
MENONCELLO; BRUNSWICK; CAPPA et al., multifatoriais (interação entre genética e adquirida)
2000; BUCHWEITZ, 2016). (SHAYWITZ, 2008; DEHAENE, 2012).
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LADURNER; WIMMER, 2006; BUCHWEITZ; MCCANDLISS, 2006; RASCHLE; CHANG;
COSTA; TOAZZA; MORAES; CARA; ESPER GAAB, 2011).
et al., 2019; MEYLER; KELLER; CHERKASSKY;
Existe, ainda, mais uma diferença neuroanatômica
LEE; HOEFT; WHITFIELD-GABRIELI et al.,
associada com a dislexia. Trata-se de uma
2007; MEYLER; KELLER; CHERKASSKY;
diferença na comunicação entre regiões do
GABRIELI; JUST, 2009; DEVLIN; JAMISON;
cérebro. Sob o córtex cerebral, existe uma rede de
GONNERMAN; MATTHEWS, 2006;
tratos (grosso modo, são “cabos”) que interligam
SHAYWITZ; SHAYWITZ; PUGH; MENCL;
regiões cerebrais como condutos de informação.
FULBRIGHT; SKUDLARSKI et al., 2002; PUGH;
Há duas estruturas que conectam as principais
MENCL; JENNER; KATZ; FROST; JUN REN
regiões do cérebro da linguagem e da leitura, o
LEE et al., 2000; KOVELMAN; NORTON;
fascículo arqueado, que conecta o lobo temporal
CHRISTODOULOU; GAAB; LIEBERMAN;
posterior com o giro frontal inferior esquerdo
TRIANTAFYLLOU et al., 2012). Estas alterações
(este fascículo conecta regiões da rota dorsal, ou
funcionais são encontradas também em crianças
fonológica, da leitura), e o fascículo longitudinal
pré-alfabéticas e estão associadas com maior
inferior, que conecta a região occipitotemporal
risco para dislexia (CENTANNI; NORTON;
esquerda com o lobo temporal (e conecta regiões
OZERNOV-PALCHIK; PARK; BEACH; da rota ventral, ou lexical, da leitura). Alterações
HALVERSON et al., 2019; RASCHLE; ZUK; significativas no desenvolvimento e na qualidade
GAAB, 2012; MOLFESE, 2000). da formação destes fascículos estão associadas
Estudos mais antigos da anatomia do cérebro com dislexia (HOEFT; MCCANDLISS; BLACK;
de pacientes com dislexia, após a morte, foram GANTMAN; ZAKERANI; HULME et al., 2011;
os primeiros a mostrar alterações de volume LANGER; PEYSAKHOVICH; ZUK; DROTTAR;
cerebral no hemisfério esquerdo associados com o SLIVA; SMITH et al., 2017; YEATMAN;
transtorno (GALABURDA; SHERMAN; ROSEN; DOUGHERTY; BEN-SHACHAR; WANDELL,
ABOITIZ; GESCHWIND, 1985; GALABURDA; 2012; HUBER; DONNELLY; ROKEM;
LEMAY; KEMPER; GESCHWIND, 1978; YEATMAN, 2018; RAMUS; ALTARELLI;
GALABURDA; KEMPER, 1979). Com o avanço JEDNORÓG; ZHAO; SCOTTO DI COVELLA,
da neuroimagem, se reproduziram as evidências 2018; KLINGBERG; HEDEHUS; TEMPLE;
de alterações anatômicas de volume encontradas SALZ; GABRIELI; MOSELEY et al., 2000).
nos primeiros estudos (ALTARELLI; LEROY; Essas mesmas alterações foram identificadas
MONZALVO; FLUSS; BILLARD; DEHAENE- em bebês de 18 meses, que subsequentemente
LAMBERTZ et al., 2014) e se descobriram apresentaram déficits de desenvolvimento da
alterações neurofuncionais e de conexões do linguagem, ou seja, foram indicativas de risco
cérebro em crianças e adultos disléxicos, nestes para dislexia (LANGER; PEYSAKHOVICH;
casos, evidentemente, em vida (ALTARELLI; ZUK; DROTTAR; SLIVA; SMITH et al., 2017).
LEROY; MONZALVO; FLUSS; BILLARD;
Alterações presentes na primeira infância
DEHAENE-LAMBERTZ et al., 2014; ECKERT,
reafirmam a natureza de transtorno do
2004; LINKERSDÖRFER; LONNEMANN;
neurodesenvolvimento da dislexia. A dislexia não é
LINDBERG; HASSELHORN; FIEBACH, 2012;
resultante do meio e de ausência de oportunidades
KRAFNICK; LYNN FLOWERS; LUETJE;
(SHAYWITZ; SHAYWITZ; FLETCHER; ESCOBAR,
NAPOLIELLO; EDEN, 2014; NIOGI;
1990; MITCHELL, 2018; STEIN, 2018; SHAYWITZ;
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linguagem e leitura. Há menos estudos de finalmente à execução neuromotora – o comando
neuroimagem e grande parte do conhecimento para execução do movimento. Na escrita fluente
sobre como funciona o “cérebro da escrita” e automatizada, esses processos se desencadeiam
advém de estudos de transtornos da escrita, rapidamente, em milissegundos.
como agrafias e disgrafias (PLANTON; JUCLA;
A representação da escrita está associada a
ROUX; DÉMONET, 2013). Nesta seção, será
uma memória central que contém informação
discutido como a escrita à mão é representada
espacial sobre a forma das letras. A informação
no cérebro humano, e como esta representação
espacial define proporções e orientações das
evolui enquanto aprendizagem. Sabe-se que
letras e seus componentes. Essa representação
a escrita por digitação se faz cada vez mais
da escrita no cérebro tem uma forma abstrata,
presente. No entanto, esta seção abordará
ou seja, ela se mantém constante com o tamanho
o “cérebro da escrita à mão”, a escrita mais
de letra, por exemplo, e funciona como uma
comumente utilizada na alfabetização.
“imagem mental do traçado da letra” (VAN
A representação da escrita e GALEN, 1991; VINCI-BOOHER; CHENG;
sua base neural: o “cérebro da JAMES, 2018). As representações abstratas são
escrita” facilmente adaptáveis à situação e objetivos da
escrita como o instrumento (lápis, giz ou outros
Os processos envolvidos na aprendizagem da instrumentos mais finos ou grosseiros), o tamanho
escrita apresentam uma evolução que, no cérebro, da letra (escrever em caderno ou em cartaz)
são levados a cabo com o maior envolvimento e velocidade da escrita (escrever rascunho,
inicial de sistemas somatossensoriais e visuais na escrever passado “a limpo”). O traçado que a
criança aprendiz para um maior envolvimento criança aprende a executar é independente de
subsequente de redes neurais especializadas, que tamanho e velocidade de execução (PALMIS;
refletem o controle automático da escrita fluente DANNA; VELAY; LONGCAMP, 2017; VAN
(PALMIS; DANNA; VELAY; LONGCAMP, GALEN, 1991) e, da mesma forma, a ativação
2017). Esta evolução ilustra uma dependência do cérebro também não muda para a escrita em
inicial da criança de processos visuais e sensoriais, diferentes tamanhos e velocidades (KADMON
que precisa mentalmente traçar as letras e HARPAZ; FLASH; DINSTEIN, 2014).
aprender a executar movimentos. Em seguida,
O cérebro da escrita envolve uma rede neural
representa uma evolução para, com a escrita
distribuída que inclui o córtex dorsal pré-motor
fluída, ilustrar uma evolução para processos
(incluindo área de Exner, discutida a seguir), o
associados com uma rede pré-motora-parietal-
córtex parietal superior esquerdo, o cerebelo
cerebelar que representam a automatização da
direito, o sulco central e o giro fusiforme esquerdo
escrita. Há ainda processos linguísticos superiores,
(Figura 3). Os parâmetros linguísticos – mais
como acesso ao léxico mental e fonológico, que
superiores – e motores, que envolvem a ação
precedem a execução da de escrita (PLANTON;
final, entretanto, envolvem áreas cerebrais para
JUCLA; ROUX; DÉMONET, 2013). A partir do
além desta rede neural (Figura 3).
acesso lexical, por exemplo, desencadeiam-se
o planejamento do traçado e as associações Os gestos grafo-motores e o controle da trajetória
grafo-motoras (KADMON HARPAZ; FLASH; de um instrumento de escrita (como um lápis) estão
DINSTEIN, 2014) que, por sua vez, levam associados com ativação de regiões pré-motoras
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Outras regiões envolvidas com a escrita fluente JUCLA, 2017). Esta diferença entre adultos e
incluem o córtex parietal superior e o cerebelo crianças realça, novamente, a importância da
direito. A função do córtex parietal superior, passagem de um processo laborioso para um
postula-se, seria de armazenar a forma abstrata processo fluente e automático. Portanto, este
das letras. Sua ativação para produzir letras processo de troca de ativação de redes frontais
maiores ou menores é invariante, como descrito para uma rede posterior do cérebro reflete
anteriormente (KADMON HARPAZ; FLASH; a consolidação da aprendizagem da escrita,
DINSTEIN, 2014). De forma geral, uma das assim como na leitura, e a diminuição do custo
funções mais conhecidas para o córtex parietal atencional com elementos mais fundamentais
na cognição humana é a orientação espacial e da escrita (BUCHWEITZ; COSTA; TOAZZA;
rotação mental de figuras (como ter de imaginar MORAES; CARA; ESPER et al., 2019; CHEIN;
se o número 8, tendo sido girado 90 graus, SCHNEIDER, 2005; POLDRACK; SABB;
se pareceria com um par de óculos ou com o FOERDE; TOM; ASARNOW; BOOKHEIMER;
símbolo de infinito) (JORDAN; HEINZE; LUTZ; et al., 2005).
KANOWSKI; JÄNCKE, 2011; ALIVISATOS;
A rede de regiões pré-motora, parietal e
PETRIDES, 1996). Nesse sentido, para a escrita,
cerebelar codifica, portanto, a programação
postula-se que o envolvimento da região parietal motora para a escrita fluente. Esta informação
seja de interface entre áreas da linguagem é, ainda, independente da lateralidade e do
(algumas muito próximas, como o giro angular) membro utilizado para a execução. Ao escrever
e áreas motoras (SEGAL; PETRIDES, 2012). com a mão trocada (um destro escrevendo com
Por exemplo, uma lesão cerebral nessa região a mão esquerda, por exemplo) ou ao escrever
é comumente associada com agrafia apráxica com o dedão do pé na areia, a ativação nesta
(PALMIS; DANNA; VELAY; LONGCAMP, rede parietal-pré-motora-cerebelar não muda: é
2017), que se manifesta como uma escrita lenta invariante em relação ao membro utilizado ou
e laboriosa. sua lateralidade (PALMIS; DANNA; VELAY;
O cerebelo, por sua vez, tem funções LONGCAMP, 2017), assim como é invariante
tradicionalmente associadas com coordenação para o tamanho da letra e velocidade, como
motora e equilíbrio e uma porção do cerebelo visto acima. A ativação dessa rede neural
direito está envolvida especificamente com a pré-motora, parietal e cerebelar foi também
identificada em estudos de redes cerebrais
escrita. Esta região se especializa em controle
associados com a datilografia (PURCELL;
e retenção de habilidades motoras finas
NAPOLIELLO; EDEN, 2011).
associadas à escrita (PALMIS; DANNA; VELAY;
LONGCAMP, 2017). A ativação cerebelar para O conhecimento sobre as bases neurais da escrita
a escrita é maior em adultos, que têm mais é incipiente. Mas a neurociência tem ajudado a
controle fino e escrevem fluentemente, do que em entender que a criança desenvolve representações
crianças em fase de aprendizagem; estas, por sua neurais dos gestos manuscritos de cada letra,
vez, apresentam mais ativação do que adultos, o qual envolve um circuito associado a três
na escrita, em regiões do cérebro associadas elementos fundamentais: representação abstrata
com controle atencional, como o lobo frontal das letras, planejamento do traçado e controle
(PALMIS; DANNA; VELAY; LONGCAMP, 2017; motor refinado. Leitura e escrita são ensinadas
PLANTON; LONGCAMP; PÉRAN; DÉMONET; tipicamente ao mesmo tempo, e se associam a
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anos iniciais, as habilidades fundamentais aqui BOLGER, D. J.; PERFETTI, C. A.; SCHNEIDER,
apresentadas foram as mais fortes preditoras da W. Cross-cultural effect on the brain revisited:
formação de bons e ávidos leitores. E assim foram universal structures plus writing system varia-
com instrução, inclusive na pré-escola, sendo que tion.
a mera exposição a textos não foi suficiente para Hum Brain Mapp [Internet]. 2005 May [cited
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Capítulo 3
Como as crianças aprendem a ler e a escrever
em Português brasileiro
Cláudia Cardoso-Martins1
e Renan de Almeida Sargian2,3
Em um sentido básico, ler significa traduzir muito abstratas e, salvo algumas exceções, são
ou transformar a escrita em fala, um processo difíceis de serem detectados na pronúncia das
conhecido como decodificação ou recodificação palavras ou enunciados isoladamente. Não é
fonológica (EHRI, 1992; SNOWLING, 2019). surpreendente, portanto, que a maioria das
Para aprender a ler, portanto, é necessário que crianças necessite de instrução sistemática e
a criança compreenda como a palavra escrita explícita para a aprender a ler e escrever em
representa a palavra falada em sua língua. Em sistemas alfabéticos. No Brasil, assim como em
português, como em qualquer outro sistema muitos outros países, essa instrução tem início no
alfabético de escrita, a escrita representa a fala no 1º ano do Ensino Básico.
nível dos fonemas, ou seja, os menores segmentos
Contudo, as crianças não esperam ir para a escola
de som capazes de diferenciar palavras. Por
para começar a aprender sobre a língua escrita.
exemplo, os sons representados pelas letras “f”
De fato, o desenvolvimento da literacia tem
e “v” são fonemas em português, uma vez que a
início muitos anos antes quando, por exemplo, as
troca de um pelo outro altera o significado da
crianças começam a distinguir a escrita de outras
palavra (considere, por exemplo, a troca do som formas de representação gráfica e a usar as
representado pela letra “v” na palavra vaca pelo formas convencionais das letras em suas escritas
som representado pela letra “f”). Portanto, para inventadas. Elas também aprendem o nome e/ou
aprender a ler em português, a criança necessita sons das letras e, além de ampliar seu vocabulário
aprender o sistema de correspondências entre e aprimorar seu conhecimento da gramática e
os grafemas e os fonemas próprios da língua pragmática da sua língua natal, desenvolvem
portuguesa, ou seja, as relações entre as letras habilidades metalinguísticas importantes para
(e.g., a letra “v” na palavra vaca) ou grupos de a compreensão do código alfabético. Esses
letras (e.g., o dígrafo “ch” na palavra chave) e conhecimentos, denominados de literacia
os fonemas que elas representam na pronúncia emergente (ver Capítulo 1 deste Relatório)
das palavras (e.g., /v/ no caso da letra “v” e não apenas influenciam o desenvolvimento
/∫/ no caso do dígrafo “ch”), uma tarefa difícil das estratégias que as crianças utilizam para
para crianças pequenas. A razão disso é que os aprender a ler e escrever palavras antes de irem
fonemas são unidades para a escola, como são preditores importantes
do seu sucesso posterior na alfabetização.
1 Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG
2 Harvard Graduate School of Education O objetivo central deste capítulo é descrever o
3 Universidade Cruzeiro do Sul desenvolvimento da habilidade de ler e escrever
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exclusiva: 1) pré-alfabética, 2) alfabética A fase alfabética completa abre o caminho
parcial, 3) alfabética completa, e 4) alfabética para a fase consolidada. Na medida em que os
consolidada. A fase pré-alfabética é semelhante ao vocabulários de leitura das crianças aumentam,
estágio logográfico de Frith, descrito acima. Uma vez inúmeras palavras com padrões ortográficos
que as crianças têm pouco conhecimento do sistema semelhantes são armazenadas na memória.
alfabético, elas ainda não são capazes de usar as As correspondências entre esses padrões
relações entre as letras e os sons para aprender ortográficos e suas pronúncias são percebidas
a ler palavras e, como resultado, se baseiam em e, eventualmente, consolidadas como unidades
pistas visuais. Não é surpreendente, portanto, que ortográficas na memória. Em português, essas
crianças pré-alfabéticas tenham muita dificuldade unidades correspondem frequentemente a sílabas
de aprender a ler palavras. A aprendizagem é e morfemas nas palavras. Na medida em que
instável e palavras com grafias semelhantes são essas unidades são aprendidas e usadas para
frequentemente confundidas entre si. ler palavras, as crianças progridem para a fase
alfabética consolidada. Uma vantagem dessas
A fase parcialmente alfabética se inicia quando as
unidades maiores é que elas são econômicas,
crianças aprendem os nomes e/ou sons das letras
ou seja, reduzem o número de conexões entre a
e usam esse conhecimento para aprender a ler
palavras. No entanto, porque seu conhecimento escrita e a fala necessárias para armazenar a
do sistema alfabético é incompleto, elas só são grafia das palavras na memória.
capazes de formar conexões entre algumas das Um aspecto especialmente distintivo da teoria de
letras e sons nas palavras. Isso explica por que, a Ehri é a fase ou a estratégia alfabética parcial.
menos que possam se beneficiar do contexto, as Gough e Hillinger (1980) sugeriram que as
crianças parcialmente alfabéticas não são ainda crianças se baseiam na estratégia logográfica
capazes de ler palavras desconhecidas. ou pré-alfabética enquanto ela funcionar, isto é,
As crianças se tornam leitores alfabéticos completos enquanto ela lhes permitir diferenciar palavras
quando são capazes de formar conexões completas novas das palavras que elas já conhecem.
entre os grafemas nas grafias e os fonemas nas No entanto, como as pistas visuais raramente
pronúncias das palavras. Isso é possível porque são suficientemente distintivas, eventualmente
aprenderam as principais correspondências a estratégia logográfica entra em colapso,
grafema-fonema do seu sistema alfabético e se cedendo lugar para a estratégia alfabética.
tornaram capazes de segmentar as pronúncias Na visão de Ehri, por outro lado, a estratégia
das palavras em seus fonemas constituintes. parcialmente alfabética não resulta de limitações
Quando as crianças aplicam esse conhecimento na estratégia logográfica per se. Em vez disso, ela
para ler palavras, as grafias das palavras tornam- é uma consequência natural da aprendizagem
-se intimamente conectadas às suas pronúncias e dos nomes e dos sons das letras. Desde que
significados na memória. De acordo com a teoria de as crianças tenham alguma habilidade para
fases (ver também SHARE, 1995), a habilidade de segmentar as palavras em seus sons constituintes,
recodificação fonológica completa está no centro o conhecimento do alfabeto as impele a aprender
da nossa habilidade de aprender a ortografia a ler através da formação de conexões entre as
das palavras e, como resultado, de reconhecer letras que elas veem nas grafias das palavras e
as milhares de palavras que conhecemos em um os sons que elas são capazes de detectar nas suas
piscar de olhos. pronúncias. Conforme mencionamos acima, no
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a sons na pronúncia das palavras (e.g., CRVA para grafias, isso também ocorria para outras letras
cerveja), e grafias visuais, em que as letras não na grafia simplificada. É possível, portanto, que a
correspondiam a sons na pronúncia das palavras tarefa tenha facilitado a habilidade de a criança
mas eram visualmente mais salientes (e.g., XQKO aprender a ler por meio do processamento das
para a palavra cerveja). relações letra-som.
As crianças aprenderam a ler as grafias fonéticas Tendo em vista essa possibilidade, Cardoso-
e visuais em dias separados. Cada tarefa de -Martins, Resende e Rodrigues (2002) avaliaram
aprendizagem começava com um ensaio de se crianças pré-leitoras que conheciam o
treinamento no qual o examinador lia para a nome das letras eram capazes de processar
criança o que estava escrito em cada um dos relações letra-som para aprender a ler grafias
cartões. Em seguida, as crianças eram submetidas simplificadas em que as letras correspondiam
a vários ensaios para aprender a ler as grafias. a fonemas contidos no nome das letras, e não
Respostas corretas eram elogiadas e respostas aos nomes das letras (por exemplo, SPT para
incorretas corrigidas. Como seria esperado sapato, em que as letras S, P e T representam os
com base na teoria de fases, as crianças que fonemas contidos no nome das letras /esi/, /pe/ e
conheciam o nome das letras aprenderam a ler /te/, respectivamente). Os resultados mostraram
as grafias fonéticas mais facilmente do que as que as crianças aprenderam a ler essas grafias
grafias visuais. O oposto ocorreu para as crianças mais facilmente do que grafias visualmente mais
que conheciam o nome de apenas algumas letras. salientes em que as letras não tinham nenhuma
Essas crianças consideraram as grafias visuais relação com os sons na pronúncia das palavras.
mais fáceis do que as grafias fonéticas.
Resultados semelhantes foram também
Abreu e Cardoso-Martins também solicitaram encontrados entre adultos brasileiros iletrados.
para as crianças escreverem os dois tipos de Cardoso-Martins, Rodrigues e Ehri (2003)
grafias. As crianças que conheciam poucas letras mostraram que os adultos iletrados que
apresentaram muita dificuldade em ambos participaram do seu estudo apresentaram mais
os tipos de grafias. Por outro lado, as crianças facilidade em aprender a ler grafias fonéticas
que conheciam o nome das letras reproduziram simplificadas em que as letras representavam
as grafias fonéticas com mais acurácia do que
fonemas do que para aprender grafias visuais
as grafias visuais. A superioridade das grafias
simplificadas. Como ocorreu com as crianças no
fonéticas deveu-se, em grande parte, à sua
estudo de Cardoso-Martins, Resende e Rodrigues
habilidade de lembrar a letra inicial, confirmando (2002), os adultos iletrados tinham algum
a sugestão de Ehri de que, inicialmente, as conhecimento do alfabeto. Além disso, como
crianças só são capazes de processar e lembrar Corrêa, Cardoso-Martins e Rodrigues (2010)
uma ou duas relações letra-som nas palavras. posteriormente mostraram, eles eram capazes
No estudo de Abreu e Cardoso-Martins, as de usar esse conhecimento para produzir grafias
conexões entre as letras e os sons nas grafias parcialmente fonéticas das palavras.
fonéticas eram muito perceptíveis. De fato, o Cardoso-Martins, Rodrigues e Ehri (2003)
nome da primeira letra podia ser claramente também avaliaram a habilidade de os adultos
detectado no início da pronúncia da palavra identificarem sinais ambientais comuns (e.g.,
para todas as grafias fonéticas. Em algumas das o logo da Coca-Cola) com graus variados de
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e pseudopalavras corretamente. Isso foi obser- gular do sistema de escrita alemão. De acor-
vado apesar de as palavras terem sido equipa- do com eles, sistemas de escrita transparentes
radas em função do nível de dificuldade entre podem encorajar as crianças a aprender a ler
as diferentes línguas. Ao que tudo indica, níveis por meio da recodificação fonológica desde o
elevados de habilidade de decodificação são início da aprendizagem da leitura e da escrita.
também observados no final do 1º ano do En- Existe, no entanto, uma explicação alternativa
sino Fundamental em português brasileiro, pelo para os resultados encontrados em seu estu-
menos entre crianças aprendendo a ler através do. Como é comumente observado na Áustria,
de métodos fônicos e que não apresentam di- as crianças no estudo de Wimmer e Hummer
ficuldades de aprendizagem da leitura (CAR- estavam aprendendo a ler através do método
DOSO-MARTINS, 2017; MICHALICK-TRIGI- fônico, uma abordagem que enfatiza a instru-
NELLI; CARDOSO-MARTINS, 2015). ção da leitura através da mediação fonêmica.
À primeira vista, esses resultados parecem ques- Não é, portanto, surpreendente que estivessem
tionar a generalidade da teoria de fases de Ehri, se baseando na estratégia alfabética completa
sobretudo das fases pré-alfabética e alfabética para aprender a ler palavras desde o início da
parcial, para crianças aprendendo a ler em orto- alfabetização. Com efeito, conforme discutido
grafias mais transparentes do que a ortografia no Capítulo 5 deste Relatório, há evidência de
inglesa. De fato, como é descrito a seguir, Wim- que o método de alfabetização tem um impac-
mer e Hummer (1990) sugeriram que crianças to nas estratégias que as crianças utilizam para
aprendendo a ler em sistemas de escrita mais ler palavras, independentemente da transparên-
transparentes parecem “pular” as duas primeiras cia do sistema de escrita que aprendem a ler. É
fases, utilizando a estratégia alfabética comple- possível, portanto, que crianças aprendendo a
ta para ler palavras desde o início da aprendi- ler em português brasileiro, através de métodos
zagem da leitura. que não explicitam as relações entre a escrita e
Wimmer e Hummer (1990) examinaram as habi- a fala no nível sublexical, utilizem a estratégia
lidades de leitura de crianças austríacas apren- parcialmente alfabética para aprender a ler pa-
dendo a ler em alemão. De acordo com Wimmer lavras, tão logo aprendem os nomes e os sons
e Hummer, aproximadamente seis meses após das letras. A razão disso é que, como descreve-
o início da alfabetização, as crianças no seu es- mos anteriormente, essa estratégia é mais eficaz
tudo mostraram sinais claros de que estavam e confiável do que a estratégia logográfica.
utilizando a estratégia alfabética completa. Por Cardoso-Martins (2001) avaliou essa hipótese
exemplo, quase todas as crianças no seu estudo em um estudo longitudinal examinando as es-
podiam ler pseudopalavras, isto é, palavras que tratégias que leitores iniciantes brasileiros de 5
não existem e que, portanto, só podem ser lidas e 6 anos de idade utilizam para aprender a ler
através da recodificação fonológica. Além disso, palavras no início da alfabetização. Os dois gru-
a maioria dos erros apresentados pelas crianças pos estavam matriculados em classes do Jardim
na avaliação da leitura consistia em pseudopa- de Infância (antigo pré-escolar) de duas gran-
lavras compartilhando muitas correspondências
des escolas particulares (daqui em diante Escola
grafema-fonema com as palavras-chave.
Global e Escola Fônica) de Belo Horizonte, MG,
Wimmer e Hummer interpretaram esses resulta- e eram provenientes de famílias de nível socioe-
dos em termos da natureza relativamente re- conômico alto.
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Tabela 1. Proporção Média de Respostas Corretas (e diferentes em função do número de relações
Desvio Padrão) na Tarefa de Leitura em Função do letra-som representadas. O primeiro nível
Tipo de Instrução de Leitura correspondia a escritas que não revelavam
qualquer compreensão de que as letras
Tarefa de leitura
representam sons na pronúncia das palavras.
Palavras Palavras Ausências de respostas – a criança dizia que não
Escola Pseudopalavras
familiares desconhecidas sabia escrever uma palavra – também foram
codificadas como Nível 1.
0,7 0,05 0,02
Global (0,13) (0,10) (0,07) As escritas codificadas como Nível 2 revelavam
Fônica 0,59 0,31 0,41 o começo da compreensão de que as letras
(0,26) (0,29) (0,35)
representam sons. Essas escritas correspondiam
Fonte: Cardoso-Martins (2001).
Tabela 2. Proporção média de erros classificados como recusas e não
De fato, enquanto a maioria das palavras em função da tarefa de leitura e tipo de instrução de leitura
crianças da Escola Global leu mais
da metade das palavras familiares, Tarefa de Leitura
23 crianças (70%) não conseguiram Palavras Palavras
Pseudopalavras
ler nenhuma palavra desconhecida Escola familares desconhecidas
e 28 (87,5%) não leram nenhuma
Não Não Não
pseudopalavra. Esses resultados Recusas Recusas Recusas
palavras palavras palavras
diferem marcadamente dos
resultados encontrados para as 0,73 0,04 0,63 0,14 0,63 0,20
Global
crianças da Escola Fônica. Apenas (0,23) (0,08) (0,33) (0,20) (0,30) (0,22)
nove (30%) e quatro (13%)
crianças da Escola Fônica não 0,25 0,46 0,29 0,48 0,22 0,58
Fônica
(0,34) (0,33) (0,38) (0,34) (0,34) (0,38)
conseguiram ler nenhuma palavra
desconhecida ou pseudopalavra, Fonte: Cardoso-Martins (2001)
respectivamente, sugerindo que,
ao contrário das crianças da Escola Global, elas a escritas em que menos da metade dos sons no
estavam aprendendo a ler palavras através da número das palavras era representada por letras
recodificação fonológica. A análise dos erros de convencionalmente corretas ou fonologicamente
leitura também sugeriu que elas estavam usando plausíveis (e.g., E para pé ou TI para telefone).
a estratégia alfabética completa para aprender Uma letra foi considerada como fonologicamente
a ler. De fato, a maioria dos seus erros consistiu plausível quando, embora incorreta na grafia
de não palavras. Por outro lado, a incidência de da palavra, é usada para representar o som
recusas em ler as palavras foi muito frequente em questão em outras palavras em português
entre as crianças da Escola Global. Como pode brasileiro. Esse é o caso, por exemplo, da letra ‘i’
ser observado na Tabela 2, isso foi verdade tanto na escrita TI para telefone.
para as palavras quanto para as pseudopalavras.
Como no Nível 2, as escritas de Nível 3 não
As crianças foram também solicitadas a escrever representavam todos os sons na palavra. No
as palavras desconhecidas. As escritas foram entanto, diferentemente das escritas de Nível
categorizadas de acordo com quatro níveis 2, nas escritas de Nível 3 o número de sons
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Por outro lado, o desempenho das crianças podiam ser detectados na pronúncia das palavras.
que começaram a aprender a ler através da Isso explica a proporção relativamente elevada
abordagem global foi muito diferente. A maioria de sons vocálicos representados. Ao contrário
não foi capaz de ler nenhuma pseudopalavra ou dos nomes das consoantes, os nomes das vogais
palavra desconhecida três meses após o início são frequentemente escutados na pronúncia das
da instrução da leitura. Isso ocorreu apesar de palavras em português brasileiro (CARDOSO-
as palavras desconhecidas e pseudopalavras MARTINS; RESENDE; RODRIGUES, 2002). O
conterem apenas correspondências letra- conhecimento incompleto do sistema grafofônico
-som familiares, isto é, correspondências que também explica a incapacidade de os leitores da
apareciam nas palavras que as crianças haviam Escola Global lerem as palavras desconhecidas
aprendido a ler na sala de aula. Além disso, a ou pseudopalavras.
maioria dos erros apresentados pelas crianças
consistia de recusas em ler as palavras. Este Qual é a Natureza das
padrão de respostas é semelhante ao padrão Dificuldades Iniciais na
encontrado para crianças que aprendem a ler em Aprendizagem da Leitura e
inglês através de uma abordagem semelhante Escrita em Português Brasileiro?
(ver, por exemplo, SEYMOUR; ELDER, 1986)
e sugere que, na ausência de instrução explícita De acordo com a teoria de Ehri, para as
sobre as relações entre a escrita e a fala no nível crianças (ou adultos) tornarem-se leitores hábeis
sublexical, leitores iniciantes não aprendem a ler e fluentes, elas devem ser capazes de armazenar
através da recodificação fonológica nem mesmo representações alfabéticas completas das
em uma ortografia relativamente consistente. palavras na memória. Ehri argumenta que a
habilidade ler palavras através da recodificação
Conforme discutido anteriormente, esses fonológica é o mecanismo que torna isso possível.
resultados são congruentes com a teoria de A razão disso é que a recodificação fonológica
fases de Ehri. Mesmo na ausência de instrução obrigatoriamente chama a atenção do leitor
explícita sobre as relações entre os grafemas e para a relação entre as letras ou grupos de letras
os fonemas, as crianças aprendem a ler palavras e os fonemas que elas representam na pronúncia
por meio do processamento de relações letra- das palavras, possibilitando dessa forma o
som, desde que conheçam os nomes e/ou sons armazenamento da grafia de inúmeras palavras
das letras e desde que sejam capazes de detectar na memória. Desde que os leitores conheçam e
os sons tipicamente representados pelas letras utilizem as correspondências grafema-fonema
na pronúncia das palavras. Contudo, como Ehri para ler palavras desconhecidas, as grafias
mostrou para leitores iniciantes em inglês na dessas palavras são armazenadas na memória
fase parcialmente alfabética, é provável que a sem necessidade de muita prática. Por exemplo,
informação grafofônica utilizada no início da Share (2004) mostrou que uma única exposição
aquisição da leitura em português seja muito a palavras desconhecidas era suficiente para
limitada. A maioria das escritas de Nível 2 no incrementar a memória da sua grafia entre
estudo de Cardoso-Martins consistia de grafias crianças do 3º ano do Ensino Básico. Não
representando apenas um ou dois sons na é surpreendente, portanto, que adultos com
pronúncia da palavra-alvo. Muito frequentemente, bom nível educacional sejam capazes de
as letras representadas eram letras cujos nomes reconhecer milhares de palavras escritas rápida
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ZIEGLER; GOSWAMI, 2006), incluindo o O Desenvolvimento da Fase
português brasileiro (e.g., BARRERA; SANTOS,
Alfabética Completa em
2014; GODOY, 2005, 2016; GRANZOTTI et al.,
Português Brasileiro
2013; SARGIANI; EHRI; MALUF, 2018).
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A Figura 2 mostra o número médio de respostas
corretas no ditado de palavras, separadamente
para os três tipos de IFGs e para os quatro anos
escolares. O conhecimento da ortografia progrediu
significativamente ao longo dos primeiros anos
escolares. Isso foi observado tanto em relação
ao conhecimento das IFGs condicionadas pelo
contexto grafofônico quanto para as IFGs
condicionadas pela morfossintaxe. Contudo, os
resultados sugerem que a sensibilidade às IFGs
condicionadas pela morfossintaxe se desenvolve
mais tardiamente em português brasileiro do
Figura 1. Proporção média de respostas corretas no
que a sensibilidade às IFGs condicionadas pelo
teste de ditado ortográfico em função da IFG no
estudo de Michalick-Triginelli (2015) Notas: Barras de contexto grafofônico.
erro em erro padrão. Fonte: Michalick-Triginelli (2015).
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A Teoria de Fases de ortográfica. De acordo com os autores, as crianças
Linnea Ehri Pode Explicar as com dislexia do desenvolvimento apresentaram
uma frequência muito maior de erros do que as
Dificuldades de Aprendizagem
crianças sem dificuldades de leitura, sobretudo
da Leitura e da Escrita em em palavras com inconsistências fonema-
Português Brasileiro em Níveis -grafema incondicionadas ou condicionadas pelo
Escolares mais Avançados? contexto grafofônico. Contudo, não é certo que
essas dificuldades possam ser explicadas apenas
Conforme observamos anteriormente, Michallick-
em função de dificuldades de recodificação
-Triginelli e Cardoso-Martins (2015; ver também
e segmentação fonológica. Por exemplo, há
MICHALICK-TRIGINELLI, 2018) mostraram que
evidência de que, embora lenta e, muitas vezes,
dificuldades na aprendizagem inicial da leitura e da
laboriosa, a leitura de palavras e pseudopalavras
escrita em português brasileiro estão estreitamente
de indivíduos com dislexia do desenvolvimento em
associadas a dificuldades de recodificação
ortografias mais transparentes do que a ortografia
fonológica e dificuldades de consciência fonêmica.
inglesa é essencialmente correta (e.g., LANDERL;
De acordo com a teoria de fases de Ehri, essas
WIMMER, 2000; SERRANO; DEFIOR, 2008;
crianças deveriam, portanto, ter dificuldades na
ZOCCOLOTTI et al., 1999). Com efeito, Wimmer
aprendizagem de regularidades ortográficas
e seus colegas argumentaram que, embora as
condicionadas pelo contexto grafofônico e
crianças com dislexia em alemão apresentem
morfossintático. Elas também deveriam ter
dificuldades pronunciadas de recodificação
dificuldade na aprendizagem da grafia completa
das palavras e de padrões ortográficos envolvendo fonológica no 1º ano escolar, essas dificuldades
múltiplas letras, como sílabas inteiras, raízes, desaparecem relativamente cedo, em torno do
prefixos e sufixos. final do 3º ou 4º ano do Ensino Básico. De acordo
com Wimmer, o mesmo é observado em relação
Embora poucos estudos tenham avaliado o à habilidade de detecção e segmentação dos
desenvolvimento do conhecimento ortográfico segmentos fonêmicos da fala.
de crianças com dislexia do desenvolvimento
ou dificuldades específicas de aprendizagem Grande parte da evidência de que crianças com
da leitura em português brasileiro de forma dislexia em alemão são capazes de detectar e
sistemática (ver GONÇALVES, 2016; segmentar fonemas foi obtida por meio da análise
MICHALICK-TRIGINELLI, 2018, para uma dos erros apresentados por essas crianças em
revisão da literatura), a evidência existente sugere testes ou tarefas de ditado de palavras. Wimmer
que, semelhantemente ao que tem sido observado (LANDERL; WIMMER, 1997, 2000, 2008;
em outras ortografias alfabéticas (CIDRIM; WIMMER, 1993, 1996) argumentou que, embora
MADEIRO, 2017), as crianças com dificuldades muito frequentes na dislexia do desenvolvimento
de aprendizagem da leitura apresentam em alemão, os erros na escrita de palavras são
muita dificuldade em testes que avaliam esse de modo geral fonologicamente apropriados.
conhecimento, como testes de ditado de palavras. Esses resultados contrastam marcadamente com
Nesse sentido, Alves, Casella e Alexandre (2016) os resultados de estudos avaliando a consciência
avaliaram a habilidade de crianças entre o 3º e o fonêmica de indivíduos disléxicos falantes do inglês.
5º ano do Ensino Básico de escrever uma lista de De acordo com esses estudos, déficits na consciência
palavras contendo diferentes tipos de dificuldade fonêmica são muito persistentes na dislexia do
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para os dois grupos de participantes e para Para avaliar a natureza dos erros das crianças
os dois níveis escolares. Conforme esperado, no teste de ditado ortográfico, Gonçalves et al.
em ambos os níveis escolares, as crianças com recorreram ao sistema PONTO7. Nesse sistema,
dificuldades de aprendizagem apresentaram procura-se obter o melhor emparelhamento
um desempenho significativamente inferior ao possível entre as letras na escrita e os fonemas
das crianças sem dificuldades em todos os três na pronúncia da palavra-alvo, respeitando-se
tipos de IFGs. Não obstante, elas mostraram a ordem com que os fonemas aparecem na
sensibilidade aos padrões ortográficos nas palavra. Cada fonema representado por uma
palavras, pelo menos no que diz respeito letra fonologicamente plausível recebe um escore
às correspondências FG condicionadas pelo igual a zero. Por outro lado, uma penalidade de
contexto grafofônico. Como é ilustrado na Figura 1 ponto é atribuída a cada erro de omissão ou
3, o desempenho das crianças com dificuldades inserção de letras e uma penalidade de 1,4 pontos
de aprendizagem da leitura no ditado de a cada substituição fonologicamente implausível
palavras com IFGs condicionadas pelo contexto de letras (ver, e.g., TREIMAN et al., 2013). O
grafofônico foi significativamente superior ao seu escore de uma escrita corresponde à soma dos
desempenho no ditado de palavras com IFGs pontos atribuídos às letras produzidas e omitidas
incondicionadas. Como ocorreu entre as crianças pela criança. Quanto maior o escore, maior a
sem dificuldades, isso se verificou em ambas as distância entre a escrita da criança e a escrita
faixas escolares. Por outro lado, ao contrário correta ou fonologicamente plausível da palavra.
das crianças sem dificuldades de aprendizagem, A Figura 4 ilustra o número médio de pontos de
as crianças com dificuldades não mostraram penalidade por escrita em função do grupo de
evidência de sensibilidade às IFGs condicionadas participantes e da faixa escolar.
pela morfossintaxe, nem mesmo no nível escolar
mais avançado. Embora ambos os grupos de crianças tenham, em
média, apresentado poucos erros fonologicamente
Figura 3: Proporção Média de Respostas Corretas inapropriados por palavra no ditado ortográfico
no Teste de Ditado Ortográfico em Função da Difi-
de palavras, o número desses erros por palavra
culdade Ortográfica, do Nível Escolar e do Grupo de
foi significativamente maior para as crianças com
Crianças (DL = Dificuldade de Leitura;DT = Desen-
volvimento Típico) Nota: Erros de barra em erro padrão. Fonte: dificuldades de leitura do que para as crianças
Gonçalves et al. (2018). sem dificuldades, em ambas as faixas escolares.
Ademais, a magnitude do efeito foi muito alta
(d de Cohen = 1,67 para a diferença entre os
grupos do 2º- 3º ano e d de Cohen = 1,11 para a
diferença entres os grupos do 4º-5º ano). Como
os resultados de Caravolas e Volín (2001), os
resultados de Gonçalves et al. (2018) sugerem que
as dificuldades de segmentação fonológica de
crianças com problemas de leitura em português
brasileiro são encontradas até mesmo em alunos
do 4º e 5º ano do Ensino Básico.
7 http://spell.psychology.wustl.edu/ponto
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apresentaram um desempenho melhor na leitura do desenvolvimento da leitura e da escrita em
e escrita de palavras do que as que estavam português brasileiro (ver também BARRERA;
aprendendo a ler por meio de um método SANTOS, 2016; CARDOSO-MARTINS; BATIS-
fônico. Por outro lado, Sargiani, Ehri, e Maluf TA, 2005; CARDOSO-MARTINS; MICHALICK;
(2018, 2019) argumentaram que, mesmo em POLLO, 2006; GODOY, 2008, 2016; GODOY;
ortografias mais transparentes, o conhecimento PINHEIRO; CITOLER, 2017; MALUF; SARGIA-
das correspondências grafema-fonema é crucial NI, 2014; SARGIANI; EHRI; MALUF, 2018). Não
no início da aprendizagem. Em consonância com obstante, embora cruciais para a aprendizagem
a teoria de fases de Ehri, esses pesquisadores da leitura através da recodificação fonológica, é
mostraram que leitores iniciantes em português possível que esses fatores não sejam suficientes
brasileiro se beneficiam mais de unidades para a aprendizagem da ortografia das pala-
pequenas (grafema-fonema) para aprender a ler vras e, consequentemente, para a habilidade de
e a escrever do que de unidades maiores como as ler e escrever palavras com acurácia e fluência,
sílabas, apesar da saliência e transparência das até mesmo em um sistema de escrita alfabético
sílabas na ortografia portuguesa. relativamente mais transparente como o por-
tuguês brasileiro. A leitura é uma habilidade
A existência de semelhanças importantes entre a complexa e, claramente, envolve várias outras
aquisição inicial da leitura em inglês e em por- habilidades além das habilidades fonológicas.
tuguês não implica a inexistência de diferenças. Essas habilidades incluem o vocabulário, o aces-
Os resultados dos estudos descritos neste capítu- so lexical, a consciência morfológica e sintática
lo sugerem, no entanto, que essas diferenças são além de habilidades de domínio geral como a
provavelmente quantitativas e não qualitativas. É atenção, e a amplitude visuoatencional (CAR-
possível que a fase parcialmente alfabética desem- DOSO-MARTINS; MICHALICK-TRIGINELLI,
penhe um papel relativamente pouco importante 2019; GUIMARÃES, 2010; GUIMARÃES et al.,
na aprendizagem da leitura em português brasilei- 2014; MOTA, 2011; PULIEZI; MALUF, 2014;
ro, pelo menos entre crianças com desenvolvimento REGO; BUARQUE, 1997; SARGIANI; MALUF;
típico. Conforme mencionado anteriormente, uma BOSSE, 2015).
razão para isso é que, ao contrário da ortografia
inglesa, a ortografia portuguesa é relativamente Estudos recentes examinando a sensibilidade da
criança aos padrões grafotáticos do seu sistema
pouco distintiva. Isso provavelmente explica porque
de escrita também sugerem que o conhecimen-
as crianças em idade pré-escolar e os adultos ile-
to da ortografia não pode ser completamen-
trados que participaram dos estudos experimentais
te reduzido à fonologia. Nessa linha, Cassar e
de Cardoso-Martins, Resende e Rodrigues (2002)
Treiman (1997) solicitaram a crianças estaduni-
e Cardoso-Martins, Rodrigues e Ehri (2003) não
denses em classes do Jardim de Infância e do
houvessem ainda começado a ler embora já fos-
1º ano do Ensino Fundamental para julgarem
sem capazes de processar correspondências entre
qual de duas pseudopalavras era mais parecida
as letras e os sons para aprender a ler as palavras
com uma palavra real. Os resultados mostraram
simplificadas utilizadas nesses estudos.
que as crianças selecionaram palavras como
Os resultados apresentados também sugerem que, foll muito mais frequentemente do que palavras
em consonância com a teoria de fases de Ehri, o como ffol, refletindo sua sensibilidade ao fato de
conhecimento do nome e dos sons das letras e a que repetições da letra inicial ocorrem raramente
consciência fonêmica são preditores importantes em inglês. Treiman et al. (2013) estenderam es-
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Capítulo 4
Numeracia e Literacia: Como associar o ensino e
aprendizagem da matemática básica com a alfabetização?
Vitor Geraldi Haase1
Pode-se dizer que vivemos na sociedade do adquiridas antes da idade pré-escolar são
conhecimento. As habilidades matemáticas são preditivos de dificuldades persistentes na
consideradas um importante ativo econômico aprendizagem dessa disciplina, que se estendem
(BEDDINGTON et al., 2008). O desempenho dos anos iniciais do Ensino Fundamental até a
em matemática na adolescência e idade adulta adolescência (GEARY et al., 2012; KRAJEWSKI;
jovem se associa com renda, empregabilidade e SCHNEIDER, 2009; MELHUISH et al., 2008;
diversos indicadores de adaptação psicossocial, NGUYEN et al., 2016).
mesmo quando o efeito das habilidades de
Nos países do Hemisfério Norte, cerca de 3 a
leitura é estatisticamente controlado (PARSONS;
10% da população em idade escolar apresenta
BYNNER, 2005). A relação entre desempenho
dificuldades graves e persistentes nos aspectos
em matemática e renda é preditiva (CURI;
mais básicos da aritmética, envolvendo o conceito
MENEZES-FILHO, 2014). As profissões que
de número, as relações entre os números e as
demandam mais habilidades matemáticas
quatro operações numéricas (BUTTERWORTH,
remuneram melhor. As dificuldades de
2019; SANTOS, 2017). De acordo com
aprendizagem na idade escolar também são
esses autores, as dificuldades mais graves e
preditivas de transtornos comportamentais na
persistentes são frequentemente denominadas
adolescência (AUERBACH et al., 2008). Na de discalculia do desenvolvimento ou transtorno
idade adulta, as dificuldades com matemática de aprendizagem da matemática, têm origem
se associam com transtornos externalizantes em genética (CARVALHO; HAASE, 2019a, 2019b)
homens, tais como comportamentos antissociais e e ocorrem apesar dos esforços educacionais
envolvimento com criminalidade, e com transtornos em revertê-las, bem como na ausência de
internalizantes em mulheres, tais como ansiedade dificuldades intelectuais, neurossensoriais ou
e depressão (PARSONS; BYNNER, 2005). motivacionais como causa primária. As evidências
As origens das dificuldades com a matemática mencionadas ressaltam a importância do sucesso
na adolescência e idade adulta jovem podem na aprendizagem da matemática desde a mais
ser identificadas desde o início da trajetória tenra idade.
de desenvolvimento individual. Déficits nas O desempenho dos adolescentes brasileiros em
habilidades matemáticas informalmente testes internacionais de matemática, tais como
o Pisa, tem sido persistentemente insuficiente,
1 Universidade Federal de Minas Gerais mesmo quando se considera o cenário latino-
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evidências indica que a alfabetização e leitura uma homologia terminológica com a literacia.
de palavras isoladas dependem crucialmente Mas, o termo numeracia é vantajoso também
das habilidades de processamento fonológico porque distingue-se do termo anterior “senso
relacionadas ao acesso lexical (CASTLES; numérico” em senso amplo. Essa especificação se
COLTHEART, 2014; CASTLES; RASTLE; fez necessária porque um modelo neurocognitivo
NATION, 2018). A compreensão leitora, por sua influente, o modelo de código triplo (DEHAENE,
vez depende, entre outros fatores, da fluência na 1992, 2011; DEHAENE; COHEN, 1995), faz um
leitura de palavras e do vocabulário (CASTLES; uso mais estrito do termo “senso numérico” como
RASTLE; NATION, 2018; LERVÅG; HULME; se verá na próxima seção.
MELBY-LERVÅG, 2017). Ambos aspectos devem
Semelhanças entre a aquisição da literacia e da
ser trabalhados desde o início da escolarização
numeracia foram identificadas ainda do ponto
formal, sem perder de vista o fato de que a
de vista evolucionário (GEARY, 2007). No caso
fluência na leitura de palavras é um pré-requisito
da linguagem, as evidências indicam que a
importante para a compreensão leitora.
linguagem oral é parte do equipamento cognitivo
O termo numeracia é de uso mais recente padrão da espécie humana, sendo adquirida
(NUNES; BRYANT, 1996), substituindo espontaneamente pela criança na sua interação
gradualmente o termo anterior “senso numérico” social. Por outro lado, a linguagem escrita, como
em sentido amplo (BERCH, 2005), o qual é por o princípio alfabético no caso das ortografias
vezes ainda empregado para designar o amplo alfabéticas, pode ser intuída espontaneamente
conjunto de habilidades numéricas desenvolvidas por algumas crianças. Mas a maioria das
informalmente pelas crianças antes da entrada crianças requer algum tipo de instrução formal
na escola, bem como aquelas trabalhadas na para se alfabetizar. Segundo Dehaene (2009), o
Educação Infantil e anos iniciais do Ensino cérebro-mente humano é pré-programado para
Fundamental. Nunes e Bryant (1996) enfatizam a linguagem oral, mas não para a linguagem
que o termo numeracia se refere a um conjunto escrita. Essa última representa um artefato
mais abrangente de conhecimentos e habilidades, cultural recente, cuja aquisição necessita esforço
não se reduzindo à proficiência nas quatro e instrução. A aquisição da fluência de leitura
operações aritméticas, mas compreendendo de palavras requer de três a quatro anos de
as habilidades de matematização, ou seja, de ensino formal e muito esforço por parte da
aplicar conceitos e procedimentos numéricos à criança. Já a compreensão leitora é uma tarefa
resolução de problemas concretos da vida. para toda a vida.
Em revisões sistemáticas, o termo numeracia tem Uma distinção semelhante pode ser estabelecida
sido operacionalizado como o conceito de número, para o caso da numeracia. Uma das descobertas
relações e operações numéricas (NELSON; mais importantes das últimas décadas é que
MCMASTER, 2019). A definição operacional os bebês humanos compartilham com outras
tem respaldo nos estudos psicométricos espécies animais a capacidade de representar e
indicando que a habilidade matemática pode ser discriminar de forma não simbólica e imprecisa a
decomposta em dois fatores: fluência de cálculo numerosidade dos conjuntos, realizando inclusive
e raciocínio matemático (GEARY; WIDAMAN, algumas operações de adição e subtração
1992; GEARY et al.,1997). O termo numeracia com quantidades pequenas (GILMORE;
responde, em parte, à necessidade de estabelecer MCCARTHY; SPELKE, 2010; SMYTH; ANSARI,
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Apesar de a comparação inter-teórica não ser A perspectiva cognitivista parte do pressuposto
o objetivo desse capítulo, duas diferenças de de que as representações e o processamento
enfoque entre essas correntes teóricas merecem de magnitudes desempenham um papel
ser discutidas, a primeira delas diz respeito importante no desenvolvimento do conceito
à relação entre números e quantidades e a de número e das operações (DEHAENE, 2011;
segunda se refere ao tipo de conhecimento SIEGLER; BRAITHWAITE, 2017). Além de
matemático enfatizado. serem representadas por numerais simbólicos,
as magnitudes numéricas podem também ser
Números e quantidades representadas, ainda que de maneira imprecisa,
Como foi mencionado, Nunes e Bryant (2015) de forma não simbólica. O termo numerosidade
diferenciam entre quantidades e números e entre tem sido aplicado para a representação mental
função referencial e função analítica do número. da cardinalidade de conjuntos, sendo o termo
Do ponto de vista referencial, os números inteiros numeral reservado para as representações
em senso estrito, compreendendo os numerais físicas de numerosidade, tais como numerais
verbais, arábicos ou mostragem com os dedos
verbais e arábicos etc., são representações
(DEHAENE, 2011). Como se verá na próxima
simbólicas, arbitrárias, da quantidade ou
seção, a representação e o processamento não
cardinalidade de conjuntos de elementos. A
simbólico de numerosidades desempenham um
função referencial do número pode ser associada
importante papel na quantificação e constituem
ao conceito de número como quantidade,
precursores para formas mais avançadas de
derivado da teoria dos conjuntos de Cantor
matematização.
(BENZ; PETER-KOOP; GRÜSSING, 2015). Por
outro lado, a função analítica pode ser referida Conhecimento
ao conceito sistêmico de número associado aos
Os alunos consideram a matemática a disciplina
axiomas de Peano-Dedekind: a) 1 é um número
mais complexa e difícil (MAZZOCCO; HANICH;
natural; b) todos os números naturais podem
NOEDER 2012). De fato, as habilidades
entrar em relações de equivalência lógica
matemáticas compreendem diversas formas de
quando representam as mesmas quantidades;
conhecimento, as quais podem ser analisadas a
c) para cada número natural existe um número
partir da psicologia contemporânea da memória
sucessor, obtido pelo acréscimo de 1; d) todo
(MCGWEN; DAVIS, 2001). A aritmética requer
número natural tem um sucessor (BENZ; PETER-
conhecimento declarativo (que pode ser traduzido
-KOOP; GRÜSSING, 2015). O conceito analítico em enunciados verbais) e não declarativo
de número pressupõe o conceito de quantidade, (que não pode ser traduzido em enunciados
mas as conexões entre ambos são multiplexadas. verbais). O conhecimento declarativo se refere,
Uma das principais questões atuais de pesquisa entre outros aspectos: a) à memória episódica
diz respeito, justamente, aos mecanismos de de envolvimento do indivíduo com atividades
mudança conceitual que permitem a emergência matemáticas e às respectivas emoções e atitudes;
do conceito analítico de número e sua ancoragem b) ao conhecimento semântico dos conceitos ou
no conceito de quantidade (CAREY, 2004; princípios aritméticos (p. ex., transitividade do
LEVINE; BAILLARGEON, 2016; PIANTADOSI; número, comutatividade da adição e multiplicação,
TEHENBAUM; GOODMAN, 2012; WAGNER; etc.) e à aquisição de fatos aritméticos
TILLMAN; BARNER, 2016). (representação semântico-verbal dos resultados
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de processamento, o qual pode ser facilmente a decomposição, na resolução de problemas
sobrecarregado em situações menos estruturadas aritméticos simples (GAIDOSCHIK, 2019). Algumas
de aprendizagem. Adicionalmente, a criação de crianças evoluem intuitivamente da contagem para
hábitos e a aquisição de conhecimento factual as estratégias de raciocínio. Para outras crianças
e procedimental é importante porque permite a contagem dificulta o desenvolvimento das
liberar recursos escassos de processamento na estratégias de raciocínio e, para outras ainda as
memória de trabalho (JAMES, 1890; LEHTINEN estratégias de contagem podem ser tão eficientes
et al., 2017; SWELLER; AYRES; KALYUGA, 2011; que elas persistem apesar de a criança ter adquirido
WILLIGHAM, 2009). o conhecimento conceitual relevante.
A diferença relativa de ênfase nos conceitos Apesar das controvérsias, as concepções teóricas
e procedimentos associada a estratégias e evidências mais recentes sugerem que ambas
metodológicas distintas quanto ao ensino tem as dimensões, conceitual e procedimental, são
sido fonte de considerável disputa teórica e importantes, interdependentes e mutuamente
prática, constituindo a chamada “guerra das influenciáveis (RITTLE-JOHNSON, 2017). Muito
matemáticas” (ANSARI, 2015; KLEIN, 2003, provavelmente, as habilidades aritméticas se
2007). O construtivismo enfatiza a aquisição
desenvolvem a partir de intuições conceituais
dos conceitos por descoberta através da
primitivas que permitem a descoberta de
atividade da própria criança. O foco conceitual
procedimentos de cálculo, como a contagem
enfatiza a matematização, ou seja, a aplicação
nos dedos e verbal. A prática com esses
da matemática na resolução de problemas
procedimentos permite, por sua vez, que a
quantitativos, concretos da vida. A aquisição
criança adquira os fatos aritméticos e intua novos
de habilidades procedimentais constituiria,
conceitos, tais como a decomposição, a partir dos
segundo essa perspectiva, uma decorrência
quais se desenvolvem novos procedimentos, etc.
do conhecimento conceitual. O maior receio
Há evidências, p. ex., de que os conceitos aditivos
na perspectiva construtivista é que as crianças
adquiram maestria sobre a execução dos de inversão e associatividade interagem de forma
procedimentos desacompanhada de uma genuína complexa e bidirecional com os procedimentos de
compreensão. O inverso, compreensão conceitual resolução de problemas (ROBINSON; DUBÉ;
sem habilidade procedimental, não seria possível BEATCH, 2017). O desafio contemporâneo não
segundo essa perspectiva. Há evidências, é esposar uma ou outra teoria, mas integrá-las
entretanto, de que os conhecimentos conceitual e e explorar suas consequências para o ensino-
procedimental sobre frações podem se dissociar aprendizagem da matemática.
nas duas direções (HALLET; NUNES; BRYANT,
Assim sendo, o ensino da matemática deve
2010; HALLETT et al., 2012). Ou seja, há tanto
contemplar todas as formas de conhecimento
crianças que compreendem o conceito de fração,
envolvidas. A compreensão dos conceitos
mas não conseguem realizar os algoritmos
aritméticos é fundamental. Mas o conhecimento
de cálculo, quanto crianças que aprendem a
conceitual privado de fluência procedimental e
executar os algoritmos de forma mecânica, sem
factual constitui uma base frágil para a aquisição
compreender o seu significado quantitativo.
de maturidade matemática. A aprendizagem da
Um fenômeno semelhante ocorre no que se refere aritmética não pode se reduzir, mas também não
à utilização de estratégias conceituais, tais como pode prescindir de exercícios e memorização.
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informação por períodos de alguns segundos c) Transcodificação numérica: A leitura e o
(BADDELEY, 2007). Do ponto de vista ditado de numerais arábicos são atividades
biológico, a memória de trabalho corresponde extremamente complexas, as quais exigem
a todos os sistemas neurais cuja atividade que a criança aprenda a transcodificar
simultânea ultrapassa determinados limiares entre duas notações com sistemas lexicais e
de intensidade de descarga e sincronização, de sintáticos distintos, utilizando-se de uma série
modo a permitir a atividade mental consciente de regras de conversão ao mesmo tempo em
e intencional (FUSTER, 2013). Uma das que a informação é mantida e processada
principais características funcionais da memória na memória de trabalho (CAMOS, 2008;
de trabalho é sua limitação quanto à duração MOURA et al., 2013, 2015);
e capacidade de representação e processamento
d) Cálculo multidigital: O cálculo multidigital
(BADDELEY, 2007). A memória de trabalho é
com numerais arábicos exige que a criança
o lócus de aprendizagem escolar por excelência,
conheça os algoritmos, saiba armar os
mas o processamento de informação na memória
problemas espacialmente, armazene as
de trabalho se caracteriza por requerer atenção,
informações enquanto são realizadas as
esforço e pela probabilidade de erro, revestindo-
operações de transferência entre as colunas,
-se de um caráter aversivo (WILLNGHAM,
ao mesmo tempo em que desenvolve e
2009). A memória de trabalho pode, portanto,
implementa uma estratégia de cálculo,
ser considerada um recurso cognitivo escasso.
monitorizando sua execução (RAGHUBAR
A maioria das atividades aritméticas demanda
et al., 2009);
imensos recursos de memória de trabalho por
ocasião da sua aprendizagem nas diversas fases e) Problemas verbais: A resolução de
do desenvolvimento da criança: problemas verbais se baseia na habilidade
de construir um modelo mental/situacional
a) Contagem: A habilidade de contar que permite estabelecer uma conexão
pode ser concebida como uma dupla tarefa entre o enunciado verbal do problema e o
atencional que demanda coordenação na modelo matemático necessário à solução,
memória de trabalho entre recitar a série dos desenvolvendo uma estratégia, mantendo e
numerais verbais, apontar para os objetos a processando as informações relevantes na
serem contados, diferenciar entre os objetos memória de trabalho ao mesmo tempo em
já contados e os objetos ainda não contados que a execução é monitorada (COSTA et
e atribuir um significado quantitativo às al.,2011);
correspondências biunívocas entre numerais e
objetos (CAMOS; BARROUILLET; FAYOL, f) Operações com frações: Além de
2001); envolverem algoritmos complexos, que
consistem em uma série de passos
b) Fatos aritméticos: As associações computacionais, as operações com frações
entre problemas e respostas precisam ser exigem que a criança iniba a tendência de
temporariamente mantidas na mente, ao representar as magnitudes como números
mesmo tempo em que respostas irrelevantes inteiros em favor de uma representação de
são suprimidas (DE VISCHER; NOËL, números racionais (SIEGLER; THOMPSON;
2014); SCHNEIDER, 2011).
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números, correspondem as três escalas de não simbólico denota signos não convencionais, isto
mensuração: nominal para identificação; ordinal é, signos nos quais existe uma relação necessária
para ordenação por magnitude; cardinal para entre a numerosidade e sua representação
quantificação. (NIEDER, 2009). Nos ícones as relações entre o
signo e a numerosidade se dão por semelhança.
A perspectiva cognitivista sobre o desenvolvimento
Um exemplo de ícone é a utilização de marcas
do número atribui um papel fundamental à
em um osso, de um conjunto de pedrinhas para
representação da magnitude numérica e à
designar o número de elementos em um conjunto,
quantificação da magnitude numérica dos
ou a mostragem por meio dos dedos. Nos ícones
conjuntos (DEHAENE, 2011; NIEDER, 2019;
existe uma relação biunívoca, ou de similaridade,
SIEGLER; BRAITHWAITE, 2017). O número de
entre o número de elementos no signo e o número
elementos em um conjunto pode ser quantificado
de elementos no conjunto representado. Por outro
de diversas maneiras. A contagem é mais
lado, nos índices a relação entre o signo e a
conhecida e se desenvolve a partir dos 2 ou 3
numerosidade ocorre por contiguidade. Exemplos
anos de idade, sendo utilizada efetivamente para
de índice são as escalas analógicas, tais como
a determinação da cardinalidade dos conjuntos
a partir dos 4 ou 5 anos. A contagem faz uso velocímetro, relógio, termômetro, etc., nas quais
de símbolos arbitrários, os numerais verbais, a numerosidade é indicada pela posição em
para representar de forma sequencial e precisa uma linha contínua. Uma das pressuposições
a cardinalidade dos conjuntos. A contagem fundamentais da cognição matemática é que
permite a quantificação precisa, usando rótulos as representações mentais de numerosidade
ou numerais verbais, de conjuntos de quaisquer são espacializadas, correspondendo às posições
tamanhos que se consiga contar até o infinito ou ocupadas em uma linha numérica mental
até exceder os limites da capacidade atencional (DEHAENE, 2011; SIEGLER; BRAITHWAITE,
na memória de trabalho. Junto com os numerais 2017). As representações icônicas de
arábicos, os numerais verbais são símbolos, ou numerosidade, tais como pequenos conjuntos
seja, constituem-se de relações convencionais de objetos visualmente acessíveis ou através dos
entre signos e as numerosidades (representações dedos, podem se constituir em elos intermediários
psicológicas de cardinalidade). A representação entre as representações analógicas da linha
precisa das numerosidades maiores somente numérica mental e as representações simbólicas
é possível por meio da utilização de símbolos. (LEVINE; BAILLARGEON, 2016; SPELKE,
Os numerais simbólicos não constituem uma 2017; WAGNER; TILLMAN; BARNER, 2016).
universalidade cultural. Há culturas nas quais o
Os números constituem representações discretas
repertório de numerais verbais é muito restrito
de magnitude, contrastando com outras dimensões
ou quase inexistente (EVERETT, 2017; PICA et
tais como o comprimento, o peso, a intensidade
al., 2004). Os numerais arábicos são um artefato
de algum estímulo, etc., que são contínuas. Uma
cultural introduzido no Ocidente há apenas pouco
das grandes discussões na literatura atual diz
mais de mil anos (IFRAH, 1997). A perícia com o
respeito à origem das representações discretas
uso de numerais arábicos é geralmente adquirida
de numerosidade. Ou seja, se elas derivam de
na escola (MOURA et al., 2013, 2015).
representações não simbólicas por meio de algum
Mas as numerosidades também podem ser processo de bootstrapping linguístico (CAREY,
representadas de maneira não simbólica. O termo 2004; CAREY et al., 2017), ou se constituem
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analógicas de magnitude desempenham um implementado por um “approximate number
papel importante na estimação, discriminação system” – ANS). A numerosidade dos conjuntos
de magnitudes e nas operações não comutativas. pode ser determinada a partir de três processos
Por sua vez, as representações simbólicas de quantificação. A subitização permite a
verbais são cruciais para o desenvolvimento dos quantificação visual precisa de conjuntos até
fatos aritméticos. Finalmente, a representação quatro elementos. A estimação consiste na
simbólica arábica é crucial para a realização de quantificação aproximada de conjuntos maiores.
operações de cálculo multidigitais. A contagem possibilita a quantificação precisa
de conjuntos teoricamente com quaisquer
Os correlatos neurais do modelo de código
números de elementos.
triplo foram caracterizados inicialmente por
meio de estudos de pacientes com acalculia As habilidades de subitização podem desempenhar
(DEHAENE; COHEN, 1995) e posteriormente um papel em desenvolvimentos matemáticos
por meio de estudos de neuroimagem funcional iniciais, tais como a contagem. Mas o assunto é
(ARSALIDOU; TAYLOR, 2011; ARSALIDOU controverso, como se verá a seguir. Há autores
et al., 2018). As representações analógicas defendendo que os numerais simbólicos se
de magnitude dependem da integridade desenvolvem a partir de associações entre as
funcional de uma região situada bilateralmente representações subjacentes ao OTS e à recitação
no sulco-intraparietal. Os processos verbais da série verbal dos algarismos, possivelmente com
dependem da integridade funcional de áreas ajuda de representações baseadas nos dedos
associadas à linguagem no hemisfério esquerdo, (CAREY, 2004; LE CORRE; CAREY, 2007;
principalmente o giro angular. Finalmente, SARNECKA; CAREY, 2008). A perspectiva
os algarismos arábicos são processados alternativa considera que a contagem se origina
bilateralmente por uma área próxima à área de um sistema não verbal primitivo compartilhado
envolvida no reconhecimento visual de grafemas com animais (GELMAN; GALLISTEL, 1978;
na superfície ínfero-lateral do córtex occípito- GALLISTEL; GELMAN, 2005).
-temporal, denominada de giro fusiforme.
Outros autores propõem ser o ANS (PIAZZA,
Processamento numérico não simbólico 2010) um módulo numérico (BUTTERWORTH,
2010) que desempenha o papel crucial
O processamento numérico pode envolver tanto
na aquisição do conceito de número. As
um formato não simbólico quanto simbólico
(DEHAENE, 1992, 2011). As notações numéricas representações não simbólicas aproximadas
não simbólicas consistem da capacidade de magnitude numérica estão presentes em
de: a) representar visualmente e de forma diversas espécies animais bem como em bebês,
precisa a cardinalidade de conjuntos com constituindo universais psicológicos (DEHAENE,
até quatro elementos (também conhecida 1992, 2011; PIAZZA; IZARD, 2009). A
como subitização e implementada por um representação e manipulação de numerosidades
sistema de individuação e/ou seguimento de não simbólicas obedece a várias leis psicofísicas
objetos (“object tracking system” – OTS); e b) clássicas, como se verá a seguir.
representar aproximadamente numerosidades A representação não simbólica de magnitude
maiores (habilidade também conhecida numérica ocorre então sob duas formas principais,
como “senso numérico” em sentido estrito, dependentes de dois sistemas neurocognitivos
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estimação, discriminação e comparação da uma função logarítmica aplicada a partir da
magnitude numérica de conjuntos e até mesmo fração de Weber. Nas tarefas de estimação,
a realização de operações não simbólicas de o coeficiente de variação, ou seja, a razão
adição, subtração etc., inclusive com frações entre a taxa de erros e a média das respostas
(GILMORE; MCCARTHY; SPELKE, 2010; é uma constante;
PINHEIRO-CHAGAS et al., 2014, 2018). Odic
c) Efeito SNARC (“Spatial-numerical
e Starr (2018) revisaram a assinatura psicofísica
association of response codes”): O efeito
do ANS, a qual corresponde a três efeitos
SNARC corresponde ao fato de que é
principais:
mais fácil responder a números menores
a) Efeito da distância: Na comparação da com a mão esquerda (controlada pelo
magnitude de dois numerais simbólicos ou hemisfério direito) e a números maiores com
não simbólicos, a tarefa é tão mais difícil a mão direita (controlada pelo hemisfério
quanto menor for a distância numérica esquerdo) (DEHAENE; BOSSINI; GIRAUX,
entre os dois estímulos a ser discriminados. 1993; DEHAENE, 2011). As leis de Weber
As taxas de erro e tempos de reação são e Fechner sugerem que as representações
maiores para “7” vs. “8” do que para “2” não simbólicas de numerosidade são
vs. “8”. O sistema se caracteriza ainda por implementadas de forma analógica, por
um limite de discriminabilidade. Bebês ex., por meio de uma linha numérica mental
não conseguem realizar confiavelmente as (LMN). O efeito SNARC sugere que a
discriminações quando a proporção entre os LMN é orientada espacialmente, com os
dois números é menor do que 0,5 e adultos números menores à esquerda e os maiores
quando essa proporção é menor do 0,15 a à direita. Correspondentemente, os números
0,20. O efeito da distância e o limiar de menores são processados preferencialmente
discriminabilidade correspondem à clássica pelo hemisfério direito e os números maiores
lei de Weber da psicofísica. O limiar de pelo hemisfério esquerdo. Há evidências
discriminabilidade não é um número inteiro sugestivas de que o efeito SNARC seja
mas um número relacional, uma proporção plasticamente associado ao sistema de
da magnitude numérica dos dois conjuntos; escrita. Em línguas com escrita da direita
para a esquerda o efeito SNARC pode ser
b) Efeito da magnitude: É mais difícil
invertido (DEHAENE; AKHAVEIN, 1995).
realizar as operações numéricas à medida
Entretanto, também há evidências de que
que a grandeza numérica dos estímulos
um efeito SNARC lateralizado da esquerda
aumenta. Por exemplo, é mais difícil
para a direita está presente em bebês e em
discriminar “7” de “8” do que discriminar “2”
diversas espécies de animais não humanos
de “3” apesar de a distância numérica entre
(RUGANI; DE HEVIA, 2017).
os dois estímulos permanecer a mesma nas
duas condições. Esse fenômeno corresponde Dois modelos matemáticos têm sido empregados
à clássica lei de Fechner, descoberta pela para descrever a assinatura psicofísica do
psicofísica do século XIX. Segundo Fechner, ANS (DEHAENE, 2003). No modelo de
existe uma relação entre a magnitude do variabilidade escalar, o aumento da imprecisão
estímulo e a intensidade do fenômeno das representações com a magnitude numérica
psicológico e essa relação é descrita por é explicado por um aumento da variância das
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O progresso da pesquisa em cognição numérica experimental desses parâmetros é praticamente
está permitindo caracterizar a arquitetura impossível (LEIBOVICH; HENIK, 2013). Dessa
neurocognitiva do sistema numérico e seu forma, torna-se difícil obter evidências de que
envolvimento em operações de processamento realmente as decisões dos bebês se baseiem em
numérico e cálculo. Quais são as implicações representações discretas de numerosidade e não
desses resultados para a aprendizagem da em representações contínuas. Uma estratégia
aritmética e das suas dificuldades? frequentemente empregada é covariar a
numerosidade e as dimensões contínuas (p.
Algumas controvérsias atuais são especialmente
ex., área de cada elemento e área total) em
relevantes para a aprendizagem da aritmética.
metade dos ensaios e dissociá-las em outros.
Essas questões são independentes, porém
Isso cria, entretanto, uma situação semelhante
relacionadas: a) As representações de
a um paradigma de interferência (GILMORE
numerosidade detectadas em bebês constituem
et al., 2013). Por exemplo, com o intuito de
primitivos conceituais sob a forma de
discriminar a dimensão discreta o participante
representações analógicas e imprecisas porém
precisa inibir o processamento da dimensão
discretas de magnitude numérica; b) Existe
contínua incongruente. Nesse caso, o sucesso na
continuidade entre as representações numéricas
tarefa depende mais da habilidade de função
na infância e a aprendizagem ulterior de
executiva em inibir respostas prepotentes do que
aritmética, quais são os sistemas implicados?
na discriminação numérica propriamente dita.
Numerosidade em bebês
Considerando essas dificuldades, não é
Estudos com bebês, utilizando paradigmas surpreendente que as perspectivas sobre a
como habituação e desabituação a estímulos origem da numerosidade em bebês sejam
repetidos e reações de surpresa a estímulos contraditórias, com alguns autores sublinhando
novos ou inesperados, permitiram descobrir a importância de um senso numérico discreto
que os bebês humanos são possivelmente e aproximado (“how many” como um primitivo
capazes de discriminar quantidades numéricas conceitual (DE HEVIA, 2016) e outros
e realizar operações aritméticas com conjuntos defendendo que o primitivo conceitual é a
pequenos desde as primeiras semanas de vida magnitude contínua (“how much”), a partir da
(DE HEVIA, 2016; SMYTH; ANSARI, 2020). qual se origina a magnitude numérica discreta
A natureza dessas habilidades numéricas dos (MIX; LEVINE; NEWCOMBE, 2016).
bebês é controversa e as pesquisas são limitadas
Os dados empíricos sobre o processamento
por problemas metodológicos.
numérico em bebês são bastante contraditórios
É muito difícil controlar os parâmetros contínuos (CANTRELL; SMITH, 2013; DE HEVIA, 2016;
dos estímulos, de modo que a variável crucial MIX; LEVINE; NEWCOMBE, 2016). Numa
a ser investigada seja a numerosidade discreta. tentativa de generalizar o que já é conhecido
Quando aumenta o número de elementos em pode-se dizer que: a) Nas primeiras semanas
um conjunto visual de pontos, cresce de forma de vida os bebês já conseguem discriminar a
correlacionada o valor de outras variáveis numerosidade e realizar operações de adição e
contínuas, tais como superfície de cada elemento, subtração de forma não simbólica com conjuntos
superfície total dos estímulos, etc. O controle pequenos, na faixa de subitização (WYNN, 1990,
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de conjuntos de pontos obedece também a A existência de numerosidades aproximadas
lei de Fechner, exemplificada pelo efeito da e sua representação espacializada por meio
magnitude numérica (DEHAENE, 2003; da linha numérica mental tem importantes
DEHAENE; DUPOUX; MEHLER, 1990). consequências pedagógicas. Em brincadeiras
De acordo com o previsto por Fechner, as de imitação com crianças em idade pré-escolar,
representações de magnitude numérica são envolvendo manipulações de conjuntos de
tão mais imprecisas quão maiores forem as objetos, foi descrito um fenômeno denominado
numerosidades envolvidas. E a relação entre a “foco espontâneo na numerosidade” –
precisão das representações e as numerosidades “spontaneous focus on numerosity”: ou SFON
envolvidas obedece a uma função logarítmica. (RATHÉ et al., 2016). Foi observado que, ao
Uma das principais propriedades da escala imitarem o comportamento de manipulação
logarítmica é que os intervalos na escala são de objetos, algumas crianças orientavam suas
progressivamente menores à medida que os respostas pela quantidade de objetos e outras
valores aumentam. A compressão logarítmica por características não quantitativas, tais como
explica a dificuldade para discriminar entre cor, categoria, tamanho, etc. O foco espontâneo
números grandes. O efeito da distância, a na numerosidade revelou-se preditivo de
variabilidade escalar e o efeito da magnitude desempenho em aritmética na transição para
sugerem que as representações primitivas de a idade escolar (HANNULA-SORMUNEN;
magnitude sejam aproximadas e representadas LEHTINEN; RÄSÄNEN, 2015). Intervenções
em forma analógica como posições em uma nas quais pais ou professores estimulam a
linha numérica mental especializada. concentração de crianças em idade pré-escolar
na numerosidade e nas relações entre os números
Os estudos neurofisiológicos sugerem que os
têm sido sugeridas (MCMULLEN et al., 2019).
números são representados como padrões
probabilísticos de respostas neuronais a Uma outra linha de investigação pesquisa o papel
numerosidades específicas, as quais se das representações na linha numérica mental na
distribuem de forma gaussiana em torno das aprendizagem da aritmética. Em diversos estudos
posições na linha numérica (DEHAENE, 2003; com o posicionamento de números em uma linha
NIEDER; DEHAENE, 2009; NIEDER, 2019). numérica, Siegler, Thompson e Opfer (2009),
A compressão logarítmica é explicada pelo Siegler e Booth (2004), e Siegler e Opfer (2003)
fato de que as respostas probabilísticas vão se observaram uma transição logarítmico-linear do
tornando progressivamente mais imprecisas e Jardim da Infância ao segundo ano. A função
suas funções, portanto, sobrepostas à medida que descreve o posicionamento dos números na
que a numerosidade representada aumenta. linha é logarítmica para as crianças menores,
As manipulações da linha numérica mental passando a ser linear nas crianças mais velhas.
dependem da memória de trabalho e do sistema Esse fenômeno provavelmente reflete os efeitos
atencional visoespacial. A espacialização da da instrução formal, promovendo a passagem
linha numérica é corroborada pelo efeito SNARC de representações aproximadas em uma linha
(spatial numerical representation of response numérica aproximada para representações mais
codes – DEHAENE; BOSSINI; GIRAUX, 1993), precisas em uma linha intervalar.
conforme foi discutido anteriormente.
Estudos de intervenção demonstraram também
que jogos de tabuleiro envolvendo manipulações
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adquirir domínio sobre regras relativamente de leitura). A partir do momento em que a
complexas que permitem o mapeamento entre criança adquire mais experiência com a leitura,
os dois sistemas. ela começa desenvolver representações mais
integradas de conjuntos de grafemas, ou até
O sistema verbal se caracteriza por um léxico
mesmo de palavras, que podem ser processados
relativamente restrito, correspondendo aos
em paralelo e mais rapidamente associados à
algarismos de 1 a 9 e ao 0, bem como a termos
forma fonológica lexical (rota lexical).
particulares para as dezenas, “teens”, centenas,
milhares, etc. A sintaxe do sistema verbal se O modelo ADAPT pressupõe que inicialmente
caracteriza por apenas duas regras: a regra os numerais ditados são representados sob a
de adição (“vinte e um” = vinte mais um) e a forma fonológica na memória de trabalho e
regra de multiplicação (“duzentos” = dois vezes inicia-se uma busca na memória de longo prazo
cem). O léxico do sistema arábico é mais restrito por numerais correspondentes, os quais pela sua
ainda, consistindo apenas dos algarismos de 1 a frequência de ocorrência são eventualmente
9 e do 0. A sintaxe do sistema arábico consiste “lexicalizados” (BARRROUILLET et al., 2004).
também de duas regras, a regra de adição e a Ou seja, podem ser acessados de forma mais
regra do valor posicional do algarismo em um rápida e holística. Os numerais lexicalizados
sistema de base dez espacialmente orientado da podem ser exemplificados pelos algarismos ou
direita para a esquerda. Na notação arábica, por números associados a algum significado
à medida que se avança uma posição da semântico não verbal, tais como marcas ou
direita para a esquerda a magnitude numérica datas (p. ex., Boeing 747, Chanel nº 5, Fiat 147,
cresce por um múltiplo de dez. O domínio do 1500, 1822, 1899, 1945, etc.). Caso um item lexical
conceito de valor posicional, subjacente à correspondente não seja resgatado, inicia-se um
habilidade de transcodificação verbal-arábica processo complexo e sequencial de aplicação
é um importante preditor do desempenho em de procedimentos sintáticos que permitem
aritmética (MOELLER; PIXNER et al., 2011). a transcodificação da forma verbal na sua
No Brasil, Moura e colegas (2013, 2014) também correspondente arábica.
observaram uma associação entre a habilidade
O processo sintático de transcodificação é
de leitura e escrita de numerais arábicos e o
laborioso, demandando recursos de memória
desempenho em matemática.
de trabalho e sendo muito sujeito a erros
O processo de ditado de numerais arábicos foi (CAMOS, 2008). No Brasil, as crianças
modelado computacionalmente por Barrouillet necessitam de 3 a 4 anos para adquirir
e colegas (2004) por meio do modelo ADAPT, proficiência no ditado de numerais verbais
um modelo de dupla-rota muito semelhante ao (MOURA et al., 2013, 2015). O processo é mais
utilizado para analisar o processo de leitura difícil em línguas como o alemão, holandês e
de palavras isoladas (DEHAENE, 2009; tcheco, nas quais o sistema de numerais verbais
FRIEDMANN; COLTHEART, 2018). Segundo inverte a ordem das unidades e dezenas
o modelo de dupla rota, a leitura de palavras (MOELLER et al., 2015; PIXNER et al., 2011a,
se inicia por meio de um processo sequencial 2011b; ZUBER et al., 2009). Há evidências
e laborioso de decodificação das formas de que, além da memória de trabalho e
grafêmicas das palavras e correlação com suas conhecimento implícito das regras sintáticas,
representações grafêmicas (rota fonológica a precisão da representação fonológica inicial
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representações perceptuais e qual é a natureza os princípios da contagem viriam antes, ou seja,
do processo indutivo que permite generalizar de seriam inatos. Os princípios da contagem foram
algumas instâncias para o conceito abstrato de derivados a partir de uma série de estudos
número. Alguns autores seguem uma perspectiva experimentais nos quais crianças em idade
nativista, pressupondo que existe uma genuína pré-escolar precisam observar um bonequinho
contagem não simbólica primitiva, constituindo contando e dizer se a contagem está certa ou
o alicerce da aritmética (hipótese dos “princípios errada (CORDES; GELMAN, 2005). Ou então,
primeiro”; GELMAN; GALLISTEL, 1978). Para as crianças precisam fornecer ao examinador um
outros, a contagem consiste inicialmente de conjunto de objetos com uma dada cardinalidade,
um processo verbal recitativo desprovido de retirando-os de um recipiente (WYNN, 1992b).
significado quantitativo, o qual vai apenas
Os princípios da contagem descritos por Gelman
gradualmente se integrando com os processos de
e Gallistel (1978) são: a) correspondência um
quantificação (hipótese dos “princípios depois”;
a um: cada numeral precisa corresponder a
CAREY, 2004).
um objeto contado, sem deixar de contar um
O estudo das habilidades numéricas em objeto ou contá-lo duas vezes; b) ordem estável:
mamíferos permitiu formular um modelo a contagem precisa seguir uma ordem fixa,
mecanicista de como esses animais processam acrescentando um número a cada objeto novo
quantidades contínuas e descontínuas de forma contado; c) irrelevância da direção: é possível
não simbólica. O modelo do acumulador consiste contar em qualquer direção (p. ex., da esquerda
de um relógio biológico ou gerador de pulsos, um para a direita ou da direita para a esquerda)
acumulador, uma memória de referência com a desde que a ordem permaneça estável; d)
qual os pulsos acumulados são comparados e um abstração: é possível contar conjuntos de
processo decisório implementado na memória elementos pertencentes a diferentes categorias;
de trabalho (GALLISTEL; GELMAN, 1992, e e) cardinalidade: o último número contado
2005). Um interruptor desvia o funcionamento corresponde à cardinalidade do conjunto.
do sistema entre os modos contínuo, usado na
Apesar de Gelman e colegas (CORDES;
percepção de tempo, e descontínuo, usado para
GELMAN, 2005; GALLISTEL; GELMAN,
contar. As evidências indicam que esse mecanismo
1992; GELMAN; MECK, 1983) terem observado
é implementado por circuitos neurais envolvendo
conhecimento implícito de alguns dos princípios
o córtex pré-frontal e os núcleos da base, os
em crianças novinhas, na faixa de 3 anos ou menos,
quais são modulados pela dopamina (COULL;
pesquisas posteriores não confirmaram esses
CHENG; MECK, 2011; JÚLIO-COSTA et al.,
resultados (FUSON, 1992; LE CORRE; CAREY,
2013). O desempenho de animais e humanos em
2007; SARNECKA; CAREY, 2008). O curso do
tarefas de estimação e comparação não simbólica
desenvolvimento da contagem entre os 3 e os 5
de magnitude numéricas é muito semelhante do
anos de idade sugere, ao contrário, que as crianças
ponto de vista psicofísico, obedecendo às leis de
vão se apropriando apenas gradualmente desses
Weber e de Fechner (MECK; CHURCH, 1983).
princípios da contagem (“princípios depois”).
Gelman e Gallistel (1978) postularam que o O curso do desenvolvimento da contagem foi
mecanismo acumulador, que já é funcional em caracterizado por Carey e colegas (2017), Le
bebês, se expressa sob a forma de uma série de Corre e Carey (2007), Sarnecka e Carey (2008)
princípios da contagem. Segundo essa perspectiva, em uma série de estudos:
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papel para o ANS como primitivo conceitual inicial (TOLL; VAN LUIT, 2014). Estudos de
do número com base nas seguintes observações: intervenção mostram que o treinamento em
a) O funcionamento do ANS não explica o vocabulário quantitativo, quer seja conjuntamente
desenvolvimento sequencial da quantificação (HASSINGER-DAS; JORDAN; DYSON, 2015)
baseada em subconjuntos de crianças; b) O ou independentemente (PURPURA et al., 2017)
funcionamento do ANS não permite derivar de intervenções numéricas propriamente ditas,
diretamente a função sucessora que define o estimula o desenvolvimento de habilidades
relacionamento + de “mais um” entre números matemáticas em crianças em idade pré-escolar.
sucessivos na lista de contagem; c) O efeito da
A hipótese de uma conexão entre o
distância, assinatura psicofísica do ANS, não
desenvolvimento fonológico-lexical inicial,
ocorre para os conjuntos de até quatro elementos,
especialmente o vocabulário quantitativo, é
na faixa de alcance da subitização; d) Ao intuírem
reforçada por investigações mostrando que
o princípio da cardinalidade, as crianças ainda
as crianças com atraso no desenvolvimento
não são capazes de mapear os numerais verbais
da linguagem oral constituem um grupo de
nas suas magnitudes aproximadas.
risco para dificuldades de aprendizagem da
A alternativa é que os numerais simbólicos se matemática (DONLAN et al., 2007).
desenvolvam a partir de associações entre as
A conexão entre o desenvolvimento da linguagem
representações subjacentes ao OTS e à recitação
oral e da numeracia tem importantes implicações
da série verbal dos algarismos, possivelmente com
pedagógicas. A sugestão é que essa conexão
ajuda de representações nos dedos (LE CORRE;
passe a ser incorporada de forma mais explícita
CAREY, 2007; SARNECKA; CAREY, 2008).
no currículo da Educação Infantil (ver Capítulo
Segundo essa perspectiva, a âncora perceptual
9 deste Relatório). O desenvolvimento da
é fornecida pela individuação de objetos. Como
numeracia em crianças de idade pré-escolar
as representações no OTS não se referem
pode se beneficiar no envolvimento em atividades
diretamente a quantidades, há a necessidade de
nas quais pais e professores fazem uma leitura
correlacionar os pares associativos formados por
dialogada com a criança, narrando histórias com
configurações visuais de elementos e numerais
conteúdo quantitativo e direcionando a atenção
verbais com um significado quantitativo. Uma
das crianças para as representações numéricas e
noção imprecisa de quantidade pode ser
manipulações quantitativas.
fornecida pelos quantificadores linguísticos,
palavras como “pouco”, “muito”, “maior”, “menor”,
Cálculo simples e fatos
“mais do que”, “menos do que”, “diferente”,
“suficiente” (SPELKE, 2017). A partir da indução
aritiméticos
da função sucessora, os numerais verbais passam
A perspectiva construtivista procura explicar o
então a ser gradualmente mapeados de forma
desenvolvimento das quatro operações aritméti-
precisa nas representações do ANS.
cas a partir de esquemas de raciocínio aplicados
A importância dos quantificadores linguísticos às transformações de quantidade, sendo intima-
é ressaltada pelo fato de que o conhecimento mente associado ao desenvolvimento do conceito
desses itens lexicais é um importante preditor analítico de número (NUNES; BRYANT, 1996,
do desempenho em matemática na idade pré- 2015). A perspectiva cognitivista procura derivar
escolar (PURPURA; LOGAN, 2015) e escolar as operações aritméticas diretamente das opera-
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decorar uma lista com os seguintes enunciados (DE SMEDT et al., 2009). A aquisição dos fatos
verbais: João é carteiro e mora na rua das aritméticos se associa a melhor desempenho em
Hortênsias; Pedro é padeiro e mora na rua das aritmética e depende de ativação do hipocampo,
Camélias; Pedro é professor e mora na rua das região cerebral envolvida com a consolidação
Hortênsias; José é pedreiro e mora na rua das da memória de longo prazo (DE SMEDT;
Rosas; Roberto é padeiro e mora na rua das HOLLOWAY; ANSARI, 2011).
Margaridas; Paulo é carteiro e mora na rua das
Estudos de aquisição de fatos aritméticos novos
Camélias; Joaquim é padeiro e mora na rua das
e complexos por adultos jovens mostram que a
Rosas; Mário é padeiro e mora na rua das Rosas;
aquisição estratégica, baseada na ativação das
Tiago é professor e mora na rua das Margaridas;
quantidades, é mais eficiente do que a “decoreba”
Samuel é professor e mora na rua das Rosas;
verbal (DELAZER et al., 2005; ZAMARIAN;
Manuel é pedreiro e mora na rua das Rosas; Pedro
ISCHEBECK; DELAZER, 2009). Entretanto,
é pedreiro e mora na rua das Hortênsias, etc.
as duas estratégias se associam a padrões de
A natureza recorrente das associações entre ativação cerebral distintos, e eventualmente
algarismos que constituem os fatos aritméticos complementares. A aprendizagem estratégica
dificulta sua aprendizagem, uma vez que demanda dos fatos depende mais da ativação de áreas
recursos de inibição das respostas interferentes parietais relacionadas com o processamento
na memória de trabalho (DE VISCHER; NOËL, espacial e de quantidades. A aprendizagem
2014). A criança precisa memorizar, p. ex., que “6 por decoreba é associada com a ativação de
x 3 = 18” e não igual a “15” ou “24”. Como o acesso áreas do hemisfério esquerdo envolvidas com o
aos numerais simbólicos ativa automaticamente processamento linguístico, principalmente do giro
suas representações de quantidade e como as angular esquerdo. O giro angular esquerdo é um
representações associadas de quantidade podem portal importante de acesso aos fatos aritméticos
se sobrepor, ocorrem os chamados erros de e a outros conteúdos lexicais e semânticos.
tabuada, nos quais é acessada a resposta correta Gaidoschik (2019) enfatiza o papel que
para uma outra operação. Os resultados das as estratégias de raciocínio, tais como a
operações comutativas mais simples e frequentes decomposição, desempenham na aquisição
são então representados sob a forma verbal, sem dos fatos aritméticos. Segundo Gaidoschik, a
que haja necessidade de acessar o conteúdo proposta de Siegler (1998) de que as operações
quantitativo associado. O risco inerente é que se desenvolvem a partir da contagem é
os fatos sejam memorizados apenas como uma inadequada. Para Gaidoschik, bem como para
ladainha ou decoreba, desprovida de significado outros autores (NUNES; BRYANT, 1996, 2015),
quantitativo. Por outro lado, a automatização o desenvolvimento das habilidades de cálculo
do acesso aos fatos aritméticos é um pré- depende fundamentalmente do conceito analítico
-requisito importante para a fluência de cálculo, de número, principalmente do princípio da
indispensável para desenvolvimentos matemáticos composicionalidade. A dependência da contagem
posteriores (LEHTINEN et al., 2017). pode, até mesmo, impedir o desenvolvimento
de estratégias mais sofisticadas bem como a
As habilidades de processamento fonológico,
aquisição dos próprios fatos aritméticos.
incluindo acesso lexical, memória fonológica de
trabalho e consciência fonêmica, são importantes A mensagem então parece ser de que aquisição
correlatos da aprendizagem dos fatos aritméticos dos fatos aritméticos é importante, mas é preciso
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grupo de risco para desenvolver dificuldades numérica; problemas verbais, cálculo multidigital,
com resolução de problemas verbais, mesmo etc. A teoria da sobrecarga cognitiva considera
quando não apresentam dificuldades com os que o sucesso na aprendizagem da matemática
aspectos conceituais da aritmética (TRÄFF; depende, em grande parte, de aliviar a carga
PASSOLUNGHI, 2015). de processamento, de forma tal que ela não
ultrapasse a capacidade de memória de
A resolução de problemas verbais é mais um
trabalho (SWELLER; AYRES; KALYUGA, 2011).
domínio da aritmética que ilustra a complexa
A prática deliberada (LEHTINEN et al., 2017)
imbricação entre conceitos e habilidades
pode contribuir para construir conhecimento
numérico-aritméticas e verbais. Alguns esforços
procedimental conceitualmente informado, o qual
contemporâneos para promover a habilidade
alivia a sobrecarga de processamento e contribui
de resolução de problemas verbais têm se
para o desenvolvimento de perícia adaptativa
concentrado na utilização de esquemas espaciais
(VERSCHAFFEL et al., 2009).
para ilustrar os modelos verbais e conectá-los
com os modelos matemáticos (JITENDRA, 2019). No se refere, especificamente à conexão com
a literacia, o desenvolvimento de numeracia
Conclusões depende de recursos cognitivos compartilhados
com o desenvolvimento da linguagem oral
Os fundamentos psicológicos do desenvolvimento
e escrita (LEVINE; BAILLARGEON, 2016;
da numeracia e da educação matemática na
PURPURA; LOGAN, 2015; PURPURA et al.,
transição da educação infantil para a fundamental
2017; SPELKE, 2017; WAGNER; TILLMAN;
são um assunto complexo e controverso
BARNER, 2016). A integração entre atividades
(ANASARI, 2015; KLEIN, 2003, 2007). Neste
matemáticas e linguísticas pode então ser
capítulo foram discutidos os fundamentos
explorada pedagogicamente. Na idade pré-
psicológicos da aquisição da numeracia a partir
-escolar, o desenvolvimento do conceito de
da cognição numérica, enfatizando a conexão com
número depende da interação entre os numerais
a aquisição de literacia. A cognição matemática
verbais, os quantificadores linguísticos e sistemas
é uma tradição mais recente de pesquisa, que
não simbólicos de representação de quantidades.
se originou da teoria do processamento de
A resolução de problemas verbais exige a criação
informação e que, em anos recentes tem buscado
de um modelo situacional, incorporando restrições
identificar os correlatos neurais das habilidades
pragmático-semânticas, que permitam identificar
matemáticas.
o modelo matemático necessário. Habilidades
A memória de trabalho pode ser considerada o linguísticas relacionadas à capacidade de
lócus da aprendizagem por excelência. Entretanto, fazer inferências verbais e compreensão
a memória de trabalho é fugaz, tem capacidade textual, principalmente o conhecimento dos
limitada de representação e processamento, é quantificadores linguísticos, são cruciais para
muito sujeita a erro e o envolvimento com atividades a tradução do modelo situacional em modelo
demandantes de memória de trabalho é aversivo. matemático. Finalmente, no que se refere à
A aquisição de diversas habilidades aritméticas alfabetização propriamente dita, há uma notável
básicas depende crucialmente da capacidade convergência entre os processos de aquisição
de processamento na memória de trabalho: de numeracia e literacia. A aquisição de ambas
contagem; fatos aritméticos; transcodificação as competências se fundamenta crucialmente
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Ademais, as pesquisas mais recentes
também mostram o importante papel de
funções executivas e da autorregulação
do comportamento para aprender. Alguns
programas têm sido explorados desde a
Educação Infantil e mostram impactos duradores
na aprendizagem da leitura e da escrita.
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Esses exemplos podem servir de modelos Foram utilizadas as bases de dados PubMed,
para desenvolver materiais e programas de Scielo, Web of Science, ERIC e PsychINFO, e
intervenção em sala de aula mais eficientes. O os termos utilizados para a busca de artigos nas
capítulo está dividido em três seções de acordo bases de dados foram:
com as habilidades a serem estimuladas:
(a) precursores (early precursors) AND
(a) habilidades precursoras; (b) habilidades
leitura (reading); intervenção precoce (early
metalinguísticas e princípio alfabético e, (c)
intervention) AND leitura (reading) AND
fluência de leitura. Neste levantamento não
abordaremos as práticas para a produção educação (education); literacia emergente
escrita e compreensão de leitura. Se garantirmos (emergent literacy) AND educação
que as crianças desenvolvam as competências (education) AND desenvolvimento infantil
de leitura e de escrita iniciais bem como (child development);
garantirmos um bom desenvolvimento de (b) leitura (reading), escrita (writing),
linguagem oral e funções executivas, as crianças habilidades metalinguísticas (metalinguistic
terão maior facilidade na aprendizagem da skills), consciência fonológica (phonological
escrita e da compreensão de leitura. awareness) AND leitura (reading),
consciência morfológica (morphological
Método awareness), consciência morfossintática
(morphosyntatic awareness);
Para que o levantamento destas estratégias
e abordagens de ensino seja baseado em (c) fluência de leitura (reading fluency) AND
resultados de estudos científicos de qualidade ensino (teaching), intervenção (intervention)
inquestionável, tomamos alguns cuidados para a ou melhores práticas (best practices).
busca dos estudos e pesquisas sobre o tema. Os
critérios para inclusão e exclusão de estudos da As perguntas que pretendemos responder,
literatura nacional e internacional foram: portanto, são: Quais estratégias e práticas de
ensino são eficientes para estimular os precursores
(a) incluir artigos científicos publicados de da leitura e da escrita? Quais estratégias e
2010 a 2020 (últimos 10 anos); práticas de ensino são eficientes para estimular
(b) incluir publicações em Português, Inglês e as habilidades metalinguísticas e a relação com
Espanhol; a escrita (correspondência entre fonemas e
grafemas)? Quais estratégias e práticas de ensino
(c) restringir o levantamento a estudos que são eficientes para estimular a fluência de leitura?
investigam o ensino de leitura em sistemas de
escrita com ortografias alfabéticas; Resultados
(d) excluir trabalhos que descrevem estudos de
a. Precursores da leitura e da escrita: Quais
caso e pesquisas com populações vulneráveis
estratégias e práticas de ensino são eficientes
para o ensino da leitura e da escrita, como
para estimular os precursores da leitura e da
crianças com déficit intelectual, deficiência
escrita?
auditiva ou surdez, deficiência visual ou
cegueira, transtornos do neurodesenvolvimento As intervenções escolares voltadas para a primeira
como dislexia ou TDAH. infância têm como foco o desenvolvimento de
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Intervenções específicas sintáticas precoces, como extensão média de
enunciados, também foram um bom preditor
As intervenções específicas focam no
da decodificação e compreensão de leitura ao
desenvolvimento das habilidades de linguagem
final da primeira etapa do Ensino Fundamental
oral, que constituem a base para o aprendizado
(DURAND et al., 2013).
da leitura e escrita. Elas incluem, em maior ou
menor grau, o desenvolvimento de habilidades Já outras habilidades de linguagem, como o
de processamento fonológico, que são conhecimento semântico, têm uma forte relação
excelentes preditores das futuras habilidades com a capacidade do indivíduo compreender o que
de decodificação de leitura e de codificação de lê. O desempenho de crianças pré-escolares em
escrita; e o desenvolvimento das habilidades de tarefas de vocabulário tem sido constantemente
linguagem oral (semânticas e morfossintáticas), associado à habilidade compreensão leitora no
que promovem as bases para que a criança Ensino Fundamental (CAROLL et al., 2011). Estes
consiga interpretar e elaborar textos. resultados permanecem robustos mesmo após
levar em consideração as habilidades cognitivas
O desenvolvimento das habilidades de das crianças (DURAND et al., 2013).
processamento fonológico, especialmente de
consciência fonológica, tem íntima relação com a As relações entre linguagem oral e escrita
capacidade que a criança terá para decodificar acontecem, na maior parte das vezes, a partir
a leitura (CAROLL et al., 2011). Mesmo aos 3 de uma cascata de efeitos. Por exemplo, a
anos de idade, a consciência fonológica já é compreensão morfossintática das crianças
no Ensino Infantil tem forte relação com a
um preditor importante das habilidades de
competência narrativa no 1º ano (PINTO;
decodificação de leitura aos 9-11 anos (DURAND
TARCHI; BIGOZZI, 2019). Já as habilidades
et al., 2013). Isso porque aprender precocemente
narrativas, por sua vez, têm estreita relação com
a pensar, memorizar e manipular os sons das
a produção e compreensão textual (KINGSTON
palavras ajuda a criança a entender que fonemas
et al., 2019), o que reforça a importância de
e sílabas são representados por grafemas ou
promover recursos para as crianças desenvolverem
combinações de grafemas. O estabelecimento da
suas competências narrativas nos anos iniciais do
relação letra-som será coberto em mais detalhes
desenvolvimento.
ao longo deste capítulo. O intuito desta seção
é apresentar evidências de que crianças que Um outro exemplo desta cascata de efeitos
apresentam melhores habilidades de consciência envolve as relações entre as habilidades de
fonológica no nível da sílaba e rima já na primeira consciência fonológica e o desempenho de
infância têm mais chances de ter sucesso no futuro vocabulário. Em um estudo longitudinal, Caroll et
processo de alfabetização. al. (2011) observaram que a consciência silábica
e o vocabulário aos 4 anos se mostraram ótimos
Estudos mais recentes mostram que a consciência
preditores da consciência fonêmica aos 5 anos
morfossintática também é um ótimo preditor das
que, por sua vez, predisseram o desempenho em
habilidades de leitura, pois o reconhecimento decodificação de leitura aos 6 anos.
de morfemas recorrentes na língua facilita a
percepção de que algumas combinações de Quando analisadas em conjunto, as habilidades
letras são mais comuns e prováveis do que específicas de linguagem (consciência fonológica
outras (PITTAS; NUNES, 2014). As habilidades e conhecimento lexical), aos 5 anos, contribuíram
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Esta variação de resultados em função de de Pré-teste, Intervenção, Pós-teste 1 e Pós-teste
diferenças sociolinguísticas, econômicas e 2. As atividades de intervenção multissensorial,
culturais aponta para a necessidade do que foram realizadas com grupo experimental,
desenvolvimento de intervenções baseadas em seguiram um roteiro de estimulação que
evidência científica que sejam adaptadas para englobou: a) Ensino do som e nome das letras;
a realidade local, levando em consideração b) Atividades de consciência fonológica e
fatores contextuais específicos. correspondência regular entre letra e som; c)
Contato com material escrito para estimular a
Vários estudos na língua inglesa já mostraram o
oralidade e habilidades auditivas; d) Estímulos
efeito positivo de programas de intervenção das
multissensoriais e táteis; e) Realização do
habilidades precursoras em pré-escolares. No
formato das letras por meio da movimentação
entanto, embora muito escassos, é importante
das partes do corpo. Os resultados desse estudo
também analisar os estudos de intervenções
mostraram efeitos significativos da intervenção
nacionais com o intuito de identificar a
para todas as habilidades avaliadas, sugerindo a
efetividade e as especificidades de estratégias
eficácia do programa para prevenir dificuldades
capazes de promover melhores resultados no
na alfabetização.
contexto brasileiro de alfabetização.
Com relação aos programas de estimulação
Alguns estudos nacionais analisaram o efeito
da linguagem oral como precursores da
de programas que tiveram como objetivo o alfabetização, Verzolla, Isotani e Perissinoto
desenvolvimento de habilidades precursoras (2012) realizaram um estudo verificando a eficácia
da alfabetização e abordaram as intervenções da estimulação da linguagem na narrativa oral
baseadas no desenvolvimento do processamento em pré-escolares. O estudo foi desenvolvido em
fonológico (sobretudo a consciência fonológica) etapas: (a) pré-estimulação – os pré-escolares
e da linguagem oral (vocabulário, expressão produziram a primeira narrativa autônoma a
e compreensão oral). Apesar das amostras partir de uma sequência de figuras e a segunda
pouco robustas, das diferenças de metodologias narrativa autônoma após tutela do adulto; (b)
utilizadas com relação aos conteúdos, e estimulação – foi realizada a leitura de histórias
estratégias abordadas nas intervenções e da infantis em grupo, semanalmente, durante dez
escolha de tarefas padronizadas ou não para semanas; (c) pós-estimulação – quando foi
avaliar o efeito da estimulação na alfabetização, repetido o procedimento da primeira etapa. A
pode-se observar que a maioria dos estudos estimulação consistiu na leitura de livros aos
apresentou resultados positivos sobre o pré-escolares em sala de aula, proporcionando
desenvolvimento do processo de aprendizagem a discussão do texto e comentários pelos pré-
da leitura e escrita. -escolares a fim de garantir a compreensão
da história. Os resultados evidenciaram que a
Moreschi e Barrera (2017) analisaram o efeito de
leitura de histórias infantis e a tutela do adulto
um programa multissensorial com ênfase fônica
contribuíram para o aumento da ocorrência de
sobre o desempenho em consciência fonológica,
eventos nas narrativas autônomas.
conhecimento de letras e habilidades iniciais de
leitura e escrita em pré-escolares. Participaram Barrera, Ribeiro e Viana (2019) realizaram
do estudo 36 crianças (com idade média de 5 um levantamento sistemático de estudos que
anos e 6 meses). A pesquisa consistiu nas etapas analisaram o efeito de programas visando ao
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sentido, e a criança pode perceber que ler não Santos e Maluf (2010) verificaram a eficácia de
é memorização (apesar da memória fazer parte um programa de intervenção para desenvolver
do processo). habilidades metafonológicas e facilitar a
aprendizagem da escrita. Participaram 90
A consciência morfológica diz respeito à habilidade
crianças pré-escolares de 5 a 6 anos que ainda
de refletir e manipular morfemas, que são as
não dominavam o processo de leitura e escrita.
menores unidades de sentido de uma língua.
O programa consistiu em 32 sessões divididas
Isso possibilita ao aluno usar esse conhecimento
em cinco unidades de atividades lúdicas dirigidas
na estruturação e reconhecimento das palavras.
à aquisição de habilidades metafonológicas com
Também pode ajudar a ler de forma mais fluente
a utilização de músicas, brincadeiras e jogos. Os
e compreender melhor. Uma vez identificados os
resultados evidenciaram que essa capacidade
morfemas, não é necessário mais ler letra a letra
de refletir sobre os aspectos sonoros da fala é
para chegar ao significado. A morfologia também
um elemento facilitador para a alfabetização de
ajuda a ortografia, já que terminação ou prefixos
permitem generalizar a forma de escrever, mesmo crianças brasileiras. Do ponto de vista didático-
se a palavra for mais “difícil”. -pedagógico, esse estudo demonstrou que a
alfabetização no Brasil, assim como demonstrado
O relatório publicado nos Estados Unidos – nos estudos internacionais, também pode ser
National Reading Panel (2000), analisou o facilitada por meio de atividades lúdicas e
impacto de evidências científicas para a instrução divertidas, que envolvam a identificação e
da consciência fonêmica no desenvolvimento da produção de rimas e aliterações, segmentação
leitura e escrita. Após o estudo de metanálise, lexical e segmentação, omissão e substituição de
o relatório deixou claro que ensinar as crianças sílabas e fonemas.
a manipular fonemas em palavras é altamente
eficaz em todos os domínios e resultados da Santos e Barrera (2017) estimularam 15 pré-
alfabetização. Vale ressaltar que a eficácia da -escolares com tarefas de consciência fonológica,
utilização de habilidades da consciência fonológica conhecimento de letras e escrita de palavras
está focada no ensino explícito da manipulação da antes e após o processo de intervenção. A
língua, o que nos conduz a uma afirmativa positiva intervenção foi composta por 42 atividades
para o estímulo desta habilidade em ortografias distribuídas em seis unidades (com sessões
alfabéticas. A partir desta lógica, demais pesquisas diárias de 30 minutos por três meses). As
subsequentes em países de ortografias alfabéticas e atividades trabalhadas envolviam habilidades
transparentes evidenciaram que, com o avanço da de discriminação auditiva de forma ativa,
escolaridade, a criança adquire maior sensibilidade atenta e analítica; consciência articulatória da
aos fonemas e ainda, a habilidade de suprimir fala; habilidades de identificação e produção de
fonemas pode prever a leitura fluente. Portanto, rimas; habilidades de identificação e produção
a consciência fonêmica deve ser explicitamente de aliteração; desenvolvimento de habilidades
ensinada, em uma perspectiva sistemática que de segmentação da frase em palavras e
seja capaz de aumentar a capacidade das desenvolvimento de habilidades de segmentação
crianças de efetivamente decodificar símbolos de palavras em sílabas. Os resultados do estudo
em sons (WILSENACH, 2019; MCCONNELL, apontaram um efeito positivo da estimulação das
WACKERLE-HOLLMAN, 2016). habilidades metafonológicas em pré-escolares,
tanto no desenvolvimento destas, quanto nas
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fonológica, e correlacionaram aos resultados da c. Fluência de leitura: Quais estratégias e
compreensão textual. Após fazerem intervenção práticas de ensino são eficientes para estimu-
de consciência morfológica em um grupo, lar a fluência de leitura?
consciência fonológica em outro grupo, e apenas
É importante lembrar que há três componentes
o currículo tradicional no terceiro grupo, eles
para o conceito de fluência de leitura (a)
identificaram que a consciência morfológica
acurácia da decodificação de palavras,
parece contribuir para leitura contextual no
(b) automaticidade do reconhecimento de
Português, independentemente da consciência
palavras, e (c) uso apropriado da prosódia
fonológica (MOTA et al., 2012). (entonação, acento e ritmo) (KUHN; STAHL,
Um outro grupo de pesquisadores nacionais 2003; CELESTE et al., 2018). Sendo assim, o
estudou o papel da consciência morfológica desenvolvimento da fluência de leitura pode ser
para a leitura e a ortografia. Participaram da alcançado com uma série de habilidades sendo
pesquisa escolares do 3º ao 5º ano do Ensino estimuladas.
Fundamental, que foram avaliados com sete A produção científica no Brasil e no mundo tem
instrumentos, sendo um de ortografia, três de apontado com frequência para a estratégia de
consciência morfológica e dois de compreensão Leitura Repetida (LR) como a mais eficaz para
de leitura de texto. Os resultados destacam a a estimulação de fluência de leitura, desde que
importância da consciência morfológica para a a criança já seja capaz de reconhecer palavras
compreensão de leitura e a escrita ortográfica (ALVES; CELESTE, 2013; MARTENS et al., 2019).
em línguas transparentes como o Português
Além da leitura repetida (LR), intervenções com
(GUIMARÃES et al., 2014).
componentes múltiplos e leitura acompanhando
Um estudo verificou a relação da consciência audiolivros produziram melhoras na fluência de
fonológica, morfológica e sintática com a leitura e, consequentemente, na compreensão
leitura e escrita em crianças do 1º e 2º ano do texto lido. Outras sugestões de estratégias
do Ensino Fundamental. Para isso, avaliaram foram fornecer feedback sobre o desempenho,
no início de cada ano escolar as habilidades treinar com textos mais simples e ensaiar a leitura
metalinguísticas, e depois, no fim, as habilidades repetida com colegas (STEVENS; WALKER;
de leitura e escrita de palavras. Os estudantes VAUGHN, 2017). Contudo, ouvir a leitura do
foram, então, divididos em dois grupos: aqueles texto previamente em conjunto com a de leitura
que leram e escreveram melhor as palavras no repetida não é mais eficiente do que só a leitura
fim do 2º ano e aqueles que leram e escreveram repetida. Ou seja, não houve benefício em ouvir
pior. Posteriormente comparam esses resultados a leitura prévia do texto antes de realizar a
com os das avaliações realizadas no início do leitura repetida (ROGERS; ARDOIN, 2018).
1º e 2º ano, e puderam confirmar a correlação:
A fluência de leitura pode também ser
os com melhor leitura e escrita no fim do ano
estimulada muito antes do contato formal com
foram aqueles que tiveram melhores resultados
a escola. Quando os pais ou cuidadores fazem
em consciência fonológica, morfológica e
a leitura de um livro para uma criança desde
sintática. As autoras destacaram a importância
a mais tenra idade já estão preparando para
do ensino explícito e sistemático dessas
o desenvolvimento da leitura. Greenwood et
habilidades (AIOLAS; MARTINS, 2017).
al. (2019) estudaram como o efeito da leitura
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leitura repetida pode auxiliar tanto na acurácia ALVES, L. M.; CELESTE, L. C. Intervenção
quanto na automaticidade de leitura. Quando em fluência de leitura: análise da produção
realizada como textos, existe a possibilidade científica no Brasil e no mundo.In: ALVES, L. M.;
de ser apresentado um modelo de prosódia MOUSINHO, R. E.; CAPELLINI, S. A. (orgs.).
adequado, trabalhando conjuntamente todos os Dislexia, novos temas, novas perspectivas.
aspectos. Estudos indicaram que após poucas Volume II. WAK Editora, 2013.
sessões de intervenção direcionadas e específicas
ARDOIN, S. P.; MORENA, L. S.; BINDER, K. S.;
foi observado melhora nos níveis de fluência,
FOSTER, T. E. Examining the impact of feedback
dessa forma, o monitoramento periódico do
and repeated readings on oral reading fluency:
desempenho dos alunos é importante para
Let’s not forget prosody. School Psychology
avaliar a eficácia da estratégia empregada. Quarterly, 28(4), 391-404, 2013. https://doi.
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Considerações finais
BARNETT, W. S. Effectiveness of early educational
A evidências identificadas neste levantamento intervention. Science, v. 333, p. 975-978, 2011.
reforçam o que outros estudos nacionais e
BARON, A.; EVANGELOU, M.; MALMBERG,
internacionais já haviam apontado em termos
L. E.; MELENDEZ-TORRES, G. J. The Tools of
das estratégias e práticas mais efetivas para
the Mind curriculum for improving self-regulation
o ensino da leitura e da escrita. Optamos
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por enfatizar a estimulação de habilidades
2017. DOI: 10.4073/csr.2017.10
necessárias para uma leitura inicial competente
que abrangeu os precursores da leitura e da BARRERA, S. D.; RIBEIRO, I.; VIANA, F. L. Efeitos
escrita, as habilidades metalinguísticas, relação de Intervenções em Letramento Emergente: Uma
com a fonologia e ortografia, e a fluência de Revisão Bibliográfica na Base ScIELO. Psic.: Teor. e
leitura. As práticas para o ensino da produção Pesq., Brasília, v. 35, e3531, 2019.
escrita e compreensão de leitura não foram
BODROVA, E.; LEONG, D. Tools of the Mind:
abordadas neste capítulo, mas são igualmente
The Vygotskian approach to early childhood
importantes para atingir o sucesso no processo
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183
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evidenciaram que os modelos concordam difere é a importância que cada modelo atribui a
que a autorregulação é cíclica, composta por cada componente (PUUSTINEN; PULKKINEN,
diferentes fases e subprocessos. Há pelo menos 2001). Uma forma de compreender esses distintos
três fases identificáveis: (1) preparatória, que componentes, porém, seria tomá-los dentro do
inclui análise da tarefa, planejamento, ativação domínio mais amplo de autorregulação não
e estabelecimento de metas; (2) desempenho, como processos distintos, mas como diferentes
no qual a tarefa almejada é realizada enquanto alvos da ação regulatória. Nesse sentido, tem-
o indivíduo monitora e controla o próprio -se regulação das emoções, das cognições ou dos
desempenho; e (3) avaliação, quando o indivíduo comportamentos, dependendo do conteúdo ao
reflete sobre os resultados obtidos, regula e se qual a autorregulação se dirige.
adapta para performances futuras. Apesar dos
modelos concordarem de que há diferentes fases A autorregulação emocional, por exemplo, inclui
e subprocessos, alguns enfatizam uma distinção a capacidade de inibição de respostas sociais, a
mais clara entre as fases (ZIMMERMAN, 2000), consciência e a regulação de emoções e a percepção
já outros consideram que a autorregulação é um precisa da perspectiva dos outros (RIGGS et
processo mais amplo, sem uma distinção clara das al., 2006), sendo particularmente importante
etapas (WINNE, 2011). Uma implicação dessa tanto para o desenvolvimento da competência
diferença entre os modelos pode estar em como socioemocional quanto para a aprendizagem.
promover programas de intervenção. Partindo- Ou seja, a autorregulação emocional refere-se à
-se dos modelos que consideram que as fases capacidade de expressar emoções de forma mais
do processo de autorregulação podem ser mais adaptativa, envolvendo habilidades de manejo,
bem definidas, podem ser propostas intervenções modulação e inibição para melhor adaptação
específicas para cada fase. Por exemplo, se social (CALKINS, 2009; KOPP, 1989). As emoções,
o professor reconhece que o aluno está com por sua vez, também desempenham um papel
dificuldade durante a execução de uma tarefa, decisivo na regulação do pensamento e das ações
fará uma intervenção específica nesse momento. das crianças (VENITZ; PERELS, 2019). Com o
Por outro lado, os modelos que consideram que desenvolvimento da autorregulação emocional, as
não seja possível especificar de forma tão clara as crianças aprendem cada vez mais a monitorar e
fases podem sugerir intervenções mais globais, pois controlar suas emoções e a reconhecer as emoções
percebem a autorregulação como um processo dos outros, possibilitando uma resposta adaptativa
mais contínuo, composto por subprocessos, muito e mais assertiva aos diversos contextos da vida,
relacionados entre si (PANADERO, 2017). contribuindo, assim, para o desenvolvimento de
sua socialização.
Além disso, os modelos propõem que o
processo autorregulatório inclui diversos fatores, A motivação também constitui uma parte
como cognitivos, emocionais e motivacionais importante da autorregulação, pois contribui
(PANADERO, 2017). No modelo de autorregulação essencialmente para o início e para a manutenção
para crianças em idade pré-escolar proposto por do comportamento direcionado e da execução de
Bronson (2000), por exemplo, o autor sugere tarefas (COOK; ARTINO, 2016). A motivação
quatro componentes centrais: autorregulação é necessária para se envolver profundamente
cognitiva, emocional, motivacional e pró-social. De com as ações (por exemplo, de aprendizagem) e
maneira geral, a maioria dos modelos considera contribui para se manter na tarefa e para lidar
que a autorregulação inclui esses aspectos, o que com distrações (BRONSON, 2000; COOK;
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Este conjunto de pesquisas levanta questões Apêndice). Não foi, a priori, delimitado filtro de
específicas em busca de evidências acerca do papel local do descritor (exemplo: busca do descritor
da autorregulação para o desempenho escolar e, no resumo ou título da publicação) ou data da
mais especificamente, para a literacia. Assim, no publicação, de modo a permitir uma busca mais
contexto de uma política nacional de alfabetização, ampla. Essa primeira busca resultou em 770
torna-se muito relevante uma revisão de literatura artigos localizados, que foram analisados com
com 1) foco direcionado à literacia como desfecho base nos seguintes critérios de elegibilidade:
de interesse, 2) delimitação de faixa etária para a a) Ser estudo empírico;
infância em fase de aquisição e de consolidação da b) Promover intervenção (seja em
alfabetização, e 3) consideração abrangente de delineamento experimental ou quase-
diferentes aspectos/conteúdos de autorregulação, experimental) em algum componente de
consistente com uma perspectiva de trabalho autorregulação;
interdisciplinar. Diferentes tipos de intervenção c) Conduzir intervenção em contexto escolar;
podem ser usados para promover autorregulação. d) Incluir amostra com idade (considerando
Neste capítulo, serão focados aqueles de maior a obtenção do desfecho) de 4 a 11 anos;
aplicabilidade ao contexto escolar, sobretudo por e) Recrutar participantes com
meio de currículos e estratégias complementares desenvolvimento típico;
ao currículo. Na sequência, serão descritos os f) Apresentar alguma medida de desfecho
resultados de uma revisão sistemática realizada a em leitura e/ou escrita.
partir da consideração dos aspectos 1, 2 e 3 acima
Após a eliminação das duplicatas (N=50),
elencados.
realizada automaticamente pelo sistema START,
Após, complementares a esses resultados, serão foi conduzida a análise por duas pesquisadoras,
sumariados achados de metanálises e revisões considerando os critérios acima, que resultou em
sistemáticas recentes sobre o tema. 145 artigos identificados. Após essa fase, os artigos
resultantes foram submetidos a uma leitura
2. Intervenções em completa e à seleção para a fase de extração das
autorregulação e literacia: evidências. Após essa fase, os artigos resultantes
revisão sistemática foram submetidos a uma leitura completa e à
seleção para a fase de extração das evidências.
Dado o interesse particular de intervenções Essa análise pormenorizada permitiu a exclusão
implementadas em autorregulação na escola e de novos artigos (N=139), por não atenderem
por meio do currículo escolar, para o presente aos requisitos de elegibilidade. A análise dos
capítulo foi conduzida uma revisão sistemática dados seguiu roteiro padronizado em que se
que investigou o impacto das intervenções em buscou identificar país de realização dos estudos,
autorregulação sobre a literacia (desenvolvimento objetivo(s) do estudo, abordagem/área de
e desempenho de leitura/escrita) em crianças. A investigação, características da amostra, métodos
revisão foi realizada na base de dados SCOPUS. de avaliação de autorregulação, componentes de
Para tal, utilizou-se uma combinação de leitura e escrita considerados, informações sobre
palavras-chave pertinentes ao objetivo da revisão o programa de intervenção utilizado, principais
(identificadas em publicações da área e no achados do estudo, presença e dados de follow-
dicionário de descritores da BVS-PSI) e expressões -up. Dessa forma, a revisão final, realizada por
booleanas, compondo a ‘string’ de busca (vide uma terceira pesquisadora, contemplou um
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Tabela 1. Extração de informação para revisão: programas de intervenção utilizados e principais achados
Alguma
Método
Componentes Tipo/ medida
Objetivo de Principais
Autores Amostra de Leitura/ características de
do estudo avaliação resultados
Escrita da intervenção aderência/
de AR
fidelidade
(BARNET Investigar N = 274 Não houve Foram Tools of the Sim Classes com
et al., os efeitos crianças de medida direta avaliadas Mind; currículo, Tools: escores
2008) do currículo 3 a 4 anos de AR. habilidades implementado mais elevados
Tools of the distribuídas Foram de linguagem pelo professor em qualidade
Mind sobre para classes avaliados: oral a sua turma; de sala de
“aprendizagem com currículo problemas de (vocabulário baseado em aula,
e Tools comportamento, receptivo e Luria e qualidade
desenvolvimento” (n = 106) qualidade de expressivo); Vygotsky. do ambiente,
das crianças ou padrão sala de aula, resolução de Implementado suporte à
participantes. do distrito qualidade do problemas não ao longo de literacia e uso
(n = 168). ambiente e verbais e um ano letivo. de suporte e
suporte à reconhecimento Visa promover mediação.
literacia, uso de letras e habilidades Efeitos
de suporte e palavras precursoras de estatisticamente
mediação, (decodificação alfabetização, significativos
clima de palavras) e entre as quais do currículo
emocional, solução de a AR. em problemas
instrução e problemas de
manejo de (habilidades comportamento
sala de aula. matemáticas). e medidas de
Foi realizada linguagem oral,
avaliação do com melhores
desenvolvimento desempenhos
de habilidades no Tools.
precursoras da Não houve
alfabetização. efeito
significativo
da intervenção
sobre
desempenho
escolar.
190 R E L ATÓ R I O N A C I O N A L D E A L FA B E T I Z AÇ ÃO B A S E A D A E M E V I D Ê N C I A S ( R E N A B E )
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(MARTI; Verificar 22 salas Medida direta Habilidades Getting Sim Apesar de
MELVIN; se a de aula, de AR do precursoras Ready for magnitude
NOBLE; fidelidade em três comportamento, da alfabetização: School (GRS); baixa, a
DUCH, (professor) cortes. incluindo aspectos identificação currículo, fidelidade
2018) eo No total, como inibição do de letras e implementado na
envolvimento participaram comportamento e palavras pelo professor implementação
(crianças) 19 professores flexibilidade (decodificação e pelos pais. do GRS (em
com o e 274 crianças cognitiva; de palavras) Baseado em termos de
programa com idades aversão à espera. e vocabulário uma dosagem e/ou
de entre 3 e AR nos domínios de figuras perspectiva de aderência)
intervenção 4 anos. atencional, (linguagem integrada associou-se
se associam emocional e oral e que visa com ganhos
com comportamental conhecimento oferecer das crianças
habilidades por meio de lexical). estimulação em medidas
em literacia, relato de Consciência nos de consciência
matemática professores Fonológica, ambientes fonológica,
e AR das (controle de incluindo familiar e vocabulário,
crianças. atenção/impulso rima, escolar. matemática
e emoção manipulação, Neste estudo, e AR.
positiva). segmentação e o foco está Engajamento
identificação sobre a das crianças
de sons e implementação também se
sílabas em em contexto associou a
palavras escolar, ao ganho em AR
e frases. longo do ano (especificamente
letivo com a uma
(aproximadamente medida de AR do
oito meses). comportamento).
(MURRA; Investigar efeitos 11 escolas; 91 Regulação Professores The Incredible Sim Houve efeito
RABINER; do Incredible professores emocional forneceram Years® Teacher significativo da
KUHN Years® (N dos alunos e informações Classroom intervenção sobre
PAN; Teacher Classroom intervenção = habilidades sobre se alunos Management clima positivo de
SABET, Management 45; N controle pró-sociais; receberam Program (IY- sala de aula.
2018) Program sobre = 46). indicadores de serviço de TCM); currículo, Não foram
as estratégias de 1192 desatenção/AR educação implementado identificados
gerenciamento, estudantes cognitiva. especial ou pelo professor efeitos
clima de sala de (608 Medidas dos de apoio ao longo do ano significativos para
aula, regulação grupo de professores acadêmico, letivo. nenhum resultado
emocional, intervenção e incluíram clima incluindo aulas Integra um dos alunos.
atenção e 584 da sala de aula de leitura ou programa de Houve efeito de
competência controles), e estratégia de matemática intervenção que interação entre
acadêmica dos distribuídos: gerenciamento, ou outras inclui treinamento grupo e status
estudantes. 461 pré- autorrelato de intervenções para pais, filhos de risco sobre
escolares, 325 satisfação e acadêmicas nas e professores, desfechos de
no 1º ano, e aceitabilidade dos escolas. desenvolvido para comportamento
406 no 2º professores do Avaliação direta prevenir e tratar pró-social e
ano. programa. de Competência comportamentos indicadores de
acadêmica. Inclui agressivos e desatenção,
habilidade de problemas de com melhores
estabelecimento conduta em desempenhos
e alcance de crianças pequenas. das crianças do
metas, resolução programa de
de problemas intervenção no
matemáticos, pós-teste.
leitura e resposta
a perguntas
e entrega dos
trabalhos de
casa.
192 R E L ATÓ R I O N A C I O N A L D E A L FA B E T I Z AÇ ÃO B A S E A D A E M E V I D Ê N C I A S ( R E N A B E )
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(MURRA; Investigar 11 escolas; 91 Regulação Professores The Incredible Sim Houve efeito
RABINER; efeitos do professores (N emocional forneceram Years® Teacher significativo
KUHN PAN; Incredible intervenção = dos alunos e informações Classroom da intervenção
SABET, Years® 45; N controle habilidades sobre se alunos Management sobre clima
2018) Teacher Program (IY-
= 46). pró-sociais; receberam positivo de sala
Classroom
1192 indicadores serviço de TCM); currículo, de aula.
Management implementado
estudantes de educação Não foram
Program sobre pelo professor
(608 grupo de desatenção/ especial ou identificados
as estratégias ao longo do
intervenção e AR cognitiva. de apoio efeitos
de ano letivo.
584 Medidas dos acadêmico, significativos
gerenciamento, Integra um
controles), professores incluindo aulas para nenhum
clima de sala programa de
distribuídos: incluíram de leitura ou resultado
de aula, intervenção
461 pré- clima da matemática dos alunos.
regulação que inclui
escolares, 325 sala de aula ou outras Houve efeito
emocional, treinamento
no 1º ano, e e estratégia de intervenções de interação
atenção e para pais, filhos
406 no 2º gerenciamento, acadêmicas nas entre grupo
competência e professores,
ano. autorrelato de escolas. e status de
acadêmica desenvolvido
satisfação e Avaliação direta risco sobre
dos estudantes. para prevenir
aceitabilidade de Competência desfechos de
dos professores acadêmica. e tratar comportamento
do programa. Inclui comportamentos pró-social e
habilidade de agressivos e indicadores de
estabelecimento problemas desatenção,
e alcance de de conduta com melhores
metas, resolução em crianças desempenhos
de problemas pequenas. das crianças
matemáticos, do programa
leitura e de intervenção
resposta a no pós-teste.
perguntas e
entrega dos
trabalhos de
casa.
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O primeiro estudo identificado, de Barnett et al. O estudo de Schmitt et al. (2015), em relação aos
(2008), utilizou o currículo ‘Tools of the Mind’ outros quatro, utilizou um tipo de intervenção que
(BODROVA; LEONG, 2007). Baseado em uma não se caracteriza como currículo propriamente
abordagem vygotskyana, o currículo tem particular dito, mas como um protocolo de atividades
ênfase na autorregulação e na alfabetização que complementa o currículo escolar. Foi
emergente. Utiliza como ferramentas para implementado ao longo de oito semanas, sendo
promoção do desenvolvimento infantil atividades que as crianças participavam de sessões de
compartilhadas, incentivo à heterorregulação ‘grupos de jogos’ semanais, com uma taxa média
do comportamento, uso da linguagem como de participação das crianças de 13 sessões. Um
instrumento para autorregulação, atividades exemplo de um desses ‘jogos’ é destacado pelos
lúdicas e destaca o papel do professor em orientar autores, Red Light e Purple Light: atuando como
e apoiar o desempenho e desenvolvimento da um semáforo, o aplicador mostra cartões coloridos
criança (scaffolding). Os resultados de Barnett que significam “PARE!” e “VÁ!”. As crianças devem
et al. (2008) salientam, em primeiro lugar, responder (‘vá’) ou inibir respostas (‘pare’) de
que a autorregulação pode ser promovida; acordo com as pistas apresentadas pelas cores
em segundo lugar, que o currículo melhorou a deste semáforo. Em seguida, essas podem ser
qualidade das experiências das crianças em invertidas ou modificadas, promovendo, então,
sala de aula e, por fim, que o debate polarizado flexibilidade cognitiva para a aprendizagem. As
sobre conteúdo acadêmico versus brincadeira, crianças devem lembrar as instruções, atentar às
assim como desenvolvimento de habilidades pistas apresentadas, alternar com êxito de uma
cognitivas versus desenvolvimento de habilidades regra para outra e controlar seu comportamento
sociais, se torna ultrapassado ao passo em para realizar a ação apropriada. Com o avanço
que suas evidências sugerem que o currículo é da intervenção, regras adicionais podem
capaz de integrar o trabalho com/e o estímulo ser introduzidas nos jogos, aumentando sua
a todas essas habilidades, de forma eficaz, sem complexidade cognitiva.
descontextualizar a mediação lúdica.
Houve ganho em medidas diretas de
Cabe mencionar que Barnett et al. (2008) não autorregulação comportamental (duas tarefas
identificaram efeito do currículo sobre habilidades clássicas de avaliação de componentes das
pré-acadêmicas. Porém, para além da minimização funções executivas, Head-Toes-Knees-Shoulders
de problemas de comportamento nas turmas do Task e Dimensional Change Card Sort), porém
Tools, os efeitos nas tarefas de linguagem oral não em medida de autorregulação por relato dos
foram de tamanho moderado, indicando que o professores ou em desempenho escolar. Apesar
Tools foi mais eficaz que o currículo padrão na disso, os autores identificaram que um subgrupo
promoção do desenvolvimento da linguagem, de sua amostra, composto por crianças falantes
tanto no idioma Inglês quanto no Espanhol (havia de Espanhol como primeira língua (consideradas
crianças cujo Espanhol era primeira língua em de risco demográfico, pois, em geral, eram
sua amostra). É preciso lembrar que linguagem filhas de pais imigrantes, com menor renda e
oral é precursora do sucesso na alfabetização, e escolaridade) beneficiou-se da intervenção, com
a intervenção promoveu aumento de vocabulário ganhos robustos em desempenho em habilidade
e uma ponte para a relação entre sons e letras, e matemática. Para os autores, esses resultados
entre significados orais e escritos. devem incentivar a inclusão de atividades
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caso de professores que já possuam bas habilidades Algumas conclusões gerais deste montante de
de gerenciamento de suas salas de aula. evidências derivadas dos artigos da revisão são
destacadas a seguir:
Por fim, Upshur et al. (2019) utilizaram o cur-
rículo Second Step Early Learning Curriculum a) É possível promover habilidades de
(SSEL; Segundo Passo - Currículo de Apren- autorregulação em contexto escolar, em
dizagem Precoce), disponível comercialmente, intervenções dirigidas pelo professor, e
desenvolvido com base em revisão de literatura é possível fazê-lo a partir de diferentes
sobre desenvolvimento de competências socioe- propostas, de modo integrado ou não a
mocionais, autorregulação e suas contribuições conteúdos acadêmicos ou pré-acadêmicos;
para a prontidão escolar. O currículo é desti-
b) O formato de implementação (currícu-
nado para crianças de 4 e 5 anos e integra ati-
los, com aplicação em contexto de grupos)
vidades de reconhecimento emocional, empatia
e/ou a complexidade dos programas utiliza-
e resolução de problemas sociais e estratégias
dos dificulta a delimitação de um alvo espe-
de autorregulação, como auto-instrução e jogos
cífico destas intervenções (por exemplo, se
(‘Brain Games’) que demandam habilidades de
autorregulação emocional, comportamental
iniciar e inibir/interromper atividades, por exem-
ou habilidades subjacentes desnecessário,
plo. O programa inclui fornecimento de informa- como as funções executivas). Na realidade,
ções aos pais para reforço da estimulação em parece ser o caso de que a complexidade
casa. Não é um substituto para as atividades de dessas intervenções (em termos de forma-
alfabetização ou de matemática ou, ainda, de to e abrangência) possa engajar, de forma
outros conteúdos, estando seu foco na promoção ampla, o domínio de autorregulação;
de processos sociais e cognitivos relevantes para
o aprendizado e desenvolvimento das crianças. c) Nem todas as medidas/variáveis de-
Divide-se em cinco unidades: lições para 1) ha- monstram ganhos após as intervenções.
bilidades para aprender, como ouvir, prestar Isto é, os ganhos podem ser específicos. Por
atenção, usar o diálogo interno; 2) empatia; 3) exemplo, alguns estudos não mostraram
gerenciar emoções; 4) habilidades de amiza- ganhos em habilidades pré-acadêmicas. Po-
de; e 5) revisão de habilidades em preparação rém, foram evidenciados ganhos em habili-
para a transição para ensino formal. Dentre os dades de linguagem oral, que são precurso-
resultados desse estudo, observaram-se maiores ras das habilidades acadêmicas de leitura
ganhos das crianças que participaram do pro- e escrita. É necessário considerar, portanto,
grama nas medidas de funções executivas, ain- que os ganhos podem ser indiretos e preci-
da que um efeito não tenha sido identificado sar, até mesmo, de maior recorte de tempo
para se manifestar;
em outras medidas. Os autores destacam que
os ganhos observados no suporte emocional em d) Os efeitos dessas intervenções podem
sala de aula e no suporte instrucional podem ter interagir com características das crianças,
o potencial de impactar desenvolvimento infan- de modo que alguns benefícios podem ser
til e habilidades pré-acadêmicas em programas maiores/menores ou específicos a determi-
pré-escolares de qualidade inferior aos que par- nados subgrupos. É o caso de maiores bene-
ticiparam de seu estudo. fícios observados em subgrupos de crianças
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sobre essas habilidades devem ser contínuos. teve resultados marginalmente significativos
Ou seja, esta não é uma intervenção a (PANDEY et al., 2018).
ser realizada apenas em um momento e
Ober, Brooks e Homer (2020) conduziram
abandonada. Deve haver continuidade e
uma metanálise especificamente para analisar
manutenção deste trabalho ao longo dos
a relação entre as funções executivas e a
anos escolares;
decodificação na leitura. Foram analisados 65
5. Efeitos não imediatos: as autoras destacam estudos que envolviam crianças e adolescentes,
que, em alguns casos, foi observado que os em um total de 162 tamanhos de efeito a
benefícios dos programas de intervenções não partir de 10.173 participantes. Observaram-se
foram observados imediatamente após sua relações significativas, de magnitudes variando
finalização. Tais efeitos só foram detectáveis entre pequena a moderada, entre construtos
algum tempo depois. É possível que as relacionados às funções executivas e à habilidade
intervenções mais abrangentes (como são os de decodificação. Tais relações parecerem ser
currículos, pois abarcam várias habilidades consistentes, mesmo entre diferentes tipos de
executivas e de autorregulação, em diversos amostras, tarefas e desenhos metodológicos.
contextos e situações) precisem de mais tempo
Mais especificamente sobre as relações entre
para produzir benefícios.
autorregulação emocional e desempenho
A metanálise de Pandey et al. (2018) identificou acadêmico, a revisão sistemática de Andrés et al.
50 intervenções em 49 estudos, conduzidos (2017) identificou 17 trabalhos, 11 correlacionais
ao longo de quatro décadas. As intervenções (relação entre fatores) e apenas seis experimentais
classificaram-se em mindfulness e yoga, (teste de efeito de variáveis sobre outras). Ainda
intervenções familiares, escolares (currículos) e que o foco não tenha se restringido à infância,
programas de habilidades sociais e pessoais, seus achados trazem algumas informações sobre
conduzidos com crianças de 2 a 17 anos. As o estado da arte da área. Os estudos foram
intervenções escolares foram o tipo mais comum separados em dois grupos de acordo com o
(42% do total), sobretudo até os 10 anos de idade processo avaliado: uso de estratégia ou habilidade.
e concentraram-se na Pré-Escola (57%) e início Os estudos que avaliaram uso de estratégias (por
do Ensino Fundamental (33%), incorporadas exemplo, reavaliação cognitiva) não encontraram
à rotina escolar. De modo geral, os resultados associação consistente com leitura. O grupo de
corroboraram a ideia de que é possível promover estudos com foco na habilidade, que também
autorregulação no contexto escolar (76% dos manteve a maior parte dos estudos com crianças
estudos relataram ganhos; tamanho de efeito = (de pré-escolares a adolescentes), mostraram
0,34; CI = 0,17 – 0,50). Ao lado de evidências relações mais consistentes entre autorregulação
sobre impacto das intervenções em saúde emocional e desempenho acadêmico. Tolerância
mental, habilidades sociais e frequência de à frustração, reconhecimento de emoções,
suspensões escolares, houve evidência de ganho capacidade de adiar a gratificação e modulação
sobre desempenho acadêmico, especificamente da reação emocional associaram-se, entre outros,
alfabetização, matemática, leitura, nomeação com desempenho em leitura em diversas idades.
de letras e vocabulário. Dos estudos que A amplitude da faixa etária coberta pelo estudo,
investigaram efeitos em habilidades acadêmicas bem como o fato de estudos correlacionais terem
(n=10), apenas um não encontrou efeito e um integrado a revisão, limita suas conclusões.
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2. É possível hipotetizar que as relações das letras, por exemplo), os autores destacam o
entre autorregulação emocional e social (e papel da autorregulação, inclusive mencionando
mesmo da autorregulação tomada como evidências de que essas habilidades são preditoras
domínio amplo) e aspectos do ambiente das próprias habilidades precursoras de
escolar se deem de forma recíproca, em alfabetização (como a consciência fonológica).
que variáveis da escola (incluindo interação
Em todo processo de aquisição de
professor-aluno, clima de sala de aula,
novo conhecimento, a autorregulação e
etc.) impactam na autorregulação das
especificamente as funções executivas têm
crianças que, por sua vez, reverberam
papel importante. Isso também ocorre em
para sua motivação, engajamento e
relação à literacia, já que a criança irá adquirir
consequentemente aprendizagem e
desempenho escolar. Apesar de alguns conhecimentos sobre seu sistema de escrita,
achados que corroboram tal hipótese serem o alfabeto e novo vocabulário, por exemplo.
oriundos de estudos correlacionais, de modo Conforme a criança evolui em seu aprendizado
que conclusões devem ser obtidas com e adquire esses conhecimentos mais básicos,
cautela, outras revisões apontam resultados as habilidades de autorregulação continuarão
semelhantes, como a de Diamond e Ling a ser relevantes para dar conta de processos
(2016). Segundo essas autoras, uma vez mais complexos, por exemplo, na compreensão e
que habilidades como as funções executivas, integração de informação de um texto (BLAIR;
as quais possuem papel na autorregulação, et al., 2011).
são sensíveis a eventos como estresse, Consoante à evidência internacional
tristeza ou saúde física precária, é possível (ROSANBALM; MURRAY, 2017; SERPELL;
que intervenções que considerem estas ESPOSITO, 2016), portanto, este capítulo finaliza
variáveis e promovam bem-estar físico, com a sugestão de que uma educação integral
social e emocional, possam promover
deveria ir além da aquisição de conhecimento/
não somente ganhos diretos nos aspectos
conteúdo e incluir outros objetivos, tais como o
sociais e emocionais, mas também possam
desenvolvimento de autorregulação em todos os
reverberar e ter efeitos indiretos sobre as
seus aspectos.
habilidades executivas.
É fato que diversos programas de intervenção
4. Considerações finais para implementação em contexto escolar com foco
(único ou integrado a habilidades acadêmicas
Conforme os estudos anteriormente descritos,
ou pré-acadêmicas) em autorregulação foram
relações entre autorregulação e desenvolvimento
desenvolvidos e testados, sobretudo a partir dos
da literacia têm sido relatadas na literatura.
anos 2000. Exemplos incluem o currículo PATHS
Para Blair, Protzco e Ursache (2011), a aquisição
(Promoting Alternative Thinking Strategies),
da leitura e escrita ocorre conforme as crianças
Incredible Years, Second Step Early Learning
desenvolvem processos cognitivos que servirão
Curriculum, o Getting Ready for School, o
de suporte para essa progressiva aquisição. Ao
Tools of the Mind entre outros. As evidências
lado de habilidades fundamentais de consciência
mostram que essas intervenções podem trazer
fonológica, vocabulário e habilidades iniciais de
benefícios às habilidades de autorregulação e
leitura/escrita (como conhecer sons e nomes
promover ganhos em habilidades acadêmicas
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desenvolvimento é herdada, e ocorre com Língua de Sinais Urubu-Kaapor dos indígenas
concordância de até 68% nos gêmeos univitelinos, surdos da Amazônia encontra-se documentada
e de 50% dos indivíduos que têm parente de em diversas fontes (e.g., KAKAMASU, 1968,
primeiro grau dislexia do desenvolvimento 1986). Uma perspectiva ampla dos 274 idiomas
(GAAB, 2017; GRIGORENKO, 2001). Ela ameríndios falados pelas 305 etnias indígenas
decorre de alterações estruturais no cérebro que brasileiras pode ser encontrada em Capovilla e
podem ser observadas já a partir dos 12 meses Casado (2014). Essa obra sistematiza línguas do
de vida (LANGER et al., 2017; RASCHLE; tronco Macro-Jê como: Apinayé, Kanela, Gavião
CHANG; GAAB, 2011). Assim, crianças que têm Krikatejê, Gavião Parkatejê, Gavião Pukobiê,
irmãos ou pais com dislexia do desenvolvimento Krahô, Krikati, Kaigang, Kayapó, Krenakarore,
têm 50% de risco de virem a desenvolver dislexia Kisedjê, Tapayuna, Xokléng, Karajá, Krenák,
ou outro transtorno específico de aprendizagem, Maxakali, Ofayé, Riknaktsá, Yatê, dentre outras.
em comparação com 7-10% de risco de crianças Sistematiza também línguas do tronco Tupi como
sem irmãos ou pais disléxicos. Detecção precoce Arikém, Aweti, Mawé, Munduruku. E sistematiza,
permite intervenção fônica precoce, que é por fim, línguas não classificadas em troncos,
sabidamente eficaz em facilitar a alfabetização como Aruak, Karib, Tukano, Arawá, Katukina,
dessas crianças (SCHATSCHNEIDER; Maku, Nambikwara. Txapakura, Yanomami,
TORGESEN, 2004), Essas crianças de risco Guaikuru, e Samuko. Essa sistematização envolve
podem e devem ser identificadas precocemente a explicitação das etnias que falam cada língua,
e tratadas precocemente na Educação Infantil a população de falantes de cada língua por
para que possam vir a se tornar normoléxicas etnia, e fornece referências bibliográficas para
já nos primeiros anos do Ensino Fundamental aprofundamento. O respeito às diferenças de
(OZERNOV-PALCHIK; GAAB, 2016). língua e de cultura das famílias dessas crianças é
fundamental, e a alfabetização pode considerar
Além da diversidade de condições de crianças com
adaptações especiais, que permitam, sempre
quadros de comprometimento neurossensorial,
que possível, o uso da língua materna (L1) como
neuromotor e de neurodesenvolvimento, também
veículo de instrução e metalinguagem para a
é importante que se considerem as crianças com
aquisição da leitura e escrita em Português, antes
características linguísticas e culturais distintas,
da concentração nas competências específicas da
tais como crianças surdas, cuja língua materna
decifragem da escrita na fala, e da cifragem da
(L1) é a Língua de Sinais Brasileira ou Libras,
fala na escrita.
as crianças indígenas, surdas ou ouvintes,
com seus idiomas ameríndios, e as crianças Por isso, na aprendizagem de leitura e escrita,
quilombolas. A Libras encontra-se documentada para essas crianças, cuja L1 não é o Português,
fartamente em diversas fontes, como dicionários o princípio semiotático pode preceder e
(e.g., CAPOVILLA; RAPHAEL, 2006a, 2006b; acompanhar o princípio fonotático. O princípio
CAPOVILLA; RAPHAEL; MAURICIO, 2015a, semiotático começa pela identificação de
2005b; CAPOVILLA; RAPHAEL et al., 2017a, sinonímia entre os termos das duas línguas (L2
2017b, 2017c), cartilhas (e.g., CAPOVILLA; = Português; e L1 = Tupi) a partir de referentes
RAPHAEL, 2018a), e enciclopédias (e.g., em comum. E prossegue analisando as palavras
CAPOVILLA; RAPHAEL, 2004a, 2004b, 2005a, da L2 para identificar as unidades de significado
2005b, 2005c, 2018b, 2018c, 2019a, 2019b). A que compõem essas palavras, considerando tanto
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Nas crianças ouvintes cuja língua materna (L1) Essa distinção é essencial. Enquanto os ouvintes,
é o Português, o princípio fonotático é básico à que têm no Português sua L1, começarão
aquisição da leitura e escrita alfabética; ao passo abordando a escrita pelo princípio fonotático
que o princípio semiotático é importante para (ancorando as unidades da escrita nas unidades
permitir à criança interpretar adequadamente o da fala); os surdos congênitos profundos (cuja L1
significado das palavras e dos textos a partir dos é Libras), os indígenas ouvintes (cuja L1 é um
morfemas lexicais e gramaticais componentes, idioma ameríndio falado) e os indígenas surdos
para além da fala interna; e a escrever (cuja L1 é um idioma ameríndio de sinais, como
corretamente a partir do contexto semântico, a Língua de Sinais Urubu-Kaapor) partirão
novamente para além da fala interna. Por do princípio semiotático. Ao abordar palavras
exemplo, durante a escrita sob ditado, ao ouvir escritas do Português, eles começarão por
a frase “O homem andou três passos e chegou traduzir a palavra como um todo para a sua
ao Paço Municipal”, a criança competente no língua. E, em seguida, eles conhecerão diversas
princípio semiotático escreverá a primeira palavra palavras que são formadas por um dado lexema
com “ss”, e a segunda com “ç”. Como as palavras (por exemplo, “beb-” em Português, que está
soam do mesmo modo, o princípio fonotático presente em bebida, beber, bebericar, bêbado,
por si só não permite escrever corretamente. A etc.; “estud-” que está presente em estudo, estudar,
competência semiotática torna a criança sensível estudante, etc.), e por um dado gramema (e.g.,
ao contexto, que condiciona a escrita correta. “-er”, presente em “beber” e “-ar” em “estudar”).
Isso permite compreender como o Português
Já nas crianças com surdez congênita profunda, e
codifica significado pelo princípio semiotático.
cuja L1 é a Libras, nas crianças indígenas cuja L1 é
Nessa abordagem (CAPOVILLA, no prelo a,
um idioma ameríndio como o Tupi-Guarani, e nas
no prelo b), a todo momento, o surdo estabelece
crianças indígenas cuja L1 é um idioma ameríndio
correspondências entre os morfemas do Português
de sinais como o Urubu-Kaapor (KAKAMASU,
e os morfemas metafóricos da Libras. Um
1968, 1986), o princípio semiotático precede o
mapeamento preliminar da estrutura morfêmica
fonotático (CAPOVILLA, no prelo a, no prelo b).
da Libras pode ser encontrado em Capovilla,
Segundo Capovilla (2020a, 2020b, 2020c), como
Mauricio e Raphael (2009). Um mapeamento
a criança está aprendendo a ler e escrever uma
completo da estrutura sematosêmica dos sinais
L2 a partir de sua L1, ela começará pelo princípio
pode ser encontrado em Capovilla e Oliveira
semiotático, estabelecendo correspondências
(2015). Sua importância para o processamento
entre as unidades de significado (morfemas)
cognitivo dos surdos pode ser encontrada
da L2 que está aprendendo e as unidades de
em Capovilla e Martins (2019 CAPOVILLA;
significado de sua L1. Isso ocorre sempre que se
OLIVEIRA; MARTINS, 2019.”)).
aprende uma língua estrangeira. No caso da
criança surda, ela aprende a usar Libras como A alfabetização em Português deve ancorar a
metalinguagem para analisar as palavras em escrita na fala, já que: (1) todas essas crianças
morfemas semânticos (i.e., Lexemas, como os terão de aprender a ler e escrever a Língua
radicais gregos e latinos, por exemplo) e morfemas Portuguesa, (2) o Português emprega o sistema
gramaticais (i.e., Gramemas, que denotam as de escrita alfabético; e (3) o sistema alfabético
categorias gramaticais de gênero, número, modo, mapeia a fala. Como vimos, essa ancoragem
tempo e pessoa). deve ser feita logo no início para a criança
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que é pronunciada de maneira clara e pausada traços visíveis da fala são os optolalemas, que
de início, e depois naturalmente. Conseguindo são processados na leitura orofacial visual por
pronunciar perfeitamente as palavras do surdos videntes. E também por ouvintes, que
Português, a criança indígena deverá começar fazem uso da leitura orofacial por visão para
a aprender a escrever aquelas palavras. Ela suplementar a audição em casos de escuta
aprenderá pelo princípio fonotático. Na criança dificultosa, como numa sala ruidosa. Crianças
ouvinte, cuja L1 é o Português, esse princípio com dificuldade de leitura e escrita também
fonotático é implementado de maneira sintética, se beneficiam da leitura orofacial em auxílio à
indo dos fonemas para a palavra falada, e dos audição. Isto porque algumas unidades da fala
grafemas para a palavra escrita. Entretanto, são mais conspícuas à visão que à audição. Por
como a L1 dessa criança indígena é um idioma exemplo, as unidades da fala (lalemas) \m\ e \n\
ameríndio, e como o Português é apenas sua são mais distintas à visão que à audição. Assim
segunda língua (L2), o princípio fonotático as unidades visíveis da fala (ou optolalemas)
deverá ser implementado primeiramente são mais distintas entre si (i.e., {\m\} ≠ {\n\})
de modo analítico, indo da palavra para os que as correspondentes unidades audíveis da
grafemas e correspondentes fonemas, e não de fala (ou otolalemas), que são relativamente
modo sintético.. semelhantes entre si (i.e., [\m\] ≈ [\n\]). Esses
lalemas são semi-homofônicos. Mas como esses
Estabelecidas tais considerações, passamos, em
mesmos lalemas são heteroscópicos, os ouvintes
seguida, a detalhar o princípio fonotático, que é
tendem a se beneficiar também da leitura
a chave da alfabetização em Português. Como
orofacial visual para aumentar a compreensão
vimos, a escrita alfabética do Português mapeia
da fala. (3.) Os traços táteis da fala são os
a fala. Portanto, a alfabetização deve ser
esteselalemas, que são processados na leitura
ancorada na fala. De fato, segundo Capovilla
orofacial tátil por surdocegos, como no sistema
(2015c, no prelo a, no prelo b), a Alfabetização
Tadoma (REED et al., 1985; 1990; 1995; REED,
Fônica (CAPOVILLA, 2005; SEABRA;
DOHERTY et al., 1982; REED, DURLACH et al.,
CAPOVILLA, 2011, 2012a) é, em verdade, uma
1982; REED, DURLACH, BRAIDA et al., 1989;
Alfabetização Lalêmica Multissensorial, já que
REED, DURLACH, DELHORNE et al., 1989).
se ancora na fala em suas três modalidades
Cada um desses três grupos (ouvintes, surdos,
sensoriais. Conforme Capovilla (2011a, 2015a,
surdocegos) requer adaptações especiais da
2015b, 2018a, 2018b, 2019, 2020a, 2020b,
Alfabetização Lalêmica Multissensorial.
2020c, 2021) a fala pode ser recebida por
audição (em crianças ouvintes, videntes ou
Alfabetização de surdos
cegas), visão (por crianças videntes, ouvintes ou
não, como no caso do surdo vidente), e por tato Neste capítulo se reconhece a importância de
(em crianças sencientes, videntes ou não, como adaptações linguísticas da abordagem fônica,
as surdocegas). como a incorporação da Língua de Sinais
Segundo Capovilla (2015c, 2018b, 2019, 2020a, Brasileira para fazer acesso ao léxico semântico,
2020b, 2020c), a fala produz traços audíveis, tanto o de entrada para o estágio final de acesso
visíveis e táteis. (1.) Os traços audíveis são os ao significado na compreensão de leitura, quanto
fonemas ou otolalemas, que são processados o de saída, no primeiro estágio da produção de
na compreensão auditiva da fala. (2.) Os escrita. Reconhece-se também a importância de
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compreensão de leitura pelo aluno ouvinte é têm representação no Léxico OrtoGráfico de
mediada pela fala, que resulta do processo de Entrada. Do mesmo modo, assim como ocorre
decifragem da Forma Ortográfica. Alfabetizar no ouvinte, no surdo ocorre também que, quando
um aluno ouvinte é ensiná-lo a ler, convertendo as palavras escritas não são familiares e não
escrita em fala; e a escrever, convertendo fala têm representação no Léxico OrtoGráfico de
em escrita. Ou seja: Ensiná-lo a ler pelo processo Entrada, elas precisam ser lidas por decifragem.
de Decifragem Grafema - Fonema, em que ele Contudo, diferentemente do ouvinte, essa
converte a escrita numa pronúncia passível de decifragem não envolve a conversão das
compreensão, e atenta à própria pronúncia para Unidades de Escrita (UE) nas respectivas
reconhecer as palavras e compreender o que leu. Unidades da Fala (UF), já que a L1 do surdo
E ensiná-lo a escrever pelo processo de cifragem não é a fala. Como a L1 do surdo é o sinal,
de Fonemas em Grafemas, em que ele converte seria preciso converter as Unidades de Escrita
as unidades da própria fala nas correspondentes (UE) nas respectivas Unidades da Sinalização
Unidades de Escrita que, quando vierem a ser (US). Contudo essa conversão não pode ser
decifradas ulteriormente, recuperarão aquela direta. Ela precisa ser indireta. Isso porque o
fala original que a produziu. código alfabético foi inventado pelos ouvintes
para mapear a fala. Ele não foi inventado pelos
Em surdos videntes congênitos sinalizantes,
surdos para mapear a sinalização. Quando um
a Língua Materna (L1) é a sinalização, e
ouvinte é alfabetizado, ele aprende a resgatar
as mensagens são recebidas por meio da
a fala por meio da conversão da escrita em
sinalização vista. O Léxico Sematósico é o
fala. Esse processo envolve a decifragem dos
repositório dos sinais da língua de sinais com
Grafemas que compõem as palavras escritas,
que surdos pensam e se comunicam. O Léxico
nos respectivos Fonemas (ou Lalemas Audíveis,
Sematósico de Entrada é a porta de acesso ao
também chamados de OtoLalemas) que
Léxico Semântico. Quando um sinal tem sua
compõem as palavras faladas correspondentes,
representação previamente armazenada no
as mesmas com que ele pensa e se comunica.
Léxico Sematósico, ele é reconhecido quando
Assim como o ouvinte, o surdo também é
é visto. Feito o reconhecimento da Forma
incapaz de reconhecer palavras cuja Forma
Sematósica do sinal, dá-se a compreensão do
Escrita é desconhecida ou não familiar. Tal como
significado, já que, em surdos, o Léxico Sematósico
o ouvinte, o surdo também precisa decifrar. O
é a porta de acesso ao Léxico Semântico. Em
objetivo final é o mesmo: compreender a palavra
surdos, a leitura de mensagens escritas também
que está escrita. Ou seja, fazer com que a
pode ser feita por meio de dois processos: o
Palavra Escrita acesse o Léxico Semântico. Isso
de reconhecimento visual por “direto da forma
pode ser feito por meio de dois caminhos. Nos
ortográfica da palavra, e o de decifragem da
dois casos, será acessado o Léxico Semântico.
escrita em soletração digital, com o subsequente
No caso do ouvinte, pela porta de entrada do
uso dessa soletração digital para resgatar o
Léxico Otolálico. No caso do surdo, pela porta
sinal correspondente no Léxico Sematósico.
de entrada do Léxico Sematósico.
Assim como no ouvinte, no surdo também ocorre
que o processo de reconhecimento visual direto (1.) O caminho primário de conversão via
da forma ortográfica da palavra funciona soletração digital simples e elementar é
quando as palavras escritas são familiares e mais simples e curto, mas também é mais
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2000; PADDEN; RAMSEY, 2000; STRONG; confusão, comprometendo a habilidade de
PRINZ, 2000), bem como na alfabetização decifragem (e consequentemente a compreensão
(SINGLETON; SUPALLA; LITCHFIELD; de leitura) e de cifragem (e consequentemente
SCHLEY, 1998). A importância da proficiência a qualidade ortográfica da escrita). De fato,
em Língua de Sinais Brasileira para a Leitura avaliando os padrões de escrita de 9.200 alunos
e da Escrita alfabéticas em Português, desde surdos, Capovilla (no prelo a, no prelo b, no prelo
aalfabetização até o Ensino Superior, tambémfoi c) observou uma prevalência de 70% de erros de
bem estabelecida (CAPOVILLA; RAPHAEL, escrita, compostos da troca de um grafema por
2004a, 2004b, 2005a, 2005b, 2005c). O outro grafema quando aos dois correspondem
mesmo foi encontrado em relação à Língua de optolalemas homoscópicos. Por exemplo, a troca
Sinais Holandesa e ao Holandês (HERMANS: entre os grafemas “f” e “v”; entre “t” e “d”, “p” e “b”
KNOORS: ORMEL; VERHOEVEN, 2008). e “m”, e assim por diante. Usualmente as trocas
envolvem pares de lalemas que variam apenas
Por outro lado, há também um conjunto crescente
em vozeamento: não vibração das pregas
de evidências experimentais que dá apoio à
vocálicas nos lalemas desvozeados (como [\p\],
contribuição da consciência fonológica para o
desenvolvimento de leitura em alfabetizandos [\f\], [\t\], [\ʃ\], [\k\]) versus vibração das
surdos (CUPPLES et al., 2014; DILLON; pregas vocálicas nos lalemas vozeados (como
DEJONG; PISONI, 2011; EASTERBROOKS et [\b\], [\v\], [\d\], [\ʒ\], [\g\]). Só existem duas
al., 2008; HARRIS; BEECH, 1998; JOHNSON; estratégias para contornar a homoscopia. A
GOSWAMI, 2010; KYLE; HARRIS, 2011; MAYER; primeira é a estratégia de tateamento do
TREZEK, 2015; MONTAG et al., 2014; PAUL et al., lalema, ou seja, pela sensação dos esteselalemas.
2009; PERFETTI; SANDAK, 2000; SPENCER; Como nos lalemas vozeados as pregas vocálicas
TOMBLIN, 2009). Como a escrita mapeia a fala, vibram, eles podem ser distinguidos dos lalemas
a ancoragem das unidades da escrita (grafemas) desvozeados pelo tato. Embora esta estratégia
nas unidades da fala lida orofacialmente por visão seja adequada na clínica de leitura e escrita,
(optolalemas) é um recurso eficaz para fixar a ela é impraticável na alfabetização em sala
ordem das letras nas palavras, aprimorando a de aula. Neste caso a saída é o emprego de
qualidade ortográfica da escrita. Cued Speech, ou outra estratégia qualquer de
oferecimento de pistas visuais. Por exemplo,
Contudo, um dos problemas mais importantes o uso de formas de mão especiais articuladas
a ser superado nessa ancoragem é que muitas junto à boca. Isso pode ser feito sempre que uma
das unidades visíveis da fala (optolalemas) palavra envolver uma unidade de fala que pode
são iguais à visão (ou seja, são homoscópicas), ser confundida visualmente com outra.
embora sejam diferentes à audição (ou seja,
são heterófonas).. Como os surdos não ouvem, Essa estratégia de articular formas de mão visíveis
eles não podem tirar vantagem da heterofonia. junto à boca, simultaneamente à articulação da
Assim, como dependem estritamente da visão, fala, permite distinguir entre as unidades da fala
eles podem se deixar enganar pela homoscopia visível (i.e., optolalemas) que são visualmente
entre os optolalemas. Este é o desafio mais idênticas (i.e., homoscópicas). Por exemplo, as
relevante à alfabetização de surdos pelo método duas palavras de um par mínimo de palavras
fônico: ancorar a escrita na fala, impedindo que idênticas à visão (e.g., [voto] e [foto]) podem ser
a homoscopia entre os optolalemas produza tornadas distinguíveis uma da outra articulando
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emparelhadas por idade cronológica ou por concentrou-se em escrever palavras para
idade de leitura. nomear desenhos ou para preencher vazios
no contexto de sentenças, representar
Essas crianças são avaliadas em suas habilidades
palavras comuns e raras em Francês.
metafonológicas de rima e de aliteração, bem
como em suas habilidades fônicas de leitura e de • O estudo de Leybaert e Lechat (2001)
escrita alfabéticas. São avaliadas, também, em sua avaliou escrita em crianças de 8 a 11 anos.
habilidade de leitura orofacial por visão durante O estudo concentrou-se em produzir duas
tarefas de articulação conspícua visível por parte cifragens, uma dominante e uma recessiva
do experimentador. de três fonemas específicos em palavras do
Francês, que são muito comuns, muito raras,
Nessa breve revisão, foram revisados os seguintes
ou de ocorrência média.
estudos:
Conforme o modelo proposto por Charlier e
• O estudo de Bouton et al. (2011) avaliou
Leybaert (2000), foram empregados pares
leitura de crianças de 2 anos. O estudo
de figuras representando palavras que rimam
concentrou-se em consciência fonológica,
ou não rimam. Foram contrastadas quatro
em rima.
condições envolvendo pares de figuras na tarefa
• No estudo de Charlier e Leybaert de detecção de rima versus não rima. Num dos
2000), o Estudo 1 avaliou leitura de crianças tipos de pares de figuras, cujas palavras rimam ou
de 2 anos e 6 meses até 5 anos. O estudo não rimam, as palavras escritas correspondentes
concentrou-se em reconhecimento de rima. (a serem imaginadas):
(1.) tinham terminações similares (homográficas)
• No estudo de Charlier e Leybaert
(2000), o Estudo 2) avaliou leitura de versus;
crianças de 3 a 7 anos. O estudo concentrou- (2.) tinham terminações diferentes
se em geração de rima. (heterográficas); Num outro tipo de
pares de figuras, cujas palavras rimam ou
• O estudo de Colin, Magnan et al. (2007) não rimam, as palavras correspondentes
avaliou leitura de crianças de 3 a 7 anos. O articuladas conspicuamente (a serem
estudo concentrou-se em decisão de rima, imaginadas visualmente);
geração de rima, identificação da unidade (3.) tinham terminações de boca iguais à
em comum, reconhecimento da palavra visão (lalemas homoscópicos) versus;
escrita. (4.) tinham terminações de boca diferentes à
visão (lalemas heteroscópicos);
• O estudo de Colin, Leybaert et al. (2013)
Foram avaliados cinco grupos de crianças com
avaliou leitura em crianças de 5 e 6 anos. O
surdez pré-lingual;
estudo concentrou-se em decisão de rima,
geração de rima, identificação de unidades (1.) crianças que haviam sido expostas a
em comum, reconhecimento de palavra Cued Speech desde 2 anos e 6 meses em
escrita, compreensão de sentença em cloze, casa (CS+: idade: 10 anos);
escrita, vocabulário receptivo.
(2.) crianças que haviam sido expostas a
• O estudo de Leybaert (2000) avaliou Cued Speech desde 4 anos e 6 meses na
escrita em crianças de 8 a 11 anos. O estudo escola (CS-: idade: 12 anos e 6 meses);
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torna a compreensão da fala mais robusta, (CS-). As crianças que usavam Cued Speech
menos vulnerável à interferência de ruídos. se deixaram levar mais pela grafia em comum
que seus pares ouvintes. Isso ocorreu tanto para
O estudo de Charlier e Leybaert (2000)
figuras quanto para palavras escritas. Ou seja,
comparou a sensibilidade à rima em crianças
crianças ouvintes foram superiores em gerar
ainda não alfabetizadas, entre 5 e 6 anos de
rimas com diferentes escritas que com escritas
idade, comparando crianças surdas expostas
iguais. Já as crianças que aprenderam Cued
a Cued Speech em casa (CS+) com crianças
Speech em casa tiveram desempenho idêntico
Ouvintes. Os resultados revelaram que crianças
ao das ouvintes para gerar rimas baseadas na
surdas expostas ao Cued Speech em casa
mesma grafia, mas desempenho inferior apenas
(CS+) têm habilidades de detecção de rima
na geração de rima baseada em grafia diferente.
semelhantes às das crianças ouvintes. Não É possível que o uso da modalidade visual
houve diferença estatisticamente significativa para os dois processamentos (o ortográfico e o
entre esses pré-escolares surdos e os ouvintes. sucedâneo do fonológico) tenha sobrecarregado
A habilidade de gerar rimas foi avaliada em o processamento das crianças surdas, reduzindo
crianças de 8 anos após terem aprendido Cued o seu desempenho na geração de rimas com
Speech. Foram comparadas crianças de 11 anos escritas diferentes. Mesmo assim, essas crianças
que haviam aprendido Cued Speech em casa aos surdas que aprenderam Cued Speech em casa
3 anos e 3 meses (CS+) com crianças de 16 anos aos 3 anos (CS+) foram superiores às crianças
que haviam aprendido Cued Speech apenas aos surdas que aprenderam Cued Speech apenas
7 anos na escola (CS-). Os dois grupos foram aos 7 anos de idade na escola (CS-).
comparados a outros dois grupos controle de A habilidade de leitura foi comparada em 18
crianças ouvintes com idades de 11 anos e de alunos com implante coclear de 9 anos de idade.
16 anos. Os pesquisadores usaram o modelo de Das 18 crianças, nove haviam aprendido Cued
Charlier e Leybaert (2000), e compararam a Speech aos 2 anos (CS+), e nove nunca haviam
habilidade de gerar rimas a partir de figuras e a aprendido Cued Speech (CS-). Cada grupo era
partir de palavras escritas. Contudo, as palavras comparado a dois grupos de crianças ouvintes,
escritas podiam ser unívocas (admitindo apenas um emparelhado por idade cronológica (IC=9
uma pronúncia) ou não (admitindo duas anos), e outro por nível de leitura (NL=7 anos
pronúncias). Charlier e Leybaert (2000) e e 6 meses). O estudo avaliou a consciência
LaSasso, Crain e Leybaert (2003) propuseram fonológica em termos de julgamento de aliteração
que a habilidade de gerar rimas a partir entre os nomes de duas figuras. As crianças viam
de uma dada escrita em escritas diferentes duas figuras e tinham de dizer se seus nomes
(i.e., de encontrar palavras com terminações aliteravam ou não. Ou seja, se começavam
heterógrafas mas, como “céu” e “mel”, “canção” e com o mesmo som ou não. O estudo também
“pensão”) é indicação da habilidade no emprego avaliou a memória fonológica de curto prazo. E
da estratégia fonológica (i.e., de usar a fonologia a habilidade de leitura de palavras irregulares
em comum para buscar variações heterográficas e de não palavras. Resultados revelaram que o
mas homófonas). Resultados revelaram que as desempenho das crianças surdas implantadas
crianças que aprenderam Cued Speech em casa que haviam aprendido Cued Speech em casa
(CS+) geraram mais rimas que seus colegas aos 2 anos (CS+) foi sempre superior ao das
mais velhos que, só aprenderam na escola crianças surdas implantadas que nunca haviam
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em dois grupos de alunos surdos: (1.) o Grupo efeitos tendem a ser mais pronunciados nas
Precoce, composto de crianças com pouco menos palavras de baixa frequência de ocorrência
de 9 anos de idade que haviam aprendido na língua que nas de alta frequência. Os erros
Cued Speech em casa, quando tinham 1 ano e cometidos por essas crianças que aprenderam
6 meses; e (2.) o Grupo do Ensino Fundamental, Cued Speech precocemente constituíam
composto de crianças com pouco mais de 11 anos variações fonologicamente admissíveis, mas
de idade, que haviam aprendido Cued Speech ortograficamente incorretas das palavras. Tais
apenas no segundo ano do Ensino Fundamental, dados de escrita do Francês correspondem
aos 7 anos de idade. Os dois grupos de crianças precisamente às análises da escrita do Português
surdas foram comparados a um grupo controle por Capovilla (no prelo a, no prelo b, (2011a,
de crianças ouvintes, com pouco menos de 9 2015a, 2015b, 2015c, 2018a, 2018b, 2019, 2020a,
anos de idade. A tarefa de escrita consistia na 2020b, 2020c, 2021) em que relações fonema-
nomeação. por escrito. de uma série de figuras, -grafema dominantes (i.e., prevalentes na
ou na resposta escrita a uma série de questões. língua) funcionam como intrusas, se imiscuindo
A palavra a ser escrita podia ser comum ou nas relações fonema-grafema recessivas
rara. As respostas eram classificadas com base (CAPOVILLA; LUZ et al., 2019; CAPOVILLA;
no tipo de erro: por semelhança fonológica, COELHO et al., 2017), resultando, assim, em
por semelhança semântica, ou por semelhança paragrafias fonografêmicas (CAPOVILLA,
ortográfica. Resultados revelaram que a 2018a, 2018b, 2019, 2020).
habilidade de escrita das crianças surdas que
As pesquisas de Leybaert e colaboradores
haviam aprendido Cued Speech precocemente
demonstram que a introdução precoce de
(Grupo Precoce) foi muito similar à habilidade
Cued Speech produz ganhos nas habilidades
das crianças do Grupo de Ouvintes. Revelaram
de leitura orofacial, cifragem fonema-grafema,
também que, assim que, assim como ocorreu
julgamento de rima, e leitura (LASASSO.;
com o Grupo de Ouvintes, com o Grupo Precoce,
CRAIN.; LEYBAERT, 2003; LEYBAERT, 2000;
de crianças que haviam aprendido Cued Speech
LEYBAERT; LECHAT, 2001), e na memória de
em casa quando tinham 1 ano e 6 meses, foi
curto prazo. Leybaert e Lechat (2001) avaliaram
observada uma prevalência de erros por
a habilidade de escrita, em termos da cifragem
semelhança fonológica, em especial nas palavras
fonema-grafema por um grafema dominante
de baixa frequência, mas também nas de alta
versus grafema recessivo, de três fonemas
frequência. Assim, a aprendizagem precoce de
específicos em palavras de baixa frequência
Cued Speech parece criar um forte sucedâneo
versus média frequência versus alta frequência.
da consciência fonológica. Tais dados são
Segundo Mayer (2007), a troca de um grafema
consistentes com os de Capovilla (no prelo a, no
recessivo por um dominante, que Luria (1970)
prelo b, no prelo c). Quanto menor a frequência
chamava de regularização fonema-grafema,
de ocorrência de uma palavra no léxico de uma
sugere processamento fonológico.
língua, tanto menor será o processamento lexical
e maior será o processamento fonológico (i.e., Capovilla e Casado (2014) mapearam todas
sublexical) para sua leitura e escrita. Como essas trocas em Português. Capovilla, Coelho
Cued Speech permite o mapeamento preciso et al. (2017) e Capovilla, Luz et al. (2019).
lalografêmico das palavras lidas orofacialmente demonstraram a validade desse mapeamento
e grafolalêmico das palavras escritas, seus na previsão dos erros de escrita de centenas
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que aprenderam Língua de Sinais Francesa em casa) teve desempenho superior ao do Grupo
em casa; (3.) CS Escolar, composto de crianças 1 (Surdos mais jovens que haviam aprendido
que aprenderam Cued Speech no Ensino Cued Speech em casa) em termos de erros
Fundamental; (4.) LS Escolar, composto de fonologicamente admissíveis e inadmissíveis. Do
crianças que aprenderam Língua de Sinais mesmo modo, resultados revelaram que o Grupo
Francesa no Ensino Fundamental. Novamente, 7 (Ouvintes mais velhos) teve desempenho
todas essas crianças surdas foram comparadas superior ao do Grupo 2 (Ouvintes mais jovens),
com um grupo de crianças ouvintes. Como também em termos de erros fonologicamente
essas crianças ouvintes foram emparelhadas admissíveis e inadmissíveis.
por habilidade de leitura de palavras, elas
Resultados revelaram também que o Grupo 1
acabaram sendo 2 ou 3 anos mais novas que as
(Surdos mais jovens que haviam aprendido Cued
surdas. Para exercer ccontrolar os fatores idade
Speech em casa) cometeu quase tantos erros
de leitura e idade cronológica,, foram compostos
fonologicamente admissíveis quanto o Grupo
grupos de crianças mais jovens e mais velhas
2 (Ouvintes mais jovens). Revelaram ainda
para cada condição.
que o Grupo 1 (Surdos mais jovens que haviam
Grupo 1: CS Casa mais jovens, composto de aprendido Cued Speech em casa) cometeu
crianças surdas de 8 anos e 2 meses que significativamente mais erros fonologicamente
haviam aprendido Cued Speech em casa admissíveis que o Grupo 3 (Surdos mais velhos
aos 2 anos de idade; que haviam aprendido Cued Speech apenas
na escola), que o Grupo 4 (Surdos que haviam
Grupo 2: Ouvintes mais jovens, composto de
crianças ouvintes de 8 anos e 11 meses; aprendido Língua de Sinais já em casa), e que o
Grupo 5 (Surdos que haviam aprendido Língua
Grupo 3: CS Escola, composto de crianças de Sinais somente na escola).
surdas de 10 anos e 10 meses que haviam
aprendido Cued Speech em aos 4 anos de Resultados revelaram, também, que o Grupo
idade; 2 (Ouvintes mais jovens) cometeu quase tão
poucos erros fonologicamente inadmissíveis
Grupo 4: LS Casa, composto de crianças quanto o Grupo 1 (Surdos mais jovens que
surdas de 11 anos e 1 mês que haviam haviam aprendido Cued Speech em casa).
aprendido Língua de Sinais em casa; Revelaram, por fim, que o Grupo 1 (Surdos mais
Grupo 5: LS Escola, composto de crianças jovens que haviam aprendido Cued Speech em
surdas de 11 anos e 7 meses que haviam casa) cometeu significativamente menos erros
aprendido Língua de Sinais na escola; fonologicamente inadmissíveis que o Grupo
3 (Surdos mais velhos que haviam aprendido
Grupo 6: CS Casa Velho, composto de
Cued Speech apenas na escola), que o Grupo 4
crianças surdas de 11 anos e 9 meses que
(Surdos que haviam aprendido Língua de Sinais
haviam aprendido Cued Speech em casa;
já em casa), e que o Grupo 5 (Surdos que haviam
Grupo 7: Ouvintes mais velhos, composto de aprendido Língua de Sinais somente na escola).
crianças ouvintes de 11 anos e 3 meses.
De fato, o Grupo 3 (Surdos mais velhos que
Resultados revelaram que o Grupo 5 (Surdos haviam aprendido Cued Speech apenas
mais velhos que haviam aprendido Cued Speech na escola), o Grupo 4 (Surdos que haviam
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Wang e Williams (2014), que englobou mais ouvidas (otolalemas ou fonemas), quer lidas
de 50 estudos sobre a alfabetização de alunos orofacialmente por visão (optolalemas).
com deficiência auditiva bem como de alunos
Segundo Morrison, Trezek e Paul (2008), Trezek,
surdos. Segundo essa metanálise, as habilidades
Wang e Paul (2010), o sistema Visual Phonics
metafonológicas e fônicas contribuem para
emprega gestos manuais para distinguir entre
a aquisição de leitura e de escrita. E, por sua
os lalemas homoscópicos \p\, \b\, \m\. Como os
vez, elas são beneficiadas por recursos variados
surdos não ouvem, eles recebem esses lalemas
como aparelhos auditivos de amplificação,
por visão. Ou seja, eles processam os lalemas
próteses auditivas como implante coclear, leitura
como optolalemas {\p\}, {\b\}, {\m\}. O problema
orofacial, feedback articulatório, Cued Speech e
é que esses optolalemas são idênticos à visão.
Visual Phonics. Os achados do National Reading
Panel foram adaptados para o Português Ou seja, esses optolalemas são homoscópicos.
e encontraram suporte na bibliografia do Isto é representado deste modo: {\p\ = \b\ =
Português com ouvintes (CAPOVILLA, 2005; \m\}. Visual phonics emprega movimento súbito
SEABRA; CAPOVILLA, 2011, 2012a, 2012b). da mão para frente nos bilabiais plosivos \p\ e
\b\, e movimento mais suave no lalema contínuo
Segundo Wang et al. (2008), Visual Phonics \m\. Para contrastar os lalemas que são
consiste numa ferramenta instrucional para idênticos à visão (optolalemas homoscópicos)
auxiliar os aprendizes ouvintes e surdos a do par plosivo desvozeado \p\ e vozeado \b\,
discriminar os fonemas individuais da fala por permitindo que o interlocutor surdo os distinga,
meio da sua articulação visível. Trata-se de um o orador faz uso dos seguintes dois gestos do
sistema multissensorial composto de 46 gestos sistema Visual Phonics. Ao articular o lalema
manuais (formas de mão) criados para fazer vozeado \b\, o orador articula, junto à boca, a
referência à articulação dos 46 fonemas do mão em 5 fechada, com os dedos dirigidos à
Inglês. São 45 fonemas mais o [\e\] silencioso. bochecha. Então ele move a mão para frente
Ele emprega símbolos de linha que descrevem rapidamente, e depois retorna a mão à posição
movimentos da mão usados para representar original à medida que articula o lalema vozeado
cada unidade de articulação da fala \b\ com a boca. Em contraste, ao articular o
(lalema). Cada lalema visível (optolalema) é lalema desvozeado \p\, o orador articula, junto
emparelhado com um dado gesto manual para à boca, a mão achatada em forma de O, com os
representar um determinado fonema em Inglês dedos dirigidos para longe do corpo. Então ele
(PAUL; WANG; WILLIAMS, 2013). Usado na move a mão rapidamente para frente, e depois
alfabetização, o sistema provê informação retorna a mão à posição original, à medida que
visual e cinestésica para suplementar o articula o lalema desvozeado \p\ com a boca. O
processamento auditivo das unidades da movimento rápido da mão para frente sugere
fala (fonemas), o processamento visual das a liberação súbita do som nessas consoantes
unidades visíveis da fala (optolalemas) plosivas. Em contraste, a articulação de lalemas
durante a leitura orofacial, e o processamento contínuos, como o \m\, é feita de modo mais fluido
proprioceptivo e cinestésico envolvido na e menos plosivo. O gesto para o lalema \m\ usa
articulação das unidades da fala. Os 46 a mão achatada na horizontal perto da boca,
gestos manuais almejam auxiliar a diferenciar com os dedos para baixo. À medida que a mão
as unidades da fala (lalemas), quer sejam se move para frente, os dedos são balançados
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e a identificar o lalema inicial em diferentes fim de palavras; e síntese lalêmica); (2.) princípio
palavras. As crianças foram avaliadas em duas alfabético (i.e., decifragem grafema-lalema, e
tarefas: Consciência fonêmica (segmentação cifragem lalema-grafema); e (3.) habilidades
silábica, identificação de aliteração), e Princípio fônicas (lálicas) (e.g., síntese fonêmica (lalêmica)
alfabético (correspondência grafema-lalema). para formar palavras, segmentação de fonemas
Elas não aprenderam a fazer segmentação (lalemas) para cifrar palavras). A intervenção usou
silábica. O objetivo era avaliar o efeito de 20 lições Visual Phonics o tempo todo para representar os
de um programa de remediação de leitura por lalemas que eram ensinados explicitamente nas
decifragem. O estudo revelou que Visual Phonics 20 lições do currículo. Além do Visual Phonics, as
foi capaz de ensinar correspondências grafema- crianças do Grupo Experimental tiveram acesso
-lalema às três crianças surdas sinalizantes com a uma “cabeça falante” (MASSARO, 2006).
idade abaixo de 5 anos e 6 meses. Em contraste, as crianças do Grupo Controle
tiveram acesso apenas ao programa usual de
O estudo de Trezek e Malmgren (2005), de grupo,
alfabetização, sem Visual Phonics ou “cabeça
avaliou o efeito de um programa fônico sobre a
falante”. Os desempenho revelaram que, antes
habilidade de Leitura em dois grupos de crianças
da intervenção, o resultado era função inversa
surdas com graus variados de perda auditiva
do grau de perda auditiva: nas quatro tarefas,
(i.e., de leve a profundo). Todas as 23 crianças
o desempenho das crianças com perda auditiva
eram pareadas com base em sua pontuação na
severa ou profunda foi significativamente inferior
habilidade de leitura de palavras por decifragem
ao desempenho das crianças com perda auditiva
grafema-lalema. As crianças foram distribuídas
leve ou moderada. Contudo, após a intervenção,
aleatoriamente em dois grupos: o Grupo de
o Grupo Experimental foi significativamente
Tratamento com 11 crianças de 13 anos e 5 meses;
muito superior ao Grupo Controle em todas as
e o Grupo Controle com 12 crianças de 13 anos
quatro medidas (Consciência lalêmica, Princípio
e 4 meses. As crianças do Grupo Experimental
alfabético, Instrução lálica e Decodificação de
eram expostas a um programa de intervenção
pseudopalavras), sendo que o desempenho no
de 8 semanas baseado no Visual Phonics desde
pós-teste não foi mais afetado significativamente
o início para adquirir a leitura de palavras. Os
pelo grau da perda auditiva, tão forte foi o efeito
efeitos da intervenção foram avaliados em
do tratamento remediativo de leitura e escrita com
quatro tarefas: Consciência fonêmica (lalêmica),
base no Visual Phonics. Os autores relataram que
Princípio alfabético, Instrução fônica (lálica),
o uso da “cabeça falante” não foi necessário, tão
e Decodificação de pseudopalavras. O Grupo
eficaz foi o programa de tratamento remediativo
Experimental recebeu 8 semanas de treinamento
de leitura e escrita com base no Visual Phonics.
baseado em Visual Phonics. Trata-se de 20 das 65
lições de um programa de remediação de leitura Em conjunto, todos os estudos aqui revisados,
por decifragem (ENGELMANN, CARNINE; sobre a eficácia do treinamento metafonológico
JOHNSON, 2008). Esse programa é voltado a (metalalêmico) e fônico (lálico) explícito
crianças do 4º ano do Ensino Fundamental que implementado via Visual Phonics com crianças
continuam apresentando problemas de leitura e com surdez pré-lingual profunda da Educação
escrita. O programa focou no desenvolvimento de Infantil e do Ensino Fundamental, sugerem que
(1.) habilidades metafonêmicas (metalalêmicas) essa ferramenta satisfaz os critérios do Council of
(e.g., identificação de lalemas no início, meio e Exceptional Children (CEC, 2014a, 2014b). Esse
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Mostrando sensibilidade às particularidades AHLGRIM-DELZELL, L.; BROWDER, D.;
da ampla variedade linguística e cultural de WOOD, L. Effects of systematic instruction
um lado, e variedade constitucional (com and an augmentative communication device
distúrbios neurossensoriais, neurolinguísticos on phonics skills acquisition for students
e neuromotores) de outro lado, este capítulo with moderate intellectual disability who are
propôs, com base na revisão de literatura nonverbal. Education and Training in Autism and
realizada, que sejam feitas sempre adaptações Developmental Disabilities, 49(4), 517-532, 2014.
necessárias às diversas combinações entre
AUSBROOKS, M.; GENTRY, M.; MARTIN,
diferenças culturais de um lado e diferentes
G. A. Exploring Linguistic Interdependence
combinações entre diferenças constitucionais
between American Sign Language and English
de outro lado (CAPOVILLA, 2020a). Assim,
through Correlational and Multiple Regression
por exemplo, o capítulo propôs que crianças
Analyses of the Abilities of Biliterate Deaf Adults.
surdas tenham acesso precoce a Libras visual,
International Journal of English Linguistics,
conforme a Filosofia Educacional do Bilinguismo
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Capítulo 8
Avaliação e monitoramento da leitura e da escrita em crianças
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para alunos com dificuldades (FUCHS; na memória de longo prazo – velocidade
FUCHS, 2007). Esse é, portanto, um de processamento. Este último geralmente
processo dinâmico, que engloba avaliações avaliado por tarefas de Nomeação Seriada
constantes do progresso do aluno, com vistas Rápida (ou RAN - da sigla em Inglês para
ao desenvolvimento de intervenções mais Rapid Automatized Naming) (FLETCHER
eficazes (FLETCHER et al., 2019; MICIAK; et al., 2019; NATION; SNOWLING, 2004).
FLETCHER, 2020). Muitos destes processos são também
considerados preditores de alfabetização e
No modelo de RTI (Resposta à Intervenção),
importantes de serem avaliados em crianças
que tem como objetivos prevenir, minimizar
do Ensino Infantil: consciência fonológica,
e identificar precocemente crianças com
RAN, conhecimento de letras (nome e som)
dificuldades de aprendizagem, a avaliação do
e linguagem oral (FRICKE et al., 2015).
tipo screening (triagem) e o monitoramento
são partes essenciais do processo (VAUGHN; No presente documento serão abordados
DENTON; FLETCHER, 2010; FLETCHER; aspectos compreensivos (leitura) e expressivos
VAUGHN, 2009). Este tema voltará a ser (escrita) da linguagem escrita. Alguns modelos
tratado no decorrer do texto. teóricos da psicologia e da neuropsicologia
cognitivas são brevemente mencionados,
2. Quais processos e subprocessos de leitura
considerando os subprocessos a serem
e escrita são geralmente incluídos em
avaliados (ver mais sobre isso no Capítulo 3
avaliações/monitoramento da aprendizagem
deste Relatório, que trata de aprendizagem
destas habilidades em crianças?
e desenvolvimento da leitura e da escrita, e
Tanto a leitura quanto a escrita são enfoca os modelos teóricos de base). A seguir
construtos multidimensionais e complexos. serão apresentados processos e dimensões da
A leitura, por exemplo, muda de acordo avaliação da leitura e da escrita, desde o nível
com o tipo de estímulos (palavras, texto), da letra/fonema até o nível textual, passando
pelos níveis lexicais (palavras) e sentenças.
objetivo (instrução) e o tópico da leitura
(HOSP; SUCHEY, 2014). A avaliação e
Medidas de Leitura
o monitoramento envolvem os processos
de leitura e escrita propriamente ditos e
a) Identificação/reconhecimento de letras
habilidades diretamente relacionadas a eles,
como linguagem oral, incluindo as habilidades Os estímulos, em geral, são letras apresentadas
metalinguísticas. Os processos mais de forma aleatória. É solicitado a criança
tradicionalmente estudados e com evidências dizer o nome e depois o som de cada letra
científicas mais consistentes sobre a relação (correspondência grafema-fonema). Analisam-
com leitura e escrita são as habilidades de -se a precisão (acertos) e a fluência, medindo-
processamento fonológico da linguagem, -se o número de estímulos identificados
que englobam consciência fonológica, corretamente em um tempo determinado.
memória fonológica (componente fonológico Geralmente este tempo é 1 minuto (esta tarefa
do modelo de memória de trabalho do também pode ser chamada de Nomeação
Baddeley) (BADDELEY; HITCH, 1994) e a Seriada Rápida – NSR ou RAN em Inglês)
velocidade de acesso à informação fonológica (VIANA, 2009).
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as conexões semânticas e fonológicas entre Medidas de Compreensão de leitura
palavras, significados e ideias e os processos
Em modelos bastante conhecidos para
sintáticos, falta de prosódia e ritmo na leitura
explicar os processos de compreensão de
oral (WOLF; KATZIR-COHEN, 2001).
leitura (KINTSCH, 1988; PERFETTI; HART,
A avaliação da fluência de leitura pode ser 2001; TRABASSO; VAN DEN BROEK; SUH,
feita no nível de palavras ou textos. Alguns 1989), é mencionada a natureza ativa da
parâmetros usados nesta avaliação são: taxa compreensão leitora. O resultado da leitura
de leitura (quantidade de palavras lidas por compreensiva é uma representação mental que
minuto), número de palavras lidas corretamente resulta do estabelecimento de relações internas
(precisão), prosódia na leitura oral e compreensão ao texto, da seleção de conteúdo relevante,
de leitura (NAVAS; PINTO; DELLISA, 2009). da explicitação mental de informações
Os aspectos prosódicos temporais presentes na não explicitadas nas passagens escritas,
leitura em voz alta podem ser analisados por meio da integração das informações do texto às
de medidas acústicas e perceptivas. A gravação estruturas de conhecimento anteriores do leitor.
da leitura oral do texto pode ser analisada de A compreensão de leitura envolve múltiplos
forma computadorizada, com medidas como processos cognitivos, que provavelmente atuam
duração e localização das pausas, tempo de forma integrada. Dentre esses componentes
total de elocução, taxa de elocução, tempo de está a memória de trabalho, dadas as
articulação e taxa de articulação (ALVES et al., ativações diversas e simultâneas necessárias
2009). Em uma avaliação não computadorizada nos processamentos de compreensão (CORSO;
pode-se investigar pela gravação da leitura oral SPERB; SALLES, 2013).
da criança aspectos como: fluidez, entonação As avaliações também são complexas e envolvem
e pausa (BASSO et al., 2018). Estes aspectos geralmente mais de um procedimento. No nível
prosódicos envolvem sílaba tônica, presença, textual, a avaliação envolve tipicamente a leitura
número e duração de pausas, correlação entre silenciosa de textos. Em textos narrativos pode-
marcadores de pontuação e pausas, entre outros -se analisar o reconto do texto (evocação livre).
(BOLAÑOS et al., 2013). Adicionalmente se analisa a resposta a questões
A Fluência de leitura oral no nível textual consiste (abertas ou fechadas) sobre o texto. O reconto
permite análise de ideias principais e inferências,
em ler um texto apropriado para o ano escolar de
como o leitor compreende, retém e relaciona
forma acurada, com velocidade natural, expressão
os fatos de um texto lido (CORSO; SPERB;
(prosódia) adequada. Em geral, de forma mais
SALLES, 2012). Pode ser feito nas modalidades
frequente, mede-se a taxa de leitura (palavras
oral ou escrita. Em relação ao questionário sobre
lidas corretamente por minuto). Esta análise
o material lido, este pode ser feito posterior à
tem sido bastante utilizada como Screening
leitura (especialmente após solicitar o reconto
Universal nos modelos de Resposta à Intervenção
do texto, caso seja uma avaliação combinada
- RTI: estímulos lidos corretamente em função do
destas duas tarefas), mas também pode ser feito
tempo (45 segundos ou 1 minuto) (DENTON
durante a leitura, como as tarefas de resposta a
et al., 2014; JANUARY et al., 2016; NATIONAL
questões on-line (SPINILLO; MAHON, 2007).
READING PANEL, 2000). Quando os estímulos
são palavras, estas geralmente são controladas Outro paradigma usado na avaliação de
quanto à frequência (JANUARY et al., 2016). compreensão é a técnica do Cloze, que consiste
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3. Exemplos de instrumentos publicados ler as palavras apresentadas em um cartão,
nacionalmente que avaliam a leitura e a da esquerda para a direita, em voz alta, de
escrita em crianças forma precisa e o mais rapidamente possível
até ouvirem um sinal. Esse sinal indica o término
Nesta seção não se teve a pretensão de esgotar
do tempo de 30 segundos que foi marcado
a literatura da área e sim mencionar alguns
por um contador regressivo (acionado pelo
exemplos de instrumentos que podem ser utilizados
examinador assim que a frase “pode começar”
para avaliação da leitura e da escrita em
era dita ao participante). O escore consiste
crianças no contexto brasileiro. Salles, Rodrigues
no número de palavras lidas corretamente no
e Corso (2018) e Salles e Piccolo (2017) revisam
intervalo estabelecido. A pronúncia incorreta é
os processos de leitura e escrita e sua avaliação,
considerada como erro de leitura.
mostrando exemplos de alguns instrumentos
nacionais disponíveis para uso. Estes capítulos Avaliação da compreensão de leitura – Técnica
foram utilizados como algumas das bases para de Cloze (SANTOS, 2009): consiste em dois
elaborar esta parte do documento. textos compostos de 204 palavras: “A princesa e o
fantasma” e “Uma vingança infeliz”. As histórias têm
TCLPP - Teste de Competência de Leitura tamanhos equivalentes, mas níveis de dificuldade
de Palavras e Pseudopalavras (SEABRA; diferentes e foram desenvolvidas segundo os
CAPOVILLA, 2010): avalia a competência de padrões tradicionais do teste de Cloze. A técnica
leitura silenciosa de palavras isoladas. O teste é de Cloze consiste na seleção de um texto de
composto por oito itens de treino e 70 itens-teste. aproximadamente 200 vocábulos, no qual toda
Cada item possui uma figura e uma palavra ou quinta palavra é omitida. O examinando deve
pseudopalavra escrita. Alguns itens apresentam preencher com uma palavra que considere mais
disparidade semântica entre figura e elemento adequada ao contexto. Os escores são obtidos
escrito ou erro ortográfico. A criança deve somando-se os números de lacunas preenchidas
circular os itens corretos e assinalar com um X corretamente e correspondem a no máximo 15
os incorretos. O TCLPP permite interpretar os pontos para cada uma das histórias de Santos
dados do padrão de leitura específico da criança (2009), num total de 30 pontos possíveis.
e inferir o estágio de desenvolvimento em que ela
se encontra e as estratégias de leitura (ideovisual Teste de leitura – compreensão de sentenças
ou logográfica, perilexical ou fonológica, lexical) – TELCS (VILHENA et al., 2016): avalia a
prevalecentes. Existem normas para crianças compreensão leitora por meio da fluência da
brasileiras de 2º a 5º ano escolar, e o teste leitura silenciosa de sentenças. O instrumento
é destinado a crianças do 2º ao 5º ano do
permite diferenciar os desempenhos para cada
Ensino Fundamental e pode ser aplicado
ano (SEABRA; CAPOVILLA, 2010).
coletivamente. A criança é instruída a ler
Avaliação da fluência de leitura de palavras sentenças que não possuem a última palavra e
(JUSTI; ROAZZI, 2012): tarefa composta por deve escolher a palavra que melhor completa
60 palavras, sendo todas regulares (do ponto a frase. São quatro itens treino e 36 itens
de vista do mapeamento grafema-fonema) e de de teste que devem ser completados em 5
média frequência de ocorrência considerando- minutos. O teste possui normas por idade e
-se a 3ª série do Ensino Fundamental (atual ano escolar para as crianças brasileiras. O
4º ano escolar). As crianças são instruídas a instrumento permite identificar e diferenciar
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uma avaliação breve, com a finalidade de ser é composta por 10 subtestes: leitura de palavras
utilizada em centros educativos, uma vez que e pseudopalavras, habilidade fonológica (rima e
permite a obtenção de informações sobre a aliteração), habilidade matemática, processamento
possível presença de dificuldades nos processos auditivo, processamento visual, velocidade de
de leitura de um amplo número de escolares (em processamento, sequenciamento, habilidade
sala de aula) e em menos de uma hora de aula motora, reversão (CAPELLINI et al., 2007).
(OLIVEIRA et al., 2020).
PROHMELE: Provas de habilidades metalinguísticas
Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve e de leitura (CUNHA; CAPELLINI, 2009): avalia
Infantil NEUPSILIN-Inf (SALLES et al., 2011) habilidades metalinguísticas e de leitura em
contém tarefas de leitura e escrita de palavras crianças do 1º ao 4º ano escolar. O instrumento
e pseudopalavras, com poucos itens, permitindo é indicado para professores, psicopedagogos,
apenas fazer um levantamento inicial destas fonoaudiólogos ou psicólogos e pode ser utilizado
habilidades. Este instrumento traz ainda uma tanto em contexto de pesquisa quanto clínico.
tarefa de compreensão de leitura de palavras O protocolo é dividido em duas partes. As
e de sentenças e uma tarefa de escrita de uma provas de habilidades metalinguísticas incluem
frase e cópia de uma frase. Usado em crianças habilidades silábicas – identificação de sílabas
de 6 a 12 anos de idade, frequentando o 1º até o inicial, final e medial, segmentação, adição,
7º ano do Ensino Fundamental. O NEUPSILIN- substituição, subtração e combinação de sílabas
-Inf permite aos profissionais dimensionarem não – e habilidades fonêmicas – identificação de
só a avaliação e o diagnóstico, mas também o fonemas inicial, final e medial, segmentação,
prognóstico e o delineamento terapêutico. Para adição, substituição e combinação de fonemas. A
crianças de mais idade/adolescentes, pode-se usar segunda parte inclui leitura de palavras reais e de
o Instrumento de Avaliação Neuropsicológica pseudopalavras. O desempenho no teste aumenta
Breve NEUPSILIN (FONSECA; SALLES; com a escolarização e o instrumento permite
PARENTE, 2008), normatizado para pessoas diferenciar o desempenho de crianças com e sem
dos 12 a 90 anos de idade, com diferentes dificuldades em habilidades metacognitivas e
escolaridades. Este também contém tarefas leitura (CUNHA; CAPELLINI, 2009).
de leitura e escrita, nos níveis de palavras e
pseudopalavras e de sentenças. Este instrumento Avaliação coletiva da fluência e compreensão de
pode ser usado por fonoaudiólogos e psicólogos. leitura textual em escolares do Ensino Fundamental
II (GENTILINI et al., 2020): composto por um
Teste de Desempenho Cognitivo-Linguístico
texto narrativo apropriado para escolares do
(TDCL) (CAPELLINI; SMYTHE, 2008),
Ensino Fundamental II, e por 10 questões de
com tarefas de leitura/escrita além de outras
múltipla escolha, sendo cinco questões literais
tarefas cognitivas. Tem uma parte aplicada de
e cinco inferenciais. Este instrumento é de fácil
forma coletiva e outra de forma individual. A
aplicação e análise, podendo ser utilizado em
versão coletiva é composta por cinco subtestes:
contexto clínico, educacional e de pesquisa para
reconhecimento do alfabeto em sequência,
mensurar o desempenho de escolares do 6º ao 9º
cópia de formas, aritmética, escrita sob ditado e
ano em fluência e compreensão de leitura.
memória de curta duração. Atribui-se um ponto
a cada acerto do escolar nos resultados dos Prova de Leitura e de Escrita de Palavras (PLEP)
subtestes da versão coletiva. A versão individual (LÚCIO et al., 2018): constituída de 48 palavras de
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escolher as palavras de acordo com seus objetivos ferramentas de avaliação. O leitor aqui pode
e critérios. Dessa forma, o E-LEITURA II pode encontrar exemplos que demonstram um pouco
servir de estímulo linguístico para procedimentos da diversidade e amplitude das avaliações. Não
de avaliação e intervenção com leitura em mencionamos igualmente aqui as avaliações das
escolares do Ensino Fundamental II (OLIVEIRA; habilidades relacionadas à aprendizagem da
CAPELLINI, 2016). leitura e da escrita, extremamente importantes
para o processo de avaliação e monitoramento
Paralelo a isso, o leitor pode encontrar escalas
da aprendizagem da leitura e da escrita.
de avaliação da leitura. Por exemplo, a Escala
de Avaliação da Competência em Leitura Pelo 4. Quais paradigmas de avaliação são
Professor (EACOL) para crianças do Ensino sugeridos para uso no contexto escolar?
Fundamental tem uma função de triagem das
Muitos dos instrumentos e paradigmas de
habilidades de leitura do aluno (silenciosa e em
avaliação mencionados neste documento
voz alta) e também pode ser
utilizada para o professor avaliar Quadro 1 - Alguns instrumentos de avaliação de leitura e escrita no
o progresso do aluno no decorrer contexto nacional. Fonte: os autores
do ano letivo (PINHEIRO;
COSTA, 2015; VILHENA; Utilização
Instrumento Escolaridade
PINHEIRO, 2016). Individual Coletiva
O desempenho na leitura também TCLPP X X 2º ao 5º ano
sofre influência de variáveis
Avaliação da fluência
psicológicas. Por exemplo, um X 4º ano
de leitura de palavras
tema ainda pouco conhecido
Técnica de Cloze X X
e pesquisado no Brasil é a
ansiedade de leitura. A ansiedade TELCS X X 2º ao 5º ano
de leitura refere-se a uma reação TDE II (subteste
X 1º ao 9º ano
emocional negativa em relação ao Leitura)
processo de leitura, que motiva o Coleção ANELE X X 1º ao 9º ano
indivíduo a evitar tais atividades. PROLEC X X 2º ao 5º ano
Um instrumento adaptado
NEUPSILIN-Inf X 1º até o 7º ano
para avaliar esse construto em
crianças brasileiras é a Escala de TDCL X X 2º ao 5º ano
Ansiedade de Leitura (PICOLLO PROHMELE X X 1º ao 4o ano
et al., 2020).
Avaliação coletiva da
Não nos restam dúvidas de fluência e compreensão X X 6º ao 9º ano
que muitos outros materiais de leitura textual
e instrumentos podem ser PLEP 2º ao 5º ano
encontrados na literatura nacional,
EACOL X 2º ao 5º ano
mas não foi objetivo deste
documento fazer uma revisão Pré-escola ao
THPL X X
2º ano
sistemática de todas as possíveis
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alunos que não estão em risco. O instrumento Novamente trazendo o âmbito internacional,
utilizado (MBC) obteve valor de 0,80 no Alfa o modelo de Resposta à Intervenção (RTI)
de Cronbach (SIMÕES, 2015). As pesquisas é apontado como uma grande promessa de
apontam para a confiabilidade do modelo MBC aplicação ao contexto educacional ao buscar
e revelam a capacidade do referido modelo prevenir dificuldades de leitura/escrita precoces,
de identificar precocemente alunos “em risco” ao mesmo tempo em que permite a identificação
e assim desencadear um processo interventivo, correta de crianças com um possível transtorno
no início do surgimento das dificuldades (VAZ; de aprendizagem. Um transtorno se caracteriza
MARTINS; CORREIA, 2017). pela persistência dos déficits apesar de
intervenções corretamente aplicadas. Portanto,
No Brasil, destaca-se um estudo (SILVA, 2019)
o modelo de RTI é conceituado por integrar a
realizado em Santa Catarina com 1.572 alunos do
avaliação e a intervenção dentro de um sistema
5º ano, em que foi utilizada uma prova do tipo
de prevenção multiníveis para maximizar o
MBC de compreensão na leitura. Como resultados,
desempenho acadêmico do aluno e reduzir os
observa-se que o tipo de avaliação foi considerado
problemas comportamentais. Com RTI, as escolas
econômico, rápido e de fácil aplicação e correção,
usam dados para identificar alunos em risco de
além de ter sido capaz de identificar diferenças
baixo desempenho na aprendizagem, monitorar
no nível de compreensão da leitura nos alunos
o progresso do aluno, fornecer intervenções
considerados em risco de dificuldades de
baseadas em evidências e ajustar a intensidade
aprendizagem específicas na leitura.
e a natureza dessas intervenções, dependendo
Entretanto, um estudo de revisão sistemática da resposta do aluno, e identificar alunos com
apontou que ainda há escassas evidências dificuldades de aprendizagem (NCRTI, 2010).
científicas que apoiam programas de avaliação
Dessa forma, os modelos de RTI usam intervenções
e monitoramento de progresso em leitura por
empiricamente validadas que permitem: a)
meio da MBC (ARDOIN et al., 2013). Da
identificação precoce de crianças que apresentam
mesma forma, observa-se que são escassos os
problemas acadêmicos e comportamentais;
estudos científicos nacionais publicados sobre a
b) monitoramento do progresso das crianças
aplicação do MBC, e até o momento centram-
com risco de desenvolver dificuldades nessas
-se em poucos estados brasileiros. Percebem-
áreas; e c) oferta de intervenções cada vez mais
-se os desafios de inserir esse paradigma no
intensivas, baseadas no progresso da resposta,
contexto brasileiro, visto que os currículos das
que é monitorado por avaliações periódicas
escolas com relação ao ensino de leitura e
(FLETCHER; VAUGHN, 2009).
escrita necessitam aprimoramento do ponto
de vista do conteúdo. O presente Relatório Nesse sentido, o modelo de RTI, comumente
também conta com o Capítulo 9 dedicado ao chamado de modelo de instrução multiníveis,
“Planejamento e Orientações curriculares para funcionaria em três camadas ou níveis. Segundo
o ensino de numeracia e literacia” para maior Fletcher e Vaughn (2009), na camada 1, a
aprofundamento no assunto. As avaliações intervenção tem caráter instrucional, preventivo.
na forma MBC precisam estar alinhadas a um É ofertada pelo professor a todos os alunos por
currículo bem estruturado e teoricamente bem meio de instrução de alta qualidade, baseada
fundamentado. em evidências científicas. Ainda, esta camada
geralmente envolve: (a) screening universal
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implementarem sistemas próprios de avaliação Dentre os grandes desafios também está o
abrangendo, também, o ciclo de alfabetização, aprimoramento dos instrumentos/ferramentas
principalmente com a implementação do Ensino de avaliação com vistas a atingir o mínimo
Fundamental de 9 anos e a entrada de crianças de qualidade, administração simples, relação
com 6 anos no 1º ano do Ensino Fundamental. custo-efetividade e eficiência (PARKER et al.,
2012). Os itens estímulos e materiais precisam
Nesse sentido, as matrizes de referência para
ser cuidadosamente selecionados com base em
avaliação da alfabetização dos sistemas
critérios estabelecidos teoricamente. Cabe ao
estaduais e municipais têm buscado contemplar
profissional saber selecionar os instrumentos
as habilidades que se relacionam às medidas de
conforme cada contexto de avaliação. Uma
leitura, medidas de compreensão e medidas de
estratégia de selecionar instrumentos seria
escrita, com vistas a se obter um diagnóstico do
sistema educacional, subsidiando a implementação investigar aqueles com evidências de serem os
de políticas públicas educacionais em âmbito melhores preditores de resposta às intervenções/
macro, da rede, e micro, na dimensão de cada instruções. A literatura tem apontado para alguns
escola do sistema. Isso pode ser comprovado paradigmas de avaliação, como identificação
nos documentos dos sistemas e programas de de letras e nomeação seriada rápida (NSR) de
avaliação dessa etapa de escolaridade. Letras (tempo), fluência de leitura e consciência
fonológica (LAM; MCMASTER, 2014;
Contudo, no contexto escolar, especificamente, STUEBING et al., 2015). Estes têm sido usados
apesar de haver diversos instrumentos como medidas de screening nos estudos de RTI.
desenvolvidos para avaliação da leitura e
da escrita passíveis de serem aplicados pelos A avaliação e o monitoramento da leitura e
professores, de muitas pesquisas apontarem da escrita nas crianças precisam ser mais bem
a importância da correta avaliação e do explorados nos currículos dos cursos de graduação
monitoramento dessas habilidades para a e pós-graduação da área da Educação. Todo
aprendizagem, ainda há grandes desafios a processo de instrução/intervenção bem-sucedido
ser vencidos. Por exemplo, uma das barreiras tem como parte fundamental o processo de
assinaladas por Fletcher et al. (2019) para a avaliação da aprendizagem. Ao mesmo tempo,
transposição de pesquisas científicas para a todo processo de avaliação precisa ter por
prática tem sido o uso insuficiente das avaliações base um forte aporte teórico. Neste documento
(triagens e monitoramento do progresso) no o aporte de base é da ciência cognitiva da
contexto educacional. leitura, Psicologia cognitiva, psicolinguística e
neuropsicologia cognitiva.
Apesar de vários estudos científicos já terem
demonstrado que a aplicação da avaliação e
Referências
monitoramento da prática educacional gera
bons resultados em nível de aprendizagem dos
ALVES, L. M.; REIS, C. A. C.; PINHEIRO, A.
alunos, parece que ainda há certa resistência
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com relação a essa prática. Quando a prática
temporais da leitura de escolares com dislexia
de avaliação/monitoramento é aplicada a fim
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decisões pedagógicas, observam-se melhores
resultados (FLETCHER et al., 2019).
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261
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PARTE 3
Políticas Públicas de
Orientações Curriculares e
Formação de Professores
262
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A
terceira parte deste Relatório apresenta Países da Europa Ocidental, América do Norte,
análises distintas das anteriores por dois Oceania e dos chamados Tigres Asiáticos há
aspectos. O primeiro por se referirem ao décadas superaram o tema da universalização
conhecimento translacional, ou seja, das pesquisas das etapas elementares de ensino, alcançando
para as práticas. O segundo pela metodologia também bom rendimento de aprendizagem de
utilizada: a análise documental de normativas forma relativamente equitativa, pelo menos no
e orientações produzidas por governos, como que toca à literacia e numeracia iniciais, conforme
base legal para a implementação de políticas aferido em exames padronizados, como PIRLS
públicas educacionais específicas, que utilizam (Progress in International Reading Literacy Study),
evidências discutidas no presente trabalho: TIMSS (International Mathematics and Science
referenciais curriculares e de formação docente. Study)2 e LLECE (Laboratorio Latinoamericano
Além disso, os dois estudos apresentados nesta de Evaluación de la Calidad de la Educación)3,
seção compartilham uma mesma seleção prévia além do PISA (Programme for International
de unidades territoriais, cujos critérios são Student Assessment)4 já mais conhecido – pelo
apresentados a seguir. menos de nome – no Brasil.
Seleção de países para análise documental de Os capítulos 9 e 10 têm como objetivo apresentar
normativas curriculares e de diretrizes para a contribuições – a partir de análises comparativas
formação docente documentais de uma seleção de normativas
curriculares e de diretrizes para a formação
Os indicadores da educação básica (ISCED1
docente – para o desafio que os formuladores
0-4) no Brasil apresentam trajetórias positivas
de políticas públicas enfrentam ao desenhar,
em aspectos de acesso e fluxo (cobertura de
implementar e monitorar o impacto na resolução
matrícula, conclusão e distorção idade-série),
ou mitigação de problemas sociais, como é o caso
demonstrando um aumento geral da escolaridade
da baixa qualidade da educação. Iniciativas
da população. Por outro lado, os resultados de
governamentais brasileiras recentes, como
qualidade e eficácia – a capacidade de os alunos,
a Política Nacional de Alfabetização (PNA
particularmente os mais pobres, aprenderem
– BRASIL, 2019), a Base Nacional Comum
no mínimo o que é avaliado pelas provas
Curricular (BNCC – BRASIL, 2018) e a Base
padronizadas em nível nacional, subnacional e
Nacional Comum para a Formação Inicial
internacional – estão praticamente estagnados.
de Professores da Educação Básica (BNC-
1 A ISCED (International Standard Classification of Education) é -Formação – BRASIL e CNE, 2019), são exemplos
um marco para classificar, com base em categorias internacionais
pactuadas, atividades educacionais definidas em programas, de políticas de Estado que podem se beneficiar
bem como as qualificações delas decorrentes. A ISCED classifica diretamente das informações levantadas
programas educacionais por seu conteúdo, usando duas variáveis
principais: níveis de educação e campos de educação. Os conceitos nesta Parte III, uma vez que estas se referem a
e as definições básicos da ISCED pretendem ser internacionalmente
válidos e a abranger toda a gama de sistemas educacionais. A
ISCED é produto de acordo internacional e foi adotada formalmente 2 https://timssandpirls.bc.edu/index.html
pela Conferência Geral dos Estados-membros da UNESCO (Fonte: 3 https://es.unesco.org/fieldoffice/santiago/projects/llece
UNESCO-UIS, 2012) 4 http://www.oecd.org/pisa/
P O L Í T I C A S P Ú B L I C A S D E O R I E N TAÇ Õ E S C U R R I C U L A R E S E FO R M AÇ ÃO D E P R O F E S S O R E S
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políticas correlatas vigentes em países que já pontuação, de forma a ampliar a gama de
se encontram em estágio mais avançado que o países a serem possivelmente incluídos na
Brasil no enfrentamento desta mesma questão: análise e a possibilitar a verificação do perfil
os baixos índices de proficiência cognitiva da de proficiência dos alunos ao final do ISCED
população no que se refere à capacidade leitora 2, quando a maior parte dos países conclui
e de raciocínio matemático. a etapa escolar não apenas obrigatória,
como, em geral, também ainda com currículo
A seleção de países e recortes territoriais para unificado.
análise comparativa de políticas de orientações 2) Pontuação hierarquizada de países
curriculares e de desenvolvimento profissional e territórios que participaram da prova
de professores – com ênfase para as etapas latino-americana LLECE (Leitura, Escrita e
iniciais de literacia e numeracia em ISCED 02 Matemática-2013).
e 1 – foi realizada a partir dos seguintes critérios Dada a participação mais ampla de países
cumulativos: latino-americanos nas avaliações realizadas
pelo LLECE (Laboratório Latino-Americano
1) Pontuação hierarquizada de países e de Avaliação da Qualidade da Educação),
territórios que participaram das seguintes foram incluídos os resultados da última
avaliações internacionais aplicadas em avaliação cujos dados estavam disponíveis
larga escala: PIRLS (Leitura-2016), TIMSS (TERCE) à época da elaboração do presente
(Matemática-2015) e PISA (Leitura-2015)5. relatório.
A escolha das avaliações PIRLS e TIMSS 3) Países citados como referência nos
deu-se tanto pela medição comparativa documentos da BNCC e da BNC-Formação.
de habilidades diretamente relacionadas Os documentos curriculares em vigência no
à literacia e numeracia nas etapas iniciais País são normativos fundamentais, portanto,
de escolarização, enfoque principal da os países citados como referência em sua
Conabe, quanto pela amplitude dos elaboração também receberam pontuação
países participantes. Já a pontuação no cumulativa quando atenderam a esse quesito.
PISA – que tem como público alvo alunos 4) Países que disponibilizaram em sites
situados entre as etapas ISCED 2 e 3 institucionais oficiais a versão completa da
(aproximadamente 15 anos de idade) – documentação curricular e/ou orientações
foi incluída como complementação da pedagógicas e os requisitos e práticas de
formação e desenvolvimento profissional de
5 Comentários sobre o impacto da divulgação dos resultados do
professores, nos seguintes idiomas: Inglês,
PISA 2018 na seleção de países: Francês, Espanhol ou Português.
1) O único país que obteve mais que 553 pontos (nível 4) foi a China,
Os seguintes países foram excluídos por não
que participa do PISA com suas maiores cidades;2) Passariam a
fazer parte do grupo que obteve entre 480 a 553 pontos (nível terem sido encontrados documentos completos
3) os seguintes países/territórios: Macau-China, Estônia, Coreia do nos idiomas escolhidos, apesar de sua pontuação
Sul, Japão, Eslovênia, Bélgica e Suíça e deixaram de fazer parte
nos três primeiros critérios: China Taipei,
deste mesmo grupo: Espanha; Federação Russa e Itália. Dessa
forma, nada mudaria na lista final de países feita com os resultados Federação Russa, Hungria e Letônia. Suécia
do PISA 2015, isto porque nenhum dos países que passou a fazer e Nova Zelândia foram retirados pelo critério
parte dos grupos 4 e 3 estão na lista do PIRLS e TIMSS, com
de representação geográfica, pois Finlândia e
exceção da Eslovênia. Este país, no entanto, seria excluído devido
à indisponibilidade de sua documentação, conforme critério 4 e os Austrália, respectivamente, com pontuação mais
países que deixaram de fazer parte do grupo já não estavam na alta, representam suas regiões.
lista final, que usou os resultados do PISA 2015.
264 R E L ATÓ R I O N A C I O N A L D E A L FA B E T I Z AÇ ÃO B A S E A D A E M E V I D Ê N C I A S ( R E N A B E )
High&
Intermediate
PIRLS 2016 475-550 1 Advanced > 550 2
Level
Level
Internacional High&
Intermediate
TIMSS 2015 475-550 1 Advanced > 550 2
Level
Level
480,18- Nível 4,
PISA 2015 Nível 3 1 > 552,89 2
552,89 5 ou 6
Leitura - Leitura -
728-812 0 > 812 1
Nível III Nível IV
Latino- LLECE
2013 Escrita Até 3,0 0 Escrita > 3,0 1
americano (Terce)
Matemática Matemática
751-842 0 > 842 1
- Nível III - Nível IV
Citação na
BNCC e na 1
BNC-F
Pontuação
10
máxima
Fonte: Becskeházy, I.; Sebastiani, M.
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país, por ter a maior pontuação daquela região,
foi incluído. É preciso deixar claro que esta REGIÃO PAÍS
seleção levou em conta apenas a otimização
da análise de documentos diretamente Singapura
relacionados às políticas públicas. Não se fez
Ásia
nenhum julgamento de valor a respeito da
Hong Kong
produção cultural e educacional dos países não
selecionados.
Irlanda
Ao final, para a análise comparativa dos Europa
capítulos 9 e 10, foram selecionados os seguintes Ocidental
Inglaterra
países7:
Estados Unidos
América
do Norte Canadá
(Quebec
e Ontário)
Oceania Austrália
Escandinávia Finlândia
266 R E L ATÓ R I O N A C I O N A L D E A L FA B E T I Z AÇ ÃO B A S E A D A E M E V I D Ê N C I A S ( R E N A B E )
Para formuladores de política pública, é (BRASIL, 1988; 1996). Como se sabe, o Brasil
fundamental manterem-se atualizados sobre a tem uma normativa nacional desde dezembro de
evolução de ações governamentais correlatas 2017 (CNE, Resolução CP nº 2, de 22/12/2017):
à sua área de atuação. São atribuições a Base Nacional Comum Curricular - BNCC
das equipes técnicas dos diferentes níveis (BRASIL, 2017), precedida por inúmeras peças
de governo conhecer e acompanhar, desde equivalentes em níveis estadual e municipal
alhures, como os problemas de cada pasta (BATISTA et al., 2015).
governamental são conceituados e delimitados,
Como as grandes políticas educacionais
quais as contribuições relevantes dos achados
estabelecidas em nível federal (avaliação,
da pesquisa científica dos campos de estudo
produção de material didático e formação
correspondentes e em que direção caminha
docente) derivam do desenho de um currículo
o desenvolvimento contínuo das soluções, das
federal, é de interesse geral e estratégico o
inovações do setor e das necessárias correções
estudo comparativo desse tipo de documento
no seu desenho e implementação, assim
com outros países, principalmente aqueles cujos
como conseguir avaliar racionalmente limites,
alunos não apenas alcançam desempenho mais
otimização de recursos e razoabilidade de custos
elevado nas provas padronizadas internacionais,
das opções de abordagem para cada desafio de
mas o fazem com maior nível de equidade que no
caráter público.
nosso país, por meio de melhores oportunidades
Um dos componentes elementares dos processos de aprendizagem oferecidas também aos alunos
de evolução permanente das políticas públicas na de nível socioeconômico mais baixo, conforme
área de educação – embora altamente complexo novamente evidenciado no relatório do Pisa mais
do ponto de vista de sua concepção, estrutura e recente (ver, em particular o seguinte: OECD.
conteúdo – é o currículo: uma lista hierarquizada PISA 20181, Figure II.2.2 Mean performance in
e organizada de objetivos de aprendizagem para reading, by international decile of socio-economic
cada disciplina, ano ou período letivo. Portanto, status e Table II.2.1 Change between 2009 and
a contínua análise comparada de normativas 2018 in reading performance related to socio-
curriculares de diferentes contextos externos ao economic status2, p. 53 e 58, respectivamente).
Brasil é essencial para gestores educacionais de
1 OECD, PISA 2018 Results (Volume II): Where All Students
todos os níveis e, em particular, no nível federal,
Can Succeed, PISA, OECD Publishing, Paris, 2019. https://doi.
pela capacidade de indução de qualidade desse org/10.1787/b5fd1b8f-en
patamar de governo sobre os subnacionais 2 https://doi.org/10.1787/888934037127
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O ponto principal de atenção e da contribuição Antes de mais nada, é preciso informar que os
técnica deste capítulo é fazer uma comparação de países (e as unidades subnacionais, quando foi
documentos curriculares de unidades territoriais o caso) foram selecionados por um conjunto de
internacionais distintas, selecionadas por critérios critérios detalhadamente explicados na introdução
relevantes e com ampla distribuição geopolítica e à Parte III deste Relatório. O principal deles foi
cultural, em relação exclusivamente aos principais o desempenho dos alunos de cada uma dessas
processos cognitivos envolvidos na aquisição unidades territoriais em um conjunto de provas
da literacia. Com as observações obtidas e internacionais de cobertura abrangente de que
sistematizadas, inclusive com o uso massivo de tenham participado nos últimos anos – foram
exemplos literais para ilustrar as categorias de levadas em conta as notas médias obtidas nas
análise, será possível identificar convergências, edições mais recentes divulgadas até a data da
divergências e pontos de atenção relevantes que elaboração do presente estudo.
possam ter reflexo em políticas educacionais no O trabalho de análise consistiu em, 1) identificar,
Brasil, a começar pelo desenho de documentos em cada documento curricular apreciado: a) a
pedagógicos correlatos, como a BNCC. presença e a forma de descrever cada um dos
seis elementos listados no artigo 3º do Decreto
Método da PNA BRASIL, 2019) e b) em que ponto do
processo educacional cada um deles é introduzi-
O presente capítulo tem como objetivo apresentar
do no currículo formal; e 2) comparar os achados
o resultado dessa análise comparativa entre
e identificar padrões ou discrepâncias relevantes
documentos curriculares formais referentes
entre eles, para então identificar os principais
apenas à Educação Infantil (ISCED 023) e
pontos de atenção em relação à BNCC.
aos primeiros anos do ensino elementar –
Fundamental 1 - (ISCED 1), utilizando como A existência de um paralelo claro entre o que
categoria de análise o conjunto de aspectos é considerado como habilidade ou competência
cognitivos formado pelos seis componentes essencial para uma vida produtiva em sentido
essenciais do processo de alfabetização amplo e a etapa escolar correspondente em
elencados no artigo 3º do Decreto n. 9.765/19, que se espera que cada uma delas seja apren-
da Política Nacional de Alfabetização — PNA dida pelos alunos é, cada vez mais, indissociável
(BRASIL, 2019) e a diretriz que estabelece a do que se estabeleceu mundialmente como um
priorização da alfabetização no primeiro ano componente do conjunto de aspirações humanís-
do Ensino Fundamental, aos 6 anos, da mesma ticas conhecidas como direitos humanos, em
normativa. uma perspectiva mais abrangente, a partir de
princípios de dignidade humana, de liberdade,
de justiça e da paz no mundo: o direito à educa-
3 O ISCED 0 pode ser subdividido pela idade das crianças, em ção (UNITED NATIONS, 1948). Para que esse
ISCED 01 relativo à Educação Infantil de crianças de 0 a 2 anos
princípio seja materializado em fruição real des-
e ISCED 02 relativo à educação pré-escolar (pré-primária) para
crianças de 3, 4 e 5 anos. UNESCO - United Nations Educational, sas aspirações, são necessários parâmetros cada
Scientific and Cultural Organization (org.). ISCED 2011 operational vez mais claros para cada um deles. Em relação
manual: Guidelines for classifying national education programmes
à educação, primeiramente, é preciso compre-
and related qualifications. OECD. 2015. http://uis.unesco.org/sites/
default/files/documents/isced-2011-operational-manual-guidelines- ender o que é possível se esperar da instituição
for-classifying-national-education-programmes-and-related- escola (WORLD BANK, 2018; BECSKEHÁZY,
qualifications-2015-en_1.pdf 2018; UNICEF, 2019).
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caracterizam cada uma: o preparo para a matemáticos elementares, fora do escopo
literacia e numeracia emergentes no ISCED da presente análise), já começam a ser
02 e o domínio de competências e habilidades obrigatoriamente trabalhados com alunos a
fundamentais em leitura, escrita e matemática no partir dos 4 anos, e não apenas aos 6, como está
ISCED 1, como forma de garantir o aprendizado sendo sugerido pela BNCC brasileira.
de diferentes áreas do conhecimento, assim como
sua capacidade de seguir com a vida escolar nas Operacionalização da análise
etapas subsequentes:
Uma vez entendido o ponto de partida para
Uma das consequências de haver consenso a análise comparativa das documentações
internacional sobre premissas referentes a curriculares dessas duas etapas letivas, segue a
objetivos mínimos de aprendizagem para cada lista de países, com uma breve explicação sobre
etapa – observado nos currículos analisados – é contexto de cada um. Como já foi explicado, as
que os componentes essenciais da alfabetização, categorias e critérios de análise para sua seleção
segundo o artigo 3º da PNA já mencionado (e estão detalhados na introdução da Parte III
também a compreensão de alguns fenômenos deste Relatório.
Ano
de início
Unidade
das Principais aspectos
territorial
reformas
curriculares
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Ano
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territorial
reformas
curriculares
6 De acordo com o site oficial da iniciativa, 41 estados, o Distrito de Columbia, quatro territórios e o Ministério da Defesa adotaram essa
referência curricular nacional (http://www.corestandards.org/standards-in-your-state/)
7 Pan-Canadian Assessment Program: https://www.cmec.ca/240/Pan-Canadian_Assessment_Program_(PCAP).html
8 A partir de junho de 2020, a Província de Ontário começou publicar novas versões para os currículos de cada disciplina. Eles podem
ser encontrados em: https://www.dcp.edu.gov.on.ca/en/
272 R E L ATÓ R I O N A C I O N A L D E A L FA B E T I Z AÇ ÃO B A S E A D A E M E V I D Ê N C I A S ( R E N A B E )
9 A Finlândia é o único país cuja versão mais atualizada dos currículos nacionais não está mais gratuitamente disponível online. Mesmo
assim, pelo interesse que o país desperta, exatamente pelos mesmos critérios usados na seleção de material de análise para produzir o
presente estudo (desempenho em um conjunto de provas de abrangência internacional e disponibilidade de documentação formal em
Inglês) e pelo fato de que o currículo anterior ter estado em vigência até 2015, portanto no período em que os dados dos critérios foram
coletados, a análise utilizou a versão de 2004/2010.
10 Common European Framework of Reference for Languages: Learning, teaching, assessment (CEFR). Disponível em: https://www.coe.
int/en/web/language-policy/cefr
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Ano
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Unidade
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territorial
reformas
curriculares
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ampliados em nível local por estados, municípios Quando não, haverá essa indicação. Ao final de
e escolas. cada seção, para ilustrar a apresentação desses
conceitos de maneira um pouco mais detalhada,
Currículos de diferentes unidades territoriais,
cada conjunto de definições contará com um
quer como documentos normativos ou como
ou dois exemplos extraídos dos documentos
referências técnicas formais – particularmente os
analisados, explorando ao máximo a diversidade
que se referem ao aprendizado da(s) língua(s)
da lista de países ao longo das categorias.
oficial(is)–, podem diferir bastante entre si17
em relação à estrutura de apresentação da 1) consciência fonológica, consciência fonê-
disciplina. Além disso, encontram-se distinções mica e instrução fônica sistemática
substanciais quanto à presença (ou não) – e no
A consciência fonológica refere-se a um conjunto
nível de detalhamento – de conceituações técnicas
de habilidades que normalmente está presente
e definições teóricas, à maneira de descrever
explicitamente competências e habilidades e ao no aprendizado da pré-escola, assim como
uso (ou não) de exemplos de atividades como a consciência fonêmica, a qual costuma se
estratégia adicional para informar os envolvidos estender até o 1º ou 2º ano do ISCED 2. Já a
no processo educacional. Entretanto, em ambas as instrução fônica é recorrentemente prescrita ao
disciplinas, ao nível da descrição das habilidades, longo de mais tempo, relacionada à expansão
percebe-se claramente, entre os documentos do vocabulário, principalmente em línguas
estudados, a recorrência de termos e premissas com menor regularidade na correspondência
técnicas que evidenciam uma convergência de grafema-fonema, como o Inglês.
abordagem teórica. A análise dos documentos curriculares mostrou
que: a) há grandes diferenças na maneira de
Resultados apresentar, desdobrar e especificar os três
componentes desta seção, mas que, b) eles estão
As tabelas a seguir apresentam descrições
presentes em todos os documentos em que foi
sintéticas de como, quando e se cada um dos
possível verificar para o nível mais centralizado
componentes listados nos subtítulos aparece nos
de governo – o que não é o caso da Finlândia –
currículos dos países selecionados. Eles foram
e, c) o trabalho com esses componentes começa
encontrados (ou não) por meio de: a) leitura
no ensino pré-escolar, por volta dos 4-5 anos
atenta de todos os documentos, e b) busca
e normalmente vai até os 7 anos, mesmo que
eletrônica pelos termos em si e algumas de suas
possa continuar para facilitar a decodificação
variações, uma vez que só foram considerados
de novas palavras, inclusive para aprender
para análise os documentos curriculares que
idiomas adicionais.
permitissem esse tipo de expediente (ver
introdução à Parte III para detalhes). Quando
foi encontrado um objetivo pedagógico
diretamente alinhado com cada conceito, este(s)
aparecerá(ão) no quadro, com a indicação da
etapa em que houve sua introdução no currículo.
276 R E L ATÓ R I O N A C I O N A L D E A L FA B E T I Z AÇ ÃO B A S E A D A E M E V I D Ê N C I A S ( R E N A B E )
Hong Kong A Língua Inglesa, alfabética, sobre a qual podem ser aplicados os
conceitos desta categoria, é ensinada como 2ª língua (em relação a
línguas chinesas, não alfabéticas) desde a educação infantil. Nesta
etapa, o foco do ensino é fomentar o interesse na Língua Inglesa e
no desenvolvimento da oralidade, com compreensão e articulação
correta das palavras. A partir do 1º ano do ISCED 1, os currículos são
bastante detalhados, com especificação de conceitos, objetivos de
aprendizagem, formas de avaliar e exemplos de atividades, inclusive
para os três conceitos desta categoria. O exemplo a seguir ilustra esse
detalhamento.
(exemplo retirado Diferentes estratégias podem ser apresentadas para ajudar os alunos a
do currículo – consolidar sua aprendizagem em fônica. Cartões com letras ou cartões
HONG KONG, com imagens com o significado de uma palavra que tem o som em
2004; p. 173) estudo (por exemplo, o desenho de um tigre para o som da letra “t”)
podem ser usados para pedir aos alunos mais novos que mostrem seu
reconhecimento das relações entre a letra e o som em estudo. As folhas
de trabalho que exigem que os alunos forneçam uma resposta não
linguística aos sons da letra em estudo (por exemplo, colorir, combinar)
podem ajudar os alunos mais novos a consolidar sua aprendizagem e
servir como um registro para fins de revisão. Manter cadernos pessoais
de fônica promove o aprendizado independente e pode ajudar os
alunos a recuperar rapidamente os sons das letras que aprenderam,
essa é uma habilidade de aprender a aprender que deve ser mais
incentivada.
Irlanda A instrução fônica sistemática tem início no 1º ano, mas o preparo para
a alfabetização começa na pré-escola. Metas para esta etapa incluem
o desenvolvimento da consciência fonológica e fonêmica.
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(exemplo retirado As crianças devem ser habilitadas a:
do currículo – - brincar com a linguagem para desenvolver a consciência dos sons:
GOVERNMENT jogos de linguagem, relações sonoras com fonemas e morfemas,
OF IRELAND, cantigas infantis, jogos de canto, músicas com movimento/ação e
1999; P.16, 18) poemas, uma grande variedade de ritmos;
- tentativas de escrever palavras apropriadas para uma necessidade
específica, como o próprio nome da criança;
- desenvolver um senso de ritmo e de rima com músicas, cantigas
infantis, jingles, bater palmas e dançar ao ritmo das sílabas.
- aprender a reconhecer e nomear as letras do alfabeto;
- desenvolver a consciência de algumas relações entre letras e sons;
- ouvir, aprender e recitar rimas, incluindo rimas sem sentido;
- ouvir, aprender e perguntar enigmas;
- criar mundos sonoros reais e imaginários;
- reconhecer e recriar sons no ambiente imediato. - aprender a isolar
o som inicial de uma palavra ou sílaba;
- aprender a isolar sons iniciais e finais em palavras escritas;
- aprender a isolar a parte de uma palavra ou sílaba, que lhe permita
rimar com outra palavra ou sílaba.
Exemplo retirado Durante o primeiro ano, os professores devem tomar como base o
do currículo trabalho na pré-escola (Early Years Foundation Stage), garantindo
(UNITED que os alunos consigam pronunciar os sons e sintentizá-los em palavras
KINGDOM escritas desconhecidas de maneira rápida e precisa, usando os
GOVERNMENT,; conhecimentos e habilidades fônicos que já aprenderam. Os professores
2013;p.19) também devem garantir que os alunos continuem aprendendo novas
correspondências grafema-fonema (CGFs), revisando e consolidando as
aprendidas anteriormente. O entendimento de que as letras da página
representam os sons das palavras faladas deve fundamentar a leitura e
a escrita de todas as palavras pelos alunos.
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Quebec ISCED 1 (o estudo sistemático de fônica é parte do ensino contínuo da
leitura, durante todo ISCED 1). A Província conta, desde 2017, com um
currículo detalhado específico para crianças de 4 anos, que apresenta,
entre outros objetivos de aprendizagem, o preparo para a alfabetização,
que começa aos 5 anos e que inclui orientações detalhadas com as
exemplificadas abaixo.
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Exemplo retirado do Desenvolver a consciência Conhecer o alfabeto e os grafemas.
currículo (BUESCU fonológica e operar com fonemas.
et al, 2012; p.8) 1. Discriminar pares mínimos. 1. Nomear a totalidade das
letras do alfabeto e pronunciar
2. Repetir imediatamente depois
os respetivos segmentos
da apresentação oral, sem erros
fônicos (realização dos valores
de identidade ou de ordem,
fonológicos).
palavras e pseudopalavras
2. Fazer corresponder as formas
constituídas por pelo menos 3
minúscula e maiúscula da maioria
sílabas CV (consoante – vogal)
das letras do alfabeto.
ou CCV (consoante – consoante –
3. Recitar o alfabeto na ordem
vogal).
das letras, sem cometer erros de
3. Contar o número de sílabas posição relativa.
numa palavra de 2, 3 ou 4 sílabas. 4. Escrever as letras do alfabeto,
4. Repetir uma palavra ou nas formas minúscula e maiúscula,
pseudopalavra dissilábica sem em resposta ao nome da letra
dizer a primeira sílaba. ou ao segmento fônico que
5. Decidir qual de duas palavras corresponde habitualmente à letra.
apresentadas oralmente é mais 5. Pronunciar os segmentos fônicos
longa (de diferentes tamanhos, de, pelo menos, cerca de ¾ dos
por exemplo “cão” – “borboleta”). grafemas com acento ou diacrítico
6. Indicar desenhos de objetos e dos dígrafos e ditongos.
cujos nomes começam pelo mesmo 6. Escrever pelo menos metade
fonema. dos dígrafos e ditongos, quando
solicitados pelo valor fonológico
7. Repetir uma sílaba CV
correspondente.
(consoante – vogal) ou CVC
(consoante – vogal – consoante)
pronunciada pelo professor, sem o
primeiro fonema.
8. Repetir uma sílaba V (vogal) ou
VC (vogal – consoante), juntando
no início uma consoante sugerida
previamente pelo professor, de
maneira a produzir uma sílaba
CV (consoante – vogal) ou CVC
(consoante – vogal – consoante),
respetivamente.
9. Reunir numa sílaba os primeiros
fonemas de duas palavras (por
exemplo, “lápis usado” —> “lu”),
demonstrando alguma capacidade
de segmentação e de integração
de consoante e vogal.
282 R E L ATÓ R I O N A C I O N A L D E A L FA B E T I Z AÇ ÃO B A S E A D A E M E V I D Ê N C I A S ( R E N A B E )
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[…] O objetivo da instrução fônica é ajudar
os alunos a descobrir a pronúncia de novas
palavras, ensinando-lhes que as letras
representam certos sons. Quando os alunos
aprenderem a conectar sons com letras ou
grupos de letras (por exemplo, que o som / k
/ pode ser representado por grafias <c>, <k>
ou <ck>), eles poderão produzir pronúncias
aproximadas de palavras desconhecidas. A
instrução fônica também deve incluir o ensino
Para ajudá-las a aprender a ler, as crianças das habilidades de segmentar e sintetizar
precisam,primeiramente, entender que a sons nas palavras e fazer analogias entre as
linguagem falada consiste em sons que podem palavras. [...]
ser divididos em partes cada vez menores – em Na prática, as aulas de fônica serão conduzidas
palavras, nas sílabas das palavras e, finalmente, no contexto de um programa abrangente
nos sons individuais das palavras. É importante e equilibrado de leitura em nossas salas de
notar que os níveis de consciência fonológica aula em Singapura. Nos primeiros anos do
não são estágios distintos e nem se desenvolvem ensino elementar [ISCED 1], as relações entre
em uma ordem fixa. Por exemplo, à medida que som e letra serão ensinadas de maneira
as crianças tomam consciência das palavras breve, mas consistente, como atividades de
individuais presentes nas frases, também podem acompanhamento após a leitura compartilhada
estar desenvolvendo um entendimento de que usando livros grandes [com letras e figuras
as palavras podem ser segmentadas em sílabas. em páginas maiores, para o que alunos
Exemplo 2 (SINGAPURE, 2008, p. 31-32 - acompanhem de longe o professor]. Também
grifos nossos) no currículo de ISCED 1 para a serão ensinadas após uma releitura do texto
definição de consciência fonêmica e instrução criado durante a aula de redação. O contexto
fônica sistemática. significativo de leitura e escrita fornecido por
meio dos livros selecionados para a leitura
A consciência fonêmica [...] refere-se à compartilhada expõe os alunos aos conceitos
capacidade de perceber e manipular a sequência de escrita e aos sons da linguagem por meio de
de fonemas nas palavras faladas, ou seja, os sons ritmo, rima e repetição. [...]
da linguagem. Os alunos adquirirem consciência
fonêmica quando conseguem reconhecer e Uma instrução competente sobre as relações
produzir rimas, dividir palavras em sílabas, alterar entre letras e sons deve ser concluída com
sons iniciais (por exemplo, fee, fie, foh em dee, die, relativa rapidez. Quando os alunos começam a
doh), sintetizar sons juntos (/r/ - /at/ vira /rat/) usar os padrões de escrita no reconhecimento
e segmentar as palavras em sons individuais. de palavras em um ritmo fácil e fluente, estão no
É importante que os professores observem que caminho certo para dominar o reconhecimento
algumas habilidades de consciência fonêmica, de palavras por memória. É hora de ir além da
por exemplo, as habilidades difíceis de sintetizar instrução sobre as relações letra-som e de usar
e segmentar sons, podem se desenvolver um mais tempo na compreensão e na redação de
pouco mais tarde em alguns alunos do 1º ano. textos.
284 R E L ATÓ R I O N A C I O N A L D E A L FA B E T I Z AÇ ÃO B A S E A D A E M E V I D Ê N C I A S ( R E N A B E )
Singapura Os dois termos, com definições claras, estão presentes, mas não há
tabela de medida de fluência nos documentos curriculares estudados.
No currículo de ISCED 02 de Singapura a transição entre as fases é
claramente explicitada, conforme exemplo abaixo.
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Hong Kong Os dois termos, com definições claras, não estão presentes no currículo
de ISCED 02, mas estão no de ISCED 1, de maneira mais genérica
e não há tabela de medida de fluência nos documentos curriculares
estudados.
286 R E L ATÓ R I O N A C I O N A L D E A L FA B E T I Z AÇ ÃO B A S E A D A E M E V I D Ê N C I A S ( R E N A B E )
Leitura Fluente
3.3 Ler textos adequados e familiares a uma velocidade suficiente e com
expressão suficiente para transmitir o sentido do texto ao leitor (por exemplo,
fazer com que a leitura oral de um papel/personagem em um simples roteiro de
teatro pareça uma fala natural).
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Pré-escola – competências gerais divididas em dois
Pré-escola grupos mais abrangentes, que depois são detalhados em
Austrália5 Pré-escola Pré-escola – competências gerais divididas em dois
Ler competências e habilidades como as mostradas na célula
Exemplo Ler textos
textos grupos mais abrangentes, que depois são detalhados
decodificáveis à esquerda.
retirado do decodificáveis ee em competências e habilidades como as mostradas na
currículo previsíveis
previsíveis usando
usando célula à esquerda.
oo desenvolvimento Modos receptivos (ouvir, ler e visualizar).
(ACARA, desenvolvimento
frasal,
frasal, fluência,
2006) fluência, NoModos
final dareceptivos
pré-escola, (ouvir, ler e visualizar).
os alunos usam estratégias
conhecimento No final da pré-escola, os alunospara
usam
conhecimento de predição e de questionamento darestratégias
sentido
contextual,
contextual, semântico,
semântico, aosdetextos.
predição e de questionamento
Retomam um ou dois eventos paradedar sentido
textos
gramatical
gramatical ee fônico
fônico queaos textos. Retomam
contenham um ou doisCompreendem
tópicos familiares. eventos de textos que
ee estratégias
estratégias que existem diferentes tipos de textos, que contém que
que contenham tópicos familiares. Compreendem
emergentes
emergentes de de que existem semelhantes.
diferentes tipos de textos,conexões
que contém
características Identificam entre
processamento
processamento características semelhantes. Identificam conexões entre
textos e sua experiência pessoal.
de
de texto,
texto, por
por textos e suadeexperiência pessoal.
São capazes ler textos curtos, decodificáveis e
exemplo, previsão,
exemplo, previsão, São capazes de ler textos curtos, decodificáveis
previsíveis com vocabulário familiar e imagens de
monitoramento
monitoramento de de e previsíveis comno vocabulário familiardee conhecimentos
imagens
suporte, com base desenvolvimento
significado
significado ee releitura;
releitura; de suporte, com base no desenvolvimento de
sobre conceitos de escrita, sons e letras e estratégias de
-- usar
usar conhecimento
conhecimento conhecimentos sobre conceitos de escrita, sons e letras
decodificação e auto-monitoramento; de reconhecer as
contextual
contextual ee e estratégias deinglês,
decodificação e auto-monitoramento;
letras do alfabeto em maiúsculas e minúsculas,
semântico
semântico para para fazer de reconhecer
Austrália5 fazer conhecem e usamasosletras do alfabeto
sons mais comunsinglês, em
representados
previsões
previsões sobre oo
sobre
Exemplo pela maioria das letras. Eles leem palavras deos
maiúsculas e minúsculas, conhecem e usam sons
alta
objetivo
objetivo ee oo conteúdo mais comuns representados pela maioria
retirado do conteúdo frequência e sintetizam sons oralmente paradasler letras.
de
de umum texto;
currículo texto; as Eles leem consoante-vogal-consoante.
palavras palavras de alta frequênciaEles e sintetizam
usam
-- combinar
combinar sons oralmente para ler as palavras consoante-vogal-
(ACARA, habilidades de interação oral apropriadas para ouvir e
conhecimento
conhecimento de consoante.
2006) de responder aosEles
outrosusamemhabilidades de interação
ambientes familiares. Elesoral
ouvem
contexto,
contexto, significado,
significado, apropriadas para ouvire esonsresponder aos outros em
rimas, padrões de letras em palavras.
gramática
gramática ee fônica
fônica ambientes familiares. Eles ouvem rimas, padrões de
para decodificar
para decodificar letras produtivos
e sons em palavras.
Modos (falar, escrever e criar).
texto;
texto;
-- reconhecer
reconhecer aa OsModos
alunos produtivos
entendem (falar,
que seus textos epodem
escrever criar). refletir
maioria
maioria dasdas palavras
palavras suas
Os alunos entendem que seus textosepodem
próprias experiências. Identificam descrevem
refletir
visuais de alta
visuais de alta gostos e desgostos sobre textos, objetos,
suas próprias experiências. Identificam e descrevem
frequência
frequência ao ao ler
ler personagens e eventossobre
gostos e desgostos familiares.
textos, objetos, personagens
texto;
texto; Eme grupos
eventos familiares. em
informais e Em toda a classe,
grupos os alunos
informais e em toda a
-- se
se autocorrigir
autocorrigir se classe,
comunicam claramente,
os alunos recontam
se comunicam eventos e recontam
claramente,
quando
quando aa leitura
leitura não
não experiências
eventos e com colegas e adultos conhecidos.
faz
faz sentido, usando
sentido, usando Identificam
experiênciase usam
com rima,
colegase sintetizam
e adultos econhecidos.
imagens,
imagens, contexto,
contexto, segmentam
Identificam oralmente sons em
e usam rima, palavras.e segmentam
e sintetizam
significado,
significado, fônica
fônica Aooralmente
escrever, os alunos usam palavras,
sons em palavras. Ao escrever, frases os
e alunos
ee conhecimento
conhecimento imagens conhecidas
usam palavras, frases epara transmitir ideias.
gramatical;
gramatical; Seus escritosconhecidas
imagens mostram evidências de ideias. Seus
para transmitir
-- ler
ler em
em voz
voz alta
alta com
com conhecimento
escritos mostramde letras e sons,de
evidências iniciando
conhecimento de
oo desenvolvimento
desenvolvimento de de comportamentos de escrita e experimentação
letras e sons, iniciando comportamentos de escrita
fluência
fluência ee entonação.
entonação. com letras maiúsculascom
e experimentação e pontos
letras finais.
maiúsculas e pontos
Eles formam
finais. corretamente
Eles formam letras letras maiúsculas e
corretamente
minúsculas conhecidas.
288 R E L ATÓ R I O N A C I O N A L D E A L FA B E T I Z AÇ ÃO B A S E A D A E M E V I D Ê N C I A S ( R E N A B E )
Fonte: ver Apêndice B para acessar cada um dos links para os currículos desta tabela. Tabulação e comentários: autora. Tradução dos exem-
plos retirados diretamente de cada currículo: Renan de Almeida Sargiani
O exemplo da transição de decodificação para fluência no currículo americano (p. 16).
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THAIS DE ALMEIDA SANTOS - t.almeidas@hotmail.com - CPF: 125.136.457-82
Fonte: CCSSO, Council of Chief State School Officers; (quando não, limitado aos conhecimentos prévios
NGA, The National Governors Association. The Common
Core State Standards for English Language Arts & dos alunos), mas de uma intenção declarada
Literacy in History/Social Studies, Science, and Technical e detalhada das autoridades educacionais
Subjects.2010. Disponível em: <http://www.corestandards.
org/ELA-Literacy/>. Acesso em: 13 dez. 2016. ( p.16)
de cada país que se manifesta na forma de
apresentá-la nos documentos curriculares
3) desenvolvimento de vocabulário, compre- estudados. Alguns são mais minuciosos que os
ensão de textos e complexidade textual outros, mas a identificação do vocabulário vasto
como parte essencial da compreensão de textos
A construção intencional de vocabulário cada
e dos componentes que formam a complexidade
vez mais extenso e específico para as diferentes
textual objetivos de aprendizagem é explícita,
áreas do conhecimento escolar, assim como
desde a etapa inicial da escolarização.
para dar conta das múltiplas possibilidades
de interesse diversificado para os alunos, lhes
permite avançar na compreensão de textos e
na complexidade intrínseca de significado esses
carregam. A complexidade textual avança não
apenas pelo estudo do significado de cada
vez mais palavras que contém, mas também
pelo incremento na sofisticação das estruturas
gramaticais utilizadas por seus autores, pelo
aprofundamento das ideias e conceitos que
apresentam e pela amplificação dos horizontes
de experiências cognitivas que ensejam.
290 R E L ATÓ R I O N A C I O N A L D E A L FA B E T I Z AÇ ÃO B A S E A D A E M E V I D Ê N C I A S ( R E N A B E )
20 Roskos, K.A., Tabors, P.O., & Lenhart, L.A. (2009). Oral language and early literacy in preschool: talking, reading and writing (2nd
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P O L Í T I C A S P Ú B L I C A S D E O R I E N TAÇ Õ E S C U R R I C U L A R E S E FO R M AÇ ÃO D E P R O F E S S O R E S
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Hong Kong A versão mais recente do currículo de HK (ISCED 1 e 2) para Língua
Inglesa (2017) denota uma preocupação maior com a construção de
vocabulário que a proposta na versão anterior – do Guia Curricular -,
de 2004 e traz recomendações mais claras a respeito de como fazê-lo,
conforme trecho reproduzido abaixo.
292 R E L ATÓ R I O N A C I O N A L D E A L FA B E T I Z AÇ ÃO B A S E A D A E M E V I D Ê N C I A S ( R E N A B E )
Estados Unidos O currículo americano tem uma longa seção específica para explicar a
progressão de vocabulário com base em critérios claros, sugestões de
textos marcantes da cultura do País e de como garantir a diversidade e
complexidade textual crescente (ver link indicado ao final desta seção).
Quebec Esses termos não aparecem de forma explícita no currículo, que é mais
baseado no exemplo de atividades do que na descrição detalhada de
habilidades hierarquicamente organizadas. Entretanto, acompanha o
currículo um guia de avaliação de progressão e de aprendizagem com
especificações bem mais detalhadas para oralidade, leitura e escrita.
P O L Í T I C A S P Ú B L I C A S D E O R I E N TAÇ Õ E S C U R R I C U L A R E S E FO R M AÇ ÃO D E P R O F E S S O R E S
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Austrália5 A preocupação com Modos receptivos (ouvir, ler e visualizar):
Exemplo retirado o vocabulário está
do currículo presente desde a pré- Até o final do primeiro ano, os alunos entenderão
(ACARA, 2014) escola e continua, por os diferentes propósitos dos textos. Eles fazem
meio da descrição de conexões com a experiência pessoal ao explicar
várias habilidades ao personagens e eventos principais em textos curtos.
longo dos anos. Identificam que os textos servem a propósitos
1o ANO diferentes e que isso afeta a forma como eles são
organizados, descrevem personagens, cenários e
Compreender o eventos em diferentes tipos de literatura.
uso de vocabulário Os alunos leem em voz alta, desenvolvendo
em situações do a fluência, resumem textos com vocabulário
quotidiano, bem como desconhecido, frases simples e compostas e
um crescente número imagens de apoio. Ao ler, usam o conhecimento
de contextos escolares, da relação entre sons e letras, pontuação e
incluindo o uso direcionalidade para fazer sentido.Recordam-se
apropriado de termos de ideias-chave e reconhecem significado literal e
formais e informais implícito nos textos. Interagem oralmente , usando
usados em diferentes habilidades apropriadas.
contextos;
Inovar em textos Modos produtivos (falar, escrever e criar):
familiares usando
caracteres Os alunos compreendem como os personagens
semelhantes, padrões dos textos são estruturados e explicam suas
repetitivos ou preferências pessoais. Escrevem textos que
vocabulário mostram o entendimento da conexão entre
tentativas de escrita, fala e imagens, resumem textos para uma
pronúncia correta do pequena variedade de propósitos. Interagem
vocabulário novo. em discussões em pares, em grupo e em classe,
revezando-se ao responder, fazem breves
apresentações sobre tópicos familiares. Ao
escrever, os alunos fornecem detalhes sobre ideias
ou eventos e detalhes sobre os participantes
desses eventos. Eles soletram e escrevem com
precisão palavras com padrões regulares de
ortografia, usam letras maiúsculas e pontos finais
e formam todas as letras maiúsculas e minúsculas
corretamente.
294 R E L ATÓ R I O N A C I O N A L D E A L FA B E T I Z AÇ ÃO B A S E A D A E M E V I D Ê N C I A S ( R E N A B E )
P O L Í T I C A S P Ú B L I C A S D E O R I E N TAÇ Õ E S C U R R I C U L A R E S E FO R M AÇ ÃO D E P R O F E S S O R E S
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linguísticas. É importante apresentar textos textos persuasivos. A complexidade aumenta
variados para os alunos no nível primário. A dentro e entre os tipos de texto de acordo
aprendizagem consciente e o ensino explícito de com o nível de aprendizado. Os itens de
diferentes tipos de texto permitem que os alunos cada categoria não são exaustivos. É possível
se tornem leitores mais eficazes e proficientes que o mesmo tipo de texto possa ter mais
usuários da linguagem. Os alunos precisam de uma finalidade definida. Por exemplo, os
adquirir familiaridade com os diferentes pôsteres podem ser textos persuasivos e textos
tipos de texto e com as estruturas que eles informativos (HONG KONG, 2004, p. 15-17.
contém, paraestarem aptos a usá-los em sua Grifos nossos. Tradução Renan de Almeida
própria comunicação na vida real. O domínio Sargiani).
de um texto autêntico (como a capacidade de
Dois outros exemplos, entretanto, são dignos de
ler um conjunto de instruções para a montagem
uma maior atenção pelos que se interessem por
de um brinquedo) proporciona aos alunos um
se aprofundar no tema e compreender como
forte sentimento de conquista e os motiva para
uma questão tão intricada pode ser abordada
continuar seu desenvolvimento. [...]
em um documento curricular, o qual, por sua vez,
Os tipos de texto também fornecem contextos se desdobra em políticas públicas estruturadas
autênticos e significativos nos quais os alunos (THE WORLD BANK, April, 2013), no sentido
podem aprender como a gramática funciona de facilitar o planejamento pedagógico e
para uma comunicação intencional. Por atender ao direito de aprender mais dos alunos:
exemplo, quando os alunos leem uma recontagem o Programa Nacional de Leitura de Portugal
de um evento da escola realizado no ano e o guia de complexidade textual do currículo
anterior, eles percebem como o tempo verbal no nacional americano, que podem ser encontrados
passado é usado para registrar eventos que já nos seguintes links:
aconteceram. Da mesma forma, quando leem • http://www.pnl2027.gov.pt/np4/home
ou escrevem regras para um jogo, praticam o •http://www.corestandards.org/ELA-Literacy/
uso de imperativos para dar instruções. standard-10-range-quality-complexity/
measuring-text-complexity-three-factors/
[…Os textos]são categorizados como textos
narrativos, textos informativos, interlocuções, 4) habilidades motoras finas, escrita e produção
textos injuntivos, textos explicativos e textos de textos
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Irlanda Pré-escola 1º e 2º ano
Exemplo - Aprender a forma e o nome de letras - Experimentar um ambiente
retirado do individuais usando vários materiais: plasticina de sala de aula que incentive
currículo (massa de modelar), areia, letras suaves (ex. a escrever coleções de
GOVERNMENT EVA) e letras magnéticas, instrumentos de redação pessoal, biblioteca
OF IRELAND, escrita; de sala de aula (canto
1999;p.19) - Escrever e desenhar rabiscos, formas, sinais, da leitura) e exibição de
letras, numerais; produções escritas;
- Entender a orientação esquerda-direita, - Observar o professor
superior e inferior da escrita; enquanto ele modela a
- Desenvolver uma “pega” (movimento de escrita de histórias;
pinça) satisfatória dos instrumentos de escrita; - Procurar ajuda do professor
- Copiar palavras de sinais, cartazes no para obter precisão e
ambiente; uma apresentação padrão
- Copiar letras e palavras informalmente como apropriada;
parte das atividades da aula; - Experimentar como uma
- Escrever seu nome e usar rótulos/palavras estrutura de história é
para nomear pessoas e coisas familiares; organizada lendo e ouvindo
- Escrever letras e palavras de memória; ficção;
- Ter consciência de letras minúsculas e - Escrever regularmente para
maiúsculas e ponto final; diferentes públicos, propósitos
- Desenvolver a confiança para usar a escrita pessoais, o professor, outras
aproximada; crianças, a família;
- Começar a desenvolver a escrita convencional - Escolher tópicos para
de palavras simples; escrever sobre;
- Ver o professor modelar a escrita como uma - Explorar diferentes gêneros.
experiência agradável;
- Escolher assuntos para desenhar e escrever;
- Escolher a forma de expressão que achar
apropriado: rabiscos, formas, figuras, letras,
palavras.
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Ontário Pré-escola IDEM SÉRIES 1-9
Exemplo (ONTARIO, 2016) Escrever mensagens (ONTARIO, 2006;p.
retirado do - Demonstrar simples (por A vertente de escrita tem
currículo interesse em exemplo, uma lista quatro expectativas gerais, a
escrever (por de compras em seguir.
exemplo, escolher papel sem pauta, Os alunos irão:
uma variedade um cartão de 1. Gerar, reunir e organizar
de materiais de felicitações feito ideias e informações para
escrita, como notas em um computador, escrever para um objetivo e
adesivas, etiquetas, etiquetas para uma público-alvo;
envelopes, papel construção de bloco 2. Redigir e revisar sua
colorido, marcadores, ou areia), usando redação, usando uma
giz de cera, lápis) e uma combinação variedade de formas
optar por escrever de figuras, símbolos, informativas, literárias
em vários contextos conhecimento da e gráficas e elementos
(por exemplo, correspondência estilísticos adequados ao
desenhar ou gravar entre letras e sons objetivo e ao público;
ideias nas áreas de (fônica), e palavras 3. Usar habilidades e
aprendizagem); familiares. estratégias de edição, revisão
- Demonstrar que o e publicação e conhecimento
texto pode transmitir de convenções de idiomas
ideias ou mensagens para corrigir erros, refinar a
(por exemplo, expressão e apresentar seu
peça ao educador trabalho de maneira eficaz;
que escreva novas 4. Refletir e identificar
palavras para eles). seus pontos fortes como
escritores, áreas de
melhoria e estratégias que
eles acharem mais úteis
em diferentes estágios do
processo de escrita.
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As habilidades motoras finas são detalhadas desde a pré-escola,
Austrália
evoluindo para a escrita em si e produção de textos:
Exemplo retirado
• adotar correta postura e forma de segurar o lápis
do currículo
• aprender a produzir movimentos simples de caligrafia
(ACARA, 2014)
• seguir demonstrações claras de como desenhar cada letra (por
exemplo, onde começar; em que direção escrever)
• aprender a desenhar letras minúsculas e combiná-las em palavras
• aprender a desenhar algumas letras maiúsculas
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Escrita – Soletração Escrita à mão
Os alunos devem ser ensinados a Os alunos devem ser ensinados a
Soletrar:
• Palavras contendo cada um dos mais de 40
fonemas já ensinados;
• Palavras comuns de exceção;
• Os dias da semana;
Nomear as letras do alfabeto:
• Nomeando as letras do alfabeto em ordem;
• Usando os nomes das letras para distinguir • sentar-se corretamente em uma mesa,
entre escritas alternativas para o mesmo som. segurando um lápis de forma confortável e
Adicionar prefixos e sufixos: correta;
• Usando as regras de escrita para adicionar • começar a desenhar letras minúsculas na
–s ou –es como forma de marcar o plural de direção correta, começando e terminando no
substantivos e a terceira pessoa do singular lugar certo;
de verbos; • escrever letras maiúsculas;
• Usando o prefixo un– ; • escrever os dígitos de 0 a 9;
• Usando –ing, –ed, –er e –est quando não • perceber as letras que pertencem a “famílias”
é necessário mudar a grafia da raiz das de letra cursiva (ou seja, letras formadas de
palavras [por exemplo, helping, helped, maneira semelhante) e praticá-las.
helper, eating, quicker, quickest];
Aplicar regras e orientações simples de
soletração conforme apêndice [no documento
original]
Escrever de memória sentenças simples ditadas
pelo professor que inclui as CGFs e palavras
exceção ensinadas até então.
Fonte: os autores
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a) diferentemente do que se preconiza d) a atenção à construção sistemática de
geralmente no Brasil, a valorização da vocabulário e de uma intencional progressão
etapa pré-escolar como preparatória para conceitual dos textos a que os alunos são
a escolarização formal, a qual, nos países expostos, por meio da sofisticação de suas
estudados tem início entre os 5 anos características gramaticais, sintáticas e
(Inglaterra) e os 7 (Finlândia), sendo a de estrutura (argumentos, personagens,
idade mais comum os 6 anos, a mesma descrições, etc) de forma que ambos
prevista na legislação brasileira; contribuam para manter os alunos
interessados e engajados na expansão
b) a preocupação objetiva em garantir
de seus horizontes. Sendo essa uma das
aos alunos o ensino dos processos acima
principais diferenças conceituais entre os
identificados para literacia (assim como
currículos estudados e seus pares brasileiros,
os de numeracia – fora do escopo deste
que costumeiramente usam longas listas de
capítulo), encontra-se manifesta nos
gêneros textuais como base para ampliar a
documentos curriculares desde a educação
variedade de textos, sem, necessariamente,
pré-escolar, com expectativas que eles já
alcançar maiores níveis de complexidade; e
sejam capazes de ler e compreender textos
apropriados para a sua idade aos 6 anos, já e) a maior parte dos documentos
sendo também capazes de produzir textos curriculares para ISCED 02, quando
simples e breves, o que resulta, desde o elaborados em separado de seus correlatos
início da escolarização, em uma diferença para ISCED 1, foi produzida algum tempo
substancial entre a ambição acadêmica depois do primeiro, o que pode indicar
dos objetivos de aprendizagem dos países que os sistemas educacionais podem ter
estudados e a BNCC; sentido a necessidade de melhor preparar
seus alunos para o início da escolarização
c) também constitui uma diferença
obrigatória.
substancial entre o material estudado
e a BNCC a transição entre as etapas
iniciais de escolarização (ISCED 02 e
Referências
1), que é suavizada por meio de algumas
ACARA, Australian Curriculum, Assessment and
estratégias recorrentes e complementares:
Reporting Authority. The Australian Curriculum.
objetivos claros de aprendizagem para
Disponível em: <https://www.australiancurriculum.
literacia (e numeracia) emergentes desde
edu.au/download?view=f10>.
os 4-5 anos, no máximo; a continuidade
e o aprofundamento de conceitos e ACARA, Australian Curriculum, Assessment and
competências de uma etapa para a seguinte; Reporting Authority. The Australian Curriculum:
e a explicitação da progressão cognitiva de English: English: Sequence of achievement: F-6.
um ano para o seguinte por meio de suaves Disponívelem: <https://docs.acara.edu.au/resources/
incrementos das habilidades esperadas e English_Sequence_of_achievement.pdf>.
pela especificação de etapas cumulativas
ACARA, Australian Curriculum, Assessment
de complexidade textual;
and Reporting Authority. The Australian
Curriculum V8.1: English: Sequence of content
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2015. Disponível em: <http://uis.unesco.org/sites/
default/files/documents/isced-2011-operational-
-manual-guidelines-for-classifying-national-edu-
cation-programmes-and-related-qualifications-
-2015-en_1.pdf>.
312 R E L ATÓ R I O N A C I O N A L D E A L FA B E T I Z AÇ ÃO B A S E A D A E M E V I D Ê N C I A S ( R E N A B E )
Irlanda* _ 4 anos
Austrália _ 6 anos
Fontes: Sempre que disponível, as informações dos países foram obtidas em http://www.ibe.unesco.org/en/document/world-data-education-
seventh-edition-2010-11. Acesso em fevereiro de 2020.
As informações para os países da União Europeia foram tiradas de: The Structure of the European Education Systems 2019/20:
Schematic Diagrams, disponível em: https://eacea.ec.europa.eu/national-policies/eurydice/content/structure-european-education-systems-
201920-schematic-diagrams_en
Para os Estados Unidos, a fonte foi: https://nces.ed.gov/pubs2020/2020009.pdf
Para Hong Kong, a fonte foi: https://www.edb.gov.hk/en/edu-system/preprimary-kindergarten/overview/index.html
https://www.oei.es/historico/quipu/chile/index.html
* The preschool is an integral part of the primary school to which it is attached and operates within the general framework of the primary
school system. Although children in Ireland are not obliged to attend school until the age of 6, nearly half (44.4% in 2008/09) of 4-year-
olds and almost all 5-year-olds are enrolled in infant classes in primary schools. (UNESCO, 2012).
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313
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APÊNDICE B - Lista de unidades territoriasi de análises agrupadas por região
e de suas respectivas localizações na internet (atualizadas em fevereiro de 2020)
Unidade
Região País Links para documentação curricular21
territorial
ISCED 1:
https://www.moe.gov.sg/education/syllabuses
ISCED 1:
https://www.edb.gov.hk/en/curriculum-
development/kla/eng-edu/index.html
ISCED 1:
https://ncca.ie/en/primary
https://www.curriculumonline.ie/
getmedia/524b871d-1e20-461f-a28c-
bbca5424112d/Primary-Language-
Curriculum_1.pdfhttps://www.
curriculumonline.ie/getmedia/524b871d-1
e20-461f-a28c-bbca5424112d/Primary-
Language-Curriculum_1.pdf
ISCED 1:
https://www.gov.uk/government/
publications/national-curriculum-in-
england-primary-curriculum
314 R E L ATÓ R I O N A C I O N A L D E A L FA B E T I Z AÇ ÃO B A S E A D A E M E V I D Ê N C I A S ( R E N A B E )
ISCED 1-2
http://www.edu.gov.on.ca/eng/curriculum/
elementary/language18currb.pdf
Quebec ISCED 02
http://www.education.gouv.qc.ca/fileadmin/
site_web/documents/education/jeunes/
pfeq/PFEQ_programme-prescolaire-4-
ans_2017_EN.pdf
ISCED 1
http://www.education.gouv.qc.ca/fileadmin/
site_web/documents/PFEQ/educprg2001.pdf
ISCED 1-2
(https://www.dge.mec.pt/portugues)
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Capítulo 10
Políticas públicas para a formação e o desenvolvimento
profissional de professores
Márcia Teixeira Sebastiani e Suelen Gibellato Suzuki
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Superior, Alfabetização e Educação Profissional aspectos relacionados à qualidade dos alunos
e Tecnológica), CAPES (Coordenação de admitidos nos programas, ao atendimento aos
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), padrões profissionais vigentes, ao treinamento
INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas prático fornecido aos alunos em formação,
Educacionais), CNPq (Conselho Nacional de às parcerias que a instituição provedora deve
Desenvolvimento Científico e Tecnológico), firmar com escolas, dentre outros. A acreditação
CNE (Conselho Nacional de Educação) e IES é um endosso de que um programa atende aos
(Instituições de Ensino Superior). Se queremos padrões aprovados.
ter uma forte, coerente e integrada política para
O Ministério da Educação do Chile, por
os professores seria preciso instituir um grupo de
exemplo, desenvolveu Padrões para Professores
profissionais3 que tivesse competência técnica e
Graduados, especificando o que os professores
acadêmica capaz de desenhar e implementar
devem saber e ser capazes de fazer ao entrar
uma política nacional de qualidade docente.
na profissão, incluindo padrões pedagógicos e
Ponto 2: Monitoram os resultados, seja por disciplinares. Além disso, a partir de 2017, foram
meio de certificação docente, acreditação de introduzidas duas avaliações de professores
cursos ou outra forma de avaliação. em formação: i) uma avaliação realizada
pela universidade, quando do ingresso em um
A grande maioria dos países selecionados definiu
programa inicial de formação de professores,
uma ou mais formas de acompanhamento dos
com o objetivo de organizar mais apoio para
resultados da formação docente. A exceção é a
aqueles que precisam; e ii) uma avaliação
Finlândia, cujo sistema é baseado na confiança,
organizada pelo Ministério da Educação,
ou seja, não há avaliação nacional ou registro
pelo menos um ano antes da graduação, com
para os professores.
resultados fornecidos à Comissão Nacional de
Existem duas formas principais de acompa- Acreditação com vistas a fornecer feedback às
nhamento. A primeira é a certificação docen- instituições e gerar melhorias nos programas de
te, que compreende alguns critérios que devem formação inicial de professores.
ser atendidos pelos professores recém-formados
Já o OfSTED (Office for Standards in
para que eles sejam habilitados a atuar profis-
Education, Children’s Services and Skills) é o
sionalmente. Podem ser citados, como exemplos,
órgão responsável por realizar as inspeções nos
o desempenho acadêmico suficiente, a quanti-
provedores de treinamento inicial de professores
dade adequada de horas dedicadas à prática
do Reino Unido. Os critérios para acreditação
de ensino durante a formação e o atendimento
de instituições provedoras de formação inicial
aos padrões profissionais.
são determinados pelo Departamento para a
Já a acreditação de cursos é uma segunda forma Educação (Department for Education – DfE).
de acompanhamento dos resultados da formação A periodicidade das inspeções é determinada
docente. De forma geral, ela compreende uma pelo processo de avaliação anual de risco, e
série de critérios que devem ser atendidos pelas a frequência de inspeção é proporcional ao
instituições provedoras de formação inicial de desempenho das instituições. Por isso, algumas
professores. Esses critérios podem compreender instituições podem ser inspecionadas mais
do que uma vez durante o ciclo atual de seis
3 Esse grupo poderia ser composto por representantes dos
órgãos/áreas citados e consultores externos. anos. A inspeção ocorre em duas etapas, sendo
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Fonte:https://www.aitsl.edu.au/docs/default-source/national-policy-
-framework/australian-professional-standards-for-teachers.pdf?sf- a todos os programas de ensino superior e,
vrsn=5800f33c_64
portanto, a qualquer programa inicial de
Recomendação: Em dezembro de 2019 foi formação de professores pode ser alcançado
homologado documento que define as diretrizes com a conclusão de qualquer curso de ensino
curriculares nacionais para a formação inicial médio. Não existe uma política específica
de professores e a base nacional comum de de acesso aos programas de formação de
formação de professores. Nesse documento, professores. Nos EUA, os candidatos podem
foi estabelecida uma Matriz de Competências obter sua certificação por diversas rotas, e o
Profissionais Docente que teve como inspiração o controle se dá na saída da formação.
modelo australiano. O desafio agora consiste em:
Já, os programas finlandeses de formação
reorganizar os cursos, os concursos, as avaliações, de professores são extremamente seletivos,
etc. de acordo com as novas competências e, admitindo apenas um em cada dez candidatos.
também, especificar o que cada uma dessas Como resultado, a Finlândia recruta do quartil
competências significa. Por enquanto, ainda superior. Os candidatos são avaliados com
são definições muito abrangentes e não deixam base no histórico escolar do ensino médio, nas
claras as expectativas e o que se deve ensinar atividades extracurriculares e na pontuação no
para alcançá-las. Exame de Matrícula. Além disso, também devem
realizar um exame, de múltipla escolha, que
Ponto 4: Há uma rígida seleção de alunos
avalia sua capacidade de pensar criticamente
para a entrada nos cursos de formação
e avaliar argumentos nas ciências da educação.
inicial de professores.
Após essa primeira rodada de triagem, o
A maioria dos países pesquisados adota candidato é observado em uma atividade de
critérios rígidos para a seleção dos alunos que ensino e entrevistado. Somente candidatos com
participarão dos programas de formação inicial clara aptidão para o ensino, além de forte
de professores. Portugal e EUA (Califórnia) são desempenho acadêmico, são admitidos nos
exceções a essa regra. Em Portugal, o acesso cursos de formação inicial de professores.
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321
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Recomendação: Apesar da legislação brasileira sólida documentação explicando e definindo as
indicar que a prática pedagógica precisa responsabilidades, as etapas, os processos, os
acontecer nas escolas de Educação Básica objetivos, etc.
desde o início do curso, muitas IES acabam
Por exemplo, para trabalhar como professor
“camuflando” essa exigência. Os motivos são
qualificado na Finlândia, os estudantes
variados, mas podemos citar a dificuldade em
universitários praticam em uma escola de
se ter que trabalhar em parceria com as escolas
treinamento de professores durante seus
(novas exigências, adaptações, necessidade
estudos. Os alunos devem passar um ano inteiro
de locomoção dos alunos e professores) assim
ensinando em uma escola de treinamento de
como a inexistência de controle. Como se pode
professores associada às suas universidades
saber se os alunos estão ou não indo às escolas?
antes de se graduarem. Essas escolas são
Quem é o responsável pela orientação aos
escolas públicas que estão sujeitas ao currículo
alunos e como ele faz isso? É comum as IES
nacional e aos requisitos de ensino, como
afirmarem que realizam atividades práticas
qualquer outra escola municipal. No entanto,
quando trazem para dentro da sala de aula
elas foram projetadas pedagogicamente para
dos cursos de formação tarefas que são
apoiar alunos e professores-alunos em suas
realizadas com as crianças, num formato quase
aprendizagens. São escolas modelo, afiliadas
de “teatro” em que os alunos alternam entre o
a universidades, nas quais professores e
papel de professor e o de aluno da Educação
pesquisadores em potencial desenvolvem e
Básica. Não que essa estratégia não possa ser
modelam novas práticas e concluem pesquisas
também utilizada, mas ela não pode substituir a
sobre ensino e aprendizagem. Essas escolas de
vivência do professor em formação nas escolas.
formação de professores podem ser comparadas
Precisamos ter, no Brasil, um forte e consistente
aos hospitais universitários para estudantes de
monitoramento, normas claras, rigorosas e
medicina e também aos Colégios de Aplicação,
detalhadas, e em especial, ampliar o debate
vinculados às universidades que, ao longo do
sobre o valor da integração da teoria com a
tempo, vêm perdendo essa vocação.
prática na formação do professor. Na medicina,
por exemplo, todos os estudantes têm que ter Recomendação: Novamente a questão da
atividades em hospitais, sendo consenso de que institucionalização e do monitoramento são
durante a sua formação, essas atividades devem fundamentais nesse ponto. Temos que ter
acontecer sistematicamente. A mesma exigência instrumentos que definam as parcerias entre
deve acontecer na formação do professor: temos escolas de Educação Básica e IES. Dessa
que, urgentemente, criar essa consciência para forma, será possível estipular responsabilidades,
ajudar a mudar a realidade. objetivos, resultados, etc., e, consequentemente,
poderá haver melhor controle da execução
Ponto 7: Existe uma robusta e aprimorada
do convênio e das atividades. Hoje, no Brasil,
parceria entre as instituições formadoras,
não há essa parceria de forma estruturada,
as escolas em que as atividades práticas
institucionalizada. As normas não são claras, há
acontecem e o Ministério da Educação.
pouquíssima legislação, praticamente nenhum
Essa parceria é essencial para a qualidade monitoramento, e o debate é escasso, para
dos programas de formação docente e por não dizer inexistente. Se houvesse um grupo de
isso não é informal, é institucionalizada. Há profissionais focado na elaboração de políticas
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investir em capacitação. Outros países, como anuais de curso; a criação e fortalecimento de
Canadá e EUA, incentivam a adoção de planos atividades de colaboração entre os professores,
de desenvolvimento individuais anuais pelos o acompanhamento dos resultados práticos que
professores. Esses planos apoiam o aprendizado os cursos trazem para os alunos; a observação da
e o crescimento profissional dos professores, e sala de aula, entre outros.
devem ser construídos de maneira colaborativa.
Ponto 10: Possuem um Plano de Carreira
Na Austrália, para manter sua certificação Docente em que é possível identificar
por ano em Victoria; e em New South Wales A maioria dos países pesquisados possui um
(NSW) 100 horas ao longo de cinco anos, sendo Plano de Carreira Docente estruturado e que
pelo menos metade das horas provenientes de orienta o desenvolvimento profissional dos
aprendizagem profissional aprovada pelo Estado. professores.
A aprendizagem profissional é considerada uma
estratégia essencial de aprimoramento escolar. A Austrália, por exemplo, possui uma matriz de
Em NSW, o plano anual de desempenho e padrões profissionais descritos em quatro níveis
de performance, e esses níveis são utilizados
desenvolvimento dos professores é guiado pelo
para determinar em qual estágio da carreira
plano de governo, e é intitulado “Grandes
o professor se encontra, e para guiar seu
Professores, Aprendizado Inspirado”. A política
desenvolvimento.
de desempenho e desenvolvimento documenta
um conjunto conciso de três a cinco metas Os planos de desenvolvimento anuais mencionados
profissionais explicitamente vinculadas às no ponto 9, para EUA e Canadá, embora não
necessidades de desempenho e desenvolvimento estejam vinculados necessariamente a critérios
dos professores e aos padrões profissionais. Há de promoção funcional, ajudam a mapear e
uma expectativa de que os objetivos se alinhem definir as próximas ações dos professores com
ao plano da escola e às direções estratégicas vistas ao seu desenvolvimento profissional. Esses
sistêmicas, e estabeleçam, para cada professor, planos são construídos colaborativamente, com a
um percurso de desenvolvimento alinhado participação de gestores e diretores, que auxiliam
aos padrões profissionais, reconhecendo os na análise e acompanham o desenvolvimento e
conhecimentos existentes e identificando áreas atingimento dos resultados previstos.
para crescimento profissional. Em todos os casos, os Planos de Carreira
Recomendação: Novamente devemos nos têm a missão de orientar o desenvolvimento
inspirar nas experiências internacionais de sucesso profissional do professor bem como permitir seu
(sempre muito bem estruturadas e validadas acompanhamento e apoio.
científica e empiricamente) para atualizarmos Recomendação: os Planos de Carreira de
e incrementarmos nossas políticas de formação Professores devem existir não apenas para
continuada de professores. São muitas e variadas garantir evolução salarial, mas também para
as opções, porém alguns aspectos se repetem mostrar aos professores que sua profissão tem um
na grande maioria, quais sejam, a definição “caminho” e não é um processo “automático” que
e exigência de um número mínimo de horas vai crescendo apenas com a contagem dos anos
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chamado de decodificação. Em todos os países 6) Desenvolve em seus alunos a
selecionados o professor precisa saber dar compreensão de textos
instruções sistemáticas e explícitas sobre essas
Compreender um texto é o objetivo principal
correspondências, uma vez que consideram esse
da leitura. É possível que um aluno saiba
conhecimento fundamental para o sucesso da
decodificar (ler) uma frase, mas não a entenda,
aprendizagem da leitura.
e também que ele entenda um texto sem ler,
4) Desenvolve em seus alunos a fluência apenas ouvindo.
em leitura oral
A leitura envolve não só a compreensão do
Depois de já ter passada a fase inicial de significado das palavras, mas a decifração de
aprendizagem da leitura, o professor deve frases e sentenças, que depende de como as
atentar-se para a obtenção da fluência na leitura palavras estão organizadas. Um exemplo: a
oral. Tornar seus alunos fluentes significa permitir palavra “toca” pode designar um lugar ou indicar
que o tempo e o esforço para o processamento uma ação. O aluno que está iniciando o processo
da decodificação sejam diminuídos, liberando de alfabetização pode não saber exatamente
assim a memória e a capacidade de entender o que é um substantivo ou um verbo, porém
melhor o significado do que foi lido, e, portanto, precisa entender que uma mesma palavra pode
a compreensão do texto. Por ter um papel ter significado diferente dependendo do contexto.
crucial no processo de aprendizagem da leitura, Devem ser oferecidas às crianças oportunidades
os países selecionados apontam que saber como para que elas se familiarizem com uma variedade
desenvolver a fluência em seus alunos é um de estruturas de linguagem, assim como sejam
dos conhecimentos e habilidades que todos os incentivadas a criar frases mais longas e complexas.
professores dessa área devem possuir.
7) Motiva seus alunos a lerem
5) Desenvolve o vocabulário dos alunos
Em todos os países selecionados os governos
Uma boa compreensão da leitura depende de o oferecem os mais diversos programas para
leitor ter um amplo e profundo vocabulário. O que o hábito da leitura seja incorporado pelas
professor, portanto, precisa mais do que reconhecer crianças, desenvolvendo nelas o gosto pelo ato
essa base para a leitura, deve também saber de ler. Os professores, por sua vez, participam
como desenvolver atividades diretas e indiretas e incentivam constantemente seus alunos a se
que levem ao desenvolvimento do vocabulário de envolverem em atividades que os levem a ter
seus alunos. Ele também tem que saber que há contato com a leitura. É papel do professor
o vocabulário oral – palavras usadas na fala ou ampliar o repertório de literatura de seus
reconhecidas na audição –, e o vocabulário de alunos, para que, com isso, aumente também o
leitura – palavras que são reconhecidas ou usadas conhecimento do mundo e o desenvolvimento da
na impressão. Pode acontecer de uma criança imaginação. Todos os professores reconhecem o
ter um vasto vocabulário oral e, no entanto, quanto as visitas à biblioteca, onde as crianças
encontrar dificuldades em ler palavras impressas, podem escolher e explorar os livros, contribuem
porque seu vocabulário visual é limitado. para motivar os alunos a lerem.
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12) Reconhece e valoriza o papel da família observadas na PNA. Vale esclarecer que os
no desenvolvimento da leitura dois conhecimentos que não foram diretamente
abordados na PNA são aspectos mais específicos
A escola é a principal responsável pelo ensino
da formação dos professores, a saber: avaliar de
da leitura, porém as crianças têm maior
forma contínua, frequente e variada, definindo
probabilidade de sucesso quando sua família
metas a serem alcançadas em cada etapa; e
está ativamente envolvida neste processo. A
apresentar livros que estejam de acordo com a
leitura de textos não é uma atividade que se
idade e as habilidades linguísticas dos alunos.
limita à sala de aula. É importante que os pais
Assim, não se está afirmando que a PNA não
saibam que ler para seus filhos com frequência e
valoriza essas competências do professor, e sim,
desde bem pequenos contribui fortemente para
que não foram comentadas nesse documento.
a aquisição da leitura eficaz. Os professores
também podem ajudar os pais descrevendo Durante o ano de 2019 –, o Conselho Nacional
atividades domésticas apropriadas que eles de Educação discutiu e elaborou um Parecer que
podem realizar de acordo as fases que, ao longo estabelece as diretrizes curriculares e a base nacional
do tempo, levam à leitura independente. Quando comum para a formação inicial de professores
os professores estimulam seus alunos a ler em da Educação Básica e que foi homologado pelo
casa e a levarem livros emprestados para casa, Ministro de Educação em dezembro desse mesmo
a família também pode estar envolvida nesse ano. Esse documento define o que deve saber um
processo, reforçando os estímulos dados pelos professor para dar aula no Brasil. Ao se fazer um
professores e criando oportunidades para que recorte específico sobre o ensino da alfabetização,
essas atividades se efetivem e de preferência, essa legislação aborda dois pontos:
com frequência.
No item 4.3 que trata sobre as competências
Considerações sobre as diretrizes gerais profissionais docentes, na categoria
para a formação docente relacionadas ao conhecimento profissional, o item 1.1 (dominar
ensino da leitura os objetos de conhecimento e saber como
Em abril de 2019, o Ministério da Educação ensiná-los) define em seu subitem 1.1.7 que o
homologou, por meio de decreto, a Política Nacional professor deve “Demonstrar conhecimento sobre
de Alfabetização (PNA), com o objetivo de as estratégias de alfabetização, literacia e
“melhorar os processos de alfabetização no Brasil e numeracia, que possam apoiar o ensino da sua
os seus resultados” (BRASIL, 2019, p. 7), tornando-se área do conhecimento e que sejam adequados à
assim, referência para o ensino de leitura. Portanto, etapa da Educação Básica ministrada” (BRASIL,
é significativo sabermos se os conhecimentos e 2019, p. 18).
habilidades necessários ao professor que ensina a
No item 4.4, subitem 4.4.2, que fala sobre a carga
ler, indicados pelos países selecionados, também
horária e a organização curricular dos cursos de
foram considerados na PNA.
formação inicial, define que no Grupo II que envolve
Nesse sentido, podemos afirmar que das doze disciplinas de aprofundamento, a alfabetização
competências indicadas como basilares a um deve ser abordada, levando o aluno/futuro professor
professor alfabetizador em lugares em que a ter “domínio de seus fundamentos e domínio
os resultados de aprendizagem se destacam pedagógico dos processos e das aprendizagens
positivamente, dez delas também foram envolvidas, com centralidade nos resultados quanto
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Portanto, o que se está ponderando é a que, por sua vez, dependem de muitas outras
necessidade de todo professor responsável condições que as afetam também, tais como
pelo ensino da leitura possuir determinadas disponibilidade de recursos financeiros, ideologias,
competências que além de serem reconhecidas estrutura socioeconômica, padrões éticos, etc.
cientificamente e com base em evidências, são Além disso, um ensino de qualidade requer mais
também consideradas essenciais na formação que professores excelentes; demanda um currículo
dos professores alfabetizadores dos países bem estruturado e exigente, a disponibilidade
que se destacam com relação ao alto nível de de materiais didáticos bem avaliados, gestão
aprendizagem dos seus alunos. escolar, infraestrutura, monitoramento contínuo
e tantas outras condições. Portanto, nossas
Se a meta final é que as crianças se tornem
recomendações apesar de serem mais específicas,
leitores proficientes e que isso as alicerce para
não ignoram esse contexto.
seus estudos futuros, temos que ser capazes de
criar políticas mais eficazes de alfabetização e, Sobre os pontos que estruturam as políticas de
para isso, podemos contar com as informações formação e desenvolvimento de professores
trazidas pela ciência da leitura e pelas experiências
de países que as utilizam com sucesso. Sabemos No levantamento feito na primeira parte deste
que o debate ainda permanecerá, e isso faz capítulo, definiu-se os principais componentes
parte do mundo acadêmico e das democracias, que estruturam as políticas voltadas à formação
mas devemos ignorar as provocações supérfluas docente nos países que alcançam bons resultados
e aquelas cujo objetivo não seja o de garantir nas avaliações educacionais. Com base nesses
equidade e excelência no ensino da leitura. resultados, estamos recomendando a criação de
uma “Política Nacional de Qualidade Docente”
Recomendações (PNQD), que integra os elementos citados e
analisados e que tem como objetivo fortalecer
Reconhecemos que a formação e o desenvolvimento a formação e o desenvolvimento profissional de
de professores fazem parte de políticas que professores. Apresentamos a seguir o desenho
estão inseridas em uma complexa sociedade e de sua estrutura:
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posterior reconhecimento desses cursos. ACARA-AUSTRALIA CURRICULUM,
Isso levará à revisão e atualização dos ASSESSMENT AND REPORTING
programas de formação de professores, em AUTHORITY. English - Foundation Year -
especial as orientações sobre a alfabetização Work sample portfolio summary. [s.l: s.n.], 2014.
que precisam urgentemente ser atualizados Disponível em: http://www.australiancurriculum.
seguindo os progressos científicos. edu.au/Home/copyright. Acesso em: 2 abr. 2020.
332 R E L ATÓ R I O N A C I O N A L D E A L FA B E T I Z AÇ ÃO B A S E A D A E M E V I D Ê N C I A S ( R E N A B E )
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HONG KONG-ADVISORY COMMITTEE edb.gov.hk/en/curriculum-development/kla/eng-
ON TEACHER EDUCATION AND edu/references-resources/LPF/LPFenglish.html.
QUALIFICATIONS (ACTEQ). Third Report on Acesso em: 3 abr. 2020.
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Lire (OBSERVATOIRE NATIONAL DE estudos brasileiros. O Renabe recomenda
LA LECTURE, 1998), dentre outros. Nesse fortemente a manutenção e o aumento do
mesmo sentido, relatórios científicos sobre apoio aos grupos de pesquisa, sob forma de
diversas temáticas deverão ser produzidos e bolsas e de auxílio técnico para aquisição de
usados cada vez mais para fundamentar e materiais permanentes e de consumo, para
aprimorar as políticas públicas. assegurar a continuidade e expansão das
pesquisas em leitura, escrita e matemática.
• Como pesquisadores e professores que
trabalham com alfabetização, sabemos que • No campo da pesquisa científica é importante
o presente Renabe só terá utilidade prática reconhecer que, malgrado as urgências e
se vier a ser estudado, discutido, testado necessidades sociais, as políticas públicas em
de modo sistemático, e implementado ciência e tecnologia, nos diferentes países, não
para prover orientações pedagógicas e podem prescindir das pesquisas básicas, ou
fundamentar políticas educacionais. seja, da produção de conhecimento que não
é imediatamente utilizável, mas que permite
• Há um corpo bastante sólido de
avançar no desenvolvimento da ciência e de
evidências de pesquisas de diferentes áreas
suas aplicações. Diferentes tipos de pesquisa
do conhecimento, produzidas nas últimas
são necessários para alicerçar o progresso
décadas, sobre os mecanismos cerebrais e
na teoria e na prática: pesquisas básicas,
processos cognitivos e linguísticos envolvidos
aplicadas ou clínicas, e translacionais.
na aprendizagem e no ensino das habilidades
de leitura e de escrita. As evidências • A Política Pública que se propõe a
experimentais sólidas, válidas, precisas e fundamentar-se em evidências científicas
atualizadas, reunidas sob o enfoque da necessita conhecimento e discriminação
Ciência Cognitiva da Leitura, destacam- a respeito dos vários tipos de pesquisa e
se das meras crenças, ideologias e opiniões. de como atribuir-lhes valor, fazendo uso
Elas permitem tomar um vasto número de de critérios de validade e fidedignidade.
decisões educacionais de modo isento, justo, Isso implica na necessidade de analisar os
claro, objetivo, aberto, democrático, replicável procedimentos usados nos estudos à luz de
e responsável. critérios de rigor metodológico experimental
e estatístico. Só o leigo se daria por satisfeito
• A produção internacional em Ciência
em aceitar superficialmente os resultados
Cognitiva da Leitura é bastante elevada.
de uma pesquisa sem analisar os fatores
Embora a produção brasileira ainda seja
metodológicos envolvidos na produção
incipiente, ela é de boa qualidade. A maior
desses achados. É preciso reconhecer que
parte dessa pesquisa é produzida em
as pesquisas, às vezes, produzem resultados
universidades públicas ou confessionais, e conta
conflitantes. Nesses casos, só a análise
com financiamento de órgãos governamentais
detalhada dos métodos (participantes,
de fomento, como o CNPq e a CAPES.
procedimentos, instrumentos, medidas) será
• O Renabe reconhece e valoriza os esforços capaz de esclarecer a origem das discrepâncias
desses pesquisadores, que trabalham sob e de elucidar a natureza precisa dos achados.
circunstâncias difíceis e adversas. Ele relata Os estudos de metanálise, isto é, aqueles
grandes e importantes contribuições de que analisam os parâmetros estatísticos dos
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• É preciso que os currículos e as orientações das letras e a consciência fonêmica. A
curriculares sejam explícitos com relação instrução fônica sistemática permite
à integração da Educação Infantil e do relacionar o conhecimento das letras com
Ensino Fundamental. A Educação Infantil seus respectivos sons individuais (fonemas).
faz parte da Educação Básica e precisa Quando as crianças conseguem entender
estar efetivamente integrada e articulada que palavras podem ser segmentadas em
com o Ensino Fundamental. As crianças unidades mínimas denominadas fonemas
da Educação Infantil pública precisam (consciência fonêmica) e que as letras
ter oportunidades concretas e fartas de representam sistematicamente esses fonemas
se engajar em atividades lúdicas que (conhecimento fônico), elas desenvolvem
desenvolvam as competências preparatórias um poderoso mecanismo psicolinguístico
para a alfabetização. As crianças da para ler e escrever palavras. Nesse sentido,
Educação Infantil privada já recebem essas a instrução fônica sistemática não deve ser
oportunidades. É preciso que as crianças entendida como um método, mas, sim, como
da Educação Infantil pública recebam as um componente de diferentes métodos de
mesmas oportunidades, e não venham alfabetização. Ela é indispensável para
mais a ser relegadas a uma abordagem que se aprenda ler e escrever em sistemas
espontaneísta e incidental. alfabéticos, como o Português.
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ir além do nível do fonema, para abarcar documentos estabelecem, de forma clara e
outras unidades linguísticas como morfemas, articulada, as habilidades e conhecimentos
por exemplo, com o objetivo de promover esperados para cada etapa escolar. Os
leitura fluente e com compreensão. Países que documentos nacionais não devem mais
se fundamentam em evidências e têm bons continuar a ignorar esses conhecimentos.
resultados fizeram essa escolha, conforme É necessário que a Base Nacional Comum
documentado neste Relatório. Curricular (BNCC) seja revista, no período
apropriado, à luz do conhecimento científico
• O desenvolvimento da autorregulação
internacional em documentos internacionais
emocional, motivacional, comportamental,
equivalentes, com vistas a promover um
social e cognitiva é instrumental para
aperfeiçoamento de seus fundamentos e
promover literacia, em termos de aquisição
uma maior clareza quanto às habilidades
e consolidação das habilidades de
esperadas em cada uma das etapas de
leitura e escrita. Na Educação Infantil,
ensino.
esse desenvolvimento da autorregulação
é, também, um importante fator para • A alfabetização de crianças com
o desenvolvimento da prontidão para desenvolvimento neurotípico nos contextos
aprendizagem escolar. urbanos e rurais típicos requer muitos
• É possível promover habilidades de cuidados e adaptações de conteúdo e
autorregulação no contexto escolar, a partir de procedimentos e materiais quando se
de diferentes propostas que integrem o considera a diversidade cultural do Brasil.
currículo escolar, mediadas sobretudo pelo Ainda mais cuidados requer a alfabetização
professor. A capacitação de professores é de crianças que não têm desenvolvimento
um fator fundamental para promover a neurotípico e/ou cuja língua materna não é
apropriada aplicação dessas intervenções o Português. Isso ocorre, por exemplo, com
pró-autorregulação. as crianças surdas sinalizantes cuja língua
materna é a Libras, as crianças indígenas
• A avaliação para o monitoramento da ouvintes cuja língua materna é o Tupi, as
aprendizagem é parte essencial do processo crianças imigrantes da Bolívia e Venezuela
educacional. No contexto brasileiro, já cuja língua materna é o Espanhol, as crianças
existem diversas opções de instrumentos indígenas surdas cuja língua materna é a
para avaliação e monitoramento da leitura língua de sinais indígena Urubu-Kaapor, e as
e escrita em crianças. Entretanto, ainda há crianças surdocegas cuja língua materna é a
muitos desafios para a efetiva aplicação de
Libras tátil. Ocorre também com as crianças
processos de avaliação e monitoramento da
com condições sensoriomotoras diversas
leitura e da escrita no contexto escolar.
e mistas, como na paralisia cerebral, que
• Conceitos como consciência fonológica e requer recursos de comunicação alternativa,
fonêmica, decodificação e fluência oral de e na paralisia cerebral associada a surdez
leitura, cunhados e delimitados em trabalhos ou cegueira. O Renabe começou a lançar
acadêmicos do campo das Ciências luz sobre alguns desses tópicos, e alguma
Cognitivas, estão cada vez mais presentes em das adaptações especiais que se fazem
documentos curriculares internacionais. Esses necessárias para a alfabetização de surdos
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escolar do seu alunado. Isso cria as condições
para promover atingimento de níveis cada
vez maiores de competências de leitura,
escrita e matemática, que formam a base
para o sucesso na aprendizagem escolar, na
formação profissional, e na construção de um
futuro de qualidade para a criança brasileira.
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aluno, ocorrendo frequentemente ao final da Compressão logarítmica da linha numérica
unidade de conteúdo estudada. mental: Na linha numérica mental, os números
são representados de modo impreciso,
Avaliação: Mensuração do desempenho, com
codificados em uma escala logarítmica. Na
identificação de grau de dificuldade de realização
escala logarítmica, os intervalos entre os números
de uma ou mais provas. Produz um relato dos
não são fixos como em uma escala intervalar,
pontos fortes e fracos do desempenho de cada
mas diminuem progressivamente à medida que
criança, no encaminhamento, planejamento
a magnitude numérica aumenta.
e análise da efetividade das instruções/
intervenções assim como no planejamento Conhecimento matemático conceitual:
da continuidade do processo de avaliação. Habilidade de raciocínio quantitativo envolvendo
No contexto educacional, o processo de os números, suas relações e operações.
avaliação também tem o propósito de fornecer
Conhecimento matemático declarativo:
informações sobre habilidades acadêmicas
Conhecimento que pode ser representado sob
e monitorar (acompanhar) a aprendizagem.
a forma de um enunciado verbal. No caso da
Quando estabelecido precocemente, possibilita
aritmética corresponde aos fatos e conceitos.
identificar crianças em risco para dificuldades
de aprendizagem da leitura e da escrita. Conhecimento matemático factual: Resultados
das principais associações problemas-respostas
Bootstrapping: Termo derivado da ciência da para o cálculo aritmético simples comutativo
computação, significando literalmente “levantar- (adição e subtração) com números pequenos.
-se pelos cadarços das próprias botas”. Designa
o processo intuito pelo qual a criança intui o Conhecimento matemático procedimental:
princípio da cardinalidade e a função sucessora. Conhecimento que não pode ser traduzido
em enunciados verbais, correspondendo às
Comparação de magnitudes numéricas: habilidades (p. ex., algoritmos de cálculo,
Habilidade de comparar de forma aproximada estratégias de resolução de problemas, etc.) e
a magnitude numérica de dois conjuntos de aos hábitos (de envolvimento com atividades
elementos (não simbólica) ou numerais verbais/ matemáticas).
arábicos (simbólica) de forma aproximada, sem
recurso à contagem. A precisão da habilidade Consciência fonológica: Habilidade de prestar
de comparação numérica corresponde à fração atenção consciente aos sons da fala. Tem sido
de Weber (w). A fração de Weber expressa a sistematicamente identificada como necessária
menor razão entre duas magnitudes numéricas para a aquisição da leitura e da escrita em
que o indivíduo consegue discriminar de forma diferentes idiomas como o Inglês, Português,
confiável e corresponde matematicamente Espanhol, Italiano e Francês.
ao coeficiente de variação (cv) da estimação Consciência fonêmica: Conhecimento cons-
numérica. ciente das menores unidades fonológicas da fala
e a habilidade de manipulá-las intencionalmente.
Composição aditiva: Conceito de que todo
número compreende os números menores que Contagem a partir de (counting on):
ele próprio e é contido nos números maiores Resolução de problemas aditivos contando a
do que ele. partir de um dos dois subconjuntos envolvidos
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Dislexia: Transtorno do neurodesenvolvimento do estímulo e sua representação mental, sendo
que consiste num transtorno específico de essa relação representada por uma função
aprendizagem. Sua prevalência é de 5% a 15% em logarítmica.
crianças em idade escolar em diferentes línguas
Efeito SNARC (Spatial-Numerical
e culturas. Sua etiologia inclui fatores genéticos,
Association of Response Codes): Em
fatores adquiridos, e fatores multifatoriais
uma tarefa de comparação de paridade
(interação entre genética e adquirida). Sua
de algarismos, os algarismos menores são
base psicológica está associada a um déficit
processados preferencialmente pelo hemisfério
em processos fonológicos, que a criança tem
direito e os maiores pelo hemisfério esquerdo,
dificuldade de aprender e consolidar. Crianças
sugerindo que os algarismos são representados
disléxicas enfrentam obstáculos para traduzir
sob a forma de uma linha numérica mental
grafemas em fonemas e vice-versa, e para
espacialmente orientada.
consolidar esta aprendizagem.
Escrever: Atividade que consiste em converter
Distribuição gaussiana: As repostas dos
as sequências temporais de fonemas, separados
neurônios que representam numerosidades se
por pausas, nas respectivas sequências espaciais
distribuem de forma normal ou gaussiana, ou
de grafemas, separadas por espaços, de modo a
seja, através de uma curva em forma de sino em
codificar ou cifrar o fluxo da fala numa sequência
torno do número representado. Isso significa que
de sequências de caracteres de escrita.
as representações neurais, não simbólicas, de
numerosidades não são precisas. Na média os Escrita: Atividade expressiva da linguagem
números tendem a representar numerosidades escrita. Consiste em produzir sequências
específicas, mas existe uma variabilidade em espaciais de grafemas (que correspondem a
torno do estímulo preferido. palavras escritas) separadas por espaços (que
delimitam as palavras escritas) para mapear
Efeito da Distância: Quando as magnitudes
as sequências temporais de fonemas (que
de dois números são comparadas, a dificuldade
correspondem a palavras faladas) separadas
da tarefa é maior quanto menor for a distância
por pausas (que delimitam as palavras faladas)
numérica entre os números. O Efeito da Distância
no fluxo da fala (cf. CAPOVILLA, 2015c, 2018a,
corresponde à lei de Weber da psicofísica. Ou
2018b, 2019, 2020).
seja, a discriminabilidade de dois estímulos
varia de forma proporcional à diferença entre Esteselalema: Unidade da linguagem falada
os mesmos, havendo uma razão mínima de (lalema) recebida por tato (estesia). Unidade
discriminação, a fração de Weber (w). tateável da articulação da fala, usada por
surdocegos para fazer leitura orofacial tátil (cf.
Efeito da Magnitude: Em uma série de
CAPOVILLA, 2015c, 2018a, 2018b, 2019, 2020).
tarefas, tais como comparação de magnitudes,
estimação ou operações aritméticas, a Estimação numérica: Habilidade de determinar
dificuldade da tarefa aumenta à medida que a de forma aproximada a numerosidade de um
magnitude dos números processados aumenta. conjunto de objetos sem recorrer à contagem. A
O Efeito da Magnitude corresponde à lei de precisão dos processos de estimação numérica
Fechner da psicofísica, segundo a qual existe é avaliada através do coeficiente de variação
uma associação positiva entre a magnitude (cv), ou seja, da razão entre o desvio-padrão
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Homofonia: Propriedade de uma unidade de Lalema: Unidade da linguagem falada, que é
linguagem de ser igual à audição. Por exemplo, passível de ser recebida por audição (otolalema),
os lalemas \m\ e \n\, enquanto otolalemas ou visão (optolalema), e tato (esteselalema) (cf.
fonemas, isto é, [\m\] e [\n\] são praticamente CAPOVILLA, 2015c, 2018a, 2018b, 2019, 2020).
semi-homófonos. Ou seja, são semi-homófonos,
Leitura: Atividade receptiva da linguagem
já que, [\m\] ≈ [\n\]. Contudo, esses mesmos
escrita. Consiste em converter a sequência de
lalemas \m\ e \n\, enquanto optolalemas, isto
sequências espaciais de grafemas separadas por
é, {\m\} e {\n\} são muito diferentes à visão. Ou
espaços na respectiva sequência de sequências
seja, são heteroscópicos, já que: {\m\} ≠ {\n\} (cf.
temporais de fonemas separadas por pausas,
CAPOVILLA, 2015c, 2018a, 2018b, 2019, 2020;
para recuperar o fluxo da fala que se encontrava
CAPOVILLA, COELHO et al., 2017).
codificado ou cifrado por meio da escrita, e que
Homoscopia: Propriedade de uma unidade deu origem a essa escrita (cf. CAPOVILLA,
de linguagem de ser idêntica à visão, como, 2015c, 2018a, 2018b, 2019, 2020).
por exemplo, os lalemas num par desvozeado-
Lexicalização: Processo pelo qual os números
-vozeado, como os lalemas \t\ e \d\, \p\ e \b\,
mais frequentes, como datas e marcas de
\f\ e \v\. Ou seja, são homoscópicos, já que:
produtos, são incorporados como unidades
{\t\} = {\d\}, {\p\} = {\b\}, e {\f\} = {\v\} (cf.
integradas no léxico mental, não requerendo a
CAPOVILLA, 2015c, 2018a, 2018b, 2019, 2020;
aplicação de regras sintáticas específicas para
CAPOVILLA, COELHO et al., 2017).
sua transcodificação.
Ícone: Representação não simbólica de
Léxico Esteselálico de Entrada: Vocabulário
magnitude numérica na qual existe uma relação
receptivo de palavras faladas tateáveis
necessária, de semelhança, entre o signo e a
conhecidas, passíveis de leitura orofacial por tato,
magnitude numérica representada. São exemplos
as quais são passíveis de serem reconhecidas de
de ícones pedrinhas, marquinhas ou dedos como
maneira direta, isto é, sem requerer qualquer
representação da magnitude de conjuntos.
processo de decodificação, quando recebidas
Índice: Representação não simbólica de por meio de leitura orofacial por visão (cf.
magnitude na qual existe uma relação CAPOVILLA, 2015c, 2018a, 2018b, 2019, 2020).
necessária, de contiguidade, entre o signo e a
Léxico Esteselálico de Saída: Vocabulário
magnitude representada. As representações
expressivoi de palavras faladas tateáveis
analógicas, nas quais a magnitude numérica
conhecidas, passíveis de leitura orofacial por tato,
covaria com uma dimensão contínua, tais como
as quais são passíveis de serem produzidas de
uma linha numérica ou coluna de mercúrio
maneira direta, sem requerer qualquer processo
em um termômetro, constituem exemplos de de codificação, por meio da fala articulada
representações indexais de magnitude numérica. conspicuamente ao tato (cf. CAPOVILLA, 2015c,
Instrução fônica sistemática: Ensino explícito 2018a, 2018b, 2019, 2020).
e organizado das relações entre os grafemas da Léxico Esteselálico: Vocabulário de palavras
linguagem escrita e os fonemas da linguagem faladas tateáveis conhecidas, passíveis de leitura
falada. orofacial por tato (e.g., por parte do surdocego) (cf.
CAPOVILLA, 2015c, 2018a, 2018b, 2019, 2020).
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o que lê. O Léxico Sematósico de Entrada faz a Literacia emergente: Conjunto de
mediação entre o Léxico Ortográfico de Entrada conhecimentos, habilidades e atitudes
e o Léxico Semântico (cf. CAPOVILLA, 2015c, relacionadas com a leitura e a escrita,
2018a, 2018b, 2019, 2020). desenvolvidos antes da alfabetização.
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CAPOVILLA, 2015c, 2018a, 2018b, 2019, 2020; A resolução de problemas verbais depende
CAPOVILLA, COELHO et al., 2017). de raciocínio verbal e pragmático, memória
de trabalho, vocabulário (quantificadores
Princípio fonotático: Propriedade que tem a
linguísticos), compreensão textual e habilidades
escrita de mapear a fala. As palavras escritas
numérico-aritméticas. As crianças em idade pré-
são compostas de grafemas; as palavras faladas
-escolar conseguem resolver problemas verbais
são compostas de fonemas.
aditivos com conjuntos pequenos, utilizando-se
Princípios da contagem: Invariantes de manipulativos. A maestria sobre a resolução
psicológicos que regulam o processo da de problemas simbólicos aditivos e multiplicativos
contagem e sua utilização nas operações vai sendo adquirida lentamente, ao longo do
aritméticas. Cinco são os princípios da contagem: Ensino Fundamental.
a) correspondência um-a-um; b) ordem estável; Processamento de informação: Abordagem
c) irrelevância da direção; d) abstração; e) ao estudo dos processos psicológicos, modelando-
cardinalidade. -os como se correspondessem a uma sequência
Princípios depois: Teoria psicológica segundo de manipulações de representações mentais, em
a qual a criança desenvolve os princípios analogia ao processamento em um computador
da contagem a partir da sua experiência digital.
com a manipulação dos numerais verbais e Processamento fonológico: Capacidade de
quantidades. representar e manipular os estímulos verbais
Princípios primeiro: Teoria psicológica de acordo com suas características fonológicas
segundo a qual o conhecimento dos princípios abstratas. O termo processamento fonológico
da contagem é, ao menos, parcialmente inato. compreende: a) acesso lexical rápido às formas
fonológicas das palavras; b) representação
Problemas aritméticos verbalmente e manipulação fonológica de itens verbais na
formulados (problemas narrativos): memória de curto prazo (memória de trabalho
Expressões verbais cuja resolução requer fonológica); c) capacidade de discriminar,
a compreensão de relações utilização de representar e manipular mentalmente os fonemas,
operações numéricas. Um exemplo típico de as mínimas unidades linguísticas abstratas com
problema aditivo é: “João tinha 6 bolinhas de valor contrastivo. O processamento fonológico
gude. Ele deu 2 bolinhas para Mário. Com é um importante correlato cognitivo tanto
quantas bolinhas João ficou?” Os problemas
do desenvolvimento da literacia quanto da
verbais constituem um importante componente
numeracia.
do currículo da matemática, favorecendo
a utilização dos conceitos e procedimentos Processos Superiores e Inferiores: Por
numérico-aritméticos na resolução dos problemas processos superiores e inferiores entende-se os
quantitativos da vida. Os problemas verbais são processos de relativamente maior (superior)
complexos porque requerem a construção de um e menor (inferior) complexidade (do Inglês,
modelo linguístico-situacional do seu significado higher-level e lower-level processes); alguns
quantitativo e a operacionalização desse exemplos de processos superiores: solução de
modelo sob a forma de um modelo matemático problemas, planejamento, pensamento abstrato
da sequência de operações a serem realizadas. e inferenciação.
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P O L Í T I C A S P Ú B L I C A S D E O R I E N TAÇ Õ E S C U R R I C U L A R E S E FO R M AÇ ÃO D E P R O F E S S O R E S
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Two-knower: Fase do desenvolvimento da
contagem na qual a criança consegue discriminar
apenas conjuntos com um ou dois elementos de
conjuntos com mais elementos.
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