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1ª edição
Outras Expressões
São Paulo – 2011
Impressão: Cromosete
Tiragem: 1 000 exemplares
CDD 910
CDU 911.3
Catalogação na Publicação: Eliane M. S. Jovanovich CRB 9/1250
Relações campo – cidade: uma leitura a partir do espaço rural fluminense 155
Glaucio Jose Marafon
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Massimo Quaini
Universidade de Gênova | Itália
Estou muito triste por não poder aceitar o seu convite. Seria muito
prazeiroso, de fato, concluir minha carreira acadêmica (me aposentarei no
próximo ano – 2011) com a conferência de abertura de um congresso que
reúne os geógrafos de um grande país como o Brasil e, em particular, aque
les que se ocupam da geografia do mundo camponês. Neste, nas suas raí
zes culturais mais profundas e ainda não extintas vejo as possibilidades de
mudança em um planeta devastado pela longa crise de um imperialismo
financeiro e industrial sem futuro. Politicamente, de fato, reconheço-me
cada vez mais no movimento Terra madre nascido no meu país, graças ao
Slow Food e às intuições de Carlin Petrini, movimento atualmente difundi
do em muitos países, inclusive o Brasil.
Limito-me a mandar-lhes, da minha pequena Ligúria, algumas
considerações que correspondem a um balanço das minhas atividades
como pesquisador em geografia. Alguns conhecem os meus primeiros li
vros, em particular Marxismo e geografia, no qual alimentei a esperança
de que a geografia pudesse, juntamente com outras ciências sociais, re
1
Texto elaborado em virtude de sua impossibilidade de viajar ao Brasil e ministrar a con
ferência de abertura do XX Encontro Nacional de Geografia Agrária (XX ENGA), que ocor
reu na Unioeste, Francisco Beltrão (PR), entre 25 e 29 de outubro de 2010. Escrito dirigido
aos geógrafos brasileiros e especialmente para esta publicação. Tradução: Marcos Aurelio
Saquet, que escolheu também o título principal do texto.
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fia outra”: David Harvey, Richard Peet, Yves Lacoste, Massimo Quaini e
William Bunge2.
Citei Noguè não tanto pela presença de meu nome, mas sobretudo
porque ratifico a sua afirmação de que da “geografia radical” desenvolvi
da nos anos 1960, dos dois lados do Atlântico, nasceram e continuam nas
cendo “geografias críticas” que, de acordo com cada contexto, favorecem
a abertura de novos caminhos em direção a um outro futuro, descobrindo
paisagens inéditas. Também estou convencido de que hoje “os nossos ma
pas contêm terras desconhecidas (...) que resultam opacas. Em direção a
esses novos espaços brancos, a essas geografias outras são dirigidas novas
‘expedições’ geográficas”3.
Por isso, apesar do pessimismo que tenho em relação a uma geogra
fia internacional, cada vez mais vazia com base no culturalismo (no sen
tido do relativismo cultural mais conservador), penso que houve e ainda
existem geografias que, com conteúdos diversos daqueles previstos, contri
buíram e estão contribuindo para experimentar um novo humanismo do
qual temos grande necessidade.
Para entender melhor o sentido dessa evolução é útil traçar outra liga
ção com os anos 1970. Em 1978, escrevi para a coleção Espresso Strumenti,
idealizada e dirigida por Umberto Eco, um texto intitulado Depois da Geo
grafia (Dopo la geografia). O título foi escolhido pelo responsável pela cole
ção, que se encarregou também de apresentar o texto com palavras que vale
a pena recordar, pois ajudam a entender o caminho feito pela Geografia:
2
Surpreendo-me porque a tendência é reproduzir a argumentação de Paul Claval que, a partir
de sua idéia de uma ciência pura e neutra, discute e distingue Harvey de Quaini, atribuindo
ao segundo os adjetivos de stalinismo e dogmatismo.
3
Nogué, Joan. Altri paesaggi. Milão: Franco Angeli, 2010, p. 25-26.
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4
Febvre, L. La Terre et l’évolution humaine. Paris, 1922.
5
Bertacchi, C. Conversazioni geografiche. Per la Storia della Geografia in Italia. Torino: Bocca.
1925, p.10.
6
Idem, p. 19.
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do peso esmagador da tradição alemã? Eis outro problema que não foi colo
cado em questão, mas é muito relevante para reescrever a história do saber
geográfico (não somente na Itália). Uma consequência deveria ser evidente
mas não apareceu: estranhar a Geografia das correntes mais fortes da cul
tura nacional e isolá-la da sociedade e de suas instâncias mais significati
vas que, como já se conhecia, emergiam mais facilmente em nível regional.
Bem (re)vestida pela nova roupagem acadêmica, quando a Geografia deci
de valer-se de tais instâncias e das inevitáveis alianças com as forças sociais
para enraizar-se melhor num nicho conservador, senão reacionário, da so
ciedade civil. Como se a Geografia tivesse que pagar, também na Itália, uma
“oficialidade” palaciana por conta da participação numa fase revolucionária
evidente na realidade histórica e censurada no novo imaginário científico e
político. A referência é, obviamente, à revolução francesa, porque é evidente
que a Geografia moderna nasce como uma das primeiras e mais relevantes
respostas à crise intelectual e política iniciada com a revolução de 1789.
Mesmo que a Geografia Física, no clima positivista do final do sécu
lo XIX, fosse de certo modo privilegiada pelo maior nível de cientificida
de, o cordão umbilical das ciências geográficas com a Economia Política
e com a Estatística – “dois estudos essencialmente modernos – não havia
sido ainda cortado quando, na Geografia, esperava-se “reconhecer o fenô
meno econômico e o aspecto numérico dos movimentos sociais nas suas
relações com o solo e a sua extensão no globo terrestre”. E tal tarefa pode
ria ser cumprida somente quando a Geografia assumisse vínculos com as
paixões terrestres que o seu elevado nível científico lhe devia assegurar:
7
Bertacchi, op. cit., p.111.
19
8
De Certeau, M. L’invention du quotidien. Arts de faire. Paris : UGE, 1980.
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a Fourier, e não por acaso aconteceu que tanto Marx como Elisèe Reclus e
Kropoktin ficaram fascinados com a Geografia de Humboldt e Ritter.
Porém, como citei o papel de Ariana e do seu método para vencer o
labirinto e derrotar o Minotauro, limito-me a recordar que, mesmo havendo
muito a descobrir, há mais de uma Ariana-geógrafa também na história do
marxismo que precisa ser valorizada se o nosso objetivo é elaborar uma sín
tese entre Dédalo ou o espírito global e Ariana ou a revalorização do coração
e do tato ou da proximidade. Tal síntese, o marxismo e a Esquerda revolu
cionária teriam conseguido encontrar se tivessem dado mais atenção a Rosa
Luxemburgo: uma economista marxista que amava muito a Geografia e as
paisagens, conjungando, na sua elaboração teórica, a mente e o coração, a
paisagem e a racionalidade econômica e política. Nas suas cartas escritas na
prisão, há um forte desejo de viajar livremente pelas paisagens rurais, pelos
jardins típicos do ambiente mediterrâneo, em particular da Córsega. Com
essa relação com a Geografia e com a hitória mediterrânea, Luxemburgo
junta-se a Rousseau e ao espírito libertário da revolução que gerou a que
da do regime aristrocrático. Nessa revolução, e pensamento tinha alguma
coisa a mais da idéia burguesa da apropriação privada do território e das
terras comuns. Tinha a liberação de todos os espaços, a liberdade celebra
da por Rousseau de percorrer e gozar livremente a bela paisagem do jardim
da natureza e de continuar produzindo-o, limitando a cidade, a tecnologia.
A transformação da paisagem de espaço aristocrático em espaço de prática
popular e democrática e, por esta via, há também superação da separação
entre o útil e o belo, entre a produção e a contemplação.
Superação que, atualmente, foi sancionada pela Convenção euro
péia da paisagem. A Convenção, no seu mais profundo significado político,
convida-nos a uma relação diferente com a história, com as razões de um
passado não totalmente esquecido. O modelo econômico “superado” pela
história, do qual a paisagem rural, que hoje tentamos tutelar, era a manifes
tação visível, podemos dizer, do tipo pré-capitalista, pelo fato de se manter
numa dimensão cultural predominantemente local, artesanal e familiar (a
unidade camponesa e familiar tinha uma centralidade que, em boa parte,
foi desagregada e desmantelada pela agroindústria de mercado). Este mun
do pré-capitalista, feito de lugares e paisagens, conflita fortemente com a
globalização. A sua conservação é uma das cartas em jogo na batalha entre o
local e o global. A teoria de Marx – que esteve na base da primeira teoria eco
nômica da globalização –, ajuda-nos também atualmente a entender algu
mas manifestações desta batalha. Em particular, auxilia-nos a teoria da crise
econômica elaborada por Rosa Luxemburgo há um século e recentemente
retomada por Zygmunt Bauman também para explicar a última profunda
crise financeira9. O que dizia Luxemburgo, que não por acaso amava mui
9
Bauman, Z. Capitalismo parassitario. Bari: Laterza, 2009.
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10
Sennet, R. L’uomo artigiano. Milano: Feltrinelli, 2008.
11
Idem, pp. 21 e 50.
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1
Grifo nosso.
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2
O livro de Daniel Faucher nunca foi traduzido para o português, cujo título poderia ser: Geo
grafia Agrária (Tipos de Cultivos), seguindo a proposta espanhola, constante nas referências
deste texto.
3
Cabe, ainda, ressaltar que a obra de Faucher teve uma versão preliminar publicada, na
forma de ensaio, no Bulletin du Centre de Documentation Française, por duas vezes, em
1935 e 1940, já levando o mesmo título Geographie Agraire (Types de Cultures) (FAUCHER,
1953:9).
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José Bueno Conti é Professor Titular no Departamento de Geografia da Faculdade de Filo
sofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Cabe-nos, aqui, um agra
decimento especial à gentileza do Prof. Dr. José Bueno Conti em compartilhar parte de sua
história acadêmica, permitindo o delineamento dos meandros de produção da Geografia
Agrária Brasileira.
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5
Pierre Deffontaines permanece, no Brasil, entre 1934 e 1940, sendo, no primeiro ano, em
São Paulo e, depois, no Rio de Janeiro.
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que, de São Paulo, a grande influência vai ser estabelecida por Pierre Mon
beig6, um proeminente geógrafo historicista muito preocupado com a rea
lidade histórica da frente pioneira, tema central de sua tese de doutorado,
defendida em meados do século XX7 e traduzida para o português apenas
em 1984 (MONBEIG, 1984).
Além da influência de Jean Brunhes, presente nos estudos de Pier
re Deffontaines, dentre outros; Albert Demangeon foi lido e incorporado,
sobretudo por meio da discussão de Geografia Agrária, de Daniel Faucher
(1953).
Na perspectiva de um conhecimento sobre o campo e a agricultura,
mas fazendo uma Geografia Humana, Jean Brunhes (1956) valorizou as
categorias de produção agrícola e habitat; Albert Demangeon (1956), as
de habitação e povoamentos rurais; e Max Derruau (1964), as de paisagem
agrária e sistemas agrícolas.
Seguindo a tradição historicista e dialogando, sobremaneira com
a obra de Jean Brunhes, Albert Demangeon, Max Derruau, Marc Bloch,
dentre outros; Daniel Faucher (1953) constitui sua obra utilizando-se da
categoria de sistema agrícola como fundamento principal de suas análises,
relacionando os elementos físicos aos técnicos na realização das ativida
des agrícolas.
Além da tradição francesa conformando os contornos da Geografia
no Brasil, Leo Waibel8 representou, sobretudo com seu Capítulos de Geo
grafia Tropical e do Brasil, de 1958, forte influência, de linha alemã, na for
mação dos geógrafos brasileiros, a partir de meados do século XX, com a
fortificação das categorias de sistema agrícola e de paisagem, bem estabe
lecidas em suas Geografias Agrárias Estatística, Ecológica e Fisionômica,
conforme as discutira Orlando Valverde (1964:22).
A segunda metade do século XX inicia-se sem a presença, em lon
gas expedições acadêmicas, de grandes geógrafos estrangeiros preocupados
com o campo e a agricultura. Mas o diálogo não é interrompido, aprofun
dando a preocupação com as relações sociais, presente na obra de autores
como Pierre Monbeig, em que vale destacar Pioneiros e fazendeiros de São
Paulo, mas, também, Ensaios de Geografia Humana Brasileira (MONBEIG,
1940) e Novos Estudos de Geografia Humana Brasileira (MONBEIG, 1957).
6
Pierre Monbeig permanece, no Brasil, entre 1935 e 1949, em São Paulo. Sobre o pensamen
to de Pierre Monbeig, cabe a leitura do livro de Aldo Dantas – Pierre Monbeig, um marco da
Geografia brasileira –, resultante de sua tese de doutorado.
7
A tese de doutorado de Pierre Monbeig obteve, em 1950, o prêmio de tese da Fundação Na
cional das Ciências Políticas (MONBEIG, 1984:15).
8
Leo Waibel permanece, no Brasil, no Rio de Janeiro, entre 1946 e 1950. Sobre Leo Waibel e
a sua contribuição para a formação da Geografia Agrária, cabe a leitura do livro de Virgínia
Elisabeta Etges (2000) – Geografia Agrária; a contribuição de Leo Waibel –, resultante de sua
tese de doutorado (ETGES, 1997).
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Não se pode deixar, ainda, de mencionar Estudos de Geografia Agrária Brasileira, como uma
outra obra de grande envergadura do autor na continuidade das reflexões anteriormente
apontadas, em que se coloca uma leitura de crítica na distribuição da riqueza socialmente
produzida.
10
Vale, aqui, ao menos indicar os trabalhos de CARVALHO (1944), MÜLLER (1946), FRANÇA
(1951), PETRONE (1961 e 1964), SADER (1970) e FERNANDES (1972).
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11
Distanciamo-nos da leitura de Thomas S. Kuhn (1997) acerca da definição de paradigma
como padrão teórico-metodológico, praticamente, homogêneo da ciência e aproximamo-
nos de Ivan Domingues (2004:52) ao reconhecer o paradigma como uma “espécie de guarda-
chuva capaz de abrigar várias teorias”.
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Ao se tentar teorizar é necessário ter uma abertura que permita a cada estu
dioso seguir os seus caminhos filosóficos, epistemológicos e políticos e que
ele seja capaz de se adaptar a cada situação com que se defronte. Os grandes
modelos podem ser utilizados apenas como referências abstratas, teóricas,
mas nunca como uma meta a ser aplicada mecanicamente no trabalho cien
tífico, no campo. A observação e a preocupação com a diversificação devem
permanecer no raciocínio do estudioso para atenuar o rigorismo dos mode
los que quase sempre são bem elaborados, mas em geral contribuem para a
alienação. (ANDRADE, 1995:12).
Referências:
ALENTEJANO, Paulo Roberto Raposo. Reforma Agrária e pluriatividade no
Rio de Janeiro. 1998. Dissertação de Mestrado – Mestrado em Desen
volvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998.
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Introdução
Os Encontros Nacionais de Geografia Agrária constituem fóruns im
portantes para o debate sobre as questões teórico-metodológicas da geo
grafia agrária não apenas com os geógrafos, mas também com pesquisa
dores de áreas afins. O caráter interdisciplinar dos Encontros sempre foi
positivo. E, nessa interdisciplinaridade, os desafios são constantes.
Em 2008, completamos 30 anos da realização do 1º Encontro Nacio
nal de Geografia Agrária (ENGA). Ao longo desse período 18 encontros. Para
comemorar a data, preparamos este texto que foi apresentado também no
XIX ENGA, realizado em fevereiro/2009 na Universidade de São Paulo.
A pluralidade de temas, ao longo dos dezoito encontros realizados,
reflete a preocupação dos geógrafos em “construir” uma geografia agrária
brasileira que possa contribuir para a reflexão crítica sobre o campo e a
cidade, o rural e o urbano e suas contradições.
Assim, o objetivo é fazer um relato de minha trajetória nos quinze
encontros dos quais participei e mostrar sua importância para minha for
1
Texto originalmente publicado na GEOUERJ, Rio de Janeiro, v.2.n.18, p.208-223, 2º. Sem.
2008 e apresentado,com revisões, no XIX Encontro Nacional de Geografia Agrária/ 2 a 7 de
fevereiro 2009/USP.
2
Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia/Instituto de Geografia/UFU/Mem
bro do LAGEA e NEAT.
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3
Rio que separa Minas Gerais de São Paulo.
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Rivaldo Pinto de Gusmão/geógrafo do IBGE.
5
Solange Tietzmann Silva/ geógrafa do IBGE.
6
Olindina Vianna Mesquita/geógrafa do IBGE.
44
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46
7
PAIVA, Ruy Miller. Modernização e dualismo tecnológico na agricultura. Pesquisa e planeja
mento: Revista do IPEA, v.1, n.2, p.171-234, dez./1971.
8
KARP, Phil. Rural development: a people-oriented strategy. Antipode, Mass.,v.8, n. 2, p.50-
64, may. 1976.
9
GRAZIANO DA SILVA, José (Coord.). Estrutura agrária e produção de subsistência na agri
cultura brasileira. São Paulo: HUCITEC, 1978.
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Para finalizar...
No “espaço” dos ENGA’s, o conhecimento produzido, resultado das
pesquisas, mostrou (e mostra) que, nessa trajetória, a interdisciplinaridade
contribuiu para o fortalecimento dos encontros.
Assim, nossa participação, ao longo dos quinze ENGA’s, contribuiu
para esta reflexão. A cada Encontro, a busca por “respostas” aos problemas
levantados possibilitava um repensar da continuidade dos mesmos para
cumprir o proposto no I ENGA. Este objetivo, conforme já destacado, tem
sido alcançado.
A reflexão que fazemos, a cada dois anos de realização dos Encon
tros, mostra a importância do repensar teórico-metodológico iniciado em
1978. Podemos afirmar que a geografia agrária brasileira, nesses trinta
49
Referências:
ANAIS DOS ENCONTROS NACIONAIS DE GEOGRAFIA AGRÁRIA- 19
79/1980/1983/1984/1985/1986/1987/1988/1990/1992/1994/1996/1998
/2000/2002/2004/2006
ASARY, Alice Y. et al. Realidade agrária do norte paranaense: transforma
ções recentes e novas perspectivas. Londrina:UEL;Uberlândia:UFU,
1999. 333p. Relatório.
ASARY, Alice Y. et al. Realidade Agrária Do Norte Paranaense: transforma
ções recentes e novas perspectivas. Londrina:UEL;Uberlândia:UFU,
2001. 426p. Relatório.
DINIZ, José Alexandre Felizola et al. ENGA ANO 10: subsídio ao estudo da
história da geografia agrária brasileira. Aracaju: [s.n],1987. (Texto
mimeo.).
FERREIRA, Darlene Ap. de O. Geografia agrária brasileira: fontes e refe
rências.In: . Mundo rural e geografia: geografia agrária no
Brasil: 1930-1990. São Paulo: Editora UNESP, 2002. p.113- 186.
TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. A nova organização do trabalho
científico. In: MOROSINI, M. C. (Org.). Universidade no MERCOSUL.
São Paulo: Cortez; Porto Alegre:FAPERGS/CNPq, [199-]. p.178-187.
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em seu trabalho. Isto é algo que foi construído e fortalecido nos Encontros
Nacionais de Geografia Agrária, pois não é só entre os pesquisadores já esta
belecidos que as discussões tanto teórico-metodológicas quanto pragmáticas
devem acontecer: os estudantes ali presentes são o resultado das sementes
do conhecimento que plantamos e, portanto sua participação nas comunica
ções demonstra o cuidado que nós, pesquisadores/professores tivemos com
esta planta que ainda está crescendo. É este o momento em que podemos
perceber o encantamento desses jovens pela Geografia Agrária, a sua busca
pelos novos rumos, pelos novos caminhos, pelo fortalecimento do seu co
nhecimento. E isto é possível comprovar pela sua participação crescente nos
Encontros Nacionais de Geografia Agrária. Em 1988, Galvão já afirmava em
sua palestra de baertura no XIII ENGA , em Florianópolis que,
Nesse particular, vale ressaltar a interacao frequente e, cada vez mais forte
entre os ENGAs e os Cursos de Pós-Graduação, através de articulações entre
teses e comunicações, que são a expressão concreta desse fortalecimento da
Geografia Agrária e de seus profissionais em todo o país. (GALVÃO,1988)
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teorias e de posições políticas as mais diversas uma vez que define-se como
espaço primaz de diálogo e de relativização do conhecimento original em
construção na Geografia Agrária.
E para concluir esta reflexão, uma vez mais usaremos as palavras de
Galvão (1991) que afirma ser,
Referências:
CAMPOS, J.F. de S.; FERNANDES, B.M. Grupos de esquisa/pesquisado
res e encontros científicos da geografia agrária: levantamento das
produções paulistas do simpósio internacional de geografia agrária
(2005 e 2007). XIX ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁ
RIA, São Paulo, 2009, pp.1-21.
CHELOTTI, M.C.; PESSOA, V.L.S. (Re)visitando a geografia agrária de
Raymond Pébayle: interpretações sobre o espaço agrário gaúcho,
CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v.2, n. 4, p. 38-
61, ago. 2007.
FERREIRA, Darlene A. de Oliveira. Terra Livre, São Paulo n. 16 p. 39-70 1º
semestre/2001.
GALVÃO, M. do C. Contribuição ao debate teórico-metodológico em Geo
grafia Agrária. Anuário do Instituto de Geociências, Rio de Janeiro,
1991. V.14, pp.45-52.
GALVÃO, M. do C. Questões e desafios para a investigação em Geografia
Agrária. Conferência de abertura do IX ENGA (Encontro Nacional de
Geografia Agrária), realizada na UFSC, em dezembro de 1988.
MARAFON, Gláucio José. A importância dos grupos de pesquisa na forma
ção dos profissionais da geografia agrária: a experiência do NEGEF.
In: Campo Território: Revista de Geografia Agrária, Uberlândia, v. 3,
n. 5, p. 284-290.
Programação do XX ENGA. http://sites.google.com/site/xxenga/programa
cao-do-xxenga consultado em 24/10/2010.
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1
Palestra proferida na Mesa Redonda “Dilemas na conceituação do campo e do rural no Bra
sil” no I Simpósio Urbano Rural – USP/SP.
59
2
Kayser 1993 ;Jean 1995. Faire la géographie sociale aujourd’hui – Les Documents de MRSH de
Caen,n°14,octobre 2001,p.111-122.
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Por outro lado Maria Nazareth Baudel Wanderley, coloca que “as di
ferenças espaciais e sociais das sociedades modernas apontam não para o
fim do mundo rural, mas para a emergência de uma nova ruralidade”
Segundo José de Souza Martins, não raro o mundo rural tornou-se
objeto de estudo e de interesse de sociólogos rurais pelo ‘lado negativo’ [...]
Não por aquilo que as populações rurais eram e sim por aquilo que os cien
tistas gostariam que elas fossem.
E a ruralidade, o que é ruralidade?
A ruralidade pode ser entendida como um modo de vida, como uma
sociabilidade que é pertinente ao mundo rural, com relações internas es
pecíficas e diversas do modo de viver urbano.
A ruralidade sugere uma gama considerável de imagens quando é
pensada, quando é discutida. Ruralidade é uma construção social contex
tualizada, com uma natureza reflexiva, ou seja, ela é o resultado de ações
dos sujeitos que internalizam e externalizam através dessas ações a sua
condição sócio-cultural presente reflexo daquela herdada de seus antepas
sados. Nesta ruralidade está expressa a capacidade destes sujeitos de se
adaptarem às novas condições resultantes das influências externas.
A modernidade continua a se surpreender com a manutenção, com
a permanência, com a capacidade de transformação e de mudanças que
ocorrem no mundo rural. Neste processo de transformações entende que
o rural não se ‘perde’; ao contrário, reafirma sua importância e particula
ridade.
E ao assumir esta ruralidade como uma construção social é que de
vem ser enfatizadas e compartilhadas abordagens que percebem ser este
um modo de ser, um modo de viver mediado pelo território e pela cultu
ra. A ruralidade deve ter referência em si mesma e não a partir da cidade,
como se dela fosse um apêndice com dependência política e econômica.
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Segundo Francisco Duran (1998), não deve haver distinção entre ru
ral e ruralidade uma vez que não se constitui em uma questão e, mais do
que isso, deve ser ignorada, especialmente quando se investiga uma multi
plicidade de aspectos, socioculturais, econômicos e ecológicos.
Por esta razão as reflexões sobre a ruralidade na atualidade devem
ter como exigência o re-conhecimento do rural, considerando suas pró
prias relações assim como com o urbano. Estas novas ruralidades ao se
rem estudadas devem considerar todas as especificidades e todas as repre
sentações deste espaço rural tanto em relação ao espaço físico (referência
ao território e aos seus símbolos), ao lugar onde se vive (territorialidades,
identidades) e lugar de onde se vê e se vive o mundo (a cidadania e inserção
nas esferas políticas e econômicas da sociedade).
Mas é preciso destacar que no âmbito da modernidade há uma rela
ção de uma certa forma tensionada entre o rural e o urbano em virtude da
valoração excessiva dirigida ao urbano, que ainda é visto e pensado como
sinônimo de moderno, de progresso, ao contrário do rural visto como sinô
nimo do atraso, do tradicional.
Segundo Enrique Sergio Blanco (2004), as “novas ruralidades” não
só aproveitam como também expandem as novas funções e as novas ati
vidades no campo principalmente integrando e envolvendo as famílias ru
rais tanto com o poder público como com a iniciativa privada. É a conhe
cida pluriatividade ou multifuncionalidade do campo, como é classificado
esse novo momento no meio rural brasileiro.
Foi a partir de meados dos anos 80, segundo José Graziano da Silva,
que o meio rural brasileiro teve uma nova conformação, compondo-se ba
sicamente de três grandes grupos de atividades:
Muitas dessas atividades, na verdade, são seculares no país, mas não tinham até
recentemente importância econômica. Eram atividades de fundo de quintais,
hobbies pessoais ou pequenos negócios agropecuários intensivos (piscicultura,
horticultura, floricultura, fruticultura de mesa, criação de pequenos animais,
etc.), que foram transformados em importantes alternativas de emprego e ren
da no meio rural nos anos mais recentes. Muitas destas atividades, antes pou
co valorizadas e dispersas, passaram a integrar verdadeiras cadeias produtivas,
envolvendo, na maioria dos casos, não apenas transformações agro-industriais,
mas também serviços pessoais e produtivos relativamente complexos e sofisti
cados nos ramos da distribuição, comunicações e embalagens (p.1).
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da vida nas cidades. O rural passa a ser buscado como ambiente para o la
zer e para a fuga dos problemas da vida urbana fazendo com cresçam os
investimentos em condomínios horizontais, chácaras, hotéis-fazenda, spas
e coisas do gênero.
O espaço rural se vê então, gradativamente, interpenetrado por este
novo personagem, o neorural, constituído por profissionais liberais, aposen
tados, amantes da natureza, todos eles ex-habitantes da cidade que buscam
no campo tranqüilidade e paz, mas todos eles com suas referências urbanas
e ligados ao mundo global. São novas ruralidades num espaço rural que é
marcado pela presença forte de seus velhos personagens: os ruralistas, os la
tifundiários, os produtores familiares, os camponeses com ou sem terra.
Portanto, é preciso ter claro de que dentro dessas contradições, em
todas as regiões brasileiras ainda se encontra parte significativa de sua po
pulação rural excluída do processo produtivo, vivendo em luta constante
na espera de uma reforma agrária justa, séria e comprometida. Esses cam
poneses assentados ou não, fonte de abastecimento de alimentos para a
população brasileira, parte viva, dinâmica deste rural, com seus saberes,
com sua cultura re-configuram novos territórios, re-configuram também
novas ruralidades no espaço agrário brasileiro.
Referências
BLANCO, Enrique Sergio. O turismo rural em áreas de agricultura fami
liar: as «novas ruralidades» e a sustentabilidade do desenvolvimento
local. Caderno Virtual de Turismo, v.4, n° 3, 2004.
CARNEIRO, Maria José . Pluriatividade da agricultura no Brasil: uma refle
xão crítica CPDA/UFRRJ, 2004.
DURAN, Francisco E. Viejas y nuevas imágenes sociales de ruralidad. Es
tudos Sociedade e Agricultura, 11, outubro 1998: 76-98.
E. P. Thompson. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica
ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A Globalização da natureza e a natureza
da globalização. Civilização Brasileira, RJ, 2006.
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KAYSER 1993; Jean 1995. Faire la géographie sociale aujourd’hui – Les
Documents de MRSH de Caen, n°14,octobre 2001,p.111-122.
64
65
Cabe ao geógrafo esta análise do cenário urbano, assim como do cenário ru
ral. E ela não poderia ser árida sob pretexto de ciência: deve exprimir a alma
da cidade. O agrupamento urbano (...) que não é hoje, sem dúvida, o que foi
ontem... (Monbeig, 1941).
67
68
3
Este debate também se dá em outras realidades tendo em vista as transformações gerais na
espacialidade das sociedades na atual fase do processo de mundialização do capital. Assim,
encontramos o debate sobre a ville emergente (França), “as novas realidades territoriais” (Es
panha) e da città disfatta (Itália), para citar alguns exemplos europeus. Ver a propósito os
trabalhos de G. Dubois-Taine e Y. Chalas, La ville emergente. Saint-Etienne: Editións L’Aube,
1997; A. Precedo Ledo, Nuevas realidades territoriales para el siglo XXI. Madrid: Síntesis, 2003
e F. Indovina, La Città Diffusa. Venezia: Daest/IUAV, 1990.
4
A discussão sobre a definição de áreas e regiões metropolitanas extrapola os limites da geo
grafia urbana, sendo que alguns contornos deste debate podem ser encontrados em Silva,
69
C.A.; Freire, D. G.; Oliveira, F. G. Metrópole: governo, sociedade e território. Rio de Janeiro:
DP & A, Faperj, 2006. Já a temática das cidades médias vem sendo bem discutida pelos geó
grafos, como se observa no livro organizado por E. Sposito, M. E. B. Sposito e O. Sobarzo,
Cidades Médias: produção do espaço urbano e regional (Presidente Prudente: Expressão Po
pular, 2006). Para uma visão de outras realidades ver C. Bellet e J. M. Llop, (ed.) Ciudades
intermedias: urbanización y sostenibilidad. Lleida: Editorial Milenio, 2000.
5
Já no final dos anos 1980 e início dos 1990, Milton Santos discutiu a nova organização do
campo modernizado e suas conseqüências na rede urbana brasileira, considerando “três
brasis”, um urbano, outro agrícola, além do Brasil rural (ver Santos, 1988 e 1993).
70
6
“Principais indicadores das Regiões Metropolitanas recuaram de 1992 a 2004, enquanto o
resto do Brasil cresceu. As grandes regiões metropolitanas, com destaque para São Paulo, an
daram na contramão do resto do País nas melhoras dos indicadores econômicos e sociais bra
sileiros entre 1992 e 2004. “São como baleias encalhadas, retardando o desenvolvimento do
Brasil”, diz o economista André Urani, diretor-executivo do Instituto de Estudos do Trabalho
e Sociedade (IETS), no Rio” (O Estado de São Paulo, São Paulo, 25 de junho de 2006).
71
7
Ver IPEA, IE-NESUR/Unicamp, IBGE Caracterização e tendências da rede urbana do Brasil.
Campinas: Unicamp, 1999.
72
8
Ver Terán, F. La ciudad hispanoamericana: um sueño de orden. Madrid: CEHOPU, 1898 e Ro
mero, J. L. América Latina. As cidades e as idéias. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004.
73
ou, por outro lado, se estabeleceu a “lei do mais forte” com a elite latifun
diária exercendo o monopólio da violência sem a presença do Estado. No
primeiro caso, vilas e cidades surgem como urbs e polis, precedendo a so
ciedade civil, enquanto que no segundo a urbs se constrói antes da chegada
civitas ou da polis.
74
9
Em caso de comparações com outros países, Espanha possui 8.108 municípios e França
apresenta-se dividida em 36.782 comunas, a menor unidade administrativa do Estado, go
vernada por um conselho municipal e presidida por um prefeito, ambos países possuem ex
tensão semelhante à Minas Gerais ou Bahia. Já os Estados Unidos estão divididos em 3.141
condados (counties) e mais de 30.000 cidades.
10
QADEER, M. A. Urbanization by explosion. Habitat International, 28, 2004, p. 1-12.
75
76
Considerações finais
A conceituação de cidade e de urbano no Brasil é um debate aberto
no qual os geógrafos devem intervir. Os referenciais históricos e teórico-
metodológicos da geografia contruídos ao longo do século XX nos per
mitem uma interpretação apurada do processo de urbanização brasileiro,
bem como do entendimento das formas de produção e organização das
nossas cidades. Se a realidade é cambiante e está nos obrigando novamen
te à reflexão, que o façamos à luz das experiências anteriores, e incorpo
rando novos referenciais que levem em consideração a situação atual de
inserção de nosso país nos fluxos de uma sociedade global, a qual é cada
vez mais, urbana.
Entretanto, não podemos discutir os conceitos de cidade e urbano
no Brasil com a intenção de qualificar ou desqualificar determinados es
paços. É preciso ter consciência de que na atualidade o Estado cumpre um
importante papel na integração de populações na sociedade urbana. Como
resultado de lutas históricas acumuladas por amplos setores de nossa so
ciedade, no Brasil, onde há cidade há Estado! E possibilidade de direitos
civis e sociais. Porque é nas cidades que se estabelecem as melhores condi
ções de organização e participação social.
Não alentamos ilusões de que será o Estado que construirá a cidade
(assim como não foi o Estado que construiu a sociedade). Tampouco será
77
uma mudança de conceito que produzirá entre nós uma verdadeira socie
dade civil, ou que irá inserir nosso país nos trilhos do desenvolvimento.
Neste sentido, a idéia de cidades no sentido completo do termo, no
Brasil ainda é uma utopia a ser construída, não sem avanços e recuos, num
processo de lutas que envolve diferentes segmentos sociais e projetos de
sociedade.
Referências:
ASCHER, F. Metápolis, ou l’avenir dês villes. Paris: Odile Jacob, 1995.
Amendola, G. La ciudad postmoderna. Madrid: Editorial Celeste, 2000.
Bourdin, A. A questão local. Rio de Janeiro: DP & A, 2001.
MONBEIG, P. O estudo geográfico das cidades. Boletim Geográfico. IBGE.
Transcrito da Revista do Arquivo Municipal. São Paulo, ano VII, vol.
73, janeiro de 1941.
Monte-Mór, R. Urbanização extensiva e novas lógicas de povoamento:
um olhar ambiental. In Santos, M., Souza, M. A. e Silveira, M. L.
(orgs.) Território: globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec/
Anpur, 1994, p. 169-181.
Monte-Mór, R. O que é o urbano, no mundo contemporâneo. Texto para
Discussão, nº 281. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 2006.
Oliveira, F. O Estado e o urbano no Brasil. Espaço & Debates – Revista
de estudos urbanos e regionais, vol. 6, 1982, p. 36-54.
Santos, M. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1988.
Santos, M. A urbanização brasileira. São Paulo: Hucitec, 1993.
78
Sandra Lencioni
Profa.Dra. do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e
CiênciasHumanas da Universidade de São Paulo | slencion@usp.br
Introdução
A pesquisa exige, permanentemente, escolhas e, nesse sentido, pes
quisar significa viver opções. Esse viver traz angústias, pois o risco de op
ções equivocadas é uma realidade que não deixa traços indeléveis e exige
correção de caminhos e rotas. Angústia, descrença nas certezas e encontro
com novas certezas fazem parte do percurso do conhecimento. Nesse per
curso, enfrentar dificuldades, negar falsos problemas e superar equívocos
requerem coragem, mas exigem também, uma certa dose de prudência.
De certa maneira, a prática de pesquisa se confunde com o exercício
de opções e a necessidade de separar partes da totalidade para a análise e,
posteriormente, sua reconstituição enquanto síntese construída pelo inte
lecto. Esse exercício pode conduzir a dilemas; ou seja, pode vir acompa
nhado de insatisfação em relação ao que se está escolhendo ou selecionan
do para a análise. Se assim o for, os dilemas deixam de se situar no âmbito
de simples escolhas, e podem e trazem, no exercício da opção, uma certa
angústia, uma insatisfação presente em qualquer que for a escolha feita.
Essa insatisfação, longe de comprometer o avanço do conhecimen
to, é motivadora do seu desenvolvimento, pois é ela que nos liberta e coloca
desafios, já que as respostas que se tem não parecem satisfatórias. Assim,
os dilemas são como o ritmo de um coração batendo, sem ele o coração
perde o sopro da vida, tanto quanto o conhecimento, sem os dilemas, per
de a liberdade que impulsiona seu desenvolvimento.
79
80
81
82
83
2
Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, referido no texto simplesmente como
Dicionário Houaiss.
3
Além das derivações por metonímia, o dicionário registra regionalismos, a exemplo de ur
bano usado, no Estado de São Paulo, com o sentido de soldado da polícia. Não discutiremos
regionalismos relativos a essas palavras. O dicionário registra, também, a etimologia da pa
lavra cidade e urbano, que será discutida a posteriori.
4
Sobre adjetivos, ver Cunha: 1992: 114 e 151.
84
5
No caso da palavra urbano se apresentar como adjetivo que busca caracterizar os seres ou
objetos, os sentidos que podemos encontrar para a palavra urbano são os de qualificar o que
é dotado de urbanidade ou o que é afável, civilizado ou cortês. Esse é o caso da seguinte fra
se: Hoje em dia os costumes urbanos estão corrompidos. Mas, também a palavra urbano pode
estar referida ao que é relativo ou pertencente à cidade, ou, ainda, ao que é próprio à cida
de, como na expressão saneamento urbano. E, pode, também, expressar o caráter de cidade,
como na frase: Ontem houve um grande conflito urbano.
6
BLUTEAU: s/d.
85
7
De autoria de Antônio Geraldo da Cunha. Cunha: 1982; 182 e 804.
86
O conceito de cidade
Inicialmente queremos chamar atenção para o seguinte afirmação:
a idéia de cidade é clara para todo mundo, diferentemente da idéia de ur
bano. No entanto, o conceito de cidade é obscuro. Como um conceito pode
açambarcar desde cidades pequenas, de 2.000 habitantes, até cidades que
abrigam milhões e milhões de habitantes? Como pode se referir a um obje
to que se apresenta com características bem distintas e, que por isso, exige
o complemento de um adjetivo, a exemplo de: cidade de fronteira, cidade
grega, cidade colonial, cidade medieval, cidade portuária, cidade turística,
cidade mineradora, cidade industrial? Como pode se colocar como concei
to, o que implica em ser reflexo de um objeto – segunda observação – quan
do esse objeto se apresenta múltiplo e variável?
Paulo César Xavier Pereira (2001), a partir de uma perspectiva so
ciológica, pergunta por que a palavra cidade teria atravessado séculos sem
alterações, muito embora tenha se referindo a um objeto em perpétua mu
dança. A resposta, inspirando-se em Norberto Elias, reside no fato de que,
muitas vezes, por não conseguirmos expressar o movimento e as mudanças
constantes, mantemos a palavra e acrescentamos uma outra para precisar.
Esse é o fato: por não conseguirmos expressar as transformações constan
tes de algo tão mutável, temos mantido a palavra cidade e acrescentado a
ela adjetivos. É isso que permite compreender a presença de tantas adjeti
vações relacionadas à palavra cidade: cidade satélite, cidade horizontal, ci
dade mundial, cidade moderna, cidade administrativa, cidade interiorana
e tantos mais adjetivos que possamos agregar.
As angústias na discussão sobre o conceito de cidade diminuem
quando lembramos que embora o conceito seja um reflexo do real, ele é
infinitamente mais pobre que o real – primeira observação – e que não há
identidade entre o conceito e o real – quarta observação – Isso significa re
cordar, também, que o conceito deve refletir aquilo que é essencial, os as
pectos essenciais, as relações essenciais, enfim, a essência do objeto. Nesse
sentido, repetindo o que dissemos no início desse texto, a construção de
um conceito exige sempre um exercício de captura do que é essencial ao
objeto que é motivo da reflexão.
A cidade, não importando sua dimensão ou característica, é um pro
duto social que se insere no âmbito da “relação do homem com o meio” –
referente mais clássico da geografia. Isso não significa dizer, todavia, que
estabelecida essa relação tenhamos cidades. Não importando as variações
entre cidades, quer espaciais ou temporais há uma idéia comum a todas
elas, que é a de aglomeração. Não é à toa, então, que a idéia de aglomera
ção se faz presente na definição da palavra cidade.
Mas, aglomeração do que? De homens e de habitações, diriam uns.
Estar-se-ia, então, trazendo para a reflexão as tendas armadas nos deser
87
8
Derruaux: 1964; 561.
9
Pereira: 2001; 261-284.
10
Castells reporta-se à Pierre George dizendo que esse mostrou as contradições insuperáveis
de se definir o urbano pelo empirismo estatístico. Castells: 2000; 40.
88
11
Pereira: 2001; 269.
12
Definição de poço, segundo o Dicionário Houaiss.
89
90
O conceito de urbano
Um olhar filtrado sobre o real permite perceber que vivemos num
mundo novo onde as redes e os fluxos tecem conexões entre os lugares e
alteram a idéia de próximo e distante. Esse é um dos aspectos do mun
do em que vivemos que indica o desenvolvimento de uma sociedade pós-
industrial, ou seja, de uma sociedade que “nasce da industrialização e a
sucede”, como diz Lefebvre e que ele denomina de sociedade urbana e, de
maneira sintética, de urbano.15 Foi nos idos de 1970 que Lefebvre (1999)
fez essa consideração, indicando que o urbano de então não se constituía
numa realidade acabada, mas numa realidade em processo de vir a ser que
se apresentava, ainda, de forma virtual devendo, no entanto, se apresentar
como real no futuro.16
Lefebvre (1999) situa, assim, o urbano no âmbito da industrializa
ção, mas não considera que o urbano seja um subproduto da industriali
zação. As justificativas relativas a necessidade de superar esse reducionis
mo – que coloca o urbano como derivação de um processo deixando pouca
margem para se perceber o seu próprio conteúdo – são objeto de atenção
preciosa de Martins (1999) que salienta que nessa redução se restringe,
também, as dimensões do urbano, tornando impossível compreender o
que ele é em si mesmo e, assim, tornando extremamente difícil a compre
15
Léfèbvre: 1999; 16. e 28.
16
Léfèbvre: 1999; 15.
91
17
Martins: 1999; 10..
92
93
94
18
Remy e Voye; 1976; 82.
95
Considerações Finais
Essas observações sobre os conceitos de cidade e urbano tiveram o
objetivo não só de discutir esses conceitos, mas sobretudo de alertar para
o fato de que os conceitos se constituem em elementos fundamentais para
a interpretação da realidade. Por meio dos conceitos buscamos nos instru
mentalizar para compreender o real. Longe de serem únicos e verdadeiros,
os conceitos são definidos segundo referências teóricas.
No caso do conceito de cidade construído a partir do contexto brasi
leiro, podemos, como vimos, incorporar a idéia de população que nela vive
dedicada ao trabalho no campo, deixando de considerar apenas cidades as
aglomerações sedentárias que se caracterizam pela presença de população
voltada exclusivamente para as atividades urbanas.
Relativo ao conceito de urbano vimos que segundo o entendimento
de urbano podemos falar em urbano no Brasil a partir de três marcos his
tóricos: desde a colonização, final do século XIX e a partir dos anos 30 do
século XX.
O que é importante no conhecimento é a coerência com as referên
cias assumidas. Seria um erro grosseiro exprimir que o urbano se relacio
na à sociedade capitalista industrial e, ao mesmo tempo, discutir o urbano
no século XVIII ao se falar das cidades da mineração: Ouro Preto, Mariana
e Sabará, por exemplo. Como também seria falta grave falar em urbano no
Brasil no final do século XIX se a compreensão do urbano se assenta na
idéia de sociedade capitalista industrial entendida como sendo aquela so
ciedade cujo fundamento da reprodução ampliada do capital se encontra
na atividade industrial.
Conceitos e teorias são, portanto, imanentes uns aos outros. Essa é
a idéia fundamental desse texto que busca, por meio da discussão sobre
os conceitos de cidade e urbano contribuir para a discussão sobre o que
é cidade e o que é urbano no Brasil. Longe de respostas simples e de cer
tezas esse texto buscou transmitir a idéia de que as certezas fáceis e os
modelos explicativos usados sem a reflexão necessária não têm nenhum
poder de desvendar os processos que examinamos. Em geral, não desven
dam nada ficando na reprodução de idéias e de pressupostos entendidos
como fé.
O caminho do conhecimento é árido, solitário e angustiante. Muitas
certezas se tornam incertezas durante o percurso, enquanto que outras en
contram soluções; o que importa é que por meio da consistência teórica e
conceitual é possível contribuir para a compreensão do real.
96
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n´esta pas à l´ordre du jour. Paris : Éditons de l´Aube, 2001.
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remy, j. & voye, L. La ciudad y la urbanizacion. Madri: Instituto de Es
tudios de Administración Local, 1976.
97
98
Yves Jean
Professeur de géographie
Université de Poitiers | ICOTEM | (Identité et Connaissance des Territoires et des
Environnements en Mutation) | yves.jean@univ-poitiers.fr
1
Datar, 2003, « Quelle France rurale pour 2020 ? », Documentation française, septembre 2003,
64 pages.
2
Jean (B.), 1997, « Territoires d’avenir. Pour une sociologie de la ruralité », Presses Universitai
res du Québec, 318 pages.
3
Lévy (J.), 2001, « Les campagnes figures de l’urbain », article paru dans Pouvoirs locaux, n°
48, pp. 32-36.
99
4
Nous avons fait le choix de ne pas aborder ici les relations singulières qui existent entre les
espaces périurbains et les villes proches. Ce phénomène spatial particulier, le « tiers espa
ce », entre ville et campagne, mérite une analyse différenciée de ses relations avec les villes.
Notre communication reste centrée sur les relations entre les villes et les espaces ruraux plus
éloignés. Voir la publication récente, 2008, Roux E., Vanier M., « La périurbanisation : pro
blématiques et perspectives »,Paris, La Documentation française, 84p.
5
Guermond (Y.), 2001, « Territoire et aménagement », Atlas de France, dir. Saint-Julien T., vo
lume n°14, 144p., La Documentation Française.
100
6
Morel (B.), Redor (P.), 2006, “Enquêtes annuelles de recensement 2004 et 2005 », Insee pre
mière, n°1058.
7
Morel (B.), Redor (P)., 2006, op. Cité.
101
Tableau n°1: Evolution de la composition des ménages ruraux entre 1962 et 1999 (en%)
1962 1990 1999
Agriculteurs et salariés agricoles 33,8 9,9 7
Artisans – commerçants 8,8 6,9 6
Cadres moyens et supérieurs 3,9 14,9 20
Employés et ouvriers 25,0 27,6 24
Retraités agricoles 28,5 40,7 43
Total 100 100 100
Source: INSEE, RGP de 1962, 1990, 1999
102
minante, et ils ont choisi leur lieu d’habitat ce qui n’est pas le cas
des deux premiers groupes. Nombreux sont ceux qui manifestent
un grand intérêt pour le milieu qu’ils ont choisi et ils cherchent à
s’identifier au territoire d’accueil en s’intéressant aux aspects de la
vie locale : langage, coutumes, activités ludiques, usages de travail
d’autrefois. Ils vont de la maison à la ville, sans obligatoirement fré
quenter les habitants du village. Leurs réseaux de sociabilité sont le
plus souvent en ville.
103
8
Hervieu (B.), « Les champs du futur », Editions F.Bourin, 1993.
9
Jean (Y.), « L’agriculteur, la ruralité et le géographe », Revue de Géographie Alpine, juin 2003.
104
105
106
107
11
Ganne (B.), Bertrand (N.), 1996, « PME et milieu rural : changer les problématiques », RERU,
n°2.
108
12
Chevalier (P.), « Les nouveaux systèmes productifs ruraux », Information géographique, n°
70, 2006
13
Laborie (J.P.), « Les petites villes face aux fermetures des services publics », in Jean (Y.), Va
nier (M.), « La France : aménager les territoires », Paris, A. Colin, 337p. 2008
109
110
14
Cognard (F.), Rieutort (L.), « Nouvelles mobilités des populations et nouveaux territoires ru
raux dans le massif central français », colloque « Rural-urbain : nouveaux liens, nouvelles
frontières », Poitiers, juin 2003.
111
15
Hervieu (B.), Viard (J.), 1996, « Au bonheur des campagnes », Editions de l’Aube, 155 p.
112
16
Jean (Y.), « Mutations des espaces ruraux français et écoles », pp. 56-67, Actes du symposium
sur la ruralité et le développement des petites collectivités, 9 et 10 août 1997, Université du
Québec en Abitibi-Témiscamingue, Ed. Chaire Desjardin.
17
Le Jeannic (Th.), 1996, « Une nouvelle approche territoriale de la ville », Economie et Statis
tique, n° 294-295, pp. 25-45.
18
Le Jeannic (Th.), 1996, op.cité
113
19
Datar, 2003, op.cité.
114
20
Datar, 2003, op.cité, p.24.
115
21
Kayser (B.), 1990, « La renaissance rurale, sociologie des campagnes du monde occidental » ,
A. Colin, 316 pages.
Kayser (B.) 1990, « Le nouveau système des relations villes-campagnes » , Géographie, entre
espace et développement, Toulouse, Presses Universitaires du Mirail.
22
Renard (J.), 1996, « La France, Agricultures et campagnes dans le monde », textes rassemblés
par Bonnamour (J.,) SEDES, p. 51-83.
23
Bel (F.), Pernet (F.), 1990, « Différenciation de l’espace agro-rural : le cas de Rhône-Alpes »,
INRA-ESR, Grenoble.
24
Schmitt (B.), 1996, «Avantages comparatifs, dynamiques de population et d’emploi des espaces
ruraux », RERU, n°2, p. 363-383.
116
25
Jousseaume (V)., « L’Ombre d’une métropole. Les bourgs-centres de Loire-Atlantique », PUR,
209p., 1998
117
118
Des années 1950 aux années 1990 : opposition ville – campagne, continuum
urbain-rural ou renouveau rural
Nicole Mathieu28 rappelle que depuis les années 1950, plusieurs mo
dèles explicatifs ont dominé pour analyser les transformations des espaces
ruraux et les relations spatiales villes – campagnes. Les années 50 sont do
minées par une conception antagonique, contradictoire des rapports ville
– campagne, selon une conception hégélienne et marxiste de la ville et de
la campagne. La campagne était définie par la notion de milieu naturel,
support de la production agricole; la ville, milieu technique, échappait à la
nature, étant l’espace des activités industrielles et tertiaires. Ces deux en
tités spécifiques, fortement clivées, symbolisées par le paysan et le citadin
entretenaient des relations asymétriques, la ville dominant la campagne.
L’opposition rural / urbain avec une relation antagonique dans les
années 1950, laisse la place au fil des années 1960, à un modèle dominant
reposant sur la fin du rural par l’urbanisation des campagnes. Lors de cette
période de très forte croissance du PIB mais également du niveau de vie
des ménages, l’extension des villes semble être une véritable loi du dévelop
pement spatial mettant fin aux conceptions précédentes. Ce modèle repose
sur la notion de continuum urbain et permet d’analyser les processus de
26
Béteille (R.), 1994, “La crise rurale”, 127 p, Que Sais-je? PUF ; 1981, “La France du vide”,
316p., Paris, Litec
27
Kayser (B.), 1990, “La renaissance rurale”, 316 p., A. Colin ; 1993, “Naissance des nouvelles
campagnes”, 174 p;, Ed. De l’Aube ; 1994, “Pour une ruralité choisie”, 135p., Ed. De l’Aube
28
Mathieu (N.)., “La notion de rural et les rapports ville – campagne en France”, Economie
Rurale, mai-juin 1990, n° 197
119
diffusion du mode de vie urbain dans les espaces ruraux. La seconde révo
lution agricole et l’introduction du progrès technique à fort coefficient de
capital dans l’agriculture, accompagné du développement de l’emploi non
agricole réduit les différences mises en exergue lors de la décennie précé
dente.
Ainsi, à la fin des années 1960, la pensée dominante repose sur la ra
tionalisation économique29, la concentration et l’urbanisation des campa
gnes ce qui devait entraîner leur disparition. Cette conception d’un espace
rural résiduel a abouti fort logiquement à une politique de normalisation
des services et, en particulier, au début du processus de fermeture des ser
vices publics en milieu rural.
A nouveau, au cours des années 1970, les géographes mettent l’ac
cent sur les relations de domination de la ville sur la campagne. Les campa
gnes risquent la « marginalisation » la « dévitalisation », voire la « désertifi
cation »30, certains auteurs utilisent le modèle explicatif centre / périphérie
qui domine concernant les rapports entre les pays développés et les pays
sous-développés pour analyser les relations entre la ville et la campagne.
La campagne, oubliée par les politiques publiques lors des années 1960 car
il s’agissait d’un espace résiduel en voie de disparition, va faire l’objet d’une
attention nouvelle au cours des années 1970 avec les politiques d’aménage
ment rural et le soutien aux “zones rurales les plus défavorisées ». Le ren
versement idéologique a influencé les décideurs publics. Au cours de cette
décennie, un incontestable renouveau des recherches rurales commence,
marqué par le passage de la géographie agraire à la géographie rurale. La
création de l’Association des Ruralistes Français, en 1974, symbolise cette
volonté de faire une nouvelle géographie rurale, reposant sur une double
interdisciplinarité, d’une part, entre sciences sociales et, d’autre part, entre
chercheurs et acteurs.
Les années 1980 jusqu’au milieu des années 1990, sont dominées
par la présence de deux systèmes explicatifs, diamétralement opposés31.
Les différentes publications concernant les campagnes révèlent cette oppo
sition des termes utilisés, révélateurs des éléments du réel qui sont mis en
exergue et reflet d’une divergence profonde entre les deux conceptions des
29
Les années 1950-1960 sont dominées par la pensée classique de l’économie, puis les années
1970 – 1985, voient le développement d’un courant marxiste, qui déplace les débats théori
ques concernant l’objet de l’économie rurale, vers l’étude des rapports sociaux dans la sphè
re de production agricole. Lieu d’enjeux théoriques et politiques, l’économie rurale devient
une science sociale. Voir Jean (Y.), “Le point de vue de l’économiste : de l’économie agricole à
l’économie rurale”, dans “La société agricole de la Vienne aux XIXème et XXème siècles” sous la
direction de Chauvaud (F.),Geste éditions, 2001.
30
Numéro spécial de la revue Autrement en 1978.
31
Jean Y. 1997, “Analyse comparative des deux modèles explicatifs des évolutions des espaces
ruraux français”, Annales de géographe, n° 598, nov-déc., pp. 631-646, Armand Colin
120
dynamiques rurales32. Dans son Que Sais-je33, Roger Béteille parle de crise
rurale et d’apparente croissance rurale, de déséquilibres démographique
accentués, de chômage et de marginalisation : il insiste sur l’ensemble des
éléments négatifs de l’évolution récente des espaces ruraux en soulignant
les difficultés rencontrées sur le plan démographique, économique et so
cial; il met en exergue les éléments du réel qui déclinent, qui sont préoccu
pants. Ce modèle reprend la conception dominante de la ruralité héritée de
la fin du XIXème siècle qui trouve son origine dans l’évolution singulière
des systèmes agraires et des espaces ruraux en France : l’exode qui débute
en 1846 et s’amplifie après 1860, sera plus rural qu’agricole, renforçant
ainsi le caractère paysan des territoires ruraux et l’analogie entre rural et
agricole jusque dans les années 1960. A l’opposé, Bernard Kayser parle de
renaissance rurale et de ruralité choisie, de reprise démographique confir
mée et de recomposition démographique et sociale; il met l’accent sur les
éléments nouveaux des dynamiques rurales. Il n’ignore pas les facteurs de
crise et les contraintes macro-économiques mais il montre qu’il existe des
possibilités de développement en insistant sur les mutations liées, en parti
culier, à l’arrivée de nouvelles activités économiques et de nouveaux habi
tants. Parmi les difficultés rencontrées par ce modèle explicatif, il y a celle
liée au poids de l’histoire car le retournement de tendances est récent et
contredit l’évolution séculaire des relations inégales entre les villes et les
campagnes; ce modèle essaie d’appréhender la diversité des réalités spa
tiales dans leur globalité, démarche toujours plus complexe à réaliser et à
faire prendre en compte qu’une analyse simple, antagonique, de domina
tion d’un espace par un autre.
Cette opposition des termes révèle une conception totalement oppo
sée de l’état des lieux des espaces ruraux français. Le premier modèle souli
gne le retard et le sous-développement des campagnes à partir d’une analyse
qui s’appuie sur une comparaison très économiste, entre les espaces ruraux
et le reste du pays pour montrer le décalage de richesse existant. L’ensemble
des difficultés économiques et sociales rencontrées dans les espaces ruraux
sont développées mais sans souligner s’il s’agit de spécificités de ces espa
ces ou de problèmes de société. Ce modèle explicatif est à rapprocher des
anciennes analyses du sous-développement qui illustraient le retard des so
ciétés du Tiers Monde par rapport au développement des pays de l’O.C.D.E.
De la même façon, nous sommes en présence d’une analyse illustrant « le
retard » des sociétés rurales face à la modernité qui serait urbaine.
32
N.Mathieu souligne à juste titre que les mots géographiques ont un voire plusieurs sens, am
biguïté des mots soulignée en s’interrogeant « comment utiliser des mots qui ont à la fois une
valeur scientifique permettant de classer, de découper...mais aussi une clarté idéologique ou
politique », dans Beteille (R.), Montagne-Villette (S.), (Textes rassemblés par), 1995, « Le
« rural profond » français », SEDES,166p.
33
Béteille (R.), 1994, Que Sais-je
121
34
Cette mobilité multiple ne concerne pas tous les habitants des espaces ruraux de façon
semblable : certains habitants, les pauvres, ont comme espace de vie souvent seulement leur
maison et pas le village, certains salariés, agriculteurs, artisans ...ont comme espace de vie le
village ou les villages proches, d’autres, appartenant aux mêmes catégories socio profession
nelles, dont l’épouse ou la compagne travaille ont un espace de vie élargi à la petite ville ou
la ville proche ; d’autres, cadres, résidents secondaires ont un espace de vie élargi, du village
aux villes, aux autres pays.
122
35
Lévy (J .), 2001, op .cité.
123
Questions en débat
Les relations villes-campagnes restent marquées par deux grands
modèles de lecture du territoire : le premier met l’accent sur un espace
continu avec son centre et ses périphéries, ses frontières. Les politiques
d’aménagement confortent ce modèle organisationnel par la promotion
des « pays » et des communautés d’agglomérations. Les caractéristiques
naturelles sont souvent mises en scène pour identifier ces espaces d’action
publique. Ce modèle s’inscrit dans la tradition du modèle républicain fran
çais, les villes sont nettement séparées des campagnes. La seconde concep
tion valorise les réseaux, la mobilité, la circulation, l’échange.
36
On peut en particulier citer les recherches effectuées par l’observatoire des rapports rural/
urbain, mis en place en 1996 par le LADYSS, Dynamiques Sociales et Recomposition des
Espaces, Université de Paris X. Cet observatoire a l’ambition de mesurer et de qualifier les
temporalités du changement social afin de mieux comprendre les formes spécifiques des
nouvelles relations entre les catégories de rural et d’urbain.
124
125
39
Pour reprendre le titre du livre dirigé par Knafou (R.), 1998, « La planète nomade. Les mobi
lités géographiques d’aujourd’hui », Belin, 247p.
40
Nécessité d’approfondir la manière dont l’espace est produit en étudiant le rapport en
tre l’individu résidant à la campagne, la maison ou les « lieux domestiques » et les « hauts
lieux » pour reprendre la terminologie de Lussault (M.), 1996, « L’Espace en actions. De la
dimension spatiale des politiques urbaines », Diplôme d’habilitation à diriger des recherches
en géographie, Tours, 296p.
126
41
Vanier (M.),1997, « De l’industrie au territoire », Diplôme d’habilitation à diriger des recher
ches, université de Lyon –II, 225p.
42
Certains travaux d’ethnologues confortent cette vision homogène du village, en élaborant
une typologie ; voir, par exemple, Sahuc P.(1995), qui parle de quatre types avec le modèle
I, chacun pour soi, le modèle II, Avec ceux du quartier, le modèle III, tous pour le village, le
modèle IV, se rapproche des villages fantômes, dans « Du bureau de poste à un poste d’obser
vation des mutations rurales »,Economie Rurale, n°229, pp. 22-29.
127
128
1
Texto produzido para a mesa “O campo e a cidade no Brasil do passado”, do 1º Simpósio
Nacional o Rural e o Urbano no Brasil – SINARUB, realizado de 08 e 09 de dezembro de
2006, na Universidade de São Paulo.
129
2
Carl Sauer chama de trabalho de campo as pesquisas a serem realizadas nos arquivos e bi
bliotecas. Onde ressalta que o mesmo é árduo e necessário para quem quer dedicar-se ao
trabalho com geografia histórica.
130
131
3
Poderiamos trabalhar com os romances de Machado de Assis, Aluisio de Azevedo, entre ou
tros, mas fizemos a opção por apresentar os poemas de Cesário Verde.
132
te, a Febre. E o Cólera também andaram na cidade, Que esta população, com
um terror de lebre, Fugiu da capital como da tempestade. Ora meu pai, depois
das nossas vidas salvas, (Até então nós só tivéramos sarampo). Tantos nos
viu crescer entre uns montões de malvas Que ele ganhou por isso um grande
amor ao campo! Se acaso o conta, ainda a fronte se lhe enruga: O que se ou
via sempre era o dobrar dos sinos; Mesmo no nosso prédio, os outros inqui
linos Morreram todos. Nós salvámo-nos na fuga.(...) Sem canalizações, em
muitos burgos ermos, Secavam dejecções cobertas de mosqueiros. E os mé
dicos, ao pé dos padres e coveiros, Os últimos fiéis, tremiam dos enfermos!
Uma iluminação a azeite de purgueira, e noite, amarelava os prédios maci
lentos. Barricas de alcatrão ardiam; de maneira Que tinham tons d’inferno
outros arruamentos. (...).
No Brasil, Chalhoud (1996:61-62) analisou a Cidade Febril colocan
do que a epidemia de cólera e febre amarela se propagou pela cidade do
Rio de Janeiro e seus arredores, vindas da Europa, especialmente de Por
tugal. Estimativas indicaram que mais de um terço dos 266 mil habitantes
contraíram febre amarela no verão de 1849-50. Entre 1855-1856 uma de
vastadora epidemia de cólera atingiu o Rio de Janeiro. Essas duas epide
mias continuaram nos verões seguintes, assim como as outras. O mesmo
fenômeno foi destacado em outros poemas de Cesário Verde.
Percebemos que, para Cesário Verde, a cidade não havia um encanto
e sim, um cotidiano sem futuro e o campo ainda carregava algo de provin
ciano. Ainda no poema NóS analisa que: “(...) Por isso, o chefe antigo e bom
da nossa casa, Triste de ouvir falar em órfãos e em viúvas, E em permanên
cia olhando um horizonte em brasa: Não quis voltar senão depois das gran
des chuvas; Ele, dum lado, via os filhos achacados, Um lívido flagelo e uma
moléstia horrenda! E via, do outro lado, eiras, lezírias, prados, E um salutar
refúgio e um lucro na vivenda! E o campo, desde então, segundo o que me
lembro, É todo o meu amor de todos estes anos! Nós vamos para lá; somos
provincianos, Desde o calor de Maio aos frios de Novembro!”.
Os poemas de Cesário Verde retratavam a cidade, cuja paisagem era
o da destruição, caótica e cinzenta. Que se revelava através da convivên
cia, da urbanidade, de mitos e problemas. Estes retratados muitas vezes
de forma opaca e escura, do qual demonstrava toda a vulnerabilidade e
sofrimentos do autor. Em Na Cidade/A Débil, publicado em 1876, assinala
que: “nesta Babel tão velha e corruptora, tive intenções de oferecer-te o bra
ço” (...) “ e quando deste esmola a um miserável, eu, que bebia cálices de ab
sinto, mandei ir a garrafa, porque sinto que me tornas prestante, bom, sau
dável”. E em outro trecho do poema Nós destaca que: “(...) Tínhamos nós
voltado à capital maldita, Eu vinha de polir isto tranqüilamente, Quando
nos sucedeu uma cruel desdita, Pois um de nós caiu, de súbito, doente. Uma
tuberculose abria-lhe cavernas! Dá-me rebate ainda o seu tossir profundo!E
eu sempre lembrarei, triste, as palavras ternas,Com que se despediu de todos
133
134
que o retratava como algo bucólico e paradisíaco, era um espaço real, con
creto, autêntico e que lhe conferia liberdade.
Portanto, o “campo é um espaço de vitalidade, alegria, beleza e vida
saudável, enquanto que na cidade, o ambiente físico, cheio de contrastes,
apresenta ruas esburacadas, casas apalaçadas (habitadas pelos burgueses e
pelos ociosos), quintalórios velhos, edifícios cinzentos e sujos (...) O ambien
te humano é caracterizado pelos calceteiros, cuja coluna nunca se endireita,
pelos padeiros cobertos de farinha, pelas vendeiras enfezadas, pelas engoma
deiras tísicas, pelas burguesinhas” (... ).
É neste sentido que podemos reconhecer a capacidade de Cesário
Verde em trazer para a poesia o real cotidiano do homem da cidade e o
campo e vai oferecer ao poeta uma lição de vida multifacetada. Os cam
poneses são retratados no seu trabalho diário, assim como os conflitos, as
contradições e processo migratório, comum em essa época, retratados em
um de seus poemas (...) “Mas nem tudo são descantes. Por esses longos ca
minhos, Entre favais palpitantes. Há solos bravos, maninhos,Que expulsam
seus habitantes! É nesta quadra do amores. Que emigram os jornaleiros. Ga
nhões e trabalhadores! Passam clans de forasteiros. Nas terras de lavradores.
Tal como existem mercados. Ou feiras, semanalmente, Para comprarmos os
gados,Assim há praças de gente. Pelos domingos calados!
Nos poemas transmite com objetividade e realismo de todas as suas
preocupações. Trata-se, pois, de uma visão concreta do campo e da terri
torialização da paisagem e não somente de uma abstração da Natureza e
uma visão utópica do campo, vai além em suas preocupações inserindo o
cotidiano do campo de forma singular.
Segundo Mata (2006:18) a territorialização da paisagem, é o reco
nhecimento que cada território se manifesta paisagisticamente em uma
fisionomia singular, dinâmica e em diversas imagens sociais. Isso faz da
paisagem um aspecto importante de qualidade de vida da população. Nes
te sentido, a paisagem é, antes de qualquer coisa, resultado da relação sen
sível da gente com o seu entorno percebido, cotidiano ou visitado. Por isso
mesmo, a paisagem é um elemento de afinidade e de identidade territorial
e explicita na materialidade de cada paisagem e em suas representações
sociais.
A paisagem da cidade é obscura e cinza, onde as pessoas são infeli
zes e exploradas pelo sistema econômico. O campo era produtor de mer
cadorias e cheio de encantos. Isso pode ser observado no trecho do poe
ma Nós: (...) “Oh! Os ricos primeurs da nossa terra. E as tuas frutas ácidas,
tardias, No azedo amoniacal das queijarias. Dos fleumáticos farmers de In
glaterra! (...) Ó cidades fabris, industriais, De nevoeiros, poeiradas de hulha,
Que pensais do país que vos atulha. Com a fruta que sai de seus quintais?
Todos os anos, que frescor se exala! Abundâncias felizes que eu recordo! Car
radas brutas que iam para bordo! Vapores por aqui fazendo escala!Uma alta
135
parreira moscatel. Por doce não servia para embarque! Palácios que rodejam
Hyde-Park, Não conheceis esse divino mel! (...) Oponde às regiões que dão
os vinhos. Vossos montes de escórias inda quentes! E as febris oficinas estri
dentes. As nossas tecelagens e moinhos! E ó condados mineiros! Extensões.
Carboníferas! Fundas galerias! Fábricas a vapor! Cutelarias! E mecânicas,
tristes fiações! Bem sei que preparais corretamente. O aço e a seda, as lâmi
nas e o estofo; Tudo o que há de mais dúctil, de mais fofo, Tudo o que há de
mais rijo e resistente! Mas isso tudo é falso, é maquinal, Sem vida, como um
círculo ou um quadrado, Com essa perfeição do fabricado, Sem o ritmo do
vivo e do real! E cá o santo Sol, sobre isto tudo, Faz conceber as verdes ri
banceiras; Lança as rosáceas belas e fruteiras. Nas searas de trigo palhagudo!
Uma aldeia daqui é mais feliz Londres sombria, em que cintila a corte!... Mes
mo que tu, que vives a compor-te, Grande seio arquejante de Paris!... Ah! Que
de glória, que de colorido,Quando, por meu mandado e meu conselho, Cá se
empapelam “as maçãs de espelho”. Que Herbert Spencer talvez tenha comido.
Para alguns são prosaicos, são banais. Estes versos de fibra suculenta;Como
se a polpa que nos dessedenta. Nem ao menos valesse uns madrigais! Pois o
que a boca trava com surpresas. Senão as frutas tônicas e puras! Ah! Num
jantar de carnes e gorduras. A graça vegetal das sobremesas!(...).
Portanto, este mundo rural opõe-se claramente ao mundo urbano,
marcado por funções, atividades, grupos sociais e paisagens não só distintos
mas, também, em grande medida construídos “contra” o mundo rural. Esta
oposição tende a ser encarada como “natural” e, por isso, recorrentemente
associada a relações de natureza simbiótica: campo e cidade são complemen
tares e mantêm um relacionamento estável num contexto (aparentemente?)
marcado pelo equilíbrio e pela harmonia de conjunto (Ferrão, 2000).
Portanto, a relação entre campo e cidade, só pode ser entendida a
partir de um tempo histórico. Entendemos que Cesário Verde ao retratar
a cidade e o campo, utiliza-se de técnicas impressionistas, com extrema
sensibilidade e expressando seus cenários e paisagens prediletas de forma
natural e real.
Neste sentido, podemos refletir sobre as relações entre o campo e a
cidade através da(s) geografia(s) do passado e inserir outros recursos para
a discussão, como a poesia. Como dissemos no início do texto, nossa inten
ção não foi a de esgotar a discussão, mas sim levantar alguns pontos para
a reflexão e entender a relação campo e cidade no passado.
Referências:
Ferrão, João. Relações entre mundo rural e mundo urbano: evolução
histórica, situação actual e pistas para o futuro. EURE. Santiago,
vol.26 n.78, Setembro de 2000.(http://www.eclac.cl/Celade/publica/
bol63/ BD63def00e.html)
136
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141
Espaço e indústria
A espacialização do processo social comandado pela indústria em
São Paulo, nos primeiros anos do século vinte, gerava impactos de diferen
tes dimensões que alcançavam muitos níveis na vida social porque promo
viam diferentes formas de trabalho, diversificando os modos de inserção
social dos sujeitos. A indústria instaurava importantes transformações nas
condições materiais de existência, gerando uma sociedade estruturada em
torno das formas de produzir e reproduzir riqueza como capital assentada
sob as bases e as peculiaridades de uma sociedade agrária. A cidade se tra
duziria, em pouco tempo, como pólo da relação cidade campo, cuja unida
142
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O urbano metropolitano
Trata-se de considerar as estruturas materiais e o quadro de vida
que resulta das metamorfoses da cidade, de esclarecer momentos e cir
cunstâncias desse processo uma vez que a metrópole está em linha de
continuidade da cidade. Resulta dos acúmulos que visavam maximização
do uso dos fatores produtivos nas ondas de modernização, fossem elas da
indústria ou da cidade (trabalho, espaço, infra-estrutura) e do acúmulo
de contradições não resolvidas geradas na produção cada vez mais socia
lizada (pela indústria), sobre a prerrogativa de apropriação privada, privi
legiada, dos resultados. A cidade, mesmo em processo de transformação,
é expressão fenomênica do processo que espelha a paisagem própria do
capitalismo; enquanto tal é a tradução formal dos fundamentos desiguais
desta sociedade. Na metrópole tudo aquilo que constituiu os fundamen
tos da própria cidade se expressam sem mediações. A riqueza e a pobreza
vêem-se e se confrontam. No urbano metropolitano, que constitui o qua
dro de vida na modernidade, esse confronto gerou a violência que é de
longe o maior drama.
Em síntese, a metrópole é expressão da organização capitalista da
sociedade que, na sua materialidade, expressa as suas contradições mais
fundamentais; apresenta a justaposição de ambientes recortados pela se
gregação social que está no seu próprio fundamento. Nestes termos é um
espaço fragmentado pelas estratégias mercadológicas e um ambiente no
qual a ideologia pode até ser zero porque as relações fundamentais do capi
tal, na sua voracidade, acabaram por serem reveladas de modo implacável
nos territórios do urbano, tais como os enclaves residenciais com edifí
cios de apartamentos ou em loteamentos exclusivos, os centros empresa
riais, as ruas de acesso controlado ou os resorts, por exemplo. A metrópole
afirma-se como a negação da cidade enquanto prática e enquanto ideário
e assim tende para o absoluto. O absoluto domínio do quantitativo ou do
valor de troca.
148
149
O rural e o urbano
A cidade de São Paulo era circundada por um cinturão de chácaras,
no alvorecer da industrialização. Eram as chácaras paulistanas descritas
por Alice Canabrava. Serviam elas de moradia a uma população tradicio
nal habituada a ter também uma moradia na cidade para onde acediam
150
151
152
Referências:
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Jacob, 1995.
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DE LA CORTE, Judith. Contribuição ao Estudo do Abastecimento da Ci
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USP, 1985.
FIX,Mariana. São Paulo – Cidade Global: fundamentos financeiros de uma
miragem. São Paulo, Boitempo Editorial, 2007.
LANGENBUCH, Juergen R. A Estruturação da Grande São Paulo. RJ: IB
GE-1971.
153
Introdução
A análise das atuais transformações no campo brasileiro torna-se
fundamental, pois, o campo, além de desempenhar as funções tradicionais
de fornecer mão-de-obra para a cidade, matérias primas e consumir pro
dutos oriundos da cidade abriga, cada vez mais, atividades não agrícolas,
como a produção industrial, os serviços associados às atividades de turis
mo que valorizam as áreas com aspectos naturais. Há que se destacar o
contínuo processo de migração da cidade para o campo, pois as pessoas
buscam sua inserção no mercado de trabalho e uma melhor qualidade de
vida. O campo além de ser o local da produção agropecuária, transforma-
se em um espaço, no qual inúmeras atividades não agrícolas são efetuadas,
como o trabalho de caseiros, diaristas, jardineiros, etc.
O espaço rural torna-se fortemente marcado pelo conteúdo de téc
nica e capital, representado pelos complexos agroindustriais e pelo agro
negócio, que correspondem ao espaço de produção agrícola, o qual é fruto
da revolução verde, da modernização e da industrialização da agricultura.
Neste contexto, o espaço rural da produção familiar é fortemente marcado
pelas atividades não agrícolas, que valorizam o patrimônio natural e histó
rico. Como o espaço da produção familiar não apresenta uma moderniza
ção nos mesmos moldes do agronegócio, ainda existem áreas preservadas
relacionadas à natureza e ao processo de ocupação (vegetação, rios, monu
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Considerações finais
No espaço rural, observam-se inúmeras atividades: as agrícolas, com
a produção de matérias primas para indústria, a produção de alimentos, a
presença de assentamentos e acampamentos de trabalhadores rurais; e as
não agrícolas, como a localização de indústrias, a procura de áreas com a
natureza preservada para a construção de residências, de hotéis e pousa
das, que geram a necessidade de mão-de-obra e proporcionando a possibi
lidade de empregos e de aumento da renda familiar aos produtores rurais
residentes. O aumento dessas atividades não agrícolas está associado à im
plementação, pelo poder publico, da infra-estrutura de transporte e de co
municação, que permite a circulação dos fluxos de pessoas, mercadorias,
informações e capital.
A maior parte das mudanças corresponde ao espaço rural não incor
pora a produção dos complexos agroindustriais e, em sua grande maioria,
corresponde à produção familiar em pequena propriedade. É nesse espaço
não incorporado ao modelo hegemônico que ocorrem as maiores transfor
mações, pois a procura por áreas que apresentam preservação da nature
za e que podem ser transformados em áreas de lazer, com a construção de
sítios de final de semana, hotéis e pousadas atraem populações das áreas
urbanas e proporcionam empregos aos pequenos produtores rurais. Tal
fato oferece-lhes a possibilidade de exercer outras atividades, que não so
mente as agrícolas. São nesses espaços que também ocorrem o incentivo
às práticas agroecológicas e alternativas, em detrimento da forma de pro
dução tradicionalmente efetuada nas médias e grandes propriedades. Es
ses locais correspondem ao espaço rural revalorizado em decorrência da
natureza mais preservada e que se torna uma mercadoria a ser consumida
pelas populações, sobretudo de origem urbana.
A concentração fundiária que provoca a exclusão de milhares de
brasileiros da terra, fomentando os movimentos sociais no campo, perma
nece presente no espaço rural fluminense. Mudam as relações entre o cam
po e a cidade, com a subordinação do campo à cidade, porém, ambos se
integram como espaços de consumo. Permanecem e mudam os espaços da
165
Referências:
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em el cono sur de América Latina. Montevideo:Redes, 2007.
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terpretação. IN: MOREIRA, Roberto José (org.) Identidades Sociais:
ruralidades no Brasil Contemporâneo. Rio de Janeiro:DP&A, 2005,
p. 15-40.
166
167
Martine Droulers1
CNRS, Université Paris 3 | martine.droulers@univ-paris3.fr
169
2
Cf B. Chevassus-au-Louis, INRA et M. Griffon, Cirad, “La nouvelle modernité : une agricul
ture productive à haute valeur écologique”, Déméter, p.7-48, 2008.
170
3
M. Griffon Nourrir la planète, pour une révolution doublement verte, 2006. O autor, agrôno
mo, defende a promoção da agroecologia. Na mesma linha, a Fundação Zeri promove uma
segunda revolução verde, procurando reproduzir os mecanismos da natureza e eliminar os
resíduos pelo uso total da biomassa (experiências no Paraná).
171
4
A Polônia tem uma superfície de 312 600 km2 e conta 38 milhões de habitantes.
172
5
Na França, o estatuto de “fermier”, de 1946, favorecia quem trabalhava a terra.
173
6
12% seriam empresários rurais e 30% agricultores familiares capitalizados inserindo seus
produtos nos mercados (INCRA-FAO, 2000)
7
“Foram tratadas como categorias atrasadas, como resquícios do passado, sem presença e
sem vontade histórica conseqüentes no cenário político brasileiro” (Martins, 1997).
174
8
O Brasil se mantém como o primeiro produtor e o primeiro exportador mundial de café,
com um setor cafeeiro que fornece 4% do valor das exportações brasileiras e reune mais de
250.000 produtores.
175
9
No estado de São Paulo, 437 municípios foram qualificados de monocultores, 127 com
40% da área total ocupada com soja, cana ou laranja, enquanto 310 com mais de 50% de
pastagens.
10
Terras devolutas é uma espécie de terra pública, visto que é aquela que em nenhum mo
mento integrou o patrimônio particular, ainda que esteja irregularmente em posse de parti
culares. Aliás, diga-se para argumentar, a palavra devoluta, dentro de sua semântica, inclui
o conceito de terra devolvida ou a ser devolvida ao Estado.
11
Programa DURAMAZ 2007-2009. Os determinantes geográficos, demográficos e socioeconô
micos da sustentabilidade na Amazônia brasileira. CREDAL-Paris3, CDS/Unb, IRD UR169,
COSTEL, Uhb-Rennes. Martine Droulers e François-Michel Le Tourneau são seus coorde
nadores (www.iheal.univ-paris3.fr). Esse programa visa analisar os parâmetros da
diversificação dos sistemas produtivos sustentáveis e o jogo dos atores por meio da análise
de 13 experiências de DS na Amazônia. A metodologia sistêmica e pluridisciplinar permite
a construção de indicadores sintéticos capazes de explicar a trajetória dos projetos de DS e
a estabilidade do povoamento.
176
12
De autoria de Eduardo P. Girardi , no site do Nera na Unesp-Presidente Prudente (SP).
177
Tipo de Sociedade rural População rural População rural Meio rural Espaço rural
ruralidade tradicional13 tradicional atual integrado despovoado
Perda de
Comunidades rurais Integração
vitalidade
Populações Gestão de
Natureza de
Assimilação/ cativas dos Desenvolvimento Organização espaços
intervenção
integração territórios pobres territorial rural regional (parques,
pública
Êxodo rural reservas)
20% do 25%
Ruralidade no 25% da
2% Ameríndios 5 a 7% território (40% na
Brasil população
nacional Amazônia)
40% do 35% do
Ruralidade na 20% da
Século XIX Até os anos 1960 território território
França população
nacional nacional
13
As sociedades rurais tradicionais quase não existem mais, só alguns vestígios subsistem com
formas já degradadas da organização social antiga (Índios, caboclos). Na França, o processo
de destruição se acelerou na segundo parte do século XIX. Seria mais o político que o eco
nômico que degrada sociedades rurais tradicionais (Broggio, 2008).
178
Modo de
Evolução da
Trajetória Características relação com a Sustentabilidade
sociedade rural
sociedade
1. Comunitária
Um território Autonomia Forte para o territórios
Autonomia Diferenciação
específico mantida Variável para os indivíduos
relativa
Perda para a
Inserção na Mobilidade social Fraca para o territórios
3. Individual comunidade
sociedade global e espacial Forte para os indivíduos
Abandono
179
14
O estatuto do arrendamento (statut du fermage) faz parte do código rural francês, estabele
cendo que o período mínimo do contrato é de nove anos, tendo o rendeiro amplos benefí
cios: prioridade na compra da terra, prioridade na renovação do contrato para que a terra
seja explorada por ele ou, em caso de impossibilidade, por seus descendentes. Esta lei foi
estabelecida depois da Segunda Guerra, com o princípio de proteger e incentivar o produtor
em detrimento do especulador fundiário.
15
As SAFERs, criadas em 1962, funcionam como observatório-participante dos movimentos
fundiarios. As missões principais são de dinamizar as atividades agropecuárias, favorecer a
instalação de jovems agricultores e proteger o meio ambiente. Elas têm direito de preemp
ção sobre as terras à venda, comprando parcelas por parcelas, estocando-as (até 5 anos) an
tes de retroceder a um agricultor jovem que se instala ou a um agricultor querendo ampliar
a fazenda, depois de pareceres tecnicos e políticos. Uma média de 80.000 ha é comprada e
vendida por ano (ou seja, 23% do mercado fundiario) e 18.000 ha são estocados para as co
lectividades territoriais.
180
Referências:
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Iratapuru et la noix du Brésil : une expérience de durabilité en Ama
zonie brésilienne. Cybergeo (Paris), v. 2008, p. 20763, 2008.
16
500 assassinatos, no campo brasileiro, foram realizados entre os anos 1990 e 2000, sendo
que a maior parte não foi punida. (Gonçalves C. 2003)
181
182
Jean-Louis Chaléard
Université Paris 1| Panthéon-Sorbonne | jl.chaleard@noos.fr
1
Les analyses s’appuient sur des cas pris en Équateur, en Bolivie et au Pérou pour l’Amérique
andine, en Côte d’Ivoire, au Burkina Faso, au Sénégal, en Guinée et au Cameroun pour
l’Afrique.
183
inégaux : l’Afrique occidentale est beaucoup plus pauvre ; elle est beaucoup
moins urbanisée. Ces différences ont des conséquences sur les relations vil
le-campagne et opposent les deux ensembles régionaux.
Peut-on pour autant conclure à une opposition radicale Amérique
andine – Afrique de l’ouest ? En fait les situations sont plus compliquées :
il existe des grands types de relations entre villes et campagnes que l’on
trouve, avec des nuances, dans les deux ensembles géographiques ; par
ailleurs, la globalisation est à l’origine d’évolutions que l’on perçoit de part
et d’autre de l’Atlantique. Faut-il alors radicalement opposer les situations
latino-américaines et africaines ? Ne faut-il pas plutôt voir des évolutions
communes et des différences qui parfois sont plus importantes d’une ré
gion à l’autre ou d’un pays à l’autre que d’un continent à l’autre ?
Pour répondre à ces questions, on mettra en évidence, dans une
première partie, les similitudes : intensité des relations ville-campagne,
importance de la pluriactivité en milieu rural fondée sur des activités
« urbaines »…
En contrepoint, la seconde partie soulignera des distinctions liées à
des histoires et des situations socio-économiques très différentes qui influent
sur les relations entre les villes et les campagnes. La dernière partie essaiera
de dépasser les oppositions ou inégalités entre grands ensembles géographi
ques et de voir certaines similitudes dans les évolutions actuelles.
184
Mais dans les villes, on consomme encore des produits issus des
campagnes. Par exemple au Pérou (tableau 1) la consommation de pâtes
et de riz est certes importante. Mais celle de produits nationaux n’est pas
négligeable : tubercules cultivés dans les Andes (pomme de terre, olluco...),
haricots, etc. Cette consommation est plus forte dans les villes petites et
moyennes qu’à Lima car elles sont plus proches des campagnes. Dans l’en
semble, la consommation de produits nationaux issus des campagnes est
importante parce qu’une part de la population a immigré et conserve en
partie les coutumes de sa région d’origine.
2
Il s’agit d’une variété de banane différente de la banane-fruit exportée.
185
186
187
188
superficies cultivées, tandis que 75,5 % des exploitations (qui ont moins de
1 ha) occupent seulement 11,8 % des superficies cultivées (INEC, 2000).
D’une part, les petits producteurs ne peuvent pas produire pour les villes
dans de bonnes conditions faute de terres suffisantes, mais en plus, certai
nes grandes exploitations concurrencent les petits producteurs sur les mar
chés urbains pour des cultures rentables (huile de palme, riz par exemple,
développés sur la côte). En Bolivie, existent des phénomènes identiques :
les grands producteurs de blé de l’Oriente concurrencent les petits produc
teurs de la montagne qui ne produisent pas dans les mêmes conditions et
ne peuvent pas vendre leurs produits.
En Afrique de l’ouest, il y a très peu de propriété privée. La terre ap
partient à la grande famille ou au village. Elle est gérée par un chef de terre
au nom du groupe. Le développement des cultures d’exportation sous la
colonisation a été réalisé par des petits producteurs qui font souvent 1 à 3
ha de cultures d’exportation (café, cacao, coton…) et 1 à 3 ha de denrées
vivrières. On a ainsi une masse de petits producteurs qui peuvent tous pro
duire pour les villes. La concurrente des grands producteurs sur le marché
national existe peu et il n’y a pas de grosses inégalités foncières.
Par ailleurs, les relations lignagères jouent un rôle très important en
Afrique de l’Ouest. Les ruraux qui émigrent en ville gardent des liens étroits
avec les gens de leur famille restée au village. Cela se traduit par des allers-
retours ville-campagne fréquents. En Côte d’Ivoire, beaucoup de citadins
originaires du sud du pays ont une petite parcelle de cacao dans leur village
qu’ils cultivent ou font cultiver par un frère ou un cousin. En échange, ils
envoient de l’argent ou rendent des services aux parents restés à la cam
pagne. En ville, il existe des associations regroupant les originaires de la
même localité ou de la même région qui jouent un rôle très important pour
aider les nouveaux migrants et pour aider aussi leur village d’origine.
Ces phénomènes peuvent se retrouver, mais de manière moins fré
quente, dans les Andes. Toutefois, les situations sont loin d’être homogènes
en Afrique occidentale comme en Amérique andine. Et la complexité des
situations conduit à s’interroger sur les oppositions actuelles.
189
dans les années 1990, avec les réformes libérales, mais on est loin des iné
galités que l’on trouve en Équateur par exemple. Cela peut contribuer à
expliquer que la population rurale du Pérou augmente plus vite qu’en Bo
livie et ne régresse pas comme en Équateur. En Afrique, la Côte d’Ivoire et
le Burkina Faso présentent des situations différentes : l’urbanisation plus
rapide de la Côte d’Ivoire et son insertion plus forte dans une économie
marchande expliquent un essor très fort des cultures vivrières pour les vil
les ; l’agriculture d’exportation fondée sur la culture du cacao y a nourri
une relative prospérité urbaine qui a favorisé des synergies ville-campagne
fortes (Chaléard, Dubresson, 1999).
Par ailleurs, l’intensité des relations ville-campagne n’est pas iden
tique selon la distance à la ville, quel que soit le continent. Près des agglo
mérations urbaines, les relations sont plus conflictuelles et plus intenses.
L’agriculture recule partout devant l’avancée des villes. Toutefois, la proxi
mité des marchés urbains favorise des productions à forte valeur ajoutée
comme les cultures maraîchères, que ce soit en Amérique ou en Afrique.
Par ailleurs, l’agriculture bénéficie des infrastructures de transport urbai
nes. Autour de Quito se développent des cultures de roses pour l’expor
tation. Elles bénéficient de conditions naturelles et économiques favora
bles (ensoleillement, faible coût relatif de la terre et de la main-d’œuvre…),
mais aussi de la proximité de l’aéroport international pour expédier les
fleurs sur les marchés du Nord. Cette évolution se manifeste également en
Afrique, même si c’est de manière moins forte : près de Ouagadougou, la
capitale du Burkina Faso se développent des cultures maraîchères expé
diées par avion en Europe ; de même, près d’Abidjan, la production d’ana
nas bénéficie de la proximité de l’aéroport.
Dans l’ensemble, les régions bien reliées aux villes, en profitent pour
développer des activités en relation avec les centres urbains : agriculture
commerciale, artisanat... À l’inverse, les régions les plus éloignées des vil
les, en général enclavées, sont les plus défavorisées. Dans certains secteurs
des montagnes du nord du Pérou ou de l’Équateur, les communications
sont difficiles. De mauvaises routes ou l’absence de routes ne permettent
pas de faire des cultures commerciales. Les habitants n’ont pour revenus
que les envois des migrants ou, dans le nord du Pérou, l’argent gagné dans
les régions productrices de coca. En Afrique de l’Ouest, le relief crée moins
d’obstacles aux communications. Cependant les régions enclavées sont les
plus pauvres : dans les Monts Mandara (nord du Cameroun), loin des cen
tres urbains, les populations vivent de la migration vers les piémonts ou en
ville. Ces zones enclavées sont reliées aux centres urbains, mais de façon
indirecte : par l’envoi d’argent des migrants…
Sur un autre plan, l’Afrique occidentale connaît des évolutions qui
tendent à la rapprocher de l’Amérique andine. On y observe des mutations
foncières en rupture avec la situation ancienne. Dans de nombreux pays,
190
191
Conclusion
Ainsi, dans les pays andins comme en Afrique de l’Ouest, les rela
tions sont intenses entre villes et campagnes. La croissance urbaine a favo
risé l’essor de cultures pour les marchés urbains qui parfois concurrencent
les cultures d’exportation chez les petits producteurs.
Les différences entre l’Afrique de l’Ouest et l’Amérique andine sont
importantes : elles tiennent aux écarts de niveau de vie, au degré d’urbani
sation et à la situation sociale et foncière dans les campagnes. Toutefois,
il serait réducteur de se limiter à ces différences. D’autres lignes de cli
vage, tout aussi importantes, existent entre pays et entre régions à l’inté
rieur d’un même pays. De même, les évolutions actuelles tendent à rappro
cher les situations des petits producteurs de part et d’autre de l’Atlantique :
l’ouverture libérale entraîne des importations croissantes qui se font au
détriment des agriculteurs locaux.
Finalement, l’intérêt de comparer les situations de deux ensembles a
priori très dissemblables est double. D’un côté, la comparaison permet de mon
trer la diversité des situations et invite à la prudence face aux grandes théories
192
souvent réductrices. D’un autre côté, au-delà des situations singulières, appa
raissent de grandes évolutions communes dans le contexte actuel d’ouverture
des marchés sur l’extérieur. Ce n’est pas seulement la croissance urbaine qui
change les relations ville-campagne. Les politiques libérales actuelles et la glo
balisation, par leur influence sur la société et sur les productions agricoles,
contribuent à l’évolution des rapports entre les espaces ruraux et urbains.
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LOMBARD J., MESCLIER É., VELUT S. (dirs.), 2006 – La mondialisation
côté Sud. Acteurs et territoires, Paris IRD-Éditions, 495 p.
193
194
Introdução
Este trabalho se propõe a comentar algumas implicações sociais das
mudanças nos processos econômicos em curso na cadeia carne/grãos na
BR-163 mato-grossense associadas às transformações nas relações campo-
cidade.
O objetivo, portanto, é ressaltar as repercussões sociais de novos
processos produtivos que se instalam na região, embora tais processos não
tenham alcançado sua plenitude. Citando Aristóteles, Polanyi nos lembra
que “só podemos compreender a natureza de qualquer coisa quando ela al
cança – e supera – a sua maturação” (Polanyi, 2000: 9). Na medida em que
as principais mudanças verificadas vêm ocorrendo há apenas três anos, é
difícil apreender neste momento seu significado mais profundo, sendo im
possível iluminar todos os pontos escuros, o que nos leva a uma avaliação
mais de tendências em curso, para ser mais justa e rigorosa.
195
196
sistema financeiro, com o apoio das classes comerciais, cientes de sua li
derança e poder político. Segundo o discurso dos grandes empresários, a
crise se traduz principalmente na falta de diversificação da produção e de
agregação de valor à mesma.
As tensões que surgem entre os grupos sociais em jogo, melhor di
zendo, entre produtores agrícolas/empresas agrícolas e os comercializado
res da produção, favorecem o desenvolvimento de um novo movimento de
caráter econômico e político, que vai modelar um novo momento econô
mico e uma nova organização social, representada pela implantação de ca
deias agroindustriais, em sistemas muito organizados, como os de integra
dos de suínos e aves, aproveitando a grande produção de grãos da região,
que deve ser industrializada, além da de bovinos, cadeias que incorporam
tecnologias com vistas a atender segmentos de consumo mais exigentes,
com instalação de frigoríficos de elevado padrão técnico.
A cadeia produtiva de carnes vai selecionar prioritariamente o con
junto Lucas do Rio Verde, Nova Mutum e Sorriso, que apresenta signifi
cativa produção de soja e milho, produzindo 3.257.034 toneladas de soja
em 2007, ou seja, 21,32% de Mato Grosso, além de 1.889.559 toneladas de
milho, correspondendo a 30,82% do estado, embora os demais municípios
da região sejam contemplados com impulsos do novo processo de moder
nização.
Deve-se assinalar que a crise das commodities e o “aparente” fracas
so da agricultura de exportação não destroem a autoridade de seus defen
sores, mas possibilita que eles justifiquem que as causas das dificuldades
se encontram na aplicação incompleta dos princípios do mercado, argu
mentando que não foram o sistema competitivo e o mercado auto-regulá
vel os responsáveis pela crise, mas a necessidade de difusão mais ampla e
aprofundada do sistema de mercado, formulando propostas de industriali
zação das matérias primas.
Como não era possível negar que os negócios eram prejudicados pe
los preços das commodities no mercado internacional, agravado pelas di
ficuldades de logística, pelo aumento dos custos dos insumos, instituições
privadas e públicas se empenharam em intervir criando condições para a
difusão e aprofundamento do sistema de mercado auto-regulável, procu
rando remover os obstáculos ao funcionamento do sistema competitivo.
Desta forma, ao novo tempo trazido para os cerrados com a difusão
dos fronts agrícolas, um novo tempo se impõe na área concentrada da agri
cultura moderna da BR-163, com difusão de objetos técnicos mais especia
lizados que possibilitam ações mais racionais e velozes (Frederico, 2008).
A transferência de uma regulação da política agrícola brasileira, que
era exclusividade do Estado, que atuava como financiador do modelo, para
uma regulação controlada pelo mercado, constituiu elemento facilitador
de tais mudanças. Como acentua Frederico (2008), se até a década de 80 a
197
198
199
200
terceiro maior produtor, além de Vera e Lucas do Rio Verde, que cresceram
no período respectivamente 1.079% e 698%.
No que tange ao rebanho suíno, a tabela 5 revela que a área concen
trada da agricultura moderna detém o maior efetivo em 2007, liderado por
Nova Mutum, que apresenta o maior crescimento entre 2005 e 2007, sede da
Perdigão, seguido por Diamantino e Lucas do Rio Verde, tendo o conjunto
dos 12 maiores produtores aumentado seu efetivo no período em 11,90%.
Deve-se observar que não há fortes concentrações em termos da produção
de suínos, encontrando-se a mesma bastante disseminada pelo estado.
201
202
203
204
Para finalizar
Até há pouco tempo a novidade no país era a expansão da agricultu
ra moderna no cerrado, dos grãos. Hoje, o novo, é constituído pelos fronts
da cadeia de carnes, aproveitando a existência dos grãos da primeira fase
da fronteira, é a revolução genética na produção de frangos, suínos e bo
vinos, é o confinamento de bovinos, são as tecnologias de ponta que hoje
produzem impactos no campo e na cidade, instituindo novas relações. A
partir do esgotamento do velho, surge um novo modelo, que implica em
novas técnicas, nova escala de produção, só encontrada no cerrado, mais
adequada às atuais necessidades da acumulação.
Como o modelo social vigente se sustenta nos pressupostos do de
senvolvimento permanente, baseado na produção/comercialização contí
nua sob os impulsos da competição, que estimula a criação de novos pro
205
Referências:
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2008, Mato Grosso.
BERNARDES, Júlia Adão. Circuitos espaciais da produção na fronteira
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São Paulo: Ed. Expressão Popular, 2006.
FREDERICO, Samuel. O novo tempo do cerrado: expansão dos fronts agrí
colas e controle do sistema de armazenamento de grãos. Tese de dou
torado USP. São Paulo, 2008.
206
207
Apresentação
Nos últimos trinta anos, vários pesquisadores brasileiros têm, con
juntamente com estudiosos do exterior, num diálogo continuado, recons
truído a geografia no Brasil, sem desconsiderar, evidentemente, o movi
mento anterior, também constante, de revisão da ciência geográfica. Em
especial, nos últimos 15 anos, muitos docentes-pesquisadores, envolven
do discentes em diferentes níveis de ensino (graduação e pós-graduação),
têm assumido, cada vez mais, o território não apenas como uma noção ou
conceito, mas como uma categoria central para a análise e interpretação
geográfica.
É um movimento muito interessante e importante, pois revela mu
danças epistemológicas e ontológicas substantivas nessa e em outras ciên
cias e, também, na filosofia. Esse processo também mostra-nos, como
ocorreu em períodos anteriores, uma tentativa constante de explicação
dos processos sociais e espaciais por meio da revisão e atualização teórico-
metodológica. Existem, como já evidenciaram, cada qual ao seu modo, au
tores como Moreira (2007), Moraes (2004), Saquet (2000 e 2007) e Suzuki
(2007), fatores internos e externos ao pensamento geográfico que determi
nam sua renovação constante.
Renovação que passa, como já mencionamos, por uma revisão teóri
co-metodológica ocorrida a partir dos anos 1960-70, envolvendo as teorias,
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211
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214
215
questões mais gerais que fazem parte, tanto ontológica como epistemolo
gicamente, da geografia. Por isso, destacamos alguns componentes que
precisam ser considerados tanto em estudos de geografia urbana, agrária,
econômica, cultural, política, enfim, em estudos de geografia.
Agora, estamos refletindo descrevendo e descrevendo refletindo so
bre a abordagem territorial da questão agrária, processo ambíguo, multi
forme, multidimensional, complexo e híbrido, porém, com algumas espe
cificidades, em razão, como afirmamos em Saquet (2006 e 2006a) e como
argumenta Fernandes (2008), de singularidades inerentes aos processos
agrários, mais detidamente, à produção agropecuária familiar, com um
caráter histórico camponês, um dos temas e uma das problemáticas de
nossos estudos dos últimos 16 anos. Problemática da questão agrária que
precisa ser estudada e compreendida juntamente com a questão urbana.
Em estudos de geografia agrária, ou melhor, em processos especí
ficos do rural-agrário articulado-combinado e em unidade com o urbano-
cidade, acreditamos que é fundamental reconhecer e explicar:
a) os indivíduos sociais (ou atores ou agentes se se preferir dessa for
ma) e a multiplicidade de suas ações e reações (práticas objetivas
e subjetivas) cotidianas em forma de redes (circulação e comuni
cação) que interligam diferentes escalas geográficas (para detalha
mento, ver Saquet, Candiotto e Alves, 2010). Esses indivíduos são
os trabalhadores familiares, assalariados, meeiros, ocupantes, ren
deiros; os jovens e as crianças; os aposentados que estão no espa
ço rural, todos vivendo em sociedade, nas unidades produtivas e de
consumo que ora denominamos de unidades territoriais de vida no
espaço agrário.
b) as relações de poder e trabalho como consumo de energia, conhe
cimentos, experiências, mercadorias, controle, exploração e domi
nação, cada qual com suas especificidades e combinações (sincrôni
cas e diacrônicas) em meio à reprodução da sociedade em geral e do
modo capitalista de produção.
c) as associações de produtores, os CAIs, as cooperativas de produ
ção, comercialização e de crédito (solidárias e empresariais), como
organizações políticas e econômicas que também envolvem uma mi
ríade de relações de poder e mediações.
d) as formas de apropriação simbólicas e materiais do espaço geográ
fico, isto é, econômicas, políticas e culturais, incluindo aí institui-
ções importantes no espaço agrário, como as igrejas, as escolas, os
sindicatos de trabalhadores rurais, as organizações como o MST, as
ONGs e os sindicatos patronais. Esse quesito também envolve o uso
e a exploração econômica da terra, das águas e das florestas.
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219
220
produção fumageira realizada pela empresa Souza Cruz S/A. Esta integra
e regula trabalhadores familiares, proprietários e arrendatários, fornecen
do insumos como agrotóxicos, fertilizantes, sementes; prestando assistên
cia técnica; efetivando financiamentos; comercializando o fumo e cigarros
no Brasil e no exterior, ou seja, através de relações de poder multidimen
sionais. É uma empresa organizada territorialmente em rede e estabelece
uma trama de relações que interligam nós e indivíduos, famílias, lugares,
territórios e territorialidades. Isso também acontece nas cooperativas agrí
colas de produção empresarialmente desenvolvidas que agem, no “inte
rior” do processo denominado de modernização da agricultura, na media
ção entre indivíduos e lugares, entre o rural e o urbano, e na drenagem de
parte considerável do sobretrabalho agrícola.
As cooperativas, muitas também organizadas em rede, através da
comercialização de insumos, da produção agrícola, de mercadorias em ge
ral (mercados), instrumentos de trabalho, financiamentos etc., fazem a ar
ticulação entre territórios e territorialidades, extrapolando os limites das
propriedades e político-administrativos dos municípios, estados e países.
Os limites e fronteiras são transpostos. Não há barreiras espaciais no pro
cesso de reprodução ampliada do capital. Há, sim, integração com sujeição
e exploração de trabalhadores imediatos na ciranda mercantil. Isto é dife
rente do que acontece nas redes de empresas do Centro-Nordeste italiano:
lá, há muitas redes de empresas, em ramos industriais como o têxtil, ele
trônico, alimentos, bebidas etc. porém, com intensas diferenças do modelo
de desenvolvimento econômico implantado no Brasil. Na chamada Terza
Italia, há milhares de pequenas e médias empresas (localizadas nas cidades
e no espaço rural) e, assim, de patrões e, em muitos casos, também ocorre
o controle do processo produtivo, do cultivo, passando pela fabricação até
o transporte e a comercialização. De forma similar ao que ocorre na Ale
manha na produção de cervejas, muitos produtores (de vinho) produzem
as uvas, fabricam e comercializam o vinho. É mais um processo histórico,
relacional e multidimensional, com fortes e específicas características cul
turais, econômicas, políticas e ambientais.
Há associações de produtores agroecológicos, no Brasil, que tam
bém estão organizados territorialmente em rede, como a Rede ECOVIDA,
promovendo, desde 1998, a conversão agroecológica e a certificação par
ticipativa nos três estados do Sul do Brasil. Somente no Sudoeste do Pa
raná, são 19 associações envolvendo centenas de produtores de alimentos
orgânicos dos municípios de Francisco Beltrão, Verê, Capanema, Pérola
d’Oeste, Dois Vizinhos, Coronel Vivida, Planalto, Honório Serpa, Chopinzi
nho, Marmeleiro, São Jorge d’Oeste, Flor da Serra do Sul e Clevelândia. Na
organização territorial da Rede ECOVIDA, o Sudoeste do Paraná corres
ponde a um dos 7 núcleos existentes no Paraná, juntamente com outros 9
núcleos do Rio Grande do Sul e 8 de Santa Catarina: há uma trama territo
221
Considerações finais
Optar por essa abordagem e concepção nos remete a pensar, neces
sariamente, em processos de organização política, desenvolvimento e au
tonomia, num movimento contínuo de construção de uma sociedade mais
justa, que estamos denominando de desenvolvimento territorial a partir
de reflexões, pesquisas e argumentações feitas por autores como Raffestin
(1993/1980 e 1993), Dematteis (2001), Hussy (2002), Quaini (2004), Saquet
e Sposito (2008) e nossas, Saquet (2006a e 2007). Tanto no espaço agrário
como no urbano e nas suas relações, efetiva-se um processo multidimen
sional com descontinuidades e continuidades, no tempo e no território,
que denominamos de temporalidades e territorialidades vividas, senti
das, percebidas, representadas.
222
Referências:
CORRÊA, R. Lobato. Cidade e região no Sudoeste paranaense. RBG, v. 32,
n.2, p. 3-155, 1970.
223
224
225
226
Sérgio Sauer
Doutor em Sociologia e Mestre em Filosofia | Professor da Universidade de
Brasília(UnB) na Faculdade de Planaltina (FUP) e no Propaga (FAV/UnB) |
RelatorNacional do Direito Humano a Terra, Território e Alimentação da
PlataformaDhESCA Brasil
Introdução
É possível afirmar que uma das principais metáforas fundadoras
do pensamento moderno, profundamente influenciada pelo Iluminismo
do século XIX, é a idéia de progresso, a qual é resultado de uma ênfase na
centralidade do tempo e da história. Segundo Hegel, um filósofo da moder
nidade, o tempo é a “inquietação pura da vida” e o espírito é a história.
O final do século XX e o início do século XXI, no entanto, estão sen
do marcados por um renascimento do espaço, dando centralidade a mo
dos de pensar que privilegiam a dimensão espacial, o lugar como um olhar
para o mundo. Generalizando, é possível afirmar que, diferente da moder
nidade do século XX, uma característica fundamental da cultura contem
porânea é a centralidade do espaço, especialmente pelo que poderia ser
denominado de “projeto de globalização”.
O advento da globalização – ou mesmo a utilização da noção de glo
balização para explicar mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais
recentes – retomou a dimensão do espaço e do território na sociedade con
temporânea. Este “projeto da globalização” (MASSEY, 2008) tem sido basea
do em noções como rompimento de fronteiras, desterritorialização, advento
da dimensão global, novas relações entre local e global (GIDDENS, 1995).
A globalização deu legitimidade a categorias espaciais. Na verdade,
a noção de lugar adquiriu uma “ressonância totêmica” (MASSEY, 2008)
227
na globalização, muito mais pela sua negação, apesar das constantes re
definições ou re-elaborações como, por exemplo, os processos de dester
ritorialização sendo acompanhados de análises sobre reterritorialização.
Discursos políticos e elaborações teóricas pregam (ou pregavam) o fim do
espaço, das fronteiras e da própria Geografia, como uma ciência ou área
do conhecimento.
É necessário reconhecer que esse “projeto de globalização” está bas
tante desgastado, especialmente a partir da segunda metade da primeira
década do século XXI, especialmente pós 11 de setembro e da crise finan
ceira mundial. Isso significa que o uso deste referencial de interpretação
das mudanças sociais e culturais também arrefeceu recentemente. Mesmo
assim, Massey afirma que o discurso da “inevitabilidade da globalização”
é uma proposição que “transforma a geografia em história, o espaço em
tempo” (2008, p. 24).
Apesar do discurso hegemônico de desterritorialização, o campo bra
sileiro foi, historicamente, palco de disputas territoriais, não só devido às re
sistências à expropriação e ações e demandas populares pelo acesso à terra.
As ações e bandeiras das organizações patronais sempre explicitaram essa
disputa, dando especial valor ao território. Mais recentemente, esse é o em
bate político, por exemplo, nas propostas parlamentares de mudança do Có
digo Florestal – sendo que o grande objetivo é liberar terra para a expansão
agropecuária – ou a oposição ferrenha à demarcação de terras indígenas e
ao reconhecimento de territórios quilombolas (QUEIROZ, 2010).
Associado aos acontecimentos globais, especialmente à crise cam
bial de 2008 e às disputas territoriais, outro fenômeno está colocando em
xeque o discurso da inexorabilidade da globalização e seus processos de
desterritorialização, ou seja, o crescente investimento na compra de terras.
Obviamente, as transações de compra e venda de terras não são exatamen
te uma novidade, nem a tal “estrangeirização”, pois basta lembrarmos a in
vasão de brasileiros às terras do Paraguai e do Uruguai, ou mesmo da Bo
lívia. No entanto, há uma “corrida mundial” recente por terras, acelerada
pós-crise de 2008, trazendo à tona preocupações como soberania nacional
(domínio sobre o território), inclusive sobre limites de faixa de fronteira,
entre outras preocupações.
De acordo com notícias veiculadas pela grande imprensa, o interes
se de pessoas e empresas estrangeiras por terras brasileiras vêm aumenta
do velozmente desde meados dos anos 2000 (ARRUDA, 2006). De acordo
com várias reportagens, as transações de compra estão associadas aos pro
jetos de produção de biocombustível, atraindo até fundos de investimen
tos, mas essas representam apenas uma parte dos negócios de terras no
Brasil (ARRUDA, 2006; DUARTE, 2008; ZANATTA, 2010).
Este embate ou disputa pelo território é o pano de fundo das refle
xões que seguem. Apesar da preocupação com a crescente demanda ou
228
229
1
A preocupação de Augé (1994) é entender a sociedade contemporânea ou supermodernida
de, conforme sua definição, especialmente a produção de “não-lugares”. Segundo este autor,
espaços com aeroportos, supermercados e shopping são exemplos típicos, pois não possuem
identidade ou história, portanto, são “não-lugares”.
230
2
A preocupação aqui é menos com o debate se é útil ou certo fazer distinção entre espaço e
território, como defende Raffestin (2010), retomando a importância da paisagem na geogra
fia política e da dimensão imaterial do território, e mais com os processos sociais que esta
distinção provoca no Brasil.
231
3
A Convenção 169 da OIT foi ratificada pelo Senado em 2002 (Decreto Legislativo nº 143, de
20 de junho de 2002) e pela Presidência da República, em 2004 (Decreto nº 5.051, de 19 de
abril de 2004).
232
233
234
soja, girassol, cana de açúcar e floresta plantada (BANCO, 2010, p. 8).4 Me
lhores preços dos agrocombustíveis e os subsídios governamentais levaram
a expansão desses cultivos. Em 2008, a estimativa era de 36 milhões de hec
tares a área total cultivada com matérias-prima para os agrocombustíveis,5
área duas vezes maior que em 2004 (BANCO, 2010, p. 8).6
Segundo esse levantamento do BIRD (2010), em torno de 23% da
expansão da produção agrícola mundial (quantidade produzida) se deu
em função da expansão das fronteiras agrícolas, apesar de que o aumento
mais expressivo (cerca de 70% do aumento) da produção é resultado da
incorporação de tecnologias. O estudo apontou que as razões ou fatores
da expansão da produção (e também das demandas e transações de terras)
foram: a) demanda por alimentos, ração, celulose e outras matérias primas
industriais, em conseqüência do aumento populacional e da renda; b) de
manda por matérias-primas para os biocombustíveis (reflexo das políticas
e demandas dos principais países consumidores) e, c) deslocamento da
produção de commodities para regiões de terra abundante, onde a terra é
mais barata e as possibilidades de crescimento da produtividade são maio
res (BANCO, 2010, p. 7).
Um dos dados mais significativos neste estudo do Banco Mundial é a
caracterização dos atuais demandantes de terras no mundo. Segundo o mes
mo, são três os tipos os demandantes por terra no momento: a) governos pre
ocupados com a demanda interna e sua incapacidade de produzir alimentos
suficientes para a população, especialmente a partir da crise alimentar de
2008; b) empresas financeiras que, na conjuntura atual, acham vantagens
comparativas na aquisição de terras7 e, c) empresas do setor (agroindustrial,
agronegócio) que, devido ao alto nível de concentração do comércio e pro
cessamento, procuram expandir seus negócios (BANCO, 2010, p. 3).
Após a crise dos preços dos alimentos, em 2008, e das previsões de
demanda futura, não é surpreendente o crescente interesse de governos –
4
De acordo com o estudo do Banco Mundial (BIRD), o Brasil contribui com a produção de três
commodities: milho, soja e cana de açúcar (2010, p. 8), sendo que usa metade de seu cultivo
anual de cana para a produção de álcool e parte significativa do óleo de soja para o biodiesel
(mais de 80% da produção nacional de biodiesel tem o óleo como matéria prima básica).
5
Segundo projeções do Ministério da Agricultura haverá um acréscimo de sete (7) milhões
de hectares no cultivo da cana até a safra de 2018/2019, dobrando a extensão de terras culti
vadas em relação à área plantada com cana (7,8 milhões de hectares) em 2008/2009 (MAPA,
2009, p. 13).
6
Destes 36 milhões de hectares, 8,3 milhões de hectares estão na União Européia (quase só
com cultivo de canola), 7,5 milhões nos Estados Unidos (milho) e 6,4 milhões de hectares na
América Latina (basicamente com cultivos de cana) (BANCO, 2010, p. 8), portanto, só con
tabilizou a área cultivada no Brasil.
7
O grupo britânico Clean Energy Brazil desembolsou US$214 milhões no setor sucroalcoo
leiro do Brasil em cerca de um ano (2008), com a aquisição de participações acionárias ou o
controle total de três usinas de etanol, açúcar e energia (DUARTE, 2008).
235
puxados pela China e por vários países árabes – pela aquisição de terras
para a produção de alimentos para satisfazer as demandas internas. Cha
ma a atenção, no entanto, os investimentos do setor financeiro, um setor
historicamente avesso à imobilização de capital, especialmente na compra
de terra, um mercado caracterizado pela baixa liquidez.
Ainda segundo o BIRD, o crescimento populacional, o aumento da
renda e a urbanização vão continuar pressionando a demanda por alimen
tos, especialmente óleo vegetal e carnes, provocando o crescimento da de
manda por ração e produtos industriais. O resultado é que a corrida por
terra não vai diminuir nos próximos anos (BANCO, 2010, p. 9), criando a
necessidade de estabelecer “princípios para agro-investimentos responsá
veis”, incluindo “o respeito aos direitos à terra e aos recursos [naturais]”
(BANCO, 2010, p. X).
Na mesma perspectiva do levantamento do Banco Mundial, estudos
encomendados pelo Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Ru
ral (NEAD) mostram que houve um crescimento significativo de investi
mentos estrangeiros no Brasil a partir de 2002. Segundo estes estudos do
NEAD, ligado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), os inves
timentos estrangeiros diretos (IEDs) totais cresceram 107% entre 2002 e
2008, “passando de 4,33 bilhões de dólares em 2002 a 8,98 bilhões de dóla
res em 2008” (ALVIM, 2009, p. 52).8
Seguindo a tendência de aumento dos investimentos estrangeiros
no Brasil nos últimos anos, houve crescimento da participação externa nas
atividades agropecuárias9 como, por exemplo, no cultivo da cana-de-açú
car e da soja e na produção de álcool e biocombustíveis (ALVIM, 2009, p.
53). Uma parte significativa destes investimentos foi utilizada para compra
e fusões de empresas já existentes (ALVIM, 2009, p. 52), sendo que “o to
tal de IED realizado no agronegócio foi de 46,95 bilhões de dólares”, entre
2002 e 2008 (ALVIM, 2009, p. 47).
Segundo Alvim,
8
Segundo O Globo, o IPEA mostrou que os investimentos estrangeiros diretos (IEDs) no setor
primário brasileiro passaram de US$2,4 bi, em 2000, para US$13,1 bi, em 2007, sendo que
a alta de 445% foi puxada pela mineração que respondeu por 71% do total recebido naquele
ano (DUARTE, 2008).
9
Até 2000, o setor primário participava com apenas 2,3% do total dos recursos estrangeiros in
vestidos no Brasil, sendo que, em 2007, chegou a quase 14%, enquanto a expansão dos inves
timentos estrangeiros no setor industrial foi de 33,4% no mesmo período (DUARTE, 2008).
236
10
Dois aspectos importantes nesse levantamento feito por Pretto (2009): a) desde 1994 não era
mais obrigado declarar tais aquisições, portanto, o Cadastro do INCRA estava desatualizado
e, b) este levantamento das informações do Cadastro foi feito até junho de 2008 (de 1909 a
2008), portanto, não abarca a corrida recente por terras após a crise alimentar mundial de
2008, conforme apontado pelo estudo do Banco Mundial (2010).
11
Há muitos dados sendo divulgados, mas nada sistematizado. Segundo notícia, “estatísticas
cadastrais inéditas mantidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (In
cra) mostram que o número de imóveis sob domínio de empresas nacionais passou de 67 mil,
em 1998, para 131 mil em 2008. O total da área registrada saltou de 80 milhões para 177,2
milhões de hectares nesses dez anos – um aumento de 121%” (ZANATTA, 2010, p. A2).
237
238
239
240
12
É importante observar que a Lei 5.709, em seu art. 7º, também trata da aquisição de terras
na faixa de fronteira, outro tema importante em debate, especialmente no Congresso onde
há pressões para revisar a lei que regulamenta as fronteiras do Brasil.
13
A retirada do controle sobre a aquisição de terras no Brasil se deu, em parte, pela aprovação
da PEC nº 6, que revogou o art. 171, inciso I, da Constituição, que definia empresa nacio
nal, mas também pelos Pareceres de 1994 e 1998, os quais afirmavam a não recepção da Lei
7.509, de 1971 pela Constituição de 1988.
241
14
Não foi realizada a Consulta Prévia, como prevê o art. 6º da Convenção 169 da OIT, segun
do o qual “os governos deverão a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos
apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que
242
243
Referências:
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geiros. Brasília, Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da
Presidência da República, agosto de 2010 (mimeo).
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244
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245
246
Introdução
Para tratarmos da temática que nos foi proposta para essa mesa re
donda, situamos a reflexão no contexto das discussões sobre a dinâmica do
território na atualidade. O pressuposto de que partimos foi compreendê-la
enquanto produto das relações sociedade-espaço-tempo, mediadas dessa for
ma, por diferentes relações espaço-temporais, que ao se territorializarem,
transformam e/ou entram em conflito com outras territorialidades, num con
tínuo processo de territorialização/deterritorialização (HAESBAERT, 2007).
A partir desse pressuposto, para tratarmos, então, do Mercado da ter
ra e nas diferentes formas de apropriação territorial, pensamos inicialmen
te quais são os principais agentes que se destacam – no atual estágio de
desenvolvimento capitalista – na dinâmica do território, produzindo uma
questão agrária. A partir desse contexto, podemos compreender, no nosso
modo de entender, as diferentes formas de apropriação territorial.
Na atualidade, a territorialização dessa dinâmica se inscreve no es
paço geográfico, tendo na propriedade privada da terra o elemento de me
1
O presente artigo é resultado das reflexões decorrentes de nossa participação na mesa-re
donda Mercado da terra e diferentes formas de apropriação territorial, do XX ENGA (Encon
tro Nacional de Geografia Agrária), realizado no período de 25 a 29 de outubro de 2010, em
Francisco Beltrão-PR.
247
2
Em relação ao debate sobre a questão da água, importantes contribuições têm sido feitas
por Gonçalves (2008) e Thomaz Jr. (2010).
248
3
In: http://pratoslimpos.org.br/?p=1741. Acesso em 31/10/2010.
249
250
8
A propriedade privada da terra representa uma barreira à expansão do capital no campo,
pois seu proprietário cobra um tributo para o seu uso, a renda da terra (MARTINS, 1995).
9
Em 1996, por exemplo, tivemos a Lei Kandir, isentando de ICMS para exportação de produ
tos primários e semi-elaborados. Essa lei, que visava estimular a exportação desses produ
tos para equilibrar a balança comercial, tem beneficiado os grandes proprietários e o setor
agroindustrial. Quando, em 1999, o Ministério da Fazenda considerou a possibilidade de
alterar a lei por pressão de governadores, houve outra mobilização por parte de representan
tes dos produtores rurais, agroindústrias e cooperativas do país – como a ABAG (Associação
Brasileira de Agronegócios), a ANEC (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais); a
CNA (Confederação Nacional da Agricultura); a SRB (Sociedade Rural Brasileira) entre ou
tros – para não terem de pagar mais esse tributo ao Estado (MIZUSAKI, 2003).
10
http://www.mi.gov.br/fundos/fundos_constitucionais.
11
Já têm sido divulgadas, em revistas de circulação nacional, informações sobre os maiores
“caloteiros” do Brasil, entre os quais figuram grandes proprietários de terra.
251
Gráfico 1 – Estado de Mato Grosso do Sul. FCO rural – percentual contratado por
categoria de produtor –1999 a 2001
12
O Banco do Brasil classifica os produtores conforme sua renda, que varia dependendo do
período analisado. Na Tabela 01, os mini produtores são aqueles que possuem renda anual
de até R$ 40 mil. Os pequenos são os que possuem renda entre R$ 40 mil e R$ 80 mil.
13
Mais informações sobre o fundo público, ver Oliveira (1998).
252
14
Dataluta. In: http://www4.fct.unesp.br/nera.
15
Segundo Martins (2002), os Guarani pertencem à família linguística Tupi-guarani. Vieram
da região Amazônica e se espalharam pelas terras férteis da bacia Platina, sendo que no sé
culo XVI, estima-se que havia mais de 1 milhão de índios em toda a bacia.
Em Mato Grosso do Sul, vivem atualmente 25 mil índios guaranis (In: http://www.trilhasde
conhecimentos.etc.br/mato_grosso_do_sul/guarani.htm. Acesso em 20/10/2010).
16
No Estado de Mato Grosso do Sul, por exemplo, a primeira reserva indígena Kaiowá, localiza
da no município de Amambaí, data de 1915, no mesmo período em que a propriedade privada
da terra avança no sul do Estado, região pioneiramente ocupada pelos guarani Kaiowá.
253
17
“O povo Guarani não se considera dono da terra, nem daquilo que vive nela. O que entende é
que receberam de Deus o direito ao usufruto da terra, que deve ser feito de forma respeitosa,
equilibrada e limitada, vigiado pelos deuses e os outros Guarani”. (www.campanhaguarani.
org.br/historia/economia/htm). Acesso em 18/10/2010.
254
18
Conforme assessoria de imprensa do CIMI (Conselho Indigenista Missionário). In: CARVA
LHO, Priscila. In: www.cimi.org.br acesso em 09/05/2008.
255
256
Considerações finais
Na análise ora proposta, finalizamos considerando que nessa desi
gual disputa pelo território, os territórios conquistados por camponeses e
indígenas têm demonstrado que a territorialização do capital não é uma
via de mão única, ou seja, tem demonstrado que é possível construir outras
formas de apropriação do território. Para entendê-las, é necessário pensá-
las a partir do pressuposto de que os diferentes interesses de classe trazem
consigo diferentes concepções de propriedade e, dessa forma, diferentes
formas de apropriação territorial.
Nesse processo, acentuam-se as tensões que os homens estabelecem
entre si e destes com a natureza, na medida em que se trata de relações que
envolvem diferentes formas de uso do território.
Destacamos, dessa forma, a reafirmação do território como instância
de análise, bem como, a sua complexidade e multidimensionalidade, ou seja,
o processo de reorganização e articulação do capital precisa ser compreen
dido também enquanto expressão territorial na sua multiplicidade de deter
minações espaço-temporais, que se produz e reproduz de acordo com a di
nâmica contraditória que move essas relações. Nesse sentido, assim como a
sociedade se complexifica, assim como o capital se articula em vários setores
da economia, essas relações também se territorializam de forma complexa.
Essas diferentes temporalidades em tensão ressignificam o conceito
de natureza e de sociedade, conforme destaca Carlos Walter:
257
Referências:
BRAND, A. O confinamento e seu impacto sobre os Pai/Kaiowá. Porto Ale
gre: PUCRS, 1993. Dissertação (mestrado em História), IFCH, Pon
tifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
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259
Apresentação
O trabalho investiga os espaços ocupados pela informalidade e pelo
trabalho precarizado no campo, decorrentes da expansão do processo de
acumulação flexível que predomina no desenvolvimento capitalista con
temporâneo. Assim, foram investigadas diferentes formas de precarização,
como a informalidade, trabalho feminino, infantil e escravo. A pesquisa
analisa iniciativas, como o empreendedorismo rural e a agricultura orgâ
nica, que pretendem reduzir os impactos proporcionados pela precariza
ção, e contraditoriamente, acabam contribuindo para a dinamização do
processo de acumulação flexível, pois enfatizam procedimentos pautados
pelas políticas neoliberais, como o sobretrabalho familiar e ausência de
proteção social e trabalhista.
O estudo incorpora referenciais teóricos preconizados pelos pesqui
sadores que estudaram o espaço agrário do país, seguindo as orientações
teóricas de MARTINS (1979), ABRAMOVAY (1992), OLIVEIRA (1993),
GRAZIANO DA SILVA (1997), que entre outros, pautaram seus trabalhos
investigando a capacidade do sistema em destruir, criar e recriar relações
sociais antagônicas ao próprio desenvolvimento capitalista.
Com o objetivo de aprofundar as questões teóricas, utilizaremos ain
da contribuições que assinalaram os recentes impactos sociais proporcio
nados pelo processo de acumulação flexível tanto no campo quanto na
261
Informalidade
Os espaços ocupados pela a agropecuária caracterizada pelo traba
lho familiar informal, localizados principalmente na periferia das cidades
médias e grandes, não desapareceram, ao contrário, coexistem com o pro
cesso de urbanização acelerada, típico da sociedade brasileira. Em virtude
do reduzido custo e proximidade de grandes adensamentos populacionais,
estes precarizados produtores, em linhas gerais, resistem, conseguindo ob
ter razoáveis níveis de articulação com o mercado.
Os produtores informais, particularmente os que se dedicam à produ
ção de leite nos espaços metropolitanos do país, chegam em alguns momen
tos a abandonar esta atividade no período de entressafra, vendendo o redu
zido rebanho para o abate, e deslocando-se para funções urbanas, como a
construção civil e o comércio ambulante, conforme menciona de forma am
pla GRAZIANO DA SILVA (1997). Alguns produtores adotam uma divisão
do trabalho, enquanto membros da família se dedicam à obtenção de valor
agregado, fabricando queijo, outros ficam encarregados da venda do produ
to em estabelecimentos comerciais ou em feiras livres. Na busca pelo valor
agregado, constatamos a fabricação de um tipo de queijo coalho, que embo
ra de origem nordestina, é produzido em pequenos laticínios informais, lo
calizados em municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Uma característica importante destes produtores é o seu profundo
conhecimento da geografia dos espaços ociosos, localizados dos loteamen
tos das áreas metropolitanas e de determinadas cidades médias do país,
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Empreendedorismo
Analisando a trajetória do comércio justo e solidário, GRÜNINGER
e URIARTE (2002), mostraram a origem do chamado fair trade, revelando
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Considerações finais
As iniciativas do empreendedorismo orgânico e do comércio justo
realizadas pelos agricultores familiares, apesar de surgirem no contexto do
processo de acumulação flexível e do trabalho precarizado, são importan
tes para a preservação da biodiversidade, constituindo-se em alternativas
para conter a expansão predatória dos recursos naturais. No entanto, exis
tem problemas que dificultam o pleno desenvolvimento destas propostas,
como: dificuldades de inserção no mercado em virtude de fragilidades ge
renciais; baixa competitividade e produção em escala reduzida.
Estes agricultores sofrem bloqueios impostos pelas tradicionais ca
deias de comercialização, onde prevalecem verdadeiros cartéis atuando na
fixação de preços dos produtos agrícolas. A persistência destes obstáculos
contribui para que um expressivo contingente de produtores orgânicos,
abandonem paulatinamente este nicho de mercado e ingresse no Comple
xo Agro-Industrial (CAI), subordinando-se aos interesses das grandes redes
monopolistas da produção agrícola. Observamos que somente os agricul
tores mais conscientizados e realmente preocupados com a qualidade dos
alimentos para a saúde humana, apesar das dificuldades permanecem na
cadeia da produção orgânica, onde inclusive os canais de comercialização
dos produtos são realizados pelas cooperativas convencionais.
A recente expansão do CAI, pode ser observada quando verifica
mos que corporações, como a Aracruz Celulose, iniciaram a formação de
uma rede de produtores integrados, mobilizando agricultores familiares,
quilombolas e grupos indígenas, localizados no norte do Espírito Santo,
para o plantio de eucaliptos em pequenas propriedades com a finalidade
de abastecer a unidade de processamento industrial da empresa. O referi
do procedimento mostrou como a corporação reagiu às pressões exercidas
pela rede dos movimentos ambientalistas locais, socializando, entre os pe
271
Referências:
ABRAMOVAY, R. (1992). Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão.
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GRAZIANO DA SILVA, José. O novo rural brasileiro. Revista Nova Econo
mia, Belo Horizonte v.7, n°1, p. 53-81, 1997.
272
273
Introdução
O debate acadêmico em torno da “agricultura familiar” vem sendo
intenso, sobretudo a partir da década de 1990, momento em que o gover
no federal brasileiro reconhece, na esfera político-institucional, a relevân
cia das unidades de produção familiares, e, influenciado por experiências
européias, bem como pelas transformações socioespaciais decorrentes da
disseminação e incorporação de técnicas avançadas no campo – refletidas
na redução da oferta de emprego na agricultura e pecuária – passa a evi
denciar novas funções para o rural brasileiro.
Apesar da atualidade do uso do termo agricultura familiar, esta está
profundamente influenciada ao debate clássico em torno da questão agrá
ria no mundo. A origem do termo agricultor familiar remonta ao campo
nês, uma categoria social existente desde o feudalismo, que para alguns
autores permanece atual, e para outros, se encontra ultrapassada e distan
te da realidade brasileira. Entendemos que, independente do uso do termo
camponês, pequeno produtor, minifundiário, produtor familiar ou agricul
tor familiar, o que mantém atualizado o debate sobre essa categoria social
é o fato desses agricultores persistirem na grande maioria dos países do
mundo, adaptando-se ou resistindo ao capitalismo.
São suas características singulares de posse da terra, trabalho e gestão
familiar que fazem da agricultura familiar uma categoria social com possibi
lidades de maior autonomia, e, portanto, de relevante interesse para análises
275
276
[...] o artesão ou camponês que produz com seus próprios meios de produção, ou
será transformado gradualmente num pequeno capitalista que também explora
o trabalho alheio, ou sofrerá a perda de seus meios de produção e será transfor
mado em trabalhador assalariado. (MARX apud ABRAMOVAY, 1992, p.35).
277
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1
Percebe-se aqui, uma evidência à questão cultural, bem como à subordinação dos camponeses.
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281
e certo conforto para família, enquanto por outro lado, existem explora
ções familiares que visam eminentemente lucro, e atuam por meio de di
versas relações capitalistas com os mercados2.
Hespanhol e Costa (2002) colocam que, nas diversas conceituações
sobre agricultura familiar, há em comum o vínculo existente entre traba
lho, terra e família. Carneiro (1999), também destaca que, apesar das di
vergências na definição de agricultura familiar, há um consenso sobre a
ligação entre trabalho, terra e família na unidade de produção.
Lamarche (1993) e Wanderley (1996) apud Hespanhol e Costa (2002),
entendem que a agricultura familiar é extremamente genérica, e não deve
ser considerada uma categoria social recente, mas sim o resultado de um
processo de continuidade em relação aos camponeses e outros tipos tradi
cionais de produção familiar. Assim, os autores vêem a agricultura familiar
como uma forma de produção camponesa.
Em contrapartida, Veiga (1991) e Abramovay (1992) apud Hespa
nhol e Costa (2002), entendem que a agricultura familiar contemporânea é
resultado do processo de modernização da agricultura, e consequentemen
te, consiste numa ruptura com formas tradicionais como o campesinato.
Segundo Abramovay (1992, p.21), “uma agricultura familiar, altamente in
tegrada ao mercado, capaz de incorporar os principais avanços técnicos e
de responder às políticas governamentais não pode ser nem de longe ca
racterizada como camponesa”.
Já Fernandes (2010), Fabrini (2004), Bombardi (2003) e outros geó
grafos, atribuem um papel de destaque para o conceito de camponês, ao
entender que o conceito de agricultor familiar vem sendo disseminado e
utilizado para justificar a ampliação da lógica mercantil/empresarial no
campo. Para Fernandes e Leal (2002), os teóricos da agricultura familiar,
como Abramovay e Veiga, apresentam uma série de argumentos e elemen
tos para diferenciar o agricultor familiar do camponês, como a integração
ao mercado, o papel determinante do Estado no desenvolvimento de po
líticas públicas e a incorporação de tecnologias. Fernandes e Leal (2002)
ainda apontam que os defensores de uma agricultura familiar moderna e
inserida na lógica mercantil têm construído a compreensão e a percepção
que o camponês representa o velho e o atraso, enquanto o agricultor fami
liar traduz o novo, o progresso.
Assim como Fernandes, Bombardi (2003) reafirma o uso do con
ceito de camponês, ao entender que o termo agricultura familiar está as
sociado à idéia de que estes são pequenos empresários do setor agrícola,
2
Em amplo estudo empírico realizado em vários países com o apoio de diversos pesquisado
res, Lamarche (1993), determinou diferentes formas de agricultura familiar em relação ao
grau de dependência do mercado e ao peso da família na lógica de funcionamento da explo
ração, tendo como resultado, quatro modelos: empresa agrícola, empresa familiar, agricultura
camponesa/de subsistência, e agricultura familiar moderna.
282
[...] não há diferença entre agricultor familiar e camponês, pois, ambos são
assim definidos por terem a família e o trabalho familiar por característica,
pois, ao mesmo tempo em que a família é proprietária dos meios de produ
ção, assume o trabalho no estabelecimento produtivo.
3
Fabrini (2004) reforça essa questão da solidariedade camponesa, ao colocar que muitas de
suas ações comunitárias “não são ações caracterizadas por vínculos ideológicos e políticos,
mas pela solidariedade entre as pessoas”. (p. 132).
283
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4
O próprio governo federal, no documento Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sus
tentável (2002), faz alusão à necessidade da incorporação de um caráter empreendedor do
jovem que vive no campo.
285
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por uma parceria entre a Organização das Nações Unidas para Alimen
tação e Agricultura (FAO) e o Instituto de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA). Um dos resultados dessa pesquisa foi a publicação do documen
to “Diretrizes de política agrária e desenvolvimento sustentável”, de 1994.
Nas diretrizes, a agricultura familiar é tida como estratégica para o desen
volvimento rural. O documento classifica os agricultores entre patronais
e familiares, de modo que os agricultores familiares são subdivididos em
consolidados, fragilizados e periféricos5.
Em documento de 1996, publicado pela parceria FAO/INCRA, são
apontadas as características do agricultor familiar6. Com base nesse estu
do da FAO/INCRA, em 1996 é instituído o Programa Nacional de Fortaleci
mento da Agricultura Familiar (PRONAF), através do Decreto Presidencial
nº. 1.946, sendo a primeira política específica para o agricultor familiar.
Apesar de ser um marco político, o Pronaf limitou-se à oferta de linhas
de crédito a juros baixos para os agricultores familiares denominados em
transição7, apostando na ampliação da inserção destes nos mercados. O
discurso do desenvolvimento sustentável também foi incorporado no Pro
naf, e em seguida, surgiram outras ações e documentos do governo com o
objetivo de promover o desenvolvimento sustentável, como o Plano Nacio
nal de Desenvolvimento Rural Sustentável, de 20028.
O governo federal definiu no PRONAF (1996), os seguintes critérios
para definir quem é agricultor familiar, e consequentemente, para liberar
as linhas de crédito do programa: – a renda familiar bruta não pode ultra
passar R$ 27.500,00, sendo 80% do total, proveniente da exploração agrí
cola; – a propriedade não pode ser maior do que quatro módulos fiscais9;
– mantenha no máximo dois empregados permanentes, sendo admitida a
ajuda de terceiros, quando a natureza sazonal da atividade exigir.
5
Os agricultores patronais seriam caracterizados pelas seguintes características: completa
separação entre gestão e trabalho; organização descentralizada; ênfase na especialização e
padronização da produção; predomínio do trabalho assalariado; e incorporação de tecno
logias direcionadas à eliminação das decisões pautadas no senso comum. Já os agricultores
familiares são aqueles que apresentam vínculo entre trabalho e gestão por parte dos proprie
tários; ênfase na diversificação da produção, na durabilidade dos recursos e na qualidade de
vida; uso do trabalho assalariado de forma complementar, e tomada de decisões imediatas.
6
(...) o agricultor familiar é todo aquele que tem na agricultura sua principal fonte de renda
(+ 80%) e cuja força de trabalho utilizada no estabelecimento venha fundamentalmente de
membros da família. É permitido o emprego de terceiros temporariamente, quando a ati
vidade agrícola assim necessitar. Em caso de contratação de força de trabalho permanente
externo à família, a mão-de-obra familiar deve ser igual ou superior a 75% do total utilizado
no estabelecimento. (FAO/INCRA apud. BLUM, 1999, p. 62)
7
Correspondente a categoria fragilizados proposta pela FAO/INCRA.
8
Para maiores detalhes sobre a trajetória do PRONAF e a adoção da retórica da sustentabili
dade por parte do governo federal, consultar Candiotto e Corrêa (2004).
9
No que diz respeito às dimensões de um módulo fiscal, no estado do Paraná, um módulo
fiscal corresponde a 10 hectares.
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Considerações finais
Após a explanação da visão de alguns pesquisadores, podemos afir
mar que o conceito de agricultura familiar é fundamentado no campesi
294
295
Referências:
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Paulo: Hucitec, ANPOCS, Ed. UNICAMP, 1992.
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296
297
298
Introdução
Com o objetivo de explicar traços que julgamos fundamentais no
processo de integração e subordinação dos trabalhadores familiares ru
rais, apresentamos, no presente texto, alguns resultados da nossa pesqui
sa sobre a territorialização do capital em espaços de agricultura familiar,
mais detidamente sobre as estratégias da empresa fumageira Souza Cruz,
Para analisarmos as principais modificações provocadas pelas es
tratégias da empresa fumageira, utilizaremos elementos da abordagem
territorial.
Segundo Saquet:
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302
1
A Convenção-Quadro é o primeiro tratado internacional de saúde pública. Seu objeti
vo é reduzir a prevalência do tabagismo no mundo, por meio da regulamentação em di
ferentes segmentos. O tratado propõe uma política de preços e tributos mais eleva
dos; a total proibição do fumo em ambientes fechados e logradouros públicos; o fim
de diferenciais em embalagens que induzem à errônea impressão de que certos tipos
de tabaco causam menos males – como light, ultra light ou mild; a total proibição de
toda a forma de publicidade, promoção e patrocínio do fumo; a proibição de fabrica
ção e a venda de doces, comestíveis, brinquedos ou qualquer outro objeto com o forma
to de produtos de tabaco que possam ser atraentes para menores; entre outros pontos.
A Convenção entrou em vigor em 27 de fevereiro de 2005 [...] sem a ratificação do Brasil.
Vale destacar que mais de 70 países membros da Organização Mundial de Saúde (OMS) já
estão comprometidos a aplicá-la em seus territórios, inclusive alguns dos maiores produto
res mundiais de fumo, como a China, a Índia e a Turquia.(TABACCO ZERO apud TERRA
DE DIRITOS, 2007).
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TIN, 1993, p. 155). Nesse sentido, segundo Corrêa (1992), essa complexa
espacialidade da Cia. Souza Cruz foi construída pouco a pouco através de
um conjunto de práticas espaciais que atuam de forma combinada para
selecionar o território de acordo com os atributos que são de interesse da
empresa.
Tais práticas espaciais também estão presentes no sistema territorial,
elaborado por Raffestin (1993), que se tornou um conceito importante para
a compreensão do território e da sua dinâmica, podendo ser chamado de
“essencial visível” das práticas espaciais, em que os atores procedem à re
partição das superfícies em malhas, implantam nós e constroem redes para
efetuar as ligações econômicas, políticas e culturais entre os territórios.
307
para a produção, em lugares onde estes não existem, por exemplo, o desen
volvimento de sementes e insumos químicos adaptados aos fatores climáti
cos de determinada região “Os recursos estratégicos são cada vez menos re
cursos dados e cada vez mais recursos construídos: competências, pesquisa,
infra-estruturas materiais e sociais.” (SPOSITO, 2008, p.90)
No caso do fumo, por ser uma atividade pouco mecanizada, a pro
dução ainda necessita de regiões com características particulares como,
por exemplo, uma região com alta fragmentação fundiária e baseada na
mão-de-obra familiar. Evidentemente, com o desenvolvimento tecnológi
co, com a melhoria na fluidez do território tanto para a circulação de in
formações como de mercadorias, hoje, a produção está presente em áreas
que, historicamente, não apresentavam condições para a produção.
Quando os lugares são atingidos de modo direto ou indireto pelas
necessidades dos processos produtivos, surgem seletividades e hierarquias,
ocorrendo uma reorganização das funções entre as diferentes frações do
território; cada espaço torna-se importante efetiva ou potencialmente, de
vido as suas virtualidades naturais ou sociais (Santos 1997).
Dentre as práticas espaciais utilizadas pela Souza Cruz, destacamos
a seletividade espacial, pois ela foi fundamental no processo histórico de
organização do Complexo Agroindustrial (CAI) Fumageiro, principalmen
te no Sul do Brasil, já que a empresa selecionou as áreas para a produção,
conforme os atributos de cada região. Um exemplo disso foi a escolha da
região do Vale do Rio Pardo como capital multinacional fumageira. Isso
se deu pela existência de condições ambientais favoráveis à produção do
fumo assim como outros atributos territoriais favoráveis, que já existiam,
como a estrutura minifundiária, o predomínio da força de trabalho fami
liar, além da produção de fumo ser tradicional na região, iniciando com
os indígenas e tendo continuidade com os imigrantes. Outro aspecto que
atraiu as multinacionais fumageiras foi a estrutura, já existente de comer
cialização e de processamento do fumo, a mão-de-obra disponível e a in
fra-estrutura urbana mínima já instalada, principalmente em Santa Cruz
do Sul e em Venâncio Aires, (Silveira, 2007).
Podemos, então, dizer que a distribuição dos atributos sociais das
formas de produção é anterior à produção. Segundo Marx, a distribuição,
antes de ser a concepção banal da repartição dos produtos, é: “[...] distri
buição dos instrumentos de produção e, [...] distribuição dos membros da
sociedade pelos diferentes gêneros de produção [...]” (1983, p.214); deve-se
levar em conta essa distribuição porque “[...] a distribuição dos produtos é
implicada por esta distribuição, que constitui na origem um fator de pro
dução [...]” (1983, p. 214).
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2
A qualidade de fumo denominado Virgínia representa, segundo dados da Souza Cruz, 80%
da produção nacional. Essa espécie de fumo tem algumas particularidades em relação ao
fumo Burley, o Virginia, no momento da colheita, tem as folhas tiradas do seu caule, progres
sivamente, conforme elas forem madurando, não é cortado todo o pé de uma vez só como
na colheita do Burley, outra particularidade é que ele é curado em estufas com fornos a le
nha. Em nossa pesquisa enfocaremos a produção do fumo Burley (que corresponde a 15%
da produção da Souza Cruz) e a do fumo Comum (o qual corresponde a 5% da produção da
Souza Cruz) que são as variedades produzidas na Linha Itaíba.
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uma renda média, que apenas possibilita a sua sobrevivência, sem a possi
bilidade de acumular capital.
Nesse processo, a Souza Cruz tem o controle a montante e a jusante
da produção, visto que, por um lado, ela torna os fumicultores dependentes
do seu pacote tecnológico de insumos químicos, pois a maioria dos produ
tos dificilmente serão encontrados no mercado, já que são desenvolvidos
especificamente para a produção do fumo, por exemplo, sementes, adubos
químicos, fungicidas e inseticidas. Além da dependência em relação à as
sistência financeira (para o financiamento da construção da infra-estrutu
ra e compra de implementos para a produção) e da assistência técnica para
a realização das etapas da produção, ambas prestadas pela empresa. Esse
monopólio de insumos é tão centralizado que algumas variedades de se
mentes mais desenvolvidas cientificamente somente a Souza Cruz possui a
patente. Essa dependência é oficializada no contrato que permite ao fumi
cultor só comprar os insumos da empresa à qual está integrado.
Na outra ponta, ela torna os fumicultores dependentes em relação à
comercialização, pois não há comercialização local da produção, e o con
trato prevê que o fumo só pode ser entregue à empresa à qual o produtor
está integrado; além disso, a Souza Cruz possui um sistema de classifica
ção das folhas muito complexo, realizando essa classificação na fábrica
sem a participação do agricultor.
Em relação à comercialização da produção, é importante lembrar
mos que, nas últimas duas safras 2006/07 e 2007/08, no Sudoeste/PR, al
guns agricultores venderam a produção para os chamados “atravessado
res”, os quais revendem a produção para outras empresas a maioria nos
países vizinhos, principalmente Argentina e Paraguai, ou para a própria
Souza Cruz. Os fumicultores são atraídos pela oferta de melhor preço e
pelo fato de que, na comercialização com os “atravessadores”, não, há des
conto de impostos, de transporte, nem amortização das dívidas, a classifi
cação/negociação do preço do quilo do fumo e o pagamento são realizados
nos estabelecimentos, no momento do carregamento. Além dos “atravessa
dores”, representantes de empresas concorrentes da Souza Cruz também
compraram fumo de agricultores integrados a ela, desrespeitando o acor
do existente entre as empresas. Tal acordo prevê que uma empresa não
deve entrar no território da outra; esse acordo existe, segundo informações
de um dos representantes da empresa no Sudoeste paranaense, e é respon
sabilidade (deste) “fiscalizar” para que isso não ocorra, pois o representan
te tem uma estimativa de produção a entregar, é pressionado para atingi-
la, e a pressão sofrida por ele é repassada aos fumicultores, porquanto para
estes também são estipuladas estimativas de produção.
O mercado informal de cigarros, segundo dados da Souza Cruz
(2009), atualmente, corresponde há quase 30% do mercado de cigarros. A
oferta de cigarros ilegais deveu-se à expansão das fábricas principalmente
316
Considerações finais
A explanação sobre os processos da produção fumageira, demons
tram que as territorialidades são geradas pelos atores e suas relações de
poder, os quais produzem dinâmicas sociais que imprimem as característi
cas de cada território, determinando limitações mas também transposições
desses limites políticos e administrativos através de ligações em redes.
Os territórios da produção do setor agroindustrial fumageiro são
resultados espaciais da unidade contraditória entre as etapas de produção,
de distribuição, de troca e de consumo. Esses territórios são a expressão
317
Referências:
AFUBRA. Disponível em: <http://www.afubra.com.br/principal> Acesso
em: 20 jan. 2009.
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SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 5º ed. São Paulo: Edusp, 2008.
SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1997.
318
319
1
Texto elaborado a partir da comunicação livre apresentada no XIX Encontro Nacional de
Geografia Agrária.
321
322
323
324
como uma barreira tão ou mais forte que a miséria das populações rurais,
especialmente no momento em que a globalização revaloriza os espaços lo
cais como arenas de participação política, econômica e social para grupos
organizados.
Há concordância com o autor quando este afirma que uma aborda
gem estritamente setorial não potencializa o desenvolvimento, assim como
uma abordagem territorial que não seja construída a partir de uma visão
endógena integradora e participativa dos atores do território também não
o atinja.
No Brasil a discussão sobre desenvolvimento territorial, como um
caminho alternativo ao desenvolvimento, tomou corpo a partir da década
de 1990. A discussão tem extrapolado a academia e se constituído enquan
to política pública conduzida pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário
que tem por missão criar oportunidades para que as populações rurais al
cancem plena cidadania, tornando referência na inclusão social. Este fato
demonstra em qual contexto se insere a discussão sobre desenvolvimento
territorial, pois é visto como meio de dinamizar e potencializar as áreas de
pobreza rural.
Neste contexto, Graziano Silva (2001) apresenta os velhos mitos do
rural brasileiro com a mudança da base técnica da produção e o cresci
mento das ocupações rurais não-agrícolas. Discute também o surgimento
de novos mitos a partir desta realidade. Entre eles o de que “o desenvolvi
mento local leva automaticamente ao desenvolvimento”.
Pensar o território implica em estar além do setor, mesmo em uma
região em que a agricultura familiar é predominante, como é o caso do
sudoeste do Paraná, onde os sujeitos do campo não se constituem por si.
Verifica-se o discurso do empoderamento do agricultor familiar, mas isto
implica o domínio das relações econômicas, políticas e culturais, de modo
a reorganizar sua produção e sua unidade de vida.
É fundamental, como afirma Silva (2001), a organização dos atores
sociais, principalmente daqueles que são, geralmente, excluídos, porém é
preciso o desenvolvimento destes em todas as dimensões. Neste caso, o
desenvolvimento territorial urge por uma organização que não descarta a
ação do Estado, ao contrário, esta tende a potencializá-la visando o desen
volvimento local.
A concepção de desenvolvimento territorial vem atrelada a concep
ção de sustentabilidade, que tem sido apoderado pelos movimentos po
pulares com vistas a construção de sociedades mais equitativas, mas é
também um termo que tem feita parte da pauta de discussão de outros
segmentos da sociedade, inclusive o empresarial, como destaca Santos e
Marschner (2008). Para os autores a implementação de um desenvolvi
mento mais equitativo, depende de uma revisão da concepção do próprio
conceito de desenvolvimento.
325
Para que seja possível avançar, será preciso começar por definições estraté
gicas que explicitem qual a inserção internacional desejada pelo país e suas
repercussões na área do desenvolvimento agrário. Essas definições envol
veriam negociações em vários foros, entre eles os da Organização Mundial
do Comércio, Mercosul, ALCA, FAO – para citar alguns – incluindo questões
como subsídios, legislação de patentes, normas de controle sanitário, meca
nismo de formação de preços, absorção de custos ambientais (inclusive per
da da biodiversidade) e energéticos etc.
Sachs (2001), por sua vez, afirma que a agricultura familiar se cons
titui em um elo central para o desenvolvimento de uma economia susten
tável, pois além da produção agrícola esta é responsável pela diversidade e
preservação ambiental.
Seguindo esta perspectiva apontada pelo autor, inferi se que a agri
cultura familiar se constitui num dos elementos de unicidade e favorável ao
desenvolvimento territorial. Diante desta questão, pensar o desenvolvimento
territorial, da agricultura familiar, a partir dos sujeitos do campo é uma po
sição coerente, embora se compreenda que o desenvolvimento não se limite
a ele. “Em outras palavras, a agricultura familiar afigura-se como uma peça-
chave, embora não exclusiva, do desenvolvimento integrado e sustentável, a
ser definido em escala local, tornando-se como unidade territorial o municí
pio ou eventualmente consórcio de municípios” (Sachs, 2001, p.79).
A criação de uma política territorial por si também não garante a
efetividade do uso de uma abordagem territorial, pois os mecanismos uti
lizados são muitas vezes setoriais. No Brasil a política de construção dos
territórios rurais implementadas pelo Mistério de Desenvolvimento Agrá
rio (MDA) incita a organização de organizações governamentais e não go
326
327
328
329
330
331
332
Referências:
FLORES, Murilo. A identidade cultural do território como base de estratégias
de desenvolvimento – uma visão do estado da arte, http://www.fida
merica.cl/admin/docdescargas/centrodoc/centrodoc_236.pdf, aces
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Paulo, v. 15, n. 43, 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scie
lo.php?
333
334
Descripción de la Problemática
Vale resaltar un hecho político significante que identifica a ésta re
gión. Cerca del año 2000 se conforma lo que se ha denominado como la
335
“Alianza del sur”, concebida por los entonces gobernadores de los depar
tamentos de Tolima, Huila, Caquetá, Putumayo, Cauca y Nariño, quienes
emprenderían la realización de un plan denominado “plan sur colombia
no” como contrapeso y rechazo a las acciones del Plan Colombia1 al que
iban a ser sometidos sus territorios por cuenta del gobierno central en Bo
gotá. El “plan sur colombiano” sería “una alternativa desde la región para
la paz, el desarrollo y la conservación de los ecosistemas” (Tovar 2003), y
no una opción de guerra y erradicación como si está planteado con el Plan
Colombia.
Colombia tiene tres corredores urbanos de influencia andina, orien
tados y alineados e influenciados por la orientación de las tres cordilleras y
consecuentemente de sus dos valles interandinos2; son: el andino occiden
tal, el andino oriental y el piedemontano oriental (Jiménez Reyes 1999). La
región objeto de estudio alberga lo más periférico hacia el sur, el extremo
meridional, de estos tres corredores; al tiempo que se localiza marginal
mente respecto de la posibilidad de aprovechar las ventajas competitivas
que ofrece el llamado triangulo de oro colombiano3, posee infraestructura
vial y de comunicaciones precaria y deficitaria lo que le impide la comu
nicación entre sus subregiones, así como también comunicarse favorable
mente con el resto del país y con un sistema de puertos marítimos hacia el
Pacífico o fluviales hacia el Pacífico y la región amazónica.
Dos de los departamentos, Nariño y Putumayo, son fronterizos
con el vecino país del Ecuador. Están espacial e históricamente alejados
del centro político y económico Nacional, aunque el último de ellos re
presente hoy para Colombia el aprovechamiento de importantes reser
vas de crudo de petróleo. Estos dos departamentos enmarcan una par
ticularidad fisiográfica: son la parte más angosta del sistema andino en
territorio colombiano, puesto que aún no aparecen las tres cordilleras
1
Plan Colombia: Estrategia de los últimos gobiernos colombianos, auspiciada por gobiernos
estadounidenses, iniciada en 1999 bajo los gobiernos de los presidentes Pastrana y Clinton,
la cual tiene como propósito erradicar los cultivos ilícitos mediante la fumigación aérea, lu
char contra el narcotráfico y la insurgencia mediante fortalecimiento de la guerra. Tanto la
erradicación como la guerra tienen como escenario de desarrollo áreas de interés ecológico
estratégico para Colombia, la presencia de campesinado, regiones marginales y periféricas
en los departamentos de Cauca, Nariño, Putumayo, Caquetá, Huila y sur del Tolima; así
como la más grande concentración de población indígena existente hoy en Colombia.
2
Vale la pena resaltar que la casi perfectamente linealidad de los tres corredores urbanos no
esta determinado por la orientación de las tres cordilleras, aunque éstas si se constituyen en
parte explicativa con otros factores.
3
“Triangulo de oro” corresponde a una expresión empleada comúnmente en la academia co
lombiana para describir la concentración de las actividades económicas más importantes,
industrias, fenómeno urbano-metropolitano y desarrollo, al interior e inmediaciones de la
forma geométrica triangular cuyos vértices son las tres ciudad mayores: Bogotá, Cali y Me
dellín.
336
colombianas (se conservan las características del resto del sistema andi
no suramericano), lo que “facilita” relativamente la comunicación entre
la costa del Pacífico en Colombia y selva amazónica. Se afirma, sin em
bargo, que el eje de comunicación entre la zona petrolera piedemonta
na, Pasto en el altiplano y el puerto de Tumaco en el Pacífico concentran
hoy uno de los comercios más activos en sustancias ilícitas, entretejien
do abundancia de recursos naturales, conflicto armado, desplazamiento
y pobreza.
Estos dos departamentos están fragmentados del resto de la región
como consecuencia de la presencia de accidentes geográficos importantes:
el cañón del río Patía y el surgimiento de un sistema cordillerano relativa
mente de menor altura (2.000 msnm aprox.), que va dando lugar al naci
miento de la cordillera Oriental, “en la bota caucana”; claro, esa no es la
única razón explicativa de su aislamiento y marginalidad, de lo contrario
se caería un determinismo geográfico. La hipótesis central que invita a la
realización de esta investigación es que, antes que el medio natural, lo que
explica la presencia de tales condiciones de marginalidad y fragmentación
obedece mas bien a la inercia y tendencia en la forma como el Estado y los
gobiernos colombianos han acentuando el centralismo y las desigualdades
espaciales de desarrollo.
Por su parte, el departamento de Cauca, al norte de Nariño, es un de
partamento aislado y relicto colonial, sin salida al océano Pacífico. Es uno
de los departamentos más heterogéneo, con mayor diversidad étnica en
Colombia: mestizos, blancos, afrodescendiente ribereños, afrodescendien
tes urbanos de plantación e indígenas de varios grupos lingüísticos quié
nes ejercen sus propias territorialidades en el Cauca. Sin embargo, tiene al
norte la ciudad de Cali y su proceso metropolitano con un sistema urbano
bien estructurado, que se constituye en parte explicativa de su aislamiento
y fraccionamiento. Importantes contrastes en las características de Cauca
y Valle del Cauca; a pesar de ser vecinos.
Hacia el piedemonte amazónico en los departamentos de Putuma
yo y Caquetá está una parte del corredor urbano piedemontano oriental.
Corresponde a una parte marginal y periférica, desconectada del resto del
sistema y de corredores urbanos en Colombia (Jiménez Reyes and Mon
toya 2003). Este sistema está fragmentado del valle del río Magdalena por
la presencia de la cordillera Oriental y fragmentado del piedemonte llane
ro por la presencia de una área muy poco poblada, montañosa y boscosa,
que ha sido escenario del surgimiento y acción de guerrillas, constituyen
do además una de las áreas de reserva natural (parques nacionales) más
grande de Colombia. Incrustado entre el corredor andino occidental y el
piedemontano, aparece como una cuña que fragmenta, la parte más peri
férica del andino oriental, coincidente con el alto valle del río Magdalena y
el departamento del Huila.
337
La propuesta
La propuesta parte de hacer un análisis geopolítico de la organiza
ción espacial y de la génesis de la región surcolombiana, enfatizando en la
identificación de territorialidades, de las áreas productivas, los intercam
bios de productos, los vínculos actuales y potenciales; así como estudiar las
razones de la fragmentación, el aislamiento y la marginalidad, endógenas
y en el contexto nacional. Es necesario, diferenciar la fragmentación del
aislamiento, en el sentido que el fraccionamiento tiene explicaciones de
tipo natural, mientras que el aislamiento y la marginalidad pueden estar
asociados más bien con la aplicación de políticas públicas o por la ausen
cia de las mismas.
La fragmentación y el aislamiento de los espacios subregionales que
conforman la región surcolombiana, así como las alternativas para su de
sarrollo regional, pueden estar siendo vistas de manera restringida, sola
mente bajo la lógica y la óptica del centralismo en Bogotá; y desde los pro
pósitos de inserción en la economía global. Las alternativas de desarrollo
deben partir del reconocimiento justamente de la heterogeneidad del me
dio natural, la diversidad cultural, la fragilidad de los recursos naturales;
en otras palabras, se podría partir de una propuesta en el sentido del endo
genismo contextual sustentada por Orlando Fals Borda.
Históricamente los esfuerzos de los gobiernos nacionales se han en
caminado hacia la construcción principalmente de infraestructuras que
fortalecen la inserción de Colombia en el mercado internacional; aunque
hay algunos esfuerzos para conectar áreas productoras con los centros ur
banos consumidores4 (Instituto Nacional de Vías 2008). Tal esquema debe
complementarse con formas que permitan la comunicación interregional,
que generen el sentido transversal inexistente en las comunicaciones de tal
forma que se complemente la tendencia colombiana de desarrollar sus flu
jos y dinámicas en sentido predominantemente meridional; así como con
cretar un modelo de desarrollo endógeno que incorpore las comunidades
campesinas, antes que propiciar su extinción o desarraigo y que se susten
te en los siguientes principios:
4
El gobierno colombiano en los últimos cinco años ha emprendido un plan de mejoramiento
y construcción de la infraestructura vial, el cual resulta insuficiente ante la precariedad de la
red vial en las regiones periféricas de Colombia: “El Programa de Infraestructura Vial para
el Desarrollo Regional, Plan 2500, tiene como objeto la pavimentación de 3.159,74 km de
carreteras del orden primaria, secundario y terciario, distribuidas en 31 departamentos del
territorio nacional, incluido el Archipiélago de San Andrés y Providencia, cuya finalidad es
propender por la accesibilidad y conectividad desde y hacia regiones apartadas con lo cual
se contribuye al desarrollo e integración regional. que resulta limitado”. Instituto Nacional
de Vías, 2009. Consultado en: http://www.invias.gov.co en enero de 2009.
338
339
Consecuencias
El desarrollo de economías mafiosas que buscan el control territorial
y expansión de sus negocios.
Violencias y guerras con serios efectos en pérdidas de vidas humanas
como consecuencia del control territorial y la presión por el acceso a las
tierras que desde el punto de vista competitivo sean más convenientes. Pa
ramilitarismo, narcotráfico, guerrilla, grupos económicos y todos los mati
ces de mezcla entre los anteriores, se disputan el control territorial de estos
territorios estratégicos e importantes desde el punto de vista geopolítico y
geoeconómico.
Desplazamiento de población desde el campo hacia la ciudad; repli
cando la cadena de expropiación, desalojo de campesinado y apropiación
de la tierra en manos de los agentes generadores de violencia y concentra
dores de riqueza. En Colombia autores como (Aprile Gniset 1992) afirma
ron para la década de los 70 que “la ciudad colombiana era un problema
agrario no resuelto”; esa afirmación sigue siendo hoy vigente. La ciudad
colombiana y la sociedad colombiana se desenvuelven en un ambiente par
ticular de violencia sistémica y estructural que vacía el campo y acrecienta
las ciudades.
Graves consecuencias ambientales: Gran parte del suroccidente y sur
colombiano han sido devastado en sus condiciones naturales para dar paso
a grandes extensiones dedicadas a los cultivos de coca y amapola, así como
a su fumigación manual y aérea; al reemplazo de la selva y los bosques para
dar paso a la producción pecuaria, de ilícitos o a la agrícola intensiva.
340
En contraste
Un modelo de desarrollo regional endógeno alternativo debería pri
vilegiar unas relaciones campo ciudad de tipo complementarias, cuestio
narse sobre las relaciones sociedad naturaleza y sobre el modelo de rela
ciones entre los seres humanos considerando entre otras sus diferencias
etnolingüísticas.
Claro, las relaciones de clase no desaparecerán. Se ha de mirar el
caso del funcionamiento socioespacial de algunas sociedades incaicas, tal
como lo muestra Murra (1972), con el concepto de archipiélago vertical.
Se trataba del intercambio de productos al interior de un mismo grupo
familiar provenientes del acceso cuidadoso y preparado a productos muy
diversos según pisos climáticos y nichos ecológicos ofrecidos por las ver
tientes, por los microclimas y las grandes diferencias de altitud. Lo intere
sante es que según registran los arqueólogos y antropólogos no existía en
sentido estricto la plaza de mercado, sino que el intercambio se establecía
a manera de trueque. Lo interesante de esto es que a pesar de la no existen
cia del mercado como se conoce o al menos de los mecanismos acordados
o convenidos en sociedades contemporáneas para el intercambio, si había
diferenciación social. Es decir que la diferenciación social la daba no el
tipo de intercambio sino al orden cronológico de llegada para controlar los
recursos naturales, en otras palabra quien se asía a los nichos ecológicos
mas interesantes lograba un mayor poder social.
La propuesta debe ser una que concilie las características y particu
laridades de las poblaciones comprometidas o que se pretende intervenir.
Debe ser un modelo que concilie la alternatividad y el “endogenismo con
textual”. Las opciones teóricas de Manfred Max Neef sobre la economía
descalza o economía a escala humana son parte de los sustentos concep
túales del modelo. El modelo exige utopías y el compromiso de los gobier
nos colombianos por dar fin al con`licto armado, al control paraestatal y el
desarrollo de actividades ilícitas.
Bibliografía:
Aprile Gniset, Jacques. 1992. La ciudad colombiana : siglo XIX y siglo XX, la
formación espacial agraria 1850-1950. Bogotá, Colombia: Biblioteca
Banco Popular.
341
342
“... que en esta tierra vivimos todos, y que entre todos y todas deberíamos
pensar cómo es que va a ser en beneficio para nosotros, sin que nadie sea su
dueño, y eso es lo que hay que ir ya pensando”.
Teniente Coronel Insurgente Moisés, Discurso en el Primer Festival Mundial
de la Digna Rabia, 5 de enero de 2009.
Introducción
La lucha de los campesinos por la defensa, la propiedad, la conquis
ta o la recuperación de la tierra, es una lucha milenaria de larga duración,
que atraviesa y recorre gran parte del entero periplo de la historia de la es
pecie humana. Pues a partir de que los hombres pasan de la etapa nómada
a la etapa sedentaria, con la revolución neolítica, y a partir de que se for
jan las primeras figuras de las comunidades rurales, el vínculo de los seres
humanos con la tierra comienza a volverse una de las relaciones sociales
centrales y esenciales de todas las estructuras sociales posibles2.
1
Este texto recoge, bajo una forma escrita, las tesis que hemos expuesto en forma oral en la
Conferencia Magistral Inaugural impartida en la Universidade de São Paulo, el 2 de febrero
de 2009 en el XIX Encuentro Nacional de Geografía Agraria de Brasil, organizado por el Dr.
Julio Suzuki. En esta versión escrita hemos tenido en cuenta los comentarios y preguntas
planteados al final de esa Conferencia, los que agradecemos aquí públicamente.
2
Marx ha estudiado muy agudamente las diversas implicaciones de este paso del nomadismo al
sedentarismo, y junto con él del tránsito de las comunidades humanas basadas en vínculos de
343
sangre a las nuevas comunidades rurales, construidas precisamente a partir de este vínculo del
hombre con la tierra. Al respecto cfr. Karl Marx, Los apuntes etnológicos de Karl Marx, Coedición
Ed. Pablo Iglesias y Ed. Siglo XXI España, Madrid, 1988, El porvenir de la comuna rural rusa, Ed.
Pasado y Presente, México, 1980, y también Elementos fundamentales para la crítica de la econo
mía política. Grundrisse, 3 volúmenes, Ed. Siglo XXI, México, 1971-1976 (en especial el célebre
fragmento “Formas que preceden a la producción capitalista” en el vol. 1, p. 433-477). Véase
también nuestros ensayos, Carlos Antonio Aguirre Rojas, “La comuna rural de tipo germánico”
en Boletín de Antropología Americana, núm. 17, México, 1988 y “Germanische Gemainde” en el
libro Historisch-Kritisches Wörterbuch des Marxismus, Ed. Argument, tomo 5, Berlín, 2001.
3
Sobre la situación actual de América Latina, y sobre los movimientos antisistémicos que se
desarrollan en su seno, cfr. Raúl Zibechi, Autonomías y emancipación. América Latina en
movimiento, Coedición Bajo Tierra Ediciones y Sísifo Ediciones, México, 2008, y Carlos An
tonio Aguirre Rojas, L’Amérique Latine rébelle, Ed. L’Harmattan, París, 2008.
344
345
6
Sobre las diversas y profundas implicaciones de esta revolución cultural mundial de 1968,
cfr. Fernand Braudel, “Renacimiento, Reforma, 1968: revoluciones culturales de larga du
ración” en La Jornada Semanal, núm. 226, octubre de 1993, Immanuel Wallerstein, “1968:
revolución en el sistema-mundo. Tesis e interrogantes” en Estudios Sociológicos, núm. 20,
1989, y Carlos Antonio Aguirre Rojas, “Repensando los movimientos de 1968 en el mundo”,
en el libro Para comprender el siglo XXI, Ed. El Viejo Topo, Barcelona, 2005, y “La revolución
mundial de 1968, cuatro décadas después”, en Contrahistorias núm. 11, 2008.
346
7
Sobre estos nuevos movimientos antisistémicos de América Latina, cfr. Raúl Zibechi, Amé
rica Latina: periferias urbanas, territorios en resistencia, Ed. Desde Abajo, Bogotá, 2008, y
Carlos Antonio Aguirre Rojas, “Les nouveaux mouvements antisystémiques en Amérique
Latine: une brève radiographie générale” en Review, vol. XXXI, núm. 1, 2008.
347
8
Para un desarrollo más amplio de este punto, de las diferencias entre las distintas formas
de la protesta social, cfr. Edward P. Thompson, Costumbres en común, Ed. Crítica, Barce
lona, 1995 (en especial, su brillante ensayo “La economía moral de la multitud”), Ranajit
Guha, Elementary Aspects of Peasant Insurgency in Colonial India, Ed. Duke University Press,
Durham, 1999, y nuestro Prefacio, Carlos Antonio Aguirre Rojas, “Planeta Tierra: los movi
mientos antisistémicos hoy”, incluido en el libro de Immanuel Wallerstein, Historia y dile
mas de los movimientos antisistémicos, Ed. Contrahistorias, México, 2008.
9
Sobre este punto, vale la pena volver a releer los brillantes textos de Marx sobre la historia de
Francia en el siglo XIX, en donde explica ese impacto de la reforma agraria llevada a cabo por
la Revolución Francesa, sobre la naturaleza particular del capitalismo francés del siglo XIX.
Esos textos han sido compilados y concentrados en el libro, Karl Marx, Les luttes de classes en
France, Ed. Gallimard, París, 2007. Sobre el caso específico de la Revolución Mexicana, cfr.
Friederich Katz, La guerra secreta en México, Ed. Era, México, 1982, y Nuevos ensayos mexica
nos, Ed. Era, México, 2006, y también Carlos Antonio Aguirre Rojas, “Mercado interno, guerra
y revolución en México. 1870-1920” en Revista Mexicana de Sociología, año 52, núm. 2, 1990.
348
10
Sobre las enormes limitaciones de este proyecto del supuesto “Socialismo del Siglo XXI”, cfr.
el libro colectivo Ecuador y América Latina. El Socialismo del Siglo XXI, Ed. CONBAIE, Qui
349
to, 2007, que incluye textos de Rafael Correa, presidente de Ecuador, Álvaro García Linera,
vicepresidente de Bolivia, y Fernando Lugo, presidente de Paraguay. Véase también los dos
volúmenes Ideas para debatir el Socialismo del Siglo XXI, coordinado por Margarita López
Maya, Ed. Alfa, Caracas, tomo 1, 2007, y tomo 2, 2009. Para una crítica de este proyecto del
“Socialismo del Siglo XXI”, y también para una caracterización más detenida y matizada de
los cinco gobiernos mencionados, que explica tanto sus similitudes como sus diferencias,
cfr. nuestro libro, Carlos Antonio Aguirre Rojas, América Latina en la encrucijada, séptima
edición corregida y aumentada, Ed. Contrahistorias, México, 2009.
11
Sobre estas posturas mencionadas, cfr. Marlon Santi, “Un nuevo giro a la izquierda. La Con
federación de Nacionalidades Indígenas del Ecuador. Entrevista a Marlon Santi”, en Con
trahistorias, núm. 11, México, 2008, y Felipe Quispe, “Bolivia en la encrucijada. Entrevista a
Felipe Quispe”, en Contrahistorias, núm. 12, México, 2009.
350
1789, como momento inicial del ciclo de vida de la hoy declinante ideolo
gía liberal burguesa a nivel mundial, y a 1492, como fecha simbólica del
nacimiento de la agonizante pero todavía viva era capitalista de la historia
humana12.
Pero también y en un nivel aún más profundo, 1968 no es sólo el
punto de partida de la crisis terminal del capitalismo, sino también y como
lo explicó Marx hace más de 150 años, el punto de partida de la crisis ter
minal de toda la vasta familia de sociedades humanas divididas en clases
sociales, junto al fin simultáneo de la larguísima y milenaria “prehistoria
de la humanidad”. Lo que, en la línea ya planteada, significa que los par
ticulares pasados relevantes que permiten explicar real y adecuadamente
los procesos humanos vividos en las cuatro últimas décadas, nos remite
no sólo a 1945, 1870, 1789 y 1492, sino también y simultáneamente, a los
propios orígenes de las sociedades humanas divididas en clases sociales, e
incluso y más allá, a los propios orígenes del hombre en tanto especie13.
Densidad histórica excepcional, que combina y superpone entre
otros, estos seis procesos importantes recién mencionados, que explica
también los nuevos perfiles generales que hoy adopta esa lucha realmen
te antisistémica por la tierra, que hoy se afirma dentro de América Lati
na. Lucha que ha modificado desde los sujetos o actores que la enarbolan,
hasta la concepción misma de lo que hoy debemos comprender bajo esta
noción de “la tierra”, junto al sentido concreto que esta lucha tiene dentro
del conjunto de las luchas sociales más globales, y a los propios objetivos,
inmediatos y mediatos, de dicha lucha por la tierra.
Ya que ahora, en estos inicios del tercer milenio cronológico, los
sujetos que hoy luchan por la tierra son sujetos que antes no existían, o
también, actores que aunque existían no eran reconocidos ni por el sistema
social dominante, ni tampoco por los propios movimientos sociales antica
pitalistas anteriores a la fecha emblemática de 1968. Es decir, sujetos real
12
Para comprender más cabalmente estos procesos de la fase b del ciclo Kondratiev, de la etapa
descendente del ciclo hegemónico norteamericano, del colapso hoy en curso del liberalismo,
y de la crisis terminal del capitalismo, cfr. Immanuel Wallerstein, Después del liberalismo, Ed.
Siglo XXI, México, 1996, y La crisis estructural del capitalismo, antes citado. También Carlos
Antonio Aguirre Rojas, Immanuel Wallerstein: crítica del sistema-mundo capitalista, Ed. Era,
segunda reimpresión, México, 2007, y también Para comprender el siglo XXI, antes ya citado.
13
Sobre este fin de las sociedades de clases y de la misma prehistoria humana, siempre es
útil releer a Marx, por ejemplo El Capital, Ed. Siglo XXI, 8 volúmenes, México, 1975-1981,
Elementos fundamentales para la crítica de la economía política. Grundrisse, antes citado, y
Crítica del programa de Gotha, Ediciones en Lenguas Extranjeras, Pekín, 1978. Véase tam
bién nuestra participación en el Primer Festival Mundial de la Digna Rabia, Carlos Antonio
Aguirre Rojas, “La digna rabia, tan anticapitalista como radicalmente antisistémica”, en el
sitio del EZLN: http://www.ezln.org.mx, discurso en donde recuperamos este argumento de
Marx, para explicar, además, la naturaleza singular de los actuales movimientos anticapita
listas, y sobre todo antisistémicos de todo el planeta.
351
14
Sobre el Movimiento de los Sin Tierra de Brasil, vale la pena revisar, por ejemplo, Joao Pe
dro Stedile, Brava Gente, Ed. Desde Abajo, Bogotá, 2003, Bernardo Mançano, A formação do
MST no Brasil, Ed. Vozes, Petrópolis, 2000, Martha Harnecker, Sin tierra. Construyendo mo
vimiento social, Ed. Siglo XXI, Madrid, 2002, Sue Branford y Jan Rocha, Rompendo a cerca.
A historia do MST, Ed. Casa Amarela, São Paulo, 2004, y Mitsue Morissawa, A história da
luta pela terra e o MST, Ed. Expressão Popular, São Paulo, 2001.
352
sistémicas –, por una condición negativa, que habrían sido imposibles de ser
concebidos como sujetos transformadores antes de 1968, cuando todos los
movimientos anticapitalistas definían la relevancia de los diversos grupos
y sectores sociales, solamente en función de su cercanía, lejanía, o víncu
lo específico con los procesos productivos concretos de plusvalía, y cuan
do el único actor considerado realmente revolucionario, en virtud de esta
idea, era precisamente la clase obrera industrial. En cambio ahora, y con
la emergencia posterior a 1968 de múltiples nuevos sujetos y actores revo
lucionarios, se afirman también nuevos sujetos que luchan por la tierra, y
entre ellos, estos sectores urbanos de los autodenominados “sin tierra”.
Y junto a estos sectores urbanos, “sin tierra”, que desean cambiar
su identidad urbana para volverse campesinos con tierra, existen también
otros “nuevos” sujetos, también urbanos, que luchan hoy por la tierra, pero
en este caso por la propia tierra urbana, por los territorios urbanos de sus
barrios, de sus colonias, de sus espacios vitales, y de sus vastas y extendi
das periferias, que son ahora los inmensos cinturones que rodean y envuel
ven a muchas de las grandes ciudades latinoamericanas. Sujetos sociales
que tampoco existían antes de la revolución mundial de 1968, o que exis
tían de modo sólo marginal y minoritario, y que en los últimos cuarenta
años han construido, sobre todo en América Latina, potentes y cada vez
más visibles movimientos urbanos populares, los que entre sus múltiples
demandas y reivindicaciones incluyen también ahora la de la conquista y
defensa de esa tierra urbana, de sus propios territorios urbanos, en los que
no sólo afirman su propia presencia material como movimientos sociales
fuertes, e incluso a veces claramente antisistémicos y anticapitalistas, sino
también comienzan a edificar, en esos espacios urbanos controlados por
ellos, interesantes experimentos de reconstrucción social no capitalista, es
decir, experiencias en pequeña escala de formas económicas no regidas por
la lógica de la acumulación de capital, junto a relaciones sociales solidarias
y fraternas, y a proyectos de una salud, una educación, una cultura y una
convivencia social, realmente alternativas a las formas burguesas capitalis
tas aún hoy dominantes15.
15
Sobre esta lucha por la tierra y el territorio urbanos, cfr. Raúl Zibechi, América Latina: perife
rias urbanas, territorios en resistencia, ya citado, en donde se analizan con detalle las experien
cias de Perú, Chile, Uruguay, Colombia y México. Y vale la pena señalar que en algunos casos,
esta construcción de espacios propios por parte de los movimientos sociales, puede llegar
hasta las dimensiones de construir toda una ciudad paralela, como en el caso de la Ciudad de
El Alto en Bolivia, sobre la cual vale la pena ver, también, el libro de Raúl Zibechi, Dispersar
el poder, Ed. Taller Editorial la Casa del Mago, Guadalajara, 2006. En términos más genera
les, cfr. también de Raúl Zibechi, “Espacios, territorios y regiones: la creatividad social de los
nuevos movimientos sociales en América Latina” en Contrahistorias, núm. 5, México, 2005, y
“La revolución de 1968: cuando el sótano dijo ¡basta!” en Contrahistorias, núm. 11, México,
2008, y Carlos Antonio Aguirre Rojas, “América Latina hoje: um olhar na longa duraçao”, en
el libro América Latina. História e presente, Ed. Papirus, São Paulo, 2004.
353
16
Sobre esta concepción de la tierra como “Madre Tierra”, cuyas implicaciones generales re
visaremos un poco más adelante, y que es una concepción que se encuentra presente en la
gran mayoría de las civilizaciones humanas, cfr. Mircea Eliade, Tratado de historia de las re
ligiones, Ed. Era, México, 2004.
17
Sobre las diversas implicaciones que para el movimiento neozapatista mexicano tiene esta
lucha por la Madre Tierra, cfr. Carlos Antonio Aguirre Rojas, Mandar obedeciendo. Las lec
ciones políticas del neozapatismo mexicano, Ed. Prohistoria, cuarta edición, Rosario, 2009.
354
18
Sobre este punto cfr. Fernand Braudel, “¿Hay una geografía del individuo biológico?”, en el
libro Escritos sobre historia, Ed. Fondo de Cultura Económica, México, 1991, y El Mediterrá
neo y el mundo mediterráneo en la época de Felipe II, Ed. Fondo de Cultura Económica, Méxi
co, 1953 (en especial el punto “Geohistoria y determinismo” en el tomo 1, pp. 317-327), Car
los Marx, La ideología alemana, Ediciones de Cultura Popular, México, 1974, G. H. F. Hegel,
Lecciones sobre la filosofía de la historia universal, Ed. Revista de Occidente, Madrid, 1974,
y Carlos Antonio Aguirre Rojas, Fernand Braudel et les sciences humanies, Ed. L’Harmattan,
París, 2004, y “Between Marx and Braudel: making history, knowing history”, en Review, vol.
XV, núm. 2, 1992.
355
19
Sobre este pueblo o comunidad de la Ciudad de El Alto, cfr. Raúl Zibechi, Dispersar el poder,
antes ya citado, Luis Gómez, El Alto de pie. Una insurrección aymara en Bolivia, Ed. Comuna,
La Paz, 2004, y Carlos Antonio Aguirre Rojas, “Bolivia rebelde. Las lecciones de los sucesos
de mayo y junio de 2005 en perspectiva histórica”, en Contrahistorias, núm. 5, México, 2005.
356
témica, y con ello, como una lucha inserta dentro de un nuevo horizonte
general, que es precisamente el de la etapa de transición histórica o bifur
cación sistémica que ahora vive el capitalismo mundial, y al cual ya hemos
aludido anteriormente.
Porque si observamos con cuidado aquellos movimientos latinoa
mericanos que hoy podemos calificar como los principales movimientos
antisistémicos de nuestro semicontinente – es decir, el neozapatismo mexi
cano, el Movimiento de los Sin Tierra en Brasil, un sector del movimien
to piquetero argentino, y ciertos grupos o tendencias de los movimientos
indígenas de Ecuador y de Bolivia20 –, y los contrastamos con otros movi
mientos sociales de América Latina, podremos comprender fácilmente que
los primeros se distinguen de los segundos por todo un conjunto de rasgos
que, en lo general, se vinculan precisamente a la asunción de este horizon
te de la crisis terminal del capitalismo, y por lo tanto, a una reconocida y
explícita vocación anticapitalista y antisistémica profundas.
Por ejemplo, y en primer lugar, al hecho de que todos estos movi
mientos antisistémicos conciben a esa “lucha por el territorio y la tierra”
sólo como una parte de una lucha obligadamente más global, que es una lu
cha por la supresión integral del capitalismo y por la construcción de una
sociedad nueva, muy otra que la capitalista. Entonces, y a diferencia de los
movimientos prosistémicos por el territorio, que al conquistar el reparto de
la tierra o la reforma agraria se dan por satisfechos y contentos, esta lucha
antisistémica por la tierra se percibe, siempre, sólo como uno de los frentes
o espacios de una totalidad mayor que la engloba y la subsume, integrándola
dentro de ese combate antisistémico y anticapitalista mucho más global.
Lo que se hace evidente, por ejemplo, en el planteamiento del MST
brasileño, el que siempre ha insistido en que su lucha por una reforma
agraria en Brasil, sólo puede ser realmente exitosa y cumplida si lo es como
parte de una transformación social global y radical de toda la sociedad bra
sileña, y por ende, como parte de la construcción del socialismo en Brasil21.
20
Pensamos que estos cinco movimientos enlistados, son los cinco más importantes movimien
tos antisistémicos de América Latina, teniendo todos ellos una presencia nacional indudable
en sus respectivos países, y habiendo desplegado también todos ellos, en ciertos momentos o
coyunturas históricas, acciones de impacto nacional, e incluso, muchas veces, de consecuen
cias y proyección internacionales. No obstante, no se nos escapa el hecho de que, a todo lo
largo y ancho de América Latina, existen también otros movimientos antisistémicos impor
tantes, como los mapuches chilenos o los indígenas nasa de Colombia, o el movimiento de la
APPO en Oaxaca, México, o etc. Pero pensamos que se trata, al menos por ahora, de movi
mientos de alcance más local, o regional, o de existencia más efímera y coyuntural. Lo que,
sin duda, no demerita en nada su profunda importancia, tal y como hemos tratado de mos
trarlo, para el caso específico de México, en nuestro ensayo, Carlos Antonio Aguirre Rojas,
“México 2005-2010: Obra en trece actos”, en Contrahistorias, núm. 12, México, 2009.
21
Sobre este punto véanse los textos citados en la nota 14, y también, por mencionar sólo dos
ejemplos posibles entre muchos, Gilmar Mauro, “Situación y perspectivas del movimiento
357
de los Sin Tierra en Brasil. Entrevista a Gilmar Mauro”, en Contrahistorias núm. 10, México,
2008, y también el Boletín núm. 165 de la publicación en Internet “MST Informa”, del 16 de
abril de 2009, en el sitio del MST: http://www.mst.org.br
22
Sobre las once y luego trece demandas neozapatistas, y sobre su significado e implicacio
nes en general, cfr. los cinco tomos de la obra EZLN. Documentos y comunicados, cinco vo
lúmenes, Ed. Era, México, 1994-2003. Sobre el movimiento de La Otra Campaña y sobre el
proyecto del Programa Nacional de Lucha, cfr. Contrahistorias núm. 6, México, 2006, núm.
8, México, 2007 y núm. 10, México, 2008. También, Carlos Antonio Aguirre Rojas, Chiapas,
Planeta Tierra, Ed. El Perro y la Rana, Caracas, 2007, y Mandar obedeciendo. Las lecciones
políticas del neozapatismo mexicano, antes ya citado.
23
Sobre este punto, cfr. Propuesta Agraria de la CONAIE, Ed. CONAIE, Quito, 2007, Propuesta
de la CONAIE frente a la Asamblea Constituyente, Ed. CONAIE, Quito, 2007, y Proyecto polí
tico de las Nacionalidades Indígenas del Ecuador, Ed. CONAIE, Quito, 2007, además de los
textos de la nota 11.
24
Sobre este movimiento de los piqueteros argentinos, cfr. Maristella Svampa y Sebastián Pe
reyra, Entre la ruta y el barrio, 2ª edición, Ed. Biblos, Buenos Aires, 2004, Gabriela Delamata,
Los barrios desbordados, Ed. Eudeba, Buenos Aires, 2004, Miguel Mazzeo, Piqueteros. Notas
para una tipología, Ed. Manuel Suárez, Rosario, 2004, y Raúl Isman, Los piquetes de La Ma
tanza, Ed. Nuevos Tiempos, Buenos Aires, 2004.
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359
25
Aunque entre los neozapatistas existe a veces la propiedad individual de la tierra, esta es más
un efecto derivado de los quinientos años de colonización y de dominación que han sufrido
los pueblos indígenas, que un elemento central de su vida social en general. Pues entre los
indígenas neozapatistas, – como también en muchos pueblos indígenas de Bolivia y de Ecu
ador, lo mismo que de otros países de América Latina –, se ha conservado hasta hoy el claro
predominio del nosotros colectivo sobre el “yo” aislado, solitario y egoísta. Lo que también
se conecta, coherentemente, con esa visión de la tierra como Madre Tierra, como madre co
lectiva del nosotros comunitario. Sobre este interesante punto, que no podemos desarrollar
más ampliamente aquí, cfr. Carlos Lenkersdorf, Los hombres verdaderos, Ed. Siglo XXI, Mé
xico, 1996, y Filosofar en clave tojolabal, Ed. Miguel Ángel Porrúa, México, 2002, y también
Carlos Antonio Aguirre Rojas, Mandar obedeciendo. Las lecciones políticas del neozapatismo
mexicano, ya antes referido.
360
material, de las artes, y de las ciencias, no debería nunca de ser una mer
cancía, y por lo tanto, no debería poder comprarse ni venderse, lo que im
plica que eliminemos y suprimamos por completo toda posible propiedad
privada de la tierra, sea individual, colectiva, estatal, o social. Supresión de
toda posible propiedad privada de la tierra, que no sólo hace imposible la
existencia del capitalismo, sino también de cualquier posible sociedad di
vidida en clases sociales, e incluso y complementariamente, también hace
obsoleto e inútil el esquema mismo del patriarcado y de la familia patriar
cal, en todas sus variantes posibles26.
Y si debemos abolir toda posible propiedad de esa Madre Tierra,
también debemos abandonar la idea de su “apropiación” por parte nues
tra. Pues tampoco nos “apropiamos” de nuestra madre, no pretendemos
ser sus “dueños”, sino que establecemos con ella una relación dialógica
de intercambio y de afecto, en la que ninguno de los elementos domina
sobre el otro, y ninguno es apropiado por el otro. Así, no sólo hace falta
desmercantilizar la tierra, sino que también es necesario suprimir y supe
rar la idea limitada y escasa (en tanto nacida de la relación de escasez de
la que habló tan brillantemente Jean Paul Sartre), de que el metabolismo
y el vínculo entre el hombre y la naturaleza, o la tierra, debe estar marca
do por la asimetría y por la dominación de alguno de estos dos elementos
sobre el otro.
Lo que se vuelve posible, si renunciamos a la idea de la propiedad de
la tierra, a su condición como mercancía, e incluso a la estrategia de ‘apro
piación’ de ella por parte nuestra. Pues si la tierra se vuelve patrimonio co
mún de la humanidad, es decir, un bien compartido por todos, que perte
nece a todos y por ende no pertenece a nadie, como el aire que respiramos
o como el cielo que contemplamos, entonces es posible superar, al mismo
tiempo, de un lado la relación escasa en que la naturaleza domina al hom
bre, y lo castiga con sequías, malas cosechas, hambrunas, terremotos, pla
gas, epidemias, o catástrofes de todo tipo, como del otro lado también la
relación capitalista absurda y prepotente que concibe al hombre como “amo
y señor de la naturaleza”, con todas las terribles consecuencias de desastre
ecológico que esta posición ha acarreado. Renuncia a la idea de “apropia
ción” de la Madre Tierra, que no es sólo anticapitalista, sino también y al
mismo tiempo profundamente antisistémica y superadora de la larguísima
26
Para comprender los vínculos que existen entre el proceso de nacimiento de la propiedad
privada de la tierra, y el desarrollo de la génesis de las sociedades divididas en clases socia
les, y para entender también cómo la monopolización total de esa tierra fue una condici
ón del nacimiento del capitalismo, siempre es útil volver a leer los textos clásicos de Marx,
como El Capital, antes citado o los Elementos fundamentales para la crítica de la economía
política. Grundrisse, también ya referido. Para el vínculo que existe entre el nacimiento de la
propiedad privada y el patriarcado, cfr. también el texto de Federico Engels, El origen de la
familia, la propiedad privada y el Estado, Ed. Progreso, Moscú, sin fecha de edición.
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27
Sobre este punto, vale la pena leer con cuidado el texto de las palabras del Teniente Coronel
Insurgente Moisés, pronunciadas en el Primer Festival Mundial de la Digna Rabia, y publi
cadas bajo el título “El campo y la ciudad. Intervención en el Primer Festival Mundial de la
Digna Rabia” en la revista Contrahistorias, núm. 12, México, 2009.
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Economia
Como vimos anteriormente, pelas características históricas e pelos
problemas enfrentados nos anos iniciais da formação do Sudoeste do Pa
raná, a economia praticada teve uma forte orientação para o consumo lo
cal e regional. Apenas gradualmente ela se volta nacional e externo. Do
ponto de vista estritamente econômico, a história da região pode ser divi
dida em quatro fases.
Na primeira fase há um processo de incorporação da economia ca
bocla, onde a base é predominantemente a extração de madeira, o extrati
vismo da erva-mate e a criação de porcos, contudo, diferentemente dos ca
boclos, há uma maior amplitude e integração com o mercado. Isso ocorre
porque os colonos possuem redes mais amplas e as conexões de troca são
mais intensas, em que o tempo é acelerado pela abertura de novas estra
das, e em que, além disso, os atores políticos e econômicos estão conecta
dos a um projeto nacional de desenvolvimento.
Numa fase subseqüente há um processo diversificação, onde são in
troduzidas as culturas do feijão e do milho, atividades aliadas à criação de
animais para o trabalho e para o transporte. Nesse momento novos atores
sociais, políticos e econômicos tomam forma, ocorrendo a fase em que os
bodegueiros são os principais agentes econômicos e é através deles que os
produtos chegam a um mercado mais amplo. Assim, novas conexões são
estabelecidas e os atores que iniciaram as suas atividades na fase anterior
tomam formas mais definidas, sobretudo após a resolução do conflito pela
posse da terra.
A terceira fase se inicia com processo da revolução verde, que come
ça a penetrar na região a partir dos anos de 1970. Nessa fase, o Sudoeste
começa a produzir também para o mercado externo. Com o crescimen
to da cultura da soja há o início de nova diversificação econômica e ou
tros atores são introduzidos no cenário, como: agentes financeiros, técni
cos agrícolas, cooperativas. No âmbito interno, os agricultores começam a
criar atores e mecanismos de representação.
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380
381
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Considerações Finais
Podemos concluir do exposto acima que desde o período de ges
tação na experiência dos movimentos sociais do campo até os seus onze
anos de existência formal, a Educação do Campo vem se consolidando,
se transformando e já alça vôos mais altos. Daí pode-se depreender que a
Educação do Campo nasce da hibridização da formação empreendida pe
los movimentos sociais com outros atores, principalmente das universida
des públicas.
Porém, apesar das mudanças que vêm ocorrendo no âmbito da Edu
cação do Campo fazerem parte do processo de consolidação do movimen
to, a luta empreendida pelos movimentos sociais não pode se tornar secun
dária, sob o risco de se desfigurar o próprio movimento.
É preciso manter a luta política pelo campo: espaço dos graves con
flitos, das lutas sociais, da luta pela terra, pelo trabalho, de sujeitos huma
nos e sociais concretos; e contra a lógica do campo como lugar de negócio,
que expulsa as famílias, que não precisa de educação nem de escolas.
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395
396
Willian Simões
Mestre em Geografia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG, 2009) |
Professor de Geografia da rede estadual de ensino e membro da Coordenação
da Educação do Campo na Secretaria de Estado da Educação do Paraná (2005 –
2010) | E-mail: profewillian@hotmail.com
Introdução
A Educação do Campo nasce com os movimentos sociais campone
ses, no contexto da luta pela Reforma Agrária, por direitos sociais e por
uma melhoria da qualidade de vida dos sujeitos que habitam e se mani
festam nos territórios rurais dos municípios brasileiros. Trata-se de uma
concepção/proposta de educação, que se contrapõe à lógica educacional
que, historicamente (desde as missões jesuíticas), se constituiu de tal for
ma, que veio excluindo ou colocando à margem do direito a uma educação
pública e de qualidade uma importante parcela da sociedade. Esta passou
a ser conhecida como Educação Rural.
A Educação Rural é movida por uma lógica economicista, pautada
pelos interesses dos grandes latifundiários, e veio contribuindo ao longo da
história para o fechamento das escolas públicas no rural e a territorialização
de uma enorme rede de transporte escolar, fortalecendo uma pedagogia ur
banocêntrica, potencializando relações de preconceito territorial e geracio
nal entre os estudantes e profissionais da educação, fortalecendo um projeto
de organização da sociedade a partir de uma lógica urbano-industrial.
1
Esse texto é uma síntese de uma apresentação desenvolvida durante a mesa redonda intitu
lada “Educação do/no Campo e Organização Política, realizada no XX Encontro Nacional
de Geografia Agrária – ENGA, UNIOESTE – Francisco Beltrão, Paraná, 2010.
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que está sendo chamado de Educação do Campo, não se trata de uma Edu
cação Rural renovada?
Assim, este artigo, oriundo de uma apresentação realizada duran
te uma mesa redonda sobre Educação do Campo e Organização Política,
no contexto do XX Encontro Nacional de Geografia Agrária, traz algu
mas considerações sobre o processo de institucionalização da Educação
do Campo no território institucional da Secretaria de Estado da Educação
do Paraná, quando foi criada a Coordenação Estadual da Educação do
Campo, assim como objetiva apresentar alguns resultados (qualitativos e
quantitativos) do trabalho realizado nesses últimos oito anos de gestão de
políticas públicas educacionais voltadas aos sujeitos do campo.
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Considerações finais
Primeiramente, gostaria de registrar a minha satisfação em ter par
ticipado dessa mesa de debate com essa temática que ainda é muito jovem
no Brasil, não muito comum entre os geógrafos e que precisa estar perma
nentemente em nossas agendas: a Educação do Campo.
A Geografia Agrária tem muito a contribuir com a Educação do
Campo, pois a ciência geográfica tem um arcabouço teórico-conceitual que
avançou muito na compreensão dos impactos das políticas públicas em co
munidades rurais, sobre os modos de vidas das diversidades de sujeitos e
territórios existentes no espaço rural brasileiro e paranaense, assim como
com os demais debates que giram em torno da questão agrária brasileira.
Sobre a política de Educação do Campo, em particular no Estado do
Paraná, estamos passando por um período de transição político-partidária
(2010-2011). Isso quer dizer que um novo governo tomará posse do Estado
e novos protagonistas devem tomar os postos de trabalho. Isso significa que
poderá ou não haver mudanças, mas creio que os resultados do trabalhado
realizado nesses últimos oito anos é fundamental para que a sociedade civil
possa, no exercício da cidadania, garantir a permanência de ações.
Por fim, a Educação do Campo é uma de nossas utopias agrárias, ela
continuará existindo (independentemente do reconhecimento dos gover
nos/Estado) porque ainda muito se tem a fazer para garantir uma educa
ção pública e de qualidade aos sujeitos do campo, no contexto da luta pela
Reforma Agrária, pelo reconhecimento e respeito aos povos e comunida
des tradicionais, por um país e um mundo mais democrático e humano.
Referências:
CALDART, Roseli Salete. Elementos para a construção de um projeto po
lítico e pedagógico da Educação do Campo. In. MOLINA, Mônica
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