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FORTALEZA
2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO VALE DO ACARAU
UNIVERSIDADE BIOCÊNTRICA
ANDRÉ OLIVEIRA SAMPAIO
FORTALEZA
2019
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ANDRÉ OLIVEIRA SAMPAIO
BANCA EXAMINADORA
_________________________
Profª Dra. Lucia Conde de Oliveira
_________________________
Profª Ms. Rozane de Freitas Alencar
_________________________
Profº Ms. Fábio Porto de Oliveira
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RESUMO
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1. INTRODUÇÃO
Voa passarinha
Assobiando a sua história
Voz viva na memória
Ensina a ser leve, livre
Voa, pousa, sobe, desce
Ninho, céu
Rasga o véu
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me constituindo um amante da vida, da humanidade, da natureza, da cultura biocêntrica, um
educador biocêntrico.
Esta palavra educador tem um significado abrangente e profundo. É uma missão e uma
grande responsabilidade de ser um facilitador na formação das pessoas, frente ao momento de
transição que vivemos no qual é necessária uma mudança do modo de vida, de comportamentos
e atualização dos sonhos para um futuro bom e próspero desejado para a humanidade e o planeta
terra. Como diz o mestre Paulo Freire “Educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada
instante. ”
Esse trabalho também tem como objetivos: divulgar, compartilhar e socializar a cultura
biocêntrica, favorecendo a conscientização para o tempo agora e os que estão por vir.
Compartilhar dos saberes transdisciplinares que constituem a base de um novo pensamento
integrativo dos conhecimentos, das áreas de desenvolvimento do humano, das ciências, das
artes, da espiritualidade e da relação com a natureza interior e exterior. Ampliar a percepção
das múltiplas realidades que nos perpassam, em diversos graus de percepção, das realidades
pessoais, históricas, sociais, ancestrais, ecológicas, energéticas, espirituais e invisíveis, que
também denominamos de percepção do campo, mediunidade ou transcomunicação.
Já nasci assim
Não vim para apegar
Vim para ensinar o desapego
Não vim para falar de amor
Vim amar
Se dependesse de mim
Não se falava essa palavra
Chamar de amor o que não é
Meu amor é igual para a arvore, para o passarinho, para as pessoas
Eu sou André Oliveira Sampaio, nasci na cidade de Fortaleza, no estado do Ceará, região
nordeste do Brasil, no dia primeiro de julho do ano de 1987, filho de Lúcia Conde de Oliveira
e José Levi Furtado Sampaio. Minha mãe natural de Fortaleza também, filha de Antônio de
Sousa Oliveira e Rita de Cássia Conde Oliveira, e meu pai natural de Milagres, região do Cariri,
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sul do Ceará, filho de Leônidas Leite Sampaio e Raimunda Furtado Sampaio. Tenho um irmão
mais novo chamado Davi que nasceu um ano e meio depois de mim no ano de 1989.
Contam meus pais que somos uma família tipicamente brasileira, fruto da miscigenação
entre os colonizadores portugueses, os povos nativos do continente também chamados índios,
e o povo negro que veio escravizado da África para trabalhar aqui. Temos ancestrais de origem
portuguesa, africana e nativa do continente ameríndio. Acredito que essa ancestralidade de
raízes diversas representa a riqueza do povo brasileiro, que se expressa na criatividade e na
inteligência do nosso povo, na diversidade cultural de ritmos, músicas, expressões artísticas,
culinária, religiosidade, costumes, modos de vida e etc.
Considero que tive e tenho uma vida muito feliz e abençoada. Fui criado em um
ambiente familiar acolhedor, tranquilo e harmonioso. Nossa família era do credo católico pela
descendência, meus avós maternos e paternos eram católicos. Meu avô materno em algum
ponto se aproximou do comunismo, foi trabalhador de fábrica e participou de lutas
trabalhadoras no período da ditadura militar. Em minhas recordações e também pelo que me
contaram, meus pais ambos foram atuantes em trabalhos da área social com associações e
cooperativas, e sempre próximos a população mais pobre e desfavorecida pelo estado. Tendo
já desde minha infância registros de influência do pensamento marxista, da luta de classes, onde
nos reconhecíamos como classe trabalhadora, pois meu pai era professor, e minha mãe
assistente social e posteriormente professora também.
Morei 23 anos em um conjunto residencial, um loteamento de casas populares na
periferia de Fortaleza, no bairro Dom Lustosa, nos mudamos para lá 15 dias antes do meu
nascimento. Esse conjunto era basicamente uma rua sem saída com algumas ruas menores, 40
casas. No conjunto havia uma organização informal dos moradores que zelava as ruas e
promoviam atividades comunitárias, reuniões, eventos, confraternizações. Haviam bingos,
feirinhas de comida e bebidas, rifas, quadrilhas juninas.
Nossa cidade era bastante tranquila naquela época, brincávamos na rua sempre,
reuniam-se muitas crianças das casas cinco, dez, vinte crianças brincando era comum. Pude
vivenciar as várias brincadeiras de criança na rua: pega-pega, esconde-esconde, joão ajuda, joão
apega, menino pega menina, menina pega menino, polícia e ladrão, bandeirinha, bila, arraia,
pula corda, elástico, bambolê, bicicletas, patins, vôlei, futebol, caiu no poço, etc...
Desde novo tenho lembranças da relação do período do meu nascimento com os festejos
juninos, os festejos de Santo Antônio, São João e São Pedro. Nesta época, quando crianças
ensaiávamos quadrilhas juninas, o teatro da história do casamento e depois a dança dos casais.
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Muitas vezes fazíamos quadrilha no dia da festa de meu aniversário, juntavam-se vários
moradores da vizinhança, familiares e amigos da família, crianças, jovens e adultos, gente de
todas as idades para aquele festejo. Acendia-se fogueira, enfeitávamos a rua com bandeirinhas
e balões, e haviam fogos de artifício, comidas típicas, bolo de milho, pé-de-moleque, vatapá,
paçoca de carne de sol, aluá (bebida de pão fermentado). Vestíamo-nos a moda caipira, a
mulheres com vestido de chita e os homens com blusa xadrez e calças remendadas
(costurávamos remendo nas calças).
Desde de criança, lembro da paixão declarada do meu pai pelo sertão e as histórias do
homem sertanejo que representavam seu ambiente de infância no interior do Ceará, a cidade de
Abaiara, na região do Cariri, onde viveu até por volta dos 15 anos quando veio morar e estudar
na capital. Ambos meu pai e minha mãe sempre gostaram muito de viajar. E desde que me
lembro nos levavam para viajar para a casa dos meus avós no Cariri, pelo interior do Ceará e
do Nordeste brasileiro. Região muito marcada pelo clima de seca, falta d’água, exclusão social,
precariedade de serviços públicos e extrema pobreza. Tive essa oportunidade de conhecer a
vida nos sertões do Ceará e do Nordeste e também toda a riqueza cultural existente nessa região,
os reisados, forrós, bandas cabaçais, pífanos, acordeom, a forte religiosidade, a agricultura, a
pecuária, a resiliência e a solidariedade do povo nordestino.
O amor pelas plantas e pela natureza também herdei de minha família, lembro de nossas
viagens e visitas as incontáveis paisagens naturais, de praias, matas, serras, lagoas, sertões,
planícies e planaltos do Brasil. Conhecer a história do continente, da região, do país, do povo.
Visitamos sítios arqueológicos brasileiros1, vestígios de civilizações ancestrais de nosso
continente e até de dinossauros2. Acessando diversas expressões da cultura por meio de livros,
música, museus, teatros, cinema. Tudo que uma classe média pode desfrutar.
Posso dizer que minha família sempre teve o costume de se reunir e celebrar, os
aniversários da família, cerimônias familiares, cerimônias religiosas (casamentos, batismos,
comunhões), datas comemorativas. Outro momento de comemoração eram as eleições do
estado brasileiros, para prefeitos, governadores, vereadores, deputados, senadores e presidentes.
Estávamos saindo do regime militar. Em 1989, tivemos a primeira eleição para presidente da
república. Eram momentos de efervescência, torcida e muitas vezes de comemoração dos
resultados. Ainda hoje, guardamos a tradição de nos reunirmos na casa da minha tia para o
almoço no dia da eleição
1
Sítio Arqueológico do Ingá, Campina Grande-Paraíba. Parque Nacional de Sete cidades, no Piauí.
2
Vale dos Dinossauros em Sousa na Paraíba.
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A partir de minha mãe tive os primeiros contatos com os conhecimentos do oriente. Ela
era uma curiosa das medicinas populares e orientais: práticas meditativas, ayuverda, do-in,
reiki, alimentação natural, medicina natural, homeopatia, fitoterápicos e plantas medicinais em
geral. Contam que meu irmão se curou de asma com chá de cannabis. Foi através de minha mãe
que tive o primeiro contato com biodança, ela praticou durante uma época da vida, fomos a
uma maratona quando eu ainda era criança, recordo-me de uma vivência com argila. E o
primeiro contato com a meditação, ela nos levou para um curso de meditação na minha
adolescência.
3. Pelas escolas
Fragmentos da modernidade
- Vamos crescer juntos!
- Eu primeiro
Comecei a frequentar a escola muito novo, com dois anos e meio de idade. No primeiro
dia de aula eu não queria ir embora da escola. Só aceitei ir para casa porque minha mãe disse
que eu poderia voltar lá no dia seguinte. Tenho muitas boas recordações dessa escola e dessa
época, o nome da escola era Planeta Doce. Havia um grande pátio de areia onde brincávamos
com as outras crianças, com os pés e as mãos na areia, construindo e desconstruindo castelos.
Três memórias fortes que tenho dessa época, quando eu estava no “jardim II” fiz uma
brincadeira de mal gosto com um outro aluno que tinha síndrome de down, fui repreendido pela
professora e depois por meus pais. Lembro que fiquei bastante envergonhado e me senti muito
culpado. Já na alfabetização houve um dia que minha mãe me deu laxante porque eu estava a
uns dias sem conseguir defecar, acabou que fiz cocô nas calças na sala de aula, um pouco de
vergonha, mas tudo bem. Foi na alfabetização que comecei a perceber uma certa diferença entre
eu e os outros alunos. Quando estava perto do final da aula a professora já não tinha mais o que
fazer e mandava a gente escrever números no caderno de 1 até 300, quem terminasse ficava
liberado. Eu nunca consegui terminar, muitos outros alunos iam terminando e saindo, e eu
ficava na sala até minha mãe aparecer e vir me buscar, muitas vezes eu não chegava nem na
metade.
Depois fui estudar em uma escola maior, o Colégio 7 de Setembro. Foi a partir dessa
mudança de escola que comecei a vivenciar um certo conflito com a instituição. Lembro-me do
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choque cultural. Eu estava acostumado com uma escola bem acolhedora, um ambiente pequeno,
simples e poucas crianças. Quando cheguei na escola maior para cursar o primeiro ano do
ensino fundamental me deparei com um ambiente totalmente diferente. Eram muitas crianças
na escola e havia um clima de competitividade muito forte, em todas as áreas, no esporte, nas
notas, no comportamento, tudo era premiado. Também senti uma certa perversidade dos filhos
da classe média, as agressões entre as crianças eram comuns e o bullying era corriqueiro.
No segundo ano do fundamental, tive uma outra experiência de inadaptação ao método
escolar que estava proposto. A professora costumava passar por escrito a agenda no quadro, ela
dava um tempo para os alunos copiarem e depois apagava a lousa. Em determinado momento
do semestre a professora pediu para conferir as agendas e descobriu que a minha estava
incompleta por vários dias seguidos. Eu não conseguia copiar a tempo antes de ela apagar,
nunca conseguia copiar completo.
Passei a maior parte dos meus anos de estudo nessa escola. Dá primeira a quinta séria
fui um excelente aluno, estava sempre entre as primeiras colocações na competição das notas e
dos boletins, entretanto fui acumulando resistências ao ensino tradicional. Na oitava séria fiquei
de recuperação pela primeira vez, uma clara resistência ao professor que ensinava a matéria.
No ensino médio, meu comportamento em relação a escola mudou radicalmente. Foi uma
espécie de rebeldia que me acometeu. Já não levava muito a sério as aulas. Passava muito tempo
brincando dentro de sala de aula, atrapalhando a aula, passei a frequentar a coordenação de
disciplina de vez em quando por conta de uma ou outra brincadeira.
Esse incômodo era sentido e não compreendido. Apenas quando conheci Paulo Freire e
a educação biocêntrica pude interpretar o que sentia. O método pedagógico utilizado na grande
maioria das instituições de ensino do Brasil e do mundo corresponde ao que Paulo Freire (1982)
chama de educação bancária. Neste modelo de ensino, há uma divisão rígida entre educadores
e educandos, sendo os primeiros detentores do saber e os segundos desprovidos deste. Aos
educadores cabe então a missão de depositar tais conteúdos nos alunos, cabendo a estes, tão
somente a tarefa de arquivá-los. O programa de estudo é decidido pelos educadores, não
cabendo aos educandos opinar ou interferir sobre o que irão aprender.
Nesse modelo, a realidade é tida como dada, sendo estática e apresentada de forma
compartimentada. Muitos dos conteúdos passados possuem nenhuma ou quase nenhuma
relação com a realidade dos educandos, sendo-lhes distante e abstrato. É estabelecida também
uma hierárquica do conhecimento, aqueles que sabem e aqueles que não sabem.
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Por fim, tal proposta pedagógica tem como objetivo e consequência última manter as
relações de opressão que predominam no mundo atual, na medida em que produz indivíduos
domesticados que não questionam o que lhes é passado, não se implicam com a realidade em
que estão inseridos e não constroem um saber crítico. Ao contrário, assumem uma postura
passiva e alienada diante do mundo que os cerca.
Mas não era esse o meu destino. As experiências que a convivência familiar e
comunitária me proporcionara ao longo da existência já me interpelavam, sem que eu tivesse
as ferramentas para interpretar minha rebeldia.
No terceiro ano do ensino médio, fui expulso da escola por uma brincadeira mais grave,
coloquei uma bomba rasga-lata no banheiro do colégio. Tive que mudar de escola e terminar o
terceiro ano no colégio Farias Brito. Nesse período, a escola já não me interessava de forma
alguma e eu passei o restante dos dias de escola dormindo em sala de aula até terminar o terceiro
ano, quando prestei vestibular e ingressei no curso de história.
No colégio 7 de setembro também tive os meus primeiros contatos com a aprendizagem
musical. Participei da banda marcial da escola que marchava no desfile do dia 7 de setembro.
Estudei violão, e também fui auto ditada nos instrumentos de percussão. Junto com meus
colegas de sala também nos reuníamos para tocar e posteriormente, montamos uma bandinha
que fez bastante sucesso na escola nesse período. Tocávamos nos eventos do colégio. Em outro
momento montei um estúdio musical em minha casa. Formamos uma banda familiar, eu e dois
primos, tocávamos rock, punk e brega. Depois já quando eu estava na faculdade, participei de
um grupo de música e teatro regional que se formou a partir de uma ONG que atua no bairro
Planalto do Pici em Fortaleza, Espaço Cultural Frei Tito de Alencar – ESCUTA.
Assisti muito teatro e também representei no teatro várias vezes, cheguei até a fazer
curso de teatro. Durante muitos anos pratiquei natação, treinei Karatê, Fung Fu e Capoeira
apenas por alguns meses cada um. Fui jogador semiprofissional de jogos eletrônicos online em
computadores, até hoje gosto de jogos eletrônicos.
Quando eu ainda estava cursando o segundo ano do ensino médio tive minhas primeiras
aproximações com o movimento estudantil. Tentamos fundar um grêmio no colégio 7 de
setembro, a tentativa foi frustrada pela diretoria. Na época, o prefeito de Fortaleza Juraci
Magalhães queria limitar a meia passagem estudantil para apenas duas por dia. Começamos a
organizar um movimento na cidade. No ano de 2004 em determinado momento, fizemos uma
grande manifestação estudantil, a maior já vista na cidade. Fomos até a prefeitura que se recusou
a receber os estudantes e negociar. Os estudantes se rebelaram e apedrejaram o prédio da
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prefeitura, houve uma batalha com a guarda municipal e chegamos a queimar dois carros da
guarda. Com esse movimento a prefeitura retrocedeu da ideia de limitar a meia passagem
estudantil. Conseguimos essa vitória.
4. Vida acadêmica
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psicologia não era psicologia, mas sim psicologias. Psicologias para todos os gostos. O curso
oferecia uma série de opções e oportunidades de estudo e de desenvolvimento acadêmico e
profissional. Havia vários projetos de extensão e laboratórios de pesquisa no curso que
ofereciam bolsas de pesquisa e de extensão. Continuei minha briga com o positivismo, agora
na psicologia. E durante os primeiros semestres aprendi várias coisas, muitas das quais
discordei à primeira vista, outras fui indiferente e outras me chamaram muito a atenção.
Logo nesse período também ingressei no Diretório Central do Estudantes – DCE da
UFC. Gostava muito de participar do movimento estudantil, lutar pelos nossos direitos,
organizar atividades estudantis nas universidades, encontros (locais, regionais e nacionais),
congressos, seminários, semanas de curso, manifestações e protestos, calouradas, viagens.
Participei do congresso da União Nacional dos Estudantes – UNE em Brasília, no ano de 2007.
Também nesse ano fui pela primeira vez para o Encontro Regional de Estudantes de Psicologia
– EREP Norte\Nordeste. Esse encontro se tornou um dos marcos na minha formação, participei
desse encontro em oito edições, como estudante e posteriormente como profissional.
No ano de 2008, fomos eleitos para o Centro Acadêmico de psicologia, gestão
“Pensação”. Assim, batizamos aquele coletivo, e continuamos a organização regional do
movimento dos estudantes de psicologia. Fizemos a primeira recepção dos calouros dos cursos
de psicologia recém-abertos da Universidade Estadual do Ceará e também do Campos de Sobral
da Universidade Federal. Auxiliamos os estudantes desses cursos a organizarem o movimento
estudantil e constituírem os seus centros acadêmicos.
A vida na universidade proporcionou-me outras experiências não acadêmicas. Minha
primeira experiência com a cannabis ocorreu na primeira semana de aula do curso de história.
Muitos por aí falam que a maconha é a porta de entrada para outras drogas, aqui venho afirmar
outra coisa. A minha porta de entrada foi o álcool, a primeira droga oficial que utilizei. O estado
relaxado de consciência provocado pelo álcool permitiu que eu relaxasse minhas resistências e
meu preconceito e experimentasse a cannabis na primeira sexta-feira de aula do curso de
história, durante a festinha de recepção dos calouros.
A percepção do bem-estar e a possibilidade de novas conexões, um entendimento
ampliado e diferenciado da realidade foi o que ficou gravado na minha memória das primeiras
experiências com a planta. Isso despertou minha curiosidade e me levou, posteriormente, já no
curso de psicologia a pesquisar sobre e descobrir que a cannabis era tida como uma planta
medicinal em várias culturas. Dentro da psicologia se aproximava nos estudos da saúde pública,
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dos estudos sobre drogas, de uma perspectiva de redução de danos e do estudo dos estados
ampliados de consciência.
5. A psicologia comunitária
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Por conta disso busquei o Núcleo de Psicologia Comunitária – NUCOM, que havia sido
fundado pelo prof. Cezar Wagner. Naquele momento e até hoje é coordenado pela professora
Verônica Morais Ximenes.
No NUCOM me aproximei do estudo das bases teóricas e metodológicas da psicologia
comunitária no Ceará: Psicologia Histórico-Cultural, Educação Libertadora, Biodança,
Psicologia da Libertação e teoria de Carl Rogers. Essas bases se unificavam pelo paradigma da
complexidade, que nos apresentava uma compreensão sistêmica do conhecimento e a
possibilidade da transdisciplinaridade. Assim como o paradigma da libertação, um pensamento
que se desenvolveu na américa latina em diversos campos de saberes (teologia, educação,
filosofia, psicologia) que nos apresenta uma referência ético político para atuação dos
profissionais e o compromisso com o povo oprimido.
A Psicologia Histórico-Cultural, representada por Vygotsky, Leontiev e Luria,
apresenta a percepção da base social na formação e desenvolvimento do ser humano, da mente
humana, da participação direta da história e da cultura, ou seja, da sociedade contextualizada,
na formação da pessoa. E a noção da atividade humana como motor da consciência, ou seja, da
ação humana. A atividade gera consciência e vice-versa a consciência gera atividade\ação.
Tendo as atividades coletivas, atividades comunitárias, como pilares, bases de organização,
células formadoras de uma cultura e dos participantes desta cultura, do modo de vida das
comunidades.
A psicologia da libertação foi pensada por Martín-Baró, religioso jesuíta, reitor de
universidade, assassinado pela ditadura militar em El Salvador. Profundamente comprometido
com a transformação dos problemas sociais da população latino-americana, partindo de uma
indignação frente à miséria e a pobreza que assola os países dessa região. Martín-Baró propõe
um fazer-ser psicólogo para o contexto da América Latina. Tendo a ciência como práxis
histórica responsável por oprimir ou por libertar e o dever do profissional comprometido com
a transformação da realidade e a superação das opressões.
Carl Rogers nos acrescentou a crença nos potenciais de desenvolvimento humano e na
postura que o profissional deve adotar (uma postura que promova um ambiente facilitador). Diz
respeito diretamente a nossa postura frente às pessoas, uma postura que não deve julgar a priori,
liberta de preconceitos e que acolhe. As atitudes facilitadoras para a educação ou processos de
ajuda inspiradas em Rogers:
Congruência, ser congruente em uma relação significa ser integrado, inteiro, verdadeiro.
Ser congruente, significa ser real e genuíno; aceitação positiva incondicional, não se colocam
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condições ou barreiras para o acolhimento. O que a pessoa expressa, o que ela é, é digno de
respeito e de aceitação, não se julga, não se condena, não diminui, nem exclui. Inclui, aceita e
dialoga. E empatia, buscar se colocar no lugar do outro e perceber, até mesmo sentir o mundo
íntimo de emoções e sentimentos do outro. Se aproximar do mundo perceptual do outro,
deixando de lado nossos conceitos e valores, para tocar o mundo do outro sem preconceitos.
A essas três atitudes, acrescento minha reflexão, combinadas com a palavra amor
também dizem respeito a conhecer nossos limites e também perceber melhor os limites dos
outros. Estabelecer limites nas relações, percebendo em todos os níveis o não saudável, o que
é contrário a vida, também é uma atitude positiva.
Rogers nos permitiu enxergar o sujeito como ser de potencialidades e não de falta, como
expresso em outras psicologias, de modo que este é capaz de realizar a vida em sua plenitude e
se desenvolver em seus amplos e diversos potenciais. Rogers propõe que todo ser vivo possui
uma tendência à realização, o que motiva o desenvolvimento. A influência dessa teoria é de
grande importância no pensamento da educação biocêntrica com as ideias de valor pessoal e
poder pessoal.
A Biodança de Rolando Toro trouxe o princípio biocêntrico como uma das bases de
sustentação do método integrativo biocêntrico e do paradigma biocêntrico, e o conceito de
vivência, como a realização completa da vida, a experiência total do momento vivido.
Utilizávamos a vivência biocêntrica por meio de alguns exercícios de biodança para facilitar as
atividades propostas pelo NUCOM.
Freire e Vygotsky foram os autores que me trouxeram o primeiro contato com o conceito
de consciência, construção histórica e social, dialética, fruto da ação humano no mundo, que
determina como as pessoas veem o mundo e como atuam nele. Freire traz a ideia de estados da
consciência, que convivem em um mesmo sujeito – semi-intransitiva, transitiva ingênua e
crítica.
Sobre a biodança de Rolando Toro e sobre a Educação de Paulo Freire quero dedicar
algumas palavras mais nas próximas páginas.
Na época do NUCOM, trabalhei em um projeto de extensão na região do Médio Curu
na Escola Popular Cooperativa – EPC da Canafístula, comunidade localizada no interior do
município de Apuiarés. Era uma comunidade típica do interior do Ceará que lidava com a
questão da seca e vivia da agricultura e pecuária. Como núcleo de extensão\cooperação, o
NUCOM levava uma proposta de intervenção comunitária-libertadora junto às comunidades.
Com o foco no desenvolvimento do sujeito comunitário e dos espaços de participação e
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deliberação coletiva. Trabalhávamos com metodologias participativas e vivenciais para
proporcionar um aprofundamento de consciência em direção a criticidade que é fundamental
para superação das ideologias de opressão e submissão, e também o fortalecimento dos vínculos
afetivos entre os moradores na perspectiva de que a comunidade organizada pode refletir e
deliberar em questões que dizem respeito ao seu modo de vida.
6. Explorações da consciência
Por outros caminhos, descobri outras formas de acessar estados diversos de consciência.
Em determinado momento tive o encontro com o ácido lisérgico que transformou
profundamente minha compreensão da realidade. Até aquele momento, eu me considerava um
sujeito ateu, descrente de forças maiores e invisíveis que eventualmente nos determinassem.
Mantive-me afastado das religiões, pois considerava enganação e anestésico das questões
sociais. Nessa experiência psicodélica, fiz uma viagem de quatorze horas de duração em minha
própria consciência. Ao final da viagem observando o nascer do sol, percebi uma inteligência
maior, uma força viva que organizava sabiamente toda a existência. A vida como a obra síntese
e inteligência suprema, pano de fundo e guia da evolução e desenvolvimento de todo o universo.
Esta experiência considero que foi a abertura das “portas da percepção” utilizando esse
nome do livro de Aldous Huxley para tentar sintetizar o acontecido.
No ano de 2008, fui até Porto Velho em Rondônia, na região amazônica, norte do Brasil,
participar de um encontro regional de estudantes de psicologia. Após terminar o encontro,
permanecemos um grupo de estudantes cearenses ainda na cidade convivendo com os amigos
estudantes do norte. Sempre me lembro daquele ser feminino de feições indígenas que nos
apresentou a possibilidade de participar de uma seção espiritual com o chá ayahuasca muito
culturalmente presente na região norte. Flora era o nome dela, que foi nossa guia e porta de
entrada ao primeiro contato com o chá.
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Numa casinha de teto baixo e lâmpada amarela localizada no centro de porto velho,
homens sentavam de um lado e mulheres do outro, cada qual tomou sua dose de chá em um
copo americano, servida por um homem que se sentava em uma mesa ao centro do salão.
Tocavam música em caixas de som ao longo da pequena sala durante a sessão, sons da natureza,
músicas indígenas, e instrumentais.
Fechei meus olhos e de repente me vi em outro lugar. Era uma floresta onde eu
caminhava sem roupa com uma espécie de lança de madeira na mão. Percebia o chão dessa
floresta, sentia o pisar nas folhas no chão, uma brisa abafada na mata e o som de uma água
corrente por detrás das arvores a alguns metros. Uma imagem tão viva, nítida, acompanhada de
sensações de real. Perguntei-me de onde vinha essa imagem, e a resposta que encontrei para me
confortar foi que em algum outro momento de existência, uma outra vida quem sabe, eu pudesse
ter sido um índio. Essa experiência ficou gravada em minha memória.
Sei que todo esse processo me recordou de um desejo secreto que alimentava ao entrar
no curso de psicologia que seria apreender a trabalhar com as consciências, com a consciência
das pessoas, incialmente, numa compreensão do desejo de transformação da sociedade e
posteriormente, na transformação de minha própria consciência ou no desenvolvimento dela.
Em um primeiro momento um olhar para fora, para o externo, e outro momento posterior um
olhar para dentro, para o interior de mim mesmo. Na vivência da consciência em uma
compreensão maior do que seja a consciência, como totalidade da existência.
Na metade do ano de 2010, encerrei minha participação no Núcleo de Psicologia
Comunitária e busquei ingressar em outro espaço de estudo, o Laboratório de Estudos sobre a
Consciência – Lesc-PSI que foi criado e estava sendo coordenado pelo o professor Cezar
Wagner. O laboratório estava organizado na proposta de quatro linhas de pesquisa e ação:
Conscientização\conscienciação, tinha como objetivo estudar os processos de
conscienciação e conscientização, a partir do Interacionismo Dialético, do Paradigma da
Libertação e do Princípio Biocêntrico; Estados da consciência, estudava os processos de
mudança de estado (trânsito) e ampliação da consciência, e sua relação com a saúde, a
espiritualidade e a vida comunitária; Fenômenos Psi, objetivava entrar no debate científico
sobre os Fenômenos Psi (telepatia, mediunidade, clarividência e outros fenômenos de origem
extra-sensorial); Problema mole e problema duro em neuropsicologia, com o objetivo de
estudar a relação existente entre atividade cerebral e atividade psicológica, não só no que
concerne à localização das áreas do cérebro relacionadas com os processos mentais, mas
também como ocorre a transformação da atividade cerebral em atividade psíquica.
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No Lesc, aproximei-me dos estudos da primeira e da segunda linha, conscientização e
conscienciação, e estados de consciência respectivamente. Na primeira linha, estudos e projetos
de extensão na temática da conscientização. A partir dos estudos da segunda linha tive meu
primeiro encontro com a psicologia transpessoal. Os estudos sobre a expansão da consciência,
a pesquisa psicodélica, o mapeamento da consciência e dos estados de consciência, e do ser
humano como um ser transpessoal, ou seja, também que vai além do limite corporal da pessoa,
e a compreensão da existência de um campo psíquico e ou energético que abrange e coexiste
com a realidade observável pelos cinco sentidos.
Fazendo uma analogia a um aparelho de rádio ou televisão, com uma antena que
transmite e materializa\manifesta informações, na compreensão que a fonte do programa que
está sendo transmitido, comparando com a fonte da mente ou da consciência humana, não está
circunscrita aos limites físicos daquele aparelho, não está dentro da televisão, nem tão pouco
dentro da cabeça, ou do cérebro.
No contato com alguns dos autores da psicologia transpessoal, Ken Wilber, Aldous
Huxley, Stanislav Grof, descobri que algumas substancias eram utilizadas na pesquisa dos
estados de consciência. Uma classe de substancias ditas psicodélicas dentre as quais estava a
cannabis, foram bastante pesquisadas pela medicina, por psicólogos e outros cientistas. Entre
essas substancias também estava o ácido lisérgico, vulgo LSD extraído de um fungo, a
psilocibina encontrada em cogumelos e a ayahuasca um chá preparado a partir do cozimento de
duas plantas da floresta amazônica. A curiosidade nas explorações da consciência e a vivência
dos estados alterados a partir do uso de substâncias psicoativas, levaram-me a estudar essas
questões.
Porém a grande compreensão que desejo acrescentar nessa narrativa, foi o conhecimento
sobre a “percepção do campo”. Para explicar o que estou falando, vou apresentar alguns
conceitos de alguns autores. De acordo com a teoria do campo proposta por Kurt Lewin “Temos
que conceber a vida do grupo como o resultado de constelações específicas de forças dentro da
conjuntura (setting) mais ampla [...] o campo como um todo, incluindo seus componentes
psicológicos e não psicológicos” (LEWIN, 1952 p.174).
Jung nos trouxe a ideia de sincronicidade, a percepção de eventos, fenômenos que
acontecem como organizados, combinados, encadeados, ao mesmo tempo ou não, mas que
criam um sentido, algo que no senso comum se chamaria de “coincidência”. E a concepção de
inconsciente coletivo como uma memória ancestral, que inspira e também forma o ser humano
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e a cultura, mitos e narrativas que dão uma base, pano de fundo psíquico para a existência
humana.
Dentro do estudo esotérico fala-se sobre uma substância que compõe o mundo, uma
água que permeia e alimenta tudo que existe onde nela estão contidas todas as informações da
existência, do passado, do presente e do futuro, akasha ou aether.
Tanto Jung, como Lewin, e a sabedoria antiga de escolas espirituais trazem essa
compreensão para a educação biocêntrica. Consideram a existência de informações não visíveis
na composição da mente, da consciência ou da psique humana. A percepção do campo e o
conhecimento\autoconhecimento dos estados da consciência podem ser exercitadas por meio
de meditação, da quietude, do silêncio, observação, consciência da respiração, pela vivência do
corpo e a presentificação, ter o foco no momento presente, estar inteiro e vivo, existindo
plenamente.
Minha curiosidade e desejo de conhecer novas teorias e práticas levaram-me a educação
biocêntrica. Em 2010, fiz um primeiro curso de Formação em Educação Biocêntrica com
duração de seis meses, um módulo a cada mês em um final de semana de aula. O curso foi
promovido pelo Centro de Desenvolvimento Humano. Foi a partir desse curso e daí em diante
que tive uma proximidade maior com a professora Ruth Cavalcante.
A Educação Biocêntrica foi desenvolvida aqui no Ceará a partir do encontro da
Biodança de Rolando Toro, com o pensamento do mestre educador Paulo Freire e o pensamento
complexo do filósofo Edgar Morim, mediados por Ruth Cavalcante que realizou o encontro
dessas ideias e sistematizou esse conhecimento como Educação biocêntrica.
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Além dos grupos de estudo e de um projeto de meditação que desenvolvemos por alguns
meses no Lesc. Minhas atividades se concentraram nos projetos de extensão. O Projeto Duas
Fendas, em Canoa Quebrada Aracati-CE, proporcionou-me o primeiro contato com a
comunidade da Vila do Estevão no início de 2011. O referido Projeto se expandiu como
Movimento Cultura e Consciência Biocêntrica – MC²bio, e posteriormente, como Programa
Duas Fendas de educação patrimonial (patrimônios materiais e imateriais) no município inteiro.
Esse trabalho se iniciou por intermédio do professor Fábio Porto e do morador “Índio”
da comunidade, que considero grandes amigos e irmãos mais velhos. O trabalho surgiu de um
convite da comunidade da Vila do Estevão ao Laboratório de Estudos Sobre a Consciência –
LESC-PSI, para desenvolver uma atuação que trabalhasse a questão da consciência,
inicialmente, em relação ao meio-ambiente. Com a experiência da psicologia comunitária
desenvolvida aqui no Ceará, abraçamos esse trabalho e começamos a atuação na Vila do
Estevão em Canoa Quebrada. Os trabalhos foram desenvolvidos em parceria com a Associação
de Moradores do Estevão – AME e do Conselho Comunitário de Canoa Quebrada.
A partir da inserção comunitária e da convivência com os moradores, numa prática
dialogada, cooperativa, amorosa e transformadora, realizamos diversas atividades em conjunto
com a comunidade da Vila do Estevão e depois expandimos para Majorlândia, Quixaba,
Pedregal e Córrego de Ubaranas. O projeto se tornou Programa Duas Fendas com um
financiamento para extensão universitária do Ministério da Educação em 2012 e 2013.
Tematizando questões ambientais, questões da identidade e cultura locais, educação
patrimonial, saúde comunitária, participação em fóruns políticos locais, e até prestando uma
consultoria em planejamento para a prefeitura. Expandimos nossa atuação para o município
inteiro em 2014, contratados pela prefeitura para elaborar de forma participativa, junto às
comunidades, o Plano Plurianual – PPA, para quatro anos de gestão do município.
Agradeço também o encontro com a professora Vanessa Louise, que elaborou esse
trabalho de educação patrimonial conosco e também fortaleceu os trabalhos no Lesc
apresentando novas temáticas de estudo e fortalecendo o estudo da consciência. Nessa época
promovemos um Encontro Transcentrado, o encontro de Carl Rogers com a psicologia
transpessoal, um final de semana em imersão em grupo voltado para a exploração de fenômenos
transpessoais. No ano de 2012, concluí minha graduação em psicologia e permaneci
participando dos projetos do LESC até o ano de 2014.
O ano de 2011, também representou um marco na minha caminhada. Tive minha
segunda experiência com o chá ayahuasca, também por intermédio do meu amigo ancestral
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Fábio Porto, por solicitação minha, conduziu-me até a Flor da Canoa, um centro espiritual
também em Canoa Quebrada, onde se utiliza o chá rebatizado e ressignificado como Santo
Daime. Esse culto tem uma origem no estado do Acre, em meio a floresta amazônica brasileira,
a partir de um homem negro chamado Raimundo Irineu Serra. Reunindo elementos do
cristianismo popular, das festas religiosas populares, das crenças indígenas na natureza, nos
seres encantados, nos caboclos, cultuando todo um panteão de seres espirituais das raízes
brasileiras.
Na ocasião que tomei o Daime pela primeira vez, tomei uma dose e senti muito forte.
Tive medo de perder o controle sobre meu corpo ou mesmo de cair, permaneci sentado e imóvel
enquanto as pessoas no recinto cantavam os hinos e louvores musicais que constituem a base
desse trabalho espiritual. Em determinado momento foi oferecida uma segunda dose, eu já não
queria tomar, mas acabei cedendo a recomendação de um membro da casa que me falou ser
bom tomar a segunda vez. Retornei para minha cadeira e permaneci imóvel novamente, até que
senti como se eu estivesse dentro de uma casca que revestia meu corpo.
De repente toda a sensação ruim que estava em mim desapareceu, e foi como que a casca
tivesse se quebrado e eu saí de dentro e fiquei em pé. Nesse momento, todos ficavam de pé no
ritual. Ergui-me com toda energia, completamente revigorado e revitalizado. Todo o salão
ganhou colorações douradas e brilhosas, ao mesmo tempo que uma mensagem soava em mim:
“meu filho, você não precisa mais sair por aí procurando, você já encontrou, já chegou onde
você queria, você chegou de volta na sua casa”. Ao mesmo tempo, comecei a sentir uma
sensação de paz, de tranquilidade, de amor e de alegria infinitos. Estava totalmente pleno como
nunca estivera em outro momento da vida.
Esse efeito reverberou em mim por cerca de quinze dias, permaneci sentindo essa
plenitude. Essa experiência fez com que eu mudasse radicalmente algumas concepções e
comecei a alimentar o um desejo de mudança total de vida, de sair da cidade e ir morar no meio
rural. Também a certeza de que o Daime foi uma porta e um caminho que se apresentaram para
mim e a vontade de continuar e prosseguir no estudo da espiritualidade e do autoconhecimento
com o auxílio dele. O Daime ensina a viver no presente, permaneço nesse trabalho até os dias
de hoje.
Pela sincronicidade do universo também no início de 2011 cheguei até o Projeto Criança
Feliz, a convite do professor Fábio Porto. Fomos visitar o projeto, uma ONG localizada na
periferia de Fortaleza, no bairro Jardim Iracema. Eliane Moreira, grande mestra do trabalho
social, coordena o projeto a algumas décadas. Ela me acolheu e trabalhamos juntos por cinco
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anos. Grandes diálogos e aprendizados. As palavras chaves do trabalho eram: arte, educação e
cultura de paz. Trabalhei com planejamento, formação de educadores, grupos de jovens,
psicologia de grupo de crianças, de mães. Clinica comunitária, aconselhamento psicológico,
saúde comunitária, inspirados em Carl Rogers, Rollo May e Cezar Wagner.
Na biblioteca do projeto, descobri uma seção de livros interessantíssima classificados
como esotéricos, Krishnamurti, Jacob Boeme, Rudolf Stainer, Hermes Trimegisto, Helena
Blavatsky. Autores que aprofundaram meus estudos e minha compreensão da
transdisciplinaridade, do esoterismo, do religioso, do sagrado, da mediunidade, do campo, da
criação, do cosmos, do autoconhecimento, e de como me observar e saber sobre mim mesmo.
Permaneci trabalhando no projeto por cinco anos até o momento que tomei a decisão de mudar
de cidade e ir morar em Aracati.
Em 2012, em parceria com a comunidade da Vila do Estevão e da Ecoaldeia Flecha da
Mata que é um centro de referência em Permacultura, realizamos o primeiro PDC, sigla de
origem inglesa referente a Permaculture Desing Course. Um curso de formação de
permacultores, participei como organizador e estudante do curso.
Permacultura é uma expressão originada do inglês “Permanent Agriculture” e foi criada
por Bill Mollison e David Holmgren na década de 70 do século passado. Ao longo dos anos,
ela passou a ser compreendida como “Cultura Permanente”, passou a abranger uma variedade
de conhecimentos oriundos de diversas áreas científicas e saberes tradicionais, indo muito além
da agricultura. Nos dias atuais, a permacultura envolve desde a compreensão da ecologia, da
leitura da paisagem, do reconhecimento de padrões naturais, do uso de energias,
armazenamento e uso da água, bem manejar os recursos naturais, tratamento de resíduos (lixo,
esgotos, poluição), construções ecológicas, plantios, agroflorestas. Com o intuito de planejar e
criar ambientes humanos sustentáveis e produtivos em equilíbrio e harmonia com a natureza.
A permacultura possui uma ética baseada em três princípios que são plenamente
alinhados com o paradigma biocêntrico: Cuidar da terra, Cuidar das pessoas e Cuidar do Futuro.
É considerada uma ciência sistêmica, que unifica o saber científico, as técnicas e métodos, com
saberes ancestrais da tradição popular. Uma cultura permanente de observação da natureza,
harmonia com o ambiente, mudança de vida, estilo de vida, integrado com o meio em que se
vive.
Em 2014, iniciei um trabalho junto ao Centro de Desenvolvimento Humano - CDH, uma
empresa na época coordenada por Ruth Cavalcante e pelo professor Cezar Wagner. Prestamos
uma consultoria para a prefeitura do município de São Gonçalo do Amarante. Utilizando o
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método da educação biocêntrica, criamos e desenvolvemos o Projeto governar com o povo, um
projeto de democracia e governança popular, o governo compartilhado entre poder público
instituído, população e comunidades. Durante esse trabalho, participei de várias formações no
método da educação biocêntrica voltadas para a equipe de trabalho, estudos e planejamento das
atividades.
O projeto se dividia em frentes de trabalho com o prefeito e os secretários do município,
na área da saúde, da educação e com as comunidades no fórum da localidade. O fórum era uma
reunião que acontecia mensalmente, congregando os moradores das localidades próximas para
conversar sobre as comunidades e planejar as ações do poder público voltadas para cada lugar.
Havia também o fórum municipal que reunia representantes de todas as localidades para
conversar e planejar o município.
O ano de 2016 foi o ano que mudei de cidade. Pedi afastamento dos trabalhos de
Fortaleza, arrumei minhas malas e parti ruma a uma vida nova, na cidade de Aracati. Na busca
de pôr em prática valores e conhecimentos aprendidos. Mudança de cidade, novo momento,
novos desafios, construção de minha casa própria e o início de um sistema agroflorestal no
quintal de minha nova morada. Foi a primeira vez que me aproximei dos trabalhos comunitários
não mais como estudante ou profissional, mas como morador da própria localidade onde o
trabalho é desenvolvido. Reaproximei-me dos trabalhos com o Conselho Comunitário de Canoa
Quebrada e em 2018 retomamos os trabalhos da Associação de Agricultores do sítio Caraço,
prossegui na associação espiritual Flor da Canoa desde 2012, e ingressei na Associação
Brasileira de Cannabis Medicinal – Abracam em 2017.
Para aprofundar meu processo formativo, em 2015, iniciei a Formação de Facilitadores
em biodança. Rolando Toro o criador da biodança era também um artista prendado e recorro a
suas poesias para ilustrar e florear este relato.
A força que nos conduz é a mesma que acende o sol, que anima os mares, faz florescer
as cerejeiras. A força que nos move é a mesma que agita as sementes com sua
mensagem imemorial de vida. A dança gera o destino sob as mesmas leis que vinculam
a flor a brisa. Sob o girassol de harmonia somos todos um. (Rolando Toro, Apud Crema
2017, p.54)
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organismo. Promove bem-estar, reintegração, trabalha as emoções, os afetos, a consciência do
corpo.
A biodança trabalha com cinco potenciais de desenvolvimento do ser humano, também
chamadas linhas de vivência: vitalidade (força vital, vontade de viver, alegria, entusiasmo),
afetividade (expressão do amor, carinho, empatia, disponibilidade para o outro), sexualidade
(prazer de viver, Eros, intimidade), criatividade (criação, expressão, adaptação, fluidez,
renovação) e transcendência (sonhar, transformação, comunhão com a natureza, o cosmos, o
universo, a humanidade, êxtase). Em três níveis de vinculação: consigo próprio, com o outro e
com a totalidade da existência (o cosmos, a roda).
Cada ser humano carrega em seu coração a utopia de si mesmo... Cada ser humano
guarda sementes em um cofre secreto... Só os seres humanos podemos morrer de amor
ou levar nosso egoísmo ao céu. Pavorosos sob as estrelas! Necessitamos ternura...
Porque temos mais energia do que recebemos. Temos luz nos olhos e pássaros
migratórios, porque o impossível pode acontecer. Nossos passos plenos de convicção
por labirintos de amor... O anjo azul em nosso leito esperando seu novo destino, porque
o milagre tem rosto de anjo. Temos filhos no curto espaço de cem anos e nosso amor é
infinito. Temos uma carta de amor na mão e grandes trigais dourados numa espiga de
sonho. Porque o impossível é o cotidiano, (Rolando Toro, Apud Crema, 2017, p.54).
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8. Pós-graduação e Educação Biocêntrica
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futuro da existência do ser humano. A compreensão que a vida é a estrutura guia do universo,
o centro de consciência e desenvolvimento de toda a natureza, do cosmos. A vida está no centro,
é a referência, e tudo o que favorece a vida e o seu desenvolvimento.
A partir da base postulada por três autores principais, Paulo Freire, Rolando Toro e
Edgar Morin, desenvolveu-se aqui no Ceará em trabalhos com comunidades uma forma de
pensar, um modelo de educação batizado por Ruth Cavalcante de Educação Biocêntrica.
Paulo Freire propõe a educação libertadora. Tal proposta prevê a superação da
contradição educadores-educandos, na medida em que: “ninguém educa ninguém – ninguém se
educa a si mesmo – os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1982;
p. 63). O saber, que é um saber crítico e integral, é construído coletivamente, sendo o objeto de
estudo, o mundo. A Educação libertadora, como o próprio nome prediz, tem como objetivo
final libertar os oprimidos da situação de opressão em que se encontram.
A Educação Libertadora de Paulo Freire fala sobre aprender a ler a realidade e a escrever
ativa e conscientemente sua história. Servindo como forma de superar a opressão e gerar
transformações profundas na sociedade e nos indivíduos que nela vivem. A partir do diálogo
libertador, da circulação e democratização da palavra compartilhamos os saberes e construímos
novas sínteses, conhecimento novo. Aprendemos a ler o mundo e transformá-lo, ser sujeito (ator
principal) de sua própria história. A possibilidade de “ser mais”.
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relação indivíduo-mundo, mas ainda tem desprezo pelas formas de concepção científicas; pensa
que sabe tudo sobre a realidade e se contenta com suas experiências, podendo cair no fanatismo
por achar que já sabe. Na crítica, o dever de fazer e refazer seu mundo é assumido, uma postura
de aprendiz; há um engajamento de maneira crítica na história; vê a realidade como mutável e
aceita suas exigências e desafios, tentando superá-los através de uma ação crítico-
transformadora e solidária.
Esses tipos de consciência não são hierárquicos, convivem em um mesmo indivíduo ao
mesmo tempo em relação a diversos aspectos distintos do sujeito. As passagens de um estado
a outro, em relação a algum aspecto da realidade, realizam-se mediante a atividade prática-
vivencial-reflexiva. A mudança do mágico para o ingênuo é a tomada de consciência; e do
ingênuo ao crítico é a conscientização.
A educação biocêntrica herdou do mestre Paulo Freire o principal instrumento utilizado
por ele que é o “Círculo de Cultura”, que funciona como ferramenta de diálogo, de circulação
da palavra, de aprendizagem e desenvolvimento da consciência, de problematização da
realidade e de construção de saber. A professora Ruth Cavalcante também sistematizou outras
formas de realizar esse encontro pedagógico derivadas do círculo de cultura.
Rolando Toro também pensou nos processos de aprendizagem e chamou de Educação
Selvagem (seriam os primórdios da educação biocêntrica). A partir do que Rolando chamou de
inconsciente vital ocorre o desenvolvimento e regulação instintivos, inatos da vida, orgânico,
motor, sensorial, consciêncial, relacional, afetivo, os potenciais de vinculação e o
desenvolvimento da identidade.
Os potenciais de vinculação seriam: consigo próprio, percepção de si,
autoconhecimento, identidade; com o outro, as relações, empatia, afeto, contato, carinho, cuidar
e ser cuidado; com a totalidade, o planeta, universo, cosmos, a espiritualidade, a roda.
A vivência biocêntrica permite a superação da mente, do pensamento, do raciocínio, da
análise, da abstração. É um mergulho no corpo, no sinestésico, na experiência vivida, na
presença. Trazendo a dança como analogia ao movimento do universo e o movimento de cada
ser, a sua dança. E o estudo\percepção ou consciência desses movimentos. O movimento
dissociado, desintegrado ou desintegrador, gera adoecimento, é contrário a vida. O movimento
integrado, harmonizado gera saúde, gera vida.
O conceito de transdisciplinaridade foi primeiro posto por Jean Piaget e é estudado na
educação biocêntrica a partir do filósofo Egdar Morin. Transdisciplinaridade seria um diálogo
permanente, a complementaridade dos conhecimentos, uma rede de saberes entre a ciência, a
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filosofia, a arte, saberes populares e ancestrais, e as tradições espirituais. Compreende a
existência simultânea de múltiplos níveis de realidade e formas diversas de estudar a realidade.
O paradigma da complexidade permite a compreensão da conexão entre os saberes através de
sistemas abertos e uma ecologia do conhecimento, a integração de todos os saberes. Um
pensamento complexo\holográfico, de integração das partes com o todo, a ligação entre todos
os elementos, como uma rede ou uma teia que interliga todos os pontos.
A união do pensamento desses três autores dá alicerce ao Método Integrativo
Biocêntrico. Tendo como bases de um processo biocêntrico quatro categorias metodológicas:
Diálogo libertador, Ação transformadora, Reflexão ampliada, Vivência biocêntrica. E doze
categorias teóricas: Sujeito coletivo, sujeito individual, movimento, expansão da consciência,
potenciais de vida, potência de vida, inteligência afetiva, conscientização, fortalecimento de
vínculos, identidade pessoal, corporeidade vivida e construção de conhecimento.
A educação biocêntrica é um modelo teórico prático de aprendizado e desenvolvimento
humano, uma proposta de desenvolvimento integral, integrado. Integração entre mente, corpo,
espírito e social. Trabalha com os potenciais de desenvolvimento humano. Potenciais genéticos
(herdados através da espécie e que vem desde a formação da vida) e potenciais evolutivos (o
potencial de desenvolvimento da própria vida, do ser humano). Desenvolvimento afetivo,
motor, cognitivo, mediúnico, artístico, comunicação, vinculação, vários tipos de inteligências.
Compreende a plasticidade do cérebro (regeneração, adaptação, reconstituição de
funções, desenvolvimento de novas funções e do DNA (ativação e desativação de genes).
Percebendo as influências da hereditariedade e da cultura, dos comportamentos aprendidos na
cultura familiar, e na sociedade.
Facilitar uma ambiência de aprendizagem e desenvolvimento, seria uma das tarefas do
educador biocêntrico. A vivência não é um anexo ou apêndice do método, é um processo ou a
totalidade do processo. A vivência pedagógica biocêntrica pode ser organizada em alguns
passos, elaborados por Ruth Cavalcante: Memória do encontro anterior; Acordos de
convivência; Construção de conhecimento, construção de sentido; Vivências pedagógicas:
Biodança, círculo de cultura, visualização criativa, arte-identidade, teatro, dentre outras; e
Celebração da colheita.
A partir da Biodança senti e compreendi a importância do contato/carícia para o
desenvolvimento e o aprendizado, a formação de um ser humano saudável. Como mamíferos
que somos, prescindimos de toque, contato pele com pele, carinho e atenção. E da expansão da
consciência, como um princípio formador da própria consciência e da regulação organísmica.
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O papel da arte no processo educativo para o fortalecimento da identidade, a expressão
artística como um processo de criação e recriação de si próprio, de autorreflexão e auto poesia,
mitificação de si próprio, construção do próprio mito. Autopoiésis, um processo criativo e
orgânico de fazer e refazer-se.
O papel da natureza viva, selvagem na formação da pessoa, da observação e do contato
com a essa natureza. A vivência da natureza viva, selvagem, dos ambientes e paisagens naturais,
do contato com a vida em sua rusticidade. Do lidar com a terra, do produzir e preparar o próprio
alimento. O aprendizado do viver e conviver em harmonia com os outros e com o ambiente do
seu entorno são tarefas imprescindíveis hoje, para a formação do humano do futuro, para o
humano do futuro, no futuro, o humano biocêntrico, e para a vida como um todo.
Gosto de confiar que na escola emergente reinventada, haverá um jardim aberto para
o cultivo da alma, da consciência e da inteligência mitopoética. Uma academia para o
estudo e a vivência da sombra e da luz, que propicie que cada Aprendiz constate em si
mesmo o mais perverso e o mais sublime, para o aprendizado com os obstáculos e as
crises existenciais, de modo a se tornarem vias rumo à maturidade através da arte de
cativar o dragão do ego, no intento de que suas forças estejam a serviço do Self.
(Crema, 2017 p.88)
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9. CONCLUSÃO: Viva a vida! Viva a beleza de viver e o valor de se encontrar!
Plantar e colher
Ser aliado da natureza
Desejo seguir os desígnios da força divina
Realizar e esplandir luz
Aprender a ascender, brilhar e espalhar luz para
todos os corações
Ajudar as pessoas a acordar e ser acordado
Facilitar que esse mundo e todos os seres
encontrem seu caminho, seu destino de luz, paz,
saúde, prosperidade, alegria e amor
Numa reflexão de como será a educação no futuro, tenho um sonho que na nova escola
haverá a relação da educação com os princípios ecológicos e naturais, com a observação e a
vivência do meio natural. O que é natureza? Porque o ser humano está separado da natureza?
Qual a relação entre a natureza e a formação do ser humano? Quais processos naturais seriam
relevantes para essa formação? Os ciclos naturais de tempo, os indicadores desses ciclos: as
marés, o sol, a lua, as estrelas, a biodinâmica, as fases da lua, solstícios e equinócios, estações
do ano. Tempos de plantar, cuidar, esperar, colher. As forças da natureza (elementos da natureza
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ar, água, terra, fogo, invisível). Ressaltar a nossa capacidade de olhar para a natureza, para o
céu, para as plantas, para os padrões naturais e aprender com essa inteligência primordial,
antiga, que nos criou, conduziu e nos conduz sempre. Há um quase completo distanciamento
das formações humanas contemporâneas dos processos naturais.
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compreensão, inclusão, respeito a cultura dos outros, igualdade, ancestralidade, ordem e
compromisso.
Aprendi que a prática do ser educador biocêntrico é de um contínuo perceber-se, refletir-
se e transformar-se. Que sempre estamos diante de circunstâncias novas que nos convidam a
adaptar-se, mas também a comprometer-se com a transformação positiva da realidade. A
possibilidade de construir conhecimento juntos, sínteses criativas, de compreensão, de
fortalecermos nossos vínculos, de fazermos boas reflexões, de dançar, de brincar, de estudar,
de celebrar, de realizarmos autocrítica, de aprender, de transformar e ser transformado.
Na Grécia antiga, em Platão e Sócrates encontram-se referências do que os gregos
chamaram de daimon. Dizem que antes de nascer o espírito humano escolhe sua vocação, seu
caráter, seu corpo, sua terra natal, sua família e todas as circunstâncias que servem a seu
propósito de realização. E escolhe um espírito para ser o guardião desse destino, esse espírito é
o daimon. Um ser, um anjo guardião, uma divindade que nos acompanha, ensina, orienta e zela
por nosso destino. Que nos guia, mas não escolhe por nós, preservando assim o livre arbítrio.
Algo que atua no nível da intuição, de uma voz interior. A palavra grega para felicidade é
eudaimonia, que também seria o ser guiado por seu bom daimon.
A quem possa dizer que os tempos estão difíceis, que os governos são ruins, que existem
muitas guerras e violência no mundo, que estão destruindo a natureza, o planeta e uns aos
outros, que existe muita fome e opressão. Que a possibilidade de vislumbre desse negativo nos
leve a reconhecer o positivo e que saibamos escolher o futuro que queremos.
E é verdade, tudo isso existe, mas também existe muita vida, beleza, música, alegria,
celebrações de vida, arte, muita coisa boa acontecendo, gente boa, transformações positivas,
uma natureza maravilhosa e um movimento incessante da vida por mais vida. A consciência se
desenvolvendo. Seria o ser humano o olho através do qual a existência percebe a si própria?
Como somos interessantes. Posso dizer que a vida é boa, um desafio misterioso e fantástico.
Agradeço essa oportunidade a meu pai e minha mãe que sempre me estimularam e me
apoiaram em todos os momentos. Agradeço a todos os encontros que tive, reconhecendo o
poder e o valor de cada encontro. Agradeço ao amor e todos os amores em minha vida, sempre
me ensinando a ser cada vez mais humano, me nutrindo de conforto e carinho. Agradeço a todas
as relações que me constituem. Agradeço a todos os meus professores e professoras, aos guias
dessa caminhada. Agradeço as plantas e a natureza. Agradeço a deusa vida.
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Não me expresso bem por palavras,
pois nenhuma palavra me expressa bem
Porém mesmo quando eu melhor me expressar
Por sua mente limitar, você nunca saberá
Se do céu ou do inferno minhas palavras advêm
Eis o limite, como surge o novo, a novidade rejeitada (a prevalência do velho sobre o
novo, inversão dos papeis evolutivos). A transformação não cabe nas palavras, talvez no
silêncio. O silêncio e o invisível, o saber que está em lugar nenhum. Mediunidade, meditação,
trabalho interior, autoconhecimento. E finalmente pergunto: Como ou quando termina aquilo
que não tem fim?
Mistérios do mar
Solto sorriso de um encontro sem motivo
Conhecido sem conhecer, motivo pra que?
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REFERÊNCIAS
CAVALCANTE, Ruth; Gois, Cezar Wagner de L. Educação biocêntrica: ciência, arte, mística,
amor e transformação. Edições CDH. Fortaleza, 2015.
CREMA, Roberto. O poder do Encontro. São Paulo: Tumiak produções; Instituto Arapoty;
Unipaz 2017.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 11 ed. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1982.
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HUXLEY, Aldous. As portas da percepção & Céu e inferno. Disponível em
https://falange.net/wp-content/uploads/2016/11/Aldous-Huxley-As-Portas-da-Percepcao-
Ce%CC%81u-e-Inferno1.pdf acesso em 31 de agosto de 2019.
LEWIN, K. Field Theory in Social Science. New York. Harper &Row, 1952.
ROGERS, Carl R. Grupos de encontro.7 ed. São Paulo .Editora Martins Fontes, 1994.
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