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Apontamentos de Finanças Públicas

Escola Superior de Negócios e Empreendedorismo de Chibuto – ESNEC


CURSO DE LICENCIATURA EM FINANCAS

Finanças Publicas

Aula Teórica n° 1
I. Introdução ás Finanças Públicas
 Finanças Públicas e Actividade Financeira do Estado;
 Diferenças entre Finanças Públicas e Privadas;
 Finanças Positivas e Finanças Normativas;
 Finanças Neutras e Finanças Intervencionistas;
 Teoria das Finanças Públicas; e
 Funções do Governo.

1. INTRODUÇÃO ÀS FINANÇAS PÚBLICAS

1.1 Finanças Públicas e Actividade Financeira do Estado

A existência do Estado pressupõe a existência de um povo, território e uma soberania


originária. O ser Humano e um ser social por excelência e é movido por necessidades, ou
seja, a pessoa vivem em sociedade e tem necessidades próprias, relacionadas com a
sobrevivência: alimentação, vestuário, habitação, segurança, infra-estruturas, abrigo, entre
outros. Na sequência disto, o Estado deve estruturar-se de modo a assegurar a satisfação
dessas necessidades da colectividade, ou desse povo que o constitui. Sabe-se que o Estado,
para realizar a sua actividade, carece de meios financeiros (Receitas), para pagar ou
suportar despesas publicas nas áreas onde as necessidades da colectividade são sentidas,

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tais como a segurança e ordem públicas, a defesa nacional, a administração da justiça, o


acesso à educação e saúde, a existência de infra-estruturas económicas e sociais e a
estabilidade macroeconómica.
Existem varias acepcoes ou sentidos para o entendimento das finanças públicas.
Sentido Orgânico
Neste sentido orgânico, Finanças Públicas designa Órgãos do Estado ou de outro ente
público competentes para gerir os recursos económicos com vista à satisfação de certas
necessidades sociais (ex.: Ministério das Finanças, Conselho Municipal).

 Sentido objectivo

Objectivamente, Finanças Públicas significa a actividade através da qual o Estado ou


outro ente público afecta bens económicos à satisfação de certas necessidades sociais.

 Sentido subjectivo

Neste sentido a expressão Finanças Públicas é usada para identificar a Disciplina


Científica que estuda os princípios e leis que regem a actividade do Estado com o fim de
satisfazer necessidades sociais.

O objecto desta disciplina são as finanças públicas, as finanças do Estado. Assim sendo, é
pertinente começar por introduzir e clarificar o conceito de finanças públicas.

As finanças públicas referem-se à aquisição e utilização de meios financeiros pelas


entidades públicas. Por outras palavras, dizem respeito às receitas e despesas do Estado, dos
municípios e das entidades para estaduais.
O seu estudo abarca aspectos como o orçamento, as despesas e receitas públicas e a sua
utilização como instrumento de política económica e social.

As finanças públicas existem porque existe a necessidade do Estado realizar despesas e,


consequentemente, cobrar receitas:

 O Estado tem como finalidade a satisfação de necessidades colectivas, tais como a


segurança e ordem públicas, a defesa nacional, a administração da justiça, o acesso à
educação e saúde, a existência de infraestruturas económicas e sociais e a estabilidade
macroeconómica.

 Tem também como objectivo atingir certos objectivos de política económica e social,
como a redução da pobreza, a redistribuição do rendimento e o desenvolvimento

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económico.

A fim de alcançar tais objectivos, o Estado vê-se obrigado a despender recursos, a efectuar
despesas. Para financiar as suas despesas, o Estado necessita de arrecadar receitas. Temos,
pois, os impostos, as taxas, as receitas patrimoniais, os donativos e os empréstimos públicos.
De salientar que estas receitas cumprem outras funções para além do financiamento da
despesa pública:

 Os impostos podem ser utilizados como instrumento de política comercial (protecção


de determinados sectores económicos), ambiental (penalização de certas actividades
poluidoras), social (redistribuição do rendimento) ou macroeconómica (estabilização
macroeconómica).

 A emissão e o reembolso de títulos de dívida pública (empréstimos públicos) pode ter


como objectivo o aumento ou a redução da quantidade de moeda em circulação,
assim como o desenvolvimento do mercado de capitais.

 A alienação de empresas estatais (uma receita patrimonial) tem por detrás objectivos que
não se cingem à mera arrecadação de receitas, tais como o aumento da eficiência
económica, a transformação do papel do Estado na economia, a expansão do
investimento e a melhoria dos serviços públicos.

Podemos, então, definir a actividade financeira do Estado como aquela que visa satisfazer
necessidades colectivas ou alcançar outro tipo de objectivos económicos, políticos e sociais
e que se concretiza na arrecadação de receitas e na realização de despesas.

Satisfação de necessidades colectivas e


alcance de objectivos económicos e sociais

Realização de despesas Arrecadação de receitas

Actividade Financeira do Estado

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1.2. Diferença entre Finanças Públicas e Finanças Privadas

As finanças públicas diferem radicalmente das finanças privadas ou dos particulares:

 Em primeiro lugar, os impostos constituem um meio de financiamento específico do


Estado, que não se encontra ao dispôr de nenhuma empresa privada. Estas obtêm as suas
receitas através dos preços que cobram pela venda de bens ou pela prestação de serviços.
O Estado também vende bens e presta serviços, mas as receitas daí resultantes são
secundárias se comparadas com aquelas que são geradas pela arrecadação de impostos.

 Em segundo lugar, a possibilidade do Estado recorrer aos impostos implica que nas
finanças públicas, ao contrário do que sucede nas finanças privadas, não são as receitas
que determinam as despesas.

As empresas não poderão normalmente realizar despesas superiores às receitas das suas
vendas, já que o acesso ao crédito não é ilimitado. Quando isso sucede, as empresas
entram numa situação de falência. As suas despesas são, portanto, função das receitas
cobradas, as quais dependem da vontade do consumidor (têm um carácter voluntário).

O Estado, pelo contrário, poderá lançar impostos na medida das despesas que pretende
efectuar. Ou seja, as receitas do Estado são mais elásticas que as receitas das
empresas privadas, devido à natureza coerciva (obrigatória) das imposições tributárias.

Naturalmente, o Estado não tem uma capacidade infinita de cobrar impostos ou taxas,
pois a partir de um certo nível começa a deparar-se com uma forte resistência e evasão
por parte dos contribuintes. Para além de que terá que tomar sempre em consideração o
impacto do nível dos impostos na economia. No fundo, as receitas e despesas do Estado
são determinadas em função dos fins que este visa prosseguir.

 Por último, o Estado procura satisfazer necessidades colectivas e atingir outros fins com
a realização de despesas e a cobrança de receitas. As empresas privadas, por seu turno,
têm como objectivo a maximização do seu lucro, através da minimização das despesas e
maximização das receitas.

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Diferenças entre as finanças públicas e as finanças privadas

 Os impostos constituem um meio de financiamento específico do Estado

 As despesas públicas, ao contrário das privadas, não são determinadas pelas


receitas

 O Estado visa satisfazer necessidades colectivas e alcançar objectivos


económicos e sociais, enquanto que as empresas procuram a maximização
dos seus lucros

1.3. Finanças Positivas e Finanças Normativas

As finanças do Estado só poderão ser devidamente compreendidas quando analisadas em


função das metas e fins que aquele se propõe atingir. Neste contexto, o estudo das finanças
públicas pode ser feito sob dois ângulos distintos, consoante se utiliza uma abordagem
positiva ou normativa.

Quando se olha para as finanças públicas sob o ponto de vista das acções desenvolvidas pelo
Estado para alcançar determinados objectivos, os seus efeitos e determinantes, estamos no
campo das finanças positivas. Pretende-se, neste caso, explicar e compreender o que
efectivamente se passa na realidade. É uma análise que se quer o mais objectiva possível.

Pelo contrário, quando se discutem quais deveriam ser os objectivos da actuação financeira
do Estado e as melhores formas de os alcançar, entra-se na área das finanças normativas, à
qual está subjacente um juízo de valor. É o que se passa quando se discutem políticas
financeiras alternativas.

Por exemplo, a avaliação (quantificação) do impacto de uma redução na taxa do imposto de


circulação na inflação ou nas receitas públicas é do domínio das finanças positivas. Também
o são a análise da evolução das receitas fiscais ou o estudo das características de um dado
sistema fiscal.

Por seu turno, uma discussão sobre quais as despesas públicas que têm um maior impacto na
redução da pobreza (por exemplo, a reabilitação de uma estrada secundária ou terciária, a
ampliação da rede de água rural, a contrução de um posto de saúde ou a atribuição de um
subsídio a certos alimentos) já tem que ver com as finanças normativas.

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Finanças Positivas Finanças Normativas

Estudo do que é a actividade Estudo do que deveria ser a


financeira do Estado, as suas a actividade financeira do
causas e os seus efeitos Estado

1.4. Finanças Neutras e Finanças Intervencionistas

As finanças do Estado podem ser do tipo neutro ou intervencionista. Esta distinção


permite-nos compreender melhor a evolução das finanças públicas ao longo do tempo.

Entende-se por finanças neutras(ou clássicas) as finanças públicas que se caracterizam por
uma intervenção mínima na economia privada. As finanças neutras são as finanças do
período do liberalismo por excelência, do período clássico (séculos XVIII e XIX), em que se
defendia um Estado pequeno e pouco interveniente, o qual se deveria limitar a garantir a
defesa e segurança dos cidadãos, manter a ordem, administrar a justiça e proteger os direitos
de propriedade.

Segundo os pensadores clássicos, o Estado não se deveria imiscuir em questões como a


distribuição do rendimento ou a produção de bens e serviços. Mesmo na área da criação de
infraestruturas, a acção do Estado deveria ser o mais limitada possível. No fundo, pretendia-
se que fosse o mercado a decidir qual a afectação e distribuição de recursos na sociedade.
Qualquer interferência na iniciativa privada e no livre jogo do mercado era considerada
indesejável e negativa para o bem estar dos cidadãos e a prosperidade de uma nação.

Na práctica, estes princípios traduziam-se num volume mínimo de despesas e de receitas


públicas, e num reduzido peso do sector público na economia. As finanças públicas
deveriam ainda estar sempre equilibradas, ou seja, o Estado apenas deveria recorrer ao
endividamento público em situações extraordinárias, como sejam o caso de uma guerra ou
catástrofe natural. Face à fraca expressão do património público, os impostos assumem-se
como a receita típica do período liberal. Em suma, as finanças neutras, ou clássicas,
caracterizavam-se por uma extrema simplicidade e passividade.

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A partir de finais do século XIX, as finanças públicas começam a perder a sua neutralidade e
a tornar-se mais intervencionistas. São vários os factores que conduziram a uma mudança na
concepção que se tinha do papel do Estado na economia e, consequentemente, das finanças
públicas. Entre estes factores, é de destacar:

 a crescente democratização das sociedades ocidentais a partir de finais do século


passado, com a universalização do sufrágio e o surgimento dos partidos trabalhistas e
socialistas;

 a afirmação da teoria keynesiana a partir dos anos 40, em parte derivada da constatação
de que existe uma necessidade do Estado fazer face a situações dramáticas de depressão
económica, como a crise dos anos 30;

 o êxito do Plano Marshall na reconstrução económica dos países europeus devastados


pela 2ª Guerra Mundial; e

 a expansão dos regimes ditos socialistas na Europa do pós-guerra.

Paralelamente, outros desenvolvimentos económicos, políticos e sociais impuseram uma


cada vez maior pressão sobre as finanças do Estado. São disso exemplo o nascimento e
desenvolvimento do Estado de Bem-Estar, a crescente modernização e sofisticação dos
exércitos nacionais, o esforço bélico exigido àqueles países que participaram nas duas
grandes guerras e a necessidade de reconstrução das economias desvastadas por tais
conflitos armados.

Chegamos, assim, à época das finanças modernas, das finanças intervencionistas, em que o
Estado procura intervir na economia privada com vista a aumentar o bem-estar social. As
finanças públicas tornam-se activas e funcionais, ou seja, as receitas e as despesas públicas
passam a ser definidas em função dos objectivos que se pretende alcançar: redistribuição do
rendimento e redução da pobreza, combate a depressões económicas, redução da inflação,
estabilização das contas externas, crescimento económico, etc.

Neste contexto, as despesas sociais ganham importância, os subsídios aos preços e aos
produtores tornam-se frequentes, as empresas públicas multiplicam-se, o património público
e as receitas patrimoniais adquirem maior expressão, os impostos vêem o seu peso crescer, a
política macroeconómica torna-se activa e o princípio de equilibrio orçamental clássico é
abandonado, passando o Estado a recorrer com frequência ao crédito. As finanças públicas
perdem a sua simplicidade – tornam-se complexas.

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Esta tendência é igualmente visível nos países em vias de desenvolvimento. A rotura com o
passado colonial nas novas economias independentes da África e Ásia, e o optimismo com
que então se olhava para a actuação do Estado nos processos de desenvolvimento
económico, fizeram com que as finanças públicas nesses países assumissem um carácter
marcadamente intervencionista.

Tal sucedeu também em Moçambique, onde o Estado passou a assumir, logo após a
independência, ambiciosos objectivos de desenvolvimento económico e social, que se
traduziram numa rápida expansão dos sistemas de educação e saúde, na socialização dos
meios de produção e numa forte intervenção no funcionamento dos mercados.

Curiosamente, a partir de meados da década de 80 começa-se a assistir a um conjunto de


esforços, tanto nos países desenvolvidos como nos países em vias de desenvolvimento, para
tornar as finanças públicas mais neutras, mais simples e menos pesadas.

Não surpreende que tal transformação se tenha verificado numa altura em que a acção do
Estado começava a ser cada vez mais questionada pela nova ortodoxia económica, em
ascenção desde princípios dos anos 70. As críticas à excessiva intervenção do Estado na
economia acentuaram-se com a crise da dívida nos países em vias de desenvolvimento, e a
consequente necessidade de reduzir os défices públicos, a subida ao poder dos governos
conservadores de Reagan e Thatcher, e a queda dos regimes socialistas na ex-União
Soviética e na Europa do Leste.

Um pouco por todo o mundo, verifica-se um certo retorno aos princípios das finanças
clássicas. Tal está bem patente nos esforços de redução dos défices orçamentais e do peso da
dívida pública, na contenção das despesas correntes e de investimento, na reforma dos
sistemas fiscais, na crescente vaga privatizadora, na reforma dos sistemas de segurança
social, e na redefinição do papel do Estado na economia. Este passa a assumir cada vez mais
funções de facilitador e promotor da iniciativa privada, vista como o verdadeiro motor do
crescimento e desenvolvimento económicos.

Como teremos oportunidade de constatar mais adiante, a reforma em curso das finanças do
Estado em Moçambique enquadra-se neste processo global de transformação das finanças
públicas a nível mundial.

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Finanças Neutras (séc. XVIII e XIX)

Intervenção mínima na vida económica


Reduzido peso do sector público
Volume mínimo de despesas e receitas
Respeito pelo equilíbrio orçamental
Predomínio absoluto dos impostos
Simplicidade das finanças públicas

Evolução dos sistemas económicos, sociais e políticos


Desenvolvimentos na teoria económica e política
Movimentos políticos e ideológicos

Finanças Intervencionistas (séc. XX)

Intervenção na vida económica


Funcionalidade das finanças
Crescente peso do sector público
Volume elevado de despesas e receitas
Diversificação das receitas
Abandono do equilíbrio orçamental clássico
Complexidade das finanças públicas

Evolução dos sistemas económicos, sociais e políticos


Desenvolvimentos na teoria económica e política
Movimentos políticos e ideológicos

Finanças Públicas menos intervencionistas (década de 80 e 90)

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