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Entrevista em 16/02/2006 para matéria sobre roubo de ativos

Entrevistado: Adriano Theodoro


Entrevistadora: Flavia de Figueiredo Pereira Martins
Assessoria de Comunicação da Controladoria Geral do Município do Rio de Janeiro
Tel.: (21) 2503 2967

1) O que é o crime econômico e, mais especificamente, o roubo de ativos?

São considerados como crimes econômicos todos os atos ilegais dolosos


praticados dentro de uma organização que resultem em dano financeiro, imediato
ou não, ao seu patrimônio. Esse tipo de crime abrange desde fraudes praticadas
por empregados - como, por exemplo, o roubo de ativos - até os atos criminosos
que são praticados com a conivência de administradores e executivos, como é o
caso das manipulações financeiras e contábeis. A apropriação indevida de ativos
é o ato que envolve o roubo ou o mau uso dos bens de uma organização, segundo
a Association of Certified Fraud Examiners (ACFE), entidade norte-americana que
reúne cerca de 30 mil peritos em todo o mundo, especializados em investigação
de crimes financeiros. Sem dúvida alguma o modo mais usual de roubo de ativo é
o desfalque que atinge diretamente o caixa das organizações, tais como:
reembolso a funcionários de despesas que efetivamente não ocorreram, ou ainda,
que ocorreram em valores inferiores e estão sendo superfaturadas; pagamento
por serviços que não foram realizados; pagamento de despesas pessoais de
dirigentes; a assinatura em cheque ou endosso forjado; etc. Já o mau uso é
configurado quando o indivíduo de uma empresa faz uso dos ativos (financeiros
ou não) para fim diverso do que estipula o objeto social da organização ou para
fins pessoais.

2) Quais são os danos que o crime econômico pode causar a uma empresa?

Os danos variam de acordo com o tipo de crime e o tipo de organização que foi
vítima de fraude. De forma geral os principais danos são:

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• perdas financeiras provocadas pela fraude, pois na maioria dos casos o
dinheiro não é recuperado;
• danos à imagem e reputação;
• queda no valor de mercado da companhia;
• perda de credibilidade junto aos fornecedores e clientes das organizações
que sofreram ou foram coniventes com fraudes;
• redução nos níveis de faturamento;
• perda de pessoal altamente qualificado quando o ambiente de trabalho se
torna desgastante devido ao clima de desconfiança generalizada que
ocorre após a descoberta da fraude;
• gastos extras com serviços de especialistas (peritos, advogados, etc).

3) Como é possível prevenir a ocorrência de tal crime?

O risco de fraude em uma organização - sobretudo das chamadas “Fraudes


Ocupacionais” - aquelas perpetradas principalmente por empregados - pode ser
reduzido com a adoção de práticas internas que resultem na prevenção,
dissuasão e detecção desses crimes. Portanto a inibição da prática de fraude
ocorre com a adoção combinada das seguintes medidas:

• Manter controles internos eficazes: Os controleis internos são um conjunto


de procedimento adotados com a finalidade de garantir a segurança e a
padronização das informações resultantes das atividades operacionais das
organizações. Esses controles são geralmente elaborados por auditores
internos ou, no caso das empresas de pequeno porte, pelos próprios
administradores. Para a elaboração de um controle interno capaz de
prevenir, detectar e impedir a ocorrência de fraudes é preciso que os
responsáveis pela sua elaboração conheçam bem os processos
operacionais da organização e também compreendam os fatores que
motivam um indivíduo a praticar esse tipo de crime.

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• Selecionar novos empregados: É preciso definir critérios na seleção de
pessoal que não estejam exclusivamente voltados a avaliar a capacitação
técnica do indivíduo. Deve-se criar rotinas de checagem dos antecedentes
do candidato junto aos empregadores anteriores. Dependendo do cargo, a
investigação que começa pela vizinhança do interessado, estende-se até
mesmo para sua vida financeira.

Para que uma organização tenha sucesso na prevenção contra fraudes


deverá possuir políticas internas que minimizem a chance de contratar ou
promover indivíduos com baixo nível de honestidade, especialmente para
cargos de confiança. Políticas proativas na contratação ou promoção
deverão incluir:
• condução de investigação do histórico do candidato, seja ele
interessado em uma nova vaga na organização ou para uma
promoção em cargo de confiança;
• verificação cautelosa do nível escolar;
• diálogos com antigos empregadores e com aqueles indicados
para referências pessoais;
• treinamento periódico de todos os empregados sobre valores
e código de conduta ética da organização;
• incorporação, dentro da revisão regular do desempenho da
organização, de uma avaliação sobre como cada indivíduo
tem contribuído para criar um ambiente de trabalho saudável,
de acordo com os valores e o código de conduta ética da
organização;
• avaliação contínua das ações dos empregados, observado se
estão de acordo com os valores da organização e o
cumprimento do código de conduta ética, onde qualquer
violação deverá ser comunicada imediatamente.

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• Dar exemplo de conduta: É responsabilidade da organização a criação de
uma cultura de honestidade e ética, além de comunicar claramente qual é
o comportamento que se espera de cada empregado. Mais do que esperar
um comportamento honesto é preciso que membros da alta direção dêem
exemplo de conduta ética. Pesquisas demonstram que a melhor maneira
de conseguir que os outros adotem um comportamento é através do
exemplo. O administrador de uma organização não pode agir de uma
forma e esperar que seus colaboradores se comportem de forma diferente.

• Criar um ambiente de trabalho positivo: Estudos mostram que a má


conduta ocorre com menor freqüência quando o empregado tem
sentimentos positivos em relação a organização onde trabalha. Quando se
sente explorado, ameaçado ou ignorado há mais possibilidade que um
sentimento de baixa moral desperte nele a intenção de cometer fraude
contra a organização. Alguns fatores que prejudicam a manutenção de um
ambiente positivo de trabalho e podem elevar o risco de fraude incluem:
• falta de reforço ou apoio ao comportamento adequado pela
alta direção;
• não há reconhecimento quando o empregado atinge a
performance esperada;
• empregados freqüentemente presenciam injustiças praticadas
pelos administradores;
• a gestão administrativa é realizada de forma autocrática e não
participativa;
• existem baixos indicadores de lealdade organizacional ou
sentimento de pertencer à corporação;
• são definidas metas administrativas inatingíveis;
• o empregado tem medo de dar más notícias ao supervisor
e/ou administrador;
• a remuneração é incompatível com as responsabilidades;
• falta treinamento e oportunidades de promoção;

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• não há clareza sobre as responsabilidades do indivíduo dentro
da organização;
• a prática ou método de comunicação interna é ineficaz.

• Promover e apoiar de forma justa o empregado: Cada pessoa possui seu


conjunto de valores e de ética pessoal. Quando está sob pressão e percebe
uma oportunidade, alguns poderão se comportar de forma desonesta,
especialmente se esta pessoa já vivenciou alguma conseqüência negativa
por seu comportamento honesto, tal como comunicar suspeita de fraude
cometida por outros colegas e que a supervisão/administração não deu a
devida atenção para o fato.

• Treinar: Novos empregados devem ser treinados, no momento da


contratação, para que conheçam os princípios da organização e seu código
de conduta. Esse treinamento deve ser claro ao explicitar as expectativas
da organização em relação a todos os funcionários e que todos são
responsáveis em comunicar qualquer tipo de fraude que tiver conhecimento
ou que vir a conhecer ou descobrir; explicitar os tipos de fraudes a que
estão suscetíveis os vários departamentos de uma organização, inclusive
exemplificando os casos; informação sobre a quem e como comunicar as
ocorrências ou suspeitas que tiver conhecimento. Vale ressaltar que esse
tipo de treinamento deverá se periódico e específico por área crítica da
organização, como é o caso do departamento financeiro, compras, vendas,
almoxarifado, etc.

• Avaliar: A avaliação periódica dos procedimentos operacionais das


organizações tem papel importante. A sensação de acompanhamento
continuo das operações realizadas pelos empregados colabora na
dissuasão da prática de fraude, mas se mesmo assim ela ocorrer, a
avaliação periódica poderá detectar o problema antes que ele alcance
proporções significativas para a organização.

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• Disciplinar a conduta: A forma com que uma organização reage após a
descoberta de uma ocorrência de fraude é uma poderosa mensagem aos
demais empregados. Dependendo da atitude tomada pela empresa contra
o fraudador a mensagem que ficará para os demais empregados poderá
ser de condescendência ou de intolerância. Por exemplo, se o caso
terminar com um acordo de demissão entre a empresa e o fraudador, seja
por incapacidade da empresa em reunir provas contra o criminoso, ou ainda
por receio da empresa em se expor, a mensagem que será captada pelos
demais empregados será que os futuros casos também terão grande
chance de impunidade. As ações seguintes podem ser adotadas nos casos
de alegação de fraude:
• conduzir uma completa investigação do incidente;
• ações consistentes a apropriadas devem ser tomadas contra
os comprovadamente culpados;
• controles internos relevantes devem ser avaliados e
aprimorados;
• a comunicação do fato e o treinamento devem ocorrer para
reforçar os valores, código de conduta e as expectativas da
empresa em relação aos empregados.

4) Qual é o perfil dos fraudadores?

Segundo Joseph T. Wells, em seu artigo intitulado “Why Employees Commit


Fraud” uma característica comum entre os fraudadores, do mais alto ao mais
baixo escalão, é que nenhum deles aceitaram o emprego com o propósito de
cometer fraude. Geralmente, quando são pegos, é a sua primeira experiência.
Então o que faz com que um indivíduo considerado de bom caráter se torne um
criminoso? Uma resposta obvia seria a ambição, mas muitas pessoas
consideradas ambiciosas não se utilizam de mentiras, trapaças ou roubam para

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conseguir o que desejam. Wells afirma que existem duas teorias que explicam a
razão da prática de fraude por empregados. A primeira, baseada em uma pesquisa
realizada há vinte anos por Hollinger e Clark, onde foram ouvidos 12.000
trabalhadores, entre eles pessoas do mais baixo ao mais alto nível organizacional.
A pesquisa concluiu que aproximadamente 90% dos pesquisados já haviam
participado de algum tipo de “desvio” no ambiente de trabalho, no qual incluíam
comportamentos contraproducentes como: ociosidade, diminuição do ritmo de
trabalho, simulação de doença, além de pequenos furtos. Acima de tudo, o que
mais surpreendeu na pesquisa é que um terço dos empregados declararam já
terem se apropriado indevidamente de dinheiro ou de produtos de empresas onde
trabalharam. Os pesquisadores concluíram que a razão mais comum que levava
os empregados a cometerem fraude tem pouco há ver com a oportunidade, mas
muito com a motivação, isto é, quanto mais insatisfeito estiver o empregado maior
será a probabilidade que ele ou ela tenha um comportamento criminoso. A
segunda teoria está relacionada com pressões financeiras. Na década de 40, o
criminologista Donald R. Cressey entrevistou cerca de 200 fraudadores que foram
presos, incluindo executivos. Ele observou que a grande maioria haviam cometido
fraude para cumprir com suas obrigações (pressões) financeiras. Cressey
observou que outros dois fatores estavam presentes nas ocorrências de fraudes: a
oportunidade para cometer e ocultar o crime e a capacidade para racionalizar o
ato, isto é, justificar para si mesmo e não se sentir culpado. Portanto, está
comprovado que a fraude apóia-se em um tripé composto pela oportunidade,
pressão e racionalização.

No Brasil, o “Relatório da Pesquisa 2004” sobre fraudes, realizada pela KPMG,


uma das quatro maiores empresas mundiais na área de auditoria, aponta que o
fraudador típico brasileiro é homem, situa-se na faixa etária de 26 a 40 anos e
percebe, mensalmente, entre R$ 1.000,00 e R$ 4.500,00 e está contratado há
mais de dois e menos de cinco anos na empresa. Já a “Pesquisa sobre Crimes
Econômicos – Brasil 2005”, elaborada pela PriceWaterhouseCoopers, que
também é uma das gigantes no setor de auditoria mundial, revela que entre as

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empresas vítimas de fraude, mais de 80% dos fraudadores têm curso superior
completo, 68% pertencem à alta e média gerência, 82% são do sexo masculino e
a faixa etária concentra-se entre 31 e 40 anos.

5) Quais são as deficiências dos sistemas de controle das empresas?

Além das falhas características dos controles internos das organizações de modo
geral – não segregar funções de risco, como, por exemplo, é o caso do Contas a
Receber e do Contas a Pagar; não realizar reconciliações constantes entre os
dados lógicos e físicos; não acompanhar os desvios de padrões de processos e
resultados das áreas administrativas, contábil e financeira e demais áreas de
risco; não realizar treinamento sobre como prevenir a ocorrência de fraudes - na
minha opinião, a grande falha ocorre, efetivamente, na falta de aperfeiçoamento
dos mecanismos internos existentes, falta de planejamento na avaliação dos
processos operacionais, e também na inexistência ou deficiência das políticas
internas de conduta, especialmente nas áreas de maior risco.

6) Qual é a importância de fazer uma pesquisa de crimes econômicos como


a realizada pela PriceWaterhouseCoopers?

Acredito que a divulgação desse tipo de pesquisa colabora para que as empresas
tenham ciência de que embora os fatos ocorridos sejam muito pouco ou quase
nunca expostos à mídia, por razões que já foram mencionadas, a fraude ocorre
constantemente dentro das organizações. Com a publicação de pesquisas como
esta, organizações de todos os tipos e tamanhos adquirem conhecimentos sobre
as ocorrências, ferramentas utilizadas na prevenção e detecção e ações tomadas
contra fraudadores. Além disso, esses dados servem também para que empresas
reconheçam que estão sob risco constante de serem alvo desse tipo de crime
corporativo e que também, nesse caso, prevenir é menos oneroso do que
remediar.

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