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“A Sociedade Cresceu” Dom Altieri explica um pouco

sobre o processo sinodal que tomou a mídia.


Por Gustavo Bossolane
25 de Outubro de 2021

Dom Antônio Carlos


Altieri é um padre da
congregação salesiana e
Arcebispo-emérito pela
Arquidiocese de Passo
Fundo. Em 2015, seu
pedido de renúncia do
cargo de Arcebispo foi
aceito pelo Papa
Francisco. A partir daí,
Dom Altieri se
estabeleceu como residente junto à Comunidade Salesiana da Paróquia Sagrada Família,
em São José dos Campos-SP. Em meio a tal experiência no ambiente católico, Altieri se
propõe a responder os questionamentos acerca do Sínodo anunciado pelo Papa
Francisco.
O Sínodo
Sínodo tem sua origem no idioma grego - sýnodos - e quer dizer “caminhar juntos”.
Dentro do ambiente da igreja, o sínodo representa uma grande consulta em meio aos fiéis
e o clero. O Papa Francisco anunciou neste mês de outubro o processo sinodal que irá
percorrer até 2023, com expectativa de ouvir mais de 1,6bi de fiéis batizados do mundo
todo sobre questões da Igreja católica em si. Em meio a tal cenário, surgem questões de
dúvida: Como irá acontecer? A igreja será a mesma? Tais questionamentos
desencadeiam uma série de reflexões, que, junto ao Antônio Carlos, a entrevista a seguir
tenta esclarecer.

● Para contextualizar, o que é um sínodo? e o que o define?

O sínodo é a participação mais corresponsavel em função da missão, né. Só que não


parte só da experiência humana e das tendências culturais e às vezes é impossível
desligar de algum tipo de ideologia. O que que salva o sínodo de outras reuniões
democráticas que escolhem os caminhos? é a presença e a ação do Espírito Santo que
é prioritária. Então, num sínodo se conserva o respeito e a presença do Espírito Santo.
Depois, a participação do povo e a finalidade bem clara que é a missão de evangelizar.
São pontos bem determinados, portanto, a igreja que nasceu teocrática e é teocrática, ela
nunca deixou de respeitar seus participantes e a parte que cabe à cada um, porque Jesus
vem para todos, até para os pecadores, ou melhor, para começar deles. Ele tem uma
proposta de compreensão, espera e ocasião, e depois no diálogo do sínodo se busca
caminhos, discute. Mas, sempre tendo em vista a raiz que está no amor de Deus. Não é
amor humano, ideologia, experiência científica só... tudo alimentado por aquilo que tá
alimentando a comunidade, né?

● Já houveram outros sínodos propostos inclusive pelo Papa Francisco, por


que este sínodo tomou mais mídia e foi mais noticiado?

Este sínodo já é o 16° depois do concílio, que começou com as dioceses, os bispos... mas
sempre apenas representativo, né? Depois de 16 sínodos, o Papa Francisco já foi
introduzindo a participação. O da juventude, por exemplo, me lembro que era referencial
da juventude, então acompanhava de perto, e tinha jovens que foram convidados da
minha arquidiocese para acompanhar o sínodo de perto. Eram 300 jovens do mundo
inteiro, e eu tive o privilégio de ter um jovem participando oficialmente, onde o papa
deixou falar de tudo, desde aspectos de governo, até tatuagem, linguagem da juventude
hoje. Agora ele foi percebendo que essa coisa foi crescendo e pode funcionar e deve
corresponsabilizar os batizados sempre mais. Então, ele uniu todas as dioceses do mundo
nesse processo. E, durante dois anos haverão processos: paroquiais, diocesanos,
regionais e de diversos grupos. Vai ter o clero, as pastorais, as congregações religiosas,
as novas pastorais e comunidades, movimentos... todos vão encontrar um modo de
nortear temas, debates e sugestões. E não que ele seja determinante, uma imediata tarefa
para achar conclusões, a principal tarefa desse sínodo é a capacidade de ouvir e ter a
paciência com o outro, colher a riqueza dessas manifestações, desses gritos, desses
anseios e dessas realidades duras.

● Existe dentro da Igreja grandes partes opostas, o principal desafio do Papa


será unir essas partes polarizadas?

Eu tenho acompanhado alguns grupos de ex-seminaristas e alguns insistem em ser só


saudosistas de costumes, tempo do colégio, do padre tal e tal, afetivos e saudosos. E não
admitem que falar de política -é uma opção que eles podem fazer- mas, ser bom cristão,
ser Salesiano, envolvido... Dom Bosco dizia: "Seja um bom cristão e honesto cidadão"
então é ilusão imaginar que ser cristão é ser anjo, tá fora da realidade. E tem cristão,
católico, tradicional preparado e intitulado e não sabe por que o Papa fala sobre ecologia!
Entendeu? Óbvio que havia o tempo que não se sabia o número da população etc. se
descuidava. Mas, hoje o número da população, pode faltar água por exemplo, afetar
temperatura, poluição... Deus na criação criou a casa de todos, é respeitar o ambiente. A
sociedade cresceu. Então, a igreja e a fé não podem estar dissociadas da esfera humana.
Não há nada de humano que não ressoe no coração da Igreja. Jesus quis ser homem para
sentir a realidade da situação concreta humana. Então, a união dessas partes tem que
priorizar sempre a fraternidade. Existem muitos jornalistas por aí, leigos, que dão
conselhos pros padres e até pro Papa em que eles acham que a igreja devia ficar na
sacristia e não passar dali, falar só das coisas do espírito. Nós não somos anjos. (os
jornalistas) não entendem a mensagem cristã, Jesus veio para encarnar numa realidade
concreta. E é essa a grande dificuldade, no fundo é isso, o novo assusta. pois me tira
seguranças, tenho que reaprender, mas isso é uma coisa humana de todas as ciências.
Foi-se o tempo que tirava o diploma tava pronto, se você se forma, mas nao comparece à
congressos, estuda etc. em cinco anos você é um médico defasado, e todas as áreas são
assim. Hoje mesmo eu li, nossas crianças irão realizar coisas que você nem imagina, que
nem existem ainda, vão surgir espaços e necessidades que elas vão ter que descobrir.
Então, não adianta eu ensinar e deixar ela quadradinha, você tem que aprender a
aprender, mudar, renunciar ir pra frente. E o papa tem essa visão, esse diálogo, mas não é
simples ele enfrentar a base, pois nesse discurso ele tem que enfrentar os colaboradores
primeiros que ele achava que estava com ele, mas não estão, o Cardeal quer aquela
estrutura que está acostumado, não pode matar aquele cardeal que tá velho (risos) Tem
cardeal que luta que tem que vestir capa de 2 metros e ter carro de 8 cilindros. Hoje ele
(Francisco) foi visitar a casa das irmãs num carro médio, mas na cabeça de alguns "aaah
ta estragando a igreja, pois ela é monumental" ele sabe que existe cultura e não vai pôr
tudo abaixo, mas uma coisa é a igreja defender artes costumes etc. outra coisa é eu me
apegar e depender disso.

“Não há nada de humano


que não ressoe no coração
da Igreja.”

Veja, as coisas caminham rápido, em 1985, primeira vez que eu fui pra Itália, na praça
São Pedro, via um ou outro italiano bêbado, mas hoje você vê -não vou dizer que nem na
praça da Sé- mas muito parecido, gente na rua. Com saco, não tendo onde dormir. E o
Papa, desfez vários ambientes lá, mandou fazer banheiro, chuveiro, lavanderia, refeitório,
para atender aqueles daquela região ali, veja o caos que tá no mundo. Então, 4, 5 por
cento da sociedade tem de sobra e faz o que quer, e 90 e tantos por cento não tem nada, e
um grupo também não tem nem onde morar e não sabe o que vai comer amanhã, que
nem lixo, não é justo. E eu acho que tá bom? A sociedade como está hoje é a evidência
que nosso sistema falhou, seja ele comunismo, capitalismo…
Eu vivi o comunismo em Angola, na guerra. As estradas estouradas, o povo
bombardeado, não tinha nem água no hospital. Eu fiquei com malária lá, fui pro hospital
e eles ficaram 20 minutos para encontrar uma agulha nova, para fazer teste de sangue,
que eu tive que acreditar que era nova (risos). E o médico me disse, um cubano, o
pessoal vem aqui pra morrer, não tenho nem água. Tive um supervisor lá, foi fazer exame
de sangue e veio o resultado depois de 15 dias, gravidez positiva (risos) veja o
desequilíbrio.
Não tinha mais voo comercial lá né, eu fiz a despedida de uma companhia aérea, levei
800 kg de coisas pra lá, agulha, sal etc. Mas aí lá dentro, as estradas ruins não tinha voo
comercial, eu aproveitava o voo do governo. Eu tinha viagens de 1000km e era
impossível. Um avião parecido com nosso Hércules, com aquele barrigão que cabe trator,
cabe tudo. Abri a porta e lá atrás entrava o que quisesse. Mas, eu entrava lá pela traseira
porque era branco, padre... depois eles fechavam a traseira e estava cheio de gente,
senhoras, crianças para aproveitar o voo do governo, não tinha outro jeito de sair.
Imagine o povo desesperado, não sabia como fazer fila, todo mundo querendo e centenas
de pessoas, começou a dar rolo. Daí o comissário, meio bêbado: "muita bagunça, fecha a
porta vamos embora" Eu na cabine, e sabe o que tinha na barriga do avião? uma pilha de
engradados de cerveja para o pessoal do partido passar o final de semana. Ele falou pra
mim, padre, sabe quanto fica essa viagem? não fica menos de 10 mil dólares, tudo isso
pra levar cerveja pros grandes do partido. E pra você ver as peripécias, o governo tinha a
ideologia da igualdade, mas tinha a elite deles, igual a nossa.
Um dia aqui, uma senhora: "Padre, precisa parar de passar a mão na cabeça desses
pobres, vocês dão com mal costume, fica paparicando, a favor deles... Meu pai
trabalhava, meu avô plantava e tal tal." Falei pra ela: "Você me deu a história de seus
pais etc. que te deram todas condições pra você hoje ser médica, agora a sra. nunca
perguntou pra esse que chama de vagabundo, quem é o pai dele, de onde ele vem..." Os
padres, o Papa, orientam e sugerem, mas isso aí é contra o próprio Jesus Cristo, porque
ele falou que veio pros pobres, ele que falou com a prostituta, ele foi na casa do
trambiqueiro, cobrador de imposto, ele morreu ao lado de dois pilantras... Então, Jesus é
o atacado direto, e a pessoa pensa que é bom cristão, e vai dar dízimo, comunga, reza mil
ave marias e acha que esse jeito de ser católico tá certo. Então o papa tá mexendo com o
vespeiro.

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