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VERBUM DOMINI

e
SACRAMENTUM CARITATIS

Dois documentos litúrgicos de Bento XVI


VERBUM DOMINI
e
SACRAMENTUM CARITATIS
Antes do Pontificado destacaram-se duas obras do
então Card. Ratzinger, considerados por muitos
como suas obras formativas na busca dos princípios
litúrgicos.

A Festa da Fé
e
Introdução ao Espírito da Liturgia
No Pontificado destacam-se as Exortações Apostólicas

Sacramentum caritatis (2007)


Verbum Domini (2010).

Para o Papa Bento a liturgia sempre foi fonte e o ápice da vida cristã, seguindo
Sacrosanctum concilium e a Tradição viva da Igreja.

Em uma Catequese sobre a Liturgia, afirmava o Santo Padre:

“o Catecismo indica que ‘na tradição cristã (a palavra ‘liturgia’) quer dizer


que o Povo de Deus toma parte na ‘obra de Deus’ (n.1069), uma vez que o
Povo de Deus como tal só existe por obra de Deus” (26/09/2012).
Nessa mesma Catequese, Bento XVI afirma a centralidade e a primazia
hierárquica da Liturgia, inclusive nos trabalhos do Concílio Vaticano II:

“ Foi o que nos recordou o próprio desenvolvimento do Concílio Vaticano II, que começou os seus
trabalhos (...) com o debate acerca do esquema da sagrada liturgia, depois aprovado solenemente, a
4 de Dezembro de 1963, o primeiro texto aprovado pelo Concílio (...). Mas, sem qualquer dúvida,
aquilo que à primeira vista pode parecer um caso, demonstrou-se a escolha mais justa, também a
partir da hierarquia dos temas e das tarefas mais importantes da Igreja. Com efeito, começando com
o tema da ‘liturgia’ o Concílio ressaltou de maneira muito clara o primado de Deus, a sua prioridade
absoluta. Antes de tudo, Deus: é precisamente isto que nos diz a escolha conciliar de começar a
partir da liturgia. Onde o olhar sobre Deus não é determinante, todas as outras realidades perdem a
sua orientação. O critério fundamental para a liturgia é a sua orientação para Deus, para poder
assim participar na sua própria obra” (26/09/2012).
A celebração litúrgica: lugar do encontro pessoal privilegiado com Jesus Cristo. Em
sua primeira Mensagem, ao final da concelebração Eucarística com os Cardeais
eleitores na Capela Sistina, em 20 de abril de 2005, declarava:

A Eucaristia, coração da vida cristã e fonte da missão evangelizadora da Igreja,


não pode deixar de constituir o centro permanente e a fonte do serviço petrino
que me foi oferecido. A Eucaristia torna constantemente presente Cristo
ressuscitado, que continua a oferecer-se a nós, chamando-nos a participar da
mesa do seu Corpo e do seu Sangue. Da comunhão plena com Ele brotam todos os
outros elementos da vida da Igreja, em primeiro lugar a comunhão entre todos os
fiéis, o compromisso de anúncio e testemunho do Evangelho, o fervor da caridade
para com todos, especialmente para com os mais pobres e pequeninos.
“a liturgia é o ato em que acreditamos que Ele vem entre nós e nós o
tocamos. É o ato em que o essencial é realizado: entramos em contato
com Deus, Ele vem a nós e somos iluminados por ele” (Luz do
Mundo, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano)2010).

Assim, não é de admirar que durante seu pontificado Bento XVI tenha se
interessado tanto pela liturgia. Para o Papa a defesa de uma formação
litúrgica e da interioridade, de uma vida espiritual baseada na liturgia, foi
sempre pauta de seus discursos, procurando unificar as necessidades e as
questões do mundo atual ao dado da Tradição, que na liturgia tem a sua
mais alta expressão. Nesse sentido, Bento XVI segue o pensamento de
Romano Guardini, sobre aa importância da formação litúrgica.
Pós Concílio – tempo imediato de “experimentações”, alguns acertos e também muitos
excessos. Em Desiderio desideravi Papa Francisco chega a chamar certas
“experimentações” (que continuam até hoje) de “criatividade selvagem” (cf. nn. 16 e 41).
Bento XVI viveu o Concílio como perito e a preocupação com a liturgia levou-o a buscar
meios para evidenciar o lugar e a importância da liturgia na vida e missão da Igreja.

“a liturgia não é uma ‘automanifestação’ da comunidade que, como dizemos, entra


em cena, mas é a saída da comunidade do simples ‘ser-se’ para entrar no grande
banquete dos pobres, na grande comunidade viva, na qual o próprio Deus nos
alimenta. Este caráter universal da liturgia deve novamente entrar na consciência
de todos”
(Discurso aos Bispos da Suíça, 07/11/2006)
A primeira Exortação publicada foi Sacramentum Caritatis, fruto do Sínodo dos Bispos sobre a
Eucaristia. Com essa exortação Papa Bento XVI recapitulou toda teologia eucarística pela ótica do
amor/caridade. O serviço da liturgia e de tudo o que a ela é referente (a adoração, o ministério
sacerdotal etc...) é entendido como expressão do Amor de Deus pelos homens, atualizado na
Eucaristia.

A Sacramentum caritatis está divida em três partes:

- Mistério acreditado

- Mistério celebrado

- Mistério vivido

Bento XVI esclarece que a fé na eucaristia não aparece do nada, não acontece de repente, como que
por um passe de mágica. O ser humano é um peregrino em busca da verdade, daquela
verdade que dá sentido à vida de todo ser que vem a este mundo.
Sacramentum caritatis, n. 2

Uma vez que só a verdade nos pode tornar verdadeiramente livres (Jo 8,36), Cristo
faz-Se alimento de Verdade para nós. Com agudo conhecimento da realidade
humana, Santo Agostinho pôs em evidência como o homem se move
espontaneamente, e não constrangido, quando encontra algo que o atrai e nele
suscita desejo. Perguntando-se ele, uma vez, sobre o que poderia em última análise
mover homem no seu íntimo, o santo bispo exclama: “Que pode a alma desejar mais
ardentemente do que a verdade?” De fato, todo o homem traz dentro de si o desejo
insuprimível da verdade última e definitiva.
Desse modo, a fé eucarística, é precedida pelo anúncio da
Palavra, pela evangelização, que faz com que a Palavra seja levada a
todos os povos, como ordenou Jesus Cristo aos apóstolos e
discípulos.

A eucaristia será verdadeiro mistério acreditado quando ocorre


aquele encontro com Jesus Cristo vivo, que leva o ouvinte à
conversão. Os Papas têm insistido com frequência sobre o dado do
encontro com Jesus Cristo.
Sacrosanctum concilium, n. 9

A sagrada Liturgia não esgota toda a Por este motivo que a Igreja anuncia a mensagem de salvação

ação da Igreja, porque os homens, antes de aos que ainda não têm fé, para que todos os homens venham

poderem participar na Liturgia, precisam de a conhecer o único Deus verdadeiro e o Seu enviado, Jesus

ouvir o apelo à fé e à conversão: “Como Cristo, e se convertam dos seus caminhos pela penitência.

invocarão aquele em quem não creram? Ou Aos que creem, tem o dever de pregar constantemente a fé e a

como podem crer sem o terem ouvido? Como penitência, de dispô-los aos Sacramentos, de ensiná-los a

poderão ouvir se não houver quem pregue? E guardar tudo o que Cristo mandou, de estimulá-los a tudo o

como se pregará se não houver quem seja que seja obra de caridade, de piedade e apostolado, onde os

enviado?” (Rm. 10,14-15). cristãos possam mostrar que são a luz do mundo, embora não

sejam deste mundo, e que glorificam o Pai diante dos homens.


É
Anunciamos a Boa Nova daquele que se encarnou e se ofereceu pela remissão dos
pecados da humanidade. Por isso, a cada eucaristia, antes de comungarmos do seu
Corpo e Sangue, professamos outro dado importante da nossa fé: “Eis o Cordeiro de
Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29).

Professando a fé em Jesus Cristo como aquele que tira o pecado do mundo,


estamos professando com a boca uma verdade que deve já ter calado no nosso
coração: Jesus é o verdadeiro cordeiro da Páscoa, aquele que espontaneamente, por
obediência ao Pai, se ofereceu a Si próprio em sacrifício por cada um de nós.
Na Catequese de 26/09/2012

Podemos nos perguntar: qual é esta obra de Deus, na qual somos chamados a participar? (...) a resposta que nos oferece
a Constituição conciliar sobre a sagrada liturgia é dupla. (...) no número 5 indica-nos que a obra de Deus são as suas gestas
históricas, que nos trazem a salvação, que culminaram na Morte e Ressurreição de Jesus Cristo; mas, no número 7, a mesma
Constituição define precisamente a celebração da liturgia como ‘obra de Cristo’. (...) estes dois significados estão
inseparavelmente interligados. Se nos perguntarmos quem salva o mundo e o homem, a única resposta é: Jesus de Nazaré,
Senhor e Cristo, crucificado e ressuscitado. E onde se torna atual para nós, para mim hoje, o Mistério da Morte e Ressurreição
de Cristo, que traz a salvação? A resposta é: na obra de Cristo através da Igreja, na liturgia, em particular no Sacramento da
Eucaristia, que torna presente a oferta sacrifical do Filho de Deus, que nos redimiu; no Sacramento da Reconciliação, no qual se
passa da morte do pecado para a vida nova; e nos outros atos sacramentais que nos santificam (...). Assim, o Mistério pascal
da Morte e Ressurreição de Cristo constitui o âmago da teologia litúrgica do Concílio.
A participação ativa, consciente e plena dos féis (SC 48),
excitada e orientada pelo Papa e seus antecessores
imediatos, é ponto fundamental para que a liturgia realize
tudo aquilo a que se propõe, especialmente aquela
experiência do encontro pessoal com Jesus Cristo vivo, com
a presença viva de Jesus Cristo que se dá pela mediação
dos Sacramentos, expressão real e viva do Mistério Pascal
de Cristo.
Catequese, 26 de setembro de 2012

“Cada celebração sacramental é um encontro dos filhos de Deus com o seu Pai, em Cristo e
no Espírito Santo. Tal encontro exprime-se como um diálogo, através de ações e de
palavras” (n.1153). Portanto, a primeira exigência para uma boa celebração litúrgica é que
seja oração, diálogo com Deus, antes de tudo escuta e depois resposta”.

Esse diálogo e resposta acontecem em toda celebração, e, em Verbum Domini,


Bento XVI mostra como a Liturgia da Palavra dentro da ação sacramental e
litúrgica é lugar privilegiado da escuta e da resposta do homem a Deus que fala.
Ao falar da íntima ligação entre Palavra e Sacramento,
Bento XVI afirmava que

“Considerando a Igreja como ‘casa da Palavra’, deve-se antes de tudo dar atenção à Liturgia
sagrada. Esta constitui, efetivamente, o âmbito privilegiado onde Deus nos fala no momento
presente da nossa vida: fala hoje ao seu povo, que escuta e responde. Cada ação litúrgica está,
por sua natureza, impregnada da Sagrada Escritura. Como afirma a Constituição Sacrosanctum
concilium, ‘é enorme a importância da Sagrada Escritura na celebração da Liturgia. Porque é a ela
que se vão buscar as leituras que se explicam na homilia e os salmos para cantar; com o seu espírito
e da sua inspiração nasceram as preces, as orações e os hinos litúrgicos; dela tiram a sua
capacidade de significação as ações e os sinais’. Mais ainda, deve-se afirmar que o próprio Cristo
‘está presente na sua palavra, pois é Ele que fala ao ser lida na Igreja da Sagrada Escritura’” (VD,
52).
É A ligação entre as duas partes da Celebração: a Liturgia da Palavra prepara os
fiéis para a Liturgia Sacramental.
Em cada celebração sacramental está a precedência do anúncio da Palavra de
Deus.

“‘a celebração litúrgica torna-se uma contínua, plena e eficaz proclamação da


Palavra de Deus. Por isso, constantemente anunciada na liturgia, a Palavra
de Deus permanece viva e eficaz pela força do Espírito Santo, e manifesta
aquele amor operante do Pai que não cessa jamais de agir em favor de todos
os homens’”.. De fato, a Igreja sempre mostrou ter consciência de que, na
ação litúrgica, a Palavra de Deus é acompanhada pela ação íntima do
Espírito Santo que a torna operante no coração dos fiéis” (VD, 52).
A esse dado prático das duas partes de uma celebração litúrgica, Bento XVI recorda
que a ação litúrgica se dá pelo caráter performativo da Palavra na ação sacramental.
Que gesto e Palavra são indispensáveis um ao outro (Cf. VD 53). Em estreita
consonância com Sacramentum caritatis, em Verbum Domini 56, o Papa afirma a
Sacramentalidade da Palavra, e o faz referindo-se analogicamente a presença real de
Cristo sob as espécies eucarísticas do pão e do vinho consagrados.

A segunda Exortação de Bento XVI, sobre a Palavra de Deus, abre os horizontes


daquela que é a segunda parte da liturgia, especialmente da liturgia eucarística, que ele
próprio já havia meditado em Sacramentum caritatis. A eucaristia, então, mistério
acreditado, é ao mesmo tempo mistério celebrado. Aqui entram em íntima ligação a lex
credendi e a lex orandi, a lei da fé e a lei da oração da Igreja.
O cuidado com a celebração dos sacramentos, especialmente
da eucaristia, não é algo de segundo plano, pelo contrário, se a
eucaristia é epifania da Igreja, então a pergunta que
deveríamos nos pôr é: “como nossas celebrações apresentam a
Igreja para os fiéis?”. A proposta da renovação conciliar sobre a
liturgia, por vezes reafirmou a importância da participação dos
fiéis na ação litúrgica. Essa participação deve ser ao mesmo
tempo interior e exterior (cf. SC 11.30.48).
Eucaristia, mistério celebrado

manifesta-se, de modo peculiar, [o] valor teológico e litúrgico da


beleza. De fato, a liturgia, como aliás a revelação cristã, tem
uma ligação intrínseca com a beleza: é esplendor da verdade
(...). Na liturgia, brilha o mistério pascal, pelo qual o próprio
Cristo nos atrai a Si e chama à comunhão” (SCar 35).
O tema da beleza na liturgia não foi reduzido ao apego a normas, rubricas ou
estética vazia, em que o protagonista não é o Cristo. As normas e orientações
emanadas pela Igreja servem para que a beleza da liturgia se faça visível aos olhos
daqueles que dela tomam parte.

“só celebramos e vivemos bem a liturgia, se


permanecermos em atitude orante, e não se
quisermos ‘realizar algo’, fazer-nos ver ou
agir, mas se orientarmos o nosso coração
para Deus e estivermos em atitude de
oração, unindo-nos ao Mistério de Cristo e
ao seu diálogo de Filho com o Pai. É o
próprio Deus que nos ensina a rezar,
afirma são Paulo (cf. Rm 8, 26)” (Catequese,
26/09/2012).
No decoro da celebração, na ars celebrandi, muitos aspectos
entram em jogo: a arquitetura e decoração das igrejas, que devem
auxiliar na contemplação do sagrado; o canto sacro e/ou litúrgico,
que deve ajudar o fiel a elevar a alma e o espírito à contemplação
da liturgia do Céu; a clara distinção entre os ministérios exercidos
dentro do desenvolvimento da ação litúrgica, onde presidência e
demais ministérios não se confundem.
Unidade profunda e intrínseca entre as duas partes da celebração:
Liturgia da Palavra e Liturgia Eucarística

De facto, existe uma ligação intrínseca entre a


palavra de Deus e a parte eucarística: ao ouvirmos a
palavra de Deus, nasce ou reforça-se a fé (Rm
10,17), enquanto, na parte eucarística, o Verbo feito
carne dá-Se a nós como alimento espiritual; assim, ‘a
partir das duas mesas, a da palavra de Deus e a do
corpo de Cristo, a Igreja recebe e oferece aos fiéis o
pão de vida’. Por isso, deve ter-se constantemente
presente que a palavra de Deus, lida e anunciada na
liturgia pela Igreja, conduz à Eucaristia como a seu
fim conatural (SCar).
Alguns aspectos práticos se apresentam a nós para cada parte da celebração eucarística.
Já desde os ritos iniciais, várias questões entram em jogo como o canto, a procissão, os
ministros... a própria atitude corporal do estar em pé, do sentido penitencial, do sentido do
louvor e do silêncio oracional. As mãos, que se estendem em oração ou as mãos que se
juntam em sinal de penitência...

Na proclamação da Palavra de Deus, o modo de como proclamar as leituras, de forma


audível e clara para a assembleia que deve estar em atitude de escuta. O canto do salmo,
que auxilia na elevação do espírito e numa primeira compreensão da mensagem da Palavra
naquela liturgia. Aqui entram detalhes como o canto do salmo e mesmo do Evangelho, que
se cantados devem sê-lo para a elevação do espírito; por vezes, um salmo ou um Evangelho
bem proclamado são mais adequados ao bom decoro do mistério celebrado do que um
canto mal entoado. Entra aqui o tema da homilia, falado por Bento XVI e sempre recordado
pelo Papa Francisco.
A segunda parte da celebração é a liturgia sacramental, que tem seu início
com a apresentação das oferendas. Há uma indicação para que haja
procissão ofertorial, onde e quando as circunstâncias o permitem.

“não se [trate] simplesmente duma


espécie de ‘intervalo’ entre a liturgia
da palavra e a liturgia eucarística
(...); realmente, neste gesto humilde e
simples, encerra-se um significado
muito grande: no pão e no vinho que
levamos ao altar, toda a criação é
assumida por Cristo Redentor para
ser transformada e apresentada ao
Pai” (SCar 47).
O cuidado com as espécies eucarísticas
levadas ao altar, as alfaias, os objetos
que os contém, são importantes para
que resplandeça a cura adequada e a
valorização por aquilo que se está
pondo sobre o altar. Não se trata de
qualquer coisa, trata-se do pão e do
vinho que em alguns instantes serão o
Corpo e o Sangue de Cristo, mistério
acreditado e celebrado.
Ainda nesse quesito leve-se em
consideração o modo de recitação das
Orações Eucarísticas, para que não
pareça um apêndice necessário, do qual
os fiéis não tiram nenhum ensinamento
ou não adquirem nenhuma
compreensão.
Nesse sentido, vale ressaltar o cuidado na distribuição da
eucaristia aos fiéis. Sabe-se que, em algumas ocasiões,
principalmente em grandes assembleias, corre-se o risco
de haver “roubos” da eucaristia, ou descuido no momento
da entrega da comunhão ao fiel que vai comungar. Dizer
bem as palavras: “O Corpo de Cristo” e ouvir o “Amém” do
fiel que confirma a sua fé na eucaristia, não é mera
formalidade. A forma como se entrega a comunhão, dentre
as várias modalidades possíveis, também fala ao fiel da fé
daquele que distribui a comunhão.
A arte da celebração tem a ver como nos colocamos diante do mistério acreditado.
Nesse sentido a formação a partir da liturgia deve contar com uma firme custódia
dos Bispos diocesanos (SCar 39)

ars celebrandi não pode ser reduzida a apenas um aparato


rubrical e não pode, muito menos, ser pensada como fantasiosa
– às vezes selvagem – criatividade sem regras. O rito é em si
mesmo norma, e a norma nunca é um fim em si mesma, mas
está sempre a serviço de uma realidade mais alta que pretende
proteger (SCar 48).
Porém, é importante entender, e Bento XVI estava exatamente
chamando a atenção para isso, que a renovação conciliar, em
determinados casos, foi propulsada por algumas errôneas
interpretações do sentido do que vem a ser uma sã renovação
e uma interpretação do termo participação de modo
exagerado e mesmo fora de contexto, deram lugar ao que se
convencionou chamar criatividade selvagem, como se a
liturgia pertencesse a quem a preside e celebra e não à Igreja,
enquanto guardiã da Tradição.
A reforma litúrgica buscou repetidas vezes fazer entender que, como mistério
celebrado, a Eucaristia deve contar com participação ativa e frutuosa dos fiéis.
Escreve, Papa Bento XVI, em Sacramentum Caritatis, n. 52 que

uma ênfase particular [foi posta] sobre a participação ativa, plena e frutuosa de todo o povo de Deus
na celebração eucarística. A renovação operada nestes anos proporcionou, sem dúvida,
notáveis progressos na direção desejada pelos padres conciliares; mas não podemos
ignorar que houve, às vezes, qualquer incompreensão precisamente acerca do sentido
desta participação. Convém, pois, deixar claro que não se pretende, com tal palavra, aludir a mera
atividade exterior durante a celebração; na realidade, a participação ativa desejada pelo
Concílio deve ser entendida, em termos mais substanciais, a partir duma maior
consciência do mistério que é celebrado e da sua relação com a vida quotidiana. Permanece
plenamente válida ainda a recomendação da Constituição conciliar Sacrosanctum Concilium feita
aos fiéis quando os exorta a não assistirem à liturgia eucarística ‘como estranhos ou espectadores
mudos’, mas a participarem ‘na ação sagrada, consciente, ativa e piedosamente’. E o Concílio,
desenvolvendo seu pensamento, prossegue: os fiéis ‘sejam instruídos pela palavra de Deus;
alimentem-se à mesa do corpo do Senhor; deem graças a Deus; aprendam a oferecer-se a si mesmos,
ao oferecer juntamente com o sacerdote, que não só pelas mãos dele, a hóstia imaculada; que, dia
após dia, por Cristo Mediador, progridam na unidade com Deus e entre si’.
A eucaristia, presença real e viva de Jesus Cristo entre nós, merece todo nosso
respeito e toda a dignidade na sua celebração. Façamos nossa parte, o povo de
Deus agradecerá.

Finalizamos com a certeza de que o legado que Bento XVI deixou sobre a liturgia é
inegável, principalmente de seus escritos e pronunciamentos. O Papa Bento, naquilo que
diz respeito à liturgia, demonstrou sempre profunda espiritualidade a atenção por cada
ação litúrgica. Sem dúvidas, para Bento XVI, a liturgia sempre foi o lugar privilegiado
do encontro entre Deus e o seu povo – a anábasis e katábasis. Em Sacramentum
caritatis Bento XVI fez a opção em mostrar o Sacramento da Eucaristia a partir da fé, da
celebração, propriamente dita e da vida, numa ótica mistagógica, como era bem o seu
estilo. Para Bento XVI a liturgia deveria o lugar excelente para a formação.
Em Verbum Domini ele tratou da Palavra de Deus
dedicando dos números 52 a 71 relação entre a Palavra de
Deus e a liturgia. Bento XVI, mais do que os excelentes
textos que produziu, expôs sua doutrina litúrgica pelo seu
modo de celebrar, de pregar e interagir com o sagrado.
Não é à toa que em Sacramentum caritatis, 64, ele afirmou
que “a melhor catequese sobre a Eucaristia é a
própria Eucaristia bem celebrada”.

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