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Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos de imaginação do autor.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
 
Capa: Ellen Ferreira
Revisão: Bárbara Pinheiro
Diagramação Digital: Autora Jack A. F.
Ilustrações: Little Pink
 
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer
parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou
intangível — sem o consentimento da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
 
Edição Digital ǀ Criado no Brasil
Pará - PA
1º Edição
Janeiro de 2023
 
“Um vilão só é vilão quando a história é contada pelo herói.”
(Vicky Forgiarini)
 
Um crime horrendo aconteceu em Londres, obrigando o
milionário Logan Hopkins a sair das sombras e dar explicações
sobre o que ocorreu dentro dos portões de sua mansão.
Logan é um homem reservado e misterioso, que fez grande
fortuna e sucesso no ramo da tecnologia, porém, sua alma anda
longe de encontrar paz. Metódico, frio e arrogante, ele se vê
desviando do caminho que sempre percorreu ao conhecer a colorida
Arabella Tomlinson.
A jornalista de olhar sagaz procura desesperadamente pelo
furo de reportagem que irá alavancar sua carreira, e o caso que
trouxe à tona a Besta de Mayfair, o serial killer que anda
aterrorizando Londres, é a oportunidade certa. O seu único
problema é conseguir se aproximar o bastante do sexy magnata
para adentrar as barreiras do homem por trás de todo aquele muro
de gelo e conseguir as respostas que precisa.
Arabella ama cores, brilho, sorri demais, fala além da conta e
tem tudo o que Logan odeia no mundo. Porém o que deveria ser
apenas um jogo de interesses, se transforma em obsessão.
Ela quer amar e ignora os perigos que a rodeiam.
Ele desconhece o amor e toma o que quer, sem pedir
permissão.
Bem-vindos a Mayfair! Envoltos em paixão, sangue e prazer
iremos assistir a Besta ir à caça por sua Bella!
 
Sinopse
Aviso Importante
Sobre esta obra
Playlist
Epígrafe
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Epílogo
Agradecimentos
Biografia
Contatos da Autora
 
NÃO VÁ ADIANTE SEM LER ESTE AVISO:
 
Este não foi um livro fácil de escrever. A Besta de Mayfair
esconde muitos segredos, um passado manchado, uma alma
reclusa na escuridão, nascida no sangue e entre toda essa nuvem
de desespero, medo e controvérsias, teremos Logan Hopkins e
Arabella Tomlinson.
 
O livro falará de assuntos pesados, que incomodam, que ferem
leis éticas e morais, além de muitas outras. O enredo irá te tirar da
sua zona de conforto, mostrará uma dor crua, a qual poucos seres
humanos são capazes de suportar.
 
Haverá inúmeros gatilhos, como violência física e psicológica,
tortura descritiva, violência sexual, suicídio e canibalismo.
Levaremos as emoções ao extremo e, neste caso, se você é
sensível a esses temas, sugiro que não siga adiante com a leitura.
Pois este é um romance Dark, feito para chocar, quebrar
paradigmas, manipular e corromper até mesmo as almas fiéis da
boa e velha moralidade dos homens e, por isso, cabe cautela.
 
E se após este aviso você for adiante, então... seja bem-vindo
a Mayfair, envoltos em paixão, sangue e prazer, iremos assistir a
Besta ir à caça por sua Bella.
 
Boa leitura!
 
Logan me veio em um momento que eu não esperava, em um
momento que eu pensei estar pronta para algo mais leve, por ter
saído de um livro intenso que foi Uma Vingança Perfeita, o último
lançamento. Eu tinha, inclusive, começado outro livro, este mais
leve, mais extrovertido, um clichê. Mas então sua voz soou em meu
ouvido e foi como um afago, mas ainda assim, eu tentei ignorar, juro
que sim. Afinal, eu já tinha começado outro livro, com um universo
completamente novo.
Por isso, em um primeiro momento, eu não lhe dei total
espaço, deixei que falasse e apenas anotei toda a premissa que me
foi entregue, algo pequeno comparado ao que ele tinha a contar, um
pensamento apenas e achei que isso bastaria para calá-lo. Para que
ele me deixasse terminar o meu clichê, pois eu já lhe tinha dado
uma promessa e ele teria que esperar sua vez. Mas como podem
ver, não foi isso o que aconteceu, nem de perto.
Sua voz ganhou forma, a de um homem de cabelos cor cobre
e olhos atormentados, com uma alma tão obscura, tão perturbada
que doía olhar para ele. Doía imaginar seu sofrimento, doía pensar
que eu teria que descrever o seu inferno particular de forma tão
crua, pois eu estava presa em uma caixinha, a paradigmas que eu
mesma precisava quebrar. E enquanto isso não acontecia, eu tentei
lhe dar outro rumo, atenuar seu sofrimento, procurar outro caminho,
mas não importava qual estrada eu pegava, eu terminava em uma
só direção: dentro do seu caos. Então eu me vi em um dilema: o de
como salvar uma alma que não quer ser salva? Como lhe trazer
luz?
E a resposta era simples: não haveria salvação!
Foi difícil aceitar isso e, por isso, vieram os bloqueios no
decorrer da escrita, e falo de bloqueio para que minha família não
me interne, pois caso fale a verdade, terei que dizer que Logan fez
birra. Sim, ele queria a história do seu jeito e quando eu não dava o
que ele queria, simplesmente se calava e me mandava catar
coquinhos. E não importava quanto tempo eu levasse em frente ao
computador, em meu desespero por não encontrar um caminho, ele
não dava o braço a torcer. Não vinha nada que passasse perto do
que Logan representaria nesta narrativa. Nós brigamos algumas
vezes por isso, até eu realmente entender que não adiantava, Logan
era um trem desgovernado que eu não poderia guiar.
E tem guerras que não podemos travar, chega uma hora que é
preciso aceitar isso.  Eu me rendi, aceitei ser guiada, ouvir o mais
íntimo de sua voz, da sua escuridão. Entrar no sangue junto a ele,
senti tudo o que ele sentiu, chorar a cada relato. Logan é meu
menino quebrado, mas também é o meu trabalho mais belo, mais
intenso e arrebatador ao qual tive o privilégio de finalizar. Junto à
Arabella, eles me levaram a três meses intensos de criação, em que
a menina de alma livre e coração feliz ganhou espaço, se infiltrou
em cada poro e também contou sua história.
Eu me peguei em partes tão cruas, tão cruéis que precisei
parar, respirar, fechar os olhos e me perguntar: é isso mesmo o que
você quer, seu infeliz? Quer mesmo me cancelar para o resto do
mundo? E, bom, ele está pouco se fodendo para o mundo e também
para a minha sanidade. Eu dei a ele o que queria e, confesso, tive
um sorriso no rosto em alguns momentos, sorriso da mais pura
satisfação.
Agora me encontro feliz ao escrever essas palavras. Com um
sentimento de liberdade que poucas vezes experimentei, de
plenitude e orgulho. E se você as lê agora, saiba que eu pensei em
apagá-las em alguns momentos, afinal, ainda corro o risco de ir
parar em um hospício por ouvir as vozes dos meus personagens,
certo?
Pois eu ouço vozes, o tempo todo...
Espero que esses personagens bagunce sua vida tanto quanto
à minha, que te leve a um vendaval de emoções, que te mostre o
inferno, mas que também te mostre o céu.
Tenha uma boa leitura e lembre-se: ao adentrar o escuro,
tenha sempre uma lanterna!
 
Para se identificar melhor com a história e vivenciar toda a
emoção que ela passa, convido você a ler ouvindo a Playlist no
Spotify. Basta abrir o app no seu celular, selecione “buscar”, clique
na câmera e posicione sobre o code abaixo.
 

 
Ou clique aqui
 
 
“De fato, às vezes se fala da crueldade
‘bestial’ do homem, mas isso é terrivelmente
injusto e ofensivo para com os animais: a fera
nunca pode ser tão cruel como o homem, tão
artisticamente, tão esteticamente cruel.”
 
Fiódor Dostoiévski
 
A luz amarela refletia sobre uma poça de água no chão, o
cheiro no ar era podre, misturado a ferro e ocre. Ali não tinha
janelas, não tinha frestas, não tinha esperança. O frio tomava cada
parte do meu corpo, o medo e a dor transpiravam em cada poro e
eu só queria que aquilo acabasse. Que eu morresse. Mas não fui eu
a ser morto, enquanto pedia para que minha vida fosse tirada, vi o
pequeno corpo tombar para frente, com a lateral do rosto infantil e
angelical batendo contra o cimento duro, empapado por sangue já
frio e viçoso.
Eu gritei, encolhido contra a parede, vendo o sangue ser
drenado de seu corpo pelo corte em seu pescoço, revigorando
aquele que já estava coalhado no chão. Por fim, percebi que eu não
estava gritando, por mais que tentasse, nenhum som saía da minha
garganta já ardida.
Senti lágrimas descendo por minhas bochechas e, no mesmo
instante, foi como ter o seu sangue escorrendo por minhas faces. E
bem ali, ao sentir meu coração pequeno arrebentar meu peito e a
dor e o pavor duelarem dentro de mim, eu vi a poucos metros de
onde eu estava, os olhos, azuis como o mar, da minha irmã se
apagarem junto ao seu último suspiro, quando seu coração parou de
bater.
Estiquei minha mão em sua direção, como se com isso fosse
capaz de tocá-la, ouvindo a risada do monstro que a matou bem ali,
à minha frente, ecoando naquele lugar, batendo contra as paredes
de metal escuras e úmidas. Olhei minha mãe, amarrada a uma
cadeira de madeira de cor branca, com os olhos presos em minha
irmã, parecendo não acreditar no que estava acontecendo.
A mulher de pele extremamente branca, tinha o rosto inchado,
guardando a marca que a mão do monstro deixou em sua
bochecha. Percebi que sua boca se abria, desesperada, mas que eu
não ouvia nada do que dizia.
Foi quando percebi que talvez eu também estivesse gritando,
só não conseguia me ouvir. Íamos morrer e eu sequer entendia o
motivo, só senti medo. Pavor por tudo o que ainda estava por vir…
 

 
A tinta a cobrir a tela apresenta uma assimetria e organização
quase perfeitas, de assinatura única. É capaz de me transportar
para a tela de fundo preto, em meio à tinta vermelha, e é
exatamente isso o que torna tal arte fascinante para mim. O artista
foi suave em seus traços, deixando que a gravidade fizesse parte do
trabalho, finalizando-o com pinceladas suaves sem uma direção
única a qual seguir e, em principal, sem regras.
Eu diria que ele começou por espalhar a tinta preta por toda a
tela, o vermelho em contraste e, por último, o amarelo que nos
lembra o sol em meio a uma escuridão densa. A pintura passa tanta
verdade que é como estar sozinho, como se todas as pessoas nesta
exposição tivessem deixado de existir. Eu consigo me enxergar
dentro da tela, onde, claro, estou em meio ao caos de sangue
enquanto o mundo lá fora segue alheio, tão dourado e feliz quanto o
sol poderia ser.
E o mundo pode mesmo se considerar feliz por não ver as
sombras que escondo dentro de mim.
— Eu não entendo nada do que vejo. — Uma voz suave, com
uma nota afinada e melodiosa, soa às minhas costas, me tirando do
transe e me fazendo lembrar de que continuo aqui, em meio a
pessoas demais. Nada respondo e minha intenção em me manter
calado e parecer alheio não funciona, pois ela volta a falar: — Para
mim é apenas tinta jogada de qualquer forma na tela. — Sinto sua
presença ao meu lado, ainda que não a olhe diretamente. Seu
perfume adocicado, um tanto cítrico, mas que também carrega
notas de bálsamo, parece me abraçar aos poucos. É quase
reconfortante, ainda assim, finjo não a ouvir. — O senhor não acha?
Insistente como o inferno. Aperto meu maxilar, comprimindo
meus lábios e só então a olho. Me arrependo no mesmo instante ao
me deparar com olhos incrivelmente verdes. Olhos calmos,
vibrantes e felizes que contrastam com minha alma.
— Falou comigo? — pergunto e talvez esse fosse o momento
em que ela fingiria estar divagando sozinha, aproveitando minha
deixa. Mas noto pelo dilatar de sua pupila que uma resposta,
qualquer que fosse, serviria. Ela sorri.
— A tela — fala, displicentemente apontando para o objeto à
nossa frente. — Para mim parece apenas tinta mal aproveitada. O
senhor concorda? 
Leigos… servem apenas para inflar o ego de ignorantes.
— A tela transmite a escuridão de uma alma, senhorita. Uma
alma perdida e até mesmo triste, envolta em perguntas sem
respostas e vozes vazias. Uma alma tão confusa que merece
piedade, atenção. A cor vibrante, igual a de sua calça — falo, sem
me dar ao trabalho de conferir novamente, mas ela o faz, surpresa
por eu ter notado — transmite uma felicidade que tal alma jamais
alcançará, é como o sol, ao qual não podemos tocá-lo, tampouco
vivemos sem ele. — Ela é jovem, não mais de vinte e dois anos, eu
diria, e o sorriso de antes se expande, tornando-a ainda mais bela,
como se fosse possível.
— Nossa, quanta sensibilidade — elogia, apertando o celular,
que tem uma capa rosa demais, em uma de suas mãos pequenas
de unhas bem-feitas, com um esmalte lilás clarinho. Na outra mão,
ela tem uma taça de champanhe.
— Não veja desta forma. Uma alma obscura sempre
reconhecerá outra. — A jovem levanta as sobrancelhas claras, abre
a boca, mas não tem nada a dizer. — Tenha uma excelente noite,
senhorita. — Aceno e deixo-a em frente à tela, talvez sozinha ela
reconheça a beleza ali presente. Vou ao outro lado da sala, negando
uma taça de champanhe que me é oferecida por um garçom.
Uma música suave toca ao fundo e me agrada por ser Chopin.
Obtenho o olhar aguçado do jovem expositor e faço um sinal para
que reserve a arte que estava a admirar há pouco. O ambiente é
agradável, com paredes de cores claras, espaçoso e arejado, as
pilastras são douradas e os belos lustres no teto são a cereja no
bolo para uma decoração simples e elegante. Por ainda estar cedo,
há poucas pessoas, o que permite que eu me sinta mais à vontade
para transitar entre elas, sem falsas congratulações de pessoas que
fingem me conhecer.
Paro em frente à outra tela que captura minha atenção, esta é
mais colorida e não consegue prender-me por muito tempo. É quase
um assassinato à minha visão. Sou apaixonado por arte, de todas
as formas, mas tenho clara predileção para o que transmite aquilo
que guardo em meu íntimo. Outra tela, completamente disforme, me
chama atenção. Esta sim prende-me e me lembra um corpo
desmembrado, de forma imperfeita, claro, ainda assim…
perfeitamente perturbador. Coloco as mãos no bolso da calça e
chego a inclinar a cabeça para o lado, tentando sentir cada
pincelada ali e, apesar de bela, dentro de sua peculiaridade, não me
atrai para dentro dela.
— E esta, o que seria? — Fecho os olhos ao ouvir novamente
sua voz, antes de me voltar para a jovem de calças curiosamente
coloridas.
— Esta me parece um corpo desmembrado em meio ao
sangue. Não acha? — pergunto e me divirto com a surpresa em seu
rosto, ainda que tente esconder.
— E-eu… não sei dizer. — Ela sorri, sem jeito, abaixando o
olhar, colocando uma mecha do cabelo loiro atrás da orelha, e
aproveito sua distração para olhá-la de forma minuciosa e invasiva.
A jovem dama é um tanto mais baixa, diria que bons vinte
centímetros, apesar de ganhar alguma vantagem por estar em um
salto de tamanho médio. O que me deixa ver que é compacta. Não
é magra, não demais, os braços com músculos definidos e
femininos me fazem pensar que pratica algum esporte. Balé,
talvez… seu estilo é vibrante, a julgar pela calça de cor amarela e a
blusa social de seda, com alças finas de cor verde-musgo. Um estilo
simples, mas cuidadosamente escolhido, que chama atenção por
embalar tanta beleza.
O cabelo tem uma parte presa, enquanto a outra cai lisa e
volumosa por seus ombros. Parecem macios e curiosamente meus
dedos coçam por tocá-los, chego a estreitar os olhos para essa
necessidade inusitada, esfregando o polegar no indicador para que
passe o formigamento. Sua pele é clara, leitosa e, por que não,
apetitosa. Seu rosto, esse é lindo de forma não convencional.
Redondo demais, porém, lhe cai muito bem, com bochechas
rosadas, boca vermelha e um nariz pequeno, com algumas poucas
sardas ao redor, perfeito. Mas são seus olhos a entrada para sua
alma. Uma alma inocente demais para o seu próprio bem. E quando
nota que a observo em demasia, a menina expande os olhos
brilhantes, sem jeito, e volta a olhar a tela.
— Não acredito que ele pintaria corpos, poderia ser um
atestado de culpa? — Culpa… um sentimento que sempre chega
para todos. — Está mais para um acidente no ateliê, em que ele
derrubou suas tintas em uma tela limpa, porém, com tantas cores
faz mais sentido para mim — graceja de forma inteligente, mexendo
as mãos como se não estivesse a fazer uma piada e, isso sim, me
arranca um ensaio de sorriso.
— Uma hipótese curiosa, senhorita…? — E me pego também
curioso por saber seu nome, o que me intriga.
— Tomlinson, Arabella Tomlinson.
— Arabella — testo o nome em meus lábios gostando de como
soa. Um bonito nome para uma criatura ainda mais bela.
— Ou apenas Bella, se preferir. Particularmente, gosto mais do
apelido.
Viro-me de frente para ela, retendo toda minha atenção nos
olhos transparentes.
— Diga-me, Bella, se não está aqui pela arte, já que não a
aprecia, por que veio?
— Não disse que não aprecio — corrige-me, e noto que tem
um bom tempo que ninguém o faz. — Mas sou adepta aos traços
que me deem imagens prontas. Lindas imagens coloridas, de
preferência. — E ela sequer precisava citar essa última parte.
— Isso é interessante. Adepta à velha e boa arte clássica.
— Eu diria que sim — confirma orgulhosa. — E respondendo à
sua pergunta, fui obrigada a estar aqui. — Levanto uma
sobrancelha, vendo-a umedecer os lábios e apressar-se para
explicar: — Meu chefe pediu para que eu cobrisse a exposição —
fala com orgulho e aguço meu olhar sobre a jovem.
— Jornalista?
— Sim, na The Standard. — O que diz faz com que eu volte a
estreitar os olhos em sua direção.
— Um grande jornal e revista. — Mas não tão bom como
deveria, mas isso eu guardo somente para mim. — Estagiária?
— Sim, o senhor acertou. Pareço tão iniciante assim? —
Displicente, ela passa o indicador na borda de sua taça.
— Não, parece jovem demais, apenas isso. — O sorriso
continua em seu rosto, me pergunto como é sorrir com tanta
facilidade. Me parece excepcional.
— Nem tão jovem. Tenho vinte e um.
— Bem jovem, menina — enfatizo e a faço rir de forma
melodiosa. Uma melodia suave, viva, como ela. É quase fascinante
a luz que ela deixa transparecer até de seus poros.
— Não me disse seu nome ainda, senhor…?
— Hopkins, Logan Hopkins a seu dispor. — Previsivelmente,
observo seus olhos se expandirem, quase a saltar das órbitas,
praticamente cuspindo o pequeno gole de champanhe que havia
tomado. Gostaria de não ver tanta euforia ao saber quem sou e isso
me decepciona e nem saberia explicar o porquê.
— Eu deveria ter suposto quando vi o senhor reservar um
quadro de 300 mil libras. — No mesmo instante que as palavras
deixam seus lábios, ela as quer engolir. Noto a desculpa em seus
olhos, a forma como troca o peso do corpo, nervosa.
Estávamos indo bem, uma interação que durou mais de cinco
minutos, isso até saber quem sou.
— Sim, deveria. Agora, se me der licença, senhorita
Tomlinson, aproveite a exposição.
— Oh, me desculpe, eu não…
Aceno e, sem deixar que termine o que ia dizer, a deixo ali,
próximo à tela de corpos. Vou em direção à saída do lugar que
começa a ficar cheio demais, não perdendo o expositor, pedindo
que também reserve a última tela. Não entendo a sensação de
decepção a qual sinto, já que não esperava algo diferente da jovem
com relação à surpresa ao saber quem sou, a euforia e curiosidade
crescente, mas também não a julgo. No lugar aonde cheguei os
holofotes e os olhos de todos estão em mim, em minha empresa e
fortuna. Isso só mostra o seu bom faro jornalístico.
Ganho a avenida após apanhar meu sobretudo e o ar frio do
outono banha meu rosto. Respiro fundo, sinto algo parecido com
liberdade e visto o sobretudo. O manobrista me traz o Aston e entro
no veículo, saindo em seguida. Ainda posso ver a jovem a olhar a
rua pelo vidro das portas da galeria. Uma bela e curiosa dama.
Senhorita Tomlinson… talvez se torne uma boa jornalista.

Com braçadas firmes dou a última volta na piscina, ancorando


na beirada de mármore e capturo o cronômetro que deixei na borda.
Meus pulmões queimam ao puxar o ar, tento recuperar o fôlego e
sinto uma pequena irritação ao notar que não atingi o tempo que
esperava. Talvez tenha me esforçado demais no treino na academia
há pouco, pois ainda não me recuperei completamente do último
ataque.
Pouso as mãos na lateral e impulsiono meu corpo, saindo da
água em busca do roupão na cadeira ao lado. Enxugo-me e não
vejo necessidade de ir ao vestiário e acabo por me trocar aqui
mesmo, vestindo calça moletom e camisa de cor preta. Deixo o local
aquecido ao terminar e vou para as escadas, retornando para dentro
da casa pela porta lateral que me dá acesso direto à junção entre a
sala de jantar e estar.
Assim que passo pela porta ouço vozes, que não conheço, e
desacelero meus passos, tentando identificar quem quer que esteja
em minha casa a essa hora da manhã. Odeio visitas. Correção:
odeio pessoas. São facilmente decifráveis e irritantes. São poucos
os que ganham minha total atenção, como a senhorita Tomlinson na
noite de ontem. Me canso do jogo de adivinhação e passo pela sala
adjacente de minha casa, indo para o hall.
Dois homens permanecem de pé, debatendo a necessidade de
falar comigo enquanto a senhora Aniston, minha governanta, tenta
explicar que não recebo quaisquer pessoas a esse horário. Mas sei
exatamente quem são e por isso me faço ouvir:
— Deixe-os, já estou aqui — chamo a atenção dos três. Os
dois senhores são da polícia local e sinto um aviso no ar. Certa
apreensão talvez…, mas logo jogo tal sensação para o inferno. — A
que devo a honra?
— Não vê muitos jornais, não é, senhor Hopkins? — o inspetor
mais jovem é quem indaga me oferecendo sua mão em
cumprimento. — Como vai?
Olho de sua mão para o seu rosto que transparece pouca
satisfação em estar aqui e quando ele está prestes a recolher sua
mão, eu a aceito. Em seguida, a do homem que o acompanha, esse
sendo mais velho, parecendo mais receptivo.
— Todos os dias, antes mesmo do café da manhã, mas, como
podem ver, chegaram bem antes do horário que a boa educação
sugere — alfineto e lhe dou um pequeno sorriso.
— Claro, claro, senhor Hopkins. Nos desculpe por isso — o
mais velho, um homem alto, de feições gentis e pele negra, se
adianta. —  Sou o inspetor Smith e esse é meu parceiro Martinez,
somos…
— Da polícia, notei pela identificação. — Aponto e o homem
sorri.
— Sim, divisão de homicídio, senhor.
— Então venham, sentem-se e me digam, a que devo essa
honra de tal visita?
— Não será necessário, senhor Hopkins — recusa. Não dou
atenção, voltando para a sala adjacente, mais íntima, e me
sentando na poltrona de couro marrom, onde toda manhã costumo
ler o jornal e são obrigados a me seguirem, ainda que não se
sentem. — A mansão Hopkins está abandonada há muito tempo?
Eu o encaro e engulo a saliva ao ouvi-lo, controlando minha
respiração, os sentimentos, prevenindo minhas narinas de
dilatarem, assim como a necessidade de apertar minha mandíbula.
— Esta é a atual mansão Hopkins, inspetor. Se está se
referindo à antiga mansão, já faz vinte e oito anos que não adentro
aqueles portões. Desde a morte de meu pai, mas já devem saber
disso.
— E o senhor não costuma visitar uma mansão tão bela? —
quem pergunta é o policial mais jovem, mais afobado também.
— Não, desde os dez anos. Após a morte de meu pai, na sala
de estar próximo à escada, pode imaginar que a mansão não é um
lugar ao qual eu queira ir com frequência.
Ao narrar tal acontecimento, é como voltar àquela sala, ainda
que esteja a quilômetros de distância, é como voltar no tempo, estar
ali estático ao encontrar seu corpo.
— E a manteve vinte oito anos fechada, nunca pensou em
vender, senhor Hopkins? — Olho de um para o outro, tentando
decifrar o que querem.
— Sim, eu o fiz, e não espere que eu diga meus motivos,
inspetor Martinez. — O rapaz estufa o peito e o seu colega mais
velho e experiente o encara.
— Onde estava ontem, senhor Hopkins?
— Oh, estou sendo acusado de algo? Devo chamar um
advogado? — pergunto com sarcasmo e vejo Smith, que mantém
uma aparência bem-cuidada, com a barba bem-feita, se adiantar:
— Não, de forma alguma. Na verdade, estamos aqui para
avisar-lhe de que um crime horrendo foi cometido na mansão —
explica e me levanto no mesmo instante, dando dois passos em sua
direção.
— Como, se a mansão está fechada?
— E abandonada, senhor. Não é segredo que assim seja,
devido à sua vida pública. — Não por escolha minha, penso em
dizer, mas declino. — Essa madrugada recebemos uma denúncia
de jovens baderneiros que estavam a invadir o local. Sabe, para
usar drogas, sexo, como deve imaginar. Eles encontraram três
corpos.
— Foram mortos ali? — indago rapidamente, surpreso com a
invasão, meu coração acelera e a essa altura permito que o faça.
— Não. Pelo que sabemos, foram mortos em outro lugar,
preparados e só então os levaram para lá.
— Preparados?
— Sim, senhor. Empalhados. São como bonecos de cera,
senhor. Esculpidos e bem-conservados.
— Tem alguma pista ou algo assim?
— Como eu disse, é um crime horrendo e cruel. Os corpos já
estão sendo retirados e levados para perícia, ainda temos muito a
examinar, como se deve imaginar, sem pistas, por ora. Mas
tínhamos que entrar em contato com o senhor.
Não para avisar do ocorrido em minha mansão, como
disseram, mas para sondar se sou um suspeito, é óbvio.
— Posso ir à mansão? — pergunto, ansioso.
— Peço que ainda não, senhor, ainda estamos trabalhando
para colher informações e provas. Terá que ir ao distrito, precisamos
tentar reconhecimento, quem sabe os reconheça. Pois estamos
trabalhando em uma linha que o assassino tem alguma ligação com
a mansão e sua família, pela forma que os corpos estavam
posicionados.
Volto à poltrona e me sento, olhando a mesinha ao lado, o
jornal exposto em uma bandeja de prata. É realmente uma surpresa
o que acaba de acontecer. Jamais imaginaria tal coisa. Como
diabos…
— Senhor Hopkins? — Balanço a cabeça, voltando ao
momento. — Se nos der licença agora…
— Ah, claro. Senhora Aniston — chamo e logo a mulher de
meia-idade aparece, impecavelmente vestida em seu uniforme azul-
escuro. — Acompanhe-os até a porta.
Despeço-me em uma falsa agitação e volto minha atenção ao
jornal. Abrindo-o na seção de notícias. Uma foto da antiga mansão
Hopkins em tamanho gigante toma conta de uma página inteira,
com uma notícia extensa sobre o ocorrido, com informações demais
sobre mim, até mesmo onde eu estava ontem à noite e o que chama
minha atenção é o nome da jornalista que escreveu a matéria:
Tomlinson, Arabella.
Ah, senhorita Bella, dois podem jogar esse jogo.
 
 

 
— Claro que não. Eu cheguei perto do todo poderoso só por…
— Porque ele é gostoso, lindo e tem cara de quem fode bem
— Olivia sugere, fazendo com que eu quase cuspa o café em minha
boca.
— Claro que não! — torno a dizer e jogo uma almofada em seu
rosto, fazendo-a gargalhar. — Eu estava perdida diante daquele
monte de tela rabiscada. Não entendo muito de arte, você sabe, e
estava me cagando em como falar de algo que não sei. Mas lá
estava ele, em um terno impecável, um single-breasted italiano
muito bem-alinhado, perfeito, com aquele ar de soberano e a única
peça mais clara era a sua gravata em azul-Oxford. O homem tinha
olhos fixos na tela, tão absorto que parecia estar a sós ali, em meio
a tantas pessoas. E, de todos, era quem me parecia viver dentro
daquele universo.
— E você decidiu sondar seus conhecimentos? — pergunta,
fazendo um biquinho. — Inteligente.
— Exatamente — concordo, escondendo a atenuante de que
tirei uma foto dele, enquanto olhava um dos quadros, com a
desculpa de estar cobrindo o evento. Eu sou uma fraude. —
Confesso que quando chamei sua atenção e ele me olhou, Oli, senti
uma eletricidade percorrer meu corpo, como se ele pudesse me
tocar. O homem tem um magnetismo, um charme… não sei explicar.
— E não sei mesmo, ainda mais porque no pequeno cochilo em que
tirei essa manhã, sonhei com ele. Se bem que foi quase uma
lembrança de quando estávamos ali, na galeria, mas desta vez ele
realmente me tocou. — Depois, ele só se foi. Mas antes disse
algumas coisas bem interessantes sobre alguns quadros e, claro,
me deu muitas ideias sobre o que colocar no artigo.
— Que ficou em segundo plano, depois da madrugada agitada
na casa do próprio demônio.
— Olivia! — ralho e ela sorri.
— Amiga, é o que dizem sobre Logan Hopkins. Ele pode ser
lindo e magnético, mas tem um humor ácido, do cão. Mais gelado
que a Frozen, além de ser alguém que não se importa com ninguém
além dele mesmo, entre outras coisas. Não é porque o homem
gosta de arte que virou santo. Além do mais, Andrei acha que ele é
culpado.
Ela se refere ao incidente que tive a chance de acompanhar
essa madrugada, na mansão Hopkins, e não nego que o magnata é,
no mínimo, suspeito. Se os corpos encontrados em sua mansão
tivessem sido encontrados em um beco qualquer, não teria causado
toda a comoção que causou ao serem resgatados na mansão do
milionário recluso, ainda que não more ali. Outra opção também, é
que se os corpos tivessem sido encontrados na casa de alguém
menos favorecido, essa pessoa já estaria presa.
Ou seja, no fim das contas, o que conta é o tamanho do seu
patrimônio e o fato de tê-lo visto naquela exposição me deu uma
chance gigante de fazer valer a pena. Ele quase não é visto em
eventos, a menos que sejam relacionados à arte, música e caridade.
E eu só preciso de algumas respostas, dez minutos com o senhor
Hopkins me renderia uma escada para minha ascensão na redação.
Se eu o encontrasse hoje, senhor Hopkins, não fugiria de mim
como fez ontem — penso e chego a suspirar.
— Será mesmo?
— Não sei. Saberei mais assim que chegar ao distrito. — Para
minha sorte, Olivia trabalha na área da perícia forense e é minha
principal fonte dentro da Scotland Yard. — Mas… nunca se sabe.
Os corpos estavam em uma casa que sempre foi da família
Hopkins. Uma mansão de milhões, que foi de seus pais, como ele
poderia não saber? Não ir até a mansão?
— Eu não faço ideia… — Toco os lábios, mordendo a pontinha
do dedo ao me lembrar do olhar frio do senhor Hopkins.
Nego e foco minha atenção em Olivia, enquanto ela entorna
mais um gole de chá. Sinto o cansaço pesar em meus ombros, fruto
de uma noite em claro. Voltei para casa apenas para tomar um
banho, tirar um cochilo e beber o meu café, em vinte minutos
preciso retornar para a sede do jornal, voltar à realidade e terminar o
meu artigo para a revista. Preciso manter os pés no chão, uma
única matéria não irá me levar a lugar algum, apesar de estar muito
orgulhosa de ver meu nome ali.
Quando vim para Londres, há um ano, explorar a grandeza
que a capital poderia me proporcionar, não imaginei ser tão difícil
conseguir um estágio, nem que seria tão caro viver aqui. Tive sorte
em ter Olivia, que me ajudou nos primeiros meses, me deixando
ocupar seu sofá, já que seu apartamento antigo tinha apenas um
quarto. Quando consegui trabalho, foi algo mágico, me lembro da
sensação… dos sonhos que eu enfeitava sobre como seria trabalhar
em um grande jornal. Confesso que não é tão belo quanto gostaria
ou imaginei. Mas ter um salário me deu segurança e conforto, que
nos permitiu mudarmos para este apartamento, com dois quartos, e
já não durmo em um sofá.
E por mais que pensamentos aleatórios me tomem ao longo
das horas, eu acabo voltando para a noite de ontem, para a cena
que vi em frente à mansão Hopkins, em como o próprio senhor
Hopkins me repeliu quando eu parecia atônita ao descobrir quem
ele era. Aquele homem seria capaz de tal atrocidade?
— Tá pensando no magnata, não é? Vou ter que colocar um
“feiticeiro” na lista dele também? — pergunta, fazendo um sinal de
aspas com os dedos.
Sorrio para a infeliz, observando o sorrisinho cheio de
segundas intenções colado em seus lábios. Olivia é uma mulher
linda, de vinte e três anos. Fomos vizinhas na infância e foi natural
nos tornarmos amigas, e a amizade perdurou até os dias de hoje.
Após a morte do papai, só me restou ela. A menina birrenta de
dentes de coelho se transformou em uma linda mulher com seus
longos cabelos pretos, olhos pretos marcantes e um rosto com
formato de coração, perfeitinho. Lábios espessos e rosados e o
nariz de tamanho médio, que parece ter uma bolinha na ponta. Ela é
alta, bem mais que eu, e tem o corpo lindo, avantajado. Uma
gostosa.
— Eu só estava tentando achar uma ligação, só isso. — Ela
estala a língua e se levanta.
— Deixe isso para a polícia — fala, pegando a bolsa ao lado.
— E por falar em polícia, Andrei quer conversar com você, tenho
enrolado, mas…
Suspiro, seu irmão mais velho foi o meu grande amor na
adolescência e quando achei que engataríamos algo, assim que vim
para Londres, não foi bem como imaginei, já não sentia o mesmo
encanto. Além do mais, o trabalho me sugou, nossos horários não
batiam, como inspetor ele também é bastante ocupado. Acabamos
nos distanciando, ainda que ele pareça interessado em ter algo.
Porém o interesse acabou junto com a adolescência. Talvez eu já
estivesse acostumada com a solidão, acostumada a não me apegar
a ninguém.
Nunca ter, realmente, amado alguém tem suas vantagens.

Tomo mais um gole do café em minha caneca e volto ao


notebook à minha frente. O jornal hoje está uma loucura e tudo se
deve à última descoberta da madrugada, que chocou toda Londres.
Odiei ter que ir àquela exposição ontem, mas foi uma puta sorte dos
deuses estar ali, logo com o homem que, horas depois, estaria em
todas as manchetes dos jornais. Tive a chance que poucos têm, a
de encontrar ninguém menos que o magnata recluso, que pouco se
mostra nos últimos anos. Fui tola ao vê-lo admirar aquele quadro e
não o reconhecer, se o tivesse feito, teria conseguido ter mais tempo
com o infeliz. Mas não fazia ideia de quem ele era, ainda que
tivesse a sensação de já tê-lo visto.
Ou talvez, tenha me deixado levar por seu magnetismo. Logan
Hopkins é feito na medida certa para encantar. Não, melhor, para
enfeitiçar. Sua altura, porte físico, seu cheiro e até mesmo seu
semblante de pedra aguçam a necessidade de adentrar suas
paredes. O milionário é conhecido por todos, ídolo dos tabloides que
tentam a todo custo descobrir por que o solteiro mais cobiçado de
Londres segue sem ninguém e, pior, nunca faz qualquer aparição
com uma dama, nada. Revistas especulam sobre sua vida, se ele
seria gay e eu confesso que acreditava nessa hipótese, agora tenho
minhas dúvidas.
A forma como o peguei olhando meu corpo… balanço a
cabeça, como se fosse suficiente para aplacar a comichão que toma
meu estômago. Ele é um mistério que eu gostaria de desvendar,
confesso, ainda que pareça perigoso demais estar no mesmo
ambiente que aquele homem. Aquele olhar… não perde
absolutamente nada de vista.
Olho por cima de minha cabine, onde divido espaço com mais
dezenove cabines, e dezessete delas já estão ocupadas. Somos a
ralé do jornalismo, nem tão ruins para estar fora destas paredes,
nem tão bons para estar no andar de cima e ter uma sala só nossa.
Uma grande merda. Clarisse, que está na cabine à minha frente, me
olha e sorri, retribuo e me encosto na cadeira, soltando um suspiro.
Volto para o computador, tentando finalizar o artigo com a
cobertura sobre a exposição de ontem. Sorrio para a tela ao pensar
que eu sequer queria ir. Ninguém queria, na verdade, sobrou para
mim a empreitada. E já mais tarde, após a saída do senhor Hopkins,
ao esperar um táxi, pude ver um comboio de carros da polícia
passando, não tive dúvidas quando pedi ao táxi para segui-los. Fui a
primeira a chegar à mansão abandonada dos Hopkins e foi
chocante descobrir que a construção vitoriana estava abandonada
há tempo demais após a morte dos pais de Logan. E, por sorte, eu
tinha bateria suficiente para fazer toda a cobertura do lugar.
Busquei toda a informação que podia até que uma equipe
chegasse, mas eu já tinha feito a cobertura completa e ninguém me
tiraria isso, ainda que eu fosse uma estagiária. E, por isso, a matéria
principal foi minha, com Giovanne, um de nossos jornalistas mais
antigos, como coadjuvante, o que ele odiou. Mas era isso ou eu não
daria detalhes do que vi. Foi arriscado tal ameaça feita ao meu
editor, mas sei agarrar oportunidades quando vejo uma e não a
perdi. Ainda mais, por ter visto o próprio Logan Hopkins naquela
exposição e, melhor, por ter uma foto sua a admirar uma das telas.
Tudo se encaixou como um quebra-cabeça, e mesmo tendo
passado a noite em claro, estou sentindo uma satisfação que há
muito tempo não sinto. Tive os meus quinze minutos de fama ao cair
nas graças de Richard. É como dizem, não há males que não
tragam o bem, no fim das contas.
Como se tivesse sido invocado por meus pensamentos,
Richard, meu editor, aparece ao lado de minha cabine como um
furacão.
— Falou mesmo com Logan Hopkins ontem? — pergunta e eu
me ajeito na cadeira, notando a presença de Giovanne logo atrás
dele, com uma cara de quem chupou limão logo cedo.
— Sim, já te dei os detalhes. O que aconteceu?
— Nossas fontes informaram que ele irá ao distrito esta manhã
e quero cobertura completa. — Mas que merda, Olivia não me disse
nada. — Até que se prove o contrário, ele também é um suspeito.
— Falaram isso, que ele é um suspeito?
— E precisam? A mansão Hopkins estava trancafiada a sete
chaves, você mesma disse, é claro que ele é suspeito. Além do
mais, precisamos descobrir em que estado os corpos foram
encontrados.
— Sim, mas assim como os meninos entraram, o malfeitor
também o fez. Não é? — E o que eu estou fazendo?
— Advogada do diabo agora, Arabella? — pergunta com
pouco humor e eu nego. — Não sei e não cabe a mim decidir sua
inocência e, sim, informar a população de tudo o que acontece.
Além de trazer lucro e visibilidade ao meu jornal. Agora anda, anda.
Vá. Cubra absolutamente tudo.
— Eu? — pergunto assustada, já me levantando. A cobertura
da mansão Hopkins foi por acaso, jamais teria sido escolhida para
fazê-la, não imaginei que continuaria no caso.
— Claro. Se conversou com ele ontem à noite, podemos ter
sorte hoje…
— Bem, eu… farei o meu melhor.
— É bom mesmo, Arabella. Os olhos de todos estão sobre
você agora.
— Richard — Giovanne tenta, mas um levantar de mão do
homem com traços latinos e expressão severa é suficiente para que
se cale e saia.
Sinto um tremor alcançar minhas pernas, uma ansiedade e
inquietação sem tamanho pelo que preciso provar. Sou boa, sei que
sim, mas eles não sabem.
— Entende o tamanho da confiança que estou depositando em
você, não é? — Richard me olha atento, meu editor não é alto, diria
que cinco centímetros a mais que eu, mas tem um semblante
sempre carregado, que lhe confere autoridade severa.
O homem é um completo estúpido, um carrasco, por assim
dizer, mas parece que faz a roda girar e é o que importa.
— S-sim.
Ele sai e eu me jogo na cadeira, contemplando minha sorte
recente.  Corro o risco de ver Logan Hopkins de novo. Céus…
 

 
 
Ao som de Clair de Lune, tenho a atenção presa à janela do
carro enquanto os pneus do SUV deslizam por Mayfair. Passei
minha infância neste bairro, um tempo feliz antes de… não importa.
Lembro que meu pai queria conquistar toda a Londres, em especial,
Mayfair, e mostrar para toda a classe aristocrata que ele poderia
conquistar o mundo, mesmo que não viesse de uma família de
grande influência. Ele queria provar isso em principal à família
aristocrata de minha mãe, que não apoiou seu casamento e o
obrigou a roubar sua noiva e fazer um casamento às pressas. Um
escândalo.
E como tanto queria, meu pai fez fortuna, era um homem
inteligente, mas infelizmente foi fraco quando deveria ter resistido e
não viveu o suficiente para realizar seus sonhos ambiciosos, apesar
de, mesmo em pouco tempo, ter feito grande fortuna na época.
Contudo, não me empenhei em continuar seu legado e não sei se
Percy estaria orgulhoso, já que abandonei o ramo de construções e
migrei toda a sua fortuna para um novo empreendimento, na área
da tecnologia e informações. Hoje, a Hop Force é uma multinacional
e referência em seu meio e gosto de acreditar que sim, que ele
sentiria orgulho, afinal, alcancei bem mais do que ele sonhava.
Respiro fundo, afastando a recente lembrança.
Minhas empresas, grande parte, estão localizadas em Mayfair
também, ainda que hoje eu mantenha minha residência em
Belgravia. John estaciona em frente ao distrito e noto, como já
esperado, uma pequena aglomeração de repórteres. Bando de
carniceiros. Como se sentissem o cheiro, eles vêm em direção ao
carro e, em meio a todos, ela se destaca. Arabella.
Estico os lábios em um pequeno sorriso, me aproveitando das
películas escuras para olhá-la. O cabelo está preso no alto da
cabeça, em um coque bem-arrumado, mas simples, o rosto tem um
aspecto cansado e em seus olhos, expectativas transbordam.
Percebo que não foi uma coincidência a escolha colorida da noite
anterior, ela gosta de cores e hoje usa uma saia de cor roxa, com
uma blusinha de mangas, cor-de-rosa, com o casaco curto da
mesma cor da saia. Delicada, ainda que chame atenção demais
com as cores vibrantes.
John abre a porta traseira quando quatro dos meus
seguranças abrem passagem entre os abutres e, depressa, vamos
em direção ao edifício. Mas antes de alcançar a porta de entrada, eu
paro, causando certa surpresa em John, e como se a menina fosse
uma feiticeira, sou puxado em sua direção. Ela ofega, entreabrindo
os lábios, parecendo uma presa assustada com a energia que nos
cerca. Aceno e noto seus olhos se arregalarem.
— Senhor, não seria melhor que chamasse um advogado? —
John se faz ouvir assim que volto a andar, passando pelas portas da
recepção do lugar.
Há alguns policiais espalhados pelo espaço de paredes em
mármore cinza, com um mero balcão na recepção, com duas moças
atrás dele. Volto os olhos para John e o motorista e segurança
parece preocupado.
— De forma alguma, John. Não sou culpado de nada, para que
um advogado? Atestar uma culpa inexistente? — pergunto e ele
nega.
Identifico-me na recepção e noto os olhares sobre mim,
incluindo algumas poucas pessoas que esperam atendimento. Sou
recepcionado com cordialidade pela policial de longos cabelos
loiros, e logo sigo ao seu lado pelos corredores da Scotland Yard.
Fiz esse mesmo caminho quando tinha dez anos e nada parece ter
realmente mudado, a não ser… eu. Tenho o prazer de encontrar à
minha espera o próprio comissário de polícia e sorrio ao me
aproximar. Sir Frederic Wallis é um homem de estatura baixa,
cabelos lisos e lambidos, alguns grisalhos e já está na porta da sua
aposentadoria. Sua falsa cordialidade, porém, não me convence. Ou
talvez seja apenas o meu rancor por sua incompetência falando.
— Senhor Hopkins, como vai?
— Bem, muito bem, Frederic, e me chame também pelo
primeiro nome — peço e recebo três tapinhas nas costas. — Não
imaginei que seria você a me receber — minto, na verdade, eu tinha
certeza de que seria. Seguimos para o elevador, indo para o
segundo andar.
Frederic sempre fica desconfortável ao meu lado, e a caixa de
metal parece intensificar isso, tudo porque, quando era apenas um
policial e precisávamos que atuasse e encontrasse os desgraçados
que mataram minha mãe e irmã, ele não o fez. E sente culpa por
isso, sinto o cheiro dela emanar por seus poros, notando também a
gota de suor que se forma em sua têmpora esquerda, denotando
nervosismo. Ao menos, ele admite sua incompetência.
— Não tenho palavras para descrever o quanto sinto muito
pelo que aconteceu, Logan. Depois de tudo o que passou, ter que
vir aqui por conta disso… enfim. — Saímos do elevador e enquanto
andamos pelo corredor, noto que há quatro portas, todas do lado
direito. Frederic para em frente a uma delas e fico logo atrás dele. —
Sinto muito por isso também, mas precisamos que faça o
reconhecimento.
Olho para os meus próprios sapatos e sei que ele nota a
fragilidade e dúvida que o gesto transparece.
— Tudo bem, não é algo que eu tenha prazer em fazer, mas se
é necessário… além do mais, ainda não acredito que invadiram a
mansão e tenho tanta necessidade em saber quem o fez quanto
vocês — sou sincero, eu realmente não acredito que conseguiram
invadir a mansão que um dia foi de meus pais, que corromperam
algo que me pertence.
Ainda não tinha sentido raiva, apenas pesar pelo que
aconteceu, mas percebendo toda a merda que isso acarretará, a
invasão, uma irritação desmedida começa a tomar meu interior.
— Na sua casa, você quer dizer. — Frederic me encara e o
que diz aumenta ainda mais meu desconforto.
— Aquele lugar nunca foi meu, de fato, Frederic, apesar da
propriedade estar em meu nome. Acho que me entende. — Levo
mais três tapinhas nas costas. E tudo aqui me leva de volta ao
passado, um lugar ao qual não quero estar.
— Sim, meu rapaz, eu entendo. — Sua expressão é de pesar
ao abrir a porta e adentrar o cômodo, dando espaço para que eu
faça o mesmo. Me deparo com algumas pessoas ali, no ambiente
branco em demasia, anticéptico, ou ao menos deveria ser.
Os dois inspetores, que foram à minha casa mais cedo,
completam o conjunto de cinco pessoas, junto a três legistas, dois
homens e uma moça mais jovem. Essa de cabelos pretos, com um
olhar curioso e aguçado sobre mim. Envolta em um uniforme
branco, assim como os outros colegas. Não consigo ver seu rosto
completo, ela está de máscara, mas os olhos são negros e
marcantes. O cheiro que exala na sala me alcança e tapo o nariz
com meu lenço, até receber de Frederic uma máscara.
— Este é Logan Hopkins, que gentilmente veio fazer o
reconhecimento dos corpos encontrados em sua… na mansão de
seus pais — apresenta e aceno para os demais, prendendo minha
atenção no caos do lugar. — Nossos inspetores você já conhece,
Logan, e aqui estão: nosso legista, Jones, e também Taylor e a
senhorita Martinez, técnicos de perícia.  — Respiro, enfadado, gosto
de ir ao que interessa. Mas não perco o parentesco entre a técnica e
o inspetor. — Em dois dos corpos, já começamos a remover o
material que lhes dava o aspecto de bonecos, Logan, o outro ainda
está intacto, como pode ver.
— O que sabem até agora?
— Não podemos dar informações do tipo, senhor Hopkins —
Martinez adverte e o olho, o franguinho mal saiu das fraldas e já
quer cantar, chega a ser engraçado. E não perco o olhar enviesado
que recebe do seu superior.
— Não podemos dar muitas informações, é o que ele quis
dizer, Logan. Até o momento, sabemos pouco. Como, por exemplo,
que pela decomposição, os corpos não foram colocados na mansão
ao mesmo tempo.
— Onde foram encontrados? — Me aproximo dos corpos com
um olhar enojado ao notar a carne apodrecida que já fora exposta.
Um dos cadáveres tem as pernas e virilha sem resina, nu. — É uma
mulher? — pergunto ao notar a falta do órgão genital.
— Oh, não. É um homem que teve o órgão genital decepado.
— Junto as sobrancelhas ao voltar a encarar o corpo na mesa de
necropsia, que começa a liberar secreções. — E foram encontrados
no quarto principal, senhor — Smith informa e anuo, dando a volta
na maca, admirando o trabalho feito até o momento.
— Já sabe quem são?
— Não conseguimos identificá-los ainda. Também não
conseguimos ligar o modus operandi a qualquer outro criminoso já
encontrado. Ele tem uma maneira única de montá-los. Metódico.
Se não fossem da polícia, reconheceria isso como um elogio,
se bem que o é, de certa forma. Pois diria que a moça fala com
certa animação.
— Mas já podemos classificá-lo como um serial killer — o
inspetor irritadinho é quem responde e concordo. Na classificação
clara, um serial tem que matar de forma constante, mais de duas
vítimas, o que é o caso.
— Tem uma diferença — é a moça quem fala, chamando
minha atenção. — Esse aqui, está sem o pau, senhor. Perdão, sem
o pênis. — Sorrio ao ouvi-la e agradeço a máscara que uso.
— E o outro?
— Está intacto.
— E então, Logan, já viu esses rostos?
— Não, comissário. Nunca.
— Isso vai ser um trabalho difícil, mas obrigado por vir, Logan.
— Não há de quê. Não pode me dar qualquer outra
informação? — peço, um tanto ansioso.
— De forma alguma, Logan. — O comissário dá um risinho ao
falar isso. Uma pena.
— Como proceder agora? Afinal, isso não deve ficar impune.
Essa invasão à minha propriedade e, pelo que a moça disse, em
momentos diferentes — indago e já que não há segurança alguma
provida pelas autoridades, penso que devo colocar seguranças na
propriedade. Ou vendê-la de uma vez, já que não tem mais
serventia alguma.
— Claro, claro. Nós estaremos imersos nesse caso, com
minha melhor equipe. Não se preocupe. — Travo os dentes. Já ouvi
essa promessa antes… muitas vezes.
Noto o interesse da jovem mulher sobre os copos, voltando a
examinar cada material e o tecido da pele.
— O que usaram para deixá-lo com esse aspecto? — Minha
pergunta é diretamente para ela.
— Resina. Resina com algo mais…, mas não sei ainda. Penso
que fizeram também o trabalho de embalsamar, mas só saberemos
na autópsia.
— Acho que já viu o que precisávamos, Logan. Melhor…
— Já posso ir à mansão? — corto-o, me voltando para
Frederic.
— Talvez à noite, por ora, é uma cena de um crime bárbaro
que chocou a todos nós. Pense que fizeram sua casa de museu, os
corpos estavam milimetricamente bem colocados, como se fosse
uma exposição, e todo o cuidado é pouco. Não foi por acaso, Logan,
e só precisamos encontrar essa ligação — explica e volto a olhar os
corpos. — Isso aqui é um trabalho de uma Besta, com crueldade
óbvia e tortura, Logan, e não passará impune. Fique tranquilo.
— Uma besta? — pergunto, voltando a encará-lo.
— A Besta de Mayfair… daria um bom nome — a jovem dá a
ideia e parece divertida, recebendo um olhar inquisitivo do
comissário. — Desculpe, chefe.
— Venha, Logan, eu o acompanho.
Anuo, acenando para os demais, me retirando em seguida na
companhia do comissário. A Besta de Mayfair… encaixa bem. Não
perco tempo com Frederic, mal o ouço enquanto o elevador volta à
recepção, me despedindo dele em seguida, que me garante justiça
e respostas. Encontro meus seguranças na saída do prédio, John
pronto para partir e mais repórteres, mais câmeras estão aqui e por
toda a parte. Arabella continua entre eles, alerta, e uma ideia passa
pela minha cabeça e me dou conta de algo. Ligando pontos
específicos. Como as informações dadas ao jornal desta manhã.
Para ter tudo aquilo, Arabella precisava de mais, de alguém. Mais
precisamente, alguém dentro do distrito, por exemplo.
Relembro as informações que recebi sobre ela essa manhã,
tudo o que pedi à minha equipe. Assim que os policiais deixaram
minha casa, algo me fez querer saber mais sobre a senhorita
Tomlinson, saber até onde sua influência poderia ir. E ela não tem
muito a oferecer, qualquer influência, é dispensável. O que me traz a
dúvida de como uma estagiária conseguiu uma matéria como
aquela e como repórter principal. 
Junto ao dossiê com informações suas, havia algumas fotos e,
em uma delas, Arabella estava acompanhada por uma moça,
também jovem, de cabelos e olhos pretos. Ainda que não possa ter
visto o rosto completo da técnica legista, meu palpite é que é ela
quem divide o apartamento com Arabella. Isso explicaria muito.
— Senhor Hopkins, nos dê um minuto?
— Fale sobre o que aconteceu.
— O senhor está envolvido?
São algumas das perguntas que ouço, enquanto meus
seguranças tentam manter todos longe o suficiente. Apesar dos
esforços, os abutres nos cercam e quando tenho oportunidade,
tendo Arabella perto o bastante, pego sua mão e puxo-a para perto
de mim, quando estamos próximos do carro.
— Quer uma entrevista? — pergunto, observando os olhos
surpresos focados nos meus.
— S-sim.
— Então, venha.
Deixo que entre primeiro no banco traseiro do carro, ouvindo a
confusão ao nosso redor aumentar e me coloco ao seu lado em
seguida, fechando a porta e esperando que John nos tire daqui
imediatamente. Tenho meus olhos presos na figura pequena à
minha frente, que parece ainda menor ao se encolher no assento. E
logo estamos sendo guiados para longe do distrito. 
— Senhorita Tomlinson — a cumprimento, estreitando os olhos
para a blusa de tecido delicado. O casaco vagabundo e curto, não
sendo capaz de cobrir os seios.
— Senhor Hopkins, eu agradeço muito por…
— Me diga, onde conseguiu tantas informações sobre o crime,
Arabella? — Dispenso formalidades, olhando em seus olhos. A
moça se ajeita no banco, engole em seco, desconfortável.
— Nunca revelo minhas fontes, senhor Hopkins.
— Logan. Me chame de Logan — peço e vejo-a morder os
lábios, gesto este que desencadeia uma vontade sem sentido de
tocar seus lábios com o polegar.
— Certo, Logan… o que veio fazer hoje aqui? Está sendo
investigado? — Rápida, gosto disso.
— Por aquilo?
— Sim, os corpos estavam em sua casa.
— Não, não estavam. A casa era e ainda é, mesmo que eles
estejam mortos, de meus pais.
— Mas…
Levanto a mão, o que a faz calar, e sei que o meu gesto a
irrita, mas não dou importância.
— Vá para o Sketch, John.
— O restaurante? — indaga, surpresa.
— Conhece outro? — Ela nega e noto o quanto está
desconfortável e sinto a necessidade de melhorar sua impressão. —
Preciso almoçar antes de voltar para a Hop Force, senhorita. Caso
não queira me acompanhar, pedirei a John que a leve aonde quiser
ir. Caso sim, ficarei satisfeito em ter sua companhia.
— Por quê? O senhor nunca é visto com ninguém e agora quer
almoçar comigo, uma jornalista? — interpõe, certeira.
— Quero deixar claro que era a senhorita que estava à minha
espera em frente ao distrito e quem pediu um minuto de minha
atenção. Então, me diga, quem estava atrás de quem?
— Mas… — Levanto uma sobrancelha e ela sorri nervosa,
passando a mão sobre o tecido da saia social, que noto agora, tem
uma lasca até o meio da coxa grossa e torneada. A moça é atenta e
sabe para onde estou olhando, arrumando a saia e sua postura. —
O senhor tem razão. Mas não esperava ser convidada para um
almoço.
— Culpa da convergência de horários. A senhorita quer uma
entrevista, que eu não daria em hipótese alguma em qualquer outra
situação, e eu preciso almoçar antes de voltar para a empresa.
Então…
— Em outra situação, o senhor quer dizer caso não tivessem
encontrado os corpos na sua…  — Ajeito-me no assento e ela
parece notar seu erro. — Na mansão de seus pais?
— Sim. Nunca me pronuncio sobre nada e até o momento fui
bem-sucedido em não o fazer. Mas em algo assim, quando Londres
está chocada, preciso dar uma declaração pública. Concorda?
— Sim, concordo e estou mais que disponível para lhe
conceder o espaço no jornal ou na revista, quando quiser.
— Isso é um sim para o almoço?
— Claro, é um sim com letras maiúsculas.
Ela está feliz e pego-me esticando os lábios em resposta ao
sorriso de orelha a orelha que ela abre em minha direção. Arabella é
simples, falo no sentido de pessoa. O ser capaz de alegrar-se com
uma única rosa, de sorrir com tanta facilidade que choca. Sua
aparente alegria desmedida não foi uma artimanha para se
aproximar de mim ontem, essa é mesmo Arabella Tomlinson.
Simples e fácil de ser desvendada e, ao mesmo tempo, inebriante,
bela.
Como pode uma mulher sem mistério algum causar
curiosidade em alguém?
 

 
    Um magnetismo, algo quase palpável está em volta de
Logan Hopkins. É como se o homem à minha frente, confortável ao
escolher seu prato, fosse um tipo de ímã ambulante. Ainda assim, o
que o torna irresistível é o fato de parecer uma pedra de gelo e, ao
mesmo tempo, dá a impressão que pode me queimar com um
simples olhar. Se bem que… acho que gelo queima, não é?
Atraído pelo meu olhar, ele levanta os olhos do cardápio e me
encara. Olhos azuis gelados e vazios pousados em mim, em feições
esculpidas em pedra. Estática, pega no pulo o encarando, percebo
um leve apertar de olhos, fazendo com que os cantinhos criem
linhas de expressões e, ainda assim, eu continuo olhando-o,
admirando sua beleza quase selvagem.
Logan é perfeito, eu diria, ao menos em minha percepção.
Alto, forte e para me matar de vez, ainda tem cabelos ruivos, de um
tom escuro e corte social. Sempre adorei tons ruivos, em homens
ficam sexy além da conta. A mandíbula quadrada, bem-marcada,
está coberta pela barba bem-aparada, que lhe confere um ar
primitivo, o nariz de tamanho médio e de ponta fina contrasta bem
com a boca rosada, de lábios largos, que ele aperta em uma linha
fina. Mas é esse olhar gélido que faz um arrepio subir por minha
coluna.
— Nunca sorri, Logan? — pergunto e ele aperta mais os olhos,
fazendo uma ruga em meio às sobrancelhas saltarem.
— Acredito que rimos quando é necessário, senhorita
Tomlinson — devolve, usando meu sobrenome, inclinando a cabeça
um pouco para o lado. Pelo visto, voltamos às formalidades.
— A vida parece amarga quando rimos apenas quando há um
motivo. Experimente rir mais, isso irá atenuar essa ruga em meio
aos seus olhos. — Ao me ouvir, ele levanta as sobrancelhas,
suavizando sua expressão e recosta a cadeira, chamando o
garçom.
— Já decidiu o que pedirá? — pergunta e eu gostaria de ter
essa facilidade em mudar de assunto. Pareço até tê-lo ofendido,
pela forma dura a qual sustenta meu olhar. Ou talvez, como Oli
disse, esse é apenas o jeito Logan Hopkins de ser. Já que em
momento algum tive a intenção de ofendê-lo. É apenas um sorriso…
— Ah… eu… — Passei tempo demais olhando para ele e não
sei o que pedir.
— Me permite indicar algo? — pergunta, quando o garçom nos
alcança.
— C-laro. — Eu odeio essa gagueira que me toma sempre
quando o nervosismo me aperta, é irritante e me faz parecer
insegura.
— Para a entrada, um tarte de carpaccio de tomates. E para o
prato principal, risoto de espelta com courgette e ovo 67 — ao
indicar, o garçom já está anotando, como algo natural.  Logan tem
os olhos presos em mim e apesar de estranhar a situação, acabo
por concordar com um aceno. — Para mim, carne vermelha,
malpassada como de costume.
— A bebida, senhor?
— Bebe alguma coisa, senhorita Tomlinson?
— Eu… acompanho o senhor no que pedir.
— Água então. — Bate o martelo e logo voltamos a estar
sozinhos.
— Faz isso sempre? — Ele me olha, parece não entender a
que me refiro. — Escolher o que suas acompanhantes irão comer.
Não parecia estar indicando algo, o garçom já estava até mesmo
anotando o meu pedido — aponto, divertida com a breve confusão
que passa por seu semblante.
— Nunca tenho companhia, senhorita, e talvez, por isso, tenha
me excedido. — Sua confissão me traz surpresa, tudo bem que a
mídia nunca o fotografou com ninguém, mas daí a nunca ter
companhia, já é demais. 
— Não posso reclamar, foi uma boa escolha, obrigada. — Ele
anui e olha a tela do aparelho celular sobre a mesa, que indica uma
ligação, aquele vinco voltando a suas sobrancelhas. — Algum
problema?
— Nenhum — diz, silenciando o aparelho e virando-o de tela
para baixo. — Fale-me de você.
— Ah, e-eu. — O que falar sobre mim? Nada tão interessante.
— Gosto do meu trabalho e… de café — falo e vejo suas
sobrancelhas subirem. Quem diabos diz que gosta de café em uma
situação como esta? Com um homem como este? Pelo amor de
Deus. — Gosto de livros de romance, de preferência os de época,
mas sou adepta a qualquer gênero, enfim, gosto de ler.
— Está lendo algum livro no momento? — Ele parece
interessado e olho para a bolsa que descansa sobre a cadeira ao
lado, e um pedacinho da capa de Ligeiramente Perigosos, de Mary
Balogh, pode ser visto.
— Sim, sempre estou lendo alguma coisa. No momento, estou
relendo uma série de época e adorando como na primeira vez que o
fiz.
— Livros de época? — Logan parece interessado e apenas
confirmo. — Mora sozinha, presumo. — Eu estranho o que diz,
ainda assim, me pego respondendo rápido demais.
— Com uma amiga, Olivia. Dividimos o apartamento.
— Está nervosa. — Não é uma pergunta e olho minhas mãos
emboladas sobre minhas pernas.
— O senhor me deixa nervosa — confesso, por fim, esse é o
efeito Logan.
— Isso é curioso, não parecia nervosa ontem à noite, ao me
abordar na exposição.
— Eu não sabia quem era, então… — Volto a olhar para ele,
que se mantém relaxado em sua cadeira, as mãos entrelaçadas
sobre suas pernas.
— Pode fingir que não sabe, se isso lhe deixará mais à
vontade.
— Mas aí eu teria que abrir mão de minha entrevista.
— Touché, senhorita. — Sua expressão já não é tão robótica,
eu diria que é até divertida, isso se ele sorrisse.
— Vem sempre a este restaurante? — pergunto e olho ao
redor. O lugar é lindo e elegante, para um público como o senhor
Hopkins, rico. Até mesmo as toalhas de mesa em um tecido
acetinado e lisinho transparecem poder.
— Sempre, fica bem próximo à Hop Force, quando não posso
vir, peço que venham pegar o meu almoço. Conheço o chef do
lugar, confio nele para fazer minha comida, por isso, sempre almoço
aqui.
— Confia?
— Claro, estou ingerindo algo feito por suas mãos. Não se
trata apenas de comer, mas também de saúde. A culinária é uma
arte e deve ser preparada e apreciada como tal. Devo confiar nele
tanto quanto confio em meu contador.
— Então… sempre aqui, mesmo? Nunca em qualquer outro
lugar? — Acabo arrancando dele um pequeno sorriso, carregado de
arrogância.
— No Boisdale. Quando me permito sair para jantar.
Sorrio e nego o que diz. Geralmente, não somos dados à
monotonia, vez ou outra é bom mudar, experimentar, mas isso não
se encaixa em Logan. Nada parece se encaixar no homem à minha
frente. Tento me lembrar do restaurante ao qual se refere e o estilo
clássico me lembra este, com a exceção das cores fortes, o que não
é o caso do restaurante ao qual estamos. Aqui, as paredes são
rosa-claro, as toalhas usadas hoje são brancas, e as poltronas de
cor rosa, num tom mais escuro que as paredes. Um pequeno abajur
dourado está sobre a mesa quadrada para duas pessoas. Estamos
sentados no canto direito, ao fundo do local, o que me permite uma
boa olhada no salão.
O lugar de fachada elegante, com tijolos de cor branca, reúne
elegância, arte e boa gastronomia. Há três espaços dedicados a
satisfazer o paladar. O primeiro é uma cafeteria; o segundo, ao qual
estamos, é o restaurante, com espaço amplo. Por último, o bar, ao
qual não tenho ampla visão. No prédio, há também uma galeria de
arte, que um dia pretendo visitar. Algumas pessoas preenchem o
lugar e, apesar de relativamente cedo, já começa a lotar.
— Por que nunca veio aqui acompanhado, se é um cliente
assíduo? — Deixo a pergunta que tanto quero fazer escapar de
meus lábios.
— Não me referi só a este lugar, senhorita, e sim a todos.
Acostumei-me bem sozinho, tenho predileção por minha própria
companhia, apenas isso.
— Isso soa solitário e até mesmo triste.
— Isso, se vir minhas escolhas com sua percepção, por sua
ótica, não pela minha. — A naturalidade com que fala me deixa ver
que é exatamente assim para ele. Como alguém pode ser tão
sozinho? Não é possível.
— Não tem ninguém, senhor Hopkins? Uma namorada, noiva,
qualquer coisa? — O homem sorri em resposta, parecendo
confortável demais.
— Pessoas são distrações. Não gosto de estar distraído,
senhorita. Tampouco, tenho espaço para sentimentos
desnecessários como os que estão espalhados nas páginas dos
romances que lê. Amor e paixão não são para mim, para ser
sincero, compartilho da perspectiva de Platão.
Estática, espero qualquer movimento ou expressão que me
revele o contrário, mas ao dizer essas palavras o canto de sua boca
sobe um pouquinho, denotando nojo de tal sentimento.
— O amor é um sentimento esplêndido, senhor Hopkins, e
necessário.
— Acredito que o amor ou minha vida romântica não estão em
pauta hoje, não é, senhorita?
Engulo saliva com certa dificuldade e anuo. Ele está certo. Não
posso perder tempo com trivialidades, tenho uma chance real aqui e
não posso desperdiçá-la.
— O senhor tem razão, me desculpe. Sobre a noite de ontem
— começo e mordo meu lábio inferior, tirando o casaco de cima da
bolsa sobre a cadeira ao lado, pegando o caderninho dentro dela.
Olho-o, tendo a impressão de que a qualquer momento ele dirá que
não tem intenção nenhuma de responder qualquer pergunta, nem
de cunho romântico, pessoal ou o que o levou ao distrito, mas
Logan se mantém calado, sério, atento. — Quando soube do que
aconteceu?
— Logo cedo. Antes mesmo do café da manhã, tinham dois
inspetores em minha porta. Foi assim que descobri.
— O senhor… — começo e paro, formulando melhor minha
pergunta, sentindo o nervosismo tomar conta de mim. — Ouvi dizer
— de fonte segura, vulgo Olivia, penso, mas deixo essa parte em off
— que os corpos estavam em sua casa há algum tempo, o senhor
nunca percebeu nada de estranho? — Um repuxar de lábios, algo
que quase me passa despercebido brinca em seus lábios e meu
coração acelera.
— Sei que parece estranho, mas ir naquela mansão, estar
dentre aqueles muros, é algo extremamente desconfortável para
mim.
— Por quê? — pergunto, indo mais fundo, já que não vejo
desconforto nenhum ao me explicar isso.
— Posso dizer que a mansão não me traz boas lembranças,
em principal, após a morte de meu pai. — Eu esperava ver qualquer
emoção ao dizer isso, talvez tristeza, mas tudo o que vejo é gelo.
— Sinto muito. Então eram dois corpos e…
— Três. Eram três corpos. Conservados como bonecos. —
Arregalo os olhos ao ouvi-lo, vendo os olhos azuis, agora, mais
escuros. — A choquei com a informação?
— Não, é que…
— Sua fonte não informou quantos corpos eram?
— N-não — respondo, olhando o papel. — Ontem, eu estive
na mansão, presenciei ao longe a retirada dos corpos, mas só vi
dois. Presumi que…
O garçom se aproxima trazendo nossas entradas e, por
segundos, me pergunto por que Olivia não me contou quantos
corpos eram exatamente.
— Parece que sua fonte não é tão confiável. — Engulo em
seco e sinto minhas mãos tremerem levemente.
— Algumas nunca são… — Mordo a bochecha, agora me
sentindo realmente insegura. — O senhor foi chamado para
depoimento? É um suspeito? — Isso faz seus olhos brilharem com
algo um tanto obscuro.
— Apenas para tentar reconhecer os corpos. Não sou um
suspeito — ele fala com segurança, mas eu tenho minhas dúvidas.
Se realmente fosse um suspeito, ele não me diria. — Não os
reconheci, porém. A polícia também não tem nenhuma pista ainda.
É um mistério — explica, colocando o guardanapo em suas pernas.
Imagino a cena e olho o tarte à minha frente, e já não tenho tanto
apetite. — Experimente, senhorita.
Sorrio sem jeito, deixando o meu bloco ao lado.
É apenas jogar a imagem de corpos para o lado, Arabella, e
comer. Afinal, preciso me acostumar a isso — penso, enfim,
pegando os talheres. 

Durante a refeição, evitei ao extremo falar em corpos e


cadáveres, só após comer a sobremesa voltei a perguntar mais
coisas ao senhor Hopkins, que me respondeu sem receio algum,
desde que deixasse sua vida pessoal fora da equação.
— Ainda que não seja um suspeito, como o senhor mesmo
disse, está ciente de que pode ser alvo de investigação?
— Sim, estou. Contudo, é algo necessário, até para que eu
esteja livre de qualquer suspeita.
— Não acha curioso, tentarem fazer da casa de seus pais um
museu de corpos?
— Além de uma afronta, tal invasão. Isso trouxe mais atenção
sobre mim e acredito que, por algum tempo, minha vida será um
tanto agitada.
— Nunca esteve nas sombras, senhor Hopkins. — Sorrio,
apesar de tentar, ele nunca conseguiu se manter alheio.
— Sempre estive na escuridão, Arabella. — E meu nome em
seus lábios soa de forma quase erótica, ou talvez, eu assim quero
ver. — Ainda que não vejam e tentem não permitir, sempre estive lá,
o máximo que me permitiram.
Por um momento, imagino estar usando metáforas, falando de
sua alma, para, em seguida, voltar à superfície e se referir à sua
figura pública.
— Por que saiu do ramo de construções, senhor Hopkins, não
era o suficiente?
— Ainda que morto, meu pai era um peso em minha vida e
escolhas. — E percebo que falar do pai, em momento algum, toca
suas emoções, ele parece um robô sem sentimentos. — Qualquer
caminho que eu tomasse, poderia sujar ou enaltecer o nome de
minha família. Tive sorte, meu pai era um homem rico e me deixou
em boa posição e pude fazer boas escolhas. Mas construções não
eram algo que me chamavam atenção, engenharia, arquitetura,
nada disso. Por outro lado, o mercado da tecnologia e informação
estava em expansão, isso sim era algo que eu dominava e era uma
aposta certa para o futuro. Juntei o útil ao agradável. Diria que tive
sucesso em minhas escolhas.
— Eu diria a mesma coisa. Hoje está entre os homens mais
ricos do país, sua empresa, ainda que jovem, está entre as
melhores. Claro que teve êxito. Diria que o seu pai se orgulharia?
— Diria que estaria satisfeito, apenas isso. — Vejo ajeitar-se
na cadeira, abrindo a caderneta com a conta, que foi deixada sobre
a mesa há pouco, e me dou conta de que ele está encerrando a
entrevista. Pego minha bolsa e busco por minha carteira, mas ele
estica sua mão sobre a mesa e a segura, me impedindo de
continuar. O observo, recebendo uma expressão fechada e pouco
satisfeita ao me encarar. — Não me ofenda ao tentar pagar seu
almoço, senhorita.
— Eu só… — Ele move a cabeça alguns centímetros, meio de
lado, como se me desafiasse a tentar, e pego-me covarde demais
para isso. — Tudo bem — concordo, pouco à vontade com sua
ordem explícita.
O homem à minha frente me deu um vislumbre de quem é.
Logan é alguém sedento por controle, acostumado a fazer tudo à
sua maneira, a ter o que quer, como quer.
Observo quando se levanta e deixa a caderneta ao lado, junto
ao valor, fechando o paletó que abraça seu corpo com perfeição,
uma peça italiana, eu posso apostar, e tem todas as peças que
veste em preto. Também me levanto. Logan indica a saída e sigo a
direção que aponta. Logo, sinto sua presença perto demais e
quando coloca a mão espalmada em minhas costas, me
conduzindo, um arrepio percorre meu corpo, desde o dedo mindinho
até a raiz dos meus cabelos. Chego a errar o passo, vacilante, e ele
percebe, sei que sim, pois o peso de sua mão contra minha pele
aumenta. Engulo em seco. Como ele pode fazer minhas pernas
tremerem com um toque?
Assim que alcançamos a rua, seu motorista, um homem
grande, de feições fechadas e cabeça raspada, nos aguarda,
envolto em um terno e sobretudo pretos, com a camisa social
branca. Paro ainda na saída, vendo o motorista abrir a porta traseira
do carro, e antes mesmo que eu possa vestir o casaco que
descansava em meu braço, Logan o pega, gentilmente o segurando
para mim. O ar aqui fora é frio, mas me sinto queimar ao estar tão
perto, presa em seu olhar. 
— Leve a senhorita Tomlinson ao The Standard, John.
— Oh, e o senhor? Eu não quero atrapalhar, já fez muito ao
me dar uma exclusiva.
— Não se preocupe, ficarei com o reserva hoje — explica,
apontando para o lado e só então vejo outro SUV, idêntico ao qual
viemos, estacionado logo adiante. O outro motorista está atento, já
com a porta traseira aberta e desse não consigo ver seu rosto,
apenas que é alto, magro e tem cabelos escuros em corte militar.
— Eu agradeço, pela exclusiva e pelo almoço, então. Foi gentil
e agradável.
— Disponha, senhorita. — O homem segura a minha mão,
fazendo com que eletricidade se espalhe ao longo do meu braço,
sentindo minha pele formigar. Observo com surpresa ele levá-la aos
lábios, beijando o dorso, inspirando meu cheiro por tempo demais.
Perco a noção de como me mover, de como respirar e meu coração
perde uma batida. — Jasmim? — pergunta, se referindo ao meu
perfume ou ao menos é o que acho. Incapaz de falar e apenas
confirmo com um aceno e observo um sorriso arrogante nascer em
seus lábios quando ele ajeita sua postura, soltando enfim minha
mão. — Até mais, Arabella.
— Logan…
Sem mais, observo-o ir em direção ao outro carro, enquanto
permaneço aqui, como uma estátua. Homens mais velhos, como
ele, nunca me chamaram atenção, não dessa forma. Mas este
homem não é como os outros, tem algo a mais, que me pego louca
para descobrir exatamente o que é. O que me leva a crer que devo
estar fora de mim, pois tais pensamentos não são certos, Logan
Hopkins não é alguém que eu possa lidar ou controlar as emoções
que venha a me fazer sentir. O infeliz emana perigo a cada passo, a
cada respiração, seria insano até mesmo cogitar algo mais íntimo, é
loucura sentir desejo por seu toque, sua boca…
 

 
Movo a caneta entre os dedos ao estar sozinho em minha sala,
após uma pequena reunião a qual quase me atrasei, algo que
nunca, nunca mesmo, acontece, e foi justamente por me deixar
levar durante o almoço com Arabella. Desde que saí daquele lugar
tenho uma sensação estranha comigo, a lembrança incessante do
seu perfume, mesmo que já tenha lavado as mãos. E o seu perfume
me traz a imagem do seu sorriso, da forma como morde o lábio
inferior quando tem dúvida ou insegurança, me perguntando se faz
a mesma coisa ao sentir desejo e isso começa a irritar-me.
Seu perfume ou trejeitos não deveriam importar ou ser levados
em consideração. Arabella tem apenas um papel, o de levar ao
público minha versão dos fatos, a versão certa, já que não tem mais
informações do que as que tenho. A escolha de dar uma entrevista
não foi apenas para esclarecer fatos, pensei que a menina poderia
me dar informações necessárias, já que minhas suspeitas de que
ela divide apartamento com a senhorita Martinez, que vi mais cedo
no distrito, foram sanadas e me decepcionei ao me dar conta de que
ela não tinha nada de novo para me oferecer.
Acredito que sua fonte a privou de algumas informações por
cautela com relação ao seu trabalho. O que é uma lástima. Gostaria
de ter mais sobre o caso, além do que o comissário deixou escapar.
E isso deveria ter me frustrado, assim eu esperava, mas apreciei a
companhia de Arabella, para o meu espanto. Talvez o que me cativa
na menina seja a luz que ela emana até mesmo por seus poros.
Confesso que estou curioso sobre o que irá escrever em sua
matéria, espero que, apesar de jovem, ela entenda o poder que tem
nas mãos e explore a chance que lhe dei. E não, isso não é
egocentrismo, é entender o lugar ao qual ocupo. Em todos esses
anos, mantive minha vida blindada contra escândalos de qualquer
tipo, de problemas que viessem a manchar meu nome em uma
manchete sensacionalista qualquer. Obtive sucesso com meu
intento, não que não tenha ocupado algumas páginas ao longo dos
anos, mas tudo o que saiu na mídia foi relativo à minha empresa e
prestígio, além de algumas especulações sobre minha vida amorosa
inexistente e só.
Com isso, Arabella tem nas mãos o que qualquer jornal em
Londres gostaria de ter. Algo que não pretendo dar a mais ninguém.
Contudo, não esperava que aquele sorriso bonito se entranhasse
em minha cabeça dessa forma e não gosto desse sentimento ou
sensação. Não gosto dessa necessidade em saber mais sobre ela,
sua vida pessoal, e tento entender essa quase fixação que estou
desenvolvendo pela menina. Talvez seja sua espontaneidade, a
liberdade impressa em seu rosto a cada frase ou seu perfume…
Uma batida na porta chama minha atenção e levanto o olhar,
apenas para ver Mary adentrar minha sala. Com uma pasta em suas
mãos. Pego o controle ao lado e abro as cortinas que estavam
deixando minha sala escura, como gosto quando estou sozinho.
— Senhor Hopkins, me desculpe por incomodar, mas o senhor
Fox enviou alguns documentos e pediu para entregar ao senhor,
pessoalmente, e disse ser urgente.
— Urgente? — Levanto as sobrancelhas, solto a caneta sobre
a mesa e vejo a secretária engolir em seco. 
— Sim, senhor, eu não entendi o motivo. No geral, deveriam
enviar ao senhor Darcy, não é?
Mary é nova neste cargo. Alguém que escolhi pessoalmente
pelo bom currículo e destreza que demonstrou na entrevista, nunca
me engano com pessoas, seu caráter, mas começo a ter dúvidas se
é mesmo competente. Minha última secretária esteve comigo
durante dez anos e é por isso que sinto uma leve irritação subir por
meu pescoço agora, por tê-la perdido.
— Se deveriam ter feito isso e não fizeram, por que a senhorita
mesmo não o fez?
— Ah, eu… eu… me desculpe, senhor. Eu farei isso agora
mesmo, só pensei que…
— Dá próxima vez, não pense. Quando pensamos demais,
acabamos enfiando os pés pelas mãos. — A mulher dá um passo
atrás, apertando a pasta sobre o peito. — Me dê a pasta, deixe-me
ver o que aquela raposa quer.
— De novo, me desculpe, senhor. — Sequer a olho ao
dispensá-la com um levantar de mão, abrindo a pasta preta que me
foi entregue.
Um movimento na porta me chama atenção, é John a entrar
assim que Mary está de saída. A secretária me lança um olhar
envergonhado, fruto da insegurança ao ver John entrar sem ser
anunciado. Solto o ar com impaciência, ela aprenderá, não é
possível que tenha me enganado com essa infeliz.
Volto os olhos para os documentos e sorrio ao ver uma pauta
solta, com letras maiúsculas escritas à frente dos demais
documentos. O traço está tremido, minimamente, creio que de raiva
e frustração pela minha proposta de comprar a empresa do grande,
e quase falido, Fox. Onde pretendo expandir ainda mais meus
negócios. No papel, vejo as palavras:
“VÁ SE FODER.
NÃO ESTOU À VENDA.”
Mas vai estar, é só uma questão de tempo ou do comprador
certo.  Fox está falindo, já pegou empréstimos demais com o banco,
já vendeu suas propriedades para tentar sair do buraco que cavou…
só resta vender a empresa. Talvez eu precise tirar o meu nome do
negócio, usar um laranja, pois o problema aqui é sua aversão ao
meu nome. À minha empresa, que vem engolindo a sua.
Jogo a pasta sobre a mesa e encaro John, parado como uma
sentinela em meio à sala. Encosto-me na cadeira e apoio o queixo
entre meu polegar e indicador, o encarando.
— Demorou, John.
— Sim, senhor, precisei levar a senhorita Tomlinson ao seu
apartamento. — Estranho o que diz, ela havia dito que iria para o
jornal. — Sei que o senhor gostaria que eu a esperasse e a levasse
onde ordenou, ao jornal, e foi o que fiz.
É o que eu digo: não pergunte, não pense, apenas faça o
certo.
— Fez bem. Ela disse algo? — pergunto e noto o desconforto
em meu segurança com a pergunta. 
— É uma moça curiosa, senhor, mas gentil.
— A senhorita Tomlinson fez perguntas, estou certo?
— Sobre mim e sobre o senhor, naturalmente.
— De que tipo?
— Se o estava acompanhando naquela noite, após a
exposição de arte, senhor.
Sorrio. A garota é boa, inexperiente ainda, mas tem um futuro
de sucesso pela frente, isso é certo. Na primeira oportunidade, a
menina quis confirmar as informações que eu lhe dei. Infeliz
perspicaz.
— Obrigado, John. Pode se retirar.
— Antes, deixe-me avisá-lo de que há uma fila de repórteres
na entrada do prédio e também na mansão Hopkins, a atual, claro.
— Não esperava diferente. Usaremos a saída lateral, prepare
tudo para sairmos às vinte horas esta noite.
— Como quiser, senhor.
Vejo-o sair e me pego pensando que o único repórter ou
paparazzo que não me importaria em ter em frente à Hop Force é
Arabella Tomlinson.

John estaciona o carro em frente à antiga mansão de meus


pais e observo a casa sem mover-me, voltando há anos,
visualizando um garoto envolto em um pesado sobretudo, o olhar
preso ao nada, o rosto banhado em decepções. Nego a lembrança
e, por fim, deixo o veículo. Inspiro fundo, enfiando as mãos nos
bolsos do casaco, sentindo o vento gelado beijar minha face. Fecho
os olhos, o cheiro é bom, essa é minha estação favorita do ano: o
outono.
A grande construção de duas torres e dois andares, com tijolos
aparentes, se agiganta no terreno logo após a fonte cimentada,
onde no centro há uma estátua de um anjo a segurar um peixe, que
antes esguichava água pela boca e que agora se mantém sujo pelas
marcas do tempo. Não gosto dessa fonte e não sei o porquê. Na
verdade, se eu fosse sincero diria que a odeio por ter sido para ela
que olhei em demasia enquanto retiravam o corpo do meu pai das
escadas e, por isso, tenho repulsa pelo pobre anjo injustiçado. Ainda
lembro quais eram meus pensamentos ao olhá-lo.
Solto o ar, vendo o vapor que sai dos meus lábios se dissipar e
olho ao redor, os jardins deixam claro que o lugar está abandonado
há dois séculos, assim como a fachada em estilo vintage, que um
dia tivera tijolos vermelhos e que agora são tomados por lodo e
raízes.
— Quer mesmo entrar, senhor?
Olho por sobre o ombro, John está próximo, como uma
sentinela dois passos a minhas costas.
— Sim, John, me espere aqui. — Meu motorista anui e subo os
degraus de entrada.
Esta foi uma mansão que passou por gerações antes de ser
comprada por meu pai, sendo originalmente de um antigo conde.
Vim neste lugar aos três anos de idade, minha irmã nasceu aqui e
fomos felizes por algum tempo. A construção é pomposa, elegante
no velho estilo vitoriano, localizada no centro de Mayfair. É uma bela
construção, teria vivido aqui, se o local não me trouxesse
recordações doloridas e uma necessidade única de sucumbir à
escuridão presa em meu peito. Ainda vejo a faixa amarela, que a
polícia deixou, um lembrete para que ninguém se aproxime.
Arranco-a e subo os últimos degraus, empurrando a pesada
porta de madeira vermelha. O cheiro me alcança, cheiro de morte, e
não me refiro ao odor dos corpos encontrados aqui há pouco tempo.
Passo pelo hall de entrada, indo para a sala de estar, com móveis
cobertos por panos brancos, com a lareira ao fundo. Paro em meio à
sala ao fixar os olhos na escada que leva ao andar superior.
Fecho os olhos, ainda posso ouvir os gritos, meus próprios
gritos, ao encontrá-lo aqui, pendurado com uma corda no pescoço.
Abro os olhos e é como se pudesse vislumbrar a cena como um
espectador ao abrir a porta e ver o corpo do meu pai. Ele ceifou sua
vida naquela manhã solitária e sinto muito que tenha sido corajoso
para tanto e covarde para enfrentar a culpa e a dor. Uma dor que ele
fez questão de potencializar para mim.
Amor… não foi suficiente.
Travo o maxilar subindo as escadas, degrau por degrau, como
se um saco de cimento me puxasse para trás. Assim que piso no
assoalho do segundo andar, noto uma janela quebrada. Onde,
provavelmente, foi invadida. Devo confessar que a casa se tornou
um covil perfeito para infrações, uso de drogas e crimes perversos,
acho até que demorou para que se dessem conta disso.
Mantive a propriedade por um ridículo apego emocional. Minha
mãe amava isso aqui, meu pai se orgulhava de sua conquista. Por
isso, a mantive, era um lembrete do que fui, do que me tornei. Ela é,
de certa forma, um museu para mim, com recordações demais. Ou
era, agora todos entraram, emascularam o que este lugar
representou e agora, talvez seja hora me desfazer dela.
Abro a porta da suíte principal, onde encontraram os corpos. O
cheiro podre me alcança, é algo para se embrulhar o estômago,
bem pior do que senti naquela sala da perícia essa manhã. Há
fluidos pelo chão e trago o lenço ao nariz, tapando-o. Acredito que
os vestígios foram deixados quando arrancaram os corpos, pois no
chão há resina e a marca de onde estavam. Três altares foram
feitos, estrategicamente bem colocados no quarto. Uma cadeira está
virada em frente à grande cama de casal, colocada para admirar o
que foi feito aqui. A levanto e me sento, o silêncio tomando conta do
espaço, de mim.
Olho por sobre o ombro, para o lugar onde minha mãe dormia,
me lembrando das vezes que sorrateiramente me esgueirei pelos
corredores para dormir junto a ela. Noites em que a chuva cobria
Londres, junto a raios e trovões que me deixavam apavorado.
Coisas que hoje me trazem conforto, chega a ser confuso. Minutos
se passam em que apenas observo os detalhes, algumas molduras
e arte antigas nas paredes, cobertas por teias de aranha, e perco
tempo demais aqui. Por fim, me levanto e me viro de frente para a
cama com dossel.
— Desculpe, mamãe. Mas penso que é hora de me desfazer
desta casa. Espero que onde estiver, perdoe-me por isso.
Com pesar, deixo o cômodo a passos largos e me distancio do
quarto, passando apressado pelo corredor, a sala de entrada, o hall,
alcançando o ar frio da noite ao ganhar as escadas de entrada.
Sinto falta de ar, meu peito dói e seguro-me na pilastra ao lado,
inspirando fundo, precisando recuperar a sanidade que, por
segundos, me foi tirada. John me olha preocupado, em dúvida se
precisa vir até mim, oferecer apoio. Eu ergo a mão espalmada,
antes mesmo que se mova, e desço os degraus, guardando o lenço
no bolso interno do sobretudo.
— Arrume uma equipe de limpeza, John, e avise a Judith para
começar a buscar uma imobiliária. Penso que chegou o momento de
vender a propriedade. Claro, assim que a polícia terminar as
investigações.
— Tem certeza, senhor?
— Como sempre tenho, John.
Eu sempre soube que este momento chegaria, aquele em que
eu deveria desapegar deste lugar, entender que, às vezes, é bom
deixar o passado no passado. É onde deve ficar.
 

 
Intocável, é como descreveria o senhor Hopkins, um homem
acima de quaisquer suspeitas. Ainda assim, o almoço de hoje
deixou uma pulga gigante atrás da minha orelha e comecei a
pesquisar, mais a fundo, a vida do magnata da tecnologia. O homem
tem uma ficha impecável, junto a um passado um tanto trágico e
doloroso, com isso entendi que Logan tem seus motivos para ter
aquele olhar tão frio. Quando tinha dez anos, sua mãe e irmã foram
assassinadas em um assalto. Não o bastante, seu pai morreu um
mês após a morte da esposa e filha, o encontraram morto pelo que
li.
O pequeno Logan estava sem ninguém, em menos de um mês
ele perdeu toda a sua família, o que conhecia e amava. Logo
depois, foi enviado a um internato, três dias após o velório do pai,
ficando sob a tutela de um tio, irmão único de seu pai e sócio da
antiga empresa de construções. Aparentemente, durante o tempo
que Logan levou para se formar, a riqueza de seu pai quase foi pelo
ralo, fruto da má administração do tio. Ao retornar, ainda bem jovem,
Logan assumiu o comando das empresas Hopkins, que atuava no
ramo de construções. Não satisfeito, o jovem Hopkins desmembrou
a empresa que fora de sua família, vendendo-a, também se desfez
de propriedades e, em seguida, fundou a Hop Force.
Segundo as notícias, ninguém deu nada pelo jovem Hopkins,
ele não viera de uma família próspera de nascimento, perdera o
prestígio que o pai conquistou ao longo dos anos e se tornou
alguém duvidoso para levar adiante uma empresa que daria lucros.
Indo contra o que todos esperavam, Logan ganhou espaço entre as
principais empresas de tecnologia e informação, transformando, em
doze anos, seu pequeno negócio em uma grande multinacional,
chamando a atenção até mesmo da família real.
Ainda aos trinta e três anos, o homem se tornou milionário, um
CEO de sucesso e como um dragão, queimou tudo à sua volta,
passando a comprar empresas menores, desmembrando-as e
voltando os olhos de todos para si. Confesso que tudo o que li me
fez admirar o homem que se tornou, ainda assim, tenho a impressão
de que no fundo de seus olhos há uma tristeza profunda.
Solto o ar em meus pulmões, me lembrando de como sua vida
parece solitária e tudo o que li só reiterou este fato. Todas essas
informações sobre sua vida adulta e tudo o que construiu foram
relativamente fáceis de encontrar. Muito até, mas não há nada,
absolutamente nada de pessoal. Até tentaram especular os motivos
do solteirão mais cobiçado de Londres continuar mantendo esse
status, mas o homem é fechado como uma concha e, para a tristeza
da mídia, nunca entregou nada.
“Pessoas são distrações. Não gosto de estar distraído,
senhorita.”
Sua voz soa em minha mente, na frase dita durante o almoço e
me encosto na cadeira. Logan Hopkins é uma incógnita. Olho a
grande janela na lateral da sala, já é noite, fiquei tão absorta no
trabalho que me esqueci da hora. Olho ao redor, todas as cabines
estão vazias, o tempo voou e eu nem me dei conta. Já são quase
vinte e uma horas… e aqui estou eu, pensando em Logan Hopkins e
me perguntando se a matéria que acabei de escrever está boa o
suficiente, digna dele.
Mordo o lábio, ele estava mesmo falando sério sobre gostar da
vida solitária? Que tipo de homem, aos trinta e oito anos, conseguiu
se manter tão privado ao ponto de nunca ter sido visto com
nenhuma mulher ou homem o acompanhando como par romântico?
O telefone toca ao meu lado, me fazendo pular na cadeira e
engolir em seco. E a essa hora, sei que é Richard, e meu estômago
esfria em resposta. 
— Oi. Digo, Arabella Tomlinson.
— A matéria, Arabella. Já ultrapassou seu limite de tempo,
quero ver o que tem. Me envie de uma vez. — Sua voz soa irritada.
— Em um minuto, Richard.
Desligo o telefone, tomo coragem e envio o e-mail com a
matéria anexa, sentindo minhas mãos suarem em apreensão. Ele
pode não gostar, é um risco, mas fiz um bom trabalho, ao menos
acho que sim. Afinal, consegui algo que nenhum outro jornalista
conseguiu. Me levanto, sem conseguir esperar que me chame e
saio pelo corredor, repleto de cabines vazias, o lugar começando a
parecer assustador a esse horário.
Subo a escada e ao pisar no corredor superior, logo tenho a
visão da penúltima sala ao final e, pela porta de vidro, o vejo
sentado em sua mesa, com os olhos presos ao computador.
Atravesso o corredor com mais seis portas, onde o grande escalão
do jornal faz seu trabalho, percebo que três deles ainda estão aqui e
mordo o lábio, criando coragem e batendo à sua porta. O homem
nem levanta os olhos da tela quando me manda entrar, chamando
com a mão no ar.
Fico parada em frente à grande mesa de madeira, com papéis
demais para análise, todos envoltos em ligas amarelas. Engulo em
seco, prendendo os olhos na estante atrás dele, com inúmeras
edições especiais de livros e revistas de grande valor, e tudo parece
mais chamativo que encarar Richard agora. Juntando toda a
coragem existente em mim, olho-o, e meu editor não parece muito
satisfeito, eu diria. Com o cotovelo apoiado no braço da cadeira, ele
encosta o queixo na palma de sua mão, correndo os olhos pela tela,
até enfim prendê-los em mim.
Nunca me senti tão insegura em toda a minha vida. Na escala
estrutural do jornal, eu estou no primeiro degrau, sou insegura e
inexperiente ainda, ter em mãos tal responsabilidade me deixa em
êxtase, mas também me joga à beira da histeria.
— Bom… tem algumas colocações que podem ser
melhoradas, claro, uma revisão. Não esperava que sua primeira
matéria fosse perfeita. Uma palavra ou outra a ser inserida, outras a
serem mudadas, mas, por ora, está ótimo. — Ele dá ênfase nessa
última parte e meu coração volta a bater descompensado. — Não
sei como conseguiu uma entrevista com Hopkins, Arabella, mas
receba os meus parabéns — Richard olha-me dos pés à cabeça, de
um jeito que me incomoda.
— O senhor Hopkins disse que precisava se posicionar sobre
a tragédia que aconteceu em sua casa e que eu era o único rosto
conhecido em meio aos repórteres que o esperava em frente ao
distrito. Também faço parte de um dos maiores veículos midiáticos
de Londres — vejo-me obrigada a explicar, não gostando do tom
que usou, a sugestão em sua fala.
— Tudo porque trocaram duas palavras na exposição de
Quentin, imagino eu. — Suas sobrancelhas se erguem, os olhos
brilham em malícia e há um sorrisinho em seus lábios. Engulo em
seco, o que ele quer dizer?
— Sim, como já lhe disse.
— Entendo. Seja como for, devo agradecer a sua perspicácia
em saber a pessoa certa de quem se aproximar — tenta, voltando
os olhos para a tela à sua frente. — Isso aqui vai me render grande
comoção. Vou preparar os veículos de informação agora mesmo.
Imagine a manchete: Logan Hopkins. A Besta de Mayfair ou apenas
um homem inocente?
Meu coração que batia descompensado em meu peito para, de
súbito, e não são apenas minhas mãos que transpiram, meus pés
também. Engulo a saliva, buscando minha voz.
— Richard. Aí, na matéria, ele apenas fala como foi saber dos
corpos, um pouco de si — chamo sua atenção, as duas esferas
negras me encarando. — Que não tem envolvimento algum e que
se sente violado, em principal por ter que cogitar vender a antiga
mansão dos pais pelo acontecido — explico e meu chefe estala a
língua, se levantando. 
— Sim, querida, mas o leitor não precisa saber disso, não é?
— E você vai usar a Besta de Mayfair? É um pouco demais —
defendo. Eu prometi algo àquele homem, uma entrevista para que
pudesse se explicar, não fazer disso um show de horrores.
— Nosso informante, dentro do distrito, disse que é assim que
a polícia está se referindo ao criminoso. Um possível serial killer,
inclusive.
Sequer dou ouvidos ao que diz. Minha mente está em Logan,
naqueles olhos incrivelmente tristes e vazios.
— Richard, o homem foi gentil comigo ao me dar essa
entrevista, caso precise de outra ele…
— Em trinta e oito anos, Arabella, Logan Hopkins nunca deu
um parecer, nada além de uma palestra sobre sua carreira há não
sei quantos anos. Acha que ele dará uma segunda entrevista a
você?  Essa é a única e irei aproveitá-la bem.
— Mas eu…
— A menos que me garanta que conseguirá, quando quiser,
uma segunda entrevista, pode sair agora. Tem esse poder sobre o
magnata, Arabella? Se sim, começarei a pensar que já estava em
seus planos ir àquela exposição, até mesmo acompanhada e…
— O que está insinuando?
— Eu? Nada. Estou tentando entender por que quer me
impedir de sutilmente, jogar a nuvem da desconfiança sobre Logan
Hopkins, apenas isso, por que está perdendo o seu tempo e indo
contra minhas ordens. E então, tem meios para isso?
Minhas pernas parecem gelatinas. Sempre ouvi que o mundo
ao qual estava me inserindo era perigoso, que corrompia pessoas
em busca da fama, de algo maior que fizesse seu nome ascender.
Eu mesma quis fazer isso, ao montar a matéria sobre a mansão.
Mas vivenciar algo assim é diferente, não quero que seja dessa
forma.
— Não, não tenho — respondo vencida.
— Está decidido. O sensacionalismo vende, Arabella. O povo
ama uma boa fofoca vestida de notícia, não desperdiçarei de modo
algum o que tenho aqui. Esse título vende e será nosso destaque de
amanhã. Agora vá, vá. Preciso finalizar isso aqui e você, quero que
termine o artigo sobre a exposição de Quentin.
Meus pés pesam, sem querer sair do lugar. Richard volta a se
sentar, editando meu texto, um indício de que a conversa acabou.
Mordo a bochecha, enfim indo em direção à porta.
— Ah, Arabella — chama e paro, segurando a porta aberta. —
Coloque o nome de Logan Hopkins entre os presentes na
exposição.
— Claro, Richard.
Ao sair para o corredor, só consigo pensar em como esse
homem irá me odiar após ler essa matéria.

— O seu chefe é um grande idiota por sugerir isso e está te


sugando, amiga.
— Aquele homem é um dementador medíocre e mercenário —
desabafo para uma Olivia largada no chaise de cor cinza, com uma
taça de vinho em suas mãos. — Estou pior que a sola do chinelo de
Moisés, além de me sentir péssima. Richard vai enfiar aqueles
tentáculos compridos na minha matéria e sabe-se lá o que ele vai
colocar ali. Tem ideia disso? — pergunto retoricamente, me jogando
na poltrona em sua frente, da mesma cor do sofá, continuando o
relato sobre o meu dia.
Cheguei há pouco em casa e a encontrei ainda acordada,
sequer tomei banho, enchi uma taça de vinho e desatei a falar,
insegura sobre o texto final para o jornal de amanhã. 
— Andrei não gostou de saber que saiu com o todo poderoso
— alfineta, bebendo um gole de vinho, me encarando como uma
águia. Esse seu olhar me incomoda, é como se ela pudesse ver
dentro de mim. Um superpoder só seu.
— O seu irmão… — começo, controlando a irritação que esse
nome me causa. — O seu irmão é um grande bundão, Oli, é isso.
Ele não come o prato, mas também não libera a mesa para o
próximo cliente. Tivemos desencontros, claro, mas não nos
encaixamos. O encanto se foi… acho que é isso. E seu irmão é um
idiota e não tem nada do que gostar. O almoço foi por trabalho, um
trabalho que vai me colocar em maus lençóis, tenho certeza disso.
— Ela sorri, mostrando-me dentes certinhos e brancos, como o
irmão. Odeio eles serem tão parecidos.
— Concordo que meu irmão não saiu nada parecido comigo,
um bundão, como disse, e sobre a matéria, se acalme, mulher. Pois,
a menos que o senhor Hopkins seja mesmo a Besta de Mayfair, não
há nada que ele possa fazer contra você, amiga — diz entre risos e
a acompanho.
Sei que este é o meu trabalho e eu sei que não devo me
policiar, deixar que me calem, mas não se trata disso, se trata de
mentir e influenciar a opinião do público contra alguém inocente ou,
no mínimo, alguém que pode ser inocente. E junto a tudo, não quero
que Logan Hopkins tenha uma visão errada de mim. Que se
arrependa do almoço que tivemos. O que é patético.
— Por que me disse que eram dois corpos, Oli? Sei que são
três — mudo de assunto e vejo-a levar a taça aos lábios.
— Eu não disse, amiga, você quem comentou que viu dois
corpos serem retirados na mansão. Eu não neguei, também não
confirmei essa informação. Deixei para te dar mais informações
agora, do contrário, se te desse informações seguras antes, poderia
colocar suspeitas sobre mim. — Ela tem razão, em hipótese alguma
quero que se prejudique por minha causa.
— E acharam algo?
— Nada que aumente as suspeitas sobre o Hopkins, se é o
que quer saber. Se bem que, ninguém além de Andrei suspeita do
homem. Sobre os cadáveres, os corpos estão limpos, sem digitais,
nada. Foi um trabalho perfeito o que fizeram, incrível até — ela fala
com admiração e sorrio.
— Você é louca.
— Não, só apaixonada pelo meu trabalho, só isso — explica,
respirando fundo. — Mas em uma coisa seu chefe está certo,
demos mesmo um apelido para o assassino e fui eu quem escolhi.
— Mas por que a Besta de Mayfair? — Bebo mais do vinho,
sentindo o toque seco hidratar meu paladar.
— A casa fica no centro de Mayfair, Bella, e a Besta é pelo
modus operandi que usa, a crueldade e frieza. Veja que há um
padrão, ainda que tenhamos apenas três corpos para comparar, e
dois deles não têm pênis, o outro sim. E o pênis de um deles foi
encontrado na boca da outra vítima. Costurado ali. — Meu
estômago embrulha. — Além de uma marca comum nos três, em
partes diferentes do corpo, mas que lembra um tipo de flecha ou
arpão.
Isso faz os meus pelos arrepiarem. O mais chocante é
imaginar essa criatura, aparentemente tão delicada, examinar esses
corpos.
— Ele arranca o pênis de suas vítimas e faz elas comerem?
— Sim, enquanto ainda estavam vivos.
— Santo Deus.
— Podemos estar falando de um psicopata, Bella. Amanhã
saberemos mais sobre as vítimas, assim espero, pelo menos, e
ficaremos mais perto de encontrar pistas e pegar o desgraçado. Não
há crimes perfeitos e encontraremos suas falhas.
— E posso dar esses detalhes ao jornal? — Sorrio, já pegando
meu caderninho dentro da bolsa que joguei no chão ao chegar.
— Pode sim. Se esperar muito, não será mais um bom trunfo.
A essa altura, todos no distrito já sabem dos pormenores, não serei
uma suspeita.
— Ótimo. — Bebo o restante do vinho em minha taça e passo
a anotar o que disse há pouco. — E sobre o seu irmão, diga a ele
para cuidar da própria vida.
Arranco dela uma gargalhada e a acompanho, me deixando
levar para um lugar seguro, longe de Logan Hopkins.
Capítulo
 

 
O pincel desliza de forma suave sobre a tela, deixando um
rastro amarelo por onde passa. Estou aqui desde às quatro da
manhã em busca de prazer, que para mim está nos pequenos
detalhes, na arte visual, musical, escrita e gastronômica. Olho ao
redor, inspirando o cheiro de tinta fresca, gosto disso, me remete a
algo conhecido e calmo. O cômodo que mantenho para o meu
hobby é relativamente pequeno, com espaço suficiente para abrigar
algumas telas espalhadas pela sala. Sou fascinado em qualquer tipo
de arte, mas a pintura se tornou meu passatempo principal. O pincel
a deslizar pela tela me causa sensações de conforto, de algo
conhecido ao qual posso controlar.
Afasto-me da tela, deixando o pincel no apoio ao lado,
colocando-o no pequeno recipiente com água, movendo-o ali
algumas vezes antes de enxugá-lo no papel toalha ao lado, sempre
na horizontal para não estragar suas cerdas. Deixo-o sobre o apoio
e em seguida limpo as mãos na toalha em meu ombro. Observo o
trabalho recém-feito, o de uma paisagem, que começa a ganhar
forma. A ideia começou com uma floresta fechada, mas me vi
mudando a rota em meio ao caminho, decidido a fazer o sol enraizar
seus raios por entre as folhagens, iluminando a escuridão ali
presente. Não sou dado a arte figurativa, prefiro a arte abstrata, o
disforme, mas acabo gostando do que vejo.
Olho o relógio em meu pulso e me dou conta de que passei
tempo demais preso entre tintas e pincéis, hora de voltar ao mundo
real. Levo a paleta, uma placa de louça, para o lavatório, assim
como os pincéis sujos. Sou metódico e organizado, por isso nunca
saio daqui sem antes organizar o espaço de forma milimétrica, em
especial meus pincéis. Já que apenas eu entro neste ambiente,
cuido pessoalmente da limpeza do lugar.
 Nocturne de Chopin soa pelo cômodo, em altura média, nada
que fira meus ouvidos. Lavo os pincéis usando sabão neutro e água,
apenas, tendo o cuidado de não ferir as cerdas macias. Enxugo-os
como se deve, sempre penteando suas cerdas, deixando-os
organizados ao lado para secagem. Pincéis devem ser bem-
cuidados, são delicados e, no fim das contas, são uma extensão da
mão do pintor ao colocar em uma tela todos os seus sentimentos.
Como em todos os meus cômodos pessoais, este também é
minimalista e traz um aspecto fechado, com móveis de tons escuros
e paredes de cor cinza.
O cavalete principal ao qual uso fica em meio à sala,
posicionado na luz perfeita, aos fundos, tenho mais alguns menores
com telas já prontas, no outro extremo fica o lavatório e também um
banheiro. Dois armários em cor preta estão colados na parede à
direita, suspensos, onde guardo tudo o que preciso. Tenho um
frigobar abaixo de um deles, de cor vermelho-sangue, que fica ao
lado de uma mesa, esta da mesma cor dos armários, onde
mantenho materiais para novos pincéis, com uma banqueta com
rodas para apoio. Um divã cinza está no outro extremo, próximo à
porta de entrada. No chão, um carpete marrom cobre todo o
assoalho. Contudo, o que realmente toma todo o espaço são as
telas. Tenho algumas expostas na parede, sem moldura, outras
encostadas no canto que em breve serão guardadas no cofre, pois
já não tenho espaço no ambiente, afinal, ainda tenho as telas em
branco. Diria que fiz uma perfeita desorganização bem-planejada.
O lugar tem ótima iluminação, apesar de não parecer a quem
olha do lado de fora do cômodo. Organizo o que preciso e deixo-o,
fechando a porta e indo para a casa principal. Vou para a lateral e
assim que alcanço a sala de estar para me dirigir às escadas, vejo
John aos pés da escada e estanco no lugar por estranhar sua
postura, mais fechada que o normal.
— Precisa ver isso, senhor — diz, me estendendo o jornal em
sua mão.
Então já saiu… sequer preciso folhear para encontrar o que
me interessa. Em destaque, na capa, tem uma foto minha a tomar
grande parte da página, junto a duas menores, uma da sede da
empresa e a outra da antiga mansão com a seguinte manchete:
Logan Hopkins
A Besta de Mayfair ou apenas um homem inocente?
— Inferno! — brado e olho para John, que encolhe os ombros.
— Aquela pequena desgraçada…
Passo os olhos pelos escritos, me dando conta de que a
matéria contém parte do que disse a ela com precisão durante o
almoço que compartilhamos, em outras, deixa subentendido que
estou sendo investigado pelos crimes cometidos na antiga mansão
Hopkins. Me colocando como o principal suspeito. Não foi para isso
que dei a ela essa entrevista. Se for sincero, não a daria se não
fosse ela naquela droga de distrito. O que diabos essa menina
estava pensando?
— Saímos em vinte minutos, John — falo e vou para as
escadas.
Preciso dar um jeito de conter o vendaval que se aproxima ou
é a empresa que sofrerá as consequências.

— Eu quero soluções, White, se fosse eu a resolver essa


merda, não o teria chamado — esbravejo, jogando sobre a mesa o
jornal.
— Hopkins, tenha calma. Deve entender que algo assim já
ganhou o mundo e que uma solução não cairá do dia para noite. Já
estou trabalhando em algo para reverter tudo isso, mas esteja
preparado, é só o começo.
Inspiro fundo, tentando conter a raiva que sinto neste
momento. Ah, Arabella, eu torceria o seu pescoço se tivesse uma
mínima chance.
— As ações caíram 5,8% na última hora. Isso é uma loucura
— Darcy, o vice-presidente da Hop Force, se faz ouvir e eu aperto
minha mandíbula, ouvindo meus dentes rangerem. Respiro fundo,
acalmando meus instintos, minha raiva. Preciso pensar com clareza.
— Hopkins, o que estava pensando ao dar essa entrevista?
— Darcy, não me venha com essa agora. Não permitirei ser
repreendido dentre os muros desta empresa, estejam avisados —
praticamente rosno as palavras, olhando os quatro rostos à minha
frente.
— Quando soubemos da invasão e dos corpos, já estávamos
preparando algo, senhor Hopkins, uma entrevista pública, em frente
às câmeras — Jeffrey, o consultor de imagem da empresa, anuncia.
— Um pronunciamento sobre o que aconteceu é necessário, mas
precisava ser feito de forma segura, que ninguém pudesse inventar
vertentes nas entrelinhas.
Observo-o, ele tem razão, quando levei Arabella naquele
restaurante, eu não estava pensando direito, não era o plano. Por
muito tempo, não agia por impulso, pois ações como tais nos levam
a situações embaraçosas, como essa, e pode trazer uma puta dor
de cabeça. O que me leva a pensar que venho me enganando, pois
o que eu realmente queria era tempo com aquela menina. Tempo
este que agora começa a me custar em libras.
E não me reconheço nesse papel. Tudo o que fiz até ontem,
minhas ações e decisões, todas foram milimetricamente pensadas,
calculando cada risco que pudesse vir a ter. Mas isso, porra, isso eu
não esperava. Aquele demônio travestido de anjo me deu uma
rasteira.
— Arrume isso, Jeffrey. Dê um jeito, pois é por isso que o
tenho aqui. Em breve, acharão outro bode expiatório e esquecerão
essa droga.
— Ou podem encontrar o culpado. Isso seria perfeito — é
Darcy a dizer.
Encosto meu queixo entre o polegar e indicador e me recosto
na cadeira, olhando todos ao redor da grande mesa de reuniões.
Antes mesmo de sair esta manhã, me certifiquei de que toda a
equipe de assessoria de imagem estaria à minha espera, pois
precisamos dar um jeito na bagunça que Arabella Tomlinson me
causou. O problema é que isso já tomou proporções grandes
demais.
 

 
Bato o pé de forma impaciente no porcelanato, sentindo uma
comichão tomar conta de mim enquanto me mantenho sentada na
sala de espera, que me lembra a um hospital, extremamente
asséptica. A cor das paredes é branca, e o porcelanato usado me
lembra mármore cinza. O ambiente é o último no corredor, na
cobertura do décimo terceiro andar, e o lugar parece estar em
polvoroso hoje. Há apenas duas poltronas na recepção, e mais
além, um balcão em mármore, em que uma moça de pele negra e
cabelos impecavelmente presos no alto da cabeça, está sentada,
vez ou outra me olhando com indiferença.
Na porta em frente onde estou há o nome do CEO da
empresa: Logan Hopkins. Esta é minha última tentativa de contato.
Eu poderia esquecer, deixar para lá como Olivia disse, mas algo
aqui dentro me impulsionou a vir à Hop Force e venho tentando,
desde então, controlar o meu nervosismo.
Solto o ar de forma audível, quase desesperada. Uma voz
gritando em minha cabeça que eu não deveria mesmo estar aqui,
mas sou teimosa demais para seguir a razão depois de ler a matéria
que saiu no jornal, que fez meu estômago embrulhar. Olho para o
corredor além da porta de vidro à minha direita, onde há duas salas
de um lado e do outro, uma outra porta, essa sala sendo bem maior,
com cabines, tendo algumas pessoas trabalhando ali dentro. Um
burburinho pode ser ouvido, inclusive.
Uma das portas é aberta e vejo o alvoroço que toma as
pessoas nas cabines dentro da sala ao qual tenho uma visão
privilegiada. O rapaz que bebia água volta correndo para sua
cadeira, chega a derramar água em si, quem estava em pé senta-se
com rapidez, uma moça se queima com café e há apenas silêncio
vindo do lugar que antes estava em polvoroso. Logo percebo o
motivo disso, quando quatro homens deixam a sala e, logo em
seguida, Logan também passa pela porta. Os cinco trocam algumas
palavras, parados no corredor, e percebo que o homem tem um
semblante de pedra ao se despedir dos demais.
Com ombros eretos e postura tensa, acompanho-o cruzar o
corredor, imponente, sem sequer olhar para os lados. A porta de
vidro da recepção é aberta e então ele me vê aqui, e estanca no
lugar. Chega a virar a cabeça minimamente para o lado, o pomo de
adão proeminente subindo e descendo quando volta a andar. Ele
não me dá um segundo olhar, nada, parando em frente ao balcão da
recepção.
— Se livre dessa jovem e depois venha ter comigo. — Ouço-o
e decepção toma meu rosto, minhas pernas chegam a virar gelatina
quando tento me colocar de pé.
Percebo o medo que toma as feições de sua secretária, meu
coração bate forte contra a parede do meu peito e, levada pela
adrenalina que se espalha por meu corpo, enfim me levanto.
— Logan, eu preciso falar com você. Serei breve, prometo e…
— Ele me olha e as palavras morrem em minha boca ao notar raiva
em suas feições, que agora tenho a mesma importância que uma
ameba para ele. O que eu deveria esperar?
— Para você é senhor Hopkins, senhorita Tomlinson — diz,
comprimindo os lábios em uma linha reta raivosa, dando três passos
em minha direção. — Não sei como conseguiu entrar aqui, mas
assim como o fez, saia.
— Não posso — falo em um sussurro e pareço tirar o homem
do eixo de vez.
Chego a dar um passo atrás quando Logan avança em minha
direção, se agigantando sobre mim. O homem segura meu braço
com rispidez, me levando consigo para dentro de sua sala. Me
soltando apenas quando fecha a porta de seu escritório. O lugar
onde segurava queima, espalhando fogo gelado por todo o meu
corpo.
— Sua secretária não teve culpa — defendo-a, temendo por
ela. — Eu trouxe o jornal, mostrei meus documentos na recepção e
menti que tinha uma entrevista com o senhor para uma retratação.
— Ele está de costas, e então se vira. A pouca luz que entra pela
fresta das persianas me permite notar a forma com que aperta o
maxilar.
— Ah, então é mesmo uma boa mentirosa, senhorita
Tomlinson, como eu já imaginava.  
— Não sou mentirosa, apesar do que acabei de dizer, não
tenho o costume de mentir. Entendo que esteja insatisfeito e…
— Insatisfeito, senhorita? — fala em um tom baixo, se
aproximando de onde estou, dou dois passos atrás, mas bato contra
a parede e agora tenho-o a um passo de mim. Me sinto acuada e,
ainda assim, não tenho medo, mesmo notando o quão perigoso ele
parece agora. Teria, se fosse inteligente. — Eu torceria o seu
pescoço pelo que fez, menina. Como pode ver, não é só
insatisfação, acredite.
Ofego, sentindo as pernas trêmulas, meu estômago gelado e
as mãos suando em apreensão.
— A-aquela matéria não foi a que escrevi — balbucio, nervosa.
— Seu nome assina a matéria, senhorita. Ninguém escreveria
algo desse porte e colocaria seu nome ali, estou certo? Mas acalme-
se, pois o erro foi todo meu por lhe dar mais importância do que
merecia. — Suas palavras batem em meu rosto como um soco e,
ainda assim, insisto em continuar:
— O que quero dizer é que houve edições. Entenda, eu sou
uma estagiária, meus textos passam por revisão, por meu chefe e…
— O que quer, senhorita Tomlinson? O que pretende ao vir até
aqui? Um novo escândalo?
— Não, claro que não — tento dar ênfase ao que digo, mas sei
que não surte efeito algum. — Eu vim pedir desculpas. O senhor
confiou em mim e eu… — Ele sorri com escárnio e sinto meu
coração afundar no peito.
— A senhorita só pode querer duas coisas. Primeira: me usar
para ascender sua carreira… — Perco a fala quando ele corta a
distância entre nós. Mais perto, tanto que seu cheiro me enlaça, o
hálito fresco cheira a hortelã e perco parcialmente a noção do que é
pensar ao encarar seus olhos.
Logan inclina a cabeça um pouquinho para o lado, e apenas
um centímetro nos separa agora, engulo em seco, umedecendo os
lábios, presa à sua atmosfera, chego a pensar que ele irá me beijar
quando seus olhos se prendem em meus lábios. Os entreabro, é
instintivo, sentindo os olhos pesarem e é quando sua voz volta a
soar de forma maliciosa:
— Segunda: quer que eu a foda. Me diga, quer que eu a foda
aqui, senhorita Tomlinson, sobre minha mesa? Ou quer os dois? —
Arregalo os olhos como pratos, eletricidade se espalhando por
minha pele, levando meu coração a vir à garganta. Grudo as mãos
em seu peito e o afasto com brusquidão.
— O senhor está me ofendendo — acuso e ele estica os
lábios, prendendo um sorriso em seu rosto, parecendo satisfeito
com o efeito que causou. — Eu vim aqui lhe pedir desculpas
tolamente, lhe entregar isso. — Estico a pasta para ele, notando o
quanto minha mão treme. Ele não a pega e deixo-a na mesinha ao
lado. Sinto tanta decepção que é como se meu coração sangrasse.
Eu imaginei muitos cenários, mas nenhum deles se encaixa aqui. —
O senhor é mesmo como todos dizem — culpo-o, sentindo-me
humilhada e envergonhada. — Eu, eu… sinto muito pela matéria,
mas sinto mais por mim, por ter vindo aqui e pensado que seria
tratada com o mínimo de respeito pelo senhor. Passe bem, senhor
Hopkins.
Deixo-o, saindo pela porta como um rojão, sem olhar para os
lados, sentindo a vontade de chorar preencher meu peito. Entro no
elevador, só então deixando o ar sair de meus pulmões. Sou pura
adrenalina e incredulidade. Eu o beijaria, bem ali, se ele não tivesse
falado aquelas coisas. Meu Deus, eu o beijaria.
A constatação traz lágrimas aos meus olhos. Logan Hopkins é
um grosso, um neandertal, um idiota egocêntrico. Foder… foder…
eu não quero nada além de distância daquele desgraçado
arrogante.
 

 
Sentado na poltrona em frente à grande cama, observo a
mulher sobre os lençóis ressonar baixinho. A lua, que está
particularmente bela esta noite, clareia parcialmente o quarto e noto
que uma mancha arroxeada, em seu ombro direito, começa a
despontar, deixando claro que sou tal qual um animal, sem
conseguir policiar meus instintos por piores que sejam. Em especial,
quando a marquei querendo estar marcando outra, querendo estar
atolado em outra. Querendo estar punindo uma pequena mentirosa:
Arabella.
O encontro de hoje foi desastroso, a forma como a ataquei em
minha sala a feriu e era exatamente isso que eu queria, ferir
Arabella, esmagá-la como um inseto por me trazer grandes
problemas e jogar em minha cara um grande refletor. E, por isso,
fiquei decepcionado ao ter imaginado aquela menina aqui, comigo,
enquanto estava atolado em Isla. Talvez por minha acompanhante
ter os cabelos loiros, como ela, minha mente passou a me pregar
uma peça. Não durou muito, porém, pois quando chupei a pele de
Isla não senti o mesmo o sabor, o mesmo cheiro ou a mesma
quentura. Acendo o charuto e me levanto, nu, e me aproximo da
grande janela.
A vista da cobertura é belíssima, de uma Londres ainda
movimentada e cheia de vida e mais uma vez vejo-me dado ao
arrependimento da forma como tratei a menina mais cedo e não lido
bem com arrependimentos, não lido bem com qualquer sentimento.
Cogitar foder Arabella em alto e bom som, vê-la tão afetada com
minha aproximação, como uma presa rendida, desencadeou uma
necessidade quase palpável de devorá-la. Por pouco, não fiz o que
cogitei, não a beijei, não a tive empalada em meu pau sobre minha
mesa. Foi a raiva em seus olhos, a decepção, quando me empurrou
para longe que me trouxeram de volta à realidade.
Não sei lidar com isso, menos ainda com o pensamento de me
atolar em qualquer mulher que não tenha assinado um contrato para
tal. Isla, a moça a dormir sobre a cama, vem me satisfazendo bem
há dois anos. Uma relação em que quero sexo exclusivo e ela tem
uma boa quantia em sua conta todo mês, mediante um contrato
seguro e bem amarrado que deixa claro o que esperar de ambos os
lados. Com isso eu sei lidar, uma transação de negócios como
qualquer outra. Sempre foi assim, desde que alcancei a maturidade
e descobri que não nasci para romance e conquistas vazias.
Não quero me preocupar com uma mulher que queira ter mais
de mim do que sou capaz de lhe dar. Que queira conquistar-me e
me levar ao altar. Não nasci para tais relações, sentimentos como
esse desde muito cedo se tornaram repulsivos aos meus olhos.
Desde então, passei a ter repulsa por imaginar que poderia
amar novamente. Afinal de contas, por que amar se as pessoas vão
embora o tempo todo, seja para abraçar a morte ou um destino
diferente do seu? Nada é para sempre, tampouco o amor, como as
grandes histórias costumam narrar. A vida real está mais para uma
tragédia Shakespeariana, ainda mais quando se trata de alguém
como eu, fadado a contaminar quem quer que se aproxime. Por
isso, não entendo o que venho sentindo, por que me permiti um ato
de abertura tão grande para aquela menina.
E o realmente me incomoda agora é que tal qual um animal,
eu não consigo controlar meus instintos, e se aquela menina
continuar tomando conta de meus pensamentos, terei que fazê-la
minha. Nos meus termos.
Ouço o farfalhar característico de quem está se levantando e
não preciso me virar para constatar que Isla acordou. Logo, tenho
as mãos macias com unhas grandes e vermelhas a acariciar meu
torso de forma lenta e suave. Seu peito nu encostado em minhas
costas traz uma quentura gostosa.
— Volte para cama comigo… — mia, como uma gata
manhosa. Pego sua mão e a trago para a minha frente, colocando o
charuto no cinzeiro, sobre a mesinha ao lado. Expirando a fumaça
para fora de meus pulmões.
Com a lua a nos banhar, posso ver o trabalho que fiz ao
marcá-la em alguns pontos de suas escápulas, clavícula e pescoço.
Acaricio cada uma delas, fazendo com que acompanhe com os
olhos meu movimento. Isla é uma bela mulher, com longos cabelos
loiros, maiores que o de Arabella, mais espessos também e nada
natural. Os olhos são castanho-claros, a boca fina e rosada é bonita,
gostosa. O nariz médio acentua sua beleza.
— Não machucou — diz, tentando diminuir o que fiz. Mal sabe
ela que não me interessa saber se a machuquei, pois gostei de
marcá-la.
Seus olhos são pura luxúria, é inebriante. Isla sabe bem como
envolver, como me satisfazer, é experiente e usa disso quando beija
meu pescoço, descendo por meu peito. A boceta lisinha de
esfregando em minha perna, molhada, pedindo por mais. Espalmo
minha mão em sua bunda, a arrebitando, a pressionando mais
contra mim.
— Quer que eu te foda de novo, Isla? — A mulher morde o
lábio inferior, olhos lânguidos de desejo.
Desço minha mão por seu pescoço, apertando o bico do seu
seio entre os dedos, fazendo-a pular no lugar antes de alcançar sua
boceta melada de tesão. Ela geme, se abrindo mais, se segurando
em meus ombros ao fechar os olhos, sua pele se arrepiando aos
poucos.
— Abra os olhos, Isla — ordeno e ela obedece, prendendo-os
aos meus, enquanto encontro seu centro de prazer durinho e
inchado, pedindo por mais. Belisco-o, para em seguida circular com
o dedo médio, sentindo o corpo de Isla tremular ao gemer e tentar
puxar a respiração ao mesmo tempo.
— Não está satisfeita, depois de me ter atolado em sua bunda,
Isla? — pergunto e noto os olhos dela se arregalaram para, em
seguida, sorrir.
— Mais que satisfeita, mas quero mais, assim…
Massageio seu clitóris com mais pressão e rapidez, a
penetrando com um dedo, usando sua excitação como lubrificante,
voltando a penetrá-la, enquanto com minha palma massageio seu
clitóris. Sou um homem visual, mas também musical e gosto dos
gemidos que deixam seus lábios. Mordo seu seio, não deixando de
massageá-la, passando a chupar a pele com força, em seguida o
mamilo, sabendo exatamente que a tenho em um limiar, entre a dor
e o prazer. Olho seu rosto, impondo mais força em minha mão e
boca, vendo a mulher se entregar ao prazer doloroso que lhe dou,
gozando, lambuzando ainda mais minha palma. Solto sua pele ao
senti-la mole, e bato com a mão espalmada em sua boceta
encharcada, como gosto. Dar prazer me excita tanto quanto receber.
Olho o seio farto e me delicio com o que vejo. O bico, antes
rosado, está extremamente vermelho. Ficará roxo. Isla tem as
pernas trêmulas, mas ainda me olha com luxúria, descendo os olhos
por meu torso, alcançando meu pau ereto. Vejo-a lamber os lábios,
sei o que fará, mas a intercepto.
— Uma próxima vez, Isla. Preciso ir agora. — Um muxoxo
insatisfeito deixa seus lábios ao me ouvir e ela faz um bico, que me
gera impaciência.
— Ah, não faça isso. Preciso te ter em minha boca, por favor…
— Outro dia. — Seguro seu rosto em minhas mãos, para que
não se mexa enquanto capturo seu lábio inferior, apertando-o entres
os dentes e, por fim, a solto.
— Em dois dias? — pergunta, se segurando no móvel ao lado.
— Talvez mais.
É hora de ir, irritado por não deixar Isla continuar, pois não é a
boca dela que quero em meu pau. Que inferno!

Acabo de receber uma boa notícia. O The Standard terá que


se retratar, mediante as afirmações caluniosas feitas na matéria
sobre mim, há dois dias. Jeffrey foi bem-sucedido em seu intento ao
conseguir a liminar e, na segunda, darei uma coletiva para falar
sobre o assunto nos principais veículos de imprensa. Sobre a
investigação, até onde soube, evoluíram muito pouco, mas nada foi
divulgado ainda. Frederic, por sua vez, revelou que um dos corpos
já foi identificado, mas não me dará nomes ou nada parecido. Se
não tivesse espantado Arabella para longe, seria útil sondar o que
sabe. Mas não é o caso.
Recosto-me na poltrona da biblioteca e solto o ar dos meus
pulmões, o sábado começa a soar entediante. Pela manhã, fui à
empresa e, por volta do meio-dia, preferi almoçar em casa e
continuar a trabalhar por aqui.
Olho ao redor, tudo organizado a esmo, nada fora do lugar,
como tanto prezo. Desde as que cobrem ambas as paredes laterais,
cobertas por livros organizados por cores, de todos os tipos e
gêneros, até minha mesa, ao fundo da sala, que recebe bem a luz
que entra pela janela às minhas costas. Um carpete de cor marsala
cobre o assoalho, criando um bom contraste com os móveis de
madeira preta. O ambiente a criar uma atmosfera acolhedora.
Ainda assim, pego-me inquieto e sei por quê. Tenho tentado
bloquear Arabella de minha mente desde que saiu do meu
escritório, mas ela continua a incomodar-me. Olho para a pasta
sobre a mesa, a que me entregou na última vez que estivemos
juntos, e a pego, deixando de lado as barreiras impostas. Abro-a e
me surpreendo ao ver as páginas escritas à mão, com letras
cursivas bem-desenhadas, levemente jogadas para a direita, o que
me leva a crer que é destra, ainda que não tenha percebido durante
nosso almoço. Algumas palavras foram riscadas, até mesmo
parágrafos, para correção. 
Arabella não me trouxe uma cópia do seu texto, ela me trouxe
o rascunho original, para provar que falava a verdade. A menina não
mentiu e um alívio sem sentido e desmedido se espalha por meu
peito ao ler o que escreveu sobre mim, algo parecido com orgulho
do bom texto que ela criou. Arabella não incluiu nada que não foi
dito por mim, cada palavra escolhida com cuidado, respeitando o
relato original. Abaixo o papel após ler cada palavra e recordo do
momento quando a peguei em minha recepção e praticamente a
arrastei para minha sala. Eu não deveria me arrepender do que fiz,
pois consegui o que queria, a afastei, mas o faço por ela ter ido ali
se desculpar, por se importar a ponto de tanto, se mostrando
alguém confiável.
Não me enganei, no fim das contas.
A menina não tinha por que me procurar. Era seu nome em
destaque naquela matéria, um grande furo, isso a fez se destacar e
tudo o que não precisava era se desculpar. Não tinha por que me
entregar isso. O celular toca ao lado, livrando-me, por segundos, de
Arabella. Atendo ao ver o nome de John.
— Senhor, o jato estará pronto no horário solicitado. —
Demoro alguns segundos para me dar conta do que está falando.
— Sim, claro, John. Já pode se deslocar, só me deixe a par de
quem ficará em seu lugar.
— Como quiser.
Desligo o celular e antes mesmo que possa pensar em algo,
uma batida na porta soa suave.
— Entre — peço, voltando a fechar a pasta ao ver a sra.
Aniston passar pela porta, impecavelmente bem-vestida em seu
uniforme.
— Senhor, acabaram de ligar para confirmar a entrega de duas
obras de arte que será feita pela galeria Maison. 
— Confirme e… — Algo passa pela minha cabeça e pego um
papel e caneta, olhando o relógio ao meu lado. Dará tempo. — Peça
que façam a entrega o mais rápido possível, pois tenho pressa. 
Estou indo contra tudo o que acredito, me deixando levar pela
impulsividade, tentando consertar algo que quebrei. Uma boa cola
deve resolver. Além do mais, pode ser bom reverter o que fiz, assim,
posso dar dois passos atrás e ter de novo Arabella ao meu alcance,
tentar ter acesso às mesmas informações que ela sobre o caso
recente. Se estão próximos de encontrar os culpados ou falharão
miseravelmente.
 

 
Deitada em minha cama, tenho os olhos presos ao teto de
gesso branco. Mantenho-me na velha posição de defunto, com as
mãos sobre o peito ao vislumbrar as possibilidades da vida. Sempre
me coloco nessa posição quando preciso pensar, e hoje me deixo
embalar ao som de Vienna, de Billy Joel, o tipo de canção que te
abraça. Pois pensar é o que tenho feito desde que deixei a Hop
Force, e parece não ter sido suficiente para aplacar a decepção que
sinto. E estou ciente de que a minha decepção é por ter criado
expectativas sobre Logan Hopkins, e ninguém, absolutamente
ninguém é responsável por expectativas de outrem, a culpa é
estritamente minha, por esperar demais de pessoas a ter de menos
para oferecer.
Fui uma completa idiota ao pensar que ele me ouviria, Logan
não tinha motivos para isso. Sou uma jornalista, é o que amo fazer e
deveria segurar a barra quando ela arrebenta e coisas do tipo
viessem a acontecer, não sair correndo para dar explicações e pedir
desculpas. Sou uma bela fraude, isso sim. Ainda mais por estar
decepcionada comigo mesma, quando deveria estar radiante por ter
ganhado notoriedade dentro do jornal, por ser vista. As coisas estão
funcionando, no entanto, estou me sentindo suja por caluniar aquele
filho da mãe arrogante.
Essa manhã fui cobrir uma suposta aparição da duquesa da
Cornualha, que não aconteceu. Depois disso, não voltei ao jornal,
vim direto para casa e gastei toda a energia movida a puro ódio com
relação a Logan Hopkins limpando o meu apartamento. Desde
então, me tranquei no quarto, ainda que esteja sozinha, já que Olivia
está de plantão, apenas para ter certeza de que não verei ninguém
hoje.
“Me diga, quer que eu a foda aqui, senhorita Tomlinson, sobre
minha mesa?”, A frase soa em minha mente outra vez, como vem
acontecendo há dois dias, e traz com ela um rastro de fogo por todo
o meu corpo.
Santo Deus… só de pensar nas palavras rudes que usou, sinto
um frio se espalhar por meu estômago, minha boca seca e sinto
uma necessidade quase palpável de me tocar e imaginar como seria
ter aquele homem me… fodendo. E é irracional pensar isso depois
da forma que me tratou. E isso me deixa tão confusa, como nunca
estive antes. Tudo aconteceu de forma inesperada e eu não tenho
por que pensar em Logan Hopkins me fodendo depois do jeito que
me tratou. Isso seria loucura.
Sento-me na cama ao ouvir um barulho por cima da música e
desligo o dispositivo que estava conectado ao meu celular, podendo
agora discernir que alguém está batendo em minha porta. Penso em
ficar aqui, caladinha, até que vá embora, mas minha consciência
aponta que pode ser algo para Olivia, já que não estou esperando
nenhuma entrega, muito menos visitas. Olho para mim mesma, não
vendo necessidade alguma em trocar meu pijama para receber
alguém que não foi convidado. Saio do quarto direto no corredor e
vou em direção à porta. Dou um passo para trás ao encontrar um
homem que seria facilmente confundido com um armário, se não
fosse o terno que usa, com um semblante amarrado.
— Senhorita Arabella Tomlinson? — pergunta, a voz grossa
criando eco nas paredes do corredor e não me passa despercebido
o grande pacote em suas mãos.
— Sim, sou eu.
— O pacote é para a senhorita — explica, me oferecendo o
objeto grande e quadrado, envolto em uma embalagem parda. Eu
não recebo, apenas nego.
— Mas eu não pedi nada, senhor. — Procuro um crachá,
qualquer coisa que me diga de onde saiu. — Acredito que houve um
engano.
— De forma alguma, senhorita. O senhor Hopkins foi
extremamente preciso em suas ordens. — O que diz enfia-me gelo
goela abaixo, deixando os cubos em meu estômago, que vai se
espalhando por todo o meu corpo.
— Hop… — As palavras morrem em minha boca, enquanto
tento controlar as batidas descompassadas do meu coração. O
nome de Logan, dito por ele, me causa curto-circuito, apenas isso
explica minha inaptidão em mandar que devolva o pacote ao dono.
Seguro o embrulho e recebo também um pequeno envelope
amarelado, enquanto vejo o armário à minha frente dar meia-volta e
ir embora. Pareço uma estátua, meu cérebro parece ter congelado
quando volto para dentro, fechando a porta atrás de mim. Engulo
em seco ao olhar para o embrulho bem-feito, me perguntando o que
se passa pela cabeça daquele homem para me mandar isso, ou
como descobriu meu endereço.
Como ele pode me tratar daquela forma e hoje me mandar um
presente deste tamanho? Ele é maluco?
E eu imagino que seja, mas estou surpresa demais e com
medo de abrir, tanto o embrulho quanto o envelope. Coloco o objeto
sobre a ilha da cozinha pequena, mordendo a parte interna da
minha bochecha. Penso em não abrir, é o certo a se fazer, e olho a
redor, perdendo algum tempo encarando a geladeira pequena à
minha frente, próxima de três armários suspensos de cor branca,
com um balcão embaixo dele, que divide seu espaço com micro-
ondas, forno e algumas gavetas.
Me afasto, sem coragem alguma para ir adiante. Ouço a
fechadura e olho para o corredor vendo Olivia passar por ela e sorrir
para, em seguida, confusão tomar seu rosto ao olhar de mim para o
embrulho sobre a ilha.
— Por que essa cara e o que é isso? — Como explicar para
ela? Olivia deixa a bolsa sobre o sofá e para ao meu lado, ambas
olhando o embrulho. — Vamos só ficar olhando?
— Quem me mandou isso foi Logan Hopkins — explico e o
envelope parece queimar minhas mãos e recebo de Oli um olhar
surpreso, em expectativa do que estar por vir, parecendo animada
demais. Claro, eu não contei a ela sobre o nosso último encontro.
— Amiga… você dobrou o senhor Hopkins com esse olhar de
virgem inocente?
— Não me enche, Olivia.
— Só tome cuidado para não cair apaixonada. Seria idiotice e
um péssimo negócio.
— Eu não quero nada com aquele homem, satisfeita? Isso
aqui, eu vou mandar de volta pra aquele… aquele arrogante de
merda.
— Ui! Eu te ajudo a enviar de volta, mas antes, vamos ver o
que é. — A mulher some pelo banheiro e olho o envelope em
minhas mãos, notando o formato das letras de forma ali, me
perguntando se foi ele mesmo a escrever meu nome no papel.
Volto ao momento quando uma tesoura é colocada em frente
ao meu rosto, por uma Olivia risonha e eufórica, e engulo em seco
quando me aproximo do embrulho bem-feito demais e começo a
cortar o papel e logo consigo ver o que me parece uma moldura, em
dourado envelhecido, ali dentro.
— Meu Deus — profiro em choque, reconhecendo a pintura
que me enviou.
— Arabella, o que você fez?
— Eu… eu não sei — respondo, perdida, pois eu não fiz nada
e não entendo por que ele me mandaria este quadro. — Eu… Olivia,
este quadro custou cento e cinquenta mil libras, eu estava lá quando
reservou as duas obras. E agora ele está me dando?
— Sim, parece que sim. Isso sim é inusitado. — E ela ri, o que
me deixa ainda mais nervosa.
— Isso é loucura — quase grito, entrando quase em desespero
por ter essa fortuna sobre a ilha da minha cozinha.
— O envelope, abra — me incentiva, parecendo pouco
preocupada com o que está acontecendo aqui. Atônita, busco pelo
envelope descansando sobre a bancada, o papel treme em minhas
mãos quando começo a ler.
Não é para menos. Eu saí daquela empresa imaginando que
nunca mais veria esse homem frente a frente, que aquele
egocêntrico de uma figa não queria me ver nem pintada de ouro e
agora, ele me envia um dos quadros que comprou na exposição, a
pintura de corpos, como ele mesmo chamou. O mesmo que
ressaltei, entre todos, que fazia mais sentido para mim, ainda que
bem disforme. Engulo em seco ao começar a ler, tentando controlar
as batidas do meu coração.
“Arabella,
Espero que aceite esse presente como um pedido de
desculpas. Fui rude com a senhorita, deveria tê-la ouvido e nos
poupado desse mal-estar.”
Ah, ele acha mesmo? Nego, fazendo uma careta ao ler essa
parte.
“Lembro que gostou da peça, das cores, talvez a partir de
agora a senhorita passe a apreciar a arte contemporânea, o abstrato
de cada traço incerto e que possa desculpar-me ao apreciá-la.
H. Logan.”
— O que ele fez com você, por que tá pedindo desculpas? —
Olivia pergunta e engulo em seco.
Ela sabe da matéria, de toda a comoção que isso causou,
inclusive, no departamento de polícia. Olivia me contou que o
comissário ficou uma fera, mas eu não disse a ela que fui até a Hop
Force e conto agora — omitindo algumas partes — o que aconteceu
ali e, ao contrário da bronca que eu esperava, ela sorri.
— Ele quer você, Arabella.
— Não seja ridícula, Olivia. Sei do meu valor, sei que sou uma
jovem bonita, padrão demais para passar despercebida, mas daí a
conquistar o interesse do magnata? Acho difícil. Não fale besteira.
— Eu discordo…
Sou salva de responder sua pergunta quando meu celular
toca, me chamando de volta ao quarto para pegá-lo e sou seguida
por Olivia. Vou em busca do aparelho sobre a cama e um número
desconhecido brilha na tela. Mordo o lábio ao imaginar quem pode
ser, e munida por um breve rompante de coragem, atendo a
chamada.
— Olá, Arabella. Espero que tenha recebido meu presente. —
A voz grossa, rouca e convidativa soa assim que o atendo e faz os
pelinhos do meu braço se eriçarem.
— O senhor sabe que sim e…
— E espero que tenha esquecido o que aconteceu outro dia —
me interrompe antes que eu termine o que ia dizer. — E que aceite
o presente como um pedido de desculpas. — A forma de falar,
cantando cada sílaba de um jeito calmo e pausado, me tira do
prumo.
— Poderia ter mandado flores, senhor Hopkins, seria mais
normal.
— Não sou dado ao comum, Arabella, vai perceber isso. Além
do mais, flores morrem.
Ao velar uma promessa de futuro, ao dizer que irei perceber,
sinto meu coração montar em um cavalo e ganhar caminho em meu
peito, chegando a espalhar adrenalina por todo o meu corpo. Olivia
senta-se na minha cama, animada como uma criança, mordendo o
canto da unha.
— Não posso aceitar seu presente, desculpe, mas…
— Não aceito recusas, Arabella. A obra é sua, se me devolver,
novamente irei mandá-la para ti.
— O senhor não pode fazer isso, tem limites para…
— Tenho um convite a fazer, Arabella — corta-me, e a frase
morre em minha boca e pareço esquecer como é formular um: vá
para a puta que o pariu.
— O q-quê? — gaguejo em resposta, vendo uma Olivia de
olhos arregalados a tentar ouvir o que ele diz a seguir.
— Aceite sair comigo, como um pedido de desculpas.
— Sair com o senhor? Está louco? — O meu choque aumenta
a cada frase sua, enquanto a idiota à minha frente faz um sinal
positivo, para que eu aceite o convite.
— De forma alguma. Pego-a em uma hora. — Logan não
conhece limites, é fácil perceber isso.
— Eu não disse que sim.
— Também não disse não e, por isso, presumo que esteja
cogitando aceitar, ou não perderia tanto tempo comigo. Mandarei
um motorista para pegá-la, esteja pronta.
— O senhor… — Não tenho tempo para finalizar o que ia dizer,
ele desliga, me deixando como uma tola a olhar a tela do celular.
Eu não vou a lugar algum com esse homem, seu ego é capaz
de me sufocar, caso eu aceite. Ainda estou em negação quando
ouço a campainha tocar, mas não me movo. Olivia é quem sai do
quarto para atender e me sento em minha cama, sentindo as pernas
tremerem como varetas verdes. Eu não posso aceitar, não é? Isso é
loucura.
— As surpresas não acabaram, Bella — Oli volta a falar,
entrando no quarto, segurando duas caixas em sua mão, brancas,
uma grande e outra menor.
— Você está de brincadeira, não é?
— Não estou. Não faço ideia do que seja isso, mas é Prada.
— Meu Deus! — solto em um muxoxo, enfiando o rosto em
minhas mãos. — Eu não vou aceitar o convite que ele me fez, Oli.
Vou pegar tudo isso e mandar entregar na empresa dele ou, sei lá,
na puta que pariu.
— Não sem antes vermos o que tem aqui. Tá maluca? —
Olivia coloca as caixas sobre a cama, mas não me dou ao trabalho
de olhar, gemendo em um misto de incredulidade e desejo de
passar por cima da forma que me tratou em seu escritório e aceitar
o seu convite, mesmo sabendo que nada de bom pode vir de um
homem como ele.
— Não me interessa o que tem aí, Olivia. Aquele homem é
um…
— Filho da mãe que sabe escolher um vestido — me corta,
causando arrepios por minha espinha.
— Um o quê? — Encaro-a e a vejo segurar um vestido longo,
de tecido pomposo e macio, com um decote reto, de alças finas
delicadas e saia rodada, com uma lasca que vai até o alto da perna.
Já nas costas, outro decote, esse bem mais cavado, que vai até a
base da minha coluna. E confesso, a peça de cor vermelho-sangue,
viva e vibrante, é linda  — Ele… ele me mandou um vestido?
— Não um vestido, Bella, mas O VESTIDO. Olha isso! —
exclama, colocando o vestido em frente ao seu corpo, rodopiando
no quarto, e eu quero chorar.
— Isso é coisa de gente louca, Olivia.
— Ah, Bella, eu achei gentil. É o mínimo, depois do que houve.
— Eu não a reconheço ao olhá-la com horror. Eu preciso de alguém
que concorde comigo, ora bolas, que me ajude a enfiar tudo isso
goela abaixo naquele ogro, não alguém que o ache gentil. — Bella,
ele não disse para onde iria te levar, não é? — Eu confirmo e ela
continua segurando o modelo em frente ao seu corpo. É perfeito e, à
luz da lâmpada, percebo pequenos pontos de luz no tecido. — E se
for um lugar chiquérrimo?
— Coloque isso dentro da caixa, Olivia.  — Me levanto e pego
o vestido de sua mão, começando a dobrar o tecido. — Vou mandar
de volta junto ao quadro.
— Espere, tem também as sandálias e uma bolsa no outro
embrulho e… meu Deus, Arabella. — Engulo em seco, olhando o
salto agulha, com bico quadrado, prateada, com pequenas esferas
peroladas a enfeitá-la. Junto, uma clutch, na mesma cor da
sandália, e minhas bochechas esquentam. — O que esse homem te
fez exatamente? — Não entendo o que diz e ela explica: — Você é
a criatura mais gentil do mundo, Bella, até foi a Hop Force para que
ele te desculpasse e o que me contou, não é o suficiente para sentir
tanta raiva, ao menos que tenha mais e você não me contou tudo.
Ele tentou algo contra você? — Seu semblante muda, ficando mais
sério ao cogitar isso.
— Ele… ele me disse coisas grosseiras, me tratou como uma
interesseira, foi isso. Fui lá para explicar algo e fui enxotada como
uma barata, isso é mais que suficiente.
— Ah, amiga, você queria o que depois da matéria? — ela
defende e a olho feio. — O homem não dá entrevistas e no dia que
faz isso, para você, Richard arma aquele circo todo. As ações da
Force até mesmo caíram com as notícias.
— É, eu sei. Eu sei. Mas ele não tinha esse direito. — Seguro
o tecido macio contra o peito e inspiro o cheiro de novo. É bom. 
— Não é querendo bancar a advogada do diabo, porque
concordo que o infeliz é um arrogante de marca maior, apesar de
lindo. Mas, Arabella, o jornal o apontou como o principal suspeito,
quando ele nem sequer foi investigado. Isso é realmente demais,
amiga. — O que diz mexe comigo, pois sei de tudo isso. Ainda
assim, a forma como me olhou, como se referiu a mim, me tirou do
eixo.  — E agora ele está se desculpando, e apesar de exagerar
nisso, o gesto foi fofo.
— Não vou sair com ele, nem que me mande uma obra de um
milhão de libras, Olivia.
— Pois eu acho que deveria ir. Se quer dar uma dura nele e
dizer o que pensa, mandá-lo à puta que o pariu mesmo, como disse,
deveria ir e fazer isso pessoalmente, vestindo Prada.
O que ela não sabe é que não sei se sou capaz de mandá-lo à
puta que pariu se olhar naquele mar revolto e convidativo que são
seus olhos.

No horário em que disse que viria me buscar, o armário, o


mesmo que me trouxe o quadro mais cedo, estava em minha porta,
me esperando. Não era o mesmo motorista do outro dia, ainda
assim, por ter sido ele a trazer o quadro mais cedo, eu o segui até o
carro estacionado em frente ao meu prédio, esperando que quando
abrisse a porta traseira para mim, eu pudesse ver Logan à minha
espera. Não foi o caso, o interior estava vazio e odiei quando me
senti murchar bem ali, sozinha ao ser conduzida para sabe Deus
onde. É ainda mais estranho quando o motorista nos leva para uma
pista de pouso particular, adjacente ao principal aeroporto da
cidade.
— Aqui?
— O senhor Hopkins já nos espera na pista de pouso,
senhorita — responde impassível e parece uma estátua esculpida
em mármore, de feições severas. Benjamin, foi esse o nome que me
deu, tem olhos castanhos marcantes e cabelos negros, em corte
militar. Com traços rudes, o que me lembra um ex-fuzileiro.
Meu estômago tem um iceberg em seu interior, evidenciando
meu nervosismo. Eu não sei bem o que eu esperava, mas isso, com
certeza não, e, a essa altura, tenho minhas mãos geladas e meu
coração aos saltos. O carro é estacionado próximo a um jatinho de
grande porte e eu não acredito que estou mesmo aqui, que deixei
Olivia me convencer dessa loucura. O homem no volante deixa o
carro, dando a volta, abrindo minha porta e Logan Hopkins é a
primeira pessoa que vejo, vindo em minha direção.
Paraliso quando ele para em minha frente, com olhos presos
em mim e me estende a mão, em um convite, um que eu não aceito
de imediato. Fico de pé, alisando a saia do vestido e engulo em
seco, enquanto seus olhos percorrem meu corpo de forma lenta e
minuciosa e, por fim, parece apreciar o que vê, sua escolha. Ele
está lindo em um terno preto, a camisa social da mesma cor, assim
como o sobretudo, apenas a gravata destoa, de cor vermelha, no
mesmo tom do meu vestido. Perfeito, com uma aura obscura a
rodeá-lo.
O tempo parece mais lento, o ar rarefeito. Olho para a palma
estendida, de dedos longos bem-cuidados e algo em meu íntimo diz
que eu preciso voltar para o carro e sair daqui, correr para casa,
enquanto a outra parte, a vagabunda, diz que posso ir em frente, é
só um jantar ou algo assim.
— Arabella? — Sua voz me traz à razão e então dou um passo
à frente, segurando sua mão ao me afastar do carro.
O vento que me brinda arrasta frio por meu rosto e cubro as
partes que estão à mostra, pois visto um casaco branco sobre o
vestido. Olho além de Logan, vendo a equipe de voo à sua espera.
E parece surreal ao me voltar para ele.
— Agora sou Arabella, senhor Hopkins? — Dou ênfase no
senhor, como me pediu que o fizesse há dois dias, e vejo seus
lábios se esticarem em um sorriso mínimo, arrogante.
— Não é alguém que perdoa fácil, é, senhorita? — pergunta,
encaixando minha mão em seu antebraço.
— Não, não sou, senhor. Por que me trouxe aqui e para onde
vamos?
— É uma surpresa.
— Não gosto de surpresas — deixo escapar, admirando o
entorno, há algumas aeronaves pousadas ao longe. Logan acena
para o que imagino ser o piloto, pelo uniforme.
— O vestido ficou perfeito em você, está linda, Arabella —
elogia e olho para mim mesma. Eu queria discordar, queria sim, mas
ele realmente acertou o meu tamanho. O vestido parece abraçar-
me.
— É um vestido bonito, senhor Hopkins.
— Serão três horas de viagem, quer mesmo manter toda essa
formalidade? — questiona, parando a meio caminho da nave, seus
olhos chegam a se apertar ao indagar.
— Foi o senhor quem pediu, senhor Hopkins. Lide com isso.
Seu sorriso aumenta, como se ao dizer isso, eu o colocasse
diante de um desafio. E sua última frase fica presa em minha mente,
três horas de viagem até onde? Só espero que eu consiga mandá-lo
ao inferno ou, no mínimo, dizer que estou irremediavelmente
decidida a não o perdoar.
 

 
Arabella é fácil de decifrar, cada sensação está estampada em
seu rosto. A menina é quase um brinquedo que a luz muda de cor a
cada mudança de tempo, é transparente demais, o que é bom, no
fim das contas. Assisti o quanto ficou deslumbrada, ainda que
tentasse não demonstrar, ao levantarmos voo e ela poder ver toda a
Londres.
Seu silêncio soando reconfortante. Ao notar que estávamos
saindo do país, seu semblante mudou e pude ver certo desespero
em sua face, lutando contra a necessidade de se manter inatingível,
controlando sua curiosidade. Ela continua presa à janela, já eu
estou vidrado em sua imagem, capturando para mim cada mínima
mudança de expressão. A menina não usa muita maquiagem, mas o
que usa, em especial o batom vermelho, acentua sua sensualidade.
— Não compartilhar comigo para onde vamos pode ser
caracterizado sequestro, senhor Hopkins — observa, me olhando de
esguelha.
— Não a obriguei a entrar no jato, se é essa sua acusação. —
Ela dá de ombros, voltando a olhar pela janela, que já não lhe dá
uma grande vista, pois a noite já nos brinda.
Faço um sinal para a comissária e não demora para que ela
nos traga o jantar, surpreendendo Arabella.
— Achei que íamos jantar em algum outro lugar.
— Não estamos saindo de Londres para jantar, Arabella.
— Uma exposição de arte, talvez? — tenta, de forma astuta,
levantando a sobrancelha. — Ou é mesmo um serial killer e planeja
me raptar? — Estico os lábios, raptá-la não seria uma ideia tão má
assim.
— Andou bem perto com o seu primeiro palpite, mas não.
Agora coma, escolhi frango ao molho de pêssegos, espero que
goste. — Ela nega, apertando os lábios em linha reta. — Algum
problema?
— Tem tudo do jeito que quer sempre, senhor Hopkins?
— Acredito que não, Arabella, do contrário, você estaria me
tratando por Logan e já estaria comendo.
— Parece que não podemos ter tudo, não é, senhor Hopkins?
— Atrevida de uma figa.
— Eu discordo. Mais cedo ou mais tarde, eu sempre tenho
tudo o que quero, Arabella. — A menina tenta esconder o efeito que
minhas palavras têm sobre ela, mas a pele arrepiada deixa claro
que a afeto.
Estamos sentados em lados opostos, sua poltrona à minha
frente e a pequena mesa de apoio é colocada entre nós. Arabella
nada diz enquanto seu jantar é servido. Ela arruma a alça do vestido
e o gesto captura minha atenção. Sua escolha foi prender os
cabelos apenas de um lado, tendo-o caindo em cascatas pelo lado
direito do seu pescoço, em dado momento ela joga parte do cabelo,
que a incomoda, para trás e percorro com o olhar o pescoço bonito,
parando em seu colo. Arabella já não veste o casaco de antes, me
dando uma bela visão de seu corpo dentro da peça que escolhi. O
decote a valorizou, a cor do vestido deixou sua pele mais chamativa,
ressaltou ainda mais o verde de seus olhos. O modelo muito justo
na parte de cima e rodada na saia lhe caiu com perfeição, como
imaginei.
— Enviarei para o senhor o quadro pela manhã. Estar aqui,
não é um sim para aquela loucura.
— Algumas pessoas iriam gostar, Bella — chamo-a pelo
apelido, o mesmo que disse gostar na primeira vez que a vi e noto a
forma como o peito sobe e desce depressa. — Aceite e me
desculpe pela forma que a tratei. Não apareceu em um bom
momento, eu estava deixando a reunião na qual tentávamos conter
os danos que a matéria causou não só a mim, mas à minha
empresa e sócios.
— Mas eu estava ali para explicar sobre a matéria, que não fui
eu a fazer a edição final e o senhor mal deixou-me falar.
— E agora eu acredito em você. Li seu rascunho e entendi o
que disse, inclusive, na matéria me viu de forma melhor do que
mereço.
— Não tenho dúvidas disso, senhor Hopkins. Mas as coisas
que me disse… — Tenta, o rosto ficando vermelho como pimenta ao
se lembrar das palavras que usei.
— Foram grosseiras, a magoei — a corto. — Vi isso em seus
olhos no momento em que ouviu minhas palavras e, por isso,
merece um gesto grandioso como pedido de desculpas.
— O senhor não pede muitas desculpas, não é? — pergunta e
essa é a primeira vez, desde que saiu do carro, que vejo o desenho
de um sorriso em seus lábios. Algo que a deixa ainda mais bela.
— Sinceramente? Não me lembro qual foi a última vez que o
fiz.
— É um homem arrogante, senhor Hopkins. — Meu nome é
dito de forma desafiadora e gosto disso.
— Prefiro dizer que sou um homem ciente do meu poder,
senhorita — falo e abocanho uma fatia de frango, sentindo o sabor
agridoce se espalhar por meu paladar sob seu olhar aguçado. —
Um pouco seco, mas saboroso, concorda?
— Para mim está bom. Não vai mesmo me dizer para onde
vamos?
— E estragar o suspense? De forma alguma.
Ela respira fundo, vencida. A menina é um deleite aos olhos e
começo a ter fome de outra coisa, que nada tem a ver com o frango
em meu prato.

— Por que Bruxelas? Compromisso de negócios? —


questiona, enquanto o carro corta as ruas da capital.
— Não tem nada a ver com negócios, Arabella. — Noto que as
sobrancelhas se juntam, enquanto morde o lábio inferior. O gesto
manda eletricidade por minha pele, me traz a vontade, quase uma
necessidade, de arrancar a menina de seu assento e ser eu a
morder os lábios vermelhos e convidativos.
Meus olhos se prendem ali, em como fica ainda mais vermelho
quando ela o solta, agora marcado por seus dentes. Nego o
pensamento, controlando o desejo. Chegamos há pouco e John que
já estava aqui, à minha espera, nos pegou no aeroporto. Logo
estamos estacionando em frente ao teatro, a fachada esplêndida a
chamar a atenção de Arabella. Sou o primeiro a sair do carro
quando a porta é aberta e ofereço o braço a ela, que me olha tempo
demais até aceitar meu contato. Achei que seria mais fácil tirar essa
resistência de seu semblante.
— O Le Monnaie… — sussurra, olhos presos na fachada
imponente, brilhando em contentamento e expectativa.
— Gosta? — Ela me encara e brinda-me com um sorriso
aberto, livre de qualquer decepção.
— É perfeito.
— Que bom que aprecia.
Conduzo-a para dentro do prédio, enquanto a menina olha
tudo ao seu redor, parando em alguns momentos para admirar as
pequenas esculturas em mármore pelo local, encantada, e confesso
que gosto da ideia de ser eu a lhe proporcionar tal coisa. Subimos
as escadas cobertas por um tapete vermelho, o local está cheio,
como imaginei, pessoas demais em pouca afetação.
Vamos direto para a cabine reservada para nós, sem querer
prender-me em uma conversa com um eventual conhecido, e
entrego a ela um pequeno binóculo prateado, para que possa
apreciar melhor o espetáculo. O lugar nos dá uma visão perfeita de
todo o palco lá embaixo, no centro do salão. O prédio é antigo, sua
decoração clássica é mantida a esmo, assim como as cores. O tom
claro, pastel, está por toda a parte, menos dentro das salas. Aqui
estamos entre paredes em tom vermelho-escuro, com proteção
acústica e pilastras e parapeitos dourados. As poltronas são da
mesma cor, acolchoadas e confortáveis. E apenas toda a decoração
interior já é um espetáculo à parte.
Ajudo Arabella a se sentar e o sorriso bonito não deixa seus
lábios nem por um mísero segundo.
— Qual peça iremos assistir? — pergunta, eufórica.
— Iremos ver La Traviata, uma ópera inspirada em uma peça
de teatro parisiense; A Dama das Camélias. — Noto certa decepção
ao me ouvir, uma peça teatral com certeza a agradaria mais. — Não
gosta de óperas?
— Nunca vi uma, sendo sincera.
— Hum, que seja sua primeira vez, então. Será especial.
— Por estar com o senhor? — Ela é sarcástica ao dizer isso e
eu nego.
— Não. Uma ópera é algo único, uma arte que transcende o
material e é capaz de alcançar nossa alma, por mais longe e escura
que esteja. Há lugares que somente uma nota musical é capaz de
alcançar, Arabella, e a ópera faz isso, pois pode ser sentida pelo
pior dos miseráveis, apreciada e adorada. A voz do artista de uma
ópera já nos traz a nota musical perfeita, celebrando um casamento
de almas com os instrumentos certos. Contudo, também pode ser
odiada para aqueles que não são capazes de entender sua
grandiosidade, sua beleza crua. É sua primeira vez e só há duas
vertentes a qual seguir: irá amar ou odiar, por isso o momento se
torna tão único — explico e vejo-a engolir em seco. — Como eu
disse, será especial.
— Como pode ser tão sensível à arte e tão… tão…
— Tão?
— Egocêntrico e prepotente com relação às outras pessoas?
Ela arranca de mim um sorriso verdadeiro, algo que percebo
que venho fazendo com muita frequência. Arabella é alguém de
coração bondoso, gentil, uma luz constante ao encarar minha
escuridão. É quase como poder tocar o sol e, por segundos, penso
ser indigno de tocar uma alma como a dela.
— A arte não fere, Arabella, não corrompe, não é cruel, não
mata e não engana. As pessoas sim.
— Não generalize, senhor Hopkins. O mundo ainda tem
salvação, não é justo consigo mesmo guardar tanta aversão a
pessoas, algumas podem te surpreender.
— Eu estou contando com isso, Bella. — Meus olhos capturam
os seus, agora mais escuros, sob a fraca luz da cabine e é ela a
cortar nosso contato, olhando por sobre o ombro.
— Não tem mais pessoas?
— Não aqui. Gosto de privacidade.
— Reservou a cabine inteira? — diz, em negação, como se tal
coisa fosse loucura.
— Esperava algo diferente? — Ela sorri, nervosa.
Começo a cogitar lhe fazer uma proposta que talvez não
aceite, apenas para tê-la em minha cama. Para poder provar seu
sabor, ter seu cheiro viciante ao me abraçar. Em troca, posso
colocar o mundo aos seus pés.
— O senhor é louco. — Sorrio, vendo-a colocar o pequeno
binóculo, correndo sua atenção pelo lugar, rindo em alguns
momentos com o que vê. — Com quantos anos aprendeu a gostar
de ópera? — pergunta, curiosa.
Arabella me pega de guarda baixa, pois se refere às
lembranças que gosto de ter e revisitar sempre que posso.
— Assisti à minha primeira ópera com minha mãe, uma ópera
baseada na vida de Pinóquio, e foi um espetáculo cheio de cores,
próprio para deixar uma criança da minha idade embasbacada. Eu
tinha dez anos. Ela adorava óperas, era uma alma bondosa e
apaixonada por arte, La Traviata era sua favorita e, para mim, foi
natural aprender a apreciar, em especial porque me lembra ela.
Minha mãe era alguém apaixonada por música, tocava piano a
maestria e aprendi com ela a apreciar a arte como um todo. Cada
expressão, seja em livro, música ou pinturas. — E falar dela me traz
a imagem dos olhos azuis-água, belos e sempre risonhos.
— O senhor também toca?
— Não tão bem quanto minha mãe, mas sim, toco piano e
arranho na arpa. Fazia aulas quando criança.
— Quem diria — cantarola e sua atenção muda para o palco
quando as luzes se apagam. — Ah, vai começar.
Ainda me prendo alguns segundos em seu rosto, a forma
ansiosa como espera o início do espetáculo e, em seguida, sigo seu
olhar para o palco. La Traviata vem tocando a alma das pessoas
desde 1853, é uma obra-prima feita por Verdi, considerada uma das
maiores óperas de todos os tempos, em uma história de amor e
tragédia, dividida em quatro atos. A encenação começa, a música
soa e passo a relaxar ao ouvir cada nota e sopro, apreciando não só
o espetáculo que lotou o teatro, mas também Arabella, presa ao
palco, com um pequeno sorriso nos lábios. Uma de suas mãos
segura o pequeno binóculo, a outra está apoiada no braço de sua
cadeira, apertando-o.
O espetáculo é esplêndido e a cada segundo nos emociona de
forma diferente e retrata a injustiça da vida e seus julgamentos, mas
ao meu lado outro espetáculo acontece, um mais silencioso, que é
assistir Arabella entregue à performance pela primeira vez. Seu
peito chegando a descer e subir com rapidez a cada acontecimento
contado nos palcos. Em um dos momentos altos, de forma que
sequer percebe, Arabella segura meu braço, o apertando. Olho sua
mão sobre a manga de meu paletó e engulo a saliva, penso em
afastar seu toque, mas ela me olha e sorri, de forma perfeita,
encantada e me paralisa. Incapaz de afastá-lo e ao mesmo tempo,
incomodado por me sentir tão bem com ele.

Uma pequena comoção se faz ouvir, após os aplausos


incessantes ao final da apresentação quase perfeita. Se não fosse
um pequeno deslize na nota musical já ao final. Já perdi as contas
de quantas vezes assisti a La Traviata e talvez por isso tenha
percebido a falha, ainda assim, cada vez é única à sua maneira.
Essa se tornou diferente por estar acompanhado de Arabella.
Quando estava à sua espera no aeroporto, cheguei a cogitar que
era um erro o que estava fazendo, que tê-la comigo por tempo
demais me deixaria desconfortável em certo momento, mas não foi
o caso e gostei de sua companhia.
— E então, o que achou? — pergunto, curioso para saber sua
sensação ao assistir uma ópera pela primeira vez.
—  Magnífico. — Os olhos dela brilham ao falar, empolgada. —
Foi de uma sensibilidade incrível e por mais que eu não seja fluente
em italiano, consegui entender toda a apresentação e sentir cada
pequeno sentimento cantado ali. Uma pena o final, mas… uma
tragédia emociona tanto quanto um final feliz. — Concordo e aprecio
a visão sensível que tem. — Obrigada pelo convite, se não fosse o
senhor, jamais pensaria em ir a uma ópera e não saberia o que
estou perdendo.
— Disponha sempre.
Levanto-me e estendo a ela minha mão para que faça o
mesmo. Arabella aceita e ao colocar-se de pé a menina se aproxima
em demasia, muito perto, seu cheiro me abraça e me leva a um
lugar que não quero ir. Causando em mim o desejo de prová-la,
aqui. Seus olhos estão cravados em meu rosto, e meus dedos
coçam por tocá-la, indo ao encontro da sua bochecha. Mas é ela a
quebrar o contato, se afastando. Deixo minha mão cair rente ao
corpo outra vez e vejo-a colocar uma mecha de cabelo atrás de sua
orelha, olhando para qualquer lugar que não seja meu rosto.
— Vamos? — pergunta, ajeitando a saia do vestido.
— Por gentileza — ofereço e ela passa a andar à minha frente,
indo em direção à porta da cabine aos fundos. Não sei bem quando
acontece, quando meus instintos ganham a batalha, mas acontece
de forma rápida. Puxo-a pela cintura, colando seu corpo ao meu e
prensando-a contra a parede ao lado da porta. Olhos verdes
arregalados agora me fitam assustados. Potentes, expressivos e
lindos. — Temos um problema, Arabella — falo e vejo-a engolir em
seco.
— Q-qual? — A menina não tem noção alguma do perigo, pois
umedece os lábios, deixando-os ainda mais convidativos e
desejosos.
— Quero provar seu sabor e tudo o que eu quero, eu pego,
sem pedir permissão. — Arabella ofega com o que ouve e não lhe
dou tempo para pensar, para se afastar, reivindico sua boca,
explorando seu sabor. E é algo único e precioso, doce como
imaginei que seria.
Emolduro seu rosto com minhas mãos, aprofundando o beijo,
roubando seus lábios apenas para mim. Ela geme e pego tudo o
que quero, o que posso, capturando sua língua e sugando-a,
sentindo seu desejo derrubar cada uma de suas barreiras. Braços
delicados circulam meu pescoço e, como se possível, a aperto mais
contra mim e exploro cada centímetro de sua boca, suculenta. Seu
gosto ainda é melhor do que o esperado e espalha brasas por meu
corpo, espalhando uma excitação dolorosa. Foder Arabella aqui,
agora, não era uma opção, sequer é lógico, mas é o que meu corpo
quer. Capturo seu lábio inferior, mordendo-o, não o suficiente para
marcá-la, mas basta para que acorde do transe que nos envolvemos
a olho nu.
A menina se afasta, olhando-me com assombro, amparando
as duas mãos em meu peito e me afastando minimamente.
— O senhor… o senhor… — Arabella me empurra com mais
força e me deixo ir para longe dela. — Eu não sou uma coisa a qual
pode pegar quando quiser. Se acha que fui ao seu escritório porque
queria isso, está muito enganado. Não pode me ter, senhor Hopkins,
pois eu não quero que tenha — diz, altiva. Sorrio, isso é quase um
desafio, um que eu quero vencer.
Aproximo-me, mas não a toco.
— Me diga, senhorita, não quis me beijar? Não a obriguei a
nada, e fui correspondido. A senhorita sente essa energia entre nós,
isso é claro, está estampado em seus olhos, em sua pele — falo e
deixo meus dedos correrem a pele macia de seu braço, sentindo-a
arrepiada. Seu corpo pede algo diferente de sua razão, eles brigam
em seu olhar. As bochechas parecem brasas.
— O que…
— Foi um prazer incomensurável tê-la comigo esta noite,
Arabella, mais ainda poder prová-la, tão doce e deliciosa quanto
imaginei. Espero que aceite os meus mais sinceros pedidos de
desculpas. — Um pequeno passo e quase colo meu peito ao seu,
que sobe e desce descompassado. — Claro, referente ao incidente
no meu escritório, pois não me arrependo do que acabamos de
fazer aqui. Poderia, inclusive, ir mais longe do que apenas um beijo.
— Sua boca se abre ao tentar balbuciar algo sem coerência.
— Está me deixando confusa, senhor Hopkins.
— A senhorita também me deixa confuso. Acredite. Vamos? —
Ofereço o braço a ela, sentindo a quentura que emana quando o
aceita.
Arabella ainda não sabe, mas sua rebeldia em me afastar só
aumentou a fome que trago em mim.
 

 
A viagem de volta foi silenciosa, mas não desconfortável, e
quando pousamos em Londres já passava da meia-noite. E, ao
contrário de como foi no jatinho, aqui, dentro do carro, sinto a
necessidade de falar algo, o silêncio se tornando incrivelmente
incômodo e desconfortante. Logan tem sua atenção no celular,
parece trocar mensagens com alguém, o que me deixa curiosa em
quem poderia ser, dado o horário. Não preciso ir muito longe, pois
meus pensamentos mais que depressa me dão logo uma
alternativa: uma mulher. Chego a sorrir com as sensações que esse
pensamento me causa, pela pontada de ciúme latente que pouco a
pouco toma forma em meu peito. Isso é loucura e ando fazendo
loucuras demais na última semana.
Olho-o de esguelha e ainda posso sentir o calor de seu corpo,
a vibração, seu beijo e tudo isso manda ondas perversas de desejo
e excitação direto para o meio de minhas pernas. Não sei o que
esse homem quer, a única coisa que sinto é que emana perigo, algo
em seu olhar e uma coisa é certa: isso atrai algo em mim, de forma
intensa, pois tudo o que quero, agora, é que me beije outra vez.
Sou uma tremenda confusão no momento e claramente não é
minha razão que está no comando. O carro está estacionado em
frente ao prédio onde moro e me movimento para sair, mas paro,
quando a mão grande circula a minha.
— Nos dê um minuto, John — pede e não demora para que
estejamos sozinhos novamente e um frio cortante perpassa minha
espinha, um prenúncio.
Logan se ajeita no assento, ficando meio de lado, me
encarando. Eu seguro minhas mãos, sentindo-as suar em resposta.
Seus olhos passeiam por meu rosto, pousando em meus lábios, os
umedeço e isso o faz apertar os olhos, minimamente, para em
seguida esticar os lábios em um pequeno sorriso.
— Nunca fiz isso — fala e me surpreende no processo.
— Isso o quê, senhor Hopkins?
— Levar uma mulher ao teatro, depois trazê-la de volta à sua
casa e me despedir. Não sei bem como isso funciona. — Eu sorrio,
penso que está brincando, mas a forma como me olha sério, me diz
o contrário.
— O senhor está brincando comigo, não é?
— Eu não brinco, Arabella, nunca. — Engulo em seco ao ouvir
a seriedade com que diz isso, vendo-o inclinar a cabeça um
pouquinho para o lado. — Mas o que mais me confunde nisso tudo,
é ter gostado de sua companhia. Desde o início, o convite era para
que me desculpasse pela forma que lhe tratei, para seguir as coisas
como gosto. E devo confessar que achei que seria deveras
inconveniente tê-la por tanto tempo junto a mim. Mas não foi.
Eu abro a boca para falar e demoro a entender aonde quer
chegar, as nuances em sua frase. Pois não sei se isso é um elogio à
minha companhia ou não. Sua sinceridade me confunde. 
— Resolveu ir ao teatro de última hora? — Opto por um
caminho seguro, tentando entender como conseguiu os lugares para
dois de última hora, já que não foi nada planejado.
— Não, me permito muito pouco agir por impulso, a menos
quando a senhorita está envolvida, pelo jeito. Mas já tinha planos
para apreciar a ópera, mas confesso que tinha me esquecido, dado
os últimos acontecimentos, e sequer iria se não fosse pela
senhorita. — Logan pega minha mão ao dizer isso, passando a
brincar com o único anel que trago no dedo médio. Uma argola
fininha, com um pequeno cristal em cima. — Disse que a confundo,
saiba que não menti quando disse que faz o mesmo comigo.
— Não entendo como. — Sinto que Logan está jogando uma
rede e que se eu chegar mais perto, cairei e não poderei mais sair.
— Quero mais da senhorita. — Essa sinceridade a qual usa,
crua, me desconcerta, arrastando calor por todo o meu corpo. —
Jante comigo amanhã, em minha casa, Arabella.
— O que… o que quer dizer com querer mais de mim? — Seu
sorriso se expande, predatório e um frio toma conta do meu
estômago, indo para meu baixo ventre, fazendo com que eu aperte
as pernas em resposta.
— Isso vai depender do que a senhorita está disposta a me dar
— fala, de forma lenta, cuidadosa e quase engasgo.
— Senhor Hopkins…
— Logan. Vamos parar com isso, me chame de Logan. — Isso
soa como um comando e engulo em seco, reformulando o que ia
falar.
— Logan, sua intensidade e sinceridade me tiram do eixo e
não sei como reagir a isso. Eu ainda estou digerindo a noite de hoje,
o… beijo — falo e sinto minhas bochechas esquentarem. — Não sei
se um jantar seria o melhor no momento.
O homem se aproxima, a mão deixando a minha e vindo de
encontro à minha cintura, me tirando do meu assento e me
colocando em seu colo, sem me dar tempo sequer para pensar.
Ofego, segurando seus ombros, a boca entreaberta, meu coração
aos saltos, seu cheiro me amparando. Um cheiro amadeirado, junto
a couro, hortelã em uma junção perfeita misturada ao cheiro de terra
e tabaco, que me remete a charutos. Meu pai adorava charutos e
por isso o cheiro me é familiar, ainda que diferente.
— A senhorita sente isso? — pergunta e não rejeito seu toque
quando ele afasta uma mecha do meu cabelo e mergulha seu rosto
ali, na curva do meu pescoço.
Minhas pernas viram gelatinas, meu baixo ventre responde à
mordida que dá na ponta de minha orelha, enviando pequenos
choques por meu corpo, enquanto arrasta os dentes e a língua por
meu pescoço, inspirando meu cheiro. Céus…
— Me diga que não sente essa necessidade tanto quanto eu
sinto, Arabella — sussurra em minha orelha, espalhando arrepios
por todo o meu corpo. — Me diga que não quer tanto quanto eu.
Pois já não aguento esse cheiro de fêmea que exala sem que prove
seu gosto.
— Não posso — sussurro.
Enlaço seu pescoço com meus braços e sua boca alcança a
minha. Algo suave, sua língua a provar meu lábio, escorregando por
ele de forma lenta, tortuosa. Entreabro meus lábios e ele os invade,
de forma nada contida, como se quisesse tomar-me para si. Como
se quisesse me possuir aqui mesmo e, pelos céus, estou a perder a
sanidade e pedir que faça exatamente isso. Uma de suas mãos
sobe por minha coluna, grudando meu peito no seu e sinto uma
necessidade imensa de buscar por atrito, apertando minhas pernas
uma na outra, apressada, necessitada. Com os lábios junto aos
meus, sinto-o rir, não entendo o porquê, até sentir sua mão se
embrenhar por baixo da saia do vestido.
Eu deveria recobrar minha consciência, mandá-lo parar, mas
eu não consigo, e quando sua mão chega ao lugar que deseja,
Logan para de me beijar e me olha de forma interrogativa. Meu rosto
queima, minha pélvis clama por ser tocada e eu engulo em seco.
— A calcinha marcaria o vestido — explico, sem fôlego, e
posso jurar que o ouvi rosnar quando sua mão se embrenha por
minha nuca, segurando meu cabelo, sua boca passando a me
devorar e sua mão, enfim, se enchendo com meu sexo.
Vendida ao que sinto, abro mais as pernas, dando a ele livre
acesso, deliciada com cada nova sensação que me desperta. Os
dedos hábeis me exploram, me tomam, e eu me esfrego contra sua
palma, sentindo sua boca descer por meu pescoço e alcançar a
parte exposta do meu busto. Estou irremediavelmente rendida a ele
e quando Logan me olha, liberando de forma lenta um dos meus
seios, ao abaixar a alça do vestido, meu coração salta em meu
peito, direto para suas mãos.
Ele abocanha meu seio como uma criança faminta, o
engolindo e exigindo o que tenho para dar. Me abro ainda mais, não
deixando de encará-lo enquanto seus dedos alcançam minha
excitação, levando-a ao meu clitóris, massageando-o de forma
suave. Logan sequer pisca, desnudando o meu outro seio e
chupando-o, esse com mais força. Gemo, perdida, e fecho os olhos
quando uma onda de excitação insana ameaça me tomar. Seus
dedos estão mais ágeis, sua boca mama meu seio com mais e mais
força, a ponto que eu sinta seus dentes me marcarem e eu me
entrego a cada sensação que ele desperta em meu corpo.
Como se fosse uma vidraça, sinto meu interior se estilhaçar
sob seu toque, como se eu estivesse caindo em um abismo, a
escuridão me tomando em luxúria e perversão.
— Logan… — sussurro e puxo seu cabelo, querendo que o
que sinto não acabe, me esfregando contra sua mão, mais e mais,
até que me sinta cair e aterrissar ao chão.
Ou melhor, nos braços desse homem, que me ampara, sua
mão ainda em meu sexo, agora, acariciando-o de forma lenta e
delicada. Ouço seu coração bater apressado ao ter meu rosto
encostado ali, sentindo seu membro duro, me deixando ciente de
que provavelmente deve querer que eu retribua o que acabou de
fazer.
Ainda estou sem ar quando sua mão se encaixa em minha
nuca e levanta meu rosto, obrigando-me a olhar para ele. Minhas
bochechas queimam em brasa, enquanto Logan tem suas feições
esculpidas em pedra, o olhar ainda mais escurecido quando me
beija, de forma lenta, até mesmo, carinhosa. Ao deixar meus lábios,
ele tira sua mão e então, faz algo que obriga meu coração a parar
de bater. O homem leva os dedos ao nariz, cheirando-os e, depois,
enfia um deles na boca, sugando um a um. Os olhos o tempo todo
cravados em mim.
— Gosto de fêmea no cio e o seu cheiro, menina, é o melhor
que já pude sentir. — Minhas pernas tremem, gelatinosas, e suas
mãos vêm para as alças do meu vestido, colocando-as no lugar. —
Jante comigo amanhã, Arabella — pede e eu não sei o que dizer.
Até sei, mas não sai nada. — Pode escolher o cardápio, o que me
diz? — Eu rio, parece loucura isso aqui. Um tipo de conto de fadas
ao avesso.
— O senhor pode não gostar do cardápio que eu venha a
escolher.
— Por que não?
— Não parece alguém que gosta de risoto. — Rio, sentindo o
ar quente de segundos antes de dissipar aos poucos.
— Engana-se, meu paladar reconhece uma boa comida
italiana. Quer isso, então?
— O que fez, há pouco, foi para me persuadir a aceitar seu
convite?
— E funcionou? — Sua expressão toma um ar divertido.
— Você joga muito baixo, senhor Hopkins — nego, gostando
do rumo que as coisas tomaram.
— Mas não, não foi para persuadi-la, foi para lhe dar prazer e
ter prazer. Vê-la gozando foi uma experiência única que quero
repetir. — Minha boca seca, é instintiva.
— Por falar nisso, eu… eu…
— Amanhã. Pego-a às dezenove horas — corta e umedeço os
lábios.
— O senhor é mandão.
— Eu discordo. — Ele me beija mais uma vez, mas não dura
muito e então tira-me de seu amparo, sentando-me de volta em meu
lugar. Sinto sua falta imediatamente.
Ajeito o vestido e ele me oferece o casaco, que visto antes de
sair, pronta quando ele abre a porta do carro e só então, ao ver
John, parado como uma estátua do lado de fora do carro, lembro-
me que ele estava aqui e sinto vontade de enfiar-me em um buraco.
Eu me esqueci completamente do pobre homem.
— Ele não viu nada, não a exporia desta forma. Fique tranquila
— Logan tenta, parecendo ler meus pensamentos, saindo do carro
em seguida e me oferecendo sua mão.
— Não precisa me acompanhar até a entrada — insinuo, já
que parece inclinado a isso, mas tampouco me responde,
espalmando a mão grande em minhas costas e me conduzindo até
a entrada.
Pego minhas chaves dentro da bolsa ao parar em frente à
entrada do prédio de dois andares, com tijolos vermelhos em
evidência e janelas brancas.
— Obrigada por hoje. Me proporcionou algo único — ao falar,
espero qualquer toque, que se aproxime para um beijo ao menos,
mas ele não o faz.
— A senhorita também. Boa noite, Arabella.
— Boa noite, Logan.
Um aceno, apenas isso, e ele se afasta dois passos,
esperando que eu abra o portão e entre para, só então, se
distanciar. Tranco o portão e vou em direção às escadas, ainda de
pernas bambas, sem coragem de olhar para trás e me dou conta de
que não poderia estar mais ferrada.
 

— Passe em frente à antiga mansão, John. Vamos dar uma


olhada — peço assim que volto ao carro, não deixando de olhar o
prédio em que Arabella mora. Não é ruim, tampouco é realmente
bom. Apenas razoável e podemos dar um jeito nisso, ela só precisa
aceitar minha proposta.
— O senhor pretende manter os planos? — pergunta e eu
nada digo.
Basta um olhar pelo retrovisor interno para que entenda. John
está comigo há bastante tempo para que, por vezes, eu não precise
falar para que entenda o que preciso.
Dias atrás, quando estive na antiga mansão, pedi a ele que
arrumasse uma equipe de limpeza e, em seguida, pedi à Judith que
cotasse alguma boa imobiliária, para que futuramente a mansão
fosse posta à venda. Freei meus planos na manhã seguinte,
pedindo a John que trouxesse a equipe de limpeza, mas que ainda
não a colocaria à venda. Além do mais, ninguém ciente do que
aconteceu dentro daquelas paredes compraria a mansão.
Desabotoo o paletó e solto o ar preso em meus pulmões de forma
audível.
Vou olhando a rua enquanto o carro desliza pelo calçamento e
apoio o queixo entre meus dedos, sentindo o cheiro dela, uma
fragrância inebriante. Relembro sua expressão enquanto a tocava,
as bochechas vermelhas, olhos semicerrados, boca entreaberta ao
gemer, sem nem se dar conta do que fazia, uma maldita tentação é
o que a senhorita Tomlinson representa. John para em frente aos
grandes portões e percebo que divaguei demais durante o trajeto,
enquanto ele espera a ordem para que adentre o local.
A equipe de manutenção fez um bom trabalho, os jardins estão
limpos, a grama aparada e a fachada da casa ganhou mais vida.
Olho os limites do muro baixo, onde antes havia lindas hyacinths,
tão exuberantes quanto era possível. Lembro-me perfeitamente,
ainda que fosse muito novo, de brincar aqui, próximo aos muros,
com minha irmã. Ela deveria ter uns quatro anos na época. Uma
menininha de olhar doce e sorriso travesso, uma peste. Eu a amava.
Tínhamos três anos de diferença de idade, mas não era o bastante
para me impedir de agarrar a menina pequena e brincar com ela
pela propriedade. Sua risadinha era a minha favorita e a forma como
me considerava protetor para com ela enchia meu coração de
orgulho.
Sinto saudade, tanta que às vezes chega a doer. Se Lilly
estivesse viva, teria hoje trinta e cinco anos, seria uma grande
empresária, tenho certeza e, talvez, tivesse filhos. Ou filhas, que
viriam com aqueles cabelos tão ruivos e olhos tão doces quantos os
seus. Crianças as quais com certeza eu amaria que me chamassem
de tio.
É estranho como ao deixar Arabella em casa, uma melancolia
fora de contexto tenha me incomodado e me encontro fadado a
divagar vezes demais ao passado para, em seguida, ir para um
futuro que jamais terei. Faz muito tempo desde a última vez que
pensei em Lilly dessa forma. A pior parte de pensar nela é lembrar,
em seguida, da forma que a tiraram de mim. É degradante e me
causa uma dor ainda maior do que senti aos meus dez anos,
quando a perdi, quando não pude protegê-la.
Busco qualquer gatilho que tenha me trazido essas
lembranças logo hoje e não as encontro, a não ser, Arabella e seu
sorriso, os olhos doces. Talvez a ópera tenha aberto passagem para
voltar ao passado. Se bem que nunca realmente me livrei dele. Vivo
uma extensão daquele dia, os acontecimentos ali ditam todo o meu
futuro e ainda o fazem, pois não consigo me libertar de toda aquela
escuridão.
Um movimento chama minha atenção ao lado oeste da
mansão e deixa John também em alerta. Ele é o primeiro a deixar o
carro, pegando a arma que carrega na cintura. Saio ao ver o que
parecem duas sombras próximas ao caramanchão. Aguço o olhar,
notando dois garotos, que riem ao comemorar algo e ouço também
um latido. Olho para John e aceno, para que vá adiante e ele não
espera uma segunda ordem.
Sigo logo atrás dele, mas somos vistos no momento em que
um deles acende um isqueiro. O rapaz brada uma ordem para o
outro ao seu lado, saindo em disparada e obrigando John a fazer o
mesmo, indo para os fundos da mansão. Dou mais alguns passos,
paro onde estavam e olho ao redor, tentando entender o que
estavam fazendo aqui e de onde veio aquele latido. Um grunhido
amedrontado chama minha atenção e olho para o lado, vendo um
cachorro preso à pilastra do velho caramanchão, que ainda tem um
balanço preso às suas hastes.
Ira vem tomando meu corpo à medida em que me aproximo do
animal pequeno, indefeso, e noto-o tremer, molhado com um líquido
que logo reconheço pelo cheiro forte. Combustível. Os filhos da puta
iam atear fogo ao cão.
— Oi, garoto. — Me agacho ao seu lado, vendo-o se encolher.
— O que fizeram com você? — O animal está magricela e grunhe
baixinho em resposta.
Desamarro a corda que o prende, tirando-a também de seu
pescoço, que o estava sufocando à medida que tentava se soltar.
Tiro o sobretudo e o enrolo, me levantando e voltando para o carro,
agora acompanhado. John me acompanha assim que atravesso os
portões e toco a maçaneta da porta.
— Jovens baderneiros, senhor. Se embrenharam no terreno
vizinho — fala, sem fôlego, guardando a arma e olhando o animal
que tenho em minhas mãos. — O que é isso?
— Iam atear fogo no animal e, pelo pouco que notei, já vinham
torturando o bicho há dias.
— O levará para casa?
Olho para o animalzinho indefeso e amedrontado, se
encolhendo entre o sobretudo, tentando vislumbrar um futuro incerto
para si.
— Por ora, sim. Vamos logo e depois arrume ração ou…
carne. O que for que um animal desse porte possa comer.
John tenta esconder o divertimento que a situação lhe traz,
mas não tem muito sucesso e eu nego. O animal ainda treme em
minhas mãos e talvez nem chegue a sobreviver, ele parece estar
machucado e, por isso, merece dignidade.
— Melhor, John, leve-nos àquele hospital de animais que fica
aberto 24h, o The London. Depois verei o que fazer.
— Sim, senhor.
Olho para o bicho ao me acomodar no banco de trás quando
ele geme, parece sofrer. Se sobreviver, posso pedir que tentem
arrumar um lar para o pequeno cão, mandá-lo a um lar de adoção.
Ao que tudo indica, é um canino de sorte e isso é bom,
pequeno cão — penso ao passar o dedo em sua cabeça desprovida
de pelos.
— Amanhã veja as câmeras que foram instaladas na mansão,
John, e relate o ocorrido à polícia. É bom que saibam o que
aconteceu hoje, que a mansão continua sendo um bom esconderijo
para delinquentes.
— Sim, senhor.
 

 
Às vinte horas em ponto estou sendo conduzida pelos grandes
portões da casa Hopkins, após um pequeno trajeto feito em
completo silêncio, depois duas tentativas fracassadas em fazer
John, o motorista, falar. Luxo envolve o lugar desde os portões com
o brasão da família, em dourado, bem-ilustrado, me remetendo a
tempos distantes e me deixando de queixo caído. Não esperava
algo tão… pomposo. Os arbustos deixam a passagem de cascalho
ainda mais bonita e à medida que o carro adentra mais o local,
tenho um belo vislumbre de sua casa. Não, isso não é uma casa, é
uma bela mansão em estilo vitoriana, quase um castelo, mas ainda
assim, tem muito do estilo contemporâneo. Arregalo os olhos à
medida que posso ver mais da fachada e é incrível.
Todas as casas neste bairro são lindas, mas esta… é perfeita,
eu diria. Estou como criança agarrada ao vidro do carro, olhando
cada mínimo detalhe e me encantando com a arquitetura do lugar. O
carro é estacionado próximo à entrada e logo a porta traseira é
aberta por John.
— Senhorita Tomlinson.
— Obrigada, mas me chame de Arabella, por favor.
— Não ousaria, senhorita. Por aqui, por gentileza — fala com
muita educação, uma gentileza que suas feições não alcançam. Se
pudesse chutar, pela postura, diria que John é ex-militar. Assim
como o tal Benjamin.
E agora, a casa se torna ainda mais imponente. Dois andares
se avolumam à minha frente, em tijolos aparentes, de tom cinza,
com algumas linhas em laranja e janelas brancas. Toda a
propriedade é rodeada por um jardim verdinho e bem-cuidado.
Penso em observar mais, porém, sou impedida quando Logan se
faz ver, descendo dois degraus da escada frontal, me olhando com
curiosidade. Hoje ele parece diferente do usual, bem longe de
ternos italianos e sapatos lustrosos. É estranho vê-lo assim, casual,
de calça jeans azul-escuro e cashmere de gola alta e mangas
compridas na cor preta, um tanto repuxadas, deixando à mostra os
antebraços.
Sorrio e subo as escadas da entrada, passando por John
parado no primeiro degrau. Ele acena e volto-me para Logan, que
tem os olhos presos em mim. Por um momento, ele olha para o
chão, em seguida volta a me encarar e parece… deslocado.
— Seja bem-vinda, Bella. — Meu sorriso se alarga, adorando a
forma com que pronuncia meu apelido.
— Obrigada, tem uma linda propriedade aqui. — Logan anui,
olhando para os lados, ao enfiar as mãos nos bolsos da calça. É
nítido que não está à vontade.
— Não costuma receber visitas, não é? — Percebo um ensaio
de sorriso em seus lábios, movendo o rosto minimamente para o
lado.
— É tão nítido assim?
— O senhor raramente transparece o que sente, diferente de
hoje — falo e o observo apertar os olhos, minimamente, um gesto
muito característico seu, percebo.
— Nada de senhor, entre, por gentileza. — Gesticula com a
mão para que eu entre e o faço. — E não, não recebo visitas em
minha casa.
Passo pela porta de madeira pesada e faço menção de tirar o
meu sobretudo azul, mas sou impedida quando Logan põe suas
mãos sobre as minhas, mãos quentes que são o suficiente para
levar brasas ao meu rosto. Olho por sobre o ombro, tirando minhas
mãos do tecido e deixando que o arraste por meus braços. 
— Então por que uma casa tão grande? — pergunto e percebo
uma de suas sobrancelhas subir.
— Se me dissesse que trabalhava em outra área que não a
sua, eu duvidaria. Nasceu para o jornalismo, é observadora e
curiosa. — Isso em outras pessoas poderia soar como uma
reprimenda, mas em seus lábios parece quase um elogio. — Tive
que procurar bastante até encontrar algo que gostasse. Não tinha
um tamanho em vista, mas dado que odeio apartamentos, não
esperava algo pequeno. Fui arrematado pela arquitetura da
construção.
— Touché. É uma belíssima casa, mas se parece um tanto
com a antiga — falo, vendo-o pendurar o casaco e se virar para
mim.
— Sim, parece. Mas sem a carga interna, é algo mais limpo,
sem velhas lembranças. — E isso me soa interessante. Viro-me,
olhando o hall de entrada bastante espaçoso, com paredes brancas
e piso de madeira.
Há um tipo de coqueiro ao lado, em um vaso de gesso, e na
parede, um quadro. Pintado em tom escuro e traços disformes. É
como uma onda a se desfazer na areia, mas em tons obscuros. É
bonito e ao mesmo tempo assustador e se a casa por fora parece
uma mansão vitoriana, por dentro é o mais moderno que poderia ser
e linda. Sinto o toque suave de Logan em minhas costas, sobre o
fino tecido do vestido e sigo-o para a sala de estar.
O estilo dele me confunde, pois eu não esperava ver cores na
decoração de sua casa, já que sempre o vejo de preto. A sala tem o
piso em madeira, a mesma do hall, em tom claro, as paredes são
brancas, o tapete felpudo é o único de tom mais escuro, em preto
envelhecido. Já o sofá tem uma cor linda, em verde, que toma conta
de toda a parede lateral esquerda, com um chaise. O tecido parece
veludo e contrasta com as duas poltronas de cor creme à sua frente.
— Está tudo bem, Arabella? — Presa na decoração e nos
detalhes, sequer percebi que passei tempo demais em suspenso.
— Sim, apenas observando os detalhes, não esperava
encontrar tantos contrastes de cores — falo e o faço sorrir, é
mínimo, mas está ali.
— Esperava preto em tudo?
— Em algumas coisas, sim — confesso e de repente pareço
nervosa, impelida a passar as mãos no tecido do vestido de cor
laranja, somente para ocupá-las.
— Sente-se, vou pegar algo para beber. Aceita uma água,
suco ou algum destilado?
—Vinho, por favor.
Logan anui, saindo pela porta lateral, e eu aproveito para olhar
mais o lugar. A lareira é branca, com algumas linhas em dourado e o
fogo crepita em seu interior, deixando o ambiente gostoso e
aquecido. Sobre ela somente uma obra de arte, essa bem maior.
Parece uma pessoa dentro de uma roda. É bastante colorida,
interessante e detém minha atenção ao tentar entendê-la. Mudo
meu foco, olhando ao redor, procurando por porta-retratos, algo
pessoal, mas não há nada. É como se Logan fosse apenas parte da
decoração, como se o lugar não fosse seu. Um arrepio estranho
corta minha lombar, balanço a cabeça tentando me livrar da
sensação.
Volto a passar as mãos na saia do vestido, desta vez para
enxugá-las, pois suam em expectativa. Passei horas escolhendo
uma peça de roupa, até que decidi pela peça de seda de cor
vibrante. Um vestido solto e que, apesar disso, eleva minhas curvas
e corpo. O decote caído valoriza meus seios e as alças são de
correntes em prata, fininhas e delicadas. Escolhi botas de cano alto,
de cor azul-marinho, pois hoje está particularmente mais frio que o
esperado e elas caem bem com o sobretudo.
Respiro fundo e solto o ar pela boca. Depois de ontem, do que
fizemos no carro, se espera algo a mais com um convite como este,
e me sinto como se eu estivesse aqui para terminar o que
começamos. E me pergunto se ele trouxe outras mulheres aqui, já
que citou não receber visitas. Isso é tão estranho. Um gemido
chama minha atenção e olho em direção ao chão, a tempo de ver
um pequeno animalzinho, com uma pata enfaixada, a pedir atenção.
— Ai, meu Deus. Quem é você? — Faço uma voz que sequer
reconheço e me agacho, ajeitando o vestido, deixando a bolsa sobre
a poltrona e acariciando a cabeça do cãozinho.
— Ah, ele está aí. Está se mostrando um fujão.
Pego o cachorrinho magricela no colo ao ouvir a voz de Logan
e me levanto, o ajeitando para não o machucar. Ele parece tão
indefeso, terrivelmente maltratado e ainda é um filhote. Observo
Logan, aflita por imaginar que ele pode ter feito isso ao cão. Não,
ele não faria tal crueldade, não é?
— Ele é seu? — pergunto e o vejo levantar as sobrancelhas e
olhar incerto para o cãozinho, que balança o rabo em resposta.
— Por ora, sim. — Logan me entrega a taça com vinho, e à luz
posso ver as veias aparentes em seu antebraço, que lhe confere
masculinidade. — Bourbon, espero que goste. 
— Como funciona esse por ora, sim e por que ele está tão
machucado? — pergunto, ignorando o vinho em minha mão.
— Foi um resgate, Bella. Depois que a deixei em seu
apartamento, fui à velha mansão e o encontrei ali, à mercê de
alguns delinquentes que voltaram lá e estavam prestes a atear fogo
no animal. Eles fugiram e só me restou levá-lo ao veterinário, e sem
um lar para onde ir, o trouxe para cá para se recuperar — ele fala
com calma, como se isso não fosse nada. Mas é. Significa que
Logan não é tão mau como dizem. Me sinto envergonhada por
cogitar que seria ele a machucar o cão de cor marrom-escuro, com
uma pintinha branca em meio à testa, com formato de uma estrela.
Quem maltrataria uma criaturinha tão indefesa?
— E como é o nome dele? — pergunto, me dando conta de
que tem os olhos presos em mim e aproveito o momento para
provar o vinho. Seco e potente.
— Pequeno cão?
— Não acredito que ainda não deu um nome a ele. — O
sorriso volta aos meus lábios e se alarga à medida que Logan se
aproxima, olhando para o cachorro em meus braços.
— Não, não dei, não planejava ficar com ele. — E me alegra
ele falar no passado. — Ele parece gostar de você — graceja,
parando a meia distância e acariciando a cabeça do cãozinho com o
indicador. — É um cão esperto e caso queira dar um nome a ele,
por favor, fique à vontade.
Olho o pequeno cachorrinho, que apesar da perversidade a
qual enfrentou, me olha com carinho, conseguindo ver cor, mesmo
em um mundo caótico. Chega a lamber minha mão, dando-me
beijos e sorrio ao olhar para Logan ao ter uma ideia.
— Picasso. Ele vai se chamar Pablo Picasso, então — falo e
observo as sobrancelhas ruivas subirem, divertidas, e nega o que eu
disse ao sorrir. Eu gargalho, meu coração se esquentando ao
perceber que essa é a primeira vez que ele realmente me brinda
com um sorriso aberto, me permitindo ver dentes bonitos e
alinhados. — Em sua homenagem, já que gosta de arte.
— Um belo nome, criativo. Gostei. — Ele se aproxima de mim,
a diversão ainda brinca em seus olhos e lábios e, enfim, o tenho
muito próximo.
O cheiro de banho recém-tomado, loção pós-barba e um
perfume levemente almiscarado me inebria, junto à mistura de couro
e Logan. Seu dedo toca meu queixo, levantando-o. Olho-o e já não
vejo diversão. Logan traz a ponta do seu nariz em direção ao meu
pescoço, precisando se curvar um pouquinho para fazer isso,
arrastando o nariz por minha pele, sobre a minha jugular, me
arrepiando ao inspirar profundamente o meu cheiro. Ao fazer o
caminho de volta seus lábios arrastam fogo até minha boca, sua
mão livre aperta minha cintura e finalmente posso sentir seu sabor.
E é gosto de Logan… pois nunca provei nada parecido para
comparar.
O beijo não demora, é como se quisesse apenas provar o
gosto do vinho em meus lábios e a intensidade com que me
desnuda ao se afastar me derrete. Passos soam atrás de nós e me
afasto, sem jeito, colocando Picasso no chão.
— O jantar está servido, senhor — um homem de meia-idade,
em um uniforme preto perfeitamente alinhado, nos avisa.
— Claro, vamos? — Sua mão é estendida indicando a direção
a qual devo seguir.
— Aquele senhor trabalha com você? — Pode parecer uma
pergunta estúpida, mas para o horário e o dia, imaginei que ele teria
uma quantidade mínima de funcionários. 
— Irá nos servir o jantar esta noite.
— Você contratou alguém só para nos servir esta noite?
— Claro que não — nega e volto a andar ao seu lado. —
Contratei alguém para nos servir e preparar o jantar.
— Claro que contratou. — A mão grande pousa em minhas
costas, me conduzindo para fora da sala de estar.
— Alguns dos meus funcionários estão de folga, não me
restaram tantas opções assim.
Durante todo o dia, eu tive dúvidas se realmente viria ao seu
encontro. Passei o dia ansiosa, em uma confusão. Desisti mais de
dez vezes, para em seguida voltar atrás. Troquei de roupa outras
quinze e, por fim, me vi entrar naquele carro, um tanto incerta.
Agora, não me arrependo de ter vindo até aqui. Não mesmo.

Passei o jantar apreciando a boa comida e observando o


homem à minha frente. Logan é o pior tipo de homem, aquele que
sabemos que precisamos fugir, caso não quisermos nos machucar,
mas ainda que saibamos disso, queremos ficar e nos entregar. É
uma contradição ambulante, mas é como se precisássemos testar
para ter certeza. O que é loucura, não precisamos nos jogar de um
abismo para ter certeza de que morreremos ao alcançar o fundo.
Trago uma colher com um pouco de Trifle à boca, a sobremesa se
desmancha em minha boca, quase gemo em resposta. Sinto-me
observada e levanto meu olhar, encontrando Logan com sua
atenção presa em mim, a sobremesa intocada à sua frente.
— Por que está me olhando desta forma? — pergunto,
desconfortável com a intensidade que impõe sobre mim.
— Você gosta de cores, acho isso interessante. — É sua única
explicação. Nego o que diz e acabo por sorrir. Seu perfume está
impregnado em cada canto da grande sala de jantar. Algo bom e
reconfortante.
— Acho que as cores podem clarear dias escuros, por pior que
sejam. Então sim, amo cores, em especial as mais vibrantes.
— É uma boa analogia — confirma e parece inclinado a não
provar sua sobremesa.
— Não gosta muito de cores, não é? — pergunto e ele muda
seu olhar de direção, tocando o talher ao lado, também com a taça
de vinho intocada ao lado. — Gosto quando elas estão em você.
Ele volta a me encarar, enviando arrepios potentes por todo o
meu corpo. Enfio uma mecha do meu cabelo atrás da orelha,
tentando encontrar uma resposta para isso, mas não encontro. Ele
me desconcerta completamente e parece gostar demais disso e
começo a notar que Logan tem um padrão. O de fugir de perguntas
diretas e virar o jogo a seu favor, como agora.
— Não vai comer? — pergunto, mudando o foco ao apontar
sua sobremesa.
— Não gosto muito de doces, o que deixa minha cozinheira
triste, pois confeita como ninguém.
— Eu imagino o quanto. O jantar estava perfeito — elogio e
confesso que o fato de ter encontrado risoto como prato principal
deixou meu coração quente, apesar de Logan ter comido um belo
bife malpassado, como lembro que gosta.
— Levarei o elogio para a equipe que o preparou. — Bebo
mais do vinho ao lado e já não tenho com o que ocupar minhas
mãos, boca ou pensamentos.
Olho para os lados e não há muito na sala. Um aparador em
vidro na lateral do cômodo, com um vaso sobre ele. Ficaria lindo
com flores, mas não há nada a enfeitá-lo. Acima dele, à minha
frente, tem uma tela na parede, são triângulos interligados, em
branco, preto, cinza e vermelho, que parecem formar a imagem de
uma mulher. Do lado esquerdo há um jardim de inverno, em
conceito aberto que também nos dá a visão dos jardins da
propriedade, mas a noite me impede de ver mais.
— Sobre o quadro ao qual me presenteou outro dia, eu
realmente acho que…
— Deveríamos falar sobre nós — completa e dá um nó em
meus pensamentos.
— Como é? — Vejo Logan se levantar e vir em minha direção,
estendendo a mão para que também me levante. Minhas pernas
falham, mas aceito a mão que me estende, pondo-me de pé, tão
perto que meus seios roçam seu tórax.
— Somos dois adultos, Arabella. Ainda que seja bem jovem,
creio que possamos chegar a um acordo sobre como nos relacionar
— fala, inclinando um pouquinho a cabeça, e sua sinceridade me
abala. Logan deposita minha mão, que ele ainda segurava, sobre
seu peito. Minha palma chega a queimar, mas o que chama mesmo
minha atenção é o que diz.
— Um acordo?
— Sim, em que ambos possamos ter prazer. — Sua mão
desliza por minha cintura, a apertando, e fica difícil pensar em algo
coerente com tanta proximidade quando estou presa ao seu
magnetismo.
— E como esse acordo funcionaria? — Minha voz sai
ofegante, minhas pernas estão gelatinosas e preciso expirar o ar
pela boca para que ele alcance meus pulmões. Seus olhos são puro
gelo e, ainda assim, são capazes de me queimar. Seu nariz roça o
meu e fecho os olhos, inebriada, entregue para que me beije, mas
ele não o faz.
— Você pode ter o que quer de mim, peça e eu lhe darei. Em
troca, quero fidelidade e que esteja disponível quando eu quiser e
desejar.
Abro os olhos e deixo o ar escapar por meus lábios, parecendo
recobrar minha consciência.
— Quando você quiser? — estou repetindo o que diz, pois me
encontro em uma situação em que não consigo formular nada
melhor ou acreditar no que está dizendo, em como acaba de
quebrar a magia que nos envolvia.
— Algo me chamou atenção em você, Arabella, e preciso mais
disso. — Sua voz sai baixa e eu ofego, meu coração saindo a pleno
galope em meu peito, o ar ficando pesado, rarefeito demais para
que eu possa respirar. — Faremos um contrato, nele você terá
segurança e, claro, garantirá sigilo sobre nosso enlace. — Termina a
frase e engulo em seco, sentindo um aperto medonho em meu
peito, decepção corroer minhas entranhas de uma forma colossal,
dolorosa.
— Uma acompanhante de luxo, é o que quer? Uma… uma
espécie de sugar baby. Meu Deus! — Amparo ambas as mãos em
seu peito, o afastando de mim. Ele o faz sem resistência, enfiando
as mãos nos bolsos ao correr seu olhar por todo o meu corpo.
— Não gosto de rótulos, tampouco me adequo ao
convencional, Arabella, nunca o fiz, é cansativo e pedante. E essa é
a forma que encontrei de me relacionar sem maiores danos. É uma
segurança mútua, para você e para mim em decorrência.
— Pensa tão pouco de si? — Recuo um passo, vendo-o
apertar os olhos em minha direção, parecendo não entender aonde
quero chegar. — Pensa tão pouco de si que só é capaz de se
relacionar com alguém se isso envolver um contrato? — Isso
arranca dele um repuxar de lábios, nada mais que arrogância
emana de seus poros.
— De forma alguma. Não me envolvo com sentimentos, não
sou capaz de tanto, caso a outra parte se envolva, ao menos
garantirei que a deixarei confortável e que não terei problemas após
isso.
— Dinheiro, é do que está falando?
— Claro, aquele que rege a humanidade há séculos. Pode ter
um apartamento só para você, por exemplo. Algo… — ele olha ao
redor —… maior. Terei livre acesso ao imóvel, é claro.
— Ninguém jamais nos veria em público, suponho — deixo
escapar em um fio de voz.
— Está certa, não quero especulações. Já nos expus demais
indo à ópera outro dia. — Isso bate em minha cara como um grande
tapa.
— Foi apenas…
— Para me desculpar e me aproximar da senhorita, não
aconteceria novamente, caso aceite o enlace.
Tudo arde dentro de mim, sua sinceridade soando quase cruel
e me pego em uma confusão catastrófica. Lembro-me da noite de
ontem, algo que guardei com tanto carinho e que agora… não mais.
Fixo os olhos em seu rosto, sustentando seu olhar ao levantar o
queixo, querendo gritar todo o meu desespero neste momento.
— Eu não estou à venda, senhor Hopkins. Jamais me prestaria
a esse papel. O senhor não quer sentimentos, mas eu os quero.
Quero amar, me apaixonar e, em principal, quero receber esse
sentimento tanto quanto quero dá-lo. — Engulo o bolo que se forma
em minha garganta. — Não estou interessada em sua proposta,
quer uma acompanhante, uma prostituta e não serei eu.
— Arabella, se precisar de tempo…
— Tempo? — Minha voz sai uma nota mais alta do que eu
gostaria. — Não, eu não preciso. A única coisa que preciso é sair
daqui e ter a maior distância que consigo de você. Pois o senhor
acaba de me ofender profundamente, de uma forma que ninguém
nunca o fez.
— Eu não entendo como poderia tê-la ofendido. Fui apenas
claro com a senhorita. Não posso dar sentimentos, isso não, apenas
prazer e…
— Não termine essa frase, não ouse dizer dinheiro. — Aponto
um dedo para seu rosto e seus olhos se prendem em meu gesto. —
Eu quero mais e nada tem a ver com benefícios financeiros. Quero
amor e ser amada, mas o senhor está certo, não é nem de longe
capaz de reconhecer esse sentimento — cuspo cada sílaba e sinto
meus olhos arderem. Como tudo pôde ruir de forma tão rápida?
— Costumo ter o que quero, Arabella, quando quero, é bom
estar ciente disso — fala cheio de si e dou um passo atrás, me
virando e saindo do cômodo em busca de minha bolsa.
Ouço seus passos atrás de mim e paro apenas ao encontrar o
objeto sobre o sofá. De todas as formas que imaginei terminar esta
noite, esta não é uma delas. Viro-me ao pegar a bolsa verde e o
encontro próximo à porta da sala. Me aproximo de onde está, pronta
para ir embora.
— Pouco me importo o que quer. — Sorrio com sarcasmo,
munida de raiva e decepção. Agora tudo está claro como o dia. —
Entendo agora por que seus olhos são tão vazios e obscuros, eles
transmitem o que o senhor tem dentro de si.
Logan tem os olhos presos aos meus quando tento passar por
ele e alcançar a saída, mas sua mão se fecha em meu braço, me
impedindo de continuar. Sua boca chega bem próxima do meu
ombro e sinto com isso meu sangue correr mais lento por minhas
veias, meu coração perdendo uma batida potente. Olho-o, notando
um pequeno sorriso em seus lábios, algo tão frio que gela minhas
entranhas.
— A senhorita jamais conseguiria ver e lidar com o que guardo
em minha alma. Se visse, poderia nunca mais ver a luz, mesmo que
estivesse rodeada de cores. Não tente desvendar o que guardo
dentro de mim, Arabella, meus olhos não são nem de perto uma
janela para tal — fala, enfim soltando meu braço, que arde com a
pressão que impôs sobre a pele.
Engulo em seco, sentindo meu coração tropeçar em suas
batidas. A tensão é quase palpável.
— Não precisa me acompanhar, conheço a saída. Adeus,
senhor Hopkins. — Deixo-o ali e vou em direção à porta de entrada
a passos largos.
— Até logo, Arabella.
Sua frase martela em minha cabeça, entrando em mim como
facas bem afiadas. Pego o casaco no suporte e saio pela porta,
descendo as escadas quase correndo, chamando a atenção do
motorista que fala ao celular. Posso apostar que é com seu patrão.
Quando alcanço o veículo, a porta já está aberta e entro apressada
em seu interior, me permitindo enfim respirar e soltar a lágrima
solitária que vinha prendendo. Chorona como sempre fui.
John não fala nada ao se pôr em seu lugar e ligar o carro,
saindo em seguida. Olho para a fachada da grande mansão e então
o encontro, parado ali, com as mãos em seus bolsos e é como se
ele pudesse me ver. E é assim que contos de fadas ao avesso se
desfazem.
Mudo meu olhar e afundo o rosto em minhas mãos. Como eu
fui tola ao cogitar algo mais como alguém como Logan… Olivia
estava certa, ele viu algo em mim e me queria, mas como um objeto
qualquer que viria a descartar no futuro. É isso o que seu contrato
assegura.
Que ele engula essa porcaria de proposta!
 

 
Terminar esta noite sozinho, em meu ateliê, era algo que não
cogitei em hipótese alguma, pelo contrário, meus planos era foder
por uma noite inteira cada pedacinho do corpo apetitoso de
Arabella, marcá-la como minha, sentir seu sabor e fazê-la entender
que agora tinha um único dono. Mas parece que essa ideia não a
agradou muito. A menina quer amor, ter e dar tal sentimento…
Uma perda de tempo!
Pobre Arabella, é jovem demais para o seu próprio bem e não
se deu conta ainda de que o amor ou qualquer sentimento
minimamente parecido com isso nos traz dor e sofrimento na sua
mais pura essência, ao ponto de nos trazer a morte como alívio.
Odeio qualquer mínima sensação que possa me remeter a uma era
longínqua, na qual minha inocência fora roubada e em seu lugar
restaram apenas o vazio da escuridão, o ódio e precisei, sozinho,
encontrar uma forma de lidar com isso, de amenizar o vendaval em
meu peito. Admiro os pobres mortais que abraçam tais sentimentos
com verdadeira adoração, são tolos em sua essência, pois mais
cedo ou mais tarde a conta chegará para todos.
Afasto-me da tela recém-pintada exposta no tripé. Esta, algo
disforme, com traços pesados e excesso de tinta vermelha. Impus
tanta força ao pincel que pode ser visto sem muito esforço, até
mesmo por um leigo e, provavelmente, acabei maltratando as
cerdas dos pincéis usados. Ao menos, alcancei meu intuito, o de
jogar em algo a energia presa em meu corpo, pena que não foi o
suficiente. Movo o pescoço de um lado para o outro, fechando os
olhos ao respirar fundo, tentando manter distante a escuridão de
meus pensamentos e desejos mais íntimos e profanos. E hoje não é
um bom momento para isso.
Pego os pincéis usados e levo ao lavatório, amparado no
extremo do cômodo, lavando-os com delicadeza, um após o outro.
Enxugo-os com leveza e depois os levo para secagem. Aproveito
para olhar os demais expostos no recipiente ao lado, limpos e
prontos para uso, acredito que tenha mais de 70 pincéis, posso
dizer que é um vício colecioná-los. Tenho-os de todas as formas,
tamanhos e cores, para diversas texturas e mantendo apenas uma
cor em comum para o cabo, a madeira marrom. E ainda que me
decepcione com alguns e os use muito pouco ou estejam muito
gastos, não me desfaço de nenhum deles. Cada um tem seu valor
aos meus olhos, uma história. Levo a mão a um deles, amaciando
as cerdas de tom claro, macia e delicada. Logo terei que fazer mais
alguns. Este é um detalhe importante sobre meu hobby, eu mesmo
os faço, de forma artesanal, meus próprios pincéis.
Volto a olhar a tela, ela remete a confusão e frustração em que
Arabella me deixou imerso ao ir embora. Nunca, ninguém disse não
para tal proposta, talvez porque sempre fui mais cuidadoso ao
escolher cada mulher que permaneceria na minha cama nessas
condições. Ou talvez, ao trazê-la aqui, em minha casa — o que é
pessoal demais — tenha lhe causado impressões românticas. Ela
tem quebrado algumas primeiras vezes para mim, admito e talvez
isso tenha dado esperanças de que poderíamos ter um
relacionamento afetuoso. E esse foi o meu erro, não manter tudo à
distância, preso apenas a uma cláusula de um contrato.
Vim para o ateliê após uma tentativa frustrada de dormir, e
noto que nem mesmo pintar me ajudou a tirar Arabella dos meus
pensamentos, gritando aos quatro ventos que queria sentir, amar e
ser amada. O que me confunde é ouvir isso e, ainda assim, não
aceitar que terei que abrir mão da menina.
Eu provei seu gosto, seu cheiro de fêmea e a quero, minha e
somente minha, sua negativa parece ter acordado o primitivo em
mim, a necessidade de vencer um bom desafio, obter informações
sequer me importa no momento, devo admitir. E devo me controlar,
a menina é jovem demais, dezessete anos de diferença e
claramente quer algo diferente de mim, o que deve bastar como
proteção para me manter distante. É o que tenho dito a mim mesmo
desde que saiu daqui.
Solto o ar preso em meus pulmões ao pensar em algo que tire
Arabella de meus pensamentos esta noite. A bela Isla não demora a
preencher minha mente, como um escape, uma fuga do desejo de
posse por Arabella. Me afundar em seu corpo pode levar à extinção
esse desejo insano pela menina de olhos doces e vívidos.

— E onde o senhor estava quando tudo aconteceu, senhor


Hopkins? — uma das jornalistas presentes, uma jovem bonita,
pergunta e, mais uma vez, respiro fundo.
Sei que isso aqui é necessário, a coletiva de imprensa, tanto
para o bem do meu sobrenome quanto para a empresa, mas isso
não quer dizer que seja agradável de maneira alguma. O pior é que
fui eu a cavar essa maldita cova, caso não tivesse sondado
Arabella, isso jamais estaria acontecendo. 
— Em minha casa — respondo, espalmando as mãos sobre o
púlpito de madeira. — Naquela noite, cheguei a sair, fui a uma
exposição de arte, mas não me demorei. — Estamos no auditório da
empresa, ao qual usamos para vários fins, palestras, ações
filantrópicas e outros. 
— Mas segundo o laudo da perícia, os corpos estavam lá há
anos, como nunca viu isso? — é um jornalista a perguntar, um
senhor com cara de intrometido além da conta.
— A antiga mansão Hopkins está fechada há longos vinte e
oito anos. Isso é notável a qualquer um que visse sua fachada e
também não era um segredo, já que vocês adoram pautar minha
vida em jornais e revistas. Com a morte de meus pais, em especial
meu pai, nunca me foi confortável voltar àquela casa. Por isso
nunca tive ciência de tal atrocidade. — Respiro fundo e olho os
rostos à minha frente, White parece ter se certificado que todos os
jornalistas de Londres estariam presentes esta tarde.
— Acha que, de alguma forma, as vítimas encontradas têm
algo a ver com sua família, com o senhor?
— Não vejo como poderia, ainda mais que a polícia ainda não
divulgou nome algum. Havia apenas uma casa antiga vazia, como
um fantasma, e serviu bem para esconder o crime. É o que vejo. —
Um movimento chama minha atenção, e levanto o olhar,
encontrando o dela, Arabella, ao passar pelas pessoas e sentar-se
em uma das últimas cadeiras.
A menina me encara e travo o maxilar ao voltar para a noite de
ontem, a sua negativa e em minha inaptidão em subir aquele
elevador para o apartamento de Isla quando fui até seu prédio. E
precisei exorcizar Arabella dos meus pensamentos de outra forma.
— A polícia chegou a tratar o senhor como suspeito? — A
pergunta sim me faz quebrar o contato com a menina, que
sustentava meu olhar. É possível notar a raiva, impotência, a
bravata que sente pelo que aconteceu ontem. Eu realmente a
ofendi, ainda mais do que quando veio me procurar em outra
ocasião.
— Não até o atual momento. Esta entrevista é para desmentir
esse fato, veiculado em alguns meios de imprensa para faturar às
custas da ruína de outros, a minha, no caso. — Arranco algumas
risadas dos desgraçados, mas meus sentidos estão nele. — O único
envolvimento que tenho com isso é carregar o nome Hopkins e
nunca ter colocado à venda a antiga mansão.
— Por que não, senhor Hopkins? — Chego a sentir dor com a
força que imponho em meu maxilar ao ouvir a voz macia e segura
ao cantar em meus ouvidos.
— Como disse? — Volto meu olhar para ela, que agora está de
pé. Linda e colorida, em uma calça apertada de cor verde-musgo a
modelar o seu corpo junto a uma blusa de mangas compridas
amarela sol.
— Faz vinte e oito anos, como disse há pouco, e é no mínimo
estranho manter um imóvel daquele porte e valor abandonado. Por
que nunca pôs à venda? — Um repuxar de lábio é o suficiente para
fazê-la bufar, já que ela sabe essa resposta.
— Pelo que representava para minha família, em principal para
minha mãe. Ela amava o lugar, cada pequeno cômodo, pois fora
conquistada a certo custo. Não estava pronto para dizer adeus a
essa parte de minha vida, ainda que não visitasse o lugar. — Ela
não sustenta meu olhar e logo minha atenção vai para outra
pergunta.
Sem suportar por muito tempo, olho para White, parado ao
lado junto a Darcy e ele entende o que quero, encerrando a
entrevista a seguir. Alguns repórteres pedem mais tempo, em
polvorosos ao permanecerem no lugar enquanto saio junto a Darcy
e John pela lateral da sala de reuniões, indo em direção à saída.
Ainda a procuro dentre as pessoas ali e movida, pela energia que
nos atrai, ela levanta o rosto e me encara. A cumprimento com um
aceno, apenas para vê-la virar o rosto. Tudo o que não preciso é
manter Arabella Tomlinson como minha nova obsessão agora.
Sua luz, essa que ela carrega no olhar, vai contra o que
carrego comigo, aqui dentro. Não posso dar o que quer, ela não
pode aceitar o que ofereço e isso é o fim ou, no mínimo, é como
deveria ser. A forma que encontrei para amenizar toda a energia
após sua saída na noite de ontem serviu para apaziguar meus
instintos, trazer coerência aos meus pensamentos. Isla tem se
encaixado bem no papel, sabe me agradar e não espera nada além
de prazer e dinheiro. Isso irá bastar, ao menos por um tempo.
 

 
Não bastasse Richard cuspindo fogo pelas ventas por conta da
retratação que foi obrigado a fazer, ainda tive que suportar uma
coletiva com aquele… aquele senhor. Escroto de uma figa e tudo o
quero agora é um café. Abaixo a cabeça ao entrar na sala,
passando pelas cabines sem vontade alguma de falar com qualquer
pessoa, sem vontade para nada além de existir em um limbo, até
que eu possa esquecer Logan Hopkins, seu toque, seu beijo. É
como me sinto desde que deixei sua casa ontem. Aquele homem
parece um vírus, se infiltrando em meus pensamentos, em minha
pele, me fazendo cogitar aquela proposta ridícula apenas para tê-lo,
nem que seja por uma única noite. Estúpida, estúpida!
Paro a dois passos de alcançar minha cabine, a última na sala,
ao ver Richard sentado em minha cadeira. Só me faltava essa.
— Como foi a coletiva? — Seu olhar sobre mim é soberano,
arrogante e sarcástico. Já vi esse olhar.
— Não assistiu? — pergunto rápido demais, engolindo em
seco. Ainda não o tinha visto hoje, na verdade, estou fugindo dele
desde essa manhã. Não queria que gritasse comigo, pois é o que
faz quando algo dá errado, esbraveja aos quatro ventos ao humilhar
alguém. Agora acho que não posso impedir que grite comigo e sou
seu alvo.
— Claro, mas ver em uma tela e estar no mesmo ambiente
que o seu todo poderoso é diferente, concorda? — O seu olhar e o
que diz fazem-me sentir uma barata, como Logan fez outro dia.
— S-sim, concordo.
— Então?
— Então? — pergunto tolamente e vejo-o revirar os olhos. —
Ah, claro, foi intimidadora e relevante, ao menos para ele, acredito.
— Dou um passo adiante e só então vejo uma caixa de papelão
sobre minha mesa, com meus pertences dentro, o livro de Jane
Austen, Emma, jogado de qualquer jeito sobre os objetos e isso faz
meu coração parar de bater. Engulo o bolo em minha garganta,
sentindo os olhos pinicarem.
Já vi esse episódio, com outro estagiário, e não posso impedir
de sentir minhas mãos suarem em apreensão.
— Relevante… — Richard se levanta e arrasta a caixa pela
mesa de forma ruidosa. — Isso é bom, ele deve estar satisfeito.
Como sabe, hoje precisei fazer algo odioso, vergonhoso em cada
palavra escrita e eu odiei cada segundo ao escrever aquela maldita
retratação, que tirou minha liberdade de imprensa, meu prestígio,
tudo por conta de uma matéria sua.
— Não — falo rápido e ele me encara, a diversão fugindo de
seu rosto por ser contrariado e sinto os olhares em minha direção.
— Você a reescreveu como bem quis, aquela não foi a matéria que
fiz, longe disso. Se tivesse publicado como lhe entreguei, isso nunca
teria acontecido. — Estou brincando com o perigo, mas já estou
demitida, ou minha mesa não estaria vazia. Quero chorar, quero
tanto, mas seguro cada maldito soluço em meu peito.
— Então a culpa é minha? — Eu nada digo e vejo-o pegar a
caixa e me entregar com brusquidão. — Está demitida e talvez
assim você entenda o seu lugar e aprenda a fazer o seu trabalho de
forma mais competente. — Travo meus dentes ao sentir frio se
alastrar por meu estômago. — Meu único erro foi deixar você, uma
reles estagiária fazer uma matéria com tal importância. Agora vá. —
Dou um passo atrás, mas ele parece se lembrar de algo ao voltar a
falar: — Ah, é bom estar ciente que irei me certificar para que
saibam de sua incompetência, será difícil arrumar outro emprego.
Meu peito dói quando dou meia-volta, sendo o centro da
atenção de todos ao protagonizar um belo espetáculo, onde servi de
boba da corte. Abaixo minha cabeça e praticamente corro,
escolhendo ir pelas escadas, querendo me esconder. Alcanço a rua
pouco depois, sentindo o frio banhar minha face e, só então, me
permito chorar. O que diabos eu vou fazer agora? Nós nos
mudamos para um apartamento maior por um único motivo: eu tinha
um emprego, um que sempre sonhei ter, eu era alguém e agora…
Aquele desgraçado arrogante… tudo por sua culpa, tudo por
um dia ter cruzado seu caminho. Eu odeio tanto Logan Hopkins e
tudo o que eu queria era voltar no tempo, apenas para nunca, nunca
o ter encontrado naquela droga de galeria.
 

 
— E o que teve com Logan Hopkins? — Ao ouvir esse nome
nos lábios de Andrei, sinto cada um dos meus pelinhos se
arrepiarem e imediatamente me arrependo de ter aceitado seu
convite. Na verdade, me arrependi assim que entrei em seu carro.
Há quase duas semanas, tenho estado confinada em meu
apartamento, presa em comiseração, pensando nesse infeliz e no
que perdi ao ter cruzado seu caminho. Aproveitei esse tempo para
enviar currículos para todos os jornais de Londres e até o momento
sigo sem nenhuma resposta, nada. Tudo só piorou quando, na
terça, uma foto minha e de Logan passou a circular em sites de
fofoca, me pegando completamente desprevenida.
Na foto, estávamos em Bruxelas e, por sorte, só viram a lateral
do meu rosto enquanto eu estava a entrar no carro e, por isso,
minha identidade segue anônima, mas isso foi o bastante para gerar
especulações nos meios de imprensa, com manchetes do tipo: O
milionário finalmente foi fisgado?
Ah, se soubessem…
— Foi só um convite e nada mais, como sua irmã garantiu. A
matéria veiculada no The Standard nos trouxe problemas, ele foi
grosseiro comigo na ocasião e depois se desculpou, me levando a
uma ópera. — O que digo faz Andrei sorrir com ironia.
— Uma ópera? — O descaso é óbvio. Confirmo e seu sorriso
só aumenta, mudo meu olhar para o prato à minha frente, mexida ao
relembrar aquela noite. — Isso me parece mais um castigo,
Arabella.
— Ópera não é nem de longe ruim, Andrei — me ouço
defender, capturando seu olhar, ofendida com o que diz. Minha
dúvida é se defendo a ópera ou algo que é tão caro para Logan. Eu
sou mesmo uma idiota.  — Achei que não iria gostar, mas me
surpreendi. — Ele bufa em resposta.
— Não é para mim, com toda certeza. — Andrei parece
resoluto em odiar tudo o que Logan faz, incluindo com veemência
meu contato com ele.
E pensar que, em algum momento, eu já me apaixonei por
esse mesmo homem, algo que começou na adolescência e que
perdurou por tempo demais e que, agora, quando é ele a
demonstrar interesse, eu não sinto mais nada e não tem como
recomeçar de onde parou, tudo parece frio demais. Foi algo
arrebatador em que meu coração, ou assim acreditei, era jovem
demais, achei que morreria caso não o namorasse e hoje eu não
sinto nada.
Mas devo concordar que Andrei amadureceu e ficou ainda
mais bonito. Olhos azul-claros, maxilar quadrado e bem-marcado,
sem barba, cabelos lisos e pretos como a noite, junto a uma aura
rebelde de bad boy que nunca o deixou. O corpo vem na medida
certa, alto e com músculos bem-definidos, mas nada exagerado,
sempre envolto em camisa lisa, simples, a de hoje é branca, jeans,
jaqueta de couro preta e botas.
Esse encontro, por exemplo, foi obra de sua irmã. Ela disse
que isso poderia me ajudar a desanuviar minha mente, mas estava
errada. Talvez desabafar sobre aquela noite ajudaria, mas não tive
coragem de contar à Olivia o que aconteceu e, por isso, tenho a
sensação de que irei sufocar a qualquer momento.
— Parece estar longe, Bella. Algum problema? — Longe e
sem fome alguma.
— Não, é só o trabalho, ou melhor, a falta dele.
— Sinto muito pelo que aconteceu, mas tenho certeza de que
encontrará outro logo, logo — fala o limpar os lábios com um
guardanapo e eu deixo o ar escapar de meus pulmões, vencida.
— Fui castigada por algo que não fiz. Richard me demitiu e
prometeu que cuidaria para que eu não encontrasse outro trabalho,
ele parece estar cumprindo sua promessa. E é exaustivo tentar algo
quando já sabe que receberá uma negativa como resposta.
— Por isso tentou negar o meu convite hoje, em plena noite de
sábado?
— Minha vontade é uma só, Andrei, me encolher e dormir.
Estava sem ânimo para sair. — Não é uma mentira, sigo sem
paciência para qualquer investida.
Pois não consigo tirar Logan dos meus pensamentos e até
mesmo dos meus sonhos. O pior é relembrar que me peguei, por
vezes demais, pensando em sua proposta ridícula e prepotente.
Como alguém como ele pode querer apenas… prazer? Não me
orgulho desses pensamentos, tampouco consigo me livrar deles e
isso é quase uma tortura, ainda mais depois da forma que me tocou
em seu carro, me deixando desejosa por ir adiante e ter mais
daquilo, dele, para que a noite seguinte terminasse daquela forma.
Talvez essa era sua intenção, me deixar louca de desejo para que
não fosse capaz de negar aquela loucura.
Contrato. Ele que vá para a puta que o pariu com essa droga
de contrato.
E não importa quantas vezes diga isso, pois, por segundos, é
como se eu ainda estivesse naquele carro, presa à sua essência
primitiva, ao seu cheiro e chego a apertar minhas coxas debaixo da
mesa ao sentir o latejar entre minhas pernas apenas por pensar em
suas mãos a apalpar meu corpo e me dar um orgasmo. Sem nem se
dar conta, Logan foi o primeiro a me levar ao céu, me mostrar como
é ser tocada por um homem. Nego o pensamento, isso tem que
parar, pois não acontecerá novamente nem que para isso eu precise
me entregar para outro.
Sinto a mão de Andrei cobrir a minha e o olho, notando o brilho
em seus olhos ao fitar o meus.
— Já conseguiram algo palpável sobre os corpos
encontrados? — pergunto, sem querer continuar no âmbito pessoal,
sem querer dar abertura para que fale de nós.
— Nenhuma identidade. Estamos recorrendo ao banco de
dados da polícia, usando o DNA, já que a papiloscopia foi
inconclusiva. Os corpos não tinham digitais, foram arrancadas. A
odontologista não pôde nos dar nada também. Temos que procurar
nos bancos de desaparecidos e recorrer ao banco de dados. 
— Ao menos há uma chance.
— Pequena, mas sim, e concordo com o seu chefe, mesmo ele
sendo o escroto que te demitiu, Hopkins não pode ser tão inocente
quanto parece.
— Andrei… — começo, tentando afastar minha mão da sua,
mas ele a segura.
— Mas não te trouxe aqui hoje para falarmos disso, Bella —
diz e engulo em seco. Espero o restante de sua frase, mas seu olhar
vai para algo ou alguém às minhas costas. — E por falar no próprio
diabo…
Olho por sobre o ombro e então o vejo, saindo do bar do
restaurante acompanhado por dois homens. Logan tem uma postura
confiante, ao enfiar as mãos no bolso da calça social preta de
alfaiataria, os olhos passeando pelo salão até pousarem em mim.
Seus olhos se apertam e vão para Andrei em seguida e, depois,
para nossas mãos unidas sobre a mesa. É instintivo afastar o toque
de Andrei com uma rapidez excessiva pelo que ele me faz sentir,
uma necessidade de mostrar que por mais que estou aqui com
Andrei, isso não diz que queira algo com ele. Meu coração parece
ter levado uma descarga elétrica, junto a pedra de gelo que o infeliz
parece ter jogado em meu estômago.
Olho minhas mãos emboladas sobre a saia lilás e amaldiçoo o
exato momento em que aceitei sair de casa hoje. Mas quando eu
poderia imaginar que Logan estaria aqui? Ele disse uma vez que
gostava apenas de dois restaurantes, não imaginei que viria ao bar
de um hotel para beber. Que droga. E eu odeio que Andrei tenha
notado algo, que tenha visto o efeito que Logan Hopkins me causa.
O brilho de minutos antes sumindo aos pouquinhos dos seus olhos.
— Eu preciso ir ao banheiro, com licença — peço, me
levantando sobre o seu olhar acusatório.
Saio da mesa de forma apressada e desastrada, quase
derrubando a taça sobre a mesa, indo a passos rápidos em direção
ao toalete, sem olhar para trás, pois sequer preciso fazer isso para
ter certeza de que o olhar gelado de Logan está preso a mim. E eu
sequer consigo explicar o que é isso, o que tem naquele homem
que me causa tantos transtornos físicos. Talvez Olivia tenha razão e
sou a virgem idiota enredada pelo cara que lhe deu o seu primeiro
orgasmo, o cara gostoso e que sabe como tocar uma mulher.
Entro no banheiro e agradeço o ambiente estar vazio, podendo
respirar fundo, de forma audível, e espalmar as mãos sobre o
mármore frio dos lavatórios. O espelho quadrado, preso à parede,
reflete minha confusão, o peito subindo e descendo depressa, em
uma imagem confusa e incrivelmente fantasmagórica. De tantos
lugares para ir, ele tinha que estar logo aqui?
Ouço passos pesados e penso em entrar em uma das cabines,
para não ser vista assim, mas antes que possa fazer qualquer
esforço para sair do lugar, eu vejo, pelo espelho, o exato momento
em que Logan invade o lugar, a passos compridos, dobrando as
mangas da camisa social preta até os cotovelos. O homem sorri ao
me encarar, e eu engulo com certa dificuldade, retrocedendo um
passo, mas não sou ágil o suficiente quando sua mão se fecha em
meu braço, me arrastando para dentro de uma das divisórias
espaçosas, prensando meu corpo com o seu contra a parede,
fazendo o barulho oco se espalhar pelo cômodo, suas mãos sendo
espalmadas na parede atrás de mim, na altura dos meus ouvidos.
— Olá, Arabella. Parece ter encontrado alguém capaz de te
dar o que quer. — Seu tom é irônico e me custa esforço para achar
minha voz.
— Ficou louco?
— Responda, o que veio fazer aqui com ele? — Quem ele
pensa que é? Sua feição é tal qual pedra e eu sorrio, dando a ele o
mesmo tratamento e vendo os olhos azuis escurecerem com algo
que não reconheço.
— Acha mesmo que te devo qualquer explicação? O senhor é
ridículo. Agora pare com isso e saia da minha frente, tenho alguém
me esperando lá fora.
— Gosta dele, sente algo por aquele pedaço de merda?
Engulo em seco e a palavra não trava na ponta da minha
língua, sem querer dar o braço a torcer e dizer o que quer. Ele não
tem esse direito, não tem.
— N-não o ofenda. Andrei é um cara legal, normal e que,
principalmente, não vai me oferecer a porcaria de um contrato, ou
pior, me ofender ao me oferecer dinheiro em troca de sexo — cuspo
cada palavra e sinto meus olhos pinicarem, meu peito arder em
resposta a atmosfera que nos cerca.
— O inferno teria que congelar para que eu permitisse que
outro a toque!
Eu não tenho tempo de afastá-lo, sequer sei se realmente
conseguiria fazer isso, pois quando seus lábios cobrem os meus, eu
só consigo embrenhar minhas mãos por seu pescoço, agarrando os
fios curtos em sua nuca, abrindo a boca quando sua língua pede
passagem, ao tomar cada pedacinho de mim, seu gosto se
alastrando por minha língua. Suas mãos descem pelo meu corpo,
apertando minha pele, ganhando terreno, buscando por mais. Gemo
em sua boca, minha razão berrando para que eu o afaste, sem força
alguma para fazer isso. Meu coração parece um touro bravo, ao
querer rasgar o meu peito e se fundir ao seu, sem ligação alguma
com a razão que martela minha mente ao dizer que este homem é
perigoso, que ele irá me machucar, pois não saberei lidar com sua
intensidade, caso o deixe entrar.
Logan se afasta e arfo com a falta que sinto de sua boca, abro
os olhos e o observo, enquanto seu olhar varre meu rosto, querendo
encontrar algo dentro de mim, em minha alma.
— Eu tentei não ir atrás de você, aceitar que me disse não e
que não quer viver com o que posso dar. Mas sou egoísta demais,
Arabella, e quando pus os olhos em você esta noite, mandei toda e
qualquer razão para o inferno. — Sua voz sai grossa, rouca,
certeira, e arregalo os olhos ao ouvir o que diz. — Venha comigo
hoje, para minha casa.
— Não, não vou fazer isso. Eu… — Olho para os lados,
incapaz de seguir com minha negativa, de colocar em palavras o
que minha razão berra em minha mente.
— Eu posso convencê-la, Arabella… — O que diz esquenta
algo em mim, me faz lembrar da noite em que estive com ele, em
sua proposta ridícula.
É o suficiente para trazer sanidade aos meus neurônios, apoio
as mãos em seu peito ao tentar afastá-lo, mas é inútil.
— Me solte ou irei gritar.
— E dizer o quê? Que quer tanto quanto eu que a foda, aqui
mesmo, neste banheiro? Dirá que sua boceta não está molhada e
desejosa? — fala, a voz mais baixa, quase sussurrada ao meu
ouvido, sua mão descendo por meu corpo, minha cintura, subindo
minha saia e alcançando minha boceta. Arfo, perdida, mordendo o
lábio ao sentir seus dedos invadirem minha calcinha, abrindo
minhas dobras, beliscando meu clitóris. — Tão molhada e deliciosa,
me diga, Arabella, o que dirá? — incentiva, tirando seus dedos da
minha calcinha ensopada e os levando ao nariz, inspirando meu
cheiro sobre o meu olhar, para em seguida levá-los aos lábios,
chupando-os. — Você é uma delícia, menina.
Seus lábios cobrem os meus mais uma vez e esqueço até
mesmo meu nome, ignorando tudo e todos, em especial o fato de
estar nessa situação dentro de um banheiro público. Calo a voz da
razão, me entregando outra vez quando ele volta a me prensar
contra a parede, segurando meus pulsos acima da minha cabeça. O
beijo é quente, possessivo e toma minha sanidade, como se
quisesse provar algo, me convencer de qualquer coisa que venha
dele.
E eu estou em uma linha tênue de ceder, pois meu sexo lateja
depressa quando Logan chupa minha língua com certa força,
afrouxando o aperto em minhas mãos, enviando eletricidade por
meu corpo ao me fazer imaginar como seria ter seus lábios em
outras partes do meu corpo. Perco seu calor e abro os olhos, vendo-
o se afastar e se abaixar à minha frente, amparando seu peso em
um só joelho.
— O que vai fazer? — Estou mole, sem força alguma ou
vontade de negar qualquer coisa que queira fazer comigo diante do
olhar quente que me dá ao enfiar as mãos por baixo da minha saia,
segurando a fita lateral da calcinha, a rasgando, uma após a outra, e
a embolando em sua mão. — Logan… — Minha voz não passa de
um sussurro chocado.
— Shiu, quietinha, a menos que queira que a ouçam…
Engulo em seco, vendo-o sorrir ao levantar minha saia e dar
de cara com meu sexo exposto. Sinto meu rosto esquentar, meu
coração derretendo em meu peito, se esquecendo de como é
bombear sangue para o resto do meu corpo. O ar me falta ao sentir
Logan soprar minha pele ali, soltando um murmúrio em antecipação
quando passeia o nariz pelo alto de minha perna, subindo para
minha virilha e voltando à minha boceta, parecendo adorar meu
cheiro. Ele passa a impressão de que quer me castigar, me deixar
maluca ao imaginar o que vai fazer ao me encarar, olhos brilhando,
travessos, enquanto aproxima a ponta da língua de minha pele.
Sinto o toque molhado e não consigo mais sustentar seu olhar,
fechando os olhos, jogando a cabeça contra a parede à minha frente
ao sentir pela primeira vez o que é um sexo oral. Eu me abro, dando
a ele livre acesso, minhas mãos agarrando seu cabelo com certa
força, quando ele beija meus lábios, como se estivesse fazendo isso
com minha boca, e posso jurar que o ouço rosnar. Meu Deus… isso
é tão errado. Abro os olhos e dou de cara com as duas esferas
azuis, agora mais escuras, apreciando minhas expressões,
parecendo satisfeito com o que vê.
— Logan… — sussurro, envolvida por sua energia, por sua
língua que toma cada vez mais espaço.
Um barulho me alarma, mas pouco interfere no que Logan está
fazendo, seu olhar preso ao meu enquanto suga toda a minha
boceta.
— Arabella, você está bem? — A voz de Andrei soa alta, meio
desesperada e envia eletricidade por minha pele, adrenalina, me
deixando alerta e potencializando o que sinto. Me arrepio, em alerta,
mordendo o lábio para não gemer alto. A mão de Logan alcança
minha boca, colocando um dedo sobre ela, me impedindo de
responder.
— Diga a ele, Arabella, diga se você está bem — fala, de
forma sussurrada, a boca melada com minha excitação, tendo um
sorriso petulante desenhado nela, o rosto inclinando um pouquinho
para o lado, antes de voltar a me chupar, segurando minha
panturrilha e a colocando em seu ombro, me abrindo para seu
prazer.
— Arabella?
— O-oi — balbucio, minhas pernas enfraquecidas, adrenalina
se espalhando por todo o meu corpo, o ar se tornando rarefeito
quando começo a suar em puro prazer e tesão. Logan suga o meu
clitóris, me levando à beira de algo muito, muito bom, que parece
capaz de me jogar no limbo. — Eu estou bem. — Minha voz sai
esganiçada, obedecendo. — Só preciso de um… um minuto e já te
encontro.
Estou segurando uma pressão desmedida em meu baixo
ventre, tentando me segurar para não me esfregar no rosto de
Logan, para não gemer e pedir por mais. Tudo parece errado e,
ainda assim, erótico demais com a imagem de Logan ajoelhado ao
chão, à minha frente, a forma como me suga, segurando meu clitóris
entre os lábios, massageando-o com a ponta da língua e me
levando ao limite. Quase sinto dor ao tentar segurar tais sensações
que pedem passagem para explodir dentro de mim. Os olhos de
Logan brilham em pura diversão, posse e arrogância e eu me odeio
por não conseguir mandá-lo ao inferno.
— Tem certeza?
— Claro — quase grito, tentando ser o mais convincente que
consigo.
— Ok, te aguardo no salão.
Sequer respondo, segurando os cabelos de Logan entre meus
dedos, me entregando ao furacão que venho prendendo, me
esfregando em seu rosto ao buscar libertação, sua língua agora
ensandecida passando a descer e subir, lambendo toda a minha
boceta de forma esfomeada, necessitada. Fecho os olhos, jogando
a cabeça para trás ao ser arremessada do abismo em que ele me
colocou, apertando os olhos ao tentar prolongar o que sinto, algo tão
único, prazeroso pelo qual eu viveria para ter me mais. É como se
não fosse suportar e elevo minhas mãos para o limite da parede do
pequeno espaço, segurando-me com força, podendo me esfregar
mais contra sua língua. Um arrepio corta minha coluna e não
consigo me segurar, gemendo e chamando por ele, perdendo
qualquer controle ou sanidade.
Aos poucos, os espasmos vão cedendo, minha perna mole
como gelatina pouco me sustenta, mas Logan não deixa de me
chupar, agora mais lento, saboreando minha entrada, sugando e
lambendo minha carne, cada pedacinho. Gemo, rendida, sensível e,
ainda assim, excitada. Logan se afasta, se colocando de pé e me
encara, sua boca e queixo ainda melados com meu orgasmo, é tão
erótico que meu baixo ventre reclama com a visão, ainda mais
quando ele lambe os lábios como se tivesse acabado de provar uma
iguaria.
— Agora, vamos para minha casa terminar o que começamos
aqui, o que acha? — pergunta e é como ter dois eus dentro de mim,
um que quer queimar no fogo do inferno que arde em seus olhos e
outro que precisa se afastar, correr para longe e se proteger.
— Você joga baixo.
— Eu nunca disse o contrário — fala, seus lábios muito
próximos dos meus, meu cheiro em sua boca me alcançando. —
Gostaria que fosse a minha porra a escorrer da sua boceta,
melando sua pele a cada passo que desse de encontro ao babaca
lá fora, te lembrando a cada segundo quem te marcou. Mas me
contento com o teu sabor em minha boca, teu cheiro em meus
dedos. — Ofego, trôpega. — Agora vamos, te espero no carro.
E sem dizer uma palavra, ele se vai, me deixando aqui,
pegando fogo, mãos suadas de nervos e perdida sobre o que
acabou de acontecer.
 

 
Minha vontade é a de arrancar as mãos daquele franguinho de
Arabella, ao vê-lo se despedir dela com amabilidade forçada,
espalmando a mão em sua coluna ao beijar seu rosto. A menina se
afasta, incerta, ainda de costas para mim, que a espero a alguns
metros de distância, encostado em meu Porsche. Meu sangue
parece correr mais depressa, o sentimento que toma conta do meu
peito é o de posse, um desejo irrefreável de fazer com que Arabella
aceite a proposta que lhe fiz, dias atrás. Não sei bem qual o feitiço,
se é o meu desejo de dobrá-la ao que quero, de entrar e marcar seu
corpo que tenha me trazido essa fixação pela menina.
Vim aqui hoje para uma pequena reunião informal, não
imaginava encontrar a infeliz, ainda mais acompanhada. As palavras
que me disse dias atrás deveriam bastar para que eu fosse embora
e a deixasse aqui, com ele, mas não bastaram. Quando os vi com
as mãos unidas, como ele a olhava com um brilho apaixonado nos
olhos, eu entendi o que pretendia. Ele a quer, tanto quanto eu, está
apaixonado. Como não ficaria? A menina é uma sereia feiticeira,
ainda que não perceba o poder que tem.
Tentei não a procurar na última semana, mas hoje pela manhã,
ao enviar a obra a qual a presenteei, para a Hop Force, Arabella me
deixou um tanto inquieto, é como se aquele gesto estivesse a
afastando de fato, pondo um ponto final em algo que já não quero
abrir mão. E não foi só a tela que me enviou, junto veio também o
vestido, que usou na noite em que a levei para Bruxelas.
Neste momento, Arabella olha para mim por sobre o ombro,
falando algo para o policialzinho de merda. Ele me olha e
calmamente aceno em resposta, em uma demonstração patética de
testosterona, marcando território, já impaciente para que ela se
despeça de uma vez. E a partir desta noite, ele saberá que deve
manter distância do que é meu.
Em seguida, a menina dá meia-volta e vem em minha direção
e, agora sim, meu corpo passa a relaxar pouco a pouco. Abro a
porta do carona e ela entra a contragosto, bufando impaciente e me
ponho atrás do volante, saindo com o carro para a rua.
— Se irá repetir aquela proposta estúpida, não perca seu
tempo e me leve para casa, Logan. Minha resposta continua a
mesma — esbraveja, olhando pela janela do carro, se mantendo o
máximo que consegue longe de mim.
Respiro fundo, tomando tempo, sequer quero responder a isso.
É uma negativa segura, que não abre espaço para controvérsias.
Sempre fui meticuloso e, por isso, aprendi muito cedo a manipular
pessoas e situações, moldar tudo ao redor ao meu bel prazer.
Nunca, nenhuma mulher tinha negado minha proposta, pois eu
oferecia algo interessante e escasso: dinheiro e status.
Mas Arabella não pensou duas vezes para me dizer não, não
pensou nem mesmo em ficar com o presente que dei a ela, nada, e
com isso eu não sei lidar. Não lido bem com quem não controlo, não
lido bem com o não planejado, me confunde e me dá a sensação de
andar sobre um terreno minado. Mas situações podem ser
contornadas, toda e qualquer pessoa tem uma janela para sua alma
e eu pretendo acessar a de Arabella.
Por minutos demais, o silêncio no carro se torna denso,
estranho, é frustrante. E isso sim foge completamente do meu
controle e talvez por isso o desconforto chegue a ser maior do que
este carro possa suportar.
— Sabe o quanto isso me é estranho? — corto o silêncio e
Arabella me encara, enquanto seguro o volante com mais força que
o necessário entre os dedos. — Ter tanta atenção direcionado a
alguém. — Ela se surpreende com o que falo, chega a abrir a boca,
fechando-a em seguida quando espalmo a mão no ar, indicando que
ainda não terminei de falar. — Não quero tê-la em meus
pensamentos, não quero sentir esse desejo de posse pela
senhorita, em que sequer consigo cogitar outro a tocando, não
quero correr riscos desnecessários, aos quais não possa prever o
que fará a seguir e como reagirei a isso. Então, como pode ver,
nada disso é agradável aos meus olhos, então me diga, senhorita,
como me livro disso? — pergunto a ela, vendo os portões da
mansão abrirem e então a olho.
Seu rosto está corado, os olhos paralisados, presos em mim, a
boca vermelha e suculenta demais, tem os lábios separados. A
menina é um convite ao proibido, ao pecado.
— Eu não sei — diz por fim, engolindo em seco, não mais
sustentando meu olhar.
— Como imaginei.
Essa desgraçada não saiu dos meus pensamentos nos últimos
dias, seu cheiro e o gosto passaram a ser um castigo para mim,
como um maldito viciado eu a queria, a quero. Guio o carro pela
propriedade olhando pelo retrovisor e conferindo que John está logo
atrás. Arabella segue meu olhar.
— É John, não se preocupe.
Ela nada diz, passando as mãos na saia rodada, florida e cheia
de cor, apertando o tecido entre seus dedos, nervosa. Não levo o
carro para a garagem, estaciono em frente à entrada da casa,
dando a volta e abrindo a porta do carona para que Arabella saia.
Ela nega minha mão estendida, arredia. Me afasto e deixo que saia
e sinalizo em direção à entrada, seguindo-a. Subimos as escadas e
noto-a passar as mãos nos braços, pela friagem, pois deixou o
casaco no carro. Ponho sobre seus ombros meu paletó e ela para,
por segundos, me olhando em confusão. Espalmo a mão em sua
coluna para que volte a nadar e assim que adentramos o lugar,
ainda no hall de entrada, não dou tempo para ela pensar, estou
faminto, sedento por essa menina e disposto a matar todo o meu
desejo esta noite.
Seguro-a pelo braço, a jogando contra a porta e prensando
seu corpo com o meu, o paletó que tinha sobre seus braços vai ao
chão. Ela ofega, o barulho ecoa pelo cômodo quando bato minhas
mãos na parede, uma de cada lado de seu rosto.
— Somos só nós dois agora, Bella… — Afasto uma mecha de
cabelo de seus olhos, enrolando os fios macios em meu dedo,
guardando cada pequeno arfar, a forma como lambe os lábios,
nervosa ao me encarar. As sardas em seu rosto parecendo mais
aparentes hoje.  — Você é minha, Bella, não tem mais volta, quero
que saiba disso.
— Não vou assinar nenhum contrato — sibila e a forma como
levanta o queixo, em desafio, me faz sorrir, joga gasolina no fogo
brando que estava ardendo em mim.
Passeio meu dedo pela maçã de seu rosto, notando as
bochechas coradas em demasia. A menina é transparente demais
com o que sente, seus olhos, seu corpo gritam cada detalhe do que
passa por sua cabeça. Aproximo os lábios de seu rosto, roçando-os
em sua pele, sentindo-a arrepiar.
— Eu ainda não pedi que o fizesse, não de novo. Por ora,
marcá-la com a minha porra será o suficiente. — O ar sai de seus
pulmões apressado ao me ouvir, olhos lânguidos, ansiosa, e seguro
entre os lábios a ponta de sua orelha, mordendo-a, o fato de usar
um brinquinho pequeno facilita meu intento. Passeio a ponta da
língua por seu lóbulo, adorando o gemidinho que sai do fundo de
seu peito, algo sincero e até inocente. — Usa anticoncepcional,
Arabella? — pergunto, notando o corpo da menina travar com o que
digo, as mãos se fecham em punho, o peito subindo e descendo
mais rápido com a minha pergunta.
Afasto-me, apenas para a encarar, entender a mudança
drástica em seu comportamento. Vendo-a encolher os ombros,
lamber os lábios e olhar para cima, à direita, tentando inventar algo.
— Não minta para mim, menina. — O que digo traz uma ruga
em meio às sobrancelhas, raiva talvez.
— Não irei. E sim, eu tomo. — Um sorriso filha da puta ganha
meus lábios. — Mas uso apenas para regular meu ciclo. — Arabella
não me olha ao dizer isso e prenso mais seu corpo contra a parede,
levantando seu queixo com o indicador.
— Como apenas para regular seu ciclo? Não me diga que… —
A ideia de que possa ter um bom tempo que ela não se entrega a
ninguém muito me agrada, ainda que seja ridícula.
Arabella olha para cima novamente, agora para o lado
esquerdo e, com isso, sei que ela busca uma lembrança, que não
está criando algo.
— É só que eu, bom, eu nunca… cheguei a fazer sexo, não
ainda — confessa em sussurros.
Minhas sobrancelhas se juntam, ela parece sem jeito,
envergonhada por dizer isso. Meu coração bate depressa,
bombeando sangue de forma mais rápida, espalhando a adrenalina
por meu corpo, uma droga perigosa e demoro alguns segundos para
assimilar essa informação.
— Você é virgem, menina? — Ela confirma e isso, somado ao
que vem acontecendo, deveria nos levar ao fim do quer que seja
isso que está acontecendo entre nós.
Ela é jovem demais e, agora, descubro que é completamente
inexperiente, mas ao contrário do que seria lógico a ser feito, sinto a
necessidade de ser o primeiro a adentrar seu corpo, marcá-la e
ensiná-la tudo o que pode saber. A menina revela o pior em mim, o
animal que tento manter aprisionado em uma jaula.
Intocada, uma menina pura que arrastarei para o inferno da
luxúria e perdição junto comigo.
— Que se foda, eu vou para o inferno de qualquer jeito.
Ela abre a boca, mas não deixo que fale, tomo seus lábios em
um beijo profundo, afobado, sugando sua língua, minhas mãos
agarrando sua pele, ao ponto de marcá-la. É tarde demais quando
tento conter a besta em mim, Arabella a liberou e já não tenho
controle sobre isso.
Seguro-a pela bunda, a levantando e a encaixando em mim,
sobre meu pau duro dentro da calça, louco para entrar em sua
boceta e se lambuzar em seu sangue. Subo as escadas com a
menina empoleirada em mim, seu sabor sendo algo único,
adocicado e, agora, sei que inocente. Abro a porta do quarto e vou
até a cama, depositando-a sobre o colchão com pouca delicadeza.
Arabella tira os fios do cabelo de seu rosto, a saia levanta,
mostrando o sexo exposto, com um caminho de pelos curtos e
claros a cobri-lo, uma delícia aos olhos. Os lábios menores
molhados do seu desejo, deixando-os mais rosados. Tiro a camisa e
os sapatos sob o seu olhar curioso, aguçado. Meu pau marca a
calça e seus olhos se prendem ali. A menina engole a seco e é
instintivo quando tenta descer a saia, se cobrir do meu olhar
faminto.
— Não. Deixe-a assim — ordeno, rouco, me ajoelhando aos
pés da cama, segurando suas panturrilhas e a arrastando pelos
lençóis, deixando a boceta gostosa e vermelha, sensível do primeiro
orgasmo que lhe dei, na altura dos meus lábios. — Eu imaginei você
assim, sob meu domínio, minha cama, desde que se sentou naquela
mesa de restaurante comigo pela primeira vez — sussurro, a
surpreendendo.
Arabella tem o corpo amparado nos cotovelos, parece nervosa
e levo a mão à sua boceta, massageando o monte de nervos,
vendo-a morder os lábios. 
— Relaxe, Bella. Serei cuidadoso, ao menos em sua primeira
vez. — Ela arfa e me aproximo do seu joelho, lambendo sua pele,
trazendo sua panturrilha para o meu ombro, deixando exposta a
pele atrás dos seus joelhos, onde beijo e lambo a área erógena,
sentindo-a se arrepiar, enquanto suspira, deliciada. Sorrio, beijando
a extensão de sua coxa, inspirando seu cheiro, subindo até sua
boceta. O cheiro de fêmea deixou rastro conforme seu orgasmo
escorria por suas pernas e isso me arranca um rosnado.
Abocanho sua carne, seu sabor preenchendo meu paladar, o
gosto agridoce funcionando como uma droga para meus sentidos.
Arabella cede sobre seus cotovelos, se deitando e se contorcendo
quando chupo toda a sua boceta, lambendo, sugando, me
policiando para não lhe causar dor com a necessidade que sinto, a
vontade de marcá-la. Tenho olhos fixos na menina, no rosto que
transparece todo o prazer que lhe dou, meu pau babando na cueca,
minhas bolas doendo quando lambo toda a carne suculenta,
descendo para seu ânus, sentindo a pele enrugada se contrair sob
meu toque.
— Logan… pelo amor de Deus… — pede, sussurrando,
gemendo, quase alcançando seu próximo orgasmo.
— Não cometa blasfêmia, Bella — peço, sorrindo para o brilho
do seu olhar. Olhos tão doces quanto seu sabor.
Introduzo minha língua em sua entrada, pegando todo e
qualquer prazer, engolindo cada gota ao saborear seu prazer mais
íntimo. Substituo a língua por meu dedo, apenas para alcançar seu
ponto mais íntimo de prazer, massageando a carne enrugada,
voltando a sugar seu clitóris, mamando como farei com seus peitos
daqui a pouco.
A menina perde qualquer controle, passando a mover seu
quadril de forma apressada, se esfregando em meu rosto, buscando
seu próprio prazer. Encho minhas mãos em sua bunda, a
levantando, a trazendo mais para mim. Os lençóis estão presos
entre seus dedos, o quadril suspenso, lambuzando meu queixo,
derramando seu orgasmo em minha língua enquanto seu corpo
convulsiona. Adorei seu sabor, ela acaba de se tornar o meu prato
favorito e me seguro para não me deixar levar pela loucura do
desejo. Aos poucos, os tremores se acalmam e deixo seu quadril
descansar sobre os lençóis, lambendo até a última gota do seu
orgasmo, para em seguida me levantar e me livrar da calça que
visto.
Arabella tem os olhos fechados, a respiração irregular, os
lábios entreabertos quando volto para o colchão, descendo o zíper
lateral de sua saia e a tirando de seu corpo e ela então me encara.
Com olhos semicerrados, ela observa cada movimento, enquanto
busca ar e controle sobre o próprio corpo. A livro da peça e passo a
ponta dos dedos pela pele de sua coxa, notando-a se arrepiar,
passando a subir a barra de sua blusa aos poucos, gostando de ver
cada sensação em suas feições.
Sobre os joelhos, entre suas pernas arreganhadas, passo o
olhar agora nos seios livres, jogando a blusa fina que vestia há
pouco no chão. A miserável estava sem sutiã. Os seios são
pequenos, perfeitos para caberem na palma de minha mão, as
aréolas rosadas, feitas para serem apreciadas.
— São pequenos — sussurra, talvez usando como padrão a
falácia de que apenas seios fartos satisfazem e são bonitos.
— São perfeitos, você é perfeita, Arabella. — Ela sorri de
forma inocente, linda, e devolvo seu sorriso, satisfeito com cada
milímetro de seu corpo, voltando a beijar sua boceta, subindo pela
virilha, lambendo sua pele e deixando um rastro de fogo por onde
passo.
A menina move as pernas, o desejo voltando ao seu corpo,
buscando atrito. Nego, segurando seus pulsos acima de sua
cabeça, a mantendo cativa e vulnerável.
— Eu quero te tocar, Logan… — pede, ofegante.
— Apenas quando eu permitir, Bella.
— Hum…, mas eu quero… Hum… — Um gemido corta sua
fala, enquanto morde o lábio inferior.
— Eu sei e isso o que sente é instinto de fêmea, louca para ter
meu pau atolado nessa boceta apertada — falo, meu rosto a
centímetros do seu.
Beijo seus lábios, a reivindicando, tentando marcar até a alma
dessa menina.
— Sinta seu gosto em minha boca, Bella, teu cheiro, talvez
entenda por que é tão viciante aos meus olhos. — Arabella geme,
se contorcendo, tentando liberar seus pulsos.
Volto a beijá-la, esfregando meu pau, ainda coberto, contra sua
carne, dando o atrito que ela tanto procura. Quero-a excitada para
que sinta o mínimo de dor quando a penetrar. Desço os lábios pelo
pescoço cheiroso, arranhando a pele com os dentes, passeando a
língua por sua clavícula até encontrar seu seio. Arabella se esfrega
em meu pau e uso de um controle sobre-humano para não a rasgar
de uma só vez.
Abocanho um seio, segurando a aréola com os dentes e
passeando a língua no brotinho duro e empinado. A menina ofega, e
passo a quase engolir o seio todo em minha boca, mamando ávido
de desejo, um seio após o outro, marcando sua pele sem pena
alguma. Querendo muito mais que isso. A menina abraça meus
quadris com suas pernas.
— Por favor, não pare… — ofega, excitada, ansiosa para me
ter dentro dela.
Levanto-me, ouvindo um muxoxo de desgosto deixar seus
lábios quando ela abre os olhos à minha procura. Arranco a última
peça que nos separa e volto a me ajoelhar sobre os lençóis, vendo
seus olhos vagarem por meu corpo de forma lenta. Assustada,
como uma presa inocente, e noto o momento em que se contrai,
ficando tensa, os olhos fixos em meu pau. Acaricio-o, sensível
demais, louco para estar dentro dela.
— Não me olhe assim, Arabella, logo se acostumará com meu
tamanho — tento, a quero relaxada para este momento, quero que
sinta prazer após a dor necessária.
— Sei que dói a primeira vez, já me falaram sobre isso e
imagino que quanto maior é, mais doa.
— A dor é a mesma, Bella, não se preocupe. — Vejo-a
levantar as sobrancelhas, acredito que não a tenha acalmado com
isso.
— Sua sinceridade às vezes não ajuda, Logan. — Cubro seu
corpo com o meu, sentindo seus braços finos e delicados virem para
a minha nuca. Beijo-a, chupando sua língua, passeando a cabeça
do meu pau em sua boceta, lambuzando-o em sua excitação,
arrastando para longe qualquer medo ou receio do que vem a
seguir.
Aos poucos, ganho espaço em sua entrada, Arabella está
molhada, quente e macia e isso facilita o caminho. Penetro-a pouco
a pouco, tomando seus lábios, quando sinto a boceta se apertando
ao meu redor, me levando ao limite do prazer mais sublime, junto a
constatação de que a menina é mesmo virgem. Sinto seu corpo
enrijecer sob o meu e paro, voltando a lamber pescoço e seios,
mordendo sua pele, deixando que ela mesma comece a mover seus
quadris, em busca de mais. Arabella não sabe ainda, mas tem fogo
guardado em seu íntimo, junto a necessidade de ser consumida por
prazer.
Sinto a barreira de sua virgindade, sorrindo com deleite ao
saber que sou eu o seu primeiro homem. É primitivo, eu sei, mas
não posso controlar a possessividade que pulsa em mim. Beijo seus
lábios, sentindo-a relaxada o bastante para que eu vá até o fim.
Estoco com força, sem aviso, rompendo seu hímen e me atolando
por completo em sua boceta, tomando cada sentimento de sua
carne. Seus dedos me apertam, suas unhas cravadas em minha
pele e seu gemido de dor morre em meus lábios. Me afasto, apenas
para olhá-la. A menina tem os cílios molhados, o rosto transparece a
dor que sentiu. Permaneço imóvel em seu interior e acaricio seu
rosto, beijo cada um de seus olhos, tirando os fios de cabelo
grudados em sua testa.
— Agora não tem mais dor, Bella, apenas relaxe para mim —
peço, pouco a pouco voltando a me mover em seu interior.
— Humrum — geme, movimentando o quadril, testando o
encaixe de nossos corpos. Tomo seus lábios quando a boceta pulsa
ao meu redor, moendo meu pau de uma forma deliciosa, apertada,
quente.
Passo a me mover junto ao seu quadril, devagar, deixando que
se acostume, que me sinta, enquanto estrangula meu pau. Me
ajoelho entre suas pernas, levando o dedo aos seus lábios, para
que os chupe. Ela o faz, lambendo-o e levo-o ao seu clitóris,
massageando em círculos ao ter a menina se contorcendo em
prazer. Estoco em sua boceta, uma e duas vezes, indo fundo,
vendo-a semicerrar os olhos e sorrir para mim. A menina traz o sol
em seus lábios, algo quase como paz.
Olho nossa carne unida, meu pau agora melado com seu
sangue, sua pureza indo embora à medida que entro e saio de sua
boceta. Ela segue meu olhar e abre a boca ao ver-me sujo com seu
sangue.
— Logan, eu…
— Shiu, Bella, apenas sinta… — peço, empurrando seu corpo
de volta ao colchão.
Afasto-me e a viro de bruços, elevando seu quadril para que
fique de quatro, ela grita, levada pela surpresa, e espalmo a mão no
alto de sua coluna, para que deite o peito sobre o colchão e deixe a
boceta exposta e melada para cima. Olho a bunda arrebitada,
redonda e apetitosa, o buraquinho que contrai quando dou um
pequeno tapa em sua polpa, a boceta melada, com sangue
escorrendo de sua entrega, a visão erótica, deliciosa e proibida
dada para mim. Volto a me ajoelhar no chão, abrindo sua bunda e
segurando seu quadril que tenta sair do meu alcance ao premeditar
o que irei fazer.
— Logan! — Meu nome em seus lábios soa incrédulo, em
alerta.
Mordo sua bunda, arrancando dela um gemido, a frase
morrendo em seus lábios e então lambo sua entrada, sentindo sua
inocência na sua mais pura essência escorrer por minha língua,
viscoso. E é como alimentar o que há de mais obscuro em mim, e
um gemido rouco escapa do fundo de minha garganta, rosno em
puro deleite, possessivo, sabendo que agora não posso mais deixá-
la ir, não até me fartar de sua droga. O cheiro ocre me preenche, o
gosto adocicado, ferroso se espalha por meu paladar, meu pau
pulsa, minhas bolas doem, estou a ponto de gozar.
Limpo toda a sua boceta, bebo todo o seu líquido e, por fim,
deixo que se deite, cobrindo seu corpo com o meu, lambendo e
beijando suas costas, subindo por sua coluna até o pescoço. Ela
sorri, incrédula, e beijo sua orelha, sugo o lóbulo e alcanço sua
boca, compartilhando o seu gosto mais íntimo. Seus lábios como
veludo, e mordo o lábio inferior, arrancando dela um gemidinho
choroso e só então a viro na cama e volto a estocar em sua boceta,
fundo, roubando seu ar.
— Você é minha, Arabella, seu prazer agora me pertence.
Entende isso? — Estoco mais uma vez, mais fundo, ela arfa,
rendida.
— Sim, não para… — pede em um sussurro, por mais que
sinta a ardência que lhe causo, é lindo assistir como reage à sua
primeira vez. Nada é fingido, nada.
— Sim o quê?
— Eu entendi, meu prazer é seu — ela quase grita em
resposta e isso me satisfaz, por ora.
Seguro um de seus seios, apertando o mamilo entre os dedos,
sugando o outro com força, a levando ao limite da dor, estocando
cada vez mais rápido, mais forte à medida que pede por mais. Seu
rosto se torna brasa, seus quadris se movem junto comigo e
Arabella fecha os olhos, empurrando a cabeça contra o colchão,
arqueando a coluna e se entregando mais uma vez ao prazer. Me
deixo levar junto a ela, meu pau pulsando em sua boceta, minhas
bolas se contraindo ao jorrar porra em sua carne, meus rosnados se
perdendo junto aos seus gritos, mordo seu ombro, sentindo suas
unhas marcarem minha pele, ambos nos consumindo em fogo.
Ofegante, solto sua pele, acariciando o lugar marcado com a
língua, um leve carinho. Volto a beijar seus lábios de forma lenta e
carinhosa. A menina suspira, inocente, satisfeita e exausta. Aposto
que dolorida também. Saio de dentro dela devagar, e é uma visão
perfeita ver minha porra escorrer de sua boceta, junto aos
resquícios de sua virgindade. Não nego, isso alimenta meu ego e
possessividade.
Deito ao seu lado e a trago para mim, apertando sua cintura.
Apoio sua cabeça em meu peito e vejo com satisfação a marca da
mordida que deixei em seu ombro, é mais profunda do que imaginei
e acaricio o lugar. As cortinas do quarto então abertas e a luz da
noite ilumina o espaço, tornando o ambiente gostoso. Beijo sua
testa suada e a vejo sorrir.
— O que foi, Bella? — pergunto, curioso, a apertando mais
entre meus braços.
— Eu só não… — Para, fazendo um biquinho com a boca
bonita antes de voltar a falar: — Não esperava que fosse capaz de
ser carinhoso após o sexo.
— E esperava o quê? — Ela me surpreende com sua
colocação, mas está certa, não sou carinhoso, não dessa forma.
Geralmente, prefiro um charuto após o sexo, carinho não me é
comum, apesar de tentar demonstrar o mínimo cuidado com quem
estou. Talvez o fato de estar com ela entre meus braços e ciente de
que é sua primeira vez, merece ainda mais cuidado.
— Não sei, mas claramente me puxar para seus braços não
seria uma delas.
— Sequer comecei com você, Bella. Ainda irei lhe dar banho,
limparei sua boceta com o cuidado que merece.  Sempre cuido do
que é meu — esclareço e ela sorri.
— Ainda vamos falar sobre esse assunto.
— Quanto a isso, não tenha dúvidas. — Toco seu queixo,
levantando-o e beijo seus lábios. Desejando estar dentro dela mais
uma vez, mesmo sabendo o quanto deve estar dolorida.
A menina é o meu novo vício mais precioso.
 

 
A água escorre pelo meu corpo, enquanto mãos grandes, com
veias grossas e aparentes no dorso — que fazem caminho por seu
antebraço — ensaboam meu corpo. Logan está às minhas costas e
encosto minha cabeça em seu peito, deixando que faça como
prometeu há pouco, que me limpe, enquanto sinto a esponja macia
passear pelo vale dos meus seios, descendo por minha barriga.
Ainda sinto minhas pernas estremecidas, fracas, meu sexo lateja,
arde e, ainda assim, eu o quero de novo, envolta em seu
magnetismo.
Sempre imaginei esse momento, a perda da minha virgindade,
me perguntando quem seria o homem que tomaria meu corpo e
nunca, nem em sonhos, cheguei perto de imaginar alguém como
Logan Hopkins. Suspiro, olhos fechados, relembrando cada
momento que passei em sua cama, sob o seu toque.
Logan é diferente de tudo que conheci ou imaginei,
controverso e incrivelmente gostoso. Lembrar que há pouco eu
estava de quatro, entregue para que sugasse tudo de mim, traz um
arrepio à minha pele e um sorriso aos meus lábios, podendo ainda
sentir o meu gosto em sua boca, o ato devasso, proibido, sendo
erótico demais aos meus olhos.
— O que passa por seus pensamentos, Bella? — pergunta,
deixando de lado a esponja e levando os dedos até meu sexo,
lavando-o e arrancando de mim um gemido agudo, sussurrado e
tenho a sensação de que estou presa em um sonho bom.
— Nada de mais, só no que fizemos há pouco. — Sinto um
beijo ser depositado em minha cabeça, seus dedos abrindo-me com
delicadeza, testando a pele sensível e um pouco inchada.
Meu corpo reage, se dividindo entre dor e prazer com cada
toque de seus dedos hábeis. Sinto seu membro contra minha
bunda, ganhando volume, duro novamente e Logan me vira de
frente para ele, rodeando minha cintura com braços firmes. Seu
peito marcado com minhas unhas, por tê-lo arranhado há pouco,
deixando marcas sobre uma pequena cicatriz no peito direito.
— Ainda tem muito a descobrir, Arabella. — Sua voz sai rouca
ao dizer isso, as pupilas dilatadas, uma sobrancelha erguida no
rosto de feições fechadas, perfeito. Sua mão desce pela linha da
minha coluna, as pontas dos dedos são como uma pluma sobre
minha pele. — Seu corpo, cada pedacinho dele é capaz de te dar
prazer, do mais sublime ao mais devasso. — Engulo em seco,
sentindo sua mão acariciar minha bunda, descendo entre minhas
nádegas e alcançando meu ânus, acariciando-o.
— Hum… — Incapaz de dizer qualquer coisa, deixo apenas
um gemido escapar de meus lábios quando ele força a entrada de
seu dedo no orifício enrugado.
— Relaxe, Bella, concentre no prazer e relaxe.
— Logan…
— Assim, isso — incentiva, quando a ponta do seu dedo
ganha passagem e por mais que pareça insano essa primeira
invasão, eu quero ir além, quero que me dê mais. — Irei foder cada
maldito buraco em seu corpo, Arabella, irei marcá-la tão
profundamente que terá meu nome tatuado em sua alma.
Isso deveria me assustar, deveria acender um alerta vermelho
em minha cabeça, mas não é o que acontece, longe disso. Eu me
afasto e busco seus olhos.
— Me mostre então, Logan, faça como quer, você me tem —
sussurro e vejo, de forma lenta, um sorriso bestial tomar sua boca.
Minha pele se arrepia e seus lábios cobrem os meus,
abandonando o carinho ao qual vinha usando após o sexo,
apertando meu lábio inferior, me levando ao limite da dor. Sua língua
pede passagem, mergulhando em minha boca à procura da minha,
sugando-a, me remetendo ao que fez quando chupou minha boceta.
Meu sexo pulsa, querendo mais, ainda que esteja ardendo.
A mão de Logan se fecha em minha nuca, pressionando seu
pau em minha barriga, quente, pulsando, buscando prazer. Ele suga
meus lábios e sinto-os inchados, o ar faltando, excitação me
comendo por dentro. O chuveiro é desligado, seu olhar recai sobre
mim, altivo, daquele jeito arrogante, só dele, alguns fios ruivos
caindo em sua testa, molhados.
— Ajoelhe, Arabella. — É uma ordem, pura e clara, e como um
gatinho bem adestrado, vejo-me apoiar-me em seu antebraço e
fazer o que pede. — Abra a boca e coloque a ponta da língua a
cobrir seus dentes. — Obedeço e ganho um pequeno carinho em
meu rosto, lento, e chego fechar os olhos. — Irá chupar e tomar
meu pau, Bella, irei foder sua garganta e aprenderá a como me
engolir, me satisfazer. — Ao dizer isso, ele se aproxima mais,
segurando a base do seu membro que tem uma gota de excitação a
escorrer na ponta. Ele arrasta a cabeça grossa e rosada na ponta
da minha língua, seu gosto salgado se espalhando e me dando a
sensação de que trava minha língua. — Toque, menina, prove,
conheça-me.
Eu nunca imaginei que me despiria de toda a vergonha,
receios e todos os paradigmas impostos ao estar com um homem
pela primeira vez, mas com Logan tudo parece diferente. Substituo,
sentindo a pele quente sob meu toque, macia, e passo a masturbá-
lo de forma lenta, olhando suas feições à procura de saber se estou
lhe dando prazer. Vejo-o semicerrar os olhos, respirando
pesadamente, apertando o maxilar, e ganho, pouco a pouco,
confiança.
Seu membro é grande, grosso e tal qual seus antebraços e
virilha, tem veias grossas ressaltadas, deixando-o robusto, másculo.
Este homem foi feito na medida certa para me enlouquecer. Me
permito experimentá-lo, sugando-o, evitando encostar meus dentes
em sua pele, testando meus limites. Não consigo engolir tudo, como
me disse que eu faria, sequer a metade, mas tento o máximo que
posso, masturbando sua base com minha mão. Não nego que me
sinto incerta, inexperiente e, por isso, tenho os olhos fixos em seu
rosto.
— Isso, menina — incentiva, e ver o rosto de Logan inspirar
prazer é a coisa mais linda que já vi, os lábios entreabertos ao
respirar por eles, olhos cerrados, parecendo estar hipnotizado e isso
responde em mim, no meu ventre, algo que não imaginei ser
possível.
Ganho confiança, indo mais rápido, mais fundo e vendo-o
perder o controle ao agarrar minha nuca e fazer exatamente como
disse, passar a foder minha boca. Sinto o gosto salgado em minha
língua novamente. Logan estoca, forçando seu membro a ir mais
fundo. Olho-o, permitindo que vá aonde quer, apoiando minhas
mãos nas pernas grossas e firmes, adorando ver satisfação em sua
face. O gelo em seus olhos passa a derreter-se em puro fogo.
— Respire pelo nariz, Bella, apenas pelo nariz e relaxe sua
língua, olhos em mim — pede e obedeço.
O aperto em minha nuca se torna mais forte, seu membro
passa a reivindicar mais espaço, tirando lágrimas dos meus olhos.
Cravo minhas unhas em suas pernas, meu baixo ventre latejando,
meu coração batendo forte, engolindo cada centímetro dele que
consigo. Logan sorri quando uma lágrima escapa pelo canto do meu
olho, rosnando em seguida, agarrando meus ombros ao me puxar
para si.
— Demônia feiticeira. — Ele me beija, voltando a envolver
minha nuca, me fazendo andar de costas até sentir a parede fria
contra minha pele.
Ele não parece usar uma metáfora, pelo contrário, parece
querer exatamente marcar-me de dentro para fora, alcançar minha
alma e desenhar seu nome ali. É o que sinto com seu beijo, com
sua intensidade e necessidade. Sou virada de frente para a parede,
impulsionada a me amparar nos azulejos frios.
— Sei que sua boceta está dolorida, Arabella, e tomá-la
novamente poderia te machucar e não é o que quero. Então iremos
romper outra barreira hoje, Bella, e será igualmente prazeroso como
foi anteriormente. — Logan beija minha bochecha, minha orelha,
enfiando a mãos em meus cabelos e puxando os fios, os enrolando
em sua mão, puxando minha cabeça para trás. — Irei me atolar em
sua bunda, Arabella, tomar cada espaço que tem em seu corpo.
Engulo em seco, e imaginá-lo invadindo ali, deixa meu
estômago gelado. Ainda assim, me obrigo a deixar qualquer medo
ou receio da porta de sua casa para trás. Logan já me mostrou do
que é capaz, até onde podemos ir para ter e dar prazer. E quero
conhecer todo e qualquer limite dessas barreiras. Sinto sua mão
entre minhas nádegas, as abrindo, me expondo e empino mais o
bumbum, empurrando-me contra seu toque. Ouço o riso rouco ecoar
e percebo o quanto passei a adorar esse som e fecho os olhos
quando me beija, apenas para arranhar meu lábio já sensível.
Sua mão deixou meu cabelo, seus dedos pedem passagem
em minha boca e chupou-o, para ver, em seguida, Logan lambuzar
e massagear meu clitóris com eles. Gemo, pronta para alcançar o
ápice, melada e escorregadia, minha boceta latejando, se dividindo
entre dor e prazer. Me sustento na parede, os dedos de Logan
fazendo círculos no meu ponto de prazer enquanto sua outra mão
pede passagem entre minhas nádegas, um dedo invadindo meu
ânus. Arfo, me esfregando em sua mão, sentindo que está
ganhando espaço em minha bunda. Meu coração bate apressado,
minha respiração falha, minha pele se arrepia.
Sinto-me livre, sem amarras, sem pudor, vergonha, nada,
apenas… prazer.
— Eu preciso de mais — sussurro e sequer consigo manter os
olhos abertos.
— Sim, precisa, do meu pau tomando cada espaço nesse
cuzinho apertado. — Um tapa seco é estalado em minha bunda, o
barulho saindo alto demais em meio ao grito que solto. O linguajar
sujo em sua boca me causa formigamento, minha pele arde onde
acabou de bater e quase me entrego ao clímax, ouvindo-o rir ao
parar de massagear-me, brincando comigo, e posso sentir todo o
seu dedo dentro de mim agora, enquanto outro pede passagem. —
Ei, relaxe, isso. Sinta meus dedos saírem, Arabella, o encaixe e o
prazer que eles causam ao fazer isso, assim.
— Ah, eu sinto… — sussurro trôpega, jogando a cabeça para
trás, em seu peito, procurando algo ao qual me apoiar.
Sinto sua língua passear por meu ombro, para no momento
seguinte seus dentes cravarem em minha pele e eu reclamaria se
junto a isso sua mão não tivesse voltado a massagear meu clitóris,
passando e dividir meu corpo entre dor e prazer. Fecho os olhos e é
como andar em uma linha tênue, delicada, ao qual é Logan a
sustentá-la.
— Por favor… — quase imploro, é vergonhosa a minha
necessidade.
— Quer gozar, Bella? — Logan está se divertindo às minhas
custas e adorando o efeito que me causa.
— Quero, quero muito, não para…
— Apenas depois que me atolar em sua bunda, quando se
acostumar a me ter aqui. — Logan me fode com os dedos, agora
com mais força e eu perco a noção do mundo ao meu redor. —
Coloque as mãos na beirada da banheira e empina sua bunda para
mim. — Pisco, tentando assimilar o que diz.
Faço o que pede, sentindo que minhas pernas podem ceder a
qualquer momento. Olho-o por sobre o ombro e o vejo passear o
olhar por meu corpo, de forma lenta e cheia de luxúria. Sorrio,
voltando a encarar o azulejo à minha frente, ouvindo-o abrir e fechar
uma gaveta. Sinto-o novamente perto de mim, suas mãos
segurando meus quadris. Pulo no lugar quando sua língua me
invade novamente, me toma e suga-me sobre meu ânus, voltando
para meu clitóris e chupando-o. Ele sabe o quanto estou sensível e
não demora muito ali, passeando a língua entre minha bunda e me
arrepiando por inteira. Me esfrego em seu rosto, buscando atrito,
satisfação e ele me dá. Céus… eu estou tão perdida.
Ofego ao sentir sua falta, ouvindo um pacote de camisinha ser
rasgado. Olho-o, observando envolver seu membro com o látex e se
posicionar nas minhas costas. Seus dedos sobem por minha coluna,
voltando a descer por ela como veludo, arrancando gemidos de
meus lábios e arrepios do meu corpo. Borboletas abrem revoada no
meu estômago. Não, mariposas, dado o estrago que fazem.
— Não vou dizer que será indolor, Bella, sou grande e é um
buraquinho apertado, mas é algo suportável após se acostumar com
meu tamanho, depois, lhe causará mais prazer do que qualquer
outro incômodo, se concentre no prazer. Empurre, à medida que a
penetro. — Engulo em seco ao ouvi-lo, mordendo o lábio e
acenando em confirmação para que continue.
Sua mão volta a me masturbar, me envolver, enquanto sinto
seu pau subir e descer por minha boceta, se lambuzando em minha
entrada e voltando ao meu ânus. Logan cospe sobre minha pele,
arrastando seu pau por minha entrada ao pedir passagem. Faço
como pediu, ouvindo-o gemer à medida que se introduz em mim.
Logan estava certo, há dor em certo potencial e travo o maxilar,
chegando a mover meu quadril ao fugir de seu toque, é involuntário,
enquanto apoio-me na borda da banheira branca, buscando por ar e
sinto suas mãos segurarem meu quadril com mais força, mantendo-
me no lugar.
— Relaxe, Bella, se concentre em meus dedos. — Logan não
se move, exceto seus dedos ágeis que voltam a me masturbar,
causando aquela pequena pressão em meu ventre.
Respiro fundo, pois sinto dor com sua invasão, e me concentro
em seus dedos brincando sobre meu clitóris. E isso, pouco a pouco,
me traz de volta o prazer. 
Logan é paciente e seus dedos não deixam meu sexo, com um
movimento de uma pinça, gostoso demais para que eu mantenha
minha sanidade. Seu pau vem ganhando espaço, reivindicando-me,
me rasgando e a cada centímetro que se introduz em mim, ela me
dá uma pequena pausa para respirar, me acostumar, beijando
minha pele, minha nuca, enquanto dedilha sobre meu clitóris. É uma
dança bem-planejada, perfeita, que me causa igual prazer. Tenho os
lábios entreabertos, pois parece que, de repente, o ar ficou escasso.
Aos poucos, me acostumo a tê-lo dentro de mim, sua entrada
vai ficando mais fácil e empurro meu quadril contra seu pau e,
pouco a pouco, o tenho completamente atolado em mim e é
estranhamente bom. Sinto a necessidade em expelir e quando ele
volta a sair, devagar, eu sinto o prazer que me prometeu. Ofego e
meus gemidos se misturam com os seus, ecoando pelas paredes do
cômodo, causando eco. Volto a sentir pressão e ardência ao tê-lo
voltando a arremeter, porém, é bem menor do que senti pela
primeira vez e passo a relaxar por completo, sentindo prazer se
espalhar por meu baixo ventre, enviando ondas de eletricidade por
todo o meu corpo.
Logan já não é mais tão paciente, já tem pressa ao sair e
entrar em mim, ao me masturbar, me beijar, marcar minha pele com
seus dentes. Grito, quando ele vai mais fundo, chamando meu
nome, sua mão agarrando meu pescoço, apertando-o minimamente,
trazendo a necessidade de puxar o ar mais de forma audível para
meus pulmões. Com pouca ou nenhuma delicadeza, sua mão puxa-
me, e sou prensada contra a parede novamente, o rosto colado ao
azulejo frio, seu pau atolado em mim até as bolas.
— Bem mais deliciosa do que imaginei, Arabella. Você é a
porra de uma feiticeira, menina, e maldita seja você. — Sequer
entendo o que quer dizer, não consigo pensar com coerência
quando o tenho atolado em minha bunda, seus dedos a me dar
prazer, sua mão em minha garganta, forçando minha cabeça para o
lado, para que me beije.
Logan me marca, de uma forma que tenho certeza de que
jamais esquecerei, me levando à beira do abismo e eu quero muito,
muito me jogar em queda livre, sem me importar com o amanhã.
Suas estocadas se tornam mais brutas, apressadas, arrancando
gemidos que são engolidos por seus lábios. Choques se espalham
por meu corpo, minhas pernas chegando a adormecer conforme os
espasmos começam e se intensificar, solto seus lábios e desta vez
apenas gemer não é mais possível.
— Isso, Logan… — grito seu nome, ouvindo-o chamar por
mim, rouco, perdido em seu próprio prazer, seu pau pulsando em
minha bunda, enquanto seus movimentos me empurram para a
libertação.
Sou estilhaçada mais uma vez por pura satisfação, fechando
os olhos ao querer que ela perdure por mais tempo. Sinto seus
dentes arranharem meu pescoço e ofego e quando os espasmos
começam a cessar já não me seguro em pé, minhas pernas se
tornam gelatinas e sou sustentada por seus braços, que me
seguram pela cintura. Suor escorre por meu corpo e sobra apenas a
ardência, deixando bem vivo o que acabamos de fazer. Ouço sua
respiração, acelerada e pesada, seus músculos tensos relaxando
aos poucos a me sustentarem.
Sinto-o sair de mim, se livrando da camisinha enquanto me
amparo na parede à minha frente. Busco por ar, necessitada de me
recuperar, meu coração batendo depressa em meu peito após a
descarga elétrica que recebi, minhas pálpebras agora pesadas.
Ouço o chuveiro ser ligado e com cuidado ele me abraça, beijando
meu pescoço, virando-me entre seu abraço. Envolvo sua nuca,
abrindo os olhos, focando em seu rosto. Logan parece me estudar
por alguns segundos, seus dedos passando a desgrudar os fios
molhados da minha testa, seus lábios deixando beijos castos nos
meus, uma carícia bem-vinda e volto a fechar os olhos e aproveito
cada segundo.
— Me levará à loucura, menina.
— Iremos os dois. — Um repuxar de lábios é tudo o que me
dá, aprofundando seu beijo, me levando para debaixo do jato de
água.
Agora não tem volta, não mais.
 

 
Movo-me dentre os lençóis macios, respirando fundo e, antes
mesmo de abrir os olhos, o seu cheiro toma conta dos meus
sentidos, dominante como ele. Sorrio, passando a mão ao lado da
cama, encontrando lençóis frios e uma cama vazia ao abrir os olhos.
Me sento depressa e o ato faz meu corpo reclamar, muito, mas nem
isso poderia tirar a satisfação ao relembrar a noite que tivemos.
Nunca foi uma escolha continuar virgem, não era por querer me
casar nesta condição, nada disso, apenas aconteceu. Olho ao redor,
o quarto agora tem cortinas fechadas e não há nenhum sinal de
Logan. Enrolo o lençol em meu corpo, e me arrasto pelos lençóis
macios de cor branca, meu sexo reclama, um tanto dolorido, a
ardência se espalhando com os primeiros movimentos.
— Logan — chamo, sem resposta alguma. — Logan? — tento
mais uma vez, olhando para a porta do banheiro, entreaberta e a luz
apagada.
Vou até as cortinas e encontro um pequeno controle no
aparador, junto a um cinzeiro, onde há um charuto pela metade,
apagado, com isqueiro de prata ao lado. Seguro-o entre as mãos, é
um cohiba, um dos melhores charutos do mundo e levo-o ao meu
nariz, inspirando fundo. Cheira a terra, madeira, algo mais que não
consigo identificar e tabaco e agora posso diferenciar o cheiro dele
em meio às nuances que compõem o cheiro de Logan.
  O pequeno móvel fica ao lado da lareira, junto a uma poltrona
marrom, de couro envelhecido. Pego o objeto e abro as cortinas,
sentindo a quentura gostosa do ambiente, o fogo brando a crepitar
na lareira. Acima dela, a descansar sobre a cantoneira, tem uma
garrafa de uísque e dois copos. Ambos intocados. As grandes
janelas me brindam com uma vista esplêndida, dos jardins da
propriedade, ao que parece um bosque ao longe, logo após uma
pequena área coberta, rodeada por vidros fumê. Sorrio, é perfeito.
Volto-me para o quarto e este sim parece um ambiente que faz
parte de Logan. As paredes são pretas, com um tom acinzentado,
que traz luz ao cômodo de forma estranha. No centro do quarto tem
uma cama gigante, com um recamier aos seus pés, de cor terrosa, a
mesma da cabeceira estofada. Os tons neste cômodo, assim como
nos outros, se complementam. Ao lado da cama há dois
aparadores, um de cada lado, em mármore branco assim como o
que está próximo às janelas.
Meu apartamento caberia neste quarto. Busco minhas roupas
em algum lugar, mas não tem absolutamente nada. No lado
esquerdo há uma porta, próxima ao banheiro espaçoso ao qual
usamos ontem, vou até ela, mas antes percebo o quadro acima da
cabeceira da cama. Paro, encarando a pintura, ele admirava esse
mesmo quadro quando o vi pela primeira vez, alheio ao seu redor,
emanando poder. Respiro fundo, tudo começou naquela noite, sem
que eu me desse conta. Volto a andar, abrindo a porta que antes
estava apenas encostada. É um closet gigante. Adentro o ambiente,
as luzes se acendem automaticamente e me dá um belo vislumbre
do gosto do senhor Hopkins.
Há um tapete felpudo cinza no chão, as paredes são da
mesma cor que as do quarto, coberta por armários e gavetas, com
um recamier marrom no meio. E todas as peças de roupas que vejo
aqui, com exceção das gravatas bem-arrumadas em uma gaveta,
são pretas. Dou um giro de cento e oitenta graus e não encontro cor
alguma neste lugar e me dou conta que em todas as vezes que o
encontrei, ele usava preto e eu estava certa, a maioria dos seus
ternos é italiano, com poucas exceções. E eles se dividem em dois
estilos diferentes: o single-breasted e o double-breasted. Elegante e
clássico, confesso que aprecio demais seu estilo. De repente, me
sinto uma invasora, em um lugar que não deveria estar e que nem
mesmo deveria estar aqui, sua falta soando como aviso, que eu
deveria ir embora.
Pensar nisso traz um frio gelado ao meu estômago, faz meu
coração responder com total desaprovação ao pensamento e,
obedecendo a este último, pego uma das camisas sociais no cabide,
que mais parecem um vestido em mim, e substituo o lençol,
voltando e deixando-o sobre a cama.
Vou ao banheiro, que se mantém completamente organizado,
diferente do que deixamos ontem. Este também é espaçoso e os
detalhes que não me atentei ontem, aproveito para observar agora.
O porcelanato marmorizado, em formato octogonal. Ao fundo tem o
boxe que separa o espaço para ducha, com uma grande banheira
ao lado, oval de cor branca, a mesma que me amparei ontem,
enquanto Logan explorava partes intocadas do meu corpo. Chego a
suspirar ao encarar o objeto, ao relembrar como foi tê-lo ali.
Próximo de onde estou há dois lavatórios em louça branca e,
aparentemente, apenas um é usado, com alguns produtos de
higiene próximo e apenas uma escova no apoio. E, por algum
motivo que não quero nomear, o fato de ter sobre a bancada apenas
uma escova e produtos de higiene masculino, esquenta meu peito.
Embaixo do batente tem armários de cor cinza e fazem um bom
contraste. Aproveito para usar o sanitário, lavo as mãos e rosto e
saio, descalça, deixando o quarto em seguida e encontrando uma
casa silenciosa.
Onde ele pode estar?
No corredor, me deparo com mais duas portas, encontrando a
escada ao final, descendo por ela. Descubro que seu quarto fica no
último andar, seria minha escolha também, caso morasse em uma
casa como esta. No próximo lance de escadas, tudo muda, há cor
nas paredes e ela vibra, junto a obras presas a ela. Alcanço a sala e
não o encontro, parece vazia e intocada e não sei para onde seguir.
Talvez devesse esperá-lo no quarto, em algum momento ele irá
aparecer.
Um movimento chama minha atenção à esquerda, é uma
senhora, vestida em uma saia lápis e uma camisa social de cor azul-
marinho, séria demais para essa hora da manhã.
— Bom dia, senhorita, sou a senhora Aniston, governanta do
senhor Hopkins. Precisa de algo? — Seus olhos são avaliativos,
passeando por meu corpo, e sinto meu rosto esquentar.
— Sim, por gentileza, onde está Logan?
— Na piscina, senhorita, como de costume a essa hora da
manhã. — Confirmo o que diz, como eu ia saber disso? Claro que o
fato de ter alguém em sua cama não o impediria de seguir com sua
rotina. — Eu a acompanho, venha comigo, já ia levar a bandeja e
terminar de montar a mesa do café.
— É de costume ele tomar o café nos jardins também? —
pergunto, imaginando se devo voltar e cobrir melhor o meu corpo
antes de sair.
— Oh não, não nos jardins, mas na área da piscina interna,
senhorita. Venha.
Apenas concordo, seguindo-a ao cortar a sala de jantar,
alcançando a cozinha. Um espaço amplo e iluminado, com vidraças
na lateral que nos dá uma boa visão do jardim. É linda como o resto
da casa, de paredes de cor marfim, repletos de armário em um tom
verde-claro e muito bem-equipada. Minha atenção no cômodo se
dissipa ao encontrar duas mulheres, um pouco mais jovens e
aparentemente mais simpáticas que a senhora Aniston.
— Essa é Adelaine, a cozinheira — a governanta apresenta,
apontando para a mais baixinha, de sorriso afetuoso, olhos
amendoados e cabelos loiros. — E essa, é Jessica, a copeira. —
Essa é ainda mais jovem que Adelaine, talvez vinte e cinco anos e
tem cabelos castanhos e olhos pretos risonhos. 
— Bom dia, Adelaine, Jessica.
— Bom dia, senhorita, seja bem-vinda — ambas me
cumprimentam, se entreolhando.
— Me chame de Arabella, ou Bella, por gentileza — peço e ela
anui animada, guardando o sorriso ao olhar para a governanta que
me acompanhava há pouco.
— A bandeja do café, Adelaine?
— Está pronta, senhora Aniston, logo ali.
Neste momento uma pequena invasão acontece na cozinha,
Picasso passa correndo pela porta, fazendo uma grande festa com
seu rabinho, já sem gesso na pata, pedindo para que eu o pegue.
Seu pelo já parece estar voltando ao seu corpinho, fininho e
brilhoso.
— Oi, garotinho. — Pego-o e posso jurar que ele tem cheiro de
bebê, aposto que tomou banho ainda ontem. — Como você está,
Picasso? — pergunto e ouço Adelaine sorrir, enquanto beijo a
cabecinha marrom e pequena do filhote.
O cachorrinho é tão lindinho e indefeso. Ainda sinto meu
coração esquentar ao pensar que Logan o resgatou, é até difícil de
acreditar. Parece que ele tem um coração, por mais que queira
mostrar o contrário.
— Por aqui, senhorita. — A mulher de cara azeda, diferente
das outras duas, aponta a direção com um aceno de cabeça,
enquanto ganho beijos carinhosos de Picasso.
— Ah, claro. — Deixo a bolinha de pelos e, ao seguir a direção
que imaginei, voltamos para a sala de jantar, passando por uma
porta lateral, encontrando outra escada, essa parece menor e mais
estreita e na metade dela um novo ambiente, aquecido, se abre
para nós.
Ouço o barulho da água e busco por ele, Logan, no meio da
piscina, dando braçadas potentes a ganhar velocidade, como se a
sua vida dependesse delas. Os músculos das costas se contraem a
cada movimento, é hipnotizante, e volto a andar, me aproximando.
Olho ao redor, notando que a piscina é imensa nessa parte e que há
outra, separada por vidros, mas do lado de fora, no deck. O piso
aqui é de madeira, claro e bonito, há espreguiçadeiras no outro
extremo e uma mesa arrumada para o café ao lado, a senhora
Aniston a está abastecendo ainda mais.
— O café está servido, senhorita — ela avisa e eu concordo,
me sentindo estranha ao fazer isso.
A mulher não demora a subir as escadas e eu me aproximo da
beira da piscina, Logan já está quase chegando à borda. Ele para
ao tocá-la, buscando ar ao emergir da água cristalina, usando
aqueles óculos profissionais e tirando-os ao notar que não está
sozinho após buscar o cronômetro ao lado. Ele me olha e parece
um tanto surpreso.
— Já acordada? Ainda é cedo.
— Acho que estranhei a cama — explico e vejo-o, hipnotizada,
içar o corpo para fora da piscina. Mas é algo em suas costas que
chama minha atenção, parece uma marca ou cicatriz, mas seu
movimento é tão rápido que logo está de pé à minha frente e me
impede de continuar a observando.
Olho com mais atenção seu corpo, podendo observar duas
pequenas cicatrizes em seu abdômen, assim como uma no peito,
como se fossem cortes feitos com lâminas.
— Eu deveria ter imaginado, iria chamá-la para o café em
alguns minutos — avisa, gotículas de água escorrem de seu corpo
e, de repente, sinto vontade de lamber cada uma delas. A luz do dia
parece ressaltar sua beleza, ao menos ressalta seus músculos, com
toda certeza. — Minha camisa lhe cai bem. — Seus olhos me
analisam, se demorando em meu corpo, assim como faço com o
seu.
O peitoral definido tem poucos pelos ruivos salpicados, que
descem pelo abdômen bem-definido, com gominhos modestos,
findando naquele V que enche a boca de água, com algumas veias
aparentes. Um caminho ralo de pelos desce por seu umbigo, se
perdendo dentre a sunga preta. Suas pernas, essas têm os
músculos mais aparentes e torneados do seu corpo. Perfeito…
— Não achei minhas roupas — explico, após perder bons
segundos o admirando. Logan pega o roupão que antes tinha
deixado no chão e me dá toda a visão de suas costas. A marca que
vi é, na verdade, uma cicatriz de tamanho significativo, o que parece
ter disso uma queimadura, em um círculo perfeito, abaixo de sua
escápula. Como não vi antes? — Onde conseguiu isso? — Eu já
estava quase tocando o lugar quando ele se empertiga, vestindo o
roupão depressa.
— É só uma cicatriz, nada de mais.
— Mas é gigante, foi uma queimadura? — Logan me encara,
apertando o nó da peça que acabou de vestir, se aproximando de
mim.
— Não é nada de mais, aconteceu há bastante tempo. Estava
brincando e caí próximo a uma fogueira e me queimei. Apenas isso,
Arabella. — Ele parece insatisfeito ao explicar. — Quanto às suas
roupas, pedi que as lavassem, já devem estar quase prontas. — Ele
está a centímetros do meu rosto, olhos nos meus. Logan os aperta
um pouquinho, daquele jeito enigmático, tocando minha cintura com
uma de suas mãos, a outra vindo para o meu rosto, seus dedos
fazendo um breve carinho em minha bochecha.
— E essas em seu abdômen? — insisto, apontando a mesma
que vi ontem no banheiro, vendo-o apertar os olhos em minha
direção.
— Coisa de criança levada, apenas. — Mordo o lábio, me
impedindo de continuar ou tenho a impressão de que fugiria, caso o
fizesse.
Levo as mãos até seus cabelos molhados, afastando-os de
sua testa, espero um beijo seu, que não vem, arrancando uma
ponta de decepção no fundo de minha alma. O medo que me tomou
ontem ao sairmos do banheiro, passa a tomar forma, medo de que a
magia se quebre após uma noite cheia de prazer e descobertas. Sei
que em algum momento isso vai acontecer, ele voltará a falar do tal
contrato, mas por ora, eu quero aproveitar o momento.
— Venha, tome café da manhã comigo.
Aceito sua mão e sigo-o para a mesa, me sentando na cadeira
que ele puxa para mim. Tento espantar tais pensamentos de minha
cabeça, se é algo iminente, eu simplesmente não posso controlar.
— Esta casa é perfeita, os jardins… — tento um assunto
satélite, querendo voltar a um local seguro.
— Sim, aprecio muito o que tenho aqui. Não imaginei algo tão
grande, talvez por não querer tantos funcionários para sua
manutenção, pela questão da privacidade — explica, colocando chá
em sua xícara, o aroma de hortelã se espalhando no ambiente. —
Chá, café ou suco?
— Café, por gentileza. — Não nego meu vício em café e ele
me serve em seguida.
— Então encontrei a propriedade, a arquitetura me encantou,
como lhe disse outro dia, e você estava certa, a fachada se parece
um pouco com a antiga mansão, mas seu interior é moderno,
perfeito, foi a escolha óbvia.
— O que há no cômodo que vi ao fundo? — Logan se recosta
na cadeira, levando a xícara aos lábios.
— O que acha que é? — pergunta e seus olhos parecem
dançar em expectativa.
— Eu não faço ideia. Talvez guarde sua coleção de arte.
— Hum, não posso dizer que errou em tudo. É para arte, mas
como meu hobby. Gosto de pincelar algumas telas em branco, nada
de mais, apenas um passatempo e me refugio naquele espaço.
— Pinta suas próprias telas? — pergunto, surpresa, minha voz
mostrando todo o entusiasmo que sinto ao ouvir isso.
— Algum dia, talvez, mostro a você.
— Eu adoraria. — Sorrio, pegando uma das torradas e
escolhendo a geleia de manga para acompanhar. Ele toma apenas
o chá, me observando comer. — Sempre começa seu dia na
piscina?
— Não, às vezes na academia, mas sempre acabo minha
manhã aqui. Faz algum exercício, Bella? — Sorrio ao me lembrar do
balé.
— Fazia balé, morávamos próximos a um estúdio. Adoro
gastar minha energia com a dança, ajuda. Mas agora que nos
mudamos, ainda não procurei outro estúdio para me exercitar.
— Interessante, o balé traz uma boa mobilidade — inicia e
mordo meu lábio ao notar as segundas intenções em sua frase. —
Tenho um espaço aqui, logo atrás daquela porta. Uso para
musculação, se quiser usá-lo para o balé enquanto estiver aqui,
fique à vontade.
Mordo o lábio e olho na direção a qual aponta, uma porta de
vidro na lateral dá a visão de uma academia, bem maior do que ele
faz parecer.
— Obrigada. — E sinto minhas bochechas coradas com a
promessa de estar aqui futuramente.
— Novidades sobre o caso da Besta? — pergunta, pouco
interessado.
— A polícia não conseguiu reconhecer pelo exame de papi…
— Papiloscopia — completa quando engasgo com a palavra e
sorrio.
— Isso, foi inconclusivo, pelo que soube, e resta buscar no
banco de dados da polícia e investigar denúncias de
desaparecimento.
— Quem lhe contou isso foi o inspetor ao qual jantava ontem.
— Não é uma pergunta e engulo em seco, vendo-o apertar os olhos.
— Sim, é. Jantar este que você fez questão de estragar.
— E deixe esclarecer que não me arrependo. — Arrogante, ele
leva a xícara aos lábios. — No outro dia, a coletiva, seguido da
retratação do jornal, a poeira baixou? — pergunta, interessado.
Abaixo o olhar, fixando-o no prato pequeno à minha frente, de
repente a geleia já não me cai tão bem.
A torrada em minha boca parece pesada para mastigar e tomo
um gole da bebida quente, lutando para engolir. Eu poderia mentir e
fingir que está tudo bem, que não fui demitida, era o que eu deveria
fazer.
— Não sei. — Tento minha melhor expressão ao dizer isso,
tento não fazer disso um evento. — Fui demitida do jornal naquela
segunda, não sei como estão as coisas na redação.
— Você o quê? — Sua voz sai rouca, ao abandonar a xícara
sobre a mesa de forma barulhenta, me encarando com
sobrancelhas cerradas.
— Não é nada de mais, Logan. Precisavam culpar alguém e
era meu nome na matéria.
— Eu já deveria esperar algo assim de abutres como eles,
deveria saber disso.
— Como poderia? Nem mesmo eu esperava, como você
poderia imaginar? — Seus olhos se prendem a mim, apertados,
como se me sondasse.
— Isso já faz quase duas semanas, já encontrou algo, outro
emprego? — Sua preocupação parece genuína, sua expressão não
é das melhores e estou louca para fugir desse assunto, apertando
minhas mãos embaixo da mesa.
— Não, nem mesmo uma entrevista. Chegaram a me ligar e a
marcar algumas, mas desmarcaram horas antes. — Ele anui, sério
demais, parecendo ter abandonado de vez o café da manhã.
— Gostava do jornal, digo, de trabalhar naquele lugar? — Sua
voz sai mais rouca, pesada, com raiva até. O que deu nele?
— Eu adorava. Foi o meu primeiro emprego desde… — Travo,
não querendo ir por este caminho. Prefiro um assunto seguro ou, no
mínimo, que eu não precise voltar ao passado.
— Desde? — Nada passa despercebido por Logan. Seria pedir
demais algo assim.
— A morte do meu pai. Foi quando decidi vir para Londres. —
Mordo a torrada, olhando para a piscina. — Essa geleia é uma
delícia.
— Como ele morreu, Arabella?
Observo o homem à minha frente, com o queixo encostado em
seu polegar, a perna cruzada uma sobre a outra, à vontade. Já não
parece estar zangado, apenas… interessado.
— Um AVC, tudo começou com um AVC. Eu trabalhava em
seu ateliê, meu pai era um alfaiate excepcional e eu era seu braço
direito — conto, notando que a vontade de comer me abandonou. —
Por isso, quando o vi pela primeira vez, eu soube que usava uma
peça italiana. — Tento trazer leveza para a conversa, mas não
parece funcionar.
— Conte mais, me fale mais sobre você e dessa época.
— Não há muito o que saber, Logan — insisto, mordendo o
lábio.
— Conte, assim mesmo. — O pedido de forma solícita me
desmancha, seu olhar agora mais brando. Engulo em seco, olhando
o teto acima de nossas cabeças.
— Cresci em meio a ternos e tecidos finos, a loja era nossa
vida, passávamos todo o dia naquele lugar e fui aprendendo a como
ajudá-lo, colocar a mão na massa. Daí veio a faculdade e eu fiz um
certo malabarismo para continuar ajudando-o, ele precisava de mim,
já não era mais um garoto — explico e a imagem de um
senhorzinho de sorriso doce e olhar romântico aparece entre minhas
lembranças. Pequeno, um pouquinho corcunda e sempre de bom
humor. — Meu pai era o melhor alfaiate da cidade, do condado, e
todos o queriam. Ao menos, era essa a memória que eu guardava
quando criança. Era lindo vê-lo criar, papai amava o que fazia.
— Quando aconteceu o AVC?
— Foi há quatro anos. Um dia, eu cheguei da faculdade e o
encontrei caído no chão da cozinha. Eu me culpei, ainda me culpo…
naquela manhã, eu acordei atrasada, saí tão apressada que sequer
fiquei para o café da manhã, sequer lhe dei um abraço demorado
como costumava fazer. Eu só beijei rapidamente sua face e saí, ele
segurava o pote de café nas mãos. O mesmo pote que estava caído
ao seu lado quando o encontrei.
— Você não teve culpa, Arabella — ele tenta e meu coração
fica pequenino no peito ao relembrar a cena.
— No fundo, eu sei disso, ainda assim, se eu tivesse esperado
mais um minuto, as coisas seriam diferentes.
— A linha do tempo é uma só, as coisas acontecem e não há
nada que possamos fazer para mudar esse fato — Logan fala isso
com tanta verdade que parece ser conhecedor da causa.
— Eu ainda o encontrei com vida, mas o socorro demorou e,
quando chegou, não mais adiantou. Ele não morreu naquela noite,
mas ficou com graves sequelas.
— Sinto muito, Bella.
— Ele se foi há um ano. Nem chegou a ver minha formatura e
tudo que eu queria era um último abraço. Não faria diferença me
atrasar mais cinco minutos naquela manhã, não faria e…
— Nada mudaria, Bella. As coisas são como são.
Sorrio fraco, sentindo os olhos pinicarem em resposta à
emoção que toma meu coração. Meu pai foi tudo em minha vida,
meu bem mais precioso, perfeito dentro de suas imperfeições.
— Sua mãe?
— Não a conheci. Meus pais engravidaram tarde, ela já estava
com quarenta e cinco, ele com cinquenta e seis. Era uma gravidez
de risco, a perdi no parto. Meu pai foi quem me criou, com esmero,
como costumava dizer. — Meu sorriso se alarga ao me lembrar
disso, ainda posso ouvi-lo dizer: tome cuidado, mocinha, pois a criei
com esmero, e isso me traz uma saudade sem tamanho.
— Chegaram a indicar algum tratamento?
— Vários. Precisei vender a alfaiataria para isso, descobri com
sua doença que ela não vinha bem, as pessoas passaram a preferir
as lojas para comprar seus ternos e nossa conta estava no
vermelho há algum tempo. Vendemos o lugar, hipotequei a casa,
mas nada foi suficiente. Outro AVC o levou de mim. — Seguro o
bolo em minha garganta, tentando engolir, não chorar. — Aprendi a
amar as cores por sua causa, sabe? Ele dizia que minha mãe
adorava. Meu guarda-roupa na infância era tal qual o Carnaval
brasileiro, ainda é. Papai dizia que eu precisava de cor, precisava
brilhar, pois carregava o sol dentro de mim. — Minha voz embarga,
é inevitável. — Eu acreditava mesmo nisso, acredito ainda. Sei que
por mais que coisas ruins aconteçam, se eu acreditar em mim, no
meu sol, alcançarei a luz. Ele me ensinou isso e tornou a minha vida
e os dias ruins mais fáceis.
Logan tem os olhos frios sobre mim, empático, tão absorto
quanto poderia na história que acabo de contar.
— Você tem mesmo o sol, Arabella. Talvez não se dê conta,
mas não guarda o seu sol apenas para si, você o dá aos outros com
cada sorriso. Seu pai tinha razão, era um homem sábio. — Sorrio,
fungando e limpando o canto do olho.
— Ele era um bom homem, doce e afável.
— E depois da morte dele, como lidou com tudo?
— Terminei a faculdade. Já a casa, eu não tinha como pagar a
hipoteca, claro, e então Olivia me convidou para vir morar com ela,
encontrar um estágio que valesse a pena. Eu aceitei, foi apenas
isso.
— Não tinha tempo para namorados, pois cuidava do pai,
suponho?
— E está certo. Preenchi todo o meu tempo com os estudos e
meu pai, não havia espaço para mais nada.  — Vejo-o confirmar,
uma expressão tranquila toma seu rosto.
— Coma — pede, apontando para o prato abandonado,
pegando uma taça rasa e colocando nela algumas frutas que já
estão cortadas em uma bandeja. — Me diga, como está, dolorida?
— A mudança de assunto me faz rir.
— Um pouco, em principal ao descer as escadas. — Suas
sobrancelhas sobem, um brilho astuto passa por seus olhos. 
— Posso lhe carregar para cima quando voltarmos, pelo seu
bem, é claro. — Um sorriso brinca em seus lábios, enviando
quentura ao meu baixo ventre.
— Você não presta, senhor Hopkins.
— Ficaria surpresa ao saber o quanto essa afirmação é
verdadeira… 
 

 
Encostado à porta do closet, observo Arabella desabotoar
minha camisa de seu corpo, tirando-a em seguida, suas roupas,
agora limpas, seguem dobradas e amparadas sobre o recamier. Em
frente ao espelho, ela observa seu corpo, passando a mão em uma
marca que deixei sobre sua clavícula, um tanto envergonhada. Me
aproximo, substituindo seus dedos sobre a marca vermelha,
começando a ficar mais escura. Ela tem outra em seu seio, e a
observa também.
Pude conhecer mais de Arabella no café da manhã e descobri
que ela não é tão feliz e radiante quanto deixa transparecer. E que
apesar de carregar luz, tem tristeza guardada em seu coração. Eu já
sabia que sua mãe tinha morrido em seu parto, assim como seu pai,
mas queria ouvir isso dela, queria detalhes para ter uma completa
noção de como se sente com relação a isso.
As pessoas falam mais com o corpo do que com palavras e
era isso que eu precisava ver, sentir. Ela é uma menina forte, que se
agarra a fábulas contadas por seu pai para achar cor no mundo. É
uma forma bela de encarar a vida, ingênua, porém, parece funcionar
para ela. Percebo que parece dividida entre gostar ou não da marca
em seu seio.
— Carinho durante o sexo não é opção, Bella, é bom se
acostumar. — Abro a mão e a escorrego por sua pele, espalmando
sua garganta, sem apertá-la. — Não se engane quanto a isso. —
Sinto sua garganta engolir em seco sobre minha palma.
— O que quer dizer?
— Nada que não lhe traga prazer. Não irei te machucar, de
forma alguma. — A encaro pelo reflexo do espelho, vendo sua
respiração acelerar sob o meu toque, seu rosto se tornando
carmesim, os lábios entreabertos, um convite ao proibido. — Darei
três dias para sua boceta se recuperar, Arabella, na quarta irei
buscá-la às vinte horas. — Seus olhos se arregalam, seu corpo
responde ao meu, mordo a ponta de sua orelha, arrastando meus
dentes na pele macia, vendo-a se arrepiar.
— Em que termos fará isso? — Minha mão desce por sua
barriga, encontrando sua boceta, está um pouco inchada, mas
encharcada. A menina é um poço de luxúria, como imaginei, e
assim que a toco, uma pequena expressão de dor passa por seus
olhos, ainda que morda o lábio.
— Nos termos de fodê-la, ter e dar prazer. Não busque nisso
algo comum, sentimentos, pois não sou um homem comum,
Arabella.
A menina se desvencilha do meu toque sem sequer me olhar,
pegando a roupa ao lado, começando a vestir-se. Não sou dado a
me render por uma boceta, por mais virgem que ela seja e é bom
que saiba e aceite isso.
— Vai insistir na mesma proposta de antes, em me manter em
um apartamento ao seu bel prazer, presa em uma esfera de vidro?
— Sua voz ganha uma nota de irritação, as pausas entre as
palavras sugerem ofensa e raiva.
— A ofendi da primeira vez, portanto, não irei repeti-la. Se não
quer nada de mim além de prazer, que é a única coisa que eu posso
dar, é uma escolha sua, menina. Ainda assim, irei insistir no termo
de confidencialidade.
— Você só pode estar de brincadeira. — Ela sorri, irônica,
enfiando a barra da blusa dentro da saia com certa força.
— Não estou, Arabella. Não sou dado a isso, já deveria saber.
— Seu olhar faísca em minha direção, enquanto se senta no
recamier, calçando os sapatos.
— Dois podem jogar esse jogo, Logan, não se esqueça disso.
Se pode me usar para ter prazer, posso fazer o mesmo com você.
Me servirá de experiência. — Estreito os olhos em sua direção,
sentindo algo borbulhar em meu peito, tal qual um animal. A
desgraçada está usurpando as minhas armas e não posso ter
controle sobre isso, sobre ela, já que não aceita nada de mim. Filha
da puta. — Traga a porcaria do contrato, Logan, eu assino.
— Se está pensando que estará comigo e…
— Não estarei — corta, piscando os olhos vezes demais. —
Você mesmo disse, é só prazer. São seus termos e eu estou
aderindo a cada um deles. — Ela passa por mim, saindo do closet, a
menina de horas atrás, mais leve e de sorriso fácil, já não está aqui.
— Isso não está em acordo, Arabella. — Seguro seu braço, a
puxando para mim, seu peito batendo contra o meu, a
surpreendendo. — Essa boceta pertence a mim e ninguém toca no
que é meu. Não ouse brincar com isso, menina.
— Ou o… — Beijo sua boca, calando-a. Seus lábios não me
recebem em um primeiro momento, mas seu corpo não me rechaça,
minha língua ganhando espaço de forma possessiva ao adentrar
seus lábios.
Busco sua língua, seu sabor, de forma bruta, fazendo-a
entender o que estou dizendo, que não estou brincando e que isso
não é um jogo de barganha. Mal comecei com ela, não sei quanto
tempo isso irá durar, esse desejo, mas enquanto o tiver, ela será
minha, somente minha. Mordo seu lábio inferior antes de soltá-la,
deixando-a ofegante.
— Você me confunde, Logan. — Suas palavras não passam
de um sussurro entrecortado, seus olhos ainda fechados. Passeio
meu nariz por seu rosto, guardando seu cheiro, apreciando as
poucas sardas espalhadas em sua pele.
— Seus sentimentos a confundem, Bella, não eu. Estou sendo
direto e sincero. Não coloque sentimentos no que temos aqui,
Arabella, será um erro e pode acabar ferida. Não é o que estou
oferecendo, espero que entenda. — A menina engole em seco,
olhando para os lados, ganhando alguns centímetros de distância.
— Eu preciso ir. — Ela se desvencilha do meu toque, pegando
a bolsa sobre o móvel próximo, e indo em direção à porta do quarto.
Sigo-a, se vamos jogar, que seja nos meus termos e que
limites sejam bem colocados.
A risada grosseira poderia ser ouvida de longe, dentre aquelas
quatro paredes de metal, o cheiro podre fazia meu estômago
embrulhar, enquanto abraçava seu corpinho magro contra meu
peito. Ela chorava, grudada em minha blusa, empapando-a com
suas lágrimas e sangue, tremendo de frio e pavor. Eles a tinham
levado algumas vezes para outro lugar e a machucaram, minha
pequena Lilly já não tinha inocência em seu corpo ou alma e se
mantinha em choque. O vestido rasgado, sujo de sangue e até
mesmo seu cheiro de criança tinha sido corrompido por algo azedo
e fétido.
— Shhh, fique quietinha, o papai vem nos buscar — sussurrei
ao seu ouvido, como venho fazendo toda maldita vez que a
machucam. Ainda sentia minha bochecha arder, fruto do tapa que
tinha levado há pouco, por gritar para que soltasse minha mãe,
tentando inutilmente protegê-la após retornarem com Lilly.
Mamãe estava amarrada a uma cadeira, chorando silenciosa,
olhos presos em mim e em minha irmã. Eu queria dizer que tudo
ficaria bem, que eu a protegeria, que meu pai viria nos buscar, mas
já fazia dias e ninguém apareceu para nos salvar. E eu não via
esperança em seus olhos, enquanto lutava para levar todos os
golpes de violência contra seu corpo, querendo nos proteger.
Sangue escorria de seu nariz, suor tomava conta de sua testa e
suas mãos tremiam, amarradas ao braço da cadeira em madeira,
pintada de branco.
Olhei para o homem mal-encarado, vestindo uma camisa
branca e calça azul. Uma barba espessa cobria seu rosto,
sobrancelhas grossas se juntavam acima de seus olhos, tão negros
e obscuros que davam medo só de olhar. O cabelo ralo era grande,
abaixo dos ombros e preto. Uma mancha de suor, já amarelada,
estava à mostra abaixo da gola e nas mangas de sua camisa. Ele se
aproximou de minha mãe, olhando o relógio em seu pulso e eu
fiquei em alerta, meu coração acelerado, olhos arregalados e
ouvidos concentrados.
— Seu marido está atrasado e como o prometido, enviarei uma
parte dos seus filhos, de brinde para ele enterrar. — Eu abracei mais
a minha irmã, queria que ela não ouvisse o que ele dizia, medo
pesou em meu estômago, assim como culpa por não poder protegê-
las, e isso fazia meu corpo tremer por inteiro. Eu não conseguia
controlar.
— Logan, eu tô com medo, ele vai me levar de novo. — A voz
infantil soou abafada, como um miado, os olhos azuis me
encararam, alerta, pupilas dilatadas, o rosto pequeno com uma
mancha arroxeada sobre o olho esquerdo. Eu a encarei, sentindo
meus olhos se encherem de lágrimas, um sentimento impotente
cobrindo meu corpo.
— Não fique, o papai virá, eu sei que sim. Fique quietinha. —
Lilly confirmou, olhos rasos de lágrimas, o rosto marcado pelo choro,
voltando a enfiar sua cabeça em meu peito e olhar para suas pernas
sujas do líquido carmesim me trazia dor a barriga.
— Vou te dar o direito à escolha. Qual filho irá morrer? —
Meus olhos se arregalaram para a faca grande que ele apontou em
nossa direção, meu estômago sentiu tanto frio que chegou a doer, a
vontade de urinar se tornando insuportável. Vi o rosto de minha mãe
empalidecer, lágrimas pesadas escorreram por seu rosto
aterrorizado.
— Não, por favor, não — ela gritou e eu paralisei. — Me mate,
por favor, por favor. Mas não faça isso comigo. Por favor, deixe
meus filhos em paz — ela implorou, se debatendo, machucando
seus pulsos na corda que a prendia.
— Seu marido é fraco, estamos esperando há horas, há dias e
nada dele nos dar o que queremos. Talvez enviando um pedaço
deles, ou quem sabe um deles morto, aquele filho da puta nos leve
mais… a sério. Escolha, qual você prefere? — O homem tinha um
sorriso horrendo ao dizer tais palavras, se aproximando de nós.
— Se afaste dos meus filhos, saia de perto deles, seu monstro
— ela berrou, assustando minha irmã que agora chorava alto em
meus braços, enquanto nossa mãe se debatia na cadeira, que
estremecia com seus movimentos.
— Escolha, sua puta! — ele gritou por cima de seu choro e eu
vi derrota tomar seu corpo, sua face, sua alma.
Eu me levantei, me desvencilhando de Lilly, segurando-me na
parede, me colocando em frente de minha irmã. Ela não podia
morrer, não podia, eu a defenderia com a minha vida, dessa vez eu
a defenderia. Eu iria em seu lugar. Senti a urina quente escorrer
pelas minhas pernas, arrancando um riso sarcástico do homem à
minha frente, eu já não conseguia me conter.
Olhei para o lado, vendo o corpo do nosso segurança caído,
morto, seu sangue coalhando no chão. 
— E-eu, eu vou, mamãe. Escolha a mim, eu sei que me ama,
eu sei. Mas escolha a mim, eu sou o mais velho, deve ser eu. Eu
vou entender, mamãe, eu vou sim. Me escolha, me escolha, por
amor a ela. Por favor, mamãe — implorei com afinco, repetindo
vezes a fio, escondendo seu corpinho nas minhas costas, molhando
o chão. A protegendo.
Minha mãe chorou, o monstro sorriu, adorando o que via e eu
senti medo, pavor e dor. Uma dor insuportável e eu nem sabia de
onde estava vindo.
— E então, pode ser ele? — perguntou e ela me encarou, os
olhos cheios de lágrimas, que já tinham lavado seu rosto. Eu anuí,
em confirmação, pedindo que dissesse sim.
Mamãe concordou, derrotada, em prantos, abaixando sua
cabeça. Horror me tomou, mas o monstro não me levou, ele se
aproximou de mim, mas agarrou o braço de minha irmã, a levando
consigo, a arrastando pelo chão sujo. Eu agarrei em seu braço, eu
gritei, junto à minha mãe, eu implorei que fosse eu. Senti um golpe
forte em minha cabeça, gritos ecoavam, choro, e cedi, caindo no
chão, sentindo dor tomar minha nuca, enquanto ele a segurou em
frente à minha mãe, levando a faca ao pescoço franzino e…
Acordo, sobressaltado, alarmado, sentindo frio cortar minha
espinha, trazendo um arrepio medonho ao meu corpo. Minhas
extremidades tremem, suor escorre por meu peito ao buscar me
localizar. Meu quarto, estou no meu quarto. E o que acabou de
acontecer foi o inferno de uma lembrança maldita que tomou o
corpo de um pesadelo. Me levanto, abrindo a gaveta do aparador e
pego um charuto, a caminho da grande janela, observando a noite lá
fora, acendendo o charuto em minhas mãos. Trago a fumaça
sentindo o amargor tomar minha boca e garganta, me ajudando a
voltar à realidade, ao agora.
Há tempos isso não acontece, que não tenho esses pesadelos,
tanto que nem lembro qual a última vez que os tive e busco o
porquê de terem voltado com tanta força. Mesmo acordado, ainda
posso sentir aquele cheiro, sentir aquela dor. Respiro fundo, uma,
duas, três vezes, retomando o controle de mim, do meu corpo.
Nunca durmo por uma noite inteira e isso é algo ao qual já me
acostumei, mas estava com sono quando me deitei e achei que teria
uma noite tranquila. Pensava nela quando peguei no sono e me
pergunto o que diabos abriu a caixa de pandora.
Esfrego o rosto, me sinto cansado e não é para menos. Não
dormi na noite passada, inquieto por ter uma mulher em minha
cama. Nunca fiz tais concessões com nenhuma outra, nada e isso
me incomodou na noite de ontem ao vê-la dormir de forma tranquila
em meus lençóis, tanto ao ponto de me tirar o sono. Terminei minha
noite no ateliê, pintando seu rosto e com o raiar do dia fui para a
piscina, mas antes, perdi algum tempo na academia, tentando me
livrar dessa energia densa que me rodeia desde que deixei meu
quarto e que parece me sufocar. A menina sequer se deu conta de
que eu não dormi em minha cama, ao seu lado.
Pego a garrafa de uísque na cantoneira sobre a lareira e
coloco uma boa dose no corpo, sorvendo o líquido de uma única
vez, voltando a encher o recipiente em seguida, o gosto da bebida é
bem-vindo, travando meu paladar, me trazendo de vez ao momento.
Pouco uso da bebida, a menos em momentos necessários como
este. Preciso ser mais racional, preciso me apegar ao que é real.
Solto a fumaça novamente, aqueles gritos presos em minha cabeça
querem me sufocar. Eles voltaram…
Seguro o copo com uísque, girando-o em minha mão,
encarando o líquido âmbar, odiando a sensação em meu peito, o
medo de algo que já aconteceu pairando sobre mim.
— Inferno!
Em um arroubo mal contido, jogo o vidro contra a parede,
vendo-o se estilhaçar no chão. Deixo o charuto no cinzeiro e pego a
camisa que descansava no recamier, vestindo-a e saindo do quarto.
Preciso de algo para desanuviar minha mente, que me livre dessas
lembranças e pensamentos. Preciso respirar ou voltarei para aquele
mesmo lugar e queimarei no inferno, mesmo pisando em terra firme.
Não posso sucumbir a isso, eu não permito!
 

 
Permaneço sentada em meu sofá, abraçada às minhas
pernas, com o queixo encostado em meu joelho, nem mesmo
consegui iniciar outra leitura, acabei deixando de lado Madame
Bovary, de Gustave Flaubert, pois nem todos os seus dramas foram
capazes me prender essa tarde. E é como voltar dias atrás, após
sair daquele jantar, na casa de Logan.
Sozinha com meus pensamentos, revivo tudo o que se seguiu
após o café da manhã. Também me deixo vagar pela noite anterior,
quando deixei que ele entrasse em mim, em todos os sentidos, para
em seguida relembrar as coisas que me disse na manhã seguinte.
Ele pediu para não envolver sentimentos, mas é tarde demais, já os
envolvi, e como posso tirar isso de mim agora? Esfrego o rosto,
olhando o celular ao lado. Uma pessoa normal teria mandado uma
mensagem, qualquer sinal, já que marcou outro dia para nos
vermos, mas não ele.
Dou-me conta que isso aqui não é algo normal, seja lá o que
temos, e que Logan passa bem longe de ser mesmo alguém comum
e que nada mudou para ele. Os termos do que estamos fazendo são
os mesmos que me ofereceu naquele jantar, a única coisa que
mudou é que ele não me dará nada em troca do sexo.
Não é porque me levou para sua casa, porque transamos e
tomamos café da manhã juntos, que teremos o mínimo comparado
a uma relação padrão. Logan não me pedirá em namoro ou sequer
algo parecido. Não sairemos juntos para jantar, não faremos
programas de casal, viagens, nada. Sou apenas um objeto de
desejo para ele, que fez questão de deixar isso claro demais
naquela manhã. Logan joga limpo, não tenho por que me iludir
quanto a isso, afinal, não poderei culpar ninguém por um futuro
coração quebrado se não a mim mesma.
“Não coloque sentimentos no que temos aqui, Arabella, será
um erro e pode acabar ferida”, a frase soa em caixa alta em minha
mente, fazendo meu coração acelerar de forma melancólica. Não
estou em um relacionamento com Logan e nunca estarei. E não
envolver sentimentos não é algo que eu consiga fazer, irei me
machucar de uma forma ou de outra ao procurar a mínima
normalidade no que estamos tendo. Então por que me enganar? Ele
já teve outras mulheres nessas condições, ele mesmo disse que
nenhuma delas nunca lhe disse não antes, não serei eu o alecrim
dourado.
A magia se quebrou mais rápido do que eu imaginava e para
não me ferir, ainda mais, é melhor parar por aqui, enquanto há
tempo, enquanto ainda posso garantir a segurança do meu coração.
A constatação disso traz um aperto surreal ao meu peito, dolorido e
se ele está assim hoje, imagine o que acontecerá se eu continuar
com essa loucura? Nada de bom sairá disso, nada.
Ouço ruídos na porta do apartamento, a chave girar na
fechadura e me ajeito no sofá, sentindo minhas pálpebras pesadas
pela noite mal dormida. Não demora para Olivia entrar no
apartamento, menos ainda para me ver aqui, passando a me
analisar de forma minuciosa. Não a vi ontem depois que cheguei,
ela precisou viajar a trabalho, não me explicou para onde ou o
porquê.
— Bom dia, Olivia — corto o silêncio e ela sorri, vindo em
minha direção.
— Bom dia é o cacete, me conte tudo, como foi? — Ela parece
perfeita, mesmo para quem passou a noite trabalhando.
— O seu irmão deu com a língua nos dentes, não foi?
— Com a língua e muito mais. — Ela sorri, jogando a bolsa no
chão e se sentando ao meu lado, seus olhos brilham curiosos. —
Ele voltou aqui depois que o todo poderoso deu uma rasteira nele,
estava transtornado por você ter ido com o senhor Hopkins, por
confiar nele, você sabe… — Eu sei, Andrei e suas desconfianças.
— Seu irmão está paranoico com isso. Quer encontrar uma
forma de culpar Logan de qualquer jeito pelos corpos encontrado na
velha mansão. — Observo-a olhar o copo com chocolate quente
sobre a mesinha de centro, intocado, confirmo e ela passa a beber o
líquido que preparei há pouco, mas que sequer experimentei.
— Ele está é caidinho por você. — Sorrio sem jeito. Olhando
para minhas mãos, procurando algo a qual mexer.
— Isso seria perfeito se fosse há alguns anos, eu estaria
caidinha pelo seu irmão também. Mas agora…
— O encanto se quebrou depois de um toco. — Nego, sorrindo
de mim mesma. Uma vez o convidei para sair, ir a uma lanchonete
bem movimentada no centro da cidade a qual morávamos. Ele
aceitou, acho que por pena, mas não apareceu.
— Sim, passou e, como pode ver, Logan não é um bicho-
papão, estou viva e inteira. — Com alguns chupões, é claro, ainda
sentindo certo desconforto ao andar, obviamente, mas viva e esses
pormenores eu guardo para mim.
— Mas foi bem comida… disso eu tenho certeza. — Olivia ri
alto, se jogando no encosto do sofá e eu a acompanho. — Me
conta, como foi? Nem acredito que enfim rompeu esse lacre, Bella.
Minhas lembranças me brindam com força, trazendo até
mesmo um tremor à minha coluna ao me lembrar de como tocou
meu corpo e minha alma naquela noite.
— Foi como dizem que deveria ser. Prazeroso, ele foi
cuidadoso até… você sabe. Depois foi perfeito. Logan sabe como
satisfazer uma mulher, não tenha dúvidas disso. — Sinto o rosto
esquentar ao dizer isso.
— E por que diz isso com esse tom de lamento? Se foi bem
comida, se foi isso tudo que está falando, por que essa cara?
— Porque ele deixou claro que tudo o que pode me dar é
prazer, sexo. E eu quero mais, Olivia, tenho o direito de amar e ser
amada, de me apaixonar. E não pode ser por ele, pois Logan me
quebraria.
Olivia suspira de forma audível, olhando o restinho de
chocolate em sua caneca, pesarosa.
— O dilema de uma ex-virgem, é pelo que está passando
agora, Bella. — Ela me dá um sorriso afável, amoroso. — Daria um
bom nome para uma comédia romântica, não é? — E sou eu a
suspirar, esticando minhas pernas e colocando os pés sobre a
mesinha. Se eu pudesse contar tudo o que aconteceu, sua proposta
ridícula, ela me entenderia melhor. — No fim, você está reclamando
por ter feito um sexo muito bom, amiga. E se já tivesse perdido esse
lacre há mais tempo, só sexo estaria perfeito. Pois relacionamentos,
paixão, só trazem dor de cabeça.
— Estou reclamando porque ainda que fale que não teremos
sentimentos envolto nisso, ele quer voltar a me ver na quarta, porém
nos termos dele e é isso que eu não quero.
— E você tem medo de se apaixonar? — Eu a olho, sentindo
os olhos arderem. Que droga. — Ai, meu Deus, você já se
apaixonou!
— Não seja tola — nego, criando uma mentira em minha
cabeça. — Mas sei que caso continue, eu irei, pois ele é… Logan.
Não tem como estar imune a ele, entende? — Oli confirma, dando
dois tapinhas em minha mão. Puxo meus joelhos para cima do sofá
novamente, os abraçando.
— Sempre soube que você é emocionada além da conta para
o casual, amiga. Assistiu a desenhos de princesas demais. —
Sorrio, chega a ser algo triste. — Mas não está livre de quebrar o
seu coração com outro homem, caso decida não voltar a vê-lo, de
amar e não ser correspondida. Não é fácil encontrar o amor, Bella.
— Ao menos, haverá uma mísera chance, já com Logan… as
cartas estão todas na mesa, antes mesmo que comecemos.
— Pode ser ele a se apaixonar, Bella, já pensou nisso? Pode
ser ele a cair de quatro pela mulher incrível que você é. Sentimentos
se mostram diferentes em cada pessoa. Você pode ser emocionada
e ele simplesmente precisar de mais tempo. Fato é que ele está
muito, muito interessado, pois já deixou claro que quer outra noite.
Isso já diz muito…
 
— Não quando é Logan, Oli. Ele é… diferente, não sei explicar.
— E o que fará? Disse que tem um encontro na quarta.
— Eu não irei, simples assim. — Olho a parede à minha frente,
onde antes tinha o quadro que ganhei dele pendurado.
— É, se é o que quer, estou aqui para te apoiar. — Agradeço,
deitando a cabeça em seu ombro. Sinto sua cabeça encostada na
minha e suspiro, sentindo o aperto em meu peito trazer lágrimas aos
meus olhos.
 

 
— As ações voltaram a subir e os acionistas estão novamente
felizes — Darcy informa à equipe, e que bom que estão felizes,
podem agora me deixar em paz. — Podemos voltar, mais que
nunca, a tocar o trem a pleno vapor, senhoras e senhores.
— Nunca paramos, senhor! — Reviro os olhos para a euforia
desmedida de Akira, se ele não fosse tão bom no que faz, já o teria
demitido, pelo único motivo de ter sempre esse sorriso patético no
rosto.
Todos os dias que o vejo, sempre, o garoto está com essa cara
de Cinderela radiante. Cada dia com uma camisa de estampa nerd
diferente, a de hoje é de Star Wars. Acho engraçado seu estilo,
talvez até goste, já fiz parte do clube nerd na faculdade.
Não exigimos formalidade em vestimentas com a equipe de
criação da Hop Force, buscamos atualização diária com o momento,
antenados com a modernidade e entendemos sua persona,
entendemos mais ainda que deixá-los livres em seu próprio estilo,
acreditando que estão em seu território, faz com que trabalhem mais
e criem melhor.
— Vamos ao que interessa, como está o novo programa,
Akira? — E é por isso que ele nunca foi demitido.
O garoto é perfeito na criação de novos programas, softwares,
jogos e afins, ele faz a roda girar e tem um potencial gigantesco de
crescimento que queremos explorar ao máximo que ele nos permitir.
— Está quase pronto e vamos revolucionar o algoritmo, senhor
Hopkins. — Sua animação é invejável. — Vamos chamar a atenção
de grandes influencers com esse programa, pois nossa proposta é ir
aonde nenhum outro foi, com uma entrega em massa de conteúdo.
Vamos criar uma excelente concorrente para outros aplicativos
populares.
— Confio em você para isso, Akira, e quero agilidade,
precisamos entregar novas propostas ao mercado, impor poder ao
concorrente, fazer com que a roda nunca pare de girar. Não
esqueçam que não estamos aqui para pegar carona, mas para dar
partida no motor e alcançar a linha de chegada antes de qualquer
outro. — Tenho a atenção de cada um nesta sala, o garoto de
descendência japonesa confirma, empolgado.
— Conte comigo, senhor, estamos mais que empenhados
nesse novo projeto.
— Logan, sobre a rede social de alcance mundial, você estava
certo. Estão interessados em vender — Darcy chama minha
atenção e volto a relaxar na cadeira, relembrando a conversa que
tivemos, semanas antes. — Começou como algo sucinto, estudando
o mercado, possíveis compradores e agora é real. Os Collen já
estão de olho, iniciando as negociações. — Esse nome me deixa
ainda mais atento ao assunto. — Mas a fama da família os precede,
como sabe. As grandes marcas não estão muito satisfeitas com
esses boatos e estão tentando boicotar as intenções de Collen.
— Não esperava menos — deixo escapar, de forma
preguiçosa, encarando a caneta dourada em minha mão, movendo-
a entre os dedos. — A família Collen vem de uma geração
patriarcal, conservadora ao extremo, você sabe, e sempre deixaram
isso claro.
— Exatamente, eu sei, e agora estão batendo de frente com a
nova era.
— Você, seu nome e legado, por outro lado… — joga no ar, o
que me irrita, enrolações no geral me tiram do sério.
— Elabore, Darcy. Seja direto — peço, trazendo o polegar ao
queixo, enfadado.
— Seu nome é sinônimo de inovação, Logan. Você é um
filantropo, abraça causas atuais, as minorias que já não são a
minoria. Você não está preso ao passado, pelo contrário, está um
passo adiante, no futuro. Se demonstrarmos interesse… não terá
espaço para os Collen e, de quebra, você coloca a raposa velha e
seu mascote no bolso.
Respiro fundo, olhando para Darcy, que está entre animação e
receio. A família Collen é uma família aristocrata, conhecida por
muitos, tanto quanto a família de minha mãe era, os Percy, que a
deserdou quando se casou com meu pai. E pior, se negaram a
ajudar meu pai a nos tirar daquele lugar. Como se não bastasse, as
duas famílias chegaram à conclusão de que seria uma boa ideia
uma união entre elas. Por isso, o herdeiro da família Collen é
casado com Ingrid, sobrinha de minha mãe.
Os Percy viraram as costas para ela e eu devolvi o favor, anos
depois. Após a morte de meu pai, tentaram contato e neguei
qualquer aproximação. Sequer tenho seu sobrenome, abomino
qualquer um que se chame Percy, e parte do meu sucesso eu devo
a eles, a raiva por aqueles infelizes também me impulsionou a
crescer. Nada foi tão prazeroso quanto ver a família falir e precisar
vender suas empresas às pressas, por uma ninharia. Eu fiz questão
de comprá-las, desmembrar e vender parte por parte, por um valor
exorbitante. O velho Percy, meu avô, pagou caro por seu desprezo.
Os Collen hoje é minha principal concorrente e sua junção com
os Percy, agora falidos, só aumentou a necessidade de estar
sempre à frente dos malditos.
— Vamos derrubar a raposa velha, então. Tem liberdade para
isso, Darcy. Jogue alto e me traga resultados favoráveis, deixe claro
para o mercado e a mídia seu interesse.  E Akira, comece a pensar
em como revolucionar o programa após a aquisição.
— Não é melhor esperar as negociações, senhor? — Olho-o e
ele logo nega a pergunta ridícula que acaba de fazer. — Farei o que
pediu agora mesmo.
— Podem ir, voltem ao trabalho.
Vejo-os sair e permaneço sentado à cabeceira da mesa de
reuniões, apenas Darcy permanece na sala, afrouxando a gravata.
Essa é uma reunião semanal. Reunimos a equipe de programação,
estando a par de cada novo progresso. Damos a eles espaço para
criar, ir além, fazer parte de algo maior. Fazemos com que se sintam
parte da empresa, que cresçam junto a ela. Tem funcionado bem,
até então.
— Se tudo correr dentro do planejado, terei que viajar no fim
de semana para dar início às negociações — Movo a caneta entre
os dedos enquanto o ouço, o objeto gelado sendo quase um
conforto ao tocar minha pele.
— Prefiro fazer eu mesmo esta viagem, Darcy, é algo grande,
é bom começar jogando alto — sequer o olho ao falar.
— Gosto disso. Já vamos começar com artilharia pesada.
Levanto-me, abotoando o paletó e pegando a pasta sobre a
mesa.
— Prepare o conselho e tudo o mais que for necessário. Um
dia bom para a viagem é o sábado. Faça acontecer, Darcy.
— Conte comigo!
Ele adora esse jogo tanto quanto eu, a caça, a espera,
preparar a artilharia, como ele mesmo disse e, por fim, acertar o
alvo. Sempre tenho um alvo e no final da caçada, tenho uma presa
a quem desossar. O celular vibra em meu bolso e seguro o objeto,
vendo uma mensagem de Arabella. Estreito os olhos, estranhando o
contato, já que a pegarei mais tarde e desbloqueio a tela do celular,
correndo os olhos pela mensagem escrita:
 
“Boa tarde, Logan!
Eu sinto muito, mas irei declinar do convite que me fez dias
atrás. Acho melhor pararmos por aqui, sinto que é um erro continuar
com qualquer envolvimento, pois eu não posso dar o que quer,
assim como você não pode me dar o que quero. É um homem
perigoso, ciente de suas vontades e sentimentos e prezo pela
segurança do meu coração, por isso, será melhor manter distância.
Espero que encontre alguém capaz de aceitar os seus termos.”
Puxo o ar com força, apertando o celular em minha mão. E ela
está certa, sou um homem perigoso, mas também sou um homem
que não gosta de ouvir não.
 

 
Mordo a ponta da cutícula, sentindo a ardência se espalhar
pela minha pele, nervosa e um tanto impaciente. Abro o aplicativo
de mensagens pela milésima vez após ter enviado aquela
mensagem e não há nada, nenhuma resposta sequer. Olho o
relógio, já passa das vinte horas, hora essa em que eu deveria estar
na casa dele, sendo bem fodida. Mas que droga de contradição, me
tornei quem eu mais temia!
— Merda — praguejo baixinho ao ver que arranquei um
pouquinho do esmalte rosa-pink ao qual pintei a unha ontem.
Estavam tão perfeitinhas.
— Ele não respondeu? — Olivia aparece na porta, colocando
um chiclete na boca. Ela está linda, embalada em um vestido preto,
tubinho, pronta para uma noite daquelas.
— Não, nadinha. Já está saindo? — jogo, tentando fugir do
assunto.
Não quero julgamentos, já estou arrependida e não faz nem
quatro horas que enviei uma mensagem para Logan, mensagem
esta que negava qualquer envolvimento futuro. O tipo de coisa que
você faz quando o seu lado racional toma conta de você, em que a
razão chuta o seu coração para dentro do armário. O problema é
que o armário não tinha chave e não demorou para o emocional
sequestrar toda a minha razão, e amarrá-la em uma cadeira de
madeira, tendo-a cativa ao seu prazer.
— Sim, Jason já está lá embaixo me esperando. É hoje que
vou provar minha teoria. — Ela afasta as mãos, uns vinte e cinco
centímetros, fazendo uma cara maliciosa ao supor o tamanho do
instrumento do indivíduo. Sorrio, segundo ela, seu colega de
trabalho tem mãos e dedos grandes e ela cismou que isso reflete no
tamanho de seu membro. Se eu levar em consideração minha
última experiência, faz sentido sua teoria, os dedos longos e bem-
cuidados de Logan refletem bem seu pênis. — Não faz essa cara
decepcionada, Arabella. É o que quer, não é, distância do senhor
todo poderoso? — E fugir do assunto não dá muito certo.
Era… e não era. Como vou explicar isso para ela, se nem eu
entendo?
Achei melhor me resguardar e manter a ideia de pôr um ponto
final em tudo. Deixar explícito que o melhor é mantermos distância
um do outro. Isso foi minha razão falando, porque o meu coração
idiota e a minha boceta, querem outra coisa.
— É, claro que era o que eu queria. Agora vai ou irá se atrasar.
— Isso é bom, vou deixá-lo ansioso. — Volto a morder o canto
da unha, vendo-a abotoar os sapatos e me aproximo de onde está,
me recostando a porta do quarto apenas para vê-la pegar sua bolsa
e ir em direção à porta.
Ouço o barulho característico de chuva e meu sorriso se
amplia ao ver que começou a chover. Eu amo a chuva, o barulho, o
conforto que ela traz.
— É melhor se apressar, começou a chover. — Oli olha em
direção à janela e seu olhar passa de ansioso à desesperado.
— Ah não, não, não, não. — Me divirto, vendo-a correr e sair
em seguida. Vou até a saída, fecho a porta e solto o ar preso em
meus pulmões, arrependimento é pouco para o que sinto agora.
Respiro fundo, dando um pequeno giro ao meu redor e volto
ao quarto. Não há muito o que fazer a não ser inventar algo para
comer e terminar de montar o meu blog. Pensei em fazer disso
minha nova diversão, assim, se não conseguir um emprego
decente, bom… tenho a internet para soltar os meus furos
bombásticos.
Amanhã tenho uma entrevista, mas não é em minha área,
infelizmente. Mas vi a vaga no jornal, precisam de uma secretária
em uma revista pequena, a Le Petit, e pensei que estando lá, posso
tentar o mínimo destaque com um trabalho bem-feito e, quem sabe,
atuar em minha área.
Isso, se eu conseguir o emprego. Mas até lá, enquanto não me
destaco e consigo o emprego dos sonhos, irei atrás de bons textos,
notícias e visualizações no blog que estou montando, isso pode me
ajudar a arrumar um emprego. Olho o celular e de novo, não tem
nada. Solto o ar, sentindo um aperto infame em meu peito. Eu não
queria dar razão à Olivia, mas ela está certa, eu já me apaixonei.
Talvez ainda naquela galeria.
Eu sou patética, um clichê, a porra de um clichê. Loira, Loira,
virgem — ops, ex-virgem —, leitora de romances e agora,
apaixonada por um CEO. Que grande porcaria, Arabella. Deixo o
roupão de lado e é impossível não parar em frente ao espelho e
olhar o meu corpo, em como Logan marcou minha pele, em como o
sexo com ele é voraz, visceral. Me aproximo, olhos presos na
mancha que ele deixou em meu seio. Está começando a se apagar.
Contorno o hematoma, me lembrando do exato momento que
ele o fez e a lembrança traz uma pequena pressão ao meu baixo
ventre, algo bom, uma corrente de excitação e chego a gemer ao
relembrar de como parecia me devorar a cada toque, a cada
mordida e chupão. Apesar das manchas ainda estarem roxas, não
senti dor incômoda, nem mesmo com a que deixou em meu ombro,
onde me mordeu. Só senti prazer, ainda sinto ao me lembrar
daquele momento. Suspiro, descendo minha mão pelo vale dos
meus seios, alcançando minha boceta. Gemo baixinho ao fechar os
olhos e imaginar que é Logan a me tocar.
Posso sentir seu perfume, o poder que emanava, o
magnetismo. Duas batidas secas em minha porta me traz à
realidade e faz com que me dê conta de que é tudo uma ilusão, que
Logan não está aqui, que ele não ligou, nada.
— Já vai — grito, quando ouço outra batida. — Só um minuto.
Pego o roupão que joguei há pouco sobre a cama, de cor
branca com pequenos narcisos lilás, tropeçando no chinelo ao tentar
ir mais depressa. A toalha presa ao meu cabelo despenca e deixo-a
de lado.
— Já vai, caramba — volto a berrar, ouvindo batidas mais
fortes e desesperadas. — Se estava com tanta pressa, Olivia, que
levasse a chave — grito, tirando o trinco e escancarando a porta.
Paraliso, meus olhos se expandem, o perfume marcante,
amadeirado, me abraçando, quase como uma carícia. — Logan!
Minha voz sai em um sussurro, vendo gotas de água escorrer
por sua face, suas roupas estando encharcadas. Engulo em seco e
ele levanta seu olhar aos poucos, passeando-o de forma minuciosa
por meu corpo, até encarar os meus olhos. No mesmo instante fico
ciente que está pouco satisfeito, uma veia pulsa em sua fronte, os
olhos escurecidos, apertados em minha direção.
— Como entrou?
— Sua amiga foi gentil ao me deixar entrar, Arabella. — Ele dá
um passo à frente, as gotinhas de água caindo de seu cabelo e
ganhando espaço por sua pele. Gelo queima e posso entender bem
isso agora, pois Logan parece me incendiar de dentro para fora. —
Como vai, menina?
Ele veste preto, de novo, mas é uma calça jeans e um cardigã
sobre uma camisa social também preta. Logan leva a mão aos
cabelos, jogando-os para trás e parece mais perigoso assim, um
animal faminto em busca de uma caça.
— O que faz aqui?
— Talvez precise aprender bons modos, Bella. Não é de boa
educação desmarcar um compromisso em cima da hora. — Dou
outro passo atrás, mas Logan é mais rápido ao colar seu corpo ao
meu, sua mão vindo para minha garganta, seus lábios colados em
minha orelha, enviando arrepios por meu corpo inteiro.
Engulo com dificuldade, seu aperto aumentando, me
impulsionando a ir para trás, até bater as costas contra a parede do
corredor.
— Logan…
— Passei o dia salivando pelo seu gosto, senhorita. Talvez
tivesse algum feitiço naquele maldito sangue que provei em sua
boceta, só isso explica tanto desejo. — Gemo, excitada ao ouvi-lo
relembrar o que fez dias atrás. Isso é tão errado. — O que mais
acha melhor, Bella — fala baixinho, sussurrado, possessivo, sua
mão se esgueirando para baixo do tecido do roupão. — Hum…
como pensei, molhada e quente… — ele rosna, sua mão apertando
mais minha garganta, sua boca tomando a minha com brutalidade,
como se quisesse mandar uma mensagem clara para mim. De que
realmente pertenço a ele.
Logan fecha a porta com o pé e aperto minhas pálpebras,
incapaz de negar qualquer toque, sedenta. Ele suga o lóbulo da
minha orelha, mordiscando a pontinha, me deixando mole sob seu
toque. Logan é o tipo de cara que não dá margem para que
possamos nos defender dos sentimentos, ele é tudo o que não
quero, arrogante, possessivo, autoritário e, ainda por cima, não quer
se envolver, amar e, ainda assim, quando enfia a língua na minha
boca, testando o meu sabor, pedindo passagem e sugando minha
língua, minha armadura cai por terra.
Seu beijo envia ondas elétricas ao meu baixo ventre, eu me
esqueço de tudo que listei acima e só quero abrir minhas pernas
para que me faça sua, como fez uma vez. Ele cumpriu sua
promessa, tatuou seu nome em minha alma e agora não quero
exorcizá-lo. Ele me solta, com brusquidão e agora, assim como ele,
estou encharcada.
— Não pode fugir de mim, Arabella. Precisa entender que
agora você é minha, não apenas porque eu quero, mas porque cada
poro do seu corpo grita por mim. — Ao dizer isso seus dedos
dedilham por minha carne mais íntima, espalhando minha excitação,
arrancando mais um gemido luxurioso e necessitado. Seus dentes
seguram meu lábio inferior, mordendo-o, arrastando um arrepio por
minha pele e nuca. — Sente isso, não sente, Bella? — pergunta,
sussurrado, e sim, eu sinto, tão potente que me leva a responder:
— Me foda, Logan.
Ele rosna e o que sinto é tão visceral que não posso esperar
por mais tempo, suas mãos seguram a base da minha bunda, me
levantando e monto-o, me empoleirando em seu quadril, suas mãos
apertando-me, sua boca colada à minha, arrancando qualquer
mínima sanidade. Alguns passos pelo corredor e sou jogada contra
o sofá, sinto sua falta imediatamente, frio, e assisto, como em um
espetáculo, o filho da mãe tirar a roupa molhada, olhos fixos em
mim e a pior parte é que Logan é ciente do poder que tem sobre
mim.
Meus olhos varrem cada pedaço do seu corpo que, pouco a
pouco, vai sendo exposto, perfeito e é como se todas as vezes que
vi seu corpo nu, não fosse suficiente e quase o devoro com o olhar.
Os músculos marcados e ressaltados sobre a pele me dão a ideia
de que além da natação, Logan pratica outro esporte, e salivo
quando ele tira a boxer preta junto a calça, e seu pau é uma visão
dos deuses, duro, com veias saltadas e a ponta rosada, grossa, o
que me causa a vontade de chupá-lo outra vez. Um macho alfa
perfeito, que emana masculinidade.
Logan toca seu membro, dando um passo em minha direção,
se abaixando à minha frente, afastando meus joelhos e me olhando.
Acabei de sair do banho e ele parece apreciar a facilidade com que
me encontro, completamente nua.
— Tão pronta, Bella…
Logan cheira minha pele como em um ritual e chega a fechar
os olhos ao arrastar o nariz pelo alto de minha perna, se
aproximando da minha boceta. Não há qualquer delicadeza quando
sua língua lambe a minha boceta, se fechando em meu sexo,
sugando-o com força. Gemo, sentindo sua mão buscar a parte
superior do meu roupão, abrindo-o, expondo meus seios, os
mamilos já endurecidos, sensíveis. Agarro as beiradas do sofá,
tentando me segurar em algo, sentindo a onda deliciosa de prazer
se espalhar por meu corpo.
Fecho os olhos e me delicio quando sua mão deixa meu seio e
vai de encontro ao meu pescoço, o apertando e é como se com isso
Logan tivesse todo o controle sobre mim, o de viver e morrer. Tenho
a sensação de perder o fôlego para, em seguida, ele afrouxar o
aperto e me entregar de volta à vida. Uma linha tênue que aumenta
o prazer de forma inexplicável. Observo-o, soltando o ar pela boca.
— Não pare, Logan, assim… — imploro, esfregando mais
contra a sua língua que viaja por toda a minha boceta, indo para o
meu ânus, beijando-me ali, voltando para o meu clitóris e seus olhos
brilham, presos aos meus.
— Não tenho a intenção de parar ou te dar descanso, Arabella.
Minhas pernas são levantadas, apoiadas em seu ombro,
completamente à sua mercê. Sinto-o ir e vir, lambendo-me, e me
esfrego sem pudor algum em seu rosto, sentindo-o voltar a beijar
meu ânus, me masturbando com um dedo após outro, me levando à
insanidade. Estou a ponto de me perder, mas ele para, deixando-me
de forma brusca e se levantando. Penso em reclamar, amarrar a
porra da sua cabeça entre minhas pernas, mas Logan agarra meu
pulso, me puxando, me recebendo contra seu peito. Sua boca
quase machuca a minha a devorar os meus lábios, me fazendo
sentir o meu gosto em seus lábios e isso parece erótico e bom além
do que posso suportar.
Andamos juntos, uma de suas mãos segurando os cabelos de
minha nuca, a outra a me livrar do roupão, que fica pelo chão do
apartamento.
— Logan — sussurro, quando ele me empurra contra a cama. 
— Seu prazer é meu, Arabella. — Sua possessividade berra e
minha submissão lhe dá uma excelente recepção, olhando de
pernas abertas e pulsos bem presos.
Meu coração responde alto, feliz, voltando a bater apressado e
excitado, aceitando ser domado, se ajoelhar para Logan ao calar
minha razão. Solto o ar pela boca, sentindo saudade do seu toque,
do seu olhar, de que me dê prazer. Como se agora, ao provar do
fruto proibido, eu não conseguisse mais viver sem ele. Seus olhos
passeiam pelo meu corpo, o ar parece escasso, rarefeito, difícil de
ser tragado. Masculinidade berra a cada poro seu e é como estar
frente a frente com um tipo de vício, como se a necessidade em o
ter fosse exatamente isso, um vício, ao qual eu não consigo negar
por mais que tente.
— Não se esqueça, Arabella, a porra do seu prazer é só meu.
— E com isso, ele está fincando uma bandeira em meu coração.
O ar escapa por meus lábios, seu corpo cobre o meu,
apertando-me contra o colchão. Por segundos, não nos movemos,
enquanto sou cativa do seu olhar, varrendo sua expressão que
parece cansada, as olheiras mais profundas, e acaricio seu maxilar,
suas feições ainda mais duras que o comum. Sinto seu pau roçar
minha boceta, indo e vindo, se melando para em seguida me
penetrar, me invadindo, atolando em mim de uma única vez.
— Logan… — berro seu nome, seu pau me alargando, me
reivindicando, indo fundo.
Fixo meus olhos no rosto do homem a centímetros do meu,
impassível, sem emoção alguma a não ser prazer. Ele volta a sair,
lento, quase uma tortura e ele sabe, parece estar me provocando ao
me negar alívio. Ofego, seus olhos não deixam os meus em nenhum
minuto, chega a ser perturbador.
Seus movimentos ficam mais ritmados, apressados e
profundos, fecho os olhos quando sua boca suga um dos meus
seios, adorando o prazer que me dá. Seus dentes prendem minha
pele, marcando-a, arrastando a língua até alcançar minha clavícula
e novamente mordendo ali. Vou ao limite da dor e abro os olhos,
sentindo a necessidade de montá-lo.
— Posso provocá-lo também, senhor Hopkins.
Empurro-o sobre a cama, pegando-o desprevenido ao montá-
lo. Seus olhos estão escuros, se acalmando quando seguro a base
do seu pau e desço sobre ela, passando a subir e a descer,
apressada, desejosa, sendo eu a conduzir a velocidade, a buscar
alívio ao meu corpo. Enquanto quico em seu pau, o prazer é mais
cru, suas expressões me dizem isso, tornando-o mais humano aos
meus olhos. Seus lábios se abrem, buscando por ar, suas mãos
apertam meus seios, seus dedos a beliscar o bico pequeno,
fazendo-me gemer alto.
Sinto sua mão se fechar em minha garganta e ainda que eu
esteja nessa posição, Logan consegue me conduzir. Já sinto a
pressão se formar em meu baixo ventre, de forma deliciosa,
devastadora, e jogo a cabeça para trás, esfregando meu clitóris em
sua pélvis, gritando seu nome quando o mundo ameaça se
estilhaçar ao nosso redor. A chuva cai lá fora, intensa, o barulho
funcionando como música para o meu corpo. Sinto que os dedos de
Logan se cravam em minha pele, dando compasso ao meu ritmo,
mais rápido, mais forte, mais preciso.
— Isso… isso, Logan… — Minha voz sai entrecortada,
ansiosa.
— Minha, Arabella, apenas minha. — Sua estocada é quase
bruta, como se quisesse reafirmar o que diz e deixo que o prazer me
tome de vez, arrebatador, estilhaçando o meu mundo.
Sinto seu pau pulsar em meu interior, junto aos meus
espasmos, o aperto em minha garganta aumenta quando seu
orgasmo esporra em minha carne. Busco a última gota de prazer,
me agarrando a cada sensação e, por fim, cansada, tombo a cabeça
em seu ombro, ofegante. Foi insano e como se fosse possível, ainda
melhor. Ouço seu coração bater, sua respiração ofegante,
apressada e coloco minha mão sobre seu peito, apenas para me
sentir mais perto de Logan. Fecho os olhos e por mais infeliz que
isso pareça, eu poderia me acostumar com isso. Céus, como eu
quero me acostumar com isso.
 

 
Arabella está deitada de lado e tem a perna sobre a minha, a
boceta aberta, molhada e quente a se amparar na parte superior de
minha perna, sua respiração começa a ficar mais compassada com
o sono se aprofundando. Um relâmpago corta o céu, a luz reflete no
quarto e a assusta, fazendo com que seu braço se aperte mais em
minha cintura. Inspiro profundamente, seu cheiro entrando em mim,
pedindo espaço, gostoso e perturbador.
Faço um pequeno vaivém com o dedo em sua lombar, um
tanto inquieto por estar em sua casa, em seu espaço pessoal
demais. Olho ao redor do cômodo, notando que é um quarto
pequeno e compacto. Uma cama de casal a qual estamos, à direita
um guarda-roupa e uma penteadeira, com um espelho grande sobre
ela, na parede oposta. Todos na cor vermelha. A janela fica à nossa
frente e ao lado, uma prateleira com alguns livros amontoados, e
cada pequeno pedaço tem algo seu, seja cor demais, alguns
enfeites de flores ou livros. Inspiro fundo, incomodado com a
sensação de estar perdendo algo e cansado por não conseguir
dormir nos últimos dias. Os pesadelos estão ganhando espaço em
minha mente, voltaram com ainda mais força e busco uma forma de
empurrá-los de volta ao esquecimento, mas ainda não encontrei.
A chuva tinha dado uma trégua, mas o relâmpago parece
trazer o prenúncio de uma tempestade ainda maior. Aperto minha
mandíbula, sentindo uma irritação tomar conta do meu peito, fruto
de ter quebrado minhas próprias regras e ter acabado aqui, com
Arabella, e é isso que tanto me incomoda. Sou metódico com minha
vida e rotina, sair dela, o mínimo que seja, me traz um
desapontamento tremendo. Por isso não me envolvo com quem não
posso controlar, pois não posso ditar e prever seu comportamento e
não ter o controle de Arabella está me tirando do eixo. É como ter
um trem sobre os trilhos, em que sinto que estou perdendo o
controle, mas eu não posso deixar o maldito trem descarrilhar.
Aquela porra de mensagem me deixou inquieto, ainda mais
possessivo, pois ninguém me diz não e fiz algo raro em meu
comportamento, ao qual venho perdendo constantemente com ela,
agi por impulso. Sinto sua mão se mover sobre meu peito, um
resmungo preguiçoso deixando seus lábios, ela acordou. Arabella
levanta o rosto e me olha, a luz fraca do abajur me deixa ver um
pequeno sorriso em seus lábios, as sardas em seu nariz. A maldita
parece ainda mais desejável ao acordar.
— O que quer, Arabella? — pergunto, pegando-a de surpresa.
Minha voz saindo mais rouca, o que parece trazer um alerta em seu
corpo. Ela tenta tirar sua perna sobre a minha, mas a seguro,
mantendo-a no lugar. — O que quer para não mais fugir? — explico,
do contrário poderia achar que de novo a estou ofendendo, o que é
ridículo.
Nunca precisei medir as palavras, pisar em ovos, amaciar o
ego de outros e isso é novo para mim, ainda mais sendo nessas
condições, em que não ter um contrato toma as rédeas da situação,
de como conduzir toda essa merda e tentar barganhar com a infeliz
me traz extensa contrariedade. Ainda assim, quero foder a menina
pelo tempo que precisar, sem maiores problemas.
Até o momento, Arabella se mostrou arredia com os termos
aos quais eu estou acostumado a jogar, é hora de tentar algo
diferente. É hora de entregar o controle a ela, pois controle gera
confiança e pessoas comuns tendem a fazer merda quando pensam
que têm as rédeas do destino em suas mãos e é isso que pretendo
usar a meu favor. Ela engole a saliva, coloca uma mecha de cabelo
atrás da orelha e puxa o cobertor para cima dos seus ombros, em
busca de proteção. Seu corpo berra o que ela não consegue dizer.
— Quero o mínimo de normalidade, apenas isso. — Sua voz
sai baixa, quase um sussurro.
— Como o quê? Seja clara — peço e ela parece pensar a
respeito.
Vejo que será fácil essa negociação, ainda mais porque ela
não se preparou para tal, ainda está pensando no que realmente
quer. Preciso ensinar essa menina a barganhar, ela vai precisar em
seu meio se não quiser ser engolida por tubarões, mas não agora.
No momento, irei me aproveitar de sua fraqueza.
— Sem contrato de nenhum tipo. — Penso em falar que já
decidimos sobre isso, mas ela se adianta: — Nem de
confidencialidade. Não preciso de um contrato para respeitar seja lá
o que temos. — Penso por poucos segundos e acabo confirmando
com um aceno. Algo em Arabella, talvez sua pureza ou até certa
inocência, me traz confiança em quem é e eu tinha me esquecido
como é confiar em alguém que não está em minha folha de
pagamento. É bom e ao mesmo tempo assustador. — Não quero
me esconder, ter que me preocupar com isso. Quero poder, não sei,
ir à ópera com você ou qualquer outro programa, um almoço, eu não
sei — pede e sem poder explicar o motivo, meu coração bate
depressa em meu peito, enquanto encaro seus olhos. A menina os
tem úmidos, sem proteção ou barreira alguma sobre eles.
Como a inocência de uma alma não corrompida é bela…
Achei que nossa conversa estaria às voltas de falar de
sentimentos, mas o que pede é até mesmo aceitável, apesar de não
ter planos em nos expor da forma que quer, mas devo convir que
sua companhia foi bem aceitável nas vezes que estivemos juntos
em público. Ainda que eu tenha resistência sobre isso, não é de
todo ruim.
— Não vai querer ir ao cinema, não é, Arabella? — pergunto e
ela sorri, bonita, a expressão tensa de minutos antes deixando seu
corpo.
— Com direito à pipoca e refrigerante — diz entre o riso, se
assemelhando a uma criança. — E sorvete ao final da sessão. — A
pego de surpresa ao puxar seu joelho, segurando seu quadril com
cuidado para que me monte.
— Irei encarar isso como uma piada, Bella.
— Como quiser, senhor todo poderoso. — Estreito os olhos
para o apelido e ela esfrega a boceta quente em minha pélvis, se
ajeitando, me deixando duro outra vez. Desgraçada gostosa.
Ainda não sei o que essa infeliz tem, por que essa energia que
emana parece tão diferente, viciante e por que nela, eu passei a
gostar de ver cores. Espero descobrir e exorcizar esse desejo por
seu corpo, até mesmo o desejo em excesso causa problemas.
Aperto os dedos em sua carne, sentindo a maciez de sua pele,
vendo-a fazer uma pequena careta. A menina é como um sol, que
vai contra tudo o que guardo aqui dentro.
— Posso fazer concessões, Arabella. Desde que sejam nos
meus termos. — Ela sorri, se curvando sobre mim, sua boca ficando
a centímetros da minha, parecendo confiante demais. Giro-a,
estando por cima do seu corpo, no comando. — Desde que seja
maleável à minha vontade, quando e onde eu quiser. — Um brilho
luxurioso toma seus olhos.
— Sexo em lugares impróprios, senhor Hopkins?
— Entre outras coisas, mas deixe sentimentos fora dessa
equação, menina — aviso e por um segundo uma nota de pesar
nubla seu semblante, se esvaindo em seguida, dando lugar a um
sorriso. Encaixo meu pau em sua entrada, vendo-a morder os lábios
em resposta. — Se abra mais, Bella. — Ela o faz, receptiva e
sedenta por prazer. A infeliz é um poço de luxúria inesgotável. —
Boa menina. Irei fodê-la pelo resto da noite, Arabella, até me livrar
desse desejo — exijo, me enterrando em sua boceta gulosa,
ouvindo um gemido que leva consigo meu controle.
 

 
Movo meu corpo sobre os lençóis, me sentindo dolorida em
resposta e antes mesmo de abrir os olhos, eu sei que ele não está
na cama comigo. Pisco algumas vezes, me acostumando com a
pouca claridade que entra pela janela e busco o relógio ao lado.
Constatando o que eu já imaginava, ainda é cedo. Seria pedir muito
que esperasse para o café da manhã, não é?
Solto o ar preso em meus pulmões e foco minha atenção no
teto branco, relembrando a noite que tivemos, a forma intempestiva
com que entrou aqui e me reivindicou, e a conversa que tivemos. Eu
falei o que me incomodava, ainda que não tenha falado tudo, pois
não se deve cobrar sentimentos de ninguém, isso é algo que
conquistamos com o dia a dia. Olivia pode estar certa e Logan pode
se apaixonar.
Acabo sorrindo com o pensamento, nem mesmo eu acredito
nessa hipótese, mas por ora aproveitarei o que ele tem a me dar.
Não adianta pensar no que pode vir depois, não há como prever o
futuro, além do mais, não vai adiantar muito negar o que sinto se, no
fim das contas, estarei desesperada em arrependimento como
estive essa tarde. E por falar em futuro, preciso levantar.
Ouço vozes, não, uma voz, e sei a quem pertence. Me sento
depressa na cama ao perceber que Logan ainda está aqui no
apartamento. E se ele não tem uma piscina na qual nadar, por que
cargas d’água ele se levantou a essa hora? Saio da cama e pego o
roupão no armário, saindo do quarto ainda prendendo o laço em
minha cintura. O encontro atrás do balcão da cozinha, com uma
xícara na mão e o celular na orelha, ele sequer me vê aqui.
— Entenda que isso não é sobre um talvez. Eu quero um sim e
não me importo o que fará para reverter isso. — Ele deixa a xícara
com a palavra: foda-se, de Olivia, sobre o balcão e puxa o cabelo.
Eu sorrio, aposto que ele sequer notou o que tem escrito ali, e com
isso chamo sua atenção. — Resolva isso, Darcy, e logo.
Logan desliga na cara de quem seja que o incomodou a essa
hora e guarda o celular no bolso da calça, fazendo um gesto com a
cabeça para que eu me aproxime. O cheiro de hortelã se espalha
pela cozinha, acho que é o seu favorito, foi o mesmo que tomou
naquela manhã em sua casa e acho divertido a ideia de tê-lo
procurando a caixa de chá em minha casa.
— Está com cara de bravo — gracejo, vendo uma ruga entre
suas sobrancelhas, estando de frente para ele agora.
— Eu sempre tenho cara de bravo, Arabella. — Sorrio, ele tem
razão. — Usei sua secadora, precisava de roupas secas e…
encontrei o chá, espero que não se importe.
— Você não dorme? — pergunto, vendo olheiras mais escuras
embaixo de seus olhos.
— Apenas o suficiente — fala de forma displicente, sem me
tocar. Sou eu a serpentear minhas mãos por sua cintura, o
abraçando. Seus olhos se apertam e me dou conta que gosto disso.
— Vocês sempre usam canecas com frases motivacionais? — Ele
percebeu e sorrio abertamente.
Logan não é um homem carinhoso, o que me deixa ver que
abriu uma exceção na nossa primeira noite. Também não é dado a
receber o afago, o mínimo carinho o deixa claramente
desconfortável, tenso. Parece mais o tipo de pessoa que demonstra
se importar com gestos. Encosto meu queixo em seu peito, o
encarando.
— Elas sempre nos impulsionam a ter um dia melhor. — Ele
não demonstra qualquer traço de humor, mas a ruga em meio às
sobrancelhas sumiu e sua mão vem para as minhas costas.
— A senhorita Martinez é irmã do talzinho que a levou naquele
restaurante, certo? — pergunta, de forma displicente e sinto que
estou prestes a cair em uma armadilha.
— Sim, ela é. Como sabe disso?  — Sinto um friozinho no
estômago, talvez por conta do olhar inexpressivo ao qual me
observa.
— A vi no dia que fui ao distrito e voltei a encontrá-la ontem à
noite. Apenas liguei o sobrenome à pessoa. E ele costuma vir aqui,
presumo.
— Poucas vezes, raras. Os horários não batem muito e como
trabalham no mesmo lugar, estão sempre juntos. Não tem muito a
necessidade de vir vê-la.
— Mas de ver você… — assume e sou eu a apertar os olhos
em sua direção, tentando entender aonde quer chegar.
— Se está insinuando que…
— Não estou insinuando nada — corta-me, colocando uma
mecha do meu cabelo atrás da orelha. — Mas saiba que ele a quer
e é bom você deixar claro que está indisponível. — Arfo, abrindo a
boca e a fechando em seguida.
— Ciúme, senhor Hopkins? — Uma ruga se forma em meio
aos seus olhos ao me ouvir e em seguida um sorriso linear,
arrogante e presunçoso desenha seus lábios.
— Cuido do que é meu, Arabella, apenas isso. — Uma
expressão de desdém toma cada milímetro do seu rosto e eu engulo
em seco.
— Eu não sou um objeto. — Seus olhos se apertam, mas não
parece propenso a contestar.
— Deveria voltar a dormir, ainda é cedo. — Sou pega de
surpresa ao ser içada e colocada sobre a bancada ao lado da pia, o
mármore frio dando bom dia à minha bunda, tendo-o agora entre
minhas pernas.
— Preciso sair daqui a algumas horas e vou usar esse tempo
para tomar café e me arrumar, tenho uma entrevista de emprego. —
Seus olhos voltam a se apertar em minha direção, mas agora de um
jeito contrariado.
— Onde?
— Em uma revista pequena, achei uma vaga como secretária.
É nova ainda, pequena, a Le Petit, mas foi o que consegui.
— Secretária? — Seu tom é seco, quase desacreditado e dou
de ombros.
— Se conseguir, depois buscarei algo melhor — explico e sua
expressão não abranda. — Nos mudamos para este apartamento
porque eu consegui o estágio no jornal, passei a ganhar uma
quantia razoável, já conseguia rachar as contas com Olivia, mas
agora… — começo a explicar ao me sentir insegura com seu olhar.
— Se precisa de algo, Arabella, eu posso…
— Não, Logan, não é o que quero — corto-o, sem deixá-lo
terminar de falar. — Não vou aceitar o seu dinheiro, isso não é
negociável. — A mão que está sobre minha coxa aperta minha pele,
me deixando ciente da ardência que causa no local.
— Isso é teimosia, Arabella. Ofereci a você um apartamento,
pode tê-lo onde quiser, ofereci muito mais que isso. Se quer um
emprego, posso lhe dar um, algo que goste para que não precise
trabalhar como secretária em uma revista de quinta.
Meu coração bate apressado, odiando ter essa conversa.
Quero um trabalho, uma carreira, mas quero por mérito!
— Não é teimosia, só não preciso de um cavalheiro em uma
armadura reluzente que abra espaço para mim. Irei me virar, vou
conseguir algo. E não me olhe assim, Logan — peço, mas ele não
diz absolutamente nada, apenas me olha de uma forma incômoda,
varrendo meus pensamentos.
— Preciso ir agora, Arabella. Pego-a no fim de semana. — Ele
não me beija, apenas se afasta. — Separe algumas roupas para
levar consigo para minha casa, já que se recusa a ter um
apartamento melhor e só seu, teremos que nos adaptar.
— Como?  O que…
— Vai precisar de roupas quando estiver comigo. Estou dando
a escolha de levar as suas, ou irei eu mesmo providenciar algo.
Você escolhe. — Reviro os olhos para o seu tom mandão, de dono
do mundo.
— Tá, eu levo algumas.
— Boa escolha, até mais.
Mordo a parte interna da bochecha enquanto seus olhos
tentam ler meus pensamentos, incerta de como lidar com Logan, me
perguntando se como da última vez, terei apenas silêncio nos
próximos dias até que chegue o fim de semana. Ele parece duas
pessoas diferentes. Uma para quando estamos na cama,
conectados de alguma forma e outra para além disso. Em que é frio,
uma pedra de gelo. O homem sequer se despede com um beijo,
apenas se vira, indo em direção ao corredor.
Ouço a porta bater e só então me dou conta de que estava
prendendo a respiração. Ele deveria facilitar as coisas, ou vir com
um manual de uso, isso também ajudaria. Homem difícil do
caramba. Pego a caneca ao qual deixou de lado há pouco, o chá
está praticamente intocado e bebo um gole, forte e delicioso.
Suspiro e olho ao redor, notando que o lugar está bem diferente do
que deixamos ontem. A sala está impecável, nada fora do lugar. A
cozinha também está em perfeito estado para uso.
Pronto, ainda por cima é maníaco por organização. Era tudo o
que me faltava!
 

 
Caminho pelo corredor do distrito, me atentando aos detalhes
e olhares que recebo de algumas pessoas, até mesmo de alguns
policiais. Uma mulher — recostada à parede do corredor enquanto
conversa com outro policial — faz um pequeno bico, movendo-o
para a esquerda e depois para a direita de forma sugestiva,
mudando o olhar em seguida para seu companheiro com uma
pequena expressão de desdém ao tomar sua face. Se eu pudesse
dizer em voz alta os seus pensamentos, diria que ela tem dúvida
com relação à minha índole, apesar de apreciar minha aparência. É
tão óbvio quanto o fundo de um lago transparente e um repuxar de
lábios é minha única resposta.
  Inspiro fundo, expulsando o ar de meus pulmões em seguida,
duas visitas em menos de um mês a este lugar, isso ultrapassa
todas as expectativas para um ano comum e me causa certa
impaciência por estar perdendo meu tempo. Duas pessoas saem de
uma sala à minha frente, mas ficam ali paradas, conversando. Uma
delas está de costas para mim, em roupas comuns e mesmo sem
ver seu rosto, sei que é o franguinho que estava com Arabella
naquele restaurante e que nutre algum sentimento por ela, enquanto
conversa com uma policial, essa de uniforme. E se eu tinha
qualquer dúvida sobre seu interesse pelo que é meu, a forma com
que sua fisionomia muda ao me encarar, elucida qualquer uma
delas. O rapaz muda sua postura, cruza os braços, estufa o peito,
abre mais as pernas e tenho vontade de rir de sua autoproteção
inconsciente, trajada de marra.
— Boa tarde, senhores, onde encontro o comissário? — E eu
sei exatamente onde encontrá-lo, mas gosto de brincar com as
peças em meu tabuleiro.
O rapaz perde alguns segundos me encarando, chega a travar
o maxilar e não nego, isso me diverte.
— Logan, entre. — A voz gentil de Frederic soa alta vinda da
sala, e o franguinho levanta a sobrancelha, sem resposta alguma,
antes de me dar espaço para que eu passe pela porta aberta.
— É um prazer, revê-lo, inspetor… como é mesmo o seu
nome? — O rosto do infeliz fica vermelho.
— Martinez.
— Ah, claro. — Um sobrenome de origem espanhola, se estou
certo.
Passo por ele e pela jovem policial com quem conversava,
acenando em cumprimento e fecho a porta assim que adentro o
escritório do comissário.  Frederic me espera de pé, próximo à sua
mesa e estende a mão ao me aproximar, sua aparência é sempre
agradável e ele sorri de forma gentil quando aceito seu
cumprimento, mas a gota de suor que escorre de sua têmpora
contradiz a expressão despreocupada e receptiva de seu rosto. Algo
comum quando estamos juntos.
— Eu poderia ter ido até você, Logan, mas traria uma atenção
desnecessária após aquela notícia mentirosa que saiu nos jornais.
Sente-se, por gentileza.
Abro o terno, me sentando na poltrona à sua frente e cruzo
uma perna sobre a outra, o encarando com certo enfado. Vim até
aqui após uma ligação sua, segundo ele não era nada urgente,
porém, indispensável minha visita.
— Seria péssimo chamar atenção desta forma, mas não
acredito que esta visita ficará às escondidas. Há ratos por todos os
lados. — Ele concorda, sem jeito. — Mas vamos direto ao ponto,
pois creio que esta não seja uma visita para um chá, estou certo,
comissário?
— Sim, está. Somos homens ocupados demais para o trivial.
— Concordo, apoiando meu cotovelo no braço da poltrona e
trazendo o polegar e o indicador para apoiar o queixo. — Em breve,
terei que ir a público, Logan, dar algumas explicações referente ao
crime em sua casa. Terei que explicar por que até o maldito
momento nós não temos muito a dizer. Estão me pressionando para
isso, para encontrar culpados. A população busca uma resposta,
estão inseguros pelo que possa estar à solta em nossa cidade.
— Ainda não sabem quem são? — Sei que ele não irá me
responder, claro, mas o corpo sempre tem algo a dizer além das
palavras.
— Foi um trabalho bem-feito, meticuloso e, até o momento,
nunca ninguém viu nada igual. Mas este padrão… estamos falando
de um serial killer, um maldito psicopata está à solta em nossa
cidade. 
Frederic não está me contando tudo, tenho certeza. Sua
resposta é evasiva, fugindo de dar o que pedi, sua postura sugere
isso, como, por exemplo, não me encarar, olhar para a direita,
criando uma resposta alternativa. Isso é cansativo.
— E o que diabos faço aqui, Frederic? — Perco o resto de
paciência, a polícia nunca tem nada a dizer. Me acostumei desde
muito cedo que a justiça é falha.
— Logan, o pouco que temos, sugere uma ligação entre você
e o assassino.
Minha palma pinica, uma sensação incômoda subindo por meu
pulso, indo para minha nuca e se espalhando por minha lombar. O
que diabos Frederic está tentando dizer? Enfadado, fecho os olhos
e aperto a ponte entre eles, inspirando profundamente.
— Como o quê? — O encaro, entrelaçando meus dedos.
— Não posso falar sobre a investigação, Logan, há de
entender. Mas quero deixar um alerta de que tome mais cuidado
com a sua segurança. Não estamos lidando com um amador, esse
criminoso tem um padrão meticuloso, uma crueldade ímpar e as
vítimas em sua casa sugerem que ele vem aperfeiçoando sua
prática há bastante tempo.
— Acha que quem quer que seja que maculou a casa dos
meus pais, deixou um alerta? — Estreito os olhos em sua direção,
incomodado, um arrepio estranho tomando conta de minha nuca.
— Sim, é um caminho. Se quiser, posso designar dois dos
nossos melhores policiais para fazer sua segurança e…
— Não é necessário — corto-o. — Eles serão mais úteis aqui.
Tenho os melhores ex-militares cobrindo a minha segurança, da
minha casa e empresa. Use melhor seus policiais para resolverem
os crimes deixados em branco por este distrito.
Frederic me encara e engole em seco, sério, não aceitando
bem o que digo, pois acabo de espezinhar seu calcanhar de
Aquiles. Tudo o que não quero é a droga de um policial atrás do
meu rabo. A incompetência de Frederic não mudou com o passar
dos anos, continua a mesma. A polícia dá voltas e mais voltas e
sempre acaba em lugar algum.
— Se você quer assim, Logan, não podemos fazer muito. Mas
esteja em alerta. Não sabemos ao certo com o que estamos lidando,
mas estamos certos de que ele deixou um recado em sua casa, o
que essa Besta fez com aqueles corpos, não é humano.
— Os piores sempre são humanos, Frederic. — Me levanto,
sentindo certa irritação por uma visita para nada como esta. — Me
diga, sobre os marginais que invadem a velha mansão
regularmente, o que será feito sobre isso?
— Como? — pergunta, sem entender a que me refiro.
— Na noite que encontraram os corpos, os marginais que
invadiram minha propriedade mais de uma vez, já os encontraram?
— Logan, isso nem está em pauta.
— Pois deveria. Fiz uma denúncia referente ao arrombamento
e espero que não tenha esquecido. — Abotoo o terno. — Passar
bem, Frederic.
Deixo sua sala, ouvindo-o respirar profundamente. Ao sair, não
vejo sinal do franguinho que estava por aqui. Frederic tem algo, e é
palpável, do contrário não pediria que eu tomasse cuidado, menos
ainda que poderia me dar proteção policial. O desgraçado é
profissional demais para dar com a língua nos dentes. Meu celular
toca, é Darcy.
— Espero que tenha algo bom a me dizer, Darcy. 
— Fiz o que queria, Hopkins. Se estiver ok para você, embarca
hoje às vinte horas, já terá compromisso para o dia inteiro, incluindo
um almoço com Rissi.
Estalo o pescoço, relaxando minimamente. Ao menos, uma
boa notícia.
 

 
Com os olhos presos no notebook, passo a gostar do que vejo
na tela colorida. É uma boa abertura, sucinta e direta sobre o que
irei abordar no blog de notícias. Apesar de colorido, parece sério e
seguro e me agrada bastante, pois passa minha identidade. Já está
pronto, não tem nenhuma visita ainda, também não tem nenhuma
matéria interessante, a não ser a que estou escrevendo agora.
Como Richard descartou a matéria real que escrevi sobre Logan,
pretendo abrir o blog com ela.
Respiro fundo, olhando o celular ao lado, sem nenhuma
resposta com relação à entrevista de emprego na Le Petit. Achei
que tinha ido bem, achei mesmo, porém posso ter me enganado e
isso me traz uma pontada de tristeza.
Fecho a aba e volto à matéria já escrita, precisando apenas de
uma última revisão. O interfone toca e bufo ao me levantar e ir até
ele, o atendendo com certa impaciência. A voz grossa do outro lado
diz ter uma entrega a ser feita e reconheço sua voz, ainda que ligue
a alguém. Libero sua entrada, indo para a porta em seguida. Ao
ouvir duas batidas suaves, abro-a e me deparo com Benjamin, que
semanas atrás trouxe o quadro de valor absurdo para mim como um
presente de Logan e que também me levou ao seu encontro no
aeroporto.
— Boa tarde, senhorita. — E desta vez ele traz dois pacotes,
um grande, e eu poderia apostar que é o mesmo quadro ao qual lhe
devolvi quando neguei sua maldita proposta naquela noite. Há
também um pacote menor, quadrado e fofo, com um laço amarelo-
limão em volta dele.
— Boa tarde, Benjamin. Como vai? — pergunto e seus olhos
parecem calmos, apesar da expressão severa.
— Bem, senhorita. O senhor Hopkins pediu que lhe entregasse
em mãos.
— O senhor Hopkins pede muita coisa. E obrigada, Benjamin
— agradeço ao segurar ambos os embrulhos, dando-lhe um sorriso
afável.
— Senhorita. — Ele se vai e volto a entrar, fechando a porta
com o pé.
Eu estava certa, ao abrir o pacote maior, confirmo que é a
mesma pintura que me foi dada certa vez. Começo a entender que
Logan não aceita contrariedades de qualquer tipo e que realmente
não lida bem com a palavra não. O outro embrulho menor me deixa
realmente curiosa com o que possa ser.
Deposito o quadro sobre o balcão da cozinha e vou em direção
ao sofá, me sentando nele e observando com cuidado o embrulho
bem-feito. Abro o pacote com cuidado, para não o rasgar e me
deparo com algo que jamais poderia supor. Um livro, mas não
qualquer livro, seguro em minhas mãos uma das primeiras edições
de Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, e no mesmo instante
sinto lágrimas vir aos meus olhos, fazendo-os arder.
Sinto meu coração retumbar em meu peito, tão forte que é
capaz de sair pela boca. Deixo o papel de lado e passo a ponta dos
dedos pela capa, sentindo a textura. É perfeita, bem-conservada e
linda. Em couro vermelho-escuro, com letras douradas e um tipo de
broche que tem uma mulher desenhada, que parece mesmo com
Elizabeth Bennet.
As laterais das folhas também são douradas e o livro parece
teletransportado diretamente do passado, incrivelmente bem-
conservado e creio que restaurado. Sinto uma lágrima ganhar
passagem, meu peito cheio de algo que não cabe em seu interior,
completamente rendida ao sentir tanto carinho expresso em um
presente como este. Talvez Logan nem saiba o quanto é
significativo e me pergunto como ele adivinhou que este é o meu
livro favorito e, melhor, como se lembrou de algo que eu disse certa
vez, de forma tão displicente.
Abro-o, notando as páginas originais amareladas, e trago-o ao
nariz, inspirando o cheiro delicioso de livro, de páginas escritas e é
tão deliciosamente viciante. Passo a mão pelas páginas, sentindo a
textura e chego a suspirar. Conseguiria recitar qualquer verso, de
qualquer página que me pedisse, de tantas vezes que já li esse
livro. Me encosto no sofá, trazendo o livro ao peito, o abraçando e
até mesmo a tristeza de minutos atrás, por não ter recebido uma
ligação relacionada à entrevista de emprego de ontem, deixa meu
corpo. Puxo o ar, tentando controlar meu coração.
Um pequeno envelope cai no chão das páginas do livro e
busco-o depressa. Este também foi escrito à mão, as letras iguais a
do outro bilhete e apenas sei que foi ele quem escreveu. Ansiosa,
passo os olhos por cada palavra e meu coração, que eu vinha
tentando controlar, enlouquece em meu peito.
 
“Espero que goste do exemplar, tão delicado quanto você.
Acredito que tem algo em comum com a senhorita Bennet, Arabella,
é determinada, resiliente tal qual ela, além de admirável e, confesso,
tens o mesmo encanto e feitiço.
Talvez possa aproveitar o manuscrito no fim de semana, pois
estarei fora. Uma viagem de última hora me espera. Volto assim que
possível.
Cuide-se e aprecie o presente sem moderação.”
 
Limpo os olhos. Claro que ele não ligaria para dizer que vai
viajar, o homem parece saído de algum livro de romance antigo,
antiquado demais para tal. Sorrio, adorando a comparação e me
perguntando se ele já leu o livro, já que fala de miss Bennet com
tanta intimidade. Volto a abraçar o objeto e também o bilhete,
sentindo como se flutuasse em uma nuvem cor-de-rosa. Logan está
tornando difícil a missão de não me apaixonar. Pego o celular e ligo
para ele, sem conseguir me segurar. Se sua intenção era não usar o
celular, isso acaba de ficar impossível.
— Arabella. — A voz rouca e pausada consegue ser linda até
mesmo pelo celular.
— Obrigada pelo presente. — Seu gesto dispensa amenidades
como cumprimentos e vou direto ao ponto. — É perfeito e eu…
amei. É o meu livro favorito, minha autora favorita, na verdade, e
estou me perguntando como sabia disso.
— Foi só um palpite, já que tudo sugere que você é romântica.
— Sua fala é displicente e meu coração parece montar em um
cavalo e galopar solto em meu peito. 
— Eu poderia dizer que você também é, após um gesto como
este — falo e fungo, sentindo os olhos se encherem mais uma vez,
recebendo o silêncio como resposta do outro lado da linha. —
Logan?
— Estou aqui e fico satisfeito que tenha gostado. Faça bom
uso dele.
— Como conseguiu uma das primeiras edições?
— É do meu acervo particular. Tenho outros e escolhi esse
para você, pois era um dos preferidos de minha mãe. — Meu
coração perde uma batida. Um bolo gigante vem para minha
garganta, impedindo que eu fale qualquer coisa. — Agora preciso ir,
logo mais irei viajar. Cuide-se, menina.
— C-claro e boa viagem. Torço para que corra tudo bem.
— Obrigado, Sunshine. — Sorrio, me surpreendendo e
adorando a forma que acaba de me chamar.
— Sunshine?
— Brilho do sol, é como se parece. Até mais, Bella, e aproveite
a leitura. — Não tenho tempo de responder, nem de perguntar para
onde vai quando a linha fica muda. E volto a abraçar o livro, ficando
segundos em suspenso.
Volto a abrir o livro, folheando as páginas, o pequeno exemplar
se tornando único, ganhando um valor inestimável aos meus olhos,
já pensando em colocá-lo em destaque entre meus livros. Mordo a
bochecha, sentindo meus cílios úmidos, como a boa boboca
chorona que sou. Logan me presenteou com algo que foi de sua
mãe, algo de extrema importância para ele e tudo o que eu queria
agora era abraçá-lo. Suspiro, vencida, ele vai viajar, o que quer dizer
que não irei para sua casa amanhã e isso me causa uma decepção
gigantesca. O celular toca e meu coração dispara pela segunda vez.
E cato o aparelho sobre a mesinha de centro, me obrigando a reagir.
Respiro fundo, controlando o sorriso e minha respiração, atendendo
em seguida:
— Arabella Tomlinson? — a voz macia e aveludada pergunta e
olho novamente o número na tela do celular, voltando a colocá-lo na
orelha.
— Sim, é ela.
— Bom dia, senhorita. Estou entrando em contato para pedir
que venha à redação do The Standard na terça, às nove horas.
Posso confirmar sua visita?
— Eu já assinei minha demissão e tudo o que precisava na
semana passada, preciso ir novamente ao RH? Faltou assinar algo?
— Não entendo por que me pediram para voltar àquele lugar, tenho
certeza de que deixei tudo ok quando saí.
— Não posso adiantar nada, senhorita, mas preciso que
confirme sua presença. — Ela parece paciente.
— Tudo bem, eu irei.
— Obrigada e tenha um ótimo dia.
— Obrigada, bom dia para você também. — Minha voz sai em
automático, encaro o celular em minha mão após a moça desligar,
sentindo o coração bater depressa contra meu peito.
A porta do apartamento se abre e Olivia passa por ela,
animada como sempre.
— Adivinha quem estava no distrito hoje? — fala, colocando o
casaco e a bolsa no pendure. — O seu todo poderoso — responde,
ainda estou aérea quando a ouço falar de Logan e me obrigo a
reagir, ou tentar, já que não sai nada. — O que foi, Arabella,
aconteceu alguma coisa?
— Me chamaram no jornal, mas não disseram o motivo. —
Ainda estou olhando a tela do celular ao dizer isso e a vejo se
aproximando, tirando os sapatos ao me alcançar.
— Acha que pode ser algo ruim, ainda por conta daquela
matéria?
— Eu não faço ideia. — Eu a encaro e não sinto algo bom
vindo disso. 
 

 
Acordo assustada, tentando entender o maldito barulho que
parece a ponto de levar o apartamento abaixo. Esfrego o rosto para
conseguir enxergar, quando a luz do quarto é acesa e Olivia passa
pela porta como um maldito furacão.
— Arabella, levanta! — fala. Não, na verdade, ela grita e
estranho sua pressa na mesma medida em que me preocupo, pois
passa das três da manhã.
— Olivia, aconteceu alguma coisa?
— Aconteceu. Me diz uma coisa, esse lance do blog é sério, é
pra valer? — pergunta, apressada, vestindo um cardigã preto. Mas
meu cérebro não parece apto o suficiente para entender o que quer.
— Sim, mas o que isso tem a ver? — Me sento na cama,
procurando acordar de uma vez.
— Tem que encontraram um corpo no rio Tâmisa, Christian me
ligou, disse que uma equipe já foi deslocada até lá, mas ainda não
estão a caminho por algum motivo que desconheço e se você
correr, consegue cobrir tudo — ela fala tudo sem pausa,
desesperada, e isso sim me acorda e me faz pular da cama.
— Meu Deus. Foi a Besta?
— Não sabemos, pelo que disseram o modus operandi foi bem
diferente, mas estão desconfiando que sim. Christian está lá
embaixo, me esperando. — Saio do quarto atrás dela, vendo-a
pegar a bolsa sobre a bancada. — Agora se arruma e pega capa de
chuva — fala, abrindo a porta. — E, ah, o corpo foi encontrado no
Píer de Canary Wharf.
— Já estou indo. — Vou para o banheiro enquanto ela calça as
botas. — E, Oli, obrigada.
— Me agradeça fazendo uma matéria excepcional, que vai
colocar aquele mequetrefe no chinelo. Agora tenho que ir. — Ela
pisca e eu enfio a escova na boca, voltando ao banheiro.
E fazer minha higiene nunca foi tão rápido. Volto ao quarto e
olho o celular, agradecendo mentalmente por ele estar carregado e
pego a primeira calça que vejo no armário, vermelha, e uma blusa
azul de mangas, indo à procura da meia-calça térmica. Troco a
roupa rapidamente e, em menos de dez minutos, estou descendo as
escadas do prédio, tentando acomodar tudo dentro da bolsa
vermelha, até mesmo uma pequena lanterna. Um sereno fino cai na
rua e coloco a capa de chuva após vestir o casaco felpudo e
colorido, sentindo o vento bater forte contra meu rosto ao ganhar a
avenida.
Está escuro e calmo demais e saber que tem um serial killer à
solta não é muito encorajador para sair pela rua a essa hora da
madrugada. Trabalho, Arabella, é trabalho. Olho a rua de um lado
para o outro, achando difícil encontrar um táxi a essa hora, sabendo
que terei que andar algumas quadras até o centro. Me mantenho na
calçada e ando por duas quadras, olhando por sobre o ombro uma
vez ou outra, sentindo um arrepio em minha espinha, como se
alguém estivesse me observando. É uma sensação assustadora e
aperto o passo, um cubo de gelo se instaurando em meu estômago.
— Isso é coisa da sua cabeça, Arabella, coisa da sua cabeça
— repito a mim mesma, o coração batendo depressa em meu peito.
A sensação não passa, o frio aumenta, mas a rua segue vazia
e silenciosa. Estou andando tão depressa em direção ao centro que
quase estou correndo, em busca de alcançar a via movimentada e
encontrar um maldito táxi. Convenhamos, em uma rua deserta, uma
madrugada chuvosa e sozinha, seria uma presa fácil para o homem
a quem os jornais vêm chamando de Besta de Mayfair. Ouço o
motor de um carro e olho para trás, assustada e alerta, rezando
para ser um táxi e sendo frustrada ao ver um carro preto chegando
cada vez mais perto. Engulo em seco ao notar que o sedan se
aproxima devagar, beirando o acostamento. Estou a ponto de gritar,
confesso, quando quem quer que esteja dentro do carro abaixa o
vidro da janela, me deixando em suspenso.
— Senhorita Tomlinson, entre, por gentileza. — Paraliso,
trazendo a mão ao peito ao reconhecer a voz e o homem atrás do
volante.
— John, o que… o que… Logan já voltou? — É a primeira
pergunta ao sentir a adrenalina correr por minhas veias e fazer
minhas pernas tremerem.
— Entre senhorita, saia da chuva. — Ele ignora minha
pergunta e com o coração a saltar em meu peito, faço o que pede.
Me colocando no assento quente e confortável, me permitindo
respirar. — Para onde está indo, senhorita?
— Para o Píer de Canary, por favor. Encontraram um corpo no
rio — respondo, presa ao motivo de encontrar John, a essa hora,
tão perto do meu apartamento.
De repente, uma ideia maluca demais me passa pela cabeça,
maluca, mas viável. Ele aumenta a velocidade com que o carro
corta a rua, furando um sinal vermelho sem que eu nem mesmo
precise dizer que tenho pressa, mas já não consigo me concentrar
no agora. 
— O que fazia aqui, John? — Isso não pode ser uma
coincidência, disso eu sei e peço internamente que ele tenha vindo
bater em minha porta a pedido de Logan, trazer algo, dar um
recado, me buscar, não sei, qualquer coisa. Pois a outra opção é
que aquele miserável arrogante mandou seu cão de guarda me
vigiar enquanto está fora. Não, ele não pode ter feito isso. Não
pode, não é? —  Logan voltou, é isso? — volto a perguntar quando
ele não me dá nenhuma resposta.
— Não, senhorita, o senhor Hopkins continua em Nova Iorque,
mas ordenou que cuidasse do seu bem-estar. — Uma onda de
irritação sobe por meu corpo, parecendo se avolumar por baixo de
minha pele, espalhando espinhos por meus poros.
— Ordenou? — John parece uma pedra de mármore quando
me olha pelo retrovisor interno, inacessível, e apenas balança a
cabeça em concordância. — Quem… quem o seu chefe pensa que
é? Que direito ele acha que tem de te mandar tomar conta de mim?
— Minha voz sai fina, esganiçada pela forma que me sinto
impotente e ofendida.
— Acho melhor falar diretamente com ele, senhorita, assim
que o senhor Hopkins voltar. Sigo apenas ordens.
Meu coração bate tão forte que responde em minha garganta.
— Pare o carro, John — peço, levada pela raiva, e o homem
fixa seu olhar em mim pelo retrovisor interno.
— Eu sinto muito, senhorita, mas isso eu não farei. É
madrugada, está chovendo, é perigoso. Além do mais, não irei
contra uma ordem do senhor Hopkins.
Não respondo, não quero causar problemas a John, ele só
está cumprindo ordens. Viro o rosto para o lado, encarando a rua e
a chuva que parece ter aumentado. Por que Logan mandaria
alguém ficar de guarda no meu apartamento? Ele não pode ser esse
tipo de homem, não pode. Que tipo de doente faz isso? Pego meu
celular na bolsa, impaciente, sem querer esperar que volte para
gritar com aquele ego gigante e arrogante, mas desisto quando
começamos a adentrar o píer, com foco no que é importante agora.
Mordo o canto da unha, podendo ver de longe um amontoado de
pessoas, mas nem sinal de qualquer viatura.
— Não há policiamento no local, será mesmo aqui, senhorita?
— Aposto um braço que sim e se não estão aqui, quer dizer
que tenho pouco tempo até que cheguem. Me deixe aqui, por favor,
e vá embora, John, e diga ao seu chefe que não preciso de cão de
guarda — falo, abrindo a porta e colocando um pé fora do carro, me
arrependendo do que disse em seguida, sem querer ofendê-lo e
então o olho. — Sem ofensas a você — peço e posso jurar que vi
um ensaio de um sorriso.
— Tudo bem, senhorita, mas tenho ordens a cumprir e irei
esperá-la. Tome cuidado, estarei aqui, caso precise.
Nego, bufando ao sair do carro e fechar a porta, sentindo os
pingos de chuva baterem mais forte em meu rosto. Me ligar, desde
que viajou, ele não ligou, e se acha no direito de me aprontar isso?
Idiota egocêntrico.  Puxo o capuz da capa, arrumando sobre a
cabeça, me aproximando das pessoas que estão próximas ao píer
junto ao vigilante noturno. O frio está sobre mim e não sei bem se é
pelo fenômeno da natureza ou se é interno, fruto do nervosismo e
da raiva que sinto. Me aproximo da margem, pegando o celular e
começado a fotografar o lugar, sem ainda conseguir ver o corpo, até
que…
Chego a tapar a boca, estrangulando um gemido, o estômago
chegando a embrulhar ao ver o homem amarrado a uma corda, pelo
pescoço, metade do corpo dentro do rio. A pele dele está branca
como papel, e não parece ser por estar na água, parece não ter
mais sangue em seu corpo, a pele enrugada pela água. Me
aproximo com cuidado, buscando detalhes. Não é como se ele
tivesse sido amarrado ao píer e, sim, vagava na água e a corda se
enganchou nas pilastras, do contrário, tenho a sensação de que
nunca estaria aqui.
Engulo em seco e tiro algumas fotos antes de chegar mais
perto e o grito fica preso na garganta quando consigo ver buracos
onde deveriam ter seus olhos, profundos, de onde tem um tipo de
glândula está pendurada. O mal-estar me toma, mas eu jogo o enjoo
para longe, a fim de ter tudo o que posso antes da polícia chegar. A
boca do homem está entreaberta e pego a pequena lanterna em
minha bolsa azul, que comprei após os corpos serem encontrados
na antiga mansão Hopkins, e foco a luz no corpo preso à margem.
Ele era jovem, talvez trinta anos, cabelos pretos e lisos. O rosto
tinha bochechas proeminentes, boca larga e o nariz… está torto.
Algo se mexe em sua boca, algo preto e chego mais perto, o
máximo que consigo, tentando entender o que seja.
Um rabo sai da cavidade e logo um tipo de peixe, parecido
com uma cobra, se arrasta para fora dela. Grito, me desequilibrando
e quase caindo dentro do rio, sendo salva por uma mão conhecida
quando Andrei me puxa em sua direção. Bato contra seu peito,
vendo minha lanterna pequena e delicada ir de encontro ao chão e
se partir. Droga!
— Arabella, o que faz aqui? — Sua voz sai irritada, alta e
feroz.
— Trabalho — falo assustada, recuperando o ar, seria terrível
cair na água, ainda mais por não saber nadar.
— Isolem o local, não quero mais nenhum civil aqui. Nem
repórteres — um homem na casa de uns cinquenta anos, negro, de
feições bonitas e semblante endurecido, fala, alisando o rosto liso,
sem braba. Sei que é o colega de Andrei e responsável pela
investigação com relação à Besta.
— Me deixe ficar — peço, baixinho. — Nem irão notar minha
presença, é importante pra mim — quase imploro, mas Andrei não
tem um semblante muito bom quando aponta para longe.
— Não, agora vai. Saia daqui. A hora da brincadeira acabou.
— Eu o encaro, chateada com a forma que fala comigo, sentindo o
desdém em sua voz.
Puxo meu braço de seu agarre, dando um passo atrás, vendo-
o me dar as costas ao ir em direção ao colega que observa o corpo
e o local.
— O local já foi contaminado, muita gente passou por aqui. —
Ouço o homem falar para Andrei, que ainda me olha por sobre o
ombro. — Essas pessoas não têm mais o que fazer?
Mordo o lábio quando o inspetor me encara, e me afasto a
passos pequenos, querendo ouvir mais de suas reclamações,
tentando extrair algo de útil. Vejo mais carros da polícia chegando,
toda a equipe começando a se movimentar, os peritos examinando
o local enquanto uma policial isola a área, passando aquela usual
fita amarela ao redor do local. Não é o mesmo padrão. Digo, o corpo
não está envolto em resina, conservado. Talvez seja apenas uma
coincidência que tenha sido encontrado próximo a Mayfair, em um
período curto ao qual encontraram os corpos na antiga mansão.
Junto-me às pessoas que trabalham no píer, e estão como
espectadores no local e questiono cada uma delas, encontrando a
jovem que deu de cara com o corpo boiando na água. Angel não me
contou o motivo de estar por essas bandas, a essa hora, mas a
forma que olha para outro jovem que também está no local, me
deixa ver que os dois se conhecem. Talvez fosse um encontro às
escondidas, o que seria até fofo se não fosse por encontrar um
corpo.
Observo atentamente a polícia trabalhar, conversando entre si,
capturando uma coisa ou outra do que falam. Passo horas tentando
colher informações, até que o corpo seja retirado pelos peritos. Vejo
Andrei deixar o local e vou em sua direção, apressada, não me
importando que tenha sido um belo de uma babaca há pouco.
Desde aquele dia, no restaurante, não nos falamos. Ele sequer foi
ao apartamento enquanto eu estava no lugar, também me policiei
para não perguntar à Olivia, mas não levei a sério quando ela disse
que o irmão estava chateado comigo.
— E aí, alguma novidade? — tento, me dando conta de que a
chuva cessou e que o sol começou a nascer.
— Isso é confidencial, Arabella, sabe disso. As concessões
acabaram. — O encaro e desta vez levo a sério o que sua irmã
disse outro dia. Andrei parece mesmo magoado comigo.
— Qual o seu problema? — pergunto e ele para, me
encarando. Suas narinas dilatam e ele chega a bufar, o ar
condensando ao sair de seus lábios. — Isso é… é pelo outro dia, no
restaurante?
— O que faz da sua vida, com quem sai ou se deita, não é da
minha conta, Arabella. Agora faça um favor a nós dois e me deixe
em paz. 
— Andrei… — repreendo, não reconhecendo o homem gentil
que sempre me tratou com amabilidade desde que cheguei à
cidade. Ele nega, esfregando o rosto com força, se aproximando de
mim, seu peito quase tocando o meu.
— Não fode, Arabella. Estou cansado, não é hora pra conversa
fiada.
— Tudo bem, só não precisava…
— Do quê? O que acha que não precisava? — berra e chama
atenção de uma policial próxima a nós. — E reze para que aquele
filho da puta para quem você tem se vendido não esteja envolvido
nisso. — Dou um passo atrás, ofendida.
— Ei, vai devagar, seu imbecil, não tem esse direito de falar
assim comigo. Do que está falando? — defendo-me e sinto meu
rosto esquentar.
— Até outro dia, Arabella.
Vejo-o sair, me deixando aqui, e me pergunto o que Andrei
quis dizer com isso. Pelo jeito, ele continua apostando suas fichas
em Logan e sua culpa e me odiando por tê-lo deixado naquele
restaurante. Não o julgo por estar magoado, mas julgo por me tratar
dessa forma. Olho ao redor e não demoro a encontrar John, até
mais próximo que antes, de olho em tudo, em mim, naquela postura
costumeira de militar. Idiota!
 

 
Fecho a tela do notebook após finalizar a reunião com Darcy e
o celular parece queimar em minha mão, enquanto espero notícias
de Arabella. Já é quase meio-dia, o que quer dizer que em Londres
ainda são oito da manhã e começo a ficar impaciente por notícias.
Vou para a mesa de refeições, na suíte do hotel, onde
deixaram o chá de hortelã que pedi há pouco. Sirvo-me e sorvo um
gole, forte como gosto, sentindo o líquido trazer ardência à minha
garganta. Deixo o celular ao lado, e pego as abotoaduras douradas,
abotoando as mangas da camisa preta. Sinto meus músculos
tensos, os ombros doloridos e a cabeça pesada. Mais uma vez, não
dormi uma noite inteira, de novo acordando em meio a um maldito
pesadelo, seguido de uma ligação de John no café da manhã, me
deixando a par das atitudes irresponsáveis de Arabella.
Uma mensagem chama minha atenção para a tela do celular,
deixando claro que a maldita teimosa não aceitou voltar com John
para casa e que preferiu um táxi. Sequer respondo e o nome dela
passa a piscar na tela. Atendo depressa.
— O que pensa que está fazendo, Logan? — São suas
primeiras palavras e deixo o ar escapar. Ao menos a desgraçada
está bem.
— Bom dia para você, Arabella. Como está? — Meu tom é
baixo, pausado e irado.
— O seu cão de guarda já deve ter dito que estou bem, seu
infeliz.
— Sim, ele o fez e disse também que saiu às três horas da
manhã, em meio à chuva e sozinha. Onde diabos estava com a
cabeça, menina? — Por conta do fuso horário, quando me ligou eu
estava lendo o jornal, tomando o café da manhã que se tornou
amargo após sua ligação.
— Eu? — ela grita, a voz saindo mais fina que o normal. —
Você coloca um homem para me vigiar, sem sequer supor que eu
deveria saber disso antes e vem me perguntar onde estou com a
cabeça? — ela fala tudo rápido, realmente chateada. — Onde você
está com a sua cabeça, Logan? — Na porra da sua segurança,
minha consciência grita em algum lugar.
— Após sair desacompanhada de madrugada, isso deveria ser
óbvio, Bella.
— Não seja ridículo. E eu não quero acreditar que colocou
alguém para seguir meus passos, me stalkear para você enquanto
está fora. Isso é inadmissível, doentio  — grita e aperto a ponte
entre os olhos. Ela nem deveria saber que John estava à espreita,
não se tivesse se mantido em casa durante a madrugada.
— Não estava a stalkeando, Arabella, mas cuidando da sua
segurança.
— Está louco? —  E respiro fundo, de forma audível, e a ouço
bufar do outro lado da linha.
— O comissário acha que quem quer que esteja deixando
corpos espalhados pela cidade, Arabella, pode ter alguma ligação
comigo, ou vir a me atingir de alguma forma. Por isso abri mão de
John aqui em Nova Iorque e o incumbi de cuidar da sua segurança
— explico a contragosto, me vendo nesse lugar pela primeira vez e
não gostando nada de estar aqui.
— E como isso interfere em minha segurança? — Ela sabe
como, sua voz parece mais amena agora.
— Podem tentar me atingir ao tocar em você e não permitirei
algo assim — esclareço, puxando o ar com força para os meus
pulmões. — Cuido do que é meu, eu já lhe disse isso, Arabella, e
você é minha. É bom não confundir o que falo com brincadeira, pois
não brinco, nunca. — Dou ênfase para que entenda o que venho
dizendo a ela. — Agora me diga, o que diabos estava pensando ao
sair de madrugada e sozinha?
—  Jornalismo investigativo, já ouviu falar? — responde,
vencida. — Encontraram um corpo no píer essa madrugada. — Isso
John já tinha me avisado também, contudo, se ela segue sem
emprego, ainda, por que iria até lá? — Eu fiz um blog para noticiar
casos como esse, quem sabe, até fofoca, desde que sirva para
ganhar visibilidade. Assim que fizeram a denúncia, Olivia me avisou
e eu fui até lá — explica, como se lesse meus pensamentos e isso
sim faz sentido. — Não pensou em nenhum momento em me dizer
que John passou as últimas trinta e seis horas na minha rua,
fazendo minha segurança? — Ela já não grita, parece mais calma.
— Não achei necessário, sequer saberia que ele estava ali se
não fosse tão irresponsável com sua própria segurança.
— Não achou… você é inacreditável, Logan Hopkins, além de
um idiota.
Fecho os olhos, sentindo vontade de apertar aquele pescoço
bonito e pequeno com minhas próprias mãos.
— Estarei de volta amanhã, Arabella, e então conversamos
melhor.
Poderia realmente afirmar que John estava cobrindo seus
passos apenas pelo que o comissário falou, mas seria, em partes,
mentira. A verdade é que Arabella ganhou um pequeno espaço em
minha vida e se tornou a única pessoa com quem realmente me
importo minimamente e, com isso, estou tentando mantê-la segura.
Perdi todos aqueles com quem me importei um dia, o destino quis
assim levá-los e por isso jamais permitiria que Arabella passasse
por algo parecido, não quero que ela escape entre meus dedos. Por
isso abri mão de John, que me acompanhasse na viagem como
sempre fez, para que fique o tempo todo de olho nela. Só confio
nele para isso.
— Há momentos que eu definitivamente não gosto de você,
Logan.
— Acredite, há momentos que também não gosto de mim
mesmo e estou reavaliando se também gosto da senhorita.
Como agora, essa parte eu guardo para mim e desligo o
celular em seguida, jogando-o sobre a cama. Fecho as mãos em
punho e viro-me para a janela, olhando a imagem da cidade que se
abre à minha frente, podendo ver o Empire State ao longe. Espalmo
as mãos no vidro e foco minha atenção no assoalho de madeira
bem-ilustrado. Controle, eu estou perdendo a porra do controle.
Travo o maxilar odiando essa nova sensação, que não se
assemelha em nada com a que eu sentia quando tinha 14 anos e
não mandava sequer nas próprias calças à noite, acordando todos
os dias molhado com o próprio xixi, sempre apavorado. Agora é
diferente e pior, a perda do controle está relacionada a outrem, a
Arabella e sua teimosia. O quão perigoso pode ser sair àquela hora
e sozinha?
Respiro fundo, vendo que ter Arabella sob uma corda, indo
para a direção que eu quero, pode ser mais difícil do que imaginei.
Passo a mão no cabelo, me dando por vencido momentaneamente,
sentindo a necessidade pulsante e carnal de ter a infeliz sob meu
domínio, fodê-la para ter paz uma outra vez. E nem que eu tenha de
virar Arabella do avesso, irei me livrar desse seu feitiço, irei fodê-la
até me exorcizar de vez dessa maldita obsessão e voltar novamente
a ter o completo controle de mim. Porque essa merda de enlace
está começando a levar minha sanidade.
 

 
“Segundo as autoridades locais, a vítima encontrada no Píer
de Canary Wharf — na madrugada do último domingo — ainda não
foi identificada e, apesar da forma atípica que foi abandonado o
corpo, as marcas de tortura seguem o mesmo modus operandi de
outras vítimas do assassino conhecido atualmente como A Besta de
Mayfair. Um exemplo claro são os olhos arrancados, dado que as
outras vítimas, encontradas na antiga mansão Hopkins, tinham seus
olhos, orelha, nariz, língua ou dedos arrancados, além do órgão
genital. O desconhecido trazia também uma grande cicatriz em seu
ombro, que os legistas identificaram como um corte similar ao que
pescadores fazem com pescas grandes, mortas por arpão. Tudo
indica que a vítima sofreu uma morte lenta e dolorosa, com
requintes de crueldade sádica e única, feita por uma besta que se
esconde atrás de um homem.
A Besta de Mayfair está à solta e passa a assombrar a
população, enquanto a polícia tenta incansavelmente trazer
segurança para o cidadão londrino. As autoridades advertem para
que tomem cuidado, que tranquem suas portas e se mantenham
atentos. Esse monstro pode ser qualquer pessoa, estar em qualquer
lugar, à espreita, e só precisará de uma única chance para fazer
mais uma vítima.”
          Tomlinson, Arabella.
 
Estico os lábios em um ensaio de sorriso ao ler a matéria no tal
blog que Arabella criou e sinto até mesmo certo orgulho da infeliz.
Ela fez um bom trabalho. Para não perder tempo e sair na frente,
ainda ontem ela noticiou o acontecido de forma certeira, mas
superficial. Então, após apurar os fatos com calma, ela voltou a
atacar com uma matéria completa. Com nomes, dados, horários e
mais fotos. Arabella nasceu para o jornalismo, tem faro e não me
enganei quanto a isso. Seu texto é chamativo e prende a atenção do
começo ao fim, arrematando ao criar intimidade com o leitor, como
fez com o aviso final e se é mesmo como diz, a população londrina
deve estar em polvorosa com esses acontecimentos.
Deixo o dispositivo sobre a mesa e seguro a beirada no móvel
ao estar recostado nela, esperando Arabella passar pela porta a
qualquer momento. Voltei hoje de viagem, há cerca de duas horas e,
inquieto, pedi a John que a trouxesse até a empresa.  Não demora
nada para a menina entrar em minha sala, sem ser anunciada ou
sequer bater na porta. Mary, minha secretária, vem logo atrás dela e
eu dispenso a moça com um aceno, focando minha atenção na
menina à minha frente, em uma saia rodada, floral e alegre, de
fundo amarelo. A blusa é de mangas curtas, vermelha. 
— Precisamos conversar! — Assume, cheia de bravata e com
o topete em pé. Tenho vontade de sorrir, confesso, e não disfarço a
diversão, vendo seu rosto tomar uma tonalidade vermelha, em
brasa. Arabella ultimamente tem detido muitos sorrisos apenas para
si, antes dela, sequer me lembrava como era fazer com tanta
facilidade.
— Sim, precisamos.
Vejo-a atravessar a sala a passos ligeiros, ainda chateada por
eu ter colocado John como seu segurança sem consultá-la primeiro.
Me levanto e antes que ela me alcance, puxo seu pulso, recebendo-
a de encontro ao meu peito, segurando sua nuca e cobrindo sua
boca que estava pronta para falar impropérios. Seus punhos batem
fechados contra meu peito, ao tentar me afastar inutilmente. Aperto
mais sua cintura, forçando minha língua por seus lábios.
Ela não me deixa aprofundar o beijo e mordisco seu lábio
inferior, ela ofega e a invado, buscando sua língua. Sinto seu corpo
ceder aos poucos, seus punhos amparados em meu peito enquanto,
finalmente, cede à minha invasão, deixando que eu explore sua
boca, que sinta seu gosto infernal, que sugue sua língua ao exigir
ser correspondido.
Ela o faz e só então me dou conta de que senti sua falta.
Feiticeirinha dos infernos. Enrolo seu cabelo em meu punho,
puxando sua cabeça para trás apenas para olhar seu rosto, para ver
sua expressão vencida enquanto abre os olhos devagar,
semicerrando as pálpebras, os lábios vermelhos e inchados
entreabertos, um convite ao pecado. Arabella se afasta
minimamente, ofegante, em busca de ar. Meu pau reclama dentro
da calça, sem espaço, necessitado por sua boceta. Presa em meu
olhar, viro-a, empurrando seu corpo contra minha mesa e me
colocando entre suas pernas e eu adoro o fato do seu estilo de
roupas sempre facilitar minhas invasões.
— Quero foder sua boceta aqui, Arabella. Sobre minha mesa.
— Seus olhos se expandem e ela divide sua atenção entre mim e a
porta às minhas costas. — E talvez o seu rabo.
— Você é um arrogante desgraçado.
— Sou e sabe o que mais? Estou louco para me enfiar em
você. — Mordo seu pescoço, arrancando dela um gemido, rendida,
esquecendo que há pouco entrou aqui decidida a me mandar para o
inferno. — Deveria tê-la levado comigo, nos pouparia esforço —
falo, sentindo sua pulsação aumentar sob o meu toque, lambo sua
pele, sentindo a carótida pulsar, enfiando meus dedos por baixo da
saia rodada cheia de flores, alcançando a calcinha de renda.
Puxo-a, arrastando o tecido por suas pernas, a fina e sem-
vergonha peça íntima. A menina parece tão ansiosa e necessitada
quanto me encontro, passando a desabotoar o cinto e o zíper de
minha calça, libertando ela mesma o meu pau. É um deleite aos
olhos e gemo, quando a mão pequena e delicada estrangula meu
pau, puxando-o para fora e levando para sua boceta. Arabella é
uma pequena maldição, é como parece, pois tenho a impressão de
que esse desejo, essa possessividade não irão passar.
Perco o controle quando estoco em sua carne de uma única
vez, arremetendo com força demais, sentindo sua boceta esmagar
meu pau, ouvindo-a gritar e se agarrar aos meus ombros. A boceta
excitada pulsa ao meu redor, gulosa e cheia de tesão e estoco em
seu interior, uma e outra vez, me deliciando com a textura de sua
carne, a maciez, sua quentura. Mordo sua pele e arrasto a blusa
para baixo até ter seus seios expostos, os bicos durinhos, um
deleite. Sugo o mamilo, colocando-o quase todo em minha boca,
mamando em sua teta, indo ao limite de lhe infligir dor. Seu cheiro
de fêmea me põe doido.
— Você é um desgraçado gostoso demais para que eu me
mantenha a salvo — sussurra, olhos brilhando carregados de
prazer. — Não para, não… — clama, os lábios a centímetros dos
meus. Seus dedos agarram minha nuca, sua boca pede por mais,
enquanto sua cabeça tomba para trás em uma entrega sublime. É
lindo e excitante demais vislumbrar sua entrega.
Subo a mão por seu pescoço, prendendo-a ali e puxando a
menina para que se empale em meu pau, suas pernas se agarrando
ao meu quadril, seu cheiro viciante me abraçando e funcionando
como combustível. A levo até a grande janela de vidro que circunda
a sala, a amparando contra o material transparente. Arabella olha
por sobre o ombro, para uma Londres movimentada e sinto receio
em suas feições, para em seguida um riso luxurioso tomar sua face.
— Imaginou que alguém poderia vê-la, Arabella? — pergunto,
vendo-a morder o lábio, insaciável a buscar mais atrito contra a
boceta gulosa.
— Isso… essa janela… alguém pode nos ver do outro prédio
— fala entre gemidos, aperto sua garganta, sentindo sua jugular
pulsar junto à sua boceta.
— E isso te excita, infeliz?
— Não… o que me excita é o seu pau.
Estico os lábios ao ouvi-la, passando a socar mais rápido, mais
fundo na boceta que agora me pertence, e a impressão que tenho é
que mesmo que a foda a noite inteira e que a vire do avesso três
vezes, ainda assim terei sede dela, dessa maldita luz colorida que
emana, desse sorriso endiabrado, das expressões inocentes de
puro prazer. 
— Por favor, Logan, não pare. Por favor…
— Sou eu a dar ordens, Arabella.
Tiro-a da janela, puto de ciúme ao cogitar que um filho da puta
pervertido possa usar qualquer ferramenta para nos ver aqui, para
me enxergar fodendo Arabella, e a levo empalada em mim para o
sofá, a depositando sobre o móvel e usando o controle ao lado para
fechar as persianas. Viro a menina de bruços, pegando-a de
surpresa, ao levantar o seu rabo e a colocar de quatro, voltando a
me atolar em sua boceta. Cuspo sobre o orifício enrugado,
passando o dedo em seu ânus, enfiando dois dedos ali, sentindo-a
se contrair ao meu redor e gemer alto.
Arranho a garganta, minhas bolas doem em resposta aos
estímulos, me custando muito não esporrar em seu interior e matar
todo esse desejo. Agarro seu pescoço com a outra mão, fodendo a
infeliz com mais força, apertando seu pescoço bonito até quase
deixá-la sem ar, sentindo sua vida em minhas mãos, sua boceta
estrangulando meu pau, o cuzinho apertando meus dedos.
Ela arfa, buscando por ar, e quando não posso mais controlar
o meu corpo, gozo, afrouxando o aperto em sua garganta,
permitindo que goze, sentindo-a se entregar ao orgasmo, moendo
meu pau em decorrência e me levando a insanidade. Seu corpo
cede, ainda convulsionando e a sigo, cobrindo seu corpo com o
meu, enfiando meu nariz em seu pescoço cheiroso, enquanto
derramo até a última gota de porra em sua boceta.
O cheiro de bálsamo preenche até mesmo minha alma e
maldito seja o momento que essa desgraçada cruzou meu caminho.
Libero seu corpo, não querendo machucá-la com meu peso, rolando
para o lado e é ela a deitar sobre mim, se aconchegando em meu
peito. Engulo a saliva, podendo ver seu rosto agora relaxado, alguns
fios de cabelo fora de lugar, sobre sua face rosada. O silêncio toma
conta e nossas respirações são a única coisa ouvida na sala,
enquanto seu dedo faz um círculo sobre meu peito, coberto pela
camisa social preta.
— Eu entendo o que fez, porque fez, mesmo estando brava —
fala, apoiando o queixo em meu tórax e olhando-me. O rosto
corado, as têmporas suadas e o cabelo bagunçado a deixa ainda
mais linda. Uma bela colorida. Passo a mão na lateral do seu rosto,
enfiando uma mecha do cabelo atrás da sua orelha. — Mas não
faça isso de novo sem antes me avisar, por favor.
— Não sou dado a avisos, Arabella. Nunca tive tempo de parar
para pensar demais no que farei, para dar satisfações. Pensei em
sua segurança e apenas isso — falo a verdade. A menina é
relevante e já aceitei isso, ainda não sei até onde ou como
conseguiu se infiltrar a esse ponto, mas é. 
— Mas não estamos falando da sua vida, mas da minha. —
Bella tenta se levantar, mas prendo-a a mim. Me dobrar ao que quer
é extremamente complicado, não tenho tempo para isso, tampouco
paciência para dar explicações quando faço simplesmente o que
deve ser feito.
— Irei pensar a respeito, tentarei do seu jeito. — Ela suspira,
ponderando e, por fim, parece satisfeita. — E por isso estou
deixando claro que manterei seu segurança. — Ela abre a boca,
mas calo-a ao colocar o dedo sobre seus lábios. — Isso não está
aberto a discussões, estamos falando da sua segurança. — Ela
apenas deixa o ar escapar, vencida.
Toco seu queixo, levantando-o, tomando seus lábios, sugando-
o apenas para sentir a maciez de sua pele ali, o lábio inferior um
pouco inchado. Mordo-o, arrastando meus dentes na pele sensível,
ouvindo-a gemer antes de soltá-lo.
— Como foi a viagem? — pergunta, mudando o foco da
conversa.
— Produtiva, apesar de não conseguir o que queria, ainda.
— Sempre tão arrogante. — Um sorriso rasga seus lábios e
traz o sol consigo.
— Porque não é uma questão de se, e sim de quando. As
coisas são simples nos negócios, Arabella. — Movo-me e me
levanto, indo até minha mesa e pego o lenço de papel na caixa
sobre ela.
Limpo-me e arrumo minhas roupas, agora um tanto
amassadas, abotoando a calça, alinho a gravata e volto a encarar
Arabella deitada no sofá, apoiada nos cotovelos ao me encarar.
Pego mais lenços na caixa e volto para perto dela. Levo um joelho
entre suas pernas, mantendo-as abertas.
— O que vai fazer?
— Limpar você. — De início ela nega, incrédula, mas sua
negativa não me afasta. Levo o lenço à boceta rosada, com alguns
pelos e mais vermelha que o comum, os lábios internos um pouco
inchados, lambuzados com minha porra. — Me fale mais sobre o
seu blog. — Ela me olha, um tanto surpresa por meu interesse,
tentando não demonstrar vergonha pelo que estou fazendo.
— Você viu? — pergunta e seu rosto se ilumina com a
possibilidade.
— Sim, li ambas as matérias. Posso dizer que ficaram ótimas.
— Suas bochechas ficam mais vermelhas, até mesmo a pontinha do
seu nariz arrebitado.
— Cheguei antes da polícia e devo dar o braço a torcer e
agradecer a John por isso. — Levanto uma sobrancelha e vejo-a
bufar. — E a você. Por conta de sua destreza no trânsito, consegui
fotos ótimas e também entrevistas únicas com as pessoas que
ainda estavam no lugar. Outros repórteres demoraram a chegar e
isso ajudou muito a veicular a notícia, fazer circular.
— Estive pensando que você pode expandir sua ideia, criar
não só um blog, mas um site. Algo maior, talvez alguns anúncios,
por exemplo. Assim seu site aparecerá para quem fizer pesquisas,
com palavras relacionadas, no Google, por exemplo. O seu alcance
pode ser inimaginável, Arabella.
Termino o que estava fazendo, deixando uma Arabella muda
no sofá e indo ao lavabo em minha sala. Jogo os lenços fora e após
lavar as mãos, volto e a encontro de pé, catando a calcinha jogada
no chão.
— Eu pensei nisso, mas não tinha ideia de como fazer, aliás,
até tenho, mas precisaria de alguém para me ajudar a montar o site,
essas coisas. — Pego a calcinha de sua mão, colocando-a em meu
bolso, não tenho interesse em devolver para ela.
— E não conhece ninguém que possa te ajudar? — Levanto a
sobrancelha até mesmo ofendido com o que diz. Ela faz um bico,
apertando as mãos, dando um passo atrás.
— Não queria pedir ajuda a você, se é o que está pensando.
— Ela alisa a roupa e me pergunto por que diabos tem que ser tão
teimosa. Pego o iPad sobre a mesa e me aproximo dela.
— Vi que o blog conseguiu um número até razoável de visitas
nas últimas horas, mas é pequeno e pouco profissional ainda para o
tamanho da notícia. — Seus lábios se abrem, quase ofendida. —
Não com relação à matéria, mas à montagem. Tenho certeza de que
houve muitas pesquisas sobre o caso nas últimas horas e poderia
ter mais alcance se usar algo diferente.
— Sim, com certe… o que é isso? — pergunta, olhando a tela
que lhe ofereço.
— Um esboço do que possa ser o seu site. Usei as cores do
seu blog, o nome, tudo o que escolheu nesta primeira versão. Aqui,
o site incorpora tudo e o blog passa a ser um meio de propaganda
para algo maior. Claro que isso é apenas um esboço. Caso não
goste, eu…
— Você mesmo quem fez? — Arabella pega o iPad, os olhos
abertos como pratos ao olhar cada detalhe. Enfio as mãos nos
bolsos, sentindo o tecido de sua calcinha entre meus dedos.
— Isso é algo bem rápido e simples. Comecei ainda ontem,
mas foi Akira quem terminou o esboço e me entregou há pouco.
— Meu Deus, é perfeito. Logan…
Puxo-a pela cintura, colando seu corpo ao meu. Sentindo
vontade de me enterrar em sua boceta uma e outra vez, desta vez
com mais calma.
— Almoce comigo. A mesa está posta na sala de reuniões,
depois peço a John que a leve de volta. — Ela parece eufórica, as
esferas verdes luminosas e feliz.
— Como poderia recusar um convite como este, senhor
Hopkins?
— Depois irei comê-la como sobremesa, senhorita Tomlinson,
sabe que não gosto de doces e me resta a senhorita como opção.
— Ela sorri, de forma melodiosa, feliz e colorida.
E, por um segundo, deixo de lado a frustração por não
conseguir fechar de vez o negócio em Nova Iorque e o cansaço pela
insônia das últimas noites, como se ela me trouxesse paz.
 

 
Olho o prédio à minha frente e mordo o lábio, incerta se devo
entrar ou não. Mas eu disse que viria e não tem como voltar atrás
agora. Eu só preciso ter um pouquinho de coragem. Olho ao redor,
tentando ver indícios da segurança que Logan insistiu em manter,
mas tudo parece normal, nenhum SUV à vista ou qualquer carro que
pareça estar me espionando. Se John ou qualquer outro segurança
estiver mesmo por perto, o que ainda me parece absurdo, ele sabe
como se misturar.
Jogo o copo de café, já vazio, na lixeira ao lado e entro no
prédio, passando direto pela recepção, o segurança me
cumprimenta e nem preciso me aproximar do balcão para a
recepcionista indicar que minha entrada está liberada. O prédio aqui
tem apenas três andares. O inferior é para produção, a garagem fica
no subsolo, o segundo andar é onde acontece toda a mágica da
criação e o terceiro é a administração. Penso em ir direto para esse
último, mas fico sabendo na recepção da entrada para me dirigir ao
segundo.
Ainda me lembro de como foi entrar aqui pela primeira vez, a
euforia, o formigamento no estômago, o medo. Não passei muito
tempo, tive altos e baixos, ainda assim, os últimos seis meses em
que trabalhei aqui foram os melhores. Saio do elevador e vou até
Emily, a secretária de Richard. Ainda tenho dúvidas se foi ela quem
me ligou, o que me deixa com um, ou dois, pés atrás.
— Bom dia, Emily, me ligaram e…
— Tem um horário com Richard, Bella, e bom dia, querida.
Como você está? — Emily é aquele tipo de pessoa que te afaga
com o sorriso, com uma aura tranquila. Gostava dela quando
trabalhava aqui, volta e meia estávamos almoçando juntas, e como
não cita a ligação, passo a acreditar que provavelmente a ligação
veio do RH.
— Com medo. Um dia me demitem e no outro…
— É, saiba que é a primeira vez que isso acontece —
confidencia em um sussurro e eu arregalo os olhos, sabendo que
tem total segurança ao falar isso. Emily trabalha aqui há quatro
anos. — Mas vá, ele já está à sua espera.
Concordo e com as pernas trêmulas, subo a pequena escada,
entrando no corredor, aqui de cima consigo ver todos lá embaixo,
cada cabine e entendo agora por que Richard adora olhar todos
daqui. O deck onde estou é como se fosse incorporado ao segundo
andar, as salas ficam acima das cabines, do lado esquerdo do
andar, é como se estivessem separando a elite dos pobres mortais
lá embaixo. Olho minha antiga cabine, tem uma moça sentada ali,
alguém ainda mais jovem que eu e suspiro.
Vagueio o olhar pelo lugar e são poucos os estagiários que
realmente conheço. Lucas levanta o olhar e toca o braço de Ava ao
seu lado, que sorri ao me ver. Aceno para os dois, sentindo meu
coração apertar em meu peito. Começamos quase juntos aqui, nós
três e mais cinco estagiários, mas o restante já saiu nos vários
rodízios que este lugar fez desde que entrei. Respiro fundo,
voltando a andar e parando em frente à porta de Richard, dando
duas batidas na madeira.
— Entre.
Engulo em seco e faço o que pede, abrindo a porta e
encontrando o meu velho patrão, o homem que dias atrás me
humilhou e me escorraçou sem nenhum respeito. Richard levanta
uma sobrancelha, e parece pouco satisfeito em me ver.
— Bom dia, Richard.
— Sente, Arabella — ele dispensa amenidades ou, em outras
palavras: educação. Faço como pede, me sentando na poltrona em
frente à sua mesa.
Vejo-o se levantar e dar a volta, se encostando no móvel, se
agigantando à minha frente. Ele me encara por tempo demais,
vagando seu olhar por meu corpo, analisando, parecendo engolir
algo pesado, que o está engasgando.
— Tudo bem, Richard?
— Arabella, cometi alguns erros em minha vida, durante minha
trajetória como redator, vindo lá de baixo, um reles estagiário, como
você. — Sua voz é pausada, em um tom baixo, até melancólico. —
Precisei trabalhar muito para estar onde estou hoje, sem a ajuda ou
proteção de ninguém, nunca tive essa sorte, tampouco precisei,
sempre busquei crescimento por mérito próprio — fala, tirando os
óculos, apertando o alto do nariz. E me pergunto por que diabos
todo esse discurso, o que tenho a ver com sua trajetória de vida e
índole. — E, aparentemente, um dos meus erros foi demitir você. —
Sua fala não condiz com suas feições, Richard parece estar fazendo
um esforço gigante para falar essa última parte. — Peço que me
desculpe pelo ocorrido, estava com a cabeça quente, como pode
imaginar. Peço também que reconsidere voltar ao jornal.
—Voltar a trabalhar aqui? — Minha voz sai em um misto de
surpresa e confusão.
— Sim, imediatamente, se possível. Claro, não mais como
uma estagiária qualquer, mas como jornalista júnior. — Isso me
pega de surpresa e me deixa um tanto aérea, mais ainda por conta
do seu tom pesaroso.
— Jornalista? Vou ter uma sala?
— Sim, Arabella, e se reportará a mim diretamente. — Seu tom
se torna mais sério, recolocando os óculos.
— Caramba, eu… claro que aceito, nem tem o que
reconsiderar, eu… claro que aceito — falo rápido, tamanha é a
euforia que sinto.
— Isso é bom. Mandei que preparassem a sala ao final do
corredor, estava entupida com arquivos velhos, mas irá servir.
Deixamos tudo limpo, faça bom uso.
— Eu nem acredito. Já posso voltar agora mesmo?
— Se quiser, a sala já é sua. — Ele volta ao seu lugar,
pegando o telefone e levando à orelha. Eu o observo, paralisada, de
boca aberta e coração aos saltos. — Emily, venha aqui e
acompanhe Arabella para conhecer sua nova sala.
— Richard, eu agradeço essa nova oportunidade, eu… nem
tenho palavras — gracejo, esquecendo qualquer humilhação já
passada, com um sorriso congelado no rosto ao vê-lo colocar o
telefone novamente no gancho.
Seu sorriso em resposta sai quase como uma careta e presto
pouca atenção a isso, pois Emily abre a porta, se mostrando tão
eufórica quanto eu.
— Ah, aí está, vá com ela, Arabella, e faça bom proveito de
sua sala. Depois vá ao RH e aproveite sua nova jornada.
Sorrio e me levanto, seguindo a secretária pelo corredor,
sequer acredito no que acaba de acontecer, Emily fala algo no
pequeno caminho pelo corredor, mal a ouço, as palavras de Richard
rodando em minha mente. Paro em frente à porta e me surpreendo
ainda mais ao ver meu nome escrito ali: Arabella Tomlinson. Ele já
tinha certeza de que eu aceitaria…
Eu não sei o que deu em Richard, mas seja o que for:
obrigada, forças superiores. Meu sorriso só se alarga e pego-me
querendo compartilhar isso com Logan, é a primeira pessoa que
vem à minha mente. Imaginar fazer isso traz um gosto ruim à minha
boca, pois ele deveria ser a última pessoa a quem pensar no
momento. Sem sentimentos, foi o que ele disse e, claro que nessa
equação pensar em Logan como a primeira pessoa para quem
contar algo assim não é nada saudável para o meu coração.
É tão contraditório que possa enfatizar que não devo envolver
sentimentos, para depois venerar meu corpo da forma que fez em
seu escritório. Chega a ser injusto.
Emily sorri ao abrir a porta, me mostrando uma sala pequena,
mas perfeita. Com uma mesa compacta ao lado, uma prateleira
horizontal próxima à janela, as paredes da sala de cor salmão.
— Eu nem acredito! — sussurro, dando um giro completo na
sala.
— Ninguém acredita, Arabella. Richard nunca volta atrás em
algo assim. Agarre essa nova chance e aproveite bem.
— Obrigada, Emily.
Sinto meu coração querer explodir, sem saber o que fazer
primeiro, como reagir a algo tão inesperado. Sorrio, agradecida ao
universo, a Richard e feliz por ter novamente um emprego. Meu
coração dispara. Sorrio feito boba, dando um giro de noventa graus,
olhando cada detalhe. Isso é tão bom que parece que a qualquer
momento algo vai acontecer, algo que estrague toda essa felicidade
momentânea.
Seguro meu celular e olho a tela por tempo demais e, no final,
me dou por vencida, cedendo à necessidade de ouvir sua voz. Não
vou conseguir esperar até amanhã para lhe contar a novidade
pessoalmente.
 

 
— Olha, Logan, eu tô indo muito alto agora.
Sorri em resposta ao que Lilly dizia, enquanto observava a
menina mostrar todos os dentes em um sorriso de orelha a orelha à
medida que o balanço ia e vinha, a levando cada vez mais alto.
Naquela tarde, ela estava ainda mais bonita e radiante, os olhos
azuis, escuros como o mar, brilhando em contraste ao azul-céu do
seu vestido bonito, cheio de babados. Nós deveríamos estar na sala
de estudo, mas fugimos há bons quinze minutos, queríamos
experimentar o balanço novo alçado no caramanchão, ao lado leste
da mansão. Mamãe nem se deu conta ainda, do contrário, já teria
vindo aqui e levado Lilly para a aula de balé e a mim para a de
piano.
O balanço voltou e novamente coloquei as mãos em suas
costas, a empurrando, vendo os cabelos vermelhos voarem, tão
lisos quanto poderiam, iguais aos de nossa mãe, o som do seu
sorriso a se espalhar pelo ar. Um barulho vindo do bosque chamou
minha atenção, foi por um segundo apenas, no momento em que o
balanço voltava, de alguma forma, ao desviar para que o balanço
não me acertasse, assustei minha irmã e vi, como em câmera lenta,
seu corpo cair no chão.
De repente, não era mais dia, o céu não era mais tão azul e
tudo estava escuro. Olhei para os lados, vendo a mansão tão cheia
de vida e bonita, velha e em ruínas. Eu não entendi, mas senti medo
e busquei novamente por Lilly, que permanecia no chão.  Corri até
onde o corpinho pequeno estava jogado, puxando-a pelo ombro,
virando-a. Gritei, como se tocá-la, tivesse espalhado pequenos
choques por meu corpo, ao ver o vestido rosa de princesa, cheio de
babados, completamente sujo de sangue.
— Ma-mãe — gritei, o choro ganhando passagem pela minha
garganta enquanto os olhos de Lilly estavam abertos a me fitar, mas
sem brilho algum ou vida.
Levei as mãos à cabeça e apertei minha fronte, sentindo
lágrimas pesadas banhar meu rosto. Chorei, berrei e senti dor,
terror, mas ninguém vinha me salvar. Ninguém… O frio me
arrebatou e quando voltei a abrir os olhos, não era mais apenas o
corpo de Lilly ali no chão, mas o de minha mãe e também papai.
Uma pilha de corpos, sangue e desespero, olhos vidrados e sem
vida, sem paz, sem salvação.
— Lilly! — sussurro ao abrir os olhos, me sentando na cama
ao varrer o entorno.  Novamente meu corpo está suando em bicas,
minha cabeça dói e meu corpo, cada músculo, tenso e dolorido.
Trago as mãos à cabeça, como fiz no sonho, a apertando, tentando
esquecer.
Deveria ter sido ela a viver, deveria… 
Respiro fundo, sentindo meus pulmões arderem, como se eu
tivesse corrido uma maratona, aperto o lençol entre os dedos,
tentando controlar o furacão em meu peito. Esse sonho, desta vez,
a lembrança se misturou ao delírio.
O balanço, isso realmente aconteceu, eu a empurrava para
que fosse cada vez mais longe e naquela tarde ela caiu. Mas se
levantou tão depressa quanto foi ao chão, para meu alento, nossa
mãe sequer ficou sabendo do que aconteceu, aquilo foi então o
nosso segredo. Me senti culpado por sua queda, cheguei a colher
hyacinths para ela, que decidiu enfeitar o cabelo com a pequena flor
de cor roxa. E essa era apenas uma lembrança maculada, perfeita,
em especial pela forma que ela se levantou depressa do chão,
batendo a terra dos joelhos, me olhando com um meio-sorriso no
rosto ao dizer:
— Eu tô boazinha, não machuquei, não. Vamos de novo,
Logan. — E aquele sorriso no rosto era apenas para me tranquilizar.
 
Lilly era… meu anjo na Terra. Sinto meu rosto molhado e olho
para o teto, buscando de onde pode estar vindo a maldita goteira.
Mas não há nenhuma, sequer há chuva lá fora, apenas as lágrimas
que fazem meus olhos arderem. Há quanto tempo não choro?
Passo as mãos em meu rosto e chego a infligir dor, talvez
assim eu volte ao momento, esqueço esse maldito sonho que, mais
uma vez, veio manchar de sangue outra boa lembrança. O controle
está fugindo de minhas mãos pouco a pouco e estou voltando para
aquele mesmo lugar, um fraco, se entregando ao desespero das
memórias, da dor. Vejo-me como o mesmo menino que passou
quatro anos molhando a cama em que dormia no internato, mudo,
sem conseguir falar uma palavra desde que vi os olhos de minha
mãe perder o brilho. Talvez seja a hora de rever o doutor Marshall, o
infeliz conseguiu me ajudar certa vez, pode voltar a fazer isso.
Um grunhido me faz olhar para o chão, para o cachorro
pequeno e irritantemente teimoso que insiste em dormir em meu
quarto, no tapete. No início, por não conseguir subir as escadas, o
pequeno infeliz se mantinha dormindo na sala, na pequena cama
que John arrumou para ele. Após aprender a alcançar o andar
superior, ele não consegue se manter distante por muito tempo.
Acredita que temos alguma ligação, o pequeno infeliz. Nego, vendo-
o com uma cara de chorão, pedindo para subir em minha cama.
Mas temos limites rígidos aqui, eu não adentro o seu espaço e ele
não adentra o meu e minha cama é um desses limites.
Solto o ar e olho o relógio ao lado da cama. São quatro horas.
Me levanto, desistindo de continuar aqui, tentar dormir. Com receio
de pegar no sono e, mais uma vez me entregar a pesadelos que
tiram a minha paz, minha sanidade.
Vou até o aparador, pego um charuto e acendo-o, tragando a
fumaça, o gosto se espalhando por meu paladar e atenuando meu
desespero. Respiro fundo e ouço novamente o cachorro grunhir e
volto a encará-lo, com o maldito rabo balançando, demonstrando
uma alegria desmedida e inocente. Perco alguns segundos olhando-
o, enquanto parece sorrir para mim. Me agacho e pego-o.
— Vamos para a academia, Picasso, gastar minha energia em
algo que pode afastar a escuridão em meu peito — falo, enquanto
acaricio a cabeça pequena e peluda, cada vez com mais e mais
pelos.
A palavra escuridão me lembra de Arabella e toda sua luz, sua
alegria radiante. Talvez por isso ela pareça tão preciosa aos meus
olhos, pois vem contra o que guardo aqui dentro. Mas nem mesmo
ao dormir com ela, sou capaz de me manter longe do passado, dos
pesadelos. Talvez esse seja meu castigo e irá me acompanhar por
toda a vida ou talvez me enlouquecer. 

— Irá ao evento Bouvier amanhã, certo? — Eu o encaro e


fecho os olhos ao relembrar o evento beneficente.
— Eu havia me esquecido completamente, Darcy. — Tanto que
tinha outros planos com Arabella, inclusive. O que me leva a pensar
que terei que cancelar o jantar ou levá-la comigo.
O último pensamento me pega um tanto de surpresa. Levá-la
ao teatro, em outro país, foi um fato isolado, que não vai se repetir,
não posso aparecer em um evento como este com a menina a
tiracolo, a notícia se espalharia com a rapidez da lava de um vulcão,
traria atenção demais sobre mim e sobre ela.
— Tinha planos, Logan? Parece decepcionado.
— Não passe do ponto, Darcy, meus planos não dizem
respeito a você — corto-o, gosto de separar bem o trabalho da vida
pessoal. Não é boato que minha fama dentre essas paredes me
precede.
— Claro, Hopkins, não me leve a mal. Mas tenha em mente
que este será o primeiro evento público após aquele desastre de
matéria.
— Eu iria, de qualquer modo, ainda que não fosse pelo
escândalo. Bouvier luta por uma causa justa, além do mais, gosto
de arte, como bem sabe. O estilo de Rusoff não é para mim, ainda
assim, irei adquirir uma de suas obras e fazer uma boa doação.
Bouvier é um médico e ativista, vem de uma família de
médicos, de grande importância dentro da aristocracia inglesa,
detendo muitos hospitais no Reino Unido, sendo uma referência
dentro do campo da medicina. Bouvier foi voluntário em uma missão
na África e abraçou a causa, assim como sua família. Eventos como
este são anuais e faço questão de estar presente, levando o legado
de minha mãe adiante.
— Logan, talvez seria interessante ir acompanhado. —
Levanto o olhar, o encarando, e não nego minha surpresa. — Não
me leve a mal, essa questão, a de aparecer publicamente
acompanhado com alguma mulher, foi levantada dias atrás, pela
equipe de assessoria pessoal, não por mim. Talvez a jovem que
levou ao teatro outro dia, o que acha?
— Está abusando da sorte, Darcy. — Me levanto, abotoando o
paletó, mas o miserável continua a falar:
— Não estou, estou sendo racional. As investigações estão a
pleno vapor, Hopkins, não acharam nada mais, não há nenhum
outro suspeito. Mas os corpos estavam na antiga mansão, se não
acharem nada, os olhos deles podem voltar para você, sem falar
que agora acharam outro corpo.
— Ao qual não tenho ligação alguma.
— Ainda assim, passará mais confiança ao ter uma
companhia, deixar que acreditem que está em um romance, com
uma moça de boa família, boa índole. — Isso sim me arranca um
sorriso sarcástico. Arabella não é nem de longe a jovem certa,
dentro do que ele diz, pois não vem de uma família aristocrata,
apesar de respeitável. — Encontre uma dama que amoleça esse
coração, alguém para que especulem que o solteiro mais cobiçado
de Londres foi fisgado. Nossa sociedade ainda é arcaica, Hopkins,
uma jovem dama ao seu lado o ajudaria a passar mais confiança
aos olhos de outros.
— Não está insinuando que…
— Hopkins, até pouco tempo atrás, você conseguiu se manter
distante dos holofotes, nunca se meteu em nenhum escândalo, mas
agora a história é outra e a opinião pública importa. Deveria refletir
sobre isso.
Vejo-o se levantar, pegando a pasta sobre sua mesa e sair.
Não quero assumir que tenha razão, mas isso não muda o fato de
que possa ter. Construir um império tem seu preço, no fim das
contas.
Deixo a sala de reuniões e volto ao meu escritório,
encontrando o celular sobre a mesa. Pego-o, indo até a janela,
olhando a cidade ao longe. Estamos no centro de Mayfair, sobre a
antiga construção Hopkins, a qual meu pai fundou com tanto zelo.
Volto a me perguntar qual seria sua opinião sobre mim se estivesse
vivo, se pudesse me ver hoje. Solto o ar, olhando os prédios antigos
espalhados pela cidade, os sonhos por vezes têm me deixado preso
ao passado, ao que perdi, quem perdi.
Enfio as mãos no bolso, sentindo, de repente, uma queimação
no estômago ao pensar em Arabella, imaginar como ficaria perfeita
em um maldito vestido de baile. Volto a ouvir o grasnado de Darcy
em minha mente e olho a tela do celular, buscando o nome de
Arabella entre os contatos, sei que a essa hora está trabalhando, de
volta àquele pardieiro, que, ainda assim, a deixou incrivelmente feliz
ontem, quando me ligou para contar uma novidade, como enfatizou.
Acabo negando o pensamento e enfio o aparelho no bolso,
começando a abraçar a ideia ridícula que ocupa meus
pensamentos.
 
 

 
O lugar já me é conhecido e por isso não tive problemas ao
passar pela recepção sem ser anunciado. Após trocar poucas
palavras com uma jovem simpática atrás do balcão da recepção no
segundo andar, ao qual Arabella voltou a trabalhar, sigo o corredor
que ela indicou, sentindo olhos atentos a me observarem. Como são
previsíveis. Não perco tempo à procura de quem possa ser, sabia
desde o maldito momento que saí da empresa que chamaria
atenção ao procurá-la aqui. Contudo, tenho andado um tanto
displicente nesta questão quando diz respeito à Arabella, do
contrário não estaria aqui, prestes a lhe fazer um convite ao qual
possa me arrepender depois.
Paro em frente à sua porta, tem seu nome escrito no vidro
esfumado, que não me dá a visão da menina dentro dela. Não bato,
empurro-a, pegando Arabella de surpresa ao levantar os olhos da
tela do computador e me encarar. Passo pelo batente, fechando a
porta atrás de mim, sentindo eletricidade se espalhar por baixo de
minha pele ao vê-la, notando que Arabella demora um pouco para
reagir.
— Logan, o que… o que faz aqui? Meu Deus… — Ela se
levanta, sua voz saindo mais fina que o normal, sussurrada,
enquanto dá a volta na mesa.
Antes de responder qualquer pergunta, passeio o olhar por seu
corpo, achando peculiar a escolha de hoje, uma calça de alfaiataria
verde, com uma blusa amarelo-limão de alças finas. E, de alguma
forma, ela consegue fazer com que cores gritantes lhe caiam bem e
até combinem, mesmo com a porra de uma sapatilha vermelha.
— Como vai você também, Arabella? É bom te ver — ironizo
seus modos um tanto rudes, pois ela sempre vem com uma
pergunta e nunca um cumprimento como manda a boa etiqueta e a
menina sorri, nervosa, dando um passo atrás quando dou um passo
em sua direção.
— Alguém te viu entrar aqui?
— Além da recepcionista?
— Meu Deus, Logan… — é uma reprimenda, uma que ela não
leva muito a sério a julgar por sua expressão.
Corto a distância entre nós, segurando firme sua cintura, para
que pare de fugir de mim ou acabará caindo da janela ao fundo da
sala. O cheiro suave de bergamota, cítrico, me alcança, junto ao
bálsamo que vem do seu cabelo, algo doce, inebriante, como ela. E
dou-me conta que mal tem dois dias que a vi e já sinto sua falta, em
principal do maldito perfume de frutas. Ela me encara, olhos
brilhantes dançantes e parece estar feliz. Roço meus lábios nos
seus, vendo-a fechar os olhos, sem nenhuma resistência,
escapando suas mãos por minha nuca.
Não a beijo imediatamente, aproveito para vasculhar os
detalhes de seu rosto, as bochechas redondas e rosadas, os olhos
com cílios grandes, com algo que os deixam mais pretos do que
realmente são, na boca tem um batom rosa-escuro, que deixa seus
lábios mais cheios. A cobertura que usa no rosto não é capaz de
esconder suas sardas completamente, linda. Minha demora a faz
voltar a abrir os olhos, esferas verdes límpidas, me encarando,
curiosos.
— Por que veio? — Uma pergunta pertinente essa.
Desço o olhar por seu pescoço, vendo a jugular pulsando e
aproximo meu nariz do lugar, inspirando o cheiro real de sua pele,
algo que me lembra conforto e abocanho sua carne, sentindo-a
pulsar mais rápido sobre minha língua, sugando apenas o suficiente
para não lhe deixar nenhuma marca aparente.
— Tenho um convite para fazer. — Me afasto e inclino a
cabeça para o lado ao vê-la arfar, surpresa, lábios entreabertos,
olhos semicerrados, a presa perfeita.
Ontem a ideia parecia ridícula, mas hoje…
— Um convite?
— Sim. — Olho os seios apertados pela lingerie que veste, a
blusa de seda, delicada, é folgada no busto e me dá uma visão linda
da peça de cor rosa-claro. Enfio o dedo na gola de sua blusa,
rastejando-o até a alça fininha e a deslizando por seu ombro.
Arabella ofega. — Um convite para esta noite.
— Esta noite? — pergunta em um sussurro. A menina
observa-me enfiar o dedo dentro da renda da lingerie e puxá-la para
baixo, expondo um de seus seios. Arrasto meu nariz por seu
pescoço, mordiscando a pele, alcançando enfim o biquinho duro que
pede para ser mordido.
— Como eu disse, esta noite. — A encaro, circulando a língua
no mamilo, levemente, ouvindo-a gemer, ainda que seu corpo esteja
alerta por estarmos em seu trabalho. Abocanho o mamilo,
mamando-o com precisão. Ela cede e eu poderia fodê-la aqui
mesmo, agora, se eu quisesse. Meu pau pede por isso, mas lambo
o mamilo, voltando a fazer o caminho reverso, encostando os lábios
em sua orelha. — Tenho um evento beneficente para ir, quero que
venha comigo. — Mordo sua orelha, chupando a pontinha.
— Um evento? — repete o que digo, aérea, sua voz não passa
de um sussurro mal contido.
— Isso, o Bouvier. Pode ser bom para você, pode fazer uma
boa matéria para o site — incentivo e ela se afasta ao me ouvir,
arregalando os olhos.
— Sério? Dizem ser um evento lindo, sempre inovador. Eu…
— Arabella parece acordar, os olhos arregalados e atentos ao que
digo.
— E é, é um dos poucos eventos aos quais realmente gosto de
ir. Tem sempre algo envolto à arte e à música, este ano, por
exemplo, contaremos com uma bela exposição.
— Uau. — Ela parece sonhadora, observando-me colocar sua
roupa no lugar. — E veio aqui apenas me fazer este convite?
— E parabenizar pelo emprego. Vejo que conseguiu uma boa
sala, apesar de um pouco pequena, não? — Olho ao redor, o
espaço é mesmo mínimo. 
— É perfeita, Logan. Ainda irei decorar e deixá-la com a minha
cara.
— Ficará linda então, e colorida, suponho. — Ela sorri, aquele
maldito sorriso que traz o sol à superfície. — Antes que me
esqueça, tenho algo para você. — Pego o estojo guardado dentro
do paletó, sob o seu olhar atento, e entrego a ela. — Espero que
seja do seu gosto. — Dou um passo atrás, apenas para observá-la
melhor.
Arabella encara a caixa retangular em suas mãos, em uma
mistura de choque e apreensão, analisando o tecido preto,
aveludado, me olhando curiosa, até criar coragem para abrir o
estojo. Vejo seus olhos se arregalarem aos poucos ao ver o
conteúdo.
— Notei que apesar das roupas de cor vibrante, você usa
poucos acessórios e, os que usa, são pequenos e delicados. Tentei
algo nessa linha e espero ser do seu agrado. — A menina me
encara e parece em choque. Hoje, por exemplo, ela usa apenas
brincos pequenos, com uma pérola a enfeitá-los, e um pequeno anel
no dedo médio.
— Pelos céus, são lindos. Mas… o que é isso aqui?
Aproximo-me, vendo a peça de tamanho médio a que se
refere. O conjunto ao qual escolhi é formado por um conjunto de
brincos, um colar, além de um delicado bracelete. Mas o arremate
final é um plug anal com uma joia na ponta, que acompanha as
peças, todas em rubi e ouro branco.
— Esse aqui é imprescindível que use, quero olhar para ele
enquanto a fodo de quatro sob meu domínio. — Noto a surpresa em
suas feições ao me ouvir e entender para que serve o objeto,
começando a sorrir de forma nervosa, sua face se tornando
carmesim.
— Você é louco, só pode ser.
Colo seu peito ao meu e levanto seu queixo, alcançando seus
lábios, sentindo sua maciez e sabor.
— A quero usando todo o conjunto, Arabella, não se esqueça
disso. Mas caso não goste de rubis, podemos trocar, ainda dá
tempo.
—Rubis? — E agora é ela que se afasta, olhando o estojo
aberto em sua mão.
— Sim, rubis, gosto da cor, em particular.
— Eu não posso aceitar, Logan, são… são rubis! — constata o
óbvio, chocada e a encaro, deixando claro o que penso a respeito
de sua negativa ridícula.
— Não me ofenda, Arabella. Esperava que fossem o quê,
vidro? — Não dou tempo para que responda. — Irei pegá-la mais
cedo esta noite, às dezenove, use-as. E esse — insinuo, tocando
peça que a deixou vermelha — é imprescindível que o esteja
usando. — Ela arfa, voltando a olhar as peças, abrindo a boca e
fechando, pegando o bracelete e olhando as pontas que se unem
em um formato perfeito.
— Isso é um L? Está me dando uma joia com a inicial do seu
nome?
— Talvez… — Ela sorri, sarcástica, levantando a peça na
altura dos seus olhos.
— Não acha melhor colocar-me uma coleira para me marcar
como sua?
— Não me dê ideias, Arabella. — Roço seus lábios, antes de
dar meia-volta e vou em direção à porta, deixando-a como uma
estátua em meio à sua sala, ainda com os olhos presos no bracelete
delicado.
Darcy conseguirá o que quer. A empresa também, e eu… bom,
irei foder Arabella pelo resto da noite para suprir tal inconveniente.
Terá que valer a pena.
 
 
Eu estou disposta a proteger meu coração, mantê-lo a salvo de
Logan, ou ao menos estava, pois tudo mudou quando ele entrou por
aquela porta, me parabenizando, me dando um conjunto lindo e
delicado de joias, me convidando para acompanhá-lo ao evento
Bouvier e eu nem pude reagir. Com isso, percebi que está na hora
de parar de me enganar, porque, por mais que eu tente negar, não
tenho para onde fugir, eu me apaixonei e algo aqui dentro parece
diferente, ao menos para mim, pois, depois de hoje, começo a sentir
uma esperança ridícula tomar conta do meu peito, esperança de
que eu possa esperar reciprocidade com relação ao que estou
sentindo.
Toco a pedra redonda em meu colar, pequena e linda, e olho-
me no espelho do meu quarto, sobre a penteadeira vermelha. Os
brincos são pequenos, delicados, como tanto amo, e o bracelete é o
arremate final, com a droga de um L nas duas pontas, que se
complementam ao ter uma pedrinha pequena na perninha do L.
Sorrio, tocando-o, possessivo do caramba. Aliso o tecido do vestido
que recebi neste fim de tarde, ao voltar para casa, mais um presente
do todo poderoso. Como o outro, este também é de grife, de cor
verde-musgo, em seda. A peça tem um caimento perfeito e
elegante, de uma leveza invejável.
Não é justo ao corpo, mas não é largo, de modo algum, tenho
a sensação de que flutuo dentro dele. Olho para o estojo, vendo-o
aberto sobre a penteadeira, a pedrinha do plug anal brilha contra a
luz. Sorrio ao imaginar introduzindo isso em mim, para em seguida,
ir a um evento como esse. Ele estava brincando, tenho certeza.
Pego o pequeno objeto, o mesmo que me levou a perder um bom
tempo na internet lendo a forma correta de usá-lo, e o coloco na
bolsa, ao menos ele não pensará que perdi, caso pergunte, e
podemos usar após o evento.
Volto para o espelho, passando a mão no coque chique ao
qual escolhi fazer, está bem preso, ainda que aparente frouxo, a
franja coloquei com um bom caimento da lateral da têmpora direita,
prendendo a ponta atrás da orelha. A maquiagem fiz a escolha
curinga, após fazer a pele, arrematei com um batom vermelho,
delineador para marcar meus olhos e rímel, levando em
consideração o evento, cairá bem. Sinto um frio no estômago, sei
que irão nos ver e que amanhã falarão sobre isso, que estou
desenhando um alvo nas minhas costas e é uma pena que Olivia
não esteja aqui para me ajudar. Isso lá era dia para ir visitar seus
pais?
Respiro fundo e ouço três batidas fortes na porta de madeira e
chego a sorrir em antecipação. Pego a bolsa sobre a cama, que veio
junto do vestido, da mesma cor, e saio do quarto, indo direto para a
porta. Abro-a e ofego com a visão que tenho. O homem à minha
frente parece maior nesse momento, envolto em um terno completo,
um double-breasted, tudo em preto, menos, a gravata verde, no
mesmo tom do meu vestido, e começo a gostar dessa combinação,
não nego. Ele cairia bem no papel do 007.
Subo o olhar devagar por seu corpo e o encaro, alinhado,
barbeado e com o cabelo penteado para trás. A única coisa que
tenta macular seu rosto são as olheiras embaixo de seus olhos,
mais profundas. Ainda não o tinha visto com o rosto lisinho assim,
sempre o vi com a barba por fazer e percebo que Logan Hopkins cai
bem em qualquer papel, belíssimo.
É instintivo levar a mão ao seu rosto e talvez por não esperar o
gesto, ele segura meu pulso, chega a me assustar, relaxando ao se
dar conta do que eu faria. Um pequeno sorriso surge, algo linear,
talvez sequer eu perceberia se já não conhecesse algumas de suas
faces. O perfume amadeirado, com uma nota almiscarada me
alcança, misturada as nuances do seu charuto, me abraça de forma
confortável e deliciosa. Acaricio sua bochecha, passeando o polegar
até sua têmpora, sentindo sua pele, guardando a sensação de tocá-
lo tão livremente, voltando aos seus lábios ao desenhá-los. Ele
parece me examinar enquanto isso, preso a cada detalhe, como fiz
com ele. Chego à conclusão de que ele é pontual e gosto disso.
— Você está linda, Bella. — Meu coração parece dobrar de
tamanho e sorrio, vendo segurar meu pulso e levá-lo aos lábios,
mordendo um pedacinho de pele para, em seguida, beijar-me ali,
parece querer compensar a ardência que causou.
— Você também está perfeito, senhor Hopkins. Vamos?
— Por favor, e fico feliz que esteja pronta, no geral, dizem que
mulheres costumam se atrasar — fala com naturalidade e isso me
arranca um sorriso bobo enquanto fecho a porta.
— Não é o meu caso, odeio atrasos. — Ele confirma,
oferecendo-me o braço para que o acompanhe.
Logan não é mesmo dado ao comum, do contrário, me
cumprimentaria com um beijo, mas nunca é assim. Descanso minha
mão sobre a manga do seu paletó, seguindo pelo corredor,
descendo um lance de escadas com ele me amparando como um
perfeito cavalheiro. Sinto os saltos bambearem, meus passos são
incertos, e quando alcançamos a rua, John nos aguarda com a porta
do carro aberta.
— John — cumprimento e suas feições já parecem mais
afáveis ao me olhar.
— Senhorita Tomlinson.
Sorrio, não importa quantas vezes peça que me chame pelo
nome, ele não o faz, sempre extremamente respeitoso. Me coloco
no banco de trás do carro, vendo Logan fazer o mesmo, ajeitando
seu paletó para não amassar e me olhando de canto, procurando
minha mão e a colocando sobre sua perna. O gesto queima algo em
meu peito.
— Está nervosa, Bella?
— Um pouco, muitos olhos estarão sobre nós esta noite, não
é?
— Não se preocupe com isso, Arabella, estará comigo e tudo
ficará bem. — Ele parece alguém comum agora, ainda mais quando
traz seu polegar aos meus lábios, contornando-os sem realmente
tocá-los.
— É estranho isso, mas gostei bastante do convite, estou
nervosa, mas ansiosa. Sempre ouvi falar maravilhas deste evento,
dizem que todo o dinheiro arrecadado vai para o combate à fome e
à saúde na África e isso me deixou empolgada.
— É uma iniciativa excelente, Bella. Muitas vezes, estamos
presos à rotina, acomodados demais em nosso mundo, com a
abundância que nos rodeia e paramos de olhar para algo simples,
deixamos de olhar para quem necessita — Logan fala com certa
paixão, defendendo a causa com unhas e dentes. — A maioria dos
convidados que estarão presentes neste mesmo evento não dão a
mínima para isso, pouco se importam para onde irá o dinheiro. Por
isso admiro Bouvier.
— Isso o incomoda?
— Na verdade, não. Nada que venha da humanidade tem
qualquer efeito sobre mim, já vi muito, Bella, já conheci o céu, mas
também fui ao inferno. Pouco me importa essa gente, desde que o
dinheiro delas, e o meu, vá para uma causa justa. — Seus dedos
brincam com meu anelar, ele sequer percebe e sorrio, sentindo um
orgulho bobo se espalhar por meu corpo. — O artista deste ano não
me agrada tanto, mas você irá adorar o estilo de Rusoff. Ele é
apaixonado pela natureza, paisagens e coloca essa paixão nas
telas.
— Eu fiz meu dever de casa, pesquisei sobre ele e me
encantei pelo que vi. Cheguei a suspirar em algumas fotos. —
Logan aperta seus olhos em minha direção, parecendo ver através
de mim.
— Irei arrematar uma dessas obras hoje, deixarei que escolha
qual será. — Sorrio, achando-o uma piada, pois é ele o apreciador
de obras e nem tenho tempo de responder, ele volta a falar: —
Como foi o trabalho nos últimos dois dias?
Eu respiro fundo e a sensação de felicidade se espalha,
enchendo meu peito. Eu sonhei com esse trabalho, idealizei minha
trajetória e tê-lo de volta me deixou em êxtase. Em partes, porque
fui injustiçada.
— Foi maravilhoso, mas o melhor foi ver Richard pedir
desculpas. — Gargalho, repassando a cena em minha cabeça,
tentando entender por que Richard fez isso. Ainda parece irreal.
Sei que sou eficiente, nunca tive dúvidas disso, pois vinha me
esforçando ao máximo que podia para entregar a ele o que me
pedia. Gosto de pensar que sou competente o suficiente para que
tenha reconsiderado minha recontratação e isso aumenta a
sensação plena em meu peito.
— E foi satisfatório esse pedido? — pergunta, levantando uma
de suas sobrancelhas. Ele faz pouco isso e tento decifrar o que
gesto tem a me dizer.
— Claro, eu não seria tão egocêntrica ao ponto de negar, não
é? Tenho um emprego que tanto amo novamente e isso é mais que
suficiente.
— À procura de um grande furo, pelo visto. — Insinua e sua
mão é espalmada sobre a minha, a cobrindo por inteiro. Observo-a
por alguns instantes, os dedos grandes e bem-cuidados, com nós
grossos, uma palma macia, unhas limpas e cortadas em um formato
arredondado. E admirar seus dedos me faz lembrar de Olivia e seus
impropérios.
— Gostaria de voltar a noticiar sobre os corpos encontrados
em sua casa, não nego, e se não puder fazer isso no jornal, farei em
meu site. — Quero aproveitar a sorte que tenho em ter Olivia a
trabalhar no distrito, já que não posso mais contar com Andrei.
Logan se ajeita no banco, se virando meio de lado, enigmático,
seus dedos se entrelaçando aos meus.
— Gosta mesmo de jornalismo investigativo?
— Muito, além do mais, é um caso grande — falo o óbvio. —
Comecei com ele, fui notada por estar no lugar errado e na hora
certa, acho justo que continue a noticiar. Não acha?
Logan volta a olhar para frente e parece ponderar o que digo.
— Claro, e pensando por esse ângulo, está certa em querer
continuar a falar da Besta de Mayfair, isso trará audiência. — Ele
sorri ao dizer esse nome, um tanto sarcástico. — Ainda mais que a
mídia conseguiu um título chamativo para o caso.
— Devo dizer que foi a Olivia a escolher. Ela jogou a isca e a
coisa pegou e se espalhou pelo distrito. — Ele confirma, sério agora.
— Mas pode ser perigoso o que irá fazer, Arabella, além do
mais, estar envolvida comigo pode comprometer a matéria, já que
os crimes ocorreram na mansão.
— Ou me ajudar. Não me negaria livre acesso à antiga
mansão Hopkins, negaria? — peço, fingindo não ter ouvido a
questão: perigo, ao qual mencionou. Fico em expectativa, ele me
analisa e, por fim, parece se divertir com a hipótese.
— Não quando me olha assim. Se assemelha ao Picasso
quando quer me fazer companhia em meu quarto. — Gargalho alto,
tentando imaginar a cena e, por segundos, tenho a magnífica
sensação de algo normal, de ser apenas um homem e uma mulher
aqui, sem barreiras ou imposições.
— Ao menos, sei que deu certo.  — Uma euforia toma conta
do meu corpo, fazendo meu estômago revirar em ansiedade sob o
olhar analítico de Logan.
— Está confortável, Bella? — Seu olhar é divertido, sugestivo
até e estranho sua pergunta.
— Claro, por que não estaria?
Logan apenas sorri, um repuxar de lábios, que o deixa sexy
além da conta, muito além do que a minha pouca sanidade possa
suportar.
 

 
As belezas dos grandes salões londrinos são famosas até os
dias de hoje, não perdeu a aura aristocrática da época vitoriana e
até mesmo georgiana. O antigo é belo em sua essência, até mesmo
os grandes castelos como este, feito de pedras há quinhentos anos,
um patrimônio cultural, pois carrega uma história dentre essas
paredes, segredos que jamais serão revelados, de um tempo
longínquo que jamais voltará. Gosto da energia que lugares como
este emana, o cheiro e até mesmo imaginar sua história.
Observo a menina ao meu lado, alisando sua roupa após sair
do carro, belíssima em um vestido que escolhi para ela e que lhe
caiu com perfeição, deixando-a elegante em demasia.
Gosto de observar Arabella, seus trejeitos, as emoções que
deixa transparecer em seu rosto, em sua voz. Ela não esconde nada
que passa por sua cabeça, transparente, límpida como água
cristalina, algo puro e difícil de ser encontrado hoje em dia. Amparo
seu braço no meu, a conduzindo para dentro do castelo, um dos
mais belos salões do país. Sinto seus dedos tremerem sobre o
tecido do paletó e olho-a de esguelha e, apesar de parecer altiva,
Arabella está nervosa, sentindo-se acuada como uma garça
indefesa.
— Não fique nervosa. São apenas pessoas de nariz em pé,
que dão a si mesmo mais importância do que merecem, Bella, você
verá — gracejo e vejo-a sorrir timidamente.
Olho ao redor, notando que os convidados foram pontuais, o
estacionamento já está lotado. Em frente à grande e ornamentada
entrada, tem um arco crivado de flores, de todos os tamanhos e
cores. Embaixo dele está um jovem rapaz, vestindo um terno bem-
alinhado, com uma ata nas mãos. Pego o envelope dentro do paletó
e entrego a ele, que me olha com simpatia, seus olhos demonstram
um brilho de reconhecimento quando libera nossa entrada.
Voltamos a andar, ganhando espaço entre as poucas pessoas
que chegaram junto conosco. A cada passo, admiro a decoração,
notando que levaram a sério a alma de Rusoff, trazendo sua
identidade em cada detalhe, dentro e fora de suas telas. O hall de
entrada está tal qual uma floresta e claramente não agrada meus
olhos. Já Arabella parece encantada, admirando cada adorno, as
flores espalhadas pelo tapete vermelho, o lustre bem-posicionado e
gigantesco no teto, com… galhos verdes? Sim, folhas verdes que
me fazem lembrar do frescor da primavera. Talvez seja a estação
que irá explorar em suas obras este ano.
O ambiente interno se divide entre o clássico e a modernidade
da época, e disso eu gosto bastante. Passo a passo vamos em
direção ao salão, cada um perdido em uma visão diferente do que é
belo. Isso é algo que me encanta na arte, a diversidade e opiniões
diversas que ela pode causar. Paro em frente ao salão principal,
apenas para olhar Arabella, que respira fundo ao encarar as várias
pessoas presentes. A menina vacila, olhando-me.
— Não achei que já teria tantos convidados, pelos céus! —
confidencia, surpresa.
— E com certeza é a mais bela de todas as damas ali, serei
objeto de inveja, esteja certa disso. — O que não me agrada
nenhum pouco a ideia de cobiçarem o que é meu.
Vejo-a respirar fundo, tomando coragem, o rosto vermelho, e
chego a achar divertido seu sofrimento interior. Ao passar pelo
umbral, uma melodia amena nos recebe, as notas em um piano de
cauda parecem vibrar contra minha pele, permeando meus poros.
Chopin espalha sua eterna sabedoria, sua essência e beleza mais
íntima em Nocturne, uma de minhas favoritas. A melodia segue
baixa, rastejando pelo ar, em moléculas, e sendo capaz de alcançar
a mais perdida das almas. E é por estar tão absorto na melodia, que
quando os sussurros do salão cessam e o burburinho se cala, é que
sinto eletricidade se espalhar por minha epiderme. Algo incômodo e
fora da curva.
O corpo feminino ao meu lado se retesa, parece que está a
ponto de correr para longe. As pessoas têm os olhos nela e posso
ver as engrenagens funcionarem em suas malditas cabeças. Um
jovem se aproxima, com uma câmera nas mãos, deve estar
cobrindo o evento.
— Posso eternizar este momento, senhor? — pede de forma
educada e encaro a mulher ao meu lado, que morde o lábio.
— Claro. — Serpenteio minha mão pela cintura bem-marcada,
sentindo o fim do decote em suas costas, trazendo-a para mais
perto, sua mão espalmando meu peito. Ela se surpreende, olhando
para mim, e o flash explode, uma e outra vez, a segunda, olhamos
os dois para o rapaz.
— Obrigado, senhor, e faça uma ótima aquisição esta noite. —
Confirmo em resposta, voltando a andar, ouvindo vozes ganhar o
lugar novamente, aos poucos, e sei que passamos a ser o objeto da
conversa.
Arabella arrasta sua mão de volta para o meu antebraço,
tentando esconder seu nervosismo o máximo que consegue. Ela é
presa fácil em meio aos tubarões, percebo isso, e irão engoli-la,
caso eu não esteja por perto. Maldito seja Darcy e suas ideias.
— Venha, Bella, vamos apreciar com calma cada obra,
precisamos escolher uma favorita ao final da noite. — Ela sorri,
daquele maldito jeito, espantando, por segundos, o arrependimento
de tê-la aqui.
 

 
Passar por aquelas portas hoje foi assustador, tive a impressão
de ser uma ave rara ao adentrar o salão principal de braços dados
com Logan. Primeiro, houve um silêncio aterrador, algo incômodo e
fora do tom, meu estômago embrulhou no mesmo momento. Em
seguida, um burburinho crescente, e eu me senti queimar com cada
olhar, até mesmo os de admiração. Foi só quando olhei para Logan
e vi, pela primeira vez, o mar calmo em seus olhos é que pude sentir
meu corpo se acalmar, lentamente, deixando o medo de lado,
calando a voz que me pedia para correr para longe.
Logan tenta me deixar à vontade, mesmo com toda a sua aura
taciturna, parece que essa é sua arma para que ninguém indigno se
aproxime dele, e dá certo por um bom momento, mas não mais.
Sinto seu olhar sobre mim e o procuro, o encontrando a uma
distância pequena, conversando com dois homens. Ambos do alto
escalão na hierarquia política, sei disso, pois me apresentou a eles,
sem rótulos, apenas: essa é Arabella Tomlinson. Argh!
Vi rumores que o primeiro-ministro estará presente hoje e
estou de orelhas em pé esperando este momento. Volto a olhar uma
tela exposta à minha frente, um trabalho perfeito e magnífico. Na
tela, há uma mansão em estilo georgiano, mas ela está bem
distante na imagem, pois a casa é mínima comparada à beleza do
bosque retratado de forma delicada.
Penso estar no inverno, por sair fumaça das águas claras do
rio, formando uma pequena nuvem acima dele. Tem um tronco
próximo à margem e, por instantes, me imagino ali, sentada, ao
vislumbrar tanta beleza. Um caminho de cascalho se estende por
todo o entorno, criando uma aura perfeita, leve, em paz. Suspiro,
rendida, perdida dentro da pintura à minha frente, é como se eu
pudesse me teletransportar para lá.
Posso até mesmo sentir o vento gelado, o cheiro dos arbustos,
da terra. Pedras de todos os tamanhos estão na margem e seria
perfeito pegar algumas menorzinhas e fazê-las quicarem na água.
Acabo rindo ao imaginar algo assim, sentindo alguém se aproximar
de onde estou.
— É belo, não é? — um homem com pouco mais de trinta
anos, vestindo um cardigã de lã marrom e um cachecol vermelho,
fala e eu o encaro, sorrindo para o que diz.
— Sim, me remete a paz. Algo calmo e encantado — exponho
em voz alta as sensações que tenho ao admirar tal obra de arte.
Não posso dizer que o homem ao meu lado é bonito, os
cabelos loiros sobre a pele clara demais, não o favorece tanto, mas
é um homem charmoso, sem dúvida alguma.  Seus olhos são azuis,
claros e bonitos, o nariz um tanto grande, mas lhe cai bem. De
estatura, diria que é dez centímetros maior que eu.
— Encantado? — Ele parece divertido ao dizer isso. — Esse é
um adjetivo que nunca ouvi sobre minhas obras, mas agradeço. —
Sua voz é suave, baixa e delicada.
— Oh, então você é…
— Rusoff, este é August Rusoff. Como vai? — Logan parece
ter saído das sombras, sequer o tinha visto se aproximar, se
colocando ao meu lado.
— Hopkins, que prazer em vê-lo, meu caro. Alguma de minhas
obras o encantou, como encantou a jovem? — Seu tom é
sarcástico, de certo ele sabe que Logan tem predileção por um
estilo diferente do seu.
— Quando pintar o inferno, Rusoff, talvez me convença. —
Seu tom não abre margem para brincadeiras, mas o pintor sorri de
forma aberta.
Sinto sua mão se arrastar por minha cintura, apertando a carne
antes de espalmar minha coluna, se mantendo ali, sobre o decote
às minhas costas. Seu polegar brinca com a pele exposta, enviando
pequenas ondas elétricas por meu corpo.
— Talvez o convença a reconhecer o belo, senhorita…?
— Tomlinson. Arabella Tomlinson.
— Basta olhar para ela, Rusoff, e verá o quanto aprecio a
beleza. — Suas palavras fazem o homem me encarar, de fato
levando a sério o que Logan disse, noto os músculos do homem ao
meu lado tensionarem e posso jurar que ouvi seus dentes rangerem.
— Vamos, Bella?
— Claro. — Minha voz sai mais baixa do que eu gostaria e
limpo a garganta para voltar a falar: — Foi um prazer, senhor Rusoff.
Ganhou uma grande apreciadora do seu trabalho. — Ele se curva,
de forma teatral.
— Obrigado, senhorita. — Galanteador, ele me estende sua
mão para que a segure. Sinto seus lábios tocarem meu dorso, no
mesmo momento que sinto a pressão dos dedos de Logan contra
minha pele. Olho-o, seu rosto é feito de pedra ao encarar o homem
à nossa frente.
Retiro minha mão da sua, notando o quanto o gesto causou
impaciência no homem ao meu lado, que sequer o cumprimenta ao
nos distanciarmos. Sua mão permanece na base da minha coluna
ao passarmos pelas pessoas. Uma taça de champanhe nos é
oferecida. Logan nega e eu a aceito.
— O que foi aquilo? — pergunto de forma sussurrada ao
pararmos em frente à outra obra.
— Nada de mais. Cuido do que é meu, Arabella, já disse isso.
— Sua voz não nega o fato e ele sequer me olha ao falar.
— Então aquilo… era você marcando território? Estavam
vendo quem mijava mais longe? — Ele me encara, se virando e
estando de frente para mim.
— Não preciso marcar território, Bella, já marquei sua alma e
seu corpo, não preciso de nada além disso. — Sua segurança ao
falar é invejável e engulo em seco, trazendo a taça aos meus lábios.
— Não gosta de champanhe? — Vou em busca de um assunto
satélite, sentindo meu rosto esquentar, sorvendo mais um gole da
bebida que borbulha em minha boca, espalhando doçura por minha
língua.
— Se for em sua boca… — Quase engasgo com o líquido,
sorrindo nervosa em seguida, me voltando para a tela à nossa frente
ao tentar me recuperar. Não é justo que o infeliz me faça imaginar
coisas desse tipo em meio a tantas pessoas. — Não bebo em
eventos ou em algo parecido, o álcool tende a nublar a visão e gosto
de estar atento a tudo ao meu redor — explica e o acho ainda mais
interessante a cada vez que consigo arrancar dele uma mania, um
gosto particular.
Sua mão volta à minha coluna, dominadora, e confesso que
gosto de tê-lo me tocando a cada momento, me passa certa
segurança.
— Me diga, Bella, qual a sensação de ter uma joia atolada em
sua bunda? — fala sussurrado e arfo, o encarando e me dando
conta de que ele espera mesmo uma resposta. O infeliz não estava
brincando e eu engulo em seco.
— E-eu… não usei, digo, não estou usando. — Compreendo
agora o que quis dizer ao me perguntar mais cedo se eu estava
confortável, ainda no carro. Sorrio nervosa, vendo suas feições
ficarem mais duras, decepcionado talvez. — Eu achei que estava
brincando, Logan, não sei. A ideia parecia tão surreal e…
Suas sobrancelhas se juntam, seus lábios se comprimem em
linha reta e ele está ainda mais perto, parecendo se avolumar à
minha frente e dobrar de tamanho.
— Brincando? Eu tenho cara de alguém que brinca, Arabella?
— Sua voz é baixa, controlada, mas irritada.
Como se quisesse mostrar a ele que falo sério, abro a bolsa,
mostrando o plug ali dentro e seus olhos faíscam ao ver a peça em
minha bolsa.
— Eu trouxe para que… — Sua mão se fecha em meu
cotovelo, sem sequer ouvir o restante da minha frase, me guiando
para o outro extremo do salão, ao pegar a taça de minha mão,
dando a um garçom que passava por nós. — Para onde vamos?
— Fazer com que aprenda a cumprir minhas ordens.
— Você não pode estar falando sério, Logan. Estamos em
meio a um evento beneficente, cheio de pessoas, não pode fazer
isso. — Ele me encara, com aquele ar de dono do universo, como
quem torna a dizer: não sou um homem de brincadeiras.
Tem uma porta na lateral da parede, escondida pela decoração
e é por ela que passamos, entrando em um corredor à meia-luz,
voltando a sair em uma pequena sacada, que tem apenas a
claridade da lua. Observo que Logan adora me encurralar, pois não
demora para que minhas costas estejam contra a parede, seu corpo
me prensando na pedra gelada.
— Não pode esperar que eu deixe que enfie isso em mim,
aqui.
— Eu não faria isso se aprendesse a cumprir ordens, Arabella.
— Abro a boca para dizer que esse filho da mãe não manda em
mim, mas a intenção morre em meus lábios quando os dele cobrem
os meus de um jeito possessivo, intenso, como se com isso
pudesse roubar até mesmo meu ar, minha vida.
Seus dentes castigam meus lábios, os arranhando, exigindo
passagem, arrastando minha língua e a sugando. Gemo, sentindo
sua mão ganhar livre acesso por debaixo do meu vestido, dedos
arrastando brasa por minha perna até se amparar em meu sexo.
Logan rosna ao me encontrar sem calcinha, seu beijo se tornando
mais potente, inebriante, obsessivo.
— Sem calcinha de novo, infeliz? — Ofego em resposta
quando ele estala um tapa em minha boceta.
Seus dedos passeiam por minha boceta, meu baixo ventre vai
se contraindo à medida que dedilha os lábios pequenos, se
introduzindo em meu interior e Logan soca fundo, estou molhada e o
barulho de seus dedos batendo contra meu sexo passa a nos
circundar, enquanto ele introduz um e outro dedo e preciso me
segurar em sua nuca, prendendo um gemido alto, para não ceder,
ou pior, para não chamar atenção. Estou perdida quando ele estoca
mais rápido, me beija mais bruto, com a palma da mão a se esfregar
em meu clitóris, usando minha própria excitação como lubrificante.
Estou a ponto de gozar quando ele para, mordendo meu lábio ao
ponto de me deixar com o gosto metálico na boca e desta vez meu
gemido é de lamento, por ele se afastar.
Abro os olhos de forma lenta, engolindo seu gosto, excitada
além da conta à espera que me dê mais. Seus olhos são duas
pedras sem emoção alguma. Suas mãos seguram minha cintura,
me virando de costas para ele, me empurrando contra a parede e
pegando minha bolsa. Estou trôpega quando espalmo as mãos na
parede gelada, sentindo o tecido do vestido ser levantado, se
embolando em minha cintura. Sua mão volta à minha boceta,
alisando meu clitóris.
— Logan… — sussurro, perdida de desejo e sinto seus lábios
contra minha orelha.
— Não irá gozar, Bella, esse será o seu castigo por me
desobedecer dessa forma. Deve aprender que eu não brinco, não
me engano, não abro espaço para achismos.
Um gemido lânguido é minha resposta, incapaz de formular
qualquer coisa com ele a me masturbar dessa forma. Meu corpo se
contrai ao sentir o objeto frio se introduzir em minha boceta, arfo,
sentindo-o lambuzar o plug com minha excitação.
— Vai tomar a joia em sua bunda, Arabella, e só se livrará
quando eu comer essa boceta, quando ver minha porra escorrer por
sua bunda, se espalhando e te marcando como minha mais uma
vez.
— Eu não sou sua propriedade — sussurro, sentindo um tapa
seco bater contra minha bunda, o objeto agora mais quente,
afundado em minha boceta.
— Você é minha, Arabella, e não ouse duvidar disso, ou irei
provar meu ponto aqui e agora. — Engulo em seco, sentindo-o levar
a joia ao meu ânus, introduzindo-a pouco a pouco. Gemo, me
acostumando com o objeto à medida que Logan o introduz. O perigo
de ser pega aqui, deixando tudo ainda mais excitante. — Acostume-
se, vo-cê é mi-nha — ele canta cada sílaba, as separando, e ofego,
sua mão volta a me masturbar, seus dedos a castigarem meu
clitóris, me fazendo gemer alto, aquela força sobre-humana de puro
prazer se juntando em meu baixo ventre. Mas Logan para antes que
ela exploda, me virando para ele de forma brusca. — Quando quiser
gozar futuramente, Arabella, lembre-se que para isso, deve
obedecer. — Engulo em seco, como uma estátua, suprimindo a
vontade de negar que tenho um dono, prendendo-me à sua
promessa. Me vendendo por prazer. Que vergonha de mim. Sua
mão vem para o meu queixo, segurando-o. — Boa menina. — Tudo
parece surreal. — Agora venha, Bella, vamos aproveitar o restante
da noite.
A naturalidade que ele esbanja ao se afastar é enervante, me
oferecendo seu braço. Em silêncio, com as bochechas e a pele em
chamas, o aceito, queimando de desejo, minha boceta latejando à
espera de mais. O homem me encara e aquele ar reprovador sumiu,
agora há apenas presunção e ironia e é estranho a facilidade com
que muda de humor, e juntos voltamos a descer as escadas, faço
uma caretinha, me acostumando com o objeto a cada passo que
dou, fazendo-o sorrir.
— Você é um demônio, Logan.
— Desde que seja para assombrar seus desejos e que me
obedeça, Arabella, saiba que serei o que quiser.
Engulo com certa dificuldade, sentindo as pernas um tanto
fracas quando alcançamos o salão, absorvendo a seriedade com
que diz isso. Olho as pessoas à medida que passamos por elas e
sinto meu rosto esquentar ainda mais, sei que é uma bobagem, mas
é como se elas soubessem o que acabou de acontecer ali em cima.
Um senhor se aproxima, nos interceptando e faz Logan parar de
andar abruptamente ao vê-lo. O homem não é muito velho, apenas
o suficiente para já ser avô. E acho que a bebida começa a me
afetar, me sinto um tanto torpe, não sei bem se pela bebida ou pelo
que acabou de acontecer.
— Hopkins… que prazer te encontrar aqui — o homem fala
com Logan, mas tem os olhos em mim e me causa desconforto
imediato. — Quem é a bela dama?
Posso ouvi-lo soltar o ar ao encarar a figura sofisticada à
nossa frente, e minha atenção se volta para Logan, seus olhos
estão mais escuros e vazios, seu maxilar está tenso e posso
constatar claramente que ele não gosta desse senhor.
— Esta é Arabella Tomlinson, Collen. Como vai? — Sua falsa
gentileza pode ser sentida a quilômetros.
E após uma investigação minuciosa sobre minha figura, o
homem volta a encará-lo, transparecendo desdém e me lembro de
vê-lo em uma revista, e sei que estou frente a um grande
empresário, o principal concorrente das empresas Hopkins.
— Estava bem até essa manhã, quando fiquei sabendo que
tentou atravessar meu caminho, garoto — ele fala como se
estivesse brincando, mas seus olhos e a postura do homem ao meu
lado dizem o contrário. — É um prazer, senhorita. — Sua atenção
volta a se dirigir a mim. — Não me é estranha, senhorita, conheço
sua família?
— Não poderia, senhor. Meu pai pouco vinha a Londres, a
menos que precisasse comprar tecidos para a nossa loja. Era um
alfaiate. — Isso faz o velho ranger os dentes e Logan me olha,
diversão brinca em seus olhos agora.
Collen me analisa e vejo o desdém com que constata minha
posição social. Levanto meu queixo, dando a ele o mesmo
tratamento.
— Vejo que o fruto não cai longe do pé, não é, Hopkins? — E
sei que o que diz é uma ofensa ao olhar para Logan.
— Não, de forma alguma. Veja o seu filho, por exemplo, daria
um belo bobo da corte, não? — A normalidade com que desfere as
palavras é assustadora.
Arregalo os olhos ao ouvi-lo, observando o senhor Collen
engolir em seco, afetado com o que ouviu, suas bochechas ficando
rubras e não entendo o que quis dizer com sua analogia da fruta,
mas entendo bem o que Logan quis dizer.
— Caso ainda estivesse vivo, o velho Percy estaria
decepcionado. — Isso me deixa ainda mais confusa, observando as
mãos de Logan fecharem-se em punho. — Bom, voltarei para a
minha dama. Foi um prazer. — Logan apenas acena em resposta e
busco seus olhos, sem emoção alguma. O homem ao meu lado está
tenso e se suas feições estivessem sido esculpidas em pedras
pareceriam mais sensíveis do que estão agora.
— Do que ele está falando?
— Nada, venha, já irá começar o leilão. — Aceito sua mão,
seguindo o senhor Collen com o olhar. Sua fala foi tão irônica que
me trouxe uma sensação estranha ao corpo.
Sigo com Logan, mas não volto a perguntar nada, farei em
outro momento. Sinto minha pele se arrepiar a cada passo que dou,
ao sentir a joia roçar minhas nádegas. E não nego, estou ansiosa
para o que está por vir.
 
 

 
— Não parece ter gostado muito do jantar, Arabella. O
cardápio não era do seu agrado?  — questiono assim que abro a
porta de entrada. A menina se volta para mim ao apoiar seu casaco
no pendure. Noto como enruga o nariz, talvez pensando em negar o
fato.
— Não era uma das minhas favoritas, sabe? Seres rastejantes
embrulham meu estômago.
— Ainda assim, tentou fingir que estava comendo — é uma
reprimenda, a teria levado para jantar em outro lugar caso não
tivesse tentado me enganar.
— Eu estou bem, nem estou com fome. — Ela se aproxima e
toco sua cintura, ciente de que tem a joia atolada em sua bunda, o
que deixa meu corpo em alerta.
Arabella tem os olhos travessos, chega a morder o lábio,
ciente do que irá acontecer. Busco sua mão, seu olhar preso ao
meu, e levo-a comigo para a cozinha. Com toda certeza não era o
que imaginava que faríamos.
— Achei que iríamos para o quarto. — Seu passo chega a ficar
pesado, olhando em direção às escadas.
— Iremos, mas antes de pensar em comer você, preciso que
esteja alimentada. — Olho-a, entrando na cozinha, vendo-a corar ao
tentar reprimir um sorriso. — Deve ter algo pronto que possa comer.
— Abro a geladeira e Arabella tem sua atenção em mim, em cada
movimento e chega a enrugar o nariz. — Algum problema?
— Você parece fora de contexto na sua própria cozinha. — Se
aproxima, passando ela mesma a olhar o que possa ter para comer.
— Deixe que procuro algo. Já está tarde e prefiro… — Ela procura
na geladeira e abre um sorriso ao pegar uma tigela. — Frutas e…
como pensei, chantili.
Arabella traz três tigelas para a bancada e deixo que
providencie o que comer como pediu. Sento-me no banco próximo,
ouvindo-a cantarolar uma canção qualquer enquanto coloca as
frutas na primeira caneca que encontra no armário. Acredito que
seja até mesmo de Adelaine, pois tem uma estampa estranha
desenhada. Em seguida, a menina completa as frutas com chantili e
noto que seus olhos se assemelham aos de uma criança em frente
ao seu doce favorito. É estranho isso, no meio ao qual estou
habituado não é comum pessoas transparentes como ela, dona de
uma alma tão limpa. Posso tê-la manchado apenas por tocá-la e,
sinceramente, não me importo com isso.
Observo, em silêncio, Arabella se sentar ao meu lado, levando
a colher à boca. A infeliz geme em resposta ao sabor, fechando os
olhos ao se entregar à sensação, tendo o cantinho dos lábios
melado com o chantili. Tiro o paletó, a gravata e abro o colete,
deixando-os organizados sobre a bancada e me volto para ela,
limpando o canto de sua boca, trazendo meu dedo sujo aos lábios,
chupando-o.
Vejo Arabella fixar os olhos no movimento e apertar as pernas
em resposta, é quase imperceptível. Meu corpo reage ao gesto e
movo-me no assento, controlando a necessidade de pegar a infeliz
e me enterrar em seu interior sem deixá-la comer.
— Não quer?
— Prefiro guardar meu apetite para você. — Ela anui,
colocando um morango na boca, em seguida mais chantili. Arabella
mastiga com calma, olhando a caneca à sua frente, parecendo
maquinar algo em sua mente.
— Sobre o senhor Collen, qual seu problema com ele, além da
rivalidade entre as empresas? — Estava mesmo queimando seus
neurônios, e parece bastante interessada, colocando mais frutas na
boca. Ela é esperta.
— Nenhum em especial. Quando comecei a ganhar
visibilidade, ele me encarou como alguém jovem e idiota demais
para crescer e aprender a nadar junto com os tubarões. Para o azar
dele, ganhei gosto em sempre alcançar a linha de chegada em
primeiro lugar.
— Se tornou um tubarão como ele… — concorda e eu nego.
— Não, me tornei um pescador. Prefiro sempre eliminar os
tubarões, Arabella. Não abro espaço para concorrência. Nunca me
igualo a qualquer outro. Foi assim que cheguei aonde estou. — Ela
sorri, os olhos brilham quase orgulhosos.
— Isso soaria arrogante se qualquer outra pessoa falasse, mas
em você, senhor Hopkins, me parece muito sexy. — Vejo-a lamber a
colher suja de chantili, quase terminando de comer. — E quem é o
velho Percy, ao qual ele se referiu?
Estreito os olhos em sua direção, incerto em falar sobre isso.
Os Percy não interessam em nada, ter seu sangue me parece mais
um castigo.
— Meu avô, um aristocrata de nariz em pé que nunca me
acrescentou em nada. — Minha voz sai sem qualquer entonação e
isso a surpreende.
— Mas… — Coloco um dedo sobre seus lábios, a impedindo
de falar e me levanto, sem intenção de dar mais tempo à Arabella.
Aproximo-me, abrindo suas pernas e me colocando entre elas.
O vestido ao qual veste tem uma fenda, que facilita o que quero,
mas não o suficiente. Seguro em ambos os lados da fenda,
rasgando a costura do vestido, ouvindo um gritinho de lamento
deixar seus lábios, expondo a boceta deliciosa e agora, depilada.
Lambo os lábios, encarando a infeliz que sorri debochada ao me
mostrar a boceta lisinha.
— Andou fazendo arte com o que é meu, Bella? — A menina
morde o lábio, alheia ao que o gesto me causa.
— Gostou? Fiz pra você…
Perco a paciência, segurando sua cintura e a colocando sobre
a mesa ao lado. Parece que a bebida a qual tomou no baile tem seu
efeito, deixou a menina mais desinibida e ela sorri ao segurar em
meus ombros, as bochechas coradas de desejo. Passo a mão por
seu pescoço, clavícula, descendo por sua barriga até alcançar seus
joelhos. Abro-os ao limite, com a outra mão seguro seu pescoço a
empurrando mais contra a mesa, apenas para ter a bela visão da
joia enfiada em seu rabo.
A boceta de Arabella está melada, excitada para que eu
termine o que comecei no baile, meu pau também a quer, duro,
pressionado pelo tecido da boxer. Sinto sua jugular pulsar e aperto
mais sua garganta, vendo-a entreabrir os lábios em busca de ar, seu
torso amparado por seus cotovelos. A imagem da menina é
excitante, é como beijar o pecado, querer se perder dentro dele,
mesmo que isso traga danos futuros.
Curvo-me, sem soltar sua garganta, enfiando o rosto em sua
boceta. Tenho fome por seu gosto, seu cheiro, como um maldito
viciado. A filha da puta geme, alto, perfeita, e passeio minha língua
por cada uma de suas dobras, sedento, apreciando seu sabor se
espalhar por meu paladar e seguro-me para não a levar ao limite
com o aperto em sua garganta.
Solto-a, puxando a alça do vestido, deixando à mostra um de
seus seios, encarando-a. Os lábios estão entreabertos, a pele do
seu pescoço está vermelha e ela fecha os olhos, jogando a cabeça
para trás, ao ponto de se entregar ao prazer quando volto a sugar
seu clitóris, com pressão, mamando sua boceta como se precisasse
disso para viver.
Paro antes que alcance o ápice, erguendo-me e noto a forma
como me olha raivosa, chegando a abrir a boca para protestar.
— Logan… — Puxo-a pelo quadril, para que tenha os pés no
chão, a virando de costas e volto a debruçar seu torso sobre a
mesa.
Seu rosto se mantém de lado, amparado no tampo de madeira,
as bochechas coradas, ofegante, olhando por sobre o ombro ao
tentar ver o que farei.  Puxo as mãos de Arabella para trás,
pegando-a de surpresa e amarrando seus pulsos com a gravata que
tirei há pouco.
— Logan, o que vai fazer? — Sua voz sai trêmula, alerta.
— Te foder com a força que merece.  — Noto a dúvida em seu
rosto, a indecisão e, por fim, um sorriso ansioso.
Olho o cuzinho apertado com a joia a enfeitá-lo e minha boca
saliva. Abaixo-me, passeando a língua ao redor do objeto, sentindo
Arabella se contorcer e gemer de desgosto quando volto a me
afastar. Vou até a gaveta do armário, abrindo-a, em busca do que
quero. Minha palma chega a coçar ao ver a colher de madeira,
intocada, de tamanho perfeito para o que preciso. Pego-a, voltando
para ela, e quando Arabella vê o utensílio em minha mão, seus
olhos se expandem.
— Vamos terminar o que começamos mais cedo, Bella —
peço, puxando o tecido delicado do vestido na parte de cima,
rasgando-o de vez e a deixando completamente nua.
Se tem uma visão dos deuses, é essa. A menina amarrada, à
minha mercê, com um rubi a brilhar em seu rabo.
— Essa colher… — Suas palavras morrem no ar.
— É importante que obedeça, Bella. Que faça o que eu peço,
sem se perguntar se estou brincando. Eu não brinco.
— Logan…
Aliso sua bunda, sentindo a pele macia sob o meu toque, para
em seguida estalar uma palmada na nádega direita, vendo-a pular
no lugar.
— Isso dói, Bella? — A menina umedece os lábios, testando
sua dor, tentando chegar a uma conclusão.
— Arde, mas é… bom.
— Dor e prazer andam lado a lado. — Volto a acariciar a outra
nádega. — É uma linha tênue, Bella, muito fina. — Estalo outro tapa
contra sua carne, vendo-a fechar os olhos. — Nos cabe andar em
linha reta e não pender para os lados. — Outro tapa. — Entende
isso?
— S-sim.
— Muito bom, Arabella. Hoje irá gozar quando eu disser que
pode. Seu corpo responderá apenas ao meu comando — é uma
ordem e vejo-a quase sorrir, talvez achando surreal meu pedido e
desta vez uso a colher de pau em sua bunda, com pouca força. Um
gemido é tudo que escuto.
Sua bunda fica vermelha em ambos os lados, tem as marcas
dos meus dedos e gosto do que vejo, de como se comporta.
— O que sentiu agora?
— E-eu… ansiedade pelo que vem a seguir e… — Bato de
novo com a colher e vejo-a apertar os olhos,
— E?
— Prazer, junto à ardência.
Agacho-me, deixando meu rosto na altura de sua boceta
lisinha. Ela fez um bom trabalho. Passeio o indicador na sua
entrada, uma gota translúcida se retém ali e me delicio ao vê-la abrir
mais as pernas, me incentivando. Lambo-a e arranco de Arabella
um murmúrio.
— Vai gozar quando eu mandar, Bella, ou será castigada. É
você quem decide, entende isso? Está com o poder, Arabella.
— Entendo… — Sua voz sai em um sussurro, ofegante.
Volto a chupá-la, segurando a joia, virando-a em seu interior,
ouvindo seus gemidos aumentarem, deliciosamente tentadores e
vejo como tenta controlar seu corpo, os dedos dos pés sendo
apertados dentro da sandália de salto, que deixa-a ainda mais
tentadora, as mãos tentando se soltar. Bato a colher em sua bunda,
fazendo-a pular.
— As mãos estão presas por um motivo, Arabella, e irão
continuar assim! — Um murmúrio de desgosto é tudo o que ouço,
segurando o monte de nervos durinho, trazendo combustão ao seu
corpo.
— Meu Deus.
— Não cometa blasfêmia, Bella, e não goze. — A menina é
inexperiente e pedir isso a ela é um convite ao erro. Vejo-a tentar,
incansavelmente, controlar seu corpo.
Arabella se dá por vencida ao primeiro espasmo, se
entregando ao prazer. Berrando alto meu nome, com a intensidade
do orgasmo que toma conta de seu corpo. Bebo sua excitação, meu
pau babando para se enterrar em sua carne, Arabella esfregando a
boceta em minha cara até não ter mais forças e passo a lamber toda
a sua boceta, sem pena de sua sensibilidade, até me dar por
satisfeito. Me levanto.
— Tchi, tchi, tchi. Quanta desobediência, Bella. — Ela sequer
abre os olhos, apenas os aperta, esperando o golpe que não vem,
não de imediato, até que abre os olhos. Bato em sua bunda
esquerda, vendo seus olhos se apertarem, ela morder a boca e volto
a bater, uma e outra vez. — Aprenda a obedecer, Bella. Aprecio a
submissão.
— Logan…
Viro a colher e deslizo-a em sua boceta, virando as costas do
utensílio e batendo de leve em sua carne melada e sensível. Ela
grita e repito o gesto. Deixando a colher de lado apenas para abrir
minha calça. Seguro meu pau pela base, pincelando sua boceta,
lambuzando-o. Passeio minha mão espalmada por sua coluna,
alcançando seu coque e soltando seu cabelo. Seguro-os, os
envolvendo em meu punho, enterrando a cabeça do meu pau em
sua boceta. Um gemido de apreciação ecoa pelo cômodo e a
penetro de uma só vez, com força, vendo-a fechar as mãos em
punho.
— Molhada e quente, como eu gosto.
É uma visão deliciosa ter Arabella dominada, entregue,
jogando conforme minhas regras. Curvo-me sobre o seu corpo,
dando tempo à sua boceta para me engolir e puxo seu cabelo,
levantando sua cabeça e a beijando, dividindo com ela o seu gosto.
Sugo sua língua, chupando-a, mordendo seu lábio para só então
soltá-la. O cuzinho apertado mastiga a joia a cada arremetida que
dou. Bruto, com força, indo fundo na boceta deliciosa. Seus gemidos
vão ficando mais altos, a filha da puta pedindo por mais.
Enfio dois dedos em sua boca, levando-os ao seu clitóris,
arremetendo mais depressa, espalmando outro tapa em sua bunda,
deixando-a mais vermelha com as marcas dos meus dedos.
Debruço-me sobre seu corpo, segurando sua pele entre os dentes e
a levando ao limite da dor, lambendo o lugar quando a solto.
Arabella é perfeita ao descobrir seu prazer, o que pode lhe dar
tesão, e seguro-a pelo pescoço, a levantando, colando suas costas
em meu peito. Nessa posição, sua boceta passa a estrangular meu
pau, minhas bolas doem, pulsam e sinto-a mastigar-me.
— Quer gozar de novo, menina?
— Por favor, me deixe… me deixe gozar… — Suas palavras
saem baixinhas, submissas, e beijo seus lábios, apertando seu
pescoço, a levando ao limite.
Ela precisa abrir a boca para buscar ar, me olhando, pedindo
que a solte. A coloco de frente para mim, voltando a sentá-la sobre
a mesa, enquanto seus olhos imploram para que deixe-a gozar.
Volto a envolver seu pescoço, ela engole em seco, sua jugular pulsa
mais rápido, os lábios buscam por ar.
— Goze, Bella… goze em meu pau! — Uma ordem, basta
apenas isso.
Sorrio, indo mais fundo, mais depressa e só afrouxo o aperto
quando alcança o ápice do prazer. Sua cabeça tombando para trás,
seu corpo tremendo a cada espasmo, sua boceta me sugando,
apertada e deliciosa. Vejo a sensação que isso lhe causa, como
parece ter alcançado o paraíso e me perco em seu interior,
segurando-a pela nuca, arremetendo mais e mais forte, com mais
pressa.
Esporro em seu interior, sentindo seus espasmos ao redor do
meu pau, me impelindo a deixar cada gota de porra em sua boceta,
minhas bolas pesadas e doloridas. Meu pau pulsa e busco a pele do
seu pescoço, mordendo-a, chupando em seguida. Ofegante, libero
sua pele e sinto sua cabeça tombar em meu peito. Aliso seu cabelo,
levantando seu rosto, gostando da expressão relaxada com que me
brinda. Seus olhos se abrem, travessos e saciados. Liberto suas
mãos e só então saio de sua boceta, apreciando minha porra
escorrer e ganhar caminho sobre a joia delicada.
Trago-a para mim, beijando seus lábios, ainda faminto, pois
sequer comecei com Arabella. Ela responde, suas mãos vindo para
minha nuca, apertando-me contra seu corpo.
— Vamos para cima, Bella — informo, abotoando a calça. —
Tenho mais para você. — Ela me olha, arregalando os olhos, para
em seguida sorrir quando a pego em meus braços.
A infeliz se aninha contra meu peito, fechando os olhos
enquanto vou em direção à sala principal. Meu desejo de posse
ganha forma, crescendo a cada maldito segundo e, porra, essa
menina ainda vai foder minha cabeça.
 

 
O piso frio faz os pelos do meu corpo se eriçarem, uma
corrente elétrica sendo enviada por minha coluna, fazendo com que
esfregue uma palma na outra, a fim de sentir o mínimo calor
possível. O vento gelado sopra em meus ouvidos, como um assovio
e aperto a camisa ao meu redor, tentando encontrar onde ele possa
ter se enfiado a essa hora da madrugada, e me arrependo de ter
saído da cama para procurá-lo.
Passa das quatro e, de novo, acordei sozinha. Saí pela casa e
não o encontrei, havia apenas silêncio em resposta à minha
procura. Até mesmo o vestido rasgado que pensei em pegar na
cozinha, já foi recolhido e é como se não tivéssemos passado pelo
lugar. Isso me trouxe vergonha por imaginar que pode ter sido uma
das funcionárias, mas pelo pouco que conheço de Logan, algo me
diz que foi ele.
Pensei que talvez estivesse na academia, mas o lugar também
está vazio. Lembro-me do ateliê e ao dar mais três passos pelo
gramado, vejo as luzes do lugar acesas. Aperto o passo, querendo
me proteger do frio congelante e me pergunto o que eu estava
pensando ao sair sem o sobretudo, se bem que não esperava o
encontrar aqui. Ele parece ter escolhido o terreno a dedo para
montar o espaço, pois fica na parte elevada, aos fundos da
propriedade, em meio ao jardim.
Com alguns jacintos a circundar o ateliê de madeira, rodeado
por vidros, que à noite não nos dá uma visão do que tem lá dentro.
Geralmente, acontece o contrário, o que me faz perder algum tempo
olhando a parte externa. Bato na porta e espero alguns segundos,
assoprando as mãos juntas, movendo as pernas para tentar reter
calor e não obtenho resposta alguma. Mais duas batidas, até que
ouço a chave girar na fechadura. A porta se abre, mas apenas uma
fresta, e Logan me olha pelo vão, de sobrancelhas erguidas, ainda
segurando a porta. Ele aperta os olhos de forma enigmática e, por
alguns instantes, me sinto uma intrusa, como se não devesse estar
aqui.
— Posso entrar? — pergunto e a demora em ter uma resposta
faz com que todo o frio que antes eu estava sentindo em minha
pele, vá para o meu estômago.
Segundos, passam-se segundos, em que cruzo os braços à
espera de uma resposta, enquanto Logan me analisa. Olho para
trás, por sobre o ombro, tendo uma vista perfeita da mansão,
voltando a olhá-lo, podendo ver o bosque ao fundo do ateliê e desta
vez não é o frio a me fazer querer voltar correndo para o quarto, é o
seu olhar, a imensidão azul completamente vazia e inalcançável a
sentimentos.
— Venha — fala, por fim, abrindo mais a porta e não sei mais
se é uma boa ideia. — Me surpreendeu, não imaginei que acordaria
a essa hora.
Passo por ele, sentindo a quentura do ambiente e quase
gemo. Um novo ambiente se abre à minha frente, esse tem a cara
dele, organizado, limpo e… confuso, com quadros demais
espalhados pelo cômodo. São muitas telas, algumas limpas, outras
apenas iniciadas e muitas completas.
— Não costumo acordar, mas você não estava na cama, decidi
te procurar. Não dorme uma noite inteira? — Vejo-o fechar a porta e
percebo que está sem camisa, apenas com uma calça moletom
preta, com gotículas de água descendo por sua coluna, os cabelos
estão molhados e busco o banheiro dentro do lugar, imaginando ser
a porta ao lado do lavatório, próximo a um armário com uma pia.
Paraliso meu olhar em Logan, mais especificamente na cicatriz
em suas costas. Parece ter sido feita a ferro quente, redonda,
formando algum tipo de símbolo. Engulo em seco e ele percebe o
meu olhar, se virando, puxando a camisa dobrada sobre a mesa e
vestindo-a. Busco na memória o que ele me falou sobre a cicatriz,
que foi uma queda durante uma brincadeira. E me atento que, até
os dias de hoje, Logan nunca me deixou ver de perto ou tocar sua
cicatriz, até mesmo no sexo, algumas vezes ele esteve vestido e
mesmo quando tomamos banho juntos, ele nunca me dá as costas
ao estar sem roupa.
— Não durmo acompanhado, Arabella — diz, arrumando a
camisa de algodão preta e a informação me pega desprevenida e
pisco, me obrigando a pensar em algo além da marca em suas
costas.
— Como não dorme?
— É o que está pensando. Não durmo.
Ele me deixa parada próximo à porta e, por mais aquecido que
isso aqui esteja, sinto um cubo de gelo se expandir em meu
estômago. Logan se senta próximo a uma mesa, no canto, pegando
uma pinça e se curvando sobre algo, um pequeno abajur está aceso
sobre o móvel. Olho ao redor, notando as telas expostas. Todas
disformes, com tons escuros sobressaltando aos olhos, algumas tão
confusas em vermelho e preto que me lembram… fábulas sobre o
inferno. Aperto os braços ao redor do meu corpo, me sentindo
incomodada, fora do lugar.
— E onde dormiu na última vez que estive aqui, ou quando
esteve em minha casa? — Me aproximo, vendo que ele tem nas
mãos uma espécie de cabo de madeira escura, pequeno e fino, e
que o observa com um tipo de binóculo de um olho só.
Ele deixa de lado o objeto e gira o banco, ficando de frente
para mim, sua mão se arrastando por minha barriga, segurando
minha cintura com firmeza e me levando para mais perto dele.
— Não dormi, Arabella. Tentei em algum ponto, cheguei a
cochilar até, depois apenas a observei dormir e, por fim, me
levantei. Hoje não foi diferente. — Engulo em seco, vendo as
olheiras ao redor de seus olhos ficarem cada dia mais profundas. —
Nunca dormi acompanhado, com uma única maldita exceção: você.
— E falar isso parece um castigo, como se abrir tal exceção fosse
demais para ele. — Não desgosto de sua companhia, não quero
que pense isso, porém não me sinto confortável o suficiente para
pegar no sono ao seu lado — explica, parecendo entender o que
sinto.
Passeio meus dedos na maçã do seu rosto, um carinho leve,
sentindo a barba começar a despontar e pinicar minha palma.
Percebo que gosto da sensação.
— Por que não me permite entrar? — pergunto, pois mesmo
que eu sinta que, em alguns momentos, Logan abre a porta para
mim, no instante seguinte dois novos portões se fecham à minha
frente.
— Não tenho espaço para isso, Arabella — fala, sincero e
direto como sempre é. Engulo em seco com a verdade em sua voz.
— Quem te machucou para te deixar assim? — A pergunta sai
com uma facilidade tão grande que até me assusta e sinto seus
dedos se cravarem em minha pele, seus olhos se escurecem ainda
mais, taciturno e distante.
— Há muito tempo, aprendi que sentimentos nublam a razão.
É como o álcool, eles deixam seus sentidos aquém. Você não pensa
com coerência. E me manter distante de qualquer coisa
minimamente parecida, foi apenas uma escolha, Arabella. Não
houve uma mulher que tenha me quebrado, porque nunca permiti
que isso acontecesse. Sou o único senhor de mim. — Há tanta
certeza em sua fala, que suas palavras chegam a amargar minha
boca.
— E por isso é tão solitário.
— A solitude para mim é um conforto. O que é para outros
tristeza, visto como algo ruim e até mesmo um castigo, nada mais é
para mim que algo familiar. — Ele me olha de uma forma
impassível, distante, é quase como se fosse um desconhecido.
— Todas as suas relações, sem exceção, foram um contrato?
— Todas, sem exceção.
— Logan, antes de mim… — paro, buscando as palavras, sem
ter certeza que devo entrar neste assunto — …você tinha alguém
e…
— Sim, Arabella, eu tinha. Alguém nos mesmos termos que
ofereci a você, o nome dela é Isla.
Meu corpo fica tenso, tanto que chega a doer, ciúme toma
conta de cada pequeno músculo, sem que eu consiga controlar.
Abro a boca, mas volto a fechá-la, sem saber o que dizer. Minha
mão cede, voltando a cair rente ao corpo, o medo de onde essa
conversa possa chegar preenchendo todo o meu peito, fazendo meu
coração retumbar em minha garganta.
— O que está passando pela sua cabeça, Bella? Posso ver as
engrenagens trabalhando. — Tenho medo de perguntar, pois Logan
é tão sincero com seus atos que, provavelmente, se ainda tiver algo
com essa mulher, ele falará e isso me quebrará.
—  E já acabou? — pergunto em um fio de voz, engolindo a
saliva que parece rasgar minha garganta ao descer.
— Sim, já acabou, no momento em que decidi que a teria,
antes mesmo de negar minha proposta. Não costumo dividir minha
atenção, Arabella. Quero você e por isso será só você. — Solto o ar,
percebendo que o estava prendendo, o alívio é tão grande que
transforma minhas pernas em gelatina. Mas apesar disso, não me
sinto totalmente satisfeita. Não é como se isso envolvesse romance
para ele ou nada do tipo. É apenas… desejo, puro, simples e
avassalador.
— Nunca se apaixonou nem mesmo quando era jovem? —
Logan me analisa, soltando o ar, parecendo enfadado com minhas
perguntas, impaciente.
— O que quer saber realmente, Arabella?
Se um dia pode me amar — minha mente berra isso aos
quatro ventos, mas apesar de abrir a boca para falar, nenhum som é
ouvido.
— Não é nada.
Logan me encara e é como se ele lesse meus pensamentos,
os mais íntimos. Chega a apertar os olhos, daquele jeito que parece
desnudar minha alma, ter por escrito cada um dos meus desejos
mais seguros.
— Platão acreditava que o amor não passava de uma doença
mental, um delírio. E eu concordo, não passa de uma ilusão,
inventada por uma mente carente. — Pisco repetidas vezes,
absorvendo o impacto do que acaba de me dizer, respondendo a
uma pergunta que sequer cheguei a fazer e olho um ponto atrás
dele, tentando não demonstrar a decepção que isso me causa.
— Sobre dormir, podemos tentar, não sei, com que se
acostume? — pergunto, mudando de assunto, voltando para algo
mais seguro, ainda que pareça surreal. Eu odiaria se tivesse que
dormir em quartos separados, a pura menção me causa até enjoo.
— Isso a incomoda tanto assim?
— Sim, muito. Traria o mínimo de tranquilidade saber que
quando dormimos juntos, você terá uma boa noite de sono. Do
contrário, talvez eu devesse passar a dormir em minha casa. — Ele
aperta os olhos e apoio minha mão em seu ombro, vendo-o virar o
rosto e morder um pedacinho do meu pulso, demorando um tempo
que me parece longo demais para me responder.
— Posso fazer uma concessão — diz, por fim, trazendo os
dedos longos ao primeiro botão da camisa, desabotoando-a,
seguindo para o segundo.
— Vai macular seu santuário, sério? — zombo, tentando
afastar os sentimentos que essa conversa me trouxe, algo bem
diferente do que eu tinha aqui dentro quando saí de casa mais cedo.
Logan termina de desabotoar a camisa, segurando em ambas as
abas, abrindo-a e olhando meu corpo nu.
O homem se levanta e, quando estou sem salto, ele fica bem
mais alto, em total vantagem, predador, letal. Sinto minhas pernas
esbarrarem em algo quando ele passa a andar comigo, me
impulsionando a ir para trás. Busco o móvel, é o divã à nossa
espera. Mordo o lábio ao pensar que posso inverter nossas
posições, usando meu corpo para ganhar espaço e fazer com que
Logan se sente no estofado, pegando-o de surpresa. Ele desaba no
assento, olhos divertidos a me fitar, mãos ansiosas a tocar minhas
coxas e me trazer dentre suas pernas.
— Ei, controle-se. — Me afasto, dois passos para trás,
empurrando seu tórax com o pé, fazendo-o apoiar-se no encosto. 
Logan passeia, de forma preguiçosa, seu olhar por meu pé,
subindo por minha perna, minha boceta que está à mostra para ele,
continuando por meu ventre até me encarar, esperando o meu
próximo passo. Levo as mãos à lapela da camisa, descendo-a por
meus braços, sentindo o tecido acariciar minha pele e cair no chão.
Um rosnado deixa os lábios de Logan e a mão se fecha em volta do
meu tornozelo, o apertando, virando o rosto ao morder o dorso,
olhos cravados em mim. Sinto a dor se espalhar por minha pele, sua
língua acariciar o local recém-machucado, quando me puxa para ele
sem que eu possa me afastar.
Espalmo minhas mãos abertas no encosto, deixando meu
rosto a centímetros do seu, suas mãos agarrando minhas pernas e
me dou conta de que gosto dessa posição. Sempre sou eu a estar
submissa aos seus comandos, por baixo de seu corpo, como sua
caça, e inverter isso me dá certa confiança, tesão, poder. Seus
olhos estão escuros, sombrios e, por um instante, incertos.
Logan segura minha cintura, tentando me puxar para ele, mas
desvio, me ajoelhando à sua frente. Seus olhos semicerram, fixos
em cada movimento, atento, parecendo desistir de puxar-me para si,
antevendo o que farei. Sorrio e serpenteio minhas mãos pelas coxas
firmes, coberta pelo moletom. Puxo o cós e observo seu membro,
que antes marcava o tecido sem nada por baixo, saltar ereto em
minha mão.
Lambo os lábios, ouvindo um rosnado baixo vibrar em sua
garganta e o encaro, olhos fixos em cada movimento meu,
assistindo quando levo meus lábios ao seu membro, circulando a
cabeça grossa com a ponta da língua, roubando a gota de tesão,
transparente, na fenda, para em seguida engoli-lo até a metade.
Seus lábios entreabrem, o ar escapa e sua mão agarra uma
mecha do meu cabelo em minha nuca, me deixando ciente do
quanto isso o agrada. Ver o tesão em suas feições mexe comigo,
fazendo meu ventre vibrar, minha boceta contraindo a cada vez que
subo e desço meus lábios por seu pau, sentindo as veias grossas
que o circundam. A ponta macia indo cada vez mais fundo, batendo
em minha garganta, buscando os meus limites, me lembrando das
coisas que me disse quando o chupei a primeira vez.
O aperto em meu cabelo aumenta e sua cabeça tomba para
trás, a boca entreaberta, os olhos fechados e eu só queria poder
emoldurar suas expressões, o momento. Tiro seu pau de minha
boca, segurando sua base, passeando a língua por toda sua
extensão, até mesmo suas bolas. Masturbo-o com uma mão, vendo-
o levantar o rosto e me encarar.
Sorrio antes de chupá-las, testando se cabem em minha boca.
Elas parecem mais pesadas, e salivo, notando as veias do braço de
Logan, que seguram meu cabelo, à mostra, como se ele estivesse
se segurando para não impor força. Sugo-o, sentindo a maciez,
brincando com uma de suas bolas como se fosse uma bala em
minha boca, enquanto o masturbo com uma mão. Sinto minha
boceta contrair, pingando de tesão e levo minha mão até ela, dando-
me o atrito que tanto preciso. Chego a gemer, engolindo uma e
depois outra, apertando mais o seu membro ao ir e vir.
— Vadia gostosa — rosna entredentes, sem ar, passeando a
palma de sua mão em meu rosto.
Logan morde o lábio e é a coisa mais sexy que já vi na vida,
para em seguida bater em meu rosto com as pontas dos dedos. Não
é forte, mas me pega de surpresa e me dou conta do quanto isso o
agrada, um sorriso sendo desenhado em seus lábios quando volta a
me bater. Subo a língua até seu pau, lubrificando, deixando-o bem
babado e voltando a suas bolas, lambendo, chupando e o
masturbando enquanto dou-me prazer na mesma medida.
Logan puxa meus cabelos, levando minha boca até seu
membro, colocando minha mão em suas bolas, movendo a mão
sobre a minha, me ensinando a como fazer enquanto soca com
mais força em minha boca. Seu pau vai fundo, batendo contra a
minha garganta, trazendo lágrimas aos meus olhos e isso serve
como combustível para mim. Gosto cada vez mais de engolir seu
membro, sentir seu gosto, seu cheiro, é inebriante e até me assusta
tal intensidade de sentimentos e sensações.
— Arabella… — é um aviso, simples e claro. Sorrio, indo mais
rápido, sugando-o, massageando suas bolas, arrancando dele
qualquer prazer e amando a forma como tenta se segurar. — Filha
da puta!
Lambo com precisão, fazendo um estalo quando o solto e
espalmo as mãos em suas pernas, me levantando, sentindo minha
boceta excitada. Observo que sua atenção vai para o alto de minhas
pernas, meladas. Logan puxa minha mão, separando meus dedos,
cheirando-os, para, em seguida, enfiar um por um em sua boca.
Engulo em seco ao montar em seu quadril, colocando um joelho de
cada lado e seguro seu pau em minha entrada, descendo aos
pouquinhos em seu comprimento. Fecho os olhos, jogo a cabeça
para trás e gemo alto, quando seu pau me invade, me alargando,
pedindo passagem ao causar certa ardência, não mais que prazer.
A sensação é doce, plena e me dá uma necessidade de poder
inebriante. É como se o meu corpo, o meu desejo, pertencessem
apenas a ele.
Abro os olhos, o encarando. O bracelete com sua letra em meu
pulso chama minha atenção e sorrio, externando o que sinto:
— Sua, eu sou sua. — E não tenho mais para onde fugir.
— Apenas minha, Bella, e de nenhum outro, nunca. — Sua voz
soa como uma melodia perfeita aos meus ouvidos, dando mais
importância do que deveria para a promessa de futuro no que diz.
Meu coração bate apressado em meu peito, sua boca suga
meu mamilo, mordendo-o, suas mãos sendo cravadas em minha
pele, marcando o local, me impulsionando a ir mais rápido, cavalgar
seu pau mais depressa. O barulho que minha boceta faz ao bater
contra sua virilha cria eco no ateliê e até isso parece erótico aos
meus ouvidos.
— Logan… — gemo, perdendo a noção do tempo e o espaço
ao meu redor. Sua mão esfrega meu clitóris sem nenhuma
delicadeza. — Logan! — berro, meu corpo arrepiado, ensandecido,
minhas pernas sentindo um formigamento que tem se tornando
costumeiro depois que o conheci.
— Isso, goza, menina — comanda e por mais que eu queira
prolongar esse momento, essas sensações, não consigo e me
entrego por completo ao prazer. Fecho os olhos, mas recebo em
resposta outro tapa em meu rosto.
— Olhe para mim, Bella — dá a ordem e obedeço como uma
boa cadela adestrada.
Sinto tudo ao meu redor, cada sensação, cada maldito átomo,
a mão grande se fechando em minha garganta e me custa um
esforço enorme manter os olhos abertos e ele parece adorar isso.
Meu prazer é estendido às sensações. Abro os lábios, o prazer
sendo diferente, mais intenso, possessivo, como se fosse me
consumir, me matar. Gemo, grito, chamo por ele e me entrego, não
aguentando mais, fechando os olhos e me jogando no precipício.
Não ouço nada além do prazer que faz meus ouvidos
zumbirem, minha boca secar e meu coração retumbar em meu
peito. Sinto sua mão espalmar em minhas costas, meu rosto
amparado em seu peito, enquanto meu corpo ainda sente os efeitos
do recente orgasmo, convulsionando, e é como se o prazer tivesse
durado além e foi… perfeito, pelos céus. Busco por ar enquanto me
aninho em seus braços, ouvindo seu coração bater tão
descompensado quanto o meu. E por mais que eu esteja ciente de
que este homem jamais se apaixonará, neste momento, me permito
sonhar e me entrego sem preocupações ou medo do futuro, lidarei
com as consequências disso quando a hora chegar.

Coloco um pedaço de melão em minha boca, limpando a gota


que escorre no canto. Logan está sentado ao lado, na cabeceira da
grande mesa posta para duas pessoas, tomando o costumeiro chá
de hortelã com torradas. Ontem, quando voltamos para o quarto,
tomamos banho e ao deitar Logan parecia sonolento. Eu não queria
dormir antes dele, mas o sono acabou me roubando.
Acordei e ele já estava arrumado, em um terno bem-alinhado,
me observando dormir, sentado na poltrona próximo à cama e
novamente eu sabia que ele não tinha dormido. Ainda era cedo e eu
apenas o observei por algum tempo antes de me levantar e me
acomodar em seu colo. Não perdemos muito tempo lá em cima,
porém, e mesmo que tenha dito que tirou um cochilo, eu não tenho
tanta certeza disso. A senhora Aniston volta à mesa de jantar,
trazendo um jornal em uma bandeja de prata, colocando-o ao lado
de Logan. Chega a ser engraçado o quanto as coisas ao seu redor
são formais.
— Obrigado.
— Senhor — anui de forma gentil, se retirando em seguida.
Observo-o se recostar na cadeira, abrir o jornal e correr os
olhos pela página, limpando a boca com o guardanapo que
descansava em sua perna. Tomo um gole do café, vendo-o levantar
a sobrancelha, esnobe e um tanto enfadado. Logan separa a página
em questão, me pegando de surpresa ao me entregá-la.
— A foto, ao menos, ficou boa — fala e pego a página de sua
mão, abrindo-a e me deparando com a matéria sensacionalista, que
deixa claro que o coração do milionário mais cobiçado de Londres
possivelmente foi fisgado.
E isso sim me arranca um sorriso satisfeito. Uma foto nossa
em tamanho colossal está estampada, e ele tem razão, é uma boa
foto. Sinto um frio na barriga, imaginando o que essa matéria pode
trazer à minha vida, em especial no trabalho. Sobre mim não é dito
muito, na verdade, estão ainda especulando minhas origens, o que
me deixa satisfeita, mesmo sabendo que não irá durar por muito
tempo.
— A matéria não fala muito sobre o evento, fala bem mais dos
ricaços presentes — reforço, ao ver o quanto ele parecia altivo na
foto, imponente e perfeito.
— As pessoas preferem uma boa fofoca, é o que chama
realmente atenção e isso vem dos primórdios do mundo e não vai
mudar. Agora, começarão a especular se estamos mesmo juntos e
se iremos subir ao altar. — Isso parece o incomodar, essa atenção
exacerbada e, em especial, a palavra altar.
— Não deveria ficar surpreso, afinal, é uma verdade
universalmente reconhecida que um homem solteiro e muito rico
precisa de uma esposa. — Sorrio ao recitar a frase, chamando sua
atenção. Logan parece paralisado após alguns segundos, me
encarando, uma sobrancelha erguida e me dou conta de que fui
longe demais ao supor a palavra esposa. — Não me leve a mal, eu
só…
— Jane Austen — fala, voltando a beber o seu chá,
displicente.
— Espere, você já leu! — E não é uma pergunta.
— Sim, algumas vezes. A primeira vez que o fiz foi para estar
mais perto de minha mãe e achei no seu livro favorito um modo de
fazer isso — explica de forma afetuosa, diferente de quando fala do
pai. — Mas acabei gostando demais da escrita da autora, de sua
crítica velada à sociedade da época, o sarcasmo, é de uma
inteligência notável — elogia e faz meu coração bater fora do
compasso.
— Isso é algo que nunca imaginei. — Claro, ele me deu o livro,
que chegou a ser de sua mãe, fez comparações entre mim e
Elizabeth, mas não achei que realmente tinha lido.
— Já faz muito tempo. Sentia saudade, essa foi e continua
sendo uma forma de me sentir próximo, ter um vínculo. — E meu
coração se entristece ao ouvi-lo.
— Leu outros livros de Austen?
— Todos. Cada um tem sua peculiaridade e beleza, mocinhas
decididas, à frente de sua época e fica fácil ver muito da
personalidade da própria autora em sua escrita. Pude, com isso,
entender bem por que era a autora favorita de minha mãe. — Tudo
é falado enquanto seus olhos estão presos ao jornal.
Engulo em seco. O único momento em que Logan demonstrou
carinho por algo foi ao falar da mãe. A primeira vez em La Traviata e
agora, os livros. E é confuso como seu corpo não demonstra o efeito
que isso traz aos seus olhos.
— Os romances de época têm um Q de magia, até os mais
irreais, são apaixonantes e os de Austen são surreais. — Suspiro e
ao me ouvir, seus olhos vêm para mim, seguidos de alguns
segundos de silêncio.
— É mesmo uma pessoa romântica, Bella…
— Sim, me considero uma pessoa romântica, como supôs uma
vez. Muito se deve à como fui criada, tudo o que me rodeou na
infância. Hoje vejo o quanto fui ridícula ao esperar um príncipe
encantado em minha adolescência. Ainda assim, é uma forma
bonita de encarar a vida.
— Ou decepcionante.
— Depende do ponto de vista.
Logan aperta os olhos e sinto um pequeno tremor se espalhar
por minha coluna, enquanto ele volta a folhear o jornal, indo para a
seção de notícias. Sei o que pensa a respeito do amor, sei também
que uma história de conto de fadas não se encaixa entre nós. A não
ser que seja A Bela e a Fera. Mordo a bochecha, tentando não
perguntar, mas acabo cedendo. 
— Logan, c-como… como sua mãe morreu?
Ele continua com a atenção no jornal, mudo. Inspiro e espero,
sei como foi. Em um assalto, mas não sei como tudo se deu. Na
internet não tem muitos detalhes e parece que Logan não está
disposto a fazer isso. Nem mesmo voltei a citar seu avô, pela forma
que se comportou ontem. O silêncio chega a ser ensurdecedor, me
deixando nervosa. Mordo a bochecha, me arrependendo da
pergunta.
Inabalável, Logan deixa o jornal de lado e se levanta, calmo,
olhando as horas no relógio em seu pulso.
— Vamos? Ainda é cedo, mas precisa passar em seu
apartamento e se trocar. — Ele estende a mão e eu a aceito,
entendendo que não irá responder a minha pergunta. Em dúvida se
realmente me ouviu. É claro que ele me ouviu. Me levanto. — Irei
pegá-la na redação no fim da tarde, arrume algumas roupas, como
havia pedido antes, passará o fim de semana comigo.
— Passarei, é?
— Sim, o fará.
Tudo é tão simples em seu mundo, tudo se resume a uma
ordem, apenas… e o que me surpreende é que isso já não me
incomoda em nada.
 

 
Coloco as mãos em meus bolsos, observando a chuva forte
que bate contra o vidro da janela. Naquela noite, em que perdi a
pequena Lilly, também chovia, uma tempestade torrencial, o que
deixou tudo ainda pior. Após isso, dias chuvosos eram difíceis para
mim, as tempestades costumavam fazer com que eu me
escondesse debaixo da cama. Com o tempo, me obriguei a superar
esse medo, me obriguei a olhar de frente para noites chuvosas e ver
que, no fim das contas, era apenas água e que ela não tinha o
poder de me jogar naquele lugar uma outra vez. Hoje, ela já não me
causa nada, pois tenho o controle de mim. Mas não posso lidar com
aquilo que não consigo controlar e, por isso, os pesadelos vêm
tornando a minha vida um inferno.
— Ainda não disse por que está aqui, Logan. — A voz macia,
paciente, soa às minhas costas. Não me movo, continuo onde
estou, olhando o céu nublado ao longe, a chuva a lavar as ruas. No
fim das contas, prefiro-o assim, escuro e sombrio, aprendo a
apreciar sua beleza.
— Todas as noites tenho estado no mesmo lugar de anos
atrás, Marshall — confidencio após deixar o ar entrar em meus
pulmões.
— Terá que ser mais claro, a que lugar se refere? — Sorrio,
podendo ver meu reflexo no vidro da janela e também o do
psiquiatra às minhas costas, sentando atrás de mim, me olhando
com interesse. O desgraçado adora um bichinho novo para seus
experimentos.
— Revisito o inferno, vezes a fio, e não consigo mais controlá-
lo.
— É sempre a mesma situação, Logan, sua mãe?
— Não, meu pai e Lilly também.
Volto-me para o senhor já de idade, agora com sessenta e
cinco anos, sentado em uma cadeira de rodas elétrica. Seu estilo
não mudou muito, uma camisa branca social, com gravata marrom e
sempre um cardigã sobre elas, não importa quão frio ou quão
quente esteja. As calças sociais sempre combinam com a gravata,
geralmente em tons terrosos. O tempo foi generoso com ele,
envelheceu bem.
A cadeira de rodas é necessária desde muito antes de o
conhecer, pois ficou paraplégico após um acidente de carro. Ele
continua quase o mesmo ao qual me lembrava, a não ser pelo
pouco peso que parece ter ganhado e se alojado em sua barriga e
mais algumas rugas, próximas aos olhos castanhos. Os cabelos
ralos, já grisalhos. As feições continuam iguais, remetem a paz e
conforto. Até mesmo o cheiro do escritório, de poeira, enxofre,
hortelã e naftalina são os mesmos de antes.
— Há quanto tempo está de volta ao inferno, Logan, como
você mesmo acaba de dizer?
— Há pouco mais de um mês, talvez dois. — Vejo-o anotar
algo no caderno de couro preto em suas mãos, e tenho vontade de
revirar os olhos.
— Como tem levado sua vida desde que nos vimos pela última
vez? — Nego, tentando me lembrar. A última vez que nos vimos foi
há quinze anos.
— Não mudou muito. Continuo com a empresa como o centro
da minha vida. Gosto dos mesmos hobbies, leitura, pintura, teatro e
continuo não tendo paciência com pessoas e suas idiotices. — Isso
o faz rir. — Nada de diferente, como pode ver.
— E o que mudou para você nesse último mês, desde que
recomeçaram os pesadelos? Sei que busca o controle sobre
qualquer situação de sua vida, Logan, foi como conseguiu sair
daquele lugar ao qual estava quando começamos.
— Já disse, nada mudou — volto a assegurar.
— Está irritado, Logan? — A forma de falar, isso sim me irrita.
Odeio condescendência. Não o respondo, voltando a olhar pela
janela, a chuva está mais fraca agora. — Sua fala tem sido
prejudicada? — pergunta e soa até irônico para o momento.
Respiro fundo uma e outra vez. Quando fui resgatado daquele
cativeiro onde perdi minha mãe e Lilly, eu estava em completo
choque, aquém do mundo. Por longos períodos, achei que estava
morto e que vivia no inferno, preso a um pesadelo vinte e quatro
horas do meu dia. Não ouvia ou falava, na verdade, às vezes ouvia,
mas fingia que não. Depois veio a morte de meu pai e, então todas
as mudanças aconteceram e eu acabei em um internato.
Foi lá que conheci Marshall, que me encarava como um rato
de laboratório. Nos víamos todos os malditos dias, eu o odiava,
talvez ainda odeie, mas não nego que em algum ponto seu
experimento me ajudou. Descobrimos que aquele era o meu cérebro
criando uma barreira de segurança por tudo o que eu tinha passado,
era meu escudo contra o mundo e as outras pessoas, para afastá-
las, por isso a falta da fala e, por vezes, a audição. Marshall
começou seu tratamento, o velho miserável vinha dia após dia
tentando entrar em minha cabeça e ele conseguiu, esse homem é o
único que foi capaz de vislumbrar o meu inferno particular.
— Não, em nada, e não, não estou irritado.
— Isso é bom, ainda é o senhor de si. — Olho-o por sobre o
ombro, ele sorri, voltando a escrever algo. — Suas funções
urinárias, elas…
— Pelo amor de Deus, Marshall, não — sequer deixo que
continue. — Não estou urinando na cama e não foi para isso que
vim aqui — esbravejo, me voltando para ele. O velho respira fundo,
me olhando por cima dos óculos de armação velha cor de cobre
com ar de soberba.
— Terminou, Logan? — pergunta com calma, se referindo ao
meu rompante. Ele os odiava. — Preciso entender se junto aos
pesadelos, mais alguns dos muitos problemas que teve no passado
voltaram. — Ele deixa de lado a caneta, tira os óculos, os colocando
sobre o caderno aberto e me encara. — E para isso preciso fazer
perguntas, algumas que não são confortáveis, sabe disso. Agora me
diga, continua com seu passatempo, Logan?  — Solto o ar ao ouvi-
lo, sim, eu sei.
— Sim, confesso que ultimamente com menos frequência do
que gostaria. Mas sim. — O velho me encara por tempo demais, me
deixando um tanto impaciente até que enfim volta a falar:
— É importante que continue. Rotina, se lembra? — Confirmo.
— Intercale, as tintas e pincéis o ajudaram também. — Segundos se
passam em que o silêncio toma o lugar de pouca iluminação, com
prateleiras de madeira marrom a tomar todas as paredes brancas,
repletas de livros, a maioria para estudo.
Há um quadro aqui também, na parede atrás de sua mesa, ao
fundo, a qual sei que ele usa muito pouco. O quadro eu mesmo
pintei e lhe dei de presente. Uma tela preta, com um pontinho
vermelho no centro. A pintura diz tanto e nada ao mesmo tempo. A
mesa tem a mesma cor das prateleiras, assim como os outros
móveis. Fora isso, o lugar conta com duas poltronas, uma de cada
lado de uma mesinha de apoio, e um divã ao lado, de costas para a
janela, todos em tons terrosos. Parece ser sua cor favorita. Ele
sempre posiciona sua cadeira de frente para o divã e tem uma
mesinha ao seu lado, onde deixa seu bule de chá, sua xícara e
caderno.  Sei que ele prefere que nos sentemos no divã, onde seus
clientes costumam relaxar e assim falar mais e mais, mas prefiro as
poltronas. No piso há um tapete com mandalas, de cores vermelha,
preta, creme e verde. Uma escolha peculiar, eu diria.
— Logan, sempre leio jornais, gosto da velha guarda, o bom e
velho papel — volta a falar.
— Não esperava algo diferente, Marshall, é um dinossauro, e
sei que está me enrolando, seja direto.
— A questão é que tenho grande consideração por você e, por
isso, sempre guardo com carinho notícias de sua vida. — Bufo,
premeditando o que virá a seguir. — Me diga, quem é a jovem que o
acompanhou ao evento dos Bouvier?
— Ninguém. Encare dessa forma — respondo rápido demais e
ele sorri.
— Ora, Logan, não me tome por tolo. Se nada mudou em sua
vida, quer dizer que mulheres só entram nela perante um acordo
bem amarrado e, neste caso, não a levaria a um lugar como aquele,
se ela fosse mesmo ninguém. Além do mais, vi outro dia, em uma
revista, que foram flagrados em um jantar, naquele restaurante que
tanto gosta. Como é mesmo o nome?
— Sketch, de Owen. — E ele tem razão, as notícias no dia
seguinte ao evento beneficente que ocorreu há quase quinze dias
foi só o começo. Chegamos a sair para jantar certa vez na última
semana, que é a ocasião que se refere e novamente fomos alvos de
especulações e dessa vez tinham tudo o que poderiam sobre ela,
origem humilde, jovem, jornalista e blá-blá-blá.
— Isso, garoto interessante, inclusive. Um dos poucos amigos
que você tinha, não é?
— Conhecido, apenas.
— Que seja, mas voltando à garota, uma bela jovem, deixe-me
dizer. Mas por que ela é diferente para você?
— Não é — admito, sentindo com isso um incômodo miserável
em meu peito. — Ela não aceitou o acordo que propus, sem
contratos e foi incisiva nisso. Ainda assim, eu a queria em minha
cama e para isso foi preciso algumas concessões — explico e o
velho sorri, desta vez mostrando os dentes pequenos.
— Ora, algo mudou então.
— Não, nada mudou.
— Sobre a garota, Logan, a colocou em um apartamento, à
sua disposição? Porque, até onde li, ela é jornalista, não é?
Inclusive, responsável por aquela infeliz notícia a seu respeito.
— Não, ela não aceitou o meu dinheiro. Continua a trabalhar e
morar em seu próprio apartamento, o que me tira do sério algumas
vezes, pois não quer ajuda financeira ou nada parecido. Sobre a
matéria, aquilo foi um equívoco.
— Só a matéria foi um equívoco… — Não é uma pergunta e
sei aonde quer chegar.
— Marshall, já o conheço o suficiente para não cair em jogos.
Não temos um envolvimento comum, um namoro ou nada do tipo.
Não tenho sentimento algum por ela, além de tesão, e deixei isso
bem claro para a garota.
— Ela é só mais uma então, entendi. Talvez ela seja apenas
uma interesseira, que conseguiu mais do que qualquer outra, já que
o tem sem um contrato e talvez esteja apenas esperando o
momento certo para dar o bote. — Sarcasmo pinga em sua
acusação e atinge o ponto que tanto quer.
Aperto as mãos, assim como faço com minha mandíbula a
ponto de ranger os dentes, sentindo-a doer. Meu peito queimando
quando dou dois passos à frente, encarando o velho desgraçado,
me arrependendo de vir até aqui. Meu peito queimando por tal
insinuação.
— Não ouse falar algo parecido de Arabella, Marshall, ou
esquecerei o respeito que tenho por você, velho.
— Arabella, que nome espetacular — elogia, me olhando de
seu pedestal imaginário, não tendo a mínima noção do perigo. —
Combina com ela, não acha, Logan?
— Velho doente. — Me afasto, expirando fundo, procurando o
controle que deve ter saído pela janela. Aliso o cabelo, sentindo-me,
de repente, enjaulado. 
— Se importa com ela, Logan. Isso é um fato, um fato
importante, inclusive, e aceite, ela é diferente. Pois, desde muito
tempo, não se importa com algo além da Hop Force e isso é bom.
— Quero a segurança da infeliz, se isso é se importar, então
sim. Quero-a bem, preciso satisfazer essa necessidade de tê-la
sempre quando quero e enquanto sentir essa obsessão, irei tê-la
por perto — explico e novamente ele sorri, colocando os óculos e
voltando a escrever na porra do caderno. Tenho vontade de arrancar
esse seu sorrisinho.
Demora alguns segundos para que volte a me olhar, por tempo
demais, e um ar enfadonho toma minhas feições. Vou até a poltrona
à sua frente e me sento, abrindo o terno e cruzando uma perna
sobre a outra, me negando a usar o seu divã esquisito.
— Como ela é, Logan? Me fale mais dela.
Estreito os olhos em sua direção, sem querer responder essa
maldita pergunta, mas sem precisar pensar muito, para então dizer:
— Ela é como o sol, Marshall. Brilha, independente do seu
entorno. Alegre, o que, por vezes, me irrita, confesso, e é radiante.
Ama cores, inclusive, em suas roupas, chega a doer os olhos e,
ainda assim, lhe cai bem até mesmo uma calça roxa e uma blusa
verde-limão. — Marshall faz uma careta e o rosto da menina vem à
minha mente, lindo e sorridente. — É calma, com uma fala macia e
cheiro de verão. Uma Sunshine incrivelmente inebriante.
— Diria que foi isso que lhe chamou atenção, o brilho dela? —
Certeiro.
— Talvez sim, acho que sim. É jovem demais e nunca imaginei
alguém como ela em minha vida. Mas, de algum modo, ela se
encaixou e pretendo levar isso adiante enquanto houver
necessidade.
— Entendo, Logan.
— No que isso tem a ver com meus pesadelos, Marshall?
— Pode não ter nada ou pode ter tudo. Eu não posso te dizer
hoje o que trouxe de volta seus pesadelos, não sem antes me
ambientar em sua vida, Logan. Terá que ter paciência, precisaremos
trabalhar juntos nisso, pois as respostas, essas só você pode dar…
— Ele se ajeita na cadeira e puxa uma agenda ao lado. — Na
próxima sexta, está bom para você? — Velhote miserável.
— No mesmo horário de hoje, por gentileza. — Me levanto,
indo ao mancebo próximo à porta do seu escritório, pegando o
sobretudo preto que deixei aqui quando entrei. — Boa tarde,
Marshall.
— Até logo, Logan.
Bato a porta e vou em direção às escadas, sem querer usar o
elevador lento além da conta. E me pergunto se realmente voltarei.
Mas é fato que medicações para dormir não são uma opção, ficar
sem dormir também não é e, dado isso, não há muito ao que
recorrer. Olho no relógio, não vai demorar para que eu precise
buscar Arabella e isso me traz certo contentamento. Os dias ao seu
lado têm se tornado mais vívidos. Nós causamos certo alvoroço
após o baile, Arabella não ficou muito feliz com a repercussão no dia
seguinte em seu trabalho, mas conseguiu lidar bem com a situação.
Estamos nos moldando e, até o momento, o enlace tem dado certo
e espero que continue desta forma, minha fome ainda não passou,
sequer diminuiu.
 

 
A orquestra faz um trabalho lindíssimo, que toca a alma e o
coração. Suspiro, apertando mais o braço de Logan entre meus
dedos, me deixando levar pela vibração de cada nota, podendo
sentir a paixão com que os músicos tocam seus instrumentos. A
música nunca foi vista por mim desta forma, em que ela parece
roubar minha alma, me levar para um paraíso vibrante. Era apenas
um passatempo, algo para alegrar os meus dias ou apenas curtir
uma bad, mas agora não, a música se tornou muito mais do que eu
poderia supor e A Nona Sinfonia de Beethoven nunca me chamou
tanta atenção como faz agora. É como estar sentada em uma
nuvem, em completa adoração, ao ouvir uma melodia que vem de
encontro à alma, que traz paz, amor e paixão. É incrível.
Sinto que estou sendo observada e olho para Logan, sentado
ao meu lado em trajes de gala, me encarando com… admiração.
Sorrio, me sentindo agradecida por ter me convidado para um
espetáculo como esse, jamais poderia supor que me encantaria
desta forma. Logan tem me apresentado um mundo novo, no qual a
arte tem tomado meu coração e tem feito dessas primeiras vezes
momentos únicos.
— Vejo que está apreciando a noite.
— Sim, é perfeito. Obrigada — sussurro e ele apenas anui,
voltando sua atenção ao palco.
Faço o mesmo, me regozijando de tanta beleza. Os camarins
do teatro estão cheios como o esperado, e amanhã isso vai me dar
uma bela matéria para o blog. Já que no jornal não tenho tido muito
espaço com relação às matérias. Não tenho feito muito além de
correções, não estou reclamando, pois o jornal é o que tem pagado
as contas.
Ainda assim, me deixa um tanto decepcionada, por isso jogo
toda essa decepção em forma de matéria no site, que tem ganhado
apreciadores. Quanto a isso, Logan estava certo. Sobre o caso do
serial killer, o corpo encontrado no píer foi obra sua. Apesar de não
estar mergulhado em resina, a vítima tinha os mesmos traços,
mesma arma, o que deixa claro: há uma Besta à solta entre nós e
ela está à caça. Após isso, nenhum outro corpo foi encontrado,
nenhuma pista, não há nada.
— Esta é a última música — ele diz, voltando a cruzar uma
perna sobre a outra. Ouvi essa canção dias atrás, quando estava
com Logan em sua casa, durante o jantar.
Olho-o e sorrio, sentindo sua mão tomar a minha para si, a
levando aos lábios e deixando um beijo no dorso, levando seus
olhos de volta para o palco. Há duas semanas, tenho estado em
uma constante de pura felicidade, em que pequenos gestos como
esse tem enchido meu coração. Sair em público é sempre um
desafio, já recebi telefonemas de alguns jornalistas querendo uma
entrevista, sondando-me, e tenho me mantido fechada com relação
a isso. Especulações estão sendo veiculadas e não vou dizer que
não me afetam, muitas delas sim, mas tento me manter alheia.
Tenho me dividido entre o trabalho, site e Logan. Os fins de
semana tenho passado com ele e também algumas noites da
semana, e a sensação de contentamento em meu peito é tão
poderosa que tenho a impressão de que a qualquer momento, algo
irá acontecer e estragar esse momento, que amanhã Logan dirá
que… acabou. Eu não sei por que tanta insegurança e não consigo
impedir que paire sobre minha cabeça, incansavelmente, como uma
nuvem escura.
Sinto o coração apertar quando as últimas notas da melodia
cessam, indicando que chegamos ao fim e minha atenção volta ao
momento. Me levanto junto a Logan, aplaudindo o espetáculo,
reverenciando a orquestra sinfônica de Londres. Chego a suspirar, é
divino o que são capazes de nos proporcionar. Logan toca minha
mão, chamando-me para o acompanhar para fora da cabine do
teatro, provavelmente querendo sair antes da multidão.
— Você sempre fugindo das pessoas — falo, agradecendo o
fato de que estamos sozinhos na cabine.
— São enfadonhas e tenho pouca paciência com essa falsa
interação.
— Isso é chamado de uma pessoa antissocial, Logan.
— Chame do que quiser — anuncia, quando atravessamos o
corredor e paramos em frente ao elevador. Acredito que a escolha
da cabine é estratégica, pois sempre está localizada em um local
que dará fácil acesso à saída.  — Não sou dado a controlar os
rótulos que dão a mim, Bella. Estes pouco influenciam em minha
vida pessoal.
— O senhor é tão arrogante, senhor Hopkins. — Ainda que eu
esteja de salto, Logan fica alguns centímetros mais alto, precisando
se dobrar um pouquinho para ter seu rosto alinhado ao meu, bem
perto.
— De fato, temo que eu seja e gosto disso. — Prendo meu
olhar em suas feições, mal acreditando no que acaba de dizer e ele
parece gostar do efeito que causou, pois seu lábio sobe, em um
sorriso arrogante. — Vê só como as pessoas são previsíveis?
— Como assim?
— Esperava que eu negasse sua acusação e eu não o fiz,
nunca o faço, não me ofendo com a verdade, tampouco com a
mentira e isso lhe deixou sem argumentos — explica e toca meu
queixo, em uma pequena carícia. — Sempre tenha argumentos,
Arabella, independente da resposta do outro. Seja a pessoa a deixar
a multidão sem ter o que dizer. Seja mais confiante,
independentemente da opinião do outro, abrace a si mesma, a sua
verdade, se sairá melhor em todos os âmbitos de sua vida desta
forma, em especial o profissional.
Não consigo assimilar o que diz de imediato, um tipo de lição,
acredito. Mas algo me chama a atenção em sua frase.
— E qual é a sua verdade, senhor Hopkins? — O elevador
para no nosso andar, e Logan espalma a mão em minha lombar, me
impulsionando a entrar junto dele.
Ao entrarmos, o infeliz se aproveita do fato de estarmos
sozinhos e prensa-me contra a parede metálica, o frio se espalha
por minha coluna, me fazendo arquejar, tentando fugir de forma
inútil da parede metálica às minhas costas. Logan me encara,
pupilas dilatadas, mais escuras e perigosas. Engulo em seco.
— Não suportaria ver minha verdade, Arabella. Ela a
corromperia de dentro para fora, a quebraria em pedacinhos e,
talvez, a senhorita não seja capaz de juntá-los. — Suas feições são
como pedra e o torna ainda mais sombrio. Tento arrancar a resposta
do que está dizendo de seus olhos, de sua postura, mas não há
nada.
Logan me beija, selvagem e dominante, daquela forma que
sempre me coloca de joelhos e faz de mim uma cadela adestrada.
Sua língua pede passagem, possessiva, buscando a minha,
sugando-a como faz em meu clitóris e arrancando de mim um
gemido. Seus dentes se cravam em meus lábios, com força, me
fazendo reagir ao tentar puxá-los de seu agarre. Seus dentes
deixam o meu lábio e se arrastam até minha orelha, soprando-a
antes de sussurrar:
— Nunca pensou em foder em um elevador, Bella? — Vira-me,
fazendo meu peito ir de encontro à parede, arrastando fogo por
minha pele no processo, me surpreendendo. — Seria esta, mais
uma de suas primeiras vezes. O que acha, Arabella, quer que eu a
foda aqui, neste elevador?
Tento afastá-lo com meu corpo, rindo nervosa ao imaginar uma
loucura como essa, sentindo também o corpo reagir de forma
positiva ao que diz, puro tesão tomando conta de cada pequena
parte de mim.
— Não seja louco, qualquer pessoa pode… — Sua mão entra
por baixo da saia do vestido azul-marinho e minhas palavras
morrem no ar quando ele alcança minha boceta, entrando pela
lateral da calcinha. Seu corpo pressiona mais o meu contra o
elevador, para que não saia do seu agarre.
— Como imaginei, Bella, você está sempre pronta para mim.
— Logan…
O elevador apita, indicando que irá parar e Logan me solta,
levando-me com ele, nos virando em direção às portas da caixa
metálica. Eu o olho, chocada com sua dissimulação, ao parecer de
novo o homem inalcançável de minutos antes.
— Não será hoje, Sunshine, mas acontecerá em algum
momento.
As portas do elevador se abrem e um casal de idosos entra,
olhando para nós, de um para o outro e, em um primeiro momento,
ambos têm feições agradáveis, mas o clima erótico no elevador
parece chegar até eles, ou é a minha cara de cadela excitada e
chocada ao mesmo tempo, que deu o indício do que estávamos
fazendo dentre as quatro paredes deste elevador e deixou os
velhinhos de cara amarrada. Ambos de costas para nós, a mulher
chega a se afastar da parede.
Será que ela acha que Logan gozou ali? Pelos céus, o que
Logan estava pensando? Olho-o, impassível, de volta à figura
taciturna e inalcançável que sempre usa. O lugar parece sufocante
e, de repente, eu pego-me querendo rir, e não há momento mais
inoportuno para isso.
As portas voltam a se abrir no térreo, o casal é o primeiro a
sair e, em seguida, nós e assim que pisamos no hall de entrada do
teatro, eu aperto o antebraço de Logan com força e me permito rir,
chamando sua atenção. Ele me encara, erguendo as sobrancelhas,
arrogante, sem entender nada e eu não consigo me controlar.
— Você… — tento falar entre o riso —… você é louco e me
coloca em situações as quais não sei lidar.
— Vai aprender, percebi que é boa nisso. Aprende tudo muito
rápido, Bella. — Ele pisca e é a primeira vez que faz isso, enquanto
nos guia para fora do teatro e o gesto faz pequenas borboletas
voarem em meu estômago.
Ainda sinto minha pele se arrepiar ao cogitar que quase
transamos no elevador. Não, não podíamos, o lugar tem câmeras,
não é? Chamamos a atenção de algumas pessoas à medida que
vamos em direção à saída, que tem anjos pintados no teto e no
piso, com direito a um fundo vermelho e pilastras douradas.
Observo um homem à nossa direita, que conversa com outro
senhor, parecendo em dúvida sobre abordar Logan ou não e parece
desistir quando a postura do homem ao meu lado cria um escudo ao
seu redor.
O manobrista já tem o carro à nossa espera quando ganhamos
a calçada, mas antes de entrarmos no veículo, o celular de Logan
toca. Ele parece impaciente ao olhar a tela, mas sua postura muda
no instante em que reconhece quem o está incomodando,
atendendo a ligação em seguida. Se desvencilhando de mim, ele se
afasta alguns passos, levando o aparelho ao ouvido, sem dizer uma
palavra. Vejo-o concordar, virando-se de costas para mim e quando
retorna, sua postura mudou, já não parece à vontade, pelo contrário,
está completamente em alerta.
— Terei que pedir a John que a leve para casa.
— Algum problema? — pergunto, vendo-o procurar o carro
onde John está, chamando-o.
— Sim, com a empresa. Terei que encontrar Darcy, por isso
pedirei a John que a leve ao seu apartamento. Não sei quanto
tempo irei demorar.
Hoje iríamos para sua casa e o que diz me deixa um tanto
decepcionada, apesar de saber que é necessário ir resolver o que
quer que seja.
— Claro, sem problemas.
Logan fez questão de vir dirigindo um dos seus carros,
segundo o próprio, em seu acervo pessoal apenas ele toca e, por
isso, sou guiada até o SUV preto, que tem John e mais outro
segurança ao seu lado.
— Devo encontrá-lo em seguida, senhor? — John parece um
tanto preocupado e sinto um arrepio se instalar em minha coluna.
— Não, faça a segurança de Arabella.
— Mas, Logan — chamo, preocupada com o que disse dias
atrás. Sobre sua segurança e a minha. Ele ajeita o meu vestido
dentro do carro, alcançando meu queixo com o polegar, fazendo
com que o encare.
— Não se preocupe, tenho seguranças na empresa — garante
e mordo o lábio, impedindo-me de dizer que acabo de ter um
pressentimento ruim. Isso soaria mal.
— Só tome cuidado, então.
— Sempre tomo, boa noite, Sunshine. — Ele toca meu rosto
com carinho antes de bater a porta traseira e se afastar. Como
sempre, sem beijos de despedida.
Solto o ar e me recosto ao banco, olhando o teto cinza. E eu
que achei que teria uma noite movimentada, regata a sexo quente e
deliciosamente selvagem. Que droga!
 

 
A noite está fria, a escuridão entre as árvores aguça os meus
sentidos, fazendo com que eu aperte os olhos para ver, mais
adiante, o homem caído no chão. O infeliz ainda veste um terno
cinza, camisa social azul-claro e gravata. Muito bem-alinhado para
quem está à deriva em meio ao bosque em uma noite fria. Vejo, com
deleite, minha presa se mexer, de um lado a outro, sem de fato
conseguir vir a si. O tranquilizante fazendo bem demais o seu
trabalho, a espera se tornando, a cada segundo, mais instigante.
Meu coração, que vinha com batidas cadenciadas, se apressa,
a adrenalina passa a circular pelo meu corpo e um pequeno sorriso
ganha meus lábios. Por trás de uma árvore, no bosque, noto o
momento em que sua consciência o banha e é belo de ver o horror
vir sobre sua face, como uma máscara, seus olhos se expandindo à
medida em que se dá conta de que tem uma mordaça em sua boca,
com uma bola de borracha dentro dela, bem-amarrada em sua
nuca. Afinal de contas, não queremos chamar a atenção com gritos.
Ele tenta desprender o objeto, que possui dentes na fivela que
o prende, assim, qualquer movimento brusco faz com que os dentes
se cravem em sua carne, aumentando seu desespero e é isso o que
está acontecendo ao tentar tirá-la. Minha presa tenta gritar,
aterrorizada, grunhindo como um animal indefeso e encurralado e
esse som… ah, esse som é música para os meus ouvidos. Observo
sua dedicação com deleite, o seu esforço para levantar, seu corpo
ainda mole para responder aos seus comandos.
Seus olhos, assustados, se assemelham aos de uma corça
próximo ao abate. Aquele momento em que a caça é pega após
uma grande corrida, em que sente as unhas do seu predador
cravadas em sua garganta e ela começa a sangrar, ainda
inconformada com sua morte iminente. É o que vejo nos olhos de
Hermes, pavor, confusão, medo, em olhos esbugalhados a ponto de
sair das órbitas. A energia elétrica corre por baixo da minha pele,
excitação, êxtase pelo que está por vir.
Fecho os olhos e respiro fundo, o cheiro do medo pode ser
sentido e funciona como combustível para os meus sentidos.
— É essa a sua deixa para correr, Megalos — chamo-o pelo
sobrenome e vejo-o se assustar, tentando berrar mesmo com a
mordaça, tentando ouvir em que direção me encontro. — Façamos
um trato, meu caro Hermes. — Piso em um galho seco,
propositalmente, vendo o homem alarmar-se, procurando
desenfreadamente a melhor direção a qual seguir. À esquerda, fica
o terreno mais fácil, sem elevações, já à direita, tenho o terreno
mais difícil, íngreme, com um riacho que o corta ao meio.  — Se
você chegar ao final do bosque, é um homem livre, se eu te
encontrar antes… bom, aí iremos nos divertir um pouco, do meu
jeito. — Ele entende e corre, como se sua vida dependesse disso e
depende, não é?
Aprumo o corpo, pronto para o meu esporte favorito: a caça.
Hermes escolhe o caminho mais difícil, me deixando ainda mais
satisfeito. Deixo que corra e desço o caminho de pedras, pegando
uma direção abaixo do caminho elevado, ouvindo seus passos
apressados a quebrar folhas e galhos. Assovio a última música que
ouvi junto de Arabella, na orquestra, foi um belíssimo espetáculo,
preciso frisar. Esperava terminar esta noite atolado em seu corpo,
mas há algum tempo eu estava esperando, ansioso, por um deslize
de Hermes em sua segurança e consegui isso hoje.
Aguço minha audição, quando seus passos ficam mais
distantes, apresso o passo ao aprumar a besta em minha mão,
coberta por luvas.
Não gosto de armas de fogo, elas acabam com a diversão
rápido demais e fazem uma sujeira infernal. Facas e derivados
também, não deixam tudo tão divertido quanto uma besta, uma
arma histórica. Acredita-se que a besta portátil foi projetada por
volta do século Ⅳ a. C., no Japão. Outras versões foram criadas,
incluindo algumas gigantescas, chamadas de bestas de assédio,
fixadas ao chão e usadas para a guerra, sendo aposentadas tempos
depois.
Sou realmente apaixonado por essa engenhoca, o design em
principal e a abracei como preferência ao caçar. Posso dizer até que
as coleciono, assim como os meus pincéis, tenho alguns modelos
diferentes guardadas na sala de jogos, mas minha favorita é a que
trago em minhas mãos. Seu formato consiste em um arco de aço,
montado sobre uma haste de madeira nobre, as extremidades do
arco são unidas por uma corda delicada. O cabo ao qual seguro se
assemelha com a coronha de uma espingarda, que traz o gatilho em
metal, onde irá disparar o arpão que está posicionado sobre a haste.
Todo o modelo com adornos em ouro. Esta besta tem uma tração
maior, assim como seu alcance e isso tem me feito usá-la com mais
frequência que as outras.
Em dado momento, os passos que estava ouvindo, ainda que
distantes, cessam e sou obrigado a subir o terreno, podendo olhar e
procurá-lo entre as árvores. Não vejo nenhum sinal do infeliz ou
qualquer barulho e, com cuidado, ando dentre as árvores, à sua
procura. O terreno está molhado, fruto das chuvas constantes e, por
isso, o riacho de águas normalmente calmas, estão mais agitadas e
podem ser ouvidas à certa distância. Sigo o curso das águas e não
demoro para encontrá-lo, próximo à margem, encurralando-o, sem
querer atravessar o rio. Um erro, se já o tivesse atravessado, me
atrasaria para alcançá-lo.
Ele ouve meus passos, se virando, ainda sem conseguir me
ver. A lua brilha sobre ele, deixando-me ver o pescoço lavado por
sangue, fruto de suas tentativas incessantes de se libertar da
mordaça. Hermes parece cansado, o peito sobe e desce de forma
apressada, suas feições estão completamente em alerta, assim
como seu corpo, amedrontado e trêmulo.
Mais dois passos e deixo que me veja. O homem, em um
primeiro momento, tem um vislumbre de esperança, ao ver alguém,
cogitando que eu seja seu bote salva-vidas. Sorrio e trago a besta
armada frente ao peito, a apoiando no ombro, próximo à clavícula,
sentindo a friagem bem-vinda do ouro amarelo que cobre a ponta da
coronha. Aprecio o momento em que ele perde o ar quando vê a
arma arcaica em minha mão, onde tem um pequeno arpão apontado
para si.
— Fim do jogo, anterovgáltis[1].
Ele entende o que digo, pois é sua língua natal, o grego, e vejo
o reconhecimento em seus olhos, mas não pode falar e, por isso, se
ajoelha, pedindo por clemência, tentando me ver entre a escuridão,
reconhecer meu rosto. Abaixo a arma, foi muito fácil encontrá-lo,
previsível até. Eu esperava mais para um homem do seu porte
físico. Hermes tem minha altura, é mais forte em músculos e
aparentava mais resistência.
— Por fa-vor… — é o que tenta falar e dou mais um passo em
sua direção.
— Levante-se, Megalos… — peço e ele abaixa a cabeça,
vencido, parecendo à beira das lágrimas ao se levantar.
Noto seu último esforço ao olhar para ambas as direções que
lhe resta e escolhe a menos óbvia, partindo em minha direção.
Mãos levantadas, pronto para lutar por sua vida, mas esse não era o
trato. Aprumo a arma, trazendo-a contra o peito mais uma vez.
Soltando o ar dos meus pulmões, miro e atiro acima do seu peito,
pois não quero matá-lo, não ainda. Ele berra, o som sai abafado, o
arpão cravado em sua carne, saindo na escápula direita, levando-o
ao chão.
Aproximo-me. O ar lhe falta, seus olhos piscam ao sentir a dor
se alastrar por seu corpo, dando-se conta de que ainda está vivo.
Ele me encara, tentando se afastar, mas é inútil. Bato com o cabo
da besta em sua fronte e é o suficiente para deixá-lo desacordado.
Respiro fundo, é como receber uma boa dose de droga depois de
semanas de abstinência e sinto meu corpo relaxar, minha mente
explodir e meu peito inflar.
— I’ve got no strings
Eu não tenho cordas
To hold me down
Para me segurar
To make me fret
Para me fazer traste
Or make me frown
Ou me fazer cara feia
I had strings
Eu tinha cordas
But now I’m free
Mas agora estou livre
There are no strings on me
Não há mais cordas em mim
Cantarolo I’ve Got no Strings, enquanto arrasto minha caça de
volta a sala de jogos. 

Encostado na mesa de utensílios atrás de mim, após vestir as


luvas cirúrgicas em minhas mãos, observo o corpo estirado sobre
minha maca de necropsia. Exposto, nu como veio ao mundo, uma
presa dominada. Tomo um gole do chá de hortelã, o cheiro tomando
conta do lugar, a quentura bem-vinda descendo pela minha
garganta, o sabor forte se espalhando por meu paladar de forma
reconfortante. Respiro fundo, observando o grande objeto adiante,
um tipo de estaca fixa em uma superfície de cimento, a qual sua
ponta é bem fina, perfeita para o que preciso. Ficará uma excelente
obra de arte em meio ao Hyde Park.
Deixo a xícara ao lado da cafeteira e me aproximo da mesa, o
infeliz é grande e robusto, e bem-cuidado. O rosto com uma barba
por fazer, mas certinha nas bordas, lhe confere uma aparência
limpa. Mas é o seu cheiro que está se tornando insuportável, cheiro
de alfazema, que deve estar vindo do seu desodorante, gosto
peculiar este. As sobrancelhas grossas e negras quase se juntam
no meio, e lhe dão uma expressão de lenhador, eu diria. Os cabelos
pretos têm corte social e lhe confere a boa e patética expressão de
bom homem e cidadão exemplar, excelente marido e pai. Um bom
disfarce, eu devo ressaltar.
Passo o dedo sobre seus olhos, devagar, brincando com seus
cílios até que o incomode. Ele se move e observo, deliciado,
Hermes acordar. Sua nuca ainda sangra, seu peito ainda está com o
arpão fincado nele, que deságua uma boa quantidade de sangue na
maca, sendo levada para o ralo ao canto, indo direto aos canos de
tratamento que não deixam vestígios ou DNA.
Estou curvado sobre o homem, olhos fixos nos seus e sou a
primeira coisa que ele vê ao abri-los. Hermes se assusta, se
movendo com rapidez, fazendo um grande barulho ao arrastar as
correntes que o mantém bem preso à maca. Suas mãos e pés estão
acorrentados e sua desesperança faz um sorriso rasgar meus
lábios. De olhos arregalados, Hermes tenta ver suas mãos, o
entorno, mas sem sucesso. Resta então gritar, mas o som é
abafado pela bola de borracha que tem em sua boca.
Ele me reconhece, claro que sim, e em suas feições está
escrito um: você?
Ainda mantenho meu rosto bem perto dele e o cheiro que
emana é o de medo. Respiro fundo como o bom viciado que sou,
isso é quase como poesia, exposta em atos viscerais. É sublime.
— Como vai, Hermes? — pergunto e volto a passar o indicador
sobre seu olho direito, fazendo-o piscar. — Tem belos olhos, de um
tom azul quase celeste. — O que digo faz com que suas
sobrancelhas se juntem, em confusão. — Sabe, não gosto muito de
azul-celeste e poderia começar arrancando seus olhos, por
exemplo, mas então você não veria o que farei e isso seria um
desperdício, não acha?
Ele nega e chora, o que me leva a gargalhar ao vislumbrar sua
submissão e, confesso, eu esperava bem mais do desgraçado. Está
tornando as coisas fáceis demais para mim.
— Você quer falar algo? — pergunto, indo até a mesa de
utensílios ao fundo do cômodo, escolhendo bem o que irei usar,
enquanto ouço-o tentar confirmar minha pergunta. — Gosta de
alicates, Hermes? Eu particularmente aprecio muito, podem causar
dores lancinantes. Mas acho que podemos começar com algo
menos letal. Tenho tempo, ainda é cedo — explico, passando os
olhos pela pinça cirúrgica, tesoura, bisturis, um conjunto de facas
bem afiadas, correntes com pregos e… — Agulhas, gosta de
agulhas? — Volto-me para ele, que tem pavor em sua face,
tentando fugir de um futuro certo. — Eu pensei em usar uma
furadeira, talvez uma lobotomia, pois adoro usar o ácido. Ele me
entrega sempre um trabalho quase pronto, perfeito para
decomposição, já usei algumas vezes. O problema é que quero
você completamente consciente para o gran finale e para isso, seu
cérebro precisa estar inteiro. Uma pena. — Paro ao lado da maca,
com as mãos cruzadas em minhas costas. — Ah, ainda não deixei
que falasse, que gafe a minha, perdoe-me por isso.
Afrouxando a mordaça, retiro os garfos que estavam fincados
em sua nuca, grandes demais para lhe causar dor, pequeno ao
ponto de não atingir sua medula e lhe causar qualquer paralisia.
Que graça teria se minha presa não puder sentir.
Assim que o liberto, o homem grita, desesperadamente, por
socorro, servindo-me um prato completo. É sempre a mesma coisa.
— Socorro, alguém me ajude! — choraminga, com lágrimas
grossas deixando seus olhos.
— Não vai adiantar pedir socorro, Hermes. Toda a sala tem
isolamento acústico, até mesmo as jaulas. — Aponto para o
corredor no fim da sala, onde conto com quatro jaulas à minha
disposição, jaulas essas que faz um bom tempo que não uso. —
Ninguém, além de mim, pode te ouvir.
— Por favor, eu não sei por que está fazendo isso, eu não sei
— tenta, em vão. — Mas, por favor, eu tenho esposa e dois filhos,
por favor, eles precisam de mim.
— Todos têm, Hermes. Seja uma esposa, esposo, filhos e
filhas, mãe, pai, irmão, sogros, cachorro, papagaio, periquito…
enfim, de tudo e, acredite, eles não precisam de você — afirmo, pois
estou lhes fazendo um imenso favor. — As pessoas tendem a usar
de tudo para fugir da morte, mas nunca a si próprio, interessante,
não é? A culpa é sempre de um amigo, da família, quem sabe do
animal de estimação… é egoísta, mas incrivelmente humano, pois
no fim querem viver apenas por si próprio. Ah, a humanidade e sua
resiliência ao fracasso. — Ao dizer isso, seguro seu dedo, fincando
uma pequena estaca de bambu embaixo de sua unha, notando o
sangue espirrar de sua extremidade, seus berros reverberando todo
o espaço enquanto empurro mais e mais a estaca contra a sua pele.
— Pare, por favor, por favor.
— Não seja ridículo, Hermes, sequer começamos.
— Eu não te conheço, cara — chora, se debate
desesperadamente e está certo, já nos vimos, mas nunca chegamos
a trocar qualquer palavra. O barulho das correntes contra o alumínio
aumenta e confesso que gosto de como soa. Por isso sempre uso
correntes, a melodia que exala ao ser arrastada é reconfortante. —
Eu sou um homem bom, honrado. Faço até caridade, como você.
Sou como você — se exaspera e estreito os olhos em sua direção.
— Não, Hermes. Ninguém é como eu. — Me aproximo de seu
rosto, meu sangue sendo bombeado mais depressa, arrastando lava
por minhas veias. — E nenhum de nós é bom.
— O que quer de mim? Dinheiro? Eu pago, dou o que quiser.
Só me deixe ir embora.
— Não posso, Hermes. Hoje é seu julgamento, alegre-se. —
Uso mais uma estaca, desta vez no dedo médio, fazendo-o berrar.
— Nos outros é mais divertido, sempre é, concorda?
— Meu Deus. Socorro. Por que está fazendo isso comigo? —
Seu choro é realmente digno de piedade, não da minha, é claro.
Volto a colocar a mordaça em sua boca. Vendo o sangue
escorrer pela mesa. Pego uma tesoura e isso o deixa ainda mais
descontrolado ao me ver voltar para perto de sua cabeça,
arrancando um maço de cabelo, guardando-o numa caixinha de
vidro. Observo bem os fios, sua espessura, tamanho e maciez
indicam que dará um bom pincel.
— Não cometa blasfêmia, Hermes, você não é digno de
misericórdia. Hoje você verá o inferno e beijará o diabo em uma bela
demonstração de reconhecimento. Apenas isso. Quando estiver
pronto para falar o que quero ouvir, iremos conversar, até lá,
permanecerá amordaçado e já entendeu que não deve se mover
muito, não é? — Ele nega, mas sei que me entendeu.
Volto à mesa e abro uma das muitas gavetas e seguro a Pera
da Angústia em minha mão, a escolha óbvia. O nome lhe é dado
pelo formato, mas ela se fecha em quatro partes, podendo se abrir
como uma flor, tendo suas extremidades com pontas bem afiadas.
Fecho a gaveta e pego também o separador de pernas, que fica
pendurado ao lado esquerdo da sala, junto a outras correntes,
amarras, degolador, algemas e mais alguns utensílios. O objeto
comprido é um tipo de cabo de madeira, com amarras em suas
extremidades, que serão bem presas aos pés de Hermes, o
obrigando a manter as pernas bem abertas.
— Já ouviu falar em tortura medieval, Hermes? São técnicas
excelentes, acredite. Claro que hoje em dia não se acha mais
objetos como este, uma Pera da Angústia, em qualquer loja. Mas
tendo bons contatos, você consegue qualquer coisa — explico,
enquanto prendo seus pés ao separador, que substitui as correntes,
sua luta em se libertar se tornando em vão. — Ela era usada com
frequência em mulheres, acusadas de bruxaria, em suas bocas ou
vaginas e também em homossexuais, no ânus como punição. Um
desperdício e crueldade desnecessária para tal objeto tão
inteligente, mas acho que ele cai bem em estupradores, concorda,
Hermes? — Isso lhe dá gás. O que digo faz o homem se mover na
mesa como um animal e talvez se a maca não tivesse os pés presos
ao chão, ela viraria. Puxo as amarras, me certificando que estão
bem presas aos seus pés e volto a pegar a pera, bem-ilustrada e
brilhosa. — Ela tem pequenas molas, caso não se mantenha bem
quieto, uma das partes irá abrir e pode causar uma grave lesão, às
vezes hemorragia. Não queremos isso, não é, Hermes? Faria uma
sujeira enorme, então mantenha-se bem quieto após ter o objeto
introduzido em você. — Ele está imóvel agora, sua testa suando em
bicas, olhos vermelhos pelo choro, arregalados, o rosto branco
como papel. — Irá confessar seus pecados, cada um deles e, no
final, decidirei se o absolvo ou não.
Perco mais alguns segundos, apenas o observando,
apreciando o momento, seu pavor, o cheiro inebriante de sua
covardia e um sorriso sádico rasga meu rosto.
É normal, e humano, sempre procurarmos alguém para culpar
por nossos desejos mais sombrios, nossos erros obscuros, fetiches
mais cruéis, é um escape para jamais olhar para dentro de nós e
descobrir, de fato, quem somos, pois para muitos seria insuportável
ver a si próprio no espelho. Eu já não tenho esse problema, jamais
precisei olhar ao redor para achar culpados por meus instintos, mato
porque gosto de matar. Caço, porque gosto da caçada, da
adrenalina e do melhor, ver minha presa perder o brilho no olhar ao
abraçar a morte. Mas o processo até esse momento… ah, isso me
causa êxtase.
Afinal, o prazer está nos detalhes.
 
 

 
O barulho do salto pode ser ouvido conforme vou andando
pelo piso de concreto no Hyde Park, ao lado do famoso Serpentine,
uma pena que eu não possa aproveitar melhor a vista, já que não
vim a passeio e ainda é bem cedo. Bebo um gole do café no copo
em minha mão e puxo as lapelas do sobretudo rosa-choque, que
combina com a bota de cano alto — da mesma cor, tentando fazer
com que cubra minha nuca. Era bem cedo quando Richard me ligou,
pedindo que viesse ao parque para averiguar uma denúncia feita há
poucos minutos à polícia. O parque é gigantesco, seus extremos em
divisa com alguns principais bairros, incluindo Mayfair, e é
exatamente nesse limite que uma boa multidão se encontra, a
poucos metros de mim. Tomo o restante do café, que obriguei John
a parar para que eu o comprasse, e jogo o copo na lixeira do
parque.
Apresso o passo, tentando entender o que se passa, sentindo
um pequeno arrepio tomar conta da minha espinha. Ao receber a
ligação do meu grotesco chefe, corri para a janela do apartamento
e, desta vez sim, encontrei o SUV preto, parado na rua calma, à
espreita, e se não posso mudar o fato de que sempre terei algum
segurança por perto, a mando de Logan, posso utilizar dele para
facilitar minha vida ao menos um pouquinho e não pensei duas
vezes antes de fazê-lo útil. Ainda olho por sobre o ombro, vendo o
carro estacionado ao longe e sei que John tem os olhos presos em
mim.
Tentei descobrir através dele, a que horas Logan deixou a
empresa e foi para casa nessa noite, sem sucesso, ele disse que
não tem essa informação. Sinceramente? Eu duvido muito disso.
Nego, voltando a andar depressa em direção ao círculo de pessoas
em volta de algo, desta vez não tenho sorte alguma, pois a polícia
chegou antes de mim e já isolou a área. O burburinho se intensifica
assim que me aproximo, mas não são as pessoas ali que chamam
minha atenção. Paro, bruscamente, podendo ouvir o salto da bota
arrastando-se no piso, tamanha a força que impus para estancar no
lugar, ao ver o monumento exposto à minha frente.
Meus olhos se arregalam, chegam a arder, e trago a mão à
boca, o choque se alastrando por todo o meu corpo ao ver um
homem empalado em uma estaca, pelo… ânus. A bile me sobe na
garganta e não penso duas vezes antes de me virar, me curvando e
despejando o café que tomei há pouco. Seguro o meu cabelo, os
espasmos fazendo meu estômago doer, minha garganta arder e o ar
me faltar. Puxo um lenço de dentro da bolsa arco-íris, limpando
minha boca ao terminar, tentando segurar a ânsia que me toma
quando aprumo meu corpo. Estou de costas para o corpo, penso
que vou vomitar novamente, o gosto amargo se espalhando por
minha boca, mas consigo engolir a bile desta vez. Limpo o nariz e
só então volto a olhar o homem, exteriorizado como em uma…
exposição de terror. Pelos céus…
A cena é digna de um filme, assim como a crueldade a qual lhe
infligiram. Sua boca está lavada por sangue, assim como alguns
dejetos ao qual me recuso imaginar o que seja. Seu corpo tem
marcas, sangue ainda escorre por ele, dos ferimentos, é impossível
olhar por muito tempo sem desviar o olhar. É angustiante imaginar
pelo que passou, em como… será que ele ainda estava vivo quando
o colocaram nessa estaca?
Não pode ser, qual monstro seria capaz de algo tão cruel?
Ele está nu, a estaca de madeira com uma ponta
extremamente fina, que lembra a um alfinete, tem sua base mais
grossa presa a uma placa de cimento. Quem o matou fez dele um
monumento, quase como uma obra de arte, fazendo questão de
mostrar cada maldito sinal da tortura horrenda ao qual o submeteu.
Abaixo o olhar por seu corpo, notando o buraco em seu peito, do
lado contrário ao seu coração. Indo para seus braços, que tem tiras
da pele arrancadas, alguns gravetos embaixo de suas unhas e,
claro, estaca de madeira empalando seu corpo. Ele é um homem
grande e musculoso, cabelos escuros e olhos vidrados, de um azul-
água, ainda aterrorizados. Deve ter lutado como louco por sua vida.
Obrigo-me a sair do estado de paralisia e pego o caderno em
minha bolsa, passando a anotar cada mínimo detalhe. Paro apenas
ao ver um tipo de colar que o homem tem em seu pescoço. Grande
demais e aparentemente pesado. Tem o formato de uma pera, mas
parece ser de prata, coberta por sangue e… eu não saberia dizer,
ou talvez não queira. Pego o celular para tirar algumas fotos, mas
acabo guardando-o de volta quando reconheço o fotógrafo do jornal,
que está mais adiante.
— David! — Me aproximo, chamando sua atenção, que sorri
ao me reconhecer.
— Arabella, estava à espera de Patrick, não imaginei que
Richard mandaria você. — Dou de ombros, também não esperava
devido ao seu comportamento ultimamente. As pessoas ficaram
estranhas após meu envolvimento com Logan se tornar público. —
De qualquer forma, prefiro você ao almofadinha.
Sorrio. David é um rapaz jovem ainda, que ganhou destaque
por sua rapidez e habilidade com as fotos incríveis que sempre faz.
Alto e magro demais para sua altura, ele aparenta ainda menos
idade por trás dos óculos de armação grande. É bonito, com um
estilo gótico interessante.
— Chegou há muito tempo?
— Há alguns minutos, mas consegui fotos ótimas, a polícia
ainda não tinha isolado o local completamente — explica e me
pergunto como chegou tão depressa.
— Rápido.
— Moro aqui próximo e confesso que tenho andado por aí à
noite, tentando encontrar a tal Besta e desvendar sua identidade —
ele fala essa última parte baixinho e arregalo os olhos, imaginando
que qualquer dia desses, pode ser ele em uma estaca ou com uma
corda no pescoço em meio à cidade.  Isso chega a me dar arrepios.
— Você é louco. Esse seu gosto por terror e investigação
ainda vai te colocar em apuros, David. — Ele nega e sorri, voltando
a tirar mais fotos.
Não sei como consegue, mal posso imaginar tal coisa. Se eu
me encontrasse com tal criatura, ele não teria trabalho algum
comigo, pois eu morreria antes mesmo que ele pudesse se mover.
Eu, hein?! Desço o olhar pela calça jeans preta que ele veste,
notando-a molhada na lateral.
— Você caiu? Se machucou? — Procuro qualquer sinal de
sangue em seu antebraço que também está melado, mas não tem. 
— Escorreguei, nada de mais. Mas quase deixei a câmera cair.
— E isso sim o deixaria bem mal. — Culpa do inspetor
esquentadinho ali que me deu um empurrão, alegando que eu
estava contaminando a cena do crime. — Busco para onde aponta e
vejo Andrei, em pé, a me encarar. Desde a última vez que o vi, o
meu ranço por ele vem crescendo gradativamente. Idiota. Naquele
dia, no píer, fiquei tão presa em sua acusação com relação a Logan,
que sequer pude realmente reagir à sua alegação ridícula de que eu
estava me vendendo. Filho da mãe. — Ele é bonitinho, mas mal-
humorado que só. De todo modo, ouvi algo que pode te interessar.
Eles disseram que provavelmente foi a Besta. A equipe de perícia
chegou há pouco para recolher o corpo e examinar a cena do crime.
— Busco pelo local, mas não vejo Oli.
— Serve muito, obrigada, David. — Dou um passo em direção
ao inspetor Smith, mas paro, me voltando para ele novamente. —
David, pode me dar algumas fotos que não for usar para o jornal?
— Minhas fotos?
— Sim, é que… eu pago por elas, não tem problema. — Mordo
a bochecha, querendo muito suas fotos para o site. Ele sorri,
mostrando os dentes alinhados e branquinhos.
— Será uma prévia, não precisa me pagar. A não ser que
queira contratar os meus serviços de forma fixa para futuros
acontecimentos. — Ele levanta as sobrancelhas. — Eu sabia que o
blog era seu.
— Fale baixo. Como sabia?
— Colorido demais. — Ele sorri, se afastando, voltando a
fotografar.
Está tão na cara assim?
— Inspetor — chamo, ao me aproximar do homem que olha
um tipo de agenda em sua mão. — O que pode me dizer sobre o
crime que aconteceu aqui? — Ele bufa, revirando os olhos. — Pode
confirmar que foi a Besta de Mayfair?
— Não, isso é confidencial.
— Já estão trabalhando na busca da identidade da vítima? —
continuo, pouco me importando para o seu desdém.
— Sim, estamos. Assim como as pistas deixadas, incluindo a
imagem das câmeras. — Busco a direção que aponta.
— O senhor acha que…
— Sem mais perguntas, moça, e se afaste da cena do crime
ou pode ser presa por contaminá-la — diz, se afastando de onde
estou. — Que droga.
Dou uma olhada no local, me sentindo frustrada por não ter
mais, já que Andrei não é uma opção para me dar informações.
Pego o celular e mando uma mensagem para Olivia, mesmo
sabendo que ela não está trabalhando hoje.
“Acharam mais um corpo. Tem alguma informação confidencial
que possa me dar?”
Envio, ansiosa por receber uma resposta, talvez assim eu caia
nas graças de Richard. Antes de guardar o aparelho, ele vibra, mas
é uma mensagem de Logan, o que me arranca um pequeno sorriso.
“Bom dia, espero que tenha dormido bem.”
Mordo o lábio, tentando suprimir o sorriso, tentando controlar a
quentura que toma meu coração. Isso não é momento para isso.
“Bom dia. Sim, mas senti sua falta. Como foi na empresa?”
Ele demora a responder, e vou para próximo das pessoas, a
fim de falar com algumas delas e tentar descobrir quem fez a
denúncia.
“Correu tudo bem. Onde você está?”
“Não finja que não sabe o meu paradeiro, senhor Hopkins.”
“São as vantagens de cuidar da sua segurança. Pego você
hoje, no fim da tarde.”
Meu coração dispara e mordo a parte interna da bochecha,
com o dedo sobre o teclado, sem realmente escrever uma resposta.
Como eu estou ferrada, esse homem ainda vai desgraçar a minha
cabeça e também o meu coração. Eu sinto isso e, mesmo assim,
aqui estou eu, completamente derretida. 
“Sempre tão mandão, senhor todo poderoso. Ordens… apenas
ordens.”
“Tenha um bom dia, Sunshine.”
Ah, e quando ele me chama assim… chego a suspirar.
“Você também.”
Guardo enfim o celular, é hora de voltar ao trabalho. Suspiro,
mudando meu foco e encarando o corpo a poucos metros de onde
estou, constatando que o mundo é um lugar cruel e escuro demais.

Assim que entro em minha sala, ansiosa por começar logo a


matéria, mal a porta se fecha e Richard passa por ela. Altivo,
superioridade emanando dos seus poros quando me olha de cima,
como se eu fosse um inseto. Odeio esse olhar. Como de costume,
hoje ele não tem uma cara muito boa, primeiro corre os olhos pela
sala e depois os prende em mim, me olhando dos pés à cabeça de
forma lenta e minuciosa, dando um pequeno sorriso ao prender
seus olhos nos meus. Eu já deveria ter me acostumado com isso,
mas acho que nunca irei.
— Bom dia, Richard.
— Só se for para você, Arabella. Me dê o material que
conseguiu no Hyde Park.  — Ele estende a mão e eu abraço o
caderno lilás, em proteção ao que é meu.
— Eu ainda não digitei, nem comecei. Acabei de chegar, mas
vou fazer isso agora e já passo para você, me dê só alguns minutos
e…
— Não precisa — me corta e abro a boca, sem nada a dizer.
Odeio como minha língua sempre se enrola em momentos como
este. — Patrick irá editar e escrever a matéria. — Minha boca seca,
meus olhos se expandem e meu coração falha uma batida.
— Mas eu estava lá. Como ele pode… como pode dar o meu
material para ele? Você pediu que eu fosse cobrir a cena do crime,
Richard — reclamo, me sentindo injustiçada, dando um passo atrás.
— Arabella, entenda uma coisa — fala de forma pausada,
dando ênfase ao que diz, levantando as grossas sobrancelhas
pretas. — Não é você que decide qualquer coisa aqui, não tem esse
poder, isso sou eu quem faço. Mandei que fosse cobrir a matéria por
falta de pessoal, Poppy está em Nova Iorque junto a Giovanni;
Pâmela em Oxford e Patrick não estava disponível e só me sobrou
você. Por isso era você a cobrir a matéria, pois aqui você não passa
de um lacaio, na hierarquia, você está aqui. — Ele levanta ambas as
mãos, espalmada no ar, uma mais alta e outra bem mais embaixo,
deixando claro minha insignificância. Meu estômago revira,
esfriando à medida que abre um pequeno sorriso cheio de deboche
e sarcasmo. —  Pensando bem, você está abaixo da formiga que
Betânia varre para fora da recepção a cada droga de dia. Entende
agora o que estou falando, coisinha colorida? — Engulo em seco,
forçando o bolo em minha garganta a descer, sentindo os olhos
arderem.
Olho para o caderno em minha mão, minhas anotações, tudo
que fiz com cuidado para não perder nenhum detalhe. E imagino
que esse deveria ser o momento em que eu deveria dar um basta
nisso, mas não seria diferente em outro lugar, não enquanto eu não
conquistar espaço e respeito, eu só trocaria de chefe, continuaria
sendo a formiguinha a ser jogada para fora, invisível. Eu não deveria
aceitar este lugar, mas os últimos dias estão sendo difíceis com seu
mau humor e o afastamento de todos, acabo me sentindo vencida.
Rasgo as folhas, entregando sobre sua mão estendida em
minha direção. Seus olhos chegam a brilhar com satisfação,
parecendo até feliz, ridiculamente feliz com o que acaba de fazer. E
fica claro como o dia que ele não me quer aqui e se é assim, por
que me contratou? Richard corre os olhos pela primeira página que
lhe entreguei, levantando uma sobrancelha, pouco satisfeito e um
sorriso de canto, é tudo o que tenho dele antes que saia, batendo a
porta atrás de si. Jogo meu corpo na cadeira e encaro a tela do
computador, que nem cheguei a ligar ainda.
Por que eu continuo nesta droga de jornal mesmo?
Ah, porque preciso pagar as porcarias das minhas contas,
porque se não fosse voltar para isso aqui, a essa altura eu já teria
que ter arrumado outro canto para viver ou acabar aceitando a
proposta ridícula de Logan, me vendendo, de fato, como Andrei me
acusou de fazer.
Sinto uma lágrima descer, sem conseguir controlar, e limpo-a
em seguida, tentando fingir que não estou a ponto de desabar e
chorar como criança. Odeio o meu lado sentimental, em que
qualquer estímulo é o suficiente para abrir todas as minhas
torneiras, incluindo a raiva e, principalmente, a humilhação e, nesse
último ponto, Richard é campeão. Ele faz isso com todos, comigo
começou em meu primeiro dia, porém vem se tornando pior desde
que fui recontratada. Meu celular toca e me dou conta só então que
já passa de meio-dia.
— Oi, Oli — atendo, tentando engolir o choro.
— Está no jornal? — pergunta e fungo, limpando os olhos. —
Tá chorando, Arabella?
— Claro que não e sim, acabei de chegar na redação.
— Ah, então está ocupada montando a matéria sobre o último
acontecimento sádico na cidade? — Mais lágrimas vêm aos meus
olhos e limpo-as antes de derramá-las.
— Deveria, mas o infeliz do meu chefe é um desgraçado
egoísta, disposto a me punir por sei lá o que e não me deixou a
cargo da matéria. Mas diga, o que quer?
— Não deixou, é? — ela quase mia, em uma voz lânguida,
como se estivesse se divertindo com isso.
— Por que está falando assim?
— Porque vamos almoçar juntas. Tenho fatos que você vai
amar e já que Richard se recusa a te dar a matéria, você vai pegar
todos os fatos que irei te dar e colocar no seu blog, site, onde
quiser. — Eu nem sei o que dizer, fico com a boca entreaberta,
estática. — Estou em frente ao jornal te esperando. — Me levanto e
vou até a janela, podendo vê-la na calçada, olhando em minha
direção. Dando-me um tchauzinho.
— Estou descendo, Oli.

— Estou esperando, o que tem para me contar? — pergunto,


ansiosa, enjoada até para comer um croissant e o cappuccino que
pedi, sem fome para almoçar algo mais substancial.
— Não vai comer antes que eu comece a falar?
— Estou sem fome, meu estômago ainda está embrulhado,
sabe? Acho que terei pesadelos pelo próximo ano. — Sinto um
tremelique subir pela coluna, que me faz balançar a cabeça.
— Viu só, eu te conheço — diz, recebendo do garçom seu
macarrão com almôndegas. Não sei como ela consegue. — Fui ao
distrito refazer alguns relatórios e fiquei me coçando depois da sua
mensagem e como já estava lá… permaneci. Ainda pude ver o
corpo antes de tirá-lo da estaca, aquilo foi um espetáculo. — Os
olhos dela brilham ao falar. Penso que se tivesse uma amizade com
David, daria muito certo.
— Sádica.
— Talvez, mas a questão é que foi de uma beleza irreverente.
Minuciosamente bem pensado, bem-feito. Imagine que, após a
biópsia, descobrimos que um dos corpos encontrados na mansão
passou por um tipo de lobotomia, feito pela Besta, e mais,
encontramos vestígios de hidróxido de sódio no lóbulo frontal.
— Meu Deus — ofego, levando minha mão ao estômago.
— Há uma delicadeza crua em cada movimento, Bella, tudo,
minimamente calculado. Até mesmo as partes em que a pele foi
arrancada, todas têm um tamanho igual, certinho, feito com cortes
cirúrgicos enquanto a vítima estava viva. O que deixa a dúvida…
será que ele é médico?
— Isso seria um horror. Por que alguém sentiria a necessidade
de fazer algo assim?
— Não imagino, apesar de já ter tido vontade de matar
algumas pessoas… — Ela revira os olhos. — Mas a vítima morreu
pouquíssimo tempo após ser encontrada. O corpo ainda estava
aquecido.
— Ele foi colocado vivo naquela coisa? — pergunto e sinto
ânsia novamente, precisando de um controle imenso para não
vomitar.
— Sim, foi o que realmente o matou, claro. Tinha duas
cicatrizes em suas costas, dois buracos, feitos com gancho usados
em frigoríficos. É o que deve ter usado para levantá-lo alto o
suficiente e colocá-lo sobre a madeira. Depois, deixou que a
gravidade fizesse o trabalho, o peso do corpo do homem o levando
para baixo, pouco a pouco.
Faço uma careta, tentando não colocar a água que tomei mais
cedo para fora. Não posso imaginar tal sofrimento e dor.
— E o que era aquilo pendurado em seu pescoço.
— Não sabemos ainda, o objeto é estranho para nós, mas foi
introduzido em seu ânus. — Abro a boca para falar, mas nenhum
som sai e Olivia continua: — Aquela coisa se abre em quatro partes,
com qualquer mínimo movimento, e tem as pontas bem afiadas, que
cortariam até um fio de cabelo ao meio. Ninguém sabe como aquilo
se chama, mas que funciona como um tipo de dispositivo sensível
ao toque. Quase arrancou a mão de Jason, quando tentou removê-
lo.
Uma ideia maluca passa pela minha cabeça, uma lembrança
que vem como um estalo e pego meu celular, apressada, indo para
o Google e digitando afoita na barra de pesquisa, entregando o
celular a ela.
— É isso aqui? — Ela confirma, mastigando o macarrão com
calma. — Isso é uma Pera da Angústia, Oli — falo e sorrio, tendo
uma informação que sei ser valiosa e inédita e agradeço
mentalmente por gostar tanto de história.
— Que doentio e perspicaz do caralho. Quem diria que a
nossa Besta tem um cérebro tão sagaz…
— Isso era usado na era medieval, para tortura — falo com
olhos presos na tela, um tanto triste ao me lembrar para que o
instrumento era usado. — Reconheceram o corpo? — Volto a
encará-la.
— Sim, desta vez sem nenhum problema. Ele era um
empresário bem-sucedido, fez fortuna no ramo do petróleo. Quando
saí mais cedo, a mulher dele estava chegando no distrito, não
aprecia tão em choque, mas pobrezinha.
— Céus… fico me perguntando com o que vocês estão
lidando.
— Não faço ideia, mas quero muito descobrir.
 

 
Abro a porta para ela, como sempre faço, e ganho um sorriso
afetuoso e gentil ao passar por mim, um dos muitos que ela
costuma me oferecer. Mas são seus olhos que me chamam
atenção, hoje estão um tanto apagados, parecem decepcionados e
mais tristes. Ainda próximo à porta seguro o sobretudo rosa,
pesado, ao qual veste. Mais uma das muitas escolhas peculiares
que faz quando se trata de suas roupas. Hoje sua escolha é uma
blusa de lã azul-celeste, com mangas, e esta é a única vez que essa
cor não me incomoda.
Passo o olhar por seu corpo e desta vez ela usa uma saia
lápis, bem-marcada no quadril, e é a primeira vez que a vejo usando
uma peça nude, da cor de sua pele, e parece estranha em seu
corpo, destoa de sua personalidade. Nos pés tem uma sapatilha
vermelha e não a bota rosa a qual usava ao sair da redação mais
cedo, quando a peguei, isso porque antes de vir para cá, passamos
em seu apartamento para que pudesse pegar algumas coisas.
Penduro a peça no mancebo, no hall, e tomo também sua
bolsa, segurando sua mão e a levando escada acima, para o quarto.
— Parece um tanto quieta hoje, Bella. Pouco falou a caminho
de casa. Aconteceu alguma coisa? — pergunto e ela não me olha
ao negar, fingindo observar as telas, algumas pintadas por mim, na
parede ao lado da escada.
Observo sua postura, ombros caídos, aparentemente cansada.
Mas sei que não é apenas cansaço, Arabella é tão positiva que
qualquer coisa que destoe disso a deixa fora do eixo, sem brilho. Me
pego então gostando de algo que nunca imaginei que gostaria em
alguém próximo a mim; uma pessoa feliz, falastrona e alegre o
tempo todo, pois neste momento seu silêncio me incomoda
imensamente.  Isso me faz ver que a infeliz está se enraizando em
mim, de alguma forma, e que Marshall pode estar certo, a menina
importa. Arabella solta a minha mão ao entrar no quarto e faço o
mesmo, indo logo atrás dela.
A primeira coisa que faz é abrir a cortina, deixando o fim de
tarde entrar, depois pede a bolsa com estampa de arco-íris a qual
seguro e demoro algum tempo para entregar o objeto a ela,
prendendo seu olhar ao meu até que ela o desvia e some em
direção ao closet. Tem algo a incomodando. Tiro a gravata de cor
champagne, em seguida o paletó, indo até o cesto vazio, que fica no
closet, depositando a roupa de forma organizada sobre ele.
Encosto-me na parede ao dobrar as mangas da camisa,
observando-a colocar alguns frascos na penteadeira. Um perfume, o
que parece um hidratante e uma escova de cabelo.
— Se importa se eu deixar isso aqui? — Aponta, parecendo
indecisa. — Esse vai e vem sempre me leva a esquecer algo que
preciso muito em casa.
— De forma alguma. Já tem suas roupas coloridas em meu
armário, objetos pessoais não fará diferença. — Ela dá de ombros,
voltando a arrumar as coisas e enfio minhas mãos em meus bolsos.
Quando pedi que trouxesse algumas roupas, eu não tinha a
intenção de colocá-las aqui e sim no quarto adjacente, de hóspedes.
Porém precisei ir à biblioteca e quando subi, ela estava terminando
de pendurar quatro de suas peças e não quis pedir que tirasse, faria
depois e acabei me acostumando. Com isso, meu guarda-roupa
ganhou cor, de uma forma que nunca pensei que aconteceria.
Começou com duas ou três peças, hoje tem algo próximo a dez.
— Como foi mais cedo, Bella? No parque. — Ela me olha por
sobre o ombro e noto uma nuvem passar por seus olhos quando dá
de ombros.
— Foi normal, estou quase terminando a matéria para o site.
— É estranho que já não tenha terminado.
— Havia muita comoção? — pergunto, interessado em fazê-la
falar e, também, de obter informações sobre o circo armado no
parque.
— Bastante. Segundo Olivia, o distrito está um caos, mas sem
nada, além da identidade do último corpo. — Confirmo com um
aceno, eu não esperava diferente. — Acho que logo vão tirar da
cabeça que, seja quem for que esteja fazendo essas atrocidades,
tenha algo a ver com você. Que possa estar em perigo.
— Sim, eu espero que sim.   
Arabella muda seu olhar de direção, que vai para as peças de
seda expostas ao lado, no espaço que hoje é reservado para as
suas roupas. Essas também são coloridas e observo atento a
menina passar os dedos no tecido.
— Camisolas? — Ela me olha, surpresa.
— Sim, pedi à Mary que providenciasse algumas e trouxesse
ao escritório para que eu pudesse escolher, deixei claro que
precisavam ser coloridas. Espero que goste, também tem peças
íntimas na gaveta à sua esquerda, separei uma para você com
alguns conjuntos. — Ela volta a olhar para as peças, segurando nas
mãos a camisola verde, clarinha. Pedi cores, mas que fossem
delicadas.
Ela vem até mim e sem que eu espere, Arabella me abraça,
enlaçando minha cintura, o rosto de lado, colado ao meu peito. Fico
estático por alguns segundos, com as mãos espalmadas no ar —
pego desprevenido com sua demonstração exacerbada de afeto —
até retribuir, segundos depois, inalando o cheiro do seu cabelo.
Senti falta dele.
Arabella então faz algo que não espero, a menina chora. Um
choro que faz seu corpo tremer entre meus braços. E isso sim me
deixa em alerta e paralisado. Nunca precisei lidar com algo do tipo,
consolo e, porra, eu só quero que ela pare, pois começa a trazer
algo em meu peito que não estou acostumado a sentir: pânico.
Engulo a saliva com certa dificuldade e toco seu rosto,
tentando fazer com que me olhe. Ela nega ao fugir do meu toque e
novamente seguro seu queixo, forçando-a a me olhar. Noto os olhos
empoçados, lindos e brilhantes, mas também tristes.
— Por que chora, Bella? Fiz algo? — É a pergunta óbvia, pois
não sei começar esse tipo de conversa, estou completamente fora
da minha zona de conforto, pela primeira vez sem saber o que dizer.
— Eu… eu… é o trabalho. — Ela derrama com algum custo,
tentando se afastar, mas não permito, segurando sua nuca.
— O que tem o trabalho? Você disse que estava tudo bem.
Mentiu para mim? — E a simples possibilidade me tira do sério, pois
essa menina é uma das poucas pessoas em quem realmente confio
atualmente. Ela conquistou esse mérito.
— Não, claro que não, Logan. Mas nada tinha se comparado a
hoje, o que eu ouvi. Mas não importa, sabe? Não quero pensar
nisso agora. — Ela vira o rosto, limpando uma lágrima. — Acho que
vou tomar banho — tenta, mas a impeço, enlaçando sua cintura.
— Não vai tomar banho para chorar no banheiro, Arabella. Não
vou permitir. Me conte, o que aconteceu hoje? — Um instinto
protetor, primitivo, toma conta do meu peito. Algo tão potente que
chega a pesar.
Ela morde o lábio, deixando mais uma lágrima escorrer. Beijo-
a, um olho após o outro, vendo-a rir minimamente no processo,
relaxando aos pouquinhos, o gosto salgado se espalhando por
meus lábios.
— Hoje fui ao Hyde Park — fala, para em seguida revirar os
olhos. — Mas isso você já sabe. A cena que eu vi, pelos céus, foi
horrível. Acho que terei pesadelos pelo resto da vida. — Observo-a,
em especial a verdade que vejo em seus olhos, o nojo expresso em
suas feições, deixando claro o quão repugnante foi o que viu. — Foi
horrível, passou tanta coisa por minha cabeça, como alguém pode
fazer algo do tipo com outra pessoa? — Estreito os olhos em sua
direção, sentindo. Ela ficaria surpresa o quão fácil, libertador e
viciante pode ser ter o controle de uma vida em suas mãos. — Ele
está brincando de Deus.
— Quem?
— A Besta, e ainda que fosse difícil continuar ali, ainda assim,
eu controlei o enjoo, o nojo e anotei cada mísero detalhe, os piores
e voltei correndo para a redação, com mil ideias para uma matéria
excepcional. Mas Richard não me deixou ir adiante.
— Como não? — pergunto, e de forma involuntária aperto sua
carne com meus dedos, sendo obrigado a me controlar.
— Ele pediu o meu material e entregou a outro jornalista. E
isso nem foi o pior, o pior foram suas palavras, a humilhação, assim
como a felicidade em me ver daquela forma. — Levanto as
sobrancelhas ao ouvi-la, sentindo uma raiva pulsar em minhas
têmporas, quase me causando dor. Travo o maxilar ao ver o
sofrimento que aquele verme lhe causou.
— O que aquele inseto disse a você? — pergunto entredentes,
apenas para vê-la sorrir com sarcasmo.
— Acho que nunca ouvi tantos insetos em duas frases de
pessoas tão diferentes. — Não entendo o que diz e ela limpa os
olhos e respira fundo. — Mas não vou repetir e nem deixar que isso
se enraíze em minha cabeça. Tive um momento de fraqueza mais
cedo ao me sentir como o inseto que ele pintou, mas já passou,
Logan. Está tudo bem agora.
Não, não está, nem perto disso, mas ficará. Puxo o ar com
certa força e sinto seu toque em meu rosto e relaxo o maxilar,
beijando sua palma.
— Obrigada — pede baixinho, seus olhos agora transparecem
calma e afeição.
— Pelo quê?
— Por me ouvir. Me abraçar e me deixar mais leve. — Arabella
segura meu rosto entre as mãos delicadas e fica na pontinha dos
pés, dando um beijo demorado em meus lábios, sem realmente
aprofundá-lo. Pego de surpresa, nem mesmo tenho tempo de fechar
os olhos antes que se afaste.
— Acho incrível como consegue ficar linda até mesmo
chorando. — Ela sorri e desta vez o sorriso alcança seus olhos e
acalma, de certa forma, a raiva em meu peito.
Mas não me deixa esquecer que preciso fuçar mais a vida
daquele infeliz. Virarei sua vida do avesso, se preciso for, por ter
tocado a alma da minha menina.
— Você sabe ser gentil, senhor Hopkins — fala, voltando a
brilhar.
— Acredite, apenas com a senhorita. — Seguro sua mão e a
trago comigo para fora do cômodo.
— Para onde vamos?
— Queria tomar banho, faremos isso juntos.
— Banho e Logan… que combinação perfeita. — Suspira e me
arranca um pequeno sorriso. Menina feiticeira.
 

 
Na sala íntima, uma que descobri há pouco tempo, tenho uma
taça de vinho em minhas mãos e toco um objeto ou outro e paro em
frente a um aparador, ao qual não tinha reparado por ainda não ter
passado por aqui antes. Nas vezes que venho para a mansão,
passo bastante tempo no quarto, na sala de jantar, na sala de
cinema — que fiquei muito feliz quando a descobri, e até na
cozinha, pois percebi que a senhora Aniston, no fundo, é alguém
gentil e que gosta de conversar. Só precisamos tirar algumas
camadas de resistência antes. Porém na sala comum passei muito
pouco tempo, nesta aqui então, é a primeira vez que entrei para
observar o lugar.
Ela é pequena comparada aos outros cômodos da mansão e
minimalista, com paredes de um lilás clarinho. Com uma poltrona de
cinza-escuro, e um sofá maior na mesma cor. Há um tapete liso em
meio à sala, branco-gelo, com uma mesinha de centro redonda
sobre ele, com um pequeno jarro em cima. Na parede lateral em
frente ao sofá tem um aparador, com alguns porta-retratos. Tudo o
que não vi em toda a casa, tem aqui.
Em um deles, há uma menininha, de uns cinco anos, tão
perfeita e doce, de pele clarinha, cabelos ruivos e olhos tão azuis
quanto os de Logan. Em outro, uma mulher segura a mesma criança
da foto anterior, as duas riem e parecem felizes. Pego o retrato e
aproximo-o mais dos meus olhos e observo que a mulher se parece
com a menina, assim como com Logan. A pele, os cabelos ruivos,
os olhos. Alta, esguia e de sorriso doce. Ambas eram lindas, com
alegria nos olhos brilhantes e cor em suas feições.
Pego outro porta-retratos e sorrio ao notar um casal, que pelas
fotos que vi na internet, são seus pais no dia do casamento e, ao
contrário do que poderia imaginar, a noiva estava envolta em um
vestido bem simples. Depois da noite do baile, eu pesquisei sobre a
família da sua mãe, os Percy, e descobri que seu avô já está morto
e que Logan não usa o sobrenome da mãe. Descobri também que
são uma família abastada e antiga aqui em Londres e, por isso, me
parece muito estranho tanta simplicidade em seu casamento, até
mesmo a igreja está vazia e sem nenhum adorno. O máximo que
vejo é o buquê de jacintos roxos em sua mão, uma escolha bem
diferente do usual para um buquê.
Minha atenção se volta para o homem, em um terno simples,
que parece orgulhoso da mulher ao seu lado. Entendo agora de
quem Logan puxou sua imponência, o porte altivo e também os
lábios e nariz. Seu pai era um homem alto, ombros largos, magro,
de cabelos castanho-claros, assim como os seus olhos. Um homem
bonito e junto à beldade ao seu lado devem ter formado um belo
casal. Há mais fotos, apenas dos três, seus pais e irmã. Bebo um
gole do vinho, devolvendo a fotografia ao aparador, buscando
alguma foto de Logan quando criança, mas não há nenhuma e isso
me incomoda.
De repente, uma música suave chama minha atenção. Paro,
ouvindo notas delicadas sendo dedilhadas em um piano. Deixo a
taça de vinho sobre a lareira e busco de onde vem o som e me
aproximo da porta da biblioteca, onde ele se enfiou assim que
terminamos o jantar, alegando que precisava dar alguns
telefonemas. Nunca entrei nesse cômodo, sempre achei particular
demais, além do mais, ele nunca me convidou e, por isso fico na
porta, ouvindo o som bonito que escapa pelas frestas.
Reconheço a canção, é Wing Song, de Ludovico. Lembro bem,
pois em uma manhã quando me levava ao trabalho, a música soou
no carro e ele me disse apreciar muito o compositor. Achei a
melodia linda na ocasião, mas extremamente triste e tocante, como
sinto agora. Toco a maçaneta da porta, a friagem se espalhando
pela minha palma, e a empurro devagar, tentando não ser ouvida.
Surpreendo-me ao encontrá-lo sentado próximo ao piano de
cauda, de costas para mim, dedilhando em suas teclas com perfeita
maestria. As costas largas se movendo a cada mínimo movimento,
envolto em um cardigã preto, a cintura bem-marcada, os músculos
preenchendo cada mínimo espaço, perfeito aos olhos. Suspiro e
passo os olhos pelo cômodo imenso, vendo as paredes repletas de
livros, de inúmeras edições, incluindo uma parede apenas de
filosofia. Com vários exemplares de Platão.
Logan é um colecionador de livros e isso esquenta meu
coração. Passeio o olhar para outra prateleira, onde há várias
edições diferentes de Jane Austen, em especial Orgulho e
Preconceito. Entre muitos livros, há também autores
contemporâneos, de muitas nacionalidades. Há até livros de…
medicina? Sim, isso mesmo, junto a outros tantos de conhecimentos
diversos, incluindo economia e direito.
Algo esquenta meu peito, se espalhando por meu corpo. É
como está imersa na grande e perfeita biblioteca da Fera, um dos
mais conhecidos livros de contos de fadas: A Bela e a Fera. Sorrio,
quão bobo isso pode parecer?
A música continua tocando, enquanto permaneço parada
próxima à porta. Ao fundo, há uma ampla janela que toma conta de
toda a parede, com vista para o jardim de entrada, ao lado o piano
onde Logan se encontra e do outro, uma poltrona com uma mesinha
de madeira ao lado, tendo ali um cinzeiro, uma garrafa de uísque e
também copos em uma bandeja. Mais adiante no cômodo encontra-
se a mesa de trabalho, muito bem-organizada, de madeira escura,
com um computador, uma agenda e seu celular ao lado. E assim
como o seu quarto, este cômodo tem sua personalidade, não parece
impessoal como o resto da casa. Ele conta com paredes cinza
envelhecido, móveis pretos com alguns adornos dourados e um
tapete marrom.
Penso em sair do escritório, mas paro meus olhos no quadro
próximo ao piano, à sua frente. É uma pintura espetacular, em
aquarela, com cores claras e delicadas, que retrata uma mulher de
longos cabelos de cor cobre, deitada sobre lindos jacintos de cor
roxa. É sua mãe, sorridente como estava no porta-retratos que vi há
pouco, tão real e abstrata… e Logan parece tocar para ela.
Observo o exato momento em que ele puxa o ar com mais
força e parece sentir minha presença, empertigando suas costas
para, em seguida, me olhar por sobre o ombro, sem parar de tocar.
Me aproximo, de forma lenta, e me coloco ao lado do piano, me
debruçando sobre o tampo, que vibra a cada nota. Seus olhos se
encontram com os meus e não parece alheio a emoções, como
sempre parece, voltando a olhar as teclas.
Os dedos longos, de unhas bem-feitas e mãos habilidosas com
veias aparentes dedilham de forma experiente, tão perfeito e afinado
quanto poderia. Sinto as borboletas, famosas em livros de romance,
voarem em meu estômago. Revirando-o do avesso e me causando
uma sensação deliciosa. Ele me contou certa vez que aprendeu a
tocar piano na infância, por influência de sua mãe, mas nunca tinha
visto um piano pela casa e imaginei que isso tinha ficado no
passado. Mas parece que ele guardou o instrumento apenas para si.
As últimas notas são tocadas e ele fecha os olhos ao levantar
o rosto, se entregando completamente à melodia e sinto meus olhos
arderem, é um espetáculo à parte. As últimas notas ecoam pela
sala, como poesia, e ele volta a abrir os olhos, me encarando, o
clima mudando drasticamente quando enxergo fogo em sua íris.
Sua mão vem para a minha cintura, me levando para ele, que toca
meu joelho, um de cada vez, fazendo-me montá-lo. Me ajeito sobre
seu quadril, sentindo o membro duro vir de encontro à minha pélvis,
enviando choques e quentura ao meu ventre. 
— Você é como uma droga, Arabella. Nunca estou saciado,
seu cheiro e sabor estão presos em mim, como uma maldição bem-
vinda. — E é como se sentisse dor ao dizer isso. — Fodê-la tem me
levado ao paraíso e, ainda assim, tem trazido o fogo do inferno à
minha alma e isso me confunde, menina.
Toco seu rosto, a barba arranhando minha palma, me
causando uma sensação de contentamento já conhecida. Eu vejo a
confusão em seus olhos e sinto meu coração bater mais depressa,
indo de encontro ao seu. Sinto uma vontade insana de lhe dizer que
também se tornou o meu vício, mas vou além, pois caso abrisse
minha boca, teria que dizer que me apaixonei e lhe entreguei meu
coração, ainda que tentasse protegê-lo.
— Me possua, Logan. Marque meu corpo, eu sou sua…
— Sim, você é!
Suas mãos se fecham na curva da minha bunda, se
levantando e me levando junto com ele, deitando-me sobre o piano.
Visto a camisola a qual me presenteou, a verde, de cor clarinha e
delicada, também transparente, junto à calcinha da mesma cor. A
coloquei para ele, a fim de lhe fazer uma surpresa, de ver esse olhar
de pura apreciação e luxúria presos em mim como faz agora. Amo a
forma que me olha ao me possuir, sua paixão, sua entrega, o fogo
que parece nos consumir, juntos. Estou apoiada em meus cotovelos
quando sua mão é espalmada sobre o vale dos meus seios,
arrastando-se por minha barriga, sentindo o tecido, a quentura de
minha pele embaixo dele e deixando um rastro de fogo pelo
caminho.
Com a outra mão, Logan sobe a barra da camisola, sua boca
vem para o meu seio, descendo para minha barriga, cheirando-me,
mordiscando, mantendo-me cativa. A camisola agora está embolada
em minha cintura, sua atenção presa na peça íntima pequena, que
se encaixou perfeitamente no meu corpo.
— Irei fodê-la assim, Arabella, sua visão dentro desta camisola
é dos deuses.
Seus dedos passeiam na lateral da calcinha delicada, e temo
que assim como as outras, ele a rasgue, mas não é o que faz.
Logan apenas a afasta para o lado, levando o nariz até a minha
boceta, a cheirando, inalando meu cheiro profundamente. Fecho os
olhos, sua selvageria me excitando, pois é como ver um animal que
precisa sentir o cheiro de sua fêmea para matar sua sede.
— Por favor… — imploro.
— Diga, Sunshine, o que quer?
— Me chupe, me coloque em sua boca — peço em um
sussurro, sentindo os meus mamilos enrijecidos, os seios pesados e
desejosos.
Logan tem os olhos presos em mim quando passa a ponta da
língua em minha boceta, me torturando, mal a tocando, para em
seguida mergulhar a língua em meu interior e deixar meu corpo
gelatinoso. Busco apoio, me segurando nas beiradas do
instrumento, amparando meus pés na madeira, levantando o meu
quadril e o impulsionando a me dar mais, muito mais. Logan suga
toda a minha boceta, faminto, insaciável e grito o seu nome, pouco
me importando se podem nos ouvir, presa ao prazer, às sensações,
ao desejo de me derramar em sua boca.
— Isso, por favor… isso é delicioso…
Arrasto minha boceta por seu queixo e nariz, querendo senti-lo
em toda a minha extensão, recebendo pequenos choques que se
alastram por meu corpo. Meu coração acelera, ainda que o sangue
pareça correr mais lento, como se eu pudesse sentir o universo, o
mundo girando de forma lenta e cadenciada. Sinto suas mãos em
minha bunda, me segurando, quando usa sua boca e seu rosto para
me dar prazer.
— O seu gosto é doce, menina, puro — sussurra, me olhando
a passar a língua por meus lábios íntimos.
É algo primitivo, devasso, e a necessidade a qual eu estava de
tê-lo assim, me chupando, faz com que eu não possa suportar por
mais tempo. Em principal, ao ver seu maxilar melado da minha
excitação, lindo e deliciado, ainda que faminto e me entrego quando
atinge o ponto exato, capaz de me estilhaçar. Me lanço ao
precipício, sabendo que será ele a me amparar lá embaixo, a me
trazer de volta.
Espasmos cobrem meu corpo e ele não para, enviando
choques para minhas extremidades, fazendo-me segurar sua
cabeça, puxar seus cabelos tamanha as sensações que me
causam. O prazer é algo delicioso e quando meu corpo retorna, não
sinto minhas pernas, não sinto meu corpo. Apenas quando entra em
mim, de uma única vez, estocando tão fundo quanto pode e quase
me levando de volta a outro orgasmo devido ao prazer que me dá.
— Você é a coisa mais preciosa gozando, Arabella, e agora
fará isso em meu pau! — sentencia e sorrio, querendo, desta vez,
gozar junto com ele.
 

 
Seu corpo jazia no chão, o rosto virado, com a bochecha
grudada ao cimento, pálida, a face esquerda marcada a ferro
quente. Suas roupas estavam rasgadas, feito frangalhos, após seu
corpo ter sido estraçalhado, sem vida. Mas eram os olhos vazios,
parados, sem foco, que eu não conseguia olhar por muito tempo,
pois não queria que a lembrança de quando estava viva e feliz me
deixasse, fosse apagada. Eu estava paralisado, a um metro de
distância dela, encolhido contra a parede de metal quente, abraçado
às minhas pernas. Estava nesta posição há horas, desde que seu
corpo foi jogado ali, à minha frente como um aviso.
A poucos metros à frente do corpo de minha mãe, tinha
também o corpo de minha irmã que apodrecia hora após hora, sem
respeito algum por sua pureza. Mas não havia mais qualquer
pureza, isso também foi arrancado dela minutos antes de ser morta,
suas mãos já sem os dedinhos pequenos, que foram enviados para
o meu pai. Mas não era só o corpo das duas que agora apodrecia
bem ali, mais adiante também estava o motorista que tentou nos
defender. Pisquei, mas não tinha mais lágrimas a derramar, sentia
que não tinha sequer um coração, pois não o sentia bater. Encarei
os tênis de cor azul-celeste, como vinha fazendo nos últimos dias e
tentei engolir a saliva. O cheiro já não me era estranho, podre,
amargo, ocre e já não me perturbava. Era como se eu fizesse parte
de tudo ali, putrefato e morto.
Moscas voavam sobre o lugar, colocando varejeiras por onde
passavam e nem mesmo seu zumbido perturbador me incomodava.
Uma delas pousou em minha mãe, mas não consegui me mover
para tirá-la dali, como fazia com o corpo de minha irmã. Não
adiantava mais. Ninguém veio nos salvar, ninguém.
Eu deveria ter medo, sabia que seus esforços agora se
voltariam para mim, mas não tinha, era como se eu quisesse que
isso acontecesse. Vi em um livro certa vez, que há muitas religiões
no mundo e que em uma delas, eles acreditam que, ao morrer,
desencarnamos e vamos para um lugar onde podemos até mesmo
rever parentes que já se foram.
Eu queria isso, queria minha mãe, minha irmã, queria vê-las
sorrir, o som entrando em meus ouvidos e espalhando alegria por
meu corpo. Não queria viver em um mundo em que elas não
estivessem, não queria.
A porta do fundo, onde separava esse galpão do outro ao qual
o monstro vivia, foi aberta e ele passou por ela. Seus passos
pesados ecoaram no piso de metal, reverberando nas paredes,
ainda quentes pelo sol do fim de tarde. Achei que estava morto, meu
coração já não acelerou ao ouvi-lo, minha voz não saiu quando ele
veio até mim e me pegou pela gola da camisa, me arrastando até a
mesa de madeira. Apenas engoli a saliva e pisquei algumas vezes,
muitas vezes, como se quisesse acordar, mas não acordei, contudo
senti o soco que ele deu em minha boca, espalhando o gosto de
sangue por minha língua e me dei conta de que eu ainda estava
vivo.
Fiquei zonzo e pensei que talvez fosse melhor desmaiar, mas
ele balançou meus ombros, me trazendo de volta. 
— Moleque idiota, você se urinou.
Olhei para baixo, vendo minhas calças arriadas e molhadas.
Em seguida, olhei por sobre o ombro, para ele, que tinha o membro
para fora da calça, duro, sua roupa suja de urina, minha urina, e
sorri, gostando de como isso o afetou e o contrariou. Meu sorriso o
deixou ainda com mais raiva e ele bateu mais uma vez em meu
rosto, fazendo minha cabeça ir de encontro à mesa.
Senti meu cérebro grogue, lento, e já não associava bem o que
ele dizia, o que iria fazer comigo, apesar de saber o que significava
minhas calças abaixadas. A lateral do meu rosto doía, doía muito,
mas não o suficiente para me deixar desacordado, ainda não. E com
o membro para fora, as calças meio caídas, ele caminhou até um
tipo de fogueira dentro de um tambor, pegando o objeto ao qual
queimou minha mãe, que tinha a ponta redonda vermelha de tão
quente e veio em minha direção.
Não me movi.
Não falei.
Não pisquei.
Não respirei.
— Vou te mostrar que é apenas gado, moleque, feito para
obedecer. Depois irei foder sua bunda, talvez sirva para me agradar
por um tempo.
Pisquei e senti então uma lágrima cair na mesa e minha
atenção se prendeu nela, na gota cristalina, que remetia a luz fraca,
amarela, me protegendo de sentir a pressão sobre o meu corpo. A
quentura do ferro contra minha pele foi tudo o que senti e travei os
dentes, sentindo xixi voltar a escorrer pelas minhas pernas, ou
talvez fosse cocô. Eu já não sabia. Fechei os olhos, mas não gritei,
pois nenhuma dor externa se comparava ao que minha mãe passou
e, ainda assim, ela não gritava, tentando não mostrar todo o
desespero e dor que sentia.
Eu também não iria, pois não merecia…
Acordo sobressaltado, o coração batendo na garganta ao ouvir
os gritos de Arabella, que está… jogada no chão. Olho de mim para
ela, que tem a mão em seu rosto, os dedos trêmulos sobre a face
vermelha. Meu corpo se arrepia, adrenalina corre por minha veia,
angústia toma conta do meu peito, meu estômago congelado, e
arranho a garganta, cobrando de mim qualquer reação.
— Arabella… — Olho para minha mão, para o meu corpo,
vendo-o completamente molhado, o lençol ensopado. — E-eu… —
tento falar, mas minha voz não sai. Ela não sai e um desespero
descomunal toma o meu corpo que parece ter perdido as funções
motoras. Fecho os olhos, os apertando, tentando formular uma
palavra sequer e volto a encará-la. — Eu bati em você? E-eu… —
Custa-me acreditar que fiz isso e minha garganta parece fechar,
meu peito dói como se uma âncora estivesse acoplada ao meu
coração ao ver a menina se levantar, olhos cheios de lágrimas,
tentando disfarçar o que fiz.
Mas não tem disfarce.
— Você estava tendo um pesadelo e eu… e-eu tentei te
acordar, você estava se debatendo e eu… não foi sua culpa. — Ela
volta para cama, se ajoelhando sobre ela, tentando arrumar a roupa,
não chorar, e eu me levanto como se a sua aproximação me
queimasse.
— Não! Não pode dar desculpas a mim. O que fiz é
imperdoável, eu…
Olho minhas mãos, de repente vendo-as sujas de sangue,
tendo um devaneio que me causa confusão ao ponto de me tirar do
lugar ao qual estou. Pisco, voltando ao real, me obrigando a
respirar, a entender realmente o que acaba de acontecer. Viro
minhas mãos de um lado a outro, elas estão limpas, mas o rosto de
Arabella…
E não sei como reagir a isso, não sei o que sentir, o que fazer
ou falar, estou perdido, em um maldito purgatório, tendo a menina
no chão — com o rosto marcado — em tela pausada em minha
frente. Eu sabia que nunca deveria ter dormido ao seu lado, que
nunca deveria ter baixado a guarda, dado espaço para que ela visse
o que guardo aqui dentro.
— Não, Logan… — Ela vem em minha direção, apressada,
mas nego seu toque.
— Me perdoe, Arabella. Me perdoe, mas não posso, agora não
posso — falo, indo depressa até o closet, pegando uma calça limpa,
com Arabella em meu encalço.
Sequer visto a peça que seguro em minhas mãos, voltando ao
quarto e vou em direção à porta, mas ela me para, se colocando à
minha frente. Tentando tocar meu rosto.
— Foi um pesadelo, Logan. Não posso culpá-lo por isso, não
posso. — Enxergo pena em seu olhar, piedade, dor e não consigo
suportar. Seguro seus pulsos, a afastando, a empurrando para que
saia do caminho. — Com quem estava sonhando, Logan? Fale
comigo, droga — pede chorosa e soa como facas entrando em meu
crânio.
— Preciso ficar sozinho, Arabella. Apenas saia do caminho.
Toco a porta e, de forma insistente, ela segura meu ombro
quando a abro.
— Converse comigo, me deixe entrar.
— Ao inferno, Arabella! — esbravejo, deixando o cômodo.
Pisco algumas vezes ao descer as escadas, pois meus olhos
ardem, conforme sinto o piso gelado na planta dos meus pés,
ouvindo-a me chamar, sua voz trazendo um zumbido constante à
minha mente enquanto relembro o maldito pesadelo ao qual me
tomou.
Sinto-me perdido.
Podre.
Quebrado.
 

 
Ando de um lado para o outro em meio ao quarto, horas depois
de ver Logan, transtornado, me deixar aqui. Não sei o que fazer e
sinto meu corpo reclamar pela queda, mas é o meu coração que
mais dói neste instante, por ver tanta dor em seu rosto, em seus
olhos. Por um momento, tive o vislumbre do homem por trás da
armadura inalcançável que Logan usa. Vislumbrei o quão quebrado
ele é, seus olhos se assemelhando ao de uma criança assustada,
presa no caos. Um bicho enjaulado e machucado.
Mordo o canto da unha, tentando repassar o que aconteceu
desde o momento em que acordei. Eu estava abraçada a ele
quando senti minha roupa molhada, pegajosa e quente. Logan se
debatia, falando coisas que eu não entendia, chamando por sua
mãe. Em sua última frase, ele pedia para morrer e foi nesse
momento que a dor que ouvi em sua voz, vi em seu rosto, me
desmontou e tentei acordá-lo, segurando em seus ombros. Ele abriu
os olhos, esferas inundadas por dor, sombrios, mortos. Não era ele.
Parecia não me enxergar quando enxotou meu toque,
empurrando-me com brusquidão, sua mão bateu em meu rosto
como se eu estivesse o machucando, me jogando no chão, para, no
instante seguinte, voltar a si. Juntando as sobrancelhas, olhando ao
redor até seu olhar cruzar com o meu. Seus olhos mudaram no
mesmo instante, assim como suas feições e foi como se ele fosse
um espelho a se estilhaçar ali, à minha frente.
E agora me pergunto o que Logan guarda dentro de si, capaz
de atormentá-lo daquela maneira. 
Toco meu rosto, ainda sinto minhas mãos tremerem pelo
nervosismo. A pele arde, mas não dói. Mordo o lábio, dividida entre
procurá-lo ou permanecer aqui em cima como me pediu. Estou
tentando respeitar seu espaço, seu pedido, mas já faz horas e não
aguento mais. Olho pela janela, para o ateliê ao longe mas as luzes
permanecem apagadas. Desço as escadas, apressada, ansiosa e
paro em frente à porta do escritório, como fiz ontem quando o ouvi
tocar. Me encosto à madeira, ridiculamente tentando ouvir algo, mas
poderia ouvir o quê? Não há nada além de silêncio do outro lado da
porta.
Sem aguentar mais esperar, abro a porta, devagar. A luz está
apagada, tem apenas um abajur aceso, me deixando vê-lo sentado
na poltrona. O tronco descansando no encosto, a cabeça para trás,
pernas abertas e os cotovelos apoiados nos braços da poltrona,
com um copo na mão. Logan trocou de roupa e tem os olhos
fechados, mas sua expressão não suaviza, dolorida. Quero chorar,
me sentindo em desespero por tentar entender o que lhe deixou
nesse estado, me sentindo perdida, sem saber que direção seguir.
Dou um passo à frente e ganho sua atenção, que empertiga o
corpo, deixando o copo vazio na mesinha ao lado.
Meu coração acelera enquanto ele me observa sério, sem
nada a dizer, seus olhos parecendo… mortos.
— Você não costuma beber — tento, apontando para o copo
ao lado. Ele o olha e quando volta a me encarar suas feições estão
livres de qualquer emoção.
— Há exceções — é sua única resposta, passando um tempo,
longo demais, enquanto me observa. Meus dedos tremem ainda
mais e por isso seguro as laterais do robe, apertando o tecido entre
eles. — Pegue suas coisas, Arabella, irei pedir que a levem para
casa.
— Eu não vou — nego e vejo-o apertar os olhos em minha
direção.
— Não? — Sua voz sai baixa, carregada.
— Você me ouviu, Logan.
— O que diabos quer, pensa que está fazendo o que, menina?
Eu a agredi, deveria estar fugindo daqui como uma garça
assustada. Agora vá! — Sua voz sobe uma nota.
— Eu não vou a lugar algum — falo, resiliente, e me aproximo,
tentando tocá-lo, mas ele nega. Logan segura o meu pulso, se
levantando, apertando-o. — Sei o que está fazendo, sua tentativa de
fuga, o modo grosseiro, tudo isso para me assustar, me afastar. Mas
adivinha, Logan, não vai funcionar.
— Não sabe o que diz, não sabe quem sou, o que guardo aqui
dentro.
— E não importa. Eu nunca vou te deixar, não importa o
quanto tente me afastar. 
Não dou margem para dúvidas em minha voz, decidida. Seu
queixo se move um pouquinho, para o lado, como se custasse muito
acreditar no que acaba de ouvir, soltando meu pulso com
brusquidão, parecendo crescer à minha frente, sua feição se
tornando fria, inalcançável.
— Não tem qualquer noção do perigo, menina. Estou dando a
você liberdade. O acordo está rompido, entende isso, porra? Agora.
Saia. Acabou!
Engulo o bolo em minha garganta, o choro preso, meu coração
se afundando em comiseração. Sinto como se eu estivesse me
afogando em um mar gelado quando ele passa por mim em direção
à porta.
— Não! — Logan estanca no lugar ao me ouvir, as costas
tensas, as cicatrizes à mostra, quando me olha por sobre o ombro.
Posso ver sua revolta. Sua raiva. Mas sua ira não me importa, pois
sei que esse ódio, não é sobre mim. — Não é de mim que tem raiva,
não vou deixar que desconte o que sente em nós, que me afaste.
Isso não te fará melhor. Eu não vou te deixar. — Uma lágrima me
escapa, mas engulo o choro.
Logan sorri, se voltando em minha direção.
— Por que apenas não vira as costas e vai embora, Arabella?
— Sua voz sai baixa, impaciente, perigosa.
O silêncio ecoa na sala, fazendo meus ouvidos doerem, meu
peito parece estar sendo rasgado. Minhas pernas parecem
gelatinas, a ponto de ceder.
— P-porque, por mais que eu tenha tentado proteger meu
coração, ele não me obedece e está agora em suas mãos, Logan.
Porque, por mais que eu tenha dito que não me apaixonei, eu falhei.
Não consegui manter os sentimentos do lado de fora. Não tenho
controle algum sobre isso e eu te amo, Logan — deixo escapar, com
o medo preenchendo meu peito, me aterrorizando, sem saber o que
ele fará a seguir. Ao mesmo tempo, me sinto leve por enfim ter dito
que me apaixonei.
Tudo parece paralisado, o tempo em suspenso, sua respiração
acelera e ele fecha os olhos, os apertando com força. Vejo dor em
sua expressão, confusão quando ele volta a abrir as esferas
revoltas, que mais parecem um mar em meio a um furacão, ao levar
as mãos à cintura. Ele parece não acreditar no que ouve ao fixar
seu olhar no piso, negando com um aceno.
— Isso é um erro. — Logan parece enjaulado, um animal
incompreendido atrás das grades. — Avisei a você que não entraria
sentimentos nisso aqui, no que tínhamos. — Ele gesticula entre nós
e mais uma lágrima me escorre, uma que eu limpo com brusquidão
após ele nos colocar no passado. — Achei que seria inteligente o
suficiente para entender isso, Arabella.
— Ainda assim, não fui capaz de obedecer, não sou inteligente
o bastante, como pode ver. Não sou senhora dos meus sentimentos
como você é — esbravejo, apertando as mãos em punho, tentando
não desabar em choro. Minha garganta dói e é como se ao dizer
que o amo, eu tenha me despido de minha armadura e coragem,
estando exposta demais, à deriva. Já não consigo controlar as
lágrimas.
— Não sou a porra do senhor de mim neste momento,
Arabella. Eu falhei miseravelmente, não vê isso? — Ele abre os
braços, mostrando-se, tão revoltado que sinto como se espinhos
fossem enfiados em minha pele. — Não posso dar o que quer, esta
noite teve uma prova disso. Só vá embora enquanto pode, menina
— pede, parecendo vencido. — Obedeça ao menos uma vez na
porra da sua vida, pois o que quer, eu não estou disposto a dar. — E
eu não entendo por que continua a dizer isso, não mesmo, pois a
cada gesto, cada ato de carinho e cuidado direcionados a mim me
diz o contrário, como ele não vê? Corto a distância entre nós,
segurando seu rosto em minhas mãos.
— Me deixe te amar, me deixe entrar, droga. Me deixe… —
Não termino a frase, pois Logan me beija. Bruto, possessivo,
atormentado, como se meus lábios fossem o seu bote salva-vidas.
Seus lábios buscando minha língua, seus dentes me arranhando em
toques quase animalescos, deixando o gosto da bebida e charutos
me preencher.
— Quer entrar, menina? Quer ter um pouco do que sou?
— Q-quero — sussurro, com os lábios trêmulos.
Logan segura meu pescoço, me empurrando para trás, contra
a mesa de sua sala, deitando-me sobre ela, fazendo com que
objetos vá ao chão, quebrando alguma coisa que faz um barulho
ensurdecedor ecoar contra as paredes. Suas feições são como
pedra, sua mão permanece presa em meu pescoço, a outra desce
por meu corpo, apertando minha carne, enquanto rasga a camisola,
expondo meu corpo. Ofego e Logan me olha, puxando-me para ele,
beijando meus lábios e me fazendo sentir o gosto da bebida. Seus
dentes cravam-se em meu lábio inferior com força, me dando o
gosto de sangue quando o solta.
Ele me encara, olhos vivos, sem luxúria, há apenas escuridão.
— Darei o que quer, Arabella.
O gosto ferroso se espalha por minha boca e ele sorri cínico,
lambendo o sangue em meus lábios e volta a me beijar como se
quisesse cada pequena gota que me arrancou. Isso me assusta na
mesma medida que leva mais para ele. Logan me beija como se sua
vida dependesse disso e correspondo, notando que a forma com
que me toca está mais apressada, mais bruta e necessitada.
Selvagem. Sua boca desce por meu pescoço, sua mão aperta
minha boceta, me levando a abrir mais minhas pernas para ele.
Gemo, convencida de que não importe o que faça, quanta força use
no sexo, eu sempre estarei pronta e entregue para ele. Excitada. 
Sei o que ele deseja, sei que pretende levantar seus muros
mais uma vez, mas não darei o que quer!
Ouço um rosnado vibrar em sua garganta quando invade
minha boceta e a encontra molhada, sensível a ele. Me abro mais,
vendo-o tirar o pau para fora da calça e o colocar em minha entrada,
seus dentes se cravando na pele do meu pescoço no mesmo
instante em que estoca, de uma única vez, em meu interior. Grito,
sentindo dor e prazer. Algo quase infernal, visceral.
E assim que me solta, olho para o lugar onde mordeu, o qual
agora passa a língua, enquanto tem seus olhos presos em mim,
esperando uma reação após ver as marcas dos seus dentes em
minha pele. Os cabelos de minha nuca são puxados, me obrigando
a olhar para ele, quando tenta ver reprovação em mim. Talvez
medo, qualquer coisa que embase seu afastamento, que me faça
correr para longe.
— Terá que fazer mais que isso, Logan! — peço entredentes.
Pulso ao seu redor e ele nega, enraivecido, inconformado.
Sorrio quando me puxa, quando me leva consigo e me coloca
debruçada sobre o piano, a bunda empinada voltando a recebê-lo,
sentindo seus dedos hábeis massagear meu clitóris. Gemo e Logan
morde minha nuca, ombro e pescoço, desta vez sem se conter, sem
se segurar. Dor e prazer duelam, em uma batalha a qual não terá
um ganhador. Pois tenho vontade de afastá-lo na mesma medida
em que quero mais. Minhas pernas tremem, meu corpo vibra, meu
ventre chora a cada estocada, indo cada vez mais fundo.
Sons roucos deixam sua garganta. Sua boca encostada em
meu ouvido ao falar:
— Vadia teimosa. Veio das profundezas do inferno, Arabella,
só pode ser isso.
Sorrio, recebendo sua rendição quando se coloca de joelhos e
me chupa, mordendo-me ali, bruto, gostoso, me deixando à beira de
um orgasmo, apenas para sentir meu gosto, lambuzando-se, sem
nenhuma intenção de me deixar ir até o final.
— Não, eu vim para trazer cor à sua escuridão. — Minha voz
não passa de um sussurro enquanto seus olhos estão presos em
mim, surpresos.
Logan volta a me penetrar e fecho os olhos, sentindo seus
dentes se afundarem em minha nuca, seu pau se atolando em
minha boceta, mais rápido, fazendo o barulho seco bater contra as
paredes, o cheiro de sexo exalar no ambiente. Amo isso, essa
energia que nos cerca durante o ato, a forma visceral com que
sempre me toma, o prazer que me remete e até mesmo a ardência
que deixa em minha pele ao me morder.
Seu punho se enrola em meus cabelos, puxando-o, e me
entrego ao gozo, sentindo os espasmos tomarem conta do meu
corpo, ouvindo meu nome ser dito por Logan, como uma prece bem-
vinda ao se derramar em meu interior e eu sei, que nessa batalha fui
eu a ganhar. Exausta, sinto sua testa tombar sobre minhas costas,
em segundos que nada mais é ouvido. Minha pele arde, minha
boceta também e meu interior queima, saciado.
Logan sai de mim, abrindo minha bunda apenas para ver sua
porra escorrer de minha boceta, marcando seu território. Sinto seu
dedo passear por minha entrada, espalhando seu gozo por toda a
minha boceta e ânus. Subindo no comprimento da minha coluna e
segurando minha nuca, me levando para ele ao virar-me de frente,
colando sua testa na minha. Sua respiração bate contra meu rosto,
meu gosto junto ao de uísque, deixando um rastro em meus lábios.
Seus olhos estão fechados, apertados e quando se abrem… há
remorso.  Seus dedos passeiam por meu queixo, subindo por minha
bochecha, tentando ver se ainda há marcas em meu rosto.
— Não quis machucá-la. No quarto. Eu não quis… — fala,
atormentado, e coloco meu dedo em seus lábios, impedindo que
continue.
— Eu sei. Eu sei. — Toco sua mão, entrelaçando nossos
dedos. — Mas não vai me enxotar da sua vida, Logan. Eu te amo.
Ele nega e posso ver sentimentos controversos banhar a íris,
agora em um azul mais escurecido, mas não menos revolto.
— Não pode amar alguém como eu, Arabella. Não sabe o que
está falando.
— Não tem volta, eu já o amo. — Logan solta o ar em seus
pulmões, rendido e se afasta, apenas para me pegar em seus
braços, beijando meus lábios de forma breve.
— Se ficar, saiba que não posso retribuir a esse sentimento.
Não sei fazer isso.
Apenas suspiro, pois depois do que vi hoje, me nego a
acreditar nisso. Encosto minha cabeça em seu peito, ouvindo seu
coração bater apressado, fora do ritmo. Fecho os olhos e respiro
fundo à medida que nos leva de volta ao quarto.
 

 
Entro no banheiro e encontro Logan embaixo do jato de água
potente, tão alheio que desta vez não parece se importar com a
cicatriz exposta em suas costas, algo que ele sempre fez questão
de esconder, de me impedir de tocar. De cabeça baixa, ele tem as
mãos espalmadas no azulejo do boxe, olhos fechados enquanto a
água escorre por seu corpo. E vê-lo dessa forma estilhaça algo
dentro de mim, pois aquele pesadelo mexeu com ele de forma
profunda e eu não sei como ajudar. O que fazer para que me deixe
entrar.
Não posso entender aquilo que não sei e no momento Logan é
uma incógnita, uma que eu pretendo desvendar. Entro no boxe,
mesmo já tendo tomado banho, devagar, tocando suas costas,
testando, para então abraçá-lo.
Logan não se afasta, apenas aceita meu toque, sem se mover.
Coloco as mãos sobre o seu coração, sentindo-o bater em um ritmo
calmo, constante. Posso ver bem a marca em seu ombro agora,
grosseira e profunda, com relevo a cada traço, parecendo ter uma
letra ali dentro, que não consigo ler, mas que se parece com um D.
Beijo-a, uma e duas vezes, e sinto seu coração acelerar sob meu
toque, sua mão cobrindo a minha, sem me afastar.
Sua respiração é constante e sinto-o levar minha mão aos
lábios, beijando a palma, depois meu pulso, se virando entre meu
abraço, rodeando minha cintura. Seus dedos tiram os fios de cabelo
do meu rosto, arrumando-os atrás de minha orelha de forma
delicada. Ainda tenho medo de ouvi-lo me mandar embora, não
nego. Logan não me encara, seus olhos estão nas marcas
avermelhadas em minha clavícula.
Sinto seu dedo passear sobre a pele marcada, sensível,
seguindo para a outra em meu seio e, diferente de outras vezes que
me deixou chupões, agora Logan não parece orgulhoso do seu ato,
nada satisfeito. Das outras vezes, ele não queria me punir, não fez
para provar um ponto, para me fazer ir embora. Das outras vezes,
ele não deixou minha pele arranhada, tampouco eu disse que o
amava. Ele encosta sua testa na minha, sua respiração batendo em
meu rosto, gotículas de água escorrendo do seu cabelo colado em
sua testa.
Tudo parece tão incerto agora, tão confuso. E quero falar,
perguntar, saber mais, ao mesmo tempo sinto que se fizer isso,
Logan irá fugir, me jogar para longe, eu não sei. Suspiro, buscando
coragem onde não tenho.
— O sonho, era com sua mãe? — pergunto e não o olho,
temendo sua reação. Nem me movo, sendo sincera, contemplando
apenas o barulho da água caindo no piso como resposta.
Nada é dito por alguns segundos e penso que como fez certa
vez na mesa do café da manhã, ele não falará nada.
— É sempre com ela. — Sua voz sai baixa e me surpreende,
seu coração aumenta o ritmo sobre o meu toque. Busco seus olhos,
mas eles estão fechados, apertados.
— Isso tem acontecido com frequência? — Nunca presenciei
algo assim, mas Logan nunca pegou no sono ao meu lado antes.
Ele respira fundo, parecendo precisar de tempo para falar, para
pensar, organizar sua própria confusão.
— Há muito tempo não os tinha, mas se tornaram constantes
há mais de dois meses. Mas hoje foi pior. — Ele abre os olhos, as
esferas atormentadas brilham em desalento. 
— Por quê?
— Na psicologia, há quem acredite e defenda a teoria de que o
inconsciente atua como um tipo de cortina protetora em diversas
situações de nossas vidas — explica, a voz rouca, mas constante.
— Onde esconde lembranças daquilo que já nos aconteceu de ruim,
coisas que podem nos machucar. Hoje, uma dessas lembranças me
tomou, não era só um pesadelo, elas vieram vívidas demais e era
algo que eu não queria mesmo me lembrar. 
— Sua mente estava te protegendo — concluo, ansiosa por
saber mais. Protegendo do quê? É o que quero muito saber. Ele
anui e sei que provavelmente não falará mais nada, percebo pela
forma resiliente a qual se fecha. — Talvez possa ir a um psicólogo,
psiquiatra, não sei. Deve ter alguém que possa ajudar — falo meio
angustiada, imaginando que ele deve ser orgulhoso demais para
tanto. Tentando compor qual lembrança pode ser essa, ao ponto de
deixá-lo tão vulnerável.
— Não se preocupe com isso — pede, o dedo circulando
minha bochecha, olhando-a com atenção mais uma vez.
— Não foi nada — tento e ele bufa em resposta. — Logan, Lilly
é sua irmã? — pergunto, aproveitando a deixa e sei que a conversa
acabou quando ele finge não me ouvir, se desvencilhando ao
desligar a ducha e pegar as toalhas ao lado, me entregando uma.
— Agora precisa descansar — pede e enrola a toalha em seu
quadril. — Irei descer. — Meu coração acelera ao ouvi-lo.
— E para onde vai? Você também precisa descansar, Logan
— tento, mas Logan pouco me dá ouvidos.
— Mas não aqui. — Suas mãos se fecham em conchas em
meu rosto, seus olhos varrendo-me. — Não confio em mim ao seu
lado e você também não deveria. Agora vá para a cama, Arabella.
— Com isso, Logan beija minha testa, de forma demorada, antes de
sair do banheiro.
Perco algum tempo, estática, percebendo a distância
quilométrica que foi colocada entre nós ao ir para a porta e vê-lo
sair, ainda vestindo uma de suas muitas camisetas pretas e
moletom. Engulo em seco e uso a toalha para secar meu corpo,
guardando-a. Pego a camisola sobre a cama, que havia separado
antes de ir para o banho e a visto, indo até a janela. Observo o
jardim, algo aqui dentro dizendo que ele irá para o ateliê. Não
demora para vê-lo cortar o caminho de cascalhos, a passos largos e
elegantes, sem olhar para trás.
Solto o ar e só então, ao vê-lo entrar ali, volto para a cama,
puxando o seu travesseiro e o abraçando. Seu cheiro está nele e
inalo profundamente, tentando acalmar meu coração e minha mente
com tudo o que aconteceu hoje, pensando em como percorrer essa
distância colocada entre nós.

Na mesa do jantar, enquanto bebo meu bom e velho café,


Logan toma seu chá como de costume, de hortelã, enquanto lê o
jornal em completo silêncio. Chega a ser ensurdecedor. Mordo o
lábio, as palavras presas em minha garganta, tentando puxar
qualquer assunto que dure mais que duas palavras. Acordei e o
encontrei na piscina, em seu exercício matinal, até me ofereci para
entrar com ele, mas Logan negou, me informando que precisará
viajar para Nova Iorque daqui a pouco e por essa viagem, eu não
esperava.
— Pedirei a John que a deixe em casa, Bella, e que cuide de
sua segurança. — Engulo o bolo em minha boca e não posso
reclamar sobre isso, não depois de ver aquele homem em uma
estaca. Mas ao menos eu voltei a ser Bella.
— Tudo bem — confirmo e ele me olha por cima do jornal.
Talvez esperasse que eu batesse o pé com relação à sua ordem. Eu
não vou.
— Sobre ontem, Arabella. 
— Eu já disse que está tudo bem, Logan — corto-o.  — Não
precisa ser um evento, aconteceu, não podemos mudar isso.
Também não posso mudar o que eu disse e não me arrependo, se é
sobre isso o que vai falar.
Afasto a xícara de café, quase vazia, de repente sentindo os
ovos mexidos, que comi há pouco, a ponto de voltar por minha
garganta. Mas não quero ouvir de novo que ele não pode amar, que
não me dará o que quero, quando eu sei que é apenas teimosia
sua. Porque, de alguma forma maluca e deturpada, eu me sinto
amada, protegida.
— Estou falando da forma como a tratei, em meu escritório, e
não irei culpar a bebida — fala de forma clara, calma e pausada. —
Não deveria tê-la tratado daquela forma, Bella. Não deveria ser
assim com você. — Logan não é bom em pedir desculpas e já faz
algum tempo que descobri isso, mas o que me chama atenção na
frase são suas últimas palavras.
— Comigo?
— Entenda que nunca foi diferente com nenhuma outra,
Arabella, até você chegar e o que aconteceu ontem, não vai se
repetir.
Engulo em seco, olhando para mim mesma. Escolhi uma blusa
com gola alta, laranja, que esconde bem a marca no início do meu
pescoço e clavícula. Meus pensamentos vão para a noite passada,
o quão animalesco foi, visceral, o quanto pareceu excitado ao
lamber o sangue em meu lábio e me pergunto como era antes de
mim. Até onde ele ia, até onde permitiam que fosse, me
perguntando também o porquê de ser diferente comigo, por qual
motivo é assim, se ele mesmo deixou claro que não há
sentimentos?
Meus pensamentos são interrompidos pelo barulho de algo
sendo arrastado sobre o tampo da mesa e olho em direção à sua
mão. Tem duas chaves embaixo de seus dedos.
— Na terça, irei pedir para John buscá-la no fim da tarde e
caso eu não tenha chegado, terá uma cópia da chave desta casa,
me espere aqui. — Arregalo os olhos, tomando as duas chaves em
minha mão.
— E-estou sendo chaveada logo no café da manhã? — brinco,
mas ele não parece divertido. É apenas… Logan outra vez.
— Apenas se quiser. — Seguro as chaves em minha mão e
me levanto, tentando o mínimo de normalidade em meio ao caos,
indo em sua direção e me sentando sobre suas pernas, o
surpreendendo ao emoldurar seu rosto.
— Adorei ser chaveada a essa hora da manhã. Obrigada. —
Ele anui e eu beijo-o.
E me dou conta que o homem que saiu do quarto nessa
madrugada, já não é mais esse à minha frente. Não, esse tem o
controle de si, dos seus atos e palavras, e já não quer me afastar.
Porém esse, não tem todas as emoções que o outro transparecia.
Senti que com o outro, eu poderia entrar, mas não com esse. Pois
suas armaduras estão novamente de pé.
 

 
No carro, com os vidros escuros fechados, a ponto de não ser
reconhecido, observo a mulher ao longe à beira da estrada. Ela tem
algo nas mãos, uma chave de roda e parece inconsolável ao olhar a
lateral do seu carro, tão chamativo quanto ela. Um sedã de cor
vermelha.
Afrouxo o pé do acelerador ao me aproximar, diminuindo a
velocidade, podendo observá-la bem agora. Ela tem quarenta e dois
anos, alta, de cabelos castanhos e corpo escultural. Bunda grande e
redonda, pernas grossas e peitos fartos à mostra em um vestido
forrado, colado ao corpo, na cor branca. O comprimento vai até os
joelhos, de um tecido quase transparente. Seu carro tem o pneu
estourado e ela olha em minha direção, parecendo em dúvida entre
pedir ajuda ou não e ainda que não peça, paro no acostamento a
dois metros de distância.
O céu está nublado, parcialmente frio, como gosto. Observo-a
pelo retrovisor, que corre alguns passos, sorrindo esperançosa em
minha direção. Abaixo o vidro do carro e logo a tenho ao lado, o
perfume enjoativo doce além da conta me alcança antes dela,
parecendo empurrar um punhal em minha têmpora que lateja. As
mãos se apoiam na janela ao meu lado, unhas grandes e vermelhas
bem-feitas e talvez eu não fosse a pessoa a qual esperava, mas sei
pela sua expressão que minha imagem muito a agrada.
As pessoas tendem a ter uma confiança excessiva em
pessoas bem-vestidas, de aparência confiável, um erro. O que é
belo também é capaz de ferir. Mas poucos capazes de ver através
do véu ao qual escondemos nossos demônios.
— Parece que precisa de ajuda, senhora? — corto o silêncio e
ela sorri, sem jeito. Tem olhos pretos, expressivos e maldosos.
— Senhorita e me chamo Lana. E sim, por favor. O meu pneu
estourou e não tenho sinal aqui — diz, me mostrando a chave em
sua mão. — E não faço a mínima ideia de como trocá-lo. —
Confirmo e finjo olhar pelo retrovisor, para o carro logo atrás, o pneu
estourado não me surpreende em nada, foi planejado.
— Bom, não posso me oferecer para trocar seu pneu, tenho
pressa, mas caso queira uma carona até o posto mais próximo,
entre — ofereço, usando de gentileza excessiva para persuadi-la. A
mulher olha para o carro e depois sorri, voltando a me encarar, em
dúvida. — O posto fica apenas a uns cinco quilômetros de distância.
— Tiro os óculos escuros e ao poder me encarar, olho no olho, a
dúvida se dissipa.
Sei o que parece. Sou a personificação da boa índole. Alguém
bem-vestido, limpo, com boas roupas e um carro de luxo.
Completamente fora do que se espera para alguém capaz de fazer
atrocidades. Coloco isso na conta do preconceito de uma era, por
isso, quero dizer aqueles que só veem o mal ao colocar etnias, raça
ou culturas em jogo. 
— Só um minuto — pede, se distanciando.
Esse ponto da estrada, ao qual estamos, é perfeito para o que
preciso. Perto o bastante de Londres para uma emergência e longe
o suficiente para despistar qualquer um que queira rastrear o
paradeiro da mulher que volta correndo, dando a volta e entrando no
carro. Agora seu perfume está por todo canto e isso me enoja.
— Obrigada, não sei como agradecer. — Olho-a de esguelha,
a vítima perfeita.
Desde que deixei Arabella naquele banheiro, na madrugada,
tenho fome e a necessidade de sentir o sangue em minhas mãos,
de estar no controle daquilo que nasci para fazer: matar. Pretendo ir
para Nova Iorque, não menti quanto a isso, mas antes…
— Não precisa.
Dou partida, mantendo uma velocidade razoável no asfalto.
Clair de Lune soa, enquanto a mulher, Lana, bate o pé de forma
incessante no chão, o que me incomoda, e olha para o celular, em
seguida para mim, tentando achar qualquer assunto enquanto me
analisa, esperta.
— Acho que conheço você.
— Provavelmente — concordo, segurando o volante com a
mão esquerda, tocando a seringa, embaixo da minha perna, com a
direita. 
— Ah, claro, você é Logan Hopkins. O conheço dos jornais e
de algumas revistas — compreende, dando um tapinha na testa e
volta a mastigar seu chiclete de forma vulgar. — Que sorte a minha,
logo você, bonitão. — Aperto o volante entre meus dedos e ela não
para de falar. — Você é mais bonito pessoalmente — anui e nem
mesmo a olho. — Mas me diga, costuma ajudar mulheres em
estradas desertas?
Encaro-a e um sorriso linear, cínico, toma meus lábios.
— Apenas aquelas a quem pretendo matar. — Em um primeiro
momento, ela sorri, para em seguida a compreensão alcançar seus
olhos, transformando sua face em descrença e horror, sua mão
voando de encontro à maçaneta do carro, que já tem as portas
devidamente travadas.
— Você… — Não deixo que termine, nem que reaja ao tentar
abrir a porta, uso a seringa em minha mão, enfiando-a em seu
pescoço, próximo à nuca.
Ela sequer tem chance, seu corpo amolecido caindo no
assento, sem que consiga pedir socorro.
— Isso, durma. Afinal, não fará isso por um bom tempo —
sentencio. — Lana James, seu futuro já está traçado, acabou de
comprar uma passagem direto para o inferno!
 
 

 
Meu celular vibra sobre a mesa e, depressa, pego-o, sorrindo
como boba ao ver seu nome na barra de notificações. Ele não
esteve muito acessível nos últimos dois dias, sempre monossilábico
em suas respostas a minhas mensagens, também não me ligou, por
isso sinto meu coração acelerar no peito ao ser ele a começar essa
conversa.
“Boa noite, Sunshine.”
E antes que eu possa responder a isso, outra mensagem volta
a cair.
  “Vim a Nova Iorque para fechar uma compra a qual venho
negociando há um bom tempo. Acabo de adquirir a House Bow, por
48 bilhões de dólares. A negociação durou quase um mês, pois os
Collen também tentavam adquirir a empresa. Matei alguns tubarões
no caminho, mas enfim fechei o negócio como era esperado. Agora,
pretendo reformular todo o programa, deixá-la mais acessível,
inclusiva e mais liberal, e você tem apenas doze horas para ser a
primeira a noticiar o caso, antes que os jornais americanos o
façam.”
Leio a mensagem, sentindo uma quentura gostosa se espalhar
por meu estômago. As velhas borboletas abrem uma revoada em
meu estômago, me fazendo entender como é amar alguém. Recosto
na cadeira, ainda sem acreditar que agora, Logan acaba de dobrar
seu poder aquisitivo. Mordo o lábio ao voltar a escrever, suprimindo
um sorriso:
“Parabéns, fico contente por você. Em vinte minutos, essa
notícia estará no ar. Mas quero uma exclusiva com você, todos os
detalhes para uma matéria completa.”
Envio e mordo o cantinho da unha esperando uma resposta
sua, aliada em ter a mínima normalidade entre nós novamente.
“Fico satisfeito em servir um bom entretenimento. Cheguei a
Londres há pouco mais de uma hora e acabei de sair de uma
reunião. Passo na redação em vinte minutos para pegá-la.”
Quase gemo, meu coração agora pegando carona em um
cavalo, passando a galopar em meu peito.
— Droga — deixo escapar quando lembro que tenho a matéria
aberta em minha tela para revisar ainda, antes de ir para casa, além
da que irei escrever agora para o site. Olho o relógio e me dou conta
de que já é tarde.
“Hoje passarei mais algum tempo na redação, preciso finalizar
uma matéria. Mas quero muito comemorar sua aquisição com você
esta noite, aviso quando estiver pronta.”
“John está comigo e irá pegá-la assim que acabar.”
“Ok, beijos.”
E é claro que ele não responderá a isso, ainda assim fico um
tempo olhando a tela, à espera de uma resposta. Quando não a
tenho, olho para a porta, para me certificar que está tudo calmo lá
fora e volto para a tela aberta à minha frente. Abro outra janela,
temendo que mais alguém possa ter essa informação a qual Logan
me deu e passo a montar a manchete. Será algo pequeno, com as
informações principais que me passou. Somente amanhã soltarei a
matéria completa, depois de arrancar de Logan detalhes dessa
negociação.
Agora entendo o encontro no baile, há três semanas. Collen já
sabia que Logan estava atravessando suas negociações, claro, por
isso a troca de farpas. A outra viagem a Nova Iorque também deve
ter sido para isso, ele disse que vinha negociando já há algum
tempo. Absorta e empolgada em ter uma notícia exclusiva, nem vejo
a hora passar. Olho novamente em direção à porta, me certificando
de que não vem ninguém, e vou para o site, para soltar a matéria.
Mordo o canto da unha, escolhendo uma foto do grande
magnata da indústria da tecnologia, sorrindo ao encontrar uma
perfeita, que tirei dele na galeria no primeiro dia em que nos vimos.
Mãos nos bolsos da calça social preta, absorto na tela à sua frente.
Solto a matéria, sentindo uma euforia sem tamanho tomar conta do
meu estômago enquanto ela é publicada. Comprimo um sorriso e
volto para o trabalho ao qual eu estava fazendo, me sentindo
estranhamente feliz ao vislumbrar que as coisas podem voltar ao
normal, que Logan pode aceitar ser amado e, quem sabe um dia,
retribuir a esse amor. A mensagem, a chave que me deu, a
normalidade de sua escrita, indica que está tudo bem.
Suspiro, negando ao ver algumas fotos relacionadas ao texto
ao qual leio, referente a uma grande marca, em alta, no mundo da
moda.
— Preto demais — sussurro ao ver um dos modelos da marca.
Não tem nenhuma corzinha mais vibrante e feliz.
Paro de digitar ao ouvir gritos soarem no corredor. Achei que
não tinha mais ninguém aqui. Mas posso ouvir a voz de Richard e
de Charles, nosso diretor, aos berros, criando eco contra as
paredes. Assustada, me levanto e vou até a porta, apressada. Abro-
a e me deparo com Richard transtornado, apontando o dedo na cara
do chefe administrativo. É quando Richard me olha, parecendo cego
de raiva, vindo em minha direção. Chego a dar um passo atrás, mas
Charles o segura pelo braço, ou tenta.
— É por causa dela, não é? O que você foi choramingar para
aquele desgraçado, sua filha da puta? — Eu engulo em seco, sem
entender ao que se refere.
— Do que… do que está falando? — Richard sorri, arrogante,
e para de se debater, empurrando Charles para que o solte.
— Não faça nenhuma besteira, Richard. Seja profissional,
caramba.
— Profissional?  — Ele encara o homem ao seu lado, uma
cabeça mais alto e sorri. — Você pode ter vendido a sua bunda para
o Hopkins, mas não eu. Jamais vou permitir que aquele desgraçado
afunde o meu jornal — berra e volta a me encarar. Meu coração
bate em minha garganta, o tempo em suspenso quando as
engrenagens em minha cabeça começam a funcionar. — Por que
acha que te contratei? Foi uma das principais condições impostas
por aquele filho da puta para comprar o jornal. Jornal este que foi a
minha vida.
— Não — Charles o interrompe, sarcástico, apontando um
dedo em sua direção. — Não me venha com essa, Richard. Você
não fez caridade aqui, era o seu trabalho, ao qual você foi pago para
fazer e muito bem pago.
Sinto como se tivesse sido atingida por um tapa. Sinto também
minhas pernas fraquejarem quando paro de ouvir o que fala, presa
em sua frase relacionada à minha contratação. Foi ele…
— Não, eu não vou aceitar — berra e avança sobre mim,
segurando meu pescoço, enquanto Charles tenta empurrá-lo para
longe.
Sinto minhas costas irem de encontro à parede e estapeio seu
peito, tentando me libertar. Richard tem sede em seus olhos, sua
mão apertando-me ao ponto de me tirar o ar.
— Me solte! — tento, a voz saindo esganiçada, um nada. Tento
respirar, arranhando seu rosto, sem sucesso algum. Me desespero e
posso ver o ódio em seus olhos, o quanto me asfixiar o agrada e em
um reflexo angustiado, levanto o joelho, socando-o entre as pernas
e só então o aperto se afrouxa.
Richard berra, se afastando, segurando suas partes enquanto
passo a tossir, tentando recuperar o ar.
— Você vai me pagar. Você vai acabar na merda, porque ele
vai se cansar de você. — Me amparo na parede às minhas costas,
enquanto Charles tenta contê-lo junto aos seguranças que acabam
de chegar.
Richard ainda esbraveja mais impropérios, sendo arrastado e
impedido até mesmo de pegar suas coisas. Mas já não estou aqui,
minha mente trabalha revisitando lembranças relacionadas às tantas
vezes que falei com Logan sobre o jornal. Meus pulmões queimam e
eu pareço fora de mim quando Charles para à minha frente,
preocupado, segurando meus ombros.
— Arabella, fale comigo.
Eu nego, sua visão sendo nublada por lágrimas. Ele me
comprou, no fim ele deu um jeito de fazer exatamente isso.
— É verdade o que ele disse, não é? Logan comprou mesmo o
jornal. — E já nem é uma pergunta, pois sei a resposta. Charles me
olha com pena e isso me embrulha o estômago. Estava na minha
cara o tempo todo. Como ele pôde?
O homem à minha frente está branco como um papel, sem
saber o que dizer ou fazer e apenas anui.
— Mas saiba que…
— Não, não fale. — Me afasto, aos tropeços, e pego minha
bolsa e o casaco no encosto da cadeira, saindo da sala sem me
importar com nada além da necessidade de encontrar Logan.
Ele não podia ter feito isso comigo, não podia. Eu confiei nele,
desabafei sobre os meus medos e sonhos, contei coisas que… ele
já sabia e, em nenhum momento, ele me contou. Me sinto perdida
quando entro no táxi e dou a ele o endereço de Logan. Tentando
pensar com coerência, tentando acalmar a decepção em meu peito,
tentando entender o que aconteceu e me achando tola por tentar
encontrar desculpas para ele quando não tem nenhuma.
Algo aqui dentro tenta me dizer que ele se sentiu culpado por
minha demissão. Ainda que eu tenha dito que não era e, talvez, ele
tenha comprado o jornal para apaziguar sua culpa. Mas há outra voz
que diz que ainda que fosse isso, está errado e, pior, que no fim ele
queria apenas me ter em suas mãos. Me manipular ao seu bel
prazer, como se eu fosse apenas mais uma peça em seu tabuleiro
de xadrez e isso sim faz mais sentido para mim. 
As pessoas falavam de mim, eu sentia, me olhavam torto, pois
sabiam que eu não merecia estar ali, naquele lugar e tinham razão.
EU NÃO MEREÇO. Ao menos, se ele tivesse me contado… talvez
eu não teria aceitado o emprego, mas caso o tivesse feito, saberia
como me proteger dos olhares, das fofocas e insinuações. 
Lágrimas me escorrem, pesadas, sem que eu consiga
controlar. E a viagem até a mansão parece durar tempo demais,
tempo esse em que meu coração parece afundar em meu peito. Eu
confiava nele. O taxista me olha pelo retrovisor e mudo meu olhar
em direção à janela ao lado, imóvel, sem conseguir colocar meus
pensamentos em ordem.
O táxi para em frente à mansão e busco em minha bolsa as
chaves que me deu, sem querer esperar ser anunciada. Saio do
veículo ao pagar o motorista e abro o portão menor, escondido no
muro, quase correndo pela estrada de cascalho ao conseguir passar
por ele. Logo vejo John limpando o carro estacionado em frente à
mansão, ele me observa aturdido quando me vê passar por ele,
subindo os degraus como se o cão do inferno estivesse nas minhas
costas.
Abro a porta de entrada, deixando no hall minha bolsa e
casaco jogados de qualquer jeito e sei que ele já está em casa por
conta das luzes acesas em vários cômodos. Corro até a biblioteca,
mas não o encontro e em seguida vou até o quarto, que também
está vazio. Desço para a cozinha e encontro a senhora Aniston,
surpresa ao me ver aqui. Minhas mãos suam, meus pés também,
em puro nervosismo.
— Senhorita… — Ela me encara e suas feições são tomadas
por preocupação. — Veio com John?
— Não. Onde está o seu patrão? — pergunto, limpando o rosto
e dando um passo atrás quando ela tenta me tocar.
— Aconteceu algo? — Eu não respondo e ela parece indecisa.
— No ateliê, senhorita. Deixa que eu chamo…
— Não precisa e nem ouse avisá-lo que estou aqui.
Desço às pressas pelos fundos da mansão, deixando meus
saltos ao pé da escada antes de subir o terreno íngreme para ter a
visão do ateliê. Paro ao ver as luzes apagadas e olho para trás,
notando que as luzes da piscina e academia também estão. Penso
que ele poderia estar na sala de cinema, mas Logan não gosta de
assistir a filmes, prefere livros, e continuo meu trajeto, agora mais
devagar, engolindo em seco.
Ele só pode estar por aqui. Olho ao redor, vendo o bosque ao
fundo, que parece se avolumar à noite. Paro em frente à porta de
madeira e bato, sem resposta alguma. Olho pelas paredes de vidro,
mas não consigo ver nada. Só pode estar vazio. Sinto frio, meu
estômago congelando quando uma corrente elétrica passa por
minha coluna, sem aviso. Dou a volta no cômodo e estanco ao ver,
aos fundos, um tipo de portinhola aberta, algo que me lembra um
alçapão, que me mostra um buraco quadrado logo ali na grama.
Vejo uma espécie de tapete de grama jogado ao lado, que
provavelmente cobria a porta de metal, com algum tipo de
dispositivo eletrônico como fechadura e me pergunto o que isso
significa. Tem luz vindo de lá, sem nenhum barulho, e me aproximo
cautelosa, sentindo um arrepio mais potente percorrer minha
espinha, vendo uma escada de madeira lisa que deve levar ao
subterrâneo. Engulo a saliva que parece mais grossa, e limpo meus
olhos, abertos como pratos, amedrontados. Piso no primeiro degrau,
devagar, incerta do que estou fazendo e, ainda assim, começo a
descer os degraus, um após o outro, sem ter ideia do que irei
encontrar.
Medo me preenche quando toco os pés descalços no assoalho
frio de madeira marrom, e é como se gelo escorresse por minha
coluna ao piscar algumas vezes, tentando me acostumar com a luz
do lugar. É uma sala à meia-luz, com paredes estofadas, com
alguns quadros expostos, muitos ainda embalados. Isto é cofre para
suas obras? Engulo em seco, vendo um tipo de corredor ainda mais
escuro, e passo por ele, um tanto comprido, sem portas, apenas
com alguns quadros expostos nas paredes.
Penso que irei encontrá-lo ao final do corredor, mas outra sala
se abre à minha frente, esta maior, com mais telas. Que tipo de
louco faria um cofre aqui, tão longe de casa? Fico com medo ao não
o encontrar aqui e volto pelo mesmo lugar, com receio de que feche
a porta ao imaginar que o local está vazio e me tranque aqui. Meu
coração bate e tropeço nos meus pés, quase caindo ao amparar as
mãos em um grande quadro exposto na parede, maior que eu, sua
base quase tocando o chão, com uma pintura de um tipo de besta
gigante. Chego a soltá-lo depressa, ao focar nos olhos azuis,
escuros como o mar, algo assustador.
Tento deixar a moldura novamente no lugar, pois a entortei,
mas ao mover a borda, observo uma fresta iluminada. Uma voz em
minha cabeça diz para que eu vá embora, mas a calo e insisto em
minha curiosidade, tirando o quadro da parede e me deparando com
uma porta entreaberta, de onde vi a luz sair. A abertura é pequena e
preciso me agachar um pouquinho para passar por ela, resiliente em
ir adiante.
Um ambiente novo se abre à minha frente, amplo, e paraliso,
quando a primeira coisa que enxergo é uma mesa, dessas usadas
em necrotérios para necropsia, que sei ser para não fazer muita
sujeira. Trago minha mão aos lábios, um calafrio correndo por meu
corpo. Ao fundo do cômodo há um armário em inox preso ao chão,
com inúmeras gavetas, repleto de instrumentos cirúrgicos sobre o
tampo, alguns em bandejas de alumínio.
Ofego, meu corpo se recusando a reagir, se mover, enquanto
continuo a correr os olhos pelo ambiente. O lugar é grande, tem um
formato perfeitamente retangular e é frio, gelado. Abraço a mim
mesma sem conseguir formular qualquer coisa relacionada ao que
vejo, é como estar em um pesadelo. Do lado esquerdo do cômodo
há um tipo de plástico que tampa um grande painel de madeira atrás
dele.
Dou um passo adiante e me aproximo, abrindo as laterais e
podendo ver um arsenal de cordas, algemas, coisas que não sei
para que servem, chicotes, ganchos enormes, mordaças e… bestas.
Armas medievais em diferentes tamanhos e materiais, junto a
arpões. Tapo a boca para não gritar, dando passos para trás, me
afastando do lugar que parece me queimar. Olho para outro lado da
sala, me deparando com um grande bastão de ferro preso a uma
superfície de madeira e, no mesmo instante, meus pensamentos
vão para o homem empalado há semanas, no Hyde Park.
Não, por favor, não!
Meu corpo não se move, por mais que eu tente, e meu horror
aumenta quando vejo um tipo de moedor, o qual geralmente vemos
em frigoríficos de grande porte. Ofego, meu estômago embrulha, a
cafeteira na mesa ao lado chamando minha atenção, ao lado de
uma caixa de chá, com um frigobar embaixo dela, e é quando
vislumbro o desprezo que este lugar exala. Dou dois passos para
trás e o barulho de um telefone tocando ecoa estridente no cômodo
e me faz pular no lugar, meu coração vindo na garganta ao
vislumbrar o aparelho acoplado à parede, ao lado de uma tv com
imagens das câmeras de toda a propriedade.
O toque continua e posso jurar que é a senhora Aniston,
tentando o avisar que vim para cá. No mesmo instante, ouço passos
abafados e me viro depressa, dando de cara com Logan vindo de
um tipo de corredor à meia-luz. Ele estanca no lugar e medo é tudo
o que sinto.
— V-você… — tento, mas a voz me falta. Tremo, como vara
verde em um misto de pavor, ódio e decepção. Me dando conta de
que isso é o menor dos meus problemas agora.
Dou dois passos atrás, encarando o homem que parece tão
surpreso quanto eu estou, olhando para atrás de mim, para a porta
a qual entrei há pouco.
— Arabella.
— Você… o que… o que… quem é você?  — Engulo o bolo
em minha garganta, sentindo as mãos tremerem e ele não me
responde. — É você, a Besta de Mayfair, é você! — sussurro
perdida.
Minhas pernas querem falhar, algo aqui dentro me dizendo que
não sairei viva daqui, ao mesmo tempo que uma voz me lembra que
aqui à minha frente — o homem que tem luvas em suas mãos, os
antebraços salpicados de sangue — ainda é o Logan que conheci.
O homem que, há três dias, eu me declarei abertamente.
— Me escute! — pede, dando um passo à frente e
instintivamente dou dois atrás, à procura de algo que eu possa me
defender. Mas não tem nada perto o bastante.
— Tem alguém aí? Socorro! — Uma voz feminina soa, vindo
de algum lugar, me deixando em alerta à sua procura.
Ouço o barulho de grades batendo e me dou conta que vem do
lugar ao qual Logan acaba de sair e posso vê-la, pela fraca luz
amarela do pequeno corredor, presa por trás das grades de um tipo
de jaula. O vestido branco ao qual veste está sujo de sangue, seu
rosto está sujo de sangue, o líquido jorrando de seu nariz. Logan me
encara e nega, sobrancelhas erguidas, esticando a mão em minha
direção, pedindo calma, pronto para falar, mas eu o interrompo.
— Como pode? — grito, em dúvida entre salvar a mulher na
jaula, correr ou apenas desistir. Dou um passo adiante, com os
olhos presos à lateral da sala, nas ferramentas que vi há pouco,
indo em seguida para a mulher em cárcere, que me olha com
esperança, segurando as grades com força, o nariz parecendo torto.
— Não ouse — avisa, premeditando que cogitei ajudá-la.
Sinto-me fraca, traída, perdida e seguro na mesa de metal, que
me traz um calafrio na espinha.
— Como pôde? Você me manipulou, tanto, a ponto de comprar
a droga do jornal para, no fim, de alguma forma, me comprar como
tanto queria. O que ia fazer comigo quando eu já não servisse mais?
— berro, histérica, lágrimas banhando meu rosto.
— Arabella. — Ele vem em minha direção, a mulher grita ao
fundo e eu dou a volta para o outro lado da mesa, colocando
distância entre nós. — Deixe-me falar — pede e eu nego, olhando
em direção às jaulas e em seguida para a porta a qual passei há
pouco.
Não penso, apenas corro.
— Porra, Arabella!
Em desespero, passo pelo corredor, arranhando meu braço na
moldura do quadro e vou para a saída, subindo as escadas, ouvindo
Logan vir atrás de mim, praguejando às minhas costas, e corro com
tudo o que tenho, ainda sentindo-o puxar a barra do vestido rodado
ao qual visto quando já estou alcançando a saída. Ele perde algum
tempo para fechar a porta antes aberta, para depois vir atrás de mim
e isso me dá segundos preciosos. Olho para trás, vendo-o em meu
encalço e me desespero, tropeçando em minhas próprias pernas e
caindo em meio à grama, ouvindo-o rosnar às minhas costas.
— Inferno. Pare, porra. — Mas eu não paro. Aterrorizada com
o que vi, os olhos da mulher, cheios de horror, junto com o nariz
expelindo sangue estão presos em minha cabeça.
Estou tão próximo à escada da casa que chego quase a sentir
alívio, mas sei que ele também está próximo de mim, posso ouvir
seus passos mais pesados, mais próximos e sinto até mesmo minha
barriga doer. E antes que eu toque o primeiro degrau, sua mão se
fecha em minha nuca, puxando-me de forma brusca, segurando
também meu braço.
— Logan! — grito, o estapeando, e medo é tudo o que sinto
quando ele me leva para o lado, me empurrando contra a parede
escura pela sombra das escadas.
— Não, por favor, não me mate. Não me toque, por favor, me
deixe ir — imploro, de olhos fechados, me debatendo como nunca
antes, horrorizada, e sinto então suas mãos me deixarem.
Lágrimas pesadas deixam meus olhos, meu coração bate na
garganta, adrenalina se espalha por meu corpo quando abro os
olhos e o encaro. Logan dá um passo para trás, me olhando com
surpresa. As mãos no ar, à mostra.
— Tem medo de mim — fala mais para si mesmo. —  Não, é
pavor. Pois tem certeza de que irei matá-la — anui, não é uma
pergunta e é como se lesse meus pensamentos.
— É o que faz com as mulheres que passam por sua cama,
você as usa como bem quer e depois as mata? — concluo, após o
que vi em seu ateliê. — Ela é uma delas?
— Você não sabe o que diz — rosna, transtornado.
— Não, eu não sei, pois eu não te conheço. — Ele tenta
avançar. — Eu grito. Se me tocar, eu grito, Logan. — Ele para e me
dou conta do seu receio em sermos ouvidos. — Eles não sabem?
Ninguém sabe? — pergunto e ele não me responde. E sobre o
reflexo da luz que vem dos fundos, vejo seu maxilar travado e posso
jurar que ouço-o ranger os dentes. — Você é um monstro! — acuso
e observo seus olhos se apertarem em minha direção.
Logan enfia as mãos em seus bolsos, levanta o queixo ao
empertigar os ombros, em uma postura superior. Parece se
recompor, altivo, arrogante, vestindo uma máscara que sempre lhe
foi confortável e o mantém inalcançável. E uma expressão
selvagem, crua, vem tomando conta do seu semblante.
— Todos somos. Mas há muito tempo aprendi que não sirvo
para seguir regras, Arabella, viver atrás das grades que a sociedade
nos impõe. Eu escolhi abraçar a minha natureza. — E parece
orgulhoso por isso. Nego, sentindo o desespero tomar conta de
mim, pedindo internamente para que isso seja um pesadelo e que
eu acorde. — Não sou um homem com uma besta escondida dentro
de mim, como todos pintam, eu sou a personificação da besta e
nunca tentei escondê-la e você viu apenas aquilo que queria ver. —
Eu nego, incapaz de falar. — Não está errada, tampouco negarei
isso a você, que sou um monstro, deixei bem claro que nunca
poderia entrar, pois não suportaria ver quem sou e, ainda assim,
você decidiu ficar. Mas esse, quem viu hoje, é quem sou de verdade
— rosna e se aproxima, sem me tocar, colando-me à parede, quase
me fundindo a ela. — Mato pessoas, faço delas minhas presas e
gosto disso, eu gosto demais disso. Da caçada, de ter o poder de
uma vida em minhas mãos, controle puro e simples, é quem sou.
— Por favor… — peço, sentindo lágrimas grossas escorrerem
dos meus olhos.  — Não me mate — imploro e fecho-os, esperando
um destino certo.
À espera de que o homem, a quem jurei amor eterno, acabe
com minha vida, como já fez, vezes a fio, com outras pessoas.
Pessoas inocentes que nada fez a ele, se não cruzar o seu
caminho.
— Vá, menina. Deveria ter feito isso naquela noite, nos
pouparia tanto — fala e sinto-o de afastar e só então volto a abrir os
olhos, surpresa. Engulo em seco e ele dá mais dois passos atrás. —
Vá embora, Arabella. E faça o que quiser com o que viu esta noite,
pois matá-la para ter o seu silêncio, não é uma opção — ao dizer
isso, ele me dá as costas, me deixando aqui, paralisada.
Solto o ar, que percebi estar prendendo, e meu corpo cede,
caindo de joelhos sobre a grama enquanto vejo-o subir o declive do
terreno, voltando ao ateliê sem olhar para trás. Choro, algo que não
posso conter, uma dor lancinante a qual não tenho controle algum,
me desesperando ao berrar minha dor. O tempo todo eu estive com
um monstro que mata por esporte… que… meu Deus.
Como eu não vi, estava na minha cara, não estava?
Urgência me toma e cambaleio para conseguir me levantar,
segurando-me no muro, medo preenchendo meu corpo. Eu preciso
ir à polícia, eu preciso… sair daqui.
 

 
Volto para o ateliê, segurando o impulso de dar meia-volta, de
pegar aquela infeliz pelo braço e levar para dentro de casa, trancá-la
em um quarto até que se acalme, para que possamos conversar.
Mas não é o que faço. Entro no ateliê parcialmente escuro e trago
as mãos à cabeça, de ambos os lados das têmporas e é como se
não entrasse ar no cômodo. Tudo parece errado e fora do lugar,
destoa do comum, mesmo continuando tudo igual. Me dou conta
que a única coisa que mudou, e isso me custa muito admitir, fui eu.
No fundo, eu sabia que isso poderia acontecer, o flagrante,
pois a partir do momento em que abri minha casa para ela, estive
sujeito a isso, porra! E ela, como imaginei, não suportou ver a
realidade crua em mim. E eu poderia tê-la matado naquele instante
em a tive sob meu domínio, encurralada contra aquele muro, mas
tudo o que se passou em minha mente foi o peso de ver terror em
seus olhos relacionados a mim.
Em todos esses anos, todas as pessoas que matei, nenhuma
delas me incomodou, nenhum olhar ao pedir misericórdia me fez
parar ou sequer ter dúvidas, não era pessoal. Nunca foram pessoas.
Mas com ela é diferente, e matá-la nunca foi uma opção, nunca me
passou pela cabeça, pois minha prepotência impediu de ver o que
estava à minha frente; o risco de ser descoberto.
É como se aquele olhar me ferisse, mesmo que eu considere
que nada mais no mundo pudesse fazer isso. Preciso entender por
que isso está me corroendo, por que me incomoda tanto, me dando
conta de que em nada tem a ver com o risco de Arabella contar tudo
o que viu aqui hoje à polícia.
Pois essa é uma possibilidade certa, sei que com tanta
moralidade e princípios, a infeliz não poderá conviver com o que viu
aqui, sei que seu primeiro pensamento é o de ir à polícia e se assim
o fizer, tudo bem. Isso não me incomoda, sei o que faço, sei que
para a sociedade isso é errado, mas eu simplesmente não me
importo. Ficarei aqui e permitirei que o destino siga seu curso, sem
tentar intervir, o aceitarei seja qual for e isso sequer me custa pouco
mais que um minuto de atenção.
“Eu te amo, Logan”, sua voz soa em meus ouvidos, melodiosa,
perspicaz, contundente ao se negar a ir embora naquela noite e isso
sim toma toda minha atenção, meus sentimentos e receio. Não a
mereço e fui egoísta para seguir adiante e expulsá-la de minha vida
naquela noite, apesar dos riscos, e agora eu deveria estar satisfeito,
ela se foi, mas não é o que sinto, porra!
Ando de um lado a outro no ambiente em que sempre me
serviu como uma espécie de refúgio, foi por isso que o construí, mas
agora, até mesmo ele parece pequeno, sufocante, árido. Me sinto
como um animal enjaulado, uma besta sem o controle de si, de sua
vida, do seu futuro. Tento entender como tudo isso se deu, como
algo que estava planejado, como a sua vinda para cá esta noite,
desandou dessa forma. E paraliso de forma abrupta ao me deparar
com uma tela ao qual pintei dias atrás, um inferno em vermelho e
preto, cheio de demônios famintos que naquela ocasião queriam me
devorar. Por muito tempo estive preso em meio a eles, cheguei a
pensar que me tornei um deles, mas em algum momento, ao tê-la,
ao conviver com sua luz, me vi em outro lugar. Pude sentir até
mesmo o gosto da liberdade.
Pela primeira vez, já não pensava apenas em matar. Não
usava apenas isso para me trazer calma, ela fazia isso por mim, me
trazia paz. Tanto que desde que a conheci, minha necessidade por
sangue não é a mesma. Caso não precisasse tirar a atenção da
polícia sobre mim, talvez nem haveria uma vítima no píer, nem em
uma estaca no Hyde Park. Aquela desgraçada me contaminou com
toda aquela cor e agora, ela se foi, sem olhar para trás.
“Você é um monstro!”, ouço sua acusação, seu nojo e ódio. E
em um ataque mal contido de fúria pego a tela e arremesso-a contra
a parede. Tentando acalmar meus instintos, a vontade de ir atrás
dela, minha possessividade berrando que a infeliz é minha.
“Você me manipulou, tanto, a ponto de comprar a droga do
jornal para, no fim, de alguma forma, me comprar como tanto queria.
O que ia fazer comigo quando eu já não servisse mais?”, sua voz
soa tão vívida e magoada que aperta minhas entranhas. Só então
me lembro de Charles e de sua incompetência, pois simplesmente
sei que algo deu errado e é culpa daquele merda!
Capturo o celular em meu bolso e não preciso de muito para
saber que estou certo ao ver algumas chamadas perdidas de
Charles, o que faz eu me arrepender de ter não atendido a porra do
aparelho. Estava com as luvas em minhas mãos, sujas de sangue, e
achei que fosse Arabella. Iria atender em seguida, após lavar as
mãos. Contudo, não tive tempo para isso.
Perco de vez o controle, apertando o aparelho em minha mão
para, no segundo seguinte, arremessá-lo contra a parede, ouvindo o
aparelho se estilhaçar e cair sobre o quadro que havia tomado o
mesmo caminho, minutos antes. Inquieto, enjaulado, sem saída,
volto a andar em meio à porra do ateliê, até encarar uma outra tela,
essa a enfeitar a parede. Pintei esta naquela madrugada em que
tanto a assustei. E emoldurei seu rosto,  eternizando o seu sorriso,
linda e colorida como é. Tento engolir a saliva, mas algo comprime
minha garganta, um bolo ao qual não consigo me livrar.
Geralmente, em madrugadas como aquela, é quando coloco
para fora o pior de mim, os sentimentos mais obscuros, mas
naquela manhã algo saiu diferente, pois sua imagem não me saía
da cabeça, a sua entrega enquanto me jurava amor não deixava
meus pensamentos. E, porra, amor? A menina doce, inocente e
brilhante se apaixonou por mim, logo eu que não tinha nada a lhe
oferecer, nada relacionado a sentimentos.
E a Bella se apaixonou pela Besta, mas diferente dos contos
de fadas — aos quais tanto ama —, ela não foi capaz de salvar
minha alma. Pelo contrário, foi eu que a trouxe para a escuridão, às
sombras do que guardo de pior aqui dentro.
Sinto uma raiva sobre-humana e já que ela se foi, só me resta
uma coisa a fazer para aplacar essa necessidade, esse sentimento.
Não quero senti-los, pois quando qualquer um deles me assolava,
me levando ao passado, eu matava, e era a única coisa que
aplacava o turbilhão que, por vezes, queria me engolir, até ela
chegar e monopolizar até mesmo isso. Quase rosno e a passos
largos vou até os fundos da sala, tirando o tapete do piso de
madeira. Aperto o botão na lateral do relógio e aciono o dispositivo
para a abertura da trava na porta, que sobe em automático e me dá
acesso a uma escada. 
Há duas portas de acesso ao subsolo, as quais zelo com
cuidado. A de fora, me permite entrar com minhas presas sem que
deixe rastros de sangue em meu ateliê, também sair com materiais
pesados, pois tem um elevador de carga. Já esta aqui, é apenas
para passagens às escuras e deveria tê-la usado hoje, se não fosse
necessário trocar a base do moedor. Desço as escadas, me dando
conta de que não tive muito tempo com Lana. Naquela tarde, ao
voltar, uma tempestade estava se formando e não tive tempo de
jogá-la no bosque para uma boa caçada, precisei ir às pressas a
Nova Iorque. Hoje também nosso tempo é escasso, pois caso
Arabella tenha ido à polícia, eles não vão demorar.
Passo pela sala que me serve de acervo, montada para
conservação de quadros, e volto a fechar a porta que abri há pouco,
indo para o corredor. O quadro ainda permanece fora do lugar e
engulo a saliva, passando por ele e o colocando no lugar, desta vez
com mais cuidado. A infeliz curiosa dos infernos achou a passagem.
Olho em direção à tv, apenas para ver se a menina ainda está ao
redor da mansão, mas não há vestígios e, porra, onde eu estava
que não a vi chegar?
Inferno!
Pego as luvas no armário e visto minhas mãos, para em
seguida alcançar as chaves das jaulas, que descansam no pendure
ao lado, aproveito também para ligar o aparelho que sempre me
acompanha com música em momentos como este. Luminous, de
Ludovico, ecoa pelo ambiente e fecho os olhos ao respirar fundo, a
melodia será uma junção perfeita para esta noite. Vou para o
corredor a passos largos e a mulher reage ao me ver, se
levantando, acuada e amedrontada.
Em outro momento, eu brincaria com isso, não hoje. Hoje eu
preciso de sangue, preciso me certificar que Lana não nunca mais
veja a luz do dia, caso a polícia venha bater em minha porta.
— Não, por favor. Não faça isso — implora enquanto abro sua
jaula. — Por favor, eu dou o que quiser.
— Você não tem nada que eu possa querer. — Seguro seu
braço, a arrastando, enquanto luta e se debate.
Sinto suas unhas rasgarem a pele do meu pescoço pela
segunda vez. A primeira vez que tentou, lhe custou um nariz
quebrado ao ir de encontro às grades da jaula, mas desta vez não.
Até gosto da ardência, me faz sentir algo além da dor que continua
tentando sufocar meu coração, tira da minha mente a porra dos
olhos chorosos que insistem em me atormentar.
— Por favor — choraminga alto, fraca, já que não come ou
bebe água nos últimos dois dias. — Eu tenho um filho, por favor —
tenta apelar para o meu lado humano, mas eu não tenho um. Eu a
encaro e sorrio em seguida, algemando uma de suas mãos na
mesa.
— Ele vai me agradecer por isso, acredite.
Seguro seu pescoço e impulsiono seu corpo contra a mesa
com força, o que fez um barulho seco ecoar no ambiente, deixando-
a tonta pela pancada na cabeça. Não solto sua garganta, levado
pelo instinto da raiva, tentando descontar em algo minha própria
angústia. Seus olhos se esbugalham, lábios abertos, o som que sai
de sua garganta se assemelhando ao de uma galinha em desespero
próximo à morte. Sinto meus dedos se afundando em sua pele, sua
mão livre se fechando em meu pulso, me causando o mais puro
contentamento ao ver que o ar lhe falta. Eu poderia acabar com isso
agora mesmo, matá-la com um aperto, quebrando seu pescoço.
Mas não, não é como faço. Seria fácil demais, rápido demais.
Quando a tenho ao ponto de perder a consciência, eu a solto,
ouvindo-a tossir em busca de ar. Os lábios quase roxos, sua
consciência nublada. Prendo sua mão, seus pés, deixando-a imóvel
para o que preciso fazer, usando do plástico filme para prender
também o alto de suas coxas com algumas camadas a envolvê-las.
Volto a encará-la e vejo que ficou um lindo trabalho seu nariz
quebrado, muito bom. Dou dois tapas em sua face, leves, e ela vem
a si de uma vez.
— Tem sorte, Lana. Tinha planos demorados para você, os
quais a cada dia morreria um pouquinho. Mas infelizmente pode ser
que não tenhamos tempo, então será algo mais rápido, mas não
menos indolor. — Seus olhos se expandem e ela grita, berra seu
desespero e inspiro fundo, inalando o cheiro do medo. — Sabe,
Lana, acredito que se tivesse calado a porra da boca, talvez eu
conseguisse tirar Arabella daqui e tivesse conseguido explicar o
mínimo a ela.
— Você é louco. Soc… — Tapo sua boca com a mão, não
suportando mais sua voz estridente. Ao menos, o seu cheiro
melhorou. Cheira a medo, desesperança e sangue fresco.
— Talvez… talvez eu seja — falo e olho para o teto, tocando
meu queixo com o indicador. — Não, não sou. Devo me encaixar em
algum desvio de conduta. Já tentaram me colocar como um
psicopata. Mas não me adequo, porque o meu problema é
exatamente sentir demais. Entende? — pergunto e a mulher parece
aterrorizada. Libero sua boca e seu choro agora é contido,
derrotado. — Talvez a categoria de sociopata me descreveria. Odeio
regras e tenho completa apatia por elas. O que acha?
Vou até o painel ao lado e escolho uma mordaça feita a ferro.
Com pontas afiadas nas extremidades e também no centro. Ela faz
um trabalho sublime em sua vítima.
— Fique quieta ou será pior — aviso. Suor escorre de suas
têmporas, fazendo o cabelo grudar em suas faces, os olhos presos
no objeto em minhas mãos, lágrimas espessas marcando sua pele. 
— Por favor, cara, por favor.
— Tic-tac, tic-tac. — Levanto o objeto e ela se desespera.
— Socorro. Soc… — Seguro a mordaça, enfiando em sua
boca, vendo as pontas principais e maiores cravarem-se em suas
bochechas, uma de cada lado na altura do seu molar, fazendo o
sangue minar de ambos os ferimentos. Prendo-a também em sua
nuca e me delicio com a dor que vejo em suas feições. 
Volto ao armário, colocando sobre a bandeja alguns
instrumentos cirúrgicos aos quais separei mais cedo. Tudo limpo e
esterilizado, junto a uma cerra e levo para a mesa auxiliar, que já
conta com alguns aparatos como, por exemplo, o cauterizador e
afastadores.
— Sabe, Lana — começo, ao me colocar ao seu lado —,
sempre quis saber quanto tempo uma pessoa pode aguentar
acordada enquanto é aberta ao meio. Ela nega, tentando se
debater. — Não adianta tentar, já falamos sobre isso. Se continuar,
sentirá mais dor e será pior. Pois não tem ninguém que virá te salvar
e anime-se, será mais breve do que eu gostaria.
Ela já não pode falar, apenas chora. Pego a tesoura ao lado e
abro o seu vestido até a altura dos seus quadris, ele já não tem a
mesma beleza de antes, imundo. Em seguida, troco a tesoura por
uma seringa, contendo uma pequena quantidade de morfina. Prefiro
com bastante sofrimento e dor, mas quero-a acordada, por isso a
morfina, do contrário ela poderia não suportar.
Mas apesar de minimamente anestesiada, Lana sentirá e verá
tudo o que farei com ela. Seguro o bisturi de lâmina 10,
posicionando sobre a pele acima do seu peito. Ela se debate e
sorrio, vendo a lâmina picotar sua pele. A música soa alto e afundo
a lâmina. O tecido humano pode ser mais duro e resistente do que
muitos pensam e demanda controle e delicadeza ao ser cortado,
caso contrário, eu poderia atingir algum órgão. Sigo com o corte reto
em seu dorso, parando abaixo do seu umbigo.
Observo, encantado, a forma em que o sangue preenche a
cavidade, seus gemidos sendo abafados pelo instrumento em sua
boca e engolidos pela melodia que torna tudo mais artístico. Uso a
gaze para limpar toda a sujeira e é fascinante poder enxergar o
corpo humano trabalhando em completa sincronia, isso sim me
fascina. A cor, textura, cheiro. O ocre adocicado atinge minhas
narinas e respiro fundo, sentindo a quentura de sua carne
ultrapassar a luva e se espalhar por minha palma, é sublime. Minha
boca seca, com a necessidade em bebê-lo, mas não há tempo
sequer para isso.
A mulher se debate, buscando por ar, a dor a ponto do
insuportável e observo, com deleite, Lana desmaiar. Aproveito para
pegar a serra, cortando sua caixa torácica, cada pequeno osso. Em
seguida, encaixo o afastador, afastando suas costelas e posso,
agora, ver seu coração batendo. La Traviata passa a tocar e fecho
os olhos, o sentimento doloroso que preenche meu peito sendo
atenuado, ainda que minimamente. Toco a injeção com uma
pequena quantidade de adrenalina, trazendo-a entre meus dedos e
aplico em seu braço, podendo ver seu efeito imediato, a mulher vir a
si e contemplar o quanto sente dor. Lana tenta se soltar, já fraca, e
devo dizer que ela tem força de vontade em viver e seu desespero,
o medo, me traz uma calma a qual necessito.
Cantarolo, vendo o que posso tirar primeiro, enxergando seus
olhos reviraram ao querer desmaiar de novo, sem conseguir pelo
efeito da droga.
— Vamos começar pelo baço. — Ela tem consciência do que
falo, mas sem reação, como eu esperava. Corto o órgão, vendo o
sangue começar a sair depressa e cauterizo, sem querer uma
hemorragia que me faça parar antes do esperado, e descarto-o ao
lado. — Agora, talvez o apêndice. — Sua cabeça vai de um lado ao
outro e volto a olhar seus órgãos.
Um após outro, vou retirando com cuidado. Claro, primeiro
aqueles aos quais posso retirar sem que seu coração pare de bater.
O fígado, por exemplo, vai apenas uma metade. E após ele, fica
difícil conter a hemorragia que começa a encher seu tórax, o sangue
vermelho, brilhante e viscoso. Seguro o coração, que já não bate
regularmente, sua consciência a ponto de ir embora. O órgão é belo
e perfeito, responsável pela vida da filha da puta. Um órgão lindo e
saudável. Alguém com certeza se beneficiaria de um órgão tão bom
quanto esse, é uma pena desperdiçá-lo.
Encaro-a, os lábios brancos, olhos vermelhos que, vez ou
outra, deixam uma lágrima escorrer.  Seguro a aorta e posiciono a
lâmina e então sinto a sensação de decidir seu caminho. O coração
lutador tentando bombear sangue, pulsando em minha palma. É
viver ou morrer.
— Adeus, Lana. Faça uma boa estadia no inferno. 
Corto a aorta, drenando toda a vida de seu corpo, podendo
sentir o coração parar de bater, a vida se esvaindo, seus olhos
perdendo o brilho. A sensação é excepcional, eufórica, espalhando
arrepios bem-vindos por todo o meu corpo.  Respiro fundo, o cheiro
preenchendo meus pulmões, como uma droga, e tento, de olhos
fechados, fazer essa sensação prazerosa perdurar o máximo que
consigo, apertando o amontoado de músculos em minha mão.
Volto a abrir os olhos e encaro o órgão esmagado entre meus
dedos, o descartando ao lado. Deixo a lâmina do lado e espalmo as
mãos na beirada da mesa, olhando o relógio. Volto a encarar a tv na
parede sobre a cafeteira e não há nada além do silêncio, do vazio lá
fora, assim como sinto aqui dentro, em mim. A sensação de
contentamento aos poucos sendo drenada do meu corpo, me
deixando, novamente, vazio.
Volto a encarar o corpo da mulher na mesa e noto que o prazer
desta noite, ao tirar sua vida, não foi suficiente. Tão passageiro
quanto poderia e não aplacou o turbilhão aqui dentro. Aperto o
maxilar, sentindo dor em meus ouvidos, e ela também não é
suficiente. Os olhos de Arabella voltam à minha mente e tenho a
impressão de que irão me assombrar pelo resto da minha maldita
vida.
— Onde você está, Bella?
 

 
 
Parada em frente ao distrito, do outro lado da rua vejo o pouco
movimento no prédio a essa hora da madrugada. Não sei precisar
há quanto tempo estou aqui, olhando o prédio à minha frente sem
coragem alguma de entrar. Nem mesmo sinto minhas pernas,
tampouco consigo sair daqui. Não me movo, apenas existindo
enquanto minha mente dá voltas e voltas em torno do que vi mais
cedo. Limpo uma lágrima, sabendo o que devo fazer e, ainda assim,
sem conseguir dar sequer um passo adiante. Ele é um monstro, um
assassino que precisa ser parado, preso. E eu posso fazer isso
acontecer, mas sinto que morreria no processo.
Choro, de forma contida, me sentindo vencida pelos
sentimentos que me cercam. Dor, angústia, medo, arrependimento.
Abraço a mim mesma, tentando imaginar Logan sendo preso,
imaginando também como suas vítimas foram encontradas e, ainda
assim, eu não consigo cogitar tal coisa. Uma voz me diz que o
homem de quem me lembro, não era de verdade, um disfarce,
apenas isso. Então me lembro do que ele disse e concordo. Ele não
esconde quem é, apenas o que faz, não há disfarces para Logan e
eu vi apenas o que decidi enxergar. Aquele é quem ele é. Puro,
simples e cruel.
Um relâmpago corta o céu no mesmo instante em que uma
chuva grossa começa a cair. Olho para o céu nublado e fecho os
olhos. Os pingos de água banham meu rosto e me trazem uma
sensação bem-vinda, se misturando às lágrimas que voltam a
ganhar passagem.
Abro os olhos e encaro novamente o prédio do outro lado da
rua. Se eu não entrar ali, me transformo em um tipo de cúmplice,
não é? E não sei se posso conviver com isso, tampouco se
conseguiria conviver caso eu entrasse e dissesse que Logan, o
homem que eu amo, mata pessoas inocentes, que agora mesmo ele
tem uma mulher em seu cativeiro.
E, meu Deus, o que ele vai fazer com aquela pobre coitada?
Nego o pensamento, confusa, em frangalhos, sem conseguir
sequer pensar com coerência. Junto os trapos de mim, aperto a
bolsa contra o peito, os pingos de água molhando meu rosto, meu
corpo e saio daqui. Sei que estou em meio à rua, sei que pessoas
passam por mim e me olham com estranheza e isso muito pouco
me importa. Ando algumas quadras, a chuva se tornando mais
potente, mas eu pareço estar anestesiada, pois não sinto frio, não
sinto nada além da dor em meu peito. Olho para trás, pensando
talvez que pudesse ver o SUV preto, mas não há nada ou ninguém.
Por que ele me deixou ir?
Descobri o seu maior segredo e Logan simplesmente permitiu
que eu fosse embora.
“Vá, Arabella. E faça o que quiser com o que viu esta noite,
pois matá-la para ter o seu silêncio, não é uma opção.” Lembro-me
da última frase e deixo o ar sair pela boca, meu peito sendo
comprimido por uma força que desconheço. Por que ele não me
matou?
E talvez, por isso, por poupar-me, eu não tenha conseguido
entrar no distrito, o que é confuso, já se tivesse me matado… Paro
em frente ao portão do meu prédio e abro-o, e enquanto subo as
escadas, sinto como se tivesse um bloco de concreto sobre minha
cabeça. Vou deixando um rastro de água por onde passo até chegar
ao meu apartamento. Me sinto fraca. Me sinto morta.
Abro a porta e entro, olhando ao redor e acho que não tenho
mais coração, ainda que eu o sinta bater, pois me sinto oca. Eu só
quero que isso pare, que eu não sinta, que não lembre. Choro, sem
conseguir parar, sentindo os olhos inchados e doloridos, um barulho
rouco saindo do fundo do meu peito quando me permito desabar,
caindo no chão. Me arrasto até sentir minhas costas tocarem a porta
de madeira e enfio as mãos nos cabelos molhados, puxando os fios.
Não pode ser real, não pode!
“Vá, menina…”, posso ouvi-lo e dói tanto, sinto como se eu
fosse sufocar, o bolo em minha garganta não me deixa respirar.
— Arabella. Meu Deus — Olivia chama minha atenção e
levanto os olhos, a encarando. Ela vem até mim, apressada, se
agachando à minha frente ao segurar meus ombros, me olhando
aflita. — Pelo amor de Deus, Arabella. O que aconteceu?
— Eu… eu… — Meus lábios tremem, não, meu corpo inteiro
treme. — Ele… L-Logan, ele… — Não consigo falar e ela olha para
mim, analisa minha imagem, e seu semblante se fecha quando ela
toca a pele em meu pescoço.
— Ele te agrediu? Eu vou matar aquele filho da puta! — se
exaspera, mas eu nego.
— N-não.
— Como não? Seu pescoço está quase roxo, Arabella — volta
a explodir e eu volto a negar.
— F-foi Richard, e-ele, ele… Logan comprou o jornal —
consigo falar, e choro de forma copiosa, deixando-a confusa.
— Logan? Eu não entendo, Bella.
— E pediu para que me recontratassem — explico em meio a
um soluço e isso parece trazer luz aos seus pensamentos. Olivia
abre e fecha a boca, sem nada a dizer e é melhor assim. — Foi sua
condição para comprar o jornal, Olivia.
— Ah, Bella — lamenta, agora perdida, sem saber o que dizer.
Sei que não há o que dizer. — Venha, você precisa se aquecer, está
congelando, um banho quente vai ajudar. Venha.
Minha amiga me ajuda a levantar e eu não demonstro
resistência. Meu corpo parece obedecer em automático, pois minha
mente está em choque, ainda presa ao que vi mais cedo. Ela me
conduz para o banheiro, me ajudando a me livrar das roupas
molhadas e não sou imune ao seu olhar quando ela se depara com
as marcas que Logan me deixou, dias atrás.
Vejo estranheza em seu olhar, mas ela nada diz e eu
agradeço, não quero lidar com julgamentos agora. Ligo a ducha e
deixo que a água escorra por meu corpo, me aproveitando do seu
afago. Fecho os olhos e entro embaixo do jato de água e é como se
eu estivesse naquele lugar ainda, vendo aquela mulher, os seus
olhos, que foram de angustiados a esperançosos, ao imaginar que
eu poderia ajudá-la. Eu não pude.
Fui covarde demais para isso.
Passo o tempo necessário para controlar o choro, acalmar
minimamente a angústia em meu peito e então desligo a água. Ao
pegar a toalha, não vejo mais Olivia, mas encontro roupas limpas à
minha espera. Seco-me e visto a calça de moletom rosa e a blusa
de mangas compridas da mesma cor, deixando o banheiro. A
encontro à minha espera, atrás do balcão da cozinha, e ela me olha
de volta com preocupação, me entregando uma caneca de
chocolate quente.
— Obrigada. — Tomo um gole da bebida e respiro fundo, me
sentindo aquecida, voltando a ter controle do meu corpo, ao menos.
— Vem, Bella. Sente aqui e me conte o que aconteceu.
Como falar, sem contar o que eu vi?
Sento-me no sofá ao seu lado e é como estar em automático.
Nada falo, não sei como começar isso, pois não quero mentir para
ela. Bebo mais da bebida para, em seguida, prender minha atenção
ali, na xícara em minhas mãos.
— Como descobriu?
Engulo em seco, a bebida antes doce se tornando amarga em
minha garganta.
— Richard — falo, sem poder controlar as lágrimas que
teimam em voltar. — Eu disse a Logan que tinha sido humilhada por
ele, pelas coisas que falou, mas eu não fazia ideia do que ele faria
com essa informação. Como poderia?
— E o que ele fez?
— O demitiu, mais cedo. Foi horrível, Oli. Richard estava
transtornado, ensandecido, e veio para cima de mim, berrando que
a culpa era minha, pois Logan tinha comprado a jornal. O meu
telhado de vidro caiu ali, naquele momento.
— E foi assim que ele deixou essa marca em seu pescoço? —
Liga os pontos e eu confirmo. — Você falou com Logan? — Eu a
encaro, incapaz de falar que sim, que fui à sua casa e que, ao invés
de falar sobre isso, eu simplesmente… descobri quem ele é de
verdade. Por isso apenas confirmo o que diz. — Vocês brigaram, foi
isso?
— Acabou, Olivia. Acabou de vez.
— Mas, Bella… — tenta e eu nego.
— Não tem volta, é definitivo. — Limpo uma lágrima solitária
que escorre por meu rosto e deixo sobre a mesa de centro o
chocolate quente. 
— Talvez ele tenha tentado te proteger, com relação a Richard.
Não é tão ruim assim, é?
E não, não é. Mas a forma como manipulou tudo, como
movimentou minha vida, como se eu fizesse parte de um jogo de
xadrez em suas mãos, deixa tudo pior. Mas isso agora já não
importa, parece até mesmo pequeno em vista do que vi naquele
ateliê, o que enxerguei em seus olhos, aquela mulher… céus.
— Eu preciso me deitar. Eu preciso…
— Descansar — completa e eu apenas confirmo. — Vem,
Bella. Eu te ajudo. Amanhã a gente conversa.
Levanto-me e a cada passo, sinto meu coração afundar em
pura escuridão.

Deitada no sofá, tenho uma caixa de lenços ao lado, que uso


ora para enxugar meus olhos ou nariz. A chuva de ontem me rendeu
um resfriado e me deixou ainda mais miserável. Sinto minha cabeça
doer, assim como meu corpo, mas nada se compara com o que
sinto em meu coração. Não consegui dormir, tomar café, almoçar,
nada, minha mente funcionando como um maldito filme em replay,
em que eu só consigo me ver naquele lugar, nos olhos daquela
mulher. E tudo me embrulha o estômago, até mesmo o olhar
preocupado de Olivia, e agradeci quando ela foi para o trabalho
essa manhã e eu pude ficar sozinha, gritar, chorar, extravasar o que
sinto.
Incomoda-me mentir para ela, me incomoda a forma como me
julga, a forma com que me tornei cúmplice de um crime ao qual não
cometi. Aperto o cobertor ao redor do meu corpo e me pergunto se a
mulher que vi ontem, naquele cativeiro, ainda está viva. Tem de
estar. Ouço a porta bater e sequer me movo, esperando Olivia
aparecer em meu campo de visão.
— Droga, Bella. Cadê o seu celular? — pergunta, jogando a
bolsa sobre o tapete da sala, trazendo em suas mãos uma
embalagem de comida japonesa e respiro fundo, me sentando. —
Te liguei o dia todo, caramba, por que não atendeu?
— Não vi, me desculpe. Deve estar em algum lugar no
apartamento e a essa altura sem bateria.
— Nossa, Arabella, você também não ajuda. Melhorou, teve
febre?
— Sem febre, o chá me ajudou. — Uma pena que não
conseguiu me desligar e me fazer dormir por uma era. 
Olivia me encara por tempo demais, mordendo o lábio,
parecendo em dúvida sobre o que dizer. Por fim, se senta na
poltrona ao lado do sofá, tirando suas botas e parece desistir de me
repreender. Tirando as embalagens da sacola.
— Trouxe aquela coisa que você gosta, miso soup, disseram
que tem muita vitamina, vai ser ótimo para você — tenta, me
entregando a embalagem com a sopa e faço cara feia. Não vai me
descer. — Precisa comer, anda.
Sento-me no sofá e permaneço olhando para a sopa, parece
boa, cheira bem, mas não quero agora. Mas também não quero ser
rude com Olivia e apenas me mantenho com a embalagem nas
mãos, observando-a começar a comer seu sushi.
— Viu as notícias hoje ou passou o dia existindo? — pergunta,
tentando engolir a comida.
— O dia existindo.
— Não pode fazer isso, Arabella. — Ela me encara séria e eu
amo isso nela, a forma protetora como trata a todos. — Que merda,
caramba. O namoro acabou, mas a vida continua, sabia? — Engulo
em seco e mordo a bochecha, sentindo o gosto de sangue se
espalhar em minha boca.
— Pedi demissão, Olivia — falo e ela me encara, juntando as
sobrancelhas, parecendo não acreditar no que acaba de ouvir. —
Não vou voltar mais àquele lugar, não vou permitir que ele brinque
assim comigo, não serei um joguete.
— Arabella!
— Não, chega. Já me decidi. Assim que melhorar, voltarei lá
apenas para pegar minhas coisas na redação, ir ao RH e resolver
tudo de uma vez, e se eu precisar ir embora para esquecer tudo o
que aconteceu ontem à noite, eu assim o farei e não quero
julgamentos, não é disso que preciso agora — sou incisiva e ela
apenas me encara, muda, pensando no que falar. 
Não quero e não posso continuar aqui. Passei o dia receosa e
amedrontada, imaginando que em dado momento do dia alguém
invadiria meu apartamento, que Logan se arrependeria de ter me
deixado ir e que viria aqui para me levar de volta para aquele lugar.
Mas isso não aconteceu e me dei conta de que não conseguirei
continuar na mesma cidade que ele, não depois de tudo e, pior,
depois de me tornar uma cúmplice dos seus crimes, ainda que
indiretamente. Um silêncio incômodo se segue e limpo uma lágrima.
Não quero mais chorar, ele não merece.
— Quer falar sobre isso, sobre Logan?
— Não, Oli, definitivamente não. — Ela concorda, mordendo o
lábio, deixando a comida sobre a mesa de centro.
— Encontraram mais um corpo hoje — fala, parecendo
exaurida ao se recostar na poltrona. Sua informação entra como
agulhas em meus ouvidos e me levanto depressa, me livrando da
sopa, sentindo uma descarga de adrenalina correr por minhas veias
e um arrepio profundo se espalhar por minha espinha, culpa
inundando até minha alma.
— C-como foi? — pergunto, a voz trêmula, mais uma lágrima
escorrendo pelo meu rosto sem que eu possa controlar.
— Foi uma mulher desta vez, e a cada vez que ele mata, nos
deixa ainda mais perplexos. É como se estivesse brincando com a
gente, sabe? — explica e eu mordo a bochecha, engolindo o bolo
em minha garganta, paralisada. — Ela estava amarrada a uma barra
de aço, sem nenhum órgão, nua, exposta. Tal qual um animal
oferecido em sacrifício, com um tipo de mordaça de ferro, ao qual os
dentes rasgavam seu rosto e língua, amarrada em sua nuca. Foi
horrível, Bella, até mesmo para mim — diz e nega, movendo a
cabeça de um lado a outro, os olhos vidrados como se ainda
estivesse lá. — O cenário que ele montou era digno de um filme de
terror, a Besta a deixou como uma bruxa da Idade Média, pronta
para ir a julgamento em uma fogueira.
— Meu Deus! — sussurro, olhos abertos como pratos,
tentando controlar o meu coração, minha consciência berrando sem
controle para que eu vá à polícia ou que conte à Olivia o que vi, que
sei quem é a Besta.
— E a pior parte é imaginar que tudo foi feito enquanto ela
ainda estava viva e se debatia para se salvar.
Em transe, vou até o sofá e volto a me sentar. Enterrando o
rosto em minhas mãos, sentindo um desespero ensurdecedor tomar
conta de mim. Choro, copiosamente, sem conseguir me controlar. A
culpa me corrói, me consome, e sinto o sofá afundar ao meu lado, a
mão de Olivia espalmada em minhas costas ao tentar me acalmar.
— Bella, pelo amor de Deus, controle-se. — Mas eu não
consigo, pois aquela mulher morreu por minha causa, por causa da
minha covardia e da crueldade de um monstro. Monstro este que eu
achei amar. — Não foi pra isso que te contei, pare de chorar, amiga
— pede e não dá, ela não entende. — Pare, pois dessa vez
conseguimos reconhecer o corpo e ainda que a Besta tenha sido
cruel com ela, nada se compara com o que a desgraçada fazia com
outras pessoas. — Levanto o rosto ao ouvi-la, sentindo-o quente,
sem entender o que diz, e meu coração falha uma batida. Sua
imagem se tornando borrada pelas lágrimas empoçadas em meus
olhos.
— Do que está falando, Olivia?
— Ela é Lana James, Bella, uma criminosa procurada há anos,
tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil — explica e paraliso, em
suspenso, precisando limpar os olhos para poder enxergá-la. — A
desgraçada é procurada por tráfico de menores, exploração sexual
e venda de órgãos. Estimam que ela traficou mais de cem crianças
apenas para o tráfico sexual. E mais, descobriram que ela estava
aqui, no entorno de Londres, há quatro longos anos atuando em
conjunto com alguma quadrilha a qual ainda não sabemos o nome.
E ela sequer se escondia, mudou a aparência, cor dos cabelos e
usava documentos falsos para ir e vir. E por causa desses mesmos
documentos, conseguiram prender mais três pessoas hoje. O
homem com quem ela tinha um caso e mais dois cúmplices.
— Tem certeza disso? — Engulo em seco, minha garganta
doendo com o choro preso.
— Absoluta. É como se, quem quer que tenha feito isso com
ela, fez para vingar o que ela fazia com outros, com relação ao
tráfico de órgãos. E como estamos falando de uma criminosa desta
vez, Andrei está trabalhando em cima de outra vertente.
— Qual? — Me agito e meu coração agora bate na garganta.
— De que pode ter sido a quadrilha a qual ela pertence a
matá-la, de que essa infeliz tenha andado fora da curva, se
envolvido com coisa mais pesada, não sei, mas é algo nesse
sentido. — Esfrego uma mão na outra, pois sei que não foi quadrilha
ou máfia alguma, foi um único homem. Minha cabeça parece ainda
mais nublada, sem conseguir funcionar direito. Nego o pensamento
e volto a prestar atenção no que Olivia diz. — Claro que há a
fogueira, toda a montagem do cenário, o local, que deixa aparente o
modus da Besta, mas não havia a marca que é sua maior
característica, o ferimento feito por um arpão. 
— Céus — sussurro, me lembrando dos arpões que vi junto à
besta.
— Você precisa noticiar isso — induz, batendo em minha
perna. — Além do mais, precisa se recuperar e reagir. A população
começou a pedir explicações, uma reação, o primeiro-ministro está
nos apertando e o comissário terá que dar uma coletiva uma hora
ou outra e você precisa estar pronta. Não está mais no jornal, mas
consigo te colocar lá dentro quando isso acontecer.
Tento um sorriso agradecido, mas se parece mais com uma
careta. Não sei o que pensar, como reagir, nada. É como se eu
estivesse fora de órbita. Será que as outras pessoas, mortas por
ele, também eram culpadas de algo?
Apesar de que isso não justifica seus crimes, sua crueldade…
pelo menos, não deveria.
 

 
— Logan! — o homem de meia-idade, que é o diretor
executivo responsável por gerir o grupo composto por três empresas
midiáticas, incluindo o The Standard, saúda ao me ver entrar em
sua sala, sem ser anunciado ou bater em sua porta. E a surpresa
em seu rosto não me passa despercebido. — Esperei retornar
minhas ligações, mas não o fez, espero que esteja tudo bem.
Aproximo-me, enfiando as mãos em meus bolsos, ignorando
sua mão estendida, vendo-o voltar a se sentar atrás de sua mesa.
— O que aconteceu aqui, para deixar Arabella naquele estado,
Charlie? —  A cor some do seu rosto e ele afrouxa a gola da camisa
social branca, que sequer tem uma gravata, passando as mãos nas
laterais da cabeça, onde ainda tem cabelo.
Quando decidi comprar esta espelunca, foi exclusivamente por
ela, pois nunca tive qualquer interesse em meios de imprensa. Mas
a menina perdeu o emprego por minha causa, seu nome estava sujo
na praça, sei disso, pois fiz o meu dever de casa ao pesquisar e
descobrir que o desgraçado que a demitiu fez questão de espalhar
boatos sobre sua competência. E devolver o emprego a ela era o
mínimo que eu poderia fazer. Ela não precisava saber, pois não
pretendia manter o jornal por muito tempo em meu poder.
O plano era simples, comprar, dar seu emprego de volta e vê-
la feliz para, em seguida, melhorar cada maldito setor deste lugar e
vender por um preço maior ao qual eu tinha comprado. Porque eu
sabia que Arabella não aceitaria ser contratada novamente, caso
soubesse que eu tinha adquirido esta grande porcaria, que dá mais
prejuízo que lucro, arcaico e ultrapassado.
O sigilo sobre isso não era apenas por ela, era também para
proteger meu nome, pois caso soubessem da recente aquisição,
começariam a especular se adquiri o jornal para ter um meio de
veiculação de imprensa a meu favor, relacionado ao escândalo na
antiga mansão.
— Eu não tive controle, Hopkins. — Ele volta a se levantar e
parece aflito. — Achei que como não me ligou, a senhorita
Tomlinson já tinha lhe contado tudo. Claro que há pouco, quando
pediu demissão, me dei conta de que as coisas talvez não
estivessem nos trilhos.
Meus ouvidos zunem com o que ele acaba de falar e dou um
passo à frente.
— Ela o quê? — Charlie pisca, ciente de que eu não sabia da
informação.
— Pediu demissão há algumas horas e eu tentei reverter a
situação, pessoalmente, inclusive, mas ela não me atendeu e não
retornou minhas ligações. — Isso me desestabiliza e é claro que
aquele pequeno demônio teimoso ia fazer isso.
— Como ela soube? — pergunto, sentindo uma necessidade
quase palpável de empurrar esse incompetente janela abaixo.
— Eu não sabia que a senhorita Tomlinson estava no prédio
quando fui à sala de Richard, se soubesse, o teria chamado à minha
sala — começa a arrumar desculpas para si, antes de me dar o que
quero. Travo o maxilar conforme ouço-o. — Richard ficou fora de si
quando eu disse a ele que estava sendo demitido. Isso aconteceria
mais cedo ou mais tarde, como eu já lhe tinha garantido, claro, ele
vinha se mostrando instável, agressivo e já não rendia como antes
e…
— Me poupe, Charlie, vá direto ao ponto.
— Ele não reagiu bem, começou a berrar, inconformado, sem
controle algum. Tanto, que quase a enforcou, coitadinha. — Sinto
pesar em sua voz e paraliso ao ouvir o que tem a dizer, sentindo as
mãos formigarem ao imaginar tal coisa, um arrepio cobrindo minha
coluna e se alojando em minha nuca.
— Ele o quê? — pergunto, baixo, pausado, tentando controlar
meus instintos. O filho da puta à minha frente vacila, sabendo que
falou mais do que deveria. — Ele o que, porra? — rosno, minhas
têmporas latejam ao imaginá-la em perigo, ao cogitar que aquele
verme pôs as mãos em Arabella.
— Hopkins, mantenha a calma. Foi por impulso, Richard
estava muito nervoso, tenho certeza que…
— O caralho! Ninguém toca em uma mulher por impulso,
Charles, ninguém! — esbravejo, dando as costas ao imbecil, antes
que o faça voar pela janela.
Minha cabeça dói quando desço as escadas, incapaz de
esperar o elevador, notando os olhares sobre mim. Que se fodam
todos!
Hoje não é um bom dia para ser contrariado, minha paciência
é inexistente e sinto uma raiva a qual não posso controlar desde que
ela se foi. Pois nada mais parece capaz de trazer paz. Alcanço a
calçada e assim que me vê, John abre a porta do carro e me coloco
no banco do passageiro.
— Me leve ao endereço do bosta do editor — peço, minhas
entranhas parecem se encolher tamanho é o desconforto ao qual
sinto.
— Sim, senhor.
John arranca com o carro, depressa, pelas ruas, e agradeço
por isso. Aperto minhas mãos em punho, elas ainda formigam,
ansioso, a imagem daquele desgraçado a enforcando presa em
minha mente, fazendo um estrago ao qual não posso controlar. Ela
foi até lá para tirar essa história a limpo e sequer teve tempo para
isso. Noto John me encarando pelo retrovisor, mudando o olhar
quando encontra o meu.
Ele acha que sabe o que aconteceu, a viu sair aos prantos e
me procurou depois, preocupado com a desgraçada, pois ele
também parece ter desenvolvido um instinto protetor pela infeliz.
Assim como minha governanta e toda a sua corja. Todos me
olhando torto, atravessado, durante as refeições, até mesmo
Aniston, que nunca abriu a boca para falar algo referente à minha
vida pessoal, tentou sondar o que tinha acontecido entre nós. Se a
menina doce iria voltar, pois se preocupou com a forma que ela foi
embora no outro dia.
E minha vontade é de matar a todos!
Agradeço mentalmente que o verme que procuro não more
longe do trabalho e agradeço também por ter pedido a John que
virasse sua vida de cabeça para baixo e, por isso, já ter seu
endereço. John estaciona em frente ao prédio residencial e abro a
porta do carro, saindo apressado e vendo-o descer e vir atrás de
mim.
— Senhor, sequer precisa subir. Peça e farei o que for
necessário — pede preocupado e se eu estivesse em meu juízo
perfeito, era isso o que eu faria, mas não estou.
— Me espere no carro, John. Isso é assunto meu.
Ele estanca no lugar e vou para dentro do prédio, à procura do
elevador. Entro na pequena caixa e aperto o botão do último andar e
me dou conta de que para um editor de um jornal de quinta, Richard
vive muito bem. Saio no décimo andar e a passos ligeiros encontro
seu apartamento, a cobertura. Esmurro sua porta, me colocando ao
lado, impedindo que me veja. Ouço-o resmungar, abrindo a porta
em um rompante e sequer cogito qualquer palavra, o cumprimento
com o soco em seu rosto, ouvindo o osso do nariz estalar contra
meu punho.
Richard não poderia imaginar minha invasão e, por isso,
cambaleia para trás, sem conseguir aprumar o corpo, caindo sobre
a mesinha de vidro no centro da sala, que se estilhaça com o
impacto. Fora de mim, avanço em sua direção, o segurando pela
gola da camisa, vendo o tecido em suas costas manchado de
sangue pelo corte recém-feito no vidro. Volto a acertar seu rosto,
agora em sua boca, vendo-o cuspir sangue.
— Fiquei sabendo o quanto gosta de bater em mulher, seu
desgraçado, mas acertou a mulher errada desta vez. Deveria ter
sido homem para me procurar, já que era de mim que queria se
vingar, seu verme. — Soco-o, mais uma vez, ouvindo-o gemer como
porco no abate, não dando chance alguma para falar, suas mãos
fechadas em punho tentando me acertar, se soltar. — Nunca mais
se aproxime dela. Vai esquecer seu nome, que a viu e que um dia a
tocou, ou irei esmagá-lo como o inseto que você é. — Seguro-o pela
camisa, seus sentidos já debilitados. Seus olhos estão arregalados,
assustados, fixos em mim. O supercílio tem um corte, recém-feito, o
nariz jorra sangue fresco e a boca tem um corte no lábio inferior,
mas ainda assim, não me sinto satisfeito. — Entendeu, seu merda?
— S-Sim. Entendi… — balbucia e me levanto, trazendo-o pela
gola da camisa, tirando o seu torso do piso e soco-o uma última vez,
deixando-o desacordado em meio à sala.
Olho o corpo caído em meio aos cacos de vidro e preciso de
uma força sobre-humana para não avançar e enterrar sua cabeça
no sanitário. Preciso me lembrar que esse lugar tem câmeras, que
me viram entrar aqui e que não posso me submeter a suspeitas,
ainda que eu espere, que mais cedo ou mais tarde, Arabella me
denuncie. Dou dois passos atrás, enfim me virando e saindo do seu
apartamento, deixando-o ali, como um porco. Covarde filho da puta!
Tudo o que eu queria agora era ir atrás daquela infeliz, saber
como ela está. Saber se… porra, ela se foi e, por vontade própria,
não é mais minha…
E essa constatação, ainda que óbvia, queima minha alma.

Faz dois dias desde que ela se foi.


Dois dias que não durmo.
Que não trabalho direito.
Malditos dois dias em que sinto a falta daquela desgraçada.
— Está virando um costume, Logan — Marshall se faz ouvir e
viro-me, as mãos nos bolsos, me sentindo… um pedaço de merda.
E essa expressão nunca fez tanto sentido como agora. — Você vem
aqui, fica parado em frente a essa janela e passa metade do tempo
em silêncio, olhando a cidade.
— É uma bela vista.
— Sim, ela é. Mas não influencia em sua vida, não é? —
perspicaz, segue com sua observação.
— Não, não influencia.
— Além do mais, foi você quem apareceu sem avisar, o que
me deu a entender que tinha algo a dizer, sem que pudesse esperar
o seu horário amanhã. Estou certo?
— Sim, está. E no momento, apenas Arabella tem qualquer
influência sobre mim, Marshall. — Me sento na poltrona à sua frente
e ele olha para o divã ao lado e tenho vontade de mandá-lo ao
inferno.
— A jovem e bonita Arabella — confirma com um aceno,
escrevendo algo em seu caderno. — Quero saber o que aconteceu,
mas antes, aceita um chá de hortelã? — Nego, e ele sorri,
alcançando o bule sobre a mesa ao lado, derramando o chá em sua
xícara e espalhando o aroma pela sala. Aprendi a gostar desse chá
por sua causa, sempre tinha em seu consultório, acabei por me
render ao sabor forte da hortelã. — Agora diga, o que aconteceu? —
pergunta, adoçando o líquido em sua xícara.
Desabotoo o paletó, apoiando os cotovelos em meus joelhos,
inclinando o corpo para frente, desconfortável ao cogitar falar. Sinto
meu coração afundar em meu peito, como se estivesse vazio
demais para continuar batendo e acabo sorrindo ao pensar isso, ao
me dar conta o quanto é patético ligar qualquer sentimento ao
coração, como se o órgão guardasse um tipo de memória e agora,
me pego como outros idiotas leigos, fazendo essa mesma analogia.
Que decepcionante.
— Aconteceu o óbvio. Ela viu o que guardo dentro de mim e
me deixou. — Noto a surpresa que o toma, a forma como tenta
disfarçar isso, sem sucesso. — Mas antes ela descobriu tudo. Fui
descuidado, essa culpa é minha, devo dizer.
— Seja mais direto, Logan. Tudo o quê? — fala preocupado e
volto ao encosto da cadeira.
Não tenho problema algum em contar para Marshall o que ela
descobriu, afinal, ele já sabe. Sabe há muito tempo, pois foi ele a
me ajudar a encontrar uma saída para as barreiras ao meu redor.
Narro então o que aconteceu naquela fria noite de terça, desde o
momento em que lhe mandei uma mensagem, pedindo que me
avisasse quando estivesse pronta para sair do jornal. Conto também
que estive confortável demais, descuidado até, e que por isso
permiti seu flagrante, pois caso tivesse desistido da infeliz antes,
quando ela se negou a assinar a porra de um contrato, nada disso
teria acontecido.
— Fala como se pudesse controlar o mundo, Logan, mas não
pode. Você é humano e naquele momento sua id[2] falou mais alto.
Você a queria e isso vai além do seu querer consciente.
— Não comece com sua psicologia barata, Marshall. Fui cego,
me deixei levar por minha arrogância e excesso de confiança. Não
poderia controlá-la, soube disse logo no início, também não podia
dar a ela o que queria e, mesmo assim, eu decidi tê-la, abri mão do
controle absoluto e abaixei minhas defesas. Foi um erro.
— Talvez sim — concorda, ponderando. — E vejo que esse
fato teve um efeito dilacerante sobre você. Me conte mais sobre
isso.
Sorrio, não foi para isso que vim aqui. Não quero falar do que
sinto, quero soluções para parar de sentir. Quero que concorde que
foi um erro, que devo deixar como está.
— Não se deu conta que posso ser preso a qualquer
momento, Marshall?
— E isso te assusta? — pergunta, comendo um biscoito com
gotas de chocolate que descansava na louça ao lado. Velho
decrépito.
— Não. O julgamento chega para todos, não é? Todos esses
anos sempre cobri meus rastros, sempre o fiz e bem. Mas nunca me
esqueci de que um dia, eu poderia ser pego e, independentemente
de quando isso vá acontecer, eu estou pronto — confesso, não
tenho por que fugir, gosto do que faço, faço por prazer e me orgulho
disso. — A cada vítima, cada modus que abracei, cada deslize,
servia para que eu alcançasse a perfeição para com a outra presa.
E eu alcancei, em cada maldito âmbito da minha vida. Isso, até ela
aparecer. E se agora a justiça me alcançar, que seja.
— E a culpa por isso, por ela aparecer?
— Não, culpo somente a mim por permitir que ela adentrasse
os meus muros. Por mentir pra mim mesmo ao achar que estava
imune ao seu feitiço. — Meu peito queima, arde e não consigo
diminuir esse desconforto.
— Não acha que já se culpa demais, Logan? Às vezes, não há
culpados, apenas fatos, nada além.
Nego, não aceitando o que diz. O acaso não existe, nada
dessa baboseira. Há fatos que geram acontecimentos e sempre
haverá alguém responsável por eles. É nisso que eu acredito.
Arabella pode ir à polícia, isso é um fato, que será causado por
minhas ações. Mas não o respondo, focando minha atenção no teto,
completamente branco, sem nenhum formato a enfeitá-lo. Sorrio
para o nada, notando que agora, até mesmo a cor branca me faz
lembrar dela. Me faz pensar que caso ela olhasse para algo assim,
diria que lhe falta cor. Desgraçada feiticeira.
— Como andam os pesadelos? — volta a falar ao se dar conta
de que não irei responder a sua pergunta anterior.
— Estão piores. Cheguei a perder a voz certa noite, logo
depois de agredir Arabella enquanto ela tentava me acordar.
Despertei em meio ao caos, ensopado, assustado, lembrando… me
lembrei daquelas últimas horas no cativeiro, antes do resgate.
Lembrei de quando ganhei essas cicatrizes. Lembrei do cheiro, da
quentura, dos corpos, do rosto daquele miserável. — Um bolo vem
em minha garganta, as lembranças agora vívidas, capazes de me
fazer apertar os punhos.
— Você se lembrou então, eu esperava o dia em que isso iria
acontecer — fala e eu o encaro.
— E você já sabia o que aconteceu, não é? Eu contei durante
aquelas sessões de hipnose, estou certo? — Marshall sorri com
pesar e confirma, deixando a xícara de lado.
— É passado, Logan, e passado deve ficar onde lhe cabe, no
passado. — Mas não é tão fácil assim, e me mantenho em silêncio,
tudo o que não quero neste momento é falar das lembranças que
me assombraram naquela noite. — E qual sua opinião sobre isso,
os pesadelos?
— Me diga você, é pago para isso, afinal!
Encaro-o com sarcasmo, a falta de sono jogou para o inferno o
meu bom senso e paciência.
— Sabe que não é assim que funciona, Logan. Sei que pensa
algo sobre esses pesadelos, o conheço, então me diga.
Nego com um aceno, pois desta vez não tenho o que dizer. 
— Não sei, Marshall. Sei que a cada dia se torna pior, e pior, e
pior ao ponto de que eu não queira dormir, apenas para não voltar a
sonhar. Não voltar para o inferno. Ainda assim, sinto que estou nele
desde que aquela maldita me deu as costas e não importa mais se
estou acordado ou não — esbravejo, me lembrando do exato
momento em que a deixei ali, encolhida contra a parede. — Foi um
erro, um maldito erro que nunca mais permitirei que aconteça.
Marshall puxa o ar, o silêncio da sala me permite escutar até
mesmo sua respiração. Olho minhas mãos, os nós dos dedos um
tanto feridos depois de socar a cara daquele filho da puta ontem.
Fecho os olhos, os apertando, e posso vê-la, saindo essa manhã do
seu prédio para comprar algo. Cabisbaixa e apagada, não parecia
mais a minha menina, aquela que vivia sorrindo. Até mesmo suas
roupas não tinham cor, sem vida, e ficar dentro do carro, do outro
lado da rua, foi o máximo que me permiti fazer e, ao mesmo tempo,
foi agonizante.
Mas eu só precisava conferir se ela estava bem e ela não
estava, não internamente. O tempo todo que andava na rua, estava
desconfiada, amedrontada, olhando por sobre o ombro e saber que
o seu medo, era o de que eu aparecesse, está me corroendo.
— É confuso, não? Vejo que diz ter sido um erro, repetiu isso
quatro vezes, inclusive, mas parece sentir imensa mágoa por ela ter
ido embora depois do que viu. O que esperava, Logan?
Essa sim é uma boa pergunta, o que eu esperava? E eu sei a
resposta: eu esperava que, no mínimo, ela me ouvisse. Mas então
eu diria o quê? Como explicar algo assim? Sou errado e eu sei
disso, um ponto fora da curva, porém, não me importo, pois matar é
o que me alimenta, me mantém vivo. Ou não me importava, já que
agora aquele maldito olhar, carregado de decepção, nojo e horror,
parece me perseguir. 
— Foi melhor assim, apenas isso.
— E o que sente a esse respeito?
Encaro-o. Venho fugindo dessa pergunta desde que ela saiu.
Sem querer dar nomes ao que sinto. Sem querer aceitar que nem
mesmo matar diminuiu esse sentimento.
— Dói — falo, por fim, em um sussurro, e me dou por vencido.
E dizer isso em voz alta, amarga meu paladar. — É estranho, é novo
e terrível. Nunca imaginei que me sentiria assim, não deveria sentir,
porra! — me exaspero e levanto-me, trazendo a mão à boca,
passando os dedos nas laterais dos lábios com certa força. — Eu
pedi a ela que não envolvesse sentimentos e aqui estou eu, envolto
em… amargura, mágoa, raiva e…
— E paixão? — pergunta e passo alguns segundos o
encarando sem nada a dizer. A palavra paixão rondando minha
mente como um abutre querendo comer minhas entranhas.
— Ao inferno, Marshall!
— As coisas são como são, Logan. O que sente é decepção,
advindo da paixão. Um sentimento corriqueiro para os seres
humanos.
— Não para mim — digo apenas, colocando as mãos nos
quadris, andando de um lado para o outro em meio à sala. De
repente, o ambiente parece quente demais.
— Então me diga, por que não a matou, Logan? No momento
em que ela entrou em seu cativeiro, por que não a matou? Não é
apenas por ela ser inocente, é?
Abro a boca para lhe responder, mas não emito som algum.
Voltando a fechá-la.
“Eu te amo, Logan…”, a voz macia soa em meus ouvidos e
esfrego o rosto. Dou as costas a Marshall e volto à janela, sem
conseguir sequer ver a cidade lá embaixo. Minha visão parece
nublada, meus ouvidos parecem entupidos com tamanha pressão
em meu cérebro e travo o maxilar.
Foi um erro. A menina é jovem e imatura em demasia, eu
insisti, não deu certo e acabou. Acabou!
— Logan, andei relendo minhas anotações, pensando em
nossa última sessão — volta a falar, mas continuo com os
pensamentos presos nela. Em seu sorriso ao receber as chaves que
ofereci naquela manhã, no beijo agradecido que me deu ao sentar-
se sobre minhas pernas, em como seus olhos brilharam em
contentamento. Inferno! — Concorda comigo que o que mudou nos
últimos meses em sua vida, foi a jovem Arabella? — E agora sim,
ele retém minha atenção, pois volto a olhar para ele.
— Era apenas uma substituição. Antes era Isla e depois foi
Arabella, apenas isso.
— Não, Logan. Está enganando a si mesmo, não vê isso? —
Estreito os olhos em sua direção e ele continua: — Perceba que
Arabella, em nada tem a ver com a outra moça, tudo, tudo é
diferente com ela.
— Não — nego, pois sei aonde quer chegar e não admitirei,
não tornarei isso uma verdade.
— A menina é uma criatura miúda, pequena, e se você
alimentou qualquer mínimo sentimento por ela, o que agora tenho
certeza de que o fez, o que trouxe seus pesadelos de volta, após
tantos anos, foi o medo.
— Medo? — pergunto e sinto meu coração bater mais
depressa.
— Medo por não a ter em suas mãos. Por não a controlar, por
não poder protegê-la como não pôde fazer com sua mãe e irmã. E
esse medo vem de sentimentos, Logan, seus por ela, algo puro e
grandioso. — Meu sangue corre mais depressa, é como se meu
coração recebesse mais sangue do que pode bombear, sendo
pressionado contra minha caixa torácica. — Enxergue e aceite o
óbvio, Logan, pois se for sincero consigo, verá que nem mesmo
paixão descreve o que sente e sim… amor!
Desta vez eu sorrio, alto, não acreditando no que diz, como se
estivesse me ferindo com tais palavras. Sentimentos puros foi algo
que enterrei junto com minha mãe e Lilly naquele maldito túmulo.
— Pelo visto, sua sanidade tem levado embora seu bom
senso, Marshall. Amor?
— Me diga, Logan, qual cor te causa estranheza ao ponto de
você não gostar dela? — Aperto o maxilar ao ouvi-lo, fechando
minha mão em punho.
— Azul-celeste, mas isso você já sabe.
— E para qual cor você olhava quando não queria ver sua mãe
ser torturada ou o corpo de sua irmã apodrecendo ao seu lado? —
Engulo a saliva, me lembrando do tênis ao qual calçava naquele dia.
— Meus tênis, de cor azul-celeste.
— Sim, isso mesmo. Vejo que continua usando preto, e por
que, Logan? — Não respondo, sei que ele o fará. — Perdeu sua
pureza naquele lugar, garoto, sua inocência, e reflete isso em suas
roupas. — Engulo a saliva, um formigamento estranho perpassando
por baixo de minha pele. — Nossa vida adulta é ditada por aquilo
que vivemos na infância e não poder controlar a menina, como você
mesmo a chama, está desencadeando os pesadelos. Tem medo de
que não possa protegê-la e isso não apenas por posse. Algo mudou
para você com relação a ela, Arabella não é como as outras, em
nada. Você a vê diferente, a trata diferente, a sente diferente. Olhe
para dentro de si e pare de se enganar, garoto. Sabe que isso nunca
o ajudou. — Engulo a saliva, que desce amarga por minha garganta
e pareço perder a voz uma outra vez. — Penso que, pela primeira
vez nos últimos vinte e oito anos, você esteja dedicando a alguém
algo além de desejo e prazer, e isso o assusta ao ponto de tentar
convencer a si mesmo que tudo foi um erro e que você não sente
nada por ela. — Meu coração parece bater em meus ouvidos, é
agonizante. — Agora teve que ver a menina escorrer por seus
dedos e isso o que sente, essa dor, é paixão e, quem sabe, amor.
Uma pressão descomunal começa a se formar em meu peito,
suas palavras trazendo adrenalina ao meu corpo, fazendo meu
coração bater mais apressado.
— E como faço isso parar? — pergunto, colocando a mão no
peito, apertando-o, tentando diminuir o desconforto ao qual sinto.
— Não se para o amor, Logan, infelizmente.
Nego-me a aceitar suas palavras, a aceitar o que sinto, pois
caso o faça, então isso se tornará real demais. Me levanto e abotoo
o paletó, o lugar de repente parece me sufocar.
— Seja melhor que isso, Marshall. Não deixe a idade afetar
suas habilidades. — Passo por ele, indo em direção à saída.
— Não pode controlar meu diagnóstico, Logan. Não sou pago
para dizer o que quer ouvir, se busca esse profissional, procure
outro.
Nada digo, meus ouvidos zunem em resposta à pressão em
meu cérebro. Saio do lugar, tendo a sensação de que a sala cheia
de livros estava me tirando todo o ar. Não tenho esse sentimento
por Arabella, não posso amá-la. Não sei mais como sentir tal coisa e
não posso ter baixado a guarda a esse ponto, pois aprendi cedo
demais que o amor machuca. E, porra, está doendo.
— Inferno — esbravejo, socando a parede ao lado, no
corredor, uma e outra vez, sem conseguir me controlar.
A dor irradia por meus dedos, subindo por meus pulsos e, por
instantes, a dor em meus punhos anestesia a dor em meu peito. E
só desisto do round contra a parede quando sinto meus dedos
esfolados, as marcas de sangue à mostra na parede branca. Me
dou por vencido e encosto minha testa nela, puxando o ar para os
meus pulmões, tendo a impressão de que meu peito irá explodir.
Filha da puta, você não pode ter me feito amar outra vez, sua
desgraçada.
 
 

 
As fotos de Logan, ainda jovem, estampam a tela do meu
notebook. Nelas, ele tinha vinte e cinco anos, mais magro, sem a
ruga em meio à testa que se acentua nas poucas vezes em que
sorri. Os olhos tristes e desprovidos de emoção continuam os
mesmos e é incrível como não há muito sobre ele e sua família nas
redes, não da época ao qual procuro. Após saber sobre a mulher
morta como uma bruxa, abandonei a ideia de ir embora e andei
lendo sobre serial killers, vendo documentários e opiniões de
profissionais sobre o tema, em que muitos deles são psicopatas.
Isso me fez arregalar os olhos em alguns momentos, ao procurar
com mais sede sobre o assunto, engolindo toda e qualquer
informação noite afora e também essa manhã.
Notei que em muitos indivíduos há um padrão, que são
pessoas que tiveram uma infância atormentada, triste, que por
vezes foram subjugadas e expostas a muitos tipos de violências,
mas não é uma regra. Há psicopatas que tiveram uma vida perfeita,
um lar com pilares bem construídos e que, ainda assim, são
psicopatas e serial killers acima de qualquer suspeita.
O que me confunde é que na psicologia, não há certeza se
uma pessoa nasce psicopata ou se torna um. Não há uma verdade
absoluta ainda. Alguns acreditam que pode ser hereditário, você
nasce com a propensão a essa condição e pode ou não se tornar
um psicopata. Em outros, acredita-se que não se nasce psicopata,
mas que por vários motivos — em principal a violência na infância
— você por vir a se tornar um.
E isso me assusta pra caramba, ainda assim, eu me vejo aqui,
em meio a recortes de manchetes e muita pesquisa, tentando
entender o que aconteceu com Logan. Mas fica difícil quando não
tenho acesso ao seu passado, em especial sobre a morte dos seus
pais. Abro outro link, mais uma matéria, e nesta reconheço o
homem que vi em sua casa, no porta-retratos ao lado de sua mãe,
com a seguinte manchete:
“Jovem empresário no ramo de construções se suicidou após a
morte da esposa e filha.”
“George Hopkins foi encontrado pelo filho nesta manhã, Logan
Hopkins. Relatos garantem que George aproveitou-se da casa
vazia, já que o filho iria passar o dia fora e se enforcou, um mês
após a morte de Helena Hopkins e sua filha de sete anos, Lilly
Hopkins. Não se sabe ao certo, mas especulam que o jovem
Hopkins, de apenas dez anos, agora órfão de pai e mãe, será
levado a um internado após a morte do pai e…”
Meu coração dispara. Quando busquei notícias sobre Logan,
assim que o conheci, o foco foi o presente. Sabia que seus pais
tinham morrido, sua mãe em um assalto, mas não imaginei tanto.
Passo os olhos pelo restante da matéria, sentindo o coração
dolorido pelo que leio, ainda mais ao encontrar uma foto de Logan,
junto a um homem que se assemelha ao seu pai, e ao ler mais da
matéria, sei se tratar de um tio. Na foto, ele está de pé, com olhos
na câmera e parece alheio a tudo ao seu redor e é como se aqueles
olhos atormentados perfurassem minha alma.
Sentada ao chão, puxo minhas pernas e abraço os meus
joelhos, tentando mensurar o quanto para Logan foi terrível perder
os pais e irmã em duas tragédias diferentes e tão brutais, com uma
diferença mínima entre ambas. E ainda que eu tente, não consigo
imaginar como foi difícil para ele encontrar o pai naquele estado.
Tento comparar com o momento que encontrei o meu pai, caído no
chão da nossa cozinha e, ainda assim, não há comparações, pois
papai foi morte natural, de alterações do seu corpo que já vinha
dando indícios de falhas, para o pai de Logan não, ele decidiu
morrer e deixar o filho.
Imagino a sensação de abandono a qual teve que lidar ainda
tão jovem, de impotência ao imaginar que não foi suficiente para
que o pai quisesse viver. Limpo uma lágrima, sentindo tanta dor ao
ponto de sentir como se meu peito comprimisse meu coração. Volto
para o notebook e busco por mais. Dedicando horas e horas ao
tentar garimpar notícias satisfatórias sobre a morte de sua mãe. Mas
não há muito, apenas a história de que foram assaltados e que a
mãe foi alvejada ao lutar com os bandidos. Mas as datas não batem.
Pois no dia que saiu a primeira matéria relacionada à violência nas
ruas de Londres e um atentado à sua vida, não se teve mais
notícias por uma semana e só então, foi noticiado sobre sua morte e
a de sua filha mais jovem.
Em um assassinato como esse, sobre a família de um homem
que estava ascendendo dentre a sociedade, não se espera uma
semana para uma notícia como esta. Mas aqui, levou sete dias
desde a primeira notícia, até a resolução do caso, dando manchete
à morte de Helena e Lilly Hopkins e até o momento, vinte e oito
anos depois, os culpados não foram encontrados. E como em um
quebra-cabeça, as peças não parecem se encaixar. Algo me cheira
mal, me cheira podre.
Pergunto-me agora se isso seria suficiente para maltratar a
alma de um garoto ao ponto de ele desenvolver uma compulsão
insana por matar. Estou confusa, pois seu modus operandi também
não bate. Até encontrarem os corpos na mansão, nunca algo do tipo
tinha sido noticiado em Londres. Porém os corpos estavam ali há
anos. O que quer dizer que ou seu modus operandi é diferente ou
ele deu uma pausa gigantesca em sucumbir à sua sede por matar
uma outra vez.
Lembro-me da matéria anterior ter falado sobre o internato e
sinto meu coração apertado pelo jovem Logan ao buscar pelo lugar
ao qual foi enviado. Procuro por notícias nesse teor e em uma delas
encontro uma entrevista em vídeo dada por ele, em que
perguntaram a importância da Lions School, internato na Suíça, em
sua criação. Ele narra que aprendeu o que era disciplina nesse
lugar, aprendeu a controlar seus instintos e que o laboratório
tecnológico, altamente sofisticado, mostrou a ele sua maior paixão.
Então perguntaram a ele como foi superar a morte de seus
pais, ainda mais estando longe da família do seu tio que era seu
guardião legal. Engulo em seco ao ver a forma com que Logan
olhou para o repórter, como apertou os olhos em sua direção,
acentuando a ruga em sua testa, a forma como fechou as mãos e
engoliu a saliva, o olhar tempestuoso à deriva na escuridão.
A essa pergunta, ele se ateve apenas em dizer que eram seus
pais e que nada relacionado a isso pode ser fácil. Mas que
agradecia ao internato e toda a equipe de apoio, em principal ao
doutor Marshall, por hoje ser quem era. E o repórter foi inteligente
ao mudar o rumo da entrevista ou tenho a impressão de que Logan
levantaria dali e o deixaria falando sozinho.
Um estalo banha minha mente e fecho a aba, abrindo outra e
jogando o nome do tal Marshall para pesquisa, querendo inclusive
saber se ainda está vivo. Descubro então que ele é um famoso
psiquiatra, que abandonou os hospitais após um acidente,
especializado em vítimas de desastres catastróficos. Mordo a boca
e sinto frio em meu estômago ao ver uma foto do homem, notando
que ele tem cara de um avô fofinho. Tem, inclusive, bastante idade e
sinto meu coração bater depressa ao ver que ele ainda está vivo e
mantém um consultório em Mayfair.
Busco mais sobre isso e encontro não uma matéria sobre
Logan, mas sobre o internato e a morte de um garoto de dezessete
anos, espancado até a morte por uma barra de ferro, dentro de um
armário de limpeza. Sinto a bile subir à minha garganta ao ver uma
foto do menino jogado no chão, próximo a baldes de limpeza, seu
rosto ficou irreconhecível.
Tem mais fotos, algumas do internato e suas acomodações, do
depósito sem o corpo do garoto, apenas com uma poça de sangue
deixada ali. E então encontro uma foto que muito me interessa. De
alunos que causaram tumulto em volta do lugar, ao tentar ver o
corpo do colega já sem vida e é aí que eu o encontro. Mais afastado
de todos, mãos nos bolsos, expressão tranquila, olhos fixos no lugar
onde o garoto estava caído.
O caso nunca foi solucionado, sequer foi veiculado na
imprensa na época, pois o internato prendeu dentro daqueles muros
qualquer informação. A notícia veio à tona anos mais tarde, após
uma das alunas da época ter feito uma matéria completa sobre tudo
o que aconteceu naquela noite, matéria essa que leio e releio agora.
Durante a investigação, tentaram colocar a culpa em um dos
funcionários, mas nada foi provado e então, passou a circular a
possibilidade de que um dos alunos poderia ter cometido o
assassinato e com isso, a escola se manteve em silêncio, desde
então, a fim de manter seu bom nome e não se envolver em
escândalos.
O nome de Logan não é citado e faço as contas, ele deveria
ter quatorze ou quinze anos na época e não, não pode ter sido ele,
não tão jovem. E com esse pensamento não pondero mais nada,
apenas abaixo a tela do computador após salvar o endereço do
terapeuta e pego minhas chaves, celular, sobretudo e deixo o
apartamento, sem ao menos tirar o vestido verde de saia rodada,
incapaz de seguir adiante sem realmente entender quem é Logan
Hopkins. 

Inquieta, mordo o lábio antes de bater à porta que leva o nome


do dr. Marshall. Adentrei o prédio incerta, duvidando se esse era
mesmo seu endereço, pois é um prédio residencial, até ver seu
nome na porta. Olho ao redor, em dúvida se devo prosseguir e me
dou conta de algumas manchas vermelhas na parede ao lado. Me
aproximo dela e percebo ser sangue, já seco, e isso se torna o
impulso final para que eu volte à porta de madeira e bata com
suavidade. Não obtenho resposta e bato uma e outra vez.
— Entre. — A voz macia e melodiosa soa e respiro fundo,
tocando a maçaneta e abrindo a porta, sentindo minha coragem se
esvair aos poucos.
Dou um passo adiante e me surpreendo ao encarar o senhor
de expressões gentis sentado em uma cadeira de rodas motorizada,
com um livro de Dostoiévski nas mãos. O encaro sem saber o que
dizer, talvez arrependida, confusa, ainda mais ao ver
reconhecimento em sua face, para em seguida ele sorrir de forma
afável, me incentivando a entrar com um aceno.
— Entre, Arabella. — Meu coração dispara ao ouvir meu nome
e, incerta, entro no consultório e fecho a porta às minhas costas.
— Nos conhecemos? — pergunto e ele coloca o livro, Crime e
Castigo, em cima da mesinha ao lado, onde descansa uma xícara
sobre o pires. O lugar cheira a livros, velhinhos fofos e hortelã, e
esse último me traz um aperto no peito ao me fazer lembrar dele.
O beijo após o café da manhã com o gosto refrescante de
hortelã, o cheiro da erva em suas mãos quando tocavam meu rosto
e dói confessar que sinto sua falta, pois não quero sentir.
— Você não me conhece, mas tenho falado tanto sobre você
nas últimas semanas, que é como se já a conhecesse. — Engulo
em seco, não conseguindo mais encará-lo ao mudar meu olhar de
direção, focando na parede lateral branca, onde a única cor
presente é a de um quadro.
Uma tela toda preta, exceto por um ponto vermelho ao meio e
sei, simplesmente sei, que foi pintada por Logan. Respiro fundo, me
dando conta de que Logan estava fazendo terapia e eu nem mesmo
sabia disso. A verdade é que desde o início, ele soube tudo sobre
mim, enquanto me mantinha no escuro, às sombras do que ele
deixava transparecer.
— Ele tem feito terapia? — pergunto, voltando a encará-lo.
— Sim, há cerca de duas semanas retornamos nossas
sessões, você sabe, por conta dos pesadelos. — Aperto as mãos,
sentindo a unha entrar em minha pele e criar certa ardência. —
Inclusive, sei que ele a agrediu em um desses episódios — acusa e
eu nego com veemência.
— Ele estava dormindo, foi por instinto, ele não teve culpa —
pego-me defendendo o homem que, dias atrás, mantinha uma
mulher em cativeiro e arregalo os olhos, tão confusa quanto poderia.
— Claro, eu entendo. Mas sente-se, Arabella. Aceita um chá?
— pergunta, já colocando o líquido na xícara ao lado e nego com
um aceno. — Espero que não se importe que o tome.
— De forma alguma. — Vou até a poltrona à sua frente e me
sento, o tempo todo sob o seu olhar analítico. Mudo meu olhar de
direção, sem conseguir encará-lo por mais tempo. Notando o forro
também branco, o que me lembra que poderia ter mais cor neste
lugar.
— Se tivesse chegado um pouco mais cedo, o teria visto.
Logan saiu daqui há cerca de duas horas. — Olho-o e meu coração
passa a bater na garganta ao ouvi-lo, mas nada digo, não sei o que
responder ou como começar essa conversa. O que eu faria se o
visse? — Mas diga-me, o que a traz até aqui?
— E-eu… eu…
— Veio falar de Logan, suponho — ele mesmo responde e
confirmo.
— S-sim, eu não sabia a quem recorrer e eu… — Como eu
direi a esse homem que vi seu paciente com uma mulher em
cativeiro e que é ele o responsável por todos os crimes deixados
pela cidade nos últimos meses? Volto a me levantar, apressada,
segurando minha bolsa contra o peito. — Eu sinto muito, doutor
Marshall, foi um erro vir até aqui, me desculpe.
Vou em direção à porta, mas sua voz me para a meio caminho:
— Você o ama, não é? — pergunta e me mantenho de costas
para ele, sem reação. — E está dividida entre fazer o que é certo ou
sucumbir a esse amor. — Volto-me para ele e o encaro, paralisada.
— O senhor sabe — constato e suas sobrancelhas se erguem.
— Para a terapia funcionar, é fundamental que o paciente se
abra completamente, então sim, eu sei.
— E como consegue? — pergunto chocada e ele parece não
entender a que me refiro. — Como consegue conviver com a culpa?
— concluo em um sussurro, sentindo lágrimas empoçadas em meus
olhos.
— Ah, a culpa… — fala e olha para cima por alguns instantes.
— Um sentimento destrutivo e aterrador, concorda? — pergunta e
apenas anuo, meu corpo paralisado. — Mas entendi há muito tempo
que somos humanos, Arabella, e com isso, suscetíveis a falhas e
sentimentos inimagináveis. Mas em dado momento, quando
alcançamos a maturidade e enxergamos o mundo de modo que
possamos nos desprender dos sentimentos que nos aprisionam e
ser mais gentis conosco, tudo se torna mais simples e a culpa já não
encontra um lugar em nossas vidas. Talvez eu sentisse culpa se o
tivesse abandonado no passado, lhe virado as costas quando mais
precisou, mas não é o caso. Todavia, não é da minha culpa que veio
falar, é, senhorita?
Nego, sentindo os olhos inundados com lágrimas que já não
consigo controlar, ganhando passagem por minhas bochechas. E
percebo que se trata apenas sobre a minha culpa e omissão.
— Uma morte, no internato, anos atrás. Foi ele? — pergunto e
o homem à minha frente parece impassível. Nada passa por seus
olhos ou feições.
— Porque não o procura e pergunta você mesmo a ele,
Arabella? Acredito que não há nada que ele possa lhe contar, que
irá chocá-la mais do que o que viu na mansão Hopkins.
Sou covarde demais para isso e estou confusa demais para
julgar o que sinto ao ponto de conseguir encarar seus olhos.
— Eu não sei se quero mesmo saber — confesso, por fim. —
Eu fui ao distrito na noite que o deixei, mas não consegui ir adiante.
Sinto que se o fizer, meu coração se partirá no processo. Mas uma
mulher morreu, outras pessoas também e eu não sei o que fazer.
Me sinto no olho de um furacão, rodando e rodando sem conseguir
o controle da minha própria vida — confesso, vencida.
— E o que mudou? Pois vejo que algo mudou, dado que está
aqui em minha frente, tentando entender o homem com quem
conviveu nos últimos meses.
— Eu não estou… — Então me calo, porque sim, eu estou.
Estou tentando desvendar, dando desculpas para o que fez e isso
me incomoda, me traz confusão e raiva. Raiva por amá-lo a esse
ponto, por ter me entregado e me envolvido quando todos os sinais
estavam na mesa à minha frente. — Uma mulher foi morta de forma
cruel, mas descobri horas depois que ela era um ser humano
terrível, capaz de roubar criancinhas inocentes para o tráfico sexual,
também de órgãos e muito mais. — Um gosto amargo, de bile, vem
à minha boca e talvez, se tivesse algo em meu estômago, eu
vomitaria. — Então…
— Então fica mais fácil quando a pessoa é um pedaço de
merda, não é? — completa e abaixo o olhar, focando-o em minhas
mãos, juntas em frente ao corpo. Estão frias e suadas ao mesmo
tempo, uma contradição.
— Não deveria, eu sei, mas estou tentando desde cedo
entender o seu passado, a morte de seus pais, o que o fez ser
assim. — Volto a encarar Marshall, que parece compassivo e
empático com meus sentimentos. — Ele… ele é um psicopata? —
enfim pergunto e Marshall faz um gesto com a boca, o lábio inferior
ficando protuberante, à frente do outro, e espero ansiosa por uma
resposta.
— Não posso falar sobre o diagnóstico de um paciente para
terceiros, Arabella. Seria antiético. — Penso em dizer que ele já
ultrapassou essa barreira há muito tempo, mas me calo quando ele
continua: — Contudo, gostaria de pontuar que o problema de Logan
não é relacionado à inexistência de sentimentos, pois ele não é
imune a estes, mesmo que tente se convencer disso. — Um arreio
passa por minha coluna e chego a empertigar-me. — Como eu
disse a ele uma vez, quando ainda era um garoto a fazer xixi na
cama, todos os dias após os pesadelos; a linha que o segura está
relacionada justamente a sentir demais, em demasia. É o de não ser
capaz de livrar-se da culpa que o corrói, das lembranças que o
acorrentam ao passado. E com isso, a senhorita poderá tirar suas
próprias conclusões.
— E o que aconteceu no passado? — pergunto depressa
demais e vejo sua sobrancelha grisalha arquear.
— Isso terá que perguntar a ele, senhorita. Mas as coisas
nunca são preto no branco. Há nuances, tente enxergar através
delas e seja gentil consigo mesma. O amor é um sentimento
confuso.
— Eu… não posso. Não posso procurá-lo. — Limpo uma
lágrima que me escapa, engolindo a vontade de chorar.
— Então apenas esqueça ou… vá adiante e diga ao mundo
quem Logan Hopkins é em noites as quais não consegue lidar com
o desespero, a culpa e o medo. Noites em que encara seus
demônios mais cruéis, noites em que pintar, já não é o suficiente
para livrá-lo do inferno.
E isso, eu também não posso fazer. Ou morreria.
 

 
— Acalmem-se, irei responder a todos com calma. Você — o
comissário pede, apontando em direção a Giovanni, sentado na
primeira fileira.
Cheguei atrasada e tento passar despercebida em meio às
pessoas que tumultuam o lugar, repórteres ansiosos por conseguir
cada gota de informação do comissário, que parece muito pouco à
vontade em estar aqui. A coletiva está sendo transmitida ao vivo por
alguns canais e respiro fundo, à espera do que ele irá revelar. Sinto
minha cabeça latejar como se estivesse a ponto de explodir, fruto
das últimas noites mal dormidas, incluindo a noite passada, em que
passei acordada remoendo tudo que ouvi do doutor Marshall,
remoendo minha culpa e incerteza. Quase sucumbindo à
necessidade de procurá-lo.
— O senhor disse que todos os corpos encontrados, desde a
primeira denúncia na mansão Hopkins, já foram reconhecidos,
certo? — Giovanni se faz ouvir e é claro que mandariam ele, é o
jornalista mais experiente do The Standard.
— Sim, foi o que eu disse. Próximo?
— Mas sugeriu que os primeiros corpos, encontrados na
mansão, eram de criminosos procurados. Nos fale mais sobre isso,
comissário. Quem eram eles? — Giovanni continua e sinto meu
coração pequenininho com o que acabo de ouvir.
Sou inundada por mais culpa, sentindo que estou caindo em
contradição, indo contra tudo que acredito ao deixar as regras
morais de lado, a fim de diminuir os crimes de Logan. Tudo porque
suas vítimas eram criminosos como ele ou pior. Mas então me
lembro de Megalos, o investidor que foi morto semanas antes. Um
homem conhecido por sua honestidade e boa índole, que veio da
Grécia e foi acolhido por nosso país, que construiu uma família
linda, com uma mulher que alega que ele era o melhor dos maridos
e pai.
— Sim. Fichados na Europa e na América do Sul. Conhecidos
como os irmãos Rochedo, participantes de uma famosa quadrilha
contrabandista. Esses criminosos contam com denúncias de
estupro, tráfico e assassinato. — Ele faz uma pequena careta, como
se dar essa informação o incomodasse. — Próximo.
Sinto meu coração errar uma batida, para em seguida sair a
pleno galope.
— E os outros corpos, comissário. Megalos, por exemplo, o
que dizer sobre ele? — Minha dúvida é externada por outro repórter
e nem mesmo pisco ao encarar o comissário, ansiosa por uma
resposta.
— Isso é confidencial.
— Soubemos de fonte segura que novas provas foram
entregues, senhor, e que diferente do que imaginávamos, Megalos
era adepto de parafilias[3].
Arregalo os olhos, me sentindo culpada, mas desta vez por
não ter ouvido o que Logan tinha a me dizer. Vejo-me envolta em
confusão, medo e incertezas.
— Como eu disse, isso é confidencial — volta a dizer,
arqueando uma sobrancelha, soltando a respiração de forma
audível a todos por conta do microfone.
— E o corpo encontrado no píer, comissário? — A pergunta
pula da minha boca antes que eu possa controlar e, merda, eu
deveria me manter calada. Afinal, entrei aqui por influência de Olivia
e deveria permanecer anônima. O comissário respira fundo ao
espalmar a mão no púlpito.
— Aquele era Harlan Enoch, procurado por estupro e
assassinato, incluindo a própria esposa e filhos. — Engulo a saliva,
encarando minhas mãos.
Tudo em mim agora é contraditório, presa em meio a uma
guerra interna, onde uma voz diz que, ainda que ele tenha matado
pessoas cruéis, isso não faz dele inocente. Ao tempo que outra voz,
que vem ganhando autonomia e berrando cada vez mais alto, diz
que o homem ao qual amei tem um passado, que algo que está
além do que já sei lhe feriu a alma e que, por mais que isso não o
isente de quem é, eu deveria procurá-lo, ouvir o que tem a dizer,
descobrir tudo o que puder sobre ele.
— Estamos, então, falando de um tipo de justiceiro,
comissário? — Volto ao momento quando uma moça faz a pergunta
de milhões e isso cria um enorme burburinho no ambiente.
— Acalmem-se, por favor. — Consigo ver o esforço que o
homem faz para engolir essa palavra, erguendo as mãos ao pedir
calma. — Estamos falando de um criminoso estupidamente
inteligente, de um psicopata ao qual estamos trabalhando com
afinco para prendê-lo e esse criminoso não conhece sequer o que
significa a palavra justiça e irá para cadeia como qualquer
criminoso. Estamos trabalhando com afinco para encontrar esse
serial killer e tirar essa maldita Besta das ruas, pois justiça não se
faz com as próprias mãos.
— Comissário — outro chama, mas ele se nega a responder
quando um policial se aproxima, pedindo licença e fala algo ao seu
ouvido. Suas feições se tornam ainda mais severas ao ouvi-lo,
voltando sua atenção novamente para as pessoas à sua frente.
— Tudo o que precisam saber é que estamos trabalhando para
manter a segurança da nossa cidade. Dito isso…
Afasto-me apressada, saindo da sala, precisando de ar. Sinto
minhas pernas tremerem como se não fossem sustentar mais o
peso do meu corpo e me amparo na parede ao lado da porta,
minhas mãos e pés suando como nunca antes. Mal solto o ar e
encontro Olivia, que sorri ao vir em minha direção.
— Ei, garota, já foi ao jornal pegar suas coisas? — pergunta e
me lembro que faria isso, pois me encontro melhor do resfriado, mas
isso já foi deixado em outro plano, depois de tudo que ouvi aqui. A
encaro, e seu sorriso morrendo aos poucos ao notar meu estado.
Olivia me segura pelos ombros ao me alcançar e nem mesmo
chorar eu consigo. — Bella, falei da coletiva para que pudesse se
animar, não para sair a ponto de um desmaio. 
— Megalos, receberam mesmo fotos dele? — pergunto,
sentindo minha garganta seca.
— Bella. — Ela olha para os lados, me arrastando pelo braço
para o canto da recepção, embaixo de uma escada.
— Não vou publicar, prometo. Juro. Só preciso saber. — Junto
as mãos frente ao corpo e consigo ver o exato minuto em que a
ganhei.
— Sim. Ele tinha fotos no computador particular, a esposa
encontrou no cofre e entregou à polícia achando que poderiam
achar ali, uma ligação com quem o matou. Mas ao contrário do que
todos esperavam, havia vídeos e fotos comprometedoras em que
ele gravava as atrocidades que fazia com suas vítimas. — Arregalo
os olhos.
— E o que tinha nesses vídeos? — Olivia volta a olhar ao
redor antes de falar:
— Ele sequestrava crianças e mulheres imigrantes, as
mantinha em cárcere privado, as estuprava para depois estripá-las e
gravava cada atrocidade. Claro que não era ele quem sequestrava
essas vítimas e foi assim que achamos uma ligação entre ele e
Lana, a mulher morta esta semana. Era ela quem atravessava
essas…— Minha amiga olha para os lados, engole a raiva antes de
voltar a falar: — Essas mulheres e crianças, se aproveitando da sua
situação frágil como imigrantes em países diversos. — Abano meu
rosto, o ar aqui parece tão escasso. — Agora estão tentando
arrancar uma confissão do tal namorado dela…
— Ninguém se importa em procurar imigrantes — completo e
ela confirma.
— Isso mesmo, e sei bem como funciona. — E sabe mesmo,
seu pai é espanhol e viera anos atrás tentar a sorte aqui, em nosso
país. Quase fora embora, mas então, encontrou sua mãe. —
Alguns, nem dão queixa, porque caso o façam, são deportados.
Eu me calo, sentindo minha garganta arranhar quando engulo
a bile. A polícia não se importava, e quando o fazia, não obtinha
nada e me pergunto então como Logan conseguiu essas
informações.
— As vítimas da Besta, todos eles até o momento são
criminosos, certo?
— Criminosos que provaram do próprio veneno antes de sua
morte. Todos envolvidos, de alguma forma, em crimes contra
mulheres e crianças, todos torturados da mesma forma que faziam
com suas vítimas. O que é estranho é que a mulher, Lana, não foi
estuprada, ele quis que ela experienciasse ter os órgãos
arrancados, como acontece com suas vítimas.  O comissário estava
tentando segurar essas informações, mas não dá mais para manter
sigilo sobre isso, uma hora ou outra a bomba iria explodir e é melhor
que seja ele a falar.
— Ele parecia estar engolindo pregos durante a coletiva.
— Sim, isso porque as últimas descobertas vêm deixando
todos muito putos. Imagina só um justiceiro em Londres? Isso pode
gerar opiniões divididas entre a população, que pode fazer com que
peçam a cabeça do comissário — fala e me encara, tentando ver
através de mim, que permaneço paralisada, minha cabeça a
quilômetros daqui. —  Não dormiu, não é? — Não respondo, alheia
demais para conseguir raciocinar com qualquer coerência. — Logan
deu notícias, vocês conversaram?
— Não, mas… penso em procurá-lo. Não sei — falo e vejo sua
expressão relaxar. O que me deixa culpada, pois ela acha que o
único problema que nos ronda, é relacionado ao jornal.
— Eu acho que deveria. No fim, se pensar bem, ele tentou
reparar algo. Foi da forma errada, claro, mas tentou. Achei fofo até. 
— Me obrigo a sorrir, tentando imaginar qual seria sua reação caso
contasse a verdade a ela.
— Se eu pedir algo a você, algo que… eu não deveria pedir,
mas ainda assim, eu preciso tentar, você não ficaria com raiva de
mim? — pergunto e ela me encara duvidosa, confusa com a bola de
neve que criei.
— Desde que não precise alterar provas para livrar sua cara
de algo, tudo bem — fala meio divertida. E agora sou eu a olhar ao
redor, me certificando que ninguém nos ouça.
— Você tem acesso a denúncias e fichas criminais, não tem?
— Talvez, o que quer, Bella? — Os olhos pretos estão
reticentes, cheios de desconfiança e dúvida. Lambo os lábios e por
mais que seja um pedido absurdo, não sairei daqui sem fazê-lo.
— Há vinte e oito anos, a mãe de Logan foi assassinada junto
a irmã, mas não se fala nos jornais se ele estava com elas, onde
aconteceu, os detalhes. É uma história mal contada, com furos
homéricos aos quais eu preciso muito descobrir o que aconteceu.
— Por quê? — Ela parece cética ao perguntar, as
sobrancelhas juntas, confusas e eu mordo a bochecha ao procurar
uma explicação que não o exponha, por ora.
— Porque preciso descobrir mais sobre ele, seus demônios,
seus motivos para agir da forma que o fez, Oli — peço e engulo em
seco. — Ele é fechado em concha e eu preciso saber mais. Por
favor, por favor, me ajuda? Eu não vou fazer nada que possa te
prejudicar, nenhuma matéria, nada, só preciso entender, juro.
— Mas que caralho, Arabella — desfere alto demais, voltando
a abaixar o tom. — Você está me complicando assim, amiga. — A
veia em sua fronte salta em um desespero óbvio.
— Juro que não peço mais nada, nunca mais. Juro! — imploro
e sei que estou quase ganhando a batalha quando ouço sua língua
estalar.
— Se algo sair errado, você vai mesmo ter que ir embora
daqui, pois eu te mato. — Trago meus dedos aos lábios, cruzando-
os ao beijá-los.
— Eu prometo.
— Tá, tá, vou tentar, mas não posso tirar daqui nenhum
arquivo. Vou criar outro e-mail e te mandar fotos dos arquivos por
ele, você vai baixar essas informações e ao ler e ter o que quer, vai
deletar tudo em seguida. Ouviu?
— Eu prometo.
— Agora vai, ou antes mesmo que eu faça alguma merda,
serei demitida — pede, se afastando, olhando para os lados ao
tentar ver se posso sair sem levantar qualquer suspeita sobre ela.
Ao seu sinal, dou o fora, criando mil teorias em minha cabeça,
ansiosa por mais e nervosa com a possibilidade de procurá-lo.

Mordo o canto da unha, dando um pulinho ao sentir a ardência


que toma o lugar, vendo o sangue brotar do pequeno ferimento.
Ando de um lado para o outro em meio à sala, esperando notícias
de Olivia. Já criei tantas situações absurdas em minha cabeça que
já estou sofrendo por antecedência e isso está acabando comigo.
Seja lá o que tenha acontecido com Logan na infância, que o tenha
marcado e o transformou em quem é hoje, eu vou descobrir.
Preciso, pois aqui dentro, desde o maldito momento em que ouvi as
primeiras palavras do comissário, tenho a sensação de estar sobre
areia movediça.
Meu celular vibra e abro o e-mail, vendo que uma enxurrada
de fotos é enviada por Olivia, junto a uma única frase como assunto:
“Eu sinto muito, Bella.”
Ao ler, pedras de gelo vão sendo enviadas também ao meu
estômago, espalhando frio por cada parte do meu corpo. Volto a me
sentar próximo ao notebook, sobre a mesinha de centro e salvo
todas as fotos como ela pediu, ansiosa por ver tudo com atenção,
mas focada em não prejudicar Olivia.
Junto todas elas em uma única pasta, depois apago cada uma
e respiro fundo ao voltar para a pasta que acabei de criar. Pouco a
pouco, passo a olhar uma por uma com atenção. Olivia tirou boas
fotos dos arquivos e amplio seu tamanho, lendo cada linha e
anotando as observações relevantes na agenda ao lado. É imediato
o efeito que as palavras ali me causam e sinto os olhos arderem
com o que leio, sentido uma angústia a qual nunca me permiti.
Tapo a boca, engolindo um grito quando vejo a foto de uma
menininha, jogada ao chão. Os cabelos vermelhos espalhados no
piso, sujos de sangue já seco. Seu corpo já em decomposição a
expelir secreções, morta ao ser degolada por uma faca, após ter
sido… estuprada. É o que diz o documento.
— A pequena Lilly — sussurro para o nada, engolindo o choro,
indo em busca de mais.
Na seguinte, tenho uma mulher e ela não poderia ser mais
semelhante com a menininha jogada ao lado e busco as anotações.
Quando foi encontrada, Helena ainda não estava em um estado
avançado de decomposição, porém há larvas sobre a cicatriz em
seu rosto. Uma igual à que Logan tem em suas costas. Um soluço
me escapa ao constatar que ele estava nesse lugar, que ele assistiu
a tudo isso e que foi exposto a tanta brutalidade. Sua mãe está
irreconhecível, quase nua e coberta por sangue e sujeira, em
especial sua virilha, vagina e pernas. Eles a estupraram de forma
tão cruel que a dilacerou. Passo para as próximas fotos, a de um
homem jogado em um canto da parede, morto, seu rosto tomado
por larvas.
Já não tenho controle algum sobre o choro e me desespero ao
me deparar com uma foto de Logan. Magro, sujo e… ferido. Sinto-
me morrer um pouco e nada que imaginei antes, todas as
possibilidades, se comparam com isso. O menino de dez anos tem
um corte no supercílio, um lado do rosto inchado e roxo e o corpo…
gemo ao reconhecer a queimadura em seu ombro, recém-feita,
ainda sangrando por ser tão profunda. Me levanto, sem conseguir
continuar a ler o arquivo, sem conseguir acreditar em tudo o que li,
em tudo o que vi. Não consigo continuar a ver as fotos da perícia,
não consigo.
Dobro meu corpo ao meio ao apertar meu estômago e grito,
sem controle algum, sem conseguir aceitar o que acabo de ver, todo
o sofrimento ao qual ele passou quando criança. Choro, caindo de
joelhos sobre o tapete, sem poder imaginar o quão profundo são as
marcas em sua alma. Bato em minha cabeça com o punho fechado,
ao sentir o mundo desabando aos poucos sobre minha cabeça. Os
três passaram dez dias em cativeiro, tudo porque aqueles filhos da
puta queriam algo que o seu pai não conseguiu dar e, por isso,
pedaços de sua família lhe eram enviados aos poucos.
— Não, não, não… — Choro, sentindo o meu peito doer como
nunca senti, nem mesmo quando o deixei.
Não tem como uma criança ser imune a isso.
“Deixe-me falar”, foi seu pedido naquela noite, mas eu não
deixei. Eu não o ouvi.
Meu celular toca e penso em negar quem quer que seja, mas é
Olivia e, por isso, limpo as lágrimas, tentando ler o que está escrito.
Meu coração para, meu sangue gela e meu corpo paralisa.
Não pode ser.
 

 
Já li muitos livros, alguns deles elevaram o amor a um patamar
inalcançável, alegaram ser um sentimento sublime, acolhedor,
perfeito demais para pobres mortais como nós e que, por isso, não
compreendemos bem sua magnitude. Outros o crucificaram,
pisotearam e alegaram que tal sentimento nem mesmo existe ou
que não passa de uma loucura a qual abraçamos, para que o
mundo se torne suportável. Mas independentemente de quem esteja
certo, eu o abracei, seja como um sentimento belo ou uma loucura.
Ainda que não tenha percebido, eu o amarrei a mim no momento
em que a beijei e talvez seja louco como muitos acusam.
Vivo um martírio desde que ela se foi e aceitar que eu a amo,
trouxe uma avalanche destrutiva sobre mim. Fez-me sentir
miserável, me trouxe pesadelos com relação a ela. Pois ao dormir,
volto para aquele mesmo lugar, mas dentre às paredes daquele
cativeiro já não era eu, minha mãe ou Lilly ali, era Arabella, e eu não
conseguia entrar ou tirá-la de lá, mas recebia seu corpo decomposto
em uma caixa, em pedaços. Foi doloroso, é doloroso, porque ao
acordar ela não estava ao meu lado na cama, na maldita cama que
ainda tem o seu perfume.
Perdi completamente o controle de mim e não sei como
esquecê-la, como fazer isso parar, como tirá-la da minha alma. O
sentimento é novo, amargo e tenta me afogar a todo o momento que
lembranças de nós dois preenchem meus pensamentos a cada vez
que vejo aqueles olhos amedrontados e acusatórios sobre mim. E
nada parece funcionar para tirá-la de mim, nem mesmo o trabalho e,
por isso, em pleno sábado, me encontro em minha biblioteca.
Esfrego meu rosto, sem prestar atenção na coletiva de
imprensa que foi ao ar essa tarde e pisco algumas vezes, me
esforçando para manter minha atenção no que é importante, na tela
do computador. Falaram o que eu já esperava, como planejei, os
assassinatos espalhados pela cidade tiraram o foco da polícia sobre
mim. Para a polícia, neste momento, os corpos na antiga mansão
foram deixados lá por se tratar de uma bela mansão em Mayfair, já
que o foco para suas exposições é o bairro. Nada além. E o tempo
todo, desde que essa porcaria começou, meu coração mantinha um
ritmo constante, isso, até vê-la entre os presentes.
Desacelero o vídeo e inclino o corpo para frente, toda minha
atenção presa nela, focada no que Frederic diz. Em dado momento,
vejo seus olhos arregalados, o peito subindo e descendo depressa e
ainda que pareça abatida, hoje ela escolheu vestir cores. Um
cardigã verde e uma saia lilás e isso me faz sorrir e me traz a
maldita sensação de saudade. Ainda cedo, senti a mesma
necessidade de todos os dias, quase palpável, de ir até ela, nem
que fosse para vê-la ao longe como fiz certa vez, mas não o fiz.
Contentei-me em ter notícias suas através do segurança que
continua às voltas do seu apartamento, cobrindo sua proteção. Pois
enquanto acharem que estamos juntos, ela pode ser alvo de
qualquer um e isso eu não posso permitir. Solto o ar e ouço uma
batida em minha porta e logo a senhora Aniston se faz ver.
— Senhor Hopkins, tem visitas. Trata-se de três inspetores e
mais quatro policiais.
Volto a recostar na cadeira e encaro a tela. Ora, quem diria…
Fecho a tela e me levanto, circulando a mesa e indo em direção à
saída. Deixo a biblioteca e vou para o hall de entrada e como minha
governanta disse, há três inspetores à minha espera, e quatro
policiais a uma meia distância. Dois dos inspetores eu já conheço,
são os mesmo que vieram aqui outro dia, mas o terceiro… nunca o
vi.
— Smith. Martinez, policiais e… — me refiro ao outro inspetor
ao cumprimentá-los e esse tem um olhar esperto e uma expressão
inteligente, apesar de se parecer um vampiro da Idade Média. Alto,
cabelos muito escuros e magro demais, olhos grandes com olheiras
aparentes e bochechas fundas que lhe dão um ar cadavérico.
— Esse é O´Malley, senhor Hopkins, do distrito de Dublin,
Irlanda. Veio nos ajudar no caso da Besta. — Não diria que ele é um
irlandês por sua aparência um tanto estranha.
— Oh, seja bem-vindo — cumprimento de forma gentil e o
homem apenas anui, olhos astutos sobre mim. — A que devo a
honra? — Enfio as mãos em meus bolsos, encarando cada um à
minha frente, em especial o franguinho que traz um sorriso de
satisfação nos lábios.
— Senhor Hopkins, temos aqui um mandado de busca e
apreensão em sua propriedade. E peço que nos acompanhe ao
distrito para prestar depoimento. Também temos um para a sua
empresa. — Estreito os olhos em sua direção ao pedir o papel que
traz em sua mão e tanto Smith quanto o tal O´Malley apenas me
observam.
Passo os olhos sobre os escritos, é uma autorização de um
juiz para que entrem em minha casa e vasculhem todo e qualquer
lugar que quiserem. Aperto o maxilar, movido pelo desconforto de tal
invasão e os encaro, analisando sua postura. Smith não parece à
vontade, já Martinez tem um sorrisinho de canto, quase
imperceptível. Enquanto O´Malley se mantém impassível. Talvez
essa é a vingança de Martinez por ter sido passado para trás. Como
imaginei, é um grande idiota.
— Caso não aceite nos acompanhar — Martinez volta a falar,
dando um passo à frente —, seremos obrigados a usar a força. — O
que diz me arranca um sorriso preguiçoso, entregando para ele o
seu mandado.
— De forma alguma, inspetor. É sempre um prazer contribuir
com a justiça. Por gentileza. — Aponto a saída, antes que eles o
façam e me volto para a senhora Aniston, que tem os olhos
esbugalhados e preocupados ao presenciar a cena.
— Dê acesso a tudo que esses gentis policiais precisarem,
senhora Aniston. Inclusive, ao ateliê — peço e, por fim, saio junto
aos inspetores, notando que O’Malley é quem irá acompanhar as
buscas.
Espero sentir algo, receio, inseguranças, mas há apenas
aceitação a cada passo que dou. Ao descer as escadas da entrada,
encontro com John junto a outro segurança, a postos e inquieto.
Olho para as laterais do terreno, há outros de seus seguranças à
espreita, prontos para uma fuga rápida, caso eu queira. Mas não
quero. E um sinal simples com a cabeça indica a ele que está tudo
bem e então sua postura relaxa, colocando as mãos atrás do corpo.
— Está tudo bem, John. Faça o que é preciso e acompanhe os
policiais na busca pela mansão, depois vá para o distrito e me
aguarde, terei que seguir com os policiais — explico e ele anui,
ainda que um tanto preocupado.
— Se eu fosse você, não estaria tão confiante em voltar para
casa, Hopkins. — Eu o encaro, enfadado com sua petulância.
— E se tivesse mesmo algo contra mim, inspetor Martinez, o
que não tem, eu estaria saindo daqui algemado e não com tamanha
gentileza, concorda? Portanto, aconselho que se limite a sua
insignificância. — Ele dá um passo adiante, crispando os punhos,
sendo parado por Smith, e sorrio ao passar por ele e entrar no carro
que tem a porta traseira já aberta por outro policial.
E caso as coisas saiam do controle, em breve encontrarei
aqueles a quem mandei para o inferno!
 

 
Adentro o distrito junto aos dois inspetores, sentindo os olhares
de todos sobre mim. Não é para menos e começo a me sentir
incerto dos motivos que me trouxeram aqui, dado a forma como
tudo foi dirigido, cheguei a cogitar que enfim a moral de Arabella
tenha falado mais alto e ela teria ido à polícia e isso vem martelando
minha mente desde que saí da mansão. Me mantive calado durante
o trajeto, com a atenção presa a ambos os representantes da lei,
que claramente tinham opiniões diferentes. Um reticente e o outro a
ponto de me lançar em uma cela e jogar a chave fora. Contraditório,
e gosto disso, gosto de quebra-cabeças, mas claro que prefiro
aqueles em que minha cabeça não está em jogo.
Levanto o rosto ao sentir um perfume conhecido entre os
tantos odores deste ambiente, pois este, eu reconheceria em
qualquer lugar. Levanto o olhar e inspiro fundo para ter mais do seu
cheiro e paro de andar de forma abrupta, ignorando que Smith
quase bate de frente com minhas costas. Pois no momento, a única
coisa com que me importo é a criatura miúda e encolhida contra a
parede à minha frente, que olha na direção oposta e como se
estivesse sendo atraída por um ímã, seus olhos vêm de encontro
aos meus, arregalados em surpresa, parecendo exalar alívio ao me
ver.
Então foi mesmo ela? Arabella denunciou tudo o que viu
naquela noite…
E isso sim traz peso às minhas costas, um gigantesco, como
se uma âncora me puxasse para o fundo de um revolto e escuro
mar de sangue, como se eu estivesse me afogando nele. O tempo
parece parar, enquanto tento entender o que está acontecendo,
pois, as peças não se encaixam. E eu deveria ter me preparado
para isso, meu corpo e mente, para não sucumbir aos sentimentos
ao vê-la aqui. Afinal, que pusesse a boca para jogo era mais certo
do que sua omissão. E ela conseguiu ir adiante…
Arabella parece acordar de um transe, lágrimas pesadas se
empoçam em seus olhos e a destrava, impelida a agir de uma forma
a qual eu não esperava. A menina vem até mim, desistindo de
andar, e me surpreendendo ao correr para os meus braços. Engulo
a saliva junto ao bolo em minha garganta e a recebo quando se joga
contra mim, chego a dar um passo atrás com o impacto e confuso,
respiro fundo, guardando seu cheiro apenas para mim, minha droga
favorita, e pela primeira vez desde que ela deixou minha casa
naquela maldita noite, sinto que volto a respirar.
Aperto-a contra mim como se quisesse me fundir a ela,
sentindo seu corpo convulsionar contra o meu e sei que ela chora.
Mergulho meu rosto na curva do seu pescoço, podendo relembrar
como é estar em casa, como é sentir o coração bater por algo que
não seja a mais miserável das tristezas. Essa infeliz me deixou
mesmo em um estado lamentável.
— Shiu, está tudo bem, Bella — tento, mesmo que seja
incerto, e viro-me para os inspetores, ainda abraçado à sua cintura,
enquanto tenho Arabella apertando minha camisa entre os dedos,
com o rosto afundado em meu peito. — Nos deem um minuto, por
favor — peço e Martinez nega, mas Smith permite e então volto a
atenção para a minha menina, que trouxe o ar de volta ao meu
mundo, emoldurando seu rosto com minhas mãos ao vê-los se
afastar alguns metros. — Ei, pare de chorar, pois não sei lidar com
você quando está chorando, menina — peço, encostando minha
testa na sua, sua respiração batendo contra meu rosto e deixando
tudo pior quando o que eu quero agora é tirá-la daqui e mergulhar
em seu maldito sabor.
Os olhos estão mais vívidos que nunca dentre as lágrimas, o
rosto marcado, o queixo tremendo lindamente e sinto o mais puro
dos alívios ao não ver mais medo brilhar em sua íris ao me encarar
e percebo o quanto isso vinha me ferindo nos últimos dias. Vendo-a
fungar ao tentar falar, limpo suas lágrimas com meu polegar, lhe
dando tempo.
— Eu… eu… — fala baixinho, um sussurro. — Diga a eles que
estava comigo, eu irei confirmar. Diga a eles que na noite da
orquestra, que mentiu ter ido à empresa, que você estava comigo e
diga também que estávamos juntos na noite em que, em que… o
deixei e diga que brigamos por conta do jornal. Naquela noite, eu
cheguei em casa de madrugada, por volta das quatro da manhã,
Olivia pode confirmar — sussurra apressada, segurando meu rosto,
me permitindo sentir seus dedos frios tremendo sobre minha pele.
Sorrio, tentando tranquilizá-la e me pergunto por que chegou em
casa tão tarde, se me deixou ainda no início da noite.
— Mas eu fui à empresa, Sunshine — confesso e ela arregala
os olhos, confusa. Beijo um olho após o outro. — Conte uma meia-
verdade muitas vezes e ela se tornará absoluta. Caso precise, diga
a verdade, que a deixei para ir à empresa e que sim, na noite que
deixou minha casa, estávamos juntos. — Ela confirma com afinco e
confiança.
— Não fui eu, eu não disse nada — fala, por fim, e sequer
precisava, vi isso em seus olhos.
Ainda me sinto confuso com relação à sua postura, à procura
de desvendar os seus pensamentos mais íntimos e o que a trouxe
aqui. Parece ter mudado da água para o vinho e quero entender o
motivo, pois não me permito sentir a esperança de que a tenho
outra vez, sem antes entendê-la, contudo, agora não há tempo para
esclarecimentos desse tipo.
— Senhor Hopkins, agora precisa nos acompanhar, por
gentileza — Smith pede e sequer o olho.
— Fique calma e, por favor, não chore. Ficará tudo bem —
peço ao deixar um beijo casto em sua testa, sentindo o peito
apertado ao seguir o inspetor e deixá-la ali, sozinha, notando que o
franguinho desapareceu de vista.
Melhor assim!
— Eu vou esperar você. — Ainda a ouço, sentindo meu
coração bater apressado e a olho por sobre o ombro, podendo vê-la
limpar as lágrimas em seu rosto.
Sou levado para o segundo andar e deixado em uma das
famosas salas de interrogatório, onde tem uma mesa quadrada,
pequena, com quatro cadeiras. Duas de um lado e duas do outro.
Sobre o tampo da mesa há um acessório, que serve para prender
as algemas de algum criminoso ali e garantir segurança aos
inspetores com relação a criminosos perigosos, que aparentemente
não é o meu caso, não tenho algemas.
Do lado esquerdo há um vidro espelhado ao qual não me dá
uma visão do lado oposto, mas sei que estou sendo observado.
Enfio as mãos em meus bolsos da calça jeans, olhando ao redor,
me dando conta de que a sala é mesmo planejada para trazer
desespero aos culpados. Branca demais, vazia demais, quente, e
parece capaz de sufocar, estranhamente perturbadora. Não deixa
de ser um meio de tortura.
Sinto-me ansioso conforme os minutos vão passando, ansioso
por estar com Arabella. Contudo, já espero por uma demora
significativa, pois sei que querem me deixar assustado, nervoso e
pronto para cantar como um passarinho, caso seja culpado. E a pior
parte é ter que me comportar como um inocente, aflito por provar
minha castidade. Ando de um lado a outro na sala, tentando parecer
impaciente, olhando o relógio de dez em dez minutos, para me
certificar de que o dispositivo de segurança da porta do subsolo
continua intacto. Três horas se passam, três em que parecem dez,
até que a porta se abre. Smith é o único a entrar, trazendo uma
pasta fina em suas mãos.
— Seu advogado já está a caminho, senhor Hopkins — tenta,
uma mentira, é óbvio. Sei que irão demorar o máximo que
conseguirem para me trazerem Glines. Porém também sei que John
fará isso. — Logo ele chegará, mas enquanto isso, podemos
conversar?
— Como quiser, inspetor. Posso saber agora do que estou
sendo acusado? — pergunto enquanto vejo-o desabotoar o paletó
bege e sentar-se.
— Não leve para esse caminho, senhor. E, por favor, sente-se.
— O observo, vendo gotículas de suor em suas têmporas, que
demonstram seu nervosismo. — Aceita um chá, uma água ou café?
— Uma água, por gentileza. — Então ele fará o papel do
policial bonzinho. Smith olha em direção ao vidro e em seguida abre
a pasta amarela à sua frente.
Sento-me e noto que Smith me encara por tempo demais.
Encosto-me à cadeira, apoiando as mãos sobre a mesa, as
deixando à vista, isso passa segurança e a cada segundo que se
passa, tenho a certeza de que eles não têm muito a meu respeito e
cogito até mesmo que Richard tenha feito uma denúncia por
agressão.
— Senhor Hopkins, o seu pai tinha algumas filiais pela cidade,
certo? — começa e sinto um pequeno arrepio perpassar por minha
coluna ao citar o meu pai
— Sim, duas, para ser mais preciso. A matriz ficava localizada
em Mayfair, onde hoje está a Hop Force.
— Tinha também alguns terrenos, correto?
— Sim, alguns. — Meu pai tinha um bom patrimônio em
imóveis, o que não nos serviu em nada quando tanto precisamos.
— E esses terrenos, senhor, ainda são de sua propriedade? —
Estreito os olhos em sua direção e ajeito minha postura, apoiando
os cotovelos sobre a mesa.
— Nem todos.
— E o que fez com eles?
— Um desses terrenos foi vendido ainda por meu tio, ele era
meu guardião legal. Não detinha o poder sobre todo o patrimônio,
porém esse terreno em especial, vinculado à empresa, ele se
desfez. Os outros dois fui eu mesmo a vendê-los, quando retomei o
controle das empresas Hopkins — explico de forma pausada, tendo
o controle de minha voz, respiração e até mesmo a forma de piscar
os olhos. O corpo fala mais que qualquer palavra. — Estávamos às
portas da falência e precisei limpar meu nome, meu tio não era o
Hopkins mais inteligente para gerir os negócios e quase nos
afundou — acuso, aquele idiota quase me enterrou no fundo de um
poço. E poderia ter sido pior, caso tivesse o poder de se desfazer de
todo o meu patrimônio, acredito que o teria feito para suprir sua
ganância. E já que ele cavou seu próprio poço, ele que se
enterrasse sozinho. — O outro, o maior e de ótima localidade no
centro de Belgravia, ainda está em meu nome e não pretendo me
desfazer dele. Tenho um projeto incrível para aquele lugar,
construirei a nova matriz da Hop Force. — Não construirei, isso é
uma mentira, mas sei exatamente aonde quer chegar e, por isso,
tiro da manga as cartas certas. O tempo todo com os olhos presos
nele, sem desviar o olhar para a direita, o que indicaria que estou
mentindo.
— E o senhor sabe o que esse terreno, em especial, guarda
por baixo de todo aquele aterro? — E ao falar isso, Smith passa a
primeira folha em sua pasta, virando-a para mim. É uma foto de um
esqueleto humano, recentemente desencavado.
Trago a mão aos lábios, ao franzir as sobrancelhas,
demonstrando certo desprezo pela foto, até nojo, mudando o meu
olhar de direção. Pessoas inocentes não são dadas a apreciar
corpos exumados e procuro fazer bem o meu papel.
— Não, claro que não — afirmo. — De onde tiraram isso? —
pergunto um tanto ofendido.
— O terreno ao lado, senhor Hopkins. Seus vizinhos estão
construindo um novo shopping e chegaram ao limite do seu terreno,
encontrando uma mão humana enterrada no local. — E eu estive
muito ocupado me apaixonando para ver isso, do contrário, já teria
notado a construção, tirando-o dali. — Como pode ver, não
demoramos a encontrar o restante do corpo o qual a mão pertencia
— explica, apontando a caneta para as fotos sobre a mesa. Encaro-
o, evitando olhar as fotografias.
— E vocês estão cogitando que fui eu a matar essa pessoa?
— pergunto, voltando a encará-lo.
— Há de concordar que é uma coincidência imensamente
grande ter corpos encontrados em sua mansão e, em seguida, em
um terreno em seu nome, certo?
— Estão mesmo tão desesperados para encontrar um
culpado? — pergunto e ele arqueia uma sobrancelha. — É o que
vejo, inspetor, e o senhor há de concordar comigo, certo?
O homem à minha frente trava o maxilar, entrelaçando as
mãos sobre a mesa, me analisando, encarando minhas mãos.
— O que são as marcas em sua mão, senhor Hopkins, como
as conseguiu?
Sigo seu olhar e encaro o dorso de minhas mãos, os nós dos
dedos marcados, começando a cicatrizar, e agradeço mentalmente
estar vestindo uma camisa de gola alta, a qual esconde a marca já
apagada, que Lana deixou em meu pescoço.
— Saí em defesa da minha namorada, a moça que viu lá fora.
Um filho da puta, seu chefe, tentou enforcá-la e eu dei a ele um
corretivo — explico, me deliciando ao ver seus olhos se ampliarem,
aproveitando também o rótulo que acabei de dar à Arabella. — Ele
está vivo, a propósito, o que deixa a seguinte dúvida inspetor: se
sou um serial killer, como tentam me acusar, e ele mexeu com o que
é meu, eu não deveria tê-lo matado?
— Sarcasmo não irá lhe ajudar neste momento, senhor
Hopkins. — Ele começa a perder a paciência, a fachada de policial
bonzinho cedendo.
— Sua incompetência também não, Smith. — Ele me encara e
em seguida sorri cínico. 
— Não se engane, Hopkins, seu dinheiro não poderá salvá-lo
de uma acusação como essa, esteja certo disso.
Cruzo as pernas, procurando uma posição mais confortável,
propositalmente levando um tempo longo demais para voltar a falar:
— Ora, inspetor, sejamos sinceros aqui. O senhor não tem
nada que me ligue diretamente a esses crimes. Pois corpos em
terrenos abandonados são encontrados aos montes e está
mantendo-me aqui para livrar sua bunda, para que, assim como
acaba de dizer, eu não use minha influência para impedir que vire
minha casa, minha empresa e minha vida de cabeça para baixo,
enquanto tenta encontrar algo para me incriminar e solucionar o seu
caso. Mas deixe-me livrá-lo de tanto trabalho ao lhe dizer que o
senhor não vai encontrar absolutamente nada nesse teor.
— Sua arrogância e confiança são realmente notáveis, senhor
Hopkins, sua fama não é uma mentira. Mas vejamos se continuará
tão confiante.
— Não poderia ser diferente. Sou inocente. Apenas isso.   
O homem está irritado e olha o celular, se levantando e saindo
em seguida. Mas deixa sua pasta aberta sobre a mesa, com as
fotos ainda à mostra. Encaro o vidro ao lado, para não olhar as
fotografias, e posso sentir a energia caótica que as pessoas ali atrás
emanam. Olho o relógio e me pergunto se ainda falta muito. Eles
tentarão segurar o advogado o máximo que podem, devem estar
fazendo isso agora mesmo, mas tampouco preciso de um. Sou
ciente do que construí, da fachada segura ao meu redor, meu único
receio era caso Arabella tivesse dito algo, mas não disse e, por isso,
sei que os policiais em minha casa não acharão absolutamente
nada.
Os corpos que encontraram foram os primeiros que matei
quando deixei o internato. Tinha fome e sucumbi ao amadorismo na
época, sem ouvir os conselhos sábios de Marshall, mas erros deste
tipo também me permitiram melhorar meus métodos. Por isso, tenho
tanta confiança, pois até mesmo o serviço de inteligência no subsolo
da Hop Force está acima de qualquer suspeita e não pode ser
encontrado. Agora, minha urgência em sair daqui é apenas uma: a
pequena criatura que me espera lá fora, Arabella.
A porta volta a ser aberta novamente, mas desta vez é o
franguinho que entra na sala, trazendo uma pasta mais cheia em
suas mãos. E poderiam ter mandado o comissário, ele faria um
papel melhor que Martinez como um policial mau. Sua marra pode
ajudar, mas ele mal saiu das fraldas, ainda é inseguro para o papel.
Enfadado, respiro fundo, chega a ser cansativo os métodos
ultrapassados que usam. Não me admira o trabalho porco que
fazem.
— Diga-me, senhor Hopkins, onde estava nas noites
decorrentes de cada assassinato? — pergunta, mostrando-me a foto
do homem amarrado ao píer. Pisco algumas vezes, demonstrando
um desconforto ao qual não sinto, me policiando a não admirar a
foto por muito tempo.
— Neste, eu estava em Nova Iorque. Em negociação para a
compra da House Bow, como os senhores já devem saber. — Deixo
claro que falo para ele e para a equipe ao lado.
— E você tem como provar isso? — Esse filho da puta tem um
risinho na boca ao qual eu gostaria de arrancar com uma navalha
bem afiada. Seria um trabalho perfeito e bem sujo.
— Claro. Os registros de voo, a reserva do hotel, no
restaurante, enfim, tudo o que precisar. — Ele engole com certa
dificuldade e então, mostra-me uma foto de Megalos e esse sim me
traz uma satisfação gigantesca, há elegância em cada ato de sua
exposição.
— E esse, senhor Hopkins? — pressiona e olho a foto por
alguns segundos, fingindo estar impactado com a imagem tão
vívida, colocando a mão nos lábios.
— O conheci ainda em vida, em um jantar beneficente, foi uma
pena a sua perda, era um tubarão no mundo dos negócios. — Um
tubarão que acabou morrendo pela boca, ou melhor, pelo ânus.
— Pare de enrolação e vá direto ao ponto.  Onde estava na
noite de sua morte? — Arqueio uma sobrancelha e busco por ar, me
impedindo de rir.
— Nessa noite, levei Arabella a uma orquestra, no teatro. — E
ele revira os olhos ao me ouvir, mas isso tem pouco impacto sobre
minha narrativa. — Ao final, recebi uma ligação de Darcy, meu braço
direito na Hop Force, e tive que pedir a John que a levasse para
casa, pois tinha que ir à empresa — explico e ele parece impaciente
e isso me deixa muito satisfeito. — Tivemos um problema com um
funcionário, ele estava vendendo alguns dos nossos produtos
militares para terceiros. Precisamos fazer uma apuração gigantesca
e isso nos levou a passar horas daquela madrugada na empresa. E
antes que pergunte, eu tenho como provar. Meus funcionários, o
jovem que teve sua exoneração imediata e as câmeras da Hop
Force — explico, evitando olhar a bela obra de arte que é a
fotografia em alta resolução de Megalos empalado. Gostaria de
levá-la comigo, inclusive. Talvez eu a pinte em uma tela.
— E aqui, senhor Hopkins. — Desta vez ele me mostra uma
foto de Lana e finjo estar igualmente enojado.
— Estava em minha casa. Tinha chegado de Nova Iorque,
após enfim fechar negociação com Bommer.
— Há alguém que pode confirmar isso? Além dos seus
funcionários, é claro.
Solto o ar em meus pulmões, lembrando-me daquela noite. Do
que fazia, de Arabella, do seu desespero.
— Sim. Há Arabella. Você deve saber que temos um
relacionamento, certo? — Ele engole seco e seus olhos faíscam em
descontrole ao ouvir o nome dela. — Naquela noite, tivemos uma
discussão referente à compra do jornal ao qual ela trabalha, uma
conversa que levou algumas horas. Ela pode ser teimosa quando
quer — falo, minhas feições demonstrando a mais pura inocência
possível. — Foi só na madrugada que ela foi para casa e, se não
me engano, Arabella divide o apartamento com sua irmã, que pode
até mesmo confirmar isso. — O rapaz tem o rosto em um tom rubro,
os olhos são uma janela para a sua alma nada satisfeita. — Mas me
diga, inspetor, seus superiores sabem do seu interesse por minha
namorada e que isso pode comprometer seus julgamentos com
relação a mim? — pergunto, sentindo o sabor da vitória se espalhar
por meu paladar ao jogar seu profissionalismo fajuto no lixo.
Tudo acontece muito rápido, o galinho levanta-se e avança
sobre a mesa, em minha direção, chegando a segurar minha
camisa, puxando-a e sendo parado por Smith, que o puxa junto a
O’Malley. E sei que acertei um ponto crucial ao ver o franguinho ser
arrastado para fora da sala. O outro inspetor, este na casa dos
quarenta e cinco anos, se senta e olha a pasta sobre a mesa. Eu o
observo enquanto arrumo a gola de minha camisa, ombros eretos,
peito estufado e um olhar afiado que demonstra segurança e
experiência.
— Teve uma infância difícil, não foi, senhor Hopkins? — Direto
ao ponto, gostei.
Arqueio uma sobrancelha e seguro o impulso de cruzar os
braços em frente ao corpo e dar a ele uma resposta inconsciente,
demonstrando a insegurança passageira que me tomou com relação
a esse assunto em particular.
— Eu diria que sim — respondo, voltando ao controle. — Perdi
meus pais e uma irmã em dois episódios desastrosos, ainda muito
jovem, mas disso você já sabe — concluo, ele achou meu calcanhar
de Aquiles, contudo, não irei permitir que tome as rédeas da
narrativa.
— Sei sim, assim como sei que algo tão trágico é suficiente
para foder a mente de alguém, concorda? — Eu anuo e devo
pontuar que esse inspetor, diferente dos outros, sabe o que faz. —
Me conte, senhor Hopkins, tudo que o aconteceu naquele contêiner
desencadeou seu desejo por matar? — Aperto os olhos em sua
direção, sentindo um arrepio cortar minha espinha, mas sou
impedido de responder quando a porta é aberta com brusquidão e
posso ver Glines, meu advogado, passar por ela acompanhado de
Smith.
— Ele está aqui há quantas horas? — se faz ouvir cheio de
importância. E ele sabe mesmo como fazer uma entrada teatral.
— Quatro horas e, por gentileza, inspetor, ainda aguardo a
água que me ofereceu — concluo, notando o quanto a presença do
advogado mudou o humor de ambos os inspetores.
— Não diga mais nada, Hopkins, a menos que os senhores me
mostrem um mandado para este interrogatório macabro, o que eu
duvido — começa, cheio de segurança. — E o senhor não assusta
ninguém com essa pasta cheia de nada, O’Malley, pois sabemos
que metade dos papéis que estão aí, estão em branco e que você
está tentando apenas assustar o meu cliente com provas as quais
não possui. — Glines se senta ao meu lado e encara os dois
inspetores. — Vocês têm vinte minutos para liberar o meu cliente ou
trazer provas reais que embasam esse interrogatório estapafúrdio,
ou teremos um claro problema, senhores.
 

 
Eu não estava raciocinando direito quando deixei meu
apartamento mais cedo, após receber uma mensagem de Olivia a
qual dizia que Logan poderia ser preso e que o trariam para depor.
Meu desespero aumentou consideravelmente quando cheguei e a
encontrei. Olivia me disse que estavam naquele momento
vasculhando sua casa, a empresa, sua vida, tentando achar algo
que o ligasse a todos os crimes que estão acontecendo, tudo depois
de achar um corpo em um terreno que pertencia ao seu pai e que
ainda é de sua propriedade. Isso me desestabilizou, me fez
gaguejar quando Olivia me perguntou se eu sabia de algo, se ele
poderia mesmo ter feito isso. Fui salva de responder quando a
chamaram ou teria caído em contradição.
Mantive-me aqui apavorada, temendo que não desse tempo de
dizer a ele que não fui eu a dizer nada, que não desse tempo de
dizer a ele que seria o seu álibi. E eu esperava que ele fosse entrar
por aquelas portas algemado e quando o vi, mãos livres, postura
altiva, camisa de lã preta, gola alta e com mangas dobradas até o
cotovelo e nada afetado, não pude colocar em palavras o tamanho
do alívio que senti naquele momento. Alívio esse que não demorou
muito quando fui chamada a uma sala, tempos depois, e me
pediram para esperar e é o que faço agora, depois de sei lá quantas
horas, sentada em uma sala espaçosa e bem montada.
Então comecei logo a repassar todos os acontecimentos, a
inventar uma história em cima de acontecimentos que realmente
aconteceram, pois sabia que iriam me fazer perguntas. Descobri
logo que se tratava da sala do comissário por conta da foto de sua
família sobre a mesa, ele, a esposa e três jovens que parecem
adoráveis. Olhei tanto essa foto que já memorizei seus rostos e a
cada minuto que passa, me sinto mais nervosa, ansiosa e já não
consigo controlar minhas emoções, mesmo sabendo que isso pode
nos colocar em maus lençóis.
Bato o pé de forma apressada no chão, causando um toc, toc,
na sala. Tudo que eu quero agora é que isso acabe, que não
encontrem qualquer ligação com Logan e que possamos ir para
casa, que possamos enfim conversar. Ainda vejo aquelas fotos à
minha frente quando fecho os olhos, ainda sinto todo aquele
desespero como se meu coração estivesse sendo arrancado do
meu peito, ainda me vejo fechando aquele arquivo apenas para não
ir adiante e descobrir que o est… sequer consigo prosseguir com o
pensamento. A bile vindo à minha garganta.
Ouço um barulho às minhas costas e olho por sobre o ombro,
vendo o comissário entrar na sala com o inspetor Smith atrás.
— Senhorita Tomlinson, certo? — pergunta, trazendo um tipo
de pasta parda em suas mãos. Fico ainda mais nervosa, será que
ele descobriu que Olivia me passou aquelas fotos?
— Sim, senhor comissário. Como vai?
— Bem, senhorita, e não se levante, por gentileza — pede e
volto a relaxar na cadeira, vendo-o sentar-se à minha frente, atrás
da sua mesa. Smith se coloca ao seu lado, permanecendo em pé,
ambos me analisando e me sinto como um animal em um zoológico,
exposta à observação alheia. — Sabe por que está aqui, senhorita?
Respiro fundo, tentando controlar-me.
“Seja a pessoa a deixar a multidão sem ter o que dizer, Bella.
Seja mais confiante, independentemente da opinião do outro,
abrace a si mesma, a sua verdade, com isso, se sairá melhor em
todos os âmbitos de sua vida desta forma, em especial o
profissional”, e é como ouvi-lo aqui, quando sua frase vem à minha
mente.
— Em primeira mão, cheguei aqui de livre e espontânea
vontade, pois soube que Logan estava vindo para cá. Mas por que
estou em sua sala há horas, eu não sei. Espero que possa me dizer,
senhor — falo cada palavra com tanta segurança que até me
desconheço.
— Tem mesmo um relacionamento com Logan Hopkins,
senhorita?
— Sim, há pouco tempo, mas sim. — Ao menos é o que eu
gostava de pensar, que tínhamos um relacionamento, mesmo que
de forma completamente errada.
— E como anda esse namoro, senhorita, posso chamar
assim? — Ao ouvi-lo, é como se eu estivesse ouvindo a voz de
Logan novamente em meus ouvidos.
“Conte uma meia-verdade muitas vezes e ela se tornará
absoluta.”
— Anda um tanto estremecido — confesso e essa não é a
palavra que eu usaria em qualquer outra situação. — Nós tivemos
uma discussão há quatro dias, desde então, estamos tentando lidar
com isso de formas diferentes.
— Defina estremecido, senhorita. — O comissário é um
homem inteligente, mordaz em suas perguntas enquanto mantém
uma expressão muito gentil em seu rosto.
— Há pouco tempo, fui readmitida ao meu antigo trabalho e
descobri, tempos depois, que isso era devido à influência de Logan,
que ele tinha adquirido a empresa.
— O The Standard? — pergunta e troca um olhar com o
homem ao seu lado.
— Sim, isso mesmo. Eu não aceitei bem a notícia, sou boa no
que faço e sei disso, não preciso de um homem que abra caminho
para mim, posso fazer isso e por isso fiquei bastante decepcionada
com ele. — E se olhar bem as entrelinhas, eu não estou mentindo.
— Por isso, na terça, quando tive uma discussão com Richard, meu
antigo editor, e fiquei sabendo da sua intromissão, fui para sua casa
e tivemos uma discussão terrível naquela noite. E isso é estar
estremecido, comissário, não estávamos nos falando muito, desde
então.
— Mas mesmo “estremecido” — sugere e faz aspas com os
dedos —, o senhor Hopkins alega ter agredido um homem em sua
defesa, um colega de trabalho. — Engulo em seco, pega de
surpresa e me custa um esforço gigante para não demonstrar o que
realmente sinto, para controlar o meu coração.
— Naquele dia, meu editor foi demitido e me culpou por isso.
Não tive tempo de reagir quando ele partiu para cima de mim, me
jogando contra parede, me enforcando — explico e abaixo a gola da
blusa, as marcas dos dedos de Richard já não podem ser vistas tão
facilmente, mas ainda estão aqui. — Logan não estava presente,
mas não me espanta que lhe contaram o que aconteceu e ele…
tenha tentado me proteger.
— O denunciou, o seu editor?
— Não, não o fiz. Peguei um resfriado, briguei com meu
namorado, me demiti e estive sobrecarregada, confesso que nem
me passou pela cabeça essa opção. — Isso tudo começa a me
assustar demais, pois tenho medo de dar um passo em falso, falar
algo que contradiga o que Logan tenha dito.
— E que horas, nessa tal noite, deixou a mansão Hopkins,
senhorita? — Minhas mãos suam, me sentindo nervosa, meu
estômago revirando e é nesse momento que realmente irei mentir
para a polícia.
— Cheguei em casa de madrugada, às quatro horas, acho. —
Tento ser o mais precisa que posso, pois caso perguntem à Olivia,
ela pode confirmar minha versão.
— Esteve com ele todo esse tempo?
— Sim, estive, senhor — minto sem pestanejar e uma voz, que
agora tem uma mordaça na boca, tenta me alertar de que não devo
mentir para a polícia, afinal, é o comissário aqui. Que se antes eu já
poderia ser vista como cúmplice, de forma indireta, das atrocidades
que Logan vem cometendo, agora não tem mais volta. É tarde
demais para isso, mesmo sabendo que, possivelmente, fui pega do
outro lado da rua, pelas câmeras do lugar.
— Gosta de música clássica, senhorita? Já foi a uma
orquestra? — Espalmo as mãos sobre o tecido do vestido,
limpando-as de forma disfarçada, sentindo as palmas suadas
demais, além de trêmulas.
— Nunca tinha ido até poucos dias atrás, comissário. Há oito
dias, mais ou menos, Logan me levou para assistir a minha primeira
ópera. Desde então, passei a apreciar bastante, senhor. — Sei
aonde quer chegar, a madrugada de cada assassinato.
— E ficou com ele a noite inteira, presumo.
— Não — nego e finjo uma força a qual não preciso para me
lembrar daquela noite, sentindo pedras de gelo em meu estômago.
— Ele recebeu uma ligação, um tal Darcy, seu vice-presidente, se
bem me lembro. Houve um problema e ele teve que ir à empresa e
eu não voltei a vê-lo naquela noite.
— Tem certeza disso, senhorita, de tudo que está afirmando?
— Sim, sem sombra de dúvidas. — E que roubada eu estou
me metendo, me afundando pouco a pouco em lama escura.
— Estamos levando adiante uma investigação, senhorita, e
mentir para a polícia é um crime gravíssimo que faz de você tão
culpada quanto quem tenta encobrir. — Engulo em seco, incapaz de
respirar por alguns segundos.
— Eu sei, senhor, não estou mentindo. Fique tranquilo quanto
a isso, pois sei dos meus direitos, não pense que estou aqui como
uma marionete — concluo e observo o homem encostar em sua
cadeira, me encarando com depreciação. — Sei que o senhor não
pode me interrogar dessa forma sem que eu tenha um advogado ao
meu lado, isso é coação, menos ainda sem uma acusação e ainda
que eu saiba disso, eu estou cooperando de boa vontade, pois não
tenho nada a esconder. — Com o coração aos saltos, intercalo meu
olhar entre ele e Smith, soltando o ar devagar, tentando parecer
alguém nada culpada.
Eu sou uma farsa, meu Deus.
— E eu agradeço por isso, senhorita — fala e se levanta,
abotoando o paletó de cor azul-escuro. — Fique aqui, por gentileza,
e, Smith, peça que tragam uma água para a senhorita Tomlinson.
Iremos apurar alguns fatos e peço que espere mais um pouco, por
gentileza, senhorita.
Confirmo, vendo-o se deslocar junto a múmia muda ao seu
lado. Espero ouvir a porta fechar e só então respiro fundo, enfiando
o rosto em minhas mãos.
— Meu Deus, o que estou fazendo?
Lutando por quem amo, pelo menino que um dia foi tão ferido
e abandonado, que passou pelo inferno e que, até hoje, nunca
conseguiu sair de lá — uma voz, aquela rendida por Logan, é quem
responde a essa pergunta.
Eu já perdi essa batalha, a de manter distância de tudo que o
envolve, e eu posso não conseguir seguir ao seu lado, ainda assim,
eu o entendo e não serei eu a julgá-lo, não mais. Outra vez a porta
volta a se abrir e olho por sobre o ombro, vendo Andrei entrar na
sala com um copo de água nas mãos e me levanto, como uma
proteção. Não esperava que fosse ele. O encaro e sinto aquela
velha mágoa me saudar, lembrando-me da forma com que tentou
me ferir outro dia. Seus olhos focam nos meus e posso ver seu
julgamento, os olhos nublados ao me entregar o copo com água.
Sequer bebo, não consigo e, por isso, o coloco ao lado, sobre a
mesa.
— Nos conhecemos desde jovens, não é, Bella? — começa e
nem acredito que ele seguirá por esse caminho. — Sempre fui gentil
com você, éramos amigos e… — Andrei me olha confuso quando
sorrio, sem conseguir impedir a ironia que pinga em cada nota.
— Pare, Andrei. Não comece a mentir agora. — Gesticulo de
mim para ele, surpreendendo-o. — Você mal me via, mesmo que eu
estivesse na sua frente, não seja hipócrita agora. Para você, eu era
só a amiga pentelha da sua irmã, apaixonada por você desde muito
cedo, um tipo de estorvo quando era obrigado a nos levar no
fliperama. Foi só quando realmente cresci que sua opinião mudou
minimamente, mas isso já não interessa — derramo sobre ele a
verdade e ele dá um passo à frente.
— Pense no que está fazendo, Arabella. Aquele homem é
perigoso e você está mentindo por ele. — Seus olhos faíscam sua
indignação, o maxilar travado, ressaltando seus traços.
— Eu não tenho no que pensar, pois não disse nenhuma
mentira, Andrei. Estamos em um relacionamento e eu estava com
ele quase todas as noites. Mas tenho certeza de que não sou seu
único álibi, mais certeza ainda de que não deveria estar perdendo
seu tempo comigo e, sim, provando a inocência do meu homem. Até
mesmo sua irmã pode comprovar muito do que eu disse.
— Não coloque minha irmã nisso — rosna entredentes e sei
que acertei sua ferida. Andrei sempre foi mimado, sempre teve o
que queria, em casa e fora dela. Proteção dos pais, dinheiro e
qualquer garota por quem se interessasse e a verdade é que ele
não suporta a ideia de ter sido passado para trás por Logan. Não é
que ele goste de mim de verdade, não, é apenas ego ferido. Para
Andrei, eu era apenas mais um objeto ao qual ele queria muito e por
tempo limitado. — Seu pai ficaria decepcionado com quem se
tornou, Arabella, vendendo-se para aquele crápula e pelo quê? O
que ele está te oferecendo?
A única coisa que pode ser ouvida a seguir é minha mão
voando em seu rosto, criando eco dentre as paredes da sala. Minha
palma arde, Andrei me olha alarmado, com raiva, confuso, levando
a mão ao rosto.
— Nunca mais fale do meu pai, nunca mais insinue que estou
me vendendo. — Mal abro minha boca para falar, meu corpo todo
tremendo com a menção do meu pai. — Faça melhor, nunca mais
fale comigo.
— Está cometendo um erro, Arabella, e será uma queda muito
feia.
— Eu discordo.
A porta volta a ser aberta, é Smith, com um copo de água nas
mãos. O homem olha de mim para Andrei e faz uma cara pouco
satisfeita e percebo que Andrei não deveria estar aqui.
— Venha, Andrei, conseguimos as imagens das câmeras. — O
ar fica em suspenso. Que câmeras?
— Já posso sair daqui? — Minha voz sai em um sussurro,
preocupada com o que quer que tenham nessas câmeras. Seriam
as câmeras do distrito?
— Logo, senhorita, em breve venho buscá-la.
Confirmo, vendo-os sair. Minha garganta seca, incerteza
pairando sobre mim e desta vez tomo toda a água no copo, pedindo
internamente para que não haja nada de mais nessa porcaria de
câmera.
 

 
Mantenho-me ao lado de Glines, na sala, agora sozinhos.
Trocamos algumas palavras, nada mais que amenidades, em que
ele garantiu que a polícia não tem nada contra mim além de
suspeitas, nada de novo. Agora estou me perguntando onde
Arabella está, se ainda me espera na recepção como disse que faria
ou se decidiu ir para casa. Um barulho chama minha atenção, mas
não é Smith ou o tal O’Malley e sequer o franguinho, é Frederic.
— Logan, eu sinto muito pelo contratempo. Entenda que temos
um caso e tínhamos que checar toda e qualquer suspeita — diz e
apesar de tentar parecer culpado e constrangido, sei que por algum
motivo está mentindo.
— Como eu disse ao sair de casa, comissário, fico contente
em poder ajudar a polícia.
— E nós agradecemos. A demora se deu porque precisamos
checar toda e qualquer informação que nos deu referente aos
lugares aos quais estavam e seus álibis são verdadeiros. Além do
mais, já nos deram uma estimativa relacionada há quanto tempo
aquele corpo estava enterrado em seu terreno e as datas não batem
com os registros do seu retorno para Londres ao voltar da Suíça. O
corpo também não leva as marcas recorrentes dos últimos
assassinatos encontrados na cidade. — É claro que não, aquele eu
fiz questão de matar afogado em hidróxido de sódio. — Está
liberado, Logan, e eu sinto muito por todo e qualquer transtorno —
diz, esticando-me a mão e ambos sabemos que ele não sente.
— Onde está, Arabella, Frederic? — pergunto, ignorando sua
mão estendida que ele trata de recolher, pois se checaram mesmo
meus álibis, tenho certeza de que ela foi a primeira pessoa com
quem falou. Vejo-o engolir em seco e dou as costas a ele, passando
apressado pela porta.
— Logan, espere, a moça está em minha sala, está bem e…
— Sequer o ouço.
Porra, ela não deveria estar sozinha. Não presto atenção em
mais nada, também não paro, a passos compridos a caminho da
sua sala. Mas não preciso ir tão longe, surpreso quando o elevador
se abre no mesmo andar ao qual estou e vejo-a sair do pequeno
cubículo, um tanto assustada e perdida. Permito-me respirar quando
ela me olha e me dá um pequeno sorriso de canto. A alcanço e
tomo seu rosto em minhas mãos, varrendo suas feições com meu
olhar.
— Você está bem? Fizeram algo? — pergunto, ira enchendo
meu peito. Que montassem um circo para mim, tudo bem, mas não
ela.
— Estou, agora eu estou — confirma, perdendo alguns
instantes em uma troca de olhar que não sei o que quer dizer.
Afasto-me, estendendo minha mão em sua direção, dando a
ela a escolha e temendo que não a aceite. Arabella encara minha
palma estendida e volto a respirar quando ela coloca sua mão sobre
a minha.
— Vamos sair daqui, Bella.
E ao entramos no elevador ao lado de Glines, me sinto
alarmado, pois a partir deste momento, se algo acontecer, Arabella,
a minha menina, será vista como minha cúmplice, podendo pagar
por uma escolha que foi única e exclusivamente feita por mim e isso
traz o amargo sabor da culpa ao meu paladar e o ar parece mais
quente ao olhar para ela. Em silêncio, saímos no primeiro andar e
trago-a comigo ao longo do corredor, sabendo que Glines nos
acompanha, alguns passos atrás. Quando enfim chegamos à
recepção, é possível ver, através das grandes portas de vidro, um
pandemônio formado lá fora, por câmeras e repórteres. 
— Logan, deixe-me informar que seu motorista o aguarda no
estacionamento do subsolo. Venha, por aqui. —Sinto-me aliviado e
Glines nos acompanha para a saída lateral do distrito sem maiores
problemas ou interrupções. — Penso que precisamos conversar,
Logan — pede, me olhando com atenção.
— Não agora, Glines, quero levar Arabella para casa e verificar
a confusão que fizeram na mansão e também na empresa. Darcy
deve estar maluco com tudo isso. Ligarei assim que puder e
obrigado por seus serviços. — Lhe estendo a mão e por mais que
ele não esteja satisfeito, deixo-o e sigo com Arabella até o carro que
já nos espera.
John nos aguarda com a porta do passageiro aberta, com uma
expressão satisfeita no rosto ao nos ver juntos, o gesto até lembra
um sorriso ao qual ele não é acostumado a dar. Tenho certeza de
que se ele se lembrasse de como é sorrir de forma aberta, ele o
faria agora, quando Arabella o cumprimenta com gentileza.
— É sempre bom vê-la, senhorita — graceja, segurando a
porta para que ela entre.
Dou dois tapinhas em seu ombro, enquanto a menina se ajeita
no banco, agradecido, e ao sentar-me ao seu lado, noto o quanto
está encolhida contra a janela. Respiro fundo, ouvindo os pneus do
SUV deslizarem apressadamente, nos tirando do estacionamento,
longe dos abutres que querem degolar minha imagem. Sinto o seu
olhar, a energia, o clima mudando drasticamente e a encaro.
— Me desculpe por arrastá-la para isso, Arabella. Não teria
citado seu nome se não tivesse vindo até aqui, esteja certa disso. —
Ela me encara, olhos cheios de lágrimas e o inferno congelaria para
que eu a deixasse chorar uma outra vez.
Movido por uma proteção surreal, me inclino em sua direção,
segurando seus joelhos e costas e a trazendo para minhas pernas.
Arabella não nega o afago, seus braços envolvendo meu pescoço e
é como se eu pudesse morrer neste momento e estaria tudo bem,
pois a tenho em meus braços, mais uma vez. Ao mesmo tempo, é
como se eu tivesse um motivo a mais para viver; buscar o seu
perdão. Nunca vi a vida dessa forma, em que felicidade pudesse ser
buscada, quisesse um futuro, mas as coisas mudaram e por culpa
da maldita menina colorida que se infiltrou em meu sistema. Seguro
seu rosto, vislumbrando receio, alívio e ansiedade.
— Não quero ir para casa, precisamos conversar — pede e
olha para o lado, para John.
— Sim, precisamos — concordo e, mais uma vez, essa
conversa é algo que não poderei ter controle algum sobre ela. — Vá
direto para a mansão, John — peço e Arabella volta a afundar o
rosto em meu peito e a porra do meu coração responde a isso,
voltando a bater de forma regular, constante.
Eu poderia afastá-la, eu deveria. É injusto trazê-la para tanta
escuridão. Mas me descubro egoísta demais para isso, pois se tiver
uma chance de que ela possa escolher ficar, então eu farei de tudo
para que fique.
 

 
Chegamos em minha casa há algum tempo e pedi à Arabella
que me esperasse na sala íntima, enquanto eu checava o ateliê.
Precisamos conversar, mas também preciso me certificar de que
está tudo bem. E fiquei satisfeito que a casa já está em ordem,
Aniston já cuidou de tudo e não tem nada fora do lugar, apesar de
ela garantir que deixaram um verdadeiro pandemônio ao saírem de
mãos abanando daqui.
Ao falar com Darcy, soube que deixaram a mesma bagunça na
empresa e eu teria ido para a Hop Force, se não fosse ele pedir
para que não fizesse isso, pois há uma comoção na entrada e
garantiu que não tivemos maiores danos. Por conta do fim de
semana, a empresa já estava quase vazia, sem funcionários,
quando aconteceu e apesar de procurarem por muita coisa, saíram
horas depois da mesma forma que entraram, sem nada.
O ateliê também foi revirado, mas diferente da mansão,
nenhum dos meus funcionários entra aqui, seja para limpeza ou
organização e, por isso, ele segue com tudo fora do lugar. As telas
antes na parede foram tiradas, aquelas que tinham proteção no
fundo foram arrancadas e vasculhadas. Controlo a irritação em ver o
lugar tão fora de ordem, ainda que eu já tenha organizado algumas
coisas e vou até a mesa ao lado, onde um pincel foi começado, mas
não terminado e observo as cerdas macias sobre a mesa,
artesanalmente preparadas do cabelo de Lana. O único DNA que
me permito guardar como um troféu.
E por falar em troféu… vou até o lavatório e noto todos os
pincéis jogados sobre o mármore, com o recipiente ao qual sempre
os guardo largado de qualquer jeito em cima do armário. Conto um
por um e estão todos os 78 pincéis aqui, todos derivados das
minhas presas, pincéis de todas as cores e tamanhos. Olho em
direção à porta da sala de jogos, intacta, e vou até ela, aciono a
fechadura pelo relógio que uso, vendo-a abrir automaticamente. Ah,
a tecnologia e suas belezas.
Este lugar foi projetado para nunca ser encontrado, até mesmo
o arquiteto responsável pelo projeto, um grande filho da puta, já está
morto. Ele foi a primeira vítima fatiada entre essas paredes,
escolhido justamente por ser um pedófilo. Conheço minhas
limitações e, por isso, construções não eram o meu forte e, apesar
de ser um risco procurar um arquiteto, eu precisava de um e
precisava do melhor. Então, a ideia do ateliê e de uma jaula no
subsolo já não parecia tão abstrata. Deixo o último degrau e observo
o entorno e não há nada fora do lugar e inspiro fundo, o cheiro de
couro preenchendo meus sentidos.
Claro que o projeto foi construído no intuito de servir como um
cofre, para que eu pudesse guardar minhas obras de arte. Por isso,
tamanha proteção sem levantar suspeitas. Ele não pode ser
invadido por fora, a menos que seja eu a fazer isso. E ainda que
alguém consiga entrar aqui, tudo o que vai encontrar são obras de
artes, das mais raras as mais comuns, algumas minhas, inclusive, já
que me falta espaço no ateliê para elas. O projeto consiste em três
ambientes diferentes, as duas salas para as obras são interligadas
por um corredor, feito para não levantar suspeitas.
Ao adentrar o corredor e retirar a grande obra com o desenho
de uma fera, um tipo de lobo ensandecido com presas à mostra
enquanto baba sua ira, é que tenho acesso à minha sala de jogos. E
por mais discreto que eu tenha sido ao construir este lugar, ainda
tinha Sebastian, um arquiteto perspicaz e inteligente, e eu não
poderia deixar rastros, além do mais, ele merecia morrer, o mundo
se tornaria melhor sem aquele pedaço de merda. Ele já estava em
minha lista e não foi um esforço acabar com sua vida em absoluto,
pelo contrário.
Ouço batidas potentes vindas do ateliê e me apresso em voltar
ao cômodo superior, vendo Arabella esperando uma resposta
enquanto tenta enxergar o interior. E eu não esperava que ela
pudesse voltar aqui.
Abro a porta e dou espaço para que entre e então a encaro,
após fechar a porta. Ela tem os braços cruzados em frente ao corpo,
em pura proteção, e se mantém atenta ao olhar o lugar, prendendo
sua atenção por algum tempo na porta aberta no piso de madeira.
— Não consegui esperar — fala e confirmo, e estar
desconcertado é uma sensação a qual nunca cogitei experimentar e
talvez por isso esconda as mãos em meus bolsos. O silêncio
incomodando meus ouvidos.
— O que mudou, Arabella? — sou direto, essa pergunta está
entalada em minha garganta desde que a vi no distrito, mais cedo.
— O que a fez me procurar e, pior, mentir por mim? — Ela entreabre
os lábios e muda o olhar de direção, desconfortável, buscando como
começar essa conversa.
— Eu descobri o que tanto esconde aí dentro e não me refiro
ao cativeiro em seu subsolo, me refiro a você, Logan. — Seus olhos
voltam a se prender em mim, decididos, e estreito os olhos em sua
direção, tentando entender a que se refere. — E ninguém sai imune
após ver a mãe e irmã serem mortas de forma tão brutal e cruel,
menos ainda quando semanas depois, você perde o pai. — E eu
poderia falar, perguntar como soube, mas me faltam as palavras.
Movo a cabeça para o lado, tentando formular qualquer coisa e ela
continua: — Foi difícil encontrar o que eu precisava, pois, na época,
a polícia prendeu toda e qualquer informação que podia e, muito do
que soube, você buscou eliminar das redes. Mas eu descobri tudo,
de formas nada lícitas, mas isso já não importa. — Seu queixo
treme, mas ela se nega a chorar. — E eu… eu também estive com o
doutor Marshall. — Claro que teria o dedo de Marshall em meio a
isso.
— Aquele velho desgraçado — esbravejo, sem saber como
reagir a isso, pois não imaginei tanto. Sequer cogitei, nem por um
momento, que ela poderia ir atrás do meu passado.
— Não foi ele quem me contou, mas eu tentei, não nego.
Ainda assim, o dr. Marshall disse que era antiético falar sobre seus
pacientes. Imagine só? — Ela tenta um sorriso, mas não consigo ver
graça alguma em tudo isso. O que sinto é que estou despido,
completamente exposto e odeio essa sensação. Quero proteger-me,
ao mesmo tempo me sinto aliviado, de uma forma que não sei
explicar. — Ele me disse que eu deveria perguntar a você, mas eu
não queria, pois sabia que seria difícil te olhar tão de perto. Eu
poderia não conseguir me manter distante, imparcial.
— Então, de novo, Arabella, o que mudou? — rosno
entredentes, tentando entender aonde diabos quer chegar. Seus
sentimentos com relação a tudo isso.
— A verdade? — concordo, impaciente. — Eu olhei as
nuances, como o doutor Marshall pediu, e enxerguei quem você era.
Os atos se tornam aceitáveis quando você mata pessoas ruins, foi o
que ele insinuou e, de alguma forma, eu também aceitei isso. Pois
tudo se torna compreensível quando quem você ama tenha passado
pelo inferno, aprisionado a ele por longos dez dias, tudo isso quando
era apenas uma criança. Não o bastante, essa mesma criança foi
abandonada pelo pai, de uma forma que não há como reparar. —
Paralisado, ouço-a falar, me dando conta de que sim, ela descobriu
cada maldito acontecimento. — Tudo vai se tornando compreensível
e chega a doer, sabe? — fala, enxugando as mãos em sua saia. —
E, por fim, não há como julgar quem passou pelo purgatório se você
não esteve lá, não sentiu sua dor, não chorou suas lágrimas.  Não
posso mensurar pelo que passou, Logan, nem o tamanho da sua
ferida, mas posso escolher não te abandonar, posso escolher ficar,
posso escolher você. Eu posso entender.
Dou dois passos para trás, sentindo o peso de suas palavras,
voltando ao passado, para o dia em que subi as escadas da antiga
mansão, após ter colhido hyacinths para o túmulo de minha mãe. Eu
não deveria estar em casa naquela manhã, pois fui levado para a
escola bem cedo e as atividades extracurriculares me deixariam o
dia preso dentre aqueles portões. Mas eu fugi, pois naquele dia
fazia um mês que minha mãe e irmã tinham partido e eu queria
muito visitá-las. Havia poucos dias que eu tinha retornado à escola,
os terapeutas disseram que faria bem voltar ao antigo ambiente, que
me ajudaria com a melancolia. Mas eu não suportava aquele lugar,
os olhares, a pena e fugi, tinha virado rotina na última semana.
Ao chegar, eu tinha feito questão de colher suas flores
favoritas em seu tão amado jardim, flores lindas e coloridas. Doze
ramos de jacintos, era o que eu acabara de contar no instante em
que empurrei as pesadas portas de madeira naquela manhã. Foi
automático soltar as flores no chão, foi automático correr para ele e
segurar seus pés ao tentar levantá-lo, ao tentar salvar o meu pai.
Mas já era tarde, eu não tinha forças suficientes e as flores que eu
havia colhido já não tinham importância. Desespero, dor, culpa por
não ser suficiente vieram sobre mim. E por mais que eu tentasse, eu
não entendia por que ele tinha feito aquilo, não podia entender por
que tinha me abandonado. Mas ele tinha ido embora, por escolha
própria e eu já não poderia fazer mais nada.
E agora, estou frente a frente com a mulher que diz escolher
não me abandonar, pois consegue me entender. Mas como poderia?
Avanço em sua direção e a seguro pelo braço, trazendo-a comigo
para descer as escadas.
— O que vai fazer? — pergunta, se deixando levar, passo pelo
primeiro cômodo e a solto quando adentro, como ela mesma disse,
o meu cativeiro.
— Olhe ao redor, Arabella, enxergue a escuridão deste lugar,
os gritos presos dentre essas paredes, as almas perdidas as quais
não dei uma segunda chance. Olhe ao redor, veja quem sou, a
Besta a qual me transformei e me diga, consegue mesmo entender?
— Porque se ela pensa em ficar, precisa mesmo ver tudo.
E desta vez ela não consegue segurar, uma lágrima grossa
passeia por seu rosto de forma solitária, uma que ela logo trata de
limpá-la, levantando o queixo ao me olhar em desafio.
— Quando começou a matar, Logan? Quem foi sua primeira
vítima? — pergunta, fugindo de uma resposta.
— Ainda no internato — confesso, mas isso não lhe traz
nenhuma surpresa, e continuo, afinal, foi ela quem pediu: — Um dia,
eu estava no terraço, fiquei desatento olhando a noite que estava
bonita e que me lembrava minha irmã. Lilly adorava as estrelas e
passei tempo demais ali, imaginando que ela tinha virado uma delas
e que naquela noite ela brilhava sobre a minha cabeça. Fantasiar
tornava as coisas mais fáceis e, com isso, acabei perdendo o
horário para o toque de recolher — explico, sentindo o peito
apertado e consigo visualizar com perfeição aquele momento.
“Ao voltar para o quarto, no corredor, ouvi gritos, uma voz
feminina que pedia por socorro, que pedia para que alguém
parasse. Todo o barulho vinha de um dos armários onde guardavam
o material de limpeza e ferramentas e aqueles gritos… foi como
ouvir a voz de Lilly outra vez. Perdi o controle ao entrar no lugar e
ver o capitão do time de futebol sobre o corpo de uma garota que
claramente não era dona de consciência, parecia bêbada ou
dopada, não sei ao certo. Ele rasgava as suas roupas quando entrei
naquele lugar, o cheiro forte me invadiu no mesmo instante, mofo e
sabão, e então Mark olhou-me sobre o ombro e teve a audácia de
sorrir e perguntar a mim se eu gostaria de participar da festa.”
Sorrio ao lembrar disso, minha voz soando calma e
cadenciada.
— Eu mostrei a ele a única festa a qual eu sabia participar,
uma em que o faria bailar no inferno. Eu não raciocinei, ou talvez
sim, quando peguei o pé de cabra ao lado e bati em sua cabeça,
fazendo seu corpo tombar. O buraco em sua cabeça a expelir
sangue. A jovem desmaiou e o descontrole falou mais alto quando
eu não parei. Ainda me lembro da sensação, de como foi fácil
colocar todo o ódio ao qual sentia ao quebrar seu crânio e espalhar
seus miolos no chão, como o cheiro da morte, do proibido, pareceu-
me doce. Eu deveria ter parado ao primeiro golpe, a menina estava
a salvo. Mas não pude parar. Eu queria mais.
— Ninguém nunca soube? — pergunta em um fio de voz.
— Marshall me ajudou. Quando deixei aquele quartinho,
coberto de sangue, o encontrei no corredor. Eu estava assustado,
surpreso por ter sido tão fácil acabar com uma vida e Marshall vinha
tentando me fazer falar há longos quatro anos de terapia e aquela
foi a primeira vez que falei com ele. Pedi ajuda e o infeliz sem juízo
me estendeu a mão. Ele tem uma queda por casos perdidos.
— Você não é um caso perdido — sussurra, abraçando a si
mesma e ignoro o que diz.
— A coordenação soube, claro, tinham as câmeras e eu não
fui nada cuidadoso. Mas não iriam colocar seu nome à prova, afinal,
permitiram que uma aluna fosse violentada por um de seus
membros, sem falar nos outros relatos de abusos que vieram à tona
após isso. O dr. Marshall assumiu a responsabilidade sobre mim nos
anos seguintes e eu vi, naquela noite, que matar era a única coisa
capaz de me acalmar. De manter a ira e a raiva em uma jaula. —
Respiro fundo, como se pudesse sentir o cheiro da morte. — Voltei a
matar quatro anos depois, quando voltei a Londres, era o corpo que
encontraram hoje cedo e voltei a matar depois, e depois e depois.
— Sempre criminosos? — pergunta interessada e eu confirmo.
— Sim, eu tenho um código, o desenvolvi junto com Marshall
para manter meu anonimato, quando ele viu que eu não iria parar.
Dei a ele minha palavra de que meus alvos seriam apenas a escória
da humanidade, em especial aqueles que não levantam suspeita
alguma. — Dou um passo adiante, me aproximando dela, que não
retrocede. — E eu gostei demais disso, de infligir a cada um deles o
mesmo sofrimento que infligiram a pessoas inocentes, eles
pagariam sua penitência ainda em vida, me certifiquei disso. Foi
dessa forma que mantive todos os meus demônios sob controle e fui
bem-sucedido por todo esse tempo até, claro, você aparecer. —
Percebo que ela engole em seco e limpa mais uma lágrima.
— Eu não…
— Naquela noite em que se foi — corto-a, indicando que não
terminei, pois caso não fale agora, posso não vir a ter outra chance.
— Foi como se você tivesse levado um pedaço de mim consigo.
Voltei ao ateliê desnorteado, tentando entender como diabos tudo
aquilo aconteceu, sem entender por que o seu olhar me feriu tanto.
Então eu entrei aqui, fui até aquela jaula e trouxe Lana para essa
mesma mesa. — Aponto e Arabella olha para o móvel e é
perceptível o arrepio que toma seu corpo. — Eu a abri, tirei cada um
de seus órgãos enquanto seu coração ainda batia, infligi tanta dor
àquela mulher ao ponto de que perdesse os sentidos, até enfim
cortar seu coração, ainda sentindo-o bombear sangue para seu
corpo. Vi seus olhos perderem o brilho quando a morte a abraçou,
Bella, e tudo o que senti foi prazer, êxtase e excitação. Mas desta
vez, todas essas sensações não duraram muito, eu não me senti
totalmente saciado ou satisfeito, pois tudo o que eu via ao fechar os
olhos era você. Seus olhos, sua decepção e nojo. — Apoio as mãos
sobre a mesa e a encaro. — Não pode entender, Arabella, alguém
com a alma tão pura quanto a sua, não pode me entender.
Arabella dá um passo à frente, contradizendo tudo o que eu
disse e o que eu esperava dela. 
— Minha alma é tão pura quanto a sua era quando tinha dez
anos, Logan. Eu não tenho dúvidas, eu quero entender, quero…
você. — Nego e por alguns segundos penso que isso não é real.
— Se ficar, menina, entrará no fogo do inferno junto comigo e,
depois, não deixarei que saia. Não a perderei outra vez.
— Eu quero, desde que seja você a me queimar.
Com a razão nublada por suas palavras, eu avanço em sua
direção, segurando os cabelos em sua nuca e tomando seus lábios
com devoção absoluta. Um gemido rouco vibra em minha garganta
e me sinto rendido, de joelhos ao ter a completa noção do quanto
senti sua falta, do quanto sua luz me alimenta. Provo seu sabor de
forma aflita e descontrolada, sentindo tanta urgência presa em seu
corpo quanto o meu. Procuro sua língua e sugo-a, tomando-a para
mim, ouvindo seus gemidos morrer em meus lábios. Seguro seu
rosto, andando junto a ela e a colocando sobre a mesa de
necropsia, transformando este lugar em algo diferente que não para
matar.
Abro suas pernas e me coloco entre elas, sentindo a menina
desabotoar minha camisa às pressas, envolvida, necessitada, sua
virilha se esfregando de forma descarada no volume em minhas
calças. Sua boca desce beijando meu queixo, pescoço e tórax,
enquanto sugo a pele atrás de sua orelha. O seu cheiro toma para si
toda e qualquer coerência de minha parte.
Minhas mãos sobem por suas pernas, levando junto a saia
roxa — rodada — sem vergonha a qual veste. Alcanço sua calcinha
e rasgo a fina tirinha lateral como tanto amo fazer apenas para vê-la
ofegar e como um louco faminto deixo sua boca, me ajoelhando à
sua frente. A boceta melada me saúda e como a porra de um
viciado, passeio o nariz por sua coxa, chegando à sua boceta,
respirando fundo, e como eu senti falta dessa miserável.
— Me chupa, Logan — Arabella geme, espalmando suas mãos
na mesa, se inclinando para trás, abrindo-se mais e dando-me um
banquete.
Eu a encaro, prendendo seu olhar no meu e levo a boca à
boceta gostosa, seu sabor cítrico e adocicado se espalha por meu
paladar, o cheiro doce me enfeitiçando e me jogando a um lugar
conhecido, com gosto e cheiro de casa. Sinto os lábios macios com
minha língua, brincando com seu clitóris, ouvindo-a gemer alto, sua
mão agarrando meus cabelos, me instigando a sugar toda a sua
boceta. Abocanho-a toda, passeando a língua por sua extensão,
mamando suas dobras como um maldito bezerro necessitado e
tenho fome, fome de Arabella.
Enfio minha língua em interior rugoso, bebendo seu sabor,
sentindo o seu gosto. Linda, Arabella joga a cabeça para trás,
apertando minha cabeça contra a sua carne, se esfregando em meu
rosto ao buscar seu alívio. E como um animal faminto, chupo sua
boceta de forma selvagem, assistindo ao belo espetáculo que é ver
Arabella se entregar aos espasmos que levam seu corpo a
convulsionar sobre a mesa.
Não paro de chupá-la, lambendo cada pedacinho, bebendo o
gozo embranquecido que deixa seu canal, saciando parte da minha
fome. Chupo até sentir sua sensibilidade, levantando-me e tirando
sua blusa, seu corpo amolecido pelo recente orgasmo está
arrepiado, mas ainda excitado. Não tenho tempo para levá-la para
cima, tenho pressa e tampouco me importo com o lugar onde a
possuo.
Aprecio os seios pequenos, levando a boca até eles e
chupando um após o outro, vendo-a fechar os olhos, entregue.
Mordo o mamilo, apreciando a íris rendida voltar a me olhar e sorrio,
descendo o zíper de sua saia e a tirando por sua cabeça. Me afasto
apenas para apreciar a visão. Nua, perfeita e minha.
— Não tem mais volta, Arabella. — Enfio minha mão em seu
cabelo, puxando os fios. — Você me pertence de corpo e alma a
partir de agora.
— Desde a primeira vez que me tocou — sussurra e a
desgraçada não faz ideia do quanto fode minha cabeça ao dizer
isso.
Beijo-a, me livro dos sapatos, deixando seus lábios apenas
para tirar também minha calça, cada movimento sendo
acompanhado pelo seu olhar atento. Vejo-a passar a língua sobre
os lábios vermelhos e inchados e seguro seus joelhos, trazendo-a
mais para a beirada da mesa, segurando a base do meu pau em
sua entrada, melando-o com sua excitação ao ir e vir sobre suas
dobras, para em seguida me introduzir em sua boceta. Minhas bolas
doem, meu pau baba e eu a penetro, desta vez de forma lenta,
querendo sentir cada centímetro da sua boceta ao me engolir, meus
olhos presos na carne úmida e receptiva.
Eu a encaro e noto a forma sincera com que me olha e engulo
a saliva com certo esforço ao ter meu pau completamente atolado
em sua boceta.
— Nunca vou te abandonar, Logan — fala e, porra, essa
desgraçada vai me jogar ao chão.
— Filha da puta.
A menina consegue me tirar do sério com uma única frase e
como se quisesse castigá-la por isso, por estar tão rendido a esse
ponto, saio do seu interior devagar, para estocar com força, sentindo
suas paredes me abraçarem e se contraírem ao meu redor. A mesa
se move, fazendo um barulho infernal quando já não me contento e
tomo um ritmo apressado. Arabella procura por apoio, e deito seu
corpo sobre o móvel, que balança no ritmo das minhas estocadas e,
de repente, me pergunto como seria tê-la algemada à mesa de
necropsia enquanto fodo sua boca, sua boceta, sua bunda e, porra,
a cena que se desenha em minha cabeça é excitante para um
caralho.
Enrolo meu punho em seu cabelo e a trago de volta para mim,
beijando seus lábios, o barulho que ecoa pela sala, tornando tudo
ainda mais delicioso. Seguro a base da sua bunda, fazendo com
que cruze as pernas em meu quadril, a tirando da mesa, e a levo até
o corredor, empurrando suas costas contra a grade de uma das
jaulas. Arabella arfa e testo todos os seus limites ao fazer isso, mas
sua razão está nublada por prazer e percebo apreciação em seus
olhos quando movimento meu quadril, me afastando aos poucos e
volto a arremeter em sua boceta.
Suas mãos voam para a grade às suas costas, segurando-se e
passo a socar em sua boceta com mais força, mais rápido e
necessitado, sentindo sua quentura me abraçar, passando a moer
meu pau. Seu peito sobe e desce, os seios se movimentam no ritmo
que a penetro e quando morde a porra dos lábios, perco minha
sanidade, cravando meus dentes em sua pele e arrancando dela um
gemido.
— Não pare, não ouse — pede, ensandecida, e sorrio,
circulando a mão em seu pescoço, pressiono sua garganta apenas
para sentir sua jugular pulsar sob o meu toque, fazendo-a arfar em
busca de ar, o barulho das grades e de sua carne melada ao me
receber ecoando pelo lugar.
Seus olhos são um convite para a sua alma, uma alma
inocente, bela e convidativa e não me importo mais em arrastá-la
para a escuridão, não há mais segredos, nada. Arabella me
enxergou como ninguém antes, deixei que ela entrasse
completamente e dividi com ela o controle sobre minhas emoções.
Afrouxo o aperto em sua garganta, permitindo que busque por ar,
seu prazer submisso sendo elevado por minha permissão.
— Logan, eu não vou aguentar. Vem comigo… — Sorrio ao
sentir suas contrações apertar-me, tanto que minhas bolas doem,
pesadas, o prazer me consumindo e me entrego ao seu pedido.
Meu pau lateja e já não seguro o prazer, me derramando em seu
interior, chamando seu nome como um maldito animal.
— Porra, Arabella — gemo entredentes ao morder seu ombro
com força, a ponto de quase romper sua pele ao senti-la mover o
quadril apressada contra meu pau. Sem reservas, sem medo, sem
culpa.
Seus movimentos cessam quando tenta buscar por ar e tombo
a cabeça em seu ombro, ofegante, sentindo seu coração bater
apressado contra seu peito, o silêncio sendo interrompido por
nossas respirações. Sua mão vem para o meu rosto segundos
depois, em um carinho e, por fim, levanto os olhos, encarando-a.
Arabella tem o rosto suado, saciado, lábios entreabertos e olhos
satisfeitos. Beijo sua boca, sugando seus lábios, compartilhando o
alívio em meu peito, enquanto descubro uma montanha de emoções
que nunca antes me permiti sentir.
Mordo o inferior, ouvindo-a gemer e me afasto e, pela primeira
vez, deixo que os sentimentos falem mais alto do que minha razão.
— Case-se comigo, Arabella — peço, meu peito comprimindo
meu coração em uma pressão descomunal, assistindo os seus
olhos arregalarem em resposta. — Seja minha e desta vez em um
contrato ao qual também serei seu. — Encosto minha testa na sua,
prendendo seu olhar ao meu, olhos verdes brilhantes e surpresos.
 
 
 

 
Tenho meus olhos presos nas íris atormentadas e incertas, e
sou incapaz de responder a sua pergunta, pois um bolo fecha minha
garganta. Minha mão permanece paralisada em seu rosto, o ar se
torna rarefeito, inconstante, e o tempo parece parar. Pisco, tentando
recobrar minha consciência, uma resposta, mas não consigo
formular nem mesmo um pensamento.
Meu polegar faz um pequeno vaivém sobre sua barba por
fazer, fazendo-o virar o rosto e beijar minha palma. Foi no caminho
até aqui que eu entendi que não conseguiria seguir adiante sem ele,
que eu realmente o entendo sem nem mesmo ouvi-lo e que, de
alguma forma, eu tinha aceitado quem é, o pacote completo, mesmo
que imaginá-lo matando alguém me cause náuseas. Ainda assim,
eu não o abandonaria como seu pai fez, seu tio e todos que só viam
nele um garoto fadado ao fracasso. Eu vejo mais, ele é homem que
eu amo, minha Besta inconstante e cheia de demônios, a qual não
me imagino sem.
— Me fez amá-la, Arabella, malditamente, você fez meu
coração voltar a bater por algo que já me era esquecido — fala, e
sinto meu coração derretido no peito, borboletas abrindo uma
revoada em meu estômago. — Nos últimos vinte e oito anos, nada
me fez sentir como você me fez. Não sou imune a sentimentos
como pensei, Bella, e descobri isso no momento em que me virou
as costas naquela noite.
— Ah, Logan… — sussurro, sua visão um tanto confusa pelas
lágrimas que tomam meus olhos.
— A senhorita é generosa demais para zombar de mim —
começa e as lágrimas deixam meus olhos ao reconhecer a citação,
continuando algo que fiz dias atrás, ao citar Orgulho e Preconceito.
— Se os seus sentimentos forem os mesmos de quando saiu daqui
outra noite — continua, mudando um pouquinho a frase. — Diga-me
logo. Os meus sentimentos e desejos não mudaram, mas diga-me
uma palavra e eu os silenciarei para sempre — pede, um sorriso
perfeito tomando seus lábios ao notar o efeito que tal citação tem
sobre mim. — Case-se comigo, Arabella. E pode fingir que vivemos
em um dos seus contos de fadas onde, enfim, a Bella domou a
Besta.
Arfo, sem conseguir controlar o meu corpo ou o soluço que
deixa meus lábios e busco no mais profundo do meu íntimo, forças
para dizer as palavras necessárias quando abraço sua nuca e
encosto minha testa na sua, sentindo sua respiração pesada contra
meus lábios.
— Sim, eu aceito, aceito me casar com você. — Recebo seus
lábios nos meus, sentindo-me amada, cada uma de suas palavras
rondando minha mente. Ele me ama… sim, foi o que ele disse e,
céus, eu pareço absorta, fora de órbita. Logan tira-me das grades às
minhas costas e ainda com os lábios nos meus, caminha para fora
do cômodo.
Deixo seus lábios apenas para ver seus olhos brilhando ao
olhar-me em admiração, subindo as escadas ao voltar para o ateliê,
deitando-me sobre o divã próximo à entrada, seus dedos passeiam
pelo meu rosto, parecendo guardar cada traço e textura.
E talvez, nesse contexto, foi a Besta a domar sua Bella.
 

 
Ainda tenho meu pau atolado em seu interior quando me deito
junto a ela, apoiando o peso do corpo em meus antebraços para
não a esmagar, podendo apreciar seu rosto e a felicidade que
transborda em seus poros. Também não posso segurar o
contentamento com sua aceitação, que trouxe o ar de volta aos
meus pulmões.
Casamento nunca esteve nos meus planos, nunca pensei
nisso, tampouco em construir uma família. Meus planos para o
futuro estavam em um testamento em que todos os meus bens iriam
para caridade quando me fosse, mas agora… algo novo se desenha
à minha frente, ao lado da criatura brilhante e colorida que, de forma
sorrateira, roubou minha alma para si, fez-me pedi-la em casamento
com uma citação do seu livro favorito.
Sinto que já não estou no inferno…
Movo-me em seu interior, ainda excitado, meu pau babando ao
acariciá-la devagar, explorando e deslumbrando com deleite a
menina fechar os olhos e morder os lábios, se entregando ao puro
prazer ao qual lhe causo. Tenho a impressão de que deixo de fodê-
la e passo a venerar seu corpo e me pergunto se é isso que
chamam de fazer amor.
— Maldita feiticeira… — Ela sorri em resposta, um gemidinho
delicioso deixando seus lábios.
Beijo seu rosto, maxilar, pescoço, sugando a pele, deixando-a
marcada. Lambo o lugar, traçando um caminho até o seio e sugo o
mamilo durinho, enfeitiçado em sua textura, sentindo-a buscar por
mais. Arabella está quente, sua boceta melada além da conta por
sua excitação e esperma e como se fosse possível, me deixa ainda
mais duro. Ajoelho-me entre suas pernas, em um vaivém lento,
possessivo ao ver minha porra escorrer de sua boceta.
Volto a entrar, mais fundo, arrancando dela meu nome em
forma de um gemido. E sua visão se assemelha a de uma deusa,
afrodisíaca aos olhos e paladar. Volto a sair, arremetendo com mais
força, gostando de fazer amor, mas querendo explorar também sua
bunda. A deixei descansar por tempo demais. Deixo sua boceta e a
coloco de lado, me levantando para pegar um preservativo no
armário, voltando ao rasgar o pacote.
Desde que a fodi aqui pela primeira vez, tinha a ideia fixa de
foder sua bunda neste mesmo lugar e, por isso, os preservativos
guardados na gaveta. A menina se senta quando me aproximo e
segura a base do meu pau, olhos lânguidos ao me encarar,
aproximando seus lábios aos poucos, envolvendo-o com a boca.
Sorrio ao segurar seu cabelo e sentir a boca macia me sugar,
deixando que vá até onde aguenta, apreciando a forma que limpa a
porra em meu comprimento, a forma com que parece gostar do
sabor. Tiro os cabelos de seu rosto, sentindo meu pau bater no
fundo de sua garganta, deixando o ar escapar por meus lábios.
Arabella é insaciável e faz do meu pau um banquete, a boca
quente e aveludada me levando a fechar os olhos e inclinar a
cabeça para trás, gemendo quando me suga com mais pressão,
indo e vindo, sua mão masturbando-me junto à sua boca.
— Isso, Arabella — incentivo, ouvindo seus gemidos em
resposta e volto a olhá-la, segurando sua nuca ao foder sua boca
como gosto, vendo seus olhos se encherem de lágrimas quando ela
tenta me engolir.
Sorrio, diminuindo a pressão, deixando que dite o ritmo e ela
engole, tirando meu pau de sua boca e lambendo todo o
comprimento, limpando cada gota de porra. Arabella rouba o
preservativo da minha mão e sob o meu olhar apreciativo, ela o
coloca em meu pau, o desenrolando ao segurar a ponta. Satisfeito,
vejo-a se mover e ficar de quatro sobre o sofá, as costas arqueadas,
a bunda empinada, os seios abaixados quase a tocar o estofado.
Ela sabe que só uso preservativo para uma coisa: comer sua bunda!
— Obediente e submissa, boa menina — elogio e a
desgraçada me olha por sobre o ombro e sorri.
— Me fode, Logan — pede e encaro a bunda bonita, estalando
um tapa que a faz pular no lugar e arfar em resposta.
— Quer que eu a foda, Arabella? — pergunto e enrolo minha
mão em seu cabelo, trazendo suas costas de encontro ao meu
peito. — Peça, Arabella. — Ela geme, torpe, quando meus dedos
invadem sua boceta. — Peça! — Estalo mais um tapa, esse em sua
boceta melada e escorregadia.
— Me fode com força.
— Gostosa do caralho. — Beijo seus lábios, mordendo o
inferior ao ponto de sentir o gosto doce do seu sangue em meu
paladar. Doce, ocre e delicioso. Seguro sua nuca e a empurro de
volta ao sofá.
Estalo mais um tapa na bunda arrebitada, apreciando as
marcas dos meus dedos em sua pele leitosa. Abro sua bunda,
vendo o buraquinho rosado se contrair, minha porra escorrer de sua
boceta e quase rosno com a visão, cuspindo sobre o cuzinho
apertado, facilitando minha entrada quando encaixo meu pau ali.
Seus dedos se fecham assim que começo a penetrá-la, devagar,
parando ao introduzir apenas a cabeça do meu pau, seus músculos
tensionando e espero para que se acostume com meu tamanho.
Aliso sua bunda com minha mão, beijando sua coluna, subindo
por seu comprimento e levando meus dedos aos seus lábios para
que os chupe. Obediente, ela deixa-os melados e alcanço seu
clitóris inchado, massageando-o em círculos.
— Tão insaciável quanto gosto — sussurro ao seu ouvido.
Alcanço sua nuca e beijo-a, seu corpo se arrepiando ao meu
toque e ela vira o rosto de lado, pedindo-me um beijo. Dou o que
quer e volto a penetrá-la mais, tentando deixá-la o mais relaxada
que posso e ela faz como pedi a primeira vez que tomei sua bunda,
empurrando. Arabella geme baixinho e sei que sente dor, por isso
paro, massageando seu clitóris. Penetro-a outra vez quando seu
corpo relaxa, me atolando em sua bunda, dando tempo a ela
enquanto exploro suas costas, deixando uma marca ou outra em
sua pele até sentir a menina empurrando seu quadril aos poucos em
minha direção, se movimentando mais à medida que meus dedos
passam a dedilhar sua boceta. Ela apoia o rosto no assento,
virando-o de lado, mordendo o lábio, e pergunto se ela tem qualquer
noção do efeito que me causa.
Seguro seus quadris com firmeza ao me movimentar,
começando de forma lenta e passando a ir mais rápido, arrancando
seus gemidos, notando seu prazer crescer à medida que deixo seu
interior devagar, para me atolar no segundo seguinte. A fodo com
mais força do que planejei, tentando me policiar, lembrar que ainda
não está acostumada a me receber aqui, mas a excitação está me
levando à insanidade. Minhas bolas latejam, o prazer nubla minha
razão quando a trago empalada em meu pau e me sento, deixando-
a de costas para mim, sentada, dando a ela o poder de ditar o ritmo
para que não a parta ao meio e a machuque.
A desgraçada me olha por sobre o ombro, safada, um risinho
preso nos lábios e puxo seu cabelo, inclinando seu rosto ao tomar
seus lábios com devassidão. Mordo o lábio inferior, partindo-o, e
sinto novamente o gosto de sangue doce e sedutor se espalhar por
meu paladar, uma delícia, e isso responde direto em meu pau.
Deixo-a e bato em sua bunda, a incentivando a se movimentar.
— Cavalgue meu pau, Bella — ordeno e ela obedece
depressa. — Monte-me.
A imagem é perfeita, ainda mais quando segura os seios ao
subir e descer sobre o meu pau. Aperto a pele do seu quadril com
uma mão, abrindo suas pernas com a outra e estapeando sua
boceta antes de voltar a massagear seu clitóris. Arabella se entrega,
fechando os olhos, indo mais rápido.
— Minha, porra. — Bato em sua bunda e isso parece um
combustível para ela.
— Logan…
— Isso, goza, Arabella, vamos, mela a minha mão — peço,
mordendo suas costas, sentindo o cuzinho apertar meu pau de
forma deliciosa, tanto que torna difícil ela me engolir.
Fodo sua bunda como se fosse a última vez que fosse comê-
la, estocando com força, sentindo-a se derramar e cedendo ao
prazer doce que me abraça, quando gozo com uma intensidade que
faz-me perder a noção de espaço e tempo. Pressão fazendo meus
ouvidos zunirem em resposta ao prazer, ao chamar pela desgraçada
capaz de tanto.
O ar falta aos meus pulmões e trago suas costas para meu
peito, a amparando, sinto seu corpo tremer.  Beijo sua nuca e
pescoço, adorando o cheiro de Arabella e sexo que exala no
cômodo. Ela conseguiu se infiltrar até mesmo neste lugar. Beijo seu
pescoço ouvindo um gemidinho preguiçoso deixar seus lábios.
Olhos semicerrados piscando preguiçosos, pesados e bonitos, que
despertam quando foca em algo à nossa frente e sigo seu olhar.
— Você pintou meu rosto — anui e sorri, transformando-se na
criatura mais bela a qual já vi. — Ah, Logan.
Ela se remexe, apenas para se levantar e montar-me de frente,
abraçando minha nuca e beijando meus lábios. E isso me traz uma
satisfação gigantesca e percebo que me tornei a porra de um
bundão rendido por uma boceta. Capaz de fazer citações
românticas, um idiota que sente o peito aquecer quando a infeliz
sorri daquela forma bonita.
Que grande porcaria me tornei.
 

 
Seus dedos fazem um carinho leve em minhas costas, ainda
estamos deitados sobre o divã em seu ateliê, alheios a tudo lá fora.
Fecho os olhos e respiro fundo, ouvindo o silêncio entrar e nos
banhar na mais perfeita sintonia e paz. Ouço seu coração bater
compassado, a respiração cadenciada e me pego com as
bochechas em chamas ao lembrar que me possuiu há pouco em
uma mesa de necropsia, em seu cativeiro, com paixão e voracidade,
mesa esta que usa para torturar pessoas e a lembrança faz minha
pele esquentar, excitada com a forma selvagem a qual me possuiu
ali.
Eu devo estar ficando louca, só pode ser isso, pois eu estou
noiva e isso não estava nos meus planos. Eu disse sim a ele ainda
há pouco e, por isso, agora estou em um relacionamento com um
homem controlador e nos encaixar será um desafio. Não, na
verdade, estou em um relacionamento com um serial killer que mata
criminosos. Melhor, vou me casar com um serial killer e a pior parte
é que, por mais surreal que pareça, isso não me assusta em nada.
Volto ao que ele disse sobre sua primeira vítima, como parecia
submerso àquele momento, ao narrar tudo o que aconteceu, como
seus olhos transbordavam aceitação e prazer ao relembrar como
matou aquele garoto. Subo meus dedos por seu peito, rodeando a
cicatriz pequena que tem ali, fazendo o caminho para sua clavícula,
chegando ao pescoço e notando um pequeno arranhão.
— O que foi isso? — Logan me olha de canto e comprime os
lábios, apertando os olhos em minha direção.
— Lana James — fala apenas e engulo em seco, enquanto ele
me observa com atenção. Acho que está tentando saber o que
penso a respeito, mas me mantenho calada. — Na noite que saiu
daqui, para onde foi? Disse ter chegado muito tarde — pergunta e
eu o encaro, engolindo em seco.
— Eu fui ao distrito — conto, esperando uma reação, mas não
tem nenhuma. — Mas não consegui entrar, não consegui. Fiquei lá
por horas e, por fim, apenas desisti. — Ele anui, olhando o nada à
sua frente. — O comissário falou de câmeras e fiquei com medo de
que a câmera tivesse me flagrado do outro lado da rua.
— Pedirei para verificarem as câmeras da rua do distrito.
Conferir se tem a possibilidade de ter sido flagrada ali e destruir
qualquer vestígio. Não se preocupe. — Eu sorrio, respirando
aliviada, voltando a relaxar sobre o seu peito.
— Eu tive acesso ao processo da sua mãe, a tudo, foi como
descobri o que aconteceu — chamo sua atenção e seu braço vem
de encontro à minha cintura, apertando minha pele e ele se move,
por um instante imagino que vá se levantar, mas Logan me coloca
meio de lado, apenas para que eu o olhe.
Logan me observa por um tempo longo demais, sem falar
nada, olhos azuis bonitos, iguais aos de sua mãe, porém não
remetem a mesma calma. Posso sentir seu coração perder o
compasso sob minha palma e sinto meu coração pequenininho ao
notar o quanto o assunto mexe consigo.
— Eu estava desesperada ao deixar a coletiva, precisava de
mais do que meia dúzia de informações vazias e Olivia me ajudou.
— E é o seu silêncio que me assusta agora. — Eu vi as fotos,
Logan… — Suas sobrancelhas se juntam e posso vislumbrar o
quanto ele se esforça para não levantar daqui e sair, se fechar. —
Mas ainda assim, eu quero ouvir de você, e irei entender se não
quiser falar agora.
Seus olhos focam o teto e o silêncio novamente banha a nós
dois e eu apenas espero. Logan coloca o antebraço sobre a testa,
que faz sombra sobre seus olhos, o outro me mantém presa a ele, e
eu o observo com cautela.
— Naquela tarde de verão, estávamos indo para a casa de
campo, nós três, meu pai iria depois. Íamos comemorar o
aniversário de minha mãe, que tinha acontecido no dia anterior. Meu
pai andava trabalhando muito, quase não o víamos em casa e eu,
na minha tenra idade, achei que seria a oportunidade perfeita para
reunir a família. E fui eu a dar a ideia para o meu pai. — Engulo em
seco, os olhos tão perdidos e culpados quanto poderiam.
— Você não poderia prever, não poderia, Logan — tento e ele
sorri com sarcasmo e nega, sem sequer me olhar.
— O carro ao qual estávamos foi abordado naquela manhã,
em meio à estrada. Um furgão preto nos fechou, um dos homens
rendeu o motorista, se sentando no banco da frente, apontando uma
arma para sua cabeça e ordenando para que todos se mantivessem
quietos. O engraçado é que de tudo aquilo; o terror, incertezas, do
medo, o que mais me lembro é do cheiro forte de bebida, tabaco e
lavanda que emanava daquele desgraçado. São sempre os cheiros
a se infiltrar em minha cabeça.  — E agora Logan parece tão
distante que mesmo deitada sobre seu corpo, não posso tocá-lo. —
Minha mãe tentava se conter, manter-se calma. “Olhe para mim,
Logan, olhe para mim, Lilly, nada vai acontecer a vocês, nada.
Apenas fiquem quietinhos.” E eu acreditei nela, acho que ela
também acreditou no que dizia.
— Mas não ficou… — Tento controlar o bolo em minha
garganta, mas é difícil quando sua irmã e mãe têm um rosto,
quando sei o final dessa história.
— Não, não ficou. Foram dez dias em que estive submerso no
escuro, e aquilo se tornou o meu inferno particular. É como se eu
tivesse me tornado tão podre quanto qualquer um ali dentro.
— Eu sinto muito, sinto muito mesmo — repito, alisando seu
rosto, tentando tocá-lo, trazê-lo de volta e ele pisca algumas vezes e
leva minha mão aos seus lábios, beijando meu pulso.
— Eu me lembro de cada momento e até mesmo aqueles aos
quais esqueci, ou achei ter esquecido, os pesadelos fizeram
questão de lembrar-me. Vieram em flashes, de forma estranha e,
por mais que eu saiba o que as imagens e os gestos significam, eu
não me lembro da dor, do toque, nada disso. Meu corpo e mente
estavam em choque, já não me permitiam sentir.
— Eles o… eles est… — tento formular, ainda que não queira
pensar nisso, ainda que não queira sentir essa dor que me invade,
mas é impossível.
— É, eu acho que sim — completa sem que precise falar e
sinto frio, tanto que chega a doer. — Lembro das minhas calças
abaixadas, de fazer xixi e de molhá-lo, lembro-me de apanhar por
isso. De ser queimado em seguida, das fezes a escorrer por minhas
pernas e foi então que as sirenes soaram ao longe. Fui jogado ao
chão, caindo sobre minha própria merda e fiquei ali até me
encontrarem — narra, os olhos longe, o peito subindo e descendo
mais depressa e um soluço rasga meu peito. — Três milhões de
libras, era o que eles queriam por nós três. Valor este que meu pai
não poderia dispor nem mesmo que hipotecasse sua alma. A
empresa estava em expansão, ele tinha acabado de comprar alguns
terrenos, expandir seus negócios e não havia capital. Ainda assim,
ele tentou — fala e tudo o que eu vejo é um menininho de dez anos,
de cabelos ruivos e olhos azuis à deriva, exposto a toda a maldade
que alguém poderia lhe infligir, com um buraco gigante em sua
alma. Sinto meu coração congelar, meus olhos ardem e sequer sei o
que dizer, pois tudo parece errado nesse momento. — Quando se
deram conta de que não iam receber todo esse dinheiro, fizeram da
minha irmã sua primeira vítima. Estuprada, torturada, com seus
dedinhos pequenos arrancados para ser enviados ao meu pai, como
um aviso. — Tapo minha boca, impedindo que um gemido saia. —
Ao final de cada agressão, ela corria para mim e eu a abraçava
enquanto seu choro de dor ecoava naquele contêiner, eu dizia que
tudo ia ficar bem, eu dizia que a amava, que nosso pai viria, eu
mentia uma e outra vez a fim de diminuir o seu sofrimento — Apoio
o queixo sobre minha mão, e choro silenciosa. — Ela morreu na
minha frente, agonizando ao se engasgar com seu próprio sangue.
Depois que eles fizeram minha mãe escolher qual de seus filhos iria
morrer.
— Ela escolheu… e-ela — gaguejo, sem conseguir formular
nada, meu cérebro derretendo, meu coração parecendo sangrar em
meu peito.
— Eu pedi que me escolhesse, eu implorei, era o certo e eu vi
a dor em seus olhos, a vi morrer ali quando ela fez uma escolha e,
ainda assim, a tiraram de nós. — Um gemido doloroso rasga minha
garganta, junto a lágrimas. Como puderam? — Dias depois, após
sofrer com o pior que um ser humano poderia suportar, minha mãe
se foi. Acredito hoje que se não fosse eu ali, ela teria se entregado
bem antes, mas queria me proteger, pois sabia que enquanto os
olhos dele estivessem sobre ela, eu estaria a salvo.
— Sua mãe era uma mulher incrível e cheia de coragem.
— Sim, ela era e era também a melhor mãe do mundo. E tento
me apegar a isso quando me lembro dela, porém as lembranças
ruins são sorrateiras e me leva de volta para aquele lugar, para o
seu rosto, o qual tinha um olho arrebentado, inchado e vermelho e,
ainda assim, ela sorria para mim. Sorria ainda com dor. Dilacerada.
Queimada. Estuprada. Obrigada a ver o corpo de Lilly ali ao lado,
apodrecendo e, mesmo assim, ela sorria para mim. Ela ainda sorria
quando enfim se entregou e a morte a levou. — O pomo de adão
sobe e desce, seu rosto banhado em uma máscara impassível.
— Ah, Logan — lamento ao sentir sua respiração bater em
meu rosto, seus dedos em um carinho leve em meu cabelo,
enquanto deixa um beijo em minha testa.
— Era para ser eu, apenas eu, Bella. O plano era me pegarem
quando eu estivesse indo para escola, mas naquela manhã eu não
fui para escola, porque fomos viajar. — O desespero em sua voz, a
dor e a culpa me dilaceram. — Minha mãe e irmã deveriam estar
aqui, vivas, assim como o meu pai. Mas não foi o que aconteceu e
tudo por uma ideia estúpida de ir ao campo.
— Você não sabia — falo, a voz falhada pelo choro, segurando
seu rosto ao tentar fazê-lo entender isso.
— Não, eu não sabia e o destino é cruel, Sunshine. E mesmo
que eu saiba disso, ainda assim, a culpa está sobre minha cabeça.
E mesmo que eu diga que ele não tem culpa, simplesmente sei
que não vai adiantar. Muitos sucumbiriam a uma dor como a sua, já
Logan colocou essa dor e todo o seu ódio com o mundo em matar,
tirar a vida de pessoas capazes de fazer o mesmo que fizeram com
sua mãe, irmã e com… ele.
— De quem eram os corpos na antiga mansão? — Limpo meu
rosto e engulo o choro em minha garganta. Logan me olha, um
tempo em silêncio, impassível, até que volta a falar:
— Aqueles homens foram os responsáveis por todo aquele
inferno. Eles revezavam na vigilância e também nas torturas.
Lembro que em algumas delas, eles vinham assistir, ainda que não
participassem e ali eles bebiam, ouviam música, riam… e eu me
lembro tão bem disso, o rosto de cada um deles. — Sua voz é
rouca, pausada, e agora calma. — E eu demorei a encontrá-los,
mas quando o fiz, pude fazer com eles o mesmo que fizeram com
minha mãe. Não, eu fiz pior, muito pior. — E observo o quanto isso o
agrada, o quanto lembrar lhe dá prazer. — Sinto muito apenas por
não ter pegado o mandante de tudo. O desgraçado morreu antes
que eu pudesse pôr minhas mãos nele. Morreu sem confessar seus
crimes, não deu tempo, pois sucumbiu a um infarto durante o
interrogatório. Que ironia, não é?
— Quem era o mandante dos crimes? — Um pequeno arrepio
corta minha coluna, como se uma pedra de gelo corresse sobre ela.
— Um ex-gerente do meu pai, demitido por roubo de algumas
cargas. Era um homem inteligente, dado o tempo que conseguiu
esconder o que vinha fazendo embaixo do nariz de todos.
— A exposição no quarto principal, era um tipo de homenagem
à sua mãe, é isso?
— Sim, de fato. Minha mãe amava aquele quarto, nunca
entendi o porquê, era só um quarto. Não suportei voltar para aquela
casa, tampouco consegui me desfazer dela e um museu de corpos
ali, os mesmos que a consumiram, me pareceu uma boa ideia. Até
invadirem-na. Pivetes intrometidos.
— E você matou todos eles? — Mordo o lábio, ansiosa com a
resposta.
— Não, ainda falta um. Um que pretendo matar em breve. —
Engulo o sentimento amargo que isso ainda me causa e mordo o
lábio.
— Quem mais sabe? Digo… John? — Ele me olha,
sobrancelhas arqueadas e eu sei que é uma pergunta óbvia.
— Apenas John e uma equipe de apoio formada por três
pessoas, e agora você. — Suspiro e ele toca meu queixo em um
leve carinho.
— O que fez com os outros que matou, digo, você matou mais
pessoas, não é?
— O que quer, saber exatamente, Bella? Pergunte — pede,
seus olhos brilhando em expectativa.
— Como consegue encontrar essas pessoas e o que faz com
elas depois, com os corpos?
— Tenho a tecnologia a meu favor, posso ir aonde eu quiser,
invadir qualquer sistema. Vou aonde a polícia e todas as suas
regras não podem ir, é simples. — Sinto um arrepio cortar minha
coluna ao ouvi-lo. — Quanto aos corpos, viraram pó, após serem
bem triturados. — Isso me dá calafrios. — Os últimos que foram
deixados na cidade são apenas para tirar o foco dos corpos
encontrados na mansão, no geral, gosto de manter o anonimato das
minhas obras, tudo o que foi exposto foi feito para jogar a polícia
para algo que não os prendessem apenas a mim.
— Você não contava que encontrassem aquele corpo no
terreno baldio.
— Era um risco mínimo, mas não, eu não esperava.
— Não tem medo de ser descoberto? — Volto a deitar minha
cabeça em seu peito, sentindo medo se espalhar por minhas
entranhas ao esperar uma resposta sua. Digerindo, pouco a pouco,
tudo o que disse, cada palavra.
— É sempre um risco, mas por ora, não vamos falar disso. —
Mordo meu lábio, querendo muito falar exatamente disso, mas
mordo também minha língua.
— Por que um internato? — pergunto, fazendo um círculo em
seu peito.
— Meu tio não tinha esposa ou filhos e com tantos problemas
de relacionamento que eu vinha demonstrando, ele se deu conta de
que eu seria um estorvo. — Sua voz ao falar do tio não demonstra
qualquer sentimento. —  Acho que ele nem cogitava que eu voltaria.
Talvez tenha imaginado que eu levasse o mesmo fim que meu pai.
— Você se ressente do seu pai? — Faço a pergunta que vem
rondando minha cabeça desde que vi como o homem morreu.
— Um dia sim, hoje não mais. Mas entendo por que ele não
suportou. A culpa, o medo, o amor perdido, os julgamentos. Eu
entendi e por isso o perdoei.
É como se uma cortina tivesse sido rasgada e que me desse
agora uma completa visão de quem Logan é e tudo o que eu quero,
é abraçar o homem que ele é hoje e o menino ferido que um dia ele
foi, o menino que ainda está perdido dentro dele. Pois não se pode
superar algo assim e sair ileso, é uma rachadura a qual não se pode
apenas jogar uma pá de cimento e cobri-la. Não se esquece um
passado como o seu e um pensamento confuso, mas necessário,
bate forte em minha cabeça e ele parece notar, pois franze as
sobrancelhas.
— O que foi, por que se retraiu?
— Quero fazer um pedido, mas não sei se posso. Na minha
cabeça faz sentido — confesso, sem conseguir segurar os
pensamentos e seus dedos tocam meu queixo.
— Peça o que quiser, ganhou esse direito ao aceitar-me. — E
ele não fala apenas do pedido de casamento, não, ele fala de si, de
aceitar sua escuridão, seus erros, sua culpa, seu passado. Foi o que
fiz, eu o amei acima de tudo.
— Pode me levar à antiga mansão? — A ruga em sua testa se
aprofunda, sua cabeça se inclina para o lado um pouquinho, suas
pupilas dilatam e, por segundos, vejo uma sombra de pesar passar
por seus olhos. — Eu preciso ver tudo. Preciso sentir, tocar,
entender o que ela representa pra você, o que abriga aquelas
paredes. E também quero fazer uma matéria completa sobre ela,
quero dar a Londres o que jornal algum nunca deu. As pessoas
precisam saber que não é feito de pedra. Que é humano.
— Está me vendo melhor do que sou, Bella.
— Não, estou te vendo sem as tantas camadas que encobria
sua alma. Apenas isso. — E por segundos um pequeno silêncio nos
rodeia e sequer respiro.
— Tudo bem, eu a levarei — diz, por fim e só então eu volto a
respirar, deitando minha cabeça em seu peito outra vez.
— Logan — chamo, ouvindo seu coração bater um pouco fora
do compasso.
— Sim.
— Eu amo você.
Ele me encara por um nanossegundo, sem reação, e depois
sorri, de lado, perfeito ao levantar meu queixo e alcançar meus
lábios e por mais errado que isso pareça, é a realidade a qual
resolvi abraçar. 
 

 
Com braçadas precisas, vou vencendo a distância na piscina,
meus pulmões queimam enquanto meus pensamentos se mantêm
presos em Arabella, no pedido que ela aceitou, em tudo o que eu
lhe contei e o tipo de alívio que isso me trouxe, sem que eu nem ao
menos consiga explicar. Ao mesmo tempo, venho lidando com algo
semelhante à insegurança, o receio de que acorde hoje, coloque a
cabeça no lugar e escolha ir embora. Há muitas vertentes. E estar
aqui, envolto em água, não se trata apenas de fazer um exercício,
se trata de liberar toda e qualquer energia presa em meu corpo, me
livrar da maldita confusão em meu peito. É para colocar meus
pensamentos em ordem e entender cada maldito acontecimento que
vem me atropelando desde ontem.
Minha cabeça está um caos. Meu peito arde, meus músculos
estão cansados quando alcanço a beirada da piscina, emergindo da
água, buscando por ar. Pego o cronômetro ao lado ou é o que tento
fazer e tudo o que encontro são pés bonitos e pequenos, com as
unhas pintadas de rosa e um cachorrinho pentelha ao lado, louco
para lamber meu rosto. Subo meu olhar pelas suas panturrilhas
femininas, coxas roliças, barriga, seios e a encontro com um sorriso
nos lábios e o cronômetro em suas mãos, balançando-o para mim, e
ao ver esse maldito sorriso, percebo que só neste instante o sol
nasce para mim. Nego e amparo as mãos no mármore,
impulsionando meu corpo para cima, saindo da água.
— Fez em 58 segundos, senhor Hopkins.
— Parece que consegui voltar à boa forma. — Seguro sua
cintura e a trago para mim, beijando seus lábios, seus protestos
morrendo em minha boca por estar molhando-a. 
Há cerca de três meses, entrei em uma luta corporal com uma
de minhas presas. Ele levou a pior, mas meu corpo ficou um tanto
machucado, em especial meu tórax e já não conseguia a velha
velocidade ao nadar. Às vezes, as coisas não saem bem como
pensamos e, por isso, trago também algumas cicatrizes no corpo.
Cicatrizes que me ensinaram onde não devo errar.
— Como você está? — Sua preocupação está em cada sílaba
e seu toque é macio em meu rosto, beijo sua mão antes de
responder.
— Bem, um homem que está noivo tem a obrigação de sentir-
se bem, não? — tento trazer leveza ao momento e ela sorri.
— Você dormiu essa noite — graceja e não é uma pergunta,
eu a encaro.
Ontem à noite tivemos uma pequena discussão. Eu informei a
ela que a deixaria dormindo na suíte e usaria o quarto adjacente, de
hóspedes, mas teimosa como é, deixou claro que caso eu fosse
para outro quarto, ela iria junto comigo. E a pequena criatura tem
um sorriso nos lábios ao enlaçar minha nuca.
— Passou a noite vigiando meu sono?
— Sim e não. Me preocupo com você, acostume-se. — Seus
olhos brilham e ela tem razão, eu dormi realmente e bem, como há
muito tempo não fazia e, talvez, apenas talvez, Marshall tenha
razão. Ainda tenho receio que ela um dia esteja em perigo, mas não
que me deixe por saber quem sou.
— E você, como dormiu?
— Bem aquecida. — Ela parece animada esta manhã, com um
sorriso de orelha a orelha e beijo seus cabelos. Ontem, depois de
uma conversa esclarecedora, acabamos os dois organizando o
ateliê. Agora, a tela com seu rosto está na biblioteca, em uma bela
moldura, próximo ao de minha mãe, lugar que ela escolheu. — Se
tivesse me acordado, eu teria vindo nadar com você.
— Teria mesmo? — Ela confirma com veemência e agarro sua
cintura, ouvindo-a gritar quando nota minha intenção. Não dou
tempo para protestos, pulo na água, a trazendo comigo.
Volto a emergir, segundo depois, junto dela, que cospe a água
e tira o cabelo molhado do rosto, e isso me tira um verdadeiro
sorriso.
— Mas não assim, Logan — ralha, tentando parecer brava,
mas com sua estatura fica difícil levá-la a sério. Seguro seu rosto
entre minhas mãos e beijo seus lábios, sentindo sua respiração se
acalmar aos poucos.
Deixo seus lábios e desço meu olhar para seu busto, a camisa
social tem os dois primeiros botões abertos, me dando uma visão
dos seios pequenos e redondos e essa é a primeira vez que me
pego querendo ter uma camisa branca em meu armário, imaginando
o quanto ela estaria transparente agora.
— Acho que gosto mais das minhas camisas em você,
Sunshine.
— Eu também gosto das suas camisas, mesmo que falte cor.
— Ela também olha para si e cora. — Mas, posso persuadi-lo a usar
cores algum dia. — Eu nego, achando sua ideia estapafúrdia. — Me
pediu em casamento, senhor Hopkins, não pode mais fugir de mim.
— Pedi mesmo, não é? — Ela faz um bico, meio de lado, que
evidencia a marca que deixei em seus lábios ontem. — Em breve,
entrará em uma igreja, Bella, a qual estarei te esperando. Tem
mesmo certeza disso? — pergunto, suas emoções ontem poderiam
ter nublado sua razão, seria compreensível se ela dissesse não
agora.
— Pare, não duvide do que quero. — E a forma com que diz
isso, segura, traz paz aos sentimentos que vinham me deixando
inquieto esta manhã.
— Só quero ter certeza de que você não tem dúvidas. — Ela
nega, dando-me um beijo demorado, sem nem mesmo abrir seus
lábios. Arrasto meu dedo por sua bochecha, um carinho simples que
a faz suspirar ao se afastar.
— Como imagina a cerimônia?
— Isso é você que irá escolher, Bella. Tenho pouco apreço por
uma sala cheia de pessoas, na verdade, não tenho nenhum apreço,
ainda que seja nosso casamento.
— Acho que você prefere apenas nós dois.
— E você está certa. Mas prezo pelo que gosta e sei que
diferente de mim, sonha com um casamento não tão íntimo, sei que
fantasiou com esse momento. Então, faça como quiser, chame
quem quiser. Tenha uma festa gigantesca ou algo íntimo, desde
que, ao final, eu possa levá-la para o quarto e foder o seu corpo
pelo resto da noite. — Seu rosto cora de forma bonita e ela sorri,
olhando para os lados, talvez com medo de que Aniston nos traga o
café da manhã.
Por falar nela, a mulher ficou radiante ao vê-la comigo ontem.
Meus funcionários, sem exceção, criaram forte apreço pela infeliz.
— Acho que posso gostar disso.
Ela roça seu nariz no meu, algo íntimo, e lembro-me de uma
coisa.
— Quero que volte ao jornal, Bella. — A surpreendo e isso
parece uma ordem e seus olhos se expandem, enquanto tenta sair
dos meus braços, mas não permito, colando suas costas contra o
mármore da piscina, usando o meu corpo para mantê-la cativa. Não
deveria soar assim. — Pedi que fosse contratada, mas não indiquei
cargo algum, pois sabia que caso descobrisse minha intervenção,
ficaria magoada — explico, mas minhas palavras têm pouco efeito
sobre ela.
— Você mentiu pra mim — acusa. — Por que fez isso?
— Não achei que fosse necessário contar, Arabella.
— Não achou? Logan! — Ela tenta se afastar de novo,
desistindo quando percebe que não adianta.
— Não pretendia e não pretendo manter o jornal por muito
tempo, irei melhorar aquele lugar e vendê-lo em breve. Logo, não
imaginei que pudesse nos trazer problemas, sequer deveria saber
dessa maldita aquisição, não antes de vendê-lo, pelo menos. —
Aproveito que ela parou de se debater e trago seu pulso aos meus
lábios, depositando um beijo suave. — Você ia ser contratada
oficialmente quando a demitiram, ganhou esse direito porque é
competente e aquele verme tirou isso de você. Está naquele lugar
porque merece.
Sua mão repousa em meu peito, olhos confusos presos aos
meus, tentando ver verdade no que digo.
— Quem disse isso a você?
— Charlie — explico. — Quando o procurei, eu disse que a
queria de volta ao jornal e então ele demonstrou estranheza com
sua recente demissão, segundo ele, Arabella, nem deveria ter saído.
Geralmente, ele pouco sabe quem é ou não demitido, porém
presenciou o episódio infame que foi sua demissão. E eu pedi duas
coisas a ele, sua admissão e a demissão de Richard. Essa segunda
não poderia ser feita até todos os trâmites estarem completos, mas
era algo certo. — Incerta, ela coloca uma mecha do cabelo para
trás, digerindo o que ouve. — Falo a verdade, Arabella, se é isso o
que está maquinando. O trabalho é seu, merece estar naquele lugar.
Volte. — E desta vez, isso sim, se assemelha a um pedido.
— Sei que foi atrás de Richard, o comissário me contou —
interpõe e olha para os meus dedos.
— E ele não mentiu. Aquele filho da puta tocou em você e
deveria estar no fundo do mar agora por isso. Fiz pouco, ele
merecia mais.
— Eu não sei se agradeço ou se o repreendo. 
— O quê? Gostaria que o tivesse matado? Ainda posso fazer
isso. — Ela nega com veemência.
— Acho que não gosto desse seu humor gótico, Logan. —
Sorrio e inclino meu rosto, mordendo a pele sobre sua jugular,
passando a língua em seguida para atenuar a ardência. — Deixe
Richard fora das nossas vidas, tudo isso passou, vai ficar para trás.
— E sobre o jornal, irá voltar?
— Eu vou pensar, desde que me prometa que não irá interferir
em meu trabalho outra vez. — Estreito os olhos em sua direção e
ela sorri. Não é um pedido surreal, ainda assim, não gosto de
quebrar promessas, por isso digo apenas:
— Posso tentar.
 
 
Subir essas escadas traz dor ao meu coração e gelo ao meu
estômago. Minhas mãos suam ao me lembrar das fotos as quais
Olivia me enviou, as mesmas que me permitiram ver Logan, ainda
criança, nesta mesma escada ao lado do seu tio. Toco o corrimão da
entrada e respiro fundo ao olhar para Logan, parado à meia
distância em frente às portas de madeira escura, com a mão
estendida ao me chamar. Sei que fui eu que pedi por isso e, por um
pequeno momento, chego a me arrepender.
Respiro fundo e olho para trás, para a fonte cimentada que tem
um anjinho em meio a ela, segurando um tipo de peixinho nas mãos
e tenho certeza de que da sua boca sai água. Volto a olhar para
Logan que me espera pacientemente, envolto em um sobretudo
preto e em seus olhos já não têm sombras. Ou talvez eu já não as
veja, pois agora enxergo quem é. Porque agora não há mais culpa
por amá-lo, por entender. Pois não importa o que dizem, o que faz,
eu o amo e aceitei esse amor. Logan é meu, assim como eu sou
sua. Subo mais dois degraus e aceito sua mão, quente e receptiva
enquanto a minha permanece gelada.
— Tem mesmo certeza? — pergunta e eu confirmo, seguindo-
o pela porta de entrada.
Um hall vazio e amplo, com o piso em carvalho, se abre à
nossa frente ao passarmos pela porta de madeira vermelha e dou
mais alguns passos adentrando a primeira sala, esta com alguns
móveis, todos cobertos por um tecido de algodão branco e uma
lareira enorme ao fundo. Há algumas obras dispostas na parede que
seguem cobertas e mordo o lábio, olhando ao redor. Respiro fundo e
o cheiro de poeira, mofo e cascalho me atinge, algo mórbido, sem
vida ou luz, que traz um calafrio para minha espinha. 
— Posso visitar qualquer cômodo na casa? — Logan se
aproxima, tocando meu rosto. Achei que talvez vir até aqui
trouxesse sobre ele um efeito amargo, mas ele parece aquém de
qualquer sensação.
— Ela também é sua agora. Vá aonde quiser.
Solto um suspiro satisfeito e sorrio, deixando-o parado próximo
ao hall e dou mais alguns passos, adentrando outra sala, uma
menor, completamente vazia, mas ela me dá acesso a um corredor,
onde há algumas portas apenas do lado esquerdo. Abro a primeira e
me deparo com uma sala com algumas prateleiras na parede e uma
mesa grande ao lado, não chego a entrar, apenas observo ainda do
batente. Talvez este fosse o escritório de seu pai.
Adiante, há outra porta e vou até ela, abrindo-a e encontrando
mais alguns poucos móveis, todos cobertos. E esta, eu tenho
certeza para que era usada. Era uma sala de estudos, mas também
de música, dado o piano ao fundo e também uma harpa. Lembro o
que Logan me falou certa vez e imagino que foi aqui que ele
aprendeu a tocar tão bem. Ao lado há escrivaninhas, duas delas,
antigas. Olho os arranhões sobre a madeira e respiro fundo,
voltando a cobri-la. Vou até o piano e retiro o forro, podendo ver que
ele é igual ao que Logan tem em sua biblioteca. Ao lado, algumas
prateleiras, de cor branca, e nelas há alguns livros. De estudos e
também infantis.
Aproximo-me e sorrio quando um deles chama minha atenção
e toco o pequeno exemplar antigo, A Bela e a Fera, abro-o, vendo o
nome de Lilly Hopkins escrito em letras tremidas na capa. Sinto um
aperto no peito e abraço-o, o coração acelerado ao me lembrar da
foto que Logan tem dela na sala íntima. Volto a olhar a capa
colorida, com um ensaio do que seria a Bela e sua Fera, em um
fundo azul e acabo por colocá-lo em minha bolsa. 
Deixo a sala e volto ao corredor, e antes de seguir adiante,
olho para trás, mas não encontro Logan em lugar algum. Abro outra
porta, é um quarto sem nada a oferecer. Continuo e acabo na
cozinha. O silêncio que circunda toda a casa traz a sensação de
vazio, insuficiência, medo e chego a sentir um calafrio subir por
minha espinha. Não tem muito aqui, apenas os armários nos cantos
e uma antiga mesa de madeira de oito lugares. As bancadas estão
todas limpas, sem nada a cobri-las e abro algumas portas, vendo
que alguns utensílios estão guardados ali.
Este cômodo é bem-arejado, todos são, na verdade, com
grandes janelas em vidro, mas nem toda a luz é capaz de iluminar o
lugar. Tudo mórbido e frio. Volto pelo corredor, ouvindo os saltos
criando eco entre as paredes e me sinto em um tipo de filme de
terror, minha pele chega a arrepiar em resposta à corrente de ar frio
que vem de encontro a mim. Volto a cortar a sala de jantar vazia e
paro próximo às escadas. Lembrando-me do que Logan me disse,
de onde o pai morreu. Olho para trás, para o hall aberto, imaginando
o menino tão ferido entrando por aquela porta e encontrando o pai
aqui. Sem vida. E eu sinto sua dor, tanto que uma lágrima deixa
meus olhos.
Olho ao redor e, mais uma vez, encontro-o e subo as escadas.
Ouvindo um degrau ou outro ranger sob o meu peso. Seguro o
vestido longo, de tecido leve e alças finas. Escolhi para ir almoçar
com Logan, cheguei a estranhar seu convite, não esperava que
quisesse sair em público tão logo. Mas descobri ao chegar ao seu
restaurante favorito que nossa mesa estava reservada em um
ambiente íntimo, sem olhares de outros.
Por isso, coloquei a peça que tem o decote duplo, de cor
vermelha, mas não em toda a sua extensão. Até abaixo da minha
coxa ele mantém o tom vermelho e então vai clareando, passando
para um rosa-escuro, rosa mais claro e assim sobrepondo-se entre
texturas e cores, a barra se tornando bem clarinha, em um
esfumado perfeito. E talvez não estaríamos aqui hoje se fosse uma
escolha apenas dele, mas eu precisava estar aqui e ele não se opôs
quando voltei a fazer o pedido.
Quero muito fazer uma matéria sobre o homem por trás da
máscara de CEO frio e, para isso, para atrair olhares, não posso
demorar. Piso no último degrau e entro em outro corredor, onde há
três portas à direita e outras três à esquerda. Respiro fundo ao
saber que são os quartos e passo a abri-las, uma é apenas um tipo
de sala íntima, hoje impessoal, sem nada além de uma mesa de
centro e uma poltrona. Outro é o banheiro e adiante tem o que me
parece apenas um quarto de hóspedes. Vou para o outro extremo,
para a esquerda e toco a maçaneta de uma das portas, adentrando
um quarto de paredes azul-celeste. Com um quadro coberto em
frente à cama no centro do cômodo, uma bola velha e murcha
jogada no canto, e me dou conta de que este era o quarto de Logan.
Mas não há muito o que olhar.
Vou para o outro cômodo, de paredes cor-de-rosa e preciso
puxar o ar com força para não ceder. É o quarto da pequena Lilly,
que um dia tivera paredes vivas e alegre e que hoje parece triste,
com uma caixa de brinquedos velhos ao fundo. Observo que,
apesar de empoeirado, não está tão sujo. Fecho a porta e encaro a
última porta do corredor entreaberta e vou até ela. Ofego ao ver
Logan, sentado em uma cadeira de madeira, pernas abertas,
cotovelos sobre os joelhos, mãos juntas, e o torso levemente
inclinado para frente, de cabeça baixa.
Meu coração se aperta.
Toco a porta com cautela e a empurro, apenas o suficiente
para que eu passe por ela. E este é o único cômodo que parece
intocado, mais limpo que os outros, e é quando ele me vê.
Empertigando-se ao prender meu olhar no seu. Vou até ele e me
coloco entre suas pernas, tocando seu rosto, seus cabelos, vendo-o
relaxar ao encostar sua testa em minha barriga, abraçando meu
quadril. Beijo seus cabelos, o cheiro de conforto fazendo morada em
meu coração.
Olho ao redor, o quarto tem uma grande cama com dossel no
centro, de madeira nobre, e um colchão já envelhecido, amarelado.
Do lado oposto, à minha frente, um guarda-roupa de modelo antigo,
gigante, que vai de um lado a outro da parede. Ao lado há uma
penteadeira e arrisco dizer que a cadeira a qual está sentado
pertence a ela. Algumas obras de arte estão na parede e essas, são
as únicas coisas envoltas em um pano branco. Me agacho à sua
frente, sentando-me no chão ao buscar seus olhos e acaricio seu
rosto.
— Você está bem?
— Sim, eu estou. Aliviado até. — Sua voz sai baixa, mas
segura, e sorrio fraco ao fazer um carinho em seu rosto.
Adiante, há manchas no chão, a bons dois metros de onde
estamos, e elas chamam minha atenção.
— Estavam ali, os corpos, de frente para a cama. — Engulo
em seco ao ouvi-lo, fora as manchas não há mais vestígio algum. É
como se todo aquele alvoroço tivesse ficado em outra era.
— A casa parece limpa e…
— Pedi a John que providenciasse uma equipe de limpeza,
nunca tinha pedido uma, mas estava na hora — explica e segura
meu pulso, beijando-o. — Sempre deixei ordens expressas para não
tirar nada do lugar, apenas aquilo que já estava deteriorado.
— Entendo. — Deixo o ar sair dos meus pulmões e encosto
minha cabeça em sua perna, sentindo seus dedos acariciarem
minha nuca.
— Tomei uma decisão, Bella — sussurra e eu o encaro,
curiosa. — Irei, enfim, vender a mansão.
Meu coração dispara, é automático.
— Tem certeza disso?
— Tenho. É hora de deixar o passado para trás — garante,
emoldurando meu rosto, me deixando sentir o leve cheiro de hortelã
em suas mãos quando me beija de forma demorada, ainda que não
invada minha boca.
E eu não sabia que eu precisava disso até ouvi-lo, pois um
alívio ensurdecedor toma conta do meu corpo, do meu coração. De
forma quase dolorosa.
— Vamos construir um futuro só nosso a partir de agora,
Logan — garanto, inspirando fundo.
— Sim, nós vamos!
 

 
— A repercussão está sendo gigantesca, em principal sobre a
House Bow — Darcy repete o que foi dito na reunião, como se fosse
preciso. — Estamos vendo a forma mais positiva de reverter tudo,
como já lhe disse, Logan. Mas essa bomba veio em um péssimo
momento.
Deslizo meu dedo no comprimento da caneta ao meu alcance,
começando a movê-la entre meus dedos. Canetas são ótimas para
perfurar uma jugular.
— Logo esquecerão — faço-me ouvir, pronto para dar fim ao
assunto. — Não sou o assassino que querem, ponto. Mas odeio
perder dinheiro e, por isso, como eu já disse, vamos dar foco às
ações.
— Como pode estar tão calmo, Logan? Estamos em meio a
um vendaval! — Deixo a caneta de lado e entrelaço minhas mãos, o
encarando.
— E por que não estaria? Acham corpos em terrenos
abandonados todos os dias e não tenho por que me preocupar,
Darcy. Sei o peso que isso traz, mas sei também o peso do meu
sobrenome e de tudo o que construí. A poeira irá baixar e isso cairá
no esquecimento. — E eu não deveria ter que explicar isso a ele,
mas hoje me pego com mais paciência que o comum.
— O conselho está inquieto, Logan. Estávamos saindo de um
escândalo há pouco e agora isso? — Respiro fundo e ele nota
minha impaciência. — Não pode fazer nada com relação ao The
Standard? Uma matéria esclarecendo os fatos, qualquer coisa.
— A essa altura, pessoas demais sabem da minha aquisição
do jornal, Darcy, e ao invés de ajudar, nos afundaria ainda mais. —
Ele olha para o teto ao se dar conta do óbvio. — Mas vou me
desfazer da mansão, tirar esse foco do radar — informo, a decisão
está tomada, me custou um pouco, mas enfim é necessário.
Foi como me livrar de um tipo de âncora, uma das muitas que
carrego. E devo isso à Arabella. Contudo, estar com ela naquela
casa me trouxe alguns temores, pois tenho estado constantemente
me perguntando como irei protegê-la.
— Isso é ótimo, e você tem razão sobre o jornal. — Darcy está
nervoso e instável. Acompanhar a polícia em sua busca pela
empresa o deixou com os nervos à flor da pele.
Quando falei com ele, no sábado, parecia calmo, porém as
notícias, a queda das ações e as especulações o deixaram à beira
de um precipício, tanto que essa manhã, quando cheguei à
empresa, foi ele quem me recepcionou. Um tanto covarde. Mas
tampouco posso julgá-lo, porém, ele é alheio a tudo que acontece
em minha vida privada, não pertence ao caos e é normal ter medo
de afundar junto ao navio. Se fosse um rato, já estaria arrumando as
malas vendo para onde pular, caso o mar se torne mais revolto, mas
ele está aqui, mesmo tendo uma bagagem gigante em seu currículo
e isso muito me agrada.
— Estava mesmo em seu escritório naquela noite, não é? —
Eu o encaro e arqueio uma sobrancelha. — Você veio à empresa e
nos falamos, eu sei disso, chegamos junto à decisão de demitir
aquele filho da mãe, mas depois você foi para sua sala apurar os
fatos e só retornamos no dia seguinte. Não sei a que horas saiu.
E nem poderia, usei uma saída a qual ninguém pudesse me
ver.
— As câmeras estavam ligadas, Darcy, saí pela manhã.
Acabei perdendo a hora. — Ele solta o ar, aliviado, parecendo um
pouco mais tranquilo ou tentando. — Quero informar que segui seu
conselho — mudo o foco da conversa e ele me olha aturdido. —
Pedi Arabella em casamento e ela aceitou. — A princípio, ele parece
incerto se falo a verdade ou não.
— Você está falando sério? — Confirmo e ele sorri largo, por
um momento esquecendo sua recente preocupação referente à
minha inocência. — Isso é uma notícia maravilhosa, parabéns,
Logan. — Ele se aproxima e me levanto, deixando que me
cumprimente.
— Obrigado, Darcy, use isso a nosso favor. Uma nova fofoca
sempre soterra outra.
— Quem diria, o coração de Logan Hopkins foi fisgado. — Ele
tem um sorriso no rosto e dizer isso em voz alta me parece
estranho, mas não ruim.
— E quanto ao conselho, lembre a eles quem detém a maioria
das ações. Isso bastará. — Mato um pouco seu sorriso e abotoo o
paletó, saindo da sala de reuniões em seguida, e vou para o meu
escritório.
Mary está atenta ao telefone e se ajeita na cadeira ao me ver,
fecho a porta ao entrar e vou em direção à minha mesa, me
sentando. Ainda preciso verificar e assinar alguns relatórios antes
de finalmente ir para casa, junto a Arabella. A deixei em seu
apartamento essa manhã, segundo ela, precisava mais que nunca
contar à Olivia a grande novidade, pois a amiga não a perdoaria,
caso não fosse a primeira a saber. Achei engraçado, não nego, e
assim que deixar a empresa, irei buscá-la.
E por falar nela, pedi à equipe de inteligência que hackeasse o
sistema e verificasse as gravações feitas pelas câmeras do distrito.
Porém tudo o que encontraram foi uma chuva torrencial e falhas no
decorrer daquela madrugada.
Mas o dia ainda não acabou e foi um tanto agitado, mas não
inesperado, eu sabia o que precisava fazer, quem precisava acalmar
e onde pisar. Tive uma reunião com a nova equipe da House Bow
pela manhã, em que o foco é criar uma nova cara para a empresa, a
fim de desvincular das suas origens completamente. Também revi
alguns nomes para estar à frente da direção em Nova Iorque, pois
não pretendo trazê-la completamente para cá, mas não há algo
certo ainda. Talvez seja Darcy, porém, não sei se estou disposto a
abrir mão dele aqui na Hop Force, é algo a se pensar com calma.
A equipe segue eufórica com tudo o que temos a criar, até
mesmo eu me sinto assim. Depois me reuni com o conselho e eles
estão mesmo preocupados com o futuro da Hop, ainda assim, não
me preocupa em nada, sei como alinhar as pontas. Por fim, a
reunião semanal com a equipe de programadores, precisava rever
alguns pontos com Akira. Temos novos pedidos de dispositivos para
o exército britânico, um dispositivo um tanto complicado, mas não
impossível. Gosto de desafios e farei questão de acompanhar sua
criação de perto.
O telefone toca sobre a mesa e atendo-o em seguida, com os
olhos na pasta à minha frente.
— Diga, Mary.
— O senhor Hopkins está aqui, senhor. — Estreito os olhos,
fechando a pasta antes aberta sobre minha mesa. E tudo o que eu
não esperava hoje é uma visita do meu tio.
— Deixe-o entrar, Mary.
Coloco o aparelho no gancho e me levanto, o esperando. Já
faz algum tempo desde a última vez que o vi. Após tomar o controle
de tudo, deixei claro que ele já não tinha autoridade sobre os
negócios, que eu estava desfazendo nossa sociedade. Na época,
ele não aceitou muito bem, mas a empresa estava mal das pernas e
dei a ele bem mais do que merecia por sua parte. Paul passou a
morar em um condado próximo após isso, chegou a me procurar
uma ou duas vezes, ao tentar pedir desculpas pelo passado, citar
arrependimentos, mas não fui por esse caminho e deixei claro isso a
ele. Decisões foram tomadas naquela época e isso, no momento ao
qual me procurou, pouco importava.
Então, eu sempre recebia uma notícia ou outra sobre o que
andava fazendo, afinal, ele também leva o sobrenome Hopkins e
haverá sempre uma ligação entre nós, mas não temos realmente
um vínculo. Porém recebi um convite para o seu casamento, há
cerca de um ano, e eu compareci pela pouca consideração que
guardo, não fiquei muito e aquela foi a última vez que o vi, desde
então.
A porta é aberta por Mary, que lhe dá passagem e logo corro o
olhar por sua figura. Paul não está envelhecendo tão bem, mas
ainda se parece com meu pai. Alto, os cabelos antes castanhos
agora estão salpicados por alguns fios grisalhos.
— Paul — saúdo e ele me oferece a mão em cumprimento ao
se aproximar. — Como vai?
— Me chamava de tio antes, não sei por que perdeu isso ao
longo dos anos, Logan. — Aperto sua mão, me distanciando em
seguida após receber tapinhas no ombro. — Estou bem, como vai,
campeão?
Noto que ele continua com uma expressão gentil, assim como
trejeitos, mas tem malícia no olhar. Essa era a diferença entre os
dois irmãos; ele, cinco anos mais jovem que meu pai, tinha objetivos
diferentes, sempre com ideias controversas, já meu pai era certinho
além da conta, honesto, nada fora da linha e isso os levava sempre
a discussões extremas.
— Vou bem, e sua esposa? — Aponto para a cadeira em
frente à minha mesa e volto a sentar-me.
— Estamos bem. Atarefados, claro, pois nos mudamos de
volta para Londres, mas está tudo indo muito bem. — Estreito os
olhos em sua direção, pego de surpresa.
— Ah, que interessante.
— E espero que uma boa notícia. — Tenta um sorriso e
apenas anuo. — Agora mais próximo, podemos estreitar os laços,
filho. — Isso me incomoda profundamente, não sou seu filho e ele
continua: — Iríamos esperar mais alguns dias para organizar tudo, a
casa, para enfim convidá-lo para um jantar. Mas com as últimas
notícias, fiquei preocupado com você.
— Não fique. Não foi nada de mais, mas sabe como é a mídia.
Uma gota vira um copo cheio. — Paul confirma, achando uma graça
que não vejo.
Ele parece bem, veste uma camisa branca, calça social e
paletó, sem gravata. Parece calmo, mas seus olhos a mudar sempre
de direção me deixam ver que não está tão à vontade quanto
aparenta.
— Claro, eu jamais teria dúvida com relação à sua inocência.
Nunca foi capaz de matar uma mosca sequer, sempre um menino
gentil, assim como sua irmã, que Deus a tenha — fala e olha para
cima, para a esquerda. — Isso vocês puxaram à sua mãe —
relembra e começo a perder a paciência com essa conversa furada,
em especial, ao citar minha mãe, que o odiava. Apoio o cotovelo no
braço da cadeira e encosto meu queixo entre o polegar e indicador.
— Mas me diga, o que lhe trouxe de volta a Londres, Paul?
— Bons negócios, filho. Me desfiz de vez da empresa. Estava
me trazendo mais prejuízos que lucros. — Claro que daria, eu não
esperava menos dele. — Além do mais, Nana já pedia para vir a
Londres há algum tempo e eu cedi.
— Bons negócios? — repito, deixando claro minha dúvida e
ele aperta os olhos para mim.
— Sim. Seu tio está velho, mas ainda sabe fazer bons
negócios, filho — tenta, tamborilando os dedos em sua perna. — O
jornal também tem falado de uma jovem. Enfim, o herdeiro do
império Hopkins foi fisgado?  — Seu sorriso vai de orelha a orelha,
satisfeito e me pergunto por que a mudança rápida de assunto.
Uma pausa longa demais se segue em que tento entender
aonde quer chegar, mas Paul continua com um sorriso no rosto,
olhos brilhantes e atentos.
— Sim, Arabella é uma ótima garota. E em breve iremos nos
casar — deixo a informação sair, tentando reter alguma resposta
negativa a isso.
— Isso sim é uma boa notícia. Fico feliz, filho. Se tem alguém
que merece a felicidade, esse alguém é você. — Sua animação é
óbvia, empolgada.
— Obrigado, mas me conte mais dos seus negócios, Paul —
peço, interessado em saber o que diabos ele veio fazer em Londres.

— Você bem que poderia deixar esse relatório para amanhã e


poderíamos ir para a cama. — Levanto os olhos do relatório ao qual
lia e encaro Arabella próxima à porta da biblioteca, hoje em uma
camisola lilás, que me permite ver seus mamilos através do tecido
fino.
— Tem planos, senhorita Tomlinson? — E confesso que ao
chamá-la assim, me pego apressado em mudar seu sobrenome.
— Talvez… — Arabella se aproxima, tentadora, e arrasto a
poltrona para trás, a recebendo sobre minhas pernas. O cheiro
fresco indica que acabou de tomar banho e lavar os cabelos, os fios
ainda estão aquecidos por usar o secador.
— Gosto do seu cheiro — elogio, passeando meu olhar por
suas bochechas e ela sorri, beijando meus lábios de forma
carinhosa.
— Também gosto do seu cheiro, em especial este aqui
próximo do seu nariz — fala e cheira o local. — E aqui, próximo da
sua orelha e sua testa.
— E tenho cheiro de quê?
— Você cheira a Logan, uma fragrância única e irresistível…
— Mordo o queixo pequeno e ela arfa, apertando as pernas ao se
remexer sobre mim. Safada e deliciosa. — Como foi na empresa,
meu amor? — E antes de responder sua pergunta, noto a forma
como me chamou, testando-a em meus ouvidos, gostando de como
soa em seus lábios.
Ainda parece irreal que ela tenha permanecido aqui, que não
se arrependeu e que entende quando eu mesmo, não o faço. Por
isso venho tentando compreender em que realidade paralela me
encontro.
— Trabalhoso. Estamos tentando mensurar os impactos que
as últimas notícias trouxeram. — Bebo de sua beleza, gosto quando
não usa maquiagem, seus olhos ficam mais transparentes.
— Eu tentei ajudar, falei sobre o que aconteceu no site e teve
um alcance relativamente bom. Ainda esta semana irei soltar uma
matéria completa sobre sua trajetória, família, a casa antiga… —
cita, parecendo sondar, tentando saber até onde pode ir.
— Eu vi e agradeço. — Dou a ela a permissão que tanto quer
e recebo um sorriso em troca, desses que costuma trazer o sol em
meio à noite e lembro-me de Paul. — Meu tio esteve na empresa
hoje — assim que as palavras deixam meus lábios, posso ver suas
engrenagens funcionando, a forma com que franze as sobrancelhas,
deixando claro sua aversão a Paul, e isso aquece algo aqui dentro
com sua pequena proteção.
— E o que aquele… aquele… o ele queria?
Ela não é boa com palavrões e isso me faz rir.
— Nos convidar para um jantar. — Mordo a pele sobre sua
clavícula, vendo-a se arrepiar.
— Nós não vamos, não é? — Arabella faz questão de segurar
o meu rosto para que responda a encarando.
— Não, se não quiser.
— Eu não quero. Não gosto dele — fala rápido, precisa, e
passeio meu polegar pelas bochechas vermelhas. Suas narinas
chegam a se dilatar, enfezada.
— Então não vamos — sentencio e acabo ganhando beijos
estalados em minha bochecha, inspirando fundo, e me dou conta de
se tratar do lugar que gosta de cheirar. Também tenho lugares nela
que gosto bastante, como seu pescoço e sua boceta. — Preciso
falar com você sobre algo — chamo sua atenção e ela me olha
séria, alarmada e faço um carinho em seu braço, subindo e
descendo minha palma por sua pele arrepiada.
— E o que é?
— A partir de hoje, que você tenha um segurança ao seu lado
— tento e ela nega com veemência.
— Não preciso de… — Tapo seus lábios com um dedo, a
calando.
— Vou soltar a notícia sobre o nosso casamento, Bella. Com
isso, você se tornará um meio para me atingir, é minha fraqueza
agora, é um fato e não vou permitir que algo de ruim aconteça a
você, nunca. — É uma promessa, uma que vem do mais íntimo da
minha alma. — Por isso, terá um segurança bem-treinado e armado,
com um carro à sua disposição o tempo inteiro. — Seus olhos estão
focados em mim, tentando assimilar o que digo. Arabella olha para o
lado, levando alguns segundos para voltar a me encarar. Noto-a
engolir em seco, aceitação tomando aos poucos sua expressão,
antes mesmo que as palavras saiam de seus lábios. — Por ora,
será Benjamin a lhe acompanhar, isso até acertar alguns detalhes
com relação a toda a segurança. Precisaremos redobrar nossos
homens e, após isso, será John o seu segurança particular —
explico e ela solta o ar, vencida, e apenas confirma.
— Tudo bem, eu aceito. — Alívio preenche meu peito. Imaginei
que iríamos discutir mais sobre isso. — Se te deixará mais tranquilo,
eu…
— Sim, deixará — a interrompo, circulando sua cintura com um
braço, deixando claro o quanto esse ponto é importante para mim.
— Também quero que se mude para cá. — Isso sim a surpreende,
tanto que suas mãos vêm para o meu peito, afastando-se um pouco.
— Iremos nos casar e não quero demorar a marcar uma data, a
menos que queira algo diferente.
—  Mas morar aqui?
—  Sim, aqui posso melhorar a segurança em muitos sentidos,
Bella, já que no seu apartamento não posso ter o controle de todo o
entorno.
Passei muito tempo pensando sobre isso, até mesmo
enquanto estava em reunião. Sua segurança vinha martelando
minha cabeça com força desde aquela manhã na piscina e não
posso permitir que nada aconteça a ela. Não posso.
— Logan…. — Ela morde o lábio e seguro uma mecha do seu
cabelo em sua nuca, voltando a deixá-la arrepiada. — Eu preciso de
um tempo para avisar Olivia, para que ela se prepare, afinal, talvez
precise se mudar para algo menor, caso não encontre alguém para
dividir o lugar — explica e confirmo o que diz, entendendo o seu
ponto. — Talvez, eu precise de dois meses? — É uma pergunta e é
bonitinho como aperta os olhos em uma pequena careta.
— Quinze dias — dou-lhe uma contraproposta e ela sorri,
segurando meu rosto como já me acostumei que o faça, encostando
seus lábios nos meus.
— Um mês e não se fala mais nisso. E, Logan?
— Sim.
— Voltarei ao jornal amanhã. — Isso me agrada demais e tira
um pouco de decepção sobre minhas costas e também de pesar.
Odiei a magoar e isso vinha me incomodando.
— Isso é uma boa notícia, Bella. — Penso que talvez seja hora
de dizer a ela que desisti de vender aquela porcaria e que irei
colocá-lo em seu nome, como presente de casamento, mas penso
que caso fale isso, ela voltará a esbravejar comigo. Sendo assim,
vou deixar que volte e depois lhe conto sobre os meus planos e,
então, se ela não o quiser, poderemos vendê-lo. A decisão estará
em suas mãos. — Fico contente que tenha reconsiderado.
— Eu também estou. Sem Richard, o trabalho ficará mais
gostoso.
— Sim, e agora, senhorita Tomlinson — levanto-me, com ela
em meus braços —, vamos para o quarto, tenho algo muito gostoso
a fazer com a senhorita. — Ela arfa, se agarrando à minha nuca. —
Pois pretendo me afundar em sua boceta pelo resto da noite e testar
também essa boquinha nervosa.
— Senhor Hopkins, o senhor me parece mais devasso a cada
dia…

— Desta vez, demorou a aparecer, Logan — Marshall começa,


depois de algum tempo em silêncio. Permaneço em frente à janela,
as mãos nos bolsos, e sorrio ao tocar a caixinha do anel de noivado.
Viro-me para ele e me aproximo, sentando na poltrona à minha
frente. Não posso dizer que está mentindo, faz mesmo algum
tempo. Dez dias, talvez? Acho que sim. — Chá?
— Não, obrigado — nego e ele enche uma xícara para si. — E
eu não tinha certeza se queria voltar a ver sua fuça. Não depois de
sua recente intromissão com relação a mim e a Arabella. — O velho
me encara com um ar inocente, o qual não me engana. 
— Não entendo o porquê. Não disse nada de mais e não fui eu
a procurá-la, fui? — Seu cinismo é gigante.
— Foi o que ela disse. — Me afundo mais no assento,
tentando me sentir relaxado, mas algo vem me incomodando na
última semana e não sei ainda o que é.
— Como foi a última semana? Vi que ficou noivo e estou feliz
por você. — A voz de Marshall é afetuosa e cadenciada, uma voz
feita na medida certa para te acalmar, entrar em sua mente sem que
você não perceba.
— Sim, ela aceitou se casar comigo e ainda não entendi como
isso aconteceu, mas aconteceu. Tenho a impressão de que, mais
cedo ou mais tarde, ela vai acordar e perceber que cometeu um
erro.
— Você não só acreditava que não sabia amar como não se
via como alguém digno de receber esse sentimento. Ainda não se
vê e é normal se sentir assim, iremos trabalhar isso com o tempo. —
Arqueio uma sobrancelha e ele sorri. — Me conte mais.
— Ela tem me irritado bastante nos últimos três dias, pois quer
uma árvore de Natal na sala, imagine só! — Minha voz sai bastante
indignada por me lembrar do seu convite estapafúrdio para que a
acompanhasse na compra da nossa árvore de Natal.
— Ora, que grande desastre, não é? — Sei que zomba do que
ouviu, afinal, tem uma árvore de Natal, de tamanho médio, piscando
atrás de sua mesa, o que me deixa ver que os dois formariam uma
bela dupla. — E quanto a compulsão por matar, Logan?
Ajeito meu corpo, cruzando uma perna sobre a outra. Não é
um termo que costumo usar, não é como me parece, mas não irei
contradizê-lo.
— Sob controle, eu diria. Há algum tempo não tenho fome e,
se for sincero, foi desde a morte de Lana.
— E por que acha que essa fome, como você chama, está sob
controle? Afinal, você é capaz de passar meses sem matar, pois é
inteligente o suficiente para saber que a constância traz atenção
sobre tais mortes. 
— Não sei dizer o motivo, apenas me sinto saciado. Eu tinha
fome o tempo todo, a cada dia, mas mantinha o controle exatamente
pelo cuidado de não ser pego por idiotice. Mas agora, essa
necessidade está atenuada, presa em algum lugar aqui dentro. —
Toco minha fronte ao falar e Marshall deixa a xícara de lado e
escreve algo em seu caderno, quando volta a me olhar, vejo
contentamento em seus olhos.
— É por ela, Logan. Seu foco está nela, é por isso. O que você
chama de fome é uma compulsão e compulsões podem ser
controladas, desde que queiramos. Você mesmo disse que
consegue controlar-se e a questão agora é, você quer?
Penso a respeito, em tudo que envolve matar a partir de agora.
O fato de não estar mais sozinho, pois já não se trata apenas de
mim.
— Por muitos anos, matar me alimentou, me deu a sensação
de estar vivo, quando acreditei que havia morrido, e quando eu
perdia o controle, matar me trazia de volta, me dava prazer, me
alimentava. Mas agora, quando penso nisso, penso também nela,
em Arabella. Penso que um dia posso ser descoberto e que ela
pagará por minhas escolhas e isso me deixa instável.
— Você vislumbra parar por ela, é isso o que quer dizer?
— Eu não sei ainda, sendo sincero. Mas sim, já pensei a
respeito.
— Ainda assim, terá que matar uma outra vez, afinal, se você
parar agora, pode chamar atenção para si. A polícia o tinha detido
há uma semana e uma pausa após isso indicaria culpa, certo?
— Sim, por isso em breve teremos mais uma exposição pela
cidade, em Mayfair, claro.
— Foi o que pensei — fala, voltando a beber seu chá.
— Marshall — chamo-o, dando uma entonação diferente ao
seu nome, mais importante. — Quero…, bem, você foi para mim
mais que meu tio quando perdi meus pais, sabe disso e acho que
nunca lhe agradeci — começo, mas ele nega, dando pouca
importância ao que digo.
— É o meu trabalho e como disse uma vez, você era o meu
experimento, ainda é.
— Eu sei disso, ainda assim, quero que seja meu padrinho de
casamento. Como sabe, tenho reservas quanto às pessoas e
exatamente por isso, não tenho amizades. Você é o mais próximo
que tenho disso.
— Eu? — O surpreendo, sei disso e me levanto. — Ora, me
sinto lisonjeado, Logan. Ficarei contente em estar ao seu lado nesse
dia, tenha certeza disso.
— Fico grato e Arabella irá apreciar minha escolha. Ela parece
ter desenvolvido certo apreço por sua patética criatura. — Eu o faço
rir e até mesmo corar com a menção dela. Levanto-me, abotoando o
paletó.
— Fico satisfeito, mas nossa sessão não acabou, Logan.
Sente-se.
— Para mim acabou, Marshall. Hoje irei levar Arabella para
jantar, pedirei sua mão oficialmente e lhe darei um anel.  Caso
permaneça por mais tempo, acabarei me atrasando e nunca me
atraso. Sabe disso.
— Arabella… — ele testa o nome em seus lábios e sorri. — Eu
não pensaria em ninguém melhor para você, Logan.
Meu celular toca e pego-o no bolso do paletó, apenas para
recusar a chamada em seguida, pois se trata de um número ao qual
não conheço.
— Eu também não poderia — concordo e novamente o celular
vibra, mas desta vez é Arabella.
— Sunshine eu… — Estava pronto para dizer a ela que não
irei me atrasar, mas uma respiração mais forte me faz estancar. —
Arabella?
— Olá, passarinho — corta-me e travo a mandíbula ao ouvir a
voz rouca e maliciosa ao meu ouvido e meu peito se aperta na
mesma medida que meus olhos se expandem. — Eu voltei.
 
 

 
O tempo parece parar quando o espaço tenta me engolir, me
tira de órbita, é o que sinto. A voz suspensa, meus músculos tensos
e pareço esquecer o que é raciocinar, vendo apenas o rosto dela em
minha mente. Relembrando o sonho que tive outra noite, em que a
via em meio a um amontoado de corpos. Abro a boca, mas minha
voz permanece presa na garganta, com a ideia fixa de que irei
perdê-la, de que mais uma vez o destino viera me mostrar que não
a mereço, que não nasci para o amor de qualquer tipo.
— Nós tentamos uma vez e não deu muito certo, passarinho
— volta a falar e meus pulmões doem quando tento respirar. — Na
verdade, até deu, mas infelizmente você permaneceu vivo. E isso
me obrigou a retornar e, desta vez, pelo cheiro da sua garota, vai
dar muito, muito certo.
Meu coração dispara, meu sangue parece correr mais
depressa, mais grosso e uma corrente elétrica perpassa por baixo
de minha pele. 
— Se a tocar, eu irei… — rosno, sentindo meu corpo tremer e
ele me corta:
— Não posso garantir nada. Tudo irá depender de você,
passarinho. Quanto sua noivinha vale? Quarenta, cinquenta,
sessenta milhões? — Ele ri e aperto minha mandíbula com tanta
força que sinto meus dentes doerem.
— Não ouse, eu vou matar você, eu farei com que se
arrependa de um dia ter tocado em minha família — ameaço,
fechando os olhos, tentando respirar, acalmar meu corpo.
— Eu ligo logo mais para dar coordenadas, passarinho, e um
detalhe muito importante: não acione a polícia.
— Não… — Sequer consigo finalizar a frase, ele desliga e
sinto meu coração desfalecendo com a dor e impotência que me
invadem, uma tonelada mais pesada do que senti no passado. —
Não pode estar acontecendo de novo, não posso passar por isso de
novo — sussurro para o nada, sentindo minhas extremidades
tremer, sua imagem em pausa em frente aos meus olhos. Me sento,
tentando ter coerência, agir com inteligência quando tudo o que
quero é sucumbir ao desespero que sinto.
— Logan. Logan! — Marshall me chama e é difícil sair da
espiral em que me encontro.
— Ele voltou e a levaram — falo, piscando algumas vezes. —
Vivo o mesmo martírio pelo qual passei um dia, mas desta vez é
pior, eu não estou lá. — Minha voz sai fraca, quase irreconhecível
ao relembrar aqueles dias e ouço o motor da cadeira elétrica ao
longe, quando Marshall se aproxima, mas é como se eu estivesse
em suspenso, em choque. Olhando tudo de fora. — Eles a
sequestraram.
Sinto dois tapas em minha face e pisco, podendo sair do
transe ao qual estava, encarando o rosto vermelho e preocupado de
Marshall.
— Sim, eles a levaram, mas agora você não é mais um garoto
assustado e não vai deixar que façam o mesmo que fizeram com
você, com sua família. Você é um homem agora e passou todos
esses anos esperando pelo momento que colocaria as mãos nesse
homem, esperou pelo dia que fosse arrastar o monstro embaixo da
sua cama e esse dia chegou. Mostre a ele quem manda, Logan. O
medo já não pode te alcançar agora. — Seu rosto está a
centímetros do meu e um filme passa por minha cabeça, flashes de
todos os obstáculos a qual passei, cada maldita noite em que o
inferno me tomou, em que estivesse submerso em desespero e dor,
e Marshall está certo, eles não podem mais me alcançar. Desta vez,
serei eu que levarei o inferno ao monstro.
— Dou notícias quando puder.
Levanto-me e, a passos ligeiros, quase correndo, deixo sua
sala, descendo as escadas de dois em dois degraus, encontrando
John logo na porta, se preparando para subir. E por sua expressão,
ele já tem algo.
— Senhor, algo aconteceu. Tentaram abordar o carro da
senhorita Tomlinson, Benjamin chegou a me ligar, mas ouvi disparos
e então a linha ficou muda.
— A pegaram — explico. — Estão com Arabella, ele fez
questão de me avisar sobre isso.
— Ele, senhor?
— O mesmo homem que, anos atrás, abordou a mim e a
minha família em meio a uma estrada rural. O mesmo homem que
matou minha mãe e irmã e não importa o que vai acontecer a partir
de agora, ou como, quero Arabella viva, e ele é meu. Não há outra
vertente, apenas essa. — John me encara com certa devoção. —
Vamos, ele entrará em contato novamente e até lá, eu quero uma
estratégia montada. Reúna sua equipe, John, e vamos para a
empresa — peço, entrando no carro.
Tenho olhos presos na janela enquanto o carro arranca pelas
ruas e posso ver seu rosto no vidro e, porra, isso acaba comigo.
Imaginar que Arabella está agora em perigo por minha causa, me
sufoca. Imaginar o quanto pode estar assustada, amedrontada, me
leva ao chão. Respiro fundo, instável, e John é como uma extensão
de mim, apressado, cortando carros e sinais vermelhos, deixando
outros motoristas loucos ao ouvi-los buzinar e xingá-lo no trânsito.
Que se fodam todos, nada mais importa, apenas ela.
“Quanto sua noivinha vale?”, ouço sua voz e ainda que eu
desse minha vida por ela, não seria suficiente.
Engulo o bolo em minha garganta, ou tento, notando que após
uma eternidade, entramos na garagem no subsolo da empresa. Mal
o carro para em uma vaga qualquer e salto, indo apressado para o
elevador privativo. Aciono-o pela digital e logo entro na lata apertada
junto a John e a cada maldito segundo, tenho a impressão de que
irei sufocar. Bato o pé de forma incessante no chão, sentindo meu
corpo inteiro formigar. John me olha e engole em seco, seu rosto já
não está livre de emoções.
— Nós a traremos de volta, senhor.
— Eu assim espero. — Saio no corredor bem-iluminado, indo
direto para a sala onde mantenho a equipe de inteligência.
Abro a porta ao final dele, onde o sistema operacional da
empresa está localizado. E nos fundos da sala lotada de
equipamentos há outra porta, que me dá acesso à sala privativa,
secreta, onde o serviço de inteligência e investigação acontece.
Entro no ambiente à meia-luz cheio de leds e quando o faço, chamo
a atenção dos três sentados em suas mesas, olhos assustados
sobre mim, pois não é comum estar aqui, ainda mais em completo
desalinhamento como me encontro agora.
— Rastreie o celular de Arabella, cruze os dados em um raio
de dez quilômetros e mapeei possíveis locais que podem ser
usados para esconder uma vítima de sequestro — brado, mas
pareço não ser claro. — Agora!
— O que estamos procurando, Logan? — Eloise pergunta e
encaro o rosto feminino que tem a tatuagem de uma cruz na maçã
direita, próximo ao olho, as laterais da cabeça estão raspadas, olhos
carregados por sombra preta, além das roupas em estilo gótico.
Uma moça jovem, inteligente e bonita. — Isso vai ajudar no foco, se
soubermos ficará mais fácil — explica, talvez notando minha
impaciência.
— Minha noiva, a sequestraram. — E ao falar isso, sou capaz
de sentir dor física.  — Preciso encontrá-la e já, isso acaba de se
tornar uma prioridade.
— Claro chefe. — Bryan tira seus fones, se voltando ao
computador, assim como Tarryn. Eloise ainda tem os olhos sobre
mim, arregalados, parecendo enxergar o desespero que carrego.
Somos feitos da mesma matéria, soube disso desde o
momento que a vi naquele café, com um capuz a tapar o rosto
machucado. Todos aqui nesta sala têm o mesmo propósito que o
meu, além de gratidão. Todos precisavam superar o passado,
esquecer quem um dia lhes fez mal e eu dei isso a eles, justiça.
Olho por olho, dente por dente e foi isso que, de alguma forma,
amarrou nossos caminhos. Eloise anui, por fim, com um olhar
confiante, se voltando para a tela e levo as mãos à cabeça,
apertando-a, como se isso diminuísse a pressão.
Essa é a equipe responsável pelo trabalho interno, por trás das
sombras. São os responsáveis por cegar quaisquer câmeras da
cidade em meio aos meus atos, são eles minha cobertura.
— Senhor, eu sinto muito — John lamenta e eu o encaro.
— Não sente mais que eu, John, pois deveria ser você com
ela. Se estivesse junto a Benjamin, essa merda não teria acontecido
e a culpa disso é minha — lamento, ainda que saiba que não
poderia ser diferente. Olho o celular em minha mão, impaciente para
que toque.
— Não, senhor. Eu não fui rápido o bastante com a
contratação da nova equipe, caso o tivesse feito, estaria com ela. —
Eu nego, ele não tinha como ir mais rápido, esse era um trabalho
que necessitava de cautela, feito para ser checado nos mínimos
detalhes, pois não se pode arrumar uma boa equipe de segurança
da noite para o dia. — Mas já reuni a equipe, senhor, estão vindo
para cá agora mesmo e iremos reverter isso.
— Então vá e prepare seus homens. Logo eles vão ligar e dar
coordenadas, além de pedir o resgate e eu darei o que quiserem —
falo, chamando a atenção de todos. — Mas antes pedirei uma troca,
minha vida pela dela. Farei com que me levem até lá.
— Senhor — John tenta e eu o encaro.
— Não teremos polícia nessa equação, John, teremos apenas
nossas próprias regras e isso se dá por dois motivos. Primeiro,
quero estar lá, ter a chance de acabar com aquele filho da puta;
segundo porque não quero dar explicações quando matar aquele
desgraçado. Ninguém deve saber o que faremos, nada. Por isso,
certifique-se se não há qualquer notícia relacionada a um corpo
desovado, pois duvido que Benjamin ainda esteja vivo.
— Sim, senhor. — Ele sai e volto-me para os monitores à
minha frente.
— O que vocês têm para mim?
— O sinal do celular dela estava nesse ponto, há vinte minutos
— Tarryn chama minha atenção e encaro a tela, a referência é
próxima ao jornal.
— Foi a última vez que usaram o celular dela para me ligar e
até onde nos leva o sinal, quais possíveis rotas?
— Tudo indica a saída ao leste. — Cruzo os braços em frente
ao peito, mais uma vez olhando o celular em minha mão.
— Cruzem os dados e diminua o alcance pela área verde.
E a espera que se segue é um purgatório. Ando de um lado
para o outro na sala pequena, como um animal enjaulado,
ensandecido.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac.
Uma hora depois.
Encaro a tela, mas não há nada de novo.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac.
Duas horas depois.
Ando em círculos, me livrando do paletó e gravata, até isso
parece pesar sobre mim.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac.
Três horas depois.
Imagens do que podem estar fazendo com ela passam por
minha cabeça, dolorosas, ferindo minha alma e meu peito. O celular
toca, me alarmando, olho para Eloise e ela entende o meu sinal.
— É um pré-pago e já estou pronta — sugere e com o dedo
tremendo, atendo a ligação e trago o aparelho à orelha.
— Olá, passarinho. — Ouço sua respiração e é como se a
sentisse em meu pescoço, a equipe também a ouve pelo fone e um
desconforto tremendo traz dor à cada um dos meus músculos. —
Preciso, antes de tudo, elogiar sua garota, uma pequena ferinha.
Lutou bem mais que sua mãe. 
— Seu filho da puta! — rosno, sentindo minha têmpora latejar.
— Não me ofenda quando tenho nas mãos algo tão precioso
para você, é a lei da selva, não aprendeu? Ainda mais quando tenho
homens loucos para brincar com ela. — Meu coração paralisa, para
voltar a bater como um louco, a adrenalina passa a correr depressa
por minha veia.
— Diga o que quer, eu darei, apenas diga. Mas antes, quero
fazer uma troca. Minha vida pela dela. — Aperto minha mão em
punho, nervoso, instável, sem saída.
— Hum… isso é interessante. Protetor, gostei. — Sua
respiração é pesada e ele ri. — Posso ver o que dá para fazer. Mas
antes, você irá me dar uma pequena bagatela de cem milhões de
libras, e isso será só o começo. Preciso ser completamente
ressarcido do prejuízo que seu pai me deu e com juros. E, só então,
começaremos a negociar.
— Eu quero minha mulher em segurança, porra. — E eu sei
como funciona, que devo ter calma, tentar tomar o controle, mas
não é o que faço.
— Não está na posição de exigir, passarinho. Já deveria saber
disso. Junte a grana, em breve receberá novas coordenadas —
informa e engulo a saliva com dificuldade.
E antes que eu possa dizer qualquer coisa, a ligação cai.
Esfrego meu rosto com força, tentando me manter alerta. John
voltou, está ao fundo da sala, alerta, e eu busco por ar, sentindo o
peito dolorido. Eu não suportarei se a tocarem. Um bolo está
tapando minha garganta, ardido, dolorido e é como se eu estivesse
morrendo a cada maldito minuto que se passa. Respiro fundo por
bons momentos, tentando levar oxigênio ao meu cérebro, pensar
com coerência, porra, é o que eu preciso. Recupero a sanidade, ou
o mínimo que consigo e encaro Bryan.
— E então?
— Não consegui rastrear, mas o alcance diminuiu com base na
torre usada por ele. Porém a ligação foi rápida demais, conseguimos
um raio de sete quilômetros apenas.
— Os desgraçados sabem como agir, não facilitariam.
— Descubram a quem pertence cada propriedade nesse
entorno. Vamos procurar por uma ligação, qualquer coisa. — Será
como procurar uma agulha no palheiro.
Sinto o olhar de John sobre mim e algo rasga o meu peito,
uma dor física, e lembro do que Marshall me disse.
O medo já não pode me alcançar.
Ligo para o gerente do banco, pouco me importando para o
horário e peço a ele que providencie a quantia que me pediram. O
desgraçado estava dormindo e ainda tem o desplante de perguntar-
me se tenho certeza com relação a um valor tão alto e o mando à
puta que o pariu.
Respiro fundo ao desligar o celular, engolindo a seco. Ainda
vai demorar para o dia raiar, ainda irá demorar para ter a quantia em
minhas mãos, ainda irá demorar para tê-la de volta. Impotente, não
consigo me controlar quando esmurro a parede ao meu lado,
chamando toda atenção para o meu descontrole, sentindo a mesma
coisa que um dia meu pai deve ter sentido. Como alguém pode lidar
com essa merda?
Tic-tac, tic-tac, tic-tac.
Duas horas depois.
Encaro a tela do celular mais uma vez, sentando-me em uma
cadeira, os nós dos dedos ainda têm sangue seco sobre o
machucado que infligi a mim mesmo há pouco.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac.
Três horas depois.
Mantenho-me com os cotovelos sobre os joelhos, as mãos
espalmadas em minha cabeça, o corpo inclinado para frente.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac.
Cinco horas depois.
— Essa é a lista de proprietários nessa área, mas não
identifiquei qualquer ligação. — Eloise me entrega e a encaro antes
de olhar a lista com doze pessoas, mas não reconheço nenhum dos
nomes ali em um primeiro momento.
Passo novamente os olhos por cada um, devagar, tentando
driblar o cansaço sobre o meu corpo, reagir.
— Espere, Delinsky, eu conheço esse sobrenome. — Puxo na
memória e sinto meu cérebro gelatinoso. Delinsky era o sobrenome
do gerente do meu pai, Alan Delinsky. Lembro-me desse nome, pois
está por todo o processo do caso. 
— Mas agora a propriedade está no nome de Daniel, filho do
tal Alan — Eloise volta a falar após a pesquisa e puxo o ar.
— Alan está morto, como poderia ter relação? — pergunto
mais para mim mesmo. — Seria uma vingança do filho? Pesquise
quem é Daniel Delinsky, Bryan — peço e poucos minutos se
passam até que eu tenha uma resposta.
— Aqui diz que ele morreu há dois anos, vítima de infarto.
Deixou uma esposa e dois filhos vivos, mas ainda pequenos.
Paraliso, fazendo meus neurônios funcionarem e uma ideia
estranha se desenhar em minha mente. Nunca, realmente, me
convenci de que Alan estava à frente de algo como o atentado
contra minha família, ainda que seu DNA estivesse lá. Claro, ele
ficava de olho em tudo, sabia da rotina, da vida da minha família,
mas ainda assim, algo me dizia que não era ele a mente por trás de
tudo aquilo, algo me incomodava, ainda que todas as provas
estivessem na mesa. Minhas engrenagens começam a funcionar, ao
vislumbrar o rosto gentil de Paul em minha sala, o quanto parecia
interessado em Arabella.
Minha cabeça lateja, minha garganta seca.
— Reúna a equipe, John, vamos a esse pardieiro — peço,
saindo da sala junto a ele, decidido a cavar até o fundo dessa
história. Custe o que custar, eu irei encontrá-la.

Olho em volta do grande galpão abandonado, que um dia,


provavelmente, foi um celeiro, e não encontro nada. A velha casa
também estava vazia, assim como todo o lugar e o desespero bate
com força. Eu tinha esperança de que encontrasse algo, eu apenas
queria que fosse verdade. Chegamos aqui há alguns minutos, John
fez a varredura pelo local, a equipe cercou todo o terreno, mas nada
adiantou, estava vazio.
— Senhor. — Ouço John me chamar e vou até ele, o
encontrando agachado em um cômodo separado. — Tinha garrafas
de cerveja lá fora e aqui dentro… — Aponta para o colchão velho,
sujo de sangue. — Está fresco. — Seu rosto se contorce ao
constatar.
Meus ouvidos zunem quando me abaixo próximo e toco a
mancha de sangue, tão fresca que ainda mancha meu dedo.
Respiro fundo e posso sentir seu cheiro e eu estava certo, ela
esteve aqui. E agora me pergunto por que a porra do sangue, o que
fizeram com ela? Aperto a arma em minha mão e agora sou capaz
de mensurar o desespero que levou meu pai a ceifar a própria vida
e nem ao menos passei pela metade do que ele passou.
Respiro fundo, tentando voltar ao agora, varrendo o olhar ao
redor, tentando encontrar qualquer coisa que me traga esperança de
que esse sangue não é dela. Aquele filho da puta sabia que eu o
rastrearia de alguma forma e nos despistou indo para outro lugar. O
celular toca, tirando meu foco do colchão sujo de sangue e atendo
depressa.
— Olá, passarinho. Não achou que seria tão fácil, achou? —
late e minha necessidade por matá-lo aumenta. — Ao menos agora
sei que não acionaram a polícia, isso é bom.
— Onde ela está? — pergunto em um sussurro, e John entra
em meu campo de visão, pedindo calma com um gesto de mão.
— Já tem minha grana?
— Sim, tenho. Onde ela está?
— Calma, passarinho. Anote as coordenadas. — Minha
cabeça dá um nó enquanto ouço suas coordenadas. — Eu quero
você sozinho, sem polícia e, acima de tudo, sem o seu cachorro de
estimação. Só você e o meu dinheiro ou sua puta morre. Entendeu?
— Coloque-a na linha — exijo. — Ou não vai ver a cor desse
dinheiro.
— Ah, passarinho, você é cansativo. Tragam a infeliz — pede
e meu coração bate em minha garganta ao ouvir resmungos e o
barulho de algo caindo.
— Arabella! — berro na linha ao ouvir vozes masculinas e o
seu grito, para em seguida ouvi-la fungar ao telefone.
— Logan — ela chora e fecho os olhos, sentindo alívio por
ouvi-la e desespero-me exatamente pelo mesmo motivo. — Não
venha, eles vão… — Ela é impedida de continuar.
— Seu filho da puta, eu vou te matar.
— Você não está em condições de fazer ameaças, passarinho.
Entenda isso de uma vez. — Minha respiração pesa, meus
músculos doem. — Faça o que digo e esteja no nosso ponto de
encontro às sete horas. Temos um acordo? 
— Traga-a e me leve, esse é o acordo — rosno e ele assovia,
desligando em seguida.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac…

Olho o pequeno dispositivo em minha mão, com uma pequena


luz verde acesa, envolto em um plástico e em seguida confiro as
horas. Está na hora, constato e coloco o dispositivo na boca,
engolindo-o em seguida o protótipo que nunca chegou a ser testado
em campo antes. Mas confio no que criei e por isso o engulo com
certa força, a proteção em seu entorno não irá permitir que o suco
gástrico o destrua e assim, ainda que John não consiga nos seguir,
caso me levem, ele poderá me rastrear.
Estamos preparados para um plano B, pois aquele desgraçado
deixou claro que isso é só o começo e ele não irá deixá-la livre tão
fácil, sei disso. Dobro as mangas da camisa até os cotovelos e abro
a porta do carro, trazendo comigo a bolsa cheia de dinheiro, como
pediram. Sem rastreadores, pois sei que eles vão verificar tudo e se
pegarem algo nesse sentido, podem feri-la. Cem mil dólares… e
nem mesmo o meu império seria suficiente para pagar por sua vida.
Amasso a grama onde piso, andando pelo terreno baldio, tentando
enxergar em meio à escuridão. Me encontro a seis quilômetros de
Londres, pouco depois do local onde encontrei Lana, dia atrás, que
grande brincadeira do universo, não?
Minha cabeça dói, estou em alerta e sinto uma aproximação às
minhas costas. Viro-me depressa, mas só tenho tempo de ver o
cabo de uma arma vir de encontro à minha têmpora. A dor é
lancinante e responde em meus ouvidos e caio de joelhos, soltando
a bolsa e levo a mão ao ferimento, sentindo o sangue de espessura
viscosa escorrer por meus dedos. Balanço a cabeça, tentando
recobrar totalmente minha consciência, mas minha visão é turva. Eu
não posso ceder, ela precisa de mim.
Apoio as mãos na grama e tento me levantar, mas recebo um
chute no estômago e isso sim me leva ao chão, gemendo pela dor
que irradia ondas elétricas por meu corpo.
— Desgraçado — rosno e pisco algumas vezes ao sentir o
gosto de sangue vir à minha boca e me nego a apagar, tentando ver
o desgraçado que se mantém às sombras. Tento aprumar meu
corpo, porém mais um golpe espalha dor por minha nuca, me
levando para o escuro.
 

 
Lágrimas rolam por meu rosto enquanto tento me manter
acordada, reativa a qualquer um que me toque. O galpão escuro
cheira a mofo, ratos e bosta, este, bem mais úmido que o outro para
qual me levaram e desta vez já não estou dividindo um colchão com
Benjamin, como antes, estou sentada em uma cadeira de madeira,
com as mãos algemadas a ela. E me lembrar do segurança que
tentou defender minha vida com a sua faz mais lágrimas caírem e
fungo, sentindo o gosto de sangue descer pela minha garganta.
Meu rosto ainda dói pelo tapa que levei em resposta à mordida
que dei em um dos homens que tentou me tocar. Seu ataque fez
minha boca e nariz sangrarem e eu estava disposta a ir adiante e
arrancar sua jugular, se fosse preciso, mas foi quando outro homem
entrou no quarto e ordenou que ele saísse, pois tinha planos
melhores para mim e precisava que eu estivesse inteira. E eu não
sei dizer se senti alívio ou terror ao vislumbrar seu olhar.
O pavor sempre me toma quando um dos homens entra aqui,
as insinuações, o desejo em seus olhos e sinto que o pior ainda está
para acontecer. 
Minha cabeça queima, assim como meus olhos, mas não
posso dormir, não posso. Olho para a minha blusa, branca,
salpicada de sangue. Sangue de Benjamin que foi morto por tentar
proteger minha vida, antes de me trazerem para este lugar. Nos
abordaram a caminho do apartamento, enquanto, feliz, eu tentava
mentalmente escolher uma roupa para jantar com Logan e foi
horrível. Benjamin foi ferido ainda ali, com um tiro na barriga quando
tentou reagir, em último esforço, falando com John ao telefone. Foi
aterrorizante, era muito sangue e, ainda assim, ele tentou se manter
firme, defender-me e enquanto eu vislumbrava tudo com horror, me
lembrei de como Logan narrou o seu sequestro anos atrás e tanta
coisa me passou pela cabeça.
Minhas mãos suam e uma lágrima me escapa ao pensar em
Logan, da nossa conversa displicente no café da manhã de ontem,
quando eu disse a ele que precisávamos nos apressar, afinal, o
Natal estava chegando e que precisávamos comprar nossa árvore.
E claro que ele teria um humor de Grinch com relação ao Natal,
fecho os olhos e ainda consigo sorrir, me apegando à nossa última
lembrança feliz, ao seu cheiro e toque.
Logan inclinou a cabeça um pouquinho para o lado, me olhou
com um vinco em meio às sobrancelhas, apertou os olhos em minha
direção como costuma fazer e novamente negou com veemência o
meu pedido e isso me tirou uma gargalhada. Pois eu amo o Natal.
— Não vamos ter uma árvore, Arabella. Já falamos sobre isso.
— E ele nem chegou a pensar duas vezes.
— Sim, nós vamos e já estamos atrasados pra fazer isso. Falta
menos de um mês para o Natal, Logan — teimei, fingindo sequer
notar seu mau humor. — Vamos ter uma árvore sim, presentes
embaixo dela, vamos enfeitá-la juntos e fazer tudo como manda o
figurino. Será nossa tradição. — Ele deixou o guardanapo sobre a
mesa, pronto para mais uma discussão e, como venho fazendo
quando preciso convencê-lo de algo, me levantei e sentei-me sobre
suas pernas, enlaçando sua nuca e o desarmando. Sua respiração
banhou meu rosto, cheiro de hortelã, e eu cheguei a fechar os olhos
e respirar fundo.
— Não comemoro o Natal, Arabella, nem Ano Novo ou
qualquer data festiva, como aniversário, que fique claro. É besteira.
— Não. Você não comemorava, senhor Hopkins. Agora irá —
afirmei, arrumando o colarinho da camisa preta que vestia. —
Teremos árvore, ceia e você estará vestido em um cardigã vermelho
ou verde quando recebermos nossos convidados para o jantar. E no
seu aniversário, em maio, teremos também uma comemoração.
— Cardigã, convidados e aniversário? — perguntou,
levantando as sobrancelhas, tentando suprimir um sorriso.
— Uma ou duas pessoas para nossa ceia, talvez três — tentei,
fazendo um bico. — E vamos comprar nossa árvore amanhã —
informei e por mais que ele tentasse negar, eu estava disposta a
demovê-lo de qualquer ideia. Mas beijei seus lábios e quando voltei
a olhá-lo, vi aceitação nos olhos bonitos e me lembrar disso agora
rasga meu coração.
Lembrar que fizemos planos para sair e comprar nossa árvore
de Natal hoje, gela meu estômago com o vislumbre de que talvez eu
não passe um Natal ao seu lado. Ouço um assobio, barulho de
portas se abrindo e coisas sendo arrastadas e me remexo na
cadeira, meu coração voltando a bater depressa, o frio deixando
minhas pernas amolecidas. A luz é acesa e pisco algumas vezes
tentando me acostumar com a claridade amarela, e grito em horror
quando assisto aos dois homens arrastarem Logan consigo,
desacordado, para dentro do cômodo.
— Não, por favor, não — berro, lágrimas pesadas voltando a
banhar meu rosto. — Logan, não. Não, não, não. Façam o que
quiser comigo, mas o deixem em paz — imploro, sentindo minha
garganta doer quando vejo-os jogarem o meu homem no chão e
vislumbro sangue escorrer pela lateral do seu rosto, vindo de um
pequeno corte em sua testa. —  Logan, por favor… — Minha
atenção está nele, em como minha esperança se vai ao vê-lo aqui.
Logan se remexe ao me ouvir e geme, recuperando sua
consciência aos poucos, recebendo um chute no estômago que joga
seu corpo mais para trás, fazendo-o abraçar o estômago e um
gemido alto e rouco deixar seus lábios. Eu me desespero, fechando
os olhos quando, desta vez, chutam seu rosto.
— Não, por favor, por favor… — imploro e volto a abrir os
olhos, minha visão, ao vê-lo jogado ao chão e sangrando, fica turva
por minhas lágrimas de desespero.
— Coloque ele de joelhos — o homem alto, mais velho e
barbudo, pede. Com certeza é ele o cabeça de todo esse pesadelo,
o pior de todos.
E, meu Deus, eu imploro que nos ajude — peço em
pensamento, sentindo minhas forças indo embora.
Em meio ao choro, sou obrigada a ver dois homens se
aproximarem dele, o segurando pelos braços, um de cada lado, ao
tentarem colocá-lo de joelhos. Logan quase tomba para frente, tonto
pelo golpe em seu rosto, obrigado a apoiar o peso do corpo nas
mãos espalmadas no chão sujo. A cena me aterroriza em um nível
descomunal, uma confirmação de que não sairemos vivos daqui e
que, antes, passaremos por um purgatório em vida.
— Por favor — mio e ele levanta o rosto de forma trôpega,
seguindo minha voz, piscando os olhos muitas vezes, como se
estivesse obrigando-se a não desmaiar.
Os olhos azuis, tão perfeitos em sua escuridão, têm algo que
não reconheço ao realmente focar em mim. Suas feições são como
pedras, impassíveis e, ainda assim, confiantes, mesmo que tenha
um olho inchado pela pancada que recebeu. Ele parece realmente
desperto agora e seus olhos estão em mim, seu corpo responde ao
que vê, sua mandíbula trava, as mãos cerradas em punho, o rosto
tomando um tom vermelho.
— Você é mais esperto que seu pai, passarinho. — E então
meu coração parece parar, minha mente congela quando uma
constatação me vem à mente. Esse é o mesmo homem que um dia
fez tanto mal à sua família e essa concepção faz uma barra de
concreto cair sobre minha cabeça. — Porém mesmo com a grana,
não dava para deixar ela em paz, pois queremos mais. Muito mais,
e para ter mais, precisamos de você com vida — volta a falar,
andando em círculos ao redor de Logan que sequer o olha. Sua
atenção o tempo todo presa em mim. — Não me leve a mal, estou
bem satisfeito com a grana, mas o seu tio quer a empresa. — Logan
e eu o olhamos e sinto minhas mãos suarem. Ofego, agarrando os
braços da cadeira, notando o corpo de Logan responder a isso
também, as veias em seus braços chegam a ficar mais aparentes,
tamanha a força com que aperta suas mãos em punho, os nós dos
dedos ficando brancos. — Não sabia, não é? — zomba e eu sinto
muito por ele, pelo meu menino quebrado, por passar por isso mais
uma vez. — Ela, a menina, foi um meio de trazer você até nós,
deixar um circo armado para que, no fim, sua morte não caia nas
costas do almofadinha do seu tio.
— Foi ele, o mandante de anos atrás… — afirma e fecho os
olhos quando enfim ouço sua voz, mais grossa que o normal e
posso sentir a dor em cada sílaba e o homem sorri, batendo palmas,
olhando risonho para os dois homens que se mantêm atrás de
Logan.
— Até que enfim você matou a charada — debocha. — Aquele
cara tinha uma inveja gigantesca do seu pai, acredita? Do
casamento, da conta bancária e até dos filhos. Parece que ele já
estava de olho na sua mãe antes do seu pai, algo assim. Fato é que
ele dizia que até mesmo vocês, fedelhos catarrentos, deveriam ser
filhos dele. — Esse homem é doente, enquanto fala ele sorri,
parecendo relembrar com perfeição cada detalhe. — Você não o viu
naqueles dias, mas naquela primeira noite, quando arrastei a puta
da sua mãe para o quarto ao lado, ele estava lá e foi o primeiro a
invadir a boceta daquela vadia. — Vejo a dor no rosto de Logan,
culpa e ódio. — Ele disse que a amava, vai entender, não é? — Dá
de ombros fazendo um bico e se curvando um pouco, para ficar da
altura de Logan. — Fato é que mesmo que seu pai tivesse pagado o
resgate, vocês morreriam e depois ele morreria de uma forma ou
outra.
Logan avança, quase o agarrando pelo pescoço, mas o infeliz
consegue ser mais rápido e o meu homem é contido pelos seus
capangas, um deles colocando o braço em seu pescoço enquanto
ele se debate e me agoniza ver a cena.
— Não, por favor… — imploro baixinho, mas não tenho sua
atenção.
— Eu vou matar você — rosna entredentes, letal, e isso faz o
homem e seus capangas sorrirem em resposta.
— Eu acho que você deve aprender a contar, afinal, desta vez
eu trouxe mais homens e eles estão loucos para colocar as mãos na
sua puta particular — diz, voltando a se aproximar, dando dois
tapinhas em seu rosto e me olha. Um lampejo do que me espera
está brilhando em seus olhos sombrios e envia arrepios à minha
espinha. — E agora… vamos brincar, passarinho — diz e se
empertiga. — Mark, pegue a garota.
— Não! — Logan grita, ao tentar se soltar e impedir, mas volta
ao chão quando o homem às suas costas acerta sua nuca com o
cabo de uma arma.
Mark, o homem alto e loiro, se movimenta e vem em minha
direção, arregalo os olhos, meu corpo queima, meu coração acelera
ao vir à garganta.
— Não, não. Me solte! — Sou agarrada pelo mesmo cara que
tentou me tocar naquele quarto imundo, um doente que sorri com
malícia para mim ao tirar minhas algemas. — Por favor — choro, em
descontrole, arranhando seu rosto quando tenho uma de minhas
mãos livres e recebo mais um tapa em resposta, esse mais forte
que faz meu ouvido entupir.
— Cala a boca, vadia!
Torpe, sou arrastada pelo lugar e, ainda assim, tento lutar para
que me solte, para agarrar algo que possa acertá-lo, para fugir daqui
com Logan. Grito de dor quando meu pé bate em algo, tendo a pele
arranhada, mas não paro de tentar.
— Não toque nela, não ouse, seu filho da puta — ameaça, se
debatendo com os olhos presos em mim, sendo contido e eu não sei
mais o que fazer, não vejo uma saída e sei que eles irão me
machucar, nos machucar, e tudo para terminar de vez o trabalho
que começaram lá atrás, o de despedaçá-lo de dentro para fora. 
Sou jogada sobre uma mesa velha de madeira com
brusquidão, tanta, que me tira o ar. Olho para Logan, vejo sua dor,
eu sinto sua dor enquanto um capanga segura seus braços para
trás e o outro se mantém à sua frente, apontando uma arma para a
sua cabeça, para que não mude o seu olhar e continue me
encarando.
— Lembra disso, passarinho? Te parece familiar? — o
desgraçado zomba e pisco, deixando lágrimas escorrerem de meus
olhos. — Você não conseguiu salvar sua mãe, nem sua irmã e
agora, também não vai conseguir salvá-la.
 
 

 
Encaro seus olhos, podendo ver seus lábios se mover ao dizer:
eu te amo, e sinto a porra dos meus olhos arderem em resposta,
como se o meu mundo estivesse se despedaçando e está. Fecho os
punhos, tentando me livrar do agarre do filho da puta às minhas
costas, pouco me fodendo se tenho uma arma apontada para minha
cabeça.
Onde, infernos, John está? — pergunto-me, aflito ao pensar
que o infeliz caiu em uma emboscada qualquer no caminho para cá,
sentindo que a pressão em meu peito irá esmagar meu coração.
Chega a ser ensurdecedor.
— Bella… — chamo e é como se eu não merecesse dizer seu
nome em voz alta, por ser culpado por tudo o que ela está passando
agora.
Pavor invade minhas entranhas quando a menina se debate e
o miserável volta a bater em seu rosto, desta vez em sua têmpora,
se mantendo a suas costas, esfregando sua virilha, excitado, ainda
que vestido, brincando comigo. Minha mandíbula dói, Arabella chora
baixinho, zonza, e novamente avanço em sua direção, sendo
contido quando uma arma é apontada para ela. Paraliso, minhas
narinas se dilatam, minha nuca dói e minha alma se parte ao meio
ao ver aceitação em seus olhos, o mesmo que vi nos olhos de
minha mãe. Não, eu não permito.
— Deixe-a ir, darei o que quer, mas solte-a — falo baixo,
contido, tentando controlar-me, pensar com coerência, manipular a
situação ou apenas atrasá-los.
— Você me dará o que quero de qualquer jeito, passarinho. —
Engulo a bile que ameaça vir à minha boca e sinto minha garganta
arder, meu peito inflamando a cada vez que ela se debate e tenta se
livrar do seu algoz. A cena me parecendo familiar demais.
— Você vai se arrepender, eu vou te matar. — Aperto os
lábios, travando a mandíbula. — E enquanto eu estiver fazendo
isso, irei sorrir, sentindo um prazer descomunal ao arrancar suas
entranhas. 
— Não está em posição de ameaçar ninguém, passarinho. —
E a cada vez que ele pronuncia essa palavra, meu cérebro lateja.
— Eu vou te matar, Darwin — insisto, chamando pelo nome
que sempre quis esquecer. — Guarde bem o que estou dizendo,
pois dentro de alguns minutos, eu vou pendurar você naquele
gancho e tratá-lo como o porco que é — rosno, apontando com a
cabeça para os ganchos presos a uma corrente, jogados ao lado, e
ele encara o que digo como uma brincadeira.
Um disparo é ouvido do lado de fora, o que os deixa
paralisados por alguns segundos, trocando um olhar entre os três
quando se dão conta do que está acontecendo, que o local está
sendo tomado. Arabella me olha, com um lampejo de esperança, e
aceno em concordância, sibilando um: ficará tudo bem.
— O que você fez, seu merda? — Ouço, recebendo um soco
em meu rosto, que leva minha cabeça para trás. Cuspo o sangue e,
desta vez, sou eu a olhar em seus olhos e sorrir. O gosto do meu
próprio sangue espalhando o doce sabor da vingança por meu
paladar.
— Eu disse que vou te matar e não costumo quebrar
promessas. Aproveite os seus últimos momentos, Darwin!
— Estevão, vá e não deixe ninguém passar por aquela porta.
— O grandalhão me solta ao obedecer a sua ordem, indo na direção
que ele mandou, e Darwin volta a apontar sua arma para mim,
assim como o outro filho da puta faz com Arabella, mantendo sua
cabeça contra a madeira, com a ponta da arma colada em sua
nuca. 
Um pandemônio de disparos e gritos soam lá fora e o filho da
puta que a tem sob o seu poder a tira da mesa, passando um braço
por seu pescoço, mantendo a arma contra sua fronte. Levanto-me,
Darwin tenta reagir, avançar em minha direção, mas perde sua
chance quando um disparo é ouvido muito próximo, fazendo o corpo
do grandalhão que há pouco estava de olho na porta tombar,
metade do seu corpo caindo para dentro do cômodo. Tudo acontece
rápido demais e quando John entra na sala, chamando atenção
para si, aproveito o momento, um segundo de distração, para
impulsionar meu corpo sobre o do lixo à minha frente. Levo-o ao
chão, sua arma cai longe do seu alcance, Arabella grita e soco o
rosto de Darwin, quando tenta pegar sua arma, uma e outra vez,
arrancando seu sangue, que mancha seus dentes. 
— Pare ou eu a mato! — o infeliz que a segura late, no mesmo
instante que busco a arma de Darwin no chão.
Levanto-me, mas trago Darwin comigo, com um braço ao redor
do seu pescoço, apontando uma arma para sua cabeça. Agora ele
está mais velho, mais lento, os cabelos ralos e já sem tanta força ou
confiança. Olho o miserável que ameaça minha mulher, dando um
passo atrás, olhando de mim para John, que tem sua arma em
punho, apontada para sua cabeça.
— E ele morre — falo, apertando a arma sobre a fronte de
Darwin, olhando nos olhos da minha menina amedrontada.
— Mark, Mark, pare, ouça o que ele diz. Não faça besteira — o
filho da puta em meu poder fala, e aperto mais seu pescoço.
— Eu não me importo. Liberem o caminho, pois eu vou sair
daqui com ela — rosna e, para isso, o inferno teria que congelar.
— Olhe para mim, Bella — peço e ela o faz, olhos temerosos e
bonitos, cheios de lágrimas.
Troco um olhar com John, apenas isso, tendo a confiança no
sniper que tenho como segurança. O disparo ecoa pelas paredes de
madeira, mais tiros ainda podem ser ouvidos do lado de fora, mas
tudo que me importa é o corpo que tomba à minha frente, libertando
Arabella. Ela grita, levando as mãos ao rosto, e a próxima coisa que
sinto é uma lâmina fria entrando em minha carne, o que me arranca
um rosnado ao liberar Darwin.
— Logan! — Ouço o grito de horror de Arabella, me dando
conta de que o desgraçado cravou uma faca em meu ombro.
Gemo com os dentes travados ao sentir a ardência, a dor, mas
Darwin não ganha muito tempo, mal dá um passo e é atingido com
um tiro no joelho. O bolo de merda tomba para frente, berrando ao
cair, e John se aproxima, a arma apontada para sua cabeça.
— Não — comando e ele me encara e, só então, percebo que
seu braço também sangra, o líquido escorre pelo paletó e começa a
manchar sua mão. Porra! — Ele é meu, John — informo e olho para
a faca cravada em minha carne, segurando o cabo de cor vermelha
e puxando-a, sentindo a lâmina deslizar macia ao sair, lavada com
meu sangue.
Levanto os olhos, ainda segurando a faca em minhas mãos e
vou em sua direção, que se mantém encolhida, em suspenso. A
menina parece sair de um transe quando corre para mim e a
amparo, abraçando firme sua cintura, ao ponto de me fundir a ela,
enfiando meu rosto em seu pescoço e inalando seu cheiro, sentindo
seu toque outra vez, sentindo como se a porra do meu mundo
voltasse ao eixo. Alívio toma cada parte do meu corpo, tanto, que
faz meus músculos tremerem.
Ela está comigo.
Ela está bem.
Desta vez, eu consegui salvar quem tanto amo.
A menina chora agarrada à minha camisa e seguro seu rosto,
beijando sua testa, seus olhos, sua boca, tentando acalmá-la, fazer
com que pare de tremer ao mesmo tempo que também acalmo meu
corpo. Ela se afasta minimamente e me encara, apalpando meu
rosto, pescoço, conferindo o corte em minha têmpora e também em
meu ombro, o líquido que escorre do meu ferimento deixando sua
blusa suja de sangue.
— Eu estou bem. Feriram você? Tinha sangue naquele
colchão e, por Deus que…
— Era de Benjamin — ela fala entre o choro, sentida ao cantar
as palavras, tentando engolir o bolo em sua garganta para voltar a
falar. — Ele tentou me defender e… e… mataram ele, Logan —
explica entre o choro e volto a abraçá-la. — Mas eu estou bem —
garante e eu nego, beijando sua boca, sentindo o gosto de sangue
em seus lábios machucados, um afago para minha alma que ainda
não se acalmou.
— Leve-a para casa — ordeno quando a solto, voltando a
encarar John que tem um pé sobre o estômago de Darwin,
enquanto aponta uma arma para sua cabeça. As mãos de Arabela
agarram com mais força a minha camisa, seu desespero retorna,
mas eu não estou disposto a ceder desta vez e a encaro. 
— Não, não, Logan, eu não vou a lugar algum sem você, por
favor — pede resoluta e volto a olhar para John, que parece incerto,
mas ele entende que é uma ordem e se aproxima, tentando levá-la
consigo.
— Venha comigo, senhorita — pede com gentileza.
—  Logan, por favor. — Mais lágrimas deixam seus olhos, sua
atenção toda em mim e sorrio, passando o polegar por seu rosto.
— Vai ficar tudo bem, meu amor — tento, chamando-a da
mesma forma que o fez comigo, dias atrás, olhando em seus olhos.
— Logo estarei com você, agora preciso que obedeça.
— Logan. — Mais uma lágrima corre por seu rosto, mas eu
não posso ir com ela, não ainda. — Por favor — pede, revirando
minhas entranhas e encosto minha testa na sua e sei que ganhei a
batalha quando ela se dá por vencida.
— Vá — ordeno a John mais uma vez, que a puxa para si, não
antes de tirar um pacote do seu bolso e me entregar. Olho-o,
constatando ser luvas, e agradeço.
Arabella me solta, inconformada, se deixando levar por John
que a ampara e quando ele finalmente a leva para fora, eu encaro o
porco jogado no chão, sangrando e gemendo, tentando se arrastar
para outra porta ao extremo do cômodo. Visto as luvas e aperto o
cabo da faca em minha mão.
— Eu disse a você — começo e me agacho à sua frente —
que eu o mataria, mas o que eu não disse é como isso irá
acontecer.  — Dou um soco em seu nariz, uma e outra vez,
respirando fundo ao ouvir o estalo do osso se quebrando, ouvindo-o
urrar de dor. — Essa é a dor que minha mãe sentiu quando você
quebrou o seu nariz, seu merda. — Arrasto-o pela gola da camisa,
pelo piso sujo do que um dia foi um frigorífico, sentindo seu corpo se
debater e solto-o próximo à área onde costumavam separar cada
corte.
Eu gostaria de ter mais tempo com ele, gostaria de dar a esse
desgraçado um tratamento de semanas, mas a ira em peito, a
necessidade, não iria permitir. Sinto o sangue deixar o ferimento em
meu ombro, empapando minha camisa, mas isso pouco me afeta.
Apenas minha fome por seu sangue fala mais alto neste momento.
Puxo dois ganchos que descansam ao lado, enferrujados, e volto a
olhar para ele, com um sorriso tomando meus lábios.
— Vamos conversar, Darwin, pois agora nós vamos mesmo
brincar, como você tanto queria — ameaço, sentindo uma ardência
bem-vinda se espalhar por minhas mãos. — Mas desta vez, será do
meu jeito.
— Você não tem colhões para isso — late, apertando os lábios
pela dor que sente.
Eu o encaro, sentindo meu coração ir de encontro ao peito
com uma rapidez assustadora ao vislumbrar tudo o que planejo para
ele. 
— Eu já fiz muita coisa na vida, Darwin, acredite, já usei de
quase tudo e ainda que a cada vez eu me esforce para ir além, por
vezes imaginando que era você ali em minha mesa, não importava o
que eu fizesse com minhas presas, eu sempre achava que seria
pouco para o que eu faria com você. — Sustento seu olhar. — O
que fiz com seus irmãos e com seu capanga, por exemplo, foi muito
pouco perto do que estou preparando para você. — Ele arregala os
olhos e eu sorrio. — Ah, você não sabia quem os matou, não é?
Pois saiba que eles choraram como bebezinhos, eles e aquele outro
merda que você levou para os ajudar — falo e ele tenta avançar
sobre mim, sem sucesso, quando chuto seu peito, fazendo-o voltar
ao chão, sem ar. — Quer saber como fiz isso? — Ele rosna e nega.
— Mas eu irei contar, assim mesmo — confesso, sentindo o corte na
minha fronte voltar a sangrar, passo o dedo sobre o talho, e olho-o,
levando à boca em seguida. — O baixinho, que estuprou minha
irmã, teve o pau do seu irmão atolado em sua boca e costurado em
seguida, claro, enquanto estava consciente. Mas isso depois de ter
uma barra de ferro, com ganchos, enfiada em sua bunda,
obviamente. E, Darwin, meu caro Darwin, deixe-me dizer que foi
esplêndido, gostaria que estivesse lá para ver. Foi lindo — recito e
levo meus dedos juntos à boca, beijando-os como se relembrar,
trouxesse o gosto doce de uma boa iguaria ao meu paladar.
— Seu desgraçado, desgraçado!
— Acalme-se, tem mais. O outro, com cabelo estranho, fiz nele
um experimento excepcional. Uma lobotomia. — Noto sua
estranheza e reviro os olhos. — Fiz pequenos furos em seu crânio,
na parte frontal e, em seguida, inseri ácido em seu cérebro. — Isso
faz seus olhos arregalarem-se, sua expressão paralisada por alguns
segundos. — É que seu irmão mais novo morreu tão rápido que eu
quis dar mais tempo ao outro, para que pudesse ver o que eu faria
com ele, e confesso que foi extremamente divertido, em principal
quando comecei a tirar suas tripas por sua bunda. Mas imagine só
minha decepção quando ele morreu em meio ao processo. Uma
pena, Darwin.
— Você é a Besta… — constata e eu sorrio, toda e qualquer
dor que sinto se dissipando ao ter um vislumbre do que farei com
ele. Respiro fundo e, enfim, posso sentir o cheiro do medo emanar
por seus poros. 
— É, eu sou. Sou o seu experimento que voltou para te
assombrar. Mas antes, me diga, quem mais além do meu tio estava
no esquema, porque eu sei, tem mais alguém. Alguém mais
inteligente, que foi capaz de pensar em tudo, inclusive, em adulterar
provas. Quem é ele? — pergunto e Darwin se recupera do choque
recente e chega a sorrir, cínico.
— Não vai ter nada de mim, não te darei essa vingança, seu
merdinha.
— Hum… ah, Darwin. Você se esqueceu da lei da selva, pelo
jeito — brinco, me divertindo. — Eu mudei muito nos últimos
tempos. Me tornei alguém resoluto naquilo que quero. E eu quero
essa informação e posso ser muito, muito persuasivo.
Amparo a faca ao lado, na mesa velha, e volto a buscar as
correntes enferrujadas jogadas ao lado, atreladas a ganchos
enormes, realmente invejáveis. Acho que preciso de um desses no
ateliê, ganchos maiores fazem um buraco maior.
— Não — grasna ao me ver voltar para si, mas é tarde. — Eu
te dou o que quer, mas pare — diz e até me decepciona sua
rendição tão rápida.
Sustento seu olhar por alguns segundos, com as mãos em
frente ao corpo ao segurar as correntes e, por fim, sorrio, chutando
a lateral de seu corpo ao jogá-lo de bruços, coloco um joelho sobre
sua coluna e isso o faz berrar como um porco pronto para o abate.
— Você me dará o que quero de qualquer jeito, passarinho —
repito o que me disse mais cedo e rasgo sua camisa, enquanto ele
tenta se soltar.
Darwin ganhou peso nos últimos anos, agora tem uma média
camada de gordura por baixo de sua pele e encaro a pele salpicada
por pelos com algumas cicatrizes. Agarro sua carne, uma boa
quantidade, e pressiono com força a ponta do gancho, precisando
impor mais força do que deveria, pois os ganchos estão
enferrujados e não entram com tanta facilidade. Não é um problema,
porém, pois assim, causam mais dor.
A ponta começa a rasgar sua pele e ele berra, se debate,
pedindo por misericórdia, mas eu não conheço o sentido dessa
palavra. Cravo um gancho após o outro, bem firmes para que não
rasguem sua pele antes da hora, apreciando o bom trabalho.
Sangue escorre e consigo ver sua carne de dentro para fora, com
uma camada de gordura por cima, o sangue deixando sua carne
mais vermelha e suculenta.
Vou até a alavanca e começo a rodar a manivela, torcendo
para que ainda funcione. Aos poucos, as correntes vão sendo
enroladas, puxando-o pouco a pouco, fazendo-o urrar de dor à
medida que é arrastado e pendurado bons quatro palmos acima do
solo. Coloco-o a uma altura considerável e quando estou realmente
satisfeito, vou em sua direção.
— I’ve got no strings
To hold me down
To make me fret
Or make me frown
I had strings
But now I’m free
There are no strings on me — cantarolo, parando à sua frente
e começando a tirar suas calças devagar, enquanto se debate e
pede por socorro.
— Não parece tão durão agora, Darwin. Conhece essa
canção? — Ele mal me ouve, ocupado demais em sua dor. —Eu
ouvia muito quando era criança. Pinóquio, era meu desenho favorito
e adivinhe só, eu não tenho mais cordas para me segurar. Nada
pode me parar agora.
Pego a faca, brincando com ela entre meus dedos, gostando
do fato de sua lâmina estar bem afiada.
— E então, vai me dar o que quero? — As pessoas não são
geneticamente predispostas a suportar a dor e me agrada notar que,
provavelmente, Darwin detém o cromossomo dois, pois ainda não
desmaiou e pode me dar o que quero, sentir toda a dor que irei lhe
infligir acordado.
— Seu desgraçado, eu vou te matar e não vou te dar o quer,
não sem me prometer uma morte rápida.
— Não tem jeito, Darwin. Você irá pagar pelo que fez, hoje, e
será por minhas mãos. Pense em mim como um juiz e também um
carrasco — confesso, rodeando seu corpo pendurado. — Não tenho
escrúpulos, saiba disso. Sou cria do inferno ao qual me colocou e
não conheço limites. Portanto, diga o que quero ou posso ser
bastante criativo — ameaço, buscando uma barra de ferro ou
madeira pelo local, qualquer uma irá me servir. Ele precisa sentir,
entender, como é estuprar alguém, entrar em seu corpo de forma
dolorosa, ao ponto de rasgá-la de dentro para fora. — Pensei em
começar por seu pau, mas não quero que morra de uma hemorragia
antes da hora, já que aqui, não tenho como cauterizar os seus
vasos. 
— Por favor…
— Oi? Eu não ouvi.
— Por favor.  — Sorrio, também gosto quando imploram, faz
com que se lembrem de suas vítimas.
— Diga o que quero e posso atenuar sua sentença, te dar o
que quer. Uma morte rápida — incentivo, encarando seu rosto de
perto.
— Frederic, o comissário, ele sabia — berra e paraliso, o rosto
do homem sempre muito gentil vindo à minha mente de forma limpa.
Travo o maxilar, raiva funcionando como lava a queimar minha pele
e Darwin me encara e, ainda que esteja na merda, implorando, noto
que há satisfação em seus olhos ao saber que o que diz me afeta. 
— Ele era sujo e corrupto, feito da mesma matéria que eu, pois
viemos do mesmo lugar. — Estreito os olhos em sua direção e me
dou conta do buraco de ratos ao qual me enfiei.
Claro, o comissário era o policial da época. Policial que foi
encarregado pelo caso, por investigar os culpados, nos encontrar.
— Vocês são irmãos?
— Do mesmo pai. Mas sua mãe, aquela puta, o levou para
longe de nós quando era ainda pequeno. — Engulo a saliva que
engrossa em minha boca, meu coração perdendo o compasso por
alguns instantes.
— Continue, quero saber mais, Darwin — peço e vejo-o engolir
em seco, já cansado de lutar.
— Eles levavam uma vida miserável e ele não pôde se
controlar, não pôde permanecer distante e não demorou a nos
procurar com o rabo entre as penas, a fim de entrar em nossos
esquemas — explica e relembro do homem, vinte e oito anos mais
jovem, que entrou naquele buraco para me resgatar. Ele foi o
primeiro rosto que vi, que me protegeu e, talvez por isso, eu não o
tenha visto como uma ameaça todo esse tempo. De alguma forma,
eu o guardei como um herói. — Seu tio o procurou primeiro — fala e
ao não suportar a dor, ele vomita, melando meus sapatos.
— Porra, Darwin, eram os meus favoritos. — O encaro e não
nego, me sinto enganado, mas adoro o que vejo. — Mas continue,
está me deixando contente — incentivo, vendo um pedaço de
madeira ao fundo da sala.
— Ele ia ganhar boa parte da grana do seu pai, tudo para
atrasar, confundir os policiais e as pistas, botar panos quentes. Sem
nunca dar uma identidade.
— E por que Paul apenas não matou toda a família?
— Era o que ele queria, mas F-Frederic disse a ele que, caso
fizesse isso, levantaria suspeitas demais. Que ele não poderia
controlar os danos dessa forma. — Estreito os olhos em sua
direção, notando que sua voz agora sai mais baixa pela dor. — Seu
tio queria matá-lo depois, mas também levantariam muitas suspeitas
e meu irmão já estava subindo na polícia, não queria mais se
envolver dessa forma, iria manchar sua carreira. Então seu tio ficou
na expectativa que, assim como seu pai, você acabaria se matando
ou enlouquecendo. — Ele ainda consegue sorrir ao falar e me
lembro de meu pai, pendurado pelo pescoço. Os lábios
entreabertos, roxos, sem vida…
Penso por que não me mataram ao invés de armarem esse
circo. Mas então me lembro que ele não teria nada de mim, caso
fizesse isso. Em um rompante, soco mais uma vez o rosto de
Darwin, apenas para ver o sangue voltar a banhar sua face, ouvi-lo
engasgar com seu sangue.
Respiro fundo. Ele tinha tudo o que precisava, todas as
informações, ferramentas e quando tudo deu errado, foi fácil forjar
um culpado. O desgraçado é o pior dos filhos da puta e conseguiu,
por muito tempo, se passar pelo policial bonzinho e cheio de
caridade. Conseguiu também se destacar a ponto de chegar a
comissário por honras e méritos. E eu acreditei naquele filho da
puta, no policial que sentia muito por nunca ter encontrado as pistas
certas, que não conseguia dormir ao se lembrar daquele horror ao
qual ele não conseguiu impedir, inconformado quando o único
culpado morreu. Relembro cada maldita vez que ele repetiu esse
discurso e a raiva em mim aumenta.
E me dou conta que era exatamente por isso que ele queria
tanto me colocar atrás das grades, quando descobriu quem eram os
corpos na mansão. Pois soube na coletiva que ele já tinha suas
identidades. Ele queria achar um culpado e se fosse o homem
influente o bastante capaz de achar os seus podres, que fosse
então.  Aperto a mandíbula e me aproximo de Darwin. Eu também
subestimei Paul, acreditei que era inofensivo, incapaz de algo tão
grande e me enganei.
— Não, eu te dei o que queria — berra, os dentes e gengivas
vermelhos ao olhar para a faca em minhas mãos. — Apenas me
mate, rápido, por favor.
— Ah, passarinho, você acreditou que eu poderia aliviar o seu
lado? — Respiro fundo, perdendo um longo tempo apenas o
encarando. — Mexeu com o que é meu, Darwin, as marcaram,
mataram duas das mulheres que mais amei na vida e não irei, nem
por um segundo, aliviar para você. — Vou até o canto do galpão
velho e de paredes mofadas e agarro o pedaço de madeira roído,
com uns seis centímetros de diâmetro na ponta, ficando mais grosso
em sua extensão.
Trago a faca para minha boca, a segurando com os dentes e
volto para Darwin, às suas costas, abrindo sua bunda com uma
mão. Ele se debate, eu sorrio sádico ao enfiar a madeira em sua
bunda peluda, atolando-a com força, rasgando-o. O desgraçado
grita, chora, berra e isso é combustível, música para mim enquanto
volto a puxar a madeira para fora, vendo-a suja de sangue e merda,
apenas para voltar a socar fundo em sua bunda.
— Por que chora, Darwin? Achei que gostasse de perversões.
— Por favor… — implora e coloco o outro extremo da madeira
apoiada no chão, o que o obriga a ficar parado no lugar ou ela irá
mais fundo.
Volto a estar à sua frente e observo uma lágrima rolar por seu
rosto, se perdendo em meio à barba espessa e relembro de quando
deixei uma lágrima cair sobre uma mesa velha, lembro também de
como Arabella chorava enquanto achava que ia ser estuprada há
pouco, dos olhos de minha mãe vidrados ao deixar sua última
lágrima cair e da minha pequena Lilly, que morreu em suas mãos,
não antes de deixar uma última lágrima de desespero rolar por seu
rosto. Posiciono a faca na pele abaixo da sua orelha, fazendo um
corte raso, vendo-o se debater, apenas para se dar conta de que
quanto mais fizer isso, mais larga sua bunda ficará. Com o
indicador, puxo a pele que começa a se soltar do músculo, tendo o
cuidado de não ir fundo demais, pois não quero rasgá-la. 
— A arte de escalpelar sugere delicadeza, Darwin — começo e
ele grita, trazendo-me divertimento.
Com a ponta da lâmina, abro espaço entre sua pele e o
músculo do seu pescoço, posicionando a lâmina em sua hipoderme,
separando os dois à medida que vou ganhando espaço, ajudando a
pele a se soltar ao ir puxando com o polegar e indicador com
delicadeza. Gotas de sangue vão minando e admiro o brilho e
textura dos seus músculos, são firmes. Darwin se debate, me
fazendo perder o corte em alguns momentos e o encaro, estreitando
os olhos para os seus pedidos de socorro, notando-o perder as
forças a cada segundo.
Volto a fazer um corte reto, seguindo a linha do seu maxilar,
tirando a pele aos poucos e deixando sua jugular exposta, pulsante,
quente e viçosa. Esse é um trabalho que custa tempo, mas que me
dá prazer sobre-humano.
Continuo a cantarolar enquanto trabalho, tão cego no prazer
que pouco me importo com a sujeira que deixo no lugar, o sangue
que cobre minhas luvas deixa tudo mais satisfatório. Absorto na
beleza que se abre à minha frente. Em dado momento, quando
rasgo a pele do seu abdômen, Darwin desmaia, mas volta a si
instantes depois, seus sentidos nublados pela dor. O corpo humano
é algo belo e perfeito, uma obra realmente divina e a cada vítima
que faço, constato isso. Vou deixando a pele ao lado, um
amontoado dela, vendo o sangue ir empoçando aos seus pés.
— Sabe, Darwin, cheguei a sonhar com isso certa vez,
fantasiar, mas a realidade é muito melhor — penso alto, gostando
de ver os músculos que cobrem seu peito subir e descer com
rapidez.
Tiro a pele de suas costas, deixando os músculos aparentes e,
assim, vou descendo a lâmina para suas extremidades. Pernas,
pés, dedinhos dos pés, braços e mãos.
Eu tive prazer ao matar seus irmãos, um prazer astronômico,
mas o que sinto agora vai muito além. É algo que não posso
mensurar, é o sabor de uma vingança pela qual esperei por longos
vinte e oito anos. Quero muito finalizar isso e voltar para Arabella,
minha menina, mas também quero ir devagar, apreciar cada corte,
guardar bem em minha mente cada grito, gemido de dor e o cheiro
de sua morte. Em dado momento, seu corpo tem espasmos e a
barra de ferro entalada em sua bunda cai, fazendo com que se
cague inteiro, espalhando fedor pelo local. Me afasto alguns
instantes, até que termine de fazer sua lambança. 
— Porra, Darwin, terei que me livrar dos meus sapatos após
essa sujeira — rosno, em meu ateliê eu conseguiria fazer um
trabalho mais limpo, mas aqui fica difícil ao improvisar. Darwin já
não consegue formular nada, apenas arqueja seu sofrimento. — E
depois disso, acho que preciso te ensinar a como se comportar,
concorda? Como você chama mesmo? — pergunto, batendo a
ponta do dedo em minha fronte. — Ah, gado. No fim das contas,
você é só gado, Darwin.  — Ela nega e gosto do fato de que ainda
lhe sobre consciência suficiente.
Termino de trabalhar em seu corpo, limpando seu polegar das
digitais e volto ao seu rosto, olhos semicerrados, absortos em
choque. Dou a volta em seu eixo e enfio a faca entre sua hipoderme
e o músculo em sua nuca, subindo em vertical até o alto de sua
cabeça, fazendo um corte reto, podendo ver seu crânio e desta vez,
deixo a faca de lado e seguro em ambos os lados do seu couro
cabeludo, puxando todo o seu rosto para frente, arrancando
centímetro por centímetro, devagar, experimentando como isso soa. 
— Ahhhhhhh — ele ainda consegue berrar e fecho os olhos,
puxando com mais força e é como libertar o menino que fui um dia.
É como colar seus pedaços ao abrir sua jaula, deixando-o correr
livre. Inspiro fundo, êxtase, euforia e prazer se espalhando por
minha pele.
Volto a abrir os olhos, quase terminando o que faço, vendo que
ele ainda tenta gritar, mas sua dor já não permite e dou o puxão
final, com brutalidade, ira e afago. Encaro sua face em minhas mãos
e confesso, essa é minha melhor e mais bela obra de arte…
— Irei chamá-la de o homem sem rosto, Darwin. Gosta? 
Olho-a bem uma última vez, inclinando minha cabeça vez ou
outra antes de deixá-la ao lado e me aproximar de sua figura em
carne viva, a centímetros de seu corpo, ao apreciar o trabalho que
fiz. Olhos esbugalhados, os orifícios do seu nariz quebrado, dentes
grandes e tortos — lhe falta alguns molares, inclusive — e maxilar
completamente à mostra, dá até para ver sua língua. É um trabalho
incrível e sorrio, sentindo uma quentura bem-vinda tomar meu
interior, algo que se compara a conforto.  Olho a pequena janela ao
lado, constatando que o sol ameaça a aparecer lá fora.
— É hora do fim, Darwin. Dê os meus mais sinceros
cumprimentos aos seus irmãos.
Cravo a faca no espaço intercostal, no tórax, entre a V1 e V2,
impondo força ao cabo ao descê-la na horizontal em direção ao seu
umbigo, abrindo seu peito, quebrando seus ossos. Ele abre a boca,
mas a voz não lhe sai e consigo uma bela toracotomia, ainda que
não tenha uma serra, e volto a colocar a faca entre os dentes,
amparando minhas mãos em ambos os lados do seu tórax, abrindo
suas costelas, ouvindo-as quebrar ao forçar minha entrada,
rasgando os músculos de seu abdômen, deixando seu intestino
grosso escapar para fora.
Fixo o olhar no seu, que ainda brilha, e seguro seu coração
com minha mão. O músculo ainda bate, fraco, mas insiste em
bombear sangue. Um sopro de vida, a vida de um homem que me
tirou tudo de mais sagrado e que, por pouco, não me tirava a única
pessoa capaz de alcançar minha alma, depois de anos perdido no
escuro. Seguro o músculo, apertando-o, assistindo com deleite seu
corpo ter espasmos quando puxo o amontoado de músculo com
força, o arrancando de seu peito.
Elevo o órgão rente aos seus olhos, que sangra, quente e
apetitoso e então trago-o aos lábios, mordendo um bom pedaço,
rasgando, sentindo o gosto metálico, agridoce tomando meu
paladar. E a carne de alguém nunca me pareceu tão apetitosa. O
gosto doce e afrodisíaco se espalhando por meu paladar, a carne
macia e saborosa, e engulo, voltando a morder mais um pedaço,
mastigando-o com calma desta vez, saboreando como merece e
descartando o restante, um pequeno pedaço, ao lado.
— Hum… — Suspiro, olhando ao redor, lambendo meus
lábios. — Darwin, Darwin, agora vamos limpar a bagunça, tirar tudo
o que puder permitir o reconhecimento do seu corpo e queimar este
lugar.
Esta será minha última exposição pública em meio a Mayfair,
mas não quer dizer que será minha última vítima. Ainda tenho
contas a acertar.
Respiro fundo e posso sentir o cheiro dela ainda aqui, em meio
ao ocre, ao medo e a morte e chego a fechar os olhos, gostando da
sensação. A noite de hoje poderia ter um final diferente e, agora,
tudo o que quero é voltar e poder tê-la em meus braços. Olho mais
uma vez para o corpo de Darwin e constato que matar, nunca foi tão
doce.
 

 
Aflita, apoio os cotovelos em meus joelhos e afundo o rosto em
minhas mãos, sentindo o desespero, cansaço e o medo caírem
como um baita balde de água fria sobre minha cabeça. Esfrego o
rosto, dolorido pelos machucados, afastando meus cabelos para
trás, prendendo-os no alto da minha cabeça e limpo os olhos,
cruzando as pernas em M sobre o sofá. Olho para o lado, Picasso
dorme tranquilo no assento, suas costas coladas à minha perna e
aliso seu pelo. Ele é um companheiro fiel.
Respiro fundo e meu coração fica pequeno a cada maldito
minuto e, por mais cuidados que eu tenha recebido da senhora
Aniston, de John ou de qualquer um aqui, até do médico que
trouxeram para me examinar, eu não consigo fazer o que pedem,
não consigo desacelerar.
Acho melhor a senhorita dormir.
A senhorita precisa comer algo.
Deve se acalmar, senhorita. 
É o que venho ouvindo desde que cheguei, mas eu não
consigo, não consigo porque Logan está lá fora, em algum lugar e
eu não sei se ele está bem. Eu vi um homem morrer ao meu lado,
eu fui atacada e quase estuprada, vi o homem que amo ser
esfaqueado, espancado e humilhado e eu não consigo fazer mais
nada que não seja pedir ao universo que me traga Logan de volta,
eu preciso olhar em seus olhos e saber que está tudo bem, que ele
está seguro e que vamos superar o que aconteceu.
Além de tudo, recebi uma chamada de Oli, que eu só atendi
porque precisei tranquilizá-la de que estou bem e que o fato de não
aparecer e não ir ao apartamento e nem ao jornal desde ontem, é
apenas porque peguei uma virose e que tanto eu, quanto Logan,
estamos de cama. E o que era para acalmá-la, acabou terminando
em um pedido para vir aqui, cuidar de mim, o que eu neguei com
veemência, alegando estar me preocupando com sua saúde, por
não querer que ela também fique doente. Eu gostaria de tê-la aqui,
muito, mas não é viável de nenhuma forma.
Mordo o canto da unha, arrancando desta vez um pedacinho
da cutícula, pois já não tenho unhas para roer e sinto meu corpo
reclamar de dor em alguns lugares. Relembro cada momento
aterrorizante ao qual passei e meus ouvidos zunem, meus olhos
ardem e meu coração volta a disparar. Ao deixá-lo naquele lugar,
enquanto era levada por John, passamos por um monte de corpos
espalhados pelo chão, dentro e fora do galpão, capangas daquele
desgraçado, todos à espera de um golpe perfeito. Eles voltariam a
quebrá-lo e desta vez, não sei se teria mais volta…
Homens da segurança de John também foram feridos, mas
segundo ele, ninguém além de Benjamin foi morto. Pobre
Benjamin… limpo uma lágrima e respiro fundo uma, duas, três
vezes, tentando acalmar o meu corpo ao me lembrar do motorista
que deu a vida por mim.
Volto a puxar o ar e é como se pudesse sentir seu cheiro,
cheiro de Logan… e pensar que ele estava ali por mim e que moveu
o mundo apenas para me ter em segurança, eleva o meu amor e
admiração a níveis que não posso medir.
— Senhorita, precisa…
— Descansar — completo e dou à senhora Aniston um sorriso
fraco. — Eu não consigo — nego, limpando uma lágrima que me
escapa.
Ouço o barulho do motor de um carro e minhas pernas se
movem em automático, me tirando do sofá da sala íntima. Corro
apressada, sentindo meu coração na garganta. Abro a porta de
entrada e estanco no lugar ao ver o SUV parado aos pés da escada.
John está saindo do carro e abre a porta do carona e, com os lábios
entreabertos e a respiração em suspenso, vejo-o sair, com cuidado,
apoiando-se na lateral do automóvel.
— Logan! — grito, capturando seu olhar. Um sorriso fraco, é
tudo o que recebo e corro para ele, pés descalços no piso frio da
escada.
Jogo-me em cima dele e, só então, sinto que posso respirar,
pois meu coração encontra um lar quando seus braços circulam
minha cintura, seu rosto vindo de encontro ao meu pescoço e se
afundando ali, respirando fundo. Segundos se passam em que eu
apenas o abraço e agradeço por ele estar de volta, por estar bem.
Me afasto, segurando seu rosto tão machucado, e meu coração fica
pequenininho outra vez.
— Estou bem, Sunshine. Estou bem — garante, mas vejo em
seus olhos que isso não é bem uma verdade, enquanto me olha
com minúcia, buscando algo, parecendo sentir dor ao ver
machucados em meu rosto.
— Seu ombro… — Ainda sangra. Na verdade, Logan está
coberto de sangue e só então passo meu olhar com atenção por sua
figura.  — Por Deus… venha, vamos para dentro.
Seguro sua mão, a colocando em meu ombro e abraço sua
cintura, e ele sorri quando percebe que tento o ajudar e, juntos,
subimos os degraus, com John ao lado, cuidadoso, pronto para
ampará-lo, caso precise. Levanto o olhar e foco na senhora Aniston
em frente à porta, limpando a bochecha.
— Graças a Deus, senhor. Estávamos todos preocupados e eu
orei a cada minuto enquanto esteve fora — diz, deixando sua
fachada de durona ir ao chão. 
— Eu estou bem e agradeço suas orações, senhora Aniston.
Agora eu só preciso de um banho.
— E comer alguma coisa — é ela quem completa, preocupada,
juntando as sobrancelhas e lhe dando espaço para passar pelo
batente.
— Sim, também — concorda ao adentrarmos o hall.
Vamos direto para a escada, deixando John e a senhora
Aniston parados aos pés dela. Minha atenção está nele e parece
bem, apesar do desalinho e de estar ferido, ou ao menos, tenta
parecer. Abro a porta do quarto para que entre e ele se desvencilha
de mim. O quarto continua arrumado como antes, sequer usei a
cama desde que cheguei e fico parada próximo à cama, vendo-o ir
em direção ao banheiro. 
— Precisa de um médico — falo ao segui-lo e adentro o
cômodo junto a ele. 
— Não, não preciso — afirma com ênfase e me olha por sobre
o ombro. — O corte em meu ombro foi limpo, Bella, entrou e saiu,
irei suturar eu mesmo. E quanto ao corte da fronte, é pequeno,
talvez sequer precise de pontos. Fique tranquila, não precisamos de
um médico.
— Logan — tento, mas ele nega.
— Não irei levantar suspeitas indo a um hospital, Bella — fala
e vem até mim, a mão tocando meu rosto quando percebe que
estou instável e preocupada. — Também não pedirei para o dr.
Stefans para vir à nossa casa. — E a forma como ele diz: nossa
casa, faz borboletas voarem em meu estômago, ainda que minha
preocupação não se dissipe por completo. — Seus machucados
podem ser confundidos com uma queda de escada, ainda que soe
estranho, os meus não. — Entendo o que diz e apoio minha mão em
sua cintura.
— Está mesmo tudo bem, jura?
— Está, Sunshine, não se preocupe, eu estou bem. — E enfim
meu coração se acalma em meu peito, seus olhos varrendo o meu
rosto em busca de algo errado. Tocando minha bochecha com
cuidado, onde ainda está vermelho e em seguida meu lábio que tem
um pequeno corte. — Como foi com o médico? — Eu sorrio,
tentando dizer a ele que estou bem, pois sei que John já contou a
ele como foi.
— Estou bem, foi só um machucado — falo, levando minhas
mãos aos botões de sua camisa. Logan respira profundamente,
fechando os olhos, relaxando aos poucos.
Arrasto o tecido por seus ombros, deixando a camisa
empapada de sangue ao lado e tenho vontade de chorar ao ver os
hematomas em suas costelas e abdômen, tomando uma coloração
roxa e de formato redondo. Seguro o bolo em minha garganta e toco
o corte em seu ombro, levemente. Há sangue seco ao redor, mas
também fresco, escorrendo aos pouquinhos do corte aberto e volto
a buscar seus olhos, ele tem uma pequena expressão de dor em
seu rosto. Deixo-o e desabotoo sua calça, me dando conta de que
ele está com os pés descalços, sem os sapatos ou meias.
— Seus sapatos…
— Os perdi, uma lástima, gostava daquele par — é tudo o que
diz e engulo em seco ao tentar imaginar o que aconteceu. Tiro suas
calças, deixando-o completamente nu agora. Sua respiração
acelera, seu olhar corre por meu rosto e nego.
— Nem pense, senhor Hopkins, me deixe cuidar de você.
— Eu estou bem, e deixar que eu me afunde em sua boceta se
caracteriza como cuidados, Bella. — Empurro-o para o boxe e
também tiro a calça moletom e camisa de cor verde-limão, a blusa já
suja de sangue por tê-lo abraçado, e me junto a ele.
Logan se mantém de costas, a cabeça embaixo do jato de
água, que leva uma corrente vermelha para o ralo, conforme limpa
seu corpo. Pego a esponja de banho ao lado, derramo nela o
sabonete e volto-me para ele, deslizando a esponja por sua pele.
Logan suspira e espalma as mãos na parede à sua frente, seus
músculos relaxando aos pouquinhos, a cada respiração. Suspiro e
circulo sua cicatriz com o dedo, deixando um rastro de espuma por
sua coluna e beijo a marca redonda em seu ombro, feliz que ele já
não se importa, que não a esconda mais de mim.
Passo por baixo do seu braço, ficando de frente para ele e
começo a lavar seu peito, olhos nos seus, e vejo tanta coisa passar
por esse mar atormentado, sentimentos que não consigo sequer
entender. Logan se move, segurando minha cintura com o braço
que não foi ferido e cola meu peito ao seu.
— Eu não sobreviveria se a tivesse perdido. — Engulo o bolo
em minha garganta ao ouvi-lo, meu coração falhando uma batida e
toco seu rosto com cuidado, notando o lábio cortado.
— Você não me perdeu, você me salvou e eu estou aqui
agora.
— Sim, você está. E não há nada neste mundo mais
importante que você.
Meus olhos marejam e eu beijo seus lábios, recebendo o seu
amor em forma de proteção, sentindo seu braço me apertar mais
contra si e sei o que eu disse há pouco, sei também que ele está
machucado, que eu estou machucada e que eu deveria descansar e
deixar que ele faça o mesmo, mas esqueço disso quando Logan
segura minha bunda, me impulsionando a montá-lo, sentindo seu
pau excitado cutucar minha bunda.
Enrolo as pernas ao redor de sua cintura, me agarrando ao
seu pescoço, aprofundando o beijo ao procurar sua língua,
enquanto me conduz de volta para o quarto. Passos pesados e
apressados deixam um rastro de água pelo chão, enquanto sua
boca está na minha, dando-me o seu sabor, sua entrega e amor.
Sou depositada sobre a cama, sem que nem por um segundo
seus lábios deixem os meus, seu corpo me afundando no colchão,
quente e poderoso, um convite ao pecado. Logan tem pressa,
sedento e, quando enfim se afasta, seus olhos gritam o seu amor
por mim.
— Preciso me afundar em sua boceta, Bella. Preciso de algo
que me traga para o agora, que acalme meu corpo, que me deixe
saber que está aqui e só você é capaz disso no momento —
sussurra e deslizo minha mão por sua barba, sentindo-o, gravando
cada pedacinho do seu rosto.
— Sou sua, sempre serei… — juro e um sorriso vai se
desenhando no rosto bonito, ainda que machucado, seu pau se
enfiando pouco a pouco em minha boceta.
Vejo uma gota de sangue deixar o corte em seu ombro,
pingando sobre o meu seio e ele também a vê, se curvando ao
sugar seu sangue, no momento em que me penetra por completo.
Gemo quando desliza a língua até o mamilo, circulando-o
devagarinho, para em seguida chupá-lo com força. Fecho os olhos,
me deliciando com a sensação, deixando que o prazer leve embora
o medo, as lembranças ruins, o choque e percebo que preciso disso
tanto quanto ele. Espalmo as mãos em seu peito, sentindo o relevo
da cicatriz ali e o empurro contra o colchão, montando seu pau,
descendo devagarinho em sua extensão.
— Mas desta vez, vamos fazer amor… — deixo escapar entre
um sorriso e movimento o meu quadril, segurando suas mãos que
estão em minha bunda, as trazendo para meus seios e espalmo as
mãos sobre as suas.
Entrego-me, jogo a cabeça para trás, apenas sentindo seu
corpo, seu toque, seu cheiro. Ele está aqui, comigo e está seguro. 
Sinto a sua entrega na mesma medida em que me doou para ele, a
cada vez que subo e desço por seu comprimento, sentindo-o gemer
alto, potente e perfeito.
Logan salvou-me como a Fera salvou sua Bella dos lobos e é
justo que eu também o salve.
Alcanço seus lábios, beijando-o de forma profunda e
apaixonada, sem reservas, sentindo seu pau latejar à medida que o
aperto com minha boceta. Temos pressa, na mesma medida que
reverenciamos um ao outro. Ele volta a me colocar sobre o colchão,
me arrancando um gritinho e me olha com intensidade, se
movimentando com calma, lento, me dando tanto prazer que fecho
os olhos, como se não fosse capaz de continuar. Arfo e ele me beija,
devagar, sua língua explorando cada pedacinho da minha boca,
sugando minha língua.
— Descobri que talvez eu goste de fazer amor, Bella — diz
assim que libera minha boca e mordo o lábio quando ele sorri,
bonito, leve e meu.
— Te amo para sempre, Logan.
Seus olhos se iluminam ao me ouvir e ele estoca mais forte,
mais apressado e circundo sua nuca com os braços, abraçando seu
quadril com minhas pernas, deixando que venere meu corpo, que
diga o quanto sente prazer a cada estocada, a cada gemido, a cada
vez que chama por mim. Tento segurar o prazer que quer tomar
conta de mim, querendo que ele perdure por mais tempo, mas já
não me aguento e então deixo que ele se espalhe por todo o meu
corpo, me tomando em espasmos potentes, levando dormência para
as minhas pernas, fazendo-as tremer.
— Senti sua falta, Bella… — Ouço-o rosnar, meu nome sendo
cantado como uma prece, no mesmo momento que sinto seu
esperma jorrar em meu interior, quente e potente. Percebo neste
momento de puro êxtase que tudo o que quero é passar o resto da
minha vida ao seu lado.
O felizes para sempre não existe e eu sei disso, mas não é o
que busco. O que quero é uma vida de verdades, intensa, cheia de
erros, mas também de acertos, onde há perdão, paixão e amor ao
lado do homem que escolhi para amar.
Logan é perfeito para mim, mesmo com todas as suas
imperfeições.

Permaneço encostada na parede e mordo meu lábio, que arde


em resposta, ainda sensível pelo golpe que levei. Solto um chiado
ao vê-lo perfurar sua pele, passando a agulha por ela, puxando a
linha ao fazer o primeiro ponto no corte em seu ombro e chamo sua
atenção com isso. 
— Não faça essa cara, não estou sentindo dor, Bella. — Eu
confirmo, mas ainda assim não consigo relaxar minha expressão.
— Eu sei, mas é que… ai — falo, quando ele volta a furar sua
pele novamente, abaixo do outro ponto.
O local ao redor do corte parece sensível, avermelhado, mas
bem limpo, enquanto ele faz a sutura. Ao seu lado, tem uma maleta
de primeiros-socorros, cheia de agulhas de sutura, tesouras, pinças
e tudo o que ele precisa. Há também algumas gazes sujas, pois ao
terminarmos nossa diversão, seu corte sangrou bastante, melando
também os lençóis.  Me aproximo e, confesso, ele fica sexy demais
costurando sua própria carne e é esse pensamento que me faz
perceber que fui mesmo corrompida.
— Olhe com atenção, terá que fazer o mesmo nas minhas
costas. — Ouço e nego, apertando minhas mãos, vendo-o começar
o próximo ponto.
— Eu posso te machucar. — Mordo o interior da minha
bochecha e ele me olha, com um pequeno sorriso em seus lábios.
— Estou anestesiado, Bella. Nem que você quisesse,
conseguiria me machucar — garante, finalizando o ponto. O corte
levou quatro pontos e ele me encara, me oferecendo uma agulha
nova, presa a uma pinça, uma a qual acaba de tirar da embalagem. 
Ele levanta as sobrancelhas e o gesto faz o corte na lateral de sua
testa enrugar um pouquinho. — Sua vez. — Seus olhos estão
divertidos e percebo um desafio neles ao duvidar se serei capaz de
tanto.
E, há alguns dias, eu diria que não era, mas agora… engulo
em seco. Subo na cama, com cuidado para não me lambuzar nos
lençóis sujos e me coloco de joelhos, encarando o corte que já foi
limpo com éter, onde o ferimento de saída é menor que o de
entrada. Olho para a agulha e depois para o corte, sentindo meus
dedos tremerem um pouquinho enquanto o observo pegar o curativo
ao lado, colocando no corte já suturado por ele e me olha sobre o
ombro.
— É só pele, Sunshine, e não vai me machucar — argumenta
e demoro um tempinho com os dedos aéreos sobre o corte,
tentando entender como começo. — Faça como me viu fazer, só
tome cuidado para não apertar em demasia o nó.
Confirmo, soltando o ar e, por fim, faço o que me pede, apoio
meu dedo em um lado do corte e atravesso sua pele com a agulha
curvada, puxando a linha e repetindo o gesto na outra. Tenho
certeza de que isso não está certo, mas esse cabeça-dura não quer
ir ao hospital.
— Ai — sussurro, juntando as duas partes do corte ao tentar
dar um nó, tentando fazer igualzinho ao que o vi fazer, mas acho
que não saiu muito bom. — Parece meio torno — informo, virando a
cabeça meio de lado para olhá-lo, vendo se assim ele parece
melhor. Não que adiantaria de alguma coisa.
— Não tem problema, está indo bem — incentiva e volto a
furá-lo, um pouco mais confiante agora.
— O que… — tento, levando algum tempo para reformular a
pergunta. — O que você fez com aquele homem? — pergunto e
vejo-o empertigar a coluna para responder-me sem pestanejar:
— O matei, mas antes fiz questão de mostrar o inferno a ele.
— Sua voz sai sem emoção alguma e engulo o bolo em minha
garganta, a bile, e não sei se quero saber exatamente o que fez. Na
verdade, não quero. Saber apenas que ele está morto já é o
suficiente. — E amanhã seu corpo será exposto em mais um ponto
turístico em Mayfair. — E isso sim faz meu coração bater apressado
em meu peito. — Mas não se preocupe, Bella. Não haverá câmeras,
nada — promete e ainda que eu saiba disso, me sinto aflita.
— E os outros que estavam lá e foram mortos, o que fez com
os corpos? — Ele suspira e seus ombros voltam a relaxar.
— Carbonizados e enterrados bem longe daqui. Não se
preocupe, cuidei de tudo.
— O seu tio? — tento, sentindo por aquele homem um ódio
que nunca senti por ninguém. — O que fez com ele? — Termino o
último ponto, deste lado foram apenas três e pego o curativo.
— Ainda nada, mas cuidarei disso.
— Quando se vingar de todos, v-você vai parar? Digo, de
matar pessoas? — faço a pergunta que vem martelando minha
cabeça desde que cheguei mais cedo. E me dou por satisfeita ao
cortar o último ponto e então ele me olha, se colocando de frente
para mim.
— Tem medo?
— Não pelo que faz, eu o entendi, apesar de saber que nunca
irei compreender toda a magnitude que o cerca. Mas tenho medo de
que algo aconteça a você, medo de te perder.
— E o meu único medo é de não conseguir protegê-la em meio
a isso, Bella. Mas não se preocupe, por ora, irei matar todos que as
fizeram sofrer, que tentaram algo contra você e então, depois, verei
como continuar a partir dali. Por ora, apenas você me basta.  —
Meu coração perde uma batida e toco seu rosto, sentindo sua barba
pinicar minha palma. — Você está mesmo bem, Bella?  — pergunta,
parecendo preocupado.
— Agora sim, estou bem — garanto, deixando um beijo cálido
em seus lábios. — E quanto… ao corpo de Benjamin? Ele tem
família, alguém? — pergunto, e o rosto do segurança invade meus
pensamentos.
— Encontramos o corpo enterrado ao fundo da primeira
propriedade em que os levaram. Mas não, ele não tem família —
explica, puxando o ar com força. — John me disse que enquanto ele
estava fora, servindo, sua mãe faleceu. Câncer. Ela era sua única
família. Por isso, cuidarei de tudo e garantirei que tenha um funeral
digno.
— Ele foi valente e gentil, Logan. — E eu sinto muito por sua
perda, ainda podendo ouvi-lo ao tentar me acalmar, garantido que
Logan e John dariam um jeito de nos encontrar e eles deram, mas
Benjamin não estava lá para ver e eu sinto muito por isso.
Respiro fundo quando ele toca meu rosto, encostando sua
testa na minha.
— É, eu sei, eu sei. Venha cá. — Me enrolo em seus braços,
respirando fundo. — Nunca mais deixarei que algo assim aconteça,
Bella, eu prometo.
E por mais que eu saiba que não podemos controlar o futuro,
eu acredito nele.
 

 
 
Alguns dias depois…
 
De frente para nossa árvore de Natal, ao segurar uma taça de
champanhe em minhas mãos, penso em tudo o que nos trouxe até
aqui. Como tem sido os últimos dias, como temos nos reinventado,
nos moldando um ao outro e sorrio, a trajetória não foi fácil, mas é
perfeita a forma a qual nos encaixamos e, no fim das contas, é isso
o que realmente importa. Chego a suspirar e acabo sorrindo ao ver
o quadro, o mesmo que um dia me presenteou, na parede ao lado.
Ele irá para o meu escritório assim que a reforma na sala íntima
acabar.
Tomo um gole do líquido em minha taça, sentindo as bolhinhas
explodirem em minha boca e respiro fundo, em uma mistura de
êxtase e paz. Também fizemos um bom trabalho com a nossa
árvore, ficou perfeita. Depois daquele dia, quando enfim os
machucados em meu rosto já não eram visíveis, Logan fez questão
de me acompanhar na escolha da nossa árvore de Natal, ainda que
estivéssemos muito atrasados para isso e quando voltamos para
casa com uma das maiores árvores que encontramos, eu fiz
questão de que me ajudasse a enfeitá-la.
E ficou linda, com direito a embrulhos de presentes embaixo
da árvore. Sinto seus braços circularem a minha cintura e inclino um
pouquinho meu pescoço para o lado, sabendo que é aqui o seu
lugar favorito. Seu nariz toca a pele atrás da minha orelha,
respirando fundo e isso traz borboletas ao meu estômago, me faz
suspirar. Encosto-me em seu peito, estando um pouco mais alta que
de costume por conta do salto verde ao qual escolhi para o Natal.
— Este suéter pinica um pouco — reclama e viro-me entre
seus braços, admirando o presente que lhe dei essa manhã,
antecipado, ao qual veste com uma calça jeans preta. Fiquei um
tempo em dúvida sobre o que lhe daria, afinal, o que dar para um
homem que tem tudo?
Então lhe presenteei com um suéter verde, com renas
vermelhas desenhadas, com direito a chifres dourados e, claro, ele
não gostou. Sei que odiou, mas ainda assim, o colocou esta noite,
depois de se afundar em mim. Segundo ele, era o preço que eu teria
que pagar por sua humilhação pública e eu não posso reclamar.
Pelo contrário…
— Pare de ser chato. Você está lindo e fique tranquilo, as
renas não te deixam menos sombrio. Sua fama de mau continua
intacta, senhor Hopkins.
— Sinto-me como esta árvore de Natal enfeitada por você —
fala sério, tocando meu nariz com o seu, o arrastando por minha
pele e me sinto amolecida por seu toque. — Saiba que essa será a
única data a qual permitirei que escolha um suéter para mim, Bella.
— Eu sorrio, adoro esse seu humor ranzinza.
— Perfeito, no próximo irei brincar com mais cores. — Logan
aperta os olhos em minha direção, de um jeito que eu amo e eu
beijo seu queixo, limpando a marca de batom que fica em sua pele,
em seguida. — Será nossa tradição, uma que apresentaremos para
os nossos filhos. — As palavras mal deixam meus lábios e já fazem
efeito em seu corpo. Observo sua expressão se fechar um pouco,
os olhos ofuscados por uma sombra que atravessa seu semblante,
com uma emoção a qual não reconheço.
— Você quer filhos? — pergunta com seriedade, ombros agora
eretos e engulo em seco.
— Dois, de preferência, ou apenas um. Veremos. Não agora,
claro, mas um dia sim. Você não? — sou sincera, é um assunto
necessário, já que nunca falamos disso, de filhos.
Já falamos de planos para cinco anos, mas nunca o assunto
surgiu, a não ser agora, e meu coração se aperta com a ideia do
que ele possa dizer. O silêncio toma a sala, seus olhos me encaram
sérios e engulo o bolo em minha garganta. 
— Não sei se posso ter filhos, Sunshine. E falo com relação a
sentimentos, não fisicamente. — Eu volto a respirar e toco seu
rosto, em um carinho simples e significativo.
— Você será um pai maravilhoso, Logan, se assim quiser.
Basta amá-los, protegê-los, serão uma extensão do nosso amor —
tento, meus dedos dedilhando seu rosto, passando por sua fronte
onde, alguns dias atrás, tinha um corte e que agora já está
cicatrizado. Logan parece pensar sobre o assunto, novamente em
segundos que nos cercam de silêncio, mas por fim, ele me dá um
ensaio de sorriso. — Mas podemos falar mais sobre isso depois,
abertamente, decidirmos juntos e também entender nossos limites.
— Mal completo a frase e ele beija meus lábios com carinho, seu
polegar acariciando meu rosto e quando se afasta, seus olhos
voltam à calmaria de minutos atrás.
— Com você, a ideia passa a ser viável, Bella. Filhos… — ele
testa a palavra em seus lábios e, por fim, respira fundo. — Já não
me parece tão distante.
Volto a beijá-lo e sinto seu corpo relaxar aos pouquinhos. Sei
que a ideia de filhos o assusta, assim como a ideia de ter alguém ao
seu lado também o assustava. No fim das contas, Logan sempre
terá a sombra do seu passado pairando sobre a sua cabeça. Ele
sempre terá medo de perder quem ama e isso não irá mudar, só
precisamos aprender a lidar com isso, juntos.
— Creio que logo nossos convidados chegam — volta a falar
ao se afastar, arrumando os fios do meu cabelo que caem sobre o
meu olho.
— Sim, acho que sim.
Como eu tinha planejado, hoje teremos convidados para a
ceia. Olivia, que não foi para a casa dos seus pais este ano por
conta do trabalho, e o dr. Marshall. Também quero que John jante
conosco esta noite, mesmo que tenha negado o meu convite
quando o fiz mais cedo. Jamais terei como lhe agradecer por toda a
sua dedicação e cuidado.
— Tenho um presente para você, senhor Hopkins, porém lhe
darei mais tarde — provoco, usando a joia anal a qual me deu,
meses atrás, já que uso também o colar, brincos e bracelete, este
último, com a primeira letra do seu nome.
— Sinto que irei gostar disso.
— Sim, irá. Já estou, inclusive, usando-o. — Toco o pingente
do colar e ele aperta os olhos quando a compreensão lhe acerta e
sorrio. — Nem pense nisso, nossos convidados já estão chegando.
— Quer mesmo que passe todo o jantar de pau duro ao
imaginar aquela joia em sua bunda? — Ele parece indignado.
— Controle, senhor Hopkins, é tudo sobre controle.
— Filha da mãe — rosna, segurando minha nuca e beijando-
me, desta vez invadindo minha boca ao buscar minha língua, sem
se importar em ficar sujo de batom. Seus dentes apertam meu lábio
inferior e me arranca um gemido. Ao soltar-me, ainda tenho os olhos
fechados quando sinto seu polegar passear por minha bochecha. O
encontro ao abrir minhas pálpebras e sorrio ao notar seus lábios
vermelhos.
— Também tenho um presente para você, mas não vou
esperar até amanhã para dar. — Meu sorriso se alarga, ansiosa,
pois sei que tem um presente com meu nome debaixo da árvore, um
que ele colocou, e espero que ele o pegue, mas não é o que faz. —
Naquele dia, eu iria levá-la para jantar, pois eu tinha planos para
nós. Planos que foram interrompidos, mas que agora, nada mais os
impede de acontecer. — Eu abro a boca, mas seu dedo me cala e
meu coração dispara. — Porém o que eu tinha preparado já não
fazia sentido, já não parecia se encaixar, a peça parecia manchada
de sangue aos meus olhos — explica e sinto um bolo subir para a
minha garganta. — Pensei em encomendar outra, mas parecia
errado e fora do lugar, então percebi que, o tempo todo, tive
embaixo dos meus olhos o anel perfeito para você.  — Logan se
afasta minimamente, pegando uma caixinha preta em seu bolso e a
abre sob o meu olhar. — E novamente, vejo-me fadado a refazer o
meu pedido de dias atrás, mas agora, com um anel para oficializar o
enlace. — Ele pega a joia entre seus dedos e volta a guardar a
caixinha em seu bolso, estendendo sua mão para mim. — Aceita-
me como seu marido, Bella?
— Logan… — sussurro ao tocar sua mão e observá-lo deslizar
o delicado anel de noivado em meu dedo. Em ouro branco, com um
pequeno diamante amarelo na ponta, tendo pequenas pedrinhas
transparentes ao redor.
— Este anel tem um significado especial para mim. Era de
minha mãe e ela me entregou quando fiz dez anos. Segundo ela,
essa era uma idade especial e que desde muito cedo eu deveria
aprender a como tratar uma mulher com sublime gentileza. — Meu
coração fica pequenininho ao notar emoção em sua voz. — Em
especial, aquela com quem um dia me casaria. Nesse dia, ela tirou
esse anel do seu dedo e disse que eu deveria dar a essa mulher.
Mas, por algum motivo, dias atrás, ainda não parecia certo lhe
presentear com a joia. Por tudo que aconteceu com minha mãe.
Mas agora… eu não poderia encontrar nada mais significativo para
dá-lo a você.
— Eu o aceito como meu, meu homem, meu marido. O anel é
perfeito, Logan — falo, voltando a olhar a peça em meu dedo.
— Ela iria amar você — fala por fim e isso faz meus olhos
arderem. Seguro seus ombros, grudando meus lábios nos seus. —
Bom, feliz Natal, Sunshine. — E quando ele me chama assim, me
sinto mesmo um raio de sol.
 

 
Esta é uma noite atípica. Sentei-me à mesa com mais pessoas
que de costume e, ao contrário do que eu esperava, foi mesmo uma
noite agradável, como ela disse que seria. Jantamos em uma
atmosfera agradável, ao qual ouvi histórias de vida, vi Arabella sorrir
e compartilhar um pouco de si, coisas de sua infância que me fez
imaginar a menina brilhante e colorida que foi e que me fez imaginar
também como seria ter uma extensão dela ao correr pela casa, uma
filha.
Peguei-me engolindo a saliva com dificuldade naquele
momento, me perguntando se realmente posso ter isso, uma família,
filhos. Sorrio, olhando o fogo na lareira crepitar, com uma taça de
vinho em minhas mãos a qual não bebi, mas que seguro para
parecer mais sociável aos demais. Talvez eu possa e essa
possibilidade me assusta na mesma medida que me conforta.
E ainda que estar às voltas de uma conversa em pleno Natal
tenha sido confortável, me mantive calado na maior parte do tempo,
observando, vez ou outra respondendo a algumas perguntas ou
rindo de alguma piada de Marshall. O velho tem piadas inteligentes
e me permiti esta noite. Ele foi embora logo após a ceia, pois já
estava bem tarde, segundo ele, pois costuma dormir cedo. Olivia
ainda está aqui, confabulando com Arabella sobre o nosso
casamento e isso muito me agrada.
Em breve, ela será minha de forma oficial, terá meu
sobrenome. E pensar que se recusou a assinar um contrato lá
atrás… acredito que foi ali, sem que eu nem mesmo me desse
conta, ela me agarrou pelas bolas e desencadeou minha obsessão
mais sublime. 
Arabella se levanta para servir mais vinho para a amiga e se
aproxima de onde estou, pegando a garrafa sobre o aparador, tendo
Picasso aos seus pés, deitado em sua cama com estampa de arco-
íris, ao lado da lareira. Obviamente, a cama foi escolha dela, pois
segundo a própria, o cachorro também merecia um presente de
Natal. Bella está linda esta noite, embalada por um vestido que vai
até os seus joelhos, bem justo ao marcar o corpo curvilíneo e de cor
verde. Um decote quadrado ressalta os seios bonitos e como se
tivesse sido atraída, ela me olha e então sorri, bonita, e acredito que
um pouco bêbada também, seu sorriso fica mais lento quando o
álcool já faz efeito sobre os seus sentidos.
— Se importa se eu me ausentar por poucos minutos? — Toco
sua cintura ao chamar sua atenção, e suas sobrancelhas se juntam
para, em seguida, sua expressão voltar a relaxar.
— Não, claro que não, amor.
— Eu volto logo. — Beijo seus lábios de forma breve e deixo a
taça intocada sobre a lareira, ao lado de meio charuto já apagado no
cinzeiro, e me distancio, acenando para Olivia que sorri em
resposta.
Enfio as mãos em meus bolsos ao descer os degraus que me
dão acesso à piscina, sem querer chamar atenção ao passar pela
copa, e sigo pela lateral indo para o deck externo, ganhando o
gramado. Toco as chaves em meu bolso, tomando o caminho para o
ateliê. Há alguns dias, naquela mesma tarde a qual voltei para casa
após queimar o corpo de Darwin, recebi uma visita inesperada, uma
que me poupou bastante trabalho.
Desde que saí daquele frigorífico abandonado, eu vinha
pensando em formas inteligentes de sumir com Paul sem levantar
tantas suspeitas e também com relação a Frederic. Esse segundo,
em especial, merecia ainda mais atenção, por se tratar do alto
escalão policial. Pois talvez ninguém, além de sua esposa, sentiria
tanta falta de Paul, mas sentiriam de Frederic, isso é fato.
Não precisei pensar por muito tempo em como trazer Paul
para o meu ateliê, pois ele veio até mim de bom grado e eu nem
posso dizer o quanto gostei de descer às escadas naquela tarde e
vê-lo ali no batente, com o olhar assustado ao me ver, pois, claro,
ele não esperava que eu estivesse aqui e vivo. Seu plano era
simples, acabar com minha vida, mas antes conseguir tudo o que
tenho. Ele poderia me matar sem precisar de todo aquele circo
montado, sem precisar de Arabella, é óbvio, mas caso isso
acontecesse, tudo o que tenho iria para caridade, para crianças
carentes em todo o mundo e ele não ficaria com nada, a menos, que
eu lhe desse o que tenho ainda em vida. Era esse o seu plano.
Naturalmente, o convidei para o ateliê, com uma desculpa
qualquer e por mais que ele tenha negado, bom… ele não teve
escolha e acabou em uma das minhas jaulas. Ah… e como nos
divertimos e, por dias, na verdade, ainda estamos nos divertindo.
Abro a porta do ateliê, a trancando ao entrar no cômodo e sequer
acendo as luzes.
Toco o relógio em meu pulso ao acionar a passagem para a
sala de jogos e desço as escadas. Fiz minha última exposição em
Mayfair no dia seguinte ao voltarmos para casa. Expus o corpo de
Darwin, queimado, em meio a uma fonte e, com isso, desviei a
atenção sobre mim com relação aos últimos crimes. Afinal, quem
em sã consciência plantaria algo do tipo após ser levado ao distrito
para averiguação? Além do mais, dois crimes parecidos foram
evidenciados há mais vinte anos, na Irlanda, e a força policial vem
tentando ligar esses crimes a um só assassino.
Devo confessar que não tenho nada a ver com esses outros
crimes, um tanto grotescos demais para minha finesse. Aquilo não é
arte, nem poesia, é apenas uma lambança malfeita, mas serviu bem
para dissipar de vez os olhos da justiça sobre mim, o que me
permitiu dar sequência na minha sede por Frederic, que é novo aqui
em meu ateliê. Paul já está familiarizado com o lugar há bastante
tempo, mas Frederic teve sua iniciação ainda ontem. Destravo a
porta do cofre do depósito de artes e adentro a sala de jogos, indo
para o corredor e acendendo a luz.
Paro em frente à segunda jaula à esquerda e recosto nas
grades às minhas costas. Cruzo os braços, coloco um pé sobre o
outro e encaro uma das minhas mais belas obras de arte, vivas, já
feita.  A imagem faz o meu peito inflar de orgulho e satisfação por
saber que fui até o fim, que me vinguei de todos que as tocaram, de
todos que contribuíram para aquele martírio. Achei que tinha
alcançado a perfeição com Darwin, mas estava errado. Subestimei
minha criatividade e meu humor gótico, como Arabella chama.
E por isso, quando abordei Frederic, que pontualmente saiu
para fazer sua caminhada matinal, eu não imaginava o destino que
daria a ele, ou melhor, a eles, e isso me tira um sorriso sádico. Eu
poderia já tê-los matado, é verdade, porém tudo o que eu tinha
imaginado para ambos não me deixava satisfeito, não até essa
manhã. Por mais que já os tivesse torturado, o que eu fiz, não achei
que tinham pagado por seus crimes, suas mentiras ainda, e então
uma ideia um tanto fora da curva e exótica se desenhou em minha
mente e para fazer isso acontecer, eu precisava de ambos vivos,
pois desta vez minha obra de arte estaria com vida em minha mais
bela exposição, ainda que só eu a veja.
Bato na grade, fazendo bastante barulho, já é hora de
acordarem, mas parece que só o barulho não será o suficiente.
Seguro a barra de ferro ao meu alcance e puxo-a, voltando a socá-
la com certa força no ânus de Paul, que apesar de já estar
acostumado a sempre ter algo atolado em sua bunda, se remexe
incomodado, mesmo que a cada dia eu venha aumentando a
circunferência da barra que já está se tornando uma extensão do
seu corpo.
Enquanto Paul desperta de forma lenta por conta da anestesia,
seguro a corrente no outro extremo da jaula, que está ligada à
coleira de cobre no pescoço de Frederic. O solavanco em seu
pescoço lhe arranca um gemido torpe, mas a consciência ainda não
lhe banha.  A coleira a qual usa tem dois pequenos braços que a
ligam mordaça sobre sua boca. O utensílio de tortura tem uma bola,
do mesmo metal, pontiaguda, que se encaixa perfeitamente na
cavidade bucal. E o intuito é que a ponta perfure sua garganta a
cada movimento brusco que fizer, como esse agora.
Ele tem sangue saindo pelas laterais de sua boca ao despertar
e agacho-me em frente à jaula para admirar o espetáculo. Paul tenta
se mexer, ainda lento, esforçando-se para acordar, estranhando sua
pouca mobilidade e não nego que tenho um sorriso em meu rosto
ao vê-los voltando à consciência. Frederic também não demora a
abrir os olhos, este, estando mais desperto que Paul, ciente da dor
que rasga sua garganta. Seus olhos se ampliam e lacrimejam, se
dando conta de onde está. O homem olha para si, deitado de lado,
como uma concha, mas é ao ver Paul bem atrás dele, ainda deitado
e sujo, é que o desespero o toma. Frederic se move com brusquidão
e isso faz ambos berrarem de dor e agonia, pois não conseguem se
distanciar um do outro, mesmo que tentem.
O comissário então me encara ao ouvir minha risada,
aterrorizado, fora de si, talvez implorando intimamente para que isso
seja um pesadelo. Ah, e como eu adoro o fato de não ser. Respiro
fundo, o cheiro de medo e horror preenchendo meus pulmões e
chego a fechar os olhos ao ouvi-lo tentar gritar. Seu esforço lhe
causa mais e mais dor. Abro os olhos e quando a adrenalina dissipa
de vez a anestesia de seus corpos, é que me delicio com a surpresa
e a compreensão magnífica que toma seus rostos.
— Olá de novo, Frederic, Paul… — saúdo e ouço-os
grasnando.
Criei uma centopeia humana, algo tão incrivelmente
satisfatório quanto imaginei que seria. Frederic parece em choque,
tentando se levantar e sorrio, gargalho, na verdade, ao assistir a
cena em que ele não consegue se mover sem que Paul faça o
mesmo às suas costas. Mas fica difícil manter uma sincronia quando
meu tio tem os lábios, ou o que sobrou deles, costurado no ânus de
Frederic, e é por onde ele vai se alimentar a partir de agora, ainda
que não queira. Ao mesmo tempo, me certifiquei de que sua
mobilidade seria mínima, para evitar que pudessem se mover e
arruinar minha obra de arte e, para isso, o empalei em uma barra de
ferro que o mantém bem preso ao lugar, deixando sua bunda
ocupada e o obrigando a ficar imóvel. O máximo que consegue é se
colocar de quatro.
Ambos se desesperam ao tentar entender e berram com a dor
que sentem e levam alguns momentos, enquanto me divirto, para
que consigam se mover em uma certa sincronia ao se colocarem de
quatro. Este foi um trabalho que teve de ser feito com mais atenção
do que qualquer outro e também anestesia geral, e eu não sabia se
daria certo realmente e talvez não dê por muito tempo, afinal, não
sou médico e não fiz questão de algo tão perfeito.
— Espero que estejam confortáveis. — Ambos me encaram,
ou tentam, em choque, seus rostos banhados do mais puro pavor.
— E acho melhor não fazerem movimentos bruscos, Frederic, ou vai
acabar… bom, se machucando, mas acho que isso você já
entendeu. — Inclino a cabeça para o lado, para apreciar todo e
qualquer movimento, qualquer detalhe. — Mais uma vez, vocês
tentaram mexer com o que é meu, Frederic, tentaram machucá-la
para me atingir e isso, não posso perdoar. Acho que você me
entende, não é? — falo e ver o meu tio com a boca atolada no ânus
de Frederic, não tem preço. Sei que isso não durará tanto tempo
quanto eu gostaria, afinal, fezes contêm bactérias que vão levar
Paul à morte cedo demais. Porém, apenas a visão que tenho agora
já seria suficiente para mim. — Deveria ter planejado melhor, titio —
chamo-o, como ele tanto queria. — E você, Frederic, deveria ter
controlado melhor seu irmão. — Noto o reconhecimento em sua
face ao saber a que me refiro. Paro de falar quando os berros de
Paul ficam mais altos e volto a segurar a barra de ferro,
empurrando-a mais fundo, para que se controle. — Para o azar de
vocês, eu não sou mais uma criança e agora posso proteger os
meus. E você, titio… com relação à sua esposa, não me contou que
ela o tinha deixado e que tudo o que disse, dias atrás, foi tudo parte
do seu plano, para sondar-me. — Lágrimas rolam do seu rosto e
isso afaga minha alma. — Ao menos, não sentirá falta do verme
com quem se casou. E sobre o que fez com minha mãe… — Puxo a
barra de ferro, voltando a enfiar em sua bunda, vendo-o berrar mais
e mais alto, vomitando, sem poder realmente se livrar dos dejetos
ao ter que voltar a engolir, deixando pequenas gotas caírem no
chão, pelos poucos vazamentos que deixei.
Frederic também se debate e é uma pena se continuarem
assim, irão morrer antes do que planejo. 
— Ah, e, Frederic, quando acordou a primeira vez aqui, antes
da sua cirurgia, você me disse algo. Disse que, por favor, o soltasse,
pois tinha uma esposa e filhos. E, bom, eu tinha uma mãe, uma irmã
e um pai… — cantarolo, me levantando. — Feliz Natal aos dois. É
um prazer inestimável passar essa data junto a vocês — falo,
vendo-os se mover, tentar se separar, o que me deixa muito
satisfeito com a dor que isso lhes causa. — Ah, volto depois para
lhes alimentar, afinal, Frederic, você precisa comer para alimentar
meu tio… — digo, me distanciando.
Em breve, em alguns dias ou horas, Paul irá morrer e Frederic
irá definhar enquanto os restos de Paul ainda estão grudados a ele,
morrendo lentamente, como foi com minha mãe. E quando, por fim,
eu terminar, quando todos de Londres e arredores estiverem à sua
procura, irei levá-lo para Harven, um atravessador americano que
envia crianças para a Itália, para o tráfico humano. E ele levará a
culpa por matar o comissário e isso, porque o comissário andava
metendo a mão onde não deveria.
Volto para o cômodo onde guardo minhas obras e cantarolo
Comptine d'un autre été e os gritos de desespero que ouço, antes
de colocar o quadro da besta sobre a passagem, alimentam minha
alma.
A Besta é quem sou, é o que busquei e agora, minha vingança
está completa.
 
 

 
Respiro fundo ao encarar a cena à minha frente, ao sentir o
prazer se alastrar por minha pele, arrepiando minha nuca, levando
mais sangue para a minha cabeça. Algemada à mesa de necropsia,
ela me observa, mordendo o lábio, ansiosa ao ter uma mão presa a
cada lado do seu corpo, cativa, entregue ao meu bel prazer. Me
aproximo e noto os olhos verdes brilhantes e excitados em
antecipação. Toco sua panturrilha e subo os dedos com delicadeza
por sua perna, sentindo o tecido macio da camisola branca tocar
minha mão ao ser arrastado para cima. Expondo mais do corpo
delicioso
— Confortável, senhora Hopkins? — pergunto, apenas para
vê-la ofegar em resposta.
— S-sim. — Sorrio, notando que ela vira o pulso ao segurar a
corrente que une as duas argolas, uma delas em seu pulso e a outra
a prendendo no apoio na lateral da mesa, talvez sentindo-se
abandonada por não ter nada em que se apoiar, talvez insegura por
estar completamente a meu dispor.
— Tem muito apreço por essa camisola? — pergunto e ela
olha para a peça um tanto transparente, com uma renda vagabunda
que me deixa ver todo o seu seio. Ela parece em dúvida, talvez por
ter passado tempo demais escolhendo a camisola das núpcias. —
Vou entender isso como um não. — Seguro nas laterais da peça,
sentindo a renda delicada, e puxo-a, ouvindo o tecido rasgar-se,
ouvindo também ela soltar o ar com força.
Deixo seu corpo à mostra, perfeito, os seios com os bicos
intumescidos, excitados, seu peito subindo e descendo com pressa,
ansiosa em antecipação.
— Penso que não conseguiríamos um lugar melhor que este
para a nossa lua de mel, senhora Hopkins — sugiro e ela sorri,
bonita, apertando as pernas uma na outra.
— Eu concordo…
Seguro seu queixo com certa força, deixando seus lábios
proeminentes e então a beijo, profundamente, sentindo um instinto
animal e possessivo arrebentar o meu peito, reivindicando-a. Mordo
seus lábios, arrancando uma gota de sangue e sugo-o, lambendo
cada resquício do líquido, o mais doce que já provei. Arabella é meu
vício, minha nova chance para ter alguém a quem amar e agora,
minha mulher.
Desço os lábios por seu maxilar, pescoço e alcanço seu seio,
mordendo, marcando sua pele. A encaro enquanto provo cada
pedacinho, sua mão a segurar a algema, querendo controlar a si
mesma, o prazer que começa a se formar. Doce. E curvado sobre
ela, deixo um rastro de fogo sobre sua pele ao descer meus lábios e
língua por sua barriga, parando em seu umbigo e beijando ali,
lambendo e a fazendo apertar mais as pernas, balançando a mesa,
arrastando as algemas pela base e criando eco na sala.
Sorrio, adoro esse som, e alcanço a boceta lisinha, sem pelos,
que baba excitada. Meu pau reage, minhas bolas doem, porém, no
momento, quero apreciar o seu corpo antes de me enterrar em seu
interior. Reverenciar a mulher que disse sim para mim em um altar,
ainda hoje, a mesma que me abraçou como sou e que decidiu me
amar, mesmo vendo cada um dos meus demônios.
Afundo meu nariz em sua carne mais íntima, respirando seu
cheiro, o cheiro que se tornou o meu favorito em meio a qualquer
fragrância.
— Logan… — sussurra, movendo as pernas, excitada demais
para continuar presa, uma delícia.
— Shiu… Bella — peço, colocando um dedo, o mesmo que
abria a sua boceta, em sua boca, calando-a.
Ela arfa e toco o alto de suas pernas, as abrindo, podendo
admirar a boceta melada e suculenta. Levo um dedo até ela,
expondo cada dobra, massageando, ouvindo o barulho das algemas
ficarem mais altas e apressadas. Introduzo meu dedo em sua
entrada e levo sua excitação para o seu clitóris, e ela geme, pedindo
por mais quando massageio seu nervo. Circulo-o, durinho e
sensível, e minha boca saliva por chupá-la. Passeio o meu dedo por
toda a extensão, espalhando sua lubrificação e alcanço o
buraquinho enrugado, que se contrai com meu toque.
— Às vezes, acho que vai me enlouquecer, Bella — ao dizer
isso, levo os dedos aos seus lábios para que os chupe e sinta o seu
sabor e ela arfa, suas costas arqueadas sobre a mesa.
Gosto disso, da forma que seu corpo reage a cada mínimo
toque, amo sua entrega, não importa o momento, não importa o
lugar, ela sempre está pronta. Volto a afundar meu nariz na pele de
sua coxa, subindo aos poucos, vendo-a esperar por meu toque,
ansiosa.
Abocanho sua boceta, sem aviso ou delicadeza, apenas para
ver Arabella arrastar os calcanhares na mesa, buscando atrito,
tornando o ambiente barulhento. Arreganho suas pernas o máximo
que ela consegue suportar e sugo seu clitóris, descendo com a
língua ao seu cuzinho, beijando ali, a deixando ensandecida.
— Ah, céus… — ofega e volto a sugar sua boceta, mamando,
notando que por mais que tente segurar o próprio prazer, ela não
consegue.
Contorno seu clitóris com a ponta da língua, permitindo que ela
respire e volto a mamá-lo e, desta vez, não paro até que vejo-a se
contorcer, se esfregar em minha cara, lambuzando-me ao gozar.
A menina parece ensandecida em busca de mais, liberando
seu gozo em minha língua. Sugo cada gota do seu prazer,
lambendo-a ainda que tenha acabado de gozar, mamando,
querendo tomar mais do que possa me dar. Arabella se contorce e
novamente uma onda de prazer a toma, que a faz virar o rosto para
o lado e morder o próprio braço, em busca de segurar-se em algo.
Lambo, sugo, mamo e só paro quando seu corpo e sua boceta
estão sensíveis demais para outro orgasmo. Sustento seu olhar, a
ponta da língua a passar na lateral da sua coxa, vendo-a com os
olhos semicerrados, a boca entreaberta, o rosto afogueado. Prefeita
demais. Um sorriso rouco deixa meus lábios quando me levanto e a
encaro, a menina é a imagem do proibido.
Ah, e como o proibido é doce…
— Eu não… eu não sinto minhas pernas — lamenta e levo
meus dedos para os botões da minha camisa preta e a desabotoo
sob o seu olhar.
Seus lábios estão entreabertos, em busca de ar, o peito sobe e
desce depressa, tendo agora dois chupões sobre eles. Bella morde
o lábio e isso responde em meu pau, que baba por entrar em sua
boceta. Tiro minha calça e boxer e as coloco ao lado, levando a mão
ao meu pau, o acariciando.
— Logan… — lamenta ao passar a língua em seus lábios, o
que deixa meu sorriso mais largo.
— Você quer, Bella? — pergunto, espalhando a gota
translúcida na ponta e ela lambe os lábios. — Porra, Arabella.
Vou até ela, apressado, e abaixo a mesa, para uma altura
confortável a qual possa me engolir. 
— Abra a boca — ordeno e ela o faz, obediente, tomando meu
pau, e fecho os olhos ao sentir a quentura de sua boca, a aspereza
de sua língua, a maciez do palato e fodo-a.
A menina parece faminta, soltando meu pau e indo para as
minhas bolas, as chupando, colocando uma de cada vez em sua
boca. E, porra, ela não tem noção do que isso me causa. Masturbo
meu pau, a visão nublada pelo prazer e volto a tomar sua boca, indo
fundo em sua garganta. Seus olhos brilham e vou cada vez mais
fundo, enrolando seu cabelo em meu punho, apoiando sua cabeça
para que me engula. Ela o faz, lágrimas se acumulando no canto
dos seus olhos, faminta, e dou o que quer a ponto de quase me
derramar em sua boca. Mas hoje quero gozar em sua boceta.
Afasto-me e ela busca por ar, faminta ao lamber os lábios.
Nego o efeito que ela tem sobre mim, algo surreal e alcanço sua
boceta, deixando um tapa estalado sobre ela. Pego a chave que
deixei ao lado e libero suas mãos. Quando o faço, sento-a sobre a
mesa, notando a satisfação em seu rosto, o sorriso filho da puta ao
saber exatamente o efeito que tem sobre mim e rosno quando tomo
seu lábio inferior, apertando a pontinha para que volte a sangrar,
apenas para sentir o seu sabor mais íntimo.
— O que vai fazer? — pergunta ao me ver descartar apenas
uma algema.
— Mãos atrás das costas — ordeno, ignorando sua pergunta e
ela me encara, engolindo em seco, mas obedece.
Algemo suas mãos para trás e seguro seus joelhos, trazendo
sua bunda para a beirada da mesa ao me colocar entre suas
pernas, me introduzindo sem nenhuma delicadeza em sua boceta.
Arabella está sem apoio, por estar com as mãos presas e seguro
sua cintura, beijando seus lábios ao fodê-la com força, como gosto.
Seus lábios ainda sangram um pouquinho e isso me excita ainda
mais, para um caralho, pois me remete ao sangue doce de sua
virgindade. Minhas bolas doem, a mesa treme a cada vez que
estoco e vou mais fundo em seu interior, reverberando o barulho
pelas paredes.
Puxo-a para mim e a coloco em pé, sentindo suas pernas
tremerem e a viro de costas, deixando a bunda bem empinada, ao
empurrar seu tronco sobre a mesa de alumínio. Arabella tem os
lábios abertos, rosto de lado, bochechas vermelhas: um retrato do
pecado. Volto a penetrá-la e a visão que tenho dela, sob o meu
poder, cativa, me leva à insanidade. Puxo os cabelos em sua nuca,
trazendo sua cabeça para trás, chupando seu ombro, mordendo,
deixando minha marca.
— Minha — rosno ao seu ouvido, ensandecido pelo prazer que
me dá.
— Sim, sua. Mais forte…
Sorrio e dou o que quer, levantando um pouco seu tronco ao
segurar seus cabelos, batendo em sua bunda e sentindo sua boceta
se contrair ao meu redor, moer o meu pau.
— Logan… — A essa altura já não tenho controle do meu
prazer e ao ouvi-la gritar, entregue ao orgasmo sublime que a toma,
deixo-me levar e me jogo junto a ela em um abismo em que apenas
nós dois podemos ir. Minha porra jorra em sua boceta e chamo seu
nome, ouvindo seus gemidos em resposta. Meu pau pulsando
quando sua boceta se contrai e, por fim, deixo-me ceder sobre suas
costas.
Nada mais é ouvido na sala a não ser nossas respirações
alteradas. Cheiro de sexo e Arabella preenchendo toda a sala. Beijo
sua nuca, aos poucos controlando meu corpo, saciado, me fartando
do odor de fêmea que deixa seus poros. Levanto-me, passeando
meu olhar por seu corpo, apreciando as mãos presas, a bunda
vermelha marcada com meus dedos e minha porra escorrendo de
sua boceta. Volto a pegar as chaves das algemas ao lado e a libero.
Aperto-a entre meus braços ao trazê-la para mim e olho cada
um de seus pulsos, avermelhados. Acaricio o local com o polegar e
beijo um após o outro e depois seus lábios, emoldurando seu rosto
com minhas mãos.
— Foi… foi a melhor lua de mel que poderia me dar. —
Suspira e deixa um sorriso desenhar seus lábios.
— Acho que, no fim das contas, senhora Hopkins, fomos feitos
no mesmo molde, para nos encaixar. — E o sorriso não deixa seus
lábios quando me beija, calma, saciada e deliciosa.
Hoje nos casamos, em uma cerimônia elegante, mas com
poucas pessoas. Apenas aqueles a quem temos o mínimo respeito.
Arabella entrou na igreja com um vestido branco, porém, com
pequenos bordados em amarelo, como vários raios sol, e eu estava
no altar a esperando, com um orgulho filha da puta rasgando meu
peito. Ela me parecia radiante e perfeita para mim, pois de alguma
forma maluca, uma brincadeira do universo, nos encaixamos como
um maldito quebra-cabeça.
Respiro fundo e afasto os cabelos de sua testa suada quando
deixo seus lábios, ouvindo-a suspirar em resposta. Deveríamos
estar agora a caminho da Grécia, mas o tempo ruim nos impediu de
voar e iremos só amanhã. Decidimos então que explorar a sala de
jogos seria uma boa ideia. Estranha, mas deliciosa.
Já faz algum tempo que não uso este lugar. Já faz algum
tempo que optei por protegê-la, por medo de que um dia possam
descobrir o que sou e que ela pague por meus erros. Por isso, ao
menos por ora, mantenho-me às sombras. Tendo minha fome sob
controle. Desde que tirei o corpo de Frederic desta sala e o deixei
no sótão de Harvey, não tenho a necessidade de sair para caçar.
Como se após matar os últimos dos desgraçados que me
arrancaram tudo, tivesse domado minha natureza bestial.
— Eu a amo. — Sua pele se arrepia ao me ouvir e Bella
levanta os olhos, cravando-os nos meus.
— E se isso não bastar? — pergunta, encostando o rosto em
meu peito.
— Então iremos nos reinventar — garanto, arrancando dela
um sorriso. E se, ainda assim, tudo o que tenho hoje não bastar,
voltarei a abrir a jaula e libertarei a Besta. Pois no fim, ela sempre
urrará por liberdade e justiça!
— Eu também te amo, Logan.
E, por ora, apenas isso me basta!
 
 E como eu sempre digo, caro leitor, ah o amor…
 
Fim?
 
Não, não é o fim, pois esses personagens sempre estarão
vivos em nossos corações e a Besta, sempre pode retornar…
 
Eu tenho muito a agradecer, pois os caminhos nem sempre
são fáceis, mas são abençoados e sempre tenho quem segure
minha mão. Quero agradecer a Deus por cada bênção alcançada e
por nunca me deixar sucumbir em dias de desespero. Passei por
momentos difíceis e, talvez, teria desistido se não fosse todo o amor
recebido. À minha família; mãe, saiba que a senhora foi fundamental
para a realização deste projeto. Você clareia noites escuras e eu te
amo. Milane, meu bombom de coco e às vezes de alho, eu te amo
imensamente e obrigada por fazer parte disso.
Neste livro, eu contei com amizades lindas e perfeitas. Contei
com novas companhias, companhias essas que me surpreenderam
em vários sentidos. Ao amor da minha vida, Lucy Foster ou apenas
Malévola, o meu muito obrigada. Meu coração é seu e apesar de ele
ser grande, você ocupa bastante espaço. Obrigada por tanto, por
me amar, por segurar a minha mão e dizer que vai ficar tudo bem.
Esse ano que se passou foi mais feliz por ter te abraçado e jamais
me esquecerei desse momento. Sou feliz em ter você, por ser essa
luz brilhante capaz de iluminar o mundo. Você brilha, Lucy Foster,
esse é o seu diferencial, você tem luz própria e ela nunca se apaga
e eu te amo por isso. E obrigada por me acompanhar em mais uma
história, por abraçar o meu menino quebrado.
Barbara Caroline e Gabriela Hali, vocês dividem espaço em
meu coração com dona Lucyla. Bahzita, que já me acompanha há
um tempo, mas que só em 2022 estreitamos os laços, saiba que te
amo imensamente e já me tens e agora, bom, não tem mais volta,
terás que me aturar. Gabiiiiii, eu tinha medo de te conhecer, não
nego, mas você foi um dos presentes gigantes que 2022 me trouxe.
Amo vocês, são expansivas, é verdade, pois só em 2022 pude
conhecê-las pessoalmente e vocês raptaram boa parte do meu
coração. Não quero deixá-las jamais, é para vida toda e vocês que
lutem. Obrigada pelo apoio, momentos felizes, compartilhamento de
ranços e amizades, obrigada por existirem. Amo vocês!
Às minhas betas maravilhosas, o meu muito obrigada: Lays
Cristina e Anabella. Gratidão por surtarem comigo, por chorar, brigar
por Logan e Arabella, por amá-los e entender tudo o que os
cercavam. Vocês os abraçaram, me abraçaram e eu só tenho a
agradecer. Vocês são maravilhosas.
À Rosinha Perfeita... é como te guardei no coração, obrigada
por ser tão sensível às palavras e por captar a essência desse
personagem, por colocar em imagens sua beleza, suas imperfeições
e seu amor. Gratidão por sua obra de arte a esse casal, espero ter
você como parceira para todos os enredos que virão.
Neste lançamento tiveram contratempos de última hora e
surtos homéricos, foi aí que a dona Jack AF me salvou e trouxe
calma outra vez. Jack, obrigada, meu amor.
Ao meu time... o que seria de mim sem vocês?
Jaque, minha social mídia, obrigada por não soltar minha mão,
você fez a diferença com o seu: eu estou aqui, não surta. Saiba
disso. Você ganhou um lugar especial em meu coração e fincou
raízes e foi mais um presente de 2022. Nanay, meu amor, obrigada
por tudo, por estar presente, você é maravilhosa.
Vanessa Pavan, minha assessora, eu não tenho palavras.
Você estava lá quando mais precisei e eu agradeço demais por isso,
por ser tão especial e única e por todo o apoio.
Às minhas parceiras incríveis que me ajudaram a espalhar a
palavra do malvadão pelo mundo, muito, muito obrigada. Vocês
foram e são imprescindíveis.
Germano Abreu, pintor talentoso, que me ajudou com pontos
práticos e sensíveis do mundo da arte para compor o hobby de
Logan, o meu muito obrigada por sua gentileza e carinho.
Aos meus leitores... toda a minha gratidão. Vocês são quem
me impulsionam a ir além, indo a mundos distantes e abraçar
personagens únicos. Por vezes, me vi cair e levantar por ter vocês,
por entender que se tem algo ao qual fui destinada a fazer neste
mundo, este algo é espalhar histórias, causar emoções, das mais
sublimes e felizes até as mais tristes e miseráveis. Pois não importa
o que irão sentir, desde que sintam. Que as palavras lhes causem
emoções, pois se você sentiu o mínimo durante a leitura, eu sei que
fiz um bom trabalho.
E como sempre digo, a caminhada até aqui é árdua, porém,
me sinto blindada com vocês ao meu lado. Obrigada a todos
novamente, também a você, que chegou aqui agora e está lendo a
Gisa pela primeira vez, tenha o meu muito obrigada.
Esta sou eu, uma apaixonada muito louca pela escrita, pela
vida e encantada com novos mundos. Obrigada por sua leitura e
espero muito que tenham gostado desta história.
Acho que é isso. Serei eternamente grata e até a próxima!
Gisele Sousa Rocha, paraense, nascida na cidade de Rondon-
PA em 30.07.1993. solteira, sem filhos. Com um grande amor por
sua família, acredita que esse é o seu principal alicerce.
Seu pseudônimo nasceu do apelido pelo qual o avô a chama,
sempre com muito carinho, e por quem tem imensa admiração e
amor. Ele é o responsável por forjar parte do seu caráter e tem esse
homem íntegro como seu maior exemplo.
Costuma dizer que a escrita a completa, a faz viajar por
lugares inimagináveis e, com ela, pretende espalhar amor, paixão, fé
e emoções a quem puder alcançar…
 
 
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[1]
Estripador.
[2]
Id designa na teoria psicanalítica uma das três estruturas do aparelho psíquico. O id
seria a fonte da energia psíquica. É formado pelas pulsões - instintos, impulsos orgânicos e
desejos inconscientes. Funciona segundo o princípio do prazer, ou seja, busca o que
produz prazer e evita o que é aversivo.
[3]
Fantasias ou comportamentos frequentes, intensos e sexualmente estimulantes que
envolvem objetos inanimados, crianças ou adultos sem consentimento, ou o sofrimento ou
humilhação de si próprio ou do parceiro.

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