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REVISTA DA

ISSN 0103-8559
SOCIEDADE SOCESP

DE CARDIOLOGIA
DO ESTADO DE SÃO PAULO
Volume 17 — No 2 — Abr/Mai/Jun de 2007

DIABETES E CORAÇÃO
EDITOR CONVIDADO: SERGIO FERREIRA DE OLIVEIRA

ATUALIZAÇÃO EM
CARDIOPATIAS CONGÊNITAS
EDITORA CONVIDADA: IEDA BISCEGLI JATENE

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REVISTA DA
SOCIEDADE DE CARDIOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
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Benedito Carlos Maciel, Henry Abensur, Tomografia Computadorizada:
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RSCESP
ABR/M AI/J UN 2007
Órgão Oficial da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo
Publicação Trimestral / Published Quarterly
Dados de Catalogação na Publicação Internacional (CIP)

Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo


São Paulo - SP, Brasil. v. 1 - 1991 -
Inclui suplementos e números especiais.
Substitui Atualização Cardiológica, 1981 - 91.

1991, 1: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A)


1992, 2: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
1993, 3: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
1994, 4: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
1995, 5: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
1996, 6: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
1997, 7: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
1998, 8: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 4 (supl A), 4 (supl B),
5 (supl A), 6 (supl A)
1999, 9: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
2000, 10: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
2001, 11: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
2002, 12: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
2003, 13: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
2004, 14: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
2005, 15: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A),
5 (supl B), 6 (supl A)
2006, 16: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A)
2007, 17: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B)

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Normas para catalogação de publicações nas bibliotecas especializadas.
São Paulo, Ed. Polígono, 1972.

Indexada no INDEX MEDICUS Latino Americano


Impressa no Brasil
ii Tiragem: 6.900 exemplares
RSCESP
A BR/MAI/JUN 2007
SUMÁRIO

DIABETES E ATUALIZAÇÃO EM
CORAÇÃO CARDIOPATIAS CONGÊNITAS
EDITOR CONVIDADO: EDITORA CONVIDADA:
SERGIO FERREIRA DE OLIVEIRA IEDA BISCEGLI JATENE

81 Carta do Editor Convidado: 139 Carta da Editora Convidada:


Sergio Ferreira de Oliveira Ieda Biscegli Jatene

82 Diagnóstico de isquemia miocárdica 140 Gravidez e anticoncepção


silenciosa no diabético Pregnancy and anticonception
Diagnosis of silent myocardial ischemia MARIA APARECIDA DE PAULA SILVA
in diabetic patients
EDSON STEFANINI
EMÍLIO MONTUORI NETO 150 Atividade esportiva nas cardiopatias
SERGIO FERREIRA DE OLIVEIRA congênitas
Sport activity in congenital heart disease
CARLOS ALBERTO C. HOSSRI
89 Postprandial glycemia and cardiovascular
disease in diabetes mellitus
Glicemia pós-prandial e doença 167 Cirurgia no primeiro ano de vida
cardiovascular no diabetes melito Surgery in the first year of life
BERNARDO LÉO WAJCHENBERG MARCELO BISCEGLI JATENE
PATRÍCIA MARQUES OLIVEIRA
RAFAEL AON MOYSÉS
102 Papel da hiperglicemia no infarto agudo
do miocárdio
Role of hyperglycemia in acute 177 Arritmias na infância
myocardial infarction Arrhythmias in childhood
SERGIO FERREIRA DE OLIVEIRA JOSÉ CARLOS PACHÓN MATEOS
ENRIQUE I. PACHÓN MATEOS
JUÁN CARLOS PACHÓN MATEOS
106 Revascularização miocárdica no TASSO J. LOBO
paciente diabético: intervenção REMY NELSON A. VARGAS
coronariana percutânea
Myocardial revascularization in diabetic
patients: percutaneous coronary intervention
ÁUREA J. CHAVES
AMANDA G. M. R. SOUSA
ALEXANDRE ABIZAID
iii
LUIZ ALBERTO MATTOS RSCESP
ABR/M AI/J UN 2007
SUMÁRIO

FAUSTO FERES 187 Forâmen oval patente: embolia paradoxal


RODOLFO STAICO e enxaqueca
JOSÉ RIBAMAR COSTA Patent foramen ovale: paradoxical
RICARDO COSTA embolism and migraine
GALO MALDONADO CÉLIA MARIA C. SILVA
LUIZ FERNANDO TANAJURA MÁRCIA F. MAIUMI
MARINELLA CENTEMERO VICTOR MANOEL OPORTO
ANDRÉA ABIZAID CARLOS EDUARDO B. KARPINS
ANA SEIXAS ANTÔNIO CARLOS C. DE CARVALHO
IBRAIM PINTO
J. EDUARDO SOUSA

115 Revascularização cirúrgica do miocárdio


no paciente diabético
Coronary artery bypass grafting in diabetic
patients
LUÍS ALBERTO O. DALLAN
FERNANDO PLATANIA
LUCIANO J. CARNEIRO
NOEDIR G. STOLF

131 Insulinoterapia em pacientes com doença


arterial coronariana e diabetes do tipo 2
Insulin therapy in patients with coronary
artery disease and type 2 diabetes mellitus
ANTONIO CARLOS LERARIO
ROBERTO TADEU BARCELLOS BETTI

Edição Anterior: Desafios na Prática Cardiológica


Editor Convidado: Michel Batlouni

Cardiopatia no Nefropata Crônico


Editor Convidado: Valter Correia Lima

Próxima Edição: Fisiopatologia das Doenças Cardiovasculares:


Novos Conhecimentos
Editor Convidado: Paulo Tucci
Síndrome Coronariana Aguda: Atualização
na Terapêutica Farmacológica
Editor Convidado: Otávio Rizzi Coelho
iv
RSCESP
A BR/MAI/JUN 2007
Solicitamos aos Editores Convidados e aos Autores que estejam atentos à necessidade de
NORMAS
nos mantermos rigorosamente dentro desses novos parâmetros, e que observem as disposições
dos itens I a V, apresentados a seguir. Os artigos que estiverem fora desses padrões podem não
PARA A
ser aceitos. PUBLICAÇÃO
I — Os autores não poderão enviar arquivos de texto em “software” cuja finalidade não seja DE ARTIGOS
a de edição de textos.

II — A Revista passa a ter periodicidade trimestral e no máximo 120 páginas. Cada edição
da Revista poderá ter um ou dois temas, a critério do Diretor de Publicações. No caso de apenas
um tema, o número máximo de artigos será de 10; para dois temas, o número máximo será de
5 artigos por tema. O Suplemento dos Departamentos passa a ter no máximo 24 páginas.

III — Dados gerais para preparo dos artigos


1. Extensão
a) Revista: cada artigo da Revista deverá ter no máximo 11 páginas (após a paginação,
computando-se frente e verso), o que corresponde a cerca de 15 páginas no processador
Word. As ilustrações deverão ser no máximo 8, incluindo-se nesse total figuras, fotografias,
gráficos (montados como imagens, que deverão ser enviadas em arquivos .jpg ou .tif) e
tabelas. Cada artigo deverá ter no máximo 40 referências (exceções serão analisadas pelos
editores).
b) Suplemento: cada artigo do Suplemento deverá ter no máximo 6 páginas (após a
paginação, computando-se frente e verso), o que corresponde a cerca de 8 páginas no
processador Word. As ilustrações deverão ser no máximo 4, incluindo-se nesse total
figuras, fotografias, gráficos (montados como imagens, que deverão ser enviadas em
arquivos .jpg ou .tif) e tabelas. Cada artigo deverá ter no máximo 20 referências (exceções
serão analisadas pelos editores).
2. Os originais no Word deverão ser digitados em espaço duplo.
3. Evitar ao máximo o uso de abreviaturas, mesmo as “consagradas”.
4. Os nomes dos autores (no texto ou nas referências) não deverão ser escritos em letras
maiúsculas.
5. Digitar o texto corrido, sem necessidade de formatação especial (paginação, recuos etc.).
6. As tabelas deverão ser digitadas de forma simples, com os dados de cada coluna separados
apenas pela tecla “TAB”, e no mesmo processador/editor de texto que estiver sendo
utilizado para o restante do texto.

IV — Seqüência da disposição do texto


Os artigos deverão obedecer à disposição apresentada a seguir, e somente serão considerados
completos se contiverem todos os itens:
1. Título em português.
2. Autores.
3. Instituição.
4. Endereço completo para correspondência, incluindo CEP (telefone, fax, e-mail ou outros
meios de contato deverão ser incluídos, mas não serão publicados).
5. Resumo de cerca de 250 palavras.
6. Palavras-chave: até 5, obtidas no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde).
7. Texto organizado em intertítulo, subtítulo, etc.
8. Título em inglês.
v
9. Autores. RSCESP
ABR/M AI/J UN 2007
NORMAS 10. “Abstract” de cerca de 250 palavras.
11. “Key words”: até 5, obtidas no “Cumulated Index Medicus, Medical Subject Headings”.
PARA A 12. Referências numeradas de acordo com a ordem de entrada no texto (nunca em ordem
PUBLICAÇÃO alfabética). Seguir as Normas de Vancouver, consultando o “website”:
www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html
DE ARTIGOS
V — Envio do material
Todo o material editorial, incluindo textos, figuras, fotografias, gráficos (montados como
imagens e enviados em arquivos .jpg ou .tif) e tabelas, deverá ser enviado, única e exclu-
sivamente, pela Internet, para o seguinte e-mail:

cev@servicoseditoriais.com

vi
RSCESP
A BR/MAI/JUN 2007
DIABETES E CORAÇÃO CARTA DO
A escolha do primeiro tema sobre diabetes melito teve como objetivo chamar a atenção de
cardiologistas, clínicos e endocrinologistas para aspectos relativos ao diagnóstico precoce da
EDITOR
aterosclerose e da isquemia silenciosa, com o objetivo de evitar complicações cardiovascula-
res. É de fundamental importância agir o mais cedo possível, pois estamos chegando tarde e
CONVIDADO
encontrando o paciente em estado de aterosclerose avançada, cujo resultado do tratamento é
muitas vezes decepcionante.
O segundo tema salienta a importância da hiperglicemia pós-prandial em pacientes com
síndrome metabólica e o aumento de risco de evoluírem para diabetes e apresentarem doença
arterial coronariana. Na prática clínica, poucos médicos pedem medida de glicemia duas horas
após a refeição em pacientes com glicemia de jejum entre 100 mg/dl e 126 mg/dl. Perde-se a
oportunidade, durante anos, de se fazer tratamento preventivo agressivo contra a aterosclerose.
O terceiro tema, já analisando as complicações cardiovasculares, salienta a importância da
hiperglicemia aguda no infarto agudo do miocárdio como preditor forte independente de mor-
talidade hospitalar em pacientes com e sem diabetes e a necessidade do controle glicêmico
intensivo com insulina nas primeiras 24 horas para reduzir o risco. Chama a atenção sobre a
influência da hiperglicemia na mortalidade hospitalar em não-diabéticos ultrapassando a dos
diabéticos.
O quarto tema analisa a revascularização miocárdica no diabetes e foi dividido em duas
partes: a modalidade por cateter com balão e colocação de stent e a modalidade cirúrgica.
Analisou-se a angioplastia por balão, passando pelo stent convencional e finalmente pelos
stents farmacológicos, os desafios em reduzir a reestenose e, mais recentemente, de evitar a
trombose tardia intra-stent. Resultados comparativos com a cirurgia são citados, assim como
novos estudos que estão sendo feitos para se esclarecer qual é a melhor forma de tratamento
para o diabético com doença arterial coronariana. A segunda parte desse tema aborda a evolu-
ção tanto da cirurgia de revascularização miocárdica como de aspectos técnicos relativos a
pacientes diabéticos, apresentando resultados imediatos e tardios de diferentes séries de paci-
entes operados.
O quinto tema abrange o aspecto evolutivo importante do paciente diabético decorrente da
exaustão das células beta do pâncreas, que reduzem a produção de insulina endógena. Os
hipoglicemiantes orais perdem sua eficácia, a glicemia se eleva e o médico deve começar a
insulinoterapia para evitar complicações cardiovasculares. Aspectos clínicos, farmacológicos
e de estratégia de tratamento são apresentados de forma didática para que possamos aprender
a manusear a insulina. Nós, cardiologistas, não temos formação suficiente para dominar a
técnica da insulinoterapia. Os ambulatórios de diabetes estão superlotados. Mas o paciente
precisa ser tratado corretamente. Não podemos ficar contemplando o paciente sob uso de hipo-
glicemiantes orais sucumbir gradativamente sob níveis de glicemia elevados.
Espero que a leitura dos cinco temas escolhidos seja profícua e esclareça alguns aspectos
de diagnóstico e tratamento do diabetes melito.

Sergio Ferreira de Oliveira


Editor Convidado

81
RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
STEFANINI E e cols.
Diagnóstico de
isquemia miocárdica
DIAGNÓSTICO DE ISQUEMIA MIOCÁRDICA
silenciosa no diabético SILENCIOSA NO DIABÉTICO

EDSON STEFANINI
EMÍLIO MONTUORI NETO
SERGIO FERREIRA DE OLIVEIRA

Disciplina de Cardiologia — Departamento de Medicina — EPM-UNIFESP

Endereço para correspondência:


Rua Pintassilgo, 155 — ap. 61 — CEP 04514-030 — São Paulo — SP

A identificação de aterosclerose subclínica no paciente diabético assintomático é


fundamental e contribui para a estratificação de risco de desenvolver doença arterial
coronariana. As medidas da espessura médio-intimal da carótida, do índice tornozelo-
braquial e do escore de cálcio por meio da tomografia de artérias coronárias têm sido pouco
empregadas na prática clínica e poderiam dar importantes informações, ajudando a
selecionar os pacientes diabéticos de maior risco candidatos à investigação de isquemia
miocárdica. A eletrocardiografia de esforço, a estresse-ecocardiografia com fármacos e a
cintilografia miocárdica com MIBI têm sido utilizadas para o diagnóstico de isquemia
miocárdica. Sintoma de dispnéia, idade superior a 65 anos, insuficiência vascular periférica
e presença de onda Q à eletrocardiografia estão mais freqüentemente relacionados à
presença de doença arterial coronariana.

Palavras-chave: doença arterial coronariana, diabetes melito, isquemia silenciosa.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:82-8)


RSCESP (72594)-1645

DIABETES E DOENÇA chamada síndrome metabólica, que, além de re-


CARDIOVASCULAR sistência à insulina com hiperglicemia, inclui obe-
sidade centrípeta, hipertensão arterial, dislipide-
Está bem estabelecida a forte associação entre mia, hiperuricemia, estado de hipercoagulabilida-
diabetes e doença cardiovascular. A doença arte- de, hiper-homocisteinemia e outros distúrbios me-
rial coronariana, particularmente, tem sido consi- tabólicos, que levam à disfunção endotelial e à pro-
derada a principal causa de morte entre adultos gressão da aterosclerose. Alguns fatores prognós-
diabéticos (65% a 80%).1, 2 ticos no diabético têm sido apontados como pre-
O diabetes é considerado importante fator de ditores de coronariopatia, como a microalbumi-
risco para o desenvolvimento de doença ateros- núria e a disautonomia.5
clerótica vascular, incluindo coronariopatia, do- A doença aterosclerótica no diabético apresen-
ença cerebrovascular e doença vascular periféri- ta-se de forma mais difusa e mais agressiva, agra-
ca.3 O paciente diabético tem risco duas a quatro vando o prognóstico dos eventos isquêmicos nes-
82 vezes maior de desenvolver eventos cardiovascu-
lares que os não-diabéticos.4
ses pacientes. O infarto agudo do miocárdio no
diabético freqüentemente é mais extenso, ocasio-
RSCESP O diabetes melito do tipo II está associado à nando taxas de sobrevida em médio prazo mais
ABR/MAI/JUN 2007
STEFANINI E e cols.
baixas que em não-diabéticos.6, 7 tectar a presença de aterosclerose subclínica por meio Diagnóstico de
de métodos não-invasivos e estabelecer o prognósti- isquemia miocárdica
ISQUEMIA SILENCIOSA co a longo prazo; e 2. detectar a presença de isque-
mia miocárdica silenciosa relacionada ao prognósti-
silenciosa no diabético
A dor torácica é o sintoma mais importante para co a curto prazo, ou seja, risco de ter infarto agudo
o diagnóstico de isquemia miocárdica; no entan- do miocárdio em dois anos.
to, vários estudos têm demonstrado que indivídu-
os portadores de doença aterosclerótica coronari- AVALIAÇÃO DE ATEROSCLEROSE
ana extensa podem não apresentar angina8. A im- SUBCLÍNICA
portância prognóstica e a necessidade de tratamen-
to da isquemia assintomática têm sido objeto de Ultra-sonografia de carótidas: medida do
muito debate na literatura há muitos anos.9, 10 espessamento médio-intimal (IMT)
Os achados clínicos em pacientes com doença O estudo “Atherosclerosis Risk in Communi-
arterial coronariana e diabetes são controversos em ties” (ARIC)17 verificou para espessamento mé-
relação à presença de isquemia silenciosa. Ques- dio-intimal > 1 HR 1,85 (ajustado 1,2) em homens
tiona-se se sua ocorrência resulta da idade e não e 5,07 (ajustado 2,62) em mulheres. O risco foi
do diabetes. O estudo de Framingham11 observou considerado moderado para acidente vascular ce-
a presença de infarto agudo do miocárdio sem dor rebral e doença arterial coronariana.
em 25% dos casos pela presença de onda Q no O “Cardiovascular Health Study”18 encontrou
eletrocardiograma. Esses infartos foram mais fre- risco relativo de 3,87 quando comparou o quintil
qüentes em hipertensos e diabéticos, tendo 39% superior com o inferior de medidas do espessa-
ocorrido em homens e 17% em mulheres. mento médio-intimal.
Estudos clínicos utilizando eletrocardiografia O “Insulin Resistance and Atherosclerosis Stu-
de esforço, eletrocardiografia de 24 horas Holter12 dy” (IRAS)19 observou maiores índices de espes-
e cintilografia miocárdica com Tl-20113 demons- samento médio-intimal em diabéticos com doen-
traram maior presença de isquemia silenciosa no ça arterial coronariana e menores índices em não-
grupo de diabéticos. Nesse grupo, a concomitân- diabéticos sem doença arterial coronariana.
cia de neuropatia periférica e doença autonômica É um método simples, de baixo custo e de boa
cardíaca foi de 34,2%. O infarto silencioso ocor- reprodutibilidade.
reu em 20% e 4% dos pacientes com e sem com-
prometimento autonômico, respectivamente. O in- Índice tornozelo-braquial (ITB)
fradesnivelamento do segmento ST na eletrocar- O índice tornozelo-braquial < 0,90 sugere pre-
diografia ocorreu mais cedo nos diabéticos, po- sença de doença arterial periférica e indica este-
rém o limiar de percepção dolorosa atrasou 86 se- nose > 50%. É muito útil na prevenção de doen-
gundos14. ças cardiovasculares, principalmente de amputa-
Foi estudada a variabilidade da freqüência car- ção de membro inferior. É limitado na presença
díaca por meio do Holter em pacientes que apre- de esclerose de Mönckeberg.
sentaram isquemia miocárdica durante a eletro- No estudo “Rancho Bernardo”20, realizado em
cardiografia de esforço15: 42% eram diabéticos e homens com 66 anos de idade em seguimento de
somente estes apresentaram disfunção autonômi- 10 anos, a mortalidade na presença de doença ar-
ca e menor variabilidade da freqüência cardíaca. terial periférica subclínica em diabéticos e não-
Outro estudo16 verificou a presença de isquemia diabéticos foi de 33,8% e 15,4%, respectivamen-
silenciosa na eletrocardiografia de esforço em 50% te, ou seja, seis vezes maior. Na ausência de doen-
dos pacientes diabéticos sem disfunção autonô- ça arterial periférica, a mortalidade foi menor:
mica e em 10% dos não-diabéticos, sugerindo que 5,6% em diabéticos e 2,9% em não-diabéticos.
a isquemia silenciosa é mais freqüente em diabé-
ticos e não depende da disfunção autonômica. Tomografia das artérias coronárias e escore
de cálcio
AVALIAÇÃO NÃO-INVASIVA DE A nova técnica com 64 cortes apresenta exce-
DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA lente acurácia para identificar lesões proximais;
EM DIABÉTICOS ASSINTOMÁTICOS as medidas de placa e de áreas de lúmen correla-
cionam-se bem com ultra-som intracoronariano.
A epidemia de diabetes melito do tipo 2 e a alta Esse método é limitado para quantificação do grau
prevalência de doença arterial coronariana em dia- de estenose na presença de cálcio ou em artérias
béticos aumentam a responsabilidade dos médicos
em diagnosticá-las precocemente em pacientes as-
com calibre < 2 mm, e a qualidade da imagem é
melhor com freqüência cardíaca < 65 bpm21.
83
sintomáticos. Há dois aspectos fundamentais: 1. de- Na Tabela 1 estão apresentados os resultados do RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
STEFANINI E e cols.
Diagnóstico de Tabela 1 – Resultados do “St. Francis Heart Study”22
isquemia miocárdica
silenciosa no diabético Escore n Eventos RR(risco relativo)

0 1.504 0,54% 1
1-99 1.973 1% 1,9
100-399 686 5,5% 10,2
> 400 450 14% 26,2

“St. Francis Heart Study”, realizado em 4.903 paci- diabéticos o risco é maior, porque as placas com
entes para determinar a acurácia prognóstica da to- estenose < 50%, que não alteram a perfusão mio-
mografia computadorizada de feixe de elétrons cárdica durante o esforço, possuem intensa ativi-
(EBCT, “electron-beam computerized tomography”) dade inflamatória instável e podem se romper mais
e a relação do escore de cálcio com fatores de risco freqüentemente.
tradicionais e eventos cardiovasculares.22 O “Milan Study on Atherosclerosis and Dia-
Concluiu-se que o escore de cálcio prediz even- betes” (MiSAD)27 analisou 925 diabéticos e cor-
tos cardiovasculares com maior acurácia, incluin- relacionou a eletrocardiografia de repouso com a
do infarto agudo do miocárdio não-fatal e morte perfusão miocárdica Tl-201. A eletrocardiografia
coronariana, independentemente dos fatores de ris- anormal correspondeu a 25% de perfusão miocár-
co tradicionais. dica anormal e a eletrocardiografia normal relaci-
onou-se a 6% de perfusão anormal. Deve-se, por-
Avaliação da presença de isquemia miocárdica tanto, valorizar a eletrocardiografia de repouso
Eletrocardiografia de esforço anormal.
Estudo de Callaham – “Veterans Administra- A “American Diabetes Association” (ADA)28
tion Hospitals”23 demonstrou que alterações do recomenda a realização de testes de detecção de
segmento ST em diabéticos com ou sem dor re- isquemia miocárdica em diabéticos com eletrocar-
presentam aumento do risco de doença arterial co- diografia de repouso anormal, insuficiência vas-
ronariana. cular periférica, sintomas de angina, dispnéia e
O “Coronary Artery Surgery Study” (CASS)24 fadiga, e com dois ou mais fatores de risco.
relacionou a presença de isquemia silenciosa em O “American College of Cardiology/American
diabéticos a pior prognóstico. Heart Association” (ACC/AHA)29 recomenda ava-
A eletrocardiografia de esforço continua sen- liação não-invasiva para diabéticos que queiram
do um teste confiável e de baixo custo para esta- iniciar exercícios e que sejam portadores de doen-
belecer o diagnóstico e o prognóstico da doença ça arterial coronariana conhecida ou suspeita, di-
arterial coronariana em diabéticos. Apresenta sen- abetes melito do tipo 1 há mais de 15 anos, diabetes
sibilidade diagnóstica de 50% e especificidade de melito do tipo 2 há mais de 10 anos ou idade > 35
83% para eventos cardiovasculares (morte cardía- anos, com presença de fatores de risco adicionais e
ca, infarto agudo do miocárdio ou angina) em 41 evidência de doença microvascular ou de doença ar-
meses de seguimento25. terial periférica ou neuropatia autonômica.
Estresse-ecocardiografia (exercício ou estresse O estudo “Detection of Ischemia in Asympto-
farmacológico com dobutamina ou adenosina) matic Diabetics” (DIAD)30, utilizando perfusão mi-
A sensibilidade e a especificidade desse método ocárdica com MIBI, encontrou isquemia silencio-
são superiores às da eletrocardiografia de esforço. sa em 22% dos diabéticos. Se fossem adotados os
Estudo envolvendo 89 pacientes diabéticos e critérios da “American Diabetes Association”, 41%
147 não-diabéticos durante 25 meses demonstrou dos diabéticos com isquemia silenciosa não seri-
eventos cardiovasculares de 19% vs. 9,7%, infar- am identificados.
to agudo do miocárdio ou morte súbita de 12,4% No estudo da Mayo Clinic31, realizado em
vs. 5,6%, e eventos/ano de 6% vs. 2,7%.26 1.427 diabéticos assintomáticos, a perfusão mio-
Cintilografia miocárdica com MIBI ou Tl-201 cárdica SPECT com MIBI foi anormal em 58%
de esforço ou após infusão de droga (adenosina, dos pacientes. Destes, 18% foram considerados de
dipiridamol e dobutamina) alto risco (área de isquemia extensa ou fibrose as-
O estudo da perfusão miocárdica (SPECT, “sin- sociada).
84 gle-photon emission computed tomography”) com As diferenças entre os estudos DIAD e da
MIBI normal equivale ao risco anual de eventos Mayo Clinic decorreram dos critérios adotados na
RSCESP cardiovasculares < 1% em não-diabéticos, mas em seleção de pacientes. No estudo da Mayo Clinic,
ABR/MAI/JUN 2007
STEFANINI E e cols.
Diagnóstico de
isquemia miocárdica
silenciosa no diabético

Fig. 1. Resultados do estudo do Cedars Hospital32.

houve maior número de homens, maior duração CONCLUSÃO


do diabetes, pior controle glicêmico, e maior pre-
valência de onda Q à eletrocardiografia, de doen- Assim, ao se avaliar pacientes diabéticos, fa-
ça arterial periférica, de hipertensão arterial e de tores como sexo, idade superior a 65 anos, pre-
dislipidemia. sença de insuficiência vascular periférica, ele-
O estudo do Cedars Hospital32 detectou isque- trocardiografia de repouso anormal, insulinote-
mia em 42% dos diabéticos tanto anginosos como rapia, dispnéia e fatores de disfunção autonô-
assintomáticos e em 51% dos pacientes com disp- mica devem ser considerados indicadores de ris-
néia, demonstrando a importância desse sintoma co para presença de doença arterial coronaria-
como equivalente isquêmico (Fig. 1). na. Os diabéticos com menos de dois fatores de
Tem sido observada dissociação entre os pa- risco apresentaram doença arterial coronariana
drões de perfusão miocárdica e de anatomia à ci- em 41% vs. 22% com mais de dois fatores de
necoronariografia. A presença de isquemia pode risco (DIAD). A presença de isquemia em 42%
ocorrer na ausência de lesões obstrutivas signifi- dos pacientes diabéticos foi semelhante em an-
cativas. Esses achados podem refletir presença de ginosos e em assintomáticos.
doença microvascular ou diminuição da reserva Essas evidências recomendam a ampliação dos
coronariana encontrada em diabéticos33, 34 e não critérios da “American Diabetes Association” para
são considerados resultados falsos positivos. diagnóstico de isquemia em diabéticos.

85
RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
STEFANINI E e cols.
Diagnóstico de
isquemia miocárdica
DIAGNOSIS OF SILENT MYOCARDIAL ISCHEMIA
silenciosa no diabético IN DIABETIC PATIENTS

EDSON STEFANINI
EMÍLIO MONTUORI NETO
SERGIO FERREIRA DE OLIVEIRA

The subclinical atherosclerosis diagnosis in asymptomatic diabetic patients is very


important and contributes to the coronary artery disease risk establishment. Intimal-media
thickness measure, brakial-ankle index, and calcium score measured by electron beam
computerized tomography (EBCT) have been underused in clinical practice, but they could
give very important contribution in order to detect high risk diabetic patients with
myocardial ischemia. Stress-test, stress-echocardiogram, and sestaMIBI-myocardial
perfusion have been used to detect myocardial ischemia. Dyspnea, age over 65 years,
peripheral artery disease and Q wave electrocardiogram have been frequently related to the
presence of coronary artery disease.

Key words: coronary artery disease, diabetes mellitus, silent ischemia.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:82-8)


RSCESP (72594)-1645

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88
RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
WAJCHENBERG BL
Postprandial glycemia
POSTPRANDIAL GLYCEMIA AND CARDIOVASCULAR and cardiovascular
DISEASE IN DIABETES MELLITUS disease in
diabetes mellitus

BERNARDO LÉO WAJCHENBERG

Serviço de Endocrinologia e Centro de Diabetes e Coração – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência:


Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 — Cerqueira César — CEP 05403-904 — São Paulo — SP

The postprandial state is a factor for the development of atherosclerosis. The association of
postprandial hyperglycemia and dyslipidemia with atherosclerosis (indicated by an early
intima-media thickness of the carotid) supports the concept that macrovascular
complications are a postprandial phenomenon. Epidemiological and interventional
evidences are highly suggestive of the association of postprandial hyperglycemia and
atherosclerosis. The postprandial glycemia can be considered a marker of cardiovascular
risk.

Key words: diabetes mellitus, impaired fasting glucose, glucose intolerance, cardiovascular
disease, postprandial glycemia.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:89-101)


RSCESP (72594)-1646

INTRODUCTION arteries that supply the heart, brain and lower


extremities. Indeed, DM2 have a considerable
Until recently, the exact contributions of fasting enhanced risk of cardiovascular disease; the risk
and post prandial glucose (PPG) to the overall is two to fourfold for men and women, respectively,
glycemic control of patients with type 2 diabetes compared to non-diabetic persons6. This excess
(DM2) remained largely undetermined1. Because risk is not fully explained. Less than half of this
this issue has not been clearly resolved, both excess risk can be attributed to the higher
hemoglobin A1c (HbA1c) and fasting plasma prevalence of classic risk factors as for example
glucose (FPG) have been considered valid markers dylipidemia (high triglycerides, low HDL-
for overall glucose exposure and thus were cholesterol) and hypertension 7 . Similarly,
routinely used to evaluate glucose control of cardiovascular disease has now overtaken diabetic
diabetes2. Recent studies, however, have suggested nephropathy as the leading cause of premature
that a third component of the glucose triad – the mortality in young adults with childhood-onset
PPG excursions – might have a role in the overall type 1 diabetes. Carotid intima-media thickness
glycemic load and might also reflect glycemic was also increased in these patients and resembled
control3, 4. Furthermore, it was found that HbA1c that observed in non-diabetic individuals who were
is a function of both FPG and PPG5. 20-30 years older8.
Many of the diabetics develop diabetes-specific Since the increased cardiovascular risk in
microvascular pathology in the retina, renal
glomerulus and peripheral nerves and accelerated
diabetic patients is not explained by the classic
risk factors it is thought to be related to
89
atherosclerotic macrovascular disease affecting hyperglycemia 9 , particularly in children and RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
WAJCHENBERG BL
Postprandial glycemia
and cardiovascular
disease in
diabetes mellitus

Figure 1. Meta-regression curves and 95% CIs (confidence intervals) of fasting and 2h glucose values
(compared with the reference fasting glucose of 72 mg/dl) vs RR (relative risk) of CV events. (Modified
from Coutinho et al.14)

adolescents with diabetes in whom the majority the best fit for the data, compared with the
have suboptimal blood glucose control. This is one reference fasting glucose of 75 mg/dl (RR = 1.0):
of the main reasons, besides prevention, delay, or a fasting glucose of 110 mg/dl, the threshold value
arrest of microangiopathic complications, why the for the classification of impaired fasting (at the
correction of hyperglycemia is the primary aim in time the study was performed), was associated
diabetes care, a poor control of hyperglycemia with a relative risk (RR) of cardiovascular events
appearing to play a significant role in the of 1.33 (95% CI 1.06-1.67); a 2-hour glucose of
development of cardiovascular disease (CVD) in 140 mg/dl, the threshold value for impaired
diabetes10. glucose tolerance, was associated with a RR of
In patients with well controlled diabetes cardiovascular events of 1.58 (95% CI 1.19-2.10).
(HbA1c < 7%, or within 1% of normal) or glucose After removal of any glucose values in the diabetic
intolerance (normal FPG and a 2-hour plasma range, the exponential relationship was
glucose of 140 to 200 mg/dl, after 75 g oral maintained, there was a suggestive trend (p =
glucose), postprandial hyperglycemia has a greater 0.056) between fasting glucose and cardiovascular
effect on HbA1c than FPG as shown by Monnier events, as there was a significant relationship
and Colette11 who observed, by using the diurnal between 2-hour glucose (p = 0.00064) and
glycemic profile, that PPG is the predominant cardiovascular events. This and other studies
contributor in patients with satisfactory to good provide support for the hypothesis that non diabetic
control of diabetes, whereas the contribution of degrees of fasting and postprandial hyperglycemia
FPG increases with worsening diabetes. Therefore, are associated with CVD and that dysglycemia (ie,
in patients with elevated HbA1c, the PPG may play any persistent elevation in glycemia) is a
a disproportionate lesser role in the genesis of both cardiovascular risk factor. Glucose is a continuous
microvascular and macrovascular complications risk factor for CVD, in both diabetic and
of diabetes12. nondiabetic people, the risk extending below
Several epidemiological studies in the past 20 impaired fasting and impaired glucose tolerance
years have shown an association between the 2- cutoffs. Therefore, dysglycemia should be added
hour plasma glucose, post 75 g oral glucose load, to the list of established continuous cardiovascular
and the occurrence of CVD in the general risk factors, such as blood pressure, and LDL-
population13. A meta-analysis of published data cholesterol. Postprandial plasma glucose appears
from 20 studies of 95,783 individuals who had to be the earliest dysglycemic marker for CVD
3,707 cardiovascular events over 12.4 years risk15. In the similar way, the relationship between
confirmed the association between 2-hour glucose HbA1c, CVD and total mortality were evaluated
90 levels after an oral glucose load and incident
cardiovascular events14. In Figure 1, it is indicated
in The Norfolk cohort of the European Prospective
Investigation into cancer and nutrition (EPIC-
RSCESP the exponential regression model which provided Norfolk), being followed 4,662 men and 5,570
ABR/MAI/JUN 2007
WAJCHENBERG BL
women who were 45 to 79 years and residents of response during the hyperglycemic clamp, Postprandial glycemia
Norfolk, United Kingdom. HbA1c and CVD risk characterizes the postprandial hyperglycemia as and cardiovascular
factors were assessed from 1995 to 1997 and CVD well the impaired fasting glucose (IFG) while
events and mortality assessed during the follow- subjects with elevated PPG also have impaired
disease in
up period to 2003. In men and women, the late-phase insulin secretion, after 20 minutes of diabetes mellitus
relationship between HbA1c and CVD (806 that clamp. Furthermore, subjects with post-
events) and between HbA1c and all-cause prandial hyperglycemia have marked peripheral
mortality (521 deaths) was continuous and insulin resistance with only mild hepatic insulin
significant throughout the whole distribution. The resistance. On the other hand, in IFG there is severe
relationship was apparent in persons without hepatic insulin resistance and normal or near-
known diabetes. Persons with HbA1c less than 5% normal clamp-determined peripheral insulin
had the lowest rates of CVD and mortality. An sensitivity18, 19. Despite late hyperinsulinemia, at
increase in HbA1c of 1% was associated with a 30 minutes after an oral glucose challenge, the
RR of death from any cause of 1.24 (95% CI 1.14 impaired glucose tolerance results primarily from
to 1.34; p < 0.001) in men and with a RR of 1.28 reduced suppression of hepatic glucose output due
(95% CI 1.06 to 1.32; p < 0.001) in women. These to abnormal pancreatic islet-cell function (smaller
RRs were independent of age, body mass index, increases in plasma insulin and smaller reductions
waist-to-hip ratio, systolic blood pressure, serum in plasma glucose in comparison with normal
cholesterol, cigarette smoking and history of CVD. subjects, both p < 0.01)20.
Fifteen percent (68 of 521) of the death in the
sample occurred in diabetics but 72% (375 of 521) DELETERIOUS EFFECTS OF THE
occurred in persons with HbA1c between 5% and POSTPRANDIAL HYPERGLYCEMIC
6.9%. However, whether HbA1c concentrations EXCURSIONS
and CVD are causally related cannot be concluded
from an observational study16. Most cardiovascular risk factors are affected
Of interest are the patients with isolated directly by an acute increase of glycemia such as21:
postprandial hyperglycemia, in whom about a – Increase in LDL oxidation.
twofold risk of CVD was found17. – Endothelial dysfunction (vasoconstriction and
Two important questions arise from these decreased vasodilating response to stimuli)
observations as put forward by Heine and probably linked with a reduced production/
Dekker 13: Is postprandial hyperglycemia an bioavailability of nitric oxide (NO), since
independent risk factor (i.e, causally related) to hyperglycemia-induced endothelial dysfunction
CVD, to which the enhanced risk can fully be is counterbalanced by arginine.
attributed? If so, do we need to consider the – Increased production of collagen from the
enhanced meal-related glucose excursions as a mesangial cell.
treatment target in patients with DM2? – Activation of blood coagulation that is likely
Alternatively, post prandial hyperglycemia to cause thrombosis.
might just be a marker for the increased risk of – Increase in blood pressure.
CVD. In that case other factors need to be – Increase in the circulating levels of
identified which can explain the epidemiological intracellular adhesion molecule 1 (ICAM-1),
observations. thus activating one of the first stages of the
From the presently available data, since the atherogenic process.
review from Heine and Dekker was published in – Increase in inflammation: increased
200213, epidemiological and observational studies, production of plasma interleukin-6,
it can be stated that despite postprandial interleukin-18 and tumor necrosis factor-
hyperglycemia being an independent risk factor (TNF-), considering that the concept of
for CVD other metabolic risk factors frequently atherosclerosis as an inflammatory disease
associated with the postprandial state, such as high even in diabetes is now well established.
concentrations of triglyceride-rich lipoproteins, are – Increase in oxidative stress: hyperglycemia
also present13. induces an overproduction of superoxide by the
mitochondrial electron-transport chain.
MECHANISMS OF POSTPRANDIAL Superoxide overproduction is accompanied by
HYPERGLYCEMIA increased NO generation, due to endothelial
NO synthase (eNOS) and inducible NO
The loss of the acute (0-10 minutes) insulin
secretion, after an intravenous glucose injection,
synthase (iNOS) uncoupled state, favoring the
formation of the strong oxidant peroxynitrite,
91
which correlates with the first-phase insulin which in turn damages DNA. DNA damage RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
WAJCHENBERG BL
Postprandial glycemia will result in acute endothelial dysfunction that, concentrations between dinner and bedtime. The long
and cardiovascular convincingly, contributes to the development duration of the so-called post-prandial state can
of CVD. Several indirect (use of antioxidants) probably be explained by the insulin resistant state
disease in and direct (estimate of the effects of acute (Fig. 2). Postprandial hyper-triglyceridemia and the
diabetes mellitus hyperglycemia on oxidative stress markers, associated atherogenic alterations of the lipoproteins
such as nitrotyrosine overgeneration,which is are considered to be part of the insulin resistant state22
an independent predictor of CVD) evidences also found in the postprandial hyperglycemic state,
support the concept that acute hyperglycemia as indicated before.
works through the production of an oxidative In an observational study of 145 DM2 patients
and nitrosative stress. The presence of oxidative and 30 nondiabetic subjects of the same
stress also activates pathways regulated by the geographical area (near Naples, Italy), 61% of
transcription factor nuclear factor-kappa (NF- DM2 had TG values higher than 200 mg/dl (a value
), which is known to have a central role in found to be linked to a greater intima-media
the pathogenesis of late diabetic complications. thickness of the carotid artery in DM2, as observed
Other known effects of postprandial by Teno et al.22) 3 hours after lunch and 49% before
hyperglycemia peaks are the reduction in retinal dinner; 23% of the diabetics had normal fasting
perfusion and increase in the glomerular filtration values(< 150 mg/dl). In the control group the
rate. percentage of subjects with a TG value above 200
mg/dl, 3 hours after lunch and before dinner was
POSTPRANDIAL TRIGLYCERIDE 17%23.
CONCENTRATIONS AS PREDICTORS There is the question of whether postprandial
OF CVD hypertriglyceridemia, which rises concomitantly
with postprandial hyperglycemia is a true CVD
Plasma triglyceride (TG) levels are generally risk factor13. However, evidence suggests that
increased for 3-6 hours after a meal and once postprandial hypertriglyceridemia and hyper-
postprandial hypertriglyceridemia occurs it is glycemia independently induce endothelial
exacerbated by the next meal and persists for the dysfunction through oxidative stress24. The known
entire day. In effect, postprandial hyper- inverse association between HDL-cholesterol and
triglyceridemia is a frequent feature in DM2, even in TG makes it very difficult to determine whether
patients with apparently normal fasting TG values TG are an independent risk factor for
of less than 2.2 mmol/l (< 195 mg/dl). After breakfast atherosclerotic vascular disease. A meta-analysis
the TG concentrations gradually rise to peak including data of 46,413 men and 10,864 women

92 Figure 2. Home measured postprandial TG levels in normotriglyceridemic ‘free-living’ persons with


RSCESP type 2 diabetes. (Modified from Heine & Dekker13.)
ABR/MAI/JUN 2007
WAJCHENBERG BL
from 17 published reports of population-based From the epidemiological point of view, the Postprandial glycemia
prospective studies, showed that the TG Hoorn Study28, the Honolulu Study29,the Chicago and cardiovascular
concentration is an independent risk factor for Heart Study30 and the Diabetes Epidemiology:
CVD, also when adjusted for HDL-cholesterol25. Collaborative analysis of Diagnostic Criteria in
disease in
A 1 mmol/l (88 mg/dl) increase was associated Europe study (DECODE)31 have shown that the diabetes mellitus
with a relative risk of 1.3 for men and 1.8 for glucose serum level 2 hours after an oral glucose
women. challenge is a powerful predictor of cardiovascular
Another study, applying a nested case-control risk (Fig. 3). A further analysis of the DECODE
design on the data from 14,916 men aged 40 to 84 data focusing on CVD (268,811 person-years)
years in the Physicians Health Study, showed that showed that, after adjusting for possible
non-fasting TG levels were a strong and confounders, and with FPG and 2-hour glucose in
independent predictor of future risk of myocardial the same model, the RR of CVD was not
infarction. In contrast, LDL particle diameter was significantly increased in subjects with a FPG >
associated with risk of myocardial infarction but 126 mg/dl than in those with a FPG < 110 mg/dl
not after adjustment for TG level. The known (the cutoff for normal FPG levels at the time of
interrelations between HDL-cholesterol, TG and publication) (RR 1.20; 95% CI 0.88-1.64; p = NS).
LDL size could be shown, reflecting the underlying On the contrary, the risk of CVD mortality in
metabolic disturbance, i.e., insulin resistance or subjects with 2-hours OGTT plasma glucose > 200
metabolic syndrome. The authors concluded that mg/dl was 1.40 (95% CI 1.02-1.92; p < 0.005)
TG concentrations are an important indicator of compared with those with 2-hours OGTT < 140
risk and can therefore be used as such26. mg/dl. Therefore, FPG was not an independent
Several clinical studies in non-diabetic have predictor of CVD mortality when the multivariate
also suggested that high postprandial TG-rich analysis included both FPG and post-challenge
lipoproteins are related to coronary heart and/or plasma glucose. In this analysis, only the latter
carotid artery disease. Moreover, an association turned out to be an independent predictor of CVD
could be shown between postprandial chylomicron mortality32. All these evidences were confirmed
remnants and the progression of angiographically by Coutinho et al.’s 14 meta-analysis, already
determined coronary heart disease (ref. cit in 13). presented, and by another one which involved more
The associations between postprandial TG than 20,000 subjects, by pooling the data of the
concentrations and the carotid intima-media Whitehall Study, Paris Prospective Study, and
thickness by ultrasonography (predictive of Helsinki Policemen Study33. The possible role of
incident coronary artery heart disease) in diabetic postprandial hyperglycemia as independent risk
and non-diabetic populations, support the concept factor has been supported by the Diabetes
that atherosclerosis is a postprandial Intervention Study, which showed that
phenomenon22. postprandial glycemia, but not fasting glucose,
predicts infarction in DM2 subjects34 in full
POSTPRANDIAL HYPERGLYCEMIA AND agreement with studies on clinical CVD, echo-
MACROVASCULAR (CARDIOVASCULAR) duplex scanning of the carotids documented the
COMPLICATIONS association of postprandial hyperglycemia with
medio-intimal thickening (marker of
Epidemiological evidences atherosclerosis)35.
The oral glucose tolerance test (OGTT) has
been mostly used in epidemiological studies to POSTPRANDIAL HYPERGLYCEMIA AND
evaluate the risk of CVD. The advantage of the MICROVASCULAR COMPLICATIONS
OGTT is its simplicity: a single plasma glucose
measurement 2 hours after the glucose load to Epidemiological evidences
determine whether the glucose tolerance is normal, The uncontrolled glycemic peaks inducing
impaired or indicative of overt diabetes. The overproductions of superoxide activates 4 major
caveats of the OGTT are numerous because 75 g pathways of hyperglycemic damage to the tissues:
or 100 g glucose is almost never ingested during a polyol pathway, advanced glycation end products
meal and many events associated with ingesting (AGE) formation, activation of protein kinase C
glucose does not incorporate the numerous isoforms and hexosamine pathway36. The activity
metabolic events associated with eating a mixed of protein kinase C (isoform ) impairs contraction
meal. However, it has been recently demonstrated of smooth muscle cells or pericytes, increases
that the OGTT may represent a valid tool to reveal
carbohydrate metabolism during a standardized
production of basement membrane materials, and
enhances cell proliferation and capillary
93
mixed meal27. permeability. Thus, activation of protein kinase C- RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
WAJCHENBERG BL
Postprandial glycemia
and cardiovascular
disease in
diabetes mellitus

Figure 3. Relative risk for all-cause mortality in subjects not known as diabetic (Diabetes Epidemiology:
Collaborative analysis of Diagnostic criteria in Europe – DECODE). (Adapted from The DECODE
Study Group31.)

 by postprandial hyperglycemia could be 36% reduction in the risk of progression to


responsible by microvascular complications that diabete40 but also with a 34% risk reduction in the
may be developing even in the early stages of development of new cases of hypertension and a
diabetes 37 . According to Vinik, although 49% risk reduction in cardiovascular events41 (Figs.
macrovascular complications, such as myocardial 4 and 5). In addition, in a subgroup of patients,
infarction, stroke and gangrene, are only partially acarbose treatment was associated with a
attributable to hyperglycemia and its attendant significant decrease in the progression of carotid
effect, the microvascular complications including intima-media thickness, previously indicated as a
retinopathy, nephropathy and neuropathy are surrogate for atherosclerosis42.
directly related to the degree of hyperglycemia38. The effects of two insulin secretagogues,
Data from the National Health and Nutrition repaglinide and glibenclamide (glyburide), known
Examination Survey (NHANES) III showed that to have different efficacy on postprandial
patients who had 2-hour postprandial glucose levels hyperglycemia were given to drug-naïve DM2
of 194 mg/dl had a threefold increase in incidence of patients, in a randomized single-blind trial, after a
retinopathy, despite normal fasting glucose levels titration period of 6 to 8 weeks, to evaluate carotid
(fasting plasma glucose < 110 mg/dl, at the time of intima-media thickness and markers of systemic
the study). Studies of Pima Indian and Egyptian vascular inflammation43. Repaglinide is a rapid-
populations revealed a similar increase in the onset/short-duration insulinotropic agent whereas
incidence of retinopathy in subjects with normal glybenclamide is a long-acting sulfonylurea.
fasting glucose levels (< 110 mg/dl) but 2-hour Repaglinide selectively increases meal-related
postprandial glucose values of > 200 mg/dl39. early insulin secretion and may result in a better
control of postprandial hyperglycemia than
POSTPRANDIAL HYPERGLYCEMIA glibenclamide44. After 12 months, postprandial
AND CVD glucose peak was 148 + 28 mg/dl (mean + SD) in
the repaglinide group and 180 + 32 mg/dl in the
Intervention studies glibenclamide group (p < 0.01). HbA1c showed
The Study To Prevent Non-Insulin-Dependent similar decrease in both groups (-0.9%). Carotid
Diabetes Mellitus (STOP-NIDDM) has shown that intima-media thickness regression was observed
treatment of subjects with impaired glucose in 52% of diabetic subjects receiving repaglinide
94 intolerance with the -glucosidase inhibitor and in 18% of those receiving glibenclamide (p <
acarbose, which specifically reduces postprandial 0.01) (Figs. 6 and 7). Interleukin-6 (p = 0.04) and
RSCESP hyperglycemia, was associated not only with a C-reactive protein (p = 0.02) decreased more in
ABR/MAI/JUN 2007
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Postprandial glycemia
and cardiovascular
disease in
diabetes mellitus

Figure 4. Effect of acarbose on the probability of remaining free of cardiovascular disease.41

* Hazard ratio (95% CI) could not be calculated because of zero event for acarbose group.
Figure 5. Effect of acarbose on the development of cardiovascular disease.41
CI = confidence interval.

the repaglinide group than in the glibenclamide received an oral glucose load (50 g) preceded by
group. The reduction in carotid intima-media either human regular insulin, reaching a peak of
thickness was associated with changes in 259 + 22 mg/dl at 100 minutes, or rapid but short-
postprandial but not fasting hyperglycemia, acting insulin lispro, the peak being earlier (80
suggesting that treating postprandial minutes) and lower (229 + 27mg/dl; p < 0.01), both
hyperglycemia may positively affect the given in a dose of 0.075 U/kg lean body mass45.
development of CVD43.
A similar study was performed in 8 DM2
Basal plasma glucose, insulin and endogenous
glucose production were similar in both occasions.
95
patients on two different occasions when they After the ingestion of plasma glucose, the RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
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Postprandial glycemia
and cardiovascular
disease in
diabetes mellitus

Figura 6. Atherosclerosis regression in the carotid (CIMT reduction after 12 months) after postprandial
glucose control in type 2 diabetic patients.43
CIMT = carotid intima-media thickness.

Figure 7. Reduction in CIMT is associated with changes postprandial (PPG) but not with fasting (FPG)
glucose.43
CIMT = carotid intima-media thickness.

incremental glucose area under the curve was 46% in the overall rate of glucose disposal. During the
lower with lispro in comparison with regular initial 90 minutes, however, the rate of endogenous
insulin (p < 0.01) (Fig. 8). However, in spite of glucose production was suppressed in a prompter
comparable incremental areas of plasma insulin and more profound manner when lispro was
under the curve, the time course of plasma insulin administered (p < 0.05), while there was no
concentration was significantly different: after difference in the late prandial phase (Fig. 9). The
regular insulin, plasma insulin peaked at 120 authors45 concluded that an early rise in plasma
minutes while with lispro, the peak occurred at 60 insulin levels after the ingestion of glucose load is
96 minutes with higher insulin levels. Plasma glucose
kinetics indicated no difference in the two studies
associated with a significant improvement in
glucose tolerance due to a prompter, though short-
RSCESP in the rate of appearance of ingested glucose and lived, suppression of endogenous glucose
ABR/MAI/JUN 2007
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Postprandial glycemia
and cardiovascular
disease in
diabetes mellitus

Figure 8. AUC of plasma glucose (A) and insulin (B) after oral 50 g of glucose preceded by 0.075 U/kg
LBM of regular insulin and lispro insulin.45
AUC = area under the curve; LBM = lean body mass.

Figure 9. Time course of rate of appearance of oral glucose (A), rate of glucose disappearance (B) and
rate of endogenous glucose production (C) after oral 50 g of glucose preceded by 0.075 U/kg LBM of
regular ( ) and lispro (䢇) insulin.45
97
LBM = lean body mass. RSCESP
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Postprandial glycemia production. The amelioration in plasma glucose GLP-1 have emerged as a therapeutic strategy for
and cardiovascular profile prevents late hyperglycemia and enhancing GLP-1 action “in vivo” (incretin
hyperinsulinemia. Therefore, restoration of a more enhancers), particularly as they can be taken orally,
disease in physiologic profile of prandial plasma insulin once-daily dosing regimen. Presently two DPP-
diabetes mellitus profile represents a rational approach for treatment IV inhibitors, Sitagliptin (Januvia) and Vildagliptin
of postprandial hyperglycemia. (Galvus) will be available shortly, particularly the
first one.
CONCLUSIONS The effects of DDP-IV inhibition could be
mediated not only by GLP-1 but also by other
New antidiabetic drugs such as incretin mediators of the glucose-lowering actions of DPP-
mimetics and incretin enhancers target the IV inhibition in clinical studies, since it causes
suppression of postprandial hyperglycemia. In little increase in circulating endogenous GLP-1
effect, glucagons-like peptide-1 (GLP-1) receptor (while in GLP-1 receptor agonists the effect
agonists (mimetics) enhance insulin release when corresponds to that of pharmacological
glucose concentrations are elevated, suppress concentrations of native GLP-1), has little effect
postprandial glucagon secretion, in addition to on gastric emptying, does not cause nausea/
slowing gastric emptying and promoting satiety46. vomiting like GLP-1 and GLP-1 agonists, and it
The significant attenuation of post-meal is not associated with weight loss.50
hyperglycemia after the incretin mimetic As indicated with the incretin mimetics, both
(exenatide) injection was related to the reduction enhancers have similar clinical efficiency in
in the rate of oral glucose appearance in the reducing postprandial glucose excursions by
systemic circulation and enhancement of the improving beta-cell function with enhanced
suppression of endogenous glucose production: postprandial insulin secretion.
half of the decrease in endogenous glucose The epidemiological and intervention studies
production results from the inhibition of glucagon presented in the article support the conclusion that
secretion and half from increased insulin postprandial hyperglycemia in impaired glucose
secretion47. Finally, it was shown that the incretin tolerance and diabetic subjects is a more powerful
mimetics enhanced postprandial beta-cell function marker of CVD risk than fasting hyperglycemia
in patients with DM2 treated with metformin or then the treatment directed at specifically lowering
metformin and sulfonylurea.48, 49 postprandial glucose is crucial, as underlined by
Finally, the dipeptidyl peptidase-IV (DPP-IV) the American Diabetes Association1.
inhibitors preventing the degradation of native

98
RSCESP
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Postprandial glycemia
GLICEMIA PÓS-PRANDIAL E DOENÇA and cardiovascular
CARDIOVASCULAR NO DIABETES MELITO disease in
diabetes mellitus

BERNARDO LÉO WAJCHENBERG

O presente artigo revisa o papel da glicemia de jejum e pós-prandial em relação ao controle


glicêmico de pacientes com diabetes do tipo 2 e com intolerância à glicose, assim como sua
relação causal nas complicações micro e macrovasculares. Estudos recentes têm sugerido
que um terceiro componente na tríade glicêmica, as excursões glicêmicas pós-prandiais,
pode ter influência na carga glicêmica total e pode, também, refletir no controle glicêmico.
Estudos epidemiológicos e de intervenção são apresentados neste artigo, corroborando a
conclusão de que a hiperglicemia pós-prandial na intolerância à glicose e em pacientes com
diabetes é um marcador mais potente de risco cardiovascular que a hiperglicemia de jejum.
Dessa forma, o tratamento dirigido especificamente para reduzir a glicemia pós-prandial é
crucial, conforme sugerido pela Associação Americana de Diabetes.

Palavras-chave: diabetes melito, glicemia de jejum alterada, intolerância à glicose, doença


cardiovascular, glicemia pós-prandial.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:89-101)


RSCESP (72594)-1646

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101
RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
OLIVEIRA SF
Papel da
hiperglicemia no
PAPEL DA HIPERGLICEMIA NO INFARTO
infarto agudo AGUDO DO MIOCÁRDIO
do miocárdio

SERGIO FERREIRA DE OLIVEIRA

Unidade Clínica de Aterosclerose – Instituto do Coração (InCor ) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência:


Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Cerqueira César – CEP 05403-904 – São Paulo – SP

O infarto agudo do miocárdio em diabéticos acarreta maior mortalidade em relação aos


não-diabéticos. Recentemente tem se destacado a importância da hiperglicemia aguda
como determinante do prognóstico do infarto agudo do miocárdio. Sua presença aumenta a
mortalidade, principalmente em pacientes não-diabéticos. O bom controle glicêmico nas
primeiras 24 horas determina a melhora do prognóstico. Níveis de glicemia acima de 170
mg/dl pioram a evolução de não-diabéticos. Variações de glicemia acima de 50 mg/dl e de
hemoglobina glicada acima de 2% são deletérias, aumentando a mortalidade em 20%.

Palavras-chave: hiperglicemia aguda, infarto agudo do miocárdio, diabetes melito.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:102-5)


RSCESP (72594)-1647

INTRODUÇÃO mortalidade em pacientes idosos, principalmente


naqueles sem diagnóstico prévio de diabetes. Va-
A mortalidade relativa ao infarto agudo do mi- lores de glicemia acima de 170 mg/dl são deleté-
ocárdio em diabéticos no período pré-trombólise rios e aumentam significativamente a mortalidade
era duas vezes superior à de não-diabéticos1. Com em pacientes não-diabéticos4. Observou-se que pa-
a redução da mortalidade pós-trombólise nos dois cientes diabéticos internados em Unidade de Tra-
grupos, a proporção não mudou, continuando duas tamento Intensivo são submetidos com mais fre-
vezes maior2. qüência a insulinoterapia, enquanto não-diabéti-
A hiperglicemia inicial tem demonstrado mai- cos começam a receber insulina, na maioria das
or importância prognóstica no infarto agudo do vezes, a partir de níveis glicêmicos acima de 200
miocárdio em não-diabéticos que em diabéticos. mg/dl. A importância da hiperglicemia no pacien-
A hiperglicemia aguda, mas não o diabetes, é pre- te não-diabético é subestimada.
ditora de mortalidade hospitalar após infarto agu- Estudo em 808 pacientes diabéticos consecu-
do do miocárdio na fase pós-angioplastia. O fenô- tivos com infarto agudo do miocárdio5 demons-
meno de não-reperfusão (“no reflow”) é mais fre- trou que a glicemia de admissão foi o mais signi-
qüente em pacientes com hiperglicemia submeti- ficante preditor independente de mortalidade hos-
dos a angioplastia e sugere a presença de disfun- pitalar. A hemoglobina glicada basal se correlaci-
ção microvascular comprometendo a perfusão mi- onou fortemente com a glicemia admissional, mas
102 ocárdica desses pacientes3. A hiperglicemia no
infarto agudo do miocárdio é comum (cerca de
não foi preditor independente de mortalidade. A
Tabela 1 apresenta os resultados da divisão em
RSCESP 50%) e pouco tratada. É associada ao aumento da quartis, quanto ao nível glicêmico de entrada.
ABR/MAI/JUN 2007
OLIVEIRA SF
Em relação às diferenças entre os pacientes do Papel da
Tabela 1 - Divisão em quartis, quanto ao nível
DIGAMI I e do DIGAMI II, observou-se glice- hiperglicemia no
glicêmico de entrada
mia inicial média de 280 mg/dl vs. 230 mg/dl,
variação da glicemia de 99 mg/dl vs. 61 mg/dl, e
infarto agudo
Glicemia do miocárdio
redução de HbA1c de 1,4% vs. 0,5%, respectiva-
de admissão Razão
mente.
(mg/dl) de risco
Quanto à angioplastia primária, o sucesso foi
semelhante nos grupos de diabéticos e não-diabé-
Quartil 1 < 161 1
ticos, sendo mais efetiva que a trombólise em dia-
Quartil 2 161-217 1,14
béticos com infarto agudo do miocárdio9.
Quartil 3 218-300 2,84
Apesar de pacientes com e sem diabetes apre-
Quartil 4 > 301 5,03
sentarem taxas semelhantes de fluxo TIMI grau 3
após a angioplastia primária, os diabéticos têm
maior probabilidade de ter perfusão miocárdica
Estudo multicêntrico demonstrou a importân- anormal. Os pacientes diabéticos com bom con-
cia do controle da glicemia de jejum até o dia se- trole glicêmico apresentaram melhor padrão de
guinte à admissão (24 horas), que, ao atingir ní- perfusão miocárdica pós-angioplastia10.
veis de 120 mg/dl, determina melhor evolução dos
pacientes infartados em relação àqueles que per- EFEITOS DELETÉRIOS DA
maneceram com seus níveis glicêmicos elevados6. HIPERGLICEMIA
O estudo “Diabetes and Insulin-Glucose Infu-
sion in Acute Myocardial Infarction” (DIGAMI Seria a hiperglicemia causa ou conseqüência
I) demonstrou que pacientes com infarto agudo da gravidade do estado clínico ocasionado pela
do miocárdio submetidos a controle glicêmico in- maior extensão da área de infarto do miocárdio?
tensivo durante 12 meses tiveram redução da mor- A presença e o grau da hiperglicemia podem
talidade de 30% em relação ao grupo sob trata- não se correlacionar com o tamanho da área de
mento convencional7. Após 3,4 anos, houve redu- infarto e podem ser marcadores de ativação adre-
ção da mortalidade absoluta de 11%. O estudo não nérgica deletéria e de liberação de catecolaminas
pôde esclarecer se o benefício era relacionado à pós-infarto agudo do miocárdio. Há aumento de
infusão de glicose-insulina ou ao controle meta- glicocorticóides, o que estimula diretamente a gli-
bólico proporcionado pela insulina contínua ou cogenólise, a glicogênese, a lipólise e a inibição
ambos. da secreção de insulina. O efeito nocivo da hiper-
Elaborou-se um segundo protocolo, o DIGA- glicemia decorre da supressão da vasodilatação de-
MI II8, com três mil pacientes divididos em três pendente do endotélio conseqüente ao aumento da
grupos: 1. terapia intensiva com insulina por via produção de radicais livres e ao aumento da ativa-
endovenosa em 24 horas, seguida de insulina por ção do fator nuclear “kappa” B (NFκB) e de fato-
via subcutânea durante os períodos hospitalar e res de transcrição pró-inflamatórios, que aumen-
ambulatorial; 2. terapia intensiva com insulina por tam a expressão de metaloproteinases, fator teci-
via endovenosa em 24 horas durante o período hos- dual e inibidor do ativador de plasminogênio (PAI-
pitalar, seguida de tratamento convencional hos- 1). A hiperglicemia é secundária à insulinopenia
pitalar e no seguimento ambulatorial; e 3. terapia relativa, que permite o excesso de produção de
convencional durante os períodos hospitalar e ácidos graxos livres, conseqüente à lipólise indu-
ambulatorial. Entretanto, só se conseguiu arregi- zida pela catecolamina. Excesso de exposição de
mentar 1.500 pacientes e o estudo perdeu a força ácidos graxos livres no miocárdio lesado aumenta
estatística em 50%. Conclui-se que embora não o consumo de O2, reduz a contratilidade miocár-
houvesse diferença entre os três tipos de tratamento dica e aumenta o risco de arritmias. A hiperglice-
quanto a mortalidade total, mortalidade cardiovas- mia aumenta o estresse oxidativo e a apoptose do
cular e reinfarto com níveis de glicemia semelhan- miócito. O uso de insulina endovenosa corrige os
tes, confirmou-se o papel da glicemia como um desvios do metabolismo e reduz tanto a resposta
dos mais fortes preditores de prognóstico. Varia- inflamatória como a mortalidade.
ções da hemoglobina A1c (HbA1c) e da glicemia,
com aumento de 2% e de 3 mmol/dl (54 mg/dl), TRATAMENTO DA HIPERGLICEMIA
respectivamente, aumentam o risco cardiovascu-
lar em 20%. Glicemia de admissão, idade, presença A solução glicose-insulina-potássio (GIK) foi
de insuficiência cardíaca e creatinina plasmática
elevada foram preditores independentes de mor-
utilizada sem resultado em relação à mortalidade.
No entanto, com esse tratamento foi observado au-
103
talidade. mento da glicemia nas primeiras seis horas, o que RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
OLIVEIRA SF
Papel da elevou a mortalidade11. coronariana e glicemia pós-prandial abaixo de 180
hiperglicemia no Atualmente recomenda-se controle glicêmico mg/dl na enfermaria, para reduzir a mortalidade
intensivo abaixo ou igual a 120 mg/dl na unidade hospitalar e de um ano12.
infarto agudo
do miocárdio

ROLE OF HYPERGLYCEMIA IN ACUTE


MYOCARDIAL INFARCTION

SERGIO FERREIRA DE OLIVEIRA

The acute myocardial infarction in diabetic patients is related to higher level of mortality in
relation to non-diabetic patients. Recently the role of hyperglycemia as an acute myocardial
infarction prognosis determinant has been described. Acute hyperglycemia increases
mortality mainly in non-diabetic patients. The optimal glycemic control in 24 hours
improves the prognosis. Glycemic levels above 170 mg/dl were related to bad evolution in
non-diabetic patients. Glycemic and glicated hemoglobin changes above 50 mg/dl and 2%,
respectively, increases mortality in 20%.

Key words: acute hyperglycemia, acute myocardial infarction, diabetes mellitus.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:102-5)


RSCESP (72594)-1647

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105
RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
CHAVES AJ e cols.
Revascularização
miocárdica no paciente
REVASCULARIZAÇÃO MIOCÁRDICA NO
diabético: intervenção PACIENTE DIABÉTICO: INTERVENÇÃO
coronariana percutânea
CORONARIANA PERCUTÂNEA

ÁUREA J. CHAVES, AMANDA G. M. R. SOUSA, ALEXANDRE ABIZAID,


LUIZ ALBERTO MATTOS, FAUSTO FERES, RODOLFO STAICO,
JOSÉ RIBAMAR COSTA, RICARDO COSTA, GALO MALDONADO,
LUIZ FERNANDO TANAJURA, MARINELLA CENTEMERO, ANDRÉA ABIZAID,
ANA SEIXAS, IBRAIM PINTO, J. EDUARDO SOUSA

Serviço de Cardiologia Invasiva – Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência:


Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Ibirapuera – CEP 04012-180 – São Paulo – SP

O diabetes melito é uma doença metabólica complexa, presente em 20% a 30% dos
indivíduos que necessitam revascularização miocárdica. Dados da literatura confirmam a
superioridade da revascularização cirúrgica em relação à angioplastia com balão em
diabéticos com doença multiarterial. A intervenção coronariana percutânea com o implante
de stents diminuiu a vantagem da cirurgia, mas a necessidade de reintervenções ainda é
maior com a angioplastia. Mais recentemente, os stents farmacológicos tornaram-se a
intervenção percutânea de escolha no tratamento da doença coronariana, pela notável
redução da reestenose coronariana e da revascularização do vaso-alvo, quando comparados
aos stents não-farmacológicos. A segurança dessas próteses, entretanto, tem sido
questionada ultimamente, no que diz respeito à ocorrência da trombose tardia do stent,
evento raro mas de conseqüências potencialmente graves. Recentemente, a “Food and Drug
Administration” (FDA, agência governamental americana que controla o setor de alimentos
e remédios) reconheceu que os benefícios dos stents farmacológicos suplantam o pequeno
risco de trombose tardia nas indicações aprovadas para seu uso (“on-label”). Pacientes com
lesões complexas, especialmente aqueles com lesões em bifurcações, lesões que exijam o
implante de stents com sobreposição das bordas (“overlapping”) ou lesões com trombos,
têm maior risco de trombose do stent, óbito ou infarto agudo do miocárdio e devem ter seu
tratamento individualizado, após a consideração dos riscos e benefícios do procedimeto.
Para resolver o problema da trombose dos stents farmacológicos, stents de segunda geração,
com novos fármacos antiproliferativos, diferentes sistemas de liberação que substituam os
polímeros duráveis e plataformas mecânicas inovadoras, já estão sendo avaliados.

Palavras-chave: coronariopatia, diabetes melito, contenedores.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:106-14)


RSCESP (72594)-1648
106
RSCESP
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CHAVES AJ e cols.
INTRODUÇÃO colha em diabéticos com doença multiarterial. Esse Revascularização
benefício da cirurgia vem sendo mantido no lon- miocárdica no paciente
O diabetes melito é uma doença metabólica go prazo2.
complexa, caracterizada por aterosclerose acele- O mau desempenho da angioplastia no estudo
diabético: intervenção
rada e presente em 20% a 30% dos indivíduos que BARI pode ser explicado, em parte, pelas altas coronariana percutânea
necessitam revascularização miocárdica na atua- taxas de reestenose pós-balão e seu impacto prog-
lidade. Pacientes apresentam, à época do diagnós- nóstico na evolução dos diabéticos. Van Belle e
tico, lesões coronarianas mais difusas, menor fra- cols.10 demonstraram que a reestenose em diabé-
ção de ejeção do ventrículo esquerdo e maior fre- ticos, especialmente sua forma mais grave, a rees-
qüência de co-morbidades comparados aos não- tenose oclusiva, aumenta a mortalidade tardia. A
diabéticos, tornando muitas vezes a escolha do tra- mortalidade em um acompanhamento de dez anos
tamento adequado um verdadeiro desafio1. foi de 24% nos pacientes sem reestenose, de 35%
Dados da literatura confirmam a superiorida- nos pacientes com reestenose não-oclusiva e de
de da revascularização cirúrgica em relação à an- 59% nos pacientes com reestenose oclusiva (p <
gioplastia com o balão em diabéticos com doença 0,0001).
multiarterial2. A intervenção coronariana percutâ- Os resultados do BARI, com toda a tecnologia
nea com o implante de stents diminuiu a vanta- percutânea disponível na atualidade, têm apenas
gem da cirurgia, mas a necessidade de reinterven- interesse histórico. Esses resultados, no entanto,
ções ainda é maior com a angioplastia3. tiveram o mérito de mostrar que os diabéticos se
Mais recentemente, os stents farmacológicos comportam de maneira diferente dos demais pa-
tornaram-se a intervenção percutânea de escolha cientes e, por isso, devem ser analisados separa-
no tratamento da doença coronariana, pela signi- damente.
ficativa redução da reestenose coronariana e da ne-
cessidade de nova revascularização, quando com- STENTS CORONARIANOS
parados aos stents não-farmacológicos4, 5. A segu-
rança dessas próteses, entretanto, tem sido questi- Muitas das limitações da angioplastia com o
onada ultimamente, no que diz respeito à ocor- balão foram superadas pelos stents coronarianos.
rência da trombose tardia do stent, particularmen- Os stents, o segundo grande salto tecnológico na
te em pacientes com lesões complexas6, 7. A trom- história da Cardiologia Intervencionista, pratica-
bose do stent farmacológico é um evento raro, mas mente eliminaram a oclusão aguda do vaso relaci-
com conseqüências clínicas potencialmente catas- onada ao procedimento e reduziram a reestenose
tróficas8. angiográfica à metade, quando comparados aos ba-
Faz-se necessário, assim, rever as evidências lões11, 12. Com esse desempenho, ganharam gran-
mais recentes a respeito dos resultados do trata- de aceitação e passaram a ser utilizados na quase
mento coronariano percutâneo contemporâneo dos totalidade dos procedimentos coronarianos percu-
diabéticos, que nos ajudem a guiar as decisões te- tâneos.
rapêuticas nesse grupo complexo de pacientes. Os mesmos pesquisadores que observaram
maior mortalidade tardia nos diabéticos que evo-
ANGIOPLASTIA COM O BALÃO luíam com reestenose pós-balão demonstraram, em
publicação posterior, que os stents não só reduzi-
O estudo “Bypass Angioplasty Revasculariza- am a reestenose (inclusive a forma oclusiva) como
tion Investigation” (BARI), cuja evolução de dez também a mortalidade tardia13. A reestenose angi-
anos foi recentemente publicada2, foi o primeiro ográfica (27% vs. 62%; p < 0,0001) e a oclusão
estudo multicêntrico, randomizado, que compa- do local tratado (4% vs. 13%; p < 0,0005) aos seis
rou as estratégias de revascularização miocárdi- meses foram significativamente menores em com-
ca, percutânea e cirúrgica, em pacientes com do- paração com os diabéticos tratados com o balão.
ença em múltiplos vasos. Ganhou notoriedade ao Aos quatro anos de evolução, diabéticos tratados
apontar o benefício da cirurgia, em relação à so- com stent demonstraram tendência a menor inci-
brevivência, em um único subgrupo de pacientes, dência de óbito de causa cardíaca (6,6% vs. 14,6%;
os diabéticos, enquanto nenhuma diferença foi en- p = 0,07) e de infarto agudo do miocárdio (9,9%
contrada nos pacientes não-diabéticos. A sobrevi- vs. 16,0%; p = 0,06) e redução significativa dos
vência no grupo cirúrgico, nos que receberam pelo eventos combinados óbito e infarto agudo do mi-
menos um enxerto da artéria torácica interna, foi ocárdio (14,8% vs. 26%; p = 0,02).
significativamente maior aos cinco anos de evolu- O estudo “Arterial Revascularization Therapi-
ção (80,6% vs. 65,5%; p = 0,003)9, o que motivou
um alerta do “National Institute of Health” (NIH),
es Study” (ARTS), que comparou a intervenção
percutânea com o implante de stents e a cirurgia
107
recomendando a cirurgia como tratamento de es- de revascularização miocárdica em pacientes com RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
CHAVES AJ e cols.
Revascularização doença em múltiplos vasos, demonstrou, em sua em uma série de estudos randomizados e demons-
miocárdica no paciente evolução de cinco anos, redução da vantagem da traram sua eficácia em reduzir de maneira signifi-
cirurgia em relação aos stents nos diabéticos3. Es- cativa a hiperplasia intimal intra-stent, a reesteno-
diabético: intervenção tudos anteriores que compararam a cirurgia à an- se angiográfica e, conseqüentemente, a necessi-
coronariana percutânea gioplastia com o balão (n = 353 pacientes) demons- dade de nova revascularização. A reestenose e a
travam diferença no risco de mortalidade em dia- revascularização da lesão-alvo nos diabéticos fo-
béticos em cinco anos de 16,0% a favor da cirur- ram reduzidas, tanto com os stents Cypher como
gia (19,0% vs. 35,0%; p < 0,002)9. No subgrupo com os stents Taxus, para valores em geral ao re-
de diabéticos do ARTS3 (n = 208), essa diferença dor de um dígito (< 10%).
na mortalidade em cinco anos caiu para 5,1% Os resultados na população diabética foram ob-
(8,3% vs. 13,4%; p = 0,27). A necessidade de nova tidos da análise de subgrupo dos estudos rando-
revascularização, entretanto, foi maior com o tra- mizados. Para confirmar esses achados, o estudo
tamento percutâneo (10,4% vs. 42,9%; p < 0,001). “Diabetes and Sirolimus-Eluting Stent” (DIABE-
O abciximab, um potente inibidor da glicopro- TES)17, multicêntrico, prospectivo e randomizado
teína IIb/IIIa, adjunto à intervenção percutânea, foi desenhado especificamente para diabéticos,
passou a ser recomendado após a publicação do avaliando a eficácia do stent liberador de siroli-
“Evaluation of Platelet IIb/IIIa Inhibition in Sten- mus comparado ao grupo controle. Análises pré-
ting” (EPISTENT)14, que demonstrou redução da especificadas foram realizadas para avaliar os re-
incidência de óbito e infarto agudo do miocárdio sultados de acordo com o tratamento do diabetes.
e, também, inesperada diminuição da revasculari- O diâmetro de referência do vaso foi de 2,34 + 0,6
zação do vaso-alvo nos pacientes diabéticos. Es- mm e a extensão da lesão, de 15,0 + 8 mm. A per-
tudo posterior, “Intracoronary Stenting and Anti- da tardia no segmento, objetivo primário do estu-
thrombotic Regimen: Is Abciximab a Superior Way do, foi reduzida de 0,47 + 0,5 mm para 0,06 + 0,4
to Eliminate Elevated Thrombotic Risk in Diabe- mm (p < 0,001). A reestenose no segmento (7,8%
tics Study” (ISAR-SWEET), provou que o pré- vs. 33,7%; p < 0,001) e a revascularização da le-
tratamento com 600 mg de clopidogrel, pelo me- são-alvo (7,3% vs. 31,3%; p < 0,001) foram me-
nos duas horas antes do procedimento, anula os nores nos pacientes tratados com o Cypher. Dia-
benefícios do abciximab em relação à redução do béticos tratados ou não com insulina demonstra-
óbito e do infarto agudo do miocárdio15 nesses pa- ram reduções similares da reestenose e necessida-
cientes. Adicionalmente, o estudo randomizado de de nova revascularização. A reestenose no seg-
“Diabetes Abciximab steNT Evaluation” (DAN- mento foi de 6,7% (vs. 43,8%; p = 0,001) e a re-
TE)16 demonstrou a incapacidade do abciximab em vascularização da lesão-alvo, de 5,9% (vs. 33,3%;
reduzir a hiperplasia intimal e, conseqüentemen- p = 0,004) nos tratados com insulina.
te, a reestenose intra-stent em diabéticos. Dessa
maneira, o uso eletivo do abciximab adjunto à in- Cypher vs. Taxus em diabéticos
tervenção percutânea em pacientes diabéticos, com Apesar de os stents farmacológicos liberados
quadros clínicos estáveis, não mais se justifica. para uso clínico reduzirem significantemente a re-
estenose nos diabéticos, nenhuma avaliação da efi-
STENTS FARMACOLÓGICOS cácia relativa de cada stent tinha sido conduzida
nesses pacientes até a conclusão do estudo “Pacli-
Novos stents com superfícies poliméricas fo- taxel-Eluting Stent Versus Sirolimus-Eluting Stent
ram desenvolvidos nos últimos cinco anos, com o for the Prevention of Restenosis in Diabetic Pati-
propósito de liberar fármacos antiproliferativos ents with Coronary Artery Disease” (ISAR-DIA-
que atuassem diretamente na hiperplasia intimal, BETES)18. Nessa comparação dos dois stents, o
resultante do processo cicatricial que ocorre após Cypher mostrou sua superioridade em relação ao
a dilatação do vaso. Essa hiperplasia intimal, quan- Taxus no que diz respeito aos resultados angio-
do excessiva, é causa da reestenose intra-stent. gráficos, com perda tardia (0,43 + 0,45 mm vs.
O primeiro stent farmacológico liberado pela 0,67 + 0,62 mm; p = 0,002) e reestenose binária
“Food and Drug Administration” (FDA, agência (6,9% vs. 16,5%; p = 0,03) menores no segmento
governamental americana que controla o setor de tratado. Essa vantagem angiográfica, entretanto,
alimentos e remédios) para uso clínico foi o stent não trouxe benefício clínico; a revascularização
com liberação de sirolimus, Cypher, a partir de da lesão-alvo, ainda que numericamente menor
2003. No ano seguinte, o stent com liberação de com o Cypher, não mostrou diferença significati-
paclitaxel, Taxus, também foi aprovado3, 4. va com o Taxus (6,4% vs. 12,0%; p = 0,13).
108 Eficácia dos stents farmacológicos Segurança dos stents farmacológicos
RSCESP Desde então, os dois stents já foram testados Apesar da indiscutível eficácia na redução da
ABR/MAI/JUN 2007
CHAVES AJ e cols.
reestenose coronariana, estudos recentes têm ques- falhas metodológicas, que incluíam a análise dos Revascularização
tionado a segurança dos stents farmacológicos. dados publicados (e não dos dados individuais de miocárdica no paciente
Eles têm sugerido maior risco de trombose da pró- cada paciente), os diferentes períodos de acompa-
tese, quando comparados aos stents não-farmaco- nhamento de cada estudo e a não-inclusão do in-
diabético: intervenção
lógicos, principalmente na fase tardia (> 30 dias). farto agudo do miocárdio não-Q como evento re- coronariana percutânea
O estudo “Basel Stent Cost-effectiveness Tri- levante, essa apresentação e todo o debate que se
al – Late Thrombotic Events” (BASKET-LATE)6 seguiu tiveram o mérito de desencadear uma rea-
foi o primeiro estudo que chamou a atenção dos valiação dos resultados dos grandes estudos ran-
cardiologistas para esse problema, apresentado no domizados já publicados com a finalidade de ana-
congresso do American College of Cardiology lisar profundamente a questão da segurança dos
(ACC) de 2006. Nesse estudo, uma população stents farmacológicos.
consecutiva de 746 pacientes (18,3% diabéticos)
que não apresentaram eventos cardíacos maiores Preditores da trombose tardia do stent
nos primeiros seis meses de evolução foram acom- Vários estudos identificaram preditores de
panhados por um ano após a descontinuação do trombose do stent. Em um estudo prospectivo com
clopidogrel. Os pacientes foram randomizados 1.062 pacientes, tratados com 2.272 stents Cypher
numa proporção de 2:1 para serem tratados com ou Taxus e acompanhados por nove meses, 1,3%
stents farmacológicos (Cypher ou Taxus; n = 499) evoluíram com trombose da prótese, metade delas
ou stents não-farmacológicos (n = 244). As taxas tardia (> 30 dias). O mais forte preditor indepen-
de óbito ou infarto agudo do miocárdio não-fatal dente da trombose tardia foi a interrupção prema-
aos 18 meses não foram diferentes entre os gru- tura dos antiplaquetários (razão de risco [RR] 57,1;
pos. Entretanto, após a interrupção do clopidogrel, intervalo de confiança de 95% [IC95%] 14,8 a
esses eventos foram maiores no braço do stent far- 219,8), seguida à distância por lesões em bifurca-
macológico (4,9% vs. 1,3%; p = 0,01). As taxas ção (RR 8,1; IC95% 2,5 a 26,3) e a baixa fração
de revascularização do vaso-alvo foram menores de ejeção do ventrículo esquerdo (RR 1,06; IC95%
com os stents farmacológicos, resultando em in- 1,01 a 1,12, para cada redução de 10% da fração
cidência de eventos clínicos semelhantes ao final de ejeção)8.
do período de acompanhamento (9,3% vs. 7,9%).
Os eventos relacionados à trombose do stent ocor- Recomendações da FDA
reram entre 15 e 362 dias após a descontinuação Em dezembro de 2006, a FDA reuniu seu “Cir-
do clopidogrel, apresentando-se como infarto agu- culatory System Devices Panel” para rever a se-
do do miocárdio ou óbito em 88% dos pacientes. gurança dos stents farmacológicos e dar recomen-
Posteriormente, no Congresso Mundial de Car- dações concretas para a utilização dessas próte-
diologia, realizado em setembro de 2006, Camen- ses. O primeiro dia dessa reunião foi dedicado à
zind e cols.7 apresentaram os resultados da análi- análise dos resultados do impacto dos stents far-
se conjunta dos dados publicados dos estudos que macológicos nas situações aprovadas para seu uso
avaliaram a eficácia e a segurança dos stents (“on label”), ou seja, pacientes com quadros clí-
Cypher (“Randomized Study with the Sirolimus- nicos estáveis, lesões coronarianas únicas, “de
Eluting Velocity Balloon Expandable Stent” – novo”, em vasos com diâmetros de referência de
RAVEL, “Sirolimus-Eluting Stents versus Stan- 2,5 mm a 3,75 mm e extensão de até 28 mm a 30
dard Stent in Patients with Stenosis in a Native mm. Várias análises foram apresentadas e discu-
Coronary Artery” – SIRIUS, “Sirolimus-eluting tidas ao longo de uma reunião com duração de mais
stents for treatment of patients with long atheros- de dez horas, e algumas se destacaram.
clerotic lesions in small coronary arteries: dou- Stone e cols.20 reavaliaram os nove estudos ran-
ble-blind, randomised controlled trial” – E-SI- domizados com a utilização dos stents Cypher
RIUS, e “The Canadian Study of Sirolimus-Elu- (RAVEL, SIRIUS, E-SIRIUS e C-SIRIUS) e Ta-
ting Stents versus Standard Stent in Patients with xus (TAXUS I, II, IV, V e VI), utilizando os dados
long de novo lesions in small native coronary ar- individuais de cada paciente e com o acompanha-
teries” – C-SIRIUS). Diabetes estava presente em mento atualizado para quatro anos. O diabetes es-
19% a 26% dos pacientes. Óbito ou infarto agudo tava presente em 19% a 26% dos pacientes trata-
do miocárdio ocorreram em 6,3% dos casos trata- dos com o Cypher e em 14% a 35% dos tratados
dos com o Cypher e em 3,9% do grupo controle (p com o Taxus. A sobrevivência livre de trombose,
= 0,03). Esses resultados logo foram divulgados de acordo com as definições estabelecidas pelo
na imprensa leiga, que noticiou, com sensaciona- protocolo, foi de 99,4% no grupo Cypher (n =
lismo, que os stents Cypher aumentavam a morta-
lidade em 66%, gerando grande ansiedade nos
1.748) e de 98,8% no grupo controle (p = 0,20).
Nos estudos TAXUS (n = 3.513), a sobrevivência
109
pacientes e seus médicos19. Apesar de inúmeras livre de trombose foi de 98,7% nos tratados com o RSCESP
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CHAVES AJ e cols.
Revascularização Taxus e de 99,1% no grupo controle (p = 0,30). Registro Bern-Rotterdam e o SCAAR24, 25.
miocárdica no paciente Entretanto, após o primeiro ano de evolução, a O estudo Bern-Roterdam24 avaliou a trombose
trombose do stent foi mais freqüente nos tratados angiográfica em 8.146 pacientes submetidos a
diabético: intervenção com os stents farmacológicos (Cypher = 5 vs. 0 implante de stents farmacológicos. A incidência
coronariana percutânea pacientes, p = 0,025, e Taxus = 9 vs. 2 pacientes, p acumulada de trombose ao final de quatro anos
= 0,028). A incidência de óbito, de infarto agudo foi de 2,9%, de 2,5% para os tratados com o Cypher
do miocárdio ou a combinação de óbito e infarto e de 3,2% para os tratados com o Taxus. As taxas
agudo do miocárdio, entretanto, não foi diferente de trombose foram de 1,2% aos 30 dias, de 1,7%
entre os pacientes tratados com Cypher ou Taxus em um ano, de 2,3% aos dois anos e de 2,9% aos
comparados ao grupo controle. três anos, um aumento linear e constante de 0,6%
Spaulding e cols.21 procederam à análise dos por ano. Foram registrados infarto agudo do mio-
dados dos estudos randomizados com a utilização cárdio em 70% e óbito em 7% dos pacientes que
do Cypher (RAVEL, SIRIUS, E-SIRIUS e C-SI- desenvolveram trombose do stent.
RIUS), com a finalidade de avaliar sua segurança. O “Swedish Coronary Angiography and Angi-
A sobrevivência em quatro anos foi de 93,3% no oplasty Registry” (SCAAR)25 comparou os even-
grupo Cypher e de 94,6% no grupo controle (p = tos de 37.750 pacientes tratados com stents far-
0,23). A avaliação da heterogeneidade do efeito macológicos e não-farmacológicos no período de
do tratamento nos subgrupos também foi realiza- 2003 a 2004. Comparados aos pacientes tratados
da. Maior mortalidade, tanto por causas cardio- com stents não-farmacológicos, os pacientes tra-
vasculares como não-cardiovasculares, foi encon- tados com stents farmacológicos eram mais fre-
trada nos diabéticos tratados com stent com elui- qüentemente diabéticos (23,6% vs. 15,6%; p <
ção de sirolimus, comparados aos tratados com 0,001) e apresentavam características de maior
stent não-farmacológico, e foi explicado o discre- complexidade angiográfica, como lesões longas e
to aumento de óbitos observados na população vasos de menor calibre. Nos dois anos e meio de
total tratada com o Cypher. Nenhuma diferença acompanhamento, não ocorreram diferenças en-
foi encontrada nos pacientes não-diabéticos. As tre os grupos em relação à incidência de óbito e
taxas de infarto agudo do miocárdio e trombose infarto agudo do miocárdio. Após o sexto mês de
do stent foram similares entre os grupos. evolução, os pacientes tratados com stents farma-
Os resultados encontrados por Spaulding e cológicos tiveram aumento de 20% no risco rela-
cols.21, entretanto, foram contestados por outros tivo de óbito e infarto agudo do miocárdio e au-
autores22, que argumentam que a maior mortali- mento de 32% na mortalidade, correspondente ao
dade em diabéticos só foi observada no SIRIUS, aumento anual de 0,5% por ano. Reconhecendo
não tendo sido verificada nos estudos RAVEL, E- que atualmente 50% a 60% da utilização dos stents
SIRIUS e C-SIRIUS. Além disso, a análise multi- farmacológicos é “off-label”, o FDA fez as seguin-
variada não mostrou interação adversa do diabe- tes observações23:
tes nos pacientes tratados com o Cypher. – Pacientes com lesões complexas, especial-
O Painel Consultivo do FDA23 concluiu que: mente aqueles com lesões em bifurcações, le-
– Comparado com os stents não-farmacológi- sões que exijam implante de stents com sobre-
cos, tanto o stent Cypher como o Taxus estão posição das bordas (“overlapping”) ou lesões
associados a pequeno aumento da trombose do com trombos, têm maior risco de trombose do
stent a partir do primeiro ano pós-implante. stent, óbito ou infarto agudo do miocárdio,
– A maior incidência de trombose do stent não quando comparados aos pacientes com indi-
foi associada a maior risco de óbito ou infarto cações “on-label”. Esse maior risco também
do miocárdio, comparativamente ao grupo con- foi notado em pacientes com indicação “off-
trole. label” tratados com stents não-farmacológicos.
– Os benefícios dos stents farmacológicos su- – Não existem informações suficientes de es-
plantam seus riscos dentro das indicações apro- tudos que comparam a utilização dos stents far-
vadas para seu uso macológicos com a cirurgia de revasculariza-
O segundo e último dia foi dedicado à apre- ção miocárdica em pacientes com lesões em
sentação de estudos nos quais os stents farmaco- múltiplos vasos.
lógicos foram utilizados nas indicações não-apro- – Não existem dados suficientes para determi-
vadas (“off-label”): lesões muito longas, vasos de nar se o risco de trombose do stent é maior
fino calibre, doença em múltiplos vasos, bifurca- com o Cypher ou o Taxus nas situações “off-
ções, enxertos de safena, oclusão crônica, lesões label”.
110 de tronco da coronária esquerda e infarto do
miocárdio.Vários registros foram apresentados,
– A terapêutica antiplaquetária deve ser conti-
nuada por até um ano nos pacientes que não
RSCESP mas dois deles resumem os principais achados: o tiverem maior risco de sangramento. O implan-
ABR/MAI/JUN 2007
CHAVES AJ e cols.
te dos stents farmacológicos deverá ser desenco- vos sistemas de liberação desses fármacos e Revascularização
rajado nos pacientes que não são capazes de to- novas plataformas mecânicas têm sido sugeri- miocárdica no paciente
lerar a terapêutica antiplaquetária por até um ano. das (Tab. 1) 26.
Nos diabéticos com indicação “off-label”, no- Mediante as limitações apresentadas pelos an-
diabético: intervenção
vos estudos em andamento vão avaliar qual a me- tiproliferativos conhecidos (sirolimus e paclitaxel), coronariana percutânea
lhor estratégia de revascularização. O estudo “Fu- os quais inibem eficientemente a hiperplasia mio-
ture REvascularization Evaluation in patients with intimal, mas podem impedir a completa endoteli-
Diabetes mellitus: Optimal management of Mul- zação das hastes, modificações na estrutura quí-
tivessel disease” (FREEDOM) está comparando mica desses fármacos têm sido propostas, procu-
o implante de stents Cypher ou Taxus vs. cirurgia rando manter seu efeito anti-reestenótico e, ao
de revascularização em diabéticos com doença em mesmo tempo, permitindo a regeneração comple-
múltiplos vasos. O estudo “The Coronary Artery ta e funcional do endotélio. Investigações clínicas
Revascularization in Diabetes” (CARDIa) avalia, com análogos do sirolimus (everolimus, biolimus
em diabéticos com lesões complexas (bifurcações) A-9, tacrolimus e zotarolimus) têm sido realiza-
ou com doença em múltiplos vasos, o implante de das.
Cypher vs. cirurgia de revascularização. Até esses Por outro lado, as respostas inflamatória e
resultados estarem disponíveis, as indicações de trombogênica que ocasionalmente ocorrem asso-
revascularização nesses diabéticos com lesões ciadas aos polímeros duráveis dos stents Cypher e
mais complexas têm que ser individualizadas, após Taxus têm estimulado o desenvolvimento de no-
cuidadosa discussão com o cardiologista interven- vos sistemas de liberação dos antiproliferativos,
cionista e o cirurgião, e a consideração dos riscos como stents com superfícies porosas, polímeros
e benefícios com o paciente. biocompatíveis e polímeros bioabsorvíveis.
Por fim, stents bioabsorvíveis, que, em tese,
NOVAS PERSPECTIVAS se comportam inicialmente como os stents metá-
licos em termos de sustentação da parede arterial,
Para resolver o problema da trombose dos mas que devolvem a flexibilidade normal do vaso
stents farmacológicos, propostas relacionadas a quando foram completamente absorvidos, come-
novos fármacos incorporados às próteses, no- çaram a ser avaliados recentemente.

Tabela 1 - Novas gerações de stents farmacológicos

Nome Fabricante Fármaco Polímero Stent

ZoMaxx Abbott Zotarolimus Durável Tântalo/


Aço inoxidável
Axxion Biosensors Paclitaxel Nenhum Aço inoxidável
BioMatrix Biosensors Biolimus A-9 Bioabsorvível Aço inoxidável
Taxus Liberté Boston Scientific Paclitaxel Durável Aço inoxidável
Cypher Select Cordis/J&J Sirolimus Durável Aço inoxidável
Cypher Neo Cordis/J&J Sirolimus Durável Cromo-cobalto
Champion Guidant Everolimus Bioabsorvível Aço inoxidável
Xience V Guidant Everolimus Durável Cromo-cobalto
Endeavor Medtronic Zotarolimus Durável Cromo-cobalto
Infinnium SMT Paclitaxel Bioabsorvível Aço inoxidável
Nobori Terumo Biolimus A-9 Bioabsorvível Aço inoxidável

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RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
CHAVES AJ e cols.
Revascularização
miocárdica no paciente
MYOCARDIAL REVASCULARIZATION IN
diabético: intervenção DIABETIC PATIENTS: PERCUTANEOUS
coronariana percutânea
CORONARY INTERVENTION

ÁUREA J. CHAVES, AMANDA G. M. R. SOUSA, ALEXANDRE ABIZAID,


LUIZ ALBERTO MATTOS, FAUSTO FERES, RODOLFO STAICO,
JOSÉ RIBAMAR COSTA, RICARDO COSTA, GALO MALDONADO,
LUIZ FERNANDO TANAJURA, MARINELLA CENTEMERO, ANDRÉA ABIZAID,
ANA SEIXAS, IBRAIM PINTO, J. EDUARDO SOUSA

Diabetes mellitus is a complex metabolic disease, occurring in 20-30% of patients submitted


to coronary revascularization. Literature reviews support the superiority of surgical
revascularization over balloon angioplasty in diabetics with multivessel disease.
Percutaneous coronary intervention with bare-metal stents has reduced the surgical
advantage in the early-mid-term; however, repeat revascularization in diabetic patients
continues to be substantially higher after angioplasty. Drug-eluting stents have been
considered the treatment of choice in patients with coronary artery disease, due to the
remarkable reduction of binary restenosis and target vessel revascularization, compared to
bare-metal stents. However, the safety of these stents has been questioned lately due to the
occurrence of late stent thrombosis, an uncommon event, but with potentially serious
consequences. Recently, the FDA recognized that the advantages of drug-eluting stents
supplant the small risk of late stent thrombosis in on-label indications. Patients with off-
label indications, particularly those with bifurcation lesions, overlapping stents or lesions
with thrombus, have a higher risk of stent thrombosis, death or myocardial infarction and
must have an individualized approach, after considering the risks and benefits of the
procedure. Attempts to solve the drug-eluting late thrombosis issue have been undertaken
with current evaluation of next-generation drug-eluting stents, with new antiproliferative
drugs, polymers and platforms.

Key words: coronary artery disease, diabetes mellitus, stents.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:106-14)


RSCESP (72594)-1648

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114
RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
DALLAN LAO
e cols.
REVASCULARIZAÇÃO CIRÚRGICA DO MIOCÁRDIO Revascularização
NO PACIENTE DIABÉTICO cirúrgica do
miocárdio no
paciente diabético
LUÍS ALBERTO O. DALLAN, FERNANDO PLATANIA,
LUCIANO J. CARNEIRO, NOEDIR G. STOLF

Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP


Endereço para correspondência:
Rua Inhambu, 917 – ap. 191 – CEP 04520-013 – São Paulo – SP

O diabetes melito constitui importante fator de risco no desenvolvimento de doença arterial


coronariana, associado a elevados índices de morbidade e mortalidade por infarto do
miocárdio. Em média, cerca de 20% dos pacientes revascularizados são portadores de
diabetes melito.
Apesar de o paciente diabético ter maior número de fatores de risco, os mesmos não afetam
de maneira adversa seu índice de mortalidade cirúrgica. Mas o exame pré-operatório deve
ser rigoroso, com avaliação dos diversos sistemas habitualmente comprometidos pelo
diabetes, além de ser necessária atenção especial com o diabético insulino-dependente, que
apresenta maiores riscos de complicações cirúrgicas em relação ao não-insulino-dependente.
Os estudos do aparelho renal e das artérias carótidas hoje estão sistematizados na rotina pré-
operatória. A despeito de todos esses cuidados, a incidência de infecção pós-operatória em
pacientes diabéticos supera essa ocorrência em pacientes não-diabéticos, especialmente
quando consideramos o membro inferior do qual a veia safena foi retirada.
A revascularização completa do miocárdio, com a abordagem de todos os ramos coronários
com obstrução superior a 50%, otimiza o prognóstico do paciente diabético. É preciso ter
em mente que a avaliação angiográfica das artérias coronárias de pacientes diabéticos deve
ser criteriosa, com atenção especial aos ramos menos calibrosos, que podem ter seu
diâmetro subestimado na vigência de hipofluxo.
O emprego de uma ou ambas as artérias torácicas internas na revascularização do diabético
tem contribuído para reduzir o infarto do miocárdio pela sua excelente perviabilidade a
longo prazo. Observados os devidos cuidados e precauções para se evitar infecção esternal,
essa tática vem proporcionando, inclusive, menor mortalidade em pacientes diabéticos
revascularizados cirurgicamente, em relação aos submetidos a angioplastia transluminal
coronariana.
Outros enxertos arteriais, tais como a artéria radial, a artéria gastroepiplóica direita e a
artéria epigástrica, têm comprovado ser interessantes alternativas ao enxerto de veia safena,
especialmente em diabéticos jovens, com excelentes expectativas.
Métodos de revascularização menos invasivos, tais como a cirurgia sem circulação
extracorpórea e as minitoracotomias, recentemente implantadas, tendem a diminuir a
morbidade relativa ao procedimento, reduzindo os custos hospitalares.
Novos procedimentos, como a revascularização transmiocárdica a “laser” de dióxido de
carbono, com o objetivo de obter perfusão de áreas miocárdicas viáveis e isquêmicas não
passíveis de revascularização clássica ou angioplastia, vêm sendo desenvolvidos, com
resultados promissores.
A revascularização cirúrgica do miocárdio tem se mostrado eficaz no alívio da angina em
todos os grupos de pacientes diabéticos, independentemente do tratamento específico (uso
de hipoglicemiantes orais ou insulina). O seguimento a longo prazo desses pacientes tem
demonstrado a influência da gravidade pré-operatória do diabetes nos resultados da
revascularização do miocárdio.
Palavras-chave: diabetes melito, revascularização do miocárdio, doença arterial coronariana.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007,2:115-30) 115
RSCESP (72594)-1649
RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
DALLAN LAO
e cols. INTRODUÇÃO coração, com prevalência de comprometimento
Revascularização triarterial e maior número de artérias ocluídas por
Na década de 1980, diversos estudos busca- paciente (Fig. 2). Existe, também, comprometi-
cirúrgica do ram identificar fatores de risco para mortalidade mento mais grave da contratilidade segmentar de
miocárdio no de pacientes portadores de doença coronariana paredes do ventrículo esquerdo, com elevada in-
paciente diabético submetidos a revascularização cirúrgica do mio- cidência de aneurismas decorrentes de infartos
cárdio1. Os conhecimentos obtidos permitiram, en- desse ventrículo13
tão, estratificar os riscos cirúrgicos e forneceram Angiograficamente, estima-se que, no pré-
substratos para a conduta em cada caso. operatório, apenas 18% das artérias coronárias
Essas observações acentuaram-se na década de de pacientes diabéticos tenham diâmetro de sua
1990, quando, paradoxalmente, a mortalidade as- luz de 2 mm ou superior. Em pacientes não-dia-
sociada à revascularização do miocárdio não foi béticos, essa taxa eleva-se para 61%. Esses acha-
inferior à do início da década de 1980, sendo, em dos angiográficos são conflitantes com os acha-
alguns casos, inclusive superior2. A razão dessas dos de intra-operatório, quando 62% das artéri-
variações decorreu da mudança na população en- as têm calibre de 2 mm ou mais 13. A razão mais
caminhada para cirurgia, portadora de maior inci- provável para essa discrepância é atribuída à má
dência de fatores de risco coronariano. contrastação do leito coronariano por baixo flu-
Observa-se, nos últimos anos, elevação do por- xo, decorrente de sua obstrução proximal. Por-
centual de pacientes operados com idade elevada, tanto, o pequeno calibre das artérias coronárias
má função ventricular esquer-
da, sexo feminino e, especi-
almente, pacientes com coro-
nariopatia grave e difusa.3
Pacientes com diabetes
melito têm propensão para
maior morbidade e maior
mortalidade cardiovascula-
res. O risco de morte por cau-
sa cardiovascular é três vezes
superior no homem diabético
comparativamente ao não-di-
abético, mesmo após parea-
mento quanto à idade e à pre-
sença de hipercolesterolemia,
hipertensão e tabagismo4.
Da mesma maneira, o ris-
co de infarto do miocárdio, Figura 1. Aspecto ateromatoso grave em aorta de paciente diabético.
doença arterial periférica, fa- Podem-se observar inúmeras placas calcificadas em meio ao tecido
lência cardíaca e mortalidade gorduroso.
associada a eventos isquêmi-
cos coronarianos é significativamente superior nos em pacientes diabéticos não deve constituir con-
pacientes diabéticos5 (Fig. 1). tra-indicação absoluta para sua revascularização
A elevada incidência de doença ateroscleróti- cirúrgica, pela possibilidade de subestimar-se
ca faz do paciente diabético um candidato poten- seu diâmetro.
cial para a revascularização do miocárdio. Esti- Esses aspectos morfológicos e quantitativos das
ma-se, em média, em 20% o porcentual de diabé- lesões obstrutivas dos diabéticos estão relaciona-
ticos entre os pacientes revascularizados6-9, embora dos a prognóstico e evolução clínica desfavorá-
esse índice possa ser de até 31%10. veis após intervenção coronariana (revasculariza-
ção cirúrgica ou angioplastia transcutânea). Essa
COMPROMETIMENTO CORONARIANO evolução desfavorável pode ser atribuída mais à
NO PACIENTE DIABÉTICO progressão da doença que a falência primária ou
diferença na técnica de revascularização.14.
Diversos estudos baseados em evidências ana-
tomopatológicas11 e angiográficas12 têm compara- AVALIAÇÃO E PREPARO
116 do a extensão da doença arterial coronariana em PRÉ-OPERATÓRIO
pacientes diabéticos e não-diabéticos. Pacientes di-
RSCESP abéticos têm doença mais grave nas artérias do O sucesso da intervenção cirúrgica depende
ABR/MAI/JUN 2007
DALLAN LAO
não somente do ato cirúrgico isolado, mas, e cols.
também, de um importante conjunto de me- Revascularização
didas, que incluem: indicação cirúrgica pre-
cisa, avaliação pré-operatória minuciosa, cui-
cirúrgica do
dados pós-operatórios específicos e reabili- miocárdio no
tação do paciente. paciente diabético
O paciente diabético é avaliado de forma

principais artérias do organismo, sobretudo arté-


rias carótidas, coronárias e aorta.15
A incidência de complicações neurológicas no
pós-operatório de cirurgia cardíaca com circula-
ção extracorpórea varia, nas diferentes casuísti-
cas, entre 3% e 37%. As manifestações têm amplo
espectro clínico, variando desde estados confusi-
onais, com predomínio de agitação psicomotora,
até acidentes cerebrovasculares de grandes pro-
A porções e prognóstico sombrio. De qualquer ma-
Figura 2. A) Cinecoronariografia demonstrando neira, diante de algum desses episódios, sempre
coronariopatia grave e difusa em paciente diabé- haverá incremento da morbidade e da mortalida-
tico. Observa-se oclusão total proximal do ramo de desses pacientes, comprometendo e prorrogan-
interventricular anterior da coronária esquerda, do sua recuperação.16.
além de múltiplas lesões ateromatosas (setas) em Rotineiramente, nos pacientes diabéticos com
ramos diagonais e na coronária circunflexa. É pos- mais de 60 anos de idade ou que apresentem qual-
sível observar o comprometimento de todo o leito quer indício clínico de doença cerebrovascular, so-
distal coronariano, evidenciado pelo calibre fino. licita-se avaliação das artérias carótidas, inicial-
B) No mesmo paciente da imagem A, essa seqüên- mente, por meio de ultra-sonografia com Doppler
cia de imagens revela o enchimento retrógrado do e, se houver lesões obstrutivas superiores a 50%,
ramo interventricular anterior através da coroná- indica-se angiografia de artérias carótidas.17 Di-
ria direita, que também exibe lesões ateroscleróti- ante dos resultados encontrados ao final dessa ri-
cas (setas) e leito distal afilado. gorosa avaliação, observa-se maior rigidez no
RIA = ramo interventricular anterior; CX = cir- manejo tanto intra como pós-operatório (evitando
cunflexa; CD = coronária direita. qualquer grau de hipotensão arterial, circulação
extracorpórea prolongada e hipotermia) ou até
mesmo posterga-se a cirurgia de revascularização
semelhante aos demais pacientes, mas, em virtu- do miocárdio, para que eventuais lesões carotíde-
de das peculiaridades de sua doença de base, deve- as críticas possam ser tratadas. Em alguns casos
se prestar especial atenção a determinados siste- selecionados, pode-se optar por procedimentos
mas, cuja homeostase é decisiva para a plena re- combinados (revascularização do miocárdio mais
cuperação pós-operatória. A rotina básica de anam- endarterectomia de carótida) no mesmo ato ope-
nese e exames complementares para o paciente ratório, com resultados satisfatórios18.
diabético segue orientação semelhante para os não-
diabéticos, exceto por detalhes adicionais, descri- Arteriopatia periférica
tos a seguir.15 Diante da freqüente associação entre doença
arterial coronariana, doença arterial carotídea e ar-
Sistema nervoso central teriopatia aortoilíaca, sobretudo em diabéticos, é
Em decorrência de peculiaridades metabólicas, preocupação constante a avaliação do grau de com-
já amplamente conhecidas, o paciente diabético
tende a apresentar uma forma mais difusa e agres-
prometimento da vascularização arterial de mem-
bros inferiores – seja pela história clínica, questi-
117
siva de aterosclerose, que acomete gravemente as onando referência a queixas compatíveis com clau- RSCESP
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e cols. dicação intermitente, seja por meio de sinais dire- insuficiência renal avançada, em indicação de
Revascularização tos de isquemia, como a presença de lesões trófi- transplante, devem ser inicialmente submetidos a
cas ou úlceras isquêmicas. Em diabéticos, esse tipo revascularização do miocárdio9.
cirúrgica do de evolução tem relação demonstrada com tempo
miocárdio no prolongado de evolução do diabetes e dependên- Metabolismo
paciente diabético cia do uso de insulina.19 Como regra geral, inclusive para cirurgias não-
Esse cuidado também é justificado pelas sig- cardíacas, o paciente diabético deve sempre ser
nificativas taxas de infecção e deiscência nos mem- operado na condição mais estável possível. Nos
bros inferiores de diabéticos, após retirada da veia pacientes diabéticos, sobretudo nos insulino-de-
safena. Nos pacientes de maior risco, especialmen- pendentes, deve-se procurar obter, de maneira ri-
te em mulheres, insulino-dependentes e com si- gorosa, ajuste adequado da glicemia. Níveis pró-
nais de vasculopatia periférica, retira-se a veia ximos de 110 mg/dl são sugeridos como ideais,
safena preferencialmente do segmento da coxa, reduzindo os índices de morbidade e de mortali-
onde há maior quantidade de tecido e melhor su- dade nos pacientes mais graves22.
primento sanguíneo, minimizando, desse modo, Foi demonstrado, recentemente, que, em co-
os riscos de infecção e deiscência20. ronariopatas diabéticos, grupos com altos níveis
Ainda, a avaliação do sistema arterial de mem- de glicemia (> 200 mg/dl) não apenas apresenta-
bros inferiores justifica-se pela possível necessi- ram maior incidência de complicações periopera-
dade de instalação de assistência ventricular es- tórias, mas também apresentavam maior freqüên-
querda por meio do balão intra-aórtico, cuja in- cia de lesões obstrutivas em leito coronariano
trodução percutânea pela artéria femoral pode ser médio e distal, com mortalidade intra-hospitalar
prejudicada ou impedida na presença de arterio- chegando a 11,3%23.
patia significativa. O controle glicêmico rigoroso no preparo pré-
operatório tem especial importância para os dia-
Aparelho renal béticos insulino-dependentes. Numa série de 200
O diabetes melito pode afetar algumas ou to- pacientes diabéticos (tipo II) submetidos a revas-
das as estruturas dos rins, sendo os glomérulos aco- cularização do miocárdio com circulação extra-
metidos em até 75% dos pacientes, ocasionando corpórea, sendo 100 insulino-dependentes e 100
glomerulosclerose difusa. Isso explica por que 6% não-insulino-dependentes, observaram-se diferen-
dos óbitos em diabéticos se devem a causas re- ças importantes na evolução hospitalar e de longo
nais, sendo, portanto, a segunda maior causa de prazo. Até 33% dos pacientes insulino-dependen-
óbito nesses pacientes, abaixo somente das cau- tes apresentaram complicações, comparados a 20%
sas cardiovasculares. Cerca de 1% a 2% dos paci- do outro grupo (p = 0,037). O tempo de interna-
entes desenvolvem insuficiência renal aguda no ção também foi mais prolongado nos insulino-de-
pós-operatório de cirurgia cardíaca, com mortali- pendentes (4,3 + 2,8 dias contra 2,8 + 2,7 dias; p =
dade variando entre 55% e 80%21. 0,010). Nessa série, foram identificados como pre-
A rotina de avaliação da função renal inicia-se ditores independentes de maior mortalidade: uso
com o exame clínico detalhado, seguido de dosa- da insulina, idade > 75 anos, disfunção ventricu-
gens de sódio, potássio, uréia, creatinina e, se ne- lar esquerda (fração de ejeção de ventrículo es-
cessário, “clearance” de creatinina e proteinúria querdo < 35%) e presença de lesões obstrutivas
de 24 horas. Essa avaliação deve ser feita pelo complexas em coronárias24.
menos cinco dias após estudo cinecoronariográfi- Os pacientes diabéticos devem ser operados
co, dada a nefrotoxicidade dos contrastes utiliza- preferencialmente pela manhã, para redução dos
dos, sendo suspensas quaisquer drogas que pos- vários efeitos deletérios do jejum prolongado em
sam interferir na função renal, como, por exem- diabéticos. Além disso, no dia da cirurgia, o paci-
plo, antiinflamatórios não-hormonais, inibidores ente receberá de 100 g a 150 g de glicose para
da enzima de conversão da angiotensina e amino- cada período de 24 horas, com a finalidade de se
glicosídeos. evitar a hipoglicemia e a cetose de jejum.
Após essa avaliação, deve-se cuidar do manu-
seio intra e pós-operatório da volemia e do inotro- ENXERTOS EMPREGADOS NA
pismo cardíaco, procurando manter débito uriná- REVASCULARIZAÇÃO DO MIOCÁRDIO
rio de pelo menos 1 ml/kg/h.
Pacientes com insuficiência renal não-depen- A revascularização ideal no paciente diabéti-
dente de diálise apresentam menos efeitos deleté- co inclui a abordagem de todas as artérias relacio-
118 rios renais quando submetidos a revascularização
do miocárdio sem circulação extracorpórea8. Cabe
nadas ao miocárdio ainda viável.
Quando a doença coronariana é localizada, tor-
RSCESP destacar, também, que pacientes diabéticos com na-se tecnicamente possível a realização de anas-
ABR/MAI/JUN 2007
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tomose direta entre o enxerto e seu leito distal. e cols.
A tática cirúrgica mais adequada, no que con- Revascularização
cerne à escolha do enxerto, deverá ser baseada no
exame cuidadoso do paciente, levando-se em conta
cirúrgica do
seu estado geral, tipo de ocupação profissional, miocárdio no
gravidade das obstruções coronarianas e grau de paciente diabético
disfunção ventricular. Após essa avaliação, será
possível decidir pela utilização de diferentes en-
xertos, como veia safena, artérias torácicas inter-
nas, artéria radial, artéria gastroepiplóica e artéria
epigástrica inferior.

Veia safena
Na década de 1970, a veia safena magna foi o
enxerto mais freqüentemente utilizado na revas-
cularização do miocárdio. Sua remoção de um ou
de ambos os membros inferiores é realizada si-
multaneamente à toracotomia. Outras vantagens
desse enxerto incluem extensão suficiente para
múltiplos enxertos, possibilidade de anastomoses
seqüenciais e fácil obtenção e uso em casos emer-
genciais, como isquemia aguda ou complicações
de angioplastia. A principal desvantagem do en-
xerto de veia safena está na sua degeneração, com
o passar do tempo. Já nos primeiros meses após
instalada, observa-se hiperplasia de sua camada A
íntima. Após três anos, existe infiltração lipídica Figura 3. A) Utilização das duas artérias toráci-
de sua parede e, transcorridos cinco anos, boa por- cas internas na revascularização do miocárdio.
centagem desses enxertos apresenta processo es- Observa-se aqui a artéria torácica interna esquer-
clerótico progressivo, especialmente em pacien- da anastomosada diretamente ao ramo interven-
tes diabéticos e hipercolesterolêmicos. tricular anterior da coronária esquerda. A artéria
O comprometimento dos enxertos venosos e a torácica interna direita foi anastomosada ao ramo
progressão da doença aterosclerótica nas artérias marginal esquerdo da artéria circunflexa. B) No
nativas são responsáveis por 67,9% da recorrên- reestudo cinecoronariográfico pós-operatório, ob-
cia anginosa em pacientes que necessitaram nova serva-se a disposição dos enxertos e as anastomo-
revascularização do miocárdio25. ses pérvias.
Outro problema do emprego da veia safena em ATID = artéria torácica interna direita; Ao = aorta;
pacientes diabéticos relaciona-se às complicações ATIE = artéria torácica interna esquerda; ME = ramo
infecciosas e de cicatrização dos membros inferi- marginal esquerdo da coronária circunflexa; RIA =
ores. Relatos de até 22% de infecção relacionados ramo interventricular anterior da coronária esquerda.
à extração de veia sanefa enfatizam essa possibi-
lidade26. O “pé diabético”, por si só, já é sede de B
lesões distróficas, sujeitas a complicações neuro-
lógicas e infecciosas. Dentre elas, destacam-se
neuropatia (com alterações de sensibilidade), dé-
ficit motor e áreas associadas de isquemia27.
Um avanço recente na obtenção da veia safena
é a possibilidade de sua retirada de modo mini-
mamente invasivo. Com o auxílio de extratores
providos de iluminação e de clipes metálicos, são
realizadas três ou quatro incisões de poucos cen-
tímetros, diminuindo a morbidade do procedimen-
to.

Artérias torácicas internas (mamárias)


A partir da década de 1970, as artérias toráci-
119
cas internas passaram a ser empregadas como en- RSCESP
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e cols. xerto alternativo. Os temores baseados na dificul- Artéria radial
Revascularização dade de sua dissecção, na sua fragilidade e nas As artérias radiais de ambos os antebraços vêm
limitações de seu fluxo inicial foram rapidamente sendo empregadas como enxerto livre na revascu-
cirúrgica do superados. larização do miocárdio. Evidências de seu espas-
miocárdio no Diversos estudos têm provado que a artéria to- mo, observadas angiograficamente no pós-opera-
paciente diabético rácica interna esquerda proporciona excelente per- tório, podem ser atualmente contornadas com a
viabilidade a longo prazo28. O mesmo tem se mos- administração de bloqueadores dos canais de cál-
trado válido para a artéria torácica interna direita, cio.
especialmente quando utilizada em orientação re- A artéria radial é uma excelente alternativa, es-
tro-aórtica para os ramos marginais da artéria co- pecialmente como complemento às artérias torá-
ronária circunflexa (Fig. 3). cicas internas, na busca da revascularização mio-
Entretanto, o risco de complicações infec- cárdica completa com enxertos arteriais.34 A ex-
ciosas e na cicatrização esternal aumenta com tensão, em média superior a 18 cm, o fácil manu-
o emprego de ambas as artérias torácicas in- seio e a maleabilidade da artéria radial permitem
ternas nos pacientes diabéticos e obesos 29 . sua anastomose seqüencial para diversas artérias
Isso decorre da desvitalização esternal resul- coronárias.
tante da mobilização dos pedículos dessas
artérias. Entretanto, a presença de diabetes, Artéria gastroepiplóica direita
por si só, já foi demonstrada como fator de Empregada desde 1984, a artéria gastroepiplói-
risco independente para a ocorrência de in- ca direita pode ser utilizada na forma “in situ” ou
fecção esternal no pós-operatório da revas- como enxerto livre. Experiências iniciais têm de-
cularização do miocárdio, utilizando-se ou monstrado seu índice de perviabilidade de 96%
não a artéria torácica interna 30 . no pós-operatório imediato e de 95% ao final de
Por outro lado, a utilização das duas artérias dois anos na população geral operada.35 Sua dis-
torácicas internas não mostra, em princípio, bene- secção é feita por pequena incisão no peritônio,
fício significativo na sobrevida a longo prazo em que é abordado pela toracotomia mediana clássi-
pacientes diabéticos, embora já tenha sido obser- ca, sem que haja necessidade de sua ampliação.
vada essa possível maior longevidade em pacien- Emprega-se uma abertura de cerca de 5 cm no
tes com faixa etária entre 69 e 70 anos; em idades peritônio, que permite tracionar o estômago para a
superiores a 79 anos, o benefício foi observado cavidade torácica, para a dissecção da artéria gastro-
apenas com a utilização unilateral de uma artéria epiplóica direita. Quando na forma “in situ”, essa
torácica interna31. De fato, existem evidências de artéria deve ser preferencialmente empregada para
aumento da incidência de infecção esternal pós- os ramos coronários da parede inferior do coração.
cirúrgica quando se utilizam as duas artérias torá-
cicas internas em diabéticos, embora sem reper- Artéria epigástrica inferior
cussão na mortalidade32. A artéria epigástrica inferior é obtida por inci-
Com o objetivo de evitar essas complicações, são abdominal infra-umbilical, porém sem que se
tem-se preconizado a dissecção dessas artérias de penetre pela cavidade peritoneal. Pode ser empre-
forma “esqueletizada”, reduzindo ao mínimo seu gada como enxerto livre anastomosado diretamen-
pedículo. A melhor maneira cirúrgica de se obter te na aorta ascendente ou, preferencialmente, em
esse tipo de pedículo é incisar a fáscia endotoráci- combinação com outros enxertos arteriais, espe-
ca sobre a artéria torácica interna, rebatê-la cui- cialmente a artéria torácica interna esquerda. Isso
dadosamente e ligar os ramos intercostais que exis- permite que seu comprimento atinja ramos coro-
tem ao longo de sua extensão com clipes metáli- nários mais distantes.
cos. Essa manobra propicia ganho no comprimento Nas minitoracotomias, em que a artéria torácica
da artéria torácica interna, evitando-se sua dissec- interna esquerda não atinge com folga o ramo inter-
ção até as proximidades do apêndice xifóide. A ventricular anterior da artéria coronária esquerda,
preservação da veia mamária adjacente à artéria empregam-se 2 cm a 3 cm da artéria epigástrica in-
colabora com sua drenagem venosa e com o con- ferior interposta entre a artéria torácica interna es-
seqüente estado nutricional das artérias torácicas querda e o ramo interventricular anterior.
internas33.
São poucas as desvantagens das artérias torá- Enxertos arteriais combinados
cicas internas. Raramente desenvolvem ateroscle- Tem sido cada vez mais utilizada a combina-
rose e dificilmente apresentam diâmetro inadequa- ção de anastomoses entre os enxertos arteriais. Sua
120 do. Uma eventual limitação de comprimento da
artéria dissecada pode ser contornada utilizando-
forma mais freqüente é a anastomose da artéria
radial, artéria torácica interna direita ou artéria
RSCESP a como enxerto livre. epigástrica inferior na artéria torácica interna es-
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e cols.
Revascularização
cirúrgica do
miocárdio no
paciente diabético

A
Figura 4. A) Enxerto combinado de artéria radial
com artéria torácica interna esquerda, em “Y” ar-
tificial. A artéria torácica interna esquerda foi anas-
tomosada diretamente ao ramo interventricular
anterior da coronária esquerda. B) A artéria radial
foi anastomosada em “Y” com a artéria torácica
interna e conduzida à parede póstero-lateral do
coração, onde foi anastomosada a três ramos mar-
ginais da coronária circunflexa (setas).
ATIE = artéria torácica interna esquerda; AR = ar-
téria radial; RIA = ramo interventricular anterior.
B
querda, de maneira término-lateral, constituindo Endarterectomia coronariana
um “Y” artificial. A seguir, a artéria torácica in- Quando a artéria coronária está difusamente
terna esquerda é anastomosada ao ramo interven- lesada ou completamente ocluída, porém relacio-
tricular anterior da artéria coronária esquerda, en- nada à área de miocárdio viável, pode-se obter a
quanto o outro enxerto arterial é anastomosado em revascularização completa realizando-se sua en-
seqüência para um ou mais ramos coronários da darterectomia36 (Fig. 6).
parede lateral do coração (Fig. 4). A técnica reve- Esse procedimento deve ser acompanhado da
la grande versatilidade, permitindo atingir ramos confecção de enxerto para o leito arterial rema-
arteriais posteriores ainda com calibre adequado nescente. Quando se tratar do ramo interventricu-
(Fig. 5). lar anterior da artéria coronária esquerda, em tese,

A
B
Figura 5. A) Enxerto combinado entre artéria torácica esquerda (pedículo) e artéria torácica direita
(livre), em “Y” artificial. A artéria torácica interna esquerda foi anastomosada diretamente ao ramo
interventricular anterior da coronária esquerda. A artéria torácica interna direita, utilizada como enxer-
to livre, foi anastomosada em “Y” artificial na torácica interna esquerda e anastomosada seqüencial-
mente a um ramo diagonal e a um ramo marginal. B) O reestudo cinecoronariográfico pós-operatório
mostra as anastomoses pérvias.
ATIE = artéria torácica interna esquerda; ATID = artéria torácica interna direita; RIA = ramo interven-
121
tricular anterior; DI = ramo diagonal; ME = ramo marginal esquerdo. RSCESP
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Revascularização
cirúrgica do
miocárdio no
paciente diabético

Figura 6. Ateromas retirados em endarterectomia, respecti-


vamente, da coronária direita e do ramo interventricular an-
terior da coronária esquerda.

Figura 7. Endarterectomia extensa sobre o ramo interventricular


anterior da coronária esquerda, com uso de “patch” de veia safena
e revascularização do leito distal com anastomose direta da artéria
torácica interna esquerda.
PV = “patch” venoso; ATIE = artéria torácica interna esquerda;
RIA = ramo interventricular anterior da coronária esquerda.

deve-se revascularizar com a artéria torácica in- bora sem interferência na mortalidade39, 40.
terna esquerda. Na prática, não é o que tem acon- Apesar de tecnicamente mais difícil, logra-se
tecido. Em extenso estudo que envolveu 2.501 revascularizar as artérias da parede anterior do co-
endarterectomias, observou-se que em apenas 30 ração e a artéria coronária direita dessa maneira.
(1,2%) pacientes empregou-se a artéria torácica Mesmo em pacientes multiarteriais, submetidos a
interna37. Isso se deve especialmente à extensão revascularização miocárdica completa e apenas
da incisão sobre a artéria coronária, que, muitas com enxertos arteriais, sem circulação extracor-
vezes, supera os 20 mm. Uma excelente opção pórea, a presença de diabetes não comprometeu a
nesses casos é empregar-se um retalho de veia sa- evolução a longo prazo, principalmente com rela-
fena, de modo a ampliar a artéria coronária endar- ção à perviedade dos enxertos.41
terectomizada, e, sobre esse retalho, anastomosar- É preciso destacar novamente a importância do
se a artéria torácica interna esquerda (Fig. 7). controle glicêmico e do adequado preparo pré-ope-
ratório dos diabéticos insulino-dependentes, pois,
NOVAS PERSPECTIVAS NA mesmo submetidos à revascularização cirúrgica sem
REVASCULARIZAÇÃO DO circulação extracorpórea, esses pacientes apresentam
PACIENTE DIABÉTICO maiores índices de complicações, principalmente
infecciosas, neurológicas e renais, embora não haja
Revascularização sem circulação diferença na mortalidade hospitalar.42
extracorpórea
São conhecidos os efeitos deletérios da circu- Técnicas minimamente invasivas
lação extracorpórea em pacientes diabéticos e ido- Há tendência atual na redução das incisões, es-
sos. Especialmente se prolongada, a circulação pecialmente evitando-se a esternotomia mediana
extracorpórea pode ocasionar problemas sobre completa. Nesse sentido, recentemente houve
vários sistemas, particularmente neurológico e grande impulso nas chamadas revascularizações
renal, e também sobre a homeostase da glicemia, do miocárdio minimamente invasivas. Correspon-
pela exacerbação do catabolismo38. dem a incisões de poucos centímetros na altura do
A revascularização miocárdica sem circula- quarto espaço intercostal do hemitórax esquerdo
ção extracorpórea minimiza esses problemas, com ou incisão apenas na porção inferior do esterno.
122 redução significativa de morbidade no pós-opera- Essas abordagens permitem a dissecção da artéria
RSCESP tório e menor tempo de internação hospitalar, em- torácica interna esquerda, com ou sem o auxílio
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de videotoracoscopia, e sua anastomose com o larização cirúrgica48 ou a revascularização trans- e cols.
ramo interventricular anterior da artéria coronária miocárdica a “laser”49, a terapia celular tem deli- Revascularização
esquerda, sem circulação extracorpórea. neado, em seus primeiros resultados, futuro pro-
A cirurgia de revascularização do miocárdio missor para essa nova modalidade de tratamento.
cirúrgica do
minimamente invasiva tornou-se uma alternativa Os estudos, ainda em andamento, demonstram miocárdio no
para pacientes com lesão única da artéria inter- melhora clínica, melhora da perfusão miocárdica paciente diabético
ventricular anterior e para pacientes com lesões e redução dos sintomas, embora os mecanismos
multiarteriais, mas com problemas sistêmicos im- responsáveis ainda necessitem específica determi-
portantes, tais como insuficiência renal crônica, nação (Fig. 9).
anasarca, doença cerebrovascular, etc. Possibilita
recuperação mais rápida que a operação convencio-
nal, melhor resultado estético e menores custos.

Revascularização transmiocárdica a “laser”


A revascularização transmiocárdica a “laser”
é um procedimento que visa a obter perfusão de
áreas miocárdicas isquêmicas, por meio de san-
gue oxigenado proveniente diretamente do ven-
trículo esquerdo. É alternativa promissora para um
crescente grupo de pacientes em estado avançado
de doença coronariana, com angina do peito re-
fratária ao tratamento clínico e não passíveis de
revascularização cirúrgica clássica ou angioplas-
tia transluminal coronariana.
Essa técnica emprega o “laser” de dióxido de
carbono de alta potência (800 watts) para criar ca-
nais transmiocárdicos entre a luz ventricular e o Figura 8. Revascularização transmiocárdica a “la- A
miocárdio (Fig. 8). Resultados como melhora da ser” de CO2 em paciente com comprometimento
fração de ejeção do ventrículo esquerdo, melhor grave do leito coronário distal, impedindo a re-
mobilidade da parede ventricular e relativa perfu- vascularização cirúrgica direta. A ponteira do “la-
são subendocárdica têm sido relatados43. ser” é posicionada para a aplicação durante a di-
A despeito de alívio dos sintomas de angina44, ástole (em sincronia com eletrocardiografia) (A),
há controvérsia sobre a manutenção de perviabili- produzindo os canais transmurais, que atingem a
dade dos canais intramiocárdicos criados, eventu- cavidade ventricular, indicados pelas setas (B). B
al indução de angiogênese e neovascularização ou
alteração na percepção da dor decorrente de de-
nervação miocárdica45. Recentemente, têm sido
demonstradas evidências de angiogênese46 e pa-
tência dos canais criados pelo “laser”47.
A técnica cirúrgica compreende a realização
de minitoracotomia na altura do quarto espaço in-
tercostal esquerdo, com exposição direta do cora-
ção. A aplicação do “laser” é feita, então, sincro-
nizada pela eletrocardiografia, sempre no momen-
to da diástole, com o ventrículo esquerdo cheio,
monitorada também por ecocardiografia transeso-
fágica, confirmando a penetração do “laser” na ca-
vidade ventricular.

Terapia celular
A terapia celular já se encontra em fase expe-
rimental em grandes centros, incluindo o Instituto RESULTADOS
do Coração do Hospital das Clínicas da Faculda-
de de Medicina da Universidade de São Paulo (In- Pacientes diabéticos freqüentemente apresen-
Cor/HC-FMUSP). Por meio de injeção direta no
miocárdio de células-tronco obtidas da medula
tam extenso comprometimento aterosclerótico co-
ronariano. Diversos trabalhos foram realizados, le-
123
óssea autóloga do paciente, associada a revascu- vando em consideração esses aspectos. Vários RSCESP
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e cols. A
Revascularização
cirúrgica do
miocárdio no
paciente diabético

B
Figura 9. Injeção direta de células-tronco no músculo cardíaco (A), associada à revascularização cirúr-
gica direta de ramo coronário diagonal (B). Observa-se o local da aplicação das células em meio à área
infartada, localizada entre o ramo interventricular anterior da artéria coronária esquerda e seu ramo
diagonal, que foi revascularizado (seta).

deles compararam os resultados obtidos com a re- doença coronariana multiarterial53. Esses autores
vascularização clássica “versus” os procedimen- consideram os efeitos do diabetes similares no
tos de angioplastia. prognóstico do tratamento de ambos os grupos.
Em dois estudos, a história de diabetes foi as- Para eles, a escolha da estratégia da revasculari-
sociada a maior mortalidade entre cinco e oito anos zação inicial não deveria se basear exclusivamen-
após angioplastia transluminal coronariana, com- te na história de diabetes, mas levar em conside-
parada a pacientes sem diabetes50. Diabetes meli- ração outros fatores, tais como a condição angio-
to foi então identificado como fator de risco inde- gráfica e o estado clínico do paciente.
pendente para o desenvolvimento de reestenose Os dados do “Bypass Angioplasty Revascula-
após angioplastia transluminal coronariana com rization Investigation 2 in Diabetes” (BARI 2D)
balão ou implante de “stent”51. têm confirmado a menor incidência de infarto pós-
Em 1987, foi dado início ao estudo “Bypass operatório e a necessidade de reintervenção coro-
Angioplasty Revascularization Investigation” nariana nos pacientes submetidos a revasculariza-
(BARI) em pacientes com doença multivascular ção cirúrgica, em comparação com a angioplastia
associada a diabetes melito tratado. O BARI já de- transcutânea isolada54. A cirurgia oferece melho-
monstrou, no seguimento de cinco anos, taxa de res resultados mesmo em pacientes com angina
morbidade e mortalidade significativamente mai- estável ou assintomáticos com obstrução corona-
or nos pacientes submetidos a angioplastia trans- riana, desde que apresentem doença coronariana
luminal coronariana (34,5%), em comparação aos multiarterial, especialmente em coronária esquer-
submetidos a revascularização cirúrgica (19,4%; da, com padrão obstrutivo complexo e com fun-
p = 0,003)52. A perviabilidade a longo prazo da ção ventricular comprometida55.
artéria torácica interna esquerda contribuiu para Diversos estudos demonstram que as taxas de
esses resultados, reduzindo o infarto do miocár- mortalidade operatória são semelhantes entre pa-
dio. cientes diabéticos e não-diabéticos. No entanto,
Apesar dessas evidências, alguns autores, iso- os riscos de complicações infecciosas e necrose
ladamente, não confirmaram os resultados multi- de pele são observados com mais freqüência nos
124 cêntricos do BARI, quando se comparam os da-
dos de angioplastia transluminal coronariana e de
pacientes diabéticos56.
Em uma grande série retrospectiva de pacien-
RSCESP revascularização do miocárdio em pacientes com tes submetidos a revascularização miocárdica com
ABR/MAI/JUN 2007
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e sem circulação extracorpórea, o diabetes foi iden- des do ventrículo esquerdo são pareadas, as taxas e cols.
tificado como fator independente de risco para de sobrevida na revascularização cirúrgica do mi- Revascularização
prolongamento da internação na terapia intensiva, ocárdio são semelhantes entre pacientes diabéti-
instabilidade e/ou infecção de esterno, insuficiên- cos e não-diabéticos. Entretanto, é possível que o
cirúrgica do
cia respiratória, “delirium” pós-operatório, aciden- diabetes contribua para o reaparecimento de angi- miocárdio no
te vascular cerebral, insuficiência renal e necessi- na em seu seguimento. paciente diabético
dade de reintubação orotraqueal para ventilação Existem controvérsias sobre o fluxo obtido por
mecânica prolongada.57 meio dos enxertos venosos em pacientes diabéti-
Entretanto, Herlitz e colaboradores58 observa- cos. Verska e Walker64 não observaram redução
ram, ao final de dois anos, mortalidade duas vezes estatística no fluxo pelas pontes de veia safena em
superior em pacientes diabéticos revascularizados, pacientes diabéticos. Chychota e colaboradores56,
comparativamente aos não-diabéticos. ao contrário, verificaram redução significativa
Recentemente, o “Medicine, Angioplasty or nesse fluxo (54 ml/min nos pacientes diabéticos
Surgery Study” (MASS-II) tem demonstrado que vs. 71 ml/min no grupo controle; p < 0,001). O
não há diferença de prognóstico em relação à pre- estudo da perfusão miocárdica com radioisótopos
sença ou não de diabetes, em pacientes multiarte- pode quantificar mais apropriadamente o fluxo
riais (comprendendo 18,8% de diabéticos) subme- sanguíneo por intermédio da microcirculação car-
tidos comparativamente às três estratégias dispo- díaca e auxiliar na seleção de pacientes que mais
níveis para tratamento (clínico, cirurgia ou angio- poderiam se beneficiar com a revascularização.65
plastia). Apesar disso, o tratamento cirúrgico de- O seguimento a longo prazo dos pacientes revas-
monstrou significativa superioridade na elimina- cularizados demonstra a influência da gravidade
ção dos sintomas de angina, na redução de even- pré-operatória do diabetes nos resultados da re-
tos cardiovasculares e na redução da necessidade vascularização do miocárdio.
e do número de reintervenções coronarianas59, che- Lawrie e colaboradores66 acompanharam, por
gando a reduzir essas incidências em até 44%, após 15 anos, 212 pacientes diabéticos revasculariza-
cinco anos de seguimento60. Os pacientes diabéti- dos, comparando-os com 1.222 não-diabéticos
cos submetidos a tratamento cirúrgico apresenta- operados no mesmo período. Dentre eles, 108
ram mortalidade significativamente menor, num (50,9%) eram controlados com hipoglicemiantes
período de dois a cinco anos de pós-operatório, orais, 17 (8%) com insulina, e 87 (41%) apenas
em relação ao grupo tratado clinicamente, com- com regime alimentar. A mortalidade hospitalar
parável apenas ao tratamento por angioplastia61. foi semelhante nos dois grupos, assim como o alí-
Pacientes com mais de 65 anos de idade tam- vio da angina do peito. Decorridos 15 anos, a pro-
bém se beneficiaram com o tratamento cirúrgico. babilidade de sobrevivência foi de 0,53 no grupo
Esses pacientes apresentaram excelente evolução não-diabético, de 0,43 entre os diabéticos que não
a longo prazo com a revascularização, comparada recebiam drogas, de 0,33 naqueles com medica-
à terapia clínica. Tiveram também redução do grau ção oral e de 0,19 para os insulino-dependentes.
de mortalidade com a cirurgia, semelhante aos A perviabilidade dos enxertos variou de 78% a
pacientes não-diabéticos. Esses resultados indicam 90% e foi comparável nos dois grupos. A cirurgia
que a revascularização do miocárdio constitui im- foi efetiva para o alívio dos sintomas anginosos
portante opção terapêutica para o diabético idoso, em todos os grupos de pacientes diabéticos. Os
especialmente naqueles para os quais o risco do autores concluem que os níveis pré-operatórios de
tratamento clínico é alto62. glicose sanguínea constituíram importante fator
Segundo Faglia e colaboradores63, quando as preditivo de mortalidade tardia nos pacientes dia-
lesões coronarianas e a movimentação das pare- béticos.

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e cols.
Revascularização
CORONARY ARTERY BYPASS GRAFTING IN
cirúrgica do DIABETIC PATIENTS
miocárdio no
paciente diabético

LUÍS ALBERTO O. DALLAN, FERNANDO PLATANIA,


LUCIANO J. CARNEIRO, NOEDIR G. STOLF

Diabetes mellitus represents an important risk factor in the development of coronary artery
disease, associated with high morbidity and mortality rates, due to acute myocardial
infarction. On average, about 20% of the patients who underwent myocardial
revascularization are carriers of diabetes mellitus.
Although diabetic patients have a higher risk factor to coronary surgery, their surgical
mortality rate is not greatly affected. In such cases, there should be a rigorous preoperative
assessment, with evaluation of the many systems usually affected by diabetes, especially the
renal and the peripheral vascular systems. Also, one must pay special attention to the
insulin-dependent diabetic patients, because of the higher rates of surgical complications, in
comparison to the non-insulin-dependent diabetics. In spite of all this care, the incidence of
postoperative infection in diabetic patients is higher when compared to nondiabetic patients,
especially when one considers the limb from which the saphenous vein has been harvested.
The complete myocardial revascularization, treating all coronary branches with 50% or
more of its diameter obstructed, optimizes the prognosis of diabetic patients. Regarding this
matter, the angiographic evaluation of the coronary arteries of diabetic patients should be
very judicious, especially regarding the finer branches, as their diameters could be
underestimated because of low blood flow.
The use of one or both internal thoracic arteries in the revascularization of diabetic patients
has contributed in reducing myocardial infarction, due to its excellent long term durability.
As long as adequate precautions are taken, regarding prevention of deep sternal wound
infection, this technique has been shown to decrease mortality in surgically revascularized
diabetic patients, as opposed to those submitted to coronary angioplasty.
The use of other arterial grafts, such as the radial artery, right gastroepiploic artery and the
epigastric artery is an interesting alternative to the saphenous vein graft, especially in young
diabetic patients, with excellent results.
Minimally invasive coronary artery bypass graft, such as off-pump surgery, with our without
use of smaller thoracic incisions, tend to decrease the procedure-related morbidity, also
reducing in-hospital costs.
New procedures, such as the transmyocardial laser revascularization with a carbon-dioxide
laser, aiming to obtain perfusion of possible viable and ischemic areas that can’t be reached
surgically or through angioplasty, have been shown efficient in the relief of angina in all
groups of diabetic patients, regardless of their treatment (oral hypoglicemiants or insulin).
The long-term follow-up of such patients has demonstrated the influence of the preoperative
severity of diabetes in the results of myocardial revascularization.

Key words: diabetes mellitus, bypass, surgery, coronary disease.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007,2:115-30)


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130
RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
LERARIO AC e col.
Insulinoterapia em
INSULINOTERAPIA EM PACIENTES COM DOENÇA pacientes com doença
ARTERIAL CORONARIANA E DIABETES DO TIPO 2 arterial coronariana e
diabetes do tipo 2

ANTONIO CARLOS LERARIO


ROBERTO TADEU BARCELLOS BETTI

Núcleo de Diabetes e Coração – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP


Disciplina de Endocrinologia – HC-FMUSP

Endereço para correspondência:


Rua Itapeva, 378 – cj. 133 – Bela Vista – CEP 01332-901 – São Paulo – SP

O diabetes melito do tipo 2 vem ganhando crescente importância entre os fatores de risco
para desenvolvimento e piores desfechos das doenças cardiovasculares. Apesar de ter sido
demonstrada, por diversos estudos epidemiológicos, a relação da doença arterial coronariana
com a hiperglicemia, o controle glicêmico adequado persistente nem sempre é mantido nos
portadores de diabetes melito do tipo 2. Para esses pacientes, a introdução de insulinoterapia
é imperativa. Considerando a possível persistência de reserva de insulina pancreática e a
comum resistência dos pacientes em aceitar o uso de medições injetáveis, costuma-se iniciar
a insulinoterapia com a introdução de injeção de insulina de ação lenta ao deitar, em
complementação ao uso diurno de antidiabéticos orais. Caso não seja obtido controle
glicêmico adequado, é indicada a substituição dos antidiabéticos orais pela insulinização
intensiva no regime basal/bolo, que consiste na combinação de uma ou duas injeções diárias
de insulina basal associadas a preparações de insulinas rápidas administradas antes das
refeições, ajustadas pela automonitorização glicêmica domiciliar. Uma alternativa
intermediária, antecedendo a insulinização intensiva, baseia-se no uso de preparações
insulínicas compostas por uma mistura de insulina lenta e rápida ou pelo uso de insulina
inalada administradas antes das refeições. Os principais eventos adversos conseqüentes à
insulinoterapia são: hipoglicemia, lipodistrofia e aumento do peso corporal. Atualmente, a
disponibilização de novos análogos sintéticos de insulina de ação ultra-rápida e lenta com
perfil mais fisiológico tem permitido melhor controle glicêmico com menor risco de
hipoglicemias e lipodistrofia e menor antigenicidade. Tendo em vista a freqüente dificuldade
de se obter controle metabólico adequado e persistente pela terapia baseada em mudanças
do estilo de vida associadas ou não ao uso de antidiabéticos orais, tem sido recomendada,
em portadores de diabetes melito do tipo 2, a insulinização mais freqüente e precoce.

Palavras-chave: insulinoterapia, diabetes melito do tipo 2, doença arterial coronariana.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:131-8)


RSCESP (72594)-1651

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ABR/MAI/JUN 2007
LERARIO AC e col.
Insulinoterapia em INTRODUÇÃO mente se acompanhados de perda de peso, cetonúria
pacientes com doença e cetonemia, na gravidez, nas intercorrências clíni-
O diabetes melito do tipo 2 é uma doença muito cas tais como cirurgias, infecções, acidente vascular
arterial coronariana e freqüente e sua prevalência está aumentando em pra- cerebral e infarto do miocárdio, e em pacientes hi-
diabetes do tipo 2 ticamente todo o mundo, estimando-se que o núme- perglicêmicos em estado grave internados em uni-
ro de indivíduos diabéticos deverá sofrer incremen- dades de terapia intensiva. Nessas condições, após a
to de 50% até o ano de 2025. Por estar associado ao redução dos níveis glicêmicos, a insulinoterapia pode-
desenvolvimento de diversas complicações crônicas, rá ser substituída pela terapia com antidiabéticos orais
especialmente a macroangiopatia diabética, o recen- em função da correção da chamada “toxicidade à glico-
te aumento explosivo do diabetes vem ganhando cres- se”. Quando não é mais conseguido controle glicêmico
cente importância entre os fatores de risco para de- adequado e persistente com o uso de medicações orais,
senvolvimento e piores desfechos das doenças car- é indicada a introdução da insulinoterapia.
diovasculares. Em alguns estudos populacionais, tem
sido evidenciado que o risco de desenvolver doença BARREIRAS PARA O USO DA INSULINA
coronariana é duas a quatro vezes maior em pacien-
tes com diabetes que em indivíduos não-diabéticos. Apesar do demonstrado benefício aos pacientes
Outro fator preocupante se relaciona à constatação como uma das formas mais efetivas de prevenção
de que, apesar de ter sido observada redução da mor- das complicações crônicas do diabetes, além de me-
talidade por infarto do miocárdio nos pacientes não- lhoria do bem-estar e da qualidade de vida, observa-
diabéticos, as taxas de mortalidade por infarto do se com muita freqüência alguma resistência por par-
miocárdio em pacientes diabéticos, especialmente te dos pacientes e mesmo do próprio médico à intro-
mulheres, vêm se elevando. dução da insulinoterapia. Por parte do paciente, des-
O papel da hiperglicemia para a gênese das com- tacam-se como principais barreiras o temor das pi-
plicações tem sido nitidamente demonstrado por di- cadas das injeções, a associação do uso de insulina à
versos estudos epidemiológicos de longo prazo, como piora da doença, e, muitas vezes, alguns mitos, como
“United Kingdom Prospective Diabetes Study” a associação do uso de insulina ao desenvolvimento
(UKPDS), Kumamoto e “Diabetes Control and Com- de cegueira e o risco de que ao iniciar o uso de insu-
plications Trial” (DCCT), que observaram menor lina os antidiabéticos orais não podem mais ser utili-
incidência dessas complicações em pacientes com zados pois o paciente se torna dependente da mes-
manutenção de melhor controle metabólico obtido ma. Por parte do médico, a principal barreira baseia-
por meio de tratamento intensivo. O tratamento atu- se na falta de experiência com a insulinização e o
al tem como estratégia principal maior rigor do con- medo de provocar episódios hipoglicêmicos. Procu-
trole glicêmico, que deverá ser mantido em níveis rando convencer o médico a evitar a introdução da
que espelhem as variações glicêmicas fisiológicas insulina, muitos pacientes acabam propondo uma ne-
ou que deles mais se aproxime desde as fases inici- gociação com o médico, no sentido de maior disci-
ais da doença, quando ainda é praticamente assinto- plina dietética ou posológica, ou mudando de médi-
mática e com predomínio de alterações glicêmicas co, com o objetivo de manter a terapia oral, poster-
pós-prandiais. Com base nessas evidências, as di- gando, dessa forma, a melhoria de seu controle gli-
versas entidades científicas da especialidade reco- cêmico e aumentando seu risco de desenvolver com-
mendam que em todos os pacientes com diabetes se plicações. O primeiro passo a ser dado para que se
busque a manutenção de bom controle glicêmico sus- consiga introduzir a insulinoterapia, portanto, é a
tentado, procurando manter os valores de hemoglobina conscientização do médico da real necessidade da
glicada abaixo de 7% ou 6,5%. Assim, sempre que o insulinoterapia, o que será fundamental para que o
controle glicêmico deixar de ser mantido pelo uso isola- paciente tenha boa receptividade para com a nova
do de drogas antidiabéticas orais ou dietas, a introdução forma de terapia de seu diabetes. Nessas condições,
da insulina é indicada, motivo pelo qual tem sido obser- o médico deverá procurar informar o paciente quan-
vado aumento e maior precocidade da insulinoterapia to aos reais benefícios da nova terapêutica e iniciar a
em portadores de diabetes melito do tipo 2. insulinização de forma gradual, evitando a insulini-
zação intensiva imediata. Geralmente a maior ade-
COMO E QUANDO INICIAR O USO rência a essa terapia é facilitada quando, após sua
DA INSULINA NO DIABETES MELITO introdução, o paciente passa a reconhecer melhora
DO TIPO 2 acentuada de seu bem- estar.

Em alguns pacientes portadores de diabetes me- PREPARAÇÕES INSULÍNICAS


132 lito do tipo 2, a introdução da terapia insulínica logo
após o diagnóstico é indicada quando os níveis de
DISPONÍVEIS

RSCESP glicose plasmática estão muito elevados, especial- A introdução da insulina para o tratamento do
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diabetes, em 1921, modificou a evolução da doença. mais prolongada, para cobrir períodos de jejum no- Insulinoterapia em
Os indivíduos que se tornavam diabéticos morriam turno. Por causa do início mais tardio e do tempo pacientes com doença
em pouco tempo por desnutrição ou coma. As insu- mais prolongado em relação ao perfil da insulina
linas eram inicialmente obtidas a partir de pâncreas pancreática fisiológica, pode não cobrir adequada-
arterial coronariana e
de porco e de boi; posteriormente, com a evolução mente o pico glicêmico pós-prandial e causar hipo- diabetes do tipo 2
da tecnologia, surgiu a insulina humana por meio da glicemia algumas horas após a refeição. Uma forma
técnica de DNA recombinante. Atualmente temos os de adequação fisiológica para seu uso é que seja apli-
análogos de insulina, que são obtidos pela modifica- cada 30 a 60 minutos antes das refeições. Essa é a
ção da seqüência de aminoácidos na cadeia da insu- tentativa de adequar a farmacocinética da absorção
lina humana. de insulina com o pico da absorção de hidrato de
As preparações insulínicas atualmente disponí- carbono após a refeição, de modo que esse retardo
veis podem ser divididas conforme sua origem e perfil na absorção da insulina regular pode limitar sua efe-
de ação. Quanto a sua origem, as insulinas tradicio- tividade em controlar a glicemia pós-prandial.
nalmente eram obtidas a partir de pâncreas bovino Análogos de ação ultra-rápida
ou suíno, que, entretanto, vêm sendo gradualmente Nesse grupo encontram-se os análogos sintéti-
substituídas por insulinas sintéticas, cujas vantagens cos de insulina lispro e aspart, que foram obtidos por
são: maior pureza, menor antigenicidade, menor ris- bioengenharia alterando a configuração molecular
co de contaminações decorrentes do fato de sua ori- da insulina.
gem ser de outra espécie animal, e poder, em sua Na insulina lispro (Humalog®), o aminoácido pro-
preparação, ser modificadas molecularmente para se lina na posição 28 troca de posição com o aminoáci-
obter um perfil de ação que melhor se espelhe a se- do lisina na posição 29 da cadeia beta, modificando
creção insulínica fisiológica. Quanto ao perfil de ação, a estrutura espacial da cadeia de insulina. O rearran-
atualmente dois grandes grupos de insulinas estão jo desses aminoácidos reduz a capacidade de auto-
disponíveis: as insulinas de ação rápida e as insuli- agregação da insulina no tecido celular subcutâneo,
nas de ação prolongada. Na Tabela 1 estão apresen- resultando em absorção mais rápida da insulina e
tadas as insulinas disponíveis comercialmente no duração mais curta de sua ação em relação à insulina
mercado brasileiro. regular, quando administrada por via subcutânea.
Como resultado, seu pico de ação é significantemente
Insulinas de ação rápida maior e mais precoce que o da insulina regular. Na insu-
Insulina regular lina aspart (Novorapid®), o aminoácido aspartato subs-
A insulina de ação curta, simples, regular ou R titui a prolina na posição 28 da cadeia B. Essa mudança
foi a primeira insulina a ser utilizada. Por ter seu introduz uma carga negativa que diminui a auto-agrega-
pico de ação entre uma e duas horas e retorno ao ção das moléculas. A insulina aspart apresenta declínio
basal em seis a oito horas, tem sido tradicionalmente em sua concentração um pouco mais lento.
utilizada para o controle rápido da hiperglicemia e O uso clínico dos dois análogos é equivalente e
da hiperglicemia pós-prandial e no uso de infusões suas doses e horários de aplicação devem ser sempre
contínuas em soluções salinas. Por ter seu tempo de individualizados. Ambas são usadas antes das refei-
ação curto, geralmente é associada a insulinas de ação ções, com a finalidade de corrigir os picos pós-pran-

Tabela 1 - Insulinas disponíveis comercialmente no Brasil

De ação rápida
- Análogo de insulina ultra-rápida (UR) Humalog, Novo Rapid
- Insulina humana rápida (R) Humulin R, Novolin R
De ação lenta
- Insulina de ação intermediária
Insulina humana NPH (N) Humulin N, Novolin N
Insulina humana lenta (L) Humulin L, Novolin L
- Análogo de insulina ultralenta
Glargina Lantus
Detemir Levemir
Pré-misturas (UR + N)
- 75/25 Humalog Mix 25
- 70/30 Novo Mix 30 133
Insulina inalada Exubera RSCESP
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Insulinoterapia em diais de glicose depois da refeição; e em decorrência da humana, é a das insulinas de origem animal, que,
pacientes com doença de seu tempo de ação mais curto, causam menos fre- por sofrerem alterações sintéticas de seus aminoáci-
qüentemente hipoglicemia no período pós-prandial. dos, apresentam configuração molecular semelhan-
arterial coronariana e Os análogos de ação ultra-rápida demonstram me- te à humana. São também conhecidas como insuli-
diabetes do tipo 2 nor variabilidade de absorção no local da injeção e nas humanizadas. A insulina humana NPH é a pre-
menor variação intra ou entre pacientes quando com- paração insulínica com início em uma a três horas,
parados à insulina regular. De forma semelhante à pico em cinco a sete horas e duração de ação entre
insulina regular, geralmente é utilizada em associa- 13 e 16 horas após a aplicação subcutânea, sendo
ção com a insulina de ação prolongada, sendo utili- mais rápida que a insulina NPH animal.
zada nos esquemas de infusão de insulina contínua Análogos de ação lenta e ultralenta
em pacientes hospitalizados e para o uso de bombas A necessidade de uma insulina basal, de perfil
de infusão contínua subcutânea ambulatorial. menos variável e mais consistente, com período de
ação prolongado, levou ao desenvolvimento de aná-
Insulinas de ação prolongada logos de ação prolongada: a insulina glargina e a in-
Insulina NPH e lenta sulina levemir. Na insulina glargina, a molécula de
São insulinas que têm seu perfil de ação mais insulina sofreu modificação, com a substituição do
prolongado, visando à maior cobertura diária de in- aminoácido glicina na posição 21 da cadeia A pela
sulinização e à cobertura dos períodos de jejum pro- asparagina e a adição de duas moléculas de arginina
longado. Seu maior tempo de ação baseia-se no re- na posição 30 da cadeia B. Pelo seu elevado ponto
tardamento de sua absorção subcutânea pela adição isoelétrico e pH ácido, é liberada lentamente no teci-
de protamina e zinco e por diferentes formas de sua do subcutâneo, aumentando seu longo tempo de ação.
cristalização, e pelo fato de sua ação não perdurar as Comparada à NPH, a insulina glargina resulta em
24 horas são também designadas como insulinas de prolongada absorção e mostra discreto pico de iní-
ação intermediária. As duas formas mais utilizadas cio da ação. A velocidade de absorção da insulina
são a insulina “neutral protamin Hagedorn” (NPH) nos diferentes locais de aplicação não se mostrou
e a insulina lenta. A insulina NPH ou isofana foi de- diferente, como também não há sinais de que a mes-
senvolvida em 1946, e por seu perfil farmacocinéti- ma se acumula após múltiplas injeções. Também não
co é utilizada geralmente uma a duas vezes por dia, há alteração do padrão de ação, independentemente
pela manhã e à noite, associada ou não à insulina dos horários de aplicação (pela manhã, no jantar ou
rápida. Alguns autores sugerem que, em função dos à noite, ao deitar). Estudos farmacodinâmicos de-
hábitos alimentares de diferentes populações, espe- monstram que a ação da insulina glargina dura em
cialmente quando o almoço constitui a principal re- média 22 a 24 horas. Apesar de os estudos não en-
feição, as doses da insulina intermediária poderão contrarem diferenças significativas no controle gli-
ser fracionadas em três doses diárias, antecedendo o cêmico quando a glargina foi comparada a pacientes
café da manhã, o almoço e o jantar. Outra insulina utilizando insulina NPH, foi observada queda expres-
de ação intermediária é a insulina lenta, introduzida siva do risco de hipoglicemia no horário noturno.
comercialmente na década de 1950, cujo aumento A insulina detemir foi outro análogo de insulina
de ação se baseia na sua forma diferente de cristali- de ação longa desenvolvido, mas utilizando uma téc-
zação. Apresenta perfil semelhante ao da insulina nica diferente das anteriores, ou seja, a ligação à al-
NPH, obtido por outra tecnologia, sendo seu uso bumina. Um ácido graxo alifático foi “acilado” ao
menos comum em nosso meio. A insulina ultralenta aminoácido B29 (lisina) e o aminoácido B30 (treo-
baseia-se no prolongamento do tempo de ação da nina) foi removido. Essas alterações resultaram na
insulina intermediária de origem animal, pela dife- possibilidade de ocorrer ligação reversível entre a
rente proporção de cristais de zinco, e seu tempo de albumina e o ácido graxo acilado introduzido na
ação ultrapassa 24 horas. No momento não são dis- molécula da insulina. Após a aplicação subcutânea
poníveis comercialmente em nosso meio. Entretan- da detemir e depois de sua passagem para a corrente
to, essa é uma das formulações de insulina que apre- sanguínea, 98% dessa insulina ligam-se à albumina,
sentam grande variabilidade em sua absorção, po- circulando ligada a essa proteína e somente a fração
dendo estar associada, em alguns pacientes, a gran- livre está disponível para interagir com o receptor da
de variabilidade no controle da glicemia. insulina. A liberação gradual de sua fração ligada à
Insulina humana albumina permite a manutenção e o prolongamento
Apresenta perfil de ação semelhante ao das insu- da ação da detemir. O perfil de ação da insulina dete-
linas intermediárias N e L, mas é produzida sinteti- mir é caracterizado por um pico de atividade entre
camente por bioengenharia molecular. Por ser mais seis e oito horas e duração de ação em torno de 24
134 pura e menos antigênica, além de permitir maior pro-
dução em escala, tende a substituir as insulinas de
horas após sua aplicação subcutânea. Comparada à
NPH, a insulina detemir é absorvida mais lentamen-
RSCESP origem animal. Outra forma de insulina, denomina- te e não apresenta pico de ação pronunciado. Além
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disso, tem demonstrado menor variabilidade intra- sol, tendo perfil semelhante ao da insulina regular, Insulinoterapia em
paciente e menor risco de hipoglicemia. É utilizada tanto por sua efetividade como por seus efeitos cola- pacientes com doença
com insulina basal em uma ou duas aplicações diári- terais. Sua ação se assemelha à da insulina injetável
as, pela manhã e à noite. Os análogos de ação lenta, de ação rápida e pode ser associada ao uso de antidi-
arterial coronariana e
usados como insulina basal combinada aos análo- abéticos orais ou a insulinas basais. diabetes do tipo 2
gos de ação ultra-rápida (lispro, aspart) nas refeições,
são provavelmente o modelo terapêutico mais fisio- ESTRATÉGIAS DE INSULINIZAÇÃO
lógico de reposição de insulina disponível para paci-
entes que não utilizam bomba subcutânea de infu- Basicamente são três as etapas de insulinização:
são contínua de insulina . uso de insulina e antidiabéticos orais, insulinização
convencional e insulinização intensiva (basal/bolo).
Pré-misturas de insulinas Neste artigo serão abordadas apenas a segunda e a
Com o objetivo de melhorar a aderência e a ope- terceira etapas.
racionalidade dos pacientes que utilizam as misturas
de insulina (com diferentes períodos de ação), exis- Insulinização convencional
tem preparações insulínicas que apresentam dois ti- No esquema convencional estão incluídos os pa-
pos de ação (rápida e lenta) pré-misturados no mes- cientes que utilizam uma a duas aplicações de insu-
mo frasco. lina NPH por dia, associada ou não a insulina regu-
Atualmente encontra-se no mercado somente a lar. Esse modelo terapêutico, tão utilizado até a dé-
pré-mistura de análogos: Humalog Mix® 75/25, cons- cada de 1980, está associado a níveis mais elevados
tituída de 75% de “neutral protamine lispro” (NPL), de hemoglobina glicosilada (HbA1c) e a maior risco
equivalente a uma insulina monomérica com perfil de complicações microvasculares, e, por isso, tem
de atividade semelhante ao da insulina NPH e 25% sido abandonado. Na década de 1990, para evitar a
de insulina lispro; e NovoMix® 70/30, com 70% de hipoglicemia noturna tão comum após a aplicação
“protaminated insulin aspart” (PIA) e 30% de as- de insulina NPH associada a insulina regular no jan-
part. Os análogos pré-mistura podem controlar os tar, separou-se a insulina NPH da regular no jantar,
níveis de glicemia tanto basal como prandial, sem transferindo-se a insulina NPH para o horário de dor-
aumentar o risco de hipoglicemia, devendo ser ad- mir (“bedtime”).
ministrados antes das refeições. Embora não exista uma fórmula determinada para
se estabelecer as necessidades diárias de insulina, a
Insulina inalada dose recomendada varia de 0,5 U/kg a 1 U/kg de
Uma nova via alternativa para o uso da insulina é peso divididas em duas aplicações para a insulina
a insulina administrada por via inalatória (pulmo- NPH (dois terços pela manhã e um terço às 22 ho-
nar). A insulina é utilizada em forma de pó ou aeros- ras), uma aplicação para a insulina glargina e uma a

Tabela 2 - Período e tempo de ação das preparações de insulina

Insulina Início de ação Pico Duração efetiva

Ultra-rápida
- Lispro 5-15 minutos 30-90 minutos 5 horas
- Aspart
Rápida
- Regular 30-60 minutos 2-3 horas 5-8 horas
Intermediária
- NPH 2-4 horas 4-10 horas 10-16 horas
Lenta/plana
- Glargina
- Levemir 2-4 horas Sem pico 20-24 horas
Pré-mistura
- 75% NPL/25% lispro 5-15 minutos Duplo 10-16 horas
- 70% NP/30% aspart 5-15 minutos Duplo 10-16 horas
Inalada 10-20 minutos 30-90 minutos 6 horas
135
NPH = “neutral protamin Hagedorn”; NPL = “neutral protamine lispro”.
RSCESP
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Insulinoterapia em duas aplicações para a insulina detemir. na. No cálculo da dose de insulina de ação rápida
pacientes com doença O ajuste da dose é feito pela média da glicemia antes das refeições, deve-se levar em consideração a
de jejum de três dias para a dose noturna de NPH e glicemia pré-prandial e a quantidade de carboidrato
arterial coronariana e para as doses de insulina glargina e detemir. Para o que será ingerida na refeição.
diabetes do tipo 2 ajuste da dose da manhã da insulina NPH, deve-se Os análogos de insulina de ação longa (glargina
levar em consideração a glicemia medida antes do e detemir) têm demonstrado algumas vantagens como
jantar. O ajuste pode ser feito conforme apresentado insulina basal. A conveniência da utilização em dose
na Tabela 3. única (apesar de alguns pacientes necessitarem de
duas doses diárias com detemir), o fato de não apre-
sentarem pico de ação e, com isso, diminuírem de
Tabela 3 - Ajuste da dose de insulinização modo significativo a gravidade e a freqüência das
hipoglicemias, e a vantagem da maior flexibilidade de
Glicemia Ajuste da dose de insulina vida na utilização dessas insulinas (o paciente pode omitir
uma refeição ou atrasá-la sem riscos) associadas às in-
< 80 mg Diminuir 1-2 UI sulinas de ação rápida têm sido as razões para a prefe-
80-100 mg Manter a dose rência de muitos médicos e pacientes para esse modelo
100-180 mg Aumentar 2-4 UI terapêutico. O cálculo da dose de insulina basal é o mes-
180-250 mg Aumentar 4-8 UI mo que o da insulinização convencional.

Insulinização Tabela 4 - Sugestões de esquemas de aplicações diárias múltiplas de insulina


intensiva
O conceito de Antes do Antes do Antes do À noite,
tratamento insulí- desjejum (manhã) almoço jantar ao deitar
nico intensivo in-
clui, além de re- Bolo Bolo Bolo Basal*#
posição mais fisi- Basal*# + bolo Bolo Bolo Basal*
ológica da insuli- Basal* + bolo Bolo Basal*
na (basal/bolo ou Basal* + bolo Basal*+ bolo Bolo Basal*
infusão contínua),
monitorização da Bolo: insulina regular, lispro ou aspart.
glicemia (pelo * Basal: insulina NPH.
menos três a qua- # Basal: glargina ou detemir.
tro vezes por dia),
orientação nutricional com contagem de carboidra- EFEITOS COLATERAIS DO
tos, treinamento para o auto-ajuste das doses de in- TRATAMENTO INSULÍNICO
sulina, e solução dos problemas diários com a suple-
mentação de insulina. Nesse conceito poderia também Os principais efeitos colaterais do tratamento com
ser incluída a realização de um exercício regular. a insulina são: hipoglicemia, lipodistrofia e aumento
O modelo basal/bolo procura simular o padrão de peso corporal.
fisiológico de secreção de insulina em resposta à in-
gestão alimentar, por meio da aplicação de insulina Hipoglicemia
de curta ação (regular) ou de análogos de ação rápi- É a complicação mais freqüente e temida do tra-
da (lispro ou aspart) antes das refeições, e de secre- tamento com insulina. A maioria dos pacientes apre-
ção de insulina basal por meio da NPH (de preferên- senta sintomas ou sinais de hipoglicemia quando
cia três aplicações por dia) ou dos análogos de ação valores da glicose plasmática estão iguais ou inferi-
longa (glargina ou detemir). Além disso, inclui do- ores a 60 mg/dl. Entretanto, episódios repetidos de
ses extras de insulina suplementar para correção de hipoglicemia grave, longo tempo de diagnóstico do
eventuais flutuações das glicemias. Existem várias diabetes melito e neuropatia autonômica são fatores
possibilidades terapêuticas de reposição insulínica de risco para hipoglicemias assintomáticas graves.
para o regime basal/bolo, como pode ser observado O risco de hipoglicemia grave estava inversamente
na Tabela 4. relacionado aos valores de HbA1c .
Alguns trabalhos demonstraram que, com a subs-
tituição da insulina regular pelas insulinas de ação Lipoatrofia e lipo-hipertrofia
136 rápida, apesar de haver diminuição significativa das A utilização atual de preparações insulínicas com
hipoglicemias, não foi observada diferença signifi- elevado grau de pureza diminuiu acentuadamente os
RSCESP cante da HbA1c entre as duas preparações de insuli- casos de lipoatrofia nos locais de aplicação. Atual-
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mente os casos mais freqüentes são de lipo-hipertro- como contagem de carboidratos, cálculo de bolo de Insulinoterapia em
fia decorrente da aplicação repetida de insulina no insulina, ajuste de doses em bomba de infusão contínua, pacientes com doença
mesmo local. Esses locais, com as aplicações repeti- ajuste de doses para exercício, e conduta a ser adotada
das, vão se tornando menos dolorosos, pelo desen- em caso de infecção (viroses) e de hipoglicemia.
arterial coronariana e
volvimento de tecido fibroso, e ganham a preferên- diabetes do tipo 2
cia dos pacientes. No entanto, a absorção de insulina COMO INTRODUZIR A
desses locais pode se tornar errática e imprevisível. INSULINIZAÇÃO DO PORTADOR DE
A rotação do local de aplicação pode impedir o de- DIABETES MELITO DO TIPO 2
senvolvimento de lipo-hipertrofia. Deixando-se de EM USO DE ANTIDIABÉTICOS ORAIS
aplicar insulina nesses locais, o excesso de tecido
pode regredir com o tempo. Uma das estratégias mais utilizadas de início de
insulinização baseia-se no esquema proposto por Yki-
Ganho de peso Järvinen e colaboradores,1 que introduziram uma
Os efeitos lipogênicos da insulina associados à dose noturna de 0,15/kg de peso ou 10 UI ao deitar,
diminuição da glicosúria (perda de calorias na uri- mantendo-se a terapia diurna com antidiabéticos
na) e a ingestão de carboidratos para correção das orais. Seus resultados demonstraram maior efetivi-
hipoglicemias são fatores que podem levar ao ganho dade quando a insulina foi combinada a metformi-
de peso durante o uso da insulina. Um programa re- na, sendo a redução dos níveis de HbA1c após 12
gular de dieta e de exercícios pode colaborar para semanas significantemente mais pronunciada que a
evitar esse outro potencial efeito colateral do uso da observada com o uso isolado da insulina. Ao se utili-
insulina. zar a combinação de insulina com acarbose ou com
Outros efeitos adversos menos freqüentes asso- sensibilizadores de insulina, é recomendada maior
ciados ao uso da insulina são a hipersensibilidade cautela com relação a episódios de hipoglicemia.
retardada e o edema insulínico. Caso não sejam obtidos os objetivos glicêmicos, a
dose de insulina noturna deverá ser titulada, avalian-
CONDIÇÕES ACESSÓRIAS do-se os níveis glicêmicos matinais em jejum. Per-
FUNDAMENTAIS PARA O SUCESSO sistindo o controle insatisfatório, é indicada a intro-
DA INSULINIZAÇÃO dução de doses adicionais de insulina no período diur-
no, mantendo-se os antidiabéticos orais ou, se ne-
O bom controle glicêmico depende fundamen- cessário, introduzindo-se a insulinização intensiva,
talmente de sistemática monitorização glicêmica com a associação de uma ou duas doses de insulina
domiciliar pelo paciente e de adequado adestramen- basal (NPH, glargina ou detemir) a doses de insulina
to do paciente em relação ao ajuste da dose de insu- rápida ou ultra-rápida (lispro ou detemir) antes das
lina, à freqüência da monitorização e ao reconheci- refeições com base na monitorização das glicemias
mento de seus sintomas e sinais, o que auxiliará o capilares determinadas por tiras reagentes e ajusta-
médico a decidir sobre a melhor estratégia de insuli- das para as quantidades de carboidratos das refei-
nização. Pacientes apenas em dieta ou em uso de ções. Uma estratégia alternativa mais simples e que
pequeno número de medicações orais (uma ou duas) exige menor número de injeções, portanto de me-
com bons níveis de A1c podem realizar controles lhor receptividade por parte do paciente, consiste na
uma vez por dia em horários diferentes. Quando há utilização de doses pré-misturadas de insulina de ação
aumento da A1c a níveis nos quais se faz necessária intermediária com insulina rápida ou ultra-rápida (lis-
intervenção na terapêutica, pode ser necessário in- pro ou detemir), respectivamente na proporção de
tensificar a monitorização a fim de determinar quais 70/25 UI ou 70/30 UI em uma, duas ou três aplica-
períodos do dia exigem modificação terapêutica. É ções antes do café da manhã, do almoço e do jantar,
aconselhável monitorizar a glicemia em jejum e duas tituladas em função dos valores obtidos pela moni-
horas após as refeições, pela importância dos picos torização glicêmica.
pós-prandiais de glicose e de complicações cardio-
vasculares. CONCLUSÃO
O diabetes melito tornou-se uma afecção que re-
almente exige abordagem que envolve a participa- Em conclusão, apesar de a terapia baseada em
ção ativa do próprio paciente e de seus familiares, e mudanças do estilo de vida associadas ou não ao uso
que só pode ser efetiva com treinamento sólido des- de antidiabéticos orais permitir adequado controle
tes para realizá-la e até mesmo tomar algumas deci- glicêmico, observa-se tendência crescente à intro-
sões terapêuticas. O paciente deve ter acesso a todas dução mais freqüente e mais precoce de insulinote-
as informações necessárias para automonitorização, rapia nos portadores de diabetes melito do tipo 2. 137
RSCESP
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LERARIO AC e col.
Insulinoterapia em
pacientes com doença
arterial coronariana e
INSULIN THERAPY IN PATIENTS WITH CORONARY
diabetes do tipo 2 ARTERY DISEASE AND TYPE 2 DIABETES MELLITUS

ANTONIO CARLOS LERARIO


ROBERTO TADEU BARCELLOS BETTI

Type 2 diabetes mellitus is an important risk factor for the development and worsening of
cardiovascular disease outcomes. Although epidemiologically associated with cardiovascular
disease, control of fast and overall hyperglycemia is not always obtained. In these patients
introduction of insulin therapy is mandatory. Since some degree of pancreatic insulin secretion
could persist and frequently there is some resistance among type 2 diabetes mellitus patients to
accept insulin injections, insulin is usually initiated by a single dose of long acting insulin
injection at bedtime maintaining daily anti-diabetic oral agents. If adequate glycemic control is
not achieved complete insulinization is indicated being anti-diabetic oral agents substituted by
basal bolus insulin regimen that is consisted on the combination of short action insulin bolus
administered before meals and 1 or 2 daily basal insulin injections, being the insulin dose
adjusted by home glycemic auto-monitorization. An intermediate alternative strategy to intensive
basal insulinization is the use of pre-mixed rapid/lent insulin or inhaled insulin before main
meals. The more frequently observed adverse effects of insulinization are: hypoglycemia,
lipodistrophy and increased body weight gain. New available synthetic long and short acting
insulin analogs, that better mirrors the pancreatic physiological insulin, permit an improvement
in glycemic control with less hypoglycemia, lipodistrophy and lower antigenicity. Since an
adequate glycemic management in several type 2 diabetes mellitus patients is not easily achieved
only by lifestyle changes and anti-diabetic oral agents use, the introduction of insulin therapy
should be more frequently and precociously indicated.

Key words: insulin therapy, type 2 diabetes mellitus, coronary artery disease.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:131-8)
RSCESP (72594)-1651

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RSCESP
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ATUALIZAÇÃO EM CARTA DA
CARDIOPATIAS CONGÊNITAS EDITORA
O estudo das cardiopatias congênitas foi importantemente incrementado a partir do CONVIDADA
desenvolvimento da cirurgia cardíaca, de tal forma que o grupo de pacientes que, numa fase
inicial, se restringia aos lactentes e crianças maiores hoje abrange desde os neonatos até os
adultos, gerando a necessidade de maior conhecimento e melhor acompanhamento dos pacientes.
Entretanto, não podemos nos esquecer da Cardiologia Fetal, que muito tem se desenvolvido e
que vem colaborando de forma clara para alguns dos avanços pós-natais.
Sem dúvida nenhuma, o advento da circulação extracorpórea, as novas técnicas cirúrgicas e
os recursos tecnológicos incorporados ao tratamento das diversas cardiopatias congênitas,
especialmente aquelas de maior complexidade, modificaram decisivamente o cenário desse
segmento da Cardiologia.
Dessa forma, os pacientes operados ainda no período neonatal, na infância, na adolescência
ou na idade adulta recebem cuidados mais específicos, que visam a oferecer a melhor sobrevida
possível para cada caso.
Considerando a melhoria da indicação cirúrgica no momento mais adequado, o avanço
técnico e os cuidados pós-operatórios mais refinados, fica evidente a menor morbidade e a
menor mortalidade, evidenciando-se, conseqüentemente, o aumento do número de adolescentes
e adultos em consultórios de cardiologistas pediátricos buscando orientação sobre atividade
física e utilização de métodos anticoncepcionais.
Preocupados com esses aspectos pouco conhecidos para o cardiologista clínico geral, que,
muitas vezes, é procurado por esse grupo de pacientes, achamos pertinentes as abordagens da
dra. Maria Aparecida de Paula Silva sobre “Gravidez e anticoncepção” e do dr. Carlos Alberto
C. Hossri sobre “Atividade esportiva nas cardiopatias congênitas”.
Como dissemos no início, a cirurgia tem papel fundamental no estado atual do estudo das
cardiopatias congênitas, e nada mais adequado que atualizar o tratamento de algumas delas por
meio do artigo escrito pelos drs. Marcelo B. Jatene, Patrícia M. Oliveira e Rafael A. Moysés.
Não é possível falar em atualidades na Cardiologia Pediátrica e não enfocar as arritmias e
seus tratamentos, e para isso contamos com a colaboração do experiente grupo do dr. José
Carlos Pachón Mateos.
Outro aspecto que muitas vezes leva o paciente ao cardiologista geral, uma vez que é
evidenciado na idade adulta ou na adolescência, é a relação entre embolia paradoxal e enxaqueca
com a presença de forâmen oval patente, assunto esse enfocado pela dra. Célia Maria C. Silva
e colaboradores.
Gostaria de agradecer à Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo a
oportunidade de participar desta edição, que permite difundir o que se tem feito atualmente na
Cardiologia Pediátrica.

Ieda Biscegli Jatene


Editora Convidada

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RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
SILVA MAP
Gravidez e
anticoncepção
GRAVIDEZ E ANTICONCEPÇÃO

MARIA APARECIDA DE PAULA SILVA

Seção de Cardiopediatria – Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência:


Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Ibirapuera – CEP 04012-180 – São Paulo – SP

Com a maior experiência no manuseio das cardiopatias congênitas, a expectativa de vida


aumentou e, com isso, o número de mulheres em idade fértil, operadas ou não. Nesta
revisão, procurou-se correlacionar as alterações fisiológicas da gravidez, parto e puerpério
com as cardiopatias congênitas: os problemas materno-fetais resultantes, a anticoncepção e
a prevenção da endocardite infecciosa.
O resultado para a mãe e para o feto vai depender de: tipo de defeito e sua repercussão
hemodinâmica; da correção cirúrgica prévia e seu resultado; presença e grau de hipertensão
pulmonar; presença e grau de cianose e hipóxia; função ventricular; e presença ou não de
arritmias.

Palavras-chave: gravidez, cardiopatias congênitas, anticoncepção.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:140-9)


RSCESP (72594)-1651

INTRODUÇÃO feto. Filhos de mães cardiopatas têm 5% a 6% de


chance de nascerem com lesão cardíaca, compa-
O impacto e o resultado da gravidez em mu- rativamente a 1% da população geral.5
lheres portadoras de cardiopatias congênitas cons-
titui intrigante jogo entre as fisiologias respirató- ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS DA
ria e circulatória e a fisiopatologia dos defeitos GRAVIDEZ NORMAL E EM CARDIOPATAS
congênitos. Nesse jogo, devem ser vencedores a
mãe, que tem seu coração submetido a sobrecarga Gravidez, parto e puerpério acarretam impor-
de trabalho e a alterações hormonais da gravidez, tantes alterações hemodinâmicas no organismo
e o feto, que é exposto aos riscos que ameaçam materno. Na gravidez normal, o aumento do débi-
sua viabilidade e também ao risco de herdar ano- to cardíaco atinge 30% a 50%, resultado do au-
malias genéticas transmitidas ao coração e à cir- mento do volume plasmático e da freqüência car-
culação (Fig. 1).1, 2 díaca (cerca de 10 batimentos por minuto). Insta-
A malformação cardíaca congênita é a forma la-se anemia relativa em decorrência do aumento
predominante de doença cardíaca encontrada na de hemácias de 20% a 30% em comparação ao
gravidez, representando 10% do total, e é respon- maior aumento de plasma. A atividade hormonal
sável por 0,5% a 1% das mortes por causas não- e a baixa resistência feto-placentária fazem cair a
obstétricas.3, 4 A população de mulheres adultas resistência vascular sistêmica e a pressão arterial,
com cardiopatias, operadas ou não, é crescente pela também afetada pela diminuição do retorno veno-
maior facilidade de diagnóstico e aprimoramento so. O aumento das necessidades metabólicas da
mãe e do feto eleva o consumo de oxigênio em
140 das técnicas de tratamento. O conhecimento exa-
to das anormalidades anatômicas e funcionais aproximadamente 30%.6, 7
RSCESP maternas é determinante do sucesso para mãe e No pré-parto e no parto, o débito cardíaco che-

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SILVA MAP
ga a aumentar 80% em Gravidez e
relação ao período antes anticoncepção
da gestação, em decor-
rência do aumento da
freqüência cardíaca (dor
e ansiedade) e do adici-
onal aumento do volume
sanguíneo resultado da
contração uterina (300
ml a 500 ml). No puer-
pério, apesar das perdas
sanguíneas (500 ml
quando o parto é nor-
mal), há aumento do dé-
bito cardíaco secundário
à contração uterina, e
aumento da resistência
vascular periférica e do
retorno venoso sistêmi-
Figura 1. Gravidez e anticoncepção: riscos maternos.
co. Em mulheres nor-
mais, os ajustes são bem
tolerados, o que nem
sempre acontece em cardiopatas. Nesse grupo, destaca-se a tetralogia de Fallot de
Dois pontos fundamentais comandam as com- boa anatomia, a atresia pulmonar com septo ven-
plicações cardiovasculares na gestação: a função tricular aberto e circulação sistêmico-pulmonar
miocárdica e a presença, ou não, de cianose. colateral, a anomalia de Ebstein, e, mais raramen-
O grau de disfunção miocárdica tem estreita te, a conexão atrioventricular univentricular e ou-
relação com o prognóstico materno e fetal, sendo tras.
a classificação da “New York Heart Association” Complicações clínicas podem ocorrer durante
usada como preditor dos riscos. A mortalidade a gestação. Destacam-se a poliglobulia e a ane-
materna em mães em classes I e II é inferior a 1%, mia, as discrasias sanguíneas, os acidentes cere-
e os problemas surgem em classes III e IV, com brovasculares, os abscessos cerebrais e a deterio-
mortalidade materna de 6,8% e fetal de 30%.8 A ração miocárdica hipóxica, levando a insuficiên-
síndrome hipercinética da gravidez é fator desen- cia cardíaca e arritmias. Em alguns casos, a queda
cadeante ou precipitante de quadros de insufici- da resistência sistêmica associada à hipotensão e
ência cardíaca em corações com sobrecargas vo- à anemia fisiológica da gravidez precipitam cri-
lumétricas das cardiopatias de “shunt” ou com dis- ses de hipóxia, aumentando o risco materno e fe-
funções sistólica ou diastólica dos defeitos obs- tal.
trutivos.
Entre as cardiopatias congênitas cianogênicas CARDIOPATIAS CONGÊNITAS
que cursam com insuficiência cardíaca na vida ACIANOGÊNICAS E GRAVIDEZ
adulta, destacam-se a anomalia de Ebstein e a sín-
drome de Eisenmenger. A primeira, muitas vezes Dois grupos principais de cardiopatias serão
não corrigida pela pouca repercussão, instabiliza- enfocadas, considerando os defeitos acianogêni-
se diante das alterações da gravidez, com surgi- cos: as cardiopatias com fluxo pulmonar aumen-
mento ou piora da insuficiência cardíaca, arritmi- tado (“shunts” esquerda-direita) e as cardiopatias
as, poliglobulia e embolia paradoxal. de barreira à direita ou à esquerda. Destaque es-
Uma minoria de pacientes com doença cardía- pecial será dado à síndrome de Marfan, pelas im-
ca cianogênica sobrevive até a vida adulta sem cor- plicações à mãe grávida e ao concepto.
reção. A cianose e a hipóxia comprometem mar- Vários fatores influenciam os “shunts” esquer-
cadamente a evolução tanto materna como fetal. da-direita, destacando-se a idade, a localização do
A má evolução relaciona-se diretamente com o defeito, o tamanho e, fundamentalmente, a rela-
grau de hipoxemia materna, monitorada pelas do- ção entre as resistências vasculares pulmonar e
sagens de hematócrito e hemoglobina e de satura- sistêmica. As conseqüências hemodinâmicas se-
ção arterial de oxigênio. Quando a hemoglobina rão: a insuficiência cardíaca, a sobrecarga volu-
materna é superior a 18 g/dl e o hematócrito é aci- métrica dos ventrículos, o hiperfluxo pulmonar, o
141
ma de 65%, geralmente o feto não sobrevive.9 comprometimento do débito cardíaco e a temida RSCESP
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Gravidez e regurgitações valvares associ-
anticoncepção adas. Fator agravante é a hi-
pertensão pulmonar, com
“shunt” invertido e cianose,
podendo ser necessária a in-
terrupção da gravidez (Fig. 2).

Comunicação
interventricular
Infreqüente na gravidez,
pela alta incidência de fecha-
mento espontâneo e correção
precoce dos casos com reper-
cussão hemodinâmica ou de-
feitos associados. O curso clí-
nico durante a gestação depen-
de do tamanho do defeito, da
resistência vascular pulmonar
e da presença de defeitos as-
Figura 2. Gravidez e anticoncepção: comunicação interatrial. sociados. O “shunt” esquerda-
direita não se altera, porque na
gestação caem as resistências
em ambos os circuitos.12 Le-
hipertensão pulmonar. sões já corrigidas só trazem problemas à gestação
quando existem defeitos residuais, alteração do sis-
Comunicação interatrial tema de condução ou dano miocárdico.
É a malformação mais encontrada na gravidez. Diagnosticada na gravidez, um estudo cuida-
Duas vezes mais freqüente em mulheres, tem evo- doso se impõe, no sentido de se avaliar bem a re-
lução benigna por vários anos, e o advento da hi- percussão hemodinâmica e o grau de hipertensão
pertensão pulmonar é tardio. Apesar disso, sua pulmonar. Recomenda-se controle medicamento-
história natural é muito variada e a deterioração so da insuficiência cardíaca e das arritmias, e pre-
progressiva por sobrecarga do ventrículo direito venção da endocardite infecciosa em caso de ma-
leva a insuficiência cardíaca e disfunções valva- nipulação dentária, genitourinária, procedimentos
res atrioventriculares. Após a quarta década, há cirúrgicos ou infecções intercorrentes. Evitar hi-
aumento da incidência de arritmias supraventri- potensão, comum na anestesia e no pós-parto. A
culares, especialmente fibrilação ou “flutter” atri- presença de hipertensão pulmonar fixa é contra-
ais, resultando insuficiência cardíaca e edema pe- indicação para gestação e indicação de interrup-
riférico, o que aumenta a estase venosa e o risco ção pelo alto risco de morte materna.13
de tromboflebite.10 A hipertensão pulmonar tor-
na-se mais freqüente. Persistência do canal arterial
A sobrecarga de volume e a anemia fisiológi- Cardiopatia de fácil diagnóstico clínico, pelo
ca da gravidez, associadas ao “shunt” esquerda- sopro em maquinaria, pulsos amplos e pressão ar-
direita da comunicação, agravam o trabalho do terial diferencial alargada, é corrigida precocemen-
ventrículo direito. Apesar disso, em comunicações te por cirurgia ou pelo cateterismo terapêutico, com
pequenas a moderadas, a gravidez é bem tolerada, riscos baixos e cura total do defeito.
o que pode não acontecer com comunicações gran- Em canais com repercussão hemodinâmica, a
des ou complicadas com outros defeitos. Surgem gravidez pode ser um fator desencadeante de qua-
insuficiência cardíaca, arritmias ou hipertensão dros de insuficiência cardíaca. A presença de re-
pulmonar. A embolia pulmonar por trombo ou flui- sistência vascular pulmonar fixa eleva muito o ris-
do amniótico pode decorrer de “shunt” reverso, co da gravidez, para a mãe e para o feto. Nesses
mas é raro. Meticuloso cuidado com as pernas mi- casos, o declínio da resistência sistêmica aumenta
nimiza a estase e a possibilidade de trombose11. o “shunt” direita-esquerda por meio do ducto e
Deve ser tratada de preferência na infância. aumenta a insaturação do sangue que chega ao
Quando diagnosticada na gravidez, os cuidados útero (cianose diferencial materna), com alto ris-
142 devem ser voltados para a possibilidade de des- co fetal por hipóxia.11
compensação, arritmias e tromboembolismo. A en- Quando o diagnóstico de canal arterial é feito
RSCESP docardite infecciosa pode ocorrer quando existem na gravidez, só se justifica a interrupção em casos
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Gravidez e
anticoncepção

Figura 3. Paciente de 21 anos de idade, com 18 semanas de gestação. Aortoplastia com sucesso e
implante de stent.

de hipertensão pulmonar grave. Fechamento ci- As alterações hemodinâmicas da gravidez e as


rúrgico ou percutâneo, durante a gestação, em por- conhecidas alterações histoquímicas na média das
tadores de insuficiência cardíaca refratária ao tra- artérias, relacionadas às alterações hormonais da
tamento medicamentoso, pode ser realizado com gestação, parecem precipitar o aparecimento de
pequeno risco para a mãe e para o feto. complicações.14 Aortite ou necrose cística da mé-
dia são fatores que explicam a ruptura ou a dis-
Cardiopatias de barreira secção da aorta. A mortalidade materna encontra-
O principal problema hemodinâmico é a obs- da na literatura variou de 3% a 9% e a fetal, de
trução ao fluxo sanguíneo, em algum ponto de seu 13% a 25%. Isso decorre da incapacidade de a cir-
curso normal. O resultado é o aumento da pressão culação colateral atender às necessidades da uni-
proximal e a diminuição do fluxo distal. Dois gru- dade fetoplacentária.14
pos se destacam: a) as obstruções ao fluxo pulmo- Recomenda-se o tratamento prévio à gestação,
nar; e b) as obstruções à ejeção ventricular esquer- por cirurgia ou dilatação com balão no cateteris-
da, destacando-se as estenoses aórticas e a coarc- mo. Se o diagnóstico é feito em grávidas com evi-
tação da aorta. dências de complicações sérias graves, a gravidez
pode ser interrompida, se em tempo hábil, pelo
Coarctação da aorta risco materno. Se não for possível, recomenda-se
O tipo mais comum no adulto é a coarctação redução rigorosa da atividade física, controle da
simples, em que a vida depende da circulação co- pressão arterial, tratamento imediato da insufici-
lateral. Os efeitos da obstrução levam a hiperten- ência cardíaca e prevenção da endocardite infec-
são arterial cefálica em membros superiores, hi- ciosa com antibioticoterapia. Tratamento percu-
potensão em membros inferiores, e sobrecarga tâneo na gestação é procedimento de risco, mas
pressórica do ventrículo esquerdo. A valva aórti- possível, utilizado como medida salvadora (Figs.
ca bicúspide é a lesão associada mais comum. 3 e 4). A recorrência da coarctação é aumentada em
A história natural mostra a ocorrência de aci- filhos de pais com o defeito, variando de 2% a 6%.15
dentes clínicos, como insuficiência cardíaca, hi-
pertensão arterial e outros mais raros, porém gra- Estenose aórtica
ves, que são os acidentes cerebrovasculares, a en-
docardite, a endarterite, o aneurisma e as rupturas
Estenoses aórticas significantes são incomuns
em mulheres em idade fértil, e a gestação é muito
143
aórticas. mal tolerada. Insuficiência cardíaca abrupta, an- RSCESP
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Gravidez e gina e arritmias po-
anticoncepção dem ser indicação de
aborto terapêutico ou
imediata intervenção
por cateterismo ou
cirurgia.16
A mortalidade
materna pode ser ele-
vada, principalmente
nas estenoses graves,
podendo atingir 17%
e a fetal, 32%. Hipo-
volemia e baixo débi-
to são os maiores ris-
cos potenciais. A ma-
nutenção de adequa-
do retorno venoso é
a
essencial. O decúbi- Figura 4. Gestante de 21 anos submetida a implante de stent na 18 semana de
to lateral esquerdo gestação. Ressonância comprovando o sucesso.
alivia as pressões
exercidas pelo útero
gravídico na aorta e na veia cava inferior, minimi- cardiovasculares formam um amplo espectro, de-
zando as flutuações hemodinâmicas.11 Deve ser corrente de degeneração histológica, sobretudo das
evitada hipotensão postural, anestésica ou secun- fibras elásticas da camada média das artérias, sen-
dária a perdas sanguíneas. Restrição da atividade do o espaço ocupado por fibras colágenas e mate-
física e prevenção de endocardite infecciosa de- rial mucóide, resultando em aneurisma fusiforme
vem ser recomendadas. da aorta, insuficiência aórtica e dissecção. A val-
Merece menção neste tópico a valva aórtica va mitral sofre degeneração mixomatosa, com in-
bicúspide, podendo se manifestar, na gravidez, por suficiência mitral progressiva e maior risco de
dissecção de aneurisma da aorta ascendente ou endocardite infecciosa (Fig. 6).18
endocardite infecciosa, complicada ou não por Dois fatores principais afetam a gravidez na
insuficiência aórtica.17 síndrome de Marfan: a) risco de passagem da con-
dição à prole por herança autossômica dominante
Estenose pulmonar (50%); e b) risco materno, decorrente da adição
Se a obstrução é leve a moderada, a gravidez, dos problemas prévios àqueles proporcionados
o parto e o puerpério são bem tolerados. Em mu- pela gestação (aumento do débito cardíaco e da
lheres com obstru-
ções graves, a sobre-
carga hemodinâmica
da gravidez pode pre-
cipitar falência ven-
tricular direita e arrit-
mias. Nesses casos, o
tratamento percutâ-
neo nas lesões valva-
res ou cirúrgico nas
supra ou subvalvares
pode ser necessário.
O uso prévio de pro-
pranolol evita rea-
ções infundibulares
quando o gradiente
for elevado (Fig. 5)

144 Síndrome de
Marfan Figura 5. Valvoplastia pulmonar em paciente na 31a semana de gestação,
RSCESP As manifestações GDMax 90 mmHg no pré-procedimento e sem gradiente no pós-procedimento.
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pontâneo, baixo peso ao Gravidez e
nascimento e parto pre- anticoncepção
maturo.

Tetralogia de Fallot
É a malformação
congênita cianogênica
mais encontrada no
adulto. Apesar disso,
40% morrem antes dos
três anos, 70% antes dos
10 anos e 95% estarão
mortos antes dos 40
anos de idade.20
Em pacientes não
operados, o risco é mai-
or quando a saturação de
oxigênio é inferior a
85%, a pressão em ven-
Figura 6. Gravidez e anticoncepção: síndrome de Marfan. trículo direito é maior
que 100 mmHg, o hema-
tócrito é superior a 60%
pressão de pulso e alterações histoquímicas sobre e na presença de síncopes recorrentes. A queda da
os vasos). Dissecção, ruptura e insuficiência aór- resistência periférica aumenta o “shunt” direita-
tica, insuficiência cardíaca e endocardite infecci- esquerda, piorando a hipóxia. A anemia fisiológi-
osa são complicações possíveis. ca e a síndrome hipercinética da gravidez precipi-
Segundo Pyeritz19, a gravidez deveria ser con- tam as crises de hipóxia. A mortalidade materna é
tra-indicada na presença de insuficiência cardíaca estimada em 4% a 15% e as perdas fetais, próxi-
prévia, dilatação da aorta com diâmetro maior que mo a 30% (Fig. 7).21
44 mm pelo ecocardiograma e insuficiência aórti- Raros casos de gravidez em mulheres com atre-
ca. sia pulmonar com septo aberto são descritos. Com-
Em grávidas, recomenda-se restrição da ativi- plicações maternas, como insuficiência cardíaca,
dade física e controle rigoroso da pressão arterial. trombose, arritmias e alterações da coagulabilida-
Pode ser indicado o uso de betabloqueadores para de, e fetais, como aborto, prematuridade e baixo
diminuir a freqüência cardíaca, a força de contra- peso, são comuns.22
ção do ventrículo esquerdo e o impacto na parede Pacientes operados com sucesso têm muito me-
doente da aorta. A pre-
venção da endocardite
infecciosa é fundamen-
tal quando há insuficiên-
cia mitral e/ou insufici-
ência aórtica.

CARDIOPATIAS
CONGÊNITAS
CIANOGÊNICAS
E GRAVIDEZ

A gravidez em mu-
lheres com cardiopatias
cianogênicas não corri-
gidas ou com resíduos
significantes representa
grande risco de compli-
cações maternas e fetais, 145
com possibilidade de
morte, abortamento es- Figura 7. Gravidez e anticoncepção: hipóxia e gravidez. RSCESP
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Gravidez e lhor prognóstico. Apesar disso, é imperativa a ava- nar, piorando a hipóxia. Precordialgia, síncope,
anticoncepção liação completa cardiológica, com exames com- fenômenos embólicos, insuficiência cardíaca e
plementares como ecocardiografia, Holter e teste arritmias ocorrem.9, 25 Gravidez, pré-parto, parto e
de esforço. Pacientes com obstrução residual na puerpério são igualmente preocupantes (Fig. 8).
via de saída do ventrículo direito, insuficiência Segundo Gleicher e colaboradores, a mortali-
pulmonar grave, disfunção ventricular ou insufi- dade materna em portadoras de síndrome de Ei-
ciência tricúspide podem evoluir com insuficiên- senmenger chega a 52%.26 Aborto espontâneo, pre-
cia cardíaca e arritmias.23 maturidade, baixo peso ao nascimento e maior
mortalidade perinatal são os problemas fetais. Com
Anomalia de Ebstein base nesses dados, a maioria dos autores desacon-
Sua ocorrência na gravidez não é rara, poden- selha a gravidez e indica a interrupção da gesta-
do ter sucesso em casos com pouca repercussão ção e a laqueadura. Período bastante crítico é o
hemodinâmica, sem cianose e sem arritmias. Ape- puerpério. Um círculo vicioso entre sangramento
sar disso, a sobrecarga adicional imposta ao ven- e trombose parece explicar a deterioração súbita e
trículo direito faz com que possa ocorrer falência, irreversível de algumas pacientes. As alterações
levando ao aparecimento ou agravamento da in- morfológicas das arteríolas pulmonares justificam
suficiência cardíaca, e com que o “shunt” direita- a falta de adaptação da circulação pulmonar.27 In-
esquerda aumente, piorando a cianose e facilitan- ternação precoce (a partir da vigésima semana),
do fenômenos tromboembólicos. A presença de anticoagulação, oxigenoterapia, repouso e hospi-
Wolff-Parkinson-White e a dilatação atrial preci- talização de no mínimo 15 dias após o parto são
pitam o aparecimento de arritmias, sobretudo ta- cuidados que asseguram a vida materna.6
quicardia supraventricular, e fibrilação e “flutter”
atriais.24 ANTICONCEPÇÃO
A indicação cirúrgica prévia obedece a alguns
critérios básicos: 1) grau funcional, 2) grau de car- Em mulheres portadoras de doenças cardíacas,
diomegalia, 3) poliglobulia e 4) arritmias refratá- a gravidez deve ser prévia e cuidadosamente con-
rias. A operação pode não corrigir todo o distúr- siderada e os riscos avaliados: prognóstico e re-
bio hemodinâmico, sendo importante avaliação percussão da doença materna, necessidade de cor-
prévia e individual. Profilaxia para endocardite se reção, durabilidade de próteses e condutos, risco
faz necessária. de endocardite infecciosa, e necessidade de anti-
coagulação. Para o feto: risco de morte, prematu-
Síndrome de Eisenmenger ridade, baixo peso ao nascimento e recorrência de
A redução da resistência vascular sistêmica da malformações.
gravidez, diante da alta resistência vascular pul- Existem situações em que a gestação é contra-
monar fixa, causa aumento do “shunt” direita-es- indicada e a interrupção é recomendada: a) hiper-
querda e diminuição do fluxo sanguíneo pulmo- tensão pulmonar idiopática; b) síndrome de Eisen-
menger, com mortalidade
materna chegando a 50%;28
c) disfunções ventriculares
levando a insuficiência car-
díaca em graus III e IV; d)
lesões obstrutivas graves,
como estenoses aórticas e
pulmonares de grau signi-
ficativo e coarctação da
aorta; e) síndrome de Mar-
fan, quando a aorta é dila-
tada além de 44 mm ou se
associa a insuficiência aór-
tica; f) cardiopatias corrigi-
das, com resíduos graves e
arritmias complexas; e g)
cardiopatias cianogênicas,
sem possibilidade de corre-
146 ção prévia. Saturação bai-
xa e hematócrito elevado
Figura 8. Gravidez e anticoncepção: síndrome de Eisenmenger.
RSCESP RV = resistência vascular; RVP = resistência vascular pulmonar. põem em risco a mãe e o
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feto pela hipóxia e por alterações da coagulabili- uma gravidez de sucesso. Gravidez e
dade e complicações cerebrovasculares.29 Métodos de barreira e comportamentais anticoncepção
Outro detalhe também importante é a idade ma- Mais perigosos em pacientes de alto risco, pela
terna e sua relação com a ocorrência de síndrome possibilidade de falhas. Preservativos e diafrag-
de Down. Até 30 anos, a incidência é de uma a mas combinados com espermicidas apresentam
cada 1.200 gestações. Aos 40 anos, é de uma a insucesso de 3 a 5 para cada 100 mulheres/ano.
cada 100 gestações.30 Anticoncepcionais hormonais do tipo
Uma vez determinada a necessidade de anti- combinado oral
concepção, o conhecimento da inter-relação entre A redução da concentração de estrógenos e pro-
anticoncepcionais e problemas intrínsecos do ca- gesterona nas pílulas de quarta geração diminuiu
sal, sobretudo da mãe, no que diz respeito à pre- sobremaneira as complicações relacionadas aos
sença de hipertensão, dislipidemia, diabetes, coa- estrógenos (fenômenos tromboembólicos)31 e à
gulopatias e fumo, vai ajudar na decisão. A esco- progesterona (aterogenicidade, dislipidemia).32
lha do método contraceptivo exige a integração São contra-indicações para seu uso: hipertensão
de eficácia, tolerância, segurança e inocuidade em pulmonar idiopática ou secundária, cardiopatias
relação à cardiopatia. cianogênicas, doenças valvares com arritmias tipo
fibrilação atrial e aqueles em uso de anticoagu-
Métodos irreversíveis lantes.
Ligadura tubária Outros anticoncepcionais hormonais, do tipo
Deve ser feita por minilaparotomia. A lapa- injetável, podem ser mensais ou trimestrais. Os
roscopia leva a maior risco ao aumentar a pres- mensais, praticamente sem efeito deletério ao co-
são abdominal e diminuir o retorno venoso sis- ração e lípides sanguíneos, têm eficácia de 99,98%.
têmico, resultando hipotensão. Como se trata de O tipo injetável trimestral tem o inconveniente de
esterilização definitiva, requer informação ple- promover ganho ponderal e distúrbios menstru-
na das indicações e aceitação pelo casal. É re- ais, mas é também de grande eficácia.
comendada nas situações de alto risco referidas Dispositivos intra-uterinos
anteriormente. Método permanente, mas reversível, de baixo
Vasectomia custo e eficaz (falência estimada em 0,5 a 1 por
Considerada com cautela por causa da alta mor- 100 pacientes/ano). Seu uso em cardiopatas é res-
bidade materna, tirando a chance de o homem ter trito, tendo em vista os riscos de endocardite, sep-
filhos com outras parceiras. ticemia, sangramento intermenstrual e hiperme-
norréia. São contra-indicados nas cardiopatias
Métodos reversíveis congênitas não corrigidas ou com seqüelas pós-
Portadoras de cardiopatias de risco intermedi- operatórias, próteses valvares ou condutos e do-
ário ou pequeno são beneficiadas por esse tipo de enças que necessitam de anticoagulação.33 A sín-
controle. Nesses casos, a melhora do distúrbio he- drome de Eisenmenger oferece riscos relaciona-
modinâmico por correção cirúrgica, percutânea ou dos a instabilidade hemodinâmica, alterações da
medicamentosa, devolve à mulher a chance de ter coagulabilidade e risco de endocardite.34

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RSCESP
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Gravidez e
anticoncepção
PREGNANCY AND ANTICONCEPTION

MARIA APARECIDA DE PAULA SILVA

According to the development of new diagnostic tools and increased experience with
surgical and therapeutic catheterization, the life expectancy of patients with congenital heart
disease has increased and a greater number of female patients reach reproductive age.
Among the defects more frequently manifested in adults, we mention the conditions of left
to right shunt and obstructive lesions. Less often, we observe cyanogenic congenital lesions
in the adolescence, such as tetralogy of Fallot and Ebstein’s anomaly.

Key words: pregnancy, congenital heart disease, anticonception.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:140-9)


RSCESP (72594)-1651

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149
RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
HOSSRI CAC
Atividade esportiva
nas cardiopatias
ATIVIDADE ESPORTIVA NAS
congênitas CARDIOPATIAS CONGÊNITAS

CARLOS ALBERTO C. HOSSRI

Serviço de Ergometria e Reabilitação Cardiopulmonar – Hospital do Coração (HCor) –


Associação do Sanatório Sírio

Endereço para correspondência:


Rua Desembargador Eliseu Guilherme, 147 – CEP 04004-030 – São Paulo – SP

O estilo de vida ativo é caracterizado por exercícios físicos regulares e até mesmo a prática
de atividades esportivas recreativas parece ser salutar para a população em geral. A infância
e a adolescência são a época ideal para o incentivo dessas atividades, promovendo-se o
desenvolvimento de habilidades físicas motoras, tanto em crianças hígidas e saudáveis como
naquelas portadoras de malformações cardíacas.
Existe uma grande variedade de defeitos cardíacos congênitos, uni ou bicamerais (atriais ou
ventriculares septais), persistência do canal arterial e obstruções dos grandes vasos (estenose
pulmonar ou aórtica), cujos portadores, após correção cirúrgica, podem participar de
quaisquer atividades esportivas, exceto se ocorrerem alterações residuais significativas ou
distúrbios rítmicos mais graves, que são raros.
Crianças com cardiopatias cianogênicas, corrigidas cirurgicamente ou não, usualmente
poderão participar apenas de atividades esportivas de baixa intensidade, assim como aquelas
portadoras de doenças genéticas (como, por exemplo, síndrome de Marfan).
Neste artigo, o autor procura fazer uma abordagem global sobre as atividades físicas e
esportivas recreativas nas principais cardiopatias congênitas, no pré e no pós-operatório das
diversas correções anatômicas ou funcionais, e também sobre as recomendações para os
jovens pacientes com doenças genéticas cardiovasculares.
Além de buscar as condutas das diretrizes de reconhecimento internacional, o autor descreve
alguns estudos pioneiros realizados em nosso meio.

Palavras-chave: atividade física, exercício, esporte, cardiopatias congênitas.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:150-66)


RSCESP (72594)-1652

INTRODUÇÃO tes portadores de doenças genéticas cardiovascu-


lares2.
A prática das atividades esportivas está relaci- Por outro lado, o sedentarismo é uma epide-
onada ao risco potencial de eventos cardiovascu- mia mundial, que compromete 60% a 70% da po-
lares, incluindo-se a morte súbita,1, 2 em indivídu- pulação mundial, e é considerado, pela Organiza-
150 os hígidos aparentemente normais e atletas. Esse
risco aumenta significativamente em portadores
ção Mundial da Saúde (OMS), o inimigo de saúde
pública número 1. O sedentarismo está associado
RSCESP de cardiopatias congênitas ou em jovens pacien- a 2 milhões de mortes por ano3, além do alto custo
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HOSSRI CAC
econômico global4 (66% dos gastos em saúde no anças e adolescentes portadores de malformações Atividade esportiva
Brasil estão relacionados a doenças crônicas não- cardiovasculares.8 nas cardiopatias
transmissíveis5) acarretado pela inatividade físi-
ca, por ser importante fator de risco para doenças CLASSIFICAÇÃO DAS ATIVIDADES
congênitas
como obesidade, diabetes do tipo 2, hipertensão ESPORTIVAS E DOS TIPOS DE
arterial e hipercolesterolemia, além de depressão EXERCÍCIO: ALGUNS ASPECTOS
e vários tipos de tumores.4, 5 FISIOLÓGICOS
Em nosso meio, observa-se crescente aumen-
to do sedentarismo infantil, refletindo nos indica- Dessa maneira, torna-se importante o conhe-
dores de saúde6. cimento da Classificação das Atividades Esporti-
Quando consideramos crianças e adolescentes vas, a fim de que o médico possa discutir o geren-
portadores de cardiopatias congênitas, a dificul- ciamento de tipos específicos de exercícios estáti-
dade é ainda maior. O desafio agiganta-se pela cos e dinâmicos, bem como a intensidade e o por-
necessidade de se estabelecer parâmetros seguros centual do nível de consumo máximo de oxigênio
para prescrição ideal do exercício,7-16, incluindo (Tab. 1). Apesar de suas limitações, a presente clas-
atividades físicas regulares, de ação comprovada sificação fornece uma visão geral de diversas mo-
na saúde tanto física como mental e na prevenção dalidades esportivas e seus tipos e intensidades de
de doenças cardiovasculares. exercício.
Todos os “guidelines”, diretrizes, conferênci- Os exercícios podem ser divididos, sob o as-
as e documentos sobre cardiopatias congênitas e pecto fisiológico, em predominantemente dinâmi-
exercício físico visam às melhores condutas para cos ou predominantemente estáticos.17 Os exercí-
orientação, liberação, limitação ou veto das ativi- cios dinâmicos caracterizam-se por ampla movi-
dades esportivas nesse heterogêneo grupo de cri- mentação articular e aplicação de pouca força,

Tabela 1 - Classificação de esportes baseada na força-tarefa – 36a Conferência de Bethesda, 2005

Aumento do Aumento do componente dinâmico


componente A – Baixa B – Moderada C – Alta
estático (< 40% VO2 máx) (40%-70%) (> 70%)

III – Alta “Bobsledding”/“luge”*# Luta livre*# Boxe*#


(> 50% RVM) Artes marciais Musculação*# Canoagem/caiaque
Ginástica olímpica Esqui na montanha Ciclismo*#
Esqui aquático Corrida Triatlo*#
Vela, alpinismo Surfe*# Patinação
(esportes de escalada) Nado sincronizado Declato
Levantamento de peso
“Windsurfing”
II – Moderada Tiro com arco Esgrima Basquete*
(20%-50% RVM) Automobilismo*# Saltos de campo Hóquei no gelo*
Natação*# “Skate” “Cross-country skiing”
Hipismo Montaria (rodeio)* Handebol
Motociclismo Futebol americano* Natação
Corrida
(média distância)
I – Leve Golfe Tênis em duplas Marcha atlética
(< 20% RVM) Tiro esportivo Vôlei Corrida
Boliche Beisebol/softbol (longa distância –
Bilhar maratona)
“Cricket” Tênis simples
Futebol*
“Squash”

* Risco de colisão. 151


# Maior risco em caso de síncope. RSCESP
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Atividade esportiva enquanto os estáticos apresentam pouca ou nenhu- bitas e intensas, o metabolismo é predominante-
nas cardiopatias ma movimentação articular, mas aplicação de mente anaeróbico (glicólise anaeróbica) (Fig. 1).
grande força muscular. Esses aspectos são impor- O teste ergoespirométrico demonstra, por meio
congênitas tantes no impacto causado ao músculo cardíaco e de suas variáveis cardiometabólicas e ventilatóri-
à circulação.18 as e de maneira bastante efetiva, as diversas fases
Os exercícios dinâmicos promovem aumento do exercício (Fig. 1). Vale ressaltar que nenhuma
absoluto da massa do ventrículo esquerdo e do vo- atividade física ou esportiva de início é absoluta-
lume ventricular esquerdo, propiciando o que é mente aeróbica ou anaeróbica, mas existirá pre-
diagnosticado pela ecodopplercardiografia como domínio de um ou outro tipo metabólico durante
hipertrofia excêntrica do ventrículo esquerdo, e o exercício.
proporcionam maior consumo máximo de oxigê- Durante prova de esforço ou mesmo durante
nio (VO2 máx), que pode ser mensurado nas pro- atividade física, existem mudanças no tipo de
vas ergométricas de maneira indireta e na ergoes- metabolismo envolvido; assim, de maneira global,
pirometria (teste cardiopulmonar) de maneira di- pode-se dizer que na fase predominantemente ae-
reta.19 róbica do exercício existe linearidade entre pro-
Nos exercícios estáticos, também há aumento dução de CO2 e consumo de oxigênio (VO2) (ob-
da massa do ventrículo esquerdo, sem aumentar, servar faixa verde na Fig. 1 até o LV1), havendo
no entanto, o tamanho da cavidade, caracterizan- mudança gradual com o aumento da intensidade e
do a hipertrofia concêntrica, sem estar relaciona- da duração do esforço de metabolismo predomi-
da a incrementos no VO2 máx. Os exercícios com- nantemente aeróbico para anaeróbico lático, em
binados promovem hipertrofia mista do coração, decorrência do aumento significativo de ácido lá-
ou seja, hipertrofia tanto excêntrica como concên- tico nos esforços mais intensos (observar a faixa
trica.18 vermelha e o ponto de compensação respiratória
Os exercícios também podem ser classificados, na Fig 1).
de acordo com o predomínio do tipo de metabo-
lismo, em aeróbicos e anaeróbicos. CLASSIFICAÇÃO DAS ATIVIDADES
Exercícios aeróbicos são aqueles caracteriza- ESPORTIVAS
dos pelo uso do metabolismo oxidativo (utilizan-
do-se oxigênio na produção de energia, ou seja, Uma interessante e prática classificação pro-
ATP por meio de fontes energéticas que deman- posta por Picchio e colaboradores19 sobre os crité-
dam tempo para ajuste preciso, fase metabólica rios de avaliação da capacidade de trabalho e prá-
posterior à transição repouso-esforço). tica de atividades físicas e esportes para portado-
Exercícios anaeróbicos são aqueles cujo me- res de cardiopatias congênitas está dividida em
tabolismo não utiliza o oxigênio na produção de atividades recreativas e atividades competitivas.
energia. No início de qualquer atividade física, o As atividades recreativas foram subdivididas em
sistema creatina-fosfocreatina fornece energia li- dois grupos, apresentados na Tabela 2. As crian-
vre necessária para a refosforilação da ATP e a ças portadoras de cardiopatias congênitas neces-
manutenção do trabalho biológico. Na fase inicial sitam de avaliação criteriosa, com orientação so-
da transição repouso-exercício e nas atividades sú- bre a intensidade do exercício. Assim, as modali-

Figura 1. Fases metabó-


licas do exercício: LV1
– limiar ventilatório 1 ou
limiar anaeróbico, LV2
e ponto de compensação
respiratória.

152
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dades recreativas do tipo B permitem maior con- As atividades esportivas competitivas organi- Atividade esportiva
trole da faixa de treinamento físico proposta, que zadas apresentam diversos níveis de intensidade e nas cardiopatias
habitualmente, quando permitida, deverá ser em a visão médica deve ser individualizada no julga-
torno de 70% da freqüência cardíaca máxima pre- mento das diferentes formas de atividade física,
congênitas
conizada para a idade, com duração de 20 a 30 particularmente para crianças com menos de 12
minutos por sessão e na freqüência de 3 a 5 vezes anos de idade.
por semana. Com relação às atividades recreati- As atividades esportivas representam, hoje, um
vas do tipo A, somente poderão ser liberadas após estilo de vida. Existe, portanto, uma lacuna de di-
reavaliação médica criteriosa, com provas anato- ferenciação entre a definição da atividade esporti-
va recreativa, que se apresenta
com potencial preventivo e sau-
Tabela 2 - Atividades recreativas dável, física e socialmente, além
da diminuição do risco de even-
Tipo A Tipo B tos cardiovasculares14, e da ativi-
dade esportiva competitiva, em
Futsal e futebol de campo Natação que o risco de complicações como
Basquete Ciclismo estacionário acidentes traumáticos (osteomio-
Ginástica rítmica Atividades físicas escolares articulares) e/ou cardiocirculató-
Tênis Exercícios de alongamento rios está inserido com maior po-
Esqui na neve Ioga tencial.
Natação Hoje em dia, as cardiopatias
Equitação congênitas são diagnosticadas de
forma precoce e tratadas cirurgi-
Modificada de Picchio e cols.19 camente em tempo adequado.
Isso implica o aumento do núme-
ro de pacientes com anomalias
mofuncionais semelhantes às das crianças isentas corrigidas, algumas vezes muito complexas, os
de anomalias cardiovasculares. quais, quando atingem a idade adulta, questionam
seus cardiologistas no que se refere à liberação da
PREVALÊNCIA DAS CARDIOPATIAS prática de esportes ou exercícios de alto rendimen-
CONGÊNITAS to.15 Por isso, as recomendações de exercícios nes-
ses pacientes são derivadas principalmente das
São escassos os estudos em larga escala com considerações fisiopatológicas ou da experiência
jovens portadores de cardiopatias congênitas, ape- análoga das doenças cardíacas adquiridas.16
sar de os mais recentes estudos de prevalência glo- Ainda é questionado se o significado das arrit-
bal das mesmas, disponíveis na literatura, demons- mias nas cardiopatias congênitas é o mesmo das
trarem variação de 3,4 a 10,2 por mil nascidos vi- cardiopatias adquiridas ou se mecanismos com-
vos9-12. Estudo realizado no Estado de Nevada, pensatórios são de similar valor em ambas as con-
Estados Unidos, com 5.615 crianças e adolescen- dições.7 Assim, o acompanhamento individual das
tes esportistas, revelou 10,4% de anormalidades malformações cardíacas em cada paciente parece
cardiovasculares13; entretanto, após avaliações ser de crucial importância, e as recomendações
adicionais, 22 crianças (3,9%) foram vetadas para sobre a capacidade de exercício do jovem cardio-
a prática esportiva competitiva. pata devem considerar sua autodisciplina com o
ambiente (escolar e domiciliar) e devem ser peri-
COMO RECOMENDAR ATIVIDADE ódicas, pelo menos anual, por causa das rápidas
FÍSICA RECREACIONAL E QUANDO mudanças hemodinâmicas que ocorrem durante o
LIBERAR UMA CRIANÇA CARDIOPATA crescimento.14
PARA ESSE TIPO DE ATIVIDADE OU
MESMO PARA ESPORTE COMPETITIVO ABORDAGEM CLÍNICA-CARDIOLÓGICA
DE MAIOR DESEMPENHO?
Como toda análise clínica, o conhecimento
A atividade esportiva de recreação está justa- mais profundo sobre a história clínica (com infor-
posta às atividades esportivas competitivas, mas mações detalhadas sobre procedimentos eventu-
existem características específicas nestas últimas almente realizados), o exame físico e o entendi-
em que freqüentemente os participantes (atletas) mento fisiopatológico de cada cardiopatia congê- 153
suplantam seus limites de esforço físico e, muitas nita tornam-se imprescindíveis para o atendimen-
vezes, por tempo prolongado. to médico ótimo e desejável. RSCESP
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Atividade esportiva Exames diagnósticos complementares forne- Defeitos septo-atriais menores com “shunts”
nas cardiopatias cerão detalhes anatômicos e funcionais, como a abaixo de 30% ou razão de fluxo sistêmico-pul-
ecodopplercardiografia, a ressonância nuclear monar inferior a 1,5 não representam maior so-
congênitas magnética, a angio-ressonância e a angiotomogra- brecarga volumétrica ventricular direita; ao con-
fia computadorizada “multi-slice”. trário, grandes defeitos septais implicam signifi-
O teste ergométrico, a eletrocardiografia dinâ- cativa sobrecarga, com subseqüente hipertensão
mica (Holter), o cateterismo cardíaco e o estudo pulmonar, devendo, portanto, ser mais rapidamente
eletrofisiológico permitem análise e tratamento de encaminhados para tratamento cirúrgico.23
diversas arritmias cardíacas e auxiliam na libera- Forame oval patente e possibilidade de embo-
ção do nível de atividade física a ser prescrita.18 lia paradoxal, especialmente durante a manobra
No método de avaliação funcional desse gru- de Valsalva, foram mais freqüentemente observa-
po populacional, o teste ergométrico16 e, quando dos durante exercícios estáticos, tais como levan-
possível ou disponível, o teste cardiopulmonar (er- tamento de peso, devendo, portanto, ser vetados,
goespirométrico) são a maneira mais simples e efe- apesar de não terem sido reportadas incidências
tiva de se analisar a composição da reserva cardí- elevadas em atletas.
aca: reserva cronotrópica, reserva inotrópica (pela Atenção especial deve ser dada em ambientes
análise da pressão arterial), reserva dromotrópica sob condições alteradas de pressão, como mergu-
e reserva coronariana (por meio de alterações ele- lho ou exercícios em grandes altitudes, em que ha-
trocardiográficas).20 verá maior risco de complicação cardiovascular.
A 36a Conferência de Bethesda apresenta como Recomendações
um dos focos principais à elegibilidade de atletas Em pacientes com pequenos defeitos septo-atri-
competitivos com anormalidades cardiovasculares ais, sem volumes significantes de “shunt”, não exis-
as inúmeras cardiopatias congênitas15, 21, como as tem maiores restrições para as atividades físicas.
objetivamente descritas a seguir. Estudos de Goldberg e Mendes24 e de Reybrou-
ck e colaboradores25 demonstraram algumas contro-
CLASSIFICAÇÃO DAS CARDIOPATIAS vérsias; entretanto, houve concordância no fato de
CONGÊNITAS que o nível de condicionamento físico em portado-
res de comunicação do septo interatrial influencia o
Em decorrência do amplo espectro dos graus desempenho no cicloergômetro ou na esteira rolan-
de complexidade das cardiopatias congênitas, uma te.24-27
divisão simples, de acordo com o aspecto clínico Na existência de maiores “shunts” direita-esquer-
da existência ou não de cianose, tornou-se ampla- da, atividades físicas leves podem ser toleradas; caso
mente aceita: acianóticas e cianóticas. existam condições associadas, como arritmias, cui-
A seguir são descritas, de forma objetiva, as dados individuais devem ser tomados para liberação
principais malformações cardíacas com as reco- de atividades físicas leves.
mendações sugeridas com relação à prática das ati- Após correção cirúrgica ou por meio de técnicas
vidades esportivas. percutâneas por cateterismo cardíaco, habitualmen-
te não ocorrem seqüelas significativas; no entanto,
Comunicação interatrial (defeito do septo existe alta incidência de arritmias supraventricula-
interatrial não-tratado e pós-correção) res28, especialmente correções mais tardias.
A comunicação interatrial é a malformação car- Recomenda-se, antes de iniciar atividade física
díaca acianogênica mais prevalente10, representan- regular ou esportiva, que seja feita avaliação clínica
do de forma isolada 7% de todas as anomalias cardiológica e sejam realizados exames adicionais,
congênitas do coração, com predomínio no sexo incluindo-se eletrocardiografia, teste ergométrico,
feminino22. A modalidade tipo II, “ostium secun- radiografia de tórax e ecodopplercardiografia bidi-
dum”, é a mais comum. Em 25% dos casos está mensional, que podem fornecer dados importantes
associada à drenagem anômala das veias pulmo- para liberação mais segura, especialmente nos paci-
nares. Os pacientes, especialmente as crianças, em entes com maiores “shunts” e presença de hiperten-
sua maioria, não apresentam sintomas e o reparo são pulmonar prévia à correção cirúrgica.29
cirúrgico ou por via percutânea deverá ser reali-
zado ainda durante a infância, antes da prática de Comunicação interventricular
atividades físicas de alta intensidade.7 Os defeitos do septo interventricular são en-
Nas crianças ainda não tratadas, o volume do contrados em diversos locais do septo, por vezes
“shunt” esquerda-direita deverá ser avaliado pela associados com anomalias complexas.
154 ecocardiografia, em que a constatação de alarga-
mento atrial direito usualmente indica “shunt”
É a cardiopatia congênita mais comum ao nasci-
mento e seu fechamento espontâneo pode ocorrer
RSCESP superior a 40%. até os dois anos de idade em até 70% dos casos. As
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alterações fisiopatológicas irão depender do tama- Persistência do canal arterial (ducto arterioso Atividade esportiva
nho do defeito e do grau de resistência vascular pul- patente) nas cardiopatias
monar. As comunicações interventriculares podem A persistência do canal arterial pode ser clas-
ser classificadas de acordo com o volume do “shunt”, sificada em pequena, moderada e grande, depen-
congênitas
a relação de fluxo e a resistência vascular pulmonar dendo de suas dimensões. A pequena persistência
(Tab. 3)30. Os sintomas clínicos dependerão das di- do canal arterial não apresenta sintomas clínicos
mensões da comunicação interventricular; habitual- e as dimensões cardíacas encontram-se normais.
mente, pequenos (leves) defeitos não causam maio- Pacientes com moderada persistência do canal ar-
res limitações ou repercussões hemodinâmicas. terial podem apresentar hipertensão pulmonar, em

Tabela 3 - Classificação das comunicações interventriculares de acordo com o volume do “shunt”,


a relação de fluxo e a resistência vascular pulmonar

Defeito do septo “Shunt” Relação de fluxo Resistência vascular


interventricular esquerda-direita pulmonar/sistêmico pulmonar

Leve < 30% 1,5:1 Normal


Moderado 30%-50% 1,9:1 < 3 U.m2
Grande > 50% > 1,9 > 3 U.m2

Recomendações decorrência de “shunt” esquerda-direita. A persis-


Em pacientes com pequenos “shunts” ou sem tência do canal arterial é raramente encontrada na
“shunts” significativos e sem sinais de aumento idade adulta, pela rápida e eficaz correção cirúr-
de sobrecarga ventricular direita não se aplicam gica e também pelos procedimentos por cateteri-
restrições formais para as atividades físicas, libe- zação cardiovascular.30
rando-se para a maioria dos esportes; entretanto, Recomendações
na presença de defeitos maiores e intermediários, Antes do tratamento da persistência do canal
são recomendadas atividades de baixa intensida- arterial, atividade física leve pode ser liberada para
de em componentes dinâmicos e resistidos (clas- os portadores de persistência do canal arterial de
se I A).8, 31 tamanho moderado, sendo indicada correção ime-
Certamente esses pacientes com maiores de- diata para persistência do canal arterial de grande
feitos deverão ser submetidos a correção cirúrgi- dimensão. Quando associada a outras anormali-
ca e após tal procedimento terapêutico deverão ser dades cardiovasculares, a capacidade física pode
reavaliados com eletrocardiografia, radiografia de ficar limitada em decorrência da principal malfor-
tórax, teste ergométrico, ecocardiografia e, se ne- mação; nessas condições, deverão ser realizadas
cessário, Holter de 24 horas para análise das con- orientações individuais após avaliação cuidadosa.30
dições elétricas, funcionais e anatômicas, a fim de Depois de três meses do fechamento da persistência
se prescrever adequadamente as atividades físicas do canal arterial e na ausência de sinais de hipertensão
e/ou liberar para atividades esportivas. pulmonar, arritmias ou disfunção cardíaca, não há res-
Para pacientes sem sinais de hipertensão pulmo- trições para aplicação de atividades físicas.
nar, arritmias cardíacas significantes ou disfunção Nos pacientes com persistência de sintomas ou
cardíaca, não há restrições para as atividades físicas hipertensão pulmonar, a gravidade dessas condi-
seis meses depois do procedimento cirúrgico. Reco- ções determinará a capacidade física. Em geral,
mendam-se reavaliações clínicas semestrais. são permitidas atividades leves e orientadas.
Para pacientes com comunicações residuais in-
termediárias ou persistência de hipertensão pulmo- Estenose pulmonar
nar, apenas atividade esportiva leve pode ser permi- A estenose pulmonar é a cardiopatia mais fre-
tida. qüente no coração direito, de fácil diagnóstico clí-
Pacientes com defeitos residuais significativos, nico e habitualmente com bons resultados correti-
hipertensão pulmonar grave ou arritmias complexas vos definitivos.
pode ser permitido mínimo esforço além das ativi- Pode ser classificada de acordo com os graus
dades diárias rotineiras. Exercícios dinâmicos leves
orientados podem ser tolerados após cuidadosa ava-
de obstrução e do gradiente entre o ventrículo di-
reito e a artéria pulmonar por meio da ecodop-
155
liação individual. plercardiografia.32 RSCESP
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HOSSRI CAC
Atividade esportiva Tabela 4 - Classificação da estenose pulmonar Tabela 5 - Classificação da estenose aórtica
nas cardiopatias congênita
congênitas Graus Gradiente
Graus Gradiente ventrículo
Leve 25-49 mmHg esquerdo-aorta
Moderado 50-79 mmHg
Grave > 80 mmHg Leve < 20 mmHg
Moderado 21-49 mmHg
Grave > 50 mmHg
Recomendações
Crianças assintomática não tratadas, com gra-
diente entre o ventrículo direito e a artéria pulmo-
achados como elevações inferiores a 15 mmHg na
nar inferior a 50 mmHg e função ventricular nor-
pressão arterial sistólica durante o exercício, in-
mal, poderão ser liberadas para os esportes com-
fradesnível do segmento ST e baixa tolerância ao
petitivos, havendo necessidade de avaliação peri-
esforço são parâmetros funcionais indicativos para
ódica anual.
intervenção terapêutica mais precoce.33
Pacientes com gradiente superior a 50 mmHg
Recomendações
podem ser liberados para atividades esportivas le-
Crianças esportistas com leve estenose aórtica
ves (classe IA) e devem ser encaminhadas para
podem participar da maioria dos esportes compe-
tratamento corretivo (valvovoplastia, ou valvulo-
titivos se apresentarem eletrocardiograma normal,
tomia).
tolerância normal ao exercício, ausência de histó-
Após o tratamento cirúrgico e sem seqüelas,
ria de dor torácica, síncope, taquiarritmias atriais
as crianças poderão ser liberadas para atividades
ou ventriculares associadas com esses sintomas ou
esportivas após três meses da valvoplastia, sendo
induzidas pelo esforço.
necessária a realização de controles médicos peri-
Quando o grau da estenose for moderado, os
ódicos regulares.
pacientes poderão participar apenas de atividades
Para pacientes com gradientes graves (> 80
físicas com componente estático de leve intensi-
mmHg) ou com afecções adicionais, só são reco-
dade e de leve a moderada para o componente di-
mendados exercícios leves orientados para saúde
nâmico das atividades esportivas (classes IA, IB,
após cuidadosa avaliação clínica individual.
e IIA) se forem encontradas as seguintes condi-
ções: ausência ou leve hipertrofia ventricular es-
Estenose aórtica congênita querda pela ecocardiografia com ausência de pa-
A estenose aórtica congênita pode ser causada drão de “strain” (sobrecarga ventricular esquer-
por agenesia, malformações, incongruência ou da) pela eletrocardiografia.
fusão comissural das cúspides valvares ou mesmo Pacientes com teste de esforço normal, sem evi-
por valva bicúspide, sendo esta última a forma mais dências de isquemia miocárdica ou taquiarritmias
comum de estenose aórtica congênita. atriais ou ventriculares, tolerância normal ao es-
É uma das situações mais comuns, em que se forço e comportamento pressórico normal pode-
solicita a avaliação de esforço associada à ecocar- rão participar de atividades esportivas.
diografia, pela possibilidade da análise morfofun- Atletas com arritmias atriais ou complexas ven-
cional cardíaca (Fig. 2). Utilizam-se também va- triculares ao repouso ou durante o exercício po-
lores do gradiente entre o ventrículo esquerdo e a dem participar apenas de atividades esportivas
aorta para mensuração da gravidade da estenose competitivas de baixa intensidade dentro das clas-
aórtica, bem como do diâmetro da área valvar29 ses IA e IB.
(Tab. 5). Após correção cirúrgica com prótese metáli-
A correlação do infradesnível significativo do ca, devem ser tomados cuidados especiais pelo ris-
segmento ST ao esforço com gradientes > 50 co de hemorragias decorrentes do uso obrigatório
mmHg foi feita por Katherine Halloran, em 1971; de medicação anticoagulante.34
em seguida, Cuetto e Muller, em 1973, estudaram Atletas com estenose aórtica grave não pode-
o comportamento hemodinâmico, denotando-se rão participar de atividades esportivas competiti-
elevação da PD2-ventrículo esquerdo; e Albert, em vas.
1981, relacionou o incremento da pressão arterial Essas recomendações também se aplicam para
sistólica com o gradiente e a indicação de corre- membrana subaórtica e estenose supravalvar aór-
156 ção cirúrgica e Discroll, com respostas cardior-
respiratórias ao exercício.33
tica.
Após o tratamento por valvoplastia por balão
RSCESP Assim, na avaliação pelo teste ergométrico, ou tratamento cirúrgico, graus residuais poderão
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estar presentes e deverão ser mensurados por meio de anormalidades anatômicas residuais, dilatação Atividade esportiva
de avaliação clínica, eletrocardiografia e ecodop- ou formação de aneurisma.35 nas cardiopatias
plercardiografia, além de teste ergométrico ou Recomendações
novo estudo hemodinâmico invasivo quando as- Portadores de coarctação leve com gradiente
congênitas
pectos fisiopatológicos e de gravidade não forem inferior a 20 mmHg, sem circulação colateral
elucidados. Recomenda-se que sejam submetidos muito desenvolvida e/ou dilatação da aorta e com
a reavaliações pelo menos anuais após o tratamento teste ergométrico normal podem participar de to-
invasivo pela possível recorrência de obstrução na dos os esportes competitivos.
via de saída do ventrículo esquerdo nas estenoses Os portadores de gradientes superiores a 20
subaórticas. Tais recomendações também se apli- mmHg, com hipertensão arterial ao repouso ou
cam a todas as outras formas fixas de estenose ultrapassando 230 mmHg ao esforço, estão libe-
aórtica. rados apenas para atividades esportivas de baixa
intensidade (classe A ) até o tratamento invasivo.
Coarctação da aorta Durante o primeiro ano de pós-operatório, os
Anormalidade caracterizada pela obstrução atletas deverão evitar exercícios estáticos de alta
usualmente na área justaductal aórtica, cuja gra- intensidade (classes IIIA, IIIB, e IIIC) e esportes
vidade é clinicamente avaliada pela diferença de com risco de colisão corporal.
pressão arterial entre os membros superiores e in- Após três meses, se os pacientes permanece-
feriores. Em metade dos casos de coarctação da rem assintomáticos e com pressão arterial normal
aorta coexiste valva aórtica bicúspide, 25% dos ao repouso e durante o exercício, apenas deverão
quais apresentam disfunção. ser vetados os esportes com grande componente
A complementação diagnóstica e a indicação estático (especialmente classes IIIA, IIIB e IIIC).

Figura 2. Ecocardiogra-
fia de esforço. A ecodop-
plercardiografia de es-
forço é o método ideal na
avaliação morfofuncio-
nal cardíaca em diversas
cardiopatias congênitas,
dentre as quais a esteno-
se aórtica e a cardiomio-
patia hipertrófica, ao per-
mitir a análise do gradi-
ente ventrículo esquer-
do-aorta e da função ven-
tricular no exercício de
maneira simultânea à
análise física-funcional e
eletrocardiográfica.

de procedimento terapêutico invasivo deve ser feita Já os pacientes que apresentarem dilatação signi-
por teste de esforço, estudo ecodopplercardiográ- ficativa da aorta ou formação aneurismática ape-
fico, ressonância magnética e/ou estudo angiográ- nas poderão ser liberados para atividades esporti-
fico. vas competitivas de baixa intensidade (classes IA
A terapêutica pode ser realizada por via per- e IB).
cutânea com cateter por balão ou “stent” ou por
tratamento cirúrgico. Cardiopatias congênitas com hipertensão
Após o reparo podem persistir anormalidades, pulmonar
como leve gradiente, hipertrofia ventricular e hi- Os pacientes com doença vascular pulmonar e
pertensão arterial sistêmica. Dessa forma, antes cardiopatia congênita apresentam risco de morte
da liberação para prática esportiva os pacientes súbita durante as atividades esportivas. Com a pro-
devem ser submetidos a estudos diagnósticos, gressão da resistência vascular pulmonar desen-
como eletrocardiografia, radiografia de tórax, tes-
te ergométrico e ecodopplercardiografia. A resso-
volve-se cianose ao repouso, com intensificação
durante o esforço. Embora a maioria desses paci-
157
nância magnética pode ser útil na documentação entes tenha suas atividades autolimitadas, eles não RSCESP
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Atividade esportiva devem participar de atividade esportiva. cientes apresentam melhora clínica dos sintomas
nas cardiopatias Pacientes com suspeita de aumento da pressão ao repouso, mas freqüentemente persiste a dessa-
arterial pulmonar após procedimentos intervenci- turação arterial durante o exercício29, especialmen-
congênitas onistas percutâneos ou cirúrgicos para lesões de te em afecções como a atresia tricúspide, bastante
“shunts” devem ser avaliados com ecodopplercar- estudada por Driscol e colaboradores33.
diografia ou cateterização cardíaca antes de se Recomendações
engajarem em atividades atléticas competitivas. Os pacientes podem participar de atividades
Recomendações esportivas competitivas de baixa intensidade (clas-
Se a pressão arterial pulmonar máxima (pico) se IA), estabelecidos os seguintes critérios:
for inferior a 30 mmHg, a criança atleta está libe- - Saturação arterial deve ser mantida em torno
rada para participar de todas as modalidades es- de 80%.
portivas. - Ausência de eventos taquiarrítmicos ou sin-
Se a pressão da artéria pulmonar for superior a tomas com perda da consciência.
30 mmHg, é necessária completa avaliação e pres- -Ausência de disfunção ventricular moderada/
crição individual do exercício para participação grave.
em atividades atléticas ou esportivas.
Tetralogia de Fallot
Disfunção ventricular após cirurgia cardíaca É a cardiopatia congênita cianótica mais co-
Disfunção ventricular tanto direita como es- mum em crianças com mais de 1 ano de idade. As
querda pode ocorrer após o tratamento cirúrgico alterações fisiopatológicas dependem principal-
de cardiopatia congênita complexa ou simples e mente do grau de estenose pulmonar, do tamanho
afetar o desempenho na atividade física esportiva. da comunicação interventricular e da resistência
Avaliações periódicas para participação esportiva vascular sistêmica. Quando a criança portadora de
são necessárias, pois a função ventricular pode tetralogia de Fallot realiza uma atividade física,
deteriorar a qualquer tempo. pode apresentar crise de hipóxia grave e até cul-
Recomendações minar com a morte. A conseqüente queda da re-
Pacientes com função ventricular normal ou sistência vascular periférica e o aumento da des-
próxima do normal e fração de ejeção normal (50% carga adrenérgica com taquicardia promovem
ou mais) não têm restrições para participação es- maior obstrução ao fluxo sanguíneo pulmonar,
portiva. elevação do “shunt” direita-esquerda (via comu-
Atletas com função ventricular levemente de- nicação interventricular), queda do pH, elevação
primida (fração de ejeção entre 40% e 50%) po- da pCO2 (acidose) e crise de hipóxia.
derão participar de atividades esportivas competi- O momento ideal para a liberação da prática
tivas com baixa intensidade do componente está- desportiva pelos portadores de tetralogia de Fallot
tico (classes IA, IB e IC). é após a correção cirúrgica.
Pacientes com função ventricular comprome- Segundo a revisão de Wessel36 sobre estudos
tida de grau moderado a grave (fração de ejeção do exercício na tetralogia de Fallot, das 4 mil re-
inferior a 40%) não estão liberados para partici- ferências na literatura desde 1965, apenas 87 en-
par de atividade competitiva. volviam o exercício.
O teste ergométrico tem papel fundamental na
Cardiopatia congênita cianótica não-operada avaliação da capacidade funcional no pós-opera-
A cardiopatia congênita cianótica está associ- tório da tetralogia de Fallot, e diversos estudos
ada a intolerância ao exercício e a progressiva hi- demonstram a importância do tempo da realiza-
poxemia com o aumento do esforço físico. Habi- ção da correção cirúrgica, além de colocações so-
tualmente esses pacientes não estão engajados em bre as técnicas realizadas para o procedimento.
atividades esportivas competitivas, em decorrên- Assim, observa-se, em comparação com crianças
cia de sua autolimitação. normais, menor capacidade de trabalho, menor
Recomendações difusão, maiores alterações ventilatórias, e fre-
Pacientes com cardiopatia cianogênica não-tra- qüentes eventos arrítmicos (de 20% a 35%, inclu-
tada em geral podem participar de atividades es- indo-se taquicardias supraventriculares e ventri-
portivas competitivas de baixa intensidade (ape- culares).37
nas da classe IA). Recomendações
Crianças antes da correção cirúrgica somente
Pós-operatório paliativo de cardiopatias poderão participar de atividades de baixa intensi-
158 congênitas cianogênicas
Os procedimentos cirúrgicos paliativos podem
dade (classe A) e obedecendo aos critérios: leve
repercussão hemodinâmica e cuidadosa monitori-
RSCESP promover fluxo pulmonar mais adequado e os pa- zação individual.
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Portadores de tetralogia de Fallot pós-opera- trátil como metabólica de pacientes no pós-opera- Atividade esportiva
dos e com excelente reparo poderão participar de tório tardio de transposição das grandes artérias nas cardiopatias
todos os esportes, desde que estabelecidos os se- por meio de ecodopplercardiografia bidimensio-
guintes critérios: nal de esforço e de teste cardiopulmonar, foi ob-
congênitas
- Pressão normal ou quase normal no coração servada capacidade aeróbica preservada na maio-
direito. ria dos pacientes, com função ventricular direita
- Ausência ou mínima sobrecarga ventricular comprometida em apenas um paciente (pós-cirur-
direita. gia de Senning).39
- Sem evidências de “shunt” residual signifi- Recomendações
cativo. Pacientes selecionados podem se engajar em
- Ausência de arritmias atriais ou ventricula- esportes competitivos leves a moderados com com-
res à eletrocardiografia ambulatorial ou durante ponente estático leve (classes IA e IIA), desde que
teste ergométrico ou ergoespirométrico. estabelecidos os seguintes critérios:
Pacientes com significativa regurgitação pul- - Aumento leve ou ausência de aumento de câ-
monar, sobrecarga ventricular direita e hiperten- maras cardíacas na radiografia torácica, na eco-
são ventricular direita (pico da pressão sistólica dopplercardiografia ou na ressonância magné-
do ventrículo direito maior ou igual a 50% da pres- tica cardíaca.
são sistêmica) ou taquiarritmias atriais ou ventri- - Ausência de história de “flutter” atrial ou ta-
culares só poderão participar de atividades espor- quiarritmias ventriculares.
tivas competitivas de leve intensidade (classe IA). - Ausência de síncope ou de sintomas cardio-
vasculares.
Transposição das grandes artérias – pós- - Teste ergométrico definido como normal
operatório de Senning ou Mustard (tempo de exercício, carga, freqüência cardía-
Os pacientes submetidos a cirurgia para corre- ca, eletrocardiografia e resposta pressórica para
ção da transposição das grandes artérias pela téc- idade e gênero).
nica de Senning ou Mustard podem apresentar al- - Pacientes que não se enquadram nas condi-
terações hemodinâmicas significativas, incluindo- ções acima requerem avaliação e prescrição in-
se prejuízos no retorno venoso sistêmico, esteno- dividualizada do exercício.
se ou hipertensão pulmonar e importantes arrit-
mias atriais. A capacidade de exercício está com- Transposição das grandes artérias – pós-
prometida em relação ao grupo de crianças nor- operatório de Jatene (“switch operation”)
mais38. Após a correção anatômica da transposição das
Após reparo atrial, o ventrículo direito fica sub- grandes artérias pela técnica de Jatene, como pode
metido a pressão sistêmica, e as conseqüências da ser constatado no estudo de avaliação da capaci-
hipertrofia e da dilatação em indivíduos treinados dade funcional contrátil e metabólica pela ecocar-
após excelente reparo atrial da transposição ainda diografia de esforço e ergoespirometria (Fig. 3), o
são desconhecidas. consumo máximo de oxigênio (VO2 máx) e a fun-
Em estudo da avaliação funcional tanto con- ção biventricular estavam preservados, possibili-
tando a liberação desse
grupo para a prática es-
portiva.39 Estudo de Ho-
vels comprova, pelo tes-
te ergométrico, a boa
evolução tardia no pós-
operatório da transposi-
ção das grandes artérias
pela correção anatômi-
ca40.
Recomendações
Pacientes com fun-

Figura 3. Teste cardio-


pulmonar de exercício
no pós-operatório tardio
de transposição das
159
grandes artérias. RSCESP
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Atividade esportiva ção ventricular normal, teste ergométrico normal baseados em arritmias durante a adolescência e a
nas cardiopatias e ausência de arritmias podem participar de todas idade jovem/adulta.
as atividades esportivas. As recomendações, de modo distinto para os
congênitas Pacientes com anormalidades hemodinâmicas atletas competitivos, como se apresentam nos “gui-
mais que leves ou disfunção ventricular podem delines” da 26a Conferência de Bethesda sugerem
participar apenas de leve a moderada atividade a necessidade de orientação para a prática recrea-
esportiva competitiva estática e leve dinâmica tiva, uma vez que as atividades competitivas e de
(classes IA, IB, IC e IIA), desde que seu teste er- maior intensidade estão vetadas. Essa população
gométrico seja normal. deseja uma atividade física visando aos benefíci-
os dessa intervenção, mas com gerenciamento de
Doença de Ebstein seus eventuais riscos.
Trata-se de cardiopatia rara, caracterizada por Até os 35 anos, as causas genéticas predomi-
implantação anômala da valva tricúspide, reduzin- nam na etiologia da morte súbita, e, muitas vezes,
do a cavidade ventricular. Compreende amplo es- sem o conhecimento da própria doença.18, 21
pectro de malformações anatômicas cardíacas, Apesar da grande repercussão na mídia, a in-
sendo 85% associadas a comunicação interatrial cidência de morte súbita em atletas durante uma
tipo “ostium secundum” e 25% relacionadas à pre- competição é muito rara, sendo de 1:100.000 atle-
sença de via anômala congênita (Wolff-Parkinson- tas em atividade. Entretanto, a atividade física de
White) manifesta ou oculta.41 alto rendimento pode ser o gatilho para eventos
A presença de cianose pode ser decorrente de arrítmicos complexos e o advento da morte súbi-
“shunt” atrial direita-esquerda. ta.
Muitos casos estão associados a menor capa- As principais cardiopatias congênitas relacio-
cidade física e elevado risco de morte súbita com nadas à morte súbita e associadas à atividade físi-
o exercício. ca intensa são: cardiomiopatia hipertrófica (repre-
Recomendações sentando até um terço dos casos), origem anôma-
Indivíduos com expressão leve da doença, sem la das artérias coronárias (20%) e estenose aórtica
cianose, área cardíaca normal ou discretamente congênita (4%) dos jovens pacientes.
aumentada, e na ausência de arritmias poderão Segundo dados de Corrado e colaboradores2
realizar atividades esportivas de intensidade leve com relação ao risco relativo de morte súbita, te-
(classes IA e IIA), com obrigatória reavaliação mos que:
periódica ecocardiográfica e mensuração do diâ- - o risco relativo na anomalia congênita da ar-
metro aórtico. téria coronária é de 7,9;
Na presença de insuficiência tricúspide mode- - o risco relativo na displasia arritmogênica do
rada a grave, mas sem arritmias ao Holter de 24 ventrículo direito é de 5,4;
horas, os pacientes estão liberados apenas para ati- - o risco relativo na coronariopatia precoce é
vidades competitivas de baixa intensidade (classe de 2,6.
IA).
Pacientes com anomalia de Ebstein grave es- Cardiomiopatia hipertrófica
tão proibidos de realizar qualquer atividade espor- É a causa mais comum de morte súbita dentre
tiva competitiva; entretanto, após correção cirúr- as cardiopatias congênitas. Trata-se de doença ge-
gica poderão realizar atividades esportivas leves nética autossômica dominante, com penetrância
(classe IA), desde que não apresentem alterações variável, caracterizada pela presença de hipertro-
significativas nas câmaras cardíacas, bem como fia miocárdica sem dilatação do ventrículo esquer-
arritmias complexas. do.21
A expressão genética é uma mutação de genes
Doenças genéticas cardiovasculares: maior que codifica as proteínas do sarcômero cardíaco;
risco de morte súbita atualmente são reconhecidas mais de cem muta-
Um grupo relativamente incomum, mas rele- ções em onze genes.
vante, de doenças genéticas cardiovasculares tem O grande desafio é avaliar o grau de risco para
associação com o aumento de morte súbita duran- a prática desportiva, pois alguns atletas podem to-
te o exercício, incluindo-se nesse grupo a cardio- lerar o treinamento intensivo sistemático sem que
miopatia hipertrófica, a síndrome do QT longo, a haja agravamento da doença ou morte súbita.
síndrome de Marfan e a displasia arritmogênica Além disso, sua expressão fenotípica pode não
do ventrículo direito. ser evidenciada em idades púberes ou pré-púbe-
160 Essas condições se manifestam por diversos
substratos genéticos e expressões fenotípicas, oca-
res, dificultando, às vezes, o diagnóstico mais pre-
coce. Assim, as crianças que pretendem seguir com
RSCESP sionando substancial proporção de eventos fatais atividades esportivas competitivas de alto desem-
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penho deverão ser submetidas a reavaliações pe- regurgitação mitral ou história familiar de dissec- Atividade esportiva
riódicas anuais, com inclusão de eletrocardiogra- ção ou morte súbita poderão ser liberados apenas nas cardiopatias
fia, ecodopplercardiografia e teste ergométrico ou, para atividades de baixa intensidade (classe IA).
quando possível, teste ergoespirométrico, o qual Os pacientes não deverão participar de ativi-
congênitas
fornece informações cardiometabólicas que auxi- dades esportivas que envolvam potencial colisão
liam na diferenciação de padrões normais de co- corporal.
ração de atleta dos padrões por vezes incipientes
da cardiomiopatia hipertrófica. Anomalia congênita da artéria coronária
Recomendações Anomalia com grande risco relativo de morte
Atletas com provável ou inequívoco diagnós- súbita, é a segunda causa de morte súbita em atle-
tico clínico de cardiomiopatia hipertrófica deveri- ta jovem. A malformação mais comum é a origem
am ser excluídos da maioria dos esportes compe- anômala da coronária principal anterior esquerda
titivos, com possibilidade de exceção para as ati- do seio de Valsalva, com ângulo agudo entre o tron-
vidades de baixa intensidade (classe IA). Essa re- co da pulmonar e a parede anterior da aorta. Sua
comendação é independente de idade, sexo e apa- identificação durante a vida pode ser dificultada
rência fenotípica e não difere dos atletas com ou na ausência de sintomas. O eletrocardiograma ha-
sem sintoma, obstrução da via de saída do ventrí- bitualmente é normal. Sua hipótese diagnóstica
culo esquerdo, tratamento com fármacos, interven- pode ser considerada na presença de síncope du-
ções cirúrgicas, alcoolização septal, marcapasso rante o esforço em atletas ou arritmia ventricular
ou cardiodesfibrilador implantado. sintomática. Deve ser investigada apropriadamente
Apesar de o significado clínico da história na- com ecodopplercardiografia, ressonância magné-
tural do genótipo positivo/fenótipo negativo ain- tica ou tomografia computadorizada ultra-rápida.
da não ter sido resolvido, não existem dados ava- O tratamento cirúrgico é realizado quando é feito
liáveis até o presente momento para a proibição o diagnóstico.
dos pacientes para atividades esportivas competi- Recomendações
tivas, particularmente na ausência de manifesta- Detectada a anomalia, o atleta deve ser suma-
ções e sintomas cardiovasculares e na ausência de riamente excluído das atividades esportivas.
história de morte súbita na família.29 Após correção cirúrgica adequada, poderá re-
tornar às atividades esportivas na ausência de ar-
Síndrome de Marfan ritmias ou disfunções durante teste de esforço má-
Doença genética causada por mais de 400 mu- ximo.
tações individuais codificadas no gene fibrilin-1
(FBN1), desordem autossômica dominante do te- Displasia arritmogênica do ventrículo direito
cido conectivo com prevalência estimada de Citada como a maior causa de morte súbita em
1:5.000 a 1:10.000 na população geral.42 Caracte- jovens atletas da região de Veneto, na Itália, mas
rizada por manifestações sistêmicas associadas, bem menos comum nos Estados Unidos. Caracte-
apresenta dilatação da aorta ascendente, predis- riza-se por amplo espectro fenotípico e ocorre a
posição de dissecção aórtica e prolapso da valva substituição dos miócitos do ventrículo direito por
mitral. O risco de dissecção da aorta pode levar à gordura ou tecido fibrogorduroso, resultando em
morte. segmentar ou difusa disfunção ventricular. É fre-
Recomendações qüentemente associada a miocardite. O diagnósti-
Atletas com síndrome de Marfan podem parti- co clínico permanece um desafio, mas a ressonân-
cipar de atividade esportiva recreativa leve a mo- cia magnética ou a tomografia “multi-slice”, as-
derada (classes IA e IIA), desde que não apresen- sociada à disfunção da parede ventricular direita,
tem nenhuma das condições a seguir: auxiliam no diagnóstico.
- Dilatação da raiz da aorta (diâmetro trans- Recomendações
verso maior que 40 mm ou dois desvios pa- Atletas com diagnóstico definitivo de displa-
drão da média da superfície corpórea em ado- sia arritmogênica do ventrículo direito devem ser
lescentes e crianças). excluídos da maioria das atividades competitivas,
- Regurgitação mitral moderada a grave. com possibilidade excepcional de atividades de
- História familiar de dissecção ou morte súbi- baixa intensidade (classe IA).
ta.
Esses pacientes deverão realizar ecodoppler- OUTRAS SITUAÇÕES
cardiografia semestral.
Atletas com dilatação aórtica (diâmetro trans-
verso maior que 40 mm), cirurgia prévia de re-
Síndrome de Ehlers-Danlos
A forma vascular da síndrome de Ehlers-Dan-
161
construção, disseccão crônica da aorta, moderada los carrega substancial risco de ruptura da aorta RSCESP
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Atividade esportiva em seus principais segmentos. Trata-se de uma rara crianças durante a primeira infância e a puberda-
nas cardiopatias desordem autossômica dominante causada por de- de. Em estudo realizado em portadores de bloqueio
feito no colágeno tipo III, codificado pelo gene atrioventricular total congênito antes do implante
congênitas COL3A1. Pacientes apresentam hipermobilidade de marcapasso, por meio da realização do teste
das articulações, suscetibilidade para contusões e ergométrico,43 foram obtidas importantes informa-
dificuldade para sua cura. Surge em idades pre- ções na prova de esforço, que auxiliaram, de modo
maturas. efetivo, no momento do implante ou não do mar-

Figura 4. Resposta da
freqüência cardíaca du-
rante o teste ergométri-
co em portadores de blo-
queio atrioventricular
total congênito.
TE = teste ergométrico;
BATV = bloqueio atrio-
ventricular total; FC =
freqüência cardíaca.

Recomendações capasso, iniciando pela resposta da freqüência car-


Pacientes portadores da forma vascular da sín- díaca ventricular (Fig. 4).
drome de Ehlers-Danlos não devem se engajar em
atividades competitivas ou atléticas. Reposta ao teste ergométrico para implante
de marcapasso
Bloqueio atrioventricular total congênito As condições a seguir permitem o acompanha-
Com prevalência de 1 em 15.000 até 22.000 mento clínico antes da intervenção:

Figura 5. Gráfico
14,9 da resposta crono-
11,7
trópica (A) e grá-
fico da capacidade
funcional (B).

nascidos vivos e predomínio do sexo feminino, cor- 1) tolerância ao exercício superior a 7 Mets (se-
responde de 3% a 4% de todas as causas de blo- gundo estágio do protocolo de Bruce);
queio atrioventricular total. 2) reserva cronotrópica superior a 50 bpm (eleva-
Considerado doença de caráter benigno, o blo- ção da freqüência cardíaca basal > 70 bpm);
queio atrioventricular total congênito caracteriza- 3) ausência de arritmias ventriculares complexas.43
se por batimentos lentos com dissociação atrio-
ventricular e episódios de síncope. Habitualmen- AVALIAÇÃO FUNCIONAL NO
te não é associado à cardiopatia congênita, mas PÓS-OPERATÓRIO DAS
quando esta se faz presente a transposição corri- CARDIOPATIAS CONGÊNITAS
gida das grandes artérias e a comunicação intera-
trial são as mais comuns. Como não existiam parâmetros da capacidade
162 Discute-se, muitas vezes, sobre o momento
ideal para o implante do marcapasso artificial de-
funcional para crianças normais, bem como para
as portadoras de cardiopatias congênitas, foi rea-
RSCESP finitivo, que é causa de trauma e transtornos nas lizado um estudo com o objetivo de estabelecer
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Tabela 6 - Valores de referência da avaliação da capacidade funcional de crianças e adolescentes
Atividade esportiva
com idade de 4 a 19 anos nas cardiopatias
congênitas
Grupo pós-operatório de
Grupo controle de cardiopatias congênitas diversas

Capacidade funcional média 14, 9 Mets (+ 2,6)* 11,77 Mets (+ 2,7)


Delta PAS 47 mmHg (+ 3,9)* 39 mmHg (+ 4,1)
Incidência de arritmias 2,4% (ectopias atriais)* 12,5% (ectopias atriais, ventriculares
e episódios taquiarrítmicos)

* p < 0,01.

valores de referência da capacidade funcional em CONSIDERAÇÕES FINAIS


equivalentes metabólicos (Mets) de crianças no
pós-operatório de cardiopatias congênitas e anali- Independentemente da gravidade e do tipo da
sar parâmetros hemodinâmicos, como: delta PAS, cardiopatia congênita ou da doença genética car-
reserva cronotrópica, freqüência cardíaca na re- diovascular, é preciso sempre incrementar a qua-
cuperação e presença de eventos arrítmicos.44 Os lidade de vida desse grupo populacional, que ain-
dados desse estudo estão representados nos gráfi- da apresenta índices abaixo do esperado. Assim,
cos da Figura 5. dentro do bom entendimento de seus defeitos e
Os valores de referência da avaliação da capa- conceitos fisiopatológicos, deve-se sempre ter
cidade funcional de crianças e adolescentes com como objetivo promover o maior número de ativi-
idade de 4 a 19 anos (12,5 média) estão apresen- dades participativas no esporte e na vida dessas
tados na Tabela 6. crianças.

163
RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
HOSSRI CAC
Atividade esportiva
nas cardiopatias
SPORTS ACTIVITY IN CONGENITAL HEART DISEASES
congênitas

CARLOS ALBERTO C. HOSSRI

The active lifestyle has been characterized by regular physical exercises, and even
recreational sport activities seem to be health-giving in the general population. Childhood
and adolescence are the ideal time to encourage physical activities and to develop a wide
range of skills in normal subjects as well as in those with congenital heart diseases.
It does exist a variety of congenital cardiac defects, such as a hole in the upper part of the
heart (atrial septal defect), or in the lower part between the two pumping chambers
(ventricular septal defect), patent ductus arteriosus, and stenosis of big vessels, and these
patients could also participate in all sports, particularly those children who have undergone
surgical correction of their defect, unless they present high pressures in the arteries to the
lungs, or irregularities of their heart rhythm which, fortunately, are extremely rare.
Children with cyanosis, which has been either surgically corrected or not, usually could
participate only in low-intensity competitive sports as well as those children with genetic
cardiovascular diseases (as, for example, Marfan syndrome). In those cases, individual
exercise prescriptions are recommended.
The author analyzes congenital heart diseases and their relationship with physical activities
and sports. This article presents recommendations based on worldwide guidelines and
describes some of the pioneer studies in this matter.

Key words: physical activity, exercise, sport, congenital heart disease.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:150-66)


RSCESP (72594)-1652

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166
RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
JATENE MB e cols.
Cirurgia no
CIRURGIA NO PRIMEIRO ANO DE VIDA primeiro ano de vida

MARCELO BISCEGLI JATENE


PATRÍCIA MARQUES OLIVEIRA
RAFAEL AON MOYSÉS

Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP


Hospital do Coração (HCor) – Associação do Sanatório Sírio

Endereço para correspondência:


Rua João Moura, 1535 – Jardim das Bandeiras – CEP 05412-003 – São Paulo – SP

Dentre as diferentes cardiopatias congênitas diagnosticadas no primeiro ano de vida, muitas


necessitam correção cirúrgica imediata, seja paliativa ou definitiva. Dentre essas crianças, os
neonatos se apresentam como grupo particular, não somente pelo baixo peso e idade, mas
principalmente pela complexidade da maioria das cardiopatias que requerem tratamento
cirúrgico no período neonatal.
O tratamento cirúrgico das cardiopatias congênitas, cianogênicas ou acianogênicas, no
primeiro ano de vida, tem como objetivo corrigir eventuais sintomas (nem sempre
presentes), oferecer melhor qualidade de vida e sobrevida a longo prazo.
As principais cardiopatias congênitas operadas no primeiro ano de vida são: comunicação
interatrial, comunicação interventricular, coarctação de aorta, tetralogia de Fallot, defeito de
septo atrioventricular total, transposição das grandes artérias, estenose aórtica valvar, tronco
arterioso comum e drenagem anômala de veias pulmonares. A morbidade de sua correção
varia de acordo com a complexidade anatômica e a condição clínica pré-operatória. De
maneira geral, a correção definitiva está sempre indicada, com exceção de situações clínicas
de maior complexidade, em que o tratamento paliativo está inicialmente indicado.

Palavras-chave: cirurgia cardíaca, cirurgia pediátrica, cardiopatias congênitas.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:167-76)


RSCESP (72594)-1653

INTRODUÇÃO cardiopatia em questão.


Como regra geral, uma vez realizado o di-
O princípio básico do tratamento cirúrgico das agnóstico da cardiopatia, deve-se pensar na cor-
cardiopatias congênitas, cianogênicas ou aciano- reção do defeito, no momento adequado para
gênicas, é devolver ou oferecer à criança portado- cada caso em particular, dependendo do grau
ra da cardiopatia adequada qualidade de vida, com de repercussão clínica e da magnitude do de-
redução ou eliminação de sintomas, além de pers- feito. A decisão sobre o melhor momento e o
pectiva de sobrevida a longo prazo. Em algumas tipo de procedimento a ser utilizado será dis-
situações, os sintomas não estão presentes ou são cutida no decorrer deste capítulo, enfocando de
pouco importantes, devendo-se oferecer o trata-
mento sob o ponto de vista preventivo, desde que
forma prática as cardiopatias mais freqüente-
mente encontradas durante o primeiro ano de
167
se conheça adequadamente a história natural da vida. RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
JATENE MB e cols.
Cirurgia no FISIOPATOLOGIA E QUADRO CLÍNICO potermia profunda, com temperaturas entre 20ºC
primeiro ano de vida e 22ºC. Excepcionalmente, utiliza-se a parada cir-
Atualmente, registram-se taxas de mortalida- culatória total, em manobras cirúrgicas de curta
de hospitalar menores que 1% para cardiopatias duração ou para procedimentos cirúrgicos mais
congênitas simples como comunicação interatri- complexos, em especial aqueles que requeiram
al, comunicação interventricular e coarctação de manipulação do arco aórtico. Outros recursos têm
aorta. Morbidade significativa pós-operatória é sido rotineiramente utilizados durante a condução
muito rara1, 2. Por outro lado, os riscos são maio- da circulação extracorpórea, como o emprego de
res em cardiopatias mais complexas. Ainda assim, ultrafiltração convencional ou modificada, que
têm-se conseguido taxas de mortalidade hospita- possibilita a eliminação de líquido durante ou após
lar inferiores a 5% para doenças como tetralogia a circulação extracorpórea, reduzindo a propen-
de Fallot, defeito do septo atrioventricular total e são a edema ou a retenção hídrica.
transposição das grandes artérias3-5. A proteção miocárdica habitualmente utiliza-
Nas cardiopatias congênitas acianogênicas com da é feita com infusão de solução cardioplégica
hiperfluxo pulmonar, o aspecto fisiopatológico sanguínea hipotérmica na raiz da aorta e repetida
marcante é a ocorrência de fluxo aumentado para a cada 30 a 40 minutos, com dose inicial de 20 ml/
os pulmões, que pode transcorrer clinicamente kg de peso e doses repetidas de 10 ml/kg.
assintomático ou até com sintomas de congestão A via de acesso para a maioria das cardiopati-
pulmonar, com conseqüentes infecções do trato as é a esternotomia mediana, exceção feita aos
respiratório. Em não se corrigindo o defeito e em casos de abordagem sem circulação extracorpó-
persistindo o fluxo aumentado para os pulmões, rea por toracotomia lateral. Cada vez mais freqüen-
provavelmente por anos, modificações na estrutu- te tem sido a utilização de miniacessos medianos,
ra da vasculatura pulmonar começam a ocorrer. A com abertura parcial do esterno ou apenas do apên-
instalação de hipertensão pulmonar de grau avan- dice xifóide, para correção de determinadas car-
çado com hiper-resistência pulmonar pode gerar diopatias, com aspecto estético mais favorável.
lesão pulmonar irreversível. A avaliação do grau A seguir, serão abordadas as cardiopatias con-
de lesão pulmonar pode ser feita por biópsias pul- gênitas mais freqüentes na prática clínica, refe-
monares, por meio de parâmetros histológicos e rindo aspectos gerais de cada uma, além de deta-
morfométricos. lhes do tratamento cirúrgico.
No caso das cardiopatias congênitas aciano-
gênicas com obstrução da via de saída do ventrí- COMUNICAÇÃO INTERVENTRICULAR
culo esquerdo (estenose aórtica, coarctação de
aorta e interrupção do arco aórtico), a ocorrência A comunicação interventricular isolada é o de-
precoce de sintomas está diretamente relacionada feito cardíaco congênito mais comum6, correspon-
à gravidade da obstrução, sendo a insuficiência dendo a cerca de 20% de todas as cardiopatias
cardíaca e o baixo débito cardíaco as principais congênitas7. Apresenta grande variabilidade de
manifestações. sintomas, relacionados ao tamanho do defeito e à
Nas cardiopatias congênitas cianogênicas, o magnitude do “shunt” esquerda-direita. Nos pe-
principal aspecto fisiopatológico é a presença de quenos casos (< 4 mm), existe a possibilidade de
cianose, decorrente de insaturação arterial, con- fechamento espontâneo, mais comumente obser-
seqüente à hipóxia. A intensidade e a persistência vado durante o primeiro ano de vida.
da hipóxia podem levar a graves situações clíni- Do ponto de vista morfológico, pode-se classifi-
cas, com cianose intensa e ocorrência de acidose car a comunicação interventricular em três tipos prin-
metabólica e baixo débito cardíaco, além do apa- cipais, de acordo com suas bordas, a saber:
recimento de poliglobulia nos pacientes com mai- 1. Tipo perimembranoso – o mais freqüente, apre-
or tempo de evolução clínica. senta em suas bordas tecido fibroso constitu-
inte da junção entre folhetos valvares e o cor-
INDICAÇÃO E TRATAMENTO CIRÚRGICO po fibroso central ou septo membranoso.
2. Tipo muscular – tem bordas completamente
O tratamento definitivo da maioria das cardio- musculares.
patias congênitas deve ser feito com auxílio de cir- 3. Tipo duplamente relacionado ou justa-arterial
culação extracorpórea, porém algumas podem ser – apresenta como parte de sua borda continui-
corrigidas sem circulação extracorpórea, como, dade fibrosa entre as valvas arteriais.
por exemplo, a persistência de canal arterial e a Nos casos de comunicação interventricular, a
168 coarctação de aorta.
Durante a condução da circulação extracorpó-
conduta quanto ao momento da indicação cirúrgi-
ca varia conforme o tamanho do defeito. Nos ca-
RSCESP rea, utiliza-se rotineiramente nos neonatos a hi- sos pequenos, quando não se observa repercussão
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JATENE MB e cols.
nem clínica nem hemodinâmica, pode-se optar - valva atrioventricular comum: pode ter Cirurgia no
pelo acompanhamento clínico, com retornos peri- orifício único ou orifícios separados direito e primeiro ano de vida
ódicos ao cardiologista. esquerdo, correspondendo, respectivamente, às
Nos pacientes portadores de comunicação in- denominações de defeitos completos e parci-
terventricular grande, com repercussão hemodi- ais, podendo haver ainda grande variabilidade
nâmica e sintomas já referidos, a indicação cirúr- de anatomia, compreendendo os defeitos in-
gica deve ser precoce, por volta do sexto mês de termediários;
vida, não se devendo ultrapassar o primeiro ano - balanceamento das câmaras ventriculares:
de vida, pelos riscos de dano vascular pulmonar fator importante para definição de conduta e
conseqüente ao hiperfluxo. avaliação do prognóstico.
O tratamento cirúrgico deve ser sempre reali- Existem situações clínicas de melhor prognós-
zado com a colocação de remendo, seja de peri- tico, como os casos de defeito do septo atrioven-
cárdio bovino ou autólogo ou outros tecidos sin- tricular de forma parcial, com pequena comunica-
téticos (preferência do cirurgião), com exceção dos ção interatrial tipo “ostium primum”, com fenda
casos mínimos (1 mm a 2 mm), nos quais um ou competente da valva atrioventricular esquerda (a
dois pontos são suficientes para seu fechamento. criança apresenta comportamento clínico seme-
Morbidade decorrente desse tipo de operação lhante àquela portadora de comunicação interatri-
são os bloqueios atrioventriculares; deve-se tomar al de discreta repercussão). Para essas crianças,
cuidado na passagem dos pontos, que devem ser pode-se postergar o tratamento cirúrgico para a ida-
superficiais e posicionados no lado direito do sep- de pré-escolar, abaixo dos 4 anos de idade, devendo-
to interventricular, afastando-se assim da região se realizar o fechamento da comunicação interatrial
do sistema de condução. (com remendo de pericárdio bovino ou autólogo) e
Outra situação que deve ser destacada são as proceder ao fechamento da fenda valvar.
comunicações interventriculares múltiplas, quan- Para os casos de defeito do septo atrioventri-
do nem sempre se consegue localizar todas as co- cular forma total, com grande hiperfluxo, o racio-
municações pelo acesso convencional (através do cínio é muito semelhante àquele para os casos de
átrio direito e valva tricúspide), pela característi- comunicação interventricular grande, com indica-
ca da anatomia da face direita do septo interven- ção de correção cirúrgica nos primeiros seis me-
tricular, que apresenta muitas trabeculações, difi- ses de vida. Apesar da grande variabilidade ana-
cultando a identificação de uma eventual comuni- tômica, dois princípios básicos podem ser segui-
cação interventricular muscular. 8 Nesse caso, dos na abordagem desse tipo de defeito:
pode-se optar pela abertura da ponta do ventrícu- 1. Identificação e fechamento das comunicações
lo esquerdo e pelo fechamento de uma ou mais interventriculares e interatriais, com dois re-
comunicações com um grande remendo único fi- mendos distintos, sendo o da comunicação in-
xado no lado esquerdo do septo interventricular, terventricular geralmente no formato de meia-
cuja superfície é mais uniforme, sem trabecula- lua (depende da anatomia), fixado com pontos
ções. Também o acesso por ventriculotomia api- separados de polipropileno 6-0 apoiados em
cal direita pode ser utilizado. almofadas de teflon ou pericárdio bovino, e o
da comunicação interatrial de formato variá-
DEFEITO DO SEPTO vel, suturado às bordas do defeito com sutura
ATRIOVENTRICULAR contínua. Cuidado adicional deve ser tomado
no fechamento da comunicação interatrial, fa-
O defeito do septo atrioventricular, talvez a car- zendo com que os pontos da sutura passem o
diopatia congênita de mais difícil denominação9, mais longe possível da região do nó atrioven-
apresenta associação freqüente com síndrome de tricular, próximo ao óstio do seio coronariano.
Down10. Existe grande variabilidade anatômica, e 2. Definição e separação da valva atrioventricular
não há os componentes muscular e membranoso única em duas valvas direita e esquerda. Para
do septo atrioventricular, determinando algumas tanto, recomenda-se exaustiva avaliação da
características comuns em todos os casos: junção anatomia valvar com auxílio de soro injetado
atrioventricular comum, aorta anteriorizada e não nas cavidades ventriculares para definição dos
posicionada entre as valvas mitral e tricúspide, dois componentes. A septação da valva será
estreitamento do trato de saída subaórtico, com realizada com os mesmos remendos utilizados
desproporção entre as vias de entrada e saída do no fechamento das comunicações.
septo ventricular.
Existem outras características muito freqüen-
tes, porém não comuns a todos os casos de defeito
PERSISTÊNCIA DE CANAL ARTERIAL 169
do septo atrioventricular, a saber: O canal arterial, de fundamental importância RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
JATENE MB e cols.
Cirurgia no na vida intra-uterina, normalmente se fecha após gem do canal arterial por minitoracotomia, por
primeiro ano de vida o nascimento, em período que pode variar de al- meio de pequena incisão de 2 cm a 3 cm na região
gumas horas até algumas semanas. O fechamento interescápulo vertebral, no quarto espaço intercos-
espontâneo decorre de alterações estruturais na tal esquerdo, pelo qual se fazem o afastamento do
região do canal, que apresenta uma camada média pulmão e a dissecção do canal arterial, com poste-
muscular muito espessa, fazendo com que haja rior clipagem com clipes de titânio (1 ou 2 cli-
contratura das fibras musculares após o nascimen- pes)11. Nos casos de neonatos prematuros ou cri-
to, resultando em fechamento do canal. anças de baixo peso, a clipagem pode ser feita por
Comportamento diferente pode ser observado pequena incisão posterior, como já descrito, por
em prematuros ou neonatos pequenos para a ida- via extrapleural.
de gestacional, nos quais o fechamento espontâ-
neo do canal é retardado, gerando situações que ESTENOSE AÓRTICA VALVAR
podem transcorrer com importante repercussão clí-
nica pelo hiperfluxo pulmonar. Nesses casos, pode- A estenose aórtica valvar congênita é cardio-
se tentar a infusão de indometacina, droga que ini- patia cuja ocorrência corresponde a cerca de 3% a
be a atividade de prostaglandina e que deve ser 5% das malformações cardíacas. Sob o aspecto
evitada na vigência de comprometimento da fun- anatômico, a valva é geralmente trivalvular, mas
ção renal. Geralmente, quando o fluxo do canal é pode se apresentar bivalvulada, monovalvulada ou
bem tolerado pela criança prematura, sem necessi- até tetravalvulada. Alterações no ventrículo esquer-
dade de induzir farmacologicamente seu fechamen- do podem estar presentes, como fibroelastose ven-
to, este se processa com freqüência semelhante à das tricular.
crianças nascidas a termo, porém com atraso. Nos casos de estenose aórtica crítica, geralmen-
Na presença de persistência de canal arterial, te as manifestações são precoces e surgem já no
deve-se programar seu fechamento baseado em período neonatal. Nos casos de gradientes superi-
dois aspectos principais: o baixo risco de todos os ores a 60 mmHg, deve-se cogitar a indicação ci-
procedimentos que visam a interromper o fluxo rúrgica, no intuito de prevenir eventuais arritmias
pelo canal, sejam cirúrgicos ou por cateterismo ou até morte súbita.
intervencionista, e a chance de ocorrência de pro- Uma vez que se decida pela correção da este-
blemas futuros, como endocardite (0,5% por ano nose, pode-se dispor de dois tipos de tratamento,
na idade adulta) ou desenvolvimento de insufici- sendo um por cateterismo intervencionista e ou-
ência cardíaca. tro por meio de cirurgia.
Na possibilidade de se poder programar eleti- Nos casos de estenose neonatal crítica com im-
vamente seu fechamento, este deve ser realizado portante displasia valvar, ambos têm resultados
na idade pré-escolar, em faixa etária mais precoce semelhantes quanto ao alívio da estenose, sem que
(por volta dos 12 aos 24 meses de idade). se possa esperar que o tratamento seja definitivo12.
Várias técnicas podem ser empregadas no fe- É fundamental que na escolha do tipo de trata-
chamento do canal arterial. Avanços importantes mento no período neonatal se leve em considera-
no campo do cateterismo intervencionista permi- ção a estrutura institucional e a experiência dos
tem que se realize com segurança e eficiência cada grupos cirúrgico e de hemodinâmica no manuseio
vez maiores sua oclusão com diversos tipos de dis- dessa cardiopatia, para que se possa oferecer o
positivos (“coils” de diversos tipos e dispositivo melhor tratamento.
de Amplatzer, dentre outros). Nos casos de estenose aórtica valvar de indi-
Do ponto de vista cirúrgico, a técnica conven- cação eletiva, o tratamento cirúrgico costuma apre-
cional de fechamento do canal arterial ainda ocu- sentar resultados mais favoráveis, já que é possí-
pa espaço importante, especialmente em institui- vel a visibilização adequada da valva.
ções de ensino ou por grupos que prefiram sua uti- A cirurgia consiste da abertura das comissuras
lização, pela baixa morbidade. Consiste de tora- valvares (comissurotomia) estenosadas, além da
cotomia látero-posterior esquerda, no quarto es- ressecção de nódulos mixomatosos ou fibrose,
paço intercostal, com identificação e dissecção do procurando devolver à valva a maior mobilidade
canal arterial, seguido por clampeamento, secção possível, aliviando assim a estenose. O tipo de
e sutura dos cotos pulmonar e aórtico, com drena- anatomia da valva é que define a técnica cirúrgica
gem da cavidade pleural. Mais recentemente, pro- específica a ser empregada.
cedimentos cada vez menos invasivos vêm sendo
aplicados, realizando o fechamento por meio de COARCTAÇÃO DE AORTA
170 videotoracoscopia ou por miniincisões, clipando
o canal arterial sem seccioná-lo. A coarctação de aorta é definida como um es-
RSCESP Outra técnica que merece destaque é a clipa- treitamento, mais freqüentemente localizado no
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istmo aórtico, abaixo da artéria subclávia esquer- ventrículo direito e hipertrofia ventricular direita. Cirurgia no
da e próximo ao local de implantação do canal Corresponde a mais de 10% de todas as cardi- primeiro ano de vida
arterial. Representa de 3,4% a 9,8% das cardiopa- opatias e seu diagnóstico clínico geralmente é fei-
tias congênitas, sendo geralmente isolada. to pela ocorrência de cianose, nem sempre preco-
A decisão terapêutica dependerá das caracte- ce, mas conseqüente a grande variabilidade de
rísticas do defeito e a cirurgia será indicada de achados anatômicos, específicos para cada caso.
acordo com o caso, devendo a abordagem tanto Em geral, há presença de hipertrofia e estenose da
diagnóstica como terapêutica ser individualizada. via de saída do ventrículo direito, com importante
Nos casos de pacientes assintomáticos, sem hiper- aumento das pressões em câmaras direitas, o que
tensão arterial, nos quais o diagnóstico é feito du- leva a cianose pelo desvio do fluxo da direita para
rante exame de rotina, a correção cirúrgica pode a esquerda pela comunicação interventricular. Na
ser realizada entre 18 e 24 meses. presença de canal arterial prévio, a cianose pode
No período neonatal ou em crianças com ida- não ser detectada num primeiro momento, fican-
de inferior a um ano, os resultados da dilatação do sua ocorrência relacionada ao fechamento do
com balão não apresentam evolução favorável, canal arterial.
com ocorrência de reestenose freqüente; nesse Grande variabilidade anatômica pode estar pre-
grupo, melhores resultados são obtidos com a ci- sente, mais especificamente quanto à anatomia da
rurgia. Na presença de defeitos associados, deve- via de saída do ventrículo direito, com presença
se dar preferência à correção cirúrgica em um úni- de estenose apenas no infundíbulo, na valva pul-
co tempo, corrigindo-se a coarctação e o outro monar, no tronco pulmonar, nos ramos pulmona-
defeito em questão por meio de abordagem por res ou por meio de associações de lesões em dife-
esternotomia mediana. rentes níveis, sendo mais freqüente a presença de
Nos casos de coarctação isolada, a abordagem estenose infundibular valvar e supravalvar. Nos ca-
cirúrgica é feita por toracotomia látero-posterior sos de estenose infundibular grave, além da pre-
esquerda; após exposição da aorta descendente e sença de cianose estável, podem ocorrer crises de
da zona coarctada, procede-se à secção e à sutura cianose.
do canal arterial ou ligamento arterioso. Uma vez Quanto ao momento da intervenção cirúrgica,
exposta e dissecada toda zona coarctada, proce- casos nos quais há cianose estável, deve-se dar pre-
de-se à ressecção, incluindo o tecido ductal, e à ferência pela correção total a partir do sexto mês
anastomose término-terminal dos dois cotos aór- de vida. Caso a criança apresente sintomas de ci-
ticos, realizando a sutura com fio absorvível de anose entre o terceiro e o sexto meses, procede-se
PDS 6-0 ou 7-0, dependendo da idade da criança à correção total se houver anatomia favorável e
e da espessura da parede da aorta. Procura-se au- procede-se à paliação por meio de anastomose sis-
mentar o tamanho da boca anastomótica, por meio têmico-pulmonar (operação de Blalock-Taussig15)
de preparação dos cotos em bisel ou posiciona- caso haja anatomia desfavorável, com hipoplasia
mento do coto distal na face côncava do arco aór- de artérias pulmonares. Se a criança manifestar
tico, ampliando-se também o arco nos casos de sintomas de cianose importante nos primeiros três
hipoplasia de arco. meses de vida, deve-se dar preferência à realiza-
Outras técnicas podem ser utilizadas, como o ção de operação de Blalock-Taussig, com corre-
emprego de aortoplastia com enxerto de artéria ção definitiva posterior, no primeiro ano de vida.
subclávia esquerda, como proposto por Waldhau- O tratamento cirúrgico paliativo pela operação
sen e Nahrwold13 (a artéria subclávia é secciona- de Blalock-Taussig costuma ser feito por toraco-
da distalmente e utilizada de forma invertida e pe- tomia direita (quarto espaço intercostal), com anas-
diculada para ampliar a zona coarctada, porém pre- tomose de tubo sintético de GoreTex® entre a ar-
judicando a irrigação do membro) ou por Men- téria subclávia direita e a artéria pulmonar direita,
donça e colaboradores14 (artéria suclávia é desin- após heparinização; em casos de instabilidade clí-
serida de seu leito e reimplantada, ampliando-se a nica significativa, podem ser utilizadas a toraco-
zona coarctada e preservando a irrigação do mem- tomia esquerda e também a toracotomia mediana.
bro). A correção definitiva é feita por toracotomia
mediana, procurando corrigir todos os defeitos via
TETRALOGIA DE FALLOT átrio pulmonar, evitando-se abertura do ventrícu-
lo direito. Pelo átrio direito é possível realizar a
A tetralogia de Fallot é uma malformação car- descompressão das cavidades esquerdas por meio
díaca caracterizada por desvio do septo infundi- do septo interatrial, e, após o afastamento da val-
bular, com deslocamento para a direita e cavalga-
mento da aorta no septo interventricular, comuni-
va tricúspide, proceder à identificação da comu-
nicação interventricular, à ressecção da hipertro-
171
cação interventricular, estenose da via de saída do fia da via de saída do ventrículo direito e ao fe- RSCESP
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Cirurgia no chamento da comunicação interventricular com reção atrial antes do primeiro ano de vida; a se-
primeiro ano de vida remendo de pericárdio bovino. Complementa-se gunda opção seria a realização de preparo do ven-
a operação por arteriotomia longitudinal no tron- trículo esquerdo, com realização de bandagem do
co pulmonar, por onde é possível abordar a valva tronco pulmonar e “shunt” sistêmico-pulmonar, e
pulmonar e acessar o infundíbulo, completando a operação de Jatene depois de cerca de 7 a 10 dias.
ressecção muscular. Existe forte tendência em se Existem ainda experiências de diferentes gru-
preservar com o máximo empenho a integridade pos cirúrgicos que indicam indiscriminadamente
do anel pulmonar, aliviando as estenoses existen- a operação de Jatene em todos os neonatos porta-
tes (valvar e infundibular) e acompanhando o cres- dores de transposição das grandes artérias simples
cimento do mesmo. Deve-se preferir deixar uma até o segundo mês de vida, com resultados satis-
leve estenose (gradiente < 30 mmHg) a ampliar o fatórios a curto e longo prazos. Deve-se, mesmo
anel com remendos. assim, dar preferência a uma abordagem mais con-
Nos casos em que existe hipoplasia do anel pul- vencional, como descrito anteriormente.
monar, deve-se proceder à abertura do mesmo, com Nos casos de transposição das grandes artéri-
ampliação da via de saída, anel e tronco pulmonar as com comunicação interventricular, deve-se dar
com remendo. Optamos pela utilização dos remen- preferência pela correção no primeiro mês de vida,
dos com monocúspides. Antes de se iniciar a cor- tentando evitar o aparecimento de complicações
reção propriamente dita, é fundamental que se ins- relacionadas à comunicação interventricular, como
pecione a eventual presença de coronárias de tra- infecções pulmonares ou insuficiência cardíaca.
jeto anômalo, cruzando o infundíbulo do ventrí- Nos casos de transposição das grandes artérias
culo direito. associada à presença de comunicação interventri-
cular múltipla, deve-se preferir realizar bandagem
TRANSPOSIÇÃO DAS GRANDES do tronco pulmonar, existindo a possibilidade de
ARTÉRIAS ganho de peso e chance de fechamento espontâ-
neo de algumas comunicações, o que facilitaria
De forma geral, todos os casos de transposi- correção futura.
ção das grandes artérias simples ou com comuni- Com relação à técnica operatória, após aber-
cação interventricular devem ser abordados cirur- tura mediana do pericárdio, procede-se inicialmen-
gicamente no período neonatal, por meio da ope- te à inspeção da anatomia cirúrgica dos grandes
ração de Jatene16. Os casos de transposição das vasos e das artérias coronárias, previamente des-
grandes artérias simples ou com comunicação in- crita pelo ecocardiograma ou por cateterismo car-
terventricular pequena, sem repercussão, devem díaco. Rotineiramente retira-se um fragmento do
ser preferencialmente operados nas duas primei- pericárdio da criança, o qual é mantido hidratado
ras semanas de vida, período em que o ventrículo com solução fisiológica, para ser utilizado a fres-
esquerdo apresenta capacidade de suportar o flu- co na reconstrução do tronco pulmonar.
xo sistêmico após a correção da anatomia. Após inspeção inicial, procede-se a extensa dis-
Nos neonatos que se apresentem para tratamen- secção e liberação dos vasos da base, liberando a
to cirúrgico após a segunda semana de vida, deve- aorta ascendente do tronco pulmonar, além de li-
se definir a indicação cirúrgica após avaliação eco- berar as artérias pulmonares até suas ramificações
cardiográfica da contração de ambos os ventrícu- iniciais nos hilos de ambos os pulmões; disseca-
los e sua relação de pressão e massa. Dessa for- se também o canal arterial com o máximo cuida-
ma, nos casos em que o ventrículo esquerdo apre- do para evitar lesão, já que se trata de tecido ex-
sente pressão igual ou superior ao ventrículo di- tremamente friável.
reito, que o septo interventricular se mostre retifi- Terminada a liberação dos vasos da base, pro-
cado ou abaulado para o ventrículo direito, indi- cede-se à heparinização e canulação das veias cava
ca-se a operação de Jatene sem receio. Nos casos e aorta, como descrito anteriormente. Após o iní-
nos quais a pressão do ventrículo esquerdo é me- cio da circulação extracorpórea, procede-se à li-
nor que a do ventrículo direito, com o septo inter- gadura e secção do canal arterial, liberando total-
ventricular abaulando para o ventrículo esquerdo, mente a artéria pulmonar. As etapas descritas são
prefere-se não indicar a correção imediata, em utilizadas para todos os casos de transposição das
função do risco de o ventrículo esquerdo não con- drandes artérias, independentemente do padrão
seguir suportar o controle do fluxo sistêmico. coronariano encontrado. Inicia-se o esfriamento e
Restariam duas opções terapêuticas, dependen- procede-se à infusão de solução cardioplégica.
do da preferência individual do grupo cirúrgico. Realiza-se então a secção da aorta logo acima
172 A primeira seria deixar a criança seguir em evolu-
ção clínica, após se certificar que exista comuni-
do plano dos postes comissurais, cerca de 1 cm
acima dos óstios coronarianos. Nesse momento
RSCESP cação ampla no septo interatrial, e proceder à cor- faz-se a inspeção final do tipo e do trajeto das co-
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ronárias, bem como da valva aórtica e da via de proximal da aorta, com colocação de remendos de Cirurgia no
saída do ventrículo direito. Acreditamos ser de pericárdio autólogo fresco, substituindo a parede primeiro ano de vida
extrema importância a exploração das coronárias aórtica excisada conjuntamente com os óstios co-
por meio de exploradores rombos com cerca de ronarianos, suturando os remendos à parede aór-
1mm de diâmetro, o que ajuda a definir o trajeto e tica com fios de polipropileno 7-0. Habitualmente
a descartar ou confirmar a presença de trajeto co- são utilizados dois remendos separados, um para
ronariano intramural. a reconstrução de cada seio de Valsalva. Faz-se
A seguir, secciona-se o tronco pulmonar abai- então, por fim, a anastomose do coto proximal da
xo da bifurcação, realizando-se também cuidado- aorta com o coto distal do tronco pulmonar, resta-
sa inspeção da valva pulmonar e da via de saída belecendo a anatomia dos vasos da base. Na mai-
do ventrículo esquerdo, futuras estruturas sistêmi- oria dos casos, utiliza-se a manobra de Lecompte
cas. Posiciona-se o coto distal do tronco pulmo- de anteriorização do tronco pulmonar, que fica em
nar anteriormente à aorta, como descrito por Le- posição anterior à aorta.
compte e colaboradores17. Em seguida procede-se ao fechamento da co-
Procede-se então à anastomose entre o coto municação interatrial, ao aquecimento da criança
proximal do tronco pulmonar e o coto distal da e à reperfusão do coração, quando se tem a exata
aorta com fios de PDS 7-0, reconstruindo-se a neo- idéia da posição dos óstios coronarianos e do re-
aorta; algumas vezes, em função da desproporção sultado da operação. Antes da abertura do “clamp”
de diâmetros entre os cotos, pode-se ressecar frag- aórtico, utiliza-se rotineiramente cola biológica à
mento do coto pulmonar para melhor adequação base de trombina e aprotinina, no auxílio à hemos-
de tamanho. tasia, por causa do grande número de linhas de
Inicia-se então a abordagem propriamente dita sutura.
das coronárias, realizando sua excisão da parede Em função da possibilidade de variações no
aórtica. É preferível retirar os óstios coronarianos padrão coronariano, o posicionamento dos óstios
com praticamente toda a parede aórtica do seio de coronarianos no tronco pulmonar dependerá do
Valsalva correspondente, deixando pequena bor- tipo de anatomia das coronárias, decidindo-se qual
da de aorta no contorno do fundo do seio de Val- a melhor posição para seu reimplante somente no
salva e próxima às comissuras envolvidas. Repe- intra-operatório.
te-se a manobra para a outra coronária, excisando Nos casos em que houver associação de co-
as duas coronárias antes do início do reimplante municação interventricular, é preferível realizar o
da primeira. Rotineiramente é feita a excisão da fechamento antes do início da abordagem dos va-
coronária direita seguida da excisão da coronária sos da base, habitualmente por via transatrial, uti-
esquerda. lizando placa de pericárdio bovino fixada por pon-
Com a neoaorta pressurizada (com a pinça da tos separados de polipropileno 6-0. O canal arte-
aorta solta), procede-se então à escolha da posi- rial em geral é seccionado e suturado imediata-
ção da coronária a ser implantada no tronco pul- mente após o início da circulação extracorpórea,
monar. Para tanto, com manobras repetidas, apro- no sentido de facilitar a mobilização da artéria
xima-se a coronária do local mais apropriado, e é pulmonar.
feita uma marcação com fio de polipropileno 7-0
orientando a posição e a direção para se realizar a DRENAGEM ANÔMALA TOTAL DAS
anastomose. Uma vez definida a posição, realiza- VEIAS PULMONARES
se novo clampeamento da neoaorta e faz-se então
uma incisão em “C” (“trap-door”) ou se resseca A drenagem anômala de veias pulmonares
pequeno botão de parede da neoaorta, tomando pode ser dividida em parcial, quando uma ou mais
cuidado para não avançar a incisão por sobre a veias pulmonares, mas não todas, drenam no átrio
valva pulmonar (marcação prévia do local das co- direito ou em suas tributárias (< 1% das cardiopa-
missuras é realizada após a secção do tronco pul- tias congênitas), ou em total, quando todas as vei-
monar). O uso da “trap-door” visa a facilitar o as pulmonares drenam no átrio direito, normal-
posicionamento da coronária, já que se faz uma mente, através de uma veia pulmonar comum (1%
mínima rotação da mesma, prevenindo distorções a 2% das cardiopatias congênitas). A drenagem
ou angulações que possam causar isquemia coro- anômala total das veias pulmonares em geral é
nariana. associada a comunicação interatrial, normalmen-
Inicia-se a sutura da coronária esquerda à pa- te acompanhada de sua repercussão clínica e indi-
rede da neoaorta com fio de polipropileno 8-0, cação cirúrgica.
sutura contínua, e repete-se a mesma seqüência
para o outro óstio coronariano.
A drenagem anômala total das veias pulmona-
res pode ser classificada em quatro formas, de acor-
173
Realiza-se em seguida a reconstrução do coto do com o local anatômico de sua drenagem: RSCESP
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Cirurgia no - Tipo I: total supracardíaca (45%), quando o sis- linha de sutura fique próxima ao nó atrioventricu-
primeiro ano de vida tema coletor drena numa veia vertical que dre- lar, por sua proximidade com o seio coronariano.
na na veia inominada e posteriormente na veia A ocorrência de hipertensão pulmonar no pós-
cava superior. operatório é comum, e medidas para seu tratamen-
- Tipo II: total intracardíaca (25%), que se carac- to podem ser empregadas, como cateteres para me-
teriza normalmente pela drenagem da veia co- dida invasiva da pressão pulmonar, sedação, hi-
mum (sistema coletor) no seio coronariano. perventilação, e, por vezes, óxido nítrico.
- Tipo III: total infracardíaca (25%), caracterizan- A mortalidade total fica em torno de 10%, va-
do-se pela drenagem do sistema coletor numa riando bastante de acordo com o tipo de drena-
veia descendente e posteriormente na veia cava gem e das condições clínicas do paciente antes da
inferior. cirurgia.
- Tipo IV: mista (5%), em que se observa uma
mistura das drenagens anteriores. SÍNDROME DE HIPOPLASIA DO
A correção da drenagem anômala total das CORAÇÃO ESQUERDO
veias pulmonares costuma ser procedimento ci-
rúrgico de emergência nos primeiros dias de vida. Caracteriza-se por amplo espectro de malfor-
Em crianças sintomáticas, com cianose e edema mações do ventrículo esquerdo, abrangendo des-
pulmonar, a história natural é de mortalidade em de hipoplasia até ausência do ventrículo esquerdo
80% dos pacientes no primeiro ano de vida, quan- e hipoplasia importante da aorta ascendente. As
do não realizado o tratamento cirúrgico. Geralmen- valvas aórtica e mitral podem ser estenóticas ou
te o diagnóstico é realizado pela ecocardiografia, atrésicas. Trata-se de cardiopatia congênita relati-
porém, às vezes, restam dúvidas sobre o exato lo- vamente freqüente, correspondendo a cerca de 7%
cal de drenagem de todas as veias pulmonares, a 9% das cardiopatias diagnosticadas até um ano
além de eventual presença de estenoses em seu de vida; 25% dos neonatos portadores de síndro-
trajeto, sendo necessário estudo angiográfico. me de hipoplasia do coração esquerdo morrem na
A técnica cirúrgica para correção da drenagem primeira semana de vida se não houver interven-
anômala total das veias pulmonares consiste em ção cirúrgica. O primeiro neonato operado com
redirecionar todo o fluxo sanguíneo proveniente sucesso foi relatado por Norwood e colaborado-
do pulmão para o átrio esquerdo18. Todos os repa- res19, 20, em 1981. Desde então, sua proposta cirúr-
ros são feitos por meio de esternotomia mediana e gica tem sofrido modificações, porém permane-
utilização de circulação extracorpórea. Nos casos cem seus componentes essenciais: atriosseptecto-
de drenagem anômala total das veias pulmonares mia; anastomose do tronco pulmonar à aorta as-
supracardíaca e infracardíaca, o objetivo é a anas- cendente, com ampliação do arco aórtico; e
tomose do sistema coletor com a parede posterior “shunt” sistêmico-pulmonar.
do átrio esquerdo, ligadura da veia vertical (su- Essa proposta cirúrgica inicial é seguida de cor-
pracardíaca) ou da veia descendente (infracardía- reção tipo Fontan para corações univentriculares,
ca) e fechamento da comunicação interatrial. Para estadiada em mais duas fases: a anastomose de
isso, após ser infundida a cardioplegia, é ligado e Glenn bidirecional e a operação cavopulmonar
desconectado o sistema coletor da veia vertical ou total, com ou sem tubo extracardíaco.
descendente e o átrio direito é incisado em dire- Alternativa à correção univentricular, que man-
ção ao septo interatrial, visibilizando-se a parede tém o ventrículo direito como sistêmico, é o trans-
posterior do átrio esquerdo; uma incisão paralela plante cardíaco, muito limitado em nosso meio
é feita na parede posterior do átrio esquerdo e no pela escassez de doadores em faixa etária pediá-
sistema coletor, suturando um ao outro com fio de trica e neonatal e pela necessidade constante de
PDS 7-0, procurando realizar ampla anastomose, imunossupressão.
para evitar obstruções de drenagem. Em seguida, Mais recentemente, têm sido propostas novas
fecha-se a comunicação interatrial com remendo abordagens para a síndrome de hipoplasia do co-
de pericárdio autólogo ou bovino (critério do ci- ração esquerdo, como o procedimento híbrido21,
rurgião). Nos casos de drenagem anômala total das junção da intervenção cirúrgica com a hemodinâ-
veias pulmonares intracardíaca, após a cardiople- mica, em que o cirurgião confecciona um “shunt”
gia, o átrio direito é incisado longitudinalmente e do tronco pulmonar ao tronco braquiocefálico e o
se visibiliza o seio coronariano, normalmente di- hemodinamicista realiza a atriosseptostomia, com
latado. A parede posterior do seio coronariano é ou sem colocação de stent e insere o stent no ca-
aberta, comunicando-o com o átrio esquerdo atra- nal arterial, com a intenção de promover cresci-
174 vés da comunicação interatrial. Fecha-se então a
comunicação interatrial e o seio coronariano com
mento da aorta ascendente/arco aórtico, o que fa-
cilitaria o segundo estágio (Norwood + Glenn).
RSCESP um grande remendo de pericárdio, evitando que a Mais recentemente ainda, tem-se optado pelo
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procedimento híbrido modificado, no qual é con- O objetivo dessa nova proposta é manipular o Cirurgia no
feccionado um segundo “shunt” do tronco pulmo- menos possível essas crianças, evitando instabili- primeiro ano de vida
nar para a aorta descendente. A anastomose pro- dade hemodinâmica. Já foram realizados cinco
ximal é realizada por toracotomia mediana, com procedimentos, todos com consentimento dos pais,
pinçamento lateral do tronco pulmonar, sem ne- após exaustiva explicação quanto às possibilida-
cessidade de circulação extracorpórea, e o enxer- des existentes, alguns com sucesso a curto prazo,
to (polietrafluoroetileno expandido) é suturado e mas nenhum ainda com sucesso a longo prazo.
inserido na cavidade pleural esquerda. Procede- Apesar dos avanços cirúrgicos acima relata-
se à toracorrafia mediana, a criança é reposicio- dos, tal cardiopatia constitui-se, ainda, em nosso
nada em decúbito lateral direito e, por toracoto- meio, em desafio para os cirurgiões, constantemen-
mia ântero-lateral esquerda, resgata-se o enxerto te em busca de alternativas que possam melhorar
e conclui-se sua anastomose à aorta descendente. a qualidade de vida e a sobrevida dessas crianças.

SURGERY IN THE FIRST YEAR OF LIFE

MARCELO BISCEGLI JATENE


PATRÍCIA MARQUES OLIVEIRA
RAFAEL AON MOYSÉS

Considering the different congenital heart defects presented in the first year of life, many
need immediate, either palliative or definitive surgical correction. The neonates could be
considered a particular group, not only for the low weight and age, but mainly for the
complexity of the majority of the defects that require surgical treatment in the neonatal
period. The surgical treatment of congenital heart diseases, cyanotic or noncyanotic, in the
first year of life aims to correct symptoms (not always present), to offer better quality of life
and favorable long term follow-up. The main congenital heart defects operated on in the first
year of life are: ventricular septal defect, aortic coarctation, tetralogy of Fallot, total
atrioventricular canal, transposition of the great arteries, aortic valve stenosis, truncus, total
anomalous pulmonary venous drainage and hypoplastic left heart syndrome. Morbidity is
different, according to specific anatomical complexity and clinical condition preoperatively.
Definitive correction is usually indicated, with exception of unfavorable clinical condition,
when palliative treatment is initially indicated.

Key words: cardiac surgery, pediatric surgery, congenital heart disease.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:167-76)


RSCESP (72594)-1653

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Graham TP, Catterton WZ, Kovar I. Randomi- plastic left heart syndrome. J Thorac Cardio-
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176
RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
PACHÓN MATEOS
JC e cols.
ARRITMIAS NA INFÂNCIA Arritmias na infância

JOSÉ CARLOS PACHÓN MATEOS


ENRIQUE I. PACHÓN MATEOS
JUÁN CARLOS PACHÓN MATEOS
TASSO J. LOBO
REMY NELSON A. VARGAS

Hospital do Coração (HCor) – Associação do Sanatório Sírio


Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
Hospital Professor Edmundo Vasconcelos

Endereço para correspondência:


Avenida Açocê, 515 – ap. 31 – Indianópolis – CEP 04075-023 – São Paulo – SP

Arritmias cardíacas de algum tipo ocorrem entre 10% e 30% nos exames de Holter nas
crianças. Podem ser assintomáticas e benignas, porém em muitos casos produzem sintomas
incapacitantes e risco de morte súbita. Freqüentemente estão relacionadas a cardiopatias
congênitas ou a cirurgias de correção, assim como à presença de feixes ou vias anômalas ou
a cardiopatias adquiridas. A ablação por cateter por meio de radiofreqüência mudou a
história natural de muitas arritmias pediátricas, permitindo a cura definitiva na maioria dos
casos. Adicionalmente, marcapassos especiais, desfibriladores e ressincronizadores estão
cada vez mais estendendo seus benefícios ao pequeno paciente. Análises clínica e
laboratorial cuidadosas permitem identificar o susbstrato arritmogênico, os fatores
moduladores, os fatores deflagradores e, principalmente, se existe ou não cardiopatia
subjacente. Esses elementos são fundamentais para determinar o prognóstico e o tratamento
adequado em cada caso.

Palavras-chave: arritmia, criança, taquicardia, bradicardia, síncope, marcapasso.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:177-86)


RSCESP (72594)-1654

INTRODUÇÃO 1) Taquiarritmias, quando a freqüência cardíaca


está acima do limite normal, em repouso, com
Considera-se existir arritmia cardíaca quando ritmo cardíaco regular (taquicardia) ou irregu-
a freqüência cardíaca está acima (taquicardia) ou lar (taquiarritmia):
abaixo (bradicardia) dos limites fisiológicos ou A - Extra-sístoles
quando o ritmo cardíaco está irregular. O diagnós- B - Taquicardias supraventriculares
tico depende do contexto clínico e da condição C - Taquicardias ventriculares
metabólica, tendo-se em conta que existem gran- D - Síndromes de pré-excitação
des variações da freqüência cardíaca normal de 2) Bradiarritmias, quando a freqüência cardíaca
acordo com a idade (Tab. 1).
As arritmias cardíacas, nas crianças, podem ser
está abaixo do limite normal, em vigília, com
ritmo cardíaco regular (bradicardia) ou irregu-
177
classificadas em: lar (bradiarritmia): RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
PACHÓN MATEOS
JC e cols. Tabela 1 - Valores normais das freqüências cardíaca e respiratória
Arritmias na infância
Idade Peso (kg) Freqüência cardíaca Respiração

Prematuro 1,5 100-180 40-60


Recém-nascido 3,5 100-160 40-60
1 ano 10 110-170 20-30
3 anos 15 80-160 20-30
6 anos 20 60-130 20-30
8 anos 25 60-120 12-25
12 anos 40 60-120 12-25
15 anos 55 60-120 12-20

A - Pausas e batimentos de escape qüentes (14% a 62%) nos exames de Holter de


B - Síncope neurocardiogênica recém-nascidos a adolescentes, usualmente são
C - Doença do nó sinusal assintomáticas e benignas. Todavia, podem estar
D - Bloqueios atrioventriculares relacionadas a muitas condições patológicas: car-
E - Bloqueios intraventriculares diopatias congênitas ou adquiridas com envolvi-
A arritmia sinusal fásica, também conhecida mento atrial (cardiopatia reumática aguda), mio-
como arritmia sinusal respiratória, é considerada cardites, tumores cardíacos, uso de simpaticomi-
normal. A principal característica é a variação cí- méticos, cafeína e cocaína (arritmias fetais por uso
clica do ritmo sinusal com a respiração, aumen- materno), antidepressivos tricíclicos, estimulação
tando com a inspiração e diminuindo com a expi- mecânica por “intracath” ou eletrodos de marca-
ração, mantendo-se a onda P, o PR e o QRS nor- passos, hipo ou hipercalemia, hipóxia, hiperglice-
mais. É tão freqüente nas crianças, que, se estiver mia, etc. De modo geral, não precisam de trata-
ausente, deve levantar a suspeita de comunicação mento, além do controle da causa subjacente.
interatrial de repercussão hemodinâmica, insufi- Extra-sístoles ventriculares
ciência cardíaca ou comprometimento neurológi- Tipicamente apresentam QRS largo (> 100 ms)
co. e têm morfologia de bloqueio completo de ramo
esquerdo quando originadas no ventrículo direito
TAQUIARRITMIAS e eventualmente no septo interventricular ou blo-
queio completo de ramo direito quando origina-
Extra-sístoles das na parede ou na ponta do ventrículo esquerdo.
As extra-sístoles são batimentos antecipados Sua incidência varia de 8% a 27% nos exames de
isolados ou acoplados, que podem gerar maior ou Holter de 24 horas, sendo um pouco mais freqüen-
menor irregularidade no ritmo cardíaco, dependen- tes nos recém-nascidos e nos adolescentes. Podem
do de sua incidência. Podem ser originadas no nó ser monomórficas ou polimórficas, simples (iso-
sinusal, nos átrios e na junção AV (supraventricu- ladas) ou complexas (bigeminadas ou acopladas).
lares) ou nos ventrículos (ventriculares). Estas úl- A presença de extra-sístoles ventriculares deve
timas também podem se originar nos ramos do determinar rigorosa pesquisa de cardiopatia. Além
feixe de His (fasciculares). Em geral as extra-sís- da eletrocardiografia, a ecocardiografia é funda-
toles são benignas, principalmente as supraven- mental na busca de cardiopatias congênitas, pro-
triculares; entretanto, em decorrência da tendên- lapso de valva mitral, tamanho e função do ventrí-
cia de aumentarem nas cardiopatias, eventualmente culo direito (displasia arritmogênica) e do ventrí-
podem indicar uma cardiopatia subjacente (mio- culo esquerdo (cardiomiopatias, anomalias coro-
cardite, cardiopatias congênitas, cardiomiopatias, narianas, tumores, doença de Kawasaki, QT lon-
insuficiência cardíaca, etc.). go). Não existe ainda uma relação definitiva entre
Extra-sístoles supraventriculares o falso tendão e as extra-sístoles ventriculares.
Originam-se acima da bifurcação do feixe de Além disso, devem ser afastados quadros infecci-
His. Apresentam, caracteristicamente, QRS estrei- osos e auto-imunes (miocardites), distúrbios ele-
to, porém podem ser conduzidas com aberrância trolíticos, e intoxicação por estimulantes e medi-
(por bloqueio de ramo ou através de um feixe anô- camentos (digital, simpaticomiméticos). A ecocar-
178 malo), apresentando QRS largo (> 100 ms). Quan-
do muito precoces, podem ter PR longo ou podem
diografia e o teste ergométrico são fundamentais.
As extra-sístoles ventriculares de risco, freqüen-
RSCESP ser bloqueadas (pseudopausas). Embora muito fre- temente, estão relacionadas a cardiopatias e ten-
ABR/MAI/JUN 2007
PACHÓN MATEOS
dem a aumentar com o esforço, ao passo que as mente baixo débito e síncope. JC e cols.
extra-sístoles ventriculares benignas tendem a de- Taquicardia juncional incessante Arritmias na infância
saparecer. Mesmo benignas, quando as extra-sís- É semelhante à anterior, porém tem freqüên-
toles ventriculares são muito freqüentes por lon- cia mais baixa e caráter incessante (cessa e reco-
go tempo, além dos sintomas, podem levar ao de- meça espontaneamente após alguns batimentos si-
senvolvimento de uma “taquicardiomiopatia”. De nusais). O comportamento incessante por longo
modo geral, as extra-sístoles ventriculares mono- tempo (meses ou anos) pode levar à taquicardio-
mórficas, quando muito freqüentes e refratárias, miopatia. Geralmente é originada por uma macro-
podem ser eliminadas por meio de ablação por ra- reentrada AV (Fig. 1A-2), porém o feixe anômalo,
diofreqüência com uso de cateteres, sem toraco- comumente localizado perto do óstio do seio co-
tomia. ronariano, tem condução lenta unidirecional re-
trógrada (RP > PR). Essa taquicardia e a anterior
Taquicardias supraventriculares são chamadas de “ortodrômicas”, pelo fato de ati-
São assim chamadas as taquicardias que de- varem os ventrículos pelo feixe de His, anterogra-
pendem do território supraventricular para sua ma- damente, resultando em QRS estreito.
nutenção. Tipicamente apresentam QRS estreito, Taquicardia por reentrada nodal (Fig. 1A-1)
porém podem ocorrer com QRS largo no caso de É o segundo tipo mais freqüente. Depende de
bloqueio de ramo prévio, aberrância de condução uma característica congênita chamada dupla via
ou condução AV por feixe anômalo. nodal, na qual, na região do nó atrioventricular,

Figura 1. Esquema das taquicardias supraventriculares: A) taquicardias regulares; B) “flutter” atrial;


C) fibrilação atrial.

Os tipos de taquicardias supraventriculares além do nó atrioventricular existem uma via de


estão apresentados na Figura 1. condução lenta e uma via de condução rápida,
Taquicardia por reentrada atrioventricular permitindo o surgimento de uma micro-reentrada
(Fig. 1A-2) (reentrada nodal). É uma taquicardia regular com
É a taquicardia paroxística regular sustenta- QRS estreito (na ausência de bloqueio de ramo ou
da mais freqüente em crianças. Depende da pre- aberrância), na qual a onda P geralmente não é
sença congênita de um feixe anômalo atrioven- visível, pois cai dentro do QRS (RP < PR, sendo
tricular, o qual, na ausência de pré-excitação, R-P < 70 ms).
conduz somente no sentido VA (feixe oculto). Taquicardia atrial
Trata-se de uma macro-reentrada, na qual o es- Pode ser ocasionada por reentrada na parede
tímulo desce pelo nó atrioventricular (QRS es- atrial (Fig. 1A-3) ou por um foco automático (Fig.
treito na ausência de bloqueio de ramo ou aber- 1A-4), e é bem menos freqüente (cerca de 10%
rância) e sobe pelo feixe anômalo. A onda P cai dos casos). Tem QRS estreito (na ausência de blo-
logo depois do QRS (RP < PR, sendo RP > 70 queio de ramo ou aberrância). A onda P se locali-
ms). Quando o nó atrioventricular tem condu-
ção rápida, pode atingir altas freqüências e mos-
za antes do QRS (RP > PR).
“Flutter” atrial (Fig. 1B)
179
trar alternância do QRS, ocasionando eventual- O “flutter” típico é originado por macro-reen- RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
PACHÓN MATEOS
JC e cols. trada no átrio direito, cujo ponto crítico se locali- desses casos.
Arritmias na infância za entre a valva tricúspide e o óstio da veia cava As principais características, os sintomas e o
inferior (istmo do “flutter”). Pode ocorrer no feto tratamento tanto das crises como definitivo das ta-
(produzindo insuficiência cardíaca intra-útero), no quicardias supraventriculares estão apresentados
recém-nascido sem cardiopatia aparente ou no fi- na Tabela 2.
nal da infância; neste caso, é relacionado à cardi-
opatia estrutural em 95% dos casos (cirurgia de Taquicardias ventriculares
Mustard, Senning, Fontan, correções do septo in- Originam-se nos ventrículos ou nos fascícu-
teratrial, cirurgias de tetralogia de Fallot e valva los. Têm QRS largo e podem ser mono ou poli-
mitral ou no quadro de cardiomiopatia dilatada). mórficas. Podem ser benignas (taquicardia ven-
O eletrocardiograma é bastante típico, com ativi- tricular idiopática) ou de alto risco, com signifi-
dade atrial regular e muito rápida (> 300 bpm), cativo comprometimento hemodinâmico, síncope
que geralmente aparece no eletrocardiograma e morte súbita (síndrome do QT longo, miocardi-
como “dente de serra”. A freqüência ventricular te grave, cardiomiopatias dilatada ou hipertrófica,
depende da permeabilidade do nó atrioventricu- síndrome adrenogenital2, displasia arritmogênica3,
lar, que geralmente conduz 2:1. Eventualmente tumores cardíacos4, síndrome de Barth5, síndro-
pode conduzir 1:1 na presença de pré-excitação. me de Brugada6, micro-hamartomas7, cicatriz ci-
Neste caso, torna-se uma arritmia de alto risco de rúrgica, isquemia/anomalia de coronárias, ventrí-
vida, sendo necessária a reversão de urgência. culo esquerdo não compactado8, arritmia cateco-
Casos com dificuldade na condução atrioventri- laminérgica9, distúrbios hidro-eletrolíticos, lesões
cular podem apresentar “flutter” atrial com fre- do sistema nervoso, etc.). O tratamento e a ori-
qüência cardíaca baixa (alto grau de bloqueio atri- gem das principais taquicardias ventriculares es-
oventricular). tão apresentados na Tabela 3.
“Flutter” ou taquicardia atrial incisional
Nas crianças submetidas a cirurgias cardíacas, Pré-excitação
podem ocorrer casos atípicos de “flutter” ou de Nessa condição, os ventrículos são excitados pre-
taquicardias atriais, em decorrência do movimen- maturamente através do feixe de His (PR curto com QRS
to circular do estímulo em torno da cicatriz cirúr- normal – Lown-Ganong-Levine) ou de uma conexão
gica (“flutter” ou taquicardia incisional, dependen- anômala fora do sistema de condução (PR curto com
do se a freqüência atrial é > ou < 300 bpm). Neste QRS largo – síndrome de Wolff-Parkinson-White).
caso, o ponto crítico da reentrada depende da po- O grande risco dessas condições é a estimula-
sição da cicatriz. ção ventricular muito rápida durante “flutter” ou
Fibrilação atrial (Fig. 1C) fibrilação atriais, o que pode provocar morte súbi-
É muito menos freqüente nas crianças que nos ta (Fig. 2, traçado superior). Outro grande proble-
adultos e mais rara que o “flutter”. Trata-se de uma ma é o freqüente surgimento de taquicardias que
arritmia irregular, cujo mecanismo ainda não está sobem pelo feixe anômalo e descem pelo nó atrio-
totalmente esclarecido. Estudos recentes demons- ventricular (ortodrômicas) ou vice-versa (antidrô-
tram que é provocada por ressonância elétrica de micas). O melhor tratamento é a ablação do feixe
pequenas áreas da parede atrial, cujas células es- anômalo por cateter por meio de radiofreqüência.
tão mal conectadas (“ninhos de fibrilação atrial”) Em condições normais, os feixes anômalos exis-
e constantemente excitadas por taquicardia atrial tem na vida intra-uterina e são gradativamente eli-
focal de alta freqüência (taquicardia de “ba- minados até o nascimento e nos primeiros anos de
ckground”)1. O eletrocardiograma demonstra ati- vida. Dessa forma, geralmente se espera até os 5
vidade atrial bastante irregular e de freqüência anos para indicar a ablação por radiofreqüência.
muito alta. A freqüência ventricular depende da Todavia, a radiofreqüência pode ser indicada em
permeabilidade atrioventricular, podendo ser mui- qualquer idade, dependendo da freqüência e do
to alta (casos de pré-excitação) ou baixa (bloqueio risco da arritmia. As drogas – amiodarona, beta-
atrioventricular). O QRS pode ser normal ou alar- bloqueadores, sotalol, propafenona – podem ser
gado, neste caso quando existe bloqueio de ramo, usadas para controle das taquicardias até que se
aberrância de condução ou feixe anômalo anteró- faça a ablação. O digital e o verapamil são contra-
grado. Geralmente está associada a tireotoxicose, indicados. Atualmente a tendência mundial é abla-
taquicardia supraventricular ou cardiopatia estru- cionar todos os feixes que apresentem algum sin-
tural (cardiomiopatia hipertrófica ou dilatada, ta- toma e/ou risco (Fig. 2, traçado inferior). Por cau-
lassemia, hemocromatose, cardiopatia mitral reu- sa dos excelentes resultados da ablação por radio-
180 mática, anomalia de Ebstein, pós-operatório de
Mustard, defeitos do septo interatrial e tetralogia
freqüência, mesmo feixes benignos têm sido abla-
cionados por questão de admissão profissional ou
RSCESP de Fallot). Observa-se embolia cerebral em 8,5% opção do paciente.
ABR/MAI/JUN 2007
PACHÓN MATEOS
BRADIARRITMIAS posta a redução do retorno venoso, estresse ou dor. JC e cols.
Tipicamente não existe cardiopatia estrutural. O Arritmias na infância
Podem provocar sinais e sintomas de baixo diagnóstico é feito pela clínica e pelo “tilt-test”.
débito além de risco de morte súbita. Quando ir- O tratamento farmacológico é feito com propra-
reversíveis e sintomáticas, podem necessitar de nolol ou paroxetina. Nos casos graves, tem sido
implante de marcapasso definitivo, que, apesar das indicado marcapasso, porém os resultados não têm
limitações no grupo pediátrico, tem apresentado sido satisfatórios. Recentemente, nas formas car-
excelentes resultados em longo prazo (Tab. 4). dioinibitória e mista, tem sido utilizada cardioneu-
Pausas e batimentos de escape roablação11, com excelentes resultados e sem ne-

Tabela 2 – Tipos de taquicardias supraventriculares, diagnóstico e tratamento

Trata-
Sinto- Trata- mento
Etiologia/ mas/ mento defini-
Tipo mecanismo QRS P/QRS risco na crise tivo Observações

Reentrada AV Macro-reentrada E* 1:1, +/+++ MV, A, RF Não usar verapamil


ortodrômica AV (F. oculto) RP < PR V, P, em crianças < 2 anos
RP > 70 ms Cete, CV
Reentrada nodal Micro-reentrada E*/L 1:1, +/++ MV, A, RF Não usar verapamil
RP < PR V, P, em crianças < 2 anos
RP < 70 ms Cete, CV
Taquicardia Reentrada AV E*/L 1:1, ++ MV, V, RF Taquicardia
juncional por feixe RP > PR A, P, incessante
incessante lento RP > 100 ms Cete Taquicardiomiopatia
Taquicardia Reentrada ou E*/L 1:1 ++ MV, A, RF, Pode ter BAV
atrial automatismo ou A > V P, Cete, cirurgia variável
RP > PR CV Cete e CV na
reentrada
Reentrada Macro-reentrada L 1:1, ++++ Pr, P, CV RF, Onda delta em
AV antidrômica AV (WPW) RP > PR cirurgia sinusal
Cond. AV por
V. anômala, ↑ risco
“Flutter” atrial Macro-reentrada E*/L AV 2:1 +/++++ Cete, CV, RF ↑ risco se cond.
ou Am AV 1:1
A >> V (pré-excitação)
Fibrilação atrial Ninhos de FA E*/L A >> V +/++++ CV, Am, AA, RF, ↑ risco se cond.
Q, P MP AV por V. anômala
(pré-excitação)

AV = atrioventricular; E = QRS estreito, podendo ser largo se bloqueio de ramo ou aberrância (*); L = QRS largo por feixe
anômalo; A = freqüência atrial; V = freqüência ventricular; MV = manobra vagal; V = verapamil; A = adenosina; P =
propafenona; Pr = procainamida; Q = quinidina; Am = amiodarona; CV = cardioversão; Cete = cardioestimulação transe-
sofágica; AA = antiarrítmicos; RF = ablação por radiofreqüência por cateter.

Consultar os itens “Síncope neurocardiogêni- cessidade de implante de marcapasso. Assim, têm


ca” e “Doença do nó sinusal”. sido obtidas a normalização do “tilt-test” e a eli-
minação das síncopes e tonturas.
Síncope neurocardiogênica
É muito freqüente, sendo a principal causa de Doença do nó sinusal
síncope nas crianças e nos jovens. É mediada por É caracterizada por bradicardia e/ou pausas si-
reflexo autonômico transitório, que provoca pau- nusais, parada sinusal, escapes ou ritmo juncio-
sas longas, assistolia e/ou bloqueio atrioventricu-
lar (forma cardioinibitória), vasodilatação (forma
nais, falta de resposta cronotrópica ou alternância
de fibrilação/“flutter” atriais com bradicardias (sín-
181
vasodepressora) ou ambas (forma mista) em res- drome bradi-taquicardia), podendo conduzir a sin- RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
PACHÓN MATEOS
JC e cols. tomas de baixo débito (palpitações, tonturas, sín- casos sintomáticos, de implante de marcapasso.
Arritmias na infância copes, intolerância aos esforços, etc.). Em 60%
dos casos é acompanhada de bloqueios atrioven- Bloqueios atrioventriculares
triculares. É ocasionada por comprometimento do Nessa condição, existe retardo na condução
sistema de condução, muito freqüente nos idosos, atrioventricular (bloqueio atrioventricular de 1o
porém nas crianças as causas mais freqüentes são: grau) ou falha intermitente na condução de uma

Tabela 3 - Tipos de taquicardias ventriculares na infância: aspectos clínicos e tratamento

Sinto- Cardio-
Etiologia/ mas/ Função patia Trata-
Tipo mecanismo risco do VE estrutural mento Observações

RIVA Idiopática Ø Nl Ausente Nenhum Freqüência cardíaca


< 120
TV idiopática Idiopática Ø/+++ Nl Ausente RF Drogas pouco
eficazes
TV Miocardite +++ ↓ Miocardite Suporte, Imunossupressores?
AA, CDI, Tx?
corticóides
TV Tumor cardíaco + Nl/↓ Tumor Cirurgia Regressão
espontânea?
TV Hamartoma +++ Nl/↓ Aparentemente Nl Cirurgia/ < 2 anos,
RF histologia,
rabdomioma
TV CMH Ø/+/++ ↓ Hipertrofia Amioda- Ablação septal
rona, alcoólica em
cirurgia, investigação
CDI, Tx
TV Reentrada +++ ↓ Cardiomiopatia RF Freq. morfologia
ramo-a-ramo dilatada de BCRE
TV por esforço Catecolaminas Ø/+/++ Nl Ausente BBloq Importante excluir
cardiopatia estrutural
TV (DAVD) Reentrada +++ Nl/↓ Displasia do VD AA, RF, Suspender atividade
CDI física
TV catecola- Genética +++ Nl Ausente BBloq, Suspender atividade
minérgica CDI física
TV Brugada Genética Ø/+/++ Nl Ausente CDI Piora da febre,
MS durante o sono
TV QT longo Genética Ø/+/++ Nl Ausente BBloq, MS com emoções,
MP, CDI esforços
TV cicatriz Reentrada +++ Nl/↓ Ventriculotomia AA, RF, T4F, CIV, “truncus”
CDI

RIVA = ritmo idioventricular acelerado; TV = taquicardia ventricular; Nl = normal; Tx = transplante; AA = antiarrít-


micos; RF = ablação por radiofreqüência por cateter; CDI = desfibrilador implantável; CMH = cardiomiopatia hiper-
trófica; BCRE = bloqueio completo de ramo esquerdo; T4F = tetralogia de Fallot.

lesão cirúrgica do sistema de condução, pós-ope- (bloqueio atrioventricular de 2o grau) ou de todas


ratório tardio de cardiopatias congênitas (60% em as ondas P (bloqueio atrioventricular de 3o grau
Mustard, Senning e Fontan e muito rara na cirur- ou total). Os bloqueios atrioventriculares decor-
gia de Jatene), cirurgias de Fallot e de comunica- rem de lesões do nó atrioventricular ou do feixe
ção interatrial, miocardites e doenças infiltrativas. de His e de seus ramos. O bloqueio atrioventricu-
182 Alguns casos são originados por vagotonia idio-
pática ou familiar. O tratamento depende da retira-
lar de 2o grau pode ser tipo Mobitz I ou Wencke-
bach, Mobitz II, 2:1 ou de alto grau. O bloqueio
RSCESP da de medicamentos depressores do nó sinusal e, nos atrioventricular de 1o grau é assintomático, porém
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Arritmias na infância

Figura 2. Traçado superior: exemplo de pré-excitação ventricular (síndrome de Wolff-Parkinson-Whi-


te) durante fibrilação atrial. Neste caso, a estimulação muito rápida do ventrículo através do feixe
anômalo promove alto risco de morte súbita. Traçado inferior: exemplo do tratamento definitivo da pré-
excitação por meio de ablação por cateter com radiofreqüência. Observa-se que após o segundo com-
plexo a onda delta desaparece (espessamento inicial do QRS), dando lugar a P, PR e QRS totalmente
normais. Esse fato se deve à eliminação definitiva do feixe anômalo pelo efeito térmico da radiofre-
qüência.

os de 2o e 3o graus, além de palpitações, podem bloqueio completo de ramo direito. Tipicamente é


provocar tonturas e síncopes com risco de morte benigno, sendo adquirido nas correções cirúrgi-
súbita. As causas mais freqüentes nas crianças são cas, tais como tetralogia de Fallot, defeitos do septo
lesões cirúrgicas para correção de tetralogia de interventricular e do canal atrioventricular, e res-
Fallot, defeitos do septo atrioventricular, L-TGA secção do infundíbulo direito, ou pode ocorrer nas
com inversão ventricular, comunicação interven- miocardites ou ser congênito. O bloqueio com-
tricular, troca de valva aórtica e ressecção subaór- pleto de ramo esquerdo é bem mais raro. A cau-
tica. Além das causas cirúrgicas, o bloqueio atrio- sa mais comum é a cirurgia valvar ou subvalvar
ventricular pode ser congênito, adquirido por mi- aórtica, podendo também ocorrer em miocardi-
ocardite ou associado a neuromiopatias. Os blo- tes, agressões imunológicas e nas distrofias
queios cirúrgicos que não revertem em uma a duas musculares. Deve ser rigorosamente avaliado e
semanas, assim como os adquiridos sintomáticos, acompanhado e, caso seja progressivo e/ou na
são tratados com implante de marcapasso. O blo- presença de tonturas e síncopes, é necessário
queio atrioventricular congênito tem indicação de implante de marcapasso. Quando os bloqueios
marcapasso nas seguintes condições: sinais de intraventriculares têm sintomas raros ou quan-
baixo débito, aumento progressivo da área cardía- do existe dúvida da gravidade do quadro, deve-
ca, baixo desenvolvimento ponderal-estatural e/ou se realizar o estudo eletrofisiológico invasivo
psíquico-intelectual, intolerância aos esforços, ar- para definir a necessidade de marcapasso cardí-
ritmia ventricular complexa induzida por esforço aco definitivo. As crianças com bloqueios in-
e pausas > 3 s no Holter. traventriculares e QRS muito alargado e insufi-
ciência cardíaca refratária com fração de eje-
Bloqueios intraventriculares ção < 35% podem ser significativamente bene-
São os bloqueios fasciculares (ântero-superi- ficiadas com implante de marcapasso ressincro-
or ou póstero-inferior do ramo esquerdo – bloqueio nizador, mesmo que não exista bradicardia. Os
divisional ântero-superior e bloqueio divisional bloqueios fasciculares e de ramo relacionados a
póstero-inferior) e bloqueios de ramo (direito e síndrome de Kearns-Sayre, distrofia muscular
esquerdo – bloqueio completo de ramo direito e de Duchenne ou distrofia miotônica têm risco
bloqueio completo de ramo esquerdo) que podem de morte súbita e devem ser tratados com mar-
alargar o QRS a > 100 ms. O mais freqüente é o capasso.
183
RSCESP
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JC e cols. Tabela 4 - Indicações de marcapassos em crianças10
Arritmias na infância
Classe I – Indicações totalmente aceitas baseadas em evidências
- Bloqueios atrioventriculares de 2o ou 3o graus, relacionados a sintomas, disfunção ventricular ou
baixo débito
- Bradicardia sinusal sintomática
- Bloqueios atrioventriculares cirúrgicos de 2o ou 3o graus, que não revertem após 7 dias de pós-
operatório
- Bloqueio atrioventricular total congênito com QRS largo, arritmia ventricular complexa ou disfun-
ção ventricular
- Bloqueio atrioventricular total congênito em lactentes com freqüência cardíaca < 50 bpm ou < 70
bpm na presença de cardiopatia congênita
- Taquicadia ventricular – bradicardia ou pausa dependente claramente beneficiada por estimulação
Classe IIA – Indicações aceitas pela maioria dos investigadores
- Síndrome bradi-taquicardia com necessidade de antiarrítmicos
- Bloqueio atrioventricular total congênito, freqüência cardíaca < 50 após o primeiro ano, pausas duas
a três vezes o ciclo básico ou incompetência cronotrópica
- Síndrome do QT longo com bloqueio atrioventricular 2:1 ou de 3o. grau
- Cardiopatia congênita com disfunção hemodinâmica agravada por bradicardia ou dessincronismo
atrioventricular
Classe IIB – Indicações aceitáveis, porém com menor grau de evidência
- Bloqueio atrioventricular total transitório provocado por cirurgia com bloqueio bifascicular residual
permanente
- Bloqueio atrioventricular total congênito assintomático com QRS estreito, boa freqüência cardíaca e
função ventricular normal
- Bradicardia sinusal assintomática em adolescentes (freqüência cardíaca < 40 bpm em repouso) e
pausas > 2 s
- Doença neuromuscular com qualquer grau de bloqueio atrioventricular (inclusive de 1o grau)
Classe III – Contra-indicações
- Bloqueio atrioventricular total transitório provocado por cirurgia, com retorno da condução normal
em duas semanas
- Bloqueio bifascicular pós-cirurgia, assintomático, com ou sem bloqueio atrioventricular de 1o grau
- Bloqueio atrioventricular de 2o grau, tipo Wenckebach assintomático
- Bradicardia sinusal assintomática em adolescentes com pausas < 3 s e freqüência cardíaca > 40 bpm

184
RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
PACHÓN MATEOS
JC e cols.
ARRHYTHMIAS IN CHILDHOOD Arritmias na infância

JOSÉ CARLOS PACHÓN MATEOS


ENRIQUE I. PACHÓN MATEOS
JUÁN CARLOS PACHÓN MATEOS
TASSO J. LOBO
REMY NELSON A. VARGAS

Some kind of cardiac arrhythmia is usually present in about 10% to 30% of children’s
Holter recordings. Frequently they are asymptomatic and benign but in many cases they
cause symptoms, sudden death risk and disabilities. Commonly they are related to
congenital cardiac diseases, to their surgical corrections, to the presence of abnomalous
bundles or to acquired cardiopathies. The radiofrequency catheter ablation has changed the
natural history of several pediatrics arrhythmias achieving the cure in most cases.
Furthermore special pacemakers, defibrillators and resynchronizers are progressively
extending its benefits to the little patient. The careful clinical and laboratorial evaluation
allows identifying the arrhythmogenic substratum, the modulator factors, the triggers and
mainly the presence of the underlying cardiopathy. These clues are essential to determine
the prognosis and the best treatment.

Key words: arrhythmia, children, bradycardia, tachycardia, syncope, pacemaker.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:177-86)


RSCESP (72594)-1654

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RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
SILVA CMC e cols.
Forâmen oval
FORÂMEN OVAL PATENTE: EMBOLIA PARADOXAL patente: embolia
E ENXAQUECA paradoxal e
enxaqueca

CÉLIA MARIA C. SILVA


MÁRCIA F. MAIUMI
VICTOR MANOEL OPORTO
CARLOS EDUARDO B. KARPINS
ANTÔNIO CARLOS C. DE CARVALHO

Departamento de Medicina – Universidade Federal de São Paulo

Endereço para correspondência:


Alameda Jauaperi, 910 – ap. 164 – CEP 04523-014 – São Paulo – SP

O forâmen oval patente com ou sem aneurisma septal tem sido associado a vários
problemas, como acidente vascular cerebral isquêmico, embolia paradoxal, doença da
descompressão, platipnéia-ortostática e enxaqueca, muito embora a relação causa-efeito
entre forâmen oval patente e esses eventos ainda não esteja bem esclarecida. Avanços
tecnológicos ofereceram mais opções terapêuticas, como a oclusão percutânea do forâmen
oval patente. Todavia, evidência definitiva de sua eficácia ainda está em discussão, e o
fechamento parece ser recomendado apenas como profilaxia secundária para recorrência de
acidente vascular cerebral isquêmico.

Palavras-chave: forâmen oval patente, acidente vascular cerebral isquêmico, embolia


paradoxal, enxaqueca, oclusão percutânea pelo cateterismo.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:187-94)


RSCESP (72594)-1655

INTRODUÇÃO este permitir que microêmbolos, ar e substâncias


vasoativas, como a serotonina, entrem na circula-
O forâmen oval patente é um remanescente da ção intracraniana, sem antes passar pelo filtro pul-
circulação fetal e está presente em aproximada- monar. Aneurisma da membrana da fossa oval
mente 25% da população adulta1. Seu reconheci- coexistente, trombose venosa profunda pélvica e
mento, avaliação e tratamento têm aumentado o coagulopatia podem potencializar o risco de aci-
interesse, dada a importância e a freqüência de suas dente vascular cerebral em pacientes com forâmen
implicações na fisiopatologia de vários processos, oval patente.
incluindo acidente vascular isquêmico por embo-
lia paradoxal, síndrome da platipnéia-ortostática, DIAGNÓSTICO
doença da descompressão (mergulhadores, avia-
dores de alta altitude e astronautas) e enxaqueca2. Dada a possível relação entre o forâmen oval e
187
Acredita-se que o provável mecanismo seja por co-morbidades importantes, como a embolia pa- RSCESP
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SILVA CMC e cols.
Forâmen oval radoxal e a enxaqueca, existe a ne-
patente: embolia cessidade de um diagnóstico crite-
paradoxal e rioso, pela sua grande relevância
enxaqueca clínica. A utilização de contraste
ecocardiográfico com agentes de
contraste não-pulmonar, ou seja,
contendo microbolhas > 9 µ inca-
pazes de atravessar o filtro pulmo-
nar e, portanto, de chegar nas cavi-
dades cardíacas esquerdas, tem sido
a pedra fundamental no diagnósti-
co do forâmen oval patente. Hoje,
a ecocardiografia transesofágica é
considerada padrão de referência
para o diagnóstico do “shunt” da
direita para a esquerda. Nem sem-
pre é possível detectar prontamen-
te o “shunt” direita-esquerda; por
isso, na maioria dos casos, para sua
detecção há necessidade da reali- Figura 1. Ecocardiograma transesofágico demonstrando a passa-
zação de manobra de Valsalva e/ou gem de microbolhas através do forâmen oval.
tosse, manobras essas que resultam AD = átrio direito; AE = átrio esquerdo.
em aumento do enchimento do átrio
direito e desenvolvem um gradien- quenos trombos, que se originam no sistema ve-
te pressórico entre os átrios, abrindo, dessa for- noso, e de trombos cardíacos relacionados à pre-
ma, o forâmen oval e permitindo que o “shunt” sença de forâmen oval patente e secundários à ar-
direita-esquerda seja visualizado. A quantificação ritmia cardíaca, outra possível causa de acidente
do “shunt” pode ser estimada pelo número de mi- vascular cerebral isquêmico é a formação de trom-
crobolhas que atravessam o forâmen oval nos três bo no túnel do próprio forâmen oval. O tamanho
primeiros batimentos após a contrastação do átrio do forâmen oval, a magnitude do “shunt” direita-
direito. Considera-se “shunt” direita-esquerda pe- esquerda e a presença de aneurisma estão associa-
queno quando < 10 microbolhas atravessam o sep- dos a maior risco para desenvolver acidente vas-
to interatrial; moderado, > 10; e grande “shunt”, cular cerebral criptogênico.
quando ocorre a completa opacificação do átrio O acidente vascular cerebral criptogênico é res-
esquerdo3 (Fig. 1). A presença de aneurisma sep- ponsável por até 40% de todos os acidentes vas-
tal é definida como excursão do septo > 10 mm culares cerebrais isquêmicos, sendo mais freqüente
para o átrio esquerdo ou direito. O estudo com em pacientes jovens. Essa associação é reforçada
Doppler transcraniano, apesar de ser altamente por estudos epidemiológicos, que encontraram
sensível para detectar o “shunt” direita-esquerda, prevalência de forâmen oval patente de 44% a 66%
não é capaz de localizar o sítio do “shunt”. em pacientes com acidente vascular cerebral crip-
togênico, comparados com os 25% encontrados
FORÂMEN OVAL PATENTE E EMBOLIA na população geral em séries de autópsias. Recen-
PARADOXAL (ACIDENTE VASCULAR temente dois estudos epidemiológicos prospecti-
CEREBRAL CRIPTOGÊNICO) vos foram realizados nos Estados Unidos, um de-
les subestudo do “Northern Manhattan Study”
Forâmen oval patente é reconhecido como um (NOMAS) compreendendo 1.100 indivíduos de
188 fator de risco potencial para acidente vascular ce-
rebral isquêmico, embora essa relação continue
várias etnias, com idade > 39 anos (média 68,7 +
10 anos), observou que o risco de acidente vascu-
RSCESP controversa. Além da embolia paradoxal de pe- lar cerebral a médio prazo na população geral é
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SILVA CMC e cols.
baixo, e que o risco relativo de pacientes portado- criptogênico, a terapêutica mais apropriada ainda Forâmen oval
res de forâmen oval patente não foi significativa- não foi estabelecida. Isso se deve, em parte, à in- patente: embolia
mente maior quando comparados a indivíduos sem consistência metodológica empregada nos diver- paradoxal e
forâmen oval patente4. Achados semelhantes fo- sos estudos, seja por escolha inadequada do gru- enxaqueca
ram encontrados no “Stroke Prevention: Assess- po controle, por resultados não ajustados para a
ment of Risk in a Community” (SPARC). Nesses faixa etária ou por co-morbidades associadas (in-
estudos, a incidência de acidente vascular cere- farto do miocárdio prévio, fibrilação atrial, diabe-
bral isquêmico foi maior nos pacientes portadores tes melito)2, 5. Tradicionalmente, indica-se a tera-
de aneurisma septal; todavia, os autores acredi- pêutica conservadora com o tratamento clínico a
tam ser necessários estudos com maior número de longo prazo com antiagregante plaquetário ou an-
pacientes para avaliar o maior risco para acidente ticoagulante oral; ainda assim, existe muita dis-
vascular cerebral isquêmico na presença de aneu- cussão sobre qual dos dois medicamentos propi-
risma septal5. Um estudo francês demonstrou que, ciaria melhor relação risco-benefício. O estudo
após quatro anos de seguimento, as taxas de re- “Patent Foramen Ovale in Cryptogenic Stroke Stu-
corrência de evento cerebrovascular foram de 2,3% dy” (PICSS) foi o único estudo randomizado que
para forâmen oval patente, de 15,2% para forâ- comparou o uso de aspirina com o uso de warfarin
men oval patente com aneurisma, e de 4,2% quan- em pacientes com forâmen oval patente; na ver-
do sem nenhum dos dois6. dade, por ser um subestudo do “Warfarin Aspirin
Recurrence Stroke Study” (WARSS), não foi de-
TRATAMENTO senhado para avaliar a ação antitrombogênica des-
ses agentes. O período de seguimento foi de dois
Apesar da relevância fisiopatológica do forâ- anos. A taxa de eventos cerebrovasculares entre
men oval patente em acidente vascular cerebral os pacientes com acidente vascular cerebral crip-

Figura 2. Em A, ecocardiograma transesofágico demonstrando prótese de Amplatzer ocluindo


forâmen oval patente. Em B, fluoroscopia demonstrando prótese de Amplatzer no forâmen oval
patente antes de ser liberada.
189
AD = átrio direito; AE = átrio esquerdo. RSCESP
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Forâmen oval togênico e forâmen oval patente tratados com as- queca10. Fisiopatologicamente, os sintomas de aura
patente: embolia pirina foi de 17,5% contra 9,5% dos pacientes em ocorrem por redução de fluxo sanguíneo cerebral
paradoxal e uso de warfarin, diferença essa estatisticamente regional; após algumas horas, há transição gradu-
enxaqueca não-significante7. al para hiperemia na região afetada em forma de
depressão alastrante de Leão11. Cerca de 12% da
TRATAMENTO CLÍNICO “VERSUS” população geral sofre de enxaqueca (18% das
OCLUSÃO PERCUTÂNEA DO mulheres e 6% dos homens).
FORÂMEN OVAL PATENTE A relação de causa e efeito entre forâmen oval
patente e enxaqueca ainda não é clara. Há dados
Com base nas evidências disponíveis, os paci- indicando a ocorrência de forâmen oval patente
entes de baixo risco são tratados com agentes an- em cerca de 40% a 60% dos casos de enxaqueca
tiagregantes plaquetários e aqueles de alto risco, com aura e em 20% a 30% dos casos de enxaque-
com anticoagulação oral. ca sem aura, contra incidência 10% a 15% encon-
Na década passada, a oclusão percutânea do trada na população geral. Por outro lado, a enxa-
forâmen oval patente tornou-se uma opção tera- queca com aura ocorre em 15% a 50% dos paci-
pêutica de baixo risco (Fig. 2), mas ainda faltam entes com forâmen oval patente e em apenas 4%
estudos comparativos. Revisão recente de dez es- da população geral. Se for considerado somente
tudos não-randomizados para prevenção secundá- forâmen oval patente com grande “shunt” direita-
ria demonstrou redução da taxa de recorrência esquerda, a população de pacientes com enxaque-
anual que variou de 0 a 4,9% contra 3,8% a 12% ca com aura chega a 60%12.
encontrados em pacientes sob tratamento clínico8. Del Sette e colaboradores13 compararam 44 pa-
No entanto, não existem, até o momento, evidên- cientes com enxaqueca com aura, 73 pacientes com
cias ou dados conclusivos quanto à eficácia do fe- menos de 50 anos que tiveram acidente vascular
chamento do forâmen oval patente para prevenir cerebral isquêmico focal e 50 pacientes controles
recorrência de acidente vascular cerebral. Toda- sem doença cardiovascular e enxaqueca, usando
via, caso haja recorrência de acidente vascular ce- Doppler transcraniano para detecção do “shunt”
rebral ou intolerância medicamentosa, está indi- direita-esquerda. Esses autores encontraram pre-
cado o fechamento percutâneo. valência de “shunt” direita-esquerda significati-
vamente maior em pacientes com enxaqueca com
FORÂMEN OVAL PATENTE E aura (41%) e isquemia cerebral (35%) que no gru-
ENXAQUECA po controle (8%)14. Anzola e colaboradores15, em
um estudo retrospectivo, analisaram pacientes que
Dados epidemiológicos sugerem a existência tiveram acidente vascular cerebral isquêmico, eram
de relação bidirecional entre forâmen oval paten- portadores de forâmen oval patente e foram sub-
te e enxaqueca com aura, relação essa parcialmente metidos a oclusão do forâmen oval patente como
causal. Assim, na presença de forâmen oval pa- medida de prevenção secundária. Esses pacientes
tente com grande “shunt” direita-esquerda, este foram reavaliados depois de um ano quanto à fre-
poderia vir a favorecer episódios de enxaqueca em qüência dos episódios de enxaqueca antes e após
indivíduos geneticamente predispostos, por per- a oclusão. Em pacientes com enxaqueca com aura,
mitir que substâncias vasoativas, êmbolos plaque- a oclusão do forâmen oval patente reduziu os epi-
tários ou paradoxais atravessem o filtro pulmo- sódios de enxaqueca em até 54%. No entanto, fo-
nar9. Essa associação ocorreria da mesma forma ram observados alguns fatores limitantes, dentre
que a associação existente entre enxaqueca e do- eles: a melhora da enxaqueca observada com o
ença de Ösler-Weber–Rendu, provavelmente se- passar da idade e o efeito placebo, que pode redu-
cundária a “shunt” direita-esquerda através das zir a enxaqueca em até 70%.
fístulas arteriovenosas pulmonares. Muitos paci- A técnica de fechamento percutâneo do forâ-
190 entes com enxaqueca e grande “shunt” direita-es-
querda identificam atividades que provocam ma-
men oval patente tem se mostrado segura e efetiva
em várias séries. Estudos retrospectivos com ca-
RSCESP nobras de Valsalva como desencadeante de enxa- sos controles demonstraram haver relação entre o
ABR/MAI/JUN 2007
SILVA CMC e cols.
fechamento do forâmen oval patente e a melhora mento “sham”, tiveram menos crises de enxaque- Forâmen oval
da enxaqueca (Tab. 1). Todavia, o único estudo ca (37% vs. 17%) e redução da duração da dor em patente: embolia
randomizado e com grupo controle terminado fa- 50% (42% vs. 23%)16. paradoxal e
lhou em mostrar relação entre o fechamento do Os principais vieses encontrados nos estudos enxaqueca
forâmen oval patente e a resolução da enxaqueca. sobre a relação entre enxaqueca e forâmen oval
Esse estudo prospectivo, randomizado, duplo- patente são: os estudos, em sua maioria, têm mo-
cego, controlado com placebo (procedimento delo retrospectivo e dependem de memória da dor
“sham”) e com seguimento de seis meses foi o e de critérios subjetivos para quantificar a evolu-
“Migraine Intervention with Starflex Technology” ção da enxaqueca; a maioria dos estudos não teve
(MIST), realizado no Reino Unido, em que foram a enxaqueca como foco principal ou desfecho pri-
selecionados 432 pacientes, dos quais 147 foram mário; os tempos de seguimento foram muito va-
incluídos, todos apresentando enxaqueca com aura riados; e os pacientes geralmente seguem com uso
refratária ao tratamento preventivo. Do total de pa- de ácido acetilsalicílico após intervenção, que pode

Tabela 1 - Resumo dos principais estudos sobre a relação entre forâmen oval patente e enxaqueca

Estudo Ano Local n Melhora Observações

Wilmshurst e cols.17 2000 Inglaterra 21 86% Pacientes foram entrevistados para enxaqueca após
fechamento do FOP; 78% dos casos eram
mergulhadores.
Morandi e cols.18 2003 Itália 17 88% Prospectivo; pacientes com AVC ou AIT.
Post e cols.14 2004 Bélgica 26 60% Retrospectivo; pacientes com AVC criptogênico.
Schwerzmann 2004 Suíça 48 81% Retrospectivo; dependente de memória de cefaléia;
e cols.19 pacientes com evento cerebral isquêmico;
comparam com outras cefaléias.
Azarbal e cols.20 2005 Estados 37 76% Retrospectivo; pacientes com AVC criptogênico.
Unidos
Reisman e cols.21 2005 Estados 50 79% Retrospectivo; pacientes com AVC ou AIT
Unidos criptogênico.
Anzola e cols.15 2006 Itália 50 90% Prospectivo; controle medicamentoso;
pacientes com e sem AVC.
Giardini e cols.22 2006 Itália 35 91% Retrospectivo; pacientes com AVC criptogênico.
Rigatelli e cols.23 2006 Itália 10 100% Prospectivo; pacientes exclusivamente
com enxaqueca.

n = número de pacientes com enxaqueca; FOP = forâmen oval patente; AVC = acidente vascular cerebral; AIT = ataque
isquêmico transitório.

cientes incluídos no estudo, 74 tiveram o forâmen interferir na dor.


oval patente fechado com prótese Starflex e os Um fato que tem sido observado após oclusão
outros 73 tiveram procedimento placebo “sham”. percutânea de comunicação interatrial, principal-
O desfecho primário, representado pela ausência mente nos primeiros três meses após o procedi-
de crises de enxaqueca durante três meses após a mento, é que alguns pacientes desenvolvem ou
retirada do clopidogrel, o qual foi usado por três referem agravamento dos episódios de enxaque-
meses após o procedimento, não foi atingido, pois ca. As possíveis causas, no entanto, permanecem
somente três pacientes em cada grupo relataram especulativas. Yankovsky e Kuritzky24 sugerem que
resolução da cefaléia. No entanto, os pacientes sub-
metidos a fechamento do forâmen oval patente,
isso se deve ao aumento dos níveis de peptídeos
atriais natriuréticos decorrente de alterações pres-
191
quando comparados aos submetidos ao procedi- sóricas atriais, observadas imediatamente após a RSCESP
ABR/MAI/JUN 2007
SILVA CMC e cols.
Forâmen oval oclusão do defeito. Outros acreditam que ocorra bate e no momento seu fechamento parece ser re-
patente: embolia alteração da variação circadiana de um processo comendado apenas para prevenção secundária para
paradoxal e fisiológico25, embora não possa ser descartada a recorrência de acidente vascular cerebral. Atual-
enxaqueca hipótese de formação de microtrombos na face mente existem evidências claras de que a resolu-
atrial esquerda da prótese e que isso poderia levar ção ou a redução da freqüência da enxaqueca seja
microembolia para a circulação sistêmica. melhorada pela oclusão do forâmen oval patente.
Para o presente, a pergunta se devemos ou não fe-
CONSIDERAÇÕES FINAIS char o forâmen oval patente em pacientes com en-
xaqueca permanece sem resposta, havendo neces-
Evidência definitiva da efetividade do fecha- sidade, para o futuro, de estudos prospectivos e
mento do forâmen oval patente permanece em de- com desenho adequado.

PATENT FORAMEN OVALE: PARADOXICAL


EMBOLISM AND MIGRAINE

CÉLIA MARIA C. SILVA


MÁRCIA F. MAIUMI
VICTOR MANOEL OPORTO
CARLOS EDUARDO B. KARPINS
ANTÔNIO CARLOS C. DE CARVALHO

Several health problems such as stroke, paradoxical embolism, decompression illness in


scuba divers, platypnea-orthodeoxia syndrome and migraine have been associated to a
patent foramen ovale with and without atrial septal aneurysm. However the nature of the
relationship between them is not yet clearly understood. Technical advances have led to
more therapeutic options including percutaneous patent foramen ovale closure. However,
definitive evidence of its effectiveness is still debated and closure seems to be
recommendable only for secondary prevention of stroke.

Key words: patent foramen ovale, stroke, migraine, paradoxical embolism, transcatheter
closure.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2007;2:187-94)


RSCESP (72594)-1655

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RSCESP
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