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Título original
Vozes Presas no Porão
Ilustração da capa
Natércio dos Santos
Revisão
Natércio dos Santos
Paulo Santana
Diagramação
Natércio dos Santos
Se mate!”
— Anónimo
Prefácio
10
Um passado horroroso
Inseguranças, vazios, vícios
Dói saber que não me permito ser
Apenas estar
Sempre com medo de ceder
E mais uma vez me quebrar.
Eu queria
Mas para isso eu preciso me libertar
E libertar todas as partes que me compõem
Que nos compõem…
Preciso libertar as vozes no porão.
— Flora Cambala
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“Sejam bem-vindos”
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Bem-vindos ao meu lar
Onde parte de mim se encontra presa nesse porão
Dentre baús cheios de podridão
Dentre livros de psicologia ignorados
Versículos sobrevalorizados
Que nunca me ajudaram a sair desse lugar.
De corredor em corredor
Do amor a dor
De mitos a realidade
Bem vindos a minha verdade.
— Flora Cambala
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“Queremos sair”
— Milucha Santos
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“O que me faz sair também me encarcera”
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Eu saio desse lugar às vezes
Eu vou, mas volto, sempre a chorar ou a gritar
Por tentar escapar e falhar
Então só me resta gritar
“Ouçam-me!”
— Milucha Santos
17
“Preciso fugir dos meus vícios”
Para parar.
Eu preciso, desejo
Eu não aguento sem eles
É um castigo contínuo
E os comprimidos dão-me alivio.
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A tentar fugir da minha mente através de formas destrutivas
Me sinto tão cansada que deixo-me perder
Para não ter escolhas a fazer.
— Milucha Santos
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“O vício é escapar”
Tão alvejadas
Que chegamos a precisar tanto de comprimidos
Que nos prendemos dentro de um labirinto de vícios
Quando o nosso real vício é escapar…
Ou pelo menos tentar
Mas estamos cansadas de falhar.
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“Salva-me, arte!”
Aulas padronizadas
Onde distúrbios são romantizados
Alguns passados à pano
Onde estar traumatizado não é sinal de alarme
Mas sim de vergonha.
Se o vício é escapar
Apenas a arte poderá me libertar.
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“Antes de partires,
por favor... me esvazie”
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“Ouvem-se vozes”
Ouvem-se vozes
Vozes a chorar, a gritar
Vozes oprimidas, a lamentar
Naquele porão escuro e fechado
De uma casa a cair aos pedaços.
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Do quão radical são as medidas que muitos se submetem
Para comprar falsas sensações
Vendidas em propagandas superficiais
Que nada têm a oferecer além de consequências mortais.
— Milucha Santos
24
“Adeus, eu”
Adeus, eu
Despeço-me feliz
Por finalmente ver-te partir
Despeço-me feliz
Por não mais ver-te sucumbir.
Adeus, eu
Orgulho-me por muitas vezes ter-te visto lutar
Por não teres parado de tentar
Por não teres parado de implorar
De encontrar forças para do porão escapares
Por teres te encontrado quando te perdeste
Em qualquer forma e dos teus traumas pudeste superar
Quando que, para isso, não te importaste
Em te tornares num viciado.
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Adeus, eu
Despeço-me feliz
Por ver-te partir
E com isso ver um novo ser nascer
Alegro-me por estar a escrever
Que a morte te salvou e arte não te abandonou
Que o que você tanto procurou finalmente encontrou
Que seus gritos foram ouvidos
E que da tua mente você finalmente se escapou
E que, no final, não desistir adiantou.
Adeus, eu.
— Milucha Santos
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“Todas as vezes que eu morri”
27
Todas as vezes que eu me vi a morrer.
— Milucha Santos
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“Meu amor, depressão”
Senti-me atraída
Pela sua tristeza profunda
E a sensação esquisita
De estar cheia e sentir-me vazia
Seu toque me confortava
Pois me tocava como lâminas
E com elas eu me cortava.
— Milucha Santos
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“Vários em nós”
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Escapar desse porão.
Quando eu contei
Que existiam vários em mim
Que tornavam mais pesado o meu existir
Que pareciam não serem apenas vozes
Pois corroíam os meus ossos
Apertavam o meu peito
E vinham com aquele desgosto
De viver aqui dentro
Por isso lá estão
Trancadas no porão
A gritar e a me atingir cada vez mais
Por isso preciso libertá-las
Me libertar.
Outrora contei
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E vocês acharam que era tudo frescura
Uma moda dos novos tempos
Que não apenas atingia a roupa
Mas também os meus pensamentos.
A influência de um objecto
E da Internet, que me deixa mais sensível
Para vocês parecia que…
Que eu queria chamar a tua atenção
Quando na verdade era mesmo depressão.
— Milucha Santos
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“O Porão”
Lá estava eu
Novamente sozinho
A visitar aquele horroroso sítio
Repleto de pesadelos vivos.
Eu visitei o porão
Nele só havia escuridão
Seguranças a perecerem
E vários pesadelos.
Eu visitei o porão
E ele estava repleto de pó
Mas as suas vozes asquerosas gritavam sem dó
Exigiam para que eu me causasse dor.
Eu visitei o porão
Lá os meus pensamentos dançavam
As vozes cantavam
Os traumas giravam
E os pesadelos se esgueiravam.
— Aoi Tamashi
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“O fim do paraíso”
Com o tempo
As marcas do meu desespero interno invadiram o meu corpo
E, muito antes do final, eu já havia me despedaçado todo
Só no fim, eu percebi que fui um tremendo tolo
Por fixar em minha mente que eu aguentaria mais um pouco.
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Percebi que a minha mente era mais leve que feno
Mas com o final, veio a assustadora liberdade
A liberdade de me amar de verdade.
— Aoi Tamashi
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“Pedacinhos de afecto”
Eu não vivia
Eu só seguia
Fazia o que qualquer um me pedia
Independentemente se aquilo me quebraria
Por que eu só queria…
Eu só perseguia
O amor e o afecto que sempre desejei durante a vida
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Derrubei mil lágrimas
Enquanto esbanjava a minha alma para ser desperdiçada
E deixava que ela fosse queimada.
— Aoi Tamashi
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“O modelo perfeito”
Eu não mudei
Não…
Eu me reiventei
Me despedacei
Me cortei
Porque eu queria criar uma peça nova
Uma boneca delicada e tola, sem precisar de esmola.
Então, eu me quebrei
Perdi até os meus melhores pedaços
E agora eu sou o melhor palhaço
Preso no porão, onde todo lixo é guardado
Antes de ser totalmente descartado.
E...
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Quando me olho ao espelho
Eu não me vejo
Eu vejo um modelo perfeito da sociedade
Totalmente vazio por dentro.
— Aoi Tamashi
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“Usado, quebrado e reutilizado”
Eu quis um sinal
Qualquer sinal
De que aquilo não acabaria mal
Que você não me pisaria, no final, mas…
Eu devia ter percebido que o meu amor por você seria fatal
E que misturado com a minha insegurança
Se tornaria colossal.
Eu amaria pensar que nada do que você fez foi por mal
Mas só quando o meu ar faltou
Percebi que algo estava anormal.
O tempo se passava
E os seus espinhos prendiam o meu raciocínio
O “nós” nunca passou de um truque de ilusionismo
Foi um ridículo ciclo
Em que eu era partida e reconstruida
Porque o seu orgulho era tanto
Que você não se atrevia a perder um dos seus amados “lixos”
E, no fundo, eu sempre soube disso
Sabia o quanto você amava brincar
Com a sensibilidade de quem não se ama
E transformar isso na sua arma
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E, quando quiser, puder maneja-lá.
Eu…
Eu só queria ser amada
Mas fui repetidamente quebrada
Só para ser reutilizada.
— Aoi Tamashi
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“Eu só queria ser ela”
Os lábios
Os olhos
O corpo
E a pele lisa
Ela era definitivamente mais bonita
Como raios ele me escolheria!?
Como ousaria pousar os seus olhos em mim
Se havia uma deusa grega bem ali?
Seus toques
Tão singelos
Eram além de belos
E em meu âmago, eu implorava por um toque
Além daqueles que eu recebo
Eu queria um beijo.
Mas, e ela?
Ela recebia, e recebia vários!
Tão doces e castos que pareciam beijos de anjos
Enquanto eu, totalmente tola
Ansiava por um mínimo toque de lábios.
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E eu escondia
O que eu sentia, o que eu era
Escondi toda essa parte de mim
Porque precisava parecer feliz
Para me manter ali.
Eu só…
Eu só queria ser tão bela
Viver como ela
Ter os sentimentos dela
Ter o namorado dela
Sinceramente?
Eu só queria ser ela.
— Aoi Tamashi
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“Vazia”
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Actualmente, é sempre complicado demais
Mas gostaria de recuar alguns anos
Onde uma demonstração de afecto era nada demais
E agora estou a padecer
Nunca consigo os pedaços de amor que eu tanto almejo
Ou consideração que tanto desejo
E eu tento
Tento proporcionar-vos alegria
Mas tudo que dá errado é culpa minha.
— Aoi Tamashi
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“Para onde podemos fugir?”
Mas…
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Para onde podemos fugir?
Quando estamos presos na própria mente
Que nos mente e engana constantemente
Para onde podemos fugir?
— Aoi Tamashi
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“O complexo do balão vazio”
Na minha mente
Várias vezes me encontro reprimido
Por não ter escolha sobre a minha própria vida
A me sentir cada vez mais vazio.
— Flora Cambala
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“Escolho rebentar”
Eu me enchi
Achei que não era suficiente
Porque dei o poder a toda gente
De definir quem eu sou.
Chorei
Mas não é como se isso significasse estar livre das algemas
Por que nunca fui o suficiente?
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Me enchendo da expectativa de toda gente
Mas esqueci que o ser humano é um ser insaciável.
Então...
Eu escolho explodir
Escolho rebentar
Desse porão sair.
— Flora Cambala
51
“O fardo da perfeição”
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Esqueci-me dos desejos e sonhos que ansiavam o meu coração
Eu me transformei em um barro
Moldada por críticas e rejeições
Alguém aversivo à imperfeições
Neguei os meus erros ao invés de corrigi-los
— Flora Cambala
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“A apresentação favorita”
Esquecer do meu eu
E beber do que as pessoas querem
Mas sinto o meu estômago a se enrolar
A bulimia a gritar, mas eles dizem…
“Seja perfeita”
E ao meu corpo dizem
“Faça dieta”.
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“Eu tenho seios caídos”
De homens
De mulheres.
55
Com ou não seios caídos
Com ou não um corpo magro
Com ou não cabelos curtos
Com ou não a pele preta.
— Flora Cambala
56
“Mas além de mim,
há uma voz antiga que grita,
a voz dela…”
57
“Adultos não brincam com bonecas”
Havia uma boneca. Uma boneca linda e perfeita. Tão linda, tão
delicada, frágil pela sua porcelana e que era bem cuidada. Com ela se
brincava nas escadas de casa, horas e horas a viver as suas fantasias.
Bem… coisas de criança, crianças que usam tranças e correm pela
casa, que sujam-se na areia, mas continuam a brilhar como estrelas.
Bem… pelo menos assim eles dizem.
— Milucha Santos,
Flora Cambala
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“À minha criança interior”
Em um canto do porão
Sem chamar muita atenção
Uma criança sentada no chão
Chorava calada.
— Flora Cambala
59
“Por que ninguém me ouviu a gritar?”
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Ainda não sabes sobre o que falo?
— Flora Cambala
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“Era suposto...”
Lembro de
Pés minúsculos
Da minha voz aguda
São as únicas lembranças que tenho de quando era miúda
Contei minutos
A sentir o fluxo
De cada dor
Senti o sabor da impotência
A transformar a minha mente
Em uma prisão, digo, em um porão.
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Mas faltaram tintas ao pintor
Porque tudo se tornou tão negro...
Eu ainda me lembro
Do cheiro
De quando os meus braços gritaram
quando foram pressionados pelo desespero
De sentir o meu corpo a ceder.
Mas...
São almas que foram condenadas
A lembrar disso durante toda a vida.
— Flora Cambala
65
“Justiça?”
Sem saberem
Que isso nos assombra diariamente
Crianças, adultos, não é diferente
Passado e presente
Quando vão falar deles?
Dos que padecem no porão?
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Quando falarão de nós?
Quando pararão de falar sobre o mundo cor-de-rosa
Enquanto várias crianças
deixaram de ser enxergadas como pessoas
E passaram a ser vistas como apenas objectos sexuais?
Talvez questionem...
O que é o porão?
O porão é a mente
Que guarda medos e histórias diferentes
Que apanharam poeira
Histórias de terror e guerra.
E a pequena criança
Agachada bem lá no canto da sua existência
Contou-me a história dela
A minha história.
— Flora Cambala
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“E se eu soubesse?”
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“Lugares proibidos”
Mas, na verdade…
onde estão os demônios?
Nos lugares proibidos?
Pense comigo,
Eles não estarão mais protegidos pela ignorância
Estarão expostos aos perigos da ânsia
De saber mais sobre si mesmos
A internet que vos diga!
Mentes poluídas pela pornografia
Que constroem adultos que mal sabem
Sobre a sua própria sexualidade.
Mas, na verdade...
O que ensinar sobre os lugares proibidos traria, na verdade?
Talvez crianças que soubessem
Se expressar quando são assediadas
Interpretar quando certas aproximações são erradas.
69
Nega ou foge de alguém.
Olhem bem aos sinais
Isso é um conselho aos pais
Ensinem sobre os lugares proibidos
Aos seus filhos.
— Flora Cambala
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“Desenhos na parede”
Estupro
Abandono
Conflitos
Gritos.
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Nunca construam um castelo se as bases não forem sólidas
E quando digo “castelos”, eu me refiro a pessoas.
— Flora Cambala
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Carta ao/a leitor/a...
Atenciosamente,
A Editora Metanoia.
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