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Farmacologia da Dor

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25 de Agosto – Duque de Caxias - RJ

Reitor
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Pró-Reitor de Administração Acadêmica Pró-Reitora de Ensino de Graduação


Carlos de Oliveira Varella Virginia Genelhu de Abreu Francischetti

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Pró-Reitora de Pós-Graduação Lato Sensu e Extensão


Emilio Antonio Francischetti Nara Pires

Produção: Fábrica de Soluções Unigranrio Desenvolvimento do material: Daniele Valentim


de Souza Lopes

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Sumário
Farmacologia da Dor
Objetivos ........................................................................................... 04
Introdução ......................................................................................... 05
1. Como Ocorre o Estímulo Doloroso ........................................... 06
2. Anti-inflamatórios .................................................................. 07
2.1 Anti-inflamatórios Não Esteroidais (AINES) ............................... 08
2.2 Anti-inflamatórios Esteroidais (Corticoides) ............................... 13
3. Analgésicos Centrais – Fármacos Opioides ............................... 21
3. Anestésicos .......................................................................... 27
3.1 Anestésicos Locais ................................................................ 27
3.2 Anestésicos Gerais ................................................................ 33
3.2.1 Anestésicos Inalatórios ......................................................... 36
3.1.2 Anestésicos Intravenosos ....................................................... 38
Síntese ............................................................................................. 41
Referências ....................................................................................... 42
Objetivos
▪▪ Reconhecer os anestésicos locais e gerais, analgésicos opioides e
anti-inflamatórios, sua farmacocinética e farmacodinâmica e usos;
▪▪ Reconhecer e prevenir efeitos adversos e interações medicamentosas.

4 Farmacologia Básica
Introdução
Dor é uma sensação subjetiva, desagradável, de caráter cognitivo e
emocional, em resposta a um estímulo nocivo ou fisiológico, no qual há aumento
da excitabilidade do sistema somatossensorial, como resposta à proteção do
nosso organismo. Considerada o 5º sinal vital, em condições patológicas, a dor
se torna tão intensa a ponto de prejudicar a função de um tecido.

Os fármacos utilizados no tratamento das condições dolorosas são


divididos em anti-inflamatórios, analgésicos de ação central e anestésicos.

O grupo dos anti-inflamatórios são subdivididos em não esteroidais


(como a aspirina) e esteroidais (por exemplo, a dexametasona) que são fármacos
que tratam da dor periférica causada ou não pelo aumento dos autacoides em
resposta a um estímulo inflamatório. Seu uso em condições inflamatórias
torna-se conveniente, pois, além de promover analgesia, também trata um
processo inflamatório que possa estar ocorrendo.

O grupo dos analgésicos centrais é composto pelos fármacos opioides,


como a morfina, e agem no controle de comporta medular, na entrada do
estímulo doloroso e no circuito central de controle da dor. São fármacos
considerados mais eficazes para o tratamento da dor, além de promover
analgesia em uma gama maior de estímulos dolorosos.

O último grupo farmacológico abordado para tratamento da


hiperalgesia é o dos anestésicos, que são subdivididos em anestésicos locais,
para bloqueio do estímulo nociceptivo de apenas um feixe nervoso e, portanto,
promovendo anestesia somente em um local restringido pela inervação, e os
anestésicos gerais que promovem anestesia por deprimir o sistema nervoso
central (SNC) como um todo.

Farmacologia Básica 5
1. Como Ocorre o Estímulo Doloroso
O estímulo doloroso ocorre em razão do disparo de terminações
nervosas nociceptivas primárias de alto limiar, geralmente ocorrendo na
periferia do organismo, mas também em órgãos mais internos, em respostas
a estímulos térmicos, mecânicos e químicos.

Os terminais nociceptivos aferentes primários, periféricos e viscerais,


são compostos de fibras mielinizadas (fibras Aδ) ou não (fibras C) de alto
limiar, respondendo somente a estímulos de forte intensidade capazes de
lesar um tecido. Esses neurônios aferentes primários, quando despolarizados,
transmitem a informação dolorosa para o SNC, entrando através das raízes
dorsais na medula indo fazer sinapse com um neurônio de projeção secundário
no corno dorsal da medula espinhal, que transmitirá a informação ascendente
ao tronco encefálico e tálamo, córtex, hipotálamo e sistema límbico. Essa
transmissão da informação dolorosa da periferia para o SNC é modulada
constantemente por interneurônios inibitórios, bem como excitatórios.

Saiba Mais
Para visualizar melhor o circuito de transmissão de dor descrito no texto
acima, desde a periferia até o SNC, as vias descendentes inibitórias que
participam do controle de portão medular e que freiam a transmissão
de entrada do impulso doloroso na medula, veja a figura 17.1 do livro
Princípios de farmacologia: a base fisiopatológica da farmacologia. Para
acessar este conteúdo, é necessário fazer login no Portal Unigranrio e Leia mais
estar com a Minha Biblioteca aberta.

O estímulo aferente doloroso é controlado constantemente por


meio da sinapse com neurônios que inibem a despolarização dos aferentes
primários diminuindo a comunicação destes neurônios com o neurônio de
projeção ascendente secundário. Este controle de entrada do estímulo algésico
no SNC é conhecido como controle de portão medular. Além disso, quando
neurônios da área cinzenta periaquedudal (CPA), no SNC, recebem estímulo
do neurônio secundário, e são despolarizados, eles liberam mediadores
químicos, peptídeos opioides (endorfina, dinorfina e encefalina), que também
são capazes de diminuir a comunicação entre os aferentes primários e os

6 Farmacologia Básica
neurônios de projeção secundários, diminuindo ainda mais a entrada desse
estímulo da dor no SNC.

Os neurônios aferentes nociceptivos primários podem ser sensibilizados


por mediadores químicos liberados por conta da lesão das células no local do
estímulo. Os principais mediadores químicos sensibilizadores desses neurônios
são o íon potássio (K+), bradicinina, prostaglandinas (PG), interleucina-1
(IL-1), serotonina, aumento da acidez (diminuição do pH) local, substância
P, ATP, fator de crescimento neurotrófico (NGF) e peptídeo relacionado
ao gene da calcitonina (CGRP). Estas substâncias tornam estes neurônios
nociceptivos responsivos a estímulos de intensidade mais fraca, fazendo com
que sua despolarização seja facilitada.

Os fármacos que produzem analgesia agem em vários pontos do circuito


da dor, seja diminuindo a ação dos mediadores químicos hiperalgésicos,
como os anti-inflamatórios (AINES e não esteroidais), reforçando a ação dos
peptídeos opioides centrais (morfina e derivados), impedindo a despolarização
de aferentes nociceptivos locais (anestésicos locais), ou reforçando os
mecanismos inibitórios centrais (anestésicos gerais).

2. Anti-inflamatórios
A inflamação é uma resposta do organismo a uma lesão tecidual que
pode ser causada por danos físicos, agentes químicos ou infecciosos.

O processo inflamatório ocorre para inativar e remover micro-


organismos ou qualquer corpo estranho não reconhecido pelo organismo e
preparar o tecido para o processo de reparo tecidual. Em alguns casos, quando
o processo inflamatório é exacerbado, há uma intensa resposta imunológica
que pode levar a uma doença imunologicamente mediada, como no caso da
artrite reumatoide.

Os sinais típicos da inflamação, chamados de sinais cardinais, são


rubor, calor e edema, em resposta ao aumento metabólico no tecido,
vasodilatação e aumento do fluxo sanguíneo arterial no local, dor, pelo
aumento da compressão e sensibilização das terminações nervosas locais

Farmacologia Básica 7
que ocorre devido ao edema, diminuição do pH e liberação dos mediadores
químicos inflamatórios e, finalmente perda da função tecidual que ocorre
quando o tecido sofre o reparo.

Os anti-inflamatórios são fármacos que agem diminuindo a formação


de mediadores químicos sensibilizadores das terminações nervosas nociceptivas
e podem ser classificados em não esteroidais (AINES) e esteroidais, de acordo
com sua estrutura química.

2.1 Anti-inflamatórios Não Esteroidais (AINES)


Os principais mediadores inflamatórios são os eicosanoides
(prostaglandinas e leucotrienos), as citocinas e as células do sistema
imunológico. Os AINES são moléculas com estruturas diversas que agem
por bloqueio da enzima ciclooxigenase (COX) impedindo a produção de
prostaglandinas (PGE2, PGD2 e PGF2α), prostaciclina (PGI2) e tromboxano
A2 (TXA2) (Figura 1) que são produzidas em quantidades exageradas durante
a inflamação.

Fosfolipídio das membranas


celulares (PIP2)

PLA2

Ácido araquedônico
(-)
AINES COX

Endoperóxido cíclico

Prostaglandinas Prostaciclina Tramboxano

Figura 1: Local de ação dos AINES. Fonte: Do autor.

8 Farmacologia Básica
A COX existe em duas isoformas distintas estruturalmente, a COX-
1 e a COX-2, mas que utilizam o mesmo substrato, o ácido araquidônico, e
produzem os mesmos produtos. A diferença (Quadro 1) é que a COX-1 é
uma enzima constitutiva e participa de uma série de processos fisiológicos
do nosso organismo, por isso está sempre presente nas células e ativa para
garantir a nossa homeostase. A COX-2 é induzida, ou seja, ela tem sua
expressão muito aumentada na presença de inflamação, isso garante aumento
da produção de eicosanoides levando à inflamação, ao aparecimento dos sinais
cardinais e, muitas vezes, a um quadro de febre.

Propriedades COX-1 COX-2


Constitutiva (só aumenta de Induzida (aumenta de 10 a 80
Regulação da expressão
2 a 4 vezes) vezes na inflamação)
Plaquetas, células endoteliais, Maioria dos tecidos, mas precisa de
Expressão tecidual
estômago, rim, músculo liso. estímulo para expressão.

Quadro 1: Comparação entre as propriedades da COX-1 e COX-2. Fonte: Do autor.

Quando um anti-inflamatório não esteroidal inibe a COX, ele diminui a


produção dos eicosanoides (produzidos principalmente pelo aumento da COX-
2) responsáveis pelos sinais inflamatórios, além de normalizar a temperatura
do paciente. Porém, ele também diminui a produção das prostaglandinas,
prostaciclina e tromboxano A2, que são responsáveis pela homeostase do
organismo (Quadro 2), levando aos efeitos adversos desses fármacos.

Autocoides Função fisiológica Efeito do AINES


PGE2
Sensibilização das terminações nervosas nociceptoras. Analgésico
PGI2
Desregulação do centro termorregulador no hipotálamo
PGE2 Antipirético
→ febre
Prostaglandinas Mediador do processo inflamatório Anti-inflamatório
TXA2 Agregante plaquetário Antiagregante plaquetário
Epigastralgia, náuseas, gastrite,
PGE2 Citoproteção gástrica (aumenta produção muco protetor
sangramento gastrointestinal,
PGI2 e diminui a de ácido)
úlcera péptica.

Farmacologia Básica 9
Vasodilatação da arteríola aferente renal que garante bom Retenção de sódio e fluidos
PGE2
fluxo sanguíneo renal e taxa de filtração glomerular levando a edema.
PGE2 Indução de contrações em útero gravídico e
Prolongamento da gestação
PGF2α dismenorreia em útero não gravídico

Quadro 2: Papel dos autacoides sobre a homeostase do organismo e efeito dos AINES. Fonte: Do autor.

A indústria farmacêutica conseguiu criar AINES mais seletivos para


inibição da COX-2, mas, apesar de vendidos nas drogarias e farmácias, eles
apresentam efeitos adversos cardiovasculares graves, aumentando, inclusive, o
risco de infarto do miocárdio em pacientes que já tenham doença cardiovascular
ou risco de trombose.

No Quadro 3 você pode ver exemplos de fármacos AINES.

Inibidores da COX não seletivos Inibidores da COX-2


Ácido acetilsalicílico (aspirina) Nimesulida
Diflunisal Meloxicam
Flufenisal Celecoxibe
Salicilamida Etoricoxibe
Diclofenaco
Flurbiprofeno
Cetoprofeno
Ibuprofeno
Naproxeno
Fenoprofeno
Indometacina
Sulindaco
Ácido mefenâmico
Ácido tolfenâmico
Ácido flufenâmico
Oxifen
Butazona
Fenilbutazona
Dipirona
Piroxicam
Tenoxicam
Nabumetona
Paracetamol
Cetorolaco

Quadro 3: AINES divididos em grupos de inibidores não seletivos da COX (inibem COX-1 e COX-2) e inibidores seletivos
somente da COX-2. Fonte: Do autor.

10 Farmacologia Básica
Os principais efeitos adversos dos AINES inibidores não seletivos da
COX ocorrem em razão da inibição da COX constitutiva (COX-1) (Quadro
2) e são:

▪▪ Distúrbios gastrointestinais (náuseas, vômitos, refluxo gastro-


esofágico, erosões, úlcera péptica, hemorragia, perfuração
gastrointestinal, úlcera intestinal);
▪▪ Efeitos renais como insuficiência renal, síndrome nefrótica,
nefropatia analgésica, hiponatremia e hipercalemia;
▪▪ Distúrbios hemorrágicos.

Outros efeitos mais específicos de cada fármaco podem ocorrer também,


como fotossensibilidade, eritema, urticária, trombocitopenia, neutropenia,
aplasia de células vermelhas, anemia hemolítica, broncoespasmo, pneumonia,
alterações de personalidade, cefaleia e zumbido.

Importante
O ácido acetilsalicílico, por inibir irreversivelmente as COX-1 e 2, é também utilizado em
baixas doses (AAS infantil) como antiagregante plaquetário em pacientes com distúrbios
da coagulação sanguínea, como em pacientes infartados, por exemplo, mas, pelo mesmo
motivo, não pode ser utilizado em pacientes com doenças hemorrágicas, como dengue e
zika, pois aumenta o risco de hemorragia.
Em ambas doenças é recomendado a dipirona, e somente se ela não fizer efeito, o
paracetamol, apesar deste medicamento ser hepatotóxico, em doses maiores que a
terapêutica, e o vírus também atacar o fígado do paciente. Esse efeito hepatotóxico do
paracetamol pode ser revertido com a administração de N-acetilcisteina IV, dentro de 10
horas após a intoxicação com o medicamento.

Apesar de os AINES inibidores seletivos da COX-2 apresentarem


menos efeitos adversos gastrintestinais, o risco cardiovascular e de um evento
trombótico no paciente aumenta. Isso ocorre porque a inibição da COX-2,
induzida em células endoteliais, diminui a produção de prostaciclina, um
antiagregante plaquetário, e óxido nítrico (NO), um vasodilatador. Mas as
plaquetas, elementos anucleados, que só apresentam a COX-1, continuam a
produzir tromboxano A2, um pró-agregante plaquetário, e a liberar angiotensina

Farmacologia Básica 11
II, um potente vasoconstrictor. O resultado final é que haverá um aumento
da vasoconstrição, elevando a pressão arterial e o trabalho cardíaco, um risco
para pacientes hipertensos e com doença cardíaca isquêmica, além do aumento
do disparo da coagulação sanguínea catalisada pelo aumento da agregação
plaquetária, favorecendo a formação de trombos, um perigo para os mesmos
pacientes com isquemia cardíaca e os com histórico familiar de trombose.

Dessa forma, os AINES são contraindicados nos seguintes casos:

▪▪ Pacientes com distúrbios da hemostasia;


▪▪ Viroses hemorrágicas (sendo o AAS a pior indicação);
▪▪ Úlcera, gastrite e refluxo gastro-esofágico;
▪▪ Hipertensão arterial, sendo os inibidores da COX-2 piores que o
inibidores não seletivos;
▪▪ Distúrbios da função renal;
▪▪ Febre de etiologia viral;
▪▪ Reações de hipersensibilidade aos fármacos AINES.

Os profissionais de saúde devem prestar atenção, também, às principais


interações medicamentosas destes fármacos, que são:

▪▪ Anticoagulantes: como a varfarina (marevan), pois todos os AINES


competem com estes fármacos para se ligar à albumina plasmática,
deslocando a varfarina aumentando sua concentração plasmática
livre e consequentemente seu efeito; também os inibidores não
seletivos da COX por diminuírem a produção de TXA2, um pró-
agregante plaquetário, facilita ainda mais o sangramento quando
associado ao anticoagulante.
▪▪ Sulfonamidas: como o sulfametoxazol e trimetroprima (bactrim),
competem com os AINES para se ligar à albumina plasmática,
aumentando sua concentração livre e seu efeito, inclusive as
reações adversas.
▪▪ Hipoglicemiantes orais: como as sulfonilureias (por exemplo,
o glibenclamida), são deslocados da albumina plasmática pelos

12 Farmacologia Básica
AINES, aumentando a concentração plasmática livre e seu▪
efeito hipoglicemiante.
▪▪ Anti-hipertensivos: efeito antagonizado pelos AINES,
principalmente o grupo dos inibidores da ECA (por exemplo,
o captopril) e antagonistas do receptor de angiotensina 2 tipo 1
(AT1), como a losartana.
▪▪ Probenecida: fármaco que aumenta a excreção de ácido úrico,
utilizado no tratamento da gota, que tem efeito diminuído▪
pelo AAS.
▪▪ Lítio: estabilizador de humor, tem sua excreção diminuída pelos
AINES.

Saiba Mais
Para saber mais sobre as indicações e contraindicações individuais
dos AINES, é necessário analisar seus efeitos terapêuticos e adversos
para avaliar vantagens e desvantagens diante das diversas condições
patológicas, as características do paciente e o risco de interações
medicamentosas. Veja a figura 36.15 do livro Farmacologia ilustrada.
Para acessar este conteúdo, é necessário fazer login no Portal Leia mais
Unigranrio e estar com a Minha Biblioteca aberta.

2.2 Anti-inflamatórios Esteroidais (Corticoides)



Os anti-inflamatórios esteroidais são chamados assim por derivarem
de um núcleo esteroidal, o colesterol (Figura 2). São moléculas extremamente
lipossolúveis, que tem similaridade estrutural com hormônios glicocorticoides,
cortisol (ou hidrocortisona) e cortisona, produzidos e secretados pelas células
da zona fasciculada do córtex supra-renal (Figura 3-A), em resposta ao
aumento plasmático da corticotropina (ACTH) secretada pela adenohipófise
na circulação. A hipófise, por sua vez, secreta o ACTH em razão do estímulo
pelo hormônio liberador de gonadotropina (GnRH) secretado pelas células
do hipotálamo em resposta a um estímulo de estresse (causados por exercício
vigoroso, estresse psicológico, traumatismo agudo, cirurgia, medo, infecção
grave, hipoglicemia e dor). Assim que os níveis de glicocorticóides plasmáticos
aumentam, há uma diminuição da liberação de ACTH pela hipófise e GnRH
pelo hipotálamo (Figura 3-B).

Farmacologia Básica 13
Colesterol
Aldosterona

Progesterona

Testosterona Cortisol

Estradiol

Figura 2: Similaridade estrutural dos hormônios derivados do colesterol. Fonte: Dreamstime.

Vamos ver, então, a glândula adrenal e seus hormônios.

Glândula supra-renal

Andrógenos Rim A
Catecolanas Uretra
Estrogênios e
Glicocorticoides Testosterona
Epinefrina e
Cortisol & Norepinefrina
Cortisona
Peptídeos
Mineralocorticoides
Somatostatina
Aldosterona e & Substância P
Corticosterona Medula

Cortex

Zona glomerulosa Zona fasciculata Zona reticularis

14 Farmacologia Básica
Agora, veja o ciclo dos glicocorticoides.

B
Thamalus

Hipotálamo

Tronco
cerebral
Pituitária
(hipófise)

Núcleo
pré-óptico medial

Hipotálamo

Gonadotrofina
Liberando Hormona
Inibe
Anterior

Posterior

ACTH
Hipófise
(hipófise) Sinal de
estimulação
Manhã

Tarde
Glicemia aumentada
Noite para energia
Glococorticóide
(glicose + córtex + esteróide)

Figura 3: Em A, a glândula supra-renal, sua localização, divisão interna e hormônios produzidos em cada local; em B, a liberação
de glicocorticoides. O estímulo estressor faz com que os neurônios do núcleo pré-óptico medial disparem estimulando os neurônios

Farmacologia Básica 15
do hipotálamo a produzir e liberar GnRH estimulando as células da hipófise anterior (adenohipófise) a aumentar a liberação de
ACTH, que cai na circulação, atingindo a glândula adrenal e estimulando a produção e liberação de glicocorticoides. O aumento de
glicocorticoides no plasma irá inibir a liberação de GnRH pelo hipotálamo e ACTH pela hipófise. Fonte: Dreamstime.

Os efeitos fisiológicos dos glicocorticoides são catabólicos, aumentando


a disponibilidade de nutrientes, como a glicose, antagonizando o efeito da
insulina e aumentando a gliconeogênese em jejum, quebrando proteínas,
principalmente as do músculo estriado esquelético, para liberação de
aminoácidos para a produção de mais glicose e promovendo a lipólise para
liberação de ácidos graxos livres para as células. Todos estes efeitos têm como
objetivo garantir o suprimento de nutrientes para órgãos críticos, como o
cérebro, em um momento de estresse.

Os corticoides sintéticos (Quadro 4) são os fármacos que vão imitar


os efeitos dos glicocorticoides fisiológicos, diminuindo não só a resposta
inflamatória, e, portanto, promovendo a analgesia, mas também terão efeitos
imunossupressores e metabólicos no paciente. Portanto, esses fármacos
terão uma gama maior de utilidade terapêutica que os AINES, mas também
apresentarão maiores riscos de efeitos adversos que os anteriores.

Fármacos Glicocorticoides
Betametasona
Cortisona
Dexametasona
Fludrocortisona
Hidrocortisona
Metilpredinisona (metabólito ativo Metilpredinisolona)
Predinisona (metabólito ativo Predinisolona)
Triancinolona
Budesonida
Fluticasona
Mometasona
Beclometasona
Ciclesonida

Quadro 4: Exemplos de corticoides sintéticos. Fonte: Do autor.

16 Farmacologia Básica
Esses fármacos agem por inibir a fosfolipase A2 (PLA2) indiretamente
(Figura 4), pela indução da produção de lipocortina, que inibe diretamente
a enzima, diminuindo não só a produção de prostaglandinas, prostaciclina e
tromboxano A2, exercendo efeito analgésico, antipirético e anti-inflamatório,
mas também de leucotrienos, inibindo a quimiotaxia de leucócitos para o
local da inflamação (efeito imunossupressor).

Fosfolipídio das membranas


celulares (PIP2)
)-( Induz produção
PLA2 Lipocortina Corticóides

Ácido araquedônico

COX 5-lipoxigenase
5-HPTE LTA4

Endoperóxido cíclico

Prostaglandinas Prostaciclina Tramboxano Leucotrienos

Figura 4: Mecanismo de ação dos glicocorticoides sobre a PLA2. Fonte: Do autor.

Os corticoides também diminuem a liberação de citocinas pelas células


do sistema imunológico, aumentam as hemácias, plaquetas e leucócitos
polimorfonucleares e diminuem os eosinófilos, basófilos, monócitos e linfócitos,
colaborando para imunossupressão. Desta forma, esses fármacos conseguem
inibir todas as fases da resposta inflamatória, incluindo a fase de reparo, que
ocorre na finalização da inflamação, o que pode levar à inibição da proliferação
dos fibroblastos, deficiência da cicatrização de feridas e adelgaçamento da pele.
Entretanto, este efeito mais abrangente garante o uso destes fármacos em
várias condições clínicas, como no transplante de órgãos, artrite reumatoide,
asma, doença de Crohn, poliarterite nodosa, arterite temporal, dentre outras.
O tratamento destas condições com corticoides é um tratamento sintomático,
não agindo na causa da doença. Portanto, a retirada do fármaco tratando estas
condições faz com que os sintomas voltem a aparecer.

Esses fármacos também irão simular os efeitos dos glicocorticoides


endógenos, aumentando o catabolismo de proteínas para liberação de

Farmacologia Básica 17
aminoácidos para a gliconeogênese, acentuando a lipólise para a geração de
energia por meio da oxidação de ácidos graxos, diminuindo a resposta das
células à insulina, aumentando a glicose plasmática. Esses efeitos poderão levar
à atrofia muscular, à redistribuição da gordura e ao diabetes, respectivamente.
Além disso, eles diminuem a absorção de cálcio mediada pela vitamina D
e aumentam sua excreção renal, o que diminuirá sensivelmente o nível de
cálcio plasmático, levando ao aumento da liberação de paratormônio (PTH)
pelas glândulas paratireoides. Este efeito, aliado ao aumento da atividade dos
osteoclastos (macrófagos ósseos) e diminuição da atividade dos osteoblastos
(célula que produz matriz óssea), causados pelos mesmos fármacos, poderá
causar osteoporose no paciente.

Nos rins, os corticoides aumentam a reabsorção de sódio e fluidos,


podendo causar edema e hipertensão. No trato gastrointestinal, haverá
aumento da produção de ácido e diminuição do muco protetor do estômago,
podendo causar gastrite ou úlcera péptica. O paciente ainda pode apresentar
alterações de comportamento (euforia, depressão e psicoses), aumento de
apetite e ganho de peso, fragilidade capilar e equimoses, catarata, glaucoma
maior susceptibilidade a infecções, atrofia do córtex supra-renal e inibição do
crescimento linear (crianças).

Resumo dos efeitos adversos dos glicocorticoides:

▪▪ Deficiência da cicatrização de feridas e adelgaçamento da pele;


▪▪ Atrofia muscular, redistribuição da gordura, e diabetes;
▪▪ Osteoporose;
▪▪ Edema e hipertensão;
▪▪ Gastrite ou úlcera péptica;
▪▪ Alterações de comportamento (euforia, depressão e psicoses);
▪▪ Aumento de apetite e ganho de peso;
▪▪ Fragilidade capilar e equimoses;
▪▪ Catarata;
▪▪ Glaucoma;
▪▪ Maior susceptibilidade a infecções;
▪▪ Atrofia do córtex supra-renal;
▪▪ Inibição do crescimento linear (crianças).

18 Farmacologia Básica
Saiba Mais
Vários fármacos fazem parte do grupo dos anti-inflamatórios
esteroidais. Para conhecer o nome do fármaco e por quais vias de
administração podem ser utilizados, veja a figura 27.5 do livro
Farmacologia ilustrada. Para acessar este conteúdo, é necessário fazer
login no Portal Unigranrio e estar com a Minha Biblioteca aberta. Leia mais

O uso crônico de corticoides leva à atrofia do córtex adrenal, em


função da supressão do eixo hipotálamo – hipófise – adrenal, consequência
do aumento constante da concentração plasmática do fármaco, por isso a
retirada deste medicamento da farmacoterapia de um paciente que fez uso
crônico deve ser lenta e gradual, para permitir a recuperação do córtex▪
supra-renal e a normalização da síntese e liberação do hormônio.

Saiba Mais
Todos esses efeitos adversos dos glicocorticoides irão depender da dose
utilizada, tempo de uso, via de administração, faixa etária do paciente
e fármaco utilizado. Alguns fármacos, além de apresentarem efeito
glicocorticoide, também apresentam efeito mineralocorticoide grande, o
que aumenta a probabilidade de edema no paciente. Veja a figura 27.4
do livro Farmacologia ilustrada. Para acessar este conteúdo, é necessário Leia mais
fazer login no Portal Unigranrio e estar com a Minha Biblioteca aberta.

As contraindicações deste grupo de fármacos estão todas relacionadas


aos efeitos adversos que o paciente pode apresentar com o uso deles. São elas:

▪▪ Pacientes com úlcera péptica;


▪▪ Pacientes com cardiopatia e hipertensos;
▪▪ Pacientes com insuficiência cardíaca congestiva.
▪▪ Pacientes com infecções (virais, bacterianas, parasitárias);
▪▪ Paciente diabético;
▪▪ Paciente com doenças psicóticas;
▪▪ Pacientes com osteoporose;
▪▪ Pacientes com glaucoma.

Farmacologia Básica 19
As interações medicamentosas também podem afetar a concentração
plasmática dos glicocorticoides e, consequentemente, seu efeito.

Fármacos Interação Consequência

Fenitoína, barbitúricos,
Aceleram o metabolismo Podem diminuir o efeito
carbamazepina,
hepático dos GC farmacológico
rifampicina

Diminuem biodisponibilidade dos Podem diminuir o efeito


Antiácidos
GC farmacológico

Insulina,
hipoglicemiantes orais,
Alterações da glicemia,
anti-hipertensivos, Têm suas necessidades
pressão arterial, pressão
medicações para aumentadas pelos GC
intraocular
glaucoma, hipnóticos,
antidepressivos

GC podem facilitar a
Digitálicos (na Pode haver acentuação da toxicidade dos
toxicidade associada à
hipocalemia) digitálicos devido à alteração eletrolítica
hipocalemia

Estrogênios e Aumentam a meia-vida


Aumenta o efeito farmacológico
contraceptivos dos GC

Aumento da incidência de
AINES Aumento da incidência de úlcera péptica
alterações gastrintestinais

Potencialização
da replicação dos
Vacinas e toxoides Atenuam a resposta
micro-organismo em
vacina de vírus vivos

Diuréticos depletadores
Repercussão clínica
de potássio (tiazídicos e Acentuação da hipocalemia
em razão da hipocalemia
de Alça)

Diminuição da eficácia
Salicilatos Diminuição dos níveis plasmáticos
do salicilato

Quadro 5: Interações medicamentosas dos glicocorticoides (GC). Fonte: Do autor.

20 Farmacologia Básica
2.3 Analgésicos Centrais – Fármacos Opioides
O terceiro grupo de fármacos que promovem analgesia não tem
efeito anti-inflamatório, como os anteriores, mas ainda pode promover
imunossupressão quando utilizado de forma crônica nos pacientes.

Os analgésicos opioides (chamados assim porque o primeiro princípio


ativo – a morfina – foi isolado da tintura de ópio, obtido por meio da resina
da planta Papaver somniferum) são analgésicos de maior eficácia que os anti-
inflamatórios, mas que agem no circuito central da transmissão dolorosa.

São fármacos bases fracas, que imitam os efeitos dos peptídeos


opioides endógenos (endorfina, dinorfina e encefalina), que agem como
agonistas dos receptores opioides (tipo µ, κ e δ) reforçando os efeitos,
aumentando a condutância ao potássio e diminuindo ao cálcio, levando os
neurônios envolvidos na transmissão dolorosa a diminuir sua excitabilidade
e também à liberação de neurotransmissores excitatórios, como o glutamato,
culminado na inibição do impulso neuronal, causando analgesia de alta
intensidade no paciente.

Saiba Mais
O mecanismo de ação dos opioides leva à diminuição da comunicação entre os neurônios
envolvidos no circuito da dor, por reduzir a excitabilidade, diminuindo a quantidade de
despolarizações destes neurônios, e por reduzir a liberação de
neurotransmissores excitatórios na fenda sináptica, o que colabora
para impedir a comunicação dos neurônios nociceptivos aferentes
primários com o neurônio de projeção secundário. Saiba como isso
ocorre na figura 14.4 do livro Farmacologia ilustrada. Para acessar este
conteúdo, é necessário fazer login no Portal Unigranrio e estar com a
Minha Biblioteca aberta.
Leia mais

Os fármacos opioides podem ser classificados em agonistas puros,


agonistas mistos e antagonistas dos receptores opioides. Os agonistas puros
ativam todos os receptores opioides, os mistos agem como agonistas de um
receptor opioide e antagonista de outros e os antagonistas bloqueiam a ação
dos opioides endógenos.

Farmacologia Básica 21
Saiba Mais
A classificação dos fármacos opioides é realizada de acordo com sua atividade sobre os
receptores opioides, como agonista puro dos receptores µ, κ e δδ, ou agonistas mistos
(atividade agonista sobre algum receptor e antagonista sobre o
outro) ou antagonistas puros. Essa classificação também pode ser
realizada de acordo com sua eficácia clínica em alta, média e baixa
eficácia. Conheça mais sobre estes fármacos na tabela 31.2 do livro
Farmacologia básica e clínica. Para acessar este conteúdo, é necessário
fazer login no Portal Unigranrio e estar com a Minha Biblioteca aberta. Leia mais

A escolha desses fármacos para o tratamento das afecções dolorosas


deverá ser criteriosa, uma vez que são analgésicos com índice terapêutico
baixo, que causam dependência psíquica e física além de tolerância, e
qualquer variação da sua concentração plasmática poderá levar o paciente a
uma intoxicação. Os critérios para escolha se baseiam em intensidade da dor,
eficácia do fármaco, condições fisiológicas do paciente, dose que deverá ser
utilizada e dos efeitos adversos que estes fármacos causam.

A ativação do receptor µ é a que garante maior efeito analgésico, mas


também é a que levará a mais efeitos adversos.

Saiba Mais
Cada receptor opioide é responsável por uma série de efeitos dos
agonistas endógenos (endorfina, encefalina e dinorfina) e dos
fármacos opioides, mas também é a ativação destes receptores que
causarão a maioria dos efeitos adversos dos fármacos. A função dos
receptores opioides e seus agonistas endógenos pode ser observada na
tabela 31.1 do livro Farmacologia básica e clínica. Para acessar este Leia mais
conteúdo, é necessário fazer login no Portal Unigranrio e estar com a
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Os efeitos adversos causados pelos fármacos opioides estão descritos


no Quadro 6. Veja a seguir:

22 Farmacologia Básica
Efeitos Adversos Causa
Inibição do centro respiratório, mediado pelo receptor µ, no tronco
Depressão respiratória
encefálico
Euforia Não está bem estabelecida
Disforia Não está bem estabelecida
Dependência física Não está bem estabelecida
Sedação Inibição do SNC
Tolerância Não está bem estabelecido
Bloqueio da dilatação reflexa da pupila por aumento da atividade
Constrição pupilar
parassimpática no circuito local
Redução da motilidade
gastrointestinal (diminuição peristalse Ativação dos receptores opioides no trato gastrointestinal
e constipação)
Náuseas e vômitos Ativação da zona de gatilho quimiorreceptora no SNC
Supressão do reflexo da tosse Inibição do centro bulbar da tosse
Urticária e prurido locais,
Degranulação de mastócitos com liberação de histamina
broncoconstrição e hipotensão
Retenção urinária Diminuição do fluxo sanguíneo renal
Redução da secreção de ADH
Ativação do receptor κ no hipotálamo.
(hormônio antidiurético) e ocitocina
Redução da secreção de CRF e GnRH Ativação de receptores opioides no hipotálamo e hipófise
Aumento de prolactina Ativação de receptores opioides no núcleo arqueado
Vasodilatação causada pelo aumento da pressão de CO2 e
Diminuição da pressão arterial
liberação de histamina.
Cólica biliar Aumento da pressão na vesícula biliar
Efeitos centrais sobre receptor µ que alteram a resposta simpática
Imunossupressão
e do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal

Quadro 6: Efeitos adversos dos opioides. Fonte: Do autor.

Farmacologia Básica 23
Saiba Mais
Os efeitos adversos dos opioides dependerão da sua eficácia e
classificação, se agonistas puros de alta, média ou baixa eficácia, ou
agonistas mistos, suas propriedades farmacocinéticas, principalmente
seu tempo de meia-vida, interações medicamentosas e podem aparecer
com o uso agudo ou o uso crônico do fármaco. Veja mais sobre efeitos
adversos desses fármacos na tabela 31.4 do livro Farmacologia básica
e clínica. Para acessar este conteúdo, é necessário fazer login no Portal Leia mais
Unigranrio e estar com a Minha Biblioteca aberta.

O grau de desenvolvimento de tolerância aos efeitos analgésicos,


euforia, disforia, sedação, depressão respiratória, antidiurese, náuseas,
vômitos e supressão da tosse é alto; aliado ao fato deste fármaco ter uma
grande capacidade de causar dependência nos pacientes, colabora para o
uso abusivo deles, o que é arriscado para o paciente, já que os efeitos
tóxicos mais perigosos, como a depressão respiratória, voltam em casos
de intoxicação.

O paciente intoxicado apresentará coma com apneia, pupilas mióticas


não responsivas à luz, hipotensão, bradicardia, edema pulmonar, hipo ou
hipertermia e crises convulsivas. Ele deverá ser tratado com assistência
respiratória, suporte hemodinâmico e o antagonista opioide naloxona (em
dose de ataque seguida de manutenção). Além disso, esses fármacos podem
ser eliminados mais rapidamente com a acidificação da urina.

O grau para causar dependência está diretamente ligado à eficácia


do fármaco e a seu tempo de meia-vida, de forma que, quanto maior seu
efeito analgésico, maior será a probabilidade de o fármaco opioide causar
dependência; quanto menor o tempo de meia-vida, serão necessárias mais
doses do fármaco por dia e, assim, o risco de adição aumenta.

A heroína é uma droga de abuso que faz parte do grupo dos fármacos
opioides e é a droga com maior capacidade de causar dependência psíquica
e física, pois seu tempo de meia-vida é pequeno, requerendo muitas doses
diárias. Sua eficácia é alta, além disso, é a droga que entra no SNC mais
rápido, pois é a mais lipossolúvel do grupo.

A dependência psíquica age como um desejo pelo fármaco para


garantir uma sensação de bem-estar; já a dependência física se reflete como

24 Farmacologia Básica
uma necessidade de tomar o fármaco para impedir desconforto físico. Na
retirada abrupta do fármaco, o paciente desenvolve a síndrome de abstinência,
com sintomas como medo, ansiedade severa, fissura, inquietação, bocejos e
espirros recorrentes, sudorese, lacrimejamento, rinorreia, obstrução nasal,
náuseas e vômitos, midríase, tremor, piloereção, diarreia, espasmos e dores
musculares, aumento da pressão arterial, taquicardia, febre e calafrios. Com o
decorrer do tratamento ao vício, o paciente vai apresentar ainda hipotensão,
bradicardia, perda de energia, inapetência, insônia e fissura.

O tratamento do vício é diferente do tratamento da intoxicação. Deve-


se substituir o opioide com menor tempo de meia-vida por um opioide de
alta eficácia com uma meia-vida mais longa (por exemplo, a metadona, um
agonista opioide), no intuito de espaçar as administrações do fármaco, fazendo
com que o paciente tome menos doses diárias, aliviando a fissura e reduzindo
os sintomas de síndrome de abstinência. Gradualmente, este opioide será
substituído por fármacos de menores eficácias. Quando há a substituição por
opioides de menor eficácia, geralmente há necessidade da administração de
ansiolíticos (benzodiazepínicos), ou fármacos que inibam a adição (buspirona,
risperidona etc.), concomitantemente.

Os opioides, além de serem utilizados no tratamento da dor, podem


ser utilizados também no tratamento do edema pulmonar agudo associado à
insuficiência cardíaca ventricular esquerda, pois alivia a pré-carga e pós-carga,
na tosse, na diarreia e, neste caso, os fármacos indicados são a loperamida
(imosec) e o difenoxilato, pois não penetram no SNC e na anestesia.

Esses fármacos são contraindicados para pacientes com traumatismo


cranioencefálico, em razão da vasodilatação cerebral causada pela depressão
respiratória; grávidas, pois esses fármacos atravessam a placenta, sofrem
aprisionamento iônico, acumulando no feto (que ainda não tem grau de
maturação hepática suficientemente desenvolvido para a metabolização,
inativação e excreção desses fármacos), causando dependência e levando à
síndrome de abstinência no recém-nascido; pacientes com comprometimento
da função pulmonar em razão da sua ação depressora respiratória; pacientes
com comprometimento da função hepática ou renal e com doenças
endócrinas, pois os opioides têm efeito prolongado neles.

Além das contraindicações, deve-se observar as interações


medicamentosas mais relevantes desse grupo de analgésicos, que são:

▪▪ Com sedativos/hipnóticos (benzodiazepínicos, anestésicos gerais)

Farmacologia Básica 25
pois há risco de aumento da depressão do SNC, principalmente da
depressão respiratória;
▪▪ Com fármacos antipsicóticos (haloperidol, clozapina, risperidona,
quetiapina, sulpirida etc.), podem potencializar o efeito sedativo,
cardiovasculares e a depressão respiratória.
▪▪ Com antidepressivos inibidores da monoaminoxidase (IMAO),
como a fenelzina, a isocarboxazida e a tranilcipromina, aumenta o
risco de coma hiperpirético.

Classificação Fármaco
Alfentanila
Fentanila
Remifentanila
Heroína
Hidrocodona
Agonistas puros de Hidromorfona
alta eficácia Meperidina ou petidina
Metadona
Morfina
Oxicidona
Oximorfona
Sulfentanila
Agonistas puros de Codeína
baixa eficácia Tramadol
Buprenorfina
Butorfanol
Agonistas mistos
Nalbufina
Pentazocina
Naloxona
Antagonistas Naltrexona
Nalmefeno

Quadro 7: Exemplos de fármacos analgésicos opioides e sua classificação como agonista puros, mistos ou antagonistas. Fonte: Do autor.

26 Farmacologia Básica
3. Anestésicos
Os anestésicos são fármacos capazes de inibir o impulso elétrico
de neurônios nociceptivos aferentes primários localizados e impedir a
despolarização desses terminais nervosos locais, fazendo com que a informação
dolorosa não chegue no SNC produzindo anestesia local, ou inibir as
transmissões sinápticas no SNC, deprimindo-o como um todo, produzindo
a anestesia geral.

3.1 Anestésicos Locais


Como o próprio nome do grupo farmacológico sugere, os anestésicos
locais só vão promover anestesia em um local restrito no qual o aferente
nociceptivo é responsável pela transmissão dolorosa, inibindo sucessivamente
a geração ou propagação de impulsos nervosos.

O primeiro anestésico local conhecido e utilizado, no final do século


XIX e começo do século XX, foi a cocaína. A cocaína produzia uma anestesia
por curto período, o que requeria administrações sucessivas desta substância
para garantir seu efeito durante a manipulação de um paciente. Felizmente,
a quantidade de aplicações, associada ao seu potencial aditivo e seus efeitos
tóxicos sobre o sistema cardiovascular, fez com que seu uso fosse abandonado
e abriu o campo para pesquisas de novas moléculas com atividade anestésica,
porém isentas de capacidade de causar dependência e efeitos tóxicos
cardiovasculares.

A partir da estrutura da cocaína, foram sintetizados vários anestésicos


locais, estruturalmente semelhante a esta molécula, com atividade anestésica
e tempo de duração de ação maior, sem os efeitos tóxicos da cocaína.

Os anestésicos locais são fármacos bases fracas, manipulados na forma


de um sal ácido (cloridrato), para garantir solubilidade e estabilidade. Têm
estrutura química dividida em uma parte hidrofílica (um grupamento amina);
uma parte lipofílica, que é unida por uma cadeia intermediária composta
por uma ligação éster ou uma ligação amida (Figura 5) e que devem ser
administrados na matriz extracelular próximo ao feixe nervoso (Figura 6).

Farmacologia Básica 27
Procaína
O
CH3 A
N CH3
O

H2N

intermediária
hidrofílica

lipofílica
(éster)
Cadeia
Parte

Parte B
Lidocaina
H
N
N
O
intermediária
hidrofílica

(amida)

lipofílica
Cadeia
Parte

Parte

Figura 5: Estrutura de um anestésico local do tipo éster (A) e amida (B). Fonte: Do autor.

Saiba Mais
A estrutura da maioria dos anestésicos locais é composta por um grupamento lipofílico e um
grupamento hidrofílico unidos por uma cadeia intermediária que pode ser uma ligação do tipo
éster ou uma ligação do tipo amida. A estrutura química diferenciada
pela composição da cadeia intermediária determina algumas
propriedades farmacológicas desses fármacos. Para saber mais sobre
a estrutura dos anestésicos, veja a figura 26.1 do livro Farmacologia
básica e clínica. Para acessar este conteúdo, é necessário fazer login no
Portal Unigranrio e estar com a Minha Biblioteca aberta. Leia mais

28 Farmacologia Básica
Vasos sanguíneos
Nervo
espinhal

Epineuro Vasos sanguíneos

Perineuro
Fibra sem
mielina Feixe
Fibra com
mielina Fibra Feixe
Endoneuro

Fibra
Endoneuro
Agulha
* = anestésico local

Figura 6: Local de administração do anestésico local. O fármaco deverá entrar no feixe nervoso
e não cair nos vasos sanguíneos. Fonte: Adaptado de Mundo Educação.

A classificação desses fármacos é feita com base na sua cadeia


intermediária, como tipo éster se a cadeia intermediária for um éster, como
a procaína (Figura 5-A), ou tipo amida, caso a cadeia intermediária seja uma
amida, como a lidocaína (Figura 5-B). Como o grupamento éster pode ser
metabolizado pelas enzimas esterases teciduais e plasmáticas, os anestésicos
locais do tipo éster costumam apresentar menor duração de efeito e menor
risco de toxicidade ao paciente do que os do tipo amida.

A parte hidrofílica (ALH+, na Figura 7, a seguir) é composta de


um grupamento amina, que é o local onde ocorre a ionização do fármaco
(formando um cátion) quando ele estiver em solução. O fármaco ionizado é
a forma mais ativa para se ligar ao seu receptor e impedir o impulso nervoso.
Porém, este grupamento não está presente em todos os anestésicos locais, a
benzocaína, por exemplo, não contém esse grupamento, por isso sua atividade
no receptor, alvo farmacológico destes fármacos, diminui.

Por último, o grupamento lipofílico (AL, na Figura 7) é importante


para que o fármaco penetre, através da membrana plasmática, o neurônio e
consiga acessar o receptor e bloqueá-lo, bem como para sua potência.

Farmacologia Básica 29
Saiba Mais
A lipossolubilidade dos anestésicos locais está intimamente ligada a sua
potência anestésica e maior afinidade ao seu receptor, bem como ao
tempo de duração do seu efeito. Para saber mais sobre a classificação
dos anestésicos locais de acordo com sua estrutura química, correlação
com a potência e duração de ação do seu efeito, verifique a tabela
26.1 do livro Farmacologia básica e clínica. Para acessar este Leia mais
conteúdo, é necessário fazer login no Portal Unigranrio e estar com a
Minha Biblioteca aberta.

Os anestésicos locais agem ligando-se aos canais de sódio voltagem-


dependente (Figura 7), presentes na membrana plasmática dos neurônios,
bloqueando esses canais e impedindo a entrada de sódio no citoplasma do
neurônio, impedindo a despolarização dos mesmos e sua condutância.

Canal de Na+
voltagem dependente

Potencial de ação bloqueado

Membrana plasmática

Axônico Neurônio
Figura 7: Mecanismo de ação dos anestésicos locais. Observe que a quantidade de ALH+ aumenta em ambiente mais ácido, como o
citoplasma da célula. AL = anestésicos locais; ALH+ = anestésico local ionizado; H+ = próton Fonte: Adaptado de Dreamstime.

A necessidade da forma não ionizada do fármaco (AL, na Figura 7) para


penetrar a membrana plasmática e entrar no neurônio é garantida graças ao

30 Farmacologia Básica
pH mais alcalino da matriz extracelular em comparação ao pH do citoplasma
da célula, o que favorece a formação da espécie não ionizada (lipossolúvel).
Por isso, a administração de bicarbonato de sódio, uma substância alcalina,
muitas vezes é utilizada na prática clínica para que o fármaco tenha um
início de ação mais rápido. Por outro lado, em tecidos inflamados, o pH
dessa matriz diminui e fica ácido, fazendo com que aumente a quantidade de
fármaco na forma ionizada (ALH+) e diminua a entrada do anestésico local no
feixe nervoso. Aliado a isso, ainda haverá a vasodilatação localizada, causada
pelos mediadores inflamatórios, que aumentará o fluxo sanguíneo no local,
aumentando a absorção do fármaco, retirando-o do local onde se encontra no
feixe nervoso e reduzindo seu efeito.

Saiba Mais
A susceptibilidade ao efeito anestésico pode variar de acordo com: o tipo de fibra nervosa;
espessura e frequência de despolarizações, altas ou baixas; se mielinizada ou não; e posição
no feixe nervoso. As fibras mais susceptíveis ao bloqueio são as
mielinizadas, mais delgadas, com maior frequência de despolarizações
e as fibras proximais localizadas na porção externa do feixe nervoso.
Veja mais em tabela 26.3 do livro Farmacologia básica e clínica. Para
acessar este conteúdo, é necessário fazer login no Portal Unigranrio e
estar com a Minha Biblioteca aberta. Leia mais

Como os anestésicos locais têm efeito vasodilatador, a tendência


é o fluxo sanguíneo no local da administração aumentar, o que elevará a
absorção desses fármacos, diminuindo a duração do seu efeito e aumentando
o risco de toxicidade. Para tanto, a maioria dos anestésicos locais é associada
a um vasoconstritor, como a adrenalina ou a felipressina, que diminuirão o
aporte sanguíneo ao nervo, prendendo o fármaco por mais tempo no local,
aumentando sua duração de efeito e diminuindo o risco de efeitos tóxicos,
pois reduzirá sua absorção, que ocorrerá mais lentamente.

Como foi dito anteriormente, a absorção, distribuição, metabolismo


e excreção destes fármacos reduzirão o tempo de duração e a intensidade da
anestesia. Assim que um fármaco é absorvido e distribuído pelo organismo
do paciente, iniciam seus efeitos adversos sistêmicos. Os anestésicos locais do
tipo éster são metabolizados pelas esterases, não só na matriz extracelular,

Farmacologia Básica 31
mas, também, assim que caem na corrente sanguínea, causando menor risco
de toxicidade para o paciente. Porém, os anestésicos locais do tipo amida
só serão metabolizados por enzimas hepáticas. Portanto, precisa circular no
organismo até chegar ao fígado para ser inativado. Por isso, há um risco maior
de esses últimos fármacos citados chegarem a diferentes tecidos no organismo,
causando efeitos adversos ou tóxicos, dependendo da dose administrada.

Os principais efeitos adversos sistêmicos destes fármacos ocorrem


em razão do bloqueio do canal de sódio voltagem dependente no SNC e
cardiovascular, que são:

No SNC:

▪▪ Sonolência;
▪▪ Tonteira;
▪▪ Distúrbios visuais e auditivos;
▪▪ Inquietação;
▪▪ Dormência e gosto metálico (sintomas precoces de▪
toxicidade);
▪▪ Nistagmo, contrações musculares espasmódicas, convulsões e
morte (efeitos tóxicos).

No sistema cardiovascular:

▪▪ Depressão da atividade marcapasso cardíaco, excitabilidade e a


condução (diminuição da frequência cardíaca);
▪▪ Depressão força de contração;
▪▪ Dilatação arteriolar (diminuição da pressão arterial).

Quando há necessidade de doses maiores de anestésicos locais, seus


efeitos adversos e tóxicos no SNC podem ser evitados, fazendo uma profilaxia
com benzodiazepínicos (por exemplo, midazolam ou diazepam IV), mas esses
fármacos não reduzirão os efeitos tóxicos no sistema cardiovascular, que pode
culminar em uma parada cardíaca.

32 Farmacologia Básica
Os anestésicos locais também podem causar efeitos adversos e tóxicos
locais, como lesão neural e alguns sintomas neurológicos transitórios, como
exemplo, síndrome de dor ou disestesia transitória e parestesia.

Como são fármacos bases fracas, sua eliminação pode ser acelerada
com a acidificação da urina.

3.2 Anestésicos Gerais


O grupo dos anestésicos gerais é composto por um número
heterogêneo de fármacos, muitas vezes com mecanismos de ação que não estão
completamente esclarecidos, mas que são capazes de inibir completamente e
de forma reversível o SNC.

Para a produção do efeito anestésico, é necessário deprimir o SNC,


sem provocar o coma ou levar o paciente ao óbito. O estado de anestesia
engloba alguns efeitos obrigatórios que são sedação (a diminuição da
ansiedade também é desejável), perda da consciência, amnésia, analgesia,
inibição dos reflexos autônomos e relaxamento da musculatura esquelética.
Muitos fármacos são isentos da capacidade de promover analgesia e precisam
ser associados a fármacos analgésicos. Na verdade, nenhum dos fármacos,
classificados como anestésicos gerais, são capazes, sozinhos, de induzir um
estado de anestesia completo, portanto, eles são utilizados em conjunto.

Um anestésico geral ideal deve ser capaz de induzir rápido e


uniformemente o estado de inconsciência, ter seu efeito revertido rapidamente
mediante sua retirada e ser seguro em ampla faixa terapêutica. O paciente
deve estar em um estado de analgesia profunda, com as vias respiratórias
conservadas e responsividade a comandos verbais do especialista. Para alcançar
esses efeitos desejáveis, atualmente são utilizadas associações de anestésicos
gerais IV e inalatórios, que são escolhidos com base no tipo de intervenção
diagnóstica, terapêutica ou cirúrgica e no estado fisiológico, patológico e nas
reações adversas que um fármaco possa causar no paciente.

Como os anestésicos são depressores do sistema nervoso central,


respiratório e cardiovascular e alguns são hepatotóxicos e nefrotóxicos, deve-se▪
avaliar os pacientes com distúrbios neurológicos (por exemplo, epilepsia,

Farmacologia Básica 33
miastenia grave, doença neuromuscular, comprometimento da circulação
cerebral e histórico de hipertermia maligna), pacientes em que a função
pulmonar esteja comprometida, pacientes com doenças cardiovasculares, pois
pode ocorrer diminuição da perfusão dos tecidos o que pode desencadear
lesões por isquemia, além disso alguns anestésicos podem desencadear
arritmias cardíacas e pacientes com diminuição da função hepática e renal, o
que pode afetar a distribuição e eliminação destes fármacos, respectivamente.

Outro tipo de paciente que deve ser avaliado são as mulheres grávidas,
pois já existem relatos de teratogenicidade causada por anestésicos utilizados
no início da gestação, além do risco de abortamento.

Saiba Mais
Além do uso do anestésico geral para atos cirúrgicos, também é comum o uso de fármacos
adjuvantes para garantir alguns efeitos desejáveis e inibir os indesejáveis, para facilitar a
manipulação cirúrgica do paciente, por exemplo antagonistas do receptor de histamina do
tipo 2 (bloqueadores H2), como a ranitidina, anti-histamínicos (bloqueadores H1), como
a prometazina, anti-eméticos, como a ondansetrona e bloqueadores
neuromusculares, como o pancurônio e succinilcolina. Para saber mais
sobre a ajuda desses fármacos durante uma cirurgia, veja a figura
13.2 do livro Farmacologia ilustrada. Para acessar este conteúdo,
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Biblioteca aberta. Leia mais

A anestesia geral deve ser capaz de induzir a um estado de analgesia


profunda, que deve ser mantida durante o procedimento cirúrgico e
rapidamente revertida quando cessar a administração do anestésico. Pode-se
classificar 3 fases para chegar a este estágio:

1. Indução: período em que o anestésico promove a perda de


consciência no paciente. Para isso, é necessário que o paciente
passe de um estágio I de analgesia, rapidamente para o estágio
III, anestesia cirúrgica. O anestésico geral deve ser capaz de evitar
o estágio II, de excitação, pois é nele que o paciente apresenta
delírios e agressividade.
2. Manutenção: tempo em que o paciente se mantém anestesiado.

34 Farmacologia Básica
As concentrações dos anestésicos utilizados devem ser controladas
para manter o paciente em estado III.
3. Recuperação: momento em que a combinação de fármacos para
efeito anestésico é cessada até a recuperação da consciência (inverso
da indução).

A profundidade da anestesia deve garantir que o paciente se mantenha


no estágio 3, evitando o estágio 4, que é quando o paciente poderá chegar ao
coma ou até à morte.

Saiba Mais
Existem 4 estágios de depressão do SNC, entre os estados de vigília até a morte, e que
podem ser atingidos farmacologicamente: estágio I ou estado de analgesia, mais próximo
do estado de vigília; estágio II ou de excitação; estágio III ou
de anestesia; e estágio IV de depressão bulbar. Para saber por
que o paciente anestesiado deve ficar no estágio III durante uma
cirurgia, observe a figura 16.1 do livro Princípios de farmacologia:
a base fisiopatológica da farmacologia. Para acessar este conteúdo,
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Biblioteca aberta.

De forma geral, esses fármacos são divididos em anestésicos gerais


inalatórios e intravenosos.

Anestésicos Inalatórios Anestésicos IV


Óxido nitroso (NO) Tiopental (barbitúrico)
Halotano Midazolam (benzodiazepínico)
Enflurano Etomidato
Xenônio (Xe) Propofol
Isoflurano Cetamina
Desflurano Fentanila, sulfentanila e remifentanila (opioides)
Sevoflurano

Quadro 8: Tipos de anestésicos gerais. Fonte: Do autor.

Farmacologia Básica 35
3.2.1 Anestésicos Inalatórios
Os anestésicos inalatórios são pequenas moléculas de hidrocarbonetos
halogenados, voláteis, lipossolúveis, não inflamáveis nem explosivos, capazes
de atravessar as membranas alveolares e chegar rapidamente ao sangue para
ser distribuído pelos tecidos corporais. Sua farmacocinética dependerá da sua
solubilidade relativa no sangue e na gordura corporal.

O parâmetro utilizado para medir seu efeito será a concentração


alveolar média (CAM), já que uma medida da concentração do fármaco no
SNC é impossível de ser obtida. Quanto menor a CAM, maior será a potência
de um anestésico geral inalatório e vice-versa.

Para garantir a rápida indução e recuperação de um paciente, é


necessário observar algumas propriedades do fármaco e fatores fisiológicos do
paciente, que são:

Propriedades dos fármacos:

▪▪ Coeficiente de partição sangue-gás: reflete a solubilidade do


fármaco no sangue; quanto menor este coeficiente, mais rapidamente
um anestésico será capaz de induzir e recuperar o paciente quando
for retirada a medicação.
▪▪ Coeficiente de partição óleo-gás: reflete a capacidade de o fármaco
difundir pelos lipídios; está relacionado com a potência do anestésico
e a velocidade de recuperação do paciente, de forma que, quanto
maior este coeficiente, mais lipossolúvel é o fármaco e maior será sua
potência, o que retardará a recuperação do paciente, também devido
a redistribuição deste fármaco pelos tecidos menos irrigados.

Fatores fisiológicos do paciente:

▪▪ Taxa de ventilação alveolar: afeta a velocidade de equilíbrio dos


anestésicos inalatórios. Quanto maior a taxa de ventilação alveolar,
mais rapidamente ocorrerá o equilíbrio.
▪▪ Débito cardíaco: pode alterar o fluxo sanguíneo pulmonar. Se
o débito cardíaco aumentar, a quantidade de fármaco no sangue

36 Farmacologia Básica
aumentará, mas sua distribuição por todos os tecidos corporais (e
não somente no SNC) também será aumentada, fazendo com que
a indução da anestesia seja mais demorada.

A fase de recuperação vai depender da velocidade com que o fármaco


se distribui, saindo do SNC e que ele será eliminado do organismo. Sua saída
do SNC vai variar de acordo com o fluxo sanguíneo pulmonar, a magnitude
da ventilação e a solubilidade do anestésico nos tecidos. O aumento do fluxo
sanguíneo pulmonar acelera a distribuição dos anestésicos, fazendo com que
eles saiam mais rapidamente do SNC. O aumento da ventilação levará a uma
diferença de pressão parcial do fármaco no sangue e alvéolo, fazendo com
que sua eliminação acelere. A lipossolubilidade do anestésico pode acelerar
sua distribuição para tecidos menos perfundidos, o que pode lentificar a fase
de recuperação.

O halotano é um fármaco de alta potência, mas a velocidade de


indução e de recuperação é limitada pelo seu alto coeficiente sangue – gás,
indicado para anestesia pediátrica em razão do odor agradável e baixo risco
de hepatotoxicidade em crianças, diferente dos adultos. Os pacientes devem
ser observados quanto ao risco de hipertemia maligna que este fármaco pode
desencadear no paciente.

Isoflurano e enflurano são menos potentes que o halotano, mas


promovem indução e recuperação do paciente mais rápidas. Deve-se ficar
atento ao risco de nefrotoxicidade do enflurano, pois sua metabolização leva à
liberação de fluoreto, tóxico para os rins.

O NO promove rápida indução e recuperação da anestesia, mas sua


potência é baixa e é necessária uma pressão muito grande de fármaco, que, na
prática clínica, é inviável. Portanto, este fármaco só é utilizado em associação
com outros anestésicos inalatórios para acelerar o período de indução nos
casos em que os anestésicos inalatórios demorem a exercer este efeito.

O desflurano e o sevoflurano promovem rápida indução e recuperação


da anestesia, são mais potentes que o NO e menos que o halotano. Infelizmente,
o desflurano causa irritação das vias aéreas, levando o paciente à tosse ou ao
laringoespasmo e o desflurano é metabolizado em um composto nefrotóxico.

Farmacologia Básica 37
O mecanismo de ação desses fármacos ainda não é bem esclarecido.
Sabe-se que há um aumento da inibição da comunicação entre neurônios
no SNC, seja pelo aumento da inibição sináptica ou por diminuição da
neurotransmissão excitatória. Os receptores ionotrópicos são os principais
alvos destes fármacos que podem agir por aumentar a transmissão inibitória,
seja elevando a permeabilidade, do cloreto através de receptores GABAA ou
de glicina, ou de potássio, hiperpolarizando os neurônios tornando mais
difícil sua despolarização, ou pela inibição de receptores excitatórios como os
nicotínicos para acetilcolina, receptores NMDA e AMPA para glutamato e
receptores 5-HT3 e 5-HT2 para serotonina.

Saiba Mais
Anestésicos gerais agem sobre sinapses inibitórias e excitatórias, aumentando a atividade
dos neurotransmissores inibitórios, como GABA e glicina, sobre seus receptores gabaérgicos
e glicinérgicos, também aumentando abertura dos canais de potássio,
e inibindo a atividade dos neurotransmissores excitatórios, como a
acetilcolina, glutamato e serotonina sobre seus receptores nicotínicos,
NMDA, AMPA e cainato e 5-HT3 e 5-HT2. Você pode entender melhor
essa ação na figura 25.1 do livro Farmacologia básica e clínica. Para
acessar este conteúdo, é necessário fazer login no Portal Unigranrio e
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estar com a Minha Biblioteca aberta.

3.1.2 Anestésicos Intravenosos


Os anestésicos intravenosos são fármacos lipossolúveis, amplamente
utilizados por promover rápida indução e recuperação da anestesia, que ocorre
em razão da redistribuição deles para tecidos menos perfundidos, com uma
duração de ação semelhante quando administrados em dose única. Como não
são fármacos ideais, são administrados em combinação.

O propofol é o fármaco mais utilizado para compor o coquetel


anestésico. É um sedativo/hipnótico, sem propriedades analgésicas, formulado
como emulsão, no qual a solução tem aspecto branco leitoso e é ligeiramente
viscosa. Essa apresentação do fármaco pode desencadear reações alérgicas em
pacientes mais susceptíveis.

38 Farmacologia Básica
É um fármaco que age sobre os receptores gabaérgicos, promovendo o
aumento da abertura do canal de cloreto, maior entrada deste íon no neurônio
e sua hiperpolarização, deixando os neurônios menos despolarizados.

Seu metabolismo ocorre principalmente extra-hepático e a recuperação


da anestesia é rápida e completa, evitando o efeito “ressaca” que a maioria dos
anestésicos apresentam. É um fármaco que reduz a pressão intracerebral, e a
pressão arterial, diminuindo a pré e pós-carga. É um depressor respiratório
e pode provocar apneia durante a indução da anestesia e fasciculações▪
pós-anestésico. Apesar de tudo, o fármaco ainda tem efeito antiemético, o
que é desejável para o paciente.

Em razão das reações alérgicas e da dor no local da injeção causadas pelo


propofol na forma de emulsão, a indústria farmacêutica criou o fospropofol,
um pró-fármaco hidrossolúvel, existente como uma solução que não causa
efeitos indesejados da emulsão. Essa molécula é rapidamente metabolizada a
propofol, que tem o efeito anestésico.

O tiopental é um barbitúrico extremamente lipossolúvel que tem ação


muito curta graças à rápida saída do SNC e à redistribuição nos tecidos menos
perfundidos, que determina o término da sua ação. Tem ação anestésica potente,
mas pouca ação analgésica. É um fármaco menos utilizado que o propofol,
que pode causar apneia, tosse, espasmos da parede torácica, laringoespasmo
e broncoespasmo. Age nos receptores gabaérgicos aumentando a potência do
GABA, a inibição neuronal e inibe os receptores glutamatérgicos AMPA,
potencializando a inibição do SNC.

Os benzodiazepínicos são fármacos classificados como ansiolíticos,


mas que podem induzir anestesia, com a vantagem de produzirem
ansiólise, efeito sedativo e amnésia (que pode ser vantajoso dependendo do
procedimento a ser realizado). Os fármacos mais utilizados do grupo são
o midazolam, diazepam e lorazepam. São fármacos relativamente seguros,
mas que, quando associados a depressores do SNC, como os outros
anestésicos, podem se tornar perigosos e causar depressão respiratória
intensa. Felizmente, existe um antagonista desse grupo, o flumazenil
(lanexat), que é capaz de reverter os efeitos dos benzodiazepínicos e pode
acelerar o período de recuperação do paciente.

Farmacologia Básica 39
Esses fármacos agem por potencializar a ação do GABA pelo
receptor GABAA, aumentando a permeabilidade neuronal ao cloreto,
hiperpolarizando-o, o que aumenta a inibição do SNC.

Os opioides também podem ser utilizados como anestésicos gerais,


pois inibem o SNC, além de promover analgesia. Os fármacos do grupo mais
utilizados são a fentanila, sulfentanila e remifentanila, que têm início de
ação mais rápida, acelerando a fase de indução. Apesar da vantagem do efeito
analgésico, estes fármacos podem causar hipotensão, depressão respiratória e▪
rigidez muscular, bem como náuseas e êmese pós-anestésicos.

O etomidato é um fármaco hipnótico que não tem efeito analgésico,


assim como o propofol, porém seus efeitos cardiovasculares são mínimos, o
que o torna uma excelente escolha para uso em pacientes que têm doença
coronariana ou disfunção cardiovascular (por exemplo, pacientes em choque).
Infelizmente, esse fármaco pode reduzir a concentração plasmática de cortisol
e aldosterona no paciente. Além disso, o fármaco pode causar dor venosa no
local de injeção e fasciculações.

Por fim, o anestésico cetamina, um antagonista dos receptores


para glutamato do tipo NMDA, que induz a um estado dissociativo de
inconsciência no qual o paciente parece acordado, sem sentir dor, produz
sedação, amnésia e imobilidade. Diferente dos demais anestésicos, este fármaco
produz estimulação cardíaca com aumento da pressão arterial e do débito
cardíaco, tornando-o ideal para uso em pacientes em choque hipovolêmico
ou cardiogênico e asmáticos. Infelizmente, este fármaco promove alucinações
pós-anestesia, devido ao aumento do fluxo sanguíneo cerebral.

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Síntese
A dor é uma resposta subjetiva e complexa do organismo, que ocorre
em razão de um estímulo nocivo ou não e pode ter diversas etiologias, nem
todas bem esclarecidas. Seu tratamento não é menos complexo, pois o arsenal
terapêutico para garantir a analgesia é muito grande.

Os fármacos anti-inflamatórios são a primeira linha de defesa contra


a dor, com efeito analgésico menor, mas que promovem um combate à
inflamação. Os AINES são os fármacos mais utilizados sem prescrição por um
profissional de saúde, o que pode mascarar uma doença primária na qual um
dos sintomas seja a dor. Além disso, eles não são isentos de contraindicações,
um aspecto não observado pelos pacientes.

Os analgésicos opioides apresentam uma grande preocupação mundial,


pois são fármacos que causam dependência e seu uso abusivo tem aumentado
muito. As diretrizes para o uso desses fármacos, para tratamento da dor
crônica, têm mudado graças a dados da OMS, que mostraram que cerca de 70
milhões de pessoas morrem por overdose dessas drogas.

Os anestésicos são fármacos de uso mais restrito, mas que podem


deprimir o SNC, por isso seu uso deve ser bem estudado.

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Referências
GOLAN, D. E. et al. Princípios de farmacologia: a base fisiopatológica da
farmacologia. 3 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan LTDA., 2014.

KATZUNG, Bertram G.; MASTERS, Susan; TREVOR, Anthony.


Farmacologia básica e clínica. 13 ed. Porto Alegre: AMGH, 2017.

MUNDO EDUCAÇÃO. Nervos. Disponível em: <https://mundoeducacao.


bol.uol.com.br/biologia/nervos.htm>. Acesso em: 21 set. 2018.

WHALEN, Karen; FINKEL, Richard; PANAVELIL, Thomas A.


Farmacologia ilustrada. 6 ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.

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