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Resenha crítica

Integrantes: Gabriele de Jesus e João Daniel Oliveira da Silva.


ÍCARO
Direção: Bryan Fogel

O documentário inicia contando a história de Bryan, um ciclista amador que


possui um objetivo: Provar que os exames antidoping podem ser burlados e que o
sistema de testes não funciona. Para isso, ele decide se preparar para uma prova de
ciclismo que ele mesmo define como “a competição de ciclismo amadora mais difícil do
planeta” a corrida ocorre nos alpes franceses, tem duração de sete dias e é chamada de
“Haute Route”. Porém, para provar seu ponto de vista, nesta preparação Bryan decide
fazer utilização de drogas proibidas para melhorar seu desempenho e tentar burlar o
exame antidoping promovido pela federação que organiza a competição.
Por não possuir conhecimento para lidar fazer isso sozinho Bryan busca ajuda de
profissionais, e encontra “Grigory Rodchenkov”, ex-diretor do laboratório nacional de
antidoping russo, que decide ajudá-lo nesta empreitada. Grigory acompanha Bryan em
seu “ciclo”, linguagem utilizada quando um atleta usa esteroides. As drogas utilizadas
são: Propionato de Testosterona, HCG e eritropoetina.
A testosterona é o principal hormônio produzido nos testículos, de caraterística
androgênica, seu objetivo é desenvolver e sustentar as características sexuais
secundárias masculinas. É produzido também pelas mulheres, em menor quantidade,
com o objetivo de ser um percursor na produção de estrogênio pelo ovário. O uso
endógeno da testosterona pode melhorar o desempenho atlético de homens e
mulheres, estimulando o aumentando da massa muscular e reduzindo a gordura
corporal. Provavelmente também atua em regiões específicas do cérebro aumentando
a agressividade e a motivação para a competição (WOOD; STANTON, 2012), por conta
disso, esta substância integra o “hall” de substâncias proibidas pela Agência Mundial
Antidoping, da sigla em inglês “WADA”, sendo seu uso no esporte caracterizado como
doping. A droga escolhida para Bryan foi o “propionato de testosterona”, caracterizada
por ser a forma injetável da testosterona modificada pela adição de um éster de
proporcionado que dá a ela uma ação mais lenta que a testosterona original.
Normalmente utilizada para ganhos rápidos e grandes de força e massa muscular.
Entretanto, sua administração é dolorosa devido a sua estrutura que causa irritação
tecidual e requer múltiplas aplicações semanais (CÂMARA, 2018), algo que Bryan sentiu
na pele com os hematomas em suas coxas e os sangramentos em suas nádegas. Junto
com o propionato de testosterona é feita a administração de “gonadotrofina crônica
humana” também conhecida como “HCG”, uma glicoproteína produzida pelas mulheres
na gravidez, possui uma ação estimulante de testosterona nos testículos masculinos e
de progesterona e estradiol nos ovários femininos, utilizada para normalizar os níveis de
produção de testosterona testicular que é interrompida durante a utilização de
esteroides anabólicos por longos períodos (STENMAN et al, 2008) e para tratamentos
envolvendo a fertilidade a fim de evitar a atrofia testicular, que é um dos efeitos do uso
continuado de anabolizantes. (CÂMARA, 2018) No documentário, Bryan inicia as
aplicações de maneira subcutânea e depois começa a fazer aplicações intramusculares.
A última droga utilizada é a eritropoetina, que é uma glicoproteína que promove
a produção de glóbulos vermelhos no sangue, que está diretamente ligada a quantidade
de hemoglobina no sangue, a hemoglobina transporta o oxigênio e é um fator
determinante da potência aeróbia. (LANFRANCO; STRASBURGER, 2016) Entretanto, no
desenrolar do documentário descobre-se que todo o esforço de Bryan foi em vão,
devido ao fato de que na competição escolhida por ele, o antidoping era apenas uma
fachada e os atletas não eram de fato testados antes da competição. A partir daí, o real
objetivo do documentário se revela, Bryan, na verdade, é o diretor do documentário e
usa sua história para introduzir Grigory Rodchenkov, que o acompanhava até então.
Grigory é pivô de um grande escândalo envolvendo doping da federação russa nas
olimpíadas. Foi descoberto uma enorme conspiração russa em dopar seus atletas com
patrocínio do governo, as ordens vinham do próprio presidente da nação, Vladmir Putin.
Seu objetivo era mostrar ao mundo que os atletas russos são superiores com suas
conquistas de medalhas de ouro, isso também fazia com que sua popularidade subisse
com o povo, logo, o esporte dava a ele mais poder político. Mas o documentário revela
que essa cultura vem muito antes do governo do atual mandatário. Há relatos de que
isto ocorria desde os anos 80. Como Grigory era o diretor do laboratório russo, todas as
amostras de urina dos atletas russos, que é a metodologia utilizada para análise
laboratorial, passavam por ele, ele ajudava no esquema de fraude dos testes russos.
Grigory afirma que durante as olimpíadas de Londres em 2012, 50% da federação
russa fazia utilização de alguma substância proibida. A manipulação era feita através da
falsificação de urina, colocando uma urina antiga para teste e da adição de cloreto de
sódio na mesma. Os atletas forneciam a utilização de uma urina limpa antes de
utilizarem as drogas, essa urina era armazenada pelos membros do governo russo e
depois eram trocadas pela urina “suja” que era coletada pelos agentes da WADA e assim
todos os testes davam sempre negativo. Grigory entregou todo o esquema, com provas
concretas e teve que fugir da Rússia temendo por sua vida. Ele suspeitava que o
falecimento de seu amigo Nikita Kamaev, também envolvido no esquema, não era
coincidência e acreditava que ele poderia ser o próximo. O governo russo é famoso por
boatos de que assassina pessoas envolvidas em situações que possam comprometer o
governo, para “queimar arquivo” a fim de que a informação não vaze. Após o desenrolar
do caso, a WADA fez pressão para banir a Rússia de todas as competições esportivas.
Entretanto, o comitê olímpico optou por uma decisão mais branda e foi contrário ao
banimento. No fim das contas, o governo russo nunca admitiu as acusações e a história
foi varrida para debaixo do tapete uma vez que a Rússia sediou a copa do mundo de
2018 logo em seguida.
Nitidamente o sistema de controle de doping é falho, se a Rússia fez isso todo
este tempo, nada impede que outras federações estejam fazendo o mesmo. Neste
sentido a discussão a respeito do doping no esporte torna-se puramente ética e moral.
Usualmente assume como certo que o uso de drogas de desempenho é antiético pelo
fato de buscar recurso não natural para aumentar a performance, a argumentação
utilizada é de que é necessário respeitar a legislação existente contra o doping, o outro
argumento é de que as drogas de desempenho fazem mal a saúde e o último é de que
a competição se torna desigual pois o atleta potenciado é favorecido (COSTA et al, 2005).
Esses argumentos claramente não se sustentam, com esse escândalo ficou ainda mais
evidente o que muita gente já suspeitava: Os exames antidoping não são confiáveis! O
esporte de alto rendimento leva o atleta a testar os seus limites o tempo inteiro, com
drogas ou não, a opção profissional é incompatível com o estilo de vida equilibrado e
sem stress. (COSTA et al, 2005). A propósito, isto é algo que nos é salientado desde o
primeiro semestre de faculdade, que esporte de alto rendimento não é saudável e nunca
vai ser, com recursos ergogênicos ou não! Costa et al(2005) ainda argumenta,
completando que a tentativa de controlar o doping apenas aumenta as ocorrências, o
sistema que permite o burlamento das regras por determinados atletas de fato favorece
quem usa, e é isso que torna a competição desigual e injusta. Foi o que ocorreu com o
comitê russo e que gerou tanta indignação. Além do mais, atletas estão cercados por
uma equipe multidisciplinar de médicos treinadores e nutricionistas que são altamente
competentes, durante o escândalo ficou evidente que o uso de drogas por atletas não é
inconsequente, é pensado para reduzir ao máximo os efeitos colaterais, até mesmo
Bryan, que é um atleta amador, foi bem orientado e utilizou “HCG” para evitar possíveis
efeitos colaterais. Logo, se o objetivo é promover justiça nas competições, e o sistema
atual claramente não funciona, por que não largar a falsa moralidade liberar logo o uso
das drogas de desempenho para todos? Eis aí a pergunta que não quer calar!

Referências

Netflix: Icaro.

Wood RI, Stanton SJ. Testosterone and sport: current perspectives. Horm Behav. 2012
Jan;61(1):147-55. doi: 10.1016/j.yhbeh.2011.09.010. Epub 2011 Oct 1. PMID: 21983229;
PMCID: PMC3264812.

Jelkmann W. Erythropoietin. Front Horm Res. 2016;47:115-27. doi: 10.1159/000445174.


Epub 2016 Jun 27. PMID: 27348128.

Stenman, U. H., Hotakainen, K., & Alfthan, H. (2008). Gonadotropins in doping:


pharmacological basis and detection of illicit use. British journal of
pharmacology, 154(3), 569–583. https://doi.org/10.1038/bjp.2008.102

CÂMARA, L C. Esteroides Anabólicos Androgênicos: Conceitos fundamentais. 1ª Ed. São


Paulo. Lura Editorial. 2018.

COSTA, F S; BALBINOTTI, M A ; SANTOS, L; BARBOSA, M; JUCHEM, L; DOPING NO


ESPORTE PROBLEMATIZAÇÃO ÉTICA. Rev. Bras. Cienc. Esporte, Campinas, v. 27, n. 1, p.
113-122, set. 2005

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