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Edi ção nº 1 2 | Out ubro /2 02 2

APRESENTAÇÃO

Editorial boletim especial

Um alerta geral para a saúde do jovem atleta nos motiva de forma ur-
gente para este Boletim Especial, no qual nos honra com o comparti-
lhamento de conhecimentos o Doutor Ricardo A. Oliveira, médico
endocrinologista e membro da Comissão de Autorização de Uso Te-
rapêutico (CAUT) ABCD. Algumas denúncias fizeram a ABCD traçar
um plano multissetorial com foco nessa substância, afinal o propósito
primordial da Política Universal Antidopagem é garantir o direito fun-
damental dos atletas de participar de competições livre de dopagem
e proteger a saúde, justiça e igualdade para atletas em todo o
mundo. Some-se que a premissa é que a educação seja a primeira
experiência do atleta antes da testagem.

Este boletim é uma ação de informação e educação de acesso irres-


trito aos quatro cantos do nosso Brasil. Portanto, se você é atleta, em
qualquer nível de desenvolvimento, e se você é familiar de atleta, ou
amigo de atleta, ou uma pessoa de apoio ao atleta, i.e., um profissio-
nal do esporte, é para você ler e entender, se informar, se precaver,
cooperar. Serve a todas os envolvidos com o esporte, porém espe-
cialmente àqueles esportes que têm início de carreira bem cedo,
antes mesmo da adolescência, ainda na infância, e que exigem uma
potência muscular e um condicionamento de alto impacto.

Sabemos o quanto é difícil para um jovem atleta se desenvolver na


sua modalidade esportiva sem se comparar. Por outro lado, sabemos
que cada indivíduo é um ser único, dotado de habilidades e capaci-
dades. Hoje sabemos mais fundamentadamente que boa parte de
um resultado esportivo de sucesso, uma conquista mesmo, depen-
de preponderantemente do treinamento de qualidade.

Sabemos ainda que a carreira esportiva de um atleta pode ser longe-


va a depender dos cuidados que ele tenha consigo mesmo. Esses
cuidados envolvem tudo o que ele irá permitir que entre em seu or-
ganismo. Sabemos, contudo, que esse atleta por vezes é muito
jovem para discernir o tamanho do risco do que irá ingerir ou não e,
por isso, é influenciável, em geral por aquele apoio mais próximo, seja
pai, mãe, treinador ou médico. Por isso, o alerta.

Desejamos que as palavras do Dr. Oliveira possam se propagar por


toda a comunidade esportiva, de modo que os atletas enxerguem
que eles podem e devem sonhar com a medalha no peito e que ela
poderá vir e marcar para sempre sua história esportiva e de vida,
como fruto do seu treinamento, dedicação e habilidades desenvolvi-
das ao longo de sua carreira, apoiada por sua família e profissionais
comprometidos com a ética. Se vier de forma artificial e violar as
regras antidopagem, a tal conquista, materializada na medalha, por
vezes nem chegará a ficar à mostra no peito, e eventualmente não
haverá outra oportunidade, seja pela interrupção da carreira esporti-
va pela dopagem, seja pelas consequências à saúde, deixadas pelo
uso de substâncias/métodos da Lista Proibida para atletas.

Boa leitura. Boa conduta. Jogo Limpo a todos!

Luisa Parente
Secretária Nacional da ABCD

Hormônio de crescimento (GH) para


fins estéticos e dopagem: risco do uso
inadvertido de hormônios
Cada vez mais, o desejo do corpo perfeito e do desempenho esporti-
vo máximo vem ganhando espaço entre atletas em qualquer nível
competitivo. Muitas vezes, em uma busca desenfreada por esses ob-
jetivos, atletas recorrem ao uso de substâncias e métodos proibidos,
com riscos importantes à saúde, alguns conhecidos e outros (sobre-
tudo a longo prazo) desconhecidos. No âmbito desportivo, um atleta
pode inclusive ter sua carreira interrompida precocemente diante da
possibilidade de um teste antidopagem apresentar um resultado
analítico adverso (RAA), conhecido como resultado positivo para do-
pagem. A dopagem pode ser vista como uma “trapaça” no âmbito
desportivo, na realidade é tão antiga quanto o próprio esporte (Irwig
MS et al, 2020).

O hormônio do crescimento (GH), sigla oriunda de seu nome em


inglês (Growth Hormone), ganhou maior popularidade e interesse da
comunidade científica após a desclassificação do medalhista de ouro
olímpico Ben Johnson na prova dos 100 metros rasos nas Olimpíadas
de Seul, 1988. Naquela oportunidade, o canadense bateu o rival nor-
te-americano Carl Lewis, assombrando o mundo com o novo recorde
mundial da prova com o tempo de 9s 79. Dois dias depois, diante da
divulgação de estanozolol (esteroide anabolizante) e também de GH
no seu teste antidopagem, perdera, então, a medalha de ouro, tendo
sido banido do esporte por dois anos. Com isso, a popularidade do
GH como substância proibida no esporte não parou de crescer, so-
bretudo porque naquele momento essa substância não era detectá-
vel pelos laboratórios e métodos disponíveis à época. Não foram
poucos os casos de outros atletas sancionados pelo uso de outras
substâncias que acabavam por também confessar o uso concomi-
tante de GH e até mesmo casos de inúmeras caixas e embalagens
detectadas nos cenários de diversas competições internacionais
(Holt RIG & Ho KKY, 2019).

Como e onde é produzido o GH?


O GH é produzido pela porção anterior da glândula hipófise e tem nas
crianças a principal função de estimular as cartilagens de crescimen-
to para que haja crescimento dos ossos levando a ganho de estatura.
O GH é produzido e secretado de uma forma episódica, ou seja, atra-
vés de picos ao longo do dia, sendo que 2/3 de sua produção ocorre
no período da noite durante o sono profundo. Durante mais de ½ do
dia, os níveis de GH se apresentam indetectáveis no sangue, de
modo que a dosagem sanguínea de GH não se mostra útil para se
avaliar esse eixo hormonal, salvo em raras exceções. Através de téc-
nicas de engenharia genética, o GH é produzido para uso terapêutico
em condições clínicas específicas, sendo o caso do GH humano re-
combinante. A quantidade de GH produzida não é também linear ao
longo das diversas fases da vida, atingindo um pico na puberdade e
declinando progressivamente após a 3ª década de vida. As mulhe-
res, por sua vez, produzem 50% mais GH que os homens (Holt RIG &
Ho KKY, 2019).

Efeitos do uso do GH sobre o desempenho físico


Não obstante o fato de que a deficiência de GH promove uma piora
da composição corporal desses indivíduos e a sua adequada reposi-
ção promove uma melhora de massa magra e redução de massa
gorda, o seu uso em indivíduos sem deficiência promove ganhos
bem mais modestos. No quesito força muscular, à semelhança do
impacto sobre a composição corporal, o uso de GH trouxe benefícios
mais expressivos apenas em indivíduos com a deficiência desse hor-
mônio. No que diz respeito à potência física, essa pode ser avaliada
através da capacidade aeróbica e anaeróbica máxima. Em estudo
científico, Siebert DM & Rao AL (2018) mostraram que, em relação à
capacidade aeróbica máxima, o uso do GH em esportistas não foi su-
perior ao placebo. Enquanto isso, o uso do GH promoveu melhora de
3.8% da capacidade anaeróbica máxima, aferida através do teste de
Wingate, que é um teste de esforço cardiopulmonar. Traduzindo para
variáveis esportivas, essa melhora significa algo em torno de 0.4s
numa prova de atletismo de 100 metros rasos ou 1.2 segundos em
uma prova de 50 metros de natação. Ou seja, algo talvez trivial ou
inexpressivo para um indivíduo não-atleta, mas que pode significar
uma diferença brutal num ambiente de competição esportiva. Desta-
ca-se que essa melhora ocorreu de modo indepedente ao ganho de
massa muscular (Siebert DM & Rao AL, 2018).

Em avaliação de capacidade anaeróbica máxima pelo Teste de Win-


gate muitos estudos apontam que o uso de GH em indivíduos sem
deficiência do mesmo (ou seja, sem indicação médica) melhora a ca-
pacidade de sprint (capacidade anaeróbica máxima) sem afetar força
muscular ou capacidade aeróbica em atletas avaliados sob as
mesmas condições. Em outras palavras, atividades ou modalidades
esportivas que o componente capacidade anaeróbica máxima é im-
portante terão vantagem competitiva do uso do GH, ferindo um dos
pilares da dopagem no esporte (Siebert DM & Rao AL, 2018).

Detecção do uso proibido de GH

A detecção do GH não é simples por uma série de razões:

O GH recombinante humano (GHrh), como o utilizado com a formu-


lação comercial de GH, tem uma estrutura molecular idêntica ao
GH endógeno (natural)

O GH rh tem uma meia-vida curta

A secreção de GH é pulsátil, apresentando picos e vales ao longo do


dia, reduzindo as chances de testagem em um momento de pico.

Exercício e estresse, situações nas quais a testagem ocorre, são po-


tentes estimuladores da secreção de GH

Existem dois métodos aprovados pela Agência Mundial Antidopa-


gem (AMA-WADA) para a detecção do uso proibido de GH por atle-
tas. São eles: Método Isoforma e o Biomarcador. O método Isoforma
foi o primeiro a ser validado pela AMA-WADA e começou a ser utiliza-
do nos Jogos Olímpicos de Atenas 2004. No entanto, foi indicada uma
baixa acurácia do método em identificar a substância. A meia-vida
curta do GHrh faz com que a janela de oportunidade para a realiza-
ção do teste antidopagem no atleta seja bem estreita. O método Bio-
marcador foi introduzido apenas a partir dos Jogos Olímpicos de Lon-
dres 2012 e se baseia na dosagem de fator de crescimento seme-
lhante à insulina tipo 1 (IGF-I) e peptídeo procolágeno tipo III (PIII-NP),
uma vez que ambas aumentam após administração de GHrh e pode
permancer muito mais tempo após adminsitração dessa substância
(Holt RIG & Ho KKY, 2019).

Passaporte biológico do atleta


O desenvolvimento do chamado Passaporte Biológico do Atleta
(PBA) se refere a uma abordagem mais contemporânea que surge
como uma ferramenta adicional no combate à dopagem. Com base
nas características fisiológicas individuais e seu determinado padrão
ao longo do tempo, é possível identificar alterações de parâmetros
laboratoriais habituais e, com isso, levantar a suspeita do uso de
alguma susbtância proibida para atletas. A introdução do módulo he-
matológico em 2009, por exemplo, resultou na identificação de mais
de 100 resultados analíticos adversos num período entre 2008-2010.
O módulo esteroidal, por sua vez, foi incluído em 2014. No caso do
GH, a monitorização dos níveis de IGF-I e PIII-NP constituem a base
do painel de acompanhamento e se encontra em construção (Holt
RIG & Ho KKY, 2019).

Indicações médicas para o uso de GH


Entretanto, apesar de todo o exposto acima, o uso de GH pode apre-
sentar uma indicação lícita para pacientes específicos. De acordo
com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Deficiência de
Hormônio do Crescimento – Hipopituitarismo do Ministério da Saúde
(2018), a reposição de GH encontra-se indicada para crianças e ado-
lescentes com déficit de crescimento e deficiência comprovada de
GH, através de dois testes específicos de estímulo que são conside-
rados exames confirmatórios. Em adultos, a reposição também en-
contra-se indicada em caso de deficiência hormonal comprovada,
mas é necessário, ainda, a presença das seguintes situações: baixa
densidade mineral óssea; dislipidemia; prejuízo no exercício das ativi-
dades habituais, atestado pelo médico (Protocolo Clínico e Diretrizes
Terapêuticas para Deficiência de Hormônio do Crescimento, 2018).
Dessa forma, assim como ocorre com outras substâncias proibidas
pela AMA-WADA, é importante mencionar o papel da Autorização do
Uso Terapêutico (AUT). Todo médico que se depara com um paciente
atleta deve ficar atento se alguma das medicações prescritas a ele
não faz parte da lista de substância proibidas pela AMA-WADA, a
qual é atualizada anualmente. Caso o médico assistente entenda que
o uso de uma dessas substâncias é a única disponível para o trata-
mento de uma determinada condição clínica, ele deverá solicitar
uma AUT. Essa, cujo modelo encontra-se disponível no site da Auto-
ridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), deverá ser preen-
chida e encaminhada à ABCD. A solicitação será, então, examinada
por comissão médica, de acordo com a especialidade médica em
questão, e, então, será aprovada ou não. Só após a AUT emitida o
atleta deve tomar o medicamento que possui substância presente na
lista proibida.

Posicionamento da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Me-


tabologia (SBEM)
Posicionamento recém-publicado (Setembro/2022) sobre o uso de
esteroides anabolizantes e outros hormônios para fins estéticos ou
para ganho de desempenho esportivo reitera que o uso dessas subs-
tâncias para esses fins é desprovido de qualquer base científica e é
acompanhado de riscos para a saúde bem descritos na literatura,
justificando a proibição de seu uso nesses casos pelo Conselho Fe-
deral de Medicina por meio da Resolução no 1999/2012. Os vários
riscos resultantes da abusiva aplicação off label e anti-ética desses
agentes são desconsiderados em prol de um mercado extremamen-
te lucrativo, que guarda similaridades com o comércio e tráfico de
drogas ilícitas e armas, envolvendo inclusive contrabando e manipu-
lação em laboratórios clandestinos (SBEM, 2022).

Concluindo, apesar de uma clara evolução dos métodos de identifica-


ção do uso de GH nos testes antidopagem, a partir de dados genéri-
cos oriundos de texto de revisão, foi identificado que a taxa de detec-
ção permanece bem abaixo da taxa real presumida do uso dessa
substância por parte de atletas. Torna-se fundamental uma melhora
da acurácia dos métodos utilizados. A implantação do chamado Pas-
saporte Biológico do Atleta (PBA) se apresenta como mais uma alter-
nativa que promete aumentar a acurácia de detectação dessa e
outras substâncias proibidas. Por fim, o sucesso dos programas anti-
dopagem para a detecção de GH e outras substâncias deve fazer
parte de múltiplos setores da sociedade com a participação das insti-
tuições oficiais para o controle do tema, e com medidas de educação
dos profissionais de saúde e diversos extratos da população, incluindo
crianças e adolescentes, ou seja, educação e conhecimento para a
população em geral, para a pessoa de apoio ao atleta e para o atleta.

Referências
Irwig MS et al.. Off-label use and misuse of testosterone, growth hormone, thyroid hormo-
ne, and adrenal supplements: risks and costs of a growing problem. Endocr Pract. 2020
Mar;26(3):340-353.
Holt RIG & Ho KKY. The Use and Abuse of Growth Hormone in Sports. Endocr Rev. 2019
Aug 1;40(4):1163-1185.
Siebert DM & Rao AL. The Use and Abuse of Human Growth Hormone in Sports. Sports
Health. 2018 Sep/Oct;10(5):419-426.
Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Deficiência de Hormônio do Crescimento
– Hipopituitarismo – Relatório de Recomendação. Comissão Nacional de Incorporação de
Tecnologia do SUS (CONITEC). Março 2018. Acessado em: https://www.gov.br/conitec/p-
t-br/midias/relatorios/2018/reco-
mendacao/relatorio_pcdt_deficienciadohormoniodocrescimento_351.pdf
Posicionamento: Uso de Esteroides Anabolizantes. Sociedade Brasileira de Endocrinolo-
gia e Metabologia (SBEM). Setembro 2022. Acessado em: https://www.endocrino.org.br/-
noticias/posicionamento-uso-de-esteroides-anabolizantes/2022.

*Este artigo não expressa necessariamente a opinião da Autoridade Brasileira de Controle


de Dopagem (ABCD)

Ricardo A. Oliveira
Médico Endocrinologista
Membro da Comissão de Autorização
de Uso Terapêutico (CAUT) ABCD

@rededoesporte

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