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MARCOS GRANCONATO

PEQUENO MANUAL DE
DOUTRINAS BÁSICAS

Ilustrações de Leandro Boer

São Paulo
2014
Copyright © 2014 por Marcos Granconato
Publicado pela Hermeneia Editora

Todos os direitos reseevados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998

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editora@hermeneia.com.br

_________________________________________________________

Granconato, Marcos

Pequeno manual de doutrinas básicas / Marcos Granconato – São Paulo:


Hermeneia, 2014.

5ª Edição Revista e Ampliada

ISBN-13
978-1502738844

ISBN-10
1502738848
_________________________________________________________

Ilustrações: Leandro Boer


Revisão: Simone Matias
Diagramação: Presto Produção e Comunicação

Publicado no Brasil com todos os direitos reservados pela:


Hermeneia Editora Ltda
www.hermeneia.com.br
A Carlos Osvaldo Cardoso Pinto (in memoriam),
o grande professor que se tornou amigo;
e a Thomas Tronco dos Santos,
o grande amigo que se tornou professor.
Índice
Apresentação 7

Capítulo 1
A Doutrina Acerca das Escrituras 9

Capítulo 2
A Doutrina Acerca de Deus 19

Capítulo 3
A Doutrina Acerca de Cristo 31

Capítulo 4
A Doutrina Acerca do Espírito Santo 41

Capítulo 5
A Doutrina Acerca do Homem 55

Capítulo 6
A Doutrina Acerca do Pecado 63

Capítulo 7
A Doutrina Acerca da Salvação 73

Capítulo 8
A Doutrina Acerca da Igreja 87

Capítulo 9
A Doutrina Acerca dos Anjos 101

Capítulo 10
A Doutrina Acerca das Últimas Coisas 111

Referências
APRESENTAÇÃO
Embora contenha a Santa Escritura uma doutrina
perfeita, a que nada se pode acrescentar, pois que
aprouve a Nosso Senhor revelar os infinitos tesouros de
sua sabedoria, entretanto, a pessoa que não seja bastante
experimentada no seu manuseio e entendimento
necessita de certa orientação e ajuda, para saber que
deva nela buscar a fim de não vaguear incerta, ao
contrário, alcance rota segura que lhe faculte atingir
sempre o fim a que a convoca o Santo Espírito.

João Calvino, Institutas da Religião Cristã.


Prefácio à Edição Francesa de 1541

O famoso pai da igreja João Crisóstomo disse certa vez com a


propriedade que lhe era peculiar: “Quando a vida é corrompida, ela concebe
uma doutrina que combina com ela.” Certamente Crisóstomo não ficaria
indignado se eu de certo modo invertesse a sua máxima para afirmar outra
verdade do mesmo porte: “Quando a doutrina é corrompida, ela concebe uma
vida que combina com ela.”
Foi movido pela preocupação com esta última verdade que preparei, em
1987, este pequeno manual de doutrinas. Procurei produzir algo de fácil
compreensão, com várias ilustrações, a fim de que o conhecimento das
principais doutrinas da fé cristã não se tornasse propriedade de qualquer
número de pessoas que não representasse a totalidade dos membros da igreja.
Não ouso afirmar que atingi este propósito na íntegra, pois a sã doutrina, por
ser extremamente rica, nem sempre pode ser apresentada satisfatoriamente
com palavra superficiais.
De qualquer modo, eis aqui nosso manual. Sua ampla aceitação em
minha própria igreja me encorajou a levá-lo ao povo evangélico em geral,
chegando a ser produzido em quatro edições distintas e adotado como
material didático em várias igrejas, grupos de discipulado e seminários
teológicos espalhados pelo Brasil. Minha sincera expectativa é que esta nova
edição revista e ampliada seja ainda mais útil na trasmisssão da doutrina
cristã à igreja tão carente do nosso país.
De maneira nenhuma é meu intento apresentar este livro como algo
original. A própria ideia de preparar um livreto para o ensino dos crentes é
antiga na história da igreja cristã. Na verdade, já no século II, manuais de
ensino prático eram usados pelos cristãos sendo o Didaquê o exemplo
clássico disso.
A falta de originalidade em nosso livreto não se limita, contudo, à ideia
de prepará-lo, mas se estende também, e de modo necessário, ao seu
conteúdo. O que se encontra aqui é baseado nos diversos livros alistados na
bibliografia ao final, os quais devem ser consultados caso o estudante tenha o
desejo de se aprofundar mais no estudo da doutrina bíblica.
O que temos à mão é algo modesto. Apesar disso, é um trabalho que
requereu o auxílio de pessoas a quem eu sou grato. Dentre elas quero destacar
o nome do Pr. Thomas Tronco dos Santos que deu ao manual um formato
mais estético e didático. Também detaco o esforço do meu querido irmão na
fé Leandro Boer que preparou cuidadosamente cada uma das ilustrações,
sempre preocupado em fazer delas ferramentas eficazes para a apreensão e
memorização das verdades ensinadas. Eu sei que o Senhor recompensará o
trabalho dedicado desses homens.
É com bastante alegria que entrego o PEQUENO MANUAL DE
DOUTRINAS BÁSICAS aos evangélicos do nosso país, na esperança de que
ele possa ser usado, conforme disse um teólogo amigo, “em defesa da fé
histórica, atual e relevante”.

Marcos Granconato
Soli Deo gloria
CAPÍTULO 1
A DOUTRINA ACERCA DAS
ESCRITURAS
(Bibliologia)

Quando a Palavra de Deus é negligenciada, a religião pura


e verdadeira desaba. Quando ela desaba ninguém pode,
nem será salvo.

Erasmus Sarcerius (1501 - 1559)

Introdução
A Bíblia é a única base da doutrina cristã. Por isso, se o conceito
formulado sobre as Escrituras for errado, todas as outras doutrinas serão
afetadas de modo negativo.
Daí percebe-se a importância da concepção sadia da Bíblia. Quando ela
não é considerada do modo como exige, não pode servir de base para a
conservação da “sã doutrina” (Tt 2.1).

Intimamente ligada à doutrina está a vida diária do cristão. O


comportamento do crente deve ser um exemplo de doutrina posta em prática.
Portanto, se uma pessoa não tiver uma ideia correta acerca da Bíblia, isso
também influenciará o seu modo de andar.

Com efeito, a Bíblia deve ser para o cristão um manual de padrões para a
vida. Se não for assim, o homem estará à mercê dos seus próprios modos
errados e pecaminosos de pensar, os quais fatalmente o conduzirão à ruína.
Deve ser lembrado que há pessoas que, apesar de professarem um
conceito sadio da Bíblia, vivem em desacordo com isso. É claro que essas
pessoas envergonham o Evangelho. Suas vidas espirituais são um verdadeiro
fracasso.

A revelação
Revelação é, basicamente, o desvendamento de algo que era
desconhecido ou a manifestação de alguma coisa que estava escondida. No
contexto judaico-cristão essa palavra é usada para se referir à comunicação
que Deus faz de si mesmo e da sua vontade. Assim, em termos teológicos, a
revelação é um processo por meio do qual Deus desvenda ao homem seu
caráter e seus desígnios. O resultado desse processo também é chamado de
revelação.

Para fins de estudo, a revelação de Deus se divide em dois aspectos:

A revelação geral: Refere-se ao testemunho que Deus dá si mesmo a


todos os homens por meio da criação (Rm 1.19-20), da sua providência na
história (At 14.15-17) e da consciência humana (Rm 2.14-15). A revelação
geral alcança todos os homens em todos os lugares (Sl 19.1-6), mas não tem
conteúdo redentor. O máximo que ela faz é expor alguns atributos de Deus,
tornando os homens indesculpáveis por rejeitá-lo (Rm 1.20-23).

A revelação especial ou específica: Refere-se ao desvendamento do


caráter e do plano de Deus na história da redenção (Sl 78; 107), na pessoa de
Cristo (a expressão máxima da revelação – Jo 1.18; 14.9; Cl 1.15; 2.9; Hb
1.1-3) e nas Escrituras Sagradas (2Tm 3.16; 2Pe 1.20-21). A revelação
especial tem conteúdo salvífico, ou seja, é possível alguém compreender o
plano redentor de Deus por meio dela (2Tm 3.15). Contudo, ainda que
destinada a todos, a revelação especial alcança efetivamente um número
limitado de pessoas.

A inspiração
Conforme visto, a Bíblia compõe a revelação especial de Deus, tendo
sido inspirada por ele. Quando se diz que a Bíblia é inspirada por Deus, isto
significa que o Espírito Santo supervisionou aquilo que os autores bíblicos
escreveram nos autógrafos, isto é, nos escritos originais (as cópias não foram
inspiradas) de tal modo que eles o fizeram sem cometer qualquer erro.
Deus não ditou as palavras da Bíblia (apenas poucas partes foram
provavelmente ditadas – e.g., a Lei), nem tampouco os autores bíblicos
entraram em estado de êxtase para escrever os livros.

O que Deus fez na realidade foi mover (2Pe 1.21) ou dirigir os escritores
para que compusessem sua revelação usando suas personalidades, culturas e
faculdades mentais. Desse modo, pode-se dizer que Deus falou através do
homem (Mt 1.22; 2.15;1Co 14.37).

É importante destacar que não é correto dizer que os autores bíblicos foram
inspirados por Deus. O termo “inspirados” se aplica apenas aos livros
bíblicos. Seus autores foram movidos ou impelidos (Gr. ferómenoi) pelo
Espírito Santo. Alguns textos bíblicos que servem de base para esse ensino
são Mateus 5.18; 22.43; 2Timóteo 3.16; 2Pedro 1.20-21 e Hebreus 1.1.

Hoje não existe nenhum fragmento sequer dos escritos originais. Todos
se perderam ao longo dos séculos. O que se tem agora são cópias, a maioria
delas preparada por homens zelosos e habilidosos. Para se chegar ao texto
original um trabalho científico denominado crítica textual tem sido realizado
nessas cópias e em fragmentos delas. Graças à ação de Deus em preservar sua
Palavra (1Pe 1.24-25) e aos esforços da crítica textual, o conteúdo dos
autógrafos foi mantido acessível com precisão praticamente total.

O crente deve ter sempre em mente que a Bíblia, por ser divinamente
inspirada, é:

Inerrante: Não há erros na Bíblia, seja no campo da ciência, da


geografia, da história ou da filosofia (Jo 10.35; 17.17).

Infalível: O que a Bíblia ensina não conduz as pessoas ao erro. Nos


caminhos e soluções que prescreve, ela nunca falha, de modo que a pessoa
que a obedece pode caminhar segura, sabendo que está seguindo um mapa
que a leva na direção certa. Ademais, suas promessas e profecias nunca
falham. O que ela diz acerca do amanhã, certamente se cumprirá (Nm 23.19;
Sl 119.9,11; Mt 5.18; Tt 1.2).
Além disso, uma vez que Deus a destinou a criaturas inteligentes com o
objetivo de lhes transmitir verdades essenciais, a Bíblia também é
interpretável. Isso significa que há um sentido específico (e não vários!) em
cada porção do texto sagrado. Esse sentido pode ser descoberto por meio do
emprego das regras normais de hermenêutica, usadas, inclusive, pelo próprio
Cristo (Mt 22.41-46).
É verdade que há trechos difíceis de entender, mas isso não autoriza
ninguém a dar ao que foi escrito o sentido que achar mais conveniente,
distorcendo as Escrituras (2Pe 3.15-16). Antes, o leitor deve buscar o
significado pretendido pelo autor sagrado, sabendo que esse significado é
claro na maioria das vezes e compõe a mensagem do próprio Deus ao
homem.
Por ser inspirada, inerrante, infalível e interpretável, somente a Bíblia
pode ensinar o que é correto acerca do Deus único e verdadeiro. Assim,
qualquer crença que a rejeite jamais poderá levar o homem ao real
conhecimento da divindade.

A canonicidade
Sendo inspirados por Deus, os livros da Bíblia são dotados de
canonicidade. O termo “cânon” vem do hebraico (qaneh) e do grego (kánon)
e significa, basicamente, vara de medir ou régua. Com o tempo, essa palavra
passou a ter um significado mais amplo, indicando também uma norma ou
padrão de qualquer natureza (Gl 6.16).
Assim, quando se afirma que um livro é canônico, isso significa que deve
ser usado como uma régua para “medir” a validade do que o homem crê e
faz.
Deve ficar bem claro que a canonicidade dos livros bíblicos não lhes foi
imposta por homens. O fato de Deus tê-los produzido usando o processo da
inspiração visto acima é que lhes confere canonicidade. Os homens
simplesmente reconheceram essa qualidade presente nos livros bíblicos desde
a sua produção. Aliás, mesmo os escritores bíblicos tinham consciência da
autoridade de seus escritos por serem revelação de Deus. Isso se pode ver,
por exemplo, em 2Samuel 23.2; 1Coríntios 2.13 e 14.37.
Para reconhecer um livro como canônico foram usados os seguintes
critérios:
Autoria profética ou apostólica: Para ser reconhecido, o livro deveria ser
escrito por um profeta, por um apóstolo ou por alguém sob a autoridade de
um apóstolo (por exemplo, Marcos escreveu seu evangelho sob a autoridade
do apóstolo Pedro).

Aceitação: Para ser reconhecido, o livro tinha que ter ampla aceitação entre o
povo de Deus. O reconhecimento da igreja em geral foi considerado fator
muito importante, uma vez que o Senhor manifesta sua direção por meio do
povo santo.

Conteúdo: Para ser reconhecido, o livro tinha que mostrar harmonia


doutrinária com a ortodoxia já fixada. Livros que apresentassem desvios ou
negação de doutrinas consagradas foram rejeitados.

Inspiração: Para ser reconhecido, o livro tinha que dar evidências de origem
divina, falando com autoridade e apresentando valores morais e espirituais
elevados, próprios de uma obra inspirada pelo Espírito Santo.

O cânon
Enquanto o termo canonicidade se aplica a uma qualidade sobrenatural
dos livros bíblicos, a palavra “cânon” é usada para se referir ao conjunto de
livros que compõem tanto o Antigo como o Novo Testamento.

A Bíblia é composta por 66 livros. Dessas obras, 39 fazem parte do


Antigo Testamento e 27 do Novo. Os livros do Antigo Testamento são
classificados da seguinte maneira:

CLASSIFICAÇÃO LIVROS OBSERVAÇÕES


Gênesis, Êxodo,
São os cinco
Pentatêuco Levítico, Números e
livros de Moisés
Deuteronômio.
Josué, Juízes, Rute, 1 e
2 Samuel, 1 e 2 Reis, 1
Históricos ‒
e 2 Crônicas, Esdras,
Neemias e Ester.
Os livros de
Provérbios e de
Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes são
Poéticos
Eclesiastes e Cantares também
chamados de
sapienciais.
Isaías, Jeremias,
Lamentações de
Jeremias, Ezequiel,
Lamentações de
Daniel, Oseias, Joel,
Jeremias foi
Proféticos Amós, Obadias, Jonas,
escrito na forma
Miqueias, Naum,
de poesia.
Habacuque, Sofonias,
Ageu, Zacarias e
Malaquias.

Quanto aos livros que fazem parte do Novo Testamento, sua classificação
é a seguinte:

CLASSIFICAÇÃO LIVROS
Evangelhos Mateus, Marcos, Lucas e João.
Atos ‒
Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas,
Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 e
Epístolas Paulinas
2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo,
Tito e Filemom.
Hebreus, Tiago, 1 e 2 Pedro, 1, 2 e 3
Epístolas Gerais
João e Judas.
Apocalipse ‒

O judaísmo ortodoxo não aceita os livros do Novo Testamento. Já o


catolicismo romano, desde o Concílio de Trento (1545-1563), recepciona os
livros apócrifos que são 13 obras (incluindo fragmentos de livros) escritas
durante a época do Império Grego (também chamado de período interbíblico)
e que não são reconhecidas nem pelo judaísmo, nem pelo protestantismo.
O termo “apócrifo” significa “oculto” e os livros sob essa designação são
os seguintes: 1 e 2 Esdras, Tobias, Judite, adições a Daniel (Salmo de
Azarias, Cântico dos Três Jovens, História de Susana, Bel e o Dragão),
adições a Ester, Oração de Manassés, Epístola de Jeremias, Baruque,
Eclesiástico (Siraque), Sabedoria de Salomão e 1 e 2 Macabeus. Alguns
manuscritos da Septuaginta incluem 3 e 4 Macabeus e os Salmos de Salomão.

A concepção de Jesus acerca das Escrituras


Jesus expressou uma concepção extremamente elevada das Escrituras. No
tocante a isso, os Evangelhos mostram o seguinte:

1. Jesus usou a Escritura para repudiar as tentações de Satanás (Mt 4.1-11).


2. Jesus realçou a perenidade da Lei Mosaica e dos Profetas (Mt 5.17-18),
tornando esses escritos comparáveis às suas próprias palavras (Mt 24.35).
3. Jesus destacou que o testemunho de todo o Antigo Testamento acerca
dele se cumpriria (Lc 24.44).
4. Jesus aprovou a visão de que nas Escrituras se encontra a vida eterna (Jo
5.39).
5. Jesus afirmou que o Espírito Santo falou através dos autores bíblicos (Mc
12.36).
6. Jesus aceitou a historicidade de eventos bíblicos considerados
questionáveis na atualidade (Mt 12.39-41; Mc 10.6; Lc 17.26-27; Jo 6.49).
7. Jesus defendeu a inerrância (ou, talvez, a integridade. Cp. Tg 2.10) da
Escritura dizendo que ela não pode ser desmembrada (Jo 10.35).
8. Jesus destacou a importância de se conhecer profundamente a Escritura
(Mt 22.29).
9. Jesus valorizou detalhes gramaticais e palavras específicas do texto
bíblico (Mt 5.18; 22.31-32, 43-45).
10. Jesus garantiu a composição inerrante do Novo Testamento,
dizendo que enviaria o Consolador que guiaria os apóstolos nessa tarefa (Jo
14.26; 16.12-15).

A iluminação
Iluminação é o ministério do Espírito Santo de capacitar o homem que é
alcançado por sua graça a compreender a revelação escrita de Deus.
Essa obra é necessária porque as verdades da Palavra pertencem a uma
dimensão que está muito acima do alcance da mente humana (Is 55.8-9),
sendo conhecida somente pelo Espírito (1Co 2.11). Por isso, sem o auxílio do
Senhor não há como o homem acolher o que foi revelado (Lc 24.44-45; 1Co
2.12).
Pra piorar a situação, Satanás cega o entendimento das pessoas,
impedindo--as de compreender o evangelho (2Co 4.3-4). É por causa disso
que os incrédulos, não tendo a ação iluminadora do Espírito, não conseguem
entender nem mesmo as verdades espirituais mais elementares (1Co 2.14).

A iluminação do Espírito Santo na mente do homem por ele favorecido é


iniciada, assim, ao tempo da conversão, quando o conhecimento da pessoa é
aclarado, passando ela a enxergar as realidades espirituais do evangelho (At
16.14; 2Co 3.15-16; 4.6; Hb 10.32). A partir daí, a ação do Espírito Santo de
trazer luz à mente do crente prossegue (Ef 1.17-19), fazendo-o entender mais
e mais a verdade revelada e também levando-o à aceitação dela, fatores
essenciais para o crescimento na vida cristã (2Co 3.18; Cl 1.9-10).
CUIDADO! VENENO!
Liberalismo teológico: Ensina que a revelação de Deus acontece por
meio de fatos que se situam dentro da ordem natural das coisas. Segundo os
liberais, os escritores antigos testemunharam esses fatos e os interpretaram
como milagres, adicionando-lhes uma dimensão sobrenatural inexistente. Por
isso, as descobertas da ciência, da filosofia e da psicologia da religião devem
ser usadas para corrigir as ideias distorcidas dos autores bíblicos, removendo
do texto bíblico tudo que é mitológico (demitização ou desmitologização).

Neo-ortodoxia: Ensina que Deus só pode ser conhecido quando sua


Palavra viva, o Cristo eterno, se encontra pessoalmente com o indivíduo. A
Bíblia descreve essa experiência na vida de vários de seus personagens e
assinala o caminho para esses encontros existenciais. Dessa forma, as
Escrituras contêm testemunhos da revelação divina feita a homens do
passado e, na medida em que servem para levar o indivíduo a um encontro
com Deus, são revelação também hoje. Há, assim, dois momentos de
revelação: um passado (as experiências registradas na Bíblia) e um presente
(desde que, lendo a Bíblia, o homem tenha um encontro com Deus).

Movimentos sectários e heréticos: A seitas e os movimentos heréticos


que se dizem cristãos geralmente adotam um livro além da Bíblia, atribuindo-
lhe o mesmo grau de autoridade que dizem reconhecer nas Escrituras. É
assim com os mórmons que creem na natureza sacrossanta do Livro de
Mórmon. É assim também com os Adventistas do Sétimo Dia que
consideram como proféticos os escritos de Hellen G. White. Outros
movimentos heréticos põem certas pessoas, entidades ou tradições no mesmo
pé de igualdade das Escrituras. Esse é o caso do romanismo que confere
autoridade divina à sua tradição e também ensina a doutrina da infalibilidade
papal. Também é o caso das Testemunhas de Jeová que consideram o
conselho que as preside, o chamado Corpo Governante, como detentor de
autoridade sobrenatural. Na prática, ainda que digam estar sujeitos à Bíblia,
esses movimentos tendem a situar seus livros e líderes muito acima das
Escrituras.

Traduções espúrias: O fato de existirem milhares de manuscritos


bíblicos antigos faz com que pequenas diferenças surjam entre um e outro.
São as chamadas variantes textuais. Ao lidar com essas variações, nem
sempre o trabalho da crítica textual é conclusivo, o que faz com que os
tradutores da Bíblia tenham eventualmente que escolher qual texto deverão
adotar em seu trabalho. Ocorre, porém, que não raro os tradutores divergem
em suas opções, o que faz com que traduções diferentes apareçam. Outras
vezes, o leque de significado de um termo ou de uma expressão hebraica ou
grega é muito amplo e o tradutor tem que escolher a alternativa que acredita
ser a melhor. Naturalmente, nem sempre os tradutores fazem a mesma opção
e, mais uma vez, traduções bíblicas distintas aparecem (ARA, ARC, ACF,
NVI, NTV...). Nada disso é condenável ou errado. Na verdade, dificuldades
assim são comuns em qualquer esforço de transmitir a mensagem dada em
uma língua por meio de outra totalmente diferente. Ademais, é preciso
lembrar que, mesmo havendo um campo textual que admita diferentes
traduções, esse campo é limitado e jamais afeta a mensagem central das
Escrituras. O que se deve evitar, porém, são as traduções espúrias, ou seja,
traduções que, sem a menor base textual, gramatical ou semântica, fazem
acréscimos e alterações na Bíblia com o fim (às vezes declarado!) de
transmitir conceitos errados e até blasfemos. É o caso da versão Novo Mundo
das Escrituras Sagradas (NM), tradução feita pelas Testemunhas de Jeová.
Essa tradução remove ou altera descaradamente qualquer expressão que
aponte para a divindade de Cristo ou do Espírito Santo. Há também traduções
feministas que evitam a referência a Deus como Pai e chamam Cristo de “a
criança de Deus”, em vez de Filho. São as chamadas versões com “linguagem
inclusiva”. Em tempos recentes, até mesmo paráfrases repletas de gírias e
palavrões (e.g., Bíblia Free Style) têm sido preparadas sob o pretexto de
alcançar pessoas que usam esse tipo de linguagem. Esses esforços, porém,
sequer podem ser chamados de traduções, posto que em nada reproduzem a
real mensagem do texto sagrado para a língua a que se propõem traduzi-la.
CAPÍTULO 2

A DOUTRINA ACERCA DE DEUS


(Teontologia)

(...) o mais portentoso fato a respeito de qualquer homem


não é o que poderá dizer ou fazer em um dado momento,
mas sim a imagem que ele leva de Deus, no fundo do seu
coração.

A. W. Tozer, Mais Perto de Deus, p.7.

Introdução
Obviamente os crentes aceitam sem reservas o fato da existência de Deus.
Crendo na veracidade da Bíblia, não podem negar o Deus que ela apresenta.
Assim, numa sociedade em que o ateísmo filosófico e prático finge ser
incontestável, os discípulos de Jesus caminham na contramão das tendências
seculares, proclamando a realidade de um Deus criador, amoroso e santo com
quem é possível o homem se relacionar e, por meio disso, desfrutar de
notável satisfação .

Os cristãos também acreditam que o fato de alguém aceitar ou não o


Deus das Escrituras Sagradas influencia diretamente não somente a sua
religiosidade, mas também o estilo de vida que adota, o qual abrange seu
modo de pensar, falar e agir. O ateísmo, segundo entendem, é, portanto,
perigoso, uma vez que lança o homem num vácuo moral, longe de qualquer
fundamento ético sólido sobre o qual possa construir sua vida e conduta.

Fica claro, portanto, que a crença em Deus e a concepção sadia acerca


dele não são meras questões filosófico-religiosas, mas constituem fatores
determinantes da felicidade e do bom viver do ser humano.

A existência de Deus
A Bíblia não discute a existência de Deus. Antes, simplesmente a afirma
logo em seu primeiro versículo (Gn 1.1), dizendo posteriormente que é
possível perceber que Deus existe por meio da criação e da providência (At
14.17; Rm 1.20), sendo isso tão óbvio que somente os insensatos são capazes
de dizer que não há Deus (Sl 14.1).
Por causa disso, os argumentos a seguir não foram desenvolvidos na
Bíblia. Em vez disso, foram elaborados por teólogos do passado que
perceberam que a existência de Deus pode ser comprovada pelo simples uso
da razão.
Há, basicamente, quatro argumentos lógicos que são usados para
defender a existência de Deus. Veja-os a seguir:

O argumento cosmológico: Esse argumento afirma que existe um mundo


(Gr. kosmos). Logo, algo ou alguém deve tê-lo causado, pois não existe efeito
sem causa. Ademais, numa cadeia ininterrupta de causas e efeitos, chega-se
fatalmente a uma causa original não causada. Essa causa primária só pode ser
Deus. Os principais expoentes desse argumento foram Aristóteles e Tomás de
Aquino.

O argumento teleológico: Aponta para o fato de que as coisas que existem


no universo têm um propósito ou finalidade (Gr. telos). Além disso, tudo
revela um arranjo ordenado num grau de harmonia e organização
surpreendentes. Obviamente, um sistema harmonioso, funcional e que atende
a inúmeras finalidades não pode ter como causa uma força impessoal (como
uma explosão, por exemplo) ou o acaso. De fato, somente uma mente
inteligente pode originar sistemas tão complexos como os encontrados no
universo. Essa “mente” só pode ser Deus.
O argumento antropológico e moral: Esse argumento realça que o homem
não é apenas um ser físico, mas também um ente dotado de consciência,
senso moral, intelecto, emoções e vontade. Esses fatores psíquicos e morais
não podem ter como causa uma força cega ou meros componentes físico-
químicos. Além disso, a crença da divindade é inerente ao homem. Tudo isso
só encontra explicação no fato de o ser humano ter sido criado à imagem e
semelhança de um Deus santo e pessoal que imprimiu nele algumas de suas
marcas.

O argumento ontológico: Foi proposto inicialmente por Anselmo de


Canterbury (c. 1033-1109). Parte da afirmação de que a crença em Deus é
universal, sendo certo que todo homem tem em si a ideia de um Ser Perfeito.
Segundo Anselmo, se o homem concebesse a ideia de um Ser Perfeito que
não existe, esse ser não seria perfeito, dada a sua inexistência. Logo, o Ser
Perfeito deve existir. Esse argumento, além de confuso, tem sido muito
questionado no tocante à sua validade.

Os atributos de Deus
Um atributo é uma qualidade própria de um ser. Por atributos de Deus
entendem-se as propriedades que pertencem ao seu ser e que
consequentemente o caracterizam. Seus atributos são perfeições que lhe são
atribuídas nas Escrituras e que podem ser verificadas nas obras da criação,
providência e redenção.
Como os atributos de Deus são vários, alguns estudiosos os dividem em
dois grupos: os atributos naturais e os atributos morais.

Os atributos naturais
São atributos ligados à existência de Deus, ou seja, àquilo que ele é em si
mesmo. Os atributos naturais são os seguintes:

Vida. Deus é um ser vivo. Ele pensa, sente e age. Sua vida é infinita. Ele
jamais morrerá (Jr 10.10; Mt 16.16; Jo 5.26; 1Ts 1.9).

Espiritualidade. Deus é Espírito. Ele não tem corpo, sendo, portanto,


invisível (Dt 4.15; Jo 4.24; 1Tm 1.17).

Personalidade. Deus é pessoal. Isto não significa que ele existe em um corpo
como as pessoas comuns, mas sim que ele tem uma personalidade, sendo
dotado de intelecto (ou inteligência), emoções e vontade (Êx 4.14; Rm 8.28;
11.33-36; Ef 1.8-9).

Autoexistência. Deus existe por si mesmo. Ele não foi causado. Sua vida não
provém de nada que não seja ele mesmo. É necessário frisar também que ele
não se autocriou (Êx 3.14; Jo 5.26).

Eternidade. Deus não tem começo e nem fim. Ele existe e sempre existiu
eternamente. Ele está acima do tempo (Sl 90.2; Hb 1.10-12; Ap 1.8).

Onisciência. Deus conhece todas as coisas. Não há nada que ele possa ou
tenha que aprender. Seu conhecimento é infinito e completo (Is 40.28; Rm
11.33; Hb 4.13). Ele sabe o que aconteceu, o que acontece, o que acontecerá
e o que aconteceria (Sl 139.3-4; Mt 11.21-23).

Onipotência. Deus tem poder ilimitado. Ele pode fazer tudo que deseja e que
planejou executar sem que nada o impeça ou dificulte suas ações (Jó 42.2; Jr
32.17; Sl 115.3; Mt 19.26). Entretanto, todo o seu poder é coerente com seu
caráter santo e sua natureza infinita. Desse modo, há coisas que Deus não
pode fazer como mentir, morrer ou criar um ser melhor que ele próprio (Tt
1.2; Hb 6.18).

Onipresença. Deus está presente em todos os lugares. Não se pode fugir de


sua presença. Isso não significa que Deus está contido em sua criação, mas,
sim, que não existe lugar algum em todo o universo onde ele não esteja (Sl
139.7-10; Jr 23.23-24).

Imutabilidade. Deus não muda. Ele permanece sempre o mesmo. Seu


relacionamento com as pessoas as transforma, mas ele mesmo nunca é
transformado. De fato, nada lhe pode ser acrescentado ou tirado. Sua
imutabilidade é real porque ele é perfeito, não havendo nada em seu ser que
precise mudar (Sl 102.27; Ml 3.6; Tg 1.17).

Os atributos morais
São os atributos ligados ao caráter infinitamente imaculado de Deus.
Podem ser resumidos em dois:

Santidade. Deus é absolutamente santo. Ele está separado de tudo o que é


mau e impuro. Ele é perfeito, puro e íntegro em seu caráter (Is 6.3; 1Pe 1.15-
16; 1Jo 1.5; Hb 6.18). A santidade de Deus se manifesta por meio de sua
retidão, ou seja, ele faz e exige o que é reto (Sl 25.8). Também por meio de
sua justiça, que é a execução das penalidades contra o pecado (Sl 11.4-7), a
santidade de Deus se evidencia.

Amor. Deus ama suas criaturas. Ele se preocupa com o bem-estar delas.
Movido pelo amor, Deus sai em busca do homem e procura se relacionar com
ele, mesmo quando isso envolve sacrifício (Is 63.9; Jo 3.16; 1Jo 4.16). O
amor de Deus se manifesta também por meio de sua misericórdia, que é a
disposição que tem de não aplicar a pena que o pecado merece, e por meio da
sua graça, que é a disposição que tem de dar aquilo que o pecador não merece
(Ef 2.8).
Outros importantes atributos de Deus são:

Soberania: Deus reina absoluto sobre todo o universo, governando-o com


sua infinita sabedoria e sem ter que oferecer explicações a ninguém acerca de
seus atos (Jó 40.1-9; Rm 9.20).

Liberdade: Sendo soberano e dono de tudo, Deus é livre para fazer o que
quiser, sendo impossível que ultrapasse seus “direitos”, uma vez que não há
limites para sua autoridade (Is 46.9-10; Rm 9.21).

Autossuficiência: Deus não precisa de nada nem de ninguém. Quando ele


realiza ou ordena algo, não o faz para suprir alguma necessidade sua, mas
para manifestar livremente seu amor, sabedoria, poder e graça aos homens
(At 17.24-25).

A Trindade
Deus é um ser em três pessoas. Pai, Filho e Espírito Santo são pessoas
distintas, que se inter-relacionam numa única essência. Essa doutrina não
pode ser entendida pela lógica humana, mas é claramente ensinada na Bíblia
que afirma a divindade do Pai (Ef 1.3), do Filho (1Jo 5.20) e do Espírito (At
5.3-4).
A doutrina da Trindade não deve ser entendida como triteísmo (a crença
em três deuses distintos), pois ainda que Deus seja tripessoal, a Bíblia afirma
claramente que ele é um só em essência ou substância (Dt 6.4; Tg 2.19).
Também não se deve pensar que as pessoas da Trindade sejam
manifestações diferentes de uma só pessoa divina (sabelianismo ou
modalismo). Isso porque as três pessoas, ainda que unidas em essência (Jo
10.30), são distintas entre si (Mt 3.16-17), sendo certo que o Filho é
eternamente gerado (unigênito) pelo Pai (Jo 1.14,18; 3.16,18) e a ele se
sujeita (Jo 5.19; 8.28; 12.49), enquanto o Espírito Santo procede somente do
Pai, mas é enviado tanto pelo Pai (Jo 14.16,26) como pelo Filho (Jo 15.26).
Sendo as três pessoas da Trindade iguais em divindade, tanto o Pai como
o Filho e o Espírito Santo devem ser igualmente adorados, cultuados,
honrados invocados e obedecidos (Mt 28.19; 1Co 8.6; 2Co 13.14; 2Tm 1.2;
1Jo 1.3).

Os nomes de Deus
A Bíblia, especialmente o Antigo Testamento, apresenta diversos nomes
pelos quais Deus é chamado. Cada um deles revela algo acerca do caráter ou
das obras do Senhor.

EXEMPLO DE
NOME SIGNIFICADO
OCORRÊNCIA
Elohim Deus (alguém forte) Gn 1.1
Adonai Senhor (de tudo) Js 3.11
Yahweh EU SOU QUEM SOU Êx 3.14-15
El Shaddai Deus Todo-Poderoso Gn 17.1
El Elyon Deus Altíssimo Gn 14.18-22
El Olam Deus Eterno Is 40.28
Yahweh Jireh O Senhor proverá Gn 22.14
Yahweh Nissi O Senhor é minha Êx 17.15
bandeira
Yahweh Shalom O Senhor é paz Jz 6.24
Yahweh Sabbaoth O Senhor dos exércitos 1Sm 1.3
Yahweh O Senhor que vos Êx 31.13
Meqaddishkem santifica
Yahweh Tsidkenu O Senhor justiça nossa Jr 23.6

Os decretos de Deus
Decretos de Deus são seus planos e desígnios perfeitos, estabelecidos na
eternidade. Por meio deles o Senhor dirige soberanamente a história e realiza
sua vontade em todo o universo, atingindo, assim, seus propósitos santos (Ef
1.11).
Os decretos de Deus são impossíveis de ser frustrados (Jó 23.13-14; 42.2;
Is 43.13; 46.10), sobrepõem-se aos propósitos humanos (Sl 33.10; Pv 19.21;
Dn 4.35; Fp 2.13) e, sendo perfeitos, não sofrem alterações (1Sm 15.29; Is
46. 10; Hb 6.17), subsistindo para sempre (Sl 33.11).

A Bíblia ensina que os decretos de Deus envolvem “todas as coisas” (Ef


1.11), mas é possível classificar as esferas de sua abrangência da seguinte
maneira:
A criação: Tudo o que Deus criou está sujeito aos seus planos e cumpre o
que ele determina (Sl 148.1-10). Foi, inclusive, por seu decreto soberano que
a natureza foi submetida à vaidade (ou seja, foi condenada à uma existência
fútil, fadada à deterioração) até o dia da libertação dos crentes (Rm 8.20-21).
De fato, nada acontece em toda a criação sem a autorização suprema de Deus
(Mt 10.29).

A história: O Senhor determinou os tempos de ascensão e queda de todos os


povos e também as regiões específicas que deveriam ocupar (Dt 32.8; At
17.26). Ele decretou os atos cruéis da Assíria (Is 10.5-6) e a queda desse
império por não reconhecer que era só um instrumento nas mãos de Deus (Is
10.12-15). Ele decretou também a destruição das nações pelos babilônios (Sf
3.8), predeterminou o castigo dos próprios babilônios (Jr 25.11-14) e
planejou a restauração de Jerusalém por meio de Ciro (Is 44.24-28; 46.11).
As ações de Herodes, de Pôncio Pilatos, dos gentios e do povo de Israel no
trato com Jesus foram predeterminadas por Deus (At 4.27-28). Ele também
traçou a trajetória de expansão do cristianismo (At 16.6-10). O Senhor ainda
decretou que a história termine com a sujeição completa de todo o universo a
Cristo (Ef 1.9-10). Na verdade, as profecias do AT e os ensinos do NT acerca
do futuro nada mais são do que revelações dos decretos de Deus referentes à
história universal.

O governo humano: Ainda que os diversos países sejam governados por


homens e sistemas legais injustos, é preciso reconhecer que os decretos de
Deus também estão por trás dos governos das nações, não havendo nenhuma
autoridade política que não tenha sido estabelecida pelo Senhor (Dn 2.21; Rm
13.1). Foi Deus quem deu autoridade e poder a Faraó (Rm 9.17), a
Nabucodonozor (Jr 27.4-8), a Ciro (Is 41.2-4; 45.1-7) e a Pilatos (Jo 19.10-
11), tudo com o objetivo de, por meio deles, cumprir os seus decretos. Desse
modo, ele, o Senhor, tem pleno domínio sobre o reino dos homens e o dá a
quem ele quer (Dn 4.17,25,32; 5.21), movendo o coração dos governantes de
acordo com seus propósitos às vezes misteriosos, mas sempre justos (Êx
9.12; 10.20,27; 11.10; 14.8; Ed 7.21-28; Pv 21.1).
A vida dos indivíduos: Os planos de Deus se realizam também na vida de
cada indivíduo, sendo ele quem decide formar pessoas fisicamente perfeitas
(Sl 139.13-14) e pessoas mudas, surdas e cegas (Êx 4.11; Jo 9.1-3). O Senhor
também decretou os limites da vida de cada um, fixando o número certo de
seus dias (Jó 14.5; Mt 6.27) e todos os detalhes da história de todos os seres
humanos (Jó 23.13-15; Sl 138.8; 139.16), incluindo suas funções (Jr 1.5; Gl
1.15-16), suas capacitações (Dn 2.21), suas experiências (At 22.14-15) e a
forma como hão de morrer (Jo 21.18-19; At 1.15-20). Deus age livremente e
como bem entende na vida de todo e qualquer indivíduo, sempre com o
objetivo de realizar seus objetivos (Dn 4.35). Ele fez com que Sansão se
interessasse por uma moça filisteia a fim de cumprir seus planos contra os
inimigos de Israel (Jz 14.1-4). Ele impediu que os filhos de Eli ouvissem os
conselhos do pai porque queria matá-los (1Sm 2.25). Ele também decretou a
traição de Judas revelando-a de antemão na Escritura e usando o falso
discípulo para cumprir as profecias sobre a rejeição e morte do Messias (Mt
26.24; Jo 17.12; At 1.15-20).

A salvação: Os decretos de Deus abrangem a história, o meio e os alvos da


salvação. Na eternidade, ele planejou que seu Filho fosse morto como
sacrifício pelo pecado (At 2.23; 1Pe 1.18-20) e que a oferta de salvação em
Cristo fosse feita a todas as nações (Lc 24.44-48). Ele também decretou quem
seria salvo e quem seria destinado para a ira (Pv 16.4; Rm 9.15-18,21-24; 1Pe
2.8). Essa decisão foi tomada antes dos tempos eternos (Ef 1.4-5) com base
em sua própria determinação e graça e não com base em méritos pessoais (Ef
1.11; 2Tm 1.9). Ao homem não cabe questionar o decreto salvífico de Deus,
uma vez que ele tem o direito de ser gracioso com quem quiser e de
endurecer o coração de quem quiser (Is 63.17; Rm 9.18-21), sendo sempre
justo em todas as suas decisões (Rm 9.14). No cumprimento de seus santos
desígnios, o Senhor também decretou que uniria judeus e gentios num só
corpo, a igreja (Ef 3.3-11) e que só um remanescente de Israel seria salvo
antes da vinda do Senhor (Rm 9.27; 11.5,25-26).

Ressalvas importantes
Os decretos de Deus não tornam os homens inocentes pelos males que
praticam. Os caldeus foram considerados culpados por sua maldade contra
Judá (Hc 1.11), mesmo sendo o próprio Deus quem os levantou para realizar
esses atos (Hc 1.6). Da mesma forma, Herodes e Pôncio Pilatos pecaram
quando conspiraram contra Jesus, apesar de ter sido Deus quem decretou que
agissem assim (At 4.27-28). O que se depreende disso é que o decreto de
Deus não anula o pecado dos perversos, nem torna Deus culpado por suas
más ações. Note-se que Jesus reprovou Judas mesmo sabendo que ele, com
sua traição, cumpriu o decreto divino (Mt 26.24). Pedro, por sua vez, criticou
os judeus de Jerusalém por matarem Jesus, mesmo sabendo que isso tinha
sido preestabelecido por Deus (At 2.23). A maneira como Deus decreta o mal
sem se tornar culpado e sem remover a culpa dos perversos não é revelada na
Escritura, estando além da compreensão humana. Trata-se de um dos muitos
mistérios que permanecem escondidos na mente insondável do Senhor (Dt
29.29) e que deve estimular a humildade, a fé e a adoração, e nunca a rebelião
ou o inconformismo (Rm 11.33-36).

Os decretos de Deus não podem ser alterados pelas orações dos


homens. Textos que dão a impressão de que Deus mudou de plano por causa
da intercessão de alguém (e.g., Êx 32.9-14) devem ser entendidos no sentido
de que a aparente mudança no desejo do Senhor já estava fixada em seus
planos pré-estabelecidos, sendo a própria oração parte integrante desses
planos. É por isso que, mesmo sabendo que Deus já tem tudo planejado, o
crente deve orar. Passagens bíblicas como 2Samuel 7.27-29, Daniel 9.2-3 e
Apocalipse 22.20 mostram pessoas orando mesmo depois de Deus ter
revelado o que já tinha planejado fazer.

Os decretos de Deus relativos à salvação não devem desencorajar o


evangelismo. Deus não somente decretou quem seria salvo, mas também
determinou que os seus eleitos fossem alcançados por meio da pregação (1Co
1.21). Assim, uma vez que o crente não sabe quem é eleito, é seu dever
pregar a todos. Ademais, é preciso destacar que o decreto eletivo de Deus é,
na verdade, um estímulo ao evangelismo, uma vez que fornece a garantia do
seu sucesso. De fato, uma vez que é certo que os escolhidos atenderão ao
convite do evangelho (Jo 10.16; At 13.48), os crentes devem se sentir
encorajados a proclamar com empenho as boas-novas. Note-se que em Atos
18.9-10 foi a certeza de que havia eleitos de Deus em Corinto que motivou
Paulo a perseverar no trabalho de evangelização daquela terrível cidade.
CUIDADO! VENENO!
Ateísmo materialista: Nega a existência de Deus e de qualquer realidade
espiritual. Para os ateus, o universo, as leis que o regem, a matéria e a vida
vieram à existência pelo acaso. Na concepção ateísta mais inflexível, a crença
em Deus é perigosa, pois gera intolerância, sendo a base de todas as guerras
religiosas e de inúmeros abusos e crueldades praticados pelos homens ao
longo da história. Muitos ateus também afirmam que a crença em Deus é
apenas um instrumento de dominação utilizado por uma minoria a fim de
incutir temor nas massas e, assim, obter obediência servil.

Panteísmo: De acordo com essa concepção, Deus tem um pólo espiritual


e um pólo material. O universo físico é o pólo material de Deus. Assim, Deus
é tudo e tudo é Deus. O panteísmo nega a realidade de um Deus pessoal e
criador. É acolhido pelas religiões orientais como o hinduísmo e o budismo.
No ocidente, sua maior expressão se encontra nas seitas de Nova Era.

Teologia do Processo: Concebe toda a realidade como um processo em


desenvolvimento do qual Deus faz parte. Nesse processo Deus se aperfeiçoa
e aprende, sofrendo constantes mudanças enquanto tenta influenciar o mundo
e é influenciado por ele. Os homens, uma vez que têm livre-arbítrio, podem
resistir a Deus e frustrá-lo na realização de seus ideais, fazendo-o sofrer. Essa
vertente doutrinária ensina ainda que Deus não realiza intervenções
sobrenaturais na história e nem conhece o futuro, pois este depende das
decisões livres dos indivíduos. No tocante ao problema do mal, a Teologia do
Processo afirma que Deus não pode impedir a maldade e o sofrimento já que
não direciona as ações das pessoas. Tudo o que ele pode fazer é agir como
um companheiro que entende a angústia e a dor.

Teísmo Aberto: Deus abriu mão de sua soberania e não interfere na


história de modo decisivo, nem tem o controle meticuloso do universo, pois
isso anularia a liberdade do ser humano. Assim, para o teísmo aberto não
existe predestinação nem qualquer decreto divino que seja imposto ao
homem. Na verdade, Deus sequer conhece o futuro plenamente, estando este
em aberto.

Unitarismo e unicismo: O unitarismo nega a Trindade, rejeitando a


divindade do Filho e do Espírito. Já o unicismo, também conhecido como
modalismo ou sabelianismo, afirma que na Trindade só existe um núcleo
pessoal que é o Pai (monarquianismo), sendo o Filho e o Espírito Santo
apenas modos distintos como o Pai se manifesta. As Testemunhas de Jeová
são um exemplo de seita unitarista. Movimentos unicistas atuais são a Igreja
Pentecostal Unida do Brasil; o Ministério Voz da Verdade, o Tabernáculo da
Fé e a Igreja Local, ligada ao ministério Árvore da Vida.

Concepções populares: Deus é concebido como um ser supremo, porém


distante, não se importando com os detalhes da vida humana ou com o modo
como as pessoas vivem. Esse “deus” não reprova praticamente nada, exceto
os desvios que o senso comum também reprova (crimes, abusos, etc.) ou as
injustiças que a pessoa acredita que foram feitas contra ela. Eventualmente
pode ser invocado, especialmente quando o suplicante passa por algum
problema mais sério. Esse deus imaginário não requer adoração, honra ou
santidade das pessoas. É mais uma projeção mental a que os homens
recorrem para experimentar algum alívio em dias de desespero.
CAPÍTULO 3
A DOUTRINA ACERCA DE CRISTO
(Cristologia)

Fiéis aos santos padres, todos nós, perfeitamente unânimes,


ensinamos que se deve confessar um só e mesmo Filho, nosso
Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à divindade, e perfeito quanto à
humanidade, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem (...);
em todas as coisas semelhante a nós, excetuando o pecado.

Definição de Calcedônia (451)

Introdução
A figura de Jesus de Nazaré é, sem dúvida, a mais notável de toda a
história. Sua grandeza, porém, estimulou a mente humana a criar diferentes
conceitos e teorias acerca do filho do carpinteiro que, com sua mensagem e
obra, mudou o mundo inteiro.
Foi assim que filosofias e seitas estranhas surgiram ao longo dos séculos
fazendo ousadas asseverações sobre Jesus, muitas vezes desprezando o que
ele próprio disse de si mesmo ou o que os seus discípulos afirmaram acerca
dele. A proliferação dessas seitas e teorias afastou muitas pessoas da verdade
acerca de Cristo proclamada pela igreja com base no testemunho da Bíblia.
Essa verdade consiste, basicamente, da afirmação de que Jesus Cristo é o
Filho de Deus, Deus-homem, impecável, que morreu em lugar do ser humano
a fim de que, pelo seu sacrifício, o homem recebesse remissão dos pecados
(Ef 1.7).
Os cristãos creem ainda que Jesus Cristo ressuscitou dentre os mortos ao
terceiro dia e hoje está vivo, sustentando o universo (Cl 1.17; Hb 1.3),
intercedendo a favor dos crentes (Hb 7.25) e aguardando a chegada do dia
fixado para sua volta (At 1.11).
Os crentes ensinam que as pessoas devem abandonar os conceitos errados
que as seitas e filosofias criaram sobre o filho de Deus e, então, acolher a
cristologia ortodoxa fundamentada nas Escrituras. Isso porque aquilo que o
homem pensa acerca de Jesus é de máxima importância tanto para a vida
presente como a futura. Na verdade, a Bíblia deixa claro que o fato de uma
pessoa crer ou não em Cristo conforme pregado pelos apóstolos da Bíblia é
fator determinante do lugar onde ela passará a eternidade (Jo 3.36).

A pessoa de Cristo
Jesus Cristo é Deus-homem. Isto significa que ele tem duas naturezas: a
humana e a divina. No decorrer dos séculos muitos teólogos se reuniram para
discutir esse assunto. Os principais concílios que trataram desse tema ao
tempo da igreja antiga foram:

Niceia (325): Defendeu a divindade de Cristo contra o herege Ário


de Alexandria que negava a eternidade de Jesus.
Constantinopla (381): Defendeu a plena humanidade de Jesus
contra Apolinário que dizia que em Cristo o Verbo havia tomado o
lugar da alma humana.
Éfeso (431): Defendeu a cristologia ortodoxa contra Nestor que
defendia a existência de duas pessoas em Cristo em vez de duas
naturezas.
Calcedônia (451): Negou a doutrina de Êutiques que afirmava que
em Cristo as duas naturezas se fundiram numa só (monofisismo).

Sob a luz da Bíblia, os teólogos reunidos nesses concílios concluíram que


Jesus Cristo é perfeitamente humano e plenamente divino, sendo que essas
duas naturezas estão presentes numa só pessoa. A isso se dá o nome de União
Hipostática. Este é um dos grandes mistérios da fé cristã e, de conformidade
com Mateus 16.13-17, é necessária a intervenção de Deus para que alguém
admita o conceito correto sobre Jesus.
Veja-se a seguir os fatores e os textos bíblicos que mostram que Jesus é
tanto humano como divino.

Provas da real humanidade de Jesus


1. Ele teve um nascimento humano (Mt 1.18; Rm 9.5; Gl 4.4).
2. Ele veio da descendência de Davi (Lc 1.31-33; Rm 1.3).
3. Ele cresceu e se desenvolveu naturalmente (Lc 2.40,52).
4. Ele tem um corpo físico bem como uma alma humana (Mt 26.12; Lc
23.46; Jo 12.27; 1Jo 1.1).
5. Ele era sujeito a limitações físicas (Mt 21.18; Lc 22.44; Jo 4.6).

Provas da plena divindade de Jesus


1. Há nomes divinos que lhe são atribuídos (At 9.17; Rm 9.5; Hb 1.8;
Ap 1.17 cp. 1.7-8).
2. Ele pode ser invocado e adorado como Deus (Mt 14.33; 1Co 1.2; Hb
1.6).
3. A ele são atribuídas obras divinas (Jo 1.3; Cl 1.16-17).
4. Ele pode perdoar pecados (Mc 2.5-11).
5. Ele pode dar a vida eterna (Jo 10.28; 17.1-2).
6. Ele é onipresente (Mt 18.20; 28.20; Jo 1.48).
7. Afirmações do Antigo Testamento a respeito de Deus são
reconhecidas como referentes a Jesus no Novo Testamento (Sl 102.24-27
cp. Hb 1.10-12; Is 6.1,10 cp. Jo 12.40-41; Is 60.19 cp. Lc 2.32; Jr 17.10
cp. Ap 2.18,23).
8. O nome de Jesus é associado de maneira especial ao nome de Deus
Pai e ao Espírito Santo (2Co 13.13 [ou v. 14 - NVI]; Tg 1.1).

Fica claro, portanto, que Jesus Cristo é totalmente homem (1Tm 2.5) e
totalmente Deus (1Jo 5.20) em uma só pessoa (Rm 9.5).

A preexistência de Cristo
Fortemente relacionado à divindade de Cristo está o ensino acerca da sua
preexistência e eternidade. Os textos que servem de base para essa doutrina
são: Miqueias 5.2; Isaías 9.6; João 1.1-3; 8.56-58; Colossenses 1.17 e
Hebreus 1.8.

O caráter de Jesus
A seguir são listados alguns aspectos do caráter de Jesus:

Santidade. Ele é sem pecado (Jo 8.46; Hb 4.15; 1Jo 3.5) e absolutamente
puro (Jo 8.12 cf. 1Jo 1.5; 1Jo 3.3).

Amor. Inúmeras passagens bíblicas falam a respeito do amor de Jesus, bem


como de seus objetos: o Pai (Jo 14.31); a igreja (Ef 5.25); os crentes em
particular (Jo 14.21; Gl 2.20); e os seus inimigos (Lc 23.34).
Mansidão. Jesus era manso, isto é, mantinha uma atitude contrária à
aspereza. Ele tratava as pessoas com brandura e docilidade (Mt 11.29; Lc
23.34; 2Co 10.1; 1Pe 2.23). Isso não significa, porém, que eventualmente não
lidasse com o pecado de forma severa e rigorosa (Mt 23.33; Lc 13.32; Jo
2.14-16; Ap 19.11-16).

Humildade. Jesus não era arrogante ou orgulhoso. Sua humildade é expressa,


inclusive, no modo como ele se submeteu ao Pai e dependeu dele (Mt 11.29;
Jo 13.4-5; Fp 2.5-8).

A obra de Cristo
O autoesvaziamento de Cristo
O autoesvaziamento ou kenosis de Cristo é uma expressão que aponta
para a disposição humilde presente no Senhor de abrir mão voluntariamente
da sua glória celestial enquanto esteve neste mundo, assumindo assim a
forma de servo e sendo obediente até à morte, tudo por amor aos perdidos
(Hb 12.2).
O texto principal acerca da kenosis é Filipenses 2.5-8. Note-se que esse
ensino é uma das principais bases doutrinárias para a unidade cristã e para a
convivência humilde, pacífica e não egoísta entre os membros da igreja de
Deus (Fp 2.2-5).
A obra redentora de Jesus Cristo
A obra redentora de Cristo envolve especialmente sua morte e
ressurreição (1Co 15.3-4). A Bíblia ensina que a morte de Cristo abrangeu
diversos aspectos, conforme mostra o quadro a seguir:

QUALIDADE SIGNIFICADO BASE BÍBLICA


Lc 22.22; At 2.23;
Predeterminada Planejada com antecedência
4.27-28
Voluntária Por livre escolha Jo 10.17-18
Vicária Em favor dos outros 1Pe 3.18
Sacrificial Como sacrifício pelo pecado 1Co 5.7
Expiatória Como consequência da culpa Gl 3.13
Propiciatória Satisfez as exigências de Deus 1Jo 2.2; 4.10
Resgatou por meio de
Redentora Mt 20.28
pagamento
Substitutiva Em lugar de outros 1Pe 2.24
Após morrer e ser sepultado, Jesus ressuscitou dentre os mortos. A
ressurreição do Senhor é um ensino central da fé cristã. Sua negação implica
a destruição completa do cristianismo (1Co 15.14-19).

A seguir, são alistados alguns resultados que a ressurreição de Cristo


produziu:

● Confirmou a divindade de Jesus (Rm 1.4).


● Serviu como garantia da justificação dos crentes (Rm 4.25).
● Forneceu uma base para a certeza da ressurreição futura dos cristãos (1Co
15.20; 2Co 4.14).

O texto bíblico clássico acerca da ressurreição, tanto de Cristo como dos


crentes, é 1Coríntios 15.

A ascensão de Cristo e seu ministério presente


Após ressuscitar, Cristo foi assunto aos céus física e visivelmente, fatores
que mostram o padrão que marcará também a sua segunda vinda (At 1.9-11).
Nas alturas, o Senhor se assentou à direita de Deus (Hb 1.3-4; Cl 3.1),
aguardando o dia designado para seu retorno a este mundo (At 2.34-35)e
realizando as seguintes obras:

Ÿ Ministração sacerdotal em prol da igreja, compadecendo-se dela (Hb


4.14-16) e intercedendo por ela (Rm 8.34; Hb 7.25; 1Jo 2.1).
Ÿ Concessão de dons ao seu povo (Ef 4.8-11).
Ÿ Exercício da soberania sobre a igreja e sobre todo o universo físico e
espiritual (Ef 1.20-23; Fp 2.9-11; 1Pe 3.22).
Ÿ Sustentação da criação (Cl 1.17).

QUADRO DAS PRINCIPAIS PROFECIAS


JÁ CUMPRIDAS SOBRE JESUS
TEXTOS CUMPRIMENTO
PROFECIAS
DO AT NO NT
Ele teria um
Is 40.3 Mt 3.3
predecessor
Ele viria como um
Is 9.6 Lc 2.6-7; Gl 4.4
menino
Ele nasceria de uma
Is 7.14 Mt 1.22-23
virgem
Ele seria da linhagem 2Sm 7.12-
Mt 1.1
davídica 16
Ele nasceria em Belém Mq 5.2 Mt 2.5-6
Ele iria para o Egito Os 11.1 Mt 2.14-15
Ele moraria em
Is 9.1-2 Mt 4.13-16
Cafarnaum
Ele teria um ministério
Is 61.1-2 Lc 4.17-21
de consolo e libertação
Ele teria um ministério
Is 53.4 Mt 8.16-17
de curas
Ele evitaria alardear seu
Is 42.1-4 Mt 12.16-20
ministério
Ele ensinaria por
Sl 78.2 Mt 13.34-35
parábolas
Ele entraria em
Jerusalém montado num Zc 9.9 Mt 21.1-9
jumento
Ele seria traído por
Jo 13.18; 17.12; At
alguém bem próximo Sl 41.9
1.16
dele
Ele seria entregue por Zc 11.12-
Mt 26.15; 27.9-10
30 moedas de prata 13
Ele seria rejeitado e
Is 53.3 Mt 27.15-31
humilhado
Ele teria as mãos e os
Sl 22.16 Jo 20.25
pés perfurados
Ele seria traspassado Zc 12.10 Jo 19.33-37
Seus ossos não seriam
Sl 34.20 Jo 19.33-37
quebrados
Repartiriam suas vestes
Mt 27.35; Jo 19.23-
e lançariam sortes sobre Sl 22.18
24
elas
Ele seria ferido em sua
Gn 3.15 Cl 2.15
obra de derrotar Satanás
Ele clamaria ao Pai na
Sl 22.1 Mt 27.46
hora da morte
Ele morreria entre
Is 53.12 Mc 15.27-28
malfeitores
Seu sepultamento seria
Is 53.9 Mt 27.57-60
provido por um rico
Ele ressuscitaria e veria Is 53.10-
Lc 24.34-48
o resultado de sua obra 11
Famílias de toda a terra
seriam abençoadas por Gn 12.3 Gl 3.8,14,29
meio dele como o
descendente de Abraão

As inúmeras profecias relacionadas ao reinado terreno de Cristo (milênio)


só terão cumprimento em sua segunda vinda. Entre essas profecias, pode-se
alistar as seguintes:

1. Ele matará o Anticristo e seus seguidores antes de estabelecer seu


reino milenar (Zc 14.12-15; 2Ts 2.8; Ap 19.11-21).
2. Ele se colocará sobre o Monte das Oliveiras provendo livramento
para Jerusalém invadida (Zc 14.1-5).
3. Ele será chorado pela nação de Israel que se converterá a ele (Zc
12.9-10; Mt 23.37-39; Rm 11.25-26).
4. Ele julgará as nações separando os bodes das ovelhas e definindo,
assim, quem entrará no reino (Mt 25.31-46).
5. Ele se assentará sobre o trono de Davi (Is 9.6-7; Lc 1.32-33).
6. Ele reinará em Jerusalém que desfrutará de paz perfeita (Zc 14.11).
7. Ele inaugurará um reino mundial de paz, de justiça e de
conhecimento do Senhor (Is 2.2-4; 11.4-10; Zc 14.9,16).
8. Ele governará em meio a fartura e prosperidade (Gn 49.10-12).
9. Ele reinará por mil anos (Ap 20.1-6).
10. Ele entregará o reino ao Pai (1Co 15.24,28).
11. Ele fará novos céus e nova terra (Ap 21.1,5-6).
12. Ele se assentará para sempre ao lado do Pai na Nova Jerusalém (Ap
22.3).
CUIDADO! VENENO!
Liberalismo teológico: Ensina que Jesus se aproximou ao máximo do
ideal divino para a humanidade, mas que não pode ser considerado Deus
manifesto em forma humana. Sua personalidade sublime e singular incutiu
em seus seguidores a crença no “Cristo da fé” capaz de grandes milagres e,
nesse aspecto, muito diferente do Jesus histórico. Sua ressurreição foi apenas
um mito e não um evento ocorrido no tempo e no espaço.

Espiritismo: Defende que Cristo não é o Filho de Deus encarnado que


veio ao mundo para salvar o homem do pecado e da perdição (o espiritismo
não acredita em céu e inferno). Segundo os espíritas, Jesus é somente um
espírito mais evoluído que serve de guia para as pessoas, sendo que todos
podem chegar ao mesmo nível dele, evoluindo por meio de sucessivas
reencarnações. Surpreendentemente, os espíritas afirmam que suas doutrinas
são baseadas nos ensinos de Jesus!

Testemunhas de Jeová: Afirmam que Jesus não é divino, mas sim uma
criatura especial de Deus. De acordo com essa seita, a criação de Jesus
ocorreu antes de todas as coisas e ele viveu como uma criatura espiritual no
céu até o dia em que nasceu em Belém. Os mestres dessa religião ensinam
que Jesus morreu e ressuscitou para resgatar o homem, mas seu sacrifício foi
somente humano. Por não crerem que Jesus é Deus, as Testemunhas de Jeová
não o adoram.

Religiões orientais e Nova Era: Creem na divindade de todos os homens


(e de tudo o mais que existe no universo). Logo, para essas seitas não existe
diferença essencial entre Jesus e os outros seres humanos. Dizem ainda que
Cristo foi mais um mestre iluminado, assim como muitos outros, e que ele
tinha consciência de sua divindade, algo que todas as pessoas deveriam ter.
Muitos adeptos das religiões de Nova Era dizem que Jesus passou seus anos
de obscuridade na Índia ou no Tibet, adquirindo “iluminação” junto aos
monges budistas.
CAPÍTULO 4

A DOUTRINA ACERCA DO
ESPÍRITO SANTO
(Pneumatologia)
Cremos (...) no Espírito Santo, Senhor e vivificador, que procede do
Pai, que com o Pai e o Filho conjuntamente é adorado e glorificado,
que falou através dos profetas.
Credo Niceno-Constantinopolitano

Introdução
A doutrina acerca do Espírito Santo talvez seja uma das áreas mais
debatidas da teologia cristã, sendo também o campo em que, na prática, a
igreja tem cometido seus maiores erros e excessos. Definições confusas e
obscuras, interpretações bíblicas intuitivas, valorização da experiência mais
do que do testemunho bíblico, apego a costumes e tradições, tudo isso tem
contribuído para a construção de uma pneumatologia defeituosa, bem distante
do ensino apostólico.
Obviamente, os desvios nessa área têm gerado consequências desastrosas,
tanto para a vida pessoal dos crentes, como para as igrejas locais na
realização de seus atos de adoração, serviço e proclamação, o que impõe a
necessidade de estudo mais sério e de francas correções.
O material que segue visa atender um pouco a essa necessidade,
protegendo o estudante da Bíblia dos desvios tão comuns com que o povo de
Deus se depara quando ouve falar sobre a pessoa e obra do Espírito Santo.
Neste capítulo, o cristão encontrará também ferramentas para desenvolver
uma pneumatologia sadia e propagá-la a seus irmãos de fé.

A personalidade do Espírito Santo


O Espírito Santo não é uma força impessoal, conforme dizem algumas
seitas. Ele tem personalidade, ou seja, tem inteligência (Rm 8.27; 1Co 2.10-
11), emoções (Is 63.10; Ef 4.30) e vontade (1Co 12.11).
Há outros fatores que demonstram a personalidade do Espírito:

1. É possível blasfemar contra ele (Mt 12.31-32).


2. Ele ensina os crentes (Jo 14.26).
3. É possível mentir para ele (At 5.3).
4. Ele guia os crentes (Rm 8.14).
5. Ele testifica aos crentes (Rm 8.16)
6. Ele intercede pelos crentes (Rm 8.26).
7. Ele fala aos crentes (Ap 2.7)

Os itens dessa lista mostram os diferentes aspectos próprios da personalidade


do Espírito Santo. Suas emoções e intelecto se expressam, por exemplo,
quando ele se entristece. Sua intercessão em favor dos crentes é evidência de
sensibilidade (emoções) e vontade. Sua atividade de ensinar, guiar, falar e
distribuir dons aos crentes demonstra que ele tem vontade e inteligência.
Note-se ainda que a possibilidade de uma pessoa mentir e blasfemar contra
ele mostra que o Espírito não é algo, mas alguém!
A doutrina da personalidade do Espírito Santo é de importância vital. Sua
negação implica, entre outras coisas, a rejeição da divindade do Espírito e,
consequentemente, a negação da doutrina da Trindade.

A divindade do Espírito Santo


A Bíblia ensina que o Espírito Santo é divino, sendo uma das pessoas da
Trindade. As provas bíblicas da divindade do Espírito são as seguintes:

1. Ele é chamado como Deus (At 5.3-4; 2Co 3.17).

2. Ele tem atributos divinos:

Ÿ Eternidade (Hb 9.14).


Ÿ Onipresença (Sl 139.7-10).
Ÿ Onipotência (Lc 1.35).
Ÿ Onisciência (1Co 2.10-11).

3. Ele realiza obras divinas:

Ÿ Criação (Gn 1.2; Jó 33.4).


Ÿ Transmissão de vida (Rm 8.11).
Ÿ Autoria da profecia divina (2Pe 1.20-21).
4. Ele é identificado como Deus (Is 6.8-10 cp. At 28.25-27).

5. Ele tem o seu nome associado ao nome do Pai e do Filho (Mt 28.19;
2Co 13.13 [ou v. 14 – NVI]).

O modo como o Espírito Santo é chamado nas Escrituras também


demonstra sua personalidade e divindade. Veja-se o quadro a seguir:

Espírito de vosso Pai Mateus 10.20


Espírito de Deus Mateus 12.28
Espírito do Deus vivo 2Coríntios 3.3
Espírito do Senhor Lucas 4.18; Atos
5.9
Espírito da verdade João 14.17; 15.26;
16.13
Espírito de Cristo Romanos 8.9;
1Pedro 1.11
Espírito de Jesus Atos 16.7
Espírito de Jesus Cristo Filipenses 1.19
Espírito de seu Filho Gálatas 4.6
Espírito Santo da Efésios 1.13
promessa
Espírito que provém de 1Coríntios 2.12
Deus
Espírito eterno Hebreus 9.14
Espírito da graça Hebreus 10.29
Espírito que em nós Tiago 4.5
habita
Espírito da glória e de 1Pedro 4.14
Deus
Espírito de sabedoria,
entendimento,
conselho, poder, Isaías 11.2
conhecimento e temor
do Senhor
Senhor 2Coríntios 3.18
Consolador João 14.26; 15.26

A obra do Espírito Santo nos crentes


A Bíblia apresenta a obra do Espírito Santo nos crentes sob diferentes
aspectos, a saber:

Regeneração. Regenerar significa gerar novamente. Para que alguém se torne


filho de Deus (Jo 1.12) é necessário que nasça de novo, sendo gerado pelo
Espírito Santo (Jo 3.3-6). A regeneração é necessária porque o homem, desde a
Queda, é totalmente depravado e, por isso, não lhe basta uma reforma. Ele
precisa ser feito uma nova criatura (2Co 5.17).

Batismo. Conforme se depreende de 1Coríntios 12.12-13, o batismo do


Espírito Santo é, basicamente, a inserção da pessoa no corpo místico de
Cristo que é a igreja. A Bíblia diz que é o próprio Cristo quem realiza esse
batismo (Jo 1.33). Isso ocorre no momento da conversão da pessoa. Assim, o
crente não precisa buscar o batismo do Espírito Santo, pois já o recebeu
quando creu em Cristo como seu salvador (Rm 8.9). É preciso dizer ainda
que a ideia de que o batismo do Espírito Santo deve ser acompanhado do
falar em línguas é fantasiosa. Em Corinto, todos eram batizados no Espírito
(1Co 12.13), mas nem todos falavam em outras línguas (1Co 12.30).

Habitação. Também a partir do momento da conversão, o Espírito Santo


passa a habitar permanentemente no crente, seja qual for o nível de seu
crescimento ou maturidade (At 19.1-2; 1Co 6.19). Essa realidade confere ao
crente segurança e paz (Rm 8.14-16). Ademais, de acordo com Paulo, a
habitação do Espírito transforma o corpo do crente num templo santo,
devendo o cristão, por isso, evitar fazer uso pecaminoso dos seus membros
(1Co 6.15-20). Ao que tudo indica, a habitação permanente do Espírito não
era privilégio dado aos santos do AT (1Sm 16.13-14; Sl 51.11). Por outro
lado, Pedro parece dizer que o Espírito estava nos profetas de forma
constante (1Pe 1.11). Seja como for, João ensina que uma mudança ocorreu
em algum aspecto na forma como o Espírito passou a ser dado aos crentes
depois que o Senhor foi glorificado (Jo 7.38-39. Vd. Tb. Cl 1.26-27).
Selo. Relacionado à doutrina da habitação permanente do Espírito Santo no
crente, há o ensino bíblico do selo do Espírito (Ef 1.13-14). De acordo com
esse ensino, o Espírito Santo atua como um selo de propriedade de Deus no
crente, a partir da sua conversão. Esse selo permanecerá em cada cristão até o
dia em que o Senhor vier resgatar sua propriedade. Trata-se, portanto, de um
penhor ou garantia de que Deus completará a obra de salvação que começou
em cada cristão. A doutrina do selo do Espírito é, assim, uma das mais claras
evidências de que o crente não pode perder sua salvação.
Plenitude. A plenitude do Espírito Santo diz respeito ao controle que o
Espírito deve exercer sobre a vida do crente. Na Bíblia é possível observar
dois tipos distintos de plenitude espiritual. Há a plenitude ocasional,
experimentada somente por alguns instantes, em ocasiões específicas ou para
fins determinados (At 4.8,31), e a plenitude vivencial que aponta para um
estilo de vida em que a pessoa se deixa dominar pela influência do Espírito
no seu dia a dia (Ef 5.18-20). Nesse segundo sentido em particular, estar
cheio do Espírito deve ser o estado comum de cada cristão (At 6.3).

Fruto. O fruto do Espírito é o conjunto de virtudes que ele produz no crente


(Gl 5.22-23). Os vários aspectos desse “fruto” são qualidades do caráter de
Jesus desenvolvidas no cristão na medida em que ele se deixa controlar pelo
Espírito Santo (Gl 5.16). Vê-se, assim, que o fruto do Espírito na vida de
alguém é evidência clara e resultado óbvio de sua plenitude.

Os dons do Espírito Santo


Os dons do Espírito Santo, seu significado e continuidade, estão entre os
temas mais debatidos dentro do contexto evangélico. É nesse campo que
ocorrem os maiores excessos na forma de agir de muitos crentes e é também
por causa dessa discussão que terríveis divisões acontecem nas igrejas.
De tudo isso decorre a necessidade de entender bem o que são os dons do
Espírito Santo, bem como seu propósito, duração e forma de funcionamento.
De fato, a história já demonstrou satisfatoriamente que a má compreensão
desses assuntos traz prejuízos desastrosos para o povo de Deus, precisamente
num campo que deveria promover unidade e edificação (1Pe 4.10-11).

Os dons alistados na Carta aos Romanos


Essa lista se encontra em Romanos 12.6-8 e é composta por sete itens.

Profecia: O profeta era alguém que recebia revelações diretas de Deus e as


transmitia aos homens de forma inerrante e infalível. No NT, as revelações
proféticas eram predominantemente doutrinárias, ou seja, os profetas
revelavam verdades divinas ocultas de outras gerações. Essas verdades eram
também chamadas de mistérios (Ef 3.4-5). Só mui raramente os profetas
traziam revelações sobre o futuro ou sobre a vida particular de alguém e, ao
que parece, só o faziam quando o que era revelado tinha forte impacto sobre a
igreja como um todo (At 11.28; 21.10-11). Os profetas tinham como função
primária lançar as bases doutrinárias, éticas e funcionais da igreja (Ef 2.20).
Como essas bases foram todas lançadas nos tempos dos apóstolos, os profetas
deixaram de existir já no fim do século I. O dom de profecia, portanto, não
existe mais.
Serviço: É possível que esse dom abranja a habilidade dada por Deus de
realizar bem aqueles trabalhos que são considerados inferiores pelas pessoas
em geral. Nem todos são capazes de fazer esses serviços com qualidade. Por
isso, Deus dotou alguns homens e mulheres da igreja com uma capacidade
especial para realizar tarefas dessa natureza em favor dos santos.

Ensino: Trata-se da capacidade de transmitir a verdade de Deus à igreja com


clareza e autoridade, promovendo sua edificação e amadurecimento. Por
meio dos mestres, a igreja é protegida das falsas doutrinas e adquire base
teológica para viver com retidão e santidade.

Exortação: Esse dom abrange o trabalho de consolar, animar e encorajar. Os


cristãos geralmente são abalados não somente pelos problemas comuns da
vida, mas também por ataques e dificuldades que lhes sobrevêm por causa da
fé. Por isso, para que seu povo não fique à mercê do conselho de incrédulos,
o Senhor concede esse dom a alguns crentes, a fim de que os santos
encontrem neles amparo, alívio e amizade.

Contribuição: A referência aqui é à tarefa de distribuir. Sendo a igreja de


Cristo formada por muitas pessoas pobres, há entre os santos aqueles cujo
coração Deus dotou com a disposição constante de assistir os necessitados.
Paulo diz que essas pessoas devem fazer isso generosamente. Outrossim, os
crentes que têm esse dom devem se vigiar para que, no seu exercício, não
sejam levados pelo desejo de ser admirados pelos homens (Mt 6.1).

Liderança: A prática desse dom envolve a administração de recursos da


igreja e a direção geral da comunidade cristã local. A igreja não foi deixada
por Deus à mercê das preferências de cada membro, pois isso a lançaria na
desordem total (Jz 17.5-6). Antes, o Senhor lhe concedeu pessoas capazes de
liderá-la, apontando seus alvos e o modo como devem ser atingidos. De
acordo com Paulo, os líderes devem realizar seu trabalho com toda diligência,
zelando para que seu dom não seja negligenciado.

Misericórdia: A pessoa que tem esse dom se vê disposta a mostrar favor a


seus irmãos que sofrem por causa de doenças, perdas, decepções e tragédias.
Por se tratar de uma tarefa pesada e, às vezes, bastante desagradável, pode
acontecer de algum crente ter esse dom e passar a exercê-lo com pesar. Por
isso, Paulo diz que os irmãos que têm o dom de misericórdia devem exercê-lo
com alegria.

Entre os dons alistados aqui somente o de profecia não existe mais. Com
efeito, não há nenhum indício ou razão na Escritura para afirmar que os
demais também deixaram de existir. Na verdade, o próprio viver diário da
igreja mostra sua permanência viva até os dias de hoje.

Os dons alistados na Primeira Carta aos Coríntios


A Primeira Carta de Paulo aos Coríntios traz a maior lista de dons
espirituais do Novo Testamento. São nove no total e se encontram em
1Coríntios 12.8-10. Em 1Coríntios 12.28 há outra pequena lista que repete
em parte o que é alistado nos vv.8-10, além de mencionar alguns dons citados
nas listas de Romanos e de Efésios.
Palavra de sabedoria: A pessoa que tem esse dom diz palavras de sabedoria
divina em contraste com os indivíduos que promulgam filosofias vãs ou
palavras de sabedoria humana (1Co 2.6-7,13; 3.19). Os temas centrais
abordados por quem tem o dom da palavra de sabedoria são a graça de Deus
(2Co 1.12) e, especialmente, a cruz de Cristo (1Co 1.17,23-24). Esse dom,
portanto, é fundamental para quem exerce o trabalho de evangelismo (1Co
1.17; 2.1). Num sentido mais estrito, a palavra de sabedoria também abrange
a revelação de mistérios doutrinários trazidos à luz no tempo do Novo
Testamento pelos apóstolos (1Co 2.7-13). Nesse sentido estrito, a palavra de
sabedoria não existe mais, permanecendo apenas a sua expressão geral, ou
seja, a capacidade de interpretar a realidade à luz da graça e da cruz do
Senhor, expondo isso verbalmente aos outros no evangelismo e no ensino da
igreja.

Palavra de conhecimento: É difícil saber o que Paulo tinha em mente


quando fez distinção entre a palavra de sabedoria e a palavra de
conhecimento. Porém, parece correto que a palavra de conhecimento se
relaciona ao modo como se deve agir na prática da vida cristã. Se for esse o
caso, esse dom é útil para conduzir a igreja ao crescimento na compreensão
da sã doutrina, a fim de fazê-la abandonar comportamentos imaturos ou
errados (1Co 8.7; 15.33-34).

Fé: Não se trata da fé salvadora, pois essa fé é um dom dado a todos os


crentes (Ef 2.8). O dom da fé aqui mencionado é provavelmente uma
convicção de origem sobrenatural de que Deus vai agir de forma especial
numa determinada situação, quer por veículos naturais, quer por meios
milagrosos (1Co 13.2). Essa confiança firme faz o crente agir como se o que
espera estivesse prestes a se realizar (Hb 11.7-12). Não se deve confundir
esse dom com mero otimismo ou com alguma forma de se autoiludir. O dom
da fé é dado por Deus e gera uma surpreendente onda de confiança real no
coração da pessoa.

Curas e operação de milagres: Os dons de curas eram capacidades dadas


por Deus a alguns crentes de erradicar doenças, com o fim de servi-lo. O uso
do plural (“dons de curar”) dá margem para formas diferentes de cura, o que
pode abranger, além do milagre, o uso de meios naturais como remédios e
cuidado médico. Já o dom de operação de milagres, conforme geralmente é
entendido, consistia de realizar maravilhas fora da ordem natural das coisas.
Parece certo dizer que o dom de curas, em sua expressão sobrenatural, era
uma categoria mais específica do dom de operação de milagres que abrangia
prodígios num sentido mais geral. Feitos sobrenaturais foram muito comuns
na fase inaugural da igreja primitiva (At 5.15-16; 6.8; 8.13). Porém, em
poucos anos essa fase começou a apresentar indícios de esfriamento (Fp 2.26-
27; 1Tm 5.23; 2Tm 4.20). A razão disso é que as curas sobrenaturais e os
milagres tinham por objetivo autenticar a mensagem nova que estava sendo
pregada (Mc 16.20; At 14.3; 2Co 12.12; Hb 2.4), não havendo necessidade
dessa autenticação se perpetuar. Por isso, não se vê hoje pessoas com dons de
realizar curas ou feitos milagrosos. Isso, contudo, não significa que o Senhor,
eventualmente, não faça obras grandiosas, além da compreensão humana.
Antes, significa que quando Deus realiza feitos assim, ele o faz em resposta à
oração dos crentes em geral e não por meio de indivíduos dotados por ele
com capacitações sobrenaturais (Tg 5.14-18).

Profecias: Veja-se o que foi exposto no item anterior. Deve-se apenas


acrescentar aqui que uma das responsabilidades da igreja no tocante aos
profetas era avaliar o que eles diziam, comparando suas revelações com as
verdades que o Senhor já havia transmitido (1Co 14.29). De fato, os profetas
deveriam profetizar de acordo com a “proporção da fé” (Rm 12.6), ou seja,
suas profecias deveriam se harmonizar com a doutrina cristã já fixada.

Discernimento de espíritos: Esse dom não consiste de descobrir os nomes


ou as supostas áreas de atuação de demônios, como alguns tendem a crer.
Antes, é a capacidade de discernir a origem de uma mensagem ou ensino, isto
é, trata-se do dom de discernir o que realmente procede do Espírito Santo.
Assim, o crente dotado desse dom detecta se o que está sendo dito (com todos
os seus desdobramentos práticos) é de origem divina ou se é uma doutrina
demoníaca (ou meramente humana) propagada por falsos mestres (1Tm 4.1-
2; 1Jo 4.1-6). Não existe qualquer indício na Escritura ou na história do
cristianismo que aponte para o desaparecimento desse dom, sendo vital a sua
permanência na igreja cristã de todas as épocas.

Variedade de línguas e interpretação: O dom de línguas era a capacidade


dada pelo Espírito Santo a alguns crentes de falar sobre as grandezas de Deus
em um idioma humano jamais aprendido por quem falava (At 2.7-11). Ao
definir esse dom, Paulo citou Isaías 28.11-12, identificando-o, assim, como
um sinal de juízo contra judeus incrédulos que rejeitavam a mensagem de
Deus (1Co 14.21-22). De fato, Deuteronômio 28.46,49 diz que ouvir uma
língua desconhecida seria um sinal do juízo de Deus contra Israel sempre que
esse povo rejeitasse sua mensagem (Jr 5.11-15). Ora, Israel rejeitou o Filho
(At 7.51-53). Por isso, Deus usou a igreja para fazer com que os judeus
daquela geração ouvissem línguas que não entendiam como sinal do juízo
que estava por vir. Esse juízo foi predito por Jesus (Mt 23.37-39) e chegou no
ano 70 AD por mãos do general romano Tito. Uma vez que o castigo contra
Israel sinalizado pelas línguas ocorreu, esse dom deixou de ser necessário e
desapareceu. Obviamente, o fim do dom de línguas trouxe também o fim do
dom de interpretação.

Os dons alistados na Carta aos Efésios


Esses dons designam, na verdade, funções dadas a algumas pessoas com
vistas ao preparo dos crentes para o serviço de Deus, a fim de que a igreja
seja edificada. A lista é pequena e se encontra em Efésios 4.11:

Apóstolo: Num sentido geral, o apóstolo era simplesmente um missionário


pioneiro ou um mensageiro. Nesse sentido, Barnabé e Tiago, por exemplo,
foram chamados de apóstolos (At 14.14; Gl 1.19). Num sentido técnico,
porém, esse termo tinha abrangência bastante limitada, designando apenas
aqueles que viram o Senhor ressurreto e foram investidos diretamente por ele
na função apostólica (At 1.21-22; 1Co 9.1; Gl 1.1), recebendo também, da
parte de Deus, revelações doutrinárias especiais que servem como
fundamento doutrinário para a igreja de todas as épocas (Ef 2.20; 3.4-5).
Nesse sentido estrito, os apóstolos só existiram no século I e foram apenas
doze (Ap 21.14). No Capítulo 8 (A Doutrina Acerca da Igreja) há um quadro
que mostra como o apóstolo no sentido técnico poderia ser identificado.

Profeta: Veja-se nos itens acima as considerações relativas ao dom de


profecia.

Evangelista: É alguém que proclama as boas-novas. Nos tempos do NT


designava especialmente missionários itinerantes que iam de cidade em
cidade anunciando a mensagem de Cristo (At 8.5,26,40; 3Jo 1.7), embora o
termo também seja aplicado a indivíduos que tinham um ministério fixo num
determinado lugar (2Tm 4.5).

Pastor mestre: Essa expressão pode designar duas funções distintas


(pastores e mestres) ou somente a função do ministro que se ocupa de
pastorear e ensinar a igreja. O artigo definido que consta do texto grego
aponta para a segunda opção, realçando a dupla responsabilidade que recai
sobre os pastores, a saber: o cuidado e a instrução do povo de Deus (At
20.28; 1Pe 5.2-3).

LISTAS DE DONS NO NOVO TESTAMENTO


Profecia, serviço, ensino,
Romanos 12.6-
exortação, contribuição,
8
liderança e misericórdia.
Palavra de sabedoria, palavra
do conhecimento, fé, curas,
1Coríntios operações de milagres,
12.8-10 profecia, discernimento de
espíritos, variedade de
línguas e interpretação.
Apóstolos, profetas, mestres,
1Coríntios operadores de milagres, dons
12.28 de curar, socorros, governos,
variedades de línguas.
Apóstolos, profetas,
Efésios 4.11 evangelistas e pastores
mestres.
Falar (de acordo com a
1Pedro 4.10-11
palavra de Deus) e servir

Figuras associadas ao Espírito Santo


A Bíblia associa o Espírito Santo a algumas figuras, realçando diferentes
aspectos da sua obra por meio dessas imagens.

FIGURA REFERÊNCIA SIGNIFICADO


Mt 3.16; Jo Procedência
Pomba
1.32-34 celeste
Lavagem,
Jo 3.5; 7.37-39;
satisfação
Água 1Co 12.13; Tt
espiritual,
3.5
batismo
Espiritualidade,
impossibilidade
Vento Jo 3.8 de ser controlado
em seus
caminhos e ações
Presença de
Fogo At 2.3 Deus, juízo,
purificação
Unção,
capacitação para
Lc 4.18; At
Óleo realizar uma
10.38
tarefa ou assumir
uma função
Segurança, sinal
Selo Ef 1.13-14; 4.30
de propriedade.
CUIDADO! VENENO!

Doutrina da segunda bênção: Ainda que dentro do pentecostalismo


existam crentes verdadeiros, esse movimento erra gravemente ao ensinar que
o batismo do Espírito Santo só ocorre algum tempo depois da conversão
desde que o crente o busque intensamente, devendo ainda ser acompanhado
pelo dom de línguas. A crença de que essa chamada “segunda bênção” só é
obtida depois de muito esforço próprio, por meio de jejuns, vigílias e orações,
tem colocado um peso insuportável sobre os ombros de diversas ovelhas
sinceras de Jesus, além de estimular a hipocrisia por parte de quem finge ter
obtido esse “batismo”. Ora, em Gálatas 3.2, Paulo censura seus leitores
dizendo que o Espírito Santo não pode ser recebido por meio da prática de
obras de devoção.

Continuísmo: Os continuístas defendem a continuidade do apostolado


e/ou dos chamados dons espetaculares, tais como profecias, línguas, curas e
milagres (os que defendem a visão oposta são chamados cessacionistas). São
na maioria pentecostais, mas é possível encontrar continuístas em todas as
denominações evangélicas. Seus argumentos se ancoram, obviamente, nas
passagens bíblicas que tratam desses dons e, em especial, no relato de
experiências que afirmam ter tido ou testemunhado. É, contudo, precisamente
no campo da experiência que a fragilidade do continuísmo se mostra mais
evidente. Isso porque uma busca honesta demonstrará que não é possível
encontrar hoje nenhuma igreja onde os dons espetaculares estejam em vigor
nos termos descritos no Novo Testamento. Ao defender a continuidade desses
dons, os continuístas ficam com o ônus da prova, tendo o dever não somente
de apontar textos bíblicos que provem suas concepções, mas também igrejas
locais em que os referidos dons estejam em completo, constante, nítido e real
funcionamento. É, pois, sua tarefa fornecer, além de referências bíblicas,
endereços postais que provem que os dons espetaculares estão e vigor. Com
efeito, se esses dons perduram ainda hoje, onde é possível encontrá-los? Essa
“prova postal”, porém, que seria muito fácil de produzir caso os tais dons
ainda existissem, nunca pôde ser apresentada pelos continuístas. Tudo o que
se encontra depois de uma acirrada busca são simulacros dos dons
espetaculares, práticas bem diferentes daquelas vividas pela igreja dos tempos
apostólicos.

Testemunhas de Jeová: Dizem que o Espírito Santo é uma força


impessoal, rejeitando sua personalidade e divindade. Na verdade, essa seita
designa o Espírito como a “força ativa de Deus” e chega a usar essa
expressão para traduzir Gênesis 1.2. As Testemunhas de Jeová, ao negarem a
divindade do Espírito, se assemelham aos pneumatomaquianos (oponentes do
Espírito) ou macedonianos (nome originado no Bispo Macedônio de
Constantinopla) do século IV que diziam que o Espírito Santo não tinha
substância divina, sendo apenas uma criatura do Filho.
CAPÍTULO 5

A DOUTRINA ACERCA DO HOMEM


(Antropologia)

– Compreendo, senhor. Estava pensando que bem poderia ter uma


ascendência mais honrosa.
– Descende de Adão e Eva – tornou Aslam – É honra
suficientemente grande para que o mendigo mais miserável possa
andar de cabeça erguida, e também vergonha suficientemente grande
para fazer vergar os ombros do maior imperador da Terra. Dê-se
assim por satisfeito.

C. S. Lewis, O Príncipe e a Ilha Mágica

Introdução
O que é o homem? Como ele surgiu? Qual a razão de sua existência? O
ser humano tem algum grau de dignidade? Se tem, qual é a base dessa
dignidade? O homem é somente um animal constituído de simples matéria
perecível ou sua estrutura abrange algo mais? Tem ele deveres morais? Qual
é a fonte e a base desses deveres?
Essas perguntas e muitas outras são feitas frequentemente por pessoas
que veem com razão a importância que as respostas a elas têm para o sentido
da vida e o procedimento ético. Diante dessas questões, filósofos seculares
das mais variadas tendências elaboraram diferentes respostas, sem que
nenhuma delas fornecesse bases sólidas para o respeito devido ao ser humano
ou para um sistema de conduta que pudesse ser esperado ou exigido das
pessoas.
Os cristãos, por sua vez, creem que a Bíblia responde todas essas
perguntas de modo claro e preciso, formando uma antropologia sadia que
eleva a importância de cada indivíduo e que lança as bases para uma conduta
honrosa.

A criação
Fora da Bíblia não há nada que possa ser dito com certeza sobre a origem
do homem. Os povos antigos legaram vários contos e lendas sobre o
aparecimento da raça humana na Terra, mas todos esses relatos são
desprovidos de credibilidade.
Nos tempos modernos a ciência tem formulado teorias relacionadas à
origem do homem. Essas teorias, porém, baseiam-se mais em hipóteses do
que em fatos demonstráveis.
A verdade é que, à luz do ensino bíblico, o homem não é produto de uma
evolução natural como muitas pessoas acreditam. O homem é, isto sim, um
ser criado por Deus (Gn 1.26-27).

De fato, a Bíblia afirma que o homem recebeu de Deus um organismo


físico formado do pó da terra (Gn 2.7). Além de receber um organismo físico,
ao homem também foi dada uma alma (Gn 2.7).
Veja-se também os textos de Eclesiastes 12.7, Isaías 43.7 e Zacarias 12.1.
VERDADES SOBRE O CORPO E A
ALMA
O CORPO A ALMA
Foi concedida por
Foi formado do pó
Deus ao homem (Gn
da terra (Gn 2.7).
2.7; Zc 12.1).
É reconhecido como
Tem valor
um organismo
incomparável (Mt
maravilhoso (Sl
16.26).
139.14).
É templo do Espírito
Tem personalidade (Sl
Santo no homem que
139.14; Pv 21.10; Mt
se converte (1Co
26.38).
6.19).
É imortal,
Será restaurado na
permanecendo
ressurreição (1Co
consciente após a
15.51-53; Ap 20.4-
morte (Fp 1.22-23;
6).
Ap 6.9-11).

Concepções divergentes sobre a origem da


alma
Traducianismo: A alma dos filhos deriva da dos pais, como acontece com o
corpo. É a concepção de Tertuliano e Agostinho (Gn 5.3; Hb 7.9-10). A
ortodoxia cristã tende para essa posição.

Emanação do Ser Supremo: Um ser supremo origina a alma ao difundir e


propagar sua própria essência. Esse ser supremo pode ser o Logos (estoicos),
o Uno (neoplatônicos) ou a Substância (Spinoza).
Criação simultânea ou pré-existencialismo: Todas as almas foram criadas
por Deus de uma só vez quando o mundo se originou ou pouco antes disso.
Foi a concepção de Platão, Fílon e Orígenes. Essa teoria dá suporte para
ideias reencarnacionistas (Ec 12.7).

Criação individual e direta: Deus cria cada alma no exato momento da


fecundação e a une ao corpo (Nm 16.22; Sl 104.30, Hb 12.9). O problema é
que, nesse caso, Deus criaria uma alma pura e perfeita e a daria ao homem
imperfeito. Outro problema é que Deus cessou sua obra criadora (Gn 2.3).

Evolução da matéria: A alma (entendida apenas como racionalidade,


personalidade, etc.) não tem substância ou existência independente. Trata-se
de um fenômeno da corporeidade, o resultado casual da evolução. É a
posição de Marx e dos materialistas.

A estrutura do ser humano


Há, basicamente, duas concepções distintas acerca da estrutura do ser
humano:

TRICOTOMISMO DICOTOMISMO
O homem é composto por
O homem é
uma parte material (corpo) e
composto de corpo,
uma espiritual (alma ou
alma e espírito. espírito).
Base Bíblica
Mt 10.28; Lc 1.46-47 (aqui
Base Bíblica há um paralelismo em que
1Ts 5.23; Hb 4.12 alma e espírito são
sinônimos); Rm 8.10; 1Co
5.5; 2Co 7.1

Existe, contudo, na Bíblia, bases para a formação de concepções mistas.


Em Gênesis 2.7, por exemplo, a alma é definida como o corpo animado pelo
espírito.

A condição original
Originalmente o homem foi criado:

À imagem e semelhança de Deus (Gn 1.27; 5.1; 9.6; 1Co 11.7). Isto não
significa que o homem é fisicamente semelhante a Deus, pois Deus é espírito
(Jo 4.24) e não tem um corpo. Certamente na expressão “imagem e
semelhança” estão envolvidos a personalidade, o senso moral, a capacidade
de se relacionar num nível pessoal, o poder de dominar a criação e a
espiritualidade, fatores que caracterizam o ser humano e que tanto o diferem
dos animais.
É preciso esclarecer que imagem e semelhança são termos distintos
usados para descrever uma mesma realidade. A expressão encerra um recurso
de linguagem chamado hendíadis, palavra que significa, literalmente, “um
por meio de dois”. Na hendíadis, portanto, duas palavras de conceito básico
levemente distinto são usadas para se referir a um único conceito. Esse é,
pois, o caso de “imagem e semelhança”.
O fato de ter sido criado à imagem e semelhança de Deus torna o homem
um ser digno de respeito.

Com faculdades intelectuais (Gn 2.19-20). Ao ser criado, o homem podia


pensar, falar e tomar decisões. Ele já possuía, então, uma natureza racional.

Com uma natureza moral santa (Ec 7.29). Quando Deus criou o homem,
este não tinha qualquer pecado ou impureza. Certamente esta foi a maior
glória que recebeu. O homem, no princípio, era um ser moralmente perfeito.
O propósito da criação do homem
O Catecismo Maior de Westminster, formulado pela Assembleia de
Westminster (1643-1649), ensina com precisão o propósito principal da
criação do homem:

Pergunta 1: Qual é o fim supremo e principal do homem?

Resposta: O fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus e


deleitar-se nele para sempre.

A base bíblica para esse ensino se encontra em Romanos 11.36; 1Coríntios


10.31; Salmo 73.24-26; João 17.22-24. (Vd. tb. Is 43.7).
CUIDADO! VENENO!
Evolucionismo/materialismo: Afirma que a realidade veio à luz pelo
acaso e que o homem é só mais um item que compõe essa realidade, tendo
surgido por meio de forças impessoais que deram andamento a um longo
processo evolutivo. Foi, assim, por meio da evolução que o ser humano
chegou ao atual estágio em que se encontra biológica e mentalmente. Uma
vez que o homem é somente matéria, não existe vida além-túmulo.

Existencialismo: O termo “existencialismo” abrange uma vasta gama de


ideias e concepções. Em seu formato mais secularizado, porém, parte da
noção de que o homem simplesmente foi jogado e abandonado neste mundo,
de maneira que, se quiser ser feliz, deve viver aqui por conta própria,
elaborando seus valores e tomando suas próprias decisões. Portanto, de
acordo com essa visão, não há nenhum sentido na vida. Contudo, o ser
humano pode vencer esse vazio existindo intensamente, isto é, vivendo de
maneira apaixonada (agindo, sentindo, provando, fazendo...), apesar de estar
num mundo absurdo e muitas vezes cruel. O tempo que o homem tem para
tomar as decisões que vão dinamizar sua vida é muito curto. De qualquer
forma, no fim a morte transformará a existência humana em nada.
Existencialistas famosos são Karl Jaspers, Jean-Paul Sartre, Martin Heiddeger
e Søren Kierkegaard.
Religiões orientais e Nova Era: Toda a realidade é divina, o que inclui o
homem. Sendo divino, o ser humano tem poderes sobrenaturais que deve
desenvolver e também detém a prerrogativa de criar suas próprias verdades.
Por meio da reencarnação, as pessoas vivem várias vidas até alcançar uma
consciência plenamente iluminada e, enfim, dissolver-se na força do cosmos.
CAPÍTULO 6

A DOUTRINA ACERCA DO PECADO


(Hamartiologia)

Frequentemente eu tenho tido percepções muito profundas da minha


própria pecaminosidade e vileza; e muitas vezes isto me faz chorar
amargamente (...). Quando olho para o meu coração e vejo a minha
iniquidade, ela se parece com um abismo infinitamente mais
profundo que o inferno.
Jonathan Edwards (1703 - 1758)

Introdução
O conceito bíblico de pecado e todas as verdades cristãs acerca desse
tema não têm recebido a merecida atenção nos tempos atuais, nem por parte
do mundo (obviamente), nem tampouco da igreja em geral
(lamentavelmente).
Pouco se fala sobre o maior problema da humanidade, o que é lastimável,
posto que o pecado está na raiz de todas as desgraças que se abatem sobre os
indivíduos, as famílias e a sociedade como um todo.
As razões dessa negligência são, basicamente, duas: o secularismo que
domina a sociedade e o utilitarismo que invade as igrejas. Movidos pelo
secularismo, os homens tendem a explicar toda má conduta com base em
noções científicas, como doenças ou distúrbios psíquicos ou sociais,
rejeitando qualquer ideia de pecado. Impulsionadas pelo utilitarismo, as
igrejas, por sua vez, tendem a evitar qualquer assunto que retarde ou impeça
o seu crescimento, afastando as pessoas que as visitam. Daí o silêncio acerca
de temas como o pecado e todas as suas conseqüências tanto aqui como na
vida futura.
A Bíblia, contrariando isso tudo, fala bastante sobre o pecado, tratando do
assunto com notável clareza. O traço que tanto caracteriza a raça humana não
deixa de receber ampla atenção na Palavra de Deus. É, pois, esse aspecto da
doutrina cristã, tão compreensivelmente mencionado nas páginas das
Escrituras, que é exposto a seguir.

O significado de “pecado”
A Bíblia diz que “as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o
vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós para que vos
não ouça” (Is 59.2). Isso mostra que, basicamente, o pecado é algo que
provoca o rompimento das relações do homem com Deus.
Falando, porém, de modo mais específico, o pecado pode ser definido
como:

1. Omissão do dever (Tg 4.17).


2. Atitude errada para com Deus (Nm 21.7; Mc 3.29; 1Co 10.31).
3. Transgressão de lei (1Jo 3.4).
4. Ação errada em relação aos homens (Pv 14.21; Tg 2.9).
5. Não crer em Jesus (Jo 16.8-9).
6. A tendência natural para o erro (Rm 7.15-17).
Os três aspectos do pecado
AÇÃO PECAMINOSA: Refere-se às práticas que desagradam a Deus.
Todo homem as comete, tanto o salvo como o não salvo (Sl 51.4; 1Jo 1.8-10;
3.4). Dentro desse aspecto estão também as omissões que o Senhor reprova
(Tg 4.17).

NATUREZA PECAMINOSA: É a tendência natural que o homem tem


para o mal desde o seu nascimento (Sl 51.5; Rm 7.15-25). Essa natureza
caída, ao que tudo indica, é transmitida de pai para filho (Gn 5.3; Sl 51.5).
Por ser uma realidade ligada à depravação total do ser humano (Rm 3.10-12),
a natureza pecaminosa compõe o conceito de “pecado original”.

CULPA: Não é propriamente uma expressão do pecado, mas sim o


impacto jurídico que a transgressão de Adão teve sobre toda a humanidade,
tornando-a condenável (Rm 5.15-19; 1Co 15.22). Esse impacto sobrevém ao
homem por imputação, uma vez que Adão era o representante de cada ser
humano (concepção federalista).
Alguns teólogos entendem que a humanidade não teve em Adão um
representante, mas sim que ela estava contida seminalmente nele (como Levi
estava em Abraão, cf. Hb 7.9-10), sendo participante do pecado cometido no
Éden (Rm 5.12). Segundo essa concepção, o homem não é condenado por
ser-lhe imputada a culpa de Adão, mas sim por sua própria culpa.
Seja qual for a posição adotada, o fato é que todos os homens nascem sob
a condenação decorrente do primeiro pecado (Rm 3.9-10). Quando, porém,
alguém crê em Cristo, essa condenação é anulada. A isso é dado o nome de
justificação (Rm 3.23-24; 5.1; 8.1).
Deve ficar claro que ao morrer na cruz, Cristo não anulou a possibilidade
de o crente cometer transgressões. Tampouco ele remove a natureza
pecaminosa da pessoa que se converte, ainda que a enfraqueça pela ação do
Espírito Santo (Rm 8.1-4; Gl 5.16,24). A verdade é que, infelizmente, o
cristão ainda não está livre dos dois aspectos do pecado aqui denominados
como “ação pecaminosa” e “natureza pecaminosa”. Por isso, o crente aguarda
ansiosamente o dia em que seu livramento será total (Rm 7.24-25; 8.23; 2Pe
3.13; 1Jo 3.2-3).
O único aspecto do pecado que Cristo anulou totalmente na cruz foi a
culpa. Sua morte teve um efeito jurídico. Ele sofreu em lugar do pecador o
castigo da condenação que lhe era devido (Is 53.5; 1Pe 2.24; 3.18). Por isso,
o crente desfruta da posição de justo diante de Deus sem ter que temer
qualquer julgamento ou sentença (Rm 5.1; 8.1). Ao contrário do que muitos
dizem, essa doutrina jamais deve encorajar o pecado (Rm 6.1-2).

O alcance do pecado
Nada no universo que Deus criou está fora do alcance do pecado. Tanto a
realidade material como a espiritual foram afetadas pela rebelião de criaturas
racionais contra o seu Criador. Assim, o pecado atingiu:

Os céus:O pecado entrou no universo por causa da rebelião de Satanás que,


segundo a tradição hermenêutica (questionada por alguns exegetas), é
descrita em Isaías 14.12-15 e Ezequiel 28.12-15. Isso afetou os céus de modo
a infestar as regiões celestiais de anjos caídos (Jó 1.6; Ap 12.7) que também
fazem guerra contra o crente (Ef 6.11-12).

A terra: Com a queda do homem, o pecado afetou a terra, sujeitando a


natureza ao sofrimento e à inutilidade (Rm 8.18-23). Tanto o reino vegetal
(Gn 3.17-18) como o animal (Gn 9.1-3) foram prejudicados, além de toda a
humanidade (Ec 7.20; Rm 3.10-12,19,23; 5.12).

A origem do pecado do homem


O pecado, ao se perfazer na história humana, passou pelas seguintes
etapas:

Prova: Refere-se ao período durante o qual o homem foi sujeito ao teste que
consistia na obediência a uma ordem específica de Deus (Gn 2.15-17). Não
se sabe quanto tempo esse período durou.

Tentação: Refere-se à atividade maliciosa e persuasiva que Satanás, sob a


forma de serpente, exerceu sobre Eva, bem como à ação da mulher em
oferecer o fruto ao seu marido (Gn 3.1-6; 1Tm 2.13-14).

Queda: Refere-se ao fato de o homem ter cedido à tentação, quebrando a


ordem de Deus. A desobediência do homem foi voluntária. Como ser pessoal,
dotado de real livre-arbítrio, Adão pôde exercer plenamente sua capacidade
de escolha quando decidiu desobedecer ao Criador (Gn 3.6; Rm 5.12-19;
1Tm 2.14).

Os resultados da queda para a humanidade


Toda a raça humana estava, de algum modo, ligada a Adão quando ele
pecou. Por isso, os resultados de sua desobediência sobrevieram a todos os
homens (Rm 5.12-19).
As consequências do pecado de Adão para a raça humana foram as
seguintes:

A terra foi amaldiçoada, exigindo trabalho árduo para produzir alimento


(Gn 3.17-19).
A mulher passou a ter dores no parto e conflitos no campo da sujeição
ao marido (Gn 3.16).
Todos os homens são pecadores e estão sob condenação (Rm 5.16,18).
A morte, física e espiritual, entrou no mundo (Gn 2.17; 3.19; Rm
5.12,15,17; Ef 2.1).
A penalidade da morte eterna passou a existir (Rm 6.23; Jd 13; Ap
20.14-15).
Os efeitos da queda de Adão podem também ser observados a partir dos
rompimentos que causou, conforme ilustrado a seguir:

1. O rompimento da harmonia do homem com Deus (Gn 3.8).


2. O rompimento da harmonia do homem consigo mesmo (Gn
3.10,16a,19c).
3. O rompimento da harmonia do homem com seu semelhante (Gn
3.12,16b).
4. O rompimento da harmonia do homem com a natureza (Gn 3.17-19;
9.2).
5. O rompimento da harmonia na natureza (Rm 8.19-22).
6.

A depravação total
O pecado afetou o ser humano em sua totalidade. A esse efeito
devastador do pecado, dá-se o nome de “depravação total”.
Cabem aqui algumas ressalvas. Quando se diz que o homem é totalmente
depravado, isso não significa que cada pessoa do mundo pratica todas as
formas de abominação imagináveis. Também não significa que os seres
humanos são incapazes de realizar qualquer ato de bondade ou virtude.

A doutrina da depravação total afirma, isto sim, que as faculdades do ser


humano foram todas afetadas pelo pecado, não que sua conduta é sempre
marcada por todo tipo de ações más.
O quadro a seguir mostra o alcance da destruição do pecado no ser
humano, fornecendo algumas bases para a doutrina da depravação total.

ÁREA
EFEITO BASE BÍBLICA
AFETADA
O interior do homem Gn 6.5; Sl 58.3; Mt
é uma fonte 15.18-19
Mente
inesgotável de
palavras e ações más.
O homem não Rm 3.11; 1Co
consegue entender as 1.18; 2.14; 2Co
realidades espirituais. 3.14-15; 4.3-4
O homem tem sua Is 5.20; Rm 1.32;
capacidade de julgar Ef 4.17-19; 1Pe 4.4
Intelecto entre o bem e o mal
limitada.
O homem tende a Sl 14.1; Mt
acolher as mentiras e 24.5,11; 2Ts 2.9-
fábulas mais 11; 2Tm 4.3-4
grosseiras.
O ser humano se
Jó 15.16; Is 66.3;
alegra em práticas
2Ts 2.12; 2Pe 2.13
detestáveis.
O ser humano não
nutre afeto algum Jr 6.10
Emoções
pela Palavra de Deus.
O ser humano ama as
trevas, mas odeia Jo 3.19; 15.18-19;
Cristo e seus 1Jo 3.13
discípulos.
O homem não
Jr 13.23; Rm 7.15-
consegue realizar
23
suas boas decisões.
O homem não
Jo 1.13; 6.44,65;
Vontade consegue, por si só,
Rm 3.11
optar por ir a Cristo.
O homem deseja
fazer a vontade da Rm 8.8; Ef 2.1-3
carne.

O pecado e o livre-arbítrio
Livre arbítrio não é, como muitos pensam, a capacidade natural que as
pessoas têm de fazer as escolhas gerais do dia-a-dia. Isso, na verdade, é mera
expressão do exercício comum da vontade e, ainda que sofra as influências
do pecado, não foi erradicada com a queda do homem no Éden.
Observe-se a seguir uma possível definição de livre-arbítrio:

O homem desfrutou dessa faculdade antes da queda. Ao ser totalmente


corrompido pelo pecado, porém, isso se perdeu. Mesmo no homem
convertido o livre-arbítrio não foi plenamente restaurado. De fato, todo crente
descobre, com tristeza, que o querer o bem está nele, não, porém, o efetuá-lo
(Rm 7.18-19) e que existe em sua carne uma lei que limita seu poder de
realizar o que quer (Rm 7.21).
A prova cabal do fim do livre-arbítrio não está, contudo, na área das
ações, posto que, eventualmente, os homens fazem “o bem que querem”. A
prova cabal do fim do livre-arbítrio está no campo das inclinações. Com
efeito, todo indivíduo que decide não desejar algo ou não inclinar-se para
determinada paixão percebe de pronto que essa decisão não surte efeito
algum, sendo necessária uma longa batalha para que o mau desejo ou a
inclinação perversa sejam (talvez!) neutralizados.
Por ter perdido o livre-arbítrio, o homem corrompido só pode decidir
acolher o evangelho e crer efetivamente em Cristo se Deus agir
poderosamente em seu coração (At 16.14). A partir de si mesmo, essa decisão
é impossível (Jó 14.4).

O crente e o pecado
Cristo proveu o sacrifício necessário para a satisfação da justiça de Deus
(1Jo 2.2), de forma que, graças à sua obra na cruz, toda transgressão pode ser
perdoada. Assim, o crente deve confessar seus pecados a Deus sabendo que
ele é fiel e justo para purificá-lo de toda injustiça (1Jo 1.9). Essa confissão
deve ser expressão de verdadeiro arrependimento (Tg 4.8-9).

No tocante à natureza pecaminosa, o crente deve, pelo poder do Espírito


que nele habita, enfraquecê-la, a fim de não andar sob os ditames de suas
paixões carnais (Rm 6.12-13; 8.13; Gl 5.16-26; Ef 4.17-24; Cl 3.5). Ele deve
fazer isso sabendo que foi revestido de uma nova natureza (Rm 8.1-5, 9; 2Co
5.17; Cl 3.9-10) que o capacita a não viver como escravo de suas más
inclinações.
CUIDADO! VENENO!
Humanismo otimista: Rejeita qualquer noção de pecado ou de
depravação do ser humano. Parte do pressuposto de que os desvios de
comportamento das pessoas são devidos a influências externas tais como a
educação recebida no lar, o ambiente social, as experiências de frustração ou
sofrimento e as pressões culturais e/ou religiosas. Os indivíduos são dotados,
portanto, de bondade intrínseca, a qual pode aflorar caso os fatores restritivos
externos sejam afastados. Esses pressupostos são acolhidos por algumas
vertentes da psicologia e da sociologia seculares.

Evolucionismo ateísta: Em suas expressões mais radicais, ensina que o


homem está evoluindo não só na esfera biológica, mas também moral. Isso,
porém, não significa que o ser humano está crescendo no cultivo de boas
virtudes, mas sim que, em seu amadurecimento cultural, caminha no rumo da
total liberdade em relação a qualquer padrão ético que lhe seja imposto. Uma
vez que não existe Deus, o pecado e os conceitos de bem e mal são somente
fábulas. Por isso, no auge de sua evolução “espiritual”, o homem se verá livre
de qualquer consciência que lhe imponha uma conduta considerada louvável
à luz dos velhos ensinos cristãos.
CAPÍTULO 7

A DOUTRINA ACERCA DA SALVAÇÃO


(Soteriologia)

Tu me chamaste e teu grito rompeu a minha surdez. Fulguraste e


brilhaste e tua luz afugentou a minha cegueira. Espargiste tua
fragrância e, respirando-a, suspirei por ti. Eu te saboreei, e agora
tenho fome e sede de ti. Tu me tocaste, e agora estou ardendo no
desejo da tua paz.

Agostinho de Hipona, Confissões, X:27

Introdução
No anseio de cumprir a ordem de Jesus de evangelizar o mundo inteiro,
os cristãos frequentemente falam sobre a salvação em suas conversas com os
não crentes. Isso, às vezes, gera certa confusão, pois os incrédulos não
entendem o que significa a afirmação de que o pecador precisa ser salvo. Por
isso, é preciso que o discípulo de Jesus tenha em mente noções bem claras
acerca da soteriologia bíblica, caso queria falar de forma mais eficaz acerca
das boas-novas que deve proclamar.
Basicamente, salvação é o livramento da punição eterna do pecado (no
momento em que se crê em Cristo), do poder escravizante do pecado (na
medida em que o cristão cresce em santidade) e da presença maligna do
pecado (quando o homem redimido estiver enfim com o Senhor). Esse
livramento só é obtido pela fé em Cristo como o Filho de Deus que morreu
pelos pecados da humanidade, mas ressuscitou dentre os mortos para
justificação de todo o que crê (Jo 3.16; Rm 4.25).
A salvação, em sua plena consumação, abrange a alma do crente que é
levada ao céu quando chega a morte (At 7.59; Fp 1.23) e o seu corpo que será
revestido de incorruptibilidade ao tempo da ressurreição ou do arrebatamento
da igreja (1Co 15.51-55; 2Co 5.1-8; 1Ts 4.16-17).
Neste capítulo serão brevemente expostos os diferentes aspectos que
compõem a doutrina da salvação, conforme apresentada na Bíblia.

A predestinação
Os verbos “predestinar” e “predeterminar” traduzem a palavra grega
proorízo. Predestinar é destinar de antemão e se trata de uma ação de Deus
que abrange todos os eventos (At 4.27-28). No campo da soteriologia, a
Bíblia afirma que Deus predestinou os crentes para serem conforme a
imagem de seu Filho e que o resultado final disso será a glorificação deles
(Rm 8.29-30).
Deus também predestinou os crentes para a adoção de filhos. Isso teve
como única causa a livre escolha do Senhor, realizada segundo o conselho da
sua vontade (Ef 1.5,11).
O propósito último da predestinação dos crentes é o louvor da gloriosa
graça de Deus (Ef 1.6).

A eleição
A eleição (Gr. eklogé / eleitos, Gr. eklektoí) diz respeito ao ato livre e
soberano de Deus de escolher aqueles que, sem mérito algum, serão alvos
efetivos da sua graça salvadora (Rm 9.14-24; 11.3-8).
O ato divino de eleger os que seriam salvos ocorreu na eternidade, antes
da fundação do mundo (Ef 1.4), e foi realizado conforme a graça e a livre
determinação do Senhor (2Tm 1.9; 1Pe 1.1-2), e não de acordo com qualquer
fator positivo que ele, porventura, tenha visto previamente no homem (Rm
9.11,16; 11.5-6). De fato, a eleição não busca homens dignos, mas sim
produz homens dignos (Cl 1.12), fazendo deles veículos de bênçãos (Mc
13.20) e protegendo-os do engano (Mt 24.24).
O Novo Testamento enfatiza que não há nenhuma injustiça da parte de
Deus em seu ato de eleger quem ele quer para a salvação (Rm 9.13-20).

Ao contrário do que dizem, a eleição não desestimula o evangelismo. Em


vez disso, essa doutrina encoraja a pregação da fé (At 18.9-10), uma vez que
afirma que os eleitos, cedo ou tarde, atenderão à mensagem das boas-novas
(Jo 10.16; At 13.48; 1Ts 1.4-5; 2Ts 2.13-14) e que os escolhidos que estão
dispersos serão, com certeza, reunidos num só corpo, cumprindo enfim o
plano infalível de Deus (Mt 24.31; Jo 11.51-52).

A aquisição
Deus comprou (Gr. agorázo) ou adquiriu (Gr. peripoiéo) o crente para si
e o preço que pagou foi o sangue de seu próprio Filho. Como um escravo que
foi adquirido por precioso valor, o cristão agora pertence a Cristo, sendo
servo dele para sempre (At 20.28; 1Co 6.20; 7.23; Ap 5.9).

A libertação
De acordo com Gálatas 3.10-11, todas as pessoas estão debaixo da
maldição da lei, sendo consideradas condenáveis diante de Deus em virtude
de sua transgressão. O crente, porém, foi liberto (Gr. vb. exagorázo) dessa
maldição, pois Cristo o substituiu na cruz, fazendo-se, ele próprio, maldição
em lugar do pecador (Gl 3.13).
Cristo também libertou o crente do fardo da Lei a fim de que o homem
salvo não viva como um escravo oprimido, mas desfrute do status de filho de
Deus por adoção (Gl 4.5-6).

A redenção
No conceito de redenção (Gr. lytrosis – Hb 9.12 / apolytrosis – Rm 3.24;
Ef 1.7) está embutida a ideia de livrar por meio do pagamento de um resgate
(Gr. lytron – Mt 20.28). Por meio do pagamento realizado por Cristo na cruz,
os crentes foram resgatados (Gr. vb. lytróo) da iniquidade (Tt 2.14) e da
maneira vazia de viver (1Pe 1.18).
A redenção do crente tem também um aspecto futuro, adquirindo o
sentido de livramento da presente realidade marcada pelo pecado e seus
efeitos (Rm 8.23; Ef 1.14; 4.30).
A vocação
A vocação (Gr. klesis / aquele que é chamado, Gr. kletós, vb. kaléo) de
que se trata aqui é o chamado especial que o Senhor dirige unicamente aos
eleitos (Rm 1.6; 8.28,30; 1Co 7.17-24; Ef 4.1,4; Cl 3.15; Hb 3.1). Trata-se de
um convite diferente do chamado geral, dirigido a todas as pessoas (Mt
11.28; 22.14), uma vez que a vocação salvífica é eficaz e sempre conduz o
eleito a Cristo (1Tm 6.12; Jd 1). Essa vocação especial é baseada unicamente
na graça de Deus, sem que o homem chamado tenha mérito algum (2Tm 1.9).
A resposta positiva à vocação salvífica é garantida porque esse chamado,
uma vez que é dirigido somente aos eleitos, é acompanhado pela obra de
convencimento do Espírito Santo que, com paciência e docilidade, atua no
coração do indivíduo até que ele entenda e aceite a mensagem cristã (At
16.14).
Frise-se que essa obra eficaz de vocação e convencimento não é realizada
em cada ser humano (Rm 11.4; 1Co 1.23-26), do contrário todos os homens
seriam salvos, hipótese que, como é sabido, jamais se cumprirá (Mt 25.46;
2Ts 1.9).
Assim, conforme dito, somente os eleitos são objeto do chamado gracioso
(Rm 8.28-30; 2Ts 2.13-14). Estes, ainda que possam resistir à ação de Deus
em sua vida durante algum tempo, no fim fatalmente se rendem à voz de
Cristo e, ansiando por ele, curvam-se aos seus pés cheios de fé,
arrependimento e gratidão (Jo 10.16). Os demais, porém, são deixados na
incredulidade ou punidos com endurecimento ainda maior (Is 63.17; Jo
12.37-40; Rm 1.24-28; 9.17-18; 11.7-10; 2Ts 2.11).

O chamado eficaz é necessário porque, segundo a Bíblia, nenhuma


pessoa pode se voltar para Deus ou para Cristo sem que primeiro o Senhor
realize nela uma obra sobrenatural, inclinando-a para a verdade, para a
obediência e para a fé (Lm 5.21; Ez 36.25-27; Jo 6.44,65; Fp 2.13).
Deve-se ainda notar que a vocação salvífica se constitui na prova de que
a salvação de um indivíduo depende primariamente da vontade e da ação de
Deus (Mt 11.27; Jo 1.13; 5.21; Tg 1.18). A salvação pertence a ele (Jn 2.9) e
sem a sua iniciativa ninguém poderá ser liberto da incredulidade (Jo 6.37; Ef
2.8).

O perdão
Na esfera da soteriologia, perdoar (Gr. charízomai / perdão, Gr. áfesis,
vb. afíemi) é o ato de Deus que consiste em cancelar toda a dívida que o
pecador tem com ele (Cl 2.13), deixando-o livre para prosseguir, sem
qualquer cobrança (Veja-se uma ilustração disso em Mateus 18.23-27).
Esse perdão salvífico é único e ocorre ao tempo da conversão (At 10.43).
Nesse aspecto, é diferente do perdão que, diversas vezes ao longo da jornada
cristã, Deus concede ao crente que confessa seus pecados (1Jo 1.9).
O perdão salvador de Deus só é possível porque Cristo sofreu as
consequências do pecado (Ef 1.7; 4.32).

A justificação
Justificar (Gr. dikaióo) é declarar justo ou livre de culpa e de castigo.
Assim, a justificação (Gr. dikaíosis) é o ato judicial de Deus, baseado na
obra de Cristo, mediante o qual ele atribui justiça ao homem que deposita sua
confiança em Jesus, livrando-o da condenação decorrente da culpa do pecado
(At 13.38-39; Rm 3.21-24; 5.1; 8.1,30,33-34; Fp 3.9; Tt 3.5-7).
Obviamente, a justificação abrange o perdão (Rm 4.6-8), mas vai além
desse conceito, pois não somente cancela os pecados do homem que crê, mas
também atribui a ele a justiça de Cristo realizada na cruz (Rm 5.18; 2Co
5.21).
A justificação é imediata, ou seja, ocorre no exato momento em que o
homem passa a ter fé em Cristo (Rm 4.5).

A reconciliação
Reconciliação (Gr. katallagé, vb. katallásso) é o restabelecimento da paz
entre Deus e o homem. Por causa do pecado, o relacionamento entre ambos
foi rompido (Is 59.2; Tg 4.4). Cristo, porém, sofreu em seu corpo, pela morte,
as consequências dessa inimizade (Cl 1.21-22 – aqui consta o verbo
apokathístemi, restaurar). Agora, quem crê nele é reconciliado com Deus,
sendo salvo da sua ira (Jo 3.36; Rm 5.9-11). Assim, a reconciliação ocorre
por meio de Cristo e abrange o perdão dos pecados (2Co 5.18-19).
A mensagem que anuncia a disposição de Deus em reconciliar o homem
consigo, mediante Jesus, é o cerne das boas-novas pregadas pelos apóstolos,
sendo essa a mensagem que faz do evangelista um embaixador de Deus (2Co
5.20).
A reconciliação que ocorre no momento da conversão é única e
definitiva. Porém, há um aspecto da reconciliação que é mais dinâmico e que
envolve repetição. Trata-se das situações em que o crente vê seu
relacionamento com Deus ser abalado por causa do pecado pessoal. Nesses
momentos a orientação bíblica é que o cristão busque, pelo arrependimento e
obediência, a restauração da comunhão que foi rompida (2Co 5.20).

A adoção
O termo “adoção” (Gr. huiothesía) é usado para descrever a posição que
o crente ocupa diante de Deus, desfrutando dos direitos e privilégios de filho.
Por causa da adoção, o cristão deixa de ser como um escravo que vive
debaixo do medo e começa a participar de um relacionamento com o Senhor
marcado por intimidade e segurança (Rm 8.15; Gl 4.5-6). Também pela
adoção, o homem se vê livre do jugo escravizante da lei e entra para a
condição de herdeiro de Deus (Rm 8.17; Gl 4.7).
A adoção é garantida na predestinação feita pelo Pai (Ef 1.5), é efetivada
na conversão ao Filho (Jo 1.12) e é testificada no coração pelo Espírito (Rm
8.16).

A regeneração
Basicamente, regenerar (Gr. anagennáo / regeneração, Gr. palingenesia,)
significa gerar de novo. Não se trata, portanto, de uma mera reforma na vida
de alguém, mas sim de um novo nascimento que ocorre na esfera espiritual
(Jo 3.3-6; 1Pe 1.3,23; 1Jo 3.9) e cuja origem está em Deus.
Conforme o ensino de Jesus, ser regenerado é nascer “da água e do
Espírito” (Jo 3.5). Essa expressão evoca a Nova Aliança mencionada em
Ezequiel 36.25-27. Dessa passagem se depreende que nascer “da água e do
Espírito” é ser purificado dos pecados e habitado pelo Espírito Santo (Tt 3.5-
6).

Note-se que a regeneração é um ato soberano de Deus. É somente por sua


vontade e poder que alguém nasce de novo (Jo 1.13; Tg 1.18). Aliás, a
palavra traduzida como “de novo” em João 3.3 (Gr. ánothen), também
significa “do alto”, indicando que a causa primária da regeneração é celeste e
não terrena.

A vivificação
A Bíblia ensina que o homem incrédulo está morto em meio a delitos e
pecados. Ocorrendo, porém, a fé em Cristo, o pecador é ressuscitado,
recebendo vida espiritual (Ef 2.1,5) e perdão (Cl 2.13).
Ao ser vivificado (Gr. vb. syzoopoiéo, ser vivificado com), o crente é, de
certa maneira, elevado à esfera celeste, onde desfruta de privilégios e bênçãos
em sua nova associação com o Cristo ressurreto (Ef 1.3; 2.6).

A recriação
O cristão é o prenúncio presente da nova criação futura (Ap 21.5). De
fato, a Bíblia diz que quem está em Cristo é parte da nova criação (Gr. kainé
ktísis) de Deus. O efeito disso é que o homem assim recriado abandona
concepções e cosmovisões mundanas (1Co 2.16; 2Co 5.16-17) e, na prática,
se vê comprometido com as boas obras, assim definidas segundo os padrões
de Deus (Ef 2.10; 4.23-24).
Nessa recriação, a imagem de Deus no homem, que foi pervertida pelo
pecado desde o Éden, entra num processo dinâmico e glorioso de restauração
(2Co 3.18; Cl 3.10).

A preservação
A doutrina da preservação é também conhecida como doutrina da
perseverança dos santos. Grosso modo, essa doutrina ensina que aqueles que
Deus escolheu por sua graça jamais poderão perder a salvação, ainda que
estejam sujeitos a quedas e até a desvios temporários.
Uma das bases para essa doutrina está na afirmação de que a salvação
abrange uma sequência de ações de Deus que começa na eternidade passada e
se conclui com a glorificação perene no futuro (Rm 8.29-30). Considerando a
soberania e o poder de Deus, essa sequência não pode ser frustrada ou
interrompida.

De fato, no texto de Romanos 8.29-30, vê-se que a corrente da salvação


mostra seu elo inicial quando Deus conhece de antemão e predestina aqueles
a quem decide alcançar. Em seguida, ele chama e justifica essas pessoas,
glorificando-as finalmente.
Evidentemente, não há como quebrar esse processo, estando a salvação
garantida, inclusive, pelo selo do Espírito que é o penhor da herança eterna
(Ef 1.13-14).
Ademais, é absurdo conceber o Deus da Bíblia como um ser incapaz, que
predestina alguém para salvar, chama-o e o justifica, mas no fim não
consegue glorificá-lo. Aliás, indo precisamente contra essa ideia, a Bíblia
afirma que é pelo poder de Deus que os crentes são guardados para a
salvação (Jo 10.28-29; 1Ts 5.23-24; 1Pe 1.5; 5.10; Jd 24-25).
Outra base para a doutrina da preservação está no conceito de novo
nascimento. Jesus ensinou que o homem salvo é aquele que nasceu de novo
pela fé nele, podendo agora ver o reino celeste (Jo 3.3). Sabe-se também que
quem nasce de novo se torna filho de Deus (Jo 1.12-13; 1Jo 5.1).
Evidentemente, para perder essas bênçãos, o crente teria que “desnascer”. E
mais: se quisesse recuperá-las teria de nascer de novo de novo! Ora, essas
possibilidades não existem nas Escrituras. Nascer de novo ou ser regenerado,
tornando-se filho de Deus, é experiência única e, infalivelmente, resulta na
salvação do crente (Gl 3.26-29).
A doutrina da preservação dos santos também se sustenta na afirmação de
que a salvação não pode ser anulada pelo pecado individual do crente. Em
1Coríntios 5.1-5, Paulo fala de um crente que tinha envolvimento sexual com
a mulher do próprio pai. Era um pecado tão grave que ele diz não ser comum
nem mesmo entre os pagãos (v.1), devendo esse homem ser “entregue a
Satanás” (v.5), o que significa ser expulso da igreja (v.13). Isso, porém, não
fez com que aquele homem perdesse a salvação. Na verdade, Paulo diz que a
disciplina poderia trazer a destruição do corpo, mas que o espírito daquele
homem seria salvo (v.5). Ademais, em 1João 2.1, é ensinado que se algum
crente pecar, isso não gera sua condenação eterna, mas sim sua defesa, feita
por um “Advogado junto ao Pai: Jesus Cristo, o justo”.
Finalmente, é importante observar que a segurança do homem salvo é
testificada pelo próprio Espírito Santo em seu interior (Rm 8.15-16).
Outros textos que falam da segurança do crente são os seguintes: João
6.37-40; Romanos 5.8-10; 8.33-39; 1Coríntios 1.7-8; 3.15; Efésios 4.30;
Filipenses 1.6 e Hebreus 7.25.
A santificação
Basicamente, santificação (Gr. hagiasmós) é a separação de algo por
Deus para o seu uso. Quando relacionada à salvação do homem, a
santificação pode ser posicional e experimental.

Santificação posicional: É a fase instantânea da santificação que tem lugar


no momento em que a pessoa aceita Cristo como Salvador (1Co 6.11). Nesse
instante, o homem passa a ocupar o status de santo diante de Deus, ou seja, é
considerado separado para pertencer a ele e para servi-lo.

Santificação experimental: É a fase progressiva da santificação (Rm


6.19,22; 2Co 7.1; 1Ts 4.3-7; Hb 12.14). Começa no momento da conversão e
segue se desenvolvendo até o dia da glorificação (Fp 1.6). O texto de
2Coríntios 3.18 diz que o cristão é transformado de um grau de glória em
outro, sendo aperfeiçoado em santidade.
A glorificação
A glorificação (Gr. vb. doxázo) diz respeito à consumação da salvação do
crente (Rm 8.17-18,21,30; 1Pe 5.4). Na glorificação o salvo entra para um
estado de total livramento do pecado e dos seus efeitos, passando a habitar
com o Senhor para sempre (Cl 3.4; 1Jo 3.2).
Essa fase abrange não somente a entrada da alma no céu (Lc 23.43; At
7.59; Fp 1.22-23), mas também, em sua realização completa, na ressurreição,
o recebimento de um corpo transformado, totalmente livre de corrupção e
sobre o qual a morte não tem poder (Rm 8.23; 1Co 15.42-43,51-54; 2Co 5.1-
4).
O ambiente definitivo em que a glorificação será desfrutada é a nova terra
que o Senhor há de criar (Ap 21.1-4).

Como ser salvo


A salvação ocorre pela fé em Cristo (Jo 3.16-18; Rm 1.16-17; Ef 2.8-9).
Essa fé é precedida pela pregação, é acompanhada pelo arrependimento e é
seguida de perseverança e frutos. Se não for assim, será uma fé falsa e logo
deixará de existir.

Base bíblica para a pregação como fator que precede a fé: Lucas
16.31; João 17.20; Romanos 10.13-17; 1Coríntios 1.21; Efésios 1.13;
2Timóteo 3.14-15; Tiago 1.18,21; 1Pedro 1.23.

Base bíblica para o arrependimento como fator que acompanha a fé:


Mateus 21.28-32; Marcos 1.15; Atos 2.37-41; 3.19; 11.18.

Base bíblica para a perseverança e os frutos como fatores que


decorrem da fé: 1Tessalonicenses 1.3-10; Hebreus 10.39; 1Pedro 1.5; 1João
5.4-5.
A fé salvadora é a aceitação de Cristo conforme ele é apresentado nas
Escrituras (Jo 1.12; At 8.37; 1Jo 5.10-12), isto é, como o Filho de Deus que
veio ao mundo para morrer pelos pecados, tendo depois ressuscitado dentre
os mortos (Rm 10.9; 1Co 15.3-4). Essa fé implica o abandono de qualquer
outro caminho para ser salvo e a dependência plena e exclusiva da obra
completa de Cristo (At 4.12; Gl 2.16; Fp 3.7-9).
A fé mediante a qual alguém é salvo tem origem sobrenatural (Ef 2.8; Fp
1.29; Hb 12.2) e, por isso, perdura e frutifica. Essa é a fé dos eleitos (Tt 1.1).
Quando a fé é apenas uma anuência intelectual ou uma reação emocional,
ela se mostra improdutiva e logo desaparece (Mt 13.20-22). Essa é a fé morta
que nada produz, pouco perdura e a ninguém salva (Jo 2.23-25; 12.42-43; Tg
2.14,17,26).

CUIDADO! VENENO!
Arminianismo: O ensino bíblico que afirma que o crente não perde a
salvação é chamado tecnicamente de doutrina da perseverança dos santos.
Trata-se de um dos temas principais defendidos pela teologia reformada.
Dentro do protestantismo, a vertente que se opõe à doutrina da perseverança
dos santos é o arminianismo, sistema idealizado pelo teólogo holandês Jacó
Armínio (1560-1609). Entre outras coisas, o arminianismo nega a fórmula
“uma vez salvo, salvo para sempre”. Ainda que esse modelo tenha sido
condenado pelo Sínodo de Dort (1618-1619), muitas igrejas evangélicas
modernas o adotam, sendo possível encontrar seus expoentes entre batistas
(eventualmente), assembleianos (principalmente) e presbiterianos
(surpreendentemente). O perigo do arminianismo, considerado sob esse
aspecto, é que faz a segurança do crente depender de seu esforço próprio. No
final das contas, a salvação acaba sendo devida à dedicação e empenho do
homem em vez de ser pela fé somente. Na prática, as igrejas que ensinam a
perda da salvação exigem que o crente desviado conserte sua vida e volte
para a igreja se quiser ser “salvo de novo”. A implicação lógica é que, de
acordo com essa concepção, a “segunda” (ou terceira, ou quarta!) salvação
ocorre pelas obras, ainda que os arminianos nem sempre estejam dispostos a
assumir essa conclusão.

Catolicismo Romano: Enquanto o Novo Testamento ensina que a justiça


de Deus é imputada ao homem no momento em que ele crê em Cristo (justiça
imputada ou atribuída – Rm 5.1), o romanismo ensina que a justiça de Deus é
infundida na pessoa aos poucos, na medida em que ela obedece aos ensinos
da igreja católica (justiça infusa). Assim, na doutrina papista, o indivíduo só
descobre se foi justificado quando comparecer diante de Deus e o Senhor
avaliar se, ao longo da vida, aquela pessoa acumulou a justiça necessária para
desfrutar da visão beatífica. Os católicos creem que a fé em Cristo abrange a
adesão completa aos ensinos e regras da igreja. É precisamente a adesão a
isso tudo que tornará um homem justificado ou não. Se ocorrer da obediência
de alguém não ser suficiente para a sua entrada no reino do céu, ele será
enviado ao purgatório, a fim de passar por um castigo temporário e, uma vez
purificado, obter a justiça que falta para a sua salvação. De acordo com a
doutrina romanista, rezas, missas e obras de penitência em favor dos mortos
auxiliam a reduzir o tempo no purgatório. Não há nada na Escritura que
ensine essas coisas, mas os romanistas não se incomodam com isso, posto
que consideram sua tradição no mesmo pé de igualdade que a Bíblia em
termos de autoridade.

Sinergismo: O termo sinergismo vem do grego e denota a ideia de


trabalho conjunto. Os sinergistas creem, assim, que a salvação do pecador é
obra de Deus, mas que o homem coopera com ele, fazendo sua parte. Os
arminianos são considerados sinergistas, pois acreditam que o ser humano
trabalha em conjunto com Deus para ser salvo na medida em que decide, de
si mesmo, depositar sua fé em Cristo e perseverar nos caminhos dele. Porém,
de um modo geral, qualquer crença que afirma que o indivíduo precisa “fazer
sua parte” para ser salvo pode ser considerada uma crença sinergista. O
oposto do sinergismo é o monergismo, proposto pela teologia reformada ou
calvinista. Essa concepção ensina que somente o Senhor opera na salvação do
homem. Para os monergistas, mesmo a fé e a perseverança do crente são
obras de Deus na vida de seus eleitos.

Universalismo: O universalismo entende que, ao final, todos serão


salvos. Alguns universalistas ensinam que isso será precedido por um período
de juízo aplicado aos maus, mas que de forma nenhuma esse juízo será
eterno. O primeiro teólogo de destaque a divulgar ideias universalistas foi
Orígenes de Alexandria (c. 185-253). Segundo ele, toda a realidade criada,
inclusive a angélica, caminha no rumo da apocatástase, ou seja, da plena
reconciliação com Deus por meio de Cristo. Karl Rahner, John A. T.
Robinson e John Hick são os proponentes mais destacados do universalismo
atual. O “inclusivismo soteriológico”, como o universalismo é também
chamado, encontra apoio na teologia do processo, no teísmo aberto e em
outras vertentes do cristianismo tanto protestante quanto católico romano.

Aniquilacionismo: De acordo com essa visão, não existe nenhuma


dimensão além e, depois da morte, o homem simplesmente apodrece. Ligada
a essa concepção, mas com contornos menos radicais, está o condicionalismo
ou a doutrina da imortalidade condicional, segundo a qual a imortalidade é
uma dádiva de Deus concedida a todos os homens, mas só poderão retê-la
aqueles que preencherem a condição de crer em Cristo. Assim, para os
condicionalistas, os que rejeitam o Salvador serão aniquilados, caindo na
inexistência completa. Os condicionalistas geralmente aceitam a
possibilidade de um período indefinido de sofrimento no inferno, antes da
total aniquilação do ímpio. A noção de um inferno eterno e literal, porém, de
acordo com essa concepção, deve ser recusada, pois, segundo entendem, essa
ideia não se harmoniza com o conceito de um Deus justo que vencerá
definitivamente o mal.

Espiritismo: Para os espíritas a salvação é o livramento do espírito


humano da realidade material em que está preso. Esse livramento ocorre por
meio do processo de reencarnação, pelo qual o espírito evolui passando por
vários ciclos de existência no plano material. A aceleração desse processo de
livramento ocorre por meio de boas obras. O ensino acerca do pecado e da
morte expiatória de Cristo, bem como as doutrinas da salvação pela fé, da
ressurreição dos mortos, do reino celeste e do inferno, não fazem nenhum
sentido dentro da concepção espírita, não havendo qualquer ponto de
semelhança entre esse modelo religioso e o cristianismo bíblico.
CAPÍTULO 8

A DOUTRINA ACERCA DA IGREJA


(Eclesiologia)

Porque a igreja não tem outro Rei senão Jesus Cristo. Porque a igreja
não deve ingerir-se na política do mundo, tirar desta a sua própria
inspiração nem apelar para suas espadas, suas prisões, seus tesouros.
Porque a igreja vencerá pelas forças espirituais que Deus depositou
em seu seio, e, acima de tudo, pelo reinado de seu Chefe adorável.
Porque a igreja não deve contar com tronos terrenos nem triunfos
efêmeros, mas que a sua marcha se assemelhe à do Rei: da
manjedoura para a cruz; da cruz para a coroa!

J. H. Merle D’Aubigné, História da Reforma do


décimo-sexto século, Vol. VI, p. 247

Introdução
Uma das doutrinas mais negligenciadas dentro do cristianismo é a
eclesiologia, ou seja, o ensino bíblico acerca da comunidade da fé, sua
natureza, relevância, deveres e propósito.
Essa falta de conhecimento tem gerado prejuízos enormes para a causa do
Mestre. Desprovidos de conceitos claros, os crentes têm dado o título de
igreja a grupos que nem de longe se ajustam ao que realmente o Corpo de
Cristo é e, então, têm se associado com esses grupos. Além disso, sem
diretrizes acerca do modo como a igreja deve funcionar, comunidades cristãs
inventam formas estranhas de louvor, de disciplina e de culto, fazendo com
que o nome “igreja” seja associado com práticas baderneiras, com crendices
toscas e com excessos inaceitáveis.
Como se não bastasse, a falta de conhecimento da eclesiologia bíblica
tem sido acompanhada por uma crítica severa contra qualquer tipo de
comunidade cristã formalmente organizada. Essa crítica afirma que as igrejas
locais são absolutamente dispensáveis para quem quer adorar a Deus e que,
na verdade, essas instituições são somente instrumentos nas mãos de uma
minoria que se deleita em oprimir e explorar pessoas de boa-fé.
Todos esses desvios podem ser facilmente evitados pelos crentes que
conhecem o ensino cristão sobre a igreja. Além disso, o crente que entende a
eclesiologia bíblica saberá não somente fugir dos erros que tentam desfigurar
a igreja de Deus, mas também se sentirá motivado a se comportar de modo
santo dentro dela.

O significado de “igreja”
A palavra “igreja” vem do termo grego ekklesía, que significa
“assembleia”. Juntando esse sentido básico com outras informações dadas
pelo Novo Testamento, é possível definir a igreja da seguinte forma:
A igreja, para efeito de estudo, pode ser definida em termos de organismo
e organização. Como organismo, a igreja é o corpo místico de Cristo, do qual
ele é a cabeça e os crentes são os membros (1Co 12.12-13). Na qualidade de
organização, a então “igreja local” é um grupo de crentes reunidos com os
propósitos mencionados na definição acima.

QUATRO RESSALVAS

A igreja bíblica não tem um templo considerado como lugar sagrado


(At 20.20; Rm 16.5; 1Co 3.16-17; 6.19; 2Co 6.16; Ef 2.22; Cl 4.15;
1Pe 2.5).
Nem todas as comunidades evangélicas são igrejas no sentido bíblico
(Mt 7.21-23).
Nenhuma igreja pode se apresentar como a única verdadeira (Jo
14.6).
Nenhuma igreja pode se apresentar como a melhor entre todas as
demais (Ap 3.17).

Distinções comuns
Igreja local e igreja universal: A primeira designação diz respeito a
uma comunidade de crentes que se reúne numa localidade específica. A
segunda designação se refere geralmente aos crentes em Cristo espalhados
por todo o mundo.
Igreja visível e igreja invisível: A primeira designação refere-se à igreja
local. A segunda designação aponta para a igreja universal.
Igreja militante e igreja triunfante: A primeira é a igreja que ainda
batalha neste mundo. A segunda, o conjunto de crentes que já está com Cristo
na glória celeste.
Os símbolos da igreja
O corpo: É símbolo que denota a unidade dos membros da igreja e a
diversidade das suas funções no corpo de Cristo (Rm 12.4-5).

O templo: É figura que destaca a igreja como habitação de Deus (Ef 2.19-
22).

O casal: Simboliza a união singular e indissolúvel da igreja com Cristo (Ef


5.31-32).

Os propósitos da igreja
O propósito da igreja se divide em dois aspectos: o imediato e o final.

O propósito imediato:Esse aspecto do propósito da igreja envolve o


testemunho que ela deve dar a este mundo acerca da verdade, seja por meio
da evangelização direta ou da vida de cada membro (1Pe 2.9).
O propósito final: Nesse aspecto a igreja cumpre o propósito eterno de Deus
para a história, ou seja, a sua glória. Por meio da igreja, Deus será
eternamente glorificado (Ef 1.6,12,14; 2.6-7).
A sublimidade da igreja
O NT destaca a sublimidade da igreja por meio do ensino de diversas
verdades relativas a ela. A lista abaixo mostra algumas dessas verdades:

1. Ela é edificada e protegida por Cristo (Mt 16.18).


2. Ela foi comprada por Deus com o sangue de Cristo (At 20.28).
3. Ela é herdeira com Cristo (Rm 8.17).
4. Ela é defendida por Deus, sendo livre de qualquer acusação (Rm
8.31-34).
5. Ela é digna de ser protegida e de que se padeça por ela (2Co 11.28;
Cl 1.24; 1Tm 5.16).
6. Ela é formada por pessoas santificadas por Cristo (1Co 1.2).
7. Ela é o corpo de Cristo (Ef 1.22; Cl 1.18).
8. Ela é, num sentido figurado e misterioso, o “complemento” de Cristo
(Ef 1.22-23).
9. Ela é o veículo especial por meio do qual Deus torna sua sabedoria
conhecida pelos principados e pelas potestades (Ef 3.10).
10. Ela é objeto do amor e do cuidado especial de Cristo (Ef 5.25-27).
11. Ela é a casa do Deus vivo e o sustentáculo da verdade (1Tm 3.15).
12. Ela é descrita com termos altamente honrosos e sublimes (1Pe 2.9).
13. Ela é supervisionada e disciplinada por Cristo (Ap 1.12-13,20; 2.1,5).
A liderança da igreja
A Bíblia menciona cinco grupos distintos de líderes eclesiásticos:
apóstolos, profetas, evangelistas, pastores-mestres (Ef 4.11) e diáconos (Fp
1.1).

Apóstolos

O NT usa o termo “apóstolo” em dois sentidos. Num sentido não técnico a


palavra se refere a um missionário, mensageiro ou pregador (At 14.14; Rm
16.7?; Gl 1.19), já que o vocábulo significa, literalmente, “alguém mandado”.
No sentido técnico, porém, o termo é restrito a um grupo que existiu somente
no século I, quando a igreja lançava seus alicerces (Ef 2.20). Esse grupo foi
formado por doze homens apenas (Ap 21.14). O quadro ao lado mostra os
requisitos que eram necessários para ser apóstolo nesse sentido especial.
Profetas
Também pertenceram ao período em que a igreja lançava suas bases
doutrinárias, éticas e funcionais (Ef 2.20). Sua função principal era ser um
canal de revelação doutrinária inédita (Ef 3.5), mas, às vezes, os profetas
também faziam previsões, especialmente quando o evento predito tinha
grande impacto sobre a igreja como um todo (At 11.28; 21.10-11).

Evangelistas
São oficiais da igreja designados para proclamar a mensagem de salvação
em Cristo (Ef 4.11). Veja mais informações sobre esse cargo no Capítulo 4,
subtítulo “Os Dons Alistados na Carta aos Efésios”.

Bispos, pastores, presbíteros ou anciãos


Todos esses termos se referem ao mesmo cargo (At 20.17,28; Ef 4.11; Tt
1.5,7). As designações distintas servem para realçar diferentes aspectos do
trabalho pastoral, conforme se vê a seguir.

Ÿ Bispo: Supervisor, guardião ou superintendente (Gr. Epískopos).


Ÿ Pastor: Aquele que cuida de um rebanho, apascenta, vigia e guia (Gr.
Poimén). Em Efésios 4.11 o termo está conectado à palavra “mestre”.
Veja a explicação para isso no Capítulo 4, subtítulo “Os Dons Alistados
na Carta aos Efésios”.
Ÿ Presbítero: Ancião (Gr. Presbyteros). Evoca a função de juiz e a
ideia de honorabilidade.
Ÿ Ancião: É mera tradução de presbyteros.

REQUISITOS PARA SER PASTOR

REQUISITO SIGNIFICADO BASE BÍBLICA


A vida e a família do
Vida pastor devem servir 1Tm 3.1-7; Tt
exemplar de modelo para a 1.5-9
igreja
Chamado interior
O desejo de ser 1Tm 3.1
pastor
Vocação
Chamado exterior
O reconhecimento At 14.23
da igreja
Gênero É vedada a liderança 1Co 14.34;
masculino feminina na igreja 1Tm 2.11-14

OBSERVAÇÕES IMPORTANTES

As bases para a proibição de a mulher liderar a igreja não são


culturais, mas teológicas, a saber, a ordem da criação e a doutrina da
queda (1Tm 2.11-14).
Na igreja primitiva havia profetisas e, quando tinham revelação, era-
lhes permitido falar (1Co 11.5). O dom de profetizar, contudo,
conforme visto, desapareceu ao fim do século I.
Na Bíblia é permitido que as mulheres ensinem os homens fora do
contexto eclesiástico (At 18.26), pois isso não compromete o
funcionamento ideal da igreja (1Tm 3.15).
As mulheres podem realizar alguma forma de diaconia (serviço –
Rm 16.1), mas sem assumir o diaconato, pois este é um cargo
próprio de líderes eclesiásticos.

Diáconos
O termo “diácono” (Gr. diákonos) designa alguém que serve, apoia ou
auxilia. Está ligado ao verbo diakonéo, cujo sentido é servir a mesa (Lc
12.37), cuidar ou ajudar.
A princípio, os diáconos eram apenas um grupo de amparo social (At 6.1-
6). Porém, ainda no tempo do NT, sua importância cresceu, vindo o cargo a
compor a liderança da igreja (Fp 1.1), tanto que os requisitos bíblicos para o
diaconato são quase os mesmos impostos aos pastores (1Tm 3.8-13).

As ordenanças dadas à igreja


Por “ordenanças” se entende as duas instituições que Cristo deixou para
seus seguidores observar, a saber: o batismo e a ceia. As ordenanças
simbolizam verdades cristãs ligadas à salvação. Portanto, se o praticante
desses atos não tiver provado as verdades que eles simbolizam, sua
observância não terá nenhum valor.

O Batismo
O batismo é obrigatório a todo aquele que aceitou Jesus Cristo como seu
salvador, pois o próprio Senhor o ordenou (Mt 28.19-20). Essa ordenança
tem quatro objetivos:
A profissão pública de fé (1Pe 3.21).
A identificação do batizando com os demais discípulos de Jesus (Mt
28.19).
A representação da lavagem espiritual (At 22.16 cp. 1Co 6.11).
A representação da morte do crente para o pecado, seu sepultamento
com Cristo e sua ressurreição para uma nova vida (Rm 6.1-4; Cl
2.12).

A forma de batismo praticada nos dias do Novo Testamento era a total


imersão do crente na água (Mc 1.9-11; Jo 3.23; At 8.36-39). Porém, no meio
cristão há igrejas que praticam a aspersão e a efusão, tendo por base textos
como Atos 9.18; 10.47-48; 16.33; 22.16 e 1Coríntios 10.2.
O batismo infantil não é ensinado na Bíblia, uma vez que, antes de ser
batizado, o indivíduo deve crer (At 2.41; 8.36-38). É preciso reconhecer,
porém, que igrejas sérias têm um entendimento diferente desse assunto e
batizam crianças, tendo por base a Teologia do Pacto e textos como Atos
16.33 (é dito que provavelmente havia crianças na casa do carcereiro),
Romanos 4.11 (a circuncisão é definida aqui como um selo de fé e, mesmo
assim, era ministrada a bebês que ainda não podiam ter fé) e 1Coríntios 10.2
(havia bebês participando dos eventos do Êxodo mencionados aqui).
É preciso destacar finalmente que, diferente do que algumas seitas
ensinam, o batismo não é necessário à salvação (Lc 23.39-43; 1Co 1.14-17).

A Ceia do Senhor
A ceia do Senhor é um memorial que recorda o sacrifício de Cristo (1Co
11.24-25), memorial este celebrado em meio a uma realidade espiritual que
transcende a experiência regular da igreja, na medida em que proporciona aos
crentes uma cumplicidade mais plena com o próprio Senhor presente de
forma intensa no momento da celebração (1Co 10.16-17).
Jesus instituiu a ceia pouco antes de sua paixão (1Co 11.23-26). Cada
elemento tem um significado: o pão partido simboliza o corpo de Cristo que
foi ferido; o vinho é símbolo do seu sangue vertido na morte em favor dos
pecadores.

A ceia do Senhor tem um propósito tríplice:

Comemoração (1Co 11.24-25).


Comunhão (1Co 10.16-17).
Comunicação (1Co 11.26).

Todo o crente tem o dever de participar da ceia, sendo exigido dele que
não o faça indignamente a fim de não se tornar réu do corpo e do sangue de
Jesus (1Co 11.27-30). O contexto de 1Coríntios 11 mostra que participar da
ceia indignamente é, basicamente, comer e beber nutrindo desprezo e
desconsideração pelos irmãos (1Co 11.18,20-22,33-34).

Quatro visões distintas

Transubstanciação – Catolicismo romano: Os


elementos da Ceia se transformam na carne e no sangue do
Senhor (Mt 26.26; Jo 6.53-57).
Consubstanciação – Luteranismo: A carne e o sangue
de Cristo literais estão presentes na Ceia junto com os
elementos (Mt 26.26; Jo 6.53-57).
Presença Espiritual – Calvinismo: Cristo está presente
de forma espiritual nos elementos da Ceia (1Co 10.16).
Memorial – Zuinglianismo: Os elementos da Ceia
recordam o sacrifício de Cristo (Jo 6.52 cf. 63; 1Co 11.24-
25).

A disciplina na igreja
A igreja tem como um dos seus deveres aplicar a disciplina conforme
ensinada no Novo Testamento. Essa prática consiste na expulsão da pessoa
disciplinada seguida do rompimento da comunhão dos crentes com ela. Dada
sua severidade, a disciplina só pode ser aplicada quando a pessoa se mostra
incorrigível, recusando se arrepender e abandonar o pecado. Se em casos
assim não houver a expulsão, toda a igreja ficará maculada pelo pecado do
membro rebelde (1Co 5.6).
O Novo Testamento contempla dois modelos de processo disciplinar
eclesiástico:

Trifásico: É o processo descrito em Mateus 18.15-17 no qual três etapas


precisam ser superadas antes da efetiva excomunhão do pecador. Esse
processo deve ser aplicado a casos de pecados que, ao tempo do início do
processo, são conhecidos somente por um indivíduo da igreja ou por uma
pequena minoria. Havendo arrependimento em qualquer das etapas, o
processo termina sem que haja expulsão e o pecador arrependido recebe,
então, o perdão dos que o exortaram.

Monofásico: É o processo descrito em 1Coríntios 5.1-5,9-11. Aplica-se a


casos de pecados de grande impacto e assumidos publicamente pelo membro
da igreja. Nesses casos, a obstinação se configura de pronto e a expulsão
ocorre imediatamente, tão logo a igreja possa se reunir para operá-la.

No trato com o pecado, os cristãos também têm na Bíblia mostras de


como lidar com o comportamento reprovável de grupos inteiros, deixando
claro que em casos assim o problema deve ser levado a alguém que tenha
algum grau de autoridade na igreja (1Co 1.11-12). Também há uma
orientação específica para o caso de pecados de líderes (1Tm 5.19-20). Nessa
hipótese, pode haver repreensão na presença de todos, mas o texto não deixa
claro se esses “todos” são os irmãos em geral ou se são os demais líderes.
Seja como for, o resultado da obstinação será sempre a excomunhão, ou seja,
a expulsão do pecador rebelde e contumaz.
Os objetivos da disciplina eclesiástica são os seguintes:

Cumprir as ordens de Deus acerca do modo como sua igreja deve


lidar com a rebeldia.
Colocar o ofensor sob a mão punitiva de Deus (1Co 5.4-5) e longe
do amparo dos irmãos (Mt 18.17; 1Co 5.9-11) a fim de que, sendo
fustigado por tudo isso, enfim se arrependa (2Co 2.6-11).
Manter a pureza da igreja (1Co 5.6-8).
Gerar temor nos demais irmãos (At 5.11; 1Tm 5.20).
Evitar o juízo que Deus traz sobre a igreja que tolera o mal em seu
meio (Ap 2.14-16,20-23).

UMA PERGUNTA, VÁRIAS RESPOSTAS

Porque é fundamental que o crente faça parte de uma igreja local e se


reúna regularmente com seus irmãos?

1. Porque cerca de metade do Novo Testamento foi escrita tendo em


vista especificamente o ensino, a correção e o encorajamento de
igrejas locais, mostrando a extrema importância que o Espírito Santo
confere à comunidade dos crentes.
2. Porque só assim o crente poderá zelar pela pureza da igreja em
processos disciplinares (Mt 18.17; 1Co 5.3-5).
3. Porque a espiritualidade cristã é baseada na Trindade que é marcada
por perfeita comunhão, amor e amizade (Jo 17.11,20-22).
4. Porque a união dos crentes expressa na adoração conjunta e na alegre
e amorosa comunhão fornece o contexto em que Deus age trazendo
mais pessoas à salvação (At 2.42-47).
5. Porque o Espírito Santo invariavelmente fala à sua igreja e atua
sobre ela nos momentos em que está reunida em oração e culto (At
4.31; 13.1-3).
6. Porque a igreja, tendo sido comprada por preço altíssimo, precisa ser
amparada, nutrida e protegida, sendo certo que a participação de
crentes comprometidos ajudará na realização dessa tarefa (At 20.28).
7. Porque longe do convívio eclesiástico, os dons espirituais que o
crente recebeu com vistas à edificação dos santos não poderão ser
exercitados e ele será como um membro paralisado no corpo de
Cristo que se enfraquecerá por causa dessa inércia (Rm 12.4-8; 1Co
12.4-27).
8. Porque sem estar na igreja o cristão não poderá obedecer as ordens
de admoestar, amar, socorrer e suportar seus irmãos (Rm 12.10;
15.14; Gl 5.13; Ef 4.2,32; 5.21; Cl 3.13, 16, 1Ts 4.18; 5.11; Hb 3.13;
Tg 5.16; 1Jo 3.23).
9. Porque a Ceia do Senhor não pode ser celebrada fora do convívio
dos irmãos (1Co 10.17; 11.33).
10. Porque o desprezo pela igreja é censurado na Bíblia (1Co 11.22).
11. Porque Deus não habita somente no corpo do crente, mas também na
congregação dos santos, realizando ali uma obra especial de
edificação (Ef 2.20-22).
12. Porque é dentro do contexto coletivo cristão que o crente é
fortalecido em seu interior e recebe capacitação para compreender
melhor o amor de Cristo sendo, então, dominado por Deus (Ef 3.14-
19).
13. Porque é na igreja local que o crente é equipado para o serviço santo
por meio do ministério de homens que Deus estabeleceu (Ef 4.11-
16).
14. Porque Deus ordena o louvor coletivo como parte da sua adoração e
não apenas o louvor individual (Cl 3.16).
15. Porque a igreja é a única instituição que protege e sustenta a verdade
neste mundo, o que aumenta o dever do crente de zelar pelo
fortalecimento e bom funcionamento dela (1Tm 3.15).
16. Porque a Bíblia ordena que o crente não deixe de se congregar e a
desobediência a essa ordem é considerada apostasia (Hb 10.25; 1Jo
2.19).
17. Porque a comunhão com os irmãos é um dos resultados de andar na
luz (1Jo 1.7).
CUIDADO! VENENO!
Romanismo: Entende que a Igreja Católica Romana é a única instituição
verdadeiramente fundada por Cristo e herdeira dos apóstolos, cujos
sucessores são todos os seus bispos, em especial o papa. Este é o chefe da
igreja e sucessor de Pedro. Segundo a visão romanista, somente a Igreja
Católica detém a totalidade dos meios necessários à salvação, o que inclui os
sacramentos (principalmente a eucaristia) que santificam, purificam e
transformam os fiéis. Na visão católica menos radical, alguns elementos da
verdade podem estar eventualmente presentes em outras comunidades cristãs,
mas somente a igreja romana detém o depósito integral da fé e o poder
exclusivo de interpretar corretamente a Bíblia. Segundo os romanistas, Maria,
sendo mãe de Jesus, é também a mãe da igreja que deve, assim, venerá-la
como concebida sem pecado, eternamente virgem e assunta ao céu em corpo
e alma. A eclesiologia romanista abrange também uma estrutura altamente
hierarquizada que, em ordem decrescente, é composta por papa (a quem,
desde o Concílio Vaticano I, em 1870, se atribui infalibilidade em questões
de fé e moral), cardeais, patriarcas, arcebispos, bispos, padres e diáconos.
Todo o clero católico (excetuando os diáconos) é celibatário.

Igreja emergente: Trata-se de um movimento evangélico surgido no


final do século XX que se propõe a apresentar ao mundo uma igreja aberta
aos conceitos da pós-modernidade e livre dos “rígidos” padrões éticos,
doutrinários e funcionais propostos pelas igrejas históricas formalmente
organizadas. Os expoentes do modelo eclesiástico emergente defendem,
portanto, uma tolerância maior no diálogo entre a igreja e a sociedade
pluralista presente, propondo um discurso cristão menos “radical”, uma
pregação evangelística menos exclusivista, uma visão ética mais flexível e
tolerante, uma liberdade mais ampla de expressões cultuais e um diálogo
conciliador com outras religiões.

Os sem igreja: Uma tendência comum na atualidade é a defesa de uma


espécie de cristianismo em que o crente não pertence a nenhuma igreja,
vivendo isoladamente sua fé. Os “sem igreja”, como são chamados,
geralmente justificam suas opiniões partindo de experiências desagradáveis
que viveram em alguma comunidade cristã. Segundo seu parecer, essas
experiências fornecem base sólida para o que acreditam ser uma
espiritualidade meramente individual. A crítica a essa visão tende a ser
bastante severa, pois, além de mostrar a farta evidência bíblica para a
importância da igreja local, destaca também que os defensores do
cristianismo “sem igreja” são geralmente pessoas que se fazem de vítimas
com um discurso piedoso, mas que, na verdade, são gente de difícil
convivência, pessoas que não aceitam nenhum tipo de autoridade, crentes
inclinados a criticar tudo e todos e também incapazes de cooperar com um
grupo, querendo apenas fazer valer suas preferências e opiniões. A
experiência mostra ainda que os “sem igreja” geralmente são pessoas que não
dão certo em lugar nenhum e que, na verdade, seu anseio maior não é por
uma espiritualidade individual, mas sim por uma vida cristã sem
compromissos.
CAPÍTULO 9

A DOUTRINA ACERCA DOS ANJOS


(Angelologia)

Assim, pois, de maneira alguma e em tempo algum, os espíritos que


chamamos anjos começaram por ser trevas. No mesmo instante em
que Deus os criou foram luz; criados, não para serem ou viverem
simplesmente, mas ainda iluminados para viverem vida feliz e sábia.

Agostinho de Hipona, Cidade de Deus, XI:XI

Introdução
Contrariando as previsões dos racionalistas dos séculos XVIII e XIX, o
homem pós-moderno tem um profundo interesse pelo universo espiritual.
Infelizmente, porém, por causa da ignorância bíblica, esse interesse, via de
regra, produz construções equivocadas, baseadas em mitos e superstições
vazias.
É o caso das ideias gerais que as pessoas de hoje nutrem acerca dos anjos.
Livros e revistas aparecem vez por outra tratando desse assunto e discursos
são pronunciados acerca do tema até com certa vivacidade, despertando o
interesse de um público enorme. Contudo, as conclusões que muitas vezes
são apresentadas pelos “mestres” deste mundo raramente se harmonizam com
a doutrina cristã sobre o assunto, uma vez que não se baseiam na Bíblia e,
quando a Palavra de Deus é eventualmente citada para corroborar alguma
proposição, seu texto é geralmente distorcido para atender aos interesses do
expoente.
Diante desse cenário, este capítulo pretende oferecer elementos com os
quais o crente possa construir uma angelologia verdadeiramente bíblica com
que possa evitar e corrigir os desvios modernos. Ademais, uma vez que esse
tema, conforme será visto, aparece na Bíblia inúmeras vezes, fica fora de
dúvida que sua análise merece consideração especial.

Terminologia
Anjos aparecem na Bíblia do princípio ao fim (Gn 3.24; Ap 22.16). São
mencionados 325 vezes em 33 dos 66 livros. Só o Apocalipse os menciona
76 vezes. Os termos que a Bíblia usa para se referir aos anjos são os
seguintes:

Malak: Mensageiro, anjo (109 vezes no AT). Pode se referir a um


profeta (Ml 1.1), mas geralmente se aplica a anjos.
Querubim: Singular Chetub. Significado incerto. Talvez sugira
alguém que está perto de Deus, ministrando a ele, ou alguém
admitido em sua presença (Gn 3.24; Êx 25.18s; Ez 1.5s; 10.15s;
28.12s).
Serafim: Possivelmente vem de uma raiz hebraica que significa
“consumir com fogo” (Is 6.2,6).
Angelos: Mensageiro, anjo (186 vezes no NT).
Outros nomes: “Filhos de Deus” (Jó 1.6; 2.1); “seres celestiais” (Sl
89.6); “santos/assembleia dos santos” (Sl 89.5-7; Dn 4.13; Zc 14.5);
“milícia celestial” (Lc 2.13); “santas miríades” (Jd 14).

Informações gerais sobre os anjos


INFORMAÇÃO BASE BÍBLICA
São espirituais
Gn 18.2; Ez 9.2; Hb
(invisíveis, mas
1.14
podem tomar forma).
Foram criados Jó 38.7; Sl 148.2-5; Cl
perfeitos. 1.16.
2Sm 14.20; Ez 28.16-
São seres pessoais. 17; Lc 15.10; Ap 22.7-
8.
Têm poderes 2Sm 24.17; Sl 103.20;
extraordinários. Mt 26.53; Ap 20.1-3
Dn 10.13s; 12.1; Lc
Pertencem a diferentes
1.19; 1Ts 4.16; Cl
classificações.
1.16; Jd 9
São seres que não se
Mt 22.30
casam.
São imortais. Lc 20.36
São inumeráveis. Hb 12.22; Ap 5.11
A Bíblia se refere aos anjos usando o pronome
masculino. Contudo, segundo o entendimento
de alguns, há uma única exceção em Zacarias
5.9. É questionável, porém, se o que é descrito
nesse texto é uma visão angélica.

A natureza moral dos anjos


Todos os anjos foram criados santos por Deus (Jó 38.4-7). Contudo, a
Bíblia diz que muitos se rebelaram contra o Criador, tornando-se
definitivamente maus (2Pe 2.4; Jd 6).
Desde os tempos antigos foi aceito pelos grandes teólogos da igreja que
os anjos que guardaram seu estado original foram confirmados em bondade,
uma vez que as Escrituras os apresentam associados ao serviço permanente
de louvor e a eventos do porvir (Sl 103.20; Mt 25.31; Mc 8.38). Além disso,
os anjos bons não podem cair porque foram eleitos (1Tm 5.21).

Acerca dos anjos maus, também chamados de demônios, a Bíblia diz que
muitos deles estão em prisão, reservados para juízo (2Pe 2.4; Jd 6). Isso,
porém, talvez não signifique que eles estejam confinados num lugar. A
menção da prisão (tártaro, abismo, trevas, correntes) pode ser apenas uma
referência à situação em que se encontram, aguardando o juízo de Deus. Seja
como for, é certo que há muitos anjos maus em plena atividade neste mundo
(Ef 6.12).

No futuro, anjos maus serão derrotados por Miguel e seus anjos (Ap 12.7-
8) e junto com o diabo, serão lançados à terra, onde provavelmente vão atuar
de modo intenso durante a Grande Tribulação (Ap 12.9,12). As Escrituras
também ensinam que os anjos maus serão julgados pelos crentes (1Co 6.3),
não havendo esperança de salvação para eles (Hb 2.16). Com efeito, no fim
todos serão lançados no fogo eterno (Mt 25.41).

O ministério dos anjos


Os anjos realizam o ministério de adorar e servir ao Senhor (Sl 103.20; Is
6.2s; Dn 7.10; Ap 5.11-13; 19.1s), jamais aceitando adoração para si mesmos
(Ap 22.8-9). Em seu serviço a Deus, eles atuam na história da salvação
trazendo mensagens, instruindo e guiando os homens (Mt 1.20; 2.13; Lc
1.11-38; 2.8-15; At 10.3-5). Os anjos também atuam como instrumentos na
aplicação do juízo divino contra os maus (Gn 19.13; 2Sm 24.16; 2Rs 19.35;
Mt 13.39; At 12.23; Ap 20.1-3).
Talvez a tarefa principal dos anjos neste mundo seja ministrar aos crentes
(Hb 1.14). O modo exato como isso é feito não é esclarecido nas Escrituras.
O Novo Testamento ainda dá indícios de que as crianças são, de alguma
forma, beneficiadas pelo ministério dos anjos (Mt 18.10), que os salvos
recebem amparo angélico em face da morte (Lc 16.22) e que os anjos têm um
interesse intenso pelo maravilhoso tema da salvação do homem (1Pe 1.12).

Satanás
O termo “Satanás” aparece em 7 livros do AT e é citado por todos os
autores do NT. Vem do hebraico (satan) e significa “adversário”. O verbo
relacionado a esse substantivo tem o sentido de “ficar em emboscada” ou
“opor-se”. No NT essa palavra aparece 36 vezes. Satanás é também chamado
de “diabo” (Gr. diábolos. Ocorre 33 vezes no NT), vocábulo que significa
“caluniador” e/ou “difamador”.
Com base na Vulgata Latina (tradução de Jerônimo) que traduz “estrela
da manhã”, em Isaías 14.12, como lucifer (portador da luz – Veja-se 2Co
11.14), Satanás passou a ser chamado pelos teólogos antigos de Lúcifer. No
NT ele recebe as designações de Belzebu, o maioral dos demônios (Mt 12.24
– Em alguns manuscritos “senhor das moscas”), maligno (Mt 13.38), Belial
(2Co 6.15), tentador (Mt 4.3; 1Ts 3.5), inimigo (Mt 13.28-29), homicida e pai
da mentira (Jo 8.44), deus deste século (2Co 4.4), príncipe da potestade do ar
(Ef 2.2), príncipe deste mundo (Jo 12.31; 14.30; 16.11) e Abadom (no
hebraico) ou Apoliom (no grego). Esses dois últimos termos significam
“destruidor” ou “exterminador” e servem para identificar o “anjo do abismo”
ou o rei dos demônios (Ap 9.11).
O texto de Apocalipse 12.7-10 fornece outras designações para Satanás
(grande dragão, antiga serpente, sedutor de todo o mundo, acusador de nossos
irmãos, etc.). Essas designações revelam muito do seu caráter e se relacionam
a diferentes aspectos da sua obra.

A origem e a queda de Satanás


Satanás é um anjo criado por Deus que posteriormente caiu de sua
posição e estado original. Geralmente é aceito que as palavras de Isaías
14.12-15 e de Ezequiel 28.11-19 foram dirigidas aos reis de Babilônia e de
Tiro, respectivamente, mas que, de forma indireta, dizem respeito a Satanás.
Assim, pode-se afirmar o seguinte:

Satanás foi criado perfeito (Ez 28.12,15).


Satanás tinha uma posição elevada (Is 14.12; Ez 28.14).
Satanás se ensoberbeceu (Is 14.13-14; Ez 28.15-17; 1Tm 3.6).
Satanás foi deposto de sua elevada posição (Is 14.15; Ez 28.16-19).
Satanás é... Satanás não é...
Um anjo mau (Ez Um deus mau (Tg
28.15) 2.19)
Astuto (2Co 2.11; Onisciente (Jó 1.9-
Ef 6.11-12) 11)
Poderoso (2Co Onipotente (Lc
11.14; 2Ts 2.9) 10.18; 2Co 2.11)
Atuante em todo
Onipresente (Jó
o mundo (Ap
1.7)
20.3)

A obra de Satanás e dos demônios


Satanás é o tentador por excelência (Mt 4.1-11; 1Tm 3.6-7). Ele também
confunde, engana (2Co 11.3,13-15; Ap 20.3) e vive em busca de alguém para
destruir (1Pe 5.8; Ap 12.17). No uso de sua sagacidade (2Co 2.10-11), ele
induz à imoralidade (1Co 7.5), semeia o joio (Mt 13.39) e incita a
perseguição contra o povo de Deus (Ap 2.10). Por causa de sua terrível
crueldade, Satanás muitas vezes é usado por Deus como um instrumento de
disciplina para seus servos (2Co 12.7), bem como para os crentes rebeldes e
os apóstatas (1Co 5.5; 1Tm 1.20).

O quadro que segue mostra outros aspectos da obra de Satanás:

Ref.
OCASIÃO DIREÇÃO OBRAS
Bíblicas
Deu origem ao Ez 28.15;
PASSADO 
pecado Gn 3.1-13
Jó 2.7; At
Oprime
10.38
Causa a morte Hb 2.14
CRENTES E
Tenta 1Ts 3.5
INCRÉDULOS
Ilude 2Tm 2.26
Inspira ideais
At 5.3
iníquos
Toma posse Jo 13.27
PRESENTE Cega o
2Co 4.4
entendimento
INCRÉDULOS Dissipa o
Mc 4.15
Evangelho
Produz
Mt
ministros do
13.25,38-39
mal
1Ts 2.18
CRENTES Faz oposição
Acusa Ap 12.9-10
Dará poder ao
FUTURO  2Ts 2.9-10
Anticristo

Satanás tem acesso ao trono de Deus (Jó 1.6; 2.1; Zc 3.1-6; Lc 22.31; Ap
12.7-10), reina sobre a hierarquia dos demônios (Mt 25.41; Ef 6.12; Ap 12.7)
e também sobre este mundo (Lc 4.5-6; 2Co 4.3; Ef 2.1-3; 1Jo 5.19-20).

Quanto aos demônios, a Bíblia ensina que eles:

1. Creem em Deus e têm temor dele (Tg 2.19).


2. Conhecem Jesus (Mc 1.24).
3. Sabem de sua condenação (Mt 8.29).
4. Opõem-se aos propósitos de Deus (Dn 10.10-14).
5. Promovem o culto de si mesmos (1Co 10.20-21).
6. Têm suas próprias doutrinas e as divulgam (1Tm 4.1-3).
7. Realizam grande feitos miraculosos (Ap 16.13-14).
8. Alguns, muito poderosos, enganam as nações (Dn 10.13; Is 24.21;
Ap 16.13-14).
9. Afligem e atacam os crentes (2Co 12.7; Ef 6.11-12).
10. Podem causar doenças (Mt 9.33).
11. Podem possuir pessoas (Mc 5.2).
12. Podem possuir animais (Mc 5.13).
É preciso destacar que, mesmo sendo contrários a Deus e inimigos do seu
povo, Satanás e seus anjos muitas vezes são instrumentos que cumprem os
decretos do Senhor (Gn 3.15; 1Sm 16.14; 1Rs 22.23; 2Cr 18.18-21; 2Co
12.7-10).

O destino de Satanás
No futuro, Satanás será expulso dos lugares celestiais (Ap 12.9). Ele será
aprisionado no abismo e solto somente ao final de mil anos (Ap 20.1-9). Por
fim, Satanás será lançado no lago de fogo (Ap 20.10).

O crente em relação a Satanás


• Deve revestir-se da armadura de Deus (Ef 6.11-18).
• Deve ser prudente e se autodominar, a fim de evitar a criação de
circunstâncias propícias à atuação do adversário (2Co 2.10-11; Ef 4.27).
• Deve trabalhar para livrar os que caíram na armadilha do diabo
(2Tm 2.25-26).
• Deve resistir ao diabo (Mt 4.10; At 5.3; 1Tm 5.15; Tg 4.7; 1Pe 5.8-
9).

Resistir a Satanás significa fazer uso das grandes verdades da Palavra de


Deus na luta contra ele. Portanto, para resisti-lo é necessário conhecer a
Bíblia e as doutrinas nela ensinadas. Foi dessa maneira que Jesus enfrentou
Satanás durante a tentação no deserto (Mt 4.1-11). É bom lembrar também
que naquela ocasião Jesus estava cheio do Espírito (Lc 4.1), sendo esta
também uma condição necessária para vencer o inimigo.
Em Apocalipse 12.11 encontram-se as três causas principais da vitória
total do crente sobre Satanás, a saber: o sangue do Cristo (cf. Hb 2.14-15), o
testemunho firme e corajoso e a perseverança mesmo em face da morte.
CUIDADO! VENENO!
Testemunhas de Jeová e Adventismo: As Testemunhas de Jeová
acreditam que o arcanjo Miguel era Jesus antes de se encarnar e que ele
retomou essa designação após a ressurreição. Os Adventistas do Sétimo Dia
pensam da mesma forma, mas não negam a divindade de Jesus como fazem
as Testemunhas de Jeová. O livro de Hebreus reprova qualquer forma de
identificação de Jesus com um anjo (Hb 1.4-14).

Mormonismo: Ensina que o arcanjo Miguel é Adão e que ele ajudou


Javé a criar o mundo. Dentro do mormonismo existe também a figura do anjo
Moroni, central para a sua doutrina. De acordo com o Livro de Mórmon,
Moroni foi um profeta que, após a morte, virou anjo e mostrou a Joseph
Smith o local onde estavam certas placas de ouro cobertas com inscrições.
Essas placas, uma vez traduzidas, formaram o Livro de Mórmon. Moroni,
quando homem, foi filho de Mórmon, o profeta que organizou as placas. O
mormonismo ensina a possibilidade de o homem se tornar divino passando
antes pelo estado angélico, como ocorreu com Moroni.

Catolicismo Romano: Ensina que, desde o nascimento, Deus envia um


anjo para proteger cada pessoa ao longo da vida. A partir de 1670, o dia 2 de
outubro passou a celebrar a Festa do Anjo da Guarda de cada indivíduo. Os
católicos também veneram os anjos realizando festas em sua homenagem e
dirigindo orações a Miguel, Gabriel e Rafael. Cidades e países sob a
influência católica adotam esses seres como seus santos padroeiros. Ao que
tudo indica, a angelolatria se infiltrou na igreja cristã a partir das seitas
gnósticas, cujos adeptos, desde o período formativo desses movimentos
heréticos, praticavam o culto dos anjos (Cl 2.18), tentando inseri-lo na prática
da espiritualidade cristã.
Evangelicalismo popular: Tende a atribuir quaisquer males e até os
mais simples desconfortos à ação de demônios e criam estratégias (inclusive
o uso de amuletos), orações e palavras de ordem para refreá-los e combatê-
los. A partir de Daniel 10.10-13 alguns evangélicos concluem que orar em
voz alta pode ser perigoso, pois os demônios, tomando conhecimento do
conteúdo das súplicas, poderiam frustrá-las. Seguindo na esteira do antigo
paganismo, também adotam a ideia de que os demônios atuam em territórios
específicos, sendo, assim, “espíritos territoriais”. A base que usam para essa
crença são textos como Daniel 10.13 e Marcos 5.9-10 (cp. Lc 8.31). Daí a
prática de fazer passeatas e rodear cidades e regiões reivindicando esses
espaços para Jesus.

Esoterismo e Nova Era: Define os anjos como mensageiros e


intermediários da “Grande Mente Cósmica” que é composta por tudo e é um
com tudo (panteísmo). Os anjos são capazes de proteger pessoas, raças e até
nações e também têm poder para criar novas realidades. Os mestres
esotéricos e de Nova Era ensinam que as pessoas têm anjos particulares cujos
nomes podem ser descobertos (geralmente por meio da data de nascimento do
indivíduo) e com quem podem se relacionar até o ponto de se fundirem com
essas entidades. Nessas buscas, é fomentado o uso de velas, orações e
pedidos por escrito. O contato mais desejável com esses seres, porém, se dá
por meio da “expansão da consciência” que viabiliza visões angélicas e até o
acesso ao mundo dos anjos, tudo com o objetivo de conhecer mistérios
espirituais e obter auxílio ou livramento.
CAPÍTULO 10

A DOUTRINA ACERCA DAS


ÚLTIMAS COISAS
(Escatologia)

A Deus, o arquiteto das eras, lhe pareceu bem fazer-nos


participantes de confiança do seu plano para o futuro, e revelou seu
propósito e seu programa com detalhes na Palavra.

J. Dwight Pentecost, Prefácio de Things to come.

Introdução
Muitos crentes ficam confusos acerca dos eventos que Deus determinou
que tomassem lugar no futuro. Isso não é sem motivo. Com efeito, a Bíblia
apresenta certa obscuridade no tocante a essas questões, o que fez com que
surgissem posições escatológicas distintas mesmo entre os teólogos mais
sérios e zelosos.

Ainda assim, é inegável que existem certos elementos que claramente


compõem o quadro bíblico escatológico, sendo aceitos pela maior parte dos
estudiosos da Palavra como eventos preditos na Bíblia. É verdade que os
estudiosos nem sempre estão de acordo quanto à ordem cronológica que esses
eventos irão seguir. Porém, mesmo em meio a essa divergência, é
perfeitamente possível delinear os contornos de uma escatologia bíblica
saudável, nutrindo a firme esperança de um final glorioso para a história, no
qual Deus reinará absoluto e será “tudo em todos” (1Co 15.28).
Neste capítulo serão expostos os eventos principais que a Bíblia aponta
como componentes do plano de Deus para o futuro. Esses eventos estão
dispostos aqui na ordem em que ocorrerão, segundo a posição teológica
adotada neste livro (premilenismo pretribulacionista).

O arrebatamento da igreja
O arrebatamento é o primeiro de uma série de eventos que tomarão lugar
na história como cumprimento de predições bíblicas. O texto clássico que
trata desse assunto é 1Tessalonicenses 4.13-18. Segundo esse texto, o
arrebatamento da igreja acontecerá da seguinte forma:

Os mortos em Cristo:Os crentes em Jesus que já morreram ressuscitarão e


subirão ao céu com corpos glorificados (1Co 15.20-23; 1Ts 4.16). É bom
destacar que as almas dos crentes que morrem vão imediatamente para o céu
(Lc 16.22-23; 23.41-43; 2 Co 5.6-8; Fp 1.23). Seus corpos, contudo, jazem
sem vida na sepultura e, afinal, se desfazem. Por ocasião do arrebatamento,
porém, os corpos dos crentes mortos serão vivificados outra vez (Jó 19.25-
27) e eles serão arrebatados para estar para sempre com Cristo.

Os crentes vivos: Logo após a ressurreição dos crentes em Jesus que já


morreram, os crentes que estiverem vivos subirão juntamente com eles para o
encontro com o Senhor nos ares (1Ts 4.17). Eles também terão seus corpos
glorificados (1Co 15.50-54; 2Co 5.1-5).
Após isso tudo, a igreja comparecerá diante do Tribunal de Cristo (Rm
14.10; 1Co 3.10-15; 2Co 5.10) para, finalmente, receber os galardões (Lc
14.14; 1Co 4.5; 2Tm 4.8; Ap 22.12).

A grande tribulação
Logo após o arrebatamento da igreja, começará a “grande tribulação” ou
a “septuagésima semana de Daniel”, o período de “angústia para Jacó” (Jr
30.7). Jesus falou sobre a grande tribulação em Mateus 24.4-30, dizendo que
será um período de muita aflição, engano e apostasia que precederá
imediatamente a sua vinda.

A Bíblia também ensina que a grande tribulação vai durar sete anos (Dn
9.27), sendo três anos e meio de falsa paz (1Ts 5.2-3) e três anos e meio de
dores (Dn 7.25; 12.1,7,11; Ap 11.2-3; 12.6,14; 13.5). É por esse tempo que o
anticristo estará atuando de maneira poderosa sobre toda a terra (Dn 7.7-
8,11,19-27; Mt 24.15; 2Ts 2.3-12; Ap 13.1-8).
Mesmo sendo um tempo de engano, opressão e sofrimento, a graça
salvadora de Deus será atuante durante a grande tribulação. De fato, a
oposição severa do anticristo não impedirá que multidões se convertam e
recebam a redenção que Cristo oferece (Ap 7.9-14).
A maior parte dos eventos que tomarão lugar no período da grande
tribulação está registrada em Apocalipse 6-19.

A segunda vinda de Cristo


Ao fim do período da tribulação, o Senhor Jesus voltará para estabelecer
o seu reino milenar neste mundo (Mt 24.30; Lc 21.25-28). A segunda vinda
de Cristo será um evento histórico que todos poderão testemunhar (At 1.11;
Ap 1.7).
Abaixo são enumerados fatos importantes que tomarão lugar quando o
Senhor Jesus voltar:

1. Os crentes virão junto com Cristo. Uma possível base para essa
afirmação é Apocalipse 19.11-14.
2. O anticristo que estará atacando Jerusalém com seus exércitos será
derrotado (Zc 12.1-8; 14.1-15; Lc 21.20; 2Ts 2.8), sendo então lançado
no lago de fogo, junto com o falso profeta (Ap 19.15-21).
3. Satanás será preso por mil anos (Ap 20.1-3).
4. Os judeus se arrependerão e crerão em Cristo (Zc 12.9-13 cp. Jo
19.36-37; Mt 23.39; Rm 11.25-27), entrando então no reino para
desfrutar finalmente da terra que lhes foi dada (Ez 28.25-26).
5. Os santos do Antigo Testamento e os crentes mortos na tribulação
ressuscitarão para reinar com Cristo durante os mil anos (Jó 19.25-27; Is
26.19; Dn 12.2-3,13; Ap 20.4-6).
6. As nações serão reunidas para julgamento e os gentios salvos que
estiverem vivos serão separados para entrar no reino milenar (Mt 24.30-
31,36-41; 25.31-34,41).
O milênio
A segunda vinda de Cristo inaugurará o período de mil anos durante os
quais ele reinará na terra em cumprimento às promessas feitas a Davi (2Sm
7.10-16; Lc 1.32-33; Ap 20.4). Durante esse período Satanás estará preso (Ap
20.1-3) e a terra desfrutará de paz e justiça (Is 2.1-5; 11.6-9; Zc 14.9).
A partir da análise bíblica, tudo indica que no reino milenar pessoas
ressurretas conviverão com indivíduos ainda não ressurretos. Isso não deve
causar espanto, pois os episódios que seguiram a ressurreição de Cristo
mostram que essa convivência é perfeitamente possível (Mt 28.9-10; Lc
24.28-31,39-43; Jo 21.1-14).

Assim, no milênio estarão os crentes que serão arrebatados antes da


tribulação e que voltarão com Cristo (Ap 19.11-14), os santos do Antigo
Testamento que ressuscitarão (Dn 12.13), os salvos da tribulação que também
ressuscitarão (Ap 20.4-6) e os salvos de Israel e das nações que não terão
passado ainda pela morte (Mt 25.31-34). Esses últimos, sendo pessoas
comuns, ainda não ressurretas, viverão vidas normais, trabalhando,
constituindo família e estando sujeitos à morte, ainda que em idade bastante
avançada (Is 65.18-25).
Sendo assim, novos indivíduos nascerão durante o milênio e, ainda que o
temor do Senhor predomine nas novas gerações (especialmente, talvez, de
judeus. Cf. Is 65.23), é certo que entre as nações surgirão pessoas com
inclinações naturais, nutrindo disposições contrárias ao grande Rei. Isso
abrirá as portas para o evento que é descrito a seguir.

A revolta final
Conforme Apocalipse 20.7-10, ao fim do milênio Satanás será solto e
sairá seduzindo as nações para que se rebelem contra o Rei. Ele encontrará
corações propensos à revolta e formará um exército que atacará a cidade
santa.
Um fogo do céu, contudo, destruirá a todos e Satanás será finalmente
lançado no lago de fogo e enxofre onde já terão sido lançados o anticristo e o
falso profeta.

O grande trono branco


Esta expressão se refere ao conhecido “Juízo Final”. Depois da última
revolta, um trono será firmado para julgar os incrédulos mortos de todas as
eras (Ap 20.11-15). Será, assim, a ocasião em que serão julgados os que não
tiveram parte na primeira ressurreição (Ap 20.5). Estes serão julgados e
condenados a passar a eternidade no lago de fogo.
É bem provável que as pessoas que morreram durante o milênio, salvas
ou não, também ressuscitem para o juízo do grande trono branco, já que a
Bíblia não aponta nenhuma outra ocasião em que a ressurreição dessas
pessoas possa ocorrer.

O novo céu e a nova terra


O juízo final marcará o fim de uma era, pondo termo à presente criação
(2Pe 3.10-13). Após sua realização, haverá novos céus e nova terra, com
bênçãos infindas para os salvos e tormento constante para os perdidos (Ap
21.1-8).

GRÁFICO PANORÂMICO ESCATOLÓGICO


Posições escatológicas distintas
No meio evangélico existem pastores sérios e zelosos que acolhem
posições escatológicas diferentes da exposta neste livro (premilenismo
pretribulacionista ou dispensacionalista). As principais entre elas são as
seguintes:

POSIÇÃO
DEFINIÇÃO
ESCATOLÓGICA
Não aceita o futuro
estabelecimento de um reino
de mil anos literais. Para os
Amilenismo
amilenistas, o milênio é o
Origens a partir do
período entre a ascensão de
séc. IV
Cristo e sua segunda vinda,
tempo em que o Senhor reina
no céu.
Ensina que o avanço da
ciência e do evangelho
inaugurará uma era de paz e
prosperidade no futuro (o
Pós-milenismo milênio). Quando esse
Origens a partir do cenário novo e desejável
séc. XII estiver pronto, ocorrerá a
segunda vinda de Cristo,
coroando esse tempo de
glória e iniciando o estado
eterno.
Defende que o arrebatamento
Premilenismo e a volta de Cristo formam
histórico um único evento, depois do
Origens a partir do qual será imediatamente
séc. II estabelecido um reino de mil
anos literais de paz e justiça.
Afirma que a igreja
permanecerá na terra até a
Pós-tribulacionismo segunda vinda de Cristo,
Origens a partir do ficando sujeita às aflições do
séc. II tempo do anticristo e sendo
arrebatada somente quando o
Senhor voltar, a fim de
encontrá-lo nos ares.
Mid-tribulacionismo Diz que a igreja será
ou arrebatada no meio da
Mesotribulacionismo tribulação, antes que comece
Origens em meados o período de 42 meses de
do séc. XX efetivo juízo e sofrimento.
Ensina que nem todos os
crentes serão arrebatados,
Arrebatamento
mas somente os que têm
Parcial
certa maturidade espiritual e
Origens em meados
que estão preparados,
do séc. XIX
esperando o dia do encontro
com o Senhor.

O gráfico abaixo ilustra a concepção do premilenismo histórico. Note-se


que, segundo essa posição, o arrebatamento da igreja ocorre depois da
tribulação e coincide com a segunda vinda de Cristo.
Nos tempos do Império Romano, quando o imperador visitava uma
cidade, seus habitantes saíam ao seu encontro para recepcioná-lo a certa
distância dos muros. Depois todos entravam juntos novamente na cidade.
Alguns teólogos entendem que essa figura se aplica ao arrebatamento,
sendo a igreja uma comitiva que sai ao encontro do Senhor para recebê-lo
honrosamente em sua vinda, voltando logo em seguida à terra para o
estabelecimento do Reino.
CUIDADO! VENENO!
Teologia do Processo e Teísmo Aberto: A teologia do processo entende
a realidade como um processo do qual Deus faz parte, influenciando e
também sofrendo influências. Nesse processo, Deus respeita o livre-arbítrio
das pessoas e tenta convencê-las a fazer o que ele almeja. Porém, não pode
coagir ninguém, de modo que tudo o que lhe resta é desejar que as coisas
ocorram como ele gostaria que ocorressem. Quando os bons desejos de Deus
não se cumprem e suas tentativas de persuasão se revelam infrutíferas, ele
sofre e se coloca ao lado daqueles que também padecem por causa das
decisões más. Sendo alguém que apenas tenta influenciar o curso do
universo, Deus não conhece o futuro, pois este depende das decisões ainda
indefinidas de outros agentes que ele não pode obrigar em nenhum sentido. O
teísmo aberto segue nessa mesma direção, ensinando igualmente que Deus
jamais desrespeita o livre-arbítrio do homem. A partir daí, seus proponentes
negam que Deus predeterminou o futuro, pois, segundo entendem, se ele o
fizesse, então o homem não teria liberdade de fato. Assim, também no teísmo
aberto Deus sequer conhece o futuro, posto que este nunca foi fixado por ele
de antemão. É dessa forma que Deus se “abriu”, limitando sua soberania, a
fim de que o homem seja o real construtor da história.

Doutrina do sono da alma (psicopaniquia): Essa doutrina, proposta


pelos adventistas e por uma minoria de evangélicos, entende que entre a
morte e a ressurreição, a alma da pessoa dorme, ou seja, entra num estado de
inconsciência, despertando no dia final juntamente com a ressurreição do
corpo para receber a herança divina ou a punição eterna. Esse ensino
geralmente se baseia nas afirmações bíblicas que se referem aos mortos como
“os que dormem” (1Co 15.6,20; 1Ts 4.13-15). Porém, deve-se observar que
essa expressão é apenas um eufemismo, isto é, o emprego de uma linguagem
branda para suavizar a referência à dura realidade da morte. O próprio Jesus
usou essa linguagem eufemística em João 11.11, explicando-a em seguida
aos discípulos (Jo 11.12-14). Também se deve observar que a referência aos
que dormem aponta para o estado dos corpos dos falecidos, estes sim
inconscientes até o dia da ressurreição, quando, enfim, “despertarão”. Textos
como Mateus 17.2-3, Lucas 16.22-26; 23.43; Atos 7.59; 2Coríntios 5.8,
Filipenses 1.23, Hebreus 12.23 e Apocalipse 6.9-11 mostram a falácia do
ensino que propõe o sono da alma.
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Sobre o autor

MARCOS GRANCONATO é pastor titular da Igreja Batista


Redenção em São Paulo. Formou-se em teologia no
Seminário Bíblico Palavra da Vida. É graduado em direito
pela Universidade São Francisco de Bragança Paulista e
mestre em teologia histórica pelo Centro Presbiteriano de
Pós-Graduação Andrew Jumper.

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