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S�O LUIZ GONZAGA

PADROEIRO DA JUVENTUDE CATHOUCA


••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

ESBOÇO BIOGRAPHICO
E

DEVOCIONARIO

http://alexandriacatolica.blogspot.com.br

CASA MAYENÇA
SÃO PAULO
1926
IMPRIMA-SE

Por deleg. do Exmo. Revmo. Snr. Are. Met.

S. Paulo, 3/ de Maio de 1926

P. João B. Du Dréneuf S. J.
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EPISTOLA APOSTOLICA
DE SUA SANTIDADE
PIO XI, PAPA
PELA PROVIDENCIA DIVINA

AO FILHO DILECTO - WLADIMIRO LEDOCHOW­


SKI- P. GERAL DA COMPANHIA DE JESUS -
NO SEGUNDO CENTENARIO - DO DECRETO
DE CANONISAÇÃO - DE S. LUIZ GONZAGA.

FILHO DILECTO - SAUDE E BENÇÃO APOSTOLICA

Na vida do Divino Mestre resumbra como nota caracteristica es­


pecial predilecção pela jnventude. Assim Elle chama a si e attrahe a
infancia innocente (Marc. 1 O, 13-16); com palavras terriveis reprehende
. os seus corruptores e os ameaça de gravissimos castigos, emquanto ao
jovem intemerato, como premio e convite, propõe o ideal justo e per­
feito da santidade. - Esse mesmo espirito a Igreja recebeu do seu
fundador, como herdeira da missão divina e da sua obra, e porisso foi,
desde o inicio do christianismo, continuando sempre a ser e a se mos­
trar tomada da mesma predilecção pela juve ntude.

VII
Dahi a protecção dispensada á infancia para a sua integridade
physica e moral; dahi as escolas abertas para ella desde as elementa­
res ás academicas, para a conduzir dos primeiros estudos Jitterarios até
as mais altas disciplinas; dahi as Ordens e as Congregações religiosas
não s6mente approvadas, mas promovidas, com o intuito certo de pro­
vêr a devida formação da mocidade com a fundação de universidades,
de collegios, de escolas publicas e de associações. E da educaçãq da
juventude a Igreja reivindicou para si em todo tempo, como proprio e
inviolavel, o direito, não podendo deixar de patentear, perante toda a

sociedade humana que lhe fôra confiada, que Ella é a unica deposita­
ria da moral genuína, Ella a unica e infallivel mestra da arte difficilli­
ma de christanmente formar o verdadeiro caracter do homem.

N6s, portanto, presentemente, muito Nos regosija.mos por ver


em toda parte numerosos grupos de jovens, dos dois sexos e de toda
condição social, com o mais intenso affecto, se acercarem de seus Sa­
cerdotes e de seus Pastores, desejosos ao summo gráu de se apertei-·
çoarem nos pontos doutrinarias e praticos da vida christã e de coadju­
varem, com o p.roprio esforço, a Igreja, na obra que esta: cumpre do
melhoramento e salvação das almas.

. E rememorando as multidões juvenis que, no passado Anno San­


to, vieram até N6s de toda parte, renovam-se os suaves sentimentos
de alegria que então experimentaramos, em pensar que de taes agru­
pamentos de moços organisados em todas as nações, poder-se-ia for­
mar em dada época poderoso exercito pacifico, de que se utilisára a
Santa Sé, em a reforma do Mundo que precipita para a decadencia.

Ademais, o amor que nutrimos para com a mocidade, ainda mais


se avoluma em Nosso coração, ante o espectaculo das numerosas insi­
dias infernaes, tendidas á sua fé e á sua in nocencia: do que frequen­
temente, pela aspereza da luta espiritual, se verifica o enfraquecimen­
to e se apaga até o vigor da edade e da virtude em tantos moços que
poderiam praticar o bem, para a Igreja e para a sociedade.

Portanto, o 11. Centenario da Canonisaçil.o de S. Luiz Gonzaga,


a •• completar no proximo 31 de Dezembro, traz comsigo tão grandes
nnta1en11 de proveito espiritual para a mocidade, que, emquanto di-

VIII
rigimos a ti, filho dilecto, a nossa palavra, sentimo-nos impellidos a
volver nosso pensamento e D.osso discurso a todos os jovens nossos
filhos, que, em toda parte do mundo, representam as esperanças do
reino de Christo. Porque, se os jovens, nas provações e nos perigos
da Vida, devem recorrer a esse prestimoso e potente Patrono celestial,
seguil-o-ão assim mesmo, como modelo maravilhoso de toda virtude.
·_ Porque se bem estudarem a vida, se lhes antojarão claramente quaes
os caminhos -a percorrer para alcançar a perfeição- quaes os meios
adequados para a conseguir - quaes os fructos preciosos da virtude
colhidos se forem nas pégadas de Luiz. E se contemplarem Gonzaga :
na sua luz verdadeira e qual é Elle por verdade - isto é, mui diverso
da·falsa effigie em que o pintaram os inimigos da Igreja e tambem es ­
criptores menos conscienciosos, - como não encontrar n'Elle singu­
lar modelo de virtudes juvenis, mesmo após os mais recen
. tes exem­
plos de santidade verificados na Igreja? Porisso, percorrendo a his­
toria ecclesiastica, é facil averiguar que os moços mais em evidencia
pela pureza de sua vida, illuminados pelo Divino Espirito, desde a
morte de S. Luiz, até nossos dias, em sua maior parte se modelaram
pela sua escola. Entre os mais, para dar algum exemplo, Nos apraz re­
l embrar sómente João Berchmans, que, alumno do Collegio Romano,
outra cousa não ambicionou, se não em si proprio encarnar Luiz; Nun­
cio Sulprizio, jovem operario, o qual desde menino imitou o •Anjo de
Castiglione•, conservando-se firme até morrer; Contardo Ferrinio
que, apellidado mui justamente de •novo S. Luiz, pelos contempora­
a,eos, teve por Elle grande devoção, tomando-o como modelo de candu­
ra; Bartolomea Capitanio, que em vida e depois de morta copiou Gon­
zaga, de qflem fôra singularmente .devota, e que de Gonzaga, neste
seu centenario, dir-se-ia teve a paga, participando de
·
sua gloria com
a elevação ás honras dos Altares.

Nem de contrario affirmar-se-ia que o nosso Santo influísse por


não pequena parte na mutação intima e santificação de Gabriel da
Senhora das Dôres: o qual, apezar de desde sua adolescencia se mos­
trar algo leviano e perdulario, mesmo assim não interrompeu nunca sua
devoção a Gonzaga, que havia apprendido a venerar como Patrono
da mocidade. E, -citando um dentre os mais recentes educadores
e .mestres da juventude- D. João Bosco, não sõmente foi assaz de­
voto de S. Luiz, mas essa devoção, que deixou como herança a seus

IX
filhos, costumava sinceramente aconselhar a todos os meninos que
tomava sob o seu Magisterio educativo; e entre elles sobresaiu, co­
mo i.m.l.tador de S. Luiz, a alma candidissima de Domingos Savio, por
mui breve tempo por Deus assignalado á admiração dos homens sobre
a terra.

Certo, pode parecer que por mysteriosa disposição daProvidencia


Divina, o nosso Luiz fosse arrebatado, por morte prematura, qusndo
apenas se encontrava na flôr dos annos e seus reaes dotes de mente e
de coração, firme e expansiva vontade, singular prudencia, quasi di­
vina, e junto a esse zelo da religião e das almas, promettiam e faziam
esperar os fructos de fervoroso apostolado. Porque Deus quizqueos
moços aprendessem deste santo jovem, cuja flôr commum da idade
teria por certo tomado amavel e imitavel, aprendessem, dizíamos,
qual fosse o particular e precípuo dever de sua adolescencia, isto é,
de se preparar á pratica da vida, educando-se solidamente e aperfei­
çoando-se nas virtudes christãs. Aquelles, pois, que são privos destas
virtudes intimas, de que S. Luiz foi exemplo frizante, não poderem()s
considerar idoneos e escudados contra os perigos e as lutas da vida,
e capazes de exercer o apostolado: mas sim semelhantes ao aes sonans
e ao cymbalum tinniens (I- Cor., 13,1) ou não prestarão, ou talvez
prejudicarão aquella mesma causa ainda que a propugnarem e defen­
derem, como acontecera, e está patente, não sómente uma vez, em
tempos idos. Quem não vê, pois, opportuna aos nossos tempos a com­
memoração centenaria de Gonzaga, emquanto, com o exemplo da
propria existencia, aos mancebos, propensos por índole, á exteriorida­
de e promptos a se jogarem no campo de acção, Elle faz comprehender
que, antes de cuidar de extranhos e da influencia catholica, devem
elles primeiro aperfeiçoar-se no estudo e na pratica da vida intima.

E, antes de tudo, Gonzaga indica aos moços que a essencia da


educação christã basea-se no espírito da fé ardente, pela qual a hu­
manidade, illuminada como de um clarão que explende em logar tene­
broso (II, Petr., 1,19), reconheçam plenamente a natureza e a impor­
tancia da vida mortal. Pelo que, S. Luiz, havendo-se prefixo de dispôr
sua vida, pelas normas das razões •temporaes» mas •eternas» - das
quaes se afastando, se não pode mais ser ou julgar homem espiritual
- essas razões hauridas na revelação divina, considerou e meditou

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longa e profundamente na solidão dos exercícios espirituaes, nos quaes
apenas sabido da meninice e logo inscripto na Companhia de Jesus,
se absorvia com sum.mo proveito e gozo de sua alma. Em verdade,
pensamos ser desnecessario que nossa juventude, com o exemplo de
Gonzaga, grave bem em seu animo esta asserção incontestavel, isto
é, que a humana vida se não deve amesquinhar ao ponto de se restrin­
gir sómente 4 procura dos prazeres e bens passageiros, do que, não
raro, a tendencia natural, os sentidos dos jovens, se deixam levar,
mas que pelo contrario devemos julgar como conducta em que, servin­
do só a Deus tendemos á mansão eterna.

E este justo conceito da vida formar-se-â facilmente pela com­


prehensão dos nossos jovens, se, como o celestial Patrono, de vez em
vez, sahindo do borborinho das humanas paixões, se applicarem por al­
guns dias aos exercícios espitituaes que, pelos ensinamentos de nossa
longa experiencia, nasceram simplesmente para grangear util e ra­
dicalmente os animos malleaveis e doceis da mocidade.

Luiz, como dizíamos, esclarecido pela luz das verdades eternas,


propondo-se a nada esquecer afim de conservar Vida innocentissima,
foi tão persistente em seu proposito que se conservou immune de to-
· da mancha de peccado, desde sua primeira comprehensão ao derra­
deiro alento: e particularmente guardou cioso a flôr de sua pureza,
merecendo dos companheiros o nome de anjo - aquelle mesmo no­
me com que, desde essa hora, o povo christão o tem appellidado - e
o Beato Roberto Bellarmino, atilado preceptor do santo moço, consi­
derando-o confirmado na graça divina. Nem se diga que S. Luiz attin­
gisse essa perfeição e summa de virtudes, porque, por um favor ex­
traordinario de Deus, ficou isento das lutas intimas e exteriores que
infelizmente devemos nós combater contra a nossa natureza decahida
da primordial justiça. De facto, embora, por privilegio muito proprio,
nunca se visse perturbado por excitação sensual, mesmo assim, de a­
nimo superior que era, se não viu livre dos momentos de ira e dos pru­
ridos da vaidade: cuja propensão natural não sõmente refreiou por
ferrea vontade, mas submetteu em tudo e por tudo ao imperio da ra­
zão. E como não ignorasse a fraqueza innata das humanas prerogati­
vas e de si mesmo desconfiasse, procurou obter o auxilio da graça divi­
na, orando dia e noite e por muitas horas consecutivas, e se re-

XI
commendando l divina clemencia, sob o patrocínio da Virgem Mie de
Deus, de cuja devoção era entre todos o primeiro. E, especialmente,
conhecendo que o manancial sustentaculo de toda a vida espiritual se
encontra na SS. Eucharistia - costumava approximar-se l Sagrada
Mesa, toda vez que então se lhe permittia, afim de auferir forças sempre
novas.

E como da graça divina se não deve nunca destacar a humana co­


operação, nosso Santo, para manter illibada a innocencia da vida e a
candura dos costumes, reuniu o abandono absoluto das mundanas
paixões e o tolhimento dos sentidos ao culto fervoroso do SS. Sacra­
mento e da Mãe do Senhor- cousa que os demais poderão admirar,
mas nunca igualar. E' quasi, de facto, incrível que em meio a tanta
· corrupção de costumes, Gonzaga, pela candura de sua alma, se equi­
parasse aos espíritos celestes; entre tanta ansia de prazeres, o moço
santo se distinguisse por admiravel abstinencia e por austeridade e
aspereza do seu viver; entre tantos desejos de honrarias, estas Luiz
desprezasse até a abdicação espontanea do principado, que lhe era
reservado por hereditariedade, e pedisse sua entrada naquella fa­
milia religiosa, em que, por especial promessa, é vedado o accesso até
ls dignidades sacerdotaes.

Finalmente, entre tão desmesurado culto das antigas civilisa­


ções grega e romana, Luiz foi tão assíduo no estudo e na pratica das
normas celestes, que por particular concessão de Deus e por singular
propriedade, vivia todo entregue ao Senhor, sem que, em sua contem­
plação, soffresse o menor distrahimento.

São estas, em verdade, culminancias extraordinarias de santi­


dade e, diriamos, inaccessiveis até aos homens de grandes virtudes;
porém isso servirá de ensinamento aos nossos jovens, para lhes mos­
trar quaes procedimentos convenham afim de conservar incolume
aquillo que é decoro e ornamento mais bello da mocidade: a innocen­
cia e a honradez dos costumes. E, a proposito, não ignoramos que mui­
tos educadores - impressionados pela depravação actual dos costu­
mes, â qual se deve a extrema ruína em que tantos jovens precipitam,
com incrível detrimento do espirito- para que se afaste do seio social
esse mal ingente de extermínio - cogitam todos de novos systemas
educativos.

XII
N6s, porém, desejaremos que estes bem c:ompreheodessem que
nenhuma utilidade trarão A coisa publica, se negligenciarem methodos
e disciplinas, que, emanados da fonte da sapiencia christã e experi­
mentados pelo uso de tantos seculos, Luiz averiguou em si proprio ef­
ficazes ao summo grAu; a fé ardente, dizemos, o afastamento das se­
ducções; a norma, a abstenção da alma; uma devoção fervorosa para
com Deus e a Beatissima Virgem; a vida emfi.m, quanto mais frequen­
temente confortada e revigorada pelo banquete sagrado.

Porque, se os moços observarem Gonzaga com attenção, como


perfeito modelo de castidade e santidade, nilo s6mente aprenderão a
refrear a sensualidade, mas ainda evitarão o estorvo em que trope­
çam, se- embevecidos pelos dictames de certa sciencia que de Chris­
to e da Igreja despreza a doutrina- se deixarem transviar por des­
commedido desejo de liberdade, por orgulho intellectual e por inde­
pendencia de vontade. Luiz, ao contrario, embora conhecendo-se o
herdeiro do principado avoengo, deixara-se guiar docilmente por aquel­
les que foram seus mestres nos estudos e na piedade, e mais tarde,
professado religioso na Companhia de Jesus, submettera-se perfei­
tamente ás ordens e aos conselhos dos superiores, de modo a se não
afastar um instante siquer, mesmo nas pequeninas cousas, das pres­
cripções do Instituto. A ninguem escapará quanto essa attitude expli­
que advertencia severa para os jovens, que illudidos por falsos ouro­
peis e de insoffrido recato avassallados, desprezam irreflectidamente
os conselhos da velhice.

Portanto, quem quer pugnar sob as insígnias de Christo, deve


crêr firmemente que, desejando sacudir de seus hombros o jugo dis­
ciplinar, em vez de colher triumphos, só acarretará com ignobeis der­
rotas, visto como a propria natureza requer, por divina vontade, que
os moços nenhum verdadeiro proveito alcançarão , quer na vida in­
tellectual e moral, quer no preparo da prop ria conducta ao espírito
christilo- se não debaixo da alheia d isciplina.

E se em tudo mais - e mais ainda no que conceme o campo de


acçilo do apostolado- se requer grande docilidade; essas prerogati­
vas,por certo, que incumbem a um dos predestinados por Jesus Chris­
to A santa Igreja, nunca poderão ser exercidas com resultado, se não

XIII
quando se expletem com amorosa dependencia, respeito aos que o
Espirüo Santo prepoz á regencia da Igre}a de Deus.

Como já no paraiso terrestre, Satan, deixando entrever grandes


e phantasiicas promessas, como premio da desobediencia, aos nossos
primeiros paes, os induziu a se revoltarem contra Deus - assim, em
os tempos actuaes, pretextando liberdades, elle seduz e deixa arrui­
nados centenares de moços envaidecidos por ephemera soberba, em­
quanto sua dignidade repousa no respeito devido ás legitimas autori­
dades. Pelo contrario, Luiz, que, com a sua grande prudencia, era
cercado de tamanha admiração entre os seus que repunham no futuro
principado as esperanças mais fagueiras e pelos adeptos jâ indicado
como futuro Geral da Ordem- elle tão s6mente se amesquinhava e
obedecia a todos que se lhe propunham, em Jogar do seu etemo Senhor
e Rei, com humillima e contemporaneamente digna submissao.

Dessa norma de viver, tão santa e aclarada pela luz e pelos dicta­
mes da fé, Luiz colheu os mais suaves e preciosos fructos: n'Elle os
dons da natureza e da graça se completavam em perfeita harmonia,
representando assim modelo exemplar da mocidade .

Não é, pois, verdade, que Elle, seja por excellencia de talento, seja
por maturidade de sensatez, seja por nobreza e força de sentimentos,
ou por doçura e suavidade de maneiras, se nos apresenta como mode­
lo ideal ?

Assim, pela elevação e perspicacia de sua intelligencia, livre das


nuvens que surgem de paixões enfermas, com assiduidade dedicado
á contemplação da verdade e da justiça são testemunho o curso de
-

estudos por Elle brilhantemente concluido, as publicas contendas phi­


losophicas, apoiadas universalmente e com applauso sustentadas, e por
fim os escriptos deixados, especialmente as cartas, que, embora em
reduzido numero, devido á sua idade juvenil, se admiram por sabio
conhecimento e ponderação. das cousas.

Do seu recto juizo e finura de observação deu provas luminosas,


em difficillimos negocios que lhe confiAra o. proprio progenitor e por
elle tratados com prudencia e terminados felizmente: entre outros, em

XIV
aquelle, bastante arduo, pelo qual, depois de ter morrido o pae, conse­
guira reconciliar o proprio irmão com o Duque de Mantua, fazendo des­
apparecer aleivosias e rancôres. De seu nobre coração e da amabiü­
dade do seu trato teciam unanimes e amplos louvores, todos que tive­
ram com elle relações, quer na vida commum, quer nos esplendores da
côrte, concidadãos e domesticos, príncipes e palacianos e, sobremodo,
superiores e irmãos da Companhia, onde despertou, entre todos, geral
amiração. Sabemos por fim como resplandecia n'elle, em modo parti­
cular, a firmeza de caracter em seus propositos.

Desde a idade mais tenra, o pequeno herdeiro do marquez de


Castiglione, tendo firmado o projecto de sua santificação, nesse em­
penho, concebido inabalavelmente, permaneceu fiel até sua morte.
De maneira que a asc:ensão espiritual, nelle começada com o uso da
razão, não conheceu, depois, nem estacionamento, nem regresso. Pode
haver, pois, modelo mais exacto, e mais opportuno para se propOr co­
mo exemplo de imitação, em especial modo á juventude estudiosa?

E sta, por verdade, não sómente deve enriquecer de sadia e solida


cultura a mente e o coração, mas deve ainda possuir criterio vigoroso,
equilibrado, sereno, afim de poder juigar e sentir, com rectidão, dos
homens e dos acontecimentos, sem que se deixe transviar por illusões
enganadoras, por enervantes e violentas paixões, ou pela publica opi­
nião; deve assignalar-se por animo suave, afim de promover e manter
espírito de concordia no seio da família e da sociedade civil; por fir­
meza e constancia de vontade, afim de poder dirigir a si mesma e aos
outros na pratica do bem.

E nada falta a Luiz, nem siquer essa admiravel concepção para


vantagem do proximo - apostolado que mais frequentemente seduz
a idade e a alma juvenis.

Embora a contemplação das cousas celestiaes e a intima conver­


sação com Deus era occupação principal e assídua de Gonzaga, tanto
que sua vida bem podia se dizer •occulta com Christo em Deus•- as­
llim mesmo de seu coração emanavam, desde então, faiscas de ardôr
apostolico, que de algum modo preannunciavam as chamma s do incen­
dio que dellas seguira. Assim, logo sabido de sua meninice, vêmol-o

XV
enthusiasmar, com o exemplo e com a palavra, todos os que a elle se
dirigem, incitando-os opportwiamente 4 pratica da virtude; e após,
com o andar dos annos, eil-o, attrahido por mais singelo ideal, aspirar
lis mais elevadas e arduas emprezas para a saude das almas, e acari­
ciar a idea de dedicar-se ás missões apostolicas entre os hereges e
pagãos ..

- Roma admirou Luiz, alumno do Collegio Romano, percorrendo


praças, ruas, reductos da cidade, ensinando os elementos da doutriqa
christã lis crianças e aos pobres: foi ella testemunha da caridade heroi­
ca a que elle, em meio ao recrudescer da peste horrível, se dediclira,
na assistencia aos inficionados, contrahindo o inicio daquelle morbo,
que, depois de poucos mezes, mancebo de apenas 24 annos, o conduzi­
ra ao sepulcro.

Pois bem; são taes, justamente, os campos de acção que, im­


mensos., se abrem aos nossos jovens que queiram, de facto, seguir a
norma de Luiz, isto é: imitai-o e seguir os seus exemplos edifican­
tes; a efficacia dos bons discursos, o amor e o desejo das sagradas
Missões, o ensino da doutrina christã e finalmente as obras de carida­
de nas suas formas varias. Bastlira que a isso se dedicassem as grandes
phalanges da mocidade catholica, para que reflorescesse a essencia do
Apostolado Aloisiano, adaptando-se-o opportunamente ás necessidades
hodiernas; aquelle Apostolado Aloisiano, dizemos, que, longe de
se haver extinguido, com a morte de Luiz, continúa ainda e efficaz­
mente do Céo.

Em verdade, da séde bemdita dos Eleitos, onde foi contemplado,


em visão de extase, pela virgem carmelita Magdalena de'Pazzi, rei­
nar em gloria, onde, ha dous seculos, Benedicto Xlll, Nosso Prede­
cessor de saudosa memoria, declarou-o enthronizado entre os com­
prehensores, inscrevendo-o, com solemne Decreto, entre os Santos,
Luiz nunca cesslira de baixar copiosas bençams sobre seus fieis de to­
da casta, porém, em particularidade sobre a juventude. Porisso é que
muitas são as sociedades que se intitulam a seu nome e se honram do
seu patrocínio: quasi innumeraveis os adolescentes de ambos os se­
xos que, seguindo o seu exemplo, entrelaçam os espinhos das mortifi­
cações aos lyrios da candura; e assim, entre Gonzaga e a mocidade

XVI
christã, parece estabelecida innocente mas benefica porfia: Elle a pro­
digalizar dons celestiaes, esta a in vocal-O como celestial patrono.

- Que admiração, pois, se os Romanos Pontífices escolheram


Luiz por modelo e protector dos moços ?

N6s, portanto, animados pelo vivo desejo, que mais de qualquer


sentimos, da perfeita educação e da salvação da juventude, em espe­
cial nos tempos actuaes, em que ella se encontra exposta aos maiores
perigos, seja pelos beneficios ji conseguidos, seja para conseguir ainda
de Luiz beneficios mais copiosos, insistindo na trilha dos Nossos Pre­
decessores, particularmente de Benedicto XIll e de Leão XIII, confir­
mamos solemnemente e, sendo preciso, com a Nossa Autoridade A­
postolic:a, declaramos S. Luiz Gonzaga celestial patrono de toda a mo­
cidade christã. E, emquanto confiamos esta eleita descendencia da
família catholica i tutela de Luiz, para que prospére e se tome sem­
pre mais florescente e exemplar na luminosa e singela profissão da fé
e na pureza dos costumes - exhortamol-a ardentemente e com affec­
to paternal esconjuram.ol-a para tomar sempre Luiz como exemplo e
não cessar nunca de O venerar e invocar, ainda com os exercícios de
devoção, como a piedosa pratica dos 6 Domingos, que uma longa ex­
periencia demonstrou fecundos de muitos e não pequenos beneficios.

Entretanto, conforta-nos saber que a Commissão preposta aos


solemnes festejos centenarios, sob a vigilante direcção do nosso Car­
deal Vigario - tenha indicado aos jovens que, após algum tempo de
retiro espiritual, renovem a promessa de uma vida christãmente in­
tegra e pura, e a registrem, subscrevendo-a de proprio punho, confir­
mando-a quasi como juramento, em listas proprias que, reunidas e
encadernadas em volume, serão aqui trazidas pelos delegados da mo­
cidade de todo o mundo catholico, e depois de ratificadas pelo Sum­
mo Pontífice, como penhor de piedade e recordação, serão depostas
no templo Ludovisiano, onde repousam os ossos venerandos de Luiz.
:t'fem podéra se imaginar cousa mais adequada para despertar gene­
roso fervor no animo dos jovens; pelo que, a celebração desta festa
bicentenaria, que tem em mira a renovação do espírito religioso da
juventude de todo o mundo, não seri certamente falha de salutares
effeitos.

XVII
Todos aquelles que são parte da immensa família da juventud e
catholica, que intervierem nesta Alma Cidade, na occasião fixada,' pe­
los progamma s dos fllstejos, serão por Nós recebidos e por Nós en­
tretidos com paternal affecto, quaes encarregados de missões verda­
deiramente nobres e profícuas e os acompanharemos com o pensa­
mento e com o coração ao tumulo de Luiz, fazendo votos para que to­
dos nossos filhos experimentem sempre mais efficaz a tutela desse
celestial patrono.

E como, nesse mesmo dia, junto a Luiz, fosse inscripto no numero


dos Santos tambem Estanislau Kostka, que viveu e voôu aos Céos
poucos annos antes, na Companhia de Jesus, assim convem que os
nossos moços, nesta faustosa data, volvam ainda sua attenção ao se­
raphico jovem polaco, a quem Nosso Senhor •com um dos prodígios
de sua sapiencia, concedeu «a graça de alcançar, no verdor dos annos,
amadurecida santidade». Elle tambem descendente de nobre família,
tambem elle de animo forte e generoso, fôra angelica flôr de pureza,
aspirante aos mais sublimes ideaes; lutou largamente com um irmão
seu dado á vida mundana e aos prazeres desenfreados; superou as in­
sidias de uma familia de hereges e de companheiros dissolutos; e
confortado após pelo Pão Eucharistico, ministrado, não só uma vez,
pela mão dos anjos, iniciou a pé grandes viagens, p ara seguir a vóz de
Deus que o chamava a empresas mais nobres, e da Beata Virgem que
o incitava para entrar na Companhia de Jesus; veiu a Roma, mas qua­
si sómente para daqui, logo após, subir á eterna Jerusalem, o mais
moço dos Santos Confessores, consumido na idade de sómente 18 an­
nos, e noviço ainda, pelo fogo ardente da caridade. E parece que Deus
quiz premiar em especial modo a força moral e a constancia de Esta­
nislau, tributando ao innocentissimo mocinho tanto esplendor de glo­
ria, afim de offerecer, mediante o seu patrocínio, invencível defesa
á sua nação, ou melhor, á christandade inteira, contra o maior perigo
daquella época: as incursões dos turcos.

A sua intervenção prodigiosa nos críticos momentos da patria era


tão evidente para todos, que o grande Cezar christão, João Sobieski,
o libertador do terrível assedio de Vienna, não tinha duvidas em
affirmar que as suas victorias se deveram, não tanto 4s suas armas,
quanto á protecção de Estanislau.

XVIII
Queira Deus que, pelas supplicas juntas dos dous Santos, seja
aos nossos moços concedida a graça de os emularem, de se jando com
melhor enthusiasmo, e alcançando mais rapidamente a conquista da ­
quella unica grandeza christã, que é o belli!rsimo orna me nt o da pureza
e da santidade.

Auspice entretanto dos dons celestiaes, e penhor da Nossa pater­


nal affeição, a ti, filho dilecto, a todos os religiosos da Companhia de
Jesus, e a seus alumnos, concedemos de todo coração a Benção
Apostolica.

DADO EM ROMA, JUNTO DE S. PEDRO, AOS 13 DE JUNHO

DE 1926, ANNO QUINTO DO NOSSO PONTIFICADO.

PIO XI PAPA
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ti'

Duas palavras de apresentação

31 de dezembro de 1926, haverá dois


seculos que São Luiz Gonzaga rece­
•a='---·iTl beu da Santa Sé a suprema glorificação
dos altares.
Seculos de indizivel gloria no céu.
s�culos de beneficios espalhados a flux
pela terra.
Seculos do mais fecundo apostolado pos­
thumo.

. Ao côro que, por toda parte, se alevanta


para enaltecer os meritos dêste anjo em carne
humana, quiz eu tambem juntar a voz - voz
fraca, insignificantes encómios ; ainda assim,
voz animada do desejo mais intenso de ser util
á no�a juventude sitiada ·de implacaveis inimi­
gos, que empenham todos os esforços em cor-
2 S. LUIZ GOXZ.\G.\

romper-lhe a innocencia, que _recorrem a to�os


os ardis para: seduzi-la e apagar em 8eús arden·
tes corações os mais sublimes, os unicos Impe­
recedouros ideaes.
Pelo mundo a lastra-se uma onda de impu­
reza e de descrença. Na guerra irreconcilia't-el
entre o espírito e a carne, a carne - que fenece
e morre Como- ílôr do campo - ameaça cada
vez mais afogar as nobres aspirações do espí­
rito immortal.
Para nossa j uventude, que vive nessa atmos­
phera vicíada, é S ão · Luiz Gonzaga uma .vi_são
-
do céu, a apontar, num horizonte que não -�ó me,
eternos destinos que não fenécem. A esses jo­
vens, mergulhados na materia, repete Luiz, com
a irresistivel força do exemplo :
O tempo é breve e passageiro, a eternidade,
sem fim.
E' uma bandeira, que chama em volta de
suas dobras invencíveis, as almas que têm brios
e estão f a mintas de pureza e de luz;

as que ouviram ecoar, no _solemne silencio


da prece, a meiga voz que os convidava a seguir
as pisadas de Luiz nas regiões serenas e imper­
turbaveis do idealismo christão ;
as que ardem no fogo abrasador do a pos­
to lado e querem, como Luiz, pelejar os heroi-
DUAS PM.AVRAS DE APRESF.NTAÇAO
3

cos combates de Christo nas gloriosas phalan­


ges de Santo Ignacio, em alguma família reli­
giosa ou nas fileiras do clero secular ;
as que vivem na terra para merecer o céu ;
as que esquecem o transitorio para pensar
no eterno.
A estes, a todos nossos jovens vão estas pa­
ginas singelas proporcionar um instante de re­
colhimento in tenso e de fervorosa prece, fóra do
ruido que atordôa, fóra das perturbações que
desasocegam, fóni. do mundo que seduz.

Julho de 1926.

A ug. Magne, S.].


PREFACIO

L1 S vidas dos Santos são nórmas de bem vi­


p ver, e mostram o caminho direito do Pa­
raiso, com muito mais efficácia do que os livros
escriptos e as palavras. As vidas dos Santos an­
tigos, como de pessôas muito afastadas de nossa
época, comquanto perfeitíssimas, não teem para
todo8 aquella força de mover que deveriam têr.
Por isso, com particular Providência, Deus fáz
que no jardim de sua Igreja brotem novas plan­
tas, floresçam novos Santos, que, pelo recto ca­
minho, chegam ao céu e nos mostram que não
está encolhida a mão do Senhor e que, agora
como sempre, se póde servir a Deus com santi­
,
dade e perfeição.
Estas palavras, com que o P. Cepári pre­
facia sua Vida de São Luiz, ouso eu, com teme­
ridade talvez, applicá-las ao presente escôrço
biographico do amavel Santo.
6 S. LUIZ Gú�Z.\G.\

Não duvido que desta leitura a lguns jo­


vens côlham imp.ressõe� duradoiras, fortes reso­
luções.
No emtanto, apenas sobre um ponto quizé­
ra, desde já, chamar a attenção dos que por Yen­
tura me lêrem.
Póde-se �izer que o episódio mais saliente
da vida externa de São Luiz foi a escolha do es­
tado.
Altamente compenetrado do fim ultimo ao
qual tudo na vida humana deve ser subordinado,
com que esmero se não deu a encarar este pro­
blema capital! Que de preces não fez, que de
lagrimas não derramou, que de asperrimas pe­
nitencias e sangrentas macerações se não impôz,
para alcançar do Espírito Santo os raios illumi­
nadores de sua graça! E depois de sériamente
tomada, aos pés do Crucifixo, nos degráus do
Tabernaculo, a resolução definitiva, com que
valor heroico soube vencer os mil obstaculos
q�e se lhe oppunham, até vêr plenamente reali­
zado seu sublime ideal! E como ao pé delle
desapparecem tantos jovens, em quem um leve
sorriso de escárneo ou um simples mover de
ombros, dissipa as primeiras velleidades de uma
vida mais concorde com os princípios da fé. de
que se proclamam inabalaveis observadores!
PREFACIO
7

Nem me digam: " São Luiz Gonzaga ha­


via nascido para Santo; não é, pois de extra­
nhar -que se deixasse atrair por um mystico
ideal. . . Nós, porém, estamos contentes, com
nos podermos salvar . . . "
Por ventura, nascem alguns para santos,
outros para medicos ou engenheiros? A verdade
é que só os santos sabem em tudo harmonizar
sua vida com os princípios da fé que professam,
ao passo que nós, as mais das vezes, admittimos
as verdades sohrenaturaes sem lhes tirarmos as
consequencias praticas. Todos nascemos para o
céo, e ao céo é que, na ordem da Providencia,
deve levar toda a carreira conscienciosamente es­
colhida. Umas, porém, descrevem largos rodeios
e estão cercadas de profundos ahysmos ou emba­
raçadas de mil impecilhos, que as tomam, mui­
tas vezes, impraticaveis. Mas ha, para cada um
de nós, um caminho mais recto, mais livre, mais
desimpedido. E este é o que devemos· escolher.
Infelizmente, porém, hem poucos jovens en­
tendem a gravidade da escolha, e quasi todos
costumam inverter os termos do problema, abra­
çando, sem mais, uma carreira qualquer, por
motivos quasi sempre futilissimos, e ponderan­
do, depois, para socegar todo escrupulo da con­
sciencia, como n'aquelle estado poderão conse­
guir o· ultimo fim, salvar sua alma. A desfazer
S. LUIZ GONZAGA
8

este engano deveria bastar o simples bom senso,


que nos induz a escolher não o estado em que
rigorosamente nos possamos salvar, senão aquel­
le em que, dadas nossas condições particulares,
nos poderemos salvar mais segura, facil e per­
feitamente.
E para acertar num passo de tanta monta,
o que antes de tudo cumpre fazer, é recorrer·
com tempo a Deus, sem hesitações. " Atiremo­
nos com confiança ao seio de Deus, diz S. Agos­
tinho : Deus não se desviará para nos deixar
cair, mas antes nos receberá em seus braços e
socegará as perplexidades de nosso coração."
Queira nosso angelico São Luiz inculcar a
muitos jovens a importancia da verdade que aqui
deixo levemente esboçada !
S. LUIZ GüNZAG.A
I. NASCIMENTO E PRIMEIROS ANNOS
DE SÃo Lmz

�'� REZE annos após a morte de São Luiz


.,. �'T"
'"\i \�'-' Gonzaga, sua imagem, cercada de
���
luzes, era exposta á veneração dos fieis
'�(�
em Castiglione, cidade natal deste anjo,
\ ·' como o chama a Santa Igreja. Dona
Martha Tana, com o coração a transbordar de
suavissima alegria, ajoelhara-se para orar ante
a imagem do seu heroico filho: "O' mãe ventu­
rosa, exclamou então · o orador da festa, o P.
Ugolitti, dominicano, lá no céo immortaes lau­
reis cingem agora a fronte de Luiz. Que filLo
mais glorioso poderia desejar uma rainha ou
uma imperatriz? Desappareçam pois deante de
vós as mães dos conquistadores mais i Ilustres."
lO S. LUIZ GONZAGA

Nasceu Luiz Gonzaga aos 9 de março de


1568, no castello de Castiglione, situado a pou­
cas leguas das cidades de Solferino e Villa Fran­
ca. Era o primogenito dos oito filhos do mar­
quez Fernando Gonzaga e de sua piedosa espo­
sa Martha Tana Santena.

Os pacs <.lt• S. Luil

D. Fernando Gonzaga, príncipe do Imperio


e marquez de Castiglione delle Stiviere na Lom­
bardia ,' era primo em terceiro grau do duque de
Mantua D. Guilherme.
Dona Martha descendia tambem das prin­
cipaes famílias do Piemonte e era prima-irmã
do Cardeal J eronymo della Rõvere, arcebispo de
Turim.
O Marquez, que tinha abraçado com ardor
a carreira das armas, tencionava fazer de Luiz
PHDIEIROS ANXOS li

um valente soldado e illustre cavalheiro. Muito


din"'rsos, porém, eram os desígnios de D. Martha:
fizera voto de ir em romaria a Loreto com seu
filho, e desde o instante em que elle nascera o
tinha consagrado a Deus e á Virgem Maria. Sen­
tia particular desejo de têr algum filho religioso,
e firme nesta santa tenção, muitas vezes o pedia
a Deus em suas orações. Os acontecimentos de­
monstráram que Deus a ouviu, porque este seu
primogenito, como ao deante veremos, entrou
mais tarde na Companhia de Jesus, onde viveu c
morreu santamente.
Muitas testemunhas depuzeram sob j ura­
mento, no processo de beatificação e canoniza­
ção do nosso santo que, sendo elle ainda muito
criança, se sentiam dominadas por um senti­
mento de grande respeito e veneração, quando o
tinham nos braços : "Parecia-nos trazer não uma
criança da terra, mas um anjo do céo!" Com
effeito, Luiz conservou com tanto esméro a gra­
ça do baptismo, que este sentimento de venera­
ção e respeito se apoderava de todos aquelles
com quem tratava, como havemos de ver no de­
curso de sua vida.
S. LUIZ GO::\Z.\GA
12

11. PRIMEIRA EDUCAÇÃO DE S. LUIZ. VAE


A CASAL m MoNFERRATo. SuA
" CONVERSÃ O " .

Desejava a marqueza, como pia senhora,


que o filho se acostumasse desde pequeno ás
praticas de piedade. Ella mesma lhe ensinou lo­
go o signal da Cruz, os nomes de Jesus e de .!\Ia­
ria, o Pater, Ave e outras orações : o mesmo que­
ria que fizessem as pessôas que o serviam e
acompanhavam. O menino tornava-se tão devoto,
que pela claridade daquella aurora, bem se po­
dia inferir quão grande havia de ser o esplen­
dor do seu meio dia. A mãe sentia nisto parti­
cular gosto, mas o marquez, que se prezava de
seguir o caminho das armas, desejava que Luiz
lhe seguisse o exemplo.
Mal entrára Luiz nos quatro annos, quando
o pae entendeu dever tira-lo da vida socegada
da familia e inicia-lo na carreira militar. Rece­
bera D. Fernando ordem de Philippe 11 para
reforçar com tres mil homens a expedição con·
tra os Turcos de Tunis. Nesta occasião, mandou
fazer para Luiz couraça, capacete e outras ar­
mas apropriadas ao seu tamanho, e o levou a
Casal di Monferrato, onde devia assisrir ás ma­
nobras do exercito. Dur11nte a revista da� tropas,
punha-o á frente das fileiras, revestido de uma
SUA "CO:.;VERSAO" 13

leve armadura e go!'tava de vêr o prazer com que


o menino acompanhava os exercícios militares.
Mas !IPmclhante vida não era isenta de pe­
rigos para a edade de Luiz. Pouco a pouco, o
espiritó militar assenhoreou-se delle. Um dia,
quiz tentar uma façanha. Na hora em que os
soldados dormiam á sesta, corre ao acampamen­
to, passa de mansinho por meio delles, carrega
uma peçasinha de artilharia · e deita-lhe fogo.

Carrl')lH uma peçnslnhn ue al'tilharia ,. delta-llw fogo

Poueo faltou para que a carreta, recuando com


a descarga, o não esmagasse debaixo das rodas.
O marquez, acordando com o estampido e sa­
bendo o que succedera, quiz castigar a criança ..
mas os soldados, que gostavam de vêr tanto ar-
S. LUZ o_W)OZ,\(ii\
14

dor no joven principe, obtivéram-lhe o perdão.


Mais tarde Luiz contava este facto como pro\'a
da divina bondade, que o ] ivrára da morte, c
a'ccrescentava ingenuamente : "Durante muito
tempo affligiu-me o pensamento de ter tirado
aquella polvora aos soldados, mas emfim con­
solei-me pensando que, se a houvesse pedido,
elles de bôa vontade m'a teriam dado."

A esta culpasinha, que o servo de Deus


a margamente chorou, devemos accrescentar ou·
tra, que, como elle mesmo disse, foi o maior pec­
cado de sua vida. Vivendo entre soldados, ouvi­
ra-os a miudo usar de palavras livres, como é
costume de tal gente. Começou a repeti-las, sem
saber o que significavam, mas, reprehendido um
dia pelo aio, nunca mais as pronunciou, senão
que as chorou toda a vida como um gravissimo
peccado.

Pa rtindo o marquez para 'funis mandou le­


var Luiz a Castiglione, onde o menino seguiu o
modo de viver apprendido em Casal.

" Attingindo porém a edade de sete annos,


conta o Cardial Bellarmino, seu confessor, Luiz
consagrou-se a Deus com tanto fervor e genero­
sidade que, desde aquelle momento, não viveu
s�náo para as consas divinas, (lesprezando e cal­
cando aos pés tudo o que o mundo ama e estima.
15

Disse-me el le proprio, muitas vezes, que o seti­


mo anno de sua edade fôra o de sua conversão.
E desde aquelle momento abraçou a vida chri!';­
lan em toda a sua perfeição.''

Marcava desde então horas certas para a


oração, e cada dia rezava, de joelhos e sem se
encostar, o officio de Nossa Senhora e os sete
Psalmos Penitenciaes.
Depois da jornada de Tunis, o manJnez de­
morou-se cêrca de dois annos na côrte de Espa­
nha. Tornando ao seu domínio, não achou mais
Luiz inclinado ás armas, como o deixára, mas
lodo recolhido e devoto; pelo que tanto se admi­
rava 1le vêr nelle grande siso e circumspccção,
eomo s� alegrava imaginando quanto seria apto
para governar o seu marquezado. Mas o menino,
eontando apenas oito armos, já tinha desígnios
muito mais altos e de muito maior perfeição.
Um dia resolveu abrir-se com sua mãe, á
qual muitas vezes ouvira que, tendo-lhe Deus
<lado outros filhos, se alegraria de vêr a algum
d'elles religioso. "Senhora e mãe, disse-lhe es­
tando a sós com ella, costumaes dizer que g�sta�,
rieis de têr um filho relig ioso Creio que o Se·
.

nhor vos fará esta mercê." Tomando outro dia,


a repetir-lhe no quarto as m�smas palavras, ac­

crescentou: " E creio que serei eu." A marque-


S. LUIZ GONZM<A
16

za fingiu não lhe querer dar ouvidos, por ser


elle o primogenito, ma8 começou a persuadir-se
que assim seria, por vê-lo tão dado á devoção .
.

III. VAE A FLORENÇA. FAz voTo DE cASTIDADE


DA SANTA VlDA QUE ALLI LEVOl'

Tinha Luiz nove annos, quando o marquez


D. Fernando o levou para Florença com Rodol­
pho, seu irmão menor, afim de que alli estudas­
sem latim e italiano, aos cuidados de Pedro
Francisco dei Turco, homem de reconhecida fi­
.
delidade e prudencia. O santo menino ahi pas­
sou dois annos, durante os quaes fez grandes
progressos nos estudos e tanto se adiantou na
sciencia dos santos, que mais tarde costumava
chamar Florença " mãe de sua devoção". Alli
mesmo, em Florença, aos pés de uma imagem
milagrosa, que representa a Annunciação de
Maria, Luiz apprendeu a amar a Virgem-Mãe
com um affecto verdadeiramente filiaL Diante
daquella sagrada imagem, o coração puro de
Luiz achava as suas delicias, porque hauria the­
souros de ternura e de amor para com sua Mãe
do céo.
Um dia, junto áquelle altar de Nossa Se­
nhora, entretinha-se na leitura dum opusculo
sobre os mysterios do Rosario, escripto pelo P.
·..;. LUIZ F.!\1 1-"I.ORENÇA 17

Loarte, da Companhia de . Jesus, quando, dei­


xando subitamente de lêr,' levanta os olhos para
a imagem e pensa um instante no que poderia fa­
zer para agradar á Virgem lmmaculada. Após
um momento de reflexão, ajoelha-se e, sob o
olhar de Maria, faz a Deus voto de perpetua vir­
gindade. Tinha então dez annos.

;\jOf'lhu-sr e, sob o olhar de Mario, faz a Deus voto de


prrpetun virgindude.

A divina Mãe acceitou o voto do seu queri­


do filho e mostrou-lhe o contentamento que nis­
to tivéra, preservando-o de qualquer tentação
eontra aquella virtude.
Entretanto, posto que Luiz tivesse recebido
de Nossa Senhora mercê tão assignalada, não dei­
xava de castigar sevéramente o corpo com jejum
S . Lt;I7. GONZ.\(j!�;
18

f" penitencias, para preservar de qualquer peri-'

go a sua· pureza. Não· entraremos a pormenori·


sar os rigores com que o santo crucificou seu
eorpo innocente: hasta dizer que sua vida foi um
perpetuo jejum e martyrio voluntario.
Deste modo, ajudado da divina graça, Luiz
Gonzaga alcançou aquelle profundo recolhi�
mento na oração, que a todos causava espanto.
"Tendo eu um dia perguntado, refere tl
Cardial Bellarmino, como podia permanecer
horas inteiras rezando sem se distrahir, respolt­
deu-me que não entendia -como se podiam têr
distracções na presença de Deus.
Com effeito, assim como na oração seu cor­
po permanecia immovel, assim o espírito se lhe
fixava em Deus e não percebia nada do que se
fizesse ao redor d'elle."
Nestas communicações com Deus, recebia
tantas graças, que as lagrimas lhe corriam de
continuo pelas faces, e molhavam até o logar
onde estava ajoelhado.
Nem se julgue que a santidade lhe estor­
vasse os estudos, porquanto, desejoso de agradat·
a Deus em todas as cousas, a elles se applicava
com ardor, e não se avantajou menos na scien­
cia que no exercício das virtudes.
Quando queria descançar o espírito, lia vi­
das de santos, escriptas por Súrio, ou os Evau-
S. l.t:ll'. DI F l.OHE� \.:.\
19

gelhos, ou rezava o Officio. Entretanto tambem


se exercitava no apostolado : aos domingos e dias
santos, reunia em tôrno de si alguns meninos, e
explicava-lhes com uncção maravilhosa a dou­
trina christan, não esquecendo nunca alguns bons
conselhos e palavras de animação.

ll•·unla 111eninos e C'XJ)liCaY.;l-lhr.s n doul1·in<t christan

Aos superiores era tão obediente que, co­


mo affírma seu aio, nem em cousas mínimas se
apartava de suas ordens. Se via Rodolpho resen·
tir-se com as reprehensões deste ou do mestre,
logo com muito amor o exhortava á obed iencia.
Em Florença costumava confessar-se a miu­
do. Q uando o fez pela primeira vez, sentiu tão
sincera e profunda dôr, que caiu sem sentidos
aos pés do sacerdote. O aio, tomando-o nos hra-
S. LUIZ GON Z.\GA
20

ços, levou-o para casa e, recobrados que teve os


sentidos, exprobrou-lhe tanta sensibilidade :
"Agora, disse, · todos hão de crer que sua Alteza
não tem coragem ! " - " Ah, retorquiu o angeli­
co joven, Deu·s é tão bom e eu o offendi tantas
vezes ! " Renovou depois a confissão, accrescen­
tanto mav; tarde que della tirára grande
proveito. Abor­
recendo c a d a
vez mais toda a
sorte de conver­
sação e entre­
gando-se todo a
Deus, determi­
nou afinal ce­
der o marque­
zado a Rodol­
pho e fazer-se re­
]igioso, não pa­
ra alcançai di­
c�hiu s_.n1 �w n t i d o s aos ))(··s
do sacerdote. gnidades, q u e
sempre recusou,
mas para poder com mais l iberdade occupar-se
no divino serviço. Por isto pediu ao pae que o
dispensasse das visitas á côrte, para poder appli­
car-se mais ao estudo, mas não lhe manifestou o
proposito que formára de abraçar um esta�o de
vida mais perfeita.
J•HIMEIRA COMML'�IUO
21

I V. PRIMEIRA COMMUNHÃO. TORNA A CASAL,


CORRENDO NO CAMINHO GRANDE PERIGO.
SuA vocAçÃo.

Em Novembro de 1579, partiu Luiz para


Mantua com seu pae nomeado governador de
Monferrato ; mas, findo o inverno, tomou a Cas­
tiglione.
Ahi estava sempre retirado, fugindo de con­
versações, par3: se poder dar todo á piedade.
Achando-o Deus bem disposto, começou então a
sêr-lhe mestre e director na pratica da contem­
plação e oração mental. As pessoas de casa viam
o santo menino estar ás vezes horas inteiras aos

pés de um Crucifixo, com os braços já abertos


_já cruzados no peito, e outras vezes ficar immo­
vel, como que arrebatado em extase.
Iniciado assim na pratica da meditação,
mas não sabendo que ordem devia nella seguir,
.�ncontrou um livrinho do Beato Padre Pedro
Canisio, da Companhia de Jesus, no qual vinham
flispostos alguns pontos de meditação. Este livro
t' as Cartas da lndia muito o affeiçoaram á Com­

panhia : o livro, porque lhe agradava o metho­


(Jo e ainda mais o espírito com que estava escri­
pto ; as Cartas, porque por ellas sabia o que fa­
zia Deus por meio dos Padres da Companhia,
naquellas regiões, para a conversão dos infieis.
S. LUZ GONZAG .\
22

Entretanto o arcebispo de Milão, S. Carlc;.,;


Borromeu, durante a visita pastoral passou por
Castiglione e ahi teve noticias de S. Luiz. Dese·
jou vivamente conhecê-lo e teve com elle uma
longa conversa, que encheu de consolação a al­
ma do santo prelado, pois nunca vira tanta peJ.;•
feição em edade tão tenra. Sabendo que aind•t.
não fizera a primeira communhão, quiz propor­
cionar-lhe esta ventura, e foi das mãos do san·
to cardeal que Luiz, após fervorosa preparação,
recebeu, no seu casto peito, aquell� Deus que
tanto amava. Este facto deu-se pelo meado dt�
1580.

Pelo fim do mesmo anno, D. Martha, Luit:


e R.odolpho puzeram-se a caminho de Monfer­
rato, onde se achava então D. Fernando. Neste�
viagem São Luiz correu grande perigo de vida .
Ao passar a váo o rio Ticino, naquelles dias mui­
to augmentado pelas chuvas, o carro em que ian1
Luiz, Rodolpho e o aio, no meio da correnk
quebrou-se em duas partes : a da frente, em que
estava Rodolpho, tendo ficado presa aos cavai.
lo�;, poude attingir a margem opposta não sem
trabalho e perigo. Quanto á outra, em qllf� ia
Lui:r. com o aio, foi arrebatada pelo ím peto dn_:-;
aguas e levada pela correnteza, com manifestü
perigo de ambos. Mas a Divina Providencia ve:
Java sobre nosso santinho com particular sol í ·
PRil\IJo:IRA CO�L\fCSHXO 23

Pri n1eira Connnunhõ.o de S. I.. uiz


S. J.UIZ GONZAGA
24

citude. De repente, um grosso tronco de arvore,


levado até alli pelas aguas, fez parar o carro
no meio do rio. Dalli tirados por um homem pra·
tico do logar, foram todos juntos a uma igreja
vizinha, afim de agradecer a Deus c á Virgem
o têrem-n'os ]ivrado de tão grande risco.

Esteve São Luiz em Casal mais de meio ao­


no. Continuou os estudos de latim e aproveitou
ainda mais no espírito, com a companhia dos
Padres, vulgarmente chamados Bamabitas. Con­
versando com elles a miudo e frequentando os
Santos Sacramentos na sua igreja, adquiriu em
pouco tempo luz muito maior para adiantar-se
nos caminhos de Deus, e desapegar-se cada vez
ma is de todas as cousas da terra.
O marquez quiz distrai-lo com passatem·
pos, mas ella não se deixou afastar dos costuma­
dos exercícios espirituaes. Seus divertimento:.
"lram ir á igreja ou aos conventos dos religioso8
e discorrer com elles das cousas de Deus. Admi­
rava aquella expressão de alegria que geralmen·
1e via em todos, aquelle menosprezo das cousas
temporaes, aquella observancia de tempos de­
t.�rminados para orar e psalmodiar, aqueHa
tranquil1idade de suas casas, aquella indiffe­
rença completa ácerca da vida' e da mort�. Tudo
lhP inspirava o desejo de escolher para si esta­
do semelhante. Um dia, entra em casa dos Bar-
A VOCA('.AO
25

nabitas e, considerando que os religiosos, com


renunciar a tudo por amor de Deus, obrigavam
o mesmo Senhor a velar por elles, começa a re­

flectir, conforme ao que depois contou : " Vê,


Luiz, que grande bem é a vida religiosa. Es­
tes padres estão livres de todas as ciladas do
mundo e afastados de toda a occasião de pec­
car. O tempo que os mundanos perdem atraz de
bens vãos e passageiros, atraz dos prazeres vis
e enganosos, estes o empregam todo em conquis­
tar o Céo. Na verdade, são os religiosos que vi­
vem segundo a razão e se não deixam tyranni­
� r dos sentidos. Não desejam honras nem bens,
nem inveja m os que os teem, contentam-c;;e com
�rvir a Deus, a quem servir é reinar.
Que admiração pois, que estejam sempre
alegres, sem temor da morte, nem do j uizo, nem
do inferno? E tu que fazes ? Porque não poderás
tamLem tu escolher este estado ? Se te fazes re­
ligioso, córtas por todos os impecilhos, cerraR
a po11a a todos os perigos, livras-te de torlo o res­
peito humano, e estarás em condição de gozar
de inteiro repouso e servir a Deus com toda n
perfeição."
Depois de muitas preces e comm1mhões
feitas para pedir ao Céu luz a este respeito, as­
sentou comsigo deixar inteiramente o mundo �
entra r numa ordem religiosa. Como porém ape-
26 S. Lt.;IZ GO�ZAGA

11as eontasse treze annos, acautelou-se sábiamen·


le. de revelar o seu segredo a quem qu�r que
fôsse. Começou a apertar mais o modo de viver
e a seguir no século e na côrte vida de religioso.

Muito mais do que antes, conservava-se retirado


no aposento, fugindo tambem de ir aonde hou·
vf'sse concurso de gente, e ainda mais s� esqui ·
vava de comedias, banquetes e festins, aos quae!'
nunca foi, apesar do enfado que nisto sentia seu
pae .

Em summa, póde-se dizer que passou a me­


uinicc� sem sêr menino, pois nunca se notou nelle
a menor leviandade. Discorria tão judiciosamen­
te �obre as virtudes e assumptos espiritw.lf"í', qu�
Lodos se espantavam de sua muita eloquencia e
fervor, dizendo que tal sciencia parecia infusa,
por exceder a capacidade de creança. Dahi vi­
nha lambem que os de casa, embora reparassem
eomo procedia, e não gostassem de vêr tanta
reclusão e austeridade de vida, comtudo, admt·
rando-1he a singular prudencia e virtude, não
ousavam perguntar-lhe porque fazia isto ou
aquillo, mas o deixavam livre em suas devoções.
"' · IXIZ EM CAS"I'l"GI.I0:\1-:

Y. VoLTA A CASTICLIONE . CoM:o Freou LIVRE


DE UM INCENDIO.

Terminando o marquez D. Fernando o prazo


tio seu governo em Monferrato, voltou com a fa­
rniJia a Castiglione. Ahi a Divina Providencia
ia tirar Luiz de não menor perigo que o passado
ao atravessar o Ticino. Costumava elle levantar­
se todas as noites para meditar e orar, sempre de
joelhos ; muitas vezes, extenuado pelo jejum e
penitencias, caia por terra, continwfndo deste
lll<'Ôo a oração que não queria interromper.
Uma noite, sentindo-se extremamente can­
sado, deitára-se bastante cêdo, e, lembrando-se
IJUC naquelle dia não tinha rezado os sete Psal­
mos Penitenciaes, quiz antes cumprir com esta
devoção. Mal findára, quando, vencido pelo
!'-omno e pela dôr de cabeça, adormeceu, esque­
cendo-se de apagar a vela,. que de todo se con­
sumiu e acabou por pegar fogo á cama. O in­
cendio, lavrando pouco a pouco, foi queimando
o · cortinado, o enxergão e tres colchões. Desper­
tou Luiz e sentindo-se todo abrasado, julgou que
tinha febre, mas percebendo logo o que se pas­
sava, pulou da cama e abriu a porta do quarto,
para chamar os creados. Apenas esteve no limiar
da porta, levantou-se uma grande labareda que
queimou o restante do leito. Acudiram logo os
S. LUI� GON Z.\G,\.
28

soldados e atiráram a cama pela janella, afim


de não pegar fogo á casa. Sem a menor duvida .
se Luiz se houvesse demorado mais um instante
a sair da cama, seria reduzido a cinzas pelo
fogo ou suffocado pelo fumo. A noticia deste
acontecimento espalhou-se logo, e co n hecida na
côrte de Mantua, a duqueza Leonor de Austria
quiz ouvir do proprio Luiz os pormenores d(>
facto. Elle não hesitou em reconhecer a prote­
cção milagrosa da Divina Providencia, e accres­
centou sirrgelamente: " Nunca recommendei a
Deus cousa alguma, quér grande, quér pequena,
sem alcançar o fim que desejava, ainda que não
poucas vezes se tratasse de negocios embaraça­
dos com muita difficuldade e, no parece r do,.,
homens, quasi inteiramente perdidos. "

VL S. LUIZ NA CÔRTE DE ESPANHA. SEl�S


ESTUDOS E MODO DE VIVER EM MADRID. ·

Em 1 58 1 , encontramos São Luiz na côrte


de Felippe 11 de Espanha. A imperatriz Dona
Maria de Austria, viuva do imperador Maximi­
liano 11, passando pela Italia em demand<l da
Espanha, manifestára o desejo de levar com­
sigo Dona Martha, o marquez D. Fernando e
seus tres filhos. Este foi o motivo que naquelle
S. u;Iz EM ESPANHA 29

anno conduziu a família Gonzaga para a Espa­


nha .
Chegados á côrte, o marquez proseguiu no
seu antigo officio de camareiro, e foram Luiz e
Rodolpho nomeados meninos, isto é, pagens de
honor do príncipe D. Diogo, filho de Felippe IL
Nos dois annos que alli esteve Luiz applicou-se
lambem aos estudos, com grande diligencia. Re­
cebeu lições de Lógica e Mathematicas, e todos
os dias ia a uma aula de Philosophia e Theolo­
gia natural de Raymundo Lullo.
Aproveitou tanto que, passando por Alcalá
e sendo convidado para argumentar naquella
idade tão juvenil, na presença do P. Gabriel Vas­
quez S. 1 . a todos deixou maravilhados.
,

Entre as occupações da côrte e dos estudos,


advertiu a principio o nosso santo joven, que
não tinha a commodidade que desejára, para en­
t regar-se á vida espiritual como dantes. Algumas
vezes não lhe sobrava tempo para as orações
costumadas e frequencia dos Santos Sacramen­
tos, de modo que . parecia ir esfriando no primi­
tivo fervor e desejo de deixar o mundo, e já não
sentia aquelles vivos e abrasados affectos que
antes experimentava. Todavia, ajudado da gra­
ça divina, resolveu romper com todo o respeito
humano e mesmo na côrte levar vida santa e re­
ligiosa.
S: "LI:IZ GONZAGA
3o

Com este intento foi têr com seu confe&<>or,


o P. Francisco Paterno, S. J., e, seguindo seus
conselhos, continuou a cmnmungar com fr·equen­
cia e a consagrar largas horas á oração, afas­
tando-se o mais possível das festas da côrte.
De resto, tão admiravel foi sempre sua mo­
.destia, que durante a viagem da ltalia para a
Espanhà, e no tempo que alli esteve, confessou
que nunca lt:vantára os olhos para a imperatriz,
sendo que cada dia tinha occasião de a vêr : não
poderia, portanto, reconhecê-la entre as outras
senhoras da côrte.
Acostumára-se desde pequeno a guardar
com extraordinaria diligencia seus sentidos, es­
pecidmente os olhos, que conservava sempre
mortificados, para não acontecer que fixassem
algum objecto de qualquer modo offensivo da
�anta virtude da pureza. Por esta razão, andava
�empre de olhos baixos pelas ruas. Se ainda por
brinquedo lhe diziam cousas que cheirassem a
pouca modestia, logo corava e mostrava no sem­
blante intimo sentimento. Quando lhe falavam
de cousas espirituaes e contavam que alguem en­
trára numa ordem religiosa, mostrava grande
jubilo e dizia suspirando: " Oh ! como devem ser
grandes as alegrias do céo, se só a falar dellas
na terra se experimenta tanta consolação ! "
A COMPANHIA DE ,JESUS 31

Quando vivia em Florença, numa côrte


mergulhada nas delicias e opulencias, o angelica
Luiz se consagrára a Deus com o voto de casti­
dade. Agora, cercado das magnificencias reaes
de Madrid, vae dar mais um passo, remmcian­
do a todas as grandezas terrestres, para perten­
:·er só a Jesus na Companhia de seu nome.

VII. RAzÕES QUE O MOVERAM A ENTRAR NA


CoMPANHIA DE JEsus. MANIFESTA A
VOCAÇÃO AOS PAES.

Estava já São Luiz, havia anno e mew, na


Espanha, quando, animado cada vez mais do
Espírito Santo, julgou chegado o tempo de en­
trar em religião.
Querendo escolher a Ordem que lhe con­
vinha, deu-se mais que nunca á oração, pedindo
luzes a Deus. Como era muito austéro e dado �s
penitencias, sentiu-se, a principio, inclinado
para os Franciscan"as Descalços ; mas deixou
este plano, temendo, por sua fraca compleição,
não poder resistir ás regras e têr que sair do
convento. Deixando lambem de parte muitas
ordens que não pareceram conformes á sua in­
clinação, por se darem puramente á vida activa
e ao exercicio das obras de misericordia corpo-
32 S. I.l.:Iz GO�ZAGA

ral, viu outras religiões que na solidão gozam


de um santo socêgo, occupando-se só da perfe i­
ção da propria alma, entregando-se todas ao
canto dos Psalmos, á leitura espiritual e contem­
plação das cousas de Deus e do céo. Para estas
sentia grande attractivo, porém, tendo em vista
não só o proprio descanso e a gloria de Deus,
mas a nwior gloria de Deus, viu que na solidão
occultaria talentos recebidos para p �der apro­
veitar ás almas.
Dizem tambem que lêra em São Thomaz
que teem a palma das religiões aquellas que, a
exemplo de Jesus Christo, alliam a vida contem­
plativa á activa, attendendo não só á propria
salvação e perfeição, mas tamhem á salvação e
pé-feição do proximo.
Muitas são, na Ig rej a , estas religiões de
vida mixta santamente observantes, cada uma
segundo o seu instituto. Luiz, depois de compa­
rá-las, julgou bem escolher a Companhia de
Jesus, então á mais recente, tendo-a como muito
adequada ao seu proposito. Entre outras razões
que o moveram a esta preferencia, quatro havia
que, como elle mesmo dizia, lhe deram grande
consolação. A primeira, que nella a observancia
estava em seu primitivo vigor; a segunda, por­
que na Companhia se faz particular voto de
nunca procurar dignidades e de não as acceitar
A COMPANHIA DE JESUS
33

l{Uando offerecidas, senão por ordem do Santo


Padre. Temia que, entrando nalguma outra or­
dem, fosse um dia tirado della, a pedido da fa­
mília, e promovido a alguma prelazia, o que
viria mais difficilmente a dar-se, se entrasse na
Companhia. Outro motivo era vêr na Compa­
nhia tantas escolas e congregações para ajudar
a mocidade a criar-se santamente no temor de

Deus : e achava que se presta grande serviço á


Igreja e a Deus cultivando-a, defendendo-a com
os anteparos dos bons conselhos e dos Santos
Sacramentos. A quarta razão era porque os Pa­
dres da Companhia se dedicam particularmente
a trazer ao gremio da Igreja Catholica os herejes
e a t ra ba lha r pela conversão dos gentios do Ja­
pão, das Indias e do Novo Mundo ; e assim tinha
esperança de sêr algum dia mandado áquellas
partes, para converter almas á nossa santa fé.
Revolvendo na sua mente taes idéas e de­
terminado a deixar o mundo para melhor ser·
vir a seu Senhor, quiz certificar-se ainda mais da
dh·ina vontade em relação a si.
Era o dia da Assumpção de Nossa Senho­
ra, 15 de agosto. Luiz, preparado com fervoro­
�as preces e com angelica devoção, approximou·
se da Sagrada Mesa Eucharistica. Emquanto,
por intercessão da Virgem, pedia instantemente
a Deus a luz de que precisava, sentiu-se movido,
LUIZ GONZAGA
34 S.

no intimo da alma, a entrar na Companhia d e


Jesus.
Levantou-se . e correu, muito alegre, a re­
ferir ao confessor o que se passára. O Padre re­
conheceu que a vocação era divina, mas accres­
centou que elle deveria alcançar licença do mar­
quez, seu pae, para poder entrar na Companhia .
Naquelle mesmo dia, Luiz se abriu com a mãe.

O tuarquez expul sou-o com pnlavras duras c aspe1·as

Esta experimentou grande alegria ao saber da


resolução do filho, dando graças a Deus, , e co­
mo Anna, mãe de Samuel, de bôa vontade o of­
fereceu e consagrou todo á Divina Majestade.
l . liTANnO J'EL!\ VOC/Ir.ÇÃO 3S

Pouco tempo depois Luiz, com o maior res­


peito e humildade, expoz ao pae o seu intento.
O marquez, fóra de si, expulsou·o com palavras
duras e asperas, ameaçando mandá-lo açoitar.
"Prouvéra a Deus, respondeu mansamente o
Santo, padecer eu tal coisa por seu amor! "
Fernando Gonzaga reconhecera em seu pri­
mogenito grandes dotes de espírito e de cora­
ção, e destinava-o a sustentar o brilho do seu no­
me e a continuar gloriosamente as tradições da
familia. Por isso, ao saber da resolução do filho,
ficou inconsolavel e lançou mão de todos os
meios para fazer com que elle desistisse de tal
determinação, empregando ora ternas supplicas,
ora desusado rigor.

VJI I . LuTANDo PE LA vocAçÃo.

Em 1584, voltou a família Gonzaga para a


ltalia : lá devia São Luiz sustentar os mais terrí­
veis combates. Apenas de volta a Castiglione,
D. Fernando determinou que fosse com Rodol­
pho, cumprimentar, em seu nome, todos os Prin·
cipes e Senhores de Italia. Esperava deste modo
tirar-lhe a idéa de entrar em religião. Obedeceu
o nosso santo e supportou com coragem mais es­
ta prova . A sua viagem foi uma continua oração
36 S. LUIZ GONZAGA

e nunca deixou os costumados jejuns e peniten­


cias. De volta a Castiglione, o marquez o achou
mais firme do que nunca em seus designios. Foi
então que o pobre Luiz soffreu varios assaltos
de grandes personagens, quér parentes quér ami­
gos. Entre estes, o duque de Mantua mandou a
Castiglione um bispo, para dizer-lhe que ao me­
nos escolhesse sêr ecclesiastico no mundo ; pois
não faltavam exemplos de santos, tanto antigos
como modernos (qual o Eminentíssimo Cardial
Carlos Borromeu ) que investidos de dignidades
ecclesiasticas, tinham sido mais uteis á Igreja
que muitos religiosos. O duque promettia, de
sua parte, empregar toda a diligencia para que
Luiz fosse promovido aos cargos mais honrosos.
A resposta do santo foi que, tendo renun­
ciado ás regalias de sua casa, renunciava lam­
bem ás mercês de sua Alteza, e dizia que a ra­
zão particular de têr escolhido a Companhia,
fôra por não acceitar dignidade alguma, deter­
minado como estava a não querer senão Deus
nesta vida .
Semelhante resposta deu a outros, alguns
dos quaes, ao vêr que uma vocação tão firme
não podia deixar de ser verdadeira, acabaram
trocando a embaixada e indo falar a D. Fernan­
do em favor do filho. Nem por isso perdeu o
marquez a esperança de dissuadi-lo.
LUTANDO PELA VOCAÇÃO
37

Estando um dia de cama com gôta, per­


guntou a Luiz que determinação havia tomado.
Respondeu elle, respeitosa mas claramente, que
sua intenção era e fôra sempre servir a Deus na
religião.
lrou-se muito o pae e mandou que saísse
de sua presença e não tornasse a apparecer-lhe
deante dos olhos. O joven, tomando estas pala­
vras como ordem, retirou-se a um convento, a
uma milha de Castiglione.
Passados porém alguns dias, o marquez o
mandou chamar e o reprehendeu do atrevimento
de sair de casa sem sua licença. Luiz respondeu
que assim fizéra por cumprir seu mandado. D .
Fernando ordenou então que se retirasse, c o
santo baixando a cabeça, disse : " Por ohedien·
.
cta vou. "
Chegando ao quarto pôz-se a orar e a pedir
a Deus constancia no meio de tantos trabalhos.

O marquez, receiando têr maguado o filho, man­


dára entretanto que o aio fosse ver o que Luiz
fazia ; o aio, olhando pelas gretas da porta, viu-o
a açoitar-se rijamente as costas ao pé de um
Crucifixo. Tornando com as lagrimas nos olhos
para D. Fernando, contou-lhe o que · se passava.
O pae mal o creu, mas avisado no dia seguinte
que a scena se repetia, fez-se. levar em uma ca­
deira á porta do quarto de Luiz e espreitando
S. LUJZ GONZA.GA
38

pela fenda, eonveneeu-se de que lhe haviam dito


a verdade.
Em consequencia de espectaculo tão com­
movente e das instancias do filho, resolveu por
fim dar o desejado consentimento. Escreveu lo­
go Luiz ao Padre Geral da Companhia, para
pedir a admissão, recebendo pouco depois res­
posta affirmativa. Cheio de jubilo apressou-se
a agradecer : '' Faltam-me palavras com que dat
a Va. Rcia. as graças por tão grande favor. Se
n ão sigo logo para Roma, é porque meu pae
exige uma renuncia em forma de todos os meU!o
direitos em favor de Rodolpho. Para isso é ne­
cessario o consentimento imperial, mas espero
concluir tudo quanto antes ...

IX. E' MANDADO A MILÃO.

Emquanto se tratava da renuncia, foi São


Luiz mandado a Milão, afim de, em nome do
pae, tratar de certos negocios summamente im­
portantes.
Demorou-se nove meses naquella cidade,
não deixando passar occasião alguma de calcar
aos pés as pompas mundanas. Um dia de Car­
naval, fazendo-se em Milão um grande torneio,
em que concorriam os jovens fidalgos montadof'
F.S'I U OOS K'>l :MILÃO 39

6m cavallos ricamente ajaezados, elle, para


morrer mais ao mundo, resolveu ir tamhem .
Compareceu, para humilhar-se, cavalgando um
jumento oniinario, acompanhado apenas por
dois criados, e assim atravessou as ruas cheias
de todos aquelles cavalheiros.

Hesu] VI"U il· C'�n·algandQ ll lll junw11h1 urdiuar·i«;

Nem foi perdido o tempo alli passado. por­


que, tendo cursado toda a Logica na Espanha,
como dissemos, estudou Physica em :Milão, no
Collegio Brera dos Padres da Companhia ; e co­
mo tinha bella intell igencia e era diligentü:si­
mo, muito aproveitou.
Assistia todos os dias de �anhã e de tarde
ás aulas, e quando pelos negocios era obrigado
a faltar, mandava que lhe escrevessem a lição,
S. LUIZ GONZAGA
40

para poder estuda-la em casa. A's disputas não


só queria e star presente, mas argumentava e de­
fendia theses como os outros estudantes, não
querendo isenção alguma em seu favor.
Na argumentação mostrava a agudeza de
seu engenho , porém com tanta modestia o fazia
que, como testifica o p ro p rio mestre, nunca dei­
xou escapar p a lavra in considerada, nem alguma
leviandade de rapaz, quér nos gestos, quér no
falar. Esta singular modestia, que brilhava em
todas as suas acções, o tornára mui querido de
lodos.
Ouvia, além disto, u� curso de Mathema­
tica no mesmo collegio, e como o lente a não di­
tava, elle para se não esquecer, logo em tomando
á casa, a ditava a um ca mar eiro, com tanta fa­
cilidade, clareza e felicidade, que quando estes
apontamentos foram mostrados em ·Castiglione
ao P. Virgílio Cepári, o padre ficou admirado,
vendo que Luiz nunca se esquec era da demons­
Lração nem trocára � numeros, as medidas, as
contas, os pontos, as ' linhas e os termos proprios
d'aq uella scienc ia . '
A CAMINHO DE ROMA 41

X. NovA OPPOSIÇÃo DO PAE. VIcTORIA


FINAL DE LUIZ

Era j á chegada a licença do imperador para


a renuncia ; e, tendo Luiz dezesete annos com­
pletos, esperava a cada momento ser chamado
pelo pae a Castiglione e poder finalmente voar á
Companhia de Jesus.
Senão que, de improviso, chega a Milão o
marquez D. Fernando e lhe pergunta o que de­
terminava fazer. Porém, achando-o inaLalavel,
concebe grandíssima afflicção. Mostra-lhe pri­
meiro indignação e resentiÍnento ; depois, come­
ça a falar-lhe amorosamente, dizendo que " não
era cl1e tão mau christão que quizesse offender
a Deus nem ir de encontro á divina vontade.
Comtudo, accrescentou, a razão me dita ser
aquelle desígnio mais um capricho que chama­
mento divinõ, porquanto a piedade filial e o
proprio serviço de Deus exigem justamente o
contrario." Mostrou-lhe a bôa natureza que ha­
via recebido de Deus, quasi inteiramente isenta
do perigo de ser desviada do bem, de modo que
não devia ter medo de ficar no mundo, onde po­
deria viver como um religioso.
Recordou-lhe mais a reverencia e affecto
que lhe consagravan� seus vassalos e como descr­
javam ser governados por elle, ao passo que Ro-
S. LUIZ
42 GONZAG,\

rlolpho, a quem queria passar o estado, por ser


de natureza muito ardente e ter pouca idad e,
não revelava tanta aptidão p ara o governo. Fi­
n a lmente : " Vê, disse, como estou doente. Se en­
tras rw Companhia, sobrevirão negocias a que
wo poderei attender, e succumbirei a tantos
:nales e desgostos, de modo que serás causa de
1ninha morte." Dizendo isto prorompeu num
grande pranto, accrescentando outras palavras
eheias de dôr e de affecto.
Respondeu o santo que conhecia seus deve­
res, e que se não fosse chama-lo Deus a outro
estado, faria mal em não obedecer aos conse­
lhos de seu pae, mas que querendo seguir o im­
lmlso do Espírito Santo, Nosso Senhor, que tudo
vê e sabe, haveria de dispor as cousas do melhor
moc.lo, em relação ú casa e estado de sua família.
Vendo o marquez ao filho convencido de
que Deus o chamava, achou ser neCPSSario tira­
lo desta crença e o mandou examinar na sua pre- .
sença durante uma hora, pelo P. Achilles Ga­
gli ard i, S. J. Findo o exame, o marquez, persua­
dido de que a vocação era verdadeira, d i sse a
Luiz que, terminados os negocias, partisse para
Castiglione, afim de dar cumprimento á renun­
Cia .
Quando veiu () tempo de sair de ·Milão,
Luiz, presagiando alguma nova borrasca, resol-
.\ CAMINHO D E I\OMA
43

veu fazer primeiro os Exercícios esp1ntuaes de


S. lgnacio no collegio da Companhia de Mantua,
parte por consolar-se, parte para confirmar-se
na vocação.

Chegando a Castiglione, o pae, constrangi­


do a dar o sim ou o não, respondeu que nada
sabia de ter concedido alguma licença, nem a
daria, emquanto a vocação não amadurecesse
mais e elle tivesse forças para segui-la : devia,
pois, esperar até os vinte e cinco annos pelo me­
nos. Luiz ficou corno semimorto ao ouvir tal res·
posta, e retirou-se ao quarto para chorar e re·
commendar-se a Deus.

E assim, constrangido pelo pae a respon­


der logo, disse que embora nada o maguasse
tanto, comtudo, por amor ao pae, a quem de­
via obedecer, e por seguir o conselho do P. Ge­
ral, de buscar por todos os meios o consentimen-
1 to paterno, condescenderia com duas condições :

primeira, que o tempo da espera iria passa-lo


em Roma, para melhor conservar a vocação ; se­
gunda, que o ;rnarquez daria desde já uma licen­
ça escripta ao P. Geral para o tempo que tinha
determinado. Cedeu por fim D. Fernando, não
sem muito relutar.

Todavia, como surgissem algumas diffieul­


dades ácêrca da estada em Roma, Luiz, cohran-
S. GONZAGA
44 LUIZ:

do novo fervor, augmenta penitencias e orações,


e prepara-separa um lance decisivo.
Um dia, permanecendo sempre D. Fernan­
do de cama po r causa da gôta, entra-lhe o joven
no quarto, e, com grande energia e seriedade,
diz: "Senhor pae, entrego-me inteiramente nas
vossas mãos, mas protesto-vos que fui chamado

Vnc, nl!eu f lho, paro onde o Senhor te chaDlU

por Deus á Co111panhia de Jesus, e que fazendo


opposição a este desígnio, resistis á vontade de
Deus. "
ADRUS AO MUNDO
45

Dito isto, saiu do quarto sem esperar a res­


posta . O marquez ficou tão impressionado que
não soube articular palavra. Começou então a
ter escrupulo da resistencia que fizera, e depois
de chorar largo tempo, pela dôr que sentia em ·

perder tal filho, mandou que o chamassem : "Fi­


lho, disse, meu coração sangra de dôr pela tua
resolução. A mo-te, e este amor tu o mereces; em
ti puzera todas as esperanças da fa-milia; mas
visto que outra é a vontade de Deus, vae, men
filho, para onde o Senhor te chama, e eu te dou
a minha benção."
Agradeceu o santo em poucas palavras, e
indo para seu quarto, pôz-se a dar muitas gra­
��as a Deus, pelo feliz exito de suas supplicas e
a offerecer-se-lhe todo em holocausto.

XI. RENUNCIA AO MARQUEZADO E PARTE


PARA RoMA.

Pouco depois, partiu finalmente Luiz com


D. Fernando para Mantua, onde, no dia 2 de no­
vembro de 1585, em presença dos parentes mais
proximos da familia Gonzaga, que deveriam
succcder á descendencia do marquez, se esta se
estinguisse, foi firmado solemnemente o acto da
renuncia.
46 S. LVIZ GONZAG.\

Feito isto, retirou-se Luiz por alguns ins­


tantes, e de repente appareceu vestido com a
roupeta de Jesuíta, na sala de jantar, onde os fi­
d'l]gos estavam reunidos.
A tal vista, jorram lagrimas dos olhos de
todos e o marquez D. Fernando prorompe em
novas exclamações e gritos de dôr. Luiz appro­
xima-se, beija-lhe a mão, consola-o e depois fala
com tanto acerto e autoridade dos perigos do
mundo e difficuldades que teem os príncipes c
senhores para se salvarem, que todos os que o
ouviam ficaram admirados.
Ao dia seguinte, Luiz, ajoelhado deante de
seu extremoso pae e da piedosa mãe, pedia-lhes
humildemente a benção antes de partir. D. Fer­
nando e Dona Martha, com o rosto banhado em
amargo pranto, abençoaram e apertaram ao co·
ração aquelle fil ho, que os ia deixar. Feita!ÕI as
despedidas, o santo mancebo, com o coração
cheio da mais celestial alegria, pôz-se a caminho
para a Cidade Eterna.
Chegado a Roma, hospedou-se em casa d o
Patriarca Scipião Gonzaga, seu tio. N o dia 19
de novembro, foi admittido á presença do Papa
Sixto V. O Santo Padre fez-lhe varias pergun­
tas ácêrca da vocação, ás quaes elle respondeu
tão acertadamente, que fez em todos os prest"n•
tes optima impressão. De resto, os Cardeaes a
.\ D E u S A O MUNDO 47

quem, naquelles dias, visitára e que tiveram en­


sejo de conversar com elle, apregoavam :1 l ta ­
men�e as suas virtudes, que transpareciam nas
maneiras modestas, nobres e delicadas, no j uizo
recto e na sabedoria de suas palavras.

S. Luiz recebido na Companhia de Jesus

"Causa pasmo,
referia mais tarde o Car­
deal Scipião Gonzaga, vêr como elle, tão moço
ainda, sabe pesar e calcular tudo o que diz, a
ponto de nunca proferir palavra que se não dis­
tinga pela sua precisão e conveniencia!"
'46 S. LUIZ GONZAGA

XII. ENTRA NA CoMPANHIA DE JEsus.


SUAS VIRTUDES.

No dia 27 de novembro, inundado de gozo,


aportava finalmente ao termo de seus votos o
nosso santo joven, a quem aquelle passo pare­
cia a entrada para o paraiso. Do seu coração
transbordou então este versículo das Escriptu­
ras, que por certo bem traduzia os seus sentimen­
tos em tal circumstancia. "Aqui será o meu des­
canso para sempre; aqui habitarei, pois escolhi
este logar para morada."
Despediu-se então dos ecclesiasticos e fi­
dalgos que o acompanhavam. "Ide, disse-lhes, e
levae a meu pae, como ultima lembraru;a, esta
sentença dos Livros Santos : Esquece teu povo e
a casa de teu pae. E a Rodolpho est'outra: Quem
teme a Deus, pratica a virtude."
O patriarca Gonzaga, que conhecia Luiz
desde sua meninice, não podia conter as lagri­
mas : "Meu filho, disse-lhe commovido, esco­
lheste a melhor parte, reza por mim!" e depois,
dirigindo-se aos padres presentes, accrescentou :
"Posso assegurar-vos que hoje recebestes um
anjo do Céu. "
Luiz, ficando só , ajoelhou-se e , cheio de
consolação, agradeceu a Deus, com lagrimas de
amor, havê-lo tirado do Egypto e trazido á terra
S. LUIZ RELIGIOSO 49

da Promissão, que mana o leite e o mel das do­


çuras celestiaes. Offereceu-se e consagrou-se to­
do á Divina Majestade, pedindo graça para ha­
bitar dignamente na casa do Senhor, perseverar
e morrer no seu santo serviço.
Contava dezesete annos, oito mezes e deze­
seis dias de idade. O povo christão celebrava
nesse dia a festa de S.Catharina, Virgem e Mar­
tyr.
D'alli em diante, Luiz Gonzaga não pas­
sa de um humilde noviço da Companhia de
Jesus, desejando ser tido pelo ultimo da casa,
julgando os outros superiores a si e nutrindo
uma santa inveja para com aquelles aos quaes
tem na conta de mais virtuosos e amigos de
Deus. Desde os primeiros dias, resolveu confor·
mar-se em tudo com a vida commum. Em vão
os Superiores, receiando que uma tão repentina
mudança de regimen causasse algum mal á sau·
de, lhe propuzeram que abraçasse pouco a pou­
co e brandamente as obrigações da regra, pois
tinha a constituição debilitada pelos rigores da
penitencia e pelas lutas terríveis empenhadas
para salvaguardar a sua vocação.
Nosso santo esteve tão longe de acceitar es­
ses favores, que supplicou aos Superiores não
usassem para com elle de nenhuma considera·
ção, antes em tudo o humilhassem, porque assim
S. LUIZ GONZAGA
50

gozaria da felicidade de ser verdadeiro noviço


da Companhia. "Póde haver para mim, dizia el­
le, maior consolação do que ser o ultimo nesta
casa abençoada, para onde Deus me conduziu ao
sair do Egypto? "
Julgava obrigação não só expiar, como se
fôra peccado, o seu titulo de príncipe, mas ain­
da procurar que seus irmãos lhe perdoassem
esse cnme.
"Só póde haver verdadeira grandeza, dizia,
na continzia immolação que o religioso faz da
vida, pela gloria de Deus e em vista da eterni­
dade."
Guiado por estes princípios, mortificava
continuamente o amor proprio e a vaidade, per­
suadido de que estas victorias são mais uteis e
mais importantes que as austeridades corporaes.
Por esta razão pedia a miu�o ao Superior licen­
ça para sair pelas ruas de Roma, com vestidos
pobres e remendados e de alforge ás costas, e
assim pedir humildemente esmola pelas portas.
Perguntaram-lhe uma vez se sentia repugnancia
naquillo. Respondeu elle que não, porque tra­
zia sempre o exemplo de Jesus Cliristo deante
dos olhos : De resto, accrescentou, não é porven­
tura glorioso abraçar a pobreza de Nosso Se­
nhor?"
S. LUIZ RELIGIOSO
51

Na obediencia não era menos perfeito. "Du­


rante todo o tempo que vivi com elle, conta o
Bemaventurado Cardeal Bellarmino, nunca lhe
ouvi uma palavra de queixa ou uma observação
contra as ordens dos Superiores." Sentia parti·
cular contentamento nos officios humildes.

Pediu. huin i l tl('lllPJlte, esnwln pelas portns.

De resto, tudo sujeitava á obediencia. Um


dia estava occupado em dobrar uns pannos em
companhia de outros noviços, quando se lembrou \
de que naquelle dia não havia lido, como costu -
52 S . LUIZ GONZAGA

mava, algumas paginas de S. Bernardo. Quiz


sair para cumprir com esta devoção, porém
disse logo comsigo mesmo. " Poderia deixar este
trabalho, pois não me foi determinado o tempo
que nelle devo empregar, mas se o deixasse para
lêr S. Bernardo, que cousa me ensinaria este
santo, senão que devo obedecer? Continuarei
pois esta acção por espirito de obediencia."
Certa manhã, entrou na sacristia para falar
com elle o Cardeal della Rôvere, seu parente :
" Queira desculpar, Eminencia, disse-lhe Luiz,
mas não tenho licença." "Longe de mim, meu
caro Luiz, obrigar-vos a faltar á regra, retorquiu
o Cardeal, porém como o negocio que aqui me
trouxe é · muito importante, irei pedir eu mesmo
a licença ao P. Geral. " - E assim o fez.

XIII. VAE PARA NAPOLES. DE VOLTA A


RoMA, FAZ OS VOTOS E PROSEGUE ·

SEUS ESTUDOS.

Estava para findar o mes de outubro de


1586, quando Luiz recebeu ordem de acompa­
nhar a Napoles o P. Pescatore, mestre de novi­
ços, que uma doença de peito obrigava a mudar
de clima. Os Superiores, aproveitando a occa­
sião, determinaram mandar tambem para alli
S. LUIZ F-\1 N A POLES
53

Luiz, cuja saude estava bastante alterada ; mas


o clima de Napoles peiorou seu estado, e lhe
enfraqueceu ainda mais a constituição, já muito
debilitada.
Foi por isso chamado novamente para Ro­
ma no rnes de maio de 1587, e mandado ao Col­
legio Romano. No dia 25 de novembro, cumpria
seus dois annos de Companhia. E assim, com a
maior alegria de seu coração, fez a Deus os seus
votos, na Capella do Collegio.
Continuou ali i seus estudos de Metafísica e
em pouco tempo aproveitou tanto nella, corno em
tudo o mais, que foi julgado apto a defender pu­
blicamente toda a Filosofia. Assim o fez, na pre­
sença de varias Cardeaes e Prelados, que muito
se admiraram de que podesse ter progredido
tanto em tão pouco tempo, apezar de graves in­
d isposições.
Na sua humildade, d uvidou se poderia res­
ponder mal de proposito, para se mortificar;
mas não o fez, por conselho de um dos Padres
do Collegio. Notou-se tambem que, fazendo um
doutor não sei que louvor da família Gonzaga,
o santo se envergonhou tanto, que todos perce­
beram seu embaraço. E foi até o fim responden­
do aos argumentos daquelle senhor de , modo a
parecer que se achava um pouco agastado com
elle.
S. LUIZ GONZAGA
54

Terminada a Filosofia, deu-se ao estudo da


Teologia. Nunca se ouviu que discordasse das
doutrinas dos mestres, que os censurasse no modo
de dictar ou explicar, ou os achasse demasiado
prolixos ou breves no tratar das questões, que
os comparasse e mostrasse estimar a um mais
que a outro, cousas todas em que facilmente se
póde incorrer.
Possuía Luiz hello engenho e intelligencia
clara, unida a maduro juizo. Um professor disse
que d9s seus estudantes só Luiz lhe déra que
pensar com uma difficuldade que propôz. Unia
ao engenho toda a applicação que lhe permittiam
a saude e poucas forças.
Antes de começar o estudo, ajoelhava-se
sempre e fazia alguns instantes de oração. Se
lhe occorria alguma d ifficuldade que não pu;
desse resolver por si mesmo, annotava-a e pro­
punha-a ao professor. Não consentia lêr livro
algum em materia de estudos, sem licença e con­
selho de seus lentes. De livros f rivolos e vãos,
então estes nem no mundo os leu : antes, dando­
se-lhe alguns quando estava na côrte de Espanha,
logo os deitou ao fogo, apezar de serem muito
hellos e bem impressos.
Nas objecções e respostas, via-se-lhe muito
bem o talento, porque com dois argumentos che­
gava ao ponto da difficuldade. Nem por isso
CONTINúA OS F.STt:llOS 55

dava nunca signal de ostentação ou de querer


supplantar os outros. Antes da aula costumava ir
á igreja, visitar o Santíssimo Sacramento, e o
mesmo fazia tornando á casa. N'elle reluzia tan·
ta modestia e recolhimento, que muitos estudan·
tes ficavam esperando para vê-lo passar. Isto
acontecia porque com o exterior bem composto
movia á devoção a quantos o viam. Ainda mais
encantava a todos os que com elle conversavam,
não só seculares, mas até Padres gravíssimos,
que não ousavam dizer ou fazer a menor levian­
dade em sua presença.

Da sua observancia do silencio Lasta J izer


que nem no caminho das aulas n e m n a s lições
ou disputas, nunca disse a minima pa lavra
a ninguem.

Emfim, Luiz nos estudos não era menos


santo que em tudo o mais.

Foi por este tempo que elle compoz um


tratado sobre os Anjos, seguindo um bosquejo
do P. Vicente Bruno, que, tendo adoecido, não
pudera terminar o trabalho. Incrível foi o alvo­
roço e alegria com que elle poz mãos á obra,
pois consagrava um ternissimo affecto aos SS.
Anjos. E quem melhor que um anjo em corpo
mortal podia falar destes espíritos celestiaes,
com os quaes competia em pureza e amor de
S. LUIZ GONZAGA
56

Deus? Aquellas breves paginas são cheias de


uncção, de conceitos admiraveis, de bellas invo­
cações e realçadas por um delicioso estylo.

XIV. E' MANDADO Á SUA TERRA A APAZIGUAR


UMA CONTENDA ENTRE SEUS PARENTES.

Graves desavenças entre duas familias vie­


ram subitamente arrancar o santo religioso a
esta vida de paz, de estudo e de oração. O mar�
quez D. Fernando, seu pae, depois de uma exis­
tencia infelizmente muito mundana, morrera
consolado com os sentimentos de sincero arre­
pendimento e da mais viva fé, que nos ultimos
tempos da vida se lhe despertaram no coração.
"Ah ! bem sei, exclamava elle, quem faz
brotar dos meus olhos estas dôces lagrimas : s.io
o preço do sacrifício de Luiz. E' elle, é meu que­
rido filho que m'as obtem de Deus".
Depois da morte do marquez, o joven Ro­
dolpho succedeu no governo dos estados como
chefe e herdeiro da casa Gonzaga. Entretanto,
o duque de Mantua, Vicente Gonzaga, arrogou­
se a jurisdicção e governo do feu do de Solferi­
no. Dahi se originaram entre os dous senhores
tão sérias desavenças, que estavam a ponto de
pegar em armas, para vingar a injuria que cada
E' MANDADO A' SUA TERRA
57

um julgava lhe fôra feita pelo outro. A archi­


duqueza Leonor d'Austria, mãe do duque Vi­
cente, pediu então com instancia aos Superio­
res de Luiz quizessem enviá-lo a Castiglione,
porque só elle, qual anjo de paz, poderia recon­
ciliar os dois contendores.

A cidadr rn1 peso salliu a receber o tão snudoso scnlror

Os superiores satisfizeram ao pedido, e


Luiz, por ohediencia, poz-se logo a caminho.
Chegando a Castiglione, a cidade em peso sahiu
a receber o tão saudoso e amado senhor : todos
queriam · vê-lo, e foi atravessando as ruas cheias
de povo ajoelhado, que elle entrou no seu anti­
go domínio. Tambem a marqueza o recebeu mais
como uma cousa sagrada que como a filho. A
humildade do nosso santo soffreu verdadeiro
S. LUIZ GONZAG."\
58

martyrio du rante toda esta viagem ; m as o re­


sultado de suas negociações foi admiravel. O
duque, que resistira a todas as instancias, até ao
pedido do i mperador, cedeu á primeira palavra
de Luiz : " Quero, d i sse, que todos saibam que
só por respeito á pessoa de Luiz e unicamente
por elle m'o p ed i r, é que eu me reconcilio com
o ma rq u ez D. Rodolpho."

. • . t'U llll" reconcilio com o m.arquez D. Rodolpho.

O santo joven aproveitou tambem desta es­


táda em Castiglione, para acabar com escanda­
los e levar a termo outras emprezas do serviço
de Deus. O cura da cidade instou então com el­
le, para que dirigisse ao povo umas palavras d�
edificação e despedida. Depois de muitos ro­
gos, Luiz accedeu e falou com tanta uncção, que
as lagrimas corriam dos olhos de todos. Apro­
veitando destas bôas disposições, o pregador
DOJ-� ÇA E MORTE 59

exhortou seus ouvintes a que se preparassem


com uma boa confissão á communhão geral do
dia seguinte. Nella tomáram parte, além de
setecentas pessoas, Dona Martha, D. Rodolpho e
sua esposa e os principaes fidalgos da côrte.

XV. AMoR DE S. Lmz PARA coM DEus.


PRENUNCIOS DE SUA MORTE.

Terminados os negocios de Castiglione,


Luiz voltou para Roma. Desde os primeiros dias,
todos notavam que o venturoso irmão, pelos seus
pensamentos e affectos, já pertencia mais ao
céu do que á terra, pois, desapegado de tudo,
vivia só em Deus. Dest' arte, entenderam f acil­
mente que aquelle anjo bem depressa despren­
deria o vôo para a celeste mansão dos justos.

Consagrava a Jesus Christo um amor tão


extremado que quando ouvia falar neste assum­
pto commovia-se e enternecia-se visivelmente.

" Uma vez, conta o P. Cepári, estando á


mesa, ouvindo lêr alguma cousa sobre o amor
divino, sentiu abrasar-se extraordinariamente o
peito, a ponto de não poder continuar a comer.

Perceberam-no logo os visinhos, e ignoran­


do a causa de um tão repentino abalo, pergun-
60 S. LUIZ GONZAGA

táram-lhe se estava incommodado. Luiz nada


respondeu, sentindo-se moltificado ao ver des­
coberta a impressão que lhe fizéra a leitura.

Tinha os olhos b aixos . e chorava ; o rosto


estava abrasado, o peito arfava violentamente,
receiando todos que rebentasse alguma arteria.
Mas pouco a pouco aquietou-se e pelo fim da
refeição estava socegado como d'antes. Alguns
d'aquelles que sabiam a causa deste abalo, du­
rante o recreio gostavam de fazer cair a con­
versa sobre o amor de Deus para com os homens,
afim de verem S. Luiz abrasar-se todo pelo affe­
cto que sentia ; outros, pelo contrario, desviavam
então a conversa, sabendo quanto o santo irmão
soffria nestas circumstancias."

Um antigo painel representa S. Luiz Gon­


zaga, num destes transportes de amor para com
o Coração d'aquelle que tanto amou os homens. ·
Amparam-no dois anjos, e seu coração recebe os
incendidos raios de fogo que partem do cora- ·
ção de Jesus. Entretanto o Coração Divino, que­
rendo apresentar um modelo e padroeiro á mo·
cidade catholica, ia colher este alvíssimo lyrio
apenas desabrochado, para que com sua belleza
e f ragrancia atraísse o coração da juventude.
DOL·:.'Ii. ÇA E �IORTE
61

XVI. ULTIMA DOENÇA E MOTITE DE S. LUIZ.

No anno de 159 1, a fome assolava grande


parte da ltalia : os pobres camponezes fugiam
para Roma, em busca do pão que faltava nas
aldeias da província. Tal concurso de gente
nessas con dições originou uma doença contagio­
sa que, mais terrível do que a fome, semeava
por toda a parte a desolação e a morte. Os in­
felizes famintos, que enchi am as ruas da capital,
cahiam fulminados pelo medonho flagel1o, que
prostrava victimas nas ruas, nas praças, pelas
ca Içadas e até nas proprias casas.

Os Padres da Companhia, com zelo aJmird­


vel, soccorriam os miseraveis com suas esmola,;
e com as que lhes davam as pessoas caridosas, e
. tambem serviam os doentes nos hospitaes.

Luiz Gonzaga, inflammado Je zelo, percor­


ria as ruas de Roma, pedindo esmola aos ricos,
para valer aos pobres. Mas isso não podia satis­
fazer ao amor que tinha para com Deus e o pro­
ximo : solicita e alcança licença para acudir di­
rectamente aos empestados e soccorrê-los nos hos­
pitaes. Corre para elles, leva-os nos braços, cura­
lhes as feridas, lava-lhes os pés, prepara-lhes a
cama, e depois de consolados os ajuda a bem
morrer.
S. LUIZ GONZAGA
62

Emfim, martyr da caridade, fe1·ido pelo


flagello, entende sem a menor duvida (pois
Deus Ih'o revelá r a) que a morte lhe está proxi­
ma, e o seu coraÇão de santo não póde dissimular
a alegria que · então o inunda.

· ' Tendo instado com elle, refere o B. Car­


dial Bellarmino, para que pedisse a Deus a

S. Luiz assiste aos cmprstados

saude e a prolongação duma vida que eu julgava


muito util para os jovens do nosso collegio, res­
pondeu :
" Meu padre, Deus não póde fazer aos ho­
men·s beneficio maior, que tirá-los deste mundo,
quando se acham em eêtado de graça ; como pois
llOKNÇA E MORTE 63

poderia eu pedir para ficar ainda na t�a: tão


cheia de perigos e tentações, quando por "ul;D fa.
vor de sua infinita bondade, Deus me cliari:ta
agora que tenho grande esperança de estar tiB
sua graça?"
" A morte não podia amedrontar o angelico
joven : tendo-lhe dito que me avisasse, quando
fosse tempo de rezar as orações dos agonizan­
tes, elle o fez muito tranquilla e socegadamente.
Comecei a rezá-las, e elle respondeu até o fim,
como se fosse para outro moribundo." Appro­
ximava-se a ultima hora : S. Luiz a esperava
com angelica alegria. Repetia aos presentes :
" Vamo-nos alegres", e o versículo do Psalmo :
"Alegrei-me com as palavras que me foram di­
tas: vamos para a casa do Senhor." Uma paz ce­
lestial reflectia-se-lhe no rosto, paz duma alma
pura, que desde a aurora da vida servira a Deus
com tanto fervor. A morte não era para elle uma
dolorosa separação, uma passagem horrenda, a
voz dum juiz inflexível que chama a alma para
prestar contas, mas sim a partida do exilio para
a patria, a entrada na felicidade eterna, a vista
e a posse daquelle Deus que seu coração amava
tão ternamente.
Dest' arte, apenas cortados os laços que a
prendiam á terra, a alma pura de Luiz, qual
branca pomba, voou para a patria do Céu.
S. LUIZ GONZAJi:\

Era o dia 2 1 de junho de 1591. Um seculo


mais tarde, em 1675, neste mesmo dia 21 de
junho, Santa Margarida Maria Alacoque e o .

Ven. P. De la Colombiere celebravam pela pri­


meira vez a festa do Coração de Jesus ; e no dia
2 1 de junho de 1 686 as Religiosas de Paray pro­
nunciavam a primeira consagração publica ao
Sagrado Coração.

XVII. SÃo Lmz E o SAGRADO CoRAÇÃo


DE J E SUS

Em abril de 1600, no convento de Santa


Maria dos Anjos, em Florença, estava a extatica
Magdalena de Pazzi a considerar, com dez de
suas Irmãs, uma preciosa relíquia - um osso
de um dedo de S. Luiz. Emquanto comsigo re·
volvia de que bella alma fôra instrumento
aquelle osso que tinha na mão, arrebatada de
improviso a contemplar a gloria de São Luiz.
em alta voz, como por vezes costumava, de mo·
do que as outras Irmãs pudéram escrever sua"
palavras, exclamou : "Oh! quanta é a gloria d�
Luiz, filho de lgnacio! . . . Quando era mortaL
despedia sétas ao Coração do Verbo; e agora,
no céo, essas sétas repousam em seu coração ;
porqzte aquellas communicações que elle mere-
(t s·..u; H A UO COR.\ÇÃO
65

cia com os actos de arnor e união que fazia,


, "
ttgora as entende e goza . . .
Seraphim em carne humana, abrasado no
d ivino amor, Luiz ateou sempre na contempla­
ção da cruz e da Humanidade sacratíssima de
Christo as chammas que nesta terra o consu­
miam e ao presente o beatificam no céu.
O incendio de pura caridade para com seu
e�tremecido Jesus, que lavrava nesse coração il�
libado, com mui­
ta razão lhe mere-
ceu que exponta­
neamente os fieis
considerem a es­
sa virtude como
característica pro­
pria de S. Luiz e
nelle veJam um
dos mais nota-
veis precursores
da virgem de Pa­
S. Luiz a udorur o SagJ·&lo ray no culto do
Cornçilo de .r esus
Coração dulcissi-
mo de nosso Redemptor.
Poucos dias depois das revelações de Pa­
ray, o P. Croiset, em seu famoso livro sobre a
devoçã.o ao Coração de Jesus, entre outros meios
para alcam;ar um terno amor ao Coração divino
LUIZ GONZAGA
66 S.

apontava o recurso especial ao "Beato Luiz


'
Gonzaga" .
Por isso escrevia-lhe Santa Margarida Ma­
ria, a 10 de agosto de 1689 : " Visto como V. R.
indica a devoção ao Beato Luiz Gonzaga como
meio efficaz para alcançar um grande amor ao
Coração Santíssimo de Jesus, ser-The-iamos ml,Ú­
to agradecidas, se nos quizesse mandar uma ima­
gem delle, do mesmo tamanho que a do P. De la
Colombiere, para collocá-la em nossa capella
do Sagrado Coração . ..

Esse mesmo livro traz uma gravura, em que


vem representada a Virgem SS.a em acto de
apontar o Coração de I esus a São Francisco de
Sales e a. S . Luiz (;Qnzaga, como para indicar,
na pessoa do primeiro a ordem da Visitação, á
qual pertencia Santa Margarida Maria, e no se­
gundo a Companhia de Iesus, que deu á Santa,
como director, o Ven. P. De la Colombiere.
Outro apostolo igualmente incansavel do
Coração divino, o P. de Gallifet, em seu l ivro
não menos celebre, sobre as excellencias do cul­
to do Sagrado Coração, tambem concede a São
Luiz logar de destaque entre as almas de modo
especial consagradas a esse culto suavíssimo.
Se durante a vida foi S. Luiz um Seraphim
abrasado no amor do Coração de Iesus, mos­
trou-se, depois da sua morte, apostolo de nossa
O SMTIIADO COlUÇÃO 67

devoção fJ Ucrid a Para comprová-lo, quéro,


.

aqui, em poucas l inhas, referir um facto que


teve gra n d e fama. Deu-se o acontecimento tres
dias apôs o breve apostol ico de Clemente XIII
que, para toda a Igreja, ins tituía a festa do Sa­
grado Coração, designando para a mesma a pri ­
meira sexta-feira depois da oitava do Corpo de
Deus.
Em 1675, jazia gravemente enfermo, no
noviciado romano da Companhia de Jesus, o
joven Nicolau Celestini. Tudo soffria com admi­
ravel paciencia o exemplar noviço, e com intei­
rissima resignação na vontade el e Deus. Tinha
porém um ardente desejo de não passar desta
vida sem confortar-se com o Viatico do Senhor.
Mais se i nflammou neste desejo santo, ao ouvir
os discursos que faziam os circumstantes sobre o
Sacratíssimo Coração de Jesus, dt> que fôra Je­
votissimo, e cuja festa havia sido, poucos dias
antes, a 7 de fevereiro, aprovada pela Santa Sé.
Accrescia a isto que, não podendo elle vêr
absolutamente nada, comtudo, quando se lhe
punha deante dos olhos uma devota imagem do
S a grado Coração, contemplava-a com attenção e
claramente a distinguia, o que augme:ntou nelle
a confiança de que seus anhelos seriam satisfei­
tos. Rogou, pois, que lhe dessem de beber agua
misturada com um pouco da farinha milagro-
68 S. L L I Z liO:-IZ.\C.A

�amente multiplicada por São Luiz. Assim se


fez, e a segund a vez a prova deu feliz resultado,
por onde poude receber o sagrado Viatico , e
a inda uma vez apertar ao peito o Coração do
amoroso Jesus, antes de o vêr, já sem véu, co­
mo esperava, no paraíso. Desenganado do medi­
co, aguaidava sereno o fatal desenlace, quando,
de um modo portentoso, interveiu a prolongar­
lhe a vida o nosso São Luiz. O que se deu, na r­
rou-o o p roprio Celestini, e disse como n'aquella
manhã, estando a ponto de ser novamente assal­
tado de convulsões, começára a vêr a imagem de
São Luiz, que não pudéra ainda vêr em todo o
tempo da doença, e que assim continuára a vê­
la por toda a manhã . Ultimamente, tinha-o visto
·
como inflammar-se de improviso, e resplande­
cer com luz brilhantissima, do meio da qual, em
('erto modo, saíra, adeantaildo-se para elle, o
mn a!Jilissimo São Luiz, não de perfil e só em
busto , como no quadro, mas inteiro e com o ros­
to v ol tad o para o enfermo. Estava vestido como
o representa o relevo no altar do Collegio Ro­
mano ; na mão esquerda trazia um crucifixo, fi­
cando livre a direita. Com esta tinha-lhe o San­
to feito signal de se aproximar, e Nicolau se es­
forçára por a chegar- se a ouvir o que queria seu
celeste a m igo ; mas, recaindo l ogo de costas e
tornando·se a deitar, continuára sempre a vê-lo,
sem poder-se têr que não exclamasse : "Quanto
(i-' LTO IJE S. LUIZ 69

.�ois bello, meu S . Luiz!" A um novo aceno do


�anto, levantára-se outra vez, e ouvira delle e�­
l a s palavras : "Que queres, a saude ou a mor­
te ? " Ao que respondendo Nicola u : "Seja feita
o vontade de Deus", prosegu i u o benignissi mo

.;,;anto :
" Pois q ue na tua doença nada mais dese­
_iaste que o Sagrado V iatico, e em tudo o mais
te conformaste com a vontade de Deus, o Senhor,
por minha intercessão, te conserva a vida, com­
UJn.to que cuides em te aperfeiçoar, e procures
t>m todo o tentpo della propagar o culto do Sagra­

tlo Coração de Jesus, que é summamente agrada­


l't>l ao céu."
Dito isto, lançou-lhe a Lenção, e, deixando­
;, completamente são, desappareceu.

'\VJH. CA7\0NIZAÇÃO E C U LTO DE S . LUIZ.

Como já a prin9ipio dissemos, treze annos


a pós a morte de Lun, vivendo ainda D. Martha,
sua mãe, a Santa Igreja o inscre\'eu no catalogo
dos Bemaventurados.
Pouco tempo depois, Castiglione erguia um
hndo santuario em honra do seu antigo senhor,
onde, até agora, se conserva com muita venera­
ç:ã o a cabeça do angelico joven. Na mesma igre­
ja foram sepultadas tres filhas do marquez D .
Rodolpho e sobrinhas d e São Luiz, que seguirani
70 S. LUIZ GONZAGI\

suas pegadas no caminho da perfeição e lhe imi­


taram a pureza virginal ; seus corpos até ao pre ·
sente foram preservados milagrosamente da cor·
rupção.
A 31 de dezembro de 1726, celebraram-se
as solemnidades da canonização, que se revesti­
ram de notavel brilho e esplendor. Desde então
o nome de Luiz atrae continuamente do Céu co­
piosas bençãos espirituaes e temporaes.
As multidões, animadas da mais viva con·
fiança e do amor mais extremado, ajoelham an­
te o seu altar, e ahi acham consolação para suas
maguas, medicina nas doenças e toda a sorte de
alivio para a alma e para o corpo. E aos benefi­
cios recebidos correspondem, da parte do povo
catholico, demonstrações sempre mais estrondo­
sas de reconhecimento, e no mundo inteiro Luiz
é exaltado, glorificado e estremecido.
Aos ouvidos de todos chegou a fama da ­
quellas multiplicações de trigo, de azeite, de vi ­
nho, milagres estes que, por sua vez, foram fon·
te de novas maravilhas.
Comtudo, é na ordem espiritual que S. Luiz
mostra maior poder e bondade : a devoção para
com elle tem a efficacia de despertar o amor á
pureza e tudo o que diz respeito ao serviço de
Deus : dahi o zelo da Santa Sé em promover · ""
estender tão salutar devoção.
CULTO LUIZ
DE S.
71

Uma outra circumstancia veiu em 1726 avi­


var ainda mais seu culto : O Summo Pontífice
proclamava-o solemnemente padroeiro da moci­
dade catholica, e desde então a devoção a São
Luiz floresceu admiravel mente nos seminarios,
collegios, escolas e associações.
Em 1891, os jovens do mundo inteiro cele­
braram, com brilho extraordinario, o terceiro
centenario da morte do seu glorioso padroeiro.
As festas, em Roma especialmente, foram impo­
nentissimas e atraíram para alli numerosas pe­
regrinações.
E agora, seja-nos a devoção a São Luiz um
incentivo com que todos, pastores ou fieis, sa­
cerdotes ou leigos, nos animemos de zelo á vista
de tantos jovens expostos pela maldade e corru­
pção a innumeros perigos.
Soou a hora de pormos energicamente mãos
á obra de realizarmos, com o auxilio do SS.
Coração de Jesus e sob os auspícios de S. Luiz,
o jnsistente appello do Summo Pontífice : " Re­
eómmendo á vossa fé e diligencia a juventude,
esperança da sociedade. Consagrae a maior par­
te de vossas energias á sua formcu;ão. Não olheis
para os trabalhos passados e persuadi-vos de que
ainda fizestes pouco em prol da mocidade."
-( Encyclica " Humanum Genus" ) .
ADITAMENTO
,
MAXIMAS E DITOS DE S. LUIZ GONZAGA
Vid. M. TAVANI, S. ). --' Vida de S. l.uil!

I. Foste creado por Deus ; logo deves pro­


curar que todas as tuas acções, quér externas,
quér interiores, sejam virtuosas.
Il. Os Christãos, vivendo descuidados, rou­
bam a Deus a gloria, que em todo o tempo da
sua vida Jhe devem dar ; e raro é aquelle que
pensa em restitu ir-lh'a com a santidade da vida.
III. A vida que levam alguns sem fervor,
nem refreamento das paixões, provêm de serem
inimigos da oração mental.
IV. Em todas as acções imaginemos que
junto de nós estãó sempre os Anjos Custodios,
para que este pensamento nos ajude a estar so­
bre nós , attendendo a tudo o que fazemos e di­
zemos.
V. Quem cair em culpa, ainda que leve,
deve jmmediatamente converter-se a Deus, pe·
dindo-lhe perdão e graça para nunca mais a com­
metter, e logo levantar-se.
SE..... TENÇAS l>E S. LUZ
73

VI. Nunca se ouviu dizer que alguem che­


gasse ás alturas da perfeição sem ter feito an­
dar seu corpo, como jumento manhoso, á força.
de panca das e asperezas.
VII. As penitencias voluntarias do corpo
não se devem deixar pa:t;a a velhice, quando já
não ha forças para as supportar. As penitencias
devem-se fazer n'aquella edade em que, se não
se castiga o corpo, vem a padecer o espírito.
VIII. A quem nos exhorta a que não use­
mos de rigor com o nosso corpo, devemos res­
ponder que Deus no-lo deu a guardar, como um
escravo ,que tantas vezes se rebelou contra o seu
Senhor.
IX. A fortaleza d'um christão nasce do
santo temor de Deus, pois que quem teme a Deus ·
nada mais tem que temer.
X. E' cousa muito perigosa deixar-se guiar
pelo affecto particular ás creaturas, ou aos bem
creados.
XI. Toda a perfeição evangelica se alcan­
ça com o continuo exercicio da oração : ningucm
póde chegar á perfeiçãq, se não fôr homem de
, oração.
XII. Na alma afeiada de defeitos, ou agi­
tada pelas paixões, não imprime a oração a ima­
gem das cousas celestiaes.
S. LUIZ GONZAGA
74

XIII. Despreza os principados da terra


quem eleva o pensamento ao reino eterno, em
cuja comparação as corôas e os mantos reaes pa•
recem trajes comicos, os quaes mais tarde ou
mais cêdo se deixam.
XIV . Affirmo-vos_ que quero ir alcançar
uma corôa no reino do Céu, e que é mui difficil
a um grande da terra o salvar-se.
XV. Não se póde servir a dois senhores.
ao mundo, e a Deus ; quéro, pois, usar de todos
os meios para assegurar a minha salvação ; fazei
vós tambem o mesmo.
XVI. Os Religiosos estão livres de todos
os laços do mundo, e longe de toda a occasião de
pcccar.
XVII. O tempo que os mundanos gastam
inutilmente em correr após os bens transitorios
e vãos prazeres, empregam-no os Religiosos, com
grande merecimento, em alcançar os bens do
Céu, que são Yerdadeiros, e estão certos que suas
santas fadigas não serão baldadas.
XVIII. Verdadeiros Religiosos são os que
vivem segundo o ditáme da razão, e se não dei­
xam tiranizar dos sentidos e paixões.
XIX. Que maravilha que os Religiosos es·
tejam sempre alegres e contentes, nem temam a
morte, o juizo, e o inferno ? Vivem com a con·
SENTENÇAS DE S. LUIZ
75

sciencia limpa de peccados; e vão ajuntando, de


dia e de noite, novos merecimentos, empregan­
do-se sempre em �cções santas, com Deus e por
Deus .
XX. Os Religiosos não ambicionam hon­
ras , não prezam bens terrenos, não sentem o es­
timulo da emulação, não invejam os bens
alheios, só se contentam com servir a Deus, a
quem servir, é reinar.

XXI. Eu não cesso nunca de admirar-me,


nem intendo a razão porque não se fazem Re­
ligiosos todos os homens, sendo tão evidente
quantos bens traz comsigo o estado religioso,
não sómente na vida futura, mas até na presente ;
quando, pelo conlrario, as preoccupações do
mundo causam detrimento no presente e no fu­
turo ; e logo passam e esvaecem.
XXII. Ninguem deve julgar que seu pro­
ximo é peior do que e1le ; antes, se pudér, deve
têr por bom tudo o que vê fazer aos outros.
XXIII. Quem se descuida de ajudar as al­
mas dos seus proximos não sabe amar a Deus,
porque não procura propagar a sua gloria.
XXIV. Quem quér amar a Deus verdadei­
ramente ha de têr continua sêde de soffrer por
elle qualquer trabalho.
S LUIZ GONZ�G \
76

Concluiremos estas maximas e ditos tradu:


zindo, quasi na integra, a famosa carta que Lui�
escreveu a seu irmão Rodolpho. Quem a I h
como mandada d o Céo por Luiz, poderá acha r
n'ella um methodo para passar no meio do mun­
do uma vida christã.

Exmo. Sr. e meu Irmão em Christo

A PAZ DE CHRISTO.

O desejo que sempre tive do hem espiritual


de V. Excia. me move a escrever-lhe ( segundo n
Senhor me ditar) o que para conseguir este bem
me parece lhe será muito util : isto é, que V .
Excia se prepare para fazer uma confissão ge­
ral, ou pelo menos, começando da que, ha cin­
co annos, sei que fez em Mantua; para, d'este
modo, ter a certeza ( quanta, na presente vida,
podemos ter) de estar inteiramente puro d'a­
quellas culpas contra a Divina Majestade, que
terão talvez deixado essas confis�ões feitas quasi
furtivamente e á pressa no tempo em que, por
medo do mundo, não ousava mostrar-se servo de
Christo. Recommendo-lh'o com toda a insisten­
cia .
Depois, para conservar esta graça, propo­
nho dois meios em particular : o primeiro é es-
C.UI.TA Lt:IZ
DE S .
77

limar e ter em muito o dom da graça de Deus,


da qual, por mais que dissésse, nunca lhe pode­
ria explicar nem a mínima parte, e por isso
deixo a Deus o fazer-lh'a conhecer. Sómente di­
rei que, quanto Deus excede a todas as cousas
creal;las, a todas as honras, riquezas, ou outra
qualquer co usa, tanto ( se é possível) deve so­
brepujar a qualquer outro o conceito e apreço
da Divina Majestade.
O segundo meio é proceder segundo a me­
dida d'esta graça, perante Deus e perante os ho­
mens. Para com Deus, lembro-lhe o culto e re­
ligião que já lhe recommendei de viva voz ; e ago­
ra descerei a algumas -particula ridades, entre a >'
quaes uma é que se encommende a Deus pela
manhã, recitando certas orações que se acham
no Exercício Quotidiano, ou outras similhantes ;
e lambem poderá pensar nos pontos e avisos que
alli se encontram. Recommendo-lhe, outrosim,
que oiça Missa , conforme ajustamos.
Além d'isto, quizéra que, á noite, se não
deitasse sem primeiro examinar se offendeu a
Deus ; e, ; descobrindo na consciencia algum pec­
cado, proponha livrar-se d'elle quanto antes por
meio da confissão, sem esperar tempo determ i ­
nado, como a Paschoa, ·ou outro similhante ; por­
que ninguem o assegura de que será vivo até
então.
GONZAGA
78 S. I-UIZ

Depois, com respeito aos homens, recom­


mendo-lhe o respeito que deve a seus parentes e
senhores ; recommendo-lhe o respeito que deve
á Senhora Marqueza, sua mãe, por sêr mãe, e
por ser tal ' mãe. Além d'isto, V. Excia ., como o
mais velho de seus irmãos, bem sabe quanto lhe
convém conservar-se unido com elles, e proce­
der de tal modo, que sempre o tenham em gran­
de apreço. A'cêrca dos vassalos, só lhe direi
que Deus os confiou á sua guarda de um modo
especial, para lhe significar talvez o particular
cuidado que d'elles deve ter V. Excia.
Tudo o mais, deixo que lh'o inspire Deu�
nosso Senhór, para que o governe e dirija á be­
maventurada Patria.

Milão, 17 de março de 1590.

De V. Excia.

Irmão em Christo

Luiz Gonzaga, da Companhia de Jesus


I

D EVOCIONARIO
Vid . TAVANI, Of1. cit.

I. ÜRAÇÃO .

O' Luiz Santo, adornado de angelicos


(·ostumes, eu indignissimo devoto vosso, vos re­
commendo singularmente a castidade da minha
alma e do meu corpo. Rogo-vos, por vossa ange­
lica pureza, que intercedais por mim ante o
Cordeiro lmmaculado, Christo Jesus, e sua Mãe
Santíssima, a Virgem das Virgens, e me preser­
veis de todo o peccado grave. Não permitais que
eu seja manchado com nódoa alguma de impu­
reza ; mas, quando me virdes em tentação ou pe·
rigo de peccar, afastai de meu coração todos os .
pensamentos e affectos impuros, e, despertando
em mim a lembrança da eternidade, e de Jesus
crucificado, imprimi profundamente no meu co­
ração o sentimento do santo temor de Deus ; e
inflammai-me no amor divino, para que, imi-
S. LUIZ GONZAGA
80

tando-vos n a terra, mereça gozar de Deus com­


vosco no Céu. Amen. Padre Nosso, Ave Maria.
100 dias de indulgencia, uma vez ao dia.
Pio VII, 6 de março de 1806. Vid. Beringer­
Steinen, t. I , 192 1, n. 5 1 2, p. 245 - 246 .

II. SuPPLICAS

1. Supplico-vos, ó illibadissimo S. Luiz.


pela vossa admiravel pureza, que me deis dese­
jo de vos imitar n'esta angelica virtude, vencen­
do todas as occasiões de mancha-la, de modo
que a conserve inviolada até me unir comvosco
na celeste bemaventurança, promettida aos in­
nocentes e limpos de coração. Padre Nosso, Ave ·

Maria, Gloria ao Pae.


2. Supplico-vos, ó amabilíssimo S. Luiz,
pela vossa austéra ·penitencia, e pela guarda dos
vossos sentidos, que me obtenhais um odio santo
contra mim mesmo e contra o meu corpo, para
que, mortificando os meus sentidos, os faça
servir de instrumento para honrar e nunca para
ultrajar a divina Majestade. Padre Nosso, Ave
Maria, Gloria ao Pae.
3. Supplico-vos, ó gloriosissimo S. Luiz.
pela victoria que alcançastes de vossas paixões.
que me alcanceis coragem para domar as mi-
(lR A ÇAO " " SUPI'LI'CAS
81

nhas, e especialmente a que em mim predomina,


de modo que, mortificada e vencida esta, mere­
ça comvosco têr corôa de gloria immortal. Pa­
dre Nosso, Ave Maria, Gloria ao Pae.
4. Supplico-vos, religiosissimo S. Luiz, pela
vos!;a obediencia tão exacta ás regras do vosso
instituto, e ás ordens dos vossos superiores, que
me impetreis a graça de observar , a lei de Deus
e as obrigações do meu estado, para que, fazen­
do a vontade de Deus na terra, mereça faze-la
eternamente em vossa companhia no Céu. Pa­
tlre Nosso, Ave Maria, Gloria ao Pae.
5. Supplico-vos, ó humilissimo S. Luiz,
pelo aborrecimento que tivestes ás vaidades do
m und o , pondo debaixo dos pés todos os respei­
tos hu manos, me alcanceis o desapêgo dos bens
da terra e o desprezo das maximas do mundo,
para que possa caminhar com fervor e perseve­
rança pela senda da divina vontade, e gozar da
perfeita liberdade dos filhos de Deus. Padre
Nosso, Ave Maria, Gloria ao Pae.
6. Supplico-vos, por ultimo, querido São
Luiz, coroeis todas as vossas graças com a maior
que vos peço, e é que me impetreis do Senhor
um acto perfeito de amor de Deus, particular­
mente no ultimo ponto da minha vida, para que
assegure a graça da perseverança final, e anti­
cipe na terra o que desejo e espero fazer bema-
82 S. L V I Z GO!'\ZAG.�

venturadamente no Céu, isto é, amar o meu


Deus com toda a perfeição por toda a eternidade.
Padre Nosso, Ave Maria, Gloria ao Pae.
V. Rogae por nós, São Luiz
R. Para que sejamos dignos das promessas
de Christo.
Oremos

O' Deus, distribuidor dos dons celestiaes,


que no angelico joven Luiz reunistes admiravel
innocencia de vida com igual penitencia, pelos
seus merecimentos e orações, concedei-nos, que,
pois na innocencia o não seguimos, o imitemos
na penitencia. Por Christo Senhor nosso. Amen .

III. CoNSAGRAÇÃo A S. Lmz, PRoTECTOR


DA JUVENTUDE

O' glorioso S. Luiz, adornado pela Igreja


com o helio titulo de joven angelica, pela vida
puríssima, que no mundo vivestes, a vós recorro
neste dia com o mais ardente affecto d'alma e
coração, e a vós inteiramente me consagro.
O' perfeito modelo, ó benigno e poderoso
Protector, quanto preciso do vosso auxilio ! Pre­
páram-me insidias o mundo e o demonio, sinto
a vehemencia das paixões, conheço a fraqueza e
a inconstancia da minha idade. Quem poderá
·cONSAGRAÇAO 83

defender-me, senão vós, ó angelica santo, glo­


ria, honra e amparo dos jovens? A vós, pois, re­
corro com toda a minha alma, a vós com todo o
meu coração me entrego e consagro.
Intento, assim, prometto e quero ser vosso
especial devoto, e glorificar-vos por vossas su­
blimes virtudes, e sobretudo pela vossa angel i­
ca pureza ; imitar os vossos exemplos, e promo­
ver a vossa devoção entre os meus companhei­
ros ; invocar e bemdizer o vosso santo e amavel
nome até o ultimo suspiro da minha vida.
Sim : consagro-vos toda a minha alma, to­
dos os meus sentidos, todo o meu coração e todo
o meu ser.
Eis-me, pois, todo vosso, ó meu amavel S.
Luiz, e vosso quéro ser para sempre. A h! guar­
dai-me, defendei-me e conservai-me como coisa
vossa, afim de que, servindo-vos e honrando­
vos, possa melhor servir e honrar a Jesus e a
Maria, e por ultimo ver e louvar a Deus com­
vosco no paraíso por s�culos sem fim . Amen.

200 dias de indulgencia uma vez no dia, e


plenaria na festa do Santo ou num dos sete dias
seguintes, P.ara quem recitar este acto todos os
dias do mes de junho, ás condições do costume.
- Leão XIII, 12 de junho de 1894. Acta S. Se­
dis, t. 26, 751. Beringer Steinen, t. I, n. 513,
·

p. 246 .
IV. NOVENA
DE

S. LUIZ GONZAGA
PROTECTOR D A JUVENTUDE CHRISTÃ

Veni, Sancte Spiritus, reple tuorum corda


fidelium, et tui amoris in eis ignem . accende.
V. Emitte Spiritum tuum, et creabuntur ;
R. Et renovabis faciem terrae.

Oremus

Deus qui corda fidelium Sancti Spiritu.s


illustratione docu.isti, da no bis in eodem Spiritu
recta sapere, et de ejus semper consolatione gau­
dere. Per Christnm Dominum nostrum. Amen.

ORAÇÃO PREPARATORIA
Para todos os dias

Senhor meu Jesus Christo, Deus e homem


verdadeiro, Creador, Pae e Redemptor meu,
prostrado humildemente ante vossa divina Ma­
jestade, vos supplico me deis graça para fazer
com fruto este santo exercicio. Infundi em meu
coração o espírito de piedade, com que, arre­
pendido de meus graves peccados, vos dê graças
- !\ OYE!I; A - PRI:MEIH.O DIA
85

pelos infinitos beneficios que de Vós me veem


continuamente ; e em especial por me haverdes
rlado por Protector o angelico joven S. Luiz
Gonzaga, modelo insigne de santidade e perfei­
to exemplar de todas as virtudes. Apodére-se de
mim vosso divino Espírito, para "que, meditando
attentamente as heroicas virtudes de meu glo­
rioso Advogado, louve vossa Bondade nas copio­
sa � e extraordinarias graças que lhe concedes­
tes, e em seus generosos esforços, para lhes cor­
responder. Abrandae com vossa graça meu co­
raÇão endurecido, para que, estimulado efficaz­
mente pelo admiravel exemplo do zeloso Pro­
lector da juventude christã, aprenda o muito que
val e minha alma, e, desprezando o mundo e
t udo o que l he pertence, busque só a Vós, Bon­
dade infinita, para gozar-vos eternamente no
Céu.

PRIMEIRO DIA

INNOCENCIA DE LUIZ

Consideremos a singular innocencia de S .


Luiz Gonzaga durante toda a sua vida. Por
admiravel providencia de Deus, foi regenerado
em Jesus Christo antes que viesse .á luz, e mere­
ceu viver para o Céu antes de nascer ao mundo.
Foi tão prevenida sua bemdita alma pela graça
do Salvador que, segundo elle mesmo decJarou,
86 S. I.UlZ GONZAG.\

tinha por certo que amou a Deus de todo o cora­


ção desde o instante em que sua razão e intelli­
gencia poderam conhecê-lo. Desde esse momen ­
to, ardeu sempre em seu peito a chamma do ma i �
puro amor. Cada dia se augmentava n'elle o re ­
colhimento, a devoção e a união com Deus. De
modo que passou, não só a meninice, mas toda
a vida sem commeter algum peccado grave, -
apenas algumas imperfeições -; e tão grandt>
santidade, conservou-a entre os perigos do mun­
do e nos palacios e côrtes dos Reis ; e o que mais
é, a augmentou de dia para dia em tal gráu qut'.
como f oi revelado a Santa Maria Magdalena de
Pazzi, foi martyr do ardentíssimo amor de Deus,
em que sua alma innocente se abrasava .

Colóquio

lnnocentissimo e glorioso S. Luiz, eu lou­


vo a Santíssima Trindade pelas singulares gra­
ças e dons com que vos enriqueceu , para subir­
des a tão alto gráu de perfeição e santidade, ,
admiro vossa solicitude em conservar a precio8a
vestidura da divina graça e a firmissima reso­
lução com que tão cêdo vos consagrastes a Deus.
Peço-vos humildemente me alcanceis luz para
conhecer o · apreço que devo fazer da graça san­
tificante, horror summo ao peccado e ao perigo
de commetê-lo, e vigilancia continua sobre Oj
NOVEN A - PRIMEIRO DIA
87

affectos de meu coração, para que nunca se di­


rijam senão a Deus e ás coisas de seu serviço.
Ouvi-me, benigno Protector meu, para que, imi­
tando-vos com a divina graça, chegue a vêr a
meu Deus e a amá-lo perfeitamente comvosco no
Céu. Amen.
Rezem-se tres Padre Nossos ás tres divinas
Pes.soas da Santíssima Trindade; e tres Ave Ma­
rias á Santíssima Virgem, pelas singularíssimas
gr�as concedidas a S. Luiz Gonzaga; e depois,
peça cada um a graça especial que dese;a obtêt.

O R A Ç Ã O F I N A L

pARA TODOS OS DIAS

Gloriosissimo S. Luiz Gonzaga, eu vos en­


commendo a castidade da minha alma e do meu
corpo, para que vos digneis consagrar-me intei­
ramente ao Cordeiro lmmaculado, Christo J e­
sus, e á sua Mãe Puríssima Maria Santíssima,
afim de que viva sempre limpo de todo o pecca­
do de impureza. Accendei em meu coração a
chamma vivificante do amor de Deus e do pro­
ximo. Alcançai-me que, humilde e mortificado,
viva só para Deus e para salvar minha alma.
Abençoai minhas resoluções, fortalecei meu co­
ração, para que sempre minha oração seja fer·
88 S. LVlZ GONZAGA

vorosa, assídua e perseverante, com que me as­


semelhe a vós, e em tudo me mostre vosso verda­
deiro devoto.
E vós, lmmaculada Mãe de Deus e Mãe
nossa , Maria Santíssima, que tanto amastes e
favorecestes a vosso predilecto filho S. Luiz,
ajudae-nos com vossa poderosissima protecção,
não porque nós a mereçamos, mas pelos mere­
cimentos e intercessão de nosso glorioso Prote­
ctor. Soccorrei a vossos filhos que, em união
com aquelle puríssimo e angelico joven, acu­
dem a vós, para que, mostrando-nos agradecidos
a tantas graças que nos dispensaes, mereçamos
ser sempre vossos fidelíssimos devotos, afim de
vos vêr e gozar no Céu. Amen.

SEGUNDO DIA

PENITENCIA

Consideremos a admiravel penitencia de


S. Luiz Gonzaga. Havendo conservado sempre a
innocencia baptismal, fez tanta penitencia pelas
faltas levíssimas que commetera sendo de quatro
ou cinco annos de idade, que causou e causará
sempre admiração aos mais perfeitos. Julgava­
se o maior peccador do mundo, desprezava-se e
se aborrecia como tal. Cheio de amor de Deus,
em que se abrasava seu coração, tanto aborre-
NOYEl\A - SEtil'�DO DIA 89

ceu tudo o que lhe parecia offensa do Senhor,


que ao confessar-se, em Florença, caiu desmaia­
do aos pés do confessor, se m poder continuar
em todo esse dia a sua confissão_ Porém, não
contente em derramar fervorosas lagrimas du­
rante toda a sua vida, macerou seu corpo irmo­
cente com incríveis penitencias_ Jejlllls rigoro­
sos e continuados, disciplinas de sangue, cilícios
e toda a especie de mortificações ; - eis o que
desejava praticar sempre, tanto no mundo, como
-
na Religião. Assim se assemelhava ao innocente
e pacientissi mo Jesus, em quem e por quem vi­
via . Assim argúe e reprehende hoje nossa mo­
leza, nossa criminosa condescendencia com os
sentidos.
Colóquio

O' admiravel penitente, innocentissimo


joven S. Luiz, eu vos louvo e bemdigo, ao tribu­
tar-vos dignos affectos de admiração por vossa
singularíssima penitencia. Alcançai-me de Deus
uma grande dôr de meus gravíssimos e innume­
raveis peccados, que me mortifique siquer em
coisas pequenas, e que padeça, com resignação,
ao menos para cumprir perfei tamente com as
obrigações dt> meu estado ; fazei que meu cora­
ção arrependido e contrito se disponha sempre
para receber com fruto o Santo Sacramento da
Penitencia. Communicai�me parte d'esse divino
90 S. LUIZ GONZAG,\

anwr tão ardente que sempre abrasou vosso co·


ração, para que, purificado o meu de todo o
affecto á culpa, se dirija só a agradar a Deus.
Ouvi-me benigno, amado Protector meu, para
que, imitando-vos com a divina graça, chegue a
vêr o meu Deus e amá-lo perfeitamente comvos·
co no Céu. Amen.

TERCEIRO DIA
HUMILDADE

Consideremos a profundíssima humildade


de S. Luiz Gonzaga. Sendo tão innocente, tão
santo e favorecido por Deus na oração, tão agra·
ciado no �aturai e ,no sobrenatural, não a ttende
á sua alta posição nem ás suas prendas, nem ás
esperanças que pudéra ter, mas tão sómente se
reconhece pobre e miseravel na presença de
Deus, e se compraz em viver occulto e desconhe­
cido dos homens. Alegra-se quando tem occasião
de parecer pobre, ignorante e desprezível ; não
manifesta sua innocencia, se o culpam injusta·
mente. Teve por grande dita o poder renunciar
um principado, c, na Religião, seu al1hélo . foi
sempre de poder . exercitar as occupações mais
baixas da casa, de obedecer a todos e de pedir
esmola publicamente como mendigo. Sua obe­
diencia, sua mansidão e modestia parece que
:'\ OVENA - TERCEIRO DIA
91

não podiam aperfeiçoar-se mais : em seu concei­


to, todos os seus companheiros e inferiores me·
reciam preferencia. As ordens, avisos e conse­
lhos que recebia de seus superiores, tinha-os co­
mo preceitos e mandatos de Deus, a que se sub­
mettia com o maiOr prazer.

Colóquio

O' humildissimo S. Luiz, que cimentastes


o alto edifício de vossa perfeição e a santidade
admiravel de vossos costumes angelicos sobre a
solidez de rocha inquebrantavel, qual é a humil­
dade christã, eu vos louvo pelo grande e genero­
so desprezo que tivestes de vós mesmo e de to­
(las as honras e prazeres do mundo. Quanta glo­
ria recebeis por aquellas humilhações ! Quão
exaltado e reverenciado vos contemplo no Céo e
na terra, em razão do que despr_ezastes e aborre­
cestes por amor de Jesus Christo ! Alcançai-me
de Deus conhecimento de minha baixeza e pe­
'-(uenez, de minhas miserias e peccados, para
({Ue aprenda a desprezar-me e aborrecer-me co­
mo mereço; Pedi esforço para meu coração, com
que abrace a mansidão, a obediencia a meus su·
periores e a justa mortificação de que hei mis­
tér, afim de que vos siga na penitencia e humil­
dade, já que por meus peccados vos não posso
LUIZ GONZAG<\
92 S.

imitar na innocencia. Ouvi-me benigno, amado


Protector meu, para que, imitando-vos com a di·
vina graça, chegue a vêr a meu Deus e a amá-lo
perfeitamente comvosco no Céu. Amen.

QUARTO DIA

GENEROSIDADE DE S. L U IZ

Considera que, da profundíssima humiJda ·


de de S. Luiz, resultou o desprezo de si mesmn
e a generosa resolução de deixar o mundo e to­
das as suas pompas. Nenhum dos bens da terra,
nenhuma das grandezas mundanas, julgava elle
digna da sua estima ; compadecia-se dos ricos,
que, por bens tão falsos e cadúcos, perdem o
tempo, em vez de emprega-lo nos hens eternos.
Sendo Príncipe secular, longe de o fascinar o
esplendor da pompa, folgava de apparecer na
côrte com os vestidos mais velhos e desprezíveis.
Nos publicos espectaculos, a que devia assistir,
em razão da sua nobilíssima condição, em idade
florente, e á vista de objectos capazes de atrair
um coração que não fosse tão desprezador d o
mundo como Luiz, portava-se tão superior a to­
dos os encantos mais brilhantes, que nem os
julgava dignos de empregar n'elles os olhos, e
não sabia deitar a vista ás coisas da terra, quem
só no Céu tinha unicamente o pensamento. Com
NOVE.'II A - QUARTO DIA 93

f{UC prazer e alvoroço, embora príncipe e pri­


mogenito de sua casa, remmciou o principado
em seu irmão menor, só a fim de dizer para
sempre adeus ao mundo, e a todas as suas espc­
rt�nça s ! Com que jubilo da alma se apressou a
occultar-se nas sombras da clausura, exclaman­
do ao entrar no cubículo : "Eis aqui o logar do
meu descanso ; aqui habitarei, porque de muito
bom grado o elegi." Oh ! e quão differente é o
nosso coração ! Engolfado nos bens cadúcos e
transito rios d'este mundo, desprezamos os bens
eternos, e apegamo-nos a uma vida, que passa
· como sonho.

Colóquio

Amabilíssimo Joven, e insigne advoga do


meu, S. Luiz Gonzaga, quanto deveis sentir o
vêr em meu coração tão profundas raizes rl o ·

amor do século, e tão pouca ou nenhuma diligcn ­


cia em arrancá-las, a fim de i mitar·vos n'esta
singularíssima virtude ! Vós, sendo jovcn e tão
rico dos bens do mundo, tudo ren unciastes ge­
neroso, trocando a opulencia e o fausto da vossa
casa e família pela pobreza de uma roupeta, e
os publicos espectaculos pelo retiro da clausu­
ra ; e eu, vil bichinho da terra, tanto me tenho
entranhado no amor do m undo, aspirando sem­
pre ás honras e distincções, quando, para vos
94 S. LUIZ GONZAGA

imitar, devia desprezar uns bens de tão momen­


tanea permanencia, para empregar-me em con­
seguir outros de uma eterna duração. Que acho
eu no mundo que possa em verdade satisfazer
este meu pobre coração, que não encontre rfo
meu Deus, com ventura infinita e gloria perdu­
ravel ! Mas sou tão miseravel que nem me con­
fundo, nem envergonho, á vista de tão heroicos
exemplos, que me dais. Rogo-vos, pois, ó meu
especialíssimo Protector, me alcanceis d'aquelle
Senhor, que tão carinhosamente me convida para
amá-lo; a graça de que tanto necessito, e que,
empregando o meu coração unicamente nos bens
eternos, desprese para sempre os transitarias e
de tal modo se dirijam os meus passos n'esta
vida mortal, que, no dia ultimo das recompen­
sas, consiga a feliz sorte de subir a gozar da vi­
da eterna. Amen.

QUINTO DIA

ORAÇÃO

Consideremos como usou S. Luiz do effi­


cacissimo meio de santificar-nos que têmos to­
dos ao nosso alcance - a oração. Desde mui pe·
quenino, fazia a miudo oração vocal com sum·
ma piedade, tanto que admirava a seus pais e
domesticas o encontrá-lo escondido a rezar suas
N O VF.NA - QUINTO DIA 95

dcvo�Ões. Na i Jade de Jo :t:e a unos, princ1 pwtl a


praticar a oração mental com tanto cuidado e
esméro, que chegou a ler recolhimento e firmeza
admiraveis.
Para conseguir este altíssimo dom, teve
que fazer esforços extraordinarios. Havia-se
proposto ter uma hora de meditação sem distra­
ir-se ; e se padecia algum pequeno descuido,
permanecia outra hora, succedendo estar assim
algumas vezes quatro ou seis horas seguidas.
Teve o dom da presença de Deus em tão alto
gráu, que sua vida foi uma continua oração. E
como lhe viéssem dôres de cabeça e os superio­
res lhe ordenassem que não pensasse tanto em
Deus, esforçou-se em obedecer ; mas, como elle
mesmo declarou, padecia muito mais pela vio­
lencia que empregava para não pensar em Deus
do que pensando n'Elle.

Colóquio

Devotissimo S. Luiz, cuja bemdita alma,


absorvida sempre em Deus, gozou n'esta vida mi·
seravel as doçuras do santo amor, que são primi·
cias da gloria, por vossos esforços e assiduidade
neste santo exercício, pelas ineffaveis doçuras
que n'elle sentistes, por vossas lagrimas e cÓnso­
lações, supplico-vos com grande instancia e fer­
vor, me alcanceis este dom preciosíssimo, de que
S. LUIZ GONZAGA
96

taulo neeessi to. Em pa r l i cular ao reeeher os


Santos Sacramentos e a ssistir ao S anto Sacrifí­
cio da Missa não penn i ttais que o demon i o me
d istrái a, fazendo-me perder inesti maveis frutos.
Ensinai-me a viver na p resença de Deus, pa ra
que imitando-vos com a divina graça chegue a
vêr o meu Deus e a amá-lo perfei ta m e nt e com­
vosco no Céu. Amen.

SEXTO DIA

PUREZA

Consideremos a angelica pureza, que d is­


tinguiu a S. Luiz Gonzaga. Sendo menino de
nove annos, tinha já tão alto conceito do preço
d'esta joia da castidade que, acceso em desejos
de sempre a possuir, e para tributar á Virgem
Puríssima um obsequio digno do amor que lhe
professava, lh'a offereceu com voto perpetuo,
merecendo da Senhora, pelo grande affecto com
que o fez, o singularíssimo privilegio de não
sentir em toda a vida pensamentos, affeições
nem movimentos contrarias a esta angelica vir­
tude. Mas, sem embargo de tê-la tão segura por
esta graça extraordinaria que o Céu lhe conce­
de ra , punha em pratica quantos meios ha de
conservá-la bem - a gu arda dos sentidos, a
NOVENA - SE.'<TO DIA
97

mortificação, a frequencia dos Santos Sacramen­


tos e uma extrema vigilancia em todos os affe­
ctos. Tal era o esméro e cautéla com que guarda­
va este thesouro inapreciavel . . .

Colóquio

O' angelica Joven, perfeito modelo de for­


mosa castidade, amabilíssimo S. Luiz, empenhai
todo o vosso valimento para com Deus em al­
cançar-me esta virtude tão amavel e de que tan­
to necessito : ensinai-me o apreço que merece.
Consegui-me da infinita Misericordia, a graça
de resolver-me a pôr em pratica todos os meios
conducentes para obtê-la. Communicai-me vos­
so espírito de devoção, para receber com fervor
e amiude o Santíssimo Sacramento da Eucharis­
tia, que é o Pão dos Anjos e das almas virginaes.
Fazei que, a vosso exemplo, seja recolhido, mor­
tificado, devoto ; fazei que fuja das más compa­
nhias e occasiões perigosas, e tenha sempre pre­
sente a Jesus Crucificado ; livrai-me, emfim, do
geral incendio da concupiscencia que abrasa e
queima o mundo. Ouvi-me, benigno e amado
Protector meu, para que, imitando-vos com a
divina graça, chegue a vêr o meu Deus e a amá­
lo perfeitamente comvosco no Céu. Amen.
S.
98 LUIZ GONZAG.I\

SETIMO DIA

A VOCAÇÃO

Consideremos a consummada prudencia de


S. Luiz Gonzaga relativamente á sua vocação, e
a fidelidade em segui-la. Comprehende a impor­
tancia deste ponto, pede luz ao Senhor por mui­
to tempo, examina com attenção e animo sereno
todas as razões que movem seu coração para uma
ou para outra parte, fixa ·seus olhos no Céo
(fim para que todos fomos creados ) , consulta
seu confessor, e finalmente · decide, porque já
sabe a vontade de Deus. Mas ao querer executá­
la encontra resistencia no pae : pede, supplica,
roga, luta animoso e destemido durante alguns
annos. Humilha-se perante Deus, óra com fer­
vor, faz rigorosissimas penitencias ; e tudo isto
para poder renunciar um principado, para fu­
gir das fagueiras esperanças de um brilhante f u­
turo. Porém já Deus o recebe em sua Casa : en­
tra ansioso na Companhia de Jesus. E aqui suas
virtudes edificam os mais perfeitos ; seu esméro
e exactidão em cumprir todas as regras o fazem
modelo de religiosos. Sua applicação e progres.
sos nos estudos surprehendem ; seus adianta­
mentos no caminho da perfeição e sua intima
união com Deus fazem pasmar a todos . . .
NOVENA - SF.TIMO DIA
99

Colóquio

O' prudentissimo e v�lorosissimo S. Luiz,


que souhestes corresponder fidelissimamente á
vossa vocação, ensinai-me o muito que vale mi­
nha alma, para que com p rudencia reflicta pe­
rante Deus como devo conduzir-me para salvá­
la. Alcançai-me da divina Bondade o conheci­
mento de mim mesmo, para que, resolvido a se­
guir minha verdadeira vocação, segundo o di­
táme de meus superiores, invoque a Deus na
oração, afim de poder cumprir devidamente as
minhas obrigações. Esforce-me a vista de vosso
admiravel exemplo em todas as difficuldades
que se apresentam. Pedi a Deus que eu seja
constante até á morte nos exercícios de piedade,
para que nunca desfaleça nem, tropece no servi­
ço do Senhor. Ouvi-me benigno, amado Prote­
ctor meu, para que, imitando-vos com a divina
graça, chegue a ,· êr o meu Deus e a amá-lo per­
feitamente comvosco no Céu. Amen.

OITAVO DIA
AMOR DE S. LUIZ PARA COM O PROXIMO

Considéra que sendo a · caridade um puro


effeito da divina chamma em que se abrasam
as almas compassivas e generosas, por certo que
100 S. LUIZ GONZAGA

no coração d'este angelico Joven devia sempre


,reluzir e augmentar. Nunca Luiz omittiu de
empregar meio algum de soccorrer o pro­
ximo, acudindo-lhe por todos os modos, que esti­
vessem ao seu alcance, em todas as necessida­
des, particularmente espirituaes. Sendo prínci­
pe, e ainda secular, ensinava a doutrina Christã
ás pessoas mais rudes, emendava-lhes os costu­
mes e reconciliava a todos nos seus pleitos e
discordias. Depois de entrar na Companhia de
Jesus, sabia muitas vezes pela cidade de Roma,
para instruir os pobres e mendigos, levando-os
comsigo a confessar-se. lnexplicavel era o zelo
santo em que se abrasava, pela salvação das al­
mas. Em uma das praticas que fez na ' cidade de
Sena, foi tão copioso o fruto do seu zelo, que
muitos jovens, movidos pela efficacia do seu
discurso, deixaram o mundo e abraçaram o es­
tado religioso.
Mas como o verdadeiro amor nunca diz
" hasta " , assim a caridade de S . Luiz não tinha
limites, antes, crescendo de dia para dia, che­
gou ao ponto mais heroico e sublime. No con­
tágio universal, que grassou em Roma, obteve
dos S uperiores licença de assistir e servir aos
feridos de peste ; e com tanto esméro e zelo o
fez, que os companheiros, observando o fervor
de Luiz em acudir aos enfermos, em escolher os
NOVF..S A - OITAVO DlA IOI

que podiam excitar mais o nojo e em servi-los


nos mistéres mais humildes, não só ficavam
admirados, senão summamente se envergonha­
vam e corriam da propria delicadeza e cautéla,
com que procuravam subtrair-se ao mal.
Este assiduo e laborioso exercício de cari­
dade occasionou-lhe o mesmo mal contagioso,
que lentamente o foi consumindo até tirar-lhe a
vida. Morte verdadeiramente preciosa, que com
tanto prazer e consolação lhe fez exclamar n'a­
quella hora : "A minha alma exulta em gozo e
alegria, porque o meu Deus derramou sobre
mim as e/fusões da sua graça, e cedo irei gozar
da sua posse. " Poderemos nós repetir o mesmo
n'aquella hora? Não por certo. Comparemos,
pois, a nossa caridade com a do Santo, e traba­
lhemos por imitá-lo n'esta singularíssima virtu­
de ; porque assim poderemos enriquecer-nos com
os bens do Céu; e adquirir muitos dos infinitos
merecimentos de Jesus Christo.

Colóquio

Meu amantíssimo advogado, se é certo que


a caridade, que os Santos têem na terra, cresce

muito mais ainda no Céu, bem posso confiar que


do Céu vos digneis de abrasar-me com a vossa
caridade, reconhecendo-me por vosso servo, as-
1 02 S. LUIZ GONZAGA

sim como durante a vossa vida mortal metíeis


a todos no coração. Recorro, pois, a vós, meu
amorosíssimo Santo, cheio de confiança, para
que me deis uma faisca do vosso amor para
com o proximo como devo. Reformai o meu amor
desordenado, e accendei em mim a chamma do
amor santo, que tanto ardeu no vosso ; santifi­
cai a minha vida, de modo que possa ditosamen·
te passar o tremendo instante de que ha de de­
pender a minha eternidade feliz ou desgraçada.
Ame.n.

NONO DIA

DEVOÇÃO DE S. LUIZ PARA CO!'tl A

SANTISSIMA VIRGEM

Considéra qual seria a devoção de S. Luiz


para com a Virgem Santíssima, ao reconhecer a
especialíssima predilecção com que esta Senho­
ra o favorecera desde o primeiro instante da
sua vida. Se tão intenso e abrasado foi o amor
do nosso Santo para com o Filho Unigenito de
Deus, como poderia deixar de têr extremoso
amor á sua Mãe Santíssima ? Logo na meninice,
achando-se em Florença, consagrou-lhe com per­
pétuo voto o candido lyrio da sua virginal pu­
reza. Eram tão enternecidos os colóquios que ti­
nha com a Senhora, e taes os affectos de seu co-
NOVENA - NONO DIA
1 03

ração, que em quantos o ouviam infundia res­


peito e piedade. Em todas as occasiões a venera­
va com profundissima reverencia e jejuava em
honra sua todos os sabbados, as mais das vezes
a pão e agua.
Todos os dias recitava de joelhos o seu offi­
cio, e subindo pelas escadas do palacio, em cada
degráu a saudava com uma Ave Maria. Não po­
dia ouvir falar da Mãe de Deus, ou meditar em
suas excellencias, sem que o coração se lhe en­
chesse de alegri a ; como a advogada e prudentis­
sima conselheira, consultava-a em todas as suas
duvidas, obsequio que a mesma Senhora remu­
nerou, dignando-se de manifestar ao nosso San­
to, em voz clara e intelligivel, ser vontade sua
que elle entrasse na Companhia de Jesus.
"Sejamos devotos de uma tão tema e cari­
nhosa Mãe, dizia Luiz repetidas vezes e com es­
pírito inflammado : porque a sua intercessão é
muito poderosa, e de summa utilidade para as
almas." Estes eram os sentimentos de S. Luiz,
estes os transportes de amor e devoção, com que
a sua alma innocente procurava ser grata a bem­
feitora tão insigne. Não ignorava que Maria é
refugio dos perseguidos; muito bem sabia que
Maria é saude dos enfermos, esperança e confor­
to dos peccadores. Mas, quão longe estamos nós
de imitar este amor e piedade de S. Luiz ! Que
S, LUIZ GONZAGA
1 04

estéril não é a nossa devoção, se olharmos para a


nossa tibieza e frouxidão ! Queremos que Maria
nos proteja, e seja a nossa Medianeira perante
Deus, e não cuidamos sériamente em conciliar
o seu amor por uma sólida piedade e pela refor­
ma da nossa vida.

Colóquio

O' meu incomparavel Santo, e dignissimo


Protector, por aquelle entranhavel amor que ti­
vestes á Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus,
peço-vos queirais alcançar-me o dom de uma
verdadeira devoção a tão amavel Senhora. Já
desde agora a elejo por ' minha luz e amparo na
escura noite em que me considero por meus pec­
cados. Fazei, ó meu S. Luiz, que esta carinhosa
Mãe e Senhora, me receba por seu filho e escra­
vo, pois eu proponho, com a graça de meu Deus,
regular de tal modo a minha vida, que me tor­
ne grato aos seus olhos. Eu quéro reverenciá-la
com amor de filho, respeitá-la como servo, e va­
ler-me em todas as minhas difficuldades dos
seus santíssimos conselhos. Vós, que tanto vos
abrasastes em seu amor, dignai-vos de offere­
cer-lhe estas minhas sincéras resoluções, e espé­
ro, por vossa intercessão, alcançar do meu Se­
nhor Jesus Christo o favoravel despacho das mi-
NOVENA - DIA DA FESTA
1 05

nhas supplicas para louvor sempiterno do meu


Deus, gloria de minha Senhora, Maria Santíssi­
ma, honra do vosso nome e salvação da minha
alma. Amen.

DIA DA FESTA

AMOR DE S. LUIZ PARA COM DEUS

Considéra que São Luiz justamente me­


receu o titulo de Seraphim aprasado no amor
de Deus. Estava Luiz tão penetrado d'esta viva
e suave chamma, que bastava ouvir fallar de
qualquer dos divinos attributos, para se conhe­
cer no incendio do seu rosto o ardente fogo de
amor que interiormente o devorava, chegando a
faltar-lhe a voz, e até a mesma respiração pela
extraordinaria força com que no peito lhe pulsa­
va o coração. D'aqui nascia vivíssima ternura e
compaixão, pranto e amargura todas as vezes
que a seus olhos se representava a imagem de
Jesus Crucificado, ou meditava nas dôres e
agonias de sua !'antissima Paixão ; ardia em tan­
to desejo de padecer por 3eu amor, que, nos
lances mais dolorosos, se lhe via reluzir uma es­
tranha paz e alegria, por considerar que Deus
o fazia participante dos tormentos do seu amado
1 06 S. LUIZ GONZAGA

Jesus. Mas que diremos do abrasado amor de S.


Luiz para com o mesmo Senhor sacramentado!

Este adoravel sacramento foi sempre onde


Luiz teve fixos os seus amores ; onde a sua alma
se derretia em ternissimos affectos e amorosos
incendios. Tres dias antes de receber o soberano
Pão dos Anjos gastava em , dispôr-se, e preparar
digno acolhimento a tão divino hospede ; e trcs
dias depois empregava em dar-lhe graças. Na
hora de commungar, eram seus olhos duas fon­
tes de copioso pranto, e taes deliquios padecia,
que muitas vezes chegava a cair por terra des­
fallecido, podendo bem dizer com a esposa
santa que sentia morrer-se á força do amor.
Oh ! que confusão para nós, que tão pouco
amamos a um Deus tão digno de ser por nós ama­
do ! Que conceito formamos do preço e do valor
de tão divina Majestade, que ainda não chegou
a merecer o nosso affecto ! Se a ponderação de
seus divinos attributos, se a memoria dos exces­
sos e finezá s do nosso Deus para comnosco, se
finalmente uma só communhão recebida com as
devidas disposições seria bastante para inflam­
mar-nos no amor de Deus, d'onde nasce que re­
colhendo tantas vezes este divino fogo em nosso
peito, ainda nos achamos tão tíbios e frios no
seu amor !
MOVENA - DIA DA FESTA 1 07

Colóquio

Oh ! quanto invejo, meu singularíssimo Pro­


tector, esse vosso amante e abrasado coração,
que nunca soube viver senão do amor para com
Deus! A quem, senão a vós, que sois Seraphim
de caridade, devo entregar este meu frio coração,
para que lhe communiqueis uma pequena cham­
ma d'esse fogo, que tanto vos sublimou, e lhe
ensineis a amar um Bem infinito ! Reconheço,
"
meu santo Padroeiro, que, com a minha tibieza
e frialdade, sou ingrato ao meu Deus, que por
tantos e tão repetidos beneficios me convida e
me desperta a amá-lo. Estou confundido na vos­
sa presença, vendo que nada tenho feito para me
abrasar em tão amoroso incendio, antes deixei
ir o meu coração após o mundo e seus prazeres,
e me tomei cada vez mais insensível para com
Deus. Quanto me pésa de vos não ter imitado,
amando com todo o meu coração e com toda a
minha alma o meu Senhor, que só é digno de
sêr amado sobre todas as cousas. Accendei, ó
meu glorioso Santo, na minha alma esta suave
chamma, e fazei que eu possa dizer com verda­
de que o meu coração já não é meu, mas antes,
como holocausto vivo, se abrase e se consuma
no mais intenso ardor da caridade, para gloria
vossa e sempiterno louvor do meu Senhor Je­
sus Sacramentado. Amen.
I 08 S. LUIZ GONZAGA

V. A FESTA DE SÃo Lmz.

Para excitar cada vez mais os fieis, e em


particular á juventude, a honrar o angelico São
Luiz, Bento XIII, Clemente XII e Bento XIV,
com decretos da Sagrada Congregação das In­
dulgencias, de 22 de novembro de 1729, 21 de
novembro · de 1737 e 12 de abril de 1742, con­
cederam indulgencia plenaria, no dia da festa
d o Santo, a todos os fieis que se confessarem,
commungarem, visitarem o altar, onde se cele­
bra esta festa, e rezarem pelas intenções do
Summo Pontífice.
A festa póde tambem celebrar-se, com au­
torização do Exmo. Sr. Bispo, em outro dia
C(ualquer do anno e em toda parte.
Segundo um decreto mais recente da Sa­
grada Congregação dos Ritos, de 27 de junho
de 1897 ( n. 3 . 918) , póde-se, nesse dia determi­
nado pelo Exmo. Sr. Bispo, rezar a missa pro­
pria do Santo ; fazem excepção : quanto á missa
cantada - os dias em que occorre uma festa du·
pla de primeira classe, ou um domingo privile­
giado de primeira classe ; quanto ás missas re­
zadas : esses mesmos dias, e outrosim, as fe:>tas
duplas de segúnda classe, os domingos, férias,
vigílias ou oitavas privilegiadas. Não se póde
omittir H missa conventual ou parochial corres-
OS DOMINGOS DE S. LUI'Z 1 09

pondente ao officio do dia, quando esta missa


·

é de obrigação.
Cf. Beringer - Steinen, Die A blaesse, I,
192 1 , n. 789, p. 373 - 374 .

VI. Os SEIS DOMINGos DE SÃo Lmz

Esta piedosa prática, em honra dos seis


rumos de vida religiosa de São Luiz, foi intro­
duzida pelo . P. Faccanoni, S. J ., que publicou,
primeiro em 1 736, depois em 1740, um livri­
nho sobre esta devoção, dedicado á juventude de
Mantua. Pela edição de 1736, vê-se que, a prin­
cipio, se escolhia a quinta feira, por têr falle­
cido S. Luiz numa quinta feira, em 159 1 ; mas a
edição de 17 40 já traz o titulo : os seis domingos,
etc. Das cartas ánnuas da Companhia de Jesus,
província de Veneza, 1 740 - 1758, vê-se que os
seis domingos do Santo se celebravam tambem
em outras igrejas, com grande solemnidade e de­
voção.
NWlca se inculcará bastante esta prática
especialmente á j uventude, que da Santa Sé re­
cebeu S�o Luiz como Protector particular. Con­
servação da innocencia, luzes do céo sobre a vo­
cação, amor á Virgem Santíssima, progressos nos
e.studos : taes são os frutos principaes de um cul­
ta profundamente sympathico á nossa' juventude.
S. LUIZ GONZAGA
1 10

Indulgencia plenaria, cada um dos seis


domingos que precedem immediatamente a
festa do Santo ( 21 de junho ) , ou em seis outros
domingos consecutivos do anno, livremente es-­
colhidos pelos fieis. - Condições : confissão,
communhão, fazer em honra do Santo algumas
piedosas considerações, orações vocaes, ou ou·
tras obras de piedade christã. - · Clemente XII,
1 1 de dezembro de 1739 e 7 de janeiro de 17 40.
A communhão póde fazer-se no sabbado
precedente, segundo formalmente declára o de­
creto da Sagrada Congregação das lndulgencias
de 6 de outubro de 1870, mas as outras prescri­
pções devem preencher-se no próprio domingo.
_ Cf. Beringer - Steinen, op. cit., t. I,
1921, n. 790, p. 374.
Como considerações, poderão servir as que
acima demos para a Novena.

VII. ÜrrAçÃo PARA RECOMMENDAR A SÃo Lmz


A PROPRIA VOCAÇÃO

O' meu poderoso e amavel Padroeiro, São


Luiz, que, com inquebrantavel constancia, su­
perastes longas e terríveis difficuldades, para
fielmente seguirdes a divina vocação que vos
chamava á Companhia de Jesus, com toda a alma
ORAÇllO 111

eu vo-lo peço : alcançai-me 9-e meu adorado Rei


1esus e de minha querida Mãe Maria, luz do
céu para conhecer o divino querer a meu res­
peito e força inabalavel para segui-lo, ainda
quando fosse, para isto, mistér, resistir a impe­
cilhos e seducções. Gravai profundamente em
minha alma um profundo desprezo por tudo o
que é perecível e .passageiro, uma estima e co­
nhecimento cada vez maior dos unicos bens im­
perecedouros do céu. Não me desampareis, ó Pro­
tector querido, nesta minha breve e atribulada
peregrinação da· vida, até que chegue a trium­
phar cQIDvosco para sempre no céu. Assim seja.

A M D G
INDICE

Epístola de SS. o Papa Pio X I sobre o 2.° Cen-


tenario de S . Luiz . . . . V I I a XIX

D u as pal avras de apresentação 1

Prefacio . . . . . . . . . . . . 5

T. Nascimento e primeiros annos de São Lui z 9


IJ. Primeira educação d e S. Luiz. Va e a Casal
di Monferrato. Sua " conversã o " . . . . . . 12
I II. Vae a Florença. Faz voto d e castidade.
Da santa vida que ali levou . . . . . . . . 16
IV. Primeira Communhão. Torna a Casal, cor­
rendo no caminho grande perigo. Sua vo-
cação . . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 21
S. LUIZ GONZAGA
1 14

V. V oi lu a Ca�t igl ione. Como ficou· livre de


um ineendio . . . . . . . . . . . . . . . . 27
VI. São Luiz na côrte de Espanha. Seus es-
tudos e modo de viver em Madrid . . 2P.
VlJ. Razões que o movêram a entrar na Com­
panhia de Jesus. Manifesta •a vocação aos
paes . . . . . . . . . . . . . . . . 31.
VIII. Lutando pela vocação . . . . . . . . 35
IX. E' mandado a Milão . . . . . . . . . . 3g
X. Nova opposição do pae. Victoria final de
·

São Luiz . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
XI. Renuncia ao marquezado e parte para
Roma . . . . . . . . . . . . . . . . 4:)
XII. Entra na Companhia de Jesus. Suas vir-
tudes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4: :
Xlll. Vae para Napoles. De volta a Roma, faz
os votos e prosegue seus estudos . . . . . 52
XIV. E' mandado á sua tecra a apaziguar uma
contenda entre seus parentes . . . . . . . . ;)(,
XV . Amor de São Luiz para com Deus. Pre-
nuncios de sua morte . . . . . . . . . . . . ;) «)
XV I . Ultima doença e morte de São Luiz . . (, I
XVII. São Luiz e o Sagrado Coração de Jesus (, J
XVIII. Canonização e culto de São Luiz . . m

ADITAMENTO

Maximas e"ditos de São Luiz . . . . . . 7:!.


INDICE 1 15

DEVOCIONARIO

L Oração a São Luiz . . . . . . . . 79

11. Suppl icas a São Luiz . . . . . . 80


111. Consagração a São Luiz. Prolector da ju-
ventude . . . . . . . . 82
IV. Novena de São Luiz 84
V. A festa de São Luiz . . 108
VI. Os seis domingos de São Luiz • 109
VII. Oração para recommendar a São Luiz a
propria vocação . . . . . . . . . . . . . . . . no

http://alexandriacatolica.blogspot.com.br

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