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JEAN-PAUL

AUFFRAY






O ÁTOMO















INSTITUTO
PIAGET

Título original
L'Atome

Autor
Jean-Paul Auffray

Coleção
Biblioteca Básica de Ciência e Cultura, sob a direção de Antônio Oliveira Cruz

Tradução
Elsa Pereira

Capa
Dorindo Carvalho

Copyright
Flammarion, 1997 — Collection DOMINOS

Direitos reservados para Portugal:
INSTITUTO PIAGET, Av. João Paulo II, lote 544, 2.Q — 1900-726 Lisboa
Telef.: 21 831 65 00
E-mail: piaget.editora@mail.telepac.pt

Fotocomposição e impressão
Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Ltda.

ISBN: 972-771-462-5 Depósito legal: 173 528/01

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xerocópia ou gravação, sem autorização prévia e escrita do editor.


Jean-Paul Auffray. Depois dos estudos superiores na Universidade de
Colúmbia de Nova Iorque, Jean-Paul Auffay desenvolveu investigações em física
teórica, nomeadamente a respeito do átomo, no prestigiado Courant Institute of
Mathematical Sciences, fundado em Nova Iorque pelos matemáticos da
universidade de Göttingen emigrados nos Estados Unidos desde a Segunda Guerra
Mundial. Defende a ideia de que os dados da ciência são mais acessíveis se os
abordamos num contexto do seu desenvolvimento histórico, que passa por
imensos desvios por vezes instrutivos.
Depois de O Espaço-Tempo, livro de história e de ciência publicado em 1996
(Flammarion, col. «Dominos»), O Átomo é o seu segundo livro escrito para o
grande público.



















Para a Jeanette,
este livro que ela nunca lerá,
mas de que foi a alma.














































NOTA. - Os termos relacionados com um vocabulário especializado e
explicitados no glossário são seguidos por um * quando surgem pela primeira
vez.

Prefácio


Todas as coisas, diz Demócrito, são constituídas
por átomos toscos ou polidos, recurvados ou retorcidos,
e pelo vácuo que se encontra entre eles.
CÍCERO
Primeiras Acadêmicas


MITO ou realidade? O átomo, durante vinte e cinco séculos, foi imaginado,
analisado, descrito, explorado, explodido, depois cavado, imobilizado,
acelerado, despojado, combinado... e finalmente banalizado.
Ao longo das páginas deste livro, tentando ser o mais verdadeiro possível,
esforçar-nos-emos por restituir ao átomo um pouco do mistério e da poesia que
lhe são próprios. O átomo presta-se a isso. Porque é misterioso como a
pirâmide de Quéops, suspenso como os jardins da Babilônia, fundo como o
colosso de Rodes, insólito como o túmulo de Mausoléu, dominador como a
estátua crise elefantina de Zeus Olímpico, frio como o templo de Artemisa em
Éfeso, brilhante como o farol de Alexandria. Numa palavra, o átomo é uma e
todas as maravilhas do mundo.
Na primeira parte da obra, aprenderemos primeiro a conhecer esses
espantosos Abderitas, contemporâneos de Platão e de Sócrates, familiares do
rei da Pérsia, que, no século V antes da nossa era, inventam o nada, imaginam
«entidades indivisíveis» dotadas de ritmo, e forjam a palavra «átomo».
Veremos seguidamente como é que, na esteira de Gassendi, de Lavoisier e
de Dalton os químicos tomaram progressivamente consciência da existência do
átomo, no sentido em que entendemos a palavra hoje. Depois estudaremos o
papel desempenhado pela descoberta da estrutura granulosa da eletricidade
antes de nos interessarmos pelo «átomo dos físicos», a mais bela flor da física
contemporânea.
Na segunda parte, tentaremos entreabrir uma perspectiva nova da física
atual, esperando que, a exemplo dos «donos da verdade» da Grécia antiga,
encontremos no nosso caminho o adivinho, o poeta ou o rei da justiça para nos
ensinar «o que foi, o que é, o que será».
















Abc do átomo





«A inspiração do poeta».

De onde vêm as ideias que nos vêm?
Pintura de Nicolas Poussin (1594-1665).
Museu do Louvre, Paris.
© RMN

Átomos idea


Tudo isso se fez sozinho.
JEAN COCTEAU


TUDO começou, há vinte e cinco séculos, numa pequena cidade, num sítio à
beira do mar divino...

Nas margens do mar Egeu

O século V antes da nossa era, a Grécia antiga estende-se da Itália e da Sicília
— Siracusa, pátria de Arquimedes! - até à proximidade das colunas de Hércules,
e pelas margens do mar Egeu, desde as Cíclades, ao sul de Atenas, até à ilha de
Rodes, no Dodecaneso, onde em breve será erigida a estátua de Hélios, deus do
Sol e da Luz, uma das sete maravilhas do mundo.
A Grécia não é, nesta época, nem de longe, a sociedade ideal que imaginamos
nos nossos dias. Algumas famílias abastadas, assistidas por escravos, partilham
os privilégios. Aos seus filhos estão reservados lazeres, a possibilidade de
viajar, de estudar, de se divertir. Foi no entanto aí, em Atenas, que o milagre se
produziu: alguns homens - Péricles, Píndaro, Aristófanes e outros - acenderam
uma vela cuja chama dança ainda hoje nos nossos olhos.
Não aconteceu tudo de repente, e não se produziu tudo somente em Atenas. Na
Eleia, na extremidade da bota italiana, Parménides funda a ontologia, ancorada
neste princípio: «O ser é uno, contínuo e eterno.» E em Abdera, pequena cidade
que tem a reputação de ter sido habitada por... idiotas (mais precisamente, por
carneiros), na Trácia, território controlado pelo rei persa, Leucipo e Demócrito
apressam-se a tornar-se falados.
De Leucipo não sabemos praticamente nada. Será que existiu? De Demócrito,
não temos certezas. Aparentemente jovem, viaja, visita a índia, o Egito, a Pérsia e
Babilônia onde encontra os sacerdotes e os magos da Mesopotâmia que lhe
ensinam a sua arte. Chega finalmente a Atenas, onde, confessa, não conhece
ninguém e ninguém o conhece. Depressa isso muda.
Na altura em que Demócrito entra em cena (refiro-me à cena da história),
Parménides formulou a sua doutrina, acima mencionada, em que o principal é o
seguinte: o ser é uno. Se o vácuo fosse, o «ente» podia deslocar-se para o vácuo.
Mas o vácuo não é; portanto, o ente não tem para onde ir. O movimento é por isso
uma ilusão dos nossos sentidos, uma impossibilidade.
Demócrito retoma a questão, mas no sentido inverso. O movimento é:
portanto, é necessário que exista um lugar em que esse movimento se possa
efetuar. Esse lugar, é o vácuo. Ele proclama assim que o vácuo - o nada - existe
ao mesmo tempo que o ser. Aí reside a grande invenção. Devido à sua audácia, à
sua novidade, iguala e ultrapassa mesmo a de várias noções fundamentais da
história do pensamento humano.
Ora isso não é tudo. Se o vácuo existe, é um «não-ser num certo sentido
existente». A sua existência implica uma «pluralidade de entes». O ser é pois uma
multiplicidade.

As entidades indivisíveis

Passemos ao segundo patamar da teoria. Demócrito põe a questão: se o ser é
uma multiplicidade, em que é que consiste essa multiplicidade? Segundo ele, a
unidade fundamental desta multiplicidade é o átomos idea. É a expressão chave
da teoria, a que traduzimos habitualmente - erradamente, como veremos - pela
nossa palavra «átomo»: na realidade transformámos em substantivo o que, para os
antigos gregos, era um adjetivo.
O adjetivo tomos significa «segmentado» (tal como uma obra com vários
tomos). Precedido do «alfa privativo», torna-se átomos, designando aquilo que
não pode ser segmentado ou dividido, o que é indivisível. Em contraste, derivado
do verbo idein, que significa «ver», o substantivo idea designa aquilo que vemos,
uma forma, uma entidade - o que tem uma existência separada, distinta das outras.
Simplificando um pouco, encontramos a palavra «ideia» pela primeira vez em
Anaxágo- ras de Clazoménios (cerca de 500-428 a. C.). Mas que significa este
termo? Para Anaxágoras, existe um conglomerado de qualidades encerradas em
partículas infinitamente pequenas, as ideias. Qualquer objeto da natureza contém
todas as ideias possíveis em proporções variáveis. O ouro, por exemplo, é
principalmente ouro mas contém igualmente pequenas porções de todas as outras
substâncias. Numa palavra, «em cada coisa existe uma parcela de cada coisa» - o
que constitui aquilo a que podíamos chamar uma filosofia existencial (no seu
tempo, Jean-Paul Sartre dirá: «Cada homem é todos os homens»).
Platão, ao que parece, queria queimar os livros de Demócrito, cujas ideias
desprezava. Não se trata aqui apenas de um jogo de palavras. Discípulo de
Sócrates, Platão pretende fazer uma síntese entre a ordem moral (a do homem) e a
ordem física (a da natureza). Postula portanto, também, um mundo de Ideias. Mas
esse mundo constrói-se num domínio transcendente, que se situa para além da
natureza empírica. Ele contém «a totalidade dos objetos que podemos conceber
de uma maneira perfeita: os objetos naturais (as ideias de Demócrito) mas
também os valores - a coragem, o bem..., o próprio homem. A alma humana aspira
a reintegrar esse mundo «que conhecia antes de se encontrar ligada à matéria».
Para Demócrito, a ideia é um corpo visível para o intelecto e estruturado,
embora indivisível. Porquê indivisível? Segundo ele, por duas razões. Uma,
prosaica: as ideias são demasiado duras para poderem ser seccionadas pelos
meios de que dispomos. A outra, fundamental: as ideias são indivisíveis devido
ao seu ritmo, elemento constitutivo com carácter primordial. Que dizer?
Segundo Aristóteles, que, na sua doxografia*, descreve as opiniões dos seus
contemporâneos, os atributos das ideias são em número de três: schema (forma),
taxis (ordem) e thésis (posição). Ele dá um exemplo do que se pode esperar com
isso: «A distingue-se de N pela forma, AN de NA pela ordem, e N e Z pela
posição.»
Neste enunciado Aristóteles dá-se ao luxo de uma pequena traição ao
pensamento dos Abderitas. Ele utiliza de fato a palavra «esquema» quando
Demócrito emprega a palavra «ritmo». Ora «esquema» é um termo estático que
designa uma forma geométrica, uma imagem. «Ritmo», em oposição, tem uma
conotação dinâmica. Parece realmente que Demócrito utilizou esta palavra
voluntariamente para sugerir a noção segundo a qual as ideias indivisíveis são
intrinsecamente animadas de movimento. Esta noção constitui o terceiro patamar
da sua teoria. Tão imaginativa como as precedentes, implica que o movimento é
um atributo irredutível das ideias - tão fundamental como a sua qualidade de
«ente»: se a ideia indivisível possui intrinsecamente movimento, é inútil procurar
explicar o movimento (da mesma forma que é inútil procurar explicitar a origem
do «ser»), Eis-nos no coração da teoria.
Mas, porque é que nos interessamos hoje por tudo isto, diria você? Não está
já ultrapassado, esquecido, caduco? Muito pelo contrário! Esta teoria audaciosa -
foram preciso vinte e cinco séculos para a aceitar plenamente - é a alma da nossa
física de hoje, como verificaremos mais amplamente no decurso das páginas deste
livro.
Os grandes gênios, aliás, não se enganaram. Na verdade, Platão que disse
tudo sobre Sócrates, nada escreveu sobre Demócrito. Mas Epicuro e mais tarde
Lucrécio fizeram das ideias de Demócrito o seu cavalo de batalha. E, mais
próximo de nós, o jovem Karl Marx fez de «a diferença da filosofia da natureza
em Demócrito e Epicuro» o tema da sua tese de doutoramento.
Antes de acabar aqui, provisoriamente, com Demócrito, observemos que,
além de grande metafísico, ele foi também um grande sábio. Na sua obra
Panarion ou la Boite à drogues (374), escrita no século IV da nossa era, Santo
Epifânio de Salamina escreve: «Demócrito de Abdera, filho de Damasipo,
afirmava que o universo é infinito e que flutua no vácuo.» Acrescenta: «Ele
sustentava ainda que um só e único objetivo deve antes de tudo ser perseguido: é
a alegria da alma. As leis são uma má invenção, dizia ele; o sábio não deve
submeter-se às leis, mas viver livremente.»

O átomo dos químicos


Entre os corpos há os compostos, e aqueles de que os compostos são feitos.
Epicuro, Carta a Heródoto


Se átomos idea - a ideia indivisível - é a invenção mágica dos Abderitas, o
«átomo dos químicos» - o nosso de hoje - nasceu na cidade jónica de Mileto, na
Anatólia Ocidental. Foi aí, no século IV antes da nossa era, que Tales,
Anaximandro e Anaxímenes fundaram a teoria da substância dos corpos.
Todos três admitem a existência de uma substância primordial, na base de
tudo. Esta «realidade primeira», este archê, é a água para Tales, o ar para
Anaxímenes, uma substância indeterminada, o apeiron, para Anaximandro.
Observemos para a continuação da nossa história que, ao mesmo tempo, na sua
ilha natal de Samos, Pitágoras oferece uma outra solução: para ele e seus
discípulos, o princípio fundamental, o archê, é o número. Esta concepção
suscitará ecos na teoria moderna do átomo como veremos um pouco mais tarde.
Em Agrigento, no século V antes da nossa era, Empédocles formula a sua
teoria das «quatro raízes» (a que dá o nome de deuses: Zeus-água, Hera-terra,
Edoneu-ar e Néstis-fogo). Combinando-se em proporções diferentes, sob a férula
de Polemos (a Discórdia) e de Eros (o Amor), essas raízes constituem todos os
corpos. Elas próprias são constituídas por pequenas partículas, indivisíveis e
eternas como as ideias de Demócrito, mas separadas umas das outras por poros (e
não pelo vácuo). Portanto, não são exatamente as ideias de Demócrito.

Platão inventa a química teórica

Platão construiu uma cosmogonia* original que podemos ver como a primeira
tentativa de formulação de uma «química teórica» capaz de justificar a
diversidade das substâncias presentes na natureza. Por acaso, a palavra
«química» é provavelmente de origem egípcia. A famosa inscrição da pedra de
roseta dá realmente ao Egipto o nome de chmi. A química seria a ciência de chmi
ou da Terra negra - a ciência santa, divina, secreta do Egito... A cosmogonia de
Platão não é a de Demócrito e não será a de Aristóteles, aluno de Platão, que dele
se demarcará. Para Platão, existem as ideias (que não são as de Demócrito), os
números (que são os de Pitágoras) e os quatro elementos (que são os de
Empédocles), que um demiurgo, ocupado em aperfeiçoar o mundo (que não
criou), procura utilizar para obter «o melhor dos mundos».
A cada um dos elementos primordiais, Platão faz corresponder um poliedro
regular: o tetraedro (quatro faces) para o fogo, o cubo (seis faces) para a terra, o
octaedro (oito faces) para o ar e o icosaedro (vinte faces) para a água. «O
demiurgo pegou primeiro, para formar o universo, no fogo (tetraedros) e na terra
(cubos).» Depois, para prosseguir a sua obra, utilizou o quinto poliedro regular, o
dodecaedro: «O demiurgo serviu-se dele para concluir o desenho do universo.»
Platão levou muito longe a sua geometrização da constituição do universo. Na
verdade, ele observa que «qualquer superfície de formação retilínea é composta
por triângulos» e que «qualquer triângulo deriva de dois triângulos, em que cada
um tem um ângulo reto e os outros dois agudos» (cf. figura da página 23). Imagina
assim dois triângulos «origem» a partir dos quais os poliedros regulares podem
ser construídos. Em resumo, ele encontra «sob o átomo, as partículas».
Esta espantosa teoria, brevemente esboçada aqui, permite fazer «previsões»:
assim, a terra, cujos átomos são cubos (que podem construir-se a partir de
triângulos de tipo α), distingue-se dos três outros elementos cujos átomos são
feitos de triângulos de tipo β. Além disso, esta teoria torna a possível
transmutação: um átomo de água de vinte faces pode, por exemplo, cindir-se em
dois octaedros de ar (de oito faces cada um) mais um tetraedro de fogo (de quatro
faces).
Ingênua, esta teoria? Não tanto como parece. Em 1874, o francês Achille Le
Bel (1847-1930) e o holandês Jacobus Van't Hoff (1852-1911), que viria a ser o
primeiro laureado pelo Prêmio Nobel da Química (em 1901), representam o
átomo de carbono sob a forma... de um tetraedro regular, para esquematizar a
aptidão deste átomo para se ligar com quatro átomos mono- valentes, como na
molécula de metano (CH4).
Depois da sua estada na Academia de Platão, Aristóteles funda a sua própria
escola, o Liceu, abandona a teoria platônica dos átomos de formas geométricas e
retoma a teoria de Empédocles introduzindo-lhe uma modificação importante: dá
o nome de «elementos» às raízes de Empédocles e introduz a noção segundo a
qual esses elementos se opõem por qualidades fundamentais contrárias, umas
ativas, outras passivas: o calor, o frio, o seco e o húmido. Assim, «o fogo é
quente e seco; o ar (que é um vapor) é quente e húmido; a água é fria e húmida; a
terra é fria e seca».
Qualquer objeto na Terra - no mundo «sublunar» - está sujeito à mudança: os
corpos compõem-se e decompõem-se. O que se encontra no Céu, em oposição,
parece permanecer eternamente idêntico a si próprio. Outra diferença entre Céu e
Terra: o movimento natural dos corpos é retilíneo na Terra, circular no Céu.
Parece assim que o Céu, bem como os astros que contém, é feito de uma
substância diferente da presente no mundo sublunar - de um quinto elemento, a
«quinta» essência, matéria subtil, eterna e «incorruptível», a que São Tomás de
Aquino, no seguimento de Aristóteles, chamará o éter.


Gassendi: os átomos estão em toda a parte!

Saltemos uns séculos. Nascido em Champtercier, perto de Digne, na Haute-
Provence, Pierre Gassend, dito Gassendi (1592-1655), evidenciou, desde a sua
infância, a marca do gênio. Jovem, aprende de cor seis mil versos latinos e recita
por dia uns trezentos para reavivar a memória. Depois da morte de Richelieu, em
1642, cede às imposições dos seus superiores e vai para Paris para leccionar
Matemática no Colégio Real, o futuro Colégio de França. Amigo de Galileu e
contemporâneo de Descartes, empenha-se na missão de substituir a física de
Aristóteles, que considera obsoleta, por uma nova física fundada numa fusão da
ideia abderita com a mensagem bíblica. Ele afirma que os átomos, que para
Demócrito são não criados, detêm, na realidade, os seus atributos de Deus.
Postula com entusiasmo a existência de átomos luminosos, de átomos
aromáticos, de átomos sonoros, átomos de calor, átomos de frio... A forma destes
determina as suas propriedades sensíveis: pontiagudos, constituem as coisas
picantes; redondos, as coisas fluídas, etc. Numa palavra, os átomos estão em toda
a parte, «são os verdadeiros "princípios" sobre os quais o mundo é construído».
E não é tudo. No seguimento, Gassendi rejeita a doutrina dos quatro elementos
de Empédocles e das quatro qualidades de Aristóteles; ele postula, para a
substituir, a formação intermediária de associações de átomos: «A partir dos
átomos são primeiro formadas algumas moléculas diferentes entre si, que são as
sementes das coisas diferentes.»
Moléculas... A palavra está lançada. Entusiasmados com estes ensinamentos,
Ralph Cudworth e Walter Charleton ecoam-nos em Inglaterra. Robert Boyle
(1627-1691), um dos pais fundadores da Royal Society de Londres, põe-se à
escuta; adopta o atomismo de Gassendi e emite a opinião que o número de
substâncias primordiais deve ser maior do que quatro. Chega a sugerir que os
elementos proverbiais de Empédocles são na realidade... substâncias compostas.
Compostas, mas... de quê?
Secretamente, o maior alquimista do seu tempo, Isaac Newton (1642-1727)
publica, em 1704, o seu Tratado de Óptica, que Jean-Paul Marat (o amigo do
povo em pessoa!) traduz para francês em 1787. Nas últimas páginas da obra,
Newton entrega-se a especulações sobre a natureza da composição dos corpos:
«Todos os corpos parecem compostos de partículas duras: senão os fluidos não
congelariam, como a água, os óleos, o vinagre e o espírito de vitríolo o fazem
pelo frio, o mercúrio pelos fumos de chumbo, o espírito de nitro e de mercúrio
dissolvendo o mercúrio e evaporando o Fleuma.»
Quanto à luz: «Mesmo os raios [que a compõem] parecem ser corpos duros;
porque de outra forma não conservariam diferentes propriedades nos seus
diversos lados. E, consequentemente, a dureza pode ser reconhecida como a
propriedade [característica] de todos os corpos compostos.» O debate está bem
lançado. Faltava começar a fazer química - verdadeira química, fundada na
experimentação, na observação e na medida.

A via real da química

Antes de morrer debaixo do cutelo da guilhotina, Antoine Lavoisier (1743-
1794) prova que o ar é uma mistura de dois gases, que batiza de «oxigênio» e
«azoto», e demonstra a estrutura composta da água. Nem o ar, nem a água são
elementos! A teoria das quatro raízes de Empédocles desaba. Lavoisier declara:
«Qualquer substância que ainda não conseguimos decompor por nenhum meio é
para nós um elemento.» Ele define trinta e três, entre os quais a luz (porque não?).
Em 1792, Jeremias Richter publica a sua Stoichiometry. Em muitas reações
químicas, observa, vemos um composto AB, constituído por duas partes A e B,
combinar-se com um composto A'B', igualmente constituído por duas partes A' e
B', segundo a equação AB + A'B' = AB' + A'B. Daí conclui que as quantidades A
e A' por um lado, e B e B' por outro, sendo intercambiáveis, são portanto
«equivalentes».
Professor numa escola quaker em Manchester, John Dalton (1766-1844)
frequenta nos tempos vagos um cego, John Gough, filósofo da natureza, que lhe
ensina latim, grego, francês, matemática, astronomia e sobretudo... a arte da
observação (o próprio Dalton via, mas sofria de... daltonismo!).
Dalton interessa-se primeiro pela meteorologia, depois pelas misturas
gasosas, com o objec- tivo de estudar a absorção da água pelo ar. Adquire a
convicção de que os gases são fluidos elásticos constituídos por pequenos
corpúsculos, ou átomos, que se atraem e se repelem segundo leis de tipo
newtoniano, e chega à conclusão de que é preciso diferenciar os átomos dos gases
pelo seu peso. Inspirando-se nos trabalhos de Richter sobre os «equivalentes» de
que acabámos de falar, e nos de Joseph Proust (1754-1826) que os continuam
(1802), constrói uma tabela de pesos relativos dos elementos (em relação ao peso
do átomo de hidrogênio, que considera arbitrariamente igual a 1) baseada em três
hipóteses: os átomos são os constituintes últimos indivisíveis e indestrutíveis da
matéria; os átomos de um mesmo elemento são todos idênticos; as moléculas dos
corpos compostos são formados pelo conjunto de um número determinado de
átomos dos seus constituintes.


1808. Dalton publica o conjunto das suas descobertas no seu Novo Sistema
de Filosofia Química. Nele representa os átomos por pequenos círculos
ornamentados com sinais distintivos. Esses símbolos, que evocam os utilizados
pelos alquimistas, foram substituídos mais tarde pelos, mais cômodos e que ainda
hoje utilizamos, propostos pelo sueco Jöns Jacob Berzelius (1779-1848): H para
o hidrogênio, C para o carbono, O para o oxigênio...
Dalton não usa em sítio algum dos seus textos a palavra «molécula». Para ele,
tudo são «átomos»: ele fala do átomo da água, do átomo do amoníaco, etc. A
propósito do gás carbônico por exemplo, justifica assim a sua terminologia:
«Agora, embora este átomo possa ser dividido, ele deixa de ser ácido carbônico,
sendo decomposto em carbono e oxigênio. Não vejo assim nenhuma incoerência
ao falar de átomos compostos.»
Nenhuma incoerência, certamente, mas confusão que a palavra «molécula»,
utilizada hoje, evita. Os diagramas através dos quais Dalton representa as
moléculas estão baseados na sua concepção de «pesos equivalentes». Escreve
HO para a água, HN para o amoníaco, etc. Dalton engana-se nos detalhes mas,
como São João Baptista, abriu o caminho. Outros continuariam. Um deles, e não
dos menores, foi Louis Gay-Lussac.

Gay-Lussac e Avogadro

Continuando os trabalhos de Lavoisier e de Dalton, Louis Gay-Lussac (1778-
1850) estabelece com precisão, em 1805, a composição de um certo número de
substâncias gasosas. Anuncia que os elementos entram na composição dessas
substâncias em proporções que mantêm sempre relações simples entre si.
Professor de Química na Escola Politécnica meio século mais tarde, Jean-
Baptiste Dumas (1800-1884) conta o que sucedeu depois: «Quando Gay-Lussac
apresentou a sua bela lei sobre as combinações de gases [...], esperávamos vê-la
adoptada e desenvolvida [por Dalton] porque era uma sorte rara para um
inventor. Pois bem! nada disso! Dalton repudiou-a com uma espécie de desdém...
"Se, diz ele, esta lei é verdadeira, é uma tradução da minha. Vós chamais volume
ao que eu chamo átomo: eis a única diferença".»
As descobertas de Gay-Lussac escondiam no entanto uma dificuldade que iria
dividir os químicos durante muitos anos. «As observações de Gay-Lussac, diz-
nos Dumas, [sugeriam] que os gases contêm o mesmo número de átomos num
volume igual. É pois necessário explicarmos: na medida em que um volume de
cloro e um volume de hidrogênio produzem dois de ácido clorídrico... Por
conseguinte, é necessário que o átomo de cloro e o de hidrogênio possam dividir-
se em dois, para dar origem aos dois átomos de gás clorídrico.»
O italiano Amadeo di Quaregna e Ceretto Avogadro (1776-1856) resolvem o
enigma em 1811: tanto a molécula de hidrogênio, explica, como a de cloro gasoso
é um conjunto de dois átomos. Quando se combina o cloro com o hidrogênio
gasoso, temos então H2 + Cl2 = 2HCl, e não H + Cl = HCl. E é por isso que dois
volumes de ácido clorídrico são produzidos nesta reação. Note-se que para
Avogadro, em oposição a Dalton, tudo são «moléculas» - quer estas sejam
«integrantes» (para nós, átomos) quer «compostas» (para nós, moléculas).

Químicos em congresso

A 3 de Setembro de 1860, cento e quarenta químicos eminentes vindos dos
quatros cantos da Europa reuniram-se em congresso em Karlsruhe - trata-se do
primeiro congresso internacional da história da ciência. O seu objetivo: tentar
conciliar os pontos de vista divergentes a respeito do átomo (e das moléculas!)
que opunham os químicos uns aos outros. Na segunda sessão plenária, a 4 de
Setembro, o jovem químico August Kekule von Stradonitz (1829-1896), promotor
do congresso, põe as coisas nos seguintes termos: «Nas reações químicas existe
uma quantidade que entra e sai na mais pequena proporção e nunca numa fração
desta proporção. Essas quantidades [...] são as moléculas definidas
quimicamente. Mas essas quantidades não são indivisíveis, as reações químicas
conseguem cortá-las e dividi-las em partículas absolutamente indivisíveis. Essas
partículas são os átomos. Os elementos, quando se encontram livres, constituem
moléculas formadas por átomos. Assim a molécula de cloro é formada por dois
átomos.»
Com esta exposição lúcida (e profética), poderia pensar-se que o debate tinha
terminado. No entanto, ele vai durar ainda vários anos. O problema que subsiste é
o de aceitar ou não as duas hipóteses de Avogadro segundo as quais a molécula
de muitos gases é composta por dois átomos e o número de moléculas num gás
seria sempre o mesmo, num volume igual.
Charles Gerhardt (1816-1856) extrai das hipóteses de Avogadro uma
consequência que formula no seu Compêndio de Química Orgânica, em 1853: é
possível representar a molécula de cada substância através de uma fórmula que
exprime claramente «quantos átomos de cada espécie estão contidos na
molécula». A fórmula H2O por exemplo indica que a molécula de água contém
dois átomos de hidrogênio e um átomo de oxigênio - sem sugerir contudo, note-se,
um arranjo geométrico particular desses três átomos entre si.

Estrutura molecular e valência

Em 1853, o químico inglês Edward Frankland (1825-1899) apercebe-se de
que algumas combinações de átomos, os radicais (palavra forjada por Louis
Guyton de Morveau, colaborador e amigo de Lavoisier), formam, com os metais,
compostos cujas propriedades fazem lembrar singularmente as de alguns
compostos mais correntes. No seu livro Os Átomos, publicado em 1913 e que se
tornou um clássico, Jean Perrin (1870-1942), futuro Prêmio Nobel (1926) e futuro
fundador do palácio da Descoberta (em 1937), explica: «Quando dizemos que o
metano CH4 e o cloreto de metilo CH3Cl têm a mesma estrutura molecular,
supomos que o "radical" CH3 não foi modificado pela cloração e que se encontra
ligado ao átomo Cl [na molécula CH3Cl] como estava ao átomo H [na molécula
CH4], Diremos que o grupo CH3 do cloreto de metilo existe na molécula de
álcool metílico que se escreve CH3OH [em vez de CH40].»
Este importante avanço não resolve todos os problemas, no entanto: «Ainda
não conjecturámos nada, na verdade, sobre as forças que mantêm agregados os
átomos de uma molécula. Poderia acontecer que cada átomo desta molécula
estivesse ligado a cada um dos outros por uma atração variável consoante a sua
natureza e decrescendo rapidamente com a distância.» Mas Jean Perrin mostra
que esta hipótese é insustentável. «Se o átomo de hidrogênio é atraído pelo átomo
de hidrogênio, porque é que, pergunta ele, a única molécula construída a partir de
átomos de hidrogênio seria H2, de forma que a capacidade de combinação do
hidrogênio consigo próprio seja esgotada desde que dois átomos se encontrem
unidos?» E conclui que «tudo se passa [...] como se cada átomo de hidrogênio
estendesse uma mão, e uma só [e que] desde que esta mão agarrasse uma outra
mão, a capacidade de combinação do átomo se esgotasse». A noção de valência*
resulta diretamente desta análise. Consiste em admitir que numa molécula «os
átomos estão agregados por uma espécie de colchetes ou de mãos, cada ligação
unindo apenas dois átomos».
Este tipo de raciocínio, cuja subtilidade admiramos, permitiu aos químicos
elucidar a fórmula de constituição de moléculas. Jean Perrin dá-nos o exemplo do
ácido acético, cuja molécula é simultaneamente simples (contém apenas oito
átomos) e complicada: a sua fórmula de constituição «faz imediatamente lembrar
os diferentes papéis dos átomos de hidrogênio (três substituíveis por cloro, e o
quarto por um metal), dos átomos de oxigênio (sendo o grupo OH expulso na
formação do cloreto do ácido CH3COCl), e dos próprios átomos de carbono (a
ação de uma base KOH sobre um acetato CH3C02K divide a molécula em metano
e carbonato)».
Em resumo, a fórmula de constituição fornece-nos muito mais informações do
que a simples «fórmula molecular»; ao permitir-nos visualizar o papel que os
átomos que a compõem são capazes de desempenhar nas reações químicas, tem
um «poder de representação imenso no que respeita as reações possíveis do
composto».
Com esta observação, a representação esquemática das moléculas toma a sua
forma definitiva. Seria necessário ainda precisar a noção de valência: «Se todos
os átomos fossem monovalentes [como o átomo de hidrogênio], uma molécula não
poderia nunca conter um número de átomos diferente de dois: há no entanto
átomos polivalentes.» Seguramente! E um deles é o átomo de carbono.


Num grande número dos seus compostos, o átomo de carbono está quimicamente
ligado a quatro átomos, quer dizer é tetravalente. Para refletir este fato, Le Bel
representa-o por um tetraedro (a partícula do fogo de Platão!) com quatro pontas
nas quais se podem ligar outros átomos. A ideia não é tão bizarra como parece:
Linus Pauling, duas vezes Prêmio Nobel (em 1945 e em 1962), retoma-a e
melhora-a em 1963. Ele mostra como é que se podem ligar dois tetraedros um ao
outro para formar moléculas em que dois átomos de carbono estão ligados um ao
outro através de ligações simples, duplas ou triplas (c/. diagrama, p. 35).
Representamos hoje esses três tipos de ligações de maneira mais simples por
meio de símbolos.
Como todos sabem, o átomo de carbono entra na composição de um número
incalculável de moléculas, algumas das quais desempenham um papel
determinante nas funções da vida. Algumas contêm «anéis» alguns dos quais são
por vezes «contranatura». É o que se passa com a molécula chamada do
«cubano», com a fórmula C8H8, na qual oito átomos de carbono formam um cubo.
Esta molécula constitui um potente explosivo de tal forma lhe é difícil aguentar o
stress angular anormal (ângulos de 90s) imposto aos átomos que a compõem.



Eletricidade... no átomo

Fundamentalmente foi a contribuição em 1887, com 25 anos, do sueco Svante
Arrhenius (1859-1927), futuro diretor do Instituto Nobel de Estocolmo, Prêmio
Nobel da Química em 1903. Ele pergunta-se: quando se dissolve um pouco de sal
da cozinha em água, o que acontece aos átomos de sódio (Na) e de cloro (Cl) que
entram na composição desse sal? Tudo se passa, observa Arrhenius, como se -
pelo menos quando a solução é muito diluída - as moléculas NaCl se partissem
em átomos Na e Cl e «uma solução diluída de sal marinho não contivesse já
realmente sal, mas unicamente sódio e cloro no estado de átomos livres».
Átomos livres... Não é bem assim. A água salgada conduz a corrente eléctrica.
Para verificar este fato, Arrhenius supõe que os átomos libertados quando da
dissolução do sal são, não átomos, mas iões* carregados eletricamente, um
positivamente (o do sódio), o outro negativamente (o do cloro).
A teoria dos iões de Arrhenius tornou-se parte integrante da química com a
descoberta que todos os átomos ou grupos monovalentes de átomos transportam,
quando ficam livres sob a forma de iões, a mesma carga elementar e, positiva ou
negativa. Apoiando-se em considerações de natureza puramente química,
Arrhenius acabava de estabelecer a presença no átomo de «unidades elementares
de eletricidade», de «átomos de eletricidade», descoberta que os físicos iriam em
breve confirmar.


O poder misterioso do âmbar amarelo


O que há de mais confuso para o espírito
do que a história desse pequeno pedaço de
âmbar manifestando singelamente uma força
que está em toda a natureza, que é talvez toda a
natureza...
PAUL VALERY


Em Mileto, na Anatólia Ocidental, Tales, um dos Sete Sábios da Grécia
antiga, possui uma sabedoria tremenda: ele consegue conferir ao âmbar amarelo*,
esfregando-o, o poder de atrair os corpos leves, tal como palhinhas. Quando da
morte do sábio (de velhice, na altura dos Jogos Olímpicos de 548 a. C.), esse
conhecimento passa para os seus discípulos ao mesmo tempo que o nome dessa
consonância terrível do âmbar amarelo: elektron. Este termo vai dar a volta ao
mundo.
Os séculos passam. Nascido em Colchester, no Essex, William Gilbert (1544-
1603) estabelece-se em Londres como médico em 1573. Notado pela rainha
Elizabeth, prossegue sob a sua proteção pesquisas sobre o estranho poder do
elektron. Vinte séculos depois de Tales, descobre que as pedras preciosas - o
diamante, a safira, a ametista, a opala, o berilo - bem como o vidro, o enxofre e
ainda a goma-laca e o sal gema possuem, eles também, esse poder mágico.
Interroga-se sobre a natureza desse poder. Entretanto, dá-lhe um nome: chama-lhe
eletricidade.
Progressivamente, mas sem que seja hoje possível datar rigorosamente todas
as peripécias, estabelece-se no espírito dos filósofos a ideia de que existem na
natureza «fluidos» imponderáveis - a luz, o calórico (o calor), o magnetismo... -,
sede de fenômenos misteriosos. A eletricidade é um deles.
De Stephen Gray, falecido em Londres em 1736, ignoramos quase tudo. Mas
sabemos o que lhe devemos. Em 2 de Julho de 1729, ele estende uma corda com
oitenta pés de comprimento sobre fios de seda esticados horizontalmente;
seguidamente suspende muna das extremidades da corda uma bola de marfim e um
tubo de vidro na outra extremidade. Quando ele esfrega o tubo para o eletrizar, a
bola de marfim, na outra ponta da corda, eletriza-se também: ela atrai os corpos
leves da mesma forma que o âmbar amarelo. A eletricidade é pois transmissível.

Duas eletricidades!

Após a assinatura dos tratados de Utreque e de Rastadt em 1714, Charles
François de Cisternay Du Fay (1698-1739), então com 16 anos, deixa o exército -
com a patente de capitão! - para se dedicar ao estudo da ciência que lhe ensinou o
seu avô, apaixonado da química. Num dia de 1733, dirigindo-se o seu interesse
para a eletricidade, esfrega um tubo de vidro para o eletrizar e aproxima-o de
uma folha de ouro: a folha ergue-se e permanece suspensa no ar acima do tubo.
Quando aproxima dela um pedaço de copal esfregado, surpresa! a folha cola-se
ao copal sem que seja fácil separá-los.
O momento desta descoberta é um dos mais preciosos momentos da história
da ciência em que o gênio do homem faz oscilar repentinamente a nossa visão do
mundo. Para justificar aquilo que acaba de observar, Du Fay anuncia que existem
duas eletricidades opostas na natureza. Chama a uma a eletricidade «resinosa» e à
outra a eletricidade «vítrea».
1739. Seis anos depois da descoberta, Du Fay, com 41 anos, morre em Paris
de bexigas. As suas descobertas são imediatamente esquecidas. Tanto mais
depressa quanto...
Benjamin Franklin (1706-1790) encontra em Boston, em 1746, o doutor
Spencer. Saído pouco antes da sua Escócia natal, cercado de toda a espécie de
tubos de vidro e outros instrumentos com que demonstra os fenômenos eléctricos
que encantam os filósofos do continente (Voltaire é um deles). Franklin compra-
lhe os tubos, que leva para Filadélfia, onde está estabelecido (possui uma oficina
de impressão). No espaço de sete anos frutuosos, entrega-se a uma quantidade de
experiências e proclama uma teoria da eletricidade que se vai impor. Afirma que
existe apenas um fluido eléctrico, contido em todos os corpos em quantidade
igual. A eletrização fá-lo passar de um corpo para outro que passa a contê-lo em
excesso, enquanto o primeiro corpo tem a menos. Diremos que o segundo corpo
está eletrizado positivamente (contém excesso do fluido eléctrico), e que o
primeiro corpo está eletrizado negativamente (tem carência de fluido eléctrico).
A teoria de Franklin do fluido único está hoje abandonada, mas conservámos
as convenções que ele criou para designar a eletricidade - o que é lastimável,
porque um corpo carregado positivamente, à maneira de Franklin, contém um
excesso de eletrões carregados... negativamente, segundo a concepção moderna!

O âmbar amarelo dá o seu nome ao átomo de eletricidade resinosa

Em 1858, Julius Plücker (1801-1868) faz passar uma descarga eléctrica
através de um tubo contendo gás a baixa pressão - um gás «rarefeito». Observa
que o cátodo* emite raios que se deslocam em linha reta, «marcam a sua trajetória
através de uma fraca luminosidade do gás residual e excitam belas fluorescências
nas paredes de vidro com as quais chocam». Verifica, mais ainda, que esses raios
são desviados da sua trajetória quando aproxima um íman.
Em Londres, em 1879, sir William Crookes (1832-1919) repete melhorando-
as as experiências de Plücker. Exprime a ideia de que os raios catódicos são
descritos por «projéteis eletrizados negativamente, saídos do cátodo e que,
repelidos por ele, adquirem uma enorme velocidade».
Em França, em 1895, Jean Perrin, de quem já falámos, mostra que os raios
catódicos «introduzem com eles eletricidade negativa num recipiente metálico
completamente fechado» e que, além disso, uma campo eléctrico desvia a sua
trajetória - numa palavra, que são constituídos por corpúsculos. No ano seguinte,
faz uma outra descoberta: os raios X produzem, no gás que atravessam, iões
móveis que se recombinam rapidamente no mesmo sítio «mas que sob a ação de
um campo se movem em sentido inverso ao longo de linhas de força, até que
sejam parados por um condutor, que descarregam [...], ou por um isolante, que
carregam».
A estrutura granulosa da eletricidade clarifica-se. Faltava batizar como
«elétron*» o átomo de eletricidade negativa (resinosa), o que foi feito, em 1891,
por George Johnstone Stoney (1826-1911), um dos pioneiros da ideia de carga
eléctrica elementar.
É costume atribuir ao físico inglês Joseph John Thomson (1856-1940) a
descoberta do elétron. Na realidade, a contribuição de sir Joseph diz respeito a
outra coisa. Jean Perrin explicou-o bem: «Resulta dos belos trabalhos de sir
Thomson que o átomo da eletricidade, cuja existência acaba de ser estabelecida,
é um constituinte essencial da matéria.»
Sir Joseph descobriu de fato que (em velocidades fracas) a relação e/m da
carga com a massa daquilo a que chamava os «corpúsculos» eléctricos era a
mesma qualquer que fosse a origem dos corpúsculos. E concluiu: «Na medida em
que podemos produzi-los à custa de qualquer substância [...], esses elementos
materiais formam um constituinte universal comum a todos os átomos.» A que
Jean Perrin acrescenta: «Não podemos considerar um corpúsculo
independentemente da carga negativa que transporta: é inseparável desta carga; é
constituído por esta carga.» Faltava medir esta carga.
Foi o que fez Robert Millikan em 1909. Por meio de um ligeira corrente de ar,
leva uma gotinha de óleo carregada de eletricidade para a vizinhança de um
buraco de agulha feito na armadura superior de um condensador plano horizontal.
Uma vez posta a gotinha entre as armaduras do condensador, ele isola-a, ilumina-
a lateralmente e segue-a visualmente por meio de um visor, no centro do qual ela
lhe surge como «uma estrela brilhante em fundo negro». Por intermédio de um
campo eléctrico da ordem de quatro mil volts por centímetro, que compensa o
efeito da gravidade da gotinha, ele mantém-na no seu campo visual, «fazendo-a
subir sob a ação do campo, deixando-a descer suprimindo o campo, e assim
sucessivamente durante várias horas». Como a gotinha permanece idêntica a si
própria durante o tempo da experiência, a sua velocidade de queda retoma
sempre o mesmo valor constante v. Da mesma forma, o movimento de ascensão
faz-se a uma velocidade constante v', que permanece inalterada enquanto a
gotinha transportar a mesma carga e'. Mas Millikan verifica que, de vez em
quando, a velocidade de ascensão da gotinha muda bruscamente, tomando um
outro valor v", que ele mede cuidadosamente.
Qual a razão dessas variações de velocidade de ascensão? Esta velocidade
depende do número de cargas elementares que a gotinha transporta. De vez em
quando a gotinha perde ou ganha uma ou várias cargas. Quando isso se produz, a
carga total que transporta passou de maneira descontínua do valor e' para um
outro valor e". Ora, ao medir as velocidades de ascensão, é possível deduzir a
relação e'/e" das cargas transportadas graças à equação muito simples e'/e" = (v
+ v')/(v + v") ligando cargas e velocidades nessas experiências.
Millikan obtém para é /e” números que correspondem sempre a inteiros: 2, 4,
3, 2... com um erro de 1 por cento, em relação à aquisição ou à perda pela gotinha
de uma, por vezes duas cargas elementares. Jean Perrin constata: «Essas belas
observações de Millikan demonstraram de forma inteiramente rigorosa e direta a
estrutura atômica aceite para a eletricidade [negativa].»
E a eletricidade vítrea? Veremos no capítulo seguinte como ela iria, por sua
vez, ser «espantada para fora do seu esconderijo».

Um elétron suspenso no vácuo

1956. Hans Dehmelt chega à Universidade de Washington em Seattle com uma
ideia na cabeça: pretende, para o observar, isolar um elétron. Arranja uma «caixa
de Penning», no interior da qual são fixadas frente a frente duas placas metálicas,
faz o vácuo nessa caixa, carrega as placas negativamente e coloca o conjunto no
campo de um íman. Um bico metálico carregado negativamente, verdadeira «fonte
de eletrões», injeta eletrões na caixa. Pacientemente, em 1973, com a ajuda de
dois assistentes, Philip Ekstrom e David Wineland, Dehmelt faculta a saída da
caixa dos eletrões emboscados um a um... excepto um, o último, que mantém
preciosamente no interior da armadilha. Os três homens mantêm-no assim
suspenso no vácuo, rodando indefinidamente no campo do íman e manifestando a
sua presença através da emissão contínua de um sinal frequência de rádio. Eles
conseguirão mesmo, alguns anos mais tarde, agarrar na sua armadilha um
positrão*, elétron de antimatéria* ou elétron «a recuar no tempo».

Quatro grandes ideias da física


Se a minha vida é bastante cheia, é porque
verifico que não sei o que faço.
RICHARD FEYNMANN
Entrevista para Omni, 1979.


DEBRUÇAR-NOS-EMOS neste capítulo - separando-as do resto para sublinhar a sua
importância - sobre quatro ideias da física que se vão revelar essenciais para uma
boa compreensão da teoria moderna do átomo, que abordaremos em seguida.
Curiosamente, apesar da sua importância fundamental, essas ideias nem sempre
são apresentadas com a clareza que seria necessária nos nossas tratados de física.

O que é o movimento?

Em 1647, três anos antes da sua morte no frio castelo da rainha Cristina da
Suécia, então com 18 anos, René Descartes (1596-1650) publica a versão
francesa dos seus Princípios da Filosofia. No capítulo XXXVI da segunda parte,
escreve: «Na medida em que [Deus] moveu de várias maneiras diferentes as
partes da matéria, quando as criou, e as mantém todas da mesma forma e com as
mesmas leis que lhes atribuiu na sua criação, Ele conserva incessantemente
nesta matéria uma quantidade igual de movimento» (os itálicos são de Descartes).
O que Descartes aqui nos diz é revolucionário e constitui, na minha opinião,
uma das mais belas contribuições para a física: ele faz do movimento um igual da
matéria - o que aliás está de acordo com o pensamento de Demócrito, com as suas
ideias indivisíveis dotadas de ritmo. Mas Descartes via mais longe: ele explica
como calcular a «quantidade de movimento» transportada por um corpo que se
desloca à velocidade v. Cada parte desse corpo desloca-se ao mesmo tempo que
o corpo à velocidade v, ela contribui assim para o movimento de conjunto do
corpo através de uma quantidade de movimento igual a v. A quantidade de
movimento total transportada pelo corpo é pois igual a v + v + v +... = mv,
representando m o número de partes contidas no corpo - dizemos hoje a sua
massa. (Os tratados de física dizem habitualmente que a quantidade de movimento
é igual «ao produto da massa pela velocidade»; como é que «se multiplica» uma
massa por uma velocidade? Prefiro a definição operacional de Descartes.)
Grande viajante - como Demócrito e Descartes -, o filósofo, geómetra,
escritor brilhante, Pierre Louis Moreau de Maupertuis (1698-1759) formula, em
15 de Abril de 1744, perante os membros da Academia Real de Paris a
proposição que vai imortalizar o seu nome: «Quando um corpo é levado de um
ponto para outro, é necessária para isso uma certa ação [...]. A quantidade de
ação é tanto maior quanto maior for a velocidade do corpo, e o mais longo
caminho que percorre; ela é proporcional à soma dos espaços cada um deles
multiplicado pela velocidade com que o corpo o percorre.»
Soma das contribuições de cada uma das partes, a ação de um corpo que
percorre a distância l à velocidade v é portanto igual a vl + vl + vl +... = mvl, em
que m representa, como anteriormente, o número de partes contidas no corpo (a
sua massa). E como mv é igual à quantidade de movimento p transportada pelo
corpo, à moda de Descartes (ver atrás), a ação é assim igual a pl. Em resumo, ela
é, matematicamente falando, igual ao produto da quantidade de movimento pela
distância percorrida. Nada poderia ser mais simples.
Muito bem, diriam vocês. Mas para quê tudo isso? Aonde é que isto leva?
Ainda mais uns instantes, e tudo vai ocupar os seus lugares. Examinemos a nossa
terceira grande ideia.

Em busca das leis do absoluto

Em 1889, Max Karl Ernst Ludwig Planck (1858-1947), oriundo de Kiel, em
Holstein, foi nomeado professor de Física na Universidade de Berlim. A 7 de
Outubro de 1900, um domingo, ele recebe a visita do seu colega e amigo, o físico
Heinrich Rubens (1865-1922), professor no Physikalisch Technische
Reichsanstalt de Berlim, então um dos melhores laboratórios de física
experimental do mundo. Depois da partida de Rubens, Planck tem uma
«iluminação». Diz ao seu filho: «Acabo de ter uma ideia que poderá ser tão
importante como a da gravitação de Newton.» Transcreve a ideia para um postal
que nessa mesma tarde envia a Rubens.
O ponto de partida desta ideia é a «lei da irradiação do corpo negro»
conjecturada em 1858 pelo físico escocês Balfour Stewart (1828-1887) e
formulada mais precisamente em 1860 por Gustav Kirchhoff (1824-1887). Planck
exprimiu-a da seguinte forma: «Num recinto fechado [um forno] limitado por
paredes inteiramente refletoras, há um momento em que a radiação contida no
recipiente - com todas as suas propriedades incluindo a sua distribuição espectral
de energia - [depende] apenas e exclusivamente da temperatura.» Ele verificou
que esta lei da natureza exprimia um «absoluto» e, «tendo sempre considerado a
pesquisa do absoluto como o objetivo supremo de toda a atividade científica»,
meteu ardentemente as mãos à obra.
Comunica os seus primeiros trabalhos ao ilustre físico austríaco Ludwig
Boltzmann (1844-1906), fundador da mecânica estatística, que ele admirava
profundamente, submetendo-os à sua apreciação. Boltzmann respondeu-lhe que,
na sua opinião, nunca conseguiria construir uma teoria verdadeiramente
satisfatória da radiação do corpo negro sem introduzir nos processos de radiação
um elemento de descontinuidade ainda desconhecido.
Planck introduziu no seu cálculo uma determinada grandeza W e descobre
que, para a interpretar como convinha, «era necessário introduzir uma constante
universal» a que chamou h, acrescentando: «Como esta constante tinha as
dimensões de uma ação [...], dei-lhe o nome de quantum elementar de ação.»
Planck interrogou-se se não estaria a sonhar: «Ou toda a minha série de
deduções não passa de um simples artifício de cálculo [...]. Ou então o quantum
de ação representa qualquer coisa de insuspeito até aqui... destinado a
revolucionar um pensamento físico baseado na própria noção de continuidade.»
Entremos nos detalhes.
Poder-se-ia julgar que a ação de Maupertuis é uma grandeza contínua, quer
dizer, susceptível de tomar qualquer valor. Pois bem, não, diz-nos Max Planck!
Existe uma «mais pequena quantidade de ação possível», uma unidade, um
quantum de ação. E certo que, essa unidade, esse quantum é muito pequeno (à
nossa escala vulgar de grandezas) e é por isso que não a descobrimos mais cedo.
Mas existe, está realizada na natureza: qualquer ação é necessariamente um
múltiplo inteiro dessa unidade.
Uma vez compreendida, a ideia de Planck é verdadeiramente simples: tal
como existe uma unidade para os números inteiros (o número 1), existe uma
unidade para a ação, o quantum elementar, h. A ação para transportar um corpo
de um ponto para outro é igual a kh em geral, sendo k um número inteiro.
Como veremos mais em detalhe nos capítulos seguintes, esta noção tornou-se
a «alma» da física contemporânea, a que hoje chamamos a física quântica.
Teremos ocasião de regressar às relações entre a energia e a ação na segunda
parte deste livro. De momento, contentemo-nos com familiarizar-nos com a
descoberta de Planck: ela vai tornar-se rapidamente o tema chave do nosso estudo
do átomo. Vamos então à nossa quarta ideia.

Boy, man and genius. . .

A história de Lord Ernest Rutherford (1871-1937) é única nos anais da física.
Quarto de uma família de doze filhos nascidos de pais pouco endinheirados
emigrados na Nova Zelândia, recebe o Prêmio Nobel da Química em 1908, com
37 anos... embora não tivesse ainda iniciado a obra que respeita ao nosso assunto
e que vai imortalizar o seu nome! Exemplo surpreendente de um homem
glorificado pelos seus pares antes mesmo da sua hora de glória ter soado.
Em 1907, atrai a Manchester (pátria de Dalton), onde ensina, alunos
brilhantes. Dois de entre eles são Hans Geiger (1882-1945) e Ernest Marsden
(1889-1970). Em Maio de 1909, põe-nos a trabalhar: «Bombardeiem uma folha
de ouro com partículas alfa, pediu-lhes ele, e contem quantas partículas voltam na
vossa direção.»


Rutherford tinha anteriormente estabelecido que algumas substâncias
radioativas, como o rádon 222, emitem espontaneamente uma radiação potente, a
radiação alfa. Sabia também, desde 1908, que essa radiação era na realidade
constituída por partículas (de núcleos de átomos de hélio, descobrimos mais
tarde).
Uma semana depois, Marsden, que tinha apenas 20 anos, encontra Rutherford
na escada: «Sir! – Yes?..» Marsden conta a Rutherford que em média uma
partícula alfa em cada oito mil retorna para ele. Rutherford diria mais tarde: «Foi
o momento mais extraordinário da minha vida. Era como se bombardeassem uma
folha de papel com obuses de quarenta milímetros e alguns deles ricocheteassem
para si!»
Refletiu: se as partículas fizeram ricochete, é porque encontraram na folha de
papel de ouro qualquer coisa de muito duro..., e muito pequeno porque, em média,
só uma partícula em cada oito mil é que saltou...
Retomando a ideia avançada alguns anos antes por Jean Perrin e pelo japonês
Hantaro Nagaoka (1865-1950), formula então esta hipótese: o átomo consiste num
núcleo em torno do qual giram eletrões. Os eletrões são leves, os núcleos são
pesados. É batendo nestes núcleos duros e minúsculos, que as partículas alfa
ricocheteiam nas experiências descritas atrás. E mais, os eletrões transportam
eletricidade resinosa (negativa), os núcleos a eletricidade vítrea (positiva). A
própria eletricidade positiva é granulosa (quer dizer, transportada sob a forma de
«cargas elementares»).
A 7 de Março de 1911, Rutherford, a quem os seus colaboradores chamavam
afetuosamente boy, man and genius, apresenta o seu modelo de átomo perante
uma audiência petrificada. O átomo moderno nasceu. Era preciso agora tentar
explicar o mecanismo de funcionamento íntimo - em suma, torná-lo o «átomo dos
físicos».

O átomo dos físicos


Segundo Filolaos, o Número é o elo todo-poderoso
e gerado por si que une eternamente os objetos do mundo.
JÂMBLICO


Para Ecfanto, pitagórico lendário que terá sido contemporâneo de Demócrito, a
unidade (o «1»), longe de ser uma simples abstração, é uma partícula que tem
espessura e consistência. Partindo desta hipótese, Ecfanto constrói uma
verdadeira «teologia aritmética» segundo a qual a mónada (o «1») e a díade
indefinida (o «2», substrato material da mónada que é causa) geram números —
que geram os pontos, que geram as linhas, que geram as superfícies, que geram as
figuras a três dimensões, que geram os corpos sensíveis..., construídos a partir
dos elementos de Empédocles, a terra, a água, o ar e o fogo. (Sucessor de
Ecfanto, Filolaos de Tarento foi o primeiro a identificar os elementos com os
poliedros regulares, tese retomada por Platão e já evocada na p. 21).


A ideia de que o número pode desempenhar um papel fundamental no
funcionamento da natureza em geral e no do átomo em particular impôs-se por si
com a descoberta dos espectros* atômicos.
Paris, 1627. René Descartes examina a luz do Sol através de um prisma.
Observa que à saída do prisma os raios, «ao serem conduzidos para um pano ou
papel branco, pintam nele todas as cores do arco-íris».
Cambridge, 1666. Isaac Newton aperfeiçoa a experiência de Descartes e dá o
nome de «espectro» (spectrum) à imagem colorida produzida à saída do prisma.


Universidade de Heidelberg, no Neckar, século XIX. Robert Bunsen (1811-
1899) inventa o seu célebre bico de Bunsen cuja chama é incolor. Gustav
Kirchhoff coloca sobre esta chama uma pequena quantidade de diversas
substâncias. A chama toma-se imediatamente colorida. Aquilo que ele vê vai
revolucionar a física (e a química): diferente de uma substância para outra, o
espectro constitui uma verdadeira «assinatura de identificação» da substância
considerada.
1859. Julius Plücker e Anders Angström (1814-1874) estudam o espectro do
hidrogênio por meio de um espectrógrafo no qual a luz a examinar passa por uma
fenda estreita antes de atravessar o prisma, produzindo um espectro composto por
uma série de riscas* distintas (sendo cada risca uma imagem da fenda). Angstrõm
identifica e mede cuidadosamente a posição de quatro riscas desse espectro.

A fórmula de Balmer

Basiléia, 1885. Modesto professor de Matemática numa escola feminina - e
pitagórico convicto -, Johann Jakob Balmer (1825-1898) examina com atenção os
números de onda das quatro riscas de hidrogênio publicadas por Angström. Esses
números não têm a priori nada de comum entre si: 15233, 20565, 23032 e 24373.
Persuadido, contudo, de que eles encerram um segredo da natureza e que o
«mundo, a arte e a natureza formam um enorme todo harmonioso que se pode
explicar através de combinações apropriadas de números inteiros», Balmer
dedica-se a tentar descobrir uma fórmula que ligue esses quatro números, entre si,
de maneira simples. Encontra uma, que publica imediatamente numa revista
científica local.
A fórmula de Balmer tem qualquer coisa de fundamental, de elegante, de
incontornável. Dado o papel que ela vai desempenhar na continuação da nossa
história, reproduzimo-la em todo o seu esplendor no diagrama da p. 55. Ela não é
mais do a «ponta do iceberg». Ao publicar a sua fórmula, Balmer mostra-a a um
professor de física da universidade de Basiléia. Este surpreende-se: o quê, não
sabia? Desde os seus últimos trabalhos, «eles» identificaram não quatro, mas
dezesseis riscas do espectro de hidrogênio. Balmer mete-se febrilmente ao
trabalho. Milagre! A sua fórmula explica com precisão o conjunto das dezesseis
riscas. E não é tudo!
Com 20 anos, à data da morte de Balmer, Walter Ritz (1878-1909) faz em
1908 uma descoberta surpreendente. Ele anuncia: as riscas de um dado espectro
formam uma «confusão»: aparentemente inextricável, e no entanto é possível
agrupá-las em várias «famílias» ou «séries» distintas, cada uma delas facilmente
identificável e representável, à maneira de Balmer, pela diferença de dois termos
cada um deles dependente de um número inteiro.
Esta hipótese recebe uma confirmação incontestável no próprio ano da sua
formulação com a descoberta por Friedrich Paschen (1865-1947), em Tübingen,
de uma série até aí desconhecida de riscas do espectro de hidrogênio
correspondentes à fórmula balmeriana V = R(l/32 - 1/n2), e a descoberta, por
Theodor Lyman (1874-1954) em Harvard, pouco tempo depois, de uma outra
série correspondendo esta a V= R(l/12 - 1/n2).
Essas duas séries tinham até aí escapado à atenção geral porque
correspondiam a riscas situadas, umas, na região infravermelha do espectro, e
outras, na região ultravioleta.
Admiremos ainda aqui a maravilhosa presciência da visão pitagórica do
mundo: do cosmos ao átomo, os números governam o universo.

Entremos no átomo

As ideias de Balmer e de Ritz intrigavam muito os físicos, mas estes tinham
outras preocupações mais urgentes do que a de explicar o seu sucesso. Porque é
que, perguntavam-se eles, os elétrons no átomo não «caem» para o núcleo? Em
princípio isso deveria acontecer, devido tanto ao seu peso (atração
gravitacional), como à atração eléctrica exercida pelo núcleo — uma razão ainda
mais forte. Alguma coisa, com toda a evidência, o impede. Mas o quê?
Estudante na universidade de Viena em 1910, Arthur Haas (1884-1941) tenta
responder a esta questão. Ele imagina um elétron a oscilar no interior do átomo e
considera que esta oscilação corresponda precisamente a um quantum de ação
de Planck. Deduz deste modelo rudimentar um «raio» para o seu átomo igual a
cerca de 0,55 x 10"7 milímetros. Resultado notável: pela primeira vez, um cálculo
teórico permitiu atribuir uma «dimensão» (plausível) ao átomo.
(Infelizmente para Haas, como só se empresta aos ricos, o seu raio é hoje
conhecido pelo nome de... «raio de Bohr».)
Dois anos mais tarde, em Cambridge, John Nicholson (1881-1955) retoma a
ideia de Haas sob uma forma aperfeiçoada: imagina um elétron de massa m
girando à velocidade v numa órbita circular no interior do átomo, e considera que
a ação para completar uma órbita seja igual a um número inteiro de quanta, esta
ação calcula-se facilmente: se o raio da órbita for r, a distância do caminho
percorrido no fim de uma volta é 2Πr e a ação é pois igual a 2Πrmv. Nicholson
estipula então 2Πrmv = kh, sendo k inteiro.
Convencionou-se chamar «momento angular» do elétron e designa-se pela
letra L a expressão rmv. O resultado de Nicholson escreve-se então L = kh/2Π (k
inteiro). E o mesmo que dizer que, no átomo, o momento angular do elétron está
«quantificado». Já não dizemos hoje que «os elétrons giram em órbitas circulares
no interior dos átomos», mas continuamos a dizer que o seu momento angular está
quantificado.

Os saltos quânticos

17 de Julho de 1912. O maior matemático do seu tempo (um dos maiores
matemáticos de todos os tempos), Henri Poincaré (nascido em 1854), morre em
sua casa, na rua Gay-Lussac em Paris. Numa série de artigos publicados sob a
forma de livro depois da sua morte, escreve: «É preciso explicar as leis tão
curiosas da repartição das riscas no espectro. Segundo os trabalhos de Balmer, de
Runge, de Kaiser, de Rydberg, essas riscas repartem-se em séries e em cada série
obedecem a leis muito simples.» Ele lança as bases de uma explicação: «Da
mesma forma que uma corda vibrante tem uma infinidade de graus de liberdade, o
que lhe permite dar uma infinidade de sons cujas frequências são múltiplas da
frequência fundamental, [...] não poderia o átomo dar, por razões idênticas, uma
infinidade de luzes diferentes?»
Mas aponta uma dificuldade: «Segundo as leis espectroscópicas
[contrariamente ao que se passa com a corda vibrante], a frequência não se torna
infinita para as harmônicas de grau infinitamente elevado.» (De fato, em cada
série, a frequência tende para um limite.) Assim, diz-nos Poincaré, «a ideia tem
que ser modificada ou abandonada». E constata: «Até aqui resistiu a todas as
tentativas, recusou adaptar-se.»
Poincaré utiliza então uma ideia curiosa proposta por Ritz, pouco tempo antes
da sua morte, para explicar esta «anomalia» aparente: «[Ritz representa] o átomo
vibrante como formado por um elétron girando e vários magnetões* postos topo a
topo. Não é a atração electrostática dos elétrons que regula os comprimentos de
onda, é o campo magnético criado pelos magnetões.» Voltaremos a encontrar esta
ideia - sob uma outra forma - na segunda parte deste livro.
Num segundo artigo, intitulado «A hipótese dos quanta», Poincaré afirma:
«Um sistema físico [como, por exemplo, um átomo] não é susceptível senão
de um número finito de estados distintos; ele salta de um desses estados para
outro sem passar por uma série contínua de estados intermédios» (os itálicos
são de Poincaré).
Detenhamo-nos um instante sobre este texto, ato fundador da teoria moderna
do átomo. Que se entende por um «estado» do átomo? A teoria de Nicholson
explica-o. Tomemos o exemplo mais simples, o do átomo de hidrogênio, que
contém apenas um elétron. Segundo Nicholson, este elétron encontra-se numa
órbita correspondente a um número inteiro de quanta de ação. Esse número inteiro
- esse número quântico - define um estado do elétron e, mais geralmente, um
estado do átomo. (Para um átomo com vários elétrons, a definição será mais
complexa, mas é da mesma ordem. Voltaremos a falar nisso.)
Debrucemo-nos agora sobre a segunda parte do texto de Poincaré. Como é
que o átomo passa de um estado para o outro? Segundo Poincaré, efetuando
«saltos» (dizemos hoje saltos quânticos). Muito bem, mas como é que - e porquê -
o átomo efetua esses saltos? Nunca saberemos como é que Poincaré, se estivesse
vivo, responderia a esta pergunta. Sabemos unicamente o que outros, na sua
esteira, concluíram.
Setembro de 1911: Niels Bohr (1885-1962), que acaba de defender a sua tese
de doutoramento na Universidade de Copenhagen, chega à casa de sir Joseph, em
Cambridge, para uma estada de estudo de quatro meses. Nicholson explica-lhe a
sua ideia a respeito da quantificação do momento angular do elétron no átomo.
Bohr não ficou impressionado (di-lo-á mais tarde), em parte porque Nicholson
tinha aplicado a sua teoria a um átomo hipotético, baptizado por nebulium
porque se pensava que estava presente nas nebulosas; sabemos hoje que se tratava
na realidade de um ião do átomo de oxigênio.
Fevereiro de 1913. Bohr empreende a redação de um longo artigo sobre o
átomo. Hans Marius Hansen (1886-1956), especialista de espectros- copia,
pergunta-lhe: «Será que o seu artigo explicará a fórmula?» Bohr sobressalta-se. A
fórmula? Que fórmula? Bohr inicia-se então na fórmula de Balmer de que falámos
- contra todas as expectativas, ele, o especialista em potência do átomo, não a
conhecia. É uma paixão. Bohr apercebe-se de que a fórmula de Balmer contém
uma teoria implícita do átomo e que, para compreender o átomo, é preciso tentar
compreender o que esta fórmula tenta dizer.

Como funciona um átomo?

Tentemos decifrar por nosso lado a fórmula codificada de Balmer. Ela
exprime a frequência da radiação do átomo sob a forma de uma diferença entre
dois termos. Separemos esses dois termos e multipliquemo-los por h, e
obteremos hv = Rh/22 - Rh/n2. Segundo Poincaré, admitamos que cada um dos
termos da nossa equação representa um estado distinto do átomo e admitamos que
o átomo efetua um salto quântico - «salto de um estado para outro» - quando emite
(ou absorve) a radiação. Admitamos que tudo isso seja verdade. Que representam
então Rh/22 e Rh/n2 precisamente? Os tratados de física respondem: «A energia
do átomo antes e depois do salto.»
O que é que se passa na realidade? Temos, à partida, um núcleo e um elétron
livres; cada um deles tem a sua energia própria, sendo a energia do conjunto a
soma das duas. O elétron entra no campo do núcleo e forma com ele um átomo.
Esse processo é acompanhado de uma perda de energia. E esta perda de energia
que os nossos termos representam.
Teoria subtil do átomo, a fórmula de Balmer permite-nos seguir a variação da
energia quando o núcleo e o elétron se unem para formar um estado quântico
estacionário.
Construído com o objetivo confessado de «reproduzir» a fórmula de Balmer -
ela mesma magicada para explicar o espectro de hidrogênio -, o «átomo de Bohr»
incorpora ao modelo de Nicholson (um elétron a girar numa órbita circular com
um momento angular quantificado) a ideia dos saltos quânticos de Poincaré e as
considerações sobre a radiação que acabámos de apresentar. Na sua obra sobre o
átomo publicada recentemente, Bernard Pullmann conta que o sucesso das
proposições de Bohr «foi grande, e tanto mais particular quanto se baseava
apenas em intuições geniais, fundadas, é certo, em profundas reflexões.» Da parte
de Bohr, ou da parte de Haas, de Nicholson, de Poincaré e de quem mais? Mas
isso é outra história. Voltemos ao átomo.

Quantos elétrons tem um átomo?

Quando se submete um átomo à ação de raios X, esses raios ejetam um elétron
do interior do átomo; um segundo elétron toma imediatamente o lugar do elétron
ejetado. A transição é acompanhada - e portanto manifesta-se - pela emissão de
um raio X secundário, perfeitamente assinalável.
Cambridge, 1913. Trabalhando dia e noite «a uma velocidade espantosa e
[com] um excesso de energia característica da sua personalidade», Henry
Moseley (1887-1915) mede o raio secundário emitido pelos átomos de todos os
elementos que consegue apanhar. Descobre que o comprimento de onda de uma
das riscas do espectro secundário - a risca que os especialistas chamam a Ka -
varia de um elemento para outro de acordo com uma fórmula muito simples do
tipo da de Balmer, tendo a vantagem, além disso, de depender explicitamente do
número de elétrons presentes no átomo.
Admiremos o extraordinário talento de Moseley, que, de repente, se põe a
contar os elétrons no interior do átomo e nos revela um dos grandes segredos da
natureza, até aí bem guardado. Curiosamente, com base nos resultados obtidos, sir
Joseph emite primeiro a opinião de que convém agrupar os elementos em duas
famílias, «os membros sucessivos em cada família progredindo pela adição de
uma unidade comum, embora os membros de uma família não possam converter-
se nos de outra pela adição ou subtração desta unidade». Sir Joseph mudará de
opinião: os melhores físicos sucumbem por vezes (provisoriamente) a miragens.

Números quânticos

Munique, 1916. Arnold Sommerfeld (1868-1951), também ele pitagórico do
fundo da alma, questiona-se: por que é que o elétron do átomo de hidrogênio seria
obrigado a girar em órbitas circulares? Por que é que ele não poderia em vez
disso girar em órbitas elípticas?
Tal como Cristóvão Colombo ao descobrir a América pensando estar a chegar
às índias, Sommerfeld constrói um novo modelo do átomo que o leva para bem
longe do próprio modelo, para terras inexploradas da física atômica nascente. O
modelo «ingênuo» do átomo desenvolvido por Haas e depois por Nicholson
levava a definir um número quântico k, precisando o número de unidades de ação
para uma volta do elétron na sua órbita. Sommerfeld introduz dois números
quânticos que lhe permitem quantificar o movimento em função dos dois eixos das
suas elipses.
As elipses de Sommerfeld «evaporaram-se» mais tarde da física, mas os
números quânticos que as sustentam permaneceram. Parte integrante das terras
novas descobertas pelo genial muniquense, estão no centro da física moderna do
átomo. Tentemos por um instante avaliar o seu significado mais profundo.
Seguiremos, com este objetivo, algumas etapas do raciocínio utilizado por
Sommerfeld para obter os seus resultados. A ideia de Sommerfeld equivale a
dizer que os dois eixos a e b da elipse que constitui, segundo ele, a órbita do
elétron devem ter entre si uma relação igual à de dois números inteiros, n e k,
segundo a equação a/b = n / k . Como numa elipse o eixo menor b é no máximo
igual ao eixo maior a (caso em que elipse se torna um círculo), k é pois, no
máximo, igual a n .
Para verificar alguns pormenores do espectro do hidrogênio chamados de
«estrutura fina» que as teorias de Haas, de Nicholson e de Bohr tinham ignorado,
Sommerfeld considera k = l + 1 e introduz no seu modelo um terceiro número
quântico m que pode tomar os valores inteiros compreendidos entre - l e + l ; e
depois... um quarto número quântico de que falaremos mais à frente.
Muito bem, dirá você, mas o que é exatamente um número quântico? Por que é
que são necessários quatro para designar os estados do elétron no átomo? Trata-
se aqui, na minha opinião, de um mistério ainda bem escondido da natureza.
Examinemos a coisa de mais perto.
O que é um número quântico? Com um único número quântico, era fácil dizer
que ele media a ação. Com quatro números quânticos, põe-se a seguinte questão:
por que é que é preciso quantificar quatro vezes a ação?
Em quatro «direções» diferentes, diria você. É efetivamente o que parece
acontecer. Admite-se geralmente que os números / em quantificam uma «rotação»
electrónica no átomo (do tipo da concebida inicialmente por Nicholson). O
número quântico «principal» n , em contrapartida, parece quantificar uma ação
que nada tem a ver com uma rotação. Quanto ao quarto número... falaremos dele
dentro em pouco (c/. também p. 69 e 106).
Tudo isto permanece muito misterioso, reconhecemos, a menos que nos
limitemos a aceitar os resultados sem procurar compreendê-los. É a atitude de
muitos físicos hoje, para quem a física pode - deve - dispensar interpretações de
fenômenos além das de natureza puramente matemática.
E de fato verdade que, repito, os números quânticos se referem, todos e
sempre, à medição de uma ação. Veremos mais detalhadamente na segunda parte
deste livro por que é que esta questão se mantém tão apaixonante e... fundamental.

... e números mágicos

Munique, 1916. Um ano depois da morte de Moseley, a 10 de Agosto de 1915,
na batalha de Suvla Bay, na Crimeia, Walther Kossel (1888-1956), aluno de
Sommerfeld, procura alargar as teorias do seu mestre aos átomos com vários
elétrons. Concebe um modelo tridimensional (Bohr nesta altura imagina os átomos
como sendo «planos», de que os elétrons giravam em órbitas circulares
concêntricas). Depois, anotando o fato de os átomos dos gases raros (também
chamados gases nobres) - hélio, néon, árgon... - intervirem dificilmente em
reações químicas, avança a ideia de que, no átomo, os elétrons ocupam camadas
concêntricas (tridimensionais), não podendo cada uma delas receber senão um
número máximo de elétrons, e não sendo esse número necessariamente igual de
uma camada para a outra: 2 para a camada mais próxima do núcleo, designada
pela letra K; 8 para a segunda camada, designada pela letra L; 8 para a terceira
camada, designada pela letra M, etc. Quando num átomo as camadas ocupadas
estão saturadas, quer dizer, contêm o número máximo de elétrons que podem
receber, o átomo forma um pequeno sistema fechado particularmente estável e
pouco propenso a ganhar ou perder elétrons. Pelo contrário, quando uma das
camadas está incompleta, o átomo tem capacidade de captar — ou de perder,
conforme o caso — um elétron para atingir uma configuração estável.
2, 10, 18..., a lista dos números correspondentes a átomos particularmente
estáveis ia em breve crescer com muitos números suplementares (36, 54, 86)
correspondentes aos átomos de crípton, xénon e rádon, também gases raros,
descobertos recentemente. Mas porquê esses números? Porquê estes e não outros?
«Explicá-los» - como se tinha «explicado» a fórmula de Balmer - tornava-se o
problema número um da física atômica nascente.

O spin do elétron

Passam-se coisas interessantes no átomo quando o submetemos à ação de um
campo magnético (efeito Zeeman) ou de um campo eléctrico (efeito Stark). Esses
efeitos manifestam-se nomeadamente por uma modificação da aparência do
espectro. O estudo dessas modificações no caso do hidrogênio levou Sommerfeld
a incluir um quarto número quântico na sua teoria. Ele tinha introduzido os três
primeiros a partir de considerações puramente geométricas: formas e orientações
espaciais de órbitas electrónicas. Para explicar o efeito de Zeeman, descoberto
por Pieter Zeeman (1865-1943) em Leyde em 1896, Sommerfeld postula a
existência de uma «rotação escondida» do elétron no interior do átomo -
rotação de um tipo diferente do considerado para a descrita por l e m .
1923. Virtuoso nestas coisas, Alfred Landé (1888-1975) aperfeiçoa a hipótese
de Sommerfeld postulando que, contrariamente aos outros números quânticos, o
novo número só poderia tomar valores semi-inteiros: 1/2, 3/2, etc. Perante estas
brilhantes penetrações intuitivas, Wolfgang Pauli (1900-1958), então com 23
anos, insurge-se: «Sommerfeld tenta livrar-se das dificuldades... seguindo a sua
convicção íntima da harmonia da natureza.»
Hamburgo, 1924. Pauli mostra o seu jogo: há realmente uma rotação
escondida no átomo, afirma, e esta rotação corresponde na verdade a valores
semi-inteiros, mas não é atribuível a um movimento do elétron no átomo;
corresponde a uma «rotação intrínseca» do elétron sobre si próprio,
correspondendo aos dois valores semi-inteiros +1/2 e -1/2.
Janeiro de 1925. O jovem americano Ralph de Laer Kronig, durante uma
deslocação de estudo à Europa, chega a Copenhagen com uma ideia brilhante na
cabeça, que explica a Kramers, assistente de Bohr. Pauli, que assiste à conversa,
ridiculariza a sugestão: «E uma ideia brilhante, que nada tem, evidentemente, a
ver com a realidade!» Kronig guarda a ideia para si.
20 de Novembro de 1925. Estudantes na Universidade de Leyde, George
Uhlenbeck (1900-1988) e Samuel Goudsmit (1902-1978) publicam um artigo em
que anunciam que o elétron é animado de um movimento intrínseco de rotação
susceptível de duas orientações quando o elétron se encontra colocado no campo
de um íman. Em Nova Iorque, Kronig toma conhecimento da novidade; escreve a
Kramers: «De futuro terei confiança no meu próprio juízo e menos no dos outros.»
Informado, Bohr exprime a Kronig «a sua consternação e as suas profundas
desculpas». Kronig responde-lhe: «Não me queixei [...] senão para fustigar os
físicos do tipo «pregador» que estão sempre tão seguros de si e enfatuados com
as suas próprias opiniões.» Magnanimamente, Uhlenbeck devia declarar em 1976:
«Não há qualquer dúvida de que Kronig tinha antecipado o essencial da nossa
ideia.»
Aqui está esta ideia: o elétron possui um spin*. Encontra-se - eternamente! -
em «rotação em torno de si próprio» com uma velocidade correspondente a...
metade de uma unidade de ação. Metade de uma unidade de ação? Veremos na
segunda parte desta obra como é que se pode compreender esta aparente
anomalia.

Três trovões abalam a física...

Paris, 1923. Persuadido de que o elétron possui uma «fase interna», uma
espécie de pequeno relógio elementar que o acompanha nas suas deslocações,
Louis de Broglie (1892-1987) supõe que «quando um elétron descreve uma órbita
em torno do núcleo no átomo de hidrogênio, a sua «fase interna» [...] varia de um
número inteiro de períodos durante cada volta na órbita», razão pela qual, pensa,
«a órbita seria instável».
A hipótese não dá imediatamente o resultado esperado. De Broglie modifica-
a. «Fez-se então uma enorme luz no meu espírito», diria mais tarde; ele imagina
que o elétron é uma partícula acompanhada de uma onda e obtém o seguinte
resultado: «Se o elétron descreve a órbita partindo de um ponto qualquer [...],
sendo a órbita fechada (por exemplo circular) e indo a onda mais depressa do que
a partícula, ela apanhará esta»; mas o elétron será estável na sua órbita «se a onda
o apanhar entrando em fase com ele», explicando assim o papel desempenhado
pelos números inteiros no átomo. Assim nasceu, com um toque de varinha mágica,
a mecânica ondulatória de Louis de Broglie. Fez sensação, mas não por muito
tempo, porque entretanto...
Ilha de Helgoland, mar do Norte, 7 de Junho de 1925. Werner Heisenberg
(1901-1976), então com 23 anos, tenta desenvencilhar-se de uma severa crise de
asma que o oprime durante várias semanas. Sentado numa rocha às 3 horas da
manhã, contempla o mar e recorda o poema de Goethe, West-Östlicher Divan. E
então que, de repente... De volta a Göttingen, redige um artigo que confia a 9 de
Julho ao físico Max Bom (1882-1970), não ousando, diz-lhe, submetê-lo a uma
revista científica séria de tal forma era «extravagante». Ao ler o artigo, Born
descobre que Heisenberg utilizou, para explicar o átomo, uma técnica bizarra que
lhe faz no entanto lembrar qualquer coisa: assemelha-se à técnica matemática
obscura chamada «cálculo matricial». Auxiliado pelo seu aluno Pascual Jordan
(1902-1980), Born torna o artigo «inteligível» e envia-o à revista Zeitschrift für
Physik, que o publica.
Zurique, Novembro de 1925. O austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961)
toma conhecimento do artigo de Heisenberg e sobretudo da tese de doutoramento
de De Broglie, defendida na Sorbone no ano anterior. A tese é impressionante.
«Os números inteiros intervém em mecânica ondulatória da mesma forma natural
com que os nodos intervêm na teoria das cordas vibrantes». (cf. diagrama p. 74).
Schrödinger aperfeiçoa então a equação que vai ser a sua glória e... subverter
tudo. Ele mostra que esta equação, equivalente à teoria proposta por Heisenberg,
resume todos os resultados conhecidos até aí a respeito do átomo, incluindo, bem
entendido, a incontornável fórmula de Balmer! Adeus mecânica ondulatória...,
bom dia mecânica quântica!
Vimos que, para de Broglie, o elétron é acompanhado de uma onda cuja fase é
o elemento importante (é por permanecer em fase com a sua onda que o elétron
segue um movimento particular - um movimento quantificado). Schrödinger
adopta a ideia da onda mas faz ressaltar a sua amplitude. É preciso, diz ele, que a
amplitude se anule onde o elétron não pode ir, por exemplo no infinito. Ao
obrigar a onda a ter «nodos» (pontos onde a sua amplitude se anula), essas
«condições nos limites» introduzem a quantificação na teoria: o número de nodos
torna-se um número quântico.
Teoria espantosa que, em prejuízo de Louis de Broglie, teve nomeadamente o
efeito de relegar a fase de onda para a secção dos objetos esquecidos. Foi
preciso esperar... a publicação da presente obra para que alguém - sem ser o
próprio de Broglie - tentasse restituir à fase o seu papel, como veremos com mais
pormenor na segunda parte do livro.


Voltemos brevemente atrás. Perguntámo-nos (cf. p. 67) porque é que eram
necessários quatro números quânticos para quantificar a ação no átomo. Juntos, o
espaço e o tempo constituem o espaço-tempo a quatro dimensões da relatividade -
quatro dimensões, portanto quatro direções para quantificar a ação. Delibera-
damente construída na base de quatro componentes, a equação inventada por Paul
Dirac (1902-1984) em 1928 para satisfazer as exigências da relatividade introduz
diretamente no modelo os quatro números quânticos (entre eles o correspondente
aos valores semi-inteiros do spirt). Esse resultado justifica, sem no entanto
explicar completamente, porque é que são necessários quatro (em vez de três)
números quânticos para quantificar a ação no átomo.

... depois um relâmpago ilumina o céu

Princeton, Estados Unidos, 1941. Estudante americano de origem russa,
Richard Feynman (1918-1988), então também com 23 anos, vai à Nassau Tavern
para aí beber tranquilamente uma cerveja. Em visita a Princeton, o professor
Herbert Jehle, um antigo colaborador de Schrödinger em Berlim, senta-se à mesa.
Feynman pergunta-lhe se ele sabe utilizar o conceito de ação em mecânica
quântica. Jehle responde que não, mas que Dirac (herói de Feynman!) tinha
publicado um artigo sobre esse assunto cerca de oito anos antes. Os dois homens
recuperam o artigo em questão no dia seguinte... numa obscura revista soviética,
Physikalische Zeitschrift der Soivjetunion. Feynman pega num giz, instala-se
num quadro negro e descasca o artigo do seu ilustre antecessor.
Jehle não acredita no que vê! Abre um bloco e toma febrilmente umas notas...
De repente aparece diante dele a equação de Schrödinger! Feynman acaba
simplesmente de inventar diante dele uma nova forma de fazer um cálculo em
mecânica quântica!
O método inventado por Richard Feynman nesse dia interessa-nos no mais
alto grau porque está inteiramente fundado na noção de ação, que nos é tão cara...
e que a mecânica quântica tinha, grandemente, abandonado entretanto.
«Conseguimos encontrar uma forma para a ação apenas dependente do movimento
das cargas, diz-nos Feynman. Consegui também descobrir aquilo que os velhos
conceitos de energia e de quantidade de movimento significam para esta ação
generalizada.»
Estudaremos as ideias de Feynman mais detalhadamente na segunda parte
deste livro. Entretanto, completemos a nossa narrativa dizendo algumas palavras
a propósito do átomo com vários elétrons.
1921. Ocupado em organizar o seu Institut for Teoretisk Fysik, Bohr sulca a
Europa, deixando entender por toda a parte que tinha calculado qualquer coisa,
mas o quê? Arnold Sommerfeld impacienta-se. Até Rutherford fustiga Bohr. A
situação está tensa. Porque Bohr... não calculou nada. «A verdade, dirá Kramers,
é que ele tinha criado simplesmente, com uma visão divina, uma síntese dos
resultados da espectroscopia e dos da química.» Situação tanto mais dramática
quanto os rumores que começavam a circular nos meios da física de que Bohr
(mais do que Sommerfeld) tinha sido escolhido para receber o Prêmio Nobel da
Física nesse ano - o que aconteceu realmente em 16 de Dezembro de 1922.

Fazer falar os espectros

Ao fazer «falar» o espectro de hidrogênio, a fórmula de Balmer tinha tornado
possível a elaboração de um primeiro modelo do átomo. A fórmula de Ritz, cujo
autor tinha morrido entretanto com 30 anos, ia permitir aprofundar esse modelo
facilitando nomeadamente o estudo minucioso do espectro dos metais alcalinos:
lítio, sódio, potássio, rubídio e césio.
O átomo dos metais alcalinos contém um «elétron de valência» cujo
comportamento faz lembrar imenso o do elétron do átomo de hidrogênio.
Tomemos o exemplo mais simples, o do átomo de lítio.
O átomo de hidrogênio contém um elétron, o átomo de lítio contém três. Mas
tudo se passa como se dois dos seus elétrons, intimamente ligados ao núcleo,
pudessem ser ignorados no estudo das propriedades observáveis do átomo. Esta
constatação permite conceber o átomo de lítio e o dos metais alcalinos em geral
como átomos de hidrogênio «modificados», quer dizer contendo, como ele, um
único elétron.
A análise do espectro fundada nesta afirmação permite descobrir o seguinte
fato notável: o átomo nunca «salta» arbitrariamente de um estado para outro. Só
alguns saltos é que parecem «autorizados» e contribuem para o espectro.
Esta constatação está na origem daquilo a que hoje chamamos as «regras de
selecção». A principal dessas regras atribui ao número quântico l um papel
preponderante no átomo: só são permitidas as transições em que l mude de uma
unidade. Voltaremos a falar nisso. Vejamos agora que partido é que os teóricos
conseguiram tirar dessas observações nos seus esforços para aprofundar e
aperfeiçoar a teoria quântica do átomo.

Os números mágicos explicados

Dezembro de 1924. Wolfgang Pauli examina de perto a informação acumulada
pelos especialistas da espectroscopia na interpretação dos espectros.
Para cada átomo, os espectroscopistas tinham estabelecido, nomeadamente,
uma lista dos estados quânticos que contribuem para o espectro - estados a que
chamam «termos» porque eram identificados como um dos «termos» da fórmula
de Ritz. Do ponto de vista teórico, o que é um termo? Ele corresponde a um
estado quântico do átomo no qual um conjunto de números quânticos é atribuído a
cada elétron. Trata-se aqui, evidentemente, de uma aproximação: em princípio, só
o conjunto do cortejo electrónico pode ser quantificado. Mas sem esta
aproximação nada seria possível, de tal forma são difíceis os cálculos. Pelo
menos contentar-nos-emos com isso, de momento.
Pauli examina de perto a lista de termos estabelecida pelos especialistas. E
descobre o seguinte: nenhum dos termos inscrito na lista corresponde a um estado
do átomo em que dois ou mais elétrons possuam os mesmos números quânticos.
Tudo se passa, diz Pauli, como se tais estados fossem «interditos». Ele decide
que o são. Formula então, e publica em seguida, o seu célebre «princípio de
exclusão» ou princípio de Pauli, segundo o qual «dois elétrons num átomo não
podem ter os mesmos números quânticos», ou melhor: «Os elétrons num átomo
têm todos eles números quânticos diferentes.»
O que é engraçado na descoberta deste princípio é que os números quânticos
de que se trata não existem... senão na imaginação do teórico (rigorosamente, já o
dissemos, apenas o conjunto do cortejo electrónico pode ser quantificado)!
Contudo, o princípio é válido, mas por uma razão que só surgirá mais tarde
depois do formalismo da mecânica quântica ter progredido substancialmente.
Para melhor avaliar o que está em jogo, comecemos pela notação inventada
pelos espectroscopistas para designarem os seus termos.
1 leitor pode ficar tranquilo, essas convenções espectroscópicas não são
difíceis de dominar.
Dado o papel particular que o número quântico Z desempenha na teoria dos
espectros, foi necessário convencionar representar simbolicamente os valores que
ele pode tomar: s para
2 = 0, p para Z = 1, d para Z = 2, / para l = 3, etc. Essas designações
correspondem a conceitos espectroscópicos hoje esquecidos: s para sharp, p
para principal, d para diffuse, etc.
Juntos, n e l indicam uma configuração: na ordem crescente dos valores, as
configurações possíveis são então ls, 2s, 2p, 3s, 3p, 3d, etc. (2p por exemplo
corresponde a n = 2, l = 1; 3d a n = 3, / = 2, etc.). O número quântico m toma
valores inteiros compreendidos entre -1 e + Z, ou seja, ao todo 2Z +1 valores
distintos. A configuração nl corresponde assim a 2Z +1 estados distintos. Mas
como o número quântico correspondente ao spin do elétron pode tomar dois
valores, + 1/2 e -1/2, teremos finalmente 2(2Z+1) estados distintos.
Eis-nos chegados ao fim do nosso esforço. Ao aplicarmos o exposto ao
número de elétrons presentes em cada configuração, os termos correspondentes
aos átomos dos gases raros são: ls2 para o hélio, ls22s22p6 para o néon,
ls22s22p63s23p6 para o árgon..., o que nos dá, para o número total de elétrons
nesses átomos: 10 para o néon, 18 para o árgon, 36 para o crípton... Milagre! 10,
18, 36... Esses números são os nossos números mágicos evocados atrás (cf. p.
68)!
Falarei aqui de uma outra forma de obter esses números. É fundada num
pequeno jogo numérico que teria certamente encantado Balmer e Ritz se eles o
tivessem conhecido. Digo que os nosso números são... somas de quadrados.
De fato temos, como o leitor facilmente o poderá verificar:

2 (l2 + 22) = 10,
2 (l2 + 22 + 22) = 18,
2 (l2 + 22 + 22 + 32) = 36,
2 (l2 + 22 + 22 + 32+ 32) = 64
e 2 (l2 + 22 + 22 + 32+ 32+ 42) = 86,

para não citar mais do que os primeiros cinco desses números. Mas que significa
este resultado surpreendente?
Para responder a esta questão - e aqui é que está o nosso jogo -, farei apelo a
um teorema muito simples da teoria dos números segundo o qual «a soma dos n
primeiros números ímpares consecutivos é igual a n2», (assim 1 + 3 = 22),
teorema que nos permite converter em somas de números ímpares os quadrados
que apareciam nas nossas fórmulas, por exemplo: l2 + 22 = 1 + + (1 +3). Ora
qualquer número ímpar é da forma geral 2l+1... E o círculo fecha-se, em acordo
perfeito com os resultados obtidos pelo método convencional. Os números
inteiros estão decididamente no âmago do átomo!
Assim foi finalmente «explicado», com base numa aproximação parcialmente
empírica, a origem desses números que tinham intrigado tanto os físicos no início
da grande aventura. Com esta descoberta, o átomo dos físicos e o átomo dos
químicos, partindo no entanto de pontos de vista literalmente diferentes, fundiram-
se por fim num conceito igualmente satisfatório para as duas disciplinas.
Que poderemos concluir disto? Que a natureza se nos apresenta com aspectos
bem diferentes e que nos devemos regozijar quando conseguimos formular este ou
aquele modelo do seu funcionamento que ela parece ter pelo menos parcialmente
realizado. Mesmo se esses modelos não passam, aos olhos de todos, de modestas
aproximações de uma realidade para sempre inatingível.




Pensamos saber tudo
E ter dito tudo sobre o átomo...








































Poderia ter-se no entanto
Que recomeçar tudo de novo!












Repensar o átomo














































A armadilha Sísifo

Poço de luz utilizado na Escola Normal Superior para capturar átomos

SEGUNDO uma escola de pensamento contemporânea na física, é inútil - e de
qualquer modo impossível - saber com precisão o que é que se passa no interior
do átomo. Contentar-nos-emos com dizer, por exemplo, que o átomo é capaz de
«absorver» ou «emitir» uma partícula de luz sem com isso procurar representar
ou esclarecer melhor o próprio processo.
Esta maneira de pensar não satisfaz o pai de Richard Feynman. Este
perguntava insistentemente ao seu filho: «Quando um átomo faz uma transição de
um estado para outro, emite um fotão. De onde vem esse fotão? (Episódio muitas
vezes contado pelo próprio Richard Feynman).
Uma coisa é interessar-se pela maneira como o átomo estabelece as suas
ligações químicas para formar as moléculas, ou escrever uma equação que
permite traduzir espectros; uma outra é procurar saber o que se passa no interior
do átomo: de que modo é que o núcleo retém elétrons sob a sua influência? De
que modo é que os elétrons se repelem mutuamente entre si?
Na minha opinião, e explicá-lo-ei, convém dar uma nova resposta a estas
questões. Nesta segunda parte, estudaremos então os processos elementares que
têm lugar no interior do átomo e tentaremos explicá-los a partir de novas ideias.
A questão depressa será resolvida: ou conseguimos atingir uma melhor
compreensão do funcionamento do átomo, e nesse caso atingimos o nosso
objetivo; ou então... Mas porquê ser pessimista? Coloquemo-nos do lado de
Demócrito, que dizia: «A audácia é o princípio da ação» (acrescentando no
entanto: «Mas é a sorte que decide o resultado!»).

A matéria


Talvez uma coisa seja simples se puder descrevê-la
completamente de diversas maneira sem saber
imediatamente que todas essas descrições se
aplicam à mesma coisa.
RICHARD FEYNMAN, 1965.


A natureza compreende-se num duplo sentido, diz-nos Aristóteles: «por um
lado como matéria; e por outro, como forma.» Ele esclarece a diferença: «A
forma é o porquê das coisas e a sua causa última.» Quanto à matéria, Aristóteles
falava, recordo, de quatro elementos (a terra, a água, o ar e o fogo) e de quatro
qualidades (o calor, o frio, o seco e o húmido). Os físicos modernos substituíram
estas perspectivas pelo modelo standard da física contemporânea. A eficácia
previsível desse modelo coloca-o a um nível incomparavelmente superior ao que
tinha levado a sistemática antiga.
É no entanto curioso constatar que os construtores do modelo standard
utilizaram também o número quatro de que Aristóteles tinha feito um dos pilares
das suas concepções: definiram por exemplo um espaço-tempo a quatro
dimensões, citam quatro forças da natureza e dizem-nos que a matéria seria
constituída por doze partículas primordiais, quatro das quais predominantes: o
quark* u, o quark d, o neutrino* v e o elétron e. Trata-se aqui de uma pura
coincidência, de uma correlação profunda ou muito simplesmente, e de maneira
mais verosímil, de uma manifestação da necessidade que tem o pensamento
humano de caracterizar aquilo que observa para melhor tentar explicá-lo?


De todas estas partículas, o elétron é a que pensamos conhecer melhor. Mas o
que é verdadeiramente um elétron? «Se o elétron nos ajudou a compreender
muitas coisas, dizia Louis de Broglie, nós nunca compreendemos o próprio
elétron.» Durante uma conferência dada na Universidade de Colúmbia, Llewellyn
Thomas, descobridor de um dos mistérios do elétron, pega num pau de giz, avança
para o quadro negro e inscreve nele... um ponto. No fim da conferência, Thomas
não tinha escrito mais nada... além desse ponto, com o qual pretendera representar
o elétron.
A ideia de representar a partícula como um objeto de dimensão zero surge
claramente pela primeira vez no século XVIII no pensamento de Rudjer Boskovic
(1711-1787). Excelente geómetra, Boskovic foi aliás muito mais longe: na sua
Teoria de Filosofia Natural, publicada em 1758, introduz a noção de centros de
forças ou pontos de energia e inventa o «atomismo puntiforme».
Hoje, é por pura necessidade, e não espontaneamente, que os físicos utilizam
uma representação punctiforme do elétron: não sabem como fazer de outro modo.
(A teoria das cordas51-, que procura representar as partículas elementares, e o
elétron em particular, sob a forma de cordas tendo comprimento e tensão, ainda
não está... afinada. Falaremos disso mais tarde.)
Leon Lederman, Prêmio Nobel da Física em 1988, resumiu de maneira
divertida o problema que levanta a representação do elétron por meio de um
ponto: «Se o elétron é um ponto... onde está a massa? Onde se encontra a carga?
Como sabemos que o elétron é um ponto? Can I have my money back? [Pode
devolver-me o dinheiro?]»

O que é a energia?

Pouco tempo depois da descoberta do elétron, Henrik Kauffmann (1888-1963)
apercebe-se de que quando se acelera um elétron a velocidades que se
aproximam da da luz (300 000 Km/s1 [quilómetros por segundo]), a sua massa
parece aumentar. Expressa em unidades de energia, como é costume fazer-se, a
massa do elétron é de cerca de 511.000 eV (elétron-volts*) em repouso. No
grande anel do LEP (Large Electron Positron), túnel circular de vinte e sete
quilômetros de comprimento cavado no Jura, no Centro europeu de pesquisas
nucleares de Genebra, consegue-se acelerar um elétron a velocidades que lhe
permitem atingir uma energia da ordem de cem mil milhões de elétron-volts (100
GeV). Como é que conseguimos este resultado? Insuflando energia no anel (sob a
forma de radiação de frequências rádio) a cada passagem do elétron.
A questão que se põe de novo: se o elétron é um ponto, para onde vai a
energia? Como é que - sob que forma - é «armazenada» no elétron? Voltamos a
cair na questão posta a Richard Feynman pelo seu pai. Ataquemos de uma vez por
todas esta questão fundamental.

E = hv: erro de agulhagem

Houve em 1905, numa viragem decisiva da história da física, um erro de
agulhagem. Max Planck acabava de anunciar a sua descoberta do quantum de
ação. Tinha, na realidade, posto uma dupla hipótese: a do quantum de ação, e a,
anexa, da relação E = hv, ligando a energia do quantum à frequência da radiação.
Ora esta relação, nas mãos de Albert Einstein, iria tornar-se a origem de um mal-
entendido cujas consequências atormentam ainda a física dos nossos dias.
Narremos alguns episódios desse «psicodrama» da física.
Berna, 1905. Empregado no departamento federal suíço de patentes e
desejoso de se dar a conhecer na qualidade de físico, Albert Einstein redige uns a
seguir aos outros, no espaço de quatro meses, três artigos que submete à
prestigiada revista Annalen der Physik, que os publica. No primeiro desses
artigos, concluído a 17 de Março de 1905, retoma, com a intenção principal de
demonstrar a sua fraqueza, a demonstração de Planck que desemboca na invenção
do quantum de ação. Com esse objetivo desenvolve um novo raciocínio,
construído em torno de uma hipótese que batiza de hipótese do quantum de luz,
segundo o qual «uma radiação de densidade suficientemente fraca se comporta
como se fosse composta por quanta de energia independentes uns dos outros» e
de magnitude hv.
A ideia que sustenta esta hipótese consiste em dizer que a luz contém
partículas (Einstein contenta-se de momento em dizer quanta) e sugere que a
expressão hv é mais fundamental a este respeito do que o simples h de Planck. É
esta ideia que convém repor em causa, na minha opinião. Mas voltemos à
narrativa.
Salzburgo, 1909. Johannes Stark (1874-1957) observa que «um elétron
acelerado emite sob a forma de radiação luminosa uma quantidade de movimento
igual a hv/c» (sendo c a velocidade da luz).
Antes desta descoberta, o quantum de luz de Einstein possuía um único
atributo: transportava energia, era um quantum de energia. (O próprio Einstein
considerava os seus quanta como «pontos». Em 1909, fala a Sommerfeld de «da
disposição da energia luminosa em torno de pontos que se deslocam à velocidade
da luz».) Com a descoberta de Stark, o quantum de luz adquire um segundo
atributo: transporta movimento, o que vai permitir tornar-se uma partícula
completa (uma partícula que se respeita deve ser capaz de, no mínimo, transportar
movimento).
Berkeley, 1962. O físico-químico Gilbert Lewis combina a hipótese de
Einstein com a descoberta de Stark (reforçada pela descoberta do efeito
Compton*) e dá o último passo: afirma que a luz é constituída por «partículas
indestrutíveis», que batiza de fotões.
O nome ficou. Os físicos dirão doravante que a energia surge em «pacotes»,
os fotões, e só muito raramente falarão de «quantum de ação», rebatizado
«constante de Planck» e relegado a um papel universal, mas secundário. Eis o que
Murray Gell-Mann, Prêmio Nobel de Física, escreve na sua obra O Quark e o
Jaguar, publicada em 1994: «A constante h é a relação universal de energia do
quantum de luz com a sua frequência de radiação.»
A passagem do quantum de ação ao quantum de energia constitui, na minha
opinião, um lastimável erro de agulhagem. A energia, recordo, mede a cadência a
que a ação se exerce num dado movimento: tantas unidades de ação por segundo.
O «por segundo» nesta expressão não permite transformar hv num «pacote». Um
exemplo fará compreender melhor a questão: eu atiro uma rajada de metralhadora
à cadência de vinte balas por segundo. A bala neste exemplo representa o
quantum de ação; a cadência de tiro corresponde à frequência da radiação; e o
produto das duas (vinte balas por segundo) é o equivalente a hv. Mas, «vinte
balas por segundo» não constitui um pacote e menos ainda uma partícula no
sentido próprio das palavras. O «por segundo» implicado em hv perturba. Erro de
agulhagem.
Inventor do conceito, o próprio Einstein manteve toda a vida uma dúvida
sobre o fundamento da sua hipótese. No congresso de Solvay que reuniu a elite da
física mundial em Bruxelas, em 1911, declara por exemplo: «Insisto no carácter
provisório desse conceito.» E três anos antes da sua morte, em Princeton, em
1954, escreve ao seu amigo Michele Besso (a 12 de Dezembro de 1951):
«Cinquenta anos de interrogações não me levaram mais perto de poder responder
à questão: o que é um quantum de luz?» E acrescenta mesmo: «É certo que hoje
qualquer parvo pensa conhecer a resposta, mas engana-se.»
Que físico de renome — ou que jovem físico audacioso — ousaria fazer eco
deste aviso esquecido de Einstein ao repor em questão, como é preciso
resignarmo-nos a fazê-lo, o conceito de fotão considerado como solidamente
estabelecido e que, no entanto, o não é? O átomo, esse emissor de quanta de ação
(e não de fotões!), impõe-nos esse dever.

Voltar a honrar a ação

Dezembro de 1965. Depois de ter comprado um smoking novo e de se ter
treinado a andar para trás (de maneira a nunca ter de voltar as costas ao rei
Gustavo da Suécia), Richard Feynman vai a Estocolmo para receber o seu Prêmio
Nobel de Física. No seu discurso de recepção anuncia o seguinte: é possível, é
desejável formular a «electrodinâmica quântica», teoria fundamental da interação
do elétron com a luz, «com a ajuda de um princípio da menor ação».
Formulada inicialmente por Maupertuis ao mesmo tempo que introduzia o
conceito de ação, esse princípio - um dos mais notáveis de todos os princípios da
física - estabelece que, entre todas as trajetórias possíveis permitindo a uma
partícula em movimento ir de um ponto para outro, a partícula adopta a que lhe
traz menor gasto de ação possível, a trajetória de «menor ação»! Como é que tal
coisa é possível? perguntam vocês (e justamente). Como é que a partícula
conhece antecipadamente a trajetória a seguir? Resposta no último capítulo deste
livro.

O vácuo


Não é razoável menosprezar a opinião de
Demócrito, que, chamando aos demônios
simulacros, diz que o ar está cheio deles.
HERMIPO
Astronomia


VOLTEMOS ao átomo. Deixámo-lo (cf. pp. 72-73) nas mãos de Sommerfeld, de
Broglie, de Schrödinger, de Dirac e de outros gigantes da física. Cada um deles
tentou, à sua maneira, «explicar» a origem dos números quânticos que regem os
estados quânticos do átomo, mas nenhum deles se preocupou com a questão que é
no entanto preciso pôr antes de todas as outras se quisermos compreender o
átomo: como é que - de que modo - o núcleo retém os elétrons sob a sua
influência no interior do átomo? E como é que - e de que modo - os elétrons se
repelem entre si?
A explicação «ingênua» utilizada nos modelos que estudámos até aqui
consiste em dizer que o núcleo e os elétrons se atraem e se repelem devido às
cargas eléctricas positivas e negativas que transportam. Trata-se de recuar para
melhor saltar: porque, o que é uma carga? como é que as cargas exercem a sua
influência?
Por intermédio de campos, diziam os antigos (e não dos menores: Boskovic,
Faraday, Einstein...); trocando partículas de um tipo particular, os mediadores de
força, dizem os físicos modernos.
Na sua obra Sob o átomo, as partículas, Etienne Klein deu uma explicação
figurativa do processo de mediação. Escreve: «Imaginemos dois barcos à deriva
num lago. [Se] um dos ocupantes dispõe [...] de uma bola, e se a lançar com
suficiente vigor à passagem do outro barco, que a devolve e assim
sucessivamente, as duas embarcações afastam-se uma da outra. [...] Houve
interação.»
Os barcos neste texto simbolizam elétrons e a bola representa a partícula que
trocam entre si. Oficialmente, esse «mediador da força eletromagnética» no átomo
é o fotão. Mas, como já vimos (cf. p. 90), pretender que o fotão, igual a hv, seja
uma partícula não é logicamente sustentável. (Excepto se se entender o
significado da palavra «fotão» num sentido diferente daquele que geralmente se
lhe atribui, mas isso daria origem a confusão).
E preciso pois procurar outra coisa. Convido o leitor a seguir-me nesta busca.

As espécies intencionais

Enquanto Demócrito, em Abdera, inventa o vácuo e formula a teoria das
ideias indivisíveis, Empédocles em Agrigento propõe a teoria dos quatro
elementos..., Platão explica aos seus discípulos, nos jardins de Atenas, que o olho
vê como o sol ilumina, quer dizer dardejando raios para o objeto observado.
Mas o que é um raio? Será preciso muito tempo para que um filósofo se
arrisque a propor um modelo (e sobretudo ouse dizer que os raios são compostos
por «átomos de luz»).
Saltemos os séculos. No que diz respeito ao nosso tema, o século XIII é, antes
de tudo, o século de Roger Bacon, visconde de Saint Albans (1214-1294), o
ilustre Doctor mirabilis membro da ordem dos Franciscanos, que foi, devido à
extensão dos seus conhecimentos e da sua riqueza de imaginação, acusado de
bruxaria e de heresia e atirado para a prisão várias vezes (a última vez durante
dez anos, por ordem do capítulo de Paris). Em Oxford, Bacon estuda ciência com
Robert Grosseteste (1170-1253), indo depois para Paris, onde obtém o grau de
doutor em teologia e comenta as obras de Aristóteles.
Mas sobretudo, desenvolve a cosmogonia óptica que faz intervir as ideias de
Demócrito, que aprendeu a conhecer no contato com Grosseteste. Traduzindo a
idea grega pela palavra inglesa species («espécie intencional» em francês do
século XVII), formula uma teoria segundo a qual as espécies são verdadeiros
raios de força que transmitem as acções à distância - calor, influência astrológica,
magnetismo... - e cuja propagação se faz por «multiplicação» de um ponto para
outro.


O conceito de movimento por multiplicação constitui a originalidade da teoria
e interessa-nos no mais alto grau por razões que vão tornar-se evidentes. A
espécie, segundo Bacon, não é «material» e não se propaga portanto à maneira de
um corpo. Nessa medida, não se multiplica instantaneamente, mas a velocidade
finita: se a espécie pudesse estender-se no espaço instantaneamente, diz-nos
Bacon, estaria de fato simultaneamente no início, no meio e no fim de si própria e
encontrar-se-ia assim em vários sítios ao mesmo tempo, uma impossibilidade,
segundo ele. Além disso, ainda segundo Bacon, quando uma espécie está no seu
início ou no seu fim, está imóvel, só se produzindo o movimento entre estes dois
extremos. Afirmar que a espécie tem um movimento instantâneo seria então
afirmar que está ao mesmo tempo imóvel e em movimento. Geralmente acusado
de ter pensado que a luz é «instantânea», Descartes retomará, apesar disso, este
argumento.
Em 1633, na Holanda, depois de ter terminado a redação do seu Tratado do
Mundo ou da Luz, que não publica, Descartes redige três «ensaios», A
Dióptrica, Os Meteoros e A Geometria. À laia de prefácio a esses ensaios,
escreve o Discurso do Método.
Em A Dióptrica, Descartes pensa primeiro poder ver-se livre das ideias de
Demócrito, versão Roger Bacon. Escreve: «Por este meio o vosso espírito será
liberto de todas essas pequenas imagens esvoaçantes pelo ar, chamadas espécies
intencionais, que tanto trabalham a imaginação dos filósofos.» No entanto, em Os
Meteoros, retoma afinal a representação abderita, sob uma outra forma. Afirma
que a luz é «a ação ou o movimento de uma certa matéria muito subtil, cujas
partes é preciso imaginar como pequenas bolas que rolam nos poros dos corpos
terrestres» (nos poros e não no vácuo, de que Descartes tem horror).
Observemos o que esta proposição tem de «hipermoderno». Perguntemos
então a um físico contemporâneo: «O que é a luz?» E ele responder-nos-á: «A luz
é constituída por fotões.» Imaginemos o seguinte diálogo: «Será que os fotões
rodam sobre si próprios? - Sim, eles são dotados de spin. - De que são feitos os
fotões? - São grãos de energia. - O que é energia? - Bem... é uma matéria muito
subtil...»


O quantum de ação revisitado

No que se segue, proponho utilizar as ideias de Bacon e de Descartes que
acabámos de examinar para representar, já não a luz, mas... a ação. O objetivo
desta tentativa tornar-se-á claro no seguimento desta exposição.
Digo primeiro que - trata-se da teoria geral - o vácuo formiga de Ideias
indivisíveis, à maneira de Demócrito, que «rolam nos poros dos corpos
terrestres», à maneira de Descartes, propagando-se por «multiplicação», à
maneira de Bacon... E digo que essas ideias são... os quanta de ação de Planck.
Seguidamente digo - e trata-se da teoria restrita - que o quantum de ação é o
mediador da força eletromagnética no átomo. Por razões que se vão tornar
evidentes, chamo a esta representação mecânica do passo (step mechanics em
inglês) e chamo ao quantum de ação assim definido um xon (palavra
deliberadamente forjada para evocar a Grécia antiga tendo ao mesmo tempo uma
consonância resolutamente moderna).
Observemos imediatamente, antes de ir mais longe, o que esta concepção tem
de atraente: não é natural supor que os elétrons, animados de movimento, portanto
portadores de ação, possam trocar essa ação entre si e com o núcleo? Esta
maneira de ver permite-nos também compreender imediatamente por que é que é
impossível «quantificar» individualmente o movimento dos elétrons no átomo:
passando continuamente de um para outro, a ação não é conservada, portanto
quantificável, senão para o conjunto do cortejo.
Melhor. As muito desenvolvidas pesquisas experimentais e teóricas
conduzidas desde há mais de meio século revelaram que, para além das atrações
e repulsões clássicas de que acabámos de falar, os elétrons no átomo estão
submetidos a «efeitos subtis» que é indispensável levar em conta se pretendemos
ir até ao fim da sua descrição. Ora nenhuma das teorias do átomo que examinámos
até aqui está à altura de o fazer.
Alguns desses efeitos subtis, chamados também «processos elementares», são
representados a título indicativo na figura da p. 99. Richard Feynman inventou um
método de cálculo que permite considerá-los, método revolucionário a duplo
título: primeiro porque, em oposição às teorias evocadas nesta obra, ele baseia-
se não numa equação mas mais simplesmente em regras de cálculo; e, em segundo
lugar, porque a ferramenta fundamental que utiliza é... a ação, o que a torna
imediatamente traduzível para a linguagem da mecânica do passo (e não é para
nos desagradar!).
Tudo isto é pura fantasia, direis talvez. Não. Os cálculos que consideram os
efeitos subtis no átomo exigem prodígios de engenho mas são necessários se
pretendermos obter resultados de acordo como os, muito rigorosos, da
experiência.

O quantum de ação


Segundo Demócrito, as ideias indivisíveis volteiam
em todos os sentidos e esse movimento primordial
é um só e único movimento.
SIMPLÍCIO
Comentário sobre a física de Aristóteles


Ao reler hoje o Tratado de Química de Lavoisier - escrito há dois séculos! -
observa-se imediatamente o papel fundamental que o seu autor atribui, na
constituição dos corpos, àquilo a que chama calórico. Constatando que todos os
corpos da natureza são «sólidos ou líquidos ou no estado elástico e aeriforme
(gasoso)» segundo o grau de calor a que estão expostos, Lavoisier sugere que é
difícil conceber esses fenômenos «sem admitir que eles são o efeito de uma
substância real e material, de um fluido subtil que se insinua através das
moléculas de todos os corpos» e os afasta. Dando-nos uma lição de sabedoria
prudente, acrescenta no entanto que «não somos obrigados a supor que o calórico
seja uma matéria real; [podemos] imaginar os seus efeitos de uma forma abstrata
e matemática».
No decorrer das páginas, fizemos do quantum de ação o ator principal das
interações no átomo e vestimo-lo de uma ideia de Demócrito, reencontrando
finalmente alguns aspectos do pensamento de Lavoisier. Mas trata-se apenas de
uma simples maneira de ver - apenas diferente na aparência do ponto de vista
habitual da mecânica quântica? Ou trata-se antes de uma novidade talvez
fundamental implicando consequências verificáveis? Tentemos, para começar,
compreender o que, em termos «modernos», torna «indivisível» o nosso quantum
de ação.

Indivisível, porquê?

Desejoso de aperfeiçoar a sua hipótese, Max Planck publica em 1906 as suas
Lições sobre a radiação térmica. Define aquilo a que chama «um domínio
elementar de probabilidade» e explica que devido ao teorema de Liouville,
qualquer domínio de probabilidade, considerado num instante qualquer, «é um
invariante em relação ao tempo». Depois escreve: «A hipótese dos quanta de
ação consiste em supor que esses domínios, todos iguais entre si, já não são
infinitamente pequenos, mas finitos e (iguais) a h, sendo h uma constante.»
Não podendo abordar tudo, não vou explicar aqui detalhadamente o que se
entende por «domínio elementar de probabilidade» e por «teorema de Liouville»,
mas mostrarei a utilização que pode ser feita desses conceitos.
No seu artigo sobre «A hipótese dos quanta» de que já falámos (cf. p. 61),
Poincaré, ao retomar a questão, escreve: «É preciso que procure esclarecer o que
são os domínios de probabilidade.» Intervém então a frase chave: «esses
domínios são indivisíveis», e explica porquê: «Desde que saibamos que estamos
num desses domínios, tudo é então determinado; sem o que, se os acontecimentos
que devem seguir-se [...] têm que diferir conforme nos encontramos nesta ou
naquela parte desse domínio, é porque esse domínio não seria indivisível [...]
dado que a probabilidade de alguns acontecimentos futuros não seria a mesma nas
suas diversas partes.»
Aqui está uma utilização que pode ser feita desta brilhante análise de Planck e
de Poincaré: o quantum de ação progride no vácuo transpondo «passos», sendo
cada passo «um domínio elementar de probabilidade», à maneira de Liouville-
Planck, o que o torna indivisível, à maneira de Poincaré. Transferimos assim para
o movimento a indivisibilidade atribuída por Demócrito às suas Ideias!
Esta maneira de ver traz consequências interessantes. Seja l o comprimento do
passo, d o tempo gasto para dar um passo (a sua «duração»), p e E a quantidade
de movimento e a energia transportadas pelo quantum. Sendo o passo
indivisível, teremos então para cada passo: Ip = l e Ed = l. Se a velocidade de
propagação é v, teremos além disso l = vd.
Notemos que, segundo essas fórmulas, o comprimento do passo e a quantidade
de movimento transportada têm ligação: quanto mais longo for o passo, mais
pequena é a quantidade de movimento transportada. Da mesma forma, duração
para dar um passo e a energia transportada têm relação: quanto mais curta for a
duração do passo, maior é a energia transportada. Esses resultados correspondem
àquilo a que se chama em mecânica quântica o «princípio de incerteza».
Seria possível afirmar que os passos dados pelo quantum de ação no vácuo
se fazem de uma maneira que Demócrito e Descartes com a sua bola 1234 não
teriam renegado?

O spin revisitado

Voltemos ao problema do espectro. O mecanismo pelo qual o átomo dá um
«salto quântico» é regido, como já vimos (cf. p. 76), por uma misteriosa «regra de
selecção» que não permite ao átomo fazer um salto qualquer. Ora, esta regra, no
essencial, tem algo de simples: só são «permitidos» os saltos em que o elétron do
átomo vê o seu número quântico l mudar de uma unidade. Esta regra explica-se
muito bem se tivermos em conta o fato de que o quantum de ação roda ou
«redemoinha» sobre si próprio e possui um spin: quando o átomo emite (ou
absorve) um quantum de ação, o quantum leva (ou traz) com ele, por causa do
seu spin, uma unidade de ação de rotação que obriga o l do átomo, que mede uma
rotação, a mudar de uma unidade. Daí a famosa regra de selecção.
A existência do spin desencadeia um fogo de artifício de consequências
diversas. Espantemo- -nos primeiro com o próprio fato: o quantum de ação é
uma partícula que «redemoinha» eternamente sobre si própria no vácuo!
Observemos seguidamente que o spin, como o passo, corresponde a uma unidade
de ação. Um volta de spin equivale pois ao avanço de um passo. Reencontramos
aqui a ideia da «bola que rola» de Descartes. Há ainda melhor! O spin pode
tomar dois valores (notados +1 e -1) correspondendo ao fato de o quantum
poder rodar sobre si próprio «no sentido dos ponteiros do relógio» ou no sentido
inverso. Um último detalhe: o spin introduz de forma natural a noção de fase na
descrição do movimento, noção indispensável para a compreensão do fenômeno
das interferências, como veremos um pouco mais à frente.
Também o elétron possui um spin, mas o seu valor, como já vimos (cf. p. 69),
é um semi- -inteiro. O que é que se pode concluir? Que ao contrário do quantum
de ação, o elétron precisa de duas voltas de spin para completar um passo.
Porquê esta diferença? Mistério. Os físicos contentam-se em dizer que o elétron
(como o neutrino e os quarks) é um fermião (partícula com spin semi-inteiro)
enquanto o mediador da força eletromagnética (para nós, o quantum de ação) é
um bóson (partícula de spin inteiro). Nenhuma explicação teórica desta diferença
foi ainda encontrada.

Os impulsões em orbe

A 3 de Junho de 1663, a Royal Society de Londres, recentemente instituída,
admite um novo membro. Chama-se Robert Hooke (1635-1703), tem 28 anos e há
já alguns anos que era muito falado devido à riqueza do seu engenho. Dois anos
mais tarde publica a sua magnífica Micrografia, acompanhada de cinquenta e
sete desenhos gravados em cobre pelo autor, na qual podemos ler esta frase
premonitória: «O movimento da luz propaga-se num meio homogêneo por
impulsões em orbe de força constante e que actuam perpendicularmente à direção
de propagação.»
Esta frase ensina-nos como é que o quantum de ação - esta «impulsão em
orbe» - age sobre os elétrons que encontra: sujeita-os a um pequeno empurrão
perpendicularmente à sua direção de propagação. É o efeito principal (efeito
misterioso, se é, e para o qual não temos sombra de uma explicação). Devo
acrescentar, para ser mais completo, que o quantum exerce também uma
«pressão» na direção do seu movimento. Esta pressão é habitualmente
interpretada como o efeito «magnético» (sendo o efeito principal o efeito
«eléctrico»). Eis um exemplo espetacular daquilo que o efeito principal produz.
Uma corrente eléctrica atravessa um fio condutor. O fio aquece. Porquê? Porque
absorve quanta que, vindos de todos os pontos do espaço, caem
perpendicularmente sobre ele, transmitindo em ângulo reto o seu «empurrão» aos
elétrons da corrente que percorrem o fio.
Resta-nos abordar aquilo a que chamarei «o mistério fundamental da
mecânica quântica». Na sua obra A Natureza da Física, publicada em 1965, ano
em que recebeu o Prêmio Nobel, Richard Feynman definiu-o assim: «Vou contar-
vos a experiência das duas fendas. Ela contém o mistério geral, eu não evito nada,
desvendo a natureza sob o seu aspecto mais elegante e mais difícil.»

O mistério fundamental

Enunciado na linguagem da mecânica do passo, esse mistério resume-se a
isto: quando duas partículas da mesma natureza chegam juntas a um alvo, elas são
eficazes (quer dizer, produzem um efeito) se chegam «em fase» uma com a outra,
são ineficazes (quer dizer não produzem qualquer efeito) se chegam «fora de
fase». Dizemos neste caso que houve uma «interferência» (palavra derivada do
verbo inglês to interfere, utilizada para descrever o passo de um cavalo que bate
ou «interfere» os seus cascos um contra o outro).


Assinalemos no entanto uma dificuldade, «a» dificuldade: o fenômeno produz-
se mesmo se as partículas chegam isoladamente (uma a uma) ao alvo. Como é que
se pode nesse caso explicar que se possam produzir interferências? Resposta: no
Laboratório federal dos Estados Unidos, em Los Alamos, em 1982, Wojciech
Zurech analisa aquilo a que chama o «efeito de descoerência» segundo o qual,
quando partículas «suficientemente grandes» chegam a um alvo, as partículas da
vizinhança - «a radiação ambiente, luminosa e térmica» - impedem as
interferências de se produzir.
Utilizarei este argumento... ao contrário. Quando as partículas que chegam ao
alvo são suficientemente pequenas — quanta de ação ou elétrons por exemplo as
partículas da vizinhança permitem que as interferências se produzam.


As interferências produzem o princípio de menor ação de que falámos (cf. p.
94). Tomemos o exemplo de dois elétrons que trocam quanta no interior de um
átomo. Se pensarmos que um elétron-volt corresponde a cerca de 240 000 mil
milhões de quanta de ação por segundo, com uma energia interna equivalente a
511 000 eV, cada elétron constitui uma reserva quase inesgotável de quanta para
trocar. Mas os quanta interferem na maior parte das vezes uns com os outros, e
portanto em nada contribuem para a interação. Os únicos que contribuem
efetivamente são os que seguem trajetórias que lhes permitam chegar
conjuntamente «em fase». Acontece que essas trajetórias são aquelas para as
quais a ação é «a menor». Finalmente obtemos o que Feynman chama a amplitude
do processo considerado, soma total das contribuições do conjunto dos quanta.
Se a amplitude é nula, a interferência é total e o processo não produz qualquer
efeito detectável.
Para Platão, como já vimos (c f . p. 21), as «partículas elementares» são
triângulos, o que permite combiná-los para construir átomos que têm a forma de
poliedros. Para a mecânica quântica, hoje, as partículas são pontos; mas alguns
dos melhores físicos deste fim de século esforçam-se por concluir uma teoria que
fará dos objetos unidimensionais, minúsculos, caracterizados por um
comprimento L e uma tensão T - objetos que batizaram como «cordas»
(supercordas numa versão da teoria). Que será do nosso quantum de ação se esta
teoria prevalecer?
Quando uma corda se desloca no vácuo, o percurso que ela descreve
assemelha-se a uma fita (a um «tubo» se a corda forma um anel). Para obter a
ação, somos conduzidos então a multiplicar a superfície da fita desenrolada (que
mede o «comprimento» do trajeto nesta teoria) pela tensão da corda antes de
dividir o total por h - procedimento que equivale a dividir a superfície da fita em
«passos» elementares correspondendo a verdadeiras «pegadas», sendo essas
marcas unidades de ação da teoria das cordas. Numa palavra, se tudo isto
acontecesse, teríamos um quantum de ação renovado tendo o aspecto de uma
pequena superfície, indivisível evidentemente, de magnitude L2.
Uma tal teoria, se vingasse, aproximar-nos-ia do ponto de vista inicial dos
abderitas, para quem as ideias indivisíveis eram tudo menos pontos! Mais ainda,
além do próprio objeto - a corda -, o dado fundamental na teoria das cordas é... a
ação. Encontrar uma fórmula para a ação correspondente ao movimento de uma
corda no espaço-tempo é um dos seus principais problemas.

Perspectivas

Segundo a mecânica quântica, os raios emitidos (ou absorvidos) por um
átomo são compostos de fotões dotados, enquanto tais, de duas características
fundamentais: deslocam-se à velocidade da luz (igual a cerca de 300000 km/s"1)
e cada um deles transporta um pacote de energia hv proporcional à frequência v
da radiação considerada.
As coisas apresentam-se diferentemente na nossa representação. Os raios são
compostos de quanta de ação a quem nem uma nem outra das restrições acima
citadas se aplicam: os quanta podem mover-se menos ou mais depressa do que a
luz e podem transportar uma energia menor ou maior do que hv. Será possível
decidir entre os dois pontos de vista, observando por exemplo um quantum que
se move mais depressa do que a luz, e transporta uma energia superior a hv?
Segundo o nosso ponto de vista, quando um quantum encontra no seu
caminho um afundamento - um túnel - cuja largura ou diâmetro é da mesma ordem
de grandeza que o comprimento do seu passo, ele «alarga o passo» para
atravessar esse obstáculo, o que tem como efeito fazê-lo emergir do outro lado do
túnel, mais depressa do que o previsto: ele atravessa então o túnel a uma
velocidade «superior à da luz». Esse fenômeno notável é conhecido em mecânica
quântica pelo nome de «efeito de túnel». No decurso dos anos 90, vários grupos
de investigadores (em particular Anedio Ranfani em Florença, Günter Nimtz em
Colônia e Raymond Chiao em Berkeley) estudaram-no por meio de técnicas muito
sofisticadas. Assim, a equipa de Colônia mediu velocidades cinco vezes
superiores a c!
O fenômeno fascina... e embaraça os físicos: é que eles estão habituados a
pensar que «nada se pode mover mais depressa do que a luz». Para explicar as
velocidades supraluminosas, a mecânica quântica recorreu a uma representação
do fotão que o considera como um «pacote de ondas», verdadeiro compósito... de
elementos individuais que se assemelham estranhamente aos nossos quanta de
ação! Numa palavra, ela utiliza de fato a representação descrita atrás.

Um pacote de ondas embaraçoso

Aephraim Steinberg, em Berkeley, estudou de perto o comportamento de um
pacote de ondas a atravessar um túnel constituído nas suas experiências por uma
fina camada refletora que apenas um quantum em cada cem, em média, conseguia
atravessar. A suas conclusões confirmam que ao atravessar o túnel o pacote
«viaja mais depressa do que a luz», apesar de concluir também que «não se pode
explorar este efeito para transportar energia a uma velocidade média superior à
da luz». A que se deve isto?
Os cálculos de Richard Feynman (cf. p. 102) mostram que em distâncias
grandes só os quanta que se deslocam à velocidade da luz é que conseguem
entrar em fase uns com os outros e são portanto observáveis (são «reais» para os
especialistas). É o que nos leva a dizer que a luz tem uma velocidade c bem
determinada, sempre a mesma no vazio. Mas esta restrição não se aplica a
distâncias pequenas, à escala interna do átomo por exemplo.
Chegaremos algum dia a conseguir que um átomo nos forneça quanta a
deslocar-se mais depressa do que a luz e que permaneçam em fase uns com os
outros em distâncias longas? Ou estaremos antes confrontados com uma
impossibilidade fundamental, parte integrante do sistema da natureza, como o
sugere a mecânica quântica?
A palavra é dos especialistas da óptica quântica. O futuro o dirá.

Para acabar...

Através de técnicas ultramodernas aperfeiçoadas nos últimos decênios, os
físicos realizaram espantosos trabalhos de tipo artesanal utilizando o átomo.
Assim, para a «escrita atômica», os investigadores do centro IBM em Almaden
desenharam com trinta e cinco átomos de xénon a sigla da sua companhia sobre
um superfície de níquel; criaram um «coral quântico» composto por quarenta e
oito átomos de ferro posicionados sobre uma superfície de cobre; construíram um
«vulcão» de sete átomos de xénon dispostos sobre uma superfície de platina... e
conseguiram muitas outras maravilhas.
Sim, o átomo, com os seus mistérios, é realmente, como dissemos desde a
primeira página, uma das Sete Maravilhas do mundo: misterioso, suspenso, fundo,
insólito, dominador, frio, vistoso... Vistoso? «Desenha-me um átomo», poderia ter
pedido o Principezinho. Mas quem é que já viu um átomo?
Os físicos da Escola normal superior em Paris, entre outros, viram um átomo!
Haverá algo mais apropriado para terminar este livro do que imaginar por nosso
lado o átomo que esses físicos viram, ponto minúsculo, perdido no meio da
página...

Issirac, Março de 1997.





















Anexos

Poincaré e a invenção do quantum de ação


Durante o último decênio do século XIX, Henri Poincaré inventa métodos
novos para o estudo do movimento, que regeneram profundamente esse campo.
Expõe-nos no seu grande tratado Os novos Métodos da mecânica celeste,
publicado em três volumes em 1892, 1893 e 1899. Um deles está na origem da
teoria do quantum de ação, segundo o seguinte esquema.
Considere-se um sistema dinâmico que possua n graus de liberdade e sejam qi
as coordenadas generalizadas desse sistema e pi os momentos correspondentes.
Através de um ato de imaginação que não teria certamente desagradado a Platão,
podemos representar esse sistema por um ponto evoluindo num espaço cartesiano
imaginário de 2n dimensões formado pelas coordenadas qi ...qnr p1...pn e chamado
extensão em fase do sistema considerado (extensão de um método inventado por
Lagrange).
As transformações das coordenadas generalizadas chamadas «transformações
canônicas» têm a propriedade de conservar a forma das equações hamiltonianas
que regem a evolução do sistema. Põe-se então a questão de saber se existem
outras expressões invariantes sob essas transformações. Os «invariantes
integrais» descobertos por Poincaré e descritos no seu tratado constituem um
sistema de expressões desse gênero.
Poincaré interessa-se pelo elemento de superfície dqi dpi na extensão em fase
(este elemento, note-se, tem as dimensões de uma ação) e demonstra que o
integral ʃʃ∑dqi dpi calculado para qualquer superfície bidimensional
arbitrariamente escolhida na extensão em fase é um invariante integral do sistema
considerado, no sentido acima indicado. Partindo deste notável teorema, encontra
de passagem um resultado anteriormente obtido por Joseph Liouville (1809-
1882), segundo o qual a densidade de pontos na vizinhança de um dado ponto na
extensão em fase é constante no tempo (teorema de Liouville).
Esses trabalhos fundadores de Poincaré põem o elemento de ação
infinitesimal dqi dpi , no centro da teoria e sugerem que a consideremos como
constituindo um domínio elementar de probabilidade - intervindo aqui a palavra
«probabilidade» para refletir o fato de que o domínio em questão respeita à
representação de um sistema de que todos os estados possíveis são considerados
como igualmente prováveis, hipótese fundamental da termodinâmica clássica.
A teoria do quantum elementar de ação elaborada por Planck em 1900
postula que «os domínios elementares de probabilidade, todos iguais entre si, não
são infinitamente pequenos, mas sim finitos, e tem-se para cada um deles
ʃʃ∑dqi dpi = h, em que h é uma constante».
E preciso ainda, para que esta hipótese possa funcionar, que o conjunto dos
pontos que compõem cada domínio elementar forme um bloco e que esse bloco
seja indivisível do ponto de vista da probabilidade. E o que Poincaré, fino
conhecedor dessas coisas, exprimiu ao dizer: «Desde que saibamos que estamos
num desses domínios, tudo é determinado por isso; sem o que, se os
acontecimentos que devem seguir-se não fossem por esse fato inteiramente
conhecidos, se tivessem que diferir conforme nos encontramos nesta ou naquela
parte desse domínio [...], esse domínio não seria indivisível [...] do ponto de vista
da probabilidade» e não poderia portanto desempenhar o papel que procuramos
atribuir-lhe. Esta condição faz do domínio de probabilidade, e portanto do
quantum de ação, uma entidade cuja indivisibilidade é por essência fundamental.
E o que sugerimos no nosso texto (cf. p. 104).
O que é notável em tudo isto - e um pouco embaraçosos à primeira vista - é
que o quantum de ação assim definido o é na extensão em fase. E no entanto,
tornou-se para nós uma realidade física no espaço real (não para toda a gente, no
entanto, o leitor tê-lo-á notado, se pensarmos nos físicos que o relegaram para o
papel de simples «constante universal» (cf. p. 92).
Poincaré foi um dos primeiros a ousar afirmar: «O quantum de ação [...] é
um verdadeiro átomo», e a extrair desta afirmação a conclusão necessária: se
vários pontos representativos constituem um domínio elementar indivisível na
extensão em fase, então os estados do sistema que esses pontos representam
constituem necessariamente, também eles, «um único e mesmo estado» no mundo
real, constatação que implica esta consequência: Um sistema físico não é
susceptível senão de um número finito de estados distintos; e salta de um
desses estados para outro sem passar por uma série contínua de estados
intermédios.
Se essas profundas reflexões de Poincaré caíram um pouco no esquecimento,
é em parte pelo seguinte: elas não consideravam a invariância do tipo exigido
pela teoria da relatividade que Poincaré, em 1899, ainda não tinha elucidado. O
quantum de ação não sobreviveu a este desajuste.
Os Antigos não foram os únicos a procurar, numa mistura de observação e
raciocínio abstracto, a chave das portas da Natureza.


Glossário


Âmbar amarelo: do árabe al-aribar, resina fóssil proveniente de coníferas
que cresciam na ataul região do mar Báltico na época do segundo período da era
terciária (oligocénico); chamado também súccino.
Antimatéria: a cada partícula de matéria corresponde uma partícula de
antimatéria que tem as mesmas características (mesma massa e o mesmo spin)
mas de carga oposta. Na interpretação proposta pelo físico Richard Feynman e
retomada na presente obra, uma antipartícula é uma partícula vulgar que faz meia-
volta no tempo (a recuar no tempo).
Cátodo: do grego kata, «em baixo», e hodos, «caminho». Eléctrodo que num
tubo de vácuo é a fonte de onde emanam os elementos (em oposição a ânodo,
eléctrodo carregado positivamente para o qual os elétrons se dirigem).
Corda: segundo uma concepção teórica ainda não provada, as partículas
elementares assemelhavam-se mais a minúsculas «cordas» unidimensionais do
que a «pontos» como geralmente se supunha. Segundo alguns, esta teoria e a sua
extensão, a teoria das supercordas, pressagiam a física do século XXI.
Cosmogonia: do grego kosmos, «universo», e gonos, «geração», a
cosmogonia é a ciência da formação dos corpos que compõem o universo.
Doxografia: no sentido estrito, catálogo no qual são consignadas algumas
opiniões dos antigos. Num sentido mais lato, trata-se de um escrito ou tratado em
que um filósofo expõe o pensamento dos seus antecessores, quer para tirar partido
disso, quer para o refutar... Aristóteles utiliza sistematicamente a doxografia nos
seus escritos.
Efeito de Compton: colisão de uma partícula de luz com um elétron no
decurso da qual a partícula de luz cede ao elétron uma parte da quantidade de
movimento que transporta.
Elétron: partículas elementares leves, constituintes essenciais do átomo, os
elétrons formam com os seus associados, os neutrinos, uma família de seis
membros, ditos leptões, que fazem parelha com a família dos quarks (ver esta
palavra), composta também ela por seis membros.
Elétron-volt: energia que um elétron ganha quando é acelerado por uma
diferença de potencial de 1 volt (notação é 1 eV). A energia interna de um elétron
em repouso é de cerca de 511 000 eV.
Espectro: em latim spectrum, palavra inventada por Newton para designar a
imagem colorida produzida sobre um ecrã pela luz depois da sua passagem
através de um prisma.
Ião: átomo que adquiriu (ou perdeu) um ou vários elétrons (a mais ou a menos
do número de elétrons que normalmente o compõem). Assim o ião do átomo de
cloro, designado por Cl', possui um elétron a mais e o ião do átomo de sódio,
designado por Na+, um elétron a menos do que o átomo neutro correspondente.
Magnetão: alguns físicos pensavam poder explicar a estrutura do átomo
fazendo apela a um hipotético «íman elementar», ou magnetão, que se supunha ser
um constituinte universal da matéria (à semelhança do elétron). Ao supor n
magnetões de comprimento a colocados ponta a ponta no átomo, um elétron
colocado à distância 2a dos magnetões gravita no campo magnético devido aos
pólos extremos com uma frequência proporcional a 1/2 2 - (2 + n)2, de acordo
com a fórmula de Balmer. Hoje esquecida, esta teoria conheceu o seu momento de
glória.
Neutrino: verdadeiro «elétron que perdeu a sua carga», o neutrino é o agente
da transmutação, interação no decurso da qual um quark d é transformado num
quark u, tornando-se o próprio neutrino num elétron. O sol bombardeia
continuamente a terra com um fluxo de neutrinos cuja imensa maioria a
atravessam como se ela não existisse, tão fraca é a sua propensão para interagir.
Positrão: antielétron, quer dizer elétron constituído de antimatéria (ver esta
palavra).
Quark: confinados no interior dos núcleos atômicos, os quarks, constituintes
essenciais da matéria pesada, formam uma família de seis membros, que
emparelha com a dos leptões (ver elétron).
Risca: em espectroscopia, imagem da fenda do espectrógrafo produzida por
um raio luminoso sobre a placa fotográfica utilizada para registar o espectro.
Spin: descritos como «pontos» em mecânica quântica, as partículas
elementares são no entanto dotadas de uma rotação interna, batizada spin. O spin
pode igualmente interpretar-se como medindo o número de «pequenas voltas»
necessárias para completar um passo quando do movimento de uma partícula.
Valência: refere-se ao número de átomos a que um dado átomo está ligado
numa molécula. O átomo de carbono é tetravalente (de valência 4) na molécula
CH4, O átomo de azoto é trivalente em NH3, o átomo de oxigênio é bivalente em
H2O. O átomo de hidrogênio é monovalente em todos os casos.


Bibliografia


Textos clássicos
ARISTÓTELES, La Métaphysique, Pocket, col. «Agora», 1992.
LAVOISIER, A. L. de, Traité élémentaire de chimie (1789), Gabay, 1992.
PERRIN, J., Les Atomes (1913), Flammarion, col. «Champs», 1991.
Les Atomes, une anthologie historique, Pocket, col. «Agora», 1991.
Démocrite et 1'atomisme ancien: fragments et témoignages, Pocket, col.
«Agora», 1993.
E também, em francês
BOHR, N., La Théorie atomique et la description des phénomènes (1932),
Gabay, col. «Les Grands Clas- siques Gauthier-Villars», 1993.
FEYNMAN, R., Lumière et Matière: une étrange histoire, Le Seuil, col.
«Points/Sciences», 1992.
KLEIN, É., SOUS Vatome les particules, Flammarion, col. «Dominos», 1993.
LEDERMAN, L., Une sacrée particule, Odile Jacob, col. «Sciences», 1996.
LOCHAK, G., Louis de Broglie, un prince de la science, Flammarion, col.
«Champs», 1992.
PULLMAN, B., L'Atome áans Vhistoire de la pensée humaine, Fayard, col. «Le
Temps des Sciences», 1995.
Em inglês
BAEYER, H. C. von, Taming the Atom, Random House, 1992.
PAIS, A., Niels Bohr's Times, Clarendon Press, 1991.


Referências das citações


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hérésies, 111-2, 9. p. 21: PLATÃO, Timeu, 31b-33a, 52c-53c. p. 22: SÃO TOMÁS,
citado J. de Tonquédec, Questions de cosmologie et de physique chez Aristote et
Saint Thomas, Vrin, 1950, p. 10.
p. 24: GASSENDI, P., Syntagma philosophicum, citado em B. Pullman,
L'Atome, Fayard, col. «Le Temps des Sciences», 1995, p. 155. p. 25: NEWTON, I.,
Opticks, 1704, Query XXXI. p. 25: LAVOISIER, A. L., Traité élémentaire de
chimie (1789), reimpressão Jacques Gabay, 1992, p. xvij. p. 27: DALTON, J., A
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tradução Pierre Speziali, Hermann, col. «Savoir», 1979, p. 265.
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p. 103: LAVOISIER, A. L. de, Traité élémentaire de chimie (1789), Gabay,
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p. 104: PLANCK, M., citado em H. Poincaré, Dernières Pensées, p. 184.
p. 105: POINCARÉ, H., ibid., p. 185.
p. 108: HOOKE, R., Micrographia, J. Martyn, Londres, 1665.
p. 109: FEYNMAN, R., La Nature de la physique, p. 155.
p. 114-115: STEINBERG, A. M., La Recherche, 281, 1995, p. 46.
y*


Índice remissivo


(As páginas em itálico remetem para ilustrações)
Ação, 33, 41, 42,49, 50, 51, 58, 59, 61, 64, 65, 67, 69, 71, 74, 75, 86, 90, 91,
92, 93, 94, 98, 99,100,101, 102,103,104,105,107, 110,112,114,119,120 âmbar
amarelo, 37, 38, 40 Anaxágoras, 16 Anaximandro, 19 Anaxímenes, 19 Angstrõm
(Anders), 56 antimatéria, 44,123, 125 Aristóteles, 17, 20, 22, 23, 24, 87, 97,124
Arrhenius (Svante), 35, 36 Avogadro (Amedeo di Quaregna e Ceretto, conde), 28,
29, 30, 31
Bacon (Roger), 97, 98, 100, 101
Balmer, 55, 56, 57, 58, 60, 62, 63, 64, 72, 76, 80,125 Berzelius (Jõns Jacob,
barão), 28
Bohr (Niels), 59, 61, 62, 63, 64, 66, 68, 70, 76 Born (Max), 72 Boskovic, 89,
96 Boyle (Robert), 24 Broglie (Louis de), 71, 72, 73, 88, 95
Bunsen (Robert), 55
carbono (átomo de), 22, 33, 34, 35,126
constante de Planck, 92 cordas (teoria das), 73, 89, 112,113
corpo negro (lei da radiação do), 48, 49 Crookes (William), 41
Dalton (John), 10, 26,27, 28, 29, 30, 50
Dehmelt (Hans), 44 Demócrito, 14, 15,16,17,
18, 20, 24, 46, 53, 95, 96,
97,100,101,103,104,105, 106
Descartes (René), 23, 45, 46, 47, 54, 98, 99,100,101,
106,107
Dirac (Paul), 74, 75, 95 Du Fay (Charles François de Cisternay ), 38, 39
Dumas (Jean-Baptiste), 29
efeito de Compton, 124 efeito de túnel, 110,114 Einstein (Albert), 90, 91, 92,
93
eletricidade, 10, 35, 36, 38, 39, 40, 41,42,43, 52 elétron, 41,44, 58, 59, 60,
61, 62, 63, 64, 65, 66,68,
69, 70, 71, 77, 80, 88, 89,
90, 94,99,106,111,124, 125
Empédocles, 20, 22, 24, 25, 96
energia, 48, 50, 63, 64, 75, 89, 90, 91,92,100,105,
106,111,113,115,124 espectro, 54,55, 56,57, 58, 60, 63, 64, 66, 69, 76, 77,
78, 79, 85,106,125 espectroscopia, 54, 76, 78, 125
estrutura molecular, 32
Feynmann (Richard), 45 fotão, 85, 93, 96,114
Franklin (Benjamin), 39, 40 Galileu, 23
Gassendi (Pierre Gassend, dito), 10, 23, 24 Gay-Lussac (Louis), 28, 29, 59
Gell-Mann (Murray), 92 Gerhardt (Charles), 31 Gilbert (William), 37, 92
Gray (Stephen), 38
Haas (Arthur), 58, 59, 64,
65, 66
Hansen (Hans Marius), 62 Heisenberg (Werner), 72, 73 Hooke (Robert), 108
Ideia (de Anaxágoras), 16 (de Demócrito), 16, 20, 46, 97,100,101,104,105
(de Platão), 18, 20, 34
Jehle (Herbert), 75
Kirchhof (Gustav), 48, 56 Kossel (Walther), 68 Kramers (Hendrik), 70, 76
Kronig (Ralph de Laer), 70, 71
Landé (Alfred), 69 Lavoisier (Antoine de), 8,
25, 28, 31,103,104 Le Bel (Achille), 21, 34, 35 Lederman (Leon), 89 LEP
(Large Electron Positron), 90 Leucipo, 14 Lewis (Gilbert), 92
luz, 13, 25, 26, 38, 54, 56, 71, 84, 85, 88, 91, 92, 93, 94,
98, 99,100,108,113,114, 115,124
Lyman (Theodor), 57
magnetão, 125 Maupertuis (Pierre Louis Moreau de), 46, 49, 94 mecânica (do
passo), 101, 102,109
(ondulatória), 72, 73 (quântica), 73, 75, 79,104, 106,109, 112,113,114, 115
Millikan (Robert), 42, 43 momento angular, 59, 62,
63
Moseley (Henry), 64, 67 movimento, 14,15,17,18, 22, 43, 45, 46, 47, 65, 70,
73, 75, 91, 92, 94, 97, 98,
99,100,101,103,105,106, 107,108,113,119,124,126
neutrino, 88,107,124,125 Newton (Isaac), 25, 48,54, 124
Nicholson (John), 59, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67 números quânticos, 65, 66,
67, 69, 74, 78, 95
Parménides, 14 Paschen (Friedrich), 57 Pauli (Wolfgang), 69, 70, 77, 78
Pauling (Linus), 34, 35 Perrin (Jean), 31, 32, 33, 41, 42, 43,52
Pitágoras, 19, 20 Planck (Max), 47, 48, 49, 50, 52,58, 90, 91,92,101,104,
105,120
Platão, 9,16,18, 20, 21, 22, 34, 53, 96,112,119 Plücker (Julius), 40, 41, 56
Poincaré (Henri), 59, 60, 61, 62, 63,64,105,119,120, 121,122
positrão, 44,125 princípio de exclusão, 78 princípio de incerteza, 106 Proust
(Joseph), 26 Pullmann (Bernard), 63 quantum de ação, 49, 58, 90, 91, 92, 93,
99,100,101, 103,104,105,106,107, 108,112,119,121,122 quantum de luz, 91, 92,
93 quarks, 107,124,125 quatro elementos, 20, 24, 87,96
radiação alfa, 51 raízes (teoria das quatro), 20,25
Richter (Jeremias), 26 Ritz (Walter), 57, 58, 60, 76, 78, 80
Rubens (Heinrich), 48 Rutherford (Ernest, lord), 50, 51,52
saltos quânticos, 59, 63 São Tomás de Aquino, 22 Schrödinger (Erwin), 72,
73, 75, 95
Sócrates, 9,16,18
Sommerfeld (Arnold), 65, 66, 68, 69, 70, 76, 92, 95 spin, 69, 71, 74,
79,100,106, 107,123,126
Stark (Johannes), 69, 91, 92 Stewart (Balfour), 48 Stoney (George Johnstone),
41
substância dos corpos (teoria da), 19
Tales, 19, 37 Thomas (Llewellyn), 88
Thomson (sir joseph), 41 transmutação, 21, 88,125
vácuo, 9,14,15,18, 20, 44, 95, 96,99,100,101,105, 106,107,112,123 valência,
31, 32, 33, 77,126 Van't Hoff (Jacobus), 21
xon, 101
Zeeman (Pieter), 69 Zurech (Wojciech), 109


Índice








Prefácio


Uma exposição para compreender

ABC DO ÁTOMO

Átomos idea
O átomo dos químicos
O poder misterioso do âmbar amarelo
Quatro grandes ideias da física
O átomo dos físicos

Um ensaio para refletir

REPENSAR O ÁTOMO

A matéria
O vácuo
O quantum de ação

Anexos

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