Você está na página 1de 9

A LITERATURA INFANTIL AFRO–BRASILEIRA E A FORMAÇÃO LEITORA

NO ENSINO FUNDAMENTAL

RUTH CECCON BARREIROS (UNIOESTE - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO


PARANÁ).

Resumo
Este trabalho apresenta reflexões acerca da educação anti–racista no Ensino
Fundamental. Para tanto, utiliza–se como instrumento pedagógico a Literatura
Infantil que apresenta o tema direta ou indiretamente. O interesse pela temática
originou–se de uma experiência docente com a Literatura Infantil Afro–Brasileira de
professores do Ensino Fundamental, em curso de extensão. Chamou–nos a atenção
o desconhecimento da Literatura Infantil, voltada para o tema, e, ainda, a
dificuldade apresentada, por muitos professores, para elaboração de propostas de
formação leitora com textos literários de modo geral e, mais acentuadamente, para
aqueles que abordam a cultura negra. Este fato pareceu–nos importante,
considerando–se que, de acordo com a Lei 10.369/03 existe a obrigatoriedade do
ensino de História e Cultura Afro–Brasileira e Africana na Educação Básica. Assim,
procuramos conhecer as práticas docentes sobre a Literatura Infantil Afro–
brasileira, na qual se pode promover uma formação leitora crítica dos educandos,
em relação às questões étnico–raciais. Acreditamos que esta literatura, quando se
faz presente no espaço escolar, de forma bem planejada, poderá suplantar pré–
conceitos racistas já na infância, além de possibilitar uma maior identificação das
crianças afro–descendentes por meio dos seus personagens. Neste estudo,
buscamos saber se os professores do Ensino Fundamental utilizavam esta
Literatura Infantil em sala de aula e se as bibliotecas das escolas de Ensino
Fundamental, na cidade de Cascavel,PR, possuíam acervo suficiente para um
trabalho efetivo de leitura sobre este tema. Os resultados mostraram bibliotecas
carentes destas obras e professores que, via de regra, desconhecem esta literatura,
logo não lançam mão deste recurso para uma formação leitora anti–racista e com
isso deixam de contribuir para a construção de uma formação cidadã que prima por
uma sociedade não racista.

Palavras-chave:
Literatura Infantil, Formação de leitores, Dimensão étnico–racial.

INTRODUÇÃO

A escola é um espaço cultural heterogêneo, portanto, lócus que reúne diversidade


linguística, religiosa, racial, dentre outras. Dessa forma, pode-se considerá-la como
um lugar especial para a promoção de reflexões acerca das inúmeras questões
presentes na sociedade.

Partindo-se desse princípio, procura-se refletir, neste artigo, acerca da educação


antirracista no Ensino Fundamental, tendo como recurso de análise as informações
trazidas pelos professores que participaram do curso de extensão Confluências
históricas e culturais entre o Brasil e a África: a formação da identidade brasileira,
e, em um segundo momento, as informações coletadas em algumas visitas às
bibliotecas de escolas municipais na cidade de Cascavel (PR), no intuito de saber
se, nelas, essa literatura se faz presente.
Nesse sentido, refletir sobre a escola e a diversidade étnico-racial significa
reconhecer as diferenças, respeitá-las e colocá-las na pauta das nossas
reivindicações, no cerne do processo educativo. No campo educacional, diversas
são as políticas que estão sendo implementadas no sentido de contribuir para a
construção da igualdade almejada pelos afrodescendentes, dentre as quais
destacariamos: a inclusão de conteúdos afro-brasileiros nos currículos escolares; a
tendência de democratização racial dos recursos e livros didáticos; a formação de
educadores e especialistas dos sistemas de ensino para acompanhar, compreender
e avaliar a necessidade de uma pedagogia multirracial. Para tanto, as
determinações legais buscam cumprir e propor ações de combate à discriminação
étnico-cultural.

Conforme Santos (2005, p. 32), no início do ano de 2003, o então presidente da


República Luiz Inácio Lula da Silva, reconhecendo a importância das lutas
antirracistas dos movimentos sociais negros, reconhecendo as injustiças e
discriminações raciais contra os negros no Brasil e dando prosseguimento à
construção de um ensino democrático que incorporasse a história e a dignidade de
todos os povos que participaram da construção do Brasil, alterou a Lei nº 9.394/96
- que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional -, sancionando a Lei nº
10.369/03. A Lei nº 9.394/96 passou a vigorar acrescida de artigos que incluem as
seguintes diretrizes:

• Art.26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e


A imagem v inculada não
pode ser exibida. Talv ez
o arquiv o tenha sido
mov ido, renomeado ou
excluído. Verifique se o
v ínculo aponta para o
arquiv o e o local
corretos.

particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira.

• §1º. O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o


A imagem v inculada não
pode ser exibida. Talv ez
o arquiv o tenha sido
mov ido, renomeado ou
excluído. Verifique se o
v ínculo aponta para o
arquiv o e o local
corretos.

estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura
negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a
contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à
História do Brasil.

• §2º. Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão


A imagem v inculada não
pode ser exibida. Talv ez
o arquiv o tenha sido
mov ido, renomeado ou
excluído. Verifique se o
v ínculo aponta para o
arquiv o e o local
corretos.

ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de


Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

• Art.79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como "Dia


A imagem v inculada não
pode ser exibida. Talv ez
o arquiv o tenha sido
mov ido, renomeado ou
excluído. Verifique se o
v ínculo aponta para o
arquiv o e o local
corretos.

Nacional da Consciência Negra".

A referida Lei propõe reflexões relevantes para a implementação de ações


educacionais que busquem a superação do racismo e a valorização da população
afrodescendente. Acredita-se que, uma vez alcançados os objetivos previstos nesta
legislação, seus efeitos poderão repercutir em toda a sociedade, podendo
transformá-la em uma sociedade mais igualitária.

A LITERATURA INFANTIL NA FORMAÇÃO LEITORA

Para um trabalho com leitura da Literatura Infantil que verse sobre a negritude, no
Ensino Fundamental, partimos do pressuposto de que uma formação leitora
proficiente pode ampliar conhecimentos na direção da superação dos preconceitos,
tendo em vista que a escola é a principal responsável por esta formação e, por isso,
não pode estar alheia às questões sociais que envolvem o cotidiano dos alunos,
dentre elas a da discriminação racial.

Os estereótipos e preconceitos contra o negro, de forma sutil ou velada, implícita


ou explicitamente, refletem-se na sociedade, na história e na literatura. Nessa
perspectiva, tomando como dimensão de análise a Literatura Brasileira, em
particular a Literatura Infantil que transita nos espaços sociais e escolares,
constituindo material que passa de mão em mão pelas crianças desde as séries
iniciais, constata-se, numa leitura mais atenta de alguns desses textos, a existência
de um preconceito sutil ou explícito contra o negro, que poderá influenciar, de
algum modo, os seus leitores.

A condição do negro na produção literária infantil, na maior parte das vezes, é


inferior à do branco. Colocam-no de maneira inferiorizada, depreciativa, pejorativa
ou em situações humilhantes e vexatórias. Nesse sentido, o preconceito racial
dentro da estrutura tradicional manifesta-se na luta do bem contra o mal: a
personagem negra sempre representa o mal, e os elementos que justificam esse
tratamento enaltecem, em contrapartida, as qualidades do branco vencedor.

Por outro lado, é importante ressaltar que algumas produções destinadas ao público
infantil procuram denunciar as injustiças sociais e resgatar os valores humanos, ao
contrário daquelas que, conscientemente ou não, reforçam os preconceitos étnico-
raciais, bem como os estereótipos. Nesse sentido, possibilitar o acesso do alunado
às obras de literatura que possam colaborar para a formação leitora crítica e
antirracista torna-se imprescindível.

As recentes concepções de leitura apontam para o entendimento de que esta deve


deixar de ser um instrumento de poder de letrados sobre analfabetos, devendo ser
concebida como uma ferramenta que possa ser utilizada por todos, letrados e
iletrados, como instrumento libertador e emancipador do homem. Ao nos
referirmos a este homem, consideramo-lo enquanto ser histórico e social, ou seja,
determinado pelos fatos históricos reais e resultado das relações humanas que se
estabelecem no limite da materialidade.

Dessa forma, pensar sobre a Literatura Infantil, considerando-se a formação de


leitores, pressupõe muitas questões - inclusive a questão racial - presentes na
maioria dos contextos educacionais brasileiros. Não há duvida de que o texto
resulte de uma série de elementos em que a sociedade, a cultura e a ideologia se
manifestam. Assim sendo, a formação em leitura pode ajudar nessa tarefa,
possibilitando que muitos saiam das névoas da ignorância, geradora de muitos
preconceitos. Dessa forma, parte-se do pressuposto de que as questões de
formação de leitores não estão desvinculadas do processo econômico, político,
social e cultural.

Para que o educador possa, em meio a tantos recursos tecnológicos, despertar no


alunado do Ensino Fundamental práticas de leitura, faz-se necessário encontrar
alternativas que mostrem aos leitores em formação o quanto a leitura pode
promover outras leituras, tanto de mundo quanto das próprias experiências. Isso,
em geral, acontece num processo de desconstrução de concepções anteriormente
incorporadas em suas vivências e de reconstrução de novos paradigmas sobre o
ensino de leitura e formação de leitores.

Quando se trata da leitura da literatura, recurso indispensável na formação leitora


no Ensino Fundamental, Aguiar (1993, p. 15) comenta: "Em virtude da autonomia
própria as obras literárias, mesmo que se reconheça sua gênese na vida social, a
formação do leitor de literatura não pode ser idêntica à do leitor genérico ou
pragmático". Considera-se que a leitura implica a participação ativa do leitor na
constituição dos sentidos linguísticos, não pela simples decodificação dos signos,
mas, sim, pela seleção de significados que, associados ao conhecimento de mundo
do leitor, possibilita diferentes leituras para diferentes leitores. Dessa forma,

A fruição plena do texto literário se dá na concretização estética das


significações. À medida que o sujeito lê uma obra literária, vai
construindo imagens que se interligam e se completam - e também
se modificam - apoiado nas pistas verbais fornecidas pelo escritor e
nos conteúdos de sua consciência, não só intelectuais, mas também
emocionais e volitivo, que sua experiência vital determinou.
(AGUIAR, 1993, p. 17).

Por esse raciocínio, é possível perceber que, para o desenvolvimento do ensino-


aprendizagem de leitura e de leitura da literatura, exige-se um professor leitor
proficiente em suas especificidades.

Nesse sentido, apesar de a leitura apresentar-se como centro de inúmeras


discussões nos últimos anos, nas áreas da educação e da cultura, entre outras, os
avanços na formação do leitor têm se mostrado pouco concretos. As discussões
sobre a formação do leitor apontam para a necessidade de um estudo que resgate
o seu (do leitor) papel institucional, nos diversos contextos e nas diversas situações
de leitura. Pesquisadores e educadores, no desejo de viver numa sociedade leitora
e crítica, entendem que é necessário um esforço conjunto de todos os órgãos
envolvidos no processo educacional, esforço esse que remete a considerar as
questões conceituais, científicas, históricas, econômicas, ideológicas, políticas,
culturais e educacionais.

Nessa perspectiva, as obras de Literatura Infantil, de modo geral, contribuem para


a formação leitora proficiente, e aquelas cujos temas estejam voltados para as
questões étnico-raciais podem fomentar reflexões e discussões em sala de aula
sobre a discriminação racial, como prevê a Lei nº 10.369/03.

A leitura carrega consigo elementos do real, não só no aspecto social como no


sentimental e emocional. A identificação com narrativas próximas da sua realidade
e com personagens que vivem problemas e situações semelhantes as suas leva o
leitor a reelaborar e se conscientizar sobre o seu papel social e contribui para a
afirmação de uma identidade étnica.

Pode-se afirmar que a literatura, pelo seu caráter simbólico, pode contribuir para
reflexões que rompam com uma visão construída sob o fundamento da
desigualdade étnico-racial e que se construa uma visão sob uma base de
valorização da diversidade. A Literatura Infantil atual, diferente da Literatura
Infantil em seu nascedouro, de cunho estritamente pedagógico, consegue despertar
nas crianças os valores estéticos e humanos, a par da recreação, e ainda oferecer
entrosamento entre recreação e aprendizagem.

É de amplo conhecimento o valor educativo e terapêutico da Arte na vida da


criança, seja pela literatura, pelo teatro, pela música, pelo desenho ou por qualquer
expressão artística com função recreativa. Contudo, é preciso que o
encaminhamento pedagógico destas leituras na escola seja realizado de forma
adequada. A Literatura Infantil é, em suas variadas formas de expressão, uma
importante ferramenta para o trabalho educacional com as crianças, considerando-
se que ela representa uma ação catalisadora no descobrimento das causas dos
conflitos pessoais das crianças. Essa literatura pode ser considerada a forma de
recreação mais importante na vida dos pequenos: por manipular a linguagem
verbal, pelo papel que desempenha no crescimento psicológico, intelectual e
espiritual da criança, e pela riqueza de motivação, de sugestões e de recursos que
oferece para a formação leitora e de mundo.

Partindo-se desse pressuposto, acredita-se que uma formação leitora proficiente


seja fundamental para a ampliação de conhecimentos e a formação cidadã, a qual
contribuirá para a superação de muitos preconceitos presentes não apenas no meio
escolar, mas em toda a sociedade. Entendemos que todo preconceito, via de regra,
tem sempre como base a falta de conhecimento sobre o assunto. Assim, uma vez
superada esta ignorância por meio da aquisição do conhecimento, tendo como
mediadora a leitura, pode-se, também, superar os preconceitos.

No que tange à superação de preconceitos, as questões étnico-raciais ainda são


pouco discutidas no cenário escolar. Contudo, conta-se, agora, com a Lei nº
10.639/03, a qual torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira no
currículo oficial de Ensino. Essa Lei enfatiza, no parágrafo segundo, a importância
de o tema ser trabalhado especialmente nas disciplinas de Educação Artística,
Literatura e História Brasileira.

A FORMAÇÃO LEITORA ÉTNICO-RACIAL NA ESCOLA

Embora a Lei nº 10.369/03 seja recente, a luta dos movimentos sociais negros
contra a discriminação racial e pelo reconhecimento da importância dos negros na
História do Brasil já possui pelo menos meio século, conforme pesquisadores (cf.
FERNANDES, 1978).

Nesse processo, dentre as reivindicações, estão o acesso à educação formal como


meio de oportunizar escolarização aos negros e afrodescendentes. Em 20 de
novembro de 1995, por ocasião da realização do Evento Marcha Zumbi dos
Palmares Contra o Racismo, Pela Cidadania e a Vida, foi apresentado ao Estado
Brasileiro um Programa de Superação do Racismo e da Desigualdade Racial, que
continha várias propostas antirracistas. No que tange à educação, podemos citar:

Desenvolvimento de programas permanentes de treinamento de professores e


educadores que os habilite a tratar adequadamente com a diversidade racial,
identificar as práticas discriminatórias presentes na escola e o impacto destas na
evasão e repetência das crianças negras. (SANTOS, 2005, p. 25).

Com isso, entende-se a necessidade de formação continuada para professores para


que estes possam, em seu fazer pedagógico, contemplar estudos e reflexões acerca
das questões da desigualdade racial e da superação das manifestações do racismo.
Não se pode deixar de considerar que a Lei nº 10.369/03 é mais um caso, dentre
tantos outros na história da educação brasileira, em que primeiro cria-se a lei e,
depois, oferece-se aos professores as condições de conhecimento e trabalho
necessárias para a sala de aula.

As informações trazidas pelos professores, no curso de extensão anteriormente


mencionado, revelaram um distanciamento desses profissionais em discussões que
versem sobre a cultura negra. Muitos deles alegaram que somente tiveram
oportunidade de conhecer o assunto de forma mais sistematizada e mais
aprofundada no curso de extensão oferecido pela Unioeste, embora saibamos que a
Secretaria de Educação do Paraná fornece, com certa frequência, cursos e material
didático que possibilitem essas reflexões.

Quando indagados se tinham de memória alguma obra literária infantil que


possibilitasse reflexões acerca das questões étnico-culturais, a única mencionada
pela maioria dos professores foi "Menina bonita do laço de fita", de Ana Maria
Machado. Isso revela que os professores não conhecem e nem dispõem de acesso
às outras obras infantis, tais como "Tanto, tanto", de Trish Cooke, "O Menino Nito",
de Sonia Rosa, "Bruna e a galinha d'angola", de Gercilda de Almeida, para citar
apenas algumas. Há de se considerar, também, que não se trata de obras recentes,
mas que estão no mercado há mais de cinco anos.

No mesmo encontro, solicitaram-se informações de como os professores


suscitavam as questões sobre a etnia negra em sala de aula. Em um primeiro
momento, ouviu-se apenas o silêncio, e depois, um ou outro comentou que não
houve, ainda, oportunidade para tratar o assunto em sala de aula. Isso leva a
inferir o que muitos estudiosos já comprovaram em suas pesquisas sobre o
assunto, isto é, os professores, em geral, praticam o silêncio quando são chamados
a abordarem questões mais polêmicas em sala de aula.

Assim, percebeu-se, nesse curso de extensão, que leituras da Literatura Infantil


que tratem da cultura negra ainda não se fazem presentes no cotidiano escolar. As
manifestações possibilitaram concluir que, apesar de receberem os materiais
didáticos sobre o tema, muitos professores ainda apresentam dificuldades, na
prática, em abordar as questões étnico-raciais. Isso mostra, entre outras
evidências, que a formação de nossos professores está sendo omissa no que se
refere à preparação de profissionais comprometidos com a defesa e a construção de
valores democráticos e éticos numa sociedade multirracial.

Nesse sentido, faltam mais cursos de formação continuada que possam capacitar o
professor para o trabalho com o tema, na prática. Uma vez ofertados cursos
voltados para o tema, acredita-se que os professores se sentirão preparados para a
formação de leitores proficientes sobre as questões raciais, isto é, quando
adquirirem conhecimentos amplos sobre a etnia negra, que vem marcada há
décadas pela discriminação explícita ou velada.

Sabe-se que muitos dos preconceitos presentes em nosso contexto social têm suas
raízes no meio familiar e são silenciados pela escola. A questão dos preconceitos
em relação à raça negra no Brasil é uma delas. Cavalleiro (2005) comenta, com
dados de pesquisa, sobre as consequências do racismo na sociedade brasileira e em
ambiente educacional,

Foi possível comprovar que a existência do racismo, do preconceito e da


discriminação racial na sociedade brasileira e, em especial, no cotidiano escolar
acarretam aos indivíduos negros: auto-rejeição, desenvolvimento de baixa auto-
estima com ausência de reconhecimento de capacidade pessoal; rejeição ao seu
outro igual racialmente; timidez, pouca ou nenhuma participação em sala de aula;
ausência de reconhecimento positivo de seu pertencimento racial; dificuldades no
processo de aprendizagem; recusa em ir à escola e, consequentemente, evasão
escolar. (p.12).

Nessa perspectiva, e entendendo-se a valorização presente em nosso contexto


social da educação formal, faz-se necessário buscar alternativas de formação de
professores e metodológias que visem superar a discriminação. Nesse sentido,
acredita-se que uma formação leitora adequada, desde os primeiros anos escolares,
por meio da Literatura Infantil seja importante, tendo em vista que ela poderá
figurar como mote e mediadora a professores e alunos, levando-os a adquirir
conhecimentos mais profundos, suscitando reflexões acerca da história e da cultura
afro-brasileira.

É preciso lembrar, que em contexto educacional, não há informação neutra,


despida de comprometimento ideológico, e, por isso, a formação deficitária do
professor em relação ao tema pode torná-lo mero reprodutor de informações,
transformando-o em um instrumento eficiente do sistema, facilitando o
sufocamento de discussões sobre a questão étnico-cultural negra.

A LITERATURA INFANTIL DE TEMÁTICA NEGRA NAS BIBLIOTECAS


ESCOLARES

As bibliotecas visitadas nas escolas da cidade de Cascavel (PR) não possuem um


acervo significativo de obras da Literatura Infantil que abordem informações sobre
a cultura negra. Esse fato leva a perceber que, além das dificuldades apresentadas
pelos professores para o trabalho com o tema em sala de aula, as bibliotecas
também não oferecem livros de Literatura Infantil voltadas para o tema em
quantidade suficiente para a realização de um trabalho efetivo de formação leitora
nessa direção.

Partindo-se do princípio de que o meio educacional deve fazer o seu papel na


formação de leitores e na desconstrução dos preconceitos, acredita-se que, para
essa tarefa de formação leitora eficaz e superação dos preconceitos, a Literatura
Infantil seja um importante recurso. Para isso, faz-se necessário que o professor
possa contar com um acervo de livros voltados para o tema nas bibliotecas
escolares. Isso atenderia ao proposto pela Lei nº 10.639/03:

Tomar a promoção da igualdade étnico-racial como política pública, aos poucos


ainda tímida e insuficientemente, tem tido importantes repercussões pedagógicas e
vem influenciando vários segmentos, entre eles o mercado editorial. Nesse
contexto social, a produção de literatura infanto-juvenil busca firmar-se com novas
posturas e temáticas em relação às questões raciais.

O que há de novo e de bom no mercado editorial? Como saber? Como escolher


livros? Com promover a leitura de livros de literatura com temática afro-brasileira
em sala de aula, que aqui estamos chamando de afro-literatura? Este é um
conjunto de questionamentos que devem estar presentes nos cursos de formação
de professores, em todas as modalidades, instigando o redesenho de princípios e
práticas para lidar com assuntos antes silenciados ou tratados de maneira danosa
ou perversa. (SOUZA, et all, 2005, p. 1).

A educação, num sentido amplo, caracteriza-se como uma forma de agir dos
homens que pode alterar comportamentos, atitudes, hábitos e, consequentemente,
orientar o homem para um processo de transformação, seja dele próprio ou da
sociedade onde está inserido. É um movimento que inclui, essencialmente, o
abandono de determinadas ações, atividades, posicionamentos, opiniões e práticas.
Como parte desse contexto educacional, privilegia-se a educação escolar e, nela, a
formação em leitura. Entende-se que o processo de ensino-aprendizagem de leitura
(e também de escrita) não pode ser dissociado das questões econômicas, políticas,
sociais e culturais que permeiam o cotidiano das pessoas, como uma forma de cada
indivíduo organizar o seu próprio mundo e, muitas vezes, também o daqueles que o
rodeiam.
Nesse contexto, ser um leitor crítico na sociedade atual é condição indispensável
para que se possa sair de uma situação de passividade e conformidade, para uma
outra de questionamentos e ações que possam transformar a atual conjuntura
sócio-político-cultural, rumo a uma maior conscientização e, consequentemente,
melhor formação. Na formação leitora em torno desses livros, deve-se reconhecer e
apontar abordagens, textos e imagens que possam de algum modo prejudicar a
construção positiva da identidade da população negra e também identificar
materiais e livros adequados, promover boas práticas de leitura, capazes de
questionar e desconstruir mecanismos e práticas racistas e discriminatórias. Trata-
se de criar e promover espaços voltados à equidade social e étnico-racial (SOUZA
et all., 2005, p. 1).

Assim, e de acordo com Silva (1998, p. 26), "pela leitura crítica o sujeito abala o
mundo das certezas (principalmente as da classe dominante), elabora e dinamiza
conflitos, organiza sínteses, enfim combate assiduamente qualquer tipo de
conformismo, qualquer tipo de escravização às ideias referidas pelos textos".

CONCLUSÃO

Ao analisar o tema desta exposição, cabe ressaltar que a questão da representação


do negro na Literatura Infantil tem ganhado, nos últimos anos, mais espaço nas
produções literárias; porém, ainda ocupa um espaço muito pequeno, pois se
percebe que o número de outros títulos é muito maior do que os que fazem
referência ao negro, tanto na narrativa como na ilustração. O levantamento
realizado nas bibliotecas das escolas de Cascavel mostrou isso. Faz-se necessário
oferecer uma melhor formação aos professores para que estes possam cumprir as
exigências das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, como prevê a
Lei nº 10.639/03. E, para isso, a Literatura Infantil pode se configurar em um
valioso recurso pedagógico.

Acredita-se que o distanciamento dos professores em relação a essa literatura se


dê, também, em função do contexto social local da cidade de Cascavel, isto é, uma
cidade situada em um contexto social de minoria negra, mas não ausente das salas
de aula, considerando-se que a colonização da cidade foi realizada principalmente
por italianos e alemães. Contudo, esse fato não pode configurar-se em desculpa
para a não-abordagem do tema, pois corre-se o risco de a escola, principal lócus de
educação cidadã, tornar-se omissa no que se refere a uma educação voltada para a
diversidade étnico-cultural.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, V. T. de; BORDINI, M. da Glória. Literatura: a formação do leitor:


alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.

CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Introdução. In: Educação anti-racista: caminhos


abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

FERNANDES, Florestan. A integração do Negro na sociedade de classes. 3. ed. São


Paulo: Ática, 1978.

SANTOS, Augusto Sales. A Lei nº 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do


movimento negro. In: Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº
10.639/03. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade, 2005.

SILVA, Ezequiel T. Criticidade e leitura: ensaios. Campinas -SP: Mercado das


Letras, 1998

SOUZA, A .L. S.; SOUSA, A. L.; PIRES, R. A. Afro-literatura brasileira: O que é?


Para quê? Como trabalhar? Disponível em: . Acesso em: 19 out. 2005.

Você também pode gostar